Você está na página 1de 40

Ano XLI * Número 1332 * De 20 de outubro a 2 de novembro de 2021 * Portugal (Cont.

) €3,30 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos

DOCLISBOA FILMES PARA PENSAR O MUNDO


Antevisão, destaques e entrevistas PÁGINAS 19 A 21
Filme de Ulrike Ottinger

JUAN GABRIEL VÁSQUEZ


Anatomia do século PÁGINAS 12 A 14

JOANA CRAVEIRO
JORNAL Abelaira vestido de hoje PÁGINAS 22 A 24

DE LETRAS,
ARTES E MAFALDA SOARES DA CUNHA
IDEIAS Resistências no Império Português
PÁGINAS 28 A 30

DANTE, CONTEMPORÂNEO,
EM (BOM) PORTUGUÊS
* Sai uma nova tradução integral da Divina Comédia: entrevista
com o – e texto do - tradutor, Jorge Vaz de Carvalho.
* Nos 700 anos da morte do genial poeta, ensaio de Rita Marnoto,
crónicas de António Mega Ferreira e Marco Lucchesi
PÁGINAS 6 A 10

Jorge Vaz de Carvalho

FERNANDO ECHEVARRÍA, a morte do poeta


Textos de Maria João Reynaud, João Barrento e Fernando Guimarães PÁGINAS 18 A 20

Colunas e crónicas de Afonso Cruz, Boaventura de Sousa Santos, Gonçalo M. Tavares, Guilherme d’Oliveira Martins,
GETTY IMAGES

Daniel Tércio, Helena Simões, Miguel Real, Patrícia Portela, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques
2 ↗
DESTAQUE 20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

›BREVE ENCONTRO‹

Germano Almeida
Homenagem no Escritaria

É ainda com alguma relutância que Germano Almeida ante-


cipa a homenagem que o Festival Escritaria, promovido pela
Câmara Municipal de Penafiel, lhe preparou. É o convidado da
edição de 2021, que decorre em vários espaços da cidade, entre
os próximos dias 24 e 31. Exposições, sessões de cinema, visita
às escolas, conversas com estudiosos e especialista e o lança-
mento do seu novo romance, A Confissão e a Culpa, que encerra
a trilogia do Mindelo, dão corpo a uma programa diversificado e
com muita animação de rua.

Jornal de Letras: Como recebeu o convite do Escritaria?


Germano Almeida: Como muito gosto, claro. Uma homenagem
é sempre uma homenagem, qualquer coisa que nos alegra. Mas
para ser sincero não faço a mínima ideia do que me espera,
ainda não tive e oportunidade participar em nenhuma edição. Já
vi o programa, mas também não fui capaz de antecipar o que vai
acontecer. Estou, por isso, um pouco ansioso [risos].

O festival tem uma dimensão de rua. João Jacinto na Travessa da Ermida “Limpar a Seco” é o nome
Agrada-lhe essa dimensão?
Isso também me surpreendeu. Estou da exposição de João Jacinto que se inaugura a 23, no Projeto
a imaginar uma espécie de procissão Travessa da Ermida, em Belém, Lisboa.
[risos]. Na verdade, não sou um escritor
que aceite muito este tipo de convite. O artista (n. 1966) apresenta trabalhos
O meu feitio não se ajusta muito a estas recentes de desenho. “O seu imenso corpo
situações.
de trabalho emana da sedução por temas e
Esta é, na verdade, um encontro com motivos destacados de algum instante do
leitores de várias idades...
É justamente o que espero. Um encontro onde se possa falar,
acaso ou do hábito, sacralizados pela repetição compulsiva”,
trocar impressões, ouvir e contar histórias. escreve, na folha de sala, Ricardo Escarduça. “Desenhar é
Valoriza esse momento? É importante para si enquanto
descobrir o outro no eu”. Simultaneamente, será inaugurada
escritor? também uma mostra individual de Horácio Frutuoso
É certamente agradável — são dias que passamos fora de casa,
numa sociedade diferente, com pessoas distintas. Nesse sentido,
já é um ganho. A nível pessoal é enriquecedor. Ajudará a fazer
chegar mais livros às pessoas? Não é garantido. TEMPS D’IMAGES MÚSICA PARA FEIRA DE DESENHO EDUCAÇÃO DIGITAL
EM LISBOA CRIANÇAS NO CCB NA SNBS
Os escritores homenageados no Escritaria são convidados a Educação Digital é o tema
escolher uma frase que dá origem a uma escultura pública em O segundo momento do O Festival Big Bang regressa Quarta edição de A Drawing do III Encontro da Secção
Penafiel. Já escolheu a sua? Festival Temps d’images ao Centro Cultural de Room Lisboa, feira de arte de Educação a Distância da
Já escolhi e já me esqueci dela [risos]. Assim será uma surpresa decorre até 7 de novembro, Belém, nos dias 22 e 23, com contemporânea dedicada ao Sociedade Portuguesa de
quando a vir lá. Tinha a ver com questões que são importantes com obras de teatro, dança, performances e espetáculos desenho, de 27 a 31 de outu- Ciências da Educação, que
no meu percurso, relacionadas com o prazer da escrita, o prazer instalação e performance, em direcionados para o público bro, na Sociedade Nacional de decorre a 25 e 26, através do site
da leitura. vários espaços de Lisboa. O mais jovem, que inclui Belas Artes, em Lisboa, com https://videoconf-colibri.zoom.
Momento II traz sete obras música tradicional, música 26 galerias representando us/84666324877. Dia 25, às 18,
No Escritaria fará a primeira apresentação do seu novo em estreia absoluta ou em contemporânea, sapatea- mais de 70 artistas de todo sessão de abertura com Paulo
romance. O que podemos esperar do desfecho desta trilogia? primeira apresentação em do, instalações sonoras e o mundo. Inclui obras de Dias (U. Aberta), Isolina Oliveira
A confissão do assassino. Ele vem contar-nos as razões que o Lisboa. Este mês, nos dias 23 visuais. Entre as atrações, Jorge Molder, Pedro Cabrita (U. Aberta), Henrique Gil (IP.
levaram a matar o amigo. Mas com quase 250 páginas, há tempo e 24, estreiam-se Cobertos estão o concerto desenhado Reis, Luísa Cunha, Jorge Castelo Branco) e João Correia
para vários desvios e histórias paralelas. pelo Céu/Paisagem em Linha, Olá zente que aqui samo, Queiroz, Pedro Barateiro, de Freitas (U. Nova de Lisboa); e
de Gustavo Ciríaco, e Salão com música e ilustração Pedro Calapez, José Loureiro, painel moderado por Maria Flor
Esta trilogia parece ter crescido por vontade própria, sem para o Século XXI, de Isabel ao vivo pelo artista visual Gonçalo Pena, Manuel Vieira, Pedroso e com Glória Bastos
controlo... Costa; de 25 a 29, Terceira JAS, o musical Sou filha das Mafalda Santos, Vera Mota, (U. Aberta), António Osório (U.
Completamente. Aliás, se tivesse pensado nela como uma tri- Pessoa apresenta a instalação ervas, baseado em canções Alberto Carneiro, Sara Bichão Minho), Fernando Ramos (U.
logia teria pensado numa construção diferente. A história foi QR Code, enquanto a 28 e de Amália Rodrigues, e ou Claire de Santa Coloma.A Portucalense), José Armando
acontecendo e a verdade é que a certa altura senti a necessi- 29 estreia-se A Estação de a estreia de Estradas, de feira inclui ainda um foco Valente (UniCamp) e Vítor
dade deste terceiro volume para explicar muitas questões em Outono - Ciclo Sobre Lembrar Salvador Sobral, com a atriz Berlim e a exposição dos Teodoro (U. Lusófona). Dia 26, às
aberta. A ideia inicial seria deixar o mistério no ar, sem saber e Esquecer III. Em novembro, Jenna Thiam e o músico trabalhos dos 10 finalistas ao 18, painel “Investigadores”, mo-
as razões, mas os leitores reclamam sempre muito, querem dias 6 e 7, estreia-se Missed- Javier Galiana. Os Sete Dixie Prémio FLAD de Desenho, um derado por Paula Peres (IP. Porto)
saber as motivações do assassino, mesmo quando o autor as en-Abîme, de Rogério Nuno encerram os dois dias do espaço editorial com livros e com Cecília Tomás, Elisabete
desconhece. Neste caso, acabei por inventar uma solução Costa, e Dobra, de Romain festival com canções de dedicados ao desenho, lança- Barros, Fernanda Nogueira, Luísa
[risos]. J Beltrão Teule. grandes músicos do jazz. mentos e conversas. Azevedo e Paula Cardoso.
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT DESTAQUE 3 ↗

Abdulrazak Gurnah distinguido Sugestões...


com o Prémio Nobel de Literatura
COMENTÁRIO
Achou que era uma partida José Carlos de Vasconcelos
e teve de esperar pelo anúncio

N
oficial. Abdulrazak Gurnah é o
Prémio Nobel de Literatura de
2021. A distinção foi justificada ão vou falar aqui do Orçamento de Estado para a
pela sua “incursão intransigente Cultura, que continua longíssimo, às vezes parece
e compassiva em relação aos que cada vez mais longe, do 1% há mais de 20 anos
efeitos do colonialismo e do apontado como meta desejável. E não vou porque nem
destino do refugiado no abismo o espaço consente uma sua análise fundamentada,
entre culturas e continentes”, lê- nem teria a competência necessária para o efeito.
se no comunicado da Academia Assim, fora da linha habitual desta coluna, vou aqui apenas aconselhar
Sueca. “As suas personagens três exposições, uma delas por “remissão”, mais uma peça e o livro de
encontram-se num hiato que ela parte.
entre culturas e continentes,
entre a vida que era e uma WORLD PRESS PHOTO Começo pela exposição que primeiro encer-
vida que emerge; é um estado rará: quem a desejar ver tem agora apenas dez dias, e só por haver sido
inseguro que nunca pode ser prolongada até ao próximo dia 30, quando estava previsto fechar a 15. É
superado. No universo literário decerto o mais famoso certame de reportagem fotográfica e dá-nos uma
de Gurnah tudo está a mudar — muito expressiva, e tantas vezes dramática, mostra do estado do mundo e
recordações, nomes, identidades. dos mais relevantes acontecimentos do ano anterior.
Provavelmente, porque o seu Não se trata, pois, apenas de uma exposição de excelentes ou extraor-
projeto não pode chegar ao dinárias fotos, mas também de uma visão do planeta e da sociedade em
fim em qualquer sentido mais que vivemos: factos, fenómenos, pessoas que fizeram as manchetes dos
definitivo. Em todos os seus livros media a nível global. E para isso contribui imenso haver, de par com as
está presente uma exploração fotos, textos que dão a necessária informação sobre as mesmas: a "gente",
infinita movida pela paixão Abdulrazak Gurnah a realidade, a situação que as imagens documentam e respetiva contex-
intelectual.” tualização.
Quarto escritor negro a Dois exemplos: a “foto do ano”, "O primeiro abraço", de Mads Nissen,
receber o Nobel de Literatura, símbolo da pandemia, tema de numerosas outras imagens; e a “história
Abdulrazak Gurnah narra a Nascido em 1948, numa das de dez romances e de vários do ano”, "Habibi" (“meu amor”, em árabe), de Antonio Faccilongo,
experiência dos refugiados e ilhas de Zanzibar, na Tanzânia, contos publicados em revistas. sobre a sua ausência/presença em casa, até com as suas roupas no mesmo
exilados, da condição colonial Abdulrazak Gurnah exilou- Estreou-se, em 1987, com sítio, de Al-Barghout, há mais de 40 anos preso pelos israelitas.
e pós-colonial. Os seus se com a sua família no Reino Memory of Departure, depois A exposição está patente no Parque dos Poetas, em Oeiras – e, assim,
romances fogem de descrições Unido no final dos anos 60, de anos a escrever para si. quem a for ver, como deve, terá o bónus suplementar de (re)visitar esse
estereotipadas e chamam devido às perseguições de que Começou aos 21 anos, para belíssimo espaço. E é organizada entre nós, uma vez mais, pela Visão
a nossa atenção para uma os árabes eram alvo na altura. tentar compreender e enquadrar – que por falta dos anteriores apoios mecenáticos não promoveu nos
África Oriental culturalmente Tem no swahili a sua língua a sua condição de refugiado. últimos anos o Prémio de Fotojornalismo que criou há 20 anos (quando
diversificada, desconhecida materna, mas tem publicado Seguiram-se, entre outros, também trouxe para Portugal a WPP) e era o mais importante do género
para muitos em outras partes exclusivamente em inglês. Paradise, Admiring Silence, By entre nós.
do mundo”, sublinhou ainda a Durante anos, foi professor the Sea, o único publicado em
Academia Sueca. O cruzamento de Literaturas Inglesas e Pós- Portugal numa edição da Difel há JOÃO ABEL MANTA Já na última edição foi o destaque no Vai Acontecer,
de mundos é, também, a marca Coloniais na Universidade de muito esgotada, Gravel Heart e aqui na p. 2. Vai até 15 de janeiro, mas impõe-se manter acesa a chamada
a do seu percurso biográfico. Kent, na Cantuária. É autor Afterlives, este de 2020.J de atenção para A Máquina de Imagens, essa mostra do trabalho, sobre-
tudo gráficos – desenhos, retratos, caricaturas cartoons -, de João Abel
Manta (JAM) promovida pela Fundação D. Luís I / Centro Cultural de
Cascais. Patente na Galeria do Palácio da Cidadela, afeto à Presidência da
República, com curadoria de Pedro Piedade Marques, aquela fundação
Festival Eufémia mulheres, o racismo, as formas de opressão do
pós-colonialismo, a homofobia, a discriminação,
merece todo o nosso aplauso, pela oportunidade, justeza e justiça da sua
iniciativa. Porque João Abel Manta, que pela sua incomodidade e recusa
em Lisboa a desigualdade no trabalho e a identidade e a
memória da ditadura.J
dos circuitos do êxito vai ficando muito esquecido ou “ocultado”, é uma
figura rara da arte portuguesa do nosso tempo e o nosso artista maior,
de par com Rafael Bordalo Pinheiro, mas esteticamente o ultrapassando,
naquele domínio. Seja na crítica e intervenção social e política, em que
Espetáculos, mesas-redondas e ações de teve um papel único antes e depois do 25 de Abril, seja na intervenção e
formação para refletir e debater as questões de ilustração na área da cultura, de que a sua colaboração aqui no JL é talvez
género através da arte, no Festival Eufémia, Conceição Lima, o mais brilhante, e o derradeiro, exemplo.
Mulheres, Teatro e Identidades, que decorre de
26 a 31, em Lisboa, na Biblioteca de Marvila,
na E.S. de Camões, na FCSH da Un. Nova e no
prémio nos EUA JUVENTUDE INQUIETA / A CIDADE DAS FLORES Estes são os títulos
da peça e do livro aconselhados. A primeira uma adaptação ou recriação
Mercado de Culturas de Arroios. É a primeira do segundo, o romance de estreia de Augusto Abelaira, em 1969, aos
edição do festival, promovido pelo Grupo Um poema da poetisa e jornalista sãotomense 33 anos, que logo o afirmou um escritor singular e relevante no nosso
Eufémias. Um concerto das CRUA, às 19h, e Conceição Lima foi um dos dois premiados de um panorama literário. Como sublinhado por José Fernandes Fafe ainda em
Silêncios Persistentes, uma criação de Joana concurso promovido pela revista Words Without 1969, no longo ensaio Um novo romancista português ou o otimismo cica-
Craveiro, do Teatro do Vestido, às 21 e 30, Borders e pela Academia Americana de Poetas. trizado. Da peça, em cena na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II,
marcam a abertura, Da programação destaca- Concorreram 606 poemas em 61 línguas, de 327 poe- e do livro, falam a encenadora Patrício Craveiro em entrevista e Helena
se ainda Epopeia, d’ A Corda Teatro, a 27; tas de 79 países. Conceição Lima é um dos nomes mais Simões na sua crítica (pp. 23). De Abelaira, desde o início cá da “casa” e
Tita no País das Maravilhas, da brasileira Tita destacados da poesia africana de lígua portuguesa, duas décadas cronista permanente, muito mais teria e tenho a dizer. Por
Maravilha, a 28, (In)visível, de Marisa Paulo, a tendo entre os seus livros, editados em Portugal pela agora, insisto: leiam A Cidade das Flores – e o que se lhe seguiu...
29; o cabo-verdiano Batuko Ramedi Terra, a 30; Caminho, O Útero da Casa, A Dolorosa Raiz do Micondó
Semillas de Memória, da argentina Ana Woolf, e O País de Akendenguê. Licenciada em Estudos PAULO LEMINSKI É um excelente poeta brasileiro, com Toda Poesia
entre outras participações. Em discussão, com Afro-Portugueses e Brasileiros pelo King's College, de completa editada entre nós, pela Imprensa Nacional (448 pp, 25 euros). A
uma forte dimensão política e social, feminista Londres, ontre colaborou na BBC, é jornalista, com Patrícia Portela também o admira muito, sugeri-lhe que escrevesse sobre
e multicultural, vão estar temas da agenda formação em Portugal, fundou o O País Hoje, tem a sua exposição ora em Lisboa, como aliás sabia ela gostaria de fazer. Fez
contemporânea, como a violência contra as trabalhado na imprensa, rádio e televisão. J – e remeto, última sugestão, para a última página…J
4 DESTAQUE

20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

› BREVES‹ Festival Hans


VOLTAS POR UM FIO, espetáculo que
Otte
combina guitarra e dança, encerra o Festival
Internacional de Guitarra do Fundão, Com uma exposição na Brotéria,
quinta, dia 21, às 21 e 30, no Auditório d’A em Lisboa, dia 23, inicia-se o
Moagem, Fundão. Hans Otte : Sound of Sounds, um
festival dedicado à obra do artista
COMPANHIA PAULO RIBEIRO, e compositor alemão Hans Otte
Segunda 2, coreografia de Paulo Ribeiro, (1926 - 2007), que decorre até
com Interpretação Ana Jezabel, Ana abril de 2022 em Lisboa, Évora,
Moreno, Catarina Keil, Margarida Belo Guimarães e Viseu, com curadoria
Costa, Pedro Matias, Sara Garcia e Valter da pianista Joana Gama e do músico
Fernandes, dias 29 e 30, às 21, no CCB.
Ingo Ahmels. Do festival, que inclui
diversos concertos e conferências,
destaca-se a estreia mundial da
OLINDA BEJA, lançamento do livro
peça de teatro musical J-CHOES,
Kilêlê: A Dança sagrada do Falcão, com apre-
J’ai faim, dedicada aos composi-
sentação de Emílio tavares Lima e Solange tores John Cage, Hans Otte e Erik
Salvaterra, dia 21, às 18, no Grémio Literário, Satie, da autoria de Ingo Ahmels,
em Lisboa. PIPA Mulheres do Meu País, de Raquel Freire em 2022. E, já em novembro, a
vista da pianista Margaret Leng
KLEIST: O(S) SENTIDO(S) DA Tan, que participará no concerto
JUSTIÇA, conferência em torno da obra Oriente:Ocidente - Cage:Otte. J
O Duelo, de Heinrich Von Kleist, com
sessões hoje, quarta-feira, e dias 3 e 17 de
novembro, às 18 e 30, no Centro Cultural
Arte e literatura na Azinhaga
de Belém.

Em territórios de origem do es- Garrudo, conta com o apoio, entre outras atividades, a oficina Museu
Dançar
ALEKSEI OU A FÉ, a partir de Os
Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski,
critor José Saramago, Prémio Nobel
da Literatura, e do fotógrafo Carlos
outros, da Junta de Freguesia de
Azinhaga e da Câmara Municipal da
do Pensamento, com a escritora
Joana Bértholo, a palestra Processos
no Beato
com encenação e dramaturgia de Sónia
Relvas, no Ribatejo, foi lançado Golegã. de Escrita, do escritor João Tordo,
Barbosa, estreia no Teatro Viriato, em Viseu, o PIPA, Programa da Imagem e O PIPA, que teve início com o concerto Por uma Árvore do
dias 22 às 21.  da Palavra da Azinhaga, que irá um atelier para crianças na antiga músico, compositor e artista sonoro Dançar é a minha Revolução,
promover uma série de iniciativas Escola Primária de Azinhaga, Fernando Mota, a conferência Arte e terceira edição do festival de dan-
BACK TO BACK FESTIVAL, com Mão em torno da literatura e das artes justamente a terra natal do escritor, Educação, pelo comissário do Plano ça, com performances de Filipe
Morta, Bizarra Locomotiva, Process Guilt e visuais, para públicos de diferentes Ser Magritte por um Dia, orientado Nacional das Artes, Paulo Pires do Baptista, Carlota Lagido, Maria
The Quartet of Woah!, dias 19, no LAV-Lisboa idades, procurando a partilha e o pela historiadora de arte e curadora Vale, e a inauguração da exposição Fonseca, Gaya de Medeiros e, em
Ao Vivo, e 20, no Hard Club, no Porto. envolvimento de artistas, escrito- Catarina da Ponte, propõe para o Sol, de Rui Horta Pereira. No âmbito contínuo, Joana Magalhães e Pedro
res e pensadores, em ligação com dia 22 a exibição do filme Mulheres do PIPA realizar-se-ão também Barreiro, a decorrer a partoir das
LUZ DE PRESENÇA, filme de Diogo a comunidade local. Criado pela do Meu País e uma conversa com residências artísticas e literárias, a 19h, de 31 de outubro às 19h, na
Costa Amarante, ganhou o Lobo de Prata
Associação Isto não é um Cachimbo, a realizadora Raquel Freire. Até ao primeira das quais será com o fotó- Fábrica do Pão (Casa do Capitão),
de Ana Saramago Matos e Cláudio final do ano, estão previstas, entre grafo Augusto Brázio.J ao Beato, em Lisboa. J
para melhor curta-metragem no Festival du
Nouveau Cinéma de Montréal, Canadá.

NUNO JÚDICE foi distinguido com o o


título de 'Huésped Distinguido' pela cidade Rocha de Sousa (1938-2021) FOLIO em Óbidos
de Salamanca, em Espanha.
Do pintor ao escritor
JOÃO MIGUEL BARROS integrará
a presença de Macau na 59ª Bienal de Últimos dias do FOLIO, que este ano o tema Luta de Classes, na Tenda Vila
Veneza em 2022 com o projecto “Allegory of se debruça sobre o tema do Outro. Literária. À mesma hora, na Galeria
Dreams”, de que é curador, com os artistas Pintor, prof. da ESBAL (para Hoje, quarta-feira, 20, destaque- Nova Ogiva, apresentação dos livros
Ung Vai Meng e Chan Hin Io. cuja reforma muito contribuiu) e -se a conversa entre o poeta Miguel de David Machado, Madalena Moniz
da Faculdade de Belas-Artes da Cardoso e o psicólogo e escritor Luís e Ricardo Ladeira. Às 15 e 30, na
MATEUS ALELUIA, músico brasileiro, Universidade de Lisboa, ensaísta e Fernandes, na Tenda Vila Literária, Livraria Temporária, sessão com
crítico – durante longos anos aqui do a partir das 18. À mesma hora, no Mia Coutoa propósito do livro, O
regressa a Portugal 40 anos depois, com
JL -, escritor, (João Manuel) Rocha auditório da Casa da Música, Mario Caçador de Elefantes Invisíveis. Às 16
concertos em Évora (dias 22), Lisboa (27 de
de Sousa morreu no passado dia 3, Lúcio Sousa apresenta o seu livro e 30, Guilherme d'Oliveira Martins e
outubro e 4 de novembro), Porto (30 de
aos 83 anos. Manifesto a Crioulização. À noite, José Carlos de Vasconcelos, na Tenda
outubro) e Coimbra (6 de novembro) Como pintor realizou, a partir de concerto com Luta Livre. Dia 22, a Vila Literária, conduzem a sessão:
1964, numerosas exposições indi- mesa Depois da guerra e da revolução “Eduardo Lourenço: uma obra a ler e
THE HAPPY MESS, apresentação ao viduais e (participou em) coletivas, junta João Paulo Borges Coelho e Ana a estudar”. Tempo ainda, às 18, para
vivo do álbum Jardim da Parada, com as par- tendo sido dirigente da SNBA e da Margarida de Carvalho, com modera- a mesa A pertença a um lugar, com
ticipações de Bruno Vieira Amaral, José Luís AICA. Publicou numerosas obras no ção de Helena Vasconcelos, na Tenda Cláudia Andrade, Luís Cardoso e Maria
Peixoto, Regina Guimarães, Capicua e Rui âmbito da teoria e didática da arte, Vila Literária. Às 18 e 30, no Espaço João Costa; e Fim das democracias,
Reininho, dias 25, no Teatro Maria Matos, em bem assim estudos sobre artistas, Rocha de Sousa Ó, uma sessão especial em torno da às 21, com Ece Temelkuran, Daniel
Lisboa, e 30, na Casa da Música, no Porto. como Eduardo Nery, Luís Dourdil e obra de Fernanda Botelho. Às 21, a Innenarity e Ricardo Alexandre,
Pedro Chorão. Também foi prof. da propósito do tema Família, falam Ana sempre na Tenda Vila Literária. No
TEATRO DA DIDASCÁLIA apresenta Universidade Aberta, fez/apresen- Luísa Amaral e Amalia Bautista, com último dia, destaque para as três
tou programas sobre arte na RTP – e edita outras obras de ficção, como moderação de Inês Fonseca Santos, mesas, também na tenda do encontro:
Paisagem Efémera – industrial e urbana (segun-
participou na Bienal de Veneza, nos Os fantasmas de Lisboa, Lírica da na Tenda Literária, às 21. Dia 23, às 12 Uma Europa de migrantes, às 12, com
do ato), sobre relação entre o rio e a indústria,
anos 70. Desassossego, Talvez Imagens e Gente e 30, no Espaço Ó, é lançado o novo Ilja Leonard Pfeijffer, Davide Enia e
no Antigo Quartel dos Bombeiros de Riba
Tendo publicado, em 1962, a peça de um Inquieto Acontecer, A Casa volume da revista A Morte do Artista, Cândida Pinto; O trabalho do biógrafo,
d’Ave, de 21 a 24 de outubro, sempre às 21. de teatro Amnésia, em 1999, já com Revisitada e O Messias. Crítico de ar- com Fernanda Cunha, João Eduardo às 15, com Bruno Vieira Amaral, Maria
61 anos, Rocha de Sousa, dá a lume tes visuais do JL, como se disse, a sua Ferreira, Manuel Halpern e Paulo Antónia Oliveira e Isabel Lucas; e
GLOCKENWISE E ALICE PHOEBE o livro (de 500 pp.) Angola 61 – Uma colaboração permanente enriqueceu Romão Brás. Às 15, Tatiana Salem Levy Quando o corpo se torna um outro,
LOU atuam no Centro Cultural Vila Flor, em Crónica de Guerra ou a Visibilidade as nossas colunas durate três déca- e Giovana Madalosso, com modera- às 17, com Daniel Sampaio e Luciana
Guimarães, dia 29 e 30, respetivamente. da Última Deriva. E a partir daí das, entre os anos de 1984 e 2016.J ção de Sara de Melo Rocha,debatem Leiderfarb.J
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

5

JORGE
www.imprensanacional.pt
www.incm.pt

GUERRA
O sétimo volume da Série Ph. aborda seis décadas de atividade de Jorge Guerra na fotografia. O livro revela algumas obras inéditas e o texto,
de Tereza Siza e Maria do Carmo Serén salienta a sua produção fotográfica como um bloco em contínua experimentação, absorvendo técnicas
e correntes em criações próprias e inovadoras. A Série Ph., coleção dedicada à fotografia portuguesa, é uma edição da Imprensa Nacional.
6 ↗
TEMA 20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

DIVINA COMÉDIA, EM PORTUGUÊS


É um dos grandes acontecimentos editoriais de 2021: Divina Comédia, de Dante Alighieri, tem nova tradução portuguesa,
respeitando a sua terza rima e toda as especificidades do poema original, um dos mais importantes do cânone ocidental.
Assina-a Jorge Vaz de Carvalho, homem de muitas vidas, cantor lírico nos anos 90, gestor cultural na primeira década deste
século, ensaísta e estudioso, professor da Universidade Católica Portuguesa. O JL associa-se a este lançamento, assinalando
assim os 700 anos da morte de Dante, cumpridos no passado mês de setembro. Entrevista o tradutor, de quem publica
também um texto sobre a atualidade da Divina Comédia, e recorda a sua receção em Portugal, num ensaio de Rita Marnoto.
Às crónicas de António Mega Ferreira e de Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras, junta ainda a notícia
dos colóquios, edições e exposições que estão a ser preparadas em Portugal até ao final do ano

Jorge Vaz de Carvalho


Traduzir o génio de Dante

Q
LUÍS RICARDO DUARTE
de ser um livro, a Divina Comedia foi
memorizada e comentada oralmente.
Essa condição implicou seguramente
uma grande consciência criativa por
parte do autor, no sentido de escrever
um texto que seja musical, já que
a musicalidade do verso ajudava à
memorização.

Como em Homero.
Sem dúvida. Só passámos a fruir o
texto escrito a partir da invenção da
imprensa por Gutenberg, no século
XX, o que de alguma maneira condu-
Quando começa a ler sente muitas ziu a uma perda dessa ideia funda-
vezes o impulso de traduzir aquele mental da musicalidade do verso.
texto que o inebria e encanta. Em Porque a poesia sempre esteve ligada
cada tradução que assina Jorge Vaz à música. Falamos de poesia lírica
de Carvalho, 66 anos, procura não porque era acompanhada à lira, na
só respeitar a melodia da língua de mesma medida em que nos referimos
partida, como imaginar como poderia às cantigas de amigo e de amor. Essa
ser um livro caso o autor o tivesse dimensão, tão forte na criação de
escrito em português. Fê-lo com Dante, tem de ser transmitida pelo
o Ulisses, de James Joyce, que lhe tradutor. A procura da melodia é ine-
LUÍS BARRA

valeu o Grande Prémio de Tradução vitável, o que não quer dizer que seja
Literária APT/SPA 2015, com Ciência sempre bonita ou delicada. Por vezes
Nova, de Giambattista Vico, dis- é intencionalmente áspera e dura.
tinguido com Prémio de Tradução Jorge Vaz de Carvalho “Um texto de exigência máxima” Para a traduzir, é preciso tocar vários
Científica e Técnica FCT/União Latina instrumentos.
2006, e com William Blake, Jane
Austen, Virginia Woolf ou Baldassarre Parece mesmo uma caminhada pelo
Castiglione. E também o faz agora poética (publicou, em 1992, o volume atendermos ao léxico, através de um Dante está a fazer em cada momen- Inferno até se chegar ao Paraíso...
com Dante Alighieri e a sua Divina A Lenta Rendição da Luz) como de estudo filológico, também consegui- to, com que outros autores está a Tem essa dimensão, sim, de esforço
Comédia, que considera ser uma das toda a sua formação musical. E vê esta remos encontrar equivalentes. Porém, dialogar, de onde vem o léxico que antes da recompensa, como tem,
grandes obras de todos os tempos. tradução também como uma defesa Dante está a escrever uma língua nova, usa, por que se altera a sintaxe. Tudo aliás, a tradução de qualquer grande
Um trabalho de vários anos, iniciado da nossa língua. “A Divina Comédia inovadora, que rompe com tudo o que isto sabendo que, no fim, tem de se texto. Mas como digo aos meus alu-
ainda na década de 90, durante a sua não pode ser traduzida num portu- tinha sido feito até então. Em grande encontrar a rima certa, sem torcer o nos, o importante é colocarmo-nos
carreira de destacado cantor lírico em guês qualquer”, defende. “Implica um parte da Idade Média, por norma, os verso para para obter esse efeito, e ser em cena. Não se traduz de fora, numa
Itália (e em muitos outros pontos do profundo amor à língua e à cultura escritores faziam uma glosa a qualquer fiel à melodia e ao timbre do texto. atitude exterior ou afastada do texto.
mundo) e que aprofundou nos últimos portuguesas”. autoridade maior, a um grande escri- Atender ao que se diz, mas sobretu- É preciso mergulhar, perceber por
anos, a partir do momento em que, tor. Dante, pelo contrário, é completa- do ao como é dito. Traduzir a Divina que determinada personagem diz o
livre da gestão de projetos na área da JL: Traduzir a Divina Comedia é uma mente original, tal como a linguagem Comédia não é uma corrida de 100 que diz, o que isso implica do ponto de
cultura e da música (foi diretor da viagem tão longa e tortuosa como a a que recorre. Escreve no vulgar metros, são várias maratonas. vista psicológico e que relação esta-
Orquestra Nacional do Porto, entre narrada por Dante? toscano, e não em latim, e enriquece-o belece com as demais personagens. É
1999 e 2006, e diretor do Instituto Jorge Vaz de Carvalho: Uma tremenda com sicilianismos, provencialismos e Como um cantor de ópera, é preciso fundamental que o tradutor percorra,
das Artes, entre 2005 e 2007), se tem viagem. A Divina Comédia é um texto galicismos, recorrendo ainda a lati- conhecer todos os instrumentos que quase corporalmente, as várias etapas
dedicado à investigação, ao ensino (na de exigência máxima, pelas dificul- nismos e a construções latinizantes, a compõem a música para depois cantar que o Dante peregrino, autor e perso-
Universidade Católica Portuguesa) e dades que levanta, pela sua extensão formulações arcaicais e a neologismos. por cima? nagem, vai superando.
justamente à tradução. e pelo sumo intelectual que contém. Exatamente. Não se conhece nenhu-
Para recriar em português a terza Mas isto não quer dizer que o texto Ou seja, exige uma investigação ma versão escrita por Dante, com A forte visualidade do texto é uma
rima da Divina Comédia, e todas as seja, por si só, difícil de traduzir. Se constante. a sua assinatura. O que temos são ajuda nessa caminhada que se propõe
cambiantes do texto de Dante, so- estudarmos a história, perceberemos Sim, e essa dimensão é que pode ser textos fixados por diversos escritores ao tradutor?
correu-se não só da sua sensibilidade as personagens que ele convoca. Se considerada difícil. Perceber o que que vêm de uma tradição oral. Antes Sim, claro. A Divina Comédia é, de
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT TEMA 7
DIVINA COMÉDIA

facto, um texto fortemente narrativo e


visual, também porque não se dirigia
apenas aos eruditos, mas também a
um público alargado, como se Dante
quisesse pôr um Giotto em verso, se
Sempre contemporâneo
assim se pode dizer. Com isso torna-se
mais fácil visualizar as personagens
mitológicas, os monstros, as figuras JORGE VAZ DE CARVALHO
históricas, as situações em que se en-
contra, as paisagens tão bem descritas. É comum a pergunta sobre o
proveito de se ler um autor cuja
Na criação fala-se muito da ideia de obra tem 700 anos. Como se o
não perder uma certa eletricidade, tempo presente, do ponto de
uma tensão, o tom do texto. Em que vista estético, fosse um especial
medida se coloca esse desafio na privilégio em relação a épocas
tradução? passadas. Poderíamos responder
A toda a hora. Aliás, concebo a tradu- genericamente que ama os grandes
ção como Jorge de Sena a afirmava: escritores de todos os séculos quem
o tradutor deve escrever o texto que gosta de aprofundar a sua visão do
o escritor escreveria se o fizesse na mundo e vive com a necessidade de
nossa língua. Somos apenas humildes satisfazer as emoções da beleza des-
intermediários entre o autor e o leitor. frutando a imensa felicidade de ler.
A missão do tradutor é não existir, Direi, porém, duas breves razões
deixar transparecer na sua língua um por que continuam os miraculosos
texto escrito noutra. versos de Dante Alighieri a deleitar
as inteligências sensíveis.
Lemos esta tradução e temos o impulso
de a ler em voz alta. Teve esse cuidado? As inteligências sensíveis têm a
É um ponto fulcral. Não se pode tra- virtude de perceber os altos valores
duzir a Divina Comédia sem a ouvir no artísticos que, como já escrevi,
original. Uma experiência importante “conjugam a acuidade cognitiva
para esta tradução, e para o meu e a densidade espiritual, a consis-
conhecimento do texto, foi ouvir a tência intelectual e a sensibilidade
leitura integral feita por grandes figu- refinada, a originalidade inventiva
ras do teatro italiano, como Vittorio e o domínio e apuro técnico da
Gassman ou Roberto Benigni. linguagem” (1). Não se enganaram
decerto os infatigáveis fiéis que, ao “Ama os grandes escritores de todos os séculos quem gosta de aprofundar a sua visão do mundo”
Pelo seu passado como músico, a sua longo de séculos, vêm frequentan-
passagem por itália, anteriores tra- do assiduamente a obra dantesca,
duções e percurso académico, parece lendo e relendo, comentando, me-
que tudo na sua vida convergiu para morizando, investigando, dedican- podemos recolher hoje a inteli- a autoridade para denunciar a
esta tradução... do a Dante “o longo estudo e grande gência das formas de explorar as corrupção do poder religioso e a
Não sei se é destino [risos]. É verdade amor” que ele afirma ter devotado O poema está ao infinitas possibilidades expressivas ausência do poder temporal, que
que comecei a aprender piano aos ao mestre Virgílio (Inferno, I, 3). Não de uma língua. deixava a sociedade à mercê de toda
quatro anos, ainda antes de saber ler e se equivocaram tão-pouco os que serviço de uma missão a perversão e das mais violentas
escrever. A minha consciência musical no poeta da Comédia vêm tomando salvífica em prol da O AUTOR DANTE ALIGHIERI PÕE discórdias. A sua dolorida e furiosa
não pode deixar de ser bastante cui- alimento e estímulo para as próprias NA VOZ do poeta Dante a narração crítica a Florença e à “serva Itália”,
dada. Isso ajuda-me imenso enquanto criações, escritores sobretudo, mas humanidade. Dante da extraordinária viagem de eleva- a visualização dos vícios humanos
tradutor, ainda mais neste tipo de tex- também artistas visuais, teatrais, assume a autoridade ção humana de que fora protago- condenáveis, são um juízo universal
to. Mas será que tudo existiu para que musicais e cinematográficos, pois nista pelas três condições da eter- sobre a avidez de domínio e rique-
eu fizesse esta tradução do Dante? Isso uma obra, por mais original, nunca para denunciar a nidade cristã, Inferno, Purgatório zas, a “cega cupidez” na origem da
seria admitir que a minha tradução é é um fenómeno isolado, mas uma corrupção do poder e Paraíso. A memória escrita desta corrupção dos princípios sagrados
o auge do meu percurso existencial. rede complexa de relações intertex- peregrinação de sete dias pretende e das prepotências, violências, de-
Espero que seja apenas um dos muitos. tuais. A de Dante é hoje e sempre religioso e a ausência ser um exemplum que, alicerça- pravações e injustiças. Na epístola
Ainda tenho muito para fazer [risos]. fonte de maravilha e iluminação. do poder temporal, que do na experiência pessoal vivida, a Cangrande della Scala, senhor
A feição da Comédia que antes de testemunha ao ouvinte ou leitor a de Verona, dedicatário do Paraíso,
Qual a sua relação de leitor com tudo importa para a sua vitalidade é
deixava a sociedade condição das almas no além, os tor- o poeta explicita o propósito da
Dante? de natureza linguística, na medida à mercê de toda a mentos infernais dos pecadores sem Comédia: “O fim do todo e da parte
Dante é um poeta de todos os dias, em que um texto literário é comu- perdão, as expiações dos que podem é remover os viventes desta vida de
nunca chega a ir para a estante. Tenho nicação verbal e o juízo de valor
perversão e das mais esperar ainda redenção e o júbilo um estado de miséria e conduzi-los
de recorrer à sua obra regularmente, que fizermos sobre ele depende violentas discórdias pleno dos beatos na cândida rosa a um estado de felicidade” (XV, 39).
de lembrar determinado episódio, primordialmente das qualidades paradisíaca. Dante avisa os mortais Ora, mesmo se o mundo dantes-
reler este ou aquele canto. Poder estético-literárias. A arte prodigiosa sobre a necessidade de ponderar o co é muito diferente do nosso, dos
traduzi-lo é um privilégio. De resto, de Dante cria um discurso moderno uso que fazem do livre-arbítrio du- pontos de vista religioso e teológico,
como não faço tradução profissio- (não a glosa a qualquer auctoritas ou como na variação no interior de rante a passagem efémera por este político e social, filosófico e moral,
nal, posso escolher os autores que a iteração de poéticas tradicionais cada uma (lemos no Inferno eleva- mundo, e como do seu bom ou mau espiritual e passional, os valores
mais impacto têm em mim. E, por da cultura medieva, mas a origina- ções trágicas e no Paraíso termos uso dependerá depois o ser em toda de inspiração cristã que defende o
isso, tenho tido a sorte de traduzir os lidade conceptual e de composição crus), exprimindo o técnico e o a eternidade. Neste sentido, escrevi autor da Comédia, de vida pacífica
grandes nomes, não só da Literatura verbal da criatividade sem prece- artístico, o prático e o espiritual, no prefácio referido, “o poeta as- e harmónica em solidariedade com
(James Joyce, Virginia Woolf ou Jane dentes), numa língua inovadora e mimetizando a lírica cortês ou este- sume-se como mensageiro divino e o próximo e orientada para o bem
Austen), como grandes mestres do imponente (construída em vulgar tizando matéria científica, filosófica a escritura da Comédia, na verdade comum, não são exclusivos de uma
pensamento (Giambattista Vico ou florentino, acolhe na rica diversi- e teológica, fazendo uso do erudito de que é portadora, toma o valor confissão religiosa, de agnósticos ou
Baldassarre Castiglione). A tradução dade lexical vernáculos italianos, e do popular, adequando coeren- apostólico de um novo Apocalipse e ateus. Nada do que Dante combate
é, para mim, uma forma de aprendi- sicilianismos, provincialismos, temente a palavra, a sonoridade e o de um novo Testamento” (3). se eliminou, infelizmente, na nossa
zagem profunda, de amadurecimento galicismos, latinismos, arcaísmos, ritmo do verso à conveniência dos O poema está ao serviço de era, e a felicidade, independente-
do conhecimento. Leio Dante desde a neologismos). temas, lugares, situações e perso- uma missão salvífica em prol da mente da beatitude ultraterrena, é
minha juventude, mas nunca o li com O título Comédia, evitando os nagens – históricas, monstruosas humanidade. No turbilhão da crise uma responsabilidade do ser huma-
o detalhe a que fui agora obrigado. constrangimentos da tragédia, é e mitológicas, religiosas, nobres e pessoal de exilado da Florença natal no de boa vontade em todo o tempo
ele próprio justificado pelo desejo plebeias, nos modos particulares do (migrando de cidade em cidade, e lugar desta vida. Também nisto
Quando decidiu traduzir a Divina de ampla liberdade linguística e agir e pensar, como na vida interior sem casa própria) e das crises do Dante é não só nosso contemporâ-
Comédia? pluralidade estilística, o que se (2). Do amor e valorização da fala Cristianismo e do Império (usur- neo, mas, como disse Gianfranco
Quando fui viver para Itália, no verifica não só na ascese literária vernacular materna (considerada pado o trono de Pedro e vacante Contini, chegou já ao futuro bem
início dos anos 90. Antes nunca es- da primeira para a terceira cantiga, por Dante superior ao latim), bem o do Imperador), Dante, assume antes de nós.J
8 TEMA

DIVINA COMÉDIA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Paradoxos da sua receção


tudara italiano institucionalmente.
Entrei, em 1973, em Românicas, na
Universidade de Lisboa, área na qual
a cultura italiana estava (e continua

literária em Portugal
a estar) absolutamente esquecida,
o que não faz muito sentido. Não se
pode compreender Camões sem ir a
Petrarca, ou Francisco Manuel de Melo
sem Castiglione.

Mas já foi com vontade de a traduzir?


Conhecia, na altura, a edição da Sá RITA MARNOTO
da Costa, que li na minha adoles-
cência, e as versões de Fernanda Recriado, traduzido, homenagea-
Botelho (Inferno), Sophia (Purgatório) do ou citado, Dante Alighieri tem
e Armindo Rodrigues (Paraíso), que uma presença contínua e poderosa
saíram na Minotauro. Olhava para essa na cultura portuguesa, ao longo
edições e pensava: o Dante escreveu dos séculos. O reconhecimento que
em terza rima, a prosa não pode ser merece é sobejamente ilustrado, no
uma opção. Não sei se já pensava em ano em que se comemoram os 700
concreto numa tradução em rima, mas anos da sua morte, pelo plano de
considerava-a necessária para a cul- traduções lançado pela Imprensa
tura portuguesa. Porque a tradução é Nacional. É no seu âmbito que sai
uma homenagem à língua de partida, agora a nova tradução, feita por
mas também à de chegada. A Divina Jorge Vaz de Carvalho, daquela que
Comédia não pode ser traduzida num é vulgarmente designada como
português qualquer, implica um pro- Divina comédia.
fundo amor à língua e à cultura portu- E contudo, no seio do acolhi-
guesas. Em Itália, senti necessidade de mento difuso e poroso que Dante
estudar a fundo a língua italiana e de mereceu ao tecido literário por-
ler as grandes obras italianas. Comecei tuguês, um paradoxo premente se
no século XX e acabei na Idade Média. aloja. Um poeta que foi tão intensa-
Ao voltar a passar por Dante, mas no mente apreciado conta, entre nós,
original, fiquei ainda mais impregnado com raríssimas imitações próximas Vasco Graça Moura, José Tolentino Mendonça e Pedro Eiras Presença de Dante em versos seus
pela sua poesia. do seu opus magnum. Para avançar
na identificação do lastro do poema,
A tradução foi uma consequência teremos de peregrinar entre frames
natural? e entre elementos soltos que, à vez poeta do Cancioneiro geral, Henrique o Luís Castro Mendes de Seis elegias
Sim. Assim que começava a ler um à vez, vão refazendo entrechos e da Mota, um versejador de veia (1985), o José Tolentino Mendonça
autor novo, e ainda hoje tenho esse personagens. Apesar de esses ele- satírica, troça dele quando responde de Teoria da fronteira (2017), o José
impulso, ensaia uma tradução,
algumas linhas, páginas inteiras. Foi
mentos gozarem de uma indelével
marca dantesca, trata-se de peças
à carta de um amigo que lhe confi-
denciava os seus lampejos. Trata-se, O opus magnum de Luís Peixoto do recente Regresso a
casa (2020) e tantos mais.
inevitável fazer o mesmo quando singulares que escapam à complexa em qualquer caso, de amálgamas Dante é o poema da Numa leitura mais granular, va-
cheguei a Dante. Em 1999, quando arquitetura de um poema onde cabe bastante simplificadas. lha por todos o poema “Deriva”, de
voltei a Portugal para tomar conta todo o universo.
pluralidade: pluralidade Nuno Júdice, que logo nos primei-
da Orquestra Sinfónica do Porto, já Foi assim desde o início. UM HISTORIAL DA RECEÇÃO DE de vozes, de estilos, ros versos põe em cena um Ulisses
traduzira o Paraíso todo. Recordemos os primórdios da rece- DANTE que se alargue pelos séculos que desfaz a tela de Penélope. É
ção da Divina comédia em Portugal seguintes deparará com uma tor-
de pontos de vista, de nesse desmantelamento da trama
Começou pelo fim. Porquê? e uma das suas manifestações mais rente de materiais e referências. As níveis de língua, de feminina que inscreve a audácia
O fascínio pelo Inferno é compreen- evidentes, o infierno de los enamo- imitações e as recriações próximas planos cósmicos. A do viajante que recusa conforto e
sível. As imagens e os ambientes, as rados. Os infiernos contam visões do poema continuarão porém a doçuras, sedento de conhecer as
descrições — é tudo muito sedutor. ou viagens por zonas do reino dos escassear, num panorama pon- sua heterogeneidade fronteiras da alma e de enfrentar as
Mas do ponto de vista estético, o mortos em que os amantes descon- tuado pelos Novíssimos do homem e as suas contradições fúrias do temporal:
Paraíso é a mais perfeita criação de tam penas. No Cancioneiro geral de (ed. 1623), de Francisco Rolim de “Chamo as fúrias do temporal; os
Dante. Quando regressei a Portugal, já Garcia de Resende, o qual reúne, Moura, ou pelas Viagens no sistema não comportam uma brados/ da noite; o guincho rouco
iniciara o Inferno, mas os compromis- como é sabido, a poesia elaborada planetário, de Patrocínio da Costa imitação ou uma das amazonas feridas. Digo-lhes/
sos profissionais que então assumiu no ambiente de corte entre meados (ed. 1875). O lugar de um poema de que me sigam, neste rumo ateu,
deixaram este projeto, e até a minha do século XV e a data da sua edição, fôlego que imite a Divina comédia recriação próxima pisando o destino/ que me entre-
própria obra poética, para trás. No 1516, encontram-se compiladas permanece por ocupar. garam. O meu gesto é este: furar
entanto, senti que descobrira a técnica algumas dessas composições. Perante isso, tanto mais signifi- os olhos/ de quem me vê; abrir o
tradutória que me permitira chegar lá Duarte de Brito conta o que a ele e a cativo se torna que, se avançarmos peito dos que me amam; contar/ os
quando tivesse tempo. E esse tempo outrém lh’aconteceu com um rousinol para a poesia portuguesa contem- mortos que enchem esta planície,
chegou há uns anos e com o convite e muitas coisas que vio, ao longo de porânea, as frames se continuem Hércules e a prosseguir viagem. até gastar os dedos.” (Geometria
da Imprensa Nacional. um itinerário que se estende por a acumular. A cidade de Florença, Assim continuam pelo Oceano fora. variável, 2005, p. 19)
espaços tenebrosos. As advertências as suas personagens históricas, as A embarcação acaba por ser engo- Os processos de reelaboração
E o tempo do poeta? O tradutor anda do rouxinol e o desfile de pares de penitências dos condenados ou os lida pelas águas, e com ela todos se implicados pela exploração de frames
a esmagar os seus versos? amantes frisam as consequências fulgores paradisíacos alimentam um afundam. Mas desenganemo-nos, dantescas, na poesia portuguesa
Sem dúvida. Desde que traduzi Ulisses nefastas da paixão. Por sua vez, filão extraordinariamente rico e que Dante nunca é linear. Esta veemente contemporânea, são geralmente
os convites têm-se sucedido, e para Diogo Brandão, no Fingimento de ainda está por explorar. condenação do Ulisses fraudulento dotados de uma complexidade tão
obras dessa envergadura, às quais amores, descreve uma viagem pelas Tome-se como exemplo uma convive, na Divina comédia, com o fina que chega a tocar o sublime.
é difícil dizer que não. No outro dia profundezas que encerra austeras das mais fascinantes personagens reconhecimento do seu heroísmo. Desenvolvem-se porém à margem
estava a tentar organizar a minha reflexões morais. do universo dantesco, Ulisses. O rei O sentenciado é, da mesma feita, da estrutura de conjunto que escora
poesia e deparei-me com 586 poemas, Na verdade, o infierno chega à de Ítaca desconta as suas penas no símbolo luzente da sede de conhe- aquela diversidade de valores sapien-
alguns já publicados, a maioria inédi- literatura portuguesa através das XXVI canto do Inferno, que castiga cimento e da coragem na dissolução ciais enquadrada pela Divina comédia.
ta. Mas não tenho tido tempo para os letras da vizinha Espanha, com des- os conselheiros fraudulentos. A de um saber que instituía o seu E, contudo, a ausência de imi-
organizar, pois não concebo um livro taque para o Marquês de Santillana. particularidade deste Ulisses reside regresso a casa, o nostos. tações arquitetónicas do poema
como uma amálgama de poemas. Na O infierno de Santillana deu o tom na reconfiguração a que Dante dantesco não é uma particularidade
verdade, nem falo muito da minha à amálgama de elementos disper- sujeita a personagem vinda de SÃO VÁRIOS OS POETAS POR- exclusiva das letras lusas, bem pelo
poesia, pois obra que não está cá fora sos que se acumulam em visões Homero. Com um golpe de mestre, TUGUESES contemporâneos que contrário. Se percorrermos outras
não existe. Gosto de traduzir as obras alegóricas abstratas. De qualquer liberta-o da força centrípeta que o trouxeram para os seus versos esse literaturas, inclusivamente a italiana,
dos outros, mas também gostava que modo, esse tipo de composição conduzia de volta até Ítaca e leva-o Ulisses, tal como Dante o reconfigu- não encontraremos facilmente, na
um dia alguém traduzisse a minha, parece encontrar-se tão difundido a instigar a tripulação a ultrapas- rou, entre o Vasco Graça Moura de poesia contemporânea, composições
caso venha a merecer [risos]. J em terreno português, que um outro sar o non plus ultra das Colunas de A furiosa paixão pelo tangível (1987), de vulto que reproponham, sob novas
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT TEMA 9
DIVINA COMÉDIA

vestes, a viagem cósmica de Dante. entre as várias personagens, algumas guardista. É essa intersecção sábia e
Nesse âmbito, a grande exceção das quais com consistência histórica, paradoxal a desencadear os efeitos
é uma obra-chave do Modernismo, levam por viagens e dissertações, chocantes do livro. Alberto Pimenta
The cantos, de Ezra Pound. A assom- guiadas pelo autor, sobre conheci- foi capaz de poupar a Divina comédia
brosa amálgama poética de Pound mento científico, hagiografia, erudição à dissipação magmática, sem a
foi iniciada em 1915 e é discutível literária, mas também consumismo, subtrair ao caixilho que a fixava,
que alguma vez pudesse vir a ter um mundanidades, etc. A portentosa visão para depois a preencher com a esfera
fim. Foi concebida, por si, como um cósmica de Dante é submetida à atua- corroída da contemporaneidade.
trabalho in progress. Cadeias e acu- lização corrosiva do mundo-global. É tempo de concluir, mas uma
mulações de segmentos e volumes, Aliás, a fidelidade de Alberto Pimenta pergunta resta. Diz respeito ao
mudanças súbitas de ritmo, cortes ao caixilho da Divina comédia é a fundo dessa resistência à imitação
e reenvios condensam de facto um grande estratégia que põe ao serviço ou à recriação da Divina comédia.
universo, mas um universo em que da sátira mordaz e contundente. Gianfranco Contini explicou esse
a ordem foi superada por uma dissi- Com efeito, o estrondo provocado fenómeno geral a partir das próprias
pação ininterrupta e transbordante. pela leitura da Divina multi(co)média características do poema. O opus
Facto é que, com The cantos, é resultado preciso dessa aliança: magnum de Dante Alighieri é o
Pound entregava a Divina comé- por um lado, a ordem dantesca, por poema da pluralidade: pluralidade
dia à modernidade. Com efeito, o outro lado, a irreverência do van- de vozes, de estilos, de pontos de
poema de Dante é uma das obras da vista, de níveis de língua, de planos
literatura universal dotada de uma Alberto Pimenta “A fidelidade ao caixilho é a grande estratégia que põe ao serviço cósmicos. A sua heterogeneidade e
formatação mais precisa e rigorosa, da sátira mordaz e contundente” as suas contradições não comportam
calibrada pelo sistema aristotéli- uma imitação ou uma recriação pró-
co-escolástico. A genialidade de ximas, despistando-as por frames.
Pound reside na descoberta que, A interpretação de Contini é
para o imitar, havia que o libertar do REGRESSANDO AO LADO De resto, é do campo das novas Os processos de verdadeiramente aguda. Não é de
caixilho fixo que o prendia. PORTUGUÊS, não deixa de ser vanguardas que nos chega uma das descartar, porém, que essa mesma
Assim se poderá compreender significativo que uma das mais mais arrojadas e espantosas revisi- reelaboração na pluralidade possa igualmente valer
melhor que tivesse sido das orlas de recentes propostas de reescrita do tações do poema dantesco, A divina poesia portuguesa como motivação para uma remon-
Ezra Pound que provieram as recria- poema de Dante fique situada em multi(co)média (1991), de Alberto tagem que preserve a fidelidade à
ções mais assertivas da Divina comé- espaços de reflexão crítica sobre o Pimenta, escrita em prosa. Neste contemporânea (...) estrutura dantesca. Mas isso é só
dia. Do lado italiano, assinale-se La Modernismo. Refiro-me a Pedro quadro, é desde logo surpreendente desenvolvem-se à para aqueles visionários que, como
divina mimesis, de Pier Paolo Pasolini Eiras e à série em verso Inferno como o livro observa de tão de perto Alberto Pimenta, são capazes de
(iniciada em 1963, ed. póstuma 1975), (2020), Purgatório (2021) e Paraíso a organização e a repartição do opus margem da estrutura ultrapassar, impávidos, o non plus
uma agudíssima diatribe contra o (a editar). Na verdade, Pedro magnum de Dante. de conjunto que escora ultra das Colunas de Hércules.J
neocapitalismo, onde contracenam Eiras, professor da Faculdade de A divina multi(co)média abre-se
Dante, Gramsci e personagens de bas Letras do Porto, é um investigador, com um Prólogo que reescreve, em
aquela diversidade * Rita Marnoto é profª catedrática da
fond. Escrita em prosa, esta súmula especialmente familiarizado com tom jocoso, o início do I canto da de valores sapienciais Faculdade Letras da Universidade de
do pensamento do último Pasolini foi culturas de língua inglesa, que se Divina comédia, ao que se seguem três Coimbra, especialista em literatura
desde o início concebida como for- tem vindo a dedicar ao estudo do partes: I Transe-expresso, II Sex-Shop-
enquadrada pela Divina portuguesa e italiana, comissária para as
ma-progetto magmática e inconclusa. Modernismo. Suey, III As 4 Estações. Os diálogos comédia comemorações dos 500 anos de Camões

sertão, de Euclides, Rosa e Suassuna.

Dante 700
Não abandona a literatura de cordel,
os romances antigos, o alfabeto de
vaqueiros e a linguagem armorial, que
rege a presente exposição.
A leitura passa pelo Barroco, em
que se prolonga, transfigurado, o
tempo de Dante, nas igrejas coloniais,
altares e torres antigas, onde dobram
os sinos de Ouro Preto, Salvador

RUMOR DE FUNDO
e Paraty.Chega à Semana de Arte
Moderna, com A divina increnca, e às
escolas de samba.
Marco Lucchesi Nossa abordagem dantesca possui
leitores de águas claras: Camões, Vieira

D
e Pessoa. E desta suma trindade, outra
se acrescenta, não menos admirável:
esde a infância, Dante Os timbres novos e os acentos Murilo Mendes, Cabral e Drummond.
é meu fantasma. Quase vários descerram uma viagem audaz E me permitam acrescentar: Jorge de
de carne e osso. Vibrátil. no mundo das almas. Terreno até Lima e Joaquim Cardozo.
Tornou-se meu enigma então desconhecido, seu canto renova A política entra na corrente
e obsessão. Determinou as potências da linguagem. Severa, sanguínea da Divina comédia. Escrita
parte de minhas sublime, fulgurante. Leitura que no exílio, o poeta criticou duramente
escolhas e de minhas recusas. Todos produz uma força de tração irresistível, o que lhe parecia indigno, sem meias-
os anos volto ao Inferno, Purgatório a Terra e o Cosmos. Densidade brutal palavras, papas e imperadores, leigos
e Paraíso. Basta entrar uma vez, para ou leve transparência, segundo a e padres. Defendeu a separação entre
nunca mais sair. Um labirinto de beleza. cartografia dos três reinos. Obra que poder temporal e poder espiritual.
A morte de Dante é celebrada, mundo traduz um tempo misto, ao longo A república e a poesia, tão caras ao
afora, com pompa e circunstância, da qual o antigo e o moderno se poeta, não fogem ao olhar de Beatriz.
em quase todas as línguas da Terra, entrelaçam, liberdade e erudição, Na distopia, impõe-se pensar o bom
para as quais foi traduzida a Divina matéria e sonho. lugar. Assim, a transição do Inferno
comédia. Setecentos anos de presença Quantos interrogam o mistério de ao Paraíso reflete a crise de seu tempo.
e juventude. Seu decassílabo é fonte Beatriz e buscam trazê-la ao mundo Sinal de quem se rebela e sonha com
cristalina, pura dinâmica e inspiração. em que vivemos, num gesto de adesão séculos, entre algas e correntes de uma nova ordem.
Como se Dante estivesse mais vivo do e profecia. A obra de Dante, em certo leitores, cardumes incontáveis, quase Estamos dentro da Divina comédia.
que nunca. Não tanto pelo impulso e largo sentido, escapa ao controle infinitos. Nessa metáfora de vidros claros. Em sua
motor que imprime direção aos cem do autor e da crítica. Tornou-se uma Assim, num país como o Brasil, translúcida beleza. Nela desenhamos
cantos da Comédia, mas pelo fulgor da grande metáfora, uma espécie de os olhos de Beatriz confundem-se parte de um destino. Beatriz nos
poesia, no repertório das imagens, na universo inflacionário. Vive além do com os olhos de Diadorim. Nossa cumprimenta do futuro, até onde nossos
nitidez de seu olhar. espaço-tempo, na longa viagem pelos Divina comédia passa através do olhos podem alcançá-la. J
10 TEMA ↗

DIVINA COMÉDIA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Ler e ver A última viagem de Dante


O Inferno, a primeira parte da
Divina Comédia, revisitada por
34 poetas contemporâneos,
um para cada canto: eis a
proposta de Alberto Manguel

ANTES QUE O MÊS ACABE


BE
para celebrar a obra de Dante
Alighieri. A edição, a publicar
pela Tinta-da-China, está a
António Mega Ferreira

E
ser preparada para novembro
e com um lançamento
especial: a leitura integral
desta revisitação, na Casa
Fernando Pessoa. Na mesma m pleno verão de 1321, talvez em agosto, rendida homenagem do poeta a Francesca da Polenta, sua tia, mais
casa, outra surpresa do Dante Alighieri deixou Ravena ao serviço conhecida como Francesca da Rimini, cujos amores adúlteros com
escritor e ensaísta argentino: do seu mecenas Guido Novello da Polenta, o cunhado tinham trazido o opróbrio a toda a estirpe. A desafron-
uma exposição de marionetas podestà da cidade, para se dirigir a Veneza. ta ficou lavrada no Canto V da primeira parte (Inferno) da Divina
criadas por si (paixão que tem Dias antes, Guido pedira-lhe que integrasse Comédia, conhecido a partir de 1308. Assim, nesta pequena cidade,
desde a juventude) das mais uma embaixada junto da Sereníssima no de passado glorioso mas apenas sete mil habitantes, Dante encon-
importantes personagens de A sentido de aplanar as divergências existen- trou um relativo conforto, que lhe permitiu concluir a escrita do
Divina Comédia. tes entre as duas cidades, a propósito do seu poema, o que deve ter acontecido nos primeiros meses de 1321.
Entretanto, continua na comércio do sal. Veneza detinha o monopó-
Gulbenkian Visões de Dante, lio deste comércio, mas o sal passava por Ravena; os ravennati acha- O trajeto por mar, ao longo da costa leste da península itálica,
que traz a Portugal dois vam-se prejudicados, os venezianos insistiam nos seus privilégios. A era mais seguro e rápido do que o percurso por terra, que incluía
desenhos de Sandro Botticelli, Ravena tinham chegado notícias de uma aliança de Veneza com Forlì forçosamente a travessia de numerosos cursos de água e das terras
um dos muitos pintores que e Rimini para lançarem um assalto conjunto contra a cidade. Para o alagadiças do delta do Pó. O tempo urgia, perante a ameaça ve-
se inspiraram na obra-prima senhor da antiga capital imperial, tratava-se de evitar a todo o custo neziana. É, por isso, admissível que Guido Novello tenha dispo-
do poeta italiano. A mostra é uma guerra que só podia concluir-se com a derrota da sua cidade. nibilizado uma embarcação, provavelmente de pequeno calado,
complementada com obras E não é arriscado deduzir que os para levar os seus embaixadores
da fundação, como A Eterna embaixadores de Guido Novello a Veneza, que ficava a umas
Primavera, de Auguste Rodin, e eram portadores de concessões quarenta léguas de distância.
uma série de Rui Chafes, e com suscetíveis de acalmar a impa- Não existe prova documental
várias edições manuscritas ciência veneziana. ou testemunho que avalize a
da Divina Comédia. Em torno Guido conhecia bem a vasta presença de Dante em Veneza
da exposição decorrem experiência diplomática de antes desta viagem. No entanto,
várias conversas, sempre Dante, que no princípio do século é quase certo que conhecera o
às 19,: Il Dante di Botticelli, fora embaixador de Florença Arsenal veneziano, porque, no
por Lucia Battaglia Ricci, dia junto da corte do papa Bonifácio canto XXI do Inferno (escrito an-
28; Dante e Ulisses. Do Mito VIII, em diligência que acaba- tes de 1308), toma o seu ambiente
à Modernidade, por António ra por lhe valer o exílio. Além como termo de comparação para
M. Feijó e Teresa Bartolome, disso, durante os vinte anos do descrever o fosso dos preva-
a 2 de novembro; O Inferno seu afastamento de Florença, ricadores, culpados de barat-
de Rui Chafes, com o artista, pusera os seus talentos ao serviço teria ou abuso doloso da coisa
Joaquim Sapinho e Paulo Pires de diversos patronos, sobretudo pública: “Como no arsenal dos
do Vale, a 3 de novembro, e Ler em Verona, onde viveu a partir Venezianos/ ferve tenaz durante
a Divina Comédia, por Alberto de 1312 à sombra da família Della o inverno o pez/ p’ra reparar os
Manguel, a 24 de novembro. Scala – a dura “escada” (scala em lenhos dos seus danos, […] fervia
Na rubrica Lições de Dante, italiano) da dependência, a que em baixo uma resina espessa, /
debates, às 18, sobre Dante em alude no Paraíso: “Tu provarás o que a riba enviscava em toda a
Portugal, com Isabel Almeida, quanto sabe a sal/ o pão alheio, e parte.”
Rita Marnoto e António Mega quão duro cale/ o descer e subir Não se sabe em que termos e
Ferreira, dia 8, e Dante em alheio vial”, na tradução de Jorge circunstâncias Dante e os seus
português, com Jorge Vaz de Vaz de Carvalho. Fora, aliás, ao colegas se desempenharam do
Carvalho, Arnaldo Espírito serviço de Cangrande della Scala encargo. Uma persistente lenda
Santo e Alexandra Lopes. que viera ter a Ravena, em 1318, transmitida ao longo dos séculos
encarregado de diligências junto sustenta que o poeta-diplo-
de Guido Novello. Este retivera-o; Dante mata foi humilhado pelo Doge
Dante acabara por ficar. Giovanni Soranzo, que se teria
Guido foi mais que um patrono recusado a negociar com ele e
de Dante: realmente, foi um o mandara regressar a Ravena
mecenas, que não só lhe pelos seus próprios meios. Mas
proporcionou a sobrevivência a verdade é que uma espécie de trégua viria a ser celebrada logo
financeira, permitindo que em outubro, conduzindo às negociações que desembocaram num
ele encontrasse alojamento tratado de paz assinado no ano seguinte. Como Dante regressou a
independente e uma vida au- Guido foi mais que Ravena no princípio de setembro, não é difícil adivinhar que, em
tónoma, como ainda acolheu vez do fracasso propagandeado, as conversações se desenrolaram
os seus três filhos, atribuindo um patrono de Dante: com mútuo reconhecimento.
ao mais velho, Pietro, duas foi um mecenas, que Em função da apertada cronologia, uma hipótese se levanta: a
sinecuras eclesiásticas que de que Dante tenha adoecido na viagem de ida, ou já em Veneza, e
haviam de assegurar a sub- lhe proporcionou tenha sido mandado regressar sozinho, enquanto os seus cole-
sistência dos três. Além disso, a sobrevivência gas permaneciam na Sereníssima a concluir o acordo que viria a
tudo fizera para que a única ganhar forma em outubro. É o mais consentâneo com a atribulada
filha, Antonia, fosse acolhida financeira e ainda viagem de volta, feita através dos pântanos e dos braços do delta
no mosteiro de Santo Stefano. acolheu os seus três do Pó, a pé, de mula ou em bote a remos, durante a qual, segundo a
Dante estava-lhe agradecido, tradição inaugurada por Boccaccio, Dante teria contraído malária,
mas não parece que o senhor filhos, atribuindo ao doença que o levaria deste mundo em poucos dias. Dante Alighieri
de Ravena tivesse abusado mais velho, Pietro, morreu na noite de 13 para 14 de setembro de 1321, aos 56 anos de
da sua posição. Gratíssimo, idade. Nove meses depois, seriam encontrados num esconderijo do
Alberto Manguel Guido devia-lhe o resgate
duas sinecuras seu quarto os 13 últimos cantos de Paraíso, que completavam a sua
da honra da família, pela eclesiásticas obra máxima, a Comédia, a que Boccaccio chamou “divina”.J
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

11
12 ↗
LETRAS 20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Juan Gabriel Vásquez


Anatomia de um século
É sabido que muitas vidas dariam um bom romance, outras são capazes de espelhar todos os movimentos que marcam um
século. É o caso da de Sergio Cabrera, hoje mais conhecido como realizador, mas que no final dos anos 60 do século XX
militou na guerrilha colombiana, depois de uma passagem (e formação) pela Revolução Cultural da China de Maio. Olhar
para Trás, a nova ficção de Juan Gabriel Vásquez, um dos mais destacados escritores da América Latina da atualidade, é uma
tentativa de compreender esse passado, pessoal mas também coletivo, feito de causas, lutas e fanatismos, que ainda hoj
e tem repercussões no presente, nomeadamente na aplicação dos Acordos de Paz da Colômbia de 2016. O JL entrevista o
autor de A Forma das Ruínas, distinguido em Portugal com o Prémio Literário Casino da Póvoa Correntes d’Escritas

O
LUÍS RICARDO DUARTE
A mulher que inspirou Os
Informantes tinha uma vida que
me contava um fragmento do
século XX em concreto. A vida do
Segio Cabrera foi para mim tão
sedutora precisamente porque
me dava tudo. Através de uma
só vida fala-se da Guerra Civil
Espanhola, através do seu pai,
do surgimento das ideias de
esquerda na América Latina, da
Revolução Cultural na China de
Mao e dos movimentos revolu-
cionários na Colômbia a partir
O passado, a memória, as raízes dos anos 60. O meu primeiro
dos problemas presentes. Pode pensamento, quando conheci
dizer-se que em todos os seus a fundo a vida do Sergio, foi: se
romances procurar confrontar-se isto fosse uma novela ninguém
com estes temas, sempre com o acreditaria, seria inverosímil.
objetivo de perceber (ou definir) O que me interessa desde Os
o lugar da Colômbia no mundo. Informantes é contar histórias
Juan Gabriel Vásquez é, também nas quais as vidas privadas e as
o poderíamos dizer, um grande públicas chocam. O que acontece
viajante do século XX, que tem nesse momento? E como aconte-
descrito como poucos em obras já ce? Nesse sentido, continuo com
distinguidas com os mais impor- essa obsessão.
tantes prémios da América Latina
e não só. A obsessão pela memória?
Em Olhar para Trás, o seu Sim. E pela convicção de que o
romance mais recente, escrito passado só é acessível através
durante os primeiros confina- das histórias. O que consegues
mentos da atual pandemia, tomou Juan Gabriel Vásquez ”Todos os meus livros perguntam pelo lugar da Colômbia no mundo” contar com o jornalismo ou com
como ponto de partida a vida do a história é muito valioso, mas
seu amigo e realizador colom- há um espaço da experiência do
biano Sergio Cabrera. Da Guerra passado que só está ao alcance do
Civil Espanhola, cujo desfecho secreta de Costaguana (ainda sem sional, que nasciam da minha romance. É outro tipo de conhe-
determinou o exílio dos seus país, tradução portuguesa), O Barulho curiosidade em saber mais de cimento.
até às crises do presente, pas- das Coisas ao Cair, As Reputações uma vida que me parecia exótica,
sando pela Revolução Cultural e A Forma das Ruínas. Em Olhar certamente pouco usual, fas- Em que sentido?
da China de Mao, é um retrato da para Trás tentou desaparecer do
O romance é uma cinante. A certa altura, percebi O romance é uma forma de
geopolítica internacional das úl- livro enquanto narrador para que forma de conhecimento que esta não era apenas uma vida conhecimento ambíguo, não se
timas décadas, que tanto marcam as personagens pudessem falar por interessante, mas também um pode quantificar ou medir, mas
os destinos de um país, como as si só.
ambíguo, não se pode percurso que contava algo maior. sem o qual não compreendería-
vivências individuais e íntimas. quantificar ou medir, Cada episódio que o Sergio par- mos totalmente nenhum episódio
Nascido em Bogotá, na Jornal de Letras: “Essas vidas tilhava comigo configurava um do passado. Isto é, para entender
Colômbia, em 1973, Juan Gabriel que nos contam uma História
mas sem o qual não retrato de todo um momento do o passado público e o seu im-
Vásquez formou-se em Literatura maior”, lê-se a meio deste seu compreenderíamos século XX, cujas consequências pacto na vida privada é preciso
na Sorbonne, em Paris, e viveu novo romance. É um dos seus totalmente nenhum continuam a marcar o presente, conjugar todos esses saberes: do
durante muitos anos em Barcelona. lemas enquanto escritor? nomeadamente o da Colômbia. jornalista, do historiador e do
Começou a publicar romances Juan Gabriel Vásquez: Sim e episódio do passado romancista.
com 20 e poucos anos, mas apenas sobretudo deste romance. Olhar Os Informadores, um dos seus
considera Os Informadores, de para trás nasceu de uma série de primeiros romances, também se O século XX todo e a vida um
2004 (publicado em 2020 em conversas que tive com o Sergio inspirava na vida de uma mulher amigo muito próximo. É um
Portugal, pela Alfaguara, como Cabrera ao correr de muitos anos. que partilhou a sua vida consigo. escritor que gosta de desafio ou
todos os seus livros) o seu primeiro Eram conversas entre amigos, Foram experiências literárias de correr riscos?
romance. Seguiram-se História sem qualquer objetivo profis- semelhantes? Tudo neste livro era um enorme
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 13 ENTREVISTA

problema, de facto [risos]. Contar Foi só minha. Quando a certe- ro me disse que os grandes
a vida de um amigo sem causar za se formou na minha cabeça vencedores da Guerra Civil
dano e sem dizer uma só menti- disse-lhe que queria escrever um Espanhola, entre republicanos
ra. Sem maquilhar ou camuflar romance e ele concordou. Nunca e nacionalistas, foram os países
a realidade, no fundo. O objetivo pediu para ler uma página, nem latino-americanos. Porque
era esse, tal como falar de assun- nunca soube o que eu estava a receberam os exílados republi-
tos que ainda hoje no meu país fazer. canos, uma série de intelectuais
são focos de conflito. Quando e de pioneiros com vontade de
o livro estava prestes a sair, o Não teve a sensação de estar a inventar coisas novas em países
Sérgio escreveu-me a dizer que falar com uma personagem? que ainda estava à procura do
estava nervoso e com medo da Isso foi mudando ao longo do seu lugar no mundo. Vivendo
reação das pessoas: de esquerda, livro. Sempre tive presente num país como a Colômbia, que
de direita e da sua família [risos]. que a minha estratégia como nessa época não se abriu a esse
Na verdade, vivemos num tempo romancista era escrever como se exílio, a Guerra Civil Espanhola
e, no meu caso, num país em que o Sergio não existisse ou como e as suas consequências na
é difícil falar do passado. Por ter se tivesse morrido. Tinha de América Latina sempre me
essa vontade, também percebi Sergio Cabrera Numa comuna comunista na China, nos anos 60 (é o segundo escrever a sua história como a interessaram. O que seríamos
que a melhor estratégia era de- a contar da esquerda) Virginia Woolf escreveu a da Mrs. hoje caso tivéssemos sido um
saparecer do livro, ausentar-me, Dalloway, como uma personagem país mais aberto? É preciso
para que a história, o passado e de ficção. Mas sabia que termina- imaginá-lo.
os intervenientes a contassem na que a sua escrita conferiu ordem passar na censura. Nessa altura, do o manuscrito dá-lo-ia a ler ao
primeira pessoa. e propósito aos dias caóticos da contudo, eu já percebera que Sergio, para ter a sua opinião ou Todas as personagens deste livro,
quarentena e permitiu-me em a sua vida era iluminadora. O cortar o que ele achasse neces- e da família de Sergio, são de
Já não publicava um romance há mais de um sentido conservar filme podia nunca ser feito, mas sário. Com uma enorme satisfa- grandes convicções. Também o
seis anos e em várias entrevistas uma certa sensatez no meio da- o romance tinha de existir. Até ção percebi que, pelo contrário, cativou essa dimensão?
lhe perguntaram pelo próximo. quela vida centrífuga. porque a morte do pai do Serio apenas quis acrescentar uma O que mais me seduziu foi a
Ter um desafio tão grande foi apanhou-o em Barcelona, no ou outra informação. Foi muito reflexão sobre as decisões que
importante para si, inclusive em Antes de ser romance, a história meio de uma crise matrimonial comovedor, sobretudo porque tomamos. Em 1969, Sergio
tempos de pandemia? de Sergio Cabrera foi um guião e na altura em que os acordos de usou os diálogos do meu livro toma a decisão de se unir à
Acredito de sim. Este livro foi, de cinema. Foi um percurso com paz foram recusados pelos co- para dizer ao seu pai o que não guerrilha colombiana, mas à
na verdade, um refúgio extraor- muitas alterações? lombianos. Pareceu-me a metá- conseguiu dizer enquanto ele medida que me contava a sua
dinário. Depois de sete anos de Algumas. Esse guião surgiu de fora perfeita de uma grande crise ainda estava vivo. história era evidente que essa
conversas, a pandemia apanhou- um convite de uma produtora existencial a partir da qual se decisão não a tomou sozinho,
-me com 20 páginas escritas chinesa ao Sergio. A ideia era recorda o passado para perceber O romance começa com a Guerra mas com o passado familiar,
que não me convenciam de todo. contar apenas a sua passagem o que se passou. Ou seja, a cons- Civil Espanhola. Estamos sempre as convicções do tio e do pai,
Durante as dúvidas e incertezas pela China num filme, para trução de todo este livro deve ao a regressar a esse momento tão a tradição de uma família com
dos primeiros confinamentos, o qual ele me convidou para romance, não à biografia. importante, mesmo quando o heróis e todo o enquadramento
este romance foi o antídoto escrever o argumento de uma ponto de vista é o da América histórico. Esse mecanismo é
perfeito. Como digo na nota final ficção. Os produtores acabaram A decisão de escrever esta vida Latina? muito interessante: acredita-
do livro, estou convencido de por achar que o filme nunca iria foi sua ou tomou-a com o Sergio? Foi Juan Villoro quem primei- mos que tomamos decisões au-

VISÕES
DANTE DE

O
INFERNO SEGUNDO

BOTTICELLI
24 SET — 29 NOV 2021

GULBENKIAN.PT

EM COL ABOR AÇÃO COM MECENAS


14 LETRAS

ENTREVISTA/FERNANDO ECHEVARRÍA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

tónomas, mas há, na realidade,


outras forças. FERNANDO ECHEVARRÍA (1929 - 2021)
E o fanatismo, no qual Sergio
também chega a cair, no sentido
Com 92 anos morreu no passado dia 4 de outubro, no Porto, onde nos últimos anos residia, um dos
de fazer a revolução até ao limite. nossos mais destacados e distinguidos poetas, com uma vida muito cheia e que passou longos no
Como o entendeu?
Fanatismo é uma palavra que, exílio. Aqui três significativos textos, opiniões / testemunhos, sobre o poeta e sua obra, e em caixa
de facto, o Sergio usa, por isso a alguns elementos da sua biobibliografia
usei também. A causa é um tema
fascinante, essa capacidade que
os seres humanos têm para sa-
crificar tudo — família, amigos,
amores — em nome de um ideal.
Por que o fazemos? Até aonde
podemos ir?
Um poeta além do tempo
Será mais fascinante ainda num
tempo em que o ativismo se faz
com likes e a partir do sofá? MARIA JOÃO REYNAUD
Sim, claro. Os novos mecanismos
de conversa entre cidadãos são A nossa literatura acaba de perder compenetrado da própria poesia. Este
inseparáveis de uma certa forma um dos maiores poetas contempo- é, a partir de agora, o livro de uma
de fanatismo. As redes sociais râneos em língua portuguesa. Desde longa despedida.
constroem uma realidade para os inícios dos anos 80 que Fernando A obra fecunda que Echevarría nos
cada utilizador, diferente da do Echevarría nos habituara a um ritmo deixa oferece-se às gerações mais no-
vizinho. É feita apenas para ti de publicação regular, cada novo vas como um exaltante “lugar de es-
segundo o teu historial de con- livro comparecendo como um lugar tudo” (título de um livro seu editado
sumo, das páginas que visitas, de refundação do mistério do mundo em 2009), uma vez que a sua poesia é
das tuas viagens ou do tempo e do sentido essencial da vida. A ex- poesia no sentido essencial do termo.
que gastas a ler um texto a favor tensa obra que nos deixa é um espaço Ou seja, “simultaneamente, o centro
de Trump e outro contra. Isso sinfónico em infinito desdobramen- e a circunferência do conhecimento”
vai-nos convertendo em fanáti- to, em que a procura obstinada da (Shelley). Neste último livro perpas-
cos de pequena intensidade. Nas totalidade se processa ora através de sam os grandes temas de uma obra
conversas que tivemos, o Sérgio tensões dialéticas dilacerantes, ora in fieri – a infância, o amor, o exílio,
disse muitas vezes que atrás da através de uma súbita reconciliação o envelhecimento e a morte – enun-
narrativa que eu construí há uma dos contrários que leva à revelação ciados num presente que, sendo em
necessidade de entender por que milagrosa da verdade poética. si mesmo fonte de tempo, o vai dila-
razão uma geração inteira, em A poesia de Echevarría, de forte tando até ao limiar de uma plenitude

LUCÍLIA MONTEIRO
todas as partes no mundo, deci- matriz ibérica, nasce de uma aguda vacante e auroral: “O ímpeto de aná-
diu que a luta armada era o único intuição, constantemente trabalhada lise progride/ em profunda extensão
caminho para os seus ideais. Os pela experiência percetiva do real, e grande altura./ Seu tenso interior
ideais eram os corretos, mas os pela razão discursiva e pelo trabalho Fernando Echevarría abre limites/ de exterioridade, ainda
meios para os concretizar des- da língua. Em linguagem tomista, tão oculta,/ mas onde já tropeçam ritmo,
virtuaram-nos imediatamente. cara ao poeta, diríamos que ela apa- timbre» (p. 193).
É um das grandes lições que re- rece como uma forma perseverante O exílio factual que o poeta sofreu
cebemos, hoje, de histórias como de amor intellectualis que transfor- Inacabada (1360 páginas, ao todo), Analítica (1), se diria epitomizar o por motivos políticos, levando-o a
a sua: a capacidade da violência ma o dom poético em dádiva (e em editados pela Afrontamento em 2006 longo caminho percorrido. São mais edificar uma língua poética sua, dá
para envenenar tudo, para des- obra), através da experiência unitiva e 2016 para assinalar, respetiva- de 500 poemas que se nos impõem agora lugar a um exílio maior, que
truir até os melhores ideais. Em de criação. mente, os seus 50 e 60 anos de vida como a súmula de um percurso sem não se distingue do tempo de uma
O Homem Revoltado, Camus põe A sua vasta produção poética, literária, viu-se acrescida, em 2018, deflexões, em que o movimento do velhice em que a ressonância da
a pergunta fundamental: temos reunida nos dois volumes de Obra de um alentado livro cujo título, Via pensamento não se distingue do fazer realidade do mundo está prestes a
direito a matar ou a ver alguém dissolver-se no fulgor da sua ausên-
ser assassinado como meio para cia: “E, aí, a solidão deu em sossego./
a Revolução? A minha resposta é Agora tudo é horizonte e espaço/
não. Nada justifica o sacrifício de onde só conta registar o acréscimo/
uma vida humana.

Em vez de fechar a Colômbia


Uma vida cheia do cômputo do ritmo que, entre-
tanto,/ abriu o estado ao grande
pensamento./ E o pensamento a um
nos seus conflitos, este livro Fernando Echevarría Ferreira nasceu a 26/02/1929, em Cabezón de la Sal, Santander, filho de pai exílio, santo,/ pois alarga, profundo,
mostra-lhe as suas raízes em português e de mãe espanhola. Em 1931 a família fixa residência em Grijó (Vila Nova de Gaia), onde o seu efeito/ a um sossego interior e
outros momentos históricos. Isso o poeta passa a infância e faz a Escola Primária. A seguir frequenta o Colégio Cristo Rei, dos Padres em ato. (p. 160)”.
pode ser importante para um Redentoristas, onde em 1946 completa os Estudos de Humanidades. Depois prossegue os estudos em É, por conseguinte, na via ascen-
novo olhar para os problemas do dois seminários espanhóis, completando o Curso de Teologia em 1953 – mas não se ordenando. sional desta poesia, “grande espaço
presente? Regressa a Portugal, faz o serviço militar na Póvoa de Varzim, onde conhece José Régio, em 1956 de retiro” (p. 137) e de ascese, que
Acredito que sim. Sem nenhum publica o seu primeiro livro, Entre Dois Anjos, e começa a dar aulas no ensino secundário particular. No a experiência do exílio se ilumina e
intenção programática, todos final de 1961 parte para Paris, em 1963 adere ao MAR (Movimento de Ação Revolucionária) e vai para a ganha a plenitude do sentido. Como
os meus livros perguntam pelo Argélia, juntando-se a outros lutadores contra a ditadura salazarista. breve testemunho de um poeta além
lugar da Colômbia no mundo, Regressa a Paris em 1966, e passa a ensinar francês numa instituição de ensino e acolhimento aos do tempo, aqui fica este poema:
estabelecendo um diálogo com refugiados – Centre d’Orientation Social des Étrangers. Sempre no exílio, integra, até ao 25 de Abril, a «Anoiteceu para dentro/ do seu só
uma História mais global. Porque direção da revolucionária LUAR até ao 25 de Abril, que lhe permite voltar a Portugal – mas mantém a anoitecer./ Fora disso, o pensamen-
nunca acreditei que as histórias residência e o trabalho em Paris, abandonando quaquer atividade política e só regressando em definiti- to/ era apenas de ninguém./ Sem
dos países sejam fenómenos vo já nos anos 2000. causa a causar efeito,/ nem outra
isolados. Acredito num diálogo e Entretanto, como se sabe, edita numerosos novos livros, elogiados e consagrados pela crítica e que lhe coisa qualquer.// Era noite a anoite-
numa ligação de acontecimentos vão valendo prémios de poesia como do PEN Club, em 1981, e o Inassete, 1987. Na década de 90 ainda cer-se/ pela escura lucidez/ do nome
que parecem separados mais que publica muito mais, logo em 1991 é-lhe atribuído o Grande Prémio de Poesia da APE, em 1995 o Eça que se arrefece/ só a si. Sem o saber.”
estão a conversar a toda a hora. de Queirós, da Câmara de Lisboa, em 98 outra vez o do Pen e o António Ramos Rosa, da Câmara de (Via Analítica, p. 508)
E os romances são capazes de Faro. E por aí fora, já neste século – os prémios Teixeira de Pascoaes, D. Dinis, de novo o da APE, o das
encontrar esse vínculos secretos, Correntes d’Escritas, o Sophia de Mello Breyner, o Fundação Inês de Castro, o padre Manuel Antunes. *Maria João Reynaud é profª da Faculdade de
que não ocorrem na realidade A sua obra poética é vastíssima, não cabem aqui todos os títulos: como nota Mª João Reynaud os dois Letras da Universidade do Porto, ensaís-
visível, mas numa dimensão volumes da sua Obra inacabada têm 1360 páginas. Sucedem-se as edições, consagrações e home- ta, autora designadamente de Enigma e
essencialmente emocional, psi- nagens, mantendo-se embora Fernando Echevarria tão discreto e “recolhido” como sempre foi, ao Transparência – sobre a poesia de Fernando
cológica, existencial. J contrário do que o seu aludido percurso político poderia fazer supor. Echevarría (Ed. Afrontamento)
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 15
FERNANDO ECHEVARRÍA/LIVROS

A Luz de um Mais-Saber
JOÃO BARRENTO
Estava sentado no amplo pátio É disso que se trata sempre na É assim na poesia de
do grande béguinage de Bruges, poesia de Echevarría. De, contor- Fernando Echevarría, que não
ao cair da tarde de um dia de ju- nando sem contemplações nem cede à tentação da “clareza” rasa
lho de 2009, e levava comigo mais hesitações os baixios da mimese e nem se fecha em celas hermé-
um livro de Fernando Echevarría o simplismo de uma subjetividade ticas, mas não prescinde de
acabado de sair, Lugar de Estudo. estreita, dar corpo a uma “dialé- nos fazer sentir o peso do signo
Nas páginas livres do fim do livro, tica” atravessada por um subtil em textos poéticos tecidos com
ao lado de um desenho da capela sopro de espiritualidade profana, rigor, numa trama de lingua-
e das árvores, que ia fazendo, que reflete a complexidade do real gem em ação permanente sobre
encontro, escrito a lápis nessa na sua unidade última: entre o quem lê. De facto, esta poesia
tarde, um breve texto-síntese visível e o invisível (sem cair na parece querer dizer-nos sempre
da minha leitura desse livro e falácia do inefável), entre o grave que, quando o sentido parece
de grande parte da Obra deste e o jubiloso, entre a lágrima e a esvair-se, há um silêncio loquaz
poeta, que essencializa os fenó- alegria, entre o negro e a luz do que tudo absorve e traz para a
menos reenviando a experiência azul. solidão habitada pela luz de um
do sensível para zonas de uma mais-saber. Que o estudo, o do
imagética ou de uma conceptuali- livro e o do mundo (o do livro

LUCÍLIA MONTEIRO
dade muito próprias, para a esfera do mundo) tem a sua escola na
de uma metafísica que supera, atenção, um lugar onde não há
sem a ignorar, a linguagem mais lugar para a fala vazia, onde uma
comum, as suas insuficiências e Fernando Echevarría espécie de evanescência, mais
a sua “impostura”, para chegar, do que um discurso acabado e
como diria Hölderlin, a um “canto cheio, faz nascer o inédito, onde
da alma” — e ao escrevê-la vejo Uma dialética há uma mais-palavra na pala-
agora que a expressão pode, neste nasce, na poesia, nesta poesia, mais real no real, ‘um horizonte vra, pairando para lá das razões
caso, ser entendida no seu duplo um modo de ver órfico (não her- mais longínquo’, o ‘Aberto’. Por atravessada por da razão com a sua humilde e
sentido: as zonas mais recônditas mético): ‘O mundo era acolhi- isso esta poesia precisa de uma um subtil sopro insistente força imaginante, a
da interioridade e do silêncio, e do na palavra / que devolvia o ‘nova condição da língua’, aquela sua matriz telúrica, a sua busca
os seus cânticos mais sublimes! A mundo, / não só abstrato, mas que ‘diz somente o que não diz de espiritualidade do enigma de estar-aí. Nisto
minha anotação no final de Lugar de urgência dada / ao espanto.’ A a fala’. E nasce o espanto — em profana, que reflete a reside um certo “classicismo” da
de Estudo dizia: este olhar, a superfície do mundo quem estuda o mundo, e em quem poesia de Fernando Echevarria,
“O estudo é a atenção que o anima-se de fulgores e tudo se lê esse mundo estudado com apu-
complexidade do real onde tudo se funde, e o que há de
olhar da alma presta às coisas. Daí abre para mostrar o que há de ro no poema”. na sua unidade última vir é como o que já foi. J

O centro das palavras


FERNANDO GUIMARÃES
Talvez seja através da poesia modo filosófica que se aproxima, pensadores bem mais antigos, do poema, o que proporciona Passa-se, deste modo, para além
que, em vez de dizermos, nos se considerarmos uma reflexão como Aristóteles ou S. Tomás o aparecimento de uma con- de um conhecimento do quo-
encontramos com as palavras. sobre a morte como sendo uma de Aquino, representa aqueles figuração que é um misto de tidiano (mesmo quando dele se
Mas, para sermos mais precisos, das “categorias” que o conhecido grandes espaços de conhecimen- abstração, ausência e pureza, fala), o qual vem das nossas per-
em vez de “poesia” devíamos filósofo francês Jean Wahl em to em que se revela a natureza sem que se perca, no entanto, o ceções, ou de um conhecimento
referir-nos ao “poético”. É que aí As Filosofias do Existencialismo das coisas a partir do que seria o peso ou o poder de cada palavra. que pode ser filosófico (mesmo
reside esse centro das palavras põe em relevo, quando nos anos próprio ser. Repare-se que no poema sobre as quando na poesia ele se insinua)
que faz com que estas nos condu- 1950 (por essa altura Echevarría Mais uma vez encontramos “categorias” se desenvolvem vá- ou científico, o qual vem do nos-
zam a um conhecimento que por publica o seu primeiro livro) as aqui uma preocupação que se rios círculos, que se diria serem so raciocínio. É o conhecimento
ser secreto acaba por se tornar movimentações existencialistas expressa verbalmente num poe- de natureza abstrata ou teórica, poético, precisamente do que há
revelador. É uma revelação de tal se estendiam da filosofia até à ma como este: “Categorias, sim. até encontrarmos quase no fim de primordial ou central no que
natureza que se encontra na obra literatura. Ora as categorias, em Quando elas se abrem./ De forma a palavra “vento” que consigo vemos e no que sabemos.
poética de Fernando Echevarría. a estenderem desde dentro,/ o traz uma imagem que passa para Por isso, compreende-se que
Leia-se a seguinte pas- impulso abrupto. Que as leva a a realidade da própria natureza, a poesia de Fernando Echevarria
sagem de um poema seu: dar-se/ ao rigor que lhes puxa para um conhecimento que é o tende a identificar-se com essa
“Transparentes e onde sobre- o incremento/ para um espaço das nossas perceções para alcan- linguagem que poder ser lida
tudo/ cresce aos pinheiros ser a que dilui as margens, sem diluir çar, como o poeta diz, o que “só como uma possibilidade de
resina grande/ onde os mortos seu assento./ Entrar em uso. E alarga” esse pensamento. conhecimento que surge no seu
saberem que o estudo/ é mover- resultam quase./ Porque denigre È deste modo que na poesia espaço verbal e que é, como vi-
-se, sabendo// [...] que nos sa- Uma dimensão o silêncio/ qualquer clausura. O de Fernando Echevarria aparece mos nos poemas aqui transcritos,
bem./ Que haver pinheiros é um que ele traz expande./ Sobretudo e se desenvolve uma dimensão o vento, o silencio ou a morte.
lugar de estudo/ que os mortos reflexiva que procura por súbdito de um vento/ que reflexiva que procura no sentido Este é o próprio ato de escrever:
iluminam na passagem”. no sentido e no ritmo toca velas e, ao mesmo tempo, e no ritmo das palavras -- uma “Escrevemos docemente. Se a
Fala-se aqui de transparên- sabe/ que ir além só alarga o palavra é sempre significado e figura / sobe de estar tão funda a
cia, estudo, saber, iluminar.
das palavras uma pensamento.” significante – uma dimensão que essa mesa / é que escrever se lem-
O centro destas palavras é o dimensão expressiva, Por vezes a repetição de pa- é expressiva. Mas o expressivo bra. E só da altura / de se lembrar
conhecimento da morte. Isto lavras na poesia de Echevarría converte-se em expansivo a par- percorre a linha acesa / a ponta de
mostra como há na poesia de
que se converte-se em tende a criar uma rede interior tir do centro de cada palavra, de escrever, que traça a pura / forma
Echevarría uma direção de certo expansiva ao próprio desenvolvimento cada imagem, de cada metáfora. de rosto que abre na tristeza.”.J
16 LETRAS

LIVROS/ESTANTE
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Valter Hugo Mãe


FICÇÃO

Mia Couto

Um romance notável
O Caçador de
Elefantes Invisíveis
é o título do novo
volume de contos de
Mia Couto, que neste
registo já publicou
Vozes Anoitecidas, Cada
Homem É uma Raça,
Estórias Abensonhadas ou O Fio das

OS DIAS DA PROSA
Missangas. O volume reúne as his-
tórias curtas que o escritor moçam-
bicano, um dos mais destacados da
Miguel Real língua portuguesa, Prémio Camões
em 2013, tem vindo a publicar men-

N
salmente na revista Visão (referência
que não se omite, como acontecia
otável entre ro), do afastamento das “femini- na publicação em livro das crónicas
os romances nas” do seu corpo, considerado de A. Lobo Antunes), em edição re-
notáveis de “sujo”, até ao final apoteótico do vista e em alguns casos reescrita. Os
Valter Hugo encontro de Honra com o seu pai contos acompanham muitas vezes
Mãe (VHM) (A branco no além das “três ilhas” a atualidade, mesmo quando não o
desumanização, após a travessia do “animal líqui- fazem diretamente. O que dá título
O filho de mil homens, A máquina do”, quando o ódio de matar se ao conjunto aborda, precisamente,
de fazer espanhóis), As doenças do transforma em “gentileza” abaeté. as campanhas de informação sobre
Brasil é um romance extraordi- Um abaeté só mata para se de- a Covid-19 em aldeias remotas. Mas
nário, que capta o sentir poético fender, não possui ódio, só possui são também contos de efabulação,
e mítico dos Abaetés (povo nativo fúria, cólera rompante. O branco, de personagens que se encontram e
do Brasil), transpondo-o em detentor do “ferro que cospe fogo” desencontram em episódios do quo-
forma de narrativa (cf. “Um outro (arma de fogo) mata por cupidez, tidiano. Num deles, Júlio Macavira
Brasil”, entrevista ao autor por por ganância, por interesse e por confronta-se com as estátuas da Ilha
Luís Ricardo Duarte, JL, nº 1339, ódio. Honra não pode tornar-se de Moçambique a sair do seu pedes-
22/9/21). igual ao inimigo. tal, surpreendendo um diálogo entre
As doenças do Brasil acrescenta A Honra junta-se outro “feio”, Vasco da Gama e Luís de Camões a
às diversas doenças europeias que fugido dos brancos, procurando propósito de Os Lusíadas.
os brancos levaram para o Brasil um “mocambo” desconhecido que
(bexigas, gripe, varíola, saram- havia na mata. Porque era negro, é › Mia Couto
po…), que exterminaram centenas chamado pela comunidade abaeté O CAÇADOR DE ELEFANTES
LUCÍLIA MONTEIRO

de milhares de índios, aquela de de Meio da Noite. Igualmente “fe- INVISÍVEIS


que pouco se fala na narrativa rido”, desdignificado pelos bran- Caminho, 176 pp, 15,90 euros
portuguesa sobre esse país, mas cos, reduzido a um instrumento
que se revelou a mais mortífera: a Valter Hugo Mãe de trabalho, sentiu igualmente
racionalidade do branco, os seus
comportamentos europeus, o seu
a cobiça do europeu e junta-se a
Honra na busca vitoriosa sobre o Cláudia Andrade
obsessivo proselitismo cristão e homem branco, com a esperança “À noite, já depois
a ganância do lucro extraído do to linguístico estranho, gerador de do, é considerado um estranho, de atingirem “o lugar prometido do toque de recolher,
trabalho alheio nas plantações de uma narrativa estranha, que por um “feio”, diferente dos restan- que havia ainda sem inimigo (…) Ariel fugiu de casa
cana. vezes lhe desorientará a leitura. tes membros da comunidade. Uma terra livre onde o cativei- para ir ver o inimigo
Se as tribos primitivas que A maioria das qualificações Atormentado, foge para a mata (a ro ficasse no pesadelo passado entrar na aldeia. (…)
viviam na mata foram obje- só é entendível no âmbito de selva), sentia-se a odiar o mundo, [narrado no romance], fechado, O plano de Ariel era
to desta razia civilizacional, o uma cosmovisão tupi: 1) a fusão era a sua parte “branca”, já que “o fechando cada vez mais a favor de simples: esperá-los
europeu acrescentou ao território do homem com a natureza; 2) a ódio não é abaeté. Talvez eu não um tempo sem obediência nem em sentido na berma
uma nova e estranha doença: a conceção de que tudo está vivo e seja abaeté” (p. 34). agressão” (p. 248). Imaginaram da estrada fazendo-se parte da
escravatura do negro (cerca de 12 que, entre os vivos, são possíveis A história de As doenças do que iriam construir um mundo receção, e, quando chegassem
milhões de negros foram violen- todas as metamorfoses (homem/ Brasil consiste, em suma, na saga novo. perto o suficiente, apedrejá-los.
tamente forçados a transplantar- animal/planta); 3) a existência de Honra em matar o “ódio” ino- Gostámos que Valter Hugo Mãe A mãe matá-lo-ia se o sonhasse
-se da África para as Américas omnipresente de “espíritos”; 4) a culado pelo colono branco e assu- não tivesse identificado o bran- ali, mas ele sabia que a única coisa
entre os séculos XVI e XIX, comunidade não só absolutamente mir a harmonia global que sempre co com o português como povo verdadeiramente censurável era o
sugando a vitalidade do continen- superior ao indivíduo como lhe reinara nos Abaeté. O ódio, a per- culpado da devastação dos tupis a medo.” Assim começa Um Pouco
te negro, povoando o novo mundo determinando todos os compor- fídia, a exploração, a manipulação partir de 1500 (cf. texto da badana de Cinza e Glória, o novo livro
e enriquecendo a Europa). É deste tamentos. Em síntese, existe uma alheia, o fomento da divisão entre direita). Sim, não foi uma questão de Cláudia Andrade, o terceiro
conjunto de doenças que, como intensa harmonia entre o homem os povos, a redução de um homem “Portugal versus Tupis”, tratou-se que publica na Elsinore. E é para
um subtexto não aflorado, mas tupi e a natureza que, por via à insignificância – são igualmente de uma questão civilizacional: a um ambiente de guerra que o
sempre presente, o romance de da incorporação das qualidades consequências das “doenças” que civilização europeia, racionalis- leitor é lançado desde as primei-
VHM trata. naturais na personalidade do tupi, o europeu levou para o Brasil, que ta e cristã, dotada de tecnologia ras páginas. Não propriamente
E podia tratá-lo ao modo do esta harmonia transforma-se oprimem e dominam o espírito superior, contra uma civilização a frente de batalha, mas o que
romance histórico ou num ensaio numa quase fusão. de Honra: “Sou branco. E esta cor tupi, fundada na sensibilidade resta de uma aldeia abandonada
reflexivo e denunciador. Mas pre- O romance afirma-se segun- não é cicatriz, é ferida e não sara. mítica.J à sua sorte, depois da saída do
feriu dar ao leitor a visão mítica do a estrutura de uma epopeia O inimigo parasita em mim para batalhão que lhe roubou quase
(e, enquanto mítica, poética) dos (numa prosa que rasa a poesia) de sempre. Um espírito baixado sobre todos os homens. Ao correr desta
Abaeté, seja no nome das perso- libertação de um povo submetido. minha dignidade abaeté. Sou um narração, que se faz de capítu-
nagens, seja nos seus costumes Honra, nome da personagem cen- bicho como nenhum outro da los curtos, vamos saltando de
comunitários, seja na sua visão tral, intenta tanto a sua libertação mata” (p. 33). personagem em personagem, os
do mundo. Para isso, compôs um pessoal como a libertação do seu A reconciliação de Honra que ficaram, mulheres, crianças,
romance escrito num cruzamen- povo do domínio da “fera branca”, consigo mesmo atravessa epo- › Valter Hugo velhos, amedrontados, à medida
to de sintaxe tupi e portuguesa, dos brancos europeus. Honra é peicamente todas as páginas do Mãe que os seus segredos também de
ou, melhor, enxerta na língua filho da violentação sexual de romance, desde a recusa e depois AS DOENÇAS desvelam. Nascida em Lisboa, em
portuguesa atual a mundivisão sua mãe, Boa de Espanto, por um permissão de Honra cumprir os BRASIL 1975, Cláudia Andrade é autora
tupi. O leitor deve previamente branco. Assim, Honra, de pele es- rituais de passagem de “transpa- Porto Editora, 274 pp., ainda de Elogio da Infertilidade,
compreender este este cruzamen- branquiçada e cabelo acastanha- rente” para “complexo” (guerrei- 17,90 euros Quarto Quartos de Final e Outras
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 17 ESTANTE

Histórias, vencedor do Prémio


SPA Autores — Melhor Livro
de Ficção Narrativa de 2020, e
Alcobaça revisitada textos diários
com o objetivo de
dar a conhecer a
Caronte à Espera, entre outros. diversidade dos
seus acervos e
› Cláudia Andrade A História Local é quase mil anos de História (começa (“objetivo não
UM POUCO DE CINZA sempre feita por académicos, antes da presença cistercien- irrelevante nesses
E GLÓRIA estudiosos e investigadores se), mas também uma edição dias cinzentos”)
Elsinore, 136 pp, 15,49 euros apaixonados pela sua ter- cuidada, de capa dura, com remeter os leitores dessas
ra, que a ela dedicam uma 1200 páginas a quatro cores, mensagens digitais para
atenção constante. Por isso, com inúmeras reproduções (de outros mundos, outras épocas,
Daša Drndic quando esse ofício de en-
cantamento encontra apoio
documentos, plantas arqui-
tetónicas, espécies botânicas,
outras realidades”. São esses
documentos, imagem e breves
Depois de Trieste, e estímulo nas instituições achados arqueológicos) e um comentários, que se reúnem
a Sextante regressa a do concelho, nomeadamente apelativo ensaio fotográficos neste volume, o oitavo que
Daša Drndic, escri- nas autarquias, o resultado só de Jorge Prata. Além das abor- a Ephemera publica com
tora croata, nascida pode ser positivo e de louvar. dagens históricas tradicionais, a Tinta-da-China, depois
em Zagreb em 1946 É o caso agora de Um Mosteiro apresenta ainda enfoques me- de títulos sobre protesto e
e falecida em 2018. entre os Rios — O Território › António Valério Maduro e nos frequentes, como os que se participação democrática em
Belladonna é, aliás, o Alcobacense, uma iniciativa Rui Rasquilho (coord.) referem às análises paisagís- Portugal, cartazes e panfletos
seu último romance, dos Amigos do Mosteiro de UM MOSTEIRO ticas dos coutos de Alcobaça, da ação psicológica na guerra
publicado em 2021, que teve uma Alcobaça. Coordenado por ENTRE OS RIOS as traduções realizadas pelos colonial e autocolantes do PSD,
grande projeção internacional António Valério Maduro e — O TERRITÓRIO monges ou a cidade em outras entre outros. Neste exercício
depois da sua tradução em língua Rui Rasquilho, afirma-se não ALCOBACENSE épocas marcantes (1820, final de memória cabem todo o tipo
inglesa. À semelhança de Trieste, é só como um volume muito Ficha ficha fichaHora de Ler, 1200 do séc. XIX ou Primeira Guerra de impressões e conteúdos,
uma narrativa marcada pelas me- completo, que percorre quase páginas, 30 euros Mundial). J desde livros a fotografias, guia
mórias da Segunda Guerra Mundial. e cartazes, vinis e grafites.
Essa experiência é espelhada, desta “Devemos recordar por uma
vez, a partir das memórias de um razão (...): no passado, em
psicólogo e escritor que há muito
deixou de exercer qualquer uma da- Kamo no Chomei Coelho. Agora, aos 96 anos, após
dar a lume três romances e dois Ephemera várias ocasiões, a humanidade
já passou pela experiência da
quelas atividades. Hoje vive apenas, Publicado em 1212, livros de contos, publica Na poei- A pandemia da Covid-19 foi praga, e em muitos aspetos
no seu pequeno e austero apar- Hojoki — Reflexões da ra do tempo - memórias de quem (e continua a ser) vivida de aprendeu sempre pouco com
tamento, rodeado de fragmentos Minha Cabana é um sublinha: "O meu percurso foi formas muitos diferentes, em a história”, afirma-se na
que convocam vidas desfeitas pelo clássico da literatura moldado pela minha paixão por particular nos seus momentos apresentação.
horror da guerra. Belladonna faz-se japonesa. “Na sua livros, por viagens e pela vida". de confinamento. Entre março
dessas recordações que convocam brevidade, para além de 2020 e 2021, por exemplo, › José Pacheco Pereira (org.)
documentos, fotografias, citações duma estreita comu- › Mário Mendes de Moura o Arquivo Ephemera, criado DIÁRIO DOS DIAS
de livros e até de listas de crianças nhão com a natureza, NA POEIRA DO TEMPO por José Pacheco Pereira, DA PESTE
e jovens, com as respetivas idades, ressoa a efemeridade das coisas 4 Estações Ed., 312 pp., 15,90 euros enviou aos seus associados Tinta-da-China, 192 pp, 18,90 euros
deportadas e mortas em campos de humanas e a transitoriedade da
concentrações (uma das passagens nossa existência”, defende, na
mais duras e inesquecíveis deste introdução, Jorge Sousa Braga,
livro). Um romance documento, que também assina esta tradu-
para que nunca se esqueça. ção/versão portuguesa. “O Hojoki

XV BIENAL
é um hino ao despojamento,
› Daša Drndic escrito de uma forma também ela
BELLADONNA despojada.” Poemas breves que
Tradução de António Pescada, captam a transitoriedade da vida
Sextante, 432 pp, 18,80 euros e se afirmam como um louvor da
vida simples, longe da agitação

POESIA
(e das intrigas palacianas) da
cidade, que já no seu tempo era a
INTERNACIONAL
imagem de esgotamento da força CERÂMICA ARTÍSTICA
Liberto Cruz vital da vida.”
AVEIRO
Um livrinho singu- › Kamo no Chomei
lar, porque uma bre- HOJOKI — REFLEXÕES
ve “paródia poética” DA MINHA CABANA
e porque em francês Tradução de Jorge Sousa Braga,
(assim também se Assírio & Alvim, 96 pp, 8,80 euros
lhe podia chamar
um divertissement...),
segunda língua do OUTROS
autor, Liberto Cruz — também
crítico, ensaísta, biógrafo e
tradutor, que em França durante Mário de Moura,
muitos anos foi prof. universitá-
rio de Literatura Portuguesa. Les memórias AVEIRO MUSEUMS
mains sur la tête é o título, com Mário Mendes de
duas partes: “Poèmes à deux Moura é um português,
mains” e “Poème a la têten. editor há mais de 60
Todos com agrupamentos de anos, durante cerca de
dois versos, em geral de quatro 40 fora de Portugal,
sílabas e rimados. Por exemplo: sobretudo no Brasil
“La main de Dieu/ La mais de - no total, calcula, 30.10.2021 > 30.01.2022
vieux// La mais nue/ La main publicou mais de três
que tue// La mais riche/ La main mil títulos, com milhões de exem-
(qui) triche”. plares. Só regressou a Portugal em
1988, e ainda fundou editoras como
› Liberto Cruz a Pergaminho e a Vogais (que em
LES MAINS SUR LA TÊTE 2008 e 2010 venderia), publican-
Palimage, 68 pp., 12,50 euros do entre nós, por exemplo Paulo
18 ↗
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

PORTUGUESE BASKETRY

EXPOSIÇÃO EXHIBITION
// A PARTIR DE // FROM
10 DE SETEMBRO SEPTEMBER 10th
2021 2021
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

ARTES 19 ↗

DocLisboa
O mundo de volta a Lisboa
249 filmes, 51 estreias mundiais, 46 filmes portugueses e 62 países representados, dezenas de realizadores convidados
e duas grandes retrospetivas. O DocLisboa volta em grande ao seu formato original, com uma vastíssima programação
concentrada em 11 dias, de 21 a 31 deste mês, na Culturgest, São Jorge, Cinemateca Portuguesa, City Campo Pequeno,
Cinema Ideal, e outros espaços da cidade de Lisboa. O JL percorre a programação com a ajuda de Miguel Ribeiro,
um dos diretores do festival, e entrevista Edgar Pêra, realizador convidado da secção Riscos

V
MANUEL HALPERN
ecrã, ou refletindo sobre o assunto,
de forma mais direta, como é o
caso de A Kid’s Flick, de Nikita
Lavretski, apresentado como a
primeira ficção bielorrussa depois
dos protestos contra as eleições
forjadas, que faz uma reflexão
sobre como a pandemia afetou a
contestação.
O facto do filme se apresen-
tar como ficção relança uma das
grandes questões em relação ao
DocLisboa. Já sabemos que os
formatos muitas vezes se tornam
Volta a haver Riscos, secções pa- híbridos e há objetos habitualmen-
ralelas, o programa Da Terra à Lua, te apelidados de “ficções do real”
o Heart Beat, as secções compe- que o Doc sempre acolheu. Mas
titivas, as festas na Barraca, uma quais são os limites que o festival
homenagem a duas realizadoras se autoimpõe? Miguel responde:
maiores e dezenas de convidados. “Interessa-nos a relação que o
O DocLisboa renasce das cinzas cinema pode estabelecer com real.
da pandemia e volta a ser o grande Sendo que do real fazem parte a
festival a que nos habituámos. A imaginação, o desejo e a memória.
edição anterior, já com esta nova A partir daí abrem-se as possibili-
direção - o trio Joana Gusmão, dades. Se o filme recorre a métodos
Joana de Sousa, Miguel Ribeiro da ficcionais para retratar esse real faz
APORDOC - tentou contornar a sentido para o Doclisboa que é um
adversidade das restrições pan- festival que se propõe a pensar o
démicas com uma programação seu tempo.“
alargada no tempo, ao ritmo de um Tal dúvida acentua-se no filme
evento por mês. O festival man- de encerramento Re Granchio, de
teve-se vivo mas transformou-se Filmes Portugueses (Da esq.ª para a dt.ª e de cima para baixo) Do Bairro, de Diogo Varela Silva; Hotel Royal, de Salomé Alessio Rigo de Righi e Matteo
numa temporada, alternando Lamas; Nazaré, Praia de Pescadores, de Leitão de Barros; e Eunice, Carta a uma Jovem Atriz, de Tiago Durão Zoppis. Os realizadores exibiram
exibições em sala com sessões de o seu primeiro filme Il Solengo,
streaming (ao sabor das normas no DocLisboa, em 2015, em que
da DGS), mas sempre procuran- com uma alegria redobrada. Temos em viajar são os asiáticos.“ os habitantes de uma remota ilha
do manter unidades temáticas e muitos cineastas e equipas que vêm Da experiência online forçada em Itália contava a história de um
espaços para reflexão, com sessões a Portugal falar dos seus filmes. da edição anterior ficaram alguns lendário eremita. Agora voltam
online com realizadores. Contudo, Uma celebração de fazer cinema, elementos positivos. No Nebula, à mesma aldeia para ouvir uma
nesse conceito de recurso ficaram ver em conjunto, e refletir sobre o programa da indústria, é possível, fantástica lenda de uma caça ao
para trás secções importantes - es- que vemos e fazemos” através das tecnologias digitais au- tesouro, em que um caranguejo
pecialmente notável foi a ausên- Apesar da incerteza, esta edição mentar o número de participantes. indica o caminho. Só que formal-
cia das secções competitivas - e do DocLisboa já foi programada “Há pequenos exibidores da Ásia e mente este é, sem sombra para dú-
perdeu-se o impacto de festival, com o plano de vacinação em cur- de África que nunca teriam a capa- Interessa-nos a relação vidas, um filme de ficção (fabuloso,
definido pela densidade e concen- so, pelo que desde início previram cidade financeira de vir a Lisboa e diga-se), mas bastou essa âncora
tração de eventos no tempo. um festival de 11 dias. O que correu assim estão presentes”. que o cinema pode na realidade (e na história do Doc)
“Este período permitiu fazer melhor do que se esperava foi a E se, aos poucos, é possível tirar estabelecer com para convocá-lo para a sessão de
uma reflexão muito profunda abertura da lotação das salas e, a pandemia da vivência do festival, abertura.
sobre o que queremos que seja o mais recentemente, a possibilidade mais tempo demorará a que ela saia real. Sendo que do
Doclisboa. O que é fundamental de fazerem as festas – os espaços dos ecrãs. Naturalmente são muitos real fazem parte a A COMPETIÇÃO PORTUGUESA
na sua estrutura base e do que não de convívio informal e de troca de os filmes em que as máscaras e A produção de cinema em Portugal
podemos prescindir” – explica, ao ideias são sempre muito frutíferos outros sinais dos tempos marcam imaginação, o desejo e esteve praticamente parada
JL, Miguel Ribeiro, um dos direto- em festivais de cinema presença. “O cinema documental a memória. O Doclisboa durante os meses mais agudos da
res. “Acreditamos no cinema como Além disso, com os certificados, acontece no tempo e no presente. pandemia. Se tal não se repercutiu
experiência coletiva e foi algo que voltou a ser possível receber de- Os filmes produzidos neste mo- que é um festival que se nas edições de festivais de 2020,
batalhámos muito para que acon- zenas de convidados estrangeiros. mento acabam por ser atravessados propõe a pensar o seu porque ainda havia muitas obras
tecesse, mesmo quando já não era “Este ano há uma presença forte de pela pandemia. Pode ser de forma rodadas anteriormente por estrear,
possível mostrar filmes em sala”. cineasta europeus e latino-ameri- circunstancial, quando as másca-
tempo tornou-se claro e e evidente em
E continua: “Este ano fazemos isso canas, os que têm mais dificuldade ras aparecem de forma natural no Miguel Ribeiro 2021. Verificou-se no Curtas de
20 ARTES ↗

FESTIVAL
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Vila do Conde, no IndieLisboa e Os seus filmes percorrem as mais


agora percebe-se no DocLisboa, variadas localizações do mundo,
apesar do programa contar com 46 sempre com um espírito subver-
filmes portugueses, entre curtas e sivo formal e narrativamente, que
longas, o que até parece um núme- justifica o título de cineasta punk.
ro razoável. Contudo, esmiuçando Também foi ousada nos temas
as seleções, percebe-se que ficou retratados, sendo uma vanguar-
aquém de outros anos. dista das causas de género, queer
Migue Ribeiro elabora: “É uma e LGBT, entre outras. A realizado-
questão histórica, dado o habitual ra vai estar presente no festival,
subfinanciamento em Portugal, também para inaugurar, no Museu
qualquer contrariedade externa do Oriente, uma exposição de foto-
afeta a produção, que não tem es- grafias tiradas nas suas viagens por
truturas para continuar a produzir. territórios como a Europa de Leste,
No entanto, gostamos muito dos os Estados Unidos, a Mongólia e a
filmes portugueses selecionados, China.
também pela sua diversidade” Cecilia Mangini, que trabalhou
Em competição estão 11 filmes com Pasolini, também é um grande
portugueses, mas apenas quatro nome do documentário italiano
são longas-metragens. O Doc pós-guerra. A retrospetiva come-
aboliu a segmentação por duração çou a ser preparada com a realiza-
em todas as secções por não consi- dora, que faleceu no início deste
derar um elemento especialmente ano. Passam mais de três dezenas
relevante, mas facto é que as curtas de obras que também nos ajudam
assumem um papel preponderante a entender um tempo. Miguel
na competição nacional. Entre os Ribeiro fala de “um cinema mili-
filmes selecionados também há tante sem ser panfletário, profun-
uma certa hibridez quanto à nacio- damente político, mas sem dogmas
nalidade. Em tempos globalizados, nem imposições ao espectador”. E
em que as questões de identificação conclui: “São duas cineastas muito
territorial se tendem a esmorecer, diferentes, mas que acreditam que
pergunta-se, o que torna um filme Em destaque no DocLisboa Re Granchio, de Alessio Rigo de Righi e Matteo Zoppis (em cima), L'inceppata, de Clara Mangini o cinema pode contribuir para uma
português? O tema? O contexto? (à esq.ª) e Johanna d’Arc of Mongolia, de Ulrike Ottinger ideia de transformação, mas dando
A nacionalidade do realizador? A grande liberdade ao espectador”.
língua em que é falado?O diretor
admite gostar dessa ambiguidade, abordagem original aos fantas- O Lugar Mais Seguro do Mundo, RISCOS
e o Doc, também aqui, toma uma mas e traumas da guerra colonial, de Aline Lata, Helena Wolfenson, A secção Riscos, por onde passam
postura abrangente e inclusiva. através da reunião de um grupo filme que teve o seu embrião no algumas das mais ousadas propostas
Há por exemplo Don’t Hesitate de veteranos, uma obra forte que DocLisboa, e que olha para o desas- do festival, tem sempre realizadores
to Come for a Visit, Mom, da russa conta ainda com a participação de Ottinger e Mangino tre da barragem de Brumadinho, convidados, que apresentarem um
Anna Artemyeva, uma curta José Lopes, ator entretanto faleci- são cineastas muito no Brasil, através de Marlon, uma filme próprio e programam outra
que relata a relação com a filha, do. Ou Lugares de Ausência, obra da vítimas, que viu a sua aldeia sessão. Além de Edgar Pêra, de que
através da videochamadas; a de intensidade poética e visual de diferentes, mas ambas ficar submersa. Também do Brasil, falámos atrás, é este ano convidado
curta Meio-ano-Luz, de Leonardo Melanie Pereira. acreditam que o Curtas Jornadas Noite Adentro, de Michael Pills. Em 2020, o realizador
Mouramateus, um brasileiro Espalhados por outras sec- Thiago B. Mendonça, filme que mostrou em Lisboa In Love n.1, o
residente em Portugal. Ou Nous ções do festival encontramos cinema pode contribuir poderia estar no Heartbeat, já que primeiro de um conjunto de filmes
sommes venus, uma produção mais filmes portugueses que, por para uma ideia de retrata o quotidiano de dois homens feito através dos seus arquivos
francesa, realizada pelo português diferentes motivos, não foram que se dividem entre o trabalho e pessoais de imagens. Agora passa o
José Viera, que reflete sobre a sua selecionados para a competição.
transformação a paixão pela música. E ainda 918 N.3 (o 2 ainda não está pronto), em
relação com Portugal, país que Um deles é Do Bairro, de Diogo Miguel Ribeiro Gau, de Arantza Santesteban, rea- memória do seu falecido amigo, o
abandonou aos 7 anos. Varela Silva, conhecido por ter lizadora que passou quase três anos cineasta iraniano Khosrow Sinai.
“É uma competição arriscada, feito o documentário Zé Pedro encarcerada por alegadas ligações à Pills faz uma montagem com ima-
com filmes com grande liberdade Rock’n’Roll. Desta vez andou ETA e, depois de liberta, procura o gens das suas visitas ao Irão, mas só
no ato de criar”, considera Miguel pelas coletividades de Alfama e seu lugar político no mundo. com os momentos em que o amigo
Ribeiro. da Mouraria em tempos de Covid não estava presente. Paralelamente,
Entre as longas metragens, um a recolher memórias e a propor LÁ FORA RETROSPETIVAS é apresentado o filme The Rainbow
dos filmes mais impressionantes uma reflexão sobre a existência “Treze gestos de liberdade”, assim Este ano o Doc faz retrospecti- Island, do realizador iraniano,
é Distopia, de Tiago Afonso. O dos próprios bairros. Já André define Miguel Ribeiro a Competição vas de duas grandes realizadoras desconhecido em Portugal. Entre
filme tem pontos de contacto com Valente de Almeida, em Famille Internacional, que reúne filmes de europeia: a alemã Ulrike Ottinger outras coisas, o filme mostra a
A Nossa Terra, o Nosso Altar, de FC olha para os clubes de futebol territórios, géneros, ambientes e e a italiana Cecilia Magnini. influência dos portugueses na ar-
André Guiomar, uma vez que tam- de comunidades portuguesas em metragens muito distintos. Além Realizadoras que, apesar de terem quitetura do Irão.
bém tem a demolição do Aleixo, França. E Maria João Guardão, de combinar regressos ao Doc estilos muito diferentes, também Outro desaparecimento recente
no Porto, como pano de fundo. que, em Nada pode ficar, docu- com realizadores que apresentam se encontram pontos em comum, é o de Luis Ospina, cineasta co-
Contudo, Tiago Afonso elabora menta o final da Re.Al Companhia os seus primeiros filmes. Um do sobretudo no olhar ousado e cora- lombiano, de que o DocLisboa fez
um filme-tese, em que o caso em de João Fiadeiro. notáveis regressos é o tailandês joso sobre a História. uma retrospectiva em 2018. Será
si merece uma contextualização Entre os portugueses, a grande Thunska Pansittivorakul, que A retrospetiva integral de homenageado no festiva com três
histórica, politico-social e arqui- obra em destaque é Kinorama vencera o grande prémio. Desta Ottinger já estava prevista para filmes: The Eye of the Tourist: XIII
tectónica. – Beyond the Walls of the Real, vez traz-nos Danse Macabre, que 2020, mas por força das contin- Easy Pieces, obra póstuma, termi-
Algo inesperado é Yoon. de de Edgar Pêra (ver entrevista). questiona e investiga várias mortes gências foi adiada para este ano. nada pela sua companheira Lina
Pedro Figueiredo Neto e Ricardo O insubmisso e sempre desa- algo misteriosas no último século Mas a ‘temporada’ do DocLisboa González; El Canto de la Crisalida,
Falcão, que acompanha a viagem fiante realizador conclui a sua em território tailandês. Também de 2020 acabou mesmo com a de Francisco MeCe; e Síndrome de
de carro de um transportador tese de doutoramento à volta do de volta estão Nicolas Klotz e exibição de um filme da realizadora los quietos, de León Siminiani, dois
entre Portugal e o Senegal. 500 cinema 3D, no seguimento de O Elisabeth Perceval, com Nous di- alemã, servindo de ‘aperitivo’ para documentários sobre a vida e obra
mil km de filme. Em Constelações Espectador Espantado. Um docu- sons révolution, que tem como mote o que agora se mostra. Trata-se de do realizador.
do Equador, de Silas Tiny, faz um mentário pessoano, em 3D, em a ‘caça ao homem’ ao longo dos um dos mais importantes nomes Dentro dos Riscos cabe o ciclo
mergulho impressionante nas me- que outros falam sobre o trabalho séculos e dos continentes. do novo cinema alemão, com obras “Os Lugares da Resistência – Onde
mórias da Guerra do Biafra, tendo de vanguarda do próprio reali- Destacam-se também, entre fascinantes, em que mistura, com reinventar o Mundo?”, dividido em
como ponto de partida São Tomé e zador. Pêra é um dos realizador outros, You are Ceausescu to Me, o naturalidade, documentário e fic- três sessões. Na primeira, o prato
Príncipe. convidados na secção Riscos. primeiro filme do romeno Sebastian ção, em gestos de ampla liberdade. forte é Night for Day, de Emily
Entre as curtas, Hotel Royal, um E escolheu como complemento Mihăilescu, que documenta o A realizadora, que já tinha tido Wardill, um filme experimental e
regresso de Salomé Lamas, muito para o seu filme Jackass, de Jeff casting para escolher o ator para um ciclo na Cinemateca, come- ousado, que olha para as revolu-
ao seu estilo impressivo. Paz, de Tremaine, uma experiência cine- desempenhar o papel do ditador çou o seu percurso nos anos 70 e ções, contando com a participação
José Oliveira e Marta Ramos, numa matográfica alucinante. Nicolae Ceausescu na adolescência. mantém-se ativa até à atualidade. Isabel do Carmo (também num
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT ARTES 21 FESTIVAL

Silence, um grupo de ex-soldados O Heart Beat, dedicado à ligação


israelitas que denuncia as atro- do cinema com outras artes, é
cidades cometidas na Palestina. sempre das secções mais procuradas
Steve McQueen, o galardoado do festival. Este ano abre com A-ha
realizador, apresenta, na compa- The Movie, de Aslaug Holm e Thomas
nhia de James Rogan Up Rising, Robsahm, contando a história da
filme de temática racial a partir popular banda norueguesa. Um
de três acontecimentos marcantes dos grandes destaques é o filme de
em Inglaterra. Mark Cousins, em homenagem a Eunice Muñoz, Eunice
The Story of Looking, surpreende- ou Carta a Uma Jovem Actriz, de Tiago
-nos com um filme pessoalíssimo, Durão; que passa em conjunto com
em que parte de uma operação que Brincadeiras de Gente Crescida, de
lhe devolverá a vista, para fazer Herlander Peyroteo, um episódio de
uma reflexão sobre a importância uma série da RTP, de 1963, protago-
da visão no quotidiano, Vitaly nizada pela própria Eunice, sobre a
Mansky faz uma grande entre- prática de ser atriz. Jane by Charlotte,
vista a Gorbachov e expõe o seu o encontro de Charlotte Gainsbourg
olhar sobre o mundo e a Rússia com a sua mãe Janes Birkin. Ou a tri-
contemporânea. E Paloma Rocha, logia Narodnaya, de Vadim Kostrov,
na companhia de Luís Abramo, onde mostra um espaço undergrou-
mostra-nos Tentehar - Arquitetura nd onde adolescentes russos, de uma
do Sensível, ainda na ressaca da cidade próxima da Sibéria, desafiam
Kinorama Uma autorreflexão 3D de Edgar Pêra eleição de Bolsonaro, em 2018. E, os limites de uma sociedade conser-
a propósito do Brasil, há um foco, vadora. Ou Roadrunner, um filme
da responsabilidade do progra- sobre o falecido Anthony Bourdain,

Edgar Pêra mador Sérgio Silva (que tem um


filme seu na abertura do festival),
dedicado ao cinema brasileiro em
da autoria de Morgan Neville
O festival que abre com um
grande documento histórico.

Futuros alternativos risco, sobretudo após o incên-


dio na cinemateca. Mas também
outros, como Canal 54, de Lucas
Landscapes o Resistance, de Marta
Popivoda, recolhe o testemunho
de Sonja, aos 97 anos, uma das
Larriera, a propósitos de teorias primeiras mulheres da resistên-
O herói dos heróis do cinema independente em o telemóvel ou olhar para uma pessoa que está da conspiração; From The Wild Sea, cia na Jugoslávia e também uma
Portugal estreia no DocLisboa Kinorama, a con- ao lado sem tirar os óculos. Eu queria fazer um de Robin Petré, um alerta para as das líderes de um movimento de
clusão da sua tese de doutoramento em 3D. O filme nos dois sentidos. Usar a paleta na con- espécie em perigo no Ártico, por rebelião em Auschwitz. Além disso,
JL fala com o cineasta que está a finalizar uma vergência, o foco e o desfoque. Este filme é uma uma realizadora que já venceu a desdobra-se num sem número
ficção sobre Fernando Pessoa. síntese do meu trabalho. secção Verdes Anos. Ou Castro’s de secções e atividades paralelas,
Spies, sobre os espiões cubanos alguma dedicadas apenas à indús-
JL: Kinorama termina a sua tese de Chegou a alguma conclusão? em Miami, quando se discutia o tria, numa programa vasta e muito
doutoramento à volta do 3D. De que se trata? Como dizia o Pessoa, não me venham com bloqueio de Cuba. abrangente. J
Edgar Pêra: É o meu derradeiro filme 3D, tão conclusões, que a última conclusão é morrer.
cedo não me meto noutra. Fechei um capítulo. As conclusões são pistas. O Martell, no filme,
diz que o artista tem que apontar caminhos,
Porquê? não basta denunciar, é preciso criar utopias. É o
Prende-se não só com toda a complicação que que tento fazer.
é a pós produção, mas também com a exibição.
As salas de cinema de autor raramente têm Escolheu o Jackass como complemento?
projetores 3D. Por isso, os filmes acabam por Para mim o Jackass é do pouco cinema de
passar em 2D e isso não me interessa. Além de vanguarda que consegue agitar, pôr as pessoas
que é muito difícil fazer filmes 3D com orça- desconfortáveis. Naqueles primeiros minutos do
mentos para documentários... filme é um festival… a dez mil imagens por se-
gundo todo o tipo de atrocidades que eles fazem
Acaba por trabalhar nos elos perdidos aos próprios corpos. Nos anos 70 era muito mais
do cinema, aqueles que não se chegam a fácil ir ao extremo, as pessoas não aguentam um
concretizar... filme como o Viva La Muerte, do Arrabal.
No fundo são utopias de cinema. O Kinorama fala
disso. É um filme autorreflexivo, que põe outras Sabemos que agora está a preparar um filme Vem por este meio o Centro de Neurociências e Biologia ao
pessoas a falar do meu trabalho. Há um feedback sobre Fernando Pessoa e os heterónimos. Em
em relação ao Espectador Espantado. Entra em que fase está? abrigo do Decreto n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado
diálogos com os meus filmes anteriores em 3D. Contamos acabá-lo pelo fim do ano e começar
a ronda dos festivais. É uma viagem pela cabeça
pela lei 57/2017, publicitar a abertura de posições para
O 3 D não vingou? do Pessoa. Noventa e tal por cento dos diálogos investigador doutorado (m/f).
Enquanto não houver cinema autoestereos- são dele, mas a história é totalmente ficcionada,
cópico não irá vingar. Hoje as pessoas não é a história de um serial killer que quer matar os Local de trabalho: Centro de Neurociências e Biologia
querem estar tão imersas no filme, querem ver heterónimos. J
Celular.
A remuneração mensal a atribuir é a prevista nível 33 da
tabela remuneratória única, aprovada pela Portaria n.º
debate). Esta sessão completa-se das imagens nos dias de hoje. Boris Lehman. Ou Jojo, de Antoni 1553-C/2008, 31 de dezembro, sendo de 2.134,73 Euros
com dois filmes mais antigos: Verão Em “Atos de Escuta”, filmes que Collot, à volta da adolescência do
Coincidente (1963), de António de se constroem a partir do som ou escritor Georges Bataille. ilíquidos.
Macedo: e a curtíssima Casa sobre da ausência dele. Em “O Mar no
Casa (1972), de Luís Noronha da Cinema”, uma amostra do trabalho DA TERRA À LUA
Costa. Há uma retrospetiva do que a Cinemateca tem feito no res- Alguns dos nomes mais sonan-
cinema egípcio no feminino, dos tauro de filmes ligados ao mar, de tes do festival encontram-se na
anos 70 até à atualidade, dividido que se destaca a apresentação, em secção Da Terra à Lua. É o caso AS DEMAIS CONDIÇÕES CONTRATUAIS PODEM SER CONSULTADAS EM
em três sessões. O ciclo “Corpos lí- cópia restaurada, de Nazaré, Praia de Avi Mograbi, que estará em
quidos”, sobre a desconstrução ou de Pescadores, de Leitão de Barros. Lisboa, para The First 54 Years – An https://euraxess.ec.europa.eu/jobs/695562
desmaterialização dos corpos. Em Dentro da secção ainda há espa- Abbreviated Manual for Military
“As Nossas Imagens e as Imagens ço para Fantômes du passé (com- Occupation, um filme que mostra
que têm de Nós”, um conjunto de ment l'histoire est entrée en moi), a a guerra da palestina através de
filmes que refletem sobre o poder estreia mundial do último filme de depoimentos do Breaking the
22 ARTES ↗

ENTREVISTA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Joana Craveiro
O filme da memória em palco
O Teatro do Vestido apresenta-se na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II com Juventude Inquieta, a nova criação de Joana
Craveiro, a partir do romance A Cidade das Flores, de Augusto Abelaira, publicado no final dos anos 50. “Um espetáculo que se
passa no presente a refletir sobre o passado”, diz ao JL a atriz e encenadora, que recentemente se estreou na realização, com o
filme Elas Também Estiveram Lá, que será apresentado a 14 de novembro, no S. Jorge, no festival Olhares do Mediterrâneo.
E na sala estúdio do D. Maria II irá estrear amanhã, 21, Pranto de Maria Parda, o monólogo de Gil Vicente interpretado por Cirila
Bossuet, revisitado e encenado por Miguel Fragata. É o arranque de Próxima Cena, o projeto que Tiago Rodrigues idealizou
para levar o teatro e os clássicos da dramaturgia portuguesa aos territórios de baixa densidade populacional

MARIA LEONOR NUNES


Um espetáculo que é o filme de muito importantes – não deixou Em que sentido?
um romance em palco: Juventude de ser um tempo desértico sobre o É anterior ao Maio de 68, mas no-
Inquieta, com texto e encenação de qual Miguel Torga também escre- ta-se que, apesar dos constrangi-
Joana Craveiro, a nova criação do veu no seu diário, como citamos no mentos relacionais que existiam, há
Teatro do Vestido, tem como ponto Juventude Inquieta. uma vontade de romper já com os
de partida A Cidade das Flores, de modelos, apesar de uma impossi-
Augusto Abelaira, para interpelar E por que decidiu levar agora à bilidade. As revoluções removem,
a memória de uma geração desen- cena A Cidade das Flores? revolvem, mas as estruturas de uma
cantada, sem esperança, de um É uma antiga e longa relação de sociedade demoram tempo a trans-
país em que a ditadura se eterni- amor (riso) e quando comecei a formar-se e ainda temos hoje muita
zava. Mas também as inquietações trabalhar sobre as questões da coisa que é herança desse tempo.
dos jovens de hoje ou questões memória, do fascismo, a partir de Claro que há questões, ruturas
presentes, como a ameaça de 2011, o livro começou a impor-se geracionais, mas independente-
movimentos fascizantes. Porque, como uma possível base de um es- mente disso, julgo que há um modo
diz a encenadora e atriz ao JL, petáculo. A emergência das novas de ser português que o romance
importa trabalhar e pensar ativa- formas de extrema-direita, movi- também retrata. Aqueles jovens são
mente sobre a memória: “Há que mentos fascizantes, potenciais fas- realmente bem portugueses no seu
perceber o que se fez no passado cismos, faz com que A Cidade das estar, numa sociedade cinzenta,
para que se possa ler o presente e Flores, apesar de ter já quase seis com dificuldades nos afetos.
o futuro.” décadas, seja um romance muito
Em palco estão, de resto, duas atual. Abelaira escreveu, num pos- E interessou-lhe falar sobre tudo
gerações de atores em diálogo. Do fácio a uma das edições, que tinha isso...
elenco fazem parte, entre ou- esperança que daí a 50 anos o livro Sobre tudo isso, sobre a juventude.
tros, David dos Santos, Francisco já não fosse necessário. No fundo, era um espetáculo que
Madureira, que também assina a estava a maturar há alguns anos e
música, Gustavo Vicente, Tânia Mas, afinal, é. Foi isso que sentiu? consegui aliciar os meus compa-
Guerreiro, Inês Rosado. Os conteú- Sem dúvida. As questões que abor- nheiros para embarcar nesta aven-
dos de imagem e vídeos são de João da parecem-me muito pertinentes. tura, até porque encontramos estes
Paulo Serafim. Paralelamente, também tem uma produtores, o Teatro D. Maria II e
Juventude Inquieta está em cena história de amor de que gostei o Teatro Viriato. E, com Juventude
na Sala Garrett do Teatro Nacional muito na altura em que o li pela pri- Inquieta, o Teatro do Vestido está
ESTELLE VALENTE

D. Maria II (TNDMII) até 31, e será meira vez. E penso que há no livro pela primeira vez na Sala Garrett,
apresentado depois, em novembro, uma dimensão muito interessante, em 20 anos da sua história.
no Teatro Viriato, em Viseu, uma que tem a ver precisamente com as
“segunda casa” da companhia, relações de intimidade e entre as Um momento especial?
que irá posteriormente rumar a pessoas. Para qualquer companhia. Já
sul, prosseguindo a sua Viagem a Joana Craveiro “O meu trabalho no teatro e a minha luta é para as pessoas tínhamos estado na Sala Estúdio,
Portugal, em Santiago do Cacém e poderem ter ferramentas para pensar o futuro” mas foi um desafio do Tiago
Odemira. Rodrigues, que achou que este
espetáculo devia ir para a Sala
Jornal de Letras: O que a motivou Garrett. Na verdade, também
teatralmente no romance de forças para, de alguma manei- o livro foi escrito, não se vislum- não procuramos salas com essa
Augusto Abelaira? ra, o combater, embora sejam brava como podia ser derrubada. A emergência das dimensão, porque o teatro que faço
Joana Craveiro: É um livro que me resistentes. Apenas um deles luta E Abelaira espelha esse desalento é mais intimista. Procuro uma re-
acompanha desde os 13 anos, altura e é preso. Eu não vivi o fascismo, de uma geração. novas formas de lação mais próxima com o público,
em que a minha mãe mo recomen- tudo isso tocou-me muito, mas extrema-direita, mas aceitei o convite e disse: va-
dou/obrigou… (riso) Pôs-mo nas não compreendi inteiramente O livro foi publicado em 1959. mos lá. Claro que nada veio até nós
mãos e disse que tinha de o ler, por- todo aquele desencanto e deses- Mas Abelaira acabou de o escrever movimentos por sorte ou acaso. Trabalhamos,
que era muito importante para a sua perança, sentimentos que são em fevereiro de 1957, quando ainda fascizantes, fomo-nos afirmando, ganhando
geração. Lembro-me que o li e depois verbalizados ao longo de toda a nem estavam no horizonte as elei- o nosso público, já fizemos teatro
partilhei com uma grande amiga que narrativa que, de resto, Abelaira ções a que se candidatou Humberto potenciais fascismos, em todos os lugares imagináveis
tinha na escola. Creio que não o tere- faz decorrer em Florença. Claro Delgado, que, configurou um faz com que A Cidade e ainda gostava de fazer em mais
mos percebido completamente. que, à luz das minhas pesquisas momento de esperança para um alguns… (riso)
posteriores, e como pessoa que movimento amplo e transversal
das Flores, apesar
Mas foi marcante? pensa ativamente a relação com os de resistência ao regime. Embora de ter já quase seis Por exemplo?
Há no romance um conjunto de acontecimentos históricos que se apanhasse a crise estudantil de Todos os dias vejo lugares onde gos-
jovens esmagados pelo fascismo, reportam ao período da nossa di- 1956/57, o MUD Juvenil – e outras
décadas, seja um tava de fazer teatro, normalmente
que não conseguem encontrar tadura, percebo agora que quando ações de resistência que foram romance muito atual espaços devolutos, a quem ninguém
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT ARTES 23
ENTREVISTA/CRÍTICA

liga nenhuma. Gosto de iluminar


com teatro os cantos e recantos
da cidade, mesmo de imaginar
um teatro dos lugares. O Teatro
do Vestido estreou-se na ZDB e
demorámos 20 anos a chegar à sala
principal de um teatro nacional, o
que é emblemático. Mas quando me
sentei na plateia, para os ensaios, o
que senti foi humildade e a minha
preocupação foi como fazer um
espetáculo capaz de interessar os
espectadores nesta viagem.

RECUPERAR A MEMÓRIA
Juventude Inquieta passa-se na
contemporaneidade.
Passa-se no presente, refletindo
sobre o passado. Em cena, aliás,
temos duas gerações de atores, na
casa dos 40, aqueles com quem o
Teatro do Vestido trabalha nor-
malmente, e os mais jovens, entre
os 21 e os 26 anos, para fazer o que
nós estamos demasiado velhos para
fazer (riso). É preciso uma recupe-
ração da memória, perceber o que
se fez no passado para ler o presente
e o futuro. Tem sido esse o meu tra-
balho no teatro e a minha luta, para
as pessoas, nomeadamente os mais
jovens com quem trabalho e a quem

FOTOS: FILIPE FERREIRA


leciono, poderem ter ferramentas
para pensar as suas novas causas,
as causas do agora. Abordamos
isso em cena, desde logo com o
diálogo entre os dois elencos. Aliás,
nenhum desses atores viveu os
Juventude Inquieta, texto e direção de Joana Craveiro a partir de Augusto Abelaira, no Teatro Nacional D. Maria II acontecimentos do romance, tudo o
que está em cena é pós-memória.

Abelaira vestido de hoje Assim, assistimos à criação de um


filme, operado em palco pelos criadores
do espetáculo, cujo guião é distribuí-
do ao público, partindo das cenas que
tomada de consciência de suas contra-
dições e limitações, falam para além das
deixas, questionam, aduzem a com-
ponente pessoal e o seu compromisso
Abelaira escreveu, acrescidas de profusas com o projeto, como agentes criativos,
“intromissões” da realidade: de palco, autónomos e responsáveis pela realidade
com as dificuldades inerentes à criação criada.

TEATRO
artística, de informações extra, tanto de
época, como as que a História produziu A Cidade das Flores é também a cidade
desde então até hoje, mas também da do amor, da educação pela arte, da
Helena Simões reflexão de causa em causa sobre o que é justiça, da fraternidade, uma utopia que
resistir, o que é ser livre, quanto tempo pode ressoar na sociedade pela prática
dura o amor. E o palimpsesto continua individual quotidiana na criação da
nas cenas de exteriores que são gravadas realidade. Este espetáculo é metáfora e
A Cidade das Flores (1959), primeiro na construção dos sentidos do objeto sobre imagens de Florença hoje, recolhi- prova disso.
romance de Augusto Abelaira (1926- teatral. das este verão por Joana Craveiro e João
2003), inspirou Joana Craveiro (1974) A Cidade das Flores, que se insere na Paulo Serafim, autor do vídeo, no encalço Juventude Inquieta, texto e direção Joana
e o coletivo do Teatro do Vestido segunda fase do movimento neorrealis- das personagens. Craveiro a partir de Augusto Abelaira;
(2001) para a sua nova criação teatral, ta português, é um romance que, para E porque a temática da memória cocriação e interpretação David dos
Juventude Inquieta, em cena no Teatro iludir a censura salazarista, decorre em pessoal e coletiva na sua relação com Santos, Estêvão Antunes, Francisco
Nacional D. Maria II, até ao fim do mês. Florença, na Itália de Benito Mussolini, a sociedade e a realidade é um dos Madureira, Gonçalo Martins, Gustavo
Como sempre, com o Teatro do Vestido nos anos 30 do século passado, com eixos das criações do Teatro do Vestido, Vicente, Inês Minor, Inês Rosado, João
assistimos a uma festa de celebração da personagens jovens, na casa dos 20, cujas assistimos também a uma revista, por Raposo Nunes, Sara Ferrada, Simon
expressão cénica, na exultante alegria histórias pessoais estão sujeitas ao fascis- vezes subtil, por vezes crispada, de uma Frankel, Tânia Guerreiro, Tozé Cunha,
de comunicação artística entre os mo em ascensão. Escrita em vários níveis multitude de marcas, da nossa história Violeta D'Ambrosio; música e espaço
fazedores e os espectadores. de discursividade, submete o discurso recente, da revolução dos cravos e de ou- sonoro Francisco Madureira; cenografia
Na passagem de 20 anos de contínua direto das personagens a diversas instân- tras diferentes revoluções (Brecht, Bella Carla Martinez; figurinos Tânia
produção artística, ideológica e estetica- cias de autorreflexividade, a estabelecer Ciao; Louise Michel, Capela do Rato, D. Guerreiro; conceção visual, realização e
mente consolidada, o Teatro do Vestido tensão entre realidade, a ficção e o sonho. António Ferreira Gomes, Diário de Miguel imagem João Paulo Serafim; assistência
mantém os pressupostos enunciados no Escrita complexa, mas livre e extre- Torga, Cadernos Dom Quixote e muito, e operação de câmara José Torrado;
manifesto da sua fundação, nomeada- mamente cinematográfica, que Joana muito mais). desenho de luz João Cachulo; desenho
mente na forma ética de fazer teatro, na Craveiro sabiamente transpôs para palco, Os jovens intérpretes de Fazio, de som Pedro Baptista, Sérgio Milhano
procura de novas linguagens dramatúrgi- numa dramaturgia igualmente comple- Soldati, Domenico, Rosabianca, Renatta, (PontoZurca); direção de produção
cas e de processos de trabalho específicos xa, livre, plural e original, a organizar Vianello (e, do outro lado, Briganti), Alaíde Costa; produção Teatro do Vestido;
para cada peça e a sua importância na de forma dinâmica as várias camadas a par da criação das personagens de coprodução Teatro Nacional D. Maria II,
construção do artefacto teatral, na atri- dos tempos passados e presentes, por Abelaira, em figurinos de época, a ex- Teatro Viriato.J
buição e partilha de um amplo espaço de intermédio de diferentes gerações de perienciarem a amizade, o amor, a luta
criação por todos os intervenientes, que intérpretes e diversas técnicas cénicas de política, a solidariedade, mas também Teatro Nacional D. Maria II, quarta a sábado às
inclui o público como participante ativo grande eficácia teatral. a inércia, o pessimismo, a descrença, a 19h, domingo às 16h. Até 31 de outubro.
24 ARTES ↗

ENTREVISTA/ESPETÁCULOS
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

O teatro pode contribuir para mos a quarta parede, dirige-se encenadora há muitos anos e, pode acontecer naquele lugar. Já
avivar a memória? a uma personagem e diz: “Não de facto, o meu trabalho é olhar, fizemos espetáculos no Minho,
Sim. Se as políticas da memória faz mal teres medo, eu também propor, corrigir, visualizar e com as Comédias, no centro do
fizessem parte do nosso modus tenho”. Tudo isso me interes- não é assim tão diferente do de país, em Alcanena, que foram
operandi de pensar o futuro, o sou muito na minha adaptação.
Tudo está montado um realizador, só que é necessá- muito interessantes. E agora
país seria diferente. Uma das Porque não se trata de uma para que nos ria a técnica, a prática especi- estou muito entusiasmada em
atrizes, por exemplo, é alenteja- versão do romance, mas de uma fica. Mas até já fiz um curso de relação ao Alentejo, um ter-
na, a avó e a mãe participaram tentativa de o pôr em cena, o
esqueçamos, a cinema documental este ano, ritório onde há muito queria
na Reforma Agrária, e fui eu, que retrato no texto que escrevi. sociedade demite-se para me preparar melhor para o trabalhar, mas a companhia
enquanto sua professora, que lhe que quero fazer. nunca teve meios. Já estive em
falei disso. Ela perguntou à mãe Essa dimensão cinematográfica
de transmitir a Santiago do Cacém, falei com
porque nunca lhe tinha dito e seria o ponto de partida memória e ter Depois de Juventude Inquieta, qual pessoas, visitei sítios, museus
teve como resposta que ela não dramatúrgico? um papel ativo, o projeto que se segue, no Teatro e há muitos pontos de parti-
lhe tinha perguntado. Na verda- A ideia que se desenhou no meu do Vestido? da. Ainda por cima com todas
de, tudo está montado para que espírito foi realmente fazer o filme por isso há várias Estamos a trabalhar no próximo as noticias que recentemente
nos esqueçamos, a sociedade de- do livro. E estamos a rodar em responsabilidades espetáculo de Viagem a Portugal, envolveram a região, há muitas
mite-se de transmitir a memória cena um filme que é A Cidade das que será em Santiago do Cacém questões passíveis de serem tra-
e ter um papel ativo. Assim, Flores. Esse foi o enredo que criei numa certa amnésia e em Odemira. Vamos rumar a balhadas. Por outro lado, estou
há várias responsabilidades, para sustentar tudo o que queria que vivemos sul. Nunca abordámos o Alentejo a escrever Porque é Infinito, a
educacionais, políticas, sociais, dizer. e estou muito feliz com essa pos- partir de Romeu e Julieta, para
na não transmissão, numa certa sibilidade. É um projeto em cola- o próximo espetáculo de Victor
amnésia em que vivemos. Gostaria de fazer mesmo um filme Se as políticas da boração com o Lavrar o Mar, da Hugo Pontes.
sobre o romance? Madalena Vitorino e do Giacomo
Como foi o trabalho de Gostava, sem dúvida. Talvez mes- memória fizessem Scalisi. E já comecei o trabalho de Quando irá estrear?
transposição de um romance para mo em Florença. Nós, eu e o João parte do nosso modus campo. Em dezembro, no Porto, no
a cena? Paulo Serafim, que fez os vídeos, Teatro Nacional S. João. Estou
Na verdade, o Teatro do Vestido fomos lá recolher imagens para o
operandi de pensar Tem sido estimulante essa ainda a escrever um outro
tem um longo historial de tra- espetáculo, visitei os lugares. o futuro, o país seria experiência? texto para um dos espetácu-
balho a partir de obras de vários A Viagem é uma espécie de los finais dos meus alunos do
autores, mas isso faz parte de Curiosamente, vai estrear em sala
diferente chapéu-de-chuva que alber- 3º ano da Escola Superior de
uma outra vida da companhia. o primeiro filme que realizou. ga espetáculos diferentes. O Artes e Design das Caldas da
Fala-se mais do nosso trabalho Sim, Elas Também Estiveram Lá que apresentámos este ano, Rainha, onde sou professora.
depois do Museu Vivo, mas aí já vai estar a concurso, no festi- no Festival de Almada, é uma Desta vez sobre feminismos,
levávamos dez anos de exis- val Olhares do Mediterrâneo, de súmula e pode rodar por várias para uma turma só de mulheres
tência. De facto, adoro partir cinema no feminino. E foi uma salas. Mas há aqueles que são e que espero estrear em sala em
de obras literárias. A questão experiência incrível: transformar te de sempre como legítimo particulares, de cada localida- janeiro. Depois, em março, vou
foi como pegar n’A Cidade das uma peça em filme, filmar em (riso). Há quem diga que o que de. É sempre muito estimulante, rumar aos Estados Unidos para
Flores. Gosto muito da própria tempo recorde, em pandemia, uma faço é muito cinematográfi- porque vamos para um sítio uma sabática de investigação.
estrutura narrativa, é um livro loucura. Mas foi lindo. co, mas sempre tive um certo em residência artística e com E trabalhar num documentário
quase cinematográfico, usa pudor de fazer cinema, porque as pessoas que conhecemos, a sobre alguns americanos que
muito o flashback, o narrador É o apontar a um outro caminho o que estudei foi teatro. Neste informação que recolhemos, apoiaram a revolução portu-
é omnipresente e a dada altura no seu percurso? caso, estive rodeada de pessoas construímos um espetáculo site guesa, que quero realizar no
quebra que no teatro chama- Estou a assumir o meu aman- que sabem fazer cinema. Sou specific, um percurso que só próximo ano. J

Outras gravidades às novas tecnologias digitais e à


manipulação de software de luz
e vídeo para palco, proporciona a
imersão do espectador em fluxos
de pontos, linhas e formas. Nesta

DANÇA
peça, a referência ao cisne, figura
emblemática do ballet clássico,
transmuta-se em fotões trémulos e
Daniel Tércio breves. Com efeito, tratando-se de
um projecto em formato mutável
(capaz de variar em cada apresen-
tação), a versão programada para o
No próximo dia 23 de outubro, uma verdadeira incubadora em teatro-cine de Torres Vedras evoca
no Cine-teatro de Torres artes performativas, versátil e momentos da morte do cisne,

PEDRO FIGUEIREDO
Vedras, a coreógrafa Né Barros atuante. imerso num espaço imaterial de luz
apresenta CO:LATERAL, uma Neste contexto, Né Barros tem e projeção.
peça produzida pelo Balleteatro uma longa e persistente carreira A outra peça de que aqui se
em que a luz impregna o corpo da na exploração da linguagem da dá notícia é IO, estreada no dia
intérprete Sónia Cunha em ritmos dança, trabalhando-a a partir dos Mundial da Música, 1 de outubro, e
digitais concebidos por João corpos, das suas imensas possibili- programada para ser apresentada Beatriz Valentim em IO Coreografia de Né Barros
Martinho Moura. dades de movimento, mas também a 4 de dezembro no âmbito do 20º
O Balleteatro – dirigido por Né combinando-a com linguagens de aniversário do festival Dans6T, em
Barros e por Isabel Barros - tem na outras disciplinas, como o teatro, Tarbes, França. Trata-se de um
História da dança contemporânea a música, as artes plásticas e o trabalho que nas palavras da co- Alberto Gomes), do dispositivo o que está abaixo. Este espaço, re-
em Portugal um lugar incontor- cinema, e finalmente ensaiando reógrafa se move entre “Paisagens, cénico (de Flávio Rodrigues e Né pleto de sons magnéticos, contém
nável, permanente e persistente, novas ferramentas. Para tanto, Máquinas e Animais”. O título Barros) e dos movimentos dos fluxos, capazes de perfurar arestas
não apenas como espaço de criação no processo criativo, Né Barros IO transporta-nos para uma das intérpretes Beatriz Valentim e e desvanecer formas. Nesta atmos-
e de miscigenação de linguagens, pode partir e combinar referências grandes luas de Júpiter, agenciando Bruno Senune. Da simbiose desses fera, o início da peça mostra como
mas também enquanto lugar de literárias, plásticas, científicas ou simultaneamente uma gravidade, elementos resulta uma experiência o simples ato de abrir os olhos ga-
formação. Desde 1983, data da sua filosóficas e colaborações de outros uma temperatura e um magnetis- que transporta o espetador para nha uma intensidade perturbante.
fundação, mas sobretudo após a criadores. mo não terrestres. Evidentemente outros mundos sem sair do mesmo. Então, todos os gestos dos corpos,
sua reestruturação nos anos 90, há As duas peças de que aqui se dão que, sendo a peça feita sob o efeito O extremo vulcanismo de IO, visto amplificados e dialogantes pelas
que reconhecer o impacto assina- notícia ilustram o trabalho explo- da nossa gravidade, o processo de pelos olhos dos criadores, reflete-se sonoridades permanentes (como
lável na formação dos artistas da ratório da coreógrafa. agenciamento resulta de artifí- num triângulo de arestas efémeras, permanente seria a presença tutelar
dança e da performance sobretudo CO:LATERAL é, conforme já foi cios gerados pela combinação de duplicado num reflexo que desafia de Júpiter), revelam-se zonas de
no norte do país. Trata-se pois de referido, uma proposta que, graças sonoridades (compostas por José a divisão entre o que está acima e intensidade.J
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT ARTES 25 ESPETÁCULOS

Próxima Cena
Pranto de Maria Parda tornou-se
assim “pretexto” para refletir sobre
questões do feminismo, do racismo
e “dos processos racistas que houve

Gil Vicente revisitado


no país, a escravatura, o colonialis-
mo, na perspetiva de perceber o que
resta na nossa cultura: sob a capa
do luso-tropicalismo, também se
continua a vender a imagem, o mito
do bom colonizador que precisa ser
muito trabalhado. Este espetáculo
O projeto Próxima Cena, do Teatro projeto de descentralização teatral, lança também pistas para uma re-
Nacional D. Maria II, (TNDMII) o Próxima Cena. E a questão era flexão sobre o caminho que fizemos
criado durante a direção artística agudamente pertinente, até porque ao longo destes 500 anos e se vamos
de Tiago Rodrigues, que pretende o encenador e ator está longe de ter continuar a sacrificar os mesmos,
levar o teatro ao interior do país e Gil Vicente entre as suas afinidades ou se queremos construir uma
a territórios de baixa densidade, teatrais. Confessa ter mesmo alguns cidade verdadeira e profundamente
começa com Pranto de Maria Parda, “anticorpos”, uma “resistência” que inclusiva.”
de Gil Vicente, com texto e encenação vem da adolescência, quando deu o Em palco, Cirila Bossuet, “uma
de Miguel Fragata, interpretação de autor na escola secundária. “Sempre atriz muito sólida, com uma grande
Cirila Bossuet e música de Capicua e o vi como um autor muito ligado ao força anímica, que foi uma escolha
do rapper Chullage, estreia amanhã, seu tempo e dificilmente transportá- com todo o sentido para esta perso-
21, na Sala Estúdio do D. Maria II. É vel para o presente, numa lógica de nagem e para pensar as questões que
uma revisitação contemporânea do universalidade”, diz ao JL. “E sabia se levantam”, segundo o encena-
texto vicentino, que traz as questões desde o início que precisava quebrar, dor, vai interpretar integralmente

FILIPE FERREIRA
do feminismo e do racismo ao palco, de alguma maneira, o espartilho que o monólogo, mas haverá um texto
em que o público é convidado a se podia impor ao pegar num texto paralelo que ilumina a relação com
assistir a um “ritual sacrificial, clássico.” o presente. Foi escrito pelo próprio
para dizer adeus a um ano mau e MF acabou, no entanto, por MF. Nesse sentido, convidou vários
libertarmo-nos do peso deste tempo “aceitar o desafio e catalisar o pre- Pranto de Maria Parda, a partir de Gil Vicente consultores para a equipa de criação,
que vivemos”, como adianta ao JL o conceito em relação ao texto a favor especialistas em Gil Vicente como
encenador. do espetáculo.” Atentou, desde José Camões, e ativistas, como
Que interesse pode ter levar hoje logo, na Lisboa contemporânea, Mamadou Ba. “Foram olhares e
à cena um monólogo com 500 anos, ainda antes da pandemia, “uma muito pertinente, mas entretanto tem de morrer para se poder entrar perspetivas muito importantes para
mesmo tratando-se de um texto cidade já muito alterada, desertifi- dá-se a pandemia e tudo ficou num ano bom e de abundância. E a escrita e para o pensamento do
‘fundador’ da dramaturgia portu- cada, com muita gente a ser expulsa ainda mais evidente. Porque, de interessou-me muito pensar porque espetáculo que serve a ideia de uma
guesa, da autoria do ‘pai’ do teatro do centro, com um turismo verda- facto, quando Gil Vicente escreveu Gil Vicente escolhe personificar o ponte teatral com 500 anos.”
português? Esta foi a pergunta que deiramente excessivo e destruidor” este monólogo, havia ainda peste ano mau numa mulher e também Até 5 de novembro no TNDMII,
desde logo surgiu no espírito de e encontrou um certo “paralelismo” e vivia-se o rescaldo de um ano porquê que a tradição, ao longo de a peça será depois apresentada em
Miguel Fragata (MF), quando o diretor com a Lisboa “devastada pela seca terrível, 1521”, sublinha MF. “Por muitos anos, foi imaginando que Tondela, Viana do Castelo, Ponte
do TNDMII, Tiago Rodrigues, há uns e pela fome” em que Maria Parda outro lado, percebi que Maria Parda Maria Parda seria uma mulher ra- de Lima, Vinhais, Ourém, Ponta
anos, o convidou a encenar Pranto de vagueia pelas ruas quase irreconhe- era uma espécie de figura sacrificial, cializada, embora nada o indicasse Delgada, nos Açores e Funchal
Maria Parda para inaugurar um novo cíveis. “Pareceu-me que isso era que personifica esse ano mau e que no texto de Gil Vicente.” (Madeira). J

Começar no Teatro Aberto vendê-lo e talvez possa passar na


RTP 2 ou talvez na Netflix. Logo se
verá”, salienta.
Um “gesto inovador”, como
aquele que o Teatro Aberto teve
Um espetáculo que terá um filme João Lourenço tem sempre dado quando em plena pandemia foi o
em paralelo, Começar, de David uma particular atenção às ima- primeiro a disponibilizar os seus es-
Eldrige, estreia hoje, 20, no Teatro gens, “uma mania desde a primeira petáculos online, como recorda ain-
Aberto, com interpretação de encenação”, utilizando slides, filmes da o encenador, com orgulho. Não
Cleia Almeida e Pedro Laginha. É Super-8, vídeos, ou mesmo um esconde, porém, alguma mágoa, não
uma encenação de João Lourenço, filme integrado no espetáculo, como em relação ao público que continua
que também assina a cenografia, em Noite Viva. Mas desta vez, leva o fiel, mas pelo facto de a companhia
a versão dramatúrgica e o guião, filme para fora da sala. ser prejudicada, acrescenta, “por
com Vera San Payo de Lemos, e a A ideia surgiu quando estava a sempre ter privilegiado as pessoas e
realização com Nuno Neves. Mais fazer a versão dramatúrgica e um não partidos” e agora possivelmente
um “gesto cultural novo e único”, outro final para a peça, com Vera também pela sua idade.
diz o encenador, agora a estrear-se San Payo de Lemos. “De repente, “Os nossos espetáculos destilam
como realizador, e, como sempre, a pensámos fazer um guião para um humanismo e não panfletos e são
FILIPE FIGUEIREDO

insistir no seu teatro “humanista”. filme, completamente diferente. So- inovadores, modernos, mas não nos
“Qual a minha idade”, pergunta, nhámos ”, adianta. “A peça começa ligam. Somos o ‘patinho feio’... Mas
súbito, João Lourenço. Era de fazer exatamente quando acaba uma vamos sempre para a frente. Porque
as contas: o ator e encenador nasceu festa, e o filme desenrola-se antes o que me importa é o público e o
em 1944. Mas antes que se puxasse e durante a festa e tem a ver com as teatro”, afirma. “Queríamos fazer
pela cabeça ou pela calculadora, ele Começar, de David Eldrige Pedro Laginha e Cleia Almeida, encenação de João Lourenço duas personagens, o passado delas, agora o Peter Handke, mas estamos
avançou: “A minha idade é a que as famílias, coisas que nem eram sem dinheiro e, por isso, escolhemos
aparentam as peças que faço”. A afloradas no texto da peça.” Começar. E como conseguimos um
idade do seu teatro está sempre entre O filme, de que apenas se usam apoio do Programa 20/20, iremos fazer
a longevidade do percurso e a juven- também faz a cenografia. “São dois um filme, ainda sem nome, e que dois curtos excertos, no início e no ópera em dezembro, a Mahagonny.”
tude da criatividade, é essa afinal a atores fantásticos, vale a pena encher está a ser rodado simultaneamente. fim do espetáculo, é, portanto, uma E será uma “versão nuclear” da
equação a fazer. o teatro só para os ver.” É que Come- “Um gesto novo”, diz ao JL. “Não espécie de prequela de Começar ou obra de Bertolt Brecht e Kurt Weil,
A prova real é Começar, a peça de çar, “uma comédia muito humana, sei se já foi feito algures no mundo, uma narrativa transmediática. Está para seis atores e 12 músicos, que irá
David Eldrige, que o Teatro Aberto trágica, tocante, sobre a solidão, o porque felizmente há muita gente a ser realizado em coautoria com o subir à cena do Teatro Aberto, não
estreia hoje, com Cleia Almeida e amor, uma sátira ao namoro moder- a fazer coisas novas e interessantes realizador Nuno Neves, sem apoios. a que, nos anos 80, João Lourenço
Pedro Laginha, que dão “um show, no, aos encontros nas redes”, é um em muitos sítios. E por que não as Conta com a participação de mais encenou no Teatro São Carlos – mas
uma masterclass de interpretação”, espetáculo teatral, que vai ficar na podemos fazer também? Não quero atores, e só estará concluído no de novo com o maestro João Paulo
como assevera o encenador, que Sala Azul até 14 de novembro, e será medalhas, mas acho que é único.” próximo ano. “Depois vamos tentar Santos. J
26 ARTES ↗

FILMES/ENTREVISTA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Fest, em Espinho gar um guião que tinha escrito.


O Monthy Python passou-lhe o
número de telefone e pediu que lhe
ligasse na semana seguinte. Assim o

Cinema, o making of fez, só que respondeu um atendedor


de chamadas com uma mensagem
divertida. Na dia seguinte, o mesmo.
Passada uma semana, duas, um mês,
dois meses, três meses Terry Gillian
continuou sem atender o telefone.
CINEMA Grisoni desistiu. Passados quatro
anos, recebeu um telefonema. Era
Manuel Halpern Gilliam: “Liguei para retribuir a sua
chamada”, disse-lhe.
Sempre com bastante humor,
Tony explicou que cada vez mais o
“A melhor versão dos argumentos uma programação de cinema, dedi- seu objetivo passa por não escrever. E
é sempre a segunda”. Quem o cada essencialmente a realizadores parte do plano é fazer estas confe-
diz é Irvine Welsh, experiente em início de carreira, e uma vertente rências em que fala sobre como era
escritor e argumentista, que foi profissional, feita de masterclasses, Irvine Welsh O autor de Trainspotting foi um dos convidados do Fest, em Espinho quando escrevia. Não é para levar
uma das ‘estrelas’ presentes no workshops, pitch fóruns e outras demasiado a sério. Esse não escrever
Fest, que decorreu na semana atividades. Essa segunda parte é, sem muitas vezes significa apenas usar as
passada em Espinho, com a sua dúvida, o elemento diferenciador e palavras de outros. Como na história
pronúncia escocesa serrada, perante mais apelativo do festival. tem voltado à música, fechando-se o isso, Welsh revela um ponto curioso: de refugiados, Neste Mundo, feita com
uma sala bem composta, com Isto não quer dizer que não se seu círculo criativo “Apesar de ter dinheiro de uma Michael Winterbottom, que fez com
muitos estudantes portugueses e estabeleçam pontos de contacto De Trainspotting, um filme de grande produtora, o Danny Boyd quis que andasse a percorrer o Paquistão
estrangeiros, bem-humorado e entre as duas vertentes do festival. baixo orçamento (para os padrões um orçamento baixo, para incentivar e o Afeganistão, pouco depois do 11
informal, o autor de Trainspotting A realizadora Isabel Coixet, um dos britânicos), feito por um realizador a criatividade”. de setembro a recolher depoimentos,
explicou. “Quando entrego uma grandes nomes do cinema espanhol pouco experiente (Danny Boyd con- Os textos de Welsh baseiam-se em para depois os utilizar da forma mais
primeira versão do argumento, há contemporâneo, esteve presente para tava com apenas um filme), recorda personagens fortes. O escritor revela próxima possível do original.
pessoas qualificadas que o leem, uma masterclass e, ao mesmo tempo, as aventuras numa produção verda- alguns dos seus métodos. De forma Os masterclasses do Fest vão
apontam falhas e dão sugestões fez-se a retrospetiva da sua obra (que deiramente independente, como na abrangente, tenta responder a estas além dos autores propriamente ditos.
válidas. Corrijo e fica melhor”. E inclui filmes como A Livraria e A Vida marcante banda sonora: “O Iggy Pop três perguntas: “Por onde param? Há convidados de categorias mais
continua: “Depois disso o argumento Secreta das Palavras), com direito leu o meu livro, gostou de se ver lá Como quem se deitam? O que gostam técnicas, nomes desconhecidos do
passa por muitas outras mãos, que a uma extensão na Culturgest, em citado e tornámo-nos amigos, pelo de fazer?” E, por exemplo, dentro espectador comum, mas que são ta-
na verdade não têm nada a dizer, Lisboa. que cedeu gratuitamente os direitos desta última questão, entra toda a lentos essenciais para muitos filmes.
mas que dizem qualquer coisa para Mas voltando a Welsh, que brilhou de Lust for Life”. Quase tudo o resto cultura pop que caracteriza a sua Este ano, o Fest trouxe Eddy Joseph,
justificar a sua existência”. E assim pela sua simplicidade e coloquialida- foi feito por bandas emergente da obra. Welsh faz as listas de músicas, engenheiro de som de blockbusters
confessa: “Quando me pedem de… O escocês contou-nos um pouco região da Edimburgo. filmes e série de TV preferidas de como Batman (1989) e Casino Royale,
a última versão do argumento, do seu percurso circular. Começou Trainspotting foi um sucesso cada personagem. E explora esses sempre muito atento e interventivo
que é para aí a oitava, entrego pela música, da música partiu para irrepetível que se mantém nas listas mundos para se inspirar para a nos painéis. E também Duncan Rus-
simplesmente a 2.ª, substituindo o a escrita de contos e dos contos para dos filmes britânicos mais vistos. A escrita. sel, um dos mais requisitados coloris-
dois pelo oito, E garanto-vos que o primeiro romance, Trainspotting. partir daí, Welsh tem-se dividido em Outro grande nome presente foi tas. Duncan explicou a especificidade
ninguém dá por nada”. Depois de Trainspotting ter sido vários projetos de cinema e de televi- Tony Grisoni, reputado argumentista, da sua função e mostra a sensibili-
É destas histórias que se faz o Fest. adaptado com imenso sucesso ao ci- são, alguns com apreciável público, habituado a trabalhar com o Month dade de quem associa as tonalidades
O festival de cinema jovem não vol- nema por Danny Boyd, foi desafiado enquanto se mantém a escrever livros Python Terry Gilliam. Logo a pro- aos sentimentos. O Fest lembra-nos
tou às salas cheias da pré-pandemia, a escrever outros guiões para cinema, (a maior parte deles não editados em pósito disso conta o mais hilariante que o cinema é, por excelência, uma
mas deu sinais notáveis de recupe- coisa que tem feito amiúde, sem nun- Portugal). Mas nem o Trainspotting 2, encontro. arte coletiva e convida-nos a entrar
ração de público, com as salas bem ca deixar de escrever os seus próprios baseado no seu livro Porno, conse- Grisoni conheceu Gilliam numa nos bastidores do seu universo, onde
compostas O Fest tem duas vertentes: romances. Mas agora, aos poucos, guiu atingir tal popularidade. Sobre festa e aproveitou para lhe entre- todos os trabalhos são importantes.J

, de Artur Ribeiro Terra Nova


drone, o mar estava bravo, o próprio
drone naufragou. Quando olhei para
a cara dos atores todos, pensei: vou
ter filme. Nós estávamos a reviver

Um mergulho no mar de Santareno as circunstâncias (com as devidas


distâncias) dos protagonistas.. E
isso foi essencial. Temos algumas
cenas feitas em estúdio, mas o mais
importante foi a veracidade que
A ideia de adaptar O Lugre ao JL: Porquê o Bernardo Santareno? Foi fiel aos diálogos da peça? trouxemos para a história por estar-
cinema foi de Nicolau Breyner. Artur Ribeiro: Era um projeto do Não os transcrevi fielmente, mas mos no mar.
O ator e realizador deu a Artur Nicolau Breyner (NB), que me pediu quis manter o colorido. Alguns
Ribeiro o trabalho de escrever um um guião. Na altura eu nem sabia o dos diálogos mais genuínos para a Não enjoaram?
guião de cinema a partir da peça que era um lugre. Depois mergulhei época, naquele contexto, tornam-se Havia dias difíceis, mas rapidamente
de Bernardo Santareno. O guião em todo o universo dos bacalhoeiros ininteligíveis hoje. Queremos que haja nos habituamos.
foi escrito mas Nicolau faleceu e no trabalho de Santareno. E nesse autenticidade, mas que se possa per-
entretanto, sem ter tempo para o tecido todo escrevi o guião. O NB ceber. Há muitos diálogos retirados da Alguma vez pensou como o Nicolau
realizar. Desafiado pela produtora, morreu quando se estava na fase de peça, outros na continuação… Além Breyner realizaria o filme?
o guionista e realizador de televisão financiar o filme. A produtora, a Ana da escrita há o que os atores trouxe- Pensei que ele nunca iria filmar
arregaçou as mangas e dedicou-se Costa, propôs-me realizar… e avan- ram. Os atores encontraram a voz da para a Noruega, porque odiava o
à obra. O resultado é Terra Nova, o çámos. A partir daí apoderei-me do personagem. frio. Se quisesse ir para alto mar,
seu primeiro filme, filmado num filme e procurei o que me entusias- iria para Cabo Verde ou coisa assim.
lugre, a norte da Noruega, com um mava. Não queria fazer um docu- As peças de teatro são funcionais, a Mas de resto eu e o Nicolau nunca
elenco de luxo, de que fazem parte mentário. Isto não é um filme sobre pensar num palco, como foi levá-la tivemos nenhuma conversa sobre a
Miguel Borges, Virgílio Castelo e a pesca do bacalhau, mas antes sobre para o cinema? realização. Nem tenho a certeza se
Vítor Norte. O filme teve estreia os limites extremos que estes homens Foi o mais simples e mais complexo. ele quereria ficar em estúdio ou no
marcada para março de 2020, mas a passavam para um sustento de vida, Fomos filmar para um antigo lugre mar. A única coisa que sei é que ele
pandemia acabou por adiá-lo para num ambiente claustrofóbico, apesar durante três semanas a norte do cír- valorizava muito os atores, e a esse
agora. Amanhã, 21, chega final- de um mar imenso. O mar acaba por Artur Ribeiro culo polar ártico. Logo no primeiro nível ele deveria ficar contente com
mente às salas portuguesas. ser uma das personagens do filme. dia, era para fazer uma cena com um o resultado.J M.H.
Agenda Cultural
20 de outubro a 2 de novembro 2021

Ariodante
Teatro Nacional de São Carlos acolhe o meio-soprano Cecilia Molinari, na estreia da obra de G. F. Händel

ALMADA E Nove Séculos de Amoedação


Portuguesa. A Doação de Luís
Theatro Circo
Av. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800
E Mostra Espanha: Núria Vidal
até final de janeiro 2022
Teatro Municipal Joaquim Benite Filipe Thomaz - Primeira Parte T Hamlet E Coleção José Lima
até dezembro de 2021 De William Shakespeare. Encenação de até 6 de fevereiro 2022
Av. Prof. Egas Moniz. Tel.: 212 739 360
E Moda Feminina no Século XX Alexej Schipenko. Interpretação de Carlos Feio,
T Um Gajo Nunca Mais é A Mesma Coisa
23 de outubro a 16 de janeiro 2022 André Laires, Rogério Boane, entre outros. Museu Condes de Castro Guimarães
Texto e encenação de Rodrigo Francisco.
até 21 de outubro – 21h30 Parque Marechal Carmona. Tel.: 214 815 303
5ª A S ÁB ., ÀS 21 H ; 4 ª E D OM ., ÀS 16 H
M Manuel de Oliveira: Entre-Lugar E Acqua in Bocca – Vidros de
até 31 de outubro
T Ilse, a Menina Andarilha
AVEIRO 22 de outubro – 21h30 Murano na Coleção do MCCG
Direcção de Isabel Craveiro. Interpretação de M St. James Park e até 27 de fevereiro 2022
Teatro Aveirense Cláudia Guerreiro: Häxan
João Santos, Margarida Sousa e Sofia Coelho.
R. Belém do Pará. Tel.: 234 400 920 23 de outubro – 21h30
23 de outubro – 16h
24 de outubro - 11
E 140 Anos Teatro Aveirense M Semibreve 2021: Zeena COIMBRA
até 30 de março 2022 Parkins + André Gonçalves
T Verdi Que Te Quero Verdi
M Rita Vian 29 de outubro – 21h30
Convento São Francisco
Espetáculo para a infância. Encenação de
21 de outubro – 22h Av. da Guarda Inglesa 3. Tel.: 239 857 190
Teresa Gafeira. Intérpretes de João Maionde, M Semibreve 2021: Klara
M A Fog Machine e Outros M 19ª Edição do Festival
João Farraia, Pedro Walter e Vera Santana. Lewis + Nik Void + Pedro Maia
30 de outubro – 16h Poemas para o teu Regresso 29 de outubro – 22h50
Jazz ao Centro - Encontros
31 de outubro – 11h Direcção e interpretação musical de Nuno
M Semibreve 2021: Rafael Toral Internacionais de Jazz de Coimbra
Aroso. Encenação e interpretação de João Reis. Programação em www.jazzaocentroclube.pt.
30 de outubro – 21h30
22 de outubro – 21h30 21 a 30 de outubro
AMARANTE MD PSS PSS
M Semibreve 2021: Laurel
Halo + Oliver Coates T O Riso dos Necrófagos
24 de outubro – 19h Direção de Zia Soares. Produção Teatro GRIOT.
30 de outubro – 22h50
Museu Mun. Amadeo de Souza-Cardoso T À Boca de Cena 22 de outubro – 21h30
Al. Teixeira de Pascoaes. Tel.: 255 420 282 M Semibreve 2021: Rabih Beaini +
Com Raquel S. M Bebés com Asas: Naturalmente Ligados
3ª A D OM ., 10 H ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 18 H 25 de outubro – 21h30
Angélica Salvi + Eleonor Picas
Concerto pela Academia de Música de Coimbra.
E Amadeo, Entretecem-se as Gerações... 30 de outubro – 21h30
T 1/2 Kg de Carne 23 de outubro – 10h
até 31 de dezembro Encenação de Rafaela Santos. M Semibreve 2021: Supersilent
M A Fog Machine e Outros
30 de outubro – 21h30 30 de outubro – 22h50
Poemas Para o Teu Regresso
ANGRA DO HEROÍSMO T Do Bosque para o Mundo Direcção e interpretação musical de Nuno
31 de outubro – 11h e 16h CALDAS DA RAINHA Aroso. Encenação e interpretação de João Reis.
Carmina Galeria de Arte 28 de outubro – 19h
Outeiro do Galhardo, 13A, Ladeira Grande. BRAGA Centro Cultural e Congressos M D.A.M.A Tour acústica
E Re_act Contemporary 2021: I Have R. Dr. Leonel Sotto Mayor. Tel.: 262 094 081 29 de outubro - 21h30
Been in Love for 8 Million Years Museu de Arq. D. Diogo de Sousa E World Press Cartoon 2021 T Killology
até 8 de janeiro 2022 R. dos Bombeiros Voluntários. Tel.: 253 273 706 até 17 de outubro De Gary Owen. Encenação de Gonçalo
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 17 H 30 M Impulso: Luís Severo + Carvalho. Interpretação de Romeu Vala,
Museu de Angra do Heroísmo E Encontros da Imagem 2021: Génesis 2.1 Sunflowers + Unsafe Space Garden Diogo Mesquita, Luís Lobão.
Ladeira de São Francisco. Tel.: 295 240 800 Mostra de trabalhos fotográficos 21 de outubro – 21h30 30 de outubro – 18h
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 17 H 30 de Lara Jacinto e Fábio Cunha. M CnJ’21: Nik Bärtsch
E Cavalos de Ferro. até 31 de outubro 29 de outubro – 21h30 Museu Nacional de Machado de Castro
Histórias Breves do Automóvel E Coleção Bühler-Brockhaus Lg. Dr. José Rodrigues. Tel.: 239 853 070
M CnJ’21: Carlos Bica,
até 31 de outubro a partir de 22 de outubro 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 17 H 30
Daniel Erdmann e DJ Illvibe
E Tetos Pintados. Os Fragmentos do Céu
30 de outubro – 21h30
até 31 de outubro
Museu José Malhoa
Parque D. Carlos I. Tel.: 262 831 984 C O N D E I X A -A-N O V A
E Casulos. José Malhoa,
Dado e Carolein Smit Museu Monográfico de
até 9 de janeiro 2022 Conímbriga - Museu Nacional
Conimbriga. Tel.: 239 941 177
2ª D OM ., 10 H 18 H
CASCAIS A DAS

E Palmira, a Rainha do Deserto


ÀS

até 27 de novembro
Casa das Histórias Paula Rego
Av. da República, 300. Tel.: 214 826 970
T ODOS OS D IAS , DAS 10 H ÀS 13 H E DAS 14 H ÀS 18 H ESTÓI
E Coleção de Arte Britânica do CAM
até 30 de janeiro 2022 Ruínas Romanas de Milreu
Tel.: 289 997 823
Centro Cultural de Cascais P PA´mim, PA´ti... Património
Av. Rei Humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900 Oficinas temáticas, dando enfoque especial
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H à inclusão de grupos por vezes esquecidos
E João Abel Manta, (com deficiência visual ou auditiva) e
A Máquina de Imagens públicos diversificados, proporcionando
Ilse, a Menina Andarilha até 16 de janeiro 2022 novos olhares sobre o património de Milreu.
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Com Fátima Cardoso, Paulo Viegas, Centro Internacional M Rita Onofre Beatriz Bagulho e Madalena Castro.
Humberto Veríssimo e Patrícia Dores. das Artes José de Guimarães 24 de outubro – 21h30 4ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H E DAS 14 H 30 ÀS 18 H
A RQUEÓLOGO POR UM D IA ! – DIRECIONADA
Av. Conde Margaride, 175. Tel.: 253 424 715 T 26º ACASO: Anjo, Henry Neylor até 4 de dezembro
A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 17 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 11 H ÀS 18 H Encenação de Ángel Fragua. E At Play: Arquitetura & Jogo
20 de outubro - 14h MD TERRA - Música e Cinema do Mundo 29 de outubro – 21h30 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
V ISITA SENSORIAL “S ENTIR M ILREU ” – até 30 de janeiro 2022
Programação em www.ciajg.pt. T Cabaz de Histórias do Arco da Velha
DIRECIONADA A PÚBLICO INVISUAL
até 31 de outubro 31 de outubro – 16h E Fragmentos Arqueológicos da
23 de outubro - 10h30
E Ficcionar o Museu Arquitetura Portuguesa 1987–2006
C Gregos e Bárbaros, 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
até 12 de fevereiro 2022
uma Relação Intercultura l LISBOA até 30 de janeiro 2022
Por Dámaris R. Gonzáles (Univ. de Córdoba). T Sobre Lembrar e
22 de outubro - 17h30 GUARDA Biblioteca Nacional de Portugal Esquecer III: A Estação de Outono
Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000 Cláudia Gaiolas e Paula Diogo em diálogo
ÉVORA Teatro Municipal da Guarda
R. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240
E 100 Anos Nadir com Alexander Kelly e Chris Thorpe.
até 30 de outubro 28 e 29 de outubro -19h
A Bruxa Teatro M Tagua Tagua E João da Rocha: um Escritor a Descobrir M Glenn Miller Orchestra
Espaço Celeiros R. Eborim. Tel.: 266 747 047 20 de outubro – 21h30 até 17 de dezembro 27 e 28 de outubro – 21h
T Évora Teatro Fest: O Triciclo T Minimu E Seara Nova, Editora de Livros D Segunda 2
Texto de Fernando Arrabal. Encenação Texto e direção de Fernando Mota. Co-criação até 31 de dezembro Produção Companhia Paulo Ribeiro.
e Tradução de Ivo Alexandre. Interpretação e Interpretação de Ana Sofia Paiva, Fernando E Um Arquivo, Doze Documentos 29 e 30 de outubro – 21h
de Anabela Faustino, João Reixa, Marques Mota, Gueladjo Sané e José Grossinho. até abril 2022 C Conversas com História
D’Arede, Alheli Guerrero e Ivo Alexandre. 23 de outubro – 16h Raquel Varela entrevista Maria Manuel Mota.
C Cultura Luso-Árabe e Luso-Islâmica
21 de outubro – 21h30 M Hodiernus Ensemble Colóquio organizado pela Univ. Lusófona em 30 de outubro – 17h
T Évora Teatro Fest: 27 de outubro – 21h30 homenagem a Al-Mu’tamid e Adalberto Alves.
A Coragem da Minha Mãe T Morte de um Caixeiro Viajante 21 de outubro Cordoaria Nacional
Texto de George Tabori. Interpretação de De Arthur Miller. Encenação de Jorge C Jorge Borges de Macedo - Av. da Índia. Tel.: 213 637 635
Pedro Carraca, Antónia Terrinha, Hélder Braz. Silva Melo. Interpretação de Américo Silva, E Ai Weiwei – Rapture
Caminhos da Historiografia I
23 de outubro – 21h30 Joana Bárcia, André Loubet, entre outros. até 28 de novembro
Seminário organizado pelo Centro de História
30 de outubro – 21h30
da Faculdade de Letras da Univ. de Lisboa.
Culturgest
FARO 27 de outubro
LEIRIA E A Bibliotheca Iluminada
R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
E O Pequeno Mundo.
Teatro das Figuras Produção e circulação da Bíblia em Portugal.
Horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100 Teatro José Lúcio da Silva Itinerários dos manuscritos iluminados românicos. A partir da Coleção da CGD
Av. Heróis de Angola. Tel.: 244 834 117 28 de outubro a 22 de janeiro 2022 Curadoria: Sérgio Mah.
T País das Canções de Embalar
Artista convidado: Gonçalo Barreiros.
Criação: Projeto Ariadne. Texto de T Aurora Negra C Memória e Pós-Memória da 3ª A DOM., DAS 12H ÀS 19H; SÁB. E SOM., DAS 11H ÀS 18H
Daniela Silva e Vânia Geraz. Interpretação De Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema. Guerra de Angola em Duas Escritoras até 31 de dezembro
de Carlos Sério, Daniela Silva e Vânia Geraz. 22 de outubro – 21h30 Cubanas: Karla Suarez e Wendy Guerra E Samson Kambalu: Fracture Empire
21 de outubro – 21h30 T Commedia a La Carte: Mais do Mesmo Conferência por Raquel Ribeiro (University of até 6 de fevereiro 2022
M Zé Eduardo & Baby Jazz 27 a 29 de outubro – 21h30 Edinburgh), integrada no V Ciclo Literatura
A DOCLISBOA. 19º Festival Interna-
22 de outubro – 21h30 T Mr. Abelho Freak Show Escrita por Mulheres 2020/2021. Organização
cional de Cinema
M Flauta Mágica Vista da Lua 31 de outubro – 21h30 de Isabel Araújo Branco (CHAM NOVA).
Programa completo em doclisboa.org.
Texto e encenação de Mário João Alves. 28 de outubro – 18h
21 a 31 de outubro
Interpretação de Gabriel Neves, Paulina Teatro Miguel Franco
Machado, Mário João Alves, João Tiago Magalhães. R. Dr. Correia Mateus. Tel.: 244 839 680 Carpintarias de São Lázaro Fundação Arpad Szènes - Vieira da Silva
24 de outubro – 11h30 T 26º ACASO: Recital Burlesco R. de São Lázaro, 72. Tel.: 213 815 891 Pç. das Amoreiras, 56. Tel: 213 880 044
M Carmen de Poesia Erótica e Satírica E Imago Lisboa Photo 4 ª A DOM . DAS 10 H ÀS 18 H ; ENCERRA 2 ª , 3 ª E FERIADOS
De Bizet. Produção Ópera 2001. Festival: Family In Transition
Conceção e encenação de Filipe E Pedro Calapez: Perto da Margem
27 de outubro – 21h Crawford. Coreografia de Ísis Melo. até 31 de outubro até 16 de janeiro 2022
M Rollover Beethoven 21 de outubro – 21h30 E Viera da Silva & Arpad
Conceção, interpretação e vídeo de T 26º ACASO: Primeiro Amor Centro Cultural de Belém Azenes na Colecção Ilídio Pinho
Pedro Moura. Produção Trupe dos Bichos. Monólogo de Samuel Beckett. Direção de Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 até 16 de janeiro 2022
31 de outubro – 10h30 Rui M. Silva. Interpretação de Pedro Diogo. E Do Outro Lado da Toca E Kaissa
23 de outubro – 21h30 Instalação imersiva de Alice Albergaria Borges, Exposição de fotografia de Anne Lefebvre.
GUIMARÃES até 22 de janeiro 2022

Centro Cultural Vila Flor Fundação Calouste Gulbenkian


Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424700 Av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 3880 044
E BIG 2021 Bienal de 2ª, 4ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
Ilustração de Guimarães E Visões de Dante.
até 31 de outubro O Inferno Segundo Botticelli
T Pillowman - O Homem Almofada até 29 de novembro
Produção TERB - Teatro de Ensaio Raul Brandão. E Hergé
22 de outubro – 19h30 2ª, 4ª, 5ª, SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 18H; 2ª, DAS 10H ÀS 21H
T A Promessa até 10 de janeiro 2022
Produção ARCAP - Academia E Fernão Cruz. Morder o Pó
Recreativa e Cultural Amigos de Ponte. até 17 de janeiro 2022
23 de outubro – 16h E Coleção de Arte Britânica do CAM
T Voltamos até 30 de janeiro 2022
Produção Convívio e Teatro Experimental. E O Poder da Palavra III:
23 de outubro – 19h30 Mulheres: Navegando
T Vida Dupla Entre a Presença e a Ausência
Produção Grupo de Teatro Amador de Campelos. até 31 de março 2022
24 de outubro – 16h M Sinfonia n.º 4 de Bruckner
M Glockenwise Interpretação da Orquestra Gulbenkian,
29 de outubro – 22h sob a direcção do maestro Andris Poga.
M Alice Phoebe Lou 21 de outubro – 20h
30 de outubro – 19h30 Ruínas Romanas de Milreu 22 de outubro – 19h
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

M Metamorfoses T Paisagens Sem História I: Uma Conversa


Com a Orquestra Gulbenkian, sob a direção Comemoração do centenário de Maria Judite
de Lorenzo Viotti, e Lisa Batiashvili (violino). de Carvalho. Direção de Cristina Carvalhal.
Obras de R. Strauss e D. Chostakovitch. 30 de outubro – 16h
28 de outubro – 20h T Recuperar o Corpo: Julieta
29 de outubro – 19h Bebe uma Cerveja no Inferno (2018)
De Tiago Vieira. Direção de Miguel Bonneville.
MAAT - Museu de Arte, 30 e 31 de outubro – 19h30
Arquitetura e Tecnologia M Concerto de Homenagem
Av. Brasília, Central Tejo a Christopher Bochmann
4ª A 2 ªDAS 11H H ÀS 19 H Interpretação da Orquestra Sinfónica Juvenil,
E Dia. Carsten Höller sob a direção de Christopher Bochmann.
até 28 de fevereiro 2022 Obras de L. Cherubini, A. Webern,
E Ensaio Para Uma Comunidade. C. Caires, C. Marecos, entre outros.
Retrato de uma Coleção em 31 de outubro – 17h30
Construção (take 1)
até 7 de março 2022 Teatro Aberto
E Contadores de Histórias Pranto de Maria Parda Pç. de Espanha. Tel.: 213 880 079
até 7 de março 2022 T Começar
E Seres Vulneráveis: De David Eldridge. Encenação
Museu de Lisboa – Sto. António E Obra Convidada: Infanta Isabel
Assembleia I – Tuning In de João Lourenço. Interpretação
Lg. de Sto. António da Sé, 22. Tel.: 218 860 447 Clara Eugénia com Magdalena Ruiz
Assembleias públicas sobre de Cleia Almeida e Pedro Laginha.
3ª A D OMª , DAS 10 H ÀS 18 H Obra de Alonso Sánchez Coello pertencente
o espaço e o tempo das epidemias. 4ª E 5ª, ÀS 19 H , 6 ª E S ÁB ., ÀS 21 H 30; D OM ., ÀS 16 H
E Mostra de Fotografia de Alfredo Cunha ao Museo Nacional del Prado, Madrid. 21 de outubro a 14 de novembro
29 a 31 de outubro 28 de outubro a 23 de janeiro 2022 até 2 de janeiro 2022
E Seres Vulneráveis: E Estudo, Conservação e Restauro dos
Assembleia II – Sounding Out Teatro Camões
Museu de Lisboa - Palácio Pimenta “Painéis de São Vicente” 2020/2022 Parque das Nações. Tel.: 218 923 470
Assembleias públicas sobre Campo Grande 245. Tel.: 217 513 200 até 18 de maio 2022 E Acqua Alta – Crossing the Mirror
o espaço e o tempo das epidemias. 3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 18 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H
E Boba Kana Muthu Wzela: Exposição de Adrien M & Claire B,
26 a 28 de novembro E Em Meu Sorriso a Minha Entrega Aqui é Proibido Falar! integrada na programação do FIMFA Lx21.
Um Busto de Amália por Joaquim Valente Exposição de fotografia de JRicardo Rodrigues. 5ª A D OM ., DAS 14 H ÀS 19 H . E M DIAS DE ESPETÁCULO ,
Maria Matos Teatro Municipal até 31 de outubro ATÉ MEIA HORA APÓS O FINAL DO MESMO .
20 de outubro a 9 de janeiro 2022
Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Tel.: 218 438 800 E Hortas de Lisboa. até 31 de outubro
M Cassete Pirata Da Idade Média ao Século XXI Museu Nacional de Etnologia
20 de outubro – 21h até 12 de dezembro Teatro Nacional de São Carlos
Av. Ilha da Madeira. Tel.: 213 041 160
M The Happy Mess 3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H R. Serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000
25 de outubro – 21h Museu de Lisboa - Teatro Romano E Lugares Encantados, M Ariodante HWV 33
M The Lemon Lovers R. de São Mamede, 3A. Tel.: 218 172 450 Espaços de Património De G. F. Händel. Libreto anónimo segundo
26 de outubro – 21h E Neste Teatro sê Romano! Ginevra, principessa di Scozia de Antonio
até 19 de dezembro
M STCKMAN Instalação artística de Madalena Martins. Salvi. Versão semi-encenada. Direção Musical
27 de outubro – 21h até 31 de outubro Museu Nacional dos Coches de Antonio Florio. Encenação de Mario
M Criatura & Coro dos Anjos E O Museu Antes de o Ser Av. da Índia, 136. Tel: 210 732 319 Pontiggia. Interpretação de Cecilia Molinari,
1 de novembro – 21h 22 de outubro a 13 de março 2022 3ª, DAS 14 H ÀS 18 H ; 4 ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H Ana Quintans, Yury Minenko, Sreten
M Neon Soho apresentam Proof of Love E Dante Plus 700 Manojlovic, João Rodrigues, entre outros.
2 de novembro – 21h Museu do Oriente até 31 de dezembro Com Orquestra Sinfónica Portuguesa.
Av. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 200 2 e 4 de novembro – 20h
MNAC - Museu do Chiado E A Ópera Chinesa Palácio Nacional da Ajuda M Recital de Canto e Piano
R. Serpa Pinto, 4. Tel: 213 432 148 até 30 de novembro Lg. da Ajuda. Tel.: 213 620 264 Interpretação de Cristiana Oliveira,
3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H E Exposição de Fotografia de Ana Abrão DIAS ÚTEIS, DAS 10H ÀS 18H; Luís Gomes e Joana David.
E A Brasileira do Chiado. até 30 de janeiro 2022 SÁB. E DOM., 10H ÀS 18H; ENCERRA À 5ª Obras de G. Verdi, G. Puccini,
Café Museu 1925-1971 M Trio Jakob E D. Maria II. De Princesa G. Bizet, J. Massenet e A. Keil.
até 24 de outubro Obras de J. Haydn, J. Brahms. Brasileira a Rainha de Portugal 25 de outubro – 20h
E O Caminho para a 21 de outubro – 19h até 31 de outubro
Luz porque Passa pela Luz E DocLisboa2021: Teatro Nacional D. Maria II
até 14 de novembro S. Luiz – Teatro Municipal Pç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800
Ulrike Ottinger. Livros de Imagens R. António Maria Cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650
E O Artista do Momento: 21 de outubro a 14 de novembro
E Ground Truth
T Eu Sou Clarice De Forensic Architecture e Activestills.
o Homem do Paleolítico A DocLisboa2021: Ulrike Ottinger Texto e encenação de Rita Calçada até 31 de outubro
Exposição de Luís Afonso. 24 de outubro – 10h30
Bastos. Interpretação de Carla Maciel. T Juventude Inquieta
até 25 de novembro 31 de outubro – 15h 2ª A S ÁB ., ÀS 19 H 30; D OM ., ÀS 16 H Texto e direção de Joana Craveiro, a partir
E Olhares Modernos. O Retrato em até 24 de outubro de Augusto Abelaira. Cocriação e interpretação
Pintura, Escultura, Desenho (1910-1950) D Meio no Meio David dos Santos, Estêvão Antunes, Francisco
até 31 de dezembro Museu Nacional de Arqueologia Direção de Victor Hugo Pontes. Texto de Madureira, Gonçalo Martins, entre outros.
E Imago 2021: Joakim Eskildsen Pç. do Império. Tel.: 213 620 000 Joana Craveiro. Interpretação de Alegria 4ª A S ÁB ., ÀS 19 H ; D OM ., ÁS 16 H
até 2 de janeiro 2022 E Diálogos a Propósito da Gomes, Benedito José, Dúnia Semedo, João até 31 de outubro
Exposição Internacional Pataco, Leopoldina Félix, entre outros. T Pranto de Maria Parda
Museu Colecção Berardo Ídolos. Olhares Milenares 22 e 23 de outubro - 20h Texto e encenação de Miguel Fragata, a partir
CCB. Pç. do Império. Tel.: 213 612 878 até 30 de outubro 24 de outubro - 17h30 de Gil Vicente. Interpretação de Cirila Bossuet.
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 19 H E Clamor da Maré Cheia T Paisagens Sem História I: Mariana 4ª A S ÁB ., ÀS 19 H 30; D OM ., ÀS 16 H 30
E Matéria Luminal Instalação de Cristina Rodrigues. Comemoração do centenário de Maria Judite 21 de outubro a 5 de novembro
até 9 de janeiro 2022 até 31 de outubro de Carvalho. Direção de Cristina Carvalhal. T École des Maîtres - Leituras Encenadas
E André Gomes e Pedro Calapez. 23 de outubro – 16h Textos de Adèle Gascuel, Brune Bazin,
Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa T Paisagens Sem História I: Água Parada Cécile Hupin, entre outros. Encenadoras
até 2 de janeiro 2022 Museu Nacional de Arte Antiga Comemoração do centenário de Maria Judite convidadas: Paula Diogo, Sara de Castro.
R. das Janelas Verdes. 213 912 800 de Carvalho. Direção de Cristina Carvalhal. 23 e 24 de outubro
Museu de Arte Popular 3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H 26 de outubro – 19h T Diário da Peste
Av. Brasilia. Tel.: 213 011 282 E Joaquim Carneiro da Silva M 100 Músicos para Amália Projeto vídeo - Online de Isabel Abreu,
E Um Cento de Cestos (1727-1818), Desenhador e Gravador Direção Musical de Pedro de Castro. a partir de textos de Gonçalo M. Tavares.
até 28 de novembro até 31 de outubro 29 de outubro – 20h 23 de outubro a 31 de dezembro
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

MATOSINHOS M The Happy Mess: 10 Anos de Canções


28 de outubro – 21h30
Teatro Carlos Alberto
R. das Oliveiras, 43. 223 401 900
SINTRA
Casa da Arquitectura M Música para a Cidade Eterna T O Que o Mundo Precisa é de uma Deusa Centro Cultural Olga Cadaval
Interpretação da Orq. Sinfónica do Porto Texto de João Garcia Miguel. Encenação
Av. Menéres, 456. Tel.: 227 669 300 Pç. Franc. Sá Carneiro 9353B. Tel.: 21 910 7110
Casa da Música, sob a direcção Stefan Blunier. de Amândio Anastácio. Interpretação de
E Peroguarda 58/59 M La Vida Secreta
Obras de G. Scelsi, O. Respighi. Catarina Mota, Jorge Serena, Paulo Quedas.
Exposição de fotografias de Luís Ferreira Alves. Música e direção de Nuno Côrte-Real.
30 de outubro – 18h 20 de outubro – 19h
até 31 de outubro Com Conchi Moyano e Ensemble Darcos.
M Banda Sinfónica Portuguesa T Fimpalitos 26 de outubro – 21h
Direcção musical de Francisco Ferreira. 23 de outubro – 10h
M Pólo Norte 25 Anos
OLIVAL BASTO Obras de B. Lima, N. Jesus, J. Brandão, S. Azevedo. T Big Bears Cry Too 29 de outubro – 21h
31 de outubro – 12h Conceito e encenação de Miet Warlop.
M Joana Alegre Centro
Centro Cultural Malaposta M Bach Imortal 23 de outubro – 19h
30 de outubro – 21h
R. Angola. Tel.: 219 383 100 Interpretação do Coro Casa da Música, sob 24 de outubro – 16h
a direcção de Sofi Jeannin, e Silvia Marquez. M Filomúsica: Gala Lírica
E 33 M Cordyceps
31 de outubro – 18h 31 de outubro – 18h
Instrumentos musicais de Marco Campanição. Criação de Eduardo Molina, João Pedro
3ª A S ÁB ., 14 H 30 ÀS 18 H 30 M Prémio Novos Talentos Ageas Leal, Marco Mendonça. Interpretação
até 24 de outubro Interpretação de Maria Sá Silva (harpa) de Eduardo Molina, João Pedro Leal, V. N. DE FAMALICÃO
M Conjunto Júlio e Joana Valente (mezzo-soprano). Marco Mendonça, Mestre André.
21 de outubro – 21h Obras de C. Debussy, G. Fauré, 29 e 30 de outubro – 19h Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão
T Pinóquio - da Raiz ao Nariz J. Cras, J. de La Presle, entre outros. Av. Carlos Bacelar. Tel.: 252 371 304
Interpretação de F. Pedro Oliveira. 2 de novembro – 19h30 M Metropolis
3 ª , ÀS 10 H 30; 5 ª , ÀS 14 H 30; S ÁB ., ÀS 16 H ; D OM ., ÀS 11 H
21 de outubro a 28 de novembro Centro Português de Fotografia
SAGRES Filme de Fritz Lang com música de Filipe
Raposo. Interpretação de Filipe Raposo,
1 de dezembro – 11h e 16h Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Piano e de Elementos da Orquestra Sinfónica
3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 18 H ;
Fortaleza de Sagres
T Pele Tel.: 282 620 140 Portuguesa. Direção musical de Cesário Costa.
Direção e dramaturgia Ricardo Guerreiro Campos. S ÁB ., D OM . E F ERIADOS , DAS 15 H ÀS 19 H
P Voz do Mar - Sonic Sea e os 23 de outubro
23 de outubro – 21h E 120 Anos Alvão
até 31 de outubro Segredos das Profundezas do Mar
24 de outubro – 16h30
E Introduction E A Herança do Lugar Projeto que pretende sensibilizar para VILA REAL
até 7 de novembro o problema da poluição sonora e
Mostra do artista plástico Dominik Jasinski.
3 ª A D OM ., DAS 14 H 30 ÀS 18 H ; D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H
destruição da vida dos oceanos. Projeção Teatro de Vila Real
do documentário Sonic Sea. Com Sofia Al. de Grasse. Tel.: 259 320 000
28 de outubro a 19 de dezembro Fundação de Serralves
Brito, Soraia Xavier, Inês Silva, Liliana T Toca
NC Fragmentado R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500
3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 13 H E DAS 14 H ÀS 17 H ; Dias, Pedro Pereira, Tiago Rouxinol, Criação e interpretação de Cátia Terrinca.
Direção Artística e interpretação de João Antunes.
S ÁB ., DOM . E FERIADOS DAS 10 H ÀS 19 H Sandra Santos e Nita Barroca. 22 de outubro – 21h30
30 de outubro – 21h
E Jorge Molder: Obras 22 de outubro (escolas) M Gilberto Gil
31 de outubro – 16h30
da Coleção de Serralves 24 de outubro - 15h 29 de outubro – 21h30
até 24 de outubro
PENICHE E João Maria Gusmão VISEU
Museu Nac. Resistência e Liberdade
e Pedro Paiva: Terçolho SAMORA CORREIA
até 7 de novembro Fórum Viseu
Fortaleza de Peniche. Tel.: 262 789 159 E Alexander Kluge:
4 ª A 6 ª , DAS 14 H ÀS 18 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H Centro Cultural de Samora Correia Tel.: 232 439 600
Política dos Sentimentos R. dos Operários Agrícolas. Tel.: 263 659 350 E Natureza Fantasma
E Candelabro ASM. Aristides
até 14 de novembro M Orquestra Sinfónica Juvenil De Marco Martins com Fernanda Fragateiro,
de Sousa Mendes: O Exílio pela Vida
E Para uma Timeline a Haver Direcção de Christopher Bochmann. Conçalo M. Tavares e Companhia Maior.
até 31 de outubro
até 28 de novembro Com Alexandra Bernardo e Armando Possante. 2ª A 6ª, DAS 18H30 ÀS 21H30; SÁB. E DOM., DAS 16H ÀS 21H
E Por Teu Livre Pensamento até 24 de outubro
E Louise Bourgeois: Obras de Berlioz, Bellini , Mozart, Puccini, Rossini.
até 31 de dezembro
Deslaçar Um Tormento 29 de outubro – 21h30
até novembro Museu Nacional Grão Vasco
PORTO E Olafur Eliasson:
SETÚBAL
Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
O V/Nosso Futuro É Agora E Identidades Portuguesas.
Casa da Música até 31 de dezembro Pintura de Viagens
Fórum Municipal Luísa Todi até 31 de outubro
Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 E Pedro Tudela na Coleção de Serralves Av. Luísa Todi, 65. Tel.: 265 522 127
M Pedro Melo Alves’ até 6 de março 2022
M A Man There Was Teatro Viriato
Omniae Large Ensemble E Modus Operandi Obra de Victor Sjöström, de 1917, acompanhada
20 de outubro – 21h até 6 de março 2022 Lg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 232 480 110
de música ao vivo pelo Coro Setúbal Voz, com
M João Lencastre’s Communion 3 E Joan Miró: Signos e Figurações T Aleksei ou a Fé
direção de Jorge Salgueiro.
22 de outubro – 21h até 6 de março 2022 Encenação, dramaturgia e interpretação
21 de outubro – 21h30
E Ai Weiwei: Entrelaçar. Pequi de Sónia Barbosa. Interpretação e cocriação
M Violoncelo Russo M As Aventuras do Príncipe Achmed de Hugo Inácio, Nuno Nunes, Rosinda Costa.
Interpretação da Orquestra Sinfónica Vinagreiro, Raízes e Figuras Humanas Exibição da primeira longa-metragem de 22 e e23 de outubro – 21h
do Porto Casa da Música, sob a direcção musical até 9 de julho 2022 animação da história do cinema, de Lotte
de Stefan Blunier, e Marc Coppey (violoncelo). T Macbad
Reineger, acompanhada de narração em por-
Obras de S. Prokofieff, D. Chostakovitch, J. Haydn. De Cláudia Jardim, Diogo Bento e Pedro Penim.
Galeria Municipal do Porto tuguês por Célia David, do Teatro Animação
26 de outubro – 15h e 19h30
22 de outubro – 21h R. de Dom Manuel II. Tel.. 225 073 305 de Setúbal, e música pelos Space Ensemble.
M Os Sonhos de Tom 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H A Supernatural Work in Progress
24 de outubro – 16h
E Os Novos Babilónios: 27 de outubro – 19h30
Direção de Raul Constante Pereira. T O Triunfo das Porcas
23 de outubro – 16h Atravessar a Fronteira T Info Maníaco
Adaptação e encenação de Pedro Alves.
até 21 de novembro 29 de outubro – 21h
M TGB + Banda Zil Interpretação de Carolina Figueiredo, Patrícia
30 de outubro – 17h
23 de outubro – 21h E Pandemic. I Don’t Know Pereira Paixão e Sara Túbio Costa; Milene Fial-
M Sinfonias Clássicas Karate, but I Know Ka-Razor! ho e 26 estudantes sintrenses e setubalenses.
Interpretação da Orq. Sinfónica do Porto Casa até 21 de novembro 28 de outubro – 21h30
da Música, sob a direcção de Stefan Blunier. 29 de outubro – 15h e 21h30
Concerto comentado por Helena Marinho. Museu Nacional Soares dos Reis 30 de outubro – 16h e 21h30 GABINETE DE ESTRATÉGIA,
Obras de S. Prokofieff e J. Haydn. R. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770 M Gala Rádio Amália, 12.º Aniversário PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
24 de outubro – 12h E Azul e Ouro – Esmaltes em Portugal 31 de outubro – 17h Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
M Glenn Miller Orchestra da Época Medieval à Época Moderna M Lusitanian Ghosts Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
26 de outubro – 21h30 até 31 de outubro 2 de novembro – 21h30 relacoes.publicas@gepac.gov.pt
20 a 25 de outubro de 2021 JORNALDELETRAS.PT
CONTEÚDO PATROCINADO ↗
27

Instalações de alta segurança, com sistemas de climatização para preservação de obras

Starmuseum, especialista em transporte


e armazenagem de obras de arte
Já alguma vez entrou num museu ou galeria de arte e se questionou como ali chegaram as obras de arte? Como são
transportadas e como é feita a montagem? A Starmuseum é um handler português, especializado no transporte de
obras de arte, habituado a trabalhar com as maiores leiloeiras e os museus mais conceituados do mundo

De certeza que a dúvida já o inquietou. Em visita ao


Louvre, deparando-se com a magnitude de algumas obras,
passou-lhe pela cabeça a dificuldade que será transportar
e montar, em segurança, pinturas a óleo como as “Bodas
de Caná”, de Veronese (6,7 metros de altura por 9,9 metros
de largura) ou “A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugène
Delacroix (2,6 metros de altura por 3,25 metros de largura).
Não só pelo lado logístico – são obras grandiosas, de grande
volume – mas também pela responsabilidade envolvida –
peças únicas, algumas muito antigas e altamente sensíveis.
Impõe-se, nestes casos, meios e mão-de-obra especializada,
para garantir a preservação e integridade das obras em todo
o processo logístico, que não existem em todas as transpor-
tadoras.
A Starmuseum, especializada em transporte e armazena-
gem de obras de arte, começa já a ser uma referência a nível
nacional e internacional nesta área. Isto porque a empresa
está preparada para – tanto na sua caixa forte como nos
veículos de transporte – receber e acomodar, com “especial
carinho”, estas peças valiosas, contando com sistemas avan-
çados de controlo de temperatura e humidade, essenciais à
preservação de arte. O seu transporte requer um tratamento
muito específico: começando por um planeamento logístico
prévio, assente nas melhores práticas, as obras têm de ser
manuseadas por art handlers com experiência e poderão
exigir caixas de madeira específicas e feitas à medida, de Veículos especiais, equipados com suspensão pneumática, sistema de climatização, alarme e GPS
forma a garantir a preservação da obra durante todo o seu de localização, que garantem a preservação e segurança das obras de arte no momento de transporte
manuseamento e transporte.

INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA E KNOW-HOW


Apesar das condições económicas atuais de pós-pandemia, a cotações online em tempo real de forma totalmente auto- de obras de arte pode assumir que, muito provavelmente, a
Starmuseum investiu mais de um milhão de euros em insta- matizada. Esta empresa está em contra-ciclo, criando postos Starmuseum foi uma peça fundamental na sua montagem
lações próximas do centro de Lisboa, munidas de casa forte de trabalho e mantendo a capacidade de captar os melhores e transporte, contribuindo ativamente para que a arte e a
e sistemas de segurança de topo, bem como em veículos talentos nesta área, para num futuro ser capaz de formar cultura continuem presentes na vida dos portugueses. A
preparados especificamente para o transporte de obras de novos art handlers capazes de responder às necessidades do Starmuseum está presente online em www.starmuseum.pt e
arte e, ainda, em tecnologia – como por exemplo, a criação processo minucioso da movimentação de arte. publica regularmente nas redes sociais Instagram (@starmu-
da LiveQuote, uma plataforma inovadora capaz de realizar Assim já sabe, quando for, em Portugal, a uma exposição seum_fineart) e Facebook (@Starmuseum).
28 ↗
IDEIAS 20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.
PT

Mafalda Soares da Cunha


Prova de resistência
Meia centena de histórias, muitas das quais desconhecidas, em Resistências – Insubmissão e Revolta no Império Português, de
Mafalda Soares da Cunha, investigadora e professora da Universidade de Évora, que coordena o projeto europeu “Resistance.
Rebellion and Resistance in the Iberian Empires”. A ideia é desocultar três séculos e meio de revoltas, insurreições, motins,
desacatos, altercações, levantamentos, fugas que não fizeram História, mas podem abrir caminho para uma melhor
compreensão do processo e do desenvolvimento histórico. É o que afirma a historiadora ao JL, numa entrevista a que
juntamos um texto de Renata Araujo, prof.ª da Universidade do Algarve, sobre a obra agora publicada pela Leya

D
MARIA LEONOR NUNES
No entanto, quem resiste nem sempre e sobre as quais existem mais traba-
passa à História. lhos. São as revoltas, os tumultos, os
Mais recentemente, as abordagens levantamentos, os motins. Existe,
têm sido alteradas e tem havido uma aliás, um vocabulário muito extenso
maior preocupação com o estudo para as designar. Um outro nível, me-
desse tipo de tópicos e de temas, mas nos trabalhado porque também mais
a verdade é que, até há pouco tempo, difícil, são as resistências quotidianas,
normalmente o que se escrevia eram mais invisíveis, tendencialmente
as visões dos vencedores, não tanto protagonizadas por indivíduos, em
dos vencidos. espaços privados.

Costuma dizer-se, de resto, que dos Por isso, aparecem ainda menos nos
fracos não reza a História. compêndios?...
E essa é uma cultura transversal que No caso das manifestações públicas,
Do Minho ao Algarve, do Brasil a também contaminou a forma como muitas vezes há repressão da insubor-
Timor, de Angola ao Japão, da Índia se fazia a História e se escolhiam os dinação para repor a ordem, pelo que,
a Macau, 50 histórias de resistência temas relevantes. Não se estudavam apesar de tudo, é possível encontrar
em Portugal e nos territórios que aqueles cujo papel era considerado alguma documentação. Sobre as
estiveram sob o seu domínio colonial, menor, os que não pertenciam às outras, não. Normalmente, assumem
entre 1500 e 1850, são agora contadas elites, ao poder, havia a ideia que não formas mais dissimuladas e podemos
em livro: Resistências – Insubmissão tinham importância na modelação falar, por exemplo, da deserção, do
e Revolta no Império Português, um da História, que eram marginais e contrabando, mas também das fugas
volume organizado pela historiadora secundários na compreensão do dos escravos e, em, alguns casos, da
Mafalda Soares da Cunha, que conta processo histórico. Tudo isso resulta resistência de género ou da persistên-
com a participação de 35 investigado- de pré-conceitos e não de conceitos. cia em formas culturais e religiosas,
res de Portugal, Brasil, Cabo Verde e Por outro lado, a História faz-se com como nas populações ameríndias. São
Estados Unidos. documentação, geralmente produzida formas de resistência que normal-
LUÍS BARRA

Uma prova da resistência que, com e preservada por instituições, o que mente eram vistas como rebeldia à
diferentes protagonistas, pessoas e significa que delas constam os regis- conversão, à civilização, ou seja, de
grupos discriminados, oprimidos, tos daqueles que a elas pertenciam. E uma forma negativa e não como uma
marginalizados, em diversos tempos Mafalda Soares da Cunha “Fazer a História das populações que têm sido mais que eram os grupos dominantes. preservação de características cultu-
e geografias, sempre existiu, ainda silenciadas e ocultadas é apaixonante” rais próprias.
que tivesse sido “invisibilizada” pelo Daí que passe sobretudo a narrativa
poder dominante, e ignorada pela dos vencedores? E o terceiro nível?
História, que durante muito tem- É aquela que imediatamente as fontes Tem a ver com a participação no
po registou sobretudo a “visão dos A época moderna e a história contam. Analisar vozes pouco presen- sistema político institucional, através
vencedores”. “Escreve-se agora outra social e institucional em Portugal tes, até reprimidas ou desqualificadas por exemplo das confrarias, das
narrativa. E é importante que se re- e no seu império colonial estão e desacreditadas, exige um processo petições dirigidas aos monarcas, em
cupere o envolvimento desses grupos no cerne do seu trabalho, sobre crítico muito exigente. Mas, hoje em que grupos de pessoas procuram levar
na História”, como adianta Mafalda o qual publicou vários estudos. dia, essas ideias estão a ser radical- adiante as suas reivindicações. E eram
Soares da Cunha ao JL. Além da investigação sobre a mente desconstruídas, desmontadas. populações que conheciam esses
Mafalda Soares da Cunha é profª resistência, está agora a trabalhar É importante que se faça essa des- mecanismos.
de História Moderna na Universidade sobre “as suspeições levantadas Estudar as resistências construção e se recupere o envolvi-
de Évora. Desde 2018 coordena o aos magistrados, acusados de falta mento desses grupos na História. Reconhecer essas manifestações
projeto europeu Resistance. Rebellion de imparcialidade e de prejudi- devolve-lhes uma de resistência é uma forma
and Resistance in the Iberian Empires, carem a boa execução da justiça”. importância que lhes INVISIBILIDADE E de recuperar o lugar desses
16th – 19th Centuries, que apos- Um assunto que pode parecer ESQUECIMENTO movimentos e populações no próprio
ta no “intercâmbio” e “troca de um pouco aborrecido, como faz foi retirada e negada São diversas as resistências desenvolvimento histórico?
conhecimentos”, e na circulação de notar, mas tem “esperança” que se ao longo de séculos que podemos encontrar no seu Sim. Essas populações foram invisi-
investigadores por um conjunto de possam encontrar “histórias muito livro. Algumas completamente bilizadas muitas vezes como forma de
universidades europeias e não euro- interessantes”. desconhecidas. dominação. Na realidade, existiram e
peias. Um projeto em que se inscreve Os dinheiros investidos A resistência das pessoas comuns, foram agentes ativos e tinham capaci-
a obra agora publicada e que se soma Jornal de Letras: Não há dúvidas de que tem sido pouco atendida e tratada dade de intervir e reivindicar melho-
a outros títulos da sua autoria, como que “há sempre alguém que resiste”, na investigação pela historiografia, observa-se em res condições de vida, mais recursos,
A Casa de Bragança (1560 -1640), D. como diz o poema de Manuel Alegre? devem traduzir-se três níveis. O primeiro tem que ver ou a preservação das suas culturas,
João IV, com Leonor Freire Costa, e Mafalda Soares da Cunha: Diria que com as revoltas abertas, coletivas, e o combate pelos seus ideais. Nesse
Os Municípios no Portugal Moderno, é mesmo uma evidência, em todas
em contributos violentas, em espaço público, que sentido, estudar estas resistências
com Teresa Fidalgo Fonseca. as circunstâncias e contextos. para a sociedade apesar de tudo são as mais conhecidas trata-se de efetivamente lhes devol-
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT IDEIAS 29 ENTREVISTA

ver uma importância, uma ‘agência’, tagonistas, de género, étnica, de cate- Tentei incorporar no livro casos mais
como hoje se diz, que lhes foi retirada gorias sociais e níveis de riqueza, em conhecidos e significativos, como
e negada ao longo de séculos. diferentes cronologias e espaços. a revolta contra a Companhia das
Vinhas do Alto Douro, no Porto, as
Vivemos um tempo de muitos Houve histórias que a surpreenderam revoltas fiscais no Algarve, as histó-
ativismos relacionados com particularmente? rias dos mártires no Japão, da rainha
questões de género, racismo, pós- Houve. Por exemplo, a dos protestos Ginga, em Angola, com episódios
colonialismo, e eles têm, de facto, um das mulheres negras em Lisboa, em desconhecidos como o dos desacatos
longo passado histórico. 1717, que era completamente desco- das freiras no convento de Santa Ana,
Exato. Investigar e estudar estas nhecida. em Viana do Minho, hoje Viana do
resistências não é apenas o poli- Castelo.
ticamente correto, como alguns Como foi possível chegar até essa
podem pensar. Não se trata disso, história? Essa é uma das histórias que assina.
mas de diversificar e complexificar Creio que foi sinalizada por um inves- E que dá conta de como aquelas mon-
os próprios processos históricos, tigador norte-americano que esteve jas tinham capacidade de reivindica-
devolvendo-lhes pluralidade. É em Portugal a fazer o seu doutora- ção e de enfrentar as autoridades, de
perceber que sempre houve múltiplos mento, Cacey B. Farnsworth, que as- uma forma muito inesperada. Seria
combates e lutas protagonizados por sina a história com Pedro Cardim. E a de esperar que estando num mosteiro
muitas pessoas. Desse ponto de vista, referência foi encontrada no Arquivo estivessem quietinhas e submissas,
é um enriquecimento. Claro que os da Biblioteca Municipal do Porto. mas não. Eram truculentas, sem
historiadores distinguem os ativismos receio de romper com todas as regras,
da análise histórica, que tem as suas de sair da clausura. Também acho
regras e convenções, de natureza Ilha de Ceilão Dois soldados lascarins do século XVI surpreendente a história dos irmãos
académica e científica, mas trata-se Barbalho, no Brasil, ou das mulheres
de facto de a enriquecer e ao próprio angolanas em Benguela no séc. XIX,
processo da evolução histórica. de Mariana P. Cândido, ou sobre as
do império português, incluindo o entre 1500 e 1850, para desfazer um A historização dos mouriscas, da minha colega, que
É também um contributo para pensar território ibérico, o reino. pouco a ideia de que havia caracte- processos de resistência entretanto faleceu, Filomena Lopes
essas temáticas na ordem do dia? rísticas de rebeldia e insubmissão de Barros.
Claro. A historização destes processos Porquê? em determinadas épocas e regiões. é muito importante
de resistência é muito importante para Não era apenas no espaço imperial Porque o que me pareceu impor- como contributo para Também apostou na diversidade de
um melhor conhecimento, um con- que se revoltavam e insubordinavam. tante sublinhar foi precisamente a investigadores?
tributo para a própria estruturação dos Revoltavam-se também em Portugal, diversidade. a própria estruturação Sim. É uma equipa bastante grande,
movimentos que combatem por uma em todo o lado. E, por outro lado, dos movimentos que 35 investigadores. Alguns escreveram
maior inclusão. Porque são lutas que, achei importante que as histórias A diversidade é uma palavra-chave mais de uma história. E são realmente
hoje, também reivindicam uma maior se desenvolvessem ao longo de 350 para esta galeria de histórias?
combatem por uma de origens institucionais diferentes,
aceitação da diferença, da diversidade anos, num horizonte cronológico Sim. Procurei a diversidade de pro- maior inclusão de universidades em Portugal, Brasil,
de pontos de vista e de abordagens,
por um mundo mais inclusivo.

É muito estimulante trabalhar neste


campo de investigação e trazer à luz
estas histórias de resistência?
É. Fazer a História das populações que
Revoltas que perduram que foi certamente um desafio para a maioria
dos autores (habituados aos artigos mais
longos que normalmente se escrevem para
têm sido mais silenciadas e oculta- as revistas científicas) obrigou-os a apurar o
das é apaixonante, ainda mais pela seu sentido narrativo e a reencontrar várias
dificuldade e exigência que decorre RENATA ARAUJO estratégias clássicas (e literárias) de envolvi-
da pouca documentação existente, o mento do leitor. Estas revelam-se não só na
que implica um trabalho mais difícil. qualidade em si dos textos, como no próprio
Mas entusiasmante também pelo seu Acaba de chegar às livrarias, mas não é só “uma leitura atenta, perspicaz e a contrapelo interesse que geram na sua leitura contínua.
potencial e por ser pouco explorado. pela data recente de publicação que se pode por parte dos historiadores” para poder ler o Além disso, a combinação da sequência
dizer que Resistências é uma novidade no outro lado dos discursos produzidos pelas au- cronológica com a diversidade geográfica das
SUBLINHAR A DIVERSIDADE campo editorial da História em Portugal. toridades que tendem a desqualificar as ações ocorrências potencia, na leitura sequencial,
Como surgiu a ideia de fazer esta Episódios de resistência, revolta e insub- e os ideários dos que lhe são contrários. a perceção do caráter constante e recorrente
obra, divulgando meia centena de missão, envolvendo personagens especí- Esse compromisso com a diversidade de de procedimentos de resistência. Como aliás
histórias? ficas ou grupos mais alargados, aparecem casos e a multiplicidade de situações foi tido seria de esperar, no âmbito de estruturas de
Primeiro, com a Casa da América naturalmente em muitos textos de História. em consideração na escolha, simples, mas poder tendencialmente coercivas.
Latina e a Raquel Marinho, apresentei Vários destes episódios foram objetos de ainda assim original, da estrutura do livro. De facto, as histórias só são curtas no
ao Expresso a proposta de publicar no trabalhos monográficos que aprofundam o São 50 textos relativamente curtos, escritos número de páginas que ocupam no livro.
jornal e divulgar ao grande público estudo das suas causas, contextos e conse- por 35 autores que relatam episódios que vão Na sua maioria são longas, referem-se a
uma série de histórias pouco conhe- quências. Alguns, mesmo eventualmente do abandono de Malaca, em 1515, à revolta circunstâncias que se prolongam no tempo,
cidas de resistência e rebeldia, nos “falhados” no seu tempo, são hoje lidos como dos Malês, na Bahia, em 1835. Os textos suce- por séculos eventualmente nos motivos que
impérios ibéricos. E lá saíram, uma bases de transformações sociais e políticas dem-se cronologicamente, nos mais diversos levam à revolta, por longos anos no desen-
por semana, muito bem ilustradas, que ocorreram muito tempo depois. Mas se pontos do império e do território de Portugal rolar dos processos. A maioria não tem final
entre novembro de 2019 e janeiro de pensarmos bem, e ainda que saibamos algo continental. Há dois pequenos mapas no livro feliz, se vista a partir dos olhos dos principais
2020. São histórias curtas que agora acerca de algumas revoltas, sobretudo as que que apontam as diferentes localidades de implicados, que terminam quase sempre
estão disponíveis online. Entretanto, fizeram mais barulho, ou que foram relidas insubmissão e revolta. As personagens prin- sentenciados e punidos. Mas isto não impede
o Francisco Camacho, editor da Leya, em termos simbólicos, o mais provável é que cipais dos vários textos são pessoas que foram que sejam histórias de proveito e exemplo.
no meio do primeiro confinamento, a maioria nos tenha escapado, que delas não objeto de discriminação em função do seu Mas ao contrário da intenção dos punidores,
em maio do ano passado, disse-me reze a história. género, religião, etnia, cultura, etc. As suas o que aprendemos com elas é que a resistên-
que achava muito interessante aquele O objeto deste livro são mais estas que estratégias de resistência são as mais diversas. cia perdura mesmo quando supostamente
projeto e se não queria pô-lo em livro. aquelas e isto é uma das suas novidades. Com As mulheres tem presença significativa neste perde, pois haverá sempre quem resista a
Não o conhecia, trocámos mails, efeito, resistir não envolve apenas manifesta- livro revelando a importância que tinham, seguir, ou noutro lado (de maneiras mais ou
telefonemas, conversamos sobre o fi- ções públicas e violentas. As motivações para sobretudo nos mecanismos de coesão de menos visíveis). J
gurino que podia ter e avançou. Mas, a resistência podem ser mais individuais ou várias comunidades que precisaram resistir
logo à partida, definiu-se que seriam mais coletivas. Pode-se resistir heroicamente por muito tempo. Mas também há casos de › Mafalda Soares da Cunha
histórias de resistência apenas no ou de forma aparentemente passiva, simulan- mulheres que foram capazes de estabelecer (org.)
império português. E mais longas. do a concordância e escondendo a discordân- condições em negociações complexas. RESISTÊNCIAS
cia. Pode-se inclusive resistir negociando, de O livro não se destina exclusivamente a – INSUBMISSÃO
Quais os objetivos que definiu para a algum modo, condições menos opressivas. especialistas, mas tal não implica que tenha E REVOLTA NO
obra? Para observar estes vários tipos de resistência sido menos rigorosa a sua elaboração ou o IMPÉRIO PORTUGUÊS
Foram vários objetivos convergen- é preciso mudar o ponto de observação. Como cuidado colocado na redação dos textos. Oficina do Livro, Leya, XXXX pp,
tes. Quis dar conta de todo o espaço se explica na nota introdutória, é preciso Penso, aliás, que a exigência do texto curto, 19.90 euros)
30 IDEIAS ↗

COLUNA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Cabo Verde e Estados Unidos. E é


importante sublinhar ainda que uns
têm carreiras muito consolidadas,
já autores de referência, e outros
são mais jovens, alguns ainda nem
Uma revolução regeneradora
terminaram os doutoramentos. E uma
parte significativa deles pertence ao
projeto Resistance.

INTERCÂMBIO E
CONHECIMENTO
Resistance é o projeto europeu
A PAIXÃO DAS IDEIAS
Guilherme d’Oliveira Martins

A
que coordena e no qual se inscreve
Resistências. Qual o seu âmbito?
É um projeto de mobilidade e faz
parte das Marie Curie Actions. É,
portanto, composto por instituições Revolução do Porto de 24 de agosto de Tendo participado na Junta Provisional do Supremo Governo do
europeias e não europeias e o objetivo 1820 constitui, para os portugueses, a Reino e tendo sido um dos mais influentes autores do Relatório sobre a
é que os investigadores circulem entre génese da consagração do moderno Es- situação do País e sobre as providências consideradas necessárias, foi
as universidades. O financiamento de tado de direito. O acontecimento deu as- um dos 100 deputados eleitos para a Assembleia, que reuniria no Palácio
mais de um milhão de euros é para sim início à democracia atual, apesar de das Necessidades, com a missão de elaborar a nova Constituição, após
essa circulação, para pagar deslo- todas a vicissitudes, desde a fugaz tenta- o debate do Relatório que coordenara na Junta Provisional. Perante os
cações, estadias, dos investigadores tiva de regresso do poder absoluto com erros da governação, a subalternização do interesse comum, a injustiça
nessas missões. D. Miguel, até à Regeneração de 1851, e a ilegitimidade da condenação dos mártires da pátria, haveria que tirar
que viria a tornar a Carta Constitucional consequências sérias da soberania da nação. O exercício da soberania
Começou em 2018? de 1826 uma lei fundamental legitimada por um poder constituinte. Em estaria “nas Cortes que legislam, no monarca que executa, nos juízes
Sim, a equipa fez a sua candidatura complemento, as datas de 5 de outubro de 1910 e de 25 de abril de 1974 que julgam, e nas autoridades que administram”. Daí a importância da
à Comissão Europeia em 2017, ga- constituem duas referências que continuam o que Jaime Cortesão de- representação e do mandato, o que corresponde a uma ideia premonitó-
nhámos o financiamento e come- signou como fatores democráticos na formação e afirmação de Portugal, ria de democracia.
çámos em 2018. Mas, infelizmente, desde as mais longínquas raízes históricas, abrangendo a fundação do É por isso muito profícua a leitura das intervenções de Fernandes
por causa da pandemia, tem estado Estado, as Cortes, o municipalismo, a influência dos povos das cidades Tomás na Constituinte. Aí encontramos a opção moderna de três pode-
parado. É que o objetivo do proje- e dos mesteres, a causa do Mestre de Aviz em 1383-85, a Restauração da res, como em Montesquieu, a noção de um parlamento unicamaral e o
to é precisamente a mobilidade, a Independência de 1640, a República e a Democracia constitucional de veto suspensivo do rei… Não importará neste momento fazer o diagnós-
troca de experiências, a partilha de hoje. A verdade é que a democracia não se faz instantaneamente. Cons- tico da força e das fragilidades dessa primeira lei fundamental, tão in-
conhecimentos, não só de conteúdos trói-se gradualmente e assenta a sua legitimidade na vontade dos povos fluenciada pela Constituição de Cádis. É, porém, essencial compreender
científicos, mas também a nível de e na afirmação da cidadania livre e responsá- a virtude do contributo de Fernandes Tomás,
formas de investigação e organiza- vel, igual e solidária. cujo percurso envolveu o compromisso no
ção universitária ou da realização de Manuel Fernandes Tomás (1771-1822) combate anti-napoleónico e a participação
colóquios por parte das diferentes foi figura marcante da Revolução. A ele se ativa nas boas-vindas ao rei D. João VI (cuja
universidades. A intenção é que haja deveu a afirmação dos elementos cruciais do atitude positiva se contrapôs à perspetiva
um impacto positivo nas carreiras dos pensamento regenerador, de que resultou o negativa assumida por Fernando VII) – na
investigadores, seja dos mais novos constitucionalismo – a divisão de poderes, a compreensão do necessário equilíbrio de um
ou dos mais velhos. É essa a ideia base articulação da autoridade das Cortes com o patriotismo prospetivo.
destes intercâmbios. poder executivo e o rei, os fundamentos e as Uma das marcas do carácter da nova
práticas do poder judicial, o conceito e o exer- ordem constitucional foi a liberdade de
O foco da investigação do projeto é cício da soberania popular, além da afirmação imprensa, que constituiu um fator de magna
unicamente o das resistências? da liberdade de imprensa, da importância importância para o reconhecimento do que
Há quatro grupos de trabalho ligados do exercício do direito de voto e do princí- tornou 1820 muito mais do que um movimen-
às diferentes formas de resistências pio do consentimento, além das tomadas de to circunstancial. Foi um novo período que
– ativas, quotidianas, políticas e cul- posição sobre a extinção da inquisição, sobre se abriu, tornando-se uma marca indelével
turais – e um quarto grupo, que tem a liberdade e abusos da autoridade ou sobre a em que a ideia de soberania popular se tornou
que ver com a produção de materiais liberdade do cidadão e a liberdade da nação. uma referência que nos nossos dias procura-
de divulgação, de comunicação com a Pode dizer-se que o edifício constitucional mos que se fortaleça e consolide. “É evidente
sociedade, um aspeto que a Comissão de 1822 muito deveu à solidez e coerência do que a liberdade de imprensa deve ser o mais
Europeia valoriza especialmente. mais influente dos artífices do movimento de ampla possível (como afirmou o deputado
Porque os dinheiros investidos na 1820 e de um dos mais determinados deputa- Manuel Fernandes Tomás constituinte), porque com efeito num país
investigação devem traduzir-se em dos constituintes. livre não se pode viver sem ser também livre a
contributos para a sociedade. Nessa E se falo de Fernandes Tomás, que está imprensa, mas devemos enquanto for possível
perspetiva, deve haver transferência representado no uso da palavra na sala das reparar para o exemplo das nações que nos
de conhecimento, no quadro da qual sessões da Assembleia da República, é porque ele é no pensamento e na cercam e das que olham com mais cuidado para a sua conservação. (…)
este livro foi feito. ação um símbolo evidente da Revolução de 1820 e do constitucionalismo. Está demonstrado que o poder da opinião é maior que o poder da for-
Como jurisconsulto de qualidade superlativa, o facto de estar particular- ça…”. E a História política foi provando que, apesar da conjuntura ibé-
Que outras iniciativas estão previstas? mente informado e atento à evolução das notícias liberais e constitucio- rica de então ser muito complexa, favorecendo opções que obrigariam
Está prevista a realização de um coló- nais, designadamente na vizinha Espanha, permitiu-lhe compreender a a ajustamentos ao longo do tempo, a Revolução do Porto foi decisiva e
quio semestral sobre diferentes temas inevitabilidade das repercussões em Portugal do movimento liberalizador ainda hoje é marcante.
e, entretanto, temos um canal no na sequência das revoluções inglesa, americana e francesa. Assim, em Se é verdade que só o poder constituinte concretizado com o Ato
YouTube com uma série de entrevis- 1818 fundou o Sinédrio juntamente com Ferreira Borges e Silva Carvalho, Adicional de 1852 garantiu a acalmação e um consenso minimamente
tas com especialistas em resistência, com o comerciante Ferreira Viana, preparando as mobilizações militares durável, em que os beligerantes das diversas guerras civis (liberais e
académicos, diretores de museus e e civis que conduziram ao golpe absolutistas; cartistas e constitucionalistas) enterraram os machados
de arquivos, em que falam dos seus do Porto. Escreveu, por isso, as de guerra com a garantia de uma alternância partidária exigida pelo
trabalhos ou da importância dos seus proclamações que prenunciaram progresso económico e social, o certo é que foi o início da continuidade
fundos documentais para o estudo das a proclamação nacional regene- constitucional que rasgou o horizonte da cidadania democrática.
resistências. Também já fizemos uma radora, visando: fazer regressar É essa a marca deixada desde 24 de agosto de 1820, que hoje
série de vídeos para jovens entre os 12 D. João VI à capital europeia recordamos, não como uma celebração retrospetiva, mas como uma
e os 15 anos e queremos dinamizar a do reino; exonerar a Regência oportunidade para pensarmos a democracia como um sistema de
nossa relação com as escolas. Vamos que governava em nome do rei; Uma das marcas do valores que permanentemente se aperfeiçoa, e que mobiliza a sociedade
lança-los no reinício das atividades afirmar a liberdade e a igualda- carácter da nova ordem e os cidadãos. Por isso privilegiamos nesta comemoração, não a mera
e gostaríamos igualmente de fazer de dos cidadãos perante a lei e lembrança, e mais o estudo, a reflexão, a investigação, mobilizando o
exposições digitais. E de preparar garantir a convocação das Cortes
constitucional foi a ensino superior, as instituições de investigação e a sociedade toda. Não
e-books sobre resistência e mulheres constituintes, que exprimissem liberdade de imprensa, nos ocupa apenas uma data, mas um movimento de progresso e de-
e resistência religiosa, histórias curtas o sentido de uma soberania senvolvimento – considerando o constitucionalismo como um fator de
com ilustrações, vocacionadas para a nacional baseada na vontade do
que constituiu um fator cidadania e de legitimidade. Deste tempo resultará um melhor conheci-
mesma faixa etária.J povo. de magna importância mento do que nos antecedeu para que sejamos melhores no futuro. J
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT IDEIAS 31 COLUNA

David Attenborough
derio transformador da huma-
nidade na Terra - só poderá ter
dois desfechos. Se continuarmos
apenas a fingir que fazemos al-

Naturalista da terra crepuscular


guma coisa para evitar o pior: “O
Antropoceno poderá, na verdade,
revelar-se unicamente um pe-
ríodo curto na história geológica
e que terminará com o definitivo
desaparecimento da civilização
humana”. Se, pelo contrário, reu-
nirmos a força moral que sobra e
o sentido de justiça, ainda mais

ECOLOGIA
escasso, para com as gerações
futuras, poderíamos realizar um
milagre de inversão de rumo.
Viriato Soromenho-Marques

N
Nesse sentido a Antropoceno:
“Pode ser um tempo em que
aprendemos a lidar com a natu-
reza e não contra ela (…) passa-
ão ríamos a ser os guardiões atentos
perder › David Attenborough de toda a Terra, invocando a
a espe- VIAGENS AO OUTRO extraordinária resiliência da na-
rança, LADO DO MUNDO. tureza para nos ajudar a resgatar
abrin- MAIS AVENTURAS a sua biodiversidade à beira do
do ao DE UM JOVEM colapso” (p. 244).
mesmo NATURALISTA Neste momento, os pratos da
tem- tradução do inglês por Marta Pinho, balança inclinam-se para a pri-
po os Lisboa, Temas e Debates/Círculo de meira possibilidade. Se quisermos
olhos e erguendo a voz para o Leitores, 2021, 419 pp. evitar o pior não podemos deixar
dever de contemplar e dizer a de o dizer em voz alta: “Falamos
verdade por mais amarga que › David Attenborough muitas vezes de salvar o Planeta,
seja, é não só uma obrigação éti- mas a verdade é que temos de fa-
UMA VIDA NO NOSSO
ca, mas também um exercício de zer tudo isto para nos salvarmos
PLANETA. O MEU
humildade gnosiológica. A seguir a nós mesmos. Connosco ou sem
TESTEMUNHO E A
ao otimismo dogmático, que hoje MINHA VISÃO PARA O nós, a natureza regressará.” (p.
campeia na cultura suicidária FUTURO 246). Será que é preciso gritar até
dominante, o pessimismo dog- rasgar os tímpanos para que a hu-
tradução do inglês por Marta Pinho,
mático constitui a segunda pior Lisboa, Temas e Debates/Círculo de manidade acorde do seu perigoso
atitude perante a crise existen- Leitores, 2020, 293 pp. sonambulismo? J
cial da civilização humana sobre
a Terra. O autor das duas obras
recenseadas nesta crónica, não se David Attenborough ”Uma das personalidades mais conhecidas pelos
afasta um milímetro da postura telespectadores em qualquer parte do mundo”
correcta. Nunca desistir, sem
nunca se iludir.
David Attenborough (1926) último, “2020”). Cada um desses
é uma das personalidades mais capítulos inicia-se com um tríp-
conhecidas pelos telespecta- tico de indicadores do estado do
dores em qualquer parte do mundo: a) população mundial;
mundo. Depois de se ter for- Um livro, escrito aos b) concentração das emissões de
mado em Ciências Naturais na 94 anos, que pode ser gases de efeito de estufa na at-
Universidade de Cambridge, mosfera; c) áreas naturais ainda
lançou-se numa brilhante car-
lido triangularmente: preservadas. WĂƌĂWƌŽĨĞƐƐŽƌĞƐĚĞWŽƌƚƵŐƵġƐ
reira de jornalismo de divulga- é um testemunho, um Com uma clareza comovente,
Terceira Edição
ção científica na BBC, que ainda Attenborough revela-nos a sua
prossegue, quase sete décadas
testamento e um apelo progressiva tomada de consciên- Edital de Abertura
depois do seu início em 1952. Os dramático cia sobre a acelerada destruição
dois livros aqui abordados devem da biodiversidade e dos nichos Promovido pelo Centro de Literatura Portuguesa e apoiado pela Fundação
ser lidos pela ordem inversa à ecológicos, provocada pela ação Eng. António de Almeida, o Prémio Isabel M. Aguiar Branco e Silva tem o valor
cronologia da sua publicação em antrópica, nomeadamente, ativi-
pecuniário de 3000 Euros (1º lugar), 1500 Euros (2º lugar) e 1000 Euros (3º lugar).
Portugal. dades extrativas e poluentes que
No primeiro livro, Viagens inviabilizam habitats e conduzem
O Prémio destina-se a ƉƌŽĨĞƐƐŽƌĞƐĚĞWŽƌƚƵŐƵġƐĚŽϯǑŝĐůŽĚŽŶƐŝŶŽĄƐŝĐŽĞĚŽ
ao outro lado do mundo, o leitor preensão da estrutura complexa à extinção de espécies. O natu-
ŶƐŝŶŽ^ĞĐƵŶĚĄƌŝŽ e tem como principais objetivos:
encontra, servidas por uma e interdependente de todas ralista começou a tomar partido.
linguagem ágil e elegante, 28 as criaturas. As reportagens Relata-nos o seu envolvimento na 1. Honrar a memória de um nome que se destacou no domínio do ensino das
crónicas das reportagens na- passam a integrar não só a vida luta pela preservação dos habitats línguas;
turalistas realizadas por David animal, em sentido estrito, mas dos gorilas-das-montanhas e
2. Estimular a apresentação de propostas didáticas centradas nos conteúdos
Attenborough durante uma o ecossistema que a sustenta e as pelo fim da caça às baleias, que os literários que figuram nos Programas de Português.
década, entre 1954 e 1964, por relações com os povos e os seus estudos científicos revelaram se-
lugares que, na altura, não eram modos de vida. rem, por analogia grosseira com
só exóticos, mas profundamente O segundo livro, escrito aos as abelhas, um tipo de “poliniza- O prazo para a apresentação de originais decorre entre os dias ϭϱĚĞƐĞƚĞŵďƌŽ
pristinos, com uma biodiversi- 94 anos de idade, pode ser lido dores” do mar aberto, fazendo a ĞϯϬĚĞŶŽǀĞŵďƌŽĚĞϮϬϮϭ͘
dade e paisagens naturais ainda triangularmente: é um teste- circulação dos nutrientes ao longo
Para mais esclarecimentos, os interessados devem consultar o Regulamento do
não perturbadas pela interven- munho; um testamento; e um da coluna de água, prestando um Prémio que se encontra disponível no sítio do Centro de Literatura Portuguesa
ção da civilização industrial e apelo dramático. A obra, após serviço vital para a sobrevivên- (www.uc.pt/fluc/clp).
extractivista contemporânea. Os a introdução, está dividida cia de todas as outras espécies
nomes são claramente suges- em três partes, fechando com oceânicas.
tivos: Papua-Nova Guiné, Fiji, uma Conclusão e um utilíssimo A vertiginosa rota de co-
Tonga, Madagáscar, Austrália… Glossário. A primeira parte é lisão em que a humanidade
Nesses anos, o jovem naturalista constituída por dez subcapítulos, está embarcada, implica que o
vai alargando a sua perspetiva que têm datas como títulos (o Antropoceno - esta novel época
e enriquecendo a sua com- primeiro é “1937”, e o décimo e geológica que reconhece o po-
32 IDEIAS ↗

COLUNA
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

O poder cru e o poder cozido mente presentes em qualquer campo (eco-


nómico, social, político ou cultural), escala
(interpessoal, local, nacional, global) ou
tempo histórico (passado, presente).
Os impérios sempre constituíram for-
mas de poder complexo em que se mistu-
raram o poder cozido e o poder cru. Mas o
domínio relativo das duas versões variou

SOCIEDADE BREVE
muito ao longo do tempo. Nos primeiros
momentos dos impérios quase sempre
dominou o poder cru, mas as exigências da
Boaventura de Sousa Santos

I
sustentabilidade rapidamente exigiram a
presença do poder cozido. Pela sua lógica
expansionista, os impérios coexistiram
dificilmente uns com os outros e, por isso,
nspirando-me livremente tenderam a suceder-se no tempo. Quando
num dos binarismos que coexistiram, um dado império teve de se
subjazem às Mitológicas de acomodar ou subordinar a outro. Foi este o
Leví-Strauss, sugiro que as caso do império português que, a partir do
formas de poder que domi- século XVIII, sobreviveu subordinado ao
nam nas sociedades tendem a império britânico.
ter uma versão cozida e uma Para me limitar à época moderna (sé-
versão crua. As duas versões culo XV e seguintes), podemos identificar
implicam diferentes formas os seguintes impérios cada um com as
de exercício de poder e, reciprocamente, suas versões cozidas. A força bruta que os
suscitam diferentes tipos de resistên- animava foi sempre disfarçada por princí-
cias e de resistentes. Ao contrário do que pios universais, ou seja, ideias ou valores
pode sugerir a metáfora culinária, não há cuja vigência era supostamente benéfica
qualquer sequência entre o cru e o cozi- para todos. A versão cozida dos impérios
do. As duas versões coexistem, podem ser português e espanhol foi a propagação da
acionadas alternativa ou conjuntamente e o cristandade e da salvação de que ela era
domínio relativo de uma ou outra depende portadora; no caso do império britâni-
dos contextos sociais, económicos, políti- co, foi o comércio livre e o progresso; no
cos e culturais em que o exercício do poder caso do império francês, foram, depois
ocorre. da Revolução Francesa, os princípios
Convém definir à partida o que en- revolucionários e os direitos humanos; no
tendo por poder: poder é a capacidade de caso do império soviético, foi o homem
alguém (pessoa, grupo, ideia, entidade) novo, o socialismo e o comunismo; e, por
afetar a existência de outrem sem ser por fim, no caso do império norte-americano
esta afetado, ou sê-lo de forma subjetiva ou (sobretudo depois da II Guerra Mundial),
objetivamente considerada menos inten- foi a democracia, os direitos humanos e o
sa. Quanto maior é o desequilíbrio entre primado do direito.
afetar e ser afetado, mais intensa ou brutal Discute-se hoje se está ou não a surgir
é a forma de poder e maior a desigualda- um outro império, o império chinês, que
de entre as partes. O brutalismo não é, Soldados israelitas em Gaza substituirá o império norte-americano. Se
assim, uma forma extrema de poder, é uma assim for, a versão cozida do império chi-
dimensão sempre existente em qualquer nês será provavelmente o desenvolvimen-
forma de poder. A versão cozida é a versão to económico e tecnológico, o cinturão e
que mistura a força bruta do poder com a rota da seda. São cada vez mais nume-
ingredientes, condimentos e preparações e, através dela, exalta, idealmente por rosos e convincentes as análises sobre o
que o disfarçam e lhe conferem diferentes excesso, as diferenças de poder. Quando declínio do império norte-americano.
sabores, roupagens, maquilhagens. Não tal exibição pode ser contraproducen- A mutação mais notória é o predomínio
se trata de disfarces no sentido comum te, desculpa-a por vias que minimizam cada vez mais visível do poder cru sobre o
do termo, algo exterior e apenso que não
O poder cru é o poder que se danos ou responsabilidade, tais como, poder cozido.
interfere com a “essência da coisa”. Pelo exerce com plena exibição da erros técnicos, falsos positivos, danos
contrário, os disfarces do poder cozido colaterais, zonas de sacrifício, “maçãs DA VITÓRIA SOBRE O ADVERSÁRIO AO
são constitutivos porque o poder cozido é
força bruta. O cozido mistura- podres”. A lógica organizativa que preside EXTERMÍNIO DO INIMIGO O extermínio
sempre o resultado da força bruta e de tudo -lhe ingredientes, condimentos ao exercício do poder cru é a violência, de inimigos políticos sempre foi uma das
o que é investido na cozedura. o exercício incondicional da força física armas de eleição dos governos ditatoriais.
O poder cru é o poder que se exerce com
e preparações que o disfarçam (guerra, assassinato, incêndio, pilhagem, Preocupante e intrigante é o recurso à
plena exibição da força bruta. Isto não quer e lhe conferem diferentes tortura física, mutilação) ou psíquica liquidação de adversários políticos em
dizer que não tenha sabores, roupagens ou sabores (“tortura-sem-tocar”, “técnicas avança- regimes democráticos que, apesar dos so-
maquilhagens. Mas estas são usadas para das de interrogatório”, discurso do ódio, bressaltos e contradições, têm prevalecido
salientar a brutalidade, a crueza do poder ameaças), funcional (trabalho escravo) ou no campo da hegemonia norte-americana.
cru. É como se a forma de o poder se vestir estrutural (racismo, sexismo). O declínio do império norte-americano
fosse a de parecer nu. As duas formas de começou ou tornou-se mais evidente a
poder recorrem a diferentes instrumentos AS DUAS FORMAS DE EXERCÍCIO DO partir de 2003 com a invasão do Iraque e
para se exercer e a diferentes narrativas vas que idealmente não são afetadas por PODER condicionam a resistência dos que a guerra contra o terrorismo. A ideia da
e retóricas para se justificar. Enquanto o diferenças de poder. As duas lógicas fun- são afetados por ele. A dificuldade rela- superioridade global do capitalismo por
poder cozido se justifica com argumentos damentais são a burocracia e a retórica. A tiva da resistência depende, em primeira combinar a promessa do desenvolvimento
que nada têm a ver com poder, o poder burocracia é a lógica da racionalidade ins- instância, do grau de desigualdade entre global com a promessa da liberdade (com-
cru pretende que o seu exercício seja a sua trumental que opera por regras ou normas quem tem poder e quem não tem ou entre binação que o modelo soviético não con-
justificação. (escritas) a que todos têm de sujeitar-se. quem tem mais poder e quem tem menos seguia) caiu por terra e foi substituída pela
Como referi, é próprio do poder cozido A retórica é a lógica da argumentação que poder. Mas as formas de resistência ao defesa nacionalista e unilateral dos EUA
ser apresentado segundo ações, formas não visa impor nada a ninguém. Visa ape- poder cozido e ao poder cru variam subs- contra os inimigos externos e internos.
e ideologias de não-poder: princípios nas persuadir ou convencer. Há diferenças tancialmente: diferentes formas de luta, O convívio conflitual com regras acor-
universais, salvação ou benefício poten- de poder argumentativo, mas elas conver- diferentes ideologias, bem como diferen- dadas entre adversários políticos, que é a
cial de todos, busca de verdade, virtude, gem para resultados mutuamente aceites. tes protagonismos por parte de diferentes essência da democracia, foi gradualmente
pureza, beleza, cooperação, solidariedade, O poder cru é exercido e apresentado tipos de resistentes e de alianças entre eles. substituído pela ideia da urgência do ex-
reciprocidade, irmandade em luta por bens por formas que salientam a força bruta A resistência ao poder cozido tem de ser ela termínio do inimigo em face da qual os fins
comuns ou contra inimigos comuns. As cuja justificação reside no seu próprio própria cozida, tal como a resistência ao justificam os meios. E os meios passaram a
instituições que o promovem tendem a ser exercício e na devastação que causa. Longe poder cru tem de ser crua. As duas formas ser as diferentes formas de violência, tanto
constituídas segundo lógicas organizati- de esconder esta devastação, exibe-a de exercício do poder estão tendencial- legais (o direito penal do inimigo) como
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT IDEIAS 33 COLUNA

ilegais (a contra-insurgência), tanto físicas


como de outros tipos. A crescente confusão
entre inimigo externo e inimigo interno
levou ao endurecimento do direito penal
(limites ao direito de defesa, aumento da
Os Nobel da Física de 2021
punitividade), à militarização crescente
das polícias e ao uso do exército para resta-
belecer a “ordem interna”.
LONGEMIRA
Dados os obstáculos à atuação violen- Carlos Fiolhais
ta do poder cru constantes dos tratados
internacionais sobre os direitos humanos
em teatro de guerra, inventaram-se formas
não convencionais de guerra, as guer-
ras irregulares, foi estimulada a criação A Universidade de Princeton, nos Estados
de forças paralelas ilegais para atuar em Unidos, tem fortes razões para celebrar.
articulação com as forças armadas, tais Este ano tem o seu nome associado a quatro
como milícias e grupos paramilitares, e prémios Nobel: na Física, um dos premiados
difundiu-se o recurso a exércitos mercená- foi o americano de origem nipónica Supuro
rios com os mesmos objetivos de iludir as Manabe (90 anos), meteorologista sénior
organizações internacionais de defesa dos ainda ativo em Princeton, que na década de
direitos humanos. 60 foi pioneiro na modelação física do clima,
A violência do poder cru exerce-se ao conseguir relacionar quantitativamente de
hoje de muitas formas que podem ou não modo fiável o excesso de dióxido de carbono
envolver violência física. A neutralização com o aumento da temperatura do plane-
de adversários políticos passou a ser uma ta; na Química, metade do Nobel foi para o
medida comum executada por agências professor de Química David MacMillan (53
nacionais ou estrangeiras, recorrendo a es- anos), nascido na Escócia, que criou um novo
cutas ilegais, notícias falsas, ameaças, dis- tipo de catálise, a organocatálise, prática e
curso do ódio. A neutralização de políticos ecológica; na Paz, metade do Nobel foi para
considerados hostis aos interesses dos EUA a jornalista filipina Maria Ressa (58 anos),
dispôs de novas armas, como os chamados que se licenciou em Inglês em Princeton,
“golpes brandos”, supostamente executa- pelos seus esforços em defesa da liberdade
dos no marco da normalidade democrática, de expressão (é o primeiro Nobel filipino!);
e a lawfare, a manipulação grosseira do sis- e, por último, na Economia, uma parte do
tema judiciário (quase sempre com o apoio prémio foi para o economista americano de
militante dos média hegemónicos) para origem israelita Joshua Angrist (61 anos), que “A modelação de bandos de estorninhos”, um dos trabalhos de Giorgio Parisi, distinguido com o Nobel
atingir objetivos políticos específicos. se doutorou em Princeton e hoje é professor da Física, de par com Syukuro Manabe e Klaus Hasselmann
no MIT, pelo seu desenho de experiências
QUANDO A NEUTRALIZAÇÃO não foi naturais para descobrir relações de causa- em agosto passado do grupo de Ciências cão tropical Leslie, causando prejuízos de mais
possível ou suficiente, recorreu-se ao -efeito, por exemplo a relação entre os anos Físicas do Painel Intergovernamental para de 120 milhões de euros,
assassinato de líderes políticos, mili- de escolaridade e o rendimento de trabalho. as Alterações Climáticas das Nações Unidas, Em 2015, 196 países assinaram o Acordo
tares e sociais. O envolvimento da CIA Nenhum deles nasceu nos Estados Unidos. A nos próximas décadas, faça-se o que se fizer, de Paris sobre alterações climáticas, mas hoje
em assassinato de líderes políticos é por Universidade de Princeton, que aparece no vai subir para mais de 1,5 ºC. O passado mês esse acordo parece insuficiente. Em novem-
demais conhecido, de Patrice Lumumba, filme Uma Mente Brilhante, tem sido um polo de setembro foi o segundo mais quente de bro próximo vai ter lugar em Glasgow a 26.ª
o primeiro chefe de governo eleito demo- de atração global de mentes brilhantes. sempre no mundo e o mais quente ocorreu no Conferência sobre Mudanças Climáticas das
craticamente na República Democrática do Muito haveria a dizer sobre os merecimen- ano anterior. Nações Unidas (COP-26), um evento que foi
Congo, assassinado em 1961, até ao projeto tos de todos esses laureados, mas escolho, adiado de um ano devido à pandemia. Vamos
de assassinato de Julian Assange em vigor por razões de proximidade profissional, dizer ALGUMAS CATÁSTROFES EM PORTUGAL a ver não só o que lá se discute, mas princi-
desde pelo menos 2017. Quanto mais íntima mais sobre o Nobel da Física. A Academia de estão relacionados com o aquecimento global. palmente o que lá se conclui.
é a aliança com os EUA mais comum tem Ciências de Estocolmo decidiu premiar com A 15 de outubro de 2017, quando regressava Falta falar da outra metade do Nobel da
sido o recurso ao assassinato de opositores metade do prémio de 2021 dois dos principais de carro de Lagos para Coimbra, fui obrigado, Física. Incidiu sobre um tema geral no qual
políticos. São os casos, entre outros, da autores da nossa atual compreensão das mu- chegado à Serra de Aire, a sair da autoestrada: as alterações climáticas se integram: os
Colômbia, Israel e Arábia Saudita. danças climáticas globais. A par de Manabe, o caminho até Coimbra, via Torres Novas e sistemas complexos. A distinção foi dada ao
Na Colômbia, apesar de formalmente que, antes de se fixar nos Estados Unidos, Tomar, foi uma travessia do inferno, avis- físico italiano Giorgio Parisi (73 anos) pela sua
finda a violência política com a assinatura estudou no Japão, tendo-se doutorado na tando amiúde fogos de um lado e de outro da descoberta das “interações entre desordem
dos Acordos de Paz com o grupo de guer- Universidade de Tóquio, outro climatologista estrada. A origem desses fogos, que causaram e flutuações em sistemas físicos que vão das
rilha mais importante (FARC) em Havana, premiado foi o alemão Klaus Hasselmann (90 50 vítimas mortais, foi a chegada à Europa do escalas atómicas às planetárias”.
em 2016, foram assassinados desde então anos, tal como Manabe), professor emérito furacão Ophelia, mas o terreno estava propício Parisi, natural de Roma, é prof. da
1237 líderes sociais, entre eles, 348 líderes da Universidade de Hamburgo, fundador pois existia uma seca severa. Universidade La Sapienza em Roma, que
indígenas e 86 líderes afrodescendentes. e ex-diretor do Instituto Max Planck para No ano seguinte, a 13 de outubro de 2018, remonta a 1303. Estudou o confinamento
E, além disso, foram assassinados 295 Meteorologia, também em Hamburgo. estava num casamento perto da costa da dos quarks nos protões e neutrões; fenóme-
ex-combatentes, guerrilheiros que esta- Aos dois anos, Hasselmann, teve de Figueira da Foz e, vendo o agravamento do nos de turbulência em fluidos; a evolução
vam a começar ou retomar a vida civil em emigrar para o Reino Unido, acompanhando tempo, voltei para casa a meio da festa. Se de superfícies de contacto entre fluidos; e
cumprimento dos acordos de paz. Em 18 de a sua família na fuga aos nazis, só voltando tivesse ficado poderia ter visto o meu carro ser vidros de spin, que são sistemas de pequenos
setembro foi assassinado, por via de sofis- aos 18 anos, para se doutorar na Universidade esmagado pela queda de uma árvore, como magnetes em sítios desordenados. Diz ele
ticado controle remoto, o cientista nuclear de Göttingen. Nos anos 70 desenvolveu aconteceu a outros convidados. Tinha chegado que estudar um vidro de spin é como assistir
iraniano, Mohsen Fakhrizadeh, perpetrado modelos que permitiram relacionar o clima ao centro do país, vindo do Atlântico, o fura- a uma tragédia de Shakespeare: não se pode
pelos serviços secretos israelitas, aparen- com a meteorologia assim como métodos ser ao mesmo tempo amigo de pessoas que se
temente com o conhecimento prévio do para distinguir marcas naturais e artificiais odeiam. Parisi achou métodos para encontrar
Presidente Donald Trump. no clima. Não foi nada fácil dada o carácter a situação mais favorável.
Foi apenas o mais recente exemplo de caótico do clima: o abanar das asas de uma O físico italiano tem também artigos sobre
terrorismo de Estado por parte de Israel. borboleta no Brasil pode originar um furacão alterações climáticas, como as idades do gelo
Seguia o exemplo dos EUA cujos servi- no Texas. E, no entanto, é possível descor- no passado. Porém, um dos seus trabalhos
ços secretos tinham assassinado, em 3 tinar alguma ordem dentro da desordem, Os seus trabalhos estão na mais espetaculares foi a modelação de bandos
de janeiro de 2020, por meio de drones, avançando previsões. Os seus trabalhos estão de estorninhos, que formam grandes nuvens
um dos mais respeitados generais irania- na base do atual reconhecimento do facto de base do atual reconhecimento de aspeto ameaçador. Parisi serviu-se de
nos, Qasem Soleimani. No caso de Arábia que as alterações climáticas globais, traduzi- do facto de que as alterações centenas de milhares de fotografias para tentar
Saudita, ficou conhecido o assassinato do das no aquecimento da temperatura média do modelar no computador – o instrumento de
jornalista saudi Jamal Khashoggi, em 2018, planeta, têm origem humana. climáticas globais, eleição para estudar sistemas complexos, se-
por agentes do Príncipe Mohammed bin Tais alterações são hoje o maior desafio da traduzidas no aquecimento jam estes a atmosfera, os oceanos ou um bando
Salman, o mesmo que comprou agora a Humanidade: a temperatura média do plane- de aves – a dinâmica entre ordem e desordem
equipa de futebol Newcastle para gaudio ta subiu 1 ºC desde os níveis pré-industriais
da temperatura média do no voo de aves. Quem diria que a Física viria a
dos adeptos. J e, conforme consta no relatório divulgado planeta, têm origem humana ter esta aplicação na ornitologia?J
34 DEBATE-PAPO

20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

Notas avulsas PROPRIETÁRIA/EDITORA: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.


SEDE: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte,
Edifício Fernão de Magalhães, nº8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520
GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.

PARALAXE
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros
PRINCIPAL ACIONISTA: Luís Delgado (100%)

J
Afonso Cruz PUBLISHER: Mafalda Anjos

R
JORNAL
EDES nadar dos destroços do seu barco até à costa. Neste contexto, a DE LETRAS,
ARTES E
frase torna-se grotesca e seria risível apontar a importância da IDEIAS
Em Cama de Gato, Kurt Vonnegut viagem ou os benefícios da natação e a beleza turquesa do mar DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos

desenvolve um curioso conceito ou qualquer outra constatação sobre o trajeto.


social e religioso chamado “karass”, Consideremos ainda um cenário menos dramático, como
REDATORES: Maria Leonor Nunes, Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte.
que faz parte da doutrina do boko- uma viagem de férias para Londres ou Tóquio ou Bogotá. Por Colaboradores permanentes: Afonso Cruz, Agripina C. Vieira, André
nonismo, uma religião inventada que que motivo seria a viagem até um destes destinos mais impor- Freire, A. C. Cortez, A. Mega Ferreira, Boaventura de Sousa Santos, Carlos
Fiolhais, Carlos Reis, Daniel Tércio, Fernando Guimarães, Guilherme
existiria numa ilha igualmente fictícia tante do que o próprio destino que elegi para visitar? d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões,
J. Rego de Almeida, João Gobern, João Ramalho Santos, Lídia Jorge,
chamada San Lorenzo. Karass é a for- É possível que Mário Quintana discordasse dos argumentos Manuela Paraíso, Mª Alzira Seixo, Mª Emília Brederode Santos, Mª José
mação natural ou espontânea de uma seita, uma rede de pessoas enunciados no parágrafo anterior. No livro Caderno H, o texto Rau, Mª João Fernandes, Mª Augusta Gonçalves, Miguel Real, M. Sanches
Neto, Nuno Júdice, Onésimo Teotónio Almeida, Paulo Guinote, Patrícia
que, sem se aperceberem, partilham os mesmos objetivos. intitulado Uma arte perdida diz o seguinte: “O que estraga Portela, Sofia Soromenho, Tiago Patrício, Tiago Rodrigues, Valter Hugo
Lídia Jorge, no belíssimo Em todos os sentidos, conta que, as viagens, agora, é o seu rápido destino: de repente já estás Mãe e V. Soromenho-Marques

certo dia, depois de receber uma série de mensagens de ami- em Pequim... Benditos, mil vezes benditos aqueles carrosséis OUTROS COLABORADORES: A. Laborinho Lúcio, A. Cândido Franco, A. Pedro
Pita, A. Sampaio da Nóvoa, Ana Maria Bettencourt, Arnaldo Saraiva, B.
gos (todas tinham a literatura como tema) se apercebeu que que ensinaram aos meninos de meu tempo a pura alegria de Bénard-Guedes, C. Mendes de Sousa, Fernando J. B. Martinho, F. Pinto
do Amaral, Gastão Cruz, Filinto Lima, E. Marçal Grilo, Graça Morais,
estas se interli- viajar!” Hélia Correia, I. de Loyola Brandão, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João
gavam, sem que De facto, Barrento, João Costa, J. A. Cardoso Bernardes, Jorge Fazenda Lourenço,
J.-A. França, José Luís Peixoto, José Manuel Castanheira, José Manuel
os seus autores a ausência Mendes, José Reis, J. Gomes André, Leonor Xavier, Manuel Alegre, M.
o soubessem, de destino, o Frias Martins, Marcello Duarte Mathias, Mª Fernanda Abreu, Mª Graciete
Besse, Mª Helena Serôdio, Mª Irene Ramalho, Mª Luísa R. Ferreira,
criando assim no passeio lúdico Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário de Carvalho, M. Vieira de Carvalho,
seu conjunto um (que não serve Miguel Carvalho, Nélida Piñon, Norberto V. Cardoso, Ondjaki, Pilar del
Rio, Ramón Villares, Ricardo Araújo Pereira, R. Miguel Puga, Rui Vieira
significado bem um fim), é Nery, Salvato Teles de Meneses, Sérgio G. Sousa, Sérgio Rodrigues, Sofia
Soromenho, Teolinda Gersão, Teresa Toldy
maior ou mais uma excelen-
PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira
profundo do que te defesa do
SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues
o seu conteúdo aforismo citado
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco
isolado: no início deste REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua da Fonte da
“Muitas vezes texto, o que Caspolima – Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8
2770-190 Paço de Arcos - Tel.: 218 705 000 Fax: 218 705 001
me refiro a uma significa que, email: jl@jornaldeletras.pt. Delegação Norte: Rua Roberto Ivens, 288
seita como a tal como todas 4450-247 Matosinhos - Tel.:220 993 810
MARKETING: Marta Silva Carvalho (diretora) - mscarvalho@trustinnews.
comunidade de as verdades
pt e Marta Pessanha (Gestora de Marca) - mpessanha@trustinnews.pt
escritores, edi- reducionistas,
ILUSTRAÇÃO DE AFONSO CRUZ

PUBLICIDADE: Vânia Delgado (Diretora Comercial) vdelgado@trustinnews.


tores, livreiros deve ser avalia- pt; Maria João Costa (Diretora Coordenadora de Publicidade) mjcosta@
trustinnews.pt; Mariana Jesus (Gestora de Marca) mjesus@trustinnews.
e leitores que da com algum pt; Mónica Ferreira (Gestora de Marcas) mferreira@trustinnews.pt; Rita
teima em man- critério, visto Roseiro (Gestora marca) - rroseiro@trustinnews.pt; Elisabete Anacleto
(Assistente Comercial) eanacleto@visao.pt; Florbela Figueiras (Assistente
ter os livros no que não pode Comercial) ffigueiras@visao.pt; DELEGAÇÃO PORTO: Margarida Vasconcelos
lugar dos livros, ser aplicada (Gestora marca) mvasconcelos@trustinnews.pt; Rita Gencsi (Assistente
Comercial) rgencsi@trustinnews.pt PARCERIAS E NOVOS NEGÓCIOS: Pedro
como artefactos universalmen- Oliveira (Diretor) poliveira@trustinnews.pt
da imaginação te. Há situações BRANDED CONTENT: Rita Ibérico Nogueira (Directora)
rnogueira@trustinnews.pt
imprescindíveis em que um
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO: João Mendes (Diretor)
à nossa sobre- percurso é mais Telf Lisboa – 21 870 5000
vivência. Uma importante Telf. Porto – 22 099 0052
seita que se estreita e se alarga, conforme a nossa crença na do que o destino, outras em que se verifica o oposto. Aliás, PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO: Vasco Fernandez (Diretor); Pedro Guilhermino
causa, e o esforço que fazemos por ela. Mas hoje, eu sei que a é importante salientar a possibilidade de a maior parte dos (Coordenador de Produção); Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves e Paulo
Duarte (Produtores); Isabel Anton (Coordenadora de Circulação)
seita tem ainda uma outra dimensão, a de nos ampararmos meninos de qualquer tempo não quererem saber do trajeto até
ASSINATURAS: Helena Matoso (Coordenadora de Assinaturas)
uns aos outros, para sentirmos a perda não como perda mas ao carrossel. SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE: Tel.: 21 870 50 50
como experiência, e o pânico, não como pânico mas como (Dias úteis das 9h às 19h); apoiocliente@trustinnews.pt
campainha. E a beleza como supremo conforto.” IMPRESSÃO: Lisgráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de
Baixo. Distribuição: VASP MLP, Media Logistics Park, Quinta do
EDUCAÇÃO Grajal. Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000.
Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt – Tel.: 808 206 545,
Fax: 808 206 133
PINTAR Por acreditar tanto na educação, parece-me impossível – ou TIRAGEM MÉDIA: 7 100 exemplares
pelo menos difícil de aceitar – que o trabalho de Séneca como Registo na ERC com o nº 107 766
Bacon disse que a pintura é o padrão do nosso próprio sistema preceptor de Nero tenha resultado em Nero. Depósito Legal nº 127961/98 – ISSN nº 0872-3540

nervoso projetado numa tela. Estatuto editorial disponível em www.visao.sapo.pt/informacaopermanente


A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios
nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos
CHOCALHOS e/ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a
CARROSSÉIS realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes
e agências ou empresas publicitárias. Interdita a reprodução, mesmo
Arquitas de Tarento, pitagórico, discípulo de Filolau de parcial de textos, fotografias ou ilustrações sob qualquer
meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais.
O importante é a viagem, diz-se amiúde. O chavão, talvez Crotona – Filolau terá sido o primeiro filósofo a acreditar que a PORTE PAGO

decorado com uma fotografia do crepúsculo em que se vê a Terra era um planeta como os outros e que orbitava o Sol (fogo
silhueta de um caminhante que contempla a paisagem, foi e central) e não era portanto o centro do universo – inventou o
continua a ser alvo de milhões de partilhas nas redes sociais. chocalho ou um tipo de chocalho. Também dizem que criou Ligue já 21 870 5050
A frase, com todas as suas variações, umas mais complexas uma pomba de madeira capaz de voar. Assine o
Dias úteis: 9h às 19h

outras mais subtis, parece ao fruidor, não apenas bela, mas Aristóteles, em Política, diz o seguinte sobre o chocalho:
também inapelavelmente verdadeira e sábia. “As crianças devem sempre ter algo para fazer, e o chocalho
A objeção à solidez do aforismo raramente é posta em cau- de Arquitas, que as pais dão aos filhos para que se entrete-
sa, ainda que, sem grande esforço, se possam enunciar alguns nham e impedir que partam coisas em casa, foi uma invenção
exemplos: será que quando viajo para me encontrar com fundamental, pois uma criança não consegue estar quieta.”
alguém que amo, é o trajeto que importa e não o reencontro? Nesse sentido, eis alguns dos mais recentes chocalhos (para
Imaginemos ainda outro cenário, em que um náufrago tem de todas as idades): televisão, tablets, consolas. J
20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT DEBATE-PAPO 35 ↗

HOMEM DO LEME
Manuel Halpern

Crianças
sem rede

Y
ou can’t say fuck in Radio Free
America”. A frase é da Patti Smith e,
nos anos 70, sintetizou as contradições
e a hipocrisia do país das grandes liberdades.

ILUSTRAÇÃO DE VALTER HUGO MÃE


A liberdade, em Nova Iorque, é uma es-
tátua que está sempre a olhar para o mesmo
lado. O puritanismo subsiste. E esse purita-
nismo persistente e mofo foi importado para
as redes sociais que, apesar de americanas,
são um espaço onde virtualmente vive uma
parte considerável da população mundial
que se sujeitam, por força das circunstân-
cias, a uma espécie de aculturação moral. O
que há de mais certo no facebook, instagram
e afins… é que não se encontra ali esboço

Tumulto de Francisco Laranjo de nudez. Mais facilmente se descobre uma


cena de decapitação do que um mamilo
feminino a escapar de um decote arrojado.
Se na França de 1800 vingassem as leis de
Zuckerberg, Coubert seria enviado para
as masmorras antes de poder mostrar ao
mundo a sua origem. O mais irónico neste
“e toda a nudez será castigada” é que, ao que

AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA
parece, estes legisladores do mundo virtual
deixam-se tomar pelo mais básico instinto
de pudor e esquecem-se de tudo o resto…
Valter Hugo Mãe Se o mundo é um lugar perigoso, as redes
sociais deveriam ter todas o símbolo de uma

É
sirene, sobretudo para os menores que as
sociedades modernas almejam proteger.
importante a exposição de Francisco representa-se a si mesma e está ao abandono de suas próprias ca- Estreia agora em sala À Solta na Internet,
Laranjo na Sala Júlio Resende, em pacidades. Não procura fazer ver o mundo, ela é o mundo em causa. uma chocante experiência filmada. A dupla
Gondomar. Não se frequenta a arte de Contudo, a arte de Laranjo é a profunda encenação. Postas em de realizadores checos Barbora Chalupová e
Laranjo sem a perturbação elementar dos painéis soltos, como estruturas de obra, pladures num estaleiro de Vít Klusák contratou três atrizes adultas que
conceitos, algo que nos envolve imedia- construção civil, as aguarelas mimetizam o colorido casual da ofi- aparentassem 12 anos. Montou-lhe quartos
tamente em questões de fronteira entre cina mas são sempre aguarelas num formato padronizado, pecu- de pré-adolescentes em estúdio, criou-lhes
o que é e não é arte. Talvez nunca como liarmente pequeno, protegidas por um vidro. A aguarela também contas nas redes sociais e ficou à espera para
agora o artista tenha levado o assunto a nunca seria o "borrão" natural de um estaleiro de construção. É ver o que sucedia. E o que sucedeu foi que, ao
tão extremo limite. Na montagem peculiar uma ironização, uma espécie de delicadeza da arte plástica levada longo de apenas 10 dias, as supostas crianças
desta série de aguarelas se desconstrói a convenção da arte para para o espaço bruto onde se ergue uma casa. Como se ao acaso receberam 2.458 contactos de predadores
se insinuar o seu acontecimento acidental, o que torna o artista nascesse a mais bela renda num sarilho involuntário de linhas. sexuais. Note-se que as atrizes cumpriram um
naquele que colhe mais do que naquele que faz. código de conduta em que não provocam os
Vai nisto uma ferida à intencionalidade da obra. Uma certa COM OS PLADURES ENCOSTADOS ÀS PAREDES e tijolos des- homens e faziam por resistir aos assédios de-
crítica à folia dos que correm por inscrever na obra um sentido pontando aqui e ali, a galeria Júlio Resende confunde-se. Alude clarados. Nada disto impediu estes predadores
de algum rigor, explícito, como se a subjugassem a uma visão à construção civil para coincidir com esta na obtenção da arte. de avançarem sem escrúpulos, tirando partido
preferencial, tendencialmente única. Com Laranjo o que vemos é Acidentalmente, exatamente pela mestria do artista que sabe onde da fragilidade infantil ou pré-adolescente,
a mistificação do avesso. O sentido vai insinuado no corte, num cortar, o que editar naquilo que o mundo contém, a obra nas- utilizando métodos manipulatórios, incluindo
efeito semelhante ao do fotógrafo que edita de entre tudo quanto ce. A obra nasce da colheita, como dizia acima. Essa é a mimesis a chantagem. O filme, que serve de grito de
tem diante de si o que lhe interessa destacar. As suas aguare- essencial da exposição de Francisco Laranjo. Ela mimetiza o que o alerta, vai até ao limite de filmar encontros
las surgem como essas inadvertido gesto humano pode conter de estético. com estes homens através de câmaras escon-
opções tomadas de entre Sob o título de “Contramuros", a série de aguarelas que se didas. E no final chega mesmo a confrontar um
as infinitas possibilidades, mostram também nos leva a pensar na arte como um reforço da deles com o seu crime. Tudo isto se passa no
e sobem à parede como se parede, um reforço da casa, um elemento essencial para a robustez mesmo sítio onde partilhamos os gatinhos.
fossem eleitas. Claro que é de um lugar e de alguém. O contramuro reforça ou substitui um Claro que Zuckerberg e companhia se
um efeito, mas é exata- muro preexistente, o que significa que participa no edifício para poderão refugiar alegando que as redes são
mente o efeito que levanta o proteger ou segurar, para o fazer perdurar. A arte vista como para maiores de 13 anos, que os pais devem
a questão. A arte vista como complemento dos lugares onde cabemos, desde logo mentais e tomar conta dos seus filhos, etc… Mais difícil
O que Francisco complemento dos identitários, impõe a sua dimensão tutelar, humanizante, sem a de explicar é como o Facebook e outros
Laranjo problematiza é a qual se não pode falar da completude de alguém. deixaram escapar informação confidencial
intencionalidade que uma lugares onde cabemos, A pessoa, como a casa, maturará longeva e equilibrada apenas com para a Cambridge Analytica, influenciando
imagem pode conter. A sua desde logo mentais e o atempado levantamento destes contramuros, apoios fundamen- e manipulando momentos-chave da políti-
ansiedade em significar tais para o pensamento, para o assombro, para o deslumbre, para ca mundial (como o Brexit e as eleições dos
concretamente alguma identitários, impõe a a vital necessidade de imaginar. Somos o que imaginamos, talvez EUA e Brasil), mas não consegue controlar os
coisa. No espectro do gesto sua dimensão tutelar, bem mais do que aquilo a que as evidências obrigam. horrendos meandros da pedofilia e abuso de
espontâneo ele encontra Na Sala Júlio Resende vai uma urgência de imaginar. As evidên- menores.
caminho para erodir o
humanizante, sem a cias são todas dobradas à sua força. Gosto especialmente desta expe- Cada vez menos as crianças brincam
artista e deixar que obser- qual se não pode falar riência de nada ser deixado à facilidade. Entrar numa galeria de arte sozinhas nas ruas, porque cresceu a ideia de
vemos o resultado também não deve ser coisa para incautos. Nem uma obra deve ocupar-se com que as ruas se tornaram lugares perigosos.
em assinalável resistência
da completude de ser obrigatoriamente gentil. O quieto das peças não é passividade al- Mas de nada vale trancar as portas quando o
à representação. A obra alguém guma. Muito ao contrário. Francisco Laranjo propõe um tumulto. J monstro está dentro de casa.J
36 ↗
J 20 de outubro a 2 de novembro de 2021 JORNALDELETRAS.PT

DIÁRIO
Múltiplos Leminskis Gonçalo M. Tavaress

O mundo e o
olho humano
NA HORA DE COMER O TREINADOR
1
Patrícia Portela

N
Começar a pensar o mundo a partir da
morte do pai; aliás, a partir do nasci-
mento do pai. No caso de Onfray, 1921.
Cosmos – Uma Ontologia materialista, de
em sempre temos a oportunidade dos curto circuitos no cérebro, menosprezando os destinos Michel Onfray.
de deambular pelo pensamento de lineares. É perceber que ser, estar, saber, poder, querer, fazer,

2
alguém que aprendeu a aprender ouvir ou caber são afinal os únicos verbos regulares da nossa
para nunca mais deixar de saber língua, e que é no tentar e no ser tentado que está o engenho Quando começa o mundo? Começa
sempre mais. mesmo quando não se prevê (em números) o ganho, o jeito ou a quando nasce o pai, a mãe.
Nem sempre temos a oportuni- conclusão. Antes, o que é o mundo? História,
dade de saber mais caminhando ao A exposição Múltiplo Leminski grita-nos: Não podemos passar não memória.
lado de sábios atentos, sedentos, e um dia sem pensar! Não podemos pensar um dia sem pensar! O que é a História? É o que aconteceu
de, com eles, darmos os primeiros Como se pode passar um dia sem pensar? antes do nascimento do meu pai.
passos pela arte do bem pensar. Mais do que permitir o encontro com a sua magnífica obra, O que é a memória? É o que aconteceu
Nem sempre temos a oportunidade de bem pensar enquanto mais do que celebrar a sua Poesia Reunida, agora também depois do nascimento do meu pai.
fazemos: o amor, a arte, o trabalho, o dever, os dias. Passamos editada em Portugal (pela Imprensa Nacional) e mais do que

3
pelas horas a cumprir - horários e promessas - sempre em comemorar e revelar a multiplicidade da sua atividade artística
atraso, mais em dívida do que em boa companhia, mais em ou revelar aspetos mais privados do seu processo de criação, Em parte, o que faz a ciência contem-
velocidade do que com ponderada ação. Agimos sem tempo, esta exposição é um convite a percorrer a lógica, as associações porânea? Ilumina alguns caminhos
concluímos sem raciocínio, dizemos sem sentido, orienta- de ideias, as circunstâncias e as atitudes de um criador que se vê antigos, vira as costas a outros.
mo-nos sem bússola, sinónimo de sim na sua A investigação atual por vezes resulta,
perdemos tantas vezes relação com o mundo. então, da crença numa hipótese antiga que
o coração em nome de Percorro a exposição foi abandonada. Com mais meios técnicos,
(outra) razão. e pergunto-me se ocupo volta-se ao mesmo caminho.
Talvez por isso os meus dias como deve- Nas Edições 70, o livro de Carlo Rovelli,
vivamos hoje com mais ria, se os dedico de facto físico teórico italiano, Anaximandro de Mileto
medo. Com mais dúvi- ao livre exercício de – ou o nascimento do pensamento científico.
das. Com mais pressa. criar e de proporcionar Curioso, neste particular, um capítulo
Com menos palavras. espaço de criação, de intitulado: “Pensar Anaximandro depois de
Com mais entusiasmo “pensação”, de desar- Einstein e Heisenberg”.
forçado pelo que nos de- rumação. Dedicar uma O que é antigo muda, se o que é contem-
sanima, e menos paixão vida a pensar é talvez a porâneo não ficar no mesmo lugar.
pelo que nos falta ainda mais nobre das tarefas.

4
conhecer. Nem sempre Traduzir o ato de pensar
somos quase, nem tudo em projetos, em casas, A expressão “ver a olho nu”.
é sempre tão pouco, em jardins, em livros, Expressão que só existia, de forma
nem tanto do que se vive em histórias aos qua- pura, antes da invenção da lente,
preenche tanto como se, dradinhos, em ensaios, qualquer que ela seja.
de facto fosse muito, e Paulo Leminski em aulas, em formas de A lente subitamente curou a solidão do
no entanto, afunda-nos, estar e de viver é talvez olho diante do mundo visível.
pesa-nos em demasia. a única atividade que O olho parte para ver, mas já não parte
Felizmente, nem nos distingue de sermos sozinho.
sempre o tudo que nos falta conhecer está fora do nosso al- pedras que não voam só porque não têm asas. De sermos pó. De

5
cance. Passear pela exposição Múltiplo Leminski, na Casa da sermos tralha complexa à deriva pelo universo.
América Latina em Lisboa, é uma bênção; um rapto consentido Se tem um minuto, ou mesmo se não o tiver, pare. Pegue Falar em olho nu, diga-se, é atribuir aos
ao atabalhoamento dos nossos dias para desembaciar os olhos no mapa. Tire a hora de almoço para não comer, ou o fim de olhos uma nudez que estes nunca tive-
das correntes turvas do que se escreve em vão. Uma viagem tarde para esquecer aquele email que só lhe trará mais chati- ram. Os olhos nunca estão nus ou, pelo
pela forma de pensar de um homem que foi poeta, tradutor, ces no emprego antes de lhe resolver o negócio ou a situação. menos, quase nunca. O resto do corpo sim.
publicitário, jornalista, escritor, letrista, compositor, judoca, Desloque-se. Suba as escadas. Leia com carinho o trabalho O pudor tapa tudo e por vezes só os olhos
pai, filho de um polaco e de uma brasileira de origem africana e minucioso das suas filhas Áurea e Estrela Leminski e da sua resistem. E não apenas nas mulheres e em
indígena, seminarista na sua jovem idade adulta, aprendiz toda companheira e poeta Alice Ruiz. Não aprecie apenas o que vê. certos países; também nas festas carnavales-
a vida, provavelmente bom cozinheiro (não há notícia, mas faria Procure passear pela mente de quem chegou àquelas lín- cas e noutras.
sentido), apreciador de amigos, línguas e gins. guas, àquelas influências, àquelas obras, àquelas geografias e Os olhos tapados, no limite, cegam o
Um homem que escreveu a biografia de Jesus antes de Cristo qual situacionista francês, coloque o mapa do pensamento de seu portador. Não há maior pudor, poderia
(sobre a sua costela de filósofo e poeta), de Baschô, o mestre Leminski sobre o seu. Que lugares ainda lhe falta ocupar? Que dizer-se, não há pudor mais terrível do que
dos Haikus, ou de Trostky. Um homem que traduziu Petrarca, saberes ainda lhe falta descobrir? Siga as instruções do poeta, a cegueira.
Joyce, Jarry ou Mishima, entre 156 traduções de 14 línguas como se fosse uma criança e prometa: estar sempre alegre/ Não quero ver, tenho pudor: por isso
diferentes, umas vivas, outras mortas. Um homem que dedicava nunca ficar inativo/ e chorar com força por tudo o que se quer! cego-me.
os seus dias a satisfazer a sua desmedida ambição intelectual e Depois tenha uma ideia brilhante! Como se olhasse para dentro

6
erudita e que amava os universos entre o amarelo e o azul. Um de um diamante e o seu olho ganhasse mil faces num só instan-
homem muita coisa, e portanto, alguém que sabia encher pou- te! Um olho nu é um olho que vê.
cas palavras de muitos sentidos. Nunca cometa o mesmo erro duas vezes/ cometa duas, três/ Não vê tudo, mas vê o suficiente.
Percorrer a exposição Múltiplo Leminski é confirmar que quatro, cinco, seis/ até esse erro aprender/que só o erro tem O humano pode gritar pelo que vê,
somos todos feitos de muitos corpos, muitos saberes, muitas vo- vez! e não apenas pelo que imagina.J
zes, muitas nossas, muitas de outrem, mas é também perceber e Conclua como Leminski: “Haja hoje para tanto ontem!”
perguntar como é possível nem todos abraçarmos essa multi- Saia da exposição sabendo que Inverno é tudo o que sinto,
plicidade como forma de estar e de agir, no espaço e no tempo, Viver (afinal) é sucinto! J
na vida e na morte, na saúde e na doença. Com voracidade e
lentidão. (A exposição Múltiplo Leminski está até dia 3 de novembro, na
Percorrer esta exposição é descobrir a vantagem peculiar Casa da América Latina em Lisboa)

Você também pode gostar