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RESUMO
Este artigo abordará a experiência dos Grupos Reflexivos de Gênero, que vem
sendo desenvolvida, desde 2011, no âmbito dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, em Porto Alegre/RS, e que se tornou referência para o
Curso de Formação de Facilitadores de Grupos Reflexivos de Gênero que, desde
2016, é oferecido pelo CJUD do TJRS. O Grupo Reflexivo visa a reeducação de
homens que se envolveram em situação de violência doméstica, familiar ou afetiva
contra a mulher, e se constitui em aliado às ações de atenção e proteção destinadas
à mulher, no âmbito da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06. Contribui para a
cessação dos comportamentos violentos e para promover a equidade de gênero. O
artigo tem como objetivo apresentar o modelo de intervenção utilizado, enfatizar a
importância da reeducação dos homens inseridos no contexto da violência contra a
mulher, e a imperiosidade de serem construídas políticas públicas para
institucionalizar projetos dessa natureza.
1
Psicóloga. Mestre em Direito com ênfase em Direitos Humanos. Servidora do TJRS e
Coordenadora Técnica dos Grupos Reflexivos de Gênero e do Projeto Borboleta, no âmbito dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre/RS. Professora no
CJUD - Centro de Formação Judicial do TJRS.
2
Juíza de Direito titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto
Alegre/RS. Coordenadora do Núcleo de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Escola da
Magistratura do RS. Formadora da ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados nas temáticas " Questões de Gênero e Violência Doméstica”. Palestrante na Esco la
da Magistratura do RS e Professora no CJUD - Centro de Formação Judicial do TJRS. Integrante
da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do
TJRS.
ABSTRACT
This article will address the experience of the Gender Reflective Groups, which has
been developed since 2011, within the scope of the Courts for Domestic and Family
Violence against Women, in Porto Alegre / RS, and which has become a reference
for the Facilitators Training Course of Reflective Gender Groups which, since 2016,
has been offered by the CJUD of the TJRS. The Reflective Group aims to re-educate
men who have been involved in situations of domestic, family or affective violence
against women, and is an ally in the care and protection actions aimed at women,
under the Maria da Penha Law - Law 11.340 / 06. It contributes to the cessation of
violent behavior and to promoting gender equity. The article aims to present the
intervention model used, to emphasize the importance of the re-education of men
inserted in the context of violence against women, and the imperative to build public
policies to institutionalize projects of this nature.
Key Words: Maria da Penha Law; Domestic and family violence against women;
Prevention, care and coping with domestic and family violence against women; Re
education of men involved in domestic and family violence against women; Gender
Reflective Group.
1 INTRODUÇÃO
6
Enunciados do FONAVID. Disponível em:https://wwwh.cnj.jus.br/enunciados -2/ .Acesso em:05
set. .2020
7
BION, Apud Escobar, Antonio Carlos Soares. Grupos de Reflexão com Alunos de Psicologia
Médica.(in) Julio de Mello Filho (org). Grupo e corpo: Psicoterapia de Grupo em Pacientes
Somáticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
cooperativas e solidárias, a partir do reconhecimento da violência praticada. Permite
lhes construir alternativas, através do diálogo, para lidar com as diferenças e
conflitos vivenciados em suas relações íntimas, familiares e cotidianas. Proporciona
lhes a possibilidade de reflexão num verdadeiro processo de “reflexão
responsabilizante”. A intervenção propicia, também, a identificação de necessidades
específicas dos integrantes do grupo, como por exemplo, de encaminhamento para
tratamento terapêutico.
Para BASTOS8,
11
Projeto Borboleta: conjunto de ações multidisciplinares que são desenvolvidas no âmbito dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre, em favor das
pessoas que se envolveram em situações de violência dessa natureza.
12
O índice da
Dados extraídos dos arquivos do Projeto Borboleta, atualizados até 31.07.2020. 13
reincidência está um pouco mais elevado que o do período anterior avaliado, mas deve-se
considerar que, dos 7 meses avaliados, 4 deles refere-se a período de isolamento social em
razão da pandemia do COVID-19, que sugere aumento da violência doméstica praticada contra a
mulher.
14
Reincidência, para o caso, é adotada a reincidência genérica, ou seja, a prática de nova
violência doméstica e familiar contra a mulher notificada ao Poder Judiciário através de novo
processo de medida protetiva ou inquérito/processo criminal.
15
Reentradas e reiterações infracionais. Um olhar sobre os sistemas socioeducativo e prisional
brasileiros. CNJ. Disponível em:https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/01/Panorama-das
Reentradas-no-Sistema-Socioeducativo.pdf . Acesso em 05 set.2020.
Dados referentes aos GRG que aconteceram em
2019:
Fonte:
Projeto Borboleta (2019).
16
THURLER, Ana Liési. Em nome da Mãe: o não reconhecimento paterno no Brasil. Florianópolis:
Ed. Mulheres, 2009.
Cada encontro deve ser cuidadosamente planejado, incluindo a escolha das
dinâmicas e dos textos de leitura prévia (tanto do referencial teórico, quanto de
textos que serão lidos para o grupo). Podem ser utilizados poemas, trechos de
notícias, dados de pesquisa, slides, músicas, vídeos. Os recursos audiovisuais, as
leituras de textos e as dinâmicas têm o objetivo de levar os participantes a refletirem
sobre o tema proposto. A reflexão profunda sobre os temas é a tarefa mais
importante, pois implica em autoconhecimento, conscientização e responsabilização.
Para o facilitador, além de refletir sobre os temas junto com o grupo, cabe a tarefa de
refletir se consegue avaliar com isenção cada situação antes de se posicionar e não
se contentar com o senso comum, sempre buscando estudar mais estes temas.
Um ponto importante, e às vezes negligenciado, é o planejamento físico e de
materiais necessário para o grupo (café, água, lanchinhos, balas, toalhas de papel,
canetas, folhas, revistas, canetinhas, álcool gel), dependendo da atividade
planejada. O planejamento é importante para evitar a dispersão por falta de preparo;
ajuda a organizar o pensamento pois o coordenador terá que estar atento ao
movimento do grupo, à fala, à linguagem corporal, aos silêncios e, ao mesmo tempo,
atento à tarefa programada. Reforçamos a importância de ter flexibilidade pois
poderá ter que mudar a tarefa.
No planejamento é importante incluir as metodologias que serão utilizadas e
que devem permitir identificar “riscos e outros sinais como a racionalização no
discurso, negação e minimização de violências cometidas”17 (AGUIAR, 2009, p.
149). O trabalho com homens não pode se resumir a técnicas de autocontrole, pois
isso os coloca novamente presos no binarismo biológico que queremos questionar,
onde as mulheres provocam e os homens teriam maior autocontrole. Para não cair
neste risco devemos adotar perspectivas feministas de gênero, pois mais
questionadoras destes aprisionamentos18 (TONELI et al., 2010; ANTEZANA, 2012).
4.2. Entrevista Inicial
17
NOTHAFT, Raíssa Jeanine; BEIRAS, Adriano. “O que sabemos sobre intervenções com
autores de violência doméstica e familiar?”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 3,
e56070, 2019.
18
NOTHAFT, Raíssa Jeanine; BEIRAS, Adriano. “O que sabemos sobre intervenções com
autores de violência doméstica e familiar?”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 3,
e56070, 2019.
a. as condições sociodemográficas, interseccionalidades, situação familiar;
b. litigiosidade entre os envolvidos;
c. se há condenações criminais ou está respondendo a processos criminais e
outros processos envolvendo as partes;
d. se há processos ou se já foi chamado no conselho tutelar; e.
as condições de saúde;
f. transgeracionalidade da violência;
g. capacidade de reflexão.
O que é genograma?
Trata-se de uma ferramenta da entrevista que permite conhecer os mitos e
crenças que norteiam a vida familiar transmitida ao longo das gerações e que
favorecem rupturas e violência (ex. crença de merecimento). Permite conhecer
dados relativos à situação de saúde geral, problemas genéticos, sociais, culturais e
comportamentais, bem como a forma em que se dão os relacionamentos (ex. filho do
avô, repetição do abandono). Permite conhecer potencialidades (identificações
positivas, rede de apoio), testar a realidade diante de idealizações impossíveis de
concretização (ex. idealização fantasiosa), avaliar a qualidade dos vínculos
familiares (ex. percepção equivocada de desamparo familiar ou o contrário) e
comparar o modelo real com o introjetado. Permite conhecer os limites entre os
subsistemas, as interferências uns nos outros – para isso é importante indagar sobre
as pessoas que interferem positiva ou negativamente. Permite, ainda, conhecer
padrões cristalizados nos relacionamentos familiares (violência física, abuso sexual,
simbiose, negligência, etc.) – passados de geração a geração.
Todavia, considerando a especificidade do trabalho em grupo em questão, o
genograma deve ser usado em paralelo ao modelo ecológico de
Bronfenbrenner19 e ao modelo dos ciclos de violência, de Walker20, permitindo
visualizar a transmissão transgeracional de determinada cultura.
19
BRONFENBRENNER, U. Developmental research, public policy, and the ecology of childhood,
Child Development, v. 45, 1974 e VÉLEZ-AGOSTO, Nicole M.; SOTO-CRESPO, José G.;
Além desses instrumentos, há uma outra ferramenta que apresenta
informações importantes acerca do participante. É o Formulário Nacional de
Avaliação de Risco (CNJ/CNMP) que, se utilizado na Comarca, integra o pedido de
medidas protetivas e o respectivo inquérito policial21.
Como vimos, o grupo reflexivo não deve ser realizado ao acaso e todos os
encontros devem ser planejados e embasados em referencial teórico, conforme a
necessidade do tema a ser tratado, e cujas técnicas devem ser pensadas para
permitir a reflexão.
Abaixo uma sugestão de planejamento/roteiro de um grupo.
23
Enunciados do FONAVID. Disponível em:https://wwwh.cnj.jus.br/enunciados-2/ .Acesso em:05
set. .2020
24
Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/violencia-domestica/noticias
relacionadas/?idNoticia=60860. Acesso em: 21 ago.2020
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
25
Memo.Circ.nº 31/2019-CAODH –Centro Operacional dos Direitos Humanos, da Saúde e da Proteção
Social do Ministério Público do RS. Coordenadora: Angela Salton Rotunoo, Procuradora de Justiça,
Coordenadora do CAODH.02 de dezembro de 2019.
26
Arts. 19 e 28 da Lei Maria da Penha- Lei 11.340/06
REFERÊNCIAS
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
PRATES, P.L. e ANDRADE, L.F. Grupos Reflexivos como Medida Judicial para
Homens Autores de Violência contra a Mulher: o contexto sócio-histórico.
Seminário Internacional Fazendo Gênero 10, Anais Eletrônicos, Florianópolis, 2013.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Traduzido
pela SOS: Corpo e Cidadania. Recife: 1990.