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Revista Aproximação
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Alline Schalcher, Elis Bondim, Fabiana Lessa, Guilherme Santos, Henrique Luz, Irene
Danowski, Jorge Américo Vargas, Manoela Caldas
Conselho Editorial
Alexandre Costa, Alice Haddad, Andrea Cachel, Antonio Rufino, Antonio Saturnino
Braga, Carolina de Melo Bomfim Araújo, Carlos Eduardo Oliveira, Celso Martins Azar
Filho, Cesar Battisti, Cláudia Drucker, Clovis Brondani, Eduardo Brandão, Elizabeth
Dias, Ethel Menezes Rocha, Fernando José de Santoro Moreira, Flavio Williges,
Franklin Trein, Gilvan Fogel, Guilherme Castelo Branco, Helio Alexandre, José
Claudio Matos, Léo Peruzzo, Lethicia Ouro, Luiz Maurício Menezes, Marco Antonio
Caron Ruffino, Marcus Reis Pinheiro, Maria Clara Dias, Mariluze Ferreira, Mário
Antônio de Lacerda Guerreiro, Mário Carvalho, Marisa Muguruza, Miguel Attie,
Patrick Estellita Cavalcanti Pessoa, Pedro Costa Rego, Pedro Duarte de Andrade, Pedro
Pricladnitzky, Rafael Haddock Lobo, Rafael Mello Barbosa, Raquel Krempel, Raul
Landim Filho, Ricardo Jardim Andrade, Rodrigo Guerizoli, Rosalie Pereira, Ulysses
Pinheiro, Valdetonio Pereira de Alencar, Vera Cristina Bueno, Vilmar Debona, Wilson
John Pessoa Mendonça.
Contato:revistaaproximacao@gmail.com
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Revista Aproximação — Segundo semestre de 2014 — Nº 8
Índice:
Editorial ............................................................................................................................ 3
A intencionalidade das sensações em Descartes .............................................................. 5
Estética e ideologia no marxismo ................................................................................... 12
Do princípio heraclítico: o início dialético ..................................................................... 24
O Estado enquanto violador de direitos .......................................................................... 32
Status moral embrionário e aborto: uma perspectiva da nova teoria do direito natural . 42
Bertrand Russell: o elogio ao ócio .................................................................................. 55
A ilustração literária do Eros aristofânico no Banquete de Platão: a eterna busca pela
cara metade ..................................................................................................................... 68
Introdução à virtude na Ética a Nicômaco de Aristóteles .............................................. 83
O conceito de justiça no Leviatã de Thomas Hobbes ..................................................... 96
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EDITORIAL
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Abstract: Besides Alanen statement (2003) that sensations have a cognitive function
toward the objects of the external world, there´s another one related that states the
preserving of the composite body-soul. Thus, the aim of this paper is to describe how
Descartes passions are characterized in order to demonstrate their cognitive function,
that allows Alanen´s intentionality statement (2003).
Keywords: Composite body-soul; Descartes; sensations; intentionality.
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alguma, eu que não sou senão uma coisa pensante, e apenas perceberia esse
ferimento pelo entendimento, como o piloto percebe pela vista se algo se
rompe em seu navio; e quando meu corpo tem necessidade de beber ou de
comer, simplesmente perceberia isso mesmo, sem disso ser advertido por
sentimentos confusos de fome, de sede, de dor, etc., nada são exceto
maneiras confusas de pensar que provém e dependem da união e como que
da mistura entre o espírito e o corpo” (DESCARTES, 1973, p. 144).
A transcrição acima se remete ao fato de que as sensações (exemplificadas como
dor, fome e sede) possibilitam a compreensão não só do fato de que meu corpo está
unido com minha alma, mas, sobretudo, que essa união é uma união peculiar: não se
trata de uma justaposição do corpo e da alma, mas sim de uma união íntima, uma
mistura que forma o corpo-alma. Da mesma forma que o piloto não sente dor quando o
seu navio é avariado e o percebe unicamente pelo entendimento, sem nenhum apelo à
sensação, minha alma, se fosse apenas alojada em meu corpo, não sentiria dor quando
esse fosse ferido, mas apenas compreenderia a ferida. Isso porque o piloto e o navio são
distintos e não se misturam, diferente do corpo e da alma que, apesar de distintos,
compõem uma união que se registra através da sensação.
Essa interrogação é respondida através da afirmação de que a alma não pode ser
afetada por corpos externos a ela (isso porque somente corpos podem afetar corpos),
mas que pode ser afetada por um corpo que esteja intimamente ligado a ela. Ou seja, a
partir da união corpo-alma o que afeta o corpo afeta, simultaneamente, a alma. No
entanto, a sensação experimentada pelo composto corpo-alma se dá de forma obscura e
confusa. Se dessa união fosse possível uma idéia clara e distinta, poderia ser possível
uma idéia clara e distinta da sobreposição de duas substâncias distintas (como podem
ser concebidos o piloto, o navio e o piloto em seu navio).
Como o que se tem dessa união é uma idéia obscura e confusa isso pode indicar
que se trata da união de duas substâncias heterogêneas e não de uma mera sobreposição
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das mesmas (ROCHA, 2008). Assim, segundo Descartes, as sensações que evidenciam
a união corpo-alma são atos mentais, porém de uma natureza diferente dos atos mentais
puros, ou seja, daqueles que dependem unicamente da alma (ROCHA, 2008). Sensações
são atos mentais oriundo de afecções no corpo e têm um conteúdo obscuro e confuso.
Por sua vez, a vontade é dividida em duas espécies, a saber, as vontades que são
ações da alma e que terminam nela própria (como amar a Deus e pensar acerca daquilo
que não é material) e as que terminam no próprio corpo, como da vontade de passear
resulta que as pernas se mexam e que o homem caminhe.
As percepções se dividem em duas espécies: as que têm a alma como causa são
as percepções de nossas vontades e de todos os pensamentos que são dependentes
apenas da alma – aqui Descartes ressalta que quando a alma deseja alguma coisa, trata-
se de uma ação, mas o perceber que ela deseja é uma paixão, visto ser uma ideia de uma
ação. A outra espécie de percepção é causada pelo corpo e é dependente dos nervos,
exceto as ilusões presentes no sonho as quais não estando sob o domínio da vontade do
sonhador, dependem do corpo adormecido, e não dos nervos.
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As percepções que vêm à alma através dos nervos podem ser relacionadas aos
objetos que existem fora de nós (aos corpos externos), ao próprio corpo - ou a algumas
de suas partes - e à própria alma.
As percepções que se relacionam aos objetos que existem fora de nós provocam
alguns movimentos nos órgãos dos sentidos que, por sua vez, provocam o cérebro por
intermédio dos nervos os quais levam a alma a senti-los. Um exemplo disso é quando
alguém vê o facho de luz ou ouve o sino: o que ocorre é que a alma pensa ver o facho de
luz e pensa ouvir o sino, isto é, a alma percebe os movimentos que provém desses
corpos e que afetam o corpo unido a ela
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Dessa forma é possível retomar uma das funções das paixões que é a de mover a
alma para desejar o que o corpo se dispôs. Isso indica que há um estado de consciência
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da alma em relação ao corpo tendo em vista que para situações semelhantes os homens
podem reagir de maneiras distintas e assim o fazem em função dessa tríade espíritos
animais/instituição natural ou por hábito/reação do composto corpo-alma. Segundo
Alanen (2003), Descartes nomeia os movimentos dos espíritos animais de causas
últimas e próximas das paixões, porque ao mesmo tempo em que são próximos ao
objeto que desencadeia a paixão são últimos em relação à alma, pois são os espíritos
animais que imediata e diretamente afetam a alma que comporta os pensamentos e
emoções associados aos objetos 1.
“As paixões têm a importante função cognitiva de nos informar sobre como
as coisas nos afetam. A primeira e principal função delas é sempre um ato
cognitivo, a saber, a percepção de algum objeto, coisa ou pessoa que nos
aparecem de um modo ou outro os quais as paixões nos representam como
incomuns, bons ou maus. A definição e a classificação das paixões
particulares são baseadas em como os objetos são primeiro percebidos e
como, por causa disso, eles afetam nossos corpos e como essas afecções são
refletidas na alma. Insisto que nada disso é formado por um julgamento
explícito, mas, sim, sobre como essas percepções nos afetam e como, por
causa dessas afecções, elas são espontaneamente representadas como boas ou
1
Esse mecanismo de funcionamento das paixões causa uma grande estranheza na Princesa
Elisabeth de Bohemia que em 06 de maio de 1643 escreve a Descartes pedindo que lhe explique como se
dá a interação entre corpo e alma e como cada um é capaz de produzir efeitos no outro. Sua preocupação
é a de que a alma deve possuir o controle de todas as ações do corpo, pois, caso não seja assim, como o
homem poderia se responsabilizar por seus atos se eles não estão inteiramente sob o seu controle?
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más antes de qualquer deliberação ou reflexão consciente acerca dos que lhe
apareceu” (p.p. 118-119) 2.
A partir das sensações abre-se a possibilidade da alma representar para si o
objeto de sua sensação e deliberar a partir disso. Mas, ressalte-se que isso pode
acontecer como uma vontade da alma e não ocorre nesse momento aqui referido da
sensação como um ato intencional de preservação do composto corpo-alma. Emoções e
sensações que, segundo Alanen, não envolvem “aceitação ou negação deliberadas.
Sensações e emoções que se apresentam como crenças espontâneas a respeito das coisas”
(ALANEN, 2003, p.122)3.
Referências:
DESCARTES, René. As Paixões da Alma. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1973.
2
Tradução livre.
3
Tradução livre.
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Guilherme Celestino
Abstract: The context of a consumer society decisively determines how the production
and reception of works of art. The tradition of Marxist cultural critique opens up a
research perspective that places aesthetic cultural production in its social and
ideological commitments. The basis of this critical tradition is Marx's analysis of the
commodity that binds to the phenomenon of fetishism, and ideological critique that
aims to learn the cultural elements responsible for political domination.
Keywords: Aesthetics. Mass culture. Commodity fetishism. Ideology.
Introdução
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Bem, essas questões nos levam a dois domínios teóricos que se cruzam: um
primeiro que tenta responder como funciona o sistema capitalista, que reduz todo tipo
de relação social e humana à forma da mercadoria que pode ser denominado por
economia política; e um segundo que busca dar conta dos aspectos históricos e sociais
determinantes dos modos de vida e uma sociedade, ou seja, o que faz uma determinada
cultura ser de determinado jeito, o que define uma crítica social que no caso marxista é
sempre uma crítica ideológica. O primeiro campo se confunde com a investigação que
Marx faz em O Capital sobre as bases econômicas da sociedade e se prolonga na
tradição que hoje chamam de marxismo, entendido como crítica á economia política. O
segundo seria um campo mais amplo, que estuda o que Marx e Engels chamam, de
Ideologia, e envolve a dimensão cultural relacionada intimamente com a base
econômica, e por isso tende a envolver outros campos epistemológicos como o do
inconsciente psicanalítico, a forma estética segundo uma teoria literária, e outras
tendências que divergem entre os teóricos da sociedade. Da intercessão dos dois temos
uma linhagem de crítica cultural de inflexão marxista.
Para a teoria crítica social desenvolvida pela Escola de Frankfurt, a arte pode ser
analisada a partir da sua inserção na sociedade de consumo. Assim, antes de pensar a
significação estética e artística de uma obra, deve-se enfocar a ideologia que a produziu
e que, querendo ou não, ela tende a reproduzir. Os frankufurtianos são bem coerentes à
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ideia marxista de que um produto qualquer sempre leva consigo as marcas do sistema
que o engendrou. O grande mérito de Adorno, Horkheimer, Benjamim e Marcuse está
no que eles conseguiram diagnosticar na atualidade histórica (deles), a saber, a íntima
correlação entre a ascensão do totalitarismo na Europa e o rápido desenvolvimento dos
estúdios de Hollywood. Em ambos os casos há a emergência de um tipo de sociedade
onde os meios de comunicação de massa ganham um papel decisivo, constituindo um
lugar em que tanto se forja esteticamente um gosto, como se favorece a dominação
política seja em regimes de exceção ou democráticos.
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produção está mais em como constituir políticas públicas que favoreçam certos níveis
das indústrias (gravadora VS casa de shows), certos tipos de produção (majors VS
independentes), formas de circulação (distribuidoras VS internet) e por aí vai. A própria
formação estética do artista, no contexto pós-modernista, evita que um circuito erudito
não esteja permeado pelo popular etc.
6
Cf. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. Nesse
seu livro de estreia, que reproduz basicamente sua pesquisa no doutorado, Zizek tem como um dos
objetivos principais retomar o pensamento da Escola de Frankfurt, especialmente a partir de duas noções
"dessublimação repressiva" e "mundo administrado", buscando superar os impasses que limitaram tais
teorizações quanto a uma teoria da ideologia, partindo da hípótese Lacan-Hegel que articula a dialética da
ideologia segundo o modelo da "significação retroativa" da clínica psicanalítica.
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A crítica cultural que podemos ver na Escola de Frankfurt, nos Estudos Culturais,
no Pós-modernismo e na Escola Eslovena está afinada com a tarefa de Marx na sua
crítica ideológica da filosofia liberal, associando ao discurso que está sendo analisado as
condições econômicas e sociais que sustentam esse mesmo discurso e como esse
mesmo discurso, num nível formal abstrato, tende pelo menos a reproduzir as dinâmicas
das relações sociais que servem de base. Ir ao cinema nunca é um ato sem significação
política, um filme tende a nos levar a dar assentimento ao modo de vida da classe
dominante quando tem um discurso reacionário, ou nos leva a questionar esse modo de
vida, quando progressista.
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ver, sentir, compreender o mundo são apropriadas pela lógica mercantil. Benjamim:
perda da aura, estetização da política.
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Adorno quando fala do que foge à reificação, acaba produzindo uma estética
bastante conservadora em certos pontos. Para Jameson, a globalização econômica
trouxe o paradigma da pós-modernidade na cultura, a produção estética nunca é algo
completamente alienante, tampouco ela poderia ser completamente "afirmativa"
somente através da alta cultura (Adorno, Horkheimer, Marcuse) ou do engajamento
político da arte (Benjamin). Jameson, buscando-se afinar com a dominante cultural da
pós-modernidade, defende uma teoria estética não mais vinculada a qualquer forma de
“realismo” que ainda seria valorizado no “modernismo”, apostando assim nas propostas
híbridas que caracterizam parte da produção significativa em arte contemporânea.
Jameson valoriza as experiências da videoarte, justamente por serem capazes de
explorar as fronteiras da especificidade do meio – questão que seria intransponível para
a teoria estética de Adorno que insistia que um meio “musical” que jamais poderia ser
traduzido em um “pictórico”, por exemplo.
***
“Indústria Cultural” aparece como uma noção crítica que tende a dar conta da
cultura nas sociedades de consumo ou capitalistas. Fala, por um lado, como essa
indústria a formatar os bens culturais de modo a educar/doutrinar a sensibilidade de seus
consumidores segundo determinada lógica cultural, por outro, como tende veicular a
essa forma um conteúdo ideológico que propicie a dominação política e reproduza
socialmente as condições dessa dominação. Algo que se dá a céu aberto nos regimes
totalitários, quando por meio da comunicação de massa desenvolvem a adoração ao
líder político, configurando o que se convencionou chamar de “dogmatismo amoroso”,
como o que ocorre nos regimes democráticos, onde o comportamento consumista é
ensinado não por meio de propaganda explícita, mas da comunicação midiática em geral.
A questão para esses autores é de como filmes, canções, programas de rádio e tv,
aparentemente inocentes são capazes de educar para o consumismo e fortalecer certas
ideologias políticas. Diferentes respostas diriam Adorno, Jameson e Zizek, mas todos
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concordam em que “sim, a arte educa e deseduca”, mas discordam no “como” isso se dá.
O foco de Adorno é a modificação doutrinária da sensibilidade – a formação do gosto
pela indústria do entretenimento que “amortece os sentidos e o pensamento crítico” e a
trincheira que a arte de vanguarda faz em resistência a esse processo. Jameson aponta
para a questão da “dominante cultural”, enquanto Zizek se centra na “interpelação
ideológica”.
Na era da globalização, vive-se sob o domínio de uma lógica cultural outra que a
do modernismo, onde a maneira de Adorno fundar sua crítica entre vanguarda e cultura
de massa deixa de fazer sentido, na medida em que esses polos deixam de existir, ao
menos em estado “puro”.
Referências:
______. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 120-136.
[Obras Escolhidas, v. 1]
DUARTE, Rodrigo. Indústria Cultural: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
______. "Da cultura afirmativa à subjetividade criativa". In: Cult 127. Disponível em:
<http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/da-cultura-afirmativa-a-subjetividade-
criativa>. Acesso em: 30 ago. 2013.ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São
Paulo: Perspectiva, 1998.
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ZIZEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia. Rio de
Janeiro: Zahar, 1992.
______. “Como Marx inventou o sintoma”. In: O Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1996.
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Abstract: The respective work proposes to relate conception in nature from pre-
Socratic Heraclitus - made in his Heraclitean logos – with Hegel’s dialectic concept that
brings a new reading. We will trace a small historical of the dialectic word to
understante your origin as the adaptations achieved along by philosophy history. Finally
introduce the dialectc logic inaugurate by Hegel as a new method to think the reality.
Keywords: Heraclitus. Hegel. Dialectic logic.
Origens da Dialética
9
BORHNHEIM. Os filósofos pré-socráticos, p. 38
10
BORHNHEIM. Os filósofos pré-socráticos, p. 36
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ou intercambio) e pelo verbo legein ou pelo substantivo logos (o que significa que a
palavra dialética tem a mesma origem que a palavra diálogo).”11
O substantivo logos pode significar tanto palavra quanto discurso ou razão. No
entanto, a própria palavra logos opera significadas influências na palavra dialética, isso
pela sua própria evolução, acompanhada das modificações ocorridas no seio da
sociedade ocidental, o que ficara marcada ao ser ligada em alguns momentos como a
“razão”, no aspecto objetivo, e em outros como “as razões” das questões subjetivas.
Assim, podemos constatar a existência de variados conceitos de dialética, como os
referidos por Platão, Aristóteles, Kant e Hegel.
Em Platão, podemos dizer que a dialética é a arte do diálogo, baseado no método da
divisão onde a lógica dialética encontra-se no questionamento da pergunta e resposta
praticada num determinado diálogo. “Uma dialética como atividade exterior e negativa
que não é inerente ao fundamento da coisa, como uma busca subjetiva que tende, por
vaidade a erodir e a dissolver o que é sólido e verdadeiro e que só conduz à vaidade do
objetivo tratado dialeticamente”12. Já em Aristóteles, o conceito apresenta-se como uma
lógica provável ou como o próprio Hegel diz, ‘a aparência do arbitrário’, do processo
racional que não pode de forma alguma ser demonstrado. Importante lembrar que para
Hegel a história da lógica se resume às supressões da lógica já iniciada por Aristóteles:
“(...) então tem de se concluir antes que ela necessita de uma total reelaboração; pois um
avanço de dois mil anos do espírito deve ter-lhe proporcionado uma consciência mais
elevada sobre seu pensamento e sobre a sua pura essencialidade em si mesma.”13 Kant
retoma o conceito aristotélico de dialética. No entanto, reconhece na dialética a
objetividade da aparência e a necessidade da contradição, o que até o momento
representa um verdadeiro avanço.
Mas a ideia geral que ele [Kant] colocou como base e fez valer é a
objetividade da aparência e a necessidade da contradição, a qual pertence à
natureza das determinações de pensamento. Inicialmente, na verdade, ele o
fez de modo que essas determinações são aplicadas pela razão sobre as coisas
em si; mas justamente o que elas são na razão e em vista do que é em si, essa
é a sua natureza. (...) Mas, assim como se fica preso somente ao lado
abstrato-negativo do dialético, o resultado é apenas o fato conhecido: que a
razão é incapaz de conhecer o infinito; - um resultado estranho, uma vez que
o infinito é o racional, dizer, que a razão é incapaz de conhecer o racional.
(HEGEL, 2011, P 36)
Embora tivesse a compreensão de que o conteúdo real e a verdade absoluta são
acessíveis à fé, não podendo ser conhecidas pela razão. Já o moderno filósofo Hegel,
modifica a dialética apresentando ao campo da filosofia um novo conceito de dialética,
até então apresentado pelos demais pensadores que o antecederam. Isso pelo fato de que
os outros pensadores estavam mais ligados à forma que ao conteúdo da dialética.
A lógica de Hegel reconhece as formas ligadas ao conteúdo, enquanto ‘formas’
plenas de ‘conteúdo’, um conteúdo real e vivo, ou melhor, a própria história da
11
Konder, Leandro. A Derrota da Dialética, p. 4
12
Konder. A Derrota da dialética, p. 4
13
Hegel. Ciência da Lógica, p. 43
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humanidade. O que difere das demais compreensões (lógica formal) até a lógica
apresentada por Hegel, onde as formas do pensamento são tomadas como formas
distintas do conteúdo, o que a torna insuficiente para apreender a verdade. Para Hegel, a
dialética não representa as discussões ou as teorias do conhecimento, mas sim uma
teoria do ser. A realidade se apresenta num movimento permanente de transformações e
contradições. Dessa forma, para compreendermos a realidade devemos dinamizar o
nosso pensamento, a fim de acompanharmos e intervirmos sempre que possível essa
realidade instável e superficial.
Ao apresentar um novo conceito de dialética, Hegel buscará nos escritos de
Heráclito a base fundamental para a sua sustentação teórica. Segundo o próprio Hegel:
Heráclito concebe o próprio absoluto como processo, como a própria
dialética. A dialética é exterior, um raciocinar de cá para lá e não a alma da
coisa dissolvendo-se a si mesma. A dialética imanente do objeto, situando-se,
porém, na contemplação do sujeito; objetividade de Heráclito, isto é,
compreender a própria dialética como princípio. É o progresso necessário, e é
aquele que Heráclito fez. (PESSANHA. Os pensadores, pré-socráticos, p.57)
Heráclito de Éfeso
Heráclito nasceu aproximadamente em 540 a.C. – 470 a.C. em Éfeso, cidade da
Jônia. Dessedente de família real, e possivelmente a fundadora da cidade. Conhecido
como o Obscuro, de temperamento melancólico e soberbo, preferia a solidão das colinas
ao discurso ignorante em praça pública, chegando até mesmo a renunciar ao cargo de
governante em sua cidade. Ignorava não só o povo iletrado como também aqueles que
se diziam sábios, como os filósofos e religiosos.
Entretanto, é inegável a importância do pensamento de Heráclito em toda a
história da filosofia, mesmo tendo o seu discurso muitas vezes mal interpretado,
principalmente pelos gregos que viam em seu pensamento muita abstração e
subjetividade (como pode um homem ser um e dois ao mesmo tempo, mudar a toda
hora), embora assim, tenha sido capaz de influenciar a filosofia de sua época e a que
seguiu, traçando um combate com o pensamento de Parmênides, onde a realidade e a
essência do ser eram imutáveis.
Para Parmênides e seus aliados teóricos, a mudança era falsa e se constituía na
superfície do mundo real. Mesmo com a força hegemônica do pensamento de
Parmênides (principalmente no período medieval), a ‘dialética’ de Heráclito não perdeu
sua importância e mesmo com muita dificuldade de acompanhar a realidade, foi
absorvida, recuperada e trabalhada por Hegel durante a história da filosofia moderna,
seguindo até os dias de hoje.
Heráclito dedicou-se aos problemas eminentes de sua época, em sua obra “Sobre
a Natureza” (restando nos dias atuais apenas os fragmentos conservados por estudiosos).
Podemos encontrar seus fragmentos em citações de pensadores como Diógenes Laércio,
Platão, Aristóteles, Hegel, Heidegger, Nietzsche e Engels dentre outros (no entanto, nos
atentaremos as análises e interpretações de Hegel). A partir desses fragmentos podemos
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O Princípio Heraclítico
Os fragmentos encontrados de Heráclito retratam uma época em que os Deuses
tinham o poder de influenciar a vida das pessoas. Sendo assim, devemos remeter a
forma de linguagem de Heráclito aos escritos sagrados de sua época, sobre a sua
obscuridade, complexidade e seriedade, numa escrita única e muito particular, onde a
leitor muitas vezes se engana e se perde. Para uma melhor compreensão, podemos fazer
ligação entre a escrita heraclítica e o seu logos, em seguida do logos ao entendimento
humano.
O conflito é a origem de todas as coisas e a busca por um melhor esclarecimento
apresenta-se através do elemento físico, o fogo. Tal analogia permitia uma maior
aproximação com a realidade material em que estavam inseridos os pensadores antigos
e assim a sua compreensão. Como no fragmento a seguir: “O fogo se transforma em
todas as coisas e todas as coisas se transformam em fogo, assim como se trocam as
mercadorias por ouro e o ouro por mercadorias.”14 Podemos dizer que o fogo é a
‘síntese do tempo corrido’, ou seja, do tempo que existe em permanente mudança e
inquietude, a presente construção e desconstrução do que existe, e até de si mesmo. A
partir desse fogo, encontramos a condição de movimento, contradição e unidade. Assim,
remontamos todo o seu pensamento, atribuindo-o, segundo a análise de Hegel, a origem
da dialética. O pensador estabelece uma análise onde o movimento é capaz de se reger
existindo na coisa em si, tais processos universais operam por si próprios, sem
intervenção de qualquer potência exterior, no entanto, devem respeitar ao logos.
Este Logos, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o
compreendem. Ainda que tudo aconteça conforme este Logos, parece não
terem experiência experimentando-se em tais palavras e obras, como eu as
exponho, distinguindo e explicando a natureza de cada coisa. Os outros
homens ignoram o que fazem em estado de vigília, assim como esquecem o
que fazem durante o sono. (BORNHEIM. Os filósofos pré-socráticos, p. 36)
É a partir desse ponto que observamos sua lucidez, pois esse logos impede que exista e
se estabeleça o caos. Em alguns fragmentos encontramos passagens onde Heráclito
alerta para que respeitem e ouçam não ao que ele disser, mas ao seu logos. Assim, a
única “regra” é que existe o movimento constante, o princípio da unidade dos contrários
e a ideia de medida, proporção e equilíbrio. A partir desse logos Heráclito estabelece
uma ordenação que regerá os demais conceitos que se apresentam em seus fragmentos,
estabelecendo uma ligação direta com esse logos. Não podemos pensar que tal ‘regra’
estabelece algum tipo de petrificação da ideia de movimento constante, pois, não
encontramos tal concepção em nenhum de seus fragmentos.
14
BORNHEIM. Os filósofos pré-socráticos, p. 41
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Transformação e Equilíbrio
Observamos neste fragmento as transformações do fogo:
Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o
fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e
apagando-se conforme a medida. A transformações do fogo: primeiro o mar;
e a metade do mar é terra, a outra metade um vento quente. A terra diluísse
em mar, e esta recebe a sua medida segundo a mesma lei, tal como era antes
de se tornar terra. (BORNHEIM, Os filósofos pré-socráticos, p. 38)
Vemos aí o elemento fogo enquanto uma unidade transformadora. Vemos a
mudança permanente, Tudo Flui (panta rhei), é o cosmo como processo. A vida
cósmica apresenta-se, aos olhos, um processo perpétuo de inflamação e extinção do
fogo sempre vivo. Dele, nada persiste e nem permanece o mesmo, simplesmente
coexiste num mesmo e outro ao mesmo tempo, na medida em que é transformação. No
conceito de transformação, vemos necessariamente a negação de uma realidade
existente, fazendo-se fundamental para compreendermos o sentido de transformação.
Não é que, ao negar a coisa (que é convergente e divergente) ela deixa de existir, mas
sim legitimar o poder de transformação dessa coisa obviamente no seu interagir com a
realidade na qual está inserida. Em tal concepção, onde ambos existem e ligam-se
permanentemente, afirmamos que para isso é preciso existir dado uma contradição, um
equilíbrio. Assim, como no fragmento: “tudo se faz por contraste; da luta dos contrários
nasce a mais bela harmonia”15
O trabalho em que Heráclito submete a contradição ‘solidifica’ a transformação
que rege a natureza e dinamiza a realidade existente. Como no fragmento exposto acima,
dos convergentes e divergentes nasce a harmonia, ou seja, nas contradições se faz
necessário o aparecimento de um novo que ao surgir faz desaparecer o que outrora foi.
Podemos até mesmo pensar que Heráclito brinca com as palavras no jogo da
contradição. Assim, encontramos a unidade em Heráclito e a partir dela podemos
concluir que nada existe isoladamente – todas as coisas, até mesmo as contraditórias
estão necessariamente interligadas, ou seja, relacionam-se umas com as outras. Logo, as
mudanças ou transformações de uma determinada coisa devem acontecer e acontece a
partir de demais transformações, o que necessariamente resulta numa outra coisa.
Sendo assim, podemos dizer que Heráclito utiliza um pensamento que trabalha
sobre as contradições e mudanças da realidade, e não apenas no discurso contraditório,
como acusado em muitos momentos, o que limitaria o seu pensamento e até mesmo o
discurso heraclítico. Daí surge o início dialético, sua contextualização da realidade e da
objetividade e também da subjetividade através da unidade dos processos de
contradição e transformação.
Contextualizando Hegel
15
BORNHEIM. Os filósofos pré-socráticos, p. 36.
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Referências:
BORNHEIM (org.), Gerd. Os Filósofos Pré-Socráticos – São Paulo: Cultrix.
COSTA, Alexandre. Heráclito: Fragmentos Contextualizados. Tradução, apresentação
e comentários por Alexandre Costa. Rio de Janeiro: Diefel, 2002.
PESSANHA, José Américo Motta. Os Pensadores – Pré-Socráticos ( Vida e Obra).
Rio de Janeiro: Ed. Nova Cultura, 2000.
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
HEGEL, G.W.F: Fenomenologia do Espírito. Tradução Paulo Meneses. Petrópolis:
Vozes, 1992.
HEGEL, G.W.F: Ciência da Lógica. Excertos. Tradução Marco Aurélio Werle. São
Paulo: Barcarolla, 2011.
KONDER, Leandro: A Derrota da Dialética. A Recepção das Ideias de Marx no Brasil,
até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
BLANCHOT, Maurice: A Conversa Infinita – 2. A Experiência Limite. Tradução João
Moura Jr. Editora: Escuta.
LENIN, V.I.: Cadernos sobre a dialética de Hegel. Tradução: José Paulo Netto. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2011.
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Resumo: O propósito deste artigo é mostrar em que medida o estado viola direitos
quando se arroga como a instituição que tem deveres para com indivíduos quando alega
que é seu dever provê-los no que diz respeito a bens que visam o bem-estar dos
mesmos. A violação ocorre quando o estado os obriga a perseguirem fins cujo
consentimento não foi dado. Porém, é sabido que somente há um contrato quando
ambas as partes aderem a ele voluntariamente. Logo, o contrato que se alega haver entre
estado e indivíduo não cumpre o requisito acima, o que significa que a relação entre as
partes não se configura um contrato e, portanto, não é legítima.
Palavras-chave: Celebração de contrato.Consentimento. Enforcement.
Abstract: My aim in this article is to argue the idea that the state violates rights
claiming that it has a duty to provide individuals in order to supply their well-being. The
violence occurs when the state obligates them to pursue purposes whose consent might
not have been given by them. However, we know that there is a contract just when both
parts of that join it voluntarily. So the relation established between state and individuals
does not accomplish the condition above, which means that this relation does
notconfigure as a contract and, thus, is not fair from moral point of view.
Key-words: Contract. Consent. Enforcement.
A luta por direitos é algo essencial do ponto de vista político, e Junho mostrou
que fenômenos desse tipo mostram como pessoas são atores políticos condutores da
própria configuração social na qual estão inseridos. Porém, há situações em que por
mais louvável que seja uma ação, se não nos atentamos ao que subjaz do que se
defende, acabamos por incorrer em consequências que nós mesmos não assumiríamos.
As falas abaixo sintetizam as pautas levantadas em Junho e têm por intenção apontar
16
Desde já expresso meu agradecimento ao colega Ângelo Antônio Pires, amigo e colega de graduação,
pela razão de os argumentos desenvolvidos aqui terem sido em parte resultado do que discutimos ao
longo de nossos encontros diários. Também registro meu agradecimento à professora Andrea Faggion
(UEL), pela oportunidade de diálogo e troca de ideias, ainda que em momentos esporádicos, porém
importantes ao desenvolvimento dos argumentos aqui presentes.
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ocorre porque o fato de uma entidade possuir força, por si só, não é o que confere a ela
ter a posse de um direito, mas somente quando este lhe é transferido com consentimento
dos concernidos. Esse é o único meio pelo qual uma entidade é reconhecida como
legítima. Porém, é preciso um meio pelo qual essa transferência ocorra sem que seja
preciso a consulta a todos sobre quem o estado alega possuir deveres, seja de sujeitos
que já existem, seja daqueles que virão a existir, pois é preciso do consentimento de
toda e qualquer pessoa considerada sob tutela para que o estado seja considerado
legítimo. Então é preciso de uma situação em que todos os sujeitos sejam contemplados,
para que o consentimento seja garantido. Como solução é apresentada uma situação
hipotética, já que ela tem por característica dar conta de qualquer configuração possível
e que, portanto, não permita que nenhum concernido deixe de ser contemplado. Como
se trata de uma justificativa para a existência do estado, ela é apresentada ao modo de
um raciocínio, que segue: sendo irracional não buscarmos nossa autopreservação, é
necessário alguém prover serviços que busquem resguardar nossa integridade e que a
garanta. Esse alguém não pode prover em causa própria, mas unicamente em vista dos
que cederam seus direitos. Logo, não pode ser ninguém que tenha cedido direitos, i.e.,
deve ser alguém intencionado o suficiente para que sua intenção seja unicamente prover
bens em vista dos direitos cedidos. Então, por supormos que seja necessário alguém nos
prover, infere-se que damos nosso assentimento aos serviços providos à entidade que é
entendida como a única em condições de provê-los, aquela que não cede direitos: ou
seja, o estado. A ideia é a de que, se usufruímos de serviços que nos são prestados, isso
significa que consentimos com o que nos é dado. Portanto, se eu os uso, é porque eu os
considero necessários. E se eu os considero necessários, dôo meu assentimento a quem
os provê, fechando o raciocínio que garante o assentimento tácito necessário para a
legitimidade do estado.19
Mas tal situação não se configura exatamente como a que é pressuposta numa
celebração de contrato. Num contrato é preciso que o consentimento seja externado
pelas partes: as partes voluntariamente decidem celebrar um pacto, em que uma das
partes, ao ceder direitos, gera na outra deveres decorrentes dessa concessão. Qualquer
ação que tenha em vista forçar uma das partes a celebrar um pacto, tem por
consequência torná-lo nulo, pois pressupor que a parte tem a oportunidade de dar seu
assentimento voluntariamente é pressupor que ela tem o poder de recusa contemplado.
19
Para uma leitura mais detida do raciocínio a que me refiro, vide Rawls (1971).
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Não posso pressupor que um contrato foi firmado pelo fato do bem a ser provido ser
alegado como irrecusável, ou que a pessoa iria querê-lo, mesmo não dando seu
assentimento explícito. O problema do assentimento tácito é justamente pressupor que a
pessoa doa assentimento ao que é provido pelo estado conjecturando-se que ela não o
recusaria e que, portanto, iria querê-lo de qualquer forma, i.e., antes mesmo de lhe ser
dada a opção de recusá-lo. Ora, não posso alegar que um contrato foi celebrado
alegando que uma pessoa não iria querer recusá-lo. Tampouco dar um benefício antes
de consultar o suposto beneficiado também não configura uma celebração de contrato
da parte deste. O fato de eu me beneficiar de algo que me foi colocado à força não
produz de minha parte a obrigação de arcar com o ônus desse benefício. Alguém que
conserte algum pertence meu sem, no entanto, ter me consultado, não dá a ele o direito
de me forçar a arcar com possíveis ônus advindos desse benefício, por mais benéfico
que ele tenha sido a mim. Se eu entendo que não estou passível de ser forçado a dar
qualquer retribuição de minha parte que vise compensar o ônus do benefício, então por
que não se extrai a mesma conclusão quando aplicamos este raciocínio à relação entre
estado e indivíduo? O que há nele que nos impede de concluirmos que ele faz o mesmo
que o sujeito acima fez ao dono do pertence? O problema não parece ser diferente em
nenhum aspecto.
Há dois pontos que norteiam a relação entre estado e indivíduos e vista dos quais
conduzirei argumentos: (a) Boas intenções não podem justificar a violação da
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Há dois textos sobre os quais me amparo para desenvolver a argumentação apresentada a partir desses
dois pontos norteadores colocados acima: Nozick (1974) e Kant (1797: 2013). O primeiro constrói, no
texto citado, uma teoria da justiça que visa responder a que fora elaborada por Rawls, com o intuito de
mostrar em que medida sua teoria pressupõe que indivíduos tenham direitos violados. O segundo mostra
como a ideia de dever jurídico não passa pela de ideia de benevolência, sendo esta abarcada pelo conceito
de dever ético. Para uma apreciação mais introdutória das teses que esses autores desenvolvem, vide
Sandel (2010).
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meu consentimento. Portanto, poder fazer escolhas com o dinheiro contido na cartela
não significa que eu não tive meu poder de escolha prejudicado. E está no poder de um
indivíduo ter esse direito porque se concedo que não tenho direito ao poder de recusa,
estou a dizer que há escolhas das quais não sou dono, i.e., há escolhas sobre as quais eu
não arbitro. Mas o que me faz ser uma pessoa é ser soberano sobre minhas escolhas,
meu corpo. Por isso pertencer a mim implica pertencer a mim por direito, pois não faz
sentido falar que há algo sobre o qual eu tenho direito se não me é resguardada a posse
desse algo. Logo, não faria sentido dizer em direito a “meu corpo” sem me ser garantido
o direito a tê-lo. Isso significa que há direitos que, se violados, levam uma pessoa a
deixar de ser uma pessoa, pois ela o é na medida em que tem assegurados esses direitos.
Direitos como ao meu corpo e às minhas escolhas, se deixarem de pertencer à pessoa
sobre quem eles recaem, fazem com esta deixe de ser uma pessoa, pois são eles que
tornam a pessoa “pessoa”. Então, se eu sou alienado do direito ao meu corpo e às
minhas escolhas, e qualquer outro direito que seja dito extensão destes, estaria a dizer
que eu não pertenço a mim mesmo, pois aquilo que me faz ser eu enquanto pessoa na
verdade não é meu.
Porém, o fato de alguém escolher não contribuir com um fim leva a entender que
a pessoa que faz tal escolha agride aqueles que buscam persegui-lo. Entraríamos no que
foi apresentado em (b). Alguém com o intuito de objetá-lo diria que recusar é atrapalhar
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aqueles que se submeteram a um pacto visando determinado fim, pois recusá-lo seria
pôr em risco o êxito dos outros, pois o fim visado será atingido somente com
colaboração unânime. Além disso, beneficiar-se de algo que é fruto da submissão de
outros não é algo justo. Se todos se beneficiam, todos devem arcar com o ônus de
usufruir dos benefícios. Logo, aquele que se recusa a celebrar o pacto comete injustiça e
deve receber enforcement que impeça essa ação. Mas o problema é ser obrigado a arcar
com o ônus de um benefício que me foi imposto. Eu não posso arcar com algo com o
qual não consenti, mesmo que ele resulte em benefícios a mim. O valor dos resultados,
como vimos, não pode ser usado para subjugar o arbítrio dos indivíduos, seja quão
benéfico forem esses resultados. Não é porque algo me foi benéfico, porém colocado a
mim compulsoriamente, que eu tenho obrigações quanto a arcar com possíveis ônus
desse algo.
O que está por detrás desse raciocínio é a ideia de que recusar um pacto não
caracteriza ser obstáculo aos que buscam celebrá-lo. Não contribuir não é atrapalhar
alguém. Posso não contribuir para alguém obter êxito no fim que persegue, mas não o
atrapalho nem o impeço por não ajudá-lo. Não me é colocado que eu contribua com o
fim que indivíduos perseguem para que minha ação seja caracterizada como não-
agressora; tudo que me é colocado é que eu apenas não os atrapalhe quando
perseguirem algo. Logo, se não sou obstáculo a alguém, não se justifica qualquer
obstáculo à escolha que fiz. Não cometo injustiça, nessa medida, quando não atrapalho
outros de perseguirem seus fins, pois só há persecução de injustiça em casos que agrido,
não naqueles em que não contribuo. Posso não ser bom ou nobre ao escolher não ajudar,
de fato, mas nunca estarei sendo injusto enquanto levar a cabo escolhas que não violam
o direito de outros de também perseguirem fins segundo suas escolhas.
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portanto, não estou infringindo o princípio de não-agressão, logo, não posso ser
qualificado como injusto.
Imaginemos o caso de uma pessoa que carece de um rim e de outra que possui
seus rins em perfeitas condições. Por mais que seja ruim estar sob tal situação, isso não
gera naquele que possui o rim saudável o dever de dá-lo ao que carece, sob risco de
sofrer enforcement caso não o doe. Podemos ir além, o de rim saudável pode resolver
vender um de seus rins a alguém ao invés de doá-lo a quem precisa. Mais ainda, esse
alguém a quem ele irá vender seu rim não é necessariamente alguém que necessite dele.
Diante desse cenário, é injusto o que o indivíduo saudável fez? A rigor não. Ainda que
sofra sanções de caráter ético de seus pares e a até de si mesmo, ele não gerou agressão
por não tê-lo ajudado, já que o sujeito saudável, ainda que não contribua para que o
outro persiga seu fim, não o impede de perseguir o que ele almeja. Logo, se não o
impede, não se iniciou violência. Se não se fez isso, não foi violado o princípio de não-
agressão, portanto, não se cometeu nenhuma injustiça. Nesse caso, o indivíduo deixou
de ser bom ou benevolente, mas não se tornou injusto. Fosse assim, o simples fato de eu
ter um rim saudável já se configuraria como algo injusto, já que tê-lo ou decidir o que
fazer com ele se reduz a um mesmo fato: o arbítrio que tenho sobre ele. Se não se
reconhece o direito que tenho de decidir o que farei com o que é entendido como meu,
então não se reconhece o direito de tê-lo, pois não faz sentido não reconhecer meu
arbítrio sobre algo e ao mesmo tempo dizer que o tenho.
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Porém, o estado, além de fazer uso da força tendo em vista obrigar pessoas a
darem assentimento a ele, chama de agressor o agredido quando este clama pelo direito
de recusar algo. Não parece então razoável reivindicar pela eficácia de uma entidade,
mas não reivindicar pelo direito de recusá-la. Disso concluo que as reivindicações de
Junho se mostraram dispostas a protestarem apenas pela eficácia, mas não contra a
violência originária do estado. Se protesto contra a arbitrariedade de ações, eu não posso
me valer disso e permitir que haja algo tão arbitrário quanto as ações contra as quais eu
protesto. Por essa razão, o apelo à atuação das instituições do estado para sanar os
problemas em razão dos quais protestam se mostra um tiro no pé.
Referências:
KANT, I. Metafísica dos costumes. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1797: 2013.
NOZICK, R. Anarchy, State and Utopia. New York: Basic Books, 1974.
SANDEL, M. Justice: What's the right thing to do? London: Macmillan, 2010.
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Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar a perspectiva dos filósofos John
Finnis e Robert George no que diz respeito ao status moral do embrião e suas
consequências para a questão do aborto. Inicio o artigo apresentando de modo geral a
Nova Teoria do Direito Natural, já que os argumentos dos autores com respeito ao
status moral do embrião possuem como pano de fundo tal teoria. Em um segundo
momento, exponho o núcleo argumentativo dos autores e suas consequências para a
questão do aborto. Finalmente, apresento objeções feitas aos filósofos e as réplicas
fornecidas pelos mesmos, refletindo nas considerações finais a respeito do trabalho
apresentado.
Palavras-Chave: Aborto, Direito Natural, Embrião, Status Moral.
Abstract: This essay aims to present John Finnis’s and Robert George’s perspective on
the moral status of the embryo and it’s consequences for abortion. I start the article
presenting the New Natural Law Theory, since the author’s arguments are based in such
theory. In a second moment, I expose the argumentative core from the philosophers and
it’s consequences for abortion issues. Finally, I show some objections made to Finnis
and George, reflecting about the issues treated on the final considerations.
Keywords: Abortion. Embryo. Moral Status. Natural Right.
Durante o século XX, o teólogo Germain Grisez, ao propor uma nova leitura do Direito
Natural em Santo Tomás de Aquino, deu início a uma corrente denominada “Nova
Teoria do Direito Natural”21. Tal corrente possui entre seus principais expoentes o
filósofo australiano John Finnis e o professor de jurisprudência Robert P. George. O
21
Apesar da reconhecida influência de Tomás no pensamento dos ‘novos filósofos do direito natural’,
não faz parte do objetivo desse artigo discutir a polêmica gerada pela interpretação de Grisez entre os
estudiosos de Santo Tomás de Aquino.
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tornam pessoas melhores e são conhecíveis de modo prático, por meio da percepção de
quais são ações que selecionamos como boas para as praticarmos. Desse modo, como
Sgarbi (2007, p.665) deixa claro, “este modo de operar de nossa inteligência como
princípios para a ação é que se denomina “razão prática”, e que estas razões últimas,
que oferecidas pelo intelecto são possibilidades de nossa própria natureza são, enfim,
aspectos de nosso bem-estar como pessoas”.
Com o que foi dito se percebe que essa teoria possui o propósito de identificar os
princípios mais gerais da moralidade, aqueles que as pessoas sempre escolheriam e que
possibilitariam a ação direcionada à realização moral integral dos seres humanos. De
fato, o primeiro princípio da moralidade, elencado por John Finnis em 1984 é “deve-se
eleger e querer aquelas e apenas aquelas possibilidades cujo desejo seja compatível com
o desenvolvimento humano integral” (FINNIS, 1987, p. 283). E o desenvolvimento
humano integral será dado através das formas de florescimento humano, os bens básicos
que, por serem objetivos, são invioláveis.
É a razoabilidade prática que permite com que reconheçamos a evidência dos bens
humanos básicos. De fato, Finnis percebe que nos mais diversos períodos da
humanidade e nas mais variadas culturas há o reconhecimento dos bens humanos
básicos por parte dos povos, como a valorização da vida humana, por exemplo. Esses
bens humanos básicos, segundo John Finnis, são necessários para o florescimento
humano26 – que se assemelha à concepção de eudaimonia aristotélica, ou beatitude, de
Tomás – devendo por isso ser fomentados. Segundo George, esses bens são as
dimensões mais fundamentais do nosso bem-estar, nos preenchendo nas várias
dimensões de nosso ser. São bens básicos porque nos dão razões para agir que não
precisam se sustentar em outra razão para reconhecermos sua inteligibilidade e
atratividade. Ou seja, não são bens instrumentais, possuídos para nos ajudar a alcançar
outra coisa, mas sim bens racionalmente possuídos por eles mesmos e que, tais como
são, realizam-nos em certos respeitos como pessoas humanas.
Entre os bens humanos básicos27 reconhecidos por Finnis interessa para a temática
do artigo o bem humano básico vida. Tal bem humano básico diz respeito ao impulso de
27
No capítulo IV do livro Lei Natural e Direitos Naturais John Finnis enumera sete bens humanos
básicos, que caracterizam-se como pré-morais, não hierárquicos, autoevidentes, universais, fundamentais
e incomensuráveis. Além disso, explica que os bens básicos não se esgotam nestes, podendo ser
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adicionados outros bens básicos a lista. De fato, em 2008 inclui entre os bens humanos básicos o
casamento – publicando um artigo com tal inclusão em 2011. Os oito bens humanos básicos são 1.Vida-
concerne ao impulso elementar de autopreservação, envolvendo não só a saúde física, mas também
mental. O 2.Conhecimento - é buscado pela mera curiosidade, sendo um bem buscado de modo não-
instrumental. O 3.Jogo - Segundo Finnis, o jogo diz respeito ao engajamento através de atividades que
não possuem outro propósito senão seu próprio desempenho, sendo desfrutadas por si mesmas.
4.Experiência estética- Envolve o impulso para criar algo belo. 5.Sociabilidade - Envolve o
estabelecimento de relações pacíficas entre os indivíduos, alcançando sua forma máximana “amizade”. 6.
Razoabilidade prática - é a capacidade de utilizar-se com eficiência a inteligência nos problemas de
escolher as ações, o estilo de vida e de dar forma ao caráter. Implica na busca por uma ordem nas ações,
dando a elas um aspecto razoável. 7.Religião - envolve o reconhecimento de uma ordem de coisas que
está além do humano, se tratando de algo razoável, mesmo que cheguemos ao agnosticismo ou ao ateísmo.
28
GEORGE; TOLLEFSEN (2011, locais do Kindle2133-2135).
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terminando com a morte. Essa identidade física mostra que todas são etapas de uma
mesma entidade e busca-se evidenciar através disso que, do mesmo modo que a etapas
maduras de desenvolvimento são atribuídas pessoalidade, o mesmo ocorre com o
embrião, pois essencialmente o ser é o mesmo, sendo características acidentais que
diferenciam as etapas de desenvolvimento.
29
GEORGE; TOLLEFSEN (2011, locais do Kindle 800-811).
30
Metabolismo é a soma de processos químicos e físicos que ocorrem dentro de um organismo vivo,
sendo dividido em catabolismo - quebra de uma substância para obter energia – e anabolismo -
capacidade que o organismo possui de transformar uma substância em outra que sirva para seu
desenvolvimento e reparação. Disponível em<
http://www.todabiologia.com/dicionario/metabolismo.htm> . Acesso em: 18 jul, 2014. 16:40.
31
De fato, esperma e óvulo são partes do organismo humano, o esperma é parte do homem e o óvulo da
mulher. Nós não devemos nos enganar pelo fato de que o esperma, por exemplo, possui cauda, pode
nadar e pode sobreviver por certo tempo dentro da fêmea. Local fixo dentro de um organismo não é
necessário nem suficiente para algo ser parte de um organismo. Ao invés, uma parte de um organismo
biológico é um subconjunto vivo das células que compõem a totalidade do organismo, a vida do qual o
subconjunto é integrado na vida do todo e que realiza um papel funcional unificado dentro do organismo.
Ver. GEORGE; TOLLEFSEN (2011, locais do Kindle 566-576).
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 46
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O genoma é o código genético do ser humano, ou seja, o conjunto dos genes humanos. No material
genético podemos obter todas as informações para o desenvolvimento e funcionamento do organismo do
ser humano. Este código genético está presente em cada uma das células humanas. Disponível em
<http://www.todabiologia.com/genetica/genoma.htm>. Acesso em 20 jul, 2014. 18:20.
33
No seu sentido literal, a palavra epigenética significa “fora da genética convencional”, sendo o termo
utilizado para descrever o estudo de alterações herdáveis e estáveis no potencial de expressão de genes
que possam surgir durante o desenvolvimento embrionário ou proliferação celular (JAENISCH; BIRD,
2003).
34
GEORGE; TOLLEFSEN (2011, locais do Kindle 846-850).
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 47
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identificam, já que a natureza racional que atribui pessoalidade ao ser humano é uma
característica dos seres humanos da espécie homo sapiens.
Por conseguinte, o filósofo jusnaturalista faz uma distinção entre abortos diretos
e abortos indiretos, afirmando que a palavra ‘direto’ se refere às razões do procedimento.
Afirma que qualquer coisa que seja escolhida como um fim ou, mesmo que de forma
relutante, como um meio, é diretamente desejado. Já aquilo que pode ser classificado
como apenas um efeito colateral não intencional é indiretamente desejado36. Finnis
deixa claro que o aborto direto é incorreto em qualquer circunstância, enquanto o aborto
indireto nem sempre é errado. Finnis corrobora alguns princípios éticos que regem os
procedimentos terapêuticos que impactam fatalmente na criança37:
35
De acordo com os bioeticistasBeachamp e Childress, o princípio da não-maleficência é sintetizado na
máxima hipocrática primum non nocere (em primeiro lugar, não causar dano), tendo, entre suas regras
‘não matar’ e ‘não privar os outros dos bens necessários à vida’. Já o princípio da justiça é sintetizado na
máxima ‘Trate equitativamente as pessoas’. Os autores definem o justo como um tipo de tratamento que
leva em consideração o que é devido a cada um. Ver. DALL’AGNOL (2004, p.38, 48).
36
Penso que o melhor termo para exprimir o pensamento de Finnis quanto a ‘efeitos colaterais não
intencionais’ não seria ‘indiretamente desejado’, mas ‘indesejado’. Entretanto, Finnis não fornece uma
explicação do termo, apenas o denomina desse modo. Ver. Finnis (1994 p.551).
37
FINNIS (1994 p.551-552).
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 48
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Finnis argumenta que uma lei justa, que proíbe a possibilidade de matar o não-
nascido, não pode preferencialmente permitir a morte dele para salvar a mãe, pois essa
visão contraria o princípio de tratar os seres humanos como fins em si mesmos,
estabelecendo a prioridade de sempre salvar a vida da mãe em detrimento da vida do
não nascido. Os requerimentos de uma ética médica devem primar pela salvação da vida
tanto da mãe quanto da criança, sendo admitido um procedimento que pode
adversamente afetar a vida do outro desde que tal procedimento seja o mais efetivo para
aumentar a probabilidade de que um ou outro, ou ambos, sobrevivam.
38
Isso significa que jamais se pode agir escolhendo matar um com vistas a garantir a vida de outro. Esse
princípio é utilizado por Finnis para esclarecer que, nos casos de aborto, a morte de outro não é imoral se
esta for um efeito colateral indesejado da tentativa de salvar um ser, pois, nesse caso, não se terá agido
com intenção de o matar. Outro exemplo que se aplica a esse item é o descrito no primeiro parágrafo da
página seguinte, pois, no caso em questão, a ação se dará com vistas a salvar a maior quantidade de vidas
possível.
39
Finnis cita como exemplo de caso moderno em que encontramos essas condições o de gravidez ectópica
(no qual o embrião não pode ser transplantado do tubo ao útero com sucesso).Ver. FINNIS (1994, p. 547-
557).
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 49
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George realiza uma distinção entre dois sentidos do termo capacidade para funções
racionais: uma imediatamente exercitável e uma capacidade natural básica, que se
desenvolve durante o tempo. O autor considera que há boas razões para sustentar que o
segundo tipo de capacidade é o fundamento para o respeito moral completo. Segundo
George, se alguém que sustenta a visão de que um ser só merece respeito moral
completo se possuir capacidades imediatamente exercitáveis deveria ter em mente que o
ser humano em desenvolvimento não alcança um nível de maturidade no qual possa
realizar um tipo de ação mental que outros animais não realizam – mesmo animais
como cachorros e gatos – até pelo menos vários meses após o nascimento. Um bebê de
seis semanas de vida não possui a capacidade imediatamente exercitável para realizar
funções mentais caracteristicamente humanas. Assim, se o respeito moral completo
fosse devido apenas àqueles que possuem capacidades imediatamente exercitáveis, se
seguiria que crianças de seis semanas não mereceriam respeito moral completo.
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2. Peter Singer, na obra Ética Prática, realiza uma crítica que se aplica à defesa dos
pensadores da nova teoria do Direito Natural, afirmando que o embrião não possui
nenhuma característica de individuação, e que seres humanos são indivíduos. Dessa
forma, enquanto houver possibilidade de o embrião se dividir e formar gêmeos
haverá não um indivíduo, mas um aglomerado de células. Para ilustrar o problema,
Singer coloca a seguinte hipótese:
Suponhamos que temos um embrião dentro de um recipiente, numa mesa de
laboratório. Se pensarmos nesse embrião como o primeiro estágio de um ser
humano individual, poderíamos chamá-lo de Mary. Mas suponhamos, agora,
que o embrião se divide em dois embriões idênticos. Um deles ainda é Mary,
e o outro Jane? Se assim for, qual dos dois é Mary? Não existe nada que os
diferencie, nenhum modo de dizer que o que chamamos de Jane tenha se
separado do que chamamos de Mary, e não vice-versa. Portanto, deveríamos
dizer que Mary já não está entre nós, mas que, em vez disso, estamos diante
de Jane e Helen? Mas o que foi que aconteceu com Mary? Morreu? Devemos
lamentar a sua morte?40
Robert P. George está ciente dessa crítica e, de fato, afirma que ‘a maioria de nós’
passou a existir a partir da fertilização porque há exceções sobre a afirmação do início
dos seres humanos, já que gêmeos idênticos não vêm a existir separadamente no
momento da fertilização. Pelo menos um embrião vem a existir mais tarde, caso se
divida em dois seres humanos geneticamente idênticos. Todavia, disso não se decorre
que o embrião não deva ser considerado um organismo unitário completo, ou seja, um
indivíduo. O filósofo explica que
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ocorrendo entre as células desde o início (...). Assim, antes de uma divisão
extrínseca das células do embrião, essas células juntas constituem um
organismo único. Então, o fato da geminação não mostra que o embrião seja
uma mera massa incidental de células. E a evidência contra essa afirmação da
mesma forma serve para refutar o primeiro argumento, que o embrião não
possui a unidade de um ser vivo único. Em vez disso, a evidência claramente
indica que o embrião humano, do estágio embrionário em diante, é um
organismo humano unitário41.
Da afirmação do autor parece ser possível extrair, então, que antes do período em
que é possível a geminação, os gêmeos posteriores eram apenas indivíduo, vindo a
existir separadamente após a divisão do indivíduo em dois.
3. Por fim, o Dr. Michael Gazzaniga sugere que a pessoa humana vem a existir apenas
com o desenvolvimento cerebral e que antes desse ponto nós realmente temos um
organismo humano, mas que não possui dignidade nem direitos de uma pessoa. Ao
desenvolver sua argumentação, Dr. Gazzaniga observa que a medicina moderna
trata a morte cerebral como a morte da pessoa, mesmo no caso em que alguns
sistemas físicos estão funcionando. Portanto, se um ser humano não é mais uma
pessoa com direitos uma vez que o cérebro tenha morrido, então certamente um ser
humano não é ainda uma pessoa antes do desenvolvimento cerebral.
Quanto a essa objeção, Robert George afirma que a base lógica da morte
cerebral não é que um corpo com morte cerebral não seja mais uma pessoa. Antes, a
morte cerebral é aceita porque o colapso irreversível do cérebro destroi a capacidade
para funcionamento orgânico integral auto-direcionado dos seres humanos que
amadureceram até o estágio em que o cérebro realiza o papel chave na integração do
organismo. Isso significa que o que interessa para a atribuição de vida humana é essa
capacidade para funcionamento orgânico auto-direcionado, que já ocorre desde a
formação do embrião, sendo independente da existência do cérebro até que tal seja
desenvolvido. Assim, quando ocorre a morte cerebral, a vida humana acaba porque essa
capacidade cessa, capacidade que, se contarmos desde a formação do embrião, não foi
exclusivamente dependente do cérebro.
Além disso, o doutor não deixa claro o que compreende por desenvolvimento
cerebral ou que estágio do desenvolvimento cerebral deveria ser considerado para
atribuir pessoalidade a um ser humano, já que mesmo depois do nascimento o cérebro
41
GEORGE; TOLLEFSEN (2011, Locais do Kindle 2327-2330).
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 52
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2. Considerações Finais
Ainda, é necessário deixar claro que a perspectiva aqui apresentada não é contra
a autonomia da mulher perante o seu corpo, pois a partir do que foi dito, pode-se
afirmar que a mulher tem direito a fazer o que quer com seu corpo, mas não pode fazer
o que bem entende com o embrião ou o feto, pois estes não são parte ou órgãos da
mulher, mas organismos diferentes.
De fato, considero que o debate do aborto traz a tona questões fundamentais para
o entendimento de nós mesmos, questões que dizem respeito ao início da vida humana e
de nosso entendimento como pessoas, sendo necessário que vejamos com seriedade tal
debate, já que estamos pensando sobre a moralidade de interromper a vida humana
intencionalmente.
Referências:
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 53
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FINNIS, J “Abortion and Health Care Ethics II”. In: GILLON, Raanan (ed.). Principles
of Health Care Ethics.Chichester: 1994. Cap .48, p. 547-557.
______. Fundamental of ethics. Georgetown: Georgetown University Press, 1983.
______. Lei natural e direitos naturais(trad. Leila Mendes). São Leopoldo:
Editora Unisinos, 2007.
______.Natural law and natural rights.Oxford: Oxford University Press, 1980.
______. “Marriage: A Basic and exigent Good”. IN: Finnis, John. Collected Essays –
Vol. III (Human Rights & Common Good). Oxford: Oxford University Press, 2011.
______; Grisez, Germaine; Boyle, Joseph.Nuclear deterrence, morality and realism.
Oxford: Clarendom Press, 1987.
______. The Other F-Word, New Jersey: The Witherspoon Institute, 2010.Disponível
em:<http://www.thepublicdiscourse.com/2010/10/1849/#sthash.m9xBffmv.dpuf>.
Acesso em: 11 fev. 2014.20:23.
GEORGE R.P..; LEE P. Acorns and embryos: The embryo question I.The New
Atlantis. 2004 Fall-2005 Winter;7:90-100.
GEORGE R.P.; TOLLEFSEN, C. Embryo: A Defense of Human Life(Edição do
Kindle). New Jersey: The Witherspoon Institute, 2011.
______.Embryo Ethics: Justice and Nascent Human Life, Virginia Beach: [S.N] 2004.
Disponível em:
<http://www.regent.edu/acad/schlaw/student_life/studentorgs/lawreview/docs/issues/v1
7n1/1%20George%20Embryo.pdf>Acesso em: 11 fev 2014. 18:10
JAENISCH, R.; BIRD, A. Epigenetic regulation of gene expression: how the genome
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245-254, 2003.
LATKOVIC. M.S. A Tale of Two Australians: John Finnis& Peter Singer Debate
the “Moral Status” of the “Fetus”, 2010. Disponível em
< http://www.humanlifereview.com/a-tale-of-two-australians/>.Acesso em: 11 fev.
2014.14:40.
SGARBI, Adrian. O Direito Natural revigorado de John Mitchell Finnis. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.v. 102 p. 661 - 689 jan./dez.
2007.
SINGER. Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 54
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Abstract: This work’s goal is to analyse the relationship between man, labour and
idleness, highlighting the importance of a revaluing of idleness and the decrease of
work hours. I resort to ideas mentioned by Russell in “In praise of idleness”, and
highlighted by Domenico De Masi in “Economia dell’ozio”.
Keywords: Idleness. Russell. Labour.
O ELOGIO AO ÓCIO
Como todos de sua época, Russell foi criado com a mentalidade do trabalho,
onde o ócio seria algo negativo.
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para eles, era destinado aos guerreiros e sacerdotes. Evidente que o instinto natural dos
camponeses seria gerar menos ou consumir mais e que, portanto, no início eles foram
forçados a produzir mais e entregar o excedente. Este regime perdurou por tanto tempo
que daí derivaram as ideias do caráter virtuoso do trabalho, inadequadas devido a sua
origem pré-industrial.
Antes, o lazer de uns poucos era sustentado pelo trabalho da maioria. Sendo algo
benéfico, todos deveriam ter direito, e a técnica moderna tornou possível sua
distribuição sem nenhum prejuízo à civilização.
O fato de algumas poucas pessoas desfrutarem de uma vida ociosa, seja por
viverem de herança ou terem casado por dinheiro, é muito menos nocivo do que a
imposição feita aos assalariados: escolham entre o sobre trabalho e a privação.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 56
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Com bom senso organizacional, se o assalariado trabalhasse quatro horas por dia,
haveria bastante para todos e não haveria desemprego. Há os que dizem que os pobres
não saberiam o que fazer com tantas horas livres. O uso “adequado” do ócio é fruto da
civilização e da educação. Alguém habituado a uma vida dedicada a longas horas de
trabalho se entediaria se de súbito ficasse ocioso.
Não há empenho para uma justiça econômica. A ausência de controle central faz
com que se produza em excesso, uma quantidade absurda de coisas das quais não
precisamos. Uma parcela grande da população é submetida ao desemprego, porque se
impõe o sobre trabalho a outra parte. Quando o sistema entra em colapso criam-se
guerras, inúmeros são postos para fabricar explosivos e outros, para explodi-los. Assim,
mostram que uma grande quantidade de trabalho manual é indispensável ao homem
comum.
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A CULTURA DO ÓCIO
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O aprendizado de curiosidades não apenas torna menos desagradáveis as
coisas desagradáveis, como torna ainda mais agradáveis as coisas agradáveis.
Eu passei a gostar mais de pêssegos e abricós desde que soube que seu
cultivo provém da China dos primórdios da dinastia Han, que foram
introduzidos na Índia pelos chineses do grande rei Kaniska, de onde se
espalharam para a Pérsia, alcançando o Império Romano no primeiro século
de nossa era. Ao aprender que a palavra “abricó” deriva da mesma raiz latina
de “precoce”, porque o abricó amadurece cedo, e que o a do início da palavra
foi acrescentado por engano, devido a um erro etimológico. Tudo isso torna
mais doces estas frutas. (RUSSELL, 2002:44-45)
A ARQUITETURA DO ÓCIO
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de Londres ou de qualquer grande cidade do norte da Inglaterra, por trem,
passamos por uma infinidade de ruas com esse modelo de habitação, no qual
cada casa é o centro da vida individual, cabendo ao escritório, à fábrica e à
mina, dependendo da localidade, representar a vida comunitária. A vida
social exterior à família, até onde a arquitetura possa assegurar, é
exclusivamente econômica: toda necessidade não-econômica deve ser
satisfeita no âmbito da família ou permanecer latente. Se julgarmos os ideais
sociais de cada época pela qualidade estética de sua arquitetura, os últimos
cem anos constituem certamente o nível mais baixo já atingido pela
humanidade. (RUSSELL, 2002:49)
Uma das barreiras a essa mudança nas construções eram os próprios assalariados,
que gostavam da privacidade do lar. Contra tal argumento, Russell aponta que áreas de
convívio como cozinhas comunitárias e de escolas maternais para as crianças não
diminuiriam a privacidade e o conforto do resto de uma moradia bem mobiliada.
Os homens eram os que menos sofriam nesta estrutura vigente. Passavam pouco
tempo com suas famílias, se irritando apenas com as lamúrias e irritações de suas
companheiras. Em contrapartida, as crianças sofriam pelo pouco contato com o ar e a
luz antes da experiência escolar. As mulheres, por sua vez, eram as piores vítimas. Mães
e esposas em tempo integral, sem direito a férias ou descanso acabavam tendo nos filhos
motivo de aborrecimento ao invés de felicidade. O sistema vigente exigia da mulher
excepcional autodisciplina, bom senso e vigor. A ascensão profissional feminina, cada
vez maior desde o século XIX, minimiza esta situação, tornando-a cada vez mais
próxima do ideal.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 60
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AS FINANÇAS DO ÓCIO
As nações por sua vez possuem a mentalidade de que devem produzir tudo, a
não ser que exista algum obstáculo natural que a impeça. Insistem na proteção de seus
mercados, ignorando o fato de por isso perderem eventuais clientes, simplesmente por
ver os demais países como concorrentes.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 61
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[...] As nações estrangeiras são vistas mais como produtores concorrentes do
que como clientes potenciais, de modo que as pessoas se predispõem a perder
os mercados externos para evitar a concorrência estrangeira. Havia, certa vez,
numa pequena cidade, um açougueiro que ficou furioso com os outros
açougueiros, porque eles roubaram sua clientela. Para arruiná-los, ele
converteu a cidade inteira ao vegetarianismo, e viu depois, com espanto, que
se arruinara também. A insensatez deste homem parece inacreditável e, no
entanto, ela não é maior do que a das grandes potências. Ao perceberem que
o comércio exterior enriquece as outras nações, todas ergueram barreiras
tarifárias para destruí-lo. Para seu espanto, descobriram que haviam sido tão
prejudicadas quanto suas concorrentes. Nenhuma foi capaz de lembrar que o
comércio é recíproco e que a nação estrangeira que lhe vende é a mesma que
lhe compra, direta ou indiretamente. Não se lembraram deste fato porque o
ódio às nações estrangeiras tornou-as incapazes de pensar com clareza a
respeito do comércio exterior. (RUSSELL, 2002: 67-68)
A POLÍTICA DO ÓCIO
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 62
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De minha parte, embora eu seja um socialista tão convicto quanto o mais
ardente dos marxistas, não vejo o socialismo como o evangelho da vingança
proletária e nem mesmo, primordialmente, como um meio de garantir a
justiça econômica. Eu o vejo mais que tudo como um ajustamento à produção
mecânica, demandando por considerações de senso comum e calculado para
aumentar a felicidade não apenas dos proletários, mas da totalidade da raça
humana, com exceção de uma ínfima minoria. E se ele não pode ser hoje
conquistado sem uma sublevação violenta, isso se deve em boa medida à
violência de seus defensores. Mas ainda tenho esperança de que uma defesa
mais razoável possa abrandar a oposição e provocar a transição menos
catastrófica possível. (RUSSELL, 2002:101-102)
Russell aponta três razões para a transição para o socialismo não ser feita de
forma não violenta: (a) provavelmente ela não terá sucesso; (b) a luta será
desastrosamente destrutiva; e (c) depois de uma guerra obstinada, os vitoriosos
esquecerão seus objetivos originais e instituirão algo totalmente diferente,
provavelmente uma tirania militar. Portanto, para que o regime seja bem sucedido é
necessária a capacidade de convencer a maioria a aceitar suas doutrinas. (RUSSELL,
2002:104)
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dispendiosa maquinaria, que provavelmente absorveu todo o meu capital e
meu crédito, o que me impossibilita mudar repentinamente do ramo dos
sapatos para outra indústria mais próspera. (RUSSELL, 2002:106)
Há os que dizem que devido à tecnologia existente, uma jornada de uma hora de
trabalho seria suficiente para se cumprir as metas. Russell sugere uma redução pela
metade da média existente de oito horas. Uma jornada de quatro horas permitiria o
direito ao lazer, bem como o emprego a todos. Entretanto,o assalariado é medido pelo o
que produz, preferindo longas horas de trabalho com um salário longo, a mais horas
livres e um salário menor.
A situação poderia ser pior. Se não fosse por algumas ineficiências e produções
desnecessárias, mais da metade dos trabalhadores estariam desempregados. Enquanto
permanecer este sistema, qualquer medida para eliminar o desperdício só tornará pior a
vida dos assalariados.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 64
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A aspiração a riqueza rege as vidas das pessoas, mas só ela não garante a
qualidade do trabalho, já que as maiorias das pessoas trabalham apenas para não
empobrecer. Um sistema social que abolisse esta aspiração não seria errado, e por
conseqüência acabaria com a insegurança que é o motivo de história no mundo moderno.
[...] E há o mal adicional de que o sustento de muita gente depende desse tipo
de futilidade. O poder de compra dos muitos ricos gera ao seu redor um
grande número de parasitas que temem ficar arruinados se não houver mais
gente rica e desocupada para comprar seus artigos. São pessoas que sofrem
moral, intelectual e artisticamente de uma insolúvel dependência do poder
desses tolos. (RUSSELL, 2002: 114)
No que concerne a educação, por mais que existam bolsas, a educação superior
é praticamente para os ricos. A grande maioria da população humilde tem de trabalhar
tanto que chegam sem energias aos locais de estudo. Como resultado, mais desperdício
de talentos dos filhos dos trabalhadores nas mais diversas áreas.
Além disso, é necessária uma escola que incite pensamentos críticos nos alunos.
O modelo atual apenas serve ao estado, evitando tais pensamentos que poderiam trazer
problemas ao sistema capitalista vigente. Russell ainda aponta que com o tempo o
socialismo poderia se tornar maduro a ponto de permitir pensamentos de tal magnitude
e que enquanto permanecer nosso sistema econômico não se podem esperar melhoras no
sistema educacional.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 65
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Pior que a situação dos homens é a situação das mulheres. No papel de mães e
donas-de-casa, não possuem o direito sequer de se demitir. É necessária a implantação
de mais escolas maternais. Esta mudança na vida das mulheres vem ocorrendo deforma
gradativa, mas não será feita plenamente sem uma transformação econômica geral da
sociedade.
No que se referem à guerra, Russell levanta dois questionamentos (1) Até que
ponto o perigo da guerra está hoje ligado ao capitalismo? ; (2) Até que ponto o
estabelecimento do socialismo eliminaria este perigo? (RUSSELL, 2002:119)
Ainda cita a Indústria siderúrgica, a para que as nações sirvam aos seus
interesses, incentivam nas pessoas impulsos como o medo, o ressentimento contra a
injustiça e o patriotismo e a honra nacional.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 66
Revista
Aproximação
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Com uma unidade central os erros poderiam ser evitados. Ao invés dos lucros,
as indústrias teriam como motivação o planejamento governamental. Com o socialismo
pode se encontrar o equilíbrio impossível no sistema capitalista. Acabará a insegurança
econômica, que faz com que surjam as guerras. E as pessoas democraticamente eleitas
seriam responsáveis por garantir o equilíbrio entre o lazer e o conforto.
Referências:
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 67
Revista(Aproximação(—(Segundo(semestre(de(2014(—(Nº(8(
(
Resumo
Trato neste artigo do diálogo Banquete de Platão, mais especificamente do discurso de
Aristófanes. Por ser uma visão idealizada do amor, afinal, o ser amado é capaz de
cumprir todas as nossas carências, algum desavisado poderia pensar que a posição
defendida por Aristófanes seria a mesma defendida por Platão. Penso que esse discurso
está longe da visão platônica de amor. Neste trabalho trato (1) da relação entre o mito
apresentado no discurso aristofânico, no qual há a apresentação da natureza do amor,
sendo esse reconhecido como um sentimento de carência na qual os amantes sempre
estão buscando sua “cara metade”, e a idealização do amor como busca pela “cara
metade” tão presente na literatura; (2) dos pontos em comum entre o discurso de
Aristófanes e Sócrates/Diotima, que me parecem nesse caso expressar a opinião de
Platão; e (3) das divergências entre o discurso de Aristófanes e Sócrates/Diotima.
Pretendi mostrar com isso como esse discurso já era criticado pelo próprio Platão.
Palavras-chave Aristófanes. Banquete. Platão
Abstract
In this article, I address Plato's dialogue Symposium, more specifically Aristophanes'
speech. Although often considered the platonic expression of love, because of its ideal
flair, this discourse seems to me to be far from it. In this work I deal with (1) the
relationship between the myth presented in Aristophanes' speech in which there is the
presentation of the nature of love, this being recognized as a feeling of seek in which the
lovers are always looking for their "soul mate" and these expressionin the literature. (2)
The similarities between Aristophanes' speech and Socrates' / Diotima's, which appear
to me in this case to express Plato's opinions. (3) The differences between the
Aristophanes' speech and Socrates' / Diotima's. I intended to show how Plato himself
already criticized this discourse.
Keywords Aristophanes. Symposium. Plato
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uma série de discursos sobre a natureza e as qualidades do amor, como também um dos
que mais alimenta as controvérsias sobre a compreensão platônica do amor.
Segundo esse mito, a raça humana possuía não dois, mas três sexos (189e-
190b): masculino (que era originário do sol), feminino (originário da terra) e uma
mistura física dos dois, chamado andrógeno (originário da lua, que compartilhava a
natureza de ambos, sol e terra). Eles possuíam grande força e vigor, além de enorme
ambição. Por conta dessa ambição eles se voltaram contra os deuses. Zeus e os outros
deuses decidiram puni-los por sua arrogância, mas ao invés de matá-los, resolveram
enfraquecê-los, dividindo-os em duas metades. Assim surgiu a raça humana tal como a
conhecemos (190b-191a). Aristófanes argumenta que, por ser fruto dessa cisão, o
(((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((
42 É claro que isso implica também, em última instância, um reconhecimento da natureza do homem,
pois só saberemos se algo é bom para o homem, se sabemos antes o que é o homem, ou seja, qual a sua
natureza.
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humano anseia por natureza pela sua metade perdida, buscando-a em outros seres
humanos (191a-191c). O amor seria no ser humano a expressão do desejo de restaurar a
sua antiga natureza (191d). Ainda segundo o mito contado por Aristófanes, sempre que
encontram sua metade, as partes sentem tanta afeição, intimidade e amor, que se
recusam a se afastar um do outro e passam toda sua vida juntos, apesar de não saberem
o que querem um do outro. Essa união não seria uma união meramente sexual, mas sim
uma união de almas, que não sabem dizer o que querem, mas querem intensamente
(192b-193e).
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(
(
Revista(Aproximação(—(Segundo(semestre(de(2014(—(Nº(8(
(
sentimento devido ao fato de Isolda ser prometida ao seu senhor, que também era tio de
Tristão. De certa forma, eles se tornam amantes, mas o infeliz desfecho os separa com a
morte. Esse tipo de amor, no qual o casal prefere morrer ao invés de viver separado,
demonstra a presença do mito da “cara-metade”, visto que os amantes acreditam que só
há uma possibilidade de ser feliz: ao lado de sua cara metade.
Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade,
tanto o amante do jovem como qualquer outro, então, extraordinárias são as
emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não
quererem, por assim dizer, separar-se um do outro nem por um pequeno
momento.
http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 72(
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Revista(Aproximação(—(Segundo(semestre(de(2014(—(Nº(8(
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http://ifcs.ufrj.br/~aproximacao 73(
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Revista(Aproximação(—(Segundo(semestre(de(2014(—(Nº(8(
(
“cara metade”.44 Podemos dizer assim que há nessas obras uma tentativa de se libertar
da visão romântica e idealizada do amor.
Uma outra desvinculação dessa visão do amor como busca pela cara metade
é encontrada no período modernista, nele é possível ver uma crítica ao “e foram felizes
para sempre” das histórias infantis. Há a lealdade ao amante quanto aos sentimentos,
bem como a vivência da sensação, mas não há a construção da “cara metade”
permitindo o encontro de diversos amores durante uma só vida, desconstruindo assim a
concepção que acredita na busca pela “cara metade”. Quando Vinícius de Moraes no
Soneto da Fidelidade (1960) aceita o fim do amor em algum momento da vida, “que
seja infinito enquanto dure”45há a total desconstrução desse amor vulgar. O mesmo
ocorre quando Carlos Drummond de Andrade modifica a visão da solidão e da ausência
no seu poema Ausência (1984):
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44Em outras obras do autor é possível ainda perceber uma tradição ou um sonho de encontrar a “cara
metade”, como no caso de Helena (1876) ou A mão e a luva (1874) do mesmo Machado de Assis.
45O eu lírico inicia o soneto afirmando que permanecerá atento ao seu amor em todos os sentidos, e por
todo o tempo. No terceiro e no quarto versos, ele confessa que mesmo quando estiver frente a outro
encanto (outro indivíduo, provavelmente), irá encantar-se ainda mais com o seu pensamento (o seu
amor original). Na segunda estrofe, afirma que deseja viver este amor em todos os momentos, mesmo
que esses sejam comuns, singelos ou vãos. Em seguida, o eu lírico apresenta que acompanhará seu
amor em todos os seus estados, ou no louvor, ou no pesar, ou no contentamento. Na terceira estrofe,
ele ressalta que quando ou a morte - fim da vida - ou a solidão - fim do amante - o procurarem, ele
finalmente poderá expor seu amor. Sendo que não foi eterno, pois o amor é apenas a chama de uma
vela, mas foi infinito enquanto durou, pois brilhou maravilhosamente enquanto existiu. E esse é o
significado de fidelidade, a seu ver, obviamente.
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O eu-lírico, ao admitir que a ausência não é a falta de sua metade, afirma que
não há mais a procura pela “cara metade” para alcançar a plenitude, ou seja, a felicidade.
Drummond, assim como outros autores da época, rompe com a compreensão tradicional
do amor como supressão da carência e da solidão na presença do outro.
“O meu amor e eu
Roberto Freire, médico e psiquiatra brasileiro, que por alguns anos escreveu
livros baseados na teoria anarquista, também faz uma descrição sobre o que seria o
amor contemporâneo em seu livro Ame e dê vexame (1990, p. 157):“Declaração do
amante anarquista: Porque te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não
preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos de completar. Somos, um para o outro,
deliciosamente desnecessários.”. É possível observar nesse fragmento o completo
rompimento com a ideia vulgar de amor romântico, visto que no amor anarquista não há
a necessidade do outro, ou seja, da “cara metade”.
A partir desse breve apanhado literário, espero ter deixado clara a presença
do mito de Aristófanes nas representações do amor na literatura. Dada tanto a fácil
identificação desse mito na obra platônica quanto do seu reflexo na literatura, fica fácil
de entender porque esse mito parece para muita gente como a expressão clássica do
amor desde Platão. Todavia, como pretendo demonstrar a partir daqui, essa visão é
rechaçada por Platão, dentro do próprio Banquete.
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47 Tomo o discurso de Sócrates e Diotima nesse trecho do Banquete (200a-212d) como expressão da
posição platônica.
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estado psicológico intermediário. Porém, Sócrates argumenta que o homem tomado por
eros não pode estar em um estado permanente de carência, como proposto por
Aristófanes, porque um total estado de falta não levaria à produção de efeitos positivos.
Se eros é um estado benéfico, logo, deve produzir também. Sendo assim, Sócrates
argumenta que eros é um estado intermediário e dinâmico entre a carência e a produção
(SHIEFFIELD, 2006, p. 40-41).
Também a partir desse mito, Sócrates explica que eros não seria um Deus,
pois enquanto eros se encontra em estado de necessidade e desejo, os Deuses sempre
estão em estado de abundância (202c-203a). Se não há necessidade, não há desejo; a
falta ou necessidade é a origem do desejo e o desejo a origem do conhecimento. Se eros
fosse um Deus, eles seria pleno em si mesmo e não poderia ser uma força
impulsionadora, como quiseram fazer crer não só Sócrates/Diotima, mas também os
discursos anteriores.
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desejar certos objetos ao invés de outros, como encontrar o bem e o belo verdadeiros.
Sendo assim, o eros filosófico pode ser verdadeiramente produtivo.48
É importante notar que a filosofia tem que ser um estado intermediário para
ser amor à sabedoria: ela não pode ser a posse da sabedoria, porque quem possui a
sabedoria não a deseja, visto que não se deseja o que se tem; da mesma forma, ela não
pode ser ignorância, pois os ignorantes não desejam a sabedoria, porque não sabem que
não a possuem, não percebendo assim a falta da mesma. Sendo assim, ao contrário do
ignorante que não reconhece sua ignorância, logo não procura o que lhe falta, o filósofo
que é possuidor do eros, sabe que o que lhe falta é a sabedoria, e a persegue como uma
das coisas mais belas, possuindo sempre motivação para continuar a persegui-la
(SHIEFFIELD, 2006, p. 57-8).
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48 Esse eros filosófico retoma a ideia de Pausânias de que há um bom eros e um eros mau-
direcionado.
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a aporia seria um reconhecimento de não estar na posse desse saber, representada pela
famosa frase socrática “só sei que nada sei”. A partir da aporia (reconhecimento da
ignorância) chegaríamos à euporia (que ao mesmo tempo que é um conhecimento é um
desejo pelo conhecimento que ainda não se tem), sendo esse ciclo característico da
prática filosófica. Sendo assim, o filósofo não é um conhecedor e sim aquele que busca
o conhecimento. O filósofo é aquele que possui a falta, reconhece essa falta, tem um
desejo consciente de superação dessa falta. Haveria assim uma ligação entre os termos
usados para descrever o estado entre ignorância e sabedoria e os termos usados para
descrever o estado intermediário de eros.
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Já o discurso de Sócrates ataca essa visão por outra frente. Sócrates se volta
para o desejo pela sabedoria, o amor pela filosofia, que seria a principal forma de
adquirir a felicidade, mostrando que o ser humano não é somente uma criatura carente,
que se completa no outro, mas sim alguém que possui um estado de falta produtiva, que
leva à produção, ao pensamento.
É claro que ambos tentam desconstruir a visão aristofânica, porém, a meu ver,
as correntes literárias atuais expressam melhor o espírito de nossa época. Isso porque
Sócrates apresenta uma ascensão na qual primeiramente há a descoberta dos desejos
vulgares e sexuais, posteriormente a educação filosófica, na qual a tarefa é garantir que
haja julgamentos corretos sobre os tipos de bem que são adequados, e finalmente a vida
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contemplativa. Enquanto Platão parece ver o eros sexual como um estágio anterior à
descoberta das coisas boas necessárias para o alcance da felicidade, sendo, portanto,
incapaz de satisfazer o desejo pela eudaimonia, o amor contemporâneo parece se
distanciar do ideal de eudaimonia platônica.
Referências:
PLATÃO. O Banquete. Rio de Janeiro: Difel, 2010.
SHEFFIELD, Frisbee. Plato's Symposium – The Ethics of Desire. New York: Oxford
University Press, 2006.
JOBIM, Tom. Wave. New York: A&M Records, 1967.
MORAES, Vinícius de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960.
ANDRADE, Carlos Drummond de. O Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984.
AUSTEN, Jane. Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice) Edição Bilíngue. São
Paulo: Landmark, 2008.
QUEIRÓS, Eça de. “A literatura nova” ou “O Realismo como nova expressão de
arte”. CONFERÊNCIAS DO CASINO, 1871, Lisboa.
CACASO. Beijo na boca. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora 7 letras, 2000.
FREIRE, Roberto. Ame e dê vexame. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.
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Abstract: The aim in this article is to approach the virtue of the Nicomachean Ethics of
Aristotle. For this purpose, that is necessesary, in the introduction, the explanation of
some greek ancient concepts which had their meanings changed with time. At the rest of
the work, there will be approach aspects of the virtue and good from Nicomachean
Ethics. I don't simply focus in the meaning of what is good, but also its knowledge
objectifying its practice, its action; the necessity of desire good to be virtuous, not only
knowing it; and the though that being virtuous is important to be happy, but not enough.
It is importante to say that the objective of this work is intorductory and expositive.
Keywords: Antique Philosophy, Aristotle, Nicomachean Ethics, Virtue, Well,
Eudaimonia.
Introdução
50
É relevante dizer que a Ética a Nicômaco não é a única obra aristotélica de caráter ético, havendo
também a Ética a Eudemo e a Magna Moralia e, em certa medida, a Política. Para esse presente artigo,
como o objetivo era uma introdução a temas da Ética a Nicômaco especificamente, não se abordou as
demais.
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51
É interessante considerar o que Hardie diz acerca do conceito de ação em Aristóteles: “A palavra “ação”
pode ser utilizada de modo amplo, como o é em Política, de modo a incluir a reflexão contemplativa. Mas
o que a passagem assinala como função própria do ser humano é claramente mais abrangente que a
atividade teórica e inclui atividades que exibem inteligência prática e virtude moral.” (Hardie, 2010:45).
52
O conceito de bem supremo será tratado mais adiante.
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I – PRINCÍPIOS ARISTOTÉLICOS
Um dos princípios aristotélicos é o da razão, a qual tem aqui o sentido muito claro de
53
Para fins de esclarecimento, ressalta-se aqui que o termo moralizante foi inserido com fins de melhor
explicação, porém é importante lembrar que o termo moral não existia ainda em grego, só tendo
aparecido mais tarde em latim (em Cícero, De Fato I, 1) como mores.
54
Hoje é costume apresentar-se um conceito cristão de bem, mas é preciso lembrar que a Grécia Antiga é
pré-cristã.
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Outro princípio é o desejo. Aristóteles diz que há coisas às quais se visa por elas
mesmas, como a saúde e bons amigos, por exemplo. E há coisas às quais se visa através
de atividades, como sendo as suas finalidades. Para se direcionar a algo, em todo caso, é
preciso desejar este algo.
Arte (techné) não tinha para os gregos o sentido que recebe hoje, se
aproximando mais da ideia do artesão, o que inclui tanto trabalhos como o de um
escultor quanto de um marceneiro, por exemplo; por isso o termo techné é traduzido
tanto pelo termo arte quanto pelo termo técnica, podendo ser considerados arte, por
exemplo, uma espada ou um sapato, de acordo com a técnica especializada do ferreiro
que fizer a espada e do sapateiro que fizer o sapato. Nesse contexto, Aristóteles
distingue atividades que visam a uma obra de atividades que visam a si mesmas.
Quando Aristóteles fala do primeiro caso ele se refere às atividades que desde o seu
ínício visam a um fim específico. 'Obra' refere-se a cada etapa da atividade a ser
realizada, sendo "completas" as atividades que visam a uma obra, com todas as suas
partes concluídas. Já o segundo caso, das atividades que visam a si mesmas, representa
as atividades que não têm um fim específico nem visam produzir algo, como por
exemplo tocar uma flauta; era algo que os gregos faziam apenas pelo bem de tocar e
ouvir música55. Para as atividades que visam a uma obra, a obra é mais importante do
que a atividade. O objetivo não é apenas a atividade, mas sim a realização da obra que a
atividade produz.
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outras, mas sim no sentido de haver uma coordenação entre elas. Por exemplo, se
alguém quer aprender a caçar com arco-flecha a cavalo: para este alguém realizar o bem
– entenda-se, a excelência - de caçar com arco-flecha a cavalo é preciso que antes um
outro alguém faça o bem de adestrar o cavalo e ainda que um outro fabrique o arco-
flecha para, então, mais alguém ensine este a caçar com arco-flecha a cavalo.
Aristóteles distingue filosofia teórica de filosofia prática, sendo a primeira a que deve
resultar em conhecimento e a segunda a que deve resultar em ação:
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sendo que esta só se obtém na ação, no hábito. Além disso, é preciso compreender e
desejar o bem; nem só um, nem só o outro.
“[...] o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma
de conformidade com a excelência, e se há mais de uma excelência, de
conformidade com a melhor e mais completa entre elas. [...] tal exercício
ativo deve estender-se por toda a vida” (E.N, I, 1098 a, 82-86).
A Ética de Aristóteles não se baseia em um princípio fundamental. Como já se
disse, para ele, não há um bem único, mas sim o bem em cada situação, “as próprias
pessoas engajadas na ação devem considerar em cada caso o que é adequado à ocasião”
(E.N., II, 1104a, 19-20). Assim, o melhor a ser feito – o bem – varia de acordo com a
situação em que se estiver. Às vezes uma atitude pode não ser boa em uma determinada
situação, porém em outra pode ser a melhor atitude a ser tomada.
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possui uma concepção verdadeira do fim que lhe é melhor, bem como possui a
capacidade de planejar a realização desse fim de maneira eficaz” (Hardie, 2010: 43).
Desse modo, percebe-se que o bem, o desejo e a virtude – ser virtuoso – estão
intrinsecamente ligados na concepção de Aristóteles.
[...] se os atos condizentes com as várias formas de excelência moral têm uma
certa qualidade em si, isto não quer dizer que eles foram praticados
justamente ou moderadamente; o agente também deve estar em certas
condições quando os pratica; em primeiro lugar ele deve agir
conscientemente; em segundo lugar ele deve agir declaradamente, e ele deve
deliberar em função dos próprios atos; em terceiro lugar sua ação deve provir
de uma disposição moral firme e imutável. (E.N, 1105a, 16-23)
O conhecimento do bem visa ao melhoramento das ações, hábitos e conduta.
Aristóteles, contudo, põe em questão se o conhecimento é o bastante para que o bem
seja de fato praticado. Para ele, é necessário também que se deseje o bem. Aristóteles,
assim, direciona a sua ética a uma compreensão dos princípios – o que constitui o bem,
a virtude – e, paralelamente, a uma educação adequada dos desejos. Para que se seja
virtuoso é preciso compreender corretamente e desejar aquilo que se compreende
corretamente. A educação dos desejos é um hábito, é uma prática.
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O que acontece no segundo caso, segundo Aristóteles, é que o indivíduo não foi
bem educado - lembrando que uma boa educação, aqui, significa aprender a ter prazer
com o que se deve ter prazer e desgosto com o que se deve ter desgosto. Nesse contexto,
“precisamos abandonar o sentido fraco de aprender segundo o qual ter aprendido que
esquiar é prazeroso é simplesmente ter adquirido a informação, independentemente da
experiência pessoal” (Burnyeat, 2010: 165). Quando o indivíduo não é educado de
acordo com isso pode ocorrer de sentir prazer com o que deveria ter desgosto, mesmo
que compreenda isso e, assim, desejar algo que não é o bem.
56
A temperança, em Aristóteles, é a virtude moral da capacidade de discernimento. O intemperante é
aquele que conhece mal e, por isso, age mal achando que está agindo bem. Este ainda pode reconhecer o
seu erro e mudar o seu modo de agir, passando a agir bem, diferentemente do vicioso.
57
O conceito dos termos julgar e juízo não são bem definidos na Filosofia Antiga, apresentando, assim,
sentido amplo: o de dar significado à realidade, de cernir, discernir; cerne, discernimento.
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akráticos58.
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A virtude total é aquela “na qual a virtude intelectual age no interior da virtude
moral (a virtude própria), enquanto a virtude imperfeita é a virtude moral natural que,
sempre podendo aceitar razões, não sabe, contudo, dar ou estabelecer razões” (Zingano,
2008: 96). Por fim, as virtudes morais aperfeiçoam o modo do indivíduo agir,
conduzindo suas decisões: “o que eu posso fazer, eu posso deixar de fazer. Pelo hábito
de agir assim e não de modo contrário eu aperfeiçoo (se agir assim for virtuoso) ou
deturpo (se agir assim for um vício) minha capacidade de agir. Assim, a virtude moral é
um aperfeiçoamento da minha capacidade natural de agir” (Zingano, 2008: 83).
Resumindo, tudo se encaminha para o bem, porém ter uma atitude boa não
significa ter uma atitude virtuosa. O bem varia de acordo com a situação e só o hábito, o
qual constitui uma boa educação, proporciona as experiências necessárias à excelência
intelectual de discernimento e escolha do que é o bem em cada caso (escolha refletida:
proairesis), de modo a se atingir a excelência moral. A excelência moral é a virtude
total: a de desejar o bem, fazer o bem e saber por que cada ação é o bem, variando com
a situação.
Aristóteles persegue em sua Ética qual é o bem supremo ou fim último da vida humana
e o define como sendo a felicidade (eudaimonia)61. A definição de tais conceitos, porém,
diferem-se:
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realização na/da vida, diferentemente do sentido que se tem hoje de felicidade. Para os
gregos, a felicidade era um estado de espírito, uma prática, não sendo, assim, algo fugaz,
como geralmente se pensa hoje. “A vida perfeita parece o ser no sentido de completa –
não se tem eudaimonia por um pequeno lapso de tempo, mas sua temporalidade
estende-se ao longo da vida” (Zingano, 2008: 94). Talvez seja melhor compreender
eudaimonia não como felicidade, mas sim como vida feliz, no sentido de se tornar pleno
e de se direcionar da melhor forma possível à vida.
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a pena conseguir, como varia numericamente a cada caso” (Zingano, 2008: 91). Ainda
segundo Zingano, Aristóteles distingue três tipos de bens que são necessários à
felicidade em maior ou menor grau: ”os bens da alma (as virtudes), causas próprias da
felicidade, os bens do corpo e os bens exteriores, causas coadjuvantes” (Zingano, 2008:
90), sendo estes – os bens do corpo e os bens exteriores – necessários apenas até o
ponto em que o indivíduo atinja a autossuficiência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O bem varia de acordo com a ocasião. A capacidade de discernir o que é o bem em cada
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ocasião é fundamental à virtude. Aquele que pratica uma boa ação sem compreender o
que faz dessa ação boa e por que ela é a melhor ação a ser realizada de fato pratica uma
boa ação, porém não uma ação virtuosa. A virtude se caracteriza pela comunhão entre a
prática, a compreensão e o desejo do bem.
Quando um indivíduo não atinge a autossuficência com os bens que têm em sua
vida, então, por mais que seja virtuoso, pode não conseguir ser feliz: pode ser solitário,
viver na miséria ou sofrer de alguma doença terrível. A felicidade é o conjunto de tudo
que constitui a vida do indivíduo, dependendo majoritariamente do próprio modo do
indivíduo de lidar com o que lhe acontece, ou seja, da sua capacidade de superar e
aceitar, mas não apenas disso; depende também de fatores externos, que são acessórios,
como riqueza, família, saúde e amizade.
Referências:
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Julio Tomé
Granduando em Filosofia pela UFSC
Resumo: Este trabalho tem como objetivo trazer à tona algumas das considerações que
Thomas Hobbes fez sobre o conceito de Justiça na obra Leviatã, sua principal obra de
Filosofia Política, por meio de uma discussão filosófica sobre o que seria o Justo e o
Injusto; o Bom e o Mau etc. Essa discussão se norteará baseada em análises
Jusfilosóficas dos conceitos elaborados e utilizados por Hobbes e que estão em
constante discussão (até hoje) nas obras de Filosofia Política e Filosofia do Direito.
Trata-se então de um trabalho cujo foco é o conceito de Justiça, trazendo consigo as
implicações dos termos hobbesianos como, por exemplo, Estado; Soberano; Leis;
Verdadeiro e Falso; Bom e Mau; Justo e Injusto etc., e seus significados.
Palavras-chave: Conceito de Justiça. Filosofia Política. Filosofia do Direito. Leviatã.
Abstract: This paper aims to discuss some of the considerations that Thomas Hobbes
did about the concept of Justice in the book Leviathan, his main work of Political
Philosophy, through a philosophical discussion about what is the Just and Unjust; the
Good and Evil etc. This discussion will be guide based on analyzes of
‘Jusphilosophical’ concepts elaborated and used by Hobbes and are in constant
discussion (nowadays) in the writings of Political Philosophy and the Philosophy of
Law. In order to that, it is a work its focus is the concept of Justice, bringing itself the
implications of hobbesian terms, as, for instance, State; Sovereign; Laws; True and
False; Good and Evil; Just and Unjust, and their meanings.
Keywords: Concept of Justice. Political Philosophy. Philosophy of Law. Leviathan.
Introdução
O pensamento hobbesiano sobre a Justiça parte da premissa que esta só é
possível em um Estado Civil, constituído por meio de um contrato62 entre todos os
cidadãos e o soberano, percebe-se isso logo no início do quarto capítulo do Leviatã,
quando Hobbes está tratando sobre a linguagem e afirma que: “[...] o verdadeiro e o
62
Nesse trabalho não se fará a diferenciação entre pacto e contrato para Thomas Hobbes. A quem o
assunto interessar, recomenda-se a leitura da obra Hobbesiana Do cidadão.
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falso são atributos da linguagem, e não das coisas [...].”63. A partir dessa frase pode-se
chegar à conclusão de que são os homens, por meio da linguagem, que atribuem o valor
verdadeiro ou falso às coisas, ou seja, as coisas não são verdadeiras ou falsas por
natureza, mas sim porque são atribuídos a elas certos valores, e o mesmo valerá para
justo ou injusto; certo ou errado etc., no pensamento de Hobbes, sendo que para haver
essa valoração, sobre o que seria justo, é necessário que haja um poder comum a todos
os cidadãos, como se verá mais detalhadamente no decorrer deste trabalho, pois,
segundo o pensamento de Hobbes, “[...] sem linguagem não haveria Estado, nem
sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não existem entre os animais.”64.
Para Hobbes, a valoração de justo ou injusto, bom ou mau etc., deve vir após a
instituição de um poder comum a todos, pois, segundo o pensamento hobbesiano, cada
pessoa terá sua própria concepção dessas palavras, ou numa linguagem mais próxima do
autor, o objeto de desejo ou apetite – vontade – de um homem, será chamado por ele de
bom; já ao objeto de ódio ou aversão, chamará de mau, quando então essas palavras
terão valores diferentes dependendo da pessoa que as usar. Disso se pode concluir,
adiantando um pouco o que será dito mais à frente, que é o soberano que determinará o
que é bom ou mau, justo ou injusto, para os cidadãos de um Estado Civil, e isso, na
verdade, será fruto do desejo dos próprios homens pertencentes ao Estado. Sendo que
em um Estado de Natureza, não haverá injustiça, pois além de não haver poder comum,
para determinar o que é justo ou injusto, todos os homens têm o direito de se defender
uns dos outros.
63
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 18.
64
MELLO, Elson Rezende. Considerações sobre o Estado em Hobbes. In: Revista de C. Humanas,
Viçosa, v. 12, n. 1, p. 217-234, jan./jun. 2012. p. 223.
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O que então leva esse trabalho a sua segunda seção, onde se fará a ligação da
justiça ao poder, pois, para Hobbes, os homens têm como uma tendência geral, um
perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que só acaba com a morte. O poder,
para Hobbes, ou melhor, a busca deste, será o que determinará as diferenças dos
‘talentos’ nos homens. Sendo que: “[...] O maior dos poderes humanos é aquele que é
composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa,
natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na dependência de sua vontade:
é o caso do poder de um Estado. [...]”65. E disso chega-se a questionamentos como:
Quem está mais apto a ter em suas mãos o poder de dizer o que é justo em um Estado
Civil, i.e., de ser o soberano do Leviatã? A justiça então ficaria a cargo do soberano, e
tudo que for determinado por meio da espada do Estado como justo, será justo?
65
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p.13.
66
Idem. Ibidem. p. 39.
67
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 39.
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Por meio dessa afirmação de Hobbes, de que o bem e o mal são objetos de disputa,
pode-se chegar à conclusão de que não haveria uma moral pré-determinada que fosse
correta, pois sempre haveria uma disputa sobre quais ações seriam certas ou justas e
quais seriam incorretas e injustas, sendo necessário, para dar fim a essa disputa pelo que
seria bom ou ruim, um poder comum a todos, pois se pode afirmar que os costumes não
são suficientes para determinar o que é bom ou mau.
O que foi dito anteriormente, está assim escrito, de acordo com Thomas Hobbes,
no capítulo XIII do Leviatã:
68
Idem. Ibidem. p. 46.
69
Idem. Ibidem. p. 47.
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Para Hobbes, é uma lei de natureza (a terceira) que ‘os homens cumpram com os
pactos que celebrarem’ e, se assim não fizerem, pode-se se ter como resultado a volta da
vida em um Estado de Natureza. Sendo que a espada do Estado trabalha por meio do
medo, das possíveis sanções, sendo a responsável por tentar fazer que com que essa ‘lei
de natureza’ seja cumprida, tornando-a uma ‘lei civil’, pois, como pode ser lido no
Leviatã, uma lei de natureza só se torna uma lei civil, se assim for do interesse do
soberano (ou esse se calar frente à prática comum dessa lei, por parte dos súditos). E é
por meio dessa lei que reside, segundo o pensamento hobbesiano, a ‘fonte e a origem da
justiça’, pois para Hobbes “[...] definição da injustiça não é outra senão o não
cumprimento de um pacto. E tudo o que não é injusto é justo.”70.
Sendo que, por meio do poder coercitivo, ou das leis de coerção que ordenam
‘faças isso’ ou ‘faças aquilo’ é que podem ser definidas ações como justas ou injustas, e
elas só passam a ter determinada valoração após serem impostas como tais, o que ocorre
por meio da imposição do Estado Civil, na figura do soberano.
70
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 52.
71
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 53.
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O que foi dito até o momento, nas palavras de Hobbes está posto assim:
[...] Portanto, onde não há Estado nada pode ser injusto. De modo que a
natureza da justiça consiste no cumprimento dos pactos válidos, mas a
validade dos pactos só começa com a instituição de um poder civil suficiente
para obrigar os homens a cumpri-los, e é também só aí que começa a haver
propriedade.72
Segundo o pensamento de Hobbes, há duas formas de interpretar as palavras
‘justo’ e ‘injusto’: uma quando se refere aos homens, outra quando se refere às ações,
sendo que quando são atribuídas: a) aos homens, expressam a incompatibilidade
(injusto) ou conformidade (justo) com os costumes e com a razão; b) já quando essas
mesmas palavras são atribuídas a ações, indicam conformidade ou incompatibilidade
com a razão de ações determinadas. Nas palavras de Hobbes: “[...] Portanto um homem
justo é aquele que toma o maior cuidado possível para que todas as suas ações sejam
justas, e um homem injusto é o que despreza esse cuidado. [...]”73.
72
Idem. Ibidem. p. 52.
73
Idem. Ibidem. p. 53.
74
Idem. Ibidem. p. 55.
75
MALHERBE, Michel. Liberdade e necessidade na filosofia de Hobbes. Tradução de Maria Isabel
Limongi. In: Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 12, n.1-2, p. 45-64, jan.-dez. 2002. p. 58
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Como já dito anteriormente, está na mão do soberano decidir aquilo que é bom
ou mau em um Estado, assim como justo e injusto, como pode ser visto nessa citação
retirada do Leviatã: “[...] Competia, portanto, ao soberano ser juiz, e prescrever as
regras para distinguir entre o bem e o mal, regras estas que são as leis; por
conseqüência, é nele que reside o poder legislativo[...]”77, onde:
Há, no Estado Civil ‘criado’ por Hobbes, um poder judicial onde os ‘ministros
públicos’ são delegados pelo Poder Soberano, “[...] Porque em suas sedes de justiça
representam a pessoa do soberano, e sua sentença é a sentença dele. [...]”79. Sendo que
haverá dois tipos de controvérsia, as de fato e de direito, podendo haver assim também
dois juízes, os de fato e de direito.
Haverá, nos Estados Civis, aquilo que Hobbes chamará de Leis Civis, sendo que
essas são “[...] para todo súdito, constituídas por aquelas regras que o Estado lhe impõe,
oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como
critério de distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não é contrário à
76
Lembra-se aqui que esse soberano pode ser apenas um homem – monarquia, ou por meio de
assembleias, de todos os homens – democracia; ou de alguns homens – aristocracia.
77
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 72.
78
Idem. Ibidem. p. 76.
79
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 83.
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regra.”80. Explicando: o Estado diz o que é bom ou mau, assim como justo ou injusto,
por meio de regras, às quais os súditos deverão seguir e, a partir de então, o que for
colocado como bem serão regras a se seguir (ou seja, leis às quais se deve cumprir; e o
não cumprimento destas poderá ser penalizado), e o inverso também será verdadeiro, ou
seja, pode haver regras onde serão expostas coisas contrárias ao bom andamento do
convívio em sociedade, coloca-se assim, e as ações que entrarem nesse leque serão ditas
contrárias às regras e poderão ser penalizadas. Sendo “[...] as leis são as regras do justo
e do injusto, não havendo nada que seja considerado injusto e não seja contrário à
alguma lei. [...]”81.
O soberano é o único legislador, sendo ele o único autorizado a revogar uma lei,
onde: “[...] o súdito obedece de acordo com as regras, mas o soberano faz as regras e
age de acordo com o que considera ideal.”82. Sobre a questão das leis, Hobbes afirma
que o soberano é o responsável pela interpretação das Leis de Natureza.
[...] Porque no ato de judicatura o juiz não faz mais do que examinar se o
pedido de cada uma das partes é compatível com a eqüidade e a razão natural,
sendo, portanto, sua sentença uma interpretação da lei de natureza,
interpretação essa que não é autêntica por ser sua sentença pessoal, mas por
ser dada pela autoridade do soberano, mediante a qual ela se torna uma
sentença do soberano, que então se torna lei para as partes em litígio.
Sendo de responsabilidade de um bom juiz, ou bom intérprete das leis uma
correta compreensão da lei principal de natureza, chamada de lei de equidade. Essa boa
interpretação se dará por meio da sanidade da própria razão e mediação natural,
desprezando as riquezas desnecessárias, assim como as preferências. Sendo capaz de
despir-se de todas as paixões, assim como deve haver paciência para ouvir e dirigir e
aplicar o que se ouviu.
80
Idem. Ibidem. p. 90
81
Idem. Ibidem. p. 90.
82
BUENO, Marcelo Martins. Medo e Liberdade no pensamento de Thomas Hobbes. In: Revista Primus
Vitam, n.1, ano 1, 2 sem. 2010. p. 9.
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autores de qualquer que seja a lei. Isso fica exposto na seguinte passagem da obra
hobbesiana:
[...] Todo indivíduo particular é juiz das boas e más ações. Isto é verdade na
condição de simples natureza, quando não existem leis civis, e também sob o
governo civil nos casos que não estão determinados pela Lei. Mas não sendo
assim é evidente que a medida das boas e más ações é a lei civil, e o juiz o
legislador, que sempre é representativo do Estado. [...].83.
Para Hobbes, a forma de garantir a segurança dos cidadãos do Estado Civil
(motivo pelo qual eles aceitaram o pacto) é por meio das ações coercitivas do soberano,
isto é, por meio das leis criadas para a proteção dos cidadãos e do Estado.
A obediência dos súditos às leis do Estado é, para Hobbes, o principal meio para
que o soberano consiga cumprir seu principal objetivo do pacto, ou seja, manter a
segurança dos cidadãos do Estado Civil, sendo que, para isso, fica implícito que os
cidadãos devem cumprir as leis do Estado, pois além de eles serem os autores destas,
elas servem para protegê-los, o que levaria a um pensamento compatível com o do
positivismo jurídico, pois como o próprio Hobbes comenta, as leis positivas são aquelas
criadas (e não naturais), que são justas, pois são leis, e por isso devem ser obedecidas. O
próprio Hobbes argumenta em favor a isso, na seguinte passagem do Leviatã:
Para Hobbes, a justiça deve ser ensinada, assim como as consequências do não
cumprimento das leis, pois é fazendo uso do medo que se deve fazer com que os
cidadãos cumpram as leis, as quais não estariam dispostos a cumprir se não houvesse
um poder comum a todos, lembrando que o pensamento hobbesiano traz consigo a ideia
de que, se for necessário, o cumprimento das leis será por meio de ações de coerção,
sanções. Sendo que, segundo a visão hobbesiana, é função do soberano fazer boas leis,
entendidas por Hobbes como:
83
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 108.
84
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 113.
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[...] apenas uma lei justa, pois nenhuma lei pode ser injusta. A lei é feita pelo
soberano poder e tudo o que é feito por tal poder é garantido e diz respeito a
todo o povo, e aquilo que qualquer homem tiver ninguém pode dizer que ë
injusto. [...] Uma boa lei é aquela que é necessária para o bem do povo e,
além disso, evidente.85
Seguindo o pensamento de Hobbes, nenhuma lei pode ser injusta, e isso se deve
ao fato de que a lei é de autoria dos próprios cidadãos na figura personificada do
soberano, ou seja, independente do que for ali colocado como lei (isto é, de seu
conteúdo), como fora já colocado, ela não poderá ser considerada injusta, pois tem
como objetivo o bem dos cidadãos do Estado Civil. O objetivo das leis é dirigir e
manter os cidadãos num movimento para que assim não se firam com os seus próprios
desejos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se que, pelo contexto histórico no qual Hobbes estava inserido, a obra
Leviatã não trata propriamente de como se chegar ao poder, mas sim de como o
soberano pode manter-se no poder, e para tal, Hobbes afirma a necessidade de se
instituir um Estado Civil, com a figura do soberano ‘forte’, sendo ele o responsável por
85
Idem. Ibidem. p. 116.
86
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad.: João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os
Pensadores). p. 123.
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dizer aos súditos quais as leis civis (e naturais transformadas em civis) que eles devem
respeitar para assim garantirem sua segurança.
Com isso Hobbes descreve um Estado que pode ser lido pela visão jusfilosófica
contemporânea como um Estado com leis positivadas (positivismo jurídico), no qual
quem dirá o que é justo é o próprio soberano, representando com isso a vontade dos
súditos do Estado Civil. Afirma-se então que o conceito de justiça no Leviatã de Hobbes
é de uma justiça positivada na espada do soberano, podendo até mesmo ser chamada de
uma justiça legalista (também em termos mais contemporâneos), sem entrar aqui
naquilo que tange a discussão sobre a desobediência civil em Hobbes.
Referências:
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Linguagem de Thomas Hobbes.Versão Digital. Disponível em: <http://www.cp2.
g12.br/UAs/se/departamentos/sociologia/pespectiva_sociologica/Numero1/Renan%20A
guiar%20-%20Thomas%20Hobbes.pdf>. Acesso em: 19 maio 2014.
ARAUJO, Bernardo Goytacases de; LUNA, Sérgio. Duas concepções da Filosofia
Política Moderna: Hobbes e Locke. Versão Digital. p. 3. Disponível em:
<http://www.ecsbdefesa.com.br/fts/DCFPMHL.pdf.>. Acesso em: 20 maio 2014.
BUENO, Marcelo Martins. Medo e Liberdade no pensamento de Thomas Hobbes. In:
Revista Primus Vitam, n.1., ano1, 2. sem. 2010.
MALHERBE, Michel. Liberdade e necessidade na filosofia de Hobbes. Tradução de
Maria Isabel Limongi. In: Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 12, n.1-2, p. 45-64,
jan.-dez. 2002.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e
civil. Trad.: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril
Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores). Versão Digital. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/ marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf>.
Acesso em: 15 maio 2014.
MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Thomas Hobbes, avatar do positivismo
jurídico: uma leitura jusfilosófica do Leviatã. In: PHRONESIS Revista do Curso de
Direito da FEAD-Minas, v. 1, n. 1, jan. 2006.
MELLO, Elson Rezende. Considerações sobre o Estado em Hobbes. In: Revista de C.
Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 217-234, jan./jun. 2012.
MONTEIRO, João Paulo. A ideologia do Leviatã hobbesiano. Versão digital.
Disponível em: <http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/monteiroleviatahobbesiano.
pdf/at_download/file>. Acesso em: 7 maio 2014.
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