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São Cipriano, um cristão africano 1

Copyright: Edison de Oliveira carneiro

Ilustrações: Manuel Luques

ISBN: 85-904333-8-2
Edison Carneiro

Sumário
Introdução..................................6 O senhor luta conosco..........41
A águia e o cordeiro................6Conduta....................................43
A guerra do homem contra o Não apenas iniciar, sobretudo
homem....................................6 prosseguir.............................43
O alimento da tropa................7 O caminho estreito da honra....
Os samaritanos de maria.......7 44
uma voz do século III..............7 Não sejamos promíscuos.....45
Luz e sombra..........................8 Não sejamos orgulhosos......45
Referência histórica..................9 Sejamos pacíficos................47
O Império Romano.................9 Renúncia...............................48
O choque................................9 Exortação ao perdão............48
O Cristianismo Primitivo.......11 Humildade no sofrimento.....51
Biografia de Cipriano............15 Consciência e sofrimento.....51
Solidariedade e Afeto.............19 Clemência e acomodação....52
Ausência e dever..................19Oração......................................54
Prudência e afeição..............20 Visão de Jesus.....................54
Pura afeição..........................21 Naturalidade do intercâmbio
Saudade e caridade.............22 espiritual................................55
Amparo mútuo......................23 Perseverança na oração......56
Decisão conjunta..................24 Visão dos dois jovens...........57
Alegria...................................25 Súplica..................................58
Não ocultar as mensagens do Personagens............................59
alto........................................26 Mapalico................................59
Fortaleza na Dor......................28 Aurélio...................................60
As crianças e o rei Celerino.................................62
Nabucodonosor....................28 Celerino e Aurélio.................64
Coragem na dor....................29 Numídio.................................65
Fortaleza espiritual...............31As Minas da Numídia..............67
Lírios e rosas........................32 Início de novas perseguições...
Olhar para o céu...................34 67
Mudanças.............................35 Origem da correspondência. 68
Jesus........................................38 Carta de Cipriano..................69
Repreensão..........................38 Resposta do primeiro grupo de
Os sofrimentos do mundo....39 mártires.................................76
O senhor será seu guia........40 Resposta do segundo grupo
São Cipriano, um cristão africano 3
de mártires............................79 Despedidas...........................84
Resposta do terceiro grupo de O julgamento dos homens e a
mártires.................................80 libertação pelo Senhor..........86
Últimas Cartas.........................82A resposta................................89
Preparo para a luta...............82 Prece de Encerramento........91
Edison Carneiro

Dedicatória

À Mãe África
Dedicamos este trabalho aos filhos espirituais da África e também
a todos os seguidores de Jesus, que tem uma eterna dívida de gra-
tidão com os primeiros cristãos africanos, que, regando com seu
sangue as sementes do Evangelho, deram tão grande testemunho,
especialmente de inabalável fé e sublimado amor.

Razão deste Livro

Na princípio da década de 1980, adquiri na “Livraria Francesa”


uma edição da “Correspondência de São Cipriano”, bilíngüe
francês-latim, editada pela “Societé d'Édition Les Belles Lettres”
Chamaram-me a atenção os fatos: da pouca atenção dada aos
grandes cristãos africanos como: Cipriano, Tertuliano, Orígenes,
Agostinho; da postura católica que via em Cipriano o precursor
das distorções do catolicismo como o papado, o sacerdócio pro-
fissional, as práticas exorcistas; da existência de inúmeros livros
populares que o apresentavam como mágico e feiticeiro.
Esse fatos estavam em absoluto desacordo com trechos de suas
cartas das quais evolava-se um perfume cristão de pureza, cari-
dade, renúncia, afeto e bondade.
Com o auxílio de uma amiga, Ione Prado, foram traduzidas algu -
mas cartas, das quais selecionei alguns trechos que considerei
mais interessantes.
Em comemoração ao centenário da abolição da escravidão no
Brasil publiquei uma primeira edição artesanal em 1988.
Em 2005, tendo um amigo, Carlos da Silva, solicitado um exem-
plar para leitura, verifiquei que a primeira edição possuía algu-
mas imperfeições e resolvi revisar e ampliar o trabalho.
O melhor ensino dos cristãos dos primeiros séculos, é o seu
São Cipriano, um cristão africano 5
exemplo de atitudes corretas face a Deus, Jesus e o próximo nos
combates espirituais contra nossas fraquezas, que sob outras
formas, que não no cenário das perseguição das autoridades, se
estendem até hoje.

Edison
Março de 2005
Edison Carneiro

Introdução
A águia e o cordeiro
Movidos pela fé, pondo toda a esperança na vida futura, marcha-
ram como exército do Senhor.
Estranhos ao século, desprezados pelo mundo, marginalizados
pelo poder, constituíam mescla incompreensível para a época.
Todas as idades: crianças, adolescentes, homens maduros, matro-
nas, anciãos, ...
Todas as classes sociais: escravos, plebeus, patrícios, ...
Todas as condições econômicas.
A tropa do Cristo, recrutada nos caminhos e encruzilhadas da vida,
testemunhou a existência de um carpinteiro numa província distan-
te do império, afirmando ser este carpinteiro a Luz do Mundo e o
Caminho para Deus.
A Águia Romana abriu guerra aos soldados de Cordeiro, ela po-
rém não dispunha mais nem de virtude, nem de sabedoria, nem de
grandeza; havia perdido as asas que a fizeram voar tão alto no di-
reito de Numa Pompílio, na eloquência de Cícero, no gênio de Júlio
César; rastejava no chão da corrupção e da decadência, movendo
apenas o bico e as garras da rapina.
E a Águia investiu contra o Cordeiro, escolhendo a carnificina como
tática para destruir a nova fé e a nova moral que surgiam.
Os cristãos escolheram as armas da mente livre, do escudo da fé,
da prática da caridade e do amor aos inimigos.
Esta foi a batalha dos três primeiros séculos.
A guerra do homem contra o homem
Transcorrida esta batalha, outras se travaram na Terra, pois a his-
tória do homem é a história da guerra do homem contra o próprio
homem.
O cristianismo vem avançando nestes vinte séculos, enfrentando
os vícios do homem: a violência, a ambição, o comodismo.
São Cipriano, um cristão africano 7
O homem lutando contra si mesmo, vai sofrendo derrotas, obtendo
vitórias, alastrando a guerra, mas o resultado do combate parece
incerto.
A Luz da Fé mostra entretanto que a vitória pertencerá a Jesus.
Cada homem vencerá a si mesmo e reinando no seu mundo interi-
or construirá dentro de si um reino de amor, sabedoria e justiça.
Quando todos os homens tiverem estabelecido este império, tere-
mos uma nova sociedade, mas até que isto aconteça ...
À luta irmãos!
O alimento da tropa
A tropa do Cristo precisa ser alimentada, não com dinheiro, poder
ou prestígio.
O exército cristão precisa ser alimentado com a palavra que vem
da boca do Deus Vivo, enriquecida de exemplos, temperada com
testemunhos.
Os samaritanos de maria
Nós, Samaritanos de Maria, somos trabalhadores menores, que há
vinte séculos pomos na cruz nossa esperança.
Servimos ao cordeiro nos umbrais 1 e na crosta, lutando pela aquisi-
ção das virtudes da misericórdia, da compaixão e da humildade;
colocando-nos sob a proteção de Maria, Mãe de Jesus.
Seguimos os ensinamentos da Parábola, do Samaritano vendo o
mundo como uma estrada onde todos passam, muitos caem, rou-
bam e ferem a si mesmos; viajantes também, sujeitos aos mesmos
tropeços, temos o dever do socorro que não pergunta, auxilia e
passa.
uma voz do século III
Nós, Samaritanos de Maria, trazemos nossa singela contribuição
aos cristãos do século 20, fazendo ressoar novamente a voz de um
cristão africano do terceiro século.

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Umbrais : regiões purgatoriais do mundo espiritual
Edison Carneiro

Homem ainda, lutando contra as suas imperfeições, deu um grande


testemunho.
Testemunhou que podemos viver as nossas crenças, aliando nos-
sa vida a nossas concepções, dando vida à nossa fé e sentido à
nossa vida.
Mostrou que mesmo na fraqueza, na tribulação, mesmo tendo uma
visão nebulosa da mensagem de Jesus, podemos mover-nos a
exemplos expressivos de solidariedade e renúncia.
E Cipriano teve a glória de morrer pelo Cordeiro, segundo o corpo
carnal e, naturalmente, perecível.
Luz e sombra
Cipriano não foi apenas luz, não foi apenas passadas gloriosas,
não foi apenas virtude.
Cipriano na sua luta para se aproximar de Jesus teve que enfrentar
suas sombras, seus tropeços, suas fraquezas.
Selecionamos, no entanto o que achamos: luminoso, digno de hon-
ra, estímulo ao progresso, alicerce de virtude.
Procuramos oferecer um texto construtivo.
E as sombras? São naturais em quem busca ver ...
E as fraquezas? São naturais em quem se esforça ...
E os tropeços? São naturais em quem caminha ...
Por que não destacá-los? Para que destacar os erros? Para que
destacar o homem?
Evidenciemos o cristão que após conhecer Jesus deu a Ele tudo o
que possuía: seus bens, seu tempo, sua inteligência, seu coração e
sua própria vida.
São Cipriano, um cristão africano 9

Referência histórica
O Império Romano.
O Império Romano dominava o mundo conhecido cerca de 200
anos após a morte de Jesus; seus domínios estendiam-se pela
Europa, parte da Ásia e todo o norte da África
A língua falada em todas essas regiões, era o Latim, a língua dos
romanos. O Império, para fins administrativos, era dividido em
províncias, cada província era governada por um cidadão roma-
no, o procônsul, nomeado pelo imperador. Os povos dominados
pagavam pesados impostos que eram carreados para Roma; a
dominação romana apoiava-se no poder dos exércitos romanos.
Os romanos eram em geral bastante brutais; muitas cidades pos-
suíam estádios, chamados de circos, por sua forma circular; nes-
ses estádios a principal diversão era assistir a morte de seres hu-
manos; havia espetáculos onde pessoas eram queimadas vivas,
devoradas por animais selvagens, digladiavam-se até a morte
etc; pode-se dizer que a perversão sexual do sadismo (sentir pra-
zer vendo o sofrimento dos outros) era generalizada.
O Império era altamente escravagista; utilizavam-se escravos
para serviços domésticos até a educação dos jovens, da movi-
mentação de barcos a remo até a fabricação de sandálias; a es-
cravidão romana não era na baseada na cor da pele, qualquer
um poderia ser declarado escravo.
Os cidadãos romanos em geral consideravam-se superiores aos
povos dominados, cultivavam um orgulho e uma arrogância des-
mesurada.
Dissemos “romanos em geral”, “na sua maioria” porque evidente-
mente havia patrícios romanos bondosos, humildes, íntegros,
como por exemplo, Cneio Lucius, no entanto, infelizmente, eram
minoria.
O choque
Após a morte de Jesus os apóstolos e seus sucessores foram
disseminando o evangelho; ao redor do Evangelho multiplicaram-
Edison Carneiro

se os grupos de cristãos que tinham como objetivo vivenciar os


ensinamentos de Jesus.
O Evangelho opunha-se radicalmente ao pensamento romano:
os valores do Evangelho eram o amor ao próximo e a Deus, a
humildade, o perdão, a igualdade de todos, filhos do mesmo
Deus, a doçura e a mansidão, a pureza de coração, a liberdade,
a honestidade; os valores romanos eram o interesse pessoal, o
orgulho, a vingança, a brutalidade e a violência, o sexo desregra-
do, a escravidão, o saque.
Os romanos entenderam que o cristianismo iria destruir-lhes a
maneira de viver: sem a violência e a brutalidade perderiam o po-
der; não mais saqueando e espoliando tornar-se-iam pobres; va-
lorizando a igualdade e a liberdade acabariam com a escravidão;
deixando as perversões sexuais e alimentares ficariam tristes;
perdendo o orgulho e a arrogância seriam desvalorizados.
Decidiram então eliminar o Evangelho, eliminando e desmorali-
zando os cristãos: utilizaram para isso os meios que conheciam:
● Eliminação: Paulo Apóstolo assassinado as escondidas;
execução pública no caso de Pedro;
● Desmoralização: a calúnia, como Nero, que após atear fogo
a Roma, culpou os cristãos pelo incêndio; levar cristãos aos
tribunais e obrigá-los sob tortura a negar o Cristo; obrigar
cristãos a atos ridículos como por exemplo raspar metade da
cabeça.
● Violência e brutalidade: trabalhos forçados perpétuos, se-
questro dos bens; todos os tipos de mortes horríveis em cir-
cos, para diversão da multidão: queimados vivos, despeda-
çados por feras, crucificados, esquartejado; câmaras de tor-
tura: unhas de ferro, açoites, estiramento de membros, quei-
maduras, cegueira etc; as próprias prisões onde muitos mor-
riam de fome, doenças e frio.
● Para localização dos cristãos utilizavam-se principalmente
de espiões e, em menor escala, delação conseguida com
torturas ou propinas.
Do lado dos cristãos a luta se desenvolvia em outro plano:
São Cipriano, um cristão africano 11
● Sigilo: do ponto de vista material procuravam ocultar suas
atividades;
● Amor aos inimigos: perdoar os agressores e delatores, retri-
buir violência com mansidão, orar pelos perseguidores e be-
neficiá-los quanto possível.
● Testemunhar o Evangelho: se presos fossem, não desmora-
lizar o Evangelho, afirmando sua crença em Jesus e por-
tando-se com dignidade e perdão, mesmo nos maiores sofri-
mentos.
● Confiança absoluta na justiça divina e na eficácia da prece
sincera.
Cada novo imperador, assumindo o poder, procurava superar os
seus antecessores em brutalidade e malícia; apesar disso o cris-
tianismo prosperava, mais e mais pessoas aderiam aos doces e
puros ensinamentos de Jesus.
O Cristianismo Primitivo
Embora as igrejas cristãs de hoje valham-se da mesma nomen-
clatura, a realidade daqueles tempos era bem diversa da de hoje,
vejamos as ideias de Emmanuel sobre este ponto:
“Dificilmente2, a distância dos séculos, poderá alguém perceber,
com exatidão, a sublimidade do Cristianismo primitivo.
Experimentados pela dor, amavam-se os irmãos na fé, segundo
os padrões do Senhor.
Em toda a parte, a organização evangélica orava para servir e
dar, em vez de orar para ser servida e receber.
Os cristãos eram conhecidos pela capacidade de sacrifício pes-
soal a bem de todos, pela boa vontade, pela humildade sincera,
pela cooperação fraternal e pela diligência que empregavam no
aperfeiçoamento de si mesmos.
Amavam-se reciprocamente, estendendo os raios de sua abne-
gação afetiva por todos os núcleos da luta humana, jamais train-
do a vocação de ajudar sem recompensa, ainda mesmo diante

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Ave Cristo – Emmnuel, Francisco Cândido Xavier: Federação Espírita Brasileira
Edison Carneiro

dos mais renitentes algozes.


Ao invés de fomentarem discórdia e revolta entre os companhei-
ros jungidos à canga da escravidão, honravam no trabalho digno
a melhor maneira de amparar-lhes a libertação.
Sabiam apagar os pruridos do egoísmo para abrigarem, sob o
próprio teto, os remanescentes das perseguições.”
Esse alto nível moral, além do poder dos exemplos contagiantes
que ocorriam na época, era auxiliado pelos seguintes fatores:
● Seleção natural: somente as pessoas com grande idealismo,
capacidade de renúncia e amor ao Evangelho decidiam assumir os
riscos e sofrimentos que a condição de cristão implicava; a visão
clara que materialmente e socialmente tinham tudo a perder, moral
e espiritualmente tudo a ganhar, afastava os fracos e interesseiros.
● Encarnações de espíritos adiantados: as expiações e provas de
dedicação que o cristianismo oferecia aos espíritos avançados que
estavam próximos do término do círculo de encarnações permitia-
lhes, quitarem de uma só vez, seus últimos débitos; espíritos
superiores já libertos da necessidade de provas e expiações desciam
igualmente a crosta objetivando firmar os alicerces do Evangelho
na crosta, animados de inexcedível amor a Jesus.

Além de que, sendo o cristianismo ilegal e portanto clandestino


certos abusos não cabiam como, por exemplo:
● em sendo conduzido em sigilo o movimento cristão, como
utilizá-lo para promoção da vaidade?
● não havia nenhuma vantagem material em ser cristão, ao
contrário, era quase certo ter seus bens confiscados e termi-
nar sendo assassinado; não existia o sacerdócio como pro-
fissão; os grupos não podiam possuir bens (seria impossível
legaliza-los); como valer-se da religião como fonte de renda
e lucro?
Na palavra de Emmanuel através de Francisco Cândido Xavier 3:
“O cristianismo de então não se limitava aos ritos sacerdotais.
Era um rio de luz e fé, banhando as almas, arrebanhando cora-
3
Ave Cristo – Emmnuel, Francisco Cândido Xavier: Federação Espírita Brasileira
São Cipriano, um cristão africano 13
ções para a jornada divina do ideal superior. As lágrimas não
surgiam na condição de gotas de fel incendiado, mas como péro-
las de amor e reconhecimento, nas referências aos suplícios dos
companheiros sacrificados.”
Posto isso, temos uma dificuldade: o significado de certas pala-
vras hoje é muito diverso dos daquela época e como essas pala-
vras serão bastante usadas, temos que, preliminarmente, preci-
sar melhor o seu significado:
'Eclesia' que hoje corresponde a 'Igreja': Eclesia significa reunião de pessoas, e neste
sentido deve ser entendida; se disséssemos 'Igreja de Cartago' o leitor seria tentado a
imaginar um edifício em algum ponto central da cidade de Cartago, com algum ele -
mento na sua fachada que o identificasse como templo cristão, naturalmente isso seria
impossível na época, onde os cristãos eram perseguidos pelo poder legal. Usaremos
então a expressão “Grupo de Cristãos” para traduzir a palavra Eclesia;
Era comum essas reuniões ocorrerem em cemitérios:
“Os cemitérios cristãos, em Roma, eram lugares de grande alegria. Inquietos e desa-
lentados na vida de relação, com infinitas dificuldades para se comunicarem uns com
os outros, dir-se-ia que ali, no lar dos mortos que as tradições patrícias habitualmente
respeitavam, os seguidores do Cristo encontravam o clima único, favorável à comu-
nhão de que viviam sedentos. Abraçavam-se aí, com indizível ternura fraterna, canta-
vam jubilosos, oravam com fervor...4”
Por outras vezes os grupos reuniam-se nos campos, ao ar livre, sobre a proteção dos
arvoredos.
Povo Fiel: O conjunto de pessoas que compunham o “grupo cristão”eram o “povo fiel”
“Lector” significando “Leitor”; naquele tempo em que poucos sabiam ler era muito im-
portante que os que soubessem, lessem para os demais, tanto as cópias dos evange-
lhos escritos por Mateus, Marcos, João e Lucas, quanto as cartas dos apóstolos e cris -
tãos destacados; caridade igualmente importante era fazer novas cópias para serem uti-
lizadas na difusão do evangelho, serviço feito manualmente, pois não existia imprensa.
“Diaconus”, diácono; Cremos que “servidor” é a palavra que mais se aproxima do sen-
tido de diácono, cujos qualificativos Paulo descreve na I Carta a Timóteo (capitulo 3):
8 Os diáconos sejam honestos, de uma só palavra não dados a muito vinho, não
cobiçosos de torpe ganância.
9 Guardando o mistério da fé em uma pura consciência.
10 E também estes sejam provados e depois sirvam, se forem irrepreensíveis.
E ainda em Mateus (20,26), pela voz do próprio Cristo:
"Todo aquele que entre vós quiser fazer-se grande, seja aquele que serve."
Os servidores faziam o grosso das atividades recomenda-

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Ave Cristo – Emmanuel, Francisco Cândido Xavier: Federação Espírita
Brasileira
Edison Carneiro

das por Jesus, alimentar os famintos, vestir os nus, cuidar


dos doentes, visitar os prisioneiros, ensinar o evangelho
etc.
“Presbyter”, “velho”: não eram necessariamente os mais velhos,
mas sim aqueles que eram mais experimentados na vida e na
prática cristã, dando, ao longo do tempo, provas da sua dedica-
ção; entre outras atividades instruíam os mais novos. Achamos
que a expressão “cristão experimentado” identifica melhor o
sentido do termo.
O apóstolo Pedro toma para si o título de "cristão experi-
mentado", e assim se expressa na sua I Carta, capitulo 5:
1 Aos "cristãos experimentados", que estão entre vós, admoesto eu, que sou
também "cristão experimentado" com eles, e testemunha das aflições de Cristo e
participante da glória que há de revelar.
2 Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, cuidando dele não por for-
ça, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto.
3 Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo
ao rebanho.
4 E quando aparecer o Eterno Pastor, alcançareis a incorruptível corôa da glória.
5 Semelhante, vós mancebos sede sujeitos aos anciãos; ...
“Episcopus”, “protetor”; era o líder de um determinado “grupo
cristão”; o pastor que devia guardar e proteger o rebanho; O
“protetor” era eleito por todo o povo fiel, Paulo define o “protetor”
em sua Primeira Carta a Tito (capítulo 3):
1 ... Se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja.
2 Convém, pois, que o “protetor” seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigi-
lante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar.
3 Não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas
moderado, não contencioso, não avarento.
4 Que governe bem sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição com toda
modéstia.
5 Por que se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da
igreja de Deus?
“Confessore” que hoje corresponde a "confessor"; naquele tem-
po era aquele que tendo sido preso, “confessou” ser seguidor do
Cristo perante os tribunais romanos, dando um testemunho de
coerência, não se atemorizando perante as autoridades roma-
nas; sendo declarado cristão pelas autoridades romanas terá so-
São Cipriano, um cristão africano 15
frido alguma pena: perda de bens, exílio, tortura, morte etc. Usa-
remos a expressão “Cristão Confesso”; Cipriano era “protetor”
do “grupo cristão”de Cartago e também “cristão confesso”;.
“Lapsi” que em latim significa “aquele que escorregou”; o oposto
ao “Cristão Confesso”, sendo preso diante do tribunal romano
negou o Cristo, sacrificou aos deuses e desmoralizou os cristãos
e eventualmente delatou seus irmãos de ideal; ao invés de usar
palavras como 'traidor' ou 'covarde' os cristãos primitivos usavam
este termo mais suave, significando 'aquele que teve uma queda
no caminho de Jesus'; nós usaremos a expressão “Lapsi”
“Martyr”, “mártir”: aquele que sofreu torturas por ser cristão,
manteremos a expressão “mártir”.

Biografia de Cipriano
Dispõe-se de informações escassas sobre Cipriano, o autor das
cartas que servem de base a este trabalho; isso se deve a três
fatores:
● Os fatos terem ocorrido há mais de 17 séculos;
● O cristianismo era um movimento clandestino e que procu-
rava ocultar-se, dadas as perseguições;
● Com o surgimento de desfigurações do Evangelho que
acompanharam a instalação do Catolicismo Romano, mui-
tos documentos foram destruídos e adulterados para justifi-
car o poder temporal do “Igreja de Roma”.
Embora essas limitações coligimos as seguintes informações
Cipriano nasceu na província da África na cidade de Cartago por
volta do ano 200. A província romana da África era onde é hoje
aproximadamente a Tunísia, no norte do continente Africano,
Cartago coincide geograficamente com a capital atual da Tunísia,
que é Tunis.
Nada sabemos de sua vida pessoal, se foi casado, se teve filhos
carnais, irmãos etc.
Aos 40 anos, como declarou posteriormente a Donato, sentia-se
Edison Carneiro

assim:
"Eu estava mergulhado nas trevas, numa profunda noite, balan-
çando sobre o mar agitado do mundo, errante ao sabor da aven -
tura, incerto de minha vida, estranho à verdade e à luz".
Através de um assíduo relacionamento com um “cristão experi-
mentado”, Caecilianus, ele aderiu ao Evangelho; Cipriano a partir
desse momento passou a considerar Caecillianus “pai de sua
nova vida”, e não mais como um “amigo de sua idade”; concomi-
tantemente leu as obras de Tertuliano, destacado escritor cristão,
seu conterrâneo, bem como outros textos ligados ao cristianismo,
especialmente os evangelhos e textos do velho testamento.
A sua conversão o fez passar do “erro profano ao conhecimento
da verdadeira divindade” como ele mesmo declarou.
Distribuiu a maior parte seus bens aos pobres, como recomenda-
va Jesus.
Com a morte de Donato, “protetor” do “grupo cristão” de Cartago,
o “povo fiel” pediu-lhe que assumisse o posto. Cipriano recusou-
se a assumir achando-se indigno. Os cristãos, no entanto invadi-
ram sua casa pedindo-lhe que aceitasse. Finalmente Cipriano
cedeu e tornou-se “protetor” do “grupo cristão” de Cartago; nesta
época tinha 47/48 anos de idade.
O “grupo cristão” de Cartago era um dos mais importantes não
somente do continente Africano, que continha as províncias vizi-
nhas Numídia e Mauritânia, mas também do mundo cristão, ten-
do surgido ali grandes vultos do cristianismo primitivo, como Ter-
tuliano, Orígenes e Agostinho.
Em poucos anos Cipriano se tornaria “pai” não só dos “grupos
cristãos” do continente africano, 150 talvez, mas também de gru-
pos da Europa e Oriente; suas cartas e orientações eram copia-
das e seguidas em todo o mundo cristão.
Pôncio, contemporâneo de Cipriano, assim o retratou:
"Que bondade ele mostrava, mas também que vigilância.
Que caridade e que firmeza.
Sua fisionomia tinha tal reflexo de santidade e de graça, que não
se podia olhá-lo sem ficar preso de admiração.
São Cipriano, um cristão africano 17
Seu ar era sério as vezes, e atencioso, mas sua seriedade não
possuía nada de moroso, nem a sua amabilidade nada de indis-
creto.
Cipriano era sobretudo uma mistura de qualidades contrárias."
Décio, novo imperador romano, assumindo o poder em 250, re-
solveu abrir uma terrível perseguição contra os cristãos.
Em Cartago foi determinado que toda pessoa suspeita de ser
cristã, deveria ser convocada nominalmente. O convocado deve-
ria se apresentar diante do templo de Júpiter, caso não se apre-
sentasse seria arrastado até lá, sacrificar um animal ao Deus
Romano, fazer um brinde escarnecendo de Jesus e finalmente
comer a carne do animal sacrificado; receberia então um certifi-
cado que o inocentava perante a lei.
Muitos cristãos denunciados submeteram-se à ordenação roma-
na, o que muito entristeceu a Cipriano; alguns heroicamente tor-
naram-se “cristãos confessos”, ao recusarem e foram conduzidos
à prisão
Alguns romanos queriam sobretudo a Cipriano, já chamado “o
pai da seita sacrílega” e alguns mesmo pleiteavam: “Cipriano aos
leões”.
Cipriano, todavia, pedindo a inspiração do alto e acatando con -
selhos de amigos, fugiu de Cartago, por saber que sua própria
segurança era vital para a sobrevivência do "grupo cristão"; dado
o seu não comparecimento, a justiça romana confiscou os seus
bens remanescentes e o declarou proscrito.
Nos 15 meses que passou exilado, Cipriano escreveu cartas de
alento e orientação aos cristãos de Cartago e de outras provín -
cias do império. São deste período, 39 das 81 cartas que trocou
com seus colegas de função, mártires, “cristãos experimentados”
e “servidores” de diversos “grupos cristãos”. Teve sempre um es-
pecial carinho pelos “cristãos confessos” que estavam nas pri-
sões padecendo toda sorte de sofrimentos.
Cessada a perseguição, Cipriano voltou a Cartago, tinha nessa
época cerca de 52 anos.
Ao lado de Tertuliano e Agostinho, Cipriano é considerado um
Edison Carneiro

dos mais importantes escritores cristãos de seu tempo.


Entre outras obras, escreveu:
Correspondência - que serviu de base a este trabalho. Essas
cartas foram copiadas muitas vezes e se espalharam pelos gru-
pos cristãos. Muitas se perderam, mas chegaram até nossos dias
cerca de 80 delas.
A Donato (cartas)
A Oração do Senhor
A Caridade e a Esmola
A Virtude da paciência
O Ciúme e a Inveja
Nos cinco anos seguintes, Cipriano, escreveu inúmeras cartas
solucionando questões relacionadas aos :
• “lapsi”, ou seja aqueles que sendo presos, diante do tribunal
romano negaram o Cristo, sacrificaram aos deuses e desmo-
ralizaram os cristãos e eventualmente delataram seus irmãos
de ideal que desejavam voltar ao seio dos grupos cristãos;
• “cristãos confessos” que foram condenados a trabalhos força-
dos perpétuos;
• desvios de conduta dentro dos próprios “grupos cristãos”;
Além das orientações havia muita caridade material a ser feita,
consolação a ser distribuída, fé a ser incentivada.
Novo imperador romano, Valeriano, assume o poder em 257; um
dos seus primeiros atos é abrir nova perseguição aos cristãos.
Inicialmente Cipriano comparece ao tribunal e é exilado em Curu-
bis; passado um ano é preso, julgado sumariamente e decapita-
do por testemunhar os ensinos de Jesus, aos 58 anos de idade.
São Cipriano, um cristão africano 19

Solidariedade e Afeto
O cristão deverá ser solidário e afetuoso; Jesus por diversas ocasiões nos reco-
mendou a mansidão e brandura, exemplificando seu carinho nos grandes lances
e nas pequenas coisas do dia; Cipriano reforça essa atitude lembrando aos seus
companheiros a necessidade de fazer o bem e cultivarmos as afeições nos tre-
chos das cartas a seguir.

Ausência e dever5
Texto de Cipriano
Visto que as circunstâncias não me permitem re encontrá-los, peço
com piedade e fé que cumpram suas funções e as minhas tam-
bém, de maneira que nada falhe, nem do ponto de vista da discipli -
na, nem do zelo.
Quanto ao socorro a fornecer, tanto aos que estão na prisão por te-
rem gloriosamente confessado o Senhor, quanto aos fieis que per-
manecem na pobreza e na necessidade, eu peço que velem para
que nada lhes falte
Todo o dinheiro que se tem juntado foi repartido entre os membros
do "grupo cristão", para coisas assim, para que houvesse um maior
número de pessoas em condições de prover as necessidades que
surgissem.
Comentário do Organizador
Hoje em dia, para muitos, a atividade profissional ocupa posição
central na vida. Ao ganha pão são destinados os horários mais
nobres do dia e as melhores energias.
O cristão primitivo também enfrentava rudes trabalhos para so-
breviver, mas dava aos deveres espirituais a primazia na sua
vida.
A ausência nos trabalhos espirituais era tratada com grande cau-
tela, para que nada viesse perturbar as atividades da caridade,
tanto moral, quanto material, preocupação maior do cristão, que
tem como a primeiro objetivo a prática do amor a Deus e ao
próximo.
O dever igualmente nasce do amor e da compaixão, do cuidado
que nos inspiram os necessitados de toda sorte e não de regras
5
Trecho da carta 5
Edison Carneiro

frias e regulamentos impostos.


Prudência e afeição6
Texto de Cipriano
Peço também que tenham todo cuidado e habilidade para que
nada perturbe a tranquilidade.
Os irmãos desejam visitar na prisão os santos "cristãos confessos"
que a divina bondade entregou, ilustres, para a gloriosa iniciação;
esse desejo nasce, sem dúvida, da afeição que nutrem por eles.
É preciso, no entanto, que façam as visitas com prudência e em
grupos reduzidos para não provocar descontentamento e evitar que
lhes recusem a entrada; arriscar-se-ia tudo perder por querer de-
mais; tenham cuidado, agindo com discrição e portanto com mais
segurança.
Mesmo os "cristãos experimentados" que vão expor aos "cristãos
confessos" na prisão, vão de um em um, com um servidor diferente
de cada vez.
A troca de pessoas e a variedade de visitantes são toleradas mais
facilmente.
Devemos nos acomodar às circunstâncias, velando para não com-
prometer a tranquilidade nem os interesses do povo fiel.
Comentário do Organizador
A afeição pura e sincera unia os cristãos, que tinham como nor-
ma a recomendação de Jesus: “Nisto conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros”.
Vivendo aqueles tempos difíceis, quando os “cristãos confessos”,
(aqueles que nos tribunais da época confessavam ser seguido-
res de Jesus) eram presos, torturados e frequentemente assassi-
nados, era previsível a aflição que poderia levar a atos impruden-
tes os participantes das comunidades cristãs, donde as orienta-
ções de Cipriano.
Sigamos esse sublime exemplo, sentindo uma pura e verdadeira
afeição pelos nossos companheiros de atividades espíritas, lute-
mos contra a nossa indiferença e os maus sentimentos como a

6
Trecho da carta 6
São Cipriano, um cristão africano 21
inveja e o ciúme, para efetivamente ter no nosso coração aque-
les que nos compartilham a atividade espiritual.
Porém, que essa afeição seja prudente sem manifestações exa-
geradas que ponham em risco a pureza dos sentimentos, ou ve-
nham perturbar aqueles que não participam da comunidade, ge-
rando ciúmes indevidos ou disputas pelo tempo dos familiares.

Pura afeição7
Texto de Cipriano
Eu vos envio minha saudação, irmãos muito queridos, suspirando
de outro lado por desfrutar pessoalmente da sua presença, se as
circunstâncias me permitirem ir re-encontrá-los.
O que poderia, com efeito, me ser mais desejável e agradável que
estar no meio de vocês, em seus braços, apertando suas mãos tão
puras e inocentes, que tem guardado a fidelidade ao Senhor, des-
prezando um culto sacrílego?
Que alegria poderia ser maior que beijar esses lábios que tem, glo-
riosamente confessado o Senhor?
Que olhar esses olhos que desprezando o século, tem o mérito de
ver a Deus?
Mas, posto que essa felicidade não é possível, eu envio a vocês
essa carta que vocês verão, e a entenderão como eu estando pre-
sente, para felicitar a todos vocês reunidos e incentivá-los a serem
valentes e firmes em preservar a sua confissão gloriosa, e marchar
com uma religiosa coragem pelo caminho dos favores divinos onde
vocês iniciaram para receber a corôa.
Comentário do Organizador
O amor entre amigos gera a afeição o carinho. Estar na presença
de quem amamos é fator de alegria. De coração puro sonha-se
com o aperto de mão, com o abraço, com o beijo fraterno.
Esse amor entranhado, essa afinidade, que força não terá no
apoio ao aperfeiçoamento moral e no intercâmbio espiritual?
Aprendamos a cultivar a força do sentimento, do coração, saben-
7
Trecho da carta 6
Edison Carneiro

do que é aí, no nosso coração fértil e florido que se estabelecerá


o reino de Jesus.
Saudade e caridade8
Texto de Cipriano
Eu vou bem, pela graça de Deus, desejando regressar para vocês
em breve, satisfazendo um desejo que é tão meu quanto de vocês
e de todos os nossos irmãos.
Devemos todavia velar para que a paz não seja turbada, permane-
cendo provisoriamente afastados, embora com tédio na alma, por
ficar longe de vocês.
Isto para que nossa presença não excite o ódio e a violência dos
gentios, e sejamos autores do rompimento da paz, justamente nós
que devemos procurar a tranquilidade de todos.
Portanto, somente quando vocês escreverem que tudo está calmo
é que regressarei.
Ou ainda antes, se Deus quiser prevenir-me, eu irei, assim que re-
ceba um aviso.
Onde eu poderia estar melhor e mais agradavelmente, do que nos
lugares em que Deus quis que me fosse dado orar e crescer?
Que as viúvas, os enfermos e todos os pobres sejam, peço-lhes,
objeto de sua atenção; Podem fornecer o dinheiro do fundo que eu
confiei a Rogaciano, nosso colega "cristão experimentado", até
mesmo aos viajantes que estejam em necessidade.
No caso desses fundos já haverem sido distribuídos, eu envio ao
próprio Rogaciano, pelo “servidor” Narico, uma outra soma, para
que possam, trabalhando larga e prontamente, fazer a obra da cari-
dade.
Comentários do Organizador
Muita vez nos é agradável estarmos presentes num lugar; igual-
mente outros que lá estão consideram com alegria a nossa pre-
sença; mas, essa presença não trará perturbação? Gostaria mui-
to de visitar minha amiga; minha amiga também ficaria contente
com a minha presença; mas os outros familiares que convivem

8
Trecho da Carta 6
São Cipriano, um cristão africano 23
com a minha amiga, seu esposo e filhos entenderiam do mesmo
modo? Se minha presença traz perturbação, devo perguntar-me:
É caridoso estar lá?
Neste caso Cipriano preocupa-se, pois é um proscrito, está fora-
gido; se as autoridades o encontram no meio de outros cristãos,
poderão arrastar a todos a prisão; ao invés de satisfazer a sau-
dade, estará, talvez, levando-os à prisão e a morte.
O mesmo se repete quando temos de nos afastar de pessoas
queridas, ou incentivá-las a partir, tendo em vista objetivos maio-
res e pagando o preço da saudade.
Mas mesmo a distância podemos demonstrar o nosso amor e to-
mar providências para levar algum benefício aos que estão dis-
tantes; ao enviar dinheiro para que os companheiros façam a ca-
ridade Cipriano beneficia tanto aos necessitados de recursos
quanto aos companheiros de ideal que tem a oportunidade de
praticar o bem.
Amparo mútuo9
Texto de Cipriano
Fortifiquemo-nos pelas exortações mútuas e façamos mais e mais
progresso na vida cristã, para que, quando Aquele em quem nós vi-
vemos nos tenha dado a paz na sua misericórdia, regressemos ao
nosso "grupo cristão" renovados, quase transformados em outros
homens.
Todos, tanto nossos irmãos, quanto os gentios, nos perceberão
emendados e corrigidos, e após terem admirado a valentia de nos-
sa conduta, admirarão agora a bela firmeza de nossos costumes.
Se bem que os “responsáveis” tenham recebido de mim instruções
detalhadas outrora, quando vocês estavam na prisão, e de novo re-
centemente, para fornecerem tudo o que for necessário ao seu
vestuário e alimentação; mesmo assim, eu tomei dos pequenos
bens que tenho comigo, 250 sestércios, que envio agora a vocês
(há pouco enviei outros 250)
Vitor, que de leitor foi feito servidor, e que está comigo, envia tam -

9
Trecho da carta 13
Edison Carneiro

bém a vocês 175 sestércios da sua cota.


Eu me sinto feliz, sabendo do número de irmãos que se rivalizam
no devotamento afetuoso a vocês e dão do seu dinheiro para aliviar
suas necessidades.
Comentário do Organizador
Amparemos uns aos outros não apenas pela caridade moral mas
também pela caridade material.
É prova de grande dedicação, pedirmos, esmolarmos até, pelos
nossos irmãos necessitados. O pedido pelos outros traz três be-
nefícios, o auxílio ao necessitado, a oportunidade que damos ao
doador da prática da caridade, e o fato enobrecedor de nos sujei-
tarmos a humilhações para auxiliar nossos irmãos. Que grandeza
observei na minha vida, das pobres mães, que residindo em fa-
velas e não tendo condições de trabalho iam pelas ruas esmo-
lando para sustento dos filhinhos, e algumas repartiam até o ma-
gro fruto de suas humilhações com aquelas que nem condições
de esmolar tinham.
Porém tudo isso se transforma em farsa, se o ato de pedir é moti-
vado apenas para não gastar o próprio dinheiro; neste tipo de
motivação não há caridade, apenas egoísmo. Pior ainda se o ar-
recadador fica com parte do que arrecadou.
Cipriano deu do seu dinheiro, do pouco que lhe restava, Vitor
também participou dando do que possuía; nada melhor que dar
do que temos para estimular outros a darem também.
Decisão conjunta10
Texto de Cipriano
Quanto aos nossos confrades Donato, Fortunato e Giordano, que
me escreveram, eu não posso responder a tudo sozinho.
No começo da minha supervisão foi feita uma regra: nada decidir
segundo minha opinião pessoal, sem o conselho de vocês e o voto
do povo.
Quando eu retornar então, em comum, como quer a consideração
que temos uns pelos outros, trataremos do que tem sido feito e do
que está para se fazer.
10
Trecho da carta 14
São Cipriano, um cristão africano 25
Comentário do Organizador
Na comunidade cristã, as decisões que afetam todo o grupo, de-
vem ser tomadas ouvido o grupo. Jesus nos ensinou: “Sabeis
que os governadores dos gentios os dominam, e os seus gran-
des, exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós;
antes aquele de vós que quiser tornar-se grande, seja aquele
que vos sirva, e aquele que quiser ser o primeiro, seja o que ser-
ve.”
A autoridade, o poder, são ferramentas de serviço e proteção,
não honraria a exaltar superioridade; na visão cristã o líder está a
serviço do grupo, e não o grupo a serviço do líder.

Alegria11
Texto de Cipriano
Já anteriormente, mui fortes e caríssimos irmãos, escrevi para exaltar sua fé e sua cora-
gem.
Novamente minha carta tem por objetivo principal vir alegremente celebrar, ainda e sem
cessar, seu nome glorioso.

O que poderia me parecer maior ou melhor do que ver a glória de vocês, "cristãos
confessos", iluminar o exército do Cristo?
Todos os irmãos devem se rejubilar, mas na alegria comum a glória do "protetor" do "gru-
po cristão" é bem maior.
A glória do preposto de um "grupo cristão" advém da glória do seu "grupo cristão".
Na mesma medida que choramos sobre aqueles que a tempestade inimiga fez tombar,
estamos felizes por vocês, a quem o mal não pode vencer.
Comentário do Organizador
A alegria da vitória espiritual, da vitória da serenidade, da resig-
nação, do perdão, da confiança em Deus e na sua justiça, enfim
na vitória do amor, é maior que os sofrimentos. Como tão bem
coloca A. Kardec
“A ideia clara e precisa que se faça da vida futura proporciona
inabalável fé no porvir, fé que acarreta enormes consequências
sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o
ponto de vista sob o qual encaram eles a vida terrena. Para
quem se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é inde-
11
Trecho da carta 13
Edison Carneiro

finida, a vida corpórea se torna simples passagem, breve estada


num país ingrato. As vicissitudes e tribulações dessa vida não
passam de incidentes que ele suporta com paciência, por sabê-
las de curta duração, devendo seguir-se-lhes um estado mais di-
toso. A morte nada mais restará de aterrador; deixa de ser a por-
ta que se abre para o nada e torna-se a que dá para a libertação,
pela qual entra o exilado numa mansão de bem-aventurança e
de paz. Sabendo temporária e não definitiva a sua estada no lu-
gar onde se encontra, menos atenção presta às preocupações
da vida, resultando-lhe daí uma calma de espírito que tira àquela
muito do seu amargor.”12
Não ocultar as mensagens do alto13
Texto de Cipriano
Ao menor de seus servidores, carregado de faltas numerosas e in-
digno de Sua consideração, Ele dignou-se na Sua bondade conos-
co, a enviar uma mensagem:
"Faça-os saber que estejam seguros de que a paz virá; se há um
pouco de demora é porque existem alguns cristãos a serem prova-
dos."14
A divina bondade houve por bem nos recomendar ainda a sobrie-
dade no beber e no comer, temendo que nosso coração, que está
animado por um sublime vigor celeste, se deixe enfraquecer pelas
doçuras do século, ou que nossa mente, embotada pelo excesso
de alimentos, não permaneça vigilante para a prece.
Não devo guardar para mim somente a consciência destes fatos,
ocultando-os aos demais, pois cada um pode aproveita-los a sua
vez.
Vocês mesmos não devem guardar segredo, mas fazer passar os
relatos aos irmãos, para que os leiam.

12
Evangelho Segundo o Espiritismo - FEB
13
Trecho da carta 11
14
A previsão realmente se cumpriu, alguns meses após a perseguição de Décio
“esfriaria” e os cristãos de Cartago puderam gozar por cerca de 6 anos uma
relativa paz, que seria quebrada pela próxima perseguição sob o novo imperador
Valeriano que ocorreria no ano 258
São Cipriano, um cristão africano 27
Esconder as advertências com que o Senhor se digna favorecer-
nos, é conduta de quem não deseja que seus irmãos sejam adverti-
dos e instruídos.
Comentário do Organizador
Nosso Senhor disse: “Ide e pregai”. A nós cabe divulgar o Evan -
gelho do Senhor; se através de algum canal mediúnico chega até
nós, apesar de nossas limitações, a mensagem do Plano Maior,
não as guardemos apenas para nós, de forma egoísta; anali-
semo-la com a razão e com o concurso de outros médiuns sérios
e a entreguemos aos seus destinatários.
Edison Carneiro

Fortaleza na Dor
Nas rudes provações é mais necessário ainda sermos fortes; se a fraqueza é um
risco nas situações favoráveis da vida, na luta é certeza de fracasso.
Os textos seguintes são um incentivo para termos coragem e determinação nas
situações difíceis.

As crianças e o rei Nabucodonosor15


Comentário do Organizador
Nabucodonosor foi imperador da Babilônia por volta do ano 600
antes de Cristo; seu império estendia-se desde os limites do vale
do Nilo até o atual Iraque.
Submetendo Israel, levou muitos judeus, como servos, até a ci-
dade da Babilônia.
Certa feita construiu uma grande estátua de ouro e determinou
que todos se prostrassem e adorassem a estátua; quem se recu-
sasse seria condenado a entrar numa fornalha para ser queima-
do vivo; três adolescentes judeus se recusaram a adorar a está -
tua; sendo condenados ao suplício, foram amarados e atirados
na fornalha; aconteceu entretanto um fenômeno, provavelmente
de efeitos físicos, suas amarras se soltaram e não se queima-
ram; Nabucodonosor impressionado com o que aconteceu, man-
dou soltá-los e louvou o Deus dos judeus.
Texto de Cipriano
As crianças também se associaram pela divina bondade à sua con-
fissão gloriosa.
É quase a repetição do que aconteceu no passado às ilustres cri-
anças Ananias, Azarias e Misael.
Presos na fornalha, viram o fogo recuar diante deles, e as chamas
formarem um lugar cheio de frescor.
O Senhor estava presente com eles, provando que o ardor do infer-
no nada pode fazer contra os "cristãos confessos" e mártires, ao
contrário, aqueles que creem em Deus permanecerão incólumes
em tudo.
Peço, pelo amor de sua religião, que considerem quão fiéis foram

15
Trecho da carta 6
São Cipriano, um cristão africano 29
essas crianças, que tiveram os plenos méritos de Deus.
Prontos para tudo, como todos nós devemos estar, eles disseram
ao rei:
- Rei Nabucodonosor, não precisamos responder sobre este assun-
to. O Deus que nós servimos é bastante poderoso para nos tirar da
fornalha ardente, e Ele nos livrará de vossas mãos. Mas mesmo
que assim não seja, nós não serviremos vossos deuses e não ado-
raremos a estátua que fizestes elevar.
Eles sabiam por sua fé que podiam livrar-se do suplício presente;
mas eles não queriam alardear e prevalecer-se, portanto disseram:
-Mas, mesmo que assim não seja ...
Sua confissão não perdeu nenhum mérito por faltar o testemunho
dos sofrimentos.
Acrescentaram que tudo era possível a Deus, mas que sua segu-
rança não se fundava sobre a esperança de uma libertação atual,
mas sobre o pensamento da libertação e da segurança da eterna
glória.
Permanecendo fiéis, nós também, direcionamos dia e noite todo o
coração a Deus.
Já desprezando o presente, cogitamos do futuro, dos frutos do rei-
no eterno, dos abraços e beijos do Senhor, aos olhos de Deus.
Comentário do organizador
A lição que Cipriano tira desse episódio, lembrando as crianças
cristãs de Cartago que assumindo ser cristãs, foram levadas a
prisão, é: mesmo que Deus não atenda nossos pedidos, e nos
submeta à provações, devemos confiar Nele, porque a justiça
será feita e de futuro seremos recompensados, no mundo espiri-
tual ou em outras vidas. Nossa fé deve se apoiar no infinito poder
e justiça de Deus e não no atendimento de nossos pedidos, que
muitas vezes são insensatos.
Coragem na dor16
Texto de Cipriano
Vocês não fraquejaram com medo dos tormentos, mas, provocados
16
Trecho da Carta 10
Edison Carneiro

pelos mesmos tormentos à luta, fortes e estáveis ao máximo, porta-


ram-se com devoção no combate.
Todo o batalhão glorioso, sobre o qual fecham-se as portas da pri-
são, é animado do mesmo ardor virtuoso pelo combate.
Assim devem ser no campo de Deus os soldados do Cristo, cuja in-
corruptível firmeza na fé não os deixa ser seduzidos pelas lisonjas
ou engôdos, nem amedrontados pelas ameaças, nem vencidos pe-
los tormentos e espinhos.
Aquele que está entre nós é maior do que o mundo, e as penas da
terra são menos poderosas para fazerem cair quem permanece
sob a tutela divina.
A prova tem sido dada no combate glorioso sustentado por nossos
irmãos; estão ensinando outros a vencer os tormentos pelo exem-
plo de virtude e de fidelidade que deram, lutando contra o inimigo
até vencê -lo.
Vocês suportaram até a consumação da glória, duríssimo questio-
namento , mas não cederam aos tormentos, e sim os tormentos é
que cederam a vocês.
O término dos sofrimentos não será encontrado nos suplícios inter-
mináveis, mas na corôa que lhes será dada.
Os maus tratos do carrasco são tão duros, não para derrubar a fé
inabalável, mas para permitir aos homens irem mais velozmente
para Deus.
Comentário do Organizador
A coragem é fundamental na vida; o medo deve ser entendido
como doença extremamente limitante; doença a ser vencida pela
educação e exercício. André Luiz pela pena de Chico Xavier nos
noticia a existência de cursos no plano espiritual para a vitória
sobre o medo.
Insidiosos problemas familiares que se arrastam por vezes por
décadas, doenças crônicas contraídas no período infantil e que
apenas despedem-se na velhice, exige uma verdadeira devoção
a luta.
Como é comovente ver num combate longo a paralisia ser venci-
da pelo paraplégico; a mãe dedicada conquistar a vitória sobre o
São Cipriano, um cristão africano 31
descaminho pertinaz do filho, as vezes tendo o seu amor coroa-
do após a vida física.
Ressaltamos a afirmação constante de Cipriano:
- Aquele que está entre nós é o maior do mundo; consoante a
afirmação de Jesus: “eis que estou convosco até a consumação
dos séculos”
Leiamos com atenção o texto, registrando o sentido de cada uma
de suas palavras de encorajamento e luz.
Fortaleza espiritual17
Texto de Cipriano
A multidão daqueles que lá estavam, viu com admiração o celeste
certame, divino e espiritual, o combate do Cristo.

Foram vistos os servidores do Cristo,


Vozes livres,
Mente incorrupta,
Virtude divina,
Despidos das armas do século,
Mas vestidos das armas da fé.
Os torturados levantaram-se
Mais fortes que os torturadores.
As unhas de ferir e dilacerar foram vencidas
Pelos membros feridos e dilacerados.

Uma fé inexpugnável tem sido a razão de golpes longamente repe-


tidos, quando os membros deslocados do corpo dos servidores de
Deus não são apenas membros que a tortura feriu, mas feridas que
se reabrem.

O sangue que corre


deve apagar o incêndio da perseguição
estancar, glorioso, o fogo infernal.

17
Trecho da Carta 10
Edison Carneiro

Oh, que espetáculo do Senhor aconteceu!


Quão sublimes,
Quão gloriosos,
Quão sagrados
Aos olhos de Deus
São a aceitação e o devotamento de seus soldados.

Está escrito no Livro dos salmos, onde o Espírito Santo nos fala
exortando:
"É preciosa a Deus a morte de seus justos."
Preciosa a morte
Que adquire a imortalidade
Ao preço do sangue,
Que recebe a corôa da consumação da virtude.
Comentário do Organizador
A maioria dos nossos desvios não se deve a intenções perver-
sas, mas da fraqueza face as provações que a vida nos oferece.
A grande batalha é travada na nossa mente; o pensamento que
comanda as ações; não mais as feridas produzidas pelo carrasco
romano, mas muita vez pelo nosso cônjuge ou por aquele que
consideramos amigo.
Velhas feridas morais que acreditávamos cicatrizadas novamente
se reabrem; todavia é necessário a prosseguir apoiados na fé e
defendendo nossa fortaleza interior.
No passado, nossos crimes atearam o fogo infernal, que muita
vez nos queima por dentro, hoje necessitamos apagá-lo com a
ajuda das lágrimas;
O amor divino observa com imenso amor a nossa futura morte
carnal, ou melhor dizendo, 'o nosso próximo nascimento no mun-
do espiritual'.
Lírios e rosas18
Texto de Cipriano
Se antes do dia do combate a divina indulgência restabelecer a

18
Trecho da carta 10
São Cipriano, um cristão africano 33
paz, mantenham a vontade integra e a consciência gloriosa; que
ninguém se entristeça, achando-se inferior aos que calcaram aos
pés o século e foram ao Senhor por um caminho glorioso.
O Senhor perscruta os nossos rins e o nosso coração; penetra nos
recônditos misteriosos e vê o que está oculto.
Para merecer a corôa é suficiente ter Ele próprio por testemunha: é
Ele que deve nos julgar.
Dessa maneira, caríssimos irmãos, um e outro caminho são subli-
mes e luminosos.
Um, seguro de ir ao Senhor apressando a consumação da vitória.
O outro, aceitar após uma passagem gloriosa, florescer em honra
do "grupo cristão".
Bem aventurado nosso "grupo cristão", ao qual a divina considera-
ção ilumina, ao qual o sangue glorioso de nossos mártires ilustra.
No principio era branca pela caridade dos irmãos, agora é tornada
vermelha pelo sangue dos mártires.
Nem lírios, nem rosas, faltam às suas flores.
Diante do desafio, que cada um mantenha a mais ampla dignidade
destes dois honrosos estados.
Que cada um receba as corôas, ou brancas por suas boas obras,
ou vermelhas por seus sofrimentos.
Nos acampamentos de Deus, a paz e a luta têm suas próprias flo-
res, com as quais os soldados do Cristo podem coroar-se de glória.

Comentários do Organizador
Há dois caminhos igualmente floridos e luminosos para subirmos
a escada da evolução, ou em outras palavras a escada para o
reino dos céus. O primeiro é a rude provação aceita com resigna-
ção e fé, sem queixas, revolta ou murmuração; o segundo con-
siste nas boas obras, beneficiando moralmente e espiritualmente
os nossos irmãos.
Mesmo o sofrimento resignado e sereno beneficia a muitos; Allan
Kardec cita um menino que morreu após anos de sofrimento de
uma dolorosa moléstia. Chegando ao outro lado da vida ficou
Edison Carneiro

surpreso com o benefício que espalhara o seu exemplo de resig-


nação e bom ânimo na enfermidade.
Todos os caminhos que Deus nos oferece, são bons, se trilhados
conforme os ensinos de Jesus.
Olhar para o céu19
Texto de Cipriano
Que saibam, pois, que estamos colocados à prova por nosso Mes-
tre, e que a fé que lhes tem feito crer Nele não pode desfalecer ao
choque das tribulações presentes.
Que cada um, reconhecendo suas faltas, se despoje agora, ao me-
nos nas obras, do "velho homem".
"Todo aquele que olhar para trás após haver posto a mão na char-
rua não está apto ao Reino de Deus."
"A mulher de Lot20, livre do perigo, contrariando a advertência rece-
bida, olhou para trás e se perdeu."
Voltemos nossa atenção, não para o que está atrás, porque senão
o mal nos torna a chamar.
Voltemo-nos, sim, para a frente, onde o Cristo nos chama.
Elevemos os olhos para o céu, para que a Terra não nos prenda
com seus engôdos e seus encantos.
Comentários do Organizador
Santo Agostinho em mensagem do Evangelho Segundo o Espiri-
tismo nos concita a olhar para o Céu. O doce poeta brasileiro Ca-
simiro de Abreu também compôs lindo poema com a mesma pro-
posta.
Debruçar-se sobre os mesmos erros é insensato; é como se al-
19
Trecho da carta 11
20
Habitando em Sodoma e sendo alertado para deixar a cidade, que seria
destruída, em virtude de sua grande devassidão, Lot também recebeu a
recomendação de não olhar para trás. Porém quando deixava a cidade em
companhia da mulher e de duas filhas, a mulher de Lot olhou para trás; no dia
seguinte ao voltar Lot descobriu que a cidade havia sido destruída e a mulher
transformada em estátua de sal. Esta alegoria nos indica a viver o presente com
esperança no futuro, sem nos ocuparmos em ficar revivendo o passado cheio de
erros.
São Cipriano, um cristão africano 35
guém que dispusesse de tempo exíguo para fazer importante via-
gem, tendo tropeçado num buraco do caminho, perdesse horas
preciosas, estudando o buraco, tentando decifrar o motivo da
queda, contabilizando o tempo perdido etc. Melhor é levantar-se,
seguir adiante, de atenção redobrada.
Sigamos o exemplo do apóstolo Paulo, que tendo cometido inú-
meros desatinos ao encontrar-se com Jesus, diz apenas: “Se-
nhor, o que você quer que eu faça?”
Mudanças21
Texto de Cipriano
Que ninguém lamente
O mundo que vai perecer,
Mas siga o Cristo
Que vive eternamente,
E faz viver
Os que O servem
E têm fé em seu nome.

O tempo vem meus queridos, que o Senhor predisse depois de


muito tempo, quando ele anunciou:
Uma hora virá em que qualquer um que os faça morrer acreditará estar honrando a
Deus. Mas eles farão assim porque eles não conheceram nem a meu Pai nem a mim.
Mas eu lhes digo essas coisas, afim de que quando vier essa hora vocês lembrem-se
que eu as havia predito.
...
Armemo-nos, caríssimos irmãos, com todas as nossas forças para
o combate:
Mente incorrupta,
Fé íntegra,
Coragem disposta ao sacrifício

Que o exército de Deus saia a campo e marche de encontro ao


combate que nos é oferecido.
Que aqueles que estão de pé
21
Trecho da carta 58
Edison Carneiro

Armem-se para não perder sua integridade.

Que aqueles que estão caídos


Armem-se para recuperar o que perderam.

Que a honra arme os que estão de pé,


Que a dor arme os que estão caídos.

O bem-aventurado apóstolo nos ensina a nos prepararmos e a nos


armarmos quando diz:
"A luta que temos de travar não é contra seres de carne e sangue, mas contra os prínci-
pes e as potestades deste mundo e de suas trevas, contra os espíritos perversos que
estão no espaço."
Por isso vistam-se com uma armadura inteiriça para resistir ao dia
do mal; assim, quando vocês tiverem se armado:

Vestirão a couraça da justiça,


Cingirão os rins com a verdade,
Calçarão os pés com o bem.
Prontos a anunciar
O Evangelho da Paz.

Levarão o escudo da fé.


Para extinguir os dardos Inflamados do inimigo
Portando o capacete da salvação,
E o gládio do espírito
Que é a palavra de Deus.

Comentário do Organizador
O mundo se modifica, civilizações e costumes passam; assim
acabaram-se o “mundo romano”, o “mundo medieval” e também
a dita “civilização ocidental” vai chegando ao fim; o termo de
cada um desses ciclos, ou seja “ o fim de cada um desses mun-
dos é visto com temor.
É comum que esses términos de civilizações, com a consequen-
te mudança dos costumes e maneiras de pensar que abrigaram
traga dores e transtornos.
São Cipriano, um cristão africano 37
Nessas lutas, embora o destaque de certos vultos encarnados, o
grande combate é com as forças das trevas representadas pelos
nossos irmãos desencarnados que aderem ao mal.
Lembremo-nos entretanto que Jesus está no governo espiritual
do planeta, nas suas mão estão os fios da história, e essa é a re-
alidade permanente.
Preparemo-nos portanto para as lutas que as mudanças impõem,
esperançosos e confiantes no Amor de Deus, e de Jesus por
nós.
Edison Carneiro

Jesus
Jesus é a fonte de nossa vida, de nossa verdade, de nosso caminho. É nele que
encontramos o objetivo, o meio e a certeza para nossa existência.
Nos textos a seguir Cipriano expõe alguns ângulos de sua visão da presença de
Jesus nas nossas vidas

Repreensão22
Texto de Cipriano
Deus ama aquele a quem repreende.
Se Deus repreende alguém é para corrigi-lo.
Se Deus corrige alguém é para salvá-lo.

Nosso Pai nos corrige e nos protege, com a condição de sermos fi-
éis, e que no meio das tribulações e das perseguições nós nos
mantenhamos firmemente ligados ao Seu Cristo. Está escrito:
"O que nos separará do amor ao Cristo?
A tribulação?
A angustia?
A fome?
A nudez?
O perigo?
O combate?

Nada pode separar do Cristo aqueles que creem nele, nada pode
arrancar de seu corpo, do seu sangue, aqueles que a Ele estão
unidos."
Texto do Organizador
Por vezes Deus nos repreende; não repreende com palavras,
mas com os próprios movimentos da vida, e os fatos da vida
expõem nossos desacertos; entendamos esses momentos quan-
do a própria vida diz: Não!
A severidade de Deus a se manifestar em negativas é, na verda-
de, manifestação da bondade divina que está nos auxiliando a
dar um basta nos nossos desacertos.
Não é o Pai Amoroso que se afasta, pois nenhuma circunstância

22
Trecho da Carta 11
São Cipriano, um cristão africano 39
pode nos afastar de Deus, a não ser nossa própria decisão de
negá-Lo.
Os sofrimentos do mundo23
Texto de Cipriano
Como vocês sabem, a ordem estabelecida desde o inicio do mun-
do, é que a justiça sofra neste mundo em luta contra o século.
No começo o justo Abel é morto e abre caminho a todos os justos,
profetas e apóstolos.
O Senhor também deixou a todos um exemplo pessoal, ensinando
que não se sobe a seu reino, sem seguir a rota que Ele mesmo se-
guiu.
"Aquele que ama sua vida neste mundo, a perderá; aquele que odeia sua vida neste
mundo, a conservará na vida eterna."
"Não temam os que matam os corpos, mas que não podem matar a alma verdadeira.
Temei antes aquele que pode fazer perecer a alma e o corpo, jogando-os no inferno."
Paulo também nos exorta a que aspiremos alcançar o que o Se-
nhor nos prometeu, imitando o Senhor em todas as coisas:
"Somos os filhos de Deus, se somos os seus filhos, somos seus herdeiros e co-herdei-
ros do Cristo tanto para sofrermos com Ele, quanto para engrandecermo-nos com Ele."
O apóstolo Paulo estabeleceu uma comparação entre o tempo pre-
sente e a futura claridade, dizendo:
"Os sofrimentos deste tempo não são comparáveis à claridade que será revelada em
nós."
O pensar nessa glória luminosa deve fazer-nos suportar todas as
provas e perseguições, porque por mais numerosas que sejam as
provas dos justos, não impedirão que sejam libertados os que con-
fiam em Deus.
Comentário do organizador
As leis humanas e a justiça humana em geral são falhas; aparen-
temente o mal triunfa com frequência; iniciativas ruins como a
guerra e o tráfico aparentemente prosperam, enquanto causas
nobres como a solidariedade e a liberdade parecem avançar len-
tamente.
Porém temos armas poderosas para enfrentar esse estado de
23
Trecho da Carta 6
Edison Carneiro

coisas: a primeira é o desprendimento que nos torna livres para


sermos mais eficientes na luta pelas causas nobres; a segunda é
a coragem a expressar amor pela vida, sabendo que embora sa-
crificando os nossos corpos pelo bem, nossa vida no mundo es-
piritual e a vida na terra prosseguirá mais bela e radiosa.
O homem prudente situa os interesses da vida futura acima dos
interesses da vida material.
O senhor será seu guia24
Comentário do Organizador
Estas recomendações são dirigidas aos “cristãos confessos”que
estão na prisão aguardando provavelmente a morte.
A lição que nos oferece é que mesmo na tribulação, nos peno-
sos sofrimentos, tenhamos presente que Jesus está conosco,
disposto a nos guiar a lugar seguro; ainda estando numa horrível
prisão romana aguardando a tortura e a morte, saibamos que Je-
sus está ali, ao nosso lado, pronto a nos conduzir a um destino
melhor, desde que aceitemos o seu leve fardo de trabalho e per-
dão e seu suave jugo de pureza e humildade, pois Jesus a todos
protege e a ninguém desampara.
Se o Senhor nos oferece situações desagradáveis independen-
tes de nossa vontade é que essas situações irão nos favorecer,
quitando dívidas passadas e abrindo-nos portas para a felicidade
futura. Vejamos o Senhor como o médico que nos ama, e ao ofe-
recer o remédio amargo, ou a cirurgia dolorosa, procura tão so-
mente a nossa felicidade no tratamento que trará a saúde plena
de vigor e euforia.
Não consideremos nesses momentos de prova e expiação o lado
sombrio, mas a luz; na feliz expressão de Cipriano “não a morte,
mas a imortalidade, não o sofrimento temporário mas a imortali-
dade”.
O conhecimento das múltiplas vidas com suas causas e efeitos
nos auxilia a compreender a justiça divina que vai nos educando
para o bem e para a dignidade, e o amor de Deus ainda quando
nos oferece o remédio amargo da redenção.
24
Trecho da Carta seis
São Cipriano, um cristão africano 41

Texto de Cipriano
O Senhor será seu guia e seu protetor; Ele disse:
"Eis que estou convosco ate a consumação do mundo."
Oh, bem-aventurada prisão
Que iluminou a alma de todos!
Oh, bem-aventurada prisão
Que envia aos céus os homens de Deus!

Oh, trevas mais brilhantes que o sol,


Mais faiscantes que o fogo do mundo,
Que envolvem os "templos de Deus",
Os membros santificados pela confissão do seu nome.

Que em suas almas e em seus corações neste momento haja ape-


nas o pensamento dos preceitos divinos e as celestes recomenda-
ções pelas quais o Espírito Santo não tem cessado de nos exortar
a suportar os sofrimentos do martírio.
Que ninguém pense na morte
Mas na imortalidade,
Nem no sofrimento temporário,
Mas na eterna glória.

Está escrito:
"A morte dos justos é preciosa aos olhos de Deus."
"Uma alma aflita é um sacrifício oferecido a Deus."
"Deus não despreza de maneira alguma um coração humilhado e despedaçado."

O senhor luta conosco25


Texto de Cipriano
Se a luta está chamando ...
Se o dia vem...
Lutem com firmeza!
Pelejem com constância!
25
Trecho da Carta 10
Edison Carneiro

Saibam que:
A confissão do nome do Senhor
nos leva a partilhar a sua glória;

O Senhor não assiste apenas;


O Senhor luta em nós;
O Senhor trava,
Ele mesmo, o combate.
O Senhor dá e recebe,
Ele mesmo, a corôa
Ao fim de nosso combate.
Comentário do Organizador
Firmeza e constância na luta; Jesus está em algum lugar do nos-
so coração, pois por mais inferiores que sejamos, em algum lu-
gar do nosso espírito há um oásis de amor e verdade, de decên-
cia e pureza; Busquemos dentro nós o Cristo com todas as for-
ças que o encontraremos.
São Cipriano, um cristão africano 43

Conduta
Como nos conduzir? Que atitude tomar? A moral não é algo teórico, é regra a
aplicarmos em todas as circunstâncias de nossa vida. Nos trechos de cartas a
seguir Cipriano nos oferece algumas regras de conduta extremamente afinadas
com o pensamento cristão.

Não apenas iniciar, sobretudo prosseguir26


Texto de Cipriano
Exortamos vocês, entretanto, por nossa fé comum, pela caridade
verdadeira, que está em nosso coração, a terem cuidado.
Vocês, que venceram o inimigo neste primeiro embate, sustentem
sua glória com uma coragem firme e perseverante.
Ainda estamos no século;
Ainda sob as armas;
Ainda combatendo por nossas vidas.

É preciso ter cuidado para que este começo seja seguido de pro-
gresso, e tão honroso inicio tenha consumação.
É pouco ter sabido adquirir alguma coisa: é mais importante saber
conservar o que se adquiriu.
Não é um resultado obtido que salva imediatamente o homem, mas
o sucesso final.
O Senhor nos diz com a autoridade de seu ensinamento:
"Eis que és tornado são, não caias mais, para que não te aconteça algo ruim."
Guardem isto, tomando a mesma mensagem para aquele que o
confessou:
Eis que és tornado "cristão confesso", não caias mais, para que
não te aconteça algo ruim.
Salomão, Saul e muitos outros quando não souberam manter-se
nos caminhos do Senhor, não puderam conservar a graça que lhes
tinha sido dada.
Como se afastaram dos ensinamentos do Senhor, a graça do Se-
nhor afastou-se deles.
Comentário do Organizador
26
Trecho da carta 13
Edison Carneiro

Não basta iniciar, constância e sobretudo perseverança são in-


gredientes fundamentais da atividade cristã. O serviço com Je-
sus não se resume em brilho de um minuto, a semelhança de
fogo de artifício mas trabalho do dia a dia, mês após mês, ano
após ano, vida após vida.
Como dizia Paulo apóstolo: Aquele que perseverar até o fim será
salvo”.
O caminho estreito da honra27
Texto de Cipriano
Devemos perseverar no caminho estreito da honra.
Todos os cristãos devem mostrar-se irrepreensíveis, vivendo a hu-
mildade e a tranquilidade dos bons costumes, conforme a voz de
Deus, que vela por aqueles que são humildes e pacíficos, tendo fé
em seus ensinamentos.
Com mais forte razão a prática dessas virtudes impõe-se aos "cris-
tãos confessos" que, como vocês, tornam-se um exemplo para
seus irmãos, estimulando a todos com seu modo de vida.
Na escritura está o Senhor dizendo e advertindo:
"Que vossa luz brilhe diante dos homens, para que vejam que as vossas obras são
boas, e seja tornado evidente o vosso Pai que está nos céus."
O apóstolo Paulo disse:
"Brilhem como luminárias no mundo".
Pedro de forma semelhante exortou:
"Como hóspedes e peregrinos, abstei-vos de desejos carnais, que lutam contra a alma,
mantendo um bom relacionamento entre os gentios, porque se forem tentados a vos
censurar, vendo as vossas boas obras, engrandecerão ao Senhor."
É isto que a maior parte de vocês pratica, para minha grande ale-
gria.
Tornados melhores pela confissão honrada do Senhor, guardam e
servem sua glória pelos bons costumes, fazendo tremulamente o
melhor.
Comentário do Organizador
Jesus dizia “entrai pela porta estreita que conduz à vida”; a que-
da muitas vezes se dará não pelo crime espetacular, mas pelo
27
Trecho da carta 13
São Cipriano, um cristão africano 45
pequeno vício que se repete dia a dia, pela adesão dada ao cos-
tume dissoluto, aceito socialmente e legalmente, mas nem por
isso menos nocivo.
Vivamos em meio da sociedade, convivendo com ela nos seus
acertos e desacertos, mas preservando um coração puro, mes-
mo que sejamos objeto de ironia e sarcasmo.
Não sejamos promíscuos28
Texto de Cipriano
Há ainda este outro mal, também detestável, que nossa alma ge-
meu ao dolorosamente saber.
É que entre vocês existem os que sujam, por uma promiscuidade
infamante, um corpo que era o templo de Deus e os membros que
a confissão do Senhor havia santificado e iluminado novamente.
Não hesitam em partilhar continuamente o leito com mulheres pro-
míscuas.
Mesmo que não tenham na consciência o estupro, é um grande cri-
me escandalizar e dar exemplos perniciosos.
Comentário do Organizador
Ainda o sexo desregrado é causa de muito sofrimento aqui na
terra; Se de um lado na vida pública engrandecemos ao Senhor
e na vida pessoal, entregamos nosso corpo a atitudes deplorá-
veis, que certamente estabelecerão ligações com as trevas, esta-
mos destruindo em oculto o que construímos as claras.
Como nos instrui o apóstolo Paulo:
“Tenha cada homem sua própria mulher, e cada mulher seu próprio marido”.

Não sejamos orgulhosos29


Texto de Cipriano
Ouço que alguns entre vocês maculam a massa e rebaixam a hon-
ra da maioria, por sua conduta destrutiva.
Vocês que amam e conservam a sua honra, vocês devem pessoal-
mente exortá-los e corrigi-los.
28
Trecho da carta 13
29
Trecho da Carta 13
Edison Carneiro

A vergonha para seu nome liga-se às faltas cometidas: porque al-


guém se apresenta aos outros embriagado ou devasso em sua pró-
pria terra, ou ainda, um outro que banido de sua pátria, ao voltar é
preso, não por ser cristão, mas por ser nocivo.
Ouço que outros se inflam e se entumecem, quando está escrito:
"Não te ensoberbeças, mas teme. Porque se o Senhor não poupou os ramos naturais,
teme que não poupe a ti também."
Nosso Senhor
"deixou-se conduzir como uma ovelha para o matadouro e como um cordeiro que se
deixa tosquiar sem balir. Ele não abriu a boca."
"Não sou, disse, contumaz e nada contradigo. Tenho apresentado minhas costas ao chi-
cote e meu rosto 'as bofetadas. Não afasto minha face aos ultrajes e escarros."
Quem portanto, vivendo Nele e para Ele, ousa elevar-se e orgulhar-
se, esquecendo os atos que Ele praticou e os preceitos que nos
deu de si mesmo e de seus apóstolos?
Porque se o
"servidor não é maior que o Senhor"
aqueles que seguem o Senhor marchem sobre suas pegadas com
humildade, calma e silêncio.
Porque:
"o que for rebaixado será elevado".
Disse o Senhor:
"Quem for o menor entre vós, este será grande."
Comentário do Organizador
O orgulho e o egoísmo são nossos principais inimigos; orgulho
advindo de boas obras ou elevação moral é contra-senso, pois o
orgulho é vício dos mais destrutivos e fonte de rebaixamento mo-
ral.
Se estamos no bom caminho, busquemos com toda as nossas
forças a humildade.
De outro lado por vezes nos colocamos na posição de vítimas:
meu chefe me persegue, meu marido me contraria em tudo,
meus filhos não me respeitam, e eu procuro fazer sempre o me-
lhor.
Talvez tenhamos essas oposições não pelas coisas boas que fa-
São Cipriano, um cristão africano 47
zemos, mas justamente pelo nosso mau comportamento que tei-
mamos em não reconhecer. Examinemos nossos passos ainda
com humildade e nos esforcemos por abandonar o mau caminho,
seguindo Jesus.
Sejamos pacíficos30
Texto de Cipriano
Não devem existir entre vocês contendas e rivalidades, porque o
Senhor
"nos deixou a sua paz"
e está escrito:
"Amai vosso próximo como a vós mesmos, se ao contrário vos devorais com acusações
mútuas, tomai cuidado para que não sejais destruídos uns pelos outros."
Abstenham-se de ultrajes e de injúrias, porque:
"Os que falam injúrias não entrarão no Reino de Deus".
Uma língua que confessou o Cristo deve guardar-se pura e incor-
ruptível, conservando sua honra.
Quem tem palavras de paz, bondade e justiça, segundo os precei-
tos do Cristo, confessa o Cristo todos os dias.
Comentário do Organizador
Cuidemos de nossa boca, evitemos blasfemar, injuriar, caluniar;
quando injuriamos alguém, injuriamos a Deus, pois é Deus que
permite que aconteça uma dada situação que nos desagrada.
Aceitemos confiantes a justiça divina, lembrando-nos sempre da
eficácia do perdão e da oração, ao invés da agressão verbal fa-
çamos mentalmente a prece que Jesus nos ensinou:
“perdoai as nossas dívidas assim como perdoamos aos nossos devedores.”
Se a nossa responsabilidade impõe o dever da negativa, re-
preensão ou denúncia, façamo-la com moderação e serenidade,
sem irritação ou temor, fraternalmente, sabendo que um dia po-
deremos incidir na mesma falta.

30
Trecho da carta 13
Edison Carneiro

Renúncia31
Texto de Cipriano
Nós renunciamos ao século no momento de nosso: batismo,
mas ...
É agora que renunciamos verdadeiramente;
É agora, na provação;
É agora, abandonando tudo aquilo a que pertencíamos.
Pela fé e até pelo temor
Somos seguidores do Senhor,
por Ele ficando,
por Ele vivendo.

Comentário do Organizador
Na vida surgem alternativas, a estrada se bifurca, e dois cami-
nhos nos apresentam; a escolha se impõe, optar por um é ne -
cessariamente abandonar o outro. A alma se angustia, gostaria
de trilhar ambos, mas isto é impossível. Assim acontece quando
nos é dado escolher entre servir a Deus e a Mamon; optar pelo
testemunho doloroso ou pela mentira prazerosa. Neste momento
a renúncia é a chave; renuncia pacífica, serena, esperançosa no
futuro e na justiça de Deus.
A verdadeira renúncia ensinada por Jesus quando disse “Aquele
que quiser vir após mim, renuncie a si mesmo” será testemunha -
da, não em atitudes exteriores, mas na hora da provação.
Bem aventurados os que renunciaram ao conforto e ficaram com
Jesus porque ficaram com a mais sublime criatura com que Deus
presenteou nossos espíritos.
Exortação ao perdão32
Texto de Cipriano
Nós , na medida em que nos é dado ver e julgar, nós vemos o exte-
rior de cada um; quanto a sondar o coração, e a penetrar na alma,
nós não podemos. Isto julga Aquele que examina as coisas ocultas

31
Trecho da carta 13
32
Trecho da carta 57
São Cipriano, um cristão africano 49
e que as conhece. Ele deverá em breve vir e julgar os segredos e
os mistérios do coração.
Os maldosos não devem fazer mal aos bons, mas, mais importante
que isso, é os bons auxiliarem aos maldosos.
Recusando aceitar de volta nossos irmãos 33, mostramos muito mais
o rigor de uma crueldade humana, do que a bondade que vem da
paternidade divina.
Para que as ovelhas a nós confiadas não nos sejam arrancadas
pelo Senhor, tomamos certas resoluções sob a inspiração do Es-
pírito Santo.
Após as advertências feitas a nós pelo Senhor, através de repeti -
das e muito claras visões, em razão do ataque do inimigo que nos
foi anunciado e mostrado como eminente, nós decidimos:
Tornar a juntar os soldados do Cristo;
Examinar cada caso em particular;
Dar bem depressa a paz aos caídos em combate;
Fornecer armas aos que vão combater.

Esperamos que vocês, pensando na bondade do Pai Celeste, apro-


vem nossa decisão.
Se entre nossos companheiros houver quem pense não ser preciso
receber em paz os nossos irmãos às vésperas da luta, prestará
contas ao Senhor por sua severidade inoportuna ou dureza desu-
mana.
De nossa parte de acordo com a fé, a caridade e a solicitude da
hora, damos a conhecer o que sabemos:
Que se aproxima o dia da luta;
Que um inimigo violento
Vai erguer-se contra nós;

Que um combate virá,


Mais violento e encarniçado
Que os que o precederam.
33
Os irmãos aqui referidos são os lapsi - cristãos que negaram a fé na hora do
testemunho e depois se arrependeram.
Edison Carneiro

Que este anúncio nos é feito


Da parte de Deus.
Que é a providência,
A bondade de Deus,
Que nos dá o reiterado aviso.

Que podemos estar seguros


Do socorro e da benevolência do Senhor.

Nós que confiamos em Deus,


Saibamos que:
Se Deus anuncia .
A batalha aos seus soldados,
Deus lhes dará a vitória
Quando combaterem.

Comentário do Organizador
Novas perseguições e as lutas dai decorrentes se aproximam e
são reveladas em frequentes visões; O “grupo cristão” deverá
estar coeso para enfrentar esse novos combates. Quanto àque-
les que negaram a Deus, devem ter seus casos examinados um
a um: os que abandonaram o cristianismo e voltaram às suas
crenças anteriores; os que resolveram introduzir modificações
nos ensinos do Cristo tentando compatibiliza-los com os erros ro-
manos; e finalmente os que negaram ou cometeram atos conde-
náveis e se arrependeram, e estão dispostos a continuar a luta
pelo aperfeiçoamento após suas quedas morais.
Esses últimos devem ser aceitos novamente no seio do “grupo
cristão”, os demais fizeram suas escolhas e devem ser respeita-
dos.
Mas como saber se os arrependidos o estão de fato? Acolher os
que foram maus segundo o nosso julgamento exterior envolve o
risco de permitir que eles façam novamente o mal aos bons, mas
mais importante que isso é auxiliar os maldosos.
São Cipriano, um cristão africano 51

Humildade no sofrimento34
Texto de Cipriano
Está escrito:
"Não louveis ninguém antes da morte."
"Sejais fiéis até a morte e eu vos darei a corôa da vida."
"Aquele que perseverar até o fim, será salvo."
Imitem o Senhor, que quando chegou sua paixão, não se mostrou
mais orgulhoso, porém mais humilde.
É então que Ele lava os pés dos discípulos dizendo:
"Se eu vos lavei os pés, eu que sou vosso Mestre e Senhor, vós deveis lavar os pés uns
dos outros. Eu vos dou o exemplo para que aquilo que eu faço por vós, façais pelos ou-
tros."
Imitem o apóstolo Paulo, que após suportar diversas vezes a pri-
são, após os flagelos, após as feras, após mesmo o terceiro céu e
o paraíso, não mostrou nenhuma arrogância. Dizia ele:
"Eu não tenho comido gratuitamente o pão de ninguém, mas tenho trabalhado e estou
fatigado, penando dia e noite para não ser um fardo para nenhum de vós."
Comentário do Organizador
Por vezes face ao sofrimento suportado, nos enchemos de vaida-
de e orgulho, atribuindo a nós mesmos a vitória sobre a dor. O
sofrimento que tinha como objetivo purificar-nos, pela resignação
e humildade, transforma-se por nossa invigilância em motivo de
orgulho e arrogância. Busquemos sempre a humildade, tanto
quando o caminho nos sorri em flores perfumadas, como tam-
bém quando os espinhos ferem nosso rosto e as pedras fazem
sangrar nossos pés.
Consciência e sofrimento35
Texto de Cipriano
Nosso Senhor fez a vontade de seu Pai,
Nós não fazemos a vontade de Deus:
Amantes do patrimônio e do lucro;
Sectários do orgulho;
Vazios;
34
Trecho da carta 14
35
Trecho da carta 11
Edison Carneiro

Rivais;
Discordantes;
Negligenciando a fé e a simplicidade;
Renunciando ao século em palavras e não em atos;
Complacentes conosco mesmos;
Severos com os outros.
Eis porque recebemos os golpes que merecemos.

Está escrito:
"O servidor que conhece a vontade do seu Senhor e não a obedece receberá muitos
golpes."
Nós sofremos por nossas faltas e segundo os nossos méritos.
Comentários do Organizador
Confiemos sempre na justiça do Senhor; se sofremos é porque
merecemos, se não cometemos nesta vida erros que justifiquem
as provações, os teremos cometido em outras.
E por confiarmos nessa mesma justiça procuremos hoje, modifi-
carmo-nos para melhor, confiantes na alegria e na paz que nos
aguardarão no futuro.
Clemência e acomodação36
Texto de Cipriano
Pensando na bondade e na clemência do Cristo, nós não devemos
ser severos, nem duros, nem desumanos, quando se trata de enco-
rajar nossos irmãos, mas sobretudo:
Sofrer com os que sofrem.
Chorar com os que choram.
Reergue-los tanto quanto nos seja possível.
Prestar-lhes os recursos e as consolações de nossa afeição.

Não é preciso nos mostrarmos nem de tal modo implacáveis e opi-


niáticos a repelir sua penitência, nem relaxados e excessivamente
acomodados, ao aceitá-los em nossa comunhão.
Comentário do Organizador
Nesta carta Cipriano dá algumas orientações face aos que fra-

36
Trecho da carta 55
São Cipriano, um cristão africano 53
quejaram no testemunho, negando a Deus por temor dos sofri-
mentos.
Sermos solidários, afetuosos, sem contudo compactuar com
seus erros
Edison Carneiro

Oração
Vigiar e orar para não cairmos em tentação; a prece é o tônico que nos fortalece
sempre: nas horas difíceis para termos resignação e paciência; nas horas praze-
rosas para não nos enredarmos na ociosidade e no vício. Algumas preces e con-
selhos face a oração é que Cipriano nos oferece nos textos a seguir.

Visão de Jesus37
Texto de Cipriano
Vocês sabem que o Senhor houve por bem manifestar-se a nós, e
disse-nos no curso de uma aparição:
“Pedi e recebereis”.
O aviso foi dado ao povo presente para pedir por pessoas determi-
nadas.
Mas se na prece houver palavras e intenções que não se combi-
nam, isto desagrada muito ao que disse:
Pedi e recebereis.
Pois o povo cristão não tem harmonia e não se encontra entre os
irmãos o consenso, a simplicidade, a união dos corações.
Está escrito:
"Deus fez habitar em sua casa os que se entendem"
Nos Atos dos Apóstolos lemos:
"A multidão não tinha mais que uma só alma, um só coração."
E o Senhor instruiu de sua própria boca:
"-O mandamento que eu vos deixo é de amar-vos uns aos outros."
Se todos os irmãos se entendessem de acordo com os ensinamen-
tos de paz que o Senhor nos tem dado, há muito tempo que já terí-
amos obtido da divina bondade aquilo que pedimos e não teríamos
sido tão longamente sacudidos no meio da provas que colocam em
perigo nossa salvação e nossa fé.
Comentário do Organizador
A força de uma reunião de cristãos está na harmonia de seus
pensamentos; se há harmonia de pensamentos e sentimentos,
conjugação de esforços no bem, mútua afeição, isso criará um
“clima espiritual” extremamente propício para que os benfeitores
37
Trecho da Carta 11
São Cipriano, um cristão africano 55
espirituais, valendo-se dos recursos mediúnicos unidos a prece
sincera, produzam maravilhas.
Porém se o ambiente mental é confrontado por pensamentos e
sentimentos contraditórios, não teremos uma reunião de mentes
e corações, mas simplesmente um lugar onde várias pessoas es-
tão, isoladas espiritualmente uma das outras.
Não basta nos reunirmos para orar, é pré-requisito que esteja-
mos reconciliados e harmonizados num fraternal elo de amor.
Naturalidade do intercâmbio espiritual38
Comentário do Organizador
O intercâmbio mediúnico a expressar-se em visões, sonhos, cu-
ras e mensagens transmitidas pela palavra ou escrita, ainda é,
muita vez, objeto de zombaria.
Pupiano escreveu uma carta fazendo inúmeras acusações a Ci-
priano, entre as quais, valer-se de sonhos e visões nas orienta-
ções dadas ao grupo cristão de Cartago.
Na carta 66 Cipriano defende-se das acusações, inclusive da-
quela onde é acusado de acreditar em sonhos e visões.
Texto de Cipriano
Eu sei muito bem que alguns acham os sonhos ridículos e as vi-
sões absurdas, mas são precisamente estes que preferem crer
contra os “protetores”que crer nos “protetores”.
De outro lado não há nada de estranho nisso, pois os irmãos de
José39 não disseram dele?
"Ai de nosso sonhador! vamos matá-lo ..."
E o sonhador viu mais tarde seu sonho realizado, e seus assassi-
nos, seus vendilhões, confundidos e obrigados a crerem nos pró-
prios fatos, após terem se recusado a crer em suas palavras.
38
Trecho da Carta 66
39
Cipriano refere-se a José filho de Israel, que tinha sonhos e os revelava a seus
irmãos, e os seus sonhos mostravam que seria maior que seus irmãos, que o
invejavam. Em virtude disso planejaram matá-lo, mas optaram por um crime
menor e o venderam como escravo; porém José depois de um série de
peripécias alcançou altos cargos no Egito e seus irmãos foram obrigados a
curvar-se perante ele e aceitar o seu auxílio.
Edison Carneiro

Quanto ao que você fez seja nas perseguições, seja na paz, seria
loucura minha querer julgá-lo nesta altura, pois é você que estabe-
leceu-se como meu juiz.
Assim eu lhes respondo, com a consciência que tenho de minha
Inocência e a confiança que tenho em Deus e em nosso Senhor:
Vocês têm a minha carta, eu tenho a sua, no dia do julgamento, no
tribunal de Deus, se lerá uma e outra.
Perseverança na oração40
Texto de Cipriano
“Oremos insistentes e assíduos, chorando ao suplicar.”
Esta censura, caríssimos irmãos, nos foi feita há pouco, numa vi-
são, quando dormitávamos na prece não orando vigilantes.
Nós sacudimos, quebramos os liames do sono e oramos insisten-
tes e vigilantes, segundo o apóstolo Paulo:
"Perseverai na prece, vigiando nela"
Os apóstolos não cessavam de orar dia e noite e o próprio Senhor,
mestre de nossa educação e nosso exemplo, orava frequente e vi-
gilante, como lemos no Evangelho:
"Saía para orar no monte, e pernoitava orando a Deus."
E quando orava, orava principalmente por nós pois Ele mesmo não
estava caído, mas carregava nossas quedas.
Na verdade era por nós que Ele suplicava, tanto que lemos em ou-
tro lugar:
"E o Senhor disse a Pedro:
-Eis que satanás vai sacudir-te como o trigo, mas eu tenho orado para que a tua fé não
desfaleça."
É por nós e por nossos delitos que Ele trabalha, vigia e suplica.
Tanto mais nós devemos perseverar nas preces e súplicas.
Comentário do Organizador
Nesse mundo de expiação e provas a oração é um hábito muito
necessário.
Nem longas preces, nem preces repetitivas; não é o muito falar
que nos aproxima de Deus, mas estarmos constantemente liga-

40
Trecho da Carta 11
São Cipriano, um cristão africano 57
dos ao Senhor pelo nosso coração.
Mesmo nas mais comuns obrigações domésticas, sociais ou pro-
fissionais, agirmos conscientes que estamos na presença de
Deus. Estando reunidos em atividade espiritual, notadamente
mediúnica, a atitude da oração se impõe sobremaneira.
Visão dos dois jovens41
Texto de Cipriano
Foi visto um pai de família sentado, tendo à direita um jovem.
Este jovem está sentado com a mão no queixo, um ar aflito, ansio-
so, triste e descontente.
Um outro jovem está à esquerda, tem uma rede na mão, pronta
para lançar e prender as pessoas à sua volta.
Como o vidente perguntasse a si mesmo o que aquilo queria dizer,
foi respondido o seguinte:
-O jovem da esquerda se regozija porque se apresenta o momento
de obter do pai de família a permissão de seviciar o jovem da direi-
ta.
Isto aconteceu bem antes da tempestade devastadora e agora ve-
mos o seu cumprimento.
Enquanto nós desprezamos as ordens do Senhor e não observa-
mos as prescrições salutares da lei, o inimigo obtém o direito de jo-
gar a sua rede e enredar aqueles que estão menos armados e pre-
parados para repelir seus ataques.
Comentário do Organizador
Os benfeitores espirituais frequentemente se comunicam através
de quadros simbólicos. Só teremos a proteção de Deus para não
cairmos em tentações e desequilíbrios se estivermos unidos a
ele pela vigilância, oração e prática do bem.
Jesus afirmava:
“Vigiai e orai para não cairdes em tentação”.

41
Trecho da Cata 11
Edison Carneiro

Súplica42
Comentário do Organizador
Eis uma prece fervorosa, em meio aos sofrimento; prece de es-
perança e humilde confiança no Senhor.
Texto de Cipriano
Com simplicidade e unanimidade;
Com gemidos e lágrimas;
Como os que choram entre ruínas;
Como os que ficam a tremer;
Como fiéis que temem sucumbir;
Como uns poucos que resistem,
Em meio da multidão dos que fraquejam;
Nós não cessamos de pedir e esperar do Senhor:
Que amadureça a volta da paz;
Que o socorro venha;
Que nossas trevas e perigos se dissipem;
Que se produzam as transformações
Anunciadas pelo Senhor:
A restauração do "grupo cristão";
A segurança de nossa salvação;
A luz após as trevas;
A amena mansidão
Após as tempestades turbilhões
Pedimos a Ele que na sua piedosa afeição paternal venha em nos-
so auxilio, com sua divina majestade e habitual grandeza, para que:
As blasfêmias orgulhosas dos perseguidores sejam confundidas.
A fé estável e forte dos perseverantes seja glorificada.

42
Trecho da Carta 11
São Cipriano, um cristão africano 59

Personagens
Exemplos de fidelidade a Jesus, coragem na fé não faltaram naquele tempo; Ci-
priano retratou alguns através de sua escrita; que eles nos inspirem a sermos
melhores.

Mapalico43
Texto de Cipriano
O presente prélio nos deu uma prova.
A palavra plena do Espírito Santo saiu dos lábios de um mártir
quando o bem-aventurado Mapalico, no meio de seus tormentos
cruciantes disse ao procônsul:
-Verás amanhã um combate.
Esta promessa, que testemunha a virtude de sua fé, foi cumprida
por Deus.
Um combate celeste, e o servo de Deus foi coroado no combate
prometido.
É a prova do combate anunciada pelo bem-aventurado apóstolo
Paulo:
“Nós devemos correr e obter a corôa da glória. "
Não sabeis que no percurso de um estádio todos correm, mas só um recebe as palmas?
Correi de maneira a obtê-las!
Eu travei o bom combate, percorri o caminho, conservei a fé.
Resta receber a corôa da justiça que o Senhor guardou para mim, a qual o justo juiz me
dará naquele dia. Não somente a mim, mas a todos que amaram a sua vinda.

É este o combate
Predito pelos profetas,
Dado por Deus,
Sustentado por seus apóstolos,
Que Mapalico em seu nome
E em nome de seus irmãos,
Prometeu ao ao procônsul.

Não falhou na promessa

43
Trecho da Carta 10
Edison Carneiro

De sua voz de fé.


Lutou como havia prometido,
Recebeu as palmas merecidas.
Comentário do Organizador
Mapalico enfrenta a sua prova, deve atingir os seguintes objeti-
vos: resignação, amor ao inimigo a expressar-se em preces pe-
las autoridades romanas; nenhuma mágoa; confiança em Deus.
A prova é difícil, o próprio Jesus afirmou: “muitos os chamados,
poucos os escolhidos”
Mapalico venceu a sua prova; a cada um de nós, no dia-a-dia, no
recinto doméstico, na via pública, no ambiente profissional, no
grupo cristão, nos é oferecido um combate celeste; sermos pro-
vados é o meio; sermos aprovados é o objetivo; o tempo é hoje.
Se Deus nos oferece a prova é que temos condições de vencê-
la.

Aurélio44
Texto de Cipriano
Aurélio:
Nosso irmão;
Adolescente ilustre
Já provado perante o Senhor;
Caro a Deus;
Novo em anos ;
Idoso na virtude e na fé;
Pequeno pela idade;
Grande pela honra.

Aurélio:
Duas vezes lutou;
Duas vezes confessou;
Duas vezes sua confissão foi gloriosa vitória.

Aurélio:
Vencido pelo curso dos fatos;
44
Trecho da carta 38
São Cipriano, um cristão africano 61
Exilado
Entregou-se a um forte combate;
Triunfou no prélio das paixões.

Aurélio:
Era pouco para ele o exílio;
Mereceu a inscrição no fórum;
Sua virtude brilhou mais;
Venceu magistrados e o procônsul;
Superou os tormentos após o exílio.

Aurélio:
Não sei que predicados destacar mais:
Feridas gloriosas;
Costumes discretos;
Virtude honrada e insigne;
Louvável e admirável pudor.

Aurélio:
Tão excelso pela dignidade;
Tão submisso pela humildade;
Foi posto a começar pelo dever de “leitor” 45

Uma voz que confessou Deus


Em uma declaração gloriosa
Deve ressoar na leitura das escrituras divinas.

Como o júbilo é sempre apressado;


Como a alegria não suporta esperar ...

Aurélio:
Já mostrou o presságio da paz
Ao fazer sua primeira leitura
No momento do Senhor.

Comentário do Organizador

45
O leitor tinha a tarefa de ler as escrituras para os outros membros do grupo
cristão.
Edison Carneiro

São comuns os preconceitos de idade: os velhos são irritadiços e


conservadores; os adolescentes são irresponsáveis e alienados.
Para demonstrar a falsidade dos preconceitos eis aqui um retrato
de Aurélio: adolescente, “cristão confesso”, corajoso e firme, hu-
milde e digno.
Celerino46
Texto de Cipriano
Celerino:
Foi o primeiro a travar o combate
Da nossa provação.

Foi o porta estandarte.

No momento em que a perseguição acendeu-se


Alistou-se na luta,
Venceu por sua firmeza inexpugnável.

Abriu aos outros o caminho da vitória.


As feridas não lhe deram uma vitória momentânea,
O sofrimento durou,
Ligou-se a ele,
Foram 219 dias de prisão
Nos grilhões e a ferros.

Seu corpo estava preso,


Seu espírito estava livre.

Sua carne estava emagrecida


De fome e sede,
Sua alma tem vivido
De fé e virtude.

Deus o nutria de alimentos espirituais.

Estendido ao sol,

46
Trecho da carta 39
São Cipriano, um cristão africano 63
Oprimido pela dor,
Ele era mais forte
Que o sofrimento.

Por terra,
Ele era mais alto
Que os que estavam de pé.

Preso,
Ele era maior
Que os que o prenderam.

Julgado,
Ele era mais nobre
Que os que o julgaram.

Seus pés eram belos


Ao peso dos grilhões,
Pois a serpente oculta
Fora pisada e vencida.

Títulos de honra não são uma glória nova e desconhecida para o


nosso querido Celerino.
Celerino marcha sobre os passos dos seus; sua avó Celerina obte-
ve há algum tempo a corôa do martírio; seus tios pelo lado paterno,
Laurêncio e Ignácio, combateram outrora nos campos seculares,
posteriormente tornaram-se verdadeiros soldados de Deus. Por
sua confissão gloriosa mereceram num glorioso martírio as palmas
e a corôa do Senhor.
Que podia eu fazer, senão colocá-lo no púlpito?
Posto em evidência, pela elevação do estrado que ocupa, visível a
todos, como convém a seus méritos, lerá as lições do Evangelho
do Senhor, que ele segue corajosa e fielmente.
Que a mesma voz que confessou o Senhor, faça que outros O
compreendam todos os dias, proclamando sua palavra.
Comentário do Organizador
Além das mais rudes provações terrestres, encontraremos paz e
Edison Carneiro

descanso no Senhor.
O Deus único está sempre presente; apendamos a ter nossa li-
berdade, nossa alegria e nosso alimento nesta presença.
A onipresença Divina é fonte de força e fé a nos sustentar nas
nossas fraquezas.
Será sempre o exemplo que dará força às nossas palavras, que
força terá nossa palavra se a nossa boca diz algo a favor do bem
e nossas mãos a simbolizar nossos atos desdizem o que prega-
mos?
Celerino e Aurélio47
Texto de Cipriano
Era preciso aproximar Celerino de Aurélio, com quem se liga por
uma honra divina e por todos os elos da virtude.
São parecidos, assemelhados; da mesma forma que sua glória é
grande, sua humildade é profunda; Tanto a bem-aventurança divi-
na os leva para a frente, quanto seu amor tranquilo, sua simplicida-
de os leva a apequenar-se.
Seus atos virtuosos, suas disposições interiores, são igualmente
um exemplo para todos; São bons tanto para o combate quanto
para a paz; Dignos de elogios, na luta, pela firmeza, na paz, pela
modéstia.
Eis os servidores que o Senhor ama, os "cristãos confessos" que o
glorificam. Sua vida e suas ações fazem proclamar sua glória a to-
dos, sendo uma lição, um ensinamento para os outros.
O Cristo quis que ficassem longo tempo no "grupo cristão", reti-
rando-os da morte por uma espécie de ressurreição, para que os ir-
mãos não vendo nada mais sublime do ponto de vista da honra,
nem nada mais submisso do ponto de vista da humildade, juntem-
se a eles seguindo seus passos.
Comentário do Organizador
Os espíritos afins se buscam na multidão; unindo-se constituem
as famílias espirituais; Exemplares na coragem e desassombro e
também no amor tranquilo, simples e humildes.

47
Trecho da carta 39
São Cipriano, um cristão africano 65
Que lançando a sua luz de um ponto tão recuado no tempo, pos-
sam iluminar o nosso dia a dia, é a nossa prece.

Numídio48
Texto de Cipriano
Nós fomos advertidos e encarregados pela Divina Bondade de ins-
crever Numídio no número dos "cristãos experimentados" do "gru-
po cristão" de Cartago.
Numídio exortava uma falange gloriosa de mártires, que partiam
antes dele, mortos a pedradas e queimados.
Enquanto sua fiel esposa era cremada, ou antes preservada com
os outros, ele a fitava com doçura.
Ele mesmo foi meio queimado, apedrejado e deixado como morto.
Mais tarde quando sua filha procurava piedosamente o cadáver de
seu pai, o encontrou respirando com dificuldade.
Retirado do meio de outras vitimas, reconduzido à rua, Numídio fi-
cou com pesar à retaguarda dos companheiros que enviara ao céu
antes de si.
Cumprindo o que nos foi indicado, recebemos com alegria o pre-
sente que Deus nos deu, esperando da misericórdia divina um mai -
or número de benefícios desse tipo, para que devolvendo o vigor
ao seu "grupo cristão", Deus faça florir honrosamente em nosso
convívio, os doces e os humildes.
Comentário do Organizador
Todas as pessoas que nos cercam, na verdade, são presentes
de Deus; amigos que nos incentivam no bem; inimigos que de-
nunciam nossos erros afastando-nos do mal e nos temperando
nas provações.
Porém, há alguns em que a misericórdia de Deus fica clara e ex-
plicita, criaturas que nos conduzem e que representam para nós
a providência divina; Numídio foi afastado dos seres que mais
amava ao vê-los partir para o plano espiritual; mas, ficando ainda
para mais algumas provações, ficou, enriquecendo o grupo cris-
48
Trecho da Carta 40
Edison Carneiro

tão de Cartago, com sua doçura e humildade.


São Cipriano, um cristão africano 67

As Minas da Numídia
Início de novas perseguições
Ao assumir o poder o imperador romano, Valeriano, abriu uma
nova perseguição aos cristãos.
O procônsul da província da África, Paternus, convocou Cipriano,
que atendeu a convocação.
No interrogatório Paternus tratou Cipriano até com brandura, da-
das as circunstâncias, e aplicou a pena mínima.
O que o teria levado a isso? Simpatia pela causa? Simpatia por
Cipriano? Senso de justiça?Temor de revoltas? Temor de sortilé-
gios de que eram acusados os cristãos. Desconhecemos a ra-
zão.
Um documento histórico trouxe até nossos dias o interrogatório
que foi mais ou menos nesses termos:
Paternus:
- Os santíssimos imperadores Valeriano e Galiano dignaram-se a
escrever-me uma carta, onde eles prescrevem que aqueles que
não reconhecerem a religião romana deverão fazer uma profis-
são de fé; eu iniciei, consequentemente, um inquérito sobre sua
pessoa, o que você responde:
Cipriano:
- Eu sou cristão e “protetor” de um “grupo cristão”; eu desconhe-
ço outro deuses além do Deus único e verdadeiro que fez o céu,
a terra e o mar e tudo o que eles encerram. É a esse Deus que
nós cristãos, servimos. É a Ele que nós oramos, dia e noite, por
nós, por todos os homens e pela salvação dos mesmos impera-
dores.
Paternus:
- Você persevera nessa disposição?
Cipriano:
- As boas disposições entre aqueles que conhecem Deus não
devem ser mudadas.
Edison Carneiro

Paternus:
- Sendo assim, você poderá, segundo a ordem de Valeriano e
Galiano ser exilado para Curubis?
Cipriano:
- Eu irei.
Paternus:
- Não é somente sobre o assunto dos “protetores”, mas também
sobre os “cristão experimentados” que os imperadores se digna-
ram a escrever-me. Eu desejo então saber de você, quais são os
“cristão experimentados” dessa cidade.
Cipriano:
- As sua leis tem, sabiamente e utilmente, estabelecido que não
se devia existir delatores; os “cristãos experimentados” não po-
dem então ser descobertos por uma delação minha; eles encon-
tram-se no meio da sua população.
- Paternus
Por mim é aqui e agora que eu interrogo.
- Cipriano
A disciplina proíbe que se apresentem espontaneamente, e isso
o desagrada. É você mesmo que os procurando os achará.
Paternus:
- Eu os encontrarei. Eles não se permitem fazer reuniões e ir aos
cemitérios. Se algum deles não observar essa proibição tão salu-
tar, ele encontrará a pena capital.
Cipriano:
- Faça o que lhe ordenaram.
Cipriano partiu então para Curubis, um vilarejo, de ares muito
agradáveis, situado a algumas léguas de Cartago;
Origem da correspondência
Estando no seu exílio, sem poder deixar o vilarejo de Curubis, Ci-
priano empregou seu tempo em corresponder-se com os cristãos
São Cipriano, um cristão africano 69
condenados a trabalhos forçados nas minas da Numídia, além
de escrever algumas outras obras.
Essas minas ficavam no norte da África, a algumas centenas de
quilômetros de Cartago.
A correspondência constou de quatro cartas: inicialmente Cipria-
no enviou uma carta circular, com algum dinheiro, aos prisionei-
ros, serviram de mensageiros Ereniano, Lucano, Máximo e
Amâncio.
Os cristãos conseguiram fazer chegar as mãos de Cipriano, três
cartas em resposta enviadas por três grupos de prisioneiros (Car-
tas 77 a 79).
Que percalços não terão enfrentado Ereniano, Lucano, Máximo e
Amâncio para fazer chegar aos cristãos condenados a carta de
Cipriano?
Que dificuldades não terão enfrentado os cristãos condenados
para escrever e fazer chegar as mãos de Cipriano sua resposta
de gratidão?
Deus provê!

Carta de Cipriano49
Comentário do Organizador
Nesta carta endereçada aos prisioneiros condenados a trabalhos
forçados Cipriano, por diversas formas, afirma o pensamento que
o importante é estar com Jesus no nosso coração.
Tendo jesus no coração os maiores sofrimentos serão suporta-
dos com serenidade e até com alegria.
Texto de Cipriano
De Cipriano
A Nemesiano, Felício, Lúcio, um outro Felício, Liteus, Polia-
no, Vítor, Jáder, Dativo, seus colegas de episcopado.
Do mesmo modo aos seus colegas e "cristãos experimenta-
dos", aos servidores e aos outros irmãos que estão nas mi-
49
Integra da Carta 76
Edison Carneiro

nas, mártires de Deus, Pai Onipotente, e de Jesus Cristo,


Nosso Senhor e Divino Salvador.
Eterna Saudação:
A glória que vocês adquiriram, bem aventurados e caríssimos ir-
mãos, tornaria um dever ir pessoalmente vê-los e abraçá-los, se a
confissão do nome do Cristo não me houvesse feito retirar-me para
o exílio, de onde não posso sair.
Mas estou com vocês da maneira que está ao meu alcance, e se
não me é possível ir para perto de vocês corporalmente, ao menos
em espírito e em coração estou com vocês.
Esta carta mostrará que tenho a alma plena de alegria por causa
da sua louvável virtude, e que, se meu corpo não sofre com vocês,
eu partilho da sua sorte e me faço um com vocês pela caridade que
nos une.
Poderia eu, pois, calar-me, reprimir minha palavra quando conheço
a seu respeito tantas e tão gloriosas façanhas das quais Deus lhes
dará honra?
Entre vocês, alguns já consumaram seu martírio; eles são os pri-
meiros a receber do Senhor a corôa dada por seus méritos; outros
ainda estão entre os muros das prisões, ou nas minas e a ferros,
fornecendo aos irmãos, para os preparar e encorajar, os maiores
exemplos.
À medida que seu suplício é mais uma vez adiado, vocês aumen-
tam seus títulos de remuneração com a espera do martírio, visto
que receberão na distribuição das recompensas celestes, tantas
partes, quantos dias suas provas duraram.
Eu não estou surpreso, considerando que as coisas se passem as-
sim, irmãos corajosos e bem-aventurados, que o Senhor tenha nos
seus desígnios honrá-los e elevá-los aos feitos da glória, pois sei
da sua piedade e fé.
Vocês têm, todos os dias, em seu "grupo cristão", manifestado uma
fé vigorosa e firme, fiéis ao observar os preceitos do Senhor:

A inocência na simplicidade,
A paz na caridade,
São Cipriano, um cristão africano 71
A modéstia na humildade,
O zelo no serviço.

Vocês têm-se mostrado:


Vigilantes
Auxiliando aqueles que estão numa situação crítica, Misericordio-
sos,
Socorrendo os pobres,
Firmes,
Defendendo a verdade,
Rigorosos
Observando a austeridade da disciplina.

Além do mais, porque nada falha nos seus exemplos, nesta hora
mesma em que suas bocas confessam o Cristo e na qual seus cor-
pos sofrem por Ele, vocês incitam as almas de nossos irmãos aos
divinos martírios e lhes mostram o caminho da virtude: assim, en-
quanto o rebanho segue seus pastores e imita o que vê fazerem os
seus prepostos, ele prepara-se a fim de, com méritos semelhantes,
receber a mesma corôa.
Antes de estarem nas minas, vocês foram cruelmente bastona-
dos50, foi aí que vocês inauguraram sua confissão: isto não é coisa
que se deplore.

O bastão não faz medo ao seguidor do Cristo,


Que no madeiro deposita a sua esperança.

O servidor do Cristo reconhece o sagrado instrumento da sua sal-


vação; resgatado pelo madeiro para a vida eterna, pelo madeiro
que avança no caminho da coroa.
É admirável que sendo vocês vasos de ouro e prata tenham sido
justamente colocados nas minas, lugar do ouro e da prata.
Puseram grilhões nos seus pés, amarras infames nos seus mem-
bros honrados, morada divina, como se com os corpos se acorren-
tasse o espírito, como se o contato do ferro pudesse manchar o bri-
50
Surrados com bastões de madeira.
Edison Carneiro

lho do ouro.
Para homens consagrados a Deus, e que afirmam sua fé com reli-
giosa virtude, esses grilhões, essas cadeias, não são amarras, mas
ornamentos; eles não desonram os pés que prendem, mas os ilu-
minam e coroam.

Os bem aventurados grilhões não serão quebrados pelo ferreiro,


mas pelo Senhor!
Os bem aventurados grilhões que deixam ir retamente, pelo bom
caminho, na direção do paraíso!
As queridas amarras que prendem um momento neste mundo,
para devolvê-los eternamente livres no outro, perto de Deus!
Oh amarras,
Obstáculos abençoados,
Os pés que vocês entregam
Por ora à marcha incerta,
Vão brevemente na direção do Cristo,
Por um caminho de glória!

Que uma crueldade invejosa ou maligna os encerre quanto possa


nos seus grilhões e amarras: breve, libertos desse sofrimento da
Terra, vocês chegarão ao Reino dos céus.
Os corpos nas minas não têm,
De modo algum,
A doçura de um leito para repousar...
Mas o próprio Cristo é renúncia e repouso.

Os membros fatigados
Estendem -se sobre o chão duro...
Mas isto não é uma punição
Quando nos estendemos com o Cristo.

Faltam os banhos,
Falta a limpeza do corpo,
A carne guarda a sua sujeira exterior...
Mas o espírito é purificado interiormente.
São Cipriano, um cristão africano 73

O pão é distribuído em pequena quantidade...


Mas não só de pão vive o homem,
Vive da palavra de Deus.

Faltam agasalhos, tem frio...


Mas aquele que se reveste do Cristo
Está abundantemente vestido e adornado.

Sobre as cabeças raspadas pelo meio,


Os cabelos arrepiam-se em desordem...
Mas visto que o Cristo
É a cabeça do homem,
Tudo fica bem a uma cabeça
Que a confissão do Cristo tornou ilustre.

Toda esta fealdade que parece detestável e horrível aos gentios,


de qual esplendor não será ela sucedida e recompensada!
Em troca desta pena temporal e breve, que clamor eterno de glória,
quando o Senhor, segundo a voz do apóstolo bem aventurado, re-
formar os nossos corpos humilhados, conforme o molde de seu
corpo luminoso.
Não creiam, de modo algum, nunca mais, caríssimos irmãos, sofrer
na sua fé ou na sua piedade, porque, sacerdotes de Deus, não
possam celebrar e oferecer o sacrifício divino onde vocês estão.
Vocês celebram e oferecem a Deus um sacrifício precioso e glorio-
so e que servirá para obter as recompensas celestes, porque a es-
critura divina diz:
Uma alma aflita é um sacrifício oferecido a Deus;
Um coração despedaçado e humilhado não é, de modo algum, desprezado por Deus.
É este sacrifício que vocês oferecem a Deus, é este sacrifício que
vocês celebram dia e noite, sem interrupção, tornando-se vítimas
por Deus e oferecendo a si próprios como vítimas santas e sem
mácula, segundo a exortação do apóstolo:
Eu vos exorto, meus irmãos, em nome da misericórdia de Deus a fazerem de vossos
corpos oferendas vivas, santas, agradáveis a Deus; a não vos adequardes ao século,
mas a vos transformardes por um espírito novo, a fim de que experimentem segundo a
Edison Carneiro

vontade de Deus, aquilo que é bom, que é perfeito, aquilo que Lhe agrada.
Eis o que é sobretudo capaz de agradar a Deus.
Eis o que confere a nossas obras uma eficácia maior na obtenção
da indulgência divina.
Eis o que permite à nossa fé e à nossa devoção oferecer a Deus o
digno tributo do nosso reconhecimento por benefícios tão grandes
e salutares.
É isto que diz o Espírito Santo ao Senhor nos Salmos:
"Que entregarei, por todos os bens com que Ele me tem cumulado?
Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor!
A morte dos justos é preciosa diante de Deus 51.
Quem não tomaria alegremente, de bom coração, o 'cálice da sal-
vação'?
Quem não aproveitaria com alegria e prazer uma ocasião de 'entre-
gar' a seu Mestre um pouco daquilo que Ele tem feito por nós?
Quem não receberia com coragem e bravura a morte preciosa di-
ante de Deus, na qual se compraza aos olhos Daquele que no mo-
mento em que se luta por Seu nome, olha do alto, aplaude os que
aceitam a luta, ajuda-os no combate, corôa-os após a vitória,recu-
perando-os com uma bondade, com uma ternura de Pai, por aquilo
que lhes deu para fazer, e honrando aquilo que Ele mesmo realizou
em nós?
Que seja pois por Ele que devamos vencer e alcançar, sobre o ad-
versário vencido, a palma dos maiores combates!
o Senhor proclama em seu Evangelho:
Quando eles vos entregarem, não estejais em cuidado pela maneira pela qual respon-
dereis, ou as coisas que direis O que tereis ,de responder vos será inspirado na hora,
pois não sois vós que falais, mas o Espírito do vosso Pai que fala em vós.
E ainda:
Ponde em vosso espírito, não mais pensar de antemão naquilo que direis para vos de-
fender. Eu vos darei uma linguagem e uma sabedoria às quais vossos adversários não
saberão resistir.
Palavras que devem inspirar grande confiança aos crentes, e que
mostram ao mesmo tempo a extrema gravidade da falta que come-

51
SaImo 15, 12, 13 e 15
São Cipriano, um cristão africano 75
tem aqueles que são infiéis, não acreditando Naquele que promete
seu socorro aos que o confessam.
Estes sentimentos, oh valorosos e fidelíssimos soldados do Cristo,
vocês têm feito penetrar nas almas de nossos irmãos, colocando
em atos, aquilo que vocês ensinaram anteriormente em palavras.
Vocês serão grandes no Reino dos céus, porque o Senhor fez esta
promessa:
Aquele que tem agido e ensinado conforme o Evangelho será o maior no Reino dos
céus
Enfim, uma porção considerável de fiéis, seguindo o seu exemplo,
tem confessado como vocês, e como vocês tem sido coroada, uni-
da a vocês pelo elo da mais terna caridade, unida inseparavelmen-
te a seus prepostos, apesar da prisão e das minas.
Deste contingente são as virgens: elas têm rendido 100 por um
após 60 por um, e conquistaram por dois títulos a corôa celeste.
As crianças52 mesmo, têm mostrado uma virtude acima de sua ida-
de, e não têm esperado completar o número de anos para fazer
uma confissão gloriosa; assim sendo a Sua bem aventurada tropa
de mártires é adornada de todos os sexos e idades.
Conscientes da sua vitória, neste momento, caríssimos irmãos, to-
dos adquirimos com vocês:
O seu vigor;
A elevação de suas almas;
A sua alegria;
O seu triunfante regozijo
De não ter mais que esperar
A recompensa prometida por Deus;
A sua tranquilidade
Para o dia do julgamento,
Ficando nas minas num corpo acorrentado
Mas com uma alma soberana;

O seu conhecimento

52
Os jovens e até as crianças recebiam das autoridades romanas a pena de
trabalhos forçados perpétuos, por declarem-se cristãos.
Edison Carneiro

De que o Cristo está presente e feliz


Com a coragem de seus servidores,
Que Ele vê marcharem nos seus passos
E por seu caminho ao Reino Eterno.

Vocês esperam cada dia alegremente pelo momento bendito da


partida.
Prestes a deixar este mundo, apressam-se, em pensamento, na di-
reção da morada celeste, das divinas recompensas 53.
Após as trevas desta vida, vocês irão contemplar a mais resplande-
cente luz e receber uma claridade maior que todos os sofrimentos
e lutas, segundo a palavra do apóstolo:
Os sofrimentos desta vida não estão em proporção com a claridade que virá e que será
manifestada em nós.
Assim, visto que suas preces neste momento têm mais eficácia, e
que se obtém mais facilmente o que se pede no meio das persegui-
ções, peçam com insistência à Divina Bondade, dignar-se permitir
completarmos a confissão de Seu Nome, e sairmos incólumes e
gloriosos das trevas e armadilhas deste mundo, a fim de que uni-
dos a vocês pelos elos da caridade e da paz, de pé com vocês,
face às injúrias dos heréticos e às pressões dos pagãos, nós nos
regozijemos ainda com vocês no Reino Celeste.
Eu desejo, irmãos bem aventurados e muito valorosos, que passeis
sempre bem em Nosso Senhor e que todos os dias, para sempre,
lembrem-se de nós.
Valei!
Resposta do primeiro grupo de mártires54
Comentário do Organizador
Nos maiores sofrimentos, conseguem escrever a Cipriano, e em-
bora tantas dores, eram felizes pois amavam-se, oravam uns pe-
los outros e possuíam a certeza de após os sofrimentos poderem
encontrar-se uns com os outros e com Jesus.

53
As condições dos campos de trabalhos eram tão ruins que a maioria dos
prisioneiros morria em poucos meses, raros suportavam alguns anos.
54
Íntegra da carta 77
São Cipriano, um cristão africano 77
Texto dos Mártires
A Cipriano
De seus irmãos: Nemesiano, Felício e Vítor.
Saudações eternas no Senhor:

Sua carta, caríssimo Cipriano, nós temos comentado todos os dias,


e adaptado às circunstâncias sua linguagem de nobres sentimen-
tos.
Lendo-a, assiduamente, aqueles que estão em erro corrigem-se, os
homens de verdadeira fé sentem-se seguros.
Desvendando, sem cessar, nos seus escritos, os segredos sagra-
dos, você aumenta a fé e leva os homens do século a crerem.
Colocando em tão grande número de escritos, que você tornou pú-
blicos, o bem que vê em nós, você desenhou o seu próprio retrato.
Não há outro como você:
Na doutrina do ensinamento;
Na eloquência da linguagem;
Na sabedoria do conselho;
Na retidão da sabedoria;
Na generosidade da caridade;
Na austeridade da vida;
Na humildade dos relatos;
Na santidade da conduta.

Você sabe, oh caríssimo, é nosso ardente desejo vê-lo alcançar a


corôa da grande confissão, você, que nos instrui e nos ama.
Antes de nós, de fato, como um verdadeiro e bom mestre, você dis-
se diante do governador o que deveríamos dizer.
Você tem soado a trombeta para animar os soldados de Deus no
combate.
Você tem atravessado o mal com a espada espiritual, combatendo
na primeira fila, armado de armas divinas.
Sua palavra tem disposto de cá e de lá, os pelotões de irmãos, de
maneira a estender por toda a parte as emboscadas ao adversário,
Edison Carneiro

à reduzir a impotência o inimigo de todos e calcá-lo aos pés.


Creia caríssimo, sua alma virtuosa não renderá menos de 100 por
um.
Você não teve temor de afrontar os primeiros assaltos do século,
nem de ir ao exílio.
Você não hesitou em deixar a cidade, nem temeu ficar em lugar de-
serto.
Levando muitos irmãos a confessar o Cristo, você lhes tem conce-
dido o primeiro testemunho.
Incitando-os, por seu exemplo, a Lhe render o testemunho do sofri-
mento suportado por Ele, você começou, não somente a partilhar a
sorte de tantos mártires que presentemente deixam este mundo,
mas também contraiu, com aqueles que terão a mesma sorte, uma
amizade celeste.
Eis porque os que estão condenados conosco, dirigem por você, di-
ante de Deus, as maiores ações de graças, caríssimo Cipriano.
Esses nos quais suas palavras:
Levaram energias aos corações agitados
Curaram os membros feridos pelo madeiro
Resgataram os pés carregados de grilhões;
Adornaram de novos cabelos,
As cabeças raspadas pela metade;
Iluminaram as trevas da prisão;
Aplainaram as montanhas de metal;
Fizeram respirar um perfume de flores;
Dissiparam os odores desagradáveis.

Além do mais, com o nosso caríssimo Quirino, você nos enviou


através do servidor Erênio e pelos acólitos Lucano, Máximo e
Amâncio, o auxílio para distribuir e prover às necessidades.
Ajudando-nos pois, reciprocamente, rezando uns pelos outros e
como você disse, pedindo a Deus, ao Cristo, aos Seus anjos favo-
recerem-nos em tudo.
Desejamos, senhor irmão que você passe sempre bem, e que se
lembre de nós.
São Cipriano, um cristão africano 79
Saúde a todos aqueles que estão com você.
Todos os que estão conosco o amam, o saúdam e desejam vê-lo.
Resposta do segundo grupo de mártires55
A
Cipriano
De seu colega Lúcio e todos os irmãos que estão com ele.
Saudações no Senhor
Nós estávamos alegres e nos rejubilávamos em Deus porque Ele ti-
nha dignado-se nos armar para a luta, para nos fazer alcançar a vi-
tória, quando nos chegou, caríssimo irmão, a carta que você nos
enviou pelo servidor Ereniano e os acólitos Lucano, Máximo e
Amâncio; ela tem sido para nós:
um alívio ao peso das nossas correntes,
um consolo na nossa tribulação,
um socorro nas nossas necessidades.

Ao lê-la nós nos sentimos elevados e repletos de um novo vigor


para suportar, se for preciso , os novos sofrimentos.
Isto porque antes de sofrer as provações, nós fomos incitados por
você à luta gloriosa, quando você nos precedeu na confissão do
nome do Cristo.
Tendo seguido seus passos, nós esperamos a mesma glória.
Aquele que é o primeiro na marcha, é também o primeiro em valor.
Você partindo primeiro, nos tem feito participar do que você come-
çou a conquistar por se desejo (prova da indissolúvel afeição que
nos tem sustentado sempre) de que aqueles que não tem sido se-
não um espírito na união da paz, vejam sua confissão, atribuída às
nossas preces, igualmente coroadas.
Para você, caríssimo irmão, a corôa da confissão acrescenta-se à
das boas obras, das quais Deus lhe dará abundante medida no dia
da ressurreição.

55
Íntegra da Carta 78
Edison Carneiro

Sua palavra tem completado o que falta à nossa preparação, nos


tem dado uma força nova para suportar os sofrimentos, certos do-
ravante da recompensa celeste, da corôa de martírio e do reino de
Deus, conforme a profecia que, pleno do Espírito Santo, você fez
em sua carta.
Tudo isso acontecerá, caríssimo, se você pensar em nós nas suas
preces. Estamos certos de que você o faz, assim como nós tam-
bém o fazemos.
Nós recebemos, irmão bem amado, o que você nos enviou da par-
te de Quirino e de sua parte, sua oferta toda pura e caridosa.
Do mesmo modo que Noé ofereceu um sacrifício a Deus e Deus
achou seu odor agradável e o olhou favoravelmente, assim tam-
bém ele olha favoravelmente o seu sacrifício e se alegra em dar-lhe
a recompensa dessa boa ação.
Eu lhe peço por favor transmitir a Quirino a carta que escrevemos.
Desejo muito, caríssimo e amado irmão, que passe sempre bem e
que se lembre de nós.
Saúde a todos aqueles que estão com você.
Valei!
Resposta do terceiro grupo de mártires56
Ao caríssimo e muito amado Cipriano
De Felício, Jáder, Poliano, ao mesmo tempo que os "cristãos expe-
rimentados" e aqueles que estão conosco na mina de Sigus.
Saudações eternas no Senhor:
Por nossa vez nós saudamos você, caríssimo irmão, por in-
termédio do servidor Ereniano e de nossos irmãos Lucano e
Máximo.
Nós estamos fortes e com boa saúde graças às suas preces.
Eles nos entregaram a oferta pecuniária que você nos enviou com
sua carta, onde você houve por bem encorajar-nos como seus fi-
lhos, com suas palavras verdadeiramente celestes.
Graças a Deus Pai Todo Poderoso, estamos rendidos e nos rende-
56
INTEGRA DA CARTA 79
São Cipriano, um cristão africano 81
mos ao seu Cristo, que nos tem também fortalecido e confortado,
através de suas palavras e seu bom coração, ao pensar em nós
em preces constantes, afim de que Deus complete a confissão com
a qual Ele dignou-se honrar-nos, a você e a nós.
Saúde a todos os que habitam com você.
Nós desejamos, caríssimo irmão, que você passe sempre bem no
Senhor.
Eu Felício escrevi, eu Jáder assinei, eu Poliano li.
Eu saúdo meu senhor Eutiquiano.
Edison Carneiro

Últimas Cartas
No capítulo que ora se inicia coletamos as últimas cartas de Cipriano, alguns tex-
tos que falam de seu julgamento e morte, bem como texto de Domingos Lacordai-
re que nos dá uma perspectiva histórica do cristão.
Após um ano aproximadamente do exílio de Cipriano em Curu-
bis, novo procônsul assumiu a província da África, Gallerius
Máximo, no lugar de Paternus.
Concomitantemente o Imperador Valeriano encaminhou mensa-
gem ao senado determinando que “protetores”, “cristão experi-
mentados” e “servidores”, enfim que todos os que tivessem parti-
cipação ativa nos “grupos cristão” deveriam ser mortos.
O procônsul estando em Utique, cidade localizada perto de Car-
tago, convoca Cipriano.
Cipriano recusa apresentar-se em Utique, fugindo de Curubis e
refugiando-se em local seguro, preferindo que seu martírio se dê
em Cartago, onde alcançaria maior repercussão
Desta vez, ao contrário do que havia decidido em 252 na perse-
guição de Décio, quando sua orientação era essencial para a
continuidade do movimento, Cipriano considera que deva subir
ao martírio para dar testemunho,
Deste esconderijo escreve sua última carta (carta 81) despe-
dindo-se dos irmãos e dando suas últimas instruções.
Preparo para a luta57
Comentário do Organizador
Do exílio Cipriano envia um mensageiro a Roma para ter mais in-
formações sobre a perseguição que está sendo desencadeada
pelo Imperador Valeriano.
Na luta espiritual que se avizinha, a mente deve estar preparada
fixando-se no bem e na imortalidade.
Texto de Cipriano
De Cipriano
A Sucessus, seu irmão

57
'Íntegra da carta 80
São Cipriano, um cristão africano 83
Saudações:
Não escrevi mais cedo, caríssimo irmão, porque todos os encarre-
gados das igrejas, por força da luta sustentada, foram obrigados a
permanecer aqui, mantendo-se alertas na generosidade de seu co-
ração, para a conquista da corôa celeste.
Eis que regressou agora aquele que eu enviei a Roma para saber
ao certo o conteúdo do re-escrito referente a nós, e nos relatar a
verdade.
Circulam, de fato, muitos rumores incertos e contraditórios.
Eis o que é certo:
Valeriano em um re-escrito ao Senado ordenou que:
● Os “protetores”, "cristãos experimentados" e “servidores” sejam
executados no campo;
● Os senadores, pessoas de qualidade, cavalheiros romanos, se-
jam privados de sua dignidade e de seus bens. E se continua-
rem, apesar disso, a se dizerem cristãos sejam mortos;
● As matronas sejam despojadas de seus bens e enviadas ao exí-
lio;
● Os cesarianos58 que anteriormente confessaram o Cristo ou que
o confessem agora tenham seus bens confiscados e sejam leva-
dos a ferros aos domínios das possessões de César.
● Em seu re-escrito o imperador juntou uma cópia da carta que es-
creveu a nosso respeito aos governadores das províncias.
Esperamos ver esta carta chegar, dia após dia, de cabeça erguida,
firmes na fé, prontos a sofrer, esperando da bondade misericordio-
sa do Senhor a corôa da vida eterna.
Vocês devem saber que Sixto foi executado em um cemitério no
dia 6 de agosto e, com ele, quatro diáconos.
Os prefeitos em Roma estendem dia a dia a perseguição, execu-
tando os acusados e confiscando seus bens.
Peço a vocês que levem estas notícias ao conhecimento de nossos
outros colegas, para que, em toda parte, as exortações possam

58
Partidário de César
Edison Carneiro

sustentar nossos irmãos e prepará-los para a luta espiritual.


Que cada um dos nossos
Pense menos na morte
E mais na imortalidade.
Que todos se consagrem a Deus
Com plena fé e toda virtude.
Que tenham mais alegria
Do que temor;
Que saibam,
Na hora da confissão,
Que os soldados de Deus e do Cristo
Não são assassinados,
Mas coroados.
Eu desejo, caríssimos irmãos, que vocês passem sempre bem em
Nosso Senhor.
Valei!
Despedidas59
Comentário do Organizador
Esta é a última carta de Cipriano: comunica sua decisão de mor-
rer em Cartago, sua cidade, junto ao seu amado “grupo cristão”;
deseja também que sua morte possa servir à maior divulgação
do cristianismo. Solicita a todos calma e não se entreguem es-
pontaneamente às autoridades romanas. Ao fim faz breve prece
pela segurança de todos que permanecerão na carne.
Texto de Cipriano
De Cipriano

Aos "cristãos experimentados", Servidores e Todo o Povo.


Saudações:
Eu soube, meus caríssimos irmãos, que os frumentários 60 foram
59
Integra da Carta 81
60
Espiões que o exército romano utilizava para localizar víveres quando se
deslocava em suas campanhas e depois foram utilizados para localizar cristãos.
São Cipriano, um cristão africano 85
enviados para conduzir-me a Utique.
Em razão disto, amigos muito queridos deram-me o conselho de
afastar-me por algum tempo de meus jardins.
Eu consenti; havia no conselho um motivo legitimo: convinha que
fosse na cidade onde está a cabeça dos "grupos cristãos" que um
“protetor” confessasse o Senhor 61 e assim o clamor da confissão do
preposto esclarecesse todo o povo.
Se no momento de sua confissão um “protetor” fala sob inspiração
de Deus, fala em nome de todo o povo.
De outro lado, seria motivo de elevada honra para nosso "grupo
cristão" tão glorioso, se em Utique, eu, “protetor” de um outro "gru-
po cristão", recebesse a sentença do martírio e partisse desta cida-
de em direção ao Senhor.
Porém é junto a vocês que eu devo confessar o Senhor e subir ao
martírio.
É junto de vocês que eu devo partir para o Senhor 62.
Eu não cesso de pedir ao Senhor por mim e por vocês em minhas
preces: é meu dever.
Eu espero o Senhor com todo o meu coração.
Estamos aguardando em um lugar seguro que o procônsul volte a
Cartago.
Sabemos que os imperadores romanos o enviaram por causa dos
cristãos, tanto “protetores” quanto “participantes”.
Diremos o que o Senhor quiser que seja dito, quando o momento
chegar.
Quanto a vocês, caríssimos irmãos, permaneçam calmos e tranqui-
los, de acordo com a disciplina evangélica e com os ensinamentos
que eu tenho dado tantas vezes.
Que nenhum de vocês faça tumultos ou entregue-se, por si mes-
mo, aos pagãos.
É quando se está detido, entregue aos juízes, que é necessário fa -
61
Assumisse publicamente a condição de cristão.
62
Cipriano quer morrer em Cartago,
Edison Carneiro

lar, pois será neste momento que o Senhor falará em nós, pedindo
muito mais uma confissão de fé do que declarações.
Quanto ao que convém fazer ainda, antes que o procônsul me sen-
tencie por eu confessar o nome de Deus, decidiremos no momento
certo, segundo a inspiração do Senhor.
Que o Senhor Jesus, caríssimos irmãos, permita que vocês perma-
neçam sãos e salvos no seu "grupo cristão", e que Ele digne-se a
conservar a todos.
O julgamento dos homens e a libertação
pelo Senhor
Sabendo que o procônsul havia voltado a Cartago, Cipriano re-
torna a cidade.
A 13 de setembro, dois oficiais e alguns soldados prenderam-no,
conduzindo-o num carro ao Campo VI, onde o procônsul compa-
receu pessoalmente, porém protelando o assunto para o dia se-
guinte.
Cipriano passou a noite na casa de um dos oficiais.
Alguns cristãos da cidade acorreram ao local e passaram a noite
diante da porta.
No dia seguinte foi conduzido ao Átrio Sauciolo, introduzido
numa sala de audiências.
Estava coberto de suor. Um soldado ex-cristão lhe ofereceu uma
roupa seca, com a intenção de guardar as do mártir como relí-
quia.
Cipriano recusou, dizendo-lhe:
- Quer cuidar-se de males que sem dúvida desaparecerão antes
do fim do dia.
A audiência com o procônsul foi rápida:
Gallerius:
-Você está bem, Tácio Cipriano?
Cipriano:
-Sim, estou.
São Cipriano, um cristão africano 87
Galerius:
- É você o “pai” da seita sacrílega?
Cipriano
- Eu sou.
Galerius
- Os santíssimos imperadores ordenam a você que sacrifique aos
deuses.
Cipriano:
- Eu não o farei.
Galerius:
- Reflita!
Cipriano:
- Faça o que está prescrito. Em coisa assim tão justa não há o
que refletir.
A seguir o procônsul Galério Máximo pronunciou a sentença nes-
tes termos:
- Há longo tempo que você vive em sacrilégio. Você corrompeu
muitos do povo para a sua conspiração criminosa, e se fez inimi-
go dos deuses e da religião de Roma. Os piedosos e santíssimos
imperadores Valeriano e Galiano, Augustos e o muito nobre Cé-
sar Valeriano não puderam reconduzi-lo à religião romana. Es-
tando convicto de ser o autor e fautor, em primeiro grau, de gran-
des crimes, você servirá de exemplo àqueles que se tem associ-
ado às suas faltas: o seu sangue ensinará aos outros a respeita-
rem as leis63.
E assinando a sentença escrita numa tabuinha:
- Tácio Cipriano é condenado a perecer pelo gládio.
Cipriano disse apenas:
- Deus seja bendito.
Após o julgamento, alguns gritaram:
63
Realmente Cipriano serviu de exemplo, e o seu sangue ensinou a muitos
respeitarem as leis de Deus.
Edison Carneiro

- Que nos decapitem com ele!


Puseram-se então a caminho do lugar da execução.
Na multidão seguiam pagãos e cristãos vigiados por soldados;
centuriões e tribunos completavam o cortejo.
O local da execução era rodeado de árvores, curiosos subiram
nelas para ver melhor.
Quando chegaram, Cipriano despiu o manto, ajoelhou-se, fez
uma prece, despiu a túnica, vendou os próprios olhos.
Alguns irmãos corajosos recolheram suas roupas, amarraram-lhe
as mangas e estenderam panos na relva para recolherem seu
sangue e despojos.
Vestido apenas com uma túnica de linho, Cipriano recebeu o gol-
pe fatal.
Como era proibido sepultar os cristãos, irmãos caridosos oculta-
ram seus despojos durante o dia, e à noite o sepultaram num ter-
reno do procurador Macróleo Candidiano, nas imediações da es-
trada Mapaliense.
São Cipriano, um cristão africano 89

A resposta
Texto do Organizador
Domingos Lacordaire, é destacado pregador cristão, encarnado
na França no século 19 e um dos espíritos que colaboraram na
redação do Evangelho Segundo o Espiritismo codificado por Al-
lan Kardec. O texto a seguir é parte de uma conferência pronun-
ciada em Tours na França transcrito a seguir por fornecer uma
interessante definição da presença cristã na história.
Texto de Domingos Lacordaire
Eu me pergunto se a virtude existe sobre a terra, se o coração hu-
mano é capaz de:
Uma prudência que abrace os interesses da humanidade;
Uma justiça que dê a cada um o que lhe é devido na ordem dos
bens sensíveis e dos bens da alma;
Uma temperança que sujeite o corpo à lei do espírito;
Uma força que chegue a dar, a sua vida pelo direito e pela verda-
de.
Eu me pergunto se há homens que procurem Deus como o fim de
sua existência passageira, como o princípio certo de sua felicidade
e perfeição
Eu me pergunto acima de tudo se há homens que amem Deus,
não digo como nós amamos os homens, mas como nós amamos
as mais vis criaturas: um cavalo, um cachorro, o ar, a água, a luz e
o calor.
Eu me pergunto estas coisas, a mim primeiro, a vocês a seguir, e
eu espero a minha resposta e a sua com um terror que deve decidir
a minha vida.
Eu escuto bocas audaciosas dizerem-me que a virtude é apenas
uma palavra.
Eu escuto de um lado a outro da história o protesto dos céticos, o
sarcasmo dos egoístas, o riso dos debochados, a alegria das fortu-
nas adquiridas através do sangue e do suor dos outros, o grito
queixoso dos corações que não esperam mais, e sozinho no alto
destes raciocínios que me levaram a ideia do verdadeiro, do bem,
Edison Carneiro

do justo, do santo, olhar posto sobre o que eu chamei minha alma,


eu espero uma palavra que me precipite ou me fortaleça para sem-
pre.
Quem a dirá para mim?
Eu a direi a vocês.
Vocês procuram o homem justo, o homem forte, o homem santo, o
homem que ama a Deus...
Eu o conheço e vou dizer-lhes o seu nome.
Há dezoito séculos Nero reinava sobre o mundo.
Herdeiro dos crimes que o precederam sobre o trono, ele teve a
audácia de ultrapassá-los e de se fazer um nome que nenhum dos
seus antecessores poderia igualar.
Ele o conseguiu.
Um dia conduziram-lhe em seu palácio um homem que estava
acorrentado e que ele desejava ver.
Este homem era estrangeiro.
Roma não o havia alimentado e a Grécia ignorava seu berço.
Entretanto, interrogado pelo imperador ele respondeu como um ro-
mano de outra raça que aquela dos Fábios e dos Scipiões.
Respondeu com uma liberdade mais grave, uma simplicidade mais
elevada, eu não sei quê de aberto e de profundo, que surpreendeu
César.
Escutando-o os cortesões falavam-se em voz baixa, e os fragmen-
tos da tribuna ressoaram no silêncio do fórum.
Desde que as correntes deste homem foram quebradas, ele per-
correu o mundo.
Atenas o recebeu e o convocou para conservar os restos do Pórti-
co e da Academia.
O Egito o viu passar aos pés de seus templos, onde ele recusou
consultar a sua sabedoria.
O Oriente o conheceu, e todos os mares o levaram.
Ele veio sentar-se às praias da Armória, após ter vagado nas flo-
restas da. Gália, e as costas da Grã-Bretanha acolheram-no como
São Cipriano, um cristão africano 91
um hóspede que esperavam.
Quando os navios do Ocidente, nas barreiras do Atlântico, abriram
caminhos para os mundos novos, ele aí se lançou tão rápido quan-
to eles, como se nenhuma terra, nenhum rio, nenhuma montanha,
nenhum deserto devesse escapar ao ardor de seu percurso e ao
império de sua palavra.
Ele falava, e a mesma liberdade que ele manifestou frente ao Capi-
tólio subjugado, ele manifestou frente ao universo.
Viajante por minha vez pelo mistério da vida, eu encontrei este ho-
mem.
Ele trazia em seu rosto as cicatrizes do martírio; mas nem o sangue
vertido, nem o curso dos séculos haviam lhe tirado a juventude do
corpo e a virgindade da alma.
Eu o vi, eu o amei.
Ele falou-me da virtude, e eu acreditei na sua palavra.
Seu sopro vertia em mim a luz, a paz, a afeição, a honra, eu não
sei quais premissas de imortalidade, que me desapegavam de mim
mesmo.
E enfim, eu soube, amando este homem, que podíamos amar a
Deus, e que Ele era amado de fato.
Eu estendi minha mão a meu benfeitor e perguntei-lhe seu nome.
Ele respondeu-me como havia feito a César:
-Eu sou cristão.
Prece de Encerramento
Nós te agradecemos, amado e doce Jesus, o carinho com que
tens alimentado nossas almas.
Especialmente, beijamos as suas mãos pelos cristãos valorosos
que envias a Terra para que nossas almas sejam fortalecidas na
fé e nas boas obras.
Em particular, rendemos graças por teu servidor Cipriano, que
iluminou a África com sua inteligência e devotamento.
Que possamos seguir as pegadas desses seus servidores maio-
Edison Carneiro

res, honrando seu sangue, vivendo suas virtudes, e ensinando


sua fé.
Que assim seja.

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