Você está na página 1de 81

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

PAULO LUÃ OLIVEIRA XAVIER

A FÉ COMO SACRONEGÓCIO: um estudo sobre a relação entre o discurso institucional da


Igreja Universal do Reino de Deus e a violência na contemporaneidade

Boa Vista, RR

2014
PAULO LUÃ OLIVEIRA XAVIER

A FÉ COMO SACRONEGÓCIO: um estudo sobre a relação entre o discurso institucional da


Igreja Universal do Reino de Deus e a violência na contemporaneidade

Monografia apresentada como requisito básico


para a aprovação na Disciplina de Trabalho de
Conclusão de Curso II do curso de Psicologia da
Universidade Federal de Roraima.
Orientador: Prof. Me. Carlos Eduardo Ramos.
Acadêmico: Paulo Luã Oliveira Xavier.

Boa Vista, RR

2014
Nome: XAVIER, Paulo Luã Oliveira

Título: A FÉ COMO SACRONEGÓCIO: um estudo sobre a relação entre o discurso institucional


da Igreja Universal do Reino de Deus e a violência na contemporaneidade

Monografia apresentada como requisito básico


para a aprovação na Disciplina de Trabalho de
Conclusão de Curso II do curso de Psicologia da
Universidade Federal de Roraima.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Profa. Dra.: ___________________________ Instituição: _________________________________

Julgamento: ___________________________ Assinatura: _________________________________

Prof. Dr.: _____________________________ Instituição: _________________________________

Julgamento: ___________________________ Assinatura: _________________________________

Prof. Dr.: _____________________________ Instituição: _________________________________

Julgamento: ___________________________ Assinatura: _________________________________


AGRADECIMENTOS

Aos colegas do curso de Psicologia, pelo companheirismo, apoio, cuidado e união nos
momentos mais difíceis.

Ao meu orientador, prof. Carlos Eduardo Ramos, pelas orientações, contribuições teóricas,
paciência, dedicação e atenção cedida para a construção desse empreendimento acadêmico-
científico.

Aos meus pais, principalmente à minha mãe, pelo apoio absoluto nessa longa jornada rumo
ao conhecimento científico.

À minha irmã, ou melhor, segunda mãe, Nayara Oliveira Xavier, por estar ao meu lado em
todas as fases de minha pequena vida.

Aos companheiros de moradia, apesar do pouco tempo de convívio, contribuíram de forma


significativa para minha formação.

Ao Mestre, Naum Marques Dias, pela sua dedicação e contribuição para o desenvolvimento
da ciência em sua essência máxima.

Ao Grande Ser Transcendental: Deus, El, Jeová, Elohim, Alá, Brahma, enfim, pela
inspiração e motivação nessa longa odisseia acadêmica.
A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem
coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o
ópio do povo.

Karl Marx, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (2010).

A religião seria a neurose obsessiva universal da humanidade; tal como a


neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do
relacionamento com o pai. A ser correta essa conceituação, o afastamento
da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um
processo de crescimento.

Sigmund Freud, O Futuro de uma Ilusão (1996).


RESUMO

XAVIER, P. L. O. A FÉ COMO SACRONEGÓCIO: um estudo sobre a relação entre o


discurso institucional da Igreja Universal do Reino de Deus e a violência na
contemporaneidade. 2014, 81p. Monografia (Graduação) – Centro de Educação – Curso de
Psicologia, Universidade Federal de Roraima. Roraima, 2014.

A presente pesquisa teve por objetivo compreender a relação entre o discurso institucional de uma
instituição religiosa neopentecostal e determinados elementos de violência na contemporaneidade.
Tendo em vista que as diversas esferas sociais atuam de modo incisivo para a fomentação da
subjetividade do indivíduo e, por conseguinte, na sua forma de interação social. A análise do
discurso institucional religioso, bem como sua relação a determinados elementos de violência
contidos na sociedade, fez-se de valia. A escolha da Igreja Universal do Reino de Deus deu-se por
sua ampla difusão na sociedade brasileira. Diante disso, o website oficial da IURD foi consultado
demasiadamente, sendo extraídos dois documentos audiovisuais a fim de compor os objetos de
análise. A fundamentação teórica encontra-se calcada em três capítulos-chave: Família, Religião,
Exclusão, Autoritarismo e Preconceito. Ademais, os dados foram analisados sob a luz da teoria
crítica da sociedade. Nesse processo destacaram-se determinados itens fomentadores de atitudes
preconceituosa, excludentes e autoritárias. Por meio do supracitado, despontaram quatro categorias
que foram laboriosamente esmiuçadas: família, intolerância a outras formas de religiosidade, amor
conjugal e prosperidade. Em suma, a Igreja Universal chama todos para si, no entanto só serão
salvos os que conseguirem vencer as seduções demoníacas: bruxaria, luxúria, homossexualidade.
Por conseguinte, combatendo-se a exclusão constrói-se uma lógica violenta de inclusão.

Palavras-chave: Neopentecostalismo; Violência; Teoria Crítica; Contemporaneidade.


ABSTRACT

XAVIER, P. L. O. FAITH IS SACRONEGÓCIO: a study on the relationship between the


institutional discourse of the Universal Church of the Kingdom of God and violence in
contemporary society. 2014, 81p. Monografia (Graduação) – Centro de Educação – Curso de
Psicologia, Universidade Federal de Roraima. Roraima, 2014.

This research aimed to understand the relationship between the institutional discourse of a
Pentecostal religious institution and certain elements of contemporary violence. Given that the
various social spheres act incisively to fostering the subjectivity of the individual and, therefore, in
form of social interaction. The analysis of institutional religious discourse and its relation to certain
elements of violence contained in society, made up of surplus value. The choice of the Universal
Church of the Kingdom of God was given by their wide dissemination in Brazilian society. Thus,
the official website of the UCKG was consulted too, being extracted two audiovisual documents in
order to compose the objects of analysis. The theoretical framework is found squashed into three
key sections: Family, Religion, Exclusion, Authoritarianism and Prejudice. Furthermore, the data
were analyzed in light of the critical theory of society. In this process stood out certain promoters
items biased, exclusionary and authoritarian attitudes. Through the above, four categories emerged
that were painstakingly teased: family, intolerance to other forms of religiosity, marital love and
prosperity. In short, the Universal Church calls all to themselves, however only those who can be
saved overcome demonic seductions: sorcery, lust, homosexuality. Therefore, if the deletion-
fighting builds a logical inclusion violent.

Keywords: Neo-Pentecostalism; violence; Critical Theory; Contemporaneity.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................................08

 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................................................10

1.1. RELIGIÃO.......................................................................................................................10

1.2. FAMÍLIA E GRUPOS.....................................................................................................19

1.3. PRECONCEITO, AUTORITARISMO E EXCLUSÃO...............................................26

 OBJETIVOS..........................................................................................................................32

2.1. OBJETIVO GERAL........................................................................................................32

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS.........................................................................................32

 METODOLOGIA.................................................................................................................33

 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS...........................................................................35

4.1. CARACTERIZAÇÃO DOS OBJETOS........................................................................35

4.2. CATEGORIZAÇÃO DOS DADOS................................................................................36

4.3. FAMÍLIA.........................................................................................................................42

4.4. INTOLERÂNCIA A OUTRAS FORMAS DE RELIGIOSIDADE............................48

4.5. AMOR CONJUGAL.......................................................................................................52

4.6. PROSPERIDADE...........................................................................................................57

 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................62

 REFERÊNCIAS....................................................................................................................65

APÊNDICES...............................................................................................................................69
8

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve por meta compreender a relação entre o discurso institucional de uma
instituição religiosa neopentecostal e determinados elementos de violência na contemporaneidade.
Já que para a Psicologia, dentro da perspectiva sócio-histórica, é de fundamental importância
entender as interações entre as instâncias sociais, bem como as relações estabelecidas entre os
indivíduos na sociedade. Além dos fatores que levam os indivíduos a fazerem parte das mesmas e,
por conseguinte, serem influenciados e influentes na propagação de seus preconceitos.

Visto isso, a análise do discurso institucional religioso, bem como sua relação a
determinados elementos de violência contidos na sociedade, fez-se de valia. Pois as diversas esferas
sociais atuam de modo incisivo para a fomentação da subjetividade do indivíduo e, por conseguinte,
na sua forma de interação social. De acordo com Crochík (2011b), para entender as questões
referentes à formação da subjetividade e a maneira social de agir, deve-se compreender as
finalidades, as instâncias e os meios, pelos quais uma determinada cultura forma o indivíduo.

As instituições religiosas, como instâncias sociais, atuam das mais diversas formas sobre os
indivíduos. Portanto, nada mais relevante que o proposto no estudo em questão. Diante disto, dentro
do website oficial da Igreja Universal do Reino de Deus, foram extraídos dois documentos
audiovisuais como objetos de pesquisa. A escolha desta instituição deu-se por sua ampla difusão na
sociedade brasileira. Segundo o IBGE (2014), a IURD é a maior instituição neopentecostal do
Brasil, com 1 873 243 seguidores, sendo 1 117 040 mulheres e 756 203 homens. Esta denominação
é basicamente urbana, 1 766 246 de seus seguidores residem na mesma, e apresenta uma elevada
concentração de membros do sexo feminino, 63, 24%. A partir dessas considerações iniciais,
levantou-se o seguinte problema: qual a relação entre o discurso institucional religioso e
determinados elementos de violência na sociedade contemporânea.

Adiante, breves descrições dos conceitos de família, religião, exclusão, autoritarismo e


preconceito, fundamentaram o corpo do referencial teórico científico. Primeiramente, no capítulo
sobre religião, os estudos de Freud foram consultados para se explicar a origem da religião. Com o
conteúdo consolidado, desenvolveu-se um paralelo entre neopentecostalismo e exclusão. Em
seguida, fomentou-se o capítulo sobre família e grupos. Neste, apresentaram-se as diferentes formas
familiares ao longo da história, culminando na formação da família monogâmica moderna.
Ademais, explanou-se a fragilidade do ego pelo enfraquecimento dos laços familiares e a
possibilidade de adesão a elementos de cunho totalitarista. Por fim, no capítulo de preconceito,
autoritarismo e exclusão, processou-se um apanhado sobre o conceito de preconceito, mais
especificamente, sua gênese, histórico e perspectivas atuais, finalizando com o elo existente entre os
9

mesmos.

Quanto à metodologia, a pesquisa fez uso da abordagem qualitativa, de caráter documental.


Sendo os dados analisados sob a perspectiva da teoria crítica da sociedade. Destaca-se que a
odisseia acerca da extração dos dados processou-se da seguinte forma: através das palavras-chave
família, preconceito, religião, exclusão e autoritarismo, o website oficial da Igreja Universal foi
diversas vezes consultado. Feito isso, dois documentos audiovisuais propenderam-se dentre os
demais. Com os dados em mãos, o trato deu-se sob a luz do método dialético, sendo as categorias
garimpadas dos mesmos. Na análise foram destacados determinados itens fomentadores de atitudes
preconceituosa, excludentes e autoritárias.

Na análise e discussão dos dados, os objetos de pesquisa foram esmiuçados sob a égide do
método dialético. Com isso, despontaram quatro categorias que foram arduamente destrinchadas:
família, intolerância a outras formas de religiosidade, amor conjugal e prosperidade. Como último
elemento, as considerações finais sintetizaram o supraexposto, construindo uma compreensão geral
acerca da relação entre o discurso institucional iurdiano e a violência na contemporaneidade.
10

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. RELIGIÃO

O presente capítulo tem por intuito debater a temática religião, indo de encontro à formação
das instituições religiosas modernas, mais especificamente a Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD), sob a ótica da Teoria Crítica da Sociedade.

Para Freud (1996a), o homem transforma as forças da natureza em deuses, concedendo para
as mesmas características paternas. Este anseio pelo pai e pelos deuses justifica-se pela fragilidade
do homem perante a natureza, as incertezas do destino e os sofrimentos e privações que uma vida
civilizada lhes confere. Entretanto, no interior dessas funções há um desvio gradual de interesse. Os
homens observaram que os fenômenos da natureza se processavam automaticamente. Sendo
relegados aos deuses intervenções ocasionais por intermédio de milagres. Além disto, percebeu-se o
caráter implacável do destino, pois até os deuses sofriam com as incertezas do mesmo. Com a
consciência sobre estes fatos, o homem deslocou a função dos deuses ao campo da moralidade.
Assim, recaem sobre os mesmos nivelar os defeitos e os males da civilização, ver o sofrimento que
os homens aplicam uns aos outros em sua vida comunal e garantir o cumprimento das normas
civilizatórias. Estas creditadas aos deuses são elevadas além da civilização e prolongadas à natureza
e ao universo.

Freud (1996a) relata que, através de tais fatos, desenvolveu-se um conjunto de ideias,
fomentadas com o material das lembranças do desamparo infantil, com o intuito de tornar aceitável
tal desamparo. O homem percebeu que a posse dessas ideias o protegia em dois sentidos: contra as
incertezas do destino e da natureza, e contra os males da própria civilização. Adiante, tem-se que
dentro do campo religioso a vida terrestre serve a um propósito mais elevado, ou seja, uma evolução
da essência humana. Portanto, a morte não é um fim, retorno ao inorgânico, mas, sim, o começo de
uma existência para algo mais superior. No fim, o bem é recompensado e o mal, punido, se não na
Terra, em existências posteriores.

Segundo Freud (1996a), as ideias supracitadas passaram por um longo período de


desenvolvimento. Visto isto, para fomentar seu estudo, tal autor, apoderou-se apenas das
concepções religiosas desenvolvidas pela civilização cristã ocidental. Sendo estas presenteadas ao
indivíduo a partir de seu advento social. Pois, a civilização em que ele está ingressando constitui a
herança de várias gerações, e ele a absorve tal como faz com os preceitos matemáticos, os
conhecimentos geográficos, entre outras coisas similares.

Quanto à personificação das forças da natureza, tem-se que a mesma fomenta-se através de
11

um modelo infantil (FREUD, 1996a). Por conseguinte, ao personificar tais forças, os homens estão
seguindo preceitos infantis. Estes aprenderam que a maneira mais fácil de influenciar as pessoas é
criando um relacionamento com estas, assim, por extensão, tendo os mesmos fins em vista,
estendem esta concepção para outras situações. Portanto, é natural ao homem personificar tudo o
que visa compreender, com o intuito de dominá-lo. Além disto, ao perceber que está fadado a
permanecer criança para sempre, que nunca poderá viver sem proteção contra forças superiores, os
homens deslocam para estas as características da figura paterna, fomentando para si os deuses a
quem tanto temem e pedem proteção.

De acordo com Freud (1996a, p.16):

(...) seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção
contra as conseqüências de sua debilidade humana. É a defesa contra o desamparo infantil
que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de
reconhecer - reação que é, exatamente, a formação da religião.

Ainda de acordo com o mesmo autor, as bases desta calcam-se em três princípios:
primeiramente, os ensinamentos da mesma devem ser absorvidos porque já o eram por seus
antepassados; segundo, têm-se provas que foram transmitidas desde os tempos primitivos; por
último, é proibido indagar a autenticidade religiosa.

No que tange a origem psíquica das ideações religiosas, tem-se que estas, tidas como
ensinamentos, não constituem conclusões finais de pensamentos: são ilusões, experiências dos mais
antigos, fortes e consistentes desejos da humanidade (FREUD, 1996a). Portanto, o mistério de sua
solidez reside na força desses desejos. A impressão do desamparo infantil despertou a necessidade
de proteção, proporcionada pelo pai; a compreensão de que esse desamparo perdura através da
existência tornou necessário agarrar-se a uma figura paterna, porém, um pai mais poderoso. Por
isto, o governo benevolente de um ser divino diminui nosso medo dos perigos da vida; a construção
de uma ordem mundial garante a concretização das exigências de justiça; e o prolongamento em
uma vida futura fomenta a base local em que esses desejos se concretizarão.

Ao tratar as concepções religiosas como ilusões, Freud (1996a) relata que uma ilusão não é
um erro, mas, sim, uma construção dos desejos humanos. Logo, aproximam-se dos delírios
psiquiátricos, diferindo um pouco dos mesmos, já que eles entram em contradição com a realidade.
Visto isto, pode-se chamar uma crença de ilusão quando uma concretização de desejo compõe fator
fundamental de sua formação. Partindo desta afirmativa, tem-se que todas as doutrinas religiosas
são ilusões e insuscetíveis de prova, algumas são tão irreais que podem ser comparadas a delírios.

No entanto, é inegável que a religião prestou grandes serviços para a sociedade humana.
Contribuiu para dominar os instintos, porém não o suficiente (FREUD, 1996a). Se tivesse êxito em
12

confortar a humanidade, ninguém sonharia em mudar as condições vigentes. Contudo, observa-se


uma grande insatisfação e descontento com a civilização. Pois, a mesma é vista por muitos como
um jugo a ser superado. Porém, tal fato, não exclui a religião do processo de construção moral da
sociedade humana. Analisando a proibição quanto ao homicídio, tem-se que da morte do pai
primitivo nasceu uma reação emocional irresistível com consequências importantes. Pois desta
surgiu o mandamento “não matarás”. No totemismo, esse mandamento estava ligado ao substituto
paterno, posteriormente estendido a todos.

Dentro de uma perspectiva mais profunda, Freud (1996a, p. 28) relata que:

A criança humana não pode completar com sucesso seu desenvolvimento para o estágio
civilizado sem passar por uma fase de neurose, às vezes mais distinta, outras, menos. Isso
se dá porque muitas exigências instintuais que posteriormente serão inaproveitáveis não
podem ser reprimidas pelo funcionamento racional do intelecto da criança, mas têm de ser
domadas através de atos de repressão, por trás dos quais, via de regra, se acha o motivo da
ansiedade. A maioria dessas neuroses infantis é superespontaneamente no decurso do
crescimento, sendo isso especialmente verdadeiro quanto às neuroses obsessivas da
infância.
Da mesma forma, a humanidade tombou em fases semelhantes às neuroses, já que nas
épocas de sua ignorância e debilidade intelectual, a repressão instintual só tinha sido conseguido
pela força essencialmente emocional. Sendo que os precipitados desses processos, análogos à
repressão instintual dos primórdios civilizatórios, permanecem ligados à sociedade por muitas
décadas. Portanto, tem-se que a religião é a neurose obsessiva da humanidade; tal como a neurose
obsessiva das crianças, ela é oriunda do complexo de Édipo, do relacionamento paterno. Com a
veracidade dessa informação, a humanidade está fadada ao afastamento da religião, por meio do
inevitável processo de crescimento. Ainda que o crente possua certa resistência ao abandono de suas
crenças.

Diante do arcabouço teórico supracitado, historicamente, o cristianismo, segundo Bowker e


Edwards (2004), era representado por menos de um décimo da população do continente europeu.
Entretanto, em meados do século IV, mais especificamente no governo de Teodósio, a religião cristã
passou ao caráter de única crença oficial do Império Romano. Com o transcorrer do tempo, a nova
fé transformou-se na Igreja Católica, sendo seus preceitos a coluna dorsal da era vindoura.

A Idade Média (500-1500) foi o período de máxima influência cristã nas mais variadas
instâncias sociais. Durante esta época, o número de igrejas construídas, reformadas e ornamentadas
com obras de arte foi enorme; cada construção representava o centro da vida e das festas da
comunidade. Os únicos feriados estavam ligados aos “dias santos”, sendo os domingos dedicados à
glória do Senhor. Nas missas pregavam-se alguns sermões, contudo, nem todos os sacerdotes eram
capazes de ensinar e, o mais eram os setes sacramentos, rito de consagração da vida. Bowker e
Edwards (2004) relatam que muitas igrejas medievais ainda são utilizadas na Europa. As de estilo
13

românico são suntuosas, já as góticas parecem florestas de pedra direcionadas para o céu.

Adentrando no processo de construção histórica da religião no Brasil, segundo


Dalgalarrondo (2008), até pouco tempo, o Brasil era identificado como uma nação praticamente
católica. Com a chegada dos jesuítas, em 1549, o catolicismo começou a solidificar-se. Em
território nacional, tais jesuítas dedicaram-se a evangelização e educação dos habitantes locais. Com
o transcorrer do tempo, houve certa expansão da influência dos mesmos, bem como enriquecimento
da ordem, esta se transformou na detentora do monopólio da educação. É inegável que os membros
da Companhia de Jesus foram onipresentes na construção cultural e religiosa brasileira. Estes
realizaram um vasto trabalho com os indígenas, por intermédio das missões, protegendo e
aculturando os mesmos. Embora dominantes na catequese e no processo educacional, os jesuítas
não foram à única ordem da colônia; fixaram-se em território colonial dominicanos, agostinianos,
beneditinos, franciscanos, carmelitas, oratorianos e mercedonianos e capuchinhos.

Ademais, com o avanço pentecostal dos últimos trinta anos, tem-se modificado essa
peculiaridade de país majoritariamente católico. Ainda que conserve a predominância cristã, pois
noventa por cento de sua população pertence a alguma religião vinculada a essa vertente
(DALGALARRONDO, 2008). Ser uma nação cristã implica adesão a valores greco-judaicos e
ocidentais. Destaca-se que o cristianismo nasce do judaísmo, emerge dessa tradição que se
solidifica como religião étnica, do povo escolhido. Nessa conjuntura, agrupa elementos greco-
romanos, sobretudo do platonismo e do estoicismo, com sua base ética universalista, fundamentada
no indivíduo auto-controlado. O cristianismo cessa com os preceitos comportamentais e obediência
interligadas a regras alimentares, ritualísticas e corporais que o judaísmo propunha. Ou seja, o
cristianismo propõe-se como religião universal. Deste fato, origina-se uma de suas contradições
básicas, religião destinada a todos, porém edificada em símbolos, ritualística, ética e estética
específicas.

No que tange os evangélicos, Dalgalarrondo (2008) destaca que esta vertente do


cristianismo surge no século XVI, através das obras de Lutero e Calvino. Em 31 de outubro de
1517, o monge alemão Martinho Lutero propõe suas 95 teses. De acordo com Bowker e Edwards
(2004), Lutero denunciou a venda de indulgências que garantiam o perdão dos pecados de forma
geral. O mesmo desenvolveu uma campanha contra quase todo o sistema feudal. Da Alemanha, a
Reforma Protestante expandiu-se para a Escandinávia e outros países do norte europeu, porém a
rejeição inglesa ao sistema feudal foi influenciada por dissidências políticas.

Já Calvino baseou a sua concepção reformista no conjunto da Bíblia; por exemplo, achou no
Novo Testamento instruções claras a respeito da maneira pela qual a liderança e a disciplina da
instituição religiosa deviam ser organizadas. Tal estudioso tinha uma forte percepção da grandeza
14

do Deus revelado na Bíblia e não temia explanar que Deus predestinara os crentes ao paraíso e os
ímpios ao inferno. Segundo Bowker e Edwards (2004), o código de Calvino era rigoroso. Muitos
resistiam à coação da moral rígida que Calvino definira. Ademais, a influência de Calvino
solidificou-se sobre os indivíduos que se sentiam eleitos pela graça divina. Para os mesmos, a vida
era uma maratona de um peregrino resistindo às tentações fomentadas pelo mundo.

Os cristãos cindem-se em protestantes e católicos. Nestes fatos, a reforma foi facilitada pelo
desenvolvimento da imprensa, fenômeno que possibilitou o contato direto dos textos bíblicos, sem
intermediários, ícones, padres ou santos. Além disto, destaca-se uma nova ética centrada no
trabalho, no ascetismo intramundano. O crente, para ser cristão verdadeiro, deve ir ao encontro de
sua rotina e deveres. Sendo tal afirmativa, a base da doutrina calvinista de que a vida correta e
exitosa neste mundo é a melhor confirmação da graça divina. Com o despontar da Reforma, a
ascese cristã ingressa no mercado da vida, cerra atrás de si as portas do mosteiro e se põe a
impregnar com sua metódica a vida cotidiana, a modificá-la numa vida racional no mundo. A
salvação transformou-se na obsessão máxima da teoria protestante, bem como a onipresente sombra
do demônio, espreitando a fraqueza humana (DALGALARRONDO, 2008; WEBER, 2004).

Para Weber (2004), o summum bonum da “ética” protestante consiste em ganhar dinheiro e
sempre mais dinheiro, resguardando-se de todo gozo imediato do dinheiro ganho. Basta uma rápida
vistoria pelas estatísticas ocupacionais de um país plurirreligioso para constatar a notável frequência
de um fenômeno bastante peculiar: o caráter majoritariamente protestante dos proprietários do
capital, bem como das camadas superiores da mão-de-obra qualificada, ou seja, o pessoal de alta
qualificação técnica das empresas modernas.

A ascese protestante agiu contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo,
especialmente o interligado ao luxo. Com a consciência de encontrar-se na plena graça de Deus e
ser por ele abençoado, o protestante burguês, com a condição de manter-se dentro das fronteiras da
correção formal, de ter sua conduta moral inquestionável e de não fazer de sua riqueza um uso
escandaloso, podia perseguir os seus interesses de lucro e devia concretizá-lo (WEBER, 2004). A
força da ascese religiosa, além do exposto, punha à sua disposição trabalhadores conscientes,
admiravelmente eficientes e dedicados ao trabalho como finalidade de suas vidas. Dando aos
mesmos a reconfortante certeza de que a desigualdade deste mundo é obra toda especial da divina
Providência, que, com essa desigualdade visava a fins desconhecidos. Calvino já havia pronunciado
a frase, segundo a qual a massa dos trabalhadores e dos artesãos, só obedece a Deus enquanto
pobre.

Com o transcorrer do tempo, os evangélicos assumiram várias denominações. Designam-se


“evangélicos históricos” os grupos originários direta ou indiretamente da reforma do século XVI.
15

“Evangélicos de missão” as denominações de origem norte-americana, que fomentaram uma


estratégia de conversão de novos integrante em nações dos quatro cantos do mundo. “Evangélicos
pentecostais” grupos que chegaram ao Brasil no século XX, introduzidos por lideranças oriundas da
Europa que passaram pelos Estados Unidos e assimilaram amplamente a teologia do avivamento e
da santificação pelo batismo no Espírito Santo. “Neopentecostal” designação que sobressaiu sobre o
“pentecostalismo de cura divina” para intitular os novos movimentos religiosos com raízes
pentecostais (DALGALARRONDO, 2008).

Para Santos (2006), o neopentecostalismo nasce no Brasil a partir da década de 70 e se


caracteriza como uma corrente do pentecostalismo responsável por grandes transformações
estéticas, rituais, teológicas e comportamentais. Divergindo do pentecostalismo ortodoxo, os
adeptos do neopentecostalismo possuem por máxima missão a prosperidade financeira. Em suma,
tal fenômeno encontra-se solidificado na denominada “Teologia da Prosperidade”. Segundo a
mesma, a prosperidade deve ser amplamente valorizada e almejada, em detrimento, o discurso
teológico que pregava o sofrimento terreno passou a ser desvalorizado. Assim, dentro da
perspectiva neopentecostal, o que vale é o presente, embora os fiéis continuem almejando o seu
lugar no reino celestial.

Os neopentecostais adquiriram um vasto crescimento na sociedade brasileira, principalmente


sob a égide da Igreja Universal do Reino de Deus. De acordo com Dalgalarrondo (2008), o
missionário canadense Walter Robert McAlister fomentou as lideranças Edir Macedo, R. R. Soares
e Miguel Ângelo, fundadores das primeiras igrejas neopentecostais. Essas igrejas agregaram
elementos novos que as distinguiram das demais denominações. Nas décadas de 1950 e 1960, novas
igrejas pentecostais, como “O Brasil para Cristo” e “Deus é Amor”, sobressaltaram o dom da cura, à
incorporação de recursos tecnológicos ao culto e ao proselitismo, assim como à adequação de seus
rituais para grandes massas.

Santos (2006) afirma que o neopentecostalismo representa certa ruptura com o sectarismo e
o ascetismo puritano, o que caracteriza o principal diferencial produzido pelo movimento. Os
membros dessa denominação desfrutam de prazeres mundanos como embelezamento físico,
consumo de expressões artísticas mundanas, etc. Assim, observa-se uma desmistificação da imagem
do crente, na proporção que os fiéis neopentecostais se trajam de forma comum, usam maquiagem,
bijuterias, ouvem funk; portanto, consomem elementos que um crente tradicional poderia chamar de
profano.

De acordo com Molon (2002), dentre as igrejas neopentecostais, destaca-se a Igreja


Universal do Reino de Deus (IURD) devido sua força histórica, repercussão social e número de
adeptos. Historicamente, tal instituição nasce em 1977, após desentendimentos no seio da Igreja
16

Nova Vida. A IURD desvela-se bem estruturada e extraordinariamente especializada. Os cultos são
marcados pela simplicidade no sentido de não haver terreno para discussões intelectualizadas. Com
lideranças que vieram da mesma classe social de seus fiéis, os discursos apresentam-se de forma
pouco requintada.

A Igreja Universal do Reino de Deus apresenta características comuns às demais igrejas


neopentecostais, porém, com um radicalismo acentuado. Esta se dirige aos “excluídos da
sociedade”: “menos favorecidos”, “encarcerados”, “presidiários”, “bandidos perigosos”,
“assassinos”, “ladrões”, “prostitutas”, “homossexuais”, “viciados”, “analfabetos”, “miseráveis”,
“desempregados”, “pobres”, “mendigos”, “marginalizados”, “carentes”, “necessitados”,
“empresários falidos”, “inadimplentes”, “comerciantes sem crédito no mercado”, “desenganados
pela medicina”, “doentes”, “enfermos e aflitos”, “membros insatisfeitos de outras religiões”, ou
seja, pessoas com conflitos na vida. Segundo a IURD, tais conflitos são oriundos das drogas,
prostituição e homossexualismo. Os “excluídos da sociedade” adquirem apoio espiritual, assistência
social, financeira e aconselhamento político. A IURD visa à extinção das dificuldades da população
excluída, mesmo que para isso tenha que interferir nos assuntos do Estado.

Molon (2002) afirma que no transcorrer das últimas duas décadas, o Bispo Edir Macedo
solidificou seu império religioso e financeiro, demonstrando a IURD como uma entidade para todos
e o movimento neopentecostal como uma ajuda aos excluídos, disponibilizando uma proposta de
modificação real para suas vidas. Assim, esse fenômeno religioso-sócio-histórico está calcado nas
promessas de eliminação dos males psicossociais e na busca da inclusão social. Os sacerdotes oram
pela prosperidade e pelo bem-estar do indivíduo, anunciando reconstruir a família e devolver ao
homem sua dignidade humana. Determinados estudos sociológicos apontam o sucesso da Igreja
Universal pela promessa de salvação imediata e interpretam suas características como uma espécie
de “fast-food” religioso.

Os crentes devem possuir e desfrutar os bens do mundo: prosperidade financeira, saúde


plena e amor. Molon (2002) ressalta que estes preceitos estão calcados na Teologia da Prosperidade.
Por meio desta, a IURD prega que a pobreza é oriunda da falta de fé, assim, ocorre uma mudança de
atitude do fiel perante a privação socioeconômica, fomenta-se um discurso que nega a pobreza, a
tradicional teodicéia cristã e promete salvação instantânea no Reino de Deus. A negação da miséria
é possível, por intermédio da fé em Cristo. Os pastores solidificam o poder da palavra e a
capacidade de determinação dos fiéis, já que esta é necessária para combater o grande inimigo
denominado diabo.

Sendo o mesmo a síntese de todos os inimigos, deuses das religiões afro-brasileiras, espíritas
e igreja católica. O diabo forma a base mágico-religiosa da IURD. Para esta, práticas como tarô,
17

astrologia, interpretação das runas, numerologia, análise cabalística dos nomes e mapa astral, entre
outras, são uma versão branda de bruxaria (MOLON, 2002). Contudo, ao contestar as religiões
inimigas e o misticismo, os adeptos da IURD concretizam as crenças e práticas das mesmas, bem
como intensificam os poderes do diabo.

Conforme Molon (2002), os crentes não podem temer a macumba, a bruxaria e a feitiçaria,
pois este temor os vinculam às mesmas. Os fiéis só podem temer o diabo e somente a IURD possui
a receita para expulsá-lo. A questão não é eliminar o medo, mas, sim, manter o controle sobre o
mesmo. A inconstância dos medos levaria os membros a migrarem de deuses de acordo com o
momento. O diabo tão poderoso, capcioso e volátil, deve ser combate por uma instituição poderosa
como a IURD. Esta trabalha com o mito da teoria unitária, agrupando a diversidade no uno. Coloca
suas fichas na defesa do uno como “unidade” religiosa eficiente no combate ao diabo. Por isto, o
mesmo dá significado à identidade da IURD, sendo ressignificado. A dinâmica de conversão de
novos fiéis engloba uma vasta capacidade de agrupar significados que estão atrelados aos mais
variados objetivos e objetos em volta de um único sentido, o diabo. A redução a um único sentido é
uma eficiente técnica de subjugação. Canalizando tudo para um único sentido, o diabo é
considerado adversário e temido como guardião.

Conforme a IURD, o mundo se divide entre os seus membros e aqueles que pertencem ao
diabo. Nesse âmbito reina a intolerância com as diversas crenças religiosas, já que a Igreja
Universal é a única solução para os males. Esta propõe um modelo de mundo perfeito, no qual ela
retém as normas para libertar os homens do mal e dar-lhes o paraíso terrestre. Contudo, para isto é
necessário converter-se, seguir as regras, o indivíduo precisa reconhecer que seu êxito está ligado a
sua fé e determinação.

Segundo Molon (2002) esta vertente religiosa está orientada aos excluídos, incluídos
precariamente e às pessoas desajustadas socialmente. A igreja universal agrega os excluídos. Porém
não quer que estes permaneçam nessa situação nem sejam englobados de forma precária. A proposta
de inclusão social da IURD destina-se a todos os excluídos, no entanto só serão incluídos aqueles
que acreditam em Jesus Cristo, realizam as provas de fé e acreditam no poder de sua determinação.
Esta inclusão prometida está calcada na lógica capitalística, já que não há espaço para todos, sendo
o fracasso responsabilidade do fiel que não orou o suficiente. Por isto, o fiel deve permanecer
orando, pregando e pagando dízimo. Dentro da lógica capitalista fomentadora da exclusão social, a
Igreja Universal apresenta uma estratégia eficiente de inclusão devido à exclusão social, no entanto
essa é uma inclusão social perversa, que ilusoriamente está voltada para os excluídos, ela chama
para si todos, porém somente serão eleitos aqueles que conseguirem vencer as façanhas do diabo:
homossexualismo, prostituição, drogas, dentre outros. Assim, a fim de combater a lógica perversa
18

da exclusão social constrói-se uma lógica perversa de inclusão social.


19

1.2. FAMÍLIA E GRUPOS

Conforme Engels (2002), os estágios de desenvolvimento familiar, fomentaram-se em três


grandes épocas: Estado Selvagem, Barbárie e Civilização. Dentro disto, a primeira constitui-se na
fase infantil do gênero humano. Os homens residiam nos bosques e viviam, parcialmente, nas
árvores, alimentando-se de raízes, frutos e nozes. Neste período ocorre o desenvolvimento da
linguagem articulada. Posteriormente, com a descoberta do fogo, o ser humano dissemina-se por
todo o globo terrestre. Porém, só com o advento de ferramentas elaboradas como o arco e flecha, o
selvagem começa a transição para a barbárie. Nesta última aparece a domesticação de animais e o
cultivo de plantas, bem como a extinção dos costumes antropofágicos, relegado aos ritos religiosos.
Com a fundição do ferro houve um rápido aumento da população, originando pequenos focos de
povoamento. São oriundos desta época os foles de forja, as ferramentas de ferro, o labor de metais
elevado à categoria de arte, os carros de guerra, os poemas homéricos e toda a mitologia.

Simplificando, estas classificações generalizam-se da seguinte forma: Estado Selvagem –


Fase em que predomina a aquisição de produtos naturais, prontos para uso; as produções artificiais
são, sobretudo, direcionadas para essa apropriação. Barbárie – Fase em que surgem o cultivo de
alimentos e a domesticação de animais, e se aprende a maximizar a produção natural através do
trabalho. Civilização – Época em que o ser humano aperfeiçoa a produção de produtos naturais,
período fabril.

Levando-se em consideração a temática família, Engels (2002) afirma que esta se


desenvolveu em conjunto com as épocas supracitadas. Como primeira etapa, tem-se a “Família
Consanguínea”. Nela, os grupos conjugais distribuem-se por gerações: o conjunto de avôs e avós,
dentro do perímetro familiar, constituem-se maridos e mulheres entre si; sendo que o mesmo se
estende para os seus filhos, portanto, pais e mães; as proles dos mesmos formam o terceiro círculo
de cônjuges comunais; e seus filhos o quarto. Nesta conjuntura familiar, os país e filhos, são os
únicos que estão exclusos deste círculo matrimonial. Irmãos, primos, em primeiro e demais graus,
são todos maridos e mulheres entre si.

Adiante, Engels (2002) desenvolve o conceito de “Família Punaluana”. Nesta, a exclusão


dos irmãos das relações sexuais recíprocas, desponta como característica principal. Visto isto,
aponta-se que tal fenômeno foi imensuravelmente relevante, no entanto, bem mais difícil de ser
alcançado, devido à proximidade das idades dos envolvidos. Por conseguinte, este desenvolvimento
procedeu-se por etapas. Primeiramente, excluindo-se os irmãos consanguíneos em casos
específicos, culminando em proibição universal, estendida até as relações entre primos. Outro fator
de extrema relevância que se extrai desta fase é o direito materno. No mesmo, todos têm por tronco
20

uma mãe e, em virtude disso, o pai torna-se desconhecido. Sendo apenas a linhagem feminina
reconhecida.

Na conjuntura de matrimônio por grupos, já se estruturavam uniões por pares, de duração


flexível; o homem tinha uma esposa entre suas numerosas mulheres, e era tido pela mesma como o
esposo principal. Deste fenômeno originou-se “A Família Sindiásmica” (ENGELS, 2002). Nesta,
um homem vive com uma mulher, mas a poligamia e a infidelidade eventual continuam como
direito masculino, ainda que a poligamia seja raramente observada, por fatores econômicos; em
conjuntura, exige-se a máxima fidelidade feminina, enquanto dure o matrimônio, sendo a traição
feminina duramente punida. A família sindiásmica aparece no limite entre o estado selvagem e a
barbárie. É a forma familiar predominante da barbárie, como a união grupal é do estado selvagem e
a monogamia é da civilização. Com a consolidação de tal estrutura familiar, fomenta-se o direito
paterno.

No que concerne “A Família Monogâmica”, Engels (2002) afirma que esta se baseia no
pátrio poder, tendo como finalidade a procriação de filhos cuja paternidade seja inquestionável; e
exige-se essa paternidade incontestável por que os filhos, como herdeiros diretos, entrarão,
futuramente, na posse dos bens de seu pai. A família monogâmica distingue-se do matrimônio
sindiásmico pela solidez dos laços matrimoniais. Sendo que esta dinâmica origina-se de fatores
econômicos e da consolidação da propriedade privada em detrimento da propriedade comunal
primitiva. A monogamia não surge na história como fruto do amor sexual individual, nem como
forma máxima de união conjugal. Mas, sim, ela nasce como uma forma de subjugação de um sexo
pelo outro.

Através do supracitado, expõe-se a família como uma miniatura dos conflitos aos quais se
desenvolve a sociedade, repartida em classes desde os seus primórdios. Esta deve se desenvolver
nas mesmas proporções que a sociedade, pois a família é produto do sistema social e demonstrará o
nível de cultura do mesmo. Se a família monogâmica não mais atender os anseios sociais, não se
pode predizer a estrutura da família sucessora.

Conforme Reis (2004) é na família que tomamos conhecimento do mundo e nos situamos no
mesmo. É a fomentadora de nossa primeira identidade social. Tem-se como o primeiro “nós” a
quem aprendemos a nos citar. Retomando os trabalhos de Engels (2002), observa-se a família como
foco inicial do processo de divisão social do trabalho, tendo por referência a divisão do trabalho
sexual. Esta foi à referência para uma complexificação do processo de divisão laboral que originou
a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual e as peculiaridades do modo de produção
capitalista. Além disto, houve a solidificação da família monogâmica interligada a consolidação da
propriedade privada.
21

Segundo Engels e Marx (1998), a burguesia destroçou o véu do sentimentalismo que cobria
as relações de família e reduziu-as a meras ligações monetárias. Assim, para o sistema capitalista, a
mulher não passa de um instrumento de produção. A concepção burguesa sobre a família e a
educação fomenta-se de forma repugnante à proporção que o capital destrói todos os laços
familiares dos proletariados e converte suas crianças em simples elementos de comércio, bem como
instrumentos de trabalho.

Para Reis (2004) embora alguns tópicos das formulações de Engels estejam ultrapassados,
fundamentalmente no que tange o uso genérico da evolução esquemática das estruturas familiares
em todas as sociedades, a correlação entre monogamia e propriedade, mostra-se cada vez mais
sólida. A pequena autonomia da conjuntura familiar é determinada por uma vasta interação de
fatores interligados as peculiaridades internas do grupo familiar, características sociais, econômicas
e culturais que o envolvem. Assim, justificam-se diferentes estruturas familiares, ainda que a
predominância seja da família monogâmica burguesa. Na contemporaneidade a classe média
apresenta uma ampla gama de padrões familiares. Por um lado, abraça a família caracterizada por
um elevado conservadorismo, por outro, abarca formas mais liberais de convivência familiar que
abrangem tanto as interelações entre os membros quanto um posicionamento mais crítico perante a
sexualidade.

Portanto, embora a família tenha certa autonomia em relação à economia, o que proporciona
que suas mudanças não acompanhem diretamente as transformações econômicas, a conjuntura
familiar é sempre traçada fora dela. Visto isto, é impossível compreender o grupo familiar sem
considerá-lo inserido na complexa teia social e histórica que o circunda. Tendo o exposto em mãos,
Reis (2004) desenvolve algumas considerações. Primeiramente, a família não é algo natural,
biológico, mas um construto social humano, que se fomenta de formas diferentes em situações e
circunstâncias diferentes, para dar respostas às demandas sociais. A segunda consideração consiste
no fato que a família processa-se em torno de uma necessidade biológica, a reprodução. Porém, tal
fato não implica na necessidade de um tipo específico de família para que ocorra a reprodução, mas
que esta é fator necessário para a existência da família. A terceira está relacionada ao caráter
ideológico da família. Em suma, além da reprodução biológica ela impulsiona sua própria
reprodução social, pois é nesta que o indivíduo é educado para perpetuar biologicamente e
socialmente sua conjuntura familiar. Ao construir seu projeto de reprodução social, a família se
insere no mesmo projeto global da sociedade que pertence. Por isto que ela também instrui seus
membros como se comportar fora de seu núcleo. Dentro disto, esta é a formadora do cidadão.

Aprofundando as interelações familiares, Reis (2004) relata que as mesmas são vividas
intensamente pelos indivíduos, tendo suas bases na subordinação ideológica, já que esta está
22

presente desde o início da vida e é influenciada por componentes emocionais que organizam de
forma profunda a personalidade de seus integrantes. A caracterização da família, tendo por base as
vivências emocionais construídas entre seus membros e pela hierarquia sexual e etária, conduz uma
análise centrada no binômio amor/autoridade. As formas pelas quais poder e afeto interagem dentro
da família possibilitam o confronto das diferentes formas de família, além da compreensão da
dinâmica familiar contemporânea, interligada as suas funções de construção ideológica.

Tendo por base esta conjuntura familiar moderna, Reis (2004) desenvolve uma análise sobre
a forma familiar predominante, a família burguesa. Historicamente, esta nasce na Europa em
meados do século XVIII. Como característica básica a família burguesa encontrava-se fechada em
si mesma, sendo este fenômeno responsável pela separação entre a residência e o local de trabalho,
portanto, entre a vida pública e a privada. Posteriormente, outras separações se fizeram; como
exemplo, cita-se a rigorosa divisão dos papéis sexuais. O homem passou a ser o provedor do lar e a
máxima autoridade. Como consequência desta estrutura, a diferenciação dos papéis sociais
fomentou uma rigorosa interdição à sexualidade feminina fora do casamento e o encurtamento do
usufruto do prazer sexual. No matrimônio a atividade sexual feminina estava ligada estritamente a
reprodução. As mulheres burguesas passaram a ser vistas como celestiais. Nisto, o casamento
burguês dissociou a sexualidade da afetividade. A família passou a ser o local do afeto em
detrimento do prazer sexual. Este passou a ser buscado fora do lar pelos homens.

Outro fator que ganhou força neste período foi à repressão à sexualidade infantil. A
masturbação colocava os pais de vigília. Os médicos do século XIX apontavam a mesma como
causadora das mais diversas enfermidades. São originários desta época os estudos de Freud sobre as
ameaças de castração feitas pelos genitores, que em grande parte não possuíam características
metafóricas.

Segundo Reis (2004), a criança burguesa tinha apenas as figuras paternas como objeto de
identificação. Através disto, a mesma tornou-se refém das figuras paternas quanto às questões
emocionais. Nesta dinâmica, observa-se que tal afetividade não era cedida incondicionalmente. Para
obter a mesma, a criança devia acatar as exigências dos pais. Os mesmos reclamavam que esta
tivesse o controle sobre seu próprio corpo. Portanto, esta era a base que caracterizava a fase anal das
crianças burguesas do século XIX. As mesmas teriam que abrir mão do prazer corporal em troca da
afetividade paterna. Assim, estava construído o elo que ligava amor e autoridade, ou seja, para
possuir o amor dos pais seria necessário que a criança também os amasse. Por conseguinte, amar é
estar subjugado e não amar seria uma situação insuportável.

Esta subjugação corporal em troca do amor dos pais estendia-se a fase genital e
incrementava as vivências conflitivas, já que neste estágio a masturbação era rigorosamente
23

reprimida. Trocava-se o foco, porém continuavam vivos os fundamentos da educação burguesa


(REIS, 2004). Tal situação conflitiva vivenciada pela criança desenvolvia a ambivalência e o
sentimento de culpa. A negativa dos prazeres corporais provocava a ira direcionada àquele que
impede sua satisfação, portanto, a mãe, porém esta é o seu principal objeto de amor. Este conflito
produz, por isso, ambivalência e sentimento de culpa e fomenta as bases para a construção do
superego. Deste modo, a família construiu o burguês autônomo, um cidadão completo por si
próprio. Por conseguinte, tal conjuntura familiar privilegia a privacidade, a domesticidade e a
supervalorização das relações emocionais internas, ao formar o cidadão autodisciplinado para servir
aos interesses da classe dominante.

Visto isto, essa submissão inicial torna-se aceitação dos valores paternos e fato necessário.
Inicialmente o filho deve obedecer aos pais, aprendendo a ter controle de seus esfíncteres, os
impulsos sexuais e conserva-se limpo (REIS, 2004). No que tange as relações extrafamiliares,
espera-se que este represente bem sua família e seja um bom modelo de comportamento em todas as
situações. Obediência aos pais significa aceitação às normas que já estavam estabelecidas antes de
seu nascimento; aceitação sem questionamento, portanto, submissão.

Ao fomentar o indivíduo obediente e autodisciplinado, com seus interesses voltados apenas


para os ideais de ascensão econômica e social, a família está treinando um cidadão acrítico, passivo,
conservador, sem espontaneidade e capacidade criativa, repetidor das estruturas sociais transmitidas
pela ideologia dominante, preparado para seguir e acatar quem se apresente coberto de autoridade
em defesa da conjuntura vigente.

Com relação a este fato, Adorno e Horkheimer (1978) afirmam que a criança realiza nos
primeiros estágios de seu desenvolvimento, as experiências de amor e ódio correlacionadas com o
pai, sendo que na família burguesa, estas dão lugar ao Complexo de Édipo. Contudo, esta descobre
que o pai não personifica a força, a justiça, a bondade e que não é totalmente revestido de poder. A
efetiva debilidade do pai na sociedade moderna, estende seus reflexos no equilíbrio psiquico-moral
das crianças; esta já não pode identificar-se totalmente com o pai, não pode cumprir com a
interiorização das exigências impostas pela família que contribuem para a formação do ser
autônomo. Portanto, o conflito entre o poder familiar e o ego, encontra-se enfraquecido atuando
alheados entre si. Este desenvolvimento constitui os indivíduos em “átomos sociais”.

Da relação com o pai, a criança fomenta apenas uma abstração da ideia de poder e de uma
força arbitrária e incondicional; e procura por consequência um pai mais forte, mais poderoso que o
original, que não condiz com a antiga imagem, ou seja, um super-homem e super-pai como os que
foram construídos pelos regimes totalitários (ADORNO E HORKHEIMER, 1978). O pai também
pode ser substituído por poderes coletivos, como a classe escolar, o estado, a igreja, etc. Os jovens
24

demonstram a tendência a subjugar-se a qualquer autoridade, desde que esta ofereça proteção,
satisfação, vantagens materiais e a oportunidade de descarregar sobre o outro seu sadismo.

No que se refere a esses grupos, de acordo com Freud (1996b, p. 58):

Daquilo que sabemos sobre a morfologia dos grupos podemos recordar que é possível
distinguir tipos muito diferentes de grupos e linhas opostas em seu desenvolvimento. Há
grupos muito efêmeros e outros extremamente duradouros; grupos homogêneos,
constituídos pelos mesmos tipos de indivíduos, e grupos não homogêneos; grupos naturais
e grupos artificiais, que exigem uma força externa para mantê-los reunidos; grupos
primitivos e grupos altamente organizados, com estrutura definida.
No que tange os grupos religiosos, estes, enquadram-se nos grupos artificiais, já que certa
força externa é empregada para impedi-los de desagregar-se e para evitar alterações em sua
estrutura. Tal dinâmica é corroborada pelo fato que qualquer tentativa de abandoná-lo é tratada com
perseguições e severas punições (FREUD, 1996b). Através disto, fundamentalmente, na verdade, a
mesma religião que propaga o amor para os que comungam da mesma, torna-se cruel e intolerante
para com os que não lhes pertencem. Se hoje a intolerância não mais se faz tão violenta como em
épocas passadas, dificilmente podemos constatar que ocorreu um abrandamento nos costumes
humanos. A causa deve ser achada no indiscutível enfraquecimento dos sentimentos religiosos e dos
laços libidinais que estão conectados aos mesmos.

Mas o que leva as pessoas a fazerem parte de tais grupos, a ponto de serem extremamente
influenciadas pelos discursos de seus líderes? Retomando os estudos de Adorno e Horkheimer
(1978), tem-se que da relação com o pai, o filho absorve apenas uma ideia abstrata de poder,
desembocando na procura de um pai mais forte, um super-pai semelhante aos produzidos pelas
ideologias totalitárias. Este pai, também, pode ser substituído por poderes coletivos, como a
universidade, clubes e organizações religiosas.

Para Freud (1996b) a imagem paterna pode ser transferida para grupos secundários e seus
líderes. Na instituição religiosa prevalece a ilusão de que há um cabeça, na igreja cristã, Jesus
Cristo, que ama todos os indivíduos do grupo sem distinção. Tudo depende dessa ilusão; se ela
fosse renegada, então a igreja se desintegraria. Ademais, esse amor foi igualmente anunciado para
todos por Cristo, o mesmo coloca-se, para cada integrante do grupo de crentes, como um bondoso
irmão mais velho; um pai substituto. Visto isto, todas as exigências feitas aos integrantes do grupo
derivam desse amor de Cristo. Por conseguinte, não é sem profunda razão que se invoca a
semelhança entre a comunidade cristã e uma família, e que os membros denominam-se de irmãos
em Cristo, isto é, irmãos através do amor de Cristo pelos membros.

Mediante tal fato, observa-se a suma relevância do líder na formação do grupo religioso e
sua influência sobre seus integrantes. De acordo com Freud (1996b), a perda do líder, pode acarretar
a erupção do pânico, embora o perigo permaneça o mesmo; os laços mútuos entre os membros do
25

grupo somem ao mesmo tempo em que o laço com seu líder. Sendo que a escolha do mesmo
processa-se pelo mecanismo de identificação. Este mecanismo consiste na percepção de uma
qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa, quanto mais importante essa qualidade, mais
bem-sucedida pode torna-se a identificação.

Traçando-se um paralelo entre o discurso institucional religioso e a formação subjetiva do


indivíduo, Crochík (2011b) afirma que a subjetividade define-se por um terreno interno que se opõe
ao mundo externo, mas que só pode surgir deste. Portanto, tal mundo externo constitui-se pelas
mais amplas esferas sociais, inclusive as instituições religiosas, que se valem do discurso para a
formação de seus membros. Sendo que tal discurso não se restringe apenas aos templos, mas
expande-se nas mais variadas mídias.

Para Adorno (2008), as mais variadas formas de conteúdos midiáticos, inclusive religiosos,
estão caracterizadas por líderes-heróis, pessoas capazes de resolver seus problemas, sejam de forma
negativa ou positiva. Identificando-se com o líder-herói, o espectador acredita participar do poder
que lhe é negado, enquanto se concebe como alguém fraco e dependente.
26

1.3. PRECONCEITO, AUTORITARISMO E EXCLUSÃO

Este capítulo tem por meta trabalhar os conceitos de preconceito, autoritarismo e exclusão,
bem como a relação entre os mesmos. Segundo Crochík (2011a) para se estudar e compreender o
preconceito tem-se que recorrer a diversas áreas do saber. Apesar de também ser um fenômeno
psicológico, as características que levam a construção do ser preconceituoso podem ser encontradas
na dinâmica de socialização, pelo qual se constitui e se torna indivíduo. Portanto, o que permite o
indivíduo se formar, também é responsável pela gênese de seus preconceitos.

De acordo com Crochík (2011a, p. 13):

O processo de socialização, por sua vez, só pode ser entendido como fruto da cultura e de
sua história, o que significa que varia historicamente dentro da mesma cultura e em culturas
diferentes. Como tanto o processo de se tornar indivíduo, que envolve a socialização,
quanto o do desenvolvimento da cultura têm se dado em função da adaptação à luta pela
sobrevivência, o preconceito surge como resposta aos conflitos presentes nessa luta. E,
assim, para se poder pensá-lo é necessário utilizarmos conceitos da Psicologia e da
Sociologia, dentro de uma perspectiva histórica.

Quanto às complicações oriundas do conceito de preconceito, Crochík (2011a) expõe que


uma delas se refere ao fato de o indivíduo preconceituoso desenvolver preconceitos em relação a
diversos objetos, o que já indica uma forma de atuação construída por ele de certa forma
independente das características dos objetos alvos do preconceito, que são diferentes entre si. Visto
isto, o preconceito diz mais respeito aos anseios do preconceituoso do que às propriedades de seus
objetos, já que cada um desses é imaginariamente favorecido de aspectos distintos daquilo que
constituem. De outro lado, os conteúdos do preconceito em relação aos diversos objetos não são
iguais entre si. O que o preconceituoso imaginariamente compreende como deficiente físico não é o
mesmo que concebe como deficiente mental. Por conseguinte, cada objeto, provoca no
preconceituoso, manifestações psíquicas diferentes.

Ou seja, o preconceito, está interligado tanto as características do preconceituoso, quanto as


representações atribuídas ao alvo. Por isso, não se pode construir um conceito unitário de
preconceito, já que ele tem aspectos constantes, que dizem respeito a uma conduta sólida frente a
diversos objetos, e aspectos oscilantes, que remetam às necessidades específicas do preconceituoso,
sendo descritas nos conteúdos distintos concebidos aos objetos (CROCHÍK, 2011a).

Conforme Crochík (2011a), na interação entre a identificação de características do


preconceituoso e a variedade de conteúdos que observa em seus alvos, pode-se constatar a interação
entre indivíduo e sociedade. Já que a fixidez de um mesmo tipo de comportamento interage com
estereótipos provenientes da cultura, que embora se diferenciem em diferentes objetos que tentam
exprimir, não se misturam com eles. Ademais, ao se explanar sobre indivíduo, deve-se pressupor
27

um círculo de intimidade ou de interioridade, que se opõe a um círculo de exterioridade, porém é


uma interioridade que emerge a partir desse mesmo exterior, o que implica que o indivíduo é
oriundo da cultura, mas dela se distinguir por sua singularidade. Quanto o indivíduo não pode dela
se diferenciar, por excessiva identificação, faz-se seu reprodutor, sem representar ou expor críticas
que possibilitariam transformá-la, tornando-a mais justa; se o indivíduo somente se opõe a ela, não
se identificando nela, põe a própria possibilidade de cultura em xeque. Nestes dois casos não se
pode falar em indivíduo com autonomia de consciência e espontaneidade da experiência, sendo, em
ambos os casos, um terreno fértil para o desenvolvimento de preconceitos.

No primeiro caso, a fragilidade individual nega a própria possibilidade de refletir e


experimentar os objetos produzidos pela cultura e de raciocinar as representações que a eles atribui;
no segundo caso, pelo fato de o indivíduo não conseguir perceber que a sua visão preconcebida da
realidade é devido à sua própria dificuldade em conceber a cultura como fomentadora de seu
desenvolvimento e, por conseguinte, poder julgar a si e aos outros como frutos dela.

Já que a experiência e a reflexão são as bases da constituição do indivíduo, sua ausência


caracteriza o preconceito (CROCHÍK, 2011a). Porém a base desse não é essa ausência, que auxilia
para a sua manutenção, mas, sim, o que as impede: a ruptura com o mundo que o preconceituoso
percebe como demasiado ameaçador. Portanto, à onipotência pela qual o preconceito se considera
superior ao seu objeto, corresponde à impotência que experimenta para lidar com os sofrimentos
oriundos da realidade.

Segundo Crochík (2011a), a ação sem reflexão, de maneira aparentemente espontânea


perante alguém, marca o preconceito. A reação presente naquele que manifesta o preconceito pode
ser denominada de mimética, ou seja, fingir-se de morto perante o objeto que gera estranheza. É
uma reação semelhante à do animal que imita a natureza para se defender do predador; expõe um
olhar fixo que vendo além de alguém não consegue vê-lo. Visto isto, a outra forma assumida frente
à pessoa estranha é a da rejeição, no sentido de não lhe darmos valor algum ou um valor
preconcebido, pelo qual ela não merece a nossa atenção por ser inferior, o que, em certos casos, leva
à ideia fascista de eliminá-la. Por conseguinte, as duas reações apontam para uma cegueira
individual daquele que não pode se ver e pensar que, se a reação é fomentada por outro, ela
encontra apoio em si próprio.

Quanto maior a fragilidade de experimentar e de refletir, maior a necessidade de defesa dos


objetos que causam estranheza (CROCHÍK, 2011a). Assim, as duas atitudes descritas, a
condescendência benevolente e a rejeição fascista, não são inatas, constroem-se. A primeira se
relaciona com a cordialidade, construto desenvolvido como elemento civilizatório, através de uma
educação hipócrita que impede a manifestação de uma estranheza espontânea ou a não manifestação
28

da mesma, pois desde pequeno desenvolve-se a curiosidade, mas não o repúdio perante pessoas
desconhecidas. A segunda agrupa elementos de uma educação voltada para a força e repressora de
atitudes ditas “frágeis”; ou seja, a rígida educação social, que preza pelo cumprimento e
manutenção de suas regras, acaba levando o indivíduo a ser duro consigo e com os outros.

De acordo com Crochík (2011a), devido ao caráter não nato do preconceito, a criança pode
perceber que o outro é diferente, sem prejuízo de relacionamento com ele. Contudo, essa percepção,
é dificultada, já que é sob o modo de ameaça que o preconceito é introjetado. A incorporação das
representações dos objetos alvos de preconceito surge das inter-relações entre dependentes e
responsáveis, e a absorção destas se faz por medo das consequências da não absorção. Os objetos,
bens e ideias já são preconcebidos, e quando a criança volta a sua atenção para eles não o faz por
uma reflexão autônoma. Portanto, no processo de transmissão cultural, já são transmitidos
preconceitos. Para além das diferenças individuais, o ser ou não ser preconceituoso, interliga-se a
possibilidade de ter experiência e refletir sobre si e sobre os outros nas relações sociais, facilitadas
ou dificultadas pelas instâncias sociais, oriundas do processo de socialização.

Adiante, Crochík (2011a, p. 19) afirma que:

Ao dizermos que o preconceito é um tipo de valor que atribuímos aos objetos que se
constituem nas suas vítimas, recaímos necessariamente na esfera da moral. E, de fato, o
valor, em conjunto com o afeto, é o que nos predispõe ao preconceito. Quando dizemos que
algo é bom ou mau, sem que esse juízo seja espontâneo (...) ou sem que reflitamos sobre a
sua racionalidade explicitando a sua validade quer para o indivíduo, quer para a sociedade
(...) estamos sendo preconceituosos.

Em uma perspectiva mais profunda, Crochík (2011a) explana que o preconceituoso não ver
o seu alvo de preconceito a partir dos diversos predicados que possui, reduzindo-os ao nome que
não permite a evocação: mulçumano, louco, negro, homossexual, etc. Um indivíduo portador de
uma doença crônica não é somente portador de tal doença, também é homem ou mulher,
adolescente ou criança, pobre ou rico, religioso ou ateu, sensível ou insensível, trabalhador ou
proprietário, casado ou solteiro, etc. Embora o indivíduo possua diversas características, o que passa
a designá-lo é o termo que denomina o preconceito. A esse fenômeno são correlacionados outros
atributos que se fomentam em estereótipos. Portanto, um indivíduo homossexual é percebido dentro
de um estereótipo como: promíscuo, vulgar, incapaz de construir uma família, anormal, etc.

O preconceito, de determinado modo, funciona como um tabu; um fenômeno vivenciado


angustiosamente no passado, perpassado na imaginação, que se coloca de sobreaviso sempre que
algo ou alguém expõe o mesmo. Ademais, como tabu, este abarca um ritual “a propagação das
mesmas reações estereotipadas” (CROCHÍK, 2011a). Estes estereótipos são propagados pela
cultura e se demonstram propícios à estereotipia do pensamento do indivíduo preconceituoso,
29

solidificando o preconceito e servindo para a sua corroboração. Além disto, os mesmos são
produzidos e excitados por uma cultura que pede definições exatas, através de suas diversas
instâncias: universidade, família, mídia, etc., nas quais a dúvida deve ser eliminada do pensamento
e a certeza precisa tomar o lugar da verdade que aquela ação indica.

A obrigatoriedade de certeza traz a necessidade de respostas rápidas, calcadas em esquemas


anteriores, que se repetem independentemente das tarefas às quais se destinam, gerando
estereotipia nas ações e nos procedimentos. À medida que a tecnologia se sofistica e o
homem deve se adaptar às modificações que ela acarreta, maior é a necessidade da
padronização do comportamento do trabalhador, uma vez que, cada vez mais, ele passa a
ter menos autonomia e responsabilidade frente ao produto final (CROCHÍK, 2011a, p. 22).

Visto isto, outro fator que corrobora para a utilização de estereótipos consiste na luta
incessante, de cada indivíduo, por suas ideias, não somente pela razão, mas como proteção de si
mesmo. Numa discussão, o sujeito não abre mão de seu ideário, não porque pensa que ele seja
melhor do que o dos outros, mas pelo medo de ser considerado frágil (CROCHÍK, 2011a). A
conjuntura social moderna constrói um tipo de pensamento acrítico, reacionário, monótono,
excluindo a reflexão sobre os objetos para os quais se destina. Por conseguinte, a estereotipia do
pensamento não condiz apenas aos conteúdos que envolve, mas também ao modo prescrito de
pensar.

Segundo Crochík (2011a), historicamente, o preconceito encontra-se presente em todas as


fases da sociedade, ainda que o seu objeto e conceito oscilem pelo transcorrer das épocas. No
passado significava o juízo calcado em experiências e em decisões anteriores, adiante coincidia com
a percepção preordenada aos fatos, construtora do saber. Com a ascensão da Idade Média e dos
conflitos da razão com os dogmas religiosos, os preconceitos foram inimigos do saber científico,
filosófico e moral, sem que a necessidade de pré-conceito pudesse ser banida da procuro do
conhecimento ou da orientação na vida cotidiana, já que os hábitos são de valia para se manter a
vida e se adequar às normas de convivência social. Para uma melhor compreensão, é importante
diferenciar o pré-conceito do preconceito, sem deixar de relacioná-los.

Contudo, isto não é uma tarefa fácil, pois todo conceito só é possível por meio da
experiência que abrange fatos preconcebidos. Logo, o processo de conceituação abarca pré-
conceitos presentes na experimentação com o objeto a ser conceituado, já que não existe
experiência pura. Mesmo diante de uma situação nova, tem-se de retornar a experiências passadas
que tornam o estranho familiar (CROCHÍK, 2011a). Isso não significa que os pré-conceitos são
inalteráveis frente à nova experimentação vivida, bem como não significa que o novo objeto não
possa ser conceituado de forma distinta dos pré-conceitos, porém, essa possibilidade de alteração
pode indicar maior ou menor inclinação ao preconceito. Às percepções, experiências ou conceitos já
30

formulados podem ter relação com o pré-conceito, tanto quanto às necessidades emocionais
existentes antes da nova experiência. Ou seja, não há, a priori, a possibilidade de uma experiência
ou de uma reflexão que de alguma maneira não seja direcionada para as características anteriores do
indivíduo. Tal como o bebê com as suas sensações e necessidades, o adulto, com seus hábitos,
enfrenta a adaptação se confundindo, de forma momentânea, com as novas situações.

Para Crochík (2011a, p. 32):

(...) esses pré-conceitos são pré-requisitos para o conhecimento, isto é, para a conceituação,
a sua ausência implicaria a anulação da experiência anterior do sujeito, ao mesmo tempo
em que a sua predominância sobre aquilo que é experimentado anularia o objeto naquilo
que esse aponta de distinto do já preconcebido.

Prosseguindo o estudo, através do arcabouço teórico supracitado, infere-se certa correlação


entre a fomentação de preconceitos e o temor da exclusão social. Segundo Jodelet (2004) vários
modelos teóricos foram construídos para explicar tal processo de exclusão. No campo dos processos
psíquicos, a Psicologia Social foi requisitada, tendo por base os seus estudos sobre preconceito,
estereótipo, identidade social e descriminação.

A interrogação dos psicólogos sociais sobre exclusão foi suscitada, desde o período entre as
duas guerras, pela ascensão do fascismo, e depois pelas execuções nazistas na Europa e
pela exacerbação das defesas contra a imigração e os conflitos raciais nos Estados Unidos.
Centralizada inicialmente, como a Sociologia, sobre as relações raciais, ela se estendeu às
relações estabelecidas no espaço social e político, em um continuum indo do conflito à
cooperação, entre grupos de toda espécie, diferenciados segundo critérios de atividade ou
de pertencimento social, nacional, cultural, etc (JODELET, 2004, p. 54).

No entanto, como é possível uma sociedade dita democrática e igualitária, conviver em


conjunto com a discriminação e a exclusão, sendo a injustiça amplamente aceita por seus
compatriotas? Com essa questão em mãos, Jodelet (2004) declara que tal indagação proporciona a
busca nos processos psicológicos, dos fatos que não podiam somente ser explicados pelas análises
econômicas e históricas. Inicialmente, a atenção dirige-se aos comportamentos agressivos que
fomentam a exclusão manifestações extremistas, sendo as primeiras delas os linchamentos e os
“pogroms”. No entanto, esta atenção não se desloca com o passar do tempo, expondo as condutas
de agressão sob a ótica de iluminações complementares.

Inspirada nos estudos de Freud, a teoria da frustração ressalta a mesma como


desencadeadora de comportamentos hostis. A impossibilidade de se atingir determinado objetivo é
causa determinante de cólera (JODELET, 2004). Ademais, não necessariamente, a descarga desta,
volta-se para o fator de frustração, sendo em sua grande maioria voltada para alvos mais fáceis
como grupos minoritários.

Nesta mesma perspectiva, Jodelet (2004) ressalta a submissão ao poder autoritário. Quanto
31

ao mesmo, Adorno, Frankel-Brunswick, Levinson e Sanford, pesquisadores relacionados à escola


de Frankfurt, com a realização da pesquisa “The Authoritarian Personality”, associaram ideologia e
personalidade para dar conta das tomadas de posições antidemocráticas e racistas. Estes postularam
que crenças que aparentemente não apresentam correlação entre si, estão ligadas por uma interação
psico-dinâmica. Por conseguinte, ações econômicas e políticas do tipo conservadora, o
etnocentrismo, impregnado por uma rejeição aqueles que são diferentes, fazem parte do anti-
semitismo e dos elementos de personalidade que delineiam o autoritarismo. Esta premissa é
demonstrada, pelas correlações entre uma série de escalas, que visam medir os diversos grupos de
atitudes ideológicas, etnocêntricas e anti-semitas, e uma escala de fascismo potencial que
equivaleria a uma estrutura de personalidade. A última, moldada por uma educação familiar
autoritária, delimita uma disposição de espírito inclinada ao convencionalismo, ao respeito pela
força e desprezo a fraqueza, intolerância à ambiguidade, rejeição do diferente, etc.
32

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

 Compreender a relação entre o discurso institucional de uma instituição religiosa


neopentecostal e determinados elementos de violência na contemporaneidade.

2.2. Objetivos específicos

 Entender o discurso institucional religioso de uma Igreja neopentecostal, considerando


elementos como família, religião, autoritarismo preconceito e exclusão.

 Levantar discursos institucionais religiosos em websites de uma igreja neopentecostal, entre


o período de 2013 e 2014.

 Identificar, neste discurso, determinados elementos de violência social.

 Analisar o conteúdo expresso pela instituição, com base na teoria crítica da sociedade.
33

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa fez uso da abordagem qualitativa, de caráter documental. Sendo os


dados analisados sob a perspectiva da teoria crítica da sociedade. Para Guimarães (2011), tomando
por base os estudos de Horkheimer, esta corrente teórica contempla o resgate de conceitos da
tradição do idealismo alemão de Hegel e Kant, com o materialismo histórico de Marx. A mesma une
teoria e práxis, situando o problema em seu momento histórico através da dialética marxiana, não o
deixando recair no idealismo.

No primeiro momento foi realizado um levantamento bibliográfico para revisão literária


sobre religião, família, preconceito, exclusão e autoritarismo. Tendo por base, os estudos de Freud,
Adorno, Horkheimer, Marx, Weber, além de autores correlacionados com os mesmos. Visto isso,
um estudo da Teoria Crítica acerca da relação entre família, autoritarismo, exclusão e adesão ao
discurso institucional religioso, encontra-se em processo consolidado.

Quanto ao trato dos dados, este se processou sob o método dialético, sendo as categorias
definidas pelo levantamento documental. De acordo com Carone (2001), tal método pode ser
definido através de três pontos: 1) É um método teórico, expositivo, especulativo, racional, calcado
na pesquisa empírica; 2) Por suas características críticas, nega as aparências sociais, das ilusões
ideológicas do objeto estudado; 3) Constitui-se num método progressivo-regressivo, baseado na
espiral dialética em que os pontos conflitantes coincidem, porém não se assemelham.

Para obtenção dos mesmos, realizaram-se consultas nos websites da Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD). Tendo por foco conteúdos audiovisuais correlacionados as temáticas:
família, preconceito, religião, exclusão e autoritarismo. Segundo Nunes (2011), o crescimento dessa
denominação está correlacionado a utilização dos veículos de comunicação. Além do uso do rádio,
maneira mais fácil de alcançar as camadas menos favorecidas, a IURD utiliza a televisão, o jornal,
bem como a rede mundial de computadores, para propagar suas ideologias. Por se tratar de
documentos de natureza pública, disponibilizados pela própria instituição, não houve necessidade
de submissão da pesquisa ao Comitê de Ética.

Dentro da análise, construiu-se uma interligação entre o discurso institucional iurdiano e


determinados itens fomentadores de atitudes preconceituosas, bem como uma compreensão da
influência daquele para a formação da subjetividade dos indivíduos. Para Saffioti (1997), a
subjetividade é construída por meio das relações sociais, perpassando as mais diversas esferas
sociais, inclusive as instituições religiosas. Por conseguinte, as mesmas acabam influenciando uma
a outra, pois pertencer a uma instituição religiosa, e comungar de seu discurso, possui implicação na
relação com as outras instancias sociais.
34

Em suma, a análise do discurso institucional da Igreja Universal do Reino de Deus, fez-se de


extrema valia, já que há uma correlação entre as instâncias sociais, e a mesma encontra-se
amplamente disseminada na sociedade brasileira. Portanto, as atitudes relegadas a uma determinada
esfera social, fomentam-se dentro do âmbito social como um todo.
35

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Em conformidade com os procedimentos metodológicos da pesquisa, a análise dos dados


encontra-se focada em dois documentos audiovisuais da Igreja Universal do Reino de Deus. Os
mesmos foram extraídos do website oficial de tal instituição religiosa, através de uma ampla
pesquisa com as palavras-chave família, relacionamento, amor, prosperidade e valores. Com o
resultado em mãos, foram selecionados os seguintes vídeos: “Amor e Dinheiro”, ligado ao projeto
The Love School; e “A Família Começa com a Justiça”, pregação do bispo Edir Macedo, com
pequenas intervenções dos missionários Renato e Cristiane Cardoso. Assim, para uma simplificação
do processo de análise, os vídeos serão apresentados como V1 e V2, aquele ligado ao programa
“Amor e Dinheiro”, e este correlacionado à pregação “A Família Começa com a Justiça”. Os vídeos
apresentam-se no formato MP4; sendo que V1 foi ao ar no dia 28 de março de 2012, com duração
de 43 minutos e 34 segundos; e V2 no dia 01 de agosto de 2014, com duração de 30 minutos e três
segundos.

4.1. CARACTERIZAÇÃO DOS OBJETOS

Para uma análise mais aprofundada, faz-se de extrema valia caracterizar, bem como
esmiuçar, os objetos de pesquisa. Primeiramente se caracterizará o documento audiovisual V1,
sendo apresentadas suas particularidades, eixos de trabalho, histórico dos apresentadores e
características básicas do programa. Logo em seguida, com base nos mesmos procedimentos, V2
será caracterizado.

Segundo Bronsztein (2012), no dia 19 de novembro de 2011, foi ao ar, ao vivo, em cadeia
nacional na Rede Record, um programa que já era veiculado pela Igreja Universal do Reino de
Deus em seu site, IURD TV. O programa tem por objetivo ser uma escola que ensina sobre o amor e
suas particularidades. A denominação do programa corrobora suas pretensões: The Love School – A
Escola do Amor. O programa é exposto pela IURD com o diferencial da interatividade dos
apresentadores; Renato Cardoso, bispo da Igreja Universal; e sua esposa Cristiane, filha do bispo
Edir Macedo. O público entra em contato com os mesmos, através do e-mail, Facebook, Twitter e
exibição de videoperguntas, encaminhadas pelos telespectadores.

O casal possui mais de 21 anos de casamento, além de terem morado em quatro continentes
ao longo de 20 anos. A Igreja Universal afirma que, por muitos anos, o casal apresentou palestras
direcionadas ao casamento e já aconselharam casais do mundo inteiro. Por isto, tal projeto não
poderia contar com melhores apresentadores (BRONSZTEIN, 2012). Basicamente, o programa
contempla conselhos assertivos e que visam ser eficazes na construção de um relacionamento sólido
36

entre os casais. A cada aula imagens diversificadas abrem espaço para a inserção de assuntos
variados, que vão desde como identificar um cafajeste até o questionamento se existe associação
entre amor e dinheiro, tema do programa objeto de análise da presente pesquisa. Ademais, tal
programa usa, inclusive, a análise de cenas de novelas e programas veiculados pela Rede Record,
porque, segundo os apresentadores, a vida imita a arte. A Escola do amor também apresenta
convidados especiais, realiza entrevistas com celebridades e conta seus casos, geralmente mal
sucedidos.

No que concerne V2, tal vídeo está centrado em uma pregação do bispo Edir Macedo, tendo
por tema “A Família Começa com a Justiça”. Essa discussão religiosa fomentou-se nos estúdios do
templo central da Igreja Universal do Reino de Deus, Templo de Salomão, contando com a
participação dos missionários Renato e Cristiane Cardoso. Especificamente, conforme Lemos e
Tavolaro (2007), o Templo de Salomão caracteriza-se como uma super-igreja retangular com 150
metros de comprimento e 100 metros de largura. São mais de 80 mil metros quadrados de área
construída num quarteirão inteiro de 28 metros. A fachada e o altar são revestidos com pedras
importadas de Israel. Candelabros e uma arca dourada, essa baseada na “Arca da Aliança” do
Antigo Testamento, adornam o suntuoso monumento religioso.

Quanto a Edir Macedo, esse nasceu em 18 de fevereiro de 1945, na pequena cidade de Rio
das Flores, interior do Rio de Janeiro. Quarto filho da família Macedo Bezerra, Didi, como Edir era
chamado pelos irmãos, nasceu com uma pequena deficiência na mão esquerda. Com o transcorrer
do tempo, o bispo Macedo, como posteriormente seria chamado, iniciou sua jornada religiosa
(LEMOS; TAVOLARO, 2007). Em 1975, Edir funda A Cruzada do Caminho Eterno, entidade que
também se denominaria Casa da Bênção antes de, definitivamente, mudar de nome para Igreja
Universal do Reino de Deus. Visto isto, tal instituição religiosa encontra-se difundida pelos quatro
cantos do mundo, sendo seu discurso onipresente nos mais diversos estratos sociais.

4.2. CATEGORIZAÇÃO DOS DADOS

Através das transcrições dos documentos audiovisuais observou-se o predomínio de alguns


pontos que foram transformados em quatro categorias. Essas se encontram perpassadas por dois
eixos principais, Ideologia e Reificação, que interligam e racionalizam a discussão em voga. Abaixo
se expõe uma tabela com as categorias:

Tabela I – Categorias criadas através das transcrições dos documentos audiovisuais

CATEGORIAS

1. Família
37

2. Intolerância a outras formas de religiosidade

3. Amor Conjugal

4. Prosperidade

Na primeira categoria, a temática família é esmiuçada das mais diversas formas, levando-se
em consideração os preceitos ideológicos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Na
segunda, buscou-se identificar elementos de intolerância religiosa no discurso institucionalizado da
IURD. Para isso, além das transcrições audiovisuais, valeu-se de alguns livros cunhados por tal
instituição religiosa. Na terceira, extraiu-se o conceito de amor conjugal, bem como determinados
pontos interligados com o mesmo, para a fomentação de um constructo maior. Na quarta e última
categoria, abordou-se um tema bem corriqueiro na IURD, a prosperidade. Dentro dessa, a família,
como outros elementos correlacionados com a mesma, foram confrontados com a Teologia da
Prosperidade. Por meio do conteúdo teórico-científico, puderam-se fomentar dois eixos transversais
que perpassam todas as categorias abordadas, são eles: Ideologia e Reificação. Expõe-se que a
última, dependendo da tradução da obra consultada, pode receber a denominação de Coisificação.

Adiante, faz-se de valia a conceituação de tais eixos. Historicamente, segundo Chauí (2008),
o termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro Elementos de Ideologia, de DeStutt
de Tracy. Em conjunto com o médico Cabanis, com De Gerándo e Volney, DeStutt de Tracy
pretendia construir uma ciência da gênese das ideias, concebendo-as como fenômenos naturais que
exprimem a ligação do corpo humano com o meio ambiente. Fomenta uma teoria sobre as
faculdades sensíveis, construtoras de todas as nossas ideias: julgar (razão), recordar (memória),
querer (vontade) e sentir (percepção). Os ideólogos franceses eram contrários à metafísica, à
teologia e à monarquia. Comungavam dos ideais do partido liberal e tinham que o progresso das
ciências experimentais, calcadas exclusivamente na observação, na análise e síntese dos dados
examinados, poderia dar origem a uma nova pedagogia e a uma nova moral. Em oposição à
educação religiosa e metafísica, que possibilita assegurar o poder monárquico, De Tracy sugere o
ensino das ciências físicas e químicas para “fomentar um bom espírito”.

Nos Elementos de Ideologia, na seção dedicada ao estudo da vontade, De Tracy procura


observar os efeitos das ações voluntárias dos seres humanos e descreve, então, sobre economia, na
proporção em que os efeitos de nossas ações voluntárias concernem à nossa aptidão para dotar
nossas necessidades materiais. Busca saber como agem, sobre a massa e sobre o indivíduo, o labor e
as diversas formas de sociedade, ou seja, a corporação, a família, entre outras (CHAUÍ, 2008). Os
ideólogos eram simpatizantes políticos de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário, já que
concebiam o Imperador como um liberal continuador das ideias da Revolução Francesa. Em
38

exercício do consulado, Napoleão nomeou vários dos ideólogos como tribunos ou senadores. No
entanto, logo se desiludiram com Cônsul, avistando nele a restauração do Antigo Regime. Os
decretos napoleônicos para a construção da nova Universidade Francesa cedem plenos poderes aos
inimigos dos ideólogos, que passam para o partido da oposição. Logo em seguida, Napoleão
afirmou: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa
tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases
a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da
história.” Com isso, Bonaparte criou um ideário negativo acerca dos ideólogos, agora, “tenebrosos
metafísicos”.

O curioso é que tal acusação, infundada com relação aos ideólogos franceses, não o seria se
fosse destinada aos ideólogos alemães, estudados por Marx. Portanto, Marx conservava o mesmo
significado napoleônico do termo; o ideólogo é aquele distorce as relações entre as ideias e o real
(CHAUÍ, 2008). Visto isso, a ideologia, que designava uma ciência natural da aquisição das ideias
calcadas sobre o próprio real, passa a designar, nessa conjuntura, um sistema de ideias condenadas a
estranhar sua relação real com a realidade.

Para Chauí (2008, p. 11):

O termo ideologia voltou a ser empregado em um sentido próximo ao do original por


Augusto Comte em seu Cours de Philosophie Positive. O termo, agora, possui dois
significados por um lado, a ideologia continua sendo aquela atividade filosófico-científica
que estuda a formação das ideias a partir da observação das relações entre o corpo humano
e o meio ambiente, tomando como ponto de partida as sensações; por outro lado, ideologia
passa a significar também o conjunto de ideias de uma época, tanto como “opinião geral”
quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época.

O positivismo de Augusto Comte formula uma explicação da transformação do espírito


humano, contemplando essa transformação como um processo no qual o espírito passa por três
fases: a fase fetichista, na qual os homens explicam a realidade por meio de ações divinas; a fase
metafísica, na qual os homens explicam a realidade através de princípios gerais e abstratos; e a fase
positiva, na qual os homens admiram efetivamente a realidade, observando os fenômenos,
descobrem as leis gerais e necessárias dos elementos naturais e humanos e fomentam uma ciência
da sociedade, sociologia, que dar base científica para a ação individual (moral) e para a coletiva
(política). Constitui-se na etapa final do progresso humano (CHAUÍ, 2008). Através disso, cada
etapa do espírito humano o leva a fomentar um arranjo de ideias para explicar a totalidade dos
fenômenos naturais e humanos. Assim, ideologia equipara-se à teoria, a mesma sendo
compreendida como a organização sistemática de todos os conhecimentos científicos; percorrendo
desde a construção das ideias mais gerais, na física; até as de menor generalidade, na sociologia; e
as mais privadas, na moral. A ideologia, como teoria, é construída pelos sábios que reúnem as
39

opiniões correntes, sistematizam e organizam as mesmas. Esses eliminam todo elemento religioso
que acaso nelas subsiste. Por meio desse arcabouço teórico, a ideologia, transmutada em teoria,
adquire um papel de comando sobre as ações humanas, que devem subjugar-se aos critérios e
ditames do teórico antes de agir.

Por excelência, o lema positivista é: “saber para prever, prever para prover”. Ou seja, o saber
teórico tem como objetivo a previsão científica dos fenômenos para fornecer à prática um grupo de
normas e regras, por meio das quais, a ação possa controlar e manipular a realidade natural e social.
A ideologia, como concepção positivista, possui três consequências centrais: 1) caracteriza a teoria
de tal forma que a reduz à simples hierarquização e sistematização de ideias; 2) institui entre a
teoria e a prática uma ligação autoritária de mando e de obediência; 3) entende a prática como mero
instrumento ou como simples técnica que executa automaticamente regras, normas e preceitos
advindos da teoria (CHAUÍ, 2008). Essa compreensão da prática como execução de ideias que a
controlam de fora leva à suposição de um equilíbrio entre teoria e ação. Portanto, quando há certa
contradição entre as ações e as ideias, aquelas serão tidas como desordem, anormalidade, caos e
perigo para a sociedade, já que o grande lema do positivismo constitui-se na máxima: “Ordem e
Progresso”.

De acordo com Chauí (2008), o termo ideologia é retomado por Émile Durkheim, na sua
obra As Regras do Método Sociológico. Para o sociólogo francês, ideologia é todo conhecimento da
sociedade que não respeite os critérios da objetividade. O ideológico é uma sobra, um resto de
ideias antigas, semicientíficas. Tal autor as considera preconceitos e seminoções inteiramente
subjetivas, individuais, espectros que o pensamento abriga pelo fato de fazerem parte de toda a
tradição social em que encontra imerso. Um estudioso não-científico, conforme o sociólogo, faz uso
de atitudes ideológicas pelos seguintes motivos: primeiro, porque tais atitudes são subjetivas e
tradicionais; segundo, porque, constituindo toda a bagagem de ideias prévias do cientista seus pré-
conceitos, a ciência acaba partindo das ideias aos fatos, o certo seria dos fatos às ideias; e terceiro,
porque na ausência de conceitos precisos o cientista usa palavras vazias e as troca aos verdadeiros
fatos que deveria analisar.

Para Durkheim, o grande princípio metodológico que permite tratar o fato social como
coisa e liberar o cientista da ideologia é: “Tomar sempre para objeto da investigação um
grupo de fenômenos previamente isolados e definidos por características exteriores que lhes
sejam comuns e incluir na mesma investigação todos os que correspondem a essa
definição” (CHAUÍ, 2008, p. 35).

Portanto, o fato social, transformado em coisa científica, caracteriza-se como um dado


preliminarmente isolado, analisado e correlacionado com outros através da semelhança ou
estabilidade das características externas (CHAUÍ, 2008). Essa visão imobilizada e exteriorizada do
40

objeto social nada mais é que positivismo ideológico.

Para o marxismo, a ideologia caracteriza-se pela conversão das ideias da classe dominante
em ideias preponderantes para todas as esferas sociais, por conseguinte, a classe que impera no
plano material também impera no plano espiritual (CHAUÍ, 2008).

Isso implica que: 1) a preponderância de uma classe sobre as demais faz com que só sejam
consideradas racionais e válidas as ideias da classe dominante; 2) para que isso se solidifique, é
necessário que os membros da sociedade não se percebam divididos em classes, mas se
identifiquem, embora de maneira parcial, com o todo; 3) para que ocorra essa identificação, é
necessário que as ideias tornem-se únicas. Dentro disso, é preciso que a classe dominante produza
suas próprias ideias e as distribua através da educação, da religião, dos meios de comunicação
disponíveis; 4) como essas ideias não representam a realidade de fato, mas, sim, a aparência social,
as imagens das coisas e dos homens, é possível considerá-las independentes da realidade e, mais
além, inverter a relação, considerando a realidade concreta como realização dessas ideias.

Todos esses elementos consistem naquilo que é a operação intelectual da ideologia: a


fomentação de universais abstratos, ou seja, a conversão das ideias particulares da classe imperante
em ideias absolutas de todos e para todos os membros da sociedade (CHAUÍ, 2008). No entanto,
esse fenômeno é abstrato porque não condiz com nada real, pois no real existem concretamente
classes particulares e não unas. Visto isso, as ideias da ideologia caracterizam-se como universais
abstratos.

Adentrando no campo das esferas sociais, segundo a ideologia burguesa, a família não se
caracteriza como algo mutável, ou seja, passível de transformação em decorrência das situações
sócio-históricas. Portanto, a família é caracterizada como: um elemento estável, não mutável pela
conjuntura social; sagrada, desejada e abençoada por Deus; moral, a vida boa, pura, normal,
respeitada; e pedagógica, nela se aprendem as regras da verdadeira convivência entre os homens
(CHAUÍ, 2008).

Diante do arcabouço teórico supracitado, em seu artigo “T. W. Adorno e a Psicologia


Social”, Crochík (2008, p. 302) relata que:

Os que dominam também são dominados pelo capital, não conseguem pensar para além
dele, usam, no entanto, os mecanismos necessários para se manter no poder. A luta de
classes continua a existir, mas agora a classe social dos que vinham de fora do sistema está
integrada tanto quanto a classe por excelência do capitalismo – a burguesia, ainda que as
posições sociais que ocupam ambas as classes continuem contraditórias. Não é função
menos importante da ideologia tornar invisível tal contradição, como o fazia a ideologia
liberal. A ideologia do capitalismo dos monopólios, no entanto, não é mais uma ideologia
em seu sentido estrito: tornou-se mentira manifesta, percebida e simultaneamente negada
por todos.
41

Os indivíduos notam a sedução da dominação, mas não resistem a ela. Esses ao assistirem
um espetáculo sabem que nunca serão iguais aos seus ídolos; contudo se identificam com eles,
sabem que aquilo é impossível, no entanto, não deixam de sonhar e apoiar a máquina de ilusões
(CROCHÍK, 2008).

No que se refere à Reificação, segundo Crocco (2009), Lukács foi o principal responsável
por sua conceituação e divulgação. Na obra História e Consciência de Classe, tal autor fomenta
vários debates centrados no conceito de Reificação. Para além, Lukács, em conjuntura com Marx,
afirma que o capitalismo caracteriza-se pela dominação do valor de troca, como dominação abstrata
que as coisas desempenham sobre os sujeitos. O estudioso expõe o fetichismo como uma questão
exclusiva do capitalismo moderno, ainda que as relações mercantis já existissem em etapas
primitivas da sociedade, apenas na modernidade ela tornou-se universal, com o poder de influenciar
todas as esferas da vida social. Nas sociedades primitivas, a troca direta representa mais o princípio
da transformação dos valores de uso em mercadorias do que essas em dinheiro. No entanto, com a
transformação das sociedades primitivas em comunidades mais complexas a troca direta entre
produtor e consumidor observa o surgimento de novos agentes mercantis, por exemplo, o
intermediário.

O caráter fetichista da mercadoria como forma de objetividade e o comportamento do sujeito


inserido neste processo constituem-se nas questões centrais do estudo da Reificação. Na última, o
homem é subordinado tanto materialmente quanto psicologicamente a uma realidade abstrata e
fragmentada, deixando de compreender as mediações entre ele e o ambiente. A mecanização
progressiva dos meios de produção correlacionada à divisão social do trabalho tem transformado
desde as formas mais elementares de produção até a indústria moderna em técnicas racionalmente
operacionais, parciais e subdivididas (CROCCO, 2009). O mecanismo de produção racional do
capitalismo avançado impulsiona a extinção das propriedades qualitativas dos homens e elimina a
mediação entre o trabalhador e o resultado de seu próprio trabalho. Ocasiona a extinção da
totalidade existente no objeto fabricado, simplificando o trabalho a um exercício mecânico
monótono.

Adorno (1995), ao narrar suas experiências científicas nos Estados Unidos, explana que os
fenômenos tratados pela sociologia dos meios de comunicação de massas, sobreduto em países ditos
desenvolvidos, não podem ser desmembrados, na sua essência, da estandardização, da
transformação da produção artística em bens de consumo, da calculada pseudo-individualização e
do processo de Coisificação. Tratando em pormenores, Adorno explana que o conceito de
Coisificação pode ser extraído, de forma simplista, do seguinte fato vivenciado pelo mesmo:

Entre os múltiplos e cambiantes colaboradores que passaram por mim no ‘Princeton


42

Project’, encontrava-se uma jovem senhora. Após alguns dias, ela tomou confiança em
relação a mim e me perguntou, cheia de amabilidade: “Doutor Adorno, permitiria uma
pergunta pessoal?”. Eu respondi: “Depende da pergunta, mas formule-a”. E ela prosseguiu:
“Diga-me, por favor, o senhor é um extrovertido ou um introvertido?” (ADORNO, 1995, p.
148)

Tal assertiva reflete a magnitude da consciência coisificada, pois reduz o indivíduo ao operar
no nível de sua categorização em termos de verdadeiro ou falso, bom ou ruim, isto é, transforma o
concreto em abstrato. Ademais, o indivíduo supracitado talvez fosse capaz de se subjugar sob tais
categorias rígidas e apriorísticas, por exemplo, classificando-se pelos signos zodiacais. Por fim,
expõe-se que a consciência coisificada não é um fator restritamente ligado à sociedade norte-
americana, mas, sim, um fenômeno correlacionado às sociedades no geral.

4.3. FAMÍLIA

Ao longo dos estudos predefinidos para a elaboração da presente pesquisa, percebeu-se a


máxima relevância da temática família para a compreensão do fenômeno em análise. Engels (2002)
subdivide os estágios de desenvolvimento familiar em três estágios: Estado Selvagem, Barbárie e
Civilização. Nessa última aparece “A Família Monogâmica” como forma predominante de
constituição familiar. Caracterizada pelo pátrio poder, a união monogâmica objetiva a procriação de
filhos cuja paternidade seja inquestionável; pois, os filhos, como herdeiros diretos, entrarão,
futuramente, na posse dos bens de seu pai. Essa dinâmica emerge de fatores econômicos e da
consolidação da propriedade privada em detrimento da propriedade comunal primitiva. A
monogamia não surge na história como fruto do amor sexual individual, nem como conjuntura
máxima de união conjugal. Mas, sim, como uma forma de subjugação de um sexo pelo outro.

Dentro do documento V2, mais precisamente na fala do Bispo Edir Macedo, percebe-se que
o discurso institucionalizado da Igreja Universal do Reino de Deus é voltado à defesa da família
nuclear burguesa:

O que é a família: a família é constituída do pai, da mãe e dos filhos. Então,


se essa família está estruturada e fundamentada na palavra de Deus, então,
há justiça, consequentemente haverá paz, tranquilidade, gozo e paz (Edir
Macedo).

No entanto, segundo o bispo Renato Cardoso, essa forma “sacro-ideal” de família vem
sendo ameaçada pela sociedade contemporânea. Ao relatar tal fato, o bispo tenta expor aos fiéis os
perigos da união fora do modelo nuclear burguês:

Há muitas ameaças que atacam o casamento da pessoa, pois a sociedade


43

está se transformando em uma sociedade anticasamento [...] Elas veem


tantas pessoas se divorciando, os pais se divorciando, os amigos se
divorciando, como posso ter certeza que não vou divorciar (Renato
Cardoso).

Achando porque não assinou um papel, ela vai proteger o relacionamento


de um divórcio (Renato Cardoso).
Aí que muitos começam a morar juntos sem o compromisso de casamento
(Cristiane Cardoso).
Partindo dessas assertivas, observa-se que a IURD concebe a família como um constructo
natural, desprovido de história e fomentado por Deus. Essa instituição religiosa expõe o modelo de
família nuclear burguesa como dádiva máxima do sumo criador. Para o bispo Edir Macedo, Deus é
a base fundamental da família; pai, mãe e filhos. Por conseguinte, observa-se implícito no discurso
institucional religioso certo preconceito para com formas familiares que diferem do modelo
tradicional, já que essas são excluídas e indiretamente atacadas por essa instituição religiosa.
Através disto, o discurso professado pela Igreja Universal do Reino de Deus caracteriza-se como
contraditório e excludente, pois a mesma compreende a família como algo divino; no entanto,
segundo o bispo Renato Cardoso, a sociedade é responsável pela degradação “familiar”. Assim, a
instituição reconhece, em parte, a influência social sobre a família, culpando a sociedade pela
dissolução dos valores familiares.

Para além, o preconceito encontra-se implícito nas pregações de tal instituição religiosa.
Retomando a fala do bispo Edir Macedo: “A família é constituída do pai, da mãe e dos filhos”.
Segundo Crochík (2011a), as atitudes preconceituosas podem se engendrar de várias formas. Um
bom exemplo desse polimorfismo é a rejeição velada. O indivíduo preconceituoso finge-se de morto
perante o objeto que lhe gera estranheza. É uma reação semelhante à do animal que imita a natureza
para se defender do predador; expõe um olhar fixo que vendo além de alguém não consegue vê-lo.

Contextualizando os fatos, Adorno e Horkheimer (1978) afirmam que, na história, a família


manifesta-se primeiro como uma relação natural que, com o transcorrer do tempo, vai se
modificando até chegar à moderna monogamia e, em virtude desse processo de modificação,
fomenta uma área distinta, que é a das interações privadas. A consciência ingênua observa as
interações privadas como uma fortaleza situada em pleno fluxo da dinâmica social, um resíduo do
estado natural. No entanto, a família não só está ligada à realidade social, como também está
socialmente mediatizada.

A Igreja Universal do Reino de Deus, de fato, expõe um problema social bastante evidente
na contemporaneidade, porém a mesma analisa a problemática de forma precária e incipiente,
44

tentando preservar o modelo de família burguesa. No documento audiovisual V1, o bispo Renato
Cardoso cita a seguinte assertiva:

[...] em países mais desenvolvidos a cultura é o seguinte: o filho completou


dezoito anos, então, ele é encorajado pelos pais a sair do ninho, sai fora,
vai arrumar um trabalho, morar sozinho, pagar suas contas, para quê, para
você desenvolver a sua independência, a sua responsabilidade. É uma
maneira, eu vejo, tem o seu lado positivo porque força o jovem a começar a
ser mais maduro, ou seja, mais responsável com ele mesmo.

Silva (2002) afirma que os países economicamente dependentes e culturalmente colonizados


importaram crenças arcaicas fomentadas no interior de nações ricas como os Estados Unidos. Esses,
apesar da alcunha de cultura superior, conservam-se sob a proteção da fé enraizada em poderes
sobrenaturais. Ao passo que sua pobreza cultural expressa a regressão engendrada pelo grau de
sobreposição da racionalidade técnica à subjetividade pré-estabelecida pelos protótipos da cultura
de massa, a inclusão desses conteúdos na esfera cultural dos países subdesenvolvidos alimenta a
retórica da dominação processada por intermédio do mercado financeiro. Na especificidade da
americanização brasileira, a absorção desses padrões corresponde ao colonialismo econômico a que
se sujeita como garantia de uma subcompetitiva no âmbito das relações globais. Com isso, esse
fenômeno descrito por Silva pode ser nitidamente observado na IURD, pois a mesma alicerça sua
teologia nos seguintes pontos: dom da cura; incorporação de recursos tecnológicos ao culto;
combate ao demônio; afrouxamento das constrições e regras comportamentais tradicionais dos
históricos; e na “teologia da prosperidade”.

Conforme Santos (2006), a teologia da prosperidade tem sua gênese ligada à sociedade
estadunidense1. Segundo a mesma, a prosperidade deve ser amplamente valorizada e almejada, em
detrimento, o discurso teológico que pregava o sofrimento terreno passou a ser desvalorizado.
Assim, dentro da perspectiva neopentecostal, o que vale é o presente, embora os fiéis continuem
almejando o seu lugar no reino celestial.

A ideologia professada pela Igreja Universal impregna-se na consciência do indivíduo


religioso. Sob a égide da IURD, o fiel constrói sua concepção de mundo, por exemplo, a estrutura
familiar de grande parte dos iurdianos segue o modelo tradicional burguês altamente veiculado por
essa instituição religiosa. Portanto, a Universal caracteriza-se como uma disseminadora do modo de
vida capitalista, cujos Estados Unidos são a máxima expressão.

1
Devido à suma expressividade da temática “prosperidade”, fomentou-se uma categoria essencialmente ligada à análise
da mesma.
45

Analisando os fatos, a fala do bispo Renato Cardoso vai ao encontro do supracitado, já que o
mesmo exalta o modelo norte-americano de vida. O líder religioso mostra a conjuntura social dos
países desenvolvidos como exemplo a ser seguido, expondo os tentáculos dos preceitos
estadunidenses no discurso institucional de tal religião. Além disso, no documento V2, as falas dos
bispos Renato e Edir despontam um objeto tipicamente do sistema capitalista, refletindo o
engajamento da IURD ao sistema sócio-alienante:

A família, casamento, é uma empresa que você tem que administrar (Edir
Macedo).

Sem fazer o que é certo para seu marido ou esposa, sem fazer o que é certo,
ao seguir as leis que regem um bom casamento, a empresa do casamento,
não há como você ter um casamento feliz. As pessoas entendem muito bem
disso lá fora, por exemplo, nas empresas no momento que a pessoa é
admitida está sujeita a um conjunto de regras. Mas, no casamento parecem
que as regras não valem de nada (Renato Cardoso).

Ao conceber a família como uma empresa, o bispo Renato Cardoso destroça o véu do
sentimentalismo que cobria as relações familiares, reduzindo-as a meras ligações monetárias. De
acordo com Engels e Marx (1998), essa posição sacrocapitalista transforma a mulher em um mero
instrumento de produção. A concepção burguesa sobre a família e a educação fomenta-se de forma
repugnante à proporção que o capital destrói todos os laços familiares dos proletariados e converte
suas crianças em simples elementos de comércio, bem como instrumentos de trabalho.

Segundo Silva (2002), ao aderir aos preceitos onipotentes da teologia neopentecostal


legitimada, o fiel engloba de forma inconsciente os mecanismos psico-sociais básicos da sociedade
administrada. Isso proporciona a articulação do que há de mais moderno e primitivo em termos de
manipulação das massas. Nisso estão implicados os recursos sofisticados da indústria cultural,
representados pela sujeição regressiva ao tirano que se perfaz como um deus. Da identificação com
o relato do sofredor profissional, que cede seu depoimento nos programas de televisão evangélicos,
à subjugação irrestrita ao poder hipnótico da liderança espiritual nos cultos de libertação, esboça-se
um campo de circulação dos desejos e fantasias. Desagregado do potencial propriamente erótico, a
energia sexual rodeia os objetos religiosos que remetem à satisfação dos desejos infantis. A atuação
compulsiva das necessidades inconscientes mantém um estado de constante excitação que serve de
objeto para a dissolução paranoica e para as manifestações sistematizadas das pulsões destrutivas. O
sucesso do discurso religioso é mantido pela apropriação da fórmula da eficácia dos mecanismos da
indústria cultural.
46

Pormenores, uma das características básica do documento audiovisual V1 é justamente esse


jogo de identificação, onde um sofredor profissional cede seu relato, muitas vezes correlacionados
com a ausência de subjugação religiosa, e a equipe de conselheiros propõe um conjunto de ideias
para sanar a problemática:

Eu tenho aqui a pergunta da Vanessa, de Manaus, ela fala assim: Eu tenho


29 anos, meu esposo tem 36, me casei há dez anos e como brinde com a
mãe dele também. Moramos nos fundos da casa dela, sinto-me deslocada,
uma intrusa, ela manda e desmanda no filho. Meu marido diz que nunca vai
sair da casa da mão porque não tem dinheiro para comprar uma casa.
Como lidar com um filho adulto e único que casou e não quer sair de perto
da mãe? (Cristiane Cardoso)

Nós temos outra pergunta, ela diz: Sou noiva e pretendia casar-me este ano.
Mas, meu noivo começará a fazer faculdade e estou à procura de emprego.
Não estou conseguindo obter atenção para o nosso relacionamento. Já
pensei em terminar, mas vejo isto como ato de covardia. Não sei o que fazer,
isso está causando conflitos em nosso relacionamento (Cristiane Cardoso).

Nesse jogo, os sacerdotes acabam se valendo da identificação para a adesão maciça de


potenciais fiéis. Mas, o que se esconde por trás desse fato. De acordo com os estudos de Adorno e
Horkheimer (1978), tem-se que da relação com o pai, o filho absorve apenas uma ideia abstrata de
poder, desembocando na procura de um pai mais forte, um super-pai semelhante aos fomentados
pelas ideologias totalitárias. Esse pai, também, pode ser substituído por poderes coletivos, como a
universidade e instituições religiosas.

Para Freud (1996b), a imagem paterna pode ser transferida para grupos secundários e seus
líderes. Ademais, a escolha desses processa-se pelo mecanismo de identificação, ou seja, da
percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa. Retomando os estudos de
Adorno (2008), a mídia religiosa está caracterizada por líderes-heróis, pessoas capazes de resolver
seus problemas, sejam de forma negativa ou positiva. Identificando-se com o líder-herói, o
espectador acredita participar do poder que lhe é negado, enquanto se concebe como alguém débil e
fraco.

Nessa dinâmica ideológica, os indivíduos percebem a contradição e a sedução da


dominação, no entanto não resistem às mesmas. Esses ao assistirem um espetáculo sabem que
nunca serão iguais aos seus líderes; contudo se identificam com eles, sabem que aquilo é
impossível, contudo, não deixam de sonhar e apoiar a máquina de ilusões (CROCHÍK, 2008).
47

Outro fator que emerge dos documentos analisados é a caracterização dos papéis que cabem
a cada personagem da estrutura familiar:

Um dos papéis de uma esposa é apoiar o marido, bem como o marido a


esposa (Renato Cardoso).

Ela não falou se o sogro está na figura também; mas, eu diria se o seu
sogro também mora com a sogra, ali com vocês, eu o chamaria e falaria:
olha senhor fulano, eu queria abrir meu coração com o senhor porque,
como esposa, vejo seu filho um pouco acomodado com essa situação [...]
De repente, o senhor como pai poderia ter uma conversa de homem para
homem com o seu filho, pois quando vocês morrerem como ele vai cuidar
dessa família. Quer dizer, eu abriria meu coração com o pai, é uma
possibilidade, porém não sei que tipo de pai ele é, porque, às vezes, até o
pai é mandado pela mãe, mas isso é outro problema (Renato Cardoso).

A cultura que, infelizmente, em muitas famílias, é os pais serem muitos


protetores e possessivos com os filhos, especialmente as mães com os filhos.
Geralmente, o pai é mais voltado à prática, ele quer que o filho vá e lute.
Mas, a mãe quer ficar e segurar o filho, e sempre é o filho dela, mesmo
casado (Renato Cardoso).

Através de seu discurso, o bispo Renato concebe a família como uma propriedade patriarcal,
cabendo ao pai administrá-la da melhor forma possível. Logo em seguida, a mãe desponta como um
elemento mantenedor, nas palavras do bispo, a mãe é caracterizada como superprotetora e
propriedade do lar. No entanto, o discurso proferido apresenta certa contradição, pois ao explanar
sobre determinada problemática, o sacerdote acaba fomentando um papel que difere do
anteriormente exposto:

Você tem que se perguntar, primeiramente, sobre os seus objetivos. Quais os


seus objetivos nesta relação e, também, seu plano de carreira. Em seguida,
você deve fazer a mesma pergunta a ele. Pois parece que ele está
determinado na carreira, ele quer fazer faculdade, então, com certeza, ele
tem objetivo (Renato Cardoso).

Por conseguinte, observa-se certa ambiguidade, já que o bispo defende a figura tradicional
materna, ao passo que incentiva as mulheres a tomar uma posição que difere da mesma. Ou seja, o
líder, inconscientemente, acaba por destruir o modelo família que tanto defende. Para corroborar o
exposto, cita-se o seguinte estudo de Adorno e Horkheimer (1978) sobre a degradação da família
48

nuclear burguesa. Segundo os autores, a crise da família é de origem social e não é possível
concebê-la como simples sintoma de degeneração. Enquanto esse modelo familiar assegurava
conforto e proteção, a sua estrutura encontrava-se justificada. Para além: a herança, por si mesma, já
era um bom motivo para a obediência à figura paterna. No entanto, na atualidade, as transformações
sociais acabaram por dissolver o conceito de herança e, por conseguinte, o poder paterno. Essa
perca da autoridade paterna é bastante visível no processo de autonomia das filhas, já não mais
vinculadas às condições doméstico-arcaicas. Essas podem, na contemporaneidade, ganhar o seu
próprio sustento fora de casa, como operárias ou profissionais liberais.

A crise na família tradicional também toma o aspecto de uma prestação de contas, não
apenas pela opressão brutal que sofreu a mulher, mais fraca, e depois os filhos, por parte do pai, até
o despontar dos novos tempos, mas também pela falta de justiça econômica que se executava, pela
escravização no labor doméstico (ADORNO E HORKHEIMER, 1978). A família também perdeu,
embora de forma não totalizante, a autoridade sobre as questões sexuais; como a família já não
proporciona, de forma segura, a vida material dos seus integrantes nem pode resguardar
suficientemente o indivíduo contra o mundo exterior, que executa uma pressão cada vez mais
inflexível, a família torna-se impotente na manutenção das normas sexuais tradicionais.

Por fim, sintetiza-se o discurso institucional religioso da IURD acerca da família, nos
seguintes pilares: pregação teológica contraditória e preconceituosa; ascese religiosa moderada,
embora com certo tom de ortodoxia; concepção familiar interligada à obra máxima do sumo criador,
Deus; e dinâmica religiosa correlacionada à propagação da ideologia burguesa.

4.4. INTOLERÂNCIA A OUTRAS FORMAS DE RELIGIOSIDADE

Essa categoria destaca-se pela extrema relevância da temática intolerância religiosa na


sociedade contemporânea. Explana-se que o objetivo máximo dessa discussão está centrado na
intolerância religiosa da IURD para com outras formas de crença. A análise processar-se-á com os
elementos extraídos do documento audiovisual V2.

Primeiramente, relata-se que devido os documentos estarem direcionados a temática família,


o elemento intolerância religiosa aparece de forma acanhada e implícita. Através disso, realizaram-
se pequenas consultas a um diversificado arcabouço teórico correlacionado à IURD. Esmiuçando o
documento V2, destaca-se a fala do bispo Edir Macedo:

Mas, é como na bruxaria diz o seguinte; às vezes, a pessoa tem um santo, o


marido tem um santo de frente; e a mulher tem outro santo de frente. Então,
a cabeça dos dois está dominada por estes espíritos (Edir Macedo).
49

De acordo com Alves e Hieda (2011), o discurso institucional religioso do bispo Edir
Macedo caracteriza-se como preconceituoso e agressivo. Esse líder espiritual concebe a doutrina
religiosa da Igreja Universal do Reino de Deus como única crença interligada ao Deus cristão.
Corroborando a assertiva, destaca-se o tom pejorativo atribuído a elementos de outras religiões. No
discurso supracitado, o bispo Edir Macedo unifica várias vertentes religiosas, provavelmente
crenças de matriz afro-brasileiras, denominando-as de “bruxaria”. Para quem não conhece a
ideologia ritualística dessas práticas religiosas, a influência do discurso institucionalizado fomenta-
se como fator de pré-concepção acerca do fenômeno tratado.

Segundo Crochík (2011a), o preconceituoso não ver o seu alvo de preconceito a partir dos
diversos predicados que possui, reduzindo-os ao nome que não permite a evocação: homossexual,
louco, negro, “bruxo”, etc. Um indivíduo crente de uma determinada facção religiosa não é somente
crente de tal instituição religiosa, também é homem ou mulher, adolescente ou criança, pobre ou
rico, sensível ou insensível, trabalhador ou proprietário, casado ou solteiro, etc. Embora o indivíduo
possua diversas características, o que passa a designá-lo é o termo que denomina o preconceito. A
esse fenômeno são correlacionados outros atributos que se fomentam em estereótipos. Portanto, um
indivíduo pertencente à Umbanda é compreendido dentro de um estereótipo como: macumbeiro,
pagão, amoral, etc.

O preconceito funciona como um tabu; um fenômeno vivenciado angustiosamente no


passado, perpassado na imaginação, que se coloca de sobreaviso sempre que algo ou alguém expõe
o mesmo. Visto isso, como tabu, este abarca um ritual “a propagação das mesmas reações
estereotipadas” (CROCHÍK, 2011a). Estes estereótipos são propagados pela cultura e se
demonstram propícios à estereotipia do pensamento do indivíduo preconceituoso, solidificando o
preconceito e servindo para a sua corroboração. Ademais, os mesmos são produzidos e excitados
por uma cultura que pede definições exatas, através de suas diversas esferas: família, mídia, igreja,
etc., nas quais a dúvida deve ser eliminada do pensamento e a certeza precisa tomar o lugar da
verdade que aquela ação indica.

Em seu livro “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios”, o bispo Edir Macedo relata
que os brasileiros herdaram, das crenças religiosas dos índios nativos e dos escravos oriundos da
África, algumas “religiões” que vieram mais tarde a ser solidificadas com doutrinas esotéricas.
Adiante, o bispo afirma que, com o decorrer dos séculos, houve uma mistura curiosa e diabólica de
mitologia africana, indígena brasileira, espiritismo e cristianismo, desembocando na criação de
cultos fetichistas como a umbanda, a quimbanda e o candomblé. No interior dessas seitas, os
demônios são adorados, agradados ou servidos como verdadeiros deuses.

Em tal obra, o líder religioso manifesta de forma explícita um comportamento


50

preconceituoso para com as demais crenças religiosas, principalmente as de matriz afro-brasileiras.


Contudo, como é possível uma religião dita fraterna e solidária, professar a discriminação e a
exclusão, sendo a intolerância religiosa amplamente aceita por seus membros?

Para Jodelet (2004), tal indagação proporciona a busca nos processos psicológicos, dos
fenômenos que não podem ser explicados somente pelas análises históricas e econômicas. Calcada
nos estudos de Freud, a teoria da frustração ressalta a mesma como desencadeadora de
comportamentos hostis. A impossibilidade de se atingir determinado objetivo é causa determinante
de cólera. Para além, não necessariamente, a descarga desta, volta-se para o fator de frustração,
sendo em sua grande maioria voltada para alvos mais fáceis como grupos minoritários.

Traçando-se um paralelo entre o supracitado e a submissão ao poder autoritário, torna-se


possível a compreensão da seguinte notícia:

O babalorixá Érico Lustosa (foto) está acusando um grupo de evangélicos de tentar invadir
no domingo (15) à noite um terreiro de matriz africana e afro-brasileira no Varadouro, em
Olinda, na Grande Recife (PE) [...] “Eles [os evangélicos] gritavam ‘sai daí, Satanás’, e
forçaram o portão”, disse Lustosa. “Foi aí que me coloquei em frente ao portão e meu filho
começou a gravar”. A polícia está investigando, mas ainda não foram apontados os
responsáveis pela intolerância. Os evangélicos seriam da Igreja Universal do Reino de Deus
(PAULOPES, 18 jul. 2012).
Ora nada mais natural que os fiéis de tal denominação religiosa manifestem esse tipo de
comportamento, pois são constantemente bombardeados por elementos preconceituosos
impregnados no discurso institucional religioso. Conforme Jodelet (2004), Adorno, Frankel-
Brunswick, Levinson e Sanford, pesquisadores relacionados à escola de Frankfurt, associaram
ideologia e personalidade para dar conta das tomadas de posições antidemocráticas e racistas. Esses
postularam que crenças que aparentemente não apresentam correlação entre si, estão ligadas por
uma interação psico-dinâmica. Portanto, ações econômicas e políticas do tipo conservadora, o
etnocentrismo, impregnado por uma rejeição aqueles que são diferentes, fazem parte do anti-
semitismo e dos elementos de personalidade que delineiam o autoritarismo.

Ideologicamente, infere-se que o bispo Edir Macedo estrutura a espinha dorsal de sua
pregação entorno de certo etnocentrismo. Para o sacerdote, as demais religiões caracterizam-se
como primitivas, decrépitas, fetichistas e demoníacas, ou seja, crenças inferiores ao
neopentecostalismo. Segundo Chauí (2008), a ideologia burguesa caracteriza-se pela conversão das
ideias da classe dominante em ideias preponderantes para todas as esferas sociais. Interligando os
fatos, a Igreja Universal do Reino de Deus, instituição visivelmente ligada ao sistema capitalista
imperante, impõe sua teologia como única forma de adoração ao criador. Através disso, a IURD
fomenta uma cruzada “antipagãos” impondo sua ideologia religiosa como única fé verdadeira.

Outra particularidade que emerge do submundo oratório da Igreja Universal do Reino de


51

Deus, explicitamente palpável nas assertivas teológicas, constitui-se na correlação entre problemas
sócio-psico-fisiológicos e possessões espirituais. Tal associação manifesta-se de maneira
esplendorosa na seguinte fala de Edir Macedo:

Um casal sincero, inteligente, empresário, um profissional da área jurídica,


ele me procurou e disse assim: bispo, nós nos amamos, nos amamos
mesmos. Tanto é que quando nos separamos, nós sentimos uma falta um do
outro, ligamos, enfim, mas quando estamos juntos não podemos ter uma
casa. [...] Mas, não podíamos unir os nossos objetos, porque toda hora era
briga, qualquer coisa havia demanda. Dito e feito, quando nós oramos e
impomos as mãos na cabeça deles, então, o espírito familiar, o espírito que
causa demandas, manifestou, e depois de ser arrancado, então, mudaram
de vida (Edir Macedo).

Segundo Ávila (2009), na teologia da IURD, o demônio é o causador de todas as aflições da


vida do fiel e da sociedade. Visto isso, essa instituição sacroempresarial apresenta um leve hábito de
denominar seus demônios, nomenclaturas, em parte, relacionadas a entidades cultuadas nas
religiões afro-brasileiras. Para a Igreja Universal os exus, pombagiras e orixás são a origem dos
males e problemas que afetam os fiéis no seu cotidiano. Por conseguinte, os pais e mães-de-santo
são agentes do mal ou “Pais e Mães-de-Encosto”.

A “Guerra Santa” anunciada pela IURD dissemina-se através de discursos e pregações dos
líderes religiosos. Esses sacerdotes atribuem aos sistemas religiosos de matriz africana todo o mal
contido na personificação do Diabo Cristão, seja em seus cultos, programas de rádio e/ou
televisivos (ÁVILA, 2009).

Fomentando um talk show demoníaco, a Igreja Universal leva os fiéis ao êxtase da extrema
unção. Os líderes religiosos proferindo a palavra de Deus curam enfermos, conjuram demônios,
transformam homossexuais em heterossexuais, sanam dívidas, abençoam objetos e ressuscitam os
mortos.

Nessa conjuntura, a IURD acabou por criar uma relação de intensa troca de símbolos e
inversão de seus conteúdos originais, o que denota certa plasticidade da instituição que assimila
elementos de outras religiões compondo uma nova oratória (ÁVILA, 2009). Não nega a existência
dos deuses afro-brasileiros, porém modifica seu significado, e contraditoriamente, no seu processo
de constituição, fomentou, pela guerra santa, uma antropofagia da fé inimiga, tornando-se
semelhante ao inimigo, portanto, colocando-se numa posição que a assemelha às religiões afro-
brasileiras.
52

Exemplos dessa antropofagia religiosa não faltam na ritualística iurdiana: Sessão do


Descarrego, correntes, uso de perfumes, fitinha vermelha, rosas amarelas, sal grosso, entre outras
coisas, que são imitadas das religiões afro-brasileiras (ÁVILA, 2009).

Para enfrentar essa cruzada iconoclasta neopentecostal, as instituições religiosas de matriz


afro-brasileiras vêm buscando maior representatividade no cenário político, na mídia, no judiciário
e junto à sociedade civil (ÁVILA, 2009). Ou seja, a tática que tem sido aplicada por aquele grupo
religioso, não é a violência, a invasão de igrejas da IURD, mas a tentativa de executar a mesma
tática do inimigo, política e mídia.

Em suma, a intolerância a outras formas de religiosidade aparece ora implícita, ora


explícita no discurso institucional religioso da Igreja Universal do Reino de Deus. O bispo Edir
Macedo caracteriza as demais religiões como primitivas, fetichistas, satânicas, extremamente
inferiores ao neopentecostalismo iurdiano. Por meio dos fatos, os líderes da Igreja Universal calcam
sua teologia na mais extrema intolerância, bem como pregam o preconceito e a violência
banalizada.

4.5. AMOR CONJUGAL

Devido à ampla expressividade da temática “amor conjugal”, fez-se necessária a criação da


categoria em questão. Primeiramente, no documento audiovisual V2, os bispos Renato e Cristiane
Cardoso interligam amor conjugal à religião:

É como querer se molhar sem entrar na água. Eu quero molhado, mas não
quero a água. É impossível. Eu quero o amor, mas não quero o autor do
amor (Renato Cardoso).

Não tem como. Você pode ter dinheiro, carreira, sabedoria e ser infeliz no
relacionamento. Pois esse relacionamento não tem Deus. Então, as pessoas
pensam que podem ter a felicidade que vem de Deus, sem Deus (Cristiane
Cardoso).

Nessa Perspectiva, os líderes religiosos concebem o amor conjugal como algo natural, obra
máxima do arquiteto universal, Deus. No livro “Casamento Blindado: o seu casamento à prova de
divórcio”, o bispo Renato Cardoso expõe que os problemas conjugais têm sua gênese ligada ao
Jardim do Éden. Para o sacerdote, a desobediência de Adão e Eva resultou em uma maldição que
afetou diretamente o relacionamento desses e de todos os seus descendentes. No Éden, Adão e Eva
viviam muito bem, em todos os sentidos. Eles receberam do Criador uma posição privilegiada na
53

Terra, com poder para fazer e acontecer. O homem foi colocado por sobre os demais seres vivos e
sobre toda a Terra. Esta autoridade também foi compartilhada com a mulher, pois toda natureza foi
colocada como serva do homem e da mulher.

O casal vivia no paraíso, pois, não tinham contas a pagar nem defeitos para apontar um no
outro. Mas, num belo dia, Eva desobedeceu a Deus e levou o marido a fazer o mesmo. Diante do
acontecido, Deus resolveu punir os infratores (CARDOSO & CARDOSO, 2012).

Deus Impôs ao homem:


E disse em seguida ao homem: “Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da
árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com
trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e
abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que
voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar.” Adão pôs à sua
mulher o nome de Eva, porque ela era a mãe de todos os viventes. O Senhor Deus fez para
Adão e sua mulher umas vestes de peles, e os vestiu. E o Senhor Deus disse: “Eis que o
homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal. Agora, pois, cuidemos
que ele não estenda a sua mão e tome também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva
eternamente.” O Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse a terra
donde tinha sido tirado (Gênesis 3: 17-19).

Para a mulher:
Disse também à mulher: “Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dores,
teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu domínio” (Gênesis 3: 16).

Segundo Cardoso e Cardoso (2012), Deus puniu o homem e a mulher subjugando-os aos
elementos de onde provieram: o homem ficou cativo à terra e a mulher, ao homem. Dentro de uma
perspectiva mais requintada, os líderes religiosos afirmam que, através dessa maldição, o homem
centrou sua dignidade no trabalho. O homem tem que trabalhar, pois Deus o designou como
provedor da família. Portanto, não há como aquele fugir dessa obrigação.

A maldição que cabe à mulher está relacionada à dependência dela aos anseios do marido.
Ou seja, a mulher estará sempre desejando algo do seu marido, e esse será o seu líder. Por
conseguinte, a esposa ficou dependente da aprovação do marido, e de ter nele a figura que realizará
seus desejos e ilusões. Para Cardoso e Cardoso (2012), os casais que se opõem aos fatos acabam
caindo no extremo oposto. O homem desiste de ser um vencedor, se torna fraco, um pamonha, um
peso para a família e para si; a mulher que se opõe ao homem torna-se azeda, petrificada,
inacessível para qualquer homem.

Nota-se que o machismo emerge das entranhas do discurso iurdiano, atribuindo à mulher
uma condição de eterna submissão aos desejos masculinos. O neopentecostalismo, como boa
religião cristã, alicerça sua teologia na literatura bíblica, principalmente nas partes que corroboram
54

seus preceitos ideológicos. Conforme Casagrande e Freitas (2013), a Bíblia foi escrita em uma
civilização patriarcal, ou seja, uma sociedade onde o poder estava centrado na figura masculina. Por
conseguinte, não surpreende que o primeiro pecado seja destinado a uma mulher, menos ainda que a
“mulher de Ló”, a “mulher do senhor de José”, a “mulher de Jó” e Dalila, fraquejem diante do
pecado. Outro fator de valia constitui-se no anonimato de muitas mulheres bíblicas, suas vidas estão
diretamente interligadas a personagens masculinas, corroborando o patriarcado imperante.

A lei mosaica, conjunto de regras dispostas no Pentateuco, é outro elemento que fundamenta
o machismo religioso. Por exemplo, segundo essa legislação sacra, a mulher, no seu período
menstrual, é considerada imunda e tudo que pegar será considerado imundo. Contextualizando os
fatos, os hebreus, nessa conjuntura temporal, haviam saído das terras do Egito e eram vulneráveis
quantitativamente perante qualquer povo belicoso, logo deveriam incentivar a natalidade para
suprimir essa defasagem. Nesse cenário, não surpreende, que em uma civilização sem domínio da
ciência médica, se apelasse para o espiritual, a vontade de Deus, para manter a mulher no ambiente
domiciliar durante seu período fértil, conceder a mulher viúva para o irmão do falecido e assegurar
que o homem não gaste seus espermas em atividades sem fins reprodutivos (CASAGRANDE;
FREITAS, 2013).

No livro “O Bispo: a história revelada de Edir Macedo”, o sacerdote, fonte de inspiração


para tal obra literária, em uma espécie de perguntas e respostas, afirma que não há machismo em
sua instituição religiosa:

Não somos machistas na Igreja Universal. Temos pastoras. A mulher é tão importante
quanto o homem. Faço questão de promover o casamento para os dois se tornarem uma
família só. É óbvio: se não existe família, não existe igreja. O mais bonito na mulher é sua
simplicidade, a elegância de sua discrição.

Através de um discurso maquiado, o bispo Edir Macedo professa de forma implícita uma
pregação altamente machista. Pois, ao subjugar a mulher à família nuclear burguesa, acaba por
torná-la escrava de seu marido. De acordo com Pinto (2014), apesar do sacerdócio feminino, os
neopentecostais ainda reproduzem a cultura machista. É notável a atenção que a IURD dá ao tópico
relacionamento amoroso. O casamento é tido como objetivo máximo de toda fiel, ou seja, se não
está unida a um marido, a mulher encontra-se exposta a diversos males.

Dentro do documento audiovisual V1, um elemento preponderou de forma bastante


expressiva:

Nós temos que entender que, basicamente, dinheiro significa confiança, ou


seja, dinheiro quer dizer confiança. Quando você pega uma nota de
cinquenta reais, cem reais, seja qual for o valor, e você vai a uma loja, em
55

algum lugar, e você dá aquele dinheiro em troca de objetos ou serviços, o


que você está fazendo é depositando confiança nesses elementos [...] O
papel simboliza a confiança que colocamos ao adquirirmos algum produto.
Então, se temos a confiança que aquilo vai atender as nossas necessidades,
transferimos o dinheiro para a mão da outra pessoa. É mais ou menos
assim Cristiane, se você vai fazer o cabelo e não confia muito no
cabeleireiro, então, você não vai pagar aquele valor, você só paga o valor
se confia que vai ser satisfeito (Renato Cardoso).

O que as pessoas não veem é o seguinte: dinheiro quer dizer confiança. Daí
surge à ligação com o amor porque confiança é à base do amor. Então, se
não há confiança, não pode haver amor (Renato Cardoso).

Renato, eu acho muito interessante porque foi lá nos Estados Unidos que
você descobriu aquela estatística do dinheiro como principal causa dos
divórcios. Eu achei isso um absurdo, quando você pensa dinheiro e
casamento, você imagina que não tem nada haver, pois amor é amor, vence
tudo. Só que muitas pessoas, na verdade, estão perdendo a confiança. Por
isso, o dinheiro fica ali, como aquela árvore que só a folha que aparece
(Cristiane Cardoso).

Observa-se que o casal de sacerdotes fomenta uma espécie de Reificação às avessas, pois, ao
igualar amor e dinheiro, acabam transformando um elemento abstrato em algo concreto. Na sua
obra História e Consciência de Classe, Lukács afirma que o sistema capitalista caracteriza-se pela
dominação do valor de troca, como dominação abstrata que as coisas desempenham sobre os
sujeitos. O estudioso expõe o fetichismo como uma questão exclusiva do capitalismo moderno,
ainda que as relações mercantis já existissem em etapas primitivas da sociedade, apenas na
contemporaneidade ela tornou-se universal, com o poder de influenciar todas as esferas sociais,
inclusive a igreja (CROCCO, 2009).

O caráter fetichista da mercadoria como forma de objetividade e o comportamento do sujeito


inserido neste processo formam a base central dos estudos sobre Reificação. Segundo Silva (2002),
a submissão de certas denominações religiosas ao modelo da técnica alienada configura uma forma
prototípica de administração do sentimento de desamparo e da ideação onipotente. A incorporação
de conteúdos regressivos da personalidade às concepções religiosas favorece a sustentação dessa
ideologia, sem que exista um campo de fomentação racional de suas proposições. Embora estejam
próximos da irracionalidade, é em resposta a certas necessidades psíquicas que esses elementos se
fundem às consciências pessoais. Por conseguinte, o fetichismo da mercadoria envolve a
56

experiência religiosa com as mesmas características que a indústria cultural assimila os conteúdos
da cultura clássica.

A ideologia da racionalidade tecnológica impregna-se na compreensão do real. Para além,


esse ideário sustenta a mentira manifesta e representa a supremacia da totalidade sobre o particular:
o afastamento da consciência acerca da aflição existente interligada à instrumentalização da fé e da
razão (SILVA, 2002).

Adiante, os bispos Renato Cardoso e Edir Macedo expõem que os problemas conjugais são
oriundos de fatores externos, espíritos. Para os sacerdotes, as entidades demoníacas assediam as
famílias não iurdianas, provocando conflitos, bregas, desentendimento e demandas:

Normalmente, o espírito do ódio, o espírito, por exemplo, do egoísmo, o


espírito do ciúme, o espírito da demanda, é que faz possível haver conflitos
entre duas pessoas que se amam, porque elas se amam (Edir Macedo).

Então, são valores que você agrega no seu coração, mudando os seus
pensamentos, por conseguinte, seus comportamentos com relação à outra
pessoa que você ama, mas não sabe que ama. Você está buscando
sentimento, e esse sentimento não é divino porque o espírito do desamor
está no mesmo (Edir Macedo).

[...] Eles depois de horas brigando, não chegam à conclusão nenhuma, não
lembram nem do motivo da briga. Parece que o santo de um não cruza com
o santo do outro. Realmente, há um espírito de confusão entre eles (Renato
Cardoso).

Quando uma pessoa entende que precisa alcançar um espírito maior, uma
força maior, que é o espírito de Deus, o espírito de Deus é o espírito do
amor, do entendimento, da compreensão, da paz, da gentileza, do ouvir,
enfim, é o espírito de tudo que é bom [...] você precisa buscar esse espírito
superior, esse espírito maior, o espírito do amor, para afastar de vocês esse
espírito de inimizade, de briga constante, de ciúmes e de tudo de ruim que
acontece entre vocês (Renato Cardoso).

Conforme Silva (2002), a perda de consciência social e o estranhamento dos próprios


desejos possibilitam deslocar as causas do mal no desconhecido, no espaço exterior com o qual não
há identificação. Nessa perspectiva, a frialdade da técnica dissociada da aflição humana e a projeção
do mal na imagem demônio obstruem a interação espontânea com a aflição objetiva. A frialdade
oriunda da execução da técnica preserva a alienação dos homens em relação aos comandos sociais
57

efetivos aos quais se sujeitam inconscientemente. Dopados pela afetividade impregnada no discurso
religioso, os fiéis não notam que processos sociais são individualizados na figura de satanás, ou
seja, o drama da vida real é subjugado ao campo fictício da batalha sobrenatural. Por meio disso, a
Igreja Universal consegue explicar toda sorte de enfermidades que acometem seus fiéis.

A IURD não só se restringe a explicações, ela também propõe soluções para os problemas
cotidianos. O indivíduo neopentecostal deve-se submeter à disciplina iurdiana, pois sem a mesma
não sanará suas aflições. Com esse poder em mãos, a Igreja Universal molda os fiéis, influenciando,
até mesmo, na sexualidade desses. Para o Bispo Edir Macedo, em sua biografia autorizada, a
heterossexualidade é a única forma de expressão sexual abençoada por Deus. Em oposição, a
homossexualidade é algo não bíblico, uma escolha pecaminosa que desagrada à vontade do Criador.

De acordo com Silva (2012), a pregação neopentecostal está calcada no discurso cristão
medieval, o qual concebia a homossexualidade como um estado de possessão satânica. Essa
conjuntura possibilitou o surgimento de práticas proibitivas a cerca da homossexualidade, sendo
relegada a uma posição de anormalidade. Nos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus, os
líderes religiosos prometem curar a homossexualidade, pois, para os mesmos, os homossexuais são
heterossexuais que tiveram seus corpos dominados por demônios.

Através do arcabouço teórico supracitado, expõe-se que a IURD concebe o amor conjugal
como algo natural, obra máxima de Deus. Para os líderes dessa instituição religiosa, os conflitos
conjugais são oriundos de fatores sobrenaturais, espíritos malignos, que, na maioria das vezes,
atacam casais não iurdianos. Dento disso, como única forma de sanar tal problemática, a Igreja
Universal acaba enquadrando seus fiéis em uma disciplina rígida de papéis, onde a mulher desponta
como submissa, e o homem como provedor. Nessa dinâmica, a IURD acaba por promover o
machismo, além da intolerância ao que difere dos padrões de heteronormalidade.

4.6. PROSPERIDADE

A categoria em questão encontra-se centrada nos dados extraídos do documento audiovisual


V1, bem como na literatura institucionalizada da Igreja Universal do Reino de Deus. Expõe-se que
a temática prosperidade ocupa uma posição de destaque na teologia neopentecostal e, por isto,
justifica-se a criação de tal categoria.

Nas falas dos bispos Renato e Cristiane Cardoso, a prosperidade é colocada como meta
principal do fiel iurdiano:

[...] acabando com a esposa dele porque o mesmo já afirmou que não tem
dinheiro. Ou seja, não vai trabalhar para aquilo, [...] Renato, na verdade
58

tem outro problema porque ele também não está investindo na família que
supostamente possui, pois ele ainda mora com a mãe, achando que a
família dele é ali naquela casa (Cristiane Cardoso).

Você deve deixar de fazer disso um problema e utilizar a situação para se


unir ao seu marido. Porque se você não tomar cuidado, esse assunto de
dinheiro se tornará uma muralha entre vocês, ou seja, você vai esfriar com
ele, ficar com raiva dele, e isso vai ocasionar outros problemas no
casamento. Então, não adianta você bater de frente com ele agora, mas,
sim, motivá-lo a ter visão para que lá na frente seja influenciado por ela
(Renato Cardoso).

Ter um plano, os homens, especialmente, tem que entender esta


importância, o quão importante é para a mulher que saiba o que o futura
vai trazer para a mesma [...] não ter nenhum é muito frustrante. A gente que
consegue viver de dia após dia (Renato Cardoso).

Observa-se que, a todo o momento, o casal de sacerdotes centraliza seu discurso na tão
proferida prosperidade. Segundo Sousa (2011), ao elaborarem seus discursos sob a luz da Teologia
da Prosperidade, os líderes religiosos constroem uma clara hierarquização entre emissor e receptor
da pregação sacra. O sumo criador não fala diretamente ao fiel, ele fala através do pastor, e o fiel
tem de escolher se quer ou não acreditar na palavra. Diversos elementos são utilizados para tornar
crível a pregação do sacerdote: os depoimentos de vida, o apelo à Bíblia para confirmar suas
pregações, sua experiência de vida, dentre outros. Se os teólogos da prosperidade não aterrorizam
os fiéis com o fogo do inferno, admoestam para as consequências, na vida mundana, da
incredulidade, uma vida sem bênçãos, ou seja, sem bens materiais.

Para uma melhor compreensão dos fatos, retomando o exposto na fundamentação teórica,
faz-se necessária uma contextualização histórica acerca da gênese do protestantismo. Conforme
Dalgalarrondo (2008), o protestantismo surge no século XVI, através das obras de Lutero e Calvino.
Em 31 de outubro de 1517, o monge alemão Martinho Lutero propõe suas 95 teses. De acordo com
Bowker e Edwards (2004), Lutero fomentou uma campanha contra quase todo o sistema medieval.
Da Alemanha, a Reforma Protestante expandiu-se para a Escandinávia e outros países do norte
europeu.

Já Calvino professava que Deus predestinara os crentes ao paraíso e os ímpios ao inferno.


Segundo Bowker e Edwards (2004), o código de Calvino era rígido. Muitos fiéis resistiam à
coerção da moral severa que Calvino estabelecera. Adiante, a influência de Calvino solidificou-se
59

sobre as pessoas que se sentiam escolhidas por Deus.

Nessa conjuntura, emerge uma nova teologia cristã centrada no labor. O fiel, para ser um
bom cristão, deve ir ao encontro de suas obrigações diárias. Para Calvino a vida correta e exitosa é a
confirmação máxima da graça divina. Com o surgimento da Reforma Protestante, a ascese cristã
imerge na vida mundana, fecham-se atrás de si os portões do mosteiro (DALGALARRONDO,
2008; WEBER, 2004).

A máxima da “ética” protestante consiste em acumular mais e mais dinheiro, privando-se do


gozo imediato da riqueza ganha. A disciplina protestante agiu contra o gozo desenfreado dos bens
materiais. O fiel, com a pretensão de manter-se dentro da moral cristã, podia perseguir seus desejos
de ganância, no entanto, não devia abrir mão de sua moral, muitos menos fazer de sua riqueza algo
escandaloso. O poder da ascese religiosa, além do citado, fomentava trabalhadores altamente
eficientes e dedicados, entorpecendo os mesmos com uma promessa de um futuro melhor no plano
extracorpóreo (WEBER, 2004).

Através do exposto, infere-se que o protestantismo está intimamente ligado ao sistema


capitalista. Tal concepção religiosa, por meio de sua ascese, sustenta a coluna dorsal desse sistema
sócio-exploratório. No entanto, observa-se certo afrouxamento da teologia cristã tradicional por
parte do neoprotestantismo.

O neopentecostalismo baseia-se no dom da cura, incorporação de recursos tecnológicos ao


culto e ao proselitismo, adequação de seus rituais para grandes massas, intenso combate ao demônio
e certo afrouxamento das constrições e regras do protestantismo tradicional. Os crentes devem
possuir e desfrutar os bens do mundo: prosperidade financeira, saúde plena e amor. Por meio disso,
a IURD prega que a pobreza é oriunda da falta de fé, transformando a atitude do fiel perante a
privação socioeconômica (DALGALARRONDO, 2008; MOLON, 2002).

Ao abandonar a pregação extramundana, a Igreja Universal gera uma conformação ao


sistema opressor e uma adequação ao modo de produção capitalista. Tornar-se rico está ao alcance
de qualquer um, porém isto só será possível se a igreja estiver colhendo dízimo; através de uma
lógica discursiva objetiva, o fiel é levado a acreditar que sua prosperidade está atrelada à
contribuição religiosa. O discurso iurdiano está impregnado da lógica neoliberal e individualista, a
pobreza é oriunda da falta de fé, é ausência da disciplina cristã, ou seja, é responsabilidade do fiel
(SOUSA, 2011).

Para a IURD, o dinheiro é o sumo representante da prosperidade terrena, símbolo mor da


consagração divina, responsável direto pela sanidade conjugal:

[...] Pois, têm muitas mulheres que pensam assim: vamos casar, o amor
60

supera tudo, o desemprego, os problemas financeiros. Não é bem assim, não


é bem assim. Nós estamos falando dos problemas que vêm com o dinheiro
(Cristiane Cardoso).

[...] Nós vamos economizar um dinheiro, então, em tal ano nos casaremos.
Quer dizer, será que ele já sentou e passou para a noiva algum tipo de
planejamento, objetivando dar um norte ao relacionamento. Então, se ele
não fez isso, claro, há uma frustração dentro dela. Nós homens pensamos
assim: desde que haja comida na geladeira para hoje está bom. Semana que
vem, é semana que vem. Mas a mulher fica muito frustrada com isso tudo
(Renato Cardoso).

Olha só que interessante. É importante que um casal olhe e descubra o que


o dinheiro significa para ambos. Já que para muitas pessoas dinheiro não é
a mesma coisa. Por exemplo, alguns vêm o dinheiro como um meio de
satisfação [...] Outros, opostos a isso, vêm o dinheiro como uma forma de
proteção e segurança [...] Outros vêm o dinheiro, interessante isso aqui,
como um jogo, em que sentido, é mais ou menos como realmente um jogo.
Tem gente que nem precisa de dinheiro, por exemplo, os ricos. Mas, ela tem
prazer no dinheiro e no trabalho [...] Quando uma pessoa desse modo casa
com alguém que ver o trabalho como forma de ganhar dinheiro, então, o
casal começa a ter problemas, por causa dessas maneiras diferentes de
enxergar o dinheiro (Renato Cardoso).

Conforme Silva (2006), o neopentecostalismo reduziu a prosperidade ao campo econômico-


financeiro. Por meio disso, várias instituições neopentecostais construíram uma dinâmica em que a
religação com o sagrado é mediada e centrada no dinheiro. Por conseguinte, esse papel simbólico-
financeiro tornou-se uma ferramenta divina. Nessa concepção, dinheiro é algo natural, instrumental
e repercute como ajuda que, nas mãos humanas, serve para enfrentar dificuldades e catástrofes da
vida terrena.

Observa-se que a IURD, como as demais instituições neopentecostais, professa uma lógica
diferenciada acerca do dinheiro. Para o cristianismo medieval, a pobreza era algo recomendado, já a
riqueza era concebida como algo nocivo; não se deveria acumular dinheiro, morrer pobre era pré-
requisito para a salvação. Com o despontar do protestantismo, há uma resignificação do simbolismo
religioso. Agora, a prosperidade material não é algo maligno, mas, sim, sinal de bênção divina. No
entanto, tal graça divina deve ser acompanhada de uma ascese rigorosa, o gozo dos bens materiais
deve ser resguardado. Em oposição, o neopentecostalismo prega o usufruto das riquezas na Terra, o
61

fiel não deve se privar do consumismo desenfreado.

Segundo Junior (2007), ao fugir da teologia tradicional, a IURD expandiu seu mercado
religioso, pois na modernidade os indivíduos buscam a felicidade na Terra e não no plano
sobrenatural. O discurso iurdiano vai ao encontro da necessidade da população que vem sendo
afetada pelas crises constantes do capitalismo. O perfil do fiel da Igreja Universal está ligado à
figuro do “excluído social”.

De acordo com Molon (2002), dentro da lógica capitalista fomentadora da exclusão social, a
IURD apresenta uma estratégia eficiente de inclusão devida à exclusão, contudo, essa é uma
inclusão social perversa, que ilusoriamente está direcionada para os excluídos, ela chama todos para
si, mas somente serão eleitos aqueles que conseguirem vencer as artimanhas do demônio:
homossexualismo, bruxaria, prostituição, entre outros. Portanto, a fim de combater a lógica da
exclusão edifica-se uma lógica perversa de inclusão.

Enfim, o discurso iurdiano acerca da prosperidade encontra-se intimamente ligado ao


sistema capitalista. Os líderes dessa instituição religiosa expõe o êxito financeiro como prova
máxima da graça divina. Através dessa lógica, o fiel torna-se um consumista compulsivo, além de
um indivíduo altamente disciplinado ao modo de produção capitalista. Dentro disso, a IURD acaba
submetendo os indivíduos a uma lógica perversa de inclusão, onde somente os que se adaptarem aos
preceitos capitalistas serão inclusos.
62

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, através da análise dos dados, pôde-se constatar que há relação entre o discurso
institucionalizado da Igreja Universal do Reino de Deus e determinados elementos de violência na
contemporaneidade. Sob a luz da teoria crítica da sociedade, a presente pesquisa expôs os dados
coletados a um vasto arcabouço científico-literário interligado à corrente teórica supracitada. Visto
isso, tal fato possibilitou o entendimento da gênese do movimento neopentecostal no Brasil, bem
como sua interligação teológico-institucional à propagação de determinados elementos de violência
na contemporaneidade. Afirma-se que não somente a religião é responsável pela propagação dessa
lógica social perversa, mas, sim, todas as instâncias imersas nesse sistema sócio-decadente.

A pesquisa valeu-se de dois documentos audiovisuais, onde a temática família despontava


como elemento central das pregações. Primeiramente, dentro do material analisado, a família
aparece como algo natural, obra máxima do sumo criador. A todo o momento, o discurso
institucional iurdiano faz apologia ao modelo de união conjugal nuclear burguês. Por conseguinte,
as outras formas de conjuntura familiar são caracterizadas como inexistentes, ou seja, párias que
devem ser alvos de preconceito.

Além de preconceituoso, o discurso iurdiano é altamente contraditório; ao mesmo tempo


em que concebem a família como algo natural, os sacerdotes dessa instituição religiosa
responsabilizam a sociedade pela desagregação da mesma.

Adiante, a IURD encontra-se intimamente ligada à disseminação da ideologia burguesa,


visto que sua ritualística baseia-se na tão professada “Teologia da Prosperidade”, cuja gênese
centra-se na sociedade estadunidense, máxima expressão do sistema capitalista. Com tal ideologia
em mãos, os bispos destroçam a família, reduzindo-a a mera ligação monetária.

Nessa jogatina de templo e mercado, a Igreja Universal faz uso de mecanismos de


identificação para levar os fiéis a aderirem ao subjugo iurdiano. Nos cultos, um sofredor
profissional cede seu relato e a equipe de pastores propõe uma bagatela de ideias para dar fim a
aflitiva. Os fiéis ao assistirem a esses espetáculos religiosos sabem que nunca alcançaram as ideias
professadas pelos sacerdotes, porém se identificam com as assertivas, mesmo sabendo que são
impossíveis, não deixam de apoiar a fábrica de fantasias.

Ademais, o discurso iurdiano abriga uma irracionalidade lapidar. Ao delimitar os papéis


familiares, essa pregação religiosa impregna-se de um machismo arcaico e ardiloso, concebendo a
mulher uma posição decrépita e de extrema submissão à figura masculina, ainda que disfarçada com
uma ilusão de independência, principalmente pela inserção no mercado de trabalho.
63

No que tange a intolerância a outras formas de religiosidade, a IURD promove um


verdadeiro ataque as religiões não neopentecostais, principalmente as de matriz afro-brasileiras. Em
suas pregações, Edir Macedo mune-se de uma posição etnocêntrica, unificando as demais vertentes
religiosas sob a alcunha de “bruxaria”. Para o leigo teológico, a influência dessa assertiva fomenta
uma concepção altamente preconceituosa acerca das religiões não neopentecostais, fenômeno esse
corroborado pelas constantes agressões de fiéis iurdianos a membros das mais variadas
denominações religiosas.

Outro elemento que emerge da decrépita oratória da Igreja Universal constitui-se na


constante associação entre problemas sócio-psicológicos e possessões demoníacas. Segundo a
IURD, os demônios são os causadores de todas as aflições cotidianas, além disso, os mesmos estão
intimamente ligados às entidades cultuadas nas religiões afro-brasileiras.

Fomentando um talk show demoníaco, a IURD leva os fiéis ao êxtase do extremo


preconceito. Os sacerdotes armados com a palavra de Deus transformam homossexuais em
heterossexuais, sanam dívidas, convertem os incrédulos e expulsam demônios.

Retomando o casamento, nada melhor que uma base bíblico-machista para definir o que
vem a ser amor conjugal. Conforme o bispo Renado Cardoso, os laços que unem marido e esposa
têm sua gênese no Jardim do Éden. Visto isso, pela infração cometida na era adâmica; o homem
ficou cativo à terra e a mulher, ao homem.

De forma preconceituosa, o machismo emerge das entranhas do discurso iurdiano,


submetendo a mulher aos anseios masculinos. Através de uma jogatina maléfica, as fiéis
neopentecostais são levadas a acreditar que não há intolerância no seio da IURD, já que existem
mulheres pastoras. Pois bem, por meio de um discurso maquiado, os líderes da Igreja Universal
professam de forma implícita uma pregação machista. A todo o momento, a mulher é pressionada a
entrar no relacionamento conjugal, tornando-se dependendo do marido.

Com um discurso altamente midiatizado, a IURD bombardeia os lares brasileiros,


ressaltando os benefícios da adesão a sua ascese religiosa. O fiel é levado a acreditar que sua
felicidade está correlacionada aos preceitos iurdianos. Por meio disso, a Igreja Universal manipula a
vida dos fiéis, moldando, até, a sexualidade dos mesmos. Os líderes dessa instituição professam que
a heterossexualidade é a única forma de expressão sexual abençoada por Deus, enquadrando as
demais formas, principalmente a homossexualidade, a um estado de possessão demoníaca.

O discurso iurdiano, basicamente, gira em torno da prosperidade. Segundo os sacerdotes, os


crentes devem possuir e desfrutar dos bens mundanos, a pobreza é um sinônimo da ausência divina.
Ao abandonar a ascese cristã tradicional, a Igreja Universal fomentou uma conformação ao sistema
64

sócio-opressor, capitalismo. Para tal instituição religiosa, o dinheiro é o símbolo mor da


prosperidade terrena, sumo responsável pela felicidade conjugal.

Através das chagas sociais reforçadas e ampliadas pelo sistema capitalista, a IURD opera
uma lógica perversa de inclusão. A Igreja Universal chama os excluídos para si, porém só serão
salvos aqueles que conseguirem vencer as tentações demoníacas: bruxaria, homossexualismo,
luxuria. Logo, combatendo a exclusão fomenta-se uma lógica maligna de inclusão.
65

6. REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. As estrela descem à Terra: a coluna de astrologia do Los Angeles Times: um


estudo sobre superstição secundária. Tradução Pedro Rocha de Oliveira. São Paulo: Editora
UNESP, 2008.

ADORNO, T. W. Palavras e Sinais: modelos críticos 2. Tradução de Maria Helena Ruschel.


Petrópolis: Vozes, 1995.

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. (org.). Temas básicos da sociologia. Tradução de Álvaro


Cabral. São Paulo: Editora CULTRIX LTDA, 1978.

ALVES, A. A.; HIEDA, M. F. Intolerância Religiosa a Umbanda: a perseguição da Igreja Universal


do Reino de Deus aos Umbandistas. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, v. III,
n. 9, p. 01-08, jan/2011.

ÁVILA, C. A. de. Na Interface entre Religião e Política: origem e práticas da congregação em


defesa das religiões afro-brasileiras (CEDRAB/RS). 2009. 161p. Dissertação (Mestrado em
Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2009.

Babalorixá Acusa Evangélicos de Tentarem Invadir Terreiro. Paulopes, 18 de julho de 2012.


Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/07/evangelicos-sao-acusados-de-intolerancia-
religiosa.html#ixzz2U9F4ZTfH. Acessado em: 09 de novembro de 2014.

BÍBLIA. Português. Santa Bíblia. Tradução João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1993.

BOWKER, D.; EDWARDS, D. L. Cristianismo. In: BOWKER, J. (Orgs). O Livro de Ouro das
Religiões. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

BRONSZTEIN, K. R. M. P. P. ENSINANDO SOBRE O “AMOR INTELIGENTE”: Memória


Discursiva e Religiosidade Silenciada em The Love School da Igreja. In: XIII Simpósio Nacional
da ABHR, 2012, São Luiz. Anais..., 2012.

CARDOSO, C.; CARDOSO, R. Casamento Blindado: o seu casamento à prova de divórcio. Rio
de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2012.

CARONE, I. A dialética marxista: uma leitura epistemológica. In: CODO, W.; LANE, S. T. M.
(Orgs.). Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 2001.

CASAGRANDE, L. S.; FREITAS, L. B. de. As Mulheres e a Bíblia: de uma relação passível a


uma relação possível. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero, 2013, Florianópolis. Anais
66

Eletrônicos, 2013, Florianópolis, 2013. p. 1-12.

CHAUÍ, M. Histórico do Termo. In: CHAUÍ, M. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008.

CROCCO, F. L. T. Georg Lukács e a Reificação: teoria da constituição da realidade social. Kínesis,


São Paulo, v. I, nº 02, p. 49-63, out. 2009.

CROCHÍK, J. L. T. W. Adorno e a Psicologia Social. Psicologia & Sociedade, v. 2, n. 20, p. 297-


305, 2008.

CROCHÍK, J. L. O Conceito de Preconceito. In: CROCHÍK, J. L. Preconceito, indivíduo e


cultura. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011a.

CROCHÍK, J. L. Os Desafios Atuais do Estudo da Subjetividade na Psicologia. In: CROCHÍCK, J.


L. Teoria crítica da sociedade e psicologia: alguns ensaios. São Paulo: 2011b.

DALGALARRONDO, P. Religião, Psicopatologia e Saúde Mental. Porto Alegre: Artmed, 2008.

ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro,


2002. 192 p.

ENGELS, F.; MARX, K. Manifesto Comunista. Tradução Álvaro Pina. São Paulo: BOITEMPO
EDITORIAL, 1998. 254 p.

FREUD, S. O Futuro de uma Ilusão. In: FREUD, S. O Futuro de uma Ilusão, o Mal-Estar na
Civilização e outros trabalhos (1927-1931). Rio de Janeiro: Imago, 1996a.

FREUD, S. Psicologia de Grupos e Análise do Ego. In: FREUD, S. Além do Princípio de Prazer,
Psicologia de Grupo e outros trabalhos (1920-1922). Rio de Janeiro: Imago, 1996b.

GUIMARÃES, N. M. L. A Possibilidade de uma Transformação Social em Horkheimer: Da


Teoria Crítica à Crítica da Razão Instrumental. 2011. 130p. Dissertação (Mestrado em
Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal de São Carlos, São
Carlos, 2011.

IBGE. Censo Demográfico 2010, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2014. Disponível
em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficienci
a/tab1_4.pdf. Acessado em: 10 de jun. de 2014.

JODELET, D. Os Processos Psicossociais da Exclusão. In: SAWAIA, B. (Org). As Artimanhas da


Exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
2004.

JUNIOR, W. B. A Troca Racional com Deus: a Teologia da Prosperidade praticada pela Igreja
67

Universal do Reino de Deus analisada pela perspectiva da Teoria da Escolha Racional. 2007.
118p. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2007.

LEMOS, C; TAVOLARO, D. O Bispo: A História Revelada de Edir Macedo. São Paulo:


Larousse, 2007. 215 p.

MACEDO, E. Orixás, Caboclos e Guias Deuses ou Demônios. Rio de Janeiro: Universal, 16ª
edição, 1993.

MOLON, S. I. Culto dos Excluídos. In: NAMURA, M. R.; SAWAIA, B. B. (Orgs). Dialética
exclusão/inclusão reflexões metodológicas e relatos de pesquisa na perspectiva da Psicologia
Social Crítica. São Paulo: Cabral Editora Universitária, 2002.

NUNES, A. P. G. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NA MÍDIA


NEOPENTECOSTAL: uma análise da Folha Universal. 2011. p. 22. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação) – Curso de Mídia, Informação e Cultura, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2011.

PINTO, A. C. P. V. Presença Feminina na Liderança Neopentecostal Brasileira: as profetisas


do Espírito Santo e novas formas de adesão religiosa. 2014. 169p. (Dissertação em Antropologia
Social). Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

REIS, J. R. T. Família, emoção e ideologia. In: CODO, W.; LANE, S. T. M. (Orgs.). Psicologia
social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 2001.

SAFFIOTI, Heleieth I.B. Violência de Gênero: o lugar da práxis na construção da


subjetividade. Lutas Sociais, nº 2, PUC/SP, 1997, pp.59-79.

SANTOS, A. M. V. Sofrimento Psíquico e Neopentecostalismo – A Identidade Religiosa e a


Cura na Sociedade do Consumo e do Espetáculo. 2006. p. 121. Dissertação (Mestrado em
Psicossociologia) – Programa de Pós-Graduação do EICOS – Estudos Interdisciplinares de
Comunidades e Ecologia Social – Do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

SILVA, P. F. da. O Neopentecostalismo e a Ideologia da Racionalidade Tecnológica: a


instrumentalização da religião. 2002. p. 174. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002.

SILVA, D. E. da. A Sagração do Dinheiro no Neopentecostalismo: religião e interesse à luz do


sistema da dádiva. 2006. p. 291. Tese (doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação
em Sociologia – Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco,
68

Pernambuco, 2006.

SILVA, F. de S. C. B. de M. Um Corpo Estranho no Santuário: discursos institucionais e


experiências de indivíduos homossexuais entre pentecostais, neopentecostais e carismáticos
católicos. Sociais e Humanas, Santa Maria, v. 25, n. 01, jan./jun. 2012, p. 109-122.

SOUSA, B. de O. A Teologia da Prosperidade e a Redefinição do Protestantismo Brasileiro: uma


abordagem à luz da análise do discurso. Revista Brasileira de História das Religiões, Tocantins,
n. 11, set. 2011, p. 221-245.

WEBER, M. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Tradução José Marcos Mariani


de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 335 p.
69

APÊNDICES
70

Apêndice A – Tabela de Categorização de Manifestações dos Sujeitos


Correlacionados com os Documentos Analisados

(V1)

Família

Renato “Nós temos esse problema aqui no Brasil mais que em outros países,
por exemplo, em países mais desenvolvidos a cultura é o seguinte: o
filho completou dezoito anos, então, ele é encorajado pelos pais a sair
do ninho, sai fora, vai arrumar um trabalho, morar sozinho, pagar suas
contas, para quê, para você desenvolver a sua independência, a sua
responsabilidade. É uma maneira, eu vejo, tem o seu lado positivo
porque força o jovem a começar a ser mais maduro, ou seja, mais
responsável com ele mesmo. Então, ele já começa a aprender ganhar
seu próprio dinheiro, pagar o seu carro, saber o que é dívida, se
controlar, então, isso requer um desenvolvimento. Já no Brasil, o
sujeito está lá, como esse, trinta e poucos anos, quarenta anos,
cinquenta anos, comendo na cozinha da mamãe e do papai”.

“Ele está acomodado, o mesmo está querendo ser, na cabeça típica


masculina, prático. Ele pensa assim: bom, para que vou gastar
dinheiro, me matar de trabalhar para pagar uma casa, se tenho essa
casinha aqui nos fundos do quintal dos meus pais. Agora, ele não é
totalmente culpado disso, já que os pais têm sua parcela de
responsabilidade. A cultura que, infelizmente, em muitas famílias, é
os pais serem muitos protetores e possessivos com os filhos,
especialmente as mães com os filhos. Geralmente, o pai é mais
voltado à prática, ele quer que o filho vá e lute. Mas, a mãe quer ficar
e segurar o filho, e sempre é o filho dela, mesmo casado”.

“Ela não falou se o sogro está na figura também; mas, eu diria se o


seu sogro também mora com a sogra, ali com vocês, eu o chamaria e
falaria: olha senhor fulano, eu queria abrir meu coração com o senhor
porque, como esposa, vejo seu filho um pouco acomodado com essa
situação. Mas, ele não me ouve, e eu não vou ficar brigando com ele.
De repente, o senhor como pai poderia ter uma conversa de homem
71

para homem com o seu filho, pois quando vocês morrerem como ele
vai cuidar dessa família. Quer dizer, eu abriria meu coração com o
pai, é uma possibilidade, porém não sei que tipo de pai ele é, porque,
às vezes, até o pai é mandado pela mãe, mas isso é outro problema”.

“Há muitas ameaças que atacam o casamento da pessoa, pois a


sociedade está se transformando em uma sociedade anticasamento, ou
seja, as pessoas já não falam em casamento. Elas veem tantas pessoas
se divorciando, os pais se divorciando, os amigos se divorciando,
como posso ter certeza que não vou divorciar”.

“Você tem que se perguntar, primeiramente, sobre os seus objetivos.


Quais os seus objetivos nesta relação e, também, seu plano de
carreira. Em seguida, você deve fazer a mesma pergunta a ele. Pois
parece que ele está determinado na carreira, ele quer fazer faculdade,
então, com certeza, ele tem objetivo”.

“Achando porque não assinou um papel, ela vai proteger o


relacionamento de um divórcio”.

“Um dos papéis de uma esposa é apoiar o marido, bem como o


marido a esposa. Mas parece que vocês não estão sincronizados”.

Cristiane “Eu tenho aqui a pergunta da Vanessa, de Manaus, ela fala assim: Eu
tenho 29 anos, meu esposo tem 36, me casei há dez anos e como
brinde com a mãe dele também. Moramos nos fundos da casa dela,
sinto-me deslocada, uma intrusa, ela manda e desmanda no filho. Meu
marido diz que nunca vai sair da casa da mão porque não tem
dinheiro para comprar uma casa. Como lidar com um filho adulto e
único que casou e não quer sair de perto da mãe?”

“Aí que muitos começam a morar juntos sem o compromisso de


casamento”.

“Nós temos outra pergunta, ela diz: Sou noiva e pretendia casar-me
este ano. Mas, meu noivo começará a fazer faculdade e estou à
procura de emprego. Não estou conseguindo obter atenção para o
nosso relacionamento. Já pensei em terminar, mas vejo isto como ato
de covardia. Não sei o que fazer, isso está causando conflitos em
72

nosso relacionamento”.

Amor Conjugal
Renato “Nós temos que entender que, basicamente, dinheiro significa
confiança, ou seja, dinheiro quer dizer confiança. Quando você pega
uma nota de cinquenta reais, cem reais, seja qual for o valor, e você
vai a uma loja, em algum lugar, e você dá aquele dinheiro em troca de
objetos ou serviços, o que você está fazendo é depositando confiança
nesses elementos. Então, o dinheiro, na verdade, não é o papel, esse é
apenas o símbolo daquele. O papel simboliza a confiança que
colocamos ao adquirirmos algum produto. Então, se temos a
confiança que aquilo vai atender as nossas necessidades, transferimos
o dinheiro para a mão da outra pessoa. É mais ou menos assim
Cristiane, se você vai fazer o cabelo e não confia muito no
cabeleireiro, então, você não vai pagar aquele valor, você só paga o
valor se confia que vai ser satisfeito”.

“O que as pessoas não veem é o seguinte: dinheiro quer dizer


confiança. Daí surge à ligação com o amor porque confiança é à base
do amor. Então, se não há confiança, não pode haver amor. Então,
quando os casais começam a discutir por assunto de dinheiro, na
verdade o problema, ou melhor, raiz do problema, está na confiança
ou na falta dela. Por exemplo, está havendo mentira, então, se uma
pessoa mente, a outra deixa de confiar. Então, ela começa a segurar
dinheiro, não confiar na pessoa e separar as compras. Quando os
casais começam a separar as compras, normalmente, é porque a
confiança saiu pela janela. Então, se eu não confio que você vai usar
bem o dinheiro, eu vou tirar da sua mão o dinheiro, separar as
compras, tirar o cartão de crédito, porque não confio na sua
habilidade com relação a dinheiro. Então, o problema de dinheiro que
os casais têm, na verdade, é um problema de confiança. Por isso,
acabam divorciando, nunca chegam num acordo porque ficam
brigando sobre dinheiro: você não dá dinheiro suficiente; você gastou
muito cartão de crédito; você ganha mais que eu, por isso, acha que
tem direito de fazer as coisas sem me perguntar. Eles começam a
73

brigar sobre dinheiro, não atacando a verdadeira raiz do problema, a


confiança. Então, se a gente quer solucionar problema de dinheiro,
temos que atuar na confiança que existe ou está faltando entre o
casal”.

“Começa com o assunto de dinheiro. Se o amor vencesse tudo, então,


a maior taxa de divórcio não viria de problemas econômicos”.

Cristiane “Renato, eu acho muito interessante porque foi lá nos Estados Unidos
que você descobriu aquela estatística do dinheiro como principal
causa dos divórcios. Eu achei isso um absurdo, quando você pensa
dinheiro e casamento, você imagina que não tem nada haver, pois
amor é amor, vence tudo. Só que muitas pessoas, na verdade, estão
perdendo a confiança. Por isso, o dinheiro fica ali, como aquela
árvore que só a folha que aparece”.

“A esposa é quem sofre com isso. Nosso conselho para você, Vanessa,
é o seguinte: você não tem como entrar nessa guerra, pois você fala
também que está com problema com a sogra, então você não deve
ficar numa guerra com ela, pois não vai contribuir. Você tem que ver
maneiras de contribuir, já que você mora na casa dela, então é um
desrespeito ser uma inimiga dentro de casa, mesmo que ela não esteja
ajudando, mas o importante é você ser amiga dela”.

“O amor vence tudo, mas o amor inteligente. Então, se eles são


inteligentes vão planejar. Claro, você também tem que fazer sua parte.
Agora, não é certo você casar sem condições”.

Prosperidade

Renato “De outra forma, você não deve fazer disso um problema porque
enquanto ficar focando, por exemplo, toda vez que ela chegar a casa,
passa pela casa da sogra e vai para os fundos da casa. E toda vez que
ela faz isso, eu imagino que deve ser uma facada no coração dela,
uma frustração, poxa há tantos anos estamos aqui. Você deve deixar
de fazer disso um problema e utilizar a situação para se unir ao seu
marido. Porque se você não tomar cuidado, esse assunto de dinheiro
se tornará uma muralha entre vocês, ou seja, você vai esfriar com ele,
74

ficar com raiva dele, e isso vai ocasionar outros problemas no


casamento. Então, não adianta você bater de frente com ele agora,
mas, sim, motivá-lo a ter visão para que lá na frente seja influenciado
por ela”.

“Ter um plano, os homens, especialmente, tem que entender esta


importância, o quão importante é para a mulher que saiba o que o
futura vai trazer para a mesma. É claro que não temos bola de cristal,
mas não ter nenhum é muito frustrante. A gente que consegue viver de
dia após dia”.

“Mas, especialmente, a mulher precisa de segurança e confiança. Por


isto, que muitos casais brigam, por exemplo, um quer economizar e o
outro quer gastar. Normalmente, o que quer gastar está pensando no
aqui agora, e o que quer economizar está pensando no futuro. Então,
quando falta a segurança, ou seja, quando uma pessoa se sente
insegura com o futuro porque a outra pessoa não passa segurança. Por
exemplo, esse rapaz que vai fazer faculdade, mas, será se ele já sentou
com a noiva e falou com ela assim: eu vou fazer a faculdade e serão
três ou quatro anos, mas, eu pretendo que daqui a tanto tempo, depois
da faculdade, ou no meio, a gente vai se casar. Nós vamos economizar
um dinheiro, então, em tal ano nos casaremos. Quer dizer, será que
ele já sentou e passou para a noiva algum tipo de planejamento,
objetivando dar um norte ao relacionamento. Então, se ele não fez
isso, claro, há uma frustração dentro dela. Nós homens pensamos
assim: desde que haja comida na geladeira para hoje está bom.
Semana que vem, é semana que vem. Mas a mulher fica muito
frustrada com isso tudo”.

“Planejar. Por exemplo, há certas pessoas que têm a inclinação, o


ímpeto de chegar e falar: eu vou fazer faculdade, mas vou me casar já,
não vou esperar terminar a faculdade. Então, eles têm essa coragem,
essa fé, de casar logo durante a faculdade. É um desafio? É um
desafio porque mesmo casando, por exemplo, a mulher já está
reclamando de atenção. Você acha que casando vai ganhar mais
atenção. Não, casar não vai mudar muito em termos de atenção.
75

Agora, têm pessoas que pensam; primeiro, eu vou fazer a faculdade;


depois, eu vou me casar. Então, ela tem que ver que tipo de pessoa ele
é e se adequar ao mesmo. Não é porque fulano, mas fulano casou
antes de fazer a faculdade. Mas fulano, é fulano, não adianta ficar se
comparando com os outros”.

“Olha só que interessante. É importante que um casal olhe e descubra


o que o dinheiro significa para ambos. Já que para muitas pessoas
dinheiro não é a mesma coisa. Por exemplo, alguns vêm o dinheiro
como um meio de satisfação, quer dizer, se tenho dinheiro, então,
utilizá-lo-ei como forma de satisfação. Outros, opostos a isso, vêm o
dinheiro como uma forma de proteção e segurança. Então, muitos
vêm o dinheiro como uma forma de proteção. Quer dizer o seguinte,
se eu ganho dinheiro devo guardar, investir, gastar só o mínimo
necessário para que tenha uma reserva emergencial. Outros vêm o
dinheiro, interessante isso aqui, como um jogo, em que sentido, é
mais ou menos como realmente um jogo. Tem gente que nem precisa
de dinheiro, por exemplo, os ricos. Mas, ela tem prazer no dinheiro e
no trabalho. E o dinheiro para ela nem é tanto um fim principal, e sim
uma consequência do prazer que ela tem no trabalho. Essas pessoas
não têm hora para entrar e nem sair do trabalho. Elas estão sempre
trabalhando e nunca pensam que estão trabalhando. Quando uma
pessoa desse modo casa com alguém que ver o trabalho como forma
de ganhar dinheiro, então, o casal começa a ter problemas, por causa
dessas maneiras diferentes de enxergar o dinheiro”.

Cristiane “É um problema típico da mulher, ela planeja as coisas e tem que


acontecer do jeito dela. Se ela planejou casar em dois mil e doze, mas
as coisas não aconteceram como planejado, a mulher fica
desesperada. Ela olha, reflete e conclui que não vai casar em dois mil
e doze. Então, aí fica desesperada, mas não é assim, você tem que
casar com os pés no chão. É o problema da outra, ela casou com o
marido que estava morando com a mãe e, depois de dez anos, fica
reclamando. Você não quer casar e morar com a mãe e/ou pai, você
quer casar e morar num lugar próprio”.
76

“E está bem com isso, acabando com a esposa dele porque o mesmo
já afirmou que não tem dinheiro. Ou seja, não vai trabalhar para
aquilo, não está trabalhando, não está vendo assim, bom, a gente vai
ficar aqui cinco anos, e eu vou conseguir dinheiro para alugar uma
casa. Renato, na verdade tem outro problema porque ele também não
está investindo na família que supostamente possui, pois ele ainda
mora com a mãe, achando que a família dele é ali naquela casa”.

“Ela também não deve querer que ele, eu não sei se ela está querendo
dizer que ele não quer casar logo. Pois, têm muitas mulheres que
pensam assim: vamos casar, o amor supera tudo, o desemprego, os
problemas financeiros. Não é bem assim, não é bem assim. Nós
estamos falando dos problemas que vêm com o dinheiro”.

Intolerância a Outras Formas de Religiosidade

Renato

Cristiane
77

Apêndice B – Tabela de Categorização de Manifestações dos Sujeitos


Correlacionados com os Documentos Analisados

(V2)

Família

Renato “Sem fazer o que é certo para seu marido ou esposa, sem fazer o que é
certo, ao seguir as leis que regem um bom casamento, a empresa do
casamento, não há como você ter um casamento feliz. As pessoas
entendem muito bem disso lá fora, por exemplo, nas empresas no
momento que a pessoa é admitida está sujeita a um conjunto de
regras. Mas, no casamento parecem que as regras não valem de nada”.

Cristiane

Edir Macedo “Minha amiga, meu amigo, a família começa com a justiça, você
sabia disso? Como! Por exemplo, você não pode exigir justiça de
ninguém, mas você pode construir um reino, você pode construir um
reino, é isso mesmo, um reino! É, um reino. Você pode construir um
império. Império! É, um império seu, privado, particular, que é a sua
casa, sua família. O que é a família: a família é constituída do pai, da
mãe e dos filhos. Então, se essa família está estrutura e fundamentada
na palavra de Deus, então, a justiça, consequentemente haverá paz,
tranquilidade, gozo e paz. Por quê? Porque a justiça é nada mais, nada
menos, do que é certo e justo. Todo mundo quer as coisas certas.
Então, você quer casar, porque você quer casar, às vezes, a pessoa
quer casar para sair da sua casa, da sua família, do seu pai, da sua
mãe. Há tantas brigas e confusões, ela, eu não quero viver nesta
confusão, não quero viver neste lar cheiro de conflitos. Eu quero
começar tudo de novo. Então, você vai começar seu império, quer
dizer, seu reino, quer dizer, sua casa. Para você ter uma casa em paz e
segurança, então, você vai buscar uma pessoa, uma parceira ou
parceiro, que venha ajudar você a construir esse lar, que venha somar
com você, que venha agregar com você valores e que venha manter
com você uma harmonia. Essa inexistente na casa paterna. A família,
casamento, é uma empresa que você tem que administrar”.
78

Amor Conjugal

Renato “É como querer se molhar sem entrar na água. Eu quero molhado,


mas não quero a água. É impossível. Eu quero o amor, mas não quero
o autor do amor”.

“Quando estão falando, dialogando, brigando ou discutindo, um


apresenta suas razões, outro apresenta suas razões, e ali eles ficam em
círculo, e fala isso, e fala aquilo. Eles depois de horas brigando, não
chegam à conclusão nenhuma, não lembram nem do motivo da briga.
Parece que o santo de um não cruza com o santo do outro. Realmente,
há um espírito de confusão entre eles. Quando uma pessoa entende
que precisa alcançar um espírito maior, uma força maior, que é o
espírito de Deus, o espírito de Deus é o espírito do amor, do
entendimento, da compreensão, da paz, da gentileza, do ouvir, enfim,
é o espírito de tudo que é bom. Se você não está conseguindo amar a
pessoa com quem você casou, com quem você está, ou vice-versa,
então você precisa buscar esse espírito superior, esse espírito maior, o
espírito do amor, para afastar de vocês esse espírito de inimizade, de
briga constante, de ciúmes e de tudo de ruim que acontece entre
vocês. É a única solução, se você sabe, mentalmente, o que tem que
ser feito. Na sua cabeça você sabe, eu não devia brigar, eu não devia
agredir minha esposa, eu não devia fazer isso. Ou seja, você sabe
intelectualmente o que tem que fazer, mas na prática não consegue”.

Cristiane “Não tem como. Você pode ter dinheiro, carreira, sabedoria e ser
infeliz no relacionamento. Pois esse relacionamento não tem Deus.
Então, as pessoas pensam que podem ter a felicidade que vem de
Deus, sem Deus”.

“Às vezes, a pessoa está casada com uma pessoa perfeita. Eu já li


vários e-mail de mulheres falando assim: meu marido é um ótimo pai,
um ótimo marido, faz tudo certo. Ele me agrada, me ama, enfim, eu
não consigo amá-lo. A pessoa gostaria de sentir, ter um
relacionamento com aquela pessoa que tem o perfil que ela precisa,
mas alguma coisa está ali entre eles. Então, o casal vai se separando
aos poucos, sem uma razão aparente”.
79

Edir Macedo “Normalmente, o espírito do ódio, o espírito, por exemplo, do


egoísmo, o espírito do ciúme, o espírito da demanda, é que faz
possível haver conflitos entre duas pessoas que se amam, porque elas
se amam”.

“Tem que ser dito o seguinte: ela pensa que o amor acabou, mas o
amor não acabou, é impossível o amor acabar. O amor é como a luz,
que não se apaga nunca, pois é permanente e eterna, assim, também, é
o amor. Então, são valores que você agrega no seu coração, mudando
os seus pensamentos, por conseguinte, seus comportamentos com
relação à outra pessoa que você ama, mas não sabe que ama. Você
está buscando sentimento, e esse sentimento não é divino porque o
espírito do desamor está no mesmo”.

“Quando uma pessoa está enferma de amor, ela vai onde há solução.
Se tiver que ir para o outro lado do mundo, ela vai. A pessoa quer
ficar curada, pois a dor que atinge o coração é insuportável. Eu penso
porque já sofri com esse problema”.

“Não tem como você entrar no Templo de Salomão e não ouvir Deus
Falar com você. Antes de a gente falar, antes da gente entrar, a pessoa
já começa a ouvir, a ter direção, pois o lugar em si é especial. Então,
imagina que privilégio, a gente poder falar de amor em um lugar que
nasceu o amor”.

Prosperidade
Renato
Cristiane

Edir Macedo

Intolerância a Outras Formas de Religiosidade

Renato

Cristiane

Edir Macedo “Mas, é como na bruxaria diz o seguinte; às vezes, a pessoa tem um
santo, o marido tem um santo de frente; e a mulher tem outro santo de
80

frente. Então, a cabeça dos dois está dominada por estes espíritos. Um
casal sincero, inteligente, empresário, um profissional da área
jurídica, ele me procurou e disse assim: bispo, nós nos amamos, nos
amamos mesmos. Tanto é que quando nos separamos, nós sentimos
uma falta um do outro, ligamos, enfim, mas quando estamos juntos
não podemos ter uma casa. Eu montei um apartamento, e ela ficou na
nossa casa. Mas, não podíamos unir os nossos objetos, porque toda
hora era briga, qualquer coisa havia demanda. Dito e feito, quando
nós oramos e impomos as mãos na cabeça deles, então, o espírito
familiar, o espírito que causa demandas, manifestou, e depois de ser
arrancado, então, mudaram de vida”.

Você também pode gostar