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Nadiêjda
Khvoschínskaia
Nadiêjda
Khvoschínskaia

A moça do
internato
Traduçao direta do russo·
Odomiro Fonseca

Porto A,egre

1• e<l,ç6o

2017
copyright o 2017 editora zouk

PitE.fÁCIO

Projeto gr!fico e Ed,Ç;io: El!Jtorn Zouk


Tradução: Odomiro Fonseca UMA ESCRITORA IND EP ENID ENTE
Revis-ão: 'làtiana Tanaka
Nadiêjda Dmitriévna Khvoschínskaía, nascida em primeiro de
junho de 1822, no interior da província de Riazan, é a autora que si-
naliza um ponto de ruptura decisivo no destino das heroínas ruS-<as
que esperavam há bastante cempo um enfrentamento direto coin os
1)2do$ lnttmac:10Dais de ~ta)ogaçào na Publicação (ClP) setores reacionários da sociedade: a fumfüa, a igreja e a autoridade
Vagn<r Rodolfo CRB·&m 10
palriarcal. Es-<a heroína é a personagem Liôlienka, protagonista da
K◄Sm Khovoschi.nikai.a, N:ldiêjda novela A moça do í11tern11to (Pa11sionierka), que conheceremos nas pá•
Kinas vindouros. A autora, Nadiêjda Khvoschinskaia, nnsceu em uma
A moça do Internato / Nadifjda Khô\•<»dúnskata • 1.raduúdo p<>r
OdomJr() f-onsec:a.. . Porto AJcg.te, RS: Zouk. 20)7. l,nmlia da nobre,.a rural empobrecida e, quando ainda era adolescen•
168 p. ; 11<m ~ 21<m, Ir, seu pai foi vitims de uma calúnia por de$ví.o de verba no serviço
Traduçãodc: P:ansioni&b 1••1bl"n e foi condenado ao pagamento de 15 mil rublos - protica-
ISBN: 978,8S-8049•0S3-4 111r111c Ioda a fortuna da famUia. Ek também ficou proibido de servir
l. Llteratura Ru»a. 2. Século XJX. l. Foo.scca, ()dQmiro. li. Título. 111 1 , 1,1c:lo, o que dificultou enonnernente a manutenção do custo de

•hl• ,1., t,,mília. O caso só foi resolvido dez anos depois com um pare•
CDD891.7
2017-62S , l.avut~\lc.'1 ao pai e ,a recuperação da honrn. No entanto, a escritora
CDIJ 82l.l61.I
"'" u 11t•rlodo mais importante de sua formação intelectual tendo
t, 1 u .,hc:rnntivas para completar sua educação - das suas duas
l,011hrm , t .1 solução foi colocá-13 num i.nternato (pansio11) em
direitos reservados à ,, 1 , prrl,1do marcou profundamente sua trajetória como es-
Editora Zouk • ,lt 1i u 1ur.1 de melhores oportunidades para as muJheres. Ela
r. Cristóvão Colombo, 1343 si. 203 t .t 111 ,\ ltH 111 ,lt.• IUa,,.an até a velhice, tendo viajado a Moscou e
90560-004 • Floresta - Porto Alegre · RS • Brasil 1 l1111Mu "1111 ~lguma frequência durante diversos períodos de
f. 51. 3024.7554 11.t 11 11111 últht1u:'i anos resolveu se mudar, após a morte de
www.editorazouk.com.hr 1 uJn lol I1,u ,t S,10 Pctersburgo,já em 1884.

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e caloroso sentimento. acrescentado de ideias e originalidade.
Nadiêjda Khvoschioskaia cons,grou 47 anos da sua vida ao :E. ainda mais praurooo infom1ar aos leitotts da nossa revis..
labor literârio, observando atent'runeote o movimento das correntes ta que esse novo poeta é, nn realidade., uma poeta. uma lady.
estéticas e políticas do país. Dedicou os primeiros anos da sua carreira Não dnhamos conhedmen10 de 1ão maravilhosos e sonoros
à poesia, que era o prato principal na boca do público russo até a ln• versos na RUssia havia muito tempo. Nós agradecemos since~
ramente a autora em particular. em nome de nós próprios t de
versão dos papéis com a prosa em meados da Meada de 1840. Entre todo o público leitor, que sem dúvidas apreciará honestaine.n•
1842 e 1847, Nadiêjda Khvoschínskaia publicou seus poemas cm três te as novas pérolas poéticas de uma lady que domiM o ver.so
importantes revistas grossas que circulavam entre uma boa par<.da com mais facilidade que muitos dos nos-i<>s homens, poetas
da comunidade letrada do pais: O Filho da Pátria (Syn Otétchestva), contemporãneos.l
A Gazeta Uterária (Litcratúmaia Gaziêta) e Ilustraçdo (Il,,strátsiia).
Depois do elogio inicial. a relação com Zótov foi bastan-
Em 1850, publicou seu primeiro t:rabalho em prosa, a novela "Anna
te conturbada. Se, por um lado, ele publicou mais de 80 poemas de
Mikháilovna•. na re,,\sta Anais da Pátria (Otétcl1estvem1ie Zapíski), sob
Kh,·oseh.ínskaia, entre 1847 e 1s;9, e apresentou a escritora aos prin~
o pseudônimo masculino de V. Kretóvski - que a acompanhou por
cipais circulos literários de Moscou e São Petersburgo, também foi um
boa parte de sua carreira literária. Naquele contexto de meados do
~rande explorador do seu trabalho: não pagava o que combinava, al-
século XIX. aparecer com um nome masculino representaria atrair
ll'n,wa seus poemas de modo significativo. adaptando-os ao seu estilo
a atenção dos críticos e do público consumidor de uma "literatura
t puhlicou um livro de memórias sobre sua irmã, Sofia, apesar dos
mais séria~ A partir da publicação do seu primeiro trabalho, Nadiêjda
,,.·,lidos da com'alescente poeta de que nada mais seu fosse publicado
Khvoschinskaia assunúu a carreira de escritora profissional, vivendo
111 111, l',lM morte. Aos poucos, suas críticas também deixaram de ser tão
da sua arte e sustentando a família após a morte do pai, em 1856, além
• l11KIO!-.~:- e uma fenda definitiva foi criada na relação entre e1es. pois
de custear o tratamento da doença da irmã, Sofia, que veio a falecer
fl • 1 d1or.1 se senlia mutilada e desrespeitada pelas mudanças feitas
em l865.
1 lo c,litm.
Khvoschínskaia publicou seus seis primeiros poema.s em 1347,
~- mudanças de Zótov não erom meras opiniões estéticas (o
quando tinha 23 anos, na edição de número 38 da revista Gazew
1 t,onhr,u o.to justific.aria suas ações)~ mas ele interferia direta•
Lite.nirla (Littrattírnaia Gaziéta). cujo editor, Vladimir Zótov, exerceu
1111111,1, 1r11,,1 1rnnsformadora da poesia que a autoca deposita\'ª·
um papel fundamental no começo da carreira da escritora. Zótov foi
t mm I rr,1111 çiv-J.dos de.: crílit.-.s ;sodal <..(mlttt a ,onJjção suba.l•
mentor e entusiasta da jovem escritora e também o responsável peln
,1,. 11011hr, fül sociedade. e a mutilação do editor empobrecia
primeira critica sobre seu trabalho:
t, 111, 1•11111\'L•I o rilconce que K]woschinskaia dava às palavras.
Enterradoo sob má pOC$ia que nos chega de todoo os rh\<Õ(',
dessa Rússii. apaixonada por versos. nós tst:in\OS s:uisfi:110.. ,n:
1r1 ~ t\', Vl,Hllnur, GREENE. Oiio.1:, Rt.invt11tmg Rom,mric Poerry:
e surprrtndidos pela chegada dos versos da senhorit.t N O I h ••f 111, W1/ N11ri·t«n1h Ceri,my. The Uniffrsity o( Wi.scosin
Khvo.çchinskaia. .Encontramos em sua poesia aquele verdaJflto h ◄1lu,l1lu 1l0 lnglh relo autor do artigo.

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1, 6
A pesquisadora Díana Greene usa o poema "Vy Ulybaetes?" (Você seguintes contos e novelas: "Professor do campo" ("Sel'skii Utcbítel"),
sorri?), como exemplo de quanto as mudanças do editor tiravam a de 1850; "Julio" ("Djúlio"), de 1851; "Mais um ano" ("Esche God"),
força contestadora do texto. Por exemplo, no verso "Kak ptítc.hka chto "Tentação" ("fskuchennie"} e "Visita matinal" ("Utrênnie Vizit"), am-
rodom privikla k kletke tesn6i" (Como um passarinho acostumado bos de 1852; a trilogia •Província nos velhos tempos" ("Províntsia v
desde o nascimento à e.ela estreita), o editor substituiu, sem a anuência Stárie Gôdi"): •Tempo livre" ("Svobódnoc Vrêmia"), "Quem ficou sa-
da escritora, por •Kak ptítchka grústnaia, privlkchi k kletke tesn6i" tisfeito" ("Kto )e Ostálsya Dovolen") e •o último capítulo da comédia"
(Como um triste passarinho acostumado à cela estreita). A mutilação ("Poslédnieie Oeistvie Komedü"), entre 1853 e 1856; "Alguns dias de
do editor retira a ênfase que Khvoschlnskaia dava que a mulher (o verão" ("Neskol'ko Lctnikh Dnei"), "Causos da aldeia" ("Derievenskii
passarinho) era acostumada à gaiola estreita desde o berço, numa crí- Slutchai") e "Hora da largada" ("Rechitélnii Tchás"), de 1853; •o
tica evidente à imposição de submissão desde a infância. Quase todos teste" ("lspitânie") e "Na estrada" (ºV Dorógttiei, de 1854; •Frases..
os poemas de Khvoschinskaia que tocassem em questionamentos de ("Frázii..), de 1855; "Barítono" ("Baríton") e "Um pacote de cartas
género eram mutilados pe\o editor. Esse tipo de ceruura, vindo de um atiradas ao fogó' ("iz Sviazki Pisem Brochénnoi v Ogón'") de 1857:
colaborador ~de confiança~ lembra Diana Greene, era até mais agres- "Velha montanha" ("Stãroe G6re") e "Mano" ("Brátiets"), de 1858:
"Diário inacabado" ("Nodopísnaia Tctrád~), de 1859; "Encontro"
sivo que a censura oficial do Estado:
("Vstriétcha") e "Aguardando o melhor ("V Ojid:i.nnli Lútchego"), de
Os ctnsores polJticos podiam remover pas.sagcns, mas eles g-e- 1860: "A moça do internato" ("Pansioniêrka"), de 1861: "Aguas cstag-
ntlme:nte não ree.«:reviam para revener o significado. Os cen-
11,11las" ("Stoiátchnaia Vodá") e "Atrás da porta" ("Zá Stiênoi"), de 1862:
sores políticos tinham o poder de proibir uma publicação. mas
diferentes dos c.ensorts políticos-sexuais. que eram tditores, ~"unto doméstico• ("Domáchnieie Diélo") e "Velho retrato - novo e
reda.tores e bi6gra!os, eles não decidiam como seria publicado, 0 •1~111,11" ("Stãrii Portriét - Nôvii Origuinal"), de 1864; e, finalmente,

ou, como certos revisores que del'erminav:un como a obra se- li• «nte" ("'Nedávnieie"), de 1865. Todo esse material em prosa era
ria rtct:bida. E o mais significativo. o censor político revisava
l11h "ol,,do com sua atividade poética, embora esta fosse núnguaodo
apenas umó\ ..-ez,. enquanto o censor po1Jt1co-:sexua.l rtvisava os
• 11 11,v,,.,r dos anos devido â guinada q_ue a própria literatura russa e o
trabalhos das mulhere.s continuamente, resultando cm vcrda~
dciru depredações. (GREENE, 2003, p. 132) t 111 1110 çfcr.,m em direção à prosa.
1 mhora tivesse publicado tanto material cm tão pouco tempo;
Apesar de toda a agressividade dos editores, Nadiéjda n ti.J ,, 11\ nbras de Khvoschinskaia eram a)vo da merecida atenção
Khvoschinskaia trabalhou incessantemeolc no período em que o t 111 • •I• tpuc~. e essa invisibilidade do 1.rabalho não era exdusivi-
tema da emancipação feminina ganhou força. Entre 1850 e 1865, li .,, , lh>r• de Riazan. Em 1861, a escritora Evguênia 1\tr (1815-
a escritora publicou como poucos na literatura russa do perioJn , t.1111011 ,~ubllcamente da desatenção da crítica para com ess.1

e encontrou portas abertas para a sua prosa nas revistas Anais da 111 1,1 ••IIK•" ,ara um público fiel e era bem recebida pelos leito-
Pátria, Mensageiro Russo e Biblioteca para Leitura. de onde sair{un ,.,,. ! MM " •· , rlt<>r e critico Mikhail Saltíko,•-Schedrín descreveu

9
B
Khvoschinskala para uma coluna da revista O Conremporémeo como S()C:icdadc sobre n n:.alidadt. Para de1crn1i1\ar se esses objeti-
vos S('ràO akançac.los, o leitor tenta seledonar obrn literárias
uma autora ""muito talentosâ, mas qne se perdia em descrições psico- menos ~'Ujcitas a objeções e contradições; escritas. a bem dizer.
lógicas desnecessárias - assim como suas musas inspiradoras. George por especialistas. rxperts no assunto, por txen.iplo, romances
Sand e Charlotte Bronte. Acontece que essas "descrições psicológicas sobre mulheres escritos por mulheres.:
desnecessá.rias" eram justamente a fonte de sua importância poliHca,
numa êpoc.a cm que • literatum em forjada pelo desejo inexpugnável Assim, dentro de uma perspecti1;--a realista, relacionada com o
de mudança social. A pesquisadora Karen Rosnéclt lembra que, ape• novo comportamento de juventude que ganhara as mas, as universida-
nas nos anos 1870, Khvosch!nskaia passou a ser tratada com a devida des e os jornais, Khvoschlnskaia criou antes dos grandes ícones mas•
ate.i.1.ção da critica, a.pós a publicação do seu estrondoso êxito com o culinos uma personagem feminina emancipada. suficientemente forte
para encarar as dificuldades de uma sociedade patriarca.) e vencê-las.
romance Ursa Maior (Bolslzáia Mcd,,étfitsa), em 1871.
Embora seinprc conectada com os rumos civis do país. A protagonista da novela A moça do it1ter11ato, Liôlienka. é um marco
Nadiêjda Klwoscbinskain seguiu uma trajetória independente, não se na cepresentaç:ão da mulher na llteratura russa. Sabemos que foram
arregimentando a nenhum grupo político específico, 1~em se rotulan- desenhados esboços dessa emancipação em Olga lllnskaia (Oblómov,
do como niilista (o movimento mais radical na política russa nos anos de Ivan Gontchaóv) e Elena (Na véspem, de Ivan Turguêniev), por
1860), por exemplo; mas por toda sua postura atuante na defesa dos rxemplo, mas em nenhum dos casos. a mulher era a protagonista. a
direitos da mulher e por seu caráter IWcral. sabemos que ela estava """"º'ª do destino. a desafiadora ,da ordem - mas com a person•gem
muito mais próxima das correntes vanguardistas do que das tradi- l,u'llenka, Nadiejda Khvoschínska.ia tinha plena ciência do que queria
llh('rir nas ruas e nas mentes da nova geração.
cionalistas.. E no perfodo em que a Questão Feminina e.rn debatida
com mais forvor pelos setores liberais da sociedade. a escritora esteve
perfeitamente consciente de toda discussão que• cercava. Dotada de 1 tót.tl!NKA E A QUESTÃO FEMININA NOS ANOS 1850-1860
uma argúcia e percepção literária que toda grande escntora posSUlt
adiantou-se a todos os outros gmndes escritores do período e publi• A ,,sc,nsão de Alexandre li (1818-18$1) ao trono russo, em
cou A »10fn do /11ternato, em 186,l, um ano antes de Pais e fil/ios, de 1t·p1l·~ntou um importante marco na discussão de ideias (i..
1 1, 1 , dormas SO(iais que visassem diminuir o abismo entre as
Turguêniev, e dois anos antes de O que fazer, de Tchernic:hévski. No
âpice do Realismo na literatura russa. Nacll~jda Khvoschínskaia ti~h-• ,itirrmdo entre a minoria nobre le1mda e a massa eunpo-
pleno conhecimento da !mportãncia e do alcance desse modelo esteta· 111 ilfilht•l,1Pn1 re suas principais medidas. podemos destacar a
co na luta por uma nova participnção da mulher na sociedade. o clu 'tl'ívo~, cm l861, além de uma acanhada liberdade de
i il li '"t,tnt<.· significativa se compararmos com a repressão do
O lei1or espera aJgo muito sin,ples.. universal e com objt"tl
'-'O$ convencionais lde um trabalho literàrlo}t a \'erdadc1n1 , 11, ;,l 1 ,t. ln1roduçlo do livro Pilnsio,iilrka. cm inglk- (711c Boardlng,
reprodução da realid:tde e a estimulação do pensamento O,l t, 11.t,lll , ..,1.1 peiC(UJS~ Ora Karcn R06"n«k.

11
10
govcmo do seu pai, Nicolou 1 (1796-1855). Desde a abertura políti- Assim, quando os niilistas resolveram a1acar todas as instilui•
ca iniciada ,om o reinado de Alexandre li, mm intenso debote estéti- ções que simbolizassem a autocracia, também abra~m a causa fe..
co ocorreu nos periódicos russos. Esses periódicos eta.Ol os grandes minina, que vinha sendo rela,ada desde as décadas de 1830 e 1840, em
responsáveis pela disseminação da literatura, da critica e dos textos tom mais de lamento do que de revolta. pela literatura de escritoras
políticos do país. Com uma tradição de perseguições e censuras, a como Evdókia Rostóptchina (1811 -1858), Elena Gan (1814-1842) e
literatura tomara-se o principa1 caminho para o debate de ideias, e Nadiêjda Dúrova (1783-1866), entre outras. As queixas presentes em
uma caracteristica essencial desse período foi o desenvolvimento de seus diários. poemas e nm·elas versavam sobre uma condição prees-
uma linguagem esópica, ou seja, àquela em (ljU< as mensagens políticas tabelecida <m que às mulheres era negada a participação em pé de
eram transmitidas por meio de alegorias, metáforas e outras figuras de igualdade com os homens nn sociedade. Uma ausência de liberdade
linguagem. Assim. os escritores driblavam a censura- Um bom mode- que envolvia. principalmen1c, tr~s grandes pilares:.a autonomia. matri..
lo da utiliza,ão dessa linguagem está no romance O que fazer? (1863), mo.nial, o direito à educação proporcional à dos home.ns e, finalmen-
de Nikolai Tchernicbévski (1828-1889), em que, por exemplo. o per· te, o reconhecimento proJissional. Ao conjw1to desses pilares deu-se
sonagem l.opúkhov usa a. palavra •noiva"' para substituir a '"revolução". o nome, na década de IS:.SO, de Questão Feminina (cm rus.so, Jênskii
Desse modo. o leitor politizàdo recebia e discutia o conteúdo propa- Vopr6s). O niilismo russo. enquanto fenômeno politico e estético, teve
gado pelo texto ficcional por meio de códigos e alegorias familiares uin papel fundamental na populari,ação da Questão Feminina na
Rússia.
entre as partes.
Com O passar dos anos e a consolidação de um modelo de prosa Nesse cenário polit.12ado, a representação feminina na. literatura
realista lnspírada pelo estilo gogoliano e pela linguagem cientilicista encontrou um campo fértil para desabrochar. E com histórias narra-
de meados do século XIX, os críticos russos radicais, entre eles Nikolai ,t.is por elas próprias. Nadiêjda Kbvoscbínskaia mereoe nossa atenção
Oobroliúbov (18;)6•1861) e Nikolai ·11:hemichévski (1828-1889), de• IMtr representar brilhantemente a literatura escrita por mulheres: pri-
,envolveram um método didãlico-literario que visava a popularizar 11u:lro, porque trata-se de uma escritora reconhecida por vários crhi-
a lit.eratura russa, pela abertura de espaç.o nos jornais para escritores ln, russos e soviéticos pela qualidade estética de sua linguagemi sua
que fugissem do cânone (escrita masculina, vida da nobreza e temas ll,1Je<ória como escritora acompanha a própria tradição estética russa,
românticos), para a exposição de ieruas sodais e de género, além de 411 '-omeçar como poetisa nos anos J840 e mudar gradualmente para a

trozer a linguagem dos camponeses e operorios para o universo nobre f1111 ~• nos anos 1850; também porque sua novtla A moça ,lo internato
da literatura. Essa geração de liberais que surgiu após a abertura poll- l lMr,l)J é de uma pe.rcepç;io histórico-literária ac:urndíssim.i.. ao criar
tica ficou conhecida historicamente pela llllcunha de •nülístas~ apesar t • l'•'l>Onagem Liôlienka um modelo positivo de emancipação femi-
de não serem descrentes na atividade política. ""'· .1111,•, mesmo dos clássicos Pais< filhos (1862), de Turguêoiev, e
1•I"' /,,ur?( 1863), de Tc.bernicliévski.

Nadléjda Khvoochlnt1~111• • du lflt.arnato 13


12
Em A moço do intemoto, Khvoschinslroia trata trts grandes te- (as duas últimas professoras da Universidade Econômica de Níjni•
mas da Questão Feminina: elil!çação, casamento e reconhedmento Novgorod), que dialogaram e deram valiosas contribuiçoos ao longo
profissional, além de clichês próprios da literatura do período, como a deste trabalho de tradução. Também quero grattdar a Editora zouk
relação entre mentor e discípulo e a disputa intelectual entre gerações, pela confiança e apoio ao longo do processo de tradução e confecção
A protagonista, Liôtienka, rompe com todos os laços tradicionais e
do li,•ro.
parte paro a conquista de sua independência emocional e. profissional
A novela pode ser considerada como um marco na literatura russa, Odomiro Fonseca
pois Liôlie.nka ê a primeira personagem a a..,ç,sumir os riscos de uma
fuga e alcançar a soberania e a autonomia pelas suas próprias qualida-
des. Quando Liôlienka reaparece no último capítulo da novela, eman-
cipada, e1111 conversa com SC\I antigo mentor. Veretitsin, eles discutem
sobre o que seria a "perfeição feminina+: e a moça discorre contra a
imagem que seu ex•mentor faz de mulher excelsa: a.quela q_ue se sa•
crifica por um casamento infeliz em nome da família. Toda a fala de
Liôtienka nesse último capitulo é plenamente interligada ao discurso
liberal relacionado à "'nova geração". O 1eitor de língua portuguesa terá
a oportunidade de verificar a força dessa personagem nas próximas
páginas e perceber que seu discurso pioneiro no campo da literatura
russa clássica ainda é bastante atual no contexto internacional de de•
bates de gênero, em pleno séçl!lo XXI.
Por fim, é com muita satisfação que apresentamos essa impor-
tante obrn para o público de língua portuguesa, traduzida diretamen-
te do russo, e que dialoga tanto com as ideias de uma das décadas
mais ricas da literatura russa, do mesmo ntodo que traz importantes
considerações para os temas do presente. como os estudos de gêne·
ro e da linguagem. Descobri a llovela durante as pesquisas da minh,1
tese de doutorado (Niilismo: estrado para a ema>1cipaçâo), e1;Crit•
junto ao curso de Literatura e Cultura Russa (FfLCH/USP). Quero
ressaltar a importànçlQ e o apoio das pesquisadoras Elena Vás<h11
(USP), Graziela Schneider (UFRJ), Marina Tsvetkôva e Maria GanlolJ

Nadiêsda Khv0:1ct,lnbk•1t 15
14
I

Era começo de maio. o relógio marcava seis horas e a noite 1


transcorria de modo aprazível. Nesse cenário, dois jovens varões pas-
seavam pelo jardim, circundando uma das residências da cidade de N.
Ali, o jardim, embora pequeno, era abundante. Os amigos c:,iminha-
v..un sossegadamente por uma vereda. e frequentemente roçavam a
,,,beça contra os ramos suspensos de lilases. Um deles era o convida-
tio: requintado e elegante. vestia um paletó que estampava uma marca
11rtrr<hurguesa, a qual destoava ainda mais sua figura se comparada
14t1 ~ h~10
de terra batida. naquilo que poderia ser chamado de um jar-
1htn provincial. O moço não tinha uma aparência ruim. vestia-se com
1lq; 111n t.· mdava esbeltamente; suas costeletas negras davam-lhe um
1

1u ,1, le<fadc. L'sav:. um elegante quepe e não retirava <"IS: luv.is O


l'I

,rnf1hli\u "' ,, um pouco mais ba.i."'<O. alvo e usava um velho casaco cin-
111 , hilfll"H, Embora um pouco mais jovem que o visitante, apa•

tH 1111 h·1 J nu~~má idade. Sua aparência era bem esbelta, mas seu
1A flll um h1nto enrugado; ainda que corado, havia nele algo de
--,,.n,11 1houm1nté, e seu andar impaciente completava a impressão
u111l,u hl~th· cm relação ao convídado. O nome do visitante era
111 dw ►:,ulo ,, cidade de N. para ocupar um importante

1 l,1111111111.,,Jo J"Ublíca. Seu anfitrião chamava•se Veretítsin,


, • 1111114 ~,11,1,J.1 no serviço de N. há mais de um ano. e1n•
fl\tt p.1, 1,• dt mudo quase despercebido. Nãoestudarnm
ttt11h1. 1,m h" bnstante tempo, e nessa noite se reen•
1 1111 11 1 \'.-i •'I'º' 1r("i: anos sem se- vPrPm .

17
lbráiev explicava como alcançara seu atual cargo, contava cm silencio. Passava•se um daqueles momeotos em que tudo o que ve•
tudo nos múlimos detalhes e parecia multiplicl-los a fim de prolon- mos e escutamos ganha contornos memoráveis e contemplativos. em
gar o colóquio, sem dar brechas para que outro assunto despontasse. que o passado distante é lembrado e comparado ao presente; assim,
Veretitsin parecia escutá-lo atentamente. mas não interferia na pa1es .. a tensão e a frieza do prime.iro encontro se esvaem. Era possível re•
tra. Cada um cumpria seu papel escrupulosamente, celebrando um conhecer aquela pessoa que até en1ão conversava como um estranho,
reencontro após uma longa separação com perguntas e causos. que parecia não ter multo o que acrescentar e que fazia perguntas em
- Voce não está cansado de c.iminbar' - pu-guotou Vere1í1sw tom envergonhado. lbráiev olhava pan o seu amigo que e$ta\'a com
quando o outro se calou. J abeç:i baixat e se lembrou do quepe azul meio inclinado sobre seus
lbráiev já estava c,,nsado há um bom tempo, mas não revelou cabelos, aquele tempo desleixado de outrora... uma palavra parecia
ao amigo. tanto por cortesia quanto por não saber se haveria algum emergir de sua alma. Sentia•se de algum modo acabrunhado ementa·
lugar para se sentar naquele jardim. hul.1r um novo colóquio...
- Não... sim ... é que em casa está quente - disse ele, após lem- - E você, como está, Sâcha? - perguntou lbriiev, retomando o
brar-se do quartinho em que estivera há meia hora, antes de encontrar 111m t-.uavc com o qual contou hâ pouco sobre sua carreira de sucesso
seu colega. 11.1 r.odcdade.
Vcret.ítsin adivinhou o que se passava. Como estou? Ah, oão hã nada de mais! - respondeu Veretítsin,
- Sente-se aqui - foi conduiindo-o entre as flores de lilás até t1ll1+1Utln parn baixo. alnda com o mesmo temperamento reflexivo de
uma pequena clareira onde havia um modesto banquinho de praça, tinlt -i v,verei aqui mais um ano. Você é um sortudo... Para mim, no
daqueles de madeira. Ao seu redor, um plantio de lúpulos engalfinha- ,,111••,•1 Ui!nl l'r.l tão ruim assim. Certamente, para você será diferente,
va-se alto pelos troncos, enquanto espinafres e trepadeiras se alastra· vtk 1 , mriudu e vai deslanchar aqui. Como graduado, você está apto
vam ao longo de todo o quintal. t II r,1.1h1•lt>trr; algo que nós. os humildes pecadores, nem podemos
- Chegue aqui mais perto - acrescentou Veretítsin. - Eu afaslo ,11.,
minhas pernas. l 111 ,lut.• voce ~e graduou? Obteve título de mestre?
- Aceita um? - pcrgunlou Ibráic:v, tirando um cigarro. t um hv,m~S-. meu querido. Fui professor em Moscou por dois
- Eu não fumo. ti 114, r,wt1ulc., para cá.
- Desde quando? Você era um caipora!' 1""'" 111 wmo professor?
- l.arguei. • 0111u • op1M,1 da admínistraçâo provincial - respondeu
Ibráiev acendeu o cigarro, enquanto Veretítsin açoitava a grama 1 11111,olt ,·igllância policiaJ - acrescentou, observando o
com um galho fino arrancado de um arbuslo; ambos pe,rmaneciitm 1111111 to dn ~~u omigo e começando a sorrir.

tt uin 111hfn Jl.,\.C! lbr:Hev.


2 No original russo, okh6t11/Jc significa ".:.1Ç;1dor": Algufm que íum.a como um c:IL\•
dor ou homem da florffi1t. (N.T.)

Nadiêida Ktwosch,n11'-■il 19
18
- Você não fez esse interrogatório em vão. Você sabe que minha - Ah, oem eu mesmo sei! - respondeu, arremessando longe o
amizade não é motivo de lisonja, especialmente para um homem que chicote com que açoitava as plantinhas. - Você já alugou seu aparta•
almeja posições tão importantes quanto você. Não se ofenda. Eu sei mento por um ano?... Uma má ideia: aquela casa é fria.'
que você ,é um bom camarada, mas minha reputação está arruinada, e - Sério? Que desagradável... E você vive com sua inmã? - per-
não hâ nada que me conecte a você hoje em dia. Você já está aqui há guntou lbráiev.
um mês inteiro - eu sabia disso e não fui visitá-lo. Se não tivéssemos - Sim, na casa do meu cunhado.
nos encontrado hoje por acidente, voe~ nunca teria vindo... - E eles são boa gente?
- E você não se envergonha de falar assim? - Sim ... Não existe gente ruim. O mal é apenas um conceito
- Não há nada do que se envergonhar - replicou Veretítsin se- ub~1rato~ na reaHdade, ele não existe. As pessoas citam.no apenas para
riamente:. - Você precisa de mim para quê? Você é um homem da alta h'r •lguma coisa a d.izer. Tudo no mundo ~ bom, as pessoas são to-
:;Q(içdad.e; neste momento, as mãezl.nhas da cidade estão armando ,1,,., boas... As vezes são bagunceims... Mas, tem a Corte para julgá-las.
maneiras de fisgá-lo para suas filhas, que já estão suspirando por sua lt·m ptssoas importantes como você► por exemplo.
presença. & um homem solidificado. Nossas ..autoridades,. tratam•no Escute, Sácha - interrompeu lbráiev, que começava a sentir
com respeito. O que haveria de comum entre você e um pé rapado que 1n"1mttdado. - Eu ainda não sou esse homem importante que você
só é útil ao mundo pelo simples serviço de copiar papéis e nada mais? 1111~• Nào precisa falar comigo desse modo. Seja franco, por favor!
Você escreve manifestos de protesto~ enquanto eu não ouso sequer tudo bem> serei franco... sabe. estou aborrecido! - disse
mudar uma virgula. Você é o queridinho do tsar, enquanto eu sou um \ tt th•,ln 11,ubitamente. s,em se conter mais. talvez porque fos.se inca•

típico exemplo de ·~endência prejudicial"! Onde repousaria minha ,. ,i. " nionter calado, além da voz daquele velho conhecido convi-
consciência se eu começasse a aparecer diante de você? Seguiremos 114 ln• ,l,11 v.11ào ao pensamento. - Meu cunhado é um funcionário
em dire(jQes opostas. não nos encontraremos mals... então. adeus! ,.W1 v um h.·,.,tturdro, de origem pobre. mas que agora conseguiu
- Você é um homem amargo - disse lbráiev, silenciando em f 1llnht11ro. Minha irmã também era uma moça pobr,e1 mas que
llnh.v,, • 1ir~prla comida para poder ser considemda uina "pa-
seguida.
Ambos permaneceram em si)êmcio por alguns minuto~. lu J• t nnu :1,cnhon metida em luvas e plumas - com uma
Verelitsin começou a chicotear os espinafres noV'a.mentc, sorrindo hll1u\ \'rJ,1, eles ~stão empinando pipa no quintal.
1 v JA hJvl.~ c.•M:utndo os gritos e até a alga:r..arra das crianças
irônica e ansiosamente.
- Por que você não pergunta como foi que isso aconteceu comi 1 t11p11 .. Ir, urna careta.

go? - rompeu o silêncio, finalmente. tu •111 "" potl~ria incervir e acabar com a barulheira de•
- ô, sim! Diga•me como aconteceu? - perguntou lbráiev. Hu \, u Hh1n -, mas eu não sou urna autoridade. Meu
Veretítsin rompeu numa estrondosa gargalhada.

21
20
- Voeê não fez esse interrogatório em vão. Você sabe que minha - Ah, nem eu mesmo sei! - respondeu, arremessando longe o
.unizade não é motl\lO de lisonja1 especialmente para um homem que chicote com que açoitava as plantinh:u:;. - Você já alugou seu aparta-
almeja posições tão impor1an1es quanto você. Não se ofenda. Eu sei mento por um ano? ... Uma má Ideia: aquela casa é fria.'
que você é wn bom camarada, mas minha reputação está arruinada,• - SérJo? Que desagradável.. E você vive com sua irmã> - per-
não hó nada que me conecte a você hoje em dia. Você já está aqui há guntou lbr;liev.
um mês inteiro - eu sabia disso e não fui visitá-lo. Se não tivéssemos - Sim, na casa do meu cunhado.
nos encontrado hoje por acidente, você nunca teria vindo... - E eles são boa gente?
- E você não se envergonha de falar assim? - Sim... Não existe gente ruim. O mal é apenas um conceito
- Não hâ nada do que se envergonhar - replicou Veretltsin se- abstrato; na realidade, ele não existe. As pessoas citam-no apenas para
riamente. - Você precisa de mim para quê? Você é um homem da alta 1er alguma coisa • dizer. Tudo no mundo é bom, as pessoas são 10-
sociedade; neste momento, as mãez.inhas da cidade cs1ão armando ,I,,- boas... Às ve7.es são bagunceiros ... Mas, tem• Corte pura julgá-las.
maneiras de fisgá-lo para suas filha,, que já estão suspirando por sua lt•n, pessoas importantes como você. por exemplo.
presença. l!.s um homem solidificado. Nossas '"autoridades" ,ratam-no Escute. Sácha - interrompeu lbráiev, que começava a senUr
com respeílo. O que haveria de comum entre voe! e um pé rapado que 111111111odndo. - Eu ainda não sou esse homem importante que você
só é útil ao mundo pelo simples serviço de copiar papéis e nada mais? 1111),(,, N,\o precisa falar comigo desse modo. Seja franco, por favor!
Você escreve manifestos de protesto. enquanto eu não ouso sequer ·1\,do bem, serei franco ... sabe, es1ou aborrecido! - disse
mudar uma vírgula. Vock. é o queridinho do tsar, enquanto eu sou um \ n: U1t11u ,ubitamcn,e. stm se conter mais, talvez porque fosse inca-
1ipico ,xemplo de "tendência prejudicial"! Onde repousaria minha 111 ,1, o· m.lnlcrcalado, além da voz d:"tquele velho conhecido convi-
consoência se eu começasse a aparecer diante de você? Seguiremos 11• ln • d111 v,aiào ao pensamento. - Meu cunhado é um funcionário
em direções opostas, não nos encontraremos mais... então, adeus! htiJ. 11111 lt'~urciro, de origem pobre. mas que agora conseguiu
- Você é wn homem amargo - disse Ibráiev, silenciando em •• ,htthdto. Minha irmã também era uma moça pobre, ma.e. que
,Htlt!l, ., ,, própria. comida para poder ser considerada uma "),a-
seguida.
Ambos permaneceram em silêncio por alguns minuto~. h11I• e unu ~cnhord mttida em luvas e plumas - coin uma
Verct.ítsin começou 3 chicotear os espinafres novamente, sorrindo hlhm \'C'p, de~ esrào empinando pipa no quintal.
1 • j,1 h,avl" escutado os gritos e até a algazarra das crianças
irônica e ansiosamente.
- Por que você não pergunta como foi que isso aconteceu coml 1 1111•11 " lo um,, careta.
1 tu fflif' ru 1,o,h•rü1. int<.·rvir e acabar com a barulheira de-
go! - rompeu o silêncio, finalmente.
- ó, sim! Diga-me como aconteceu? - perguntou lbrãiev. u 11 v,,,. uu.ln • mns eu não sou uma autoridade. Meu
Ver(titsin rompeu numa estrondosa gargalhada.

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cw1hado, o pai deles, batalhou por dezessete anos de sua vida, e agora - Sen1pre há uma desculpa. Escute, isso é falta de força de
ele ê um tesoureiro provincial E eu que entrei para a universidade vontade...
com de1...essete anos. o que sou hoje? - Diga mais: é falta de autossacrillcio! Que mais? Ê sério, cu
- O que você está fazendo exatamente? Pratica alguma coisa1 lê? gosto do você, abençoado! Mas gente como voe! não sabe nadinha
- Nada! Não tenho nem tempo, nem lugar a ir, nem nada a do que é o trabalho de verdade, embora vocês gritem ordens a outros
fa1.cr. Apenas preciso estar na repartição todos os dias. Meu cantinho, trabalhadores. Não se preocupe, nós trabalharemos até o limite das
como você mesmo viu, não tem livros. nossas forças. Trabalharemos mais que vocês, embora pareça que nós
- Mas o dia é longo. Nem após o trabalho? ~stejamos sempre dormindo e matando tempo na relva. Nós pensa•
- Eu durmo e vagueio por aqui... mos e conservamos as triste-tas e amarguras das ideias - de onde vem
- Mas como pode!! " mudança-, enquanto para vocês é apenas o trabalho! Se algo obstrui
- Ah) seus figurões! - interrompeu Veretítsio. - Hum, ache uma \Nh caminhos ou se vai de encontro aos seus desejos, vocês começam
razão para mim, diga-me o que fazer, que eu farei. Porém, não seria a 1. l,1mar pelas grandes aspirações ou apelam à injustiça humana, gri~
mais razoável presumir que essa coisa simplesmente não existe?! ~ o 1.un e damam pelo Direito. Enquanto para nós, os homens comuns,
que se chama de cllJmgar gelo, não é? Você di1. para que eu escreva ar- •1111 """ podemos derrubar muralhas corn nossas cabeças, somos con-
tigos, como nos tempos em que eu ensinava História e Estatística. Para ,11ln11<los ociosos, carentes de boa vontade e abnegação... Você diz que
tal, necessita-se de tempo livre, e, além do mais ... Bem, sendo assim. lt111n t po~ive:1, mas o que seria exatamente esse possivel? Você não
suponha que eu ache algun, tempo: o que eu pesquisaria? Por aqui "'""i•• I• um emprego para mim - e mesmo que tentasse, não Impor•
não tem monumentos~ doct1mentos, muito menos sltios históricos. O 1 n11111iu1.-•rn .1.qui ajudaria um homem corno eu. Você costuma julgar
cajado de Peresvét' num monastério, guardado por muitos monges, •ti, ti"" 4:-.tão no seu patamar. Faça-me um favor, olhe um pou-
enterrado sob sete palmos de terra batida; ne1n para se constituir num "''" .,,.,. para baixo! Do seu ponto de vista, por e.,emplo. há uma
ponto turístico serve... E- isso é tudo o que se tem. e é o que sempre t ,11 .tt111I l>o meu ponto de vista. não há! Eu não visito meus
terá. Estatisticas? Já foram reescritas oficialmente de-, mil vezes ... roas t'IMI.-, • ,1pMJs, e o seu circulo jamais me aceitaria.
teme tocar em algum dado não oficial, em algo vital e capaz de aíl.igir... lhu11 v 11,111 ,..,,pondeu ao desabafo, mas após um breve silêncio
Olha, cu lhe agradeço do fundo do coração! Eles já me enviaram o 1111,,1. 1oubi1,11nente: - Mas você não tem ao 1nenos amigos?
suficientemente longe, e aqui já é ruim o bastante para mim! 1111 1•11 rntootro pessoas e até trocamos cumprimentos.
1'11t 11111 \·o\(' nlo visita ninguém? Estou aqui há um mês e
tf1tl r111 l11)(.tr Jlgum.
4 Aldtrindr PtreMt foi um monge-gucrrtiro do sêculo XlV, morto cm combllt tt&ô \ 1,11u .l c.,1i..a daqueles que não posso receber - retru-
contra o tártaro it!mir-Mur1.a cm S de sttenibro de- 1380. A tr.1.di,çào russa remo
a morte dos lutadOt'C$ uo i nk10 da &talha de Koul\kovo. A vitória cm Koulikovo 1 1t-:i lotlo Jeito. eu não conheço ninguém aqui, nem os
fund.amcnttl para a cri2(:ào do ttt:ado moscovita t a Ubertação dc6nlfü'a dos tsl )•lVfth multo menos as mulheres. No último outono
do domínio da Horda Oourod11. (N.T.)

Nad!éjda 'KhVO&Chln
22
evitar viver de caridade cristã. E veja, mesmo aqui tenho um salário,
e inverno o tédio me invadiu, e tentei participar de encontros da
embora de apenas seis rublos por mês. Eles diz<?m que é muito bom ...
Assembleia. lia jornais e até me arriscava a observar as danças.
e eu preciso de mais o quê! Eu já deveria me consider3r por demais
- Dançou?
- Com quem? Eu não me interessei pelas amigas da minha agraciado em ter a chance de alugar um sótão e viver do meu próprio
trabalho. Ademais, eu não preciso de nada além do que já tenho. Eu
irmã. Às outras, nunca fui apresentado. Vossa Tsarina, Madame la
cresci acostumado às limitações, às adversidades, a estar fora de tudo
Pr-inu.sse,-s até se interessou por mim. Veja, ela está sempre pensando
e a encarar os problemas de frente... Saiba, só para deixar registrado,
nos bailes e em ocasiões fonnais para mostrar a variedade de roupas
que para poder ver as danças no inverno passado, comecei a dar aulas
e as perfom1ances de caridade. Ela me viu, wn rosto novo! E orde~
nou ao meu supervisor que me apresentas.se a ela, pois queria saber parlicularc.s.
- Muito bem, que maravilha! - disse lbr.l!ev. - ll uma ocupação
se eu poss-ufa algum talento - se eu cantava, recitava com vivacidade
honrosa, creio cu.
ou tocava um gudók.' Eu não sabia nada disso, mas. mesmo se eu fos..
- Sim. eu cosi.nava as pessoas a ler e escrever em francês a dez
se iletrado, seria sempre apresentável em papéis que requerem mu-
'fllll"<lUCS por hora, durante dez horas por semana. Era muito i.ntcres-
dez. Ainda bem, pois um convite para mim seria "algo embaraçoso".
rnh.- e rentâvel. Eu deveria ter continuado, mas adoeci no começo da
Mc-smo assim, me convidaram a conhecer essa senhora, com a qual
111htMvtra e fiquei acamado por seis semanas. Mesmo agora. ainda
limitei a conversação a uma troca de cumprimentos e só. Bntão, me
11,h11·\loU plenamente rtc:uperado. Em uma palavra: divertidíssirno! -
disseram que ela não teria nada mais a dizer, que tudo já fora discu•
,,,11 lu1u Vcretítsin. apoiando as mãos sobre as pernas inquietas. e sem
tido. Ela te<:eu um monólogo sobre mim para seu circulo de amigas e
1h10 11.1r J o visitante.
me apelidaram dele jeune mal.heureu.x.1 Eu explodi de raiva! Tudo era
~1.t., M:rá que não há nada dt realmente gratificante em sua
extremamente estúpido! Parei ímediatamente de frequentar as danças.
I,! 1••·•Muntou lbráiev.
Outrossim, tudo aquilo estava além das minhas possibilidades: luvas
'1 <JIH' mcê eniende por gratificante? Apaixonar-se? Eu tenho,
são caríssimas. 11,tlk• ,, rnodos senhoriais. Se eu amo algo, tenha ccrtc-1.a de que é
- Diga ..me. e suas possibilidades, como estão? - perguntou
111111 et mdhor ê muito raro, e mesmo quando encontrado, nem
Ibró.iev hesitante. IM~"'' f 1, ,lhponlrel para nós. Não me nego ao prazer... embora,
- Não tenho um centavo, meu caro! O que restou das minh.aa
~ "'i"'"h• um papel de tolo.
economias como professor e o que o meu falecido tio me deixou Ah !U, li 1, 1,so nõ.o é bom! - disse íbráie\r, sem ter algo mais
quando conclui a faculdade, eu entreguei a minha "senhoria" pari , M1111111 ,tu Interlocutor.
lº , '" ,111? r~trueôu Veretítsin.
S Em (ranâs no original. A "\wina" ~ qut" se ré'Ítn- dcVt ser um.,. filha ou ,1t 111111t,u l oi,.1, boas no mundo: e elas podem ser intrínse·
esposa do governador d.a provinda, de :KOrdO com u notas da edição inglesa. (N t
6
1
Instrumento de ttt$ cordas osado pOr mcn~slléls. na cultura popul3r ru.$$a. (N
O jovem mal-huinorado. Em íranc~ no original. (N.T.)
.
, .. Jllt m "'' ,tmquistadas, e ainda existem aquelas que
'

Nadiêjda l<.hvosch,n 25
24
- Em que categoria eu deveria ser indufdo1 Os desafortunados, - Você não é um egoísta por completo - interrompeu Vcretítsin,
os canalhas ou os tolos? - Veretítsin perguntou tranquilamente, após começando a sorrir. - Sim, é fácil consrruir. mas os glicêmicos e sabi•
escutar com atenção. chões de frases feitas constroem sempre esmagando ou machucando
- Você é muito áspero, muito amargo! - retomou lbráiev. - outras pessoas... Mas safüa, se começar a pensar assim, você não dor-
Seus fracassos não permitem que você olhe as coisas do mundo com mirá em paz.. né? E. obv'iamente. a pa-z é uma bênção importante...
imparcialidade. Você há de concordar... Não me leve a mal. mas você bem. ao inferno com tudo isso!
há de concordar que há muito egoismo nos seus sentimentos; e para as Ibráiev terminou de fumar. arremessou fora o cigarro e, se
pessoas que n.ão o conhecem bem, esse egoísmo pode parecer como... aproveitando do fato do seu interlocutor estar de costas, observou-o
como uma inveja mesquinha e simplória. a1entamente. Veretftsin percebeu de soslaio.
Ibráiev parou prudentemente. - Que horas sâo1 - perguntou com indiferença.
- Continue, continue! Veja, não estou ofendido - respondeu - Sete.
Veretitsin calmamente. - Você tem pressa de ir a algum lugar?
- Não está ofendido? Só por essa respo$ta... - Não. ainda é cedo - respondeu fbráiev, desconcertado. - Uma
- Certo. Ecomo deveria ser minha resposta? Você acha mesmo ll11d,, noite! - acrescentou, olhando em voha.
que é o primeiro a preconizar isso para mim? Você fala educadamente, V<·retítsin também olhou, mas para cima. nUJna clareira onde
outros ttriam falado sem rodeios. Voct: conjectura de modo racional, f I••• 11111 pé de bordo bloqueando os raios do sol. Suas folhas abertas
111,1111 1'4.·s.adamcnte e se tomavam escuras) enquanto uma profusão
outros simplesmente me dispensam; você se mostra condolente, ou•
i1t l11lh,l., .unare.las e verdes brilhava como se estivessem enverniza-
tros me desprezam. Estou acostumado a tudo e posso ouvir qualquer
coisa sem me mostrar surpreso. Eu sei que sou ridículo, uma alma ' " Vt11rtlhin meneou a cabeça e suavemente tamborilou os dedos de
perdida que sobrevive do pão cedido pelo cunhado, um tesoureiro
•• 111a,, ~obre a outra. e com essa percussão original cantava men•
, 111t 1>r rtr1e111c, ele ressoou com mais força o som das pa1mas e
provinciano; mas, eu não vejo nada em ninguém, em nenhum ser hu-
11 1111 un11'rupo de pardais que cantava sobre o bardo e os h'1pu1os.
mano que eu possa invejar... lnfeliunente, eu conto minhas amargu-
ras cm m.inúc-ias, mas não gostaria de palestrar para quem quer qU<'
'º o huuM um novo 1ugar para repousar.
l'w►1 11111 vou: fez is.c;o? - perguntou fbráiev, sorrindo.
fosse sobre o b-em-estar, enquanto as pessoas acham que os outros são
l\1, rn11l,1I O que há de errado com eles?! Ainda é cedo para
egoístas mesmo quando insultados, porque são cegos e não conse
111
guem ver a própria felicidade quando a vida oferece-lhes mais do qu,
wm uu wm vl1inhos? - continuou Jbráie\~ cujos olhos se-
o necessário... Se há algo que eu não posso nunca tolerar é que várlot
1'tt1l•l1 'lut• 11ous.1vam sobre a cerca do jardim vizinho.
sabichões glicémicos ensinem como construir suas vidas baseadas•
ulu m wnhcço. Sei que tem umas crianças aí.
filosofias baratas...
Olr ,., 1111• tmM ~dgazarra quando eles tstão fazendo as
- Mas eles constroem facilmente - replicou lbráiev.

26 NacUJda Khvoseh, 27
- Há alguém estudnndo por lá exatamente agora. Consegue ou- - Eo que me importa se da não sabe n.ada? Deve ser atê melhor
assim! Veja, a satisfação está estampada no rosto dela. Ela queima as
vir o zumbido?
Veretltsin olhou em volta. mas os lúpulos tampavam sua visão. pestanas para valer, num esforço descomunal. Numa noite como essa,
Aproximando-se da cerca pôde ver a se_nda do vizinho, cercada por ela deveria estar correndo... brincando de boneca, aproveitando a brisa;
um jardim que crescia uniformemente. Uma garota com um livro nas mas está com o nariz enfiado em um livro velho - e ainda feJiz!
mãos passeava por ela; após ler uma citação no livro. fechava-o e re• - Como você tem certeza disso? Talvez ela não esteja feliz.
citava de cor o que acabara de ler. Nomes de personagens históricos - Se ela não está feliz, então pode ter sido forç,,da. E qual a ra-
e datas, ,que a garota frequentemente embaralhava; passagens sobre tão para um empenho tão estúpido? Onde pulsa a vida nel~?
números. vitórias e virtudes, que ela recitava com diligência. Ela tinha - Tulvez ela sequer lenha ideia do que é a vida.
uma boa memória. A garota usava um vestido de lã escuro, eviden- - Então. eu explicarei imedi:J.tamente! - disse Veretítsin, empi-
lemente um uniforme escolar. só que. em vez da pelerine branca. ela nando-se. - Ela saberá que recitando "o Todo Poderoso Luís.. não irá a
tinha um lenço escuro, mas transparente, em tomo do pescoço, que l1111nr algum. Se ela se alegra com isso, a deixarei chateada.
ftlzia resplandecer seus ombros alvos por baixo do tule. Ela parec.ia ter - Chega! Para que essa travessura? - perguntou [bráiev,
uns quinze anos. Não era alta, tampouco corpulenta, talvez até um , ulbindo-o.
pouco roliça. Enquanto caminhava pela senda, seu rosto encontrou - Ac:be. por favor, uma travessura para mim além dessa! - re•
ltUL·ou Veretitsin. - Não tenho absolutamente nada para fazer aqui.
os jovens homens observando-a na cerca. Sua compleição era suave e
de algum modo pálida, mas uma pnlidez de modrepérolo. A cor dos 11, 1mli1 forma, acalme-se, meu moralista, não pretendo bagunçar a
seus olhos, que se levantavam enquanto decorava as lições. eram qua- , .1,.-..tnha dela, mas "mell,orar~.. Isso é mais antígo do que o Luis dela.
se indis1ingu.ivels: um castanho-escuro com tons azulados, perfeita- M3s o que você quer exatamente? - lbráiev seguia-o.
meote delineados. Seu olhar era de uma da.reza e de uma franqueza Eu não quero que ela seja feliz! - disse bruscamente VereLítsin.
, 1111 ,e no meu lado, você l!S!ó morrendo de angú.~ti.1, e ess.1
incomuns.
t1tll11h1, ,
- Bonitinha! - disse lbráicv.
- E tão feliz! - acrescentou Veretítsin, observando-a. - Ela de· 1k ,,~ se encontravam na cerca., lbráicv rodopiava1 protestan-
, rn1111 um homem sério. mas excitadíssimo. Veretítsin encostou-se
cora caoticarnente.: "'Luís, o Benevolente: "'o Todo Poderoso Luís': e cr~
que está aprendendo alguma coisa assim. 1 A"'"•'· rnfiava a batba enquanto aguardava, Ela se aproximava,
- E o que você queria? - perguntou lbráiev, sorrindo. ulfl, l,·ntlo seu livro.
- Ê irritante, estúpido! Ela está feliz consigo mesma, satisfolla 1 ,1rnL1r é cansativo? - perguntou, finalmente, qua:ndo ela já
com o mundo e acredita cm qualquer absurdo... 1 '"'
- Pedante! O que você poderia esperar dela quando aind• •n A wr11111.~ IL•v.-intou os olhos. fitou e corou levemente. Mesmo as•
sinam com os velhos manuais de outrora? Talvez não tenha nin1tul ft 1 • 111l•nra, ao oontrário, ela parou, apertou o livro coutra o
hou ,hrcl111ntnle para Veretítsin.
para explicar-lhe os textos...

Nadlê)cla KhV0!$Ch!nl t\liHll 29


28
- E então? Você conseguiu levar trjsteza ao coração da jovenzi•
- Ao contrário. é divertido - respondeu a garota.
nha ou vai admitir que falhou? "E os inimigos fugiram sem terminar
Sua roz era w.o firme quanto seu olhar e seus movimentos. A
moça nào se sentiu assustada, nem envergonhada, muito menos sur- a reza.. ~3 A moça do internato é como qualquer outra, que responde
apenas "sim" e °'não': Ela nem tem condições de se perder!
preendida. E após o colorido de um prim.eiro encontro com uma voz
estranha que subitamente soou tão próximo, a garota não corou ma.is, - Ela aprenderá! - respondeu Veretítsin, que tomara•se irrita-
do. - Só não sei como.
mas aguardou, firme, o que o estranho continuaria a dizer. Não havia
sinal de coquetismo; seu olhar tranquilo não desafiava nem convidava Uma de suas sobrinhas, wna menininha de dez anos,. que aca-
bara de se banhar e se vestir numa roupinha bêrn engomo.da, apareceu
à conversação. E.la tampouco fechou seu livro.
- Você é muito diligente e gosta de estudar - continuou por mando de sua mãe para convidar o hóspede para o ch:í. lbrâiev se
Veretitsin. esquecendo o objctjvo de sua conversação enquanto .1,pavorou: não esperava que uma visita a um velho conhecido pudesse
,lcixá-Jo numa saia justa d!esse tipo. Aceitar o convite seria abrir com-
obseffava-a.
prnmisso de amizade; além do mais, ele não queria participar da inti-
- ll verdade.
- Isso é profundamente admirável. Mesmo num domingo. com nudade da familia de um tesoureiro provinciano. Jbráiev buscava um
11w10 de recusar. Veretítsin percebeu e o ajudou a escapar da situação.
uma noite como essa, você mantém seu nariz dentro do livro!
- Preciso revisar minhas lições.
- Já são oito horas. Você pretendia ir a algum lugar, nào era!
N,h1 ,e atrase. Minha regra é: não deter quem quer que seja - disse
- Você estuda num pensionato?
\1 rl'llh,in.
- Sim, no Chabitchêva.
Realmente, são oi to horas! Obrigado por me lembrar - disse
- Eles são muito rigorosos lã?
- Não1 mas os exames finais estão chegando - respondeu fitan• Agradeça a sua mãe, moclnha! Quando nos veremos nova•
\ld13?
do-o ,almamcmc,
Qunndo você quiser aparecer. Eu não te visjtarci.
- E você quer passar com dislinção?
Vot.ê é um incorrtgivel! - disst lbráiev, apertando a mão com
- Certamente.
I• '"'"• pdn separação.
- E espera ter sucesso?
\ ,11·Hlsm, sorrindo► abriu o portão para o visitante., fez. um ace--
- Claro que terei.
t1lw1i,, e: retornou ao jardlm.
Veretitsin se deu conta de que esse jogo de perguntas e respo•
tas ts:tava sendo pra 1â de estúpido. Ele cumprimentou a moça, dt•
pediu-se proferindo um "com licença"' ~ se afastou da cerca. A mO(I
fitou-o e seguiu seu curso pela senda do quintal, retornando aos N111-
, 11u1t.111,11,,11.-da "'Que descreve como um~ senhora dt K.ie'.' Q:\~Jga\·a
dos. lbnlicv g~rgalhava.
1 1 • t1rn1t Jn~ perst'g:Uidord; do p<>el.a Vá5$ÍJj 1úko\'sk;i (1 i83-i8S2).
11111 tN 11

Nediêjda KJNO$Chlnl 31
30
II

Vários feriados vieram em sequência e Veretítsin oão precisou


trabalhar, mas nem por isso se chateou, porque uo1 dia após o encon•
tro lbráiev enviou-lhe uma pilha de livros para entretê-lo. Porém, a
leitur.1 o fez ficar ainda mais sobressaltado, pois não havia ninguém
por perto para debater ou trocar uma palavra produ,iva. Apesar do
período de quase um ano de uma vida inc.ulta, Vcretíts-jn, obviamen~
tê. não perdera o interesse pelo conhecin1ento, nem a capacidade de
,1preciar a beleza, embora tivesse enfraquecido, de alguma forma, o
hábito de experimentar o conhcclmcnto e a beleza no cotidiano. Essas
,11mlidades, que ele valorizava até demais, eram dissonantes com as
11utras impressões da vida. N3o que ele tivesse se concentrado apenas
om as at1V1dades menores; ao contr.írio, de tenlava t:ucarar c.:,.S;e 1..oti-
,ll,1.11<> difícil como um pesadelo passageiro, sem refletir muito; embo-
' • u trabalho incutisse uma boa dose de melancolia, desespero e peso
1 "• todas as quaUdades que cle pre-,ava. A leitura trazia a sensação
1 um rccocont:ro com alguém muito querido. mas sabemos que em
t" t ..~a pessoa terá que partir novamente.. Veretítsin se enl.ristecla.

o , , priticas. sabendo de suas capacidades, não ofereciam outra


1 1 p.u.1 o seu tédio, além de trabalho e coragem. Elas não estavam

1 ,, ubviameote, mas essas pessoas práticas definem trabalho


•lM11" que preencha o tempo. e ficam mesmo ofendidas se você
essência desse -'algo": Veretítsin já escutara esse conselho
11,111,1 ,1

, 1 v uma vez. Quanto à coragem. é o tipo de coisa que s6 existe

, 111r11tc nos verdadeiros guerreiros, em campo de batalha, na..


11,1,111t•nlos em que o capacete chega a se mexer porque o cabelo
,lu r-.i;.as pessoas, que realmente encaram um desafio desse

11 .,11111.a 33
porte, sequer têm tempo para meditar sobre como tiveram coragem Ele estava especialmente agitado. mais pálido do que o normal.
Quando, num gesto de afeição mútua, eles apertaram as mãos, lbnücv
de enfrent1lr a situação - provavelmente o fazem inconscientemente.
No inais,. a coragem não existe. t apenas frie1.a e inflexibilidade, nobre percebeu que estavam frias,
e elevada omiss-ão. uma virtude~ mas que se baseia nun, esquecimento - Quem veio visitá•.lo? - perguntou lbráiev.
infantil e numa impetuosidade juvenil... Mas para alguém cuja juven· - Khmcliêvska.ia com a filha.
tude foi precocemente tirada pela descoberta da dura realidade e da - Você é apoixonado por ela? - interrompeu lbrálev, sem saber
reflexão,. que constantemente lembra que essa foi arrasada a Lroco di: se estava brincando ou adivinhando.
nada, é difícil escutar sem malícia ou amargura a pregação sobre cora- - Quem lhe disse isso? - perguntou Verethsin precipitadamen-
ge1n vinda de pessoas que nunca abarcaram essa virtude ... te, com desembaraço, mas assustado.
Claro que a mais legítima mclancolía e tepidez encontram <:X· - Ninguém me di~e nada. apenas me ocorreu a ideia agora.
pressão numa ment~ infeLiz e inativa. O fervor das ideias pode ~uei~ Estou certo?
mar O coração mais que as próprias trivialidades da v,da. Tudo ISSO e - Sim - respondeu Verctítsin. Ele sentou-se de frente paro o
ruim. mas condená-lo é ainda pior. o1migo. com os cotovelos sobre a mesa e 3 cabeça apoiada sobre os
lbráiev também estava esmorecido, e com toda a razão. A cida• h1 .iços. Algo o exauria. íbiráiev nunca se preocupara em confortar co•
de de N. era incapaz de satisfazer a alma de um homem acostumado 111ções partidos - e tampouco gostava dessa missão - , mas a confissão
aos prazeres da capital. De primeira, a firo de se distrair, lbrálev _rcsol- ,1,, colega apaixonado pareda entretê-lo.
,1eu perambular pela e.idade, por pura excentricidade• mas, fatigado. - Mas, e então. conte-me mais - repetiu.
ao anoitecer, decidiu dar uma paradinh:.1 na casa de Veretítsin pat".l Verctitsin olhou cm volta, pegou um cigarro da carteira do ami•
descansar. I'' ,u.éndeu, e sentindo-se extasiado pela fumaça, com a qual estava
Ao chegar, lbráiev deparou-se com duas mulheres que saíam 1' ,1, ,,icostumado. disse. sorrindo de prazer: "Que coisa maravilhosa,
pelo portão. A luz crepuscular permitia que ele discernisse que um• n , llr(.,ltro!':
das n\u)heres era uma jovem dama~ enquanto a outra era nit,idamcnlCI Mns, e sua história?
mais velha. Veretitsin acompanhava•a.s, junto à sua irmã, que fico1ra Minha história. .. Você já se apaixonou alguma vez?
Oluito lisonjeada com a aparição de Ibráíev. Ao revê-lo, saudou-o corl Nunca,
um entusiasmado cumprimento e chamou-o pelo nome, a fim tlr llem. que isso seja uma lição paro você... Embora você não
monstrar afeição ao visitante. lbráiev não percebera a impornullt ,h· liçóes! Faça-me um favor, vá conhecer as Khmeliêvskaías;
gura que acabara de sair da aisa acompanhada da esposa do hont lu 1,,,1r.1 você, é decente; elas são pessoas respeitáveis. A \'elha
tesoureiro provincial. Veretitsin acompanhou-o até o seu quarto • 11i ,l é um tanto caduca, é verdade, mas é umn aristocrata. Ela
_ Obrigado por ter vindo - disse Veretitsin. enquan10 ALI n flhN-lé,tfa, raram e.nte se. diverte. mas é bem digna....
um candeeiro e abria a janela que dava para o jardim. - Obrl~ado
ter se lembrado.

Nadlél,da Krwuaç 35
34
- Pols bem, apresente-se • elas. Ela tem duas filhas: uma maís - Imagine mmha felicidade: ninguém! - respondeu Veredtsin.
velha e a Sofia Aldcsandrovoa_•. Vod vaJ ,·er! Elas sio conhecidas da - Eu era ciumento. perscrutador, a.té que 6naJmentt. como um alud•
minha irmã. - rebaixaram-se a esse ponto. Minha irml provavelmente nado, resolvi lhe perguntar. Ela sempre foi sancera e disse: •não tenho
marca no calendárlo o dia em que as re«bffl em casa pela primeira ningubn•~
vez - al~m de vod, tamb~m. Mos vá conhed•las. Elas são iguais, es- - Pois bem, e o que ''O« esperou! Por que alo se declarou para
tão no seu nl,-.1. Com vo«. talvn. o gdo da dednda e da virtude se ,la!
derreta.. Em dois anos n~o consegui tal feito. - Declarar-me. ll$Slm? Escute, •não tenho nlnguém~ ou seia.
- Então vocl as conhece h' multo tempo? nem cu,. entende-? Eu diz.ia a mim mesmo: •aguarde, ela vai aprendtr ;i
- Conheço Sofia Aleksaodrovna de Moscou. U, eu visitava a •mi-lo~ E até era gostoso esperar, vê-lo com frequência. Falando frnn-
casa dos seus pais, quando as poru>s dos lan,s ~ith-ci> ainda se camtnte, isso nos aproximou ainda mais. Tomei-1nc também mais
abriam para mim, quando os dedos não apontavam em minha dire- tranco e tudo, deixei que ela me conhecesse melhor. Eu estava a ponto
ção e as pessoas n,o me ev,tavam. Eh, ficaV11 na casa da f.unília o aoo J, enlouquecer e friamente considerava... Ah, voá nio vai entender!
intdro, e quase nunca voltava para ficar com a mãe na provincia. E••· - Não me.,mo, não mesmo. Mas e daí. estou aprendendo.
parar•se dela Eimpossível. Uma C1Í2l\lra como da foi mviada ao mun• - Aprenda!••• Voe~ não sabe o que <esw- destinado ao amor.
do como uma luz rara, capaz de Uumlnar momentos inteiros. Linda. Normalmente não f na primeira, nunca~ na primeira - comigo acon•
doce como uma crlança, ela sente e pensa em todos; gentil, acompa- "''" de primeira -. mas entio, é assim, quando ,·oct percebe que
nha qualquer pensamento e derrama lágrimas por todo sofrimento... tfh murou ludo o que procurava nessa mulher, tudo o que sua alma
Eu perdi u estribeiras. Quem ousaria falar com da, olhar para ela~ ....... quando ,'Od sente sua vida incendiar...
Seri que alguém pode entender isso? Como alguém pode sequer lma• Vefl'lltsin arreme.<.10u o cigarro que ele tentara reacender por
ginar cortejá-la como se fa• com uma garota qualquer? Para amá-la. .• . . , \("/($.

Primeiro, • pessoa deveria sah<,r como ela poderia ser amada! ·1,_ H,·m, e então? - perguntou lbráiev.
que oferecer o perfeito à perfelção! Nós, que estamos acostum &,n. alguns meses depoLS fui enviado pra c.l de Moscou - e
com o mundo da mediocridade, não podemos compreender como I hkln 1'.u nem mesmo pude me d<Spt-dlr dela.
Imenso o que nos reveste; a.prox.1mamo-nos sem pensar... como • ,. <'n,ontrou por aqui?
velhmha que tem o hábito maquinal de ir à igreja. Ela não dispe 1 u ,1,<idl que... Voe<! entenderá Quando chegue] aqui decidi
atenção de ninguém, cla.ro, mas a pessoa tem de entender que..,. ,.,t. u,m essa dor; sem sair de casa. Voá mesmo pode ver!
sua bondade, é o medo de ofenckr alguim. 1qm a mãe dela visitava minha irmã. e um11 ve--4 enquanto
- Então ela tinha muitos... - lbnlicv quis dlier •prere 1q11i, ,h1d1 aparecer. - Voei conhece a minha Sónletchkal•
mas se conteve e st corrigiu.: - Ela não encontrou mngut:m. n
apaixonou! "1in .. í ,l1min1;11wo de Sofi~ Jã Sonl-Nd:tb f um modo tindl m.lis('arí•
1
1 ~utv,Jcntc cm portuguU atrl:a •Sontnha~ (N.T.)

36 37
a amá-1~ ainda mais do que antes. Eu a aguardava ... com o coração
- veja, isso me da"ª o direito de vlsitâ..las! A mãe é louca pcla
ansioso! Nem posso explicar. Ainda faltava um mês para sua chegada.
Sõnietchka. A filha ainda não tinha chegado e ela íà tinha ido visitá·
Eu imaginava que ela podia vir wn pouco aatcs do combinado. e por
•la em Moscou ,,;irias vezes. Mas mesmo sem a prcsenç~ de Sofia. eu
vários dias eu brechava so-.tinho se os cocheiros passavam. quais os.
gostava de frequentar a casa das Khmcliêvskaias. Uma doce senhora.
passageiros que desembarcavam das carruagens ele posta. até todos
A outra li.lha também ê uma boa m~•· daquelas com quem se pode
saírem, mesmo os guardas. Eles já me conheciam. Os funcionários
conversar tamb~tn. Eu as visitava frequentemente. Mas - não importa
me viam e começavam a dar risinhos. Eu me envergonhava) por isso
se você nw conhece Q suficiente ou não - para mim logo começou a fi-
come<:ei a perseguir as carruagens na estrada, para além dos limites
car dificil encontrá-las. Para uma pe-ssoa como cu. que vive numa falsa
da cidade.
posição, é difícil ir a qualquer lugi,r. A família l<hmeliévski conhecia
- Nas noites de outubro?! - interrompeu Ibrãicv.
minha história, elas sabiam que eu estava certo, sabiam claramente~
- Nas noites de outubro. duas ve-tcs por semana, no lamaçal e
mas•.. mulheres! Tão tímidas e a1é entre elas tinham receio de dizer
na geada - respondeu Veretítsin com um insistente sarcasmo. - Some
que eu estava cer11.o no caso... Mas:, por que falar só sobre as mulheres.
11 isso que eu tinha uma tosse que me tirava até a voz.. Eu largava de
se os homens faz,em a mesma coisa?! ls.io era. muito dificU para mim;
uma aula, ia parn o fim do nmndo esperar a carruagem e. quando vol-
aqueles olhares. especialmente quando uma visita inesperada chega·
1,wo para casa às dez, todos íá tinham ido dormir. Não havia nem um
va; eles me encontravam e se assustavam, se admirando do que e\1
1,1p,o de chá ou água quente para me aquecer. Mas tudo isso ê besteira!
faria ali. Minha amizade comprometia. pois eu csta\'a alijado de todo
1u l'\pernva o tempo todo, com aquele único pensamento; chegava a
conv•ivio com a sociedade, frequentava apenas as Khmeliêvskaias. Eu
1m11N.1nar que morrer congelado seria um prazer para mim. Tudo para
decidi que seria 1melhor me afustar. Con,ecei a aparecer menos, ia ape•
1 • l ,,,doná•la: Sofia, ainda sonolenta. aquecida fora da carruagem,
nas nos dias em que cu sabia que não apareceria estranhos. Nos di~
11111 11cu rostinho pálido brilhando para mim debaixo de um holofote.i
em que eu ia, tornavam•se ma.is afá\'eis, como se fosse uma maneirá
1111\\I, o vento. a escuridão, a muJtidão de bajubadores que sempre
de agradecer pelos outros dias em que eu me ausentava. 1.sso, e cu
'h , Até que. finalnleote aconteceu. Naquele dia, a carruagem de
espero que vOC-ê compreenda, é desesperador. Cansava-me, mas tu
1, ni.,va atrasada, pra variar. Eu ficara no post·o de obsetv.ição es~
não parava. No último outono, elas aguardavam a chegada de Sofia.
1111ll1, na entrada da estação. obsenando de longe o salão, esperan•
que finalmente viria. As carruagens de post3 normalmente chegam Jt
~•• "l,1eJio che~asse, pois já se aproxin1ava da meia-noite. Ele fora
Moscou tarde da noite; a mãe dol.1 nilo p-0dia esperá-la na cstaç~o f
um ... ,k.hilo em casa e perdeu a hora. Quando escutei, distante. o
a irinã não se s,entia confortável em perambular so-.Linha àquela hora.
1, , "ruagem chegando e o •inal na plataforma... Você não pode
Elas decidiram enviar um lacaio para encontrá-la e ajudar com a~
t.i o c.1ue se sente num momento desses!
gagens. Eu ouvi lodas as recomendações. Eu a esperei mais do c;\úf
l 1,111 sd rnesmo. Diga!
mãe e a irmã! Durante mai.s de meio ano em que frequentei a ,
da sua famOia. onde seu nome era repetido continuamente. eu p11

39
N.a,d1êJd8 KhvOtlCh r
38
- ti, impossível de se descrever. Eu corri em delírio. Os cavalos - Visitei-as, vi-as, ainda as visito eas vejo - respondeu Veretílsin.
mal pararam de marchar e eu já estava abrindo a porta. Uma senhora - E ela?

gorda me abraçou imediatamente, recém-despertada, e gritou: "Pegue, - Que é que tem?


meu arnori!nho. meu baú". E me encheu de laços e travesseiros. - Não... mas e agora, qual o seu tipo de relacionamento com
Coloquei tudo num canto, até mesmo a senhora gorda. Escutei a voz ela?
de Sofia vindo de dentro da carruagem, ela estava entregando algo ao - Sou aceito como antes; tento não incomodar. Elas me têm em
cocheiro. Até esbarrei no cocheiro.
máxima consideração. Para se ter uma ideia, há pouco tempo, estive
- E finalmente ajudou-a a descer? Afinal, não era essa a razão doente na primavera, e ela e a mãe vieram me visitar.
- Que ótimo! Significa que..
de encontrá•la? - interrompeu lbráiev.
- Não significa nada! Elas visitam até as pobres mansardas.
Veretitsin olhava para ele.
- Sim - disse após um breve silêncio, tentando reacender o - Então, os jovens da alta sociedade não...
cigarro que descartara. - Peguei suas coisas e chamei uma dróclrki'' - Nem sou jovem, muito menos da alta sociedade - respondeu
coberta, sentei ao lado do cocheiro e conduzi-a até a mãe. Elas se abra- Veretitsln, mais excitado do que desejava, e por Isso gargalhou.
çaram por meia hora no terraço, enquanto eu as admirava com meu - Mas ... se ela é tão bem falada assim, não deveria ser mais co-
casaco ensopado. Sofia despertou, finalmente: "Olha quem me trou• nhecida? - disse Jbráiev, adotando um ar de interessado e preocupado.
xel~ Elas me agradeceram e me convidaram para descansar e tornar Veretitsin gargalhou ainda mais alto.
um chá. Mas que chá seria esse, à meia-noite! Elas não se viam há - Ela é muito bem falada, sim.
um ano jâ e eu nem pensei em atrapalhar o reencontro; parti, pois na - Mas, e então, quando vocês se encontraram, ela estava mu-
manhã seguinte meu supervisor me cobraria por uma montanha dt d•d•? - perguntou lbráiev, um tanto atrapalhado e com medo de em-
papéis a copiar. Ela veio no momento mais oportuno, pois eu também 11••·~.u as palavras.
- Ela está ainda mais linda! - respondeu Veretitsin, suspen•
precisava de uma boa noite de s,ono.
tl,n,lu • gargalhada. - Sim, faça-me um favor, vá conhecê-la! Eu lhe
- E por que você não conseguia dormir?
- Provavelmente por causa do resfriado - respondeu Verethaln. .. ,,11110 que você não se arrependerá! Ela é uma beldade, educada, in-

Ele se encostou na C3deira e fumou? indiferente ao amigo, 111.-111~... Mesmo para um homem ordinário - sim, eu perdi o direito
visivelmente, começava a dar sinais de desinteresse e desconforto, t , opinião sobre qualquer coisa, mas eu ainda tenho bom gosto.
- Então, você visitou•as novamente? Você a viu? - pergu 11111, vt•1. que você me honrou com sua visita, eu não me atreveria a
1111 \'O$$a magnificência. Uma casa distinta que eu tenho o prazer
Ibrálev, tentando injetar alguma emoção.
111111.•ndar.

10 Co.rrungtm leve. usada para vbgeoscurtas. NormaJme-ott $t:ffl capou.•. P.-


a fn(~ na c•rta. (N.1'.)

Nadlêjd.a Ktl'IObC • , •t"tnõto 41


40
\'""~ 1 um p1aJ1.5u1! mt(mtmpaa lbrái.n striammtc. - :-."lo fumt mau ...._ Ora!_ Que absurdo'_. Ah. qw, noa1e
SJlba que farei asc- ía\or a \'OCê e vis,t.tr'Ci as Khmcliêvska.las. uma magnífica.!. Vud pl'O\-a\·dmtntt ainda vai caminhar na $Ua..
ou duas ve1es. pJra mais do que uso eu rc:.l.lmerut não tfflho 1cmpo. - Horto. Não., cu vou l dormir ma:mo.
E voe, ba dt concordar que, para um homtm da minha pos,çio. llffl> - Bnn. de todo modo. como anda• vuinha do jatdiml
•'trgonhoso visitar a casa d,l:u. E casar com a Madano,sdlc Sophie - Nlo ,el. Nào a '1 mau.
n.-ão t m,nha intenção, mesmo que d a ~ rmJ vtus nua bomta. - AI<• pnlx,ma!
Espao q"" YOd nio me realmínt nem .,. acuse de alcu.1-. mas •~saiu.
voct diz que o> Kh.mtli~slw iúo são ricos, e eu quero faier fortuna.
),;lo unporta o que ,'Od pr,gue. sem dinhdro não st .;_.,. E me aptt·
KOI< l casa ddu. podt Stt que eu vá- não é o aiso - bem, tu Já n><:

preparei para essas 1nhces provincianas de anrtmio. e Ki que a \·dha


e as filhas .-ão quuer me fisgar para noí,i,. Madtmouàlc Sophie podt
str intdigente e visitar b pobra mansardas, n\as não se oporia a um
ca.samcn10 vantajoso. Vod não coDGOrcb!
Sim. ~I< - tt<pondcu Vttttllsin arn51a<bmtn1e -
Mas, foi só uma ideia e mais nado.. J;I '10 oozc horas • os cachorro, já
c<lio soltos por ai. s, magnilictncia .., dcmor,.r mais. eleo irio
\'OSSa
roer suas bolos e l>hn ale ,uas pcrms. Para sua colocaçio. esse tipo
de aventura ~ n,:au impor1una do que para a nossa, dos cop1stas.
- \'od t um galhofeiro! - dis.<e lbriiev, sorrindo • st mntan·
do. apó< ,-.stlr ..a casaco.
Os braços se emp3Car3.m nas mangas., mas \'ttttitsán nio $C le~
,-.ntou para a,odar o amigo.
- Bem. adeus! - c:lisse lbriicv, arrumando o casaco. - Quer mais
um cigarro?
- Obnpdo. mu amda ne.m tcnnind C$$t.
- Veja o que a falta de b.íbito ful
-Poat

Nlll?..td• ~
III

As noite,; desse verão foram particularmente agradáveis para


os moradores de N. O comandante do regimento alocado na prov!n-
eia emprestou vários músicos da orquestra militar para apresentações
no coreto da cidade, duas vezes por sem.an~ entre as seis e as dez da
noite. Os Jardins públicos ganhavam vida nessas apresentações. Havia
tanta gente acompanhando os concertos que, por vezes, era até difícil
caminhar entre a nmlt.idão. As lojas abriam até mais tarde oferecen-
do toda sorte de chapéus, capas e outros acessórios. Havia faixas de
agradecimento ao comandante do regirnento e à Câmara Municipal,
que fe-, modificações na estrutura do coreto a fim de melhor abrigar a
orquestra nesse verão. Senhoras aristocratas, cansadas de perambular
entre a multidão, se posicionavam em assentos em torno do coreto~ os
...cnhores. que já tinham terminado a jogatina no clube) chegavam aos
l"'ucos para conversar com elas. O restante da população se espalhava
J•clas veredas. Corriam rumores de que o piso do Jardim seria corri-
~1Jo e que uma grande pista de dança seria inaugurada ainda nesse
\'.-r-10. Os festejos de verão começaram em maio e, se o tempo e as
•111oridades militares colaborassem, haveria apresentações até meados
1lt• outono.
Praticamente apartado da juventude provin_ciana, Veretítsin
nu1u.J. \'lsitava os Jardins públicos. Ele escutava a distância. da sua
i-,,, linha, o som das trompas e tímpanos, da orquestra. No inicio, o
Nu frngmeatado que chtgava aos seus ouvidos mexia rom sua tran-
llhl.uk·, fazendo crtscer algo que remontava a um sentimento juve-
•1ur eh: amava, mas que devia esquecer. Não há nada mais tedioso
11ur b.arulho sem gente. Havia muita gente no jardim, mas para

■ ,JQ intemato 45
Veretítsin é como se não existissem. Quando a noite caiu. sentado Seu esptrito não recobrou o mesmo entusiasmo. Na noite se-
num banquinho improvisado debaixo dos lúpulos, Verctitsin passou gulntt,, ele estimulou mais a audição. ouvindo as trompas, mas eles
a sentir prazer por cada movimento e sussutro. vindo$ das frestas d~t.li agora to-cavan\ alto uma valsa;. polcas e valsas continuaram nas noites
árvores. Suas emoções se aquietaram e apaziguaram os excessos; o seguintes. Era mais adequado ao gosto popular. Veretitsin achava que
passado se afastava cada vez. mais, e a Lristeza encontrava um lugar escutar aquilo era estúpido, infantil. ainda mais porque as crlanç,s
solene") sem rcvohas ou submissão. Esse era seu conforto e seu prazer. no jardinl do vizinho também escutavam. Ele caminhou pela cerca e
Essa tranquilidade foi interrompida por um estampido violento de um olhou mecanicamente p~ro elas.
trovão distante. Um estrondo que agradava as pessoas que, sem ter As crianças que brincavam nos arbustos nem perceberam
nada mais com que se preocupar no. vida, encontravam nessas varia• Veretitsin. mas a garota que conversara com e1e hã w11a semana ob•
ções climáticas urna fuga da ociosidade cotidiana. servou-o. Seus olhares se encontraram. Veredtsin acenou. A garota se
A música começou a irritar Veredtsin quando soou pela pri· desconcertou um pouco, mas respondeu ã saudação.
meira vez.. e ele pensou en1 ir à rua. Depois quase saiu de casa, mas .e
Dessa ve1, sua a,Jma foi mais superficial. verdade que ela não
mudou de ideia; seria uma tolice perder essa noite. Na terceira au· o evitou, não baixou os olho$, neru foi embora; mas o olhar penetrante
dição, decidiu presi.sr atenção. A orquestra estava tocando o final de do vi:tinho a deixou desconfortável. Ela se enve,rgonhou ao brincar de
Lúda~11 Veretítsin reconheceu de in,ediato aquelas notas trai.idas pelo bola com um menino mais novo - uma ocupação de que ela gostava
vento. O sentimento que o lomava era indescritível. enquanto. St?ntado até a aparição do v~1.inho. Arremessou a bola para os arbustos e disse:
naquele banquinho. seu coração saltava aguardando a próxima nota - Já chega, Kólia! 12 Estou cansada, não quero brincar mais.
que: chegaria. Ele não queria estar ali. no jardim público com a orques- Kólia ficou revoltado porque ela jogara a bola no mato e olhou
tra, n,as não abria n1ão por nada daquela sensação que inundava sua penetranteo1ente para a irmã. A moça olhou para Vcrctitsin e perce-
ai.ma complctan1ente naquele momen10: a sombra das árvores, o or• beu que ele ainda estava lá, olhando para ela. o que a deixou ainda
valho enegrecendo o quintal. o dúlrear dos gafanhotos entre as melo- mais desconcertada. Ela se afastou das crianças. Estava totalmente en-
dias da ópera, as pálidas e quase invisíveis estrelas nas profundeias da cabulada parada ali, mas para retornar à casa teria de passar perto da
imensidão azul do céu, as luzes da Janela do vizinho. os d,-dos róseos cerca onde estava Veretítsin. Percebendo isso, eln acelerou o p:isso.
do anoitecer colorindo as dores encravadas no peito - tudo ao n1esmo Ele queria rir.
tempo. em profusão. Um vira-lata fuçava o modesto portão da casa. - Por que não foi dar uma volta pelo jardim público? - pergun-
Veretitsin pegou um pedaço de pão pela janela da cozinha, alimentou 1ou quando ela passava junto à cerca.
o cachorro, voltou ao banco e ficou escutando Lúcia. Ela enrubesceu e quedou-se no camjnho. Veretitsin perguntou
t1nv;unente.
ll lU ia dl La11mrcm1o,or é uma ópera~ Gacwlo Doni:uui (1797-1$4$), dMdldA
em ttês atos, bueacb no romanet A noi•·ct dt Lttmmernroor, de slr Walter Scon. A Óí'f
ri estrfflll tm JS3S. na cidade de Nápoles.. hillo.. (N.T.)
1' Diininuth'O ck Nil:.oJaL (N.T.)

Nediéjda Khvosçhlni,~• ~ 11 oç., do internato 47


46
- Porque não quis - ela respondeu. verá muitas coisas passar diante dos seus olhos. Umas para melhor,
- Não quis mesmo? Vocl. oão é livre para ir sozinha ainda, não outras para pior. O melhor seria ir agora, enquanto esse tipo de boba•
é mesmo? Eles ainda não o apresentaram ou não podiam levá-la, hein1 gero não a atingiu ainda.
- Eles, quem? - perguntou., ofendida. - Tá vendo. vocé mesmo diz que é bobagem.
- Não sel quem, talvez seu pa.i ou sua mãe. Eles devem ter saído - Sim) estou d.flendo e repito - replicou Veretítsin. - Tenho
e a deixado em casa. visto essas coisas, por isso lhe digo que você tem de ir com. eles, an•
Ela quis ir embora, mas ficou e respondeu: - Eu tenho de cuidar tcs que todos fiquem a examinando. Feche os olhos para os outros,
das crianças. divirta•se e tire vantagem - é para isso que serve a juventude! Você
- Que chato, hein! mesma é uma menina, tomando conta de outras crianças, enquanto
- Lá é mais chato - replicou. seus pais estão escutando Lanner... u Eles agora estão tocando uma
- Quem disse? valsa de Lanner ch3JT1ada •ttoffnung Strahlen"." llscute - que valsa
- Ninguém... mas eu sei! - ela levantou a cabeça firmemente maravilhosa! Você estuda música?
e e.ncarou-o. - Há muita gtnte lá, você tem de se vdtit de dondoca, - Sim... Como se chama essa valsa?
caminhar de um lado pro outro, ficar calada ... Eis toda a diversão! - "Hoffnung Strablen~ Você gosta do nome?
- Exatamente - respondeu Vertt1tsin. - O mais inte.ressante C - Sim ... mas, que nome estranho! Por que CSSé nome, afiuall
saber: por que todos vão para lá? - Não sei. Talvez haja uma históría associada a isso. Há uma
- Eu ainda terei wna enomlidade de fdltas para ir - respondeu, hLstória para tudo! Ele devia estar fellz - lembrou-se da amada e colo-
após uma pausa indecisa. cou esse nome. Ou, quiçá. ma_l•humorado. assUn o fc-.t.
- Vai mesmo? Quem lhe garantiu isso? - Ah. certamente valsas não foram feitas para más lembranÇ11s!
Ela olhou espantada. - Por que não? As pessoas de bem aplaudem qualquer coisa.
- Quem disse que você terá tempo? Quem pode garantir o dra - Sim, porque não sabem o qu,c a música significa, mas se
de amanhã, a próxima hora? sou~ssem ...
- Eu não estou para morrer - ela respondeu, sorrindo. - Que diferença faz! Qualquer música pode ter sido feita por
- Eu não estou prevendo sua morte. não se preocupe. Mas, tristeza. Quem de nós pode penetrar a tristeza alheia? Ainda ma.is a
quem garante que quando eles a convidarem. você! vai ter vontade de 1risteza de tantos ... certo? Jsso não nos interessa. Nós não estamos
ir?
- Ah, certamen1e vou querer. sim. 1J I~( Franzl.ann« (1801- 13-13), compositor aumf1c:o. (N.T.)
- Tá vendo que você não tem certeza!? Agorinha você disse que , ., H:á um erro no tcxtooriginaJ.poiso nome correto da valsa ê • HofTnungsstrah1en•
era chat~ mas daqui a um ano ou dois... muita àgua vai passar debaixo r«~M>S de esperança). Apattntffl.lcnte. a esoi1orn quls-coloc::wo erro de mo.do propo.,J·
da ponte! Vod experimentará tristezas, mudará sua personalidade < 1.J n11. ía.12 de Vutdtstn, pol$ quando a Sllf'Ola ptdt ctuc el,e ~pita o nome da v~ ele
.. u,1 n()Vllmcntc-~O•tT.)

48 Nadléjda Khvoschlns..,_,. ,. ,noço do 1ntomoto 49


girando numa valsa. mas gi_rando no mundo - engrJçado. Não se E.la o observou.
- Para a alegria deles... - repetiu Vcrctltsin. - E de quem mais?
mete o nariz onde não se é chamado!
A vrota ficou pensativa e olhava para Verctítsin. que sorria. Veja, agora você já e~'tá com~ando a substitui.los com as crhmças
inais novas: Yocê, p..tra e.k.1, é cómo wna profc.s$0ra, Yocf será $Cmpre
- E:;tudando muito, como sempre? - ele pergunttJu t: ~e c,:1lou..
boa e carinhosa: tudo isso para o deleito do seu pai e sua mãe. Eu sei
- 5~m. muito.
disso tão bem que tô quase a cumprimentando por ser tão obedien-
- "fudo isso para os exames?
te. preciosa e gtntil: você cumpre maravilhosamente bem sua missão.
- Por que você quer saber?
Sempre se comporte as.sim. Viva inteiramente para seu pai e sua mãe.
- \'ocê mesma que tinha dito. ora.
Entristeça.se. para alegrá•Jos. Enfie a cara nos livros. trabalht e faça
Eb corou.
- Sério. eu a invejo: tão comprometida! Nurnu ·nagnifica noite tudo que tiver de faze e Desfile deslumbrante quando eles a apresenta•
de domingo. e você não tira o rosto dos livros, memori~ndo e me.mo· rcm - essa é. a vontade deles. Será formidável para eles: a.JinaJ, você é
uma propriedade. Se você nunca pediu a eles para nascer. não tem o
rizando. ~ sempre assim?
- Slm... Não... N~ verdade é para os examc,s. Scrnos quarenta e direito de questionar o que fazer. de viver ao bel.prazer. Quando falei
do no\r"lSSimo chapéu de sol branco. cu estava imaginando a alegria
duas alunas na minha turma do internato...
da sua mãe escolhendo por você de acordo com o gosto dela, e eu
- 1:. você está cm que posi,;ão?
- Eu? ... Estou em sexto lugar. Mas na classe dls mais nov.u... quis prccavê•h a não qucstioná•láll. 1:: " al(gn."t da $ua mãez.inha, não

Como voei pode imaginar - novamente enrubesceu- Papai e Mamãe interfira. E quando eles a apresentarem cm p(lblico. claro, os pais e
querem muilo que eu passe para uma turma mais ;vançada, ganhe mães dos seus coleguinhas ficarão se questionando por que Deus não
uma condecoração e seja promovida. Eu dou o meu oâximo. Sei que deu a graça de terem uma filha tão encantadora quanto você. Se você
tncontrar suas am.igas, lógico que você não vai revelar que o triunfo
darei uma grande alegria a eles ao atingir esse objetiv>....
- E Papai e Mamãe comprarão um lindo ch:péu de sol com Jos seus pais veio à custa de sua lristcz.a...O que estou dizendo! Veja
uma r<»a vermelha, uma manta branca e a apresen:tão nos passeios htlffl, não se arrependa, o importante é 3Jegra.r seus pais...
1\ garota empalideceu e não retirou os olhos de Vcrentsln nem
público>.
por um segundo, enquanto quebrava os galhos secos sobre a cer<a. Ele
Seus lindos olhos se inflamaram de indignaçár.
- O que o faz pensar que dou valor a essas c.ôsas? - tla inter• •1•mcçou a sorrir.
- Eu tõ brincando! f..~ude, trabalhe pra valer que você vai
rompeu. - E como você ousa rir de mitn assim?
• Perdão, não foi por moll - desculpou-se v,etítsin com certa ~u~tar. Sério, eu estava brincando. Perdoe-me... você gmta das suas
111.,1.,;ri-1S?
indiferença. - Eu só falei isso porque, imagmo. dee :,e, um gr;;i..ndc
prazer para os pais apresentar a filhinha querida qudanta alegria Ih~ - Sim, eu gosto.
- O que você acha especialmente prazeroso?
deu. Eles furão isso por eles. não por você.

Nadl1da KhVOSChlns~ · \. do 1nt-e mato 51


50
- Eu gosto de me abster completamente da realidade que me
cerca.
- E por que você precisa disso? A realidade t tão ruim assim? - IV
perguntou Veretitsin.
- Não, está tudo bem, mas fica melhor assim: quando eu pego Veretitsin gostou daquele passatempo. Quando não se tem um
um livro e simplesmente perco a noç.ão até do que eu sou. .É como se objetivo definido na vida, a pessoa envolve-se nesses divertimentos..
você se reti'rasst para um mundo completamente diferente ... que, por sua vez, também não têm nenhum propósito espéciaL A vida
- E e,ss;i coisa de ficar memorizando sobre Luís, o Grande. .. passa como se numa neblina: tanto os passatempos corno as tristezas
- Liõlienka, cadê você? - eram as vozes da.li crianças chamando. são ilusórias. como se fossem sonhos. mas que possuem seus próprios
entretenimentos. Na manhã seguinte. Veretitsin sentia-se mal e deci-
- Papai e Mamãe chegaram!
Veretltsin percebera, mas a garota mio, que já havia escurecido diu fultar ao trabalho: pegou um Uvro • foi para o jardim. Ao abrir o
completamente. Ela olhou ao redor e saiu correndo assustada. portão pensou em Liôlienka.
- Adeus, LiôUenka! - disse apressado Veretítsin. El3 queria ainda ma.is ver stu "vizinho'~ Liôlienka era filha de
Ela devia ter respondido ao aceno de despedida dele, mas con• um funcionário da provinda de N.. um nobre empobrecido, de modos
,lmple$. A família era enorme e as crianças cresciam com restrições.
siderou deselegante.
1'-'ra uma menina que só sabia o ca.minho de casa para o pensionato
r ainda sob a supervisão de uma governanta que sempre a acompa•
nhJva -, uma aluna exemplar que nem sequer ousavn olhar nos olhos
dui professores, e muitas vezes nem sabia se eram velhos ou novos;
J••ri1 uma garota mantida sob rigor, que não ia à igreja sem a presença
d.,1111.11!~ ou de wn parente mais velho, era um evento excepcional con-
.,,... , na cerca com um jovem tão bem••apessoado como seu vi.zin.ho.
ll/ll1rnk~ decidira q_ue Veretítstn era "bem-opessoado~
l1orém, oulra coisa mais a impressionara: Verelitsin falara de
Mio rn1gmático. Em casa, com sua famtlia. ela nunca escutara nada
,, 1110 com aquilo. No pensionato, as meninas faln.vam sobre ra-
"'"' num tom completamente confidenci.al. e nunca meneio-
• •• numc. Totalmente diferente da sua conversa com VerctÍLiin.
1trt"dos, até então, con$iStiam em tímidos apertos de mão. De
nuHlo, ,tquilo perturbou Liôllenka, porque foi praticamente um

111.•mot.o 53
52
monólogo. E.la também não gostava de ouvir fofocas sentimentais, e eu falo. Eu não vou mais concordar com isso. E suas brincadeiras são
por isso rararnente da\la brecha para que alguém contasse algo seu. tão estranhas, não são corno as dos ouuos. suas piadinhas me deixam
F.ra uma nt.á confidente. não tinha o hábito de escrever em diáríos, deprimida. Ele deve viver muito chateado aqui, sem ter ao menos um
nem cvilar ou criar problemas; além do mais. era possível ver tudo amigo... mas agora ele me conhece!'"
no seu rosto, francamente. Ela sentia pena dos co»•anados e \ICrgo~ Liõlienka começou a rir e deixou a Retórica de Kochãnski de
nha diante dos mais velhos. Tudo nesse universo era embaraçoso para lado. Dei1ou na grama e arrancou um tufo de grama do chão e deixou
cair sobre ,i. De repente. (alou em voz 4'ha· "Ru preciso aprender. de
Liõlicnka. E o pior que nao era ex.atamente uma moça tímida.
Ela provou i;so pela manhã. quando saiu ao jardim para revisar todo jeito': - E começou a recitar de cor trechos do seu caderno:
suas lições, escolhendo um lugar perto da cerca. Sabia que não veria Fale - e met1.de do mundo s,e mo,•e
seu vizinho. pois era horário de trabalho, mas, aii'l.da assim, ela sen~ Jmagen.s e línguas diferentes....1•
tiu vontade de sentar ali, pertinho, à sombra de uma frondosa tília,
e se aprofundar no enudo da Retórica de Kochânski. n Observava. a Uma fresta na cerca escureceu e uma sombra dcslocou•se pelo
distància, através- das frestas d.-i cerca, como o sol briJhava no jardim caminho. Liôlienka escutou pas.sos desiguais., um pigarro e um ciciar
do seu vizinho: o caminho não estava coberto por areia nem porcas• tiue fazia um som parecido com uma cantiga.
calho, provavelmente seu vizinho tinha remexido aquele chão. Aliás, •Parece que cJc não te com muita frequênca': pensou Liôlienka,
ele era um sujeito estranho. Uma vez seu pai dissera que o vizinho •·nquanto seu coração se agitava.
tinha sido enviado para a cidade por algum motivo desconhecido. A Mas ele já se agitara, e a garota, assustada, pegou às pressas a
irmã dele. a esposa do tesoureiro, que mulher ridfcula! ... Por que ele ri U.-tc•rlca de Kochànski e pensou em calmamente tomar o caminho de
daquele jei10 tão deselegante? \'11h11 para casa. antes que o vizinho a avistasse. Mas. cle provavelmen•

Liô1ienka baixou os olhos e tentou se concentrar nas explica- 11 .alharia estranho ...
ções sobre as figuras de linguagem: metáfora. metonímia, si.nédoquc "Mas. o que ele pensaria? Que diabos é iMO? Estou apenas no
e ironia. mas hoje ela estava dispersa. l?.la pensava, enquanto jsso, que m1•u jilrdim estudando..."
m~smo nos mais lindos e verdes cultivos de ar1emisia havia lagarta&. e I'.. d..1. continuou:
e.la ficou um bom ternpo observando as artcmisias que cresciam junlo
Imagens e línguas di.fcrenles
da c:erca. Tártaros, recitavam Maomé
..-Por que ele pttcisa saber o que eu estou estudando, o qur ou Calnmcos, adoravam ídolos. 1'
estou aprendendo?", LiôUenka se perguntava, •Ele ri de 1uJ,, (> qut

1,,, 1111 do p«m1 "A ,·01. dt-um p:unota oa llevoh11 dt V.\1$Ó'Via• (1794), dr Ivan
15 Ni ltolat Kochànskl ( 17$1 • l 831 ). aut<>r dé doii; import~nlcS textos .sobre ttl
11, 1, I hn\trkv ( l760• l837}. (N:r:)
tt:xtual (A rttôrica gmtl e A rtt6rica especializada). ambos lugú.mentc difundllio•
1 1(1Unu.1(".1Q do JXW?ma dr Dmilric\', (N.T.)
e$Cola.( e inSlitu1osdo século XlX. (N.T.)

Nadléida KhvO.'\f.N
11 J u,t 11,-nato 5S
54
O último verso ela nunca conseguia lembrar. Veretítsin cami.. - Por que você está sempre sorrindo, hein? - repetiu L!Olienka.
nhava pela trilha do jardim, lia s.eu livro e cantarola\•a, indiferente ao - E por que isso a incomoda? - protestou Veretitsin, sem pa.rar
redor. Liõlienka, por algum motivo. ficou chateada com tudo: o sol de rir.
tornara-se excessivamente radiarnte, 3 grama dura e a tilia demasia- - Bem. vamos falar a sério: oomo andam seus estudos?
damente escun. Em suma, tudQI se t.omara ruim! Num acesso de in- - Então... cu decoro. mas não aprendo nada.
fantilidade, Liõllenka jurou que nunca mais voltaria a estudar naquele - Isso pode acontecer com qualquer um.

lugax.
- Já aeonieceu com voce!
Veretitsln aproximou-se da cerca e saudou a moça. - Quando eu era um garotjnho, sjm, claro!
- O que você está estudando! - Mas eu não sou uma garot-.nha... - disse Liôlienka, ofendida,
Num movin1ento despropositado. ela se levnnt.ou e mostrou o mas com tranquilidade.
livro para ele. E.la sentfa..se confusa demais para di1.er algo. Por conta Para ela, o fato de Veretítsin não ter sorrido agora era ainda
do calor que se tornara mais forte, a garota empalideceu e seus lábios mais ultrajante.
- Seria mais honesto se você me explicasse as coisas, em vez de
tornaram-se frios.
Veretitsin analisou o H\Tro e devolveu-lhe. tombar de tudo - ela ficava mais nervosa à medida que falava mais. -
- Que ótimo! - ele disse. Você sabe tudo.
- Você o conhece? - pronuociou Liôl.ienka. - Primeiro, eu não estou zombando; segundo, eu não sei de
- NâÔl não o conheço. Mas deve ser ótimo. nê? ,11,rl,L - respondeu Veretitsin.
- Eu não entendo muito dessas coisas. - Mas já o ensinaram, né?
- Me.Jhor ~im: você aprenderá e nunca maís esquecerá. - Quando eu era criança. Mas já esqueci tudo.
- Mas e depois, <Studou o quê?
- Por quê?
- Como eu disse: s.e você pensar muito, vai começar a rt.Oetlr Aprendi umas coisas novas.
sobre tudo e terminara enlouquecendo - e não memoriiará nadinha! 1-'fa olhava para ele, pensativa, erguendo seus olhos expressivos.
- Você está sempre rindo! - disse Liôlienka e jogou o livro no l)eve ser muito dlf!cll para você, né? - observou ela.
canto.
r mais fácil do qu• decorar Kochãnski. Ou aínda memorizar
Veretítsin riu ainda mais. 1t11i11iJade de grn11dl!$ /Jomeni que voeê estuva estudando da ólli-
- Por que você fez isso? - ele perguntou. "', 'llll" caminhava pelo jardim.

- Cansei-me de tudo! l l~llcnka enrul>esc,u.


- Como você disse que adorava se perder nas leituras? li que l"or isso me surpreendi - continuou Veretítsin - quando você
"'ida era muito melhor quando você st afastava da realidade? ,111.- m, estudos a transportavam para um mundo melhor. Que
nuou, sorrindo. - Você disse isso ainda ontem! h1·lu' J~lco imaginando como seria com tantos benevolentes?

Nadlêjda KhvoM:hl 1 1, t•rnc1to 57


56
Uma poesia do tipo: "Num pé de pera, passarinho/ voa e bica com Liõlienka pousou seus olhos sobre o livro e se calou. Veretítsin
carinho...• Tal, eis como será. Deixa pra lá! também se calou e repousou seu corpo sobre a cerca, mirando a moça.
- Você disse que havia esquecido. que não sabia de mais nada - Ela olhava para tudo em volta.
respondeu Liólienka, chateada e sem devolver o livro. - Quer dizer que só estou aprendendo tolices? - ela perguntou,
- Esses folguedos vêm à mente involuntariamente - disse de repente, num tom trêmulo e inquieto.
Veretitsin. rindo novamente. - Perdoe-me. por favor, você não gosta Veretítsin desatou a rir.
dessas tiradas. Até oóde posso perceber, você ê uma moça séria, devo• • Não estou dizendo isso! O que pm mim pode parecer tolice,
tada ao aprendizado. Mas, veja, talvez haja algo que possa ser ú1il - ele para os outros pode ter valía. Umas pessoas escrevem os livros e ou-
mencionava a infeliz. Ret6rica. tras interpretam•na.~.
- Sim, cenamente, eu ap.rendi i~o um dia. Eu via como os ou- - Mas eles estão ~n$ando corretamente, não é? - perguntou
tros faziam. Mas até hoje não consegui achar uma utilidade decen- l iôlienka.
te para esse livro, embora cu possa estar errado. O têdio, por si só. - Como posso saber? Você mesma disse que é capaz de esque-
pode ter o seu valor: uma pessoa estúpida torna-se mansa. Há um ,cr o mundo inteiro quando lê esses livros.
ditado que dir..: ..-Seja manso. cordial, modeslo e fale menos.. ~ O resto Lióhenka virou•se e observo.u a frondosa sombra da tília, onde
eu esqueci, mas a moral é excelente. conformista - tudo tranquilo e li.\ Jpenas mda hora ela e.studava suas llçõ~. Sentiu-se confusa e ar•

fleumático: graças a Deus! ... Olha, o que você está decorando é tolice! irpendid• pelo aconteceu antes da chegada de Veretítsin. A sombra
Mas não desdenhe. porque é necessário. I; assim que lem de ser. .Em tomara-se menor, e Uõlienka sentla como se algo dentro de si tivesse
outro livro que a obrigam a ler deve estar escrito que fulo.no de tal é " JMrtido. A grama em que ela se deitara e se cspreguiç.ara estava
14 , J11Jo com o sol alto. Uma libélula imensa e azul surgira e dcsapare-
um grande homem - :tcredite! Nào invente de pensar demais ou vocl
terminará descobrindo que esse fulano de tal é um tirano sem escrú •• ••· enquanto Liólienka procurava-a, inutilmente. Ela retomou o fio

pulos, um canalha, um pecador voraz daqueles que praticam o mal só


J.a nh•~da, se virou bruscamente para Veredtsin e interpelou-o:
Que livro você está lendo?
pelo bel-prazer. Deus me perdoe! Eles a ensinam a acreditar que todOI
Vcretítsin deu o seu livro e pegou o de Kochânski, em troca. Ao
foram anjos, com aquelas auréolas fininhas sobre a cabeça - melhc>r
11,u u livro em mãos. a moça desistiu sem pestanejar e devolveu o
assim. não é mesmo? Não se preocupe. isso passa; logo, você estari
,,, 1uu•dlntame.nte.
cheia de conhecimento pM.1 orgulhar seus pais, e nssim que \'Oal con
N,lo compreeodo nada.
duir a tarefa e agradecê.los, estar! livre para esquecer tudinho o q
1 Inglês - Shakespeare.
aprendeu. E com o que não absorveu, também não há com o que
1 h1l1,·nka ficou envergonhada por sua ignorância, assim como
preocupar. afinal, é tudo feito para um determinado momento.
~ om pessoas que se veem. de rcpentet diante de um assunto
para • vida toda. loi11,1m de dominar, mas de que não possuem conhecimento

tl1 1111 se recobrou e perguntou:

58 Nadiêjda KlwOhthl lnU1trlltLO 59


- 1:. um escritor do final <to século XVI, não é? Verctítsi.n demorou um pouco a responder.
- Exata.mente - responde. u Veretitsin. - Não - disse finalmente. - !Não é um livto mal, mas as pessoas
- Quanto tempo! Além disso, ele escreveu coisas bem popula- nele se comportam como elas verdadeiramente são - e elas não são
res... Até a Rainha o condecorou com uma n1edalba ao mérito. embo- anjos, muito menos grandes homens. E os maus são interessantes.
ra a sua linguagem seja tão vulgar. Seus lindos olhos escureceram.
- Vo~ Já leu algum livro dele? - interrompeu Veretítsin, que - A vida nele não é como um conto de fadas. porque contos de
começava a se apiedar da garota após ler ficado Uo envergonhada. fadas nâo existem - conllnuou Verelllsln. - As lágrimas s,lo lágrimas
- Não. mesmo, e a discórdia também. Há ódio, traições, falsas amizades e
- Você gostaria? amores inconsequentes.
- Eu não sei inglês. .. - Mas para que escrever sobre isso? - ela interrompeu.
- Bem, com certeza eu tenho uma co1etànea com alguns dos - Por quê? - ele replicou com raiva> pofque as últimas palavras
seus trabaU1os traduzidos para o francês. Eu vou procurar e lhe em- tnveoenaram -seu coração. - Para que as pessoas leiam e se tornem
prc.sto. Infelizmente não é n:.\ Ungua original. mas você poderá se in- ma.is sábias o quanto antes.
teirar, finalmente. - Mais sãbias... - ela repetiu . - Para quê?
OC$Sa vez, Liõlienka corou de medo e alegria - ela mal conse- - Se acalme_ Não se deve forçar a sabedoria em alguém que está
guia discernir o que sentia. Um medo trespassou sua cabeça: "e se eles lmll:,posta a aprender. Viva feliz! As pessoas grit·arão1 mas você não
perguntarem como consegui esse livro emprestado do vizinho? E St nnvtr.J,; elas morrerão, mas você não verá Todos serão como anjos..
eles descobrirem? .Eu teria de esconder. mas eu nunca escondi nada..." ludu~ ideais. Você: se sentirá bem e é o que basta. Pois bem, fique com
Ela quis recusar, em dúvida, e -perguntou: - t bom mesmo? 1lr1h!
- Você mesma saber.í. Ele se calou e olhou para seu jardim. Uôlienka permanecia ali.
- Não... qu.is dizer: te.m algum problema em ler? Traga-me o Shakespeare! - éla disse após um minuto.
- Eu estou relendo pela vígésima ve:G. Tá certo, ,·ou procurar - ele respondeu com indiferenç". -
- Sei ... mas talvez seja um livro perigoso - continuou Liõlienka. l\kl11 1,w é o .seu jardim?
quase sem ar e toda corada de medo. Sim.
Verelitsio teve vontade de rir, roa$ o olhar dela, direto e sinco
Vuc~s têm muitas cerejas?
inlimidou·o. A moça era completamente inocente quanto à ex.ist~n
N.i primavera colhemos uma enormidade.
de livros perigosos, daqueles que mexem com a Imaginação. El• t
I· \'Ocê gosta de cerejas?
pouco podia suspeitar que alguém pudesse ter uma ideia tão per
~lm, adoro- respondeu Liôlienka, com uma vont:adc inexpri•
de galhofar dela e emprestar um livro daqueles; rna.s ela já tinha
tado que o mal existia e o semblante do seu olhar expressava ntl
mente o medo de estar prestes a enconttáAo.

Nadiêjda Khvo•ci 61
60
- Seus irmão:dnhos vão ~--Studar em algum lugar esse ano? fracasso. Enquanto ele revivia tudo isso. olhava a letra ~m reconhecer
sua escrita de outrora, sem reconhecer seu espírito naquelas páginas.
- Ainda não irão a lugar algum.
Veredtsin olhou cm volta; ji era quase meio-dia e a claridade do Veretítsin recolheu os volumes e encaixotou-os. Separou apenas
um: Romeu e Juliera.
sol ofuscou seus olhos, quando ele levantou a cabeça.
- t hora de ir pra e.asa - disse e1e, franzifldo e enxugando o suor «1enho uma coisinha boa para ela aqui. Que ela se ilumine!~
disse para si mesmo. sorrindo, e com esse gracejo retomou à reaUdade
da testa. - Que dia maravilhoso! O que você vai fazer hoje?
Llôlienka olhou para o livro da escola que ainda repousava em que havia abandonado por um tempo.
su-as mãos, mas ela não teve coragem de dizer que o estudaria.
- Vou costurar - ela respondeu.
- Sem, adeus! ~ dive.rtido costurar?
- Sim ... é um hábito - ela r<spondcu com desb>OSIO; lembrando
do bastidor.
- Um hábito? - repetiw Verethsln. - Então, faça um babador
para sua mãezinha...
- Certo.
- Ótimo! Adeus.
Entrando em casa, Verelitsin encontrou na sua estante um volu 4

me único das obras completas de Shakespeare, em francês, onde cada


página era partida em duas colunas.. com uma pequena e despropor~
cionada ilustração no lnfcio de cada peça. O estado dos volumes ern
lastimável, uma verdadeira representação do passar dos anos. de algo
que sobreviveu a toda sorte de mudanças e castigos do tempo. .F...~c•
volumes adquiridos no tempo de estudante, com o suor de duras e,o
noinias. retratavam o início de uma biblioteca particular. a reali'l.açJu
de um adorado sonhoi mais do que qualquer coisa. essa coleção 1cm
brava que ele falhara nas suas ambições. o tanto de tempo perditlu
todas as vãs e incompreens(veis esperanças. Aqueles livros diziam tlU
tudo que ele havia tentado. morrera. As páginas amareladas. marcaJ•
de lápis1 com rabiscos nas margens. com folhas anotadas entre O\ l •P'
tulos e tentativas de tradução - ludo lhe parecia um grande Jeg.ul,11

Nadi6j(fa KtiVOffON t mternato 63


62
V

Liólie.nka não se reconhecia, nem sabia con,o o dia tinha pas•


sado tão rópido. El• voltou do jardim perplexa e sentou-se diante do
bastidor. A mâe lembrou•a que os exames finais começariam amanhã
e seria melhor que ela fosse revisar mais.
- Eu já verifiquei tudo - r0$J>ondeu Liólienka.
Ela tsl3Wl chateada com aJgo, talvez mesmo com a insistência
da mãe em mandá-la estudar mais, ou com alguma amolação domés-
tica. De qualquer forma, da não poderia estudar hoje) pois o livro de
Kochâ.nski ficara com o vttinho. E. se ela precisasse, era só pegar de
volta com Veretftsin.
Esse pen.samento deixou Li6Henka assu.stada, ao ponto de que..
,cr chorar. Ela buscou repouso na constatação de que não era mais
orna criança para ter medo assim tão facilmente.
Ela costurava, mas o sol da tarde a incomodava, pois não havia
~urtinas na sala. Então, levou o bastidor para longe da janela. Essas
,ontraricdades impediam-na de se concentrar no trabalho. e ore-sul-
1i1do era que ficava ainda mais injuriada. Ela só se acalmou quando
onseguiu pregar uma peça de xale na jaoela e 1ampar a passagem do
~~

- Que escuridão! - disse a mãe vindo da cozinha. - Que rafo de

O sol estava ofuscando minha vís1a - respondeu Liôlienka.


Veja, que mordonúa! Voei: cobriu a janela e agora não pode·
M v-cr mais nada que se passa na rua. Agorinha mesmo. a Marina

11 ,ta Internato 65
trouxe o Vássia" e o Kólia1• porque eles estavam brigando na rua, por almoço e apanharam imediatamente do pai. A governanta. temendo
conta do jogo da bugalha. Para vocé, tudo está bem, nél Nem sequer um tumulto maior, afugentou o gato que bolimwn a toalha da mesa;
pra olhar s.e seus irntãos estão arrancando o nariz um do outro. você perco~ndo isso, o pai pegou o gato e o arremessou pela janela. O ani-
serve. Jã tá se considerando crescídinha. a moçoila... admita! Podem mal perlencia a pequena Mácha,ro que começou a chorar soluçando.
até te ensinar fra1'1Cês. mas vociê não consegue aprender nada de sensi· Liôlienka olhou para a irmãzinha e pediu que ela não chorasse por
vcl. Você só quer ficar sentad3, costurando e delirando... qualquer bobagem; embora ela também quisesse se rebelar, orientou
Uólienka permaneceu calada. Sua mãe arrancou o xale da jane• a mais nova a se calar.
la. rasgando-o. enquanto continuava xingando a garota. - Quem a mandou dar ordens? - o pai gritou com ela. - Não
- Deixe que eu faço - disse Liôllenka. posso mais nem dizer nada por meus filhos!
- Não, obrigada, não quero nada - disse Liõlienka.
- Faz o quê?
- Olha o papel de parede... - Coma! - gritou o pai.
- Pare de se preocup3I com essas besteiras, mocinha! - conti· Ele estava tão alterado que os cabelo, grisalhos do peito ficaram
nuou a mãe, nervosa; tendo rasgado o xale. agora pareda quererdes· eriçados. por baixo do uniforme desabotoado e já sem a gravata, com
truir tudo o mais. - Você cria os problemas e depois \'tm chorar no um babador em cima do peito e o colarinho le\'antado. Suas pancadas
colo! Grande coisa você fez em coser no escuro~ hein!? Olha, veja que t,i,lam o jarro de kvas" sacolejar tanto sobre a mesa que Llôlicnko
desgraça de linha você costurou aqui: tudo torto e assimétrko... l•.11~ou os olhos ln11:1n1,meamente e -=on1eçou "engolir toda• <:<>n1ida
Nesse momento. o pai acabara de chegar do trabalho. Ele rece• ,lu prato.
bera uma reprimenda no trabalho e. consequentemente. estava irrita- - Tá vendo. isso não a matou. Dona Modinha?u - disse o pai.
do e já entrou pela varanda praguejando coatra o trabalho. Ele se levantou da mesa antes de todo mundo e foi tirar uma
As crianças foram t.razidas de todos os lubrares: da rua, do ;ar onl"t'll. As crianças foram brincar no jardim, a mãe e a governanta

dim e do quintal, para a mesa de jantar. Por algum motivo. toda aquel11 1 1" ,t cozinhot Liôlienka \'Ohou ao bastidor. Sua mãe examinou seu
agitação e barulho pareciam a Liólienka algo Inédito. Mas, estranh• 1, ,!,.,lho da tarde e percebeu que a moça fizera tudo de modo de,

mente, isso deixou-a mais surprtsa do que triste. Tudo parecia como t1lt1lâdo. Estava muito quente no jardim e ainda eram só três ho-·

um sonho. Esse enjeitamento aparentava estar escrito em sua t~•• 11ollc.nka sentou-se, colocou a linha na agulha e pôs-se a pensar
111 do b.istidor: por que tudo pareda tão estranho para e.la nesse
tanto que o pai comer1tou:
- O que houve. apanhou!
Kólia e Vássia, ainda motivados pela briga na ru3 por cont.- do l lhu uutlvodc ~br~ (N,T.)
jogo da bugalha, passaram a encrencar pela coxa da galinha serv,d• f14,I,. Íl"lla ¼ba.~ dr pJo e com um teor ako6lico muito k\•c, lanlo que era
u,U!,Ç3S tam~m. (N.1:)

18 01m.lnuth-ode Vassíl1. (N.T.) 1., 1.a émpttgada por Kh\'oschinskafa para desjgnn.r o tom ir6nico~ a.grc:ssl•
f \ m1°1Jmw, algo come, "'$Olis1íadlnha•. "modl,nha": (N.T.)
t9 Diininuta,'O de Koostatin, (N.T.)

1 H!Ultt)dt0 67
66
dia? Por que não se chateara antes com o rnundo? Por que nunca quis Ela " lembrou dos bancos 1!$COlare,, dos pro(essores, dos li-
alnndonar tal vida? vro. cheios d, cxprtS5ócs complicadas e im•gens cronológicas, que
Sua mü: voltou, pmdurou wna meia no vnral, sentou-se e foi ela nunca consoguia decor.u-, e de grandes pmonag<,u, que, no fim
tricotar na ourn Jan•la. oposta a Li6hmka. EI• tinha d, tnblllbar. das conta&-, nem eram tão grnndiosos assim; tudo isso passou por$~
- Coslure, costure. ou entào vii ptgar um Uvro! - disse a mle. - mente em rurbilhão... A cslr;ida vaz.ia já J1io cs1ava maJs diante dos
Mas não dctxc que st:us olhos dC$cansem nem esmoreçam. "us olh0>; mas sim o Jardim cobeno por grandes tllias e elmos, a
Embora d• própria cstiv<SSC .onolenta, abriu a janelo e se pós cerca de vime entrelaçada com ptquenas ftoru brancas de cuscuta.
a observar a rua mais pttdsamentc -a csttada. que en corta.da por Liólicnka ,~ nem escutava mais a mãe, que tQ.mWm já não w ocupa,-a
duas ravinas. por onJc passavam duis pontu bcrn antigas. scgulndo mais dos problemas fam1liarc,.
adlantc havaa um declive acentuado que conduzia até o rio que trans• - Aqud• qu• vem por ali é Pdagu•ia Sem,õnova? perguntou
põe a <idade d, N. A t,tnda era toda contornada por «mis, com pe i mãe. t.ncostando•x "" janda e :apont~ para a rua..
quenos jardins cmbdnando.-a., por trâs. não lun"Ja pavimtnto, e nas. Liõlienko estava pensando nos examn que faria no dia seguinte
ãrc:t.S onde a lama secava. entre os caminhos., crescn uma grama. onde e via o r05tO de Vtrttitfoin btm diante do $CU,
muit~ cachorT(K corriam e as crianças brincavam. - Vtja., n.lo r tia? contmuou • miic.
- O Papai ~ demitido tm breve - disse • miic, subltam,ntc, - Ele me prometeu um livro. Dev<ri mur hoJe .1 noite, por
som perder o fio da meada e som olhar na d1r,çio da !ilha. - O que u-r10 disse Liõlienka para si mesma.
V'JJllOS fazer com vocfs. então? Olhe. ela ti vindo pro d ou vo.i pa,sar direto? - disse- a mif'.
Liôlienka levan1ou a cabeça. 1\.- qw, vo« não escuta nada do que ,u digo, hei a? Não quer ouvir,
O coordenador ..tá do1dinho para coml-lo, desde que ,olo t f tou falmdo com voc:t!
carun um novato na repartição. S,u pai ..uva até diundo que ºpre 1,ôlienka olhou em volta.
feria n~m t<r nascido· Por1an10. eu <stou lhe diundo. AIJóna" - 0<Ut Vamos, •bra o ponâol E cuidado para os cachornos não pula-
te proltja! , que se ,·od nflo passar para a turma ow.nçada. nem prc , n t... Pdagucia S.m,õnova ji est.i lá. v.l, que a govcr11anta foi ao
d~ malS me chamar de mãe! T.unbém nJ.o prcc1~allll0S dessas btstc1
ras de aprendiudo por aquL Vou tini-la do pensionato. nw• ced<> '"' '" Ma, Pelaguei• Semi6nova, ,;ú,,. d, wn funciontrio pub!Jco
mais tude se ,,oce passar. a squn.mos por mah um ano, mas 1< n.lo t 1lc outros dois, Já havia atravessado o pot1lo e evitado. com
passar, fica 1n1baJhando cm casa. De todo jeilo. vod continullri ;.cndo • oo cachorro1, qu< tStav:im amarrados na entrado. Mais um
uma tola, cl• j:i tstava dentro d, casa >br2Çando a anfitriã.
•E o que cu a~ndo naqutle pt'nsionatot~ Uõlitnka rcnt4 1ihhenka odiava a convidad• por coruideri-J., uma fofoqueira,
alto. f uc1a ;,1 havia causado mal~entcndidos entre sua mamlc e as

2l Nomcd<INllfmodcuõlic11b (N.T.)
.,..,i,., Ap,,, um tempo, obviame.nre, as coisas se acalmaram, todas"
como as lembranças de suas duas cunhadas ta da falecida sogra) que~
reconciliaram e reataram a amizade nos velhos termos; mas ouvi-la,
mesmo sem viverem por perto. interferiam negativamente no cotidia-
para Uólie.nka, era um verdadeiro martírio. E agora mesmo. quando
no da sua casa. 1.iôlienka não conhecer:\ sua avó. mas lembrava que as
ela mal chcgo..ra, já. estava contando uma história desagradável.
duas tias eram pessoas gentis.
"Por que a Mamãe gosta tanto de jogarconvctSa fora com ela?",
- E e.las são casadas? - pergw1tou :\ visitante.
pensou Liôlienka.
- Uma, ~im; com um rebanho de crianças - respondeu a n1ãe. -
A visitante dirigiu-se à moça também. benzeu seu trabalho.
A outra ficou viúva hâ um ano, não tc.m filhos e vive em Petersburgo.
(hamou-a de anJO e de artesã. Liôlienka estava tão entediada nesses
Essa chama-se Alióna Gavrílovna. e ê: madrinha dessa Alioninha aqui.
últimos dias que sentiu rai,·a até da benção proferida.
1'Que belo anjo eu sou!~ pensou a moça, vermelh~ de rah'a.
- E por que ela mora em Petersburgo?
- Ah, ela era casada cOn'I um funcionário público também. O
- Eu tenho uma filha brilhante! - disse a mãe. - Você nem ima-
amigo governador da provinda gostava muito dele... Qual era me.smo
gina o quanto ela e.studa! Pra você ter uma ideia, sabe francês e muitas
o nome do antigo governador? Ele estava antes desse atual.. Ah. que
outras matérias!
importa! Já faz uns dez anos que ele foi transferido para Pettrsburgo
- Acredito, deve ser realmente muito difici1! - acrtscentou a
por esse governador, que conseguiu um cargo aho na administração
convidada.
da capital e ltvou o marido de Ali6na Gavrílovna com ele. Quando o
- Difkil) Pclagueia Semiônova, e muitíssimo caro. Totalmente
fora das nossas possibilidades, mas fazemos o que podemos. Tenho
marido morreu, ela ficou por Já mesmo. pois diz que jã se acostumou
com o modo de vida de Petersburgo. Ela vive perguntando quando
pelo menos esse conforto na vida: minha filhinha querida.
A mãe acariciou a cabeça de Liôlienka. suspirando com tristua. levarei mínhn pequena AJióna para visitá-la.
- Mãezinha, como assim?! Ela tem esse dinheiro todo pra
- Seu marido está. tirando um cochilo? - perguntou a visitante.
- Sim, Sabe, é melhor quando ele está dormindo - respondeu• K,IStar!
- Ah, quem dera! O capital que o marido deixou não é tão gran-
mãe ainda mais tristonha.
,1..- .issim, mas é ra1.oável: acredito que não vá se desfazer facilmente.
A mãe começou a lamuriar sobre o seu destino infeliz, lem
\t· hou\·esse alguma chanct, ar~ ma.ndari3 minha Alióna visitá~la.
brando de diversas drcunstàncias. Parecia a Liôlicnka que toda aquelia
- Deixe ela ser boaz.in.ha com a titia, sua madrinha! - concluiu
ladainha era desnecessária. Já não era a primeira vez, mas ounca .~
• Vtr.1tante, olhando para Liôlienka com afeição.
presença de Pclagueia Semiôno\la foi tão incômoda aos seu$ olho~.
Liólienka corou e voltou a bordar.
Aquelas histórias nunca haviam sido Lâo irritantes c:omo eram agôr.1
- E por que não? A mocinha é tão bonita! Apenas precisa se
Qual a razão de se lastUDar porque as coisas estão cataS, ou por(llK'
llr melhor; está sempre usando qualquer coisinha. Você podia.
não podem propordon>r uma boa educação para a filha. enqu3nlo
• ~ ·11nha, fazer algo melhor para quando ela for passear...
se gabam de tuna riquez.a mínima? U()lienka estavn envergonhada A
mãe falava sobre os problcn\as de e.asa e sobre queixas trivi.ais da \'Ili•

11 do lnter neeo 71
N adtétda Khvoschln •
70
Ela aminhava mansamenle. como se estivesse indecisa, num
- Quando ela terminar os exames. eu farei um casaco novinho
estado med:tativo. Sabia que não linha ido ao jardim para estudar; na
- respondeu a mãe. - Eu j-á até comentei com Vassíli Gavrilitch.
verdade, não estava nen, preoc.up,tda com o livro. Era como se car-
- e de i;oncordou com iSS:o? - pe1'guntou a visitante em tom de
regasse no peito uma angústia por wna atitude errada, embora não
mistério. tivesse feito nada do tipo. Em casa ela não podia 6car, muito menos
- Concordou, sem problemas.
viver...
As mãos de Liôlienka tremiam e tudo es.curccm diante dos seu.s
As sombras da ,,oite se alongavam, o ar estava qtente e, de ccr•
olhos. to modo, suave. Na gramal nas árvores do jardim, ainda re0etiam os
- Agradeço•• devotamente, mãezinha. mas nio precisa de nada
raios solares, dourados, e o céu, azul, resplandecia em dclicade2a. Por
disso - proferiu a ,noça. - Eu não quero nem roupas. muito menos
trás do alpendre escurecido do celeíro, em que Kólia agora esc.alava e
passeios. mexia num ninho de gralhas. havia uma enorme nuvem cinzenta com
- B \fOcê t& louca de não querer o que o seu pai e sua mãe que-
uma luz rosicler atra\'cssando~a. Ess.a nuvem ofereceu uma nuança
rem!? - irrompeu a mãe. - Onde você aprendeu a mponder desse jei-
rosada ao caminho do jardim do vizinho. Lá havia uma linda e alta
to? Vá! Chame a governanta e mande ela aquecer o samovar para nós.
plantação de malva-rosa, bem rente à cerca, que devfa ter ílorescido
LiôUenko. saiu, fez. tudo o que a mãe ordenou e, após retornar,
ainda hoje, pois ela ainda não tin.ha percebido sua pre$ença. Está de...
pôs de la'1o o b-'3tidor e parou de borrlar.
sabrochando tão ,edo esse ano! Quem leria plantado? A esposa do
- O que deu cm você! Vai parar de trabalhar? - perguntou a
1csoureiro não gosta de plantas, tampouco os outros moradores. ao
mãe.
<1ue parece-,
- Sim, \'OU dar uma volta no jardim - respondeu Liôlienka.
Uôlii!nka caminhou por todo o jardim, imagiJ.1ando o quão di-
- Ela está muito cansad-a; trabalhando multo nos últimos dias -
vt'rtido seria plantar flores e cuidar delas. Ela sentia-se zonza e o livro
continuou a mãe em tom de zomba.ria. - O que há com você hoje? De
todos os dias, esse é o que você está roais estranha: não quer se sentar
,,uc carregava comtçava a cansar seus braws.
•Não sei por que larguei meu bastidor? Seria muito melhor,
conos<o ne.m acrescentar uma prosa agradável ...
tr,ilmente, ter ficado lá, sentada e: bordandd: pensou a moça.
- Não a dejxe mais confusa ... - protestou Pelagueia, enquanto
Ela oomeçou a andar apressada; não sabja se queria correr,
Liôlicn.ka ficou sem saber o que faier. - Deixe :i moça respirar um
1111111r ou desembestar num choro profundo. Ela não tencionava se
pouco, temos assunto$ a discutir.
,•111:timar da cerca de , 1ime e chegou até a diminuir a passada, até
- Você tem algum segredo pra contar?
A convida.do. reS"pondeu com um gestomisterioso, Liôlienk1 111 h11-almtnte caminhou, tonta, por roais vinte passos.em cll'c-ulos, e
11111u, "xaustat no chão.
pegou um livro de uma mesinha no canto da sab, onde ficavam ~cw
"Não! Ele pode pensar que eu estou aqui a esperá~lo.. .'."
cadernos e materiais de estudo, e saiu.

11 1k) titef'Oat.O 73
72
As crianças irromperam no jardim em algazarra. Llôlienka lem-
brou•se dt que fora chamada de anjo há pouco e comt.'ÇOu a escoltar as
cria.nças para denlro de casa. VI
•Agora seria impossível dizei' qualquer coisa a ete·: ela pensou,
enquanro observava o jardim do vi.ilnho. . O primeiro exame era o de Religião. LiôHcnka acordou cedo e
_ As flores estão desabrochando ali! - exclamavam as cnanças,
começou a se aprontar. Ela estava mrpresa por sua mãe se mostrares-
observando o movimento das plaJltas. pedalmenre agiu1da para ajudá-la a se ves1ir; embora o uniforme fosse
Vânia cl:iegou a correr até a cerca, encostou-se e espiou aten• o mesmo de todos os dias. as mangas brancas e a pelcrinc estavam
tamen1c. segurando•st na di·1isa dos jardi1\s. Vássia agarrou-o pelos mais bem engomadas que nos outros dias.
pls., desafiando-o a alcançar, poréru K61i.1, mais arteiro que os dois,
A mãe advertiu por diwrsas vezes: - Minha Hndinha, lembre--sc
a.g3rrou a malva-rosa e arrancou-ti com os dentes. de tudo o que você c..-studou, Ru Já até falei com o seu papai e ele vai
_ Ah, mas vocês são uns ptstinháS mesmo. htin? - reclamou comprar aquele piano~fortc para você tocar!
Liõlienka. LiOIJenka não per<:ebera que essa atenção especial começara na
K61ia zombava dos irmãos com a malva-ros.a nas mãos. os quais noite anterior. Mas ela nem podia u lembrar de nada da noite anterior,
0 caçavam e corriam por todo o jardim. Liôlienka se afastou da brinca• e r-ampouco queria. Sentia-se absolutamente cansada. Ela se persicnou
deira das crianças e se recostou num banco que fiuav.a Jcbaixo de uma ,om grande entusi:umo diante- do konc. recitou a oração que antea,.
cerejeira e de uma macieira e chorou por muito tempo, esGondida. de as aulas e dirigiu-se ao pensionato, acompanhada da governanta.
Veretítsin não apareceu. No caminho. Liôlienka imaginou q_ue. se o exame tivesse ocor-
rido duas ou três semanas atrás, eln estaria mais feliz.
·Acho que eu me lembrarei de- 1udo. Não ténho medo de nada,
lllll) estou tão cansada .. , Além do rr:ais, o que tem para se lembrar?...~
..1., pcn~u.

Suas colegas encaravam-na com uma curiosidade irrf1an1e.


l 1M,mk:i estava basunte concentrada e man1inha-se cm silêncio.
~"'" da chegada da professora de Religião e da diretora do pensiona-
,,, 111~urros e risinhos eram escu1ados na sala; Liôlíenka nem prestou
111,,\01 embora também não olbas~e pa.ra o livro aberto no aLril. Ela
huu em volta e pensou que talvci fosse melhor ficar como as ou-
repetindo a maté-ria, sorrindo ou fie-ando cum medo. A dama de

74 • 110 inter-nato
75
A vez de LiôUenka demorava a chegar. Ela observava com dis-
class~• bateu com a régua sobre o atril e ordenou que se aquietassem.
tração tudo o que a rodeava, e. sem saber o porquê, começou a dar
Liôliel'lka escutcu seu nome.
va1.ão a pt"nsamcntos estr:1:nhos. Era como se. naquela sala, ningoém
- Sigam o c~cmplo do Mademoiseile Hélene Gostitva." Vejom
quisesse o bem da outra.: a profes.sora arrumava wn jeito de dificultar
como ela se comporta!
ao máximo as perguntas, confundindo as alunas, como se houvesse
- Mademoiselle Hélenc é realmente exemplar! - alguém disse
uma alegria sarcástica em vê.las errar; enquanto não demonstrava
perto dela. qualquer a.kg:ria qu~do o.s moça, ac.erlovam. A dirctoro, tcunbém: :seu
- Vejam como ela está no aiprtcho hoje!
olhar penetrava as alunas com uma malícia cruel~ chegava a censurá•
- Ela é maravilhosa em tudo!
•las quando a professora ficava insatisfeita com uma resposta; por sua
- Certamente!
A colega sentada ao lado de Liôlienka estava com a cabeça mer•
vez. quando as moças acenavam, ela não esboçava nenhuma reação,
gulhada no livro tentando decorar os últimos trecho<. Seu rostinho apenas o desdém. Já as garotas, por sua vez. agiam como se tivessem
brigado umas con\ as. outras. Os seus rostos exalavam apenas o medo.
quase se comprimia contra o texto, de modo que os alunos só coDSC*
Tudo o que as mais novas inventavam de fa1..er, as mais velhas caçoa-
guiam ver sua tranç. loira e o pescoctnho branco. Liôlic1ika percebeu
que suas mãO'l.inhas gordas e rosadas tamborilavam nervosamente
vam. Ah, as mais velhas! Agora mesmo, Variênb Olkhfna ficara total·
mente confusa ao ponto de chorar, e Máchenka Pol6sova, sua melhor
embaixo do atril.
>miga - aquela que compartilhava os segredínhos • nllo desgn1da\'11
- Vod ainda não aprc1ideu tudo, né! - Liôlicnka se dirigiu a
de Variênka -, nem se deu ao trabalho de corar pela colega... O que
ela. sig1úficava tudo aquilo? Por que as moças 01h2Van1 com raiva para
- Não.- não estou conseguindo... tudo fica bagunçado na mi.~
.1quelas que respondiam corretamente? E para que chegar ao ponto
nha cabeça - respondou a colega.
- Se você for chamada a falar, eu lhe direi as respostas. Eu sei ,Jc ofender aquela.s sabiam um pouco mais? /\quilo er-~ inveja, ou clM
.._-ntiam medo?
tudo desse asiunto.
- Senhorita Bcliáieva! - pronunciou a professora.
Essa aluna era uma rival, uma adversária. Antes da d>egada de
A vizinha de Liôlie.nka levantou~se promamente, e durante o
Liôlienka, elo fazia piadinhas e prometia que faria de tudo para que
mm·imcnto beliscou levemente a manga da sua .;amisa. liôlicnka en-
a colega não obtivesse o mêrito e mudasse dt classe. As moças que
~rc.,u c~ gcJto como um pedido de ajuda. mas ma colega enganou-a.
ouviam aquele diálogo não podiam acredit'ar no que presenciav'Mn
Mas toda es"1 comoç-ão durou pouco. pojs a professora ~ a d,retort1 l l1 "abia perfeitamente o assunto e o conteúdo, mas, ao responder,
,,111cçou a se enrolar propositalmente.
adentraram a elas.se para iniciarem os exames orais.
- O que você está tentando dizer? - perguntou suavemente a
1111.....,ora a uma das alunas mais velhas.
24 .Espêc;l-C de reptts(ntantc- de dn.uc ou 01ól'lltor dos. pcn$i0nnt0$.. (N.T.)
25 Afn.OC:($1.me:nto do nome F.lc:na. que na novda :'lpatt« tambtm com o,. dl111
nulM'>f russ<>s Alióna e tl4)1 lmka. EMC último. alnd.& mais earinh()$1). (N.T.)

11 do ,ntemeto 77
76
- Não pergunte mais! Eu não sei de nada! - respondeu Liôlienka,
- Sabe, eu não posso fa1ar... Gostiê\fa está n1e cutucando - res-
em a.lto e bom som, para a escandalizaçno de iodo o pe01sionato.
pondeu MademoiseUe Beliãieva.
Ela já nem sabia como ou por que dizia aquilo_ A professora
Ela apontou par.i Lióllenka,
deu nota zero e ela voltou ao assento sob insultos da diretora. Suas
Liôlienka jamais esperaria tamanha traição e corou inslan-
colegas de classe e-staw.m aSSu$tadas e esperovam o mome11to que ela
taneam.e·nte. dando a impressão de ser culpada. Uma tempestade
desataria em choro. Liõlienka empalideceu, mas não chorou. Ela se•
levantou-se. quer podia entender o que acontecia consigo; seu corp<) estava frio e
- Como você tem coragemE Saia imediatamente! - gritou adi-
algo sobressaltava em seu peito. Não se sabe se por d=spero ou ca-
rc.torn para Uólienk.1.
pricho, mas subitamente Jhe veio à mente o desejo de tirar zero em to•
- Bu tenho uma ideia melhor: responda você a questão - disse
dos os próximos exames. Assim, Bclíáicva. Pol6S$O\ta e as outras fica-
a professora de Religião.
riam folizcs. Se BcUáieva tirasse 1,ero, certamente seu pai lhe aplicaria
- Tome lugar aqui na frente, diante da professora! - continuou
uma surra. O pai de Liôlienka também poderia bater nela e não seria
a diretora. prazeroso apanhar assim. Mas. se Olítnka 6elíá.ieva caí ssc do terceiro
Liólienka levantou-se e aproximou-se do atril onde csttwa a
rara o quiiito lugar. ninguém saberia o que o seu pai seria capaz de
professora. Ela sentia-se atordoada. ofendida e assustada. mas sabia de
1.tZer, talvez até botá-la pra fora de casa. Apenas as qu.atro primeiras
cor o d.ificil texto do exame, e sabia que podia superar MademoíseUe
colocadas nos exames poderiam ascender it dasse dos melhores alu-
Beliáieva na resposta. Não seria difkil para Liõlienka dar uma belís•
nos. Assim) talvez eles não passassem Oliênka, e ela estaria em apu-
sima resposta e desmascarar sua compt!lidora. mas o olhar arregala•
1os••• Por que os pais se importam se suas filhas serão bcro-educad;is
do de tOdilS as alunas a a!!SUStou. Ela sabia que o mesmo aconteceria
ou não? Se. no fün das contas, os pais só fazem desmerecer qualquer
se Mademois.elle Bcliá.ic'lll estivesse a1i também. e que aquele exame
l unhecimento que as filhas têm?
todo não passava de uma c-0média de mau gosto. ,que não seria mais
- O que dirão Pal"'Í e Mamãe quando souberem o que se pas-
divertido ou faria qualquer diferença se ela respondesse correiamen-
ou iaqui, agora?... - Liôlienka decidira que passaria toda a tarde no
te... Agora era o seu coração que estava no comando. Ela j;\ não sabi-a
111,rJ1m••• Mas, e depois. como seria?
o que pensava ou o que dizia, e passou -a responder tudo de modo
Havia barulho por toda parte na sala; todas se levantaram e le4
confuso. mais desleixada que as piores alunas. A professora meneava"
un .1 nrtção: o exame havia acabado. A diretora chamou-a. repreen•
cabeça negativamente e a diretora rolhava. A professora, então. passou
1 11 11 por :meia hora. sem parar. A governanta já aguardava por ela
a aplicar um sermão. AJ; colegas gargalhavam; Lióllenka ficou p>rad•
I• "uJbet'3 de tudo o que acontecera no pensionato; chovia, e ela
no meio da sala. Quando terminou o sermão. a docente, arrependu.t•
t ,.v.1 com um guarda-chuva. Liólienka se deu conta de que não
pela dureza das palavras. acrescentou:
1 ,1., passar o restante do dia no Jardim.
- Vamos. você se recuperará. Tentaremos outro assunto.

Nochêjda KhvosC.hlR11li• • 110 !ntornoto 79


78
da irmã; ele não se lembrava de si mesmo, nem de nada) tampouco
. , . palavra da diretora para
- Garota inse1uí\'eH - ÍOl a u1uma trnçava qualquer plano futuro.
A$ lembranças e os devaneios da juventude, para Vtretitsin,
Liô\ienka. d beça bilia. Quando
Oliênka Be\iáieva passou por perto: e e• . . Oliênka se eram coisas do passado. Essas reminiscências foran1 afçtadas pelo au-
na antessala e ves-ha sua run1ca,
l.iôlienka já estava tocsqucdmcnto lânguido em que sua vida se transformara ...
aproximou. · b sarnente Verctítsin linha encontrado Sofia Khmeliêvskaia na noite an-
- Adeus, Líôlia! - disse e abraçou ..a cru'lll o . . teriqr, quando estivera em sua casa. Essas visitas sempre custavam
l... lieoka tranquilamente, sem subir o
- Adeust - rcspondeu LO ' • tudo caro, pois ele sentia-se feliz e e.xausto, na mesma proporção, ao ponto
toro ou se enervar~ ela apenas sentia pena de que n.a essênaa de nunca conseguir discernir qual dos dois sentimentos prevalecia. E
aquilo eram ninharias. 1 d .dira que únha agido corretamente, sem possuir o objeto desse amor. Veretitsin se apaixonava ainda mais
1
Vo liando para casa, e a . « cómico • vergonhoso exl- avidamente, dando vazão aos sentimentos. Ourante as outras visitas,
01'. nk era uma boa menina e que era al nas pausilS das conversações) enquanto observava Sofia a conversar
que ,e • l 1... l'enka era capaz de enfrentar qu -
bir-s.e diante da sala: que e a, to _1 _;'- er do que não passar com os outros convivas. ele avaliava sua posição diante dela. que aque-
. am Oliênka seria mwlor morr la afabalidade não resultada cm nada. que a sua beleza apenas o enfei-
quer co1st\, e que P d que não dava trégua ...
es A única coisa irritante crn a mva 1iç.ava recreativamente, que esse tipo de relacionamento ounca cruz.a
nos e.xam . . dd de sol e t rovõesl com azula·
Essa cl!u\'a maraV1lho:.a, actts a a fronteira do amor... E, além di~o. o amor nunca chega desse modo,
das• pomposas nuvens que corriam na direção do rio.Ouunbé_mhpo~~: 11or mudanças graduais! Mesmo que chegasse, já teria dado tempo
d balho para casa. cannn
Vereútsin, que estiva saindo o tra . passar na antessala do Jc clc chegar, jâ teria... Veretítsin tornava-se impaciente: passava a se
l resolveu esperar o aguace.U'O enfurecer com os convidados, a odiar aquela respeitável familia t até
era longo. e e • d de ideia e ficou abusado
,,, d dministução. Mas logo mu ou 11 ~entir raiva da própria Sofia. Ele dizia a si mesmo, acrescentando
P'"'"º a a b O prédio da administra,;õo d•
l 1 to sobre a sua ca eça. Um.t dose de mesquinhez à $\13 aflição, que se outro homem estivesse
com aque e e • d ~-, do munidpio. per•
praça locaJ~,a a no w•ID
6
prov(ncia ~e~- ca numa . o rin. Aquele lugar pareda especialmente: ,·m seu lugar. mesmo que um pobre coitado. não seria c:~paz de ta-
to do pre<:1piCLo que margc,a . •o e iluminado. m.mha indulgência~ ele. provavelmente. se pe:rgun1aria o porquê de
esverdeados, o ambiente espaço,
agradável: os prad os ú ido e quente graças"'' 11n1os silêncios. de 1antos aborrecimentos e qual a razão daquilo tudo.
. h pela borda: o ar estava m • 1i.,., eram tão francos e descerimoniosos com e1e. por quê?! Por n5o
Veretitsin canun ou - . ção era leve e tranquil.1
orvalho cheiroso vindo das plantas. Sua resptra . ,._., às -ve1.o. t um pretendente. Ele não era sequer tratado como uni amigo da
l se Icliz _ coisa rara, m<L>.
Veretltsin estava ca moi qua ·fu • áfo público que ter 1.11,1111.t, mas como um sujeito entendido de alguns temas. Por que a
ela al--ria de um ncion ,
acontecia. Não era aqu -0 isso• cri lh,1 KhmeUêvskaia ainda não pensara nisso? Mas quando Verctítsin
ustivo expediente. Verelitsin sequer pensava n ,
mutara o exa . acalanto mergulhado no !l\ontrnva o olhar de Sofia. ele sentia~se s6bito envergonhadoi o fio
um sentimento de contentrunento fls1co, um l "dade dgi C-A 1ith11or das suas ideias estava tão enrolado que ele. realmente, não
esquecimento. Ele até esqueceu que morava naque. a c1 •

• tio 1neerneto 81

80
podia encontrar uma salda) e ji não sabia se queria corrtr de ,·olta - Quando?
pan casa. como um culpado. ou ;tiru•>C aos seus pb e dh.e r só Deus - Em breve. Quando algo aling<' um e.xtremo. !>ignific.1 que lngo
sabe O que:... ~ atê bom que certas intenções nunca st reahtc.m: pou diegari •o fim. Tudo i t.lo ent~i, que algum dia ;,.. ., .,.tagnar.
uma saida. põderia causu arrcpcndimeJ'ltO e a outra um11 vergonha 1s110 M:r:i antes do fim.
incontorn.\veL. - Antes do 6m do mundo?
Veretítsin perm:me«-u. wnúa n«cssidade de con,•ersar. seu co- - De qualquer coisa_ Se você conduz sua vida através dn aborrc~
ração e.tava jubllO$O. Ele estava alegre. mersulhado no esquecimento. c1mtnto cotidiano. até o ponto tm que você rtaJmentt nem~ m,1is
no mau ptnetra.nte csquecimt"nto de todo o resto. menos do presente. o que é a íclicidadc, cntao isso seria ruim.
Veretftsin não se dava conta de onde eSl'aV'J., nem mtsmo queria $abcr - E como \'OC:l se- protegeri.i disso? - perguntou V~t1lsin, dt-
que dia 11nha sido ontem. Quando chegou a hora de partir. ele tomou sapontado. - Porque pam espcl'ar as glórias futuras. você precisa. se
não de praures, ao meno, de dtStraç,io.
0 cha~u. sem nem saher o que t'azia, apena, partia ll'lll se preocupar
wbre O ca01inho de~. como qitt em transe... Só rttomou a cons- Ela encarou tranqu Uarncntc sua dese:ortcsia .sobre mn assun
d~ncia no seu quarto, apôs uma noilc em claro. 10 que ela :icredit3\..I verd.tdtir.imente que o confortana. \'~tttsin,

fJ, estev< fdiz no dia anterior por l<r rncontrodo Sofia sozinha, como um enf.utiado egols1a, nllo percebem que ela est3\"1 fatigada:
passado a noite cm sua companhia e só de pensar que e\• o recebe• mas agora ele a deixara 2i.nda mai) entediada, 1<01 nem imagmar que
,.. sem qualqutr cerlm6n~. que estar em sua pres<nça era prauroso da estava se csforça,ndo para dbtrai•lo, por pura compaixão. sem pe-
pa.ra ela. Ela sempre cxprcss.ava no rosto aquilo que sentia, e Verct1ts1~ Jir n•d• <m troca Ele só fran7JU o «nho. Sofia mudou de il$$Unto,
era capu d, adivinhar mesmo se•'• 6.ngasse estar fdiz.. EI• conheoo tom~ou uma dhputa que agrodava a Vere1ítsin, e. embora concor•
Sllas caracteri.sticas períeitamentc e oté as 11utis vnriaçõ<s de humor; J.1..,~e com ele internamente. dava margens par.t que de desenvoh'CS.Sc
,cu canunhar, s,u, h•bitos.. ao ponto de n<m precisar v!-la para rc .1Ja \'t'l mais sua retórico Sati~íeita em 1.'ê•lo triunfante, revigorado,
produzar de modo vivaz sua lmagen, na memória. Ele parecia f<liz.. 1 I Jelettava-se tambtm. Abria o piano e tocava um:a peça dássia,

E.lo, por sua vrz, pattcia tnst,: tinia pas,ado o dia lllteíro bordando. <1udas qu, quando s, escu1a lem-s, a impressão de que a vida ~.
1nbalhando apressada e re.:lamando a Verelltsin do cansaço provoca 1, .ilgum modo. mdhor. Ela tocava•as perfeitamente. Vcrctít51n, mor•
do por um d1• inteiro de trabalho. "'º de amores. ouvia I udo. ,e se Sofia pud~sc entender O que tlc
11 1 rara si enquanto ela tocava Moz;irt, veria que sua gcnulcza tinha
E eu rstou cansado da ociosidade • ele disse.
_ f. acha que sou diferente de ,-oef:? Ãs ,"ttõ até me cm·crgt, 1 l'•SS.do todo, os limites. Ao fim da tl.ltíma peça, a irm:l • a mãe
nbcr. tiro uns dias para ver as coisas - eu vejo só fio~ de costur.1 e VI\I uh,,1 retornaram do passeio. e Veretít.sin, am.ildiçoando a chegada
1
ias. Di,.tm que isso nlo é um• ocupação de vtrdad• - da r,sponcl<u ~hou melhor ir embora mais cedo e não fiar atê o finaJ da
- A vida é entcdiantel - acre)ceotou Vcretlt.sin. 1
' · ,orno de cos1ume. l:le não c,t.m1 em condições de mamcr uma
- O que fazer? Aguardemos, no futuro pode mdhorar. .a de aparéndas. e Ir para casa era o mab, prudente.

83
Uma nu,·cm negra - muitas já tinham passado naquele dia - se
N• manhã seguinte, de saiu para o trabalho deslig;tdo do mun-
formou dt novo. A chuva recomeçou e obrigou VereLhsin a terminar
do. Ele jâ se acostumara a passar as cinco hotas de trabalho sem atcn•
o passeio. Por um moment~ pensou com Irritação que talvez fosse
tara nada que o cercava. pOi$ Já se dera conta de que at~ntar ao redor
melhor ficar encharc.tdo do que voltar para casai mas logo voltou 3 dr
seria se atormentar gratuitamenre. me silenciava e esçrevia s.ibe-se lá
dessa ideia. infantil, alongou suas costas cansadas. que estavam total-
Deus o que bolavam diante dos seus olhos paro copiar, sabendo igual•
mente molhadas, e aumentou o passo. Havia um lamaçal no caminho,
mente que se ocupar do conteúdo da escrita seria mergulhar num ou-
e como ele não tinha a mesma desenvoltura que seus colegas que pu-
tro suplício desnecessário. Seu supervisor estav.l furioso com outro
lavrun de pedro em pedra, molhou-se. Uma dró<l,ki" magnificamente
funcionário que se encontrava perto dele; Veretitsin nem dava ouvi-
enfeitada passava p<!IO local. lbnliev seguia nela para 01sa, olhou pela
dos à situação, o que irritava profundamente o supervisor, que não
janela e reconbcc.cu seu amigo - obviamente, pois não estavam nen1
gostava de seu sangue frio e que queria incitar medo e colocar em seu
a dois passos de distância -, mas não o cumprimentou. Quando se
devido lugar aquelts "importantes Sênhores esclarecidos': Veretítsin
aproximava de casa, Veretftsh1 encon1rou l.iôlienlca, que corria com
nem levantava a cabeça. Ele saiu para a varanda do edUkio. aprovei·
um grattd~ guarda-chuva quebrado, segurando-se ao braço da gover•
tou o ar quente e úmido e foi Ranar pela vizinhança••.
na.ntG.; sua túnka, velha e cinzenta. estava toda manchada de pi11gos
''Algum dia viverei como um ser hum:i.no normalf", ele pensou.
enegrecidos da chuva; os laços cor de•rosa do seu chapéu desbota-
4

de repente. sem qualquer propósito, sentado em um banco perto da


igreja que fica na margtm do rio. Olhou para bajxo e viu a água e os
ram para violeta e batiam contru o rosto da moça: além de tudo isso.
seu vestido amassado. obviamente, 1ornou o encontro desagr.adável 8
prados. Liõltcnka.
Ele desejava fumar, um hábito inacessível, e. ao se lembrar do
- Ó, meus cumprimentos! O caminho do saber é árduo. mas
cigarro, lembrou-se também de lbriiev. Eles Já não st viam há mui•
prazeroso! - disse Veretftsin diante da moça.
to ttmpo. De seus co1egas de repartição, escutara que lbráie,( era um
- Ora, mova-se! O que foi? - a governanta gritou furiosa com
chefe muito rigoroso. Essas lembranças despertavam em Vcrctltsin
ele. - Pra que perturbar a senhorinha? Esses funcionários perniciosos!
urna imensa vontade de gargalhar. Ainda ontem ele dnha vlSto wn
- acrescentou e apressou o passo, afastando-se de Vcredtsin. - Nós
cartão de visitas de Tbráiev na casa das Khmcliêvskis, em francês. com
contaremos ao seu pail Ele é o lrmão da esposa do tesoureiro. Que
dois lps0oncs.» Sofia não comentara nada sobre elt. ..
ousadia puxar assunto com \'oce: assim na rua!
"Dois anos... bem, pelo menos mais um ano. Eu tenho de dar
- Não. por favor, não diga nada ao Papai~ Esqueça! - disse
um jeito de sair desse emprego. Se eu pudesse ao menos viver .soz.inho.
Liôlitnka.
sem ter que encarar as pc$$oas... Sem ter tanta gente me rodeando...
- Tá certo... Já temos problemas e gritarias suficientes em casa
mas, é assim mesmo. Se ao menos ti\'esse o direito de me afastar dessa
sem isso.
gentalha, já seria muito bom ...•, pensou Veretitsin.
27 Carru.1ge1n leve diC(1lniMlll a fim urb.an0$. (N.T.)
26 Pft1\·i&\"t]1ncntc ·Ybraytff". (N.T.)

A t110ÇO do internato 8S
NadifJd8 KhvOSChln'&-k.818
84
Mesmo (IS mais fortes personagens se submetem â ioRuêncla
das circunstâncias. A nalureza tem uma incontestável influêocia sobre
humor das ptssoas. A chuw sobre a cas.a. a intriga e o alvoroço do VII
0
ambiente donustico e,cerceram um eíeilo tão negativo em Liôlíenka
No dia seguinte, Liôlienka retomou para os exames de
que ela quase não pen'3va no que se passara no exame, pela manhã. À
pefiUnta da mie; "'E então, como foi na prova?'~ Uôlienka respondera Matemática t Geografia e obteve o mesmo "'sucesso" dos dias antcrlo-
1t:8. Só que <l~ct n:t. ela 11ãu ,:,abia c:xvlic.t1 o \(Ut 1::i.t,1v;,t ,u.•u11tt:O.::mJu,
apenas que •tudo bem".
A mãe ficou satisfeita com a resposta, mas Liõlienka só conse ... pois nào conseguia entender nada e esquecera completamente tudo
guiu pôr suas ideías em ordem quando a noitinha já caía, e ela pas· o que decorara em casa. As amigas olhavam•na assustadas, pergun•
seou no jardim, rememorando seus atos. Três dos quatro irmãos de tavam se alguém havia 8: enfeitiçado: ptdiam que ela rezasse ba$tan1e
Uôlicnka estavam de castigo no quarto, amarrados às pernas da mesa; corrctamen1e e acendesse uma vela diante do tcone. Em sua cabeça
quarto foi mantido pbr perto para observar os irmãos e tomar como tudo e.stava cnuviado. Liôlienka parecia estar doente. Em casa, como
0
e;,:emp)o de conduta: deste modo. Liôlien_ka não teve sun reflexão que de prop6sito, os problemas se repetiam: um irmãozinho machu-
prejudicada. Sozinha, ela decidiu obS>ervar o que o seu vizinho faz.ia: cou·se seriamente ao cair do sótão. outro quebrou os pratos. Mamãe
olhou sobre a cerca. mas devido à sua altura teve de subir sobre u1na não encontrou algumas roupa.-. Intimas e demitiu a governanta, Papai
recebeu uma reclamação no trabalho e as coisas iam de mal a pior.
parte mais baixa da divisória. Liôlienka se posicionou bem e pôde ob-
servar atenta.mente, por uma hora inteira. não apenas o camjnho inós~ Passando perto de Líóllenka, ele disse:
- Olha aqui, Dona Modinha, eu eslive com o Padre levsiévi
pito do jardim vizinho. mas o que acontecia adiante, dentro da casa.
Velas foram acesa$ e passavam de um cômodo a outro. iluminando hoí•• Que Deus te pe,doe, mas ele me disse que tu não estás apren-
ora uma janela, ora outr:.i. Liô1lenka quase deu um gritinho assusta· dendo nada! Você ainda não me conhece. .. E nem ouse me responder,
do quando uma das janelas se abrlu e a luz brotou de lá; ela pensou \liu!? Ainda vou 1cr que te arranjar um casamento...
que talvez fosse Veretítsin que abrira. Mas ele deve ter seotido frio e As últimas palavras foram como um enigma para Liôlienka: ca•
fechou-a rapidamente, e Liôlíenk:a escutou apenas o som da fechadun'l -..1r•se? Com quem? E se ela só tinha qum,.e anos?... Certamente Papai
~levla estar de brincadeira.
rangendo na ventana. A vela ficara tão próxima da janela que nada
Liõlkuku $1: kmlnuu de wdo:, o:, tipo~ 1.k Lll111,,.Ud1:i1~ do y11i e
podia ser visto no fundo do quarto.
- Estou fazendo uma loucura! - disse para si mesma Liôlie.nko1 111mlo comprimiu con, mais força seu coração. Sua cabeça fervilha-
\ i1 ,om ainda mais intensidade do que antes. A moça se perguntava:
pulando da cerca, na qual suas mãos se agarravam.
Seu nome foi chamado dentro de asa, onde a ceia e os ccrc.•,ll1 l'M.1 que tudo isso?,.

já baviam s.do postos à mesa e ela tinha de arrumar os talheres aln~


então correu ...

,. do Internato 87
NadlêJd3 Khvoschlnl\
86
- Para onde você está indo? - perguntou a mãe.
- Por que cu sou n O01\a Modinha? Eu não peço roupas novas.
- Estou indo ao j:udim, est:1 quente - respondeu a moça.
uso o que fazem para mim; minhas amigas;& até disseram qut eu rne
- '"E5tou indo ao jardim"'! Leve ao menos o livro, sun scm•ver-
visto mal; nunca desejei nenhuma novidade. Eu sei que as coisas sáo
gonha! Deixa que eu te dan:i u.m bom jardim. Amanhã, eu mesma
caras t que o Papai tem de manter a todos nós. Eu tenho costumes
vou ao pensionato! Vou descobrir o que você a.ndn aprontando por tá.
módicos... Por que estão me tirando para Cristo? Eu nunca nem ou-
Vamos colocar a senhorita no seu devido lugar, saberei tudinho sobre
sei respondê•lo... os meninos sim, respondem! Eles falam essas coisas
vocé: se é preguiçosa... Gravt> as minhas palavras, Aliôna,,. eu ainda
porque me conhecem e sabem que não sou como os outros. s-abem
vou te colocar diante de um tanque de lavar roupas!
que eu não responderei... Llôtienka saju rapidamente. Ela escutou que o Papai acordara
A mãe, tendo escutado o nome do Padre leV$iévl, acrescentou:
de sua sesta noturna. após o jantar, e ele sempre acorda mal•bumora•
- E quem ia querer uma esposa idiota como você? Só tente
do nesse horário. Ela ficou •ssustada.
aprontar uma comigo! Não consiga o cerlificado, não avance para -a
~ de futo, eles podem fazer qualquer coisa comigo!~ pensou
turma das mais velhas... Eu vou te tratar como uma santa, eu mesma
ela, abrindo o portAo apressadamente. por conta da tremedeira nas
far<i o papel de governanta e farei o teu pão. Vai pensando!
mãos.
Liõlienka pegou o Uvro e quis decoro-lo, mas entre 0$ liohas um
Completamente agitada, ela andou vá.rias vezes pela trilha do
pens;\mcnto irrompeu de chofre: jardin\: o ar pareda pesado sobre sun co.~; t'.é"U peito e$1nvn confran-
- Pra que repetir isSO? Eu ji sei tudo isso. e sei atê como errei
gido; as lágrimas por divctSas vezes se avolumaram em seus olhos e
as coisas ontem e hoje. Dá na mesma para mimt Não iJnpOl'ta como
ela as continha. Ela arremessou o livro no chão e gritou:
eu venha n respondtr, se correra ou estupidamente: eu 6carei comi•
- Que infelicidade!!!
go; aprenderei para miin mesma) não para uma professora ou para
Ela mesma nem sabia o que chamava ao certo de infelicidade
diretora: não por um certUicado, nem para o livro de alun~ mas.
3 - era tudo: os ex.ames. a frivolidade dos estudos, a. r.,,iva do pai t da
para saber... e mais, que b-Obagen, isso! Para que e&S<' tipo de aprendi-
mãe... talvez o mais importante, era que algo dentro dela de.spertara a
z.ado? Esses absurdos do tipo: "Pompadour foi uroa sanguessuga fran•
perceber a infelicidade, e isso evitava que ela pudesse se sentir cm paz.,
cesa.. '.'13 É uma brincadeira, só pode! Quem t essa Pompadour? Na<à
como antigamente... Subitamente, num átimo, cfa concu pan.t a cerca.
é explicado - apenas decore o assunto. pendu.rou~se e observou Verctftsin. que estava no jardim, embora dis-
Liôlienka rubori1..ou de raiva, fechou o livro e se levantou; da
tante dela. Liõlienka esperou alguns minutos até o momento em que
janela soprou uma brisa V'inda da rua, com fragrância de tUia.
ele se virou cm direção a ela, e gritou:
- 01:11
28 Madamt dt Pomp,21dour (ln t. 1764) (oi uma contd frantts.l., que no contato - Olá! - respondeu Veretit<ln, de longe, e se aproximou.
utiUtado pelo livro de Liõ,limb tra tratad11. como u.m11,. ei:plondon do rd Luls XV,
J.e.vkio à ~ c(U\-diçio de ~mante. Pottm, tc..-e ~ l polit1c:io muhn importa1.11e m,1 29 Ali6n;:i ~ 1,1m:i c:mrupteb de Elen::a. (N.T.)
fra.n~. em meados do skulo XVU1. (N.T.)

Nodi6jda 1(hvoschln5k81a A moço do ,neernet.o 89


as
- Capricho? - respondeu, baixando a e.ibeça. - Eu estudo para
Uôlienka permanecia desapercebida que estava pendurada na
mim agora. Podem me dar a nota qut quiserem: eu sei que eu sei, e é
cerca. Veretitsin deu uma volta completa na trilha do seu jardim, che-
o que importa.
gou junto dela, observou•a e sorriu. - Pois bem, veja só, mas os professores não sabem disso: que
- Que tipo de pasStlrinho no poleiro é esse.? - disse ele. - Tome
você bagunçou as respostas.
cu.idado para não cair! - Sim. e daí?
.Ele baixou os olhos para ver o livro que ela estava lendo.
- Eles a colocaram entre os t'iltimos da sala.
Uólienka teve medo de que ele partisse e se adiantou:
- Provavelmente - ela retrucou, segurando as lágrimas.
- Você não me prometeu um Uvro!
- E como ficarão sua mace o seu pai?
- Qual foi mesmo? - Eu lhes direi que cu sei tudo... isro I: problema meu! Do que
- Shakespeare. você est:i rindo?
- ô. Uôlienkal A culpa é ,ninha... esqueci! - disse ele. - Como
- De nada. Sed lindo se seus pais acreditarem em você.
você se lembrou? Eu pensei que você não tivesse interesse mais em
- Nunca menti em minha vida. Eles acreditarão.
Shakespeare. - Sim, eles acreditarão - disse Vcretítsín. - Seus pais irão certa~
- Por que não? - ela perguntou, cmpalid«endo quando ele a
n1ente ..acreditar"' que não precisam se preocupar com o que pensam
chamav.1 pelo nome. ;cus filhos...
- Por conta dos estudos. das 1·arefas domésticas. pelos exanws
- O que vocC di$Se? Eu não escutei.
fiiH\l.s. Como foram u notas? Nove, dei. ..?
- Nada. Com certeza. se você es1á certa da reação dos seus pais.
- A média foi perto de zero - ela respondeu e Irrompeu numa
então não precisa se preocupar - muita sorle a sua! Mas, hor'le-slamen•
gargalhada. te, se tu fosse seu pai, jamais toleraria tal atitt1de.
- A modéstia é um ornamento feminino - disse Veretítsin se-
Uôlienka olhava pe1tetraotemente oos olhos dele.
ria.mente. - Especialmente as moças mais exemplares que dão duro
- Eu não toleraria - repetiu Veretftsin. - Hoje você se rebela
para n felicidade dos pais. Desculpe•me pela perguntl, mas eu estive
contra os exames, a.manhã se rebelará contra a escolha dos seus pais
preocupado. part1. o c:l.samento. Que tipo de filha é você? Que t ipo de p1i é esse que
- Não. foi ve.rdadet - co1\tinuou liôlienka, pálida e com um
não dá a mínima para uma situação dessas? "Ô, eles acreditarão em
sordso que irrompia do tiritar do seu corpo. - Eu reprovei cm todos
mim!" Seu pai se esforça, trabalha duro. e1tcara só Deus sabe o quê,
os exames. Não respondi uma única questão corretamente... não estou
.:ité o ponto de se humilhar. 1àlvcz seja até um djssimuJado, ou tenha
brincando. sério, nen1 tampouco me envergonho.
pecado no trabalho. tudo para oferecer à sua filha uma oportunidade
- Mas o que há de errado c-0m você?
de estudar, mas ela não quer dar um prazer à família - por puro capri-
- O quH Nada. Não qui$ respõnder àquela chatice.
cho! "Eu estudarei para mim mesma!" Por acaso. você é uma filhinha
- 1nventou um novo capricho?

Nadlfl)da Ktwoschín&l.eie A. moc;e do Internato 91


90
Ela estava pálida e virou•se, assustada pelas palavras que pro-
de papai! E agora, de repente, essa filhinha espera que chegue o tem•
nunciara. Verctítsin sorria, olhava para ela e aguardava su.t reação.
po em que decida tt1do s01;inha. independente do c:on.sentimento dos
- Eu não quero ser recompe;isada. por uma coisa absurda! - ela
p•isl continuou. - Não quero aprender nada desses absurdos. Você mcsn10
- Você está galhofando do mim ou Isso é um• piada? - inter•
disse que tudo isso era bobagem! Não quero aprendc.r esse... esse co·
rompeu Uôlienka. nheci.mento que jogarei ao mato.
- Que tipo de piada seria css-a, se o mundo inteiro funciona as-
- Você Já jogou! - exclamou Veretit..,;[n, rindo intensamente.
sim!? - respondeu Veredtsin. - Você. nunca se deu conta disso? Nunca
- Quem quiser ~ sentir intcUgcnte por saber quem é
lhe disseram i$SO? Não d.igo nem dos seus pais, mas das outras pes•
Pompadour, que saiba! - disse Liôlienka, agitada e fora de si. - Eu
soas? Deus tenha piedade deles também!
não vou prcjudlar minhas colegas por causa desses tipos de absurdos.
Uôlienka não respondeu.
Deixo os prêmios e certificados para quem quiser! A amizade é mais
- O que todos costuroam repetir, tende a ser a verdade - con•
preciosa do que qualquer tipo de louvor... que se 3covardem aquelas
tinuou Veretitsin. - Não há nenhuma necessidade de ser caprichosa
que têm medo! Que se esforcem. q11e tentem. mas eu não lenho medo!
ou contestar. Quem quer que tenha dtcidido qut vl\·er assim era o
Podem me lransformar em cO'i.inheira. govemanta. .. mas, eu não sou
modo correto. cn mais inttligtnte do que nós: é o melhor p.1ra todos.
umaesaava!
Conclua vod mesma: termine direitinho seus exames e vâ para a co•
Ela ir1'01npcu cm lâgnmas e fugiu pelo j3rdún. Vereth.sin não
lação... Havenl uma colação? saiu do lugar e esperou que ela vo,lasse; ele sabia que ela não entraria
- Haverá.. e.m casa naquele estado. Ot! fato. sua peJcrine branca logo aparect:u tn-
- Na colação, o governador entregará o louvilvel certificado; o
tre 3 moit.1. do jardim. Veretitsin foi ao quarto e pegou Romeu e Julieta,
bispo a abençoará e voe~ bcijará sua mão - que mara,ilhoso! Você
junto com 3 Retórica, de Konchânskl, e voltou à cerca. As crianças já
chegará em casa usando um lindo vestido branco, fitas escarlate$. ha-
estavam correndo pela trilha do jardim, enquanto Li6licnk3 buscava
verá piróg" para o jantar... Papal e Mamãe estarão tlio orgulhosos que
uma maneiro de penmmecer distante do olhar deles.
nem deix.ar3o as crianças tocarem no certificado, para que não o su•
- Venha aqui! - disse balxlPho Veretítsin, no momemo cm que
jem. Os pequenos olha.rio de! longe, como se fosse ouro. E d\u·antc a
as crianças ~e afastaram um pouco. - Aqul está o seu Shakespeare.
semana inteira repet¼rão a história de como Liôlienka foi maravilhosa.
Ela c.aminhou tm 3ua dinção, olhou-o nos olhos, envergo-
- Você esrá falando como se eu fosse urna menininh• - ela in·
nhou•se- um pouco pelo olhar dde.; meio doce. meio zombeteiro; e
terrompeu. - E.u não quero nada disso: nem certificados, nem genli•
pegou o livrinho fino.
le1.as... nada! - Esconda bem no bolso do unifonne - continuou Veret::ftsin.
- Ele é seu.
)O Tom russi.. q_u~ pO<k k1' rccbtacb de ru,•crsas nune~s: com pd::tt, carne ou
tNtatu. wl~ outru poSSlbilidadt.s, (N.T.)

NodlêjdG KhYOSChlMk:eiá A moça <to lntern8to 83


92
r a Rtróricn de Kochânski,
E1a se estirou um pouco pa.ra pega •
corou e sorriu. . LÁ rna Vlil
. . . ·1 Llõl1'enka Você a.inda é uma moc1nn~. mas u
- Nao se irn e, ·
pessoa excelente. ~ felii: ace• No dia seguinte foi o feriado da paróquia, e a mãe de Liôlienka,
se.ntiu•se envergonhada, rnas, ao m~'ll\O temp d• 1
EI. para sua imensa surpresa, disse que ela não se apronta.ria para os
· ·
. d ,,u rn~to do olhar de Verchtsi.n, ro
nou para c~on cr .
:isquan º"º-
. d' m exames. mas que se levamarta cedo para a quermesse. Pela manhã,
, l cle 'Jã não estava mais n3 cerca, nem no 1ar l .
tou para encara- o, Mamãe engomou os seus lacinhos e arrumou o chapéu de LiõUenka,
acrescentando quatro botõezinhos rO,Sa, que estavam guardados há
tempo na gaveta. Não d::iva para dizer se o chapéu tinha ficado ma.is
bonito corno ornamento. Deu uma melhoradinha, mas Mamãe achou
o máximo! Então ela retirou uma mantilha azul-daro dt- peau de so;e"
do armário, que estava guardado há muito tempo - e que não neces-
sitava de ser engomado -. além de um lencinho claro que cairia bem
no semblante moreno de Liõlienka. Ela se vestiu com todos esses deta-
lhes, junto com o vestido de mussclina que usaria na cerimônia de co•
lação. Mamãe estavtl agitava e ordenou a Liôlieni-3 que se persignasse
e: retasse em agradecimento à sua vestimenta. Bas demoraram tanto
para se arrumar que os sinos da igreja já tinham até parado de repicar.
O Papai apressava-as. Ele estava vestido no ~u uniforme e também ia
IMra a igreja. Até mesmo Pelagueia Semiônova, que já tinha chegad~
,cguiu em corttjo para a igreja - apre$Sada e dando conselhos de cti-
(1uc1a a Liôlienka. Eles agitaram tanto a moça que ela mal teve tempo
Jc esconder o livro do vizinho embaixo do colchão. "Uma peaido-
r.a'': ela pensou enquanto fazia o serviço e.scondlda► com medo de que
'" -:rfa.nças rc,rirasscm o quarto durante sua aus~nda. Ela também se
11 111brou de que naquele mesmo instante deveria estar se iniciando o
-..11nc de Alemão, de que ainda ontem a diretora lhe falara para que
.1pressasst, pois ainda tinha mais três assuntos itgendado.s. Então,

l'd, d, seda. (N.T.)

95
94
nomes comeÇ4nm a circu.lu tm $lia cabeça - nlo estudos gramaticais l.lôlicnk.a estava t!o 0bsort:.1 que nem percebera quando
ou pt-rsonagens bist6riros, mas oon1cs que $urgiram da tKuridlo da Pri;guria Semíõnova e seus filhoo se desptdlram, nem como ei..
noite passad4, que ela rnbisçara no caderno e qu• se a,-olum•"•m cm Mamãe e Papai chegaram em casa. lmcdlatarncnte~ Mami.le mandou
,ua ment<: durios, másaras... que ela lroca~:st de roupa e fosse no pen&ionnco 1crn1inar O$ ex•me$,
- imó\'tl como uma es1,tua! - atentou sua mãe no o.lpt:ndre da pois ainda uam 11 horas. Liclhenka <$ta,.,, disper>a por con12 de sw,
igreja. Seu pai converS3V'3 com alguns c:walhciros- apartntcmentc, os VC$limema e das impressões que aquela manhã prod111..iram. Seria
filhos de Pelaguei• S,miõno,.,.. Uõlicnka virou-se• fim de obscrv&-lo, bom .sair de casa mesmo e re.spirar or fresco. caminhar, mesmo que
e não st surpreendeu ao ver o seu Piizinho eonversando com npazes para o p,nsioruito. O que acontean• quando ~<se 1.1• Por duas
tão jovens, embora tlvmc raz.3o em se: surpreenda quando ele convi• vezes esquectu o livro correm a levar, e tc~•e de vohdr da ,•arandn até
dou trls 005 r.pazcs para con,'Crsar do lado de fora, na esquina. Havia o quarto; mas não &C esqucc-t"u de levar o Romeu e /11/irta no bolso do
algo de estranho neles. fies con\·e:r,aw.m como se oochichasscm. Um uruformc, do Jeitinho que Veretitsin orientara. f.ntão. subiU.mcntc. ela
dele$ brincaV3 com uma bengala e iomba\·;i de UID3 ,·elhinha que pa.)• dccldi.u Ir até :i cera, mas não havia ninguém na trilha <lo jardim, ipe•
S.lva por peno; 0 outro. qut COfl\'tnava agora em panlcular com o nas • 1anela d,:le pcrmanttí• dc.cnvad.i, como ela havia pen:d>,do na
Papai,., todo momento retirava o relógio do bolso • olh.-, os hor.u. noite an1crior. Verttjtsin esc.~,-a sentido debaixo da ventana e t~rc-
Todos tính;1m os cibcl0$ cnCilr.lColados.•• vio alguma coisa no caderno. A nova governantn bateu palmas para a
Patt de olhar para os lados! - sussum:>u novamente a mle, moça chamando-a para quir. Amãe ~,ou o som e foi até o jardim
que caminhava em silêncio ao lado de Pe1agutta SemiônO\-a. ~ronde a filha estava. LiôUen~ in,·ofuntariamcntc, respondeu que
A esquina fia,-. p,rto e el• podia observar cudo. O 6lho mol> tlnha .iravessodo todo o Jardim parn r<$go1ar um lápis que esquecera
\flh.o de Pdagueia Scmiónova entregou a bengala 110 seu amigo JO na noite anterior. enquanto atuda".1 A moça se senuu tão amargura-
"'"'· aqudc que olhava sem parar o relógio, pux,ndo-o p,la cintura da t eo,·trgonhada por essas palovru que quase chorou ao longo do
_ Vi à me-rda. irmiozinho! .. respondeu o mais n0\'O. entretido caminho par.1 o pensionato. De tanto remorso que sentia. não conse•
na com·ersa com O pai de U6Henka. - Stnâo eu te arremtSSo na Iam•! gm;ii Jembrar•st dt nada que rstud;ira para os cumes. mesmo usim.
llle gargalhou alto. Popai pareceu gostar dessa=• e sorriu tam ""l><glliu chegar• lcmpo parn • prova de Alemão. l!Ja tinha de l'Cd-
bém. Liõlienb senüu ,crgonha alheia por aquilo< ela <$la,•• chaccad•. r.1r 11lguns trechos de poemM qt1e decoram, embora ndo entendtSSe
e. sem qualquer moti,•o, tcmbrou ..se d11 risada dt Verethsin: de )UJ. , ,rue significavam. Mal cht-gan t 1-Cntan no ~ lugu, $Cm tempo
mãos Ma,. sua ,,oz cheia, ,cu cabelo que ~ \ - a do chapéu. M"U 11-ma orga.uiz.:.u os pensamentos, ela confundiu as rimas dos poemas
olho. c.ut1nho-($CUJ'OS e ,cu olhar atento. Ontem tle havia dito q11, 18 unica gu.ia cm que ela se ,apegava para len1brat·Sc do contcudo.
1
ela ,era -uma moça acclcntc~ Como ele ousava chamar •wt,llenk• >r«>fcssor, um altm.io, 1.0mbou dr $IR C($J>O>ta, e ,ssc novo fra-
\\O deilou Llólienka mais bar.ttinada do que nunca. Um professor
n S6~ch&ma a.lp&n pdo ~ quando hi um ~u ~ in11mldade wAc1r 1 l r,ancti sucedeu o de Alemã~ e um de H.1stóni o de francês, um
(N.'I'. )

96 97
após O outro, sem intervalo. O professor de francês Citou um exemplo tendo sido rebaixada do quia10 para o décimo quinto lugar, no rnn·
de cacofonia envolvendo o patticipe pa$Sé, no quadro. que ele mes1no queamento das alunas da classe."
teve dificuldade em responder, o que, consequentemente, o fez enfu- - Você merecia ser expulsa por tamanha impertinl:nda! - disse
a direlorn,
recer. o professor de História perguntou sobre gucrra.s. Um mima-
to antes, enquanto os professores se substituíam, Liôlienka deu unta Ela não a expulsou. porque. no fim das contas, uma aluna a
olhadda, no Romeu e: Julieta, como se a peça de Shakespeare fosse um mais representa mais dinheiro. Llôli.e:nka mirou nos olhos de suas co•
a~unto da prova, e;, nas primeiras páginas deparou•se com a ínsen- legas.. pensando encontr3r um aJago. mas todas cvitaram•na, algumas
satez do mal e dos derramamentoi; de $anguc. Ao seu lad~ a colega preocupada$ (Om suas atuações nos exames - ou só Deus sabe com 0
OHênka Beliáieva mpondia à questão ressaltando a Importância dos que mais. Toda a coordenação do pensionato estava contra Liôllenka
- (Orno pôde ir de encontro aos superiores? - o fraca.5$0 da moça foi
grand,s homens.
"Grandes homens? Set .. Eram vilões!", pensou Liólienka, lem• inesperado para todos que a conheciam. Ern impossivel cut tia tivesse
brando-se dos comentário$ de Vercútsin, de sua risada. Em seguida, esquecido absolutamente tudo de urna hora para outr;, Mas, como
Liôlienka escutou fa]arem no nome de Luís.. o Benevolente, e n5o se poderiam sabe.r? Se ela tivesse dito algo relacionado ao conteúdo, mas
conte\·c: gargalhou estridentemente diante de todos. Ela encontrou quem se importa com o conrctido? Qual a razão de se estudar n.um
um ntote para gargalhar diante de todos. e esse n10te veio seguido de pensionato se não terminar o curso e receber as honras?
uma calorosa reprimenda; era o que faltav3 para o despertar de 5ua1> Llôlk,ika foi para casa. Dc.ntro de dois dias ocotl'Cria a «.rimO•

teimosias e convicções de que toda aquela encenação era um grande nia, e seus pais descobriram que tipo de desaforo ela tinha preparado
disparate. Nesse momento ardente, suas ideias e sentimentos estavam para clc.-s. A moça passou muito tempo d1orando e sua mãe surrou-a
completamente des,ontrobdos. e ela passo\1 a escarnia!' de todas as mais de urna vc-t.
perguntas. Quando o professor. mais uma vez., a repreendeu, cla o a~~ E<.'"' clima de catástrofe durou alguns dias: o barulho das dis•
cou acusando que o livro (onfundia mais do qut esdareda; que nao ~us.sões. o silêncio Interior, a casa reple1a de visitas e a inquietude das
ensinava a discutir os temas, mas a decorar nomes e datas. O professor 1.rfa.nças afetaram tanto Liôlienka que: ela passou a ficar aborrecidíssl•
pediu que ela não discutisse mais, ao que a moÇI respondeu a~usai\• m11. Após chorar bastante, ela subitamente parou, sem sinais de deses•
do iquele modelo de ensino que só servfa a um eterno ex.erc1do dt prro ou indiferença. Percebeu que era miada pior quando tanto mais
lembrar e esquecer... O professor 6cou atônito. Ele ensinava há vinte C' lh">r.tva, e suas l&grimas foram desaparecendo. naturalmente. Ela até
cinco anos e era qualificado para lec-ionn.r em pensionato, mas nunc•• · "4.' ntiu melhor assim. Sua mãe logo jwltou uma trouxa de roupas
1 um meias de criança e camisas velhas e arremessou sobre Líôlienka
vira nada parecido por parte de uma aluna em toda sua carreira.
Esse escândalo finalizou os exames no ptnsionato. Nem ~ m·
cessário dizer que Madcmoiselle Sc-liáitva foi apro,•ada. paro a chu 1li aqui •ma pequena confvs.io qu.mto ao nnqucr.amcnto de Uôlknlca.. que no
.lJim100 sa a suta colocada da sala, mas aqul t l\ut.urn dasi:ifi~-a
ill.1 capí1uJI).
se superior, com honras, enquanto Liôlienka ficou na classe inferlu, mo,l'UnJa. (N.T.)

99
para que ela reparasse. alé1n dos trabalhos normais de costura. Ela - Ora, mas por quê?
trabalhava do amanhecer até 1arde da noite, parando apen-as para se - Porque ela não merece! Pergunte vocé a ela mesma: wna me•
alimentar. Essas paUS3.S para comer eram tão tensas que muitas vezes nina sem-vergonha! Demos tudo para da ser uma madame~ mas: quis
ela preferia ficar lrabalhando incansavelmente. Em alguns momen• seguir o pior: é urna ignorante!
tos. perto do cair da noite. quando o vento soprava em direção à ja.. - Não a humilhe assim ... - interrompeu a vii;itante. acariciando
nela onde senta.va•se com o bastidor, ela contemplava o redor. Algo a cabeçi de Liôlíenka. - Você tem uma filhínha muito boa. Diga-me,
parecia queimar seu$ olhos e a ideia de fugir para longe chispou em quem nunc. trrou ou pecou? O que há de too bom nesses estudos,
sua mente. Ela passou o día todo diante dos pais e das crh.tnças, com Mãe? Fez algurna diferença para mim ou para você aprender alguma
quem também tinha de dividir o quarto. Não havia um momento se· cojsa? Na verdade, o qut interessa I a prosperidade! Deixe que aos
quer de liberdade; para que ela semasse. refletisse. Mesmo à noite era pou~uinhos eu vou ensinando como administrar uma casa - sei que
impossível. pois já estava tio cansada que adorme<:ia rapidamente. voce sabe ludo, meu bem - e também precisar.í aprender um pouco
Numa dessas noites, eli-sentiu vontade de chorar, pois as crianças não de música... Minha lindinha, você sabe tocar música? Talvez. uma vai-
paro.varo de incontodâ~la e provocá•la. Eles receberam ordens para ~ª ou uma polca?
importuná-la, mas depois de um tempo jâ f.uiam por pura diversão. LióUenka não respondeu. Ela sentia a mão de Pelagueia
Repentinamente. uma ideia ocorreu à Uôlicnka: "E se eu, de uma hora Semi6nova acariciando seu cabelo.
- Ou uma quadrilha, que.m sabe?
pra outra, enlouquecesse?"
Ela não costumava fantasjar aventuras - invenções que acal. - O gato comeu sua língua. foi? - gritou a mãe. - Você sabe ou
mam a tristeza e quase aiusan1 prazer aos aervos. Havia algo em seu nilo sabe?
espírito mais forte do que essas invenções. Uma vez, sua mãe dissc•lbc: - Sei - respondeu Liôlienka.
- Por que você nunca olha ninguém diretamente nos olhos? - Conte outra mentira, váJ Como você fez lá - continuou a mãe.
Liólien ka mirou-a e virou as costas: ela st'!ntia medo. Diz.la para Moscre sua cara, ou quando for se apresentar iPra nós vai fazer um
si mesma que seu pecado a atormentava e que só desejava morrer... Jó-ré•mf' qualquer pra enganar.
Ela pumaneceu assim por uma semana. Pclagueia Semiónova - Não. já cliega... Minha lindinha, você jó deve c,;tar cansada
apareceu para tomar o dtá e encontrou Li()Lienka numa janela. e a mãe
1lr l11ntas instruçôe~ - interrompeu a visitante carinhosamente._ Mas
"~hncnte, sem músic.1 strlà lmposslvd... ll veja, você é muito pren-
e.m outra.
- Que mocinh;i prendadat - ela destacou afetuosamente. - Mas. 1IJtl,,, não é? Mamãe. por que não deixa a moça descansar e dar uma
díga-me, Mãe, por que mantê-la trabalhando o tempo inteiro? Hoje• rull inha no jardim, enquanto conversamos? Tenho um assuntinho a
1u111r com você.
domingo! Dcixt..a ao menos ir ouvir a música...
- E.la não tem nada apropriado p:.t.ra o passeio de do.mingo Certo. Pode ir embora! - disse a mãe.
respondeu a mãe. - E também tem ordens de não sair. 1lôlienka se levan1ou, guardou o bastidor e saiu. Suas pernas

,oo N adlêfde Khvoscr»n 101


estavam bambas, ela não tinha dado nem vinte passos dentro de casa
nos últimos dias. IX
- Que assuntinho é esse? - perguntou Mamãe.
_ Sobre O partidão, minha que.rida! - respondeu a visitante.
Porque era domingo, as cria.nças estavam todas brincando na
o partidão escolhido era o funcionário farfórov, o jauotinha
relva com os filhos dos vizinhos. Liõlienka estav:1. s01.inha no seu jar-
do relógio na igreja, amigo dos filhos de Pelagueia Semiõnova, o qual
dim. Por tudo o que ac.ontecera. não conseguia se sentir feliz., muito
Liôlienka espiou tendo uma conversa ..polida·• com seu pai e pensou
menos livre; um tanto porque ela c-.stava sentada ali, sozinha, distante
ser wn dos filhos dela, o qual Pelagueia Semiônova enviou na missão
e cansada, outro tanto porque seu coração, como tudo o que é forte e
de perguntar sobre u1n possivel casamento com LiôHenka. O pimpão
inHex:ivel. não podia se recuperar mais. Ela can\inha\'a vagarosamen-
estav:.\ para co11seguir uma promoção no trabalho ainda esse ano. e
te, tentando ape:1las respirar o mahi fundo possível. Ele sequer selem•
já estava no tempo de pensar numa boa espos-a. Enquanto Uólienka
brou da concepção habitual de insuportabilidade que ri.nha em relação
e~tava prestes a faztr de1.es-seis anos, ou seja: tempo de casar. O janota
a Pelagueía Semiônova e o que Ma,nãe via de tão especial nela: pelo
era filho único e sua mãe era uma. mulher de temperamento dificil.
contrário, ela pensou que S4!tia até bom que elas estivessem juntas fa-
mas doente e tinha txistante. dinheiro. No caso de Liôlienka. sua ti-a
zendo companhia uma à outra. Por um minuto ela desejou que uma
e madnnha, AllOna CavT'1ovna, po<lf':ria conceder uma quantiaz.i.nha
de suas colegas de sala estivesse com ela... mas qual? Nenhuma veio
para Aliôna Vas-sUiêvna) com a beéção de Deus! O r;.lpaz. seduzido
vl.sitá•la. Elas devem estar se divertindo agora, indo a passeios públi•
pela bcle1.a de Liôlienka, fez poucos exigências:
,os) ouvindo música e aproveitando os parques da cidade... e todos os
- Eu s6 faço questão da música. Sem música é imposstvel - di-
~111.1s serão assim?
zia ele. Ela queria se jogar sobre a grama e chorar; mas resistia, olhan-
- Quando ele conseguir a promoção. você dará • bênção - disse
,tn involuntariame.ntc para o jardim do vizinho. Veretítsin estava en•
Pclagucia Semiônova para a mãe. "mtado com os cotovelos sobre a cerca.
- Ser.i uma grande lisonja p3ro. ela~ assim tão jovem, casar-$r
Ele Já esiava lá havia algum tempo, bem antes da chegada de
com um rapaz tão bem-apessoado. E você só terá de escrever para SU•\
114'llcoka) maquinalmen1.c naquela posição. recostado. como de há-
,m,ã, Aliôna Gavrltovna, em São Petersburgo, para conceder aquell
11110 Sua alma estava mais carregada que o normal. como acontece
a;udinho. e engordar o dote... - concluiu a visitante.
11111u1llo alguém se delxa ensimesmar pelas ideias e dá vazão às vonta-
Mamãe começou a calcular com a visitante exatamente c.lt
1lr. que perturbam os nervos. Ao longe, escutavn•se uma música ligei-
quanto precisaria e como conseguiria a quantia necessária pan, o dote
111111,·ntc agressiva, quase irritante. Mas -a mUsica só pode acalmar um
O pretendente, além da exigência de que e.13 soubesse tocar mú~\c.At
0 1,1., ou uma criança. ou um 3duho que ainda não se dtsvencilhou
requeria. seis vestidos de Unho. Mamãe estava quase concordando"'"
'"' !nl,\nd::i.
fazer quatro...

• do IOtern.or;o 103
Naótétdt Ktwoscrnno•
102
Veretitsin não escutou o farfalhar do vcsrido de Liôlienka e só - Por exemplo, que tipo dt verdade eu lhe disse?
perGebeu sua presença no in.nante em que ela também notou a sua. - Que ostentar orgulho é motivo de ve,gonha.
- Quanto tempo que não 1e ,•ia por aqui! - ele perguntou. es· - Liôlienka, cu nunca lhe disse isso.
tendendo sua mão para ela. - Eu entendi assim - respondeu con, convicção. - E agj tal quaJ
Liôlienka apertou suo mão stm surpresa ou qualquer emoção. entendi.
Ela apenas sentia frio. - Alguém ficou agradecido por Isso! V0<ê ficou satisfeita? Suas
- Eu não ti\'e tempo de vir - ela respondeu. colegas por quem você fez esse sae:rificio. alguma veio lhe dar um
- Sim... Mas.. e então, como vào as coisas? abraço de agmdecimento? Qualt Nenhuma?
- Acabou tudo. - Obviamente, nenhuma -ela re$pondeu urn tanto ofendida. -
- Parabéns. Mas eu agi corretamente!
_ Nem precisa. Eu permaneci na mesma sala e entre as últimas. - Você tem fdeias romintica&i Liólicn.ka. Devolva-me 0
Veretítsin balançou a cabeça ncgati\'alllcntc.: Shake$peare, por favor. Você já lt·u o bastante e desse jeito as coisas
- Você fez isso de prc,pósito? vão piorar.
- Não, eu mesma não sei... Foi quase de propósito. - Como poderão piorar? .. ela ten1ava entender se ele estava
- Por quê? tirando sarro. - Ah, você só pode estar de pilhéria!
- você sabe. .. Pra qw: falar ~ou,e isso? t c.hato. Você $3be. me- - Eu ~1ou pilLeriando de voe~! Pense você 01csma: seu pai e
lhor que qualquer um, melhor do que eu mesma sei. $'tia mãe devem estar furiosos - sO Deus sabe o quanto! S\las coJe:gas
- Eu, Liôlienka? devem estar zombando de ri. V0<ê mesma não sabe o que faur da
- Ora, sim. Afinal de contas, como você disse... Aquilo que você Vida; está terrivelmente infeliz., mas comJnua dizendo ..eu agi correta-
disse aqui. você lembra! mente~ Voe~ é umo ceimosa, isso Sm!
- Pelo am.or de Deus! O que quer que eu tenha díto. eu poderia - Repreenda•me mais! - ela disse, olhando-o bem nos olhos.
estar enganado ou brincando... Veretítsin riu do seu olhar e deu a mão a ela novamen1c. EJa a
- Você não estava brincando. Eu lhe perguntei várias ve-us se .-x.arrou com ambas as mãos. Vert'titsin puxou a mão de voJra.
,,ocê e-st.wa brincando e você sempre dizia que não. Que você estava - Como voe~ vai seguir nesse mundo agora? - ele perguntou.
fu)ando a verdade... Etl ainda não sei tudo. Tudo $Obre a verdade~ sobre - De alguma manefra.
as coisas da vida, sobre todas as verdades! - De alguma maneira não é possível. Ser sentimentaJ e livre lhe
- Por exemplo? ""'"' lristes consequências, além de ser considerado indecente.
Ela ficou confusa. A lembrança dos seus pais a fez morder o, Como assim? Como a5$Ím, indecente?
h\bios, guardar as palavra$ e as lágrimas. Veretítsin olhou no seu ro - Pois bem. Você sabe que as pessoas precisam conviver de aJ.
1
1 1oi. 111oneira umas com as outras. Para isso, elas c·riaram feis, regras.
e repetiu, sorrindo:

Nad iêjd.O Khvo:sçhin


105
aparências, inventam de tudo para ficarem junH>s, E ~to modo como - Eu não estou de gozação- continuou Veretítsin. - Se você não
alguém influente age em t.al caso, os outros devem agir igualmente, gosta de faur sala nem das atividades domésticas, o que mais furá?
sen, direito ,a errar. de modo que aquele que fa]ha pode se prejudicar - Não farei nada - ela respondeu tranquilamente. - Faç-a-me
seriamente~ E qual a satda? Ah, eu não concordo com esse tipo de um favor; não ria mais de mim.
educação - vou estudar outra coisa! Ah. eu não gosto do papai nem da - O riso não importa - respondeu Veretftsin, riodo ainda mais.
mamãe - vou fugir de casa! Maravilha! Graças a Deus que ~ses ban- - Uma moça tem de ser humilde. trabalhadora. respeitar os pais, agra-
doleiros são poucos.. e que existem leis para eles. Toda ess.-a liberdade decer por tudo. cujdar da casa, fazer sata às vi.sitas... E O que você faz?
gera desordem. &itisfaça~se com o que você rece.beu da vida. E sobre o - Não sei... cu estarei perdida!
sentimentalismo? Para que encher a cabeça de ideias de abnegação em - Não. n?to se perca! - de respondeu, ainda sorrindo. mas me-
relação às colegas? Nw,ca demonstre, pois elas nunca far"âo o mesmo nos afetado. - Por favor, não chore. Liõlienka.
por você. - Eu nunca farei e~s Idiotices.
- Mas, como assim? - ela interrompeu. - As vezes_ a gente chora pela idiotice dos outros.
_ oe novo! - cxdamou Vcrctitsin. - Apenas nio faça. minha - Voct não entende! - da replicou. olhando novamente nos
querida Liõlicnka! No fim d.15 contas, você desistirá de lu~o p~lo seus olhos, e se calou.
amor à humanidade, desistirâ da pessoa que você ama... e ninguem Veretitsin tan1bém ~ calou, levantou a cabe,ç:i e escutou a
lhe agradecerá por Isso!
música.
Ble riu porque ela gargalhou aJto, mas dessa ve'L ficou corada e - Você vai vhrer pra s.e:mprc a.qui? - perguntou Liólie.nka.
não olhou nos seus olhos. Ele olhou ao redor:
- O que você vai fazer? - continuou VereUt:sin. -O quê?
- QuaJldo? - Não... Eu perguntei ... O que você foz durante o dia?
_ Bem) por esses próximos dias? Você não vai mais ao - Eu sirvo à pátria.
- Você não se chateia?
pensionato?
- Não irei mais. Eles vão me tirar de 1.\. - E como seria possivel!
_ Olha ai! Agora você vai costurar o dia inteiro... Você recebe - Você tem a.n\igos?

visitas? - Agora eu tenho \'OCê.


- Recebo... Uma gente que não ,.,-ale nada. Ela suspirou. Veretítsin esra,•3 distraído, ouvindo a música.
_ Uôlicnka! Que tipo de orgulho é esse? Como você pode dr.cr - Ainda uâo acabei de ler seu livro. Quando eu acabar, você me
que eles não valem nada? Seus pais gostam deles. Você é a primogêni- t'mprestar.i ouiro?
ta, tem de recebê-los. fazer saJa. - Hã?.. Sim, pode ser.
Liôlienka baixou a cabeça. - Eu vou reaprender rudo - ela acrescentou, timidamente.

Nadléjde Ktwoochlnsk;oia f\ moça do int,ernoto


106 107
Vcretítsin olhava ao longe. Ele ouvia mas não escutava o que - O que fuzer se eu não tenho exames para me ()(: ?
- Pare do f:aur
• gracm. h as de tudo. Você \'ive como'
upar.
dizia Liõlienka; suas últimas perguntas, o som distante, o vento úmido
- Como você pode ver. ·
que ac.ariciava sua alma naquele comecinho de noitt.- Nas noites da-
ras, há momentos especiais em que uro dia desperdiçado ~ lenibrado =~sso ~ão é_O;u6cientf. - ela Cõllléslou lmpadenlemen!e.
com mais profundidade e traz consigo tantos outros desej0$ e desUu- . u nao sei aonde você quer chegar...

sõts, deixados para trás, que a claridade crepuscular par,ce realçar e Silenciaram ambos. Veretítsin tomo .
não ia embora. u·se pensa uvo, Llõlie.nka
dizer: agora é tarde den1ais!
- Eu aprenderei tudo~ assim como você! - dis..w Liôlienk.a. - E então, pediu aos seus pais ue rd
tou olh d q • pe oassem? - ele pergun
• an o em volta • e por esse movimento
. lembrou-se "d l .. •
- intenção louv&ve.l! - respondeu Veretltsin, sem se mover em
- Pra quê? e a.
direção a ela. - Seu paizinho e sua máez.inha discutirão por causa dis-
so. e~ enquanto vod esüver sentada no sofá refletindo sobre as no- - Pois bem. tente. Eles te perdoarà . ai
-aos passeios. o. se egrarã.o e te levarão
vas descobertas da astronomia - um passatempo excepcional e muito
tranquilo -, ojnguém te incomodará. As vi.sitas: virão e começarão: - S: melhor aqui - ela respondeu.
..Você viram que o diáco110 prestou queixa contra o sac:ristãor'. ou. Vcre:tftsin não disse mais i1ad 1 .
Liôlien.ka. O portão d da a. e• Já não pe11sava mais em
"Madame. corno seus olhos são lindos!". Ai de ti, se lançares uma per• a entra rangeu e um som de
dos P?r.s0patos sociais, muito el~ant.!s, Sõou na trilh::ssos P'.º~~zi-
gunta desconcertante para eles: ·o que você achou do golpe de Estado
Vereut:1m procurou o visitante. o seu Jª un.
do presidente Luis Bonaparte?'"... Isso será muito divertido. sérío mes·
- ~~• Jbráiev! - ele disse e foi ao encontro deJe.
mo.. te aconselho a fa·.tê-1o.
lbruev parecia agitado.
- Você nunca fula as coisas al>ertamcnte.
- O que mais, então? S(rá muito mais f.kil para você estar en• • E.<tou aqui só de passagem. F.stou saindo da repamç· o
pon deu tão Jogo alcança. a - res•
tre pessoas que a entendem bem. t gratificante para o coração! De - Eu - . ram um ao outro e trocaram cumprimentos.
acordo com vossas maneiras. logo esquecerás do mu.ndo todo para nao ousaria te deter.
ficar na ,omp:mhia de um li\'rô, mas quando olhares para trás, verás - Veretftsin, certas coisas não se fazem!
um monstro d,sajeítado, e saberás que não poderás deixá-lo para trás - Qne tipo de coisas?
com um lh•ro. Eu te aconselho: estude! Alguma vez. já te chamaram - Vocl pediu para Ir embora?
-Pedi
de louca? - Por quê?
- O que eu devo fazer. então? - ela perg..intou.
- ÊSlOU cansado da ndmm1straç,10
.. . publica.
, . Meu peito dó' I
- Eu realmente não sei, Líólienka - mpondeu calmaniente
- Jl porque as Khmeliévskis foram para a aldeia né' t.
Verethsin. - E e-u quero visitá-las. Mas Isso não 'e: da sua conta.
• .
- Você estã muito chateado, né? Diga de verdade.

A n\Oqo do lnt~moto 109


10B
me para persuadir seu
- Mas é ,,erdade que você usou meu no

chefe? • ,. Nunca nem sonhei com essa X


- Onde \'Q<;ê ouviu ,sso.
possibilidade. . .Eu conheço, mas não vou A influência de Pelagueia Semiônova sobre J\famãe tornou•se.
- Voe//: recorreu à nunha proteçã01. O momentane.amente, benéfica para LiôUenka, que passou o. ter um pou•
cotocar amarras sobre ,,oc.~... á . entando maneiras de colocar co de desc.:unso; ela não era mais obrigada a remendar camisas nem
- Eu acho que você que cst mv unca ficar costurando nos bastidores.
. - disse Vcretítsin muito calruomente. - Eu n
amarra..;; sobre mun - D~e jeito-. você v3.i sobrecarregar a mocinha! - Pelagueia
mencionei seu norne. . disse· .. Estou dei.Xando Veretltsin Scmiõnova .:advertiu Mamãe.
- Seu colega mais anttgo me . . ele tem uma boa Então, julgando que só Deus poderia explícar a diferença que
ir embora por minha conl'a e risco, só porque sei qu.e faria para uma mulher pos..~uir. ou não, conhttimentos científicos; e

relação com 'locê .. ~ mentei que te conhecia. que~ apesar ,de tudo, uma garota sempre será uma garota. ela decidiu
- Relaxe que eu nunca nem e~ . r corro o risco de me fu>:er um lindo chapéu para Liôlienka e levá-la i\.s vlsilaçõ<-s nas ca-
- Só porque inventei de te v1s1tar. ago a sas das familias importantes da cidade. Se acontecesse uma festa do
~rrnin:ar. ~, 'tsin _ Eu te avisei que não dia \lo santo de algum funcionário, ela iria com Liõlienka; um chá da
aí tá' interrompeu veretl . tarde. iria também. O problema era que elas só visitavam um casal de
- Pronto, es · - ... se comprometer.
seria bom vir aqui. Portanto, seja mais atento em na0 idosos, senhores de terra, e mais outro casal de velhinhos; à exceção
Ele apontou para o portão. .. desses, não havia mais ninguém para visitar.
"fi ·sso' começou lbraiev. O pretendente não abria mão de que a moça to.casse música.
- O que sigm cai .... - ·sra sob vigilância policial, não
- Nada de mais. Sou um cop1 • t e. L.iôlicnka não sabia nada sobre o rapaz, muito menos sobre suas exi•
. , mi o Você pode provar que nao me pro "%
gências.. PeJo jeito desligado e desatento dela, os suspiros de Mamãe
é uma boa discutir co g . - d ·- ir embora ou me enviem
.. para qtte eles nao me cocem
Preste atcnçao . com sua am:iga e as negociações misteriosas en1re os pais passaram
1
. f io Vai cu tô te a,'lsando. batidos diante dos seus olhos - mesmo assim, .Mamãe pediu que eJa
para wn lugar mai.S r ... , d o tom da conversa subisse
. ~ • bor.,i co1n me o que se comportasse corno uma estátua na igreja. Devido às ex.igências do
lbrá1ev º' em d b . o dos lúpulos e perma-
alnda mais. Veretítsin voltou ao banco e :ux pretendente, Mamãe tentou e conseguiu um piano-forte usado. de
neceu I.." , sentado
- • até escurecer. quatro oitavas, com surdinas, junto a uma senhora que se retirara para
um monastério. O piano-forte seria empresrado atê que aparecesse
um comprador. LiôUcnka foi obrigada a tocl-lo todos os dias incan-
-,avelmenre. O cachorro c;omeçava a uivar debaixo da janela, toda , ei
1

que ela dedilhava o piano.

A moça do 1nt: cr-noe,o 111


Nsdittda K,hvoschlnst.D••
110
rosa é uma rosa, nlC$MO que com outro nome não tivesse
- º'A
e assava a ter algumas horas livres
Liôllcnka se alegrava p0rqu p resmungar contra igual perfume?".,. - Liôlienka recitava, embora não tivesse decorado
odia ir até o jardim para ler. Mamãe comcço~1 3 . corretamente. - ''Risca teu nome. e em troe.a. leva a ti mesmo..:'$ Meu
ep • Semiõn0\'3 acslmava•a:
esses livrinhos, mas Pelague1a . 1· amo para isSO'? Deixe-a único amor tornou•se meu único ódio, ..":;,,
· h• tem 1nc in
- Fazer O que se a moem .,.-
E. como se num ato involuntário, agarrou o livro e começou a
ao menos ler em francês... l d único livro que tinha cm ftan- procurar as citações. Ela folht.ava, virava as páginas e relia sem parar.
Oe fato. Liôlicnka. estava en o o e a fez e1wergonhar-se: - "Na brí.sa do destino paira sobre mim a iJtfclkidade...•»
. U ·deia lhe ocorreu, qu Ela arremessou o caderno na grama, enfiou o rosto entre as pá•
cêS. Romeu e Julieta. ma ' . 1 ém lhe perguntasse a
•. ~ livro cstrangetTO caso a gu ginas e chorou amargamente: não por Julieta ou Romeu, nem por ela
oonlo esc.ond er ....._..
sua procedê.nda? l d'sse a si mesma, quando mesma. embora antes de tudo isso já sentisse o coração pesado. Ela
- Mas fuz,r o que se ele é bom? - e a , chorava pe]a maneira como as coisas aconteciam no mundo - e s6
o leu pela. primeira vez. .MS eram um tanto confusas, Deus para saber se os caminhos vindouros seriam bons ou ruins...
..
As palavra> sao comp ,
rcadas a.s COJ.-
'.. • ·aimentc o fr.lncés, - Você, mocinha. acorda com o galo e dorme com as corujas.
. . d va tudo com dihgênc,a, espec1 . hein? - disse a mãe, no dia seguinte, quando percebeu que Liôlicnka já
n,as L1óhenka estu ª 1 te Ele forçou-a, muitas
d internato era exce en . . llnha escapulido para o jardim, antes mesmo das matinas.
porque o professor o 1 1· os de Chateaubrland. Porém, .,,.._
ve-zes, 3 ter e eradU1.J.r textos
,
<os '"'
-· pta a ler sem recorrer, vei ou Liôlitn.ka nem s,z preocupou cm avistar seu vizinho. Nesse dia,
. . ,..... • da não se senua a • tl,t não teria tempo para ninguém. S6 que eJe também não apareceu
da ass1m, L1ôbcniw ain • de .. sempre mais, e acre•
. . Mas ti• queria apren •
outra, a um dict,onaire. . . fá il seria O conteúdo do lhlSdoís dias seguintes. e isso deixou•a confusa e terrivelmente preocu•
nais longe fosse. mais e ... ,
ditava que, quanto , . . ando ela leu pela primeira vei. p•d•. pols isso nw,ca tinha acontecido. Era absoluramente necessário
em dúV1das -, e qu . ,her noticias dcle. Porém, como? Com quem? Se não havia nenhu•
Hvro era atraente - s . da arrebatador ainda. A. prt·
fu-•'"
sentiu un1a t;\.lA>•ª
de Interesse, mas na
e d I· que não chorou lendo nem 111,, ldma viva na vizinhança com quem ela pudesse contar. Até :iquele
·to es,orç.o e. a, 1•1r,bo momento. Liôllenka nunca precisara da ami1.ade de ninguém;
roeira leitura requereu rou1 i:. • dos capítulos. Ao termi11ar

d nem nos utuus


as primeiras cenas e amor. . d mc.m6rie irromperan, 11,, ~iuo agora, talvei ela não precisasse, seria só para saber ootkias...
• cu1 -a respeito. mas e sua
0 livro, nao espe ou ... Esses .,,.,menores p,r
00 detalhes e pa13 "'=·
inesperadamente, e$ ços, . • R I h11 Mab - que liJtdal :Ela n
,- r 16heaka qucri~ dúer: •o que clia01.uno5 t'O$.i., com outro nome não tc.ri.l lgual
11,mc:f" Ato n • .:eu.i n. (N.T.)
,
r. ·
turbavam•na e ,az1am n
• a somr... A a n
. rdim numa carruagem
feita de conchinha t'C'• 1 ) rlSC-a leu nome. e. rm troca dele. que não l pute alguma de. ti mesmo, fica
estaria
~
escondida no Jª , .. A no1te, . a cn'pta ,,.,.ura .,,.. • o canlo , ••ll'llt ln.; AtoJl, ccnA U.(N.1'..)
forrn• de libélula com asa .... 5 edam diante do, M,i. ttnko amor, nuddo de nm, Untoo ódio?" Ato 1. cerw V. (N.T,)
. Uma por uma. as ce11as apar
cotovias. a aurora. .. , h~ ntnh1.1ma d f3,Ç30 d~ tipO cm R.o,n(U r J11li~ta. Vcri6nmos ruu notas
• l 1-;Ao 1.ngl$ da now,la e l prMwl que U6lieoka. lcnlu í.nvt"ntado «ui ~sa-
olhos.
l! lt

Nàdlêida KhvosCh
113

112
Ela que.ria vê•lo. não para contar alguma coisa. mas para pedir suo. .,Será que algum dia terei que rcr filhos? Terei realmtnte que
opinião sobre como proceder doravante, pois continuar daquele jeito •. . )"
.
vtvcr a$SlID, • pensou Uólienk.a consigo, enquanto ol.h.ava, com a vista
seria impossível. Claro que tudo continuaria como antes. mas só Deu.s embaçada pelas lágrimas, para o desenho do bordado. após Mamãe
sabe como essas ideias chegam ao nosso coração! Outras pe.ssoas vi- ter empurrado sua cabeça contra o bastidor.
vem de modo diferente~ mas não do tipo de Pelagueia Sen1iônova t Ne-ssc dja, porén1, papai voltou para casa mais tranquilo que 0
s,us filhos, ou filhas de arcebispos, como Ólienka Beliâiew. Os mu- normal
jiques devem vi\•er melhor... LióHenka ficou sabendo disso pela nova - Farf6rov conseguiu sua posição perm::mente - disse o Papai,
go\'trnanta. que velo da aldeia e diss-c que lá era melhor t que todos sentando-se à mesa.
tinham 0 que fazer. .:.E pra qué embele-tar esse colar? Mamãe não usará - Glôria a Ti. Senhor! - exclamou Mamãe em éxta$e. - Agora
cm lugar alguml ficará numa. cômoda se cs-trngando - da só penteia vam0$ c.sperar o que Pclagucia Seml6nov3 vai dizer...
o cabelo urna ve-.t por semana! Nem pra vender serve, pois ninguém - O que quer que ela venha a di1.er, não comente nada com a ca-
compr,aria; e~ se comprassem, o dinheiro seria usado para quê? Só britinha - Papai apontou para Liólienka. - S6 que agora preciso escre--
para comida, lenha e velas... Sem dúvida. 1rabalhar para as necessida• ver para minha jm,i. Para oode devo enviar? Onde es-tá a carta dela?
d•s básicas é fuodamental, mas pra quê falar dessas superficial.idades - Ô, paizinho! Onde é que está mC$mo? - exclamou Mamãe, _

o tempo todo? Não há nada mais aqui?" Alióna. onde está a carta da sua tia Aliôna Cavn1ovna? Paizinho, onde
- ªRealmente não há nada ruais por aqui" - eonduiu Llõlienk•. foi parar'! &tava bem aqui atrás do espelho, junto d.1.1 nossas coisas
e seu coração se confrangeu todo. sagradas. Esses pcstinhas devem ter bagunçado e destruído a carta_ e
E1a tncontrava-se so-tinha, ao redor tudo estava tranquilo e o agora, como poderemos convidâ•la? Onde voe~ escreverá para ela?
relógio tiquetaqueava de um modo que você sente até vontade de dor• As crianças jurar:i.m que não linham escondido ou rasgado car4
mir. De ·repente, um grito irrompe no jardim; era Mamãe brigando ta alguma. Todos começar:.1m ;i procurar. Mamãe estava desesperada:
com as crianças, Mais um gri10: as crianças tinham opanhado... bisbilho1ava pelos cantos, amaldiçoa\.-a sua vida e desconfinvn seria•
- Meu Deus! Todo dia é isso! - Liólienka pronunciou com força. mente que alguém tinha roubado a carta por um motivo qualquer. Até
J.S vigas da varanda tremiam com 3 voz do Papai Ele comeu e djsse
Ela correu para dentro de casa, pulou sobre o bastidor. diri•
giu-1";:e para onde estava a mãe e. aos prantos, agarrou•se aos irmãos. que Uraria um cochilo. mas ames anunciou que a carta teria de ser
Mamãe e)tava para lá de irritada e ordenou que líólienka fosse direto l'ncontrada. Eles podiam fu.zer barulho, mas o suficiente para que não
o c1.cordassem. Mamãe não se envergonhava di~o.
para o seu quarto.
- Veja sô, que mocinha esperta! - gritou a mãe. - 1c1tha os seus, - Tá vendo! 1\.ido isso por sua causa~ sua burra inscn$ívd! - ela
J1ssc para Liõlicnka.
então moslre que sabe como criá..(os! Case..se e veja o que é bom para
Líólienka $tnlia•se completamente perdida. Chorava e não en•
a tosse!
tendia por que ela era a causa de toda aquela confusão em casa._ Seria
por C."lusa da sua madrinha, Aliôna Gavrilovna?

Nedi6jdo Khvoschfnskti• A moç-a do Internato


114 11S
Mamãe revirou os armários procurando essa carta - até o baú O portão rangelL Era Mamãe que rtlornavn.
da governanta foi abcrlo. Procurando por conta própria, Liôlicnka cn• "'Talvez ele estivesse por aq u.i enquanto eu não estava': concluiu
controu a carta; ela tinha caído por detrás do esp.e-lho, .e-nquanto cutu- Liôlienka, correndo para dentro de casa.
cavam, e nesse momento escorregou para uma fresta na gaveta que Seu nome foi chamado. Mamãe trouxera da casa de Pelaguela
ficara entreaberta. Liõlienka estava feliz por aqueles poucos minutos Semiônova un1a trouxa de lecidos e começou a cortar umas camisas de
de silfncio e decidiu que não .1gitaria a mãe, prort0gando o anún~ homem. Ela deu um desses tecidos para Uôlienka e ordenou que cl::i
tio da descobtno. Ela abriu a cana a fim de confirmar st er, aquela levantasse cedo i fim de costuri-lõ, $em que o Papai a vi$Sc:. Liôlienka
mesma que 1odos procuravam e para saber o que de tão importante ptn.sou que aquele era um pedido sob encomenda e que Mamãe que•
havia na existência dessa madiinha, além de anotar seu endereço em ria esconder do Papai o fato de trabalhar por dinheiro.
Petersburgo. Não havia nada, apenas congratulações d~ feriados, no- •Mas qual o problema de tnbalhar por dinheiro?~ Liôlimka se
ticias de !><lúdc, duas ou trê.s paJavn.s sem importância e o e.ndereço. perguni.va. •outras pessoas vivem disso. Será que~ porque o P>pai t
Uôlienb leu duas ,·e-J.eS ... "Que 1etrinha bonitinha minha madrinhtt funcionário público?"
tem! Cada pingo no seu devido t - ela pensava enquanto seus ouvi- togo ela abando11ou me tipo de pcnsame.nro e planejou o dia
d0$ zuniam e sua cabeça rodopiava. ~-guinte: acordaria cedo. com a aurora. e c:ostu.rarfa no jardim. E ela
Papai recebeu a carta $em nenhum sinal de alegria ou agra- ra exata.mente assim. Mamãe observou e parabenizou-a pela espene.
decimento, e colocou-a atrãs do espelho novamente. Embora o dia 1•..1. Liólienk.a não suspeitava que esta"ª costurando o dote do seu pre-
~guinlc fosse o dia de o correio passar. decidiu adiar a resposta da tendente e que Mamie escondia esse trabalho do Papai por medo de
carta para quando tivesse mais tempo. Ele disse à Mamãe que nã.o -O ,ua fúria, ao saber que os te<-idos foram comprados fiado; wna vez que
importunasse e que fosse tomar um chá na casa de a.lg\lém. Mamãe da começou a preparar o enx.oval a:ntcs de as coisas estarem realmente
fico u chatc-.ada por um tempo com o Papai. porque ele não parecia
dccididai, pois o Papai ainda não dera a mão dn filha - por razões que
dar a devida atenção ,ao cas~ mas obedeceu e foi à casa de Pclagueia
lhe eram pcculiattS. Só que: o trabalho ia mal. Liôlíenka d.Istraía-st
Semiónova. LlôUenk:t aprovei1ou para ir ao jardim. ,.._,r qualquer barulho: n5.o por medo dos passos do seu pai, mas asso-
Ela teve um pequeno .acesso de alegria; de repente. todas ague•
u.indo qualquer som ao farfalhar da calç.1 do viz.inho peJa vertda do
las adversidades foram êM(uec:ídas. Sentia•se como se estivesse giran
•<'li f.lrdim. A manhã estava linda. era mfs de junho e os sinos ti.nham
do :;.em parar, correndo pelo ;ardim com .il50ém e rindo de qualquer
ii i1b;ido de locar. anunci:tndo .JS o.lto horas. Mais um pouco. às oito
bobagem que vie.sse à mcote. iF<>i até a cerca e esperou seu vizinho por
• 111d.1. os funcionários públicos .sairiam para a repartição. O vlz.inho
uma hora inteira. Ele não \•cio e sua janela esta\'a bem aícrrolhad:t. ,lttlii lambém ...
"O que aconteceu com ele?': ela pensou. "Será que foi vislt.u
Do outro lado da cc.rc:a, ela escutou seus passos e prontamente
alguém? Partiu? foi visitar algum senhor importante... será foi encou
ti u lhl ponta dos pés: arrem~ou o tecido na grama. o dedal e a
11

trar aquele homem influente que veio aquH 1:alar é fádl, .mas ti$, 'l'u
t uur., foram parar só Deus sabe onde! As mãos da moça ficaram
já $3o seis dias que não o vejo!

116 Neo1&1C1e KhYOsçn1n,1t• 1 dtl internot o


117
presas nas estacas da cerca, tanto que o arranhão chegou a causar san• .sempre. que um ciclo de vida havia terminado, e que, de agora em
gramento em uma delas. mas ela nem percebetL dJantc, seria capaz de enfrentar qualquer dtsafio: mesmo o tédio e o
- Ah, Liôlienb! - disse VeretitSin. qu;,ndo seu roslinho corado
re$Sentimento. Ela não precisaria de mais ninguém, que todas aquelas
apareceu sobre a cerca.
coisas que os outros davam valor eram tolices: desde as fofocas até o
- Pensei que você tivesse ido embora - disse ela.
estudo que não promove o conhecimento... E agora ele estava n1orre:n~
- Para onde? Não lenho lugar algum para ir. do - e tudo estaria acabado.
- E por que você não apareceu mais? Já se vão seis dh\s... Esteve
Liõlienk~ chorou por tanto tempo que até perdeu a hora. Só
dentro de casa o tempo todo?
$C recobrou quando a chamaram para o jantar. Mamãt preparava a
- O tempo todo em casa. Não estou bem. mesa para o Papai, a fim de recebe-lo de bom humor. e essa ocupação
- Está doente? fez que e.la não percebesse os olhos marejados de Liôlienka. Assim
Desde o primeiro momento. ela percebera que ele esta~ pálido. que o Papai ~e deitou) ela retomou ao jardim: lembrou-se do trabaJho,
mas pe.ns.ar~ que não seria nada de mais. encontrou a tesoura e o dedal e recom~u a costurar. Em pensamcn-
- Mas o que voc.ê tem?... Qual é a doença?
10. com~ou a imaginar que seu viz.inho 1aJ,..·C'1, reaparecesse naquela
- Nada. E você. como está? noitinha.
- Do mesmo jeito... Ma.~ você está realmente e,sse tempo todo
A noitinha veio, se foi, mas Verethsin não apareceu. liõlienka
sem sair! Isso não é bom - da sentia vontade de chorar por de. - O J.I tinha abandonado o trabalho outra,,,.• ficara na cerca observando
tempo... veja! Como está bonito! ia 1uz do seu quarto.
- O que posso fazer? Bem, adeus. Liôlienka!
- O que você: está fazendo af, hein? Contando cameirinhos? -
- Mas para onde vocC vai? gritou 3. mãe~ aparecendo subitamente atrás dela.
- Para c:asa. Fic:ar dc.itttdo. Quase nada linha sido feito e a ..daminha" fora pega com a boca
Ela o acompanhou com os olhos, pelo Jardim, e o viu por mais 0.1 botija. UôUenka foi condenada por tudo. Por fim, em troca de o
um minuto. quando abriu a janela do seu quarto. Depois ele não apa• '~ttredo ser mantido longe dos ouvidos do Papai. o seu castigo foi con~
rcceu mais.
llnuar o trabalho de costura no quartinho da governanta, sob super-
•oeve ttr ido se deitar.. .", Liôlienká pensou. \h,\o da mãe.
Ela sentou-~c debaixo da sornbro da tília e bocejou. deixando
as lágrimas rolarem amargamente. Papai e Mamãe poderiam apare
cer naquele exato momento que ela nem se importaria. Eles poderiam
di1.er o que quisessem. que, naquele momento, nada mais imporcarla
Sem meditar muito. fez várias promessas cm nome de Deus, as mnl1
irrc3iS p<>ssívtis. Ela sabia que algo dentro dela estava mudando par•

118 NadJêjda Kt'W0$Chínd, ...


119
XI

Mais t:rê.s dias se passaram. No domingo,. Liôlíenka foi tc-vada à


missa na igreja. A atenção de todos os presentes voltou.se para uma
dama vestidà ftum mnrovilhoso albornoz de veludo, cor de romã, •
um cha~u de palha enfeitado com fitas fulva• e azuladas, Adereços
tão luxuosos como aqueles eram unla raridade numa Igreja da provín•
eia. A dama chegou atrasada e tinha modos audaciosos.. como o ato
de conversar com uma moça tocando em seus ombros. Surpresa por
tssc gesto. il moça até cobriu o colo com um xale-, e evitou tocar na saia
fS\'ooçantt d.t damt. Depois ela cnoo$tou•se no corrimão da banQlda
do coral. cansada de ficar htn10 tt>mpo ajoelhnda. Entregaram•na dois
pães da prósfora;" e. apôs os ritos fwais. o sacristão foz uma profunda.
reverência e entregou um terceiro pedaço.
- Aquela l a esposa do tesoureiro - di~ Mamãe a Pelagueia
Senii6nova. - Por que eJa não foi para a catedralr
Mamãe ficou impressionadí$..~ima com a presença de uma pe.r•
,lmagem tão importante na igreja, que quase não percebeu o aceno do
loVtm funcioná.rio Farfórov. Ele também (e~ uma reverência à dama,
111,l, wa não deu importância ao seu gesto; então, de caminhou até

1ic\llcnka. que também observava a esposa do IC$0ureiro.


Nesse momento, a esposa do resoureito honrou uma dama co•
11futt:Jd:1 com unH\ ré:pliô\ a sua reverência. A dama estava igualmente
..-uuJ., com uma roupa de veludo e também st perguntava o porqu~
f, "l ,po.sa do tesourelro frequenl~tr aquela igrej~nha e não a catedral.
f'u me atrasei - ela di$$t, tentando manrer uma imobilidade
111101 t,lli<:a. em que quase não se abre a boca para pronuociar as

• • litu.11 orlodox<>. o pão u$3do na comunh.io / dum.ado "Pl'Ó$Ícn°'.. (N.'I:)

• dn intamoto
121
1)3lavras e apenas menea~ le·\'emente a cabeça de cima para baixo - O que há com você:, lobinha, aí se escondendo pelos cantos?
a t,m de balanÇllf a plumagem. - Eu acordei tarde. Ontem fui paro• Uma semana inteira após esse dia, Liôlienka cs1eve comple-
cama fora de hora) poi.s estava inquieta. desde o fim da tarde. tamente absorta: não Sê lembrava de na.da que a ce-rcava, do que as
- Com o quê! - p<?rguntou a conhecida. pessoas diziam ou do que 67..eram com ela. Não sabia nem o que ela
_o meu irmão estâ doente - respo1tdeu a esposa do tesou.réiro própria fazia. Por força do hábito, assim qu(' tinha um tempinho lívre
relutantemente. - E como se já não fos:.se desagradável demais que ele ia para o jardim. aproximava-se da cerca e voltava ao bastidor para
esteja .:,._qui, pior agora com o fato do agravamento de sua doe1\ça... trabalhar silenciosamente até o próximo tempo de des~nso. A noi-
_ Que crut você carrega! - acrescenLou uma outra dama, com tinha, quando Papai e .Mamãe iam para a rua, ou quando Pdagueia
pesar. Embora não conhecesse a esposa do tesoureiro. não resistiu à Semiônova aparecia, U6Uenka ficava sempre sotinha perto da cerca.
tentação de se juntar ao seu circulo. A luz do quarto raramente ace1\día e, por muito tempo. bril ha\'a ape•
A esposa do lC$Oureiro olhou de soslaio e seguiu em frente. ,ias a luz de uma luminária.
Llôlienka ficara pálida como a morte. O íunc.ionário Farfórov No domingo, Mamãe não foi à missa. mas enviou Liõl ienka sob
atltibuiu seu s11ênclo â timidez que a $U3 praicmsa presença causara .t superv:1s-ão de Peh,guei:a Scmiõnova. A moça sofria de uma tal impa ..
em seu ~'pírito, e acrescentou â Mamãe: ciência que mal podia S\IP0rtar. lmaginava a todo momento escapar
_ Ela realmenle carrega uma c::rui. Eu trabalho oo me.smo de- JOS olhos vigilantes de Mamãe e poder espiar Veretítsin pela cerca.
partamento que seu querido irmão. Ele está aqui com a pior reputa- \é11tado em sua janela...
ção possivc1, .• tudo por conta de poesias...uma pessoa exlremamente
- Pois bem. minha querida. a mãe dele estava hoje na igreja.
nociva! f" se encantou por sua mocinha - disse Pelagueia Semiôn ova para
_ Eu nunca escutei nada vindo da casa deles. Ele deve ser bem
M,1rnãe. Ela di$se: - Aquela é uma Ytrdadeira beatinha. até no jeitinho
calmo - observou Mamãe. ,k ,,haixar a cabeça parn rezar. Quando ela foi até a ,;;ipelinha. l'isilar o
_ Mãezinha, melhor que ele seja bem quieto mesmo! - interYiu
11110 ícone, se prostrou diversas veies até o chão. Era um deleite de se
Pclagueia ~miônova. - Ele vive de fa,•or com a innã e o cunhado. 11
h11c•1var; até uma velha senhora rue disse: que belo ptt"$ente que Deus
- Nós pensávamos que cle não tinha ido trabalhar por estar
, 1.1 enviando ao seu filho. - Parn uma senhora com fama de carran-
chnte3do pelo fato de sua solicitação para ir embora ter sido negad.i
1111.1. posso djzer que foi uma bela surpresa!
Mas não) pa!'ecc que c-le está doente mesmo - disse Farfórov.
No dia seguinte, Papai estava particularmente chate;1-do. pdo
_ e... seria melhor se Dtus o levasse lQg-0! - acrescentou 1
l 11 • Jr ;i carta para AJiôna Gavrílovna ainda não te.r sid!o esc-ri-
Pelagueia Semiõnova. 1
1 1 ,uhora de fosse o li.nico responsável pelo conteúdo da missiva.
- Seria uma libertação pra ele! - concluiu Mamãe.
l 111 1l11wn1e, resolveu fuzê-la. O que pretendia escrever aJj era um mis-
Uõlieoka fita.vi-os. Mamãe repetiu sua opinião em casa, «>111 •
1 f11 1 "'- l•.lc ;ité espantou Mamãe para longe a fim_ de escrever em paz.
governanta, e depói. com Papai. Liôlienka não se olímentou de n,ul•
11i,111lu lóJ\kgalu ficar só, chamou Liôlicnka:
n,csse dia, nem disse uma únka palavra. Papai percebeu:

122 Nadit!Oa khVOschlo ~ • tu mt.erni,t:o


123
_ Você, francesinha, suponho que nunca dev3 ter redjgido - Mamãe, agoro vou tnbalhar no jardi.Jn.
duas Unhas na vida. ló escreveu alguma vez à sua madrinha? Não. né? PeJagueia Semiónova apareceu no portão e não estava sozi-
Sente-se, comec:e a rabiscar bem aqui. Você deve segutat a pena ,om nha, trazia uma vendedora com uma grande trouxa de roupa;s. Ela e
atenção. Escreva! . Mamãe obs;ervaram tudo e pe<:hincharam o quanto podiam por um
Papai ditava e $C alonga\13 excessivamente em expressões vazias, casaco de peles coberto com um cetim doublé. Mamãe fez um aceno
como ..santa reverência* ou ..sagrada dllig~ncià'. Pata Uõlienka, pare• de mão e dispensou Liõlicnka.
da que todas elas eram retiradas da Reidrica. de Kochànski. e por. wn Vários dias se passa.mm enquanto liõJicnka trnbaU1ava no Jar-
momento isso rtjubilav:M1, mas logo depois temia que sua madnnha dim: tla encontrara uma sombra ngradável que permitia.. Jhe trabalhar
pensasse que ela fosse meio retardada. Quando escreveu ~ua hwnil· mesmo sob o calor do meio-diu. Desse local, erguia a cabeça e avistava
de sobrinha e afilhada", Papai cnfoilou ridiculamente as letrn.s com as a janela de Verelitsin. Com o teinpo, sabia o horário que a janela se
próprias mão$. abria e fechava, e num de~es dias pôde até ver VeretJtsin jantando.
- Paizinho do Céu, não ó desse jeito! - e.<elamou Mamãe, que Por que ela queria chorar enquanto observava essa ctna? Liõlienk.'\ se
cscutava o dit.1do. - Não mencionaram nada sobre o dote. 1nita\'a com sua própria estupidez, e i.$$o a cntrelinh3 ao ponto dele-
_ Eu escrevi! Eu c-screvi, voe~ ouviu? .Eu. o pai, eu mesmo esc:re• vá~la às lágrimas. Deus é quem s3be! Então, finalmente, ela se tornou
'1'i! - gritou Papai. - E \'OCê não tem nada a ver com Isso! tão assustada que_. se Verctítsin viesse até a cerca, seria c,apaz de fugir
Ele estavá tio nel'\,'OSO e Irritado que rasgou o envelope duas imediatamente.
ve-.teS, tendo de pedir a Liôlienka que escrevesse pela terceira vez o Numa manhã. um jarro de tlores apareceu na janela. Liôlienka
endereço, reforçando que ela 6.icssc direitinho, que não cometesse ne- achou que eram camélias e heliotrópios.
nhum erro. Grltaram•lhc cinco vezes no pé do ouvido que o domicOio "Devem ~r suas favoritas~ ela pensou. "Se ao menos eu tivesse
ficava na Ilha Vassílievski, o nome da rua e o número. O próprio Papai cer1eza... Oliênka Beliáieva cultivou heliotrópios pot muito tempo. Eu
levou a carta ,o correio. poderia colher ao menos um ramaJhete para quando ele aparecesse
Não demorou muito e LiõHenka se esquec~ra de tudo isso: das r)or aqui novamente..:
lágnmas da mãe; do COl\teúdo daquela carta que só Dcu-s sabe: o que togo as flores cobriram tod.i a janela, e apenas um.a mão magra
havia nela, pois nada fora escrito or<le.no.damente, e que menciona• cgurando urn:i cuneca de água podia ser vis1a regando as raízes das
va que ..Aliôna não poderia S'3.ir de casa $Cm nada", e que pod~ri3 ~r rl,m1ns cuidadosamente. Llôlienka, se pudesse. arrancaria todas elas
doado um ícone ou chapeuzinho que ela já tivesse guard~do ha muito 1~1:a raiz..
tempo e que poderia até ter sido remendado... Liõlieoka continuava .t Um dia, após o Jantar. quando as coisas st acalmavam em sua
costurar diligentemente. às vezes pensava em tudo e sorria. Quan<lo ci ,ha, e até mesmo seu \'ÍZinho 1irava uma soneca. liôlien.ka fem-
sol. finalmente. chegava ao meio•dia~ a hora mais quente e saudável, ht1,u-~e do seu Ji~ Romeu cjulictn, e foi buscá-lo prontamenrc. Ela
ela se levantavil e dizia:. 11.111 quls ler tudo do começo. e outras partes no miolo tampouco lhe

124 A \.Ot;ii du int.emeto


125
interessavam; mas. rememorou passagens que precisava reler. Ela as e permaneceu escondida a1rás da cerca. Estava morrendo de medo...
procurou inceiSantemente, lendo de forma apr~da, e se surpreen• Assim as coisas se repetiram peJos dois dJas seguintes: Ve.relítsin veio
deu por achar que a linguagem e o estilo da narrativa, que antes pare. descansar na sombra e, do outro lado. Llôlienka cosia e acompaoha-
ctam tão fnacts.Çivels, agora podiam ser compreendidos sem grandes va..o à pequena distância, em silêncio. Uma. hora, duas horas se passa-
di6cu.ldadcs, e que as palavras tinham o poder de pcnt--trar sua mente ram. Liôlienk3 via seu casaco cinza. ouvia o ía1falhar das páginas do
e o seu corpo. Quando Liólienka ergueu a cabeça do livro. viu que os seu Jivro, queria chamá-lo, mas continuava com medo... A noite, ela
gaJhos das tfllas e:,1avam cnl!gn:d<lu~. i: aquela p~Li:,.sgeu) <LS:Su:slou-11:. perdeu o .sono e çomt:\VU a chorar.
Ela oem ousou olhar para a janela de Veretitsin e rap.idamente rcti- Por ocasião de dois feriados emendados, Papai dei!l:ou a cida-
rou•se do jardim. de; Mamãe tinha se programado para faur uma romaria a um mo-
Ela não retornou ao local alé a noite seguíme. quando foi acom· nasttrio da região, em sua companhia iria Pclagucia Semiônova: elas
panhada das <rianças, mas ainda 6cou distante~e não se aproximou retomariam à noite. Liôlienka pediu para ir junto, pois frtera muitas
da cerca. promessas mentalmente.., que pesavam sobre seu espírito. Ao mesmo
Mamãe jã vinha insistindo há v:irios di.os que era nece!;Sãrio re• lcmp,o. ela não tinha desejo de sair de ca.sa para lugar algum, 3jnda
tirar as dores de rma dos galhos para o inverno, mas agora resolveu, mais para passar um dfa Inteiro fora. lUdo estafa tão revirado e tris-
finalmente. ir até ao ja.rdim. rc na s.ua vida, que qualquer novidade lhe condu?Ja rapidamente às
- Pegue um pano para catar as flores e uma cadeira: voe.é subirá l,igdmas. Se salsse de casa, tudo seria muHo vexado: mas, 6car e se
nela e quebrar.! os galhos - ela disse para Liõlienka. <·mrcgar à lriste1..a e à ansiedade também poderia ser wna má ideia,
Mamãe retirava dos galhos baixos. enquanto Liôlienka. sobre ç o passeio talve-.t não fosse de todo ruim ... Suas dúvidas acab.'lr::un

uma cadeira, cuidava para não deixar cair os mais altos, Atrás delt1, ~1u1mdo Mamãe negou sua companhia, alegando.sob pretexto bastan•
um som de porta batendo veio da casa do vizinho. I<' razoável, que alguém ha\·eria de cuidar d:i.s crianças. E saiu para as
- 1'á vtndo, o irmão da mulher do tesoureiro não morreu! prr:,cs matinais.
zombou a mãe-. - Espertinha. cuidado pará não cair por cima de mim! Liôlienka prometeu a si m~ma que não vigiaria as crianças.
Liôlienka arrancou os galhos. olhando em volta. ela podia ver tl.1s fugiram para o Jardim do vizinho sem ntm perguntar à irmã
Ven;tiU:in vollando para casa. sozinho, atravessando o jardim; ele d" " podiam. Os três mcnoninhos, também sem pt?rgunhtr, foram com
via 4;:>hu por ,Ji hâ. multo tempo e já tinh.1 feito ~cu pequeno pa$$<:io 1
,t,w,•mant"O para <>s prado:,;. Nc:ahum jantar (Oi prepar.:ido; o re-sto
Agora, prova,·elmente, ele só reaparecerá amanhã. só que nem muilu 11• wmida de ontem, friozinho, era n13.is do que suficiente para elas.
cedo pela manhã nem muito tatdc da noite. l 11\llcnka lrancou todas as janeJas. a porta dos fundos e O portão da ·I
Ela esperou ansiosa.mente pelo dfa seguinte. Veretítsin canil 1011. f'tgou Seu bastidor e foi coser no Jardim.

nhou duas vezes pelo jardim - ela o acompanhava a dois: passo~ J• "'lkm, se alguém bater no portão. eu escuto: pensou isso e logo
distância-. quis cbamá-lo para conversar. mas nas duas vezes hc,Jh,o l 1•01\ fsCutou um barulho.

126
127
No portão da sua casa ninguém bateu, mas ela reconheceu os tudo num átimo. O vestido. simples e belo, muito bem adomado em
passos do seu vizinh<» que se aproximou da sombra, deitou-se no 0ores, em lindoi o chapéu de passeio também erl singelo. maii redon-
chão e comcç<,u a ler. Uôlíenka percebera que já h:ivi3 1~ semanas do e bem largo - tais vestimentas não eram vistas na província de N.
que nã.o conversava com ele. A presença da visitante parecia iluminar todo o jardim, tudo ao rtdor
'"Seria melhor mudar os hábitos~ pensou Liôlie:nka. "Pra que parecia melhor, graças à sua presença.
me ocupar dems idiolices? A verdade é que ninguém pode viver as• - Sofia Aleks.indrovna, o que fazes aqui sozinha? - perguntou
sim: só esperando o momemo de ficar ~yhuldv pela ccrc,11 e agu0irdar VcfclÍtsiu.
só Deus sabe o quê! Eu não consegtú aprender nada que pre:stosse, - Vim do campo. .sozinha" - ela respondeu.
nem para governanta tenho jeito! E cu já tenho quase deus.seis anos! Liôlienka nunca c.-scutara wna vo-1. tão doce como aquelà du-
Pessoas decen:es passeiam. visitam uns aos outros. mas eu não consi- rante a vida inteira; melodiosa. doce. afetuosa, aJgo como um canto de
go nem abrir a boca. Estudei, mas já esqueci de tudo. Preciso me con• passarinho ou um balbucio gostoso de bebê.
fossar aos m.et;S pais. Não sei com~ mas. dentro de mim. tudo está de - Vim à cidade a fim de comprar uns equipamentos p:ira o
cabeça. pra baixo. Será que na minb.l id3de as outras mé:runas passam trabalho e enc.onlrá•lo; m:iis <p.1,e qualquer outro am..ig~ preciso sa•
por isso u.unbêm? As outras me.ninas..!" ber como você está. Oisserain~me que sua irmã não estava em casal e
Repentinamente, amassou todo seu trabalho como se fosse que o encontmrla aqui no jardim, rntào resolvi aparecer. Entã~ como
uma trouxa e arremessou ao chão, depois deitou-se e começou acho~ estâ? Tudo en1 pai?
r.a.r amargamente. quase: gritando. - Tudo bem. Voltei a ter saúde.
- Que tipo de vida é essa? Viverei para cuídar dessa casa? - Você nos assustou tanto... te esperâvar.los por lá... espere.
Jurando por tolice$ e arrumando bagunça de criança o dia inteiro! E 1rouxe um prese.otinho do campo.
qut tipo de gtnte é essa: Pelagueia Semiônova? Esse tolo do Farfórov? Cu.idndosamente. cla desembrulhou um lindo mmalhete de ro•
O que é a educação além de decorer matéria? Papai, M.amãe... Por sas frescas envoltas num imenso papel.
Deus, quem poderio dizer uma palavn diferente. stoão ele ... senão - Foram as primeiras. Eu mesma recolhi-as cuidadosamente;
ele... ll\·e tanto medo de mac.hucá•lá$ no caminho.
Liôllenka correu até a ce.l'Ca, mas mal tC\'t tempo de olhar para V~rctitsin amassou•as ao beijar suas mãos. Por debaixo d3 aba
ele e togo escu1ou o ~ow J.c uma voz. di.1t.into no jardim do vi~inho: do c:haP':u, avistav"•:H: ~ua boca e as bochechas, que aparentavam ser
- AJick.úndr lvãn.itch. onde estás? mais frescas e requintadas que as Ror~s.
Verethsln ergueu-se rapidamente da moitinha onde estava - alé - Esta quente! - ela disse. tirando o chapêu. - Sentemos em
bem ágil para um homem que parecia condenado a morrer - e st ,lgum lugar.
apressou para encontrar a visil'ante. Era uma mulher Jovem, trajada
nom vestido branço com florLinhas azuis e rosas. Liólienka deduzir-.1 W Our1.1:11c o ,·er.lo. mui tu (amlliu russas J)3$$3nl ti:mpondas cm cuu d,c, ,a.mpo
Od na aJdda. (N.T.)

128 NodiéJda Khv08chlnsko111 A moça dO int6rnato 129


Ao sol. seus cabelos estavam dourados; enquanto stus olhos ad- funcionário tão notório, dccidiram impedir qu.e eu saJs.çe da cidade
quiriam um aspecto mais clareados em relação ao natural castanho• por duas semanas, pois seria o mesmo que pôr em liberdade um cão
-escuro, quase negro, agora que tia olhava em volta. raivoso•.. Eu não deixarei que eJe retravf1.S.e mo.is nunca minha vida.
Veretitsin também olhou em volta, mas com aflição ao ver o seu Ele é tão inesc.rtJpuloso que falou de mim par:a você sem qualquer
banquinho. sentimento de culpa!
- O sol... Onde sentar-se! - ele indagou. Sofia nado disse.
_ Pode ser aqui - rtspõndeu Sofia, sen1ando-s.e na grama, peno - Por ravor, me desculpe - continuou Verelirsin. após um mi•
da cerca. - Você acha que teremos sombra aqui por uma meia hora? nuto. - Eu tenho e.sse estópido hãbito de dizer exatamcnle o que pen-
_ 'fa)vez mais. Eu posso oferecer um pouquinho n,ais de con- so, sem medir as cousequênciM. Talvez tu tenha me excedido agora.
forto na minh.a.•. ll. não~ bem minha propriedade. - Sobre o quê?
- Diga-me, quando irá nos visitar? Mamãe fez questão de roti• - Ah, sobre lbráiev. Tolvez fosse melhor não ler wto nada.
ficar que eu te convidasse. - Por quê!
- Acho que nunca. • i;. que... talvez você o veja de modo diferente. Ble é um homem
- Porquê? de notoriedade, merubro da alta sociedade... Enquanto eu cre.sci
- Não irão me liberar! - respondeu Veretítsin. meio selvagem, estúpido. Eu julgo os outro..:, de acordo com minhas
- Mas ,como pode uma coisa dessas? Semana passada foL.. foi simpatias; é tão limirado isso, tão lamentável e pequeno... Por favor,
0 dia do nome de Mamãe-,«» Algumas pessoas da cidade foram nos me perdoe! Posso voltar atrás no que disse se voct ficou ofendida.
visitar, indusi,·c Jbrãiev. Eu não sabia que você o co1lhecia. Vocês são - Volte atrás apenas com essa última fala - Sofia retorquiu cal-
amigos? mamente. - Perdoo•re s6 porque você ficou muito tempo doente e
- Deus: me Hvrel - respondeu VerethsiJl. irritado.
- Ele perguntou por ti e me perguntou por que você não apare• -Êo que tamWm acho: estou irritado! - interrompeu Veretflsin.
ceu. Disse que estevas doente. Ele nem s.ibia ainda. Disse também qut- Mas por que irritado? Qual a razão de me encontrar irritado? Afinal,
estava crente de que te 1lberariam para viajar. ele m~mu disse isso, não sou irreconheciYelmente um c:idad.lo notório. No ano de
l'll
_ Ou seja. ele mentiu para você? Ao mesmo tempo tentou p,n 1852 após o nascimento de Cristo, não há uma boa safra de grande$
sar uma httãgtnl de homem sendvel e livre de preconct11os. M~•. humeni, cnt.ão minha notoriedade recai sobre mim. Minha situação,
quando o coquetismo não o convêm, ele muda o ritmo da dança ri• nbviamente> não é nada confortável. mas eu não mereço um título
pidinho. Saiba que ess.e rapaz. amigo e liberal, foi capaz de ditcr 111 1lr desafor1un3do; eu sofro só um pouquinho, não é? Você conhece
Ye.rdades par.a meus superiores, que, acreditando no mpatdo de um minha história, Sofia Aleksândrovna?
- Certamente que simJ mas... - cf3 dis.ç~.
◄O Na Rússiai, com~nor.am•se dois anh'C'rsirios por o.n~ um no dla do nàkilh• 0
t outto no dia d~ t101nl', quando o(a.) Jat'l1o(a.) ortodoxo(•) Miwrsaria. (N.T.)

130 Nodl6Jda !Owooohlrl • /. n1nc;1 do Internato


131
- Permita•me! Se eu não sou irreconhedvclmente um cidadão escrevem as leis. .. mas, esses não fotam condenado.'. aos trabalhos for•
notório, então não devo pas-~ªr de um medíocre maravilhoso! Além çados nas galés. Para m.im já chega! Não Importa çomo i.lso termina•
do mais, pessoas honoráveis como Ibráiev e sc:us coltgas de repartição ri, só sei que não $airei dessa como um homem, mas como um idiota
es.tão perfei1amcnte c.c.rtos em não a.s:sodar suas imagens às minhas: ou uma bc.sta.
afinal. não soo interessante. Para eles. não passo de wn tolo. Fui pego - Pare! Isso é de.siespero... - Sofia retorquiu.
com a mão na massa, como um ladrão de galinhas. Eles escolheram - Deses~ro é um pecado mor1al! - elt continuou e gargalhou.
seus caminhos e estão seguindo diligentemente, do ponto de vista de : Sabe: você é tao boa que poderia rezar por mim, de vez cm quando.
suas convicções; eu sigo o meu caminho diligentemente, do meu pon• Menctono sempre seu nome em minhas ora,.,.'-'
.,..........."Eusei· que sou um
to de visca. Eu me afastei de Ibrâiev. mas se eu estava realn,entc certo ... homem ridkulo, esse foi o destino que me coube: uma trltte.za estúpi•
- Você se culpa demais! - inter-rompeu Sofü1. da, reda.n1ações mesquinhas e sa.fda para Jugar algum _ um vazio. Para
- Qu.111 ª OQlícia? Por favor, seja gentil ao me contar. isso j:i. estou pr~p~do. Aguarda e verás. me manterei de pé; eltS me
- Eu ia te dizer... Mas você ficou Jogo irritado com qualquer elevarao à condiçao de assistente de cheíe devido à minha capacidade
c:uísinha. e fiel dedicação ao trabalho~ e as.sim seguirei carreira. Eotão~ como um
- Pois então, diga! - protestou Veretítsin, gargalhando e $e in• home.Jn assustado, me acostumarei a olhar para o chão, saberei O va•
cendiando. - Sou um sujeilinho. logo. do mesmo modo como cx:po• lorde. cada copeqoe,·0 aprenderei a. desviar pequenas quantias e tudo
n.ho meu coraçi'lo, também me irrito com futilidades. se encaminhará bem! Os livros me arruinaram; por esse motivo, os
- Não se zangue, pelo amor de Deusl - ela interrompeu. com abandona.rei!
. • ,
Um joguin.ho de baralho com meus confrades da rcpor•
doçura. - Digo a verdade, admila qlle é orgulhoso. Você sabe muito t1çao, nos 1criados ou na taberna, quando largarmos do •• - ,.
~pi,::,u.Jt'(Ue...
boem quaJ o seu valor. como se permite, pcrdoe~me, humilhar•se ao - Alieksándr Jvánitcb, recobre seu jufao! - interrompeu Sofia.
poralo de ter raiva de um sujejto como lbrâiev? Um homem que você - Esse é mesmo você?
despreiaJ Para que se: contaminar com isso? Ficar assim preocupado - Serei eu d3qui a alguns anos - respondeu. sorrind~ e virou•sc
já é demais! t til.o difkil assim olhar para você: sah<r que quolquer fitando um tufo de grama atrás de onde estava sentado.
futilidade atínge seu coração. Torne a vida mais leve! - MiSt-ricórdia! - ela disse após um minuto, carinhosa, mas ião
- .. Torne a vida mais leve!" - repetiu VeretitSin. - Os menores olSSU$tada que sua voz cm. trêmuJa. - Não está certo! Por que você se

são sempre triturados contra a vontade. Realmente, não é só por causa tortura em vão? Só aument3 sua tristeza!
de 1btâlev... Oesculpe•n1e~ Sofia Alcbândrovna. por te revelar minha,, Veretítsin não se voltou par.i olh.f.Ja.
trivialidades... Mas. e$$as coisas não se falam alto. Poupe•me? Vej.t, - Escuta•mc - continuou Sofia, tocando levem~nte na manga
você é minha convidada e nem mesmo tenh-0 wn banco decente pant ,t., camiso dele, com S<!us dedinhos delicados. - Vendo-te assim. só
te receber1 estás sentada no chão. Se não fossem os Hvros que ele rm
O Mnfl<b monel:lrilll nl$#. equ.M.J~nt~ ao nouo ..ecntlli\'O• Cem ·
deu, cu já teria esquecido \l.té como se lê. Se eu fosse um desses q111 111.-,n um rublo. (N.'r.J • COpc-qUtSWIUti·

1•
Nacll.bjda X:h110schíntl .. A moça d.o 1ntornato
133
Deus sabe o q ue estás di1.cndo. Não será assim, você sabe que não - Pare. você nem sabe como mentir! - interrompeu Veredtsin.
sera. então por que insiste? Isso te faz sentir-se niethor? Porque essas - Estou olhando nos seus olho$ há meia hora! Basta1 não se esforce
paJa,rras te deixam cada \'ez pior. por ls:so. por favor! Eu tenho ojeriza à abnegação. Sou um homem
- Dá tudo na mesma - Verctitsin respondeu calmamente. ruim e não posso pagar por i$$0. Não pense que ~--ua gentileza a obriga
- Não, não dó tudo na mesma - Sofia replicou. a se sacrificar! Eu ~i muito bem o que é o sacrificio. Eu não pediria
Ele se vi rou para ela, tomou sua mão e beijou .. a. Sofia bcjjou sua isso a você. Eu sei o que é a perfeição... Você é perfeita! A perfeição,
tabeç.1 e lágrimas rolaram no seu rosto. para nós, meros ptcadorls. ~ wn fardo multo dilt'lcd de carregar!
- Em verdade, não vim aqu1 p,ua te passar sermões - ela falou, Ela levantou-st.
tranquilamente. - Vim ver se estavas melhor. Mas prtcisas ser mais - E.scute.. me...
resiliente e aguardar. - Esc-ute o quê! - gritou Veretitsin, - Eu te conheço muíto bem!
- Aguardar o quê? - ele iotcrrompeu. ainda com o rosto escon• Porque te amo. acha que não conheço sua gentileza, sua perfeição e
dido nas mãos dela. - Que voce me ame? sua verdade? Vamos, diz a verdade, diretamente: me ama ou aãor
Ela não se engasgou. nem se moveu, apenas olhou para ele, as- - Não - ela respondeu, escondendo o rosto cotrt' lágrimas.
sustada. Os olhares se tnt:recru1.arnm. - Pronto. que maravilha! Não precjsarci ma.is $0Crer em vão:
- Eu te amo. Eu te amo há dois anos - Veretítsin falou com fir.. o :imor não pode ser forçado. Por que não? Porque não... Perdoe-me
meza. - Ma.s você nunca me amará. não é? pelo que confessei, Adeus, você jâ deve estar quc1ttndo ir embora ago-
Sofia ficou cm silêncio . .E-le olhava direto cm seus olhos. ra, não é?
- Se ao menos houvesse uma razão para esperar, uma razão Sofia virou ..se para ele e agarrou suas mãos.
para ser pac.ie:nte•.. mns. voce. nunca me amara,. nao- é'.
- Se ao menos você soubesse... - ela djsse. em prantos. - Não
Sofia permaneceu cm silêncio. Ele estava irre:missive-lmente pá• poiso... dói demaJs!
lido, ofegante, mas continuava olhando firme.mente para ela. - Não force a sua natureza: não és culpada de nada - respondeu
- Eu ten1arei me manter com decência, sem me sobrecarrcg,.-r, Vtretitsin. e sorriu.
nem Irei me embrutecer, nem me dc.sgastar fisicamente; investirei mi - Você é um homem cruel! - ela -acrescentou, soluçando.
nhas íorça.s no intuito de conqujstar o honesto pão de cada dia. Eu t,rl - Assim fica mais perdoávd me deixar ao sabor do destino - ele
que para você esse pão serão suficiente... Chegaremos lá! 11·1>licou.
- Eu te amarej um dia - ela disse, empalidecendo também. - Ouça, venha nos visitar! Seja nosso convlidado! Eu farei tudo
- Por compaixão, sim? Por autossacrific.io? - ele gritava e Sôttl• 11 ijut puder para te conS-Olar. como antes...

estranhamente. - Muito obrigado, mas eu não quero! - Por que me aporrinhada assim, Sofia Aleksândrovnat Se o
- Por que pensas que... - ela começou. 11u1• m,ii.s quero na vfdn está fora do meu alcance de decisão? Não se
1h 11l upe comigo.

Nadtt jda KhYOSahln • ~" do lntctr neito


135
- Mas como ficaremos?
- Voá acha que eu serei infeliz? De jeito nenhum. Terei este
Jardim. esta casa, o trabalho na administração pública... embora não XII
saiba por quanto tempo!
- Eu te amo! - ela exclamou. LlóUenka, que e.stava sentada no ch-:io, levantou-se e se segurou
- Não minta! na cerca. Seu corpo estava gelado, suas pernas tremiam. sua cabeça
Ela levou as mãos ao rosto e correu para o portão. Vcrctítsin Latejava e seu coração batia em descompasso.
n.ão se moveu do local onde estava. - Ce.rtameate estou delirando - disse para si mesma.
- Se \'OGê dissesse a verdade, jamais me deixaria aqui! - ele disse Seus lábios, que se moveram para pronunciar essas últimas pa-
enquanto ela partia. sorrindo sorunlbaticamente. lavra.s,, de repente se apertaram convulsivamente. Ela $Oltou urn grito
e correu para dentro de casa.
Por duas horas, ela arrumou inquieta.mente seu quar•o. choran-
do sem parar e enfiando a cabeça debaixo do travesseiro. A govcman•
la voho\l do passeio e t c,·e de se esLicar loda para abrir o portão e en-
trar em casa com as crianças, que ela trouxera para o janta.r. Vendo a
moça aos prantos, a governanta pen.sou que ela estivC"SSe assustada por
ter ficado sozinha em CilS-0;; ela ordenou às crianças que não ,eontassem
nada aos pais quando retornassem. pois eles poderiam 6c3r chatea-
dos e proibirem futuro..s passeios. O motivo apontado foi eficiente-. e
as crianças não se impc>rearam com .:is lágrimas da irmã mais velha.
Amda fraca, como se estivesse doente, Liôlienk.t se levantou, tomou as
providências para desinchar o rosto, pois Mamãe ficaria irr~tadissima
se chegasse em casa com Pdagueia Scmiônova. e não encont.rassc suas
obrigações cumpridas, A moça foi para o jardim com seu material
de costura e voltou ao trabalho. Logo. Mamãe chegou com Pelagueia
Semiôoova, elas trouxeram o que sobrou dos pães da pr6efora para
casa, e. como Papai estava fora, a visitante dormiria em c:asa essa noit.e.
Elas tomaram chá, comeram e conversaram animadamente por muito
tempo, apesar do cansaço do dia. Só se afadigaram definitivamente
por volta das dez do noite, quando sons de roncos foram ouvldos por
toda a casa.

138 A moça do tntcr-nato


137
Llólienki se deitou, e quando se levantou tudo estava quieto, direção ao amor. como um estudante corre para os livros~ .."u
tanto em casa como na rua. Lá longe, ainda se escuta\!;\ algum ba• Amaldiçoado seja o livro onde isso foi escrito! Esse Hvro, amo.s4
rolho dos bõemios volu\ndo pata suas casas: mas. em geral, a cidade Sado. dobrado em quatro partes (como e1e e.nsinara!). esta\.-a agora em
dormia. O brilho da lua penetrava suavemente pela fresta da persia• seu bolso. Lfôlienka retirou-o, e correndo em dirc:çâo à c:erca, arre-
na. Uôlieoka se vestiu naquela penumbra, evitou o contato com as messou-o do outro lado, no jardjm do vizinho. f.oi como se efo r.ivt$$C
crianças que dormiam, abriu a porta que dava para o jardim e saiu. O jogado seu coroção fora. O livro se cspaiifou e as folhas furfalharam
cachorro se ah·oroçou, m3s, :.to perc~1 .)Ui.l pn::,cnça, voltou p1m'l a lc-\·cmente coolla a g:rama. tiôhenk3 observou por mais um minut~
casinha. até que saltasse da cerca a fim de evitar um ~e:ldeote; Verctítsin ca•
- Vou embora para algum lugar... - russe LiôUtnka. minhava pela trilha, absorto, cabeça baixa, ,ar.to que nem escutou a
Ela olhou em volta: aquele jardim vazio e o portão fechado... O pancada do livro no eh.lo.
brilho páJido e prateado da lua, típico das noites de verão; o ar para• - Ele ainda morre de saudades dela! - Liôlienka (alava para sJ
do e o som da rua pouco a pouco se esvaindo. Liôlienka começou a mesma) obscrvando•o a caminhar pela vereda do jardim, no hisc:Q~
ficar nssustad.l; nunca na vida linha fiOJdo até tão tarde da noite, ainda -fusco noturno. - Sempre pellsa nela.. Podia pelo meoos procurar sa-
mats soihtha. ber se é Fácil pra mim~... Quem causou isso tudo?... Se ele não tivesse
- Vou tinbora para algum lugar... - el:t repetiu. tremendo e se aproximado, não 1ívcsse falado1 não tivesse me confundido... Tudo
como se perguntasse a si mesma se teria coragem de fazê•lo. - Mas. culpa dele! Tomara que Deus o castigue!
para OJJdt? Lágrim~:, desciam no seu rosro.. urna após. a outra.
EJa escondeu o rosto entre as mãos, e. ITT.StantaJ\eamentc, lem- - Deix_e que a vida o faça provar do próprio veneno, qu:mdo
brou-se do ge$to que a visitante bonita fizera naquela manhã, que ela tudo for retirado! Ficará apenas o desgosto e uma vida ing-rata1 Dcixe
tinha partido derramando as mesmas ligrimas... «Por que ela teve de que ele sinta o mesmo! De tudo ele ri, então deixe que aquela beldade:
chorar assim! Ela te:nlou ao menos exprimir..." ria dele também! Obedeci... obedeci de cornção aberto /ts suas pala•
Liôlicnh qui$ chorar convul$ivamente. gritar, se IM'rder sem vras... Para que e.le disse aquilo? Para qu~ condu,lr uma pobre menina
destino pelo nundo; então, começou a correr sem seatido por aquela esquecida como eu para um mundo de aflições? Poderia ter continua-
vereda tão familiar. do conversando com S'uas beldades! Que diferença faria par.a ele se eu
J!m ~ua caW'ja, ludo se m.isturav11, .u ideias se $0brcpunham. leio Koehilnski ou não? e i:i::so••• Senhor, meu Ums! Será que, quanto
uma após a outra: ela quttia morrer; queria que alguém morresse; mais e.le percebia que eu não sabi.t nada, mais ele se divertia? Destruiu
quem sabe, a.(Sim, tudo pudesse acabar, porque co1ttinuar 3 viver dn• meu caráter... como não se dava conta de que suas palavras atrnves•
que1e modo seria impossível. Elo. continuava correndo. Subitamente, savam minha e.ame e:orno uma faca amola-da. que. :,pós conhecê-lo,
só Deus s-abe o porquê, lembrou se de uma frase:
4
-o
amor voa em
1:1 Liól~b qub dixa: ~ amor pl'O<un o amor contb o tstudllnt<' que p~r.i a
rscol:a com,, Rom~u e J11lida (Alo 2. cena 2). (N.T.)

138 Nodi6jda Ktwoschint.k.O•• A moça do lntt:mato


139
nada mais importaria para mim ... Se ele é wn bome:m tão inteligente,
- Ah, Mãezinha, deixe e.$$a Dona Modinha na cozinha, que
deveria saber! Isso tinha de acontecer... Bem, deixe que Deus o casti•
nem o cachorro Víli querer se aproxim<'l~
gue devidamente! Que • situação dele fique ainda pior!
- Como é uma daminha! - respondeu Pcluguela Scm..iônova,
Ela soluçou alto e, de repente. notou que o viztnho parou e pa•
com um sorriso amigável. - Pois bem. e música, meu anjinho, você
receu escutar; então. ela correu precipitadamente para dentl'0 de casa
sabe 1ocar? ·1oque um pólquinha para que eu escute. O horário de pe•
e cuidadosamente seguiu para sua cama. Ali. na escuridão e no calor nitênciajá acabou. pode tocar.
daqude quarto. ela não coostguiá dom1ir, e logo outro preocupação
LiôHenka começou a tocar e o cachorro se aproximou e ac.'om-
passou a atormentá•la: "'Que ideia foi aquela de arremessar o lívro no panhou, uivando.
Jardim do vizinho! Se e1t não encontrasse, os cachorros pod~ria.m
- Que cachorro que vocês têm! - disse Pclagueia Semió11ova.
destruf•lo ou até ele mesmo poderia vir um dfa e pt"rguntar... Nao. ele
abrindo a janela que dava para o quintal. - Que cachorro maravilhoso
não perguntaria! Ele não viria até nosso jardim. Mas se alguém encon- é e.~e-?!
trasse e perguntasse ao Papai sobre o livro..."
Durante toda a polca. a visitante se ocupou de escutar e se ad•
o problema virou um bicho de sct<~ cabeças, mas logo a fadig-i mirar do uivo.
e a tarda.nça 1rataram de atuar e Liô1fonka dormiu.
- E o f'r.mcés. meu anjinho. você consegue le:r nessa língua?
o dia seguinte era a continuação do feriado, Oi-a do Jejum de Então, leia, por favor. Mesmo sem entender, sinto uma grande satisfa,
São Pedro,~ e também o seguudo dia sem a presença de Papai em ç.ão cm ouvir tudinho.
casa. Sua ausência parecia ter uma infiuênda positiva. de traJJquili-
- Mas, para que devo ler, se ,•ocê não vai entender, Pelagueia
dadc, sobre todos em casa. Pelagtu?ia Semiônova ficou o dia inteiro Semi0oova?...
Jó. 1,ogo c,,do, Mamãe foi ao mercado comprar peixe para o ""'.'oço
- Rpa, nem pense em questionar minha ordem! - gritou Mamãe.
do feriado. e depois passou a se ocupar com as tarefas da cozmha.
- Eu nem tenho livro em francês...
Enquanto isso, Pelagueia Semiônova expressou o desejo de converi8r
- Como não! Deixe de ser mentirosa! 6 :iqude que vocé andou
com a moça e tcst.1-la nas funções de dona de casa. Jcodo por esses dias? Leia agora!
- E você, meu anjinho, serâ que sal>c four um :ilmoço tão bem
Liôlie.nka engoliu seco aquilo, suas orelhas queimavam de raiva
quanto sua mãe?
e angústia. Ela queria poder correr para qualquer lugar, mas suas per-
Na 1toria, Uôlienka aprendeu a preparar várias coisas.. mas, na
nas não a obedeciam; querfa gritar, chorar, arrancar os cabelos!
prática. sua mãe nunca deixou que da assumisse 11 responsabilida-
- Não aborreça sua mãe... - PeJagueia Semiõnova sussurrou
de sozinha. Ao escutar a pergunta da. vishante. Man1ãe prontamente
para cla. - Você é urna moça de ptrsonaJidadc! Renuncie às vontades.
interveio:
meu anjinho. renuncie. Submeta-se! Você terá de viver com seu ma-
rido e sua famíUa; não tente se elevar ao pala.mar do seu c6njugc. que
4, A data do Jejum dt- Sio Pc-dro nrb de w,rdo com o cakndádo d;i, ~ Orlõ·
do,:a. mas ~ralmente cxontttir oo mls ~ junho. (N.T,) você não ganhará nada com isso! Com Papai e Mamãe~ tudo é mais

140 Ntidll!jda Ktwoschfns1ca 4


A moça do tntsrnaco
141
fácil. mas com o marido... ó, como é complicado! Leia só irts llnhaii• PeJagueia ~miõnovt1 começou a se esticar para alcançar O topo,
nhas para mim. minha lindinha! quaodo Mamãe chamou-a para comer píróg e ordenou que Ali6na ar-
Liôlienka começou a ler uma gramática frG..ncesa a plenos pu.1- rancasse e trouxesst as pfras maduras.
mões, enquanto lágrimas desciam pelo stu rosto e pousavam. duras, UóUenka ficou sozinha, espichando a cabeça, olhando em vol-
sobre o livro. Pelagueia Semiõnova rne.ncou a cabeça cm diteção à co- ta. Tudo estava silencioso. exceto pelo canto de urn passarinho. mas
zjnha, satisfeita por ouvir as palavras estrangeiras. logo até ele parou de chilrear, e ela pôde escU1ar claramente passos no
- Veja como ela recita, tão inteligente! ~ o suficiente, minha jardim do vizinho.
lindinha! Nós já nos divertimos - então sussurrou para Liõlicnka: - O que eu fiz? - Lf0Uenka perguntou a si mesma. - Estou tris-
"'Submeta-se... é preciso se submeter!" - Agora, cu e voc:ê vamos dar te, mas, certamente, ele também está desUudido. Por que não pensei
uma vo1tinha no jardim, no verdejante jardim, para espantarmos nos- ncle?
sas tristezas e saudades. Ela foi em direção à cerca. mais calma e timjdameiHe à medida
- Eu não irei a jardim nenhum! - retrucou Liôlienka. que se aproximava; do outro lado. ele também se dirigia ao encontro.
Pe-lagueia Semiónova puxou-a pelo braço e conduziu-a até o LiôJienka ficou assustada ao perceber que ele portava O exemplar de
Jardim. Romeu e /11/ida, e pensou por um minuto em fugir; mas era impos.sível.
- Qut c:er~jas! Que cerejas gostosas vocês terão este ano! - - Olá! - disse Veretltsin, em seu habitual tom jocoso. _ Você
puxando a moça para mais perto dela. - Precisa trancar a porta do cometeu um engano e jogou fora este livro em vez do Kochànski?
quhual, menina! Pelo menos deixe o c.achorro à espreita para que elas - Caiu... - ela pronunciou e esticou involuntariamen1c a mão
pOSSam runadurecer. Aqui tem uma cerca e os filhos do te.souttiro cer• em direção ao livro.
lamente quererão comtr as smts cerejas. E aqueles pestinhas são tão - A de-, passos de dis15ncia da cerca?
bagunctirc)S quanto os daqui! ... Olhe para ele. olhe lá. seu vizinho ca• Veretítsin sorriu calmamente e menMu a cabeç3.
valheiro passea.ndo. De fato, ni11guém pode negar que é um bonitão! .. Dclxe que eJe diga 'n:io mint~ igual fez onrem com <la •
Ac-rcdito, meu anjinho. que vocC nunca olhou parà ele, não é? O irm:io sou Uôlitnka por um segundo.
···• pen~
1
da mulher do tesoureiro? Lá es1á ele, debaixo da árvore, parece o1har Prowvelmcnte Vereútsin pensara o mesmo.
para lugar nenhum. Você precisa de um homem assim. minha ftorzi• - "'' . d efe.>cl
aJ precisar - t perguntou, com seriedade e perspicácia.
nha? Você precisa de um que tenha sangue nas \'Cias, homem bom! - Não - respondeu Uõlitnka com a inesma perspicácia.
Mas aquele a.lL. Deus me perdoe! Você peca só de olhar! Ontem fui - N.:io go$tou '. Posso
. trazer os 0,n((}s do Príncipe Bova4' para
\'OCê?
à missa• nos "Atos dos Apóstolos" havia algo parecido escrito ... Voe~
tem peras plan1adas aqui, minha lindinha? Vejo aJi no cume. .. Sim, e
elas jâ começam a amadurecer? 1: bom para se divertir um pouco...
H
111 1
·
Cc,,itosdD Prf,1d~ Bon.i é um conto<kuvalaria, do ttculo XVII d
· di r.
,u · ú
, eo 0 1n •
1n, a INII ção 1r.i.nc.es.., que reune'*ª figura (k) prindpe <kmcntos da l~dlçlo
Mi e ocidental. No dWogo, Vcredliin roloea ()$; O>n101 num p;atanur de tnía,nilJ~
Jl.antc d< Sh.a.kt.spc-att", (N.T.)

142 A tnoça do internato


143
- Você e.stâ s-tmpre zombando de mim; sempre gracejando, . b - ll verdade•· - disse Mamae.
• - Venha aqui. minha Berdinha
desde o primeiro día que ~ apresentou... Eu ainda não sei o porquê! pois cm) venha aqui. · ···
- disse LiõUenka, quase chorando d~ aflição., assim que sua irritação Liólienka saiu dctrã's dO tab.ique onde est3va deitada.
p3.$SOU. - Você já ouviu de Víktor Mattínitch?
- Sou culpado! - respo,,deu Veredtsin, e virou-se para ir - , - Não se preocupe, minha pornbºmh a, ele é um homem boni•
embora. tao. - 3 c:res.ce.ntou a visitante.
- Nãot Escute> escutcJ - ela re.p.:-tiu, t esticou o braço para im• - E um homem dos mais maraviJhosos• Com posse$ Vi • .
rá t d · · • OCc VlVe•
pedi•lo. - Por que você fez aquUo con1igo? ... Por que me orientou? ...
te cn
d re asd amas dn sociedade. Agrad eça a Deus, que enviou um pre-
- Pegaram•te com o livro e t,e colocaram de ca.fflgo? - ele n -eme esses! Você m.ic.sma é o quê? As pe$Soa.s têm até ver h d
respondeu. voce. l.s$0 é uma dádiva diYi.no' p ., gon a e
. · ara que rugu • Voe~ começou cedo,
- Deus do céu! Fale col'nigo seriamente ao menos uma vez!... vamos dtax:at passar () Dia d A...... _ u
con . . • ,..,,nçao passar, o $ellhor Farfórov
Graças a você. eu comecei â pensar. a ver o mundo e a entender como _Sêgu1ra sua posição permanente na administrn.rno e V""'""~ 1
el,e é terrlveL Como minha mãe, mirtha casa, meu pai... Agora eu sou tara se d . ,.... ""'e c-omp e•
ale us c~sse1$ anos. Então. C5Se é um motJvo para que você se
uma infe1i2! Se voe.é.•. se ao menos você... ~ eu visse em você... gre pelo dia todo. Mas. mesnto que você não aJ ' .
- Liôlie.nka, eu Já sou miserável o suficiente sem você. Termine Ca$amento de tod . . se ~re, a dart1 em
o Jedo. Eu contarei i.$SO ao seu pai ass,·m 1
sua queixa - interrornpeu Veretits.in. eh.., · qucc,
~oa.r• portanto trate de se altgrar! Seu pai nã t d .
· d . o gos a e gracmhas ç
- GraçM a Deus que vod J um miserável! - ela g.titou, voeê a1n a nao o conhece de verdadé.
soluçando. - E sua madrinha enviará um bo ré d .
- Tá, maravilha! - ele respondeu. - Tudo ocabado. Adeus! Petersbur . .. · "' e sou:;4'1 de São
go, para css.c dia tao especial! Fattmos um lindo vestido de
Ele seguiu pelo jardim e bateu o portão. Aquele som pareceu casamento com - ele. Ai , .u,
• com bab adosl - a visitanle acrcscelllou.
a Llôlienka com o som de um martelo que esc:utara. uma vez. num
funeral. Por que se lembrard daquilo'? O que estava :u;ontece.ndo? Ela •- Mamae, pode me matar aqui nlcsmo onde "•stou, mas cu não
cas3re1 com Farfórov! - disse Liôlien1~. . co1w1cçao.
"º"'• com mu.1ta . •
não s;abia. Queria ir embora, 013$ nã.o podia. Sentou-se no chão sem
conseguir concatenar ideia a1gu.ma. Mamãe veio até ela e. cncontran·
do-a aos prantos. assustou~se por fim e conduziu-a ao seu quarto.
- O que houve com você? O que está acontecendo, Aliôna,
bein? Aliônuchka?
Pelagueia SemiõnoV"a sussurrou para Mamãe que a moça deve
4\ O Oia da Ac~unçào da Virgem Matil). é cddm..d
ter descoberto algo do seu pretendente. escutado algum comentá •h• IS de agosto. (N.'C) · O. oo calc:ndário ortodoxo, 00
rio indesejado e, por wnla dísso - cois:i de garotas mesmo -. qucri~ 11
.,' r•)Em franc:ih., no ortgtnal. ~1ate::fW manu,a1unido
,. da s-tcb• de .-.u- 1, ... d , , .
., ill.KW e m1cnor.
morrer. t ,,.

144 A moço do lntemeto


145
Xl ll

Oito anos se passaram des<le aquele tempo.


Na metade do mês de ogosto passado, em um doqueles dias cla-
ros e quentes que acontec.em em Petersburgo pouco antes da éheg:.da
do outono, uma aglomeração de visitantes encontrava~se nos sa)ões do
Hermitage:47 senhoras elcg!)ntts. mara\'i!hadas com a extensão de $uas
crinolinas envoltas em mantos brancos; mocinhas assustadas, quietas
t imobili:r.adas dentto do$ modelitos da moda cossaca davam sinal de
vida apenas quando os desarmoniosos saltos tamborila\'80\ sobre o
mármore ou assoalho; jovens- radiantes e notadameote barulhentos~
acompanh.ados dessas mocinha$: mulheres menos requintadas, mas
desejosas-por conhecimento e entendimento, entusiasmadas pelos no-
mes de e.ada artista, além ddas, garotas um tanto tristes, qu.uc crian•
ças, um pouco Intimidadas. e seus companheiros metidos a sabichões
que explicavam os objetos de arte com toda a confiança da autoridade,
como se tossem verdadeiros entendedores; provincianos e provincia-
n••· sinceramente emocionados, metidos em ,raje.< antiquados; genie
.. umum da cidade - pequenos-burgueses, artesãos. serventes - pas-
,.10do de quadro em quadro e estátua em estâtua, em grupos de cinco
fh-•\-..l&$. observando e ouvindo mdo com imer,sa atenção e satisíaç:\o;
1t·nhores respeitabilíssimos e seríssimos. em pares - raramente em
hio, , detençosos, que annlisavam cada objeto longamente, retor-
1umlo de um $alão distante só para rever uma obra qut lhes to~ra o
pfrlto, \'.SSes conversavam baixiabo, tão suavementt e aparentando
1o111l11 t.oohecimento, entre clc.s, que O$ próprios arlirt.i.s - com sua..s

l ,lo(',ludo às margens do Rio NC'\i. no P.ilicio dC' lnvt:ml> d; f.imilia rnl, abri•
p u ,,,u, ir-11 mll$eu da Rúui.a e um dos ma.lom do mundo. (N.T.)

147
telas, pincéis e tintas - que copiavam os quadros dos grandes mC$tres... o quadro de Murillo, O me,,;,,o &lo João e o ,ordeiro;•• tuna pintura
involuntariamente. viravam-se para obscrvâ-los. freque,uemente escolhida pelos pintores copistas que produzfam rê-
Os artista$ sofriam çom o alvoroço dos visitantes: u.ma tela deo- plku. Nesse exato momento, havia um cavalete diante da imagem,
tro do salão chamava a atenção. especialmcnle das mulheres. Todos. rnas para a satisfação do visitante não havia nenhum artista sentado.
quase sem e.~ceção, queriam ver o que havia na ttl~ e se o rt$uhado O jovem senhor deslocou a atenção desse quadro pam outro. vizinho,
conferia com o original. Por cortesia, eles se deslocavam para o canto també.m de Murillo: Jesus t. Sdc: João Batista meninos,•• em que Cristo
da sala, mas isso 1,ão impedia que escutassem avaliações e até grace- e São João encontram ..se abraçados. Ele parecia comparar as pinturas
jos - o que era sempre chato. Porém, juntos - os transeuntc..-S, os co.. a fim de escolher qual seria sua favorita, assim caminhou alguns pas-
mentaristas e os artistas-. forneciam uma atmosfera vigorosa àquelas sos para o canto esquerdo da sala a fim de observar o último quadro.
encantadoras salas fluminadas. Os visitantc:s olhavam as maravilh3.s U tamWm estava o cavalete, felizmente com a lcla exposta: rostos
da arte condescendcntentc.nte, as paredes de um vermelho intenso infantis divinos. ter-nos, bondosos. afetuosos, auréolas, alegres cabe-
impressionavam iniciantes e experientes; com suas imagens e.ternas, a cinhas de anjinhos nas nuvens, uni cordeiro brejeiro no cantinho do
btleza emanava sobre todos como algo supremo. que perdoa a palavra quadro que evocava - 1làO um 111ero sentimento de de-leite-. mas algo
profana. o comentário abalizado ou a audáCla dos estudantes copistas. maior; uma alegre sens.iç5o de reconciliação cstampou•s.e. no rosto do
Um jovem senhor percorria o Salão Espanhol, complelamente jovem senhor. Ele olhava. encantado, sem perceber que também esta•
sozfoho, e parecia não tcl'. nenhum conh0:cido por ali, pois n~o r.o nvcr- va sendo oh~erv.-uio, nt~ me$m:> com muit:t atençl<>, pela artista que
sou com ninguém enquanto visitava toda a esttutura do Hermitage. voltara e permanecera em frente ao cavalete; antes. ela já tinha batido
Estava fica1tdo tarde e h3.vfo cada va menos vísítantes. e os poucos o olho no homem que visitava a sala; ali, encosrado ao vasQ.. admiran~
que ali estavam preferiam os salões d3s joalherias ou das estátuas, que do o quadro de Murillo. tão esquecido de si mesmo que elo pôde olhar
ftca\lam embai.xo. l.ogo. no Salão Espanhol, ficaram apenas o atenden- com atenção para o seu rosto.
te de câmara, dois ou tres artista.~ que trabalhavam e o jovem senhor. - Monsieur Veretítsin, se não me engano? - ela disse.
Devido a.o sil~ncio, os passos de quem percorria os corredores, o som Ele retirou os olhos da tela.
de um pente0undo no chão ou o desli7.ar de uma paleta de osso sobre - Madame... Mademoisclle. ..
a tela. qualquer um desses sons podia ser escutado nos S.'llões. A luz so• - Llõlienka! - completou e juntou as mãos ao pronunc-iar.
lar iluminava suavemente as telas, .ipós penetrar os vidros do telhado. - É \'OC!! - ele quase grit>u de emoção.
dando um3 tonalidade dourada ao espaço e revelando o~ rostos pill -
dos d-as telas escuras. O jovém se1thor eacostou~se em um vaso de la
Ili 8artolomê E.s:ttba" M11rUlo (l618-l882), anlsta C"$patlhoL A pinlunl inendO•
pis-lazúli que se localizava no meio do salão. a fün de observar melhor 11..-1;1 ~ un'l.1 riplka loc:a1i7.ada oo Museu Hcrmitagt. O qutidro original dt O ,nmmo

\o,111 /iMto.- o eortkil'() eucoutn« N~1ic,nal Gal1(1')', em Lond~. lnglat.em. (N.T.)
,., ·rainblm uma tq,tic-a, PQii o q.iadro origin;il cncontr:t•k P.llátio Real. cm
M..Ju ~nha. (N.T.)

148 A. 1n11ç11 do ,ntom.ito 149


- Não se esqueceu de mim? - Não. E você. Elena ... ?
- Claro que me lembro! Lembro bem! Mas... não pode ser!... O
- Va$$í:lievna! Não. não. O que você pretende fazer hoje? Está
que ,·od faz por aqui? com ttmpo Livre?
- Isso que você está vendo. Scnte~sc um pouco, enquanto cu - Até a noite. Depois tenho uma palestl'il pública.
limpo minha paleta - ela apontou um sofá. de veludo locaJizado e:m~ -ó. que honra a vossa! Como não pude saber disso? Onde será?
baixo do quadro. - Numa escola, na Ilha VassíJievskl.
• Mas t você! - repetiu Vcretítsin, imprusionado. - Mas como - Nossa, eu moro na Ilha Vassílievski! Como é que eu nâo sou•
isso aconteceu?... Você quase não mudou... Quanto tempo. hein? bc? Isso se deu recentemente?
- Oito anos! Es1ou morando com minha lia há oito anos. - Eu começo a palestrar hoje.
- Aqui em Petersburgo? Eu estou aqui há dois a.nos. - Agora eu preciso ir para casa, V.unos juntos!? Jantamos na
- E o qlle você faz? minha casa e de lá seguimos para 3 sua pale-stra. De acordo?
- Dou aulas. Educação para os jovens. - Será um prazer!
- Que maravilha. Eu estou estu<Jando. Li6lienk.1 encaixotou sc-u material de píntur.i com cuidado,
- Olha, que sucesso! olhou para Veret ítsin e sorriu.
- Pois é~ verdade! Eu não podia esperar por nada dtsso ficando - Mudei muilo, EJena Vassllievna?
cm N. E como você conseguiu se livrar de lá! - Envelheceu um pouco. .. Vamos! Ai. oomo is.'iO é 1errível de
- Após um an~ finalmen te, eu arranjei uma outra posição no carregarl
serviço público e pude sair. .B você, como teve a ideia de partir? Ela chamvu o atendente de cámar.l e o instruiu onde guardar os
- Eu acho que o ar de N. é irrespirável para qualquer pessoa • pote$ de tinta até o dia seguinte.
ela respondeu') sorrindo. - E todos devem fazer o possível para sair - Vod se sente i vontadt aqui, como se estivesse na própria
daU. Eu. pelo ,menos, prometi nunca mais voha.r! casa! - observou Verctftsin~
Seus olhos chisp3rnm e el3 se lembrou de Veretitsin e da antiga - Eu venho nqui todo o santo dia há um ano.
Liôlienka. sua trabalheira com as crianças, as conve~as na cerca do - Para estudar?
jardim... Ela re.almtnte cre.sce.ra quase n3da; o rosto mudou um pou- - Sim, e para fa1.er cópias das pinturas a pedido,. Eu tr•balho
co; o que mud3ra, a olhos vistos, foi a maneira de se vestir - maiS arru- com isso - concluiu, enquanto Veretltsin despe-dia-se do quadro O
mada - e o penteado. Para Veret-:ít$in. pareda dese)ega.nte dizer direta- t upido. de Domenichino,$1 que ficava no corredor. perto da entrada
mente o que sentia após as últimas palavras, e ele apenas acrescentou: do Salão llaliano.
- E como vão seus pais?
- Estão lá, vivendo do mesmo jeito. Você se casou, Alieksándt
1,,-ãnitch? .!iO Dõn1enk o 7A.lnpí,eri. ou Dorocmc.hinq (1581-1641}, pi.ntor OOnoco itallané').
(N.T.)

150 Nadiêjda Khvoschínoio•• A moçe <fo íntemato


151
- Segure isso, tu vou buscar meu chapéu - ela disse para - l! como se fosse na cerca! - ele disse.
Veretítsi n e entregou-o a caí.xa quando eles já desciam as escadas e - Verdade, só que nunca estivemos assim. lado a lado! - ela
acrescentou e sorriu. - Quanto tempo! Em horrível. que tempo caó-
dirigiam-se para o Salão Lateral.
Ele ficou no meio da passagem, admirnndo aquelá n1aravilhosa tico! Lcm:bro·me de que ,'OCê estaVll passando por um período depri-
escada de mármore branco com a colunai.a acima: na porta superior, mente. Aquilo não acont«e mais, não é?
aberta, do Salão Italiano, havia uma parede vern,clm, em que podia - Por que não aconteceria?
ser vista a Madonna~ de Andrea dei Sarto.)t Trls:te, ela mira compene- - Ora. agora você tem seu trabalho. suas turmas. não devesa•
trada para a frente. tnquanto o Menino Jesus parece escalar no seu tisfações a ninguém, é útil e i.ndependentc. Não há motivo par.1 isso~
colo, vinndo-se. Seu olhar aeompan11ava -aqueles que iam embora ... - O que se pode fu1.er! A vidn l assim.
- Você gosta de arte? - Liõlien~ perguntou. assim que retor- - Mas por que Í$.io?
nou ao local onde deixou Veretítsin. - Por que não vem aqui com mais - Eu tenho trinta e quaLrO anos, nao tenho mais vinte e quatro.
Elrna Vassílievna.
frequência?
- Eu nunca tenho tempo. - lsso não é motivo - ela replicou, sacudindo a cabeça.
- ~ muito bom para quando se está muito ocupado! - ela - Não, sempre ten1 um motivo. De repente, a. vida apresenta
continuou, descendo a úhima escadaria. - Que tempo maravilhoso! olgo Inesperado e Indesejado justamente durantl: os anos de sua ju-
Vamos por aqul, chegaremos à margem do rio mais rapida1uentt indo ventude, que te exaurcrn por sete aJ1os. J; fácil f.tlar, mas tlre sete anos
J;i vida de uma pessoa! Os melhores anos da vida sem poder trabalhar
pela direita.
Ve.retítsin caminhava em silêncio. Quanto mais ele olhava naquilo que você sabe fazer. sem livros para le.r, sendo arreme-ssado a
Uôlienka, mais impressionado ficava - ilâo tanto pelo encontro ines~ uma sociedade que só Deus sabe. sem direito a pensar e falar o que
perado, nc.m pelo impactante contato com o passado. que. 1ão viva- pensa.1 a; preciso' passar por isso tudo para ter o direito de julgar se
mente se re;icendeu nos últimos minutos por meio de lembranças há ,tria fâdU se recuperar... Você mesma concordou que eru um tempo

muito esquecidas -. o que iropressionava..o era eomo aquela moça ltrdvel? Tive de me manter forte por muito tempo, parn ao fim disso
tinha se trnnsformado numa mulher adaptada à cidade grande, auto· 111Jo tra1..er comigo tristeza e m~lanc:olia.
Enquanto ele falava, o tempo inteiro ela b:a.Jançava a cnbeça ne~
confiante e corajosa.
1it 1lH'arnente e sorria.
•Nossa. como elas crescem!~ ele pensou, meneando a cabc:ç.a
- E mesmo numa vida incorrigível - continuou Veretftsln -.
involuntariamente.
1Jll,U\dO recobramos a juventude a partir da vida madura, há um gran•
Liôlienka encostou os cotovelos sobre o grnnito e olhou p;1r1
àgua, lá embaixo. Veretltsin fez o mesmo. ,fr 1,i,mu lo de Íl'\IStra~ões, no que concerne aos ideais e esperanças, e
tmm., vid.:a assim...
51 And~a Domenko dJ\gtloto dl fran(t::$(0 ( M86- l 5) l ). pintor rm.uornl blll llt mr parou.
lianC). (N.T.)

il do 1n ternato 153
152
- Você está rindo. El~na Vassílievna? - Eu dfria qut está quase saindo uma poesia - ela acrescentou.
- Eu, definitivamente, não te entendo! - ela objetou. pegando - ô, tempo! Na cerca isso nunca acontecia: acho que você
de volta a caixa com os materiais e segurando nos braços. - Não se gostava de ler Kheraskov..."
pr,-ocupe, cu pó:;$0 carregar isso. N-ão gosto de obrig~r o, outro~ :,. - Que bobagem! Isso 6 impossível! N:lo. •. Sabe, ostou muito fc.
fazer coisas que eu mesma posso foier. liz em te reencontrar, lembro me de você muito bem. mas não quero
4

- Hã um provérbio antigo que diz.: ..Não faça no.da que os ou• recordar aquele tempo. lsso me ira>. recordações absurdas... t passado
tros po..'Sam fazer" - respondeu Veretitsin, sorrindo. - Pode me dar a e ponto final! Eu vivo apenas no presente.
caixa! - Por falar em presente, conte me um pouco sobre sua tia. Você
4

- Ah. os pn>\'érblos antigos! - ela interrompeu, sem brochas está me levando para conhccê•la.
para piadinhas e com um entusiasmo e,special. - São dch."S que provém - Minha tia é uma senhora bondosa e inteligente. Foi casada
todo nosso mal, toda • desgraço da nossa geração! Você apoia esses com um homem muito s3.bio e bem-educado. Ela. veio para o capital
princ:íp1os antigos, se submete a eles, carrega o peso até o ponto de ter~ com ele, e com o seu auxilio conseguiu ter acesso i educaç3o. Dou
mos qu~ lutar. sofrer para escapar dessa opressão que nos impossibili· muito valor a essa conquista! Ela foi até N. me buscar e me trolLxe
ta de vivermos uma vida mais leve!... Você disse que antes a sua situn~ para a casa dela naquelt verão que nós convers.ivamcs. No prédio em
ção era dU'idl - e \feja, continua dificil agorn! Que 3S pessoas sofrem. que ela mora. há um excelente pensionato, f ela me matriculou lã.
Por que- você occitou que prcc:foo.vo renunciar? Por que não abdiwu EIIN> pe_rceberam que eu tinhn um3 boa 3ptídâo p:i.ra a pintura, entio
de seus preconceitos, não combateu sua fraqueza, não trabalhou mais comecei a assist-ir às aulas no curso de Artes; e, agora, como você vê,
energicamente? Você est& triste, amargo e cheio de melancolia, porque eu pinto no Hermitage. Hoje eu domino três línguas estraogtiras, t-ra-
se arrepende e não se esqueceu de alguma coisa; como se protegesse du1.o e preparo artigos para coletãne.as. Eu ex-ponho isso, apenas. para
denLrO de si uma coisa antiga sem a qual você não tonse:gue mais vi• afirmar q\lC não sou um sobrepeso que minha tia carrega - até rne$mO
ver! Você sempre foi saudosista e sonhador, e por cont:i do tempo que porque ela não é rica. Nosso meio social é composto por professo~
não pôde trabalhar. 1ornou•st preguiçoso... res do pensionato onde estudei, suas famílias e artistas, todos muito
- Vocl esta\-a sempre cantanJo. isso lá é uma oc.upaçào! - inter• ocupados. Por faso que o tempo livre é tão valioso para eles e tentam
rompeu Vc-rctítsin. - E éSS3 nO\'a geração quer nos ensinar a dançar? ocupar esse raro esp::iço com coisas prazerosas. Uma vez por semaru,.
- A nova geração não é egoísta! - ela respondeu, envergonhad:\ nos reunimos na minha cas.a. Junte•se a nós!
e ofendida, como a antiga Liõlienka. Vcretítsin agrndec:eu com um cumprlmento.
- Assim como a antiga não é saudosista e sonhadora - rcspon• - Então a vida é leve para você? - ele perguntou.
dc-u Vc:-ctítsin. - Melhor paro vocês, que são brotinl-.os, mas não rnlh~
com os troncos velhos que estão machucados pelo lempo... Nós esta•
mos filosofando. Elena Vassilievna! S2 Míl62il Khr túko\' ( 17.33-,.1801}, poeta ruuo do s&ulo XVIII, autor do lmpor•
1-u. ut 'Pico Rt>ss.{ada. (N.T.)

154 NodiàidO Khvoochinck•~ A. moço do 1ntern.oto 156


- Certamente! Eu sou livre! - respondeu Liõlienka. - Não devo - Hoje não poderei - respondeu Liõlienka. - Vamos jantar.
satisfação de nada a ninguém. Minha tia. obviamente. me deu orienta• Ela convidou Ve.retitsin a se aproximar. A sala de visitas era be-m
ção, mas wna vez (LUC! me ensinou - é da linha de fazer isso-, também mobiliada, com várias plantinhas aos cmitos e nas janelas. A mesa, já
deu a liberdade de concordar ou não. Logo cedo, desde que eu tive po~ta. esperava a chegada de Liôlienka. A governanta arrumou a mesa
condição de trabalhar. eu o fiz.. e posso dizer que ela não gosta nada para Vcretítsin também.
comigo. Ganho o suficiente. inclusive, para o meu lazer. Por exemplo: - Sente.se. estou faminta! - disse Liôlienka pan cle.
eu tenho uma assinatura do teatro que me fomtce dois ingressos por Enquanto comia, ela passava a vista num jornal que fora colo•
mês para a ópera. no assento da galeria; este ano, para me presentear. cado perto da me$;.., e lia as manchetes em voz alta. lnidou•se uma
minha tia pagou a anuidade para mim. Eu não dedinei. mas vendi animada conversa acerc.l. da guerra e da unificação italiana. Liõlienka
uma cópia de wn Greuu"' e comprei mais dois assentos p3ra meus goslava e sempre lia bastante. O Jantar passou num segundo nessa
amigos, alegando que queria assls.ttr à ópera duas vetes. Ai ela cnten• descontração. O dia claro. $ubitamenlc. Lraosíormou•se numa escu•
deu que não devttia me constranger, mesmo que com a melhor das ta noite de- outono; um pedaço do céu refletido na chaminé do pré.•
intenções... Vrx,ê vai â ópeta? dio vizinho escurecia, mais e ma.is, cada vez que se olhaw.: e a janela
- Raramente. Sem tempo... embaçou.
- Se você organizar bem o lempo, você o terá mais .. continuou - Venho comigo - disse Liôlicnl<a. levantando-se da mesa e di•
Li6lienka. - Eis o nosso apartamento. Guardou bem o caminho? riglndo.,;e áõ 4uarto. - Mãndarei acender• lareira. N6s faHvarnos da
.Ela entrou e começou a subir a~ e1e\ladas escadas de um dos Itália, e lá. mesmo no inverno. não fica tão frio como fica aquJ no
prédios mais altos na Avenida CentraJ.St VerctiUin a segui-a. Uma su .. outono.
bida dessas era impossivd de ser esquecida.. e ocorreu a Veretitsin a O seu qu.ano ficava perto da sala de estar - que também era ofi.
ideia de qut teria sido mais agradável se Liõlienka dissesse "seja bem· cina de rral>alho, quarto de cstudo e local para receber visitas. Por toda
-vindo" e aguardasse a resposta do visitante. parte havia algumas pinturas, esboços e telas inacabadas) alguns vira•
Liõlienka chamou e logo apareceu .1 govern:>.nta. que guardou o dos contra a parede:. No cavalete, um retroto em anda.mento, provave1-
casaco de Ve,retítsin. mente da sua tia; a paleta dlst.ratdameme colocada na talha inferior do
- Elena Gavrílovna não está em casa - disse a governanta. c.~pelho. bustos de gesso. C$látuas, molduras de cabeças colocadas so-
- Já faz tempo que da saiu? ltre pedestais testantes. Uma grande escrivaninha e duas prateleiras.
- Sim. Ela di$Se que foi convidada para u.m jantar e de J:i Iria ao 1.-hd.1s de livros. um sofá e umas simpátic:.as pohronas colocadas estrn•
teatro, e também que se você quisesse encontrá-la poderia ir ao teatro. h'R1..;.1.mente perto d.a lareira - esse era o único local qu.e passava uma
Ela deixou um bilhete. imagem relaxante, todo o restante davi a sensação de intensidade,
1 oullnuidade e trabalho ininte.rnipto. Liõlienka olhou para o relógio.

SJ Jean Bapti.stc Crcute (1?33, 1801), pintor fno«i. (N.T.)


S< S<Nlnogo P<O<lpilt<I. (N.T.)

156 A ""'liº do 1nte.rneto 157


- Vou buscar o chá para você - ela disse para Veretítsin1já sain- VeTCtítsin oJhou para ela, que fora até a lareira colocar mais le-
do e deixando-o soiinho para que adentrasse na sua sala de trabalho, nha. A mei:a,..Juz. das chamas deu uma estranha aparência ao quarto
se assim o quisesse. vermelho. Essa luz e as sombras pareciam animar ainda mais o rosto
Ao re1ornar, encontrou-o no meio da sala. observando tudo cm da moça. Ela sentou•se, aninhou-se tranquilamenle na poltrona; no
volta. movimento dos seus olhos havia o desejo de relaxar, de aproveitar o
- Nada ma), não é? - ela perguntou. - O senhorio foi tão gentil descans0i, mas não como contemplação.
que concordou que eu colocas.se um papel de parede \'Crmelho aqui - Bem, então vamos relembrar os veJhos ccmpos - ela disse
- u.ma t.ímida imitação das paredes do Hcrmit•agc! Na terça, quando após um silêncio t sorriu. - Como vai a MademoiseUe Sophíe?
ocorrer.í o próximo encontr~ deixarei tudo claro, como um g;orno,"~ - Sophie? - repetiu Veretítsin.
na sala. Ficará maravilhoso... Você não acha que ficará maravilhoso? - Sim, Sophic ... Sofia.. .. Aleksândrovna... o sobrc?nome?.. ,
- Essa é você mesmo? - interrompeu Verctitsi n. - Séri~ às \'ezt$ - Khmeliévskaia - disse Veretítsin. - Como você a conhece?
eu não acredito no que os meus olhos ,:cem. Isso é um renascimento! - Eu a vi! - respondeu Liôlienka, gargalhando. - O que há
- O que há de tão interessante nisso? - ela respondeu. surpresa. de mais nisso? Vivendo em N.. logicamente que eu conhecia os
- Só me lembrando mesmo. .. Khmeliévskis. Eu a vi conversando com você no jardjm.
- Pois eu não me lembro de nada mais - ela rep1icou. - Eu já - Ah... - balbuciou Veretitsin. olhando pnra o fogo.
lhe disM lssõ, 11ão foi? Se as pêssoas têm um desejo para lembrar de • Acho que se trata de uma mulher m:ll'avilhou. mM perfeição!
tudo o que acontece, então deixe que se lembrem dle t\ldO desde a in- -Sim.
fànda) assim ficara claro que na vida só acontece aquilo que era para - Educada. inteligente, sábia? - continuou Liôlicnka. - Dig-.i-
acontecer... Se você tivesse me conhec.ido, não ficaria surpreso pelo me, onde ela está agora? O que ela fa,_ ..
fa10 de eu 1er me livrado daquele jugo e ter escolhido apagar tudo que - Que faz hoje e onde e tal... - sobrepôs Vercthsin.
se relaciona àquilo. - Exatamente - Uôlicnka confirmou seriamente. - Nos dias de
- Entendo. Deve ser muito dolotoso para voce. Dificll... hoje. com tal idade. t1ma mulher como aquela deve teir muitas ocupa-
- Você fala da minha família? - ela interrompeu. - Não há nad11 \üc~I Uma mulher deseuvolvl<la, com um olhar respla:ndescente, com
de doloroso ou difícil nisso! Eu n-âo me lembro, é <:omo se tu tivcMit> uma verdade que emana de sua beleza e força interior surpn:c.ndenle...
tirado um peso da minha memória: assim como também não me lçm 11,111 ,;ô c;eu exempl~ mas sua palavra... Ela não está por aqui? Não está

bro do-.s absurdos que escuto e leio por aí... Você ac.ha isso estranho! nn l1ckrsburgo?
- Não digo que é estranho, mas l um tanto resoluto. N'5o, está na aldeia. Ela se casou.
- Nada disso! ê m3gndnimo! Casou!! - gritou liôlienka.
Casou - repetiu Vcrctítsin.
SS Ern Italiano, no origin.:aL Uõlknlu. qut:s dizer que II iJumiii1ç!.o dtiXlliA llt
como o dl-a (giomo).(N,T.)

158 Nadiêitfo Khvoochln1.,_,. A •tlOC,• dO intornoto


- Que mulher afortunada! QuCJn foi o predestinado que teve a
íclicidade de conq,ti,tar <SS• períeiç:io? - Por i5'0 que hoje é mais fácil do que há mil anos! - respondeu
Vererhsin. - De pouquinho em pouquinho, pela forç.i da influência,
- Um bom homem, senhor de terras en1 N.
da memóri-a...
Liõllenka pulou de sopetão da cadeira.
- Monsieur Veretítsin! ... í isso o que você chama de perfeição?!
- O velho e confortável •de pouquinho em pouquinho"! - In-
terrompeu LiõUcnka. - Isso são apenas desculpas esfarrapad.., ideai,
- Ainda mais do que nunca - respondeu tranquilamente, sem
tlrar os olho, do fogo. de egof.slas. preguiçosos que não tl'lcaram os problemas de frente! Em
breve. você verá como sua perfeição, Sophíe, se rcconcUlará consigo
- O que você chama de perfeição é uma mulher que vendeu a
mesma, tomar-se-á uma idiota...
própria vontade, que se arremessou num abismo ...
- Ela morre-ria assim! - exclamou Veretítsin.
- Ela não se vendeu, mas renunciou a .si mesma; cedeu às sú~
- E que bem traria a morte dcln para a sociedade! Seu marido
plicas da mãe. Ela não amava ninguém..~ Seu ma.rido ~ um homem
se casaria logo com outra. briga.ria novamente com o pai e todos n ..
honesto. que não é tolo... claro que não é um progressista, nem um
riam da cara dela!
líder, mas... Para que dar o ,esouro sempre ao rico, se é o pobre que
precisa mai.s? - fia morreria Jutando por suas convicções - disse Veretitsin.
- E se ela morresse livre, morresse de tanto viver, de ak'gl'ia!
- E o que você achi que ela fei pru:a os pobres nece$Sitados?
- Como assim?
- Ela deu à 5ua mãe um 6m de vida SOssegado; reconciliou o
marido com o pai; transformou o velho numa pessoa mais humana e - Ora, como assim! - Liólienka resp<>udeu e com as mãos mos•
Irou o que a circundava. - Ela podia trabalhar para o povo, num dr-
caridosa; ajudou o seu marido a estudu, a como usar os meios para
1.ulo maior!
atingir os finsi deu um suspiro de vida a muita gente.
- Você já se deu conta de quet na água. os círculos maiores são
- (>, que grande trabalho! - interrompeu Llõlienka. - li
111,,,$ fracos que os menores?
renunciou para isso? Para limpar o quarto da mãe, reconciliar a família.
- Ah. sem analogias poétJcas, por fuvor!
soprar feridas- e ensinar o alfubeto ao marido? E iS$o é a essência da
superioridade... - Mas eu falo a sério - de também moveu as mãos n1ostrando
"" ttdor. - Voe! acha que isso é trabalhar para o povo!
- E quem dirá que isso não é um sinal de superioridade? - re
rrucou Veretitsin. - Os seres inferiores nunca compreenderão. pn1 Claro que não é um trabalho em esc:ala mundial. mas eu diria
,111,· ._i uma pequena parle de uma grande contribuição - respondeu
isso desdenham! Aqueles que se sacrificam até as últimas consequên
11Nlenk3. - Ao menos. estou fazendo a minha parte. e o majs impor-
cias são superiores. Só o sacrificio do perfeição pode conduzfr o 1rr
1 uh c:u obedeço a minha vontade! ...
humano a alguma coisa...
Sofia educa seu, filhos...
- Há alguns milhares de anos que as perfeições se sacrificam!
disse Liôlíenka. Você está poeti>ando porque ainda é apaixonado por ela!
lnh-1 rmnpeu Liôlienk..t. sorrindo. - ~u cubeUnho claro, sua

N&d1êJd8 KhYOsctu,, 1
abecinha.. ;" Mas observando da nossa pcl"Spectiva atual, o que é isso? Eu nunca mais n1e apai""<onarei novamente! Não tenho tempo para
~ uma escravidão, a f.unma é uma escravidão! Uma mulher talentosa essas bobagens. Mas, ao menos, tudo isso .serviu para alguma coisa:
subjugada por um •bom homem, senhor de terras': Ela se sacrificou despertou em mim uma força libertadora. A üijustjça, a perseguição
por uma mãe caprichosa e egoístal Ela reconc.Uiou - ou simplcsmcnlc atingiram níveis extremos na minha vida. Cheguei a ser oferecida em
reuniu novamente - duas pessoas ruins que se odiavam mutua.lmente! casamento!... Eu fugi d.isso tudo. Resolvi correr para a rua e procurar
Se ex.is-te aJgo de humano em meio a essa pata<:oada toda, é a parte da abrigo. Escrevi para a minha tia - eu nem tinha o dinhe.iro da posta-
edue11çüo das crillJlças. Mas isso é rcahncntc humano? Ela está trans- gtm do correio! Nunca n1~ t;quecerei da hum;Jhaç,to de ter de pedir
mi:tindo a eles os mesmos preceitos de autossacrificio responsáveis dinheiro à governanta, prostrando-me no chão... Eu não tinha o direi-
pela sua destruição! Ela serve ao mal, transmite o mal. Está criando Lo de fügir para cl e odiar toda a memória de$se passado?
sofredores! Ela podia ao menos entender isso... - Ninguém tem o direito de te julgar por essa fuga. Você tem
- Ela sabe que a melhor mãe é aquela que cdu<:a os mártires. o direito de fugir, mas aão de odiar. Se você entendesse melhor essas
- Esse é mesmo você?! - interrogou Liôlie.nka. - Pergunto de pessoas. poderia !X'rdoá-los.
verdade issoff Você deve es.1ar esquecido, mas eu me lembro: você foi a - l\fão djga isso! - interrompeu li6licnka. - Você defendeu que
primeira pessoa que pronun<:iou a palavra "'liberdade"' para mim. Esse isso era uma separação. lsso é um renascimento tambt!m! Esse é mes•
é mesmo você? mo você? Acho que farei essa pergunta mil ve--tes...
- .Lembro-me perfeitamente - respondeu Verelitsin. - Eu f.tJel - Sou eu, sim - respondeu Veretitsin. - Mas daquele tempo
sim. mas foi uma palavra de liberdade, não de separação... para <:á muita coisa mudou.
- Separação? - E eles te subjugaram por esses anos?... Ou envelheceu?
- Sim. Vo<:ê e sozfoha. Voc.ê entende is.so? - A gente vai se acalmando com o pas.sar do tempo.
- Eu sei que sou sozinhá. Um sujeito racional 1em de saber - Ficando mais paciente?
como viver sozinho. - Mais inteligente.
- Quando se 1ern de viver sozinho, sim - respondeu Veretitsin. - Ah, se tivesse alguém, alguém para lhe repetir aquilo que vocé
- Mas quando existem outras pessoas.... ,lb:ia antes! - exclamou Uôlienka.
- Para mim. elas não existem! - ela respondeu, incendiada. - Os extremos? - perguntou Veretitsin. - TaJve-z. Mas quando
- Você podia não saber, m1s podia imaginar como em minha vida, 1ncf perde muitos anos em divag.1(3es, passa a considerar se os extre-
quais pesso:u me cercavam. Você me fn abrir os olhos para elas. pel,, lllfü s.ãQ verdadeiramenre úteis. Aos poucos, o homem vai involunta-
primeira vez.. Eu acredüava em você ... TaJvcz você não saiba, mas tu , lamente abandonando...
te amava! Como nunca amei ninguém! Com você aprendi que o amor - E se reconciliando?
é o pior jugo que existe, pois fui você ver a vida a1ravés do olhar tlt - E perdoando.
oulrn pessoa, remmdar ao seu desejo, pelo de-o:>ejo Je outra p~:-011

162 A moço do ln~rnoto


163
- 11: isso, um passo atrá.s. De volta às velhas maneiras, não é? - o que linha. Ela ensina o bem t a verdade sem qua.lquer esperança de
exclamou Liôlienka. sucesso, apenas pela confiança nas suas ações. Ehi. e.stá diante da ru-
- E por que não? Perdoar; seni culpar. sem se lembrar... deza, da vulgaridade, da fnlla de educação, do insulto. da crueldade...
- Sim, pode ser, f um pensamento sublime - interronlptu fria- assim como os mártires. ela se entregou a uma profissão da verdade
mente Llôiienka. - Mas para quem foi humilhado, para quem enten- e à morte! Essa é a realização ii.nal da responsabilidade que compõe
deu que só ele mesmo. só sua devida coragem podia preveni-lo contra a consciénc:ia da verdade e a Sfde de bondade. Não há ideal equiva•
a própria destruição: esse não se e$(luece fucilmeote, não perdoa fu. lente em nossa época. t um e,:emplo incomparável: só uma mulher
cllmente... Mas isso t uma questão de personalidade, e isso adequa-se que deseja a mais completa perfeição pode atingir esse nível. s6 uma
a mim. Eu prometi que nunca mais deixaria outra pessoa ter poder mulher que sente dentro de si a força da verdade: suas crenças. a en•
sobre minha vontade. Jamais servirei à velha lei bátbara. nem por trcga plena. a boa vontade, a al.:gria, o autoesqucdmen10... Voe~ não
exemplo, nem por palovn, .. Muito pelo contrário, eu digo a todos: lldmira as írmã.s da Caridade?}& Você não se deleita com a abnegação
fuça como eu fiz! Libertem-se! 'lodos-aqueles que têm mãos e força de d:a.s mulheres que em tempos ée guerra carregam cartuchos para os
vontade! Vh-am sozinhos! Aqui há v1da: há trabalho. conhecimento e maridos? Nada disso é fácil; para essas aç~.s, a coragem não é meno.s
liberdade. .. necessária, nem menos ultrajante; não há a necessidade da aprO\'ação
- E a vontade do coraç.ão, como fica? - perguntou tranquila- de todos ao redor. nem a aparência magnífica diante dos outros; mas
mente Veretits:in. C""~ açôe$ v11Jcm a vid-1.
- Você ~ ícUz com o seu coração? - ela perguntou cm tom - Você a ama demais! - dsse Llôlienka.
provocativo. Vcretítsin nada respondeu e levantou-se. O relógio marcou sete
- Sim. Já você é infeliz com o seu - ele retrucou.. - O nosso dói horas.
e existe, enquanto você sequer tem um. - Veja só! - ele disse finalmente. - Aqui estamos. vanglorian•
- O nosso? - repetju LiôlienkA. - O seu• o de Sophie? du nos de nossa vida em liberdade. porque agora, no presente, é a
- Você não a compreende - falou Vtrttítsin gentilmen1e. - N:'lu 11u.•~ma coisa para mim e para ti: a hora chegou e nos separattmos► se-
ria. Você re-.sume tudo à Jiberdade, de acordo com suas convlcçôe:- J1111u:mos por caminhos diferentes: sem nem termos terminado nossa
que certamente não íorum const.ruídt'tS facilmente. t você tem n1ul • unvcrs;i. sem termos resolvido sobre o que senümos. nem mesmo so•
ta razão. em partes-, mas vc)d vê tudo do seu ponto dt V1St3. Vol, 111" •> que lembramos. Mas somos pessoas Uvres. escravos do crabalho
ainda está longe da perfeiÇ'âo de Sofia! Sem o sofrimento. você poJ, 1111.-, c.olocarnos sobre as costas... Muitos até gostam dissÔ) uma maioria
construir paru si mesma uma vida deveras tranquila. divertida e CkU
pada. com o carinho do seu cfrcuJode amJgos. Mas. Wda a.ssírn, ,o
fti.nd~da em 1831, na cidade de- Dublin, Jrbnda. a organizaçio Sistcn of Mercy
sen e à sociedade através de um trabalho prazeroso. .e um tr.1h11U
1

f'I 11
t1 1'1't u1n:1 série de ações de ,vkbJtoo longo do mundo, de$ó:fc
visitas a bospil.aJs
importante, mas é um trabalho pela metade... Sofia se desfez ,Ir nidl m"',i•l.lçio de fundos pita Jocnt~ A <>rg•nizaçào tomou-~ fomosa n:i Rússfa.
• f>.1nfdp.içJo das lrmis na Cu«TUCU Oimc1.1 (l8S3· 185S). (N.T,)

164 Nad16jdo KhYo•ch 1Uo uu;ern-Bco


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se convence de que é necessário, mas apenas alguns poucos indivi-
duos - me induo nessa lista - falam francamente que qualquer causa
é como uma dose de ópio. um meio para manter-se vivendo por essa
causa... Não há felicidade para nós, tampouco tempo para o amor...
Em vez disso. nos apegamos a objetivos sem sentido que aparecem no
caminho... Isso é o que eu chamo de envelhecer.
- Não é verdade! - Liôlienka replicou. - O trabalho e o conhe-
cimento não envelhecem* porque são eternos.
- Talvez.. se você não perceber que uma parte do. alma, o senti-
mento. já está morto ou pad.:ccndo de apoplexia. 1! possh•el se enga-
nar com qualquer um.
- Eu não quero me enganar com nada. Ora essa! Então, que

- Seja feliz!
- E vod, é feliz?
- Eu prec-i,o ir~E.lena Vassílie"rna...
Ela olhou apressadamente para o relógio.
- Até a próxima! Venha na terça-feira, eu te apresentarei a mi-
nha tia: e a pessoas muito boas. Voe~ virá?
- Eu não tenho tempo... Mas se eu cor1seguir...
Liôlien.ka acompanhou-o até a escada com uma vela e depois
re10mou ao seu quarto. Sem hesitar em nenhum momento, e-la retirou
a poltrona par, perto da ese:riva.ninha; retirou o caderno e o dicio
n.irio; e, logo, apenas o som do relógio lique1aqueando, o da lcnh,
crepitando na la.reira e o do lápis riscando sobre o papel podiam .str
ouvidos no seu quarto.. ,

166 Nodiêjde Khvo,chln11í


- Casou?! - Gritou Liôlienka.
- Casou. - Repetiu Veretítsin.
- Que mulher afortunada! Quem foi o predestinado que teve a
felicidade de conquistar essa perfeição?
- Um bom homem, senhor de terras em N.
Liôlienka pulou de sopetão da cadeira.
- Monsieur Veretítsin! ... É isso o que você chama de perfeição?!
- Ainda mais do que nunca. - Respondeu tranquilamente, sem
tirar os olhos do fogo.
- O que você chama de perfeição é uma mulher que vendeu a
própria vontade, que se arremessou num abismo...

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