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HÖLDERLIN

POEMAS

Friedrich Hölderlin
(1770-1843)

 
Prefácio, Selecção e Tradução
de
PAULO QUINTELA

 
 
EDIÇÕES ROCIO
2020
 
https://sites.google.com/view/edicoesrocio/home
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Conforme com a 1.a edição, publicada em 1945 pelo Instituto de Cultura Alemã de Lisboa.
Actualizou-se a acentuação e a grafia, quando esta não implicava uma alteração métrica.
Dado o seu volume e carácter técnico, omitiu-se o amplo aparato de notas e comentários.

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A  HÖLDERLIN
 
Detença, mesmo com as coisas mais íntimas,
não nos é dada; das imagens
cumpridas o espírito arroja-se repentino de mais para as que se querem
há-os só no eterno. Aqui, é a queda [cumprir; lagos
o mais próprio. Do sentimento sabido
precipitar-nos para baixo para o pressentido, mais além.
A ti, ó magnífico Invocador, a ti toda uma vida
te foi dada a instante imagem, e, quando a exprimias,
o verso fechava-se como um destino, havia uma morte
mesmo no mais suave, e tu entravas nela; mas o deus
que ia à tua frente guiava-te pra lá, pra fora dela. 
Ó tu espírito errante, o mais errante! Como elas todas
moram no poema quente, agazalhadas e ficam
longamente na comparação estreita. Partícipes. Só tu
vagueias como a lua. E em baixo aclara-se e escurece
a tua paisagem noturna, santamente assustada,
que tu sentes em despedidas. Ninguém
a deu mais sublimemente, a restituiu ao Todo
mais inteira, menos pobre. Assim também
brincaste teu jogo santo por anos já não contados
com a infinita ventura, como se ela não fôsse interior, mas jazesse
por aí, pertença de ninguém, na macia
relva da Terra, abandonada por crianças divinas.
Ai, o por que os Altíssimos anseiam, puseste-o tu, sem desejo,
pedra sobre pedra: e ficou. Mas mesmo a sua queda
te não perturbaria.
Se um tal, eterno, houve um dia, porque é que nós
desconfiamos ainda do terrestre? em vez de no transitório
sèriamente aprender os sentimentos de qualquer
inclinação, futura no espaço?
   (Irschenhausen, Setembro de 1914)
RAINER MARIA RILKE
(Späte Gedichte, Lípsia 1934, pág. 37-38)
 
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PREFÁCIO

«Es bleibt uns überall noch eine Freude. Der


echte Schmerz begeistert. Wer auf sein Elend tritt,
steht höher. Und das ist herrlich, dass wir erst im
Leiden recht der Seele Freiheit fühlen.»

(«Por toda parte nos resta ainda uma alegria. A


dor pura entusiasma. Quem sobe sobre a própria
miséria, está mais alto. E é magnífico saber que só na
dor sentimos bem a liberdade da alma.»

Hölderlin, HYPERION 

Hugo von Hofmannsthal escreveu a 7 de Abril de 1927, numa carta


há pouco publicada, a Ruth Sieber-Rilke, a filha de Rainer Maria Rilke:
«Quando eu era ainda moço, poucos sabiam de Hölderlin senão
que fora louco e que "mesmo na loucura escrevera ainda alguma coisa".
As obras estavam esgotadas, mas quem as procurasse no alfarrabista
arranjava por pouco dinheiro a primeira e única edição: pois ninguém se
preocupava com elas. Mas quando a gente abria o livro e deparava com
"Patmos" entre as "poesias do período da loucura" e ia compondo, verso
a verso, o poema desconhecido e esquecido, que ressurreição de
gigante se não sentia no próprio peito!» (CORONA, 10. Jahr, 6. Heft, pág.
800-801).
Daqui se pode já adivinhar grande parte do trágico destino de
Hölderlin, em vida e mesmo depois de morto, que há más estrelas que
se não apagam com a vida dos que amaldiçoaram à nascença.
1770-1843 — 73 anos: bela idade! Se não fôra… Sim, se não fôra o
Poeta ter já adivinhado o seu fado ao escrever, numa carta célebre:
«Todos os dias tenho que invocar de novo a divindade
desaparecida. Quando penso em grandes homens, em tempos grandes,
e como eles, fogo sagrado, alastravam à sua volta e transformavam em
chama tudo o que era morto, seco, a palha do mundo que com eles
subia ao céu: e penso então em mim, fraca candeia de pouco brilho, a
andar por aí com desejos de pedir a esmola de uma gota de azeite para
poder alumiar mais um bocado da noite — então repassa-me os
membros um calafrio estranho, e digo baixo a mim próprio as palavras
horríveis: Morto vivo!»
«Morto vivo!» — Tinha 29 anos quando o seu demónio lhe
segredou ao ouvido a sentença terrível e irrevogável que se cumpriu
poucos anos mais tarde.
Não vou dar aqui, evidentemente, a biografia circunstanciada do
Poeta. Acho porém absolutamente necessário — e no caso especial de
Hölderlin, que se presta, e nos últimos tempos, por circunstâncias em si
compreensíveis, tem sido de facto abusivamente sujeito à construção e à
especulação mitológica e metafísica — acho necessário, repito, e
conveniente, a referenciação biográfica. Um poeta é, ao cabo, (foi um
poeta que o disse...) «um homem que fala a outros homens»
(Wordsworth), e a sua obra é condicionada, quer se queira quer não,
pela sua vida. É um documento humano, e humano individual. Tudo isto,
claro está, sem querer cair no vício do biografismo, e sem querer negar à
obra poética, como à obra artística em geral, o valor independente,
objectivo, que ela possa ter, e de facto tem, fora da personalidade do
seu autor.
*
Nascido em Lauffen, nas margens do Neckar, a 20 de Março de
1770, de família de tradições semi-eclesiásticas, o rapaz duas vezes
órfão de pai — o pai verdadeiro, morto quando ele contava apenas dois
anos, fôra pouco depois substituído pelo padrasto, cuja morte, quando
ele tinha nove anos, lhe implantou na alma, como ele próprio mais tarde
confessa, aquela «tendência para o luto» que os anos foram acentuando
(carta à mãe, de 18 de Junho de 1799) —, foi destinado à carreira de
teólogo, e para isso correu os seminários de Denkendorf e Maulbronn da
sua Suábia natal, e deles passou, segundo a tradição dos alunos pobres
e de boa cabeça, para o Stift de Tubinga. Amizades e dedicações
contraídas nestes anos duraram pela vida fora: o confidente Neuffer, o
fiel Sinclair, e, de entre os mais tarde célebres no mundo do espírito, os
seus dois companheiros inseparáveis do tempo de Tubinga: Hegel e
Schelling. Outros fixaram na memória a sua figura de Apolo ao entrar na
sala comum ou a impressão do seu invulgar virtuosismo musical que
conservou até na loucura. Estava-se na altura da Revolução Francesa.
As circunstâncias eclesiásticas alemãs não eram de molde a prender
uma natureza moralmente exigente como a de Hölderlin. Faz, contudo, o
seu exame de teólogo, e parte para a vida separando-se de Hegel e de
Schelling com a senha: «Reich Gottes!» — «Reino de Deus!» Toma
então o único caminho que ficava livre a indivíduos nas suas condições
que quisessem fugir aos deveres do púlpito: a profissão de Hofmeister
ou preceptor de meninos de famílias ricas, espécie de criado de melhor
qualidade. O que uma situação destas significava para a sensibilidade
do poeta pode adivinhar-se quando escreve à mãe que «um preceptor
(Hofmeister) [...] é por toda a parte a quinta roda do carro».
Os dez anos de peregrinação a servir alheios começam nos fins de
1793 em Waltershausen junto de Meiningen, em casa de Charlotte von
Kalb, a grande amiga de Schiller a quem o poeta tinha recomendado o
seu jovem patrício. Pouco depois vamos encontrá-lo em Iena, já liberto
dos deveres de preceptor, no convívio de Schiller e de Fichte, cujos
cursos freqüenta. Conhece Goethe e visita Herder em Weimar. Publica
na revista de Schiller a Canção do Destino de Hyperion e um fragmento
do romance do mesmo nome. O embate com as duas personalidades
titânicas de Schiller e Fichte provoca a primeira grande crise de
Hölderlin. O convívio com Schiller ora o exalta ora o deprime. Mais tarde
confessa pertencer-lhe, pelo menos como res nullius (carta de 4 de Set.
de 1795), e noutra carta diz que Schiller é o único homem perante quem
perdeu a sua liberdade (20 de Nov. de 1796). Mas o perigo da situação
está bem claramente exposto noutra, já do período de Francoforte, de
1797: «O Sr. excita-me de mais quando estou ao pé de si. Sei ainda
muito bem como a sua presença me inflamava, a ponto de no dia
seguinte não ser capaz de apreender uma ideia. Enquanto estava na
sua frente, o coração quase me era pequeno demais, e quando me
afastava não tinha forças para aguentá-lo». Noutra, de 30 de Junho de
1798, a clarificação do conflito íntimo vai ainda mais fundo: «Posso por
isso confessar-lhe à vontade que estou por vezes em luta secreta com o
seu génio para salvar dele a minha liberdade, e que o medo de ser por si
completamente dominado me impediu já muitas vezes de me aproximar
de si com serenidade». — Se assim me demorei na documentação deste
combate interior que acompanha Hölderlin através de toda a sua vida
consciente posterior e que se baseia numa quase identidade
temperamental entre ele e Schiller, e que este de resto ocasionalmente
reconheceu também, é porque ele é nodular e constitui um dos fulcros
sobre que assenta a sua personalidade e de que deriva a sua tragédia.
A sua integridade humana e artística corria risco de absorção pela força
irresistível deste gigante. À necessidade de defesa dessa integridade
vinha juntar-se o sentimento de impossibilidade de aceitação pessoal do
sistema de Fichte, que do Eu absoluto fazia sair todo o mundo, e que em
seu entender, como escreve numa carta a Hegel (26 de Jan. de 95),
conduzia à aniquilação do eu individual. Está-se a ver a solução: o
afastamento, a fuga precipitada de Iena, abandonando entretanto os
projectos de alcançar um lugar de docente na Universidade e buscando
refúgio no lar materno onde se demora uns escassos meses, pois a
necessidade de ganhar o pão sem ter que recorrer ao púlpito, como a
mãe desejava, leva-o a aceitar novo lugar de preceptor.
É então, em princípios de 1796, que se instala em casa do
banqueiro Jakob Gontard, de Francoforte-sobre-o-Meno.
O que a vida no novo meio de uma grande cidade comercial
poderia ter sido para o moço poeta pressente-o Schiller com a sua fina
sensibilidade ao escrever a Goethe, a 30 de Junho de 1797: «Hölderlin
vive agora como preceptor em casa de um comerciante de Francoforte e
vê-se, portanto, em coisas de gosto e poesia, reduzido só a si mesmo e,
nesta situação, cada vez se mete mais dentro de si próprio».
Goethe dá assim ao amigo as impressões da vida na sua cidade
natal, em carta de 9 de Agosto do mesmo ano: «Feriu-me singularmente
a atenção o verdadeiro modo de ser do público de uma grande cidade.
Vive numa constante vertigem do lucro e do gozo, e aquilo a que nós
chamamos atmosfera (Stimmung) não se pode criar nem comunicar;
todos os prazeres, mesmo o teatro, devem apenas distrair, e a grande
inclinação do público ledor por jornais e romances provém de que
aqueles, sempre, e estes, muitas vezes, trazem distracção à distracção.
— Suponho mesmo ter notado uma espécie de timidez em face das
produções  poéticas, pelo menos enquanto poéticas, timidez que, por
essas mesmas razões, me parece muito natural. A poesia requer, exige
mesmo, concentração; isola o homem contra a sua vontade, torna-se por
vezes molesta e importuna nas suas exigências e é no largo mundo
(para não dizer no grande mundo) tão incómoda como uma amante fiel».
A índole vibrátil de Hölderlin e a sua hipersensibilidade poética e
moral não teriam de certo resistido ao embate de meio tão brutalmente
incompreensivo e egoísta se não fôsse encontrar, dentro da mesma
casa onde servia, ampla compensação para a rudeza de tais golpes.
Vamos agora assistir à grande, verdadeiramente à única
experiência amorosa do Poeta, vivência que, em meu entender — aqui a
palavra pertence pròpriamente aos psiquiatras, não aos historiadores da
literatura —, está imediatamente na base da crise que conduz ao
colapso final. — Depois de ter passado anos a construir na imaginação a
beleza feminina ideal, símbolo do seu sonho helénico e da sua saudade
de identificação com a Natureza, eis que o ideal se materializa e vem ao
seu encontro na pessoa de Susette Gontard, esposa do dono da casa e
mãe dos seus educandos, que ele vai imortalizar sob o nome de Diotima
(que vai buscar a Platão) no romance Hyperion e nos poemas.
A 26 de Junho desse ano escreve a Neuffer, seu velho confidente:
— «...Há um ser no mundo junto do qual o meu espírito se pode e se há-
de demorar milénios, para ao cabo ver ainda como o nosso pensar e o
nosso compreender são de principiantes em face da Natureza. Graça e
distinção, e serenidade e vida, e espírito e alma (Gemüt) e figura
reuniram-se neste ser num todo uno e feliz». Assim «alegre como uma
águia», quem poderá reconhecer nele o Hölderlin que fugiu de Iena e
que ainda há pouco escrevia ao mesmo amigo que «agora se refugiava
de novo em Kant, como sempre que não podia tolerar-se a si mesmo»?
(Registemos, de passagem, a acção confessadamente deprimente
e inquietante que o estudo da filosofia exerce sobre o espírito e a alma
do Poeta, como ele diz numa das suas últimas cartas. O facto é tanto
mais curioso e impressionante quanto é certo a sua capacidade
especulativa estar amplamente documentada nos seus artigos de
carácter estético e filosófico e a sua acção se ter exercido sobre espíritos
como os de Hegel e de Schelling).
Reatando: — Este estado de exaltação amorosa é acompanhado
de um recrudescimento da actividade poética. Abandonam-no «os
espíritos infernais» que trouxera da Francónia e «os espíritos aéreos de
asas metafísicas» que o acompanharam de lena (carta a Hegel, de 20
de Nov. de 1796). Retoma e refunde definitivamente o manuscrito do
pequeno romance elegíaco Hyperion ou o Eremita na Grécia que,
recomendado por Schiller, o grande editor Cotta publica em dois
voluminhos respectivamente na Páscoa de 97 e na Páscoa de 99.
Sob o ponto de vista da actividade lírica, é este certamente o
período mais produtivo da sua vida. Despede-se, até ao período da
loucura, da lírica rimada com esse belíssimo poema Diotima:
 
Lange tot und tiefverschlossen,
Grüsst mein Herz die schöne Welt...

Longo tempo morto e sepultado,


Meu coração saúda o mundo belo...
 
É um autêntico renascer.
Começa o período das odes clássicas, que Klopstock introduzira e
que ele levou à perfeição, usando sobretudo a estrofe alcaica. Vêm
também os extensos poemas em verso longo, que hão-de culminar mais
tarde nessas «sinfonias líricas», como alguém lhes chamou (H. A. Korff),
Der Archipelagus e Brot und Wein.
Como é estranho ver este jovem de vinte e oito anos, propenso
naturalmente à exaltação e aos extremos, dirigir-se, nestes termos
serenos,

Aos Poetas Jovens


Queridos Irmãos! talvez a nossa arte amadureça,
Pois, como o jovem, há muito ela fermenta já,
Em breve em beleza serena;
Sêde, então, devotos, como o grego o foi.
Amai os deuses e pensai nos mortais com amizade!
Odiai a ebriedade como o gêlo! não ensineis nem descrevais!
Se o mestre vos assusta,
Pedí conselho à grande Natureza!
 
A pequena ode é bem expressiva da sua nova atitude perante
Schiller. Encontra finalmente a sua voz e o seu tom próprios. Serena
beleza clássica. Justa medida. Arte amadurecida no amor dos deuses e
na amizade dos homens. Nem ebriedade exaltada, nem frieza de gêlo.
Amor à grande mestra Natureza, em quem se pensa sempre «quando é
precisa uma grande palavra», como noutra ode se diz.
Se deste amor (repare-se na singularidade da palavra, que tem a
sua intenção: — amor, não amores...), se deste amor de Hölderlin e
Susette Gontard, a grega «perdida num século pobre sem espírito e sem
ordem» (carta a Neuffer, de 16 de Fev. de 1797), o poeta sai
infinitamente enriquecido, o homem, como era fatal pelas regras de um
meio acanhadamente burguês como era o de Francoforte ao tempo, sai,
ao cabo de quase três anos — em Outubro de 1798, humilhado no seu
orgulho e deprimido de espírito, em abatimento que o tempo apenas irá
agravando até ao desfecho já agora irremediável. Continua a furtar-se,
com coragem inabalável, às solicitações da mãe para que ingresse por
fim na carreira eclesiástica e arranje modo de vida estável e de respeito.
Vai para Homburg vor der Höhe, para o pé de Sinclair, o amigo dos
tempos de Tubinga. Aqui trabalha desesperadamente — será a sua
vingança — na tragédia A Morte de Empédocles, que não consegue
concluir, mas cujas várias versões e planos se encontram mais tarde no
seu espólio. De Homburg é toda uma série de poemas, entre eles
Menons Klagen um Diotima (Lamentos de Ménon por Diotima), que é, ao
lado da Elegia de Marienbad de Goethe, uma das duas mais belas
elegias de amor da literatura alemã, e Der Archipelagus a que já me
referi. De Homburg também toda essa aflitiva e trágica correspondência
com Diotima — aflitiva na sua resignação, trágica pelo que deixa
adivinhar da tempestade desfeita que se aproxima.
«Se eu pouco a pouco me tivesse podido fazer artista a teus pés,
em paz e liberdade» — escreve-lhe ele na carta a acompanhar o
segundo volume do Hyperion — «parece-me que teria sido depressa
isso por que o meu coração anseia no meio de toda a dor, em sonhos e
à luz do dia, e muitas vezes em mudo desespero».
O manuscrito desta carta acaba abruptamente no meio da lauda,
depois da frase: «Tenho já pensado se não poderíamos viver da
renúncia, se nos não faria fortes dizermos decididamente adeus à
esperança...».
Na página de trás deste rascunho escreveu mais tarde:
 
Reines Herzens zu sein
Das ist das Höchste
Was Weise ersannen,
Weisere taten.

Ser de coração puro


É o mais alto
Que sábios pensaram,
Mais sábios fizeram.

Se o homem a não consegue vencer, o artista supera a própria dor,


e, como Hyperion, sobe mais alto sobre a própria miséria, e ascende da
elegia à ode, na estrofe final dos Lamentos de Ménon por Diotima.
Vai recomeçar a peregrinação, depois de falhar o projecto de
fundação de uma revista literária de cuja direcção se prometia viver e
conservar-se em Homburg, perto de Francoforte e de Diotima. Vai
primeiro para Nürtingen, junto de Estugarda, para o pé da mãe; depois
para Estugarda, onde espera viver de lições; regressa ao ofício de
Hofmeister, desta vez em Hauptwyl na Suíça, junto do Lago Constança,
onde se demora apenas poucos meses. Aumenta o desassossego. De
Nürtingen, da casa materna, escreve a célebre carta a Schiller, de 2 de
Junho de 1801, que é quase um apêlo de desesperado. Hölderlin
pretende regressar a Iena para dar lições na Universidade, actividade a
que tem direito. Lê-se nessa carta:
«O Senhor alegra todo um povo, e raras vezes dá por tal. Por isso
talvez lhe não pareça sem valor ver nascer em alguém, que fundamente
o venera, uma nova alegria de viver vinda de si.
«Esqueceria muitas, muitas coisas no momento em que pudesse
tornar a vê-lo e saudá-lo com a mesma veneração com que o fiz da
primeira vez que o encontrei».
Schiller não respondeu a esta carta.
Dezembro de 1801, Hölderlin vai partir para Bordéus, mais uma vez
para a velha miséria de preceptor, agora em casa de um consul
hamburguês naquela cidade. Com que ânimo o faz, vê-se do que
escreve a um amigo que vive em Espanha (a Böhlendorf, 4 de Dez.
1801): «Agora todo eu sou despedida. Há muito tempo que não chorava.
Mas custou-me lágrimas amargas quando me resolvi a abandonar a
minha pátria, talvez para sempre. Pois que tenho eu de mais querido no
mundo? Mas não precisam de mim aqui. De resto quero e hei-de ficar
alemão, ainda que as necessidades do coração ou do sustento me
levem para Taiti...».
E parte. Durante longos meses não há notícias dele. A carta que
Sinclair lhe escreve em fins de Junho de 1802, participando-lhe a morte
de Susette Gontard, já lhe não chega às mãos em Bordéus, pois pouco
mais ou menos por essa altura aparece ele de novo na pátria, feito um
farrapo irreconhecível, depois de ter atravessado a pé a França de
fronteira a fronteira. Numa carta ao amigo de Espanha, de 2 de Dez.
desse ano, diz: ...«como se conta dos heróis, posso bem dizer que Apolo
me feriu».
Mas ainda não é o fim. Schelling encontra-o, em Julho de 1803, em
estado «nojento», e recomenda-o ao cuidado de Hegel, se ele for a Iena
tratar-se. Solicitude de amigos e parentes restabelecem-no. Sinclair
arranja-lhe mesmo, graças às suas relações com o landegrave de
Homburg, um lugar de bibliotecário. Traduz Sófocles — Édipo o Tirano e
Antígona — que publica. Mas, sobretudo, compõe esses estupendos
hinos e fragmentos de hinos, que, só por si, constituem uma completa
renovação da lírica alemã, levando ao máximo das suas possibilidades
de expressividade pessoal e de intensidade esse ritmo livre que
Klopstock introduzira na poesia germânica e que Goethe utilizara nos
seus hinos da juventude.
O colapso final do poeta vem em 1806. Passado o período de fúria,
Sinclair, uma vez que a medicina não dá esperanças, entrega-o aos
cuidados de um mestre marceneiro de Tubinga, Zimmer de nome, em
casa de quem fica vivendo até ao fim. É o gáudio dos estudantes e dos
garotos de Tubinga que se divertem a enfurecê-lo. De vez em quando,
um ou outro poeta ou amigo da poesia, que ainda se lembra de quem foi
Hölderlin, visita-o. Trata os estranhos com títulos pomposos: Vossa
Alteza, Vossa Majestade, Vossa Santidade... Ele quer ser,
simplesmente, o «Senhor Bibliotecário». E faz versos, quando lhos
pedem, que assina com nomes estranhos: Killalusimeno, Buonarotti,
Skartanelli, Scardanelli. Lê alto as Odes de Klopstock e o próprio
Hyperion. Lembra-se de Schiller, mas não sabe (ou não quer saber)
quem é Goethe. Fica indiferente quando lhe dizem que lhe publicaram
os versos em volume.
A figura de Diotima ainda, de vez em quando, o chama do outro
mundo —

Wenn aus der Ferne, da wir geschieden sind,


Ich dir noch kennbar bin, die Vergangenheit,
O du Teilhaber meiner Leiden!
Einiges Gute bezeichnen dir kann,

So sage, wie erwartet die Freundin dich?


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Se de tão longe, pois nos separamos,


Te sou ainda reconhecível, e o passado,
Ó companheiro de minhas dores!
Te pode ainda significar algum bem,

Dize então, como é que a Amiga te espera?


---------------------------

É ainda, em fugazes momentos, a voz antiga, distinta e consciente.


O fantasma continua a aparecer-lhe pela vida fora, e ainda depois de
1841, já septuagenário, responde a Johann Georg Fischer, que o visita
com frequência: «Ach, meine Diotima! reden Sie mir nicht von meiner
Diotima! Dreizehn Söhne hat sie mir geboren, der eine ist Papst, der
andere ist Sultan, der dritte ist Kaiser von Russland» — «Ai, a minha
Diotima! não me fale da minha Diotima! Deu-me treze filhos: um é papa,
outro é sultão, o terceiro é imperador da Rússia» — e acrescenta
precipitadamente, no dialecto dos campónios da sua Suábia natal: «Und
wisset Se, wie 's no ganga ist ? Närret ist se worde, närret, närret,
närret!» «E sabe o que lhe aconteceu? Enlouqueceu, pôs-se louca,
louca, louca!» (cit. ap. Paul Wiegler, Geschichte der Deutschen Literatur,
II, pág. 47).
Enquanto a mãe vive, manda-lhe cartas breves, duma cortesia
afectada e formal, no meio das quais aparecem coisas assim:
«Perdoe-me, minha querida Mãe, se não puder fazer-me
compreender inteiramente pela Senhora.
«Repito-lhe com todo o respeito o que já tive a honra de lhe dizer.
Peço ao bom Deus que, como eu falo como sábio, nos ajude em tudo à
Senhora e a mim.
«Tome-me à sua guarda. Este nosso tempo leva tudo exactamente
à letra e é todo-misericordioso.
«Entretanto
seu
filho muito obediente
FRIEDERICH HÖDERLIN.»
(Briefe, 427-428)

Assim infantil e inofensivo, megalómano e humilde, solitário e


esquecido, passa nas trevas da loucura mais de metade da sua longa
vida. O corpo morreu-lhe em 7 de Junho de 1843.

Quatro anos depois do nascimento de Hölderlin é publicado o


Werther de Goethe. Em maio de 1805, quer dizer, coincidindo quase
com o colapso final do nosso Poeta, morre Schiller em Weimar. O
escasso decénio da sua actividade artística condiz quase exactamente
com o grande «decénio clássico» de Schiller e Goethe.
Estes marcos são necessários para bem situarmos Hölderlin no seu
tempo. Referindo-o aos cumes máximos, mede-se-lhe melhor a altura.
— Mas isto diz só respeito à sua implantação no tempo e dela se não vê
o inopinado do seu aparecimento. A sua personalidade artística é
inenquadrável nas categorias críticas existentes — e os que o têm
estudado, acentuando um ou outro aspecto dessa personalidade e da
obra que nos deixou, têm-no classificado ora de clássico, ora de
romântico. O Professor H. A. Korf, da Universidade de Lípsia, no 3.°
volume, recentemente publicado, da sua obra monumental sobre o
Espírito da Época de Goethe, fala, a propósito de Hölderlin, de
«classicismo romântico». Fórmula ambígua e de compromisso, como se
está vendo, mas que, na tentativa de síntese dos dois conceitos polares,
atribuindo a um a função substantiva a que o outro vem adjectivar-se —
dando, pois, de certo modo, lugar preponderante ao elemento clássico
—, serve para mostrar a complexidade do problema. Personalidade
isolada e surpreendente, Hölderlin furta-se à inclusão unívoca, completa
e definitiva em qualquer das categorias tradicionais, e força os críticos a
um alargamento de conceitos e de quadros de arrumação.
É da meditação e da conjugação e aprofundamento crítico de cinco
Leitmotive extraídos das obras de Hölderlin, que considera «o poeta do
poeta», que o filósofo existencialista Martinho Heidegger tenta apreender
a essência da poesia. Ao escolhê-lo, de entre tantos, como paradigma, o
filósofo vê bem o grau de alta pureza e a amplitude — e sobretudo a
fundura — que a poesia atingiu em Hölderlin — e «poeta do poeta» é
bem o epíteto que lhe convém, não só por ter feito da poesia e sua
missão motivos de meditação e tratamento poético, mas também, e
principalmente, pela virgindade pura da emoção, pela dádiva exclusiva e
perigosa à sua vocação, pelo sacrifício pleno da personalidade ao
chamamento do seu demónio interior. Se há poetas mais amplos, de
surto mais largo — e há-os em qualquer grande literatura: Dante,
Shakespeare, Goethe, Camões —, difìcilmente encontraremos quem o
acompanhe na altura do vôo a pino e na fundura do mergulho. Está
isolado tràgicamente no cume perigoso da sua obediência à voz que o
comanda e que faz dele, no dizer de Nietzsche, um «Mundstück
jenseitiger Imperative», — «porta-voz de imperativos de além».
Incompreendido na sua grandeza durante todo um século sem
antenas capazes de lhe captarem a voz pura e longínqua, os grandes
abriram-se-lhe e acolheram-no — Nietzsche, Dilthey, Stefan George,
Rainer Maria Rilke.
Sòzinho no seu tempo e no seu povo — ele que quis ser o cantor
dos destinos do seu povo —, Hölderlin nunca será, a despeito de todos
os esforços exegéticos e construtivos, um poeta popular. Não é também,
ao que me quer parecer, um poeta de determinação puramente alemã,
inapreensível na essência ao estrangeiro, como afirmou, antes de muitos
outros, N. von Hellingrath, por mais importante e decisivo que seja o
papel do «nacional» nos poemas da última fase — mas sim um cume da
cultura ocidental de raiz helénica. Se superou o helenismo — e foi esse
o seu grande passo cultural, em que ultrapassou Goethe e pôs o fecho a
toda a longa evolução do classicismo alemão nas suas relações com o
espírito grego, desde Winckelmann e Klopstock, passando por Wieland,
Lessing, Herder, Goethe, Schiller —, a verdade é que o não renegou, e a
sua grandeza há-de aferir-se pelo estalão helénico.
Teve da poesia uma concepção sacral, que era filha da sua funda e
essencial religiosidade perante a Natureza e a Vida. O homem, afastado
há muito da comunidade familiar dos deuses, tem de regressar a essa
comunidade. O poeta será o medianeiro, o sacerdote mais tarde, na fase
final, mesmo o profeta. Foi assim na Grécia da sua saudade, onde «a
poesia» — diz ele numa carta ao editor de uma revista literária (Briefe,
pág. 350) — [...] «em toda a sua essência, no seu entusiasmo, como na
sua modéstia e sobriedade, é um sereno serviço divino...»
O poeta será um «vaso sagrado», como se diz no fragmento
«Bonaparte» adiante publicado. Como todo o que sacrifica aos deuses,
terá que ser puro de coração e de mãos limpas de culpa. É o que se diz
nesse maravilhoso hino da fase final, dirigido Aos Poetas, que é do que
de mais essencial se tem dito sobre a poesia:

- - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - -- - - - - - - -
Mas a nós cabe, sob a trovoada do deus,
Ó poetas! permanecer de cabeça descoberta,
E com a própria mão agarrar o raio do Pai,
O próprio raio, e, oculta na canção,
Oferecer ao povo a dádiva celeste.

Pois se nós formos puros de coração,


Como crianças, e as nossas mãos sem culpa,
O raio do Pai, puro, não o queimará,
E, fundamente abalado, sofrendo com o deus
A dor do deus, o coração eterno bate firme.

*
Traduzir um poeta é sempre uma aventura. Mas — não o é já o
simples contacto com o poeta e com a poesia, quando um e outra são
puros e a alma os recebe sem prevenção que lhe limite e macule a
ingenuidade e a capacidade de entrega? Eu, por mim, não sei ler poetas
de outra maneira. E a sua grandeza e autenticidade avalio-as por esse
secreto sentido de elevação e força com que de mim se apoderam. Esse
«apoderar-se» é sempre uma violência uma aventura, pois, um
arrebatamento para terra incógnita; Quer isto dizer que os grandes
poetas, se o são, chamam sempre o leitor — se ele é também leitor
verdadeira e ingenuamente — à sua intimidade e de certa maneira o
identificam a si mesmos. Este sortilégio, este encantamento, quando se
trata de um poeta em língua estranha, é dobrado — (aqui fala,
evidentemente, só a minha pessoalíssima experiência) — de um
sentimento de necessidade de apropriação, de consubstanciação por
parte do leitor. Quanto mais afastada da nossa materna for a expressão
original do poeta, mais essa necessidade se faz sentir. O caso ganha
ainda especial acuidade se se trata de poetas que à sua própria língua
põem especiais exigências, poetas cuja expressão é já em si uma luta
com o próprio instrumento dela. O leitor sente-se forçado a embarcar na
aventura trágica — tanto mais trágica quanto é certo ele partir da
antecipada consciência da inutilidade ou, no melhor dos casos, da
insuficiência das suas possibilidades — de dar revestimento
expressional próprio àquilo que o poeta lhe comunica. É o tradutor — ao
fim e ao cabo, o traidor do estafado prolóquio.
Ora foi Hölderlin que disse : — «Darum ist der Güter Gefährlichstes,
die Sprache dem Menschen gegeben... damit er zeuge, was er sei...» —
«Por isso foi dada ao homem a língua, o mais perigoso dos bens... para
que ele dê testemunho de o que ele é...»
«O mais perigoso dos bens...» — Mas um bem, afinal. E viver-lhe
os perigos, embora ao cabo se não domem, é mútuo enriquecimento.
Isto nem sempre vai sem violências — mas não vai sobretudo sem uma
consciência lúcida da responsabilidade moral que a língua impõe, o
sentido claro da sua disciplina, e a íntima e funda convicção da verdade
última do nosso Poeta:

«WAS BLEIBET ABER, STIFTEN DIE DICHTER»

«MAS O QUE FICA, OS POETAS O FUNDAM»

Coimbra,
1944.
PAULO QUINTELA

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HÖLDERLIN ● POEMAS

ÀS PARCAS

Concedei-me um só verão, Poderosas!


E um outono ao meu canto maduro,
Que o meu coração mais pronto, do doce
Jogo farto, então morra!

A alma, que em vida o divino direito


Não alcançou, também não repousa lá baixo no Orco;
Mas se uma vez o Sagrado, aquilo
Que ao peito me é caro, o Poema, atingir,

Benvindo então, silêncio do reino das sombras !


Contente estarei, ainda que a lira
Me não acompanhe; uma vez
Terei, como os deuses, vivido, e mais não preciso.
____

AOS NOSSOS GRANDES POETAS

As margens do Ganges ouviram do Deus da alegria


O triunfo, quando do Indo conquistando tudo
Vinha o jovem Baco, com vinho
Sagrado acordando os povos do sono.

Oh acordai-os, Poetas! acordai-os do sono também,


Os que inda dormem, dai-nos as leis, dai-nos
A vida, triunfai, Heróis! Só vós
Tendes direito de conquista, como Baco.

_____

BUONAPARTE

Vasos sagrados são os poetas,


Onde o vinho da vida, o espírito
Dos heróis se conserva;

O espírito deste jovem, porém,


Tão rápido, como não quebraria,
Se o quisesse prender, o vaso?

Que o poeta o deixe intacto como o espírito da Natureza;


Ante assunto assim faz-se menino o mestre.

No poema não pode ele viver e ficar;


Vive e fica no mundo.

_____
TERRA NATAL

Alegre regressa o marujo ao rio tranquilo,


De longínquas ilhas, quando colheu seu lucro;
Também eu voltaria assim à terra natal, tivesse eu
Tantos bens colhido como dores colhi.

Ribeiras queridas, que Outrora me criastes,


Acalmais vós as dores do amor? Prometeis-me vós,
Bosques da minha juventude, se eu
Voltar, mais uma vez repouso?

Junto ao regato fresco, onde vi brincar as ondas,


Junto ao rio, onde vi singrar os barcos,
Em breve eu estarei; a vós, montes amigos
Que outrora me abrigastes, da minha terra

Seguras fronteiras veneradas, à casa materna


E aos abraços dos irmãos amados,
A todos saúdo em breve, e vós me envolvereis,
Que, como em faixas, o coração me sare,

Ó meus fiéis! Mas eu sei, eu sei,


A dor do amor, essa não cura tão breve,
Essa não ma afasta do peito
Nenhuma canção de embalo, que mortais cantem.

Porque aqueles que nos dão o fogo celeste,


Os deuses, também nos dão a dor sagrada.
Por isso esta fique. Filho da terra
Pareço eu: feito para amar, para sofrer.

_____
CURSO DA VIDA

Coisas maiores querias tu também, mas o amor


A todos vence, a dor curva ainda mais,
E não é em vão que o nosso círculo
Volta ao ponto donde veio!

Para cima ou para baixo! não sopra em noite sagrada,


Onde a Natureza muda medita dias futuros,
Não sopra no Orco insípido
Também um hálito de amor?

Foi isto que aprendi. Pois nunca, como os mestres mortais,


Vós, ó Celestiais, ó Deuses que tudo mantendes,
Que eu saiba, nunca com cuidado
Me guiastes por caminho plano.

Tudo experimente o homem, dizem os deuses,


Que ele, alimentado com forte mantença, aprenda a ser
grato
E compreenda a liberdade [por
tudo,
De partir para onde queira.

_____

O RIO AGRILHOADO

Porque dormes e sonhas, Jovem, em ti mesmo oculto,


E páras e te demoras na margem fria, ó paciente,
E não atendes à tua origem, tu, filho
Do Oceano, do amigo dos Titãs?

Os arautos de amor, que o Pai envia,


Não os conheces, os ares que respiram vida?
E não te atinge o apêlo que, lá do alto,
Te envia claro o vigilante Deus?

Mas eis que a voz lhe soa já no peito, brota,


Como quando inda brincava no seio dos rochedos,
E agora repara em sua força,
O Indomável, agora, agora corre,

O hesitante, agora escarnece dos grilhões,


Agarra e quebra e atira-os em pedaços,
Na sua fúria, brincando, aqui e além,
À margem ecoante, e a esta voz

Do filho dos deuses acordam em volta os montes,


Agitam-se as florestas, e o precipício ouve
Ao longe o arauto, e fremente agita-se
Nas entranhas da terra de novo a alegria.

A primavera vem; desponta o verde novo;


Mas ele lá vai seguindo para os Imortais;
Pois não pode parar senão ali
Onde o Pai nos braços o recebe.

____

DE MANHÃ

A relva brilha do orvalho; mais rápida


Já corre a fonte desperta; a bétula inclina
A fronte vacilante, e há na folhagem
Sussurro e brilho, e pelas pardas

Nuvens roçam além chamas avermelhadas,


Anunciadoras, erguem-se borbulhantes, silenciosas,
Como maré na praia ondulam
Sempre mais altas, inconstantes.
Vem pois, oh! vem, e não te apresses muito,
Dia dourado, para o alto do céu!
Que o meu olhar, ó jubiloso! segue-te
Mais franco e confiado enquanto tu

Olhas juvenil em tua beleza, e não és inda


Por demais magnífico e orgulhoso;
Bem podias correr, pudesse eu,
Divino Vagabundo, ir contigo! Mas tu sorris

Da minha arrogância alegre, que desejaria


Igualar-te; abençoa-me então
Minhas mortais acções e aclara e alegra,
Benigno Sol, hoje o meu caminho calmo!

_____

FANTASIA DO ANOITECER

Frente à choupana tranquilo na sombra está sentado


O lavrador; fumega a lareira ao homem frugal.
Hospitaleiro soa ao caminhante na aldeia
Pacífica o sino da tarde.

Talvez voltem agora também os barqueiros ao porto,


Em cidades longínquas morre alegre o rumor
Afanoso da feira; em tranquila ramada
Brilha o banquete em convívio aos amigos.

Para onde irei eu? Vivem os mortais


De soldo e trabalho; alternando em fadiga e repouso
Tudo se alegra; porque não dorme então
Nunca em meu peito o espinho?

No céu da tarde floresce toda uma primavera;


Incontáveis florescem as rosas, e tranquilo aparece
O mundo áureo; oh! levai-me pra lá,
Nuvens purpúreas! e que lá em cima

Em luz e ar se dissolvam meu amor e dor! —


Mas, como corrido da súplica louca, foge
O encanto; faz-se escuro, e solitário
Sob o céu, como sempre, me encontro. —

Vem tu agora, sono suave! demasiado cobiça


O coração; mas ao fim, juventude, também tu amorteces,
Sonhadora, inquieta!
Serena e pacífica é então a velhice.

_____

AO DEUS DO SOL

Onde estás? ébria a alma me escurece


De toda a delícia tua; pois inda agora
Eu vi como, cansado da sua
Viagem, o maravilhoso moço divino

Foi banhar seus jovens cabelos nas nuvens de ouro;


E inda agora os olhos me vão sòzinhos pra ele;
Mas ele está longe — pra gente piedosa,
Que ainda o adora, partiu.

Eu te amo, Terra! pois choras comigo!


E o nosso luto, como dor de menino, faz-se
Sono, e assim como os ventos
Adejam e sussurram na harpa

Até que os dedos do mestre lhe arranquem o belo


Som, assim brincam connosco névoas e sonhos
Até que o Amado volte, e Vida
E Espírito se inflamem em nós.
_____

APLAUSO DOS HOMENS

Não é meu coração sagrado e cheio de mais bela vida


Desde que amo? Porque é que mais me estimáveis
Quando era mais orgulhoso e brutal,
Mais verboso e mais vazio?

Ai! à turba agrada o que é bom pra o mercado,


E o servo só sabe honrar o violento;
No divino só crêem
Aqueles que o são.

_____

O IMPERDOÁVEL

Se vós, amigos, esqueceis, se escarneceis o artista,


E entendeis mesquinho e vulgar o espírito mais fundo,
Deus perdoa-vo-lo; mas não perturbeis
Nunca a paz dos que se amam.

_____

PERDÃO !

Santa criatura! Tantas vezes em ti perturbei


A dourada paz dos deuses, e das mais secretas,
Das mais fundas dores da vida
Muitas de mim aprendeste.

Oh esquece e perdoa! Como aquelas nuvens


Passam ante a lua pacífica, eu passarei, e tu
Repousas depois e brilhas de novo
Na tua beleza, ó luz suave!

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DESPEDIDA

Se eu morrer com vergonha, se a minha alma


Se não vingar dos atrevidos, se eu cair,
Vencido dos inimigos
Do Génio, à cova covarde,

Esquece-me então, oh! então não salves tu também


O meu nome da ruína, coração generoso!
Então, e não antes, córa, tu
Que me foste gentil.

Mas não o sei eu? Ai! de ti, de ti,


Génio protector! longe de ti, tocam, rasgando-as
Em breve, todos os espíritos da morte
Nas cordas do coração.

Embranquecei pois, cabelos da ousada


Juventude! antes hoje que amanhâ,
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- - - - - - - - - - - - aqui, onde na solitária
Cruz dos caminhos a dor mortal
Me derruba, a mim.

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OS AMANTES

Queríamos separar-nos, tínhamos isso por bom e sensato;


Quando o fizemos, porque nos assustou, como homicídio, a
Ai! pouco nos conhecemos, [acção?
Pois em nós reina um Deus.

_____

SÓCRATES E ALCIBÍADES

«Porque amas tu, santo Sócrates,


Este jovem sempre? Não conheces nada maior?
Porque olha com amor,
Como pra os Deuses, tua vista pra ele?»

Quem o mais fundo pensou é que ama o mais vivo,


Quem olhou fundo pra o mundo, entende excelsa juventude,
E os sábios inclinam-se
Ao fim às vezes pra o Belo.

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BREVIDADE

«Porque és tão breve? Pois não amas então


Já o canto? Quando jovem, nunca achavas,
Nos dias da esperança,
O fim, quando cantavas!»

Como a ventura é a canção. — Quando queres


Banhar-te alegre no sol da tarde, eis que ele desaparece,
A terra é fria, e a ave noturna
Esvoaça importuna ante teus olhos.
_____

O ESPÍRITO DOS TEMPOS

Há muito tempo já me reinas sobre a fronte


Na tua nuvem 'scura, Deus dos Tempos!
Selvático e horrível por demais é tudo em volta,
Tudo vacila e rui para onde quer que eu olhe.

Ai! como um menino lanço a vista ao chão


E na caverna busco livrar-me de ti, desejaria,
Pobre louco, achar um sítio,
Deus que tudo abalas, onde tu não estejas.

Que eu finalmente, ó Pai! te possa olhar


De olhos abertos! Não foste tu que primeiro
Com teu raio me despertaste o espírito?
Que à vida me trouxeste magnífico, ó Pai? —

Certo é que de vides novas nos vem força sagrada:


Em ar suave vem à busca dos mortais,
Quando eles vagueiam tranquilos pelo bosque,
Um deus, animador; mais poderoso, tu,

Contudo, despertas a alma pura dos jovens


E ensinas aos velhos artes sábias; só o mau
Se faz pior, para acabar mais breve,
Quando tu, Tremendo! o tocas.

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... E POUCO SABER ...

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E pouco saber, mas muita alegria
É dada aos mortais.

Por quê, ó belo Sol, não me bastas tu,


Ó flor das minhas flores! no dia de Maio?
Que sei eu então de mais alto?

Oh fôra eu antes como as crianças são!


Que eu, como os rouxinóis, cantasse
A canção descuidada da minha delícia!

_____

AOS POETAS JOVENS

Queridos Irmãos! talvez a nossa arte amadureça,


Pois, como o jovem, há muito ela fermenta já,
Em breve em beleza serena;
Sêde, então, devotos, como o Grego o foi.

Amai os deuses e pensai nos mortais com amizade!


Odiai a ebriedade como o gêlo! Não ensineis nem
descrevais!
Se o mestre vos assusta,
Pedi conselho à grande Natureza!

_____

OS POETAS HIPÓCRITAS

Frios hipócritas, não faleis dos deuses!


Vós sois tão razoáveis! não acreditais em Hélios,
Nem no Tonante e no Deus do Mar;
A Terra está morta, quem quer agradecer-lhe? —
Confiança, Deuses! pois ornais a canção,
Inda que dos vossos nomes a alma já se foi,
E quando é precisa uma grande palavra,
Mãe Natureza! é em ti que se pensa.

_____

A DIOTIMA

Deuses andaram outrora entre os homens, as Musas magníficas


E o jovem Apolo, sarando, inspirando, como tu;
E tu és para mim como eles, como se um dos Venturosos
Me tivesse mandado pra a Vida: se eu ando, anda comigo
A imagem da minha Heroína, quando sofro e crio, com amor
Até à morte; pois isto foi que aprendi dela e dela tenho.
Vivamos, pois, ó tu com quem eu sofro, tu com quem
Íntima- e crente- e fielmente luto por tempo mais belo.
Pois nós somos! E se em anos vindouros ainda soubessem
De nós ambos, quando outra vez o Génio valer,
Diriam: «Estes solitários criaram pra si em amor,
Só sabido dos Deuses, o seu mais secreto mundo.
Pois a turba que só cuidou do que morre, essa
Afundou-se no Orco, mas eles acharam a 'strada pra os Deuses.
Eles, que, fiéis ao íntimo amor e ao divino espírito,
Esperando e sofrendo e com calma venceram a tribulação.»

_____

AO GÉNIO DELA

Manda-lhe flores e frutos de abundância inesgotável,


Manda-lhe, amigo Espírito, eterna juventude!
Oculta-a em tuas delícias e não a deixes ver o tempo
Em que ela, a Ateniense, vive solitária e estranha,
Até que um dia, no país dos venturosos, abrace as alegres
Irmãs que imperaram e amaram no tempo de Fídias.

_____

A NOITE

Em roda repousa a cidade; acalma-se a rua com luzes,


E, ornados de archotes, passam ruidosos os carros.
Fartos regressam ao lar dos prazeres do dia a repousar os homens,
E pensativa cabeça dá balanço a lucros e perdas
Contente em casa; vazia está de uvas e flores,
E de obras das mãos repousa a praça afanosa.
Mas soa uma lira de jardins ao longe; talvez
Melodia de amor ou que algum solitário
Pense em amigos longínquos ou na mocidade; e as fontes,
Que correm constantes e frescas, passam por canteiros chei-
Calmos no ar que escurece soam claros os sinos, [rosos.
E, pensando nas horas, o guarda proclama o seu número.
Ergue-se agora uma brisa e move as copas do bosque,
Olha! e a imagem de sombra da nossa terra, a lua,
Vem também misteriosa; a noite, a sonhadora, vem,
Cheia de estrelas e certo bem pouco cuidando em nós,
Lá vem a admirável, a estrangeira entre os homens,
Com seu brilho, triste e faustosa, por sobre os cumes dos montes

_____

OS CARVALHOS

Dos jardins venho eu ter convosco, ó filhos do monte!


Dos jardins onde, paciente e doméstica, a Natureza vive,
Cuidosa e juntamente cuidada c'o homem diligente.
Mas vós, Magníficos! Erguei-vos como um povo de Titãs
No mundo mais manso e a vós sós pertenceis e ao céu,
Que vos sustentou e criou, e à terra, que de si vos pariu.
Nenhum de vós foi ainda aprender à escola dos homens,
E alegres e livres irrompeis, da forte raiz,
Uns entre os outros e agarrais, como a águia a presa,
Com braço potente o espaço, e contra as nuvens
Se vos ergue serena e grande a copa solheira.
Cada um de vós é um mundo, como estrelas do céu
Vós viveis, um deus cada qual, juntos em livre união.
Pudesse eu tolerar a servidão, e já não invejava
Este bosque e bem me amoldava à vida em comum.
Não me prendesse já à vida em comum o coração,
Que não deixa de amar, como eu gostaria de morar entre vós!

_____

O ÓCIO

Dorme descuidado o peito e repousam os pensamentos graves.


Vou para o prado lá fora, onde a erva me brota
Fresca, como a fonte, da raiz, onde o lábio amoroso da flor
Se abre pra mim e mudo com hálito doce me bafeja,
E em mil ramos do bosque, como em velas a arder,
Me brilha a chama da vida, a avermelhada flor,
Onde na fonte com sol os peixes contentes se agitam,
Onde a andorinha esvoaça, c'os filhos loucos à volta do ninho,
E as borboletas se alegram e as abelhas; e aí vou eu
Por entre os seus prazeres; e eis-me no campo pacífico
Como um ulmeiro amoroso, e como vides e uvas
Enroscam-se a mim os doces jogos da vida.

Subo [também] às vezes pelo monte, que de nuvens


Coroa a cabeça e sacode os cabelos escuros
Ao vento, e quando ele me traz no ombro potente,
Quando o ar mais leve me encanta os sentidos
E o vale infinito, qual nuvem de cores,
Jaz a meus pés, faço-me águia e, liberta do solo,
Minha vida, como os nómadas, muda de casa no todo da Natureza.

E agora o caminho me guia de novo pra a vida dos homens,


De longe alveja a cidade, como armadura de bronze
Forjada por mão dos homens contra o poder dos deuses.
Olha ao alto majestosa, e em volta repousam aldeias;
E os telhados envolve, corado da luz da tardinha,
Amigável o fumo doméstico; repousam jardins com sebes
Cuidadas, dorme o arado nos campos talhados.
Mas para o luar ascendem as colunas quebradas
E as portas dos templos, que outrora o terrível, secreto
Espírito da revolta feriu, que no seio da terra e dos homens
Braveja e referve, o indómito, o velho conquistador
Que rasga as cidades como cordeiros, que outrora assaltou
E Olimpo, que se agita no seio dos montes e vomita chamas,
Que arranca as florestas e passa pelo Oceano
E quebra os navios, e contudo em tua ordem eterna
Te não perturba, ó Natureza, na tábua das tuas leis
Nem uma sílaba apaga, esse que também é teu filho, ó Natureza,
Nascido dum ventre junto com o espírito da paz. —

E quando em casa então, onde as árvores rumorejam à minha


E o ar brinca com a luz, uma página imortal leio[janela,
Até ao fim sobre a vida humana da Ática,
Vida! Vida do Mundo! eis-te ante mim como um bosque sagrado.
Falo eu então, e tome quem queira o machado pra derrubar-te,
Feliz moro em ti - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
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AO ÉTER

Fiel e amigo, como tu, nenhum dos deuses e dos homens,


Ó Pai Éter! me educou; ainda antes que a Mãe
Me tomasse nos braços e seus peitos me criassem,
Pegaste em mim com ternura e me insuflaste
Celestial bebida, o sôpro santo no peito em germe.

Nem só de pão terrestre é que os seres medram,


Mas tu todos manténs com o teu néctar, Pai!
Da tua fartura eterna irrompe e corre
Ar vivificante por todos canais da vida.
Por isso te amam os seres também, lutam, aspiram
Sem cessar para ti, ao alto, em crescença alegre.

Celestial! não te busca a planta com seus olhos,


Não te estende o arbusto humilde os braços tímidos?
Pra te encontrar, rompe a casca a semente cativa;
Para, animado por ti, poder banhar-se em tuas ondas,
Sacode o bosque a neve, como molesto manto.

Também os peixes sobem e anelantes saltam


E quebram o espelho das águas, como se também
Quisessem sair do berço pra ti; e aos nobres bichos da terra
Faz-se-lhes o passo vôo, quando a aspiração potente,
O secreto amor por ti os toma, os arrebata.
O ginete desdenha altivo o chão, como aço em arco
O pescoço lhe salta pra o alto, e o casco mal toca a areia.
Como por graça, o pé dos gamos roça as ervas,
Salta, como um zéfiro, o ribeiro que espumante corre,
Pra cá e pra lá, e, invisível quase, perpassa pelas moitas.
Mas os filhos bem-amados do Éter, as felizes aves,
Moram e brincam alegres no palácio eterno do pai.
Há campo para todos. Caminhos não marcados a ninguém,
E livres pela casa mexem-se grandes e pequenos,
Rejubilam-me por sobre a cabeça e o coração anseia-me
Misteriosamente para eles; como amorosa pátria
Acena-me do alto, e pra o cume dos Alpes
Desejaria eu ir, gritar de lá à águia rápida
Que me leve, como outrora o menino venturoso
Aos braços de Zeus, da prisão para os paços do Éter.

Loucamente vagueamos por aqui; como a vide errante,


Quando a estaca lhe falta com que suba ao céu,
Pelo chão nos espalhamos, e buscamos e erramos
Pelas zonas da terra, ó Pai Éter! em vão,
Pois a ânsia nos impele de morar em teus jardins.

Na corrente marinha nos lançamos, pra nos saciarmos


Nas planuras mais livres, e a vaga infinita nos rodeia
A quilha, e o peito alegra-se co'as forças do deus do mar.
Mas não lhe basta; pois Oceano mais fundo nos atrai,
Lá onde se agita onda mais leve — Oh quem pudesse
Levar o barco errante àquelas praias de ouro!

Mas enquanto eu anseio ao longe do crepúsculo


Onde co'a vaga azulada abraças 'stranhas praias,
Desces sussurrante da coroa florida da árvore de fruto,
Pai Éter! e suavizas-me até o coração ansioso,
E vivo de bom grado, como dantes, co'as flores da terra.

_____
LAMENTOS DE MÉNON POR DIOTIMA

1.

Todos os dias saio, sempre å busca de outro caminho,


Há muito interroguei já todos os da terra;
Além os cimos frescos, todas as sombras visito
E as fontes; erra o espírito pra cima e pra baixo,
Pedindo sossego; assim foge o bicho f'rido pra os bosques,
Onde outrora ao mei'dia repousava seguro à sombra;
Mas o seu leito verde já lhe não restaura o coração,
Lamentoso e sem sono o aguilhoa por toda a parte o espinho.
Nem do calor da luz nem do fresco da noite vem ajuda,
E em vão banha as f'ridas nas ondas do rio.
E assim como debalde a terra lhe oferece a erva alegre
Que o cure, e nenhum dos zéfiros acalma o sangue a ferver,
Assim, queridos! assim a mim também, parece, e ninguém
Poderá tirar-me da fronte o sonho triste?

2.

Sim, também nada serve, deuses da morte! que uma vez


Vós o prendais, e amarreis o homem vencido,
Quando, malvados, o tenhais levado pra o fundo da noite horrível,
Para então buscar, implorar, ou raivar convosco,
Ou talvez paciente morar no destêrro medonho,
E ouvir com sorriso da vossa boca a insípida canção:
«Se tem de ser, esquece o teu bem, e adormece sem ruído!»
E contudo brota no teu peito um som de esperança,
Tu não podes ainda, ó minha alma! inda não podes
Habituar-te, e sonhas no meio do sono de ferro!
Não é tempo de festa, mas eu queria coroar meus cabelos;
Pois não estou eu sòzinho? mas algo de amigo deve
Lá de longe estar perto de mim, e eu sorrio e espanto-me
De como estou feliz assim mesmo no meio da dor.
3.

Luz do amor! brilhas então também aos mortos, luz dourada?


Imagens de tempo mais claro, brilhais vós na minha noite?
Jardins deleitosos, sêde, ó montes do entardecer,
Sêde bem-vindos, e vós, caminhos calados do bosque!
Testemunhas da celeste ventura, e vós, estrelas do alto,
Que outrora me outorgáveis vossos olhares de bênção!
Vós, amantes também, belas filhas do dia de maio,
Serenas rosas, e vós, lírios, eu vos invoco ainda!
As primaveras passam, é certo, um ano impele outro ano,
Alternam-se e lutam, e assim rola com fragor o tempo
Sobre cabeças mortais, mas não ante os olhos felizes,
E aos que se amam foi dada outra vida mais larga.
Pois todos eles, dias e anos dos astros, estavam,
Diotima! à nossa volta unidos, íntimos e eternos.

4.

Mas nós, em contente união, como os cisnes amantes


Quando à beira do lago repousam, ou, baloiçados nas ondas,
Olham para as águas, onde se espelham nuvens de prata,
E azul etéreo ondula sob o seu navegar,
Assim nós andávamos serenos na terra. E se o Norte ameaçava,
O inimigo dos amantes, forjando lamentos, e caíam
Dos ramos as folhas, e a chuva voava no vento,
Tranquilos sorríamos, sentíamos o nosso próprio deus
Em nossas confidências, num só cântico de alma,
Em paz plena connosco, sós na nossa alegria infantil.
Mas agora a minha casa é deserta, e roubaram-me
Os olhos, e, perdendo-a a ela, a mim me perdi.
Porisso vagueio, e como as sombras terei que viver,
E há muito me parece sem sentido tudo o resto.

5.
Queria uma festa; mas para quê? e cantar com outros,
Mas assim sòzinho tudo me falta que seja dos deuses.
Esta, esta a minha impotência, bem sei, e uma maldição me tolhe
Os tendões, e me prostra, logo que começo, de tal forma
Que fico sem sentir todo dia e mudo, como as crianças;
Apenas dos olhos desliza por vezes a lágrima fria,
E a planta do campo, e o cantar das aves me entristece,
Pois também elas com sua alegria são mensageiros celestes,
Mas a mim, no peito arrepiado, o sol que dá alma
Parece-me frio e sem frutos, como raios da noite,
Ai! e vão e vazio, como muros de cárcere, o céu,
Um pesado fardo, me paira sobre a cabeça.

6.

Ó juventude! que eu conheci tão diferente! não há orações


Que outra vez te tragam, nunca mais! não há caminho que me
[leve atrás?
Acontecerá comigo o que outrora aconteceu com os impios
Que, de olhar brilhante, tiveram assento também à mesa feliz,
Mas fartos em breve, os hóspedes em chusma
Agora calados, e agora, sob o canto dos ventos,
Adormeceram sob a terra em flor, até que um dia
A força dum milagre os arranque ao abismo
E os force a voltar e a caminhar de novo sobre a terra verde.—
Sôpro sagrado traspassa de novo a figura de luz,
Quando a festa se anima e se erguem torrentes de amor,
E, sustentado do céu, murmura o rio vivo,
Quando lá baixo ressoa uma voz, e a noite paga seu tributo,
E dos regatos sobe o brilho do ouro enterrado.—

7.

Mas, ó tu, que já outrora na cruz dos caminhos, quando


Ante ti ruí, consoladora me apontaste coisas mais belas,
Tu, que me ensinaste com entusiasmo calmo a ver a grandeza
E, como eles silenciosa, a cantar mais alegre os deuses,
Ó filha dos deuses! tu me apareces e saúdas como outrora,
De novo me revelas, como outrora, segredos mais altos?
Olha! inda que a alma se envergonhe, ao pensar em mais nobres
Forçoso é que chore ante ti e me lamente. [tempos,
Pois tanto tempo, tanto, pelos caminhos cansados da terra,
Acostumado a ti, eu te busquei errante,
Alegre espírito meu protector! mas em vão, e os anos sumiram-se,
Desde que nós, prescrutando o mistério, víamos em volta as
[noites brilhar.

8.

A ti, a ti só, Heroína! a tua luz te mantém na luz,


E tua paciência te mantém amorosa, ó benigna!
E nem mesmo estás só, companheiros bastantes há,
Onde tu floresces e repousas entre as rosas do ano,
E o próprio Pai, pelas Musas que respiram doçura,
Te envia as ternas canções de embalar.
Sim, ela é inda a mesma! inda me surge, como outrora
Caminhando serena, a mesma toda, a Ateniense.
E enquanto, amigável espírito, de tua fronte serena e pensativa
Cai entre os mortais a segura bênção do teu brilho,
Provas-me assim e dizes-me, para que eu o diga aos outros,
Porque há outros também que o não acreditam,
Dizes-me que mais imortal que o cuidado e a cólera é a alegria,
E que no fim há ainda em cada dia um dia de ouro.

9.

Assim, ó Celestiais! vos rendo graças, e enfim


A prece de novo abranda o peito do cantor.
E como quando com ela estava no monte solheiro
Fala-me do templo um deus e me dá vida.
Quero viver, sim! já verdeja o campo! como de lira santa
Vem um apêlo dos montes argênteos de Apolo!
Vem! Foi como um sonho! As asas que sangravam estão
Curadas já, rejuvenesce por toda parte a esperança!
Inda há muito, muito de grande a descobrir, e quem
Assim amou, vai — tem de ir! — pela estrada dos deuses.
E acompanhai-me vós, horas sacrais! vós, graves,
Juvenis! Pressentimentos santos, ficai vós connosco,
Preces devotas! e vós, entusiasmos, e vós todos,
Bons génios, que gostais de acompanhar os que amam;
Ficai connosco até nos encontrarmos no solo comum,
Lá onde os venturosos todos descem de bom grado,
Lá onde as águias estão, os astros, os mensageiros do Pai
E as Musas, lá donde vêem os heróis e os amantes,
Lá, ou aqui mesmo, sobre uma ilha orvalhada
Onde os nossos esperam, flores reunidas em jardins,
Onde os cantos são verdade, e as primaveras são mais tempo
E de novo um ano da nossa alma começa! [belas,

_____

O ARQUIPÉLAGO

Regressam a ti de novo os grous? e buscam de novo


Os barcos o curso às tuas praias? rodeiam de seus hálitos
Ventos amados tuas águas acalmadas? e banha o delfim,
Atraído da fundura, o dorso à luz nova do teu sol?
Floresce a Jónia? é o tempo? pois sempre na primavera,
Quando se renova o coração dos vivos e o primeiro
Amor desperta aos homens e a lembrança de idades de oiro,
Eu venho a ti e te saúdo em tua paz, antigo Deus!

Ainda e sempre, Possante! tu vives e repousas na sombra


De teus montes, como outrora; com braços juvenis estreitas
Inda a tua terra gentil, e de tuas filhas, ó Pai!
De tuas ilhas floridas inda nenhuma se perdeu.
Eis Creta está, e verdeja Salamina, sombreada de louros,
Cercada da grinalda de teus raios, ergue à hora de alba
Delos a fronte inspirada, e Teno e Quios
Têem bastantes purpurinos frutos, de outeiros ébrios
Corre o vinho de Chipre, e de Caláuria caem
Ribeiros de prata, como outrora, para as velhas águas do Pai.
Todas vivem ainda, as mães de heróis, as ilhas,
Floridas de ano em ano, e quando às vezes, sôlta
Pelo abismo, a chama da noite, a tormenta funda
Se apossou de uma das belas que moribunda te caiu no seio,
Tu, Divino, tu ficaste firme, pois sobre as escuras
Profundezas muitas coisas te nasceram e morreram.

Também os calmos deuses, eles, as forças do alto,


Que de longe trazem o dia alegre, o sono doce e o pressentir
Do tesouro do seu poderio sobre as frontes dos homens
Que sentem, também êles, teus velhos companheiros,
Vivem como outrora contigo, e muitas vezes ao cair da noite,
Quando dos montes da Ásia a sagrada luz da lua
Vem e as estrelas se encontram nas tuas vagas,
Tu brilhas de esplendor celeste, e assim, quando as tuas águas
Se mudam e alternam, o cântico de teus irmãos lá cima
Ressoa, seu canto nocturno, em teu peito amante.
Quando o que tudo aclara, o sol do dia,
O filho do Oriente, o milagroso, chega,
Então começa dos vivos todos o dourado sonho
Que o sol inspirado sempre lhes traz de manhã ;
A ti, Deus enlutado, a ti ele manda encanto mais alegre,
E a sua mesma luz amável não é tão bela como
O penhor de amor, a grinalda, que sempre, como outrora,
Pensando em ti, tece à volta de teus cabelos encanecidos.
E não te abraça o Éter, e não voltam as nuvens,
Teus mensageiros, dele para ti c'o presente divino, o raio
Das alturas? Então tu as mandas por sobre a terra,
Pra que na praia ardente os bosques ébrios de tempestades
Rujam e ondulem contigo; e que em breve, como o filho pródigo,
Quando o pai o chama, Meandro com mil regatos
Se salve de seus errores, e da planície o Caístro
Acorra alegre a ti, e o primogénito, o velho rio
Que longo tempo se ocultou, teu Nilo majestoso agora,
Descendo altivo da montanha longínqua, como ao fragor das armas,
Venha vitorioso, e te estenda saudoso os braços abertos.

Contudo tu sentes-te só; na noite silente o rochedo


Ouve o teu lamento, e muitas vezes se te escapa
E foge colérica aos mortais tua onda alada pra os céus.
Pois já não vivem contigo os nobres filhos dilectos
Que te adoraram, que outrora com templos belos e cidades
Coroaram tuas praias; pois sempre buscam e lastimam,
Sempre precisam, como heróis a coroa, os sacros
Elementos pra a sua glória o coração dos homens amantes.

Dize, onde está Atenas? Acaso, sobre as urnas dos mestres,


Tua cidade, a tua mais amada, nas praias sagradas,
Deus enlutado, se desfez e ruiu toda em cinzas,
Ou existe ainda sinal dela, pra que o marinheiro,
Ao passar, a nomeie e dela se lembre?
Não se erguiam além as colunas e não brilhavam lá
Outrora dos tetos da Acrópole as estátuas dos deuses?
E não marulhava a voz do povo, bramante como tormenta,
Da Ágora, e não corriam, das portas alegres,
As ruelas para o teu porto abendiçoado?
Olha! O mercador ansioso de longes soltava alegre
O barco, pois o ar que soprava lhe dava asas também
E os deuses amavam-no como ao poeta, enquanto repartia
Os bons dons da terra e unia o longe ao perto.
Lá parte ele para Chipre, ao longe, e para Tiro,
Sobe para a Cólquida e desce ao velho Egito,
Pra trazer púrpura e vinho e trigo e tosões de oiro
À cidade natal, e por vezes, para lá das Colunas
Do ousado Hércules, até novas ilhas fortunadas
O levam suas esperanças e as asas do navio, enquanto,
De outra ânsia movido, nas praias da cidade um solitário jovem
Fica a escutar as ondas, e grave pressente grandezas,
Quando, aos pés do mestre que faz tremer a terra,
Fica sentado à escuta, e não é em vão que o Deus do mar o criou.
Pois o inimigo do Génio, o Persa dominador,
Há anos contava já as armas e os escravos,
Zombando da terra grega e suas poucas ilhas,
Que ao rei parecem só joguete, mas como um sonho
Lhe aparecia este povo ardente, armado de espírito divino.
Solta fácil da boca a palavra, e, rápido, como a torrente de lava,
Vertida terrivelmente em volta pelo Etna escumante,
Sepulta cidades e jardins floridos nas purpúreas ondas,
Até que a corrente ardente esfria no mar sagrado,
— Assim com o rei agora, queimando, devastando cidades,
Se precipita de Ecbátanos seu pomposo tropel.
E — oh dor! — Atenas, a magnífica, tomba; bem olham e anseiam
Dos montes, onde os bichos ouvem seus gritos, velhos fugitivos
Para as casas lá atrás e os templos fumegantes;
Mas a prece dos filhos já não acorda a cinza sagrada,
No vale reina a morte, e a nuvem de incêndio
Dispersa-se no céu, e, para continuar a colheita na terrá,
Lá vai, inflamado pelo próprio crime, o Persa com a presa.

Mas nas praias de Salamina, ó dia! nas praias de Salamina,


Esperando o fim, estão as Atenienses, as donzelas,
Estão as mães embalando nos braços o filhinho salvo,
E enquanto escutam ressoa-lhes do fundo a voz do deus do mar
Profetizando a salvação, os deuses do céu contemplam do alto
Pesando e julgando, pois além, nas praias que tremem,
Está indecisa, desde o romper do dia, como trovoada lenta,
A batalha além sobre as ondas escumantes, e arde o meio dia,
Sem que o notem na sua cólera, já sobre as cabeças dos combatentes.
Mas os homens do povo, os netos de heróis, batalham agora
De olhar mais claro, os dilectos dos deuses pensam
Na ventura concedida, e os filhos de Atenas não domam
Já agora o seu Génio que despreza a morte.
Pois como do sangue fumegante a fera do deserto se ergue
Mais uma vez mudada, com força mais nobre,
E assusta o caçador; — assim, no brilho das armas, agora
Regressa, à ordem dos chefes, mais uma vez a alma cansada,
No meio da derrota, em esforço terrível aos bravos.
E com mais ardor recomeça; como pares de homens em luta
Se agarram os barcos, tomba para as ondas o leme,
Abre-se o chão aos pés dos guerreiros, barcos e homens afundam-se.
Mas, embalado p'la canção do dia em sonho de vertigem,
Rola o rei seu olhar; sorrindo louco sobre o desfecho,
Ameaça e suplica e rejubila, e manda, como relâmpagos, os
mensageiros;
Mas em vão os despacha, pois nenhum deles regressa.
Mensageiros em sangue, mortos do exército, e barcos quebrados
Lhe atira sem conto a vingadora onda trovejante
Ante o trono, onde ele, o pobre, se assenta na praia tremente,
Contemplando a fuga, e, arrastado pela turba que foge,
Corre; o Deus o impele, e impele a sua esquadra sem rumo
Por sobre as ondas, o Deus que com escárnio lhe quebrou
O seu adereço vão e atingiu o fraco em sua armadura ameaçadora.

Mas cheio de amor ao rio que solitário o espera


Volta o povo de Atenas, e dos montes da pátria
Descem em vagas as hostes brilhantes em mistura alegre
Para o vale abandonado, ai! semelhante à mãe envelhecida,
Quando após anos o filho julgado perdido regressa
Vivo ao seu seio, jovem já crescido e forte;
Mas no desgosto a alma lhe murchou e a alegria
Vem tarde de mais à que se cansou de esperar, e a custo ouve
O que o filho amante lhe diz em sua gratidão;
Assim aparece o solo da pátria aos filhos que chegam.
Pois em vão preguntam os pios pelos bosques sagrados,
E o pórtico amigo não recebe os vencedores
Como outrora recebia o viajante, quando voltava alegre
Das ilhas e a Acrópole sagrada da mãe Atena
Lhe surgia, de longe brilhando, por sobre a cabeça nostálgica.
Mas inda lhes são conhecidas as ruas desertas
E os jardins enlutados à volta; e sobre a Agora,
Onde jazem por terra as colunas do pórtico e as estátuas
Dos deuses, o povo, de alma comovida e feliz por ser fiel,
Cheio de amor estende as mãos a renovada união.
Em breve também o homem procura e encontra o sítio
Da própria casa entre destroços; ao peito lhe chora
A esposa, pensando no lar de amor, e os filhos preguntam
Pela mesa onde outrora em fila alegre se sentavam,
Sob o olhar dos pais, os sorridentes deuses do lar.
Mas o povo ergue tendas, os velhos vizinhos de novo
Se juntam, e conforme o hábito de seus corações
As casas ligeiras agrupam-se em volta ao pé das colinas.
Assim entretanto eles vivem como os antigos, livres,
Que, certos da força e confiantes no dia futuro,
Quais aves errantes, iam cantando de monte em monte,
Príncipes da floresta e do rio serpenteante ao largo.
Todavia, como outrora, a Mãe-Terra fiel abraça
De novo o seu nobre povo, e sob o céu sagrado
Repousam em paz, quando os ventos da juventude, suaves como
outrora,
Envolvem com seu sopro o sono, e dos plátanos o Ilisso
Murmura e, anunciando novos dias, chamando
A novos feitos, à noite a onda do Deus do Mar
Ressoa de longe e manda sonhos alegres aos seus predilectos.
Já brotam e desabrocham pouco a pouco as flores douradas
No campo espezinhado; tratada agora por mãos piedosas,
Reverdece a oliveira; e nos campos de Colonos
Os cavalos de Atenas pascem, como outrora, em paz.

Mas em honra da Terra-Mãe e do Deus das ondas


Refloresce agora a cidade, magnífica imagem, firme e durável
Como os astros, a obra do Génio que gosta de impor-se
Laços de amor e manter-se em grandes figuras,
Que a si próprio ergue, ficando sempre activo.
E — olha! — a floresta serve ao criador, e, com os outros montes
Ali perto, dá-lhe o Pentélico mármore e metais;
Mas viva como ele, e alegre e magnífica lhe sai
Das mãos, leve como saída do sol, a obra.
Erguem-se fontes, e por sobre os montes por caminhos puros
Corre célere a água para os poços brilhantes;
E à sua volta brilha, como heróis festivos
Å volta da taça comum, a fila das casas, ergue-se alto
O aposento dos Pritanes, abrem-se os ginásios,
Surgem templos aos deuses, e, pensamento ousado e santo,
Levanta-se, perto dos Imortais, do bosque sagrado
O Olympion para o Éter; e tantos outros celestes vestíbulos!
A ti também, Mãe Atena, se reergueu a tua colina soberba
Mais altiva do luto e longo tempo floresceu ainda.
E a ti, Deus das ondas, os teus bem-amados te cantaram
Em alegre união a sua gratidão junto do promontório.

Oh! os filhos da Fortuna, os filhos pios! vagueiam agora


Em casa dos Pais, esquecidos dos dias mortais do destino,
Junto ao Letes, e não há saudade que os faça voltar?
Nunca meus olhos os verão? ai! e sobre os mil caminhos
Da terra verdejante, ó figuras de divinas formas!
Nunca eles vos acharão? e ouvi eu então falar
E contar de vós, só pra que a alma em luto me fuja
Antes do tempo lá pra baixo para as vossas sombras?
Mas quero ir mais pra o pé de vós, onde os vossos bosques inda cres-
Onde o monte sagrado oculta em nuvens a solitária fronte, [cem,
Para o Parnasso quero eu ir; e quando, brilhante na sombra
Dos carvalhos, ao meu encontro, pobre errante, vier a fonte de Castália,
Quero eu lá, da taça rodeada de perfumes e flores,
Derramar sobre a erva a nascer a água misturada com lágrimas,
Pra que tenhais, ó sombras dormentes! vosso sacrifício fúnebre.
Além no vale silencioso, junto aos rochedos da margem do Tempe,
Quero eu viver convosco, muitas vezes, nomes ilustres!
Invocar-vos à noite, e quando vós surgirdes coléricos,
Porque o arado violou vossos túmulos, com voz de todo o coração
Quero eu, com cântico pio, aplacar-vos, sombras sagradas!
Até que a alma de todo se acostume a viver convosco.
Então, mais iniciado, eu vos preguntarei muitas coisas, ó mortos!
E a vós vivos também, ó altos poderes do céu!
Quando passardes com vossos anos por sobre os escombros,
Vós em vossa órbita firme! pois muitas vezes o erro
Sob o céu estrelado, como vento de morte, se me apodera do peito,
E eu busco então conselho, e há muito tempo já
Que os bosques proféticos de Dodona não consolam os aflitos,
Mudo é o Deus délfico, e solitários e desertos são
Há muito os caminhos, onde outrora, guiado de leve pela esperança,
O homem subia a preguntar å cidade do íntegro Vidente.
Mas a luz lá do alto fala ainda hoje aos homens,
Cheia de belos sentidos de oráculo, e a voz do grande Deus tonante
Clama: «Pensais em mim?» e a vaga triste do Deus do Mar
Repete em eco: «Já não pensais em mim como outrora?»
Pois os Celestes gostam de repousar junto ao coração que os sente,
E as forças de inspiração gostam ainda e sempre, como outrora,
De acompanhar o homem que aspira, e sobre os montes da pátria
Repousa e reina e vive omnipresente o Éter,
Para que um povo amante, unido nos braços do Pai,
Viva em humana alegria, como outrora, e um só Espírito seja comum a
[todos.

Mas, ai! a nossa raça, sem divino, vagueia na noite,


E vive como no Orco. Presos só ao próprio labor,
Na forja bramante cada um se ouve só a si próprio,
E com braço possante muito trabalham os bárbaros,
Sem descanso, mas sempre e sempre estéril,
Como as Fúrias, é a labuta destes pobres.
Até ao dia em que, desperta do sonho de angústia, a alma
Dos homens ressurja, juvenil e alegre, e o hálito de bênção de amor,
Como outrora tantas vezes entre os filhos florescentes da Hélade,
Outra vez sopre em novo tempo e sobre frontes mais livres
O Espírito da Natureza, vindo de longe, nos surja outra vez,
O Deus, morando calmo sobre nuvens de ouro.
Ai! porque tardas? e aqueles, filhos dos deuses,
Vivem ainda, ó dia! como nas profundas da terra,
Solitários, lá baixo, enquanto aqui uma primavera eterna
Passa como sonho, sem que ninguém a cante, sobre as cabeças dor-
Mas não será já por muito! já ouço ao longe o côro [mentes?
Do dia de festa sobre os montes verdes, e o eco dos bosques,
Canto que faz dilatar o peito dos jovens e em que a alma do povo
Se une calma, na canção mais livre em honra do Deus
A quem cabe a altura, mas a quem também os vales são sagrados;
Pois onde o rio alegre se apressa em crescente juventude,
Entre as flores da terra, e onde em planícies cheias de sol
O trigo nobre e os pomares amaduram, ali gostam também
De coroar-se os pios homens em dia de festa, e sobre a colina da cidade
Brilha o templo divino da alegria, semelhante às moradas dos homens.
Pois a vida se encheu toda de sentido divino,
E pra dar perfeição a tudo, de novo apareces, como outrora,
A teus filhos, ó Natureza! por toda a parte, e, como das fontes do monte,
Corre bênção daqui e dalém para a alma germinante do povo.
Então, então, ó alegrias de Atenas! ó feitos de Esparta!
Ó primavera feliz da terra grega! quando o nosso outono
Vier, quando, amadurecidos, ó Espíritos todos do passado!
Regressardes, e — olhai! — estiver próximo o fim do ano,
Então que a festa vos receba também, ó dias passados!
Que o povo olhe para a Hélade, e com lágrimas e graças
Se acalme em lembranças o orgulho do dia triunfal!

Mas florescei entretanto até que os nossos frutos comecem,


Florescei, ó jardins da Jónia! e vós, belas árvores,
Que verdejais sobre as ruínas de Atenas, ocultai o luto a este dia!
Coroai com folhagem eterna, ó loureiros! as tumbas
Dos vossos mortos, além em Maratona, onde os efebos
Vencedores morreram, ai! além sobre os campos de Queroneia,
Para onde os últimos Atenienses se retiraram com as armas
Fugindo do dia da vergonha, ali, ali, dos montes mandai
Vossos diários lamentos para o vale da batalha, ali, águas errantes,
Cantai dos cumes do Eta cá pra baixo a canção do destino!
Mas tu, imortal, posto que o canto dos Gregos
Já te não celebre, como outrora, de tuas ondas, ó Deus do Mar!
Que o teu canto me entre na alma ainda, e que sobre as águas
O meu espírito, vivo e intrépido, como o nadador, se exercite
Na fresca ventura dos fortes, e que entenda a linguagem dos deuses,
O que muda e o que devém, e quando o tempo impetuoso
Me prender a fronte com violência, e a miséria e o erro
Entre os mortais me abalarem a vida mortal,
Deixa que pense então na paz que reina no teu fundo.
_____

CANÇÃO DO DESTINO DE HYPERION

Andais lá cima na luz


Em chão macio, génios venturosos!
Ares divinos resplendentes
Vos tocam de leve,
Como os dedos da artista
Cordas sagradas.

Sem destino, como dormente


Menino, respiram os deuses;
Pudicamente guardado
Em casto botão,
Eternamente
Lhes floresce o Espírito,
E os olhos felizes
Olham em serena
Claridade eterna.

Mas a nós foi-nos dado


Não repousar em parte alguma,
Desfalecem, caem
Os homens sofredores
Às cegas de uma
Hora pra a outra,
Como água atirada
De rochedo em rochedo,
Anos a fio para o Incerto.

_____

QUANDO ERA MENINO...


Quando era menino,
Salvou-me um deus muita vez
Da gritaria e dos açoites dos homens,
E então brincava seguro e bem
Com as flores do bosque,
E as brisas do céu
Brincavam comigo.

E assim como alegras


O coração das plantas,
Quando elas te estendem
Os braços tenros,

Assim me alegraste o coração,


Pai Hélios! e, como Endymion,
Era eu o teu amado,
Luna sagrada!

Ó vós todos, fiéis,


Amigos deuses!
Se vós soubésseis
Como a minha alma vos amou!

É verdade que então vos não chamava


Ainda pelos nomes, e vós também
Nunca me nomeáveis, como os homens se nomeiam,
Como se se conhecessem.

Mas conhecia-vos melhor


Do que jamais conheci os homens;
Entendia o silêncio do Éter;
Palavras dos homens nunca as entendi.

A mim criou-me a harmonia


Do bosque sussurrante
E aprendi a amar
Entre as flores.

Foi nos braços dos deuses que eu cresci.

_____

AOS POETAS
(O FOGO DO CÉU)

Assim como em dia santo, para ver as terras,


O lavrador sai, pela manhã, quando
Da noite quente caíram os relâmpagos refrescantes
Todo esse tempo e o trovão ruge ainda ao longe,
O rio regressa de novo ao seu leito,
E fresco o solo verdeja,
E da chuva alegre do céu
Goteja a videira, e resplendentes
Ao sol tranquilo se erguem as árvores do bosque:

Assim se erguem eles em tempo propício,


Aqueles, a quem nenhum mestre só, a quem maravilhosa
E omnipresente forma e cria em leve enlace
A potente, a divinamente bela Natureza.
Porisso, quando ela parece dormir em certas estações do ano
No céu ou entre as plantas ou nos povos,
Se enche de luto também a face dos poetas,
Parecem estar sòzinhos, mas eles pressentem sempre.
Pois, pressentindo, ela própria repousa também.

Agora, porém, rompe o dia! Eu esperava e via-o vir,


E o que eu vi, o Sagrado, seja o meu Verbo.
Pois ela, ela mesma, que é mais velha que os tempos
E está acima dos deuses do Oeste e do Oriente,
A Natureza, acordou agora com ruído de armas,
E do alto do Éter até ao fundo abismo
Segundo lei fixa, como outrora, saído do caos sagrado,
Sente-se de novo o entusiasmo
Que tudo cria.

E como no olhar do homem brilha um fogo


Quando concebeu altas coisas, assim
Se incendeia do novo sinal, dos feitos do mundo agora,
Um fogo na alma dos poetas.
E o que outrora aconteceu, mas mal se sentiu,
Eis que só agora se revela,
E as que a sorrir nos lavraram a terra
Em figura de escravos, são-te agora conhecidas,
As sempre vivas, as forças dos deuses.

Queres interrogá-los? : na canção sopra o seu espírito,


Quando do sol do dia e da terra quente
Ela surge, ou das trovoadas do ar, e de outras
Que, mais preparadas nas funduras do tempo
E mais ricas de sentido e a nós mais distintas,
Vagueiam entre céu e terra e entre os povos.
São pensamentos do espírito comum
Que acabam calmos na alma do poeta.

Que ela ferida de repente, há muito já


Patente ao Infinito, treme de recordação,
E, inflamada do raio sagrado, lhe é dado
O fruto nascido em amor, obra de deuses e homens,
O canto, que de ambos dê testemunho.
Assim caíu, como os poetas contam, por ela desejar
Ver com os olhos o deus, o seu raio sobre a casa de Sémele,
E ela, ferida do deus, pariu,
Fruto da trovoada, o Baco sagrado.

E por isso bebem fogo celeste agora


Os filhos da terra sem perigo.
Mas a nós cabe, sob as trovoadas do deus,
Ó poetas! permanecer de cabeça descoberta,
E com a própria mão agarrar o raio do Pai,
O próprio raio, e, oculta na canção,
Oferecer ao povo a dádiva celeste.
Pois se nós formos puros de coração
Como crianças, e as nossas mãos sem culpa,
O raio do Pai, puro, não o queimará,
E, fundamente abalado, sofrendo com o deus
A dor do deus, o coração eterno bate firme.

_____

RECORDAÇÃO

O Nordeste sopra,
O mais querido entre os ventos
Pra mim, pois promete fogoso
Espírito e boa viagem aos navegantes.
Vai pois agora e saúda
O belo Garona,
E os jardins de Bordéus
Ali onde na margem escarpada
Segue o atalho e para o rio
Lá baixo cai o regato, enquanto em cima
Contempla um nobre par
De carvalhos e choupos argênteos;

Ainda me lembro bem, e como


Inclina os largos cumes
0 bosque de olmos, por sobre o moinho,
Enquanto no pátio cresce uma figueira.
Em dias de festa vão
As mulheres morenas por ali
Em chão de seda,

No mês de Março,
Quando a noite é igual ao dia,
E por sobre os atalhos vagarosos,
Pesadas de sonhos dourados,
Passam brisas embaladoras.

Mas que me dê,


Cheia de luz escura,
Alguém a taça cheirosa,
Que eu possa repousar; pois doce
Seria entre sombras o sono.
Não é porém bom
Sem alma ser de mortais
Pensamentos. Mas é bom
Conversar e dizer
O que vai no coração, ouvir muito
De dias de amor,
E de acções que acontecem.

Mas onde estão os amigos? Belarmino


Com o companheiro? Muitos
Têm receio de ir à fonte;
Pois é no mar que começa
A riqueza. Eles,
Como pintores, ajuntam
O belo da Terra e não desdenham
A guerra alada, e
Viver solitário, anos a fio, sob
O mastro sem folhas, onde não iluminam a noite
Os dias de festa da cidade,
Nem a lira nem a dança nativa.

Mas agora foram pra os Índios


Os homens,
Além no cume alteroso
Junto aos vinhedos, onde
Desce o Dordogne
E juntamente com o soberbo
Garona largo como um mar
O rio se acaba. Mas o mar tira
E dá memória,
E o amor também prende diligente o olhar.
Mas o que fica, os poetas o fundam.

_____

O ÚNICO

O que é, isto
Que às velhas venturosas praias
Me prende, tanto, que inda mais
As amo do que à Pátria?
Pois como vendido
Em cativeiro divino
Ali vivo, onde Apolo andou
Em figura de rei,
E Zeus a inocentes efebos
Baixou e de maneira sacra
Gerou filhos e filhas,
O Excelso entre humanos.

É que muitos altos


Pensamentos brotaram
Da cabeça do Pai
E grandes almas
Vieram dele aos homens.
Eu ouvi falar
Da Élida e de Olímpia, estive
Lá no alto do Parnaso
E por sobre os montes do Istmo,
E além também
Junto de Esmirna e lá baixo
Junto de Éfeso andei.

Vi muitas coisas belas.


E a imagem de Deus
Cantei, que vive entre
Os homens. E contudo,
Ó velhos Deuses, e vós
Todos, audazes filhos dos Deuses,
Busco eu inda um,
Que eu amo, entre vós,
Que o último da vossa estirpe,
A jóia da casa, a mim,
Estranho hóspede, ocultais.

Meu Mestre e Senhor!


Ó tu, meu Guial
Porque é que ficaste
Longe? e quando
Preguntei entre os antigos
Aos Heróis e
Aos Deuses, porque não
Apareceste? E agora está cheia
De luto a minha alma,
Como se vós, Celestiais, vos empenhásseis
Por que, servindo eu um, o outro
Me falte.

Mas eu sei, é minha própria


Culpa. Pois por demais,
Ó Cristo! a ti me prendo,
Posto que irmão de Hércules.
E ousado confesso: tu
És também irmão do Évio
Que atrelou ao carro
Os tigres e até
Lá baixo ao Indo,
Ordenando alegre culto,
Criou a vinha
E domou a ira dos povos.

Mas um pudor me impede


De a ti comparar
Os homens terrenos. E sei na verdade
Que o que te gerou, teu Pai, é
E mesmo que - - - - -
--------------
Pois nunca só domina.
E não sabe tudo. Há sempre alguma
Coisa entre os homens e ele.
E como por degraus vai
Descendo o Celestial.
Porém a um se prende
O amor. Desta vez
Saiu-me do próprio coração
Por demais o canto,
Mas quero compensar
A falta com o próximo,
Se ainda cantar outros.
Nunca encontro, como desejo,
A medida. Um Deus porém sabe
Quando vem o que eu desejo, o Melhor.
Pois assim como o Mestre
Vagueou pela Terra,

Qual águia presa,


E muitos,
Que o viram, tiveram medo,
Enquanto o Pai fez o máximo
E operou o melhor
Realmente entre os homens,
E muito conturbado esteve também
Entretanto o Filho, até
Que pelos ares subiu aos céus:
Assim igual a ele está presa a alma dos Heróis.
Os Poetas também, que são do Espírito,
Têem que ser do Mundo.

_____
PATMOS

Ao Landegrave de Homburgo

Perto está,
E difícil de prender, o Deus.
Mas onde há perigo, cresce
Também o que salva.
No escuro moram
As águias, e intrépidas vão
As filhas dos Alpes sobre o abismo
Por pontes de construção leve e fácil.
Por isso, porque em volta se apinham
Os cumes do tempo, e os queridos
Vivem perto, esmorecendo
Em montes que tornam a distância infinita,
Dá-nos água inocente,
Oh dá-nos asas, pra voar pra lá
De ânimo fidelíssimo e voltar de novo.

Assim falava eu, e eis me arrebatou


Mais depressa do que eu supunha,
E pra longe, aonde eu nunca
Pensara chegar, um génio,
Do próprio lar. Escureciam
No crepúsculo, enquanto eu ia,
A floresta frondosa
E os regatos nostálgicos
Da pátria; já não conhecia as terras;
Mas breve, em fulgor fresco,
Misteriosa
No fumo dourado, me floriu,
De repente crescida
Com passos do sol,
Redolente de mil cumes,
A Ásia, e deslumbrado buscava
Eu alguma coisa que eu conhecesse, pois desacostumado
Estava das largas ruas, onde
Do Tmolo desce
O Pactolo com areias de ouro
E se ergue o Tauro e Messogis,
E cheio de flores o jardim,
Fogo tranquilo; mas na luz
Floresce ao alto a neve argêntea;
E, testemunha de vida imortal,
Ao longo de muros inacessíveis,
Velhíssima cresce a hera, e são sustentados
Por colunas vivas, cedros e loureiros,
Os solenes
Palácios de construção divina.

Mas às portas da Ásia rumorejam,


Estendendo-se pra aqui e pra acolá
Em incerto plaino marinho,
Muitas das estradas sem sombra ;
O navegante, porém, conhece as ilhas.
E quando ouvi
Que uma das próximas
Era Patmos,
Senti a ânsia
De aportar a ela e lá
Abeirar-me da gruta escura.
Pois Patmos não vive
Pomposa como Chipre,
A rica de fontes, ou
Qualquer das outras.

Mas hospitaleira é
Em casa mais pobre
Ela também,
E quando do naufrágio, ou lamentando-se
Pela pátria ou pelo
Amigo morto,
Dela se abeira algum
Dos estranhos, ouve ela de bom grado; e seus filhos,
As vozes do bosque ardente,
E, onde a areia cai e se escancara
A face do campo, os sons,
Eles escutam-no, e um eco amoroso
Repete as queixas do homem. Assim acolheu
Ela outrora o amado de Deus,
O vidente, que em feliz juventude tinha

Andado com
O Filho do Altíssimo, inseparável; pois
O Portador-de-Tempestades amava a simpleza
Do discípulo, e o homem atento olhou
Com exactidão a face do Deus,
Quando, ao gozarem do mistério da vide, eles
Se sentaram juntos à hora do festim,
E, com pressentimento calmo na grande alma, o Senhor
Exprimiu a morte e o último amor, pois nunca bastantes
Palavras tinha pra falar
Da bondade, então, e pra serenar, quando
Viu a cólera do mundo.
Pois tudo é bom. A seguir morreu. Muito haveria
A contar disto. E seus amigos o viram inda por fim,
Como ele olhava triunfante, no cume da alegria.

Contudo choraram, agora


Que a noite caíra, espantados,
Pois grandes resoluções tinham na alma
Estes homens, mas amavam a vida
Debaixo do sol, e não queriam apartar-se
Da face do Senhor
E da pátria. Entranhado estava neles,
Como fogo no ferro, aquilo, e ao lado deles
Caminhava a sombra do Amado.
Por isso ele lhes mandou
O Espírito, e em verdade tremeu
A casa e os temporais de Deus rolaram
Troando ao longe sobre
As frontes videntes, quando, meditabundos,
Estavam reunidos os heróis da morte,

Agora que ele, ao despedir-se,


Lhes apareceu mais uma vez.
Pois agora apagou-se o dia do sol, o dia
Régio, e quebrou
O então rútilo
Cetro, sofrendo como um deus por si mesmo o quebrou,
Pois havia de regressar
A seu tempo. Não teria sido
Bom, mais tarde, e quebrando de súbito, infiel seria,
Obra dos homens; e alegria era,
A partir de agora,
Viver em noite de amor e preservar
Em olhos simples, constantemente,
Abismos de sabedoria. E verdejam
Fundo pelos montes também imagens vivas.

Mas é terrível de ver como pra aqui e pra além


Infinitamente dispersa Deus o que vive.
Pois já o era abandonar
A face de amigos queridos
E ir longe pra lá dos montes
Sozinho, onde, duplamente
Reconhecido, unânime
Era o Espírito celeste; e não era profetizado, mas sim
Agarrava os cabelos, presente,
Quando repentino,
Afastando-se apressado, olhava pra trás
Para eles o Deus e conjurando-o
Para que os mantivesse, como com cordas de ouro,
Para sempre ligados,
Nomeando o Mal, eles se estendiam as mãos. —

Mas quando então morre


Aquele a quem mais
Se prendia a Beleza, tanto, que na sua figura
havia maravilha e os Celestiais apontavam
Para ele, e quando, mistério eterno uns para os outros,
Eles se não podem compreender
Uns aos outros, os que viviam juntos
Na memória, e não a areia só ou
Os pastos leva e dos templos
Se apossa, quando a honra
Do Semi-Deus e dos seus
Se dispersa no vento e a sua própria face
O Altíssimo volta,
Porque em parte alguma
Coisa imortal se descobre no céu ou
Sobre a terra verde, o que é isto?

É o gesto do semeador, quando agarra


Com a pá o trigo,
E o atira para o ar claro, lançando-o sobre a eira.
Cai-lhe a moinha diante dos pés, mas
No fim vem o grão.
E não é um mal, quando algum
Se perde e da fala
Se esvai o som vivo:
Pois obra divina também se parece à nossa.
O Altíssimo não quer tudo duma vez.
É verdade que a mina dá ferro
E o Etna pez escaldante;
Assim teria eu riqueza
Pra construir uma imagem que parecesse
Semelhante, como ele foi, o Cristo.

Mas se alguém a si mesmo se desse ânimo,


E, com palavras tristes, a meio caminho me assaltasse
E eu estivesse inerme, que eu me admirasse e que a imagem
Do deus pudesse ser imitada por um escravo —
Em cólera vi já claramente outrora
Os senhores do céu, não que eu devesse ser qualquer coisa, mas
Para aprender. Bondosos eles são, mas o que mais odeiam é,
[sim
Enquanto reinam, a falsidade, e já não vale
Então nada de humano entre os homens.
Pois não são eles que governam, mas governa
O Destino imortal, e a obra deles caminha
Por si mesma e precipita-se pra o fim.
Pois quando se elevar a marcha triunfal
Dos céus, será nomeado, igual ao Sol,
Pelos fortes o Filho exultante do Altíssimo,

Uma signa simbólica, — e eis aqui o bastão


Do canto, abaixando-se,
Pois nada é comum. E ele acorda
Os mortos, que ainda não estão presos
Do brutal. Mas estão à espera
Muitos olhos tímidos
Pra contemplar a luz. Não querem
Florir à luz crua do raio,
Inda que o freio de ouro lhes retenha o ânimo.
Mas quando, como
De sobrancelhas túmidas
Esquecidos do mundo,
Cair da Escritura Sagrada a força de claridade calma, então,
Alegrando-se da graça,
Que eles se exercitem na visão tranquila.

E se os divinos agora,
Como creio, me amam,
Quanto mais a ti!
Pois uma coisa eu sei
Que a vontade
Do Pai eterno muito
Te importa. Calado é o seu sinal
No céu tonante. E alguém fica sob ele
Por toda a vida. Pois Cristo inda vive.
Mas vieram todos os heróis, seus filhos,
E sagradas escrituras vieram
Dele, e os feitos da terra
Explicam o relâmpago até agora,
Corrida irreprimível. E ele está presente. Pois suas obras
São-lhe conhecidas desde sempre.

Longo tempo, ai! longo de mais,


É invisível já a glória dos deuses.
Pois quase têem de guiar-nos
Os dedos, e vergonhosamente
Uma força nos vem arrebatar o coração.
Pois cada um dos deuses quer sacrifícios.
Mas quando algum foi esquecido,
Nada de bom daí veio.
Nós prestámos culto à Mãe-Terra
E adorámos há pouco a luz do Sol,
Sem sabermos; mas o Pai,
Que a todos governa, ama
Acima de tudo o culto cuidadoso
Da letra firme e que bem se interprete
O que existe. E o canto alemão obedece.

_____

FRAGMENTOS DE POEMAS
DA ÚLTIMA FASE

IDADES DA VIDA
Ó cidades do Eufrates!
vielas de Palmira!
Ó bosques de colunas no plaino do deserto!
Que é de vós?
Enquanto passáveis as fronteiras
Dos que respiram,
Os vapores de fumo dos deuses
Tiraram-vos as coroas,
Tirou-vo-las o fogo;
Eis-me agora sentado sob nuvens
(Cada uma delas com seu próprio repouso),
Sob carvalhos bem ordenados,
Sobre a charneca da corça, e estranhos
Me parecem e mortos
Os espíritos dos bem-aventurados.

_____

MAS HÁ INDA UMA COISA A DIZER…

Mas há inda uma coisa


A dizer. Pois quase me vinha
Repentina de mais
A solitária
Ventura, que eu, irreflectido
Na posse, me ia
Voltando já pra as sombras.
Pois porque tu deste
Aos mortais
Figura divina, a tentar,
Para quê palavras? e a melancolia
Quase me ia tirando
Dos lábios o canto. É verdade
Que outrora os poetas
Contaram, sòzinhos, como eles
Tiraram a força dos deuses.
Nós porém arrancamos
À desdita as bandeiras e dependuramo-las como troféus
Ao deus da vitória libertador. Por isso também
Mandaste mistérios. Sagrados eles são,
Resplandecentes; mas quando os celestes
Se querem fazer quotidianos
E o milagre vulgar, quando
Príncipes de Titãs agarram como roubo
As dádivas da Mãe, vem um mais alto ajudá-la.

_____

SOBRE A LÍNGUA

----------------
Tu falaste à divindade,
Mas todos vós esquecestes que sempre os primogénitos,
Mas aos deuses pertencem. [não aos mortais,
O fruto tem de fazer-se primeiro mais vulgar
E mais quotidiano, e então só é que ele
Cabe aos mortais.

_____

NOVO MUNDO

- - - e pende, abóbada de bronze, o céu sobre nós, maldiçâo


tolhe os membros dos homens, e os dons prazenteiros da terra
são como moinha, escarneceu de nós, com seus presentes, a Mãe
e tudo é aparência —
Mas já se abre
A torrente sobre o deserto

Mas onde está ele?


que venha invocar o espírito vivo.

_____

A ROSA

Suave irmã!
Onde irei buscar, quando fôr inverno,
As flores, para tecer coroas aos deuses?
Então será, como se eu já não soubera do Divino,
Pois de mim terá partido o espírito da vida;
Quando eu buscar prendas de amor aos deuses,
As flores no campo escalvado,
E te não achar.

_____

METADE DA VIDA

Com pêras douradas pende


E cheia de rosas bravas
A terra por sobre o lago,
Ó amados cisnes,
E ébrios de beijos
Mergulhais a cabeça
Na água santa e casta.

Ai de mim, onde irei buscar, quando


For inverno, as flores, e onde
O brilho do sol
E sombras da terra?
Erguem-se os muros
Mudos e frios, ao vento
Estralejam as bandeiras.

_____

O MAIS IMEDIATO

- - - abertas as janelas do céu


E liberto o espírito da noite,
O assaltante do céu, que enganou
A nossa terra, com muitas línguas destravadas, e
Revolveu o lixo
Até agora.
Mas há-de vir o que eu quero,
Quando - - - -

_____

COLHEITA

Maduros estão, mergulhados em fogo, cozidos


Os frutos e provados na Terra, e é uma lei
Que tudo entre neles, como cobras,
Profèticamente, sonhando
Nas colinas do céu. E muitas coisas,
Como sobre os ombros
Uma carga de achas,
Há a guardar. Porém maus são
Os caminhos. Pois de través,
Como cavalos, vão os elementos
Cativos e as velhas
Leis da Terra. E sempre
Há uma saudade para o liberto. Mas muitas coisas
Há a guardar. E é necessária a fidelidade.
Mas pra a frente e pra trás não queremos
Nós ver. Deixar-nos embalar, como
Em batel frágil sobre o mar.

_____

OS TITÃS

-----------------
-----------------
- - - - - - em horas festivas,
E que eu possa repousar, pra me lembrar
Dos mortos. Morreram muitos
Generais em velhos tempos
E mulheres belas e poetas;
E em novos
Muitos dos homens.
Mas eu estou só.
-----------------
-----------------
- - - - e navegando para o oceano
Preguntar às ilhas odorosas:
Para onde foram eles?

Pois muitas coisas sobre eles


Ficaram em fiéis escrituras
E muitas em lendas do tempo.
Muito revelar o deus.

Pois há longo tempo actuam já


As nuvens sobre a terra,
E o ermo sagrado cria raízes preparando muito.
Cálida é a riqueza. Pois falta
O canto, que liberta o espírito.
Devorar-se-ia
E seria a si mesmo contrário,
Pois já não sofre
Cativeiro o fogo celeste.

Mas dá alegria
O banquete, ou quando na festa
O olhar brilha, e de pérolas
O colo da virgem.
Também jogo bélico
-----------------
- - - - - e pelas veredas
Dos jardins clangora
A memória da batalha e suaviza-se
Junto ao peito esbelto.
As armas sonoras repousam
Dos pais heróicos aos filhos.
Mas a mim cerca-me o zumbido
Da abelha, e, onde o lavrador
Abre os regos, cantam pra a luz
Os pássaros. Muitos ajudam
Ao céu. A estes vê-os
O poeta. É bom poder suster-se
A outros. Pois ninguém suporta a vida sòzinho.

Mas quando se acende


O dia laborioso,
E na cadeia,
Que desvia o raio,
Desde a hora do nascer-do-sol
Brilha o orvalho celeste,
Deve entre os mortais sentir-se
Também o que é alto.
Por isso eles constroem casas,
E a oficina trabalha,
E o navio cruza os rios,
E os homens se oferecem
Em permuta as mãos; faz sentido
Estar na terra e não é em vão
Que os olhos se cravam no solo.

Mas sente-o
Também outra raça.
Pois na medida
É preciso também o brutal,
Para que o puro se reconheça.
Mas quando - - - - - - - - - - - - - - -
---------------------
E lança a mão às funduras,
Para as vivificar,
O que tudo abala, crêem eles
Que o divino desce
Até aos mortos, e poderosamente alvorece
No abismo ilimitado

Que tudo percebe.


Mas eu não quisera dizer
Que os divinos se fazem fracos
Se bem que já tudo ferva.
Mas quando - - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - e sobe
Até aos cumes do Pai, que
---------------------
- - - - e o pássaro do céu
Lho anuncia. Maravilhoso
Em sua ira vem ele logo.

_____

TERRA NATAL

---------------------
---------------------
E ninguém sabe
---------------------
---------------------
---------------------
Deixa-me entretanto divagar
E colher amoras bravas,
Para apagar o amor de ti
Por teus caminhos, ó Terra,
Aqui, onde - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - e rosas e espinhos,
E doces tílias cheiram ao lado
Das faias, ao mei' dia, quando na seara pálida
Sussurra a crescença, em cada caule direito,
E a espiga inclina a cabeça para o lado,
Como o outono; mas agora sob a alta
Abóbada dos carvalhos, enquanto eu medito
E interrogo ao alto, o toque dos sinos
Tão meu conhecido
Ressoa de longe, com tom de ouro, à hora
Em que o pássaro de novo acorda. Assim é possível, talvez.

_____

QUANDO A SEIVA DA VIDE ...

Quando a seiva da vide,


O ameno arbusto, busca sombra
E a uva cresce sob a fresca
Abóbada das folhas,
Um dom de força aos homens,
Mas para as raparigas um perfume,
E para as abelhas,
Quando, ébrias da fragrância
Da primavera, o espírito
Do sol as toca, erram atrás dele,
Impelidas, mas quando
Um raio queima, elas voltam
Com zumbidos, cheias de pressentimento
- - - - - - - - - - - - ao alto
- - - - - - - - o carvalho sussurra,
-----------------------

_____

COMO A VIDA DOS HOMENS ...

Como a vida dos homens é imagem da divindade!


Enquanto sob o céu erram os seres terrenos todos, eles
Vêem-no. Mas como se lessem
Num escrito, os homens imitam a infinidade
E a riqueza. E é o céu simples
Rico então? Como flores são em verdade
Nuvens argênteas. Mas de lá chove
O orvalho e o relâmpago. Quando porém
Se apaga o azul simples, parece
O baço do céu, que se assemelha ao mármore, corno minério,
Anúncio de riqueza.

_____

VASOS FAZ UM ARTISTA ...

Vasos faz um artista.


E compra-os - - -
----------------
----------------
- - - - mas quando
Se chega ao juízo,
E pudico o lábio
De um semi-deus o tocou,
----------------
E dá o mais amado
Às estéreis,
Pois, de agora em diante, já não
Serve pra o uso o Sagrado.

_____

… HÁ PORÉM UMA GERAÇÃO ESCURA ...

- - - - - - há porém
Uma geração escura, que nem gosta de ouvir
Um semi-deus, nem quando um divino aparece
Com homens nas vagas, informe, nem honra
A face do puro, do próximo
Deus omnipresente.

Mas mesmo que impios


- - - - - - em chusma
- - - - - - - e atrevidos
-------------
-------------
-------------
-------------
Que te importam eles,
Ó canção pura? é verdade
Que eu, eu morro, mas tu
Segues outro caminho, e em vão
Tentará impedir-te um invejoso.

E quando em tempo vindouro


Encontrares um bom,
Saúda-o, e ele pensará
Como os nossos dias foram
Cheios de ventura, cheios de dor,
Irá de um para o outro
--------------
--------------
--------------
--------------
_________________

POEMAS DA LOUCURA

DOMINGO

Amizade, amor, igreja e santos, cruzes, imagens,


Altar e púlpito e música. Soa-lhe ao ouvido o sermão.
Depois de comer, o ensino dos filhos parece conversa
Ociosa e sonolenta pra homem, menino e raparigas,
mulheres
Depois vai ele, o senhor, o cidadão e artista, [pias;
Alegre campos fora e pelas veigas pátrias;
Os jovens seguem também, contemplativos.
_____

A PRIMAVERA

Quando nova delícia germina pelos campos


E outra vez se embeleza o panorama
E nos montes, onde as árvores verdejam,
Mais claros se mostram ares e nuvens,
Oh! que alegria os homens sentem! Andam
Alegres pelas praias solitários. Calma e desejo
E enlevo da saúde floresce,
O riso amável também não anda longe.
_____
PRIMAVERA
Lá dos montes ao longe desce o dia novo,
A manhãzinha, do crepúsculo acordada,
Sorri à humanidade, alegre e enfeitada,
Da paz suave está cheio todo o povo.
Vida nova ao Futuro quer abrir-se.
De mil flores parece qu'rer cobrir-se,
Sinal de alegre dia, o grande vale, a Terra;
E assim da primavera a queixa se desterra.
Submissamente
3 de Março de 1648
Scardanelli.

_____

A BELEZA ...
A beleza é própria das crianças,
É talvez mesmo a imagem de Deus,
É sua pertença a calma e o silêncio,
E traz também louvor aos anjos.

_____

DE UMA CARTA DO MARCENEIRO ZIMMER


À MÃE DE HÖLDERLIN
Tubinga, 19 de Abril de 181z
[…] Mandei vir o Senhor Professor Gmelin para ver como médico o
seu querido Filho, e ele disse que nada ainda se podia dizer ao certo
sobre o verdadeiro estado do seu Filho mas que lhe parecia que era um
afrouxamento da natureza, e infelizmente minha boa Senhora vejo-me
na triste necessidade de lhe escrever que também eu creio que assim é.
A sua bela esperança de tornar a ver o seu querido Filho feliz neste
mundo teria assim infelizmente que desaparecer, ai infelizmente, mas
venha o que vier Ele será com certeza feliz na outra vida. Dentro de 8 ou
15 dias talvez lhe possa dar notícias mais seguras.
O seu espírito poético mostra-se ainda activo, assim Ele viu em
minha casa o desenho dum templo. Ele disse-me para eu fazer um
assim de madeira, eu respondi-lhe que eu tinha de trabalhar para ganhar
o pão, que não tinha a felicidade de viver assim no Repouso Filosófico
como Ele, e Ele respondeu-me logo, Ai eu não passo de um pobre
homem, e naquele mesmo minuto escreveu-me o seguinte verso a lápis
sobre uma tábua:
As linhas desta vida são diferentes,
Como são os caminhos e as fronteiras dos montes.
O que aqui somos, pode acabá-lo além um Deus
Com harmonias, prémio eterno e paz.
[…]
_____

GOZEI JÁ O AGRADÁVEL DESTE MUNDO …


Gozei já o agradável deste mundo,
Há que tempos passou a mocidade e o prazer!
Abril e Maio e Junho estão já longe;
Já nada sou, já não gosto de viver.
__________________________
Susette Gontard (Diotima) e Friedrich Hölderlin

__________________________________________________________

Templo Cultural Delfos - Friedrich Hölderlin - poemas (bilíngue)


http://www.elfikurten.com.br/2016/01/friedrich-holderlin.html

Hölderlin - Poesía Completa, bilingüe, traducción Federico Gorbea,


Ediciones 29, Barcelona, 1995.
https://descargarlibrosenpdf.files.wordpress.com/2017/05/holderlin-
friedrich-poesia-completa-edicion-bilingue.pdf

Hölderlin y la Esencia de la Poesía, por Martin Heidegger


https://estudiosliterariosunrn.files.wordpress.com/2010/09/heidegge
r-martin-holderlin-y-la-esencia-de-la-poesia.pdf

Hölderlin Le Cavalier de Feu - Bande annonce


https://www.youtube.com/watch?v=XHafo7LXPPc

Friedrich Hölderlin and the Clandestine Society of the Bavarian


Illuminati. A Plaidoyer, by Laura Anna Macor
http://www.philosophica.ugent.be/fulltexts/88-5.pdf
Friedrich Hölderlin: Ein radikaler Künstler | ARTE
https://www.youtube.com/watch?v=Kb9Pp1AZKs8

__________________________________________________________
https://sites.google.com/view/edicoesrocio/home

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