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POEMAS
Friedrich Hölderlin
(1770-1843)
Prefácio, Selecção e Tradução
de
PAULO QUINTELA
EDIÇÕES ROCIO
2020
https://sites.google.com/view/edicoesrocio/home
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Conforme com a 1.a edição, publicada em 1945 pelo Instituto de Cultura Alemã de Lisboa.
Actualizou-se a acentuação e a grafia, quando esta não implicava uma alteração métrica.
Dado o seu volume e carácter técnico, omitiu-se o amplo aparato de notas e comentários.
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A HÖLDERLIN
Detença, mesmo com as coisas mais íntimas,
não nos é dada; das imagens
cumpridas o espírito arroja-se repentino de mais para as que se querem
há-os só no eterno. Aqui, é a queda [cumprir; lagos
o mais próprio. Do sentimento sabido
precipitar-nos para baixo para o pressentido, mais além.
A ti, ó magnífico Invocador, a ti toda uma vida
te foi dada a instante imagem, e, quando a exprimias,
o verso fechava-se como um destino, havia uma morte
mesmo no mais suave, e tu entravas nela; mas o deus
que ia à tua frente guiava-te pra lá, pra fora dela.
Ó tu espírito errante, o mais errante! Como elas todas
moram no poema quente, agazalhadas e ficam
longamente na comparação estreita. Partícipes. Só tu
vagueias como a lua. E em baixo aclara-se e escurece
a tua paisagem noturna, santamente assustada,
que tu sentes em despedidas. Ninguém
a deu mais sublimemente, a restituiu ao Todo
mais inteira, menos pobre. Assim também
brincaste teu jogo santo por anos já não contados
com a infinita ventura, como se ela não fôsse interior, mas jazesse
por aí, pertença de ninguém, na macia
relva da Terra, abandonada por crianças divinas.
Ai, o por que os Altíssimos anseiam, puseste-o tu, sem desejo,
pedra sobre pedra: e ficou. Mas mesmo a sua queda
te não perturbaria.
Se um tal, eterno, houve um dia, porque é que nós
desconfiamos ainda do terrestre? em vez de no transitório
sèriamente aprender os sentimentos de qualquer
inclinação, futura no espaço?
(Irschenhausen, Setembro de 1914)
RAINER MARIA RILKE
(Späte Gedichte, Lípsia 1934, pág. 37-38)
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PREFÁCIO
Hölderlin, HYPERION
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Mas a nós cabe, sob a trovoada do deus,
Ó poetas! permanecer de cabeça descoberta,
E com a própria mão agarrar o raio do Pai,
O próprio raio, e, oculta na canção,
Oferecer ao povo a dádiva celeste.
*
Traduzir um poeta é sempre uma aventura. Mas — não o é já o
simples contacto com o poeta e com a poesia, quando um e outra são
puros e a alma os recebe sem prevenção que lhe limite e macule a
ingenuidade e a capacidade de entrega? Eu, por mim, não sei ler poetas
de outra maneira. E a sua grandeza e autenticidade avalio-as por esse
secreto sentido de elevação e força com que de mim se apoderam. Esse
«apoderar-se» é sempre uma violência uma aventura, pois, um
arrebatamento para terra incógnita; Quer isto dizer que os grandes
poetas, se o são, chamam sempre o leitor — se ele é também leitor
verdadeira e ingenuamente — à sua intimidade e de certa maneira o
identificam a si mesmos. Este sortilégio, este encantamento, quando se
trata de um poeta em língua estranha, é dobrado — (aqui fala,
evidentemente, só a minha pessoalíssima experiência) — de um
sentimento de necessidade de apropriação, de consubstanciação por
parte do leitor. Quanto mais afastada da nossa materna for a expressão
original do poeta, mais essa necessidade se faz sentir. O caso ganha
ainda especial acuidade se se trata de poetas que à sua própria língua
põem especiais exigências, poetas cuja expressão é já em si uma luta
com o próprio instrumento dela. O leitor sente-se forçado a embarcar na
aventura trágica — tanto mais trágica quanto é certo ele partir da
antecipada consciência da inutilidade ou, no melhor dos casos, da
insuficiência das suas possibilidades — de dar revestimento
expressional próprio àquilo que o poeta lhe comunica. É o tradutor — ao
fim e ao cabo, o traidor do estafado prolóquio.
Ora foi Hölderlin que disse : — «Darum ist der Güter Gefährlichstes,
die Sprache dem Menschen gegeben... damit er zeuge, was er sei...» —
«Por isso foi dada ao homem a língua, o mais perigoso dos bens... para
que ele dê testemunho de o que ele é...»
«O mais perigoso dos bens...» — Mas um bem, afinal. E viver-lhe
os perigos, embora ao cabo se não domem, é mútuo enriquecimento.
Isto nem sempre vai sem violências — mas não vai sobretudo sem uma
consciência lúcida da responsabilidade moral que a língua impõe, o
sentido claro da sua disciplina, e a íntima e funda convicção da verdade
última do nosso Poeta:
Coimbra,
1944.
PAULO QUINTELA
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HÖLDERLIN ● POEMAS
ÀS PARCAS
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BUONAPARTE
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TERRA NATAL
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CURSO DA VIDA
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O RIO AGRILHOADO
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DE MANHÃ
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FANTASIA DO ANOITECER
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AO DEUS DO SOL
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O IMPERDOÁVEL
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PERDÃO !
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DESPEDIDA
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- - - - - - - - - - - - aqui, onde na solitária
Cruz dos caminhos a dor mortal
Me derruba, a mim.
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OS AMANTES
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SÓCRATES E ALCIBÍADES
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BREVIDADE
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E pouco saber, mas muita alegria
É dada aos mortais.
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OS POETAS HIPÓCRITAS
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A DIOTIMA
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AO GÉNIO DELA
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A NOITE
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OS CARVALHOS
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O ÓCIO
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AO ÉTER
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LAMENTOS DE MÉNON POR DIOTIMA
1.
2.
4.
5.
Queria uma festa; mas para quê? e cantar com outros,
Mas assim sòzinho tudo me falta que seja dos deuses.
Esta, esta a minha impotência, bem sei, e uma maldição me tolhe
Os tendões, e me prostra, logo que começo, de tal forma
Que fico sem sentir todo dia e mudo, como as crianças;
Apenas dos olhos desliza por vezes a lágrima fria,
E a planta do campo, e o cantar das aves me entristece,
Pois também elas com sua alegria são mensageiros celestes,
Mas a mim, no peito arrepiado, o sol que dá alma
Parece-me frio e sem frutos, como raios da noite,
Ai! e vão e vazio, como muros de cárcere, o céu,
Um pesado fardo, me paira sobre a cabeça.
6.
7.
8.
9.
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O ARQUIPÉLAGO
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AOS POETAS
(O FOGO DO CÉU)
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RECORDAÇÃO
O Nordeste sopra,
O mais querido entre os ventos
Pra mim, pois promete fogoso
Espírito e boa viagem aos navegantes.
Vai pois agora e saúda
O belo Garona,
E os jardins de Bordéus
Ali onde na margem escarpada
Segue o atalho e para o rio
Lá baixo cai o regato, enquanto em cima
Contempla um nobre par
De carvalhos e choupos argênteos;
No mês de Março,
Quando a noite é igual ao dia,
E por sobre os atalhos vagarosos,
Pesadas de sonhos dourados,
Passam brisas embaladoras.
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O ÚNICO
O que é, isto
Que às velhas venturosas praias
Me prende, tanto, que inda mais
As amo do que à Pátria?
Pois como vendido
Em cativeiro divino
Ali vivo, onde Apolo andou
Em figura de rei,
E Zeus a inocentes efebos
Baixou e de maneira sacra
Gerou filhos e filhas,
O Excelso entre humanos.
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PATMOS
Ao Landegrave de Homburgo
Perto está,
E difícil de prender, o Deus.
Mas onde há perigo, cresce
Também o que salva.
No escuro moram
As águias, e intrépidas vão
As filhas dos Alpes sobre o abismo
Por pontes de construção leve e fácil.
Por isso, porque em volta se apinham
Os cumes do tempo, e os queridos
Vivem perto, esmorecendo
Em montes que tornam a distância infinita,
Dá-nos água inocente,
Oh dá-nos asas, pra voar pra lá
De ânimo fidelíssimo e voltar de novo.
Mas hospitaleira é
Em casa mais pobre
Ela também,
E quando do naufrágio, ou lamentando-se
Pela pátria ou pelo
Amigo morto,
Dela se abeira algum
Dos estranhos, ouve ela de bom grado; e seus filhos,
As vozes do bosque ardente,
E, onde a areia cai e se escancara
A face do campo, os sons,
Eles escutam-no, e um eco amoroso
Repete as queixas do homem. Assim acolheu
Ela outrora o amado de Deus,
O vidente, que em feliz juventude tinha
Andado com
O Filho do Altíssimo, inseparável; pois
O Portador-de-Tempestades amava a simpleza
Do discípulo, e o homem atento olhou
Com exactidão a face do Deus,
Quando, ao gozarem do mistério da vide, eles
Se sentaram juntos à hora do festim,
E, com pressentimento calmo na grande alma, o Senhor
Exprimiu a morte e o último amor, pois nunca bastantes
Palavras tinha pra falar
Da bondade, então, e pra serenar, quando
Viu a cólera do mundo.
Pois tudo é bom. A seguir morreu. Muito haveria
A contar disto. E seus amigos o viram inda por fim,
Como ele olhava triunfante, no cume da alegria.
E se os divinos agora,
Como creio, me amam,
Quanto mais a ti!
Pois uma coisa eu sei
Que a vontade
Do Pai eterno muito
Te importa. Calado é o seu sinal
No céu tonante. E alguém fica sob ele
Por toda a vida. Pois Cristo inda vive.
Mas vieram todos os heróis, seus filhos,
E sagradas escrituras vieram
Dele, e os feitos da terra
Explicam o relâmpago até agora,
Corrida irreprimível. E ele está presente. Pois suas obras
São-lhe conhecidas desde sempre.
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FRAGMENTOS DE POEMAS
DA ÚLTIMA FASE
IDADES DA VIDA
Ó cidades do Eufrates!
vielas de Palmira!
Ó bosques de colunas no plaino do deserto!
Que é de vós?
Enquanto passáveis as fronteiras
Dos que respiram,
Os vapores de fumo dos deuses
Tiraram-vos as coroas,
Tirou-vo-las o fogo;
Eis-me agora sentado sob nuvens
(Cada uma delas com seu próprio repouso),
Sob carvalhos bem ordenados,
Sobre a charneca da corça, e estranhos
Me parecem e mortos
Os espíritos dos bem-aventurados.
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SOBRE A LÍNGUA
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Tu falaste à divindade,
Mas todos vós esquecestes que sempre os primogénitos,
Mas aos deuses pertencem. [não aos mortais,
O fruto tem de fazer-se primeiro mais vulgar
E mais quotidiano, e então só é que ele
Cabe aos mortais.
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NOVO MUNDO
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A ROSA
Suave irmã!
Onde irei buscar, quando fôr inverno,
As flores, para tecer coroas aos deuses?
Então será, como se eu já não soubera do Divino,
Pois de mim terá partido o espírito da vida;
Quando eu buscar prendas de amor aos deuses,
As flores no campo escalvado,
E te não achar.
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METADE DA VIDA
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O MAIS IMEDIATO
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COLHEITA
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OS TITÃS
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- - - - - - em horas festivas,
E que eu possa repousar, pra me lembrar
Dos mortos. Morreram muitos
Generais em velhos tempos
E mulheres belas e poetas;
E em novos
Muitos dos homens.
Mas eu estou só.
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- - - - e navegando para o oceano
Preguntar às ilhas odorosas:
Para onde foram eles?
Mas dá alegria
O banquete, ou quando na festa
O olhar brilha, e de pérolas
O colo da virgem.
Também jogo bélico
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- - - - - e pelas veredas
Dos jardins clangora
A memória da batalha e suaviza-se
Junto ao peito esbelto.
As armas sonoras repousam
Dos pais heróicos aos filhos.
Mas a mim cerca-me o zumbido
Da abelha, e, onde o lavrador
Abre os regos, cantam pra a luz
Os pássaros. Muitos ajudam
Ao céu. A estes vê-os
O poeta. É bom poder suster-se
A outros. Pois ninguém suporta a vida sòzinho.
Mas sente-o
Também outra raça.
Pois na medida
É preciso também o brutal,
Para que o puro se reconheça.
Mas quando - - - - - - - - - - - - - - -
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E lança a mão às funduras,
Para as vivificar,
O que tudo abala, crêem eles
Que o divino desce
Até aos mortos, e poderosamente alvorece
No abismo ilimitado
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TERRA NATAL
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E ninguém sabe
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Deixa-me entretanto divagar
E colher amoras bravas,
Para apagar o amor de ti
Por teus caminhos, ó Terra,
Aqui, onde - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - e rosas e espinhos,
E doces tílias cheiram ao lado
Das faias, ao mei' dia, quando na seara pálida
Sussurra a crescença, em cada caule direito,
E a espiga inclina a cabeça para o lado,
Como o outono; mas agora sob a alta
Abóbada dos carvalhos, enquanto eu medito
E interrogo ao alto, o toque dos sinos
Tão meu conhecido
Ressoa de longe, com tom de ouro, à hora
Em que o pássaro de novo acorda. Assim é possível, talvez.
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- - - - - - há porém
Uma geração escura, que nem gosta de ouvir
Um semi-deus, nem quando um divino aparece
Com homens nas vagas, informe, nem honra
A face do puro, do próximo
Deus omnipresente.
POEMAS DA LOUCURA
DOMINGO
A PRIMAVERA
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A BELEZA ...
A beleza é própria das crianças,
É talvez mesmo a imagem de Deus,
É sua pertença a calma e o silêncio,
E traz também louvor aos anjos.
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