Você está na página 1de 167

K A’ A

A R T E E N A T U R E Z A
KA’A

ARTE E NATUREZA

PROGRAMA DE RESIDÊNCIA ARTÍSTICA

INTERNACIONAL DO INSTITUTO YVY MARAEY


Um programa dessa natureza não seria possível sem o auxílio e a generosidade de inúmeros agentes, artistas e amigos. Gostaríamos
de agradecer calorosamente a todas as pessoas que nos ajudaram e colaboraram para que esse projeto chegasse até o seu final.

Ademar Fraga (Guga) Jacques Leenhardt


André Venzon José Vicente Ballester
Ane Rodríguez Armendariz Laura Moglia
Antonia Wallig Luísa Especial
Associação Cultural Vila Flores Márcia Braga
Ateliê Ko Marco Antônio Sório
Benjamin Seroussi Maria Arminda Peduzzi Protskof
Bruna Fetter Maria Elisa Dantas
Catarina Duncan Maria Isabel Rueda
Centro de Acercamiento a lo Rural (Inland, Campo Adentro) Mariana Bandarra
Chimène Costa Marina Ludemann
Cladi e Vilson Remor Michelle Sommer
Clarite Gritti Mônica Zielinsky
COINCIDENCIA São Paulo Olaria Tropical
Cristina Ribas Pauline Julier
Deneli Rodriguez Paulo Backes
Elton Rosso Paulo Silveira
Emilia Hissami Aso Ehara Pousada Rural Haras Cambará
Equipe do Haras Shunkawakan Regina Protskof
Fernanda Pujol Renata Branco
Frederico Ruas Renata Fontoura
Graziela Gallicchio Ricardo Carneiro da Fontoura
Goethe Institut Porto Alegre Richard Le Quellec
Henrique Viegas Tabaré Reynoso
Herica Lima de Oliveira Tomohiro Ehara
Iran Rosa Vera Lucia André Parra de Rio
Isabel Waquil Zeca Brito
PREFÁCIO UM SONHO SE FAZ REALIDADE IRINEU GARCIA 7
APRESENTAÇÃO RESIDÊNCIA RURAL: ARTE E NATUREZA EM DIVERSAS PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 10
INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 16

TRAMAS ENTRECRUZADAS DE UMA TRAVESSIA COMPARTILHADA


SOBRE COMO CONHECI E EXPERIMENTEI KA’A ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 29
FLORESTA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 33
PAISAGEM, PERCEPÇÃO E CONHECIMENTO PAULO BACKES 37
COMIDA SAGRADA AYRSON HERACLITO 38
O MUNDO DOS SERES. UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS
MARIA ISABEL RUEDA, LEONARDO REMOR E DENIS RODRIGUEZ 41

ZONA VERDE, ENTREVISTAS COM OS RESIDENTES


ÍO 54
CARLOS MONLEÓN 70
RUMEN DIMITROV 79
MIRIAM SIMUN 84

BIOGRAFIAS 91
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 102
VERSIÓN EN ESPAÑOL 105
CRÉDITOS DE IMAGENS 164
CRÉDITOS DE EQUIPE 166
Iniciei minha vida artística no final dos anos em outros territórios e outras culturas, sentia a
1960, início dos 1970, participando de muitos movi- necessidade de um maior convívio entre os nossos
mentos, preocupado por sentir que não era suficiente artistas, diante da falta de espaços de convivência,
produzir um trabalho, que era necessário pensar na de trocas e de realização de experiências.
sua relação com o contexto social. Por questões pes- Minha identificação com a preservação do
soais, me envolvi com o meio artístico uruguaio, terra de meio ambiente talvez venha de minha formação como
meus familiares. Percebi ali que havia uma lacuna na arquiteto, ou de minha vivência infantojuvenil na região
formação universitária em Porto Alegre, onde a tônica da Campanha, em intensa interação com as forças vi-
da cena artística era modernista e mais individualista, tais da natureza. A relação arte e natureza para mim é
centrada na produção de objetos. Sentia necessidade um termo genérico, que se refere a uma gama de proje-
de trabalhar com grupos, discussões, comunicação e tos que ajudam a melhorar nossa relação com o mun-
trocas entre pares. Minha formação se fazia voltada do natural. Podem ser demonstrativos/denunciadores
para as experiências que vivia em Montevidéu. Tive ali de problemas ambientais ou ativistas na restauração
grandes mestres, como Américo Spósito e Miguel Ángel do meio ambiente. Práticas artísticas como a land art,
Pareja, que romperam com minha pretensão de ser ar- o slow fashion, o codesign, a bioarte e outras podem
tista, fornecendo as bases de uma nova reflexão, numa ser consideradas como parte desse processo cultural
perspectiva mais ampla da arte. Decidi seguir o curso maior que vemos hoje se alastrando pelo mundo. Talvez
de arquitetura, para pensar os espaços e a nossa sejam uma reação à ação devastadora que o ser huma-
inserção dentro deles. no vem impondo ao planeta Terra por muitos anos.
Desde aquela época, sentia a necessidade de Inserido nestes processos, vi uma oportuni-
um lugar alternativo, onde os artistas pudessem com- dade de realizar meu antigo desejo de partilhar um
partilhar experiências de forma mais horizontal, como espaço de experiência com outros artistas quando
vivenciara no Uruguai. Estava lançada a semente de um comprei uma terra na zona rural de Porto Alegre, mais
desejo. especificamente no Cantagalo, e comecei ali a desen-
Desejo que sempre esteve presente em mim, volver o projeto de um Instituto de arte e natureza.
mesmo quando minha vida profissional me levou Neste projeto, contei com a parceria de amigos também
por diversos países do mundo. Vendo o que ocorria identificados com este desejo. Assim, em 2015, foi

PREFÁCIO UM SONHO SE FAZ REALIDADE IRINEU GARCIA 7


registrado juridicamente o Instituto Yvy Maraey, batiza- cultura Pro Helvetia, foi fundamental para o desenvolvi-
do com o nome Guarani que designa a terra sem males, mento de nosso ambicioso projeto. Contamos com um
por eles procurada como um paraíso. júri internacional que avaliou quase 300 portfólios de
O espaço físico do sítio que abriga o Institu- artistas dos mais diferentes países, para selecionar, ao
to foi organizado respeitando o meio ambiente, com final, os quatro que participaram da residência. Foram
preservação de matas nativas, espaços de pastagem, escolhidos: uma artista norte-americana,
espaços de plantio, corredores e banhado para animais um espanhol, um búlgaro e uma dupla gaúcha (estava
silvestres e áreas de residência e ateliê. Houve um prevista no projeto a participação de um artista local),
trabalho de drenagem de águas e construção de açudes, que durante 30 dias partilharam conosco suas vidas,
visando o controle e o aproveitamento das chuvas. seus trabalhos e reflexões. Eles exploraram o território
As atividades do Instituto, dentro de sua do Instituto e também seus arredores – visitaram a res-
filosofia de aglutinação e trocas entre pares, foram, erva ambiental de Itapuã, a reserva indígena do Can-
inicialmente, três “Compartilhamentos”, com a partici- tagalo, uma olaria, entre tantos outros deslocamentos.
pação de artistas locais e convidados nacionais e O projeto da residência não pressupunha a
estrangeiros de visita na cidade. A documentação obrigação do artista de deixar ali uma obra, mas
destas atividades se encontra no site do Instituto – experimentar a vivência de uma zona rural, fazendo
www.institutoyvymaraey.org.br. Mesmo tendo como entrecruzamentos com suas experiências pessoais.
foco a natureza, a conexão com os recursos da tecnolo- No início, senti eles muito ligados aos seus computa-
gia esteve presente como uma parte importante do pro- dores, mas aos poucos foram reconhecendo o território
jeto do Instituto. A Residência Ka’a se apresentou como e abrindo-se para a natureza que os envolvia. Também
um desdobramento natural e desejado no processo de foi importante a experiência com os artistas e críticos
expansão de nossas atividades. visitantes, que de certa forma realizaram aquilo que
Receber o financiamento do governo do sempre esperei desta proposta: trocas entre pares, de-
Estado do Rio Grande do Sul por meio do Pró-Cultura bates e muita reflexão. Os resultados estão documen-
RS FAC – Fundo de Apoio à Cultura e contar com o apoio tados no site do Instituto e também nesta publicação.
do programa COINCIDÊNCIA, um programa de inter- Objetivos alcançados! Vamos para uma próxi-
câmbios na América do Sul da fundação suíça para a ma experiência, e esperamos que estejam conosco.

PREFÁCIO UM SONHO SE FAZ REALIDADE IRINEU GARCIA 8


9
As origens deste projeto remontam a 1992, levantamento, ela abordou detalhadamente algumas
quando tive pela primeira vez a oportunidade de estar experiências realizadas no Brasil, desde as mais anti-
em um simpósio internacional de escultura no Chile, gas nos anos 1950 até outras bem atuais. Bettina me
com apoio da UNESCO, e lá perceber a importância e as apresentou vasta bibliografia sobre residências de
repercussões de uma vivência coletiva de artistas. Eles artistas em todo o mundo, com fartas informações so-
estiveram juntos durante 45 dias de trabalho e trocas bre elas. Acompanhando seu trabalho, pude conhecer a
em diferentes níveis, uma experiência que deixou mar- diversidade desse tipo de experiência, assim como
cas em cada um dos participantes, como pude avaliar conhecer com mais detalhes o funcionamento de algu-
em outros momentos em que tive a oportunidade de mas delas, em seus aspectos positivos e seus proble-
reencontrar alguns deles. Além dessa primeira e sur- mas.
preendente experiência com esse tipo de vivência con- Munida pelos subsídios desses dois tipos de
junta de artistas, voltei a participar, juntamente com experiências e convivendo com o desejo de Irineu
Irineu Garcia, em inúmeras oportunidades de contato Garcia de aprofundar os Compartilhamentos já realiza-
que tive com a rede de simpósios internacionais de es- dos no espaço do Instituto Yvy Maraey, convidei o então
cultura. Em alguns deles, bem mais curtos (variando meu orientando de mestrado, Denis Rodriguez, para
em torno de 15 dias), observei a necessidade expressa elaborarmos em conjunto uma proposta de residência
pelos participantes de terem mais espaço e tempo para internacional de artistas Ele estava pesquisando so-
discussões e trocas. Os simpósios, entretanto, exigem bre atividades contra-hegemônicas na arte contem-
de cada artista a realização de uma obra, o que os colo- porânea e tinha experienciado a realização desse tipo
ca em situação de estresse, reduzindo suas disponibili- de evento na Galeria Península, espaço que dirigira com
dades para maiores e mais aprofundados diálogos. dois outros artistas. Achei que seria um bom parceiro.
Uma segunda fonte de inspiração para o proje- Juntos iniciamos a elaboração do projeto, a
to da residência Kaá foi meu trabalho como orientadora partir de algumas premissas. A primeira e decisiva foi
de Bettina Rupp1, que desenvolveu sua tese de doutora- a de que o foco do projeto seria Arte e Natureza, pela
do sobre residências de artistas. Nesse estudo, ela fez própria definição da missão do Instituto Yvy Maraey.
um amplo levantamento desse tipo de evento focado Assim, tudo foi pensado a partir desse eixo. A segun-
em artes visuais, no Brasil e no mundo, identificando da foi que deveríamos considerar a configuração rural
suas origens e desdobramentos. A partir desse primeiro da localização do Instituto. Essa era uma importante

APRESENTAÇÃO RESIDÊNCIA RURAL: ARTE E NATUREZA EM DIVERSAS PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 10
questão, pois a zona rural de Porto Alegre é uma candidaturas de artistas latino-americanos, o que não
conquista arduamente defendida pelos moradores des- ocorreu, criando um gap em nosso orçamento de pas-
sa região e pelo sindicato rural do qual Irineu Garcia é sagens. Afinal, planejamento e realidade às vezes
membro da diretoria. Preponderantemente constituída diferem muito.
por pequenos e médios produtores rurais e com duas Convidando para o júri de seleção críticos de
reservas indígenas em seu espaço, essa comunidade diferentes países, todos eles de alguma forma ligados
está sendo constantemente ameaçada pela expansão a experiências de residências e de práticas de Arte
imobiliária, que almeja terrenos para urbanização e as- e Natureza. Participaram do processo de avaliação:
sim pressiona a Câmara de Vereadores para extinguir Luísa Especial (Portugal), Jacques Leenhardt (França),
sua condição especial e incorporá-la ao espaço urbano Richard Le Quellec (Suíça), Maria Isabel Rueda (Colôm-
da cidade. A residência foi pensada, também, como uma bia), Ane Armendariz (Espanha) e os brasileiros Bruna
forma de valorização dessa condição e de reforço para Fetter, Michele Sommer, Irineu Garcia, Denis Rodriguez
a continuidade de sua existência. Nesse sentido, foram e eu mesma. Todos tiveram acesso à totalidade dos
planejadas atividades de conexão com o contexto local, portfólios enviados e selecionaram cada um deles
prevendo visitas dos artistas residentes a diferentes dez artistas que consideraram mais qualificados para
espaços e instituições da comunidade e a divulgação a proposta da residência, dando a eles uma nota de
desta condição de zona rural em todos os possíveis mo- 0 a 10. Foi feita a tabulação destas notas, chegando
mentos de visibilidade do evento. ao nome dos quatro finalistas, que participaram da
Em contraponto a essa conexão local do proje- residência. Importante destacar que, visando uma in-
to, foi articulada sua inserção internacional, todo o pro- tegração local/internacional, no projeto foi previsto que
cesso realizou-se online, em português e inglês. Houve uma vaga seria destinada a um artista do Rio Grande
uma ampla divulgação das inscrições no site do Institu- do Sul. Ao final da avaliação os artistas selecionados
to e inúmeras redes sociais e o resultado nos surpreen- foram: Rumen Dimitrov, da Bulgária, Carlos Monleón,
deu, recebemos quase 300 inscrições de da Espanha, Miriam Simun, dos Estados Unidos, e
diferentes regiões do mundo, superando, em muito, Laura Cattani (Ío), do Brasil.
nossas expectativas e dando um enorme trabalho para Partindo das origens do projeto que coloquei
nossos jurados. Houve aqui um equívoco de nossa par- no início deste texto, pensamos em uma residência que
te, pois prevíamos preponderantemente o envio de não exigisse dos artistas um projeto a ser executado,

APRESENTAÇÃO RESIDÊNCIA RURAL: ARTE E NATUREZA EM DIVERSAS PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 11
dando ênfase em suas experiências anteriores realiza- elaborou um vídeo sobre a performance, que se
das e na possibilidade de experimentarem o território encontra disponível no site do Instituto, e Simões
do Instituto como um deflagrador de reflexões e de en- realizou uma entrevista que fará parte do desenvolvi-
riquecimento de seus processos artísticos. O objetivo mento de sua atual pesquisa.
da proposta se concentrou nas trocas entre eles, deles No intento de colocar os artistas residentes
com os convidados visitantes e deles com a comuni- em contato com o contexto local, foi prevista a
dade local, artística e em geral. realização de algumas visitas, como, por exemplo,
Para estimular as reflexões com os artistas ao Parque Ecológico de Itapuã, a uma olaria, a um haras,
residentes e com a comunidade artística local propuse- a uma reserva indígena e a um centro holístico. Todos
mos no projeto a participação de artistas e críticos esses espaços fazem parte do entorno do Instituto, e de
visitantes, cada um deles passando em torno de uma alguma forma dialogam com o mesmo. As visitas, por
semana na residência, em intenso convívio e, em alguns um lado, propiciaram aos artistas uma maior inserção
casos, realizando eventos abertos ao público. Como no meio local, e, por outro, oportunizaram à comuni-
artistas visitantes tivemos Ayrson Heráclito e dade vicinal conhecer melhor o Instituto e a experiência
Leonardo Remor. Heráclito, além do convívio com os de uma residência internacional de artes visuais. Além
artistas, executou uma performance desenvolvida em das visitas ao entorno do Instituto, os artistas fizeram
dois dias, que denominou Comida Sagrada, quando também um reconhecimento do Centro Histórico de
apresentou ao público os princípios de relação com a Porto Alegre, visitando a Usina do Gasômetro, o Museu
natureza nas religiões afro-brasileiras e em como seu de Arte do Rio Grande do Sul e a Casa de Cultura Mario
trabalho artístico dialoga com esses princípios. Além Quintana, onde se encontra o Museu de Arte Contem-
desta apresentação acompanhada de slides, elaborou porânea. O contato dos artistas com essas instituições
com a ajuda de todos os participantes uma série de foi também uma forma de valorização da cultura da
comidas de Orixás, que foram sendo comentadas por cidade. Essas interações fizeram parte de um pensar
ele e depois degustadas por todos. Como desdobra- dialógico presente no projeto da residência desde sua
mentos de sua presença no Instituto Yvy Maraey, os origem até seus últimos momentos.
pesquisadores de arte afro-brasileira Celia Antonacci Dentro do projeto, ainda, estiveram previstas
de Florianópolis e Igor Simões de Porto Alegre desen- atividades abertas à comunidade em geral e artística
volveram algumas atividades com ele. Antonacci mais especificamente, em que destacamos a mesa de

APRESENTAÇÃO RESIDÊNCIA RURAL: ARTE E NATUREZA EM DIVERSAS PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 12
abertura, realizada na Associação Cultural Vila Flores, Arte e Natureza, que subsidiou algumas das reflexões
quando foi apresentada a proposta da residência e realizadas ao longo deste frutífero mês de convivências.
o trabalho anterior de cada um dos artistas. Com os Cumpre destacar na realização de todo este
visitantes, tivemos os já comentados dois dias de Co- conjunto de atividades, as parcerias com que o even-
mida Sagrada, duas palestras no Instituto Yvy Maraey, to contou, como foi o caso do Associação Cultural Vila
uma com Maria Isabel Rueda, coordenada por Cristina Flores e o Goethe Institut, que cedendo seus espaços
Ribas e; a outra com Michelle Sommer; além de uma para as mesas de abertura e encerramento da residên-
visita guiada no espaço do Instituto, coordenada pelo cia oportunizaram também aos artistas conhecer
agrônomo ambientalista Paulo Backes, vice-presidente melhor as instituições artísticas de Porto Alegre.
do Instituto. Aconteceu ainda a mesa de encerramento, O Instituto Cultural Cervantes foi outro parceiro, pois
no auditório do Goethe Institut, na qual comentamos o desde a apresentação de nosso projeto seu diretor
desenvolvimento da residência e cada um dos artistas acompanhou as nossas atividades e está oferecendo
apresentou suas reflexões, experiências e trabalhos a tradução para espanhol do texto desta publicação.
realizados. Como fechamento das atividades ocorreu o O Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da
Open Studio, uma atividade desenvolvida durante todo UFRGS esteve conosco na figura de professores e ex-
um dia, na sede do Instituto Yvy Maraey, quando o públi- alunos que participaram da residência em diferentes
co teve a oportunidade de conversar com os artistas e momentos de seu desenvolvimento. Os autores do pro-
ver os projetos desenvolvidos por cada um deles. jeto foram um professor e um aluno do Programa, dois
Finalizando esta apresentação relato, gos- críticos visitantes são doutores ali formados, assim
taria de salientar que todas as atividades da residên- como o artista residente local foi um duo constituído
cia foram acompanhadas por fotógrafos e cineastas, por dois doutores também ali formados e, ainda neste
que documentaram o passo a passo do projeto. Essa momento final, assume a publicação deste relato sob
documentação se encontra disponível no site do Insti- a forma de e-book. Embora toda essa inserção no
tuto http://www.institutoyvymaraey.org.br/ e serve de ambiente cultural da cidade não tenha sido totalmente
subsídio para esta publicação, que conta com textos prevista no projeto, ela estava nos objetivos a serem
e entrevistas dos artistas e críticos que estiveram en- alcançados. Somente podemos nos regozijar de
volvidos nesse ambicioso projeto. Acompanha esse ma- que eles tenham sido além de nossas expectativas.
terial, um farto levantamento bibliográfico sobre o tema A muitos teremos que agradecer por tudo de

APRESENTAÇÃO RESIDÊNCIA RURAL: ARTE E NATUREZA EM DIVERSAS PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 13
bom que ocorreu, e esperamos lembrá-los todos nos
nossos agradecimentos. O mais importante, no entan-
to, é destacar que este projeto não teria saído do papel
sem o financiamento do Fundo de Apoio à Cultura (FAC)
do governo do estado do RS e o apoio do programa
COINCIDÊNCIA da fundação suíça Pro Helvetia, que
ofereceram os recursos para a sua efetivação.
Finalizando esta apresentação, gostaria de co-
mentar que um projeto é sempre uma utopia, e que toda
experiência coletiva encerra as contradições de seus
participantes, de maneira que os resultados alcança-
dos podem atender ou não às expectativas de cada um.
No entanto, este tipo de vivência é fundamental para o
exercício das práticas de arte que envolvem a natureza,
para que aprimoremos nossa condição sensível.
Por isso, sempre vale a pena.

1 RUPP, Bettina. Residências em Arte Contem-


porânea: Espaço, Tempo e Interlocução. 394 f.
(tese) Programa de Pós-graduação em Artes Vis-
uais. Porto Alegre: UFRGS, 2017

APRESENTAÇÃO RESIDÊNCIA RURAL: ARTE E NATUREZA EM DIVERSAS PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 14
15
“Ahora, la lengua flota a la deriva dispersa uma visão de natureza completamente estetizada que
en tonos locales, en desinencias dispersas, adquiriu o encanto profundo e íntimo de uma antiga len-
en significados inagotables, en fragmentos: da, mas uma lenda na qual acreditamos, como já afir-
no se dice el sentido de una vez ni para mava o sociólogo Gabriel Tarde2, há mais de cem anos.
siempre – en ningún lugar. Al contrario, todo E assim seguimos... principalmente quando nos move-
habla es fragmento de un discurso inacabado, mos pela cronologia hegemônica da história da arte dos
aplazamiento del sentido siempre abierto últimos quinhentos anos, partindo da representação
a interminables reutilizaciones.” da natureza no Renascimento, nos assombrando com o
José Luis Brea sublime da pintura romântica e aplaudindo a potência
da operação humana sobre a paisagem nas ações da
Land Art.
Existe uma história em curso na qual somos Este pensamento no campo da Arte segue
figurantes e outra que protagonizamos e onde somos apenas os reflexos de um autêntico estado de exceção
aniquiladores. A primeira é a do planeta Terra, uma es- ontológico que se funda na separação entre natureza
fera ígnea vagando no universo infinito... e a segunda é o e história.
acidente cósmico que gerou a vida na Terra, produzindo A esse enredo devemos adicionar ainda o
a atmosfera, o clima, o meio ambiente e, portanto, todos excepcionalismo humano3. Déborah Danowski e
os viventes. Dentre eles, nós, os principais agentes de Eduardo Viveiros de Castro apresentam como tradução
mudança do planeta, deslocando o mundo do período militante deste paradigma a imagem prometeica do
relativamente estável do Holoceno para uma nova era homem como conquistador da natureza: o homem
geológica, esse novo mundo de mudanças climáticas e como aquele ser que, emergindo do desamparo animal
de extinção em massa denominado Antropoceno. originário, se perdeu do mundo apenas para retornar
Existe ainda outra história em curso que colo- a ele melhor, como seu senhor.
ca cultura e natureza como campos opostos e homogê- Por outro lado, as culturas ameríndias jamais
neos. Nessa história as ideias e os desdobramentos se apartaram da natureza. Nunca a perderam, mesmo
das discussões sobre a paisagem têm distanciado os diante das pressões, expulsões, violências e genocídio
artistas, os agentes da arte e a própria humanidade da praticado pelos colonizadores, lembrando que esse
percepção de nossa integridade com o globo. Portanto, contexto de guerra e extermínio ainda não acabou e

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 16


segue vivo, como, por exemplo, nas ações e omissões sem todos os seus defeitos, ou simplesmente “a terra
do estado-nacional brasileiro neste exato momento. As sem males” – deflagraram uma das ideias centrais do
cosmovisões desses povos nos brindam com a indis- programa, que foi a de compartilhar a compreensão de
cernibilidade ontológica entre espécies, vida e mundo. interdependência ancestral entre humanidade e meio
Visões que aniquilam o distanciamento entre a ordem ambiente presente nessa cosmologia.
cosmológica e a antropológica, pois para essas cul- Ka’a, do guarani, mato, planta, derivação da
turas, humanidade e mundo são inseparáveis e de des- expressão, Ka’a-Iya, que na mitologia guarani significa
tinos compartilhados, colocando em xeque, portanto, o lugar onde se encontra a riqueza, no sentido de abun-
a divisão binária entre natureza e sociedade. dância de recursos naturais; e no guarani contemporâ-
Essas considerações iniciais ilustram algumas neo é compreendida também como quem preserva a
das ideias que acompanharam a estruturação do proje- natureza.
to Ka’a, um programa de residência internacional que A esse campo de referências cruzadas, rela-
nos meses de março e abril de 2019 recebeu artistas, cionadas tanto à cosmovisão guarani quanto ao contex-
curadores e público para partilhar a produção artística to do Instituto Yvy Maraey, devemos acrescentar o dese-
em ambiente rural na cidade de Porto Alegre. jo de se promover práticas artísticas que destacam a
A capital do Rio Grande do Sul dispõe de qual- presença da natureza e que são capazes de nos deixar
idade singular entre as capitais brasileiras, a presença mais conscientes deste nosso novo lugar – com a na-
de zona rural na área metropolitana. E além disso, tureza, como a natureza, somos natureza! A natureza
possui terras indígenas demarcadas nesse mesmo como plataforma existencial em que os artistas nos
perímetro. Esse duplo atributo fez com que decidís- fizessem mergulhar nas contradições desse desloca-
semos discutir, refletir e repensar as complexas mento tão necessário no campo da arte. Dentro desse
relações do binômio Arte e Natureza a partir desse escopo, nosso júri internacional decidiu visibilizar as
lugar. práticas capazes de ensejar reflexões, questiona-
O contexto do Instituto Yvy Maraey, situado na mentos e novos ativismos. Nesse percurso optamos
zona rural e vizinho à terra indígena Cantagalo, como também por resgatar o sentido original de ecologia,
também a própria etimologia de seu nome – que, como conceito criado há exatos 150 anos pelo biólogo alemão
explica Ailton Krenak, integra a cosmovisão guarani e Ernst Haeckel, que significa a totalidade das relações
trata-se de um lugar que é um espelho da Terra, mas entre um organismo e o seu mundo exterior.

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 17


O ensaísta e curador canadense John K. a arte capaz de induzir a um giro de percepção e ex-
Grande afirma que “(...) é preciso entender que a natureza pressar a mudança através de suas práticas? Existiria
é a arte da qual fazemos parte. Isso pode parecer uma relevância em se etiquetar e separar as palavras cultu-
grande generalização. Mas, apesar de generalização, faz ra, natureza e arte nos dias de hoje? E Biologia e História
todo o sentido. Nossos corpos comem a natureza como da Arte? Seriam campos distantes? Ou apenas campos
alimento. Respiramos ar. Os carros que dirigimos são pro- específicos e muito próximos sob o guarda-chuva da
jetados de acordo com a natureza. Nossos pensamentos história hegemônica colonial? Qual a importância da
inconscientes, nossos sonhos, nosso entorno e experiên- arte que trata das experiências com a natureza num
cias imediatas não escapam a essa lógica, são também mundo que se reconhece nas ideias de desenvolvimen-
natureza”4. to, progresso e inovação tecnológica?
Mas não temos essa percepção proposta por Pensar algumas respostas para essas in-
Grande por sermos identidades construídas sob o filtro dagações acabou por condicionar a seleção dos artis-
do pensamento europeu branco colonial, no qual “na- tas residentes e convidados, como também o extenso
tureza é o resto do mundo que não tem como fatores calendário de atividades públicas promovido pelo pro-
os seres humanos pensantes e atuantes”5. E nesse grama Ka’a.
mundo em que estamos apartados e nomeamos tudo É interessante observar como os artistas
ao nosso redor – antes mesmo de experimentá-lo, já operam na natureza, lugar que explicita a nuvem éti-
temos uma resposta cognitiva-semântica para to- ca que sempre acompanha a prática artística. A ar-
das as coisas que vemos e vivemos –, é fundamental tista catalã Fina Miralles afirma que em suas ações
transformarmos nossas convicções e propagarmos a na natureza “(...) ela busca colocar em evidência as
compreensão de que não há alteridade, nem senhores. relações do homem com as matérias naturais, entre-
Apenas um todo. tanto sem exercer nenhum domínio, apenas intervindo
Diante disso, caberia à arte contemporânea de forma natural como um outro elemento”6. O alemão
questionar a disfuncional fantasia de autonomia que Nils-Udo que desde os anos 1960 vem contribuindo
nos posiciona como viventes fora do mundo? E qual a com o seu trabalho para a expansão das ideias ligadas
importância de se abraçar os fenômenos naturais como à nomenclatura Environmental Art, opera na natureza
parte permanente e urgente de um diálogo entre arte, reorganizando elementos naturais encontrados, mas
humanidade e preservação do meio ambiente? Seria também trabalha com o cultivo de novas espécies,

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 18


as quais ele introduz ou reintroduz formando novas que decorre do desejo de colonizar o território. Nele, o
paisagens, em uma prática em que a natureza con- artista quer dominar a natureza através dos conheci-
tinua a criar essas obras, confrontando, portanto, a mentos científicos e tecnológicos, como nos trabalhos
noção de arte como um empreendimento altamente de Robert Smithson, Nancy Holt ou James Turrell.
especializado, distinto da natureza. Tomemos como exemplo o notório Spiral Jetty, um tra-
Em uma pequena reserva natural, como é o balho que envolveu tecnologia de aterramento para a
caso do Instituto Yvy Maraey, a atividade da natureza construção de uma espiral de pedras no lago Great Salt
tem expressão, ali cultivam-se árvores e alimento, em Utah. A viabilização do trabalho só foi possível devi-
preserva-se o banhado7, uma variedade de animais, do ao substancioso aporte financeiro da mecenas por
cavalos, vacas, galinhas, cães, gatos são abrigados, trás de Smithson, a galerista Virginia Dwan, herdeira
além de corujas e toda uma fauna silvestre da região, da transnacional 3M. Dwan foi a grande incentivadora
é importante destacar que o Instituto é vizinho da da Land Art norte-americana e comissionou a maioria
Reserva Ambiental de Itapuã, local onde organizamos dos artistas do movimento, incluindo Michael Heizer.
um piquenique com direito a mergulho no Guaíba, no Consideremos agora outros dois trabalhos do modelo
segundo dia da residência. instrumental, Sun Tunnels (1973-1976) de Nancy Holt,
Por outro lado, a situação de uma edição inau- no qual a artista fez uso de técnicas de cimento armado
gural e a inovação de ser a primeira residência artística da construção civil para criar quatro cilindros de con-
rural localizada ao lado de um território indígena e de creto, de 5,5m de comprimento por 2,8m de diâmetro,
missões religiosas ofereceu uma visão complexa, des- no Deserto da Grande Bacia, uma extensa e desoladora
contínua e controversa de um novo mundo diferente região localizada em sete estados estadunidenses. Os
do idealizado, no qual rural, indígena e religião não “Túneis de Sol” foram organizados em formato de cruz
correspondem a categorias homogêneas, introduzin- aberta e alinhados para enquadrar o Sol no horizonte
do participantes e visitantes a infinitos labirintos cul- durante o solstício de verão e de inverno. Também com
turais, sociais e éticos. cimento armado, Roden Crater, de James Turrell, um
Se observarmos a História da Arte hegemôni- projeto ainda mais ambicioso e em desenvolvimento
ca, podemos claramente perceber dois modelos tradi- desde 1977, vem edificando túneis e aberturas num vul-
cionais de comportamento dos artistas em relação ao cão extinto, com o objetivo de promover diferentes per-
meio ambiente8. O primeiro é o modelo instrumental, cepções da luz aos visitantes.

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 19


O segundo modelo é o romântico, que envolve o nosso. Os artistas sublinharam a relevância de se
a fantasia do não pertencer, como nas pinturas dos ar- trazer a consciência de que pequenas variações nos
tistas viajantes; ou a ilustração de retorno a um esta- acontecimentos teriam consequências muito distin-
do primitivo, idealizado, de envolvimento permanente tas, contudo irrelevantes, já que esta percepção seria
com a natureza. Enquadram-se aqui todas as práticas incapaz de alterar a realidade.
artísticas ligadas a representação da paisagem, da pin- Entre cavalgadas, treinamento de animais,
tura à fotografia, como também os atos de presença da no sentido de se criar uma coreografia com uma égua,
performance, desde o recorte corpo e paisagem até as além da confecção de ninhos de pássaros feitos dos
instalações contemporâneas, como Riverbed de Olafur mais diversos materiais encontrados no Instituto,
Eliasson. a dupla vivenciou um tempo vagaroso e acelerado,
Em Ka’a foi possível observar a validade desse condicionado pelo tempo compartilhado com os outros
pensamento que ainda subjaz ao amplo espectro de residentes e o extenso calendário de visitas do progra-
práticas artísticas definidas pelo meio ambiente. En- ma, como também, pela percepção de que para os ani-
tretanto nossos residentes adicionaram uma variedade mais, além da confiança, o tempo adquire dilatada di-
de camadas conceituais que escapam ao limitado bina- mensão. Nesta publicação os artistas dialogam sobre
rismo proposto pela teórica Boetzkes. os dias passados entre ossos, pedras, cavalos, ninhos
O duo Ío, formado por Laura Cattani e Munir e suas implicações semânticas, além de conceitos e
Klant, os representantes locais da residência, con- relatos subjacentes.
tribuiram para as discussões sobre Arte e Natureza O paralelismo entre combustão e digestão
ao explicitarem sua visão sobre a magnitude da pe- aproxima os corpos celestes ao nosso corpo físico. As
renidade da extinção na história da vida. Desapare- pesquisas e práticas de Carlos Monleón abraçam o me-
cimento e fim seriam, em última análise, o principal tabolismo e suas consequências, e, ao transferi-lo a
denominador comum das espécies que habitaram e diferentes escalas, o artista nos convoca a com-
habitam a Terra. preender a vida como uma pequena entranha do vasto
Outra contribuição existencial do duo nos con- metabolismo do Universo.
vocou a refletir sobre o acaso e, nessa esteira, sobre a Nesta perspectiva, Monléon nos alerta que
imprevisibilidade dos encontros e dos acontecimen- as patologias do planeta, como o aquecimento global
tos num mundo racional e altamente planejado como ou a contaminação das águas, estão diretamente

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 20


21
associadas às patologias dos sujeitos, uma vez que as controlamos a natureza, via agricultura, há apenas dez
influências tóxicas estão conectadas pelo clima e pela mil. Concluindo sua apresentação com a indagação de
agricultura, afetando, portanto, ambientes e organis- como o nosso corpo e o nosso DNA retiveram as in-
mos. Na seção Zona Verde, o artista relata os seus dias formações duracionais dessas experiências. Em seu
passados entre modelagens de argila e queimas em capítulo, a artista questiona a noção de Antropoceno
diferentes fornos artesanais – da macroescala do gi- e aponta inconsistências na estrutura do programa,
gantesco forno da Olaria Tropical, vizinha ao Instituto, à entendendo a experiência da residência como um
microescala dos minigamas japoneses – em uma práti- circuito fechado excessivamente permeado por in-
ca em que novos hábitos de saúde pessoal e trabalho terações coletivas e pouco comprometido em pro-
artístico se retroalimentaram. porcionar um espaço seguro, positivo e produtivo do
Na primeira apresentação pública do progra- ponto de vista emocional.
ma Ka’a fora do Instituto, ocorrida na Associação Vila A rotina de café da manhã do Ka’a se iniciava
Flores logo no início da residência, a norte-americana com o tradicional mate e com conversas preguiçosas
Miriam Simun destacou em sua apresentação duas com os residentes que surgiam e desapareciam durante
questões sobre as práticas artísticas na natureza. esse importante horário de encontro e de trocas. Pão de
Na primeira, questionou a inócua separação dos mate- queijo assado na hora, ovos mexidos, bolos preparados
riais de produção, entre sintéticos e naturais, pois para na noite anterior, frutas e café quentinho compunham
a artista, os materiais sintéticos, em última análise, um ritual cotidiano, no qual a ausência do divertido e
derivam e são compostos por matéria-prima natural. caloroso Rumen Dimitrov era facilmente percebida. Só
O que seria sintético se tudo o que existe está disponi- encontraríamos Dimitrov ao soar dos sinos do almoço
bilizado como elemento químico ou mineral em nosso posto.
planeta? O que implicaria, portanto, na invalidade dessa Como é típica da zona rural, o cotidiano da
dicotomia. E na segunda refletiu sobre a arraigada ideia residência acompanhava o horário da luz, e, por estar-
de controle da humanidade, cujas bases se encontrar- mos em latitude sul e em zona temperada, esses dias
iam na passagem do homem coletador-caçador para a eram longos, com até 14 horas de sol. Rumen passou
vida agrária. Logo em seguida, Simun focalizou a linha todas as manhãs preparando e executando as duas
do tempo desses dois modos de existir, apontando que monumentais esculturas feitas de eucalipto apre-
fomos coletadores-caçadores por 200 mil anos e sentadas no último dia do programa, o Open Studio,

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 22


no qual recebemos a comunidade vizinha ao Instituto, organizada pelo artista visitante Ayrson Heráclito,
além de muitos amigos artistas e agentes da arte. compartilhou práticas ritualísticas do Candomblé li-
Com Dimitrov aprendemos sobre disciplina e gadas a comida. E entre ingredientes, preparo coletivo
foco, sobre o trabalho incansável para se atingir obje- dos alimentos, música e mitos sobre os Orixás, o artista
tivos ambiciosos. Trabalhar em ampla escala implica ponderou sobre essa cosmologia que entende, como
pouca margem para a realização de outros projetos a guarani, a inseparabilidade do cosmos, da natureza
caso o desejo inicial, a ideia que se persegue, não fun- e da experiência humana. Aos conversarmos com os
cione. Deve-se sempre seguir adiante e tomar decisões orixás, divindades ligadas aos fenômenos naturais,
face a quaisquer adversidades. Nesta publicação, somos capazes de nos conectar com as mais diversas
Dimitrov revelou detalhes de sua política de uso de forças vitais e podemos extrair desses vínculos a deter-
materiais naturais e seus destinos, em uma prática minação para o enfrentamento dos dilemas e revezes
artística que toma o público como objetivo específico cotidianos.
do trabalho a ser apresentado. O agrônomo Paulo Backes foi o propositor e
A produção dos residentes no programa es- coordenador da segunda oficina da residência, um mer-
truturou, portanto, a seção Zona Verde desta publi- gulho na paisagem da zona rural de Porto Alegre, que
cação, na qual as curadoras visitantes Ane Rodríguez visibilizou as forças físicas e biológicas envolvidas em
Armendariz, Bruna Fetter e Michelle Sommer entre- um ecossistema ligado às dinâmicas do lago Guaíba e
vistaram os quatro artistas, alimentando conversas e da lagoa dos Patos.
discussões sobre processos criativos, metodologias de O último capítulo da seção Tramas Entrecru-
trabalho, linhas de pesquisa e trabalhos pregressos. zadas reúne uma série de percepções, prosa poética,
A publicação conta também com relatos e im- referências e provocações compartilhadas comigo du-
pressões de alguns dos curadores visitantes do progra- rante dois meses e nas quais participaram ativamente
ma, além de documentar duas oficinas e uma conversa. a curadora visitante Maria Isabel Rueda e o artista visi-
A seção Tramas Entrecruzadas de Uma Travessia Com- tante Leonardo Remor. Nesta triangulação, intitulada
partilhada apresenta dois relatos em primeira pessoa, O Mundo dos Seres. Um Triálogo sobre Vidência, Ener-
o primeiro da curadora visitante Ane Rodríguez gia Positiva e o Direito à Vida das Plantas, debatemos
Armendariz e o segundo do gestor cultural suíço sobre acontecimentos e eventos da residência, inspira-
Richard Le Quellec. Já a oficina Comida Sagrada, dos pelas ideias do livro Há Mundo por Vir? Ensaio sobre

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 23


os Medos e os Fins, de Danowski e Viveiros de Castro. to, porque, quando falamos de crescimento, ainda pen-
Desde o início da conceituação do projeto Ka’a samos exclusivamente no econômico. E se estilhaçás-
em novembro de 2017, as evidências científicas sobre a semos essa correlação? Por que essa ordem imposta
realidade das mudanças climáticas tornaram-se cada nos parece natural? E se tivéssemos a convicção de que
vez mais irrefutáveis, e os efeitos do aquecimento glo- sozinhos, em grupo ou todos juntos pudéssemos mudar
bal se manifestam com mais clareza em nosso cotidia- a maneira como as coisas ocorrem ou são produzidas
no. Há também uma crescente insurgência de ativismo, no mundo? Por que preferimos optar pela ditadura do
praticada por uma comunidade de jovens entre 15 e 25 mercado sobre as nossas necessidades do que acredi-
anos, que atua em rede nas mais diversas localidades tar na existência de um lugar para a cidadania fora do
do globo. consumismo? Por que toleramos a impotência em vez
Os recordes de temperatura dos últimos qua- de confiarmos em nossas forças imaginativas e na nos-
tro anos, além da contaminação atmosférica9, apontam sa capacidade de ação? E se as pautas macropolíticas
para a urgência de novos parâmetros para o mundo, o germinassem o crescimento humano, no sentido edu-
que não exclui as práticas artísticas na paisagem. Os cacional, cultural, e expandissem as reservas ambien-
antigos paradigmas da Land Art e da Environmental tais?
Art já não dão conta à complexidade das intervenções O que buscamos nesta publicação foi dar re-
artísticas possíveis no meio ambiente. As antigas con- gistro a um conjunto de diferentes visões de mundo e
siderações poéticas ligadas à passagem do tempo, aos de posturas próprias, que obviamente implicam éticas
fenômenos meteorológicos, à observação da vegetação, pessoais e culturais, a fim de organizar um painel plu-
à qualidade e à intensidade da luz demonstram-se pou- ral sobre as novas relações do recorte Arte e Natureza.
co contudentes neste contexto alarmante de desmata- Nas páginas seguintes, convidamos o leitor a conhecer
mentos reiterados, de incêndios florestais recorrentes a produção de cada um dos artistas residentes, como
e de contaminação das águas em escala global. também a ler registros, anotações e diálogos entre os
A gradual erosão de nossa separação com a participantes e os organizadores do programa.
natureza, que nos une à respiração da terra e nos insere
ao todo que jamais evadimos, é um importante passo. Desejamos a todos uma boa leitura!
Mas insuficiente. Já que a arte precisa desconstruir
também as ideias ligadas ao progresso e ao crescimen-

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 24


2 DOTTI, Marco. Frammenti di Felicità Futura. Ga- planícies férteis da América do Sul que cobrem
briel Tarde e L’histoire. <https://www.academia. mais de 750.000km² e incluem as províncias ar-
edu/9962602/Frammenti_di_felicit%C3%A0_fu- gentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, En-
tura._Gabriel_Tarde_e_lhistoire>. tre Ríos e Córdoba; todo o Uruguai; e parte do Rio
Grande do Sul, no Brasil.
3 DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO,
Eduardo. ¿Hay Mundo por Venir? Ensayo sobre los 8 Perspectivas apresentadas pela pesquisadora
Miedos y los Fines. Buenos Aires: Caja Negra norte-americana Amanda Boetzkes, nas quais ela
Editora, 2019. divide as atitudes dos artistas na natureza entre
instrumentais e românticas. A teórica, através
4 GRANDE, John K. Diálogos Arte Naturaleza. desses dois modelos de trabalho, pondera sobre
Lanzarote: Fundación César Manrique, 2005. as implicações éticas da arte no ambiente natural.
BOETZKES, Amanda. The Ethics of Earth Art. Min-
5 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. neapolis: University of Minnesota, 2010.
Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
9 Conforme os relatórios do IPCC, the Intergovern-
6 DEXEUS, Victoria Combalía; QUERALT, Rosa. El mental Panel on Climate Change –<https://www.
Arte Sucede. Origen de las Prácticas Conceptuales ipcc.ch/>.
en España, 1965-1980. Madrid: Koldo Mitxelena
Kulturunea, Diputación Foral de Gipuzkoa y Museo
Reina Sofía, 2005.

7 O banhado é um ambiente úmido, com macrófi


tas aquáticas e, geralmente, com solo não drena-
do, que integra o ecossistema do Pampa – as

INTRODUÇÃO SIMBIOSE DENIS RODRIGUEZ 25


TRAMAS ENTRECRUZADAS DE UMA TRAVESSIA COMPARTILHADA 28
APRESENTAÇÕES o artístico, e o intercâmbio de perspectivas, de manei-
A primeira vez que ouvi falar do Instituto Ivy ras de fazer, acaba sempre por reafirmar, questionar ou
Maraey e da residência que queriam organizar foi em modificar os nossos próprios modelos.
fevereiro de 2018, durante a ARCO. Conheci o Denis
Rodriguez em uma reunião do setor de arte contem- O CONVITE
porânea organizada pela iniciativa independente Open No verão de 2018, recebi o convite para fa-
Studio com a colaboração da Ação Cultural Espanhola, zer parte do júri de seleção da primeira edição desta
com o objetivo de colocar profissionais espanhóis em residência, que receberia quatro artistas por quatro
contato com um grupo de convidados internacionais semanas cujos projetos estariam ligados às discussões
da feira ARCO. sobre arte e natureza e seriam realizados em uma fa-
Eu, então, era diretora cultural do Tabakalera, zenda na área metropolitana de Porto Alegre, Brasil.
o centro internacional de cultura contemporânea de Eu aceitei por várias razões. Por um lado, sem-
San Sebastián, no norte da Espanha, um centro que só pre acho estimulante ter a oportunidade de conhecer
funcionava há dois anos e meio. Entre seus principais novos artistas, seus projetos ou os projetos que estão
objetivos, sem dúvida alguma, sempre foi o de apoiar o sendo desenvolvidos por artistas que eu já conheço.
desenvolvimento das carreiras dos artistas e de suas Sempre termino essas experiências com a sensação de
práticas, através da formação, com acompanhamento ter aprendido coisas novas, graças às conversas e dis-
de projetos e programas de residência. cussões mantidas com os outros jurados.
Após a rodada de apresentações, abordamos Em segundo lugar, conheço as dificuldades
imediatamente o interesse mútuo pelo conhecimen- envolvidas no lançamento de um projeto com essas
to de diferentes modelos de residências e pela possi- características e, portanto, a importância de se ter um
bilidade de realizar trocas. Às vezes, essas conversas grupo de pessoas que certifiquem e apostem em seu
não dão em nada. Bem, nunca em nada, já que a partir nascimento. Isso merecia meu apoio, ainda mais por ser
desses encontros damos forma ao nosso pensamento um projeto independente, nascido do desejo e da con-
e prática. Estamos trabalhando para o mesmo coletivo, vicção de um artista, Irineu Garcia, e de uma pesquisa-

SOBRE COMO CONHECI E EXPERIMENTEI O KA’A ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 29


dora, Maria Amélia Bulhões, que desde a maturidade contato com a natureza, com o nosso interior e o nosso
de suas carreiras se propuseram a gerar um espaço de próprio pensamento.
retorno para a comunidade artística, criando um lugar Quando cheguei, os artistas estavam com seus
de trabalho e diálogo tão generoso. processos avançados, embora de maneira desigual.
Por razões de logística, a convocatória foi pror- Uma residência com essas características deve for-
rogada até o início da primavera de 2019 (outono no necer espaço para pesquisa e experimentação, reflexão
Brasil). O volume e a diversidade de propostas recebi- e criação, para o tempo produtivo e para o não produti-
das foram muito indicativos da necessidade de espaços vo. Cada projeto, por sua própria natureza, requer
como este que acompanham os artistas em seus pro- diferentes processos de produção e tempos.
cessos de criação e execução de projetos. Quando um artista se inscreve em um pro-
grama como este, ele não enfrenta apenas seu próprio
A RESIDÊNCIA trabalho, a uma possível folha em branco, mas também
Tive o prazer de acompanhar os artistas sele- aos outros artistas, às conversas, às visões externas, às
cionados e os organizadores na quarta e última semana críticas e ao que vem pela frente. Uma das vantagens do
de residência, e para tanto decidi fazer uma pequena ambiente rural é que ele contribui para uma outra per-
pausa e realocar a minha base de trabalho. Neste mun- cepção do tempo, o que requer uma adequação ao ritmo
do acelerado, orientado para a produtividade, a arte e biológico do campo – os cantos do galo, o chamado da
as suas diretrizes também se somaram a esse ritmo luz natural, mas também os mosquitos e a dependência
frenético. Dispor, nesse sentido, de uma semana para da mobilidade.
manter conversas de acompanhamento, passear na O programa foi acompanhado por diferentes
natureza, fazer leituras e ter encontros de trocas que visitas de profissionais e atividades que nutriram os
enriquecem a prática de cada um foi realmente um projetos sob diferentes perspectivas. Uma parte muito
luxo. Sem dúvida, devemos militar na recuperação de importante do que ocorria, no meu ponto de vista, foi
espaços considerados “improdutivos” (do ponto de vista precisamente o que aconteceu fora dessas atividades
fordiano), que realmente são porque nos colocam em programadas – na convivência e no relacionamento

SOBRE COMO CONHECI E EXPERIMENTEI O KA’A ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 30


diário entre os artistas, entre os artistas e os organ- PROJETOS NECESSÁRIOS
izadores, entre mulheres que cozinhavam e os artistas, Uma residência requer algo mais do que plane-
entre os organizadores e os convidados... múltiplas va- jamento e tempo para sua execução. Requer recursos
riações que se cruzavam e se encontravam em um lugar materiais e intangíveis, a viabilização de espaço de tra-
muito importante em qualquer residência: a cozinha. balho, ferramentas, mas também acompanhamento e
Pessoalmente, e pela minha experiência capacidade de responder às demandas de produção de
profissional, acho que as conversas mais interessantes cada artista. Esta primeira edição da Residência Ka’a já
ocorrem em espaços não formais, não regulamentados fez o mais importante: iniciar uma infraestrutura acom-
para esse fim. Espontaneidade, proximidade e afetos panhada de uma rede de relacionamentos e testar a ca-
facilitam um espaço flexível no qual todos temos algo pacidade e as possibilidades do contexto rural quando
em comum, a comida. A cozinha aberta do Instituto fa- orientado às práticas artísticas.
cilitou as conversas, a possibilidade de cozinhar, de fa- Em tempos como os de agora, de dificuldade
zer você mesmo ou de estar sob os cuidados das pes- política e social, lugares de troca e de produção de co-
soas encarregadas de preparar todas as refeições do nhecimento como este são cada vez mais essenciais, a
dia. ação em pequena escala afeta imediatamente os con-
A residência terminou também na cozinha, já textos vizinhos. Esses projetos não apenas beneficiam
que no dia da apresentação final, tanto os artistas re- um contexto artístico, mas também promovem o desen-
sidentes quanto os profissionais convidados, além dos volvimento de uma sociedade com pensamento mais
vizinhos da fazenda e inclusive os trabalhadores do Ins- crítico e autônomo.
tituto, comeram e conversaram antes ou depois de dar
um passeio pelas terras da fazenda, descobrindo as
instalações dos residentes.

SOBRE COMO CONHECI E EXPERIMENTEI O KA’A ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 31


32
Cheguei em Porto Alegre após uma curta es- Na viagem de carro a caminho do Instituto,
tadia de quatro dias no Rio de Janeiro. Esta foi minha que durou cerca de uma hora e meia, perguntei ao
primeira viagem ao Brasil, e esses quatro dias foram Irineu, meu anfitrião, se ele tinha cavalos. Enquanto
uma fonte de admiração e tristeza para mim. Mara- evoquei a cumplicidade possível de se criar com esse
vilhamento diante da beleza da fauna e da flora, como animal extremamente inteligente, Irineu me falou da
também da arquitetura das construções nos altos de importância da doma. Se nenhum de nós questio-
Santa Teresa e em certos bairros. Tristeza diante de nou o ponto de vista um do outro, a maneira como
tanta pobreza. A palavra pobreza é um termo que eu mencionamos a parte mais característica da nossa
não gosto. Assim como o termo miséria, muito usa- própria relação evidenciava o tipo de mudança que
do pelos ocidentais ricos para avaliar uma relação estava em marcha e que se operaria em diferentes
de acessibilidade ao modelo de consumo capital- níveis e aspectos da minha estadia.
ista. Seria mais politicamente correto falar em pre- Gostei do Irineu de imediato e acredito que
cariedade, mas o termo precário implica um estado foi recíproco. Ele é uma pessoa áspera e teimosa,
temporário. Mas a situação econômica que vi no Rio, com uma maneira muito própria de ver e fazer as
depois na região do Rio Grande do Sul, não reflete coisas. É um artista como eram os artistas do sécu-
de forma alguma uma miséria temporária, mas um lo XIX, bruscos, mas generosos. Brusca e generosa
estado geral de deterioração inexorável que arruína é também como eu denominaria a vegetação dessa
as pessoas, a infraestrutura e a “natureza”. Coloco a região.
natureza entre aspas, porque sabemos hoje como Minha visão de “turista” recém-desembar-
esse termo define mais uma ideia romântica de um cado foi um pouco decepcionante. Devo admitir que
espaço virgem na mão do homem do que um conjun- essa viagem de dez dias envolveu muito trabalho an-
to de elementos não humanos e suas inter-relações. tes da minha partida e que eu não havia lido nada so-
Também a situação no Brasil me mostrou que, quan- bre essa parte do Brasil, exceto as três páginas que
do o homem se adapta ao seu ambiente, ele adapta recebi do Denis e que falavam de uma comunidade
o entorno ao máximo que pode à sua própria pessoa. guarani sobre a qual eu tinha lido alguns artigos, e

FLORESTA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 33


também havia lido algumas páginas de um guia de grama, e o Denis, um dos organizadores da residên-
viagens sobre o Brasil que peguei emprestado na cia. Eles fizeram com que todos os passageiros des-
biblioteca e que não falava quase nada sobre esse cessem do carro, exceto o motorista. E nos fizeram
lugar em que eu estava agora. andar com a cabeça baixa sob a mira de uma arma
Eu imaginava encontrar uma residência até o banco traseiro do automóvel que bloqueava a
artística no meio da floresta. Devo admitir que fiquei rua. Cerraram as portas do veículo, deixando-nos ali
um pouco decepcionado, não havia floresta, nem com o motorista e outro homem armado. De repente,
animais ou frutas silvestres particulares, exceto no as portas traseiras se abrem e gritando eles nos
supermercado. Bem... havia uma aranha venenosa dizem para sair. Quando saímos, vimos uma motoci-
onde fazíamos as refeições diárias. O funcionário cleta se aproximar, e o carro que cortava a estrada
guarani do Instituto me disse que sua picada era parte (talvez para que ninguém veja a placa do carro).
mortal. Ela ficava a 1m50 de altura, alguém poderia Vi, então, o motorista do táxi correr a pé para uma
facilmente passar e ser picado, mas isso não parecia estrada lateral. Um dos agressores sobe no táxi en-
incomodar ninguém. A indiferença brasileira eviden- quanto os outros atacam os passageiros da motoci-
cia também uma forma de se relacionar com o meio- cleta, que se defendem. Um dos agressores dispara
ambiente e com a vida que funciona em outra escala. vários tiros no chão. Os motociclistas recuam. E os
Agora quero contar um caso que aconteceu ladrões roubam a moto e o táxi com as nossas malas
alguns dias antes da minha partida. Estávamos em dentro. Caminhamos uma hora até chegar no haras e
Porto Alegre e voltávamos com um táxi para o haras, praticamente não dormimos.
onde ficavam os curadores visitantes do programa. O Na manhã seguinte, registramos um bole-
motorista parecia um pouco perdido e dirigia deva- tim de ocorrência. O policial me fez lembrar do Tom-
gar, quando um carro nos ultrapassou e bloqueou my Lee Jones. Policial bacana, mas desiludido com
a estrada. Cinco pessoas encapuzadas e armadas a falta de estrutura e de recursos, além da violência
nos abordaram, renderam o motorista e os três gerada pela pobreza. Ele recebeu nossa queixa, nos
passageiros do táxi, eu, o Léo, um dos artistas do pro- fez assinar e, quando o Leo perguntou se haveria

FLORESTA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 34


uma investigação, ele respondeu: “Sem morte, sem
ferimentos… sem investigação”. Ele quase se descul-
pou por essa franqueza, mas, após termos passado
por uma outra delegacia antes dessa, eu já enten-
dia o que ele queria dizer. Ao sairmos, uma fila hav-
ia se formado para registrar outras queixas. No dia
seguinte nos lembramos de que o fone do Denis rou-
bado tinha geolocalizador e, assim, localizamos pela
internet onde estava o celular. Sabíamos exatamente
em que casa estava. Ligamos para a delegacia. Um
policial nos disse que deveria haver um mandado de
prisão. E isso foi se arrastando, e, mesmo com as li-
gações do consulado da Suíça, nada foi feito e isso
me tranquilizou um pouco.
Não contei esse caso para fazer um espe-
táculo. Também não foi para afirmar que o Brasil é
perigoso, mas para dizer que esses eventos foram
a melhor experiência de um relacionamento com
a “natureza” que já vivi. Coloquei a natureza entre
aspas porque sei que hoje jamais poderia imaginar
uma floresta exuberante como imaginava o Brasil,
sem me acordar de que o homem é inevitavelmente
parte dessa natureza.

FLORESTA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 35


36
A abordagem interdisciplinar sobre a na- co pelo território.
tureza é uma necessidade para entendermos a pai- Na oficina Paisagem, Percepção e Conheci-
sagem que nos cerca. Usar os sentidos em consonân- mento abordei essa natureza da paisagem do Insti-
cia com o conhecimento científico faz com que haja tuto Yvy Maraey, seu entorno imediato e seu contexto
um salto na compreensão do todo, das interconexões regional.
do mundo natural e humano. Goethe e Humboldt fo- Examinamos a integração entre Arte e Eco-
ram alguns dos pioneiros nesse tipo de abordagem ologia, na qual o reconhecimento da paisagem tor-
do final do século XVIII e início do XIX. nou-se mais que urgente nos dias atuais. Em um
E ambos influenciaram Darwin, que graças aos in- mundo de pós-verdades, a desconexão das pessoas
sights de Humboldt teve a inspiração e a coragem com a natureza aumenta significativamente. E en-
para escrever A Origem das Espécies. Arte e Ecologia tender a paisagem, a natureza, seus protagonistas
andam juntas já faz um bom tempo, uma subsidian- e como eles interagem formando os espaços é uma
do a outra, e essa integração inspirou o criador da das tarefas da ecologia. Trazer reflexões através da
ciência e da palavra ecologia, Ernst Haeckel. percepção e da sensibilização sobre a paisagem é
De maneira semelhante a esses naturalistas um belo papel que a arte pode exercer.
e viajantes de séculos passados, percorrer um terri- A oficina ministrada durante a Residência
tório novo, desconhecido, continua sendo fascinante Ka’a visou conectar os participantes com o terri-
e desafiador. Desvendar e conhecer o todo de uma tório do Instituto, com seus protagonistas naturais,
paisagem sem o auxílio dos sentidos é tarefa impos- através de caminhadas e rodas de discussão acom-
sível, ainda mais em nossos tempos de ciência frag- panhadas de textos e imagens. Nas mesas, alguns
mentada, cheia de especialistas. “amansa-burros” referenciais para consultas e
A paisagem de Porto Alegre é um território pesquisas.
de encontro de eras geológicas com diferença de Quem são esses protagonistas, suas ori-
centenas de milhões de anos de idade. Velhos grani- gens, como agem, que forças físicas e biológicas es-
tos convivem com jovens planícies aluviais. Por essa tão envolvidas? Essas e outras foram algumas das
riqueza geobotânica viceja uma biota originária de questões trabalhadas, sempre com uma abordagem
quase todos os biomas sul-americanos. Florestas, sensorial e cognitiva.
savanas e campos coexistem espalhados em mosai-

PAISAGEM, PERCEPÇÃO E CONHECIMENTO PAULO BACKES 37


38
COMIDA SAGRADA AYRSON HERÁCLITO 39
Nos dias 2 e 3 de abril organizei uma ofici- desses elementos naturais, desse encontro com a
na que apresentou de forma introdutória e didática o potência vital, precisamos conversar com a natureza
sentido mítico e o preparo de alguns pratos ofertados e extrair desse vínculo a força que cada ser vivente
às divindades africanas como o Amalá para Xangô e o tem para nos oferecer.
Omolokum para Oxum. Preparamos também a tradi- Nos dois dias de encontro realizados na
cional moqueca de peixe baiana para oferecermos a cozinha aberta do Instituto Yvy Maraey, ingredientes,
Oxum e a Iemanjá. É possível oferecer a moqueca a preparo coletivo dos alimentos, música e mitos sobre
todas as divindades ligadas ao elemento água. os orixás embalaram essa ação participativa que ao
A comida nas práticas religiosas afro-bra- final ofertou comida aos deuses, mas também ali-
sileiras desempenha um sentido polivalente ritua- mentou os novos amigos e colaboradores. Diferen-
lístico, no qual, além do corpo físico, o corpo es- temente da cozinha sagrada ritualística ou da cozi-
piritual também é alimentado. Oferecer comida para nha dos terreiros – que é conduzida e, portanto, sob
as divindades negras é nutrir a nossa alma e evocar responsabilidade das ekedis, que normalmente são
proteção. Todos os elementos e etapas que cons- as anciãs da comunidade –, me comprometi a com-
tituem as oferendas da culinária sagrada exprimem partilhar o lado permitido dos rituais sagrados, que
desejos comuns a todas as pessoas, como tranqui- contam também com uma série de tradições ocul-
lidade, paz, saúde, prosperidade, riqueza, boa sorte, tas e disponíveis apenas aos iniciados. É essencial
amor, longevidade. o cuidado e a atenção com cada uma das etapas de
Além disso, como é sabido, as divindades preparação das oferendas na cozinha sagrada, pois
africanas, ou simplesmente os Orixás, representam a negligência pode resultar em futuros problemas
fenômenos da natureza, refletindo uma cosmologia com o orixá.
que entende a inseparabilidade do cosmos, da na- A oficina Comida Sagrada foi um percurso
tureza e da experiência humana. Uma integridade artístico construído de forma simbólica a partir dos
interdependente e em equilíbrio. Portanto, no Can- alimentos que fazem parte da cultura das comuni-
domblé, são os espíritos da natureza que são cultua- dades religiosas. Uma cultura calcada na oralidade,
dos. Sendo assim, a prática de oferecer comida aos na qual a comida oferecida às divindades é também
deuses é uma maneira de se conectar à natureza, o um caminho de aprendizado e de troca de conheci-
que exige uma tranquilidade, uma reconexão com os mento entre os praticantes do Candomblé.
ciclos naturais da vida. E para tirar proveito máximo
COMIDA SAGRADA AYRSON HERÁCLITO 40
41
Esta conversa surgiu do desejo de repen- e estudando as plantas que vamos conseguir
sarmos juntos alguns fatos e situações ocorridos na entender do que é capaz de verdade a mente, e o
residência passados cinco meses de seu encer- que pode o espírito. Afetam uma soberana
ramento. Ela teve também por objetivo dar registro indiferença: ao nosso mundo de homens, à cultu-
a algumas emoções e memórias que se encontravam ra dos povos, à sucessão dos reinos e das épocas
ainda sem lugar. do espírito. Podem ser muitos elegantes, mas
Maria Isabel Rueda propôs uma dinâmica não seguem modas. Contudo, nenhum outro ser
de perguntas relacionadas ao livro Há Mundo por vivente contribui tanto quanto elas
Vir? Ensaio Sobre os Medos e os Fins, de Déborah para a qualidade estética do cosmo.
Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, que coinci- Parecem ausentes, como blindadas no seu sonho
dentemente líamos os três a essa altura. Leonardo químico. Não têm sentidos. Mas não é fechamen-
Remor sugeriu que, além das respostas, fizéssemos to: ninguém mais que elas adere ao mundo ao
comentários e complementações. E que pensás- seu redor. Estão perenemente, constantemente
semos esta escritura coletiva como um recurso de expostas ao mundo e ao próprio ambiente. Não
autocuidado. precisam de órgãos de sentidos porque – à
E a mim coube o pontapé inicial. diferença da maioria dos animais superiores –
Denis Rodriguez: Maria Isabel gostaria de iniciar o não têm uma relação seletiva com o mundo ao
nosso triálogo te contando uma situação que acon- seu redor. São a vida em exposição global, em
teceu durante a residência, mas antes disso quero continuidade absoluta, em comunhão absolu-
compartilhar contigo um fragmento do lindo texto do ta com aquilo que as circundam. Por isso não
Emmanuele Coccia, Mente e Matéria ou a Vida das precisam mover-se. Não se mover significa aderir
Plantas10, com o desejo de criar uma moldura para a completamente àquilo que acontece e ao que as
nossa conversa, rodeia. Uma planta não é separável do mundo
que a recebe. É a forma mais intensa e
(...) é na frente das plantas que resulta paradigmática do ser-no-mundo.
necessário perguntar-se o que seja um vivente
e o que significa estar no mundo. É observando Achei importante reproduzir esse trechão
do texto do Coccia para te introduzir ao episódio da

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 42
derrubada do eucalipto performada pelo residente Maria Isabel Rueda: Un pájaro estrelló violenta-
Rumen Dimitrov, material com que ele produziu duas mente esta mañana en mi casa contra la puerta de
instalações apresentadas ao final da residência. vidrio que me permite ver el hermoso jardín en el que
A morte do eucalipto gerou um super mal-estar entre vivo, mientras tomaba mi café en el desayuno.
os residentes, principalmente entre os dois vindos Estaba admirando la humilde belleza del amanecer.
do hemisfério norte, que no jantar da noite da queda Y un pájaro murió. No detectó el límite, transparente,
da árvore usaram palavras fortes como assas- engañoso.
sinato, descaso e incoerência dos coordenadores Lo enterré al lado de la mata de coca que
do programa por permitirem tal ato. Laura Cattani está creciendo de forma extremadamente lenta en el
do duo Ío fotografou o tronco caído instantes depois mismo jardín que me deleitaba esta mañana mien-
da derrubada. Nessas imagens, o miolo do vegetal tras tomaba café.
assemelhava-se a uma artéria aberta de cor ver- Justo al lado está enterrado Norman, mi
melha intensa. A argumentação dos artistas es- adorado gato. Murió hace dos años de sida felino al
candalizados gravitou em torno de uma espécie de igual que mi mejor amigo Wil, que no está enterrado
radical denúncia ecológica, de um dano irreparável en mi jardín.
ao meio ambiente e, portanto, inaceitável em uma Me deleito pensando que algún día mas-
residência que pretendia discutir as sensíveis e am- caré las hojas de coca que me regalará el árbol y ab-
bivalentes relações do campo Arte e Natureza. Não sorberé un poquito de mi gato y del pájaro muerto.
houve menção à metafísica vegetal presente no pen- Quién domina nuestros límites cuando nos
samento de Coccia, nem a nossa evidente demanda son invisibles? Quién los custodia? Dónde empieza la
por nutrição, a qual nos faz matar e dominar todas planta y termina el humano y comienza lo muerto y
as espécies de plantas e árvores, nem o fato de as termina lo vivo?
árvores fazerem parte da nossa cultura, em termos Todo está inescrupulosamente interconec-
arquitetônicos, de paisagismo, ligadas ao mobiliário tado. Somos el pájaro, el vidrio, la muerte, el café, la
etc. Gostaria de ouvir os teus comentários sobre esse hoja de coca, el gato, la tierra y la mujer que mira el
breve impasse ocorrido logo no início da residência. hermoso amanecer.
Toda ética que aplicamos hacia nosotros

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 43
mismos debe contemplar el vuelo de los demás. No aquecimento global. Lemos então o texto On Heat12,
podemos pasar a través y salir ilesos. no qual Denise nos convida a pensar como as mu-
Un humano derribó un antiguo eucalipto y danças climáticas correspondem a extensiva e inten-
diseñó una gran silla. Qué humano ocupará seme- siva exploração dos recursos, das matérias-primas
jante puesto? Háblame un poco cómo imaginas el aos meios de produção, incluindo nesta perspectiva
humano por venir…se habló de eso en la residencia? a energia interna dos escravos africanos e das ter-
Eramos los residentes y los invitados mismos una ras indígenas, que agora existem na forma de capital
apuesta. En que sentido? global. Depois de uma sessão de autoprática, vis-
lumbrei – e entendi – o aquecimento global como um
Leonardo Remor: El humano por venir? O outro por processo de autocura do planeta.
vir é um mundo. Um mundo sem a nossa presença. A escritura pode ser essa ferramenta que
Um novo mundo após nossa lenta autoextinção. É torna conscientes nossas experiências, ampliando
justo que depois de extinguirmos tantas outras es- o nosso entendimento sobre o que vivemos. Que tal
pécies animais, vegetais, minerais… sejamos extin- usarmos este espaço, estas linhas, para – além de
tos. Autoextermínio como cura do planeta. compartilhar – promover a cura de algumas das ex-
A cadeira do Rumen vai estar vazia e não periências vividas durante a residência?
existirá ninguém capaz de reconhecer essa forma. A
cadeira ainda é o eucalipto. E seguirá – como tudo Denis Rodriguez: Ainda sobre a cadeira, eu diria
e todos – num processo contínuo de transformação. que muitos outros ainda ocuparão esse lugar, Ma-
Da madeira ao fogo, das cinzas à terra. Felizmente ria Isabel. Desses, poucos sobreviverão à longa vida
tudo se decompõe. Alimento para as vidas por vir. do eucalipto-cadeira. O ecocídio praticado clama à
Recentemente participei do segundo Sen- urgência do ativismo, das afirmações éticas sobre
sing Salon11, com Valentina Desideri e Denise Ferrei- um mundo no qual pensamentos próximos frequen-
ra da Silva, um programa que fez uso do Reiki como temente ocupam posições adversariais. O ativismo
técnica para expansão das possibilidades de práti- praticado na mesa de jantar, na mesa do bar ou nas
cas artísticas. Em certo momento, foi decidido pelo restritas bolhas algorítmicas das redes sociais ra-
grupo canalizar as energias vitais do Reiki para o ramente alcança os verdadeiros adversários que

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 44
seguem esmagando conquistas e direitos e prati- sobre um mesmo fenômeno.
cando o ecocídio em escala massiva, como o avil- E o que gera mais conversa é o consenso ou
tante, triste e verdadeiro crime denominado o “dia do o dissenso? Com quem aprendo mais? Com os que
fogo”13, praticado há menos de dois meses no norte são mais próximos e com os quais compartilho das
do Brasil. No entanto, não estou defendendo que não mesmas ideias? Ou com os que são diferentes e me
valha a pena militar pela vida de uma única árvore, apresentam novas possibilidades? Organizar uma
mas me interrogando se a interrupção dessa vida residência é conviver com o diferente e muitas vezes
foi capaz de contribuir de alguma forma para a ex- surpreender-se com as distintas reações diante de
pansão do pensamento e da criação artística. Essa uma mesma situação compartilhada. Pode ser do-
me parece a reflexão central... O que fica também loroso e te deixar vulnerável, já que não há fórmula
evidente é a transparência da subjetividade de cada mágica e talvez seja através do fracasso que venha a
artista nas obras na natureza ou com a natureza, já aprendizagem. Essa situação um tanto quanto limí-
que eles aportam suas crenças e experiências na trofe de se ter que residir em apostas e, como apos-
hora de influir e de se relacionar com ela. tas, perceber que o longo esforço de juntar essas
Sobre os residentes e convidados serem pessoas talvez não tenha valido a pena. Ou será que
uma aposta e em que sentido, claro que sim, e, mes- valeu? Esse frágil equilíbrio de se colocar desejos em
mo se eu não quisesse, seria. A união de pessoas em ação, o pensado/planejado em feito... e, de repente,
um mesmo lugar por um curto período de tempo é perceber-se atropelado pelos próprios sonhos, numa
sempre uma aposta. Juntar amigos em uma mesma espécie de concretização caótica do idealizado, ou
festa é outra aposta. Viajar com um grupo de pes- simplesmente no fluxo da vida. Ver-se impotente e
soas é aposta também. A todo tempo lidamos com frustrado no momento em que idealmente seria o
os limites visíveis e invisíveis das pessoas, com os regozijo. Ao mesmo tempo em que algo novo sempre
limites conhecidos e desconhecidos, que serão reve- se cria nesses encontros, pois por pior que eles se-
lados ao longo da trajetória comum. Gosto muito das jam, por mais nefastas que tenham sido as experiên-
estratégias que fomentam a circulação de uma va- cias, elas inseriram um novo dado na consciência de
riedade de narrativas, de pontos de vista que con- cada um. Propiciar encontros e novas parcerias é o
lidam a compreensão da multiplicidade de verdades lado ultrapositivo das apostas. O negativo, é perce-

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 45
ber que esse outro em que se aposta, e que quere- foi revelado tu carregastes por algum tempo e por
mos conhecer, chega com juízos prontos, insensível quanto? Como tu te colocas diante da magia e clariv-
às diferenças culturais, sociais e estruturais, enfim, idência? E de saber se a receita da bruxa curou a tua
diferenças modeladas pelas trajetórias, memórias enxaqueca. E por fim, Maria Isabel, hoje residindo
e emoções que cada um carrega. Além da identifi- aqui em Madri, percebo como o nosso dia a dia na
cação, acredito também em pactos de convivência América do Sul é permeado pelas ideias de energia
coletiva. boa e energia ruim, como gravitamos nessas polari-
Na esteira disso que acabei de te contar, dades e como estamos sujeitos e nos sujeitamos a
palavras que de certa forma respondem também à elas. Ou não? Queremos te escutar.
proposta de autocura do Leo, gostaria de seguir in-
sistindo nesse ponto da unicidade da interpretação Maria Isabel Rueda: Podemos entonces empezar a
da experiência diante do mesmo fenômeno, e trazer hablar de un antropocentrismo invertido14 donde po-
à conversa nossa visita coletiva ao Templo da Ma- dríamos permitirnos incluir también el reino de lo so-
gia, um desvio que produziu consequências terríveis brenatural, ya que podría decirse que este también
em quase todos os visitantes. Gostaria de usar a tua pertenece a una epistemología no antropocéntrica.
linda imagem de limites invisíveis para falar dessa En un mundo que actualmente enfrenta los efectos
visita. Naquele dia, biografias ocultas dos residentes irreversibles de la destrucción humana de los recur-
e visitantes foram reveladas. Talvez Leo e eu tenha- sos naturales, un enfoque hacia “todas” las dimen-
mos sido os mais prejudicados com a confirmação siones descartadas por el pensamiento occidental
da previsão do roubo e das perdas materiais, além hegemónico de biopolíticas capitalistas, donde lo
do trauma reiterado, já que somos alvo frequente de que prima es la producción y la acumulación, resulta
ações violentas no Brasil. Ao mesmo tempo em que, acertadamente pertinente tomar en consideración la
no nosso trabalho de artista, esse lado subjetivo, participación activa de estos otros reinos.
intuitivo, mágico, essa conexão com o não racional Como respuesta a tu pregunta….
é essencial e enriquecedora. Gostaria de saber as Si! La receta de la vidente ha resultado una
tuas impressões, percepções e insights sobre esse solución efectiva a mis migrañas.
dia. Gostaria de saber se de alguma forma o que ali

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 47
Denis Rodriguez: ¿De verdad? ¡¡Que maravilla!! resante pues me aburre un poco saber lo que puede
Pero no hablastes de tus impresiones, percepciones pasar, sin embargo escuché atenta a la vidente y
y puntos de vista sobre ese dia fatídico. Estoy curioso seguí sus recomendaciones para mejorar mis mi-
y sigo me preguntando si de alguna manera lo que grañas con la grata sorpresa que me han funcionado.
se reveló allí llevaste por algún tiempo y por cuánto. Gran parte de mi carrera como artista y mis
¿Cuáles son tus relaciones con las prácticas mági- intereses como curadora están relacionados a una
cas y la clarividencia? És interesada en el campo de búsqueda personal de intentar comunicarme con
la magia? Y finalmente, María Isabel, ahora que vivo otras dimensiones, intentando relacionarme a otro
aquí en Madrid, me doy cuenta de cómo nuestra vida nivel con el mundo animal, vegetal y mineral. En el
diaria en Sudamérica está impregnada de las ideas camino me he relacionado con muchos artistas y
de buena y mala energía, cómo gravitamos hacia es- he recuperado su trabajo y sus visiones escribien-
tas polaridades y cómo somos sujetos y nos somete- do parte de la historia oculta del arte colombiana
mos a eso. a partir de entrevistas y diálogos con artistas que
comparten mi visión como Norman Mejía y Álvaro
Maria Isabel Rueda: Bueno... la visita al templo, a Barrios por citar algunos, donde establezco fuertes
diferencia del resto del grupo, me resultó bastante conexiones entre el arte conceptual en Colombia y el
interesante y de una gran belleza estética. espiritismo. He cuestionado el género del retrato y el
El templo del amor con los cuarzos rosa en las pare- autoretrato a partir de la mimesis de mi cuerpo con
des donde nos recibió la vidente me pareció bellísi- el entorno natural, a través de las pinturas murales
mo, alucinante, me sentí en el set de una película de de la ruina del castillo de Norman Mejía un artista
Almodóvar. muy reconocido en la escena de los años ochenta en
Desde niña he tenido contacto con otras Colombia, que decidió aislarse de la sociedad y del
dimensiones y en esta etapa de mi vida encuentro mundo del arte en su casa en Barranquilla.
fascinante la comunicación con el mundo mineral, Mi trabajo se ha situado dentro del imagi-
así que para mí estar ahí con todos esos cuarzos fue nario del gótico tropical, desde donde he redefinido
fabuloso. y ampliado el género, que en un comienzo solo se
La lectura del futuro no me resulta tan inte- asociaba a grupo de Cali con quienes mantuve una

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 48
estrecha relación (Luis Ospina y Carlos Mayolo). An- Me gustaría saber en su caso personal que
dres Caicedo se suicidó muy joven, así que no llegué considera que hace a una persona vidente.
a conocerlo, pero devoré sus libros cuando fui ado-
lescente. Denis Rodriguez: De fato, o templo do amor é um
He abierto agujeros de gusano conceptuales delírio lisérgico, aliás, todo o Templo da Magia.
y conectado dimensiones en el espacio tiempo en Talvez, por não se tratar de um lugar sectário, ele
mis curadurías, así suene un poco a ciencia ficción seja esse pastiche ecumênico, uma grande colagem
(la cual me interesa muchísimo, acabo de editar una de religiões e culturas.
publicación con La Usurpadora y Jose Sanín titulada Até a adolescência estudei em um colégio
infinito incorporado). católico, mas o espiritismo e as práticas místicas
En una de las últimas muestras que he cura- sempre estiveram presentes na minha casa. Tarot,
do con La Usurpadora: Universos Desdoblados, tuve leitura de borra de café, I Ching, o “jogo do copo”, os
la oportunidad de incluir el trabajo de una de las ar- livros do Kardec, como também uma imensa estante
tistas invitadas a la residencia: Miriam Simun, con com literatura Seicho-no-iê, aquela seita religio-
quien comparto muchísimos intereses y con cuya sa-filosófica que enfatiza a gratidão e o pensamento
obra he conectado a nivel conceptual y espiritual positivo, será que existe Seicho-no-iê na Colômbia?
gracias a nuestras charlas en el Instituto. Essa religião foi trazida ao Brasil pelos japoneses, e
Así que voy incorporando en mi pensamiento São Paulo até os anos 1950 foi a cidade da América
a las ideas y personas con quien me voy relacionando que mais recebeu imigrantes oriundos do Japão.
y aprendiendo en el camino. Desde de criança observo a busca espiritual
Respecto a la energía positiva y negativa. de minha mãe, que experimentou distintas crenças
Pienso que el separarnos de la unidad generó la dua- e hoje vive seus próprios dogmas, mas segue adep-
lidad que tanto nos atormenta, pero que precisa- ta do pensamento Seicho-no-iê. Ela já foi católica,
mente nos hace humanos, y que en su contraste es espírita, umbandista, evangélica, budista... talvez
la fuente de toda creación. Así que esta polaridad, eu esteja esquecendo de alguma outra experiência
pienso, es mucho más interesante si empezamos a espiritual que ela tenha passado. Nessas andanças
observarla como un simple testigo. conheci muitas pessoas dedicadas à vida espiritual,

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 49
50
muitas diziam-se escolhidas, mas poucas capazes ter muito cuidado ao revelá-las.
de acolher, cuidar, iluminar essa nossa busca de sen- E sobre o que torna alguém vidente? O que
tido para esse sentimento recorrente de impotência, me tornou vidente? E o que me afastou desse cami-
de escassez de recursos, às vezes de saúde e mes- nho? Nunca pensei muito sobre isso… Talvez o fato
mo de linguagem diante dos absurdos, das ofensas, de eu não gostar da autoridade que os gurus religio-
dos infortúnios e da violência cotidiana. Cruzei com sos normalmente têm, isso pode ter me afastado
muita gente falsa e aproveitadora nessa jornada. Na desse caminho. Tenho pavor do patriarcado rotulado
adolescência me deparei pela primeira vez com a como líder espiritual. E abomino dogmas e verdades
clarividência, pois tive uma amiga portuguesa, Dulci- universais. Sobre a mestre Tala do Templo da Magia,
mara Martins Leal, que era sensível e que conseguia um enigma... mas adivinhar que alguém vai ser as-
antever fatos. Nessa época éramos muito próximos e saltado no Brasil eu não chamaria de clarividência,
compartilhávamos muitas das experiências místicas diria apenas redistribuição da violência cotidiana e
que aconteciam na minha casa. Com o passar do tem- ancestral.
po, fui aprendendo a me conectar com as pessoas. E
comecei a ler mais intuitivamente a borra do café, o Leonardo Remor: Me senti bastante desconfortável e
I Ching e a ter insights durante o “jogo do copo”. Até incomodado na visita ao tal Templo da Magia. Desde
que comecei a ter sonhos premonitórios, visualizan- pequeno sou muito atraído por esse universo ocul-
do eventos que se confirmariam ao longo dos dias. to. Minha avó – além de cozinheira de mão cheia –
Em uma noite sonhei que um ente querido se despe- também benze de míngua. Aprendi com ela a curar
dia de mim e me passava instruções de como deveria com as mãos apenas com o nome da pessoa e nada
agir após a sua morte. Na manhã seguinte, não escu- mais. Pra quem não sabe, a míngua vem quando es-
tei o som do alarme. E quando levantei, encontrei um tamos jururus, pra baixo. É um desânimo que pode te
bilhete deixado na mesa do café da manhã que me fazer parar de comer e até mesmo secar uma planta.
informava sobre a morte desse parente que eu tinha Pro dicionário, míngua é “a falta do que é essencial”.
acabado de encontrar no sonho. Foi um choque, eu E indispensável é cuidar, restaurar, manter nosso
tinha 14 anos. Desde então sou bastante suscetível a ânimo.
previsões e por isso penso que quem as pratica deve Por outro lado, a iconografia mística das lo-

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 51
jas esotéricas me afasta... Não me reconheço nessas uma ofensa. Esse trabalho se paga com afeto, com
imagens e objetos. Uma representação desinteres- um presente de coração, com as flores que crescem
sante... E ali, naquele complexo de templos a tantos espontâneas no teu quintal. Juntos assim sustentar
deuses, vi essa estética reproduzida. Para mim, um e manter a vida. Compartilhar, somar, multipli-
verdadeiro parque temático religioso, erguido em car. Acredito na magia de plantar a mandioca, que do
plástico e concreto. Tantos ícones, tantos símbolos... seu tronco fazemos muitas mudas, e de cada muda
Uma grande simplificação e redução de tantas cul- nascem muitas raízes que alimentam toda a família.
turas, cheias de suas particularidades e origens. “Te- Acredito no poder da escuta do próprio corpo, no res-
mos não sei quantos templos... Recebemos não sei peito ao tempo da respiração.
quem, famoso jogador de futebol...” Não acredito na
magia como resolução instantânea dos problemas – 10 COCCIA, Emmanuele. Mente e Matéria ou A
ou diagnóstico. Para mim, essas práticas são de au- Vida das Plantas. <http://www.revistalanda.
toconhecimento e compartilhamento. ufsc.br/PDFs/ed2/Emanuele%20Coccia.pdf>.
Nada mais tedioso do que esse ser supe-
rior com poderes de ver o futuro: você vai viajar, você 11 The Sensing Salon expande as ideias da arte
vai ser assaltado, você vai morrer... Eu desacredito por intermédio das artes da cura, caracteriza-se
e entro num templo desses com os dois pés atrás. por um estúdio para o exercício das práticas de
Quando vejo esse lugar todo feito de quartzo rosa, cura. O ato de cura, como a arte, é prática. É algo
não posso deixar de pensar na mineração, na ex- que se faz e que promove restauração, bem-es-
ploração intensiva dos recursos, no lucro e dinheiro tar. O trabalho colaborativo do The Sensing Sa-
a qualquer preço... Para mim essas pedras estão no lon explora a cura como uma forma de arte, uma
lugar errado. O lugar delas é lá embaixo da terra. Meu prática do sentir e do fazer sentido que também
templo é na cachoeira, é embaixo de uma árvore. inclui estudos, pensamento crítico e experi-
Eu acredito na magia ancestral de nossas mentações que permitem alcançar níveis mais
avós. Na benzedeira com a casa sempre cheia. Aco- profuntos da existência.
lhedora na sua humildade, te tira a míngua e ainda
te oferece de comer. E se ofereceres dinheiro, será

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 52
12 FERREIRA DA SILVA, Denise. On Heat. <https://
canadianart.ca/features/on-heat/>.

13 Em agosto de 2019, fazendeiros no estado do


Pará, na Amazônia, coordenaram, via grupos de
WhatsApp, uma ampla queimada no estado que
foi denominada como “dia do fogo”. O Ministério
Público do Pará, no dia 8 de agosto de 2019,
havia protocolado no Ibama um ofício em que
alertava sobre as queimadas planejadas no
Pará, alertando que a manifestação dos produ-
tores rurais, caso levada a cabo, ensejaria sérias
infrações ambientais que poderiam, até mes-
mo, fugir ao controle e impedir a identificação
da autoria individual. Fontes: <https://www1.
folha.uol.com.br/ambiente/2019/10/fazendei-
ros-e-empresarios-organizaram-dia-do-fo-
go-apontam-investigacoes.shtm>;
< h t t p s : // w w w . n a t g e o . p t / m e i o - a m b i -
e n te / 2 0 1 9 / 0 8 /a m a zo n i a - a rd e - c o m o - n u n -
ca-culpa-e-da-desflorestacao>.

14 YOURCENAR, Marguerite. Introduction to


Caillois, The Writing of Stones, xii.

O MUNDO DOS SERES: UM TRIÁLOGO SOBRE VIDÊNCIA, ENERGIA POSITIVA E O DIREITO À VIDA DAS PLANTAS 53
ZONA VERDE ÍO 54
Michelle Sommer: De Eadweard Muybridge, passan- tos possuem junções óbvias, em outros são engana-
do por Jean Cocteau e Béla Tarr, o cavalo é um ele- doramente conexos (talvez misturados a estilhaços
mento vivo que assume protagonismo em narrativas de outra origem) ou, ainda, estão irremediavelmente
imagéticas. Conta a história dos pensadores ociden- perdidos. Com o tempo, às vezes, nos afeiçoamos a
tais que Nietzsche chorou e calou-se – por dez anos este aspecto precário, às marcas (como o apreço que
até sua morte – ao deparar-se com um cavalo que temos por certas cicatrizes), a um todo que se sabe
se negava a andar, exausto, e enfrentava, imóvel, os faltante e, em sua incompletude, convoca a nossa
maus-tratos do seu dono. imaginação para existir. Este texto acompanha o pro-
No contexto da residência, em um espaço cesso de reconstituição do pensamento poético que
rural de relativo isolamento – da cidade, da conecti- originou três trabalhos, que circunvagam a materia-
vidade demandante da web – quais foram os impul- lidade enganadoramente simples de pedras e ossos,
sos – se novos e outros – que não eram usuais nos desenvolvidos em fevereiro de 2019, na Residência
trabalhos da dupla para as explorações poéticas Artística Ka’a, apresentado de forma episódica e
oriundas do entorno material e psíquico nesse es- fragmentária (em uma tentativa paródica de repro-
paço e tempo específicos? duzir a lógica do pensamento). As obras servem de
Entre ossadas de animais e pedras, em sua índice para refletir sobre a poiética artística, certa
natureza-morta e o encontro com animais, especifi- dicotomia entre o arco de tempo dos ciclos e o pre-
camente o cavalo, em sua natureza-viva; quais foram sente epidérmico, e os vários cenários inerentes (e
os enfrentamentos encontrados para a proposição e muitas vezes submersos) às suas decisões.
realização de trabalhos, inclusive sobre a potência Não é incomum, na zona rural gaúcha, que
do que resta somente como projeto para desdobra- perto das casas uma espécie de minúscula capela
mentos futuros e não foi realizado? resguarde o santo ou a santa de devoção familiar.
Protegidas das intempéries, as estátuas parecem
Ío: O pensamento poético raramente é um rio – um não estar prestando um serviço de ordem metafísi-
todo fluindo de forma coesa em direção ao seu desti- ca, mas sim atentas e curiosas a um mundo perecív-
no –, mas algo mais próximo de um vaso quebrado que el que as cerca. No dia a dia da Residência Ka’a, em
buscamos remontar. Em alguns casos, os fragmen- nossas deambulações, circundávamos a casa prin-

ZONA VERDE ÍO 55
cipal e víamos, nas reentrâncias de uma parede paredes recobertas de ossos e crânios, ocupa o es-
lateral, ossos como fêmures de cavalos, arcadas de pectro do macabro, é relevante lembrar que a vida
vacas, cabeças de cães, arranjados como peças de campeira do sul da América tem nos ossos de ani-
um tabuleiro pastoril ou enfileirados como uma pro- mais ressecados pelo campo um elemento contínuo
cissão. de sua sintaxe, o branco calcáreo do osso pontuan-
Esses ossos evocam, sobretudo, um altar – do as distâncias no campo. Há, nas proximidades da
mas que, em vez do distanciamento reverente, con- Residência Ka’a, um terreno da Prefeitura Municipal
vidam ao toque, à prática da osteomancia. Oriunda de de Porto Alegre transformado em santuário, para
uma tradição difusa – babilônios, árabes e chineses onde são levados os cavalos resgatados de situações
a praticavam –, a osteomancia permite adivinhações de maus-tratos (e onde, no devido tempo, morrem).
por meio da observação dos ossos de certos animais, Esse processo é visto com tanta naturalidade que
com frequência domesticados. Em um pensamento em certa ocasião, quando Laura17 mencionou seu
mágico, é coerente o entendimento, originário na An- fascínio com esses ossos a um funcionário da pro-
tiguidade, de que os animais próximos da lida, e que priedade vizinha que trabalha com a doma de cava-
com frequência serviam como proteção, resguar- los, este prontamente foi cavalgando em direção ao
dem por alguma razão misteriosa a manifestação campo e voltou com um grande saco contendo mais
do futuro em seu interior. No Rio Grande do Sul, esta uma ossada, oriunda de um animal morto de velhice,
tradição parece sofrer uma pseudomorfose15 através do qual ele sabia inclusive o nome.
do Jogo do Osso, que, tal qual os dados, baseia-se Em um pensamento que era comum aos
nos desígnios da deusa Fortuna. No conto Jogo de egípcios e aos sumérios, estes ossos, menos do que
Osso, de João Simões Lopes Neto, uma aposta tem um signo de morte, nos indicam um ciclo (COHN,
como prêmio uma mulher ou um ruano (cavalo cujo 1993, p. 15-83), como se a mortalidade do ser in-
corpo apresenta pelo branco ou esbranquiçado, com sistisse em afrontar a imortalidade do pampa (cla-
manchas escuras) e torna o osso instrumento de ro que, em nosso distópico 2019, acreditar na imor-
predição e arauto do destino16. talidade de um ecossistema é um ato de fé). Então,
Se, para nossa sensibilidade contem- quando manipulamos a agradável textura de um fê-
porânea, a Capela dos Ossos de Évora, com suas mur equino, o osso parece nos convidar a uma con-

ZONA VERDE ÍO 56
tração entre o fim e o início de um ciclo. erguemos nosso raio x contra a luz, ineluta-
Em fevereiro, de 2017, Laura caiu de um ca- velmente pensamos na destinação da vida e, em
valo e fraturou o ombro em cinco partes. Como é da certa dimensão genealógica, subjazem em nosso
natureza dos acidentes, o “se” é uma partícula tão inconsciente estético as caveiras feitas de mosai-
fundamental quanto irrelevante. Fundamental por cos em Pompeia; a procissão da Dança Macabra e o
trazer a consciência de que pequenas variações nos Vanitas serpenteiam na ponta de nossos dedos.
acontecimentos teriam consequências muito distin- Esta série de pensamentos e pequenos
tas, irrelevante porque esta percepção é incapaz de fragmentos, de um todo que sabemos ser muito mais
alterar a realidade – mas é, no entanto, fundante na complexo, é índice da noosfera na qual estava imer-
ficção. Em um macio e verdejante campo, Laura cai sa nossa vivência ao longo da residência e na qual
com precisão sobre uma pedra encoberta. A recuper- nasceram algumas obras. O título destas só emer-
ação é um processo lento, doloroso e impregnado de giu meses após sua concepção. Nomear uma obra é
angústia (será necessária uma cirurgia? Pinos uni- parte importante, para a Ío, do ritual de iniciação que
ficarão a fratura? Os movimentos serão recupe- marca a passagem do trabalho do mundo das ideias
rados?), e sempre muito difícil de ser evocado. Em ao da arte.
sua enfadonha repetição, cada dia não traz resulta- A associação do nome com a própria
dos substanciais em relação ao outro – é como se a existência do ser é um conceito que aparece re-
memória tivesse um especial apreço por desvanecer iteradamente em diversas culturas e crenças. Na
a monotonia deste processo, compactando-o em maioria dos ritos iniciáticos, o iniciado recebe
poucos eventos esquemáticos. um novo nome, distinção e reconhecimento com
Mas, em outra instância, estes eventos se o qual passa a ter um pertencimento grupal. [...]
tornam símbolos. Mesmo existindo há mais de um Para a Ío, também, nomes são uma espécie de
século, nosso fascínio pelos raios x ainda não se sopro que anima as coisas da realidade para o
encerrou. Pelo contrário, parece se renovar com o mundo da arte. Portanto, nossos trabalhos são
acréscimo de novas tecnologias, como a ressonância sempre bipartidos, no que entendemos como
magnética, na qual é possível um sofisticado acúmu- duas manifestações da mesma entidade: uma
lo de perspectivas de um osso estilhaçado. Quando no espaço-tempo (a aparência que possuem), a

ZONA VERDE ÍO 57
58
outra na semântica da linguagem (o nome que re- A antítese é explícita, pois raízes são funda-
cebem). Por sua relevância, a nominação de um mento e instrumento da sobrevivência das árvores.
trabalho é ato cuidadosamente sopesado, e mui- Ao replicarmos sua identidade, fundindo-a com os-
tas vezes a sua escolha passa por um longo pro- sos metálicos, há um deslocamento em direção da
cesso, cujo resultado irá determinar os rumos do ironia, “[...] mostrar como algo não corresponde a
próprio trabalho. (CATTANI, 2018, p. 116-117) seu próprio conceito sem, com isso, ser obrigado a
fornecer uma determinação conceitual normati-
As obras receberam uma numeração va” (SAFATLE, 2015). Mircea Eliade, em O sagrado
cronológica e um subtítulo entre parentes. Nº 1 (Ad e o profano: a essência das religiões, nos aponta
instar)18 e Nº 2 (Idem per idem)19 e, uma obra que ve- que a morte é comumente associada a uma dupla
remos posteriormente, Nº 3 (Ad hoc). Os títulos são a natureza, de passagem (ponto final) ou renovação
apropriação, talvez paródica, de um universo jurídico (recomeço) (ELIADE, 2010, p. 159-160). Essa visão é
instável que vem permeando nossa vivência e con- corroborada por Edgar Morin, que afirma que
tamina o processo artístico.
Nº 1 é um projeto de escultura que nasce da Nas consciências arcaicas, onde as experiências
observação das raízes de algumas árvores da região elementares do mundo são as das metamorfoses,
que nós, pela introjeção de conceitos da história da dos desaparecimentos e reaparecimentos, das
arte, vemos como barrocas. Essa escultura instala- transmutações, toda morte anuncia um nasci-
tiva é composta por uma combinação entre fêmur mento, todo nascimento procede de uma morte,
e tíbia equinos, levemente alongados e retorcidos, toda mudança é análoga a uma morte-renasci-
em metal (ainda indefinido) que adentra a terra e mento [...]. (MORIN, 1997, p. 109)
se desloca serpenteando subterraneamente, even-
tualmente vindo à tona, entre cinco a sete vezes, por Nº 1 estrutura sua poética nas tensões do
dezenas de metros em meio à vegetação (Figura 2). A jogo entre as pulsões de Eros e Thanatos. O cavalo é
um espectador, Nº 1 se apresenta como uma espe- símbolo ancestral de potência e velocidade, um si-
culação, em que o acesso ao que é visível contribui lencioso e fiel companheiro na solidão do ser huma-
para a projetividade do todo. no, e associado a certa idealização de uma natureza

ZONA VERDE ÍO 59
não corrompida pelos males da civilização. Diversas lutiva – tanto sua adaptação natural quanto a ma-
mitologias e as tradições, como do oeste estaduni- nipulação de criadores. Lembramos do episódio
dense, do sul da América20, das estepes da Mongólia, narrado por Fernand Léger, no qual Duchamp, fasci-
dentre tantos outros exemplos, são impregnadas nado com a concisão, elegância e eficiência de uma
deste imaginário em que a ontologia do humano se hélice, pergunta a Brancusi, em tom provocativo, se
funde ao cavalo, como metonímia da natureza. este conseguiria fazer algo melhor (LÉGER, p. 140).
A mais devastadora força beligerante da O osso equino evoca um pensamento análogo (um
história humana foram os mongóis. Oito séculos de- reflexo tautológico ocorre em paralelo, pois pensam-
pois e, principalmente, os horrores do holocausto na os intuitivamente nas qualidades escultóricas das
segunda Guerra Mundial nos trazem certo olvida- peças não figurativas de Henry Moore, em grande
mento das inconcebíveis crueldades por eles pra- parte inspiradas em ossos encontrados na praia).
ticadas. Dois elementos tornaram este misterioso Por fim, relacionando-se com as referências,
povo da estepe algo similar a deidades da destruição: podemos pensar em dois trabalhos que ajudaram a
o arco composto, um bem guardado segredo militar articular o pensamento poiético de Nº 1. O primei-
da construção, que permitia ao arco um alcance su- ro é Earth Vertical Kilometer, realizado por Walter
perior a qualquer outro; e o uso simbiótico do cavalo de Maria para a Documenta de Kassel de 1977 que,
(WHITE, 2013, p. 147). Estes guerreiros, que, segundo como é sabido, se constitui de um bastão metálico
se conta, eram capazes até mesmo de dormir sobre de um quilômetro, enterrado em posição vertical,
seus cavalos em movimento, souberam usar a mobi- em direção ao centro da Terra. Da superfície, se vê
lidade e a resiliência destes animais para atacar e uma ínfima parte do todo (restando-nos projetá-lo
subjugar com excepcional agilidade vastos ter- com a imaginação). Há nesta obra a sinalização do
ritórios. insondável e da vertigem, um metal sólido indo em
Manipular o fêmur de um cavalo é uma direção ao metal fundido do núcleo da Terra, ainda
experiência fascinante, pois se percebe quase resguardando mistérios, e em nossa tradição sem-
de imediato a concisão da peça, a capacidade pre vinculado à ideia da morte e das penitências hu-
de suportar o estresse mecânico e sua elegância, manas, o inferno de fogo e lava.
supõe-se o conjunto de modificações na linha evo- A segunda obra é Les Bijoux de Madame de

ZONA VERDE ÍO 60
Sade, de Tunga, composta por três fêmures alonga- força (PASTOUREAU, 2015, p. 43). De certa forma, a
dos e circulares entrelaçados, cujas extremidades se escrita permite dar vida a fantasmas, é quase como
conectam na forma de um Toro. Conceito importante uma espécie de assombração que faz com que mor-
para a obra de Tunga e do qual nos apropriamos em tos há milênios sejam revividos através da leitura.
nosso pensamento poético, o Toro não é uma for- A obra Nº 2 é consequente das ponderações
ma, mas um espaço de percurso não linear, em que da poiética do trabalho anterior, uma espécie de bi-
zonas não contíguas se aproximam ou se tocam. A furcação, pois, se em Nº 1 há um deslocamento do
discussão que ele evoca não é sobre topologia, mas osso ao símbolo, em Nº 2 este movimento se expli-
sobre a capacidade metafórica de pensar um longo cita em favor da linguagem. Certas crenças ani-
osso que, com certa volúpia, mergulha na terra, mistas preponderantes da Antiguidade – mas que
unindo o ensimesmamento da morte, a ponderação seguem vivas no pensamento supersticioso con-
de ordem metafísica, a pletora da natureza como temporâneo – atribuem às coisas ou lugares espe-
uma força concreta. cíficos um animus, um sopro de vida. Aos artistas
Reduzindo a imagem do cavalo a alguns os- que se sensibilizam com uma linha de pensamento
sos, com a intenção de se alinhavar o campo com de tradição alquímica – como, por exemplo, na arte
esta trama – e cônscios da dupla natureza inerente à Povera – é natural pensar que os materiais têm uma
simbologia da morte –, passamos a operar na carga simbólica própria, pois percebem ou intuem
ordem de uma escrita polissêmica e aberta a res- nas coisas uma espécie de vida, não que elas sejam
significações que é natural da denotação, mas animadas por um Genius, mas pela linguagem e sua
também uma espécie de paródia da escrita (como hermenêutica. Assim, buscam sublimar este pen-
se, ao traçar linhas de ossos, uma escrita secreta samento constituindo uma gramática própria, com
estivesse sendo agenciada). Pensando em uma ge- valores relativos à transmutação, leveza, condutivi-
nealogia arcaica, lembramos que a criação da let- dade etc.
ra “A” pelos fenícios tem sua origem na imagem es- Na Residência Ka’a há uma cadela chamada
tilizada da cabeça de um touro (ao inverter a letra, Mel, que fica boa parte do tempo isolada dos demais
os cornos se tornam explícitos) provavelmente em por conta de seus constantes ataques às galinhas
referência a um deus taurino, símbolo de energia e que passeiam soltas pela fazenda. Sua coleira é pre-

ZONA VERDE ÍO 61
sa a uma guia que, por sua vez, se conecta por meio malmente muito esguia:
de uma argola a um cabo de arame que se estende 1. Um cabo de aço esticado entre duas ár-
por dezenas de metros, de um moirão a um telhado vores, em um trecho de 33 metros onde a égua
de metal. Quando Mel se move, o atrito da argola gera poderia correr;
um som que é amplificado pelas telhas de metal. Esta 2. Uma égua presa ao cabo por uma argola
situação evocava referências potentes como Sísifo, metálica conectada ao arreio;
pela repetição de um acontecimento, uma ideia de 3. Um cone de metal para amplificar o som,
aprisionamento a um movimento constante; e o telé- inspirado na tradição ruidista de Russolo, preso em
grafo, dispositivo hoje negligenciado pelo esplendor uma das extremidades do cabo;
da internet, mas que mudou a configuração do mun- 4. Uma série de interrupções no cabo, feitas
do no século XIX. Inferimos que seria fascinante se com um material que abafasse o atrito da argola.
um animal fosse detentor de uma mensagem clara e Este quarto item constituía o essencial do
específica, mas qual? Como? trabalho: optamos por utilizar o código Morse para
Nos pareceu auspicioso que o cavalo se que as interrupções fossem comunicantes. No códi-
constituísse como um fio condutor que unificasse os go Morse, as letras mais simples são S (...) e O (---),
trabalhos. Um belo cavalo de uma fazenda das cer- fator determinante para seu uso no chamamento de
canias que com frequência circulava pela Residência socorro S.O.S (uma convenção que, contrariamente
Ka’a despertou nossa atenção. Seu vigor, postura e às lendas que se criaram em seu entorno, não sig-
elegância foram fatores importantes na sua escolha, nifica nada). Esta percepção nos permitiu formar a
mas um detalhe de sua pelagem foi fundamental: seu palavra “osso”, que não só utilizava as letras preten-
rosto era parcialmente encoberto por uma mancha didas, como era um palíndromo: isso permitia que a
branca que evocava um crânio equino. Descobrimos égua emitisse a palavra, através da interrupção do
então que se tratava de uma égua, chamada Nevada som, ao correr em qualquer dos sentidos.
Kan, e que ela tinha heterocromia (um olho castanho, O gado e os cavalos são comumente trata-
o outro azul-claro). dos pelos humanos, quando não como commodities,
A soma destes fatores, e as reflexões oriun- como animais de tração (a moagem e o arado são
das de Nº 1, conduziram que a obra Nº 2 se torna for- exemplos de sua força em trabalhos específicos) e,

ZONA VERDE ÍO 62
63
dentro deste uso, Nº 2 foi engendrado como um me- alter ego que aglutina Munir Klamt e Laura
canismo de linguagem, no qual a potência do movi- Cattani. Quando mencionados em separado,
mento do cavalo (com sua face de caveira) se torna estes serão referidos na terceira pessoa.
dispositivo de uma única e tautológica mensagem:
osso. Ideia de essência, de morte, de permanência 18 “À semelhança de”.
através da linguagem. A mensagem mantém-se viva
enquanto o movimento através do cabo for continua- 19 “O mesmo pelo mesmo” (palíndromo).
do – ou retomado em um futuro – e houver alguém
que possa reconhecê-lo como uma palavra signifi- 20 Vemos no prólogo de Jorge Luis Borges para
cante. o livro O gaúcho, de José Luiz Lanuza, um relato
dessa relação:
15 Para Panofsky, o termo se aplica quando al- (...) um explorador de imensas terras virgens ou
gumas figuras renascentistas eram revestidas de filões de ouro; as guerras o levaram muito
de aspectos clássicos, apesar de não terem es- longe e ele deu estoicamente sua vida, em es-
tado presentes nos seus protótipos clássicos, tranhas regiões do continente, por abstrações
embora pressagiadas na literatura clássica. que talvez não tenha podido entender – a liber-
“Devido ao seus antecedentes medievais, a arte dade, a pátria –, por uma divisa e um chefe.
do Renascimento, em muitos casos, foi capaz de Nas tréguas do risco alimentava o ócio; suas
traduzir em imagens o que a arte clássica teria preferências eram a guitarra que temperava
parecido inexprimível.” PANOFSKY, Erwin. Estu- com lentidão (...), as cavalhadas, a roda de mate
dos de iconologia: temas humanísticos na arte junto ao fogo de lenha e as trapaças feitas de
do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1986, p. 70. tempo. (BORGES, 1985, p. 73)

16 LOPES NETO, João Simões. Contos gauches- Ane Rodríguez Armendariz: Pelo que tive a chance
cos. 9. ed. Porto Alegre: Globo, 1976. de ver em seu trabalho, diria que há uma presença
marcante de elementos relacionados aos fluidos e
17 Este texto está escrito na perspectiva da Ío, ao corpo, mas também a mecanismos afiados cria-
dos pelo homem que muitas vezes são uma ameaça.

ZONA VERDE ÍO 64
O uso das cores que vocês fazem, com destaque para tos filmes de horror: o medo de sentir medo (assim
o preto, o branco e o vermelho, também nos leva a como, em outras situações, o metaprazer de sentir
pensar nos órgãos do corpo, no sangue e no amor. Ter desejo). Alguns predadores têm como sua principal
a chance de passar um mês em uma residência rural qualidade não a velocidade, a potência dos múscu-
significa que você precisa se confrontar com novas los ou a ferocidade, mas sim uma quase mítica quali-
fontes de criação, como luz natural, sons, outros re- dade de espreitar. Os trabalhos da Ío com frequência
cursos naturais, cores diferentes e, além de tudo, um trazem uma qualidade de ruína (uma estrutura com
ambiente que te afasta do teu universo artístico. Es- alguma função que há muito tempo se perdeu), ou da
tou interessada em saber um pouco mais sobre como armadilha engatilhada, um artefato de pura espera.
essa experiência fez (e se de fato fez) com que você Talvez esta atmosfera de violência latente
mudasse a forma como aborda sua prática. migre para as nossas escolhas cromáticas. O bran-
co e o preto são, ao mesmo tempo, antíteses de um
Ío: Temos veemente interesse pelo corpo, mas não o espectro, cores simples e prementes (quase como
corpo real, e sim um corpo fantasmático, que sempre sinalizações) e, em uma esfera mais íntima, con-
se inclina ao símbolo. Os trabalhos não pretendem trações do dia e da noite (refletindo um pensamen-
se referir a experiências biográficas, mas a experiên- to dialético no qual o mal e o bem, vida e morte não
cias atávicas e coletivas (o desejo, o medo da morte, são valores absolutos, mas algo próximo a deidades
a vertigem do tempo etc.), onde o ser é um arauto da antropomorfizadas e, assim, sujeitas a personali-
espécie, à espera, preso ao tempo. Nesta perspec- dades ambíguas). Nos agrada a redução aos míni-
tiva, em alguns trabalhos nos atrai a sugestão ou mos fatores reconhecíveis de um objeto ou situação
a previsão da violência através de seus índices: as (menos vinculada à sofisticação fenomenológica do
presas, os dentes, as doenças e os mecanismos, que minimalismo, mas sim apontando para o engenho
constituem mais a espera do ato do que os aconteci- infantil das analogias: uma vassoura torna-se um
mentos em si – a tensão antes da batalha, momento cavalo, dois dedos esticados formam uma arma etc.),
em que todas as variáveis são possíveis. É latente em uma síntese que ainda assim mantenha a potência.
nosso pensamento poético o temor da dor, ou o sen- O vermelho é um jorro que emana do centro deste
timento mais abstrato que sentimos ao assistir cer- drama. Como se, indiferente ao contexto do trabalho,

ZONA VERDE ÍO 65
outra narrativa fosse sussurrada. continuaria, contornando o obstáculo.
Nº 3 (Ad hoc), um trabalho também desen- Em seguida, sem objetivo definido, nos en-
volvido durante a Residência Artística Ka’a, exem- tregamos ao prazer de empunhar pedras, ponderar
plifica algumas questões que surgiram a respeito sobre seu peso e superfície, e jogá-las no campo,
das relações com o corpo, a ameaça, e seu proces- testando seu alcance. Em certo momento, definimos
so de desenvolvimento nos ajuda a refletir sobre os um alvo (um tronco cortado) que tentávamos acer-
parâmetros decisórios desse universo poético. Em tar. Quase todos os arremessos falhavam e caíam
Nº 3 buscamos contrair diversos aspectos de nossa ao solo. Esta atividade autotélica, que une perícia,
poética a partir do manancial de estímulos que nos força e certo grau de sorte para os neófitos, foi o dis-
cercava. Como um exercício autoimposto, nos detive- parador de uma reflexão mais profunda sobre ges-
mos em elementos muito simples e corriqueiros, e, to, significado, corpo e armas. Mas, antes, devemos
através de poucas alterações, almejamos transfor- nos entregar a certa digressão para contextualizar a
mar radicalmente sua dimensão significante. gênese do trabalho.
Um exemplo, preliminar, foram os experi- Vivemos em uma sociedade cujos princípios
mentos com ninhos: a partir da observação dos nin- morais estão fortemente ancorados no Cristianis-
hos de pássaros da região, elaboramos outros, com mo, e isso nos afeta independentemente das cren-
estrutura semelhante, mas compostos por materiais ças individuais. Nos princípios desta religião, o papel
diversos que nos cercavam, tais como estopa, serr- da mulher é acessório, como fica evidente em seus
agem, agulhas de pinheiros e cabelos humanos. Es- mandamentos, quando a mulher é elencada como
tes experimentos, porém, ainda não consideramos um bem a não ser cobiçado, junto da casa, do gado,
resolvidos como obras. No caso que analisaremos, dos servos, ou “outras coisas que lhe pertençam”
pedras foram as escolhas axiais. Primeiro, ponde- (Êxodo: 20). No Novo Testamento o papel da Virgem
ramos posicionar pesadas pedras sobre árvores, em Maria é inexpressivo. Para nós, que já vivenciamos
um ponto de instabilidade em que os galhos ou o sua liturgia e festas populares – o 2 de fevereiro, dia
próprio tronco fossem vergados em direção do chão. de Nossa Senhora dos Navegantes, é uma das datas
Como no infortúnio de Atlas, elas levariam essa festivas mais importantes de Porto Alegre –, é estra-
penitência, e a partir deste ponto seu crescimento nho perceber que o seu protagonismo discursivo se

ZONA VERDE ÍO 66
dá através de poucas falas: do escopo deste texto, mas podemos adiantar que é
Ao Anjo: uma apropriação sincrética, sobrevida de deidades
Como se fará isso se não conheço homem? ancestrais ao advento do cristianismo – potência
(Lucas 1:34). criadora vinculada à força geratriz da natureza – que
Eis aqui a escrava do Senhor. (Lucas 1:38) se mantém aninhada na disposição de fé a Maria.
Faça-se em mim segundo a sua vontade. Essa relação foi evidenciada durante a
(Lucas 1:38) residência com uma visita ao complexo de san-
tuários místicos da Mestre Tala, situado na mesma
A Deus (uma prece): região. Ali, diversos templos e capelas das mais di-
A minha alma glorifica o Senhor etc. versas crenças e denominações convergem para um
(Lucas 1:46-55) culto sincrético a Nossa Senhora, representada por
imagens de Iemanjá, Ísis, Themis, dentre outras dei-
A Jesus: dades. Refletindo sobre o papel dessa figura femi-
Filho, por que agistes assim conosco? Eis que nina em nossa cultura, ao mesmo tempo glorificada
teu pai e eu te buscávamos aflitos. (Lucas 2:48) e desprezada (lembrando que vivemos em um país
Eles não têm mais vinho. (João 2:3) onde o feminicídio é epidêmico), e pensando sobre
uma passagem bíblica de concisão dramática ímpar
Aos homens: na qual Jesus condena a prática do apedrejamento
Fazei tudo que Ele vos disser. (João 2:5) (punição lenta, dolorosa e desfigurante imposta às
mulheres adúlteras) e faz evolar o furor da turba; e
no significado, na lastimosa atualidade, de um lin-
É paradoxal o fato de que, no processo de chamento, elaboramos o projeto para Nº 3, com al-
difusão do Cristianismo, a mãe de Jesus tornou-se gumas possíveis variações:
uma protagonista muito importante, sendo adora- 1. Sete pedras de aproximadamente 12 cm
da com especial louvor na América Latina Católica de diâmetro, com superfície lisa e agradável ao tato,
(embora não em suas subdivisões evangélicas, que dispostas em linha reta. Em cada pedra, está gra-
são mais ortodoxas na hermenêutica da Bíblia). As vada uma das frases proferidas por Maria na Bíblia;
razões da permanência de um mito feminino fogem 2. Sete pedras grandes e brutas dispostas

ZONA VERDE ÍO 67
em círculo, com uma superfície lapidada, voltada para
dentro, e gravada com as sete frases – configuração
que evoca rituais de fertilidade pré-históricos;
3. Sete pedras variando de 15 a 25 cm, cada
uma com uma frase gravada, dispostas pelo campo
e podendo ser jogadas pelos espectadores em novas
configurações.
De forma irônica, ponderamos em Nº 3 sobre
a possibilidade de unificar duas setas distintas de
significado e de trajeto. De um lado, o discurso como
construção (os enunciados de Maria e a difusão de
seu culto), e de outro, o apedrejamento, a dissolução
do corpo. De certa forma, estas frases escritas na ro-
cha e emulando a solidez dos mandamentos caçoam
do meio como mensagem mcluhaniana e remetem às
consequências hodiernas da proliferação do discurso
religioso disjuntivo.
Assim, como forma de questionar esta pulsão
fanática pelo apedrejamento (em uma proposital
aglutinação de antíteses), a concepção final do tra-
balho teria a seguinte configuração: em um espaço
expositivo as sete pedras da versão um ficariam de-
positadas no chão, com certa proximidade entre si, a
uma distância de cinco a sete metros de uma parede
branca. Os espectadores podem assumir a postura
que lhes aprouver: olhar as pedras, manipulá-las ou,
imaginando um corpo fantasma, atirá-las contra a
parede, deformando-a.

ZONA VERDE ÍO 68
69
ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 70
Bruna Fetter: Desde nosso primeiro encontro con- vasos, fornos e memória artificial, trabalhando com
versamos sobre como processos metabólicos dos materiais como argila, vidro, têxteis ou dispositivos
mais variados tipos te inspiram e estão presentes de armazenamento e processamento de dados. Há
em diversos de teus trabalhos. Gostaria que comen- dois anos, desenvolvo um projeto no qual modelo for-
tasses sobre teu encontro com os minifornos durante nos de argila no formato das entranhas de diferentes
a residência e como o uso do calor funciona como um espécies vivas, principalmente ruminantes – vacas,
elemento fundamental/catalisador desses processos ovelhas e cabras – que possuem intrincados circui-
metabólicos no teu trabalho poético. tos de estômagos com várias câmaras. Os minigamas
podem ser conectados entre si e, portanto, podem se
Carlos Monléon: Tive muita sorte de encontrar os transformar em fornos de cerâmica modulares, sen-
minigamas – fornos de cerâmica portáteis japone- do assim a solução perfeita para criar o circuito de
ses – durante minha residência em Ka’a, pois eles se fornos que eu tenho imaginado. Nesse metabolismo,
encaixam perfeitamente em muitos dos meus proje- é a argila que é processada, digerida, literalmente
tos. Eles vieram até mim através do Tomo, um oleiro através do fogo e da combustão.
japonês local, amigo de nosso anfitrião Irineu. Como Durante minha residência em Ka’a, concen-
você menciona, eu tenho trabalhado com diferentes trei-me no uso da argila, já que estava prontamente
ideias e modelos de metabolismo, através de dife- disponível em uma fábrica de tijolos vizinha, com a
rentes processos de realização de esculturas e com qual tivemos a chance de trabalhar. Isso foi incrível,
o uso de diversos materiais. A comparação entre pois a própria fábrica era um organismo de proces-
digestão e combustão, embora não seja totalmente samento da argila, já que extraía seus recursos da
precisa, é muito difundida em vários imaginários do terra, moldava a argila em diferentes unidades e a
“corpo” e no entendimento da fisiologia e das funções colocava em combustão com lascas de madeira de
corporais em diferentes tradições médicas, como a eucaliptos locais. Sob esse modelo, o tijolo se tor-
Medicina Tradicional Chinesa. Utilizei comparações nou a célula ou a unidade desse metabolismo. Uma
ou associações semelhantes entre processos ma- unidade que é distribuída e remontada. Alguns dos
teriais e biológicos em meu trabalho, traçando a edifícios do Instituto construídos pelo Irineu são feitos
relação entre diversas funções corporais – ingestão, com esses tijolos. Comecei a trabalhar com os tijolos
digestão e cognição – e artefatos tecnológicos como frescos que os operários da fábrica nos deram, usan-

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 71


do a parte externa do tijolo, como membranas, e a argila crua em suas entranhas. Nesse sentido, o
estrutura do núcleo como esqueleto para diferentes minigama é a maneira mais íntima de queima de ar-
usos esculturais. gila, pois exige atenção constante durante seu pro-
O objetivo era queimar essas esculturas, le- cesso. A temperatura interna é avaliada abrindo-se
vando-as de volta ao enorme forno-vagão da fábrica a câmara – que tem aproximadamente o tamanho
e inserindo-as no seu metabolismo de argila. Porém, de um estômago humano – e olhando para a peça de
durante a residência, novas técnicas de queima fo- barro à medida que muda de cor, feita para que se es-
ram possíveis, através do forno de tijolos que construí teja constantemente em contato com o fogo, sentin-
em conjunto com o Irineu e com o aprendizado do uso do-o na pele, alimentando seu apetite por carvão e ar
do minigama do Tomo. Queimar nesses três fornos de para aumentar a temperatura ou deixando-o passar
tamanhos diferentes e em escalas diferentes foi uma fome para criar diferenças de temperatura que afe-
experiência incrível para mim. Do monumental ao ín- tarão o vidrado criado pelas cinzas.
timo. Em uma lógica interescalar, na qual se segue Sinto que o mês terminou rapidamente, deix-
a sequência de transformações de materiais através ando para trás muitas peças de argila sem serem
de diferentes metabolismos e em escalas crescentes queimadas, não digeridas. Embora a experiência
ou decrescentes, o que informa grande parte de seja algo que eu carrego comigo, junto com uma
minha pesquisa e prática artística. cópia do raro e esgotado manual japonês de
Apliquei uma “análise metabólica” seme- construção de minigamas que o Tomo me presenteou.
lhante durante as minhas caminhadas diárias – e Agora estou ansioso para construir meu primeiro cir-
corridas com os cães – pelo Instituto Yvy Maraey: os cuito de minigamas-entranhas nos próximos meses.
ciclos da grama, o cavalo e seu esterco, formigueiros
e cogumelos, gansos e peixes, líquenes e árvores.
Essas trocas entre diferentes escalas e sistemas
biológicos estavam muito presentes durante a
minha estadia.
Voltando à sua pergunta sobre fogo e com-
bustão... Nestes sistemas de fornos, o fogo é a força
transformadora que os atravessa, processando a

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 72


Ane Rodríguez Armendariz: Durante a tua estadia da alimentação e da cultura alimentar. Meu trabalho
em Porto Alegre, experimentaste novas técnicas de escultórico atual se desenvolveu trabalhando em
cerâmica, enquanto davas continuidade a pesqui- projetos participativos, nos quais os adereços eram
sas anteriores. De alguma maneira, aproveitaste a produzidos com o intuito de comunicar ideias e con-
residência para amadurecer e trabalhar diferentes teúdos durante as oficinas, auxiliar na preparação de
caminhos da tua prática, sempre a partir do in- alimentos e na apresentação e degustação em con-
teresse de relacionar o funcionamento do corpo, texto de eventos e exposições.
dos órgãos e, neste caso, os vasos como metáfo- Comecei a trabalhar com comida através de
ra. Como você acha que esta residência te ajudou práticas colaborativas realizadas em dupla em que
a avançar no desenvolvimento de tua prática e em trabalhávamos com diferentes culturas alimentares
teus projetos futuros? Por outro lado, também estou e na interseção entre Arte e Gastronomia. Nós nos
interessada em saber sobre a relação que tu esta- inspirávamos nas representações de alimentos na
beleces entre a tua vida e a prática artística, mais mídia, na literatura, em filmes, pintura... para criar-
especificamente, sobre todas as pesquisas que tens mos instalações comestíveis ou dietas alimentares
desenvolvido com o açúcar e o metabolismo e como a utópicas – ou o papel dos alimentos nas revoluções
partir daí tomas decisões diárias enquanto dá forma sociais e na reformulação de desejos, como a peça
ao teu trabalho artístico. Como um molda o outro e Harmonia de Charles Fourier, para produzirmos coi-
vice-versa. sas como “uma ópera comestível”.
Não obstante, meu trabalho com comida
Carlos Monléon: Começarei respondendo à sua se- informou e moldou meus pontos de vista sobre co-
gunda pergunta sobre metabolismo e prática pes- mida e alimentação. Foi através do trabalho de fer-
soal, porque em parte respondi à primeira na minha mentação que entrei na microbiologia que me levou
resposta a Bruna e porque dessa maneira também a aprender sobre o papel da nutrição na evolução
é mais adequado falar sobre como minha prática biológica, que é o buraco do coelho que me levou a
artística evoluiu ao longo dos anos. Como você men- todos os outros buracos.
cionou, estabeleço conexões entre funções corporais Atualmente, estou trabalhando nos efeitos
com artefatos como vasos, mas esse é o resultado de metabólicos de diferentes tipos de alimentação e
ter trabalhado anteriormente com muitos aspectos na interação entre diferentes espécies vivas na mi-

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 75


croescala da biota intestinal, que pode ser seguida Lembro que tivemos uma conversa no início
até a macroescala da comunicação que ocorre en- de sua visita sobre o metabolismo de carboidratos,
tre ambientes e indivíduos. Do metabolismo ao meio o jejum, os níveis de açúcar no sangue e sua relação
ambiente e vice-versa. Nesta jornada, há um fluxo de com a saúde e o retorno a práticas alimentares mais
informações através dos alimentos – do exterior para ancestrais como uma maneira de corrigir doenças
o qual o corpo reage. Nesse ponto, tudo fica compli- contemporâneas.
cado, pois todos os diferentes sistemas dos quais o Em um nível mais concreto, a pesquisa é in-
corpo é composto, nervoso, imunológico, digestivo, teressante em termos de novas práticas de saúde,
hormonal, vascular etc. começam a interagir e criar para pensar o campo da Saúde, como também para
ciclos de feedback. Comecei a usar conceitos de Ci- entender a deterioração da saúde digestiva e o
bernética, um forte interesse meu, para modelar es- aumento de intolerâncias alimentares e outras
ses laços informativos, o que venho chamando de condições relacionadas que podem parecer não
A Cibernética da Digestão. relacionadas, tais como os problemas de pele e
Fiz alguns desenhos e diagramas durante a enxaquecas.
residência como forma de começar a mapear algu- E ainda, retirando a lupa de aumento e re-
mas dessas complexidades. tornando aos tais dos ciclos cibernéticos, questões
No nível pessoal, tenho experimentado dife- individuais como as doenças autoimunes estão li-
rentes dietas, aprimorando os nutrientes e seu tempo gadas à imunologia planetária – organismos e am-
para produzir vários efeitos metabólicos, que posso bientes sofrem das mesmas influências tóxicas,
sentir em meu próprio corpo, uma percepção renovada estão conectados pelo clima e pelas redes da agri-
do eu que, por sua vez, alimenta ainda mais o avanço cultura industrial….
da minha pesquisa. O jejum é uma prática que realmente mu-
Durante meu período no Instituto, apro- dou a maneira de como entendo a alimentação e que
fundei minha pesquisa em ambos os aspectos, continuarei a seguir após a residência.
científico e ligados à prática metabólica pessoal. Atualmente, estou estudando uma família
Jejuei às segundas-feiras, entre 24 e 36 horas, e de mariposas que jejuam durante a vida adulta,
isso desencadeou algumas conversas com os outros vivendo apenas do que comeram enquanto larvas.
residentes e curadores. Lembro-me de ter encontrado uma linda e enorme

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 76


mariposa no Instituto. O tipo em que crescem presas
e olhos em suas asas, que tendem a ser interpreta-
dos como predadoras miméticas e intimidadoras.
Observando como essas mariposas evoluíram, co-
mendo e passando fome durante uma parte do seu
ciclo de vida, portanto alternando entre comer e je-
juar, em estados metabólicos “internos” e “externos”,
essa é uma adaptação que ressoa profundamente
dentro de mim – a remoção de suas tripas durante
sua última etapa de vida –, o que me faz lembrar da
ideia radical de alteridade que envolve a alimen-
tação, ligada a assimilação, trocas e circulação.
Atualmente existem dias da semana em que
escolho jejuar, dependendo do tipo de trabalho e das
tarefas que tenho que fazer. Mais anabolizantes –
assimilação e crescimento – e mais catabólicos – de-
composição e reciclagem –, ciclos que agora também
compreendo em termos de produção artística e que
esculpem a relação entre estímulos internos e exter-
nos, materiais escultóricos e estados mentais.
Jejuar é um processo ativo, não tem nada a
ver com recusa, tem uma agência.
Não comer constantemente, comer tem seu
tempo e lugar.
Foi fascinante observar as diferentes práti-
cas de alimentação que ocorreram no ambiente in-
terno do Instituto.

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 77


ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 78
79
Michelle Sommer: Seu trabalho lança uma reflexão
sobre a monumentalidade escultural inserida e em
diálogo com a paisagem externa que parece operar a
partir de uma intencionalidade mimética com o am-
biente ao redor. Nesse sentido, a primeira pergunta
que surge é a percepção do tempo, em outras pala-
vras, como a passagem do tempo inevitavelmente
opera em seu trabalho? E como uma obra de arte ao
ar livre literal e continuamente envelhece e se há in-
teresse em você – ou não – de alguma forma condi-
cionar e mensurar essa passagem do tempo?

Rumen Dimitrov: Eu sou um escultor que gosta de


trabalhar com materiais duráveis; nesse caso, o eu-
calipto tem uma vida longa o suficiente e, pela ex-
periência que tenho ao lidar com esse material, sei
que com o tempo essa cor vermelha ficará mais es-
cura e inclusive se tornará cinza e, assim, se ajustará
naturalmente à paisagem ao longo do tempo. É um
processo natural e uma bela entrada na paisagem,
e é parte da minha ideia na qual busquei monumen-
talizar os objetos que criei durante a minha estadia
no Brasil. Minha ideia é encaixar esses pequenos
objetos no ambiente natural nos quais foram cria-
dos e usá-los funcionalmente no tempo, como locais
de descanso, recreação, pesca e observação de pás-
saros.

ZONA VERDE RUMEN DIMITROV 80


Rumen Dimitrov: Como autor, trabalho principal-
mente com materiais da natureza, como: pedra, ma-
deira, argila, solo, plantas. Meu lema para as ações
na natureza é: meu trabalho vem da natureza, retor-
na à natureza, dando outra vida a alguns materiais
da natureza para que eles vivam suas vidas como
obras de arte. Sempre que começo a trabalhar em um
lugar específico da natureza, reconheço a paisagem,
tomo nota da história desse local, escolho cuidados-
amente o lugar onde coloco a minha instalação. Meus
trabalhos parecem ter sido feitos em um rompante,
mas por trás deles há um pensamento e um estudo
aprofundado e longo da funcionalidade desses obje-
tos, além de muitos anos de experiência. Proponho
Ane Rodríguez Armendariz: Fiquei surpresa com sua que os visitantes experienciem os meus trabalhos,
capacidade e velocidade de produção em um mês, e isso faz parte da concepção, e crio objetos com a
principalmente devido ao tipo de trabalho que você ideia de que possam ser úteis por muito tempo.
faz: artesanal, em grande escala, em sintonia com o
ambiente. Isso significa que você precisa conhecer
o contexto e o tipo de recursos naturais que possui
para finalmente moldar seu projeto, tanto conceitual
quanto fisicamente. Gostaria de saber um pouco mais
sobre seu processo de trabalho e como você enfrenta
seu tempo em uma residência como essa, que também
serve para dar uma pausa na rotina de trabalho e re-
fletir sobre a própria prática.

ZONA VERDE RUMEN DIMITROV 81


82
ZONA VERDE RUMEN DIMITROV 83
84
Michelle Sommer: Pensando na tríade em que seu Miriam Simun: É preciso fazer uma pausa em relação
trabalho se baseia – ecologia, tecnologia e corpo ao termo “Antropoceno”. Como Thomas Demos 21
–, podemos conectá-los, em interseção, ao nosso descreve, esse termo trabalha ideologicamente
tempo antropoceno, em que a diferença de mag- para apoiar uma financeirização neoliberal da na-
nitude entre a escala da história da humanidade e tureza e uma economia política antropocêntrica.
as escalas cronológicas das ciências biológicas ou Donna Harraway 22 propõe um termo alternativo – “o
geofísicas diminuíram drasticamente. Nesse senti- capitoloceno” –, afirmando que não são todos os
do, imprevisibilidade, incompreensibilidade, um sen- seres humanos, mas apenas uma proporção rela-
timento de pânico com a perda de controle e, talvez, tivamente pequena, que instigou e se beneficiou
a perda de esperança, são baldes de água fria no dos sistemas que causam a crise climática. E que
otimismo histórico sem medo da modernidade. Seu é de fato o capital, com alguns humanos agindo de
trabalho parece residir nesse estado íntimo de per- acordo com suas forças estruturais, que é o princi-
cepção do mundo, afetado pelo barulho e pelo silên- pal fator para a destruição ambiental e a recusa em
cio, adicionado às emoções do ambiente específico mudar de rumo.
em que você está e que afetam significativamente a Isso aponta para os problemas estruturais
elaboração de proposições. inerentes ao nosso atual momento de “crise” perce-
Diante da sensação apocalíptica instituída bida. O desagradável sobre as questões estruturais
e compartilhada – das mais diversas perspectivas é que elas se infiltram e se reproduzem em todos os
ambientais, sociais e políticas da trajetória recente níveis – desigualdades e abordagens anti-humanísti-
do mundo e, olhando aqui, especificamente para cas incorporadas à escala econômica do mercado
o Brasil atual –, o pensamento contemporâneo da global infiltram-se nas infraestruturas estatais, nas
crise aponta para ideias de “fim” – do mundo como instituições culturais, nas dinâmicas interpessoais,
conhecemos e como costumávamos conhecê-lo – e às vezes até mesmo autoimpostas e nas estruturas
também se propaga às práticas artísticas. Nesse intrapessoais governamentais. A racionalidade hi-
sentido, do ponto de vista da produção e do contex- pereconômica nos levou a uma luta um com o out-
to de residência, como você vê as possibilidades de ro e até mesmo com nós mesmos – o que é melhor
considerar outras epistemologias de trabalho? para você como ator econômico costuma ser contra
seus melhores interesses como vizinho, membro da

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 85


comunidade, morador da cidade, produtor cultural, ecológicas, emocionais e energéticas – a partir dos
amigo etc. E, no entanto, as definições neoliberais de quais e com os quais criamos arte ou cultura, é pre-
“sucesso” tendem a se tornar o objetivo mais impor- ciso se perguntar: o que realmente estamos fazendo?
tante em muitos empreendimentos. Isso é desastroso Outro ponto em que é preciso fazer uma
não apenas para o ambiente ecológico, mas também pausa é essa noção atualmente popular de que essa
para o social – e estamos vendo as ramificações dis- experiência de “crise” ou “fim” é um fenômeno novo.
so nas mudanças políticas no Brasil e nos EUA no O mundo terminou, irrevogavelmente, para muitas
momento atual. Você destrói o tecido social, eleva a pessoas através do tempo e da história. O que foi
eficiência econômica acima de tudo e gera o ódio e a escravidão, colonização ou genocídio, se não uma
destruição adicionalmente. destruição total e completa de mundos? Enten-
Penso que uma das coisas mais importantes demos agora que essas crises foram incorporadas
que podemos fazer como artistas, como curadores, ao próprio DNA das pessoas, com estudos de mu-
organizadores culturais e idealizadores de institu- tações genéticas transmitidas aos filhos dos so-
ições, é trabalhar bastante para não reproduzir es- breviventes do Holocausto. O mundo terminou mui-
sas mesmas forças nas situações que organizam- tas vezes para muitas pessoas na Terra – há muito a
os. Pode ser difícil, já que artistas e instituições de aprender com suas táticas de sobrevivência. Muitas
arte sofrem as mesmas pressões do neoliberalismo vezes, vemos as práticas baseadas no corpo como vi-
– precariedade econômica, a falsa noção de que o tais para a sobrevivência da comunidade e da alma,
sucesso se expressa através de uma produção docu- após a catástrofe final.
mentada e do crescimento, com o fim de se atingir o Sempre estive interessada no que nossos
ponto de constante mudança de extremidade cinti- corpos sabem e nossas mentes não. Meu trabalho
lante de “conquista” de uma carreira. Mas, se que- faz perguntas ou faz propostas sobre formas de
remos realmente nos envolver com esses momen- conhecimento corporais, sensoriais e irracionais.
tos de “crise” de uma maneira honesta, cuide dos No passado, incorporei perfume, paladar, toque em
corpos que estão no meio – humanos e não – além minhas esculturas e performances – e ultimamente
do cuidado inegociável com o meio ambiente. Se es- tenho trabalhado diretamente com o corpo, com exer-
tamos criando e participando de ambientes tóxicos – cícios baseados no corpo, muito inspirados pela
e a toxicidade pode assumir diferentes formas, como grande coreógrafa com quem tive o prazer de colabo-

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 86


ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 87
rar, Luciana Achuagar, bem como o trabalho de tera- justiça ambiental. <https://creativeecologies.
peutas somáticos como Resmaa Menakem, além de ucsc.edu/>.
práticas antigas de mergulhadores de profundidade
nas ilhas japonesas e coreanas, entre outros. 22 Donna J. Haraway é professora emérita
Cada vez mais, estou entendendo o objeti- do Departamento de História da Consciência
vo deste trabalho de ser o nível básico, muito, mui- da Universidade da Califórnia (Santa Cruz).
to básico da construção de habilidades de escuta <https://www.e-flux.com/journal/75 /67125 /
– com a escuta como pré-requisito para empatia e a tentacular-thinking-anthropocene-capitalo-
empatia como pré-requisito para começar a construir cene-chthulucene/>.
melhores sistemas, melhores relacionamentos,
melhores estruturas. Logo antes de vir para o Bra- Ane Rodríguez Armendariz: Acho que uma residência
sil, fiz um trabalho com três dançarinos em Lisboa rural sempre ajuda você a se conectar com o básico,
que tratou dessas questões, chamado Como Posso deixando para trás os inúmeros estímulos que en-
Acreditar no que Você Diz Quando Posso Sentir o que contramos em todos os cantos da cidade. Para mim,
Você Faz? Até aprendermos a ouvir e ter empatia é hora de olhar para dentro e tentar sintonizar com
pelo nosso próprio corpo, pelos corpos à nossa volta o ritmo que nos rodeia. O que eu descobri em nos-
e pelo corpo maior, que inclui os sistemas ecológicos sas conversas é que você trabalhou com seu corpo,
dos quais dependem nossas necessidades biológi- voz, interação com o outro, meditação. Você também
cas – sinto que não há melhor lugar que este para realizou algumas sessões coletivas que fizeram parte
se direcionar. de sua pesquisa, o que eu acho que é parte essencial
de uma residência. No entanto, sempre há um ponto
21 Thomas Demos é o fundador e diretor do de estresse quando os artistas precisam apresentar
Centro de Ecologias Criativas [The Center for um resultado para mostrar às pessoas, visitantes do
Creative Ecologies] ligado ao Departamento que se trata ou se tratou o seu trabalho ali. Gostaria de
de História da Arte e Cultura Visual da Univer- saber como você enfrentou essa situação e como você
sidade da Califórnia (Santa Cruz). O Centro de sente que o tempo gasto na residência contribuiu para
Ecologias Criativas pesquisa a intersecção das sua prática.
práticas artísticas com políticas ecológicas e

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 88


Miriam Simun: O trabalho que mostrei no final da quanto tornar um espaço fisicamente adequado à
residência apresentou fragmentos do processo. produção de obras de arte. E o trabalho emocional
Havia alguns desenhos para trabalhos ao ar livre em é como qualquer outro trabalho – leva tempo, pen-
larga escala, legendados com referências sobre as samento, preparação – e é cansativo, assim como
problemáticas para a realização deles – muito ego outras formas de trabalho. Essa foi a principal razão
pessoal, pouco apoio institucional, potencial para pela qual decidi apresentar a sessão coletiva de
danos entre espécies. Mostrei algumas pequenas trabalho corporal ao grupo e à residência – para
esculturas ao ar livre, feitas de cascas de ovos e res- ver como poderíamos mudar a energia. Tento, sem-
tos de uma árvore que foi cortada, que foram sendo pre que possível, usar a produção artística como um
lentamente destruídas ao longo do dia. Esses tra- meio de convidar a participar do trabalho, em vez de
balhos foram uma resposta honesta ao ritmo em que apenas mostrar do que se trata – como posso convi-
me encontrei. dar o público para outras formas de ouvir e conhecer,
Sobre como meu tempo gasto na “fazen- e quais são os espaços, experiências e realizações
da da arte” contribuiu para minha prática – é en- que esses processos abrem e provocam em nós?
graçado, essa pergunta já me foi feita muitas vezes
ao longo desta residência, por repórteres de TV, nas
apresentações que foram organizadas e agora nova-
mente aqui. Não sei ao certo quanto quatro semanas
podem realmente mudar a prática de um artista. Eu
certamente aprendi muito sobre perguntas a fazer
antes de ingressar em um novo projeto de residên-
cia. Também aprendi que em uma residência rural
em particular, especialmente com dormitórios mui-
to próximos, é muito importante que a energia emo-
cional do espaço seja mantida – porque, ao contrário
da cidade, não há para onde fugir.
Tornar um espaço seguro, positivo e produ-
tivo do ponto de vista emocional é tão importante

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 89


ARMENDARIZ, Ane Rodríguez (Espanha) Sebastián y fue colaborador del Festival de Cine
PT curadora independente, formada em Jornal- de San Sebastián.
ismo. Foi diretora cultural do Centro Internac-
ional para a Cultura Contemporânea Tabakalera, BACKES, Paulo (Brasil)
em San Sebastián, na Espanha, de 2014 a 2019. PT é fotógrafo, paisagista e agrônomo brasilei-
Sua experiência em instituições inclui a ARCO – ro. Formado em Agronomia e pós-graduado em
Feira de Arte Contemporânea em Madri (na qual Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande
foi responsável por programas de curadoria e ga- do Sul. É o atual vice-presidente do Instituto Yvy
lerias internacionais), o Museu de Arte Contem- Maraey, autor de livros e exposições fotográficas
porânea de Castilla y León (MUSAC, onde foi co- sobre a biodiversidade do Bioma Pampa, como
ordenadora geral do museu em 2010), e Matadero também milita em projetos de recuperação am-
Madrid, como parte da equipe de programação biental e comprometido com iniciativas que ob-
(2011-2012). Também fez parte da equipe Bienal jetivam a criação novos parques naturais. ES es
Manifesta 5 em San Sebastian e foi colaboradora fotógrafo, paisajista y agrónomo. Graduado en
do Festival de Cinema de San Sebastian. ES cura- Agronomía y posgrado en Botánica por la Univer-
dora independiente, graduada en Periodismo. sidad Federal de Rio Grande do Sul. Es el actual
Fue directora cultural del Centro Internacional vicepresidente del Instituto Yvy Maraey, autor de
de Cultura Contemporánea Tabakalera en San libros y exposiciones fotográficas sobre la bio-
Sebastián, España, de 2014 a 2019. Su experi- diversidad del Bioma Pampa, además de mili-
encia en instituciones también incluye la Feria tante en proyectos de recuperación ambiental y
de Arte Contemporáneo ARCO - Madrid, donde comprometido con iniciativas destinadas a crear
fue responsable de los programas de curaduría nuevos parques naturales.
y galerías internacionales, el Museo de Arte Con-
temporáneo de Castilla y León, MUSAC, donde BULHÕES, Maria Amelia (Brasil)
fue coordinadora general del museo en 2010, y PT pesquisadora e professora titular do Instituto
Matadero Madrid, como parte del equipo de pro- de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do
gramación para el bienio 2011-2012. También Sul (UFRGS). É a atual presidente da Associação
formó parte del equipo Bienal Manifesta 5 en San Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Doutora

BIOGRAFIAS 91
em História Social na Universidade de São Pau- poráneo en sus relaciones sistémicas, su investi-
lo (1990), com Estágio Sênior nas Universidades gación actual tiene énfasis en las articulaciones
de Paris I, Sorbonne, e Universidade Politécnica de esta producción con Internet. Autor y editor
de Valencia. O foco de seu trabalho é a arte con- de la revista Porto Arte (1992-2013). Entre sus
temporânea em suas relações sistêmicas, e sua libros más recientes destacamos: As Novas Re-
pesquisa atual tem ênfase nas articulações des- gras do Jogo: o Sistema da Arte no Brasil (2014) e
ta produção com a internet. Autora e editora da Web arte e Poéticas do Território (2011), mantuvo
Revista Porto Arte (1992-2013). Entre seus livros durante tres años una columna semanal sobre
mais recentes destacamos: Arte Contemporânea artes visuales en el periódico en línea Sul 21. di-
no Brasil (2019) As novas regras do jogo: o Siste- rector del Centro Cultural Brasileño en Venezue-
ma da Arte no Brasil (2014) e Web arte e poéticas la, Caracas (2003). Implementó y fue coordinado-
do território (2011). Manteve durante três anos ra del Programa de Posgrado en Artes Visuales
uma coluna semanal sobre artes visuais no jor- en UFRGS (1992-95). Curadora de la Pinacoteca
nal on-line Sul 21. Foi diretora do Centro Cultural Barão de Santo Ângelo (1998-2000) y curadora de
Brasileiro na Venezuela, Caracas. Implementou e la sección de web art de la Bienal Internacional
foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Curitiba (2013).
em Artes Visuais da UFRGS. Curadora da Pinaco-
teca Barão de Santo Ângelo e da seção de Web art DIMITROV, Rumen (Bulgária)
da Bienal Internacional de Curitiba (2013). ES in- PT ligado às práticas da Land Art no leste euro-
vestigadora y profesora titular en el Instituto de peu, suas obras são esculturas em grande escala,
Artes de la Universidad Federal de Rio Grande do ao ar livre, feitas de materiais naturais robustos,
Sul (UFRGS). Es la actual Presidenta de la Aso- exibindo um estilo rústico e de acabamento natu-
ciación Internacional de Críticos de Arte (AICA), ral. Mestre em Artes pela Universidade Metodista
de la que también es miembro del Consejo. Doc- da Bulgária e membro da União dos Artistas Búl-
tora en Historia Social en la Universidad de São garos. Em 1999, ele fundou a Duppini Art Group
Paulo (1990), Senior Intern en las Universidades Association. E desde 2011, como presidente da
de París I, Sorbona y Universidad Politécnica de Associação, vem organizando o Simpósio Inter-
Valencia. El foco de su trabajo es el arte contem- nacional de Arte e Natureza, intitulado Art-Na-

BIOGRAFIAS 92
ture Gabrovtsi. Participa regularmente de simpó- FETTER, Bruna (Brasil)
sios, projetos, residências e eventos ligados à PT professora e pesquisadora do Instituto de
nomenclatura land art e conta com quinze ex- Artes da UFRGS, doutora em História, Teoria e
posições individuais, além de vários prêmios, Crítica de Arte (PPGAV/UFRGS). Foi pesquisado-
entre os quais destacamos: em 2009 – Prêmio ra visitante na New York University (2014/2015),
de Escultura do Allianz Bank; 2011, Prêmio de Se- possibilitado por bolsa Fulbright. Curadora de
leção Especial do Sea Art Festival, parte da Bienal diversas mostras, entre 2006 e 2007 coordenou
de Bussan na Coréia do Sul; e em 2012, recebeu a equipe de produção executiva da 6ª Bienal do
a cidadania honorária da cidade de Icheon, na Mercosul. É membro da Associação Nacional de
Coréia do Sul. ES las obras de Rumen Dimitrov Pesquisadores em Artes Plásticas, da Associação
son esculturas al aire libre a gran escala hechas Brasileira de Críticos de Arte e da Associação In-
de materiales naturales resistentes que exhiben ternacional de Críticos de Arte. Coautora do liv-
un estilo rústico y un acabado natural. Tiene una ro As Novas Regras do Jogo: o Sistema da Arte
maestría en Artes de la Universidad Metodista no Brasil (Editora Zouk, 2014), colaborou nas
de Bulgaria y miembro de la Unión de Artistas publicações Artes Visuais – Ensaios Brasileiros
Búlgaros. En 1999, fundó la Asociación Duppi- Contemporâneos (orgs.: Fernando Cocchiarale,
ni Art Group. Desde 2011, como presidente de la André Severo e Marília Panitz, Funarte, 2017),
Asociación, ha estado organizando el Simposio Práticas Contemporâneas do Mover-se (org.: Mi-
Internacional sobre Arte y Naturaleza, titulado chelle Sommer, Circuito, 2015) e A Palavra Está
Art-Nature Gabrovtsi. Participa regularmente en com Elas: Diálogos sobre a Inserção da Mulher
simposios, proyectos, residencias y eventos rela- nas Artes Visuais (org.: Lilian Maus, Panorama
cionados con la nomenclatura de land art y tiene Crítico, 2014). ES profesora e investigadora en el
quince exposiciones individuales, así como varios Instituto de Arte de UFRGS, Doctorado en Histo-
premios, entre ellos: 2009 - Allianz Bank Sculp- ria, Teoría y Crítica de Arte (PPGAV / UFRGS). Fue
ture Award; 2011, Sea Art Festival Special Selec- investigadora visitante en la New York Universi-
tion Award, parte de la Bienal de Bussan en Corea ty (2014/2015), habilitada por la beca Fulbright.
del Sur; y en 2012, recibió la ciudadanía honoraria Curadora de varias exposiciones, entre 2006 y
de la ciudad de Icheon, Corea del Sur. 2007 coordinó el equipo de producción ejecuti-

BIOGRAFIAS 93
va de la 6ª Bienal del Mercosur. Es miembro de tina, China, Alemania, Estonia, Estados Unidos,
la Asociación Nacional de Investigadores de Bel- Francia, India, Italia, México, Uruguay, entre otros.
las Artes, la Asociación Brasileña de Críticos de Su foco de trabajo artístico está relacionado con
Arte y la Asociación Internacional de Críticos de las prácticas contemporáneas en la naturaleza,
Arte. Coautora del libro As Novas Regras do Jogo: así como con acciones que involucran desechos
Sistema da Arte no Brasil (Editora Zouk, 2014), y reciclaje.
colaboró en las publicaciones Artes Visuais – En-
saios Brasileiros Contemporâneos (org. Fernando HERÁCLITO, Ayrson (Brasil)
Cocchiarale, André Severo y Marília Panitz, FU- PT Ogã Sojatin de um Humpame de Jeje Mahino,
NARTE, 2017), Práticas Contemporâneas do Mov- subúrbio de Salvador, professor adjunto da UFRB
er-se (org. Michelle Sommer, Circuito, 2015) y A na cidade de Cachoeira/BA, artista visual e cura-
Palavra está com Elas: Diálogos sobre a Inserção dor. Doutor em Comunicação e Semiótica pela
da Mulher nas Artes Visuais (org. Lilian Maus, PUC São Paulo e Mestre em Artes Visuais pela
Panorama Crítico, 2014). UFBA. Suas obras de instalações, performances,
fotografias e audiovisuais lidam com elementos
GARCIA, Irineu (Brasil) da cultura afro-brasileira e suas conexões entre a
PT idealizador do Instituto Yvy Maraey e atual África e a sua diáspora na América. Participou da
presidente da organização. É artista e arquiteto, Trienal de Luanda em Angola, 2010, Bienal de Fo-
com participação em eventos de arte, simpósios tografia de Bamako no Mali, 2015, e da 57ª Bienal
e exposições na Argentina, China, Alemanha, Es- de Veneza na Itália, 2017. Possui obras em acer-
tônia, EUA, França, Índia, Itália, México, Uruguai, vos dos museus: Der Weltkulturen em Frankfurt,
entre outros. Seu foco de trabalho artístico está Museu de Arte do Rio, Museu de Arte Moderna
relacionado às práticas contemporâneas na na- da Bahia, Videobrasil e Coleção Itaú. Foi um dos
tureza, como também com ações que envolvem curadores-chefe da 3ª Bienal da Bahia, curador
resíduos e reciclagem. ES fundador del Instituto convidado do núcleo “Rotas e Transes: Áfricas,
Yvy Maraey y actual presidenta de la organización. Jamaica e Bahia” no projeto Histórias Afro-Atlân-
Es artista y arquitecto, con participación en even- ticas no MASP e recebeu o prêmio de Residência
tos artísticos, simposios y exposiciones en Argen- Artística em Dakar do Sesc_Videobrasil e da Raw

BIOGRAFIAS 94
Material Company, no Senegal. ES Sojatin Ogã de de reflexões abarcando áreas como astronomia,
un Humpame de Jeje Mahino suburbio de Salva- biologia e mitologia. Sua poética oscila entre Eros
dor, profesor adjunto en la UFRB en Cachoeira/ e Thanatos, e as obras tomam forma por meio de
BA, artista visual y curador. Doctor en Comuni- desenhos, fotografias, vídeos e instalações com
cación y Semiótica por la PUC São Paulo y Máster materiais simbólicos como sal, alumínio, borra-
en Artes Visuales por la UFBA. Sus instalaciones, cha e chocolate. Realizou exposições e projetos
performances, fotografías y audiovisuales abor- multimídia em diversas cidades do Brasil, bem
dan elementos de la cultura afrobrasileña y sus como Uruguai, Argentina e França. Sua produção
conexiones entre África y su diáspora en América. foi premiada com o Prêmio Especial do Júri no IX
Asistió a la Trienal de Luanda en Angola, 2010, la Prêmio Açorianos de Artes Plásticas; Melhor Ex-
Bienal de Fotografía de Bamako en Malí, 2015 y posição no 2º Prêmio IEAVi; Prêmio Destaque em
la 57ª Bienal de Venecia en Italia en 2017. Tiene Mídias Tecnológicas do III Prêmio Açorianos de
obras en colecciones de museos: Der Weltkul- Artes Plásticas. Menção Honrosa nos 1º e 4º Prê-
turen en Frankfurt, Museo de Arte de Río, Museo mios IEAVI e oito indicações ao Prêmio Açorianos,
de Arte Moderna da Bahia, Videobrasil e Coleção e indicação ao Prêmio do Júri por sua trajetória
Itaú. Fue uno de los curadores de la 3ª Bienal artística. Sua obra está nas coleções do Museu
de Bahía, curador invitado del núcleo “Rutas y de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul,
Transes: África, Jamaica y Bahía” en el proyecto Fundação Vera Chaves Barcellos, Coleção Casa
Histórias Afro-Atlanticas en el MASP y recibió el Niemeyer e Museu de Arte do Rio de Janeiro. ES
Premio de residencia de artistas Sesc_Videobra- es un dúo de artistas formado por Laura Cattani
sil y el de Raw Material Company en Dakar, y Munir Klamt, doctorados en poética visual en la
Senegal. UFRGS. Desde su creación en 2003, Ío ha estado
realizando trabajos y exposiciones que nacen de
ÍO (Brasil) reflexiones que cubren áreas como astronomía,
PT é o duo de artistas formado por Laura CATTANI biología y mitología. Su poética oscila entre than-
e Munir KLAMT, doutores em Poéticas Visuais atos y eros, y las obras toman forma por medio
pela UFRGS. Desde sua criação em 2003, a dupla de dibujos, fotografías, videos e instalaciones con
Ío tem realizado obras e exposições que nascem materiales simbólicos como sal, aluminio, caucho

BIOGRAFIAS 95
y chocolate. Han realizado exposiciones y proyec- to plazo. Le Quellec fue miembro de la Unión de
tos multimedia en varias ciudades de Brasil, así Espacios Culturales Autoorganizados (UECA) de
como en Uruguay, Argentina y Francia. 2007 a 2011 y miembro del Committee of Artists
and Cultural Developers (RAAC). (RAAC). Es fun-
LE QUELLEC, Richard (França/Suíça) dador y coorganizador de la Bienal de Espacios
PT artista visual e gestor cultural formado pela Independientes de Ginebra y fundador de la co-
Universidade de Arte e Design de Genebra. Des- operativa cultural Ressources Urbaines. Con sede
de 2007, é motivado pela influência de práticas en Ginebra, Suiza, es el gerente de proyectos de
culturais no desenvolvimento social e político da la The Embassy of Foreign Artists (EoFA), donde
cidade. Consequentemente, seus envolvimentos los artistas residen, trabajan, realizan investiga-
geraram espaços de projetos e eventos de longo ciones y comparten ideas.
e curto prazos. Le Quellec foi membro da União
dos Espaços Culturais Auto-organizados (UECA) MONLEÓN, Carlos (Espanha)
de 2007 a 2011 e membro do Committee of Art- PT trabalha com uma variedade de processos e
ists and Cultural Developers (RAAC). É fundador materiais, vivos e não vivos, que resultam em es-
e coorganizador da Bienal de Espaços Independ- culturas e obras participativas. Trabalhos que en-
entes de Genebra e fundador da cooperativa cul- volvem diferentes níveis de percepção e consciên-
tural Ressources Urbaines. Com sede em Gene- cia corporal, do microbiológico à articulação de
bra, na Suíça, ele é o gerente de projetos da The corpos performativos e sociais. O artista dedica
Embassy of Foreign Artists (EoFA), local onde ar- especial atenção aos processos digestivos, e, ao
tistas residem, trabalham, conduzem pesquisas combinar mecanismos evolutivos de diferentes
e compartilham ideias. ES artista visual y gestor espécies, Monléon cria novos metabolismos,
cultural graduado de la Universidad de Arte y tanto híbridos quanto cibernéticos. Carlos de-
Diseño de Ginebra. Desde 2007, está motivado senvolveu projetos em espaços como Autoitalia,
por la influencia de las prácticas culturales en Seventeen Gallery e Diaspore Project Space, em
el desarrollo social y político de la ciudad. Con- Londres; Cráter Invertido, México; Hangar, Lisboa;
secuentemente, su participación ha generado como também em instituições como Studio-X, Is-
espacios de proyectos y eventos a largo y cor- tambul; HIAP, Helsinki; Matadero, CA2M e La Casa

BIOGRAFIAS 96
Encendida, Madri. Monléon é mestre em Artes Cultural, Porto Alegre, 2015); e Longe Daqui (Ga-
Visuais pelo Royal College de Londres. ES trabaja leria dos Arcos da Usina do Gasômetro, Porto Ale-
con una variedad de procesos y materiales, vivos gre, 2012). Entre mostras coletivas internacionais
y no-vivos, que resultan en esculturas y obras destacamos: Open Spaces, com curadoria de Dan
participativas. Trabajos que involucran diferentes Cameron (Kansas City, EUA, 2018); WaterScapes,
niveles de percepción y conciencia corporal, des- curadoria de Jesse Firestone (BOX Contempo-
de lo microbiológico hasta la articulación de rary, Miami, EUA, 2016); e Gogó da Emma (Galeria
cuerpos performativos y sociales. El artista pres- Emma Thomas, NY, 2016). Artista convidado do
ta especial atención a los procesos digestivos y programa Encontros na Ilha, 9ª Bienal do Mer-
al combinar mecanismos evolutivos de diferentes cosul, curadoria de Sofía Hernández Chong Cuy
especies, Monleón crea un nuevo metabolis- (Porto Alegre, BR, 2013). Participou das residên-
mo híbrido y cibernético. Carlos ha desarrollado cias artísticas: CAR (Centro de Acercamiento a lo
proyectos en espacios como Autoitalia, Seven- Rural), Madri, 2019; Nomad Air, Oslo, 2019; Cripta
teen Gallery y Diaspore Project Space en Londres; 747, Turim, 2018; OMI International Arts Center,
Cráter invertido, México; Hangar, Lisboa; así como NY, EUA, 2016; Comunitária, Lincoln, ARG, 2016,
en instituciones como Studio -X, Estambul; HIAP, Pivô Pesquisa, São Paulo, 2016. Foi também
Helsinki; Matadero, CA2M y La Casa Encendida, gestor e curador do espaço independente Gale-
Madrid. Monleón tiene una maestría en artes vis- ria Península, em Porto Alegre de 2014 a 2017.
uales del Royal College de Londres. ES Mediante el uso de diferentes medios (cine,
instalación, performance, fotografía), investiga el
REMOR, Leonardo (Brasil) espacio de la naturaleza en la lógica del desarrol-
PT através do uso de diferentes mídias – filme, lo de la ciudad y el hombre. Realizó exposiciones
instalação, performance, fotografia – investiga o individuales Aprendendo com o Barro (Centro
espaço da natureza na lógica do desenvolvimen- Cultural de São Paulo, 2018-19); O Vento Dissi-
to da cidade e do homem. Realizou as exposições pa as Lembranças de Uma Realidade Anterior
individuais: Aprendendo com o Barro (Centro Cul- (Santander Cultural, Porto Alegre, 2015); y Longe
tural São Paulo, 2019-18); O Vento Dissipa as Lem- Daqui (Galeria dos Arcos da Usina do Gasômetro,
branças de Uma Realidade Anterior (Santander Porto Alegre, 2012). Entre las muestras colectivas

BIOGRAFIAS 97
internacionales destacamos: Open Spaces, com territórios e situações distantes de suas próprias,
curadoria de Dan Cameron (Kansas City, EUA, e em conjunto com Leonardo Remor, o duo Rodri-
2018); WaterScapes, curadoria de Jesse Firestone guezRemor realiza ações e diálogos que resultam
(BOX Contemporary, Miami, EUA, 2016); y Gogó da em filmes, fotos e instalações que problematizam
Emma (Galeria Emma Thomas, NY, 2016). Artista as oposições de conceitos como: arte e produto,
invitado del programa Encontros na Ilha, 9ª Bie- natureza e cultura, história e memória, educação
nal del Mercosur, curadoria de Sofía Hernández e tradição. Dentre as exposições recentes, desta-
Chong Cuy (Porto Alegre, BR, 2013). Participó en camos as individuais: Aprendendo com o Barro,
las residencias artísticas: CAR (Centro de Acer- Centro Cultural São Paulo, São Paulo, 2019-2018;
camiento a lo Rural), Madrid, 2019; Nomad Air, Pariwat Jenipapo, Fotoativa, Belém do Pará, 2017-
Oslo, 2019; Cripta 747, Turín, 2018; OMI Interna- 2016 e Água Viva, Galeria Península, Porto Alegre,
tional Arts Center, NY, EE. UU., 2016; Communi- 2015. E dentre as coletivas: 2018, Open Spaces,
ty, Lincoln, ARG, 2016, Pivô Pesquisa, São Paulo, curadoria Dan Cameron, Kansas City; 2018, Con-
2016. También fue gerente y curador del espacio tinuum, curadoria Henrique Menezes, Fundação
independiente Galeria Península, en Porto Ale- Iberê Camargo, Porto Alegre; 2017, The Fountain
gre, de 2014 a 2017. that Crossed the Line, KCAI Crossroads Gallery,
Kansas City. Em 2019 participou das residências
RODRIGUEZ, Denis (Brasil) artísticas: CAR (Centro de Acercamiento a lo Ru-
PT artista visual, curador e produtor cultural. Mes- ral, Campo Adentro), Madri e NOMAD AIR, Oslo.
tre em História, Teoria e Crítica de Arte pela Univer- É autor e organizador dos livros: Não Sou Daqui,
sidade Federal do Rio Grande do Sul e bacharel em Nem Sou de Lá. Gestão, Curadoria e Residência
Direito pela Universidade de São Paulo. Foi gestor Artística em Rede; PPPP – Programa Público de
e coordenador do programa de residências do es- Performance Península; Corpo Presente, entre
paço independente Galeria Península, Porto Ale- outros. ES artista visual, curador y productor
gre. Em 2018, foi curador visitante do programa El cultural. Máster en Historia, Teoría y Crítica de
Ranchito do Matadero, Madri. E em 2017, artista Arte por la Universidad Federal de Rio Grande
visitante do KCAI, Kansas City Art Institute, em do Sul y Licenciado en Derecho por la Universi-
Kansas City. A partir de imersões em contextos, dad de São Paulo. Fue gerente y coordinador del

BIOGRAFIAS 98
programa de residencias del espacio indepen- ca em Rede; PPPP – Programa Público de Perfor-
diente Galería Península, Porto Alegre. En 2018, mance Península; Corpo Presente; entre otros.
fue curador visitante del programa El Ranchito de
Matadero, Madrid. Y en 2017, artista visitante en RUEDA, Maria Isabel (Colômbia)
el KCAI, Kansas City Art Institute, en Kansas City. PT atualmente gerencia e trabalha como curado-
A partir de inmersiones en contextos, territorios ra artística no La Usurpadora, em Puerto Colom-
y situaciones distantes de ellos mismos, y en bia. Ela também é editora da revista independen-
conjunto con Leonardo Remor, el dúo Rodriguez- te Tropical Goth. Rueda é bacharel e mestre pela
Remor realiza acciones y diálogos cuyo resultado Universidade Nacional da Colômbia e lecionou na
son películas, fotos y instalaciones, que prob- Universidade Nacional e na Universidade Jorge
lematizan las oposiciones de conceptos como el Tadeo Lozano, em Bogotá, e na Faculdade La Salle,
arte y el producto, naturaleza y cultura, historia em Barranquilla. Foi cocuradora de espaços inde-
y memoria, educación y tradición. Exposiciones pendentes como El Bodegón e La Residencia, em
individuales: Aprendendo com o Barro, Centro Bogotá. Ao longo de mais de vinte anos de carreira
Cultural São Paulo, São Paulo, 2019-2018; Pari- artística, Rueda criou um corpo singular de tra-
wat Jenipapo, Fotoativa, Belém do Pará, 2017- balhos que entrelaça o Gótico com o Tropical. ES
2016 y Água Viva, Galería Península, Porto Alegre, actualmente administra y trabaja como curadora
2015. Entre sus exposiciones colectivas recientes artística en La Usurpadora en Puerto Colombia.
destacan: 2018, Open Spaces, curaduría de Dan También es editora de la revista independiente
Cameron, Kansas City; 2018, Continuum, cura- Tropical Goth. Rueda tiene una licenciatura y una
duría Henrique Menezes, Fundación Iberê Cama- maestría de la Universidad Nacional de Colom-
rgo, Porto Alegre; 2017, The Fountain that Crossed bia y ha enseñado en la Universidad Nacional y la
the Line, KCAI Crossroads Gallery, Kansas City. En Universidad Jorge Tadeo Lozano en Bogotá y en el
2019 participó en las residencias artísticas: CAR Colegio La Salle en Barranquilla. Fue Co-curado-
(Centro de Acercamiento a lo Rural, Campo Aden- ra de espacios independientes como El Bodegón
tro, Inland), Madrid y NOMAD AIR, Oslo. Es autor y La Residencia en Bogotá. Durante más de veinte
y organizador de los libros: Não Sou Daqui, Nem años de carrera artística, Rueda ha creado un cu-
Sou de Lá. Gestão, Curadoria e Residência Artísti- erpo de trabajo único que entrelaza lo Gótico con

BIOGRAFIAS 99
lo Tropical. en el New Museum (Nueva York), el Himalayas
Museum (Shanghai), DeutscheBank Kunsthalle
SIMUN, Miriam (Estados Unidos) (Berlín), The Contemporary (Baltimore), Ronald
PT artista interdisciplinar cuja obra está situada Feldman Fine Arts (Nueva York), Museum of Fine
na intersecção entre ecologia, tecnologia e corpo. Arts (Split), Museum of Arts and Design (Nue-
Ela trabalha em vários formatos, incluindo desen- va York), Robert Rauschenberg Gallery (Nueva
ho, escrita, performance, instalação, perfumes, York), Bemis Center for Contemporary Art (Oma-
vídeo e escultura. O trabalho de Simun foi apre- ha) y Beall Center for Art + Technology (Irvine).
sentado no New Museum (Nova York), no Himala- Fue galardonada por Creative Capital, las Fun-
yas Museum (Xangai), DeutscheBank Kunsthalle daciones Robert Rauschenberg y Joan Mitchell, y
(Berlim), The Contemporary (Baltimore), Ronald también fue la primera residente internacional de
Feldman Belas Artes (Nova York), Museu de Belas la Carpinterías de São Lázaro de la Fundación Gul-
Artes (Split), Museu de Artes e Design (Nova York), benkian en Lisboa en 2019. En 2018, fue residente
Galeria Robert Rauschenberg (Nova York), Centro en el Headlands Center y en 2016, residente del
Bemis de Arte Contemporânea (Omaha) e o Cen- OMI International Arts Center de Nueva York.
tro Beall de Arte + Tecnologia (Irvine). Foi premia-
da pela Creative Capital, pelas Fundações Robert SOMMER, Michelle (Brasil)
Rauschenberg e Joan Mitchell, como também foi a PT curadora, pesquisadora e pós-doutoranda
primeira residente internacional das Carpintarias em Linguagens Visuais na Escola de Belas Ar-
de São Lázaro, da Fundação Gulbenkian de Lisboa, tes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
em 2019. Em 2018, foi residente no Headlands Doutora em História, Teoria e Crítica de Arte pela
Center e em 2016, residente no OMI Internation- Universidade Federal do Rio Grande do Sul com
al Arts Center de Nova York. ES artista interdis- estágio doutoral junto à University of the Arts
ciplinar cuyo trabajo se sitúa en la intersección London/Central Saint Martins na área de estu-
entre ecología, tecnología y cuerpo. Ella trabaja dos expositivos. É mestre em Planejamento Ur-
en una variedad de formatos, incluyendo dibu- bano e Regional, além de arquiteta e urbanista.
jo, escritura, performance, instalación, perfumes, Em 2017 foi cocuradora da exposição Mário Pe-
video y escultura. El trabajo de Simun se presentó drosa: de la Naturaleza Afectiva de la Forma, no

BIOGRAFIAS 100
Museu Reina Sofia, em Madri, que obteve o prê-
mio destaque pela curadoria da exposição pela
ABCA – Associação Brasileira de Crítica de Arte
em 2018. É autora de diversos livros e contribui
regularmente para publicações nacionais e inter-
nacionais e projetos de artes visuais em formatos
diversos. ES curadora, investigadora y estudiante
postdoctoral en Lenguajes Visuales en la Escuela
de Bellas Artes de la Universidad Federal de Río
de Janeiro. Doctorado en Historia, Teoría y Crítica
de Arte en la Universidad Federal de Rio Grande
do Sul con una pasantía doctoral en la University
of the Arts London /Central Saint Martins/ en el
área de estudios expositivos. Tiene una maestría
en Planificación Urbana y Regional y es arqui-
tecto y urbanista. En 2017 fue co-comisaria de
la exposición ‘Mário Pedrosa: de la Naturaleza
Afectiva de la Forma’ en el Museo Reina Sofía de
Madrid, que ganó el premio de comisariado de
la exposición de ABCA - Asociación Brasileña de
Crítica de Arte en 2018. Autora de varios libros,
colabora regularmente en publicaciones nacion-
ales e internacionales y proyectos de artes vis-
uales en diversos formatos.

BIOGRAFIAS 101
ALBERTAZZI, Liliana. Differéntes Natures Visions de l’Art Contemporain. EPAD, Ministere de la Culture et de
la Francophonie Délégation aux Arts Plastiques. 1993

BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000

BOETZKES, Amanda. The Ethics of Earth Art. Minneapolis: University of Minnesota, 2010

CAMARA, Marina; DAYRELL, João Guilherme. Entrevista com Giuseppe Penone. ARS (São Paulo), São Paulo,
v. 15, n. 29, p. 29-43, jun. 2017.
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202017000100029&lng=pt&nrm=iso>

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos. São Paulo: Cultrix, 2006

CAUQUELIN, Anne. L’ invention du Paysage. Paris: Presse Universitaire de France, 2000

COCCIA, Emmanuele. Mente e Matéria ou a Vida das Plantas.


<http://www.revistalanda.ufsc.br/PDFs/ed2/Emanuele%20Coccia.pdf>

DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. ¿Hay Mundo por Venir? Ensayo sobre los Miedos y los Fines.
Buenos Aires: Caja Negra Editora, 2019

DEXEUS, Victoria Combalía; QUERALT, Rosa. El Arte Sucede. Origen de las Prácticas Conceptuales en España, 1965-
1980. Madrid: Koldo Mitxelena Kulturunea, Diputación Foral de Gipuzkoa y Museo Reina Sofía, 2005

DOTTI, Marco. Frammenti di Felicità Futura. Gabriel Tarde e l’histoire. <https://www.academia.edu/9962602/Frammen-


ti_di_felicit%C3%A0_futura._Gabriel_Tarde_e_lhistoire>

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 102


FORTES, Hugo. Interações entre Natureza e Ciência na Arte Contemporânea. Art&Sensorium. V.01, N.02, 2014.
<http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/sensorium/article/view/292>

FORTES, Hugo, Sobrevoos entre Homens, Animais, Espaços e Tempos: Pensamentos sobre Arte e Natureza, 2016
<https://repositorio.usp.br/item/002798070>

GARCIA-DORY, Fernando; OORTHUIZEN, Sanne. INLAND Volume: Publishing Class V. Amsterdão: Dutch Art Institut and
Inland, 2016

GARRAUD, Colette. L’idée de Nature dans L’Art Contemporain. Editora Flammarion, Paris, 1994

GRANDE, John K. Diálogos Arte Naturaleza. Lanzarote: Fundación César Manrique, 2005

HARAWAY, Donna. <https://www.e-flux.com/journal/75/67125/tentacular-thinking-anthropocene-capitalocene-chthu-


lucene/>

HORA, Daniel. Residências Artísticas: As Múltiplas Direções nos Trânsitos Contemporâneos. In: Caderno Videobrasil,
vol. 2, n. 2, p. 54 – 77, 2006

KASTNER, Jeffrey; WALLIS, Brian. Land and Enviromental Art, Phaidon Press, 2010

LANCMAN, Sandra. Revista de Artes Visuais, 1996. A Ecologia como Foco da Arte-Beuys e Krajcberg.
<https://www.seer.ufrgs.br/PortoArte/article/download/27572/16111>

MARINHO, Alcyane. Do Bambi ao Rambo ou Vice-versa? As Relações Humanas com (e na) Natureza. Conexões, 1(3), 33-
41. 1999. <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conexoes/article/view/8647496>

MYVILLAGES. BÖHM, Kathrin; FEENSTRA, Wapke. The Rural. Londres: Whitechapel Gallery & The MIT Press, 2019

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 103


OCEANOS. O Teatro da Natureza, número 24, out/nov 1995. Revista da Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses. Lisboa: 1995

RUIVO, Inês. Design para o futuro. O indivíduo entre o artifício e a natureza.Tese de doutorado. Universidade de Évora.
<http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/1831>

RUPP, Bettina. Residências em Arte Contemporânea: Espaço, Tempo e Interlocução. 394 f. (tese) Programa de
Pós-graduação em Artes Visuais. Porto Alegre: UFRGS, 2017

SCOTINI, Marco. Politiques de la Végétation. Pratiques Artistiques, Stratégies Communautaires, Agroécologie.


Paris: Eterotopia France, 2019

SELECT, Residência artística, Acrobática, São Paulo, ano 9, ed 44, set/out/nov 2019

SEPÚLVEDA T., Jorge. Residências de Arte Contemporâneo Social Summer Camp : Villa Alegre, Chile. Santa Maria de
Punilla: Curatoría Forense, 2017

SEPÚLVEDA T., Jorge; PETRONI, Ilze (Ed.). Encuentro de Gestiones Autónomas de Artes Visuales Contemporáneas:
Curatoria Forense, Córdoba, 2013. < https://www.academia.edu/2988664/Encuentro_de_Gestiones_Aut%C3%B3no-
mas_de_Artes_Visuales_Contempor%C3%A1neas_C%C3%B3rdoba_2011>

THE CENTER FOR CREATIVE ECOLOGIES. Departamento de Historia del Arte y Cultura Visual de la Universidad de Cali-
fornia (Santa Cruz). <https://creativeecologies.ucsc.edu>

TIBERGHIEN, Gilles A. Nature, Art, Paysage. Editora Actes Sud / École Nationale Supérieure du Paysage / Centre du
Paysage, 2001

WEINTRAUB, Linda. To Life! Eco Art in Pursuit of a Sustainable Planet. Los Angeles: Universidade da Califórnia, 2012

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 104


VERSIÓN EN ESPAÑOL 105
Inicié mi vida artística a finales de los años necesidad de una mayor convivencia entre nuestros
1960 y principios de los 70, participando en muchos artistas, ante la falta de espacios de convivencia, de
movimientos, preocupado por sentir que no era su- intercambios y de realización de experiencias.
ficiente producir un trabajo, sino que era necesario Mi identificación con la preservación del
pensar en el contexto social. Por cuestiones person- medio ambiente, talvez venga de mi formación como
ales, me relacioné con los medios artísticos uruguayos, arquitecto o de mi vivencia infanto-juvenil en la
territorio de mi familia. Allí percibí que existía una región de Campanha, en intensa interacción con las
brecha en la formación universitaria en Porto Alegre, fuerzas vitales de la naturaleza. La relación arte y
donde la tónica del escenario artístico era moderno, naturaleza es para mí un término genérico, que se re-
pero individualista, centrada en la producción de fiere a toda una gama de proyectos que ayudan a me-
objetos. Sentí la necesidad de trabajar con grupos, jorar nuestra relación con el mundo natural. Pueden
discusiones, comunicación e intercambio entre se- ser demostrativos/denunciadores de problemas am-
mejantes. Mi formación daba la espalda con las ex- bientales o activadores de la restauración del medio
periencias que vivía en Montevideo. Allí tuve grandes ambiente. Prácticas artísticas como land art, slow
maestros como Américo Spósito y Miguel Ángel Pare- fashion, co-design, o el bioarte y otras pueden ser
ja que rompieron con mi pretensión de ser artista, for- consideradas como parte de ese proceso cultural
taleciendo las bases de una nueva reflexión, hacia una más amplio que vemos hoy difundiéndose en todo el
perspectiva más amplia del arte. Decidí seguir los mundo. Quizás son una reacción a la acción devasta-
cursos de arquitectura, para pensar en los espacios dora que los humanos han estado imponiendo en el
y en nuestra inserción en el interior de los mismos. planeta Tierra durante muchos años.
Desde aquella época, sentí la necesidad Introducido en estos procesos, vi la opor-
de un lugar alternativo, donde los artistas pudiesen tunidad de cumplir mi antiguo deseo de compartir
compartir experiencias de un modo más horizontal, un espacio de experiencia con otros artistas cuando
como había experimentado en Uruguay. Estaba sem- compré un terreno en la zona rural de Porto Alegre,
brada la semilla de un deseo. concretamente en Cantagalo, y allí comencé a desar-
Deseo que siempre estuvo en mí presente, rollar el proyecto de un Instituto de Arte y Naturaleza.
incluso cuando mi vida profesional me llevó a recor- En este proyecto, tuve el apoyo de amigos también
rer diversos países por el mundo. Viendo lo que ocur- identificados con este deseo. Así, en 2015, el Institu-
ría en otros territorios y en otras culturas, sentía la to Yvy Maraey fue registrado legalmente, bautizado

PREFACIO UN SUEÑO SE HACE REALIDAD IRINEU GARCIA 106


con el nombre Guaraní que designa la tierra sin mal- con un jurado internacional que que evaluó cerca de
dad, buscada por ellos como un paraíso. 300 portafolios de artistas de diferentes países, para
El espacio físico donde se alberga el Insti- seleccionar, al final, los cuatro que participaron en
tuto se organizó respetando el medio ambiente, con la residencia. Fueron elegidos: un artista estadouni-
la preservación del bosque nativo, de los pastizales, dense, un español, un búlgaro y un dúo de Rio Grande
espacios de plantación, pasos y estanques para cri- do Sul (se esperaba que un artista local participara
aturas silvestres y áreas de residencia y estudio. Se en el proyecto), quienes, durante 30 días, compar-
realizó un trabajo de drenaje de aguas y construcción tieron con nosotros sus vidas, obras y reflexiones.
de presas, con el objetivo de controlar y aprovechar Exploraron el territorio del Instituto y sus
el agua de lluvia. alrededores: visitaron la reserva ambiental de Ita-
Las actividades del Instituto, dentro de su puã, la reserva indígena de Cantagalo, una fábrica de
filosofía de aglutinación e intercambio entre pares, cerámica, entre otros muchos desplazamientos.
fueron inicialmente tres “Acciones”, con la partici- El proyecto de la residencia no presuponía
pación de artistas locales e invitados nacionales y la obligación del artista de dejar una obra allí, sino de
extranjeros de visita en la ciudad. La documentación experimentar la experiencia de un área rural,
de estas actividades se encuentra en el site del In- haciendo intersecciones con sus experiencias per-
stituto www.institutoyvymaraey.org.br. Incluso enfo- sonales. Al principio sentí que estaban muy conecta-
cado en la naturaleza, la conexión con los recursos dos a sus computadoras, pero gradualmente recono-
tecnológicos estuvo presente como una parte impor- cieron el territorio y se abrieron a la naturaleza que
tante del proyecto del Instituto. La residencia Kaá los rodeaba. También fue importante la experien-
fue un desarrollo natural y deseado en el proceso de cia con artistas y críticos visitantes que, de alguna
expansión de nuestras actividades. manera, lograron lo que siempre esperé de esta pro-
Recibir financiación del Gobierno del Es- puesta: intercambios entre iguales, debates y mucha
tado de Rio Grande do Sul a través de Pró-Cultura reflexión. Los resultados están documentados en
RS FAC – Fundo de Apoio à Cultura y contar con el la página web del Instituto y también en esta pub-
apoyo del programa COINCIDÊNCIA, un programa de licación.
intercambio en América del Sur de la fundación suiza ¡Objetivos alcanzados! Vayamos a una próxi-
para la cultura Pro-Helvetia fue fundamental para el ma experiencia y esperamos que estén con nosotros.
desarrollo de nuestro ambicioso proyecto. Contamos

PREFACIO UN SUEÑO SE HACE REALIDAD IRINEU GARCIA 107


Los orígenes de este proyecto se remontan a en todo el mundo, identificando sus orígenes y de-
1992, cuando tuve la oportunidad por primera vez de sarrollos. A partir de ese primer inventario, abordó
estar en un simposio internacional de escultura en detalladamente algunas experiencias realizadas en
Chile, con el apoyo de la UNESCO, y darme cuenta de Brasil, desde la más antigua en la década de 1950
la importancia y las repercusiones de una experien- hasta otras muy actuales. Bettina me presentó una
cia colectiva de artistas. Estuvieron juntos durante vasta bibliografía de residencias de artistas en todo
45 días de trabajo e intercambios a diferentes niveles, el mundo, con abundante información sobre ellas.
una experiencia que dejó una huella en cada uno de Siguiendo su trabajo, pude conocer la diversidad de
los participantes, como pude ver en otras ocasiones este tipo de experiencia, así como conocer con más
cuando tuve la oportunidad de reunirme con algunos detalle el funcionamiento de algunas de ellas, en sus
de ellos nuevamente. Además de esta primera y sor- aspectos positivos y sus problemas.
prendente experiencia con este tipo de convivencia de Armada con los subsidios de estos dos tipos
artistas, volví a participar, junto con Irineu García, en de experiencias y conviviendo con el deseo de Irineu
innumerables oportunidades de contacto que tuve García de profundizar los intercambios ya realizados
con la red de simposios internacionales de escultu- en el espacio del Instituto Yvy Maraey, invité a mí,
ra. En algunos, mucho más cortos (que varían alre- entonces, alumno de orientación de maestría, Denis
dedor de 15 días), observé la necesidad expresada Rodríguez, a elaborar conjuntamente una propuesta
por los participantes de tener más espacio y tiempo para una residencia internacional de artistas. Él se
para discusiones e intercambios. Los simposios, sin encontraba investigando acerca de actividades con-
embargo, requieren que cada artista haga una obra, tra-hegemónicas en el arte contemporáneo y había
lo que los pone bajo estrés, reduciendo su disponibi- experimentado tales eventos en la Galería Península,
lidad para futuros y más profundos diálogos. un espacio que había dirigido con otros dos artistas.
Una segunda fuente de inspiración para el Pensé que sería un buen asociado.
proyecto de residencia de Kaá fue mi trabajo como Juntos comenzamos la elaboración del
asesora de Bettina Rupp1, quien desarrolló su tesis proyecto, a partir de algunas premisas. La primera
doctoral sobre residencias de artistas. En este es- y decisiva fue que el enfoque del proyecto sería el
tudio, realizó un amplio inventario de este tipo de arte y la naturaleza, según la definición misma de
eventos centrados en las artes visuales en Brasil y la misión del Instituto Yvy Maraey. Por lo tanto, todo

RESIDENCIA RURAL: ARTE Y NATURALEZA DESDE DIFERENTES PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 108
se pensó desde este eje. El segundo fue que de- ciones de diferentes regiones del mundo, superando
beríamos considerar el entorno rural de la ubicación con creces nuestras expectativas y dando a nuestros
del Instituto. Esta fue una cuestión importante, ya jueces un enorme trabajo. Hubo una equivocación
que el área rural de Porto Alegre es una conquista aquí por nuestra parte, ya que habíamos previsto
arduamente defendida por los residentes de esta principalmente que nos enviarían solicitudes artis-
región y el sindicato rural del que Irineu García es tas latinoamericanos, lo que no ocurrió, abriendo una
miembro de la dirección. Compuesta predominante- brecha en nuestro presupuesto de pasajes. Después
mente por pequeños y medianos agricultores y con de todo, planificación y realidad a veces difieren mu-
dos reservas indígenas en su espacio, esta comunidad cho.
se ve constantemente amenazada por la expansión de Invitamos para el jurado de selección a críti-
bienes raíces, que acapara terrenos para urbanización cos de diferentes países, todos ellos, de algún modo,
y, por lo tanto, presiona al Ayuntamiento para extinguir vinculados a experiencias de residencia y prácticas
su condición especial e incorporarla al espacio urbano de arte y naturaleza. Participaron en el proceso de
de la ciudad. La residencia también se pensó como una selección: Luísa Especial (Portugal), Jacques Leen-
forma de valorización de esta condición y de refuerzo hardt (Francia), Richard Le Quellec (Suiza), Maria Isabel
para la continuidad de su existencia. En este senti- Rueda (Colombia), Ane Armendariz (España) y los bra-
do, se planificaron actividades para conectar con el sileños Bruna Fetter, Michele Sommer, Irineu Garcia,
contexto local, proporcionando visitas de artistas Deniz Rodriguez y yo misma. Todos tuvimos acceso a
residentes a diferentes espacios e instituciones de todos los portafolios recibidos y cada uno de nosotros
la comunidad y la divulgación de la condición de zona seleccionó a diez artistas que considerábamos más
rural en todos los momentos posibles de visibilidad calificados para la propuesta de residencia, dán-
del evento. doles una puntuación de 0 a 10. Se hizo una tabu-
En contrapunto a esta conexión local del lación de estas notas, alcanzamos al nombre de los
proyecto, se articuló su inserción internacional, todo cuatro finalistas que participaron en la residencia.
el proceso tuvo lugar en línea, en portugués e inglés. Es importante destacar que, con el objetivo de una
Hubo una amplia difusión de las inscripciones en el integración local / internacional, en el proyecto se
sitio web del Instituto y numerosas redes sociales y el preveía que una vacante se destinaría a un artista
resultado nos sorprendió, recibimos casi 300 inscrip- de Rio Grande do Sul. Al final de la evaluación, los

RESIDENCIA RURAL: ARTE Y NATURALEZA DESDE DIFERENTES PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 109
artistas seleccionados fueron: Rumen Dimitrov, de preparó con la ayuda de todos los participantes una
Bulgaria, Carlos Monleón, de España, Miriam Simun, serie de comidas de Orixás, que fueron comentadas
de Estados Unidos, y Laura Cattani (Ío), de Brasil. por él y luego probadas por todos. Como resultado
A partir de los orígenes del proyecto que in- de su presencia en el Instituto Yvy Maraey, los inves-
diqué al comienzo de este texto, pensamos en una tigadores de arte afrobrasileño Celia Antonacci de
residencia que no exigiese a los artistas que realizaran Florianópolis e Igor Simões de Porto Alegre desarrol-
un proyecto, poniendo el énfasis en sus experiencias laron algunas actividades con él. Antonacci produjo
realizadas previas y en la posibilidad de experimen- un video sobre la performance, que está disponible
tar el territorio del Instituto como un desencadenante en la web del Instituto, y Simões realizó una entre-
de reflexiones y de enriquecimiento de sus procesos vista que formará parte del desarrollo de su investi-
artísticos. El objetivo de la propuesta se centró en los gación actual.
intercambios entre ellos, de ellos con los visitantes Con intención de poner a los artistas resi-
invitados y de ellos con la comunidad local, artística dentes en contacto con el contexto local, se planifica-
y general. ron algunas visitas, como a el Parque Ecológico Itapuã,
Para estimular las reflexiones con los artistas una alfarería y cerámica, una granja de caballos, una
residentes y con la comunidad artística local, propusi- reserva indígena y un centro holístico. Todos estos es-
mos en el proyecto la participación de artistas y críti- pacios son parte del entorno del Instituto, y de algu-
cos visitantes, cada uno de ellos pasando alrededor de na manera dialogan con el mismo. Las visitas, por un
una semana en la residencia, en contacto intenso y, en lado, dieron a los artistas una mayor inserción en el
algunos casos, realizando eventos abiertos al públi- medio local y, por otro, proporcionaron a la comuni-
co. Como artistas visitantes tuvimos a Ayrson Herá- dad vecinal un mejor conocimiento del Instituto y la
clito y Leonardo Remor. Heráclito, además de convivir experiencia de una residencia internacional de artes
con los artistas, realizó un taller desarrollado en dos visuales. Además de las visitas al entorno del Insti-
días, llamada Comida Sagrada , cuando presentó al tuto, los artistas también hicieron el reconocimien-
público los principios de relación con la naturaleza to del Centro Histórico de Porto Alegre, visitando la
en las religiones afrobrasileñas y cómo su traba- Usina del Gasómetro, el Museo de Arte de Rio Grande
jo artístico dialoga con estos principios. Además do Sul y la Casa de Cultura Mario Quintana, donde
de esta presentación acompañada de diapositivas, se encuentra el Museo de Arte Contemporáneo. El

RESIDENCIA RURAL: ARTE Y NATURALEZA DESDE DIFERENTES PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 110
contacto de los artistas con estas instituciones tam- me gustaría señalar que todas las actividades de la
bién fue una forma de valorar la cultura de la ciudad. residencia fueron seguidas por fotógrafos y cineas-
Estas interacciones fueron parte de un pensamiento tas, quienes documentaron el proyecto paso a paso.
dialógico presente en el proyecto de residencia des- Esta documentación está disponible en el sitio web
de su origen hasta sus últimos momentos. del Instituto. http://www.institutoyvymaraey.org.br/
Dentro del proyecto, también se planifica- y sirve como un complementa a esta publicación,
ron actividades abiertas a la comunidad en general que cuenta con textos y entrevistas con los artistas
y a la artística más específicamente, entre las cuales y críticos que participaron en este ambicioso proyec-
destacamos la Mesa de apertura, realizada en el Cen- to. Acompañando a este material, un gran reperto-
tro Cultural Vila Flores, donde se presentó la propues- rio bibliográfico sobre el tema arte y naturaleza, que
ta de residencia y el trabajo previo de cada uno de los apoyó algunas de las reflexiones realizadas durante
artistas. Con los visitantes, tuvimos los dos días co- este fructífero mes de convivencia.
mentados de Comida Sagrada, dos conferencia en Cabe mencionar en la realización de todo
el Instituto Yvy Maraey una con María Isabel Rueda, este conjunto de actividades, las asociaciones con
coordinada por Cristina Ribas, y otra con Michelle las que contó el evento, como fue el caso del Centro
Sommer. Además una visita guiada en el espacio del Cultural Vila Flores y el Goethe Institut, que cedieron
Instituto, coordinada por el agrónomo ambiental- sus espacios para las sesiones de apertura y clau-
ista Paulo Backes, vicepresidente del Instituto. La sura de la residencia y dieron a los artistas la opor-
mesa de clausura se llevó a cabo en el auditorio del tunidad de conocer mejor las instituciones artísti-
Goethe Institut, en el que comentamos el desarrollo cas de Porto Alegre. El Instituto Cervantes fue otro de
de la residencia y cada uno de los artistas presentó nuestros asociados, ya que, desde la presentación de
sus reflexiones, experiencias y trabajos realizados. nuestro proyecto, su director ha acompañado nuestras
El cierre de las actividades fue el Open Studio, una actividades y nos ofreció la traducción al español del
actividad desarrollada durante todo un día en la texto de esta publicación. El Programa de Posgrado
sede del Instituto Yvy Maraey, cuando el público tuvo de UFRGS en Artes Visuales estuvo con nosotros en
la oportunidad de hablar con los artistas y ver los la figura de sus profesores y ex alumnos que par-
proyectos desarrollados por cada uno de ellos. ticiparon en la residencia en diferentes momentos
Concluyendo el relato de esta presentación, de su desarrollo. Los autores del proyecto fueron

RESIDENCIA RURAL: ARTE Y NATURALEZA DESDE DIFERENTES PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 111
un profesor y un alumno del Programa, dos críticos mejorar nuestra condición sensible. Por eso, siempre
visitantes son doctores allí formados, al igual que el vale la pena.
artista residente local era un dúo formado por dos
doctores también formados allí y, además en este 1 RUPP, Bettina. Residências em arte contem-
momento final, asume la publicación de este relato porânea: espaço, tempo e interlocução. 394 f.
en formato de libro electrónico e-book. Si bien toda (tésis) Programa de Pós-graduación en Artes
esta inserción en el entorno cultural de la ciudad no Visuais. Porto Alegre: UFRGS, 2017
estaba totalmente prevista en el proyecto, sí lo era
en los objetivos a alcanzar. Solo podemos alegrarnos
de que hayan superado nuestras expectativas.
Tenemos que agradecer a mucha gente por
todo lo bueno que ha sucedido, y esperamos record-
arlos a todos en nuestro agradecimiento. Sin embargo,
lo más importante es que se debe tener en cuenta
que este proyecto no habría salido de papel sin la
financiación del Fondo de Apoyo Cultural (FAC) del
gobierno estatal de RGS y el apoyo del programa de
Coincidencia de la fundación suiza Pro Helvetia, que
nos ofreció los recursos para su realización.
Concluyendo esta presentación, me gustaría
comentar que un proyecto es siempre una utopía, y
que toda experiencia colectiva contiene las con-
tradicciones de sus participantes, de modo que los
resultados logrados pueden o no cumplir con sus ex-
pectativas. Sin embargo, este tipo de experiencia es
fundamental para el ejercicio de prácticas artísticas
que involucran a la naturaleza, para que podamos

RESIDENCIA RURAL: ARTE Y NATURALEZA DESDE DIFERENTES PERSPECTIVAS MARIA AMELIA BULHÕES 112
“Ahora, la lengua flota a la deriva rollos de las discusiones sobre el paisaje han distan-
dispersa en tonos locales, ciado a los artistas, a los agentes del arte y a la huma-
en desinencias dispersas, nidad misma de la percepción de nuestra integridad
en significados inagotables, con el mundo. Por lo tanto, una visión completamente
en fragmentos: no se dice el sentido estetizada de la naturaleza que ha adquirido el encan-
de una vez ni para siempre – en ningún lugar. to profundo e íntimo de una leyenda antigua, pero una
Al contrario, todo habla es fragmento de leyenda en la que creemos, como ha dicho el sociólo-
un discurso inacabado, aplazamiento del sentido go Gabriel Tarde2, hace más de cien años. Y así con-
siempreabierto a interminables reutilizaciones.” tinuamos... especialmente a medida que avanzamos
José Luis Brea a través de la cronología hegemónica de la historia
del arte en los últimos quinientos años, comenzando
por la representación de la naturaleza en el Renaci-
Hay una historia en la que somos extras y miento, asombrándonos con lo sublime de la pintura
otra que protagonizamos y somos aniquiladores. La romántica y aplaudiendo la potencia de la actuación
primera es la del planeta Tierra, una esfera ígnea humana sobre el paisaje en las acciones del Land
errante en el universo infinito ... y la segunda es la Art.
del accidente cósmico que generó la vida en la Tierra, Este pensamiento en el campo del arte
produciendo la atmósfera, el clima, el medio ambi- apenas sigue el reflejo de un auténtico estado de
ente y, por lo tanto, todos los seres vivos. Entre el- excepción ontológica basado en la separación entre
los, nosotros, que nos hemos convertido en dueños naturaleza e historia.
y principales agentes del cambio del el planeta, al- A esta trama también debemos agregar el
terando el mundo del período relativamente estable excepcionalismo humano3. Deborah Danowski y Eduar-
del Holoceno a una nueva era geológica, este nue- do Viveiros de Castro presentan como una traducción
vo mundo de cambio climático y extinción masiva militante de este paradigma la imagen prometeica
llamado Antropoceno. del hombre como conquistador de la naturaleza: el
Hay otra historia más en curso que coloca hombre como ese ser que, emergiendo del desampa-
la cultura y la naturaleza como campos opuestos y ro del animal original, se apartó del mundo sólo para
homogéneos. En esta historia, las ideas y los desar- regresar a él, como su dueño.

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 113


Por otro lado, las culturas amerindias nunca lugar.
se han alejado de la naturaleza. Nunca la perdieron El contexto del Instituto Yvy Maraey, ubi-
incluso ante la presión, expulsión, violencia y geno- cado en el campo y vecino a las tierras indígenas
cidio de los colonizadores, recordando que este con- de Cantagalo, así como la etimología de su nombre,
texto de guerra y exterminio no ha terminado y sigue que como explica Ailton Krenak es parte de la cos-
vivo, como por ejemplo en las acciones y omisiones movisión guaraní y es un lugar que es un espejo de
del estado nacional brasileño en este mismo mo- la Tierra, pero sin todos sus defectos, o simplemente
mento. Las cosmovisiones de estos pueblos nos dan “la tierra sin mal”, desencadenó una de las ideas
la indiscernibilidad ontológica entre especies, vida y centrales del programa que fue compartir la com-
mundo. Visiones que aniquilan la distancia entre el prensión de la interdependencia ancestral entre la
orden cosmológico y el antropológica, porque para humanidad y el medio ambiente presente en esta
estas culturas, la humanidad y el mundo son insepa- cosmología.
rables y por lo tanto, contradiciendo la división bina- KA’A, del guaraní, arbusto, planta, derivación
ria entre naturaleza y sociedad. de la expresión, Ka’a-Iya que en la mitología guaraní
Estas consideraciones iniciales ilustran al- significa el lugar donde se encuentra la riqueza, en
gunas de las ideas que acompañaron la estructura- el sentido de abundancia de recursos naturales; y en
ción del proyecto KAÁ, un programa de residencia guaraní contemporáneo se puede entiender tambien
internacional que en marzo y abril 2019 dio la bien- como preservar la naturaleza.
venida a artistas, curadores y audiencias para com- A este campo de referencias cruzadas, rela-
partir producción artística en entorno rural en la ciu- cionadas tanto con la cosmovisión guaraní como con
dad de Porto Alegre. el contexto del Instituto Yvy Maraey, debemos agre-
La capital de Rio Grande do Sul tiene una gar el deseo de promover prácticas artísticas que re-
calidad única entre las capitales brasileñas, la saltan la presencia de la naturaleza y son capaces de
presencia de zona rural en el área metropolitana. Y hacernos más conscientes de nuestro nuevo lugar:
además tiene tierras indígenas demarcadas en ese ¡con la naturaleza, como la naturaleza, somos natu-
mismo perímetro. Este doble atributo nos hizo de- raleza! La naturaleza como plataforma existencial
cidir discutir, reflexionar y repensar las complejas para que los artistas nos sumerjan en las contra-
relaciones del binomio Arte y Naturaleza desde este dicciones de este desplazamiento tan necesario en

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 114


el campo del arte. Dentro de este alcance, las obras Ante esto, ¿tendría relevancia para el arte
ilustrativas y representativas fueron despreciadas contemporáneo cuestionar la fantasía disfuncional
y decidimos hacer prácticas capaces de dar lugar a de la autonomía que nos posiciona como seres vi-
reflexiones, preguntas y nuevos activismos. En este vos fuera del mundo? ¿Y cuál es la importancia de
trayecto, optamos también por rescatar el senti- adoptar los fenómenos naturales como una parte
do original de la ecología, un concepto creado hace permanente y urgente de un diálogo entre el arte, la
exactamente ciento cincuenta años por el biólogo humanidad y la preservación del medio ambiente?
alemán Ernst Haeckel, que significa la totalidad de ¿Cuál es la relevancia de etiquetar y separar las
relaciones entre un organismo y su mundo exterior. palabras cultura, naturaleza y arte, a día de hoy? ¿Son
El ensayista y curador canadiense John la biología y la historia del arte campos distantes? O
K. Grande afirma que “(...) debemos entender que ¿Son solo campos específicos y muy cercanos bajo
la naturaleza es el arte del que somos parte. Esto el paraguas de una historia colonial hegemónica?
puede parecer una gran generalización. Pero a pesar ¿Cuál es la importancia de un arte que se ocupa de
de la generalización, tiene mucho sentido. Nuestros experiencias con la naturaleza, en un mundo que se
cuerpos consumen la naturaleza como alimento. reconoce en las ideas del desarrollo, del progreso y
Respiramos aire. Los autos que manejamos están de la innovación tecnológica?
diseñados de acuerdo a la naturaleza. Nuestros Pensar en algunas respuestas a estas pre-
pensamientos inconscientes, sueños, entornos y guntas condicionó, eventualmente, la selección de
experiencias inmediatas no escapen de esta lógica, artistas residentes e invitados, así como el amplio
también son naturaleza”4 calendario de actividades públicas promovido por el
Pero no tenemos esta percepción propuesta programa Ka’a.
por Grande porque somos identidades construidas, Resulta interesante observar cómo operan
bajo el filtro del pensamiento colonial del europeo los artistas en la naturaleza, un lugar que explicita
blanco, en el que le dimos nombres a todo. Y antes de la nube ética que siempre acompaña a la práctica
experimentar el mundo tenemos una respuesta cog- artística. La artista catalana Fina Miralles afirma
nitiva-semántica para todas las cosas que vemos. que en sus acciones en la naturaleza “(...) busca ev-
Por lo tanto, es necesario propagar el entendimiento idenciar la relación entre el hombre con las mate-
de que no hay alteridad, ni señores, sólo un todo. rias naturales, sin ejercer ningún dominio sobre la

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 115


naturaleza, apenas interviniendo de un modo natu- pleja, discontinua y controvertida de un mundo nue-
ral como cualquier otro elemento”6. El alemán Nils- vo diferente al idealizado, en el que rural, indígena y
Udo, quien desde la década de 1960 ha estado con- religión no corresponden a categorías homogéneas,
tribuyendo con su trabajo a la expansión de ideas introduciendo a los participantes y visitantes a in-
relacionadas con la nomenclatura Environmental finitos laberintos culturales, sociales y éticos.
Art, opera en la naturaleza reorganizando los ele- Si observamos la Historia del Arte he-
mentos naturales encontrados, pero también traba- gemónica, podemos ver claramente dos modelos
ja con el cultivo de nuevas especies, que introduce o tradicionales de comportamiento de los artistas en
reintroduce formando nuevos paisajes, en una prác- relación con el medio ambiente8. El primero es el
tica en la que la naturaleza continúa creando estas modelo instrumental, que surge del deseo de co-
obras, confrontando así la noción de arte como un lonizar el territorio. En él, el artista quiere dominar
emprendimiento altamente especializado, distinto la naturaleza a través del conocimiento científico y
de la naturaleza. tecnológico, como en las obras de Robert Smithson,
En una pequeña reserva natural, como es Nancy Holt o James Turrell. Tomemos por ejemplo al
Instituto Yvy Maraey, la actividad de la naturaleza notorio Spiral Jetty, un trabajo que incluía tecnología
tiene expresión, ya que este lugar se cultivan árboles de aterramiento para la construcción de una espiral
y alimentos, se preservan los humedales7, una gran de rocas en Great Salt Lake en Utah. La viabilidad del
variedad de animales, caballos, vacas, gallinas, per- trabajo solo fue posible debido al importante respal-
ros, gatos están protegidos, además de las lechuzas do financiero del mecenas detrás de Smithson, la
búhos y toda la fauna silvestre de la región, ya que el galerista Virginia Dwan, heredera de la transna-
Instituto también está en la vecindad de la Reserva cional 3M. Dwan fue el gran defensor del American
Ambiental de Itapuã, lugares donde organizamos un Land Art y subvencionó a la mayoría de los artistas
picnic con derecho a bucear en el Guaíba, durante el del movimiento, incluyendo a Michael Heizer. Consid-
segundo día de residencia. eremos también otros dos ejemplos del citado mod-
Por otro lado, la situación de una edición elo instrumental, Sun Tunnels (1973-1976) de Nancy
inaugural y la innovación de ser la primera residencia Holt, en el que la artista hizo uso de la tecnología del
artística rural ubicada al lado de un territorio indíge- hormigón armado en la construcción de obra pública
na y de misiones religiosas ofrecía una visión com- para la creación de cuatro cilindros de cemento de

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 116


5.5 m de longitud por 2.8 m de diámetro. Los ‘túne- El dúo Ío, formado por Laura Cattani y Munir
les de sol’T se organizaron y alinearon en forma de Klant, los representantes locales de la residencia,
cruz abierta para enmarcar el sol en el horizonte trajo el argumento de la magnitud de la perpetuidad
durante el solsticio de verano y de invierno en una de la extinción en la historia de la vida de la natu-
región extensa y desolada de siete estados de EE. raleza. Desaparición, extinción y fin serían, en última
UU. También con hormigón armado, Roden Crater, un instancia, el gran denominador común de las espe-
proyecto aún en fase de desarrollo de James Turrell, cies que habitaron y habitan la tierra.
iniciado en 1977, en que el artista está construyendo Otra contribución existencial de este dúo nos
túneles y aberturas en un volcán extinguido para llamó a reflexionar sobre el azar, y en este ám-
proporcionar distintas percepciones de la luz a bito, sobre la imprevisibilidad de los encuentros y los
los visitantes. El segundo modelo es el romántico, acontecimientos en un mundo racional altamente
que implica la fantasía de no pertenecer, como en planificado como el nuestro. Los artistas subrayaron
las pinturas de los artistas itinerantes; o la ilusión la relevancia de tomar conciencia de que pequeñas
de volver a un estado primitivo, idealizado, rodeado variaciones en los acontecimientos tendrían conse-
permanentemente por la naturaleza. Aquí se enmar- cuencias muy distintas, aunque irrelevante, ya que
can todas las prácticas artísticas relacionadas con esta percepción sería incapaz de alterar la reali-
la representación del paisaje, desde la pintura hasta dad. Entre cabalgatas, entrenamiento de animales,
la fotografía, así como los actos de representación para crear una coreografía con una yegua, además
performativa, desde recorte de cuerpo y paisaje has- de construir nidos de pájaros con los más diversos
ta las instalaciones contemporáneas, como Riverbed materiales encontrados en el Instituto, la pareja
de Olafur Eliasson. experimentó un tiempo lento y acelerado, condicio-
En KA’A fue posible observar la validez de nado además por el tiempo compartido con otros
este pensamiento que subyace aún en el amplio es- residentes y con el extenso calendario de visitas, pero
pectro de prácticas artísticas definidas por el entor- también con la percepción de que para los animales,
no. Sin embargo, nuestros residentes agregaron una además de confianza, el tiempo adquiere dimensión
variedad de estratos conceptuales que escapan a la dilatada. En esta publicación los artistas hablan de
limitada dualidad binaria propuesta por la teórica los días pasados entre huesos, piedras, caballos,
Boetzkes. nidos y sus implicaciones semánticas, además de

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 117


otros conceptos y relatos informes subyacentes. artísticas en la naturaleza. En la primera, cuestionó
El paralelismo entre la combustión y la di- la separación inocua de materiales de producción
gestión acerca los cuerpos celestes a nuestro cuer- entre sintéticos y naturales, pues para la artista, en
po físico. Las investigaciones y prácticas de Carlos última instancia, los materiales sintéticos derivan y
Monleón abarcan el metabolismo y sus consecuen- son compuestos de materia prima natural. ¿Qué es
cias y al transferirlo a diferentes escalas, el artista sintético, si todo lo que existe está dispuesto como
nos conmina a entender la vida como un intestino elemento químico o mineral en nuestro planeta? Lo
delgado del vasto metabolismo del universo. que implicaría, por lo tanto, en la invalidez de esta
Desde esta perspectiva, Monleón nos advierte de las dicotomía. Y en la segunda cuestión, reflexionó sobre
patologías del planeta como el calentamiento glob- la idea arraigada del control de la humanidad, cuyas
al o la contaminación de las aguas están directa- bases se encontrarían en el paso del hombre recolec-
mente asociadas a las patologías de los individuos. tor-cazador a la vida agraria. Después, Simun se cen-
Del mismo modo como las influencias tóxicas están tró en la línea de tiempo de estos dos comportamien-
conectadas por el clima y la agricultura, y por lo tan- tos, señalando que fuimos cazadores-recolectores
to afectando al ambiente y a los organismos. En su durante 200,000 años y controlamos la naturaleza
capítulo de la seccion Zona Verde, el artista infor- a través de la agricultura apenas hace 10,000 años.
ma sobre Sus días pasados entre modelar arcilla y Concluyó su presentación indagándose cómo nues-
la cocción en diferentes hornos artesanales: de la tro cuerpo y nuestro ADN retienen la información
macro escala del horno gigante de alfarería Tropical, duradera de estas experiencias. En la sección Zona
vecina al Instituto, a la micro escala de los Miniga- Verde de esta publicación, la artista cuestiona la no-
mas japoneses – en una práctica donde nuevos há- ción de Antropoceno y hace la crítica de la estruc-
bitos personales de salud y trabajo artístico se retro- tura del programa, entendiendo esta edición de la
alimentaban. residencia como un circuito cerrado demasiado in-
En la primera presentación pública del pro- mediato y poco institucional, y que, más allá de esas
grama Ka’a fuera del Instituto que se realizó en la consideraciones, no hubiera debido preocuparse por
Asociación Vila Flores, tras los primeros diez días de el resultado final de la presentación al público, sino
residencia, la estadounidense Miriam Simun destacó que debía haberse comprometido con la idea de pro-
en su presentación dos cuestiones sobre prácticas porcionarse un espacio seguro, positivo y productivo

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 118


desde el punto de vista emocional. Dimitrov revela detalles de su política sobre el uso de
La rutina del desayuno de Ka’a comenzaba materiales naturales y sus destinos, en una práctica
con el mate tradicional y demoradas conversaciones artística que toma al público como objetivo específi-
con los residentes que iban y venían durante este mo- co del trabajo que va a ser presentado.
mento importante de encuentros e intercambios. Pan La producción de los residentes del pro-
de queso recién horneado, huevos revueltos, pasteles grama estructura el capítulo Zona Verde de esta
horneados la noche anterior, frutas y café caliente, publicación, en el que los curadores visitantes Ane
constituyeron un ritual diario en el que se percibía Rodríguez Armendariz, Bruna Fetter y Michelle
fácilmente la ausencia del divertido y cálido Rumen Sommer entrevistaron a los cuatro artistas, ali-
Dimitrov. Sólo nos encontraríamos con Dimitrov al mentando conversaciones y discusiones sobre pro-
sonar la llamada para el almuerzo. cesos creativos, metodologías de trabajo, líneas de
La rutina de la residencia, como es típico de investigación y trabajos previos.
la zona rural, seguía el horario diurno y estando en la Esta publicación también presenta informes
latitud sur y zona templada, esos días fueron largos, e impresiones de algunos de los curadores visitantes
hasta catorce horas de sol, Rumen pasaba todas las del programa, además de documentar dos talleres
mañanas preparando y ejecutando las dos monu- que formaron parte de la residencia. La sección
mentales esculturas hechas de eucalipto, presenta- Tramas Entrecruzadas de Una Travesia Compartida
das en el último día del programa, Open Studio, en el presenta dos informes en primera persona, el prime-
que recibimos las visitas de la comunidad que rodea ro del curador visitante Ane Rodríguez Armendariz
al Instituto, así como de muchos amigos artistas y y el segundo del gestor cultural suizo, Richard Le
agentes del mundo del arte. Quellec. El taller de Comida Sagrada, Ayrson Herá-
Con Dimitrov aprendemos sobre disciplina y clito compartió algunas de las prácticas rituales de
enfoque, sobre el trabajo incansable para lograr ob- Candomblé vinculadas a la comida. Y entre ingredi-
jetivos ambiciosos. Trabajar a gran escala significa entes, preparación colectiva de alimentos, música
poco espacio para emprender otros proyectos si el y mitos sobre los Orixás, el artista reflexionó sobre
deseo inicial, la idea perseguida, no funciona. Uno esta cosmología que entiende, como la guaraní, la in-
siempre debe seguir adelante y tomar decisiones separabilidad del cosmos, la naturaleza y la experien-
contra cualquier adversidad. En esta publicación cia humana. Cuando hablamos con los Orixás, dei-

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 119


dades vinculadas a fenómenos naturales, podemos por una comunidad de jóvenes de entre 15 y 25 años
conectarnos con las fuerzas vitales más diversas y que trabajan en red en las más diversas localidades
podemos extraer de estos vínculos la determinación del globo.
para lidiar con los dilemas y contratiempos diarios. Los registros de temperatura de los últimos
En la segunda, el agrónomo Paulo Backes hizo el cuatro años, además de la contaminación atmos-
reconocimiento del paisaje de la zona rural de Porto férica9 demuestran la urgencia en la inclusión de
Alegre, mostrando las fuerzas físicas y recursos bi- nuevos parámetros para el mundo, lo que no excluye
ológicos involucrados en un ecosistema vinculado a prácticas artísticas en el paisaje. Los viejos paradig-
la dinámica del lago Guaíba y Laguna de los Patos. mas del Land Art y del Environmental Art ya no nos
El capítulo El Mundo de Los Seres. Un Triálo- sirven para explicar la complejidad de las posibles
go sobre Clarividencia, Energía Positiva y Derecho intervenciones artísticas en el medio ambiente. Las
a la Vida de las Plantas reúne una serie de percep- antiguas consideraciones poéticas relacionadas al
ciones, prosa poética, referencias y provocaciones, transcurrir del tiempo, los fenómenos meteorológi-
compartidas conmigo durante dos meses y en las cos, la observación de la vegetación, la calidad e in-
que participaron activamente la curadora visitante tensidad de la luz no tienen sentido en un contexto
Maria Isabel Rueda y el artista visitante Leonardo alarmante de reiterada deforestación, recurrentes
Remor. En esta triangulación discutimos sobre los incendios forestales y contaminación del agua a es-
acontecimientos y eventos de la residencia, inspira- cala global.
dos en las ideas del libro ¿Hay un mundo por venir? La gradual erosión de nuestra separación de
Ensayo sobre los Miedos y los Fines de Danowski y la naturaleza, que nos une con la respiración de la
Viveros de Castro. tierra y nos inserta en el todo que nunca evadimos, es
Desde el comienzo de la conceptualización un paso importante, pero no suficiente, ya que el arte
del proyecto KA’A en noviembre de 2017, las eviden- debe deconstruir también las ideas vinculadas al
cias científicas sobre la realidad del cambio climáti- progreso y al crecimiento, porque, cuando hablamos
co se han convertido cada vez más contundentes y de crecimiento, todavía pensamos solo en el creci-
los efectos del calentamiento global se manifiestan miento económico. ¿Qué pasa si afinamos esta cor-
más claramente en nuestra vida cotidiana, también relación? ¿Por qué seguimos cultivando el consumo
hay una creciente insurgencia activista practicada y no el conocimiento? ¿Porque ese orden impuesto

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 120


parece natural? ¿Y si las pautas macropolíticas ger- 2 DOTTI, Marco. Frammenti di Felicità Futura.
minaran el crecimiento humano, en un sentido educa- Gabriel Tarde e l’histoire. https://www.academia.
tivo, cultural, y ampliaran las reservas ambientales? edu/9962602/Frammenti_di_felicit%C3%A0_
Lo que buscamos en esta publicación fue futura._Gabriel_Tarde_e_lhistoire
el registro de un conjunto de diferentes visiones del
mundo y posturas propias que, obviamente, impli- 3 DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO,
can una ética personal y cultural para organizar una Eduardo. ¿Hay Mundo por venir? Ensayo sobre
plataforma plural sobre las relaciones del recorte de los Miedos y los Fines. Buenos Aires: Caja Negra
Arte y Naturaleza. En las páginas siguientes, invita- Editora, 2019
mos al lector a conocer la producción de cada uno
de los artistas residentes, además de leer las graba- 4 GRANDE, John K. Diálogos Arte Naturaleza.
ciones, anotaciones y diálogos entre participantes y Lanzarote: Fundación César Manrique, 2005.
organizadores del programa ¡Les deseamos a todos
una buena lectura! 5 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política.
Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

6 COMBALIA DEXEUS, Victoria; QUERALT, Rosa.


El Arte Sucede. Origen de las Prácticas Con-
ceptuales en España, 1965-1980. Madrid: Kol-
do Mitxelena Kulturunea, Diputación Foral de
Gipuzkoa y Museo Reina Sofía, 2005.

7 El Humedal es parte del ecosistema de la


Pampa, llanuras fértiles de América del Sur que
cubren más de 750,000 km² e incluye las pro-
vincias argentinas de Buenos Aires, La Pampa,
Santa Fe, Entre Ríos y Córdoba; todo Uruguay; y
parte de Rio Grande do Sul, en Brasil.

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 121


8 Perspectivas presentadas por la investigado-
ra estadounidense Amanda Boetzkes, en las
cuales divide las actitudes de los artistas hacia
la naturaleza en instrumentales y románticas.
La teórica, a través de estos dos modelos de tra-
bajo, reflexiona sobre las implicaciones éticas
de Arte realizado en la naturaleza. BOETZKES,
Amanda. The Ethics of Earth Art. Minneapolis:
University of Minnesota, 2010.

9 Según los informes de IPCC, the Intergovern-


mental Panel on Climate Change – https://www.
ipcc.ch/

PRESENTACIÓN SIMBIOSIS DENIS RODRIGUEZ 122


TRAMAS ENTRECRUZADAS DE UNA TRAVESÍA COMPARTIDA 123
LAS PRESENTACIONES de modos de hacer, siempre acaban por reafirmar,
La primera vez que oí hablar del Instituto Ivy cuestionar o modificar nuestros propios modelos.
Maraey y de la residencia que querían poner en mar-
cha fue en febrero de 2018 durante ARCO. Conocí a LA INVITACIÓN
Denis Rodriguez en un encuentro del sector del arte En verano de 2018 me llegó la invitación para
contemporáneo que había organizado la iniciativa formar parte del jurado de selección de la primera
independiente Open Studios con la colaboración de edición de esta residencia que iba a acoger durante
Acción Cultural Española con el objetivo de poner en cuatro semanas a cuatro artistas cuyos proyectos se
contacto a profesionales españoles con un grupo de situasen en el ámbito del arte y la naturaleza en una
invitados internacionales a la feria de ARCO. finca rural del área metropolitana de Porto Alegre,
Yo, entonces, era directora cultural de Tab- Brasil.
akalera, el centro internacional de cultura contem- Acepté por varios motivos. Por un lado,
poránea de San Sebastián, en el norte de España, siempre me resulta estimulante tener la oportuni-
un centro que apenas llevaba funcionando dos años dad de conocer nuevos artistas, sus proyectos, o los
y medio. Entre sus objetivos principales, sin lugar a proyectos que se encuentran desarrollando aquellos
duda, siempre ha estado el apoyo al desarrollo de las artistas que ya conozco. Siempre acabo estas expe-
trayectorias de los artistas, a su práctica, mediante riencias con la sensación de haber aprendido cosas
la formación, así como mediante el acompañamiento nuevas gracias a las conversaciones y discusiones
en proyectos y programas de residencias. mantenidas con el resto de los miembros del jurado.
Tras la ronda de presentaciones, enseguida En segundo lugar, conozco las dificultades
nos acercamos para conversar a partir del interés que entraña poner en marcha un proyecto de es-
mutuo manifestado por conocer diferentes modelos tas características y, por lo tanto, la importancia de
de residencias y la posibilidad de realizar intercam- tener un grupo de prescriptores que apuesten por su
bios. A veces estas conversaciones quedan en nada. nacimiento. Merecía mi apoyo, más aún, por ser un
Bueno, nunca en nada, ya que a partir de estos en- proyecto independiente, nacido a partir del deseo
cuentros vamos dando forma a nuestro pensamiento y y la creencia de un artista, Irineu Garcia, y una in-
práctica. Nos encontramos trabajando para el mismo vestigadora, Maria Amelia Bulhões, de que desde la
colectivo, el artístico, y el intercambio de perspectiva, madurez de sus carreras pueden generar un espa-

SOBRE CÓMO CONOCÍ Y EXPERIMENTÉ KAA ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 124


cio de devolución a la comunidad artística mediante Para cuando llegué los artistas se encontra-
la creación de un espacio de trabajo y diálogo tan ban en un lugar avanzado de sus procesos, aunque
generoso. de manera desigual. Una residencia de estas carac-
Por cuestiones logísticas, la convocatoria terísticas debe de dar espacio para la investigación
fue retrasándose hasta su celebración en primavera y la experimentación, la reflexión y la creación, para
de 2019. El número y diversidad de propuestas re- el tiempo productivo y el no productivo. Cada proyec-
cibidas fue muy indicativo a la hora de demostrar to, por su propia naturaleza, requiere de procesos y
la necesidad de este tipo de espacios que acom- tempos productivos diferentes.
pañan a artistas en sus procesos de ideación y Cuando un artista se presenta a una estan-
ejecución de proyectos. cia como esta ya no solo se enfrenta a su propio tra-
bajo, a una posible hoja en blanco, sino también al
LA RESIDENCIA resto de artistas, a las conversaciones, a las visiones
Tuve el placer de acompañar a los artistas externas, a las críticas y a lo que venga. Una de las
seleccionados y los organizadores en su cuarta y úl- ventajas del medio rural es que contribuye a una per-
tima semana de residencia en lo que consideré un cepción del tiempo diferente, que requiere de un rea-
pequeño parón y deslocalización de mi trabajo. En juste para la adaptación al ritmo biológico del cam-
este mundo acelerado, orientado a la productividad, po – los cantos del gallo, el dictado de la luz natural,
el arte y las pautas que lo guían también se han su- pero también los mosquitos y la dependencia para la
mado a ese ritmo frenético. Disponer, en ese senti- movilidad.
do, de una semana para mantener conversaciones El programa estuvo acompañado de difer-
de acompañamiento, dar paseos por la naturaleza, entes visitas de profesionales y actividades que nu-
hacer lecturas y sesiones de intercambio que enri- trieron los proyectos desde diferentes perspectivas.
quecen la práctica de cada uno fue un lujo. Hay que Una parte muy importante desde mi punto de vista es
abogar, sin lugar a duda, por recuperar esos espaci- precisamente qué ocurría fuera de esas actividades
os considerados “no productivos” (desde un punto de más pautadas, en la convivencia y la relación diaria
vista fordiano), que realmente sí lo son porque nos entre los artistas, entre los artistas y los organiza-
ponen en contacto con la naturaleza, nuestro ser y dores, entre las mujeres que cocinaban y los artistas,
pensamiento. los organizadores y los invitados…Variaciones múl-

SOBRE CÓMO CONOCÍ Y EXPERIMENTÉ KAA ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 125


tiples que acababan por cruzarse y encontrarse en idencia KAA ya ha hecho lo más importante: poner
un lugar muy importante en cualquier residencia: la en marcha una infraestructura acompañada por una
cocina. red de relaciones y testear la capacidad y las posi-
Personalmente, y desde mi experiencia pro- bilidades del contexto rural aplicadas a la práctica
fesional, pienso que las conversaciones más inte- artística.
resantes se dan en espacios no formales, no regla- En tiempos como los de ahora de dificultad
dos para tal fin. La espontaneidad, la cercanía, los política y social, cada vez son más imprescindibles
afectos facilitan un espacio flexible en el que todos lugares de intercambio y producción de conocimien-
tenemos algo en común, la comida. La cocina del to como este, la acción desde la escala pequeña
instituto, abierta, facilitaba las conversaciones, la de afección inmediata en el contexto más cercano.
posibilidad de cocinar, de háztelo tú mismo o de es- Estos proyectos no solo benefician a un contexto
tar al cuidado de las personas que se encargaban de artístico sino también al desarrollo de una sociedad
preparar todas las comidas del día. más crítica y autónoma a la hora de pensar.
La residencia acabó también en la cocina,
en el día de la presentación final donde los artistas
residentes, los profesionales invitados, los vecinos
de la finca, las trabajadoras, pasaban a comer un
bocado y conversar después (o antes) de haber dado
un paseo por el terreno de la finca descubriendo las
instalaciones de los residentes.

PROYECTOS NECESARIOS
Una residencia requiere algo más de un es-
tudio y tiempo para su ejecución. Requiere de recur-
sos materiales e inmateriales; de espacio, herrami-
entas, pero también del acompañamiento y de la
capacidad de responder a unas necesidades logísti-
cas de cada artista. Esta primera edición de la res-

SOBRE CÓMO CONOCÍ Y EXPERIMENTÉ KAA ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ 126


Llegué a Porto Alegre, después de una corta caba la complicidad posible de criarse con este ani-
estancia de cuatro días en Río de Janeiro. Esto fue mi mal extremadamente inteligente. Irineu me habló de
primer viaje a Brasil y estos cuatro días fueron una Ia importancia de la doma. Si ninguno de nosotros
fuente de admiración y tristeza para mí. Me maravilló cuestionó el punto de vista del otro, la manera cómo
la belleza de la fauna y la flora, así como con la ar- mencionamos la parte más característica de nuestra
quitectura de edificios en las cimas de Santa Tere- propia relación, Ponía en evidencia el tipo de cambio
sa y en ciertos barrios. Tristeza ante tanta pobreza. que estaba en marcha y que se operaba a distintos
Pobreza es un término que no me gusta. Al igual que niveles y aspectos de mi estancia.
el término miseria, ampliamente utilizada por los Irineu me gustó de inmediato y creo que fue
occidentales ricos para evaluar una relación de ac- recíproco. Él es una persona dura y terca, con una
cesibilidad al modelo de consumo capitalista. Sería forma muy singular de ver y hacer las cosas. Es un
más políticamente correcto hablar de precariedad, artista como eran los artistas del siglo XIX, abruptos
pero el término precario implica un estado temporal. pero generosos. Brusca y generoso también es como
Pero la situación económica que vi en Río, y después yo llamaría la vegetación de esa región.
en la región de Rio Grande do Sul, de ninguna manera Mi visión de “turista” recién aterrizado fue
refleja una miseria, pero un estado general de dete- un poco decepcionante. Debo admitir que este viaje
rioro inexorable que arruina a las personas, la in- de diez días implicaba mucho trabajo antes de irme
fraestructura y la “naturaleza”. Pongo la naturaleza y que no había leído nada sobre esta parte de Bra-
entre comillas porque hoy sabemos cómo ese térmi- sil, excepto las tres páginas que recibí de Denis y
no define una idea romántica de un espacio virgen que hablaba de una comunidad guaraní sobre la que
de la mano del hombre, de un conjunto de elementos había leído algunos artículos, También había leído
no humanos y sus interrelaciones. La situación de algunas páginas de una guía de viajes sobre Brasil
Brasil también me mostró que cuando el hombre se que recogí prestado de la biblioteca y no decía casi
adapta a su ambiente, adapta su entorno en lo máxi- nada sobre este lugar donde estaba ahora.
mo posible a su propia persona. Me imaginaba encontrar una residencia
En el trayecto hasta el Instituto, que duró artística en medio de la selva. Debo admitir que es-
aproximadamente una hora y media, Le pregunté a taba un poco decepcionado, no había selva, ni ani-
Irineu, mi anfitrión, si tenía caballos. Mientras evo- males ni frutas silvestres, excepto en el supermer-

SELVA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 127


cado. Bueno ... había una araña venenosa donde Entonces vi al conductor del taxi correr a pie por un
hicimos las comidas diarias. El trabajador guaraní camino lateral. Uno de los atacantes se sube al taxi
del Instituto me dijo que su aguijón era mortal. Esta- mientras los otros atacaron a los pasajeros de la mo-
ba a 1m 50 de altura, alguien podía pasar fácilmente tocicleta que se defendieron. Uno de los atacantes
y ser picado, pero eso no parecía molestar a nadie. disparó varios tiros al suelo. Los motociclistas retro-
La indiferencia brasileña también muestra una for- cedieron. Y los ladrones robaron la moto y el taxi con
ma de relacionarse con el medio ambiente y la vida nuestras maletas dentro. Caminamos una hora hasta
que funciona a otra escala. llegar a la hacienda y prácticamente no dormimos.
Ahora quiero contar un caso que ocurrió A la mañana siguiente, presentamos un in-
unos días antes de mi partida. Estábamos en Porto forme policial. El policía me recordó a Tommy Lee
Alegre y regresaríamos con un taxi a la granja de ca- Jones. Genial policía, pero decepcionado por la fal-
ballos, donde estaban los curadores visitantes del ta de estructura y recursos, más allá de la violencia
programa. El conductor parecía un poco perdido y generada por la pobreza. Recibió nuestra queja, nos
conducía lentamente cuando un automóvil nos hizo firmar y, cuando Leo preguntó si habría una in-
adelantó y bloqueó el camino. Cinco personas en- vestigación, respondió: “Sin muerte, sin heridas... sin
capuchadas y armadas en el nos abordaron, rindie- investigación”. Casi se disculpó por esta franqueza,
ron al conductor y a los tres pasajeros del taxi, yo, Leo, pero después de que pasamos por otra comisaría
uno de los artistas y Denis, uno de los organizadores antes de esta y ya entendí lo que quería decir. Cuan-
de la residencia. Hicieron salir a todos los pasajeros do salimos, se formó una fila para presentar más
del auto excepto al conductor. Y nos hicieron cami- quejas. En el día siguiente recordamos que el telé-
nar con la cabeza baja a punta de pistola hasta el fono robado de Denis tenía geolocalizador y por eso
asiento trasero del automóvil que bloqueaba la calle. localizamos por internet donde estaba el celular.
Cerraron las puertas del vehículo, dejándonos allí Sabíamos exactamente en qué casa estaba. Lla-
con el conductor y otro hombre armado. De repente, mamos a la estación de policía. Un oficial de policía
las puertas traseras se abren y gritando nos dijeron nos dijo que debería haber una orden de arresto. Y
que nos fuéramos. Cuando salimos, vimos una moto- eso fue a regañadientes, incluso con las llamadas
cicleta acercarse, y el auto que cruzó la carretera se del consulado suizo, no se hizo nada y eso me había
fue (quizás para que nadie pudiera ver la matrícula). tranquilizado un poco.

SELVA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 128


No conté este caso para dar un espectácu-
lo. Tampoco fue para afirmar que Brasil es peligroso
sino para contar que esos acontecimientos fueron la
mejor experiencia de una relación con la “naturaleza”
que he vivido. Puse la naturaleza entre comillas
porque sé que hoy nunca podría imaginar un bosque
exuberante como imaginaba Brasil, sin recordar que
el hombre es parte, inevitablemente, de esa natu-
raleza.

SELVA EXUBERANTE RICHARD LE QUELLEC 129


El enfoque interdisciplinario sobre la natu- sabanas y campos coexisten dispersos como en un
raleza es una necesidad para comprender el paisa- mosaico a través del territorio. En el taller de Paisaje,
je que nos rodea. Usar los sentidos en consonancia Percepción y Conocimiento abordé esta naturaleza
con el conocimiento científico provoca que haya un del paisaje del Instituto Yvy Maraey, su entorno in-
salto en la comprensión del todo, de las interconex- mediato y su contexto regional.
iones del mundo natural y humano. Goethe y Hum- Examinamos la integración entre Arte y
boldt fueron algunos de los pioneros en este tipo Ecología, en la cual, el reconocimiento del paisaje se
de enfoque tardío. del siglo XVIII y principios del ha vuelto más que urgente en nuestros días. En un
XIX. Y ambos influyeron en Darwin, quién gracias mundo de pos-verdades, la desconexión de las per-
a las ideas de Humboldt, tuvo la inspiración y el sonas con la naturaleza aumenta significativamente.
coraje de escribir El origen de las especies . Arte Y comprender el paisaje, la naturaleza, sus prota-
y Ecología han estado juntos durante mucho tiem- gonistas y cómo interactúan formando espacios es
po, subsidiándose mutuamente, y esta integración una de las tareas de la ecología. Traer reflexiones
inspiró al creador de la ciencia y la palabra ecología, a través de la percepción y de la sensibilización ha-
Ernst Haeckel. cia el paisaje es un hermoso papel que el arte puede
De manera semejante a aquellos naturalis- ejercer.
tas y viajeros de siglos pasados, recorrer un territorio El taller impartido durante la residencia Ka’a
nuevo, desconocido, sigue siendo fascinante y desa- tuvo como objetivo conectar a los participantes con
fiante. Desentrañar y conocer la totalidad del paisaje el territorio del instituto, con sus protagonistas na-
sin la ayuda de los sentidos es una tarea imposible, turales, a través de caminatas y rondas de debates
todavía más, en nuestros tiempos de ciencia frag- acompañadas de textos y de imágenes.
mentada, llena de especialistas. En las mesas, algunos “amansaburros” de referencia
El paisaje de Porto Alegre es un lugar de en- para consultas e investigaciones. ¿Quiénes son estos
cuentro de eras geológicas con diferencias de edades protagonistas, sus orígenes, cómo actúan, qué fuer-
de cientos de millones de años. Viejos granitos con- zas físicas y biológicas están involucradas? Estos y
viven con jóvenes planicies aluviales. Para esta otros fueron algunos de los problemas que se abor-
riqueza geobotánica prospera una biota originada daron, siempre con un enfoque sensorial y cognitivo.
en casi todos los biomas sudamericanos. Bosques,

PAISAJE, PERCEPCIÓN Y CONOCIMIENTO PAULO BACKES 130


En los días 2 y 3 de abril organicé un taller máximo estos elementos naturales, este encuentro
que presentó de manera introductoria y didáctica el con el poder vital, necesitamos hablar con la natu-
significado mítico y la preparación de algunos pla- raleza y extraer de ese vínculo la fuerza que cada
tos ofrecidos a deidades africanas como Amalá para ser vivo tiene para ofrecernos.
Xangó y Omolokum para Oxum. También preparamos En los dos días del encuentro en la cocina
la tradicional moqueca de pescado de Bahía para abierta del Instituto Yvy Maraey, los ingredientes,
Oxúm y Yemanyá. Se puede ofrecer la moqueca a to- la preparación colectiva de alimentos, la música y
das las deidades vinculadas al elemento agua. los mitos sobre los Orixás completaron esta acción
La alimentación en las prácticas religiosas participativa que finalmente ofreció comida a los
afrobrasileñas juega un sentido ritual multipropósi- dioses, pero también alimentó a los nuevos amigos
to, en el que, además del cuerpo físico, también se y colaboradores. A diferencia de la cocina sagrada
alimenta el cuerpo espiritual. Ofrecer comida a las ritualista o de la cocina de los terreiros, dirigida y,
deidades negras es nutrir nuestras almas y evocar por lo tanto, bajo la responsabilidad de los ekedis ,
protección. Todos los elementos y etapas que que generalmente son los ancianos de la comuni-
constituyen las ofrendas de la cocina sagrada ex- dad, me comprometí a compartir el lado permitido de
presan deseos comunes a todas las personas, tales los rituales sagrados, que cuentan también con una
como tranquilidad, paz, salud, prosperidad, riqueza, serie de tradiciones ocultas, disponibles solamente
buena suerte, amor, longevidad. para los iniciados. Se hace esencial el cuidado y la
Además, como es bien sabido, las deidades atención en cada una de las etapas de la preparación
africanas, o simplemente los Orixás, representan de las ofrendas en la cocina sagrada, ya que la
fenómenos de la naturaleza, reflejando una cos- negligencia puede ocasionar problemas futuros
mología que comprende la inseparabilidad del cos- con el Orixá.
mos, de la naturaleza y de la experiencia humana. El taller de comida sagrada fue un recorri-
Una integridad interdependiente y en equilibrio. Por do artístico construido simbólicamente a partir de
lo tanto, en el Candomblé, se adora a los espíritus de los alimentos que forman parte de la cultura de las
la naturaleza. Así, la práctica de ofrecer comida a los comunidades religiosas. Una cultura basada en la
dioses es una forma de conectarse con la naturaleza, oralidad, en la que la comida ofrecida a las deidades
que requiere tranquilidad, una reconexión con los es también una vía de aprendizaje e intercambio de
ciclos naturales de la vida. Y para aprovechar al conocimientos entre los practicantes de Candomblé.

COMIDA SAGRADA AYRSON HERÁCLITO 131


Esta conversación surgió del deseo de y qué significa estar en el mundo. Es observando
repensar algunos hechos y situaciones que ocur- y estudiando las plantas como podremos com-
rieron en la residencia cinco meses después de su prender de qué es realmente capaz la mente y
conclusión. También tenía como objetivo registrar qué puede hacer el espíritu. Demuestran una in-
algunas emociones y recuerdos que todavía es- diferencia soberana: a nuestro mundo de hom-
taban dispersos. bres, a la cultura de los pueblos, a la sucesión
Maria Isabel Rueda propuso una dinámi- de reinos y épocas del espíritu. Pueden ser muy
ca de preguntas relacionadas con el libro ¿Hay un elegantes, pero no siguen la moda. Sin embar-
Mundo por Venir? Ensayo sobre los Miedos y Fines, go, ningún otro ser vivo contribuye tanto como lo
de Deborah Danowski y Eduardo Viveiros de Castro, hace a la calidad estética del cosmos.
que casualmente estábamos leyendo los tres en ese Parecen ausentes, como blindadas en su sueño
momento. químico. No tienen sentidos. Pero no es una cer-
Leonardo Remor sugirió que además de las razón: nadie más que ellas se adhieren al mundo
respuestas, deberíamos hacer comentarios y digre- que las rodea. Están constantemente expuestas
siones. Y que pensáramos en esta escritura colectiva al mundo y a su propio ambiente. No necesitan
como un recurso de autocuidado. órganos sensoriales porque, a diferencia de la
Y a mí me cupo dar el puntapié inicial. mayoría de los animales superiores, no tienen
una relación selectiva con el mundo a su alre-
Denis Rodríguez: María Isabel quisiera comenzar dedor. Son la vida en exposición global, en abso-
nuestro triálogo contándole sobre una situación que luta continuidad, en absoluta comunión con lo
sucedió durante la residencia, pero antes de eso que las circunda. Por eso no necesitan moverse.
quiero compartir con ustedes un fragmento del her- No moverse significa adherirse completamente
moso texto de Emmanuele Coccia, Mente e Matéria a cuanto sucede y a lo que las rodea. Una planta
ou a Vida das Plantas10, con el deseo de crear un mar- no es separable del mundo que la recibe. Es la
co para nuestra conversación, forma más intensa y paradigmática de ser-en-
el-mundo “.
“(…) es estando frente a las plantas que se nos
hace necesario preguntarnos qué es un ser vivo Pensé que era importante reproducir este texto de

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 132
Coccia para introducir el episodio de la tala del eu- Maria Isabel Rueda: Un pájaro estrelló violenta-
calipto realizada por el residente Rumen Dimitrov, mente esta mañana en mi casa contra la puerta de
material con el que produjo las dos instalaciones vidrio que me permite ver el hermoso jardín en el que
presentadas al final de la residencia. La muerte del vivo, mientras tomaba mi café en el desayuno. Esta-
eucalipto generó un gran malestar entre los resi- ba admirando la humilde belleza del amanecer. Y un
dentes, especialmente entre los dos provenientes pájaro murió. No detectó el límite, transparente, en-
del hemisferio norte, que durante la cena de la no- gañoso.
che de la caída del árbol usaron palabras fuertes Lo enterré al lado de la mata de coca que
como asesinato, negligencia e inconsistencia de los está creciendo de forma extremadamente lenta en el
coordinadores del programa por permitir tal acto. mismo jardín que me deleitaba esta mañana mien-
Laura Cattani, del dúo Ío, fotografió el tronco caído tras tomaba café.
momentos después de la tala. En estas imágenes, la Justo al lado está enterrado Norman, mi
médula vegetal se parecía a una arteria abierta de adorado gato. Murió hace dos años de sida felino al
un color rojo intenso. La argumentación de los artis- igual que mi mejor amigo Wil, que no está enterrado
tas escandalizados gravitó en torno a una especie de en mi jardín.
denuncia ecológica radical, de un daño irreparable al Me deleito pensando que algún día mas-
medio ambiente y, por lo tanto, inaceptable en una caré las hojas de coca que me regalará el árbol y ab-
residencia que pretendía discutir las ambivalentes sorberé un poquito de mi gato y del pájaro muerto.
y sensibles relaciones en el ámbito de Arte y Natu- ¿Quién domina nuestros límites cuando nos
raleza. No se hizo mención a la metafísica vegetal son invisibles? ¿Quién los custodia?
presente en el pensamiento de Coccia, ni a nuestra ¿Dónde empieza la planta y termina el hu-
evidente demanda de nutrición, que nos hace matar mano y comienza lo muerto y termina lo vivo?
y dominar todas las especies de plantas y árboles, Todo está inescrupulosamente interconec-
ni el hecho de que los árboles son parte de nuestra tado. Somos el pájaro, el vidrio, la muerte, el café, la
cultura, en términos arquitectónicos, de paisajismo, hoja de coca, el gato, la tierra y la mujer que mira el
de mobiliario, etc. Me gustaría escuchar tus comen- hermoso amanecer.
tarios sobre este breve enfrentamiento que ocurrió Toda ética que aplicamos hacia nosotros
al comienzo de la residencia. mismos debe contemplar el vuelo de los demás. No

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 133
podemos pasar a través y salir ilesos. En un momento dado, el grupo decidió canal-
Mi pregunta: izar las energías vitales del Reiki hacia el calentam-
Un humano derribó un antiguo eucalipto y iento global. Luego leemos el texto On Heat12, en el
diseñó una gran silla. ¿Qué humano ocupará seme- que Denise nos invita a pensar en cómo los cambios
jante puesto? Háblame un poco cómo imaginas el climáticos corresponden a la explotación extensiva e
humano por venir… ¿se habló de eso en la residen- intensiva de los recursos, desde las materias primas
cia? ¿Éramos los residentes y los invitados mismos hasta los medios de producción, incluida en esta
una apuesta? ¿En qué sentido? perspectiva la energía interna de los esclavos africa-
nos y de las tierras indígenas, que existen ahora en
Leonardo Remor: ¿El humano por venir? El otro por forma de capital global.
venir es un mundo. Un mundo sin nuestra presencia. Después de una sesión de auto práctica, vis-
Un mundo nuevo después de nuestra lenta auto-ex- lumbré, y entendí, el calentamiento global como un
tinción. Es justo que después de haber extinguido proceso de auto-curación del planeta.
tantas otras especies animales, vegetales, mine- La escritura puede ser esa herramienta que
rales... nos extingamos. El auto-exterminio como haga conscientes nuestras experiencias, ampliando
una cura del planeta. nuestra comprensión acerca de lo que vivimos. ¿Qué
La silla de Rumen estará vacía y no habrá tal usar este espacio, estas líneas, para además de
nadie capaz de reconocer esta forma. La silla todavía compartir, promover la curación de algunas de las
es el eucalipto. Y seguirá – como todo y todos – en un experiencias vividas durante la residencia?
proceso continuo de transformación. De la madera
al fuego, de las cenizas a la tierra. Afortunadamente, Denis Rodríguez: Todavía sobre la silla, añadiría que
todo se descompone. Alimento para las vidas por ve- muchos otros seguirán ocupando este lugar, María
nir. Isabel. De ellos, pocos sobrevivirán a la larga vida de
Recientemente participe en el segundo la silla de eucalipto. El ecocidio practicado exige la
Sensing Salon11, con Valentina Desideri y Denise Fer- urgencia del activismo, de las afirmaciones éticas
reira da Silva, un programa que utilizo el Reiki como sobre un mundo en el que los pensamientos cerca-
una técnica para la expansión de las posibilidades nos a menudo ocupan posiciones adversas. El acti-
de las prácticas artísticas. vismo practicado en la mesa del comedor, en la mesa

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 134
del bar o en las estrechas burbujas algorítmicas de la circulación de una variedad de narraciones, de
las redes sociales rara vez alcanza a los verdaderos puntos de vista, que consolidan la comprensión de la
adversarios que continúan aplastando logros y dere- multiplicidad de verdades sobre un mismo fenómeno.
chos, y practican el ecocidio a una escala masiva, ¿Y qué genera más conversación el consen-
como el degradante, triste y verdadero crimen de- so o la disidencia? ¿Con quién aprendo más? ¿Con
nominado “Día del fuego”13, practicado hace menos las personas más cercanas a mí con quienes com-
de dos meses en el norte de Brasil. Sin embargo, no parto las mismas ideas? ¿O con aquellos que son
estoy argumentando que no valga la pena militar diferentes y me presentan nuevas posibilidades?
por la vida de un único árbol, pero me pregunto si la Organizar una residencia es vivir con lo diferente
interrupción de esta vida pudo contribuir de alguna y, a menudo, sorprenderse por las diferentes re-
forma a la expansión del pensamiento y la creación acciones ante una misma situación compartida.
artística. Esto me parece la reflexión central ... Lo que Puede ser doloroso y dejarte vulnerable, ya que no
también es evidente es la transparencia de la subje- existe una fórmula mágica y quizás sea a través del
tividad de cada artista en las obras en la naturaleza fracaso que se llegue al aprendizaje. Esta situación
o con la naturaleza, ya que aportan sus creencias y un tanto límite de tener que residir en el juego y, como
experiencias en el momento de influir y de relacio- apuesta, percibir que el gran esfuerzo de reunir a es-
narse con ella. tas personas puede no haber valido la pena. ¿O quizá
Sobre si los residentes e invitados fueron sí valió la pena? Este frágil equilibrio de poner en
una apuesta y en qué sentido, por supuesto, inclu- práctica los deseos en acción, lo pensado/planea-
so aunque yo no lo quisiera, lo sería. Reunir a per- do ... en hechos y, de repente, verse atropellado por
sonas en un mismo lugar durante un corto periodo los propios sueños, en una especie de concreción
de tiempo siempre es una apuesta. Juntar amigos caótica de lo idealizado, o simplemente en el flu-
en una fiesta es otra apuesta. Viajar con un grupo jo de la vida. Sentirse impotente y frustrado en un
de personas también es una apuesta. En todo mo- momento que idealmente debiera ser de regocijo. Al
mento lidiamos con los límites visibles e invisibles de mismo tiempo algo nuevo siempre se crea en estos
las personas, con los límites conocidos y desconoci- encuentros, por malos que sean, no importa cuán ne-
dos, que serán revelados a lo largo de la trayectoria fastas hayan sido las experiencias, han insertado un
común. Me encantan las estrategias que fomentan nuevo dato en la conciencia de cada uno. Propiciar

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 135
encuentros y nuevas asociaciones es el lado ultra lo no racional es esencial y enriquecedora. ¿Le gus-
positivo de las apuestas. Lo negativo es darse cuen- taría conocer sus impresiones, percepciones y pun-
ta de que este otro por quién estamos apostando, y tos de vista sobre ese día? Me pregunto si, de algu-
a quien queremos conocer, viene con juicios hechos na manera, cargaste por algún tiempo y por cuánto,
de antemano, insensible a las diferencias culturales, con lo que allí se reveló, llevaste. ¿Cómo te sitúas a ti
sociales y estructurales, en resumen, a las diferen- mismo ante la magia y la clarividencia? ¿Qué pasa si
cias formadas por las trayectorias, recuerdos y emo- la receta de la bruja cura tu migraña? Y finalmente,
ciones con las que cada uno carga. Además de en la María Isabel, residiendo hoy aquí en Madrid, percibo
identificación, también creo en los pactos de con- cuánto nuestra vida diaria en América del Sur está
vivencia colectiva. impregnada de las ideas de buena energía y mala
A raíz de lo que acabo de contarte, palabras energía, cómo gravitamos hacia estas polaridades
que, de alguna manera, responden también a la pro- y cómo estamos sujetos y nos sujetamos a ellas. ¿O
puesta de Leo de auto-curación, me gustaría contin- no? Queremos escucharte…
uar insistiendo en ese punto de la diversidad en la
interpretación de la experiencia frente a un mismo Maria Isabel Rueda: Podemos entonces empezar a
fenómeno, y traer a la conversación nuestra visita hablar de un antropocentrismo invertido14 donde po-
colectiva al Templo de la Magia un desvío que pro- dríamos permitirnos incluir también, el reino de lo
dujo terribles consecuencias para casi todos los sobrenatural, ya que podría decirse que este también
visitantes. Me gustaría usar tu hermosa imagen pertenece a una epistemología no antropocéntrica.
de los límites invisibles para hablar sobre esta En un mundo que actualmente enfrenta los
visita. Aquel día, se revelaron biografías ocultas de efectos irreversibles de la destrucción humana de
residentes y visitantes. Tal vez Leo y yo hayamos sido los recursos naturales, un enfoque hacia “todas” las
los más perjudicados con la confirmación de la pre- dimensiones descartadas por el pensamiento occi-
dicción del robo y la pérdida de materiales, así como dental hegemónico de biopolíticas capitalistas, don-
de la reiteración del trauma, ya que en Brasil somos de lo que prima es la producción y la acumulación,
blanco frecuente de acciones violentas. Al mismo resulta acertadamente pertinente tomar en consid-
tiempo en que, en nuestro trabajo de artista, este eración la participación activa de estos otros reinos.
lado subjetivo, intuitivo y mágico, esa conexión con Como respuesta a tu pregunta….

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 136
¡Si! la receta de la vidente ha resultado una Gran parte de mi carrera como artista y mis
solución efectiva a mis migrañas. intereses como curadora están relacionados a una
búsqueda personal de intentar comunicarme con
Denis Rodriguez: ¿De verdad? ¡¡Qué maravilla!! otras dimensiones, intentando relacionarme a otro
Pero ¿no hablaste de tus impresiones, per- nivel con el mundo animal, vegetal y mineral. En el
cepciones y puntos de vista sobre ese día fatídico? camino me he relacionado con muchos artistas y
Estoy curioso y sigo preguntándome si de alguna he recuperado su trabajo y sus visiones escribien-
manera lo que se reveló allí lo llevaste por algún do parte de la historia oculta del Arte Colombiano
tiempo y ¿Por cuánto? ¿Cuáles son tus relaciones a partir de entrevistas y diálogos con artistas que
con las prácticas mágicas y la clarividencia? ¿Estás comparten mi visión como Norman Mejía y Álvaro
interesada en el campo de la magia? Barrios por citar algunos, donde establezco fuertes
conexiones entre el arte conceptual en Colombia y el
Maria Isabel Rueda: Bueno... la visita al templo a espiritismo. He cuestionado el género del retrato y el
diferencia del resto del grupo me resultó bastante autorretrato a partir de la mímesis de mi cuerpo con
interesante y de una gran belleza estética. el entorno natural, a través de las pinturas murales
La sala del amor con los cuarzos rosa en de la ruina del castillo de Norman Mejía, un artista
las paredes donde nos recibió la vidente me pare- muy reconocido en la escena de los años ochenta en
ció bellísima, alucinante, me sentí en el set de una Colombia, que decidió aislarse de la sociedad y del
película de Almodóvar. Desde niña he tenido contac- mundo del arte en su casa en Barranquilla.
to con otras dimensiones y en esta etapa de mi vida Mi trabajo se ha situado dentro del imagi-
encuentro fascinante la comunicación con el mundo nario del gótico tropical, desde donde he redefinido
mineral, así que para mí estar ahí con todos esos y ampliado el género, que en un comienzo solo se
cuarzos fue fabuloso. La lectura del futuro no me re- asociaba a grupo de Cali con quienes mantuve una
sulta tan interesante pues me aburre un poco saber estrecha relación (Luis Ospina y Carlos Mayolo), An-
lo que puede pasar, sin embargo, escuché atenta a la dres Caicedo se suicidó muy joven, así que no llegué
vidente y seguí sus recomendaciones para mejorar a conocerlo, pero devoré sus libros cuando fui ado-
mis migrañas con la grata sorpresa que me han fun- lescente.
cionado. He abierto agujeros de gusano conceptuales

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 137
y conectado dimensiones en el espacio tiempo en sea ese pastiche ecuménico, un gran collage de reli-
mis curadurías, así suene un poco a ciencia ficción giones y culturas.
(la cual me interesa muchísimo, acabo de editar una Hasta la adolescencia estudié en una es-
publicación con La Usurpadora y Jose Sanín titulada cuela católica, pero el espiritismo y las prácticas
infinito incorporado). místicas siempre estuvieron presentes en mi casa.
En una de las últimas muestras que he cura- Tarot, lectura de los posos del café, I Ching, el ‘juego
do con La Usurpadora: Universos Desdoblados, tuve del vaso’, los libros de Kardec, así como una enorme
la oportunidad de incluir el trabajo de una de las ar- estantería con literatura de Seicho-no-ié, Esa secta
tistas invitadas a la residencia: Miriam Simun, con religioso-filosófica que enfatiza la gratitud y el pen-
quien comparto muchísimos intereses y con cuya samiento positivo, ¿Hay Seicho-no-iê en Colombia?
obra he conectado a nivel conceptual y espiritual Esta religión fue traída a Brasil por los japoneses y
gracias a nuestras charlas en el instituto. Sao Paulo hasta la década de 1950 fue la ciudad de
Así que voy incorporando en mi pensamiento a las América que recibió más inmigrantes oriundos de
ideas y personas con quien me voy relacionando y Japón.
aprendiendo en el camino. Desde niño, he observado la búsqueda es-
Respecto a la energía positiva y negativa pi- piritual de mi madre, que experimentó diferentes
enso que el separarnos de la unidad generó la duali- creencias y hoy vive sus propios dogmas, pero sigue
dad que tanto nos atormenta, pero que precisamente el pensamiento de Seicho-no-iê. Alguna vez fue
nos hace humanos, y que en su contraste es la fuente católica, espiritista, umbanda, evangélica, budista
de toda creación. Así que esta polaridad pienso es ...quizá estoy olvidando alguna otra experiencia es-
mucho más interesante si empezamos a observarla piritual por la que ella ha pasado. En esas andan-
como un simple testigo. zas conocí muchas personas dedicadas a la vida
Me gustaría saber en su caso personal qué espiritual, muchas decían que habían sido elegidos,
considera que hace a una persona vidente. pero pocas fueron capaces de acoger, cuidar, ilu-
minar nuestra búsqueda de significado a este sen-
Denis Rodríguez: De hecho, el templo del amor es un timiento recurrente de impotencia, de falta de recur-
delirio lisérgico, o más bien todo el Templo de la Ma- sos, a veces de salud e incluso de lenguaje. delante
gia. Tal vez porque no tratarse de un lugar sectario, de lo absurdo, de los delitos, de las desgracias y de

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 138
la violencia cotidiana. Me encontré con mucha gente Me asusta el patriarcado titulado como liderazgo
falsa y aprovechada en ese viaje. En mi adolescen- espiritual. Y abomino de dogmas y verdades uni-
cia me encontré por primera vez con la clarividen- versales. Acerca del maestro Tala del Templo de la
cia, tuve una amiga portuguesa, Dulcimara Martins Magia, un enigma… pero adivinar que alguien será
Leal, que era sensible y podía anticipar hechos. En robado en Brasil, yo no lo llamaría clarividencia, solo
esa época estábamos muy unidos y compartíamos diría una redistribución de la violencia cotidiana y
muchas de las experiencias místicas que ocurrían en ancestral.
mi casa. Con el tiempo, aprendí a conectarme con la
gente. Y comencé a leer los posos del café, el I Ching Leonardo Remor: Me sentí bastante incómodo en
de manera más intuitiva y teniendo intuiciones du- la visita al Templo de la Magia. Desde pequeño me
rante el ‘juego del vaso’. Hasta que comencé a ten- siento muy atraído por ese universo oculto. Mi abue-
er sueños premonitorios, visualizando eventos que la, además de excelente cocinera, también sana el
se confirmarían a lo largo de los días. Una noche decaimiento (benze de míngua). Aprendí con ella a
soñé que un ser querido se despedía de mí y me curar con las manos, para quien no sabe, el decaim-
daba instrucciones sobre qué hacer después de su iento llega cuando estamos deprimidos (jururu). Es
muerte. A la mañana siguiente no escuché el soni- un desánimo que puede hacer que dejes de comer y
do del despertador. Y cuando me levanté, encontré hasta secar una planta. Según el diccionario, la min-
una nota en la mesa del desayuno que me informaba gua es “la falta de lo esencial”. Se hace indispensable
de la muerte de este pariente que acababa de encon- cuidar, restaurar y mantener nuestro ánimo.
trar en el sueño. Fue un shock, tenía 13 años. Desde Por otro lado, la iconografía mística de las
entonces soy muy susceptible a las predicciones, por tiendas esotéricas me aleja de ellas… No me reco-
lo que creo que quienes las practican deben tener nozco en esas imágenes y objetos. Una representa-
mucho cuidado al revelarlas. ción carente de interés… Y allí en aquel complejo de
¿Qué es lo que hace a uno vidente? ¿Qué templos a tantos dioses, vi esa estética reproducida.
me hizo vidente? ¿Y qué me apartó de este camino? Para mí, un auténtico parque temático religioso, le-
Nunca pensé mucho en ello ... tal vez el hecho de que vantado con plástico y cemento. Tantos iconos, tan-
no me gusta la autoridad que suelen tener los gurús tos símbolos… Una gran simplificación y reducción
religiosos puede haberme apartado de ese camino. de tantas culturas, llenas de sus particularidades y

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 139
orígenes. “Tenemos, no sé cuántos templos… Recibi-
mos a no sé quién, famoso jugador de fútbol…” No
acepto la magia como solución instantánea de los 10 COCCIA, Emmanuele. Mente e matéria ou
problemas – o diagnóstico. Para mí esas prácticas a vida das plantas. <http://www.revistalanda.
son de autoconocimiento y de compartir. ufsc.br/PDFs/ed2/Emanuele%20Coccia.pdf>.
Nada más tedioso que ese ser superior con
poderes de ver el futuro: usted va a viajar, usted va a 11 The Sensing Salon expande las ideas del arte
ser atracado, usted va a morir… Desconfío y entro en a través de las artes de la curación, caracteriza-
un templo de esos con todas las prevenciones. Cuan- das por un taller para la práctica de prácticas
do veo ese lugar hecho todo de cuarzo rosa, no puedo curativas. El acto de curación, como el arte, es
dejar de pensar en la minería, en la explotación in- práctico. Es algo que se hace y que promueve
tensiva de los recursos, en el dinero y el beneficio a la restauración, el bienestar. El trabajo colabo-
cualquier precio… Para mí, las piedras están en un rativo de The Sensing Salon explora la curación
lugar equivocado. Su sitio es debajo de la tierra. Mi como una forma de arte, una práctica de sentir y
templo está en la cascada, debajo de un árbol. dar sentido que también incluye estudios, pen-
Creo en la magia ancestral de nuestras samiento crítico y experimentación que alcan-
abuelas. La sanadora con la casa siempre llena. zan niveles más profundos de existencia.
Acogedora en su humildad, te quita el decaimiento
y además te ofrece para comer. Y si ofreces dinero 12 FERREIRA DA SILVA, Denise. On Heat. <https://
será una ofensa. Ese trabajo se paga con cariño, con canadianart.ca/features/on-heat/>.
un regalo de corazón, con las flores que crecen es-
pontáneas en tu patio. Juntos sostienen y mantienen 13 En agosto de 2019, los agricultores en el es-
la vida. Compartir, sumar, multiplicar. Creo en la ma- tado de Pará, en la Amazonía, coordinaron, a
gia de plantar yuca, que de su tronco sacamos mu- través de grupos de WhatsApp, una gran quema
chas mudas, y de cada muda crecen muchas raíces en el estado que se llamó “día del fuego”. La fis-
que alimentan a toda la familia. Creo en el poder de calía de Pará el 8 de agosto de 2019, había pre-
escuchar el propio cuerpo, en el respeto al tiempo de sentado en Ibama una carta en la que advertía
la respiración. sobre las quemaduras planificadas en Pará,

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 140
advirtiendo que la manifestación de los agricul-
tores, si se llevara a cabo, causaría graves viola-
ciones ambientales que podrían, incluso salirse
de control y evitar la identificación de autoría
individual. Los actos previstos en la denuncia
fueron consumados y, a partir del 10 de agosto,
Brasil y el mundo vieron arder a gran escala par-
te de la selva amazónica de Pará, incendios que
el 11 de agosto fueron observados y registrados
por satélites de la NASA. Fontes: <https://www1.
folha.uol.com.br/ambiente/2019/10/fazendei-
ros-e-empresarios-organizaram-dia-do-fo-
go-apontam-investigacoes.shtm>;
< h t t p s : // w w w . n a t g e o . p t / m e i o - a m b i -
e n te / 2 0 1 9 / 0 8 /a m a zo n i a - a rd e - c o m o - n u n -
ca-culpa-e-da-desflorestacao>.

14 YOURCENAR, Marguerite. Introduction to


Caillois, The Writing of Stones, xii.

EL MUNDO DE LOS SERES: UNA CONVERSACIÓN SOBRE VIDENCIA, ENERGÍA POSITIVA Y EL DERECHO A LA VIDA DE LAS PLANTAS 141
Michelle Sommer: Desde Edward Muybridge hasta gañosa (tal vez mezclados con fragmentos de otra
Jean Cocteau y Béla Tarr, el caballo es un elemento fuente) o incluso irremediablemente perdidos. Con el
vivo que ocupa un lugar central en las narraciones tiempo, a veces nos apegamos a este aspecto pre-
imaginarias. Cuenta la historia de los pensadores oc- cario, a las marcas (como el aprecio que tenemos por
cidentales que Nietzsche lloró y guardó silencio, du- ciertas cicatrices), a un todo que se sabe que falta
rante diez años hasta su muerte, cuando se encontró y, en su estado incompleto, convoca nuestra imagi-
con un caballo que se negó a caminar, agotado, que nación a la existencia. Este texto sigue el proceso de
soportaba inmóvil los maltratos de su dueño. reconstitución del pensamiento poético que originó
En el contexto de la residencia, en un espa- tres trabajos, que circundan la materialidad aparen-
cio rural de relativo aislamiento de la ciudad, de la temente simple de piedras y huesos, desarrollados
exigente conectividad de la web - ¿cuáles fueron los en febrero de 2019, en la residencia de artistas Kaá,
impulsos - si fueron nuevos u otros- que no eran ha- presentada de manera episódica y fragmentaria (en
bituales en el trabajo del dúo para las exploraciones un intento paródico de reproducir la lógica del pen-
poéticas provenientes del entorno material y psíqui- samiento). Las obras sirven de índice para reflexionar
co, en este espacio y tiempo específicos? sobre la poiética artística, una cierta dicotomía entre
Entre huesos de animales y piedras en su el arco de tiempo de los ciclos y el presente epidér-
naturaleza muerta y el encuentro con animales, mico actual, y los diversos escenarios inherentes (y a
específicamente el caballo, en su naturaleza viva; menudo sumergidos) en sus decisiones.
¿Cuáles fueron los desafíos encontrados en la pro- No es infrecuente en la zona rural Gaucha
posición y realización de los trabajos, e incluso la que haya, cerca de las casas, una especie de capilla
potencia de lo que quedó solamente como proyecto minúscula que custodia al santo o santa de devoción
para futuros desarrollos y no llegó a realizarse? familiar. Protegidas de la intemperie, las estatu-
as parecen no estar prestando un servicio de orden
Io: El pensamiento poético rara vez es un río, un todo metafísico, sino más bien atentas y curiosas a un
que fluye coherentemente hacia su destino, sino algo mundo perecedero que las rodea. En la vida cotidi-
más cercano a una vasija rota que queremos repa- ana de la residencia Kaá, en nuestras andanzas, re-
rar. En algunos casos, los fragmentos tienen uniones corríamos la casa principal y veíamos, en los huecos
obvias, en otros están conectados de manera en- de una pared lateral, huesos como fémures de ca-

ZONA VERDE ÍO 142


ballo, quijadas de vaca, cabezas de perro, dispuestos la vida campestre de América del Sur tiene en los
como piezas de un retablo pastoral o alineados como huesos de animales resecos por el campo un ele-
una procesión. mento de su sintaxis, el blanco calcáreo del hueso
Estos huesos evocan, sobre todo, un altar, que puntúa las distancias en el campo. Hay, cerca de
pero que, en lugar de distanciamiento reverente, invi- la residencia Kaá, una parcela del Ayuntamiento de
tan a tocar, a la práctica de la osteomancia. Oriunda Porto Alegre transformada en un santuario, donde
de una tradición difusa (los babilonios, los árabes y llevan caballos rescatados de situaciones de mal-
los chinos la practicaron), la osteomancia permite la trato (y donde, a su debido tiempo, mueren). Este
adivinación por medio de la observación de los hue- proceso se ve tan naturalmente que, en una ocasión,
sos de ciertos animales, a menudo domesticados. cuando Laura17 mencionó su fascinación con estos
En un pensamiento mágico, es coherente la huesos a un trabajador de una propiedad vecina que
comprensión, originada en la antigüedad, de que los trabaja en la doma de caballos, éste rápidamente
animales de labor, y que a menudo sirvieron como salió cabalgando en dirección al campo y regresó
protección, guardan por alguna razón misteriosa con un gran saco que contenía una osamenta, proce-
la manifestación del futuro en su interior. En Rio dente de un animal muerto de viejo, del que incluso
Grande do Sul, esta tradición parece sufrir pseu- sabía el nombre.
domorfosis 15 a través del Juego de la Taba que, En un pensamiento que era común entere
como el de los dados, se basa en los designios de los egipcios y los sumerios, estos huesos, antes de
la diosa Fortuna. En el cuento Juego de Taba (Jogo ser signo de muerte, nos indican un ciclo (COHN,
de Osso) de João Simões Lopes Neto, una apuesta 1993, p. 15-83), como si la mortalidad de ser con-
tiene como premio a una mujer o un ruano (caballo sistiese en enfrentar la inmortalidad. de la pampa
cuyo cuerpo es blanco o blanquecino, con manchas (por supuesto, en nuestro distópico 2019, creer en
oscuras) y hace del hueso una herramienta de pre- la inmortalidad de un ecosistema es un acto de fe).
dicción y heraldo del destino16. Entonces, cuando manipulamos la agradable textura
Si, para nuestra sensibilidad contem- de un fémur equino, el hueso parece invitarnos a una
poránea, la Capilla de los Huesos de Évora, con sus contracción entre el final y el comienzo de un ciclo.
paredes cubiertas de huesos y calaveras, ocupa el En febrero de 2017, Laura cayó de un cabal-
espectro de lo macabro, es importante recordar que lo y se fracturó el hombro en cinco partes. Como es

ZONA VERDE ÍO 143


propio de los accidentes, el “se” es una partícula tan mosaicos en Pompeya; la procesión de la Danza Ma-
fundamental como irrelevante. Fundamental para cabra y las Vanitas oscilan en la punta de nuestros
crear conciencia de que pequeñas variaciones en dedos.
los eventos tendrían consecuencias muy distintas, Esta serie de pensamientos y pequeños
irrelevantes porque esta percepción es incapaz de fragmentos, de un todo que sabemos que es mucho
alterar la realidad, pero sin embargo es fundamen- más complejo, es un índice de la noosfera en la que
tal en la ficción. En un campo mullido y verde, Laura estuvo inmersa nuestra experiencia durante la resi-
cae con precisión sobre una roca escondida. La re- dencia y de la que nacieron algunas obras. El título
cuperación es un proceso lento, doloroso e impreg- de estas solo surgió meses después de su concep-
nado de angustia (¿será necesaria la cirugía? ¿Los ción. Nombrar una obra es una parte importante,
tornillos unificarán la fractura? ¿Se recuperará el para Ío, del ritual de iniciación que marca el paso del
movimiento?) Y siempre es muy difícil de evocar. En trabajo del mundo de las ideas al del arte.
su repetición aburrida, cada día no aporta resultados
sustanciales en relación con otro: es como si la me- La asociación del nombre con la existencia mis-
moria tuviera un especial aprecio por desvanecer la ma del ser es un concepto que aparece repe-
monotonía de este proceso, compactándolo en unos tidamente en varias culturas y creencias. En
pocos eventos esquemáticos. la mayoría de los ritos iniciáticos, el iniciado
Pero en otra instancia, estos eventos se recibe un nuevo nombre, distinción y reconoci-
convierten en símbolos. Aunque existen desde hace miento con el cual pasa a tener una pertenen-
más de un siglo, nuestra fascinación por los rayos X cia grupal [...]. Para Ío, también, los nombres
aún no ha acabado. Por el contrario, parece re- son una especie de soplo que anima las cosas
novarse con la incorporación de nuevas tecnologías, de la realidad hacia el mundo del arte. Por lo tan-
como la resonancia magnética, en la que es posible to, nuestros trabajos son siempre bipartitos, en
una sofisticada acumulación de perspectivas de un lo que entendemos como dos manifestaciones
hueso astillado. Cuando alzamos nuestra radiografía de la misma entidad: una en el espacio-tiempo
contra la luz, inevitablemente pensamos en el destino (la apariencia que tienen), el otro en la semán-
de la vida, y cierta dimensión genealógica subyace en tica del lenguaje (el nombre que reciben). Por
nuestro inconsciente estético, las calaveras hechas de su relevancia, el dar nombre a un trabajo es un

ZONA VERDE ÍO 144


acto cuidadosamente evaluado y, muchas veces, cia de los árboles. En la medida que replicamos su
su elección pasa por un largo proceso, cuyo re- identidad, fusionándola con huesos metálicos, hay
sultado determinará la dirección del trabajo en un cambio hacia la ironía, “[...] mostrar cómo algo no
sí (CATTANI, 2018, p. 116-117). corresponde a su propio concepto sin, por ello, estar
obligado a proporcionar una determinación concep-
Las obras recibieron una numeración tual normativa” (SAFATLE, 2015). Mircea Eliade en Lo
cronológica y un subtítulo entre paréntesis. Nº. 1 (Ad sagrado y lo profano: la esencia de las religiones ,
instar)18 y Nº. 2 (Idem per idem)19 es una obra que nos indica que la muerte se asocia comúnmente con
veremos más adelante, Nº. 3 (Ad hoc). Los títulos son una naturaleza dual, de paso (punto final) o reno-
la apropiación, quizás paródica, de un universo ju- vación (reinicio) (ELIADE, 2010, p. 159-160). Esta
rídico inestable que viene impregnando nuestra ex- opinión es corroborada por Edgar Morin, quien afir-
periencia y contamina el proceso artístico. ma que:
Nº1 es un proyecto de escultura que
proviene de observar las raíces de algunos árboles En la conciencia arcaica, donde las expe-
en la región que, a través de la introducción de con- riencias elementales del mundo son las de las
ceptos de la historia del arte, vemos como barrocas. metamorfosis, de las desapariciones y reapa-
Esta escultura propia para instalación se compone riciones, de las transmutaciones, toda muerte
de una combinación de fémur y tibia equina ligera- anuncia un nacimiento, todo nacimiento pro-
mente alargados y retorcidos, en metal (aún indefini- cede de una muerte, todo cambio es análogo a
do), que se adentra en la tierra y serpentea en su una muerte-renacimiento [...]
interior, emergiendo eventualmente de cinco a siete (MORIN, 1997, p. 109)
veces por cada docena de metros, en medio de la
vegetación (Figura 2). Nº1 estructura su poética en las tensiones
Para un espectador, el número 1 se presenta del juego entre las pulsiones de Eros y Thanatos. El
como una especulación, donde el acceso a lo visible caballo es un símbolo ancestral de poder y veloci-
contribuye a la proyectividad de la totalidad. dad, un compañero silencioso y fiel en la soledad del
La antítesis es explícita, ya que las raíces ser humano, y asociado con una cierta idealización
son fundamento e instrumento de la superviven- de una naturaleza no corrompida por los males de la

ZONA VERDE ÍO 145


civilización. Mitologías y tradiciones, diversas como la manipulación de los criadores. Recordamos el epi-
las del Oeste norteamericano, las de Sudamérica20, sodio narrado por Fernand Léger, en el que Duchamp,
las estepas mongolas, entre muchos otros ejemplos, fascinado por la concisión, elegancia y eficiencia
están inmersas en este imaginario en el que la on- de una hélice, le preguntó a Brancusi, con tono pro-
tología de lo humano se funde al caballo, como una vocativo, si podría hacer algo mejor (LÉGER, p.140).
metonimia de la naturaleza. El hueso equino evoca un pensamiento análogo (se
La más devastadora fuerza beligerante de produce un reflejo tautológico en paralelo, pues pen-
la historia humana fueron los mongoles. Ocho siglos samos intuitivamente en las cualidades escultóricas
después, y especialmente los horrores del Holocaus- de las piezas no figurativas de Henry Moore, inspi-
to en la Segunda Guerra Mundial, nos traen un cierto radas en gran medida en huesos encontrados en la
olvido de las inconcebibles crueldades cometidas playa).
por ellos. Dos elementos hicieron de esta miste- Finalmente, en relación con las referencias,
riosa gente esteparia algo similar a deidades de la podemos pensar en dos obras que ayudaron a ar-
destrucción: el arco compuesto, un secreto militar ticular el pensamiento poético del Nº1. El primero
de construcción estrechamente guardado, que per- es Earth Vertical Kilometer , realizado por Walter de
mitía al arco un alcance superior a cualquier otro; y el Maria para la Documenta de Kassel de 1977 que,
uso simbiótico del caballo (WHITE, 2013, p.147). Es- como se sabe, consiste en una barra de metal de
tos guerreros, de los que cuentan que eran capaces um kilómetro enterrada en posición vertical, en di-
de dormir incluso sobre sus caballos en movimiento, rección al centro de la Tierra. Desde la superficie se
supieron usar la movilidad y la resistencia de estos puede ver una pequeña parte del todo (el resto debe-
animales para atacar y someter a vastos territorios mos proyectarlo con la imaginación). Hay en esta
con una agilidad excepcional. obra una señalización de lo insondable y del vértigo,
Manipular el fémur de un caballo es una un metal sólido que se dirige hacia el metal fundido
experiencia fascinante, ya que se percibe casi de del núcleo de la Tierra, todavía conservando miste-
inmediato la concisión de la pieza, su capacidad para rios, y en nuestra tradición siempre vinculado a la
resistir el estrés mecánico y su elegancia, damos por idea de la muerte y de las penitencias humanas, el
supuesto el conjunto de modificaciones en la línea infierno de fuego y lava.
evolutiva, tanto por su adaptación natural como por La segunda obra es Les Bijoux, de Madame

ZONA VERDE ÍO 146


de Sade, de Tunga, compuesto por tres fémures alar- lo de energía y fuerza (PASTOUREAU, 2015, p. 43). En
gados y circulares entrelazados, cuyos extremos se cierto modo, la escritura permite que los fantasmas
conectan en la forma de un Toroide. Un concepto cobren vida, es una especie de asombrosa inquietud
importante para el trabajo de Tunga, y del que nos que hace que muertos hace milenios puedan ser re-
hemos apropiado en nuestro pensamiento poético, el vividos a través de la lectura.
Toroide no es una forma, sino un espacio de cami- La obra Nº2 es consecuencia de las pon-
no no lineal donde las zonas no contiguas se acer- deraciones la poiética de la obra anterior, una espe-
can o se tocan. La discusión que evoca no es sobre cie de bifurcación, porque si en el Nº1 hay un despla-
topología, sino sobre la capacidad metafórica de zamiento del hueso hacia el símbolo, en el Nº2 este
pensar en un hueso largo que, con cierta voluptuo- movimiento se explícita en favor del lenguaje. Ciertas
sidad, se sumerge en la tierra, uniendo el ensimis- creencias animistas preponderantes en la antigüe-
mamiento de la muerte, la ponderación del orden dad, pero aún vivas en el pensamiento supersticio-
metafísico y la plétora de la naturaleza como una so contemporáneo, atribuyen a cosas específicas o
fuerza concreta. lugares un animus, un soplo de vida. Es natural que
Reduciendo la imagen del caballo a unos po- en los artistas que son sensibles a una línea de pen-
cos huesos, con la intención de alinear el campo con samiento alquímico, - como, por ejemplo, en el Arte
esta trama, - y conscientes de la naturaleza dual in- Povera - sea natural pensar que los materiales tie-
herente al simbolismo de la muerte – pasamos a op- nen una carga simbólica propia, pues perciben o
erar en el orden de una escritura polisémica abierta intuyen en las cosas una especie de vida, no es que
a resignificaciones que es natural de la denotación, sean animadas por un genio, sino por el lenguaje y
pero también una especie de parodia de la escritura su hermenéutica. Por lo tanto, buscan sublimar este
(como si, al trazar líneas de huesos, se abordara una pensamiento constituyendo una gramática propia,
escritura secreta). con valores relacionados con la transmutación, la
Pensando en una genealogía arcaica, recordamos ligereza, la conductividad, etc.
que la creación de la letra “A” por los fenicios tiene su En la residencia Kaá hay una perra llamada
origen en la imagen estilizada de la cabeza de un toro Mel, que la mayoría de las veces está aislada de las
(al invertir la letra, los cuernos se vuelven explícitos) demás debido a sus constantes ataques contra las
probablemente en referencia a un dios tauro, símbo- gallinas que deambulan sueltas por la hacienda. Su

ZONA VERDE ÍO 147


collar está unido a una guía que, a su vez, se conec- dos árboles en un tramo de 33 metros donde la yegua
ta por medio de un aro a un cable de alambre que podía correr.
se extiende por decenas de metros, desde una cer- 2. Una yegua unida al cable por un anillo de
ca hasta un tejado de metal. Cuando Mel se mueve, metal unido al arnés.
la fricción del aro genera un sonido que se amplifica 3. Un cono de metal para amplificar el soni-
con las chapas metálicas. Esta situación evocó re- do, inspirado en la ruidosa tradición de Russolo,
ferencias potentes como Sísifo, por la repetición de conectado a un extremo del cable.
un evento, una idea de aprisionamiento en un mov- 4. Una serie de interrupciones en el cable
imiento constante; y el telégrafo, un dispositivo hoy hechas de un material que amortiguaría la fricción
desatendido por el esplendor de Internet, pero que del anillo.
cambió la forma del mundo en el siglo XIX. Inferi- Este cuarto elemento fue la esencia del
mos que sería fascinante si un animal detentara un trabajo: elegimos usar el código Morse para que las
mensaje claro y específico, pero ¿cuál? ¿Cómo? interrupciones fuesen comunicantes. En el código
Nos pareció auspicioso que el caballo Morse, las letras más simples son S (...) y O (---), un
constituiría un hilo conductor que unificaría el tra- factor determinante para su uso en llamadas de so-
bajo. Un hermoso caballo de una granja cercana que corro S.O.S (una convención que, al contrario de las
con frecuencia circulaba por la residencia Kaá, des- leyendas que se crearon a su alrededor, no significa
pertó nuestra atención. Su vigor, apostura y elegan- nada). Esta idea nos permitió formar la palabra “osso”
cia fueron factores importantes en su elección, pero (hueso), que no solo usaba las letras deseadas, sino
un detalle de su pelaje fue primordial: su rostro esta- que era un palíndromo. Esto permitía que la yegua
ba parcialmente oscurecido por una mancha blanca emitiese la palabra mediante la interrupción del
que evocaba un cráneo equino. Luego descubrimos sonido mientras corría en cualquiera de ambos sen-
que era una yegua llamada Nevada Kan y que tenía tidos.
heterocromía (un ojo marrón y el otro azul claro). El ganado y los caballos son comúnmente
La suma de estos factores, y las reflexiones tratados por los humanos, si no como mercancías,
del Nº1, llevaron a que el trabajo Nº2 se vuelva for- como animales de tiro (la molienda y el arado son
malmente muy sutil: ejemplos de su fuerza en un trabajo específico), y
1. Una cuerda de alambre extendido entre dentro de este uso, el Nº 2 ha sido diseñado como

ZONA VERDE ÍO 148


un mecanismo de lenguaje, en el que el poder del se hará referencia a ellos en tercera persona.
movimiento del caballo (con su cara de calavera) se
convierte en dispositivo de un único y tautológico 18 “A semejanza de”
mensaje: hueso. Idea de esencia, muerte, permanen-
cia a través del lenguaje. El mensaje permanece vivo 19 “Lo mismo por lo mismo” (palíndromo)
mientras se continúa el movimiento a través del ca-
ble, - o se reanuda en el futuro - y habrá alguien que 20 Vemos en el prólogo de Jorge Luis Borges
pueda reconocerlo como una palabra significante. para el libro El Gaucho, de José Luiz Lanuza, un
relato de esta relación:
15 Para Panofsky, el término se aplica cuando
algunas figuras del Renacimiento estaban ves- (...) un buscador de largas tierras vírgenes o de
tidas con aspectos clásicos, a pesar de que no filones de oro, pero las guerras lo llevaron muy
estuvieran presentes en sus prototipos clási- lejos, y dio estoicamente su vida, en extrañas
cos. Aunque presagiadas en la literatura clási- regiones del continente, por abstracciones
ca. “Debido a su trasfondo medieval. El arte del que acaso no acabó de entender -la libertad,
Renacimiento, en muchos casos, fue capaz de la patria- o por una divisa o un jefe. En las tre-
traducir en imágenes lo que al arte clásico le guas del riesgo cuidaba el ocio; sus preferencias
habría parecido inexpresable “. fueron la guitarra que templaba con lentitud(...)
PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia: temas las cuadreras, la redonda rueda del mate junto
humanísticos na arte do renascimento. Lisboa: al fuego de leña y el truco, hecho de tiempo no
Estampa, 1986. p. 70. de codicia. (Borges, 1985, p.73)

16 LOPES NETO, João Simões. Contos gauches- Ane Rodríguez Armendariz: Por lo que he tenido la
cos. 9ª ed., Porto Alegre: Globo, 1976. oportunidad de ver en su trabajo, diría que hay una
marcada presencia de elementos relacionados con
17 Este texto está escrito desde la perspectiva los fluidos y el cuerpo, pero también hay mecanis-
de Ío, el alter ego que reúne a Munir Klamt y Lau- mos agudos hechos por el hombre que a menudo
ra Cattani. Cuando se mencionan por separado, son una amenaza. El uso de los colores que haces,

ZONA VERDE ÍO 149


especialmente el negro, el blanco y el rojo, también tas películas de terror: el miedo a sentir miedo (así
nos hace pensar en los órganos del cuerpo, la sangre como, en otras situaciones, el meta-placer de sentir
y el amor. Tener la oportunidad de pasar un mes en deseo). Algunos predadores tienen como principal
una residencia rural significa que tienes que enfren- cualidad, no la velocidad, la potencia muscular o la
tarte a nuevas fuentes de creación, como luz natural, ferocidad, sino una cualidad casi mítica de acecho.
sonidos, otros recursos naturales, diferentes colores El trabajo de Io a menudo tiene una cualidad de ruina
y, sobre todo, un ambiente que te aleja de tu univer- (una estructura con alguna función que hace mucho
so artístico. Estoy interesada en saber un poco más tiempo que perdió), o la de la trampa preparada, un
sobre cómo esta experiencia hizo (y de hecho lo ha artefacto de pura espera.
hecho) que cambiases la forma en la que abordas tu Quizás esta atmósfera de violencia latente
práctica. migrará a nuestras elecciones cromáticas. El blan-
co y el negro son, al mismo tiempo, antítesis de un
Ío: Tenemos un interés vehemente por el cuerpo, espectro, colores simples y apremiantes (casi como
pero no el cuerpo real, sino un cuerpo fantasmal, que señalizaciones) y, en una esfera más íntima, contrac-
siempre se inclina hacia el símbolo. Los trabajos no ciones del día y la noche (reflejando un pensamien-
pretenden referirse a experiencias biográficas, sino a to dialéctico en el que el mal y el bien, la vida y la
experiencias atávicas y colectivas (el deseo, el miedo muerte no son valores absolutos, sino algo cercano
a la muerte, el vértigo del tiempo, etc.), donde el ser a las deidades antropomorfizadas y, por lo tanto,
es el heraldo de la especie, en espera, atrapado en el sujetas a personalidades ambiguas). Nos gusta la
tiempo. Desde esta perspectiva, en algunos trabajos reducción a los mínimos factores reconocibles de un
nos atrae la sugerencia o predicción de la violencia a objeto o situación (menos vinculados a la sofisticación
través de sus índices: las presas, los dientes, las en- fenomenológica del minimalismo, pero apuntando al
fermedades y los mecanismos, que constituyen más ingenio infantil de las analogías: una escoba se con-
la expectativa del acto que los acontecimientos en sí vierte en un caballo, dos dedos extendidos forman un
mismos: la tensión antes de la batalla, momento en arma, etc.) Una síntesis que aún mantiene la poten-
que todas las variables son posibles. Existe en nues- cia. El rojo es un chorro que emana del centro de este
tro pensamiento poético el miedo al dolor, o el sen- drama. Como si, independientemente del contexto
timiento más abstracto que sentimos al mirar cier- del trabajo, otra narrativa fuera susurrada.

ZONA VERDE ÍO 150


N° 3 (ad hoc), un trabajo también desarrol- mos al placer de empuñar piedras, ponderar sobre su
lado durante la residencia artística Kaá, ejemplifi- peso y superficie, y arrojarlas al campo, probando su
ca algunas cuestiones que surgieron con respecto alcance. En un momento dado, establecimos un obje-
a la relación con el cuerpo, la amenaza, y su proce- tivo (un tronco cortado) al que intentamos acertarle.
so de desarrollo nos ayuda a reflexionar sobre los Casi todos los lanzamientos fallaron y cayeron al sue-
parámetros de decisión de este universo poético. lo. Esta actividad sin ninguna otra finalidad, que une
En el N° 3 buscamos contraer varios aspectos de habilidad, fuerza y un cierto grado de suerte para los
nuestra poética a partir del manantial de estímulos neófitos, fue el detonante de una reflexión más profun-
que nos rodeaba. Como un ejercicio autoimpuesto, da sobre el gesto, el significado, el cuerpo y las armas.
nos detuvimos en elementos muy simples y corrientes Pero antes debemos entregarnos a cierta digresión
y, a través de pocas alteraciones, procuramos trans- para contextualizar la génesis del trabajo.
formar radicalmente su dimensión significante. Vivimos en una sociedad cuyos principios
Un ejemplo preliminar fueron los experi- morales están fuertemente anclados en el cristia-
mentos con nidos: a partir de la observación de ni- nismo, y esto nos afecta independientemente de las
dos de los pájaros de la región, elaboramos otros con creencias individuales. En los principios de esta re-
una estructura semejante, pero compuestos de los ligión, el papel de la mujer es accesorio, como que-
diversos materiales que nos rodeaban, como estopa, da evidente en sus mandamientos, cuando la mujer
serrín, agujas de pino y cabello humano. Estos exper- es catalogada como un bien para no ser codicia-
imentos, sin embargo, todavía no los consideramos da, como la casa, el ganado, los sirvientes u “otras
resueltos como obras. En el caso que analizaremos, cosas que les pertenecen” (Éxodo 20). En el Nuevo
las piedras fueron las elecciones axiales. Primero, Testamento, el papel de la Virgen María es inexpre-
consideramos colocar piedras pesadas en los árbo- sivo. Para nosotros, que ya hemos experimentado su
les en un punto de inestabilidad en el que las ramas liturgia y festivales populares, - el 2 de febrero, el día
o el propio tronco estuviesen doblados en dirección de Nuestra Señora de Navegantes, es una de las fe-
al suelo. Como en el infortunio de Atlas, soportarían chas festivas más importantes de Porto Alegre - es
esta penitencia, y a partir de ese punto su crecimien- extraño percibir que su protagonismo discursivo se
to continuaría, rodeando al obstáculo. produce medienta unos breves diálogos:
Luego, sin un objetivo definido, nos entrega-

ZONA VERDE ÍO 151


Al ángel: ra vinculada a la fuerza generatriz de la naturaleza,
“¿Cómo se hará eso si no conozco a ningún hom- que se mantiene anidada en la disposición de la fe
bre?” (Lucas 1:34). a María. Esta relación se puso en evidencia durante
- He aquí la esclava del Señor. (Lucas 1:38) la residencia con una visita al complejo de santu-
- “Hágase en mí su voluntad.” (Lucas 1:38): arios místicos de Mestre Tala, ubicado en la misma
región. Allí, varios templos y capillas de las creen-
A Dios (una oración): cias y confesiones más diversas convergen en un
- Mi alma glorifica al Señor, etc. (Lucas 1: 46-55) culto sincrético a Nuestra Señora, representada por
imágenes de Yemanyá, Isis, Themis, entre otras dei-
A Jesús dades. Reflexionando sobre el papel de esta figura
- Hijo, ¿por qué nos hiciste esto? Mira, tu padre y femenina en nuestra cultura glorificada y despreci-
yo te buscábamos angustiados. (Lucas 2:48) ada al mismo tiempo (recordando que vivimos en un
- Ya no tienen vino. (Juan 2: 3) país donde el feminicidio es epidémico) y pensando
en un pasaje bíblico de concisión dramática única
A los hombres: en la que Jesús condena la práctica de la lapidación
- Haced todo lo que Él os diga. (Juan 2: 5) (castigo lento, doloroso y desfigurador impuesto a
las mujeres adúlteras) y concita el furor de las tur-
Es paradójico que, en el proceso de difusión bas; y en la lamentable actualidad de un linchamien-
del cristianismo, la madre de Jesús se convirtió en to, diseñamos el proyecto para el N° 3, con algunas
una protagonista muy importante, siendo adorada posibles variaciones:
con especial fervor en la América Latina católica 1. 7 piedras de aproximadamente 12 cm de
(aunque no en sus subdivisiones evangélicas, que diámetro con una superficie lisa y agradable al tacto,
son más ortodoxas en la hermenéutica de la Biblia) dispuestas en línea recta. En cada piedra está gra-
Las razones para la permanencia de un mito bada una de las frases pronunciadas por María en la
femenino están más allá del objetivo de este texto, Biblia.
pero podemos avanzar que se trata de una apropiación 2. 7 piedras grandes y rugosas dispuestas
sincrética, sobrevenida de deidades anteriores al en círculo con una superficie cortada, vuelta hacia
advenimiento del cristianismo, una potencia creado- adentro grabada con las 7 frases - configuración que

ZONA VERDE ÍO 152


evoca rituales prehistóricos de fertilidad.
3. 7 piedras que varían de 15 a 25 cm, cada
una con una frase grabada, dispuestas por el cam-
po y que los espectadores pueden lanzar en nuevas
configuraciones.
Irónicamente, reflexionamos en el Nº 3 so-
bre la posibilidad de unificar dos flechas distintas de
significado y de camino. Por un lado, el discurso como
construcción (los enunciados de María y la difusión
de su culto) y, por otro, la lapidación, la disolución del
cuerpo. En cierto modo, estas frases escritas en la
roca y emulando la solidez de los mandamientos se
burlan del medio como un mensaje McLuhaniano , y
remiten a las consecuencias actuales de la prolif-
eración del discurso religioso disyuntivo.
Por lo tanto, como una forma de cuestionar
esta pulsión fanática por la lapidación (en una de-
liberada aglutinación de antítesis), la concepción fi-
nal del trabajo tendría la siguiente configuración: en
un espacio expositivo, las 7 piedras de la versión 1
quedarían depositadas en el suelo, con cierta prox-
imidad entre sí. a una distancia de 5 a 7 metros de
una pared blanca. Los espectadores pueden adoptar
la postura que les parezca: mirar las piedras, mani-
pularlas o, imaginando un cuerpo fantasma, arrojar-
las contra la pared, deformándola.

ZONA VERDE ÍO 153


Bruna Fetter: Desde nuestro primer encuentro, con- hornos y memoria artificial, trabajando con mate-
versamos sobre cómo los procesos metabólicos de riales como arcilla, vidrio, textiles o dispositivos, al-
todo tipo te inspiran y están presentes en varios de macenamiento y procesamiento de datos. Hace dos
tus trabajos. Me gustaría que comentaras sobre tu años, que desarrollo un proyecto en el que mode-
encuentro con los mini hornos durante la residencia lo hornos de arcilla con la forma de los intestinos
y cómo el uso del calor funciona como un elemento de diferentes especies vivas, principalmente rumi-
fundamental / catalizador de estos procesos me- antes (vacas, ovejas y cabras) que tienen intrinca-
tabólicos en tu trabajo poético. dos circuitos estomacales con varios compartimen-
tos. Los minigamas se pueden conectar entre sí y, por
Carlos Monleón: Tuve mucha suerte de conocer los lo tanto, pueden convertirse en hornos de cerámica
minigamas, hornos de cerámica portátiles japone- modulares, por lo que son la solución perfecta para
ses, durante mi residencia en Ka’a, ya que encajan crear el circuito de hornos que he imaginado. En este
perfectamente en muchos de mis proyectos. Llega- metabolismo, es la arcilla la que es procesada, di-
ron a mí a través de Tomo, un alfarero japonés local, gerida, literalmente a través del fuego y la combus-
amigo de nuestro anfitrión Irineu. Como mencionas, tión.
he estado trabajando con diferentes ideas y mod- Durante mi residencia en Ka’a, me concentré
elos de metabolismo, a través de diferentes pro- en el uso de la arcilla, ya que estaba disponible en
cesos de escultura y utilizando diversos materiales. una fábrica de ladrillos cercana, con la que tuvimos
La comparación entre la digestión y la combustión, la oportunidad de trabajar. Esto fue increíble, ya que
aunque no sea totalmente precisa, está muy difun- la fábrica misma era un organismo de procesamien-
dida en varios imaginarios del “cuerpo” y en la com- to de arcilla, ya que extraía sus recursos de la tierra,
prensión de la fisiología y las funciones corporales moldeaba la arcilla en diferentes unidades y la ponía
en diferentes tradiciones médicas, como la medici- en combustión con astillas de madera de los euca-
na tradicional china. He utilizado comparaciones o liptos locales. Basado en este modelo, el ladrillo se
asociaciones similares entre procesos materiales y convirtió en la célula o unidad de este metabolismo.
biológicos en mi trabajo, rastreando la relación en- Una unidad que se distribuye y se vuelve a montar.
tre varias funciones corporales -ingestión, digestión Algunos de los edificios del Instituto construidos por
y cognición - y artefactos tecnológicos como vasos, Irineu están hechos con esos ladrillos. Comencé a

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 154


trabajar con los ladrillos frescos que nos dieron los za transformadora que los atraviesa, procesando la
trabajadores de la fábrica, usando el exterior del arcilla cruda en sus entrañas. En este sentido, el
ladrillo como membranas y la estructura central minigama es la forma más íntima de cocer la arcilla,
como esqueleto para diferentes usos escultóricos. ya que requiere atención constante durante su pro-
El objetivo era cocer estas esculturas, lle- ceso. La temperatura interna se evalúa abriendo la
varlas de regreso al enorme horno de vagones de cámara - que tiene aproximadamente el tamaño de
la fábrica e insertarlas en su metabolismo de ar- un estómago humano - y observando la pieza de ar-
cilla. Sin embargo, durante la residencia, se hici- cilla a medida que cambia de color, hecha para estar
eron posibles nuevas técnicas de cocción a través constantemente en contacto con el fuego, sintiéndo-
del horno de ladrillos que construí junto con Irineu lo en la piel, alimentando su apetito de carbón y aire
y con el aprendizaje del uso del Minigama de Tomo. para elevar la temperatura o dejar que pase hambre
Cocer en estos tres hornos de diferentes tamaños para crear diferencias de temperatura que afectarán
y en diferentes escalas fue una experiencia increí- al vidriado creado por las cenizas.
ble para mí. De lo monumental a lo íntimo. En una Siento que el mes terminó rápidamente,
lógica inter-escalar, en la que se sigue la secuen- dejando atrás muchas piezas de arcilla sin cocer ni
cia de transformaciones de materiales a través de digerir. Aunque la experiencia es algo que cargo con-
diferentes metabolismos y en escalas crecientes o migo, junto con una copia del raro y agotado manu-
decrecientes, la que configura gran parte de mi in- al japonés de construcción de minigamas que Tomo
vestigación y práctica artística. me regaló. Ahora estoy impaciente para construir
Apliqué un “análisis metabólico” similar mi primer a la construcción de mi primer circuito de
durante mis caminatas diarias - y correrías con los minigamas-intestinos en los próximos meses.
perros - por el Instituto Yvy Maraey: los ciclos de la
hierba, el caballo y su estiércol, hormigueros y hon- Ane Rodríguez Armendariz: Durante la estancia en
gos, gansos y peces, líquenes y árboles. Estos inter- Porto Alegre, experimentaste con nuevas técnicas de
cambios entre diferentes escalas y sistemas biológi- cerámica, mientras dabas continuidad a la línea abi-
cos estuvieron muy presentes durante mi estadía. erta con otros proyectos anteriores. De alguna mane-
Volviendo a su pregunta sobre el fuego y la combus- ra, aprovechaste la estancia para madurar y trabajar
tión... En estos sistemas de horno, el fuego es la fuer- diferentes formas que has ido dando a tu práctica,

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 155


siempre desde el interés de relacionar el funcio- en la degustación en el contexto de eventos y exposi-
namiento del cuerpo, los órganos y, en este caso, las ciones.
vasijas como metáfora. ¿Cómo crees que te ha ayu- Comencé a trabajar con la comida a través
dado a avanzar esta estancia en el desarrollo de tu de prácticas colaborativas realizadas por parejas en
práctica y en tus futuros proyectos? Por otra parte, las que trabajamos con diferentes culturas alimen-
también me interesaría saber la relación que esta- tarias y en la intersección entre Arte y Gastronomía.
bleces entre tu vida y tu práctica artística, más con- Nos inspiramos en las representaciones de alimen-
cretamente, toda la investigación que has desarrol- tos en los medios de comunicación, en la literatura,
lado sobre el azúcar y el metabolismo y cómo desde en las películas, en la pintura ... para crear instala-
aquí tomas decisiones cotidianas al mismo tiempo ciones comestibles o dietas utópicas de alimentos
que das forma a tu trabajo artístico. Cómo lo uno da - o el papel de los alimentos en las revoluciones so-
forma a lo otro o viceversa. ciales y la reformulación de los deseos, como la obra
Harmony de Charles Fourier, para producir cosas
Carlos Monléon: Comenzaré respondiendo tu segun- como “una ópera comestible”.
da pregunta sobre el metabolismo y la práctica per- No obstante, mi trabajo con la comida in-
sonal, porque en parte respondí a la primera en mi formó y formó mis puntos de vista sobre la comida
respuesta a Bruna, y porque también es más apropia- y la alimentación. Fue a través del trabajo de la fer-
do hablar sobre cómo mi práctica artística ha evolu- mentación como ingresé en la microbiología que me
cionado a lo largo de los años. Como has mencionado, llevó a aprender sobre el papel de la nutrición en la
hago conexiones entre las funciones corporales con evolución biológica, que es el agujero de conejo que
artefactos como las vasijas, pero este es el resultado me llevó a todos los otros agujeros.
de haber trabajado previamente con muchos aspectos Actualmente estoy trabajando en los efec-
de la alimentación y la cultura alimentaria. Mi trabajo tos metabólicos de diferentes tipos de alimentos y
escultórico actual se ha ido desarrollado trabajan- en la interacción entre las diferentes especies vivas
do en proyectos participativos, en los que los pla- en la micro-escala de la biota intestinal, que puede
tos eran producidos con la intención de comunicar seguirse hasta la la macro-escala de la comuni-
ideas y contenido durante los talleres, ayudar en la cación que se produce entre los entornos y las perso-
preparación y en la presentación de los alimentos y nas. Del metabolismo al medio ambiente y viceversa.

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 156


En este trayecto, hay un flujo de información a través antiguas como una forma de corregir enfermedades
de los alimentos - desde el exterior hacia el que el contemporáneas.
cuerpo reacciona. En este punto, todo se complica, En un nivel más concreto, la investigación
porque todos los diferentes sistemas de los que el es interesante en términos de nuevas prácticas de
cuerpo está compuesto, nervioso, inmunológico, di- salud, para pensar en el campo de la salud, así como
gestivo, hormonal, vascular, etc. comenzar a interac- para comprender el deterioro de la salud digestiva y
tuar y crear ciclos de feedback. Comencé a usar con- el aumento de las intolerancias alimentarias y otras
ceptos de cibernética, con gran interés por mi parte, afecciones relacionadas que pueden parecer no rel-
para modelar esos lazos informativos, lo que vengo acionadas, tales como problemas de piel y migrañas.
llamando La Cibernética de la Digestión. Y, sin embargo, quitando la lupa y volviendo
Hice algunos dibujos y diagramas durante la a los ciclos cibernéticos, los problemas individuales
residencia como una forma de comenzar a mapear como las enfermedades autoinmunes están vincula-
algunas de estas complejidades. dos a la inmunología planetaria - los organismos y
A nivel personal, he estado experimentando los entornos sufren las mismas influencias tóxicas,
con diferentes dietas, mejorando los nutrientes y su están conectados por el clima y por las redes de la
tiempo para producir diversos efectos metabólicos, agricultura industrial...
que puedo sentir en mi propio cuerpo, una percep- El ayuno es una práctica que realmente ha
ción renovada de mí mismo que impulsa aún más el cambiado la forma en que entiendo la comida y con-
avance de mi investigación. tinuará después de la residencia.
Durante mi tiempo en el Instituto, profundicé Actualmente estoy estudiando una familia
mi investigación en la práctica metabólica tanto de polillas en ayunas en la edad adulta, que viven
científica como personal. Ayuné los lunes, entre 24 solo de lo que comieron como larvas. Recuerdo haber
y 36 horas, esto provocó algunas conversaciones con conocido a una hermosa y enorme polilla en el Insti-
los otros residentes y curanderos. Recuerdo que tu- tuto. Del tipo que simula garras y ojos en sus alas,
vimos una conversación al comienzo de su visita so- que tienden a interpretarse como depredadoras
bre el metabolismo de los carbohidratos, el ayuno, miméticas e intimidantes.
los niveles de azúcar en la sangre y su relación con Observando cómo evolucionaron estas po-
la salud y el regreso a las prácticas alimentarias más lillas, comiendo y pasando hambre durante una par-

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 157


te de su ciclo de vida, por lo tanto, alternando entre
comer y ayunar, en estados metabólicos “internos” y
“externos”, esa es una adaptación que resuena pro-
fundamente dentro de mí - la eliminación de sus en-
trañas durante su última etapa de vida - lo que me
recuerda la idea radical de alteridad que envuelve a
la alimentación, vinculada a la asimilación, el inter-
cambio y la circulación.
Actualmente hay días de la semana en los
que elijo ayunar, dependiendo del tipo de trabajo y
las tareas que tengo que hacer. Más anabólicos -
asimilación y crecimiento - y más catabólicos - de-
scomposición y reciclaje - ciclos que ahora también
entiendo en términos de producción artística, y que
esculpen la relación entre estímulos internos y ex-
ternos, materiales escultóricos y estados mentales.
El ayuno es un proceso activo, no tiene nada
que ver con el rechazo, requiere una una acción.
No comer constantemente, comer tiene su
tiempo y lugar.
Fue fascinante observar las diferentes prác-
ticas alimentarias que ocurrieron en el ámbito inter-
no del Instituto.

ZONA VERDE CARLOS MONLEÓN 158


Michelle Sommer: Tu trabajo arroja una reflexión so- cipalmente debido al tipo de trabajo que realizas:
bre la monumentalidad de la inserción escultórica y artesanal, a gran escala, en sintonía con el medio
en el diálogo con un país externo que parece operar ambiente. Esto significa que necesita conocer el
desde un mimético intencional como en el entorno contexto y el tipo de recursos naturales que posee
circundante. En este sentido, la primera pregunta para finalmente dar forma a su proyecto, tanto con-
que surge es la percepción del tiempo, en otras pa- ceptual como físicamente. Me gustaría saber un poco
labras, ¿cómo funciona inevitablemente el paso del más sobre tu proceso de trabajo y cómo manejas tu
tiempo en tu trabajo? ¿Y cómo envejece una obra de tiempo en una residencia como esta, que sirve para
arte al aire libre literal y continuamente y si, de al- hacer una pausa en la rutina de trabajo y también para
guna manera, tienes interés o no, en condicionar y reflexionar sobre la propia práctica.
medir ese paso del tiempo?
Rumen Dimitrov: Como autor, trabajo principal-
Rumen Dimitrov: Soy un escultor al que le gusta mente con materiales de la naturaleza, como pie-
trabajar con materiales duraderos; En este caso, el dra, madera, arcilla, tierra, plantas. Mi lema para
eucalipto tiene una vida lo suficientemente larga y, las acciones en la naturaleza es: Mi trabajo proviene
por la experiencia que tengo al lidiar con esta ma- de la naturaleza, regresa a la naturaleza, dando otra
teria, sé que con el tiempo este color rojo se volverá vida a algunos de los materiales de la naturaleza para
más oscuro e incluso gris y, por lo tanto, se adaptará que vivan sus vidas como obras de arte. Cada vez que
naturalmente al paisaje con el paso del tiempo. Es un empiezo a trabajar en un lugar específico de la natu-
proceso natural y una hermosa entrada al paisaje, raleza, reconozco el paisaje, tomo nota de la historia
y es parte de mi idea en la que traté de monumen- de ese lugar, elijo cuidadosamente el lugar correcto
talizar los objetos que creé durante mi estancia en donde sitúo mi instalación. Mis trabajos parece que
Brasil. Mi idea es adaptar estos pequeños objetos al se realizaron rápidamente, pero detrás de ellos hay
entorno natural en el que fueron creados y utilizarlos un pensamiento y un estudio largo y profundo sobre
funcionalmente a lo largo del tiempo, como lugres de la funcionalidad de estos objetos, además de mu-
descanso, recreación, pesca y observación de aves. chos años de experiencia. Propongo que los visitantes
experimenten mi trabajo, y esto es parte del diseño, y
Ane Rodríguez Armendariz: Me sorprendió su ca- creo objetos con la idea de que pueden ser útiles du-
pacidad y velocidad de producción en un mes, prin- rante mucho tiempo.

ZONA VERDE RUMEN DIMITROV 159


Michelle Sommer: Pensando en la tríada en la que Miriam Simun: Necesitamos hacer una pausa en re-
se basa su trabajo - ecología, tecnología y cuerpo - lación al término “Antropoceno”. Como describe
podemos conectarlos, en intersección, con nuestro Thomas Demos21, este término funciona ideológica-
tiempo antropoceno, donde la diferencia de magni- mente para apoyar una financiarización neoliberal
tud entre la escala de la historia de la humanidad y de la naturaleza y una economía política antropocén-
las escalas cronológicas de las ciencias biológicas o trica. Donna Harraway22 propone un término alterna-
geofísicas han disminuido dramáticamente. En este tivo, ‘el capitaloceno’, que indica que no son todos los
sentido, imprevisibilidad, incomprensibilidad, la sen- seres humanos, sino apenas una proporción relativa-
sación de pánico por la pérdida de control y quizás la mente pequeña, quienes instigaron y se beneficiaron
pérdida de la esperanza, son cubos de agua fría en de los sistemas que causan la crisis climática. Y que
el optimismo histórico sin temor a la modernidad. Tu de hecho el capital, con algunos humanos actuando
trabajo parece residir en este estado íntimo de per- de acuerdo con sus fuerzas estructurales, es el factor
cepción del mundo, afectado por el ruido y el silencio, principal de la destrucción ambiental y el rechazo a
añadido a las emociones del entorno específico en el cambiar de rumbo.
que te encuentras y que afecta significativamente la Esto apunta a los problemas estructurales
formulación de proposiciones. Frente a la sensación inherentes a nuestro momento actual de “crisis” per-
apocalíptica instituida y compartida - de las más di- cibida. Lo desagradable de las cuestiones estruc-
versas perspectivas ambientales, sociales y políticas turales es que se infiltran y reproducen en todos los
de la trayectoria reciente del mundo y, mirando aquí, niveles - desigualdades y enfoques antihumanistas
específicamente al actual Brasil - el pensamiento incorporados a escala económica de mercado global
contemporáneo de la crisis apunta a ideas de ‘fin’ se infiltran en las infraestructuras estatales, en las
- del mundo como lo conocemos y cómo acostum- instituciones culturales, en las dinámicas interper-
brábamos a conocerlo, y también se extiende a las sonales a veces autoimpuestas y en las estructuras
prácticas artísticas. En este sentido, desde el punto intrapersonales gubernamentales. La racionalidad
de vista de la producción y el contexto de residen- hipereconómica nos ha llevado a una lucha de unos
cia, ¿cómo ves las posibilidades de considerar otras contra otros e incluso con nosotros mismos - lo que
epistemologías de trabajo? es mejor para usted como actor económico a acos-
tumbra a ir en contra de sus mejores intereses como

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 160


vecino, miembro de la comunidad, habitante de la la toxicidad puede tomar diferentes formas - como
ciudad, productor cultural, amigo, etc. Y, sin embar- ecológicas, emocionales y energéticas, a partir de
go, las definiciones neoliberales de “éxito” tienden a cuáles y con cuáles creamos arte o cultura, es preci-
convertirse en el objetivo más importante en muchos so preguntarnos, ¿qué estamos haciendo realmente?
esfuerzos. Esto es desastroso no solo para el medio Otro punto en el que es preciso hacer una
ambiente ecológico, sino también para el social - y pausa: es esa noción actualmente popular de que
estamos viendo las ramificaciones de esto en los esta experiencia de ‘crisis’ o ‘fin’ es un fenómeno
cambios políticos en Brasil y los Estados Unidos en nuevo. El mundo ha terminado irrevocablemente
el momento actual. Destruyes el tejido social, elevas para muchas personas a lo largo del tiempo y la his-
la eficiencia económica por encima de todo y generas toria. ¿Qué fueron la esclavitud, la colonización o el
odio y destrucción adicionalmente. genocidio, sino una destrucción total y completa de
Creo que una de las cosas más importantes mundos? Ahora entendemos que estas crisis se han
que podemos hacer como artistas, curadores, or- incorporado al propio ADN de las personas, con es-
ganizadores culturales y creadores de instituciones tudios de mutaciones genéticas transmitidas a los
es trabajar duro para no reproducir esas mismas hijos de los sobrevivientes del Holocausto. El mundo
fuerzas en las situaciones que organizamos. Puede ha terminado muchas veces para muchas personas
ser difícil, ya que los artistas y las instituciones en la tierra: - hay mucho que aprender de sus tácti-
de arte sufren las mismas presiones del neoliber- cas de supervivencia. Muchas veces vemos las prác-
alismo - precariedad económica, la falsa noción ticas basadas en el cuerpo como vitales para la su-
de que el éxito se expresa a través de una produc- pervivencia de la comunidad y del alma, después de
ción documentados y del crecimiento con la finalidad la catástrofe final.
de alcanzar el punto de cambio constante, de vértice Siempre estuve interesada en lo que nues-
brillante de “conquista”, de una carrera. Pero si real- tros cuerpos saben y nuestras mentes no. Mi trabajo
mente queremos involucrarnos en estos momentos hace preguntas o hace propuestas sobre formas de
de ‘crisis’ de manera honesta, cuidemos los cuerpos conocimiento corporales, sensoriales e irracionales.
que están en el medio - humanos o no - más allá del En el pasado, incorporé perfume, sabor, tacto en mis
cuidado no negociable del medio ambiente. Si esta- esculturas y performances - y últimamente he esta-
mos creando y participando en ambientes tóxicos - y do trabajando directamente con el cuerpo, con ejer-

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 161


cicios basados en el cuerpo, muy inspirados por la Centro de Ecologías Creativas investiga la inter-
gran coreógrafa con la que tuve el placer de colabo- sección de las prácticas artísticas con las políti-
rar, Luciana Achuagar, así como el trabajo. terapeu- cas ecológicas y la justicia ambiental. https://
tas somáticos como Resmaa Menakem, además de creativeecologies.ucsc.edu/
como antiguas prácticas de buceo en aguas profun-
das en las islas japonesas y coreanas, entre otras. 22 Donna J. Haraway es profesora emérita del
Cada vez más, entiendo que el propósito de Departamento de Historia de la Conciencia
este trabajo es de ser un nivel muy, muy básico en el de la Universidad de California (Santa Cruz).
desarrollo de habilidades auditivas, con la escucha https://www.e-flux.com/journal/75 /67125 /
como requisito previo para la empatía y la empatía tentacular-thinking-anthropocene-capitalo-
como requisito previo para comenzar a construir me- cene-chthulucene/.
jores sistemas, mejores relaciones, mejores estruc-
turas. Justo antes de venir a Brasil, hice un trabajo Ane Rodríguez Armendariz: Creo que una residencia
con tres bailarines en Lisboa que se ocuparon de rural siempre te ayuda a conectarte con lo básico,
estos problemas, llamado: Como Posso Acreditar no dejando atrás los innumerables estímulos que en-
que Você Diz Quando Posso Sentir o que Você Faz? contramos en cada rincón de la ciudad. Para mí, es
(¿Cómo puedo creer lo que dices cuando puedo sen- hora de mirar hacia adentro y tratar de sintonizar
tir lo que haces?) Hasta que aprendamos a escuchar el ritmo que nos rodea. Lo que encontré en nuestras
y sentir simpatía por nuestro propio cuerpo, por los conversaciones es que trabajaste con tu cuerpo, tu
cuerpos que nos rodean y por el cuerpo más grande, voz, la interacción con el otro, la meditación. También
que incluye los sistemas ecológicos de los que de- realizaste algunas sesiones grupales que formaron
penden nuestras necesidades biológicas - siento parte de tu investigación, que creo que es una par-
que no hay mejor lugar que este para dirigirse. te esencial de una residencia. Sin embargo, siem-
pre hay un punto de estrés cuando los artistas
21 Thomas Demos es el fundador y director del necesitan presentar un resultado para mostrar a
Centro de Ecologías Creativas vinculado al De- las personas, a los visitantes de qué se trata, o de
partamento de Historia del Arte y Cultura Visual qué trató tu trabajo allí. Me gustaría saber ¿cómo
de la Universidad de California (Santa Cruz). El enfrentaste esta situación y cómo sientes que el

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 162


tiempo que pasó en la residencia contribuyó a tu dónde huir.
práctica? Hacer que un espacio se vuelva seguro,
positivo y emocionalmente productivo es tan
Miriam Simun: El trabajo que mostré al final de la importante como hacer un espacio físicamente
residencia presentaba fragmentos de proceso. Hubo apropiado para la producción de obras de arte.
algunos dibujos para trabajos al aire libre a gran es- Y el trabajo emocional es como cualquier otro tra-
cala, subtitulados con referencias a la problemática bajo - toma tiempo, pensamiento, preparación -, y
de su realización - demasiado ego personal, poco es agotador, al igual que otras formas de trabajo.
apoyo institucional, potencial para dañar las espe- Esa fue la razón principal por la que decidí pre-
cies. Mostré algunas pequeñas esculturas al aire sentar la sesión colectiva de trabajo corporal al
libre, hechas de cáscaras de huevo y restos de un grupo y a la residencia - para ver cómo podríamos
árbol que fue cortado, que fueron destruyéndose len- cambiar la energía. Intento, siempre que sea posi-
tamente a lo largo del día. Estos trabajos fueron una ble, utilizar la producción artística como un medio
respuesta honesta al ritmo en el que me encontraba. para invitar a participar en el trabajo, en lugar de
Acerca de cómo mi tiempo dedicado a la solo mostrar de qué se trata: ¿cómo puedo invitar
“granja de arte” contribuyó a mi práctica - es curioso, al público a otras formas de escuchar y conocer,
esta pregunta me la hicieron muchas veces durante y cuáles son los espacios, las experiencias y las
esta residencia, por reporteros de televisión, en las realizaciones que estos procesos abren y provocan
presentaciones que se organizaron y ahora nue- en nosotros?
vamente aquí. No estoy seguro de cómo cuatro
semanas pueden realmente cambiar la práctica
de un artista. Ciertamente aprendí mucho sobre
preguntas que plantear antes de unirme a un nue-
vo proyecto de residencia. También aprendí que en
una residencia rural en particular, especialmente
con dormitorios muy cercanos, es muy importante
mantener la energía emocional del espacio, porque,
a diferencia de la ciudad, no hay ningún lugar para

ZONA VERDE MIRIAM SIMUN 163


9 lago do Instituto Yvy Maraey, fotografia Regina Peduzzi Protskof
14 escultura de Irineu Garcia, fotografia Denis Rodriguez
15 parque estadual de Itapuã, fotografia Denis Rodriguez
21 coleção do parque estadual de Itapuã, fotografia Regina Peduzzi Protskof
26 detalhe de instalação de Leonardo Remor, fotografia Regina Peduzzi Protskof
27 instalação de Leonardo Remor, fotografia Regina Peduzzi Protskof
28 da esquerda para direita, Ane Rodríguez Armendariz, Tomohiro Ehara, Emilia Hissami Aso Ehara,
Michelle Sommer, Irineu Garcia e Carlos Monleon. Fotografia Denis Rodriguez
32 instalação de Denis Rodriguez, fotografia Regina Peduzzi Protskof
35 parque estadual de Itapuã, fotografia Denis Rodriguez
36 banhado do Instituto Yvy Maraey, fotografia Denis Rodriguez
38 oficina de Ayrson Heráclito, fotografia Regina Peduzzi Protskof
39 da esquerda para direita, Miriam Simun, Richard Le Quellec e Ayrson Heráclito, fotografia Regina Peduzzi Protskof
41 templo do amor, integra o conjunto de templos do Templo Universal da Paz Pai Francisco de Luanda. Da esquerda
para a direita, Laura Cattani, Maria Isabel Rueda, Rumen Dimitrov, Miriam Simun, Denis Rodriguez e Carlos Monleón
Fotografia Leonardo Remor
46 pirâmide das curas Mãe Gedi, Rumen Dimitrov, fotografia Denis Rodriguez
50 templo de Iansã, fotografia Denis Rodriguez
53 templo de Salomão, fotografia Denis Rodriguez
54 o duo Ío, Laura Cattani e Munir Klamt, fotografia Regina Peduzzi Protskof
58 nº 1 (Ad instar), projeto para instalação do duo Ío
63 nº 2 (Idem per idem), registro do processo, fotografia Ío
68 estudo sem título (ninho de agulhas de pinho) de Ío, fotografia Ío

CRÉDITOS DE IMAGENS 164


70 estudo sem título (ninho de cabelos) de Ío, fotografia Ío
71 fotografia Carlos Monleón
73 olaria Tropical, fotografia Carlos Monleón
74 escultura de Carlos Monleón, fotografia Carlos Monleón
77 forno artesanal do Instituto Yvy Maraey, fotografia Carlos Monleón
78 retrato de Tomo Ehara com um dos minigamas do ateliê Ko, fotografia Carlos Monleón
79 retrato de Rumen Dimitrov, fotografia Regina Peduzzi Protskof
82 instalação de Rumen Dimitrov, fotografia Regina Peduzzi Protskof
83 da esquerda para a direita, Bruna Fetter, Maria Isabel Rueda, Denis Rodriguez, Ayrson Heráclito e
Rumen Dimitrov, fotografia Regina Peduzzi Protskof
84 mesa de trabalho de Miriam Simun, fotografia Miriam Simun
87 em primeiro plano, instalação de Miriam Simun, fotografia Miriam Simun
90 detalhe da instalação de Miriam Simun, fotografia Miriam Simun
101 escultura de Rumen Dimitrov, fotografia Denis Rodriguez
105 praia das pombas, parque estadual de Itapuã, fotografia Denis Rodriguez
122 escultura de Carlos Monleón, fotografia Carlos Monleón
123 por-do-sol no lago do Instituo Yvy Maraey, fotografia Denis Rodriguez
129 parque estadual de Itapuã, fotografia Denis Rodriguez
141 templo de Yemanjá, fotografia Denis Rodriguez
153 nº 1 (Ad instar), estudo do duo Ío, fotografia Íoz
158 saída de ar do forno da Olaria Tropical, fotografia Carlos Monleón

CRÉDITOS DE IMAGENS 165


ARTISTAS RESIDENTES PRODUÇÃO EXECUTIVA
ÍO, BR DENIS RODRIGUEZ
CARLOS MONLEÓN, ES
RUMEN DIMITROV, BG COORDENAÇÃO E PRODUÇÃO
MIRIAM SIMUN, EUA MARIA AMÉLIA BULHÕES
IRINEU GARCIA
ARTISTAS VISITANTES DENIS RODRIGUEZ
AYRSON HERÁCLITO, BR
LEONARDO REMOR, BR IDENTIDADE VISUAL
FERNANDA PUJOL
CURADORES VISITANTES LEONARDO REMOR
ANE RODRÍGUEZ ARMENDARIZ, ES
BRUNA FETTER, BR PROJETO GRÁFICO
RICHARD LE QUELLEC, FR-CH LEONARDO REMOR
MARIA ISABEL RUEDA, CO
MICHELLE SOMMER, BR FOTOGRAFIA
REGINA PEDUZZI PROTSKOF
BIÓLOGO HENRIQUE VIEGAS
PAULO BACKES
VIDEO
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO ZECA BRITO
ARIELA DEDIGO FREDERICO RUAS
ISABEL WAQUIL
TRADUÇÃO SIMULTÂNEA DOS EVENTOS
ASSESSORIA CONTÁBIL MARIANA BANDARRA
ANDREA GRAVINA AZEVEDO
COZINHA
TRADUÇÃO DO LIVRO GERECI LIMA DE OLIVEIRA
JOSÉ VICENTE BALLESTER MARIA ROSANGELA MESQUITA

FICHA TÉCNICA DO PROJETO 166


REALIZAÇÃO

APOIO

FINANCIAMENTO

Você também pode gostar