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A Batida do

Coração
Mariza Reis Raja Gabaglia
A BATIDA DO CORAÇÃO
Mariza Reis Raja Gabaglia

Copyright©Mariza Reis Raja Gabaglia, 2015

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Todos os


direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste
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1ª. edição
Impressão: Armazém das Letras
Papel Pólen Soft 80g/m2

CONTATO COM A AUTORA:


marizarraja@gmail.com

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G111b
Gabaglia, Mariza Reis Raja, 1942-
A batida do coração / Mariza Reis Raja Gabaglia. - 1. ed. - Rio de
Janeiro:
Capitolina, 2015.
95 p. : il. ; 21 cm.
Apresentaçao
ISBN 978-85-67526-20-1
1. Poesia brasileira. I. Título.
15-22627 CDD: 869.91
CDU: 821.134.3(81)-1
05/05/2015 11/05/2015
À
Renata, Roberta, Christiana e Carolina,
com amor.

“Tanto em pintura como em música e


literatura, tantas vezes o que chamam
de abstrato me parece apenas o
figurativo de uma realidade mais
delicada e mais difícil, menos
visível a olho nu.

Clarice Lispector
Jornal do Brasil – 1970
Sumário
PREFÁCIO..................................................................................................7
Digressões sobre a arte de escrever..............................................................8
DELICADAS SENSAÇÕES........................................................................9
O voo..........................................................................................................11
Menina........................................................................................................12
Andorinha..................................................................................................13
Viandanças.................................................................................................14
Alma alegre.................................................................................................15
Casca de cebola..........................................................................................16
Gaivota........................................................................................................17
Eu preciso...................................................................................................18
A batida do coração...................................................................................19
Afeto...........................................................................................................20
Aroma.........................................................................................................21
Regras.........................................................................................................22
Será que posso?..........................................................................................23
Vento...........................................................................................................24
Entrelinhas.................................................................................................25
A partida.....................................................................................................26
Sonho..........................................................................................................27
O que fazer.................................................................................................28
Lágrimas.....................................................................................................29
Por que choro?............................................................................................30
Por que me chamas assim?........................................................................31
Deixando pelo caminho............................................................................32
Reminiscência............................................................................................33
Marcas.........................................................................................................34
Cabeça quebrada........................................................................................35
Quando me perdi.......................................................................................36
Destino.......................................................................................................37
Sem resposta...............................................................................................38
O coração e os olhos..................................................................................39
As duas pontas da vida..............................................................................40
A pipa..........................................................................................................42
Ode ao Rio de Janeiro................................................................................44

5
OLHARES AO REDOR............................................................................45
Desconstrução............................................................................................47
Entrando no ritmo.....................................................................................49
Por quê?......................................................................................................50
Perda...........................................................................................................51
Menino tolo................................................................................................52
Nobre cavalheiro........................................................................................53
Cabra-cega..................................................................................................54
O garoto......................................................................................................55
João das Balas.............................................................................................56
Outra vida..................................................................................................58
Moça bonita...............................................................................................60
O segredo....................................................................................................61
Desengano..................................................................................................63
Relógio........................................................................................................64
O silêncio....................................................................................................65
O hoje.........................................................................................................66
Sai, vai.........................................................................................................67
Viver............................................................................................................68
Criança.......................................................................................................69
Tens medo?.................................................................................................70
Réquiem......................................................................................................71
Domingo....................................................................................................72
Segunda-feira.............................................................................................74
O regresso...................................................................................................75
DESEJO E PAIXÃO..................................................................................77
Desejo.........................................................................................................79
Lua alaranjada............................................................................................80
O impulso...................................................................................................81
Na eternidade da espera.............................................................................83
Alvos lençóis...............................................................................................84
Anônima.....................................................................................................85
Se me quiseres............................................................................................87
Nasceu o amor............................................................................................89
Existencial...................................................................................................90
Validando o amor.......................................................................................91
Dissonantes................................................................................................92
Semente do amor.......................................................................................93
Se me queres...............................................................................................94
Poema para Ivan.........................................................................................95
Prefácio
A combinação de gêneros em um mesmo livro coloca-o
no contexto das produções literárias contemporâneas, em que
os limites estabelecidos pelos dogmas acadêmicos vêm sendo
abolidos.

Encontramos neste pequeno livro poemas, contos breves,


prosas poéticas. Poemas sem métrica, sem rima, impressos no
papel como vieram ao mundo – frutos de uma necessidade, a
mesma de um nascituro em período expulsivo.

Com o cuidado de quem sabe transformar uma peça de


porcelana em obra de arte, a autora consegue traduzir em arte
literária o que vai dentro de si, com a mesma desenvoltura que
através de pinceladas imprime na tela de seus quadros contrastes
de claro e escuro, luz e sombra, brilho e cor. Mistura de tintas e de
palavras, formas de reproduzir em abstrato seus estados de alma.

Ivan Frias
Médico e Escritor

7
Digressões sobre a arte de escrever

Escrevo para deixar minha alma livre como uma pluma.


Escrevo para que meus olhos enxerguem como vejo o mundo.
Escrevo para quebrar as grades por mim impostas.
Escrevo para mostrar meu lado do avesso.
Escrevo para dividir a angústia que me consome com os
acontecimentos do mundo.
Escrevo para me fazer companhia em dias de solidão.
Escrevo para liberar os demônios que existem dentro de mim.
Escrevo para deixar escorrer as lágrimas e libertar a raiva
contida.
Escrevo para exorcizar meus fantasmas que por vezes me
assolam à noite.
Escrevo para esquecer meu passado sofrido, mas feliz.
Escrevo para jamais perder meus ideais de vista.
Escrevo para libertar meus amores tantas vezes represados.
Escrevo para que amanhã saibam que existi.
Escrevo para me transportar à ilha da fantasia.
Escrevo para me destravar, me divertir e ser feliz.
Escrevo para deixar a minha marca sobre o papel da vida.
Mariza Reis Raja Gabaglia

9
Mariza Reis Raja Gabaglia

O voo
Liberta de um amor prisioneiro
voo, a alma atormentada,
pacificada em desconhecida liberdade.

Bato asas, no movimento das correntes


planando, tomando fôlego, subindo,
e descendo como a gangorra da vida.

Livre do cativeiro a mim imposto,


sobrevoo escarpas fustigadas pelo vento,
a plumagem molhada, lavada de bem-aventurança.

Nas asas do destino, voo,


com a esperança de um porto seguro,
que abrigue querências e amores,
de uma navegante sem rumo.

11
A Batida do Coração

Menina
Eu quero a menina moleca pés descalços de mãos dadas
cirandando pulando corda machucada no jogo de queimado
Eu quero a menina da praia suja de areia dedos enrugados pele
e olhos cor de mel
Eu quero a menina malcriada respondona decidida no
enfrentamento da vida
Eu quero a menina sonho que voa pelos oceanos faz ninho em
árvores frondosas bebe água dos regatos e desgrenha os cabelos
ao sopro do vento
Eu quero a menina moça brejeira faceira salto brotinho boca
de carmim coração acelerado ao primeiro beijo do namorado
Eu quero renascer menina alegre feliz em rosto de mulher.

12
Mariza Reis Raja Gabaglia

Andorinha
Queria ser uma andorinha
fazer meu ninho ao pé
da figueira.

Ao som dos ventos nas


carpinas, riachos
gorgolejantes a escorrer
nas pradarias.

Beber o néctar das flores


saciar meus amores
voando até onde o sol
beija o mar ouvindo
música de Bach.

13
A Batida do Coração

Viandanças
Quero
a experiência da vida
que não vivi,
por medo de vivê-la.

Ter
mãe velha de sabedoria
das viandanças do mundo.

Ser
rica de liberdade,
pobre de ignorância,
vazia de solidão,
plena de amigos,
dona do meu querer,
descalça das desventuras,
bem-aventurada nos tropeços
das caminhadas, ao encontro
de procurada paz.

14
Mariza Reis Raja Gabaglia

Alma alegre
Alma alegre amanheceu
riso frouxo em alvos dentes
mel na boca de carmim.

Cabeça coroada de flores


perfumada de lírios-do-vale,
cercada de beija-flores.

Corpo diáfano, em fina estampa


de borboletas azuis a bater asas
saudando o novo dia.

15
A Batida do Coração

Casca de cebola
Eu queria ser uma cebola
Cada camada que sai
Uma tristeza que vai

Saem manchas, arranhões, cicatrizes


Pedaços de vida não acontecidos

Cascas secas pelo chão


Bulbo verde renascido
Vida nova acontecida.

16
Mariza Reis Raja Gabaglia

Gaivota
Queria ser uma gaivota
Voando em formação, com o vento,
Vento amigo, fora do tempo que não conta tempo

Nascendo, morrendo sem sentir


Mês, dias, horas
Apenas o vento passando.

17
A Batida do Coração

Eu preciso
Eu preciso beber de várias fontes
Para encontrar a que quero banhar-me

Preciso de vários caminhares num só


Para acertar o passo

Preciso me enrolar e desenrolar como carretel


Rodopiar como pião
Diminuir o ritmo e cair

Preciso ser muitas


Todas numa só
Olhar e ver, olhar e não ver

Preciso tropeçar, cair, levantar


Para as pernas firmar.

18
Mariza Reis Raja Gabaglia

A batida do coração
Meu coração amanheceu com uma batida de compasso
diferente.

Por vezes no ritmo de uma valsa, bolero ou rock, uma música


gostosa que levava as emoções a dançar.

Meus lábios sorriam, a imaginação fluía, como uma brisa leve a


soprar canções de amor.

A esperança bailava descompassada pela expectativa da espera.

E o imaginário, ah! este pegava fogo, como um dia quente de


verão à chegada do cavalheiro atemporal.

19
A Batida do Coração

Afeto
Com açúcar e afeto
a vida fica leve
como algodão doce, melada
como mel de abelha rainha, suave
como o cântico dos cânticos.

O afeto acaricia como pluma


beija como beija-flor, tem
sonho, magia, mistério, e
entrelaçado com o destino
transcende céu e terra.

20
Mariza Reis Raja Gabaglia

Aroma
Oh! Flor do céu. Oh! Flor cândida e pura

Cujo aroma me deleita


e cura da dor e do ardor
de uma paixão desfeita.

Oh! Flor do céu. Oh! Flor cândida e pura

Liberta um amor impossível


intransferível aniquilado
eterno prisioneiro do meu inferno.

Oh! Flor do Céu. Oh! Flor cândida e pura

Permita ao meu coração viver a


esperança de um amor cândido, puro
perfumado como sua flor.

21
A Batida do Coração

Regras
Regras, se as tenho não consigo quebrar as grades por mim
impostas, me faço prisioneira.

Sou impotente perante os acontecimentos da vida que me


chegam inesperadamente sem regras, tendo como única
solução aceitá-los.

E para que isso aconteça, preciso de iluminação, sabedoria


e propósito, para não cair no vazio do caos e poder tapar os
meus buracos internos sem angústia e depressão.

O resto é a liberdade da vida com suas mutações, e para isso


não existem regras.

22
Mariza Reis Raja Gabaglia

Será que posso?


Tece desfaz
cerze coze
borda mancha
pinta remenda.

És feliz?
Felicidade?
Quero vestir
sentir pegar
experimentar calçar.

Anda, vai!
Segura, agarra!
Pois corre como
nuvem ao vento.

Será que posso?


Consigo?
Antes que voe.

23
A Batida do Coração

Vento
Venta, vento, venta
levanta as águas do mar
pra adernar os barcos
na gangorra das ondas.

Venta, vento, venta


assovia com força
pra dar calafrio no
corpo, eriçar os pelos.

Venta, vento, venta


pra suspender a saia
da morena fogosa,
a boca encher de areia.

Venta, vento, venta


sacode, farfalha a copa
das árvores, pra caírem
as folhas secas.

Venta, vento, venta


levanta o véu, o coração
desnuda, pra mostrar que
no amor os sonhos não se
tornam realidade.

Venta, vento, venta.

24
Mariza Reis Raja Gabaglia

Entrelinhas
Chuva fina cai, o coração chora como o tempo, oprimido por
uma sensação de ansiedade, por uma expectativa em espera.

Começo, recomeço, final de um sentimento esboçado vago,


algumas vezes denso.

Ideias voláteis, combinações descombinadas, espaços não


preenchidos, palavras sem força no amanhã.

Sonhos sonhados, olhares desviados de um afeto que se


derrama e espraia por caminhos vários.

Amor sem métrica lógica movimento de ida e volta em fases da


lua, enchentes vazantes ressacas.

Por entrelinhas a agonia da vida a ser vivida.

25
A Batida do Coração

A partida
In memoriam

Amanheci com vontade de romper nosso silêncio.


Não sei o porquê.
Há tanto tempo te perdi sem saber para onde foste.
Pensando bem, talvez se deva ao fato de não faltar tantos anos
para eu completar a idade com que partiste.
A vidas se molda sozinha, tudo predestinado, estabelecido,
selado.
O destino, imponderável, trouxe as perguntas e deixou a
aceitação como resposta.
Sua ida foi muito sofrida, doída como um joelho ralado, que
arde, lateja, demora a fazer casquinha, a cicatrizar.
Depois foi tudo esmaecendo, deixando esquecido o que era
para ser esquecido, pois esquecer é tão importante como
lembrar.
Ficou o amor
O tempo que passou antes de nós continua passando sem que
possamos pará-lo.
Saudades,
Pai.

26
Mariza Reis Raja Gabaglia

Sonho
“O que é já foi o que será já existiu”

O armário era um sonho recorrente, enigmático.

Todas as noites procediam ao mesmo ritual: a porta do quarto


fechada, o disco na eletrola, a conversa prolongada.

Distinguia a voz masculina: “Fecha a porta do armário! Vai!


Fecha a porta do armário!”.
Adormecia com o arranhar da agulha no disco e acordava com
a melodia.

Sabia fazer parte daquele pedaço de vida


Mas, qual das seis peças deste xadrez me encaixava? Torre,
Bispo, Rainha, Rei, Peão ou Cavalo? Quem eram eles? O que
diziam? Seria um ritual de amor?

Pedaços de ideias como papel picado presos a um passado


nebuloso, indecifrável.

Do excesso da palavra, a fala insensata.


Chega, liberta, desata o nó, não sonha, acorda, vê, vive,
escorrega, levanta, corre, crê e alcança.

O armário recorrente estancou a vida na perplexidade do fato


obscuro.
E no escuro das lembranças perdido se foi.

27
A Batida do Coração

O que fazer
O que fazer quando o pensamento se esvai e as sensações do
corpo te puxam para a cama?
A vontade exausta foi para a boca do lixo.
O corpo destroçado das dores, separado da cabeça precisa ser
juntado, pedaço a pedaço.

Trazer o domínio do pensamento, a vontade de viver à sombra


de uma jaqueira num campo de macieiras.

28
Mariza Reis Raja Gabaglia

Lágrimas
Choro todas as lágrimas,
Por tudo o que desejei e não alcancei.
Por todos os sonhos frustrados

As metas não alcançadas


Os nãos que poderiam ser sins
Os amores que se foram, os que perdi

Pela saúde fragilizada


Pelos que quero ajudar e não posso.

Lágrimas lavam minh’alma, limpam meu coração


Para a aceitação e transformação de tudo o que
Está por vir e não sei.

29
A Batida do Coração

Por que choro?


Choro o que foi e já não é
choro o que fui e já não sou
choro os amores que já não são.

Choro o vivido que se foi


choro o sonhado já perdido
choro a tristeza que foi alegria.

Choro a mãe que foi filha


choro a noite que foi dia
choro a desesperança que foi esperança
choro a vida que já não é.

30
Mariza Reis Raja Gabaglia

Por que me chamas


assim?
Por que me chamas assim?
Mãe! Sou sua mãe?
Já não me lembro
em que estação
verão, primavera, outono ou inverno

Sei que sinto meu colo vazio


invadido de ternura

Será que fui, era ou sou mãe?


Vem aconchegar-se ao meu regaço
Dá um abraço naquela que era, foi ou será sua mãe.

31
A Batida do Coração

Deixando pelo caminho


Acordo.
Aperto no peito.
Sensação de vazio,
de uma existência perdida,
no tempo das horas vividas.

Vou deixando pelo caminho,


criança, bicicleta, patinete,
vestido rodado, laço de fita.

Da adolescente rebelde, sonhos


recheados à espera do encantado príncipe.

Infância, juventude, maternidade


desaparecidas no acaso dos dias
restando à velhice correr atrás
dos ponteiros do relógio,
na pressa de ficar mais um pouco.

32
Mariza Reis Raja Gabaglia

Reminiscência
Agasalhei-me no medo, como já me agasalhei em ti.
O que foi que encontrei? Eu mesma.
Saí da praia, a roupa úmida no corpo. Encontrei uma casa
de pedra. Pés descalços, subi os degraus. A porta entreaberta,
entrei e segurei o grito que me veio à garganta.
Onde estava?
Sentada ao piano, vestida de dama de honra do casamento da
minha irmã, eu tocava um prelúdio de Chopin. Tinha onze
anos de idade.
Em uma poltrona bergère um homem adormecido segurava
uma partitura.
Ouvi vozes, cheiro de bolo de milho e café fresco. Levantei-me
seguindo os aromas. O que foi que eu vi? A minha imagem
refletida no vidro da janela, como entrei. Olhei-me, era uma
menina.
Na cozinha encontrei uma negra de uniforme preto e avental
branco. Ela sorriu, me abraçou. Derreti-me naquele abraço.
Aconcheguei meu corpo ao seu e duas lágrimas rolaram.
Sentei para lanchar. Em pé, próximo à porta, estava um garoto.
Calças curtas, suspensório, camisa de mangas compridas,
botina e boné. Sentou-se ao meu lado, beijou-me o rosto.
Enrubescida, segurei sua mão e a apertei.
Voltei à sala. Outra vez me vi como tinha chegado, roupa de
praia úmida. Agasalhei-me no meu medo.
Virei o rosto e reencontrei o homem com sua partitura. Sentei-
me em teu colo e agasalhei-me em ti.
A partitura escorregou e lá estava o garoto vivendo uma paixão
de outono, perfumada pela primavera.

33
A Batida do Coração

Marcas
Por onde andei traços deixei
Pegadas fortes marquei
O vento não levou
A chuva não apagou
O fogo não destruiu

Quem viu não esqueceu


Do olhar que não esmaeceu
Do sorriso que continuou,
E da voz que não se calou.

Vim, cheguei, cavei, construí, machuquei, finquei

À destemperança do mundo,
A esperança plantei,
Junto à temperança.

No olho do furacão fui


Sem marcas,
Aqui as deixei.

34
Mariza Reis Raja Gabaglia

Cabeça quebrada
A cabeça quebrada
Conserto com esparadrapo
O juízo imperfeito
Passo a flanela,
Deixo-o limpinho

O coração arrítmico,
Como barquinho no oceano,
Tenta entrar no ritmo,
Desafogando a alma,
Sossegando o espírito

Tudo alinhado: cabeça, coração, emoção


Encaro a vida com convicção
Sem medo da contramão

35
A Batida do Coração

Quando me perdi
Na curva do vento me perdi
No fundo do poço me encontrei
Ao anoitecer luzes brilharam
Pela manhã trinados ouvi.

A morte me olhou e sorriu


O medo abriu sua boca, arreganhou
os dentes
No fundo do poço me escondi
À espera de alguém a ouvir meus
gemidos, entender o meu sofrer,
à vida me devolver.

36
Mariza Reis Raja Gabaglia

Destino
Cavalguei de muito longe
Muitas terras atravessei
De dourado cheguei
De dourado apeei
Botas sujas de lama
Minhas pegadas deixei.

Chão de terra batida, choça de palha


Carroça de boi mugindo
Vaca parindo
O sol a pino
E no roçado o capinado do feno.

De dourado me vesti
Morro acima cavalguei
À procura de alguém
Que comigo repartisse
A querência do bem.

Do dourado me despi
A cama refiz
De branco me deitei
E a paz reencontrei.

37
A Batida do Coração

Sem resposta
Enredada em uma teia de aranha
cheia de nós cegos perguntei
Onde estão os olhos destes nós?

A liberdade me disse: “É preciso tempo e paciência


para achá-los”.
Não acreditei, procurei, procurei, o suor gotejando,
Exaurida, adormeci.

Sonhando, sentindo o veneno da cura injetado em meu corpo.


E mais uma vez perguntei à liberdade:
Por que fazem isso comigo?

Não sei, me disse


O destino é cego e mudo.

38
Mariza Reis Raja Gabaglia

O coração e os olhos
O coração, deixou de molho
na água da esperança.
Enxaguou, quarou, secou,
botou à janela, deixou-a
aberta.

Os olhos, lavou em água


de rosas.
Piscou para a tristeza sair,
limpando a névoa do olhar
que enxerga, mas não vê.

Com o passado, passado a


limpo, no presente do hoje, viu
olhos límpidos refletirem sua imagem.
Coração cicatrizado, batendo forte
no peito, à espera do recomeço.

39
A Batida do Coração

As duas pontas da vida


“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar
na velhice a adolescência”.

Eu não ataria as duas pontas.

Pois me sentiria preso a um passado de lembranças que trariam


frustrações, amarguras, decepções e algumas alegrias.

E com a experiência e sabedoria acumulada ao longo dos


anos, não conseguiria manter o meu idealismo, tão próprio da
juventude, pois a minha inocência, há muito teria perdido.

Também não gostaria de me transformar em um velho caduco,


irresponsável e transgressor com uma volta a uma adolescência
fugaz e fictícia.

No entanto, quando paro para pensar no amor viveria


apaixonado por ele e me esqueceria de tudo o que eu disse
acima.

Aí sim, seria como um retorno àquele jovem adolescente


teimoso, que luta, tenta, falha, mas não perde a oportunidade
de viver grandes e novos amores.

E assim gritaria: “Eu te amo!” “Você me fez o homem mais feliz


do mundo!”, mesmo que fosse só naquele momento.

E quando nos encontrássemos, eu lhe entregaria uma flor


ainda em botão em meio a abraços e beijos enquanto meu
coração sorrindo espocaria como fogos de artifício.

40
Mariza Reis Raja Gabaglia

Passaria a usar melhor o tempo que tenho e não viveria no


cume da montanha, mas subiria a sua encosta à procura de
felicidade.

Andaria de mãos dadas com meu amor, descalço na areia


molhada, deixando a chuva embaçar meus óculos, até cair
extenuado de cansaço, enregelado com o coração aquecido por
aquele momento.

E a cada paixão arrefecida, não teria vergonha de chorar para


lavar a alma e recuperar as forças da dor inevitável.

Não teria medo, mesmo não conseguindo mudar a direção do


vento, de ajustar as minhas velas em direção a minha amada.

Assim a minha velhice vivida na adolescência presente, me


levaria a um futuro ausente, intocado, com as coisas belas da
vida, que foram feitas para serem sentidas.

Então, entenderia e aplaudiria a frase do grande Machado de


Assis: “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e
restaurar na velhice a adolescência”.

41
A Batida do Coração

A pipa
Adorava chegar do colégio e correr para os braços da vovó.

Era um abraço gostoso, beijos estalados e cheiro de água de


colônia Regina.

“Hoje vamos brincar de quê, minha querida?”

“Quero soltar pipa, vovó”.

“Vamos antes que sua mãe chegue, pois encasquetou que é


brincadeira de menino.”

E lá íamos nós com a pipa, zapeando para cima e para baixo,


até que ela dizia: “Vamos soltar para que, livre, ela suma na
imensidão do céu.”

Os dias passavam felizes, éramos duas crianças às gargalhadas


com nossos folguedos.

Baile de bonecas, pique-esconde, cabra-cega, amarelinha e


outros mais.

À noite, em dias de chuva e trovoadas, pulava para a sua cama e


dormíamos abraçadinhas.

Lembro do dia em que se foi, como se fosse hoje.

Olhando sua foto, aquele papel que guarda um pedaço de vida,


relembro minha inocência de criança, teimando com mamãe.

42
Mariza Reis Raja Gabaglia

“Quero escrever uma carta para a vovó, prender na rabiola da


pipa e soltar para que suba, suba, até desaparecer no céu.”

E mamãe dizia: “Querida, o céu é enorme, como ela vai


reconhecer sua cartinha?”

Teimava e chorava, afirmando que ela iria conhecer minha pipa


e responder.

“Por favor, mamãe, tente, tente.”

Assim, depois de muito bate-pé, seguiu a cartinha amarrada à


pipa.

“Querida vovó, te amo e morro de saudades. Não dá para


descer de vez em quando para brincarmos um pouquinho? Sei
que em dia de chuva e trovões, você vai ficar muito molhada e
pode escorregar. Dá um jeitinho, vê se consegue tá? Beijos da
sua neta querida.”

E lá se foi a pipa subindo, subindo até desaparecer.

Um belo dia chegou pelo correio um envelope azul cheio de


estrelinhas no meu nome.

“Amada netinha, quando quiser falar comigo, bote a mão no


coração, me sentirá e eu a ouvirei. Pois trouxe comigo um
pedaço do seu coração, e deixei com você um pedaço do meu.
Beijos da vovó que te ama.”

43
A Batida do Coração

Ode ao Rio de Janeiro


Rio “Cidade Maravilhosa coração do meu Brasil”!
Rio dos Arcos da Lapa, onde o malandro usava chapéu de
palha, sapato bicolor e terno branco.
Rio dos pagodes, samba de breque e partido alto onde o
gingado da morena deixa descompassado o coração.
Rio das feiras livres onde o artista impressionista pinta
extasiado aquela multiplicidade de tipos e cores.
Rio das pinturas dos grafiteiros nos muros da cidade.
Rio onde o carnaval, o lixo e o luxo absoluto sambam de mãos
dadas.
Rio onde a miséria e a riqueza dividem o mesmo pedaço de
chão.
Rio das invasões nos morros, do narcotráfico e do jogo do
bicho.
Rio das ameaças constantes, da miséria retumbante e da
riqueza abundante.
Rio das cenas de violência, perseguições, tiroteios entre a
polícia e traficantes, ônibus incendiados e gente morrendo no
caminho das balas.
É quando o carioca se encolhe, se amedronta, se asfixia no
medo.
Rio é verão, 40 graus, céu límpido e azul onde o coração
sem ritmo encontra a batida certa ao ouvir a sua Cidade
Maravilhosa!

44
Mariza Reis Raja Gabaglia

45
A Batida do Coração

46
Mariza Reis Raja Gabaglia

Desconstrução
“Bem está o que bem acaba”

Desconstruíram forma e conteúdo


a forma trocou de roupa
o conteúdo mudou de contexto

“Bem está o que bem acaba”

No Impressionismo
a figura perde o contorno
a sombra não tem preto no branco
a ótica ganha da técnica

“Bem está o que bem acaba”

No Fauvismo
a cor ganha força emocional
perde as qualidades descritivas
a luz é criada e não imitada

“Bem está o que bem acaba”

No Cubismo
a obra é desestruturada
o objeto geometrizado
a forma é vista de diferentes ângulos

47
A Batida do Coração

“Bem está o que bem acaba”

No Dadaísmo
vence o nonsense o conteúdo anárquico
no rompimento com a forma
e o sentido tradicional

“Bem está o que bem acaba”

No Surrealismo
a imagem perde a organização formal
expondo a verdade psicológica
com a revolução social

“Bem está o que bem acaba”

No Expressionismo
a matéria pictórica é subvertida
forma e proporções alteradas
as cores exaltadas

48
Mariza Reis Raja Gabaglia

Entrando no ritmo
Negra
saia de renda
a rodopiar.
Ao som de tambores e atabaques
no terreiro o santo baixava.

Negra
pés descalços
chita vermelha.
Na malemolência do reggae
as ancas balançava.

Negra
pernas de fora
à mostra os seios.
No batidão sincopado do funk
o sexo aflorava.

Negra
vestido longo
dançava blues.
Ao som de um clarinete chorado
no cavalheiro colava.

Negra
pastorinha, asas de borboleta.
No compasso de marcha rancho
entoava a Estrela Dalva
de Noel e Braguinha.

49
A Batida do Coração

Por quê?
Por que choras?
Por um botão de rosa
que não se abriu?

Vertes lágrimas
por um cavalheiro
de armadura?

Levanta o véu
Desvenda o mistério
de um coração fechado
que bate no peito
por um amor que não é teu

Enxuga o lamento
vaza a emoção sentida.
E receba da razão um alento

50
Mariza Reis Raja Gabaglia

Perda
Devo chorar o que perdi?
O que nunca tive?

Caminhante cansado, os pés de lama das errantes caminhadas.

A alma ressequida das folhas secas do outono em inverno


gelado de carinho.

Amor frustrado, abandonado à porta da rua, na sarjeta, à


espera de chuva forte para limpar as frestas de um coração.

51
A Batida do Coração

Menino tolo
Ah! que menino tolo és tu
sempre a criticar a ver defeitos
quando podias aproveitar melhor
o que a vida tem a oferecer-te.

Ah! que menino tolo és tu


a fantasiares o real a viveres
de sonhos, sem contemplar
a satisfação do espírito no
prazer de realizar.

Ah! que menino tolo és tu


refugias-te da vida debaixo dos livros
te escondes de que?
Porque não te mostras na
grandeza do que escreves?

52
Mariza Reis Raja Gabaglia

Nobre cavalheiro
Por onde andas
nobre cavalheiro neste
dia nublado de tímidos
raios de sol?

Foste à batalha à procura


do teu que o Império tomou?

Não te abespinhes meu nobre,


desembainha a espada, apresenta
armas, mostra o grande guerreiro
que tu és.

Acende o lume do teu candeeiro


para a luz iluminar um sábio que
luta com dignidade por um direito
seu.

53
A Batida do Coração

Cabra-cega
O destino é brincadeira de cabra-cega.
Roda, gira, tropeça, cai.
É cego, mas te acha, te conduz à brincadeira.

Pula corda, amarelinha, chicotinho queimado


chamuscou, queimou, marcou.

A gangorra sobe e desce


o balanço vai alto ao céu azul perfumado de gardênia.

No trem fantasma o esqueleto chacoalha,


gargalha, medo, coragem, noite e dia, vida,
morte.

O espelho multifacetado reflete, gorda, magra


feia, bonita, moça velha.

A vida para, passou. O destino


levou como brincadeira de cabra-cega.

54
Mariza Reis Raja Gabaglia

O garoto
Era um garoto que como eu
Amava os Beatles e os Rolling Stones

Garoto bonito triste


essência luminosa
Um dia viveu o sonho de Ícaro
e se queimou

Garoto bonito triste


queimado carne viva
vida desacreditou

Garoto bonito triste


marcado de cicatrizes
chorou não aceitou

Garoto bonito triste


um dia apaixonou
amou adoeceu
e dor curou

Garoto bonito luminoso


pião rodou
pipa soltou
gargalhou ao infinito
e na alegria confiou

Garoto bonito luminoso


um dia fez gol
sorriso aberto
em céu de lua
destino acreditou

55
A Batida do Coração

João das Balas


João das Balas, ou João do Aço como era conhecido no morro,
era um soldado valoroso a serviço do tráfico.

Trabalhava como olheiro para os traficantes e para isso


empunhava fuzil AR15 e pistola automática alemã.

Seu corpo franzino portava um cinturão de balas.

Possuía olhar duro e ao encará-lo tinha-se a sensação que seus


olhos perfuravam como aço pontiagudo.

Temido, destemido, poderoso, enfrentava a morte de frente,


mesmo sabendo que ela poderia chegar a qualquer momento.

D. Maria, sua mãe, não se conformava com esta situação e não


cansava de aconselhá-lo ouvindo sempre a mesma resposta:

– Mãe tudo o que temos dentro de casa é graças ao dinheiro do


tráfico. Quando a senhora ficou doente, o hospital e remédios
foram pagos com o dinheiro dos traficantes. Se conforma, mãe,
minha vida é uma rua sem saída, não há volta nem tempo pois
este é o espaço entre o crime e sua consequência.

E D. Maria, chorosa, dizia:

– Meu filho, ouça as palavras do pastor, quem sabe ele te


liberta.

– Ouço nada mãe, aquele é um doido que só sabe repetir: “A


vida não é partida nem chegada, a vida é caminhada”.

56
Mariza Reis Raja Gabaglia

– É preciso mudar sua vida, João.

O garoto das balas e olhos de aço ria do pastor e retrucava: “Vê


se me esquece homem! Sou um caso sem solução”.

Seus momentos de alegria eram quando agia como criança nas


brincadeiras com seu primo Gabriel, de quatro anos.

Desciam de carrinho rolimã, e as risadas do menino iam


ecoando pelas ladeiras.

Foi então que a polícia chegou sem alarde, pegando todos


desprevenidos. Ouviu-se um estampido seco e um choro de
uma criança.

O corpo de Gabriel inerte lembrava uma vela que vai vertendo


lágrimas de cera até definhar.

João do Aço desmoronou, chorava pelos cantos, os olhos


sempre vermelhos de noites mal dormidas em que sonhava
com Gabriel sorrindo e lhe entregando uma rosa branca.

Descuidou-se em um dos tiroteios e caiu baleado.

A notícia correu como um rastilho de pólvora e o primeiro a


encontrar o corpo foi o pastor que enrolou-o em um plástico e
desceu correndo com ele morro abaixo.

Nunca mais se ouviu falar nem do garoto e nem do pastor.

O que se comentava era que todo ano, no aniversário de D.


Maria, ela recebia de presente uma rosa branca.

57
A Batida do Coração

Outra vida
Chegou da ginástica correndo, tomou uma chuveirada, vestiu
jeans, camiseta, calçou o tênis e avisou às empregadas que
voltava para o almoço.
Estava atrasada, tinha hora marcada.

Pegou a bolsa, chaves do carro e deixou o celular em cima da


mesinha de cabeceira.

Dirigia a uma velocidade relativamente alta quando em um


cruzamento outro carro a fechou, dois homens saltaram,
arrancaram-na do volante e a jogaram no porta-malas,
amarrada, vendada e amordaçada.

Resolveu ficar quieta, não se debater ou gritar, fazer o jogo


deles. Para se acalmar ia repetindo mentalmente o mantra
“Sem Medo” do livro os Setenta e Dois Nomes de Deus, da
Kabalah. Começou a adotar a Kabalah aliada à meditação, uma
filosofia de vida usada pelos judeus, por ajudá-la a sentir-se
mais segura nos confrontos de seu casamento e sua vida atual.

O carro deu uma freada brusca, deixando-a meio tonta. Foi


retirada, carregada no colo e jogada em cima de uma cama.

O silêncio torturante. O ar carregado de tensão entrava pelos


seus poros fazendo-a suar, e suas roupas começaram a grudar
no corpo.
Voltou a cantar o mantra para afugentar o pânico.

58
Mariza Reis Raja Gabaglia

Foi ficando sonolenta, com câimbras. Muito tempo na mesma


posição. Foi quando ouviu um telefone tocando longe. Com
muito esforço tentou sair do torpor, escutar alguma coisa,
nada, silêncio. A prostração a dominou.

Despertou com um barulho de vozes, e escutou:

“Um milhão de reais em notas de cinquenta, sem ser em série,


nada de polícia, seu prazo expira em setenta e duas horas.
O encontro é na Rodoviária às 15 horas, no terminal de
chegada dos ônibus de S.Paulo. E eu faço a abordagem.”

Quieta, pensou que a quantia era mole de seu marido


conseguir.
Confiou na palavra do marido, pelos filhos, não por ela que
para ele há muito não valia mais nada. A agitação estava no ar
prenunciando que o dia havia chegado. Com isso seu sangue
passou a circular mais rápido e seu coração a galopar.

Entraram porta adentro e jogaram a mala em cima da cama.


Começaram a contar o dinheiro e a divisão ficou assim: metade
para eles e a outra metade para ela.

Chorou, temeu por sua vida, pois duvidou da palavra deles.

Mas o risco valeu a pena. Foi a única solução que encontrou


para ganhar a liberdade de viver uma outra vida.

59
A Batida do Coração

Moça bonita
Moça bonita, não me olhes assim.
Sei que me queres, mas não te quero assim.
Olhar vagado, represado, sonhado, à espera
dele para casar.

Amor acontecido moça, amor perdido que o


sonho da ilusão leva às terras encantadas pro
encanto se quebrar.

60
Mariza Reis Raja Gabaglia

O segredo
Era uma moça como outra qualquer.
Passava despercebida, sem sal, mas não se podia dizer que era
feia.
Estranha talvez, devido a sua timidez.
Os olhos sempre baixos, evitando qualquer confronto com
outro olhar.
O rosto, um pouco pálido com olheiras, dando a impressão de
noites mal dormidas.
As roupas pareciam sempre as mesmas, largas, compridonas,
não marcavam um traço da sua silhueta.
O que mudava era a cor, ora cinza, ora meio marrom e bege.
Sapatos pareciam masculinos, fechados, sem saltos, pretos, quer
fosse inverno ou verão.
Uma figura esquisita, apagada.
Boa funcionária, chegava pontualmente, cumprimentava os
colegas com um bom-dia quase inaudível.
Se alguém lhe dirigia a palavra ficava vermelha e,
imediatamente, abaixava a cabeça.
Encaminhava-se ao almoxarifado e começava as tarefas do dia
com seu colega.
Trocavam pouquíssimas palavras, pois o trabalho era rotineiro.
O que, para ele, era uma bênção.

61
A Batida do Coração

Tinham, em comum, a falta de tato no trato com as pessoas.


Como ela, era também um solitário, sempre olhando para o
chão.
Passava a impressão de não saber qual era a cor do céu.
Ele tinha o hábito de frequentar um inferninho em
Copacabana.
Lugar escuro, esfumaçado, fedendo a perfume barato.
Gostava de assistir às mulheres dançando seminuas.
Especialmente uma ruiva, exageradamente maquiada, pernas
longas, e seios fartos.
Uma noite, à saída do show, encontrou-a caída, sofrera uma
tentativa de assalto.
Sua bolsa estava mais adiante, no chão, junto com a peruca
vermelha.
Correu para ajudá-la a levantar-se e, encarando-a, empalideceu
ao reconhecer sua colega de trabalho.
Ela rapidamente fugiu, desaparecendo na escuridão.
O dia seguinte foi como todos os outros.
Embora tivesse tido a impressão de que ela esboçara um
sorriso.
A partir daí, era dono do seu segredo, mas nem por isso deixou
de ir ao inferninho.
Gostava da ruiva que enchia suas noites de sonhos e desejos
contidos.

62
Mariza Reis Raja Gabaglia

Desengano
A garota da cidade
andava pelos pastos
tomava banho de creolina
pra tirar os carrapatos.
Dia clareava galo cantava
vacas mugiam porcos grunhiam
a goiabada e a bala de côco
no tacho chiavam.

Chácara do Desengano
treze quartos um engano.

A garota da cidade
brincava de cabra-cega
pro escuro não enxergar.
Acordava só alegria
pros folguedos matinais
a brincar de cirandar.

Chácara do Desengano
Treze quartos um engano

63
A Batida do Coração

Relógio
O relógio marca as horas
O que faz você com elas?
Escuta o tique-taque?
Brinca com o tempo, a vida presente?

Os ponteiros desandam, correm,


Embaralham a vida que passa sem ser vivida

O tique-taque silencia.
Silencia.

64
Mariza Reis Raja Gabaglia

O silêncio
Fez-se silêncio.
Palavras não ditas
Fizeram a desdita
De uma paixão.

Do amor acalentado
A ilusão desfez.
E o coração amargurado,
Despedaçado não se refez.

65
A Batida do Coração

O hoje
Me ensina meu amor como
se vive no hoje.
Tijolo argamassa, argamassa
tijolo.
Três vigas mestras, a festa
da cumeeira.
Casa caiada de branco,
janelas pintadas de azul.
A sobra fica pro amanhã,
sonhado, fantasiado, purpurinado.
Escapado da realidade.
Mas, mais feliz que o hoje.

66
Mariza Reis Raja Gabaglia

Sai, vai
Sai, vai!
Vai sentir a vida
Que te chama lá fora
O céu está azul
O sol a queimar
Os passarinhos a voar.

67
A Batida do Coração

Viver
Viver é muito difícil
capacete, luvas, pé no acelerador
corpo como escudo

Viver é muito difícil


assalto, tiro, tombo
morte no asfalto

Viver é seguir
o compasso de uma valsa de Strauss
é entregar-se ao deleite
consumir a vida

68
Mariza Reis Raja Gabaglia

Criança
Criança, não mexe aí,
deixa de bulir,
criança mexilona.
Quer conhecer o mundo
que pra ti se inicia?

Mundo lindo de surpresas


feias belas redondo, criança,
de vida quadrada triangular
em cubos.

Não chore, criança moça mulher.


Remexe, mexe fuça escarafuncha
pra achar o sorriso da lágrima,
a beleza no lixo, a alma algemada
de preconceitos, julgamentos
no bate asas da borboleta ao encontro
do céu de arco-íris.

69
A Batida do Coração

Tens medo?
Por que tens medo sofres?
O que passa não volta
O que vem não tem domínio.

Aceita, solta o fantasma preso


ao coração angustiado.
Domina o medo escondido
no fundo do poço.
Liberta o fluir da vida.

70
Mariza Reis Raja Gabaglia

Réquiem
Seu nome não interessa, agora que partiu e deixou um vazio a
ser preenchido. Pelas recordações? Devaneios?
Palavras que têm por objetivo levá-lo mais perto daquele que
um dia foi e hoje não é.

Mas para onde foi? Para a “Terra do Nunca”, onde espaço e


tempo
não existem?

Passou. Viveu nesta Terra correndo atrás de sonhos, ideais e


felicidade.
Ah, felicidade! Será que a alcançou?
Por momentos ligeira volátil como voo de beija-flor.

De uma hora para outra partiu.


Ela chegou esbaforida. Apavorada. Não lhe dando tempo para
fazer as malas, arrumar as gavetas, pagar as contas por vencer.
Ir ao encontro marcado pedir perdão e confessar seu amor.
O que fazer sem ele? Entender? Aceitar?
Sim, aceitar. “A vida é uma situação provisória, mas com
solução permanente.”

Poder então escrever: aqui jaz um homem que viveu com


altruísmo e dignidade.

71
A Batida do Coração

Domingo
Domingo é inconstante, manhoso, modorrento, preguiçoso e
sem pressa.

Domingo é tomar café, ler o jornal na cama, se espreguiçar e


cochilar.

Domingo é churrasco em família, criança pulando corda e


amarelinha enquanto a avó não vem.

Domingo é festa de aniversário com pipoca, pirulito e guaraná.

Domingo é se espichar na areia, lagartear ao sol, deixando a


brisa levar seus pensamentos ao azul do firmamento.

Domingo é um barco sem timoneiro, navegando ao sabor das


ondas à espreita do tempo.

Domingo é não ter destino, esperar o acaso, dar vazão à razão e


segurar a emoção.

Domingo tudo pode acontecer, como prazer no lazer e lazer


sem prazer.

Domingo não tem falta de gente para namorar, conversar ou


fazer sexo.

Domingo é aguardar o porvir, as chegadas sem partidas, e


partidas sem sentido mas, sentidas

72
Mariza Reis Raja Gabaglia

Domingo o pensamento estanca, o coração se tranca


aguardando a segunda-feira.

Domingo é dia de atirar no desejo e acertar o desejado.

Domingo é dia de absolvição, da Ave-Maria e do Pai-Nosso.

Domingo é dia de perdoai-nos Senhor pelas nossas faltas.

Domingo é deixar fluir, esperar o sol se por e à noite sonhar


com o outro dia.

Domingo é colocar o coração no ritmo, soltar o imaginário


enquanto a semana não vem.

Domingo é o dia em que o tempo se encontra, se perde e se faz


de acordo com o desejo e a vontade.

Domingo é paradoxal é dia de nada e tudo é amá-lo ou odiá-lo.

73
A Batida do Coração

Segunda-feira
O sino tocou
o galo cantou
a chaleira apitou
a mãe gritou!
Perdeu o ônibus!

Correu e o pegou quando


dobrou à esquina.
Sentou à janela
desmanchou os cabelos ao vento
ajeitou e pensou:
A semana começou.

74
Mariza Reis Raja Gabaglia

O regresso
Saltou na estação e foi caminhando por uma estrada de terra
batida. Aconchegou o sobretudo surrado ao corpo e arrepiou-
se dos pés à cabeça com a chuva fina que começava a cair. Foi
quando ela se deparou com a casa dele.
Parou, pensou, e quando se aproximou da porta ouviu um
tilintar de copos e gargalhadas. Fez menção de ir embora, mas
tomou coragem e tocou a campainha.

E ele disse ao abrir a porta:

– Você! Aqui!

Foi quando um sopro de vento trouxe uma voz longe que


perguntou:

– Quem está aí?

Ele respondeu:

– Ninguém mamãe, volte a dormir, a senhora precisa descansar.

A mulher então balbuciou:

– Desculpe, não queria incomodá-lo.

– Pois já incomodou. O que você quer aqui após tantos anos?

75
A Batida do Coração

– Vim pedir sua ajuda em memória dos velhos tempos.


– Velhos tempos! Velhos tempos! Fui te procurar no dia
seguinte, arrependido e você tinha ido embora. Te dei dinheiro
para o aborto e para poder se manter, e você, me aparece aqui
vinte anos depois! Esperando o que de mim?
– Compaixão. E, como já disse, uma ajuda, em memória da
loucura que foi o nosso amor.
– Compaixão! Tá de brincadeira! Eu não tenho mais nada
para te dar! Some! Desaparece! Levei anos para me livrar do
sentimento de culpa por aquele aborto e tentando te esquecer,
mas ao mesmo tempo na esperança deste regresso. E tudo o
que você deseja é dinheiro! Não sobrou nada do nosso amor?

A mulher disse então:

– Meu amor foi enterrado junto com a humilhação que sofri.


Mas, respondendo a sua pergunta, sobrou o nosso filho que te
espera na estação.

76
Mariza Reis Raja Gabaglia

77
A Batida do Coração

78
Mariza Reis Raja Gabaglia

Desejo

Quero um amante
que me encante com um olhar fogoso
um carinho gostoso
e um beijo escaldante

Que não seja inconstante


tenha um sorriso prazeroso
um querer afetuoso
e um amor apaixonante

Não prometa o indesejado


uma saudade perdida
de um afeto almejado

E com uma palavra intuída


um desejo acarinhado

79
A Batida do Coração

Lua alaranjada
Chegaram juntos,
lua alaranjada
despontava atrás da rocha.

Mar rodopiava
largando pedaços de renda na areia.

Ela recordava o passado


de um amor finito.

Ele acalentava memórias


de vida fragmentada,
separando peças de quebra-cabeças.

Ao ver escorrer a dádiva do presente


intuitiva a lua escondeu-se,
verteu lágrimas,
despediu-se.

80
Mariza Reis Raja Gabaglia

O impulso
Ela gostava de ficar sozinha, ter um tempo para dar um
mergulho dentro de si.

Era quando tentava enfrentar seus medos, culpas, remoer os


remorsos e passar a limpo seus sonhos.

Tinha por hábito separar alegrias e tristezas, ganhos e perdas.

Repassava-os mentalmente, depois colocava-os no papel como


um balancete comercial.

Fazia seus ajustes sempre, erros e acertos, o que deixou de fazer,


e o que precisava melhorar.

Almejava uma harmonia interna e externa com o marido,


filhos, parentes, amigos e colegas de trabalho.

Procurava sempre o seu prumo, embora muitas vezes o


perdesse, tomada por impulsos que a levavam a uma decisão
precipitada.

Nestes momentos, empurrava-os para o item acerto de contas


no seu balancete.

Já há algum tempo vinha sentindo a necessidade de se isolar.


Foi quando surgiu a oportunidade com a viagem de negócios
do seu marido.

Aproveitou então, deixou as crianças com a mãe e foi para


Búzios passar o final de semana.

81
A Batida do Coração

Chegou, deixou a bagagem no quarto da pousada e foi curtir o


final da tarde caminhando na areia.

Cansada, sentou-se para curtir o adormecer do sol e não notou


quando um homem jovem sentou-se ao seu lado e sorrindo a
cumprimentou.

Respondeu, olhando-o bem dentro dos olhos encantada com o


que viu e sentiu, um desejo intenso por aquele desconhecido.

Acasalaram-se trêmulos de paixão tendo apenas o mar como


testemunha.
Ao final ficou ainda deitada por um tempo e ele foi-se de
mansinho como chegou.

No banheiro abriu o chuveiro, deixou a água escorrer pelo


corpo lavando aquela sensação de arrependimento pelo seu
impulso, mas sentindo
o prazer intenso do orgasmo que tivera com o estranho.

Enquanto se ensaboava lembrava do provérbio chinês:


“Existem três coisas na vida que não voltam atrás, a flecha
lançada, a palavra pronunciada a oportunidade perdida.”

82
Mariza Reis Raja Gabaglia

Na eternidade da espera
para Ivan

Na eternidade da espera
encontrei um homem profundo, idôneo
perspicaz que observou nossas grandes
diferenças e profundas semelhanças.

Voz aveludada, sedutora, me


chamou de parceira e eu, querido.
E na eternidade da espera
me fez menina em seu colo
me resguardou em seu abraço
me fez amante em seus braços.

Me protegeu das intempéries em seu cofre


ganhando a chave do meu coração, um
amor romântico, idílico como “eu te amo”,
de um querer para sempre, nas horas
do relógio do tempo.

83
A Batida do Coração

Alvos lençóis
Deitou-se, lençol alvo
Nuvem branca em céu azul
Cheiro de dama da noite
Noite de lua cheia

Perfume de alfazema
Em macios lençóis
Esperar tão esperado

Corpos entrelaçados
Bocas que se buscam
Na esperança de um
Amor nascente

Movimento de corpos
Enamorados que
Encontram o compasso
Em passo de dança

84
Mariza Reis Raja Gabaglia

Anônima
Eu o vejo todos os dias.
Ele nunca me vê.
Nem nas noites que dormimos juntos.

Que noite! Meu Deus! Que noite!

Caímos nos braços um do outro, como náufragos tentando


sobreviver àquela avalanche de paixão.
Literalmente bêbados, conseguimos extravasar os nossos
desejos, fazendo um amor louco, virado de pé à cabeça até,
extenuados, nada nos restar além do êxtase.
E assim ficamos.
Amassados um por cima do outro até que o torpor tomasse
conta de nossos corpos.

Na madrugada, senti um calafrio. Desvencilhei-me dele com


tremendo esforço. E levantei-me.
Fui ao banheiro, olhei-me ao espelho, vi outra persona. Feliz,
mas angustiada. Rosto que mais parecia roupa torcida.
“Conheço esta expressão! Aparece quando tenho medo de
perder alguém, ou algo me dá prazer”.

Voltei para a cama, agarrei-me a ele, que, exausto, começou a


ressonar.
Virei para o lado tentando dormir e não consegui, meu desejo
voltou tão intenso que eu mais parecia uma cadela no cio.
Comecei a acariciá-lo, despertou, veio para cima de mim como
cachorro roendo o osso.

85
A Batida do Coração

Tremendo desvario levou-nos novamente ao torpor.


Virou para o lado, apagou.
Sua respiração era tão leve, parecia um sopro. Meu cansaço era
imenso, fechei os olhos, meu corpo parecia flutuar.

Acordei no meio da tarde zonza, sem saber onde estava. Abri os


olhos pesados, aos poucos. Estava em um quarto de hotel que
exalava forte cheiro de sexo.
Procurei-o na cama, não o encontrei. Levantei, vi a toalha
molhada em cima da cadeira e o bilhete: “Este é meu número
de telefone. Ligue, deixe cair na caixa postal, diga que é
“Anônima”. Retorno, deixando mensagem com dia, hora e local
do próximo encontro.”

Cheia de culpa, forte compulsão por este estranho, aceitei


tornar-me Anônima, uma mulher só para sexo. Ao passar do
tempo foi ficando mais forte, ousado, muito prazeroso.
Certa feita, sugeriu, quando estivéssemos próximos ao êxtase
cobriria minha cabeça com saco plástico, apertaria meu
pescoço com cinto, vedando minha respiração.

Teria o maior orgasmo da minha vida.


Louca de excitação concordei.
E morri de prazer.

86
Mariza Reis Raja Gabaglia

Se me quiseres
Gostaria tanto que tu me quisesses como te
quero. Docemente, carinhosamente, que me
olhasses ternamente como à uma criança, e
visses a mulher à espera dos teus beijos.

Que me aconchegasses em teus braços,


e me fizesses sentir protegida do vento,
das tempestades, para então acordar na primavera
com cheiro de rosa e boca de carmim.

Se me quiseres então como te quero, toma


minha mão, acaricia meus cabelos, sussurra
suave em meus ouvidos a música dos enamorados.
Deita ao meu lado, aquece meu corpo e me chama de minha.
Como eu te quero. Docemente, carinhosamente.

Que me olhasses ternamente quando tu me olhas,


e vês minha criança levada e sapeca, mas
beijas a mulher.

Aconchegar-me em teus braços,


protegida do vento, da tempestade
até a primavera, para então acordar
com cheiro de rosa e boca de carmim.
Ah, como gostaria que tu me quisesses

87
A Batida do Coração

como te quero. Em meio à fúria, à raiva, ao ciúme


que me prende a ti. Alimentando o lume aceso de meu
amor por ti.

Então, se me quiseres como te quero,


toma minha mão, acaricia meus cabelos
sussurra suave aos meus ouvidos
a música que só os enamorados ouvem.
Dorme ao meu lado, aquece meu corpo,
protegendo a quem sem ti sente-se só.

88
Mariza Reis Raja Gabaglia

Nasceu o amor

O amor nasceu
ao clarão do luar
dos raios de sol
entre o rochedo e o mar

O amor nasceu
do canto dos pássaros
de guirlandas de flores
em rio correndo sobre pedras

O amor nasceu
do vento no bambuzal
em floresta virgem
à chegada do amanhecer

O amor nasceu
do ninho de andorinha
com cheiro de jasmim
em noite de primavera

Nasceu o amor
em berço de feno
escondido numa gruta
no acasalamento de paixões

89
A Batida do Coração

Existencial
Se me falas o que queres
imagina eu falar-te
o que não quero.
Se me contas teus sonhos
e os idealizas no imaginário,
por que contar-te os meus
que os realizo no existencial?

Se me fazes soberana
se me queres por um momento,
eu que te coroei rei,
e o que faço de todas as horas?
Mas se me queres o querer-te
se me queres o saber-te,
sou um ser nascituro
das entranhas de um ventre
a sugar de um seio
a vida que vim viver.

90
Mariza Reis Raja Gabaglia

Validando o amor
Na sintonia do amor que revive, palavras soltas formam frases.

Obra inacabada, projeto em construção. Mensageiros do amor,


desejos oscilam como chama bruxuleante.

Em céu de nuvens plúmbeas, relâmpagos revelam florestas,


clareiras.
Vivências misturam-se no tempo.

Passadas noites, ao dia sugerem manhãs neblinadas.


Interrogações
aguardam respostas.

Evolução, involução. Desconforto em indefinida espera.

No tempo a ampulheta esvai areia fina. O mago faz alquimia e


na roda da fortuna gira o destino.

O rio corre para o deserto, seca, vira pântano. Entrega-se ao


vento para desaguar no mar.

Os rituais do amor se repetem: bem-me-quer, mal-me-quer, e


as querências não mudam. Raízes profundas, árvores copadas
entrelaçam galhos secos, dançam sussurram uivam.

A vida escorre, a caravana passa. Aos amantes, o esgotar do


tempo ou a validação do amor.

91
A Batida do Coração

Dissonantes
Ainda me queres?
Somos tão dissonantes.
Acordas ao raiar do sol
eu com a suave luz do luar.

Sois guerreiro empedernido pela razão.


Sou guerreira encharcada de emoção.
Minha música é dissonante,
a sua compassada de batidas ritmadas.

Passeio pela vida no hoje.


Tu passeias no ontem.
Sonhas o irreal, intangível, amor
de contradições assimétricas.
Sonho o real, amor concreto, métrico,
simétrico.

Dissonantes somos, à procura de uma


nota musical que nos dê um som harmônico.
E ainda assim me queres?

92
Mariza Reis Raja Gabaglia

Semente do amor
Palavra antídoto
Dúvida desfez
Com ponto final
Apagando interrogação 

Sol iluminou azul céu 


Aqueceu terra fértil
Semente germinou
 
Brotos despontaram
Frondosa árvore nasceu
Com frutos do amor.

93
A Batida do Coração

Se me queres
Se me queres, cola tua boca à minha
Sinta o calor do meu corpo,
Para juntos ardermos

Se me queres, mata a minha fome


Bebe do meu regato
Para então vermos estrelas

Se me queres, cola teu corpo ao meu


Para eu sentir o teu desejo
E juntos o matarmos.

94
Mariza Reis Raja Gabaglia

Poema para Ivan


A felicidade chegou de mansinho
Abrindo portas e janelas
Para fazer seu ninho

No coração se aconchegou
Como sorriso de menina
Que o primeiro beijo roubou

Desfez amarras da emoção


Trançou buquês de rosas vermelhas
Da cor ardente da paixão

Farfalhou o vento nas copas


Arrepiou os sentidos
No calor das bocas

Na lareira do amor
Labaredas arderam
Unindo corpos em seu ardor

95

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