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Encruzilhador de Caminhos*
universidadedasquebradas.pacc.ufrj.br/manifestacao-da-literatura-divergente-ou-manifesto-encruzilhador-de-caminhos/
A elaboração do texto final deste manifesto reflete a leitura crítica de algumas pessoas muito
queridas minhas, a quem destaco e agradeço imensamente. Almas e mentes atentas que me
permitiram uma troca incrível de idéias, fazendo-me repensar cada item aqui apresentado,
seja revendo conceitos, reescrevendo frases, relativizando argumentos ou fortalecendo meus
pontos de vista e expressões primeiras. Falo do saudoso e inesquecível Marco Aurélio
Barreto; do sempre presente e questionador Robson Veio; do provocador e grande entusiasta
das letras nas encruzas Henrique Freitas; da atenta e incentivadora Adriana Facina; da leitora
generosa e implacável Silvia Lorenso; da parceira ao lado, companheira de vida, co-autora de
minhas duas filhas e, enfim, “tesoura” implacável de meus excessos retóricos (todos), Ana
Cristina Pereira. Aproveito para agradecer também, pelas trocas de idéias sobre Literatura
Divergente, a dois parceiros que aprendi a ser cúmplice em tudo que penso e faço: GOG e
Silvio Roberto.
Laroyê!
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– Por serem divergentes, as possíveis discordâncias das concepções de base fortalecerão as
convicções desta manifestação e serão a prova real da diversidade descentrada que
determina o dinamismo das literaturas.
– Muitos pedirão para que se ilustre esta demanda. Ou seja, para que eu exemplifique o
debate com um elenco inconteste de autores e obras que formatariam um painel ilustrativo da
Literatura Divergente, como condição prévia da legitimidade do conceito aqui proposto. Não
partir de uma estética já posta, como afirmei acima, para esses perguntantes, poderá
representar a “natimorte” das intenções teórico-filosóficas que se seguem.
– Mas, na moral mesmo, gostaria de dizer bem alto e claro que este escrito pretensioso quer
soar mais como um release do que uma resenha. Ao invés de fazer um inventário retrospecto
do que já foi ou ainda está, quer pensar uma história prospectiva, promovendo um convite ao
que pode ser. Devir!
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Mesmo relevando-se a oralidade como valor fecundo na elaboração da textualidade
divergente, o binômio escrita-oralidade ainda não encerra as possibilidades híbridas da
Literatura Divergente. Um sincretismo de base deve estabelecer seu lastro de possibilidades.
O entrecruzamento é o lugar volátil a que almeja a textualidade da Literatura Divergente. A
modalidade escrita e a oral podem tanto caminhar lado a lado como estabelecer uma
cumplicidade criativa-expressiva com outras sonoridades, musicalidades, plasticidades,
corporalidades, gestualidades…
A obra literária em divergência dos cânones admite igualmente a incorporação de toda uma
gama de possibilidades visuais e eletro-eletrônicas na sua formatação, promovendo, inclusive,
o trânsito do desejo de imutabilidade tradicional para uma transitoriedade ou mesmo
efemeridade ao gosto contemporâneo. O hibridismo, a efemeridade e a transitoriedade
admitidos na Literatura Divergente deslocam o texto da superfície “inquestionável” da letra na
página para variados registros e suportes, incluindo a instalação e a performance.
A Literatura Divergente, quando materializada nesse conjunto de idéias e/ou numa estética
definida, é chamada aqui Literatura Convergente, e, assim, como tudo na experiência cultural
da humanidade, essas idéias e procedimentos podem se tornar paradigmas; e suas obras
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fundar e/ou compor cânones. Mas a divergência (que é essencialmente potência) sempre
migra, se estabelecendo em outras plagas, reinaugurando novas tensões e promovendo
novos enfrentamentos, inclusive internos.
– A convergência pode sucumbir, por ser matéria; a divergência não sucumbe, por ser
potência.
– Assim sucessivamente…
– Logo, a Literatura Divergente não age no sentido de diluir, apagar, invisibilizar, negar, e nem
mesmo nivelar as especificidades dos discursos pontuais: convergentes.
– O Conceito Literatura Divergente que defendo é minha tentativa de dar conta metodológica e
discursiva a uma lógica que admite a disparidade. Seu maior fundamento, paradoxalmente, é
nunca fixar leis e sempre desobedecer às cristalizações.
– O fato de um escritor nomear sua própria obra de Literatura Negra, por exemplo, não o
impede de circunstancialmente ter pertencido ao conjunto heterogêneo das intenções
gestadas no útero fecundo da Literatura Divergente.
– Assim sucessivamente…
– Querer fazer literatura, mesmo carregando um corpo físico oriundo dos bolsões de miséria e
pouco letramento oficial e normativo, é um desejo social potencialmente divergente!
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– Abordar a invisibilidade, a anulação, o castramento e a morte pela percepção e expressão
do condenado em vida, pela cegueira social, pela diluição da diferença, pelo impotência do
gênero ou pelo extermínio físico é divergir das estratégias literárias consagradas
historicamente “de fora pra dentro e cima para baixo”.
– O que a Literatura Divergente quer não é, exatamente, diluir fronteiras. Muito menos – como
já me disseram por aí, mesmo antes de minha formulação conceitual inaugurada aqui – ser
mais um complicador de uma demanda já complicada que é a definição de conceitos que
dêem conta metodológica dos fazeres literários que surgem justamente do desejo de desvio
das tradições universalizadas de cima para baixo. As obras literárias desviantes dos cânones
oficiais – como pensam e defendem por aí – não nascem e se desenvolvem como flores do
campo cuja beleza prescinde da ordenação legitimadora da cultura e sua função desconhece
a ideologia dos jardins.
– Repito: não entendo o conceito Literatura Divergente como complicador. Também aqui
podemos separar o ouro da areia drenados do mesmo córrego. Não para sublimar um em
detrimento do outro, mas para esculpir as jóias para o conforto subjetivo da alma; e edificar
paredes para a proteção da concretude do corpo.
– Muita retórica e pouco esclarecimento! Muita ideologia e pouca historicidade! Muito mais
dissimulação ainda!
– Todos são humanos! Não é assim que dizem? Uma verdade incontestável! Mas… são todos
Negros? Índios? Ocidentais? Orientais?
– Vale a pena concluir o óbvio mais uma vez: todos são igualmente humanos, mas nem todos
os humanos são exatamente iguais!
– Tudo muito simples: é preciso determinar o que contém e o que está contido. Ou ainda: o
que diverge de que, e o que converge com que!
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– Na Literatura Divergente cabem as gêneses de todas as Literaturas Convergentes; enquanto
na Literatura Convergente não cabe toda a Literatura Divergente, porque esta é infinita nas
possibilidades e incontável nas renovações.
– Literatura Convergente, ainda conforme o uso feito aqui, são as literaturas que se
estabelecem em torno de “paradigmas particulares estigmatizados”, porém que não estão
alinhadas em acordo com os “paradigmas particulares oficializados” e pretensamente
universais. Isto é o que se costumou a chamar de literatura acadêmica, literatura nacional,
literatura estadual, literatura municipal, ou então, genericamente, literatura canônica.
– Vê-se acima que também o “universal”, “modelo” imposto verticalmente, sofre recortes e
mais recortes que os individualiza na economia das trocas simbólicas.
– Assim considera, a divergência situa-se nas contra ideologias, porém sem, potencialmente,
consagrar-se como síntese, o que pode ocorrer com a estética da Literatura Convergente!
– Quem vai se debruçar sobre os textos, agora que já localizamos a região, o endereço, a
origem social, o sonho, o delito, a etnia, a raça, o gênero e a orientação sexual dos
escritores(as)?
– Quem vai mostrar que, mesmo internos nessas categorias distintas, e mesmo quando não
modelares, pode persistir nos seus agentes um sonho de sucesso acadêmico, comercial,
cultural, político, amoroso, ainda pautados pelos modelos de sucesso canônicos?
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– As Literaturas Convergentes, cada qual de seu modo, divergem dos modelos canônicos
universais que geralmente são impostos – na busca de perpetuação – pela cultura oficial.
Sempre na perspectiva cultural, de classe, de raça e de gênero de grupos e elementos
universalizados pelo jogo dos poderes!
– Fazer Literatura Feminina é convergir rumo ao sentido das demandas do gênero feminino; e
divergir da centralidade violenta de um mundo masculinizado.
– Assim sucessivamente…
– Na minha verdade, vejo que a Literatura Divergente é responsável pela pulsão íntima que
engendra a textura das obras da Literatura Convergente. Porém, dado seu sopro de vida,
ainda no limite da linguagem, retoma de sua condição abstrata essencial.
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– Muito fala e reencena a balança eterna dos movimentos literários. Esse discurso se
estabelece sobre as práticas que, ao longo dos tempos, revezam-se no topo da pirâmide das
“particularidades universalizadas”. Ora se sustenta na base épica, clássica; ora se sustenta no
solo lírico, romântico. Assim nos apresentam a linha histórica da literatura “universal”: uma
gangorra binária atrofiada para além do par mínimo que lhe define historicamente. Mas, como
disseram – e eu acredito – que a realidade é sempre um ponto de vista, esse binarismo tem
se distorcido diante de nossos olhos entortados pela divergência.
– Bem de perto, os cristais perdem a verdade de sua inteireza quando vistos de forma que se
permita a observação de sua independência atômica; elementos microscópicos
independentes, isolados e em constante movimento. Visto bem de longe, a olho nu, o avião
parece parado no ar!
– O que se pretende aqui não é persuadir (pois já disse que falo primordialmente às mentes
divergentes), mas celebrar a ousadia e o empenho dos que, conscientemente, pautam sua
poética – de auto compreensão e auto representação – na possibilidade do desalinho
construtivo, ou, se preferirem, na lógica disforme da ruptura, do hibridismo e da
simultaneidade, amortecendo os choques bruscos das tradições culturais monolíticas.
– Ou então, digamos, simplesmente, que a Literatura Divergente é um “querer ser” que habita
as Encruzilhadas. Sua função de fazer o Movimento e estabelecer a Comunicação dos
divergentes faz com que ela manifeste sua potencialidade no corpo físico de seus cavalos
mais diletos: as Literaturas Convergentes.
– Assim se estabelece a analogia que nos faltava até aqui: nosso EXU Divergente não aceita
em seu padê as confluências acomodadoras da dialética (mesmo invertida, revertida ou
relativizada), apenas e simplesmente porque sua morada única é a dispersão paradoxal que
só se encontra na tensão da Encruzilhada.
– Uma constatação ego-centrada: o que faço nos meus cadernos sujos é também Literatura
Negra, viu! Minha convergência se dá com meus pares na linha direta da Negritude. Mas não
penso que todas as convergências se irmanam à minha, tá!
– É daquele jeito: convirja lá que eu convirjo cá, mesmo que a divergência nos convirja em
alguma linha conceitual qualquer (à nossa revelia)!
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