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,
Nadiêjda
Khvoschínskaia
Nadiêjda
Khvoschínskaia
A moça do
internato
Traduçao direta do russo·
Odomiro Fonseca
Porto A,egre
1• e<l,ç6o
2017
copyright o 2017 editora zouk
PitE.fÁCIO
•hl• ,1., t,,mília. O caso só foi resolvido dez anos depois com um pare•
CDD891.7
2017-62S , l.avut~\lc.'1 ao pai e ,a recuperação da honrn. No entanto, a escritora
CDIJ 82l.l61.I
"'" u 11t•rlodo mais importante de sua formação intelectual tendo
t, 1 u .,hc:rnntivas para completar sua educação - das suas duas
l,011hrm , t .1 solução foi colocá-13 num i.nternato (pansio11) em
direitos reservados à ,, 1 , prrl,1do marcou profundamente sua trajetória como es-
Editora Zouk • ,lt 1i u 1ur.1 de melhores oportunidades para as muJheres. Ela
r. Cristóvão Colombo, 1343 si. 203 t .t 111 ,\ ltH 111 ,lt.• IUa,,.an até a velhice, tendo viajado a Moscou e
90560-004 • Floresta - Porto Alegre · RS • Brasil 1 l1111Mu "1111 ~lguma frequência durante diversos períodos de
f. 51. 3024.7554 11.t 11 11111 últht1u:'i anos resolveu se mudar, após a morte de
www.editorazouk.com.hr 1 uJn lol I1,u ,t S,10 Pctersburgo,já em 1884.
5
e caloroso sentimento. acrescentado de ideias e originalidade.
Nadiêjda Khvoschioskaia cons,grou 47 anos da sua vida ao :E. ainda mais praurooo infom1ar aos leitotts da nossa revis..
labor literârio, observando atent'runeote o movimento das correntes ta que esse novo poeta é, nn realidade., uma poeta. uma lady.
estéticas e políticas do país. Dedicou os primeiros anos da sua carreira Não dnhamos conhedmen10 de 1ão maravilhosos e sonoros
à poesia, que era o prato principal na boca do público russo até a ln• versos na RUssia havia muito tempo. Nós agradecemos since~
ramente a autora em particular. em nome de nós próprios t de
versão dos papéis com a prosa em meados da Meada de 1840. Entre todo o público leitor, que sem dúvidas apreciará honestaine.n•
1842 e 1847, Nadiêjda Khvoschínskaia publicou seus poemas cm três te as novas pérolas poéticas de uma lady que domiM o ver.so
importantes revistas grossas que circulavam entre uma boa par<.da com mais facilidade que muitos dos nos-i<>s homens, poetas
da comunidade letrada do pais: O Filho da Pátria (Syn Otétchestva), contemporãneos.l
A Gazeta Uterária (Litcratúmaia Gaziêta) e Ilustraçdo (Il,,strátsiia).
Depois do elogio inicial. a relação com Zótov foi bastan-
Em 1850, publicou seu primeiro t:rabalho em prosa, a novela "Anna
te conturbada. Se, por um lado, ele publicou mais de 80 poemas de
Mikháilovna•. na re,,\sta Anais da Pátria (Otétcl1estvem1ie Zapíski), sob
Kh,·oseh.ínskaia, entre 1847 e 1s;9, e apresentou a escritora aos prin~
o pseudônimo masculino de V. Kretóvski - que a acompanhou por
cipais circulos literários de Moscou e São Petersburgo, também foi um
boa parte de sua carreira literária. Naquele contexto de meados do
~rande explorador do seu trabalho: não pagava o que combinava, al-
século XIX. aparecer com um nome masculino representaria atrair
ll'n,wa seus poemas de modo significativo. adaptando-os ao seu estilo
a atenção dos críticos e do público consumidor de uma "literatura
t puhlicou um livro de memórias sobre sua irmã, Sofia, apesar dos
mais séria~ A partir da publicação do seu primeiro trabalho, Nadiêjda
,,.·,lidos da com'alescente poeta de que nada mais seu fosse publicado
Khvoschinskaia assunúu a carreira de escritora profissional, vivendo
111 111, l',lM morte. Aos poucos, suas críticas também deixaram de ser tão
da sua arte e sustentando a família após a morte do pai, em 1856, além
• l11KIO!-.~:- e uma fenda definitiva foi criada na relação entre e1es. pois
de custear o tratamento da doença da irmã, Sofia, que veio a falecer
fl • 1 d1or.1 se senlia mutilada e desrespeitada pelas mudanças feitas
em l865.
1 lo c,litm.
Khvoschínskaia publicou seus seis primeiros poema.s em 1347,
~- mudanças de Zótov não erom meras opiniões estéticas (o
quando tinha 23 anos, na edição de número 38 da revista Gazew
1 t,onhr,u o.to justific.aria suas ações)~ mas ele interferia direta•
Lite.nirla (Littrattírnaia Gaziéta). cujo editor, Vladimir Zótov, exerceu
1111111,1, 1r11,,1 1rnnsformadora da poesia que a autoca deposita\'ª·
um papel fundamental no começo da carreira da escritora. Zótov foi
t mm I rr,1111 çiv-J.dos de.: crílit.-.s ;sodal <..(mlttt a ,onJjção suba.l•
mentor e entusiasta da jovem escritora e também o responsável peln
,1,. 11011hr, fül sociedade. e a mutilação do editor empobrecia
primeira critica sobre seu trabalho:
t, 111, 1•11111\'L•I o rilconce que K]woschinskaia dava às palavras.
Enterradoo sob má pOC$ia que nos chega de todoo os rh\<Õ(',
dessa Rússii. apaixonada por versos. nós tst:in\OS s:uisfi:110.. ,n:
1r1 ~ t\', Vl,Hllnur, GREENE. Oiio.1:, Rt.invt11tmg Rom,mric Poerry:
e surprrtndidos pela chegada dos versos da senhorit.t N O I h ••f 111, W1/ N11ri·t«n1h Ceri,my. The Uniffrsity o( Wi.scosin
Khvo.çchinskaia. .Encontramos em sua poesia aquele verdaJflto h ◄1lu,l1lu 1l0 lnglh relo autor do artigo.
7
1, 6
A pesquisadora Díana Greene usa o poema "Vy Ulybaetes?" (Você seguintes contos e novelas: "Professor do campo" ("Sel'skii Utcbítel"),
sorri?), como exemplo de quanto as mudanças do editor tiravam a de 1850; "Julio" ("Djúlio"), de 1851; "Mais um ano" ("Esche God"),
força contestadora do texto. Por exemplo, no verso "Kak ptítc.hka chto "Tentação" ("fskuchennie"} e "Visita matinal" ("Utrênnie Vizit"), am-
rodom privikla k kletke tesn6i" (Como um passarinho acostumado bos de 1852; a trilogia •Província nos velhos tempos" ("Províntsia v
desde o nascimento à e.ela estreita), o editor substituiu, sem a anuência Stárie Gôdi"): •Tempo livre" ("Svobódnoc Vrêmia"), "Quem ficou sa-
da escritora, por •Kak ptítchka grústnaia, privlkchi k kletke tesn6i" tisfeito" ("Kto )e Ostálsya Dovolen") e •o último capítulo da comédia"
(Como um triste passarinho acostumado à cela estreita). A mutilação ("Poslédnieie Oeistvie Komedü"), entre 1853 e 1856; "Alguns dias de
do editor retira a ênfase que Khvoschlnskaia dava que a mulher (o verão" ("Neskol'ko Lctnikh Dnei"), "Causos da aldeia" ("Derievenskii
passarinho) era acostumada à gaiola estreita desde o berço, numa crí- Slutchai") e "Hora da largada" ("Rechitélnii Tchás"), de 1853; •o
tica evidente à imposição de submissão desde a infância. Quase todos teste" ("lspitânie") e "Na estrada" (ºV Dorógttiei, de 1854; •Frases..
os poemas de Khvoschinskaia que tocassem em questionamentos de ("Frázii..), de 1855; "Barítono" ("Baríton") e "Um pacote de cartas
género eram mutilados pe\o editor. Esse tipo de ceruura, vindo de um atiradas ao fogó' ("iz Sviazki Pisem Brochénnoi v Ogón'") de 1857:
colaborador ~de confiança~ lembra Diana Greene, era até mais agres- "Velha montanha" ("Stãroe G6re") e "Mano" ("Brátiets"), de 1858:
"Diário inacabado" ("Nodopísnaia Tctrád~), de 1859; "Encontro"
sivo que a censura oficial do Estado:
("Vstriétcha") e "Aguardando o melhor ("V Ojid:i.nnli Lútchego"), de
Os ctnsores polJticos podiam remover pas.sagcns, mas eles g-e- 1860: "A moça do internato" ("Pansioniêrka"), de 1861: "Aguas cstag-
ntlme:nte não ree.«:reviam para revener o significado. Os cen-
11,11las" ("Stoiátchnaia Vodá") e "Atrás da porta" ("Zá Stiênoi"), de 1862:
sores políticos tinham o poder de proibir uma publicação. mas
diferentes dos c.ensorts políticos-sexuais. que eram tditores, ~"unto doméstico• ("Domáchnieie Diélo") e "Velho retrato - novo e
reda.tores e bi6gra!os, eles não decidiam como seria publicado, 0 •1~111,11" ("Stãrii Portriét - Nôvii Origuinal"), de 1864; e, finalmente,
ou, como certos revisores que del'erminav:un como a obra se- li• «nte" ("'Nedávnieie"), de 1865. Todo esse material em prosa era
ria rtct:bida. E o mais significativo. o censor político revisava
l11h "ol,,do com sua atividade poética, embora esta fosse núnguaodo
apenas umó\ ..-ez,. enquanto o censor po1Jt1co-:sexua.l rtvisava os
• 11 11,v,,.,r dos anos devido â guinada q_ue a própria literatura russa e o
trabalhos das mulhere.s continuamente, resultando cm vcrda~
dciru depredações. (GREENE, 2003, p. 132) t 111 1110 çfcr.,m em direção à prosa.
1 mhora tivesse publicado tanto material cm tão pouco tempo;
Apesar de toda a agressividade dos editores, Nadiéjda n ti.J ,, 11\ nbras de Khvoschinskaia eram a)vo da merecida atenção
Khvoschinskaia trabalhou incessantemeolc no período em que o t 111 • •I• tpuc~. e essa invisibilidade do 1.rabalho não era exdusivi-
tema da emancipação feminina ganhou força. Entre 1850 e 1865, li .,, , lh>r• de Riazan. Em 1861, a escritora Evguênia 1\tr (1815-
a escritora publicou como poucos na literatura russa do perioJn , t.1111011 ,~ubllcamente da desatenção da crítica para com ess.1
e encontrou portas abertas para a sua prosa nas revistas Anais da 111 1,1 ••IIK•" ,ara um público fiel e era bem recebida pelos leito-
Pátria, Mensageiro Russo e Biblioteca para Leitura. de onde sair{un ,.,,. ! MM " •· , rlt<>r e critico Mikhail Saltíko,•-Schedrín descreveu
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B
Khvoschinskala para uma coluna da revista O Conremporémeo como S()C:icdadc sobre n n:.alidadt. Para de1crn1i1\ar se esses objeti-
vos S('ràO akançac.los, o leitor tenta seledonar obrn literárias
uma autora ""muito talentosâ, mas qne se perdia em descrições psico- menos ~'Ujcitas a objeções e contradições; escritas. a bem dizer.
lógicas desnecessárias - assim como suas musas inspiradoras. George por especialistas. rxperts no assunto, por txen.iplo, romances
Sand e Charlotte Bronte. Acontece que essas "descrições psicológicas sobre mulheres escritos por mulheres.:
desnecessá.rias" eram justamente a fonte de sua importância poliHca,
numa êpoc.a cm que • literatum em forjada pelo desejo inexpugnável Assim, dentro de uma perspecti1;--a realista, relacionada com o
de mudança social. A pesquisadora Karen Rosnéclt lembra que, ape• novo comportamento de juventude que ganhara as mas, as universida-
nas nos anos 1870, Khvosch!nskaia passou a ser tratada com a devida des e os jornais, Khvoschlnskaia criou antes dos grandes ícones mas•
ate.i.1.ção da critica, a.pós a publicação do seu estrondoso êxito com o culinos uma personagem feminina emancipada. suficientemente forte
para encarar as dificuldades de uma sociedade patriarca.) e vencê-las.
romance Ursa Maior (Bolslzáia Mcd,,étfitsa), em 1871.
Embora seinprc conectada com os rumos civis do país. A protagonista da novela A moça do it1ter11ato, Liôlienka. é um marco
Nadiêjda Klwoscbinskain seguiu uma trajetória independente, não se na cepresentaç:ão da mulher na llteratura russa. Sabemos que foram
arregimentando a nenhum grupo político específico, 1~em se rotulan- desenhados esboços dessa emancipação em Olga lllnskaia (Oblómov,
do como niilista (o movimento mais radical na política russa nos anos de Ivan Gontchaóv) e Elena (Na véspem, de Ivan Turguêniev), por
1860), por exemplo; mas por toda sua postura atuante na defesa dos rxemplo, mas em nenhum dos casos. a mulher era a protagonista. a
direitos da mulher e por seu caráter IWcral. sabemos que ela estava """"º'ª do destino. a desafiadora ,da ordem - mas com a person•gem
muito mais próxima das correntes vanguardistas do que das tradi- l,u'llenka, Nadiejda Khvoschínska.ia tinha plena ciência do que queria
llh('rir nas ruas e nas mentes da nova geração.
cionalistas.. E no perfodo em que a Questão Feminina e.rn debatida
com mais forvor pelos setores liberais da sociedade. a escritora esteve
perfeitamente consciente de toda discussão que• cercava. Dotada de 1 tót.tl!NKA E A QUESTÃO FEMININA NOS ANOS 1850-1860
uma argúcia e percepção literária que toda grande escntora posSUlt
adiantou-se a todos os outros gmndes escritores do período e publi• A ,,sc,nsão de Alexandre li (1818-18$1) ao trono russo, em
cou A »10fn do /11ternato, em 186,l, um ano antes de Pais e fil/ios, de 1t·p1l·~ntou um importante marco na discussão de ideias (i..
1 1, 1 , dormas SO(iais que visassem diminuir o abismo entre as
Turguêniev, e dois anos antes de O que fazer, de Tchernic:hévski. No
âpice do Realismo na literatura russa. Nacll~jda Khvoschínskaia ti~h-• ,itirrmdo entre a minoria nobre le1mda e a massa eunpo-
pleno conhecimento da !mportãncia e do alcance desse modelo esteta· 111 ilfilht•l,1Pn1 re suas principais medidas. podemos destacar a
co na luta por uma nova participnção da mulher na sociedade. o clu 'tl'ívo~, cm l861, além de uma acanhada liberdade de
i il li '"t,tnt<.· significativa se compararmos com a repressão do
O lei1or espera aJgo muito sin,ples.. universal e com objt"tl
'-'O$ convencionais lde um trabalho literàrlo}t a \'erdadc1n1 , 11, ;,l 1 ,t. ln1roduçlo do livro Pilnsio,iilrka. cm inglk- (711c Boardlng,
reprodução da realid:tde e a estimulação do pensamento O,l t, 11.t,lll , ..,1.1 peiC(UJS~ Ora Karcn R06"n«k.
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govcmo do seu pai, Nicolou 1 (1796-1855). Desde a abertura políti- Assim, quando os niilistas resolveram a1acar todas as instilui•
ca iniciada ,om o reinado de Alexandre li, mm intenso debote estéti- ções que simbolizassem a autocracia, também abra~m a causa fe..
co ocorreu nos periódicos russos. Esses periódicos eta.Ol os grandes minina, que vinha sendo rela,ada desde as décadas de 1830 e 1840, em
responsáveis pela disseminação da literatura, da critica e dos textos tom mais de lamento do que de revolta. pela literatura de escritoras
políticos do país. Com uma tradição de perseguições e censuras, a como Evdókia Rostóptchina (1811 -1858), Elena Gan (1814-1842) e
literatura tomara-se o principa1 caminho para o debate de ideias, e Nadiêjda Dúrova (1783-1866), entre outras. As queixas presentes em
uma caracteristica essencial desse período foi o desenvolvimento de seus diários. poemas e nm·elas versavam sobre uma condição prees-
uma linguagem esópica, ou seja, àquela em (ljU< as mensagens políticas tabelecida <m que às mulheres era negada a participação em pé de
eram transmitidas por meio de alegorias, metáforas e outras figuras de igualdade com os homens nn sociedade. Uma ausência de liberdade
linguagem. Assim. os escritores driblavam a censura- Um bom mode- que envolvia. principalmen1c, tr~s grandes pilares:.a autonomia. matri..
lo da utiliza,ão dessa linguagem está no romance O que fazer? (1863), mo.nial, o direito à educação proporcional à dos home.ns e, finalmen-
de Nikolai Tchernicbévski (1828-1889), em que, por exemplo. o per· te, o reconhecimento proJissional. Ao conjw1to desses pilares deu-se
sonagem l.opúkhov usa a. palavra •noiva"' para substituir a '"revolução". o nome, na década de IS:.SO, de Questão Feminina (cm rus.so, Jênskii
Desse modo. o leitor politizàdo recebia e discutia o conteúdo propa- Vopr6s). O niilismo russo. enquanto fenômeno politico e estético, teve
gado pelo texto ficcional por meio de códigos e alegorias familiares uin papel fundamental na populari,ação da Questão Feminina na
Rússia.
entre as partes.
Com O passar dos anos e a consolidação de um modelo de prosa Nesse cenário polit.12ado, a representação feminina na. literatura
realista lnspírada pelo estilo gogoliano e pela linguagem cientilicista encontrou um campo fértil para desabrochar. E com histórias narra-
de meados do século XIX, os críticos russos radicais, entre eles Nikolai ,t.is por elas próprias. Nadiêjda Kbvoscbínskaia mereoe nossa atenção
Oobroliúbov (18;)6•1861) e Nikolai ·11:hemichévski (1828-1889), de• IMtr representar brilhantemente a literatura escrita por mulheres: pri-
,envolveram um método didãlico-literario que visava a popularizar 11u:lro, porque trata-se de uma escritora reconhecida por vários crhi-
a lit.eratura russa, pela abertura de espaç.o nos jornais para escritores ln, russos e soviéticos pela qualidade estética de sua linguagemi sua
que fugissem do cânone (escrita masculina, vida da nobreza e temas ll,1Je<ória como escritora acompanha a própria tradição estética russa,
românticos), para a exposição de ieruas sodais e de género, além de 411 '-omeçar como poetisa nos anos J840 e mudar gradualmente para a
trozer a linguagem dos camponeses e operorios para o universo nobre f1111 ~• nos anos 1850; também porque sua novtla A moça ,lo internato
da literatura. Essa geração de liberais que surgiu após a abertura poll- l lMr,l)J é de uma pe.rcepç;io histórico-literária ac:urndíssim.i.. ao criar
tica ficou conhecida historicamente pela llllcunha de •nülístas~ apesar t • l'•'l>Onagem Liôlienka um modelo positivo de emancipação femi-
de não serem descrentes na atividade política. ""'· .1111,•, mesmo dos clássicos Pais< filhos (1862), de Turguêoiev, e
1•I"' /,,ur?( 1863), de Tc.bernicliévski.
Nadiêsda Khv0:1ct,lnbk•1t 15
14
I
,rnf1hli\u "' ,, um pouco mais ba.i."'<O. alvo e usava um velho casaco cin-
111 , hilfll"H, Embora um pouco mais jovem que o visitante, apa•
tH 1111 h·1 J nu~~má idade. Sua aparência era bem esbelta, mas seu
1A flll um h1nto enrugado; ainda que corado, havia nele algo de
--,,.n,11 1houm1nté, e seu andar impaciente completava a impressão
u111l,u hl~th· cm relação ao convídado. O nome do visitante era
111 dw ►:,ulo ,, cidade de N. para ocupar um importante
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lbráiev explicava como alcançara seu atual cargo, contava cm silencio. Passava•se um daqueles momeotos em que tudo o que ve•
tudo nos múlimos detalhes e parecia multiplicl-los a fim de prolon- mos e escutamos ganha contornos memoráveis e contemplativos. em
gar o colóquio, sem dar brechas para que outro assunto despontasse. que o passado distante é lembrado e comparado ao presente; assim,
Veretitsin parecia escutá-lo atentamente. mas não interferia na pa1es .. a tensão e a frieza do prime.iro encontro se esvaem. Era possível re•
tra. Cada um cumpria seu papel escrupulosamente, celebrando um conhecer aquela pessoa que até en1ão conversava como um estranho,
reencontro após uma longa separação com perguntas e causos. que parecia não ter multo o que acrescentar e que fazia perguntas em
- Voce não está cansado de c.iminbar' - pu-guotou Vere1í1sw tom envergonhado. lbráiev olhava pan o seu amigo que e$ta\'a com
quando o outro se calou. J abeç:i baixat e se lembrou do quepe azul meio inclinado sobre seus
lbráiev já estava c,,nsado há um bom tempo, mas não revelou cabelos, aquele tempo desleixado de outrora... uma palavra parecia
ao amigo. tanto por cortesia quanto por não saber se haveria algum emergir de sua alma. Sentia•se de algum modo acabrunhado ementa·
lugar para se sentar naquele jardim. hul.1r um novo colóquio...
- Não... sim ... é que em casa está quente - disse ele, após lem- - E você, como está, Sâcha? - perguntou lbriiev, retomando o
brar-se do quartinho em que estivera há meia hora, antes de encontrar 111m t-.uavc com o qual contou hâ pouco sobre sua carreira de sucesso
seu colega. 11.1 r.odcdade.
Vcret.ítsin adivinhou o que se passava. Como estou? Ah, oão hã nada de mais! - respondeu Veretítsin,
- Sente-se aqui - foi conduiindo-o entre as flores de lilás até t1ll1+1Utln parn baixo. alnda com o mesmo temperamento reflexivo de
uma pequena clareira onde havia um modesto banquinho de praça, tinlt -i v,verei aqui mais um ano. Você é um sortudo... Para mim, no
daqueles de madeira. Ao seu redor, um plantio de lúpulos engalfinha- ,,111••,•1 Ui!nl l'r.l tão ruim assim. Certamente, para você será diferente,
va-se alto pelos troncos, enquanto espinafres e trepadeiras se alastra· vtk 1 , mriudu e vai deslanchar aqui. Como graduado, você está apto
vam ao longo de todo o quintal. t II r,1.1h1•lt>trr; algo que nós. os humildes pecadores, nem podemos
- Chegue aqui mais perto - acrescentou Veretítsin. - Eu afaslo ,11.,
minhas pernas. l 111 ,lut.• voce ~e graduou? Obteve título de mestre?
- Aceita um? - pcrgunlou Ibráic:v, tirando um cigarro. t um hv,m~S-. meu querido. Fui professor em Moscou por dois
- Eu não fumo. ti 114, r,wt1ulc., para cá.
- Desde quando? Você era um caipora!' 1""'" 111 wmo professor?
- l.arguei. • 0111u • op1M,1 da admínistraçâo provincial - respondeu
Ibráiev acendeu o cigarro, enquanto Veretítsin açoitava a grama 1 11111,olt ,·igllância policiaJ - acrescentou, observando o
com um galho fino arrancado de um arbuslo; ambos pe,rmaneciitm 1111111 to dn ~~u omigo e começando a sorrir.
Nadiêida Ktwosch,n11'-■il 19
18
- Você não fez esse interrogatório em vão. Você sabe que minha - Ah, oem eu mesmo sei! - respondeu, arremessando longe o
amizade não é motivo de lisonja, especialmente para um homem que chicote com que açoitava as plantinhas. - Você já alugou seu aparta•
almeja posições tão importantes quanto você. Não se ofenda. Eu sei mento por um ano?... Uma má ideia: aquela casa é fria.'
que você ,é um bom camarada, mas minha reputação está arruinada, e - Sério? Que desagradável... E você vive com sua inmã? - per-
não hâ nada que me conecte a você hoje em dia. Você já está aqui há guntou lbráiev.
um mês inteiro - eu sabia disso e não fui visitá-lo. Se não tivéssemos - Sim, na casa do meu cunhado.
nos encontrado hoje por acidente, voe~ nunca teria vindo... - E eles são boa gente?
- E você não se envergonha de falar assim? - Sim ... Não existe gente ruim. O mal é apenas um conceito
- Não há nada do que se envergonhar - replicou Veretítsin se- ub~1rato~ na reaHdade, ele não existe. As pessoas citam.no apenas para
riamente:. - Você precisa de mim para quê? Você é um homem da alta h'r •lguma coisa a d.izer. Tudo no mundo ~ bom, as pessoas são to-
:;Q(içdad.e; neste momento, as mãezl.nhas da cidade estão armando ,1,,., boas... As vezes são bagunceims... Mas, tem a Corte para julgá-las.
maneiras de fisgá-lo para suas filhas, que já estão suspirando por sua lt·m ptssoas importantes como você► por exemplo.
presença. & um homem solidificado. Nossas ..autoridades,. tratam•no Escute, Sácha - interrompeu lbráiev, que começava a sentir
com respeito. O que haveria de comum entre você e um pé rapado que 1n"1mttdado. - Eu ainda não sou esse homem importante que você
só é útil ao mundo pelo simples serviço de copiar papéis e nada mais? 1111~• Nào precisa falar comigo desse modo. Seja franco, por favor!
Você escreve manifestos de protesto~ enquanto eu não ouso sequer tudo bem> serei franco... sabe. estou aborrecido! - disse
mudar uma virgula. Você é o queridinho do tsar, enquanto eu sou um \ tt th•,ln 11,ubitamente. s,em se conter mais. talvez porque fos.se inca•
típico exemplo de ·~endência prejudicial"! Onde repousaria minha ,. ,i. " nionter calado, além da voz daquele velho conhecido convi-
consciência se eu começasse a aparecer diante de você? Seguiremos 114 ln• ,l,11 v.11ào ao pensamento. - Meu cunhado é um funcionário
em dire(jQes opostas. não nos encontraremos mals... então. adeus! ,.W1 v um h.·,.,tturdro, de origem pobre. mas que agora conseguiu
- Você é um homem amargo - disse lbráiev, silenciando em f 1llnht11ro. Minha irmã também era uma moça pobr,e1 mas que
llnh.v,, • 1ir~prla comida para poder ser considemda uina "pa-
seguida.
Ambos permaneceram em si)êmcio por alguns minuto~. lu J• t nnu :1,cnhon metida em luvas e plumas - com uma
Verelitsin começou a chicotear os espinafres noV'a.mentc, sorrindo hll1u\ \'rJ,1, eles ~stão empinando pipa no quintal.
1 v JA hJvl.~ c.•M:utndo os gritos e até a alga:r..arra das crianças
irônica e ansiosamente.
- Por que você não pergunta como foi que isso aconteceu comi 1 t11p11 .. Ir, urna careta.
go? - rompeu o silêncio, finalmente. tu •111 "" potl~ria incervir e acabar com a barulheira de•
- ô, sim! Diga•me como aconteceu? - perguntou lbráiev. Hu \, u Hh1n -, mas eu não sou urna autoridade. Meu
Veretítsin rompeu numa estrondosa gargalhada.
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- Voeê não fez esse interrogatório em vão. Você sabe que minha - Ah, nem eu mesmo sei! - respondeu, arremessando longe o
.unizade não é motl\lO de lisonja1 especialmente para um homem que chicote com que açoitava as plantinh:u:;. - Você já alugou seu aparta-
almeja posições tão impor1an1es quanto você. Não se ofenda. Eu sei mento por um ano? ... Uma má Ideia: aquela casa é fria.'
que você é wn bom camarada, mas minha reputação está arruinada,• - SérJo? Que desagradável.. E você vive com sua irmã> - per-
não hó nada que me conecte a você hoje em dia. Você já está aqui há guntou lbr;liev.
um mês inteiro - eu sabia disso e não fui visitá-lo. Se não tivéssemos - Sim, na casa do meu cunhado.
nos encontrado hoje por acidente, você nunca teria vindo... - E eles são boa gente?
- E você não se envergonha de falar assim? - Sim... Não existe gente ruim. O mal é apenas um conceito
- Não hâ nada do que se envergonhar - replicou Veretltsin se- abstrato; na realidade, ele não existe. As pessoas citam-no apenas para
riamente. - Você precisa de mim para quê? Você é um homem da alta 1er alguma coisa • dizer. Tudo no mundo é bom, as pessoas são 10-
sociedade; neste momento, as mãez.inhas da cidade cs1ão armando ,I,,- boas... Às ve7.es são bagunceiros ... Mas, tem• Corte pura julgá-las.
maneiras de fisgá-lo para suas filha,, que já estão suspirando por sua lt•n, pessoas importantes como você. por exemplo.
presença. l!.s um homem solidificado. Nossas '"autoridades" ,ratam-no Escute. Sácha - interrompeu lbráiev, que começava a senUr
com respeílo. O que haveria de comum entre voe! e um pé rapado que 111111111odndo. - Eu ainda não sou esse homem importante que você
só é útil ao mundo pelo simples serviço de copiar papéis e nada mais? 1111),(,, N,\o precisa falar comigo desse modo. Seja franco, por favor!
Você escreve manifestos de protesto. enquanto eu não ouso sequer ·1\,do bem, serei franco ... sabe, es1ou aborrecido! - disse
mudar uma vírgula. Vock. é o queridinho do tsar, enquanto eu sou um \ n: U1t11u ,ubitamcn,e. stm se conter mais, talvez porque fosse inca-
1ipico ,xemplo de "tendência prejudicial"! Onde repousaria minha 111 ,1, o· m.lnlcrcalado, além da voz d:"tquele velho conhecido convi-
consoência se eu começasse a aparecer diante de você? Seguiremos 11• ln • d111 v,aiào ao pensamento. - Meu cunhado é um funcionário
em direções opostas, não nos encontraremos mais... então, adeus! htiJ. 11111 lt'~urciro, de origem pobre. mas que agora conseguiu
- Você é wn homem amargo - disse Ibráiev, silenciando em •• ,htthdto. Minha irmã também era uma moça pobre, ma.e. que
,Htlt!l, ., ,, própria. comida para poder ser considerada uma "),a-
seguida.
Ambos permaneceram em silêncio por alguns minuto~. h11I• e unu ~cnhord mttida em luvas e plumas - coin uma
Verct.ítsin começou 3 chicotear os espinafres novamente, sorrindo hlhm \'C'p, de~ esrào empinando pipa no quintal.
1 • j,1 h,avl" escutado os gritos e até a algazarra das crianças
irônica e ansiosamente.
- Por que você não pergunta como foi que isso aconteceu coml 1 1111•11 " lo um,, careta.
1 tu fflif' ru 1,o,h•rü1. int<.·rvir e acabar com a barulheira de-
go! - rompeu o silêncio, finalmente.
- ó, sim! Diga-me como aconteceu? - perguntou lbrãiev. u 11 v,,,. uu.ln • mns eu não sou uma autoridade. Meu
Ver(titsin rompeu numa estrondosa gargalhada.
21
20
cw1hado, o pai deles, batalhou por dezessete anos de sua vida, e agora - Sen1pre há uma desculpa. Escute, isso é falta de força de
ele ê um tesoureiro provincial E eu que entrei para a universidade vontade...
com de1...essete anos. o que sou hoje? - Diga mais: é falta de autossacrillcio! Que mais? Ê sério, cu
- O que você está fazendo exatamente? Pratica alguma coisa1 lê? gosto do você, abençoado! Mas gente como voe! não sabe nadinha
- Nada! Não tenho nem tempo, nem lugar a ir, nem nada a do que é o trabalho de verdade, embora vocês gritem ordens a outros
fa1.cr. Apenas preciso estar na repartição todos os dias. Meu cantinho, trabalhadores. Não se preocupe, nós trabalharemos até o limite das
como você mesmo viu, não tem livros. nossas forças. Trabalharemos mais que vocês, embora pareça que nós
- Mas o dia é longo. Nem após o trabalho? ~stejamos sempre dormindo e matando tempo na relva. Nós pensa•
- Eu durmo e vagueio por aqui... mos e conservamos as triste-tas e amarguras das ideias - de onde vem
- Mas como pode!! " mudança-, enquanto para vocês é apenas o trabalho! Se algo obstrui
- Ah) seus figurões! - interrompeu Veretítsio. - Hum, ache uma \Nh caminhos ou se vai de encontro aos seus desejos, vocês começam
razão para mim, diga-me o que fazer, que eu farei. Porém, não seria a 1. l,1mar pelas grandes aspirações ou apelam à injustiça humana, gri~
mais razoável presumir que essa coisa simplesmente não existe?! ~ o 1.un e damam pelo Direito. Enquanto para nós, os homens comuns,
que se chama de cllJmgar gelo, não é? Você di1. para que eu escreva ar- •1111 """ podemos derrubar muralhas corn nossas cabeças, somos con-
tigos, como nos tempos em que eu ensinava História e Estatística. Para ,11ln11<los ociosos, carentes de boa vontade e abnegação... Você diz que
tal, necessita-se de tempo livre, e, além do mais ... Bem, sendo assim. lt111n t po~ive:1, mas o que seria exatamente esse possivel? Você não
suponha que eu ache algun, tempo: o que eu pesquisaria? Por aqui "'""i•• I• um emprego para mim - e mesmo que tentasse, não Impor•
não tem monumentos~ doct1mentos, muito menos sltios históricos. O 1 n11111iu1.-•rn .1.qui ajudaria um homem corno eu. Você costuma julgar
cajado de Peresvét' num monastério, guardado por muitos monges, •ti, ti"" 4:-.tão no seu patamar. Faça-me um favor, olhe um pou-
enterrado sob sete palmos de terra batida; ne1n para se constituir num "''" .,,.,. para baixo! Do seu ponto de vista, por e.,emplo. há uma
ponto turístico serve... E- isso é tudo o que se tem. e é o que sempre t ,11 .tt111I l>o meu ponto de vista. não há! Eu não visito meus
terá. Estatisticas? Já foram reescritas oficialmente de-, mil vezes ... roas t'IMI.-, • ,1pMJs, e o seu circulo jamais me aceitaria.
teme tocar em algum dado não oficial, em algo vital e capaz de aíl.igir... lhu11 v 11,111 ,..,,pondeu ao desabafo, mas após um breve silêncio
Olha, cu lhe agradeço do fundo do coração! Eles já me enviaram o 1111,,1. 1oubi1,11nente: - Mas você não tem ao 1nenos amigos?
suficientemente longe, e aqui já é ruim o bastante para mim! 1111 1•11 rntootro pessoas e até trocamos cumprimentos.
1'11t 11111 \·o\(' nlo visita ninguém? Estou aqui há um mês e
tf1tl r111 l11)(.tr Jlgum.
4 Aldtrindr PtreMt foi um monge-gucrrtiro do sêculo XlV, morto cm combllt tt&ô \ 1,11u .l c.,1i..a daqueles que não posso receber - retru-
contra o tártaro it!mir-Mur1.a cm S de sttenibro de- 1380. A tr.1.di,çào russa remo
a morte dos lutadOt'C$ uo i nk10 da &talha de Koul\kovo. A vitória cm Koulikovo 1 1t-:i lotlo Jeito. eu não conheço ninguém aqui, nem os
fund.amcnttl para a cri2(:ào do ttt:ado moscovita t a Ubertação dc6nlfü'a dos tsl )•lVfth multo menos as mulheres. No último outono
do domínio da Horda Oourod11. (N.T.)
Nad!éjda 'KhVO&Chln
22
evitar viver de caridade cristã. E veja, mesmo aqui tenho um salário,
e inverno o tédio me invadiu, e tentei participar de encontros da
embora de apenas seis rublos por mês. Eles diz<?m que é muito bom ...
Assembleia. lia jornais e até me arriscava a observar as danças.
e eu preciso de mais o quê! Eu já deveria me consider3r por demais
- Dançou?
- Com quem? Eu não me interessei pelas amigas da minha agraciado em ter a chance de alugar um sótão e viver do meu próprio
trabalho. Ademais, eu não preciso de nada além do que já tenho. Eu
irmã. Às outras, nunca fui apresentado. Vossa Tsarina, Madame la
cresci acostumado às limitações, às adversidades, a estar fora de tudo
Pr-inu.sse,-s até se interessou por mim. Veja, ela está sempre pensando
e a encarar os problemas de frente... Saiba, só para deixar registrado,
nos bailes e em ocasiões fonnais para mostrar a variedade de roupas
que para poder ver as danças no inverno passado, comecei a dar aulas
e as perfom1ances de caridade. Ela me viu, wn rosto novo! E orde~
nou ao meu supervisor que me apresentas.se a ela, pois queria saber parlicularc.s.
- Muito bem, que maravilha! - disse lbr.l!ev. - ll uma ocupação
se eu poss-ufa algum talento - se eu cantava, recitava com vivacidade
honrosa, creio cu.
ou tocava um gudók.' Eu não sabia nada disso, mas. mesmo se eu fos..
- Sim. eu cosi.nava as pessoas a ler e escrever em francês a dez
se iletrado, seria sempre apresentável em papéis que requerem mu-
'fllll"<lUCS por hora, durante dez horas por semana. Era muito i.ntcres-
dez. Ainda bem, pois um convite para mim seria "algo embaraçoso".
rnh.- e rentâvel. Eu deveria ter continuado, mas adoeci no começo da
Mc-smo assim, me convidaram a conhecer essa senhora, com a qual
111htMvtra e fiquei acamado por seis semanas. Mesmo agora. ainda
limitei a conversação a uma troca de cumprimentos e só. Bntão, me
11,h11·\loU plenamente rtc:uperado. Em uma palavra: divertidíssirno! -
disseram que ela não teria nada mais a dizer, que tudo já fora discu•
,,,11 lu1u Vcretítsin. apoiando as mãos sobre as pernas inquietas. e sem
tido. Ela te<:eu um monólogo sobre mim para seu circulo de amigas e
1h10 11.1r J o visitante.
me apelidaram dele jeune mal.heureu.x.1 Eu explodi de raiva! Tudo era
~1.t., M:rá que não há nada dt realmente gratificante em sua
extremamente estúpido! Parei ímediatamente de frequentar as danças.
I,! 1••·•Muntou lbráiev.
Outrossim, tudo aquilo estava além das minhas possibilidades: luvas
'1 <JIH' mcê eniende por gratificante? Apaixonar-se? Eu tenho,
são caríssimas. 11,tlk• ,, rnodos senhoriais. Se eu amo algo, tenha ccrtc-1.a de que é
- Diga ..me. e suas possibilidades, como estão? - perguntou
111111 et mdhor ê muito raro, e mesmo quando encontrado, nem
Ibró.iev hesitante. IM~"'' f 1, ,lhponlrel para nós. Não me nego ao prazer... embora,
- Não tenho um centavo, meu caro! O que restou das minh.aa
~ "'i"'"h• um papel de tolo.
economias como professor e o que o meu falecido tio me deixou Ah !U, li 1, 1,so nõ.o é bom! - disse íbráie\r, sem ter algo mais
quando conclui a faculdade, eu entreguei a minha "senhoria" pari , M1111111 ,tu Interlocutor.
lº , '" ,111? r~trueôu Veretítsin.
S Em (ranâs no original. A "\wina" ~ qut" se ré'Ítn- dcVt ser um.,. filha ou ,1t 111111t,u l oi,.1, boas no mundo: e elas podem ser intrínse·
esposa do governador d.a provinda, de :KOrdO com u notas da edição inglesa. (N t
6
1
Instrumento de ttt$ cordas osado pOr mcn~slléls. na cultura popul3r ru.$$a. (N
O jovem mal-huinorado. Em íranc~ no original. (N.T.)
.
, .. Jllt m "'' ,tmquistadas, e ainda existem aquelas que
'
Nadiêjda l<.hvosch,n 25
24
- Em que categoria eu deveria ser indufdo1 Os desafortunados, - Você não é um egoísta por completo - interrompeu Vcretítsin,
os canalhas ou os tolos? - Veretítsin perguntou tranquilamente, após começando a sorrir. - Sim, é fácil consrruir. mas os glicêmicos e sabi•
escutar com atenção. chões de frases feitas constroem sempre esmagando ou machucando
- Você é muito áspero, muito amargo! - retomou lbráiev. - outras pessoas... Mas safüa, se começar a pensar assim, você não dor-
Seus fracassos não permitem que você olhe as coisas do mundo com mirá em paz.. né? E. obv'iamente. a pa-z é uma bênção importante...
imparcialidade. Você há de concordar... Não me leve a mal. mas você bem. ao inferno com tudo isso!
há de concordar que há muito egoismo nos seus sentimentos; e para as Ibráiev terminou de fumar. arremessou fora o cigarro e, se
pessoas que n.ão o conhecem bem, esse egoísmo pode parecer como... aproveitando do fato do seu interlocutor estar de costas, observou-o
como uma inveja mesquinha e simplória. a1entamente. Veretftsin percebeu de soslaio.
Ibráiev parou prudentemente. - Que horas sâo1 - perguntou com indiferença.
- Continue, continue! Veja, não estou ofendido - respondeu - Sete.
Veretitsin calmamente. - Você tem pressa de ir a algum lugar?
- Não está ofendido? Só por essa respo$ta... - Não. ainda é cedo - respondeu fbráiev, desconcertado. - Uma
- Certo. Ecomo deveria ser minha resposta? Você acha mesmo ll11d,, noite! - acrescentou, olhando em voha.
que é o primeiro a preconizar isso para mim? Você fala educadamente, V<·retítsin também olhou, mas para cima. nUJna clareira onde
outros ttriam falado sem rodeios. Voct: conjectura de modo racional, f I••• 11111 pé de bordo bloqueando os raios do sol. Suas folhas abertas
111,1111 1'4.·s.adamcnte e se tomavam escuras) enquanto uma profusão
outros simplesmente me dispensam; você se mostra condolente, ou•
i1t l11lh,l., .unare.las e verdes brilhava como se estivessem enverniza-
tros me desprezam. Estou acostumado a tudo e posso ouvir qualquer
coisa sem me mostrar surpreso. Eu sei que sou ridículo, uma alma ' " Vt11rtlhin meneou a cabeça e suavemente tamborilou os dedos de
perdida que sobrevive do pão cedido pelo cunhado, um tesoureiro
•• 111a,, ~obre a outra. e com essa percussão original cantava men•
, 111t 1>r rtr1e111c, ele ressoou com mais força o som das pa1mas e
provinciano; mas, eu não vejo nada em ninguém, em nenhum ser hu-
11 1111 un11'rupo de pardais que cantava sobre o bardo e os h'1pu1os.
mano que eu possa invejar... lnfeliunente, eu conto minhas amargu-
ras cm m.inúc-ias, mas não gostaria de palestrar para quem quer qU<'
'º o huuM um novo 1ugar para repousar.
l'w►1 11111 vou: fez is.c;o? - perguntou fbráiev, sorrindo.
fosse sobre o b-em-estar, enquanto as pessoas acham que os outros são
l\1, rn11l,1I O que há de errado com eles?! Ainda é cedo para
egoístas mesmo quando insultados, porque são cegos e não conse
111
guem ver a própria felicidade quando a vida oferece-lhes mais do qu,
wm uu wm vl1inhos? - continuou Jbráie\~ cujos olhos se-
o necessário... Se há algo que eu não posso nunca tolerar é que várlot
1'tt1l•l1 'lut• 11ous.1vam sobre a cerca do jardim vizinho.
sabichões glicémicos ensinem como construir suas vidas baseadas•
ulu m wnhcço. Sei que tem umas crianças aí.
filosofias baratas...
Olr ,., 1111• tmM ~dgazarra quando eles tstão fazendo as
- Mas eles constroem facilmente - replicou lbráiev.
26 NacUJda Khvoseh, 27
- Há alguém estudnndo por lá exatamente agora. Consegue ou- - Eo que me importa se da não sabe n.ada? Deve ser atê melhor
assim! Veja, a satisfação está estampada no rosto dela. Ela queima as
vir o zumbido?
Veretltsin olhou em volta. mas os lúpulos tampavam sua visão. pestanas para valer, num esforço descomunal. Numa noite como essa,
Aproximando-se da cerca pôde ver a se_nda do vizinho, cercada por ela deveria estar correndo... brincando de boneca, aproveitando a brisa;
um jardim que crescia uniformemente. Uma garota com um livro nas mas está com o nariz enfiado em um livro velho - e ainda feJiz!
mãos passeava por ela; após ler uma citação no livro. fechava-o e re• - Como você tem certeza disso? Talvez ela não esteja feliz.
citava de cor o que acabara de ler. Nomes de personagens históricos - Se ela não está feliz, então pode ter sido forç,,da. E qual a ra-
e datas, ,que a garota frequentemente embaralhava; passagens sobre tão para um empenho tão estúpido? Onde pulsa a vida nel~?
números. vitórias e virtudes, que ela recitava com diligência. Ela tinha - Tulvez ela sequer lenha ideia do que é a vida.
uma boa memória. A garota usava um vestido de lã escuro, eviden- - Então. eu explicarei imedi:J.tamente! - disse Veretítsin, empi-
lemente um uniforme escolar. só que. em vez da pelerine branca. ela nando-se. - Ela saberá que recitando "o Todo Poderoso Luís.. não irá a
tinha um lenço escuro, mas transparente, em tomo do pescoço, que l1111nr algum. Se ela se alegra com isso, a deixarei chateada.
ftlzia resplandecer seus ombros alvos por baixo do tule. Ela parec.ia ter - Chega! Para que essa travessura? - perguntou [bráiev,
uns quinze anos. Não era alta, tampouco corpulenta, talvez até um , ulbindo-o.
pouco roliça. Enquanto caminhava pela senda, seu rosto encontrou - Ac:be. por favor, uma travessura para mim além dessa! - re•
ltUL·ou Veretitsin. - Não tenho absolutamente nada para fazer aqui.
os jovens homens observando-a na cerca. Sua compleição era suave e
de algum modo pálida, mas uma pnlidez de modrepérolo. A cor dos 11, 1mli1 forma, acalme-se, meu moralista, não pretendo bagunçar a
seus olhos, que se levantavam enquanto decorava as lições. eram qua- , .1,.-..tnha dela, mas "mell,orar~.. Isso é mais antígo do que o Luis dela.
se indis1ingu.ivels: um castanho-escuro com tons azulados, perfeita- M3s o que você quer exatamente? - lbráiev seguia-o.
meote delineados. Seu olhar era de uma da.reza e de uma franqueza Eu não quero que ela seja feliz! - disse bruscamente VereLítsin.
, 1111 ,e no meu lado, você l!S!ó morrendo de angú.~ti.1, e ess.1
incomuns.
t1tll11h1, ,
- Bonitinha! - disse lbráicv.
- E tão feliz! - acrescentou Veretítsin, observando-a. - Ela de· 1k ,,~ se encontravam na cerca., lbráicv rodopiava1 protestan-
, rn1111 um homem sério. mas excitadíssimo. Veretítsin encostou-se
cora caoticarnente.: "'Luís, o Benevolente: "'o Todo Poderoso Luís': e cr~
que está aprendendo alguma coisa assim. 1 A"'"•'· rnfiava a batba enquanto aguardava, Ela se aproximava,
- E o que você queria? - perguntou lbráiev, sorrindo. ulfl, l,·ntlo seu livro.
- Ê irritante, estúpido! Ela está feliz consigo mesma, satisfolla 1 ,1rnL1r é cansativo? - perguntou, finalmente, qua:ndo ela já
com o mundo e acredita cm qualquer absurdo... 1 '"'
- Pedante! O que você poderia esperar dela quando aind• •n A wr11111.~ IL•v.-intou os olhos. fitou e corou levemente. Mesmo as•
sinam com os velhos manuais de outrora? Talvez não tenha nin1tul ft 1 • 111l•nra, ao oontrário, ela parou, apertou o livro coutra o
hou ,hrcl111ntnle para Veretítsin.
para explicar-lhe os textos...
Nediêjda KJNO$Chlnl 31
30
II
11 .,11111.a 33
porte, sequer têm tempo para meditar sobre como tiveram coragem Ele estava especialmente agitado. mais pálido do que o normal.
Quando, num gesto de afeição mútua, eles apertaram as mãos, lbnücv
de enfrent1lr a situação - provavelmente o fazem inconscientemente.
No inais,. a coragem não existe. t apenas frie1.a e inflexibilidade, nobre percebeu que estavam frias,
e elevada omiss-ão. uma virtude~ mas que se baseia nun, esquecimento - Quem veio visitá•.lo? - perguntou lbráiev.
infantil e numa impetuosidade juvenil... Mas para alguém cuja juven· - Khmcliêvska.ia com a filha.
tude foi precocemente tirada pela descoberta da dura realidade e da - Você é apoixonado por ela? - interrompeu lbrálev, sem saber
reflexão,. que constantemente lembra que essa foi arrasada a Lroco di: se estava brincando ou adivinhando.
nada, é difícil escutar sem malícia ou amargura a pregação sobre cora- - Quem lhe disse isso? - perguntou Verethsin precipitadamen-
ge1n vinda de pessoas que nunca abarcaram essa virtude ... te, com desembaraço, mas assustado.
Claro que a mais legítima mclancolía e tepidez encontram <:X· - Ninguém me di~e nada. apenas me ocorreu a ideia agora.
pressão numa ment~ infeLiz e inativa. O fervor das ideias pode ~uei~ Estou certo?
mar O coração mais que as próprias trivialidades da v,da. Tudo ISSO e - Sim - respondeu Verctítsin. Ele sentou-se de frente paro o
ruim. mas condená-lo é ainda pior. o1migo. com os cotovelos sobre a mesa e 3 cabeça apoiada sobre os
lbráiev também estava esmorecido, e com toda a razão. A cida• h1 .iços. Algo o exauria. íbiráiev nunca se preocupara em confortar co•
de de N. era incapaz de satisfazer a alma de um homem acostumado 111ções partidos - e tampouco gostava dessa missão - , mas a confissão
aos prazeres da capital. De primeira, a firo de se distrair, lbrálev _rcsol- ,1,, colega apaixonado pareda entretê-lo.
,1eu perambular pela e.idade, por pura excentricidade• mas, fatigado. - Mas, e então. conte-me mais - repetiu.
ao anoitecer, decidiu dar uma paradinh:.1 na casa de Veretítsin pat".l Verctitsin olhou cm volta, pegou um cigarro da carteira do ami•
descansar. I'' ,u.éndeu, e sentindo-se extasiado pela fumaça, com a qual estava
Ao chegar, lbráiev deparou-se com duas mulheres que saíam 1' ,1, ,,icostumado. disse. sorrindo de prazer: "Que coisa maravilhosa,
pelo portão. A luz crepuscular permitia que ele discernisse que um• n , llr(.,ltro!':
das n\u)heres era uma jovem dama~ enquanto a outra era nit,idamcnlCI Mns, e sua história?
mais velha. Veretitsin acompanhava•a.s, junto à sua irmã, que fico1ra Minha história. .. Você já se apaixonou alguma vez?
Oluito lisonjeada com a aparição de Ibráíev. Ao revê-lo, saudou-o corl Nunca,
um entusiasmado cumprimento e chamou-o pelo nome, a fim tlr llem. que isso seja uma lição paro você... Embora você não
monstrar afeição ao visitante. lbráiev não percebera a impornullt ,h· liçóes! Faça-me um favor, vá conhecer as Khmeliêvskaías;
gura que acabara de sair da aisa acompanhada da esposa do hont lu 1,,,1r.1 você, é decente; elas são pessoas respeitáveis. A \'elha
tesoureiro provincial. Veretitsin acompanhou-o até o seu quarto • 11i ,l é um tanto caduca, é verdade, mas é umn aristocrata. Ela
_ Obrigado por ter vindo - disse Veretitsin. enquan10 ALI n flhN-lé,tfa, raram e.nte se. diverte. mas é bem digna....
um candeeiro e abria a janela que dava para o jardim. - Obrl~ado
ter se lembrado.
Nadlél,da Krwuaç 35
34
- Pols bem, apresente-se • elas. Ela tem duas filhas: uma maís - Imagine mmha felicidade: ninguém! - respondeu Veredtsin.
velha e a Sofia Aldcsandrovoa_•. Vod vaJ ,·er! Elas sio conhecidas da - Eu era ciumento. perscrutador, a.té que 6naJmentt. como um alud•
minha irmã. - rebaixaram-se a esse ponto. Minha irml provavelmente nado, resolvi lhe perguntar. Ela sempre foi sancera e disse: •não tenho
marca no calendárlo o dia em que as re«bffl em casa pela primeira ningubn•~
vez - al~m de vod, tamb~m. Mos vá conhed•las. Elas são iguais, es- - Pois bem, e o que ''O« esperou! Por que alo se declarou para
tão no seu nl,-.1. Com vo«. talvn. o gdo da dednda e da virtude se ,la!
derreta.. Em dois anos n~o consegui tal feito. - Declarar-me. ll$Slm? Escute, •não tenho nlnguém~ ou seia.
- Então vocl as conhece h' multo tempo? nem cu,. entende-? Eu diz.ia a mim mesmo: •aguarde, ela vai aprendtr ;i
- Conheço Sofia Aleksaodrovna de Moscou. U, eu visitava a •mi-lo~ E até era gostoso esperar, vê-lo com frequência. Falando frnn-
casa dos seus pais, quando as poru>s dos lan,s ~ith-ci> ainda se camtnte, isso nos aproximou ainda mais. Tomei-1nc também mais
abriam para mim, quando os dedos não apontavam em minha dire- tranco e tudo, deixei que ela me conhecesse melhor. Eu estava a ponto
ção e as pessoas n,o me ev,tavam. Eh, ficaV11 na casa da f.unília o aoo J, enlouquecer e friamente considerava... Ah, voá nio vai entender!
intdro, e quase nunca voltava para ficar com a mãe na provincia. E••· - Não me.,mo, não mesmo. Mas e daí. estou aprendendo.
parar•se dela Eimpossível. Uma C1Í2l\lra como da foi mviada ao mun• - Aprenda!••• Voe~ não sabe o que <esw- destinado ao amor.
do como uma luz rara, capaz de Uumlnar momentos inteiros. Linda. Normalmente não f na primeira, nunca~ na primeira - comigo acon•
doce como uma crlança, ela sente e pensa em todos; gentil, acompa- "''" de primeira -. mas entio, é assim, quando ,·oct percebe que
nha qualquer pensamento e derrama lágrimas por todo sofrimento... tfh murou ludo o que procurava nessa mulher, tudo o que sua alma
Eu perdi u estribeiras. Quem ousaria falar com da, olhar para ela~ ....... quando ,'Od sente sua vida incendiar...
Seri que alguém pode entender isso? Como alguém pode sequer lma• Vefl'lltsin arreme.<.10u o cigarro que ele tentara reacender por
ginar cortejá-la como se fa• com uma garota qualquer? Para amá-la. .• . . , \("/($.
Primeiro, • pessoa deveria sah<,r como ela poderia ser amada! ·1,_ H,·m, e então? - perguntou lbráiev.
que oferecer o perfeito à perfelção! Nós, que estamos acostum &,n. alguns meses depoLS fui enviado pra c.l de Moscou - e
com o mundo da mediocridade, não podemos compreender como I hkln 1'.u nem mesmo pude me d<Spt-dlr dela.
Imenso o que nos reveste; a.prox.1mamo-nos sem pensar... como • ,. <'n,ontrou por aqui?
velhmha que tem o hábito maquinal de ir à igreja. Ela não dispe 1 u ,1,<idl que... Voe<! entenderá Quando chegue] aqui decidi
atenção de ninguém, cla.ro, mas a pessoa tem de entender que..,. ,.,t. u,m essa dor; sem sair de casa. Voá mesmo pode ver!
sua bondade, é o medo de ofenckr alguim. 1qm a mãe dela visitava minha irmã. e um11 ve--4 enquanto
- Então ela tinha muitos... - lbnlicv quis dlier •prere 1q11i, ,h1d1 aparecer. - Voei conhece a minha Sónletchkal•
mas se conteve e st corrigiu.: - Ela não encontrou mngut:m. n
apaixonou! "1in .. í ,l1min1;11wo de Sofi~ Jã Sonl-Nd:tb f um modo tindl m.lis('arí•
1
1 ~utv,Jcntc cm portuguU atrl:a •Sontnha~ (N.T.)
36 37
a amá-1~ ainda mais do que antes. Eu a aguardava ... com o coração
- veja, isso me da"ª o direito de vlsitâ..las! A mãe é louca pcla
ansioso! Nem posso explicar. Ainda faltava um mês para sua chegada.
Sõnietchka. A filha ainda não tinha chegado e ela íà tinha ido visitá·
Eu imaginava que ela podia vir wn pouco aatcs do combinado. e por
•la em Moscou ,,;irias vezes. Mas mesmo sem a prcsenç~ de Sofia. eu
vários dias eu brechava so-.tinho se os cocheiros passavam. quais os.
gostava de frequentar a casa das Khmcliêvskaias. Uma doce senhora.
passageiros que desembarcavam das carruagens ele posta. até todos
A outra li.lha também ê uma boa m~•· daquelas com quem se pode
saírem, mesmo os guardas. Eles já me conheciam. Os funcionários
conversar tamb~tn. Eu as visitava frequentemente. Mas - não importa
me viam e começavam a dar risinhos. Eu me envergonhava) por isso
se você nw conhece Q suficiente ou não - para mim logo começou a fi-
come<:ei a perseguir as carruagens na estrada, para além dos limites
car dificil encontrá-las. Para uma pe-ssoa como cu. que vive numa falsa
da cidade.
posição, é difícil ir a qualquer lugi,r. A família l<hmeliévski conhecia
- Nas noites de outubro?! - interrompeu Ibrãicv.
minha história, elas sabiam que eu estava certo, sabiam claramente~
- Nas noites de outubro. duas ve-tcs por semana, no lamaçal e
mas•.. mulheres! Tão tímidas e a1é entre elas tinham receio de dizer
na geada - respondeu Veretítsin com um insistente sarcasmo. - Some
que eu estava cer11.o no caso... Mas:, por que falar só sobre as mulheres.
11 isso que eu tinha uma tosse que me tirava até a voz.. Eu largava de
se os homens faz,em a mesma coisa?! ls.io era. muito dificU para mim;
uma aula, ia parn o fim do nmndo esperar a carruagem e. quando vol-
aqueles olhares. especialmente quando uma visita inesperada chega·
1,wo para casa às dez, todos íá tinham ido dormir. Não havia nem um
va; eles me encontravam e se assustavam, se admirando do que e\1
1,1p,o de chá ou água quente para me aquecer. Mas tudo isso ê besteira!
faria ali. Minha amizade comprometia. pois eu csta\'a alijado de todo
1u l'\pernva o tempo todo, com aquele único pensamento; chegava a
conv•ivio com a sociedade, frequentava apenas as Khmeliêvskaias. Eu
1m11N.1nar que morrer congelado seria um prazer para mim. Tudo para
decidi que seria 1melhor me afustar. Con,ecei a aparecer menos, ia ape•
1 • l ,,,doná•la: Sofia, ainda sonolenta. aquecida fora da carruagem,
nas nos dias em que cu sabia que não apareceria estranhos. Nos di~
11111 11cu rostinho pálido brilhando para mim debaixo de um holofote.i
em que eu ia, tornavam•se ma.is afá\'eis, como se fosse uma maneirá
1111\\I, o vento. a escuridão, a muJtidão de bajubadores que sempre
de agradecer pelos outros dias em que eu me ausentava. 1.sso, e cu
'h , Até que. finalnleote aconteceu. Naquele dia, a carruagem de
espero que vOC-ê compreenda, é desesperador. Cansava-me, mas tu
1, ni.,va atrasada, pra variar. Eu ficara no post·o de obsetv.ição es~
não parava. No último outono, elas aguardavam a chegada de Sofia.
1111ll1, na entrada da estação. obsenando de longe o salão, esperan•
que finalmente viria. As carruagens de post3 normalmente chegam Jt
~•• "l,1eJio che~asse, pois já se aproxin1ava da meia-noite. Ele fora
Moscou tarde da noite; a mãe dol.1 nilo p-0dia esperá-la na cstaç~o f
um ... ,k.hilo em casa e perdeu a hora. Quando escutei, distante. o
a irinã não se s,entia confortável em perambular so-.Linha àquela hora.
1, , "ruagem chegando e o •inal na plataforma... Você não pode
Elas decidiram enviar um lacaio para encontrá-la e ajudar com a~
t.i o c.1ue se sente num momento desses!
gagens. Eu ouvi lodas as recomendações. Eu a esperei mais do c;\úf
l 1,111 sd rnesmo. Diga!
mãe e a irmã! Durante mai.s de meio ano em que frequentei a ,
da sua famOia. onde seu nome era repetido continuamente. eu p11
39
N.a,d1êJd8 KhvOtlCh r
38
- ti, impossível de se descrever. Eu corri em delírio. Os cavalos - Visitei-as, vi-as, ainda as visito eas vejo - respondeu Veretílsin.
mal pararam de marchar e eu já estava abrindo a porta. Uma senhora - E ela?
Ele se encostou na C3deira e fumou? indiferente ao amigo, 111.-111~... Mesmo para um homem ordinário - sim, eu perdi o direito
visivelmente, começava a dar sinais de desinteresse e desconforto, t , opinião sobre qualquer coisa, mas eu ainda tenho bom gosto.
- Então, você visitou•as novamente? Você a viu? - pergu 11111, vt•1. que você me honrou com sua visita, eu não me atreveria a
1111 \'O$$a magnificência. Uma casa distinta que eu tenho o prazer
Ibrálev, tentando injetar alguma emoção.
111111.•ndar.
Nlll?..td• ~
III
■ ,JQ intemato 45
Veretítsin é como se não existissem. Quando a noite caiu. sentado Seu esptrito não recobrou o mesmo entusiasmo. Na noite se-
num banquinho improvisado debaixo dos lúpulos, Verctitsin passou gulntt,, ele estimulou mais a audição. ouvindo as trompas, mas eles
a sentir prazer por cada movimento e sussutro. vindo$ das frestas d~t.li agora to-cavan\ alto uma valsa;. polcas e valsas continuaram nas noites
árvores. Suas emoções se aquietaram e apaziguaram os excessos; o seguintes. Era mais adequado ao gosto popular. Veretitsin achava que
passado se afastava cada vez. mais, e a Lristeza encontrava um lugar escutar aquilo era estúpido, infantil. ainda mais porque as crlanç,s
solene") sem rcvohas ou submissão. Esse era seu conforto e seu prazer. no jardinl do vizinho também escutavam. Ele caminhou pela cerca e
Essa tranquilidade foi interrompida por um estampido violento de um olhou mecanicamente p~ro elas.
trovão distante. Um estrondo que agradava as pessoas que, sem ter As crianças que brincavam nos arbustos nem perceberam
nada mais com que se preocupar no. vida, encontravam nessas varia• Veretitsin. mas a garota que conversara com e1e hã w11a semana ob•
ções climáticas urna fuga da ociosidade cotidiana. servou-o. Seus olhares se encontraram. Veredtsin acenou. A garota se
A música começou a irritar Veredtsin quando soou pela pri· desconcertou um pouco, mas respondeu ã saudação.
meira vez.. e ele pensou en1 ir à rua. Depois quase saiu de casa, mas .e
Dessa ve1, sua a,Jma foi mais superficial. verdade que ela não
mudou de ideia; seria uma tolice perder essa noite. Na terceira au· o evitou, não baixou os olho$, neru foi embora; mas o olhar penetrante
dição, decidiu presi.sr atenção. A orquestra estava tocando o final de do vi:tinho a deixou desconfortável. Ela se enve,rgonhou ao brincar de
Lúda~11 Veretítsin reconheceu de in,ediato aquelas notas trai.idas pelo bola com um menino mais novo - uma ocupação de que ela gostava
vento. O sentimento que o lomava era indescritível. enquanto. St?ntado até a aparição do v~1.inho. Arremessou a bola para os arbustos e disse:
naquele banquinho. seu coração saltava aguardando a próxima nota - Já chega, Kólia! 12 Estou cansada, não quero brincar mais.
que: chegaria. Ele não queria estar ali. no jardim público com a orques- Kólia ficou revoltado porque ela jogara a bola no mato e olhou
tra, n,as não abria n1ão por nada daquela sensação que inundava sua penetranteo1ente para a irmã. A moça olhou para Vcrctitsin e perce-
ai.ma complctan1ente naquele momen10: a sombra das árvores, o or• beu que ele ainda estava lá, olhando para ela. o que a deixou ainda
valho enegrecendo o quintal. o dúlrear dos gafanhotos entre as melo- mais desconcertada. Ela se afastou das crianças. Estava totalmente en-
dias da ópera, as pálidas e quase invisíveis estrelas nas profundeias da cabulada parada ali, mas para retornar à casa teria de passar perto da
imensidão azul do céu, as luzes da Janela do vizinho. os d,-dos róseos cerca onde estava Veretítsin. Percebendo isso, eln acelerou o p:isso.
do anoitecer colorindo as dores encravadas no peito - tudo ao n1esmo Ele queria rir.
tempo. em profusão. Um vira-lata fuçava o modesto portão da casa. - Por que não foi dar uma volta pelo jardim público? - pergun-
Veretitsin pegou um pedaço de pão pela janela da cozinha, alimentou 1ou quando ela passava junto à cerca.
o cachorro, voltou ao banco e ficou escutando Lúcia. Ela enrubesceu e quedou-se no camjnho. Veretitsin perguntou
t1nv;unente.
ll lU ia dl La11mrcm1o,or é uma ópera~ Gacwlo Doni:uui (1797-1$4$), dMdldA
em ttês atos, bueacb no romanet A noi•·ct dt Lttmmernroor, de slr Walter Scon. A Óí'f
ri estrfflll tm JS3S. na cidade de Nápoles.. hillo.. (N.T.)
1' Diininuth'O ck Nil:.oJaL (N.T.)
Como voei pode imaginar - novamente enrubesceu- Papai e Mamãe interfira. E quando eles a apresentarem cm p(lblico. claro, os pais e
querem muilo que eu passe para uma turma mais ;vançada, ganhe mães dos seus coleguinhas ficarão se questionando por que Deus não
uma condecoração e seja promovida. Eu dou o meu oâximo. Sei que deu a graça de terem uma filha tão encantadora quanto você. Se você
tncontrar suas am.igas, lógico que você não vai revelar que o triunfo
darei uma grande alegria a eles ao atingir esse objetiv>....
- E Papai e Mamãe comprarão um lindo ch:péu de sol com Jos seus pais veio à custa de sua lristcz.a...O que estou dizendo! Veja
uma r<»a vermelha, uma manta branca e a apresen:tão nos passeios htlffl, não se arrependa, o importante é 3Jegra.r seus pais...
1\ garota empalideceu e não retirou os olhos de Vcrentsln nem
público>.
por um segundo, enquanto quebrava os galhos secos sobre a cer<a. Ele
Seus lindos olhos se inflamaram de indignaçár.
- O que o faz pensar que dou valor a essas c.ôsas? - tla inter• •1•mcçou a sorrir.
- Eu tõ brincando! f..~ude, trabalhe pra valer que você vai
rompeu. - E como você ousa rir de mitn assim?
• Perdão, não foi por moll - desculpou-se v,etítsin com certa ~u~tar. Sério, eu estava brincando. Perdoe-me... você gmta das suas
111.,1.,;ri-1S?
indiferença. - Eu só falei isso porque, imagmo. dee :,e, um gr;;i..ndc
prazer para os pais apresentar a filhinha querida qudanta alegria Ih~ - Sim, eu gosto.
- O que você acha especialmente prazeroso?
deu. Eles furão isso por eles. não por você.
111.•mot.o 53
52
monólogo. E.la também não gostava de ouvir fofocas sentimentais, e eu falo. Eu não vou mais concordar com isso. E suas brincadeiras são
por isso rararnente da\la brecha para que alguém contasse algo seu. tão estranhas, não são corno as dos ouuos. suas piadinhas me deixam
F.ra uma nt.á confidente. não tinha o hábito de escrever em diáríos, deprimida. Ele deve viver muito chateado aqui, sem ter ao menos um
nem cvilar ou criar problemas; além do mais. era possível ver tudo amigo... mas agora ele me conhece!'"
no seu rosto, francamente. Ela sentia pena dos co»•anados e \ICrgo~ Liõlienka começou a rir e deixou a Retórica de Kochãnski de
nha diante dos mais velhos. Tudo nesse universo era embaraçoso para lado. Dei1ou na grama e arrancou um tufo de grama do chão e deixou
cair sobre ,i. De repente. (alou em voz 4'ha· "Ru preciso aprender. de
Liõlicnka. E o pior que nao era ex.atamente uma moça tímida.
Ela provou i;so pela manhã. quando saiu ao jardim para revisar todo jeito': - E começou a recitar de cor trechos do seu caderno:
suas lições, escolhendo um lugar perto da cerca. Sabia que não veria Fale - e met1.de do mundo s,e mo,•e
seu vizinho. pois era horário de trabalho, mas, aii'l.da assim, ela sen~ Jmagen.s e línguas diferentes....1•
tiu vontade de sentar ali, pertinho, à sombra de uma frondosa tília,
e se aprofundar no enudo da Retórica de Kochânski. n Observava. a Uma fresta na cerca escureceu e uma sombra dcslocou•se pelo
distància, através- das frestas d.-i cerca, como o sol briJhava no jardim caminho. Liôlienka escutou pas.sos desiguais., um pigarro e um ciciar
do seu vizinho: o caminho não estava coberto por areia nem porcas• tiue fazia um som parecido com uma cantiga.
calho, provavelmente seu vizinho tinha remexido aquele chão. Aliás, •Parece que cJc não te com muita frequênca': pensou Liôlienka,
ele era um sujeito estranho. Uma vez seu pai dissera que o vizinho •·nquanto seu coração se agitava.
tinha sido enviado para a cidade por algum motivo desconhecido. A Mas ele já se agitara, e a garota, assustada, pegou às pressas a
irmã dele. a esposa do tesoureiro, que mulher ridfcula! ... Por que ele ri U.-tc•rlca de Kochànski e pensou em calmamente tomar o caminho de
daquele jei10 tão deselegante? \'11h11 para casa. antes que o vizinho a avistasse. Mas. cle provavelmen•
Liô1ienka baixou os olhos e tentou se concentrar nas explica- 11 .alharia estranho ...
ções sobre as figuras de linguagem: metáfora. metonímia, si.nédoquc "Mas. o que ele pensaria? Que diabos é iMO? Estou apenas no
e ironia. mas hoje ela estava dispersa. l?.la pensava, enquanto jsso, que m1•u jilrdim estudando..."
m~smo nos mais lindos e verdes cultivos de ar1emisia havia lagarta&. e I'.. d..1. continuou:
e.la ficou um bom ternpo observando as artcmisias que cresciam junlo
Imagens e línguas di.fcrenles
da c:erca. Tártaros, recitavam Maomé
..-Por que ele pttcisa saber o que eu estou estudando, o qur ou Calnmcos, adoravam ídolos. 1'
estou aprendendo?", LiôUenka se perguntava, •Ele ri de 1uJ,, (> qut
1,,, 1111 do p«m1 "A ,·01. dt-um p:unota oa llevoh11 dt V.\1$Ó'Via• (1794), dr Ivan
15 Ni ltolat Kochànskl ( 17$1 • l 831 ). aut<>r dé doii; import~nlcS textos .sobre ttl
11, 1, I hn\trkv ( l760• l837}. (N:r:)
tt:xtual (A rttôrica gmtl e A rtt6rica especializada). ambos lugú.mentc difundllio•
1 1(1Unu.1(".1Q do JXW?ma dr Dmilric\', (N.T.)
e$Cola.( e inSlitu1osdo século XlX. (N.T.)
Nadléida KhvO.'\f.N
11 J u,t 11,-nato 5S
54
O último verso ela nunca conseguia lembrar. Veretítsin cami.. - Por que você está sempre sorrindo, hein? - repetiu L!Olienka.
nhava pela trilha do jardim, lia s.eu livro e cantarola\•a, indiferente ao - E por que isso a incomoda? - protestou Veretitsin, sem pa.rar
redor. Liõlienka, por algum motivo. ficou chateada com tudo: o sol de rir.
tornara-se excessivamente radiarnte, 3 grama dura e a tilia demasia- - Bem. vamos falar a sério: oomo andam seus estudos?
damente escun. Em suma, tudQI se t.omara ruim! Num acesso de in- - Então... cu decoro. mas não aprendo nada.
fantilidade, Liõllenka jurou que nunca mais voltaria a estudar naquele - Isso pode acontecer com qualquer um.
lugax.
- Já aeonieceu com voce!
Veretitsln aproximou-se da cerca e saudou a moça. - Quando eu era um garotjnho, sjm, claro!
- O que você está estudando! - Mas eu não sou uma garot-.nha... - disse Liôlienka, ofendida,
Num movin1ento despropositado. ela se levnnt.ou e mostrou o mas com tranquilidade.
livro para ele. E.la sentfa..se confusa demais para di1.er algo. Por conta Para ela, o fato de Veretítsin não ter sorrido agora era ainda
do calor que se tornara mais forte, a garota empalideceu e seus lábios mais ultrajante.
- Seria mais honesto se você me explicasse as coisas, em vez de
tornaram-se frios.
Veretitsin analisou o H\Tro e devolveu-lhe. tombar de tudo - ela ficava mais nervosa à medida que falava mais. -
- Que ótimo! - ele disse. Você sabe tudo.
- Você o conhece? - pronuociou Liôl.ienka. - Primeiro, eu não estou zombando; segundo, eu não sei de
- NâÔl não o conheço. Mas deve ser ótimo. nê? ,11,rl,L - respondeu Veretitsin.
- Eu não entendo muito dessas coisas. - Mas já o ensinaram, né?
- Me.Jhor ~im: você aprenderá e nunca maís esquecerá. - Quando eu era criança. Mas já esqueci tudo.
- Mas e depois, <Studou o quê?
- Por quê?
- Como eu disse: s.e você pensar muito, vai começar a rt.Oetlr Aprendi umas coisas novas.
sobre tudo e terminara enlouquecendo - e não memoriiará nadinha! 1-'fa olhava para ele, pensativa, erguendo seus olhos expressivos.
- Você está sempre rindo! - disse Liôlienka e jogou o livro no l)eve ser muito dlf!cll para você, né? - observou ela.
canto.
r mais fácil do qu• decorar Kochãnski. Ou aínda memorizar
Veretítsin riu ainda mais. 1t11i11iJade de grn11dl!$ /Jomeni que voeê estuva estudando da ólli-
- Por que você fez isso? - ele perguntou. "', 'llll" caminhava pelo jardim.
fleumático: graças a Deus! ... Olha, o que você está decorando é tolice! irpendid• pelo aconteceu antes da chegada de Veretítsin. A sombra
Mas não desdenhe. porque é necessário. I; assim que lem de ser. .Em tomara-se menor, e Uõlienka sentla como se algo dentro de si tivesse
outro livro que a obrigam a ler deve estar escrito que fulo.no de tal é " JMrtido. A grama em que ela se deitara e se cspreguiç.ara estava
14 , J11Jo com o sol alto. Uma libélula imensa e azul surgira e dcsapare-
um grande homem - :tcredite! Nào invente de pensar demais ou vocl
terminará descobrindo que esse fulano de tal é um tirano sem escrú •• ••· enquanto Liólienka procurava-a, inutilmente. Ela retomou o fio
Nadiêjda Khvo•ci 61
60
- Seus irmão:dnhos vão ~--Studar em algum lugar esse ano? fracasso. Enquanto ele revivia tudo isso. olhava a letra ~m reconhecer
sua escrita de outrora, sem reconhecer seu espírito naquelas páginas.
- Ainda não irão a lugar algum.
Veredtsin olhou cm volta; ji era quase meio-dia e a claridade do Veretítsin recolheu os volumes e encaixotou-os. Separou apenas
um: Romeu e Juliera.
sol ofuscou seus olhos, quando ele levantou a cabeça.
- t hora de ir pra e.asa - disse e1e, franzifldo e enxugando o suor «1enho uma coisinha boa para ela aqui. Que ela se ilumine!~
disse para si mesmo. sorrindo, e com esse gracejo retomou à reaUdade
da testa. - Que dia maravilhoso! O que você vai fazer hoje?
Llôlienka olhou para o livro da escola que ainda repousava em que havia abandonado por um tempo.
su-as mãos, mas ela não teve coragem de dizer que o estudaria.
- Vou costurar - ela respondeu.
- Sem, adeus! ~ dive.rtido costurar?
- Sim ... é um hábito - ela r<spondcu com desb>OSIO; lembrando
do bastidor.
- Um hábito? - repetiw Verethsln. - Então, faça um babador
para sua mãezinha...
- Certo.
- Ótimo! Adeus.
Entrando em casa, Verelitsin encontrou na sua estante um volu 4
11 ,ta Internato 65
trouxe o Vássia" e o Kólia1• porque eles estavam brigando na rua, por almoço e apanharam imediatamente do pai. A governanta. temendo
conta do jogo da bugalha. Para vocé, tudo está bem, nél Nem sequer um tumulto maior, afugentou o gato que bolimwn a toalha da mesa;
pra olhar s.e seus irntãos estão arrancando o nariz um do outro. você perco~ndo isso, o pai pegou o gato e o arremessou pela janela. O ani-
serve. Jã tá se considerando crescídinha. a moçoila... admita! Podem mal perlencia a pequena Mácha,ro que começou a chorar soluçando.
até te ensinar fra1'1Cês. mas vociê não consegue aprender nada de sensi· Liôlienka olhou para a irmãzinha e pediu que ela não chorasse por
vcl. Você só quer ficar sentad3, costurando e delirando... qualquer bobagem; embora ela também quisesse se rebelar, orientou
Uólienka permaneceu calada. Sua mãe arrancou o xale da jane• a mais nova a se calar.
la. rasgando-o. enquanto continuava xingando a garota. - Quem a mandou dar ordens? - o pai gritou com ela. - Não
- Deixe que eu faço - disse Liôllenka. posso mais nem dizer nada por meus filhos!
- Não, obrigada, não quero nada - disse Liõlienka.
- Faz o quê?
- Olha o papel de parede... - Coma! - gritou o pai.
- Pare de se preocup3I com essas besteiras, mocinha! - conti· Ele estava tão alterado que os cabelo, grisalhos do peito ficaram
nuou a mãe, nervosa; tendo rasgado o xale. agora pareda quererdes· eriçados. por baixo do uniforme desabotoado e já sem a gravata, com
truir tudo o mais. - Você cria os problemas e depois \'tm chorar no um babador em cima do peito e o colarinho le\'antado. Suas pancadas
colo! Grande coisa você fez em coser no escuro~ hein!? Olha, veja que t,i,lam o jarro de kvas" sacolejar tanto sobre a mesa que Llôlicnko
desgraça de linha você costurou aqui: tudo torto e assimétrko... l•.11~ou os olhos ln11:1n1,meamente e -=on1eçou "engolir toda• <:<>n1ida
Nesse momento. o pai acabara de chegar do trabalho. Ele rece• ,lu prato.
bera uma reprimenda no trabalho e. consequentemente. estava irrita- - Tá vendo. isso não a matou. Dona Modinha?u - disse o pai.
do e já entrou pela varanda praguejando coatra o trabalho. Ele se levantou da mesa antes de todo mundo e foi tirar uma
As crianças foram t.razidas de todos os lubrares: da rua, do ;ar onl"t'll. As crianças foram brincar no jardim, a mãe e a governanta
dim e do quintal, para a mesa de jantar. Por algum motivo. toda aquel11 1 1" ,t cozinhot Liôlienka \'Ohou ao bastidor. Sua mãe examinou seu
agitação e barulho pareciam a Liólienka algo Inédito. Mas, estranh• 1, ,!,.,lho da tarde e percebeu que a moça fizera tudo de modo de,
mente, isso deixou-a mais surprtsa do que triste. Tudo parecia como t1lt1lâdo. Estava muito quente no jardim e ainda eram só três ho-·
um sonho. Esse enjeitamento aparentava estar escrito em sua t~•• 11ollc.nka sentou-se, colocou a linha na agulha e pôs-se a pensar
111 do b.istidor: por que tudo pareda tão estranho para e.la nesse
tanto que o pai comer1tou:
- O que houve. apanhou!
Kólia e Vássia, ainda motivados pela briga na ru3 por cont.- do l lhu uutlvodc ~br~ (N,T.)
jogo da bugalha, passaram a encrencar pela coxa da galinha serv,d• f14,I,. Íl"lla ¼ba.~ dr pJo e com um teor ako6lico muito k\•c, lanlo que era
u,U!,Ç3S tam~m. (N.1:)
18 01m.lnuth-ode Vassíl1. (N.T.) 1., 1.a émpttgada por Kh\'oschinskafa para desjgnn.r o tom ir6nico~ a.grc:ssl•
f \ m1°1Jmw, algo come, "'$Olis1íadlnha•. "modl,nha": (N.T.)
t9 Diininuta,'O de Koostatin, (N.T.)
1 H!Ultt)dt0 67
66
dia? Por que não se chateara antes com o rnundo? Por que nunca quis Ela " lembrou dos bancos 1!$COlare,, dos pro(essores, dos li-
alnndonar tal vida? vro. cheios d, cxprtS5ócs complicadas e im•gens cronológicas, que
Sua mü: voltou, pmdurou wna meia no vnral, sentou-se e foi ela nunca consoguia decor.u-, e de grandes pmonag<,u, que, no fim
tricotar na ourn Jan•la. oposta a Li6hmka. EI• tinha d, tnblllbar. das conta&-, nem eram tão grnndiosos assim; tudo isso passou por$~
- Coslure, costure. ou entào vii ptgar um Uvro! - disse a mle. - mente em rurbilhão... A cslr;ida vaz.ia já J1io cs1ava maJs diante dos
Mas não dctxc que st:us olhos dC$cansem nem esmoreçam. "us olh0>; mas sim o Jardim cobeno por grandes tllias e elmos, a
Embora d• própria cstiv<SSC .onolenta, abriu a janelo e se pós cerca de vime entrelaçada com ptquenas ftoru brancas de cuscuta.
a observar a rua mais pttdsamentc -a csttada. que en corta.da por Liólicnka ,~ nem escutava mais a mãe, que tQ.mWm já não w ocupa,-a
duas ravinas. por onJc passavam duis pontu bcrn antigas. scgulndo mais dos problemas fam1liarc,.
adlantc havaa um declive acentuado que conduzia até o rio que trans• - Aqud• qu• vem por ali é Pdagu•ia Sem,õnova? perguntou
põe a <idade d, N. A t,tnda era toda contornada por «mis, com pe i mãe. t.ncostando•x "" janda e :apont~ para a rua..
quenos jardins cmbdnando.-a., por trâs. não lun"Ja pavimtnto, e nas. Liõlienko estava pensando nos examn que faria no dia seguinte
ãrc:t.S onde a lama secava. entre os caminhos., crescn uma grama. onde e via o r05tO de Vtrttitfoin btm diante do $CU,
muit~ cachorT(K corriam e as crianças brincavam. - Vtja., n.lo r tia? contmuou • miic.
- O Papai ~ demitido tm breve - disse • miic, subltam,ntc, - Ele me prometeu um livro. Dev<ri mur hoJe .1 noite, por
som perder o fio da meada e som olhar na d1r,çio da !ilha. - O que u-r10 disse Liõlienka para si mesma.
V'JJllOS fazer com vocfs. então? Olhe. ela ti vindo pro d ou vo.i pa,sar direto? - disse- a mif'.
Liôlienka levan1ou a cabeça. 1\.- qw, vo« não escuta nada do que ,u digo, hei a? Não quer ouvir,
O coordenador ..tá do1dinho para coml-lo, desde que ,olo t f tou falmdo com voc:t!
carun um novato na repartição. S,u pai ..uva até diundo que ºpre 1,ôlienka olhou em volta.
feria n~m t<r nascido· Por1an10. eu <stou lhe diundo. AIJóna" - 0<Ut Vamos, •bra o ponâol E cuidado para os cachornos não pula-
te proltja! , que se ,·od nflo passar para a turma ow.nçada. nem prc , n t... Pdagucia S.m,õnova ji est.i lá. v.l, que a govcr11anta foi ao
d~ malS me chamar de mãe! T.unbém nJ.o prcc1~allll0S dessas btstc1
ras de aprendiudo por aquL Vou tini-la do pensionato. nw• ced<> '"' '" Ma, Pelaguei• Semi6nova, ,;ú,,. d, wn funciontrio pub!Jco
mais tude se ,,oce passar. a squn.mos por mah um ano, mas 1< n.lo t 1lc outros dois, Já havia atravessado o pot1lo e evitado. com
passar, fica 1n1baJhando cm casa. De todo jeilo. vod continullri ;.cndo • oo cachorro1, qu< tStav:im amarrados na entrado. Mais um
uma tola, cl• j:i tstava dentro d, casa >br2Çando a anfitriã.
•E o que cu a~ndo naqutle pt'nsionatot~ Uõlitnka rcnt4 1ihhenka odiava a convidad• por coruideri-J., uma fofoqueira,
alto. f uc1a ;,1 havia causado mal~entcndidos entre sua mamlc e as
2l Nomcd<INllfmodcuõlic11b (N.T.)
.,..,i,., Ap,,, um tempo, obviame.nre, as coisas se acalmaram, todas"
como as lembranças de suas duas cunhadas ta da falecida sogra) que~
reconciliaram e reataram a amizade nos velhos termos; mas ouvi-la,
mesmo sem viverem por perto. interferiam negativamente no cotidia-
para Uólie.nka, era um verdadeiro martírio. E agora mesmo. quando
no da sua casa. 1.iôlienka não conhecer:\ sua avó. mas lembrava que as
ela mal chcgo..ra, já. estava contando uma história desagradável.
duas tias eram pessoas gentis.
"Por que a Mamãe gosta tanto de jogarconvctSa fora com ela?",
- E e.las são casadas? - pergw1tou :\ visitante.
pensou Liôlienka.
- Uma, ~im; com um rebanho de crianças - respondeu a n1ãe. -
A visitante dirigiu-se à moça também. benzeu seu trabalho.
A outra ficou viúva hâ um ano, não tc.m filhos e vive em Petersburgo.
(hamou-a de anJO e de artesã. Liôlienka estava tão entediada nesses
Essa chama-se Alióna Gavrílovna. e ê: madrinha dessa Alioninha aqui.
últimos dias que sentiu rai,·a até da benção proferida.
1'Que belo anjo eu sou!~ pensou a moça, vermelh~ de rah'a.
- E por que ela mora em Petersburgo?
- Ah, ela era casada cOn'I um funcionário público também. O
- Eu tenho uma filha brilhante! - disse a mãe. - Você nem ima-
amigo governador da provinda gostava muito dele... Qual era me.smo
gina o quanto ela e.studa! Pra você ter uma ideia, sabe francês e muitas
o nome do antigo governador? Ele estava antes desse atual.. Ah. que
outras matérias!
importa! Já faz uns dez anos que ele foi transferido para Pettrsburgo
- Acredito, deve ser realmente muito difici1! - acrtscentou a
por esse governador, que conseguiu um cargo aho na administração
convidada.
da capital e ltvou o marido de Ali6na Gavrílovna com ele. Quando o
- Difkil) Pclagueia Semiônova, e muitíssimo caro. Totalmente
fora das nossas possibilidades, mas fazemos o que podemos. Tenho
marido morreu, ela ficou por Já mesmo. pois diz que jã se acostumou
com o modo de vida de Petersburgo. Ela vive perguntando quando
pelo menos esse conforto na vida: minha filhinha querida.
A mãe acariciou a cabeça de Liôlienka. suspirando com tristua. levarei mínhn pequena AJióna para visitá-la.
- Mãezinha, como assim?! Ela tem esse dinheiro todo pra
- Seu marido está. tirando um cochilo? - perguntou a visitante.
- Sim, Sabe, é melhor quando ele está dormindo - respondeu• K,IStar!
- Ah, quem dera! O capital que o marido deixou não é tão gran-
mãe ainda mais tristonha.
,1..- .issim, mas é ra1.oável: acredito que não vá se desfazer facilmente.
A mãe começou a lamuriar sobre o seu destino infeliz, lem
\t· hou\·esse alguma chanct, ar~ ma.ndari3 minha Alióna visitá~la.
brando de diversas drcunstàncias. Parecia a Liôlicnka que toda aquelia
- Deixe ela ser boaz.in.ha com a titia, sua madrinha! - concluiu
ladainha era desnecessária. Já não era a primeira vez, mas ounca .~
• Vtr.1tante, olhando para Liôlienka com afeição.
presença de Pclagueia Semiôno\la foi tão incômoda aos seu$ olho~.
Liólienka corou e voltou a bordar.
Aquelas histórias nunca haviam sido Lâo irritantes c:omo eram agôr.1
- E por que não? A mocinha é tão bonita! Apenas precisa se
Qual a razão de se lastUDar porque as coisas estão cataS, ou por(llK'
llr melhor; está sempre usando qualquer coisinha. Você podia.
não podem propordon>r uma boa educação para a filha. enqu3nlo
• ~ ·11nha, fazer algo melhor para quando ela for passear...
se gabam de tuna riquez.a mínima? U()lienka estavn envergonhada A
mãe falava sobre os problcn\as de e.asa e sobre queixas trivi.ais da \'Ili•
11 do lnter neeo 71
N adtétda Khvoschln •
70
Ela aminhava mansamenle. como se estivesse indecisa, num
- Quando ela terminar os exames. eu farei um casaco novinho
estado med:tativo. Sabia que não linha ido ao jardim para estudar; na
- respondeu a mãe. - Eu j-á até comentei com Vassíli Gavrilitch.
verdade, não estava nen, preoc.up,tda com o livro. Era como se car-
- e de i;oncordou com iSS:o? - pe1'guntou a visitante em tom de
regasse no peito uma angústia por wna atitude errada, embora não
mistério. tivesse feito nada do tipo. Em casa ela não podia 6car, muito menos
- Concordou, sem problemas.
viver...
As mãos de Liôlienka tremiam e tudo es.curccm diante dos seu.s
As sombras da ,,oite se alongavam, o ar estava qtente e, de ccr•
olhos. to modo, suave. Na gramal nas árvores do jardim, ainda re0etiam os
- Agradeço•• devotamente, mãezinha. mas nio precisa de nada
raios solares, dourados, e o céu, azul, resplandecia em dclicade2a. Por
disso - proferiu a ,noça. - Eu não quero nem roupas. muito menos
trás do alpendre escurecido do celeíro, em que Kólia agora esc.alava e
passeios. mexia num ninho de gralhas. havia uma enorme nuvem cinzenta com
- B \fOcê t& louca de não querer o que o seu pai e sua mãe que-
uma luz rosicler atra\'cssando~a. Ess.a nuvem ofereceu uma nuança
rem!? - irrompeu a mãe. - Onde você aprendeu a mponder desse jei-
rosada ao caminho do jardim do vizinho. Lá havia uma linda e alta
to? Vá! Chame a governanta e mande ela aquecer o samovar para nós.
plantação de malva-rosa, bem rente à cerca, que devfa ter ílorescido
LiôUenko. saiu, fez. tudo o que a mãe ordenou e, após retornar,
ainda hoje, pois ela ainda não tin.ha percebido sua pre$ença. Está de...
pôs de la'1o o b-'3tidor e parou de borrlar.
sabrochando tão ,edo esse ano! Quem leria plantado? A esposa do
- O que deu cm você! Vai parar de trabalhar? - perguntou a
1csoureiro não gosta de plantas, tampouco os outros moradores. ao
mãe.
<1ue parece-,
- Sim, \'OU dar uma volta no jardim - respondeu Liôlienka.
Uôlii!nka caminhou por todo o jardim, imagiJ.1ando o quão di-
- Ela está muito cansad-a; trabalhando multo nos últimos dias -
vt'rtido seria plantar flores e cuidar delas. Ela sentia-se zonza e o livro
continuou a mãe em tom de zomba.ria. - O que há com você hoje? De
todos os dias, esse é o que você está roais estranha: não quer se sentar
,,uc carregava comtçava a cansar seus braws.
•Não sei por que larguei meu bastidor? Seria muito melhor,
conos<o ne.m acrescentar uma prosa agradável ...
tr,ilmente, ter ficado lá, sentada e: bordandd: pensou a moça.
- Não a dejxe mais confusa ... - protestou Pelagueia, enquanto
Ela oomeçou a andar apressada; não sabja se queria correr,
Liôlicn.ka ficou sem saber o que faier. - Deixe :i moça respirar um
1111111r ou desembestar num choro profundo. Ela não tencionava se
pouco, temos assunto$ a discutir.
,•111:timar da cerca de , 1ime e chegou até a diminuir a passada, até
- Você tem algum segredo pra contar?
A convida.do. reS"pondeu com um gestomisterioso, Liôlienk1 111 h11-almtnte caminhou, tonta, por roais vinte passos.em cll'c-ulos, e
11111u, "xaustat no chão.
pegou um livro de uma mesinha no canto da sab, onde ficavam ~cw
"Não! Ele pode pensar que eu estou aqui a esperá~lo.. .'."
cadernos e materiais de estudo, e saiu.
11 1k) titef'Oat.O 73
72
As crianças irromperam no jardim em algazarra. Llôlienka lem-
brou•se dt que fora chamada de anjo há pouco e comt.'ÇOu a escoltar as
cria.nças para denlro de casa. VI
•Agora seria impossível dizei' qualquer coisa a ete·: ela pensou,
enquanro observava o jardim do vi.ilnho. . O primeiro exame era o de Religião. LiôHcnka acordou cedo e
_ As flores estão desabrochando ali! - exclamavam as cnanças,
começou a se aprontar. Ela estava mrpresa por sua mãe se mostrares-
observando o movimento das plaJltas. pedalmenre agiu1da para ajudá-la a se ves1ir; embora o uniforme fosse
Vânia cl:iegou a correr até a cerca, encostou-se e espiou aten• o mesmo de todos os dias. as mangas brancas e a pelcrinc estavam
tamen1c. segurando•st na di·1isa dos jardi1\s. Vássia agarrou-o pelos mais bem engomadas que nos outros dias.
pls., desafiando-o a alcançar, poréru K61i.1, mais arteiro que os dois,
A mãe advertiu por diwrsas vezes: - Minha Hndinha, lembre--sc
a.g3rrou a malva-rosa e arrancou-ti com os dentes. de tudo o que você c..-studou, Ru Já até falei com o seu papai e ele vai
_ Ah, mas vocês são uns ptstinháS mesmo. htin? - reclamou comprar aquele piano~fortc para você tocar!
Liõlienka. LiOIJenka não per<:ebera que essa atenção especial começara na
K61ia zombava dos irmãos com a malva-ros.a nas mãos. os quais noite anterior. Mas ela nem podia u lembrar de nada da noite anterior,
0 caçavam e corriam por todo o jardim. Liôlienka se afastou da brinca• e r-ampouco queria. Sentia-se absolutamente cansada. Ela se persicnou
deira das crianças e se recostou num banco que fiuav.a Jcbaixo de uma ,om grande entusi:umo diante- do konc. recitou a oração que antea,.
cerejeira e de uma macieira e chorou por muito tempo, esGondida. de as aulas e dirigiu-se ao pensionato, acompanhada da governanta.
Veretítsin não apareceu. No caminho. Liôlienka imaginou q_ue. se o exame tivesse ocor-
rido duas ou três semanas atrás, eln estaria mais feliz.
·Acho que eu me lembrarei de- 1udo. Não ténho medo de nada,
lllll) estou tão cansada .. , Além do rr:ais, o que tem para se lembrar?...~
..1., pcn~u.
74 • 110 inter-nato
75
A vez de LiôUenka demorava a chegar. Ela observava com dis-
class~• bateu com a régua sobre o atril e ordenou que se aquietassem.
tração tudo o que a rodeava, e. sem saber o porquê, começou a dar
Liôliel'lka escutcu seu nome.
va1.ão a pt"nsamcntos estr:1:nhos. Era como se. naquela sala, ningoém
- Sigam o c~cmplo do Mademoiseile Hélene Gostitva." Vejom
quisesse o bem da outra.: a profes.sora arrumava wn jeito de dificultar
como ela se comporta!
ao máximo as perguntas, confundindo as alunas, como se houvesse
- Mademoiselle Hélenc é realmente exemplar! - alguém disse
uma alegria sarcástica em vê.las errar; enquanto não demonstrava
perto dela. qualquer a.kg:ria qu~do o.s moça, ac.erlovam. A dirctoro, tcunbém: :seu
- Vejam como ela está no aiprtcho hoje!
olhar penetrava as alunas com uma malícia cruel~ chegava a censurá•
- Ela é maravilhosa em tudo!
•las quando a professora ficava insatisfeita com uma resposta; por sua
- Certamente!
A colega sentada ao lado de Liôlienka estava com a cabeça mer•
vez. quando as moças acenavam, ela não esboçava nenhuma reação,
gulhada no livro tentando decorar os últimos trecho<. Seu rostinho apenas o desdém. Já as garotas, por sua vez. agiam como se tivessem
brigado umas con\ as. outras. Os seus rostos exalavam apenas o medo.
quase se comprimia contra o texto, de modo que os alunos só coDSC*
Tudo o que as mais novas inventavam de fa1..er, as mais velhas caçoa-
guiam ver sua tranç. loira e o pescoctnho branco. Liôlic1ika percebeu
que suas mãO'l.inhas gordas e rosadas tamborilavam nervosamente
vam. Ah, as mais velhas! Agora mesmo, Variênb Olkhfna ficara total·
mente confusa ao ponto de chorar, e Máchenka Pol6sova, sua melhor
embaixo do atril.
>miga - aquela que compartilhava os segredínhos • nllo desgn1da\'11
- Vod ainda não aprc1ideu tudo, né! - Liôlicnka se dirigiu a
de Variênka -, nem se deu ao trabalho de corar pela colega... O que
ela. sig1úficava tudo aquilo? Por que as moças 01h2Van1 com raiva para
- Não.- não estou conseguindo... tudo fica bagunçado na mi.~
.1quelas que respondiam corretamente? E para que chegar ao ponto
nha cabeça - respondou a colega.
- Se você for chamada a falar, eu lhe direi as respostas. Eu sei ,Jc ofender aquela.s sabiam um pouco mais? /\quilo er-~ inveja, ou clM
.._-ntiam medo?
tudo desse asiunto.
- Senhorita Bcliáieva! - pronunciou a professora.
Essa aluna era uma rival, uma adversária. Antes da d>egada de
A vizinha de Liôlie.nka levantou~se promamente, e durante o
Liôlienka, elo fazia piadinhas e prometia que faria de tudo para que
mm·imcnto beliscou levemente a manga da sua .;amisa. liôlicnka en-
a colega não obtivesse o mêrito e mudasse dt classe. As moças que
~rc.,u c~ gcJto como um pedido de ajuda. mas ma colega enganou-a.
ouviam aquele diálogo não podiam acredit'ar no que presenciav'Mn
Mas toda es"1 comoç-ão durou pouco. pojs a professora ~ a d,retort1 l l1 "abia perfeitamente o assunto e o conteúdo, mas, ao responder,
,,111cçou a se enrolar propositalmente.
adentraram a elas.se para iniciarem os exames orais.
- O que você está tentando dizer? - perguntou suavemente a
1111.....,ora a uma das alunas mais velhas.
24 .Espêc;l-C de reptts(ntantc- de dn.uc ou 01ól'lltor dos. pcn$i0nnt0$.. (N.T.)
25 Afn.OC:($1.me:nto do nome F.lc:na. que na novda :'lpatt« tambtm com o,. dl111
nulM'>f russ<>s Alióna e tl4)1 lmka. EMC último. alnd.& mais earinh()$1). (N.T.)
11 do ,ntemeto 77
76
- Não pergunte mais! Eu não sei de nada! - respondeu Liôlienka,
- Sabe, eu não posso fa1ar... Gostiê\fa está n1e cutucando - res-
em a.lto e bom som, para a escandalizaçno de iodo o pe01sionato.
pondeu MademoiseUe Beliãieva.
Ela já nem sabia como ou por que dizia aquilo_ A professora
Ela apontou par.i Lióllenka,
deu nota zero e ela voltou ao assento sob insultos da diretora. Suas
Liôlienka jamais esperaria tamanha traição e corou inslan-
colegas de classe e-staw.m aSSu$tadas e esperovam o mome11to que ela
taneam.e·nte. dando a impressão de ser culpada. Uma tempestade
desataria em choro. Liõlienka empalideceu, mas não chorou. Ela se•
levantou-se. quer podia entender o que acontecia consigo; seu corp<) estava frio e
- Como você tem coragemE Saia imediatamente! - gritou adi-
algo sobressaltava em seu peito. Não se sabe se por d=spero ou ca-
rc.torn para Uólienk.1.
pricho, mas subitamente Jhe veio à mente o desejo de tirar zero em to•
- Bu tenho uma ideia melhor: responda você a questão - disse
dos os próximos exames. Assim, Bclíáicva. Pol6S$O\ta e as outras fica-
a professora de Religião.
riam folizcs. Se BcUáieva tirasse 1,ero, certamente seu pai lhe aplicaria
- Tome lugar aqui na frente, diante da professora! - continuou
uma surra. O pai de Liôlienka também poderia bater nela e não seria
a diretora. prazeroso apanhar assim. Mas. se Olítnka 6elíá.ieva caí ssc do terceiro
Liólienka levantou-se e aproximou-se do atril onde csttwa a
rara o quiiito lugar. ninguém saberia o que o seu pai seria capaz de
professora. Ela sentia-se atordoada. ofendida e assustada. mas sabia de
1.tZer, talvez até botá-la pra fora de casa. Apenas as qu.atro primeiras
cor o d.ificil texto do exame, e sabia que podia superar MademoíseUe
colocadas nos exames poderiam ascender it dasse dos melhores alu-
Beliáieva na resposta. Não seria difkil para Liõlienka dar uma belís•
nos. Assim) talvez eles não passassem Oliênka, e ela estaria em apu-
sima resposta e desmascarar sua compt!lidora. mas o olhar arregala•
1os••• Por que os pais se importam se suas filhas serão bcro-educad;is
do de tOdilS as alunas a a!!SUStou. Ela sabia que o mesmo aconteceria
ou não? Se. no fün das contas, os pais só fazem desmerecer qualquer
se Mademois.elle Bcliá.ic'lll estivesse a1i também. e que aquele exame
l unhecimento que as filhas têm?
todo não passava de uma c-0média de mau gosto. ,que não seria mais
- O que dirão Pal"'Í e Mamãe quando souberem o que se pas-
divertido ou faria qualquer diferença se ela respondesse correiamen-
ou iaqui, agora?... - Liôlienka decidira que passaria toda a tarde no
te... Agora era o seu coração que estava no comando. Ela j;\ não sabi-a
111,rJ1m••• Mas, e depois. como seria?
o que pensava ou o que dizia, e passou -a responder tudo de modo
Havia barulho por toda parte na sala; todas se levantaram e le4
confuso. mais desleixada que as piores alunas. A professora meneava"
un .1 nrtção: o exame havia acabado. A diretora chamou-a. repreen•
cabeça negativamente e a diretora rolhava. A professora, então. passou
1 11 11 por :meia hora. sem parar. A governanta já aguardava por ela
a aplicar um sermão. AJ; colegas gargalhavam; Lióllenka ficou p>rad•
I• "uJbet'3 de tudo o que acontecera no pensionato; chovia, e ela
no meio da sala. Quando terminou o sermão. a docente, arrependu.t•
t ,.v.1 com um guarda-chuva. Liólienka se deu conta de que não
pela dureza das palavras. acrescentou:
1 ,1., passar o restante do dia no Jardim.
- Vamos. você se recuperará. Tentaremos outro assunto.
• tio 1neerneto 81
80
podia encontrar uma salda) e ji não sabia se queria corrtr de ,·olta - Quando?
pan casa. como um culpado. ou ;tiru•>C aos seus pb e dh.e r só Deus - Em breve. Quando algo aling<' um e.xtremo. !>ignific.1 que lngo
sabe O que:... ~ atê bom que certas intenções nunca st reahtc.m: pou diegari •o fim. Tudo i t.lo ent~i, que algum dia ;,.. ., .,.tagnar.
uma saida. põderia causu arrcpcndimeJ'ltO e a outra um11 vergonha 1s110 M:r:i antes do fim.
incontorn.\veL. - Antes do 6m do mundo?
Veretítsin perm:me«-u. wnúa n«cssidade de con,•ersar. seu co- - De qualquer coisa_ Se você conduz sua vida através dn aborrc~
ração e.tava jubllO$O. Ele estava alegre. mersulhado no esquecimento. c1mtnto cotidiano. até o ponto tm que você rtaJmentt nem~ m,1is
no mau ptnetra.nte csquecimt"nto de todo o resto. menos do presente. o que é a íclicidadc, cntao isso seria ruim.
Veretftsin não se dava conta de onde eSl'aV'J., nem mtsmo queria $abcr - E como \'OC:l se- protegeri.i disso? - perguntou V~t1lsin, dt-
que dia 11nha sido ontem. Quando chegou a hora de partir. ele tomou sapontado. - Porque pam espcl'ar as glórias futuras. você precisa. se
não de praures, ao meno, de dtStraç,io.
0 cha~u. sem nem saher o que t'azia, apena, partia ll'lll se preocupar
wbre O ca01inho de~. como qitt em transe... Só rttomou a cons- Ela encarou tranqu Uarncntc sua dese:ortcsia .sobre mn assun
d~ncia no seu quarto, apôs uma noilc em claro. 10 que ela :icredit3\..I verd.tdtir.imente que o confortana. \'~tttsin,
fJ, estev< fdiz no dia anterior por l<r rncontrodo Sofia sozinha, como um enf.utiado egols1a, nllo percebem que ela est3\"1 fatigada:
passado a noite cm sua companhia e só de pensar que e\• o recebe• mas agora ele a deixara 2i.nda mai) entediada, 1<01 nem imagmar que
,.. sem qualqutr cerlm6n~. que estar em sua pres<nça era prauroso da estava se csforça,ndo para dbtrai•lo, por pura compaixão. sem pe-
pa.ra ela. Ela sempre cxprcss.ava no rosto aquilo que sentia, e Verct1ts1~ Jir n•d• <m troca Ele só fran7JU o «nho. Sofia mudou de il$$Unto,
era capu d, adivinhar mesmo se•'• 6.ngasse estar fdiz.. EI• conheoo tom~ou uma dhputa que agrodava a Vere1ítsin, e. embora concor•
Sllas caracteri.sticas períeitamentc e oté as 11utis vnriaçõ<s de humor; J.1..,~e com ele internamente. dava margens par.t que de desenvoh'CS.Sc
,cu canunhar, s,u, h•bitos.. ao ponto de n<m precisar v!-la para rc .1Ja \'t'l mais sua retórico Sati~íeita em 1.'ê•lo triunfante, revigorado,
produzar de modo vivaz sua lmagen, na memória. Ele parecia f<liz.. 1 I Jelettava-se tambtm. Abria o piano e tocava um:a peça dássia,
E.lo, por sua vrz, pattcia tnst,: tinia pas,ado o dia lllteíro bordando. <1udas qu, quando s, escu1a lem-s, a impressão de que a vida ~.
1nbalhando apressada e re.:lamando a Verelltsin do cansaço provoca 1, .ilgum modo. mdhor. Ela tocava•as perfeitamente. Vcrctít51n, mor•
do por um d1• inteiro de trabalho. "'º de amores. ouvia I udo. ,e se Sofia pud~sc entender O que tlc
11 1 rara si enquanto ela tocava Moz;irt, veria que sua gcnulcza tinha
E eu rstou cansado da ociosidade • ele disse.
_ f. acha que sou diferente de ,-oef:? Ãs ,"ttõ até me cm·crgt, 1 l'•SS.do todo, os limites. Ao fim da tl.ltíma peça, a irm:l • a mãe
nbcr. tiro uns dias para ver as coisas - eu vejo só fio~ de costur.1 e VI\I uh,,1 retornaram do passeio. e Veretít.sin, am.ildiçoando a chegada
1
ias. Di,.tm que isso nlo é um• ocupação de vtrdad• - da r,sponcl<u ~hou melhor ir embora mais cedo e não fiar atê o finaJ da
- A vida é entcdiantel - acre)ceotou Vcretlt.sin. 1
' · ,orno de cos1ume. l:le não c,t.m1 em condições de mamcr uma
- O que fazer? Aguardemos, no futuro pode mdhorar. .a de aparéndas. e Ir para casa era o mab, prudente.
83
Uma nu,·cm negra - muitas já tinham passado naquele dia - se
N• manhã seguinte, de saiu para o trabalho deslig;tdo do mun-
formou dt novo. A chuva recomeçou e obrigou VereLhsin a terminar
do. Ele jâ se acostumara a passar as cinco hotas de trabalho sem atcn•
o passeio. Por um moment~ pensou com Irritação que talvez fosse
tara nada que o cercava. pOi$ Já se dera conta de que at~ntar ao redor
melhor ficar encharc.tdo do que voltar para casai mas logo voltou 3 dr
seria se atormentar gratuitamenre. me silenciava e esçrevia s.ibe-se lá
dessa ideia. infantil, alongou suas costas cansadas. que estavam total-
Deus o que bolavam diante dos seus olhos paro copiar, sabendo igual•
mente molhadas, e aumentou o passo. Havia um lamaçal no caminho,
mente que se ocupar do conteúdo da escrita seria mergulhar num ou-
e como ele não tinha a mesma desenvoltura que seus colegas que pu-
tro suplício desnecessário. Seu supervisor estav.l furioso com outro
lavrun de pedro em pedra, molhou-se. Uma dró<l,ki" magnificamente
funcionário que se encontrava perto dele; Veretitsin nem dava ouvi-
enfeitada passava p<!IO local. lbnliev seguia nela para 01sa, olhou pela
dos à situação, o que irritava profundamente o supervisor, que não
janela e reconbcc.cu seu amigo - obviamente, pois não estavam nen1
gostava de seu sangue frio e que queria incitar medo e colocar em seu
a dois passos de distância -, mas não o cumprimentou. Quando se
devido lugar aquelts "importantes Sênhores esclarecidos': Veretítsin
aproximava de casa, Veretftsh1 encon1rou l.iôlienlca, que corria com
nem levantava a cabeça. Ele saiu para a varanda do edUkio. aprovei·
um grattd~ guarda-chuva quebrado, segurando-se ao braço da gover•
tou o ar quente e úmido e foi Ranar pela vizinhança••.
na.ntG.; sua túnka, velha e cinzenta. estava toda manchada de pi11gos
''Algum dia viverei como um ser hum:i.no normalf", ele pensou.
enegrecidos da chuva; os laços cor de•rosa do seu chapéu desbota-
4
A t110ÇO do internato 8S
NadifJd8 KhvOSChln'&-k.818
84
Mesmo (IS mais fortes personagens se submetem â ioRuêncla
das circunstâncias. A nalureza tem uma incontestável influêocia sobre
humor das ptssoas. A chuw sobre a cas.a. a intriga e o alvoroço do VII
0
ambiente donustico e,cerceram um eíeilo tão negativo em Liôlíenka
No dia seguinte, Liôlienka retomou para os exames de
que ela quase não pen'3va no que se passara no exame, pela manhã. À
pefiUnta da mie; "'E então, como foi na prova?'~ Uôlienka respondera Matemática t Geografia e obteve o mesmo "'sucesso" dos dias antcrlo-
1t:8. Só que <l~ct n:t. ela 11ãu ,:,abia c:xvlic.t1 o \(Ut 1::i.t,1v;,t ,u.•u11tt:O.::mJu,
apenas que •tudo bem".
A mãe ficou satisfeita com a resposta, mas Liõlienka só conse ... pois nào conseguia entender nada e esquecera completamente tudo
guiu pôr suas ideías em ordem quando a noitinha já caía, e ela pas· o que decorara em casa. As amigas olhavam•na assustadas, pergun•
seou no jardim, rememorando seus atos. Três dos quatro irmãos de tavam se alguém havia 8: enfeitiçado: ptdiam que ela rezasse ba$tan1e
Uôlicnka estavam de castigo no quarto, amarrados às pernas da mesa; corrctamen1e e acendesse uma vela diante do tcone. Em sua cabeça
quarto foi mantido pbr perto para observar os irmãos e tomar como tudo e.stava cnuviado. Liôlienka parecia estar doente. Em casa, como
0
e;,:emp)o de conduta: deste modo. Liôlien_ka não teve sun reflexão que de prop6sito, os problemas se repetiam: um irmãozinho machu-
prejudicada. Sozinha, ela decidiu obS>ervar o que o seu vizinho faz.ia: cou·se seriamente ao cair do sótão. outro quebrou os pratos. Mamãe
olhou sobre a cerca. mas devido à sua altura teve de subir sobre u1na não encontrou algumas roupa.-. Intimas e demitiu a governanta, Papai
recebeu uma reclamação no trabalho e as coisas iam de mal a pior.
parte mais baixa da divisória. Liôlienka se posicionou bem e pôde ob-
servar atenta.mente, por uma hora inteira. não apenas o camjnho inós~ Passando perto de Líóllenka, ele disse:
- Olha aqui, Dona Modinha, eu eslive com o Padre levsiévi
pito do jardim vizinho. mas o que acontecia adiante, dentro da casa.
Velas foram acesa$ e passavam de um cômodo a outro. iluminando hoí•• Que Deus te pe,doe, mas ele me disse que tu não estás apren-
ora uma janela, ora outr:.i. Liô1lenka quase deu um gritinho assusta· dendo nada! Você ainda não me conhece. .. E nem ouse me responder,
do quando uma das janelas se abrlu e a luz brotou de lá; ela pensou \liu!? Ainda vou 1cr que te arranjar um casamento...
que talvez fosse Veretítsin que abrira. Mas ele deve ter seotido frio e As últimas palavras foram como um enigma para Liôlienka: ca•
fechou-a rapidamente, e Liôlíenk:a escutou apenas o som da fechadun'l -..1r•se? Com quem? E se ela só tinha qum,.e anos?... Certamente Papai
~levla estar de brincadeira.
rangendo na ventana. A vela ficara tão próxima da janela que nada
Liõlkuku $1: kmlnuu de wdo:, o:, tipo~ 1.k Lll111,,.Ud1:i1~ do y11i e
podia ser visto no fundo do quarto.
- Estou fazendo uma loucura! - disse para si mesma Liôlie.nko1 111mlo comprimiu con, mais força seu coração. Sua cabeça fervilha-
\ i1 ,om ainda mais intensidade do que antes. A moça se perguntava:
pulando da cerca, na qual suas mãos se agarravam.
Seu nome foi chamado dentro de asa, onde a ceia e os ccrc.•,ll1 l'M.1 que tudo isso?,.
,. do Internato 87
NadlêJd3 Khvoschlnl\
86
- Para onde você está indo? - perguntou a mãe.
- Por que cu sou n O01\a Modinha? Eu não peço roupas novas.
- Estou indo ao j:udim, est:1 quente - respondeu a moça.
uso o que fazem para mim; minhas amigas;& até disseram qut eu rne
- '"E5tou indo ao jardim"'! Leve ao menos o livro, sun scm•ver-
visto mal; nunca desejei nenhuma novidade. Eu sei que as coisas sáo
gonha! Deixa que eu te dan:i u.m bom jardim. Amanhã, eu mesma
caras t que o Papai tem de manter a todos nós. Eu tenho costumes
vou ao pensionato! Vou descobrir o que você a.ndn aprontando por tá.
módicos... Por que estão me tirando para Cristo? Eu nunca nem ou-
Vamos colocar a senhorita no seu devido lugar, saberei tudinho sobre
sei respondê•lo... os meninos sim, respondem! Eles falam essas coisas
vocé: se é preguiçosa... Gravt> as minhas palavras, Aliôna,,. eu ainda
porque me conhecem e sabem que não sou como os outros. s-abem
vou te colocar diante de um tanque de lavar roupas!
que eu não responderei... Llôtienka saju rapidamente. Ela escutou que o Papai acordara
A mãe, tendo escutado o nome do Padre leV$iévl, acrescentou:
de sua sesta noturna. após o jantar, e ele sempre acorda mal•bumora•
- E quem ia querer uma esposa idiota como você? Só tente
do nesse horário. Ela ficou •ssustada.
aprontar uma comigo! Não consiga o cerlificado, não avance para -a
~ de futo, eles podem fazer qualquer coisa comigo!~ pensou
turma das mais velhas... Eu vou te tratar como uma santa, eu mesma
ela, abrindo o portAo apressadamente. por conta da tremedeira nas
far<i o papel de governanta e farei o teu pão. Vai pensando!
mãos.
Liõlienka pegou o Uvro e quis decoro-lo, mas entre 0$ liohas um
Completamente agitada, ela andou vá.rias vezes pela trilha do
pens;\mcnto irrompeu de chofre: jardin\: o ar pareda pesado sobre sun co.~; t'.é"U peito e$1nvn confran-
- Pra que repetir isSO? Eu ji sei tudo isso. e sei atê como errei
gido; as lágrimas por divctSas vezes se avolumaram em seus olhos e
as coisas ontem e hoje. Dá na mesma para mimt Não iJnpOl'ta como
ela as continha. Ela arremessou o livro no chão e gritou:
eu venha n respondtr, se correra ou estupidamente: eu 6carei comi•
- Que infelicidade!!!
go; aprenderei para miin mesma) não para uma professora ou para
Ela mesma nem sabia o que chamava ao certo de infelicidade
diretora: não por um certUicado, nem para o livro de alun~ mas.
3 - era tudo: os ex.ames. a frivolidade dos estudos, a. r.,,iva do pai t da
para saber... e mais, que b-Obagen, isso! Para que e&S<' tipo de aprendi-
mãe... talvez o mais importante, era que algo dentro dela de.spertara a
z.ado? Esses absurdos do tipo: "Pompadour foi uroa sanguessuga fran•
perceber a infelicidade, e isso evitava que ela pudesse se sentir cm paz.,
cesa.. '.'13 É uma brincadeira, só pode! Quem t essa Pompadour? Na<à
como antigamente... Subitamente, num átimo, cfa concu pan.t a cerca.
é explicado - apenas decore o assunto. pendu.rou~se e observou Verctftsin. que estava no jardim, embora dis-
Liôlienka rubori1..ou de raiva, fechou o livro e se levantou; da
tante dela. Liõlienka esperou alguns minutos até o momento em que
janela soprou uma brisa V'inda da rua, com fragrância de tUia.
ele se virou cm direção a ela, e gritou:
- 01:11
28 Madamt dt Pomp,21dour (ln t. 1764) (oi uma contd frantts.l., que no contato - Olá! - respondeu Veretit<ln, de longe, e se aproximou.
utiUtado pelo livro de Liõ,limb tra tratad11. como u.m11,. ei:plondon do rd Luls XV,
J.e.vkio à ~ c(U\-diçio de ~mante. Pottm, tc..-e ~ l polit1c:io muhn importa1.11e m,1 29 Ali6n;:i ~ 1,1m:i c:mrupteb de Elen::a. (N.T.)
fra.n~. em meados do skulo XVU1. (N.T.)
95
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nomes comeÇ4nm a circu.lu tm $lia cabeça - nlo estudos gramaticais l.lôlicnk.a estava t!o 0bsort:.1 que nem percebera quando
ou pt-rsonagens bist6riros, mas oon1cs que $urgiram da tKuridlo da Pri;guria Semíõnova e seus filhoo se desptdlram, nem como ei..
noite passad4, que ela rnbisçara no caderno e qu• se a,-olum•"•m cm Mamãe e Papai chegaram em casa. lmcdlatarncnte~ Mami.le mandou
,ua ment<: durios, másaras... que ela lroca~:st de roupa e fosse no pen&ionnco 1crn1inar O$ ex•me$,
- imó\'tl como uma es1,tua! - atentou sua mãe no o.lpt:ndre da pois ainda uam 11 horas. Liclhenka <$ta,.,, disper>a por con12 de sw,
igreja. Seu pai converS3V'3 com alguns c:walhciros- apartntcmentc, os VC$limema e das impressões que aquela manhã prod111..iram. Seria
filhos de Pelaguei• S,miõno,.,.. Uõlicnka virou-se• fim de obscrv&-lo, bom .sair de casa mesmo e re.spirar or fresco. caminhar, mesmo que
e não st surpreendeu ao ver o seu Piizinho eonversando com npazes para o p,nsioruito. O que acontean• quando ~<se 1.1• Por duas
tão jovens, embora tlvmc raz.3o em se: surpreenda quando ele convi• vezes esquectu o livro correm a levar, e tc~•e de vohdr da ,•arandn até
dou trls 005 r.pazcs para con,'Crsar do lado de fora, na esquina. Havia o quarto; mas não &C esqucc-t"u de levar o Romeu e /11/irta no bolso do
algo de estranho neles. fies con\·e:r,aw.m como se oochichasscm. Um uruformc, do Jeitinho que Veretitsin orientara. f.ntão. subiU.mcntc. ela
dele$ brincaV3 com uma bengala e iomba\·;i de UID3 ,·elhinha que pa.)• dccldi.u Ir até :i cera, mas não havia ninguém na trilha <lo jardim, ipe•
S.lva por peno; 0 outro. qut COfl\'tnava agora em panlcular com o nas • 1anela d,:le pcrmanttí• dc.cnvad.i, como ela havia pen:d>,do na
Papai,., todo momento retirava o relógio do bolso • olh.-, os hor.u. noite an1crior. Verttjtsin esc.~,-a sentido debaixo da ventana e t~rc-
Todos tính;1m os cibcl0$ cnCilr.lColados.•• vio alguma coisa no caderno. A nova governantn bateu palmas para a
Patt de olhar para os lados! - sussum:>u novamente a mle, moça chamando-a para quir. Amãe ~,ou o som e foi até o jardim
que caminhava em silêncio ao lado de Pe1agutta SemiônO\-a. ~ronde a filha estava. LiôUen~ in,·ofuntariamcntc, respondeu que
A esquina fia,-. p,rto e el• podia observar cudo. O 6lho mol> tlnha .iravessodo todo o Jardim parn r<$go1ar um lápis que esquecera
\flh.o de Pdagueia Scmiónova entregou a bengala 110 seu amigo JO na noite anterior. enquanto atuda".1 A moça se senuu tão amargura-
"'"'· aqudc que olhava sem parar o relógio, pux,ndo-o p,la cintura da t eo,·trgonhada por essas palovru que quase chorou ao longo do
_ Vi à me-rda. irmiozinho! .. respondeu o mais n0\'O. entretido caminho par.1 o pensionato. De tanto remorso que sentia. não conse•
na com·ersa com O pai de U6Henka. - Stnâo eu te arremtSSo na Iam•! gm;ii Jembrar•st dt nada que rstud;ira para os cumes. mesmo usim.
llle gargalhou alto. Popai pareceu gostar dessa=• e sorriu tam ""l><glliu chegar• lcmpo parn • prova de Alemão. l!Ja tinha de l'Cd-
bém. Liõlienb senüu ,crgonha alheia por aquilo< ela <$la,•• chaccad•. r.1r 11lguns trechos de poemM qt1e decoram, embora ndo entendtSSe
e. sem qualquer moti,•o, tcmbrou ..se d11 risada dt Verethsin: de )UJ. , ,rue significavam. Mal cht-gan t 1-Cntan no ~ lugu, $Cm tempo
mãos Ma,. sua ,,oz cheia, ,cu cabelo que ~ \ - a do chapéu. M"U 11-ma orga.uiz.:.u os pensamentos, ela confundiu as rimas dos poemas
olho. c.ut1nho-($CUJ'OS e ,cu olhar atento. Ontem tle havia dito q11, 18 unica gu.ia cm que ela se ,apegava para len1brat·Sc do contcudo.
1
ela ,era -uma moça acclcntc~ Como ele ousava chamar •wt,llenk• >r«>fcssor, um altm.io, 1.0mbou dr $IR C($J>O>ta, e ,ssc novo fra-
\\O deilou Llólienka mais bar.ttinada do que nunca. Um professor
n S6~ch&ma a.lp&n pdo ~ quando hi um ~u ~ in11mldade wAc1r 1 l r,ancti sucedeu o de Alemã~ e um de H.1stóni o de francês, um
(N.'I'. )
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após O outro, sem intervalo. O professor de francês Citou um exemplo tendo sido rebaixada do quia10 para o décimo quinto lugar, no rnn·
de cacofonia envolvendo o patticipe pa$Sé, no quadro. que ele mes1no queamento das alunas da classe."
teve dificuldade em responder, o que, consequentemente, o fez enfu- - Você merecia ser expulsa por tamanha impertinl:nda! - disse
a direlorn,
recer. o professor de História perguntou sobre gucrra.s. Um mima-
to antes, enquanto os professores se substituíam, Liôlienka deu unta Ela não a expulsou. porque. no fim das contas, uma aluna a
olhadda, no Romeu e: Julieta, como se a peça de Shakespeare fosse um mais representa mais dinheiro. Llôli.e:nka mirou nos olhos de suas co•
a~unto da prova, e;, nas primeiras páginas deparou•se com a ínsen- legas.. pensando encontr3r um aJago. mas todas cvitaram•na, algumas
satez do mal e dos derramamentoi; de $anguc. Ao seu lad~ a colega preocupada$ (Om suas atuações nos exames - ou só Deus sabe com 0
OHênka Beliáieva mpondia à questão ressaltando a Importância dos que mais. Toda a coordenação do pensionato estava contra Liôllenka
- (Orno pôde ir de encontro aos superiores? - o fraca.5$0 da moça foi
grand,s homens.
"Grandes homens? Set .. Eram vilões!", pensou Liólienka, lem• inesperado para todos que a conheciam. Ern impossivel cut tia tivesse
brando-se dos comentário$ de Vercútsin, de sua risada. Em seguida, esquecido absolutamente tudo de urna hora para outr;, Mas, como
Liôlienka escutou fa]arem no nome de Luís.. o Benevolente, e n5o se poderiam sabe.r? Se ela tivesse dito algo relacionado ao conteúdo, mas
conte\·c: gargalhou estridentemente diante de todos. Ela encontrou quem se importa com o conrctido? Qual a razão de se estudar n.um
um ntote para gargalhar diante de todos. e esse n10te veio seguido de pensionato se não terminar o curso e receber as honras?
uma calorosa reprimenda; era o que faltav3 para o despertar de 5ua1> Llôlk,ika foi para casa. Dc.ntro de dois dias ocotl'Cria a «.rimO•
teimosias e convicções de que toda aquela encenação era um grande nia, e seus pais descobriram que tipo de desaforo ela tinha preparado
disparate. Nesse momento ardente, suas ideias e sentimentos estavam para clc.-s. A moça passou muito tempo d1orando e sua mãe surrou-a
completamente des,ontrobdos. e ela passo\1 a escarnia!' de todas as mais de urna vc-t.
perguntas. Quando o professor. mais uma vez., a repreendeu, cla o a~~ E<.'"' clima de catástrofe durou alguns dias: o barulho das dis•
cou acusando que o livro (onfundia mais do qut esdareda; que nao ~us.sões. o silêncio Interior, a casa reple1a de visitas e a inquietude das
ensinava a discutir os temas, mas a decorar nomes e datas. O professor 1.rfa.nças afetaram tanto Liôlienka que: ela passou a ficar aborrecidíssl•
pediu que ela não discutisse mais, ao que a moÇI respondeu a~usai\• m11. Após chorar bastante, ela subitamente parou, sem sinais de deses•
do iquele modelo de ensino que só servfa a um eterno ex.erc1do dt prro ou indiferença. Percebeu que era miada pior quando tanto mais
lembrar e esquecer... O professor 6cou atônito. Ele ensinava há vinte C' lh">r.tva, e suas l&grimas foram desaparecendo. naturalmente. Ela até
cinco anos e era qualificado para lec-ionn.r em pensionato, mas nunc•• · "4.' ntiu melhor assim. Sua mãe logo jwltou uma trouxa de roupas
1 um meias de criança e camisas velhas e arremessou sobre Líôlienka
vira nada parecido por parte de uma aluna em toda sua carreira.
Esse escândalo finalizou os exames no ptnsionato. Nem ~ m·
cessário dizer que Madcmoiselle Sc-liáitva foi apro,•ada. paro a chu 1li aqui •ma pequena confvs.io qu.mto ao nnqucr.amcnto de Uôlknlca.. que no
.lJim100 sa a suta colocada da sala, mas aqul t l\ut.urn dasi:ifi~-a
ill.1 capí1uJI).
se superior, com honras, enquanto Liôlienka ficou na classe inferlu, mo,l'UnJa. (N.T.)
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para que ela reparasse. alé1n dos trabalhos normais de costura. Ela - Ora, mas por quê?
trabalhava do amanhecer até 1arde da noite, parando apen-as para se - Porque ela não merece! Pergunte vocé a ela mesma: wna me•
alimentar. Essas paUS3.S para comer eram tão tensas que muitas vezes nina sem-vergonha! Demos tudo para da ser uma madame~ mas: quis
ela preferia ficar lrabalhando incansavelmente. Em alguns momen• seguir o pior: é urna ignorante!
tos. perto do cair da noite. quando o vento soprava em direção à ja.. - Não a humilhe assim ... - interrompeu a vii;itante. acariciando
nela onde senta.va•se com o bastidor, ela contemplava o redor. Algo a cabeçi de Liôlíenka. - Você tem uma filhínha muito boa. Diga-me,
parecia queimar seu$ olhos e a ideia de fugir para longe chispou em quem nunc. trrou ou pecou? O que há de too bom nesses estudos,
sua mente. Ela passou o día todo diante dos pais e das crh.tnças, com Mãe? Fez algurna diferença para mim ou para você aprender alguma
quem também tinha de dividir o quarto. Não havia um momento se· cojsa? Na verdade, o qut interessa I a prosperidade! Deixe que aos
quer de liberdade; para que ela semasse. refletisse. Mesmo à noite era pou~uinhos eu vou ensinando como administrar uma casa - sei que
impossível. pois já estava tio cansada que adorme<:ia rapidamente. voce sabe ludo, meu bem - e também precisar.í aprender um pouco
Numa dessas noites, eli-sentiu vontade de chorar, pois as crianças não de música... Minha lindinha, você sabe tocar música? Talvez. uma vai-
paro.varo de incontodâ~la e provocá•la. Eles receberam ordens para ~ª ou uma polca?
importuná-la, mas depois de um tempo jâ f.uiam por pura diversão. LióUenka não respondeu. Ela sentia a mão de Pelagueia
Repentinamente. uma ideia ocorreu à Uôlicnka: "E se eu, de uma hora Semi6nova acariciando seu cabelo.
- Ou uma quadrilha, que.m sabe?
pra outra, enlouquecesse?"
Ela não costumava fantasjar aventuras - invenções que acal. - O gato comeu sua língua. foi? - gritou a mãe. - Você sabe ou
mam a tristeza e quase aiusan1 prazer aos aervos. Havia algo em seu nilo sabe?
espírito mais forte do que essas invenções. Uma vez, sua mãe dissc•lbc: - Sei - respondeu Liôlienka.
- Por que você nunca olha ninguém diretamente nos olhos? - Conte outra mentira, váJ Como você fez lá - continuou a mãe.
Liólien ka mirou-a e virou as costas: ela st'!ntia medo. Diz.la para Moscre sua cara, ou quando for se apresentar iPra nós vai fazer um
si mesma que seu pecado a atormentava e que só desejava morrer... Jó-ré•mf' qualquer pra enganar.
Ela pumaneceu assim por uma semana. Pclagueia Semiónova - Não. já cliega... Minha lindinha, você jó deve c,;tar cansada
apareceu para tomar o dtá e encontrou Li()Lienka numa janela. e a mãe
1lr l11ntas instruçôe~ - interrompeu a visitante carinhosamente._ Mas
"~hncnte, sem músic.1 strlà lmposslvd... ll veja, você é muito pren-
e.m outra.
- Que mocinh;i prendadat - ela destacou afetuosamente. - Mas. 1IJtl,,, não é? Mamãe. por que não deixa a moça descansar e dar uma
díga-me, Mãe, por que mantê-la trabalhando o tempo inteiro? Hoje• rull inha no jardim, enquanto conversamos? Tenho um assuntinho a
1u111r com você.
domingo! Dcixt..a ao menos ir ouvir a música...
- E.la não tem nada apropriado p:.t.ra o passeio de do.mingo Certo. Pode ir embora! - disse a mãe.
respondeu a mãe. - E também tem ordens de não sair. 1lôlienka se levan1ou, guardou o bastidor e saiu. Suas pernas
• do IOtern.or;o 103
Naótétdt Ktwoscrnno•
102
Veretitsin não escutou o farfalhar do vcsrido de Liôlienka e só - Por exemplo, que tipo dt verdade eu lhe disse?
perGebeu sua presença no in.nante em que ela também notou a sua. - Que ostentar orgulho é motivo de ve,gonha.
- Quanto tempo que não 1e ,•ia por aqui! - ele perguntou. es· - Liôlienka, cu nunca lhe disse isso.
tendendo sua mão para ela. - Eu entendi assim - respondeu con, convicção. - E agj tal quaJ
Liôlienka apertou suo mão stm surpresa ou qualquer emoção. entendi.
Ela apenas sentia frio. - Alguém ficou agradecido por Isso! V0<ê ficou satisfeita? Suas
- Eu não ti\'e tempo de vir - ela respondeu. colegas por quem você fez esse sae:rificio. alguma veio lhe dar um
- Sim... Mas.. e então, como vào as coisas? abraço de agmdecimento? Qualt Nenhuma?
- Acabou tudo. - Obviamente, nenhuma -ela re$pondeu urn tanto ofendida. -
- Parabéns. Mas eu agi corretamente!
_ Nem precisa. Eu permaneci na mesma sala e entre as últimas. - Você tem fdeias romintica&i Liólicn.ka. Devolva-me 0
Veretítsin balançou a cabeça ncgati\'alllcntc.: Shake$peare, por favor. Você já lt·u o bastante e desse jeito as coisas
- Você fez isso de prc,pósito? vão piorar.
- Não, eu mesma não sei... Foi quase de propósito. - Como poderão piorar? .. ela ten1ava entender se ele estava
- Por quê? tirando sarro. - Ah, você só pode estar de pilhéria!
- você sabe. .. Pra qw: falar ~ou,e isso? t c.hato. Você $3be. me- - Eu ~1ou pilLeriando de voe~! Pense você 01csma: seu pai e
lhor que qualquer um, melhor do que eu mesma sei. $'tia mãe devem estar furiosos - sO Deus sabe o quanto! S\las coJe:gas
- Eu, Liôlienka? devem estar zombando de ri. V0<ê mesma não sabe o que faur da
- Ora, sim. Afinal de contas, como você disse... Aquilo que você Vida; está terrivelmente infeliz., mas comJnua dizendo ..eu agi correta-
disse aqui. você lembra! mente~ Voe~ é umo ceimosa, isso Sm!
- Pelo am.or de Deus! O que quer que eu tenha díto. eu poderia - Repreenda•me mais! - ela disse, olhando-o bem nos olhos.
estar enganado ou brincando... Veretítsin riu do seu olhar e deu a mão a ela novamen1c. EJa a
- Você não estava brincando. Eu lhe perguntei várias ve-us se .-x.arrou com ambas as mãos. Vert'titsin puxou a mão de voJra.
,,ocê e-st.wa brincando e você sempre dizia que não. Que você estava - Como voe~ vai seguir nesse mundo agora? - ele perguntou.
fu)ando a verdade... Etl ainda não sei tudo. Tudo $Obre a verdade~ sobre - De alguma manefra.
as coisas da vida, sobre todas as verdades! - De alguma maneira não é possível. Ser sentimentaJ e livre lhe
- Por exemplo? ""'"' lristes consequências, além de ser considerado indecente.
Ela ficou confusa. A lembrança dos seus pais a fez morder o, Como assim? Como a5$Ím, indecente?
h\bios, guardar as palavra$ e as lágrimas. Veretítsin olhou no seu ro - Pois bem. Você sabe que as pessoas precisam conviver de aJ.
1
1 1oi. 111oneira umas com as outras. Para isso, elas c·riaram feis, regras.
e repetiu, sorrindo:
sõts, deixados para trás, que a claridade crepuscular par,ce realçar e Silenciaram ambos. Veretítsin tomo .
não ia embora. u·se pensa uvo, Llõlie.nka
dizer: agora é tarde den1ais!
- Eu aprenderei tudo~ assim como você! - dis..w Liôlienk.a. - E então, pediu aos seus pais ue rd
tou olh d q • pe oassem? - ele pergun
• an o em volta • e por esse movimento
. lembrou-se "d l .. •
- intenção louv&ve.l! - respondeu Veretltsin, sem se mover em
- Pra quê? e a.
direção a ela. - Seu paizinho e sua máez.inha discutirão por causa dis-
so. e~ enquanto vod esüver sentada no sofá refletindo sobre as no- - Pois bem. tente. Eles te perdoarà . ai
-aos passeios. o. se egrarã.o e te levarão
vas descobertas da astronomia - um passatempo excepcional e muito
tranquilo -, ojnguém te incomodará. As vi.sitas: virão e começarão: - S: melhor aqui - ela respondeu.
..Você viram que o diáco110 prestou queixa contra o sac:ristãor'. ou. Vcre:tftsin não disse mais i1ad 1 .
Liôlien.ka. O portão d da a. e• Já não pe11sava mais em
"Madame. corno seus olhos são lindos!". Ai de ti, se lançares uma per• a entra rangeu e um som de
dos P?r.s0patos sociais, muito el~ant.!s, Sõou na trilh::ssos P'.º~~zi-
gunta desconcertante para eles: ·o que você achou do golpe de Estado
Vereut:1m procurou o visitante. o seu Jª un.
do presidente Luis Bonaparte?'"... Isso será muito divertido. sérío mes·
- ~~• Jbráiev! - ele disse e foi ao encontro deJe.
mo.. te aconselho a fa·.tê-1o.
lbruev parecia agitado.
- Você nunca fula as coisas al>ertamcnte.
- O que mais, então? S(rá muito mais f.kil para você estar en• • E.<tou aqui só de passagem. F.stou saindo da repamç· o
pon deu tão Jogo alcança. a - res•
tre pessoas que a entendem bem. t gratificante para o coração! De - Eu - . ram um ao outro e trocaram cumprimentos.
acordo com vossas maneiras. logo esquecerás do mu.ndo todo para nao ousaria te deter.
ficar na ,omp:mhia de um li\'rô, mas quando olhares para trás, verás - Veretftsin, certas coisas não se fazem!
um monstro d,sajeítado, e saberás que não poderás deixá-lo para trás - Qne tipo de coisas?
com um lh•ro. Eu te aconselho: estude! Alguma vez. já te chamaram - Vocl pediu para Ir embora?
-Pedi
de louca? - Por quê?
- O que eu devo fazer. então? - ela perg..intou.
- ÊSlOU cansado da ndmm1straç,10
.. . publica.
, . Meu peito dó' I
- Eu realmente não sei, Líólienka - mpondeu calmaniente
- Jl porque as Khmeliévskis foram para a aldeia né' t.
Verethsin. - E e-u quero visitá-las. Mas Isso não 'e: da sua conta.
• .
- Você estã muito chateado, né? Diga de verdade.
relação com 'locê .. ~ mentei que te conhecia. que~ apesar ,de tudo, uma garota sempre será uma garota. ela decidiu
- Relaxe que eu nunca nem e~ . r corro o risco de me fu>:er um lindo chapéu para Liôlienka e levá-la i\.s vlsilaçõ<-s nas ca-
- Só porque inventei de te v1s1tar. ago a sas das familias importantes da cidade. Se acontecesse uma festa do
~rrnin:ar. ~, 'tsin _ Eu te avisei que não dia \lo santo de algum funcionário, ela iria com Liõlienka; um chá da
aí tá' interrompeu veretl . tarde. iria também. O problema era que elas só visitavam um casal de
- Pronto, es · - ... se comprometer.
seria bom vir aqui. Portanto, seja mais atento em na0 idosos, senhores de terra, e mais outro casal de velhinhos; à exceção
Ele apontou para o portão. .. desses, não havia mais ninguém para visitar.
"fi ·sso' começou lbraiev. O pretendente não abria mão de que a moça to.casse música.
- O que sigm cai .... - ·sra sob vigilância policial, não
- Nada de mais. Sou um cop1 • t e. L.iôlicnka não sabia nada sobre o rapaz, muito menos sobre suas exi•
. , mi o Você pode provar que nao me pro "%
gências.. PeJo jeito desligado e desatento dela, os suspiros de Mamãe
é uma boa discutir co g . - d ·- ir embora ou me enviem
.. para qtte eles nao me cocem
Preste atcnçao . com sua am:iga e as negociações misteriosas en1re os pais passaram
1
. f io Vai cu tô te a,'lsando. batidos diante dos seus olhos - mesmo assim, .Mamãe pediu que eJa
para wn lugar mai.S r ... , d o tom da conversa subisse
. ~ • bor.,i co1n me o que se comportasse corno uma estátua na igreja. Devido às ex.igências do
lbrá1ev º' em d b . o dos lúpulos e perma-
alnda mais. Veretítsin voltou ao banco e :ux pretendente, Mamãe tentou e conseguiu um piano-forte usado. de
neceu I.." , sentado
- • até escurecer. quatro oitavas, com surdinas, junto a uma senhora que se retirara para
um monastério. O piano-forte seria empresrado atê que aparecesse
um comprador. LiôUcnka foi obrigada a tocl-lo todos os dias incan-
-,avelmenre. O cachorro c;omeçava a uivar debaixo da janela, toda , ei
1
Nàdlêida KhvosCh
113
112
Ela que.ria vê•lo. não para contar alguma coisa. mas para pedir suo. .,Será que algum dia terei que rcr filhos? Terei realmtnte que
opinião sobre como proceder doravante, pois continuar daquele jeito •. . )"
.
vtvcr a$SlID, • pensou Uólienk.a consigo, enquanto ol.h.ava, com a vista
seria impossível. Claro que tudo continuaria como antes. mas só Deu.s embaçada pelas lágrimas, para o desenho do bordado. após Mamãe
sabe como essas ideias chegam ao nosso coração! Outras pe.ssoas vi- ter empurrado sua cabeça contra o bastidor.
vem de modo diferente~ mas não do tipo de Pelagueia Sen1iônova t Ne-ssc dja, porén1, papai voltou para casa mais tranquilo que 0
s,us filhos, ou filhas de arcebispos, como Ólienka Beliâiew. Os mu- normal
jiques devem vi\•er melhor... LióHenka ficou sabendo disso pela nova - Farf6rov conseguiu sua posição perm::mente - disse o Papai,
go\'trnanta. que velo da aldeia e diss-c que lá era melhor t que todos sentando-se à mesa.
tinham 0 que fazer. .:.E pra qué embele-tar esse colar? Mamãe não usará - Glôria a Ti. Senhor! - exclamou Mamãe em éxta$e. - Agora
cm lugar alguml ficará numa. cômoda se cs-trngando - da só penteia vam0$ c.sperar o que Pclagucia Seml6nov3 vai dizer...
o cabelo urna ve-.t por semana! Nem pra vender serve, pois ninguém - O que quer que ela venha a di1.er, não comente nada com a ca-
compr,aria; e~ se comprassem, o dinheiro seria usado para quê? Só britinha - Papai apontou para Liólienka. - S6 que agora preciso escre--
para comida, lenha e velas... Sem dúvida. 1rabalhar para as necessida• ver para minha jm,i. Para oode devo enviar? Onde es-tá a carta dela?
d•s básicas é fuodamental, mas pra quê falar dessas superficial.idades - Ô, paizinho! Onde é que está mC$mo? - exclamou Mamãe, _
o tempo todo? Não há nada mais aqui?" Alióna. onde está a carta da sua tia Aliôna Cavn1ovna? Paizinho, onde
- ªRealmente não há nada ruais por aqui" - eonduiu Llõlienk•. foi parar'! &tava bem aqui atrás do espelho, junto d.1.1 nossas coisas
e seu coração se confrangeu todo. sagradas. Esses pcstinhas devem ter bagunçado e destruído a carta_ e
E1a tncontrava-se so-tinha, ao redor tudo estava tranquilo e o agora, como poderemos convidâ•la? Onde voe~ escreverá para ela?
relógio tiquetaqueava de um modo que você sente até vontade de dor• As crianças jurar:i.m que não linham escondido ou rasgado car4
mir. De ·repente, um grito irrompe no jardim; era Mamãe brigando ta alguma. Todos começar:.1m ;i procurar. Mamãe estava desesperada:
com as crianças, Mais um gri10: as crianças tinham opanhado... bisbilho1ava pelos cantos, amaldiçoa\.-a sua vida e desconfinvn seria•
- Meu Deus! Todo dia é isso! - Liólienka pronunciou com força. mente que alguém tinha roubado a carta por um motivo qualquer. Até
J.S vigas da varanda tremiam com 3 voz do Papai Ele comeu e djsse
Ela correu para dentro de casa, pulou sobre o bastidor. diri•
giu-1";:e para onde estava a mãe e. aos prantos, agarrou•se aos irmãos. que Uraria um cochilo. mas ames anunciou que a carta teria de ser
Mamãe e)tava para lá de irritada e ordenou que líólienka fosse direto l'ncontrada. Eles podiam fu.zer barulho, mas o suficiente para que não
o c1.cordassem. Mamãe não se envergonhava di~o.
para o seu quarto.
- Veja sô, que mocinha esperta! - gritou a mãe. - 1c1tha os seus, - Tá vendo! 1\.ido isso por sua causa~ sua burra inscn$ívd! - ela
J1ssc para Liõlicnka.
então moslre que sabe como criá..(os! Case..se e veja o que é bom para
Líólienka $tnlia•se completamente perdida. Chorava e não en•
a tosse!
tendia por que ela era a causa de toda aquela confusão em casa._ Seria
por C."lusa da sua madrinha, Aliôna Gavrilovna?
trar aquele homem influente que veio aquH 1:alar é fádl, .mas ti$, 'l'u
t uur., foram parar só Deus sabe onde! As mãos da moça ficaram
já $3o seis dias que não o vejo!
• dn intamoto
121
1)3lavras e apenas menea~ le·\'emente a cabeça de cima para baixo - O que há com você:, lobinha, aí se escondendo pelos cantos?
a t,m de balanÇllf a plumagem. - Eu acordei tarde. Ontem fui paro• Uma semana inteira após esse dia, Liôlienka cs1eve comple-
cama fora de hora) poi.s estava inquieta. desde o fim da tarde. tamente absorta: não Sê lembrava de na.da que a ce-rcava, do que as
- Com o quê! - p<?rguntou a conhecida. pessoas diziam ou do que 67..eram com ela. Não sabia nem o que ela
_o meu irmão estâ doente - respo1tdeu a esposa do tesou.réiro própria fazia. Por força do hábito, assim qu(' tinha um tempinho lívre
relutantemente. - E como se já não fos:.se desagradável demais que ele ia para o jardim. aproximava-se da cerca e voltava ao bastidor para
esteja .:,._qui, pior agora com o fato do agravamento de sua doe1\ça... trabalhar silenciosamente até o próximo tempo de des~nso. A noi-
_ Que crut você carrega! - acrescenLou uma outra dama, com tinha, quando Papai e .Mamãe iam para a rua, ou quando Pdagueia
pesar. Embora não conhecesse a esposa do tesoureiro. não resistiu à Semiônova aparecia, U6Uenka ficava sempre sotinha perto da cerca.
tentação de se juntar ao seu circulo. A luz do quarto raramente ace1\día e, por muito tempo. bril ha\'a ape•
A esposa do lC$Oureiro olhou de soslaio e seguiu em frente. ,ias a luz de uma luminária.
Llôlienka ficara pálida como a morte. O íunc.ionário Farfórov No domingo, Mamãe não foi à missa. mas enviou Liõl ienka sob
atltibuiu seu s11ênclo â timidez que a $U3 praicmsa presença causara .t superv:1s-ão de Peh,guei:a Scmiõnova. A moça sofria de uma tal impa ..
em seu ~'pírito, e acrescentou â Mamãe: ciência que mal podia S\IP0rtar. lmaginava a todo momento escapar
_ Ela realmenle carrega uma c::rui. Eu trabalho oo me.smo de- JOS olhos vigilantes de Mamãe e poder espiar Veretítsin pela cerca.
partamento que seu querido irmão. Ele está aqui com a pior reputa- \é11tado em sua janela...
ção possivc1, .• tudo por conta de poesias...uma pessoa exlremamente
- Pois bem. minha querida. a mãe dele estava hoje na igreja.
nociva! f" se encantou por sua mocinha - disse Pelagueia Semiôn ova para
_ Eu nunca escutei nada vindo da casa deles. Ele deve ser bem
M,1rnãe. Ela di$se: - Aquela é uma Ytrdadeira beatinha. até no jeitinho
calmo - observou Mamãe. ,k ,,haixar a cabeça parn rezar. Quando ela foi até a ,;;ipelinha. l'isilar o
_ Mãezinha, melhor que ele seja bem quieto mesmo! - interYiu
11110 ícone, se prostrou diversas veies até o chão. Era um deleite de se
Pclagueia ~miônova. - Ele vive de fa,•or com a innã e o cunhado. 11
h11c•1var; até uma velha senhora rue disse: que belo ptt"$ente que Deus
- Nós pensávamos que cle não tinha ido trabalhar por estar
, 1.1 enviando ao seu filho. - Parn uma senhora com fama de carran-
chnte3do pelo fato de sua solicitação para ir embora ter sido negad.i
1111.1. posso djzer que foi uma bela surpresa!
Mas não) pa!'ecc que c-le está doente mesmo - disse Farfórov.
No dia seguinte, Papai estava particularmente chate;1-do. pdo
_ e... seria melhor se Dtus o levasse lQg-0! - acrescentou 1
l 11 • Jr ;i carta para AJiôna Gavrílovna ainda não te.r sid!o esc-ri-
Pelagueia Semiõnova. 1
1 1 ,uhora de fosse o li.nico responsável pelo conteúdo da missiva.
- Seria uma libertação pra ele! - concluiu Mamãe.
l 111 1l11wn1e, resolveu fuzê-la. O que pretendia escrever aJj era um mis-
Uõlieoka fita.vi-os. Mamãe repetiu sua opinião em casa, «>111 •
1 f11 1 "'- l•.lc ;ité espantou Mamãe para longe a fim_ de escrever em paz.
governanta, e depói. com Papai. Liôlienka não se olímentou de n,ul•
11i,111lu lóJ\kgalu ficar só, chamou Liôlicnka:
n,csse dia, nem disse uma únka palavra. Papai percebeu:
uma cadeira, cuidava para não deixar cair os mais altos, Atrás delt1, ~1u1mdo Mamãe negou sua companhia, alegando.sob pretexto bastan•
um som de porta batendo veio da casa do vizinho. I<' razoável, que alguém ha\·eria de cuidar d:i.s crianças. E saiu para as
- 1'á vtndo, o irmão da mulher do tesoureiro não morreu! prr:,cs matinais.
zombou a mãe-. - Espertinha. cuidado pará não cair por cima de mim! Liôlienka prometeu a si m~ma que não vigiaria as crianças.
Liôlienka arrancou os galhos. olhando em volta. ela podia ver tl.1s fugiram para o Jardim do vizinho sem ntm perguntar à irmã
Ven;tiU:in vollando para casa. sozinho, atravessando o jardim; ele d" " podiam. Os três mcnoninhos, também sem pt?rgunhtr, foram com
via 4;:>hu por ,Ji hâ. multo tempo e já tinh.1 feito ~cu pequeno pa$$<:io 1
,t,w,•mant"O para <>s prado:,;. Nc:ahum jantar (Oi prepar.:ido; o re-sto
Agora, prova,·elmente, ele só reaparecerá amanhã. só que nem muilu 11• wmida de ontem, friozinho, era n13.is do que suficiente para elas.
cedo pela manhã nem muito tatdc da noite. l 11\llcnka lrancou todas as janeJas. a porta dos fundos e O portão da ·I
Ela esperou ansiosa.mente pelo dfa seguinte. Veretítsin canil 1011. f'tgou Seu bastidor e foi coser no Jardim.
nhou duas vezes pelo jardim - ela o acompanhava a dois: passo~ J• "'lkm, se alguém bater no portão. eu escuto: pensou isso e logo
distância-. quis cbamá-lo para conversar. mas nas duas vezes hc,Jh,o l 1•01\ fsCutou um barulho.
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No portão da sua casa ninguém bateu, mas ela reconheceu os tudo num átimo. O vestido. simples e belo, muito bem adomado em
passos do seu vizinh<» que se aproximou da sombra, deitou-se no 0ores, em lindoi o chapéu de passeio também erl singelo. maii redon-
chão e comcç<,u a ler. Uôlíenka percebera que já h:ivi3 1~ semanas do e bem largo - tais vestimentas não eram vistas na província de N.
que nã.o conversava com ele. A presença da visitante parecia iluminar todo o jardim, tudo ao rtdor
'"Seria melhor mudar os hábitos~ pensou Liôlie:nka. "Pra que parecia melhor, graças à sua presença.
me ocupar dems idiolices? A verdade é que ninguém pode viver as• - Sofia Aleks.indrovna, o que fazes aqui sozinha? - perguntou
sim: só esperando o momemo de ficar ~yhuldv pela ccrc,11 e agu0irdar VcfclÍtsiu.
só Deus sabe o quê! Eu não consegtú aprender nada que pre:stosse, - Vim do campo. .sozinha" - ela respondeu.
nem para governanta tenho jeito! E cu já tenho quase deus.seis anos! Liôlienka nunca c.-scutara wna vo-1. tão doce como aquelà du-
Pessoas decen:es passeiam. visitam uns aos outros. mas eu não consi- rante a vida inteira; melodiosa. doce. afetuosa, aJgo como um canto de
go nem abrir a boca. Estudei, mas já esqueci de tudo. Preciso me con• passarinho ou um balbucio gostoso de bebê.
fossar aos m.et;S pais. Não sei com~ mas. dentro de mim. tudo está de - Vim à cidade a fim de comprar uns equipamentos p:ira o
cabeça. pra baixo. Será que na minb.l id3de as outras mé:runas passam trabalho e enc.onlrá•lo; m:iis <p.1,e qualquer outro am..ig~ preciso sa•
por isso u.unbêm? As outras me.ninas..!" ber como você está. Oisserain~me que sua irmã não estava em casal e
Repentinamente, amassou todo seu trabalho como se fosse que o encontmrla aqui no jardim, rntào resolvi aparecer. Entã~ como
uma trouxa e arremessou ao chão, depois deitou-se e começou acho~ estâ? Tudo en1 pai?
r.a.r amargamente. quase: gritando. - Tudo bem. Voltei a ter saúde.
- Que tipo de vida é essa? Viverei para cuídar dessa casa? - Você nos assustou tanto... te esperâvar.los por lá... espere.
Jurando por tolice$ e arrumando bagunça de criança o dia inteiro! E 1rouxe um prese.otinho do campo.
qut tipo de gtnte é essa: Pelagueia Semiônova? Esse tolo do Farfórov? Cu.idndosamente. cla desembrulhou um lindo mmalhete de ro•
O que é a educação além de decorer matéria? Papai, M.amãe... Por sas frescas envoltas num imenso papel.
Deus, quem poderio dizer uma palavn diferente. stoão ele ... senão - Foram as primeiras. Eu mesma recolhi-as cuidadosamente;
ele... ll\·e tanto medo de mac.hucá•lá$ no caminho.
Liôllenka correu até a ce.l'Ca, mas mal tC\'t tempo de olhar para V~rctitsin amassou•as ao beijar suas mãos. Por debaixo d3 aba
ele e togo escu1ou o ~ow J.c uma voz. di.1t.into no jardim do vi~inho: do c:haP':u, avistav"•:H: ~ua boca e as bochechas, que aparentavam ser
- AJick.úndr lvãn.itch. onde estás? mais frescas e requintadas que as Ror~s.
Verethsln ergueu-se rapidamente da moitinha onde estava - alé - Esta quente! - ela disse. tirando o chapêu. - Sentemos em
bem ágil para um homem que parecia condenado a morrer - e st ,lgum lugar.
apressou para encontrar a visil'ante. Era uma mulher Jovem, trajada
nom vestido branço com florLinhas azuis e rosas. Liólienka deduzir-.1 W Our1.1:11c o ,·er.lo. mui tu (amlliu russas J)3$$3nl ti:mpondas cm cuu d,c, ,a.mpo
Od na aJdda. (N.T.)
são sempre triturados contra a vontade. Realmente, não é só por causa tortura em vão? Só aument3 sua tristeza!
de 1btâlev... Oesculpe•n1e~ Sofia Alcbândrovna. por te revelar minha,, Veretítsin não se voltou par.i olh.f.Ja.
trivialidades... Mas. e$$as coisas não se falam alto. Poupe•me? Vej.t, - Escuta•mc - continuou Sofia, tocando levem~nte na manga
você é minha convidada e nem mesmo tenh-0 wn banco decente pant ,t., camiso dele, com S<!us dedinhos delicados. - Vendo-te assim. só
te receber1 estás sentada no chão. Se não fossem os Hvros que ele rm
O Mnfl<b monel:lrilll nl$#. equ.M.J~nt~ ao nouo ..ecntlli\'O• Cem ·
deu, cu já teria esquecido \l.té como se lê. Se eu fosse um desses q111 111.-,n um rublo. (N.'r.J • COpc-qUtSWIUti·
1•
Nacll.bjda X:h110schíntl .. A moça d.o 1ntornato
133
Deus sabe o q ue estás di1.cndo. Não será assim, você sabe que não - Pare. você nem sabe como mentir! - interrompeu Veredtsin.
sera. então por que insiste? Isso te faz sentir-se niethor? Porque essas - Estou olhando nos seus olho$ há meia hora! Basta1 não se esforce
paJa,rras te deixam cada \'ez pior. por ls:so. por favor! Eu tenho ojeriza à abnegação. Sou um homem
- Dá tudo na mesma - Verctitsin respondeu calmamente. ruim e não posso pagar por i$$0. Não pense que ~--ua gentileza a obriga
- Não, não dó tudo na mesma - Sofia replicou. a se sacrificar! Eu ~i muito bem o que é o sacrificio. Eu não pediria
Ele se vi rou para ela, tomou sua mão e beijou .. a. Sofia bcjjou sua isso a você. Eu sei o que é a perfeição... Você é perfeita! A perfeição,
tabeç.1 e lágrimas rolaram no seu rosto. para nós, meros ptcadorls. ~ wn fardo multo dilt'lcd de carregar!
- Em verdade, não vim aqu1 p,ua te passar sermões - ela falou, Ela levantou-st.
tranquilamente. - Vim ver se estavas melhor. Mas prtcisas ser mais - E.scute.. me...
resiliente e aguardar. - Esc-ute o quê! - gritou Veretitsin, - Eu te conheço muíto bem!
- Aguardar o quê? - ele iotcrrompeu. ainda com o rosto escon• Porque te amo. acha que não conheço sua gentileza, sua perfeição e
dido nas mãos dela. - Que voce me ame? sua verdade? Vamos, diz a verdade, diretamente: me ama ou aãor
Ela não se engasgou. nem se moveu, apenas olhou para ele, as- - Não - ela respondeu, escondendo o rosto cotrt' lágrimas.
sustada. Os olhares se tnt:recru1.arnm. - Pronto. que maravilha! Não precjsarci ma.is $0Crer em vão:
- Eu te amo. Eu te amo há dois anos - Veretítsin falou com fir.. o :imor não pode ser forçado. Por que não? Porque não... Perdoe-me
meza. - Ma.s você nunca me amará. não é? pelo que confessei, Adeus, você jâ deve estar quc1ttndo ir embora ago-
Sofia ficou cm silêncio . .E-le olhava direto cm seus olhos. ra, não é?
- Se ao menos houvesse uma razão para esperar, uma razão Sofia virou ..se para ele e agarrou suas mãos.
para ser pac.ie:nte•.. mns. voce. nunca me amara,. nao- é'.
- Se ao menos você soubesse... - ela djsse. em prantos. - Não
Sofia permaneceu cm silêncio. Ele estava irre:missive-lmente pá• poiso... dói demaJs!
lido, ofegante, mas continuava olhando firme.mente para ela. - Não force a sua natureza: não és culpada de nada - respondeu
- Eu ten1arei me manter com decência, sem me sobrecarrcg,.-r, Vtretitsin. e sorriu.
nem Irei me embrutecer, nem me dc.sgastar fisicamente; investirei mi - Você é um homem cruel! - ela -acrescentou, soluçando.
nhas íorça.s no intuito de conqujstar o honesto pão de cada dia. Eu t,rl - Assim fica mais perdoávd me deixar ao sabor do destino - ele
que para você esse pão serão suficiente... Chegaremos lá! 11·1>licou.
- Eu te amarej um dia - ela disse, empalidecendo também. - Ouça, venha nos visitar! Seja nosso convlidado! Eu farei tudo
- Por compaixão, sim? Por autossacrific.io? - ele gritava e Sôttl• 11 ijut puder para te conS-Olar. como antes...
estranhamente. - Muito obrigado, mas eu não quero! - Por que me aporrinhada assim, Sofia Aleksândrovnat Se o
- Por que pensas que... - ela começou. 11u1• m,ii.s quero na vfdn está fora do meu alcance de decisão? Não se
1h 11l upe comigo.
l ,lo(',ludo às margens do Rio NC'\i. no P.ilicio dC' lnvt:ml> d; f.imilia rnl, abri•
p u ,,,u, ir-11 mll$eu da Rúui.a e um dos ma.lom do mundo. (N.T.)
147
telas, pincéis e tintas - que copiavam os quadros dos grandes mC$tres... o quadro de Murillo, O me,,;,,o &lo João e o ,ordeiro;•• tuna pintura
involuntariamente. viravam-se para obscrvâ-los. freque,uemente escolhida pelos pintores copistas que produzfam rê-
Os artista$ sofriam çom o alvoroço dos visitantes: u.ma tela deo- plku. Nesse exato momento, havia um cavalete diante da imagem,
tro do salão chamava a atenção. especialmcnle das mulheres. Todos. rnas para a satisfação do visitante não havia nenhum artista sentado.
quase sem e.~ceção, queriam ver o que havia na ttl~ e se o rt$uhado O jovem senhor deslocou a atenção desse quadro pam outro. vizinho,
conferia com o original. Por cortesia, eles se deslocavam para o canto també.m de Murillo: Jesus t. Sdc: João Batista meninos,•• em que Cristo
da sala, mas isso 1,ão impedia que escutassem avaliações e até grace- e São João encontram ..se abraçados. Ele parecia comparar as pinturas
jos - o que era sempre chato. Porém, juntos - os transeuntc..-S, os co.. a fim de escolher qual seria sua favorita, assim caminhou alguns pas-
mentaristas e os artistas-. forneciam uma atmosfera vigorosa àquelas sos para o canto esquerdo da sala a fim de observar o último quadro.
encantadoras salas fluminadas. Os visitantc:s olhavam as maravilh3.s U tamWm estava o cavalete, felizmente com a lcla exposta: rostos
da arte condescendcntentc.nte, as paredes de um vermelho intenso infantis divinos. ter-nos, bondosos. afetuosos, auréolas, alegres cabe-
impressionavam iniciantes e experientes; com suas imagens e.ternas, a cinhas de anjinhos nas nuvens, uni cordeiro brejeiro no cantinho do
btleza emanava sobre todos como algo supremo. que perdoa a palavra quadro que evocava - 1làO um 111ero sentimento de de-leite-. mas algo
profana. o comentário abalizado ou a audáCla dos estudantes copistas. maior; uma alegre sens.iç5o de reconciliação cstampou•s.e. no rosto do
Um jovem senhor percorria o Salão Espanhol, complelamente jovem senhor. Ele olhava. encantado, sem perceber que também esta•
sozfoho, e parecia não tcl'. nenhum conh0:cido por ali, pois n~o r.o nvcr- va sendo oh~erv.-uio, nt~ me$m:> com muit:t atençl<>, pela artista que
sou com ninguém enquanto visitava toda a esttutura do Hermitage. voltara e permanecera em frente ao cavalete; antes. ela já tinha batido
Estava fica1tdo tarde e h3.vfo cada va menos vísítantes. e os poucos o olho no homem que visitava a sala; ali, encosrado ao vasQ.. admiran~
que ali estavam preferiam os salões d3s joalherias ou das estátuas, que do o quadro de Murillo. tão esquecido de si mesmo que elo pôde olhar
ftca\lam embai.xo. l.ogo. no Salão Espanhol, ficaram apenas o atenden- com atenção para o seu rosto.
te de câmara, dois ou tres artista.~ que trabalhavam e o jovem senhor. - Monsieur Veretítsin, se não me engano? - ela disse.
Devido a.o sil~ncio, os passos de quem percorria os corredores, o som Ele retirou os olhos da tela.
de um pente0undo no chão ou o desli7.ar de uma paleta de osso sobre - Madame... Mademoisclle. ..
a tela. qualquer um desses sons podia ser escutado nos S.'llões. A luz so• - Llõlienka! - completou e juntou as mãos ao pronunc-iar.
lar iluminava suavemente as telas, .ipós penetrar os vidros do telhado. - É \'OC!! - ele quase grit>u de emoção.
dando um3 tonalidade dourada ao espaço e revelando o~ rostos pill -
dos d-as telas escuras. O jovém se1thor eacostou~se em um vaso de la
Ili 8artolomê E.s:ttba" M11rUlo (l618-l882), anlsta C"$patlhoL A pinlunl inendO•
pis-lazúli que se localizava no meio do salão. a fün de observar melhor 11..-1;1 ~ un'l.1 riplka loc:a1i7.ada oo Museu Hcrmitagt. O qutidro original dt O ,nmmo
"º
\o,111 /iMto.- o eortkil'() eucoutn« N~1ic,nal Gal1(1')', em Lond~. lnglat.em. (N.T.)
,., ·rainblm uma tq,tic-a, PQii o q.iadro origin;il cncontr:t•k P.llátio Real. cm
M..Ju ~nha. (N.T.)
muito esquecidas -. o que iropressionava..o era eomo aquela moça ltrdvel? Tive de me manter forte por muito tempo, parn ao fim disso
tinha se trnnsformado numa mulher adaptada à cidade grande, auto· 111Jo tra1..er comigo tristeza e m~lanc:olia.
Enquanto ele falava, o tempo inteiro ela b:a.Jançava a cnbeça ne~
confiante e corajosa.
1it 1lH'arnente e sorria.
•Nossa. como elas crescem!~ ele pensou, meneando a cabc:ç.a
- E mesmo numa vida incorrigível - continuou Veretftsln -.
involuntariamente.
1Jll,U\dO recobramos a juventude a partir da vida madura, há um gran•
Liôlienka encostou os cotovelos sobre o grnnito e olhou p;1r1
àgua, lá embaixo. Veretltsin fez o mesmo. ,fr 1,i,mu lo de Íl'\IStra~ões, no que concerne aos ideais e esperanças, e
tmm., vid.:a assim...
51 And~a Domenko dJ\gtloto dl fran(t::$(0 ( M86- l 5) l ). pintor rm.uornl blll llt mr parou.
lianC). (N.T.)
il do 1n ternato 153
152
- Você está rindo. El~na Vassílievna? - Eu dfria qut está quase saindo uma poesia - ela acrescentou.
- Eu, definitivamente, não te entendo! - ela objetou. pegando - ô, tempo! Na cerca isso nunca acontecia: acho que você
de volta a caixa com os materiais e segurando nos braços. - Não se gostava de ler Kheraskov..."
pr,-ocupe, cu pó:;$0 carregar isso. N-ão gosto de obrig~r o, outro~ :,. - Que bobagem! Isso 6 impossível! N:lo. •. Sabe, ostou muito fc.
fazer coisas que eu mesma posso foier. liz em te reencontrar, lembro me de você muito bem. mas não quero
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- Hã um provérbio antigo que diz.: ..Não faça no.da que os ou• recordar aquele tempo. lsso me ira>. recordações absurdas... t passado
tros po..'Sam fazer" - respondeu Veretitsin, sorrindo. - Pode me dar a e ponto final! Eu vivo apenas no presente.
caixa! - Por falar em presente, conte me um pouco sobre sua tia. Você
4
- Ah. os pn>\'érblos antigos! - ela interrompeu, sem brochas está me levando para conhccê•la.
para piadinhas e com um entusiasmo e,special. - São dch."S que provém - Minha tia é uma senhora bondosa e inteligente. Foi casada
todo nosso mal, toda • desgraço da nossa geração! Você apoia esses com um homem muito s3.bio e bem-educado. Ela. veio para o capital
princ:íp1os antigos, se submete a eles, carrega o peso até o ponto de ter~ com ele, e com o seu auxilio conseguiu ter acesso i educaç3o. Dou
mos qu~ lutar. sofrer para escapar dessa opressão que nos impossibili· muito valor a essa conquista! Ela foi até N. me buscar e me trolLxe
ta de vivermos uma vida mais leve!... Você disse que antes a sua situn~ para a casa dela naquelt verão que nós convers.ivamcs. No prédio em
ção era dU'idl - e \feja, continua dificil agorn! Que 3S pessoas sofrem. que ela mora. há um excelente pensionato, f ela me matriculou lã.
Por que- você occitou que prcc:foo.vo renunciar? Por que não abdiwu EIIN> pe_rceberam que eu tinhn um3 boa 3ptídâo p:i.ra a pintura, entio
de seus preconceitos, não combateu sua fraqueza, não trabalhou mais comecei a assist-ir às aulas no curso de Artes; e, agora, como você vê,
energicamente? Você est& triste, amargo e cheio de melancolia, porque eu pinto no Hermitage. Hoje eu domino três línguas estraogtiras, t-ra-
se arrepende e não se esqueceu de alguma coisa; como se protegesse du1.o e preparo artigos para coletãne.as. Eu ex-ponho isso, apenas. para
denLrO de si uma coisa antiga sem a qual você não tonse:gue mais vi• afirmar q\lC não sou um sobrepeso que minha tia carrega - até rne$mO
ver! Você sempre foi saudosista e sonhador, e por cont:i do tempo que porque ela não é rica. Nosso meio social é composto por professo~
não pôde trabalhar. 1ornou•st preguiçoso... res do pensionato onde estudei, suas famílias e artistas, todos muito
- Vocl esta\-a sempre cantanJo. isso lá é uma oc.upaçào! - inter• ocupados. Por faso que o tempo livre é tão valioso para eles e tentam
rompeu Vc-rctítsin. - E éSS3 nO\'a geração quer nos ensinar a dançar? ocupar esse raro esp::iço com coisas prazerosas. Uma vez por semaru,.
- A nova geração não é egoísta! - ela respondeu, envergonhad:\ nos reunimos na minha cas.a. Junte•se a nós!
e ofendida, como a antiga Liõlienka. Vcretítsin agrndec:eu com um cumprlmento.
- Assim como a antiga não é saudosista e sonhadora - rcspon• - Então a vida é leve para você? - ele perguntou.
dc-u Vc:-ctítsin. - Melhor paro vocês, que são brotinl-.os, mas não rnlh~
com os troncos velhos que estão machucados pelo lempo... Nós esta•
mos filosofando. Elena Vassilievna! S2 Míl62il Khr túko\' ( 17.33-,.1801}, poeta ruuo do s&ulo XVIII, autor do lmpor•
1-u. ut 'Pico Rt>ss.{ada. (N.T.)
bro do-.s absurdos que escuto e leio por aí... Você ac.ha isso estranho! nn l1ckrsburgo?
- Não digo que é estranho, mas l um tanto resoluto. N'5o, está na aldeia. Ela se casou.
- Nada disso! ê m3gndnimo! Casou!! - gritou liôlienka.
Casou - repetiu Vcrctítsin.
SS Ern Italiano, no origin.:aL Uõlknlu. qut:s dizer que II iJumiii1ç!.o dtiXlliA llt
como o dl-a (giomo).(N,T.)
N&d1êJd8 KhYOsctu,, 1
abecinha.. ;" Mas observando da nossa pcl"Spectiva atual, o que é isso? Eu nunca mais n1e apai""<onarei novamente! Não tenho tempo para
~ uma escravidão, a f.unma é uma escravidão! Uma mulher talentosa essas bobagens. Mas, ao menos, tudo isso .serviu para alguma coisa:
subjugada por um •bom homem, senhor de terras': Ela se sacrificou despertou em mim uma força libertadora. A üijustjça, a perseguição
por uma mãe caprichosa e egoístal Ela reconc.Uiou - ou simplcsmcnlc atingiram níveis extremos na minha vida. Cheguei a ser oferecida em
reuniu novamente - duas pessoas ruins que se odiavam mutua.lmente! casamento!... Eu fugi d.isso tudo. Resolvi correr para a rua e procurar
Se ex.is-te aJgo de humano em meio a essa pata<:oada toda, é a parte da abrigo. Escrevi para a minha tia - eu nem tinha o dinhe.iro da posta-
edue11çüo das crillJlças. Mas isso é rcahncntc humano? Ela está trans- gtm do correio! Nunca n1~ t;quecerei da hum;Jhaç,to de ter de pedir
mi:tindo a eles os mesmos preceitos de autossacrificio responsáveis dinheiro à governanta, prostrando-me no chão... Eu não tinha o direi-
pela sua destruição! Ela serve ao mal, transmite o mal. Está criando Lo de fügir para cl e odiar toda a memória de$se passado?
sofredores! Ela podia ao menos entender isso... - Ninguém tem o direito de te julgar por essa fuga. Você tem
- Ela sabe que a melhor mãe é aquela que cdu<:a os mártires. o direito de fugir, mas aão de odiar. Se você entendesse melhor essas
- Esse é mesmo você?! - interrogou Liôlie.nka. - Pergunto de pessoas. poderia !X'rdoá-los.
verdade issoff Você deve es.1ar esquecido, mas eu me lembro: você foi a - l\fão djga isso! - interrompeu li6licnka. - Você defendeu que
primeira pessoa que pronun<:iou a palavra "'liberdade"' para mim. Esse isso era uma separação. lsso é um renascimento tambt!m! Esse é mes•
é mesmo você? mo você? Acho que farei essa pergunta mil ve--tes...
- .Lembro-me perfeitamente - respondeu Verelitsin. - Eu f.tJel - Sou eu, sim - respondeu Veretitsin. - Mas daquele tempo
sim. mas foi uma palavra de liberdade, não de separação... para <:á muita coisa mudou.
- Separação? - E eles te subjugaram por esses anos?... Ou envelheceu?
- Sim. Vo<:ê e sozfoha. Voc.ê entende is.so? - A gente vai se acalmando com o pas.sar do tempo.
- Eu sei que sou sozinhá. Um sujeito racional 1em de saber - Ficando mais paciente?
como viver sozinho. - Mais inteligente.
- Quando se 1ern de viver sozinho, sim - respondeu Veretitsin. - Ah, se tivesse alguém, alguém para lhe repetir aquilo que vocé
- Mas quando existem outras pessoas.... ,lb:ia antes! - exclamou Uôlienka.
- Para mim. elas não existem! - ela respondeu, incendiada. - Os extremos? - perguntou Veretitsin. - TaJve-z. Mas quando
- Você podia não saber, m1s podia imaginar como em minha vida, 1ncf perde muitos anos em divag.1(3es, passa a considerar se os extre-
quais pesso:u me cercavam. Você me fn abrir os olhos para elas. pel,, lllfü s.ãQ verdadeiramenre úteis. Aos poucos, o homem vai involunta-
primeira vez.. Eu acredüava em você ... TaJvcz você não saiba, mas tu , lamente abandonando...
te amava! Como nunca amei ninguém! Com você aprendi que o amor - E se reconciliando?
é o pior jugo que existe, pois fui você ver a vida a1ravés do olhar tlt - E perdoando.
oulrn pessoa, remmdar ao seu desejo, pelo de-o:>ejo Je outra p~:-011
f'I 11
t1 1'1't u1n:1 série de ações de ,vkbJtoo longo do mundo, de$ó:fc
visitas a bospil.aJs
importante, mas é um trabalho pela metade... Sofia se desfez ,Ir nidl m"',i•l.lçio de fundos pita Jocnt~ A <>rg•nizaçào tomou-~ fomosa n:i Rússfa.
• f>.1nfdp.içJo das lrmis na Cu«TUCU Oimc1.1 (l8S3· 185S). (N.T,)
- Seja feliz!
- E vod, é feliz?
- Eu prec-i,o ir~E.lena Vassílie"rna...
Ela olhou apressadamente para o relógio.
- Até a próxima! Venha na terça-feira, eu te apresentarei a mi-
nha tia: e a pessoas muito boas. Voe~ virá?
- Eu não tenho tempo... Mas se eu cor1seguir...
Liôlien.ka acompanhou-o até a escada com uma vela e depois
re10mou ao seu quarto. Sem hesitar em nenhum momento, e-la retirou
a poltrona par, perto da ese:riva.ninha; retirou o caderno e o dicio
n.irio; e, logo, apenas o som do relógio lique1aqueando, o da lcnh,
crepitando na la.reira e o do lápis riscando sobre o papel podiam .str
ouvidos no seu quarto.. ,