Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este artigo trata da sociologia nos países subdesenvolvidos, ou seja, analisa as condições sociais e materiais
desumanizantes em que a massa oprimida se encontra. O autor da “sociologia dos países subdesenvolvidos”,
mostra a metodologia usada pelas elites para alienar o povo pobre e legitimar a opressão, apontando como
agem os falsos intelectuais dos diversos campos do saber, contra os oprimidos e a favor das elite promotora
e sustentadora das diferentes formas de dominação provocada pelo subdesenvolvimento do país.
Palavras-chave
Subdesenvolvimento nacional. Colonialismo intelectual. Dominação social.
Abstract
This article deals with some aspects of sociology in the underdeveloped countries through the analysis of
the social and material conditions in which the oppressed people produce and develop the dehumanization
of their existence. In this work, the author shows the strategies used by the elite in order to alienate the
poor people. Besides that, he also points out the way the false intellectuals, from the several different fields
of knowledge, act against the oppressed mass and in favour of those elites that promote and support the
different ways of domination brought by the underdeveloped country.
Key words
National underdevelopment. Intelectual colonialism. Social domination.
170 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
bre a outra. zam e legitimam tais sistemas por meio das
O autor considera indispensável que chamadas pesquisas de campo cujos resul-
pensadores de boa vontade expliquem os tados espalhados em revistas científicas e
acontecimentos às massas, ou seja, traba- congêneres estruturam uma ideologia de
lhem uma teoria revolucionária responsável dominação, composta por aparentes corren-
pela superação do caráter ingênuo do pen- tes divergentes de entendimento da realida-
samento do povo caracterizado pela imo- de. No entanto, convergem no que é essen-
bilidade e por explicações religiosas. A teo- cial, ou seja, afirmar o capitalismo como des-
ria revolucionária revelará compreensão da tino da humanidade civilizada e a classe
natureza social dos infortúnios de classe, trabalhadora como capaz de superar, com
ou seja, as razões da opressão, que não de esforço, determinação, mais e mais trabalho,
cunho moral. Os dominadores fazem qual- sua condição de explorada. O importante,
quer esforço para aliviar essa opressão. para tal ciência da dominação é negar de
A criação de uma anti-sociologia es- todas as formas a possibilidade de destrui-
vaziaria de conteúdo a sociologia da domi- ção da estrutura social em classes antagôni-
nação. Seu primeiro gesto seria a desmisti- cas, tanto quanto a destruição da dicotomia
ficação da assistência humana e cristã dos país desenvolvido e país subdesenvolvido.
dominadores, uma das quais passa pela Segundo AVP, desfigura-se a Sociolo-
formação acadêmica dos cientistas sociais, gia confundindo-a com Psicologia, desvian-
cujo único objetivo é legitimar, cientificamen- do-se motivos sociais para explicações
te, as ciências sociais da opressão. Assim, grupais e individuais com base em concei-
as armas intelectuais voltam-se contra o tos de ordem psicológica, tais como motiva-
povo e não a favor dele, nos países subde- ções, complexos, pulsões, etc. Deslocam-se,
senvolvidos. A noite ártica da inteligência assim, os conflitos de classe para reações
dos intelectuais revolucionários, como res- individuais ou coletivas de cunho patológi-
salta AVP, deve ser acompanhada da pro- co. Como corolário, segue-se que a organiza-
funda compreensão do passado e do pre- ção social capitalista é perfeita; inadaptados
sente das culturas, para poder explicar o são alguns de seus atores. Isso granjeia pol-
processo de sucessão das formações sociais, pudas recompensas financeiras aos psi-
quando o contato com as massas se fizer quiatras que tratam dos chamados proble-
possível. Nesse contato, mostrar-se-á, sem- mas psicossociais, muitos dos quais fabri-
pre, que a vigência de um sistema de liber- cados no país dominador.
dade econômica, segurança nacional e co- Diante desse quadro, os inconforma-
municação de massas que enfeitiça o povo, dos com o sistema são, justificadamente,
só atende aos interesses dos que detêm a enquadrados em programas de adaptação.
propriedade dos bens econômicos, dos E toda forma de rebeldia política é passível
meios de segurança e da comunicação. de tratamento, que vai da cadeia ao
Esses, em geral, são instrumentalizados por manicômio. A finalidade suprema é obter
teóricos acadêmicos que reiteram, naturali- trabalho docilizado na ordem capitalista.
172 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
explicar as relações de trabalho típicas da explosão populacional, porque alardeia não
sociedade humana e denuncia o uso hipó- mais suportar o ônus da ajuda aos povos
crita que os sociólogos da burguesia fazem desafortunados, o que mascara a conve-
das ciências da vida para naturalizar a exis- niência de não multiplicar potenciais
tência permanente do vale de lágrimas rebeldes que desenvolvam uma consciência
onde habitam os explorados pelo capita- de si, oferecendo dificuldades de contenção
lismo numa luta pela vida, que é mais luta pelo poder. Não se hesita em empreender
inglória do que vida. o genocídio de populações infantis e adul-
Aponta a livre concorrência como a tas de risco, seja através do chamado plane-
teoria que salva a classe dominante de jamento familiar ou por meios mais diretos.
culpa e justifica o estado indiscriminado de Alia-se, ao conjunto das chantagens
espoliação pelas teses de seleção natural recentes, a utilização do conceito de polui-
no ambiente social, então explicado com o ção, priorizando o ambiente sobre seus ocu-
apoio de conceitos como nicho, ecossistema, pantes e a predominância da relação com
taxas de predação, mimetismo etc., forne- o meio em detrimento do convívio com os
cendo argumentos para a suposta indolên- semelhantes que pode provocar o estabe-
cia, indiferença e incapacidade dos pobres. lecimento de uma consciência comum e a
Conceitos da cibernética, também, organização de formas de luta coletiva por
são acoplados às estruturas da sociologia parte da maioria deserdada da humanida-
justificadora da miséria do mundo que, so- de. Dessa forma, a noção de classe social é
mados à Psicologia, Biologia, Ética e Eco- esvaziada por não ter fundamento ecoló-
logia oferecerão substratos para trabalhar gico. O autor alega que o homem não faz
uma noção de raça que desvirtua os menos parte de nenhum ecossistema, porque o
afortunados, caracterizados por saúde pre- reflexo da realidade, que é a sua consciên-
cária e tendência à explosão populacional. cia, permite-lhe alterar as condições do
A cor da pele sanciona o rol de deficiências mundo.
naturais, bem como a superioridade cultu- Para atribuir qualidade e cientificida-
ral e moral, a posição geográfica em que o de às suas proposições, os sociólogos da
povo habita, se mais setentrional ou mais burguesia também se valem da matemáti-
meridional do planeta, e o clima a que es- ca, de cuja manipulação estatística retiram
tão sujeitos, se mais quente ou mais frio. valiosa colaboração nas correlações entre
Esquecidos da história que marca o dados sociais, principalmente de caráter
berço da civilização em terras quentes, demográfico, além de projeções gráficas,
abaixo do Equador e com homens negros, diagramas e curvas que sempre serão lidos
o capitalismo e o imperialismo europeu e de acordo com os interesses do sistema.
norte-americano reescrevem a história em Além disso, a obstinação pelo uso de medi-
função de seus interesses. das exatas, ou uma sociometria para uma
AVP denuncia, como a mais recente ciência qualitativa como a sociologia, só
chantagem imperialista, o espantalho da pode conduzir a distorções da interpretação
174 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
para o natural e permanente estado da A partir desse ponto, AVP dedica-se
estrutura social. a explicar como se dá a direção financeira
Conforme AVP, recentemente os e social dos centros hegemônicos sobre os
sociologetas introduziram nos mecanismos países do vale de lágrimas, dizendo ser, a
de ocultação do vale de lágrimas, no âm- economia, a ciência que ocupa o papel cen-
bito da cibernética, cálculos que estudam e tral na mistificação global. Para tanto, inicia
criam processos de controle dos seres vivos com o desvelamento da noção de capital,
e máquinas, operando quase ilimitadamen- pois, aí reside o interesse máximo dos bene-
te sobre projetos e programas sociais cujas ficiários do sistema em ocultar que o mun-
conclusões, a gosto dos sociologetas de do pode viver sem a presença e as funções
aluguel, são tornadas, na atualidade, ex- do capital. O autor recorre à história dos
pressões máximas do saber científico. A ci- povos para provar que a inevitabilidade do
bernética, tornando-se a ciência do gover- sistema capitalista para uma sociedade
no da sociedade, promete trazer a solução bem organizada é um engodo que a bur-
ideal à sua direção, apelando para a re- guesia implantou a partir do século XVI.
denção da humanidade graças à redenção Em seguida, aborda o dinheiro en-
dos robôs, desaparecendo, afinal, o vale de quanto primeira forma na qual o capital
lágrimas. AVP reafirma, enfaticamente, que, aparece (troca de dinheiro por dinheiro) e o
para que tal houvesse, somente a redistri- lucro gerado no curso da circulação mer-
buição da propriedade dos meios de pro- cantil e depois cambial. Mostra, então, como
dução seria a solução, obtida pela luta in- uma minoria se apossa da capacidade de
cessante das massas na nova ordem polí- produzir, inclusive os conhecimentos cultu-
tica do mundo. A evolução tecnológica rais tomados como válidos e até mesmo
apenas continuará beneficiando os capita- as instituições e as figuras simbólicas, como
listas, consumidores na acepção da palavra a do Estado. Esse é apresentado, por AVP,
– inclusive da classe oposta, pelo esgota- como incumbido da coleta do lucro geral,
mento das suas forças –, indivíduos regres- conservação, estrutura e instalação do po-
sivos que tentam parar a história que os der político com seus dirigentes e corpo
levará ao desaparecimento. tecnocráticos hipocritamente apresentados
No encobrimento do vale de lágri- como destinados a presidir a distribuição
mas, operam em conjunto a cibernética, a dos lucros sociais. Mostra como os dirigen-
informática e a teoria da comunicação. tes subvencionam os peritos destinados a
Enfatiza AVP, as massas sofrem, apesar dis- vedar ao trabalhador o acesso ao saber,
so, de máxima deficiência de informação e instituindo a servidão de profissionais cuida-
de comunicação num mundo que se diz dosamente selecionados pelo poder.
potencializado pela informática e pela co- Demonstra como a universidade
municação, mas que é regulado pela voz cumpre o papel selecionador e criador das
do pastor e pelo balir obediente das ove- teorias e modelos convenientes, exempli-
lhas. ficando como os futuros economistas, em
176 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
AVP afirma a tese de que o subde- enfática e contundentemente, realiza com
senvolvimento tem de ser pensado pelo coragem e argúcia únicas e mostradas ao
mundo subdesenvolvido em esforço de leitor à vista dos fatos sociais de um ponto
ascensão e executando uma política de li- dificilmente focado. Insistindo na compreen-
bertação de todas as submissões. são dialética do processo de desenvolvimen-
Em contraposição à tese que afirma to, dá as costas a tantas outras análises de
serem desenvolvidos os países que quanti- poder que talvez lhe oportunizassem, dada
tativamente alcançaram um certo nível de sua erudição e rigor intelectual, mais consis-
suas economias, o autor afirma que desen- tência e atualidade na denúncia dos fatos e
volvido é o país soberano, ou seja, um no anúncio das perspectivas. Bastaria calcar-
modo de ser existencial da população autô- se na sua brilhante percepção e apurada
noma e com igualdade cultural, social e eco- intuição para interpretar a realidade, em vez
nômica. de valer-se de métodos acadêmicos (materia-
Em todos os momentos, AVP insiste lismo histórico) que tanto critica. Uma das
que só a lógica dialética não idealista, que coisas fantásticas que AVP desvela é como
ele entende como a materialista histórica, a invenção de conceitos, índices e estatísticas
está capacitada a apreciar a correlação são a prata da casa da universidade e apenas
entre os diversos processos nacionais e não servem para dificultar a compreensão da re-
as matrizes quantitativas comparativas, alidade do mundo. No entanto, parece es-
como as usadas pelas disciplinas universi- quecer que os conceitos da ciência dialética
tárias e seus peritos de aluguel do capita- hegeliana são também a prata da casa des-
lismo liberal dos chamados países desen- sa mesma universidade.
volvidos, que ele designa por imperialistas. A visão de processo histórico de AVP
Considera que a dialética do desenvolvi- leva-o a considerar que todo império foi
mento é inseparável da luta do povo por nação subdesenvolvida e será ex-império.
sua ascensão política, crendo, decididamen- Seu desenvolvimento deveu-se ao saque
te, na revolução política transformadora. colonial que realizou. Embora, para nosso
Aqui, um comentário nosso é neces- autor, não seja necessária essa estratégia
sário ser feito: além da obsessão pela análi- para galgar desenvolvimento, se o enten-
se dialética, nosso autor não se desprende dermos como alto nível de bem-estar e
das estratégias revolucionárias clássicas, o dignidade humana nas relações de produ-
que, a nosso ver, desmerece sua obra, já que ção no trabalho comum, acrescida a sobe-
a revolução tão sonhada por tantas cons- rania política baseada na circulação de
truções da consciência de si na sociedade bens materiais e culturais, sem pilhagem,
de representação, totalmente desarticulada, agressão e domínio entre as nações, hoje,
que vive o mundo contemporâneo sob rígi- subjugadas, que são maioria e que unidas
do controle global de todos contra todos, jo- podem ser muito fortes.
gou tais estratégias para uma quimera. Nem AVP lamenta a perda da noção de
por isso, perde consistência a denúncia que, classe social entre os povos subdesenvol-
178 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
opressão dos altos escalões da hierarquia grandes massas não-letradas.
dirigente e um processo de sectarização sem AVP ataca com veemência os estu-
fim. Como estratégia de sustentação nos- diosos estruturalistas da semântica, que
so autor aponta o artifício do ecumenismo considera nascidos na nação hegemônica
na tentativa de manter o domínio da cons- e colonizadora, comparando-os com a
ciência das multidões que tendem à cons- maioria dos lingüistas e informáticos. Nes-
ciência livre e desmistificada. Reconhece a se ponto, cita vários embustes semânticos.
existência de um clero jovem progressista O termo subdesenvolvimento, por exemplo,
aliado à causa da libertação e que represen- é substituído por diversos eufemismos
ta o trânsito de uma formação capitalista como países em via de desenvolvimento,
para outra e que se anuncia, não como a áreas marginais, países assistidos pela aju-
Boa Nova mística, mas como a organização da técnica, etc., mesclados com noções re-
racional e prática da sociedade que já se ferentes a excesso de população e escassez
adianta em vários países. de alimentos, tudo isso convertido em ma-
No seu afã de elencar as formas de téria técnica reservada ao conhecimento e
ocultação da miséria do país subdesenvol- discussão de poucos eruditos. Até mesmo
vido, AVP chega a nomear o que chama o fato concreto das favelas é substituído
de ocultação lúdica do subdesenvolvimen- por conjuntos habitacionais, espezinhante
to. Trata-se de formas de divertimento po- solução que supõe a permanência da aglo-
pular, como o carnaval, o futebol e festivi- meração pobre longe da favela rica, ou seja,
dades religiosas, meras distrações da cons- bairros residenciais.
ciência da realidade, as quais, segundo ele, AVP ressalta que os técnicos, cientis-
passaram de permissão para alívio do tra- tas ou políticos sociais acusam de escan-
balho constrangedor à concessão para a dalosos os estudiosos sérios que falam em
satisfação limitada e vigiada de um calen- subdesenvolvimento e utópicas as idéias
dário festivo institucional. AVP denuncia um nacionalistas que incidem na mais primária
verdadeiro profissionalismo semântico em compreensão dos fatos. Por isso, são sub-
ditos e escritos convenientes à manutenção versivos, perturbadores do trabalho pacífico
da alienação3. e esclarecido dos técnicos. Quanto à cons-
À força de engenho e arte, fabricam- ciência popular, os técnicos, convertidos em
se figuras políticas e poderosos homens de autoridades administrativas, consideram
negócio, com a máxima facilidade e rapi- que o povo nada tem a dizer sobre concei-
dez –, aptos a esclarecer o momento políti- tos nebulosos e imprecisos, porque o golpe
co nacional ou internacional, com um vul- semântico transformou realidade em con-
toso e impenetrável linguajar técnico impro- ceito, longe da curiosidade do povo. Os di-
visado. Isso tem um efeito de conteúdo rigentes fiéis às tradições nacionais, que
ideológico irradiado pela máquina publici- nada mais são que as tradições da classe
tária que atinge inicialmente grupos letra- dominante, afirmam que o certo é como
dos que as passam como recado para as eles tratam as questões e, se não for assim,
180 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
Entendem os técnicos da espoliação locais etnográficos, suprimindo a análise
que um país atinge o desenvolvimento dialética dos fatos:
quando consegue conquistar o domínio O pecado mortal na formação do sociólo-
político de áreas pobres, apropriando-se de go das áreas pobres consiste em partir da
seus recursos materiais, entre eles o traba- sociologia feita para definir o subdesenvol-
vimento, quando o que compete ao inte-
lho das massas esmagadas, aparecendo lectual nativo é partir do seu subdesen-
como forte diante de outras, débeis. volvimento para definir a sociologia (PIN-
AVP chama a atenção de que a rela- TO, 1975, manuscrito).
ção de dominação, sendo um fato dialético O procedimento adequado, segundo
total, não se resume ao recebimento passi- nosso autor, é:
vo de ordens ou lições. O dominador julga [tendo] fundado a ciência no particular
destruir o dominado, mas estabelece com concreto, atravessará a camada do univer-
ele um diálogo confrontante, que vai do sal abstrato para daí chegar, por fim, ao
debate lógico ao choque revolucionário vi- universal concreto, o ponto de máxima
altitude na intelecção científica. Para isso,
olento. A revolução é a metalinguagem dos
porém, precisará estar munido do instru-
que não podem falar. Já a violência da domi- mental lógico dialético, sem o qual a as-
nação consiste em criar, no meio nacional censão inteligível o transformará num al-
vencido, uma legião de violentos, educá- pinista malogrado sociólogo (PINTO, 1975,
los com atribuições dirigentes, administrati- manuscrito).
vas e intelectuais, que apelam para a cen- A primeira exigência do espírito crítico
sura irracional, para as pesquisas, a cate- é rejeitar, a título de atitude metodológica
quese e outras estratégias que vencem inicial, conceitos, técnicas, procedimentos,
porque convencem, com a divulgação das padrões de medida, projeções e conclusões
idéias que constituem o saber. táticas provindas dos centros desenvol-
Esse saber dos estudiosos da socie- vidos.
dade que responde pela dominação passa Para AVP, aos povos atrasados com-
por dotar o social de caráter abstrato, orna- pete elaborar a ciência social global, refletin-
mentando-o com o verbete sociologia ge- do a condição total em que vive a humani-
ral, confundido com generalidades da socio- dade inteira. A dialética aponta a superiori-
logia, que vêm a constituir os alicerces de dade do escravo sobre o senhor, segundo ele;
tal ciência no âmbito do idealismo filosófi- pertence à genuína humanidade adolescen-
co. Tais artimanhas continuam no âmbito te que se prepara para a revolução científica,
pedagógico. invertendo as posições sociais. É interessante
Por outro lado, nosso autor defende notar, afinal, que para o nosso autor a
que a base das ciências sociais tem de par- racionalidade dialética é a grande esperança
tir da realidade particular, existencialmente da humanidade. É ela que anunciará a ver-
vivida, para chegar às idéias gerais totaliza- dade sobre a dominação e teoricamente dará
doras; ao contrário de seus opositores que condições para extinguir todas as formas de
das generalidades chegam aos trabalhos exploração do trabalho humano.
182 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
especialistas de aluguel de usarem o con- bem, em economia, ou bom, na ética, é in-
ceito vulgar de consumo, e detém-se em corporado à mercadoria para possibilitar-
cunhá-lo à luz do método dialético histórico lhe o consumo. Segundo AVP, a classe do-
a partir das idéias de bem e de valor, a pri- minante é perdulária porque substitui bens
meira sendo uma necessidade humana possuídos sem necessidade, adquire mais
material ou espiritual ligada à atribuição de do que precisa, investe no modelo do ano
um valor, fato social ou cultural, mas sem e na moda e multiplica bens da mesma
identificação entre ambos. espécie, esbanjando, colecionando, desper-
Para referendar o conceito de consu- diçando e produzindo caridade filantrópi-
mo com a dialética materialista, AVP come- ca como desaguadouros da riqueza excep-
ça definindo-o da seguinte maneira: cional acumulada da extração desenfrea-
“[...] o consumo indica o avanço do domí- da da mais-valia. A sociedade perdulária,
nio do homem sobre as forças da nature- segundo nosso autor, é a etapa podre, der-
za, pelo conhecimento dos fenômenos que radeira da abundância capitalista.
aí se passam e das idéias que os regem.” Pequenas nações com dinheiro for-
[...] Sem o conhecimento, derivado da ação
te, e aí AVP refere-se às nações árabes, às
sobre a natureza do animal que envere-
dou pelo caminho da antropogênese, se- de cor e às emergentes, reduzirão os impe-
ria impossível “consumar” o bem que vai rialistas a mundo dominado no futuro e já
ser “consumido”. Nas concepções idealis- agora a mundo assustado.
tas e alienadas, inclusive nas julgadas “téc-
Será, deixando a metáfora, a luz da nova
nicas” da economia compendiada, o con-
consciência, que se está instalando no
sumo mede o grau de absorção dos bens
espírito dos povos, levando-os, como disse
socialmente disponíveis por determinado um filósofo, do estado de consciência em
indivíduo, o que, concretamente falando, si, ao de consciência para si. [...] O capita-
quer dizer por determinada classe social. lismo não desaparecerá porque se venha
Na concepção dialética crítica, o consumo a tornar incapaz de produzir, mas sim
implica o domínio da humanidade inteira porque não conseguirá continuar a man-
sobre as forças da natureza” (PINTO, 1975, ter as condições de sustentação do modo
manuscrito). de produzir que lhe são peculiares. Resu-
É o trabalho que realiza a consuma- mem-se na dominação econômica dos
ção, fabricação ou criação; e o consumo, bens e do trabalho de outros povos, por
enquanto fracos e servis, e encontram
que é a aniquilação, exige o retorno à con-
expressão patognomônica na existência
sumação, sendo também, portanto, criador. de ínfima fração da sociedade que a torna
Para consumir ou desgastar, o homem usa perdulária nos países que gozam, ainda,
valores econômico-financeiros no âmbito ou gozaram, de cambaleante hegemonia
do mercado. Enquanto a apropriação ou histórica. [...] A nova formação, que toma-
rá o lugar da atual, será aquela que re-
utilização privada de um bem o nega ou cusa a produção ostentatória, em benefí-
consome, sua utilização em caráter público cio da fabricação racionalmente planeja-
não o subtrai da sociedade e não se inclui da, para a distribuição eqüitativa dos bens
na categoria de consumo. O conceito de modernos e de melhor qualidade a todos
184 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
sim o estrangeiro, mas é apontado como rentemente sem possuidor político decla-
tal pelos economistas porque cresce o nú- rado (PINTO, 1975, manuscrito).
mero de consumidores de automóvel. Só A sociologia do vale de lágrimas ter-
entre aqueles que podem comprar, ressal- mina assim. Mais uma intuição realista
ta AVP. Quanto ao povo em geral, sofre um quanto atual do nosso autor.
endividamento oculto, aceitando viver nas No dia 27 de janeiro de 1975, AVP
condições de subconsumo, fazendo, à so- assinava o manuscrito de aproximadamen-
ciedade, um empréstimo permanente que te, quatrocentas páginas, sem nenhuma
corresponde ao que os capitalistas lhe de- referência bibliográfica. Sua penúltima obra,
vem e jamais pagarão. repleta de adjetivações metodológicas de
No entanto, os capitalistas nacionais difícil aceitação em função do exagerado
dos anos 70 têm dois temores: a ascensão dogmatismo e de substantivas contribui-
do pensamento das massas e a presença ções epistemológicas e pedagógicas. O que
e função do capital estrangeiro acolhido perde na ordem política de uma utópica
inicialmente com euforia. Ele fez-se acom- revolução das massas, ganha na compreen-
panhar de estipulações contratuais espolia- são audaciosa, apaixonada e honesta da
doras dos magnatas tupiniquins, tais como realidade social e da teoria do conhecimento
remessas de royalties, fretes preferenciais, disciplinar.
pagamento da tecnologia, honorários de Parece que, decididamente, o autor
executives, managers e resgate de compro- não aceitou que sua lúcida compreensão
missos do tesouro. dos fatos sociais fosse fruto de sua integri-
O caviloso desejo de fazer passar por na- dade e sensibilidade em contato com uma
cional o que não é, só pelo fato mera- experiência de vida que o colocou, sucessi-
mente físico ou geográfico de ter sido fa- vas ocasiões, diante da dominação, à repres-
bricado em estabelecimentos sediados em são e a toda sorte de poderes letais contra
nosso território, penetra na mentalidade ele próprio e contra grupos, povos e cultu-
do povo ignorante dessas minúcias, e o
faz ser levado a um ufanismo bocó que
ras subjugadas no presente e no passado,
enche de alegria o coração dos patriotas de cuja cotidianidade foi tomando conhe-
ingênuos e de dinheiro os cofres dos co- cimento em função da vida e da erudição.
bradores estrangeiros. Configura-se, assim, Na intenção de não apenas denun-
o quadro colonial imutável na essência, ciar, mas justificar, em nível metodológico,
porém, variado na aparência, conforme
caiu nas teias da ciência que ele próprio
não podia deixar de ser, uma vez que
mudaram as páginas da folhinha. Não é denunciou como viciosa, assumindo tam-
mais a coroa estranha que arrecada o bém uma visão dualista. Enxergou apenas
dízimo, o quinto, o laudêmio, mas a gran- duas lógicas de pensamento: a formal e a
de empresa internacional, os gigantescos dialética, jogando para a segunda a única
trustes, os portentosos bancos, alguns para
possibilidade de chegar à verdade, como
efeito de mais disfarçada espoliação, re-
vestidos de siglas que lhes dão o passa- se essa houvesse, e tomando-a como
porte de “instituições internacionais”, apa- definitiva.
Referências
FÁVERI, José Ernesto de. Filosofia da Educação: o ensino de Filosofia na perspectiva Freireana.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
______. Álvaro Vieira Pinto: trajetória, filosofia e contribuições à educação libertadora. 2006. 583
p. Tese (Doutorado) – Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação, Univer-
sidade Federal de São Carlos. São Paulo, 2006.
PINTO, Álvaro Vieira. A sociologia dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro (1975). Aproxi-
madamente 400 p. Manuscrito/Inédito.
186 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...