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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES - CEART


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

MELISSA HAAG RODRIGUES

IMAGENS LIDAS & PALAVRAS VISTAS:


O PAPEL MEDIADOR DO LIVRO DIDÁTICO PARA A CRIANÇA

FLORIANÓPOLIS - SC
2009
MELISSA HAAG RODRIGUES

IMAGENS LIDAS & PALAVRAS VISTAS:


O PAPEL MEDIADOR DO LIVRO DIDÁTICO PARA A CRIANÇA

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do grau de Mestre no
Programa de Pós-graduação em Artes Visuais
do Centro de Artes da Universidade do
Estado de Santa Catarina.

Orientadora: Profª. Drª. Neli Klix Freitas

FLORIANÓPOLIS – SC
2009
R696i

Rodrigues, Melissa Haag, 1977


Imagens lidas & palavras vistas : o papel mediador do
livro didático para a criança / Melissa Haag Rodrigues ;
orientadora Neli Klix Freitas. 2009.
115 p. : il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de


Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais, Florianópolis, 2009.

1. Livros didáticos. 2. Mediação. Imagens - interpretação.


3. Ensino fundamental – Brusque (SC) I. Freitas, Neli Klix. II.
Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Artes
Visuais. III. Título.

CDD: 371.32
MELISSA HAAG RODRIGUES

IMAGENS LIDAS & PALAVRAS VISTAS:


O PAPEL MEDIADOR DO LIVRO DIDÁTICO PARA A CRIANÇA

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, no


Programa de Pós-graduação em Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade do
Estado de Santa Catarina.

Banca Examinadora:

Orientadora: ________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Neli Klix Freitas
CEART - UDESC

Avaliadora externa: ________________________________________________________


Prof.ª Dr.ª Eliane Santana Dias Debus
PPGCL - UNISUL

Avaliadora: ________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sandra Regina Ramalho e Oliveira
CEART - UDESC

Suplente externo: ________________________________________________________


Prof.ª Dr.ª Gisela Eggert Steindel
FAED - UDESC

Suplente: ________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Batezat Duarte
CEART - UDESC

Florianópolis, 27 de julho de 2009.


Para Clara,
que me fez ir mais longe,
para poder ficar mais perto.
AGRADECIMENTOS

À Universidade do Estado de Santa Catarina pelo ensino público e de qualidade.


Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - Mestrado do Centro de Artes,
pela oportunidade concedida.
À Professora Neli Klix Freitas, minha orientadora, pelo acolhimento, incentivo,
estímulo, liberdade e, principalmente, pela confiança.
À Professora Eliane Debus e à Professora Sandra Ramalho por aceitarem participar
da banca de qualificação e defesa, pelas contribuições e orientações valiosas.
Aos meus pais, Oscar e Marli, por me oferecerem a possibilidade de trilhar todos os
caminhos que escolhi. Obrigada pelo incentivo, pela ajuda, pela compreensão e pelo amor
incondicional.
Ao Oli por toda a paciência, carinho, compreensão e, sobretudo, amor.
À Clara, minha filha querida, que me faz sorrir todos os dias e me mostrou um outro
sentido para a palavra amor.
Ao Marcelo, meu irmão e amigo, companheiro de tantas jornadas rodoviárias,
emocionais e musicais.
À toda a minha família, sogra, cunhados, sobrinhas, primos e primas, pessoas com
as quais pude contar nesta caminhada.
Aos meus amigos pelos momentos de descontração, tão importantes neste
processo.
Aos demais professores e colegas do programa de Mestrado, pelo incentivo e
conhecimentos compartilhados. Em especial à Márcia Cardeal, companheira desta jornada
maluca que, graças ao mestrado, tive o prazer de conhecer.
E a Deus, por ter conseguido chegar até aqui.
Não há ensino sem pesquisa e
pesquisa sem ensino.
Esses que-fazeres se encontram
um no corpo do outro.
Enquanto ensino continuo buscando,
reprocurando.
Ensino porque busco,
porque indaguei,
porque indago
e me indago.
Pesquiso para constatar,
constatando,
intervenho,
intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer
o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade.
Paulo Freire
RESUMO

A proposta da pesquisa da dissertação de mestrado foi a de identificar e analisar o papel


mediador do livro didático para a criança, tendo como foco associações entre imagens,
palavras e aprendizagens. Pelo relacionamento da criança com seu livro didático buscou-
se identificar a relação entre a qualidade visual do mesmo, o seu conteúdo e a
possibilidade de mediar o processo de construção de conhecimentos. A partir do histórico
do livro didático no Brasil pôde-se observar as modificações pelas quais este passou no
decorrer do tempo, bem como a construção do conceito de infância e as interações da
criança com o livro no ambiente escolar. Por meio do estudo de importantes conceitos da
teoria de Vygotsky como desenvolvimento, aprendizagem, mediação, níveis e zonas de
desenvolvimento, interações sociais e cultura percebeu-se que o livro didático, através de
associações entre imagens e palavras, atua como um sistema de estímulo externo auxiliar,
exercendo um papel verdadeiramente mediador para a criança. Juntamente com a
pesquisa teórica foi efetuada uma pesquisa de campo em uma Escola Pública Estadual no
município de Brusque/SC: foram entrevistadas duas professoras da 4º. série do ensino
fundamental, sendo uma a professora da classe e a outra de artes, e realizado um grupo
focal com oito alunos desta mesma classe. A partir da análise e interpretação dos dados
coletados foi possível perceber questões importantes, como interações entre imagens,
palavras e aprendizagens; a comunicação visual que o livro didático contém, aspectos
importantes implícitos na complexa trama que integra percepção, comunicação visual,
imagens, palavras e aprendizagens na criança. Ressalta-se nesta dinâmica a importância da
qualidade visual e gráfica do livro. Estas questões contribuem para uma relação de
reciprocidade entre o livro e a criança, concluindo-se que o livro didático é um importante
elemento mediador no processo de construção de conhecimentos. Se a comunicação
visual do livro didático se apresentar adequada, se os assuntos forem abordados com base
nestas associações entre imagens e palavras, a criança pode adquirir, de maneira mais
eficiente, satisfatória e, principalmente, prazerosa os conhecimentos escolares.

Palavras-chave: Livro didático. Mediação. Imagens e palavras.


ABSTRACT

The propose of the Master's degree dissertation research was to identify and analyze the
mediator role of the didactic book for the child, having as aim associations among images,
words and learning. Through the relationship of the child with his/her didactic book we try
to identify the relation among its visual quality, its content and the possibility of mediate
the process of building knowledge. Up to the description of the didactic book in Brazil, it
was possible to observe the modifications through which it has gone through the time, as
well as the building of the childhood concept and the interactions of the child with the
book in the school. Studying the important conceptions of Vygotsky theory as
development, learning, mediation, levels and areas of development, social interactions and
culture it was observed that the didactic book through associations between images and
words, acts as a helpful external stimulation system, so acting as a real mediator for the
child. Together with the theoretical research was performed a field work at a State School
in the city of Brusque/SC: were interviewed two 4th grade teachers of the secondary school,
one being the class teacher and the other the art teacher, and also held a focus group with
eight students of that same class. Up to the analysis and interpretation of the data
collected, it was possible to observe important topics, as interactions among images,
words and learning; the visual communication that the didactic book contains, implicit
important aspects in the complex scheme that integrates perception, visual
communication, images, words and learning in the child. It is highly important in that
dynamic the importance of visual quality and the graphic of the book. These questions
contribute for a reciprocity relation between the book and the child, so the conclusion is
that the didactic book is an important mediator element in the building of knowledge. If
the visual communication of the didactic book is suitable, if the subjects are seen based on
such associations between images and words, the child is able to get it in a more
satisfactory, and mainly in a pleasant way the school knowledge.

Keywords: Didactic book. Mediation. Images and words.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Abrelivros – Associação Brasileira de Editores de Livros


ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
CAPs – Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual
CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático
COLTED – Comissão do Livro Técnico e Livro Didático
ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
FAE – Fundação de Assistência ao Estudante
FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBC – Instituto Benjamim Constant
INL – Instituto Nacional do Livro
LD – Livro didático
MEC – Ministério da Educação
PLIDEF – Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNLA – Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos
PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
SEESP – Secretaria de Educação Especial
Siscort - Sistema de Controle de Remanejamento e Reserva Técnica
USAID – Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional
LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 - Capas dos volumes que compõem o Guia do Livro Didático 2007 ................................ 22
Fig. 2 - Como funciona a escolha dos livros didáticos no Brasil ..................................................... 23
Fig. 3 - Capa e página de rosto do livro Através do Brasil.................................................................. 29
Fig. 4 - Capa do livro didático Conjuncções: notas elucidativas e exercícios práticos................. 31
Fig. 5 - Capa do livro Casa de Maribondos.............................................................................................. 31
Fig. 6 - Capa do livro didático História do Brasil ................................................................................... 32
Fig. 7 - Capa do livro didático Estudos Sociais....................................................................................... 32
Fig. 8 - Capa da cartilha No Reino da Alegria.......................................................................................... 33
Fig. 9 - Quadro O Reverendo Randall Burroughs e seu filho Ellis, 1769............................................ 41
Fig. 10 - Capa e página do livro Orbis Sensualium Pictus................................................................... 52
Fig. 11 - Detalhe da página do livro Orbis Sensualium Pictus........................................................... 52
Fig. 12 - Capa do livro Zang Tumb Tumb ................................................................................................ 67
Fig. 13 - Poema Desabar............................................................................................................................... 67
Fig. 14 - Capas dos livros didáticos do Projeto Pitanguá da Editora Moderna.......................... 69
Fig. 15 - Capa do livro didático Matemática do cotidiano & suas conexões.................................. 87
Fig. 16 - Páginas 8 e 9, início da 1ª. unidade do livro de Matemática ........................................... 88
Fig. 17 - Páginas 16 e 17 da 1ª. unidade do livro de Matemática................................................... 89
Fig. 18 - Páginas 24 e 25 da 1ª. unidade do livro de Matemática................................................... 90
Fig. 19 - Páginas 18 e 19 da 1ª. unidade do livro de Matemática................................................... 91
Fig. 20 - Capa do livro didático Projeto Pitanguá: Português............................................................ 92
Fig. 21 - Páginas 14 e 15 da 1ª. unidade do livro de Português...................................................... 93
Fig. 22 - Páginas 12 e 13 da 1ª. unidade do livro de Português...................................................... 94
Fig. 23 - Páginas 6 e 7, início da 1ª. unidade do livro de Português .............................................. 96
Fig. 24 - Páginas 20 e 21 da 1ª. unidade do livro de Português...................................................... 97
Fig. 25 - Ilustrações que aparecem ao longo da 1ª. unidade........................................................... 97
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Caracterização dos participantes das entrevistas........................................................... 74


Tabela 2 - Caracterização dos participantes do grupo focal ........................................................... 74
Tabela 3 - Livros didáticos utilizados na pesquisa .............................................................................. 76
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................................................13

Capítulo 1 - O LIVRO DIDÁTICO ...................................................................................................................................16


1.1 Histórico e política do livro didático no Brasil ............................................................................................16
1.2 Transformações do aspecto visual do livro didático................................................................................27
1.3 Os livros didáticos no cotidiano escolar .......................................................................................................35

Capítulo 2 - O LIVRO DIDÁTICO E A CRIANÇA ........................................................................................................39


2.1 A construção da infância ....................................................................................................................................39
2.2 Desenvolvimento e aprendizagem infantil: tramas conceituais e processos de mediação......45
2.3 A criança, o livro e a leitura: relações e afetividade ..................................................................................50

Capítulo 3 - O LIVRO DIDÁTICO E A COMUNICAÇÃO VISUAL..........................................................................57


3.1 A criança e a comunicação visual do livro didático..................................................................................57
3.2 O livro didático e a cultura visual ....................................................................................................................63
3.3 A comunicação visual do livro didático: entre palavras & imagens....................................................66

Capítulo 4 - METODOLOGIA..........................................................................................................................................73
4.1 Percurso metodológico.......................................................................................................................................73
4.2 Procedimentos de coleta dos dados..............................................................................................................76
4.3 Procedimentos de análise dos dados ............................................................................................................77

Capítulo 5 - ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .......................................................................................81


5.1 Análise dos dados coletados.............................................................................................................................81
5.2 Análise dos aspectos visuais dos livros didáticos......................................................................................87
5.2.1 Análise do livro didático: Matemática do cotidiano & suas conexões ..........................................87
5.2.2 Análise do livro didático: Projeto Pitanguá: Português .....................................................................92
5.3 Interpretação dos dados.....................................................................................................................................98

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................................. 102

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................................... 106

APÊNDICES ....................................................................................................................................................................... 112


INTRODUÇÃO

Falar de livros didáticos é relembrar um pouco da infância. Afinal, quem passou


pela escola, conviveu com eles. Ele ainda ocupa um lugar importante na escola, pois além
de ser um instrumento de comunicação capaz de organizar e transmitir idéias e emoções,
também tem a capacidade de orientar o uso de outros recursos, de guiar a observação e
investigação, auxiliar o processo de raciocínio, análise e reflexão, bem como instigar a
curiosidade e a imaginação do estudante, provocar a iniciativa para o estudo e seus
processos criativos.
A escolha do livro didático como objeto de estudo para a pesquisa desta
dissertação de mestrado deve-se a vários motivos. Para citar alguns pode-se dizer que é
um livro acessível a todos os alunos em todas as etapas da escolarização, além de possuir
uma comunicação visual característica; tem uma grande importância na formação do
aluno pelo fato de ser, muitas vezes, o único livro com o qual a criança entrará em contato;
e ainda é um dos instrumentos de aprendizagem mais utilizados e, em muitos casos, o
único utilizado em sala de aula no ensino fundamental, quando infelizmente, não há o
contato dos alunos com outros materiais e informações de outras fontes.
O tema do livro didático pode ser analisado por vários ângulos. Tem-se consciência
de todas as questões políticas e ideológicas que envolvem a sua discussão, porém não é o
objetivo deste trabalho tratar destes aspectos.
A proposta da pesquisa foi a de identificar e analisar o papel mediador do livro
didático para a criança, tendo como foco associações entre imagens, palavras e
aprendizagens. Pelo relacionamento da criança com seu livro didático buscou-se
identificar a relação entre a qualidade visual do mesmo, o seu conteúdo e a possibilidade
de mediar o processo de construção de conhecimentos. Buscou-se apoio na concepção de
Vygotsky (2005, 2007) sobre mediação e outros pressupostos teóricos do autor, além de
concepções de outros autores como Ariès e Sarmento sobre infância, Hernández sobre
cultura visual, dentre outros tópicos e autores abordados.
Para tanto, no primeiro capítulo é realizado um levantamento bibliográfico sobre a
história e a política do livro didático no Brasil, sua inserção na indústria editorial, a
identificação das políticas que regem sua compra e distribuição. Aborda-se também as
transformações de seu aspecto visual e sua utilização no cotidiano escolar.
O segundo capítulo concentra-se no estudo da construção do conceito de infância
a fim de se entender suas transformações até os dias atuais, o desenvolvimento e a
aprendizagem infantil de acordo com as idéias de Vygotsky, bem como questões que
envolvem a criança, o livro e a leitura.
O terceiro capítulo levanta questões sobre o papel mediador do livro didático, a
influência de seu aspecto visual e de sua materialidade sobre a percepção e a
aprendizagem infantil. Aborda também o livro didático como artefato da cultura visual, e
algumas situações que envolvem sua produção gráfica e editorial.
O quarto capítulo apresenta a descrição da metodologia utilizada neste trabalho. A
pesquisa foi do tipo exploratória e optou-se por uma abordagem qualitativa na
metodologia de pesquisa por entender que esta permite a elucidação da pergunta-
problema a partir do aprofundamento qualitativo de todos os dados e da análise integrada
dos mesmos. Além da pesquisa bibliográfica, utilizada para o levantamento e elaboração
do embasamento teórico, foi realizada uma pesquisa com coleta de dados
instrumentalizada por meio de entrevistas com duas professoras e um grupo focal com
oito estudantes de uma mesma classe. Posteriormente estes dados foram analisados
utilizando o método de Análise de Conteúdo, com exceção da entrevista com a professora
de artes, pois foi constatado que não utiliza o livro didático. Foi realizada também uma
análise particular dos aspectos visuais de dois livros didáticos. São apresentadas a
caracterização dos participantes, instrumentos, procedimentos de coleta de dados,
procedimentos de análise dos dados e categorização.
No quinto capítulo é feita a análise e a interpretação dos dados coletados,
estabelecendo-se relações entre as informações prestadas pelos participantes e os
conteúdos teóricos levantados nos capítulos anteriores envolvendo o livro didático, seus
aspectos visuais e a criança.
Por último são apresentadas as considerações finais nas quais são estabelecidas
relações entre as informações adquiridas por meio de pesquisa bibliográfica e os dados
coletados na pesquisa de campo, identificando similaridades entre a teoria e a prática
envolvendo o livro didático, seu uso pela criança e sua incorporação na cultura visual que
compõe o universo infantil.

14
Através dessas informações buscou-se identificar as relações entre o livro didático e
a criança, perceber questões importantes como interações entre imagens, palavras e
aprendizagens, bem como a comunicação visual que o livro didático contém, aspectos
importantes implícitos na complexa trama que integra percepção, comunicação visual,
imagens, palavras e aprendizagens na criança.

15
- Capítulo 1 -

Capítulo 1 - O LIVRO DIDÁTICO

1.1 Histórico e política do livro didático no Brasil

O livro didático é ainda um dos recursos mais utilizados nas escolas de muitos
países e há muito tempo discute-se sua importância nos processos de ensino e
aprendizagem, implícitos na construção do conhecimento. Pode-se entender atualmente
por livro didático os que contém o conteúdo básico de uma determinada disciplina e que
são publicados para fins educativos, mas sua definição pode se tornar bem mais complexa
devido à sua natureza. De acordo com Bittencourt (1998, p.71) o livro didático é antes de
mais nada uma “mercadoria”, que sofre diversas interferências em seu processo de
produção e comercialização; é um “depositário dos conteúdos escolares”, sistematizador
dos currículos, onde ocorre o deslocamento e adaptação do saber acadêmico para o
escolar; é também um “instrumento pedagógico” que mostra como os conteúdos devem
ser trabalhados; e por último é um “veículo portador de um sistema de valores, de uma
ideologia, de uma cultura”. Pode ser definido também como um produto cultural
composto, híbrido, que se encontra no “cruzamento da cultura, da pedagogia, da
produção editorial e da sociedade” (STRAY, 1993, p. 77-78).
Em outra perspectiva, Lajolo e Zilberman (2003, p. 120-121) contribuem dizendo:

[...] o livro didático é o primo-pobre da literatura, texto para ler e botar fora,
descartável porque anacrônico [...] Por outro lado, ele é o primo-rico das editoras:
as primeiras e as mais antigas já o incluíam em seus catálogos, e as atuais e mais
modernas sonham com dispor de um ou mais títulos [...] A vendabilidade do
didático é certa, conta com o apoio do sistema de ensino e o abrigo do Estado, é
aceita por pais e educadores.

No universo escolar atual o livro didático coexiste com diversos outros


instrumentos como quadros, mapas, enciclopédias, audiovisuais, softwares didáticos, CD-
Rom, Internet, mas ainda assim continua ocupando um papel central.
Também divide lugar com a literatura infantil. Neste ponto cabe deixar claro as
diferenças entre a literatura escolar e a literatura infantil. Para Lajolo, a literatura escolar, da
qual fazem parte diversos tipos de obras – incluindo o livro didático – é uma literatura de
encomenda, engajada, “travada pelos objetivos, estratégias e filosofias pedagógicas”
(1982, p.120). Já o conceito de literatura infantil ainda é motivo de discussões.

16
- Capítulo 1 -

[...] tem-se tentado chegar à definição da literatura infantil através de


considerações e critérios exteriores ao texto: a soleira de entrada tem sido o
público a que se destina e, até certo ponto, as intenções do autor. O que faz das
crianças um grupo privilegiado a ponto de impor a necessidade de uma
compartimentação de sua literatura? Talvez sua absoluta dependência no que
respeita à seleção e consumo de material impresso. É essa mesma dependência
que explica a proximidade das fronteiras entre livro didático e literatura infantil.
(LAJOLO, 1982, p. 121).

Para Zilberman, a literatura infantil surgiu no século XVIII, com a ascensão da


ideologia burguesa, quando começou a ser dada uma atenção especial à infância. Nesse
sentido seria um “gênero incompreensível sem a presença de seu destinatário, a literatura
infantil não poderia surgir antes da infância” (2003, p.13).
Já a origem do livro didático está na cultura escolar, mesmo antes da invenção da
imprensa no final do século XV. Na época em que os livros eram raros, os próprios
estudantes universitários europeus produziam seus cadernos de textos. Com a imprensa,
os livros tornaram-se os primeiros produtos feitos em série e, ao longo do tempo a
concepção do livro como “fiel depositário das verdades científicas universais” foi se
solidificando (GATTI JÚNIOR, 2004, p.36).
Comenius1 em sua obra Didática Magna publicada em 1657 já orientava que “cada
classe terá seus livros didáticos, que conterão e desenvolverão todo o material necessário
àquela classe [...] esses livros deverão, infalivelmente, servir de orientação até a meta
desejada, sem necessidade de nenhum outro.” (COMENIUS, 1997, p.337).
Em terras brasileiras foram os jesuítas que, em 1549, com o objetivo de catequizar
os índios, iniciaram o ensino da escrita e da leitura da língua portuguesa. Para esta tarefa,
utilizaram além dos livros vindos de Portugal, as chamadas cartinhas ou cartilhas. Estas
cartilhas eram pequenas obras resumidas, que continham o alfabeto, um breve silabário e
um catecismo simples com algumas orações cotidianas. Eram publicadas em grandes
tiragens, geralmente sem autoria e data, provavelmente por iniciativa dos próprios
impressores, dado seu potencial comercial (VERDELHO, 2001).
Os primeiros autores nacionais de livros escolares iniciaram sua produção a partir
da chegada da família real portuguesa ao Brasil e da posterior instalação da Imprensa
Régia. Estes autores caracterizavam-se por serem homens pertencentes à elite intelectual e
política do país, além de possuírem estreitas ligações com o poder institucional

1
Jan Amos Comenius (1592-1670) foi um professor, cientista e escritor checo.

17
- Capítulo 1 -

responsável pela política educacional do Estado. A produção nacional da época


estabeleceu-se junto ao poder e tinha como propósito consolidá-lo por meio dos colégios
destinados à formação das elites.
Com o fim do monopólio da Impressão Régia em 1822, o setor privado foi
beneficiado, porém a Tipografia Nacional prosseguiu publicando um pequeno número de
obras didáticas. Entraram em cena os editores estrangeiros que começaram a se dedicar à
produção nacional, porém mantendo um vínculo com seus países de origem. As editoras
francesas foram as que mais se firmaram no país devido a nossa dependência das técnicas
de produção e das políticas de importação. As editoras e gráficas brasileiras tinham
problemas com a impressão, com o preço do papel e das tintas, sendo que a opção pela
impressão de obras na Europa satisfazia aos editores locais (BITTENCOURT, 2004b).
Deste modo, até a década de 1920, a maioria dos livros didáticos, assim como a
maioria dos livros brasileiros, foram escritos, editados e impressos em países como França
e Portugal. O número de escolas e de alunos era pequeno e a produção nacional de livros
se tornava economicamente inviável. Só a partir de 1930 estas publicações começaram a
ter mais autores brasileiros. A produção de livros didáticos veio a ter um crescimento
significativo somente a partir da segunda metade do século XX, quando a importação
tornou-se inviável, o que incentivou a produção nacional.
Um aspecto que pode ser observado ainda hoje no meio acadêmico e editorial é o
preconceito em relação aos intelectuais que se dedicam à produção didática, pois há uma
idéia de que o livro escolar é uma obra menor, onde não há produção de conhecimento
científico. No período inicial dessa produção, entre o século XIX e início do século XX, a
situação não era muito diferente. Escrever um livro didático sempre foi um desafio, pois
seu discurso complexo e de difícil denominação, varia entre um discurso científico e um
discurso literário. Para este trabalho específico, aos poucos, os editores passaram a
considerar a experiência pedagógica do escritor importante. Entretanto, como salienta
Bittencourt “a qualidade principal exigida do autor de livro didático para a escola
elementar, era sua capacidade de ‘bom escritor’, ou seja, possuir qualidades literárias para
atingir a especificidade de um público infantil e juvenil” (2004b, p.484).
Para se entender as mudanças pelas quais o livro didático passou, hoje tão popular
nas escolas, cobiçado pelas editoras e ao mesmo tempo criticado em muitos aspectos por
vários setores, é necessário reconstituir sucintamente sua história e política no Brasil.

18
- Capítulo 1 -

A trajetória para que os livros didáticos, dicionários, obras literárias e livros em


Braille chegassem até as escolas brasileiras teve início em 1937, com a criação do Instituto
Nacional do Livro (INL) por meio do Decreto-lei nº 93 de 21/12/19372 logo após o golpe de
estado que iniciou o período chamado Estado Novo do presidente Getúlio Vargas.
Estavam previstas como suas atribuições a edição de obras literárias julgadas de interesse
para a formação cultural da população, a publicação de uma enciclopédia e um dicionário
nacionais e a expansão, por todo o território nacional, do número de bibliotecas públicas.
Também era seu objetivo promover as medidas necessárias para aumentar, melhorar e
baratear a edição de livros no país, bem como para facilitar a importação de livros
estrangeiros contribuindo, desta forma, para a legitimação do livro didático nacional e,
conseqüentemente, para o aumento de sua produção.
Um ano mais tarde foi instituída, por meio do Decreto-lei nº 1.006 de 30/12/19383, a
Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que estabeleceu a primeira política de
legislação para tratar da produção, do controle e da circulação dessas obras. Esta comissão
possuía mais uma função de controle político-ideológico do que propriamente uma
função didática (FREITAG et al., 1989), já que os livros tornaram-se um importante
instrumento para a permanência do poder, com conteúdos controlados ideológica e
politicamente pelo governo.
Após questionamentos sobre a legitimidade desta comissão e após a deposição de
Getúlio Vargas em outubro 1945, o governo consolidou a legislação sobre as condições de
produção, importação e utilização do livro didático, delegando ao professor a escolha do
livro a ser utilizado pelos alunos, conforme definido no art. 5º do Decreto-lei nº 8.460, de
26/12/19454.
Em 1966, durante o governo de Castelo Branco, primeiro presidente do regime
militar instaurado pelo golpe de 1964, foi realizado um acordo entre o Ministério da
Educação (MEC) e a Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional
(USAID) que permitiu a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED).

2
Decreto-lei nº 93 de 21/12/1937, determinado pelo Presidente da República Getúlio Vargas, por iniciativa do
ministro da educação Gustavo Capanema. Fonte: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.
action?id=103227>.
3
O Decreto-lei nº 1.006 de 30/12/1938, determinado pelo Presidente da República Getúlio Vargas, estabeleceu
também as condições de produção, importação e utilização do livro didático. Fonte:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=34467>.
4
O Decreto-lei nº 8.460, de 26/12/1945, determinado pelo Presidente da República José Linhares, consolidou a
legislação sobre as condições de produção, importação e utilização do livro didático. Fonte:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=30359>.

19
- Capítulo 1 -

Esta comissão tinha como objetivo coordenar as ações referentes à produção, edição e
distribuição do livro didático e pretendia distribuir gratuitamente 51 milhões de livros no
período de três anos. Em relação a este acordo houve diversas críticas por parte de
educadores brasileiros. Segundo Romanelli (1978, p.213 apud FREITAG et al., 1989, p. 15):

Ao MEC e ao SNEL (Sindicato Nacional de Editores de Livros) caberiam apenas


responsabilidades de execução, mas aos órgãos técnicos da USAID todo o
controle, desde os detalhes técnicos da fabricação do livro até os detalhes de
maior importância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de
livros, além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de
direitos autorais de editores não brasileiros, vale dizer, americanos.

Em 1971 com a extinção da COLTED e o término do convênio MEC/USAID, o INL


passou a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF),
assumindo as atribuições administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros.
Cinco anos depois, em 1976, o INL foi extinto e a Fundação Nacional do Material
Escolar (FENAME) tornou-se responsável pela execução do PLIDEF. Por meio do decreto nº
77.107, de 4/2/19765 o governo iniciou a compra dos livros com recursos do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e com as contribuições dos Estados.
Porém os recursos não foram suficientes para atender todos os alunos do ensino
fundamental da rede pública e a solução encontrada foi excluir do programa a grande
maioria das escolas municipais.
As mudanças continuaram e em 1983, em substituição à FENAME, foi criada a
Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que incorporou vários programas de
assistência do governo, incluindo o PLIDEF. Houve críticas a essa centralização da política
assistencialista do governo e conforme Freitag (et al., 1989) dentre as denúncias estavam a
não distribuição dos livros didáticos nos prazos estabelecidos, a pressão política das
editoras e o autoritarismo na escolha dos livros. Mais tarde, com a abertura do regime
militar, propôs-se a participação dos professores na escolha dos livros e a ampliação do
programa, com a inclusão das demais séries do ensino fundamental. Na época alguns
Estados já ofereciam aos seus professores a possibilidade de escolha de seus livros
didáticos.

5
O Decreto nº 77.107, de 4/2/1976, determinado pelo Presidente da República Ernesto Geisel,
dispôs sobre a edição e distribuição de livros textos e deu outras providências. Fonte:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes. action?id=123251>.

20
- Capítulo 1 -

É interessante salientar que, principalmente durante o governo militar, a política


educacional brasileira foi caracterizada pelo assistencialismo, ligando a produção dos livros
didáticos às crianças carentes de recurso, fato que não ocorreu em outros países. De
acordo com Freitag (et al., 1989) essa postura governamental dá a entender que o mesmo
é responsável apenas pelas camadas mais carentes, porém sua responsabilidade se
estende a todas. A conseqüência desta postura é a negligência da função educadora da
escola, que acaba assumindo uma função assistencialista.
O atual Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) veio substituir o PLIDEF em
1985 com a edição do decreto nº 91.542 de 19/8/19856. Ele instituiu alterações
significativas, especialmente nos seguintes pontos (FNDE, 2008; CASSIANO, 2004):

 garantia do critério de escolha do livro pelos professores;


 reutilização do livro por outros alunos em anos posteriores, tendo como
conseqüência a eliminação do livro descartável;
 aperfeiçoamento das especificações técnicas para sua produção, visando maior
durabilidade e possibilitando a implantação de bancos de livros didáticos;
 extensão da oferta aos alunos de todas as séries do ensino fundamental das escolas
públicas e comunitárias;
 aquisição com recursos do Governo Federal, com o fim da participação financeira
dos Estados, com distribuição gratuita às escolas públicas.

Alguns fatos que marcaram o PNLD foram a redução da distribuição dos livros até a
4ª série do ensino fundamental devido à limitações orçamentárias em 1992 e a posterior
resolução de 1993 que veio estabelecer um fluxo regular de verbas para a aquisição e
distribuição do livro didático. De forma gradual a distribuição dos livros foi normalizada a
todo o ensino fundamental público.
Para que o livro didático chegasse às escolas foram feitas inúmeras tentativas,
porém só com a extinção em 1997 da FAE e com a transferência integral da política de
execução do PNLD para o FNDE é que se iniciou uma produção e distribuição contínua e
massiva de livros didáticos.

6
O decreto nº 91.542 de 19/8/1985, determinado pelo Presidente da República José Sarney, instituiu o
Programa Nacional do Livro Didático, dispôs sobre sua execução, além de outras providências que entraram
em vigor no ano letivo de 1986. Fonte: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.
action?id=218965>.

21
- Capítulo 1 -

O PNLD tem como foco o ensino fundamental público, incluindo as classes de


alfabetização infantil, e assegura a gratuidade dos livros. De acordo com o programa cada
aluno tem direito a um exemplar das disciplinas de língua portuguesa, matemática,
ciências, história e geografia, que serão estudadas durante o ano letivo. Aos estudantes do
primeiro ano é destinada também uma cartilha de alfabetização.
O processo de avaliação pedagógica dos livros inscritos para o PNLD, como é
aplicado hoje, foi iniciado em 1996 e passou por vários aperfeiçoamentos. Atualmente a
síntese da avaliação pedagógica pela qual passam os livros e as coleções distribuídas pelo
Ministério da Educação é apresentada no Guia do Livro Didático, distribuído às escolas e
também disponível on-line. No guia entram somente livros que não apresentam erros
conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer
tipo. É organizado em seis volumes de resenhas, que correspondem a disciplinas ou
componentes curriculares: Língua Portuguesa, Alfabetização, Matemática, História,
Geografia e Ciências. As resenhas7 descrevem as coleções, livros de alfabetização e livros
regionais, do ponto de vista dos pressupostos teórico-metodológicos assumidos, de sua
organização particular, dos conteúdos selecionados, do tratamento didático dado a esses
conteúdos; avaliam e exprimem seu desempenho e qualidade, do ponto de vista dos
princípios e critérios específicos da área em questão e informam a respeito de implicações
mais diretas dessas obras para a organização do trabalho em sala de aula (BRASIL, 2006a).

Fig. 1 - Capas dos volumes que compõem o Guia do Livro Didático 20078

7
Estas resenhas são elaboradas por especialistas, de universidades públicas, selecionados pela Secretaria de
Educação Básica (SEB/MEC), responsável pela avaliação pedagógica, que analisam as obras, conforme
critérios divulgados em edital.
8
Fonte: <http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=377>. Imagem adaptada.

22
- Capítulo 1 -

A escolha dos livros é feita pelos professores das escolas públicas de todo o país,
por meio do Guia do Livro Didático. Eles têm a oportunidade de escolher os livros de sua
preferência para serem trabalhados pelo período de três anos, sendo que o livro escolhido
só poderá ser substituído por outro título no próximo PNLD. São escolhidas duas opções
de títulos por disciplina e, se a primeira não conseguir ser negociada com os detentores
dos direitos autorais e editores, a segunda passará a valer. Os professores de uma mesma
disciplina precisam chegar a um consenso sobre a escolha do livro pois a mesma obra
valerá para toda a escola.
De acordo com o FNDE (2008) não há repasse de recursos para a aquisição dos
livros, pois é realizada de forma centralizada, uma vez que o próprio fundo executa
diretamente os programas. Depois de efetuada a compra, eles são enviados aos estados,
municípios, entidades comunitárias e filantrópicas e entidades parceiras do Brasil
Alfabetizado9.
Além do PNLD, o governo federal executa outros dois programas relacionados ao
livro didático para prover as escolas das redes federal, estadual e municipal e as entidades
parceiras do programa Brasil Alfabetizado: o Programa Nacional do Livro Didático para o
Ensino Médio (PNLEM) criado em 2004 e o Programa Nacional do Livro Didático para a
Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA).

Fig. 2 - Como funciona a escolha dos livros didáticos no Brasil10

9
Programa criado pelo MEC em 2003 que capacita alfabetizadores e alfabetiza cidadãos com 15 anos ou
mais, que não tiveram oportunidade, ou foram excluídos da escola, antes de aprenderem a ler e a escrever.
10
Fontes: Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e Associação Brasileira
de Editores de Livros. Imagem adaptada pela autora a partir de gráfico da revista Época n° 492 de 22/10/07.

23
- Capítulo 1 -

Após todo o processo de escolha dos livros didáticos é realizado o Encontro


Nacional do Livro Didático, que no ano de 2007 teve sua 11ª. edição. Neste encontro
acontecem palestras e debates que reúnem secretários municipais de educação,
presidentes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação nos estados,
coordenadores estaduais do livro do ensino médio e do ensino fundamental, dirigentes da
educação, além de representantes do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, da Fundação Dorina Nowill para
Cegos11, do Instituto Benjamin Constant12, da Controladoria Geral da União e das
secretarias do Ministério da Educação. Todos os envolvidos no processo discutem
eventuais problemas, orientações e melhorias no programa (FNDE, 2008).
Os investimentos realizados pelas políticas públicas nos últimos anos
transformaram o PNLD no maior programa de livros didáticos do mundo (BITTENCOURT,
2004a), transformando os escritores brasileiros desta categoria de livros, nos campeões de
vendagens. Segundo levantamento da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional
dos Editores de Livros13 dos 310 milhões de livros vendidos em 2006, 53% eram livros
didáticos, sendo que o segmento corresponde a mais da metade do faturamento do
mercado editorial brasileiro.
A distribuição dos livros didáticos é realizada pela Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT) desde 1995 por meio de uma parceria com o FNDE e contempla o PNLD e
o PNLEM. O prazo para entrega dos livros é de 30 dias a partir da data da postagem. Os
Correios entregam os livros didáticos diretamente às escolas públicas urbanas e os
destinados às escolas rurais são entregues nas secretarias municipais de Educação ou nas
prefeituras que, por sua vez, devem entregá-los aos estabelecimentos de ensino antes do
início do ano letivo. Se acaso houver falta ou sobra de livros, as escolas podem recorrer ao
Siscort14 ou às secretarias estaduais ou municipais de educação. O acervo de emergência,
ou reserva técnica, cumpre a função de socorrer escolas que, por algum motivo, precisam

11
A Fundação Dorina Nowill para Cegos, situada em São Paulo, oferece programas de tratamento aos
deficientes visuais, além de proporcionar o acesso à cultura e informação através dos serviços que presta
gratuitamente como a produção de livros em Braille que são distribuídos também para centenas de escolas,
bibliotecas e organizações de todo o país. Fonte: <http://www.fundacaodorina.org.br>.
12
O Instituto Benjamin Constant, situado no Rio de Janeiro, foi criado pelo Imperador D.Pedro II em 1854.
Atualmente é um centro de referência para questões da deficiência visual: possui uma escola, capacita
profissionais, assessora escolas e instituições, realiza consultas oftalmológicas à população, reabilita, produz
material especializado, impressos em Braille e publicações científicas. Fonte: <http://www.ibc.gov.br>.
13
Dados da pesquisa publicados na revista Época n° 492 de 22 de outubro de 2007.

24
- Capítulo 1 -

de algum livro específico, devido ao atraso do título, quantidade insuficiente ou mesmo


transferência de alunos.
Segundo informações da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros)
para o ano letivo de 2008 os Correios distribuíram mais de 128 milhões de livros, um
número recorde, para 145 mil escolas públicas de ensino fundamental e médio em todo o
Brasil. Esse volume equivale a aproximadamente 55% da produção de livros didáticos do
país e torna os Correios a empresa operadora da logística do maior programa de
distribuição de livros didáticos do mundo, feito que no ano de 2002 rendeu um prêmio da
World Mail Awards na Holanda, onde correios considerados avançados, como o espanhol, o
italiano e o norte-americano, também concorreram.
Uma operação como esta dura aproximadamente 5 meses e envolve 5 mil
caminhões que levam 15,5 milhões de encomendas para as 91 centralizadoras dos
Correios espalhadas em todo o território nacional. Inicia com a postagem das encomendas
pelas editoras contratadas pelo FNDE e, posteriormente, a carga é encaminhada para as
centralizadoras dos Correios que efetuam a entrega às escolas da área urbana.
Em relação aos portadores de necessidades especiais há o Programa Nacional do
Livro Didático em Braille, onde os estudantes cegos ou com deficiência visual do ensino
fundamental das escolas públicas e escolas especializadas sem fins lucrativos são
beneficiados com exemplares em Braille.
Este atendimento teve início em 1999, quando o FNDE, por intermédio da
Secretaria de Educação Especial (SEESP), firmou convênio com o Instituto Benjamin
Constant e, de forma experimental, transcreveu para Braille vinte títulos de livros didáticos.
Este material em CD foi enviado aos CAPs (Centros de Apoio Pedagógico para
Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual) para serem impressos e distribuídos aos
alunos.
De acordo com o FNDE (2008) esta primeira experiência demonstrou que havia
muitos desafios a serem superados, sendo que o primeiro deles era a existência de
diferentes formas de utilização do sistema no Braille no país. O primeiro passo para a
solução deste problema foi dado com a publicação pela SEESP do documento Grafia Braille

14
O Sistema de Controle de Remanejamento e Reserva Técnica (Siscort), criado em 2003, tem por finalidade
auxiliar as redes públicas de ensino fundamental a remanejar os livros didáticos distribuídos pelo PNLD.

25
- Capítulo 1 -

para a Língua Portuguesa instituído pela portaria nº 2.678, de 24/09/200215 com as


diretrizes e normas para o uso, o ensino e a produção do sistema Braille. Outro passo
consistiu em planejar o atendimento, identificar a localização e a condição visual dos
alunos (cegos ou com baixa visão) a serem atendidos. Depois de levantados esses dados,
eles foram incluídos no censo escolar de 2004.
Em 2003, mediante novo convênio com o Instituto Benjamin Constant, foram
avaliados, adaptados, transcritos e impressos 96 títulos, para distribuição de 2000 livros
didáticos de português, história, geografia e ciências de 1ª a 4ª série e de 1500 livros de 5ª a
8ª série. Os livros atenderam 500 alunos de 1ª a 4ª série e 500 de 5ª a 8ª séries do ensino
fundamental. Além disso, foram editorados 150 CDs com títulos de livros didáticos de 1ª a
8ª série e 150 CDs com títulos de diversos livros escolares, distribuídos a 150 unidades de
apoio ao deficiente visual, incluindo os CAPs (FNDE, 2008).
No ano de 2005 foi firmado, com a Fundação Dorina Nowill para Cegos, um
convênio que previa o atendimento a todos os 3.443 alunos cegos16, de todas as 1.244
escolas públicas do Brasil e escolas especializadas sem fins lucrativos, todas do ensino
fundamental, por meio da distribuição de mais de 40.000 livros em Braille, de 128 títulos
diferentes das 5 disciplinas, até o ano letivo de 2006. Os alunos de 1ª a 4ª série foram
atendidos, por este convênio, com livros até o ano letivo de 2006, quando o PNLD passou a
oferecer ao aluno cego o mesmo título adotado na escola. Da mesma forma, os alunos de
5ª a 8ª série foram atendidos por este convênio até o ano letivo de 2007. A partir do PNLD
2008 os alunos com deficiência visual ganharam o direito de usar o mesmo livro do
restante da escola.
Aos alunos com surdez das escolas de ensino fundamental e médio foi realizada a
compra e distribuição, no ano de 2007, de dicionários trilíngües (português, inglês e libras).
Além disso, aos alunos com surdez de 1ª a 4ª série, foram destinados cartilha e livro de
língua portuguesa em libras e em CD-rom (FNDE, 2008).
Em relação à memória e à história do livro didático, vem sendo organizado desde
2003 um acervo de livros didáticos pela Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo com a preocupação de registrar e preservar a produção escolar. Chamado de Banco

15
A portaria nº 2.678 de 24/09/2002 aprovou o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e
recomendou o seu uso em todo o território nacional, a partir de 1° de janeiro de 2003. Fonte:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/grafiaport.txt>.
16
Fonte: <http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=livro_braille.html#historico>.

26
- Capítulo 1 -

de Dados LIVRES, este projeto tem a finalidade de recensear os livros didáticos brasileiros
produzidos desde 1810 e disponibilizar as informações pela Internet17. O LIVRES é
ampliado constantemente por meio de pesquisas que analisam o livro didático em seus
diferentes aspectos, desde os conteúdos das diversas disciplinas, o processo de produção
e história das editoras, a memória e usos dos livros em salas de aula. Este projeto de
pesquisa conta também com intercâmbio com outros centros de pesquisa do Brasil e do
mundo.

1.2 Transformações do aspecto visual do livro didático

A idéia do que é um livro, como entendemos hoje, tem proporcionado discussões


nos últimos tempos por parte de teóricos, editores e demais interessados no tema.
Discute-se a possibilidade de ser ampliado o conceito de livro para além do texto impresso,
passando a se considerar livro todo e qualquer registro de idéias, independente de seu
suporte, seja papel, CD, DVD ou outro (WALTY et al., 2001). Este fato serve para ilustrar
como a forma do objeto livro muda ao longo do tempo, variando conforme a tecnologia,
uso e público de cada época.
Há a necessidade aqui de se especificar sobre o tipo de livro didático que será
tratado neste trabalho. Isto se deve à existência atualmente, de diversos modelos e
suportes para livros didáticos, que se constituem em material didático, pois não adotam a
forma de livro: são cartazes, álbuns, lâminas avulsas ou fichas. No caso desta pesquisa,
quando fala-se em livro didático refere-se o modelo tradicional, de formato
205mmx275mm, com capa em papel cartão plastificado, miolo em papel offset branco e
acabamento com lombada quadrada.
O livro didático, desde seu início, trouxe uma ambigüidade em relação ao seu
público. A figura central era a do professor, porém a partir da segunda metade do século
XIX passou a se tornar mais claro que o livro didático não era um material de uso exclusivo
deste, para transcrever ou ditar. Observou-se que o livro precisava ir diretamente para as
mãos dos alunos. Esta mudança de perspectiva - passar a ver o aluno como consumidor
direto do livro - sinalizou, tanto para autores, quanto editores, que era necessário modificar
o produto para atender a novas exigências, transformando e aperfeiçoando sua

17
Site do Projeto Livres: <http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/>.

27
- Capítulo 1 -

linguagem. Neste sentido, as ilustrações começaram a se tornar uma necessidade, assim


como surgiram novos gêneros didáticos, como os livros de leitura e os livros de lições.
(BITTENCOURT, 2004b).
De acordo com um artigo18 do pesquisador francês Alain Choppin, no qual faz um
balanço das pesquisas sobre a história do livro didático, as análises sobre estes ficam
tradicionalmente restritas ao texto, mesmo considerando que, desde o final do século
passado, a parte do livro destinada à iconografia tenha evoluído bastante. Apenas no fim
dos anos 1980 o livro didático deixou de ser considerado como um texto onde as
ilustrações serviam como acessórios e enfeites, e começou a ser levada em conta a
articulação semântica que une o texto e a imagem. Além disso, há também a necessidade
de se pesquisar as características da forma dos livros didáticos. Sobre isto o pesquisador
afirma que

A organização interna dos livros e sua divisão em partes, capítulos, parágrafos, as


diferenciações tipográficas (fonte, corpo de texto, grifos, tipo de papel, bordas,
cores, etc.) e suas variações, a distribuição e a disposição espacial dos diversos
elementos textuais ou icônicos no interior de uma página (ou de uma página
dupla) ou de um livro só foram objeto, segundo uma perspectiva histórica, de
bem poucos estudos, apesar dessas configurações serem bastante específicas do
livro didático. Com efeito, a tipografia e a paginação fazem parte do discurso
didático de um livro usado em sala de aula tanto quanto o texto ou as ilustrações
(CHOPPIN, 2004, p. 559).

Um exemplo sobre o aspecto visual do material didático do início do século XX é o


livro escolar Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manoel Bomfim, que “era um livro barato,
sem luxo e, sobretudo, de leitura fácil e envolvente”, publicado em 1910 pelo português
Francisco Alves (FEIJÓ, 2005, p.457). Ele foi o primeiro livreiro-editor no Brasil a apostar no
comércio dos livros escolares, fazendo disto sua principal fonte de renda. Só Através do
Brasil teve 66 edições, e foi adotado nas escolas por mais de seis décadas. Somente em
1965 o livro deixou de ser editado.

18
CHOPPIN, 2004. O artigo História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte se originou da
comunicação feita no XXII Congresso do ISHEE em Alcalá, Espanha e foi publicado originalmente na revista
Paedagogica Histórica, v. 38, n. 1, 2002 , p.21-49.

28
- Capítulo 1 -

Fig. 3 - Capa e página de rosto do livro Através do Brasil19


Autores: Olavo Bilac e Manuel Bomfim.
Livro de Leitura para o curso Médio das Escolas Primarias. Prática da Língua Portuguesa.
7 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1921 (a 1ª. edição é de 1910).

Em relação ao seu aspecto visual, conforme Santos e Oliva (2004), o livro era
organizado e sóbrio, não se distanciando muito do padrão da época. Na introdução os
autores afirmavam que as ilustrações deviam servir como pretexto para mostrar a
realidade e, nesse sentido, procuraram construir uma coerência entre a imagem e o texto.
A primeira edição do livro apresentava um grande e diversificado conteúdo iconográfico
ao longo de seus 82 capítulos, com 68 ilustrações, divididas entre fotografias, cartões
postais e desenhos.
O livro escolar Através do Brasil assim como tantos outros na época, os considerados
“bons”, eram impressos, na maioria das vezes, em Paris, devido à falta de máquinas
adequadas para impressão no país. Muitos editores adaptavam máquinas de imprimir
jornais para imprimir livros, o que comprometia a qualidade do produto. As gráficas se
ocupavam da produção de livros apenas no tempo ocioso, pois o foco principal era a
impressão de jornais, revistas e almanaques. A questão do preço e da qualidade favorecia o
envio de material para impressão no exterior.
O responsável por uma verdadeira revolução no setor gráfico brasileiro foi Monteiro
Lobato - escritor, editor e adaptador - que mudou o perfil da indústria editorial em apenas
sete anos (FEIJÓ, 2005). O contexto em que ele se encontrava era o de um mundo abalado
com o início da Primeira Guerra Mundial que causou impacto na indústria nacional, uma
vez que as importações vindas da Europa foram comprometidas. Este fato ocasionou um

19
Fonte: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=didaticos01>.

29
- Capítulo 1 -

fortalecimento das indústrias locais, principalmente as ligadas à produção de livros. Outro


ponto positivo foi a imigração de profissionais europeus, principalmente para São Paulo,
que contribuíram com uma mão-de-obra qualificada para o setor gráfico. Lobato se
revelou um dos editores mais ousados que o país já conheceu no momento em que
montou a primeira empresa com equipamentos adequados à produção de livros (PAIXÃO,
1996 apud FEIJÓ, 2005). Ele profissionalizou o processo de produção do livro.
Lobato possuía um inegável tino comercial e a noção da importância da
publicidade para seu negócio. Preocupava-se com os diversos aspectos que poderiam
influenciar a venda do livro, desde a divulgação dos lançamentos pela imprensa, o título,
bem como o aspecto visual e material. Importou para sua editora máquinas modernas e
apropriadas a fim de poder explorar todas as novas técnicas de impressão para conseguir
uma qualidade gráfica superior.

Cuidava pessoalmente, e com carinho, da apresentação dos livros, exigia capas


coloridas e ilustrações grandes e bem-feitas. Além disso, os tipos (letras) que
importou para suas máquinas tipográficas permitiam melhores soluções visuais,
com diagramação mais ousada (FEIJÓ, 2005, p.461).

A importância do aspecto visual dos livros lançados pela sua editora era tamanha
que chegou a culpar uma capa pelo fracasso das vendas. Para ele, que tinha um
pensamento diferente do vigente na época, o livro era uma mercadoria como qualquer
outra e, como tal deveria atrair a atenção do leitor/consumidor. A apresentação gráfica dos
seus livros, com capas ilustradas e coloridas, fugia do padrão dos demais, que
apresentavam capas amarelas e tipográficas. Para ele “planejamento industrial, criação
artística e comércio com objetivo de lucro não eram atividades estanques, não estavam
separadas por barreiras intransponíveis” (FEIJÓ, 2005, p.463).
A preocupação com a materialidade do impresso abrangia também a categoria dos
livros didáticos. Debus relata que Lobato, na Revista do Brasil, em 1919, avaliou
positivamente a qualidade educativa do livro didático Prossigamos, de Luiz Rubano, porém
criticou a qualidade do impresso: “má impressão, mau papel, má distribuição, e sobretudo,
[...] desenhos dos menos adequados, se é que a isso possa chamar-se desenhos”. Para o
escritor-editor, fazer livros para crianças era coisa séria e era preciso trabalhar não só com
“inteligência e coração, mas com uma elevada argúcia e cuidado” (DEBUS, 2004, p.46).

30
- Capítulo 1 -

Fig. 4 - Capa do livro didático Conjuncções: notas Fig. 5 - Capa do livro Casa de Maribondos21
elucidativas e exercícios práticos20 Autor: João do Norte, Ed. Monteiro Lobato, 1921
Autor: Leonardo Pinto, Ed. Monteiro Lobato, 1922

Lobato observou também que o livro escolar tinha um retorno garantido sobre o
investimento realizado e iniciou a produção desta mercadoria. Antes disso já havia
inaugurado um procedimento, que se tornou comum às editoras, e que possibilitava uma
grande divulgação e aproximação com as escolas: enviava gratuitamente livros para as
instituições. Foi com Lobato que o livro de leitura para a escola finalmente se nacionalizou:
“livros escritos por um brasileiro, para crianças brasileiras, editados e impressos no Brasil,
distribuídos de forma massificada (para os padrões da época) e fartamente consumidos
pelo público escolar” (FEIJÓ, 2005, p.462).
Um aspecto que influenciou fortemente a mudança no modo de produção do livro
infantil foi o aumento do número de estudantes. Aos poucos ocorreu uma
profissionalização em relação aos escritores e em todo o restante da produção, e foi
constatada a importância do projeto gráfico no gênero infantil (LAJOLO, 2001). O livro
tornou-se um produto rentável para todos os envolvidos no processo.
Já o manual escolar iniciou sua transformação em livro didático justamente a partir
da década de 1960, quando as características do livro foram se adaptando à nova realidade
escolar, com a democratização do ensino. Até este período estes livros sofreram poucas
alterações e permaneceram muito tempo no mercado, sem uma linguagem de acordo
com as faixas etárias às quais se destinavam. Alguns sinais mais visíveis da transformação
do livro didático foram:

20
Fonte: <http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/>.
21
Fonte: <http://www.monteirolobato.tur.br/jbml.htm#3>.

31
- Capítulo 1 -

 a mudança de formato, pois grande parte dos livros possuía 14x18cm e passaram a
ter 21x28cm;
 o aspecto visual das capas que, de austeras e rígidas, passaram a oferecer um visual
mais direcionado ao público escolar, com ilustrações e imagens;
 a encadernação passou a ser feita mecanicamente;
 a capa teve como acabamento a plastificação;
 e a qualidade do papel sofreu uma melhoria significativa, bem como a qualidade de
impressão.

Fig. 6 - Capa do livro didático História do Brasil 22 Fig. 7 - Capa do livro didático Estudos Sociais23
Autor: Rocha Pombo Autores: Ricardo de Moura Faria, Antônio Marum,
Editora Melhoramentos, 1ª. ed., 1918 Gleuso D. Duarte, Tânia M. Guimarães
Formato: 14x18cm Editora Lê, 4ª. ed., 1979
Formato: 21x28cm

Belmiro (2000) relata que, no fim da década de 1960, o livro didático começou a
apresentar um pouco mais de cor em seu interior, além do preto-e-branco, e tons de terra,
meio amarronzados, meio alaranjados ou avermelhados eram utilizados em algumas
imagens. Também surgiu a cor nas letras dos subtítulos, no sublinhado das palavras, das
frases e em boxes de textos para destacar definições ou conceitos.
Outro aspecto que foi bastante explorado a partir desta época foi a ilustração -
inicialmente impressa na cor marrom. Belmiro (Ibid.) explica que, no decorrer das décadas
seguintes, houve uma melhora significativa na qualidade das imagens em livros de
literatura, diferentemente das ilustrações dos livros didáticos, muitas delas “imaturas e

22
Fonte: <http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/>.
23
Fonte: GATTI JÚNIOR, 2004.

32
- Capítulo 1 -

inconsistentes” e cita como exemplo um livro didático de Português do ensino


fundamental do início da década de 1970.

Se o assunto é uma menina estudiosa, a ilustração é uma menina sentada à mesa


de estudos; se é um passeio de trem, imagem de pessoas descontraídas sentadas
dentro do trem. É redundante em relação ao título do texto, uma vez que não
acrescenta ou renova diferentes leituras, e não tem a preocupação de dialogar
com o texto. (Ibid., p.18).

Porém, ao longo da década de 1970, cores, ilustrações, fotografias e histórias em


quadrinhos influenciaram a produção do conhecimento lingüístico e dos livros didáticos,
principalmente os de Língua Portuguesa. Belmiro (Ibid., p. 19) diz que “é como se as cores e
as formas rompessem o espaço em branco da folha para anunciar a existência de outros
códigos de comunicação e novas formas de sociabilidade no interior da escola.”

Fig. 8 - Capa da cartilha No Reino da Alegria24


Autora: Doracy de Almeida.
Publicada pelo IBEP (Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas) em 1974.

Um ponto importante para a questão da mudança da qualidade do livro foi a


substituição do livro descartável para o durável, introduzido pelo PNLD em 1985. O livro
descartável era produzido para ser usado pelo período letivo de um ano e, por este motivo,
utilizava-se papel de baixa qualidade a fim de reduzir custos e aumentar as tiragens, o que
prejudicava todo o projeto gráfico. Este tipo de livro caracterizava-se por apresentar o
conteúdo curricular seguido de exercícios e de atividades que deviam ser realizadas pelo
estudante diretamente nas páginas do livro, como desenhos, pinturas e colagens. Este

24
Fonte: <http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009_02_26_archive.html>.

33
- Capítulo 1 -

modelo, opção do governo militar, foi utilizado por quinze anos, sendo que sua concepção
pedagógica tinha como base o behaviorismo25, que foi criticado por não permitir o
desenvolvimento do raciocínio, da criatividade e da reflexão crítica por parte dos alunos.
Diante do papel que o livro didático ocupava no processo escolar no fim da década
de 1990, o governo brasileiro, na posição de maior comprador deste tipo de livro, iniciou
um processo de avaliação que ocasionou diversas melhorias nas coleções didáticas de
todas as áreas disciplinares, incluindo o apuro da qualidade gráfica, de impressão e da
linguagem e conteúdo utilizados pelos autores. Segundo Gatti Júnior (2004) os livros
didáticos destinados ao ensino fundamental começaram a ser impressos a quatro cores
somente neste período, porém os destinados ao ensino médio, salvo exceções, ainda eram
impressos em duas cores. Hoje as editoras brasileiras já possuem a experiência de que um
trabalho gráfico de má qualidade pode comprometer o sucesso de uma coleção.
Como visto no histórico, foram criadas em diversas épocas comissões ou comitês
com a finalidade de avaliar a qualidade dos livros didáticos produzidos pelas editoras. De
acordo com Freitag (et al., 1989) no início, a intenção era apenas autorizar ou não o uso do
livro na rede pública, e somente mais tarde estas comissões passaram a avaliá-lo e
selecioná-lo.

Os esforços realizados na elaboração de esquemas formais de avaliação


fracassaram pela dificuldade de encontrar um denominador comum que
permitisse dar conta de vários aspectos simultâneos, desde a apresentação física
do livro (cores, capa, papel, tipo de letra, desenhos), até os aspectos de conteúdo:
fundamentação psicopedagógica da matéria apresentada, atualidade dos dados
em relação ao avanço do conhecimento em uma área específica e os elementos
ideológicos explícitos ou implícitos no material apresentado etc. (FREITAG et
al.,1989, p.41).

De acordo com o FNDE (2008), em se tratando de livros didáticos, a qualidade física


e visual do livro é analisada em dois momentos durante a seleção das obras pelo PNLD. O
primeiro ocorre logo após a inscrição das obras pelas editoras onde é realizada uma
triagem/avaliação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), a
fim de verificar se as obras apresentadas se enquadram nas exigências técnicas e físicas do
edital. Elas devem ser produzidas conforme especificações técnicas mínimas para
produção dos livros definidas pelo MEC e FNDE. Entre os itens que devem obedecer aos

25
Na abordagem behaviorista, surgida no começo do século XX, o ensino pode ser um processo programado,
com uma clara definição dos objetivos a serem alcançados, onde pode-se verificar se foram atingidos ou não.

34
- Capítulo 1 -

padrões estabelecidos estão o formato, o papel da capa e do miolo e o acabamento.


Depois de disponibilizado o Guia do Livro Didático, feita a escolha pelos professores e
enviado o pedido ao governo, o mesmo inicia a negociação com as editoras até o
fechamento do contrato. Finda a negociação são informadas as quantidades e as
localidades de entrega para as editoras, que dão início à produção dos livros, com
supervisão dos técnicos do FNDE. Este é o segundo momento em que o IPT coleta
amostras e analisa as características físicas dos livros, de acordo com especificações da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), normas ISO e manuais de procedimentos
de ensaio pré-elaborados.

1.3 Os livros didáticos no cotidiano escolar

A categoria de livros didáticos possui uma característica peculiar: depois de serem


utilizados como material em sala de aula, só em casos muito específicos, são guardados,
revisitados ou reencontrados com o passar do tempo. Poucas pessoas guardam seus livros
didáticos por sentimentalismo, como lembrança de seu tempo de escola. De modo geral, o
livro didático é desvalorizado depois de seu uso imediato por cumprir uma função
específica na vida dos indivíduos, ou seja, por ser intrínseco ao contexto escolar, tornando-
se descartável e sem valor fora de seu contexto original. Em sua pesquisa sobre a memória
de usuários de livros didáticos, Fernandes (2004) relata que as entrevistas realizadas com
ex-alunos possibilitam, de modo geral, reflexões sobre a história da produção didática no
Brasil.

A partir delas é possível dizer, por exemplo, que, apesar de fragmentadas as


memórias, o livro esteve presente efetivamente no cotidiano da escola e há
indicações de como era utilizado por professores e alunos. Além disso, nas
recordações há relatos que identificam o que tem marcado o imaginário dos
indivíduos sobre o tema, quais livros ficaram na memória de gerações, a relação
entre livros e currículos (o que era estudado), a disciplina imposta no ato de ler, a
presença de livros com história regional e local, os formatos e modelos de livros
didáticos (capa dura, pequenos, com gravuras...), seus aspectos físicos (cor,
grossura, capa...), ilustrações, mapas, quadros e atividades marcantes, etc.
(FERNANDES, 2004, p. 540).

É na escola que a criança inicia sua vida de leitor, na maioria dos casos. Uma
imensidão de letras que antes eram apenas formas e desenhos, ganham significado. A
leitura se introduz no cotidiano, alargando a visão do mundo e das coisas. A partir daí

35
- Capítulo 1 -

começa a se construir um relacionamento com a palavra escrita e com os livros, que pode
se concretizar em uma relação de afeto ou desafeto. Felizmente, em muitos casos, a leitura
torna-se fonte de lazer e prazer, que se estende para além do período estudantil.
Os materiais didáticos entraram no ambiente escolar brasileiro logo após a
Independência, quando as autoridades viram a necessidade deste apoio pedagógico e
começaram a sua produção. Com o advento da República, a preocupação com o alcance
dos livros e da leitura começou a ir além dos limites escolares.
Entretanto, na primeira metade do século XX, a presença dos livros ainda não era
um fato constante na vida dos brasileiros, tanto dentro, quanto fora da escola. A
nacionalização do livro escolar estava começando, a indústria editorial estava em
desenvolvimento, e os editores ainda não eram brasileiros. Naquela época os livros eram,
como ainda continuam sendo, mercadoria cara. Somava-se a este fato a pouca intimidade
e interesse do povo pelos livros e pela atividade da leitura. A explicação para isto talvez se
baseie na chegada tardia da imprensa ao Brasil, em 1808, enquanto que na Europa a
imprensa já era uma conquista bem antiga – a Bíblia de Gutenberg data de 1445. Além
disto a introdução da imprensa foi um ato isolado, já que não houve a criação de
instituições e instrumentos necessários à difusão dos produtos impressos como escolas,
bibliotecas, livrarias, jornais e editoras na época do Brasil Colônia (LAJOLO; ZILBERMAN,
2002).
Foi a partir da década de 1930, durante o governo Vargas, quando houve uma
ampla reforma do ensino, que a base escolar se expandiu e afetou de modo positivo o
mercado de livros didáticos. Pela primeira vez, graças às políticas públicas e ao câmbio
desfavorável às importações, o livro escolar produzido no Brasil chegou a custar bem mais
barato do que o concorrente estrangeiro. Os livros didáticos portugueses, por fatores de
mercado e decisão do próprio Estado, saíram das escolas brasileiras, dando total espaço
aos livros nacionais (FEIJÓ, 2005).
Quanto ao uso do livro didático na rotina em sala de aula, há que se ter em mente
que ele pode ser usado de inúmeras formas, mas quem determina estas formas
primeiramente é o professor. No decorrer das aulas é o professor que precisa pensar
amplamente na interação, no diálogo e em desempenhar um papel ativo e crítico, em
relação às propostas do livro didático. Da mesma maneira, o professor deve sempre
considerar as possibilidades e usos diferenciados que um livro didático permite, como

36
- Capítulo 1 -

alterações de seqüências, atividades complementares, aspectos diversos da realidade local,


entre outros (BRASIL, 2006a).
Atualmente o livro didático é um material básico, de referência, um organizador de
conteúdos e atividades tanto para o aluno, quanto para o professor. Entretanto nem
sempre foi assim. De acordo com Gatti Júnior (2004) o livro didático sempre teve um papel
importante na escola brasileira, porém na primeira metade do século XX os professores
eram mais capacitados e utilizavam o livro como suporte, e não como um elemento central
da prática pedagógica como acontece atualmente. Criou-se uma dependência em relação
ao livro didático.

[...] o livro didático não deve ser tomado como vilão, mas sim como parte da
solução, [...], pois o livro didático durante as décadas de 1970 a 1990, foi utilizado
como paliativo para problemas de boa parte do professorado, que consistiam, em
síntese, na falta de qualificação e de tempo para preparação de suas aulas.
Aparentemente sempre foi cômodo, barato e seguro para o governo, do ponto de
vista político, distribuir livros, pois agindo dessa forma o governo não precisava
investir diretamente nas escolas; agradava aos setores industriais e evitava ter que
agir junto aos cursos deficientes de licenciatura oferecidos por boa parte das
faculdades que se espalhavam pelo país à época. (GATTI JÚNIOR, 2004, p.200).

Constata-se portanto, que os livros didáticos acabam sendo a principal fonte de


informação impressa, a principal referência utilizada por uma parte significativa de
professores e alunos, fato que ocorre mais freqüentemente quanto menor o acesso a bens
econômicos e culturais (BATISTA, 1999). Em um país em que a produção didática
corresponde a mais da metade do faturamento do mercado editorial, pode-se imaginar o
porquê do livro didático reinar praticamente sozinho na escola. Obviamente isto se deve
também a outros aspectos, como a carência do hábito da leitura, a pouca familiarização
com o objeto livro (literário), o alto valor dos mesmos, a baixa remuneração da população
em geral, além da falta de bibliotecas, museus e espaços culturais na maioria das cidades
brasileiras.
Pode-se dizer que, no final da década de 1990 já “havia ocorrido um processo de
desqualificação docente e que as crianças e jovens já estavam preferindo a época imagens
à palavra impressa” (GATTI JÚNIOR, 2004, p.220). Estava se iniciando um desafio para a
educação escolar sendo que uma de suas principais tarefas sempre foi a de fazer com que
os alunos conseguissem compreender textos escritos.

37
- Capítulo 1 -

Neste sentido, as escolas e bibliotecas são lugares privilegiados para a promoção da


leitura. Principalmente a escola, por ser mais acessível a todos, deve tornar a leitura uma
atividade prioritária. A principal questão é reverter a imagem negativa que os estudantes
tem dessa atividade, através de práticas adequadas. Perrotti (1990) cita que o autoritarismo
e outras práticas opressivas, existentes ainda em muitas escolas, tem grande parcela de
responsabilidade no desinteresse de crianças e jovens pela leitura, associando-a a
estímulos negativos, criando uma imagem ruim e o afastamento, às vezes para sempre, do
livro. Acaba-se criando relações e experiências, ainda na infância, que prejudicam o
desenvolvimento do gosto pela leitura no aluno.

Resulta daí a necessidade de buscar novas práticas, novos arranjos que


possibilitem a construção de outra imagem da leitura – prazerosa,
descompromissada, divertida, atrativa, a ponto de ser capaz de vencer toda e
qualquer resistência, a ponto de criar uma nova imagem da leitura. (PERROTTI,
1990, p.72).

No ensino formal as atividades de ler e estudar se apresentam indissociáveis. E o


suporte do livro ainda é indispensável para a transmissão do conhecimento formal, mesmo
com todas as inovações técnicas e recursos audiovisuais modernos. A leitura está
intimamente ligada ao conhecimento e à cultura nas instituições e na sociedade. Basta
apresentar às crianças essa fonte de conhecimento de outros modos. Mostrar que o livro e
a leitura estão ligados ao prazer, que pode ser estimulante, atraente e interessante.

38
- Capítulo 2 -

Capítulo 2 - O LIVRO DIDÁTICO E A CRIANÇA

2.1 A construção da infância

No senso comum cultiva-se uma imagem da infância como sendo a melhor fase da
vida, onde o tempo passa devagar, o dia é permeado de alegria e diversão, sem as
preocupações ou angústias do mundo adulto. Porém basta uma breve reflexão, ou melhor,
uma recordação do que é visto nos noticiários, para esta visão de mundo encantado,
perfeito e feliz desmoronar. A infância é vivida de modo diferente por diferentes tipos de
crianças.
A valorização que se tem hoje da infância e o reconhecimento da criança como
sujeito social despertou o interesse de diferentes áreas e fez com que se tornasse objeto de
estudo, constituindo um campo temático de natureza interdisciplinar.
Ao investigar os significados da palavra infância, de acordo com os dicionários da
língua portuguesa vê-se que a palavra diz respeito ao período de crescimento, no ser
humano, que vai do nascimento à puberdade. Já para o Estatuto da Criança e do
Adolescente é considerada criança a pessoa até os doze anos incompletos.
Etimologicamente a palavra infância vem do latim infantia e refere-se à incapacidade de
falar.
Porém, a idade cronológica não é suficiente para caracterizar a infância. Ariès
(1981) a situa como produto da história moderna, firmando-se como uma categoria social
construída recentemente na história da humanidade. Para o autor, o sentimento da
infância, que corresponde à consciência da particularidade infantil, isto é, o que distingue a
criança do adulto, não existia na sociedade medieval. A criança não era percebida com
necessidades diferentes das do adulto. Assim que adquiria uma certa independência de
sua mãe ou ama, ingressava no mundo dos adultos e “não se distinguia mais destes” (Ibid.,
p.156). Devido à alta taxa de mortalidade infantil nesta época, era recomendado às mães
não criar laços afetivos com seus filhos, e sim manter um distanciamento e um sentimento
de indiferença para com eles, dada a sua fragilidade e possibilidade de perda. Era
responsabilidade das amas criar a criança desde o nascimento até aproximadamente os
cinco anos, quando já apresentavam alguma autonomia. A partir de então já podiam
freqüentar o mundo adulto, fazendo parte de festas, reuniões e do trabalho. O serviço

39
- Capítulo 2 -

doméstico era ensinado encaminhando-se a criança para morar na casa de outras famílias.
Este tipo de aprendizagem era destinado a todas as crianças, independente da classe social
de sua família e era, na visão da época, a única forma de educação para a vida adulta.
Posteriormente, nos séculos XVI e XVII, começou a surgir no meio familiar das
camadas mais abastadas da sociedade, uma concepção de infância centrada na inocência e
na graciosidade infantil. Ariès afirma que, provavelmente, a maneira de ser das crianças
pequenas sempre encantou mães e amas, mesmo que não expressassem estes
sentimentos. No entanto, em determinado momento, os adultos deixaram se envolver
pelo prazer dos gestos e brincadeiras dos pequenos, passando a ter uma atitude mais
carinhosa em relação a eles. O autor chama esta passagem de o primeiro sentimento da
infância, um sentimento superficial, que se caracterizava pela “paparicação” pois, “a
criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e
relaxamento para o adulto” (1981, p.158).
Já um segundo sentimento, de “moralização” originou-se por volta do século XVII
fora do núcleo familiar. Os eclesiásticos e teóricos, preocupados com a disciplina e a
racionalidade dos costumes, não viam as crianças como distrações agradáveis, mas sim
como criaturas frágeis, que necessitavam de cuidados especiais e disciplina. A fim de
proteger e educar para a vida adulta passaram a orientar os pais por meio de manuais
escritos. Outra mudança tem ligação com os amplos laços de parentesco do poder feudal,
vinculados às grandes propriedades, que se enfraqueceram, uma vez que o Estado
moderno viu no modelo de família nuclear sua base de sustentação, o que o levou a
promover este tipo de estrutura. Há, portanto, o início de um maior envolvimento dos pais
com a educação e criação dos filhos trazendo, deste modo, a criança para o ambiente
privado do lar e da família.
O século XVIII trouxe para a família, além destes dois sentimentos, a preocupação
com a higiene e a saúde física. Também houve mudança na forma de educar as crianças.
Elas deixaram de aprender a vida diretamente do universo adulto e passaram a freqüentar
o ambiente escolar. Entre outros objetivos, a escola veio cumprir um papel de ligação entre
a criança e o mundo, veio suprir uma lacuna referente à sua socialização, já que sua vida
agora era isolada do âmbito exterior, restringindo-se basicamente ao ambiente privado do
lar e ao contato com sua mãe.

40
- Capítulo 2 -

Fig. 9 - Quadro O Reverendo Randall Burroughs e seu filho Ellis, 1769


Autor: Johann Zoffany.26
Esta pintura, do século XVIII, mostra uma criança em seu ambiente familiar,
tendo sua educação orientada por seu pai.

A criança, que antes ocupava um lugar sem importância, recebeu uma posição
central dentro da família, inaugurando deste modo a construção da infância moderna. A
família transformou-se e tornou-se em um lugar de afeição entre os cônjuges e entre pais e
filhos, fato que não existia antes. Essa aproximação ocasionou uma preocupação com a
privacidade e com diversos aspectos da vida familiar, o que deu início à construção da
família moderna.
A origem de um sentimento da infância e a valorização do modelo de família
nuclear aconteceu primeiramente nas camadas superiores da sociedade e aos poucos foi
sendo incorporado pelas camadas inferiores. Esta parcela da população estava
acostumada a deixar suas crianças aos cuidados de instituições mantidas pelo poder
público ou religioso, e o casamento não era visto como uma necessidade para suas vidas. A
solução foi estimular o matrimônio e o cuidado com as crianças por meio da valorização do
papel da mulher dentro do núcleo familiar. A idéia propagada consistia em que, para uma
família, mesmo que proletária ascender, era necessário que a esposa trabalhasse em suas
funções do lar e no cuidado com os filhos (ZILBERMAN, 2003).
Estas transformações coincidiram com o fim do sistema feudal, momento em que a
classe burguesa começou a construir e divulgar seus valores tais como a valorização da
vida urbana, a distinção entre o público e o privado, da casa e do trabalho, da infância e da

26
Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Zoffany_2.jpg>.

41
- Capítulo 2 -

idade adulta. Entre os valores burgueses houve ainda a valorização da formação pessoal,
que tinha por objetivo qualificar o sujeito por seus próprios méritos, o que determinou
uma ênfase à cultura e ao ensino. É a partir desta época também que a escola se expandiu
e se aperfeiçoou a fim de preparar a criança para a vida adulta e protegê-la contra as
agressões do mundo (ZILBERMAN, 2003).
Este período, em que aconteceu a Revolução Industrial, também foi marcado pelas
obras de pensadores como Locke27, Rousseau28 e os primeiros românticos. John Locke
defendeu a teoria de que o conhecimento derivava da prática, de onde afirmava que a
mente de uma criança se comparava a uma tábula rasa, a uma folha de papel em branco,
que só a experiência poderia preencher. Jean Jacques Rousseau defendeu a idéia da
criança pura e ingênua, que já nascia com uma natureza boa, da necessidade de respeitá-la
e de ser educada sobretudo em liberdade, já que em sua visão a infância tinha formas
próprias de ver, pensar e sentir. As concepções românticas da infância mudaram um pouco
a noção de Rousseau, pois viam as crianças como portadoras de uma sabedoria e uma
sensibilidade estética apurada, que necessitavam de condições favoráveis para seu pleno
desenvolvimento.
O século XIX trouxe a idéia da criança sem valor econômico, porém com um grande
e inestimável valor emocional, idéia que perdura até os nossos dias. Foi neste período que
surgiu o kindergarten, idealizado e posto em prática por Froebel29 no início da década de
1840, que contribuiu para a ruptura dos limites entre o público e o privado, escola e
família, e teve como uma das conseqüências uma maior liberdade feminina, pela
possibilidade do trabalho fora do lar.
A difusão e o acesso à escola para todos promoveu a institucionalização da infância
e da escola pública. Para se chegar à construção moderna da infância houve um trabalho
de separação do mundo adulto e de institucionalização das crianças. A criação das creches
e da escola pública também teve um papel decisivo para essa separação, uma vez que até
então, as escolas conventuais e os colégios religiosos eram indistintamente freqüentados
por crianças e adultos (SARMENTO, 2005).
Para Ariès (1981) a consciência da particularidade infantil é conseqüência de um
longo processo histórico. A infância de hoje é uma criação de um tempo histórico e de

27
John Locke (1632-1704), filósofo inglês.
28
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) filósofo suíço.
29
Friedrich Froebel (1782-1852) pedagogo alemão.

42
- Capítulo 2 -

condições socioculturais determinadas. A partir disso, pode-se refletir que a infância muda
com o tempo e conforme os diferentes contextos sociais, econômicos e geográficos. Por
esta razão pode-se afirmar que as crianças de hoje são muito diferentes das de épocas
passadas, e certamente o serão das que estão por vir nos próximos séculos.
Ariès situa o início de um sentimento de infância dentro do contexto europeu. No
entanto, em terras brasileiras, na visão de Kuhlmann Jr. (1998) este sentimento já estava
presente no século XVI, quando os jesuítas criaram uma estratégia de catequese para as
crianças indígenas, trazendo crianças órfãs portuguesas para serem mediadoras nesta
relação. Houve também a elaboração do Ratio Studiorum - Plano de Estudos dos jesuítas,
que introduziu e consolidou um sistema integrado para seus colégios, estabelecendo
classes separadas por idade e introduzindo as disciplinas, o que se tornou o primeiro
sistema educacional unificado do mundo.
Entretanto, um verdadeiro cuidado com a infância no Brasil parece ter começado
somente no século XIX, tornando-se mais intenso nos séculos seguintes. Um aspecto
marcante presente desde o início da colonização do país é a diferenciação entre as crianças
segundo sua classe social, fato que liga a história da infância ao preconceito, à
desigualdade, à exclusão, à exploração e ao abandono. Estes traços, que podem ser vistos
ainda hoje, acompanham a história do Brasil desde o período colonial e reforçam a
diferença pela desigualdade, seja na questão da distribuição de terra, de renda ou do
conhecimento (FROTA, 2007). Foi criado inclusive um termo para designar a criança
desamparada, o chamado menor. Esta expressão apareceu no Código de Menores de 1927
e designava uma faixa etária associada às crianças pobres. Com o tempo, o menor passou a
ser visto como aquela criança vinda de uma família desestruturada, em situação de risco
social, com possibilidade de se tornar um marginal e, assim, colocar em risco a si mesmo e
a sociedade. A solução encontrada foi entregar a responsabilidade do menor ao Estado
que, com o propósito de melhorá-lo, acabou institucionalizando-o. Esse procedimento
apenas reforçou o preconceito e construiu uma categoria à margem da sociedade,
passando a ser vista como uma ameaça real e tornando essas crianças menos crianças.
Somente em 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o termo menor foi abolido,
e a criança foi definida como um sujeito de direitos, possuidora de necessidades
específicas devido ao seu desenvolvimento, e que deve receber uma política de atenção
integral a seus direitos construídos social e historicamente.

43
- Capítulo 2 -

Na perspectiva de Sarmento (2005) o lugar da infância na contemporaneidade é um


lugar em mudança, já que a infância é historicamente construída, a partir de um processo
de longa duração, que lhe atribui um estatuto social, elabora as bases ideológicas,
normativas e referenciais do seu lugar na sociedade. Esse processo, que leva em conta as
variações demográficas, as relações econômicas e os seus impactos nos diferentes grupos
etários, as políticas públicas, os mecanismos simbólicos, as práticas sociais e os estilos de
vida de crianças e de adultos é continuamente atualizado na prática social, nas interações
entre crianças e entre crianças e adultos.
Um exemplo é como a realidade dos centros urbanos vem afetando e modificando
a infância atual, por meio da estrutura familiar, da limitação dos espaços tanto domésticos
quanto urbanos (apartamentos pequenos, proibição de circular na rua, bairro), do convívio
em instituições desde muito cedo (creches e escolas). Por diversos motivos, tais como o
medo da violência, a infância acaba sendo vivenciada estritamente dentro do contexto
familiar e escolar. A insegurança faz com que os pais privilegiem ambientes fechados como
shoppings e cinemas, ao invés da própria rua ou bairro, lugares onde tradicionalmente se
produzia cultura. A possibilidade de freqüentar e circular livremente pela rua onde mora,
de conhecer de perto os vizinhos, e tudo o que existe ao redor fica cada vez mais difícil
para a criança urbana, tirando dela uma fonte rica de experiências e interações. Sobre a
essa privatização da vida social, especialmente a da criança, Perrotti coloca que:

Enquanto fenômeno social de caráter classista, a privatização significou, portanto,


não apenas o rompimento crescente de vínculos da infância com a geografia da
cidade, mas também o afrouxamento de vínculos que possibilitavam a
experiência direta da diversidade da polis. Confinada tanto na intimidade da
família, nos espaços domésticos, quanto nos espaços especializados [...], a
infância, à medida que vai-se inscrevendo na ordem burguesa, vê reduzidas suas
possibilidades de relacionamento com a diferença, a multiplicidade, o outro. Em
contrapartida, aumenta sua exposição ao idêntico [...] (1990, p.90).

Como dito no início do capítulo, a infância é vivida de modo diferente por


diferentes tipos de crianças. O principal fator que faz essa diferença são as condições
sociais em que vivem as crianças como a classe social, a etnia a que pertencem, a raça, o
gênero, a região onde vivem. Estes aspectos diferenciam profundamente as crianças. Em
um país de dimensões continentais e desigualdades sociais proporcionais como o Brasil,
essas diferenciações são bastante visíveis e desencorajam qualquer tentativa de
uniformização no material didático, por exemplo. Contudo Sarmento (2005) afirma que,

44
- Capítulo 2 -

apesar de não haver uma concepção uniformizadora de infância, há fatores de


homogeneidade em relação às crianças, como o fato de não terem direito ao voto, nem de
serem eleitas para funções políticas, de serem socialmente obrigadas à freqüência escolar
em praticamente todos os países do mundo, de necessitarem de cuidados especiais pelo
menos nos seus primeiros anos de vida, e de possuírem modos diferenciados de
interpretação do mundo e de simbolização do real.
Se em tempos passados as crianças participavam naturalmente da vida adulta,
eram tratadas como pequenos adultos, e não existia nenhuma diferenciação maior entre
elas e os mais velhos, as crianças de hoje são reconhecidas como sujeitos sociais, e
participam ativamente das relações, tanto na família, quanto na escola. A experiência e a
troca social acontecem basicamente dentro da família e da escola e é justamente neste
contexto de interação que a criança se desenvolve. Por meio das relações sociais que
integram suas vidas, apropriam-se de valores e comportamentos inerentes ao seu lugar e
tempo. Para Cohn (2005) a criança tem um papel ativo na constituição das relações sociais
e de laços afetivos, uma vez que interage com adultos, com outras crianças, com o mundo,
enfim em todos os espaços pelos quais circula.

2.2 Desenvolvimento e aprendizagem infantil: tramas conceituais e processos de


mediação

O homem é uma pessoa social: um agregado de relações sociais


encarnadas em um indivíduo.
Lev S. Vygotsky30

As discussões teóricas sobre como as crianças aprendem não são recentes.


Inúmeras teorias foram desenvolvidas a fim de entender como ocorre o processo de
desenvolvimento infantil e qual sua relação com a aprendizagem, como a teoria de
Piaget31. Outro estudioso que se dedicou a pesquisar o desenvolvimento e o aprendizado
das crianças, principalmente em sala de aula, foi o russo Lev Vygotsky32 (1896-1934). É
necessário determinar uma diferença fundamental entre o trabalho de Vygotsky e o de

30
PINO, 2000, p.46.
31
Jean Piaget (1896-1980) biólogo e psicólogo suíço.
32
O nome Vygotsky é encontrado na bibliografia existente escrito de várias formas como Vygotsky, Vigotski,
Vygotski, Vigotskji, Vigotskii, Vigotsky. Neste trabalho optou-se por empregar a grafia Vygotsky adotada por
grande parte das publicações brasileiras.

45
- Capítulo 2 -

outros teóricos deste campo. Vygotsky não deixou uma teoria acabada, sistematizada, mas
possibilitou a abertura de várias linhas de pesquisa, que foram desenvolvidas por outros
pesquisadores. Van der Veer e Valsiner (2001) afirmam que a principal contribuição de
Vygotsky para a psicologia foi ter rompido limites criados artificialmente entre áreas
relacionadas da cultura humana e reunido conhecimentos de diferentes áreas.
A abordagem de Vygostky integrou em uma mesma perspectiva, o homem
enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da
espécie humana e participante de um processo histórico. Isto fica explícito nas três idéias
centrais do pensamento de Vygotsky, conforme Oliveira (2006):

 as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade


cerebral;
 o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo
e o mundo exterior, que se desenvolvem em um processo histórico;
 a relação do homem com o mundo é mediada por sistemas simbólicos.

O homem, na visão de Vygotsky, se constitui como sujeito a partir das relações que
estabelece com outros homens. As funções psicológicas superiores, típicas do ser humano
como a inteligência lógica, a memória, a percepção, a imaginação e a criatividade, tem sua
base biológica, mas também são construídas individualmente, ao longo da vida.
Em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem, Vygostky afirma que estes se
relacionam desde o nascimento da criança em um movimento dialético, onde um
pressupõe o outro, ao mesmo tempo que se negam (ZANELLA, 2007). O desenvolvimento
não faz um caminho em linha reta, mas sim enfrenta imprevistos, evoluções e involuções,
fazendo parte do processo de maturação do organismo individual. Entretanto é o
aprendizado, que só ocorre devido ao contato da pessoa com um ambiente cultural, que
oferece as condições e estimula os processos internos de desenvolvimento. Deste modo, a
interação social é fator indispensável, pois propicia situações de aprendizagem, que
conseqüentemente auxiliam o desenvolvimento.

[...] aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado


adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam
impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e
universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas
culturalmente organizadas e especificamente humanas (VYGOTSKY, 2007, p.103).

46
- Capítulo 2 -

Com o intuito de especificar melhor a inter-relação aprendizagem e


desenvolvimento, Vygotsky (2007) concebeu o desenvolvimento humano
compreendendo dois níveis. O primeiro nível compreende o conjunto de atividades que a
criança consegue resolver sozinha. Esse nível indica o ciclo de desenvolvimento já
completado, o que a criança já construiu até determinado momento, o chamado nível de
desenvolvimento real. O segundo nível compreende o conjunto de atividades que a
criança não consegue realizar sozinha mas que, com a ajuda de alguém que lhe dê
orientações adequadas, ela consegue resolver. É o nível de desenvolvimento potencial.
Porém Vygostky observou que, em um grupo de crianças, apesar da aparente
homogeneidade quanto ao desenvolvimento já alcançado, havia uma diferenciação
quanto às possibilidades futuras de aprendizagem e desenvolvimento. Essa diferença
entre o que as crianças resolvem independentemente e o que conseguem resolver com a
ajuda de um adulto ou colega mais experiente é o que Vygotsky nomeou de zona de
desenvolvimento proximal, o que se tornou uma das maiores contribuições para a
Psicologia e a Educação, com repercussões na aprendizagem, pois caracteriza o
desenvolvimento mental prospectivamente.

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não


amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que
amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas
funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, em
vez de “frutos” do desenvolvimento (VYGOTSKY, 2007, p.98).

Para Vygotsky (2007) o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento,


ou seja, aquele que se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento da
criança. Contudo deve-se lembrar que não é qualquer indivíduo que pode, a partir da
ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto dependerá do nível de desenvolvimento já
atingido pelo indivíduo.
A idéia da zona de desenvolvimento proximal reforça a importância da interação
social no processo de construção das funções psicológicas superiores, tipicamente
humanas. Esta zona é um espaço necessariamente mediado por um “outro”, presente ou
ausente, real ou não, ou que possua mais capacidade no momento. Deve-se levar em
consideração que, nas relações sociais entram em jogo questões afetivas, de confiança,

47
- Capítulo 2 -

entre outros aspectos, o que torna as interações complexas. O livro, tanto o didático
quanto qualquer outro, pode ativar uma zona de desenvolvimento proximal.
Outro conceito fundamental no pensamento de Vygotsky é a mediação. Segundo
ele, nossa relação com o mundo não é direta, é sempre mediada. Temos uma relação
indireta com a realidade. Encontrar esta definição na obra de Vygotsky é uma tarefa
bastante difícil, dado que não se trata de um conceito, mas de um pressuposto que norteia
todo seu pensamento. Pode-se dizer que a mediação não se trata de um ato em que
alguma coisa se interpõe. É um processo, a própria relação, e não precisa necessariamente
da presença física do outro, ou seja, não é a corporeidade do outro que estabelece a
relação mediatizada. A mediação ocorre por meio dos signos e dos instrumentos.
Vygotsky, ao afirmar que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas
essencialmente mediada, propõe a integração de diferentes processos e de conceitos
implícitos na cognição e no desenvolvimento humano. As funções psicológicas superiores
apresentam uma estrutura tal que “entre o homem e o mundo real existem mediadores,
ferramentas auxiliares da atividade humana” (OLIVEIRA, 2006, p.27).
Vygostky (1984) assinala para os instrumentos e para os signos que têm papéis
diferentes no processo de mediação. A importância que Vygotsky atribui aos instrumentos
encontra apoio na filiação teórica do autor aos postulados marxistas. Em seus escritos
ressalta a importância do trabalho, que está na base da sociedade humana.

É o trabalho que, pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une


homem e natureza e cria a cultura e a história humanas. No trabalho
desenvolvem-se, por um lado, a atividade coletiva e, portanto, as relações sociais,
e, por outro lado, a criação e utilização de instrumentos. (OLIVEIRA, 2006, p.28).

Para Vygotsky (1984) os instrumentos são elementos interpostos entre o ser


humano que trabalha e o objeto de seu trabalho, servindo para ampliar possibilidades de
transformação da natureza. Os signos foram denominados por Vygotsky como
instrumentos psicológicos que auxiliam nos processos que envolvem as funções
psicológicas superiores, como a memória, a percepção, a imaginação, a criatividade, dentre
outras. Não são isoladas, mas sim interligadas na dinâmica do desenvolvimento e da
aprendizagem que, para o autor, ocorrem em relações de reciprocidade. Ou seja: quanto
mais o ser se desenvolve, maior é a aprendizagem e quanto maior a aprendizagem, melhor
é o desenvolvimento humano. Os signos auxiliam nos processos psicológicos e não nas

48
- Capítulo 2 -

ações concretas, como fazem os instrumentos. Entretanto, o uso dos instrumentos permite
que se evidencie gradativamente um sistema de estímulos externos auxiliares, importantes
na aprendizagem e no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Estas são
indispensáveis nos processos de internalização, possibilitando a estruturação de
representações e de articulações mais complexas entre as mesmas, ampliando também
processos internos de mediação (VYGOTSKY, 1984).
Os sistemas simbólicos possibilitam a articulação dos signos em estruturas
complexas. Estas estruturas incluem as representações mentais, que substituem os objetos
do mundo e, nessa dinâmica, a linguagem possui um papel fundamental (Ibid.)

Essas possibilidades de operação mental não constituem uma relação direta com
o mundo real fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos
internalizados que representam os elementos do mundo, libertando o homem da
necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento. [...] as
representações mentais da realidade exterior são, na verdade, os principais
mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo.
(OLIVEIRA, 2006, p.35).

Molon afirma que a presença corpórea do outro não garante a mediação. Sem a
mediação dos signos não há contato com a cultura. A autora retoma Vygostky explicando
que, contudo, ao longo do desenvolvimento do ser humano, os processos de mediação
também sofrem transformações, uma vez que o indivíduo deixa de necessitar de marcas
externas e passa a utilizar signos internos, ou seja, as representações mentais substituem
os objetos do mundo real. Os signos internalizados ficam registrados como elementos que
representam objetos, eventos ou situações (MOLON, 2000).
As funções psicológicas superiores se constituem por meio de atividades mediadas
pelo uso de ferramentas, tanto físicas quanto representacionais. Os instrumentos
mediadores físicos, como as ferramentas, modificam o meio físico e o sujeito da ação. Os
representacionais, como os signos, modificam a relação do homem consigo mesmo e com
os outros homens. O objetivo dos signos é

governar os processos de atuação, alheia ou própria, do mesmo modo que está


dirigida a técnica a governar os processos da natureza. Como exemplos de
ferramentas psicológicas e de seus sistemas complexos podem servir: o idioma, as
distintas formas de numeração e cálculo, os recursos mnemotécnicos, a
simbologia algébrica, as obras de arte, a escrita, os esquemas, os diagramas, os
mapas, os desenhos, todas as formas possíveis de signos convencionais.
(VYGOTSKY apud ZANELLA, 2007, p.76)

49
- Capítulo 2 -

Os signos são utilizados como instrumentos psicológicos em diversas situações,


como naquelas que exigem memória e atenção. Nestas, os signos são interpretáveis como
representação da realidade e se referem a elementos do espaço e do tempo presentes
(VYGOTSKY, 2007). Sabe-se que existem inúmeras formas de utilizar os signos como
instrumentos que auxiliam no desempenho de atividades psicológicas tais como: fazer
uma lista de compras por escrito, utilizar um mapa para encontrar um determinado local,
fazer um diagrama para orientar a construção de um objeto... Isso demonstra que
constantemente recorre-se à mediação de vários tipos de signos para melhorar as
possibilidades de armazenamento de informações e de controle da ação psicológica. Neste
sentido, pode-se considerar que o livro didático tem a função de mediar para a criança,
através da forma, o conteúdo impresso em suas páginas.
Para Martins (2005) mediar é também proporcionar acesso, provocar
disponibilidade e empatia. O livro didático pode ser um mediador se for ao encontro dos
interesses e necessidades de seu público escolar, se não dissociar sentimento e intelecto.

2.3 A criança, o livro e a leitura: relações e afetividade

Muitas vezes, escolhia livros pela capa. Havia momentos de que me lembro ainda
agora: por exemplo, ver as sobrecapas dos Rainbow Classics [...] e ficar deliciado
com as encadernações estampadas que estavam por baixo [...]
Alberto Manguel33

A diferença dos livros de literatura infantil para os livros didáticos é grande. No caso
dos livros didáticos há a divisão dos assuntos por faixas etárias, os conteúdos são divididos
por disciplinas, com contornos nítidos, organizados num grau crescente de dificuldade,
divididos em tantos anos letivos, transmitidos de forma objetiva a indivíduos com, mais ou
menos, as mesmas características e no mesmo estágio físico e neurológico. Já os livros de
literatura infantil contém um discurso subjetivo, ficcional e poético, não didático (não
utilitário) por princípio. O primeiro nunca é lido de uma só vez, e muitas vezes é lido de
forma coletiva, em voz alta. O segundo convencionou-se ler de modo individual, em
silêncio e de uma só vez. Porém, ambos possuem uma semelhança: compartilham um
mesmo lugar, a escola.

33
MANGUEL, 1999, p.20.

50
- Capítulo 2 -

No final do século XVII e no correr do século XVIII foram produzidos os primeiros


livros infantis, fato que coincidiu com o início do sistema educacional burguês. O
surgimento de livros infantis ilustrados na sociedade européia coincidiu também com a
mudança na condição social da criança, que deixou de ser vista como um adulto em
miniatura e passou a ter sua própria identidade. Houve o reconhecimento de que, na
infância existiam maneiras diferentes de pensar e sentir, medos e fantasias que diziam
respeito somente a esta etapa da vida. A educação, antes destinada somente aos adultos,
passou a ser oferecida e considerada importante para a infância. Mais do que isso,
começou a se pensar na maneira mais adequada de ensinar e aprender.
Comenius, o primeiro educador a interessar-se sobre a relação entre ensino e
aprendizagem, já no século XVII recomendava aos educadores que associassem sempre o
nome de um objeto à sua forma real ou, quando impossível, à sua imagem. Como ainda
não havia livros com imagens para crianças, ele mesmo elaborou a primeira obra
documentária ilustrada, única em seu gênero. Orbis sensualium pictus (Mundo sensível
ilustrado) teve a primeira edição, em alemão e latim, publicada em 1658 em Nuremberg,
Alemanha. O livro, com textos leves e imagens feitas pelo próprio autor, destinava-se ao
ensino do latim e outras línguas. Este livro pequeno e compacto possuía 150 imagens com
títulos e números, que indicavam as palavras empregadas em sentenças curtas, e quase
2000 palavras e noções, explicadas para o público infantil. Nos três séculos passados mais
de 200 edições em 26 línguas usaram o Orbis Sensualium Pictus como modelo. As coisas, os
fenômenos e as noções são mostradas em seus contextos naturais seja em paisagens,
natureza morta, esquemas ou imagens alegóricas. O objetivo era auxiliar o professor a
mostrar muitos elementos do mundo que não poderiam ser levados à sala de aula, ou
diretamente manipulados pelos alunos. Pode-se dizer que é um antepassado do livro
didático.

51
- Capítulo 2 -

Fig. 10 - Capa e página do livro Orbis Sensualium Pictus34


Comenius, 1658

É considerado o primeiro livro escolar em que a imagem desempenha um papel


essencial na aquisição do saber, onde não somente o texto, mas a imagem também é fonte
de conhecimento. Para Comenius a iniciação ao mundo real pela imagem era necessária
para a aprendizagem pois, segundo seu pensamento, o sensível não poderia ser separado
do intelectual. Por este motivo desenvolveu uma obra onde o texto e a imagem
interagiam, a fim de propiciar à criança a possibilidade de construir suas aprendizagens e
desenvolver sua curiosidade. As imagens elaboradas pelo autor partiam daquilo que o
estudante conhecia para, a partir daí trazer novos conhecimentos (CHALMEL, 2004).

Fig. 11 - Detalhe da página do livro Orbis Sensualium Pictus35

34
Fonte: <http://imaginarymuseum.org>.
35
Fonte: <http://imaginarymuseum.org>.

52
- Capítulo 2 -

Com a expansão da escola apareceram no mercado os manuais ilustrados como


uma boa forma de atrair o público infantil. Esses livros tinham objetivos mais pedagógicos
e didáticos do que recreativos. Hoje, atrair o público infantil para o mundo da leitura
continua sendo um desafio. Fala-se da ameaça que as novas tecnologias trazem à forma e
à estrutura do livro assim como o conhecemos. Há também o apelo de toda sorte de
recursos imagéticos, que parecem ter um poder de sedução maior e acabam ganhando a
batalha pelo tempo disponível de muitas crianças, jovens e adultos. Isto só contribuiu para
ajudar a instaurar a tão falada crise da leitura, que talvez tenha como maior motivo a
“dificuldade de assimilar novos públicos ao circuito do impresso”, como diz Perrotti (1990,
p.13).
Para tentar combater esta crise há muito tempo são realizadas ações a fim de
aproximar crianças e jovens do livro e da leitura, uma vez que o ato de ler não é natural,
mas desenvolvido ao longo da história e da cultura. Na realidade brasileira, por diversos
motivos, a maioria da população não possui o hábito, ou melhor dizendo, o gosto pela
leitura. A promoção da leitura, a fim de estabelecer vínculos com a sociedade, sempre
aconteceu, principalmente, através de instituições, como escolas e bibliotecas. A escola
ainda hoje, em muitos casos, torna-se a única possibilidade para a criança de ter acesso aos
livros, didáticos ou não, já que nem todas as famílias possuem livros, ou mesmo valorizam
a leitura, e nem todas as cidades possuem uma biblioteca pública. O interesse pela leitura,
como qualquer outro interesse, não é adquirido, mas desenvolvido. A escola termina
ganhando o papel de desenvolver este interesse, embora não seja o ideal, dado seu caráter
obrigatório.
Na escola os livros que fazem parte do cotidiano infantil são na maioria didáticos. E,
a respeito do livro didático diz-se que não se lê: usa-se. A partir daí já se nota que é um tipo
de livro realmente peculiar: o estudante o carrega de casa para a escola e vice-versa; na
escola, é o professor quem organiza sua leitura, em grupo, em voz alta, individualmente,
em silêncio; em casa é o tipo de livro que o aluno pode voltar a consultar por diversos
motivos, como para esclarecer dúvidas da tarefa; ele não é lido de ponta a ponta, mas é
comum que seja manuseado, revisto e consultado freqüentemente. E apesar de ser
destinado ao aluno, não é este que o escolhe, nem dita como será feito seu uso e leitura
(MUNAKATA, 1999).

53
- Capítulo 2 -

É inevitável que, com todo o manuseio, qualquer livro acabe provocando uma
experiência afetiva, boa ou ruim, no aluno-leitor. Desde nossas primeiras impressões do
livro, na primeira infância, antes da alfabetização, que eram somente a respeito de sua
forma, cores, figuras ou o som do folhear as páginas, até chegar ao momento onde todos
esses componentes passaram a ter outros significados, tudo causa uma experiência que
será acumulada ao longo da vida.

O livro é um objeto no sentido genérico, uma coisa que pode ser apreendida pela
percepção ou pelo pensamento. Sendo material e ocupando um lugar no espaço,
tem nas três dimensões a principal característica de ser um corpo físico
matemático. Como corpo, portanto, possui a propriedade de causar impressões e
estímulos nos seres humanos. (SILVEIRA, 2001, p. 122).

E essas experiências são naturalmente apreendidas por meio dos sentidos, da


inteligência e da emoção da criança, onde estes aspectos não se encontram e não podem
ser separados. Uma boa relação afetiva se constrói à medida que se manuseia e se deixa
marcas nos livros, ao mesmo tempo que eles nos marcam e modificam nossas idéias. O
início de uma relação boa ou ruim com os livros depende da experiência, tanto do
conteúdo quanto da forma do livro. Se a criança encontrar qualquer dificuldade no ato de
ler, passará a acumular experiências ruins e acabará gostando cada vez menos da leitura.
E a forma, traduzida pela linguagem visual, pode influenciar muito na experiência
de cada um. Quantas vezes uma comunicação visual mal elaborada nos fez rejeitar um livro
ou tornou a leitura uma atividade difícil ou desagradável? Também o contrário é
verdadeiro, pois não há comunicação visual que segure a atenção do leitor se o texto não o
faz por merecer. Uma boa relação entre livro e leitor acontece quando palavra e imagem se
completam e interagem. O livro como um todo deve seduzir o leitor, mantê-lo em um
estado de motivação e conquista, ativando o racional pelo emocional e vice-versa.
Para Vygotsky (1984) o pensamento se origina no âmbito da motivação, o qual
inclui necessidades, inclinações, interesses, impulsos, afeto e emoção. Para o autor
dissociar as dimensões cognitivas e afetivas incapacita a compreensão do ser humano com
um todo, pois existem profundas conexões entre elas.

O sentimento, o pensamento e a vontade estão relacionados assim como todas as


funções psicológicas, ou seja, não existe uma função isolada, nem um
pensamento puro e nem um afeto sem alteração mas sim inter-conexões
funcionais permanentes na consciência, nas quais os sentimentos quando
conscientes são atravessados pelos pensamentos, e os pensamentos são

54
- Capítulo 2 -

permeados pelos sentimentos, sendo que esses acontecem a partir dos e nos
processos volitivos. A função psicológica que potencializa as demais é a vontade.
(MOLON, 2000, p.8).

O prazer de se relacionar com os livros não é algo que apareça de uma hora para
outra. Cabe aos adultos responsáveis, pais e professores, auxiliar a criança a descobrir o
que o livro tem a oferecer, seu potencial. Explorá-lo em todos os sentidos – pela forma e
pelo seu conteúdo – é uma maneira de fazer a criança ganhar intimidade com um objeto
tão rico em significados, verbais e visuais.
A integração dos aspectos cognitivos e afetivos do ser humano foi encontrada por
Vygostky (2005) justamente no significado/sentido da palavra. La Taille (1992, p.81) refere
que na concepção de Vygostky o significado de cada palavra possui uma conexão entre os
aspectos cognitivo e afetivo: o significado propriamente dito e o sentido. O sentido é a
soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta na consciência. “É um todo
complexo, fluido e dinâmico. O significado é uma das zonas do sentido, a mais estável e a
mais precisa” (VYGOSTSKY, 1984, p.125). Assim, uma palavra adquire sentido no contexto
em que surge, podendo alterar este sentido quando o contexto se modifica. Buscar o
significado quer dizer encontrar a razão que permite relacionar as coisas entre si e, dessa
forma, conhecê-las. É dizer o que elas são, conferir-lhes outra forma de existência, o que
inclui, ao mesmo tempo, a palavra e o pensamento (PINO, 2000).
Assim como a linguagem verbal, a linguagem visual é polissêmica, unindo os
aspectos verbal, visual e material. A comunicação visual de qualquer livro pode possuir um
significado compartilhado por um grupo, através do uso de uma linguagem visual comum,
além de uma ampla gama de sentidos. É a reunião de texto e imagem e a organização
destes elementos na página que servem de estímulo, de sedução para a leitura,
especialmente em livros infantis. Em um livro o conjunto dos aspectos visuais, as imagens,
o texto, a forma física, podem transmitir inúmeros significados e conseqüentemente
produzir uma interferência, boa ou má, na leitura. A criança, no plano intrapsicológico, lida
com o sentido das palavras e das imagens, faz relação com suas vivências afetivas. As
associações entre palavras e imagens trazem para a criança inúmeras e ricas possibilidades
de sentidos. Até pelo fato de que, no pensamento, tudo se transforma em imagem.
Palavras, símbolos abstratos, existem sob a forma de imagens auditivas ou visuais na nossa
consciência. Conforme Damásio (1996, p.134) “se não se tornassem imagens, por mais
passageiras que fossem, não seriam nada que pudéssemos saber”.

55
- Capítulo 2 -

Quando adequada, a interação entre a palavra e a imagem, uma deve valorizar a


outra. A própria palavra ilustrar, que provém do latim illustrare, etimologicamente significa
outorgar luz a um texto. Não se trata de reiterar pelas imagens o que já foi dito pelo texto,
mas sim complementá-lo, esclarecê-lo assumindo o papel de criar um conjunto
interessante e sutil entre o plano das palavras e o plano das imagens.

56
- Capítulo 3 -

Capítulo 3 - O LIVRO DIDÁTICO E A COMUNICAÇÃO VISUAL

Se nos detivermos um pouco sobre essas palavras – interesse, concentração,


imaginação -, começaremos a perceber que são elas as palavras-chave em todo o
processo da educação, da infância à maturidade. Sem interesse, a criança não
começa a aprender; sem concentração, não é capaz de aprender; e sem
imaginação é incapaz de utilizar criativamente o que aprendeu.
Herbert Read36

3.1 A criança e a comunicação visual do livro didático

As palavras antes de serem lidas, são vistas. E antes de chegar às palavras a criança
primeiramente tem o contato visual com o livro, o objeto, que já comunica mesmo
fechado, por meio de sua capa, de sua materialidade. O aluno ao abrir um livro é atraído
primeiramente pelas imagens37 e é a partir delas que a leitura começa. É pela percepção
que se tem da sua materialidade, de sua aparência, que o livro começa a se formar diante
do leitor. O corpo físico do livro já é expressivo porque é capaz de comunicar, seja através
do visual, do verbal ou de ambos. A leitura e o entendimento ocorrem posteriormente,
depois de uma aproximação com o objeto livro.
É o aspecto físico e material do livro - que se faz presente por meio das formas, das
cores, das imagens - o primeiro estímulo ao desejo de decifrar e interpretar o código das
palavras. Uma vez aberto o livro observa-se o tipo de letra, a diagramação, os espaços e a
qualidade de suas imagens e ilustrações. Todo o conjunto, o texto, a imagem, os tipos, a
qualidade do papel, a encadernação, a forma e o peso será prejudicado se um dos
aspectos for menosprezado. Em se tratando de livro didático para o ensino fundamental
das séries iniciais (1° ao 5° ano), um produto destinado ao público infantil, a qualidade do
texto é obviamente imprescindível, porém a questão visual é tão importante quanto o
conteúdo. O autor pode preparar um excelente texto, mas se este não for bem projetado
em sua dimensão material, muito se perderá. O Guia do Livro Didático (2007, p.26) fala que

[...] assim como a clareza e a fluência da linguagem empregada pelo LD — ou


seja, a legibilidade dos textos — têm um valor estratégico da maior importância.
Portanto, dêem preferência aos livros mais legíveis, que valorizem e estimulem o
aluno como leitor em formação.

36
READ, 1986, p.62.
37
Neste trabalho o termo imagem além de considerar a forma visual e não-verbal de representação, abarca
também diversas formas de ilustração, o desenho, a fotografia, a reprodução de recursos pictográficos, e a
idéia de que um texto também pode constituir-se como imagem.

57
- Capítulo 3 -

Porém nota-se que, no aspecto verbal dos livros didáticos infantis há marcas de
fortes tendências pedagógicas. Em muitos livros didáticos percebe-se uma linguagem
artificial, um estereótipo da expressão verbal infantil e esquemas narrativos simplistas.
Lajolo (1982) fala que, nos livros didáticos, a opção feita inclui formas mais comuns de se
apresentar o conteúdo por serem tidas como mais comunicantes.

Entre a simplicidade e o simplismo, a linha é muito estreita e bastante discutível.


Se o simplismo, por exemplo, explica a constância com que os mesmos recursos
aparecem ao longo dos livros, gerando uma imitação que não é mais dos
conteúdos, mas das formas, é a simplicidade que parece justificar um estilo
arcaizante, paratático e paralelístico [...] (LAJOLO, 1982, p.121).

No aspecto visual parece ocorrer algo semelhante. A comunicação visual do livro


didático pretende atingir o público infantil, mas enquanto as crianças e seu
comportamento mudaram significativamente ao longo dos anos, este tipo de livro vem
apresentando poucas inovações e soluções visuais empregadas há muito tempo. Como já
indicava Walter Benjamin (1984, p.50) “a criança exige do adulto uma representação clara e
compreensível, mas não infantil”. De modo geral o livro didático vem utilizando uma
linguagem visual cheia de clichês infantis, que muitas vezes cumprem apenas uma função
decorativa.
Essa visão e estereotipização em relação à infância pode ser compreendida levando
em conta algumas questões. O livro didático é escrito, produzido e escolhido por adultos
que, na melhor das hipóteses, possuem algum conhecimento sobre a infância. Ele também
é produzido para uma criança sem rosto, genérica, já que vai ser consumido por milhares
delas em diferentes situações e contextos. Munakata (1999, p.583) fala que autores e
editores de livros didáticos não podem se dar ao luxo de pensar em particularidades, mas
num leitor genérico, o “aluno médio brasileiro”.
Somente estes dois pontos já dificultam bastante a produção do livro didático
visando uma comunicação visual que seja coerente com a infância atual. Principalmente
nesta categoria de livros, as imagens - e não somente elas, mas todo o conjunto visual da
página - deveriam ser selecionadas com o intuito de despertar a curiosidade, a atenção
cambiante e a associação de idéias, inerentes ao comportamento infantil.
Neste ponto pode-se fazer uma ligação com as idéias de Vygotsky, que determinou
um forte elo entre o processo de desenvolvimento e o relacionamento do indivíduo com o
meio sócio-cultural em que vive. Na infância, o desenvolvimento cognitivo produz-se pelo

58
- Capítulo 3 -

processo de internalização dos significados da interação social, promovida por meio dos
materiais fornecidos pela cultura. A apropriação da cultura acontece por meio do
movimento entre as funções interpsicológicas e as funções intrapsicológicas. Tudo o que
está no sujeito existe antes no social, interpsicologicamente, sendo que, quando é
apreendido e modificado pelo mesmo, passa a existir no plano intrapsicológico,
internamente (VYGOTSKY, 2007). O processo vai se construindo de fora para dentro. Deste
modo a criança vai aprendendo e se modificando, reconstruindo internamente uma
atividade externa, como resultado de processos interativos que se dão ao longo do tempo.
Partindo deste ponto de vista, a escola tem um papel de destaque em relação ao
desenvolvimento humano. É o lugar onde acontecem diversas situações de interação e,
conseqüentemente de aprendizagem. Naturalmente em todos os lugares podem ocorrer
estas situações, mas é no ambiente escolar que a criança tem uma convivência rica e uma
variedade de relações interpessoais com colegas da mesma idade, mais novos, mais
velhos, com adultos mais experientes e com diversos tipos de expressões da cultura visual,
que vão interferindo em sua zona de desenvolvimento proximal, promovendo
transformações, favorecendo aprendizagens.

Essas interações que o indivíduo estabelece com as pessoas que o cercam, seja na
escola ou em outro ambiente, exercem, portanto, papel fundamental no
desenvolvimento humano, pois é a partir da apropriação das significações
socialmente produzidas que as funções psicológicas se constituem (ZANELLA,
2007, p.96).

A criança constrói conhecimento e se desenvolve também por meio do que


observa e sente em relação ao contexto no qual convive. No caso da escola, além de
usufruir de um ambiente multicultural, a criança entra em contato com um novo tipo de
livro, muito diferente dos livros de leitura, o livro didático. Na escola eles são um ponto de
apoio essencial no processo de construção do conhecimento. Para o aluno, muitas vezes
servem como uma referência, um lugar onde pode buscar informações precisas e exatas,
quer nos momentos de estudo individual em casa, quer na solução de dúvidas pontuais.
Ele tornou-se um material básico de referência, um organizador de conteúdos e atividades,
tanto para o aluno, quanto para o professor.
Sendo instrumentos tão importantes na vida escolar, o conteúdo visual e
comunicacional dos livros didáticos deveria ser apresentado de forma criativa, organizada

59
- Capítulo 3 -

e interessante, a fim de estimular o estudo e a compreensão do conteúdo, facilitando a


construção do conhecimento e ampliando o potencial pedagógico do livro.

O conteúdo e a forma são os componentes básicos, irredutíveis, de todos os


meios (a música, a poesia, a prosa, a dança), e, como é nossa principal
preocupação aqui, das artes e ofícios visuais. O conteúdo é fundamentalmente o
que está sendo direta ou indiretamente expresso; é o caráter da informação, a
mensagem. Na comunicação visual, porém, o conteúdo nunca está dissociado da
forma. Muda sutilmente de um meio a outro e de um formato a outro,
adaptando-se às circunstâncias de cada um; [...] (DONDIS, 2007, p. 131).

Segundo Coutinho e Freire (2006) sabe-se, a partir da prática e da teoria


relacionada, que os livros ilustrados despertam um interesse maior nas crianças para a
percepção e apreensão do seu conteúdo. Deste modo deve haver uma preocupação com
o conteúdo e conseqüentemente, sua forma, que devem ser coerentes com o repertório
da criança, para promover uma relação de identidade com a sua realidade, o que poderá
oportunizar um maior interesse.
Zilberman (2003) afirma que, quando se examina o universo infantil, observa-se que
o contato original dela com o mundo dá-se por intermédio da audição e da recepção de
imagens visuais. O texto escrito só começa a fazer parte após a interferência da escola,
sendo que, a partir deste momento a criança passa a ter acesso a todos os modos de
cultura de maneira autônoma.
Porém, por muito tempo, o texto escrito, o conteúdo, foi o mais importante e
valorizado na hora de se produzir um livro, sendo que as imagens desempenhavam um
papel secundário ou simplesmente decorativo. Faz parte do senso comum associar
seriedade à pouca ornamentação. Essa visão pode ser encontrada na fala de alguns
autores em obras a respeito do livro didático. Freitag (1997, p.131) comenta que "quem
freqüentou escola antes de 64 lembrar-se-á de livros didáticos [...] que eram informativos e
de excelente nível, comparados aos compêndios muito ilustrados mas pouco
substanciosos dos dias de hoje". Outra fala que demonstra este pensamento é o de Osman
Lins que se referiu à bibliografia didática como “Disneylândia Pedagógica” devido ao abuso
de recursos visuais, como histórias em quadrinhos e ilustrações (LINS, 1977 apud OLIVEIRA
et al., 1984, p.21).
Contudo, com o passar do tempo, a imagem passou a ser valorizada novamente e
seu papel é visto hoje como menos decorativo e mais ilustrativo, no sentido de apoiar e
complementar o conteúdo textual (COUTINHO; FREIRE, 2006). Além da imagem, a relação

60
- Capítulo 3 -

entre imagem e texto, formas, cores, enfim toda comunicação visual do impresso,
necessita ser observada, especialmente em relação à sua capacidade mediadora. A
estrutura de cada página, sua comunicação visual, funciona como um conjunto de signos,
uma ferramenta psicológica que tem a função de mediar a relação do aluno com o
conteúdo, com o objeto livro e auxiliar na aprendizagem. A comunicação visual do livro
didático atua como um sistema de estímulo externo auxiliar, que pode aumentar a eficácia
da atividade do aluno, principalmente em uma faixa etária onde o uso dos signos externos
predomina. Conforme Vygotsky “o estímulo auxiliar é um instrumento psicológico que age
a partir do meio exterior” (2007, p.40).
A comunicação visual do livro didático deve ser vista como um aspecto positivo
pois, de acordo com Lins “aumenta sua quantidade de informação e as possibilidades de
leitura, aumentando o interesse e, conseqüentemente, o consumo de livros de uma
maneira geral” (2004, p.47). Deve-se observar que o aspecto visual é o que mais chama
atenção e causa impacto ao primeiro contato. Para as crianças é extremamente importante
pois, além de auxiliar a tradução e compreensão do conteúdo, convertendo ou ilustrando
visualmente conceitos abstratos, a mediação que provoca é essencial para a experiência
visual e para a memória. A percepção visual também influi no desenvolvimento emocional
da criança e a torna, conforme o significado de suas experiências, mais ativa, independente
ou auto-confiante. É a percepção que tem do objeto, neste caso do livro, que faz com que a
criança apresente reações emocionais, como por exemplo, a vontade de se relacionar com
ele, ou não.
A variação das características físicas do livro didático é limitada em termos de
formato, tipo de papel e aplicação de recursos gráficos, devido a várias questões, inclusive
do custo. Contudo, a comunicação visual deveria apostar na criatividade, mas infelizmente
não é o que se percebe geralmente. Alguns títulos são pouco estimulantes em relação ao
seu aspecto gráfico. Se o visual for comparado com alguns livros de histórias, o livro
didático torna-se desinteressante. Um fato a ressaltar é que, quando pequena, a criança
lida com o livro como se fosse mais um brinquedo. Entretanto, com o passar do tempo, a
criança percebe que o livro vai se modificando no formato, corpo de letra, números de
páginas, quantidade de texto, entre outros. O aspecto lúdico, muitas vezes, vai se
perdendo e, com isso, o prazer da interação criança e objeto, principalmente ao entrar para

61
- Capítulo 3 -

a escola. Ele sai dos horários de lazer e passa a ser visto como uma obrigação, maçante
muitas vezes. O que não necessariamente deveria ser assim.
Em relação à aprendizagem com o livro didático, pode-se pensar sobre o conceito
de zona de desenvolvimento proximal e ampliá-lo, dado que seu foco são as transações
sociais. Zanella (2007) esclarece que Vygotsky não deixou especificado que modos de
auxílio social os professores deveriam oferecer às crianças e que constituiriam ativadores
da zona de desenvolvimento proximal. O autor menciona “colaboração e orientação, bem
como o fornecimento de assistência às crianças via demonstração, questões norteadoras e
introdução dos elementos iniciais de solução da tarefa” (Ibid., p.112). O livro didático como
um todo pode constituir-se em um ativador da zona de desenvolvimento proximal para a
criança, pois termina operando como um espaço mediador, o ‘outro’ que possui mais
conhecimento. Nessa relação que se constitui, entram em jogo questões afetivas, onde a
comunicação visual pode influenciar, e de confiança nas informações contidas no livro. O
aluno, quando usa seu livro didático em grupo, na escola ou sozinho em casa, para
solucionar dúvidas ou compreender um conteúdo, está interagindo, se apropriando e
internalizando significados socialmente produzidos. Deste modo, a zona de
desenvolvimento proximal pode ser caracterizada também pelo “sujeito envolvido em
atividade colaborativa num contexto social específico” (Ibid., p.115).
Aprofundar a questão da mediação que a comunicação visual do livro promove
levanta pontos como a apresentação do conteúdo de forma criativa, organizada e
interessante, o estímulo ao estudo e a compreensão do conteúdo. A criança pode adquirir
assim, de maneira mais satisfatória e principalmente prazerosa, os conhecimentos
escolares, facilitando a construção do conhecimento e ampliando o potencial pedagógico
do livro. Pode-se referir, então, que o livro didático é um mediador pedagógico para a
criança na escola. Na obra de Vygotsky a mediação é um processo que permeia seu aporte
sobre desenvolvimento e aprendizagem. Não se trata de um conceito, mas de um processo
que também possibilita a internalização. Retomando Martins (2005) mediar é também
proporcionar acesso.

62
- Capítulo 3 -

3.2 O livro didático e a cultura visual

Não despreze a qualidade gráfica, pois muitas vezes ele será o único livro que a
criança tem em casa. É bom que seja bonito e agradável. E não tenha receio de
escolher livros (didáticos) de ponta.
Marisa Lajolo38

A cultura, na perspectiva de Vygotsky (2007) e retomada por La Taille (1992, p.80),


não é um sistema estático ao qual o indivíduo se sujeita, mas sim um “palco de
negociações” onde os sujeitos fazem um “constante processo de recriação e
reinterpretação de informações, conceitos e significados”. Deste modo o sujeito se
apropria do conjunto cultural e passa a utilizá-lo como instrumento próprio de
pensamento e ação no mundo. O sujeito tem um papel ativo na cultura, pois ao mesmo
tempo que constitui cultura é por ela constituído.
No entanto, o desenvolvimento cultural humano depende também dos processos
biológicos de crescimento e maturação, formando um processo complexo, em que o
biológico e o cultural constituem-se mutuamente no seu desenvolvimento. A construção
do sujeito se dá dentro da cultura, por meio de experiências singulares em sua relação com
o mundo e com as pessoas. Cada pessoa constitui sua subjetividade a partir de situações
de intersubjetividade, por meio do processo de internalização. A experiência social para
Vygotsky extrapola as interações sociais, isto é, o sujeito se apropria da experiência dos
outros sujeitos não somente em condições de interação imediatas mas, também, por meio
de intersubjetividades anônimas (MOLON, 2000).
Sobre cultura Cohn (2005) fala que esta deve ser entendida como um sistema
simbólico onde as crianças não sabem menos que os adultos, apenas sabem outras coisas.
A criança não é somente produzida pela cultura na qual está inserida, mas também é
produtora de cultura, seja nas brincadeiras, jogos, canções, dentro ou fora da escola.

Elas elaboram sentidos para o mundo e suas experiências compartilhando


plenamente de uma cultura. Esses sentidos têm uma particularidade, e não se
confundem e nem podem ser reduzidos àqueles elaborados pelos adultos; as
crianças têm autonomia cultural em relação ao adulto. [...] elas têm uma relativa
autonomia cultural. Os sentidos que elaboram partem de um sistema simbólico
compartilhado com os adultos. (COHN, 2005, p.35).

38
Fonte: PRADO, Ricardo. Os bons companheiros. Revista Nova Escola, São Paulo, ed. 140, mar. 2001.

63
- Capítulo 3 -

Contudo atualmente percebe-se que a criança acaba consumindo mais cultura do


que produzindo. Um dos aspectos negativos é o de que, em muitos casos, a indústria
cultural direcionada ao público infantil fomenta, principalmente por meio da mídia,
comportamentos consumistas, valoriza a individualidade e a competitividade. Este público
é visto como um lucrativo segmento de mercado, ao qual é oferecido um vasto mercado
de produtos como jogos eletrônicos, roupas, calçados, vídeos, gadgets (dispositivos
eletrônicos portáteis como celulares e tocadores de MP3), livros, serviços, parques
temáticos, rotas de turismo, produtos alimentícios, dentre muitos outros. Nas camadas que
têm acesso a toda esta gama de opções é observada uma certa uniformização de gostos,
estilos de comportamento e de vida. As crianças pertencentes às famílias com menor
poder aquisitivo ficam confinadas em uma condição de exclusão, por terem menor acesso
a esses bens de consumo. As desigualdades entre as crianças se estabelecem pelo maior
ou menor grau de acesso aos bens de consumo e culturais.

[...] a introdução dos jogos vídeos e informáticos alterou parcialmente o tipo de


brinquedos e o uso do espaço-tempo lúdico das crianças, gerou novas linguagens
e desenvolveu apetências de consumo, que não podem deixar de ser
considerados na análise contemporânea das culturas e das relações de pares das
crianças, nomeadamente pelos efeitos no aumento da assimetria do poder de
compra e nas desigualdades sociais, com impactos na composição de uma
“infância global”, consumidora dos mesmos produtos, sobretudo os emanados da
indústria cultural para a infância, mas com profunda heterogeneidade interna.
(SARMENTO, 2005, p.41).

Um dos fatos que mudaram significativamente os modos de interação social, de


produzir cultura e a própria sociedade foi a popularização da Internet na última década,
mais especificamente no Brasil, juntamente com os avanços tecnológicos no campo das
telecomunicações associados à informática. Principalmente crianças e jovens vem
assimilando - com intensidades variando de acordo com o meio em que vivem -
comportamentos, hábitos e expressões que veiculam nestes canais de comunicação. São
atentas a todas as novidades e modismos que pipocam diariamente por meio da mídia. O
entorno visual do cotidiano enriqueceu e/ou poluiu, de forma significativa. Porém diante
da cultura visual somos leitores, seguimos construindo significados, interpretando tudo a
nossa volta, uma vez que a apropriação não é passiva nem dependente, mas interativa e de
acordo com as experiências de cada indivíduo fora do ambiente escolar. Crianças e
adolescentes convivem em seu cotidiano com diversas manifestações da cultura visual e,

64
- Capítulo 3 -

naturalmente, levam estas referências para a escola, pois refletem aspectos dos seus
contextos socioculturais e da época em que vivem.
O próprio livro didático deve ser visto como um artefato da cultura visual. Vale
esclarecer que, para Hernández (2000) fazem parte da cultura visual não apenas os objetos
considerados canônicos, mas sim todos aqueles que

se produzem no presente e aqueles que fazem parte do passado; os que se


vinculam à própria cultura e com as de outros povos [...]; os que estão nos museus
e os que aparecem nos cartazes publicitários e nos anúncios; nos videoclips ou nas
telas da Internet; os realizados pelos docentes e pelos próprios alunos.
(HERNÁNDEZ, 2000, p.50).

Deste modo, o livro didático se insere na cultura visual, tanto pela sua forma física,
sua materialidade, quanto pelo seu conteúdo visual. Bittencourt (1998) assinala um
aspecto interessante sobre os livros didáticos observando que estes foram os principais
divulgadores das artes visuais, dada à constante utilização de obras de arte vinculadas às
disciplinas, principalmente a de História. Assim sendo, as imagens que o livro didático
disponibiliza acabaram se tornando referências para que as crianças construam suas
próprias imagens e significados, já que o contato com objetos de arte não é tão acessível a
todos.
Um dos desafios que os professores têm que enfrentar em sala de aula consiste em
comprometer-se com as imagens e com a tecnologia do mundo contemporâneo
trabalhando-as a partir de uma análise cultural, do juízo moral e da reflexão. Pode-se
utilizar as imagens da cultura visual como uma ligação entre campos de conhecimento,
pois elas permitem conectar e relacionar para compreender e aprender. E esta ligação
entre os vários campos de conhecimento é facilitada no ensino fundamental, pois o
professor pode permitir que as áreas se incorporem umas às outras, fazendo com que seus
alunos criem relações entre as diversas disciplinas. Por meio de estratégias é possível trazer
para dentro da escola o universo visual que está fora da escola, para decodificá-lo,
reinterpretá-lo e transformá-lo. Ou mesmo explorar o que já se encontra na escola: muitos
livros didáticos trazem em seus conteúdos itens que fazem parte do repertório cultural
infantil, tais como contos, lendas, fábulas, crônicas, poemas, verbetes de enciclopédia,
textos de divulgação científica, notícias, reportagens, anedotas, reproduções de pinturas,
fotografias, cartuns, charges e histórias em quadrinhos, além de materiais gráficos do

65
- Capítulo 3 -

cotidiano, como capas de CD, de filmes, cartazes, folhetos, gráficos, tabelas, calendário,
ingressos, cardápios, cheques, notas fiscais, anúncios, sumários de revista, entre outros.
Esta variedade que o livro didático oferece é particularmente útil uma vez que, na
realidade brasileira vem-se constatando que, tanto professores quanto alunos, os tem
como principal fonte de informação impressa, estando este fato ligado às populações
onde o acesso a bens culturais e econômicos é menor. Apesar dos avanços tecnológicos,
tais como o acesso à Internet, dentre outros, a formação e a construção do conhecimento,
com base em diferentes aprendizagens, particularmente a aprendizagem escolar, ainda
acontece em torno do livro didático. O próprio Guia do Livro Didático (2007, p.25) diz que
“o livro didático, em qualquer disciplina, é um instrumento fundamental (às vezes
praticamente único) do acesso da criança popular à leitura e à cultura letrada.”

O livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez
mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão
sedutor quanto as publicações destinadas à infância (livros e histórias em
quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as
etapas de escolarização de um indivíduo [...]. (LAJOLO; ZILBERMAN, 2003, p. 121).

3.3 A comunicação visual do livro didático: entre palavras & imagens

Somente porque alguma coisa é legível, não significa que esteja comunicando;
[...] Alguns títulos tradicionais de livros, enciclopédias, ou muitos livros que os
jovens jamais apanhariam numa prateleira, poderiam ser tornados mais atraentes.
[...] Você pode ser legível, mas que emoção está contida na mensagem?
David Carson39

A imagem e a escrita, desde os tempos mais antigos, sempre tiveram uma estreita
ligação, uma vez que as primeiras formas de escrita eram baseadas em pictogramas e
desenhos, como observa Gombrich “[...] imagens e letras são na verdade parentes
consangüíneos” (1999, p.53). A linguagem escrita é, portanto, também uma linguagem
gráfica, onde pode-se escrever com variados tipos de letras, com diferentes formas,
tamanhos, cores, pesos e contrastes.

O traço, vestígio do corpo, do gesto, seria o elemento comum entre o desenho e a


palavra. A letra, na palavra, perde sua opacidade de traço porque se faz
transparente, portadora de um significado; o que caracteriza a legibilidade. Ao ler,

39
CARSON; BLACKWELL, 1995, n.p. tradução livre da autora.

66
- Capítulo 3 -

não se presta atenção à letra em si, porque nela o traço perde a visibilidade que
tem no desenho. (WALTY et al., 2001, p.15-16).

Há também a possibilidade de se fazer justamente o contrário e explorar o


potencial da palavra como imagem: como fizeram os poetas futuristas e dadaístas ao
romper com a simetria da página impressa e ao usar a tipografia para criar textos cujo
conteúdo era inseparável do leiaute; como fazem os publicitários hoje; ou como
experimentam os autores de poesia concreta, que procuram integrar a visualidade e o
sentido das palavras. Para Lupton (2006, p.74) a integração física entre forma e conteúdo
“talvez tenha sido o impulso mais persistente da arte e do design do século XX”.

Fig. 12 - Capa do livro Zang Tumb Tumb Fig. 13 - Poema Desabar


Obra dos autores Futuristas Poesia concreta de autoria de
Filippo T. Marinetti e Cesare Cavanna40, 1914 Carlos Drummond de Andrade41

Em qualquer livro, a função da comunicação visual é a de chamar a atenção,


provocar a interação e promover a leitura. O meio impresso, diferente do que acontece
com outras mídias, como a televisão e o rádio, que não necessariamente obrigam o sujeito
a parar, exige atenção, intenção, pausa e concentração para refletir e compreender a
mensagem. Para auxiliar a atingir estes objetivos, atualmente pode-se utilizar inúmeros
recursos fotográficos e de ilustração, como as feitas com massa de modelar e depois
fotografadas, esculturas em papel, digitalizações de imagens de vídeo, recortes, e
inúmeros outros que, junto com uma diagramação criativa e bem planejada, podem

40
In: HOLLIS, 2000, p. 36.
41
In: WALTY et al., 2001, p. 56.

67
- Capítulo 3 -

facilitar a compreensão do conteúdo e incentivar o relacionamento com o objeto livro. Um


olhar, que nem sempre está atento, pode ser atraído por alguma cor, imagem ou forma
interessante, despertando a curiosidade. Freire (1996, p.98) diz que “o exercício da
curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de
comparar [...]”. Neste sentido, Vygotsky (2003) fala da vinculação recíproca existente entre
imaginação e emoção: que os sentimentos influenciam a imaginação e a imaginação
influencia os sentimentos. Desta última, cita como exemplo as páginas de um livro, e como
palavras e imagens podem mexer com nossa imaginação e provocar nossos sentimentos e
emoções.
Em relação à materialidade do livro, convencionou-se chamar de “arte do livro” o
conjunto de atividades que abrangem sua produção, seja industrial ou artesanal,
excetuando-se a parte da criação literária.

Do projeto gráfico à impressão final, podem ser arroladas muitas faturas –


intelectuais, manuais ou industriais – com a participação da arte pura ou aplicada,
do artesanato e da tecnologia: projeto gráfico ou programação visual,
composição, paginação, ilustração, fotografia, impressão do miolo, impressão de
anexos ou encartes, impressão de capa e sobrecapa, encadernação e outras
atividades subalternas ou não às citadas. (SILVEIRA, 2001, p.124).

Basicamente, a estrutura de um livro é composta por três elementos principais:


tipografia, diagrama (grade esquemática ou grid) e imagens. Claro que nem todo livro
precisa apresentar estes três elementos. Um livro pode se utilizar apenas da tipografia e
trabalhar com o espaço, o alinhamento e o contraste para criar uma mancha gráfica
atraente. E as imagens podem ser usadas sem qualquer texto, com o intuito de se levar a
uma narrativa a partir da imaginação do leitor, como no caso dos assim chamados “livros
de imagens”.

A força da palavra em seu poder de criar imagens, apenas na mente do leitor ou


transformadas em traço gráfico pelo ilustrador; a associação explícita entre o traço
e a letra, evidenciada no jogo literatura/artes plásticas; ou ainda a imagem a
suscitar textos verbais, são diferentes facetas de um mesmo processo: a leitura
“em rede” de produção e recepção. (WALTY et al., 2001, p. 69).

É interessante observar que em muitos livros teóricos coloca-se a questão de que o


livro feito para crianças deve levar em conta vários aspectos de sua produção: ilustrações
de qualidade, uso de cores, capa atrativa, tamanho do livro e das letras a fim de facilitar a

68
- Capítulo 3 -

leitura, entre outras coisas. Porém estas preocupações não devem ser exclusivas deste tipo
de livro. Os livros destinados ao público adolescente e adulto, bem como os didáticos,
também precisam deste cuidado, pois o aspecto visual sempre será decisivo para a
comercialização e aceitação, independente da faixa etária.
No caso de projeto de livros, a atividade ainda é povoada de formalidades e
tradições. Especificamente, no mercado de livros didáticos as páginas tem uma
comunicação visual quase que padrão e algumas capas tem imagens questionáveis em
relação ao conteúdo. Entre os livros didáticos da 4ª. série, abordados nesta pesquisa, há
casos em que as imagens, a diagramação, a escolha dos tipos ou do número de páginas é
feita em função do livro pertencer a alguma coleção e não em função da necessidade de
expressão de cada livro em particular (Fig. 9). Porém existem inúmeras técnicas utilizadas
na direção de arte que permitem unificar visualmente uma coleção e mesmo assim
expressar a particularidade de cada livro, cada disciplina.

Fig. 14 - Capas dos livros didáticos do Projeto Pitanguá da Editora Moderna

Em relação à comunicação visual dos livros didáticos o que se observa é uma


mescla de princípios já aceitos com algumas novas soluções que entram na moda. Pode
ser percebida pouca ousadia neste tipo de trabalho, uma vez que há uma grande equipe
envolvida em sua produção, onde é necessária a aprovação de todos. Deste modo há uma
tendência a repetir velhas fórmulas, facilmente aceitas e compreendidas, fazendo com que
a expressão visual acabe ficando presa a velhos preceitos. Talvez não haja uma disposição,
por parte dos editores, em apostar em um projeto mais inovador, já que na arte do livro
persistem alguns princípios consagrados.

69
- Capítulo 3 -

O design de livros tem sido dominado pelo aspecto clássico das páginas em
equilíbrio absoluto [...]. Porém, por maior que seja a segurança e a confiabilidade
que a técnica harmoniosa do design nivelado pode oferecer, propiciando, como
no caso dos livros, uma configuração de composição visual que não interfere com
a mensagem, a mente e o olho exigem um estímulo. A monotonia representa
para o design visual uma ameaça tão grande quanto em qualquer outra esfera da
arte e da comunicação. A mente e o olho exigem estímulos e surpresas, e um
design que resulte em êxito e audácia sugere a necessidade de aguçamento da
estrutura e da mensagem (DONDIS, 2007, p.118).

Alguns questionamentos podem ser levantados: qual o comprometimento dos


programadores visuais em relação ao conhecimento do universo infantil, de sua cultura, da
escola? Estarão as editoras e os programadores visuais brasileiros interessados ou inseridos
em questões de arte? Na opinião de Barbosa (2003, p.21):

Não posso conceber um bom designer gráfico que não possua algumas
informações de História da Arte. Não só designers gráficos, mas muitos outros
profissionais de áreas similares poderiam ser mais eficientes se conhecessem,
fizessem Arte e tivessem desenvolvido sua capacidade analítica por intermédio da
interpretação dos trabalhos artísticos em seu contexto histórico.

Outra questão é a quantidade de profisionais envolvidos no processo de produção


de um livro didático. Há editores, autores, ilustradores, designers gráficos, entre dezenas de
outros para a confecção de uma única obra, que muitas vezes leva mais de um ano até ficar
pronta. Se não houver uma sintonia e comprometimento entre os responsáveis, o
resultado provavelmente será um livro que refletirá esta falta de unidade, tanto de
conteúdo, como visual. Como relata Munakata (1997) já houve uma época em que a
editoria de texto trabalhava separadamente da de arte, não havia integração. A
profissionalização do ramo trouxe esta integração e a tendência de ver o livro como uma
unidade entre forma e conteúdo. A edição de arte nos livros didáticos deixou de ser
“enfeite” e passou a ser encarada mais seriamente por muitos profissionais da área. Hoje é
necessário ter vários tipos de conhecimentos, desde técnicos - como padrões de
legibilidade, tipografia - até pedagógicos – como o nível de compreensão conforme as
faixas etárias.
Em relação à forma física, à materialidade dos livros didáticos, em geral são
uniformes e pouco estimulantes, até mesmo devido a obrigatoriedade de padronização
exigida pelo governo federal. Contrastam com outros tipos de obras que, graças aos
recursos técnicos da indústria gráfica e aos recursos financeiros da indústria do livro,

70
- Capítulo 3 -

apresentam uma diversidade de formas, de recortes, de aplicações na capa, dobraduras,


colagens, cores especiais entre outros. Nos livros didáticos das séries iniciais do ensino
fundamental das escolas públicas o que se observa é uma padronização (do formato, do
tipo, da gramatura do papel e do acabamento) exigida em edital do PNLD. As editoras
precisam atender às especificações técnicas mínimas para produção dos livros. O formato
exigido é 205mm x 275mm, com capa em cartão branco de 250 g/m2 a 300 g/m2, revestido
na frente, plastificado ou envernizado com verniz UV42 e miolo do livro em papel offset
branco, com gramatura de 75 g/m2. O acabamento pode variar entre o tipo de lombada
canoa43, com grampo, para livros com até 96 páginas ou o tipo de lombada quadrada44,
para livros com mais de 96 páginas, com miolo costurado com linha, com cola, ou
grampeado com dois grampos internos e colado à capa em toda a extensão da lombada,
entre outras especificações (FNDE, 2008).
Quanto à avaliação dos livros didáticos, as equipes de avaliação de cada área
trabalham a partir de critérios eliminatórios e critérios de qualificação. O edital do PNLD de
2007, que diz respeito às séries iniciais do ensino fundamental, faz referência à “estrutura
editorial e os aspectos gráficos editoriais” nos critérios de qualificação. Este item não é
encarado como exigência, como um critério eliminatório, mas sim apenas “espera-se” que
ele apresente determinadas características:

1. o texto principal esteja impresso em preto e que títulos e subtítulos


apresentem-se numa estrutura hierarquizada, evidenciada por recursos gráficos;
2. o desenho e tamanho da letra, bem como o espaço entre letras, palavras e
linhas, atendam a critérios de legibilidade e também ao nível de escolaridade a
que o livro se destina;
3. a impressão não prejudique a legibilidade no verso da página. É desejável que
textos mais longos sejam apresentados de forma a não desencorajar a leitura,
lançando-se mão de recursos de descanso visual;
4. o texto e as ilustrações estejam dispostos de forma organizada, dentro de uma
unidade visual; que o projeto gráfico esteja integrado ao conteúdo e não
meramente ilustrativo;
5. as ilustrações auxiliem na compreensão e enriqueçam a leitura do texto,
devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira,
não expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas
ilustrações devem ser adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e,
dependendo do objetivo, devem ser claras, precisas, de fácil compreensão,
podendo, no entanto, também intrigar, problematizar, convidar a pensar,
despertar a curiosidade;

42
Camada protetora que, aplicada às páginas, resulta em um acabamento parecido com a plastificação.
43
Quando o miolo do impresso é grampeado com dois grampos. Ex.: revista Veja.
44
Quando o miolo do impresso é colado à capa, em toda extensão da lombada Ex.: revista Info-Exame.

71
- Capítulo 3 -

Neste ponto pode-se perceber o paradoxo exposto pelo edital: que as ilustrações
devem ser “claras, precisas, de fácil compreensão” e também “intrigar, problematizar,
convidar a pensar, despertar a curiosidade”. Poderia uma imagem ser ambas as coisas?

6. o livro recorra a diferentes linguagens visuais; que as ilustrações de caráter


científico indiquem a proporção dos objetos ou seres representados; que os
mapas tragam legenda dentro das convenções cartográficas, indiquem
orientação e escala e apresentem limites definidos;
7. todas as ilustrações estejam acompanhadas dos respectivos créditos, assim
como os gráficos e tabelas tragam os títulos, fonte e data;
8. a parte pós-textual contenha referências bibliográficas, indicação de leituras
complementares e glossário. É fundamental que esse glossário não contenha
erros conceituais ou contradições com a parte textual e
9. o sumário reflita a organização interna da obra e permita a rápida localização
das informações. (PNLD 2007, anexo IX, p. 36).

Embora a comunicação visual possa tanto favorecer quanto desfavorecer o


interesse pela leitura e, consequentemente, a aprendizagem, o PNLD não considera a
qualidade visual como um item importante para estar entre os critérios eliminatórios, uma
vez que aparece no campo dos critérios de qualificação. Contudo pode-se encontrar no
mesmo edital uma preocupação em relação ao aspecto visual em expressões como
“diagramação que encoraje a leitura”. Outro ponto a ressaltar é que as características do
projeto gráfico não são tratadas com expressões técnicas da área.
Em poucas palavras: em relação à materialidade do livro didático o edital do PNLD
faz inúmeras exigências quanto ao formato, tipo de papel, e outras questões técnicas; já
em relação ao seu aspecto visual, a diagramação interna, há apenas orientações e
nenhuma exigência até o momento.
Considerando as contribuições dos autores, citados no capítulo, que ressaltam a
integração entre imagem e palavra, observa-se que ambos devem receber atenção por
parte dos técnicos e profissionais envolvidos com a produção e editoração do livro
didático. Seu papel na construção de conhecimentos reveste-se de importância, bem
como o caráter de mediação que se estabelece no contato da criança com o livro didático,
o que justifica a necessidade de atualização contínua e de busca de aprimoramento no
processo de produção.

72
- Capítulo 4 -

Capítulo 4 - METODOLOGIA

4.1 Percurso metodológico

Na pesquisa que fundamenta esta dissertação de mestrado utilizou-se a abordagem


qualitativa, pois de acordo com Minayo (1994), ela serve ao propósito de responder
questões muito particulares, onde se trabalha com um nível de realidade que não pode ser
quantificado, com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes. Pode-se dizer que fazem emergir, de modo espontâneo, aspectos subjetivos e
motivações não explícitas, ou mesmo conscientes. A pesquisa qualitativa “é orientada para
a análise de casos concretos em sua particularidade temporal e local, partindo das
expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais” (FLICK, 2004, p.28). Para
aplicar o método qualitativo é preciso aprender a observar, registrar e analisar interações
reais entre pessoas, e entre pessoas e sistemas.
Levou-se em conta também os pressupostos para estudos exploratórios,
considerando que proporcionam uma maior familiaridade com o problema a ser
investigado, a fim de torná-lo mais explícito, visando o aprimoramento de idéias ou a
descoberta de intuições. A pesquisa exploratória leva o pesquisador, com freqüência, a
descobrir enfoques e percepções, que contribuirão para modificar seus próprios conceitos
e idéias. Tem por objetivo conhecer a variável de estudo tal como se apresenta, seu
significado e o contexto onde ela se insere; seu planejamento é flexível, a fim de
possibilitar a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Este tipo
de estudo permite usar uma variedade de técnicas não quantitativas, com amostras
reduzidas, uma vez que a pesquisa qualitativa não pretende generalizar as suas
informações, não havendo, portanto, preocupação em projetar os seus resultados para
outras populações. É preferível obter poucas fontes, mas de qualidade, que possam
realmente contribuir para responder às questões de pesquisa.
Levando em consideração a proposta desse estudo foi realizada uma pesquisa
bibliográfica com o intuito de fazer uma revisão teórica do tema, definir termos e conhecer
a história do assunto abordado. Além disso, foi utilizada a coleta de dados,
instrumentalizada através de entrevistas45 com duas professoras da 4º. série (5º. ano) do

45
O roteiro das entrevistas encontra-se no Apêndice A.

73
- Capítulo 4 -

ensino fundamental (sendo uma a professora da classe e a outra de artes) e um grupo


focal46 com oito alunos desta mesma classe de uma Escola Pública Estadual do município
de Brusque, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

Tabela 1 - Caracterização dos participantes das entrevistas


Tempo de
Tempo de
Entrevista 1 Nome47 Idade atuação nesta Escolaridade
Magistério
escola
Graduação em Pedagogia
Professora
Irene 43 anos 24 anos 2 anos Especialização em Práticas de
da classe
Interdisciplinaridade

Tempo de
Tempo de
Entrevista 2 Nome48 Idade atuação nesta Escolaridade
Magistério
escola
Licenciatura em Artes Plásticas
Professora Especialização em Fundamentos
Ingrid 55 anos 10 anos 3 anos
de artes Estéticos e Metodológicos do
Ensino de Arte

Tabela 2 - Caracterização dos participantes do grupo focal


Tempo que estuda Troca de
Grupo Focal49 Sexo Idade Reprovação Origem
nesta escola escola
Joana F 10 anos 1 ano Sim, 4 vezes Não PR

Raquel F 10 anos 2 anos Sim, 3 vezes Não SC

Natalie F 10 anos 3 anos Sim, 2 vezes Não RS

Joaquim M 10 anos 5 anos Sim, 1 vez Não BA

Luigi M 10 anos 4 anos Sim, 1 vez Não SC

Edgar M 10 anos 5 anos Não Não SC

Natanael M 10 anos 3 anos Sim, 2 vezes Não SC

Juliano M 10 anos 4 anos Não Não SC

A entrevista individual em profundidade foi escolhida como técnica qualitativa para


explorar o assunto em busca de informações, percepções e experiências dos informantes
para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada (DUARTE; BARROS, 2005). Uma das

46
O roteiro do grupo focal encontra-se no Apêndice B.
47
Nome fictício.
48
Nome fictício.

74
- Capítulo 4 -

qualidades dessa abordagem é a de permitir ao entrevistado falar com suas palavras e ao


entrevistador ajustar as perguntas de acordo com seu andamento. Tem como objetivo
recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, visando intensidade nas
respostas e não uma representação estatística. É uma técnica dinâmica e flexível, útil para
apreensão de uma realidade, tanto para tratar de questões relacionadas com a
subjetividade do entrevistado, como para descrição de processos complexos nos quais
está ou esteve envolvido (Ibid.,p.64). As entrevistas em profundidade foram do tipo semi-
estruturadas, pré-agendadas com as professoras e a sua aplicação foi individual, em local
reservado, para assegurar a concentração do respondente.
Também foi realizado um grupo focal com os estudantes a fim de obter respostas
para questões mais amplas, onde “a maior busca é a de compreender e não inferir nem
generalizar” (DUARTE; BARROS, 2005, p. 181). A prática do grupo focal é recomendada
quando o objetivo é ouvir as pessoas e se deseja aprofundar o conhecimento sobre um
tema. O grupo focal teve duração de aproximadamente 50 minutos e foi conduzido por
um moderador que seguiu um roteiro pré-estabelecido. Foram discutidos todos os itens
do roteiro, preparado a partir dos objetivos do estudo, a fim de se obter percepções dos
alunos sobre os livros didáticos. Com a permissão dos responsáveis pelos participantes50, a
conversa foi gravada e, posteriormente, transcrita, o que permitiu a avaliação qualitativa
dos dados obtidos no processo.
No percurso da pesquisa os livros didáticos foram objeto de estudo e também
serviram de base, pois estiveram presentes tanto nas entrevistas quanto no grupo focal.
Por esta razão foi realizada uma análise particular de seu aspecto visual (levando em conta
algumas orientações de avaliação do edital do PNLD), permeada pela fala das entrevistas e
do grupo focal, permitindo integrar as idéias de professores e alunos a respeito do livro
didático.

49
Nomes fictícios.
50
O modelo do Termo de Consentimento está presente no Apêndice C.

75
- Capítulo 4 -

Tabela 3 - Livros didáticos utilizados na pesquisa


Título Editora Autores
Obra coletiva concebida, desenvolvida
Projeto Pitanguá: Português Editora Moderna
e produzida pela Editora Moderna
Obra coletiva concebida, desenvolvida
Projeto Pitanguá: História Editora Moderna
e produzida pela Editora Moderna
Obra coletiva concebida, desenvolvida
Projeto Pitanguá: Geografia Editora Moderna
e produzida pela Editora Moderna
Matemática do cotidiano e suas Antonio José Lopes Bigode
Editora FTD
conexões Joaquim Gimenez
Janeth Wolff
Redescobrir Ciências Editora FTD
Eduardo Martins

4.2 Procedimentos de coleta dos dados

Inicialmente foi feita uma visita à escola para obter a permissão necessária para a
efetuação da pesquisa. Optou-se por uma escola pública pelo fato de fazer parte do PNLD
e, desta forma, receber os livros didáticos do governo federal.
A Escola Estadual Pe. Lux tem matriculados, no ano letivo de 2009, 641 alunos
distribuídos em 25 turmas entre o ensino fundamental e o médio. Localiza-se no bairro de
Azambuja, bairro turístico e próximo ao centro, de classe média, no município de Brusque,
Santa Catarina. A escola atende crianças e adolescentes também de bairros vizinhos e é
comum terem alunos vindos de escolas de outras cidades.
Optou-se por focar a pesquisa de campo em uma turma da 4ª. série (5º. ano) do
ensino fundamental basicamente por dois motivos. O primeiro foi o fato de este ser o
último ano em que há apenas uma professora para todas as disciplinas - o que facilitaria a
entrevista, já que a educadora teria a possibilidade de tecer comentários e comparações a
respeito de todos os livros utilizados pela classe. O segundo motivo foi a faixa etária das
crianças, mais adequada a este tipo de pesquisa, pela maior facilidade em expressar idéias.
Outra preocupação foi realizar a pesquisa de campo no final do ano letivo de 2008,
quando as crianças já teriam tido bastante contato com os livros didáticos.
As entrevistas foram realizadas separadamente, primeiro com a professora de artes
e no dia seguinte com a professora da classe51, conforme disponibilidade de ambas, em
sala reservada, na própria escola. Durante as entrevistas foram feitas perguntas pertinentes
à escolha dos livros didáticos, seu uso no cotidiano e seus aspectos visuais (os livros

51
As entrevistas foram realizadas nos dias 28 e 29 de outubro de 2008 e tiveram a duração de 45 minutos.

76
- Capítulo 4 -

estavam presentes para que as professoras pudessem tecer comentários). As entrevistas


foram gravadas, transcritas e posteriormente lidas para a análise dos dados.
A seguir, partiu-se então, para a realização do grupo focal52 com as oito crianças.
Para tanto foi previamente enviado um Termo de Consentimento aos pais, para explicar os
objetivos do estudo, e todos os procedimentos que seriam empregados, a fim de
autorizarem a participação dos alunos na pesquisa. O grupo focal foi realizado em uma sala
reservada e teve como objetivo obter maiores informações sobre o uso e as impressões
que os estudantes têm do aspecto visual dos livros didáticos (que estavam presentes para
serem manuseados durante a conversa), bem como da percepção dos participantes sobre
seu papel e sua importância na escola. Os comentários do grupo focal também foram
gravados e transcritos para a análise dos dados.

4.3 Procedimentos de análise dos dados

Os dados obtidos na pesquisa de campo, que inclui a entrevista com a professora53


e o grupo focal com os alunos, foram analisados de acordo com o método de Análise de
Conteúdo, seguindo-se os pressupostos de Bardin (2004). A análise de conteúdo pode ser
entendida como

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens. (Ibid., 2004, p. 37).

No caso desta pesquisa foi utilizado um sistema de categorização definido a priori,


ou seja, o material coletado durante a pesquisa de campo foi dividido em categorias
previamente estipuladas. A análise dos dados foi realizada observando três itens: o
professor, o aluno e o livro didático.
As categorias, e suas respectivas subcategorias, definidas para o estudo dos dados
adquiridos durante a entrevista com a professora da classe foram:

52
O grupo focal foi realizado no dia 6 de novembro de 2008 e teve duração aproximada de 50 minutos.
53
A entrevista realizada com a professora de artes não foi analisada, uma vez que não utiliza o livro didático
no ensino de artes nesta escola.

77
- Capítulo 4 -

1. A escolha dos livros didáticos


1.1.1. Como ocorreu a escolha
1.1.2. Aspectos que contam no momento da escolha
1.1.3. O peso do aspecto visual do livro didático no momento da escolha

2. O uso dos livros didáticos


2.1.1. Como usa os livros didáticos
2.1.2. Qual a importância e o papel dos livros didáticos no cotidiano
2.1.3. As crianças e a leitura

3. O aspecto visual dos livros didáticos


3.1.1. O aspecto visual e a compreensão do conteúdo pelos estudantes
3.1.2. O livro didático mais interessante no aspecto visual
3.1.3. O interesse dos alunos pelos livros didáticos

Para a análise do grupo focal com os alunos foram propostas as seguintes


categorias:

1. O uso do livro didático


1.1.1. Como usam os livros didáticos
1.1.2. A importância dos livros didáticos para estudar
1.1.3. A relação com a leitura e os livros

2. O aspecto visual dos livros didáticos


2.1.1. Percepções sobre o aspecto visual dos livros didáticos
2.1.2. Palavras vistas
2.1.3. Imagens lidas
2.1.4. O livro didático preferido

Em relação aos livros didáticos foi feita uma análise particular da comunicação
visual e gráfica, chamada pelo edital do PNLD de “aspectos gráfico-editoriais”. Com base
nos dados surgidos do grupo focal determinou-se a amostra de livros didáticos,

78
- Capítulo 4 -

independentemente da área do conhecimento, que foram escolhidos para serem


analisados: o preferido (Matemática do cotidiano & suas conexões) e o rejeitado (Projeto
Pitanguá: Português) entre os alunos. A análise dos dois livros da amostra, adotados pela
Escola Estadual Pe. Lux para o ano letivo de 2008, focaliza a primeira unidade de cada um,
uma vez que a diagramação se repete ao longo das unidades.
A análise levou em conta os aspectos gráfico-editoriais, conforme explicitados no
Anexo IX do edital do PNLD de 200754, que trata dos princípios e critérios para a avaliação
de livros didáticos de 1ª a 4ª série. A fim de verificar se estas orientações são seguidas pelas
editoras optou-se por quatro delas para a realização da análise. Estas quatro orientações
escolhidas abrangem os aspectos tratados neste trabalho, palavras e imagens, bem como
sua unidade - o projeto gráfico. Foram tomadas como base as seguintes orientações55:

1. o texto principal deve estar impresso em preto e títulos e subtítulos devem


apresentar-se numa estrutura hierarquizada, evidenciada por recursos gráficos;

2. a impressão não deve prejudicar a legibilidade no verso da página. É desejável que


textos mais longos sejam apresentados de forma a não desencorajar a leitura,
lançando-se mão de recursos de descanso visual;

3. o texto e as ilustrações devem estar dispostos de forma organizada, dentro de uma


unidade visual; o projeto gráfico deve estar integrado ao conteúdo e não
meramente ilustrativo;

4. as ilustrações devem auxiliar na compreensão e enriquecer a leitura do texto,


devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira,
não expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas
ilustrações devem ser adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e,
dependendo do objetivo, devem ser claras, precisas, de fácil compreensão,
podendo, no entanto, também intrigar, problematizar, convidar a pensar, despertar
a curiosidade.

Para fundamentar esta análise particularmente nos itens projeto gráfico, imagens e
tipografia recorremos às contribuições de White (2006) sobre tipos, imagens e projeto

54
Edital disponível em <ftp://ftp.fnde.gov.br/web/editais_licitacoes/edital_pnld_2007.pdf>.

79
- Capítulo 4 -

gráfico, Lupton (2006) sobre letra, texto e diagrama e Williams (2005) sobre tipografia e
planejamento visual. Todos fazem considerações pessoais em suas obras, baseados em
suas experiências profissionais, uma vez que não há uma ciência rigorosa, conforme
aponta Munakata (1999), e há discordâncias entre autores da área sobre certos aspectos
técnicos, como o uso, ou não, de tipos sem serifa56 para obras destinadas às crianças.

55
Foram realizadas adaptações ao texto original do edital.
56
Serifas são pequenos traços localizados nas extremidades das hastes das letras. Existem famílias
tipográficas com (ex: Times New Roman) e sem serifas (ex: Arial).

80
- Capítulo 5 -

Capítulo 5 - ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Neste capítulo são analisadas a entrevista realizada com a professora da classe e o


grupo focal com os alunos, bem como os livros didáticos Projeto Pitanguá: Português e
Matemática do cotidiano & suas conexões. Em uma segunda etapa são realizadas as
interpretações dos dados em conjunto, buscando-se estabelecer relações entre eles e os
conteúdos teóricos revisados anteriormente.

5.1 Análise dos dados coletados

 Entrevista com a professora da classe

Categoria 1 - A escolha dos livros didáticos


Irene, a professora da classe da 4ª. série, começou falando que já participou de um
processo de escolha de livros didáticos, mas não na escola atual, a Escola Estadual Pe. Lux.
Ali ela trabalha há apenas dois anos e, quando chegou, o processo de escolha dos livros já
estava concluído. Os livros utilizados no ano letivo de 2008 começaram a ser usados em
2007 e serão usados até 2009, totalizando três anos. A professora contou que, na metade
do ano de 2009, haverá novamente a escolha dos livros didáticos.
Em relação aos aspectos que contam no momento da escolha, Irene enfatizou que
o conteúdo é o mais importante. Comentou também que, a cada ano está vindo uma
maior variedade de livros didáticos para o professor escolher, mas eles se orientam pelo
guia enviado pelo MEC, onde os livros vêm separados e recebem estrelas. Um aspecto que
fez questão de ressaltar é que às vezes vêm livros bem pobres em conteúdo na hora da
escolha. Eu até considero alguns muito bons, mas tem alguns bem fracos de conteúdo.
Quando perguntada se o aspecto visual tem algum peso no momento da escolha, a
professora responde que geralmente é mais o conteúdo da leitura e da escrita, tomando
como base a série que estou trabalhando agora, que é a 4ª. série. Continuou comentando que
talvez na 1ª. ou 2ª. série os professores prestem mais atenção à questão das imagens, mas
ressaltou que o que interessa na 4ª. série é a abrangência do conteúdo. Relatou que, a cada
ano tem melhorado a qualidade geral e o aspecto visual dos livros didáticos, que estão
vindo mais coloridos e com ilustrações bem vivas.

81
- Capítulo 5 -

Categoria 2 - O uso dos livros didáticos


Sobre o uso dos livros didáticos, Irene falou que todo dia trabalham com eles, mas
em disciplinas diferentes, e que todo dia a gente usa o livro didático para a leitura. Eu uso
bastante para a leitura porque tem textos muito bons. Salientou que usa também para
interpretação de texto e atividades. São trabalhadas geralmente duas disciplinas por dia ou
até três, quando não há aula de Artes ou Educação Física. Os alunos lidam com o livro
didático todo dia, porém dificilmente o levam para casa. Segundo ela os motivos são
vários: o peso dos livros, o fato de alguns estragarem mais facilmente, a quantidade
insuficiente de livros para duas turmas (matutino e vespertino). A professora explicou que
os alunos, às vezes, levam para fazer uma leitura ou atividade, porém ela não gosta que
levem o livro para fazer os deveres em casa. Contou que geralmente é cansativo e os deveres
são um problema na escola. Revelou que no conselho de classe houve um consenso na
questão de que o dever de casa deve ser uma coisa mais light porque tem aqueles que fazem,
mas é uma minoria, que faz bem feitinho. Tem muitos que fazem por fazer, deixam a desejar.
Se você quer uma coisa bem feita outro dia tem que retornar para arrumar, fazer de novo...
Desabafou que é mais a escola que tem que dar conta, ajuda em casa é pouca. Ela prefere
trabalhar com o livro mais em sala de aula, onde pode orientar e ajudar: quando eu
trabalho o livro em sala é mais cansativo, eles já estão cansados e o livro exige mais
concentração. Irene enfatizou que não trabalha somente com o livro didático, que busca
outras fontes também. Complementou dizendo tem muitos que criticam o uso do livro, mas
de uns anos para cá vemos como melhoraram... e temos livros muito bons, na minha opinião.
Sempre é uma coisa a mais, algo para somar.
Em relação à importância dos livros didáticos no cotidiano Irene falou que para o
professor facilita bastante o uso do livro e para o aluno também, pois ele tem que desenvolver o
hábito da leitura, tem que conviver com os livros. Explicou que os alunos gostam quando ela
escreve a matéria, lêem e fazem atividade no quadro, pois recebem mais pronto e no livro
eles tem que ler mais, tem que se concentrar mais, exige mais atenção. A professora continuou
dizendo que o livro didático é melhor até para manter o hábito da leitura, pois assim as
crianças tem que manusear mais os livros, tem que procurar. Com o início da utilização da
sala de informática, a noção que os alunos tinham é que ganhariam tudo pronto. O fato é
que, quando foram pesquisar, sentiram na pele que tem que ler, senão não acha nada.
Comentou que uma outra professora que ajuda na sala de informática colocou para os

82
- Capítulo 5 -

alunos que, lá no livro didático, na sala, é mais fácil do que pesquisar na internet. Irene
adverte os alunos que às vezes o conteúdo lá no livro está bem mais resumido do que na
internet. No livro o assunto está resumido e no computador tem que procurar em vários
lugares. Segundo a professora, o livro didático favorece a compreensão dos conteúdos,
ajuda os alunos a entender melhor o assunto, completa e complementa, tem um papel de
intermediar a aprendizagem dos conteúdos.
Sobre a relação entre as crianças e a leitura, a professora revelou que poucos tem o
hábito de ler, e que isso afeta na hora de interpretar um texto, quando há muita
dificuldade e é necessário a ajuda dela. Ela disse que os alunos acham que ler é um sacrifício
e a maior dificuldade é a leitura. Frisou que a leitura exige concentração e que isto é difícil
para as crianças hoje, pois eles querem ganhar tudo pronto, não querem mais pensar. Irene
explica para eles que o texto muitas vezes precisa ser lido e relido, uma vez que nem
sempre se entende de primeira. A professora faz leituras coletivas em voz alta e percebe
que eles se distraem facilmente, principalmente quando já passou a vez de ler do aluno e
ele acha que não precisa mais acompanhar. Comentou que essa falta de atenção e o pouco
interesse pela leitura é um problema bem sério desta geração, e que antigamente era
diferente, pois o acesso aos livros era difícil. Neste ponto lembrou de sua infância, de sua
vida escolar no primário, em uma cidade muito pequena do interior, quando sua
professora, a única que possuía livros, passava todo o conteúdo no quadro porque não
havia livro de nenhum tipo para os alunos. A rotina consistia em copiar o texto do quadro
para o caderno, para então ler e estudar. Irene revelou que naquela época a gente rendia
bem mais do que nossos alunos hoje em sala de aula, onde cada um tem o seu livro. Relembra
a ocasião em que sua professora levou um livro de literatura para a sala e foi uma festa e a
cada dia havia um sorteio para saber quem levaria o livro para casa. Apontou a diferença
para os dias atuais onde há muitas opções de divertimento ao alcance das crianças como a
televisão, o computador, aparelhos de som que eles falam um monte de nomes, mas eu não
sei nada daquilo...

Categoria 3 - O aspecto visual dos livros didáticos


Falando sobre o aspecto visual dos livros didáticos, Irene acredita que ele auxilia na
compreensão do conteúdo pelos estudantes, uma vez que as crianças são bastante visuais
e têm mais facilidade com as imagens do que com a escrita. Continuou dizendo que as

83
- Capítulo 5 -

crianças conseguem ler bem a imagem do que o conteúdo mostra e parece que eles tem mais
habilidade em ler a imagem do que a gente. Em relação ao visual dos textos, comentou que,
em geral, os livros apresentam um corpo de letra grande, que facilita a leitura das crianças
– que reclamam quando o corpo da letra é pequeno. Outro ponto que observou, além do
corpo da letra pequeno, é o texto amontoado, com pouco espaço entre as linhas – fatores
que tornam a leitura cansativa segundo sua opinião.
O livro didático mais interessante, no aspecto visual, segundo a professora Irene, é
o de Geografia, que se diferencia dos outros por ser bem colorido, ter muitos mapas,
seguido do de Ciências, que tem boas ilustrações. As características que lhe chamam
atenção no livro Projeto Pitanguá: Geografia são a organização interna, com o conteúdo
bem distribuído: os alunos gostam bastante.
Sobre o interesse dos alunos pelos livros didáticos a professora contou que o
aspecto visual é importante para as crianças, que são atraídas e gostam de livros bem
ilustrados. Citou como exemplo o livro Projeto Pitanguá: Português que é um livro com
poucas ilustrações, e é o que eles menos gostam. As imagens não são muito claras, não são
chamativas. Irene contou que o que chama a atenção de imediato dos alunos quando vão
iniciar a leitura de um texto são as imagens. Primeiro é a figura e ali eles já fazem um
comentário, o que está mostrando... e continuou dizendo se as imagens são claras você pode
trabalhar um assunto ou um texto só em cima das imagens. Comentou também que nos
livros didáticos aparecem imagens e textos retratando a diversidade de contextos, pessoas
e culturas.

 Grupo focal com alunos

Categoria 1 - O uso do livro didático


Para o início do grupo focal as crianças foram dispostas em círculo e os livros
didáticos foram colocados em uma cadeira no centro da roda. Foi feita uma pequena
apresentação pessoal e explicado o motivo delas estarem ali e sobre o que seria
conversado.
Aos oito alunos da 4ª. série foi questionado sobre como usam os livros didáticos.
Raquel contou que a professora entrega um livro para cada um, fica com um lá na frente,
fala a página e a leitura. Joana disse que levam o livro didático para casa somente para fazer

84
- Capítulo 5 -

deveres ou para estudar e Luigi acrescentou que raramente a gente leva para casa. Juliano
contou que tem gente que esquece e não devolve e Natanael disse que sabem que precisam
usar com cuidado os livros didáticos.
Sobre a importância dos livros didáticos para estudar e entender os assuntos, todos
responderam ao mesmo tempo que ajuda e Joana salientou que ajuda bastante. Quando
indagados para que serve o livro didático, as respostas foram abrangentes. Edgar disse
para poder educar os alunos, Luigi para a gente aprender e Natalie que toda escola tem que
ter.
Em relação aos livros e à leitura, Joaquim e Natanael revelaram ter livros didáticos
antigos em casa e a maioria disse ter algum livro de literatura em casa. Quando
perguntados se gostavam de ler, responderam em uníssono: sim. Porém, aos poucos,
apareceram respostas individuais como a de Raquel que lê às vezes, de Joana que diz ler
bastante e já saber até de cor e de Natalie que diz ler toda noite e já leu todos os livros que
tem. As meninas comentaram que gostam de ler revistas e Joaquim disse que raramente lê
jornal ou revista. Edgar falou que tudo o que leu achou legal e Joaquim disse não lembrar do
que leu - ao serem perguntados sobre algum livro que acharam interessante.

Categoria 2 - O aspecto visual dos livros didáticos


Sobre as percepções dos alunos em relação ao aspecto visual dos livros didáticos
Natalie disse achar bonitos e Raquel imediatamente respondeu que não acha bonito não.
Juliano e Joaquim falaram que acham interessante o livro de Matemática e Raquel desta
vez concordou com os colegas. Joana revelou que também acha o livro de Matemática
bonito - adoro Matemática - bem como Edgar, que gosta dos livros de Matemática, de
Geografia e de Ciências. Edgar comentou também que gosta do livro de História porque as
cores são fortes e os desenhos são bonitos. Em determinado momento várias crianças
quiseram pegar o livro de Matemática e começaram uma disputa. Uma criança o abraçou e
outras repetiram o gesto. Luigi gosta do livro de Ciências porque tem as páginas
desenhadas, em função dos desenhos do corpo humano que são bem desenhados e as cores
bonitas. Falou também que é bem organizado e citou como exemplo: o que é de um texto
tem uma cor, o que é de outro tem outra e, às vezes, tem desenho no meio. A cor ajuda a
organizar as atividades. Natanael concordou que o livro de Ciências é bem organizado e
que, se fosse tudo de uma cor, poderia confundir. Luigi atentou para o fato de que às vezes

85
- Capítulo 5 -

a capa conta alguma coisa sobre o livro, mas a gente também não pode julgar o livro pela
capa. Natalie completou dizendo que a capa pode ter alguma coisa a ver, mas não é o que
explica dentro.
Em relação às palavras e especificamente ao tamanho das letras que os livros
didáticos apresentam, Raquel e Natanael disseram que são muito pequenas, do que
Natalie discordou e falou que para ela estava bom. Luigi comparou com a letra do caderno
e disse que no livro a letra é maior: Depende do texto. Alguns tem partes maiores e menores.
Quando é maior ajuda a ler. Edgar afirmou que letra miudinha não entende e Natanael
contou que uma vez não entendeu a letra porque era pequena e tirou 8. Vários falaram que
acham que tem muito texto por página, principalmente o livro de Português.
Sobre as imagens que aparecem nos livros didáticos, Natanael disse que são
bonitas, principalmente nos livros de Ciências e Geografia, mas tem livros que os desenhos
são ruins. Contaram que no livro de Português tem reproduções de pinturas, no que
Raquel disse Portinari eu já estou cansada de ver e lembraram que no livro de História
também tem. Perguntadas se as imagens ajudam a entender um texto, a maioria falou, ao
mesmo tempo, que ajuda a entender. Luigi afirmou que o desenho me ajuda a entender o
que o texto está falando. A gente lê o título e vê o desenho. Falaram que o livro de Matemática
tem mais desenhos. Raquel falou que sem imagens não iria entender nada e Joana
concordou que realmente seria difícil entender.
Quanto ao livro didático preferido para estudar Joana, Raquel, Natalie, Joaquim e
Juliano disseram gostar mais do de Matemática por razões como porque a gente aprende
mais sobre contas e porque a gente precisa na vida, se quisermos ser alguma coisa. Luigi e
Edgar disseram preferir o de Geografia: o primeiro por gostar de estudar os planetas e o
segundo por gostar de mapas. Natanael disse preferir Ciências porque explica o corpo do
ser humano. Nos depoimentos pôde-se constatar que o livro didático de Português não é
citado entre os mais interessantes visualmente, nem entre os preferidos para estudar.
Por fim, em alguns momentos durante a atividade, muitas crianças falavam ao
mesmo tempo, empolgadas. Esse foi um dos motivos da escolha da técnica do grupo focal
- para que as crianças não se sentissem intimidadas. As crianças se mostraram à vontade,
umas mais falantes, outras mais tímidas, porém ao longo da atividade todas tiveram a
oportunidade de falar e expôr sua opinião.

86
- Capítulo 5 -

5.2 Análise dos aspectos visuais dos livros didáticos

Conforme explicado anteriormente, neste item são analisados os aspectos visuais


de dois livros didáticos, selecionados a partir do resultado da pesquisa de campo. São eles:

 Matemática do cotidiano & suas conexões: este foi apontado como o livro preferido
entre os estudantes, tanto no aspecto visual, quanto na disciplina preferida para
estudar;
 Projeto Pitanguá: Português: este livro não foi mencionado entre os alunos, tanto no
aspecto visual, quanto na preferência na hora de estudar. O resultado coincidiu com
a opinião da professora, que revelou que este é o livro didático que a turma menos
gosta.

É analisada a primeira unidade de cada livro, segundo quatro orientações do edital


do PNLD para avaliação dos livros didáticos. As considerações são feitas tendo em mente
sempre as páginas duplas, pois de acordo com Lupton (2006), os livros devem ser
projetados como páginas duplas, uma vez que constituem a unidade básica do projeto e,
além disso, é o modo como o livro se apresenta quando o abrimos.

5.2.1 Análise do livro didático: Matemática do cotidiano & suas conexões

Fig. 15 - Capa do livro didático Matemática do cotidiano & suas conexões

O livro Matemática do cotidiano & suas conexões, da editora FTD, tem como autores
Antonio José Lopes Bigode e Joaquim Gimenez. Um breve resumo da organização interna
do livro é descrito no Guia do Livro Didático 2007:
87
- Capítulo 5 -

Cada livro é formado por nove unidades, que têm como eixo temas do cotidiano.
Os conteúdos das unidades são desenvolvidos em seqüências de atividades,
agrupadas por tópicos e intercaladas com textos informativos ou explicativos. As
atividades são de diversos tipos, como desafios, jogos, pesquisas, exercícios de
fixação e outros. Etiquetas marcam algumas das atividades: Em grupo,
Experiência, Desafio, Pesquisa e Criatividade. Ao fim de cada unidade, temos as
seções: Já sei fazer – com atividades para reconhecer, fixar e auto-avaliar os
conteúdos; Calculando de cabeça – com situações de cálculo mental e de
estimativas; e Revistinha da Matemática – com uma atividade lúdica; e as
subseções: Construindo; Você sabia?; Vamos ler ou Dica de Leitura. [...] O livro da
4ª série contém um resumo dos conteúdos tratados e sugere que o aluno faça seu
próprio resumo (BRASIL, 2006b, p.165).

Sobre o aspecto visual do livro há na seção Avaliando do Guia um texto falando que
“a coleção apresenta, ainda, grande diversidade de representações matemáticas, pois a
linguagem simbólica, desenhos, fotos, gráficos e tabelas estão presentes em toda a obra”
(BRASIL, 2006b, p.169).

 Análise visual

1ª. orientação: o texto principal deve estar impresso em preto e títulos e subtítulos devem
apresentar-se numa estrutura hierarquizada, evidenciada por recursos gráficos.

Fig. 16 - Páginas 8 e 9, início da 1ª. unidade do livro de Matemática

88
- Capítulo 5 -

Esta primeira orientação é observada nesta obra. Todos os textos estão na cor preta,
a maioria sobre fundo branco e alguns sobre fundos de cores claras, porém sem prejudicar
a legibilidade.
Os títulos aparecem sempre na parte superior da página, alinhados à esquerda, o
que é recomendado por White (2006) pois são as áreas mais valorizadas da página dupla,
onde as pessoas mais olham. Os títulos estão destacados por meio de um recurso gráfico,
para hierarquizar a informação. Para Lupton (2006, p.94) a hierarquia “ajuda os leitores a
localizarem-se no texto, sabendo onde entrar e sair e como selecionar algumas de suas
ofertas”. Para auxiliar nesta hierarquia e diferenciar as seções são utilizadas cores: a seção
de atividades tem títulos realçados com retângulos nas cores verde e amarelo (fig. 14), as
seções Já sei fazer! tem títulos sobre retângulos laranjas e Calculando de cabeça utiliza
retângulos roxos.
Já as páginas finais da unidade possuem um fundo verde claro e a última um fundo
azul claro. Este recurso provoca uma quebra do ritmo visual por meio de um leve contraste
de cor e tem como objetivo chamar a atenção do leitor para um conteúdo diferente, bem
como ajudar a organizar as informações (WILLIAMS, 2005).

2ª. orientação: a impressão não deve prejudicar a legibilidade no verso da página. É desejável
que textos mais longos sejam apresentados de forma a não desencorajar a leitura, lançando-se
mão de recursos de descanso visual.

Fig. 17 - Páginas 16 e 17 da 1ª. unidade do livro de Matemática

Pode-se perceber que a impressão não prejudica a legibilidade do verso da página,


o que indica o uso de um papel de boa qualidade.
89
- Capítulo 5 -

Em relação aos textos, pode-se observar ao longo da unidade o uso de um tipo sem
serifas, suave, de espessura fina (light), que dá leveza à página e contrasta com o colorido
das imagens. Um recurso utilizado nestas páginas é o uso de boxes coloridos que servem
para separar as atividades e dar uma quebra entre os textos, deixando-os mais leves,
organizados e interessantes visualmente. White (2006) expõe que os boxes servem para
destacar pontos importantes, dar coesão e personalidade e tornar a página mais viva e rica.
Eles são utilizados também para dividir a página em elementos, pois “as pessoas são
atraídas por tudo o que parece curto e fácil” (Ibid., p. 171).

3ª. orientação: o texto e as ilustrações devem estar dispostos de forma organizada, dentro de
uma unidade visual; o projeto gráfico deve estar integrado ao conteúdo e não meramente
ilustrativo.

Fig. 18 - Páginas 24 e 25 da 1ª. unidade do livro de Matemática.


À direita, detalhe das ilustrações.

Pode-se observar nesta primeira unidade do livro, vários recursos gráficos como
ilustrações, fotos e boxes coloridos que funcionam integrados ao texto, e contribuem para
a compreensão do enunciado e do problema proposto. Deste modo podem auxiliar a
aprendizagem infantil, já que nesta idade, como mesmo comentou a professora, eles são
bastante visuais. Uma aluna, Raquel, observou que sem imagens não iria entender nada. As
imagens procuram informar tanto quanto o texto e não são apenas decorativas. Estão de
acordo com o que White afirma

As imagens são disparos rápidos sobre o cérebro e as emoções. Por outro lado, as
palavras requerem tempo para serem lidas, absorvidas e compreendidas. São

90
- Capítulo 5 -

duas linguagens distintas que se complementam para contar uma história de


maneira mais poderosa (2006, p.83).

Uma questão interessante é que, mesmo o livro didático tendo sido ilustrado por
vários profissionais, observa-se uma preocupação em seguir um estilo, a fim de propiciar
uma unidade visual. Outro item que propicia uma unidade visual é o quadriculado que
aparece nas margens externas das páginas, que remete aos cadernos usados em
matemática. Williams (2005, p.48) explica que “para que todos os elementos da página
tenham uma estética unificada, conectada e inter-relacionada, é preciso que haja ‘amarras’
visuais entre os elementos separados”. Neste caso, a repetição do fundo quadriculado e do
estilo das ilustrações é um esforço consciente para unificar todos os elementos visuais.

4ª. orientação: as ilustrações devem auxiliar na compreensão e enriquecer a leitura do texto,


devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, não
expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas ilustrações devem ser
adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e, dependendo do objetivo, devem ser
claras, precisas, de fácil compreensão, podendo, no entanto, também intrigar, problematizar,
convidar a pensar, despertar a curiosidade.

Fig. 19 - Páginas 18 e 19 da 1ª. unidade do livro de Matemática.

White (2006, p.12) fala que “as imagens envolvem o observador por meio da
emoção e da curiosidade”. Além disso, para as crianças a imagem auxilia a compreensão do
conteúdo como revela a fala de Luigi: o desenho me ajuda a entender o que o texto está
falando. Nestas páginas as ilustrações, além de despertar a curiosidade, tem por objetivo
auxiliar a compreensão do conteúdo. A ilustração da esquerda mostra um menino e uma
91
- Capítulo 5 -

menina em uma situação de diálogo – que dá uma pista para resolver a questão seguinte.
A ilustração da direita, um labirinto, atrai a atenção em um primeiro instante, seja pela
variedade de cores ou pela disposição assimétrica na página e convida o aluno a resolver o
problema.
Quanto à diversidade étnica da população brasileira, as imagens mostram pessoas
com várias características diferentes, como olhos orientais, pele negra e cabelos ruivos,
fugindo do estereótipo da criança branca de cabelos loiros.

5.2.2 Análise do livro didático: Projeto Pitanguá: Português

Fig. 20 - Capa do livro didático Projeto Pitanguá: Português

O livro didático Projeto Pitanguá: Português é uma obra coletiva concebida,


desenvolvida e produzida pela editora Moderna. Ele faz parte da coleção Projeto Pitanguá
e abrange diversas disciplinas. Conforme descrição do Guia do Livro Didático 2007:

A coleção tem estrutura uniforme. Cada um dos quatro volumes compõe-se de


nove unidades que se alongam em torno de um tema, criando-lhe contextos,
explorando relações e estendendo conhecimentos. Cada unidade se desenvolve
em duas partes, feitas de seções e subseções maiores e menores, voltadas ao
desenvolvimento dos processos de leitura-compreensão, produção textual e
domínio-reflexão sobre a língua. [...] A temática é diversa e rica. [...] Os temas das
unidades, provocativos alguns, atendem a interesses dos alunos, e de suas idades.
Trazem, juntamente com a escolha de textos e de imagens, lições formadoras de
valores a cada instante. (BRASIL, 2006c, p.214).

Quanto aos aspectos visuais o Guia traz somente que “trata-se de livros de boa
qualidade, com diferentes recursos visuais” (Ibid., p.218), sem dar maiores especificações.
92
- Capítulo 5 -

 Análise visual

1ª. orientação: o texto principal deve estar impresso em preto e títulos e subtítulos devem
apresentar-se numa estrutura hierarquizada, evidenciada por recursos gráficos.

Fig. 21 - Páginas 14 e 15 da 1ª. unidade do livro de Português

Esta primeira orientação também é observada nesta obra. A maioria dos textos está
na cor preta sobre fundo branco, exceto alguns títulos e subtítulos coloridos. Em toda a
unidade há apenas algumas ocasiões em que textos pequenos na cor preta estão sobre
fundos de cor pastel, o que não ocasiona prejuízo da legibilidade.
Este livro, diferente do de Matemática, trabalha com seções e subseções e portanto
com títulos e subtítulos. Os títulos das seções caem aleatoriamente no espaço da página:
às vezes estão na parte superior, outras no meio e outras na parte inferior, o que White
(2006, p.7) não recomenda pois “o alto da página precisa ser controlado, porque se torna
parte de uma corrente visual”. Em relação ao destaque dado aos títulos, estes formam uma
composição com um fundo retangular e uma ilustração e seu tamanho é apenas um pouco
maior do que o restante do texto. Os subtítulos também são pequenos e discretos, na cor
azul. White (Ibid.) diz que quem folheia deve conseguir entender do que se trata o
conteúdo por meio do título e do subtítulo, que devem ser visíveis e informativos. A
compreensão da estrutura hierárquica fica um pouco prejudicada, pois estes recursos
visuais tornam-se discretos no conjunto da página, que possui muito texto.
As escolhas tipográficas também não auxiliam na apresentação de um conjunto
interessante. Williams (2005, p.123) esclarece que a tipografia é o material básico de

93
- Capítulo 5 -

qualquer página impressa e, na dinâmica da página, estabelecem-se relações que podem


ser “concordantes, conflitantes ou contrastantes”. No caso das páginas analisadas há uma
relação concordante, pois foram utilizadas fontes sem muita variação de estilo ou
tamanho. A consequência é uma página harmoniosa, porém esta disposição tende a
conferir um visual calmo, monótono ou formal demais.

2ª. orientação: a impressão não deve prejudicar a legibilidade no verso da página. É desejável
que textos mais longos sejam apresentados de forma a não desencorajar a leitura, lançando-se
mão de recursos de descanso visual.

Fig. 22 - Páginas 12 e 13 da 1ª. unidade do livro de Português

Em relação à impressão percebe-se que não prejudica a legibilidade do verso da


página, o que indica o uso de um papel de boa qualidade.
Sobre a quantidade de texto nestas páginas, observa-se que é relativamente
grande. A professora em sua entrevista comenta que às vezes os textos parecem
amontoados e tornam a leitura cansativa. No caso deste livro, o próprio Guia do Livro
Didático faz uma ressalva em relação à obra da 4ª. série dizendo que “a carga de
conteúdos, [...], amplia-se nas séries finais e podem sobrecarregar o aluno no emaranhado
de conceitos” (BRASIL, 2006c, p.218). Esta carga de conteúdos torna-se vísivel através da
forma com que é apresentado nestas páginas: dois grandes blocos de texto. White (2006,
p.13) afirma que “blocos de elementos curtos atraem mais [...] são menos ameaçadores”.
Um dos fatores que leva a esta composição óbvia, que forma linhas indesejavelmente

94
- Capítulo 5 -

compridas, é a imposição do formato grande pelo PNLD. Ao projetar livros para crianças,
White recomenda:

Divida tudo em pedaços que caibam na boca: o intervalo de atenção deles é curto
e mudar de foco depressa é algo que eles fazem o tempo todo. Unidades de uma
só página são consideradas longas demais. (2006, p. 239).

Além da forma como o texto está organizado visualmente, a escolha do tipo de


letra também contribui para o aspecto da página. Sobre o tipo de letra Williams explica

Uma fonte suave, arejada, com bastante espaço entre as letras (entreletra) e entre
as linhas (entrelinha) cria uma ‘cor’ e uma textura bastante suaves. Uma fonte em
bold e sem serifa, pouco arejada, cria uma cor escura, com uma textura diferente.
(2005, p. 166).

Observa-se que o emprego do negrito (bold) no texto destas páginas provoca essa
cor escura. Isso se percebe em páginas com muita massa de texto e poucas ou nenhuma
imagem. A monotonia do cinza não atrai os olhos, além de causar certa confusão, fazendo
com que a página torne-se desinteressante, e não incentive a leitura. Para melhorar o
aspecto destas páginas poderiam ser utilizados os chamados recursos de descanso visual,
mencionados na orientação. Alguns artifícios poderiam ser usados como a diminuição da
largura dos blocos de textos, o uso de boxes coloridos para organizar visualmente as
atividades, ilustrações integradas ao texto, entre outros. As crianças percebem a questão
do uso da cor para destacar elementos, como na fala de Luigi quando diz que a cor ajuda a
organizar as atividades.

3ª. orientação: o texto e as ilustrações devem estar dispostos de forma organizada, dentro de
uma unidade visual; o projeto gráfico deve estar integrado ao conteúdo e não meramente
ilustrativo.

95
- Capítulo 5 -

Fig. 23 - Páginas 6 e 7, início da 1ª. unidade do livro de Português

Na unidade analisada há pouca integração visual entre imagens e palavras. As


ilustrações cumprem mais um papel decorativo e são pouco significativas. Em sua maioria
apresentam-se em um tamanho pequeno e, às vezes, dão a impressão de estarem em
determinado lugar somente para preencher algum espaço que não foi ocupado por um
texto. White (2006) recomenda que se dê destaque a uma imagem significativa, tanto em
tamanho, quanto em localização, a fim de construir um ponto focal na página. O objetivo
do ponto focal é atrair a atenção do leitor e estimular a leitura através da integração entre
texto e imagem.
Na Unidade 1, textos e imagens estão dispostos de forma organizada, equilibrada,
porém Hendel (2006) afirma que “a linha que separa o desinteressante e o correto é muito
fina”. O ritmo visual do texto é regular, as imagens pouco expressivas e sem ousadias,
levando a página a ter uma aparência monótona, sem surpresas visuais. Como diz Carson
(1995) algo pode ser legível, porém não significa que esteja comunicando, ou que esteja
transmitindo alguma emoção.
Outro ponto neste livro são os diferentes estilos de ilustração apresentados, o que
não contribui para sua unidade visual. Na Fig. 19 pode-se observar, pelo menos, três estilos
de ilustração.

4ª. orientação: as ilustrações devem auxiliar na compreensão e enriquecer a leitura do texto,


devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, não
expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas ilustrações devem ser
adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e, dependendo do objetivo, devem ser

96
- Capítulo 5 -

claras, precisas, de fácil compreensão, podendo, no entanto, também intrigar, problematizar,


convidar a pensar, despertar a curiosidade.

Fig. 24 - Páginas 20 e 21 da 1ª. unidade do livro de Português

Segundo a professora, este livro tem poucas ilustrações e é o que eles menos gostam.
Fala que as imagens não são chamativas, não atraem a atenção dos alunos. Como dito no
item anterior, a maioria das ilustrações desta unidade tem a função mais de decorar do que
auxiliar na compreensão do texto, como é o caso mostrado na Fig. 23. Em um mundo
saturado de imagens, não é qualquer tipo de ilustração ou foto que desperta a curiosidade
infantil. A localização e o tamanho das imagens no conjunto da página também não
favorecem uma melhor integração com o texto. White (2006) sugere construir a página em
torno de um ponto focal, dar um destaque significativo à imagem, para criar um impacto e
desse modo capturar o leitor.
Em relação à representação da diversidade étnica, pode-se observar no detalhe da
Fig. 24, uma predominância de ilustrações retratando crianças de pele clara e poucas
negras, orientais ou de outra etnia. Ao se elaborar um livro didático deve-se ter em mente a
diversidade cultural e evitar a todo custo a tendência à uniformidade.

Fig. 25 - Ilustrações que aparecem ao longo da 1ª. unidade57

57
Imagem editada pela autora.

97
- Capítulo 5 -

5.3 Interpretação dos dados

Neste item são analisados os dados obtidos através da entrevista com a professora,
do grupo focal com as crianças e dos aspectos visuais dos livros didáticos, buscando-se
estabelecer relações entre as informações obtidas e o conteúdo teórico estudado
anteriormente, o que caracterizamos como interpretação dos dados.
A ampla utilização dos livros didáticos gera discussões sobre a autonomia do
professor em sala, além de questões que vão desde a padronização metodológica até a
ideologia subjacente ao conteúdo. No cotidiano da sala de aula o professor o emprega
devido à facilidade para organizar e desenvolver suas aulas, porém há uma preocupação
quando o livro se torna o único material consultado e seguido na rotina escolar. Na
entrevista, a professora da classe fez questão de contar que não trabalha somente com o
livro didático em sala, que busca outras fontes para enriquecer a aula, pois em sua opinião
ele deve ser usado como algo a mais, algo para somar.
Sobre a importância dos livros didáticos no cotidiano, tanto a professora quanto os
alunos falaram que ajuda, que facilita o estudo. A professora também observou que o
contato com os livros didáticos é uma maneira de os alunos desenvolverem o hábito da
leitura, pois a escola ainda não tem uma biblioteca montada. As crianças, quando
questionadas se gostavam de ler, primeiramente responderam que sim, para logo depois
metade do grupo revelar que não gostava tanto assim, conforme a professora havia
revelado em sua entrevista. Como a própria professora confessou, a escola fica responsável
por muitas coisas, inclusive por fomentar o interesse e o contato com a leitura, uma vez
que cada vez menos as famílias se preocupam em desenvolver este gosto em suas
crianças. Muitas questões estão implícitas neste processo: a presença da televisão e de
outros meios de comunicação no cotidiano das crianças, que permanecem “ligados” e
“conectados”; os momentos de conversa, de troca verbal, parecem ter diminuído no dia-a-
dia das famílias, onde as imagens da “telinha” prevalecem; muitas famílias não cultivam o
hábito de falar sobre o que a televisão mostra e a criança faz suas próprias interpretações.
Por outro lado, em muitos lares, os pais lêem pouco, há poucos livros, quando há. As
crianças ouvem histórias por meio de CD’s e DVD’s, aparelhos comuns em muitos lares.
Porém, este procedimento, em muitos casos, substitui os momentos de contação de
histórias, nos quais existe interação direta entre o contador e a criança - nos lares, entre

98
- Capítulo 5 -

pais e filhos. Muitos pais não conhecem os livros didáticos de seus filhos, ou apenas os
manuseiam, sem incluir conversações e questionamentos. Trata-se de algumas
considerações que possibilitam diferentes problematizações sobre o papel e a importância
do livro didático para a criança.
A professora apontou também que a televisão e o computador competem com o
livro pelo interesse da criança e este último geralmente sai perdendo. Compara a sua
infância, quando havia poucos livros e eram valorizados pelas crianças, com a geração
atual, que tem maior acesso aos livros porém não tem tanto interesse. Pode-se relembrar
Sarmento (2005) quando diz que o lugar da infância na contemporaneidade é um lugar em
mudança, já que é historicamente construída, onde as práticas sociais e o estilo de vida são
continuamente atualizados nas interações sociais. Diz também que os novos brinquedos e
tecnologias mudaram o espaço-tempo lúdico das crianças, geraram novas linguagens e
desejos de consumo, nem sempre compreendidos pela geração mais velha, como quando
a professora diz eles falam um monte de nomes, mas eu não sei nada daquilo...
Esta comentou que acredita que o livro didático, particularmente por meio de seu
aspecto visual, auxilie os estudantes na compreensão do conteúdo, uma vez que observa
uma facilidade por parte deles em lidar com as imagens. Inclusive, de acordo com a
professora, são as imagens que despertam os primeiros comentários e histórias, antes
mesmo de iniciar a leitura do texto. Pode-se perceber neste relato a vinculação existente
entre imaginação e emoção da qual fala Vygotsky (2003). A criança, ao ver uma imagem
que lhe interessa e lhe diz respeito, logo é tomada por sentimentos particulares,
lembranças de situações vividas ou qualquer recordação em relação a ela e, a partir daí, a
imaginação é influenciada, e muitas vezes verbalizada. Em relação a este fato Walty (et al.,
2001) afirma que as imagens carregam significados culturais, afetivos, entre outros e
permitem leituras múltiplas, funcionando como um hipertexto58.
Para a professora, o aspecto visual é importante para as crianças, que são atraídas e
gostam de livros bem ilustrados. Citou como exemplo o livro Projeto Pitanguá: Português
que é um livro com poucas ilustrações, e é o que eles menos gostam. As imagens não são muito
claras, não são chamativas. Pode-se observar na análise visual deste livro que realmente há
poucas ilustrações, e muitas de tamanho pequeno. O aspecto visual não chega a motivar, a

58
“Conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes
de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos hipertextos.” (LÉVY,
1993 apud WALTY et al., 2001, p. 117).

99
- Capítulo 5 -

servir de estímulo para o interesse dos alunos, que vivem saturados por imagens da cultura
visual.
A relação entre palavra e imagem, bem como de formas e cores é percebida pela
criança, como se nota na fala de Luigi quando diz que a cor ajuda a organizar as atividades.
Mostra que há uma consciência dos elementos visuais que ajudam na organização da
página e como este aspecto facilita no entendimento do conteúdo. Quanto mais os
elementos da página se relacionarem de maneira clara e organizada, melhor orientarão o
leitor através do texto, fazendo com que ele compreenda a mensagem. Luigi ressalta a
importância da relação entre palavra e imagem quando fala que o desenho ajuda a
entender o que o texto está falando. A gente lê o título e vê o desenho.
A importância da imagem nos livros é evidenciada e talvez até exagerada na fala de
Raquel: sem imagens eu não iria entender nada. Pode-se entender por imagem, não só as
ilustrações e as fotos, mas também a letra, que é um desenho, principalmente para as
crianças. Deste modo o texto verbal também é imagem, pois ganha forma por meio do
desenho da letra, a tipografia - “a cara da linguagem” como afirma Lupton (2006). Na idade
das crianças da pesquisa, 10 anos, o tamanho um pouco maior da letra é importante para a
compreensão, como revela a fala de Edgar: letra miudinha eu não entendo. Outra questão
que afeta negativamente a percepção dos alunos é o excesso de texto na página, onde foi
citado como exemplo o livro Projeto Pitanguá: Português, que tem muitas páginas onde a
imagem que o texto forma é a de um bloco cinza e pesado, com ilustrações pequenas e
que não auxiliam na compreensão do texto. As páginas parecem abarrotadas, cansando o
pequeno leitor antes de começar a ler. Nele a interação entre palavras e imagens é limitada
pelo fato de as imagens, na maioria das vezes, cumprirem uma função apenas decorativa,
deixando assim de construir um significado mais amplo com o texto. O livro não foi citado
por nenhum aluno, nem na questão do aspecto visual mais interessante, nem na questão
do livro didático de que mais gostavam de estudar. Na fala de Martins (2005, p.17)
“tocamos e somos tocados por aquilo que nos pode causar imenso prazer ou uma
dolorosa sensação de mal-estar e não-saber, que muitas vezes nos afugenta”.
O livro didático que a maioria dos alunos citou como sendo o mais bonito e com o
qual mais gostam de estudar, Matemática do cotidiano & suas conexões, trabalha a questão
da palavra e da imagem diferente do livro de Português. As imagens se relacionam
intimamente com o texto, são significativas, contribuem para a compreensão das

100
- Capítulo 5 -

atividades, além de causarem curiosidade e impacto visual. Também são utilizados


gráficos, elementos visuais funcionais, que aumentam a legibilidade e auxiliam na
tradução visual da informação (WHITE, 2006). O conjunto da página integra palavra e
imagem de forma leve e lúdica, o que oportuniza uma interação entre criança e livro. Pôde-
se observar também no grupo focal, uma demonstração de afeto em relação a este livro,
quando várias crianças o abraçaram. Deste modo pode-se retomar Vygotsky (2007) e
observar que o livro didático ativa uma zona de desenvolvimento proximal, pois termina
operando como um espaço mediador, aquele que pode ajudar a criança a realizar uma
tarefa com o seu auxílio, e chegar a um nível de desenvolvimento potencial.
Observa-se também que o aspecto visual do livro didático funciona efetivamente
como um sistema de estímulo externo auxiliar, que pode auxiliar na aprendizagem do aluno,
especialmente em uma faixa etária onde o uso dos signos externos predomina, o que
favorece o processo de internalização. Pode-se retomar Vygotsky (1984) que assinala para
a importância do processo de internalização no desenvolvimento e na aprendizagem,
ampliando processos internos de mediação, de estruturação de representações e de
articulações mais complexas, que envolvem estruturas simbólicas. Trata-se de uma “trama
conceitual” implícita no processo de construção de conhecimentos (FREITAS, 2005).
O livro didático pode ser então considerado um elemento mediador presente entre
a criança e o conhecimento contribuindo, do mesmo modo, para a sua aprendizagem
através dessa mediação. Para tal, o livro didático necessita estar disponível e ser adequado,
coerente com algumas características visuais essenciais, integrando imagens e palavras,
possibilitando diferentes leituras. Retomando Martins (2005) mediar envolve acesso,
empatia e disponibilidade.

101
- Considerações Finais -

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Houve uma época em que os livros didáticos eram pouco interessantes visualmente
e, geralmente, os de Português e de História possuíam mais imagens e os de Matemática
tinham uma “diagramação enfadonha” como relata Martins (2005). O aspecto visual de um
livro se faz pela combinação da tipografia, das imagens, de boxes, espaços, cores e
composição, que tem por objetivo comunicar uma mensagem, traduzir graficamente o
conteúdo. E como pôde-se perceber neste estudo, as crianças são efetivamente afetadas,
positiva ou negativamente pelo aspecto visual das páginas dos livros didáticos.
Os livros didáticos de hoje apresentam em suas páginas uma grande quantidade de
imagens da cultura visual, aquelas com as quais as crianças convivem em seu cotidiano.
Além disso, o próprio livro didático faz parte da cultura visual que, conforme Hernández
(2000) é interdisciplinar, busca referenciais da arte e de inúmeras áreas e se organiza em
relação a seus significados culturais. Hernández (Ibid., p.141) cita que, para vários autores,
inclusive Vygotsky, a aprendizagem é uma “relação entre a construção da subjetividade
individual e a construção social da compreensão.” Esta construção, a interação com outros
sujeitos, com o meio ambiente, com os objetos que nos cercam, com a cultura e com a
sociedade da qual fazemos parte resulta em conhecimento, construído internamente, e
que está em constante desenvolvimento.
Por outro aspecto, abordar o livro didático como artefato da cultura visual
possibilitou vê-lo como resultado de múltiplos fatores – político, cultural, entre outros - e
estudá-lo em seu contexto social e histórico. Pôde-se observar suas transformações físicas
e de conteúdo, de produção e de distribuição ao longo do tempo e melhor entender o que
ele representa atualmente. Em relação à produção do livro didático, foi visto o quanto seu
desenvolvimento é complexo e quantos profissionais são envolvidos. São autores,
professores, ilustradores e editores que elaboram este material didático e que devem ter a
consciência da importância da materialidade, da experiência visual para a construção do
conhecimento em qualquer fase de aprendizagem infantil.
Ao estudar conceitos relativos à criança, como a infância, desenvolvimento e
aprendizagem, pôde-se entender as relações entre criança, livro e leitura e como estimular
o contato com o livro, particularmente o livro didático, objeto de estudo desta dissertação
de mestrado. Despertar a curiosidade, aguçar a imaginação e o interesse pelo livro e pela

102
- Considerações Finais -

leitura são caminhos para que esse encontro possa sempre ser prazeroso e fonte de
aprendizagem, e não um encontro cansativo e monótono. Viu-se também que pode haver
uma relação afetiva entre criança e livro. O modo como as crianças abraçaram e
disputaram o livro didático de matemática – no qual palavras e imagens interagem -
demonstrou isso. Quando a relação entre palavra e imagem é estreita se enriquecem os
significados e os sentidos da leitura e a compreensão é facilitada, pois são duas linguagens
trabalhando em prol de um mesmo objetivo: comunicar com eficiência e atrair o leitor para
o conteúdo por meio da forma.
Neste ponto entende-se, com base nas idéias de Vygotsky (2005, 2007), que o livro
é um mediador entre a criança e o conhecimento porque integra imagens e palavras, e
que, o aspecto visual, a qualidade gráfica, facilita esta mediação, oportunizando a
construção de conhecimentos.
A partir da análise e interpretação dos dados coletados foi possível perceber
questões importantes, como interações entre imagens, palavras e aprendizagens; a
comunicação visual que o livro didático contém, aspectos importantes implícitos na
complexa trama que integra percepção, comunicação visual, imagens, palavras e
aprendizagens na criança. Estas questões contribuem para uma relação de reciprocidade
entre o livro e a criança, concluindo-se que o livro didático é um importante elemento
mediador no processo de construção de conhecimentos. Se a comunicação visual do livro
didático se apresentar adequada, se os assuntos forem abordados com base nestas
associações entre imagens e palavras, a criança pode adquirir, de maneira mais satisfatória
e, principalmente, prazerosa os conhecimentos escolares.
O contato adequado com o livro didático na escola favorece a formação de hábitos
de leitura, além das aprendizagens, mas estes temas dependem também da valorização do
livro didático pelo professor. Certamente, não se trata de uma única possibilidade. Há
outras atividades escolares que ampliam as propostas do livro didático, estimulando novas
combinações. Estas considerações emergiram da pesquisa realizada, a partir da entrevista
feita com a professora. Os alunos, na pesquisa, demonstraram um papel ativo na análise do
livro didático: escolheram um como o preferido (por maioria), e deixaram de nomear outro
(o mais “rejeitado”). Estes pontos, dentre outras informações obtidas, são indicativos do
envolvimento das crianças nas relações com as diferentes experiências na escola. No caso
desta dissertação, o foco é o livro didático. As crianças mostraram afetividade, interações e

103
- Considerações Finais -

verbalizações no grupo focal. Trata-se de outros indicativos para estabelecer vínculos


sociais quando existe um canal de comunicação aberto e, ainda mais, quando existe um
material concreto – o livro, que contém um conjunto de signos articulados por imagens e
palavras. Estas considerações assinalam que o contato com o livro didático, sua exploração
e análise e a presença ativa do professor, abrem possibilidades para a internalização,
processo implícito na construção de conhecimentos, papel importante do processo de
mediação.
O livro didático possibilita múltiplas experiências e aprendizagens. Entretanto, deve
ser produzido observando-se estratégias visuais, para garantir uma leitura agradável e a
compreensão, a fim de cativar o aluno-leitor, envolvendo cuidados particulares - alguns
dos quais são salientados na análise dos livros didáticos, nesta dissertação. Insere-se no
universo infantil, vinculado à escola e, como tal, seu papel reveste-se de importância, pois
tanto pode aproximar a criança do gosto pela leitura, quanto pode provocar o afastamento
da mesma.
O caminho da criança para outra pessoa passa pelo objeto. Efetivamente, o adulto
utiliza objetos reais para estabelecer uma ação conjunta e, deste modo, uma comunicação
com a criança. Assim, a comunicação inicial desta com o adulto será constituída com
objetos reais, com imagens, sons físicos claros, com entidades físicas, associadas com
instrumentos psicológicos. Este processo de mediação, dirigido pelo adulto ou outras
pessoas, permite que a criança desfrute de uma consciência im-própria, de uma memória,
atenção e inteligência emprestadas pelo adulto, que suplementam gradativamente a sua
visão de mundo e constróem pouco a pouco a sua mente. Esta será, durante muito tempo,
uma mente social que funciona em seu exterior, com apoios instrumentais e sociais
externos. O livro didático pode ser um destes apoios instrumentais.
À medida em que essa mente externa e social é dominada, com alguma maestria, e
são construídos correlatos mentais dos operadores externos, as funções psicológicas
superiores serão interiorizadas. É importante assinalar que o mecanismo de ajuda social
constitui-se em um dos paradigmas centrais do fato humano (COLL, 1988).
Empregar de modo consciente a mediação social implica, em termos educativos,
dar importância não somente ao conteúdo e aos mediadores instrumentais (o que é
ensinado e com que meios), mas também aos agentes sociais (quem ensina) e suas
peculiaridades (COLL; PALACIOS; MARCHESI, 1993). Pesquisar sobre o livro didático insere-

104
- Considerações Finais -

se nesta dinâmica. O livro didático é um objeto real, que contém um conjunto de


conteúdos e, como tal, é um mediador instrumental. O papel do professor (quem ensina) é
essencial, bem como são essenciais os elementos afetivos da criança com relação ao
professor e ao livro didático. São relevantes também, peculiaridades do livro didático, e é
nesta referência que pode ser salientada a comunicação visual do livro, sua qualidade
gráfica, integrando imagens e palavras e, deste modo, realizando de maneira mais eficaz e
significativa esse processo de mediação para a criança.

105
- Referências -

REFERÊNCIAS

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BARBOSA, Ana Mae T. B. As mutações do conceito e da prática. In: BARBOSA, Ana Mae
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_______. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. 6. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2005.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004.

BATISTA, Antônio A. G. Um objeto variável e instável: textos, impressos e livros didáticos.


In: ABREU, Márcia (org.) Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 1999, p.529-575.

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111
- Apêndices -

APÊNDICES

Apêndice A – Roteiro da entrevista com as professoras

A escolha dos livros didáticos


1) Como ocorreu a escolha dos livros didáticos que você usa?
2) Quando chegaram os livros didáticos atuais em sua escola?
3) Quais os aspectos que leva mais em conta na hora da escolha?
4) O aspecto visual do livro didático tem algum peso na hora da escolha?

O uso do livro didático


1) Com que freqüência usa o livro didático durante as aulas?
2) Como você usa o livro didático com os alunos?
3) Você observa alguma dificuldade dos alunos na hora de lidar com o livro didático?
4) Na sua opinião, qual a importância ou função dos livros didáticos no seu cotidiano?
5) Você acredita que os livros didáticos favorecem a compreensão dos conteúdos?

O aspecto visual dos livros didáticos


1) Você considera que o aspecto visual do livro didático auxilia os estudantes a
compreenderem o conteúdo?
2) Já observou alguma incoerência entre textos e imagens/ilustrações?
3) Para você existe alguma característica que incomode no aspecto visual dos livros
didáticos? (tamanho de letra, cores, diagramação,...)
4) Qual livro didático você julga o mais interessante e estimulante visualmente?
5) Quais as características que este livro didático possui que lhe são agradáveis e que
chamam sua atenção? (cores, imagens, tamanho dos textos, diagramação...)
6) Você considera o aspecto visual importante para uma criança gostar de um livro
didático?
7) Os alunos demonstram interesse pelo aspecto visual dos livros didáticos?
8) Você observa um maior interesse dos alunos em algum livro didático específico? Pela
sua observação, qual desperta mais o interesse deles?
9) Se pudesse fazer alguma sugestão em relação ao aspecto visual dos livros didáticos o
que sugeriria?
10) Fale um pouco sobre as diferenças visuais que você percebe entre os livros didáticos
que você utiliza.
11) Você já observou se as imagens nos livros didáticos retratam uma diversidade de
contextos, pessoas e culturas?

Exclusivamente para a professora de Arte


1) Você utiliza com os alunos algum livro didático de arte? Caso não trabalhe, que tipo de
material você utiliza com os alunos (livro de artista, reproduções)?

112
- Apêndices -

Apêndice B – Roteiro das perguntas para o Grupo Focal com os alunos

O uso do livro didático


1. Vocês tem livros, que não sejam os da escola, em casa?
2. Vocês gostam de ler? Costumam ler o quê?
3. Vocês lembram de algum livro que viram ou leram e que acharam interessante?
4. Como vocês costumam usar o livro didático na sala de aula?
5. Vocês usam o livro didático para estudar em casa também?
6. O livro didático ajuda na hora de estudar e de entender o assunto?
7. Para que serve o livro didático?
8. Como vocês cuidam dos seus livros didáticos?

O aspecto visual dos livros didáticos


9. O que vocês acham do visual dos livros didáticos? E da forma?
10. O que vocês podem dizer sobre as cores nos livros didáticos?
11. O que vocês acham do tamanho das letras?
12. O que vocês acham da quantidade de texto nas páginas?
13. Como são as imagens dos livros? Qualidade, tamanho ...
14. Vocês já notaram se nos livros didáticos aparecem imagens de pinturas?
15. Vocês acham que as imagens ajudam a entender um texto?
16. Qual livro didático vocês preferem para estudar? Por quê?
17. Qual livro didático vocês acham mais bonito? Por quê?
18. Do que vocês mais gostam nas aulas de Artes?
19. Vocês acham que é importante estudar Arte?
20. Vocês gostariam de ter um livro didático na aula de Artes?
21. Como vocês gostariam que fosse o livro didático? O que mais ele poderia ter?

113
- Apêndices -

Apêndice C – Termo de consentimento para participação em pesquisa

Srs. Pais,

Gostaria de obter sua permissão para que seu filho(a), estudante deste colégio, possa
participar e contribuir para uma pesquisa de mestrado. O objetivo desta pesquisa é
descobrir qual a percepção que as crianças tem da comunicação visual dos livros didáticos
e se ela contribui como mediadora entre o aluno e o processo de construção do
conhecimento no ensino fundamental.
Participar desta pesquisa é uma opção. Caso aceite que seu filho(a) participe desta
pesquisa gostaria de esclarecer que:
• a etapa da coleta de dados (entrevista com grupo de crianças) será gravada em vídeo,
porém este material será usado somente para fins de transcrição de texto;
• as imagens não serão divulgadas em nenhum meio de comunicação;
• as crianças não terão seus nomes divulgados na pesquisa (identidade preservada).

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA

Eu, ___________________________________________________, responsável pelo(a)


estudante __________________________________ autorizo-o a participar da pesquisa
intitulada “Imagens lidas & palavras vistas: o papel mediador do livro didático para a
criança” a ser realizada no próprio Colégio Estadual Padre Lux. Declaro ter recebido as
devidas explicações sobre a referida pesquisa e estar ciente de que a participação é
voluntária e que fui devidamente esclarecido(a) quanto aos objetivos e procedimentos
desta pesquisa.

Assinatura do(a) responsável: ______________________________________________.


Data: ____ de outubro de 2008.

Certa de poder contar com sua autorização, coloco-me à disposição para esclarecimentos.
Melissa Haag Rodrigues – pesquisadora.
Mestrado em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.

114

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