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Poesias barrocas

Gregório de Matos

À cidade da Bahia
"A cada canto um grande conselheiro. que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem goverar sua cozinha, e podem goverar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqùentado olheiro, que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados, trazidos pelos pés os homens nobres. posta
nas palmas toda a picardia. Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não
furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia."

Contemplando nas cousas do mundo

"Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais
carepa: Com sua língua ao nobre o vil decepa: O Velhaco maior sempre tem
capa.Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro
trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser
Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazio a tripa, E
mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa."

Bento Teixeira

Aqui deu fim a tudo, e brevemente


Aqui deu [fim] a tudo, e brevemente
Entra no Carro [de] Cristal lustroso;
Após dele a demais
Cerúlea gente
Cortando a vela vai do
Reino aquoso.
Eu, que a tal espetáculo presente
Estive, quis em Verso numeroso
Escrevê-lo por ver que assim convinha
Para mais perfeição da Musa minha.
Descrição do Recife de Pernambuco
Para a parte do Sul, onde a pequena
Ursa se vê de guardas rodeada,
Onde o Céu luminoso mais serena
Tem sua influição, e temperada:
Junto da Nova Lusitânia ordena
A natureza, mãe bem atentada,
Um porto tão quieto e tão seguro.
Que para as curvas Naus serve de muro.
É este porto tal, por estar posta
Uma cinta de pedra, inculta e viva,
Ao longo da soberba e larga costa, Onde quebra Netuno a fúria esquiva.
Entre a praia e pedra descomposta, O estanhado elemento se deriva Com tanta
mansidão, que uma fateixa
Basta ter à fatal Argos aneixa.
No meio desta obra alpestre e dura.
Uma boca rompeu o Mar inchado, Que, na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco de todos é chamado.
De Para'na, que é Mar:
Puca, rotura,
Feita com fúria desse Mar salgado.
Que, sem no derivar cometer míngua.
Cova do Mar se chama em nossa lingua.

Padre Manuel Bernardes

Mandar e Ensinar Através do Exemplo


Não há modo de mandar, ou ensinar mais forte, e suave, do que o exemplo:
persuade sem retórica, impele sem violência, reduzsem porfia, convence sem
debate. todas as dúvidas desata, e corta caladamente todas as desculpas.
Pelo contrário, fazer uma coisa, e mandar, ou aconselhar outra, é querer
endireitar a sombra da vara torcida.
Estado de Grandeza Dependente
A pura, perfeita, e absoluta liberdade consiste em não necessitar de coisa
alguma: e esta é própria dos bem-aventurados. Outra mais inferior consiste em
necessitar de poucas coisas: e quanto estas forem menos, tanto a liberdade será
de mais alto grau. E esta é a que na presente vida podemos,
e
devemos
procurar
(...).
Daqui se infere, que quanto maior é a grandeza de estado de uma pessoa, tanto
maior é o seu cativeiro (excepto aqueles poucos, que só no exterior são
grandes, e no seu interior pequenos): porque necessita de inumeráveis coisas
para o adquirir, e conservar: antes nessas mesmas coisas consiste o tal estado.

Padre Antônio Vieira

O Amor Fino
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor
causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porqué
nem para qué. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo.
para que me amem, é negociação, busco o que desejo.
Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem:
amo. porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido.
quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam,
nem para que o amem, só esse é fino.

A Maior Parte do que Sabemos é a Menor do que Ignoramos

A maior parte do que sabemos, é a menor do que ignoramos. Não se achou


varão tão perfeito no Mundo, que conhecesse o que tinha de sábio, senão
sabendo o que lhe faltava para perfeito. Não se viu ninguém tanto nos últimos
remates da perfeição, em quem não bruxoleassem sempre alguns desaires de
humano. (..) Não necessitando de nada os grandes, só de verdades necessitam;
porque, como custam caro, todo o cabedal da fortuna é preço limitado para
elas: por isso nos grandes são mais avultados os erros, porque erram com
grandeza e ignoram com presunção. Mais gravemente enferma o que logra
melhor disposição, que o que nunca deixou de ter achaques: e a razão é porque
a enfermidade que pôde vencer disposição tão boa, teve muito de poderosa;
ignorância a que não alumiou o discurso mais desperto, tirou as esperanças ao
remédio.

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