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Um
Estava um calor abrasador no sul do Texas, excessivo para os princípios
de Setembro. Christabel Gaines tinha vestido um top branco decotado, umas
calças de ganga gastas e trazia a mala dos livros pendurada com
naturalidade num ombro. O top ajustava-se aos seus seios pequenos e
firmes e as calças de ganga realçavam cada curva suave do seu corpo
jovem. O seu longo cabelo louro mexia-se com a brisa, enredava-se na sua
bonita boca de meia-lua e caía para a frente, espesso, sobre as suas
maçãs do rosto salientes. Afastou as madeixas e os seus olhos castanhos
grandes e ardentes brilharam de regozijo ao ouvir o comentário de uma das
suas colegas de turma sobre outro aluno. Era uma manhã longa e aborrecida
de segunda-feira. Debbie, uma colega da aula de informática, dirigiu o
olhar para um ponto situado atrás de Christabel, no estacionamento, e
assobiou.
- Eh lá! Já sei o que quero para o Natal - disse sonoramente. Teresa,
outra colega, também olhava na mesma direcção com interesse.
- Sim, senhor! - exclamou e, com um sorriso maroto, ergueu as
sobrancelhas repetidamente. - Alguém sabe quem é?
Picada pela curiosidade, Christabel voltou-se e viu um homem alto, moreno
e bem parecido a cruzar o relvado
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com passo ligeiro até elas. Usava um chapéu texano de cor creme tombado
para a frente, uma camisa branca de mangas compridas abotoada no pescoço
com um adorno turquesa e umas calças cinzentas que se ajustavam às suas
pernas longas e poderosas. As botas, também cinzentas, eram feitas por
medida. No bolso da camisa, uma estrela prateada cintilava à luz do sol.
Em torno das suas ancas estreitas tinha um cinto com um coldre de couro
castanho. A pistola era um revólver Ruger de calibre 45. Costumava usar
uma pistola Colt 45 ACP, mas estavam a trocar a coronha por outra à
medida e a talhar nela a estrela dos Rangers. Além disso, era dia de
competição na Associação de Tiro a que Judd pertencia e os participantes
iam vestidos de cowboy, portanto, era oportuno que usasse o revólver de
seis tiros no trabalho nesse dia.
- O que é que fizeram, meninas? - brincou um dos colegas de Christabel. -
Os Rangers do Texas vieram cá por causa de alguém!
Christabel ficou em silêncio. Ficou a olhar, como o resto do grupo, para
a forma como Judd avançava para ela com a determinação e concentração que
o faziam destacar-se no seu trabalho. Era o homem mais sexy e maravilhoso
do mundo. Christabel devia-lhe tudo o que tinha, tudo o que era. Às
vezes, desejava de todo o coração ter nascido bela, para que Judd olhasse
para ela como ela queria que ele olhasse. Sorriu para si, imaginando o
que diriam as suas colegas se conhecessem a sua verdadeira relação com
aquele enérgico Ranger.
Judd Dunn tinha trinta e quatro anos. Tinha passado quase toda a sua vida
a trabalhar como agente de autoridade e tinha jeito para isso. Há cinco
anos que fazia parte da companhia dos Rangers do Texas. Quiseram promovê-
lo a tenente, mas Judd recusou porque era uma tarefa de tipo
administrativo e preferia o trabalho de campo. Mantinha em forma o seu
corpo alto e
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flexível trabalhando no rancho, cuja propriedade dividia com Christabel.
Judd tinha ficado responsável por Christabel quando ela tinha somente
dezasseis anos. Nessa altura, o rancho estava em ruínas, em queda e
prestes a falir. Judd tirou-o da miséria e conseguiu que começasse a dar
lucros. Investiu o seu próprio dinheiro para aumentar o número de cabeças
de gado que criavam. Com o seu faro apurado para os negócios e os
conhecimentos informáticos de Christabel, o rancho co meçava a ser
rentável. Assim, Christabel poderia estudar para tirar um diploma em
programação e Judd poderia permitir-se alguns luxos. O último, no ano
anterior, tinha sido aquele chapéu Stetson de cor creme que trazia
tombado para a frente. Era feito de pele de castor e custou- Lhe o
salário de um mês. Mas ficava-lhe bem, na verdade. Estava perigosamente
atraente. Naquele ano, infelizmente, não tinham podido permitir-se a
nenhum luxo, por causa da seca e da redução dos preços da carne. Voltavam
a atravessar momentos difíceis, exactamente quando começavam a erguer a
cabeça.
Qualquer outro homem teria reparado com regozijo nos olhares embevecidos
das bonitas colegas de Christabel. Judd dava-lhes a mesma atenção que
daria a uma agulha de pinheiro. Tinha um propósito em mente e nada
poderia distraí-lo até que o tivesse cumprido.
Aproximou-se de Christabel e, para total assombro dos seus colegas de
turma, parou em frente dela.
- Olha, não vou deixar-me intimidar por um homem que me conhece desde que
usava combinação e sapatos de verniz.
- Três!
- Além disso, não me importa que sejas um.
- Quatro!
Christabel rodou sobre os calcanhares sem terminar a frase e pôs-se a
andar para a porta lateral da escola. O número seguinte era o último
aviso de uma humilhação pública. Lembrava-se de muitas contagens no
passado, para prejuízo dela. Quando Judd metia uma coisa na cabeça.
- Só te estou a fazer a vontade para tu pensares que controlas a situação
- atirou-lhe. - Não penses que estou a fugir!
Judd ocultou um sorriso até que regressou ao todo-o-terreno preto que
conduzia.
Naquela mesma semana, apanharam Jack Clark, um empregado, a roubar,
quando pôs na conta do rancho umas botas muito caras. Christabel tinha
visto a factura e chamou Judd para lhe explicar o que era. Despediram-no
na hora. Christabel não disse a Judd que Clark a tinha assediado, nem que
tinha tido que o ameaçar dizendo que contaria tudo a Judd para que ele
parasse.
Alguns dias depois do despedimento, o seu novo novilho Sallers apareceu
morto num pasto. Pareceu a Christabel que tinha sido morto. O touro era
saudável e negava-se a acreditar no que Judd dizia, que tinha ingerido
ervas indigestas quando outros quatro touros do mesmo pasto continuavam
vivos. No fim de contas, Jack Clark tinha jurado vingar-se. Mas Judd
descartava as suspeitas e até se queixou a Maude, a governanta, de que
Christabel estava a tentar chamar a atenção, porque ele não Lhe estava a
ligar muito ultimamente, ocupado como estava a negociar com a empresa
cinematográfica. Aquilo enfureceu-a. Contou a sua teoria ao seu capataz,
Nick Bates, e pediu-lhe que vigiasse o gado. Às vezes, Judd tratava-a
como uma criança. Isso não costumava chateá-la mas, ultimamente, tornava-
se irritante.
Duas semanas depois, no sábado de madrugada, Judd chegou no seu todo-o-
terreno preto seguido de outro todo-o-terreno enorme cheio de pessoas.
Entre elas, estava o representante do Ministério da Cultura e um
realizador que Christabel reconheceu de imediato. Christabel não estava à
espera de ver gente famosa. O grupo incluía também um ajudante de
realização e outras quatro pessoas que lhe apresentaram como parte da
equipa, incluindo o director de fotografia e um técnico de som.
Christabel verificou que a estrela do filme era uma super-modelo, uma
bela jovem que, por azar, nunca tinha montado a cavalo.
- Isso vai limitar as cenas com os animais - disse o director a Judd com
uma gargalhada. - É claro que Tippy Moore não percebe nada de gado.
Talvez a tenham visto nas capas das revistas. Chamam-na a Vénus da
Geórgia. Este vai ser o seu primeiro filme, mas foi uma bomba nas
audições. Possui um talento natural.
Judd franziu os lábios e iluminaram-se os olhos.
- Via-a na capa de um suplemento de fatos-de-banho - confessou. - Todos
os norte-americanos com sangue na guelra sabem quem é.
Judd olhou-a com desaprovação e deixou-a cair ao chão com suavidade. Ela
sorriu-lhe. Judd encostou-se na cadeira e terminou de fechar a camisa.
- Estava a mostrar-Lhe uma das minhas cicatrizes - disse Judd a Maude.
Maude tinha apanhado as batatas e tentava com todas as forças não dizer
nenhuma parvoíce. Mas aquele comentário inocente provocou um ataque de
riso.
- Não, Maude - gritou Christabel pondo-se de pé.
- Foi muito inocente, É verdade, ele estava a mostrar-me a cicatriz.
Maude assentiu com entusiasmo e centrou a sua atenção nas batatas. Lançou
um olhar rápido de regozijo a Judd, que a observava zangado ao mesmo
tempo que levava um pedaço da tarte de maçã à boca.
- Pois claro - corroborou Maude. Judd revirou os olhos.
- Estou armado - indicou.
Maude soltou a faca e a batata que estava a descascar e abriu os braços.
- Eu também - disse e arqueou as sobrancelhas várias vezes.
Judd olhou zangado, para ela e depois para Christabel, que sorria de
orelha a orelha.
- Agora já sei com quem aprende as piadas - disse a Maude.
- Está com ciúmes por não saber brincar - comentou Christabel com olhar
travesso.
Judd lançou-lhe um olhar ameaçador e continuou a comer a tarte.
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DOiS
Naquela noite, quando Judd regressou ao seu apartamento de Victoria, onde
estava destacado, Christabel deu voltas na cama durante horas, preocupada
por causa de Tippy Moore e da estranha reacção de Judd perante a notícia
de que ela ia protagonizar o filme. A modelo parecia fasciná-lo só pelas
fotografias e isso era suficientemente óbvio para a magoar. Apesar de ter
sentado Christabel nos seus joelhos e de a ter consolado pelas suas
cicatrizes, tratava-a de maneira impessoal. Nunca a tinha tocado
indecorosamente, apesar dos esforços da própria Christabel.
Recordou-se daquele sábado, há cinco anos atrás, quando a sua vida mudou
de forma drástica. Ainda conseguia sentir o cheiro do sangue e do couro,
sentir o chicote nas costas.
Entre cada onda de dor, ouvia uma voz grave e áspera maldizendo sem
parar. Era o único som audível, apesar de outros cinco rancheiros estarem
de pé em volta dela com caras lúgubres e poses rígidas. O curral estava
cheio de pó porque não tinha chovido e Christabel tinha fios de feno no
seu cabelo louro despenteado. Estava caída de boca no chão, com a blusa
feita em farrapos. O sangue emanava dos cortes profundos das
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suas costas. Ouviu golpes fortes e gemidos num lugar próximo, seguidos de
uma porta a bater. Um minuto depois, notou que alguém se ajoelhava a seu
lado.
- Christabel, consegues ouvir-me? - perguntou-lhe Judd ao ouvido
asperamente.
Ela entreabriu os olhos. Custava-lhe ver com nitidez, mas lembrou-se que
Judd Dunn era a única pessoa que a chamava pelo seu nome completo. Toda a
gente a chamava de Crissy.
- Sim? - aquela era a sua voz? Soava débil e tensa. O sol brilhava com
tanta intensidade que não conseguia abrir os olhos.
- Vou ter que te levantar e vai doer. Aperta os dentes.
Christabel engoliu em seco. Tinha as costas em carne viva. A blusa
colava-se à pele lacerada e sentia como o sangue arrefecia ao empapar o
tecido. Cheirava estranhamente a metal.
Judd deslizou os braços por baixo das pernas de Christabel e em torno do
seu tórax com todo o cuidado que pôde. Pegou nela, tentando não tocar na
carne lacerada e notou a pressão dos seus seios pequenos nos músculos
quentes do seu peito. Estava a soluçar, tentando abafar o som enquanto a
dor a trespassava.
- E. o papá? - perguntou num fIo de voz. Os olhos negros de Judd lançaram
um brilho tão ameaçador que dois dos vaqueiros treparam a cerca do curral
para se esquivarem dele.
- Está no alpendre dos arreios - disse com aspereza. - E vai lá ficar até
chegarem os agentes do xerife.
- Não - gemeu Christabel. - Judd, não. Não podes fazer com que. o
prendam. A mamã está doente e não pode tomar conta do rancho. E eu também
não.
- Já está preso. Eu sou Ranger do Texas - lembrou-lhe - Mas disse ao
capataz para avisar a polícia pelo rádio do meu carro. Já vêm para cá.
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- Quem dirigirá a nossa parte do rancho? - repetiu, perplexa pelo que lhe
tinha ocorrido de maneira inesperada. O seu pai tinha um historial de
comportamento agressivo quando se embebedava. De facto, Ellie, a mãe de
Christabel, estava inválida porque Tom Gaines a tinha empurrado de umas
escadas abaixo num ataque de raiva quando estava bêbado e partira-lhe a
pélvis. A cirurgia de urgência não a tinha curado por completo e, para
piorar, tinha uns pulmões frágeis.
- Eu ocupar-me-ei do rancho, da tua parte e da minha - disse com
aspereza. - Não te mexas, querida.
As lágrimas resvalavam pelas bochechas pálidas de Christabel. Judd
olhava-a com os lábios apertados. O seu rabo-de-cavalo tinha-se desfeito
e o seu longo cabelo louro estava manchado com o seu próprio sangue seco.
Judd praguejou entredentes e só se interrompeu quando a ambulância se
aproximou a uma velocidade vertiginosa pela estrada de acesso ao rancho.
Maude, a governanta roliça, retorcia as mãos no alpendre. Veio a correr,
com o cabelo alvoroçado.
- Minha pobre menina - soluçou. - Judd, ela vai ficar bem?
- Sim. Não posso dizer o mesmo de Tom. Se ela não o denunciar, faço- o
eu.
Uma mulher pequena, de cabelo louro salpicado de cabelos brancos, saiu a
coxear do alpendre da frente envolta numa bata de felpa velha. Desatou a
chorar ao ver a sua filha.
- Ela vai ficar bem. Volte para a cama; Ellie - disse Judd e, para ela, a
sua voz era suave. - Eu vou tomar conta dela.
- Onde está Tom? - perguntou com voz trémula. O tom de Judd mudou.
- Fechado no quarto dos arreios.
A mulher fechou os olhos e encostou-se ao poste.
- Graças a Deus!
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- Maude, mete-a outra vez na cama antes que desmaie e caia - gritou Judd
e continuou a andar na direcção do pessoal médico que saía da ambulância.
A seguir apareceu um carro patrulha com as luzes de emergência ligadas.
Um polícia saiu do carro e aproximou-se de Judd.
- O que é que se passou? - perguntou o agente Carson, com o olhar cravado
nas costas de Christabel.
- Tom, foi isso que se passou - respondeu Judd asperamente, enquanto
esperava que o pessoal da ambulância tirasse a maca. - Estava a açoitar a
égua de Christabel com um chicote. Ela tentou detê-lo.
Hayes fez uma careta. Era polícia há cinco anos e tinha visto bastantes
casos de agressão. Mas aquele. Christabel não tinha mais de dezasseis
anos, era magra e frágil e quase todos os vizinhos de Jacobsville
gostavam dela. Estava sempre a fazer tartes para colectas de
beneficência, a levar flores a idosos prostrados na cama e a ajudar a
enviar comida quente aos inválidos depois das aulas. Tinha um coração tão
grande como o estado do Texas. Imaginar o robusto Tom Gaines a açoitá-la
com todas as suas forças bastava para provocar náuseas a um polícia
veterano.
- Onde é que ele está? - perguntou Hayes com frieza. Judd indicou-lhe com
a cabeça onde ficava o alpendre dos arreios, sem afastar o olhar do rosto
manchado de lágrimas de Christabel. Eram ainda mais dilacerantes pela
ausência de soluços.
- A chave está junto da porta - olhou Hayes. nos olhos. - Não o tires da
prisão por nada deste mundo. Juro-te, se o soltas, mato-o - afirmou num
tom que produziu calafrios até mesmo a Hayes.
- Vou encarregar-me de que lhe fixem uma fiança muito alta -
tranquilizou-o. - Está bêbado?
- Estava - disse Judd asperamente. - Agora, chora. Lamenta muito o
ocorrido, claro. Lamenta sempre.
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deitou Christabel suavemente na maca. - Vou com ela
- disse aos auxiliares médicos.
Estes não se sentiam inclinados a discutir. Judd Dunn já intimidava
bastante quando não estava de mau humor.
Judd voltou a olhar para Hayes.
- E se telefonasses para San Antonio, para a sede dos Rangers, e lhes
dissesses que vou chegar tarde, que me arranjem um substituto?
- Vou telefonar - disse Hayes. - Espero que Crissy fique bem.
- Vai ficar - disse Judd em tom sombrio. Subiu para a ambulância e
sentou-se junto de Christabel. Envolveu a sua pequena mão com a sua. -
Podem dar-lhe algo para as dores? - perguntou ao ver que as lágrimas
continuavam a brotar dos seus olhos.
- Pedirei instruções - o auxiliar falou pelo rádio com o hospital e
explicou a condição da paciente. O doutor Jebediah Coltrain, o médico de
serviço, fez-lhe algumas perguntas.
- Dê-me isso - disse Judd com aspereza e estendeu a mão para pegar no
microfone. O auxiliar não protestou. - Copper? - perguntou asperamente. -
Fala Judd Dunn. As costas de Christabel parecem carne viva. Dói-Lhe
muito. Diz-lhes que Lhe dêem algo. Fico responsável por ela.
- Quando é que não ficas? - disse Copper com ironia. - Passa-me outra vez
a Dan.
A sua natureza pouco feminina tinha inquietado a sua mãe inválida, que
dizia que Christabel devia aprender a vestir-se e a pôr a mesa em vez de
laçar os carneiros para os marcar ou arrear os cavalos no está bulo.
Christabel não lhe prestava atenção e continuava com as suas tarefas.
Sentia que devia realizar parte dos afazeres do rancho, antes e depois
das aulas e aos fins-de-semana, quando dispunha de tempo. Judd reparou
nisso, primeiro com regozijo, depois com indulgência afectuosa.
Tinha carinho por ela, à sua maneira. Mas não era carinho que Christabel
desejava. Tinha uma terrivel premonição sobre a mudança adversa que iria
acontecer na sua vida com a chegada do pessoal das filmagens.
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Judd já tinha anunciado a sua intenção de efectuar a anulação em
Novembro. E se perdesse a cabeça por aquela modelo mundialmente famosa
que fazia todos os homens babar-se? Crissy não conseguia evitar pensar
que a modelo poderia achá-lo igualmente atraente. Judd era um bombom.
Começou a dar voltas e tapou a cabeça com a almofada. Tinha tempo de
sobra para se preocupar com isso depois do exame de informática do dia
seguinte. O exame! Como podia ter-se esquecido? Pegou no despertador e
programou-o para uma hora antes de costume. Uma revisão de última hora
não fazia mal a ninguém.
Fez o exame, assistiu ao resto das aulas e regressou ao rancho para fazer
as suas tarefas. Acabava de arrear a sua égua, a mesma que tinha salvo da
brutalidade do seu pai quando era um potro, quando ouviu um carro a
aproximar-se.
Maude estava em Jacobsville, na mercearia, e por isso saiu para ver quem
era. Viu, surpreendida, que era um carro de polícia branco e preto. Um
homem alto, de bom porte, vestido de uniforme e com um espesso rabo-de-
cavalo negro voltou-se ao ouvi-la aproximar-se e desceu os degraus com
uma mão apoiada na coronha do seu revólver de calibre 45, que partilhava
o cinto com uma cartucheira, um cacete de couro, um aerossol, uma
lanterna e várias facas.
Era Cash Grier, o subchefe de polícia. Crissy só o tinha visto de longe
uma vez, mas já tinha ouvido falar muito dele. Era como Judd, pensou, um
homem sério de rosto rígido. Levada por um impulso travesso, cobriu a
cabeça com as mãos.
- Eu confesso. Fui eu! - exclamou. - Assaltei a Caixa de Aforros de
Jacobsville e o dinheiro está no celeiro! Vá, prenda-me!
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Grier deteve-se e arqueou as sobrancelhas. A sua boca esculpida,
disciplinada entre o bigode largo e a pequena pêra, elevou-se em ambos os
extremos e os seus olhos escuros brilharam no seu rosto marcado e
bronzeado.
- Como queiras. Leva-me até uma árvore e enforcar-te-ei - respondeu.
Crissy sorriu. O sorriso modificava o seu rosto, tornava-o radiante.
Limpou a mão direita nas calças de ganga e ofereceu-a.
- Olá, sou Christabel Gaines. Toda a gente me chama Crissy, excepto Judd.
Cash apertou-lhe a mão.
- Como é que o Judd te chama?
- O que eu quero não importa. Ele salvou mais do que o rancho: salvou-me
a mim. E isso é a única coisa que te vou contar - acrescentou ao ver o
seu olhar penetrante. - Em Novembro, vou fazer vinte e um anos e serei
uma mulher livre.
Cash franziu os lábios e olhou para a sua cara.
- Eu tenho trinta e oito. Sou demasiado velho para ti. - deixou a frase
no ar, como se fosse uma pergunta.
Não passava pela cabeça de Christabel que um homem pudesse achá-la
atraente. Judd tratava-a como uma dor de dentes. Maude dava-lhe ordens.
Os rapazes da escola estavam interessados nas raparigas bonitas,
femininas e arranjadas. Crissy era simpática, mas não provocava nem se
vestia de forma sugestiva. Na realidade, sentia-se mais à vontade em
casa, entre cavalos e vacas e os vaqueiros que conhecia desde sempre. Era
tímida com a maioria dos homens.
Corou.
- Não. Os homens não se interessam por mimgaguejou.
Cash pousou rapidamente a chávena de café.
- O que é que disseste?
- Queres mais um pouco de café? - perguntou atordoada.
Estava fascinado. As mulheres que tinham passado pela sua vida eram tão
sofisticadas e conhecedoras do mundo como ele. Chiques, cosmopolitas e
sensuais. Insinuavam-se com todo o tipo de manhas sensuais; físicas e
verbais. Aquela mulher estava intacta, incorrupta. Tinha uma frescura,
uma energia, que o faziam desejar ser jovem outra vez, não ter vivido as
terríveis experiências que o tinham tornado amargo e frio por dentro.
Crissy era como um junquilho a brotar na neve, uma mancha de optimismo
numa paisagem fria e cínica. Franzindo o sobrolho, continuou a observá-
la. Corou ainda mais.
- Intimidas bastante quando franzes o sobrolho. Como Judd - comentou
desconfortável.
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- Deve-se a um passado turbulento - respondeu.
Deitou a cadeira para trás, mas ainda com o sobroLho franzido. - Diz a
Judd que pus uma nota no nosso quadro de anúncios sobre o trabalho de
vigilância para a filmagem. Até ao momento, recebemos cem diligências. Só
temos vinte polícias - acrescentou com um suspiro. - Até a minha
secretária se ofereceu para o trabalho.
- A tua secretária?
Cash assentiu enquanto punha a cadeira no sítio.
- Disse que se a contratassem para se ocupar da segurança, terão que Lhe
dar uma insígnia e uma pistola e assim poderá prender-me sempre que lhe
apeteça, se eu a fizer trabalhar mais do que a conta.
Crissy riu contra a sua vontade. Tinha-o notado distante durante uns
minutos e tinha-se sentido desconfortável.
- És um mau chefe?
- Temperamental.
Notava-se, pensou, mas não ia dizê-lo.
- Obrigado pela tarte e pelo café - disse Grier em voz baixa.
- De nada.
Deu a volta e começou a andar pelo corredor. Tinha umas costas muito
direitas e um andar peculiar, de uma suavidade vagamente inquietante.
Caminhava como um caçador.
Quando chegou aos degraus do alpendre, deu a volta tão depressa que
Christabel perdeu o equilíbrio e teve que se agarrar a um dos postes.
- Gostas de pizza? - perguntou Grier bruscamente. Crissy ainda se estava
a recuperar daquela paragem repentina.
-Ah... Sim.
- Na sexta-feira à noite - continuou, com os olhos desviados. - Há uma
banda a tocar. Danças?
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- Sim.
- O que faria Judd se saísses com outro homem?
Estava nervosa.
- Bem. Não sei. Acho que não se importaria - acrescentou. - Não temos
esse tipo de relação.
- Pode-se importar que saias comigo - disse rotundamente. - Sabe mais
coisas sobre mim do que a maioria das pessoas de cá.
Christabel estava intrigada e surpreendida.
- És um homem mau?
Algo terrível ensombrou os seus olhos escuros.
- Já fui - respondeu. - Agora não.
O semblante de Christabel suavizou-se. Olhou-o e perguntou-se se se dava
conta do quanto os seus olhos o denunciavam. Viam-se pesadelos neles.
Soltou o poste e deu um passo para ele.
- Todos temos cicatrizes - disse, compreendendo o que Judd lhe tinha dito
na cozinha no outro dia. - Algumas vezes vêem-se, outras não, mas todos
as temos.
Cash desviou o olhar.
- As minhas são profundas.
Ela começou a sorrir.
- As minhas também. Mas, agora, não me preocupam tanto. Já não parecem
tão graves.
O peito de Cash subiu e desceu. Sentia-se aliviado.
- Tem graça. As minhas também não - sorriu.
- O único lugar que serve pizza e cerveja e que tem música ao vivo é o
Shea's. Fica na estrada de Victoria
- disse-lhe. - ludd nunca lá vai, se calhar não vai achar graça que eu
vá.
- Eu tomo conta de ti - disse-lhe Grier. Christabel suspirou.
- As pessoas têm tomado conta de mim a vida toda e dentro de dois meses
serei maior de idade - olhou-o directamente. - Tenho que aprender a tomar
conta de mim própria.
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- Tem graça que menciones isso - disse e o seu olhar suavizou-se. - Sou
perito em defesa pessoal.
- Não me referia a esse tipo de cuidados - murmurou.
- Eu ensino-te, de qualquer forma. Sabes disparar?
- Judd ensinou-me a atirar ao prato - disse-lhe. Sou um monstro com o
calibre 28. Tenho a minha própria arma, uma Browning - não acrescentou
que há anos que não disparava.
Cash sorriu, surpreendido. Muitas mulheres tinham medo das armas.
- Quem haveria de dizer! Eb Scott tem um bom campo de tiro. Deixa-nos
praticar nele. Ensinar-te- ei a disparar uma pistola ao estilo do FBI.
- Sabes montar a cavalo?
Cash hesitou.
- Mais ou menos. Mas não gosto.
Era, certamente, um homem da cidade, adivinhou Christabel e não percebia
muito de cavalos nem de ranchos.
Enquanto tentava ganhar fôlego para lhe perguntar do que é que estava a
falar, Judd baixou a cabeça, e Crissy notou o roçar lento e fluído dos
seus lábios sobre os dela. Era a primeira vez que a beijava
deliberadamente desde o inicio da sua turbulenta relação. Christabel
susteve a respiração e ficou rígida. Ele levantou a cabeça o suficiente
para ver a comoção e perplexidade reflectida nos seus olhos castanhos.
- Para que não percas a cabeça com o primeiro homem que te beijar,
Christabel - sussurrou com uma insólita voz gutural. - Sou o teu marido.
A primeira vez. deveria ser eu.
Crissy abriu a boca para falar, mas ele voltou a baixar a cabeça antes
que ela pudesse articular palavra. Uniu os seus lábios aos dela com uma
pressão que aumentou de intensidade, em exigência, segundo a segundo. Ela
pendurou-se nos seus braços para não cair, tal era o cúmulo de sensações.
Sentiu o aumento brusco de calor no seu ventre, juntamente com uma ânsia
repentina que o fazia estremecer. Perguntou-se se ela também a sentiria.
Judd baixou as mãos para a cintura de Christabel e
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deslizou-as pelas suas coxas, roçando a suave redondez dos seus seios com
um movimento lento e excitante que a fez desejar procurar a carícia. Pôs-
se em bicos de pés, pressionou a sua boca contra a dele e abriu-a para
receber a sua carícia exigente. Notou uma vibração nos lábios, algo
parecido com um gemido abafado, exactamente antes de Judd a estreitar nos
seus braços e a apertar contra a curva sólida do seu corpo.
Christabel rodeava-lhe o pescoço, pendurando-se nele para não se deixar
cair, enquanto ele a beijava. A seguir, sentiu Judd a introduzir a língua
dentro da sua boca. Tinha ouvido falar dos beijos à francesa, mas os seus
conhecimentos não a tinham preparado para aquele assalto de sensações.
Estava a tremer. Não sabia porquê e não conseguia evitar. Gemeu,
frustrada, pela sua incapacidade de controlar as suas reacções.
Inexplicavelmente, o gemido fez com que Judd ficasse rígido. Baixou uma
mão até à anca de Christabel e puxou-a contra ele. Ela notava algo
estranho no contacto, algo vagamente ameaçador. Apertou-a ainda mais e
Christabel soltou uma exclamação ao compreender o que se estava a passar.
Judd também compreendeu no mesmo instante e afastou-se dela. Não a soltou
logo. Tinha os olhos mais negros do que de costume e perfurava-a com
eles.
Christabel tinha os lábios inchados, o olhar atónito, aturdido. Estava a
tremer ligeiramente. Respirava com dificuldade. Judd baixou o olhar para
o corpete da blusa e viu pequenas pontas duras.
Voltou a olhá-la nos olhos. Estava a segurá-la pelos braços com tanta
força que quase a magoava.
- Vês como é fácil? - perguntou asperamente.
- Como é fácil. - repetiu Crissy, quase sem fôlego.
- Que um homem experiente te apanhe de surpresa
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e te faça renderes-te a ele - prosseguiu. - Grier sabe muito mais do que
eu. Não deixes que se aproxime demasiado. Não é homem de uma só mulher.
Em qualquer caso, não és livre de experimentar, seja o nosso casamento de
conveniência ou não.
Ela ficou imóvel. Nunca tal lhe tinha passado pela cabeça. Judd inclinou
a cabeça.
- Os títulos falam por si mesmo. Colegas de cama, Luxúria na arena, A
virgem curiosa. Queres que continue?
Crissy gritou e tapou a cara com as mãos.
- Lembra-te só que o que vês é planeado e é pura fantasia. Na vida real,
não é assim.
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Separou dois dedos e olhou-o pela abertura, curiosa. Ele recostou-se na
cadeira, consciente da sua experiência perante aquele olhar.
- Dois beijos e uma carícia e fazem amor durante horas com gemidos
sensuais e expressões atormentadas, em posições que nem sequer figuram no
Kamasutra - explicou-lhe.
Ela continuava a observá- lo, atenta, expectante. Judd soltou um longo
suspiro.
- Christabel, uma mulher não aceita o corpo de um homem tão depressa, nem
tão facilmente, sem preliminares. E a maioria dos homens não aguenta
tanto tempo para conseguir percorrer todo o catálogo de posições
escandalosas. Uma chega- lhes.
Tinha o rosto em brasa, mas prestava total atenção às palavras de Judd,
ao mesmo tempo que tentava disfarçar. E ele estava ansioso por lhe
demonstrar, mais do que lhe contar, o quão satisfatória podia ser uma
união física. De seguida, sentiu coisas que não queria sentir. E pela
única mulher da Terra que estava fora do seu alcance, apesar de ser a
única esposa que tinha tido.
Judd acabou o café e olhou para ela zangado.
- Não me importo que saias com Grier, desde que sejas discreta - disse,
detestando as palavras ao mesmo tempo que as pronunciava com indiferença
deliberada. Imobilizou-a com os seus olhos negros. Mas não passes dos
limites com ele.
Christabel sabia a que é que ele se referia e sentiu-se ofendida.
- Como se fosse fazê- lo, Judd!
- Até que esteja anulado, isto continua a ser um casamento - continuou. -
E várias pessoas da cidade sabem disso.
- Eu percebo porque é que te preocupam tanto os mexericos. - começou a
dizer e mordeu a língua;
50
porque era um assunto que ele detestava. Ele levantou o queixo e lançou-
lhe um olhar lancinante.
- O meu pai era pastor - disse asperamente. - Consegues imaginar o mal
que lhe causou a ele e a mim, o facto de toda a cidade de Jacobsville
falar da minha mãe e do seu caso com o vice-presidente da fábrica? Nem
sequer tentaram ocultá-lo. Foi viver com ele quando ainda continuava
casada com o meu pai. Toda a gente sabia. Todos os seus paroquianos e
tinha que dar sermões todos os domingos. Quando o seu amante a deixou por
outra mulher mais jovem, ela suplicou-lhe para a deixar voltar a casa e
agiu como se nada se tivesse passado. O meu pai tentou aceitá-la de novo.
Baixou o olhar para a mesa, frio pela recordação daqueles dias, Mas o seu
pai, apesar da sua fé, foi incapaz de esquecer o que a sua mulher tinha
feito. No seu mundo, assim como no de Judd, os votos eram sagrados.
54
- Faço o que me apetecer, Judd - disse altivamente. Judd virou-se para
trás, no alpendre.
- Tu puseste o teu nome numa licença matrimonial
- recordou bruscamente.
- E tu também, mas isso não te impede de fazeres o que te apetece!
Judd arqueou uma sobrancelha e desceu os degraus em direcção ao seu
veículo.
- O pessoal das filmagens virá no sábado instalar a equipa - acrescentou.
- O director vai trazer Tippy Moore e o actor que faz de vaqueiro. Rance
Wayne.
Christabel não podia ter-se importado menos com o pessoal das filmagens.
Detestava ver o brilho nos olhos de Judd quando mencionava Tippy Moore.
Era uma mulher mundialmente famosa pela sua beleza. Ela parecia um cacto
em comparação e não achava graça nenhuma.
- Estou impaciente por conhecê-los - resmungou. Eles gostam de cobras
como animais de estimação? Estava a pensar em adoptar uma preta e criava-
a na sala...
- Sê amável - disse Judd com firmeza. - Precisamos do dinheiro. Sem essa
ajuda, não poderemos arranjar o celeiro nem alargar a cerca eléctrica. -
Está bem - suspirou Crissy. - Serei amável.
- Para variar - comentou deliberadamente.
- Estás zangado porque não me vesti nem me pus sexy para ti - replicou e
fez uma pose. - Podes ir para a tua casa e sonhar comigo em lingerie
vermelha, porque não poderás vê-lo sem ser em sonhos - acrescentou.
Judd emitiu um som gutural, algo parecido com o riso e continuou a
caminhar. Christabel ficou a olhar para ele zangada, desejando que Cash
aparecesse naquele momento para que Judd os pudesse ver juntos.
As fantasias raramente se tornam realidade, pensou com melancolia
enquanto Judd se sentava atrás do volante, arrancava no seu todo-o-
terreno e se ia embora com um pequeno gesto.
Tinham passado dez minutos quando Cash Grier apareceu na sua camioneta
preta. Era enorme, uma pick-up nova com a caixa imaculada.
- Bem, vê-se que não transportas gado - comentou Christabel quando saiu a
recebê-lo nos degraus do alpendre.
- É que gosto de a deixar reluzente - riu. Tinha bom aspecto. Tinha uma
camisola preta de gola alta, um casaco informal e calças de pinças. Tinha
os sapatos lustrosos e o cabelo cuidadosamente apanhado num rabo-de-
cavalo. Dava gosto vê-lo.
- Estás bem, mesmo sem uniforme - indicou Christabel. Ele também estava a
fazer a sua própria apreciação, com um olhar tão detalhado como o de
Judd. Crissy pensou na forma como Judd a tinha beijado e corou.
- Acho-te um pouco tensa - comentou. - Alguma dúvida sobre a nossa saída?
- Nenhuma - respondeu Christabel com firmeza.
- Não te preocupa o que dirá Judd? - insistiu enquanto a ajudava a subir
para a camioneta.
- Ele disse que não se importava - respondeu. - Esteve aqui há bocado.
- E a ti estranha-te que Judd não seja muito convencional? Ouvi dizer que
usaste a câmara do teu carro-patrulha para gravar um casal que estava no
banco traseiro de um carro estacionado.
58
Cash riu-se.
- Não era a câmara do carro-patrulha, mas a minha. E gravei dois agentes
da polícia local que eu conhecia. Fi-los prometer que se comportariam com
mais decoro antes de lhes dar a única cópia da fita.
- Serias um inimigo terrível - disse Christabel. Cash assentiu, mas não
sorriu.
À sua volta, a banda estava a tocar as primeiras notas. Era formada por
duas guitarras, um violino e um órgão.
- Olá, o que querem tomar? - perguntou-lhes a empregada, uma mulher
madura.
- Pizza e cerveja - disse Grier.
- Pizza e café - pediu Crissy.
- Não queres cerveja? - perguntou a mulher.
- Ainda não sou maior de idade. E o meu. tutor - escolheu a palavra com
cuidado, - é Ranger.
- És a Crissy - disse logo a mulher e riu. - Tive uma paixoneta por Judd
quando éramos jovens, mas ele andava a sair com aquela jovem de Victoria.
Acabaram por causa do trabalho dele, não foi?
Crissy assentiu.
- Há mulheres que não suportam o perigo.
- A ti não te parece incomodar - disse a empregada, com atrevimento,
olhando Grier com atenção. Afastou-se para pedir a comida.
Crissy riu-se ao ver o olhar curioso de Grier.
- Não, não sou medricas - corroborou. - Às vezes, preocupo-me, mas não
muito. Judd sabe tomar conta dele próprio. E tu também, imagino.
- Bastante bem - assentiu Grier.
O local estava a encher quando Crissy e Grier acabaram a pizza e as suas
bebidas. A música era agradável, pensou Crissy, vendo os pares a dançar
danças populares na pista.
- Dão cursos de danças populares no centro cultural
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- comentou Crissy a Grier. - Mas eu não tenho muito jeito. - Prefiro os
ritmos latinos, mas nunca conheci ninguém que soubesse dançá-los, excepto
Matt Caldwell. E agora está casado.
Grier sorria de orelha a orelha.
- A modéstia impede-me de te dizer que ganhei um prémio num concurso de
tango quando estava na Argentina.
Ela olhava para ele contendo a respiração.
- Sabes dançar o tango? O que é que fazes aqui sentado? Vamos! - deu-lhe
a mão e arrastou-o para a pista. Aproximou-se do chefe da banda.
- Sammy, sabes tocar alguma música latina? - perguntou ao jovem, um dos
seus antigos colegas de escola. Este riu-se.
- Claro! - fez sinal aos seus colegas para pararem de tocar e falou com
eles durante uns segundos. O pianista sorriu de orelha a orelha e dispôs-
se a afinar o seu instrumento. Começou a tocar um ritmo latino animado.
O público desimpediu a pista, prevendo algo especial.
- É melhor que sejas mesmo bom - disse Crissy a Cash com um sorriso. -
Não é fácil agradar a este público. Não se importam de vaiar os pares que
se acham bons bailarinos. Matt Caldwell e a sua mulher, Leslie são uma
lenda.
- Não me vão vaiar - prometeu-lhe Cash. Agarrou-Lhe a cintura e a mão
direita com uma leveza de profissional, marcou o ritmo com a cabeça e,
depois, começou a fazê-la girar com uma facilidade devastadora.
Crissy seguiu-o com muito esforço. Um colega da escola, filho de
emigrantes hispânicos, ensinou- lhe várias danças latinas e assegurou-Lhe
que ela tinha jeito. Mas Grier superava-a em habilidade. Fixou-se nos
60
seus passos e imitou-o com um talento natural. A meio da canção, Crissy
já estava a incluir passos e movimentos próprios. Quando a banda foi
baixando o ritmo, o público marcava-o com as palmas das mãos.
Cash fê-la dar voltas até ele e inclinou-a para trás como remate. Toda a
gente aplaudiu. Voltou a endireitá-la, puxou-a para si com outra volta e
os dois inclinaram-se. Crissy estava sem respiração. Cash respirava como
se não fosse nada.
Conduziu-a à mesa rindo-se.
- Vamos ver se Caldwell supera isto - disse. Crissy riu, quase ofegante
pelo esforço.
- Estou em baixo de forma - murmurou. - Tenho que sair de casa com mais
frequência. - Bem, meninos, estavam fantásticos! - disse a empregada ao
passar junto da sua mesa. - Querem outra rodada?
- Obrigado - disse Grier e passou-lhe a sua garrafa vazia.
- Eu também - acrescentou Christabel e aproximou o seu copo da borda da
mesa.
- Já volto - prometeu a mulher com um sorriso.
- E Judd? Sabe dançar? - perguntou Cash.
- Só se alguém Lhe disparar para os pés.
- Nunca verei tal coisa.
- Agora que dizes isso - disse Crissy e inclinou-se para a frente. -
Preciso que me aconselhes. Tenho quase a certeza de que alguém envenenou
um dos nossos novilhos. Judd não acredita em mim.
Cash era todo ouvidos.
- Conta-me.
- Comprámos um touro Salers jovem no princípio de Setembro. Os Hart têm
um novilho Salers de dois anos e Leo Hart ia comprar outro a Fred
Brewster, um que era filho do mesmo macho que o nosso. Mas encontraram o
touro de Fred morto num pasto e como Hart
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telefonou a Judd interessado no nosso. O nosso morreu antes do de Fred e,
por isso, limitámo-nos a enterrá-lo com uma escavadora que nos
emprestaram.
- Não pediram para realizarem autópsia? Crissy fez uma careta.
- Cash, o ano passado corria tudo às mil maravilhas. Mas tivemos muitas
inundações na Primavera e no Verão e, para cúmulo, os preços da carne
caíram. Agora, tudo o que ganhamos vai para pagar os meus estudos e para
o apartamento que Judd tem em Victoria. Vendemos gado para pagar despesas
extra e compramos mais quando temos forragem suficiente para o alimentar
- tinha o olhar turvo. - São tempos difíceis, Sabes como é.
no rancho a fazer das suas. Quem sabe só tinha querido soltar as reses,
ou quem sabe a sua intenção tinha sido roubá-las. De qualquer forma,
Crissy necessitava de se afastar de Judd e dos outros. Com um pouco de
sorte, já se teriam ido embora quando voltasse. Além disso, não seria mau
provar que a sua teoria estava certa. Se reunisse provas contra Clark,
Cash trataria de o deter.
Recordou a expressão dos olhos negros de Judd enquanto ajudava Tippy a
descer do veículo e como a conduziu ao celeiro depois de a modelo ter
depreciado Christabel. Judd nem sequer se tinha dado conta do
atrevimento. Crissy tinha o coração apertado. Exactamente como temia, a
chegada da modelo marcava uma mudança crucial na sua vida. Desejava poder
voltar atrás no tempo. Nada voltaria a ser o mesmo.
73
Cinco
Como Crissy suspeitava, a cerca estava cortada no mesmo lugar que na
primeira vez, muito perto dos suportes verticais do arame farpado.
Desmontou e examinou os cortes com atenção. Os alicates que usaram nas
duas ocasiões não estavam afiados e os cortes não eram limpos nem
precisos.
Deu a volta e, conduzindo o cavalo pelas rédeas, suspirou zangada, com o
olhar no horizonte. Jack Clark tinha-os roubado e tinham-no despedido com
razão. Mas ele era um homem muito vingativo. Crissy temia que ele não se
contentasse em envenenar touros e cortar cercas. Tinha esperança que Duke
Wright tivesse notícias sobre os irmãos Clark quando Nick lhe
perguntasse.
Vislumbrou Hob Downey no seu alpendre e aproximou-se para cumprimentar o
idoso.
Hob tinha mais de setenta anos. Fora vaqueiro toda a vida, até que o seu
chefe o obrigou a reformar-se. Sabia mais sobre cavalos do que a maioria
dos rancheiros e era um homem solitário. Passava quase todo o dia sentado
no seu alpendre, esperando que alguém passasse para falar com ele. Era
uma mina de ouro de informação sobre qualquer aspecto da criação de gado
desde a Segunda Guerra Mundial até à actualidade. Crissy ia vê-lo quando
podia mas, como a maioria dos jovens, tempo era o que ela menos tinha.
- Olá, Hob - cumprimentou.
74
- Venha sentar-se um pouco, menina Crissy - convidou-a com um sorriso.
- Oxalá tivesse tempo, Hob. Nick disse-me que esta manhã viu uns tipos a
saírem de uma carrinha junto à nossa cerca.
O idoso assentiu.
- Acho que sim. Andavam com muitos mistérios. Não tenho telefone, senão
tinha-Lhe telefonado.
- Reparou se um deles era alto e careca? - perguntou Crissy com cautela.
O idoso fez uma careta.
- Um tinha um chapéu e por isso não sei se era careca. Também não sei
dizer a altura dele. O outro tinha uma camisa que podia cegar um homem,
de tão berrante que era. Manteve-se do outro lado da camioneta e, por
isso, não pude vê-lo muito bem.
Crissy suspirou.
- E o que dizes da carrinha?
- Tinha uma grande mancha de óxido no pára-choques dianteiro - respondeu.
- Era preta, com uma faixa vermelha. Acho que levavam uma vaca ou duas,
menina Crissy.
- Mesmo que lhe mostre as provas, continuará a não acreditar em mim. Está
convencido que só quero chamar a sua atenção.
Maude sorriu.
- É verdade.
- Não é segredo nenhum - Crissy encolheu os ombros. - Mas eu não minto -
bebeu um gole de café. Quando é que começam a filmar?
- Amanhã bem cedo.
Engasgou-se com o café.
- Já? - perguntou surpreendida.
- Querem aproveitar que está bom tempo. Já se instalaram no Hotel
Comercial, em Jacobsville. Contrataram uma empresa de catering para lhes
trazer o pequeno-almoço e o almoço e os electricistas estiveram a falar
com Judd sobre o que querem fazer com os seus geradores portáteis -
acrescentou em tom brincalhão. Mexeu a cabeça. - O realizador disse que
vão trazer camionetas enormes com toda a equipa e caravanas para que as
estrelas as usem como vestiários e salas de maquilhagem. Contrataram os
Autocarros Bailey's para trazer e levar os actores e o resto do pessoal
todos os dias.
- Vão trazer casas de banho portáteis? - perguntou Crissy em tom
esperançado.
- Judd disse-lhes que podiam usar as do barracão. Não vão haver vaqueiros
aqui nas horas de trabalho, excepto os vigilantes nocturnos e nem um
tornado acordaria Billy e Ted quando estão a dormir.
- Tens razão - disse Crissy e tomou um pouco de café.
79
- O presidente da Câmara vai entrar no filme, juntamente com o chefe de
polícia. Vão filmar algumas cenas na cidade - Maude moveu a cabeça. -
Será um pesadelo, querida - disse com tristeza. - E essa modelo. -
enrugou o nariz. - Podia matar um asmático com tanto perfume que põe.
Crissy baixou o olhar.
- Mas é bonita.
- Pois é.
- Jamais poderei competir com uma mulher assimdisse Crissy
melancolicamente. Maude voltou-se.
- Judd conhece-te desde que eras pequena. És boa, amável e sabes fazer
com que um homem se sinta especial e terno. Além disso, há poucas coisas
que tu não consegues fazer no rancho. És inteligente. A maioria dos
homens sentem-se atraídos pela beleza, mas só se houver alguma coisa além
disso que os mantenha interessados. Aquela mulher é uma cara e um corpo
com maus modos. Judd aperceber-se-á disso.
- Achas que sim? - acabou o café. - Fico contente por ter aulas - disse
quando deixou a chávena no lava-loiças. - Assim não terei que os ver
muitas vezes.
- Também vão filmar aos fins-de-semana - disse Maude hesitante. Crissy
voltou-se no umbral, com o sobrolho franzido.
- Disseste alguma coisa sobre uns geradores? Maude assentiu.
- Para ligar todos os focos de luz que usarão dentro de casa e no
celeiro.
Ficou gelada. O seu rosto parecia uma caricatura do seu semblante
habitual.
- Dentro de casa? Da minha casa!
Maude fez uma careta.
- Judd não te disse?
- Não!
- Só na sala e na cozinha - disse suavemente. - Vão
80
mudar umas quantas coisas aqui e ali. pagarão mais pelo transtorno! -
exclamou ao ver que Crissy começava a ficar vermelha.
- E Judd deu-lhes permissão?
- Disse que precisamos do dinheiro - disse a mulher com suavidade. -
Serão apenas umas semanas, Crissy. Só umas semanas.
- E estamos a ficar arruinados, eu sei - foi a resposta aflita de Crissy.
- É que não esperava nada disto. É. É como uma invasão Não teremos
intimidade.
Maude assentiu.
- Eu sei, mas iremos superar isto. Mantém-te à margem e deixa a banda
passar - aconselhou. - Por outras palavras, querida, agarra no dinheiro e
sai a correr. Os dias passarão a voar! A sério!
Mas não foi assim. No dia seguinte, quando Crissy regressou ao rancho
depois das aulas, encontrou a estrada de acesso cortada. Havia cinco ou
seis carros estacionados num dos lados do caminho de terra que conduzia
ao rancho e alguns curiosos tinham estendido mantas na era e observavam
com binóculos os empregados das filmagens, enquanto faziam uma merenda.
Crissy avistou meia dúzia de caravanas, dois camiões de caixa aberta,
dois camiões de reboque e aquilo que parecia ser um pequeno exército de
pessoal.
Crissy não conseguia contornar o camião de reboque que interceptava o
caminho e então teve que deixar a sua carrinha velha onde estava e
percorrer a pé os oitocentos metros que a separavam de casa. Ao chegar
aos degraus, suada, cansada e suja de pó, um dos homens de Cash Grier,
encarregado da segurança, deteve-a.
- Sinto muito, menina Gaines - disse o agente em tom de desculpa, - mas
estão a filmar uma cena na sala. Não pode entrar por aqui.
81
Deu a volta sem dizer palavra e entrou pelas traseiras. No interior, um
técnico de som trabalhava com um gravador. Dois estranhos, um homem e uma
mulher, estavam sentados na mesa da cozinha, com chávenas vazias de café
e técnicos de fotografia vagueavam com fitas métricas e equipamento de
luz portátil.
Maude fez-lhe sinal do corredor e conduziu-a ao seu quarto.
- Não podemos fazer barulho - sussurrou. - Estão a filmar uma cena na
sala.
- Quando é que terminam? - perguntou Crissy.
- Bem, começaram esta manhã, pouco depois de saíres. Já rodaram a mesma
cena dez vezes.
Crissy gemeu.
- O microfone viu-se num take. No seguinte, alguém tossiu. A modelo
esqueceu-se das suas falas três vezes, porque à noite não dormiu bem por
causa do comboio que passa ao pé do hotel. Depois, o protagonista
tropeçou naquele velho tapete persa que não queres tirar porque a tua mãe
adorava e, no take seguinte, foi-se uma luz.
- Quero mudar-me para o Alasca - disse Crissy em tom lastimoso. Pousou os
livros e deixou-se cair sobre a cama.
- Hob Downey - disse e comprovou com Crissy se tinha escrito bem o nome.
- Tem telefone?
- Não. O coitado nem sequer se pode permitir a ter aquecimento. Tem um
fogão a lenha. Vive da sua reforma, que não é grande coisa - deu-lhe
indicações para chegar à casa de Hob. - Porque é que estás tão
interessado?
Cash olhou-a e fez uma careta.
Não te posso dizer - disse por fim. - Desculpa. Não estou autorizado a
falar disso.
Crissy sorriu.
- Ajudei-te a resolver um caso sem saber? Cash guardou o bloco.
- Se assim for, dir-te-ei quando puder - prometeu-lhe.
Crissy deu um gole no café.
- Foste muito grosseiro com a menina Moore - comentou. - Não gostas muito
dela, não é?
- Faz-me lembrar a minha madrasta.
- A mim faz-me lembrar uma serpente ruiva - murmurou sem olhar para Cash.
- Tenho a sensação de que já não vivo em minha casa. Não consigo entrar
sem tropeçar num actor ou num cabo.
- Tens visto Judd ultimamente?
Crissy ficou tensa.
- Vem de Victoria todas as tardes, depois do trabalho, para buscar a
menina Moore e levá-la ao hotel. Ela não gosta de ir no autocarro, como
os comuns mortais
- acrescentou com um sorriso travesso.
Cash observou-a com curiosidade por cima da sua chávena de café, vendo a
dor que escondia com a piada.
- Judd não é ingénuo. Tippy Moore é uma novidade. Acabará por se cansar
dela.
- Achas que sim? - Crissy riu sem vontade. Nunca o vi tão animado.
88
- Todos os homens apreciam as mulheres bonitas.
- Tu não - murmurou e olhou-o intensamente nos olhos. - A menina Moore
não conseguia acreditar como é que não caíste de joelhos assim que a
viste.
- Conheci centenas de mulheres como ela ao longo dos anos - disse
friamente. - São egoístas, vaidosas, egocêntricas. Deve ter vinte e seis
ou vinte e sete anos e os seus dias de modelo estão contados. Se não
tiver sucesso no cinema, dentro de poucos anos estará sem emprego.
- Não fiques tão contente - disse-lhe.
- A inteligência dura. A beleza não.
- Tem graça, isso foi o que Maude me disse no outro dia - recordoú
enquanto acabava o seu café. - Mas não ponhas essa cara tão lúgubre -
murmurou e pôs a mão no seu antebraço. - Vais assustar toda a gente.
Cash cobriu a mão dela com a sua e sorriu.
- És uma novidade na minha vida, sabes? Não me lembro de ter tido uma
mulher como amiga.
Os olhos de Crissy brilharam.
- Todos precisamos de alguém com quem falar - disse a Cash. - Considera-
me um homem com brincos e que gosta de roupas.
Cash arqueou uma sobrancelha.
- Conheço homens que usam brincos. Para dizer a verdade - acrescentou, -
eu costumava usar um.
- Que emocionante! Porque é que o tiraste?
Cash sabia disso e teve o bom senso para não permitir que a situação
ficasse fora de controlo. - Está bem - disse de bom grado. - Crissy,
telefono-te para a semana e alugamos um filme no meu dia de folga.
- Óptimo - disse, sorrindo-lhe. - Obrigada pelo almoço.
Cash encolheu os ombros.
- Gostei muito. Até logo, Judd.
Judd assentiu e Cash virou- se com indiferença, como se não percebesse a
clara ameaça da postura de Judd.
Crissy sabia que ele estava furioso. Imaginava que se devia àquilo que
Cash tinha dito à sua modelo. Pegou na sua bolsa e colocou-a ao ombro.
Judd voltou-se para ela e olhou-a com desaprovação.
92
- Podias ter mudado de roupa em vez de vir assim à cidade.
- Se não gostas da maneira como eu estou, então, vai tu mudar o gado de
sítio, percorrer a cerca, verificar os bebedouros, limpar os estábulos,
fazer.
Judd levantou uma mão e suspirou zangado.
- Sei que precisamos de mais mão-de-obra. Não gosto que tenhas que
trabalhar.
- Sou filha de um rancheiro - recordou-Lhe. - Não estou a fazer nada que
não tenha feito desde que o meu pai me montou num cavalo pela primeira
vez.
Judd contemplou os seus grandes olhos castanhos e reparou nos círculos
que os rodeavam, nas novas rugas de tensão do seu rosto.
- Estão a dar-te cabo dos nervos, não é? - perguntou-lhe. Crissy não teve
que lhe perguntar a que é que ele se referia.
- Não pude mudar de roupa porque tinham a entrada do meu quarto bloqueada
- disse. - Já tinha deixado o realizador assistente furioso por deixar os
meus livros sobre a mesa da cozinha. Tive que os guardar na çalinha até
gravarem a cena. É a minha casa e tenho que pedir permissão para usar a
casa de banho. É claro que me estão a dar cabo dos nervos! - inspirou
devagar. Mas precisamos do dinheiro, por isso não importa.
Judd deu a volta e saiu do café. Ela seguiu-o até ao seu todo-o- terreno
preto. Esperou que ambos estivessem sentados, com o cinto posto, para
arrancar e continuar a falar.
- Sim, precisamos do dinheiro - reconheceu em voz baixa. - Detesto ter
que me lembrar, mas é a verdade. Quero que termines os teus estudos antes
de procurares um trabalho - lançou-lhe um olhar eloquente.
- Devias estar a ir a festas, a dançar e a divertir-te, como as outras
jovens da tua idade, em vez de fazeres as tarefas sujas do rancho.
93
- Estou a ver - assentiu. - Estás a incitar-me a cometer adultério para
me poderes sacar uma pensão quando te divorciares de mim.
Judd hesitou e, depois, desatou a rir.
- Recuperarei o tempo perdido quando tivermos a anulação. Entretanto,
sairei calmamente com Cash.
- A sério?
Virou a cabeça para ele.
- A sério o quê?
- Isso com o Cash. É calmo?
- Cash é meu amigo, Judd - disse-lhe. - Sei que achas que estou
asquerosamente agarrada a ele, mas fiz uma promessa e penso cumpri-la até
já não ser preciso.
Judd detestava o prazer que aquela afirmação produzia. Para ele, deveria
ser igual que ela saísse com outros homens ou não. Ele queria a sua
liberdade. Nem sequer Tippy era um risco nesse sentido. Christabel, por
outro lado, era. Iluminava-o por dentro. Quando estava triste, ela
animava-o com uma piada, um sorriso e com aquele humor extravagante que a
caracterizava. Nunca tinha conhecido ninguém que o fizesse sentir-se
completo. A ideia de perder tudo aquilo por causa de outro homem
inquietava-o. Continuava a sonhar com ela em lingerie vermelha. Afastou
essa ideia. Não pensava abrir essa caixa de Pandora. Recordou-se de algo
que Cash tinha dito antes de ir embora.
- Que pista queria seguir Cash?
- Não faço ideia - disse Crissy com uma despreocupação resoluta. - Sacou
de um bloco, anotou qualquer coisa e disse que tinha que seguir uma
pista.
- Ah.
- Continuas sem acreditar que envenenaram o nosso novilho?
Judd assentiu e olhou para ela.
94
- Diz a Nick que arranque aqueles trevos que causaram a cólica. Se vamos
alimentar o gado com erva, tem que ser só isso, erva.
- Está bem - disse Crissy e ficou em silêncio, desejando poder falar com
ele como falava com Cash, sem que ele desfizesse as suas ideias como se
fossem pó.
- Porque é que achas que o envenenaram? - perguntou Judd de repente.
Crissy queria contar-lhe tudo: as cercas cortadas, as vacas prenhas que
quase perderam, aquilo que Hob lhe tinha contado, aquilo que ela tinha
contado a Cash, o touro morto de Fred Brewster. Mas não tinha provas e
não queria sentir-se vigiada cada vez que saísse a cavalo sozinha pelo
rancho. Podia investigar sozinha aqueles incidentes, não era nada do
outro mundo. Além disso, Judd já tinha demasiados problemas na cabeça com
o assassinato brutal que estava a resolver. Sabia que ele tinha visto a
vítima e isso deveria tê-lo afectado.
- Por causa de uma coisa que ouvi, nada maisdisse passado um minuto. -
Certamente, não eram mais do que rumores relacionados com os irmãos
Clark. Não gostam muito deles por aqui.
- A quem o dizes - corroborou, distraído. Seguiu pela estrada do rancho
levantando pó. - Foram despedidos de meia dúzia de trabalhos neste último
ano. Não ficam muito tempo no mesmo sítio.
- De onde é que eles são? - perguntou Crissy com curiosidade.
- Não faço ideia.
Quem sabe se não poderia comprová-lo ela mesma. Brincou com o botão da
janela.
- Ainda tens aquela pistola de imitação de calibre 45 que dispara balas
de calibre 22?
- Sim, porquê?
- E que tal se a limpasses e arranjasses algumas munições? Apetece- me
praticar tiro ao alvo.
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- Porquê?
Crissy ouviu uma gargalhada nas suas costas, grave, lenta e apreciativa.
- Tem calma, Gary - disse Judd ao realizador assistente. - Não convém
fazer-Lhe saltar a tampa.
- Já vi - Gary riu, mas sem vontade. - Desculpe, menina Gaines - murmurou
contrariado. Ela assentiu com rigidez. - Da próxima vez poremos um cartaz
- acrescentou e virou-se.
Crissy olhou para Judd com curiosidade, porque surpreendia-a que ele
tivesse entrado em casa. Não sabia que ele a tinha visto cair e que tinha
entrado a correr para se certificar que ela não se tinha magoado. Naquele
momento estava a olhar para ela com um estranho fulgor nos seus olhos
negros.
- Estás bem? - perguntou Judd em voz baixa e aproximou-se para a
observar. Ela assentiu, sentindo-se lisonjeada pela sua preocupação.
- Um pouco desconcertada, nada mais. Tropecei no cabo.
Judd também assentiu. Mas a maneira como ele a
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olhava naquele momento era diferente. Nova. Nada familiar.
Crissy ficou a pensar naquele olhar toda a noite, sem chegar a entendê-
lo.
Tippy Moore continuava furiosa e não era muito diplomática. Na manhã
seguinte, estava à espera de Crissy antes que ligassem os geradores.
- Diz a esse. a esse patético polícia de aldeia que irei calçar os
sapatos que me apetecer - resmungou com o olhar em chamas. Crissy abriu
muito os olhos.
- Desculpe?
- É claro que sei andar de saltos altos - prosseguiu Tippy, sem se
afastar. - E proibo-o que me dirija a palavra a partir deste momento,
nunca mais. Só estava a ser amável com ele. Não sei para quê!
Crissy continuava demasiado surpreendida para responder. A modelo estava
verdadeiramente furiosa.
- E não estava a meter-me com ele! - continuou Tippy Moore a dizer. - Só
estava a ser educada. Fez com que eu me sentisse como se tivesse uma
doença contagiosa. Pois não estou interessada em nenhum polícia de
aldeia, quando posso ter o homem que me apetecer! Diz-Lhe!
A reacção da mulher à atitude de Cash era curiosa.
- Cash não gosta muito de mulheres - disse Crissy, tentando suavizar o
golpe. Não podia explicar- lhe a reacção de Cash, não lhe competia a ela
fazê-lo.
- Gosta de ti - foi a resposta áspera de Tippy, seguida de um olhar que
dizia claramente: Vá- se lá saber porquê.
- Sou apenas uma rancheira - disse Crissy suavemente. - Não visto roupa
bonita, nem o ameaço de ne nhuma maneira. Somos amigos.
A modelo continuava zangada.
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- Aposto que te habituaram mal desde pequena - resmungou distraidamente.
- Estavam pendentes de ti a todas as horas e davam-te tudo o que querias.
A menina do papá - acrescentou com sarcasmo.
Crissy ficou tensa.
- Num rancho ninguém se habitua mal, menina Moore - replicou friamente. -
Não há tempo. Toda a gente contribui, ou o negócio vai à falência.
Atrás dela, a ruiva fez uma careta e cerrou os seus belos lábios. No
fundo, doía-lhe ver a jovem afastar-se com o seu orgulho ferido, o que
era visível pelo seu porte rígido.
Interromperam a gravação ao fim de alguns dias para transferir a equipa
para a cidade e filmar lá durante uma semana. Christabel podia desfrutar
da casa temporariamente. excepto pelos materiais que ti nham deixado e
dos quais tinha que se desviar.
Judd não regressou até à quarta-feira seguinte e veio com Tippy. Crissy
acabava de selar uma égua, e estava a tirá-la do celeiro quando pararam o
carro diante do alpendre. Tinha guardado uma espingarda na bolsa que
estava pendurada na sela. Estava de botas, casaco e calças de ganga e com
um chapéu Stetson preto e velho no alto da sua cabeça loura.
- Onde vais? - perguntou-lhe Judd, enquanto ajudava Tippy a sair do todo-
o-terreno. A modelo tinha um vestido verde de seda que parecia simples e
que devia ter custado um dinheirão. Comparada com Christabel, parecia uma
rainha. O vestido fazia conjunto com o anel de esmeralda e diamantes que
Judd lhe tinha comprado. O brilho que o anel tinha feria o coração de
Crissy.
- Vou percorrer a cerca - disse com uma voz inexpressiva. Não acrescentou
que tinham cortado outra vedação de arame farpado. Nick tinha acabado de
lhe telefonar para o telemóvel a contar-lhe. Estava à espera dela com
dois dos vaqueiros.
- Em pleno dia? - perguntou Judd, com o sobrolho franzido. - Viemos
almoçar. Faz-nos companhia.
- Podem almoçar com Maude - disse-Lhe e montou agilmente sobre a sela. -
Tenho trabalho para fazer.
- Porque é que não estás nas aulas hoje? - insistiu Judd, chateado com a
sua atitude sombria.
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- A minha professora de matemática tem um filho doente e a de inglês
cancelou a aula para ir a um funeral.
Judd reparou na espingarda e franziu o sobrolho.
- E essa arma?
Crissy tomou as rédeas com as suas mãos enluvadas e olhou-o zangada.
Tippy estava de pé junto a ele, muito perto.
- Levo sempre uma espingarda. Os homens viram um lobo - mentiu.
- Não podes matá-lo - disse Judd asperamente. - É contra a lei.
- Eu sei - replicou, - mas posso assustá-lo com os tiros se ameaçar o
gado.
- Comeste?
Meu Deus, como era insistente.
- Tomei o pequeno-almoço - disse-lhe. - De qualquer forma, não costumo
almoçar. Tenho que me ir embora.
Fez girar a sua égua, sem cumprimentar nem olhar para Tippy e afastou-se
antes que Judd pudesse dizer mais alguma coisa.
- Não me agrada - resmungou. - Passa-se alguma coisa. Ela está estranha.
A modelo pendurou-se no seu braço e forçou um sorriso.
- Adorava comer qualquer coisa, Judd - disse-lhe.
- Vamos. As adolescentes são muito volúveis. Eu era, na sua idade.
- Christabel tem vinte anos. Quase vinte e um. Aquilo foi uma surpresa.
Tippy tinha-a tomado por uma miúda. Viu a sua rival com novos olhos. O
anel que trazia tinha- a feito sofrer. Claro que ela não se devia
importar com isso.
- Ainda é muito jovem - insistiu. - Está na idade em que se esquece
facilmente - acrescentou, mais para
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seu próprio benefício do que dele - Vamos. Dá-me de comer.
Judd estava a ver Christabel a afastar-se no cavalo e sentia-se vazio.
Não o tinha olhado nos olhos. Não lhe tinha sorrido. E porque é que
precisava de uma espingarda? Porque é que ia verificar a cerca sozinha?
Queria respostas. Assim que deixasse Tippy em Jacobsville, no sítio onde
estavam a gravar, regressaria para pedir explicações a Christabel.
Crissy encontrou o seu capataz, Nick, e Brad, um dos seus três homens de
trabalho a tempo parcial, ajoeLhados junto a um touro no pasto onde
tinham cortado a cerca. Temendo o pior, desmontou e ajoelhou-se junto do
animal. Era um touro Hereford, o melhor que tinha. Estava morto.
- Maldição! - resmungou.
- Sinto muito - disse Nick. - Pensava que estes touros estariam a salvo.
Devia ter adivinhado.
- A culpa não é tua, Nick. Mas desta vez, quero respostas. Quero que
venha um veterinário e que se tire uma amostra de sangue. Se tiver sido
envenenado, como os outros, quero provas. Deixo as aulas e vou procurar
um trabalho para pagar os seus honorários, se for preciso.
- Vou chamá-lo agora mesmo - tranquilizou-a. Crissy deu uma palmadinha ao
touro na cabeça, sentindo vontade de chorar. Tinha feito tantos planos
para ele no seu novo programa de cruzamentos. Via-o tão indefeso, tão
vulnerável.
Levantou-se e aproximou-se da vedação de arame farpado. O método com que
a tinham cortado era o mesmo das duas cercas anteriores. A mesma pessoa.
Suspirou com fúria e impotência. Alguém tentava retirá-los do negócio.
Tinha que ser Jack Clark, mas como poderia prová-lo?
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Nick guardou o telefone e aproximou-se dela.
- O veterinário disse que virá por volta das cinco. Vai telefonar-me
quando sair para vir cá. Devíamos tirar fotografias da cerca cortada -
acrescentou. - Guardei os outros arames, como me pediste. E devias contar
a Judd ou pelo menos, à polícia local - disse com firmeza. - É perigoso
cavalgares por aí sozinha, mesmo com a espingarda.
Crissy sabia que ele tinha razão, mas custava-lhe reconhecer. Além disso,
não ia fazer o que Nick Lhe pedia.
- A partir de agora, vou verificar a cerca com um dos homens - mentiu com
convicção.
- Muito bem - Nick acompanhou-a com a sua égua. - Trarei um rolo e usarei
a máquina fotográfica do barracão para tirar fotografias do corpo.
- Ouve, Nick. Judd já tem bastantes problemas com o caso que está a
resolver em Victoria. Não quero preocupá-lo com isto.
- Ele é dono de metade do rancho - recordou o capataz com firmeza. - Tem
direito de saber o que se está a passar.
Antes que Judd pudesse voltar ao rancho para interrogar Crissy, Leo Hart
telefonou para saber uma certa informação sobre o pai do seu touro
Salers. Disse que o homem de Victoria que os criava, Jack Handley, tinha
despedido os irmãos Clark e tinha perdido o seu touro Salers campeão e
quatro touros jovens filhos daquele macho em circunstâncias misteriosas.
Ao saber que o touro de Christabel tinha morrido, encarregou-se de fazer
a autópsia a um dos seus exemplares e encontraram veneno. Tinha feito
umas investigações e descobriu um padrão de roubo de gado e vinganças dos
irmãos Clark que remontava há dois anos atrás. Pelo menos quatro
rancheiros tiveram problemas similares com eles. Os Clark eram suspeitos
da morte dos touros de Handley, mas tinham álibis. John tinha estado em
Jacobsville a visitar o irmão e tinha uma testemunha, um homem chamado
Gould que jurou que eles estavam com ele num rodeo quando tiveram lugar
os envenenamentos. De facto, Gould trabalhava para Handley e tinha fama
de vaqueiro honrado que nunca causava problemas.
Crissy contou o sucedido a Cash durante uma das suas tardes de pesca no
tanque de trutas dos arredores da cidade. Era um gosto que ambos
partilhavam. e que Lhes proporcionava um bom jantar, quando pescavam
alguma coisa. O tanque permanecia aberto até ao dia trinta e um de
Outubro e estava quase. As tardes eram frescas, soalheiras e agradáveis
naquela época do ano.
- Leo disse que tentou contar a Judd, mas que ele estava com pressa e não
tinha tempo para o ouvir - disse enquanto estavam sentados com os pés
pendurados
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no cais, vendo as suas bóias flutuar. Cash olhou-a e endireitou o seu fio
de pesca.
- Tiveste mais algum problema?
Crissy negou com a cabeça.
- Sei que os Clark são culpados. Só desejava poder provar.
- Recebemos uma informação sobre uma carrinha preta com uma faixa
vermelha, como a que Hob Downey viu estacionada perto da tua vedação de
arame farpado, relacionada com o assassinato ocorrido em Victoria. Mas
percorremos todos os ranchos de Jacobsville e não encontrámos nenhuma que
correspondesse a essa descrição. Se era dos Clark, podem ter-se desfeito
dela depois que Downey a viu.
O veterinário confirmou que envenenaram o touro Hereford. Crissy tinha
dito a Cash, mas não a Judd.
Cash ficou a olhá-la um longo bocado, depois, voltou a pousar o olhar no
lago.
- Se envenenaram os teus touros, vamos apanhá-los.
- Devíamos perguntar a Hob se voltou a ver aquela carrinha preta em algum
lado desde entãocomentou Crissy. Pode ser que se tenha lembrado de algo
mais.
- Falaste com ele sòbre o último touro envenenado?
- Não - confessou. - O Hereford não estava num pasto próximo da sua casa.
Não pode ter visto nada.
- Que tal se passássemos a vê-lo no regresso ao rancho e falássemos com
ele de qualquer forma?
Crissy sorriu.
Se apanharmos mais alguns peixes, podíamos dividi-los com ele. Ele adora
truta grelhada. O meu pai e ele costumavam pescar juntos.
- Não falas muito do teu pai - comentou Cash. Crissy respirou fundo.
- Quando estava sóbrio, era um homem maravilhoso.
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Mas as cicatrizes que me deixou são profundas, física e emocionalmente.
Às vezes, dói-me recordar.
Cash limitou-se a assentir, mas o seu semblante dizia tudo.
Meia hora depois, guardaram as seis trutas numa geleira e dirigiram- se
para a modesta casa de Hob Downey.
- Mas isso não passava de uma vedação de arame farpado cortada, nem
sequer roubaram nada! - exclamou. - Hob não sabia dizer quem eram e,
ainda que soubesse, eles não iam matar ninguém.
Cash não disse nada. Tinha o olhar cravado na casa na qual se concentrava
toda a actividade. Passado um minuto, deixou Crissy na carrinha e foi
falar com o médico forense.
Minutos depois, Judd apareceu no seu todo-o-terreno, seguido de uma
furgoneta da polícia.
Cash foi ao seu encontro. Judd lançou um olhar para a carrinha onde
Christabel estava sentada e hesitou, mas Cash indicou-Lhe que subisse ao
alpendre. Entraram na casa com os outros agentes e polícias e demoraram
alguns minutos a sair.
Christabel tinha tomado três longos goles de conhaque da garrafa de Cash.
O álcool tinha-a serenado, mas duvidava que pudesse voltar a fechar os
olhos sem ver o que tinha restado do pobre Hob Downey. Era evidente que
estava morto há vários dias, a julgar pelo estado de decomposição do
corpo. Mal o reconhecia.
- Christabel.
Ouviu a voz grave de Judd como se lhe chegasse através da névoa. Judd
levantou o rosto e observou-a com um olhar preocupado.
- É o choque - disse-lhe Cash em tom lúgubre. Nunca viu nada parecido.
Vou levá-la ao hospital para que lhe façam um check-up.
- Nem pensar - disse Crissy com voz rouca. - Eu estou bem.
Judd fez uma careta.
- Não tinhas que ver isto - disse asperamente e olhou para Cash zangado.
- Ele tentou deter-me - defendeu-o Crissy, - mas
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eu não lhe fiz caso - pôs-se de pé, com uma certa hesitação e passou a
garrafa a Cash.
Respirou de forma entrecortada.
- O que é que isto tem? - perguntou Judd a Cash, indicando a garrafa.
- Sumo de laranja - disse Crissy com firmeza. Não pode ser conhaque,
porque sou menor de idade e Cash nunca violaria a lei por mim.
Judd sabia que Cash a tinha violado, mas as circunstâncias eram extremas.
Não era o momento de ser picuinhas.
- Está bem. Cash, leva-a a casa. Eu não posso ir-me embora enquanto a
polícia não terminar o seu trabalho
- parecia ficar chateado por ter que a deixar ir com Cash. Christabel
ficou a olhar para ele.
- É um homicídio, não é? - perguntou em voz baixa
- Achas que alguém o matou!
Judd desviou os olhos.
- Tenho que verificar todas as possibilidades - trocou um olhar com Cash.
- Assim que se perdem as provas, não se podem recuperar. Tira-a daqui,
Cash.
O olhar de Jack Clark gelava-lhe o sangue. Era o mesmo olhar que Lhe
tinha dirigido durante o breve espaço de tempo em que esteve a trabalhar
no rancho. Ele gostava de mulheres, mas nenhuma lhe prestava atenção.
Tinha os dentes podres e uma atitude desagradável. para não falar da
vulgaridade com que falava com uma mulher. Era um tipo feio, com pouco
cabelo, magro e com um aspecto repugnante. Andava sempre com a roupa
amachucada e o cabelo sujo. Era a pessoa mais repulsiva que Crissy já
tinha visto. Usava uma camisa de flanela com tons negros, amarelos e
verdes que a tornava tão asquerosa como ele.
- Já disseste o que querias - disse Crissy asperamente. - Levantou a
arma, premiu a tecla do telemóvel que tinha gravado o número de Cash e
ficou a olhar com uma fria deliberação. - Ultrapassaste os limites da
minha propriedade. Quero que te vás embora agora mesmo. Acabo de marcar o
número do subchefe da polícia. Só tenho que carregar num botão e ele
saberá onde estou e porque lhe estou a telefonar.
Clark hesitou. Media a distância que os separava. Sabia que, mesmo que
ela marcasse o número, não atenderiam logo. Fechou os punhos e sorriu
maliciosamente. Deu um passo rápido em frente.
Naquela fracção de segundo, Crissy apoiou a espingarda no ombro e
apontou.
- Tirei a patilha de segurança - disse com calma. Tu decides.
Clark deteve-se em seco quando ela levantou a espingarda. Voltou a
hesitar, como se estivesse a medir a distância pela segunda vez e
calculando com que rapidez
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ela poderia disparar. Mas bastou olhá-la nos olhos para saber que Crissy
apertaria o gatilho se ele desse mais um passo. A sua atitude ameaçadora
mudou.
- Não é justo que tentes disparar contra um homem só porque ele te fez
uma pergunta civilizada - disse furioso.
- O braço começa a cansar-me - replicou Crissy.
Clark praguejou. Foi uma palavra vulgar acompanhada da careta lasciva
mais asquerosa que Crissy já tinha ouvido.
- De qualquer forma, não vale a pena. És mais rapaz do que rapariga,
apesar de seres loura. Prefiro algo bonito.
- Tens cá uma sorte - resmungou Crissy.
- Uma vez tive uma mulher loura e bonita - atirou-lhe e corou. Rodou
sobre os calcanhares e regressou à estrada pela zona arborizada. - Vais
pagar-mas!
- gritou-Lhe. Lamentarás ter aberto a boca.
Tremiam-lhe as mãos quando Crissy pôs a patilha de segurança na
espingarda. Ouviu o ruído de um motor e avistou uma carrinha de cor
vermelha. Clark passou de longe, buzinando com uma atitude provocatória
enquanto se afastava.
Não era uma carrinha preta com uma faixa vermelha.
Retomou o ar que estava a conter. Guardou a espingarda e regressou a
casa. Não a surpreendia que o seu coração estivesse a bater no seu peito
como um tambor.
Queria pedir conselho a Maude. Tinham sido uns minutos aterradores e não
sabia o que fazer.
Mas Maude não estava em casa quando ela voltou. Preparou uma chávena de
café e decidiu que, naquele momento, não podia enfrentar o problema
sozinha. Tirou o telemóvel de Cash da bolsa, marcou o número do seu
escritório e esperou que alguém atendesse.
123
Atendeu ele mesmo.
- Cash, podes vir ao rancho por uns minutos? - pediu-lhe com a voz
trémula.
- Estás bem? - perguntou Cash de seguida.
- Sim. Jack Clark esteve aqui. Tive que o ameaçar com a espingarda.
Notou que Cash hesitava.
- Eu sei - disse passado um minuto. - Está aqui, no meu escritório, a
formalizar uma denúncia. Diz que lhe apontaste uma espingarda sem
provocação prévia. Quer que eu te detenha.
124
Oito
Crissy não sabia o que dizer nem o que fazer. Imaginava-se a ser algemada
e presa. Isso iria alegrar o dia de Jack Clark, pensou com tristeza:
Respirou de forma entrecortada.
- Queres que me vá entregar? - perguntou, meio a brincar. Cash falava com
frieza.
- Não. Eu ocupo-me disto. Vejo-te dentro de alguns minutos - disse e
desligou.
Crissy olhou em volta. Contemplou os aparelhos e cabos deixados pelo
pessoal das filmagens e sentiu-se impotente. Judd estava extasiado com a
modelo. O rancho iria cair a pique por falta de capital e de touros. Ela
iria para a prisão. Deu uma gargalhada quase histérica e perguntou-se se
poderia vender a sua história ao produtor. Seria um filme muito mais
emocionante do que aquela comédia romântica.
Cash parecia sentir-se satisfeito consigo mesmo quando entrou na sala.
Vinha fardado, estava bem arranjado e a visita de Clark não o tinha
afectado minimamente:
Crissy, pelo contrário, estava pálida e preocupada.
- Queres algemar-me? - perguntou-lhe. Cash riu-se.
- Não, quero café.
Crissy entrou na cozinha e deixou que ele a seguisse.
125
- Não vais prender-me?
- Não - sentou-se e esperou que ela servisse café em duas chávenas. -
Esqueceste-te? O teu rancho fica fora dos limites da cidade, não estás na
minha jurisdição. Clark sabe disso, só queria dar-te um susto.
- Não me vai deixar em paz - disse preocupada enquanto se sentava junto a
ele. Cash colocou os seus dedos frios na mão dela.
- Disse-lhe que qualquer mulher sozinha, perante um homem ameaçador,
tinha direito de se defender. Além disso, estava numa propriedade privada
sem autorização. Ele é que tinha tudo a perder. Não quis abusar da sorte.
Crissy suspirou, aliviada. Cash observou-a em silêncio.
- Ele mete-te medo - disse.
- É vulgar e ofensivo. Fazia-me claras insinuações quando trabalhava no
rancho.
- Contaste isso a Judd?
Crissy mexeu a chávena nas mãos.
- Claro que não, eram desvarios. Pensei que podia controlá-los. Disse a
Clark que não gostava das insinuações e que perderia o emprego se
continuasse assim.
- Funcionou?
- Não sei, porque foi antes de pôr na nossa conta aquelas botas caras e o
despedirmos.
- Ele tem antecedentes.
- Sim. Mas tem um álibi muito sólido durante o intervalo em que morreu
Downey. De facto, tem um álibi muito sólido durante todo esse dia.
Crissy esperou. Cash subiu para a carrinha e apertou o cinto de
segurança.
- Estava com uma vizinha conhecida de Victoria.
- É uma testemunha fiável?
- Sim, por azar. Disse aos investigadores que Clark passou pelo seu
escritório e a convidou para almoçar. Disse que queria falar com ela
sobre a compra de umas terras. ela tem negócios imobiliários. Levou-o a
ver duas propriedades diferentes. É estranho, mas não ilegal. Por isso,
Jack Clark não é um suspeito - disse com um suspiro. - Mas não te
preocupes, encontraremos o assassino.
128
- E o seu irmão John? - perguntou Crissy. - Tem álibi?
- Estava com um colega daquele rancho de Victoria onde trabalha.
- Não posso acreditar que Clark quisesse que tu me prendesses - disse e
esfregou os braços.
- Precisas de úma camisola - disse Cash, fixando-se na camisa de manga
comprida que Crissy usava por cima da t-shirt.
- Não tenho frio. Pensar no que podia ter acontecido se não tivesse
levado a espingarda é que me põe com pele de galinha.
Cash não disse nada. Dirigiram-se ao campo de tiro e passaram duas horas
a apertar o gatilho. Crissy parecia ter um talento natural. Era capaz de
disparar sempre num raio aproximado do torso de um homem, mas a ideia de
disparar contra um ser humano provocava-lhe náuseas.
- Por isso é que estás a aprender a disparar como deve ser - disse Cash.
- Assim podes escolher onde o ferir - E se falhar?
Virou-se para ela.
- E se não disparares?
Pensou em Clark e em como ele a tinha olhado, nas coisas que tinha dito.
Engoliu o seu orgulho.
- Está bem. Vamos tentar outra vez.
Doíam-lhe as mãos quando terminaram, mas mane java a pistola com mais à
vontade. Cash prometeu
levá-la pelo menos uma vez por semana para que exercitasse a sua
pontaria. E, no final do dia, Crissy esqueceu que Cash não lhe tinha
prometido não contar a Judd o que estava a acontecer.
A equipa de filmagens regressou ao rancho e o caos voltou a ser a tónica
geral. Judd aproximou-se dela por
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trás exactamente quando Crissy descia da carrinha. Não sorria e olhava-a
com um semblante homicida.
- Cash contou-te tudo - murmurou Crissy resignada.
- Sim. Coisa que tu deverias ter feito, há muito tempo - resmungou. -
Este rancho também é meu. Tenho direito de saber se corre perigo. se tu
corres perigo.
- Não corro perigo nenhum. Sei disparar uma pistola...
- Clark ultrapassou os limites do rancho e tu não te deste conta até que
ele te apareceu no caminho - interrompeu-a, furioso. E se ele também
estivesse armado?
- Não tinha pistola.
- Isso é o menos. Deverias ter-me dito!
Como era natural, Crissy não podia ficar eternamente no quarto. Saiu para
jantar. Surpreendeu-se ao ver que o pessoal das filmagens continuava lá,
apesar de estarem prestes a ir embora.
Tippy Moore dirigiu-lhe um olhar estranho, como se reparasse como eram
velhas e gastas as suas calças de ganga e a sua camisa. Fixou-se na
pintura descascada das portas e nas manchas amarelas no tecto do
corredor, vestígios de uma goteira.
- Precisa de alguma coisa, menina Moore? - perguntou Crissy bruscamente.
Tippy suspirou.
- Não sabia que as coisas estavam tão mal - começou a dizer.
- O meu rancho não é um assunto seu - respondeu-lhe Crissy.
- Por enquanto não - foi a suave réplica. Para enfatizar a sua afirmação,
fez girar o anel de esmeralda e diamantes. Usava-o no dedo anelar da mão
esquerda, o indicado para os anéis de noivado.
Crissy quase morreu. Judd estava a pensar casar-se. Então era melhor
solicitar primeiro a anulação, pensou com um humor negro.
- Os seus colegas foram- se embora - advertiu Crissy à modelo.
- Ah. Judd costuma levar- me à cidade - replicou Tippy, quase num
murmúrio de prazer.
Enquanto o dizia, Crissy ouviu o som familiar do todo-o-terreno de Judd.
Não disse mais nada. Entrou na cozinha e entreteve-se a ajudar Maude a
descascar batatas, para não ter que voltar a ver Judd.
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Tippy saiu para cumprimentar Judd e rodeou o seu braço com as mãos
perfeitamente cuidadas.
- Começáva a pensar que não vinhas. Christabel passou toda a tarde no
quarto, depois da vossa discussão - acrescentou em tom frívolo. Céus, é
extremamente imatura, não é?
Judd hesitou, mas só por um segundo. Saiu com Tippy, subiu para a
carrinha com ela e afastou-se.
A partir daquele momento, as visitas de Judd coincidiram com o horário
das aulas de Crissy e não foi por acaso. Era a segunda semana de Novembro
e Crissy faria vinte e um anos na sexta-feira. Desde que se tinha casado
com Judd, este sempre a tinha convidado para jantar no seu dia de
aniversário e sempre lhe tinha dado um pequeno presente. geralmente, algo
prático, como um programa de computador ou um CD de música que ela
gostasse.
Tinham discutido, mas Crissy não esperava que ele se esquecesse do seu
aniversário, apesar das circunstâncias. Tinha um pouco de dinheiro de
parte para uma emergência e usou-o para ir aos armazéns de Jacobs ville.
Se Judd podia comprar um anel de esmeralda e diamantes à sua namorada,
Crissy tinha direito de comprar um vestido novo em cada dois anos.
Escolheu um de cor azul pálido que lhe caía com airosas pregas até aos
tornozelos. Era cintado e decotado e tinha mangas curtas em balão e um
enorme lenço a condizer. Deixaria o cabelo solto, pensou, e iria ondulá-
lo para que ficasse perfeito na sua única noite do ano com Judd.
Mas chegou a sexta-feira e continuava sem notícias dele. Saiu mais cedo
das aulas para poder lembrá-lo de que era o seu aniversário, se por acaso
se tivesse esquecido, mas Judd não apareceu no rancho naquele dia. Tippy
Moore também não.
133
- Por nada. Não passou de um pensamento fugaz - deu uma vista de olhos ao
relógio que usava no pulso esquerdo. - Tenho algumas coisas para fazer
antes de acabar o meu turno às cinco - franziu o sobrolho. Disseste que
Maude foi para casa da sua irmã. Quem ficará aqui contigo?
- Ninguém, claro. Mas Maude regressará amanhã bem cedo.
Cash não achava muita graça. Judd estava a ser descuidado, principalmente
depois das ameaças de Jack Clark.
- Estás preocupado - disse Crissy. - Porquê? Sentiu-se relutante em
contar-lhe e notava-se.
- Jack Clark jurou diante de, pelo menos, uma
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testemunha, que pensa fazer-te pagar caro o facto de o teres ameaçado com
uma espingarda.
- Não se conformou em denunciar-me? - brincou.
- Não tem graça, Crissy - disse Cash.
- Não, mas isso não é mais do que outra gota no charco da minha miséria -
disse-Lhe. - Ultimamente, a minha vida não tem sido um mar de rosas.
- Quero que te tornes obcecada com a segurança, que feches portas e
janelas à noite, mesmo que Maude esteja aqui. Se algum veículo estranho
se aproximar da porta, assegura-te que sabes quem é antes de abrir. Não
te separes dessa pistola. Tens ajudantes no rancho, não tens?
Crissy sentia os joelhos fracos. Nunca tinha tido que se preocupar com os
intrusos. Vivia numa velha casa vitoriana com janelas grandes e pouca
segurança. Contemplou a pistola que estava sobre a mesa.
- Agora temos três vaqueiros a tempo parcialmurmurou. - E Nick, o nosso
capataz. Judd contratou-o - levantou o olhar. - Trabalhou como polícia na
Geórgia quando saiu da academia, antes de se mudar para o Texas e tem boa
pontaria.
- Fico contente. Isso tranquiliza-me um pouco. Estarão cá este fim-de-
semana?
Crissy pestanejou.
- Alguns. Nick. Não costuma sair muito.
Cash não parecia muito convencido. Acabou o seu café e pôs-se de pé.
Tirou um cartão, deu a volta à mesa, pegou numa caneta do bolso da camisa
e anotou um número nas costas. Passou-o a Crissy.
- É o número do meu outro telemóvel. Tenho-o sempre comigo e nunca está
desligado - acrescentou com solenidade. - Se precisares de mim, seja de
dia ou de noite, telefona-me. Mesmo que esteja fora de serviço, pelo
menos, posso fazer com que a polícia de Jacobsville venha cá num tempo
recorde de três minutos, se eu me demorar mais um pouco, entendido?
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Comoveu-se com aquele gesto. Sabia que Grier tinha fama de não fazer
amizades facilmente. No seu novo cargo de subchefe de polícia, já estava
a fazer inimigos no concelho pela sua atitude firme com os delinquentes.
Mas Crissy adorava-o. Era como se fosse da familia. Tinha feito mais por
ela do que qualquer outra pessoa, excepto Judd. Sorriu-lhe com afecto.
- Obrigada, Cash - disse em voz baixa. - A sério. Cash começou a andar
para a porta com ela atrás. Abriu-a e virou-se e a sua silhueta ficou
recortada contra o entardecer.
- Judd devia ter-te convidado para jantar num dia como hoje. Fazes vinte
e um anos!
- Nem sequer telefonou para me felicitar, Maude - disse Crissy com
franqueza.
- Não se lembrava que hoje era o teu aniversário e eu não tive coragem
para lho dizer quando falei com ele. Estava muito preocupado porque não
conseguia localizar-te no telemóvel. Telefonei-lhe há bocado e disse-lhe
que estavas bem - sorriu. - Não achou graça a teres saído outra vez com
Grier - acrescentou com um olhar satisfeito.
- Como se me importasse. Pelo menos, tive alguém com quem comemorar o meu
aniversário - replicou, com o olhar zangado. - Gostas do meu vestido?deu
uma volta. - Comprei-o para o vestir hoje, quando saísse com Judd.
- Minha pobre menina - Maude olhava-a com compaixão. Crissy levantou o
queixo com orgulho.
- Não sou uma menina. Já não. Sou uma mulher feita e começarei a
comportar-me como tal. Vou deixar de suspirar por um homem que jamais me
desejará. Sobretudo quando há um que quer estar comigo!
Maude não fez nenhum comentário. Limitou-se a sorrir com tristeza.
145
Na manhã seguinte, Christabel estava a dar de comer a um potro no celeiro
quando ouviu que um veículo parava diante da casa. Lançou um olhar para a
entrada e ouviu uma porta a bater. Judd avançava para ela.
O coração deu um salto e começou a bater desenfreadamente. Dava gosto
olhar para ele. Não se lembrava em que momento aquele andar gingão lhe
tinha acelerado o pulso. Trazia o seu uniforme de Ranger, incluindo a
estrela e a Colt 45 no coldre feito por medida. O chapéu Stetson de cor
creme caía-Lhe sobre os olhos, deixando a descoberto apenas o seu rosto
delgado, o nariz direito, os lábios finos e os maxilares quadrados.
Crissy apercebeu-se imediatamente de que tinha umas calças de ganga
rotas, botas enlameadas e uma blusa de quadrados verdes gasta, à qual
faltava um botão. Tinha o cabelo meio saído da trança e nem sequer tinha
pintado os lábios. Como se fosse de propósito, Judd aparecia sempre nos
seus momentos de maior desalinho, apesar de não se dever importar. Ainda
Lhe doía que se tivesse esquecido do seu aniversário e que tivesse saído
com outra mulher.
Adoptou um semblante inexpressivo quando ele se aproximou e voltou a
prestar atenção ao potro.
- A apanhar os maus, senhor Ranger? - brincou.
Judd deitou o chapéu para trás e olhou-a com os seus olhos negros
brilhantes.
- O que é isso de teres estado em Houston com Grier?
Crissy arqueou as sobrancelhas e ficou a olhar para ele como se tivesse
ficado louco.
- Há semanas que saio com Cash, não te tinhas dado conta?
- Por Jacobsville, mas não por lugares elegantes como Houston - replicou.
- Maude contou-me do ballet
146
- apertou os lábios no rosto bronzeado. - Esta manhã, passei para ver
Grier e ele disse-me.
- Gosto de Cash - disse com um olhar desafiante. Era uma declaração de
guerra e Judd entendeu-a assim.
Os seus colegas de Victoria sabiam que ele conhecia Tippy Moore e tinham-
lhe pedido como favor es pecial que a levasse à festa. Tinha-o feito sem
pensar. Tippy não se afastava dele e Judd sentia-se lisonjeado
148
por uma mulher tão bonita e tão famosa, o achar atraente. Mas era um
enigma. Tocava-lhe, de vez em quando, mas não gostava que Lhe tocassem.
Transformava-se em gelo com os homens que demonstravam o seu entusiasmo
pela sua cara e o seu corpo. Adorava os polícias e arranjava sempre tempo
para falar com eles, fosse qual fosse o motivo. Mas, em geral, sentia-se
desconfortável na companhia de outros homens e agarrava-se a ele quando
estavam acompanhados por outras pessoas, sobretudo quando aquele
realizador assistente, Gary Mays, se aproximava dela.
Era uma mulher completa. A sua companhia agradava-lhe e envaidecia-o. Mas
não tinha parado para pensar no que Christabel, que era legalmente sua
mulher, pensaria da sua relação. Ao sair com Tippy, estava a incitar
Christabel a fazer o mesmo com Grier.
Tinha aberto uma porta que já não poderia fechar e isso inquietava-o.
Detestava imaginar Christabel com Cash Grier, cujo passado era, na melhor
das hipóteses, dez graus abaixo do normal. Era perigoso e, só por estar
com ele, Christabel estava a correr riscos. Cash tinha inimigos.
Por outro lado, a própria Christabel corria perigo. Grier tinha-lhe dado
um sermão naquela mesma manhã por a ter deixado sozinha no rancho depois
do seu encontro com Jack Clark, com as ameaças que este lhe tinha
dirigido. Tinha sido negligente em todos os aspectos, incluindo no facto
de ter comprado á Tippy aquele luxuoso anel a que não se podia permitir.
Estava habituada a dar-se com homens ricos que a cobriam de presentes e
ele não o era.
Contemplou o anel com tristeza. Tinha ferido os sentimentos de
Christabel, que tinha passado toda a sua vida de casada a cuidar dele e a
tratar do rancho quando ele não podia. Tinha correspondido a essa
lealdade fazendo-a sentir-se insegura e insignificante. E
149
ela queria já a anulação, quando ele começava a sentir...
Desfez aquele pensamento com força. Não havia futuro para ele e
Christabel. Deveria tratar da anulação. De seguida, pensou que Cash Grier
queria assentar e que estava muito interessado em Christabel.
Apertou os dentes. Se Cash queria casar-se com ela, podia esperar
sentado. Não havia pressa para a anulação. Pressa nenhuma.
Tippy Moore regressou ao trabalho na segunda-feira de manhã e a primeira
coisa que disse a Crissy foi como se tinha divertido com Judd na festa em
Victoria.
- Fico contente - disse Crissy com um sorriso rasgado, - porque eu fui ao
ballet com Cash e jantámos e bebemos champanhe num restaurante de quatro
estrelas de Houston. Foi um serão memorável.
O triunfo de Tippy parecia insípido. Ignorava que Cash Grier fosse tão
culto e que tivesse dinheiro suficiente para ir ao ballet. Ao que parece,
a jovem não sabia o quão caro tudo aquilo era. A ideia que Judd tinha da
alta cozinha era um hambúrguer com batatas fritas. Tinha carinho por ele,
claro, e, no seu mundo, no seu trabalho, ele era uma raridade, um artigo
de colecção. Mas Tippy não tinha tardado a dar-se conta de que ele não
era rico. Bem, não era o seu dinheiro ou a falta dele que a
impressionava, disse para si, mas sim a sua profissão. Sentia-se a salvo
com ele, a salvo de outros homens. homens como Cash Grier, que eram uma
ameaça real.
- Não sabia que um polícia de aldeia sabia o que é um ballet - resmungou
Tippy.
- Cash tem um percurso interessante - comentou Crissy. - Também foi
Ranger do Texas e trabalhou para o Governo.
150
Tippy parecia incomodada.
- Sabes que garfo se utiliza em cada prato? - perguntou sarcasticamente.
- Ele ensinou-me - disse Crissy. - Isso e muitas outras coisas. Foi uma
bela comemoração. Na sexta-feira fiz vinte e um anos - acrescentou com
fria deliberação. Sentia-se melhor, apesar de ainda Lhe doer o
esquecimento de Judd.
Tippy baixou o olhar. Ignorava que tivesse sido o seu aniversário.
Sentia-se culpada e não entendia porquê. Era evidente que a jovem estava
apaixonada por Judd e que tinha querido celebrar com ele o aconteci
mento, mas ela não tinha nada a ver com isso! Voltou-se devagar e retomou
o seu trabalho.
O baile anual de criadores de gado celebrava-se no sábado antes do Dia de
Acção de Graças e Cash tinha pedido a Christabel que o acompanhasse.
Crissy estava encantada de não ter que ficar em casa naquela noite,
enquanto Judd ia com a super modelo ao baile. Sabia que Judd não a iria
convidar. Mal dirigiram a palavra um ao outro, para desgosto de Maude.
Grier, com o seu cabelo negro solto e levemente ondulado, a barba acabada
de fazer e bem vestido, estava imponente. Christabel sentia-se orgulhosa
de que a vissem com ele. Pelo menos, pensou com o coração apertado, ela
levava o seu bonito vestido azul, que ainda não tinha estreado em
Jacobsville. Não se sentia tão mal vestida e antiquada como no ano
anterior.
Judd nem sequer olhou para ela. Chegou tarde, acompanhado pela ruiva, a
tempo de ver Christabel e Grier na pista de dança. Ainda bem que quase
ninguém sabia que continuavam casados, pensou Crissy, porque teria
causado estranheza às pessoas o facto de cada um
151
vir com um par diferente. Crissy não afastava os olhos de Grier e sorria
com total despreocupação.
Cash arqueou uma sobrancelha quando a orquestra acabou de tocar a balada
e viu que Matt Caldwell falava com o maestro entre sussurros. Não
tardaram a começar a tocar um ritmo latino.
- Atreves-te? - perguntou-lhe Grier. Ela arregalou os olhos.
- Claro! - riu, lembrando-se do quanto se tinham divertido no Shea's.
Cash riu-se enquanto a levava para a pista de dança, na qual Matt e a sua
esposa eram os únicos ocupantes até ao momento.
- Está bem - murmurou Cash, marcando o ritmo. Vamos ensinar-lhes como é
que se dança!
Crissy proferiu uma exclamação, dando-lhe o acesso que ele queria. Judd
introduziu a língua entre os lábios de Crissy. Nunca tinha feito isso!
Crissy cravou-lhe as unhas nos braços enquanto umas estranhas palpitações
percorriam o seu baixo-ventre. Nunca tinha sentido nada igual.
Estremeceu, impotente, enquanto uma tensão ardente contraía os músculos
do seu sexo e a fazia sentir-se inchada por todo o lado. Não havia pausa
entre os beijos de Judd nem na maneira como a abraçava. Era a sério e ela
estava demasiado faminta por ele para lhe negar alguma coisa. Entregou-se
por completo, tremendo enquanto aceitava a sua paixão experiente com
entusiasmo feroz.
Quando, por fim, retirou a sua boca da dela, olhou-a com os olhos
semicerrados e um rosto duro como pedra.
Crissy mal o conseguia ver. Tinha o olhar turvo.
155
Sentia-se atordoada, emocionada, indisposta. Soltou os seus braços e pôs
as mãos sobre o algodão branco da camisa, alisando-a com impotência,
sentindo a sua força.
Judd também estava atordoado, mas decidido a não o reflectir. Afastou-a
empurrando-a suavemente e ficou a olhá-la com arrogância. Estava a vibrar
de paixão, mas ocultava isso com cuidado. Salvo pelo seu pulso acelerado,
nada o denunciava exteriormente.
- Diabos, não, não és livre de experimentar - disse rotundamente, num tom
mais grave do que o normal, mas igualmente áspero. - Nem sequer pus em
marcha os trâmites da anulação. Lembra-te disso. Se experimentares, com
Grier, estarás a cometer adultério!
Crissy levou os dedos aos seus lábios inchados. A cabeça estava às
voltas.
- Disseste que ias solicitar a anulação assim que eu fosse maior de
idade.
- Mas não o fiz - repôs Judd com voz gélida. - Não me ocorreu pensar que
estarias tão ansiosa por te rebolares com um dos meus amigos: e, menos
ainda, com um homem da idade de Grier!
- Só tem mais quatro anos que tu - acusou-o com a voz abafada.
- Se eu sou demasiado velho para ti, ele também é
- replicou de seguida. - Logo te digo quando é que nos concedem a
anulação. Até esse momento - acrescentou num tom curiosamente possessivo,
com olhos que devoravam o seu corpo esbelto, - és minha.
Os joelhos de Crissy fraquejaram ao ouvir aquilo. Detestava a sua
incapacidade de imaginar uma resposta engenhosa. Nem sequer conseguia
fingir que achava graça. Tinha os lábios inchados e ardentes, como o seu
jovem corpo. Ansiava por algo. Estava faminta, vazia. Nos lábios,
chegava-lhe o sabor de Judd, masculino, almiscarado, com um travo a
uísque.
156
Sentia o cheiro do aftershave no seu próprio rosto. Estava a afogar-se em
ânsias desconhecidas. Queria aproximar-se dele e sentir como o corpo de
Judd reagia ao dela quando se beijaram. Queria voltar a sentir os seus
lábios. Queria sentir a pele dele junto à sua.
- Legalmente - acrescentou quando o silêncio o deixou desconfortável. -
Quando a anulação for aprovada, o que fizeres não será assunto meu. Nunca
mais.
Rodou sobre os calcanhares e regressou ao salão, deixando Christabel de
pé sozinha no escuro, com a alma no chão.
Estava a regressar à sala de baile quando viu Judd sair pela porta
principal com Cash. Ao que parece, também havia algum problema entre Leo
Hart e Janie Brewster, porque saíam pela mesma porta lateral pela qual
Christabel e Judd acabavam de regressar: Mais tarde ouviu que Janie e
Harley Fowler tinham fascinado os presentes com uma valsa improvisada.
- Cash é meu amigo. Dou-me bem com ele, mas não quero casar com ele nem
nada disso.
- Judd acha que te casarias com ele - suspirou. - E Grier espera que tu o
faças.
161
Crissy abriu os olhos, surpreendida.
- É uma piada!
Maude negou com a cabeça.
- Não vês como ele te olha. Judd vê. Por isso, começou a ser hostil com
um homem que ele costumava considerar seu amigo. Está com ciúmes, Crissy.
Crissy sentiu as faces a arder, mas retomou a sua tarefa.
- Claro. Por isso comprou a Tippy um anel de noivado e levou-a a uma
festa no dia do meu aniversário, ele que nem sequer me deu um miserável
postal.
Maude queria poder explicar-Lhe, mas não podia.
E o homem que conduzia até Victoria como se fosse entregar a alma ao
diabo também não Lhe podia explicar. Estava envergonhado. Não imaginou
que Tippy anunciaria aos quatro ventos que ele tinha empregue as suas
poupanças contadas para Lhe comprar um anel. É claro que não quis que
Christabel soubesse. Há muito tempo que prescindia de luxos para que o
rancho não fosse ao fundo. Tinha sacrificado a juventude pelo rancho e
ele retribuía-lhe o sacrifício comprando presentes caros a uma mulher que
era apenas uma conhecida e esquecendo-se do aniversário mais importante
de Christabel. Estava amargurada e magoada e não a podia culpar. Pensando
bem, o seu próprio comportamento deixava-o atónito. Não estranhava que
Christabel se apoiasse em Grier. Maldito, tinha tudo a seu favor quando
se tratava de atrair uma mulher. Sabia dançar ritmos latinos complicados
e era um homem culto. Como conquistador, não tinha rival, coisa que
Christabel não sabia. Ou saberia?
Deu um murro no volante, furioso pela sua incapacidade de explicar os
seus sentimentos turbulentos. Passear com Tippy era uma massagem ao seu
ego. Tinha
162
atraído uma mulher que qualquer solteiro morreria por ter como
acompanhante, mas a sua relação estava a causar estragos na sua vida
pessoal e profissional. Sabia que Tippy não era uma mulher capaz de
aguentar o risco do seu trabalho e do seu estilo de vida, ainda que se
sentisse fisicamente atraída por ele. enquanto ele não. Estava habituada
aos luxos e à vida sofisticada. Tinha graça que ela tivesse aborrecido
Cash Grier quando seriam feitos um para o outro.
Mas Grier desejava Christabel. Via-o nos seus olhos cada vez que Grier
olhava para ela. Estava fascinado. Casaria com ela num abrir e fechar de
olhos se Christabel estivesse livre. Ela não parecia dar-se conta, mas
Judd sim. Apertou os lábios ao considerar o que Christabel faria assim
que assinassem os papéis da anulação. A sua consciência não a travaria
quando não se sentisse impedida por um casamento legal.
Pois não lhe daria a anulação! Pelo menos, por enquanto. Depois do Ano
Novo, quando os ânimos estivessem mais calmos, reavaliariam as suas
posições. De momento, ele ainda tinha dois assassinatos por resolver na
zona e nenhum suspeito viável. Apesar disso, sabia que o homicídio da
mulher de Victoria e o brutal assassinato de Hob Downey estavam
relacionados. Os irmãos Clark tinham estado metidos em envenenamentos de
gado noutras ocasiões e, por isso, apesar dos álibis sólidos, não podia
descartá-los como principais suspeitos. Se ao menos contassem com uma
prova física que apontasse para eles. Mas, até à data, não havia nenhuma.
Voltou a pensar na refeição de Acção de Graças e sentiu-se infeliz por
ter gritado com Christabel. Era a menção a Grier. Não conseguia dizer
duas frases seguidas sem dizer o seu nome. Se houvesse alguma ma neira de
tirar Grier de Jacobsville para sempre. Mas não sabia como o conseguir.
Nem compreendia,
163
naquele momento, porque desejava afastar Grier das suas vidas.
Crissy jantou com Grier no dia de Acção de Graças e, depois, voltou para
casa e telefonou aos Hart. Leo não estava em casa e, por isso,
experimentou falar com Rey Hart. Tinha curiosidade pelos contactos
japoneses dos dois irmãos e o seu interesse pelo mercado internacional.
Rey era responsável pela comercialização do gado e ninguém sabia melhor
do que ele como encontrar novos negócios.
- Tinha-me perguntado se tu e Judd não estariam interessados nesta
oportunidade - respondeu Rey quando Crissy lhe perguntou pelos
empresários japoneses que iam visitá- lo. Telefonei a Cy Parks, mas ele
já tinha o seu gado comprometido para o ano que vem, bem como os
Tremayne. Os vossos novilhos seriam perfeitos, se estiverem interessados.
Fazem o mesmo que nós, criam carne ecológica. É isso que os nossos
contactos procuram para a sua cadeia de restaurantes de Osaka e Tóquio.
O coração de Crissy deu um pequeno salto.
- E pagam bem?
- Muito bem - riu Rey. - Sobretudo, agora. No ano passado, o Japão sofreu
perdas no seu próprio mercado de carne. Agora têm que recomeçar. Estão à
procura de machos e de reses de primeira qualidade. Este é o melhor
momento para formar alianças - Rey disse-lhe um valor e Crissy teve que
se sentar.
- Isso seria fenomenal. Estamos em baixo há tanto tempo.
- Podes contar comigo - repôs Rey. - Interessa- te?
- Sim! E a Judd também, assim que lhe contar.
- Que tal se vieres ter comigo amanhã por volta da uma e conheceres os
nossos convidados? Vão instalar-se com Corrigan e Dorie.
164
- Podemos ir no sábado? Eu não tenho aulas amanhã, mas Judd tem que
trabalhar.
- Desculpa, tinha-me esquecido. Claro, no sábado à uma. Parece-te bem?
- Perfeito. Rey, não sabes o quanto te agradeço.
- Toda a gente está a passar um mau bocado neste momento - interrompeu. -
Entre todos, temos que nos ajudar. É o que fazem os criadores de gado. e
as criadoras, não é?
Crissy sorriu.
- Sim. Espero poder retribuir a tua ajuda.
- Bem, podias.
- Como? - perguntou com fervor.
- Traz Cash Grier. Ele fala japonês fluentemente e gostaria de poder
contar com alguém que traduzisse bem tudo o que nós dizemos para nos
assegurarmos que não há mal entendidos.
Crissy riu-se.
- Cash ficará encantado.
Virou-se e reuniu-se com o grupo antes que ele pudesse acrescentar álgo.
Passou-se o fIm-de- semana e, na semana seguinte, antes que se dessem
conta, o pessoal das filmagens estava
170
outra vez de volta. Crissy lançou olhares assassinos a Tippy Moore quando
regressou da escola, sobretudo quando Judd apareceu no final do primeiro
dia de gravação para levar Tippy de carro ao seu hotel. O pesadelo
repetia-se exactamente quando Crissy e Judd começavam a entender- se de
novo com o acordo dos japoneses. Era pedir muito, com a Vénus da Geórgia
pelo meio. Ainda usava o maldito anel.
Crissy virou-se para os estudos e tentou não ligar ao que se passava à
sua volta. Começava a acreditar que o pessoal das filmagens ficaria a
viver no rancho e tinha os nervos em franja.
Cash passou para a ver na segunda-feira logo de manhã, quando já tinham
passado quinze dias de gravação e os empregados estavam a fazer a pausa
para o café. Vinha de uniforme e tinha o semblante solene. Tinham
cancelado as aulas desse dia e, por isso, Crissy estava em casa, a tentar
não estorvar. Saiu para o receber. Estava de calças de ganga e camisola e
tinha o cabelo impecavelmente preso numa trança, nas costas.
- Que boa surprésa - disse com um sorriso. - O que se passa?
- Nada do outro mundo, mas preciso de falar contigo - puxou-a à parte. -
Já sabes o que aconteceu no sábado à noite?
- Não - disse, surpreendida. - Hoje não fui à aula porque a minha
professora está doente e então não estou a par de nada.
- Ao que parece, Jack Clark passou dos limites com Janie Brewster no
Shea's e bateu-lhe. Chegou a ameaçá-la com uma faca. Agora está na
prisão.
- Pobre Janie - disse, atónita. - Mas tem sorte por Clark estar atrás das
grades. Eu também - acrescentou.
- Quem o prendeu?
- Eu - confessou Cash. - Depois de Leo Hart e Harley Fowler tentarem a
sorte com ele. É perito em
171
artes marciais e muito competente. Empreguei truques de que já me tinha
esquecido.
Crissy ainda estava a digerir a notícia. Jack Clark tinha-Lhe metido
medo. Finalmente, estava a salvo, como a pobre Janie.
O seu irmão John veio ontem ao fim da noite fazer-lhe uma visita à
prisão. Prometeu conseguir- lhe um bom advogado - Cash suspirou. - Vai
ser difícil. Se calhar vai perder o emprego que tem em Victoria. Não sei
onde é que ele acha que vai arranjar dinheiro para um bom advogado de
defesa.
- Acho-te muito preocupado. - assinalou Crissy e aproximou-se, consciente
de que a super modelo ruiva não andava muito longe. - O que se passa,
Cash?
Cash apoiou a mão no cabo do seu revólver de calibre 45. - Crissy, John
Clark tem um amigo que conduz uma carrinha preta com uma faixa vermelha.
172
Onze
Crissy demorou um minuto a digerir a notícia. Soltou um suspiro rouco.
- É a carrinha que o velho Hob viu junto da minha cerca - recordou. Cash
assentiu.
- Não sou uma rapariga de aluguer, mas se fosse, meu amigo, não haveria
dinheiro no mundo para te meteres na minha cama!
- Nisso tens razão - atirou-lhe Cash friamente. Tippy fechou as suas
pequenas mãos nas ancas. O seu cabelo parecia resplandecer. - Rejeitei
estrelas de cinema, milionários e até príncipes. O que é que te leva a
pensar que eu ia olhar para um polícia da aldeia como tu? Já tenho tudo.
Cash arqueou as sobrancelhas e lançou um olhar que teria corroído o
metal.
- A única coisa que tens é uma cara bonita e um corpo aceitável. Dentro
de cinco ou seis anos, não haverá nenhuma revista de moda que queira
publicar a tua foto, nem sequer nos anúncios. E que farás então, quando
os homens que suspiravam por ti não fizerem mais nada senão arranjar
desculpas para te evitarem?
Era evidente que Tippy tinha pensado nisso, porque empalideceu.
- É evidente que não tens educação, nem modos, nem cultura, nem
consideração pelas outras pessoasprosseguiu Cash. - E achas que um rosto
bonito compensa a falta desses atributos? Porque é que não te olhas ao
espelho? És muito menos atraente do que pensas. Ainda que tenhas
conseguido enganar Judd Dunn.
- Ofereceu-me um anel - resmungou. - Está louco por mim.
- Sim, está louco - atirou-Lhe. - Irias arruiná-lo em menos de duas
semanas e ir-te-ias embora deixando-o
175
a sangrar enquanto irias procurar uma carteira mais recheada. Nem sequer
voltarias a cabeça para ver se tinha morrido.
- Tu não sabes nada sobre mim - gritou Tippy com a voz embargada.
- Reconheço o lixo quando o vejo - replicou Cash com um olhar frio.
O lábio inferior de Tippy tremia. Estava abatida. Nem sequer conseguia
pensar no que tinha acontecido. Virou-se e afastou-se com passo trémulo e
as costas rígidas até ao cenário onde a esperava o realizador. Mas quando
se aproximou de Joel Harper, deixou-se cair nos seus braços e chorou como
uma miúda.
Cash cerrou os dentes.
- Puro teatro - disse asperamente. - Essa mulher é uma manipuladora de
primeira ordem. Judd está louco se acha que ela sente alguma coisa por
ele.
- Eu sei - disse Crissy com tristeza, mas sentia uma estranha pena de
Tippy. Nunca tinha visto aquela mulher sofisticada e elegante naquele
estado. Tinha ficado chateada da primeira vez que Cash tinha sido
grosseiro com ela, mas desta vez, estava sinceramente abatida. Cash
parecia odiá-la e Crissy perguntou-se porque é que Tippy se importava
tanto com a opinião dele se parecia ter uma antipatia mútua por ele.
- Tenho que voltar à penitenciária - disse Cash suavemente. - Olhos bem
abertos. Asseguraram- me que Nick está alerta. Não penses que Clark agora
é menos perigoso porque está na prisão. Já vi homens a combinarem coisas
em piores circunstâncias.
Crissy suspirou.
- Terei a pistola à mão. Tem cuidado tu tambémacrescentou com preocupação
genuína. Cash encolheu os ombros.
- Sobrevivi a coisas piores que os irmãos Clarkdisse, e sorriu. - Até
logo.
176
- Adeus.
Afastou-se sem votar um só olhar a Tippy. Mas, apesar de ter que competir
com ela pela atenção de Judd, Crissy não conseguia evitar sentir pena
dela. Cash tinha sido cruel e era evidente que a opinião dele era
importante para a bela super modelo. As lágrimas tinham sido reais,
apesar de Cash não acreditar.
Enquanto a equipa fazia uma pausa, para dar tempo de a maquilhadora
reparar o estrago causado pelas lágrimas no rosto de Tippy, Crissy
esperou na entrada da caravana até a modelo aparecer.
- O que queres, divertir-te? - perguntou com mordacidade.
- Uma modelo separou os pais dele - disse Crissy em voz baixa. - Não é
desculpa para que se comporte assim, mas ajuda a compreendê-lo. Cash não
passava de uma criança e gostava muito da sua mãe.
Começou a afastar-se, mas uma mão suave tocou-lhe ligeiramente no ombro
para a deter.
- Tenho sido muito má contigo - disse a modelo solenemente. - Porque é
que te importas que ele me insulte? Além disso, que sabes tu da vida
real, com a vida resguardada que tens levado? - acrescentou com amargura.
Crissy contemplou os seus belos olhos verdes com serenidade.
- Pensas que vivo num mundo de conto de fadas, finais felizes e perfeita
harmonia? O meu pai embebedava-se e quase me matou. A minha mãe morreu.
Judd e Maude são tudo o que tenho no mundo.
Virou-se e, dessa vez, Tippy não a deteve. Certamente, não deveria ter
dado nenhuma explicação à modelo, mas Cash tinha sido cruel. Tinha graça,
pensou, que a preocupasse ver a modelo chorar. Tippy Moore tinha
transformado a sua vida num inferno e tinha arrebatado Judd. Mas Judd
sentia algo por ela e
177
Crissy era incapaz de fazer mal a uma pessoa querida por ele.
Atrás de Crissy, a modelo permanecia imóvel, gelada, detestando a
compaixão daquela voz suave, a compreensão que escondia. Pensava que a
pequena Christabel Gaines tinha tido uma infância perfeita. A verdade
surpreendia-a e fazia-a sentir-se culpada. Olhou para o luxuoso anel do
dedo e comparou-o com as calças de ganga rotas de Christabel e as botas
gastas. Regressou ao cenário com o orgulho no chão. Nunca se tinha
considerado uma mulher cruel. Judd fazia-a sentir-se segura, nada mais,
mas o seu instinto protector para com Christabel era um estorvo e Tippy
não podia renunciar a ele, não podia! Era o único que estava entre ela e
os homens ameaçadores. Homens como Gary Mays, o realizador assistente e,
em especial, Cash Grier. Apesar da compaixão de Crissy, estavam a
competir pelo mesmo homem. E, no amor e na guerra, valia tudo.
- E há quem saiba que somos casados. Não me tinha ocorrido pensar no que
iria parecer, nem que terias que suportar os mexericos.
Crissy encolheu os ombros e ficou a olhar para o ecrã da televisão.
- Eu saio com Cash - disse. - Suponho que os dois demos motivos
suficientes para que façam intrigas sobre nós.
- Eu não preciso de te perguntar se andas a dormir com Grier - disse
Judd. - Conheço-te demasiado bem. Parecia ressentido. Crissy ficou tensa.
Esteve a
ponto de se enfurecer, até que recordou o que tinha acontecido nesse dia.
Não tinha coração para o torturar mais do que já estava.
187
- Tippy usa o teu anel de noivado, Judd - repôs num tom dócil. - Sei que
pensas casar-te com ela. De qualquer forma, o nosso casamento não passa
de uma formalidade e, dentro em breve, já não seremos casados. Não te
culpo por desejares uma mulher bonita, famosa e sofisticada. Eu não posso
competir com mulheres assim, sempre soube disso.
Judd franziu o sobrolho e ficou a olhar para ela, atónito. Teria mesmo
uma ideia tão baixa de si própria? Seria culpa dele? Tinha tido tanto
cuidado em manter a distância entre eles, para não incentivar uma relação
íntima quando Christabel ainda não tinha saído com outros rapazes. Não
quis aproveitar-se da relação peculiar que tinham, nem usar Christabel
como muitos outros homens não teriam hesitado em fazer se estivessem no
lugar dele.
Mas ela tinha dito que ele pensava casar-se com Tippy.
- Porque pensas que quero casar-me com ela?perguntou devagar.
Christabel voltou a cabeça para o olhar nos olhos.
- Usa o teu anel de esmeralda e diamantes. Porque é que um homem iria
oferecer a uma mulher um anel tão caro se não tivesse intenções sérias? -
perguntou num tom prático.
Judd respirou fundo e recostou-se no sofá. Queria dizer: Porque me deixei
levar pelo meu orgulho numa joalharia quando ela o experimentou e se
negou a tirá-lo. Fui incapaz de lhe dizer que não podia comprar aquilo
que ela considerava uma pechincha, Mas também não podia reconhecer
perante Christabel que tinha sido um idiota. E por sua culpa, Christabel
pensava que ele estava comprometido com Tippy e a contar os dias para se
poder desfazer dela.
188
Doze
- Por isso, o melhor será pedirmos a anulação rapidamente - acrescentou
Christabel, tentando abordar aquele tema doloroso com uma atitude
prática.
- Pedimos a anulação quando eu disser - atirou-Lhe Judd, furioso. - Além
disso, agora, não podemos permitir-nos isso.
- Vamos receber bastante dinheiro pela gravação do filme. Haverá dinheiro
de sobra para pagar a um advogado - replicou, perplexa.
- Então, digamos que é conveniente continuarmos casados durante um tempo
- replicou, com um olhar taciturno enquanto a observava.
- Se calhar Tippy Moore não acha o mesmo - repôs Crissy com mais amargura
do que queria. - Não é nenhum segredo que está louca por ti. Não tenta
ocultar.
Judd não contou o que sabia de Tippy. Gostava dos ciúmes que detectava na
voz suave de Christabel. Gostava de saber que ela o desejava. Era bonita
e sexy e Judd começou a ceder ao desejo ao contemplar aqueles seios
pequenos e perfeitos ocultos pela camisola.
- Tippy não sabe que somos casados - disse-lhe. Acha que somos apenas
sócios.
- E tem razão - replicou Crissy.
O olhar de Judd era sombrio e sereno.
- Não. Tu e eu somos mais do que isso. Sempre fomos
189
- baixou os olhos para o corpo de Christabel. Tens os mamilos duros como
pedras. Desejas-me. Achavas que não se notava? - atormentou-a com
suavidade quando ela proferiu uma exclamação ao ouvir aquele comentário
franco. Crissy levantou-se da poltrona.
- Não devias ter bebido tantas cervejas - disse, insegura por ele estar
naquele estado de ânimo. Não queria que Judd fizesse nada que pudesse
lamentar mais tarde, apesar de arder de vontade de estar com ele.
- Não estou bêbedo. Podes dormir comigo, se quiseres - sugeriu-lhe sem
rodeios. Crissy arqueou as sobrancelhas com eloquência e riu com
nervosismo.
- Imagina! Nem sequer tenho uma lingerie vermeLha!
- Cuidado. Não estou a brincar - entrelaçou as mãos atrás da nuca e
submeteu-a a um olhar abrasador.
- Achas que sou um leviano - disse. - Que quebrei os meus votos
matrimoniais, apesar de ter sido apenas um acordo legal e que tive
aventuras com outras mulheres. Meu Deus, não me conheces, Christabel.
Crissy tremia com nervosismo enquanto o olhava a uns quantos passos de
distância.
- Não sou virgem - confessou em tom sombrio, mas levo as minhas promessas
tão a sério como tu levas as tuas. Não estou com uma mulher desde que me
casei contigo.
Crissy não conseguia articular palavra. Porque é que não lhe tinha
ocorrido pensar que Judd era tão rígido e convencional como ela e
profundamente religioso?
- Não tiveste uma aventura? Passaram-se cinco anos - disse por fim com a
voz entrecortada.
- Eu sei - respondeu, num tom que quase a fez sorrir.
- Mas. como?
190
- Emitem filmes pouco decentes na televisão por cabo - começou a dizer
com um sornso malandro. - E há outras maneiras de conseguir satisfação.
Ficou vermelha. Era uma descoberta demasiado íntima. Mas claro, ele
conhecia todos os seus segredos. pelo menos, os que importavam. Judd não
andava a dormir com Tippy Moore. Era a ideia que prevalecia na sua cabeça
e sentia-se exultante.
- Ficaste muda? - perguntou olhando-a com atenção. - Atónita?
Crissy assentiu. Judd respirou fundo.
- Tive um dia muito duro. Não tenho sono, apesar das três cervejas e
quero uma mulher esta noite. Tendo em conta a situação, a única mulher
disponível és tu.
Continuava ali de pé, rígida, imóvel, com o coração a sair pela boca.
Judd baixou o olhar para os seus seios, de onde pequenas pontas duras
sobressaíam por debaixo da camisola branca.
Abriu a boca para proferir uma exclamação e Judd tapou-a com a sua. Foi
como no baile mas, desta vez, era lento e terno com ela. Os seus lábios
brincaram com os de Crissy suavemente, num silêncio ofegante que a fazia
ter consciência do corpo firme que se apertava contra o dela, do calor
das mãos de Judd nas suas costas, da perícia sensual dos seus lábios
firmes. Os beijos que tinham partilhado antes pareciam inocentes em
comparação. Naquela ocasião, Judd fazia as coisas a sério e notava-se.
Crissy deslizou os braços em volta do pescoço de Judd e entregou-se aos
seus beijos com um abandono ávido. Reparou que ele lhe estava a
desprender a camisola da cintura das calças de ganga. Segundos mais
tarde, sentiu as suas mãos ardentes sobre a sua pele nua, sobre as
odiosas cicatrizes que o seu pai lhe tinha feito anos atrás.
Deitou-se para trás.
Judd interrompeu a retirada instintiva de Crissy colocando-a
completamente debaixo dele e olhou-a nos
olhos.
- Eu também tenho cicatrizes, lembras-te? - disse em voz baixa. - Aqui.
Levantou a t-shirt preta e aproximou a mão de Crissy do seu tórax.
- Sentes - perguntou-lhe. - Feriram-me com uma arma quando era um polícia
novato. Por sorte minha, a bala era pequena e não penetrou muito. Mas
deixou um alto, assim como a do ombro deixou uma cavidade.
193
Crissy acariciou-a devagar.
- Tinha-me esquecido.
Ele sorriu devagar.
- Eu não - acariciou-Lhe o cabelo, suave e fino. - O teu cabelo é um dos
teus melhores atributos - murmurou, enquanto os seus dedos começavam a
desapertar os botões da camisola. - Junto destes.
- Eh. Judd, espera. Não me podes tirar a camisola! - protestou ao
lembrar-se que tinha um soutien almofadado.
- Claro que posso - continuou a desapertá-la, até que a abriu e o seu
soutien ficou a descoberto. Então, compreendeu porque queria ocultá-lo.
Franziu o so brolho. - Porque diabos usas um soutien almofadado?
Crissy suspirou.
- Não queria que visses. Pensei que, se parecesse maior, interessava-te
mais olhar - confessou. - Vocês homens não gostam das mulheres grandes?
- Os gostos são algo individual, querida - murmurou enquanto procurava o
botão. Levantou-a com um braço enquanto soltava o fecho com dedos
experientes. - As mulheres grandes não me atraem. Nunca me atraíram.
Enquanto Crissy se habituava à ideia, Judd moveu-a para poder tirar-lhe
toda a roupa e despi-la da cintura para cima. Para Crissy, deu-se o mesmo
impacto que um raio. Os seus sonhos com ele não tinham sido tão
explícitos. Estava a flutuar.
Judd sorriu devagar ao olhar para ela. Era embriagante pensar que não
tinha feito amor com ninguém. Queria que a primeira vez fosse com ele.
Nunca tinha desejado nada como aquilo.
Christabel tentou falar, mas Judd já estava a baixar a cabeça e abriu a
boca sobre um mamilo para ter grande parte do seu suave e pequeno seio
dentro dele. Acariciou com a língua a ponta sensível enquanto a saboreava
194
Aquele nome carinhoso deixou-a perplexa, mas fez o que ele Lhe pedia e,
imediatamente, sentiu o seu corpo fortemente musculado ainda mais em
contacto com o dela e experimentou um intenso relâmpago de prazer.
Judd notou o seu movimento sensual e riu com voz rouca.
- Não estavas à espera? Apesar de todos esses filmes tão explícitos?
- Não são tão explícitos quanto isso - sussurrou Crissy com uma
gargalhada rouca e arqueou-se quando ele voltou a mover-se. - Não pensei
que. que pudesse ser tão bom. Nem tão íntimo!
Judd também se riu. Apoderou-se do lábio superiór de Christabel entre os
dentes e lambeu-o enquanto acariciava a sua feminilidade. Christabel
voltou a mover-se, de forma convulsiva daquela vez, arqueando as costas
para o incitar a aproximar-se.
Christabel sentiu como Judd deslizava as mãos por debaixo das suas costas
enquanto unia a sua boca à dela para a explorar com a língua. Ao mesmo
tempo, penetrou-a com ternura e sentiu o estremecimento do seu corpo
jovem. Repetiu o movimento. Christabel proferiu uma suave exclamação e
ele notou como
198
movia as pernas entre as dele. À terceira vez, Christabel emitiu um
gemido que Judd nunca tinha ouvido sair dos seus lábios e ela cravou as
unhas nos seus bíceps antes de as deslizar avidamente pelo pêlo do seu
peito.
Judd levantou a cabeça enquanto movia as ancas com suavidade e Christabel
soluçava e arqueava as costas. Fosse o que fosse que ela estava a sentir,
não era dor. Puxava-o para si, em vez de o empurrar.
Judd acariciou-lhe as pálpebras e as bochechas com os lábios e beijou-a
profundamente enquanto a penetrava muito devagar, com total sensualidade.
Christabel não estava a reagir como se lhe doesse. Fechou ainda mais as
suas poderosas pernas em volta das dela ao mesmo tempo que a penetrava e
Christabel gemeu mais. Judd sentiu o eco de um pequeno estremecimento de
prazer quando ela continuou o movimento rápido e cuidadoso com o seu
próprio corpo.
- Dói-te? - sussurrou Judd junto aos seus lábios.
- Não - disse com a voz abafada. - Não me dói! É. maravilhoso!
Judd mordiscou-Lhe o lábio inferior enquanto voltava a mover-se.
- Consegues sentir-me dentro de ti? - sussurrou.
- Que pergunta! - ofegou Christabel.
Ele mordeu-lhe o lábio superior com ternura. - Isto não é um ritual de
silêncio, querida - disse
com voz rouca. - Gosto de ouvir a tua voz sensual quando me movo dentro
de ti. Diz-me o que sentes. Fala comigo.
- Não. Não consigo falar.
- Porque não?
Christabel deslizou as mãos sobre os poderosos músculos das costas de
Judd e arqueou o corpo de
forma sinuosa, a tremer.
- Estou em chamas - disse com voz abafada, com os olhos fechados enquanto
procurava algum longínquo
199
- Podemos dizer-lhe que ficámos a falar até muito tarde por causa do que
aconteceu em Victoria - sugeriu.
Crissy fez uma careta. Tinha esquecido os aconteçimentos do dia anterior,
a perda de controlo que os tinha
208
lançado a ambos num abraço mútuo. Como poderia ter-se esquecido?
- Vive um dia de cada vez, Judd - sugeriu, devagar.
- Vais superar.
Judd não respondeu. Ouviram a porta a bater. Quando Maude entrou pela
porta de trás, estavam a acabar de secar os pratos num silêncio
desconfortável.
Maude parou no umbral, sentindo-se uma intrusa sem saber porquê. Franziu
o sobrolho. Judd não parecia abatido, mas sabia que era suposto estar.
- Estás bem? - perguntou-lhe com suavidade. Judd sorriu ligeiramente.
- Vivo. Acabámos de tomar o pequeno-almoço. Deitámo-nos tarde.
- Ficaram a falar, imagino - corroborou Maude enquanto se dirigia ao
frigorífico, de modo que não viu a expressão de culpa nos seus rostos. -
Fico contente que não tenhas ficado em Victoria. Não tens que estar
sozinho.
- Isso pensei eu - afirmou Judd.
Maude olhou-os com curiosidade, mas não disse nem uma palavra. Havia
tanta tensão no ambiente que quase se podia tocar. Limitou-se a assentir
e começou a tirar alimentos do frigorífico e a dispô-los sobre a mesa da
cozinha.
Quatro horas mais tarde, saboreada a comida de Natal, apesar de não com
muito prazer por parte dos dorminhocos, Maude estava a encher uma
travessa para levar á irmã.
- Volto assim que lhe entregar isto - disse e pergun tou-se porque é que
Judd parecia aliviado e Christabel
decepcionada.
- Bem - disse Judd bruscamente. - Christabel não deve ficar sozinha,
apesar de Jack Clark continuar na prisão. Lembrem-se que devem fechar bem
portas e ja nelas. Vou falar com Nick antes de me ir embora.
209
- Já vais? - perguntou Christabel, tentando não dar a impressão de que o
seu mundo estava a vir abaixo. Porque assim era.
- Vou - disse sem a olhar nos olhos. - Não devia ter vindo.
- Queres que prepare uma travessa a Cash Grier?perguntou Maude de
repente.
- Não te incomodes - disse Christabel com ânimo.
- Pode jantar connosco.
Os olhos de Judd arderam de fúria, mas cerrou os lábios e não disse mais
nada. Saiu da cozinha para se vestir.
- O que é que se passa? - perguntou Maude, atónita. Christabel levantou o
queixo com orgulho.
- Nada. Está abatido e custa-lhe digerir o que aconteceu. Terá que o
superar à sua maneira.
- Se tu dizes, querida. - suspirou Maude. Maude esperou que Judd se fosse
embora. Dez minutos depois, as duas mulheres viram-no sáir pela porta.
Dirigiu a Christabel um último olhar e fez uma careta ao ver o seu
semblante magoado. Mas não se deteve. Desejou-lhes um feliz Natal e foi-
se embora.
- Eu também - disse Grier com voz rouca, com a voz tão rígida como os
seus traços. Estava a matá- lo não poder ir na ambulância com ela. Mas
era Judd quem tinha direito a acompanhá-la, por muito que detestasse
reconhecê-lo.
Tippy Moore viu a ambulância afastar-se. Lançou um olhar a Maude, que
chorava amargamente num canto. Imaginava como estava afectada a mulher,
que era o mais parecido com uma mãe que Christabel tinha. Aproximou-se
dela e passou- lhe um braço pelos ombros para a consolar.
- Vamos - disse suavemente. - Vou acompanhá-la a
casa.
- Tenho que ir ao hospital - gemeu Maude. - Mas não consigo conduzir de
tanto que estou a tremer
- Pedirei a alguém que nos leve - disse Tippy. - Eu também vou -
acrescentou obstinadamente, lançando um olhar ao realizador assistente,
que parecia estar prestes a replicar. - Hoje não contem comigo - disse-
lhe. - Vou ao hospital fazer companhia a Judd.
228
Gary Mays levantou as mãos em sinal de protesto mas, ao receber um olhar
frio de Grier, afastou-se sem dizer palavra.
- Podem vir comigo - disse às mulheres sem olhar para elas. - Dêem- me um
minuto para telefonar para a penitenciária e aos Rangers - tirou o
telemóvel da bolsa e começou a marcar os números.
- Precisa de um casaco - disse Tippy a Maude e conduziu-a até casa. - Eu
terei que Lhe pedir um emprestado. Usei o meu para tapar Christabel.
Maude tinha-se apercebido, apesar da agonia do momento. Tentou sorrir
entre as lágrimas, surpreendida e satisfeita por encontrar um aliado onde
pensava ter um inimigo. Todos os maus sentimentos que tinha tido pela
bela modelo se evaporaram.
- Vou buscar algo que possa vestir.
229
Catorze
Judd estava sentado na sala de espera das urgências quando Cash Grier
entrou acompanhado por Maude e Tippy. Judd tinha tirado o chapéu e tinha
o cabelo despenteado. Parecia que tinha estado a lutar contra a morte.
Tinha a camisa branca e as calças manchadas de sangue. Sangue de
Christabel.
Levantou o olhar quando se aproximaram.
- Estão a operá-la - disse-lhes. - O cirurgião é Cooper Coltrain.
- É o melhor de todos - comentou Maude em voz baixa.
- Na ambulância, não parava de gemer - prosseguiu Judd, quase como se
estivesse a falar sozinho. Não conseguia respirar. Duvidei que fosse
chegar aqui com vida - fechou os olhos ao sentir a vaga de dor.
- Os ferimentos no peito são terríveis - disse Cash em voz baixa. - Mas a
bala feriu-a na parte inferior da caixa torácica, acima dos intestinos.
Os olhos negros de Judd procuraram consolo nos do outro homem. Relaxou,
mas não muito.
- Imagino que a operação vai demorar bastante.
- Terão que tirar a bala - gemeu Maude.
- Podem não tentar, se for menos traumático deixá-la lá dentro - disse
Cash. - Estagnarão a hemorragia
230
e tratarão os pulmões. Depois, tudo dependerá dos antibióticos e do
descanso.
- Notava-se que estava rouca - afirmou Maude, mas Crissy dizia que não
passava de uma constipação
e que não queria ir ao médico - fez uma careta. - Disse
que não se podia permitir. O seguro dela não cobre as
consultas de rotina.
Assim que pronunciou as palavras, desejou poder
retirá-las. Judd fechou os olhos. Parecia atormentado.
232
Tippy contemplou o odioso anel que trazia no dedo e maldisse-se por ter
convencido Judd a comprá-lo. Cash Grier suspirou, consumido pela
tristeza.
- O que fazemos agora? - perguntou Judd em tom submisso.
- Rezar - respondeu Coltrain. - Não faço promessas que não posso cumprir.
Agora, é cara ou coroa. Sinto muito. Fiz o que pude.
- Eu sei, obrigado - disse Judd, abstraído. - Posso vê-la?
- Neste momento está na reanimação - respondeu.
- Convém esperar que a levemos para os cuidados intensivos.
- Eu ficarei com ela - interrompeu Maude, exactamente antes que Grier
pudesse dizer o mesmo.
- Não é possível. Nos cuidados intensivos, não. Podem vê-la três vezes ao
dia, durante não mais do que dez minutos por visita - acrescentou com
firmeza e olhou para Judd. - Vou vigiá-la de perto. Tenta não te
preocupar - despediu-se com uma inclinação de cabeça e afastou-se por
onde tinha entrado.
Judd olhou as três pessoas que o acompanhavam.
- Fico contente que estejam aqui, mas se alguém entrar naquele quarto,
nem que seja só por um minuto, serei eu - declarou bruscamente. Cash
parecia disposto a replicar, mas o semblante de Judd dissuadiu-o.
- Se quiseres que fiquemos aqui fora contigo, eu não me importo -
ofereceu-se Tippy.
- Nem eu - acrescentou Maude.
- Preferia que fossem para casa - disse Judd. - Não me vou embora daqui
até saber alguma coisa, seja o que for.
- Eu levo-as - disse Cash. - Depois, voltarei ao hospital.
Judd olhou o seu amigo nos olhos. Não replicou. Nem sequer falou.
Limitou-se a assentir. Depois, virou
233
as costas e afastou-se rumo à unidade de cuidados intensivos.
- Tiraste-lhe as pistolas, não tiraste? - perguntou Maude a Cash quando
este parou o carro no rancho, em frente da casa. Cash assentiu.
- Estão no meu escritório, fechadas à chave - disse com expressão
lúgubre. - Mas ainda há uma pistola e uma outra arma na casa, em algum
lado. Ouvi-o dizer a Crissy. Será melhor que as procures e as escondas em
qualquer lado.
- Assim que entrar - prometeu Maude.
Tippy olhava para eles incrédula.
- Não estão a falar a sério - comentou. Cash olhou-a nos olhos.
- Se Crissy fosse minha esposa, era isso que Maude estaria a fazer por
mim - disse com voz inexpressiva.
- E, sim, estou a falar a sério. Judd pode ainda não se ter apercebido,
mas não lhe restará ânimo para viver se ela morrer. Não tem lógica, mas é
o que fazem alguns homens quando enlouquecem de dor. Não queremos que
aconteça outra tragédia.
- Claro que não - disse Maude e esfregou os olhos.
- Sem ti? - perguntou Tippy, atónita. - Não vês o que ele sente?
- Sente-se culpado - disse Crissy abertamente. Passa-lhe com o tempo -
deitou-se e fechou os olhos.
- Estou farta de estar casada com um homem que me considera um fardo.
Quero o divórcio.
Tippy não sabia o que dizer. Ficou de pé, roída de remorsos. Por fim,
saiu do quarto e fechou a porta. Já tinha causado bastantes problemas por
um dia, apesar de a sua intenção ser boa.
247
Quinze
Apesar de contrariado, Judd regressou ao seu apartamento de Victoria
quando Christabel pôde valer-se a si mesma no rancho. Estava outra vez a
trabalhar, já que a comissão que tinha investigado o tiroteio tinha
julgado correcto o seu procedimento durante o mesmo. Com a ajuda de Nick,
tinha delineado novos planos para o rancho, tinha comprado materiais.
Tinha contratado um trabalhador a tempo inteiro e organizado os horários
de trabalho com a máxima eficácia.
O rancho estava a progredir, graças à injecção de dinheiro que as
filmagens tinham permitido. Outra empresa cinematográfica fez-Lhes uma
oferta para uma nova filmagem no ano seguinte. Christabel refilou, mas
Judd fez promessas de construir um celeiro novo e de fazer melhorias na
casa e acabou por ceder. Além disso, era só no próximo Outono. Poderiam
acontecer muitas coisas nesse intervalo de tempo, disse Crissy para si
mesma, talvez ela nem estivesse por ali na altura.
Entretanto, a empresa japonesa tinha entrado em contacto com Christabel e
com Judd para organizar a viagem deles a Osaka. Crissy tentou evitar o
compromisso, alegando que tinha muito trabalho no rancho, mas Judd
assegurou-lhe que Nick era perfeitamente capaz de supervisionar as
tarefas e que ainda faltavam algumas semanas para que nascessem os
vitelos. Não
248
tinha desculpa, atirou-lhe; a não ser que se sentisse reticente em
separar-se de Cash Grier, acrescentou com amargura.
Cash tinha-se convertido na bóia de salvação de Crissy. Mantinha-o entre
Judd e ela, porque não queria que Judd se comprometesse a continuar
casado por gratidão ou culpa. Sabia que ele queria fazê-lo, conhecia-o
muito bem. Judd estava admirado por ela ter sacrificado a sua vida para o
salvar. Não conseguia esquecê-lo, por muito que tentasse, e mencionava-o
com frequência.
Mas Crissy não conseguiu evitar a viagem ao Japão. Até Maude ajudou Judd
e insistiu para que ela o acompanhasse.
- Ainda estou debilitada pela convalescença - protestou Crissy na véspera
da viagem. Judd observava-a com um semblante quase doloroso e taciturno
que começava a ser familiar.
- Eu sei - disse com suavidade. - Mas será uma experiência nova para ti.
Precisas de mudar de ares, de te afastares do rancho.
- Afastar-me de Cash, queres tu dizer - repôs Crissy com um olhar
demorado. Ele cerrou os dentes. Ouvir o seu nome era uma provocação.
- Não te separas dele desde que voltaste para casa - assinalou.
- Nunca tinha desejado tanto ninguém - disse. Deslizou uma perna entre as
de Crissy e moveu-a, muito devagar, até obter a intimidade total. - Não,
não levantes a perna - sussurrou. - Move esta. Assim - estremeceu e
olhou-a nos olhos. - Agora, aproxima-te. Sente como te penetro. Devagar,
querida. Devagar. Gostas, não é verdade?
- Sim - sussurrou Crissy. Pôs-Lhe os dedos nos ombros e olhou para ele,
sentindo como o seu corpo se fundia lentamente com o dele. Pensou que
sentiria algum desconforto, ou até dor. Mas já não existia nenhuma
barreira, nenhum impedimento. Os seus olhos castanhos reflectiam surpresa
e prazer pela facilidade com que ele a tinha penetrado.
- Excitas-me - disse Judd, observando-a enquanto se movia. - Tudo em ti
me excita. Não gostei de ter que apagar a luz na primeira vez. Queria ver
a tua cara, os teus olhos, enquanto fazia amor.
Era uma confissão inesperada. Crissy ficou sem fôlego e, depois, expirou
com um som gutural quando Judd se moveu e ela pôs as suas pernas entre as
dele.
- Lembras-te do que sentiste da outra vez quando fizemos isto? -
perguntou com voz grave e sensual, enquanto voltava a penetrá-la.
- Sim - respondeu. Tocou- lhe na cara com as mãos, seguiu o contorno do
seu nariz direito, da sua boca sexy, do queixo proeminente. Arquejou
quando o pra zer a fez elevar-se para ele.
- Assim? - sussurrou e voltou a penetrá-la, com mais segurança ao ver a
sua expressão. - Gostas, não
260
é verdade? - levantava e deixava cair as ancas e, a cada movimento lento,
arquejava e ficava rígido.
Crissy cravava-lhe as unhas nos bíceps, dominada por um êxtase crescente
tão agoniante como aprazível.
- Judd! - a sua voz explodiu com a tensão e o seu corpo ficou
repentinamente rígido. Olhou-o nos olhos próxima do pânico. - Por favor,
não pares - suplicou com voz rasgada.
- Assim? - perguntou Judd com impaciência e penetrou-a com mais força.
Cerrou os dentes e fechou os olhos. - Sim, sim! Assim.
Christabel estava a mover-se com ele, como se estivesse unida a Judd por
cordas invisíveis. Esqueceu o passado, o futuro, a dor, a incerteza. Só
conhecia uma coisa, a desesperada busca de um prazer que estava
praticamente ao seu alcance. Concentrou-se nele com todas as suas forças.
Ofegava, tal como ele. O seu corpo tremia a cada investida. Tinha o olhar
cravado nos olhos negros de Judd enquanto o seu corpo procurava com
frenesim a consumação.
- Nunca tinha sentido nada igual - sussurrou Judd com voz rouca, enquanto
começava a ser brusco com o dela. Gemeu, apertou as suas mãos enormes de
encontro ao lençol em cada lado da cabeça de Crissy. - Não vou conseguir
aguentar muito mais.
- Não faz mal - sussurrou Crissy com voz aguda. Judd. Judd!
Judd mordia-lhe a boca à medida que o ritmo se tornava caótico e áspero.
- Segue-me, querida - sussurrou dentro da sua boca aberta. - Segue-me.
O clímax tomou-a de surpresa. De repente, estava a alcançar um cume
impossível. Soluçou como uma criança, agarrando-se a ele, sentindo que o
seu corpo explodia de prazer enquanto se convulsionava uma e outra vez.
261
Mal o conseguia ver no eco daquela loucura. Tinha os olhos muito abertos,
assim como os lábios, e estremecia num deleite que sacudia o seu corpo
com intensidade.
Judd investiu nela com violência e ficou imóvel, rígido, e gritou no
calor interminável da explosão da paixão.
- Meu Deus. Meu Deus - disse com a voz entrecortada, tremendo. - Nunca
foi assim. Nunca!
Crissy abraçou-o, acariciou-o, consolou-o enquanto ele estremecia de
forma incontrolável nos seus braços. Muito tempo depois, Judd sofreu uma
convulsão e deixou- se cair sobre ela, suado e exausto.
Crissy sentia o seu peso na intimidade da satisfação. Tocou-lhe no ombro,
no pescoço, com os lábios. Deslizou as mãos pelas suas costas húmidas,
sentindo o movimento dos seus músculos, notando como estremecia enquanto
cada pequeno movimento do seu corpo desencadeava novos ecos de prazer.
Crissy sentiu os lábios de Judd junto aos ouvidos, quentes, enquanto Lhe
acariciava a cara com a bochecha.
Era o desenlace mais terno que podia ter imaginado depois daquela
torrente de paixão. Agarrou-se a Judd, tentando respirar normalmente,
ainda intimamente unida a ele, com as pernas entrelaçadas, os dois fracos
de esgotamento.
Judd levantou a cabeça e olhou-a nos olhos. Observava-a como se não a
visse há séculos. Acariciou o cabelo húmido e despenteado de Crissy e,
depois, deslizou um dedo pelos seus lábios inchados.
- Sou parte de ti - sussurrou e parecia aturdido. - Sinto-te a envolver-
me como seda suave e quente.
Crissy corou e fundiu o seu rosto no pescoço húmido de Judd,
envergonhada. Ele enredou os dedos suavemente no seu cabelo. Deitou-se de
costas, deitando-a com ele. Respirou fundo.
262
- Magoei-te?
- Claro que não.
Judd deslizou uma mão pelo lado em que Christabel tinha recebido o tiro e
pelo ligeiro alto que se tinha formado ali.
- De certeza?
- O médico disse que podia voltar à rotina normal - reflectiu. - Suponho
que se referia a. qualquer actividade.
Judd riu-se junto ao seu seio.
- Isto não é rotineiro - murmurou e beijou-a nos lábios.
Crissy deslizou as mãos pelo pescoço de Judd e apoiou a cabeça no seu
ombro húmido com um suspiro trémulo.
- Fico com medo de me sentir assim.
- Sim - Judd não precisava de lhe perguntar a que é que ela se referia.
Acariciou-lhe o cabelo que Lhe caía pelas costas enquanto pensava que
tinha estado a ponto de perdê-la para sempre. Tinha sido um idiota. Mas,
talvez, ainda tivesse uma oportunidade.
- Não voltaste a dizer nada sobre o divórcio - sussurrou Crissy,
detestando ter que puxar o assunto. Mas ainda se sentia muito insegura e
vulnerável em relação a ele.
- Diz ao teu amigo Cash que as vacas voariam antes de eu to dar - disse
suavemente. Ela ficou rígida.
- O quê?
Depois, não houve marcha-atrás. Davam a mão quando passeavam juntos. Judd
sorria a Christabel como se nunca tivesse olhado para outra mulher.
Abria-lhe a porta, caminhava na rua pelo lado da estrada, puxava-lhe a
cadeira para que se sentasse. Ofereceu-Lhe a lingerie vermelha mais sexy
que Crissy já tinha visto e convenceu-a a vesti-la para ele. O resultado
era previsível. Todas as noites, Crissy dormia nos braços dele, após uma
paixão terna que se tornava mais emocionante a cada dia que passava.
Temia regressar ao rancho mas, como tinha que ser, a viagem terminou.
Embarcaram num avião com destino a Dallas e o medo de perder o que tinha
com Judd manteve-a calada e distante durante todo o voo.
Judd apercebeu-se disso e a sua conclusão foi que Christabel se estava a
arrepender da intimidade com ele. Fechou-se em si mesmo para lhe dar
espaço. E isso convenceu Crissy de que Judd começava a lamentar o
sucedido.
265
Dezasseis
Pouco depois do regresso do Japão, Crissy começou a vomitar o pequeno-
almoço. Da primeira vez que isso aconteceu, Maude não estava em casa. À
segunda, fimgiu ter esquecido qualquer coisa no quarto e chegou à casa de
banho por um triz. Deu uma escapadela à cidade, comprou um teste de
gravidez e, aproveitando que Maude passava o fim-de-semana em casa da
irmã, fez o teste.
O resultado surpreendeu- a. Era culpa sua. Tinha deixado Judd acreditar
que estava a tomar a pílula e ele deu como dado adquirido que ela a
continuava a tomar quando estavam no Japão. De repente, estava grávida e
Judd não deixava de a evitar. Apesar de ele o negar, Crissy sabia que ele
casar-se-ia com Tippy. O pessoal da filmagem tinha regressado ao rancho
para repetir uns takes e Judd aparecia todas as tardes para levar a
modelo ao hotel. Custava-lhe olhar Christabel nos olhos, apesar de tantas
noites maravilhosas e deliciosas que tinha passado nos seus braços. Mas,
e se soubesse do bebé? Iria sentir-se obrigado a continuar casado com
ela. Christabel iria arruinar-lhe a vida, a ele e a Tippy.
Sentou-se na borda da banheira desejando que fosse novamente noite de
Natal para lhe dizer a verdade. Já era demasiado tarde. Além disso, com o
pessoal da fil magem de novo no rancho, não tinham intimidade.
Maude deu-se conta de que ela estava grávida.
266
claro. Era impossível ocultar-lhe alguma coisa. Na manhã seguinte, quando
Crissy vomitou o pequeno-almoço e teve que se deitar na cama, Maude
confessou-lhe que sabia. O que não confessou foi que tinha revelado os
seus temores a Cash.
Lançou um olhar furibundo a Crissy com os braços cruzados.
- Judd está no celeiro, com os da filmagem. Vai-lhe dizer agora mesmo ou
vou eu fazê-lo.
- Não lhe vais dizer nada! - exclamou Crissy furiosa, secando a cara com
uma toalha húmida. - Tenho que pensar.
- E ele também - foi a brusca resposta. - É um filho dele. Quererá tê-
lo.
Crissy não tinha muita certeza disso. Judd não tinha feito mais do que
evitá-la desde o regresso do Japão. De facto, só aparecia no rancho para
acompanhar Tippy. Não lhe ocorria pensar que Cash também passava por lá e
que Judd poderia estar com ciúmes.
- Está quase sempre com Tippy - disse com um suspiro. - Além disso,
qualquer dia destes pedirá o divórcio. Não é justo roubar-lhe a pequena
oportunidade que tem de ser feliz.
- Ai, pequena - soprou Maude. - Não tenho nada contra Tippy, foi amável
connosco, mas iria arruinar a vida de Judd. Ele nunca encaixaria no seu
mundo. Nem tu no de Cash - acrescentou.
- A decisão é de Judd e não minha.
Maude suspirou.
- Não consigo discutir contigo, não é?
- Não serve de muito - sorriu suavemente. - Mas suponho que tens razão.
Não é algo que possa ocultar-lhe durante muito tempo.
- Certo - assinalou Maude e olhou pela janela. Está de pé em frente do
celeiro, com Gary e com Tippy. Consegues alcançá-lo antes que se vá
embora.
267
- Iria custar-me menos alcançar a lua - balbuciou Crissy. - Está bem,
está bem, eu vou! - levantou-se da cama e seguiu Maude pelo corredor.
Maude abriu-lhe a porta de trás com um brilho travesso no olhar.
- Não tenhas demasiadas ilusões - disse-lhe Crissy enquanto saía. - Já
sabes que Judd não é um homem de família.
- Espera que ele tenha esse bebé nos braços. Crissy esperava que Maude
estivesse certa. Mas ti nha um mau pressentimento e agravou-se à medida
que se aproximava do celeiro. E se Judd não acreditasse nela? Pior ainda:
e se pensasse que o bebé era de Grier?
Ainda assim, seria impossível ocultar a sua gravidez em Jacobsville,
Texas, onde toda a gente se conhecia. Seria melhor resolver aquele
assunto de uma vez por todas. No fim de contas, não tinha muitas
alternativas.
Ao dobrar a esquina do celeiro, ficou gelada. Gary, o realizador
assistente, estava a resmungar impertinências aos seus operadores de
câmara e técnicos de som. Viu-o lançar um olhar assassino ao celeiro e
dar a volta, zangado. Crissy estranhou aquela reacção, até que distinguiu
o interior na penumbra. Judd estava encostado a um dos estábulos e Tippy
inclinava-se para ele, com o seu bonito corpo praticamente unido ao de
Judd, enquanto se beijavam com algo parecido com o desespero.
Crissy sentiu náuseas. De forma alguma entraria ali para dizer a Judd que
não podia divorciar-se dela por que estava grávida. não quando era
evidente que tinha uma relação física com Tippy. Era impossível jogar com
um beijo como aquele! E Judd tinha-lhe assegurado que não desejava Tippy!
Deu a volta e regressou por onde tinha chegado
268
sem fazer ruído. As lágrimas cegavam-na enquanto avançava com passo
rígido até à sua velha carrinha e se sentava atrás do volante. Pegou na
chave extra que guardava debaixo do tapete e arrancou. Afastou-se sem se
preocupar com a carta de condução nem com os documentos do seguro, nem
sequer com a sua mala.
Pouco a pouco, foi recuperando a razão. A dor era esmagadora. Via aquele
beijo ávido uma e outra vez. E não era Tippy quem o beijava, era uma
carícia mútua. Ao que parece, Judd tinha tanta certeza de que iria obter
o divórcio que já estava a fazer planos com a super modelo. Era difícil
ver Tippy a tentar viver do salário de um Ranger, apesar dos lucros que o
rancho começava a dar. Era uma mulher bela e muito cotada. Viajava por
todo o mundo para participar em desfiles de moda com os estilistas mais
famosos. Deveria estar apaixonada por Judd se estava disposta a renunciar
a toda a sua fama e dinheiro por ele. Claro que não a surpreendia. Judd
era bem parecido, sexy e muito masculino. Tippy não seria a primeira
mulher a achá-lo irresistível.
Não havia muito trânsito na estrada. Já tinha passado da hora de almoço e
ainda faltava um bocado para que circulassem os autocarros da escola.
Agarrou o volante com força. Não tardaria a ter um filho que iria à
escola. Judd teria que saber. Não havia forma de ocultar-lhe esse
segredo. O bebé deitaria a perder a sua vida, as suas esperanças para o
futuro. Isso iria chateá-lo e a Crissy também.
Saiu da estrada principal e tomou um caminho estreito de terra paralelo à
margem do rio. A cabeça andava às voltas. Não sabia o que fazer. Mesmo
que se fosse embora, Judd iria saber algum dia. Não pensava ir a uma
clínica fazer um aborto. Não suportaria essa decisão, fosse qual fosse o
preço. Cegamente, pisou com força o acelerador. Conseguia ver Judd a
beijar
269
Tippy, sentia a agonia que aquela imagem tinha causado, como uma ferida.
Judd estava apaixonado por Tippy. Amava Tippy.
Gemeu. Não podia dizer- lhe que estava grávida, não podia! Tinha sido
culpa dela. Não tinha tido cuidado, não tinha tomado precauções e devia
ser ela a pagar as consequências, não Judd.
Apertou os dentes e fechou os olhos enquanto voltava a ver o beijo. Não
estava a prestar atenção ao caminho. O rio não era muito profundo, mas a
margem ficava três metros acima do nível da água. Quando abriu os olhos,
tinha saído do caminho e precipitava-se para a margem.
Proferiu uma imprecação e guinou o volante. Pisou no travão a fundo, a
escassos centímetros de uma morte certa. A carrinha deteve-se com os
pneus dianteiros a apenas trinta centímetros da beira da margem.
Crissy apoiou a cabeça no volante, tremendo de alívio. As lágrimas
resvalavam pelas suas mãos. Judd sempre lhe tinha dito que não conduzisse
se estivesse alterada. Se não tivesse aberto os olhos naquele preciso
instante, teria caído à água. Teria morrido, ela e o bebé. Deslizou a mão
com um gesto protector no seu ventre levemente arredondado.
Saiu como pôde do habitáculo e aproximou-se do pára-choques dianteiro.
Apoiando-se no lado da carrinha, contemplou a corrente rápida do rio.
Tirou um lenço de papel do bolso, o mesmo que tinha usado para fixar a
pintura dos lábios essa manhã, e secou o rosto suado. Tremiam-lhe as
mãos. Bem, não pensava subir para a carrinha até estar suficientemente
serena para conduzir sem perigo.
Ouviu passar um carro pela estrada principal: era um veículo da polícia.
Crissy viu que reduzia a velocidade uns segundos antes de sair disparado.
Certa mente, aquele agente estaria a perguntar-se o que fazia
270
ali sozinha com a carrinha parada sobre o rio. Pois que continuasse a
perguntar-se. Não pensava voltar ao rancho ainda. Daria tempo de sobra
para Judd ir-se embora. Não queria vê-lo quando a lembrança daquele beijo
ainda lhe estava a doer.
Judd regressava ao seu todo-o-terreno quando viu Maude sair do alpendre
das traseiras, com um ar preocupado. Virou-se para ela e aproximou-se
sorrindo suavemente.
- Passa-se alguma coisa? - perguntou.
- Crissy. não te contou?
- O que tinha para me contar? - Maude hesitou.
- Viste-a?
- Não. Deveria? - perguntou com impaciência.
- Ia falar contigo - disse Maude. - E não vejo a carrinha dela.
Judd ficou tenso. Se Christabel tivesse ido ao celeiro, devia tê-lo visto
com Tippy. Tinha-a beijado para que o realizador assistente, Gary,
deixasse de a assediar outra vez. Começava a ser um chato. Tinha sido um
beijo inocente, fingido. Mas se Christabel os tivesse visto...
- O que é que vinha falar comigo? - perguntou, pensando na frequência com
que tropeçava com Grier quando passava pelo rancho. Tinha chegado ao
ponto em que raras vezes falava com Christabel. Tinha tantos ciúmes que
já não conseguia disfarçar.
Maude tossiu.
- Não sei, não me disse - mentiu e respirou fundo.
- Deve ter ido buscar o correio ou qualquer coisa assim. Não te
preocupes.
Maude entrou de novo em casa. Judd hesitou. Tinha notado que ela estava
estranha. Perguntou-se porque é que Christabel não tinha dado a entender
a sua presença.
271
Não era próprio dela passar por cima daquilo que consideraria uma
traição. A Christabel que conhecia haveria de se pôr aos gritos no
celeiro e teria procurado o confronto directo. Preocupava-o que se
tivesse ido embora sem dizer nada.
Subiu para o todo-o- terreno com intenção de ir à cidade e ver se a
encontrava no posto dos correios. Mas, enquanto arrancava, ouviu um
telefonema na onda de frequência da polícia.
- Cash está por aí? - perguntou um jovem.
- Está reunido com o chefe Blake e o secretário do Concelho. Porquê?
- Quando sair, diz-lhe que a rapariga dele está de pé na margem do rio,
junto ao seu veículo, na estrada de J. Davis, está bem?
- Porque é que precisa de saber? - perguntou o operador.
- Porque as rodas dianteiras do carro estão na borda da margem e ela
também - disse o jovem. - Eu, no lugar dele, iria logo para lá.
- Digo-Lhe assim que sair. Não vai demorar muito.
- Obrigado - o jovem deu à chave do seu veículo e deixou de transmitir.
Judd queimou os pneus ao sair para a estrada. Christabel ouviu que se
aproximava um veículo e ficou tensa. Era um lugar solitário e, portanto,
peri goso. Talvez fosse o polícia que tinha passado alguns
minutos antes, resolvido a investigar o que se passava ali.
- Do teu, ou do meu?
- É igual. Tu trazes uma camisa branca - assinalou. Judd não respondeu
daquela vez. Tirou o cinto da arma e deixou-o em cima da secretária.
Esperou.
- Não temos que fazer isto - disse-lhe Grier.
- Não - corroborou Judd num tom enganadoramente amável. - Diz-me o que
Christabel esconde e regressarei ao meu gabinete.
- Isso eu não posso fazer - repôs Grier. - Dei a minha palavra.
Judd encolheu os ombros.
- Então, vamos fazer à minha maneira - disse e, enquanto falava, deu um
passo em frente e deu- lhe um murro vertiginoso.
Grier tinha uma reputação merecida. Baixou a cabeça a tempo, deu uma
volta e golpeou Judd com o calcanhar, com um pontapé digno de Chuck
Norris.
Judd recebeu o impacto, mas recompôs-se no mesmo instante, secou o sangue
do lábio e sorriu. Aquele sorriso era bem conhecido entre os Rangers.
Grier tinha um igual.
Cash esteve a ponto de se esquivar do pontapé, mas Judd acertou-lhe no
estômago e o seguinte, um pomtapé com o peito do pé, lançou-o sobre uma
cadeira. O estrondo chamou a atenção dos agentes. A porta do escritório
abriu-se exactamente quando Grier se atirava sobre Judd e o fazia cair
para o chão, para o outro lado da secretária.
Alguém gritou: Luta! e, de repente, apareceram uniformes azuis por todos
os lados, ocupando posições à volta do ringue. Grier pensou ter ouvido
apostas, mas
278
os seus ouvidus zumbiam por causa do último murro de Judd. Maldição,
aquele homem era duro!
Igualou o golpe seguinte de Judd com um salto que arrastou o seu rival
contra a parede. Enquanto Judd tentava recompor-se, Grier deu a volta e
atingiu-o num dos lados da cabeça com um pontapé alto.
Judd aterrou com desenvoltura idêntica e voltou a recompor-se. Os dois
homens, igualados em altura e perícia, observavam-se mutuamente. Os socos
eram esquivados ou atenuados, os pontapés, também. Os impactos eram
duros. Ambos estavam feridos e sangravam.
Grier conseguiu dar-Lhe um pontapé inesperado quando o ameaçava com um
murro. Judd recebeu o golpe, mas voltou-se e, com outro pontapé com o
peito do pé, lançou Grier contra a sua secretária.
As testemunhas aumentavam. Grier lançou um olhar ao público com uns olhos
turvos, quase tão pretos como os de Judd.
- Vais conseguir que me despeçam - resmungou.
- Duvido. Chet é teu primo em segundo grau - Judd lançou um pontapé com o
calcanhar que desequilibrou Grier e o fez cair junto à mesa. - Levanta-te
- resmungou ao ver que o seu adversário hesitava.
Grier levantou-se, mas com um poderoso movimento de perna que fez Judd
cambalear. Este recuperou depressa, levantou-o agarrando-o pelo braço e
deu-lhe uma pancada nas ancas que o fez cair na única cadeira decente do
escritório.
Era verdade. Tinha cometido muitos erros estúpidos. Era incrível que um
homem com a sua experiência não conseguisse decidir o que sentia por uma
rapariga que tinha conhecido toda a vida.
- Estamos a afastar-nos do tema - disse Judd. Porque quer ela ir-se
embora?
- Não adivinhas, claro - suspirou Grier.
- Não pode ser por ti - disse em tom sarcástico, ou estaria a lutar por
conservar a sua metade do rancho.
- Não - corroborou Grier em voz baixa. - é uma jovem maravilhosa. Daria
muito para ser o homem da
sua vida, mas não pode ser. Nem sequer estava na grelha de partida.
Durante um longo momento de horror, Judd perguntou-se se haveria outro
homem. Não, não era possível. Mas, se não era Grier, e Christabel estava
a fugir...
- Não sabes contar, pois não? - disse Grier em tom
irónico. Voltaram do Japão há dois meses. Chegou a
281
casa esperançada e sonhadora e, depois, caiu numa depressão da qual ainda
não saiu, porque tu a evitas como se ela fosse a peste. Agora, de
repente, ela afasta-se de ti.
- Já me apercebi - disse Judd. - Não me estás a contar nada que eu não
saiba!
- Sim, se me escutares. Pensa. Porque quer ela ir-se embora? Porque é tão
importante mudar-se para um sítio onde não possas vê-la?
Deveria ter-se apercebido muito antes. Foi como receber o impacto de um
taco de basebol entre os olhos. Christabel tentava esconder-se porque o
seu corpo estava a mudar, porque estava.
- Está grávida? - a pergunta asfixiava-o. Grier limitou-se a assentir.
- Foi o que disse Maude. Tinha enjoos matinais há quinze dias e a roupa
já não lhe serve.
Judd empalideceu. Christabel não estava a tomar a pilula naquela altura e
sentia-se culpada. Tinha-o visto com Tippy no celeiro, como não sabia que
tinha sido um beijo fingido, estava decidida a não se interpor na sua
felicidade, a não deitar a perder as suas possibilidades com um bebé de
que ele não sabia. Se calhar pensava que também não quereria
responsabilizar-se pela criança.
Deixou-se cair no sofá e ficou sentado, atónito, taciturno.
- Eu gosto de bebés - disse Grier. - Estou naquela idade em que penso
muito nisso. Posso viver em qualquer lado. Se quiseres que Crissy se vá
embora, eu vou com ela. Pode ser que algum dia se case comigo. Adopto a
criança e crio- a como se fosse minha.
As portas estavam a fechar-se. Em algum mo mento, Judd tinha perdido
Christabel e o bebé e diante dele abria-se um futuro lúgubre. Olhou para
Grier com horror nos olhos. Tinha adorado a liberdade. A ideia de
282
passar a sua vida com uma mulher, de ter uma familia, tinham-no aterrado.
Tinha vivido e trabalhado sozinho quase toda a sua vida. Não tinha
querido amarras nem responsabilidades. Mas quando Christabel aceitou uma
bala que Lhe era dirigida, a sua atitude mudou por completo. Tinha feito
tudo o que estava nas suas mãos para demonstrar a Christabel que a amava,
mas ela tinha-se distanciado dele e tinha começado a agarrar-se a Grier.
Magoava-o. Como podia acreditar que ele preferisse Tippy?
Que tipo de vida teria se deixasse que Christabel se fosse embora da
cidade e Grier fosse com ela?
- Eu se fosse a ti, e ainda bem que não sou, ia para casa e pensava
seriamente no que eu te disse - disse-lhe Grier com leve regozijo. - Não
dispões de muito tempo.
Judd não replicou. Olhou para Grier como se não o visse. Pôs-se em pé,
vagamente consciente das feridas e dos cortes que sangravam na cara.
- Também não era mau se pusesses uns pensosdisse Grier.
- Olha-te ao espelho, Grier - atirou-lhe Judd.
- Não o suportaria. Se estiver com metade do teu aspecto, amanhã venho
trabalhar com um saco de papel na cabeça.
- Terás sorte se conservares o teu trabalho depois de Chet Blake vir este
escritório - resmungou Judd enquanto se dirigia para a porta.
- Bem, digo que foi obra tua - assegurou-lhe com um sorriso.
- Experimenta. - A primeira coisa que tens que corrigir é o teu sentido
de humor - assinalou Grier. - Para não falar da tua falta de diplomacia.
- A tua ideia de diplomacia é uma pistola - assinalou Judd.
283
- Só com cabeças duras como tu.
Judd tinha a mão fechada quando parou e virou a cabeça para Grier.
- Não digas a Christabel que eu sei da gravidez.
- Não te preocupes. As pessoas também não sabem o que eu fiz de verdade
no Iraque.
Judd franziu o sobrolho.
- Não sabia que tinhas estado no Iraque.
- Vês? - sorriu Grier. Judd abriu a porta. - Mais uma coisa - disse-lhe.
- O quê?
- Na próxima vez que deres aquele pontapé com o peito do pé, mantém o
eixo estável. Perderás o equilíbrio se inclinares a parte superior do
corpo quando atacas.
Judd revirou os olhos e saiu a abanar a cabeça.
284
Dezassete
Christabel estava a passar a ferro quando Judd parou o seu todo-o-terreno
em frente da casa, mas ela estava demasiado afectada pelo seu quase
acidente para se aperceber daquilo que acontecia à sua volta. Além disso,
o zumbido sonoro da velha máquina de lavar abafava qualquer som.
Maude estava na cozinha, a terminar o pão, quando Judd entrou. Ficou a
olhar para ele com as mãos sujas de massa. Tinha a cara cheia de cortes e
feridas e sangrava de um corte do lábio. A camisa branca estava salpicada
de sangue.
- Grier está pior - disse Judd e encolheu os ombros.
- Onde está Christabel?
- A passar a ferro - conseguiu dizer Maude. Estava estupefacta. Não o
tinha visto lutar desde o dia em que Tom Gaines dera uma tareia à filha e
isso já tinha sido há muito tempo.
- Eram umas pérolas rosadas, as tuas preferidas. Mas também havia outro
presente. Tippy devolveu-me o anel. Tinha-me persuadido a comprá- lo e só
o fiz para conservar o meu orgulho. Quando o devolvi à joálharia -
acrescentou suavemente, - comprei dois anéis a combinar. Um para ti,
outro para mim. Alianças. E assim tens dois presentes e não um.
Ela limitou-se a olhar para ele. Ele encolheu os ombros.
- Nunca quis divorciar-me - confessou. - No fundo, não. A minha mãe era
muito jovem, como tu, e não estava preparada para o casamento. Vi como o
meu pai morreu por dentro quando ela o deixou. Nunca superou o divórcio e
chorou o seu destino até ao fim. Eu não queria acabar como ele. Tinha
medo de me comprometer. Sabia que te interessavas por mim, mas temia que
fosse uma paixão passageira.
- Paixão passageira?? - replicou Crissy com um sorriso. - Durante cinco
anos?
- Compreendi isso quando levaste o tiro no meu lugar - disse em voz
baixa. - Então, soube que me amavas de verdade. Mas Grier não se separava
de ti e homens melhores do que eu já se sentiram inferiores ao lado dele.
- Cash é uma pessoa triste e solitária - disse Crissy.
- Fazia-me pena. Sei coisas dele que tu ignoras, Judd. Esteve casado
muito pouco tempo, iam ter um filho. Não sei o que aconteceu, mas
divorciaram-se com amargura - suspirou. - Não era mais do que um amigo,
Judd.
- Não sabia. Estava louco de ciúmes. Por fim, compreendi que não irias
esperar eternamente que eu aceitasse
291
o que sentia por ti. Foi então que soube que teria que lutar para te
reter. Mas Grier fez-me passar um mau bocado, desde que regressámos do
Japão.
Ela sorriu devagar.
- Tippy também me fez passar um mau bocado a mim. É bonita e sofisticada.
- Sofisticada, como Grier - acariciou-lhe a orelha.
- Que se consolem um ao outro - disse com um sorriso malandro.
- De certeza?
Judd arqueou as suas sobrancelhas escuras.
- Quantas mulheres achas que tive no chão do quarto das máquinas?
- É melhor que eu tenha sido a única - respondeu Crissy fingindo que
estava zangada. Judd riu- se.
- Já começas a ser tu mesma - deitou a mão à t-shirt lavada. - Tenho que
voltar ao trabalho. Estou a encaixar as últimas peças dos casos Clark -
olhou para ela. - Não te tinha dito. Já sabes quem nos envenenou os
touros?
- Jack Clark, não? - adivinhou Crissy.
- Não. O seu irmão John era quem envenenava e ele matou o velho Hob.
Tinha um amigo e colega de trabalho, o mesmo homem que lhe emprestou a
carrinha preta, que lhe deu um álibi durante o intervalo da morte do
velho Hob, porque John o fez acreditar que uma namorada ciumenta o queria
obrigar a comprometer-se. Além disso, foi Jack Clark quem violou e matou
a mulher de Victoria. Jack era o nosso principal suspeito dos
envenenamentos porque vivia em Jacobsville e ele sabia disso.
- Continua - pressionou Crissy.
- Não querias fazer isso, pois não, Gary? - perguntou num tom satisfeito
e dobrou-lhe a mão um pouco mais. o suficiente para que Gary fizesse uma
careta de dor. - O assédio sexual é um termo muito desagradável. Pensa no
que a imprensa diria na nossa sociedade politicamente correcta. Percebes
o que te quero dizer? - acrescentou suavemente, e aumentou a pressão.
- Percebo. perfeitamente - exclamou Gary e virou-se para ele para evitar
que lhe arrancasse a mão.
- E apesar de não te poder prender por assédio, já que estás fora da
minha jurisdição, posso chamar um dos meus colegas do departamento do
xerife para te prenderem. Por isso, não voltes a tocá-la assim.
Entendido, Gary? - insistiu Cash com um sorriso. O sorriso provocava
calafrios a Tippy.
- Nunca mais, juro! - gemeu Gary. Cash soltou- lhe a mão, ainda a sorrir.
- Era conveniente que anunciasses uma pausa de dez minutos - acrescentou.
- Gostava de falar um momento com a menina Moore.
- Adiante - resmungou Gary e lançou a Tippy um olhar de puro ódio. - Dez
minutos para todos - exclamou
296
e afastou-se de Cash o mais depressa que pôde, sustendo a claquete na
outra mão.
Cash fez um sinal a Tippy com a cabeça. Ela aproximou-se como um
cordeirinho, sem emitir o mais leve protesto, olhando para ele com os
seus olhos verdes cheios de perplexidade.
- Porque deixas que ele te trate assim? - perguntou Cash em voz baixa.
Estava afectada. Envolveu-se com os braços.
- Tenho vinte e seis anos - disse. - E um irmão de nove que tenho que
sustentar. As portas da moda estão a fechar-se para mim. Tenho que
triunfar no cinema ou ficarei sem fonte de receitas.
- E achas que por dinheiro vale a pena permitir a essa tarântula humana
que suba pelo teu corpo como uma trepadeira? - insistiu. - O que é que eu
te disse no hospital? Que o olhasses nos olhos e lhe dissesses que não.
- É mais fácil dizê-lo do que fazê-lo - repôs Tippy com um ar torturado.
Cash levantou-Lhe o queixo devagar. Olhava para ela com o olhar firme.
- Mas vais tentar, não vais?
- Ela assentiu, porque Cash produzia esse efeito nas pessoas.
- Podias tê-lo magoado - disse Tippy vacilante.
- Podia ter-lhe partido a mão com a mesma facilidade com que o magoei. Há
alguns anos, nem sequer teria hesitado - Cash estava a pensar, analisando
dados e tirando conclusões. - O teu corpo diz vem e come-me, até que um
homem se aproxima a dois passos de ti. Então, convertes-te numa estátua
de gelo. Mas, debaixo do gelo, há medo. Aquele tipo causa- te pânico -
murmurou, apontando para o realizador assistente com o queixo. - Apesar
de não tanto como euacrescentou suavemente.
297
Tippy engoliu em seco. Detestava ser tão transparente, mas a ousadia de
Gary tinha-a perturbado. Cash fixou-se na sua postura, na pose defensiva.
- Não tinhas medo de Judd - recordou Cash. - Mas ele não te tocava, pois
não?
O rosto de Tippy deu-Lhe a resposta imediata. Cash assentiu devagar.
- Então, era isso.
até ao ponto em que teve que ser hospitalizado aos quatro anos. Um
polícia amigo meu telefonou-me e disse-me.
- E que diabos fazia a tua mãe entretanto? - exclamou.
Tippy engoliu em seco.
- Segurava-o.
O suspiro de Cash foi audível. Ao olhar para ela, começou a ter visões
perturbadoras dela, quase como se estivessem a passar da mente de Tippy
para a dele. Semicerrou os olhos. Juntou a postura defensiva de Tippy ao
seu medo dos homens e à reputação perniciosa daquele que tinha sido o seu
parceiro durante seis anos. O resultado era inquietante.
- Não vou permitir que me tire Rory - disse Tippy friamente. - Custe o
que custar.
- Mesmo que tenhas que suportar lábios de lagarto?
- disse, apontando para Gary com a cabeça. Ela levantou o olhar,
surpreendida, e dos seus lábios nasceu um suave tilintar. - Enquanto lhe
doer a mão, pensará em mim. Vamos.
Cash regressou com ela ao cenário, mantendo a distância para não a pôr
nervosa. Até sorriu a Gary.
Tippy caminhou em linha recta até ao realizador assistente, sentindo-se
insolitamente segura de si.
- Cash disse que, se voltares a tocar-me, posso fazer com que te prendam
e acusar-te de assédio - sorriu com encanto. - Tens seguro, não tens,
anjo?
Gary empalideceu. Lançou um olhar a Cash e tossiu.
- Muito bem, oiçam-me todos. Já perdemos bastante tempo. Vá, vamos
trabalhar.
Tippy dirigiu a Cash um olhar rápido e um sorriso tímido e continuou a
trabalhar.
300
A resolução de Judd de não deixar que Christabel suspeitasse que ele
sabia que ela estava grávida durou exactamente quatro dias, até à tarde
em que voltou mais cedo do trabalho e encontrou Christabel na parte de
trás de uma carrinha com Nick, a atirar fardos de feno do celeiro para um
dos pastos.
Judd ficou furibundo. Tirou-a da carrinha em braços, levou-a para o seu
todo-o-terreno, sentou-a e levou-a, sem dizer nada, à consulta do doutor
Jebediah Coltrain. Entrou com Christabel no local e disse à recepcionista
que queria que os recebessem imediatamente. A sala de espera estava
vazia.
- Copper não está cá - balbuciou a jovem, - e Lou está quase a ir- se
embora.
- Não, não está - arrastou Christabel pela porta que dava para o
corredor. - Lou - gritou.
A doutora Lou Coltrain saiu para o corredor, primeiro atónita e depois
regozijada ao ver os recém-chegados.
- Em que posso ajudar? - perguntou a Judd. Este cerrou os lábios.
- Quero fazer um teste de gravidez agora mesmo.
- Muito bem - repôs Lou, tentando não rir. Data do último período.
- Não é para mim, é para ela - resmungou, lançando um olhar colérico a
Christabel, que estava atónita. - Estava a atirar fardos de fenos de uma
carrinha, pelo amor de Deus.
O sorriso de Lou evaporou-se.
- Isso não é muito inteligente se estiveres grávida, Crissy - disse
suavemente. Christabel começou a chorar.
- Não podes saber! - gemeu ao seu marido. Como sabes?
- Não sou cego, pois não? - resmungou. - Não consegues apertar as calças
nem manter o pequeno-almoço
301
no estômago - aborrecia-se por não dizer a verdade.
- Maude disse-te - acusou-o.
- Maude não me disse nada - defendeu-se.
- Vamos tirar uma amostra de sangue, Crissy - in terveio Lou. - Quando
tiveste o período pela última vez?
Teve que responder com Judd a escutar cada palavra. Lou chamou Betty e
fizeram o teste. Deu positivo. Lou marcou uma consulta para que
Christabel visitasse um ginecologista de Victoria, que também trabalhava
no Hospital Geral de Jacobsville. Depois, recei tou-lhe vitaminas.
- Nada de levantar pesos - preveniu. - E come como deve ser.
Christabel acedeu docilmente. Estava aliviada pela forma com que Judd
estava a receber a notícia da sua paternidade eminente. Nem sequer estava
chateado. Relaxou.
De volta à carrinha, Judd não parava de sorrir. En trelaçou a sua mão à
de Christabel. Ela olhava para ele com atenção.
- Não estás chateado?
- Encantado. E aliviado - replicou. - Agora posso dormir tranquilo sem me
preocupar que saias a correr com Grier.
- Ele gosta de crianças - replicou.
- Encontrará outra mulher que lhe dê uma. Esta é minha - respirou fundo.
- Que presente de Natal vou ter este ano!
De facto, o bebé iria nascer nessa altura. Crissy estava fascinada ao ver
o desenrolar de emoções no rosto moreno e delgado de Judd. Não podia
estar a fingir tanto prazer. Perguntou-se se uma mulher podia desmaiar de
felicidade. Nunca se tinha sentido tão segura nem protegida em toda a sua
vida. Judd gostava dela e
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queria o bebé. Talvez, com o tempo, até chegasse a amá-la. Tinha tantos
motivos para sonhar, tantos!
A equipa de filmagens despediu-se antes de partir para o aeroporto. Tippy
fez um pedido de desculpas exaustivo a Christabel e a Judd por todos os
problemas que tinha causado e convidou-os a assistir à estreia do filme,
que teria lugar em Nova Iorque ao fim de sete meses. Seria em Novembro e
Christabel estaria prestes a dar à luz.
Cash Grier apareceu no aeroporto exactamente quando Tippy acabava de
registar a bagagem e se dirigia para os detectores de metal.
- Espera um minuto - disse em voz baixa, chamando-a à parte. Deu- lhe um
cartão com o seu nome e número de telefone. - Para o caso de teres algum
problema com a custódia do teu irmão mais novo - explicou- Lhe. - Anotei
o meu número particular nas costas. Se precisares de ajuda, telefona-me.
Tippy espantou-se.
- Porque quererias ajudar-me? - perguntou, atónita.
- Se me odeias!
Os seus olhos escuros contemplaram os olhos verdes de Tippy com
serenidade.
- Diabos, não sei porquê! Tens que questionar tudo?
Tippy esticou o braço vacilante e tocou-Lhe na manga, se bem que baixou a
mão assim que estabeleceu o contacto. Cash estava de uniforme e estava
muito limpo.
- Obrigada pelo que fizeste com Gary. Pelo que me obrigaste a fazer.
Tinha medo de perder o meu trabalho
- sorriu com timidez. - Ultimamente, não recebi muitas ofertas. Mas
tinhas razão. Ninguém deveria aguentar um tratamento inadmissível só para
poder continuar a trabalhar.
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- Então não te esqueças - repôs Cash com serenidade.
Tippy contemplou o rosto dele, com verdadeiro interesse.
- Podes vir com Judd e Christabel à estreia do filme. Eu mando-te o
bilhete, se quiseres.
Cash inclinou a cabeça.
- Eu vou - disse de repente.
Tippy corou e os seus olhos iluminaram-se. Riu como uma tonta. À sua
volta, tanto homens como mulheres ficavam a admirar a sua surpreendente
beleza. Tippy não parecia dar-se conta da atenção que atraía: só tinha
olhos para o homem que se erguia diante dela.
- Eu gostaria muito - disse com voz rouca. - Obrigada, Grier.
- Só tenho mais doze anos do que tu - assinalou. Podes chamar-me Cash.
O sorriso prolongou-se.
- É diminutivo de quê?
- De Cassius - suspirou.
- A sério?
Cash assentiu.
- A minha mãe adorava os clássicos.
Tippy reparou no cabelo preto e no rabo-de-cavalo lavado, no bigode e no
pequeno triângulo de pêlo que demarcava a sua boca sensual.
- Gostavas dela.
- Muito.
Tippy suspirou e as lembranças amargas roubaram-lhe o sorriso.
- É melhor ir-me embora - guardou o cartão no bolso. - Obrigada mais uma
vez.
Cash encolheu os ombros.
- Gosto das estrelas de cinema - murmurou com fluidez e sorriu-lhe.
Aquele sorriso entrou directamente no coração de Tippy, que voltou a
sorrir.
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- E eu gosto dos polícias.
Tippy desviou o olhar, virou-se e atravessou rapidamente o detector de
metais. Exactamente antes de entrar na área restrita, voltou a cabeça.
Nunca se tinha sentido tão sozinha em toda a sua vida. Ele também
continuava a olhar para ela.
Olhou para ela até que a perdeu de vista, por motivos que não conseguia
compreender.
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Dezoito
Por surpreendente que pareça, Cash Grier decidiu acompanhar Judd a Nova
Iorque. Christabel e Maude despediram-se de Judd no alpendre dianteiro. A
gravidez estava muito avançada e Crissy tinha decidido não ir à estreia.
Também não queria que Judd fosse sem ela, mas tinha esgotado todas as
desculpas para o reter. Ainda não tinha ouvido nenhuma declaração de amor
dos seus lábios e continuava a temer que ele estivesse com ela por causa
do bebé. E se ao viajar para Nova Iorque descobrisse que quem amava
realmente era Tippy?
- Nomes? - perguntou uma voz do fundo do quarto. Era Leo Hart, com a sua
esposa Janie, ambos sorridentes. - Já escolheram algum?
- Jessamina para a menina - disse Christabel com orgulho. - Depois
chamamos-lhe Jessie. E.
- E Jared para o nosso filho - interrompeu-a Judd suavemente. - Como o
meu tetravô, Jared Dunn, que foi Ranger e um famoso advogado de San
Antonio nos princípios do século vinte.
- Bem, parabéns outra vez. E agora, é melhor irmo-nos embora - disse Leo.
- Temos que passar para
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ver Rey e Meredith. Tiveram uma menina, Celina, ao mesmo tempo que vocês.
Felicita-os da nossa parte - disse-lhes Christabel. O casal assentiu,
sorriu e saiu do quarto.
Cash continuava a contemplar a menina que Judd segurava nos braços. Judd
fez uma careta e passou-lha.
- Podes segurá-la, acho eu - disse com um suspiro.
- Mas lembra-te de quem é que ela é.
Cash sorriu-lhe, brincalhão.
- Pode viver contigo, mas eu serei o padrinho - disse e começou a fazer
caretas à pequenina. - O papá Cash vai ensinar-te a lutar com os punhos e
a usar golpes relâmpago em assaltos de operações especiais.
Maude emitiu um gemido de puro horror. Christabel desatou a rir.
- Ele está a brincar, Maude.
- Não, não está a brincar - murmurou Judd ironicamente.
Cash não lhes prestava atenção, cativado como estava pela alegria de ser
padrinho pela primeira vez.
Quando ficaram sozinhos, Judd sentou-se ao lado da cama e pegou na mão de
Christabel.
- Dois bebés - disse, ainda estupefacto. - Não consigo acreditar. Maude
não me tinha dito nada.
- Fi-la jurar que guardaria segredo. A ela e ao ginecologista -
acrescentou com um sorriso. - Já tinhas bastantes preocupações com o
julgamento de Clark e as mudanças nas nossas vidas. Além disso, sou
saudável e não corria perigo. Ter-te-ia dito se corresse algum risco, a
sério.
O caso Clark tinha saído na imprensa nacional, em particular, porque
Clark tinha sido julgado e condenado a prisão perpétua, sem esperança de
liberdade
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condicional, por assassinato. Judd, Christabel e Cash tinham testemunhado
contra.
- Que tal foi a estreia?
Judd riu-se.
- A estreia não foi tão interessante como o que se passou depois - disse-
lhe. - Tippy e Cash causaram surpresa.
- Ah, sim? - perguntou, felizmente esquecida do seu recente medo secreto
de que a modelo Lhe roubasse Judd.
- Ao que parece, ela falou muito mais de Cash do que de mim ao irmão e o
rapaz disse-lho - sorriu. Cash não cabia em si de satisfação quando
recebemos a chamada de Maude.
- Fala a sério.
Judd deu a volta à mão da sua esposa e olhou-a.
- Crissy - disse, usando o diminutivo pela primeira vez nas suas vidas. -
Cash estava apaixonado por ti.
Ela fechou os dedos dentro da mão dele.
Fim