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A terceira unidade de aprendizagem foi produzida com o propósito de


apresentar discussões e orientações a respeito dos indicadores e da
produção e uso de informações em saúde, temas cruciais para as práticas
de monitoramento e avaliação. A unidade também aborda o uso de
métodos mistos em avaliação, buscando a melhor articulação possível
entre os métodos quantitativos e qualitativos, de forma a apresentar aos
alunos uma série de aspectos cruciais à formação de quem quer
compreender melhor e fazer avaliação.

Unidade 3 | Introdução à Avaliação em Saúde


Fazemos a você um convite para ler e pensar na situação relatada por uma
enfermeira que trabalha em uma Unidade de Saúde da Família (USF) de um
município brasileiro.
 

A enfermeira Regina, incansável em perseguir a qualidade das ações


implementadas pela estratégia de saúde da família, estava um tanto
inquieta porque ainda não havia discutido com a equipe os resultados
do primeiro ciclo do PMAQ (Programa Nacional de Melhoria do Acesso e
Qualidade da Atenção Básica). Sua inquietude tinha a ver com a última
experiência de discussão sobre indicadores, quando surgiram muitos
questionamentos e dúvidas. Por um lado, a equipe considerava que
contribuía com o levantamento dos dados, mas não participava da
construção dos indicadores. Por outro lado, Regina buscava
compreender e utilizar os indicadores para repensar e melhorar o
processo de trabalho em saúde. Em busca de respostas, Regina propôs
que a equipe analisasse detalhadamente os dados e parasse quantas
vezes fossem necessárias para discutir e compreender os indicadores
de avaliação. Uma auxiliar de enfermagem interrompeu e perguntou se
seria possível começar do início, explicando o que são indicadores e por
que são tão cruciais para o monitoramento e a avaliação. Regina não
pensou duas vezes e disse: claro que sim! Vamos começar por esse
ponto.

 
Para início de conversa, precisamos entender a relevância dos indicadores
para as práticas de monitoramento e para a avaliação. O interesse por
indicadores guarda relação com a necessidade de explicitarmos os meios
pelos quais construímos juízos de valor a respeito daquilo que avaliamos
ou, como visto antes, do objeto de avaliação (intervenção, programa ou
serviço a ser avaliado).
Como vocês puderam observar nas Unidades 1 e 2, não deveríamos
construir juízos de valor a partir de uma opinião ou impressão qualquer,
mas com base em critérios explícitos e bem definidos de análise, o que
permitirá constatarmos se uma dada intervenção está fazendo ou não
diferença, se o trabalho é ou não bem recebido pela comunidade, etc.
Mas, afinal, o que são indicadores de saúde? E o que esse assunto tem a
ver com o que fazemos na atenção à saúde no SUS?
 

Os indicadores de saúde são atributos da realidade dos quais lançamos


mão para enxergar, descrever e compreender um dado fenômeno de
nosso interesse que não pode ser observado diretamente. Eles devem
ser capazes de demostrar o efeito de determinantes sociais,
econômicos, ambientais ou biológicos sobre uma determinada
população.

 
Qualquer indicador expressa uma particularidade ou uma dimensão do
fenômeno ao qual ele se relaciona. Antes de aprofundar nosso olhar sobre
os indicadores de saúde, vejamos alguns exemplos de outros campos de
conhecimento. Sabemos, por exemplo, que o volume de chuvas é medido
em milímetros cúbicos pelo índice pluviométrico. Nesse caso, ao
analisarmos os milímetros cúbicos de chuva que chegaram ao solo, somos
capazes de determinar quão favorável a terra estará para o plantio ou para
a colheita, por exemplo. Nós podemos também usar estes números para
definir quão rígida é a seca em uma determinada região, ou quão chuvosa
é a estação. Reparemos que, neste caso, um único aspecto da realidade,
ou seja, o volume de água depositado no solo, é capaz de permitir muitas
análises.
O segundo exemplo vem da área da Educação e é bem conhecido da
população brasileira. Naquele campo, há um importante debate sobre o
potencial de se utilizar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB). O índice, que agrega num cálculo complexo as variáveis frequência
escolar, progressão escolar e desempenho em português e matemática
medido pela Prova Brasil, nos ajuda a observar o avanço ou não de escolas
e redes escolares inteiras, distribuídas numa escala que vai de 0 a 10.
Neste caso, reparemos que o indicador é complexo, agrega diferentes
variáveis e tem sido utilizado para ampliar o debate público sobre a
qualidade da educação básica, além de orientar gestores, diretores
escolares, professores e familiares a construir estratégias que melhorem o
desempenho dos alunos na Prova Brasil, bem como a permanecer na
escola e nela progredir.
Já na clínica é atividade comum monitorar a glicemia ou a pressão arterial
de alguns grupos de pacientes, bem como a temperatura ou a saturação
de oxigênio. Em muitos casos, é até mesmo padrão que tais medidas
sejam feitas tão logo o paciente chegue ao serviço. Nesses casos,
utilizamos tais variáveis para analisar o estado clínico de um paciente e
eleger uma ação terapêutica específica, ou a definir os pacientes
prioritários para atendimento. Como percebemos, os indicadores estão
presentes em muitos campos, possuem naturezas distintas e são usados
por profissionais diferentes; de modo geral, são utilizados sempre na
perspectiva de nos fazer enxergar e compreender melhor a realidade,
melhor agindo sobre ela.
Quando tratamos de gestão em saúde, os indicadores também são
utilizados com esse fim. É comum que os indicadores em saúde
expressem tanto as condições de vida da população (ou de grupos de
usuários) quanto o desempenho do próprio serviço ou sistema. Em seu
conjunto, espera-se que os indicadores reflitam a situação de saúde de
um dado território, sirvam para a vigilância das condições de saúde e
como instrumentos de gestão e avaliação do SUS, em todos os níveis
(BRASIL, 2008).
Compreendemos, ainda, que o uso de indicadores tende a facilitar o
monitoramento de objetivos e metas de um determinado serviço,
estimular a capacidade analítica das equipes e promover o
desenvolvimento de sistemas de informação em saúde. Por isso, ao falar
de indicadores, falamos também da importância do registro de
informações em saúde.
A disponibilidade de informações válidas e confiáveis é crucial para a
análise objetiva da situação de saúde, assim como para a tomada de
decisões e programação de ações (BRASIL, 2008). Sem dados bem
coletados, documentos preenchidos com precisão e no tempo adequado,
fica difícil construir bons indicadores e mais difícil ainda fazer gestão
inteligente. A má qualidade da informação pode comprometer
decisivamente a qualidade dos processos de monitoramento e avaliação.
 

 
Apesar de sabermos que a noção de qualidade varia muito, existe
consenso de que a qualidade de um indicador depende das propriedades
dos componentes utilizados em sua formulação (ocorrência de casos de
algum evento de saúde, tamanho da população em risco, etc.) e da
precisão dos sistemas de informação empregados (registro, coleta,
transmissão dos dados).
Para garantir que possamos confiar na informação produzida por um
indicador é necessário monitorar sua qualidade, revisar periodicamente a
consistência de sua série histórica e disseminar a informação com
oportunidade e regularidade.
São atributos de qualidade de um bom indicador:
VALIDADE – capacidade de medir o que ele pretende medir.
Se você quer medir a qualidade da relação entre gestantes e os médicos
que fizeram seu pré-natal, você não deve, por exemplo, utilizar um
indicador tal como mortalidade materna.
CONFIABILIDADE – capacidade de reproduzir os mesmos resultados
quando aplicado em condições similares.
Se o mesmo indicador produz resultados muito díspares em situações
similares, isso pode ser um sinal de que ele não sirva para medir a
variável que se pretende medir.
SENSIBILIDADE – capacidade de detectar, localizar e perceber o fenômeno
analisado.
A frequência de um usuário no grupo de terapia ocupacional não é um
indicador direto da qualidade do trabalho do profissional que dirige o
grupo. Isso pode demostrar aspectos mais ligados ao usuário do que ao
grupo, por exemplo.
ESPECIFICIDADE – capacidade de detectar somente o fenômeno
analisado.
Mortalidade e morbidade não podem ser medidas em um mesmo
indicador, ou, por exemplo, não podemos ter como indicador algo como
"adesão dos pacientes e disponibilidade de medicamentos para tratamento
da diabetes". Trata-se de duas variáveis, duas dimensões, dois possíveis
indicadores ligados a um mesmo objeto, mas independentes.
MENSURABILIDADE – basear-se em dados disponíveis ou viáveis.
É muito importante utilizar dados disponíveis, já registrados, uma vez que
o uso das informações potencializa a qualidade do registro. É também
importante estar atento para produzir ou eleger indicadores viáveis,
possíveis de serem construídos, coletados e analisados.
RELEVÂNCIA – capacidade de responder a prioridades da agenda
estratégica de uma iniciativa.
Um indicador precisa ter relação clara com aspectos fundamentais da
realidade, ou seja, aspectos críticos ou prioritários, para que o objeto
possa ser avaliado. Não precisamos de muitos indicadores, mas de bons
indicadores.
CUSTO-EFETIVIDADE – capacidade de produzir resultados que
justifiquem o consumo de tempo e recursos.
Se haverá custos envolvidos na produção de indicadores, sejam diretos
(criação de indicadores e coleta primária de dados), sejam indiretos (uso
de bases já existentes), eles precisam ser baixos e viáveis.
 
Como abordado na Unidade 1, em cada avaliação podem haver diferentes
campos ou eixos organizadores de investigação, o que também implica
separar indicadores da mesma maneira. Tomemos o PMAQ como
exemplo, observando dois conjuntos de indicadores com funções
distintas.
 

Indicadores de desempenho
São aqueles vinculados à certificação externa e cálculo do incentivo
financeiro do componente de validade do PAB variável.
Produção Geral
Proporção de consultas médicas para cuidado continuado/ programado
Saúde Bucal
Média da ação coletiva de escovação dental supervisionada
Diabetes
Proporção de diabéticos cadastrados

 
Indicadores de monitoramento
São aqueles acompanhados de forma regular para complementação de
informações sobre a oferta de serviços e resultados alcançados por
cada equipe.
Produção Geral
Proporção de encaminhamentos para atendimento de urgência e
emergência
Saúde da Mulher
Proporção de gestantes acompanhadas por meio de visitas domiciliares
Saúde da Criança
Cobertura de crianças menores de 5 anos de idade no Sistema de
Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)

 
Para aprofundar o entendimento sobre indicadores e como calculá-los,
indicamos o livro Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e
aplicações, da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA) e
disponível no link a seguir:
http://www.ripsa.org.br/2014/10/30/indicadores-basicos-para-a-saude-
no-brasil-conceitos-e-aplicacoes-livro-2a-edicao-2008-2/
(http://www.ripsa.org.br/2014/10/30/indicadores-basicos-para-a-saude-
no-brasil-conceitos-e-aplicacoes-livro-2a-edicao-2008-2/)
 

 
As Fichas Técnicas dos Indicadores
A construção de indicadores pode se beneficiar bastante das chamadas
Fichas de Indicadores (Figura 1). Elas possuem os elementos básicos para
a construção e uso dos Indicadores de Saúde, tais como o Conceito do
Indicador, Método de Cálculo, Fontes de Dados, Periodicidade, Função do
Indicador, Interpretação e uso, Limitações.
 
Figura 1 – Exemplo de Ficha de Indicador
 

Proporção de Gestantes que iniciaram o pré-natal no 1º trimestre


Conceito:percentual de gestantes cadastradas que iniciaram o pré-natal
no 1º trimestre, em determinado local e período.
Método de cálculo:
Nº gestantes cadastradas que iniciaram o pré- X
natal no 1º trimestre 100
Nº total de gestantes cadastradas
Fontes de dados
Numerador: Relatório SSA2 do SIAB
Denominador: Relatório SSA2 do SIAB.
Periodicidade:Mensal
Função do Indicador: Avaliação de Desempenho
Interpretação e uso
Esse indicador avalia a precocidade do acesso ao acompanhamento pré-
natal. A captação de gestantes para início oportuno do pré-natal é
essencial para o diagnóstico precoce de alterações e intervenção
adequada sobre condições que vulnerabilizam a saúde da gestante e da
criança. Segundo dados extraídos de uma base limpa do SIAB (2010),
em média, 79% das gestantes acompanhadas pelos ACS teriam
começado o pré-natal no 1º trimestre, com uma variação entre 56%
(AC) a 89% (SP).
Limitações
O desconhecimento da data da última menstruação e inconsistências
no registro da idade gestacional

Analisando as Fichas de Indicadores é possível elencar aqueles que serão


necessários para um plano de monitoramento ou matriz avaliativa,
conforme será visto na Unidade 4. De toda forma, mesmo as fichas sendo
uma ferramenta de elevado valor técnico, não podemos negligenciar um
aspecto político importante quando falamos de indicadores. A construção
de um indicador precisa ser compreendida e validada pelos atores
interessados no monitoramento e na avaliação. Por mais bem elaborado
que ele seja, é preciso verificar se o indicador criado atende aos atributos
de qualidade também na perspectiva dos atores interessados numa
avaliação.
Conforme apresentado na Unidade 2, a escolha dos indicadores a serem
usados no monitoramento e avaliação não deve ser feita antes da
definição do conjunto de ações que pretendemos monitorar e/ou avaliar.
O conhecimento da lógica de organização das ações nos ajuda a
identificar que indicadores devem ser adotados para verificar se a
mudança esperada com a intervenção se deu ou não.

 
Um indicador não é um número qualquer, escolhido de forma aleatória,
mas uma construção com sentido particular no contexto de um
determinado objeto de avaliação. Nesse sentido, mesmo sabendo que
muitas vezes um indicador poderá assumir a fórmula de um número
inteiro (número de consultas de pré-natais realizadas ao longo da gestão)
ou de um valor relativo (número de pacientes hipertensos que realizam
atividades físicas sobre o número total de pacientes hipertensos), eles só
poderão se tornar indicadores se tiverem sentido para responder a
perguntas avaliativas (Unidade 1).
Em boa medida, há muitos indicadores de saúde disponíveis para quem os
quiser utilizar. A questão é que nem sempre tais indicadores são aqueles
de que necessitamos para mensurar um determinado fenômeno social,
sobretudo quando se trata dos serviços de saúde. Em algumas situações,
precisamos adaptar ou criar novos indicadores, o que é mais apropriado
que usar um indicador que não mensura o que precisamos ou que não
pode ser obtido. A pergunta avaliativa precede o indicador, nunca o
contrário.
O processo de construção de um indicador pode variar de complexidade,
em função do objeto de avaliação e das preferências dos atores
interessados no estudo. A simples contagem direta de casos de
determinada doença pode ser um indicador importante, bem como o
cálculo de proporções, razões, taxas ou índices mais sofisticados.
Vejamos a seguir alguns exemplos de indicadores.
 
Média de atendimentos de puericultura pela equipe
 

Indicador = Soma do número de atendimentos de puericultura no


último mês
Número de dias úteis no último mês
 
Proporção de gestantes cadastradas pela equipe
 
Indicador = Número de gestantes cadastradas pela equipe
Número total de gestantes
 
Índice de Dentes Cariados, Perdidos e Obturados (CPO-D)
 

Indicador = Número total de dentes permanentes cariados, perdidos,


obturados
Número total do grupo populacional atendido
 
Há alguns requisitos básicos para a construção de indicadores, tais como
o registro adequado e sistemático das atividades desenvolvidas, as fontes
de dados identificadas, os sistemas de informação disponíveis e o foco e
clareza sobre o objeto a ser mensurado. A informação produzida pelos
indicadores depende muito do preenchimento correto dos instrumentos
de coleta (fichas, questionários, prontuários), bem como da organização
dos dados (arquivo, armazenamento em pastas, digitação dos dados), que
devem ser feitos de forma a permitir a análise.
 
Figura 2 – Exemplo de questionário autorreferido de condições de saúde
 

Atenção!
Não é possível ter um indicador para acompanhar os processos ou
resultados de um programa ou serviço se não temos dados de
qualidade disponíveis.

 
 
Em geral, no contexto do serviço, da prática em saúde, tratamos pouco
das informações de natureza qualitativa, por ainda partilharmos de um
sistema de saúde muito centrado na lógica da produtividade. Essa lógica
acaba colocando o quantitativo na frente do qualitativo, ou seja, a
qualidade medida pela quantidade acaba assumindo mais peso.
No entanto, cada vez mais tem se constatado que nem sempre o que se
expressa como de qualidade do ponto de vista quantitativo representa ou
tem o mesmo sentido do ponto de vista qualitativo. Por exemplo, dizer
que 78% das gestantes de um determinado município realizam mais que 7
consultas de pré-natal não quer dizer que todas as consultas de pré-natal
foram de qualidade, partindo-se de uma concepção mais ampla de
qualidade.
Visto que ações de saúde são fenômenos complexos, compostos de
diferentes facetas, fica difícil a apreensão desse fenômeno em apenas um
único indicador quantitativo. Para aprofundar o conhecimento sobre os
processos de trabalho e seus efeitos na realidade, muitas vezes faz-se
necessário ter mais de um indicador, bem como trabalhar com a
dimensão qualitativa.
A discussão a respeito de como integrar as abordagens quantitativas e
qualitativas, apesar de certas resistências, extrapola a dicotomia por tanto
tempo sustentada em torno de se escolher uma abordagem em
detrimento de outra. "Compreender essa distância pode representar um
primeiro passo para a construção de alternativas e propostas avaliativas
que rompam com perspectivas tradicionais e excludentes e as superem
dialeticamente" (BOSI; UCHIMURA, 2007, p. 152).
É comum que as informações de natureza qualitativa estejam mais
presentes quando temos interesse em avaliar, pelo fato de se buscar
informações mais completas e confiáveis ou explicações mais plausíveis.
Os pontos trazidos anteriormente explicitam o potencial dos indicadores
quantitativos, mas também seus limites por não ampliarem as
possibilidades de explicação para um mesmo fenômeno social.
Dessa forma, no contexto de saúde, onde o cuidado oferecido aos
cidadãos é o que rege as práticas, a natureza qualitativa das categorias de
análise é elemento fundamental para avaliarmos a qualidade das ações.
 
Falar em humanização e integralidade no cuidado em saúde, e
refletir sobre a incorporação destes princípios ao campo da
avaliação implica incluir a qualidade a partir de uma acepção
polissêmica. Portanto, a avaliação qualitativa de programas é
aquela que, sem prejuízo da inserção de outras dimensões,
necessariamente inclui os atores envolvidos na produção das
práticas, suas demandas subjetivas, valores, sentimentos e
desejos (BOSI; UCHIMURA, 2007, p. 152-153, grifo do autor).
 
No entanto, selecionar um grande número de indicadores para apreender
um fenômeno complexo, como a garantia de acesso de usuários à atenção
básica, também não significa a solução, mas uma dificuldade operacional.
A questão não está em quantos são os indicadores ou quantas categorias
se necessita construir para ajudar na explicação de um fenômeno
complexo, mas qual ou quais conseguem auxiliar melhor nessa
explicação. Para tornar a avaliação factível, recomenda-se a escolha de
indicadores e categorias pela sua importância, capacidade de síntese da
situação e facilidade de obtenção.
 
 
Ao definirmos a informação que será necessária, precisamos saber com
clareza de que dados vamos necessitar e como vamos acessá-los. É
sempre importante pensar se já não existem dados disponíveis. Nesse
caso, são muito comuns como fontes de informação secundária:
 

A revisão, extração e/ou análise de dados de prontuários;

Os dados do livro de registro de acompanhamento dos usuários (Livro


verde Tuberculose, Livro de ocorrências de reações medicamentosas,
etc.);

Os sistemas de informação em saúde (SIM, SINASC, SINAN, e-SUS,


IBGE, SISPRENATAL, SIA-SUS, SIH-SUS, entre outros);

Bancos de dados estruturados pelo serviço.


 
Se vamos usar dados já existentes para construir nossas informações,
estamos lidando com dados secundários, ou seja, estamos utilizando
fontes conhecidas para produzir informações. Se vamos levantar nossos
dados para produzir informações, estamos lidando com fonte primária.
Para levantar os dados, podemos utilizar técnicas de coleta como:
 

Checagem de instalações, equipamentos e regularidade de insumos


por meio de roteiro estruturado (check-list);

Observação direta de procedimentos de rotina (técnicos e


administrativos), como consultas de enfermagem, grupo educativo,
consultas médicas, etc.;

Aplicação de questionário estruturado (fechado);

Entrevistas com informantes-chave (no serviço e/ou domicílios), com


base em roteiro estruturado, semiestruturado ou aberto;

Grupo focal.
É importante considerar que toda essa etapa de coleta de dados, seja nas
fontes secundárias, seja por meio das fontes primárias, precisa ser feita
com o merecido rigor, de acordo com um certo procedimento ou
sistemática. Essa observação nos remete à necessidade de obter
informações válidas e confiáveis sobre as dimensões da avaliação.
Mesmo tendo maior possibilidade de abrangência na construção do juízo
de valor e das explicações dos porquês, tão necessárias em qualquer
avaliação, ainda assim a abordagem qualitativa tem algumas limitações.
Uma delas é que, ao utilizá-la, não lidamos com grandes números, com
amostras representativas, pois o interesse maior está no conhecimento
mais profundo do fenômeno e não na sua amplitude.
Nesse caso, dependendo do tipo da informação necessária para a
avaliação a ser feita, pode ser essencial usar tanto a abordagem
quantitativa, quanto a qualitativa, partindo do princípio que as duas são
complementares.
 
 
Até este momento, a Unidade 3 abordou a criação e utilização de
indicadores, os atributos de qualidade de um bom indicador, fichas
técnicas para indicadores, natureza quantitativa e qualitativa, fontes de
dados primários e secundários. Apesar da importância de cada um desses
aspectos apresentados, será pensando a integração de todos eles que
conseguiremos ter uma análise ampla e profunda do que nos dispusermos
a avaliar.
Uma dúvida comum que pode surgir disso é: a complementaridade dos
métodos não acaba, de alguma forma, confundindo a análise dos
resultados no decorrer e finalização do processo? Podemos garantir que
não. Os programas, intervenções e serviços de saúde exigem a
combinação de métodos para lidar com fenômenos complexos e de
múltiplas facetas (GREENE; BENJAMIN; GOODYEAR, 2001). Ou seja, os
métodos mistos correspondem à combinação inteligente de métodos
qualitativos e quantitativos na busca de informações de alta qualidade.
Assim como a integração dos métodos quantitativo e qualitativo enriquece
o processo de avaliação, também não podemos deixar de ressaltar a
importância de zelar pela construção dos indicadores.
 
É nesse sentido que se tornou uma recomendação clássica
dizer que os indicadores precisam ser específicos,
mensuráveis, atingíveis (alcançáveis), relevantes e rastreáveis.
Ou seja, precisos na sua definição daquilo que medem,
passíveis de mensuração para que produzam conhecimento,
possíveis de serem alcançados para que as mudanças sejam
percebidas, sensíveis para atestar as transformações
desejadas e passíveis de comparação ao longo do tempo
(JOPPERT; SILVA, 2012, p. 48).
 
Uma avaliação deve ser suficiente para compreender, analisar, julgar e
explicar a qualidade de uma intervenção. Quando nos referimos ao uso de
dois ou mais tipos de métodos para caracterizar diferentes faces de um
mesmo fenômeno, é preciso encará-los como peças articuláveis e
ajustáveis à realidade. Ambos os métodos têm suas potencialidades e
limitações, irão operar melhor em diferentes realidades, dialogar melhor
com diferentes atores, e por isso preparamos uma breve síntese de cada
um (MINAYO; SANCHES, 1993; SERAPIONI, 2000):
 
Métodos qualitativos
 

Permitem descrições detalhadas de como os atores sociais da


intervenção se relacionam entre si;

Capturam as diferentes experiências e representações dos atores


sociais (gestores, profissionais de saúde, pacientes, familiares) envolvidos
com a intervenção;

Permitem, de maneira mais flexível, captar os processos dinâmicos da


intervenção.
 
Métodos quantitativos
 

Permitem mensurar as oportunidades perdidas ao longo dos


diferentes processos da intervenção;

Possibilitam a mensuração de efeitos da intervenção (imediato,


intermediários ou finalísticos);

Permitem testar hipóteses explicativas para definir a


efetividade/eficácia de uma intervenção.
 
Ter noção das diferenças existentes naquilo que produzimos com
métodos distintos é fundamental. O que devemos buscar é que as
informações produzidas, quantitativas ou qualitativas, possam ser
analisadas e interpretadas, possibilitem o juízo de valor com facilidade e
sejam passíveis de compreensão por parte dos usuários da informação,
especialmente gestores, coordenadores, profissionais de saúde e os que
atuam no controle social do sistema de saúde.
 
Cabe assinalar que ambos os planos – objetivo e subjetivo –
correspondem a dimensões inerentes a fenômenos complexos
como a saúde. Portanto não se quer excluir uma das
polaridades, tampouco defender o predomínio de uma sobre
outra, mas contribuir para uma concepção ampliada de
avaliação, para o necessário rigor no emprego dos conceitos e
na seleção de abordagens adequadas ao que se pretende
avaliar (BOSI; UCHIMURA, 2007, p. 151-152).
Vamos mais adiante falar melhor sobre os usos dessas informações, o
valor processual das avaliações e a formação de juízos de valor.
 

QUER LER MAIS E SE APROFUNDAR SOBRE OS TEMAS NA UNIDADE 3?


BRASIL. Rede Interagencial de Informação para a Saúde – RIPSA.
Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2.
ed. Brasília: OPAS, 2008. Disponível em:
http://www.ripsa.org.br/2014/10/30/indicadores-basicos-para-a-
saude-no-brasil-conceitos-e-aplicacoes-livro-2a-edicao-2008-2/
(http://www.ripsa.org.br/2014/10/30/indicadores-basicos-para-a-
saude-no-brasil-conceitos-e-aplicacoes-livro-2a-edicao-2008-2/). Acesso
em: 25 jun. 2016.
CARVALHO, A. M. A.; PEDROSA, M. I.; AMORIM, K. S. Retomando o
debate qualidade x quantidade: uma reflexão a partir de experiências
de pesquisa. Temas Psicol., v. 14, n. 1, p. 51-62, jun. 2006. Disponível
em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1413-389X2006000100007&lng=pt&nrm=iso
(http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2006000100007&lng=pt&nrm=iso). Acesso em: 25 jun. 2016.
MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou
complementaridade? Cadernos Saúde Pública, v. 9, n. 3, p. 237-248,
set. 1993. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-311X1993000300002&lng=pt&nrm=iso
(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X1993000300002&lng=pt&nrm=iso). Acesso em: 25 jun. 2016.
SERAPIONI, M. Métodos qualitativos e quantitativos na pesquisa social
em saúde: algumas estratégias para a integração. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 5, n. 1, p. 187-192, 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232000000100016&lng=en&nrm=iso
(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232000000100016&lng=en&nrm=iso). Acesso em: 25 jun. 2016.

 
 
As perguntas a seguir foram preparadas para apoiar a sistematização de
saberes e aprendizagens a ser realizada pelos alunos a respeito da
Unidade 3.
1. Em que aspecto a qualidade do indicador pode comprometer a
nossa avaliação?
2. O que nos orienta na decisão de utilizar indicadores quantitativos
ou construir informações qualitativas?
3. Que tipos de indicadores podem ajudar a mostrar efeitos imediatos,
intermediários e finalístico na atenção básica em saúde?
4. Por que usualmente usamos os indicadores de saúde mais
clássicos? Quais as principais limitações dessa escolha?
5. Quais as vantagens e as desvantagens no uso dos métodos mistos
para a avaliação em saúde?

 
ANTERO, S. A. Monitoramento e avaliação do Programa de Erradicação do
Trabalho Escravo. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 5, p. 791-
828, 2008.
BOSI, M. L. M.; UCHIMURA, K. Y. Avaliação da qualidade ou avaliação
qualitativa do cuidado em saúde. Revista de Saúde Pública, v. 41, n. 1, p.
150-153, 2007.
Rede Interagencial de Informação para a Saúde – RIPSA. Indicadores
básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2. ed. Brasília:
OPAS, 2008. Disponível em:
http://www.ripsa.org.br/2014/10/30/indicadores-basicos-para-a-saude-
no-brasil-conceitos-e-aplicacoes-livro-2a-edicao-2008-2/
(http://www.ripsa.org.br/2014/10/30/indicadores-basicos-para-a-saude-
no-brasil-conceitos-e-aplicacoes-livro-2a-edicao-2008-2/). Acesso em: 25
jun. 2016.
CARVALHO, A. M. A.; PEDROSA, M. I.; AMORIM, K. S. Retomando o debate
qualidade x quantidade: uma reflexão a partir de experiências de
pesquisa. Temas Psicol., v. 14, n. 1, p. 51-62, jun. 2006. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2006000100007&lng=pt&nrm=iso
(http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2006000100007&lng=pt&nrm=iso). Acesso em: 25 jun. 2016.
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