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CAPÍTULO 6 A oposição

Samantha Viz Q

*Este artigo faz parte das reflexõe


de Popular ao Pinochetismo, finan
ço a Eric Assis dos Santos, bolsist
a Danilo Moreira, Elisa Campos
chilenos.
••Professora adjunta de História
Fluminense e pesquisadora do Núcle
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reformas,** pois ao mesmo tempo que pressiona pela sua realização é tam- O
bém resultado das mudanças desencadeadas por ela.
As principais críticas ao sistema universitário eram: o caráter elitista dos As mudanças propostas e
estudantes; a estrutura administrativa oligárquica; a tendência à profissio- tudantil secundarista e un
nalização sem que houvesse preocupação com currículos, métodos e o pouco guiram manter o protago
investimento em pesquisas; a falta de coordenação entre as universidades, democrático permitiu amp
que implicava a duplicação de esforços sem um planejamento conjunto; e a estudantil; por sua vez, tal
incapacidade de dar conta do desenvolvimento e das mudanças sociais.**
Garreton e Martinez apontam que a reforma universitária teve duas fa-
ses. A primeira, o chamado ocorre entre 1960 e 1966,
dependendo da universidade.*' Nesse momento, as universidades experi-
Comumente, o movim
mentavam u m processo parcial de modernização. A segunda etapa é o
dos pesquisadores. Nesse
e também varia de acordo com a
tão abundantes quanto as
universidade, podendo ser de 1965 a 1967 ou de 1966 a 1968.*'
porém, de uma característi
As reformas atingiram todas as universidades do país de maneira dife- traço que podemos identi
renciada. C o n t u d o , daremos ênfase a seu impacto na Universidade Católi- avaliação de Flores isso oc
ca, especialmente no que diz respeito à ação do movimento estudantil.*"
A Universidade Católica é uma das mais antigas do Chile, fundada em
2 1 de junho de 1888. A sua criação pode ser vista como uma resposta ao Entretanto, como defende
processo de laicização do Estado chileno.*' Extremamente conservadora**
e estreitamente ligada ao Vaticano, até o final dos anos 1960 seus reitores
eram sacerdotes com nomes confirmados diretamente pelo papa. Esse qua- O movimento secundari
dro só f o i alterado pela Reforma Universitária do período aqui estudado.** as primeiras notícias de su
Para Garreton e Martinez, a expansão universitária dos anos 1950 e início trutura mais organizada de
dos 1960 não significou a superação das características fortemente conser- A Federación de Estudi
vadoras da instituição. O que ainda, segundo os mesmos autores, explica o da em 1948, após inúmer
caráter fortemente geracional e radical do movimento estudantil de 1967 e em 1949, o governo de Ga
o aparecimento do gremialismo logo em seguida.** cionamento dos centros de
N a universidade caracterizada como a mais conservadora ocorrerá o auge dos liceus industriais, técn
da radicalização do movimento estudantil no processo de reforma universitá- organizações. E a participa
ria, com a ocupação da instituição em 11 de agosto de 1967. A o mesmo tem- vos do que outros. Essa divi
po, e refletindo as próprias disputas e contradições internas da sociedade chilena, forte em u m e outro liceu. I
surgirá o gremialismo, força extremamente conservadora, e a Ação Popular mas lideranças de ambos o
Unificada (MAPU), que se integrará à UP, e o Movimento 11 de Agosto.** pliar o quadro de atuação.

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As primeiras reivindicações da FESES diziam respeito unicamente às A ocupação do prédio cent


questões escolares, como tarifa especial para estudantes nos meios de trans- C U T e dos estudantes de outr
portes, bolsas, criação de uma universidade técnica e mudanças no currículo. despertou também u m forte m
N o entanto, a exemplo de outros grupos, a partir dos anos 1950 e, espe- da Universidade qualificou a o
cialmente, nos anos 1960, o movimento secundarista começou a radicalizar. nal de u m
A esquerda assumiu a direção do movimento e os alunos secundaristas co- As informações falsas publica
meçaram a organizar greves e manifestações nas ruas. dantil a estender uma faixa n
Nesse período a FESES contava com militantes maioritariamente o r i u n - El Mercúrio
dos dos partidos Democrata Cristão, Socialista, Radical e Comunista; o Para as lideranças da FEU
primeiro d o m i n o u as principais organizações até 1968, quando perdeu a Sem dúvida, as manifestaçõ
FEUC para os gremialistas e a E E C H para os grupos de esquerdas. vitoriosas, pois, n u m balanço
Por sua vez, a FEUC foi fundada em 1939, e até o final da década de 1950 ciando em dezembro de 1967
os presidentes da organização estiveram ligados ao conservadorismo. O ce- mocratização da instituição, co
nário só mudou em 1959, quando f o i eleito Fernando M u n i t a , u m estudante nas escolhas dos dirigentes, p
de agronomia simpatizante da Democracia Cristã. A partir de M u n i t a , N o entanto, em outubro de
elegeram Ernesto Illanes o no
marca a chegada do gremialis
movimento estudantil na U C .
O gremialismo, o r i u n d o da
ca, tinha em Jaime Guzmán,
principal liderança. C o m o m o
ganizar a partir de 1965, qu
C o m a vitória da Democracia Cristã, em FEUC aprofundou ain- dantil de direito.
da mais os debates traduzidos nos lemas Segundo D u r r u t i , podemos
e Essa visão é corrobo-
rada por Garretón e Martinez, para quem a FEUC desde sua criação estava Em sua Declaración de Pr
voltada para as atividades internas e, somente com o crescimento da juven- afirmava:
tude democrata-cristã c seu processo de radicalização, conseguiu se abrir.*"
Em maio de 1967, pela primeira vez em sua história, os estudantes da
Universidade Católica paralisaram suas atividades por 24 horas. Era o iní-
cio de uma série de manifestações que culminariam com a ocupação da
universidade em 11 de agosto de 1967. Era o " m a i o de 1968" chileno ocor-
rendo com quase u m ano de antecedência ao francês.
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Ainda na Declaração: De qualquer maneira,


ção de uma geração de j
sem dúvida alguma, grand
a porta de entrada para
visto sempre como u m m
nas uma representação, a
estudantil também aprese
ças ficarão ainda mais vis
O movimento se expandiu para a Universidade Católica de Valparaíso e
a Universidad de Concepción. Dentre outros fatores, Huneeus atribui esse
crescimento à presença de Guzmán no programa
AS CONSERVADORAS FA
que ia ao ar com grande audiência no canal de T V da Universidade Católica.**
N a análise da própria FEUC, no documento que "conta a sua história",
Em 5 de setembro de 19
o declínio da Democracia Cristã e a ascensão do gremialismo podem ser
Popular, Salvador Allende
explicados pelo esgotamento do discurso, que perdeu de vista seus objetivos
dos balcões da E E C H . " O
e se afastou progressivamente dos estudantes e seus interesses, a radicalização
começou a militar nas fileir
das posições e a "ideologização", que afastou os alunos que não tinham
à presidência, encontrou n
interesse nos temas extrauniversitários.*'
que aos 62 anos represent
Garretón e Martinez apontam em direção semelhante à análise anterior.
Ao longo dos seus três
Para eles, a partir de 1968 já não é mais possível falar em um movimento
destinados à juventude —
estudantil como uma realidade, pois a direção havia se afastado da base.*'
mundo — em muitas das s
Isso ocorreu em função de dois motivos: a concretização institucional da
gostaria de destacar o pro
Reforma já não atrai mais a massa estudantil e a radicalização dos dirigentes.'"
posse, em 5 de novembro
N a primeira carta aberta ao reitor e estudantes da U C , Hernán Larraín,
primeiro presidente gremialista da FEUC, mostrava a mudança de tom na
instituição ao convocar todos a "defender la libertad sin postular ninguna
ideologia política, perso cerrándole el paso al marxismo totalitário"."
Apesar da ocupação da Universidade Católica ser o grande símbolo da
ação do m o v i m e n t o estudantil no âmbito da reforma educacional, Valle
defende que:
A se encaixava perfeit
tação política que já se en
no democrata-cristão, bem
teria pela frente. Afinal, a p
cado na eleição presidenci

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votos deixavam nítido que seria necessário despertar "corações e mentes" As mudanças seriam result
para o projeto da " v i a chilena ao socialismo". indicados pelo governo, mas
Em dezembro de 1972, em Guadalajara, México, Allende discursou na ções de professores, trabalha
universidade e afirmou que "ser Como afirma Luiz Antônio
C o n t u d o , como veremos, será de parcelas da alterações na estrutura herda
juventude chilena que sairá uma grande força de oposição ao projeto da UP. concentraram-se na ampliaçã
Para isso, continuaremos dando ênfase às questões educacionais. N o caso do sistema"." Entre 1970 e
da UP, ao projeto da Escuela Nacional Unificada (ENU). que remetiam à reforma de 19
N o programa de governo assinado em 17 de dezembro de 1969 pelos começou a ser discutida, e a
partidos Socialista, Comunista, Radical, Social-Democrata e os movimen- Em 30 de janeiro de 1973,
tos Ação Popular Unificada e Ação Popular Independente (API), a UP afir- apresentado pelo governo ao
mava que as necessidades da população em termos de educação e saúde senvolvimento da proposta de
não eram suficientemente atendidas." O programa da UP previa: Allende em 1971, ano em que
de Trabajadores de la Educac
a) Sistema educacional democrático, único e planificado: promoção da f o i publicado em fevereiro n
melhoria geral das condições de ensino, com treinamento de profes- de mais de 100 m i l exemplar
sores, bolsas, construção de escolas, inclusive de jardins de infância; nistro da Educação na época
incentivo à participação ativa e crítica dos estudantes em todo o proces- gação do participou de divers
so educacional; combate ao analfabetismo por meio de uma ampla e meios de comunicação para
campanha nacional de mobilização; incentivo à educação de adultos O tinha apenas 15 página
a partir dos próprios centros de trabalho; integração das instituições primeira. U m Sistema Nacional
privadas de ensino, especialmente daquelas que selecionavam os alunos dade de Transição ao Socialis
por razões de classe, origem social ou religião, aos cuidados do Estado; posta. A segunda, a seção de
b) Educação Física: prática de atividades desportistas desde os níveis caracterização da E N U em 10 i
básicos da educação até nas organizações sociais de jovens e adultos; crática, pluralista, produtiva, i
c) Democracia, autonomia e orientação da universidade: neste item a lógica, humanista e planificada.
UP assegurava que o Estado forneceria os recursos suficientes para da E N U dividida entre educaç
manutenção e desenvolvimento das universidades e daria respaldo ao politécnica. Sexta seção, defi
processo da reforma universitária. Por o u t r o lado, a reorientação das quisitos para o seu desenvolvi
funções académicas de docência, investigação e extensão em função N o início do na seção U
dos problemas nacionais seria incentivada pelas realizações da UP. Permanente em uma Sociedad
Outra preocupação dizia respeito à admissão de filhos de trabalhado- justificativa e perspectiva da E
res e pessoas já adultas nas universidades."

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N o âmbito interno, convo


saber como o corpo disce
organizaram trabalhos polí
tros de alunos e também e
A primeira manifestação
de março de 1973. Trata-s
Leturia, que f o i publicado
Iván Nunez Prieto defende três hipóteses sobre a E N U . A primeira, a de
Sendo assim, a
que ela seria o auge de uma antiga corrente chilena de pensamento e de po-
FEUC convocou todos os
lítica educativa. A segunda, a de que a E N U foi uma das expressões culturais
os mais ligados à educaçã
nacionais de novas utopias que, nos anos 1960 e 1970, se desenvolveram em
finir a liberdade educacion
escala internacional, ao mesmo tempo que foi uma resposta à "crise mundial
da educação". A terceira hipótese apresenta a ideia de que, ainda que atacada
nos anos da UP e desprezada pela ditadura pinochetista, boa parte dos seus
componentes foram efetivados nas três décadas seguintes à sua proposta."
A E N U gerou grandes desconfianças entre os setores de oposição ao
governo, que passaram a direcionar ataques viscerais ao projeto. Para al-
guns autores, entre os quais me incluo, a E N U f o i u m ponto forte para o
golpe de 11 de setembro, pois uniu a oposição e acirrou ainda mais os âni-
mos contra a UP.
As críticas e resistências levaram a novos debates, que ocorreram duran-
te toda a primeira metade de 1973. Em 11 de abril, por exemplo, ocorreu
uma reunião no Ministério de Defesa Nacional, com a presença do minis-
t r o da Educação e de oficiais das Eorças Armadas, na qual houve um aberto
debate sobre as mudanças propostas no Nele, todos os oficiais pre-
sentes se manifestaram contrários à E N U . A primeira declaração d
C o m o vimos na seção anterior, o gremialismo chegou à direção da FEUC da E N U seria tratado pelo
em 1968 e nela permaneceria até abril de 1985, quando, nas primeiras elei- ca. Além disso, já encontra
ções universais, o movimento conservador f o i derrotado com a eleição do para o golpe de 11 de sete
democrata-cristão Tomás Jocelyn-Holt. Nesse sentido, a FEUC tornou-se
um regime totalitário, a pe
um foco de oposição à UP. O do governo gerou dentro da FEUC a
modelos copiados de outro
consigna " N o que a classificava como u m
contrário, assim, ao futuro
A ação da FEUC se deu
Seguindo o ataque às p
através de duas frentes, a saber: interna e externa à Universidade Católica.
blicou em abril de 1973 o

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