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Comunicação, arquitetura e design são três áreas em que o Brasil tem se destacado.
Seja pela criatividade e originalidade, pela competência comunicativa, pelo senso
estético ou pelo rico caldo cultural que nutre nossos profissionais, o fato é que o mundo
presta atenção no que fazemos nesses setores. Por isso devemos prestar muita atenção
nas pesquisas e inovações que brotam de nossas universidades e centros de pesquisa.
Esta edição temática da Revista Iniciação, organizada pela editora Prof.ª Dra. Myrna de
Arruda Nascimento, a quem agradeço e parabenizo pelo cuidadoso e criterioso trabalho
realizado, é uma ótima oportunidade de nos atualizarmos e conhecermos relevantes
trabalhos que podem impactar a forma como nos relacionamos com a cidade, com os
espaços culturais, com a escola, com nossas casas e até mesmo com nosso vestuário.
Navegar por esta edição e ler seus artigos é prazeroso e enriquecedor. Aproveite, caro
leitor.
Romero Tori
Editor
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
Assim, encontramos neste grupo de artigos, relatos sobre experimentos que estudam
paradigmas típicos da concepção modular, no campo da Arquitetura e do Design,
como os modelos tridimensionais de matriz geométrica, reproduzidos e analisados
no artigo “ Forma e função nas casas de Peter Eisenman”, e o desenvolvimentos de
um projeto para bancada de trabalho compactável, para atividades como hobby
(oficinas caseiras), ou para a atuação de profissionais em pequenas oficinas.
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a nove possibilidades perceptivas, suscitando filtros e visões parciais do fenômeno
urbano, que revelam fragmentos da cidade com novos significados e propõem um
novo uso para o edifício e para a socialização neste terreno. Escolhendo um foco
tecnológico para pensar questões da urbanidade contemporânea, “UrbX – como os
aplicativos móveis potencializam a vida urbana” identifica projetos de hibridização
entre espaço físico e meio digital, verificando como as Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) são utilizadas em desdobramentos urbanos, explorando a
experiência de viver e se apropriar da cidade permeada pela Informação em mídias
digitais por meio de dispositivo móveis e aplicativos geolocalizados.
Nesta edição, trazemos até nossos leitores um diálogo amplificado pela reunião de
investigações sobre temas familiares à Comunicação, Arquitetura e Design
aproximando-os de estudos nestas áreas, voltados a temáticas incomuns. Uma
estratégia aberta para acompanharmos aos dilemas da produção científica acadêmica
contemporânea.
Até a próxima,
Myrna Nascimento.
Coeditora
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Forma e função nas casas de Peter Eisenman
Abstract. This study aims, through studies with physical and virtual models,
understands the theories behind the “paper houses” designed by the American Architect
Peter Eisenman, with special focus on the relationship between volumetric, function and
structure.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2. Objetivos
O objetivo desta pesquisa é analisar e captar informações referentes às casas de
Eisenman a fim de formar um acervo de consultas para futuras pesquisas, além de
compreender a complexidade de suas obras no âmbito arquitetônico. Além disso, a
realização deste trabalho permite a construção de um acervo de modelos e materiais de
referência para futuros estudos na área.
3. Metodologia
Os métodos utilizados foram pesquisa teórica, documental e empírica com a
finalidade de adquirir conhecimento através da experimentação. A metodologia
escolhida para seu desenvolvimento envolveu redesenho dos projetos e construção de
modelos tridimensionais físicos e virtuais utilizando, em alguns casos, métodos de
fabricação digital. O método de análise gráfica, também utilizado, teve grande
importância para o entendimento estrutural, volumétrico e funcional dos projetos,
enquanto os modelos contribuíram para o entendimento analítico e tridimensional das
formas.
4. Resultados e discussões
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projetou sendo algumas delas apenas experimentais. O objeto inicial puro utilizado
para esta casa foi o cubo. As articulações complexas que essa forma geométrica sofre
mais a estrutura duplicada sobreposta não tiram a característica inicial do cubo na
volumetria final da casa como ocorre em outras casas da série. Ela teve início em
1967 com desenhos axonométricos, e teve como um dos pontos principais obter um
distanciamento entre cliente e autor, pois era dessa forma que Eisenman pensava que
poderia colocar suas ideias e filosofias em prática sem receber influência de ninguém.
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Análise por tridimensionalidade física e virtual.
Propomos para essa segunda etapa da pesquisa a produção dos modelos com a
finalidade de concretizar as ideias articuladas na primeira etapa. Com a prioridade
em traduzir as casas através de maquetes, para a confecção foram selecionadas
quatro entre as dez casas que existem. Foram então selecionadas House I, House 11a,
El Even Odd e Guardiola house. Selecionamos, assim como as citadas na primeira
parte desse artigo, como exemplo, as casas House I e a Guardiola house. A escolha
por modelar a House I é pelo fato dela ser a primeira da sequência desenvolvida por
Eisenman; ela foi projetada em 1968 e foi um experimento que ele desenhou
relacionando estrutura, volumetria e função. Para compreender a filosofia que o
arquiteto expõe na arquitetura o inicio é de evidente importância. A complexidade
estrutural também serviu de reforço para a produção dela.
Inicialmente foram produzidos redesenhos técnicos para a elaboração dessa
maquete. Estes foram feitos com o auxílio do programa AutoCad para agilizar e
facilitar o processo. Assim como os desenhos, o modelo virtual também foi executado
no mesmo software. A escala da maquete física, 1:50, foi escolhida para melhor
entender o processo que Eisenman desenvolveu neste projeto e representar com
melhores detalhes essa obra.
Figura 2. Redesenhos das plantas da House I, software AutoCad, realizado pelo autor.
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Figura 3. Modelos virtuais, normal e explodido, realizado em software AutoCad, pelo autor.
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A Guardiola house por ser o último projeto dessa série de casas foi inevitável sua
modelagem. Sua complexa volumetria, que só foi possível de reproduzir com o
auxílio de um computador, sua estrutura, seu local e terreno foram fatores para a
confirmação da confecção da maquete. Também representa, assim como já Rafael
Moneo citou, um novo momento na obra de Peter Eisenman relacionando-se com
suas obras mais contemporâneas. O processo da maquete foi possível através da
fabricação digital, a impressão 3D. Escolhemos esse tipo de confecção para melhor
representar os detalhes da volumetria da casa. A modelagem foi feita através do
software Rhinoceros e os desenhos das plantas do Auto Cad. A escala definida que
melhor atendia a visualização dos detalhes e ficaria em um tamanho adequado foi a
1:200. Já o terreno foi confeccionado na cortadora a laser. Concluída a maquete,
analisamos a suavidade em que a casa se posiciona no terreno e a relação entre
eles. Analisamos também como Eisenman evoluiu em seus pensamentos
projetuais e filosóficos para chegar nesse nível de complexidade que é Guardiola
house.
Figura 5. Redesenhos da Guardiola house, realizados com o software AutoCad pelo autor.
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Figura 6. Modelo virtual da Guardiola House , realizado pelo autor com utilização do software
Rhinoceros.
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Figura 8. Modelo tridimensional, modelado no software Rhinoceros e produzido na impressora
ZPointer (fabricação digital).
4. Conclusão
A obra de Eisenman intriga pelos conceitos filosóficos aplicados à arquitetura. O
arquiteto experimentou novas maneiras de projetar e relacionar forma, estrutura e
função em seus projetos. Ao longo desse período inicial de experimentação ele
acaba por consolidar seus pensamentos filosóficos influenciados por Jaques Derrida e
Gilles Deleuze.
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Eisenman se preocupa em traduzir seus desenhos como literatura que remetem
ao pensamento da desconstrução em uma linguagem arquitetônica. Esta pesquisa
procurou produzir “textos visuais” que abordam questões que vão além do desenho.
Diante do material recolhido e produzido podemos afirmar que o projeto foi
executado com êxito perante a sua finalidade de construir e estudar os
pensamentos sobre o arquiteto e teórico Peter Eisenman e a elaboração de
desenhos e modelos relacionados às casas por ele projetadas.
Figura 11. Modelos físicos tridimensionais desenvolvidos durante a pesquisa. Registro fotográfico
do autor.
Referências
DORFMAN, Beatriz R. Arquitetura e representação: As casas de papel de
Peter Eisenman e textos da desconstrução de Jaques Derrida, Rio Grande
do Sul, 2009. Tese (Pós-graduação e pesquisa em arquitetura) –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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EISENMAN, P. Peter Eisenman’s House VI: the client’s response, Michigan,
Whitney of library design, 2007.
NESBITT, Kate. Uma nova agenda para arquitetura. Ed. Cosac Naify,
2006. DAVIDSON, Cynthia C. Tracing Eisenman: complet works,
Michigan, Rizzoli, 2007.
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RHOB: bancada de trabalho compacta
RHOB: compact workbench
Abstract. This Final Work (TCC) intends to restructure and modify the conventional
design of existing workbenches packable labor market, adapting it for homes and small
workshops. The workbench becomes a common equipment either for the amateur user or
for the professional one. The methodology to develop this TCC was theoretical and
historical research, and the survey results (printed materials and websites) from
secondary sources. Besides, we incorporated interviews and field survey, considering
case studies similar to the theme of this TCC (homemade workshops, hobby).
Key words: DIY, hobby, machining, woodworking, workbench, industrial design.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
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perigosas, de corte, furação e lixamento eram escondidas pelo meu pai e levou um
bom tempo para que ele me ensinasse a usá-las com segurança. Comecei a realizar as
primeiras tarefas perigosas por volta dos seis anos, sempre com a supervisão do meu
pai e aprendi a realizar furos em madeira com a furadeira elétrica, cortes com serrote
e lixamento. As atividades eram simples e eu as realizava com muita vontade de
aprender e me aperfeiçoar.
O divertimento em realizar as pequenas tarefas era grande e, quando via o resultado e
os elogios, ficava cada vez mais motivado em aprender novas formas de trabalhar. Os
anos se passaram e as técnicas de oficina foram refinadas, cada vez que aprendia um
novo modo de executar um trabalho eu buscava realizar o quanto antes e, algumas
vezes, os resultados eram desastrosos, e outras, bem próximos ao de um profissional.
Esta vivência na oficina, de certa forma, sempre me transportou para um mundo livre
de obrigações onde o tempo não tinha importância e o que realmente valia era a
atividade realizada. O interesse por trabalhos em oficina me levou a ter contato com
profissionais de marcenaria e ferramentaria, bem como suas ferramentas, dentre
estas, as bancadas de trabalho que mesmo não tendo um projeto definido e, na
maioria das vezes construídas pelo próprio artesão, sempre me chamaram atenção
pela robustez e eficiência. A bancada para trabalhos manuais é o carro chefe para
quem deseja ter desempenho máximo, versatilidade e precisão na execução de
quaisquer trabalhos sejam de marcenaria, ferramentaria, serralheria, artesanato,
dentre outros. As bancadas de trabalho para marcenaria existentes no mercado
possuem diversos equipamentos acoplados ao seu conjunto, que facilitam trabalhos
como corte, furação e lixamento de madeira, acrílico, alumínio, entre outros materiais.
Nas ferramentarias, estas bancadas funcionam apenas como plataforma para o uso de
ferramentas intercambiáveis, na sua maioria de médio e grande porte para uso
exclusivo em oficinas profissionais.
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Filósofa política alemã (1906-1975)
Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 – Junho de 2015
Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
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Para Sennet, esta divisão é injusta, pois menospreza o homem prático e o coloca em
posição de um trabalhador que não pensa, apenas faz. O que ele defende é que
trabalhadores braçais, também dividem ideias, bem como conversam e
discutem/questionam mentalmente com os materiais que lhe são passados. Desta
forma estão em uma situação onde o pensamento e o sentimento, caminham juntos
durante o fazer. Os produtos criados pelo homem podem revelar muito a seu respeito,
esta ligação acontece quando os objetos passam a explicar por si só como o homem
pode se modificar socialmente devido à influência que a produção de objetos pode
causar em seus sentidos. O desejo de executar um trabalho bem feito, motiva o
artífice a desenvolver suas habilidades. A busca pela qualidade leva o artesão a
praticar atividades repetitivas e a técnica do artesão sofre mudanças ao longo deste
processo de transformar a matéria em objeto de desejo. O artífice inquieto busca a
sua recompensa no trabalho bem feito e a prática repetitiva leva à produção de peças
próximas da perfeição, pois a perícia artesanal não pode ser subestimada pelo artífice
e a ação conjunta da sua mão e do seu cérebro é essencial na concepção do objeto.
O questionamento do artesão perante o problema leva-o a prática que está longe de
ser uma atividade mecânica, leva-o também a buscar e entender novos materiais e,
somente desta forma, ele se torna capaz de sentir aquilo que está fazendo.
Esta conexão do artesão com o trabalho faz com que ele faça aquilo que se
comprometeu a fazer de forma plena e satisfatória, e tenha a recompensa emocional
desejada.
Além disso, o autor mencionado (SENNET, 2013) também insere na discussão do
papel do artífice e sua relação com a oficina (espaço de trabalho) e com as máquinas
(instrumentos de trabalho).
2.2 Oficinas
O trabalho de produção de objetos nas oficinas, ao longo da história, em vários tipos
de ambientes como guildas, ateliês e oficinas-residência, influenciou diretamente na
motivação do trabalhador. O papel do artífice dentro do ambiente de trabalho nem
sempre seguiu um padrão. As influências que determinavam como o trabalho seria
realizado, religiosas ou derivadas de imposições políticas, determinavam o ritmo e a
forma de trabalhar.
As oficinas dependiam da organização do trabalho, organização hierárquica e a
originalidade do mestre artesão para que o trabalho fosse realizado e tais fatores
interferiram diretamente nos resultados obtidos e na transferência do conhecimento
para os aprendizes, em muitos casos o conhecimento não pôde ser passado
completamente e morreu junto com os mestres.
A satisfação pessoal do artífice em transformar matéria prima em objeto de desejo
percorreu séculos e não foi exaurida da sociedade mesmo após o nascimento da
indústria e mecanização dos meios de produção. O objeto de desejo concebido por um
mestre em sua oficina seguia (e segue até os dias de hoje) sua forma de produzir e
possuía as características artesanais do seu criador. Tais objetos eram produzidos com
o máximo de qualidade e recebiam todo o conhecimento e capacidade que o mestre
artesão poderia oferecer.
A oficina de instrumentos do mestre luthier Antônio Stradivarius (Cremona, 1644 -
1737), seguia o tipo de organização que era transferido tradicionalmente aos
aprendizes (futuros mestres de outras oficinas), junto com os conhecimentos de
produção de instrumentos musicais. O local de trabalho era ao mesmo tempo
residência e oficina, no qual seus familiares e aprendizes estavam presentes no
cotidiano da produção. Os aprendizes trabalhavam durante o dia nas bancadas e
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durante o período da noite dormiam sob o tampo em sacos de palha e estavam
submetidos às mesmas regras pelas quais passaram os familiares de Stradivarius.
Havia algo especial nas oficinas como a do mestre de violinos Antônio Stradivarius que
mesmo tendo muitos discípulos, sendo alguns deles seus filhos, não conseguiu
transferir todo o conhecimento e técnica interrompendo a produção de instrumentos
de altíssima qualidade sonora, após sua morte. Alguns aprendizes da oficina de
Stradivarius, devido ao aumento da oferta de instrumentos confeccionados por outros
luthiers, deixaram de trabalhar na oficina do mestre e passavam a produzir por conta
própria seus violinos para comercializar ou iam trabalhar em outro tipo de
manufatura.
A desconfiança de que o mestre artesão não conseguiria recompensá-los
financeiramente os afastava cada vez mais cedo do mestre. Sendo assim, os contratos
de seus aprendizes eram cada vez mais curtos e artífices de alto nível profissional
como era o caso de Antônio Stradivarius, não dispunham mais do tempo necessário
para passar seus conhecimentos.
Este é um interessante fato, que resume a influência que o mercado e a sociedade
podem ter sobre as oficinas artesanais e como fatores externos ao ambiente de
trabalho do artífice podem contribuir para a alteração dos padrões de organização das
mesmas.
2.3 Máquinas
O surgimento de maquinário industrial que facilitava o trabalho manual e que servia
como extensão da mão do artífice–artesão também levantou a questão sobre a
substituição ou não do homem pela máquina, ou ainda, se estas máquinas iriam
apenas auxiliar o artesão durante o processo produtivo.
Para entendermos esta questão temos que rever como a sociedade europeia reagiu ao
aumento da produção de bens de consumo. Durante o Renascimento, a produção de
artefatos como roupas e utensílios de mesa em abundância aumentou
consideravelmente a circulação destes produtos entre a população europeia no século
XV, devido ao aumento no número de artesãos. (SENNET,2013)
A demanda por produtos aumentava mesmo estando a Europa em meio a uma
sociedade em escassez. Países como a Holanda e a França, conhecidos por
economizarem, viam sua população se deixar corromper pela compra movida por
impulso e ansiedade. O impulso e a ansiedade surgiam diante da oferta abundante de
produtos, estes que antes eram acessíveis apenas às parcelas mais ricas da população
e agora estavam sendo produzidos e disponibilizados às esferas mais comuns.
(SENNET,2013)
Durante o século XVIII, pensadores afirmavam que a máquina tinha papel de
aperfeiçoamento do homem. A máquina seria o começo de um novo modo de se
pensar produtivamente e de um modo mais racional. A comparação entre o homem e
a máquina levou os pensadores a aprofundar seu estudo sobre o comportamento do
homem. (SENNET,2013)
A criação da máquina a vapor por James Watt (1736-1819) se deu em uma oficina
que não foge aos padrões de manufatura da oficina de Antônio Stradivarius, mas
passou a ser produzida industrialmente a seguir, e atuou em um contexto social
totalmente diferente.
A máquina a vapor foi descrita pelo seu fabricante e não possuía segredos de
produção como no caso dos violinos de Stradivarius. A oficina esteve presente em
todos as etapas do processo produtivo, seja como principal meio de produção ou como
intermediação entre o criador e a fábrica. (SENNET,2013)
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No século XIX o artífice passou a ser visto como um inimigo dos novos meios de
produção, pois não se adaptava à cultura das máquinas e era visto como alguém que
não produzia com precisão, um egoísta que tinha como valor a produção de peças que
mantinham as irregularidades do trabalho feito manualmente. (SENNET,2013)
As tentativas de substituição da máquina humana por modelos criados por artífices
deram origem a dois tipos de “ferramentas espelho”. Ferramentas espelho são objetos
que podem ser equivalentes ou podem ampliar nossas capacidades. Segundo o autor,
(SENNET, 2013) as máquinas-espelho, que apenas nos imitam, podem ser chamadas
de replicantes uma vez que apenas cumprem uma tarefa fisiológica do homem.
Se uma máquina produzida pelo homem pode ampliar suas capacidades fisiológicas,
como força, rapidez e memória, a mesma irá substitui-lo em atividades ou poderá
servir como ferramenta para torna-lo aquilo que ele poderia ser.
As tentativas de criar máquinas que ampliassem nossas capacidades surgiram na
época do Iluminismo com maquinas que conseguiam replicar nossas habilidades como
é o caso do invento do flautista de Jacques Vaucanson (Figura 1). Tal invenção
conseguia reproduzir sons, porém apenas isto, portanto, era apenas um replicante de
uma capacidade humana já conhecida, apesar de ter sido considerada uma maravilha
mecânica (SENNET, 2013).
Figura 1. Gravura que representa o flautista de Jacques Vaucanson e seu complexo mecanismo
de funcionamento.
(Disponível em: <http://thepiper.k12.somerville.ma.us/wordpress/future-soon/url/>. Acesso em 23 Mai.
2014)
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Figura 2 - Tear produzido por Jacques Vaucanson a pedido de Luís XV.
(Disponível em: http://rutherfordjournal.org/images/hollerith4.png Acesso em 23 Mai. 2014)
3. Consciência material
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fogo, terra e ar. Estes quatro elementos aleatoriamente organizados seriam
responsáveis por formar tudo o que existe.
Porém, a evolução natural revelou que matéria bruta, a combinação dos quatro
elementos naturais, pode gerar matéria bruta e, portanto, esta dedução nos leva a
entender a possibilidade de transformação material além das combinações em que
eles acreditavam.
(...) Platão (181b- 190 a.) afirmava que a formula matemática é uma ideia
independente da tinta usada para anota-la. Pelo mesmo motivo, sustentava
Aristóteles, a expressão verbal não é limitada por sons vocabulares específicos – é
por isto que podemos traduzir de uma língua para outra. (SENNET, 2013, p143)
Richard Sennet (2013) afirma que a civilização oriental acredita que a matéria, pelo
fato de se decompor, é inferior às ideias e à teoria que nunca “morre”.
O artífice trabalha numa via de duas mãos: seu trabalho pode modificá-lo e suas
modificações podem perdurar naquilo que ele produz.
A mudança que vem da ação e da relação com o material “abre os olhos da mente” do
artífice, e isto acontece frequentemente em sua oficina. Porém o entendimento pode
vir separado da ação, como no caso dos filósofos, que assistem suas ideias
perdurarem, mas sem modificações positivas e sem participar daquilo que afirmaram.
Em diversos países da Europa, assim como nos Estados Unidos, a cultura do “faça
você mesmo” é comum a toda a população. O costume de fazer pequenos reparos em
suas casas, que as pessoas praticavam após a Segunda Guerra Mundial, nas décadas
de 1940 e 1950, e a prática de construção de objetos para tornar o custo de vida mais
baixo, foi denominado, pela população americana, de “Do it yourself” que em
português significa “faça você mesmo”.
A opção pela ação autônoma do indivíduo no desenvolvimento de certos tipos de
tarefas de seu interesse, em parte está relacionada com o movimento Arts & Crafts
por ser uma forma de desenvolvimento da criatividade pessoal e também da
capacidade de alcançar uma qualidade particular em sua produção própria, que em
muitos casos é superior a encontrada em produtos industrializados.
Duarte (2013) afirma que a cultura do “do it yourself”, despertou seu interesse para
uma vertente de consumidores que não estão preocupados apenas em usar objetos e
jogá-los fora, para que possam ter em um curto prazo outro produto industrializado
novo nas mãos. Estas pessoas costumam reparar aquilo que possuem, aumentando a
vida útil do produto, além também de se disporem a construir aquilo que usam.
A empresa Tramontina (2013) divulga em seu site um texto que procura justificar ou
narrar como este comportamento começou a se manifestar no ambiente de trabalho
de alguns profissionais durante as décadas de 1960:
Tudo nasceu como um hobby. Depois de uma semana de trabalho nos seus escritórios,
homens e mulheres começaram a utilizar o tempo livre para cumprir tarefas manuais,
quase como uma terapia contra a burocracia da vida corporativa. Montar um armário,
por exemplo, deixou de ser uma mera tarefa doméstica para se transformar numa
diversão em família. Essa foi a gênese da cultura do faça-você-mesmo, que atende
pela sigla DIY (do it yourself, em inglês), na segunda metade do século 20. A virada
do milênio, no entanto, trouxe novidades. O hobby se transformou em filosofia de vida
para aqueles que acham que a existência só é completa se construída pelas próprias
Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 – Junho de 2015
Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
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mãos. Grande parte do renascimento do movimento tem relação com a tecnologia e
com o clima colaborativo promovido pela internet. (TRAMONTINA, 2011, s.p. on
online)
Outro exemplo da influência do faça você mesmo também foi relatado no site da
Tramontina, e se refere ao fato de trabalhadores conseguirem diminuir os custos do
trabalho no campo quando passaram a desenvolver suas próprias ferramentas ao
invés de simplesmente comprá-las. A iniciativa destes trabalhadores está levando
conhecimentos técnicos para pessoas de todo o país e tornando a tecnologia acessível
a todos:
Um dos exemplos mais radicais - e apaixonantes - do movimento DIY atende pelo
nome de Open Source Ecology.
Um grupo de fazendeiros, engenheiros, projetistas e entusiasmados, de qualquer
facção, está criando uma série de projetos de máquinas essenciais para uma vida
autossustentável no campo. São 50 equipamentos que estão ganhando projetos
baratos que “qualquer pessoa” pode fazer em casa, como tratores e empilhadeiras. O
objetivo é contribuir para a redução dos custos do trabalho no campo e fazer a
tecnologia chegar a lugares que dependem de um empurrão para atingir o
desenvolvimento. (TRAMONTINA, 2011, s.p. on online)
4.1 Hobby
O termo Hobby de origem inglesa, e que mais tarde foi incorporado à língua
portuguesa, sem tradução, é usado para definir o ato de executar uma atividade
prática prazerosa fora do horário de trabalho.
No mercado brasileiro de ferramentas manuais e elétricas, as ferramentas voltadas
para o público que desenvolve atividades de reparo ou manutenção em casa é uma
realidade. Alguns fabricantes usam a palavra hobby para especificar um segmento de
ferramentas produzidas pela empresa, como é o caso da fabricante Bosch. Sua
furadeira modelo Hobby (Figura 3) foi o primeiro produto de uma serie que inclui
lixadeiras, serras entre outras. A furadeira Bosch é líder de vendas no mercado de
ferramentas de pequeno porte.
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sinalizam o tipo de uso a que se destinam. Suas características mais “leves” indicam
que foram projetadas para o público que pretende apenas executar tarefas de
manutenção que não exigem tanto esforço, nem vai utilizá-las com tanta frequência.
Ferramentas manuais como martelo serrote etc., também sofreram alterações em
seus projetos iniciais e foram adaptadas para o público por fabricantes brasileiros
como é o caso da Ramada (Figuras 4 e 5).
Com o auxílio de tais ferramentas, um usuário leigo usando bom senso e um pouco de
criatividade, pode efetuar reparos e construir peças em casa sem precisar contatar um
profissional.
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Figura 6 - João Gava, aos 100 anos, em sua oficina na garagem.
(Disponível em: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2013/08/marceneiro-de-100-anos-e-
adotado-pela-enteada-apos-perder-o-unico-filho.html. Acesso em 6 Maio 2014)
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Alguns gabaritos são encontrados no mercado, mas os equipamentos que o empregam
seguem as normas do fabricante e suas aplicações não são universais (Figura 8).
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colocados no mercado, como é o caso da bancada projetada por Guido Einemann
(Figuras 10 a 13).
A bancada projetada e construída por Einemann segue o padrão das bancadas
convencionais de marcenaria que são fixadas ao chão das oficinas. Suas rodas
possuem freios que mantem a mesa estática durante a tarefa. Porém, embora seja
mais um exemplar de características conhecidas, esta talvez seja a bancada mais
completa já construída, pois supre quaisquer necessidades do profissional de
marcenaria da atualidade. Os gabaritos e ferramentas que podem ser acoplados ou
incorporados à bancada atendem todos os tipos de trabalho que um mestre
marceneiro venha a realizar. Este é um bom exemplo de como as bancadas evoluíram
tecnicamente ao longo dos anos. (Core77, 2013, online).
Figura 10 - Estação de trabalho Einemann com seus acessórios e gabaritos montados. A mesa
permite ajuste de altura por ação pneumática e acoplamento de gabaritos por meio de encaixe
ou fixação por vácuo. A superfície composta por travessas e suportes permite a fixação de outra
superfície maior que amplia as dimensões da área de trabalho.
(Disponível em: http://montagetische.info/cms/front_content.php?client=1&lang=2&idart=29 Acesso em
20 Mai.2014)
Figura 11 - Bancada Einemann em uso; fixação da peça a ser trabalhada feita por grampos
convencionais na lateral, exemplo de uso de acessórios externos acoplados a suportes na
bancada.
(Disponível em: <http://montagetische.info/cms/front_content.php?client=1&lang=2&idart=2> Acesso em
20 Mai.2014)
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Figura 12 - Fixação de peça em produção na superfície da bancada; fixação feita com o auxílio
de grampos convencionais.
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Segundo entrevista concedida por Paulk ao jornalista Rain Noe, em agosto de 2013, o
profissional afirma ter usado diferentes tipos de bancadas, mesas de folhas de
compensado apoiadas sobre cavaletes, que serviam de tampo ou plataforma onde
eram realizados seus trabalhos, tais trabalhos eram realizados nas residências dos
clientes em lugares com dimensões reduzidas.
Esta situação é muito comum de se encontrar em quase todas as oficinas,
principalmente em oficinas domesticas, pois, o espaço disponível para atividades
manuais é reduzido e a bancada tem que ser desmontável para que o espaço ocupado
possa ser ampliado ou retomado nas suas funções habituais, depois de se utilizá-la.
Portanto o ambiente designado para esta finalidade deve ser bem aproveitado.
Os problemas detectados por Ron Paulk nas bancadas que utilizava durante o trabalho
eram instabilidade estrutural, desnível da superfície, dificuldade de movimentação e o
armazenamento do equipamento em sua oficina móvel (Figura 14) que funciona em
um caminhão ou trailer.
Figura 14- Ron Paulk em frente à oficina móvel e o caminhão que usa para transportá-la.
Figura 15 - As duas peças que formam o tampos e bancada desmontadas e bancada montada
após união dos mesmos.
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Esta característica do projeto permite que a superfície fique disponível apenas para o
material que será transformado em peças futuramente.
A bancada deixou de ser apenas uma mesa constituída por uma superfície simples de
madeira compensada e passou a ser um ambiente favorável ao acoplamento de outras
ferramentas que possuem bancadas próprias. Estas ferramentas unidas à bancada
facilitam o trabalho aumentam as possibilidades de criação e evitam o deslocamento
dos materiais para outra bancada para que sejam cortados, como é o exemplo da
serra de bancada mostrada durante a entrevista.
Ron Paulk incentivado pelo desejo pessoal de facilitar e também de agilizar suas
tarefas, criou algo simples de ser feito sem ter a intenção de comercialização. A
bancada foi apresentada em seu canal no site youtube e ganhou milhares de fãs que o
perguntavam sobre como projeto tinha sido feito e como poderiam ter em suas mãos
uma bancada como a que ele havia criado. Hoje suas blueprints e plantas são
vendidas pela internet e bancadas são construídas pelos próprios compradores em
suas oficinas em casa ou oficinas profissionais.
A bancada de Ron Paulk foi o primeiro exemplo que usei como referência para
começar este projeto, pois reúne simplicidade e eficiência em sua concepção.
5. Pesquisa de Campo
1.As bancadas Vonder V 600, Lee Tools e Jinhua possuem o mesmo projeto e
materiais e não apresentaram boa estabilidade quando montadas e em posição de
trabalho. Possuem um “jogo” natural devido à folga entre as partes que compõem a
base dobrável.
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2. As morsas não trabalham em sincronia. Esta função está relacionada ao ato de
prender a peça a ser trabalhada em lugares diferentes da bancada estudada. Como
isso não acontece, a peça fica presa com pressão desigual o que pode fazer com que
ela se solte em função do atrito ou da força aplicada por quem estiver trabalhando.
3. O tampo em MDF das bancadas inviabiliza o trabalho com uma peça molhada em
caso de lixamento ou furação. Quando isto se faz necessário, processa-se o
resfriamento do material por líquidos. O MDF neste caso, por não ser impermeável, irá
absorver os líquidos e perderá sua resistência o que encurtará sua vida útil.
4.A bancada depois de dobrada ocupa um espaço de 1.06 metros de altura por 60
centímetros de largura e costuma ser guardada encostada em uma parede ou
pendurada em suportes também na parede.
5.O suporte de ferramentas, apesar de ser útil durante o uso, não permite que a
bancada seja compactada sem que se tirem todas as ferramentas do apoio antes do
procedimento. Este suporte também funciona como uma peça estrutural que estabiliza
a base da bancada.
Vonder BM-500 R$ 191 Leroy Aço tubular, Bancada de Pontos positivos: Pés construídos
Merlin Mdf, pequenas com ventosas que permitem a
Polipropilen dimensões sem a fixação da bancada em uma
o injetado e opção de superfície lisa o que garante boa
borracha. compactação estabilidade à bancada. As morsas
são capazes de prender com
segurança peças pequenas e este é o
objetivo desta bancada, trabalho de
pequenas proporções.
Pontos negativos: Tampo em Mdf
que se desfaz em contato com
líquidos. Não possui gabaritos para
corte lixamento e furação.
Vonder BM-600 R$ 189,00 Leroy Aço tubular, Bancada compacta Pontos positivos: A compactação
Merlin Mdf, e dobrável possui da bancada pode ser considerada
Polipropilen morsas no tampo boa e facilita na hora de guardar e
o injetado e para fixação de também na remontagem para uso.
borracha. peças e suporte
para ferramentas Pontos negativos: A bancada
em sua base quando montada em posição de
trabalho, possui um “jogo” natural
devido à folga entre as partes que
compõem a base. As morsas não
trabalham em sincronia e esta função
serviria para prender a peça a ser
trabalhada em lugares diferentes da
bancada, o que não acontece, pois, a
peça fica presa com pressão desigual
o que pode fazer com que ela se
solte em função do atrito ou da força
aplicada por quem estiver
trabalhando. Por ter o tampo em mdf
a bancada torna impossível se
trabalhar com uma peça molhada,
em caso de lixamento ou furação que
precise de resfriamento por líquidos,
o mdf neste caso, por não ser
Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 – Junho de 2015
Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
17
impermeável, ira absorver os líquidos
e perderá sua resistência o que
encurtará sua vida útil.
Lee Tools - R$ 87,20 Dutra Aço tubular, Bancada compacta Idem a bancada Vonder BM-600
Máquinas e dobrável possui
Mdf morsas no tampo
Polipropilen para fixação de
o injetado e peças e suporte
borracha. para ferramentas
em sua base
Jinhua - Indisponív Leroy Aço tubular, Bancada compacta Idem a bancada Vonder BM-600
el na loja Merlin e dobrável possui
no dia da Mdf morsas no tampo
visita e Polipropilen para fixação de
indisponív o injetado e peças, Escalas de
el borracha. medidas e suporte
também para ferramentas
no Site da em sua base.
loja.
Sb SB- 155 R$ 327,00 Leroy Madeira Bancada compacta, Bancada com projeto baseado em
bancadas Merlin Lyptus e construída em bancadas tradicionais de marcenaria
Tauary madeira com uma com boa estabilidade e tamanho
morsa na lateral, adequado a pequenas oficinas,
muito robusta e porem não apresenta possibilidades
pratica, porém, não de adaptação de gabaritos e
apresenta a opção versatilidade para uso em outras
de compactação. atividades que não estejam ligadas a
marcenaria. A bancada Sb 155
também não possui a opção de
compactação.
18
2-Arquiteto Cômodo Construção de Usinagem CNC e Maquetes modelos
pequeno no modelos e variedade de em escala e objetos
apartamento. pequenos ferramentas de feitos em madeira
trabalhos de pequeno porte.
marcenaria Bancadas móveis e
fixas.
3- Designer B Escritório no Modelos Ferramentas manuais Maquetes e modelos
apartamento. rápidos e básicas, material de em escala feitos em
objetos em desenho, estilete, papel, madeira
escala bisturi, régua de aço, balsa, PVC entre
alicates e grampos outros.
para fixação.
Eventualmente, uma
furadeira ou Micro-
retífica.
4-Designer c Comodo Marcenaria e Furadeira, Serra Tico- Peças pequenas de
pequeno no usinagem de tico, Micro-retífica, artesanato e
apartamento. metais Serrotes e bancada marcenaria também
dobrável. desenvolve peças
mecânicas em metal.
5-Fotografo Comodo de Trabalhos de Ferramentas manuais Moveis, manutenção
pequenas Marcenaria básicas, bancadas da residência e
dimensões em dobráveis e produção de peças
casa. ferramentas para em madeira e outros
trabalho em madeira materiais.
e outros materiais
usináveis
6- Artista plástico Espaço Marcenaria Ferramentas antigas e Moveis e outras
construído para modernas elétricas peças em madeira
esta finalidade. para trabalhar
madeira
7- Autor do TCC Comodo de Marcenaria, Ferramentas de Móveis em madeira,
pequenas usinagem pequeno e médio peças em metal,
dimensões em mecânica e porte, semi- moldes modelos,
casa. pintura. profissionais e protótipos em
Trabalhos de profissionais. materiais diversos e
manutenção da pintura profissional.
residência do
autor
Conclusão
19
ajuste de altura, superfície propícia à adaptação de gabaritos, estabilidade estrutural,
facilidade na montagem e armazenamento.
Especificações técnicas:
Material: Compensado Naval 18 mm
Dimensões: desmontada 80 cm x50 cm x 20 cm; montada 85 cm (altura) x 60 cm
(largura) x 40 cm (profundidade)
Funções: Base para a realização de trabalhos manuais com ferramentas diversas,
suporte para gabaritos grampos e morsas, tampo modular que pode ser acoplado a
outro tampo construído separadamente para aumentar a superfície de trabalho.
https://www.youtube.com/watch?v=HOLDWMaRBAc&feature=youtu.be
20
Por fim, observo que os postulados de Sennet acerca da experiência do “fazer manual
“, estudados neste trabalho, adquirem neste TCC projeção amplificada quando
são aplicados em um raciocínio que se destina a criar um objeto cuja finalidade é
amparar a criação (através da manipulação manual de materiais) de tantos outros.
Referências
CASSILAS, A. L. Máquinas- Formulário Técnico, São Paulo: Ed. Mestre Jou,
1981, 636p
DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Significado de Bancada. Disponível
em: <http://www.dicio.com.br/bancada/> Acesso em 28 Abr.2014
DUARTE, Fernanda. DIY – Saiba usar como sua criatividade. In Design’On.
26/ Fevereiro/ 2013. Disponível em:
<http://www.des1gnon.com/2013/02/coisas-sobre-diy-que-precisamos-saber/>
acesso dia 6/5/2014
PORTAL DO CONSUMIDOR. Fazer pequenos consertos em casa pode render
economia de até 98%%. Disponível em:
<http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?id=26331> Acesso em 13
Mai 2014
PROJETOHOBBY.Pequena historia da minha oficina. Disponível em:
<http://projetohobby.blogspot.com.br/2013/02/pequena-historia-da-minha-
oficina.html> Acesso em 28 Abr.2014
http://www.core77.com/blog/tools/interview_with_ron_paulk_on_the_design_of
_his_innovative_paulk_workbench_25453.asp
SENNETT, Richard. O artífice. Tradução de Clóvis Marques. 4º ed. Rio de
Janeiro: Record, 2013. 360p
OXFORD DICTIONARIES. Definitions of hobby in English. Disponível em:
<http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/hobby?q=hobby>.
Acesso em: 28 Abr.2014
21
Dois estudos de caso da aplicação de madeira laminada
compensada na arquitetura
Resumo. Este trabalho tem por objetivo analisar as diversas aplicações da madeira
compensada no campo da arquitetura. Foram selecionadas duas experiências
arquitetônicas que usam o compensado como material principal em construção, seja
na parte estrutural ou somente como revestimento.
Palavras-chave: madeira compensada, arquitetura.
Abstract. This work aims to analyze the various applications of plywood in the field
of architecture. Two architectural experiences were selected using plywood as the
main material in construction, as the structural part or only as coating.
Key words: phywood, architecture.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
O compensado surgiu, em sua forma mais moderna, a qual conhecemos hoje durante
a Revolução Industrial. Isto se deu devidos aos avanços tecnológicos da época como
a criação de maquinários, como o cortador giratório, a prensa hidráulica com chapa
quente, além das novas colas e resinas, que vieram a possibilitar a produção de
painéis muito mais eficientes e maiores que os antigos feitos a mão. Nos anos 1900
o compensado era usado principalmente na indústria de chás para fazer delicadas
caixas onde se guardavam os saquinhos chás, e este produto podia ser encontrado
em diversas partes do mundo. Por volta dos anos 1920 a indústria automobilística
dos Estados Unidos consumia metros e metros de painéis de compensado na
produção de automóveis. Outras utilizações surgiram na década de 1930, mas seu
maior impulso começou a partir da II Guerra Mundial. Nesta época surgiram
compensados de diferentes cores e pesos, painéis resistentes à água e ao fogo além
de um significativo aumento de sua aplicação no comércio, na indústria e para fins
sociais. Durante o decorrer da história o compensado foi usado para uma variedade
de propósitos, na fabricação de móveis, sofás, de portas, persianas, vagões de trem,
na engenharia naval, na construção de aeronaves, brinquedos, instrumentos, e
agricultura e em outros segmentos (SEM, 1995, p. 2).
2
Figura 1. Plywood Model House.
2. Objetivo da Pesquisa
3. Experiências
3
ozônio, de raios ultravioletas, não é inflamável, além de ser um produto natural
(MCLEOD, 2009).
Fonte: Archdaily3
1
http://www.shedworking.co.uk/2008/06/beach-hut-tuesday-dungeness.html
2
http://www.archdaily.com/421569/black-rubber-house-simon-conder-associates/
3
http://www.archdaily.com/421569/black-rubber-house-simon-conder-associates/
4
Figura 5. Corte esquemático do banheiro
5
Figura 6. Detalhe do teto e parede
6
Experiência 2 – Minimod
Figura 8. Minimod
4
http://mapaarq.com/175536/1808394/-/min-minimod
5
http://mapaarq.com/175536/1808394/-/min-minimod
7
Internamente a célula é revestida por uma um painel de madeira compensada com
cola comum e fixada diretamente nos perfis de aço. Já externamente o painel foi
resinado com cola fenólica, que tem a função de proteção, sobretudo das intempéries
climáticas. A fachada é ventilada sendo o painel de compensado afastado do corpo
da célula e fixado nos montantes do caixilho. Na parte interna o painel foi somente
envernizado e por fora recebeu pintura preta à base d'água, pois a intenção principal
era deixar a mostra os veios da madeira.
Legendas:
8
4. Conclusão
Referências
NGO, D. e PFEIFFER, E. Bent ply - the art of plywood furniture. New York:
Princeton Architectural Press, 2003.
http://www.wisaplywood.com/en/downloads/brochures/generalbrochures/Pag
es/default.aspx
9
TATLIN E GABO - Da experimentação à produção
entre a estrutura e a estética
Abstract. This research aims to examine the legacy of the constructivist artists
Vladimir Tatlin and Naum Gabo and the repercussions of their works in the
development of architects and in urban environments interventions. To reach this
purpose we developed the project in two stages: initially we made an analytical study
of the artist’s philosophical and artistic concepts background and, later, we adopted an
experimental procedure trying material’ s handling practices, analysis of structural
joint fittings and systems supported by abstract reasoning, usual procedure in the
Architecture and Design fields. This strategy sought to explore the relationship
between Art and Architecture, through the reproduction of the following works:
Contra-corner relief of Tatlin (1915) and Rotterdam Building of Gabo (1957). The
production of these models allowed the researcher to apply in materials trials some of
the Constructivism concepts presented by these artists, besides learning and exploring
materialities while experimenting in models the forms and materials used by them.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
1. Objeto da Pesquisa
A pesquisa, por meio de estudos conceituais sobre o movimento Construtivista Russo
e da reprodução de modelos tridimensionais dos arquitetos/artistas Vladimir Tatlin e
Naum Gabo, estudou os processos criativos e produtivos destes profissionais para
compreender a inter-relação entre a estrutura e a estética, o funcionamento dos
objetos/produtos e as formas de articulações entre eles, a partir de obras
reconhecidas no campo da Arquitetura e do Design.
2. Metodologia
Do ponto de vista metodológico, este projeto utilizou pesquisa conceitual e empírica
com o intuito de ampliar o conhecimento e permitir a experimentação de
modelos/maquetes dos expoentes do movimento Construtivista Russo, visando o
aprofundamento dos conceitos e dos métodos de trabalho adotados neste movimento.
3. Resultados e discussão
O levantamento bibliográfico e iconográfico realizado neste trabalho evidenciou que o
Movimento Construtivista na Europa (1913 – 1924) teve início nas primeiras décadas
do século XX e a relação entre a funcionalidade e a função social da Arte passou a ser
o alvo das arquiteturas, esculturas e pinturas produzidas pelos artistas da época.
Essas ideias construtivistas exerciam considerável influência sobre os estudantes da
época e, de acordo com Rickey (2002), elas puderam ser consideradas como o
primeiro movimento artístico a declarar a aceitação da era cientifica e de seu espírito
2
como uma base para as percepções do mundo exterior e interior à vida humana
(RICKEY, 2002 p.180).
3
Racionalismo como no Suprematismo, no Não-Objetivismo como no Construtivismo -
tanto o sentido de dinamismo como o de abstração, o de construção como o de
transcendência, aparecem sempre ligados como contradições que buscam a sua
síntese.
Todos estes movimentos tinham uma forte inter-relação entre si, assim como
divergências entre seus artistas representantes, que também podem ser explicadas
pelo contexto da época em que eles eclodiram, de acordo com Rickey (2002).
Segundo este autor, de um lado achavam-se os que acreditavam que os trabalhadores
da arte deveriam servir às massas, deveriam ser compreensíveis a todos e usar
técnicas e materiais industriais. Tal posição era incitada por Tatlin (Figura 1),
Rodchenko (Figura 2) e, posteriormente, por El Lissitzky (Figura 3). E, de outro lado,
haviam os que enxergavam na arte não-figurativa uma poesia pura liberada de ideias,
como era proclamado por Malevitch (Figura 4) e apoiado pelos irmãos Pevsner
(Figuras 5 e 6).
4
É neste contexto artístico que Tatlin lança o Construtivismo em 1913: um movimento
que se opunha à tendência metafísica do Suprematismo e que, ao contrário deste,
nascia de um fascínio direto pela mecânica e pela construção de objetos e de contra-
relevos (Figuras 8 e 9) realizados em metal, plástico, madeira ou vidro. Na opinião de
Tatlin, esses contra-relevos ficavam numa zona intermediária entre a pintura e a
escultura (GULLAR, 1930 p.139).
Estes contra-relevos passaram a ser uma forma de arte criada por Tatlin - também
definidos como “objetos virtuais” - que ocorriam nos cantos de paredes e nas figuras
que ficavam suspensas de diferentes formas (os materiais que ele utilizava eram:
ferro, alumínio e zinco).
5
Para Gabo, a nova arte era a expressão e o impulso criativo humano (GOODING,
2002, p.60). Ele foi o último artista da vanguarda russa que defendia uma estética
diferente e que, em 1920, teve suas ideias divulgadas em uma exposição ao ar livre
em uma Avenida de Moscou. Gabo expôs esculturas neste evento (serie Heads –
Figuras 11 e 12) e escreveu um texto para a abertura da exposição, que ficou
conhecido como Manifesto Realista. Este nome, em razão do contexto político-social
da época, escondeu o verdadeiro fundamento das ideias de Gabo – o Construtivismo,
ainda que neste manifesto, a palavra construir, como termo operativo, tenha
aparecido nove vezes e a palavra real, somente duas.
Figura 11. Cabeça construída nº1, Figura 12. Cabeça construída nº2,
Naum Gabo (1915) Naum Gabo (1916)
Fonte: http://www.naum-gabo.com/gallery/ Fonte: http://www.naum-gabo.com/gallery/
Gabo queria demonstrar que entre Ciência e Arte existe uma continuidade e não uma
relação. Para o artista “... não se pode raciocinar em uma obra de arte” e a obra de
arte não deve expressar sentimentos e pensamentos individuais, nem propor ideias
políticas e sociais, mas sim revelar a realidade interna invisível das coisas
(GOODING, 2002 p.62). De acordo com Rickey (2002), em cinco sentenças sucintas
Gabo rejeitou:
(...) a cor acidental e superficial, o valor descritivo da linha, em favor da
linha como direção de forças estáticas, o volume, em favor da
profundidade, como única forma plástica e pictórica no espaço, a massa
na escultura, em favor do volume construído por planos, a ilusão de cinco
mil anos de ritmo estático, em favor de “ritmos cinéticos como as formas
básicas da nossa percepção do tempo real” (RICKEY, 2002 p.48).
Argan (2006 p.454) destaca que a morfologia plástica de Gabo era geométrica, tendo
suas origens na teoria suprematista de Malevitch; era uma geometria fenomenizada
pela qual as figuras não eram símbolos de conhecimento – como a serie construção
linear (Figura 13), mas formas concretas cuja escultura e comportamento podiam ser
estudados. Para este autor, Gabo vai além das esculturas, chegando a propor
reverberações de suas obras no campo da Arquitetura e do Urbanismo (Figura 14).
Figura 13. Construção Linear nº2, Naum Gabo (1972) Figura 14. Torsão, - Londres, Naum Gabo (1936)
Fonte: GOODING, M. (2002 p. 60) Fonte: htp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Naum_Gabo_Fountain_02.jpg
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6
A construção tridimensional da escultura apresentada nas figuras 15, 16 e 17,
segundo Gabo, foi uma "contribuição ideológica” ao Construtivismo, pois o nível de
integração entre a escultura e a arquitetura, a transparência do espaço definido pela
escultura e a impressão de leveza valorizam a obra com este formato e peso (cerca de
40 mil quilos), como um dos símbolos do movimento vanguardista russo. Suas
dimensões máximas são: 26,2 metros de altura e largura de 4,8 metros e 5,2 metros.
A obra foi trazida do local de produção para o seu local de destino em três noites
sucessivas.
Além disso, conforme Gabo, esta escultura foi inspirada em estruturas orgânicas
encontradas em plantas. Seu autor viu a base da escultura como as raízes que
ancoram o organismo no chão. Os dois blocos de concreto, folheados ou chapeados de
mármore preto, formam o equivalente a um tronco, de onde surgem oito ramos de
metal que se encontram no topo. O núcleo mais fino sombreado representa a
folhagem. Esta obra é conhecida por diversos nomes, como: Flor estilizada; a coisa;
acidente de trem; pinça; banana.
7
Exposição: Em 1914, início da vertente defendida por Em 1922, Gabo participa da 1ª
este artista para sair das telas, quando faz exposição de arte Russa, na galeria
seu quadro em alto relevo – Relevo Pictórico Van Diemen, em Berlim.
(fig. 7), cujos componentes são: madeira,
Em 1946, vai para os EUA aonde faz
metal e ferro.
amplas exibições e passa a lecionar
Em 1915, ele constrói o contra-relevo-de- na Escola de Graduação de
canto (figs.8 e 9). Essa obra assinala um Arquitetura da Universidade de
novo começo no campo da escultura e da Harvard, além de ministrar palestras
pintura, pois contém relação visível entre em Yale e Chicago.
material e espaço, luz e sombra, cheios e
vazios, além de não conter moldura. A obra
foi exposta na exposição 0.10(zero. dez) em
dezembro deste mesmo ano, em Moscou.
Movimento O movimento foi proposto pelo artista, em Gabo faz em 1915 seu primeiro
1919/1920, quando concebeu o projeto do estudo da obra Cabeça que revelava
nas obras:
Monumento a Terceira Internacional (1920) espaço. Depois fez três trabalhos que
(fig. 10), sendo esta a primeira obra a desenvolviam movimento -
começar a estudar e considerar o ponto de Construção cinética nº 1 (1920) foi
partida para uma nova arquitetura. A obra um trabalho que visava demonstrar
contém todos os pontos básicos do aos estudantes da escola em Moscou
Construtivismo, dinamismo (espiral que uma única linha, através do
crescente), funcionalidade (técnica de movimento, tornava-se um volume.
construção), monumentalidade (93m de Em 1922 Gabo desenvolveu um
altura e 1,56 de diâmetro) e materiais projeto que não saiu do papel que
inovadores (metal e madeira pintada). apenas visava estudar diferentes
deslocamentos de linhas. Seu
Para Tatlin, o movimento se dava através do
terceiro projeto foi a obra Torsão
“tempo” /posição em que o apreciador
(1929-36) (fig. 14), que corresponde
estava na obra - a espiral crescente é a
a uma fonte que se move por meio
causadora dessa percepção.
de jatos de água como nas cordas de
suas outras construções.
Materiais: Madeira, metal, ferro, zinco, alumínio. Monofilamento de nylon, vidro e aço
inoxidável.
Luz nas obras: Tatlin não teve esse tema como algo Gabo foi o primeiro a pensar em
discutível em suas obras. materiais que pudessem ressaltar a
luz, com construções de plástico
transparente com fios esticados. Por
um lado, estas impediam que parte
da luz envolvesse a superfície e por
outro, deixavam que parte dela
atravessasse, iluminando o espaço
interno.
Filosofia: Tatlin acreditava que os trabalhadores da Gabo via na arte não figurativa uma
arte deveriam servir as massas, que poesia pura liberada de ideias.
deveriam ser compreensíveis por todos e Defendia uma estética diferente. Para
usar técnicas e materiais industriais. ele, a obra de arte não devia
expressar sentimentos e
O sonho de Tatlin era produzir: a Arte como
pensamentos individuais, nem propor
uma projeção imaginativa, em analogias
ideias políticas e sociais, mas sim
concretas, das novas possibilidades da vida
revelar a realidade interna invisível
civilizada; e desenvolver uma metodologia
das coisas. Segundo Gabo, “Não se
construtiva para a realização material das
pode raciocinar em uma obra de
formas de vida cotidiana (Gooding ,2002
arte”.
p.50).
8
Processo Experimental:
9
Vale mencionar que os modelos foram executados, adotando-se escalas diferentes
para cada lado do suporte: a obra de Gabo, na escala 1:100 e, a de Tatlin, na escala
1:5 (Figura 20).
10
Para a execução do modelo, foram utilizados: arame, papel Paraná pintado de
bronze para a estrutura de ferro e pintado de marrom escuro para a base de
mármore e para os perfis de aço. (Figura 23).
De posse dos materiais necessários e considerando as
medidas 26x8x8cm na escala 1:100, iniciou-se a
construção da maquete, cumprindo os seguintes passos
(Figura 24):
perfis de ferro externos: desenho, corte e pintura
de bronze no papel Paraná;
perfis de ferro internos: desenho, corte e
pintura de bronze no papel Paraná; Figura 23. Material para maquete
11
Figuras 26, 27, 28 e 29.
Maquete: Contra – Relevo (Tatlin) - escala 1:5.
Acervo da Autora 2014.
12
4. Conclusão
A trajetória analítica conceitual deste projeto permitiu entender que o movimento
Construtivista é caracterizado por um modo de expressão marcante de figuras
geométricas trabalhadas de diversas maneiras, que remetem a movimentos com
sobreposição de planos e uso de materiais (fortes e aparentes). A partir do processo
experimental realizado, pode-se perceber que os artistas/arquitetos escolhidos, Tatlin
e Gabo, mesmo fazendo parte do mesmo movimento e adotando técnicas construtivas
semelhantes, possuíam filosofias artísticas divergentes, o que marcou de forma
distinta seus trabalhos. Também mediante a elaboração dos modelos tridimensionais
foi possível aprofundar a compreensão dos sistemas construtivos utilizados por cada
artista e as relações estabelecidas por eles entre a função e a estética, reforçando
alguns conceitos estruturais do Construtivismo, tais como: torsão, movimentos,
mistura de materiais e a inter-relação entre eles.
Por fim, esta pesquisa também possibilitou verificar a relevância do movimento
Construtivista na arquitetura moderna e contemporânea, especialmente por sua
característica de ser voltado para a manifestação artística nas ruas e para a
população, o que suscitou o interesse e a disposição da pesquisadora em aprofundar
este estudo em um trabalho futuro, com o objetivo de identificar possíveis
relações/conexões das obras contemporâneas (artísticas e arquitetônicas) com os
princípios e características do movimento estudado nesta pesquisa.
Referências
ARGAN,G.C. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GULLAR, F. Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta.
Rio de Janeiro: Revan, 1998.
GOODING, M. Movimentos da arte moderna: arte abstrata. São Paulo:
Cosac & Naify, 2002.
RICKEY,G. Construtivismo: Origens e Evoluções. São Paulo: Cosac & Naify,
2002.
13
Metodologia de ensino baseada na experimentação pelas escolas
Bauhaus e VKhUTEMAS1
Abstract. This work aims to approach the educational method developed by two
schools of artistic and projective education, Bauhaus and VKhUTEMAS, that played a
major role in the practice of Architecture and Design, by substantiating one productive
thought based in experimental processes. Seeking to understand their main teaching
aspects, it was made a a study of the historical context that they were inserted in and
comparative standards were used between the Educational Institutions, by
understanding their theoretical bases, as well the practical results obtained, observing
the work produced by students of both schools.
1
O presente artigo é resultado de atividade desenvolvida como pré-iniciação científica, do projeto
Experiências didáticas para ensino em Arquitetura e Design através da experimentação: produção
acadêmica e pesquisa científica, da Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento, vinculado à bolsa Ensinar com
Pesquisa concedida pela Universidade de São Paulo à FAUUSP, e desenvolvido em 2014.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2. Metodologia de pesquisa
Diante do apresentado, o presente trabalho utilizou como metodologia de pesquisa a
pesquisa teórica e documental, a fim de realizar um estudo comparado das
metodologias de ensino das escolas em questão por meio de um embasamento
bibliográfico pertinente ao tema.
Assim, a pesquisa desenvolveu-se nas seguintes etapas: levantamento bibliográfico
sobre cada uma das escolas, Bauhaus e VKHUTEMAS; estudo do contexto histórico e
assim, dos fatores culturais relevantes para o desenvolvimento da filosofia ensino
aplicada; levantamento iconográfico, com a observação de exemplos identificados
como parâmetros de investigação; identificação e compreensão dos aspectos didáticos
principais; interpretação e comparação dos métodos de ensino, utilizando como
ferramenta de estudo a elaboração de esquemas e tabelas comparativas, a fim de
organizar o material levantado; e por fim, redação das conclusões e edição final do
material produzido.
3. Contexto histórico-político
A Bauhaus, fundada em 1919 na Alemanha, e a VKhUTEMAS, em 1920 em Moscou,
apresentaram diversas similaridades quanto aos seus aspectos didáticos, apesar da
distância geográfica. Isso pode decorrer do fato de que, de certa forma, as duas
fizeram parte de um mesmo período histórico, salvo suas especificidades. Ambas
estavam inseridas num mundo pós-guerra, na qual o fim da 1ª Guerra Mundial não
havia completado mais de 2 anos. Havia um particular estado de espírito em comum:
no caso, um certo pessimismo e descrença no futuro, com o surgimento de críticas e
questionamentos acerca da máquina como solução dos grandes problemas do mundo.
Isso acabaria seguido pela necessidade de compreender o contexto industrial e como
posicionar-se diante dele.
No caso da Alemanha, derrotada pela guerra, o país viu-se diante de uma abusiva
dívida imposta pelos vencedores. O clima era de decepção e expectativa pessimista.
Na Rússia, o fim da guerra foi acompanhado pelo ideário da Revolução de 1917, que
era justamente baseada num espírito de reconstrução, implicando na necessidade de
rever as estruturas sociais e repensar o mundo.
Uma mescla de profunda depressão, consequência da guerra
perdida e da desintegração da vida intelectual e artística, e a
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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
2
ardente esperança de construir algo novo com as ruínas, sim a
opressora intromissão do estado, tão direta até aquele
momento². (GARCIA, 2001, p. 73, apud COMUNICACION,1972,
p 187)
Diante das condições apresentadas, seguia-se, portanto, um forte desejo de
reconstrução em ambos os países. Esta ocorreria por meio da reformulação do ensino,
uma vez que acreditava-se que ele deveria cumprir um papel no processo político em
que se encontravam as duas nações. Assim, o objetivo era formar uma nova geração
de indivíduos com conhecimento íntimo das necessidades da época, cientes dos
desafios e mudanças dessa nova sociedade em formação. Essa linha de pensamento
viria a conduzir os passos de ambas as instituições.
Arte e artistas seriam importantes elementos para disseminar o novo raciocínio
criativo, assumindo os papéis de veículos de transformação. É a partir da postura de
aceitação dessa nova realidade, com o reconhecimento de que as mudanças pelas
quais a sociedade havia passado representava um fenômeno irreversível, que surge o
esforço de aproximação entre arte e indústria. Assim, os debates tinham como tema
central a questão da mecanização na produção moderna, e portanto, a busca por
meios de se adequar a essa nova condição. Em resumo, as escolas deveriam
encontrar meios de sintetizar a criação artística, as necessidades da população e de
produção.
O fundamento da qualidade do produto provém da necessidade
de incorporar um artista aos processos produtivos e que a atual
integração entre ambos se daria na preparação destes nas
técnicas artesanais e conhecimento dos sistemas de produção
industrializados. (GARCIA, 2001, p.72)
Nosso alvo era o de eliminar as desvantagens da máquina, sem
sacrificar nenhuma de suas vantagens reais. Procuramos criar
padrões de qualidade, e não novidades transitórias. (GROPIUS,
1997, p. 32)
Para analisar a trajetória das escolas de forma mais específica, foi organizada uma
linha do tempo para cada escola (Figura 1) tendo como base as informações
levantadas na dissertação de mestrado "Experiências didáticas comparadas", de
Hernan Carlos Garcia (2001). As linhas do tempo focalizam questões mais singulares
da Bauhaus e da VKhUTEMAS, como as fases de seus desenvolvimentos (fundação,
consolidação e desintegração), seus diretores e as sedes pelas quais cada uma
passou.
Figura 1. Linha do tempo da Bauhaus e VKhUTEMAS.
4. Metodologia de ensino
Com foi observado, o período posterior à 1ª Guerra foi caracterizado por discussões
tensas e complexas quanto à relação entre arte e produção, o que acarretaria na
proposição de desenvolvimento da criação artística tendo como base os modernos
processos industriais. Assim, Bauhaus e VKhUTEMAS tiveram um papel crucial nesse
processo, ao fundamentar as bases de uma nova didática, voltada para a formação de
especialistas dispostos a ouvir os anseios dessa sociedade em construção.
Era primordial que aluno conhecesse a técnica e o material. Havia o incentivo ao
estudo da função da cor, dos volumes, texturas, etc. e dos fenômenos ligados à visão
e à percepção. Eram lecionados conceitos como contrastes (claro-escuro, quente-frio,
complementar, simultâneo, de qualidade e quantidade, grande-pequeno, comprido-
curto, etc.).
O aluno desenvolvia um amplo conhecimento sobre o material, que era a base de toda
a sua formação. Ele entrava em contato com diversos materiais: madeira, pedra,
metal, argila, vidro, tecidos, entre outros, que eram estudados minuciosamente. Um
meio de aliar esses conceitos à prática foi o uso da experimentação, método pela qual
o aluno tinha a oportunidade de comprovar as propriedades de cada material
utilizando a técnica da manipulação. O aprendizado não se restringia aos conceitos
ensinados na aula, pois ele se estendia a um processo de investigação das
propriedades de cada material.
Esse tipo de "estudos de criação" obedecia a um duplo objetivo
pedagógico: por um lado, devia facilitar ao estudante, através
do seu próprio fazer experimental, os conhecimentos de
categorias elementares da estética visual, como dimensão e
proporção, estática e dinâmica, tensão e contraste, e, por outro
lado, devia proporcionar ao mesmo estudante uma
compreensão fundamental das características e o
comportamento dos distintos materiais (peso específico,
elasticidade, resistência, etc.)3. (WICK, 1986, p.139)
Tratava-se de um método de descoberta baseado na tentativa e erro aliado à pesquisa
pessoal. Nessa linha de pensamento, os processos de concepção e experimentação
ocorriam de maneira simultânea. O uso desse processo criativo permitia que o curso
não fosse concebido como um ensino tradicional e metódico, afastando-se, assim, dos
moldes do academicismo.
3
"Este tipo de "estudios de creación" obedecía a un doble objetivo pedagógico: por un lado, debía facilitar al
estudiante, mediante el proprio quehacer experimental, los conocimientos de categorías elementales de la
estética visual, como dimensión y proporción, estática y dinámica, tensión y contraste, y, por otro lado,
debía proporcionar al mismo estudiante una comprensión fundamental de las características y el
comportamiento de los distintos materiales (peso específico, elasticidad, resistencia, etcétera).
Diante disso, em ambas as instituições foi criado um curso preliminar, que consistia
num ensino comum e introdutório que tratava justamente da introdução geral desses
conceitos, tendo em vista necessidade de conhecimento dos métodos e técnicas de
criação. Ele era voltado para os alunos ingressantes de todas as disciplinas artísticas
(arquitetura, artes gráficas e tipografia, escultura, obras de madeira e metal, obras
têxteis e pintura).
Uma das maiores inovações dos VKhUTEMAS foi o Curso Básico,
que fornece um paralelo claro com o equivalente experimental
"Vorkurs" ou Curso Preliminar na Bauhaus. Ele pretendia
fornecer uma "educação geral artística e prática, científica,
teórica social e política e fornecer um sistema de conhecimento
essencial para a faculdades especializadas. Os estudantes
recebiam instrução em geometria, química, física, matemática,
teoria da cor, uma língua estrangeira, a história da arte, e
treinamento militar em edição às matérias puramente
artísticas.5 (LODDER, 2005, p.462)
A existência desse curso permitia ao aluno ter uma visão holística do curso antes da
posterior especialização, relacionando-se ao conceito de "arte total".
O nosso objetivo mais nobre é criar um tipo de homem que seja
capaz de ver a vida em sua totalidade, em vez de perder-se
muito cedo nos canais estreitos da especialização. Nosso século
produziu milhões de especialistas: deixem-nos agora dar
primazia ao homem da visão. (GROPIUS,1997, p. 27)
Através do curso básico o aluno recebia uma formação artística e profissional geral
suficiente para lhes permitir resolver os problemas estéticos e de produção, assim
como aqueles em que seriam confrontados nas faculdades de especialização.
Formavam-se assim profissionais altamente qualificados para a indústria, e dessa
forma, aptos para enfrentar os desafios da nova sociedade. Era dessa forma que a
relação material, tecnologia e produção se tornava concreta.
Havia diferença na duração e denominação do curso nas duas escolas, sendo
“Vorkurs” na Bauhaus e “Basic Course” na VKhUTEMAS, no entanto, o procedimento
pedagógico era similar em ambas. A VKhUTEMAS, assim como a Bauhaus, passou por
diversas alterações na estrutura didática, com reformas de ensino envolvendo
mudanças na duração, troca de professores, forma de organização, etc., mas a
essência permaneceu sempre a mesma, que era a fundamentação do ensino com o
curso básico.
4
"Dans le cadre des Vhutemas, on leur doit l'élaboration des premières disciplines propédeutiques fondées à
partir de um multiples expérimentations formelles et esthétiques. Ces disciplines jouèrent un rôle d'avant
garde sur l'ensemble des facultés des Vhutemas. La Section de base, où elles étaient enseignées, constitua
l'ossature artistique qui permit aux structures complexes des Vhutemas de trouver leur cohérence."
5
"One of the major innovation of the VKhUTEMAS was the Basic Course, which provides a clear parallel with
the equally experimental "Vorkurs" or Preliminary Course at the Bauhaus. It was intended to provide "a
Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 - Junho de 2015
Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
5
general artistic and practical, scientific, theoretical social and political education and to provide a system of
knowledge essential for the specialist faculties. Students received instruction in geometry, chemistry,
physics, mathematics, the theory of color, a foreign language, the history of art, and military training in
addition to purely artistic subjects".
O diagrama (Figura 2.) mostra como era a estrutura do curso durante o período em
que a Bauhaus estava sob a direção de Walter Gropius (1919-1928), mostrando
claramente como era preciso estudar os conceitos gerais, representados pelas
camadas mais externas, para depois seguir no caminho da especialização, localizada
no centro:
Figura 2. Diagrama de estudos da Bauhaus.
6
"El curso preliminar se convirtió así en la base pedagógica de la Bauhaus. <El objeto de estudo del curso
era "el conocimiento y la evaluación correcta del medio individual de expresión". Ante todo, se trata de
"liberar las fuerzas creadores en el estudiante", al tiempo que se evita "toda adscripción vinculante a un
determinado movimiento estilístico".
Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
O domínio sobre essas propriedades permitiu aos alunos alcançar respostas diferentes
de cada material, e, tendo isso em vista, os estudos das Figuras 7 e 8 mostram os
materiais trabalhados de modo a ter como princípio o equilíbrio. Nos estudos em
questão, foram utilizados dois materiais: papel e madeira, na VKhUTEMAS e Bauhaus,
respectivamente. Sabendo que as características específicas de cada material
determinam resultados específicos, as composições finais foram resultadas das
respostas desses materiais. Na composição da Figura 8, por exemplo, foram usados
diversos tipos de madeira com pesos diferenciados, sendo necessário realizar uma
combinação madeira leve/pesada, resultado esse que só foi possível ser alcançado
através do domínio da qualidade e desempenho do material.
Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 - Junho de 2015
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8
Figura 7 (esquerda). Estudo de equilíbrio, VKhUTEMAS (1920)
Figura 8 (direita). Estudo de equilíbrio, Bauhaus (1924)
Num outro exercício de criação, foram realizados também trabalhos que consistiam na
investigação de combinações com diferentes materiais, gerando sobreposições e
interseções, permitindo vários caminhos de criação. Nos exemplos das Figuras 10, 11
Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia de la Bauhaus. Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.138;
WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlim, Chicago. London: Cambridge
Press, 1969, p.292.
Todos esses trabalhos mostram o quanto era incentivado que o aluno desenvolvesse
sua sensibilidade com a vivência do material, deduzindo a partir dos resultados
observados, conhecimento sobre o uso e emprego deste em futuras estruturas aplicas
em projetos. Além disso, mostra como, por vezes, os resultados obtidos em ambas as
escolas se aproximaram, demonstrando semelhanças quanto ao método de ensino
desenvolvido.
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Gropius und das Bauhaus, EDITORA Reinbek, 1962.
COMUNICACION, Colección. Socialismo, Ciudad y Arquitectura. URS 1917-
1937: La aportación de los Arquitectos Europeos. Madrid: Alberto Corazón,
1972. Serie A. V. 23.
DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Colonia: Taschen, 1992.
GARCIA, Hernan Carlos W. S. VKhUTEMAS/VKhUTEIN, Bauhaus,
Hochschule für Gestaltung Ulm: Experiências Didáticas Comparadas.
São Paulo, 2001. Dissertação (Mestrado), FAUUSP, não publicada.
GROPIUS, Walter. Bauhaus: Novarquitetura. São Paulo, Perspectiva, 1997.
KHAN - MAGOMEDOV, S. VHUTEMAS- Moscou 1920-1930 - Volume 1.
Paris: Regard, 1990
LODDER, Christina. Constructive Strands in Russian art. London: Pindar
Press, 2005.
MOHOLY-NAGY, Laszló. Do material à arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili,
2005.
WICK, Rainer. Pedagogia de la Bauhaus. Madrid: Alianza Editorial, 1986.
WINGLER, Hans Maria. La Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlin: 1919-1933.
Barcelona: Gustavo Gili, 1980.
WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlim, Chicago.
London: Cambridge Press, 1969.
Abstract. The main objective of this paper is to design a children’s school furniture
focusing on the actions of sitting and playing, taking into account relevant and
inherent aspects of Waldorf pedagogy, focusing on child development and the physical
space of the classroom. The domestic market for children’s school furniture that
follows Waldorf pedagogy offers products that meets the function of sitting varying in
size; however, they are not adjustable nor stackable. This study aims to address the
space issues in the classroom, child growth and enable the action of sitting and
playing in a single multifunctional object with the additional feature of a height
adjustable seat.
Key words: Furniture, School, Children, Waldorf pedagogy, Multifunction.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2. Tema
O mobiliário escolar é um dos elementos de apoio ao processo de ensino. Os confortos
físicos e psicológicos vão influenciar de forma direta no rendimento e aprendizagem.
[...] Apesar das especificidades que adquirem nos diversos espaços educativos, os
móveis escolares são classificados em três tipos distintos, comuns a qualquer ambiente
escolar: superfícies de trabalho e assentos; suportes de comunicação; mobiliário para
guardar material escolar. (BERGMILLER et al. 1999, p.5)
O foco do projeto será na superfície de trabalho e assento. Segundo a norma da ABNT
NBR 14006/2008, o conjunto aluno, é composto por dois elementos distintos: a
cadeira e a mesa sendo que, a primeira é constituída de superfície para assento, apoio
para as costas e estrutura e a segunda, de tampo, porta objetos e estrutura. No
entanto o desenvolvimento do projeto de mobiliário escolar infantil para a pedagogia
Waldorf não deve se basear na NBR 14006/2008 pois contemplará em um único
2
objeto as superfícies de assento e trabalho sendo que, o uso das mesmas não será
simultâneo.
3. A Pedagogia Waldorf
A primeira escolar Waldorf foi fundada em sete de setembro de 1919 em Sttuttgard,
na Alemanha por Rudolf Steiner com a ajuda de Emil Molt, proprietário da fabrica de
cigarros Astoria /Waldorf – explicando a origem do nome da pedagogia – a princípio
para atender aos filhos dos funcionários da própria empresa.
Trinta e sete anos após a inauguração da primeira escola Waldorf no mundo, a
primeira é fundada no Brasil na cidade de São Paulo, no bairro de Higienópolis pela
iniciativa dos casais Berkhout, Bromberg, Mahle e Schmidt cujo principal objetivo foi
contribuir no país com os benefícios decorrentes das práticas Antroposóficas, como o
exercício da pedagogia em questão que, é uma vertente da Antroposofia, uma ciência
que: centrando o seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o
cientifico, o cultural e o artístico – religioso, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação
pratica e concreta.
Atualmente são reconhecidas setenta e três escolas pela Federação das escolas
Waldorf no Brasil e mais vinte e cinco em formação, sem contar com os jardins de
infância isolados, ou seja, que se dedicam somente ao ensino voltado para o primeiro
setênio. Existem escolas que continuam as suas atividades do primeiro ao nono ano e,
quando se estendem para o ensino médio conta com um ano a mais que o ensino
médio das demais pedagogias, onde este tem a duração de três anos.
Mesmo após quase cem anos de sua criação, a pedagogia Waldorf continua atual, pois
para o desenvolvimento da mesma, Rudolf Steiner consolidou as bases de uma
educação partindo da analise do pensar, sentir e a vontade denominadas dimensões
especificas do ser humano. Segundo Steiner uma sociedade só pode configurar-se e
desenvolver-se de forma sadia e adequada às solicitações da época se levar em conta as
dimensões essenciais do ser humano (SAB, 2013).
Foi sobre esse mesmo princípio que concebeu a trimembração do organismo social,
revalorizando os preceitos que impulsionaram a Revolução Francesa: Liberdade,
fraternidade e igualdade. Na pedagogia esses conceitos foram traduzidos da seguinte
maneira:
Na educação, isso significa desenvolver na criança as bases
para um pensamento claro e preciso, isento de preconceitos e
dogmas, o que leva a liberdade; sentimentos autênticos não
massificados e que respeitam os demais, num marco de
igualdade de direitos e obrigações, e uma fraternidade na vida
econômica do futuro. (SAB, 2013)
Uma das principais características da pedagogia é a não atribuição de notas em um
sentido usual, pois, cada aluno é acompanhado de perto e qualquer dificuldade que
ele tenha em qualquer aspecto do seu desenvolvimento segundo a pedagogia, será
identificada e, a partir disso será desenvolvido um trabalho para sanar essa
dificuldade.
O incentivo ao pensamento abstrato e intelectualizado não é realizado de maneira
apressada ou completa logo nos primeiros anos da criança , pois essa, além de ser
uma das características marcantes da pedagogia, evidencia a visão integral que a
mesma tem do ser humano, que é encarado por ela do ponto de vista físico, anímico e
espiritual e o desenvolvimento contínuo desses membros constituintes (ou entidades)
da formação do homem é abordado de forma direta pela pedagogia através do cultivo
de ações/atividades que atuam diretamente sobre a entidade humana que se destaca
dentro de um determinado período do desenvolvimento humano. Para Steiner, o
3
desenvolvimento humano acontece em períodos que duram aproximadamente sete
anos, os setênios como são chamados mais comumente. Esse desenvolvimento não é
linear e, cada período é marcado por uma característica ou membro da entidade
humana que aparece de uma maneira mais pronunciada, ou seja, a personalidade do
individuo passa a viver, principalmente, dessa característica.
Cada setênio compreende traços das características do desenvolvimento anterior. Esse
período de sete anos é relativo e pode variar de pessoa para pessoa – por conta desse
motivo também, o desenvolvimento de cada criança deve ser acompanhado de perto,
em uma analise individual, para que se perceba se está apta ou não para o
desenvolvimento de determinada atividade ou para ingressar na etapa de ensino
seguinte – durante o tempo de vida inteiro de um ser humano, o seu
desenvolvimento, segundo a Antroposofia, acontecerá em períodos de
aproximadamente sete anos. No entanto são os três primeiros setênios que englobam
o período escolar. (LANZ, 2011)
4. Os Setênios
Logo em seu nascimento é claro que o ser humano possui os quatro membros que o
constituem: o corpo físico, etérico, astral e o eu. Dentro dos três primeiros setênios
acontece o desenvolvimento dos membros constituintes do ser humano e de
importantes aspectos de sua personalidade. Segundo Steiner:
(...)a vida humana não decorre de forma linear, mas em ciclos
de aproximadamente sete anos. Em cada um desses ciclos, um
determinado membro da entidade humana se desenvolve de
maneira mais pronunciada. A personalidade, isto é, o eu, ‘vive’
então principalmente nesse membro. (LANZ, 2011, p.38)
É de extrema importância que cada aspecto de cada etapa desse desenvolvimento
seja observado e respeitado bem como a maneira em que o contato com as coisas do
mundo serão apresentadas a esse ser humano em formação, pois, segundo Lanz:
De maneira geral, o desenvolvimento sucessivo dos quatro
membros do ser humano corresponde ao que pedagogos do
passado chamaram de processo de amadurecimento. Esse se
realiza de forma endógena, como algo orgânico. A ele
corresponde o com o mundo e o ‘aprender’. Parece evidente que
a cada fase do amadurecimento deve corresponder a uma forma
apropriada de contato com o mundo. Em outras palavras: à
transformação do ser humano deve corresponder uma
transformação das influencias exteriores, estas devem
realmente alcançar o ser humano em sua disposição interna
adequada. A imagem da chave e da fechadura logo nos ocorre:
é necessário que ambas possam adaptar-se plenamente para
que o mecanismo funcione. (LANZ, 2011, p.40)
Cada setênio possui características e demandas singulares porém, como o objetivo do
presente projeto é o desenvolvimento de um mobiliário escolar infantil, a pesquisa
acerca do desenvolvimento infantil bem como suas necessidades se concentrará no
primeiro setênio, período que abrange do zero aos sete anos de idade.
4
momento de brincadeiras, despreocupações e vida irresponsável ou desmerece-la, é
um grande erro, pois, é justamente durante esse período em que o ser humano se
encontra em sua formação mais básica, fundamental e o aprendizado dessas três
grandes questões são possíveis somente em contato com outros seres humanos.
Como afirma Lanz:
Essas três conquistas corresponder as três virtudes básicas que
a criança vivencia inconscientemente: quando ela anda
segurando a mão de um adulto, essa segurança é como um
símbolo do amor que une os dois seres. Quando fala, ela deve
praticar a honestidade: as palavras devem exprimir a verdade;
os pensamentos (por exemplo, numa ordem dada ou numa
disposição tomada) deve haver coerência e clareza.
Pensamentos que não se sustentam mutuamente são ilógicos e
indignos do homem. (LANZ, 2011, p.45)
Como a infância se revela um período de grande importância para o desenvolvimento
da vida, é possível concluir que o desenvolvimento de um produto que seja especifico
para o período e de uso escolar – uma vez que a criança passará um período
considerável dentro da escola desenvolvendo as atividades que são essenciais para a
vida humana – tem a sua relevância.
Por conta desse fato é de grande importância que o objeto se apresente de maneira
coerente com as necessidades de desenvolvimento da criança e atenda as atividades
que são essenciais para o desenvolvimento da própria vida, bem como as atividades
que são desenvolvidas dentro da escola de acordo com a pedagogia adotada.
Apesar do primeiro setênio, abranger o período de zero a sete anos de idade e a
Pedagogia Waldorf acreditar e recomendar que a criança esteja no ensino infantil
durante esse período, o Artigo 29 da lei Nº12.796 de quatro de abril de 2013, vigente
no Brasil, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, prevê que:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de
até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade. (NR)
No Artigo 30 da mesma Lei está previsto que crianças de quatro a cinco anos devem
frequentar a pré-escola. Já o Artigo 31, prevê regras comuns de organização do ensino
infantil:
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras
comuns:
I – avaliação mediante acompanhamento e registro de desenvolvimento das
crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino
fundamental;
II – carga horária mínima anula de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um
mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional;
III – atendimento da criança de no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o
turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral;
IV – controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a
frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas;
V – expedição de documentação que permita atestar os processos de
desenvolvimento e aprendizagem da criança. (NR)
5
Apesar da determinação da Lei aprovada em quatro de abril de 2013 ir contra os
princípios pedagógicos adotados pelas escolas Waldorf, ela deve ser cumprida, pois,
trata-se de uma determinação do Governo Federal nacional com a finalidade de
regulamentar a modalidade de ensino no país, independente do sistema pedagógico
adotado por qualquer escola da rede pública ou privada. Por essas razões o intervalo
de idades adotado, dentro do primeiro setênio, será o de dois a cinco anos.
Entender que o desenvolvimento da criança se dá em períodos e que ao longo dos
mesmos ela acumula novos conhecimentos, percepções e interpretações da realidade,
é importante para a realização do projeto de mobiliário escolar, uma vez que,
entende–se as necessidades específicas em cada etapa do ser em desenvolvimento,
permitindo possíveis caminhos na escolha de soluções aos problemas que irão surgir
ao longo do projeto (SURRADOR, 2010).
Do zero aos sete anos a criança encontra-se em um estado de permeabilidade em
relação ao meio e as pessoas que convive. Ela funciona como uma esponja absorvendo
e devolvendo ao mundo tudo aquilo que a permeia, seja bom ou ruim. Do zero aos
três, ela não diferencia o meio ao seu redor de si própria pois, ainda não tem
consciência do próprio “eu”. Essa questão fica evidente em momentos muito comuns
em crianças dessa faixa etária, em que ela faz referência a si própria na terceira
pessoa, exemplo: Tomás quer brincar no chão; Beatriz quer comer biscoito.
Normalmente entre o período de dois anos e oito meses aos três anos, a criança passa
a tomar consciência do próprio “eu”. É o período em que ela já possui um bom
domínio do ato de andar ereta, da fala e do raciocínio. Esse período é marcado por
muitas manhas e birras em que a criança fica muito negativa, pois, junto com a
consciência do próprio “eu” vem o desejo de autoafirmação do mesmo (LANZ, 2011).
Após esse período, surge na criança a irresistível necessidade de imitação. Ela passa a
imitar tudo e todos ao seu redor e, além de imitar ela realmente acredita que é o seu
objeto de imitação, ou seja, o médico, o músico, o pai, a mãe, o cachorro, etc. a
imitação tem um papel essencial no primeiro setênio para o desenvolvimento do ser
humano, pois, é justamente na imitação que a criança aprende. De pouco valem
conselhos, exortações ou ordens austeras com o objetivo de educar uma criança, pois
são pouquíssimos eficazes. Para ensinar uma criança do primeiro setênio basta que se
dê o exemplo, pois, inconscientemente, ela busca no adulto um modelo para seguir, a
ser imitado. Portanto a chave para o ensinamento é a também a imitação. Essa é a
premissa básica que todo professor orientado pela pedagogia Waldorf deve
compreender e seguir (LANZ, 2011).
Estimular, compreender e respeitar esse universo da imitação que, consequentemente
leva ao brincar é essencial para a criança e imprescindível para o desenvolvimento da
própria pedagogia, bem como, para qualquer projeto a ela relacionada. Impedir,
atrapalhar ou até mesmo desmerecer o desenvolvimento e a vivência desse universo
pela criança é uma brutalidade, uma vez que, dessa maneira estará barrando o seu
próprio desenvolvimento.
É importante observar a própria ética e postura diante de uma criança, sobretudo
nesse período do primeiro setênio. Permeável a tudo ao seu redor ela é capaz de
perceber e sentir o caráter e o estado de espírito dos que a rodeiam. Segundo Lanz:
A permeabilidade da criança ao que se acha em seu redor é um
fato que todo educador deveria conhecer e levar em conta. A
criança absorve inconscientemente não só o que existe ao seu
redor sob o aspecto físico; o clima emotivo que a circunda, o
caráter e os sentimentos das pessoas que a rodeiam, tudo isso
penetra nela e é absorvido pelo corpo etérico. (LANZ, 2011, p.
41).
6
Por conta disso todo o cuidado com a própria postura e com a própria ética diante de
uma criança pequena deve ser tomados pois, as influências do mundo ao redor dela
exercem efeitos sobre todos os membros constituintes do ser humano, causando
impacto sobre toda a sua vida futura.
As influencias que emanam do mundo ambiente exercem,
portanto, efeitos profundos sobre a organização física e psíquica
da criança, efeitos que se farão sentir durante toda a vida
futura, Essas influências exteriores abrangem desde o aspecto
do quarto, com moveis e adornos, até os pensamentos e
sentimentos das pessoas que lidam com a criança. Todo o clima
sentimental e moral circundante atua sobre ela.(LANZ, 2011,
p.42)
Por conta deste fato, pode-se concluir que, se tudo que está ao redor da criança causa
impactos sobre ela, portanto o mobiliário com o qual ela terá contato dentro do
ambiente escolar deve ser pensado com a mesma cautela e zelo que se tem com a
própria postura diante da mesma.
O primeiro setênio é regido pelo dinamismo. A vontade, inerente à criança, além de
estimulada deve ser conduzida por rotina e ritmo, dessa forma essa vontade irá entrar
em uma regularidade semelhante a da respiração (sístole/diástole). Conforme afirma
Lanz:
O fluxo da vontade, de dentro para fora, não é menos imediato
e direto do que o das impressões, de fora para dentro. Sem
barreira nem inibição, a criança exterioriza o que se passa
dentro dela: seus gestos, sua mímica, a passagem instantânea
do choro ao riso e vice e versa, o prazer de correr, de subir em
árvores, de escorregar, etc., tudo isso demonstra uma força
irresistível de impulsos motores descontrolados que merecem o
nome de ‘vontade’. Embora de modo inconsciente, a criança
pequena é um ser no qual prepondera a vontade. Toda vontade
conduz a criança a movimentos. Vemos pois, a criança pequena
conquistar o espaço (...) em suma, ela treina incansavelmente o
seu sistema motor. (LANZ, 2011, p. 44).
Vontade sem limites e condução resulta em uma criança desconcentrada, agitada e
inquieta. Vontade reprimida resulta em uma criança apática, medrosa e sem iniciativa.
É necessário encontrar um meio termo, um equilíbrio. A vontade inerente a criança
deve ser conduzida com propósito e, acima de tudo deve ser respeitada. É na rotina,
na repetição dos acontecimentos, mas sem uma austeridade e inflexibilidade, que se
transmite confiança e segurança para a criança, e isso faz com que ela seja mais
tranquila. Conforme diz Lanz: “esse dinamismo, porém, não deve viçar. O bom
educador nunca o inibirá brutalmente, mas o conduzirá, pouco a pouco, a uma
regularidade rítmica que se assemelhará a uma respiração composta de sístole e
diástole.” (LANZ, 2011, p. 44)
6. O brincar
Dentro da pedagogia Waldorf o ato de brincar é essencial para a criança do primeiro
setênio por que é nessa atividade que ela consegue exteriorizar e vivenciar a vontade
nela contida. Por conta deste fato, o presente projeto se propõe a possibilitar o brincar
imaginativo.
Dados recolhidos através da pesquisa de campo que incluiu a visita ao Colégio Waldorf
Micael em Cotia – SP e entrevista concedida pela professora Helena Maria Regina Dias
de Jesus, responsável por uma turma do ensino infantil do mesmo colégio, trouxeram
7
um maior entendimento sobre a pedagogia bem como a aplicação da mesma no dia a
dia da escola.
Segundo a professora Helena, o importante dentro do ensino infantil é o brincar,
sendo que ele acontece de duas maneiras: o brincar dentro e o brincar fora. Para, o
brincar fora – isso prevê que o espaço do ensino infantil seja generoso como ocorre na
maioria das escolas que adotam a pedagogia – o mais importante é que se tenha um
espaço com natureza para que a criança tenha contato com a terra, areia, água,
grama e demais tipos de vegetação. Uma topografia mais acidentada também é muito
interessante, pois, propicia exercícios de subir e descer que auxiliam equilíbrio e
estimula o movimento (premissas básicas da pedagogia Waldorf), trabalhando a
motricidade da criança, aspecto de extrema importância para o seu desenvolvimento.
Figura 1. Imagem da autora, realizada durante visita ao Colégio Waldorf Micael em 18.03.2013.
Na imagem é possível visualizar a área externa do jardim de infância.
8
Figura 2. Imagem da autora, realizadas durante visita ao Colégio Waldorf Micael em 18.03.2013.
Na imagem é possível visualizar o interior de uma sala de aula do jardim de infância.
O brincar dentro é menos expansivo que o brincar fora, ele estimula a fantasia, a
imaginação e o criar. Dentro da rotina, do ritmo do dia a dia de uma escola Waldorf, o
brincar dentro representa o ritmo da inspiração. Os brinquedos nunca são acabados
dando liberdade á criança para que esta crie, imagine e invente a sua própria
brincadeira. O ambiente bem como, mobiliário devem permitir e incentivar essa
atividade.
No entanto o presente projeto visa criar uma ligação entre a prática pedagógica, o
ambiente de sala de aula e o usuário fazendo com que objeto se transforme em um
coadjuvante para a prática no dia a dia da pedagogia Waldorf, respeitando seus
valores e premissas, lançando mão do design para materializar as ideias pedagógicas
em produto.
Para se chegar a expressão formal adequada de um produto, é necessário que,
primeiramente, se tenha clara a função que este objeto irá suportar e quais funções
são desenvolvidas dentro do espaço que irá conter o objeto. Somente a partir de
avanços nesta pesquisa é possível ter uma segurança maior para encontrar a forma
adequada às funções que serão suportadas pelo objeto, evitando-se o surgimento de
formas fixas, pré-estabelecidas e dogmáticas.
7. O ambiente
Durante o período de formação e aprendizado é indispensável que o ambiente escolar
seja o mais confortável e agradável possível ao aluno. A arquitetura que se destina a
conter a pedagogia Waldorf visa a criação de um ambiente fluido onde predominam o
ritmo das formas, não cartesiano. Esse mesmo ambiente deve prover espaço para as
mais diversas tarefas que nele serão desenvolvidas, tais como o desenho livre,
aquarela, modelagem, roda de reunião para contos, canto e recitar versos aula de
euritimia, entre outras atividades. Para Porcare:
As salas precisam ser relativamente grandes para abarcar as
diferentes atividades – a brincadeira com fantoches, bonecos,
outros brinquedos e objetos de uso diário, a roda em que
cantam, recitam versos, ouvem contos de fada, a modelagem
em barro ou cera de abelha, a pintura em aquarela, pequenas
9
dramatizações, jogos. Em vista da grande importância do
ambiente nesta fase – “...é o ambiente que plasma a vida
anímica e a vida orgânica da criança em idade pré-escolar.” -,
este deve ser acolhedor e aconchegante, deve transmitir o
sentimento de proteção. (PORCARE, 2005, p.169)
10
8. O mobiliário escolar infantil para a escola Waldorf
O objetivo do presente projeto foi desenvolver um mobiliário escolar infantil que
atenda as necessidades de crianças entre 2 e 5 anos de idade, estudantes de escolas
que atuam com a pedagogia Waldorf.
O mobiliário precisa ser multifuncional e lúdico, deve contemplar as ações de sentar e
brincar através de linhas e formas mais livres e não dogmáticas que, permitam ao
usuário imaginar e reinventar novas maneiras de uso do objeto proposto.
9. Desenvolvimento de projeto
O desenvolvimento do mobiliário escolar infantil não aconteceu de forma linear e
cartesiana em sua totalidade. Houveram muitos momentos em que a experimentação,
o fazer em si, sobrepuseram a criação a partir do desenho como forma de
representação. Contudo uma forma de criação não excluiu a outra e, em diversos
momentos aconteceram quase que simultaneamente. O fazer em si aconteceu de
maneira exploratória, lançando mão de materiais ordinários e presentes em nosso
cotidiano, como o papelão, para dar suporte as formas que surgiram levando em
consideração aspectos importantes da pedagogia adotada, do desenvolvimento
infantil, da ergonomia e das normas vigentes para o desenvolvimento de produtos
escolares e infantis. A situação descrita acima não é nada atípica, sobretudo
considerando a afirmação de Munari em “Das coisas nascem coisas”:
O método de projeto, para o designer, não é absoluto nem
definitivo; pode ser modificado caso ele encontre outros valores
objetivos que melhorem o processo. E isso tem a ver com a
criatividade do projetista, que, ao aplicar o método, pode
descobrir algo que o melhore. Portanto, as regras do método
não bloqueiam a personalidade do projetista; ao contrário,
estimulam-no a descobrir coisas que, eventualmente, poderão
ser úteis também aos outros. [...] (2002, p.11 e 12).
No entanto foi de extrema importância estabelecer parâmetros, observar e obedecer a
regras de metodologia projetual. Como afirma Munari:
Também no campo do design não se deve projetar sem um
método, pensar de forma artística procurando logo a solução,
sem fazer antes uma pesquisa sobre o que já foi feito de
semelhante ao que se quer projetar, sem saber que materiais
utilizar para a construção, sem ter definido bem a sua exata
função. (2002, p. 10 e11)
Foi observando essa recomendação que o briefing surgiu, de maneira quase que
espontânea, a partir do cruzamento de informações obtidas através do levantamento
teórico, traduzidas em imagens, dispostas em grupos divididos por afinidade de tema
em painéis e interligadas, também por afinidade.
Problema
Ausência de mobiliários multifuncionais voltados para as salas de aula de Escolas
Waldorf.
11
Proposta
Projetar um mobiliário multifuncional que atenda o público-alvo nas questões
ergonômicas, de desenvolvimento neuropsicomotor e social; atenda ao ambiente em
que será inserido servindo de coadjuvante para o desenvolvimento diário da
pedagogia em questão.
Tipologia
Mobiliário multifuncional que contemple a ação de sentar, o brincar dentro e o apoio
para atividades individuais tais como, os desenhos, a modelagem com cera de abelha,
etc.;
Ambiente de uso
Escolas Waldorf,
Material
Compensado folheado de 15mm e parafuso além cabeça plana sextavado interno,
acabamento cromo prata, 45mm de rosca soberba.
Características do produto
Empilhável;
Leve e de fácil manuseio;
Multiuso;
Lúdico.
Público-alvo
Escolas Waldorf da cidade de São Paulo;
12
Figura 4. Imagem realizada em 25.09.2013 no colégio Waldorf Micael durante o brincar
dentro/Fotografia: Bruna Grossi
13
Figura 6. Imagem realizada em 25.09.2013 no colégio Waldorf Micael durante o brincar
dentro/Fotografia: Bruna Grossi
A análise desse levantamento fotográfico foi crucial para a definição das funções que o
objeto em questão deveria conter. A partir dessa analise ficou claro que ação do
sentar deveria ser contemplada, porém não de forma rígida ou fixa e que, o mobiliário
abrisse as mais diversas possibilidades de uso às crianças, inclusive para aquelas que
preferem brincar sozinhas ou em grupos pequenos, livre de formas dogmáticas.
1.Objetivo
1.1 Esta Norma estabelece os requisitos mínimos de mesas e cadeiras para
instituições de ensino, nos aspectos ergonômicos, de acabamento,
identificação, estabilidade e resistência.
NOTA: A combinação de mesa e cadeira é denominada nesta Norma como
conjunto aluno.
1.2 Esta Norma não se aplica a móveis destinados aos usuários com
necessidades especiais.
14
1.3 Esta Norma não se aplica a conjunto aluno concebido em uma única
estrutura ou conjunto aluno com regulagens.
“The Racer Collection” é uma linha de mobiliário multifuncional desenvolvida para uso
externo, fabricada com polietileno de alta densidade.
Figura 7. RACER COLLECTION. Projeto: Eric Pfeiffer em parceria com Loll 2011. Extraído de:
http://www.pfeifferlab.com/racer-collection (acessado em 03.03.2013).
O projeto HIGH CHAIR foi desenvolvido para ser uma cadeira que possibilita um sentar
não estático uma vez que, para as crianças sentar-se sem se mover pode ser uma
tarefa bem difícil. As curvas suaves da cadeira Leander apoiam as costas da criança -
que prestam apoio firme, mesmo sem uma almofada.
Figura 8. HIGH CHAIR. Projeto: Stig Leander. Extraído de: http://www.leander.com (acessado
em: 03.03.2013)
15
O conceito está direcionado ao desenvolvimento da criança, não apenas em seu
crescimento. A cadeira pode ser facilmente regulada para o uso de crianças das mais
diversas idades presente em diferentes idades.
Outra referência consultada foi produzida pela empresa alemã Livipur especializada
em produtos antroposóficos, é um mobiliário antroposófico internacional, o banquinho
Louis possibilita diversas formas de sentar.
16
14. O processo criativo
17
Figura 13. Desenhos e estudo volumétrico em madeira balsa, escala 1:5/Fotografia: Bruna
Grossi.
Figura 14. Estudo volumétrico em papel triplex, escala 1:5/Fotografia: Bruna Grossi.
18
Após esse estudo em escala, foi desenvolvido um estudo em escala 1:1 usando
papelão.
19
Figura 17. Estudo de empilhamento do modelo em papelão, escala 1:1/Fotografia: Ricardo
Martins.
Figura 18. Comparativo entre o modelo e cadeira escolar padrão/Fotografia: Ricardo Martins.
20
Figura 19. Definição da forma final do produto/Imagem: Bruna Grossi.
21
15. Ergonomia
As dimensões do banco surgiram a partir da observação da tabela antropométrica de
crianças de 23 meses a cinco anos contida no livro “As medidas do homem e da
mulher fatores humanos em design” (ASSOCIATES, H.D)
A ideia de possibilitar alturas diferentes para o assento surgiu da observação da ampla
variação da altura poplítea da faixa etária definida. A tabela antropométrica mostra as
dimensões medias durante o crescimento da criança e, durante discussões com o
professor de projeto, chegou – se a conclusão de que para ir de encontro com os
parâmetros e premissas de projeto, seria mais interessante que o produto
possibilitasse o ajuste de altura do assento pois, dessa maneira, seria possível atender
as questões ergonômicas tanto das crianças menores (apoiar os pés no chão) quanto a
das crianças maiores (apoiar a parte posterior da coxa no assento).
22
Figura 22. Prototipagem do produto em escala 1:1/Fotografia: Bruna Grossi
23
Figura 24. Pré-montagem do banco, escala 1:1/Fotografia: Bruna Grossi
24
Figura 26. Protótipo finalizado/Fotografia: Ricardo Martins.
Desenho técnico
Figura 27. Desenho técnico de todas as peças que compõem o banco e detalhe da quina
arredondada do assento. Sem escala/Imagem: Bruna Grossi
25
16. Produto Final
Após o desenvolvimento do produto, deu–se início a fase de testes com os usuários.
As crianças receberam bem o produto e logo entenderam suas funções. Essa etapa foi
essencial para determinar a real relevância do projeto e se o produto funcionaria
efetivamente, atendendo o usuário nas questões aqui levantadas anteriormente. No
entanto, pequenas alterações foram necessárias para que o produto se adequasse a
realidade do seu uso. É possível perceber nas fotos que foi aplicada a tinta lousa preto
na parte posterior do espaldar. Essa medida foi necessária, pois, a maioria das
crianças não só ficaram tentadas, como desenharam na superfície que pode ser usada
como mesa também. No entanto, durante o período de observação de uso, foi possível
notar certo constrangimento por parte da criança quando esta riscava o banco, por
conta disso, decidiu-se ampliar a possibilidade de uso do produto e oferecer a
superfície do espaldar como suporte para o desenho dando ao usuário uma liberdade
maior quanto ao uso do produto sem o submeter a constrangimentos.
26
Figura 29. Protótipo depois do primeiro teste com o usuário/Fotografia: Bruna Grossi
16. Conclusão
O desenvolvimento do projeto foi pensado de maneira em que o usuário fosse melhor
atendido tanto nos aspectos físicos quanto psicológicos. Para tanto, observou-se que
para chegar a um resultado satisfatório seria mais interessante que o assento do
banco tivesse alturas ajustáveis, atendendo tanto as criança de dois anos que,
necessariamente quando sentada precisa de apoio firme para os pés, quanto a criança
27
de cinco anos que já apresenta um maior controle do próprio corpo e equilíbrio mais
avançado que as crianças menores mas, quando sentada não deve deixar de apoiar a
parte posterior da coxa, uma vez que isso lhe causaria fadiga e a levaria assumir
posturas prejudiciais a sua saúde.
As pesquisas contribuíram para o desenvolvimento do produto, determinando
parâmetros que guiaram o projeto e muitas vezes definiam a sua tipologia formal.
Aliada a contribuição da pesquisa no projeto, a contribuição do fazer não foi menos
importante pois através dessa ação que foi possível visualizar erros e acertos,
auxiliando de maneira muito mais prática e eficaz a tomada de decisões durante todo
o processo projetual.
17. Referências
MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
28
O reflexo da memória no espelho do tempo:
A captura da atmosfera arquitetônica
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2
“Eu sou fenomenologista, estou preocupado com a maneira como as coisas são, sentem,
tocam, cheiram, soam, isto é o que eu penso quando estou a projectar. É um sentimento, não
está na minha cabeça.”
Zumthor
3
Há portas que precisam de duas mãos para serem abertas, outras que deslizam com um só
toque. Existem aquelas que deixam ver o que encerram e nos convidam a entrar, outras que
se negam a ceder passagem. Minhas prediletas são as que estão sempre abertas.
Manuela
4
A escada é um elemento que introduz uma outra dimensão na maneira como ocupamos o
espaço. Cada escada oferece uma experiência própria no percorrer, seja na maneira como a
tocamos e nos deslocamos sobre ela, seja segurando firmemente o corrimão ou deslizando
pelos degraus de pedra já gastos.
Manuela
5
1. Introdução
A fotografia passou por vários estágios desde que foi criada, no início do século XIX,
durante muito tempo enfrentou o dilema se poderia ou não ser considerada arte, e
hoje é uma das mais expressivas formas de manifestações artísticas. A partir de suas
capturas e impressões, ela se tornou um mecanismo de materialização da
memória. Nesse trabalho a fotografia será abordada por duas vertentes, a da
memória e a da história.
Esta monografia apresenta e discute acerca das formas não convencionais de pensar,
representar, rememorar e propor a arquitetura, a fotonovela foi escolhida como produto
final justamente por reunir em sua linguagem todas essas reflexões, fazendo um
resgate dessa identidade esquecida desde os anos 80, pude refletir também sobre a
disseminação da cultura por mecanismos de massa desde o início da fotografia,
mencionada por Walter Benjamin no primeiro capítulo. A fotonovela como objeto
final, é a junção de tudo que é dito no decorrer desse trabalho, a materialização de
um círculo de referências que se fecha nela mesma.
6
2. Era uma vez a fotografia
Walter Benjamin (1892-1940) foi quem primeiro introduziu os estudos sobre a
fotografia enquanto um discurso teórico. No seu primeiro ensaio intitulado a
“Pequena história da fotografia” escrita em 1931, ele buscou o ponto de vista estético
e também político, em um debate sobre a essência da fotografia, que envolveu os
produtores de imagens durante a vanguarda fotográfica alemã, particularmente
nos anos XX.
A “Pequena história da fotografia” conta de forma linear e crítica como foi a
introdução da fotografia com ênfase na sociedade alemã, iniciando com sua
descoberta por Niepce e Daguerre “simultaneamente”, havendo, entretanto, uma
resistência em patentear a invenção, porém, o Estado interveio e logo a fotografia
caiu em domínio público.
Benjamin observa os primeiros cem anos de fotografia e nas suas primeiras duas
décadas de existência ela era considerada uma técnica pré-industrial e ficava restrita
a “arte de feira” (BENJAMIN, Walter;Pequena História da Fotografia, p. 70). Depois
ela teve o formato de carte-de-visite inaugurando a fase industrial, em seguida como
cartão postal. Mas foi na forma de retrato que A fotografia se destacou.
“A fraca sensibilidade luminosa das primeiras chapas exigia uma longa exposição ao
ar livre. Isso por sua vez obrigava o fotografo a colocar o modelo num lugar tão
retirado quanto possível, onde nada pudesse perturbar a concentração necessária
ao trabalho.” (BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 97)
A pintura já conhecia á muito tempo esses rostos em primeiro plano. Mas com o
retrato fotográfico os quadros perderam popularidade, só continuando nas famílias
apenas para testemunhar o talento artístico do autor.
“Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre arte e a fotografia, é a tensão
ainda não resolvida que surgiu entre ambas quando as obras de arte começaram a ser
fotografadas.” (BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 105.)
Ao longo de sua obra Benjamin deixou claro os modelos pelos quais a fotografia
contribuiu para a crise artística; citando os principais motivos para isso: Em primeiro
lugar, a própria reprodutibilidade, a fotografia surge como primeira técnica de
representação verdadeiramente revolucionária.
7
“(...) com a fotografia, a mão liberta-se pela primeira vez, no processo de
reprodução de imagens, de importantes tarefas artísticas que a partir de então
passaram a caber exclusivamente aos olhos que vêem através da objectiva. Como
o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução
de imagens foi tão extraordinariamente acelerado que passou a poder acompanhar
a fala.” (BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 105.)
Para Benjamin a discussão sobre a “fotografia como arte” é inteiramente secundária em relação
da “arte como fotografia.”
A expressão obtida a força pela longa imobilidade do modelo é a principal razão que
se assemelham em sua simplicidade a quadros bem pintados, evocando ao
observador uma imagem mais persistente ao tempo do que as fotografias modernas.
Na “Pequena história da fotografia” a aura está relacionada com a tentativa de
descrever a experiência, (a experiência está diretamente relaciona com a memória e
com dados fixados nela), em decorrência disso o declínio da aura é
consequentemente o declínio da experiência. O homem que perde sua experiência e
com ela, sua memória é aquele submetido a uma economia de gestos repetitivos e
mecânicos, que são indiferentes ao tempo.
8
Colagem 1. Modo operante
9
3. A memória como economia do reaprender
“(...) não temos nada melhor que a memória para significar que algo aconteceu,
ocorreu, se passou antes que declarássemos nos lembrar dela.”
Paul Ricoeur
No início com Platão e Aristóteles, depois com Bergson, e a partir das premissas
estabelecidas por eles, entra Ricoeur, também um estudioso da memória que vem
esclarecer o que significa para o homem “estabelecer uma ligação com o passado”.
Ricoeur reflete primeiro sobre a etimológica da palavra memória - existe em grego
duas palavras para designa-la: anamnèsis, que é o ato de lembrar, o recolher ativo
de lembranças, e mnème, que é a imagem lembrada, uma intervenção no ser, a
impressão deixada na alma.
No diálogo Teeteto, Platão se utiliza da “metáfora da cera” na qual inscreve-se
impressões exteriores, que deixam vestígios, marcas, rastros, devido a sua
intensidade da impressão; segundo ele algumas lembranças são mais nítidas e outras
mais sutis, essas qualidades dependem da cera mole ou já endurecida, determinando
a qualidade da impressão; quando essa é fraca, quase não marca, quando é muito
forte marca demais e danifica.
Logo é possível estabelecer uma relação entre os sentidos e a memória, pois a função
dos órgãos sensoriais é comunicar ao cérebro a informação, e transmiti-la por meio
de impulsos nervosos. Entende-se a sensação como um diálogo entre a razão e
os sentidos. Somos aquilo que recordamos, e o acervo de cada indivíduo é
único, o cérebro faz associações com o que já está armazenado com as
informações recém adquiridas, de acordo com a vivencia de cada um. Ou seja,
a memória armazena as informações através de sensações que se sobressaem
das demais, um gosto muito amargo, uma cor vibrante, uma superfície áspera
ou um aroma muito agradável, essas sensações são consequências de
estímulos sensoriais.
10
A imaginação “criação de imagens” completa a capacidade visual; as imagens
mentais estão relacionadas com o inconsciente e com o consciente, elas
partem do mundo sensível para adquirirem forma no inconsciente (momento
subjetivo), para depois ganharem intensidade (momento objetivo), dessa
forma os medos e anseios são projetados na nossa imaginação, e
exteriorizados para a realidade, assim a imaginação está sempre associada
às experiências subjetivas, por sua vez mostra a relação que fazemos entre
visão e emoção.
Antes mesmo de Bergson, Aristoteles já vinha com a definição aparentemente obvia
de que “a memória é do passado” e que ela sempre comporta uma temporalidade,
não podendo existir memória nem do presente nem do futuro. Bergson retoma essa
teoria e aprimora quando distingue entre dois tipos de memória: a memória adquirida
e a memória espontânea. A primeira é fruto de um aprendizado transformado em
habito pelo exercício constante (rememorar), chegando ao ponto de aprender,
não se fazendo necessário o ato de lembrar, um exemplo seria; dirigir ou
saber uma formula matemática de cor.
11
ainda introduz uma substancialidade que atrapalha, porque não se sabe bem definir
a sua origem.
É aqui que Ricoeur introduz, sua reflexão sobre nossa relação com o passado, e
pensar a presença, o passado no presente. Não é somente aquilo que passou, e se
extinguiu, mas também é, ao mesmo tempo, aquilo que perdura nesse desdobrar do
presente para o futuro. O passado é aquilo que não está mais, que foi extinto e não
volta, mas também é aquilo cuja passagem continua presente e marcante. O passado
foge das apropriações do presente, ele como sendo breve se torna passado também,
suas pretensões de dominação se esvaem, e com cada presente muda a história do
passado, como bem sabem os historiadores, mas sempre acaba sobrando alguma
coisa, mesmo que marginalizada pela consciência.
12
Colagem 2. Mir.AR
13
4. Além de plantas, cortes e fachadas
David Greene
A ideia era mesclar projetos e comentários sobre arquitetura com imagens gráficas,
cuja a referência vinha do universo da TV, do rádio e das histórias em quadrinhos. A
linguagem utilizada na programação visual da revista era a da bricolagem, através
da justaposição de desenhos técnicos, artísticos, fotografias, fotomontagens e textos.
Com esta publicação eles instauraram uma crítica irônica e radical às convenções e
aos procedimentos estabilizados. Os questionamentos levantados em seus artigos
eram uma reação contra a obviedade e a monotonia no processo de representação e
de criação arquitetônica. Eles souberam como nenhum outro profissional da época
traduzir seus projetos e ideias em linguagem contemporânea.
6. Peter Eisenman
14
Colagem 3. Banquete
15
7. Fotonovela
8. Morder a cauda
Como citado acima por Samira Chalhub o código está em destaque. O próprio sentido
do prefixo metá, que remete a sua etimologia grega, que significa; mudança,
posterioridade, além, transcendência, reflexão, crítica sobre. Por exemplo um livro
que fale sobre metalinguagem é um livro metalinguístico, também pode-se citar a
moda em relação a roupa que revisita o passado, reinterpretando-o, ou o cinema
quando o filme tem como tema o fazer cinematográfico; até mesmo quando Woody
Allen usa uma camiseta referindo a si mesmo a metalinguagem está presente.
16
Colagem 4. Antítese
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9. Despina
18
Colagem 5. ½
19
10. Início
Me despeço apenas para dizer que todas as colagens aqui exibidas, fizeram parte da
fotonovela, fotocolagem, ou seja, lá a forma que vocês ao final da leitura de letras e
imagens resolvam chamar minhas representações. Assim como não me imponho em
definir qual é a categoria do meu trabalho, não me sentiria a vontade em esclarecer
as intenções de cada montagem, seria egoísta de minha parte em condicionar
interpretações que podem ser absolutamente desprendidas. Tento trazer a mesma
situação com o vídeo, que por meio de outra mídia repleta de influencias adquiridas
durante o curso, procuro preencher esse trabalho com intenções libertas de
moderações.
20
Figura 3. Cena dos curta Em SI dade
21
Figura 6. Cena dos curta Em SI dade
https://www.youtube.com/watch?v=Ut7wb4RPQdI
Referências
Livros
Teses
22
Colagem 6. Descanso de Guido
23
A representação da cidade de São Paulo no filme Ensaio sobre a
cegueira: distopia, não-cidade ou cidade global?
Paper Template for Revista Iniciação: The representation of the city of São Paulo in the
film Blindness: dystopia, non-city or global city?
Abstract. This paper analyzes the relations between the city, cinema, society,
architecture, space and the concepts of dystopia, global city and non-city, using as an
example the city of Sao Paulo and its use on the film “Blindness”, by Fernando
Meirelles.
Key words: city, Sao Paulo, films, architecture, scenography city, representations,
dystopia, global city.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2
O conceito de distopia, derivado da utopia, surgiu na literatura no final do século XIX.
Em contrapartida ao movimento socialista que crescia mundialmente. Embora a
distopia possa não só envolver aspectos políticos, os regimes totalitários fascistas e
socialistas tiveram grande influência. As distopias podem abranger o caos, a
superpopulação, a pobreza, a fome, doenças e guerra.
As distopias contemporâneas tratam de um futuro apocalipse, as mais famosas são
“Admirável Mundo Novo” (1932), de Aldous Huxley e “1984” (1949), de George
Orwell, que retratavam os problemas da modernidade.
Distopias famosas no cinema incluem “Laranja Mecânica” (1971), dirigido por Stanley
Kubrick, e adaptado do livro de 1962 de Anthony Burgess, que retrata a violência,
o colapso do núcleo familiar e a desintegração moral e “Blade Runner” (1982), de
Ridley Scott que retrata a decadência urbana futurista.
Já o conceito de cidade global, segundo CARVALHO (2000), surgiu com a
globalização da economia, inicialmente nos países desenvolvidos, a partir dos anos
70. O aumento do setor terciário, financeiro e das comunicações e empresas
transnacionais, fez com que o capital não ficasse mais retido em um único lugar e que
as metrópoles tivessem novas posições no mundo capitalista financeiro. A partir dos
anos 90, as cidades dos países subdesenvolvidos que passassem pelo processo de
globalização seriam consideradas cidades globais.
Inserida nesse contexto, a cidade global pode ser um lugar sem identidade, sem
características exclusivas. Tanto no livro de José Saramago quanto no filme de
Fernando Meirelles nem a cidade e nem as pessoas possuem nome. Elas são
descritas pelas suas características étnicas e específicas (a mistura de povos
diferentes também faz parte da cidade global). Essa cidade pode ser qualquer uma,
em qualquer lugar do mundo, assim como as pessoas que nela vivem.
Aliado ao conceito de cidade global está o de não-lugar. O não-lugar, conforme AUGÉ
(1994), é um local sem identidade, é ao mesmo tempo a contradição de todas as
culturas em uma única cultura mundial, de todas as arquiteturas em uma arquitetura
mundial.
O não-lugar traz, também, às pessoas da metrópole moderna o anonimato, a perda
da identidade individual, através dos tantos números que acompanham o dia-a-dia,
como os do cartão do banco e da passagem de trem. O que se conecta diretamente
com o filme, visto que nele nem as pessoas e nem a cidade possuem nomes. Porém,
esse anonimato pode ser visto como algo bom, como uma forma de liberdade.
A partir desses conceitos, é possível ter uma base para então analisar como estes se
aplicam aos objetos de estudo, tanto o filme, como a cidade de São Paulo inserida
naquele. O que é feito mais adiante ao longo do artigo.
3
para sua cegueira. No dia seguinte, todas as pessoas com quem o primeiro homem
teve contato, ficam cegas.
O governo, temendo uma epidemia, isola os cegos em um antigo hospício. Ali dentro,
um grupo se forma: o primeiro homem cego e sua mulher, o ladrão, a mulher com os
óculos escuros, o homem do tapa olho preto, o menino, o médico e a mulher do
médico, esta a única que não está cega mas fingiu estar para poder estar junto ao
marido. Conforme a cegueira infecta mais e mais pessoas, o hospício passa a se
tornar pequeno e a comida escassa, assim iniciam-se disputas por ela, que incluem
mortes, brigas, violência e abusos sexuais.
Em meio a essa situação que se torna cada vez mais degradante, uma das cegas
inicia um incêndio no local, e assim todos os cegos confinados saem do hospício,
incluindo o grupo, que se depara com uma cidade completamente diferente da que
existia antes da exclusão. Não há mais guardas vigiando a entrada e a saída, então
eles saem andando a procura de suas respectivas casas.
São usadas no filme como locação imagens da marginal do rio Pinheiros, da ponte
Otávio Frias de Oliveira (ponte estaiada), a Vila Boim, o Elevado Costa e Silva
(minhocão), o Viaduto do Chá e a praça Ramos de Azevedo para retratar o estado em
que se encontra a cidade. Nessas cenas, pequenos grupos de cegos caminham atrás
de comida, há muita sujeira e excrementos no chão. A cidade fede e aparentemente
não há mais uma ordem.
Depois de muito caminharem e lutarem para sobreviver, tanto no meio dos outros
cegos quanto atrás de comida, todos se encaminham à casa do médico e sua mulher,
onde passam a viver em família. Até que um dia de manhã, o primeiro cego recupera
sua visão de forma repentina e inexplicável. Esse fato gera a esperança em todos de
que em breve recuperariam a visão também.
Logo após o ocorrido, a mulher do médico vai até a varanda de sua casa e olha para
cima, em um momento em que o céu parece ficar branco e que ela perderia sua visão
também. No entanto, assim que ela abaixa o olhar, vê os edifícios da cidade à sua
frente.
Figura 1. Cena do filme “Ensaio sobre a cegueira”, que ilustra a cidade após o isolamento
dos cegos. Ao fundo o Shopping Light em São Paulo.
4
Figura 2. Cena do filme “Ensaio sobre e cegueira”, que se passa embaixo do Elevado
Costa e Silva, em São Paulo.
Figura 3. Cena do filme “Ensaio sobre a cegueira”, mostra o grupo de cegos chegando à
cidade.
Nessa imagem, é possível ver os edifícios espelhados ou de vidro com alto gabarito,
denominados “high-tech” ao fundo, que simbolizam essa cidade globalizada, moderna
Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 - Junho de 2015
Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
5
e tecnológica. A ponte também faz parte dessa composição globalizada de cidade. Não
há nada de caráter identitário ali, mostra uma cultura e arquitetura universal. Trata-
se de uma importante fase de transição do filme, entre o isolamento dos cegos e a
cidade “lá fora”. Nesse plano, a cidade parece ser ainda organizada e ordenada. Para
compor esse cenário, foram usadas de locação a marginal do rio Pinheiros, a Ponte
Octávio Frias de Oliveira e os edifícios da avenida.
Diversos pontos da cidade de São Paulo foram usados como locação para o filme
“Ensaio sobre a cegueira”. Muitos desses pontos estão localizados em locais
importantes e com edifícios imponentes, como o centro desta, e a Avenida Nações
Unidas (marginal do rio Pinheiros). Entretanto, apesar de sua localização, são edifícios
que compõem um cenário sem identidade, em que é impossível, com apenas um
enquadramento, descobrir de qual cidade no mundo se trata.
As imagens ilustram cenas em que a cidade de São Paulo foi usada como cenário para
a cidade do filme. São locais de grande relevância, tanto econômica como histórica,
porém, através desses enquadramentos perdem suas identidades (Ver Anexo).
A figura 4 mostra o trafégo intenso entre carros, pedestres e motocicletas no
cruzamento entre duas grandes avenidas. A intenção ali, era de retratar uma cidade
6
globalizada, populosa, caótica, mas com uma aparente ordem, antes da epidemia de
cegueira.
Já a figura 5, também mostra um símbolo importante da cidade, o Elevado Costa e
Silva, porém visto sob essa perspectiva assemelha-se com uma avenida qualquer,
com edíficios sem qualquer relação identitária. São usados aqui, para retratar uma
cidade grande, porém deteriorada, suja e caótica, com carros abandonados ao longo
da via, e pessoas vivendo como animais, após o alastramento da cegueira.
Por se tratar de uma cidade grande e com tantas diversidades, desde estilo de
edificios à desenho de vias, São Paulo pôde ser usada de cenário para diversos tipos
de situações, podendo ser uma cidade “high-tech”, uma cidade globalizada, uma
cidade moderna, uma cidade caótica, uma cidade suja, uma cidade histórica e tantas
outras.
6. Conclusão
Elas passaram a ser retratadas cada vez mais no cinema, na fotografia e na literatura,
como um reflexo da sociedade atual, ilustrando o anonimato, o caos do grande fluxo
de pessoas, carros, informações e a velocidade com o que tudo acontece na vida
cotidiana. Muitas vezes, são análises críticas e/ou satíricas, que são enquadradas
como distopias ou antiutopias.
Referências
BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. São Paulo: Ed. Aleph, 2004 – 193 p.
7
HOLLANDA, Carolina de. A fotografia como instrumento de observação
urbana: uma questão convergente em pesquisa sobre as cidades. Artigo
publicado em: V!RUS, São Carlos, n. 7, julho de 2012. Disponível em:
<http://www.nomads.usp.br/virus/virus07?sec=4&item=2&lang=pt> .
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Porto Alegre: Ed. Globo, 2009 -
398 p.
JONZE, Spike. Her. EUA. Annapurna Pictures e Warner Bros. Pictures, 2013.
126 min.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre cegueira. Ed. Caminho. 312 págs. Portugal,
1995.
SCOTT, Ridley. Blade Runner. EUA. The Ladd Company, Tandem Productions,
Sir Run Run Shaw e Warner Bros, 1982. 117 min.
SOUZA, Lilian Andreza dos Santos; ANGELO, Roberto Berton de. Cidades
(in)visíveis: imagens, caminhos, fotografias e representações. Artigo
publicado em: Discursos fotográficos, v. 4, n.5, p. 159-178. Londrina, jul. –
dez./ 2008
8
Intervenção na margem da Billings
O caso dos Pereiras/Jequirituba
Intervention in Billings’s Margin
The case of Dos Pereiras/Jequirituba
Abstract. The object of analysis of this work is an irregular allotment called Dos
Pereiras/Jequirituba located in Grajaú, extreme south of São Paulo, in the area of
environmental protection, on the banks of the dam.
This work aims to identify, analyze and develop a proposed urban intervention for
allotment Dos Pereiras/Jequirituba, considering the impacts of urban irregularity in
maintaining the watershed, mainly due the lack of environmental sanitation and urban
infrastructure as well as the problems of mobility and access by residents to public
facilities and services.
Thus, the intention of the urban intervention aims to develop an urbanization project
of the subdivision, indicating the locations for implementation and/or completion of
infrastructure as well as creating free spaces related to leisure, recreation for the
coexistence and people participation in entertaining activities is a meeting point and
allow contact with the civilian life in general.
Key words: irregular allotment, area source, urbanization, free spaces.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2. Objeto de estudo
A zona Sul da cidade de São Paulo tem apresentado, ao longo dos últimos 50 anos 1,
um crescimento populacional bastante significativo, em especial, nas áreas mais
frágeis a ocupação, isto é, àquelas situadas em áreas ambientalmente protegidas. O
tipo de ocupação predominante que tem se consolidado nas áreas ambientalmente
protegidas são os chamados assentamentos precários.
A falta de alternativas habitacionais, gerada pelo intenso processo de
urbanização, baixa renda das famílias, apropriação especulativa da
terra urbanizada e inadequação das políticas de habitação, levou um
contingente significativo da população a viver em assentamentos
precários e informais. Estes se caracterizam pela informalidade na
posse da terra, ausência ou insuficiência de infraestrutura,
irregularidade no processo de ordenamento urbano, falta de acesso a
serviços e moradias com graves problemas de habitabilidade,
construídas pelos próprios moradores sem apoio técnico e
institucional. (PlanHab: 2010,36)
1
Dados levantados junto ao site da PMSP, histórico demográfico da cidade de São Paulo de 1950 a 2010 -
http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas
Fig. 1: Mapa da evolução urbana da Capela do Socorro, Cidade Dutra, Grajaú e do Socorro, de
1962 atéos anos 2000.
Fonte: CESAD – USP.
Fig. 2: Vista aérea do loteamento em 1992. Fig.3: Quadra fiscal com a implantação das ruas.
Fonte: Processo administrativo 1992-0.000.900-0 Fonte: Processo administrativo 1992-0.000.900-0
O loteamento foi multado e embargado pela Prefeitura Municipal de São Paulo e pela
Polícia Florestal e de Mananciais em 1991, de acordo com as folhas 04 e 05 do
processo administrativo 1991-0.000.900-0, pelo parcelamento com abertura de vias
sem prévia autorização dos órgãos e por se localizar às margens da Represa Billings,
em área de Proteção aos Mananciais.
Essa análise resultou em algumas implicações, tais como o perímetro da ZEIS ser
maior que o tamanho do loteamento pois, o planejamento da ZEIS respeita algumas
diretrizes do Plano Regional Estratégico – 428, Anexo XIX do Livro XIX, onde há a
necessidade de proteção da borda da represa numa margem de 50 metros, a remoção
das ocupações com risco de enchentes e das que estão localizadas a menos de 5
metros dos cursos d’água e a preservação dos cursos, faixas d’água e rios.
Entre os impasses para promover a regularização fundiária da totalidade de lotes
deste loteamento está a necessidade de dotação de infraestrutura urbana, que
permita acesso facilitado ao loteamento e as ocupações de seu entorno, a implantação
de saneamento ambiental e capacidade de suporte da mesma para a população
residente e para a manutenção do manancial, o enquadramento com ao disposto na
lei específica da Billings e a previsão de unidades habitacionais para àquelas unidades
que estão em situação de risco.
3.1. Localização
O Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba se localiza em um raio de 35,9 km de distância
do marco zero da cidade de São Paulo, na Praça da Sé. Da Subprefeitura da Capela do
Socorro, Avenida do Rio Bonito, zona sul, dista aproximadamente um raio de 9km.
4Informações obtidas com funcionários do Setor de Cadastro da Subprefeitura Capela do Socorro, dia 07
de maio de 2014.
3.2. Acessos
O acesso principal para chegada ao Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba, sentido
bairro, é pela Estrada Canal de Cocaia que se encontra com a Avenida Dona Belmira
Marin ou pela Rua Rubens de Oliveira, que se une com a Rua Pedro Escobar e, a partir
daí um acesso pode ser feito pela Rua Gerônimo Paco e outro pela Rua São Francisco.
Esses dois acessos facilitam a circulação de pedestres e automóveis no loteamento.
O loteamento está localizado entre algumas barreiras urbanas: além de estar na
margem da Represa Billings, se encontra entre dois braços da represa e outros
elementos no entorno, em um raio de 2km, como a linha de transmissão de energia e
a única via de acesso, Avenida Dona Belmira Marin, dificultando a locomoção sentido
bairro e centro.
As alternativas de vias secundárias são pouco acessíveis e os percursos difíceis pelo
bairro sempre apresentar a mesma característica, tanto pelas casas quando pela falta
de sinalização nas ruas, dificultando a localização. Para chegar de ônibus ao
loteamento, tendo como referência a Estrada Canal de Cocaia e a Rua Pedro Escobar,
é possível pegar uma linha, com duração aproximada de 15 minutos e, outra opção é
a caminhada que dura em torno de 20 minutos para os edifícios principais, como
escolas, praças, o CEU Navegantes e até mesmo o Complexo Cantinho do Céu.
3.3. ZEIS
O mapa de ZEIS conta com a análise das ZEIS – Zona Especial de Interesse Social – a
partir do Habisp5, do Plano Diretor Estratégico, nº 13.340/2002 e do Plano Diretor
Estratégico atual, nº 16.050/14.
A cota de inundação da Represa Billings é a cota 747, segundo o EMAE – Empresa
Metropolitana de Águas e Energia – e em comparação com o mapa da CETESB, de
Área de Recuperação e Proteção dos Mananciais, a cota de inundação conta com uma
faixa não edificante de 50 metros a partir da cota 747 e todo o existente a partir desta
faixa é considerado Sub-área de Ocupação Especial, que tem como principal objetivo a
implantação de habitações de interesse social, equipamentos urbanos e sociais e,
além disso, promover a recuperação ambiental e urbana, implantando infraestrutura
sanitária e urbanizando favelas ou ocupações irregulares.
Analisando as possíveis áreas de risco, o estudo feito pelo IPT – Instituto de Pesquisas
Tecnológicas – contratado pela Secretaria Municipal de São Paulo, em 2009, para
realizar a análise e mapeamento de riscos associados a escorregamentos em áreas de
encostas e solapamentos de margens de córregos em favelas do Município de São
Paulo, na Subprefeitura Capela do Socorro (SPCS), volume II, conclui que o
Loteamento dos Pereiras / Jequirituba não está localizado em área de risco pois se
5. Proposta de Intervenção
Com a análise realizada, percebe-se que o loteamento é reconhecido como uma área
invadida por habitações informais, localizada entre barreiras urbanas, como a margem
da Represa Billings, a linha de transmissão de energia e acesso viário insuficiente, em
área de manancial e proteção ambiental. Dada a situação existente, o projeto objetiva
a melhoria das condições físicas e urbano-ambientais do loteamento.
As intervenções necessárias são voltadas para a implantação de infraestrutura
(pavimentação e drenagem) e equipamentos, espaços públicos, preservação do meio
ambiente com a revegetação destas áreas e o reassentamento de algumas habitações
Com área total de 9.834,70 m², o parque urbano conta com uma ciclofaixa que
demarca os limites do parque, iniciando-se na Rua Santo Antônio e acompanha o
desenho da Rua São Francisco. Em sua extensão, acontecem áreas para caminhada,
arquibancada para assistir jogos na quadra poliesportiva ou manobras na pista de
skate e deck para contemplação da natureza e o movimento das pessoas, definido
como o passeio público ao longo do parque.
No nível mais baixo, acontecem alguns percursos para caminhada, com pontos
estratégicos de lazer, como playground, área de ginástica e jogos de tabuleiro, espaço
livre para possíveis eventos e campinho de futebol. Para contemplação da vista da
represa e brincadeiras e esportes aquáticos, há um deck flutuante com bancos.
Nas extremidades da área, a partir da cota de segurança de inundação da represa
(cota 747) e nas proximidades do brejo, localizam-se as áreas de preservação
ambiental para tentar recuperar todo o dano causado pelo assoreamento,
desmatamento das margens, aterramento de nascentes, impermeabilização do solo
por loteamentos irregulares e poluição por lixo doméstico, químico e industrial.
6. Considerações finais
A pesquisa teve como objetivo principal estudar o loteamento irregular Dos
Pereiras/Jequirituba, com a realização de levantamentos do processo de ocupação
urbana na região da Capela do Socorro. Para a análise e compreensão do nível de
irregularidade habitacional existente nesta Subprefeitura, foi observado que o
Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba não se enquadra ao disposto na Lei de Proteção
dos Mananciais e não foram reservadas áreas para uso público e coletivo, como áreas
verdes e institucionais.
Considerando os levantamentos de dados realizados e a insuficiência da infraestrutura
urbana instalada, observada com a visita no local, conclui-se que há necessidade da
melhoria do espaço urbano como a pavimentação das ruas e a complementação do
sistema de drenagem de águas pluviais, observado e proposto nos mapas como um
primeiro raciocínio para a segunda etapa do projeto. Já o reassentamento de
edificações precárias, instaladas em um declive acentuado, muitas vezes com sistema
de esgoto a céu aberto ou falta deles, agora estão instaladas em um local com
condições de habitabilidade adequadas e mais próximas do centro de serviços e
comércio, na Rua Pedro Escobar.
No terreno que foi liberado com a remoção das ocupações, foi proposta a implantação
de um parque, buscando a médio e longo prazo, a implantação de árvores nativas da
mata ciliar da Mata Atlântica (predominante na região) para uma recuperação da área
ambiental e, consequentemente, uma contribuição para a melhoria da qualidade do
Referências
1
Intervenções urbanas – “Uma forma de transformação positiva dos lugares. Funcionam como
catalisadores de relações de proximidade e intimidade, tanto com o próprio espaço, quanto na relação
entre os indivíduos da urbs, atuando reativamente contra esse desfavorável estado de alienação pura.”
SANSÃO, Adriana, 2012.
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1. Introdução
Voltando ao Brasil, depois de uma experiência muito valiosa de intercâmbio 2,
me deparei com o trabalho final de graduação. O momento ideal para
condensar todo o conhecimento adquirido, formalizando-o em um breve ensaio
que seria então destinado aos espaços públicos da minha cidade, no caso, São
Bernardo do Campo. Em meio a discussões sobre o papel do lugar na formação
da imagem da cidade e o habitar na metrópole contemporânea, decidi que o
tema se desenvolveria a partir de uma análise sobre as práticas em
intervenções urbanas.
Durante muito tempo eu não sabia dizer o que seria o meu “produto final”, o
caminho foi construído ao longo do processo. Percebi que o termo “vazio” era
recorrente nos meus registros e, diante de todos os significados que essa palavra
possa sugerir, decidi encarar o espaço vazio como elemento fundamental de
intervenção na cidade. Escolhi investigar os espaços invisíveis da cidade de São
Bernardo do Campo, estes que passam despercebidos pelos olhos de seus próprios
habitantes, mas que pudessem, através de intervenções pontuais, se reintegrarem
à imagem da cidade e ao imaginário de seus habitantes. Através deste trabalho, eu
proponho discutir sobre o espaço público na cidade.
2
Graduação Sanduiche, realizada através do programa do governo Ciência sem Fronteiras, quando vivi
por um ano na cidade de Bolonha, na Itália, estudando na Università di Bologna – Laurea Magistrale in
Ingegneria Edile Architettura.
3
Muitos habitantes têm sua profissão em outros locais, e por isso vê-se que a cidade
se tornou um grande dormitório para essa população que, muitas vezes, trabalha
em cidades vizinhas. E que também sai em busca de atividades de lazer e
convivência, em busca de uma identidade que não encontra aqui. O município ainda
é formado majoritariamente por pessoas nascidas fora de seus limites geográficos,
cerca de 52,3% da população, de acordo com o Censo 2010. Tais características
nos levam a acreditar que é uma cidade onde a maioria de seus habitantes, na
verdade, não habitam.
Quando o homem habita, ele está simultaneamente locado no espaço e
exposto a um certo caráter ambiental. As duas funções psicológicas
envolvidas, podem ser chamadas “orientação” e “identificação”. Para ganhar
o suporte existencial o homem ter que ser capaz de orientar-se; ele tem que
saber onde ele está. Mas também ele tem que identificar-se com o meio,
isto é, ele tem que saber como ele está num certo lugar.3
O lugar, segundo Norberg-Schulz, é a manifestação concreta do habitar. Ele coloca
o mundo como lugar, um mundo constituído por símbolos e elementos que
transmitem significado e o homem precisa ser capaz de interpretá-los. Segundo o
autor, o homem habita entre dois mundos opostos: a terra e o céu, o primeiro
tangível (elemento estável, concreto e suscetível a mudanças) e o segundo não-
tangível (elemento instável, referente a funções do tempo e clima) . O habitar, por
sua vez, é o que ele chama de suporte existencial. Este suporte compreende as
relações básicas entre o homem e o seu meio, ou seja, a união destes dois mundos,
campo no qual atua a arquitetura. A construção do lugar deve valorizar a relação
entre o indivíduo e o seu meio, intensificando a experiência com os espaços
públicos, para preservar na memória de quem habita nesse lugar, uma boa
lembrança.
A memória e o vazio
A memória que se tem da cidade está essencialmente ligada ao patrimônio
industrial, que desencadeou importantes movimentos sociais, da indústria e do
trabalho, ao longo da história. No ano de 2014 foi inaugurado o Museu do Trabalho
e do Trabalhador, obra de destaque na cidade, implantado no local onde
funcionava, no passado, o Mercado Municipal, mas que por anos permaneceu em
ruínas no centro da cidade.
Outro processo dramático de extinção do patrimônio arquitetônico da cidade é o
caso da sede da prefeitura, o Paço Municipal, que, ao longo dos anos, vem
perdendo suas características principais com intervenções que nada tem a ver com
o conceito do projeto original. O conjunto configurava uma esplanada de pedra
portuguesa e dispunha volumes isolados que abrigavam as sedes dos poderes
legislativo e executivo, mas que foram significativamente descaracterizados ao
longo dos anos. Abrigava também uma grande área verde no coração da cidade. A
atual intervenção, e talvez a mais catastrófica de todas, é a implantação de um
piscinão na praça do paço. Outro exemplo, associado à perda de memória, é caso
do Pavilhão Vera Cruz, que no passado, foi cenário de uma indústria
cinematográfica intensa, mas que não teve condições de se perpetuar no tempo.
Hoje, o espaço, um pouco degradado pela ação dos anos e a falta de manutenção,
recebe feiras e exposições dos mais variados temas, desde automóveis a design de
interiores, com conteúdos que pouco têm a contribuir para a integração da
população a este espaço.
Quando um edifício histórico é eliminado da cidade, ou é esquecido, deixado de
lado, cria-se uma lacuna, um vazio. Uma parte da memória é apagada,
3
NORBERG-SCHULZ, Christian apud REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar. Disponível
em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/225>
4
influenciando a configuração da imagem que se tinha da cidade, e
consequentemente a relação entre o indivíduo e o espaço.
A atual forma de vida na cidade se reduz ao cultivo de uma cultura segregadora,
onde se criam muros e barreiras, vendendo uma falsa segurança a uma população
já consumida pela violência, onde o sujeito vive em modo automático, percorrendo
a cidade, não mais a pé, mas de dentro do seu carro ou dentro de um ônibus
lotado, um sujeito que não consegue refletir sobre as experiências na cidade, que
não tem oportunidades para construir uma relação afetiva com os espaços por onde
anda. Uma cidade onde as relações sociais se restringem a encontros em shoppings
e supermercados gigantescos, estes que por sua vez, sempre com as mesmas lojas
e os mesmos logotipos, não te permitem identificar em que cidade está.
E assim associa-se, essencialmente, a perda de memória ao vazio, ao espaço
ausente de atividades, de construções, ausente de identidade. Ao vazio de quando
buscamos algo e não encontramos. É o que observo quando ando pelas ruas da
cidade, vejo um grande vazio representado pelo alheamento, pela ausência de
relações, de pessoas usufruindo os espaços, vejo apenas caminhantes apressados,
presos, cada um, em seus pensamentos e rotinas. A cidade já não detém mais os
olhares de seus habitantes.
O vazio é um conceito que abrange diversas tipologias, sejam espaços edificados ou
ausentes de construção, não utilizados, subutilizados, desocupados ou sem uso. De
qualquer maneira, são espaços que possuem uma característica em comum, a de
não exercerem função social ou econômica, são resquícios físicos do progresso das
cidades. São espaços inúteis e que não contribuem para a formação da imagem da
cidade, geralmente associados a visões negativas do espaço [figura 1]. No entanto,
esses lugares representam espaços de transição temporal, com potencialidades
para transformações e mudanças que provoquem novos usos/ ocupações mais
efetivas no tecido urbano como um todo.
Em levantamento realizado pela Secretaria de Planejamento Urbano, foi constatado
que São Bernardo do Campo possui um total de 458 imóveis não edificados ou
subutilizados e 89 edificados não utilizados.4 Junto a essa estatística, achei
oportuno incorporar também os espaços de passagem, geralmente
desinteressantes aos olhos dos pedestres, ou os não-lugares5, espaços onde não se
pode ler de forma nítida a identidade, relação e história dos indivíduos inseridos
nesse espaço, e então, reunindo estas características em comum, decidi identifica-
los e nomeá-los de lugares invisíveis.
4
Dados disponíveis em:
<http://www.saobernardo.sp.gov.br/comuns/noticia_completa_print.asp?ref=9915>
5
AUGÉ, Marc. Não-Lugares, introdução a uma antropologia da supermodernidade. 3. Ed. São
Paulo: Papirus, 1994.
5
Figura 1. Sob viaduto Kenzo Uemura, São Bernardo do Campo. Fonte: Autoria Própria
3. Fatos da arquitetura
A arquitetura lida naturalmente com a criação e organização do espaço, este que,
pode ser denominado também de vazio, ou seja, o que não é apenas um conjunto
de larguras, comprimento e alturas, mais do que isso, é um ambiente onde o
homem anda e vive.6 Quando o espaço ganha significado diante da presença do
homem, consideramos esse espaço como um lugar. Estas duas esferas (lugar e
espaço) basicamente não podem ser compreendidas uma sem a outra, este fato
pode estar relacionado tanto à dimensão temporal com a qual nos relacionamos
com esse espaço e consequentemente nos apegamos a ele (ideia de experiência)
quanto ao valor identitário que atribuímos a ele, sem que haja necessariamente
uma prática duradoura (ideia de vivência).
A vida contemporânea tirou do indivíduo a experiência com a rua, impondo muros e
barreiras que colocam em crise a ideia de cidade, alterando a paisagem e
confundindo o indivíduo com a presença de não-lugares. Através da arquitetura é
possível proporcionar experiências diversas e reestabelecer vínculos entre o espaço
e suas funções. Todo indivíduo pertence a um lugar. Um lugar rodeado por coisas e
arquitetura.7 E é através de ações que envolvam a valorização do espaço,
qualificando a arquitetura como marco, como identidade, que essas experiências se
transformam.
A rua também deveria cumprir o papel de lugar. As fachadas e os espaços públicos
transmitem significado, acolhem o indivíduo e despertam admiração. É na rua que
está a essência da cidade.
6
REIS-ALVES, Luiz Augusto. O conceito de lugar. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/225>
7
ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. 1. Ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2009.
6
Se, no começo, as ruas se transformavam para ele em interiores, agora são
esses interiores que se transformam nas ruas, e, através do labirinto das
mercadorias, ele vagueia como outrora através do labirinto urbano.8
Este trecho, de Walter Benjamin, retrata a Paris de Baudelaire, onde o sujeito que
vagueia pelas ruas, representado pelo flaneur, sai à procura de abrigo no meio da
multidão. A cidade se transforma em paisagem e as galerias em janela, o espaço
público onde se pode observar e sentir a cidade. Ainda nas palavras de Benjamin,
“os parisienses transformam as ruas em interiores”.
Benjamin menciona elementos da cidade (as ruas), que através da arquitetura (as
galerias) se transformaram em lugares. E a partir do momento em que essa
consciência ganha dimensão, conferindo significado ao espaço, se estabelece uma
identidade.
Existem alguns fatos da arquitetura que devem ser mencionados nessa discussão, e
então, usaremos Bolonha como exemplo, que possui uma característica
arquitetônica que a define: os pórticos. Os pórticos de Bolonha representam a
identidade daquele lugar, e sempre farão parte do imaginário da cidade. É um fato
atemporal, implícito na vida de quem por eles caminha e por isso se configura como
uma composição “silenciosa, que se reconhece pela sua capacidade de desaparecer
no espaço”.9 O pórtico simboliza um tipo de vazio arquitetônico, representado pelos
vãos e passagens, que é absolutamente conveniente com o meio em que está
inserido. O pórtico faz parte do cotidiano de seus habitantes e da imagem da cidade
[figura 2].
Podemos falar também sobre os marcos da cidade, que atuam como ponto de
referência no meio urbano. Um monumento, um elemento arquitetônico relevante,
como uma escadaria ou uma ponte, um edifício notável como uma igreja. São
componentes inerentes à imagem da cidade. Gosto da ideia de associar o marco a
um elemento perceptível, notável pelo seu valor afetivo. Como acontece com os
parques ou as praças. A praça, no verdadeiro sentido da palavra piazza é um
espaço de encontros, que pela união de elementos e momentos, sempre nos faz se
sentir parte daquele lugar e consequentemente nos faz contemplar seu entorno. É
um espaço de detalhes. Já o parque, em sua imensidão, é um espaço de
generalidades, um lugar que nos direciona aos acontecimentos, a observar o que
está dentro e o indivíduo é apenas mais um no espaço.
Estes são fatos importantes para a formação da identidade do lugar, a cidade
precisa de elementos que a revelem, que a torne essencialmente dinâmica.
8
BENJAMIN, Walter apud BARROS, Fernando Monteiro de. Faculdade de Formação de Professores.
Baudelaire, Byron e Lucio Cardoso: A flanerie e o dandismo do vampiro. Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/soletras/5e6/04.pdf>
9
ARAVENA, Alejandro, PEREZ, Fernando, QUINTANILLA, José. Los Hechos de la Arquitectura. 3. Ed.
Santiago: Ediciones ARQ, 2007.
7
Figura 2. Via dell’Indipendenza, Bolonha. Fonte: Autoria Própria
Iniciativas e intervenções
A intervenção valoriza os atributos físicos de um lugar. Um espaço que antes
passava despercebido aos olhos da população, depois de uma intervenção faz
com que venha à tona a sua forma, permitindo que se descubram novos
lugares, abrindo para a cidade novas visadas, novas espacialidades, novas
experiências urbanas.10
Tem se observado, com cada vez mais frequência, que as pessoas estão
começando a se mobilizar pelos ideais que são importantes para alcançar o tipo de
vida que elas querem. A era pós-moderna, marcada pela fragmentação da vida
humana em sociedades individualizadas, começa a dar espaço a hipermodernidade,
conceito empregado por Lipovetsky (2004) para descrever a atual situação na qual
nos enquadramos. A hipermodernidade evidencia a cultura do excesso, onde tudo
se torna muito mais intenso e urgente. As mudanças acontecem de maneira
acelerada, determinando um tempo marcado pelo efêmero, no qual flexibilidade e
fluidez aparecem como tentativas de acompanhar essa velocidade. É caracterizada
por uma sociedade que está redescobrindo o passado, que valoriza o presente e se
preocupa com o futuro e por isso formula estratégias para a permanência das
próximas gerações. O bem estar individual dá lugar ao coletivo. “O que define a
hipermodernidade não é exclusivamente a autocrítica dos saberes e das instituições
modernas; é também a memória revisitada, a remobilização das crenças
tradicionais, a hibridização individualista do passado e do presente. Não mais
apenas a desconstrução das tradições, mas o reemprego dela sem imposição
10
SANSÃO, 2002
8
institucional, o eterno rearranjar dela conforme o princípio da soberania
individual”11. Podemos incluir a reconquista do espaço público como materialização
desse comportamento.
São dezenas de exemplos em São Paulo que, atualmente, tem assistido a inciativas
por parte de uma população pró ativa, e recentemente também, por parte da
prefeitura, em transformar o uso de espaços ociosos na cidade. Os largos São
Francisco e Paissandu receberam, em 2014, intervenções temporárias com o
projeto “Centro Aberto”, iniciativa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Urbano, com consultoria do escritório dinamarquês Gehl Architects. O projeto é um
convite ao cidadão para que se aproprie do espaço público, dotado de novos
equipamentos urbanos, para vivenciar as transformações urbanísticas na região.12
O “Better Block”13 surgiu em Dallas, nos Estados Unidos, onde os moradores do
bairro de Oak Cliff encontraram uma maneira de potencializar a experiência do
bairro e tornar as ruas mais vivas, através de intervenções colaborativas entre
artistas, vizinhos e comerciantes locais. O projeto consiste em identificar uma rua e
as deficiências deste local, e assim, juntamente com a comunidade, propor uma
intervenção. O primeiro Better Block aconteceu em 2010, o plano era dar uso aos
locais de comércio abandonados, trabalhando com os proprietários para implantar
atividades temporárias e com isso foi possível constatar que existia uma demanda
local que podia tornar essa intervenção em algo permanente. Com o
desenvolvimento do projeto, foi possível ainda implantar uma ciclovia e fazer uso
das vagas de carro da rua para a criação de espaços de convivência. Por fim foram
instalados novo mobiliário urbano, iluminação e vegetação, criando um sentido de
lugar. Desde então a iniciativa propagou-se por todo o país, com projetos em
diversas cidades.
Essas ações se enquadram na ideia de “urbanismo tático” (PETRESCU, 2011), este
conceito consiste em criar estratégias que desenvolvam um sentido de comunidade
entre os habitantes/vizinhos de um determinado lugar. Tais estratégias se baseiam
em intervenções urbanas que permitem recriar a identificação com a cidade. 14 É o
“faça você mesmo” e é a partir de iniciativas como essas que aos poucos se
recompõe a imagem da cidade, proporcionando espaços saudáveis de interação
social.
Um acontecimento inerente a toda e qualquer cidade contemporânea é o chamado
“urbanismo cotidiano” (CRAWFORD, 1999) que consiste na prática do urbanismo de
forma empírica, favorecendo o uso de espaços públicos de uma maneira
alternativa, dando-lhe novos significados através dos indivíduos ou grupos que dele
se apropriam em diversos momentos do dia, de acordo com ritmo da vida
cotidiana. Esses espaços ganham um novo sentido através de ações efêmeras e se
tornam memoráveis pela importância dos eventos que ali ocorrem. Não é o
urbanismo de desenho formal e planos oficiais, trata-se do “olhar tático sobre a
11
LIPOVETSKY, 2004
12
Centro Aberto. Disponível em: <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/centro-aberto/>
13
Better Block. Disponível em: < http://betterblock.org/>
14
Tácticas Urbanas, disponível em: <http://www.plataformaurbana.cl/archive/2011/05/25/tacticas-
urbanas-1/>
9
ação transitória, pequena e particular ao contexto que se desenvolve nos espaços
ordinários da cidade, buscando novas possibilidades a partir da sua própria matéria
prima que são as atividades cotidianas.”15
Ainda em sintonia com este tema está o termo “urbanismo temporário”, introduzido
por Temel (2006) que abrange as intervenções em âmbito interativo, ou seja, a
difusão da arte pública ou instalações arquitetônicas que transformam o uso e
atribuem valor a um determinado espaço, produzindo um significado maior e mais
permanente na cidade, diferente de uma intervenção efêmera. Pela sua qualidade
tectônica, o processo de intervenção é mais duradouro e experimental. Portanto, o
urbanismo temporário atua também como alternativa ao planejamento urbano,
“onde atividades temporárias podem ocupar as brechas do planejamento, enquanto
se espera pela implementação dos planos, permitindo a pré-transformação do
espaço.”16
Um modelo interessante de apropriação do espaço a partir da arte, e também o
mais representativo desse segmento no país, é o Arte/Cidade, que se propõe a
discutir novas estratégias urbanas e artísticas de intervenção em megacidades. Em
quatro momentos, o evento aconteceu entre 1994 e 2002 em São Paulo, partindo
de uma iniciativa institucional e coordenado pelo filósofo Nelson Brissac Peixoto 17,
quando arquitetos e artistas puderam então realizar intervenções onde se colocava
em questão a percepção do espaço. As intervenções, em sua maioria, estavam
comprometidas com técnicas escultóricas em grande escala e a percepção
fenomenológica de objetos colocados no espaço, mas a característica, talvez mais
interessante deste evento, foi a apropriação de estruturas arquitetônicas existentes
para a disseminação da arte. Uma espécie de crítica à ideia dos megamuseus, que
são exclusivamente projetados para a apreciação da arte, ao mesmo tempo em que
a própria cidade oferece diversos espaços vazios para serem ocupados. Por isso, a
ideia do Arte/Cidade não era exatamente o uso da arte como ferramenta de
valorização do espaço, mas principalmente a de usar a cidade como instrumento de
valorização da arte. O evento ganhou muito destaque na época, principalmente
pela preocupação em revelar novos espaços na cidade, atuando em locais de
transição, como também por ter sido promovido e idealizado no interior de uma
secretaria de Estado da Cultura em um momento de crise de instituições públicas,
após o governo Collor.
As relações com o lugar tornam-se um componente indissociável da obra de
arte. Essa nova experiência estética substitui a contemplação de objetos
autônomos deslocados do contexto por uma colocação em situação. Uma
radical alteração na questão da percepção, que passa a pressupor um
15
SANSÃO, Adriana. Intervenções temporárias e marcas permanentes na cidade
contemporânea. arquiteturarevista. Vol. 8, n. 1. 2012. p 33-34.
16
Idem. p. 34-36
17
Nelson Brissac. Filósofo, trabalha com questões relativas à arte e ao urbanismo. Autor de diversos
livros entre eles A sedução da barbárie, Ed. Brasiliense, 1982, Paisagens Urbanas, Ed. Senac 1995,
Ate/Cidade – Intervenções Urbanas, Ed. Senac, 2002. Dedica-se também a pesquisas sobre dinâmicas
territoriais na região sudeste do Brasil e as relações entre arte e indústria.
10
observador inserido no espaço engendrado pela obra. A obra como objeto se
dilui diante da utilização do lugar como forma de experiência estética.18
4. Aproximações
Em São Bernardo, com uma câmera na mão, saí em busca de vazios, de espaços
ausentes. Considero indispensável estabelecer contato físico com a cidade e sentir
as suas características.
Por meio da escrita e inspirada pelos relatos de Marco Polo em As Cidades
Invisíveis, tentarei descrever os espaços invisíveis da minha cidade. Estes que
passam despercebidos pelos olhos de seus próprios habitantes. Intangíveis e
desconectados, são espaços que vêem sem serem vistos. Para conhecer estes
espaços faremos um pequeno trajeto a pé, percorrendo uma avenida que reúne
diversos momentos e, principalmente, alguns espaços invisíveis ao longo de sua
extensão. Descobrindo a pé a cidade do carro e narrando percursos como quem
quer contar sobre uma cidade que acaba de visitar pela primeira vez.
A rotatória
Acessar a rotatória não é uma tarefa fácil, existe apenas um ponto em volta do
gigante verde onde se pode atravessar a rua com mais tranquilidade para
poder chegar a ela. Ao cruzar as três pistas, encontramos um ambiente
solitário, onde a grama permanece intocada e as árvores centenárias fazem
sombra de dia. Voltado para a mais larga das avenidas que a circundam existe
um totem de granito preto, gravado de forma ilegível o nome da praça. De
tarde é possível ver algumas pessoas andando por ali, o pessoal da caminhada
que atravessa sem demora a rotatória, pra acessar a avenida e continuar o
“treino”. Agora imaginem essa praça oval, cortada por um viaduto. Mas um
viaduto baixo, que desaparece entre as árvores, principalmente de noite. O
cenário corresponde ao modelo de qualquer baixio de viaduto nas cidades
brasileiras, onde a superfície é revestida de paralelepípedos dispostos de tal
maneira a fim de, supostamente, impedir que moradores de rua se hospedem
ali. Bom, volta e meia eles passam por ali, mas não têm presença marcada no
local. Sob o viaduto ecoam os sons dos carros que circulam a rotatória em
baixa velocidade e descubro a presença de um ponto de ônibus, onde três
pessoas se misturam ao mar de pedras. Ao sair do coberto as atmosferas se
misturam e é como sair de uma caverna e entrar em contato com a natureza
intacta, sentindo novamente o calor do sol na pele, passando entre as folhas
18
BRISSAC, 2002, p.18.
11
das árvores. Ao completar o diâmetro da praça, estampado em um dos taludes
que sustentam o viaduto, um tímido cartaz diz “espaço destinado a poesia”.
O pavilhão
Um lugar que parou no tempo. Peço licença na guarita para tirar algumas fotos
e sou advertida de que tivesse cuidado, pois “ali ninguém entra há muito
tempo, e só tem pulgas”. Bem, as pulgas eu não vi, mas vi muitas pombas e
até mesmo um filhote delas, o que foi uma grande surpresa, pois nunca tinha
visto um filhote de pomba, que mal sabia voar e se assustou quando eu invadi
o seu território.
Antes de chegar a parte abandonada do conjunto, visualizo o grande pavilhão,
que está sendo preparado para a próxima feira, acho que tem a ver com
noivas. Desisto de dar uma volta pelo espaço diante do olhar curioso dos
trabalhadores do local e vou direto para a área abandonada. O chão, até então
asfaltado, agora é só terra e pedriscos. O sol parece estar próximo, refletindo
a brancura inerte dos pequenos pavilhões, ao caminhar a poeira sobe e os
olhares me perseguem, até que entro em um deles. Pisos de cerâmica
empilhados, sacos de areia e dezenas de pallets, a escrivaninha de madeira
parece ter sido arremessada ali dentro junto às esquadrias e aos restos de
madeira velha. Não sei quando o pavilhão se transformou em um grande
depósito de entulhos. Diante das aberturas opostas o vento corre ali dentro,
carregando aquela sensação característica de uma obra não acabada, um ar
pesado. As quatro paredes em alvenaria armada preservam o aspecto natural
do tijolo de concreto, mas o ambiente é marrom, marcado talvez pelo reflexo
do chão de terra vermelha em que todos estes elementos repousam. A forma
trapezoidal do edifício é espelhada no segundo pavilhão.
Entre um pavilhão e outro existe um plano baixo e uma pequena ponte de
madeira deteriorada para atravessar este pequeno vão, penso que viria a ser
uma espécie de espelho d’agua, seria bonito se estivesse funcionando. Do
outro lado, o segundo pavilhão é uma versão menor do primeiro. Sem
aberturas, a não ser a única porta que se mantém aberta, este é
completamente escuro e gelado, o cheiro é o mesmo de uma garagem de
subsolo e por algum motivo ali dentro o nível é mais baixo, é preciso descer
uma pequena escada para sentir-se no espaço, mas penso que talvez não seja
uma boa ideia fazê-lo. A praça que envolve o conjunto é formada por dois
níveis de piso e a grama se confunde com a terra. Nesse ponto vejo o encontro
de uma rua calma e arborizada com uma das avenidas mais movimentadas da
cidade e logo à frente ergue-se uma igreja alta de forma peculiar, uma espécie
triangular com vitrais azuis, que se destaca no céu sem nuvens. As pessoas
que por ali caminham, acostumadas com a quietude do lugar nem notaram a
minha presença, talvez pela atual fachada de grades, que aprisionam o
pequeno conjunto abandonado.
12
Passo novamente pela guarita e agradeço ao vigia, estamos novamente na
avenida. Sigo pela mesma calçada, em direção ao centro da cidade, o cenário é
o mesmo. Existem duas opções para chegar ao centro, podemos seguir pelo
viaduto até chegar a cota mais baixa da cidade, onde está o paço municipal,
ou acessar a escadaria e descer. Vamos pela escada.
Sob o viaduto
Antes de descer, o que me chama atenção é uma criança que brinca sozinha
naquele ambiente desfavorável e então percebo que é a filha da dona do
carrinho de cachorro quente que fica ali, aceno e desço os 40 degraus que
conectam a parte alta e a parte baixa, o semáforo de pedestre abre lá embaixo
e cruzo com diversas pessoas no caminho. Nesse ponto as avenidas convergem
o fluxo de quem vem de diversas regiões da cidade, as paradas de ônibus
estão cheias. Fico na beirada da escada, que agora sobe. À frente, nas largas
faixas de pedestres, cada indivíduo caminha em seu próprio ritmo,
compartilhando caminhos e misturando-se aos ambulantes que ficam sob o
viaduto. Estes são personagens fixos no cenário, que casualmente são
procurados quando alguém está tempo demais a esperar no ponto e precisa de
uma água ou um chocolate, já que não se vende mais passe de ônibus. Entre
uma pista e outra os espaços são generosos, os percursos não acompanham o
desenho do piso, por isso a terra batida. Cartazes lambe-lambe de todos os
tipos se sobrepõem, colados nas colunas do viaduto que se inclina ao encontro
do paço. À direita, no baixio que acompanha o desnível ao lado da escadaria,
os paralelepípedos repousam uniformemente em uma inclinação perfeita para
se estirar, imagino como seria interessante ocupar aquele vazio com pequenas
plataformas, onde eu realmente pudesse me estirar e talvez até mesmo
escutar o burburinho incessante das pessoas que ali esperam os seu s ônibus
passarem. Imaginando como as coisas podiam ser diferentes.
Entre tantos percursos, este foi o primeiro a me colocar em contato com
alguns espaços esquecidos na cidade, ainda que existam muitos outros a
serem descobertos e imaginados.
[...]
E, a partir de todas as discussões expressas neste trabalho e o envolvimento maior
com os espaços da minha cidade, apresento como objeto dessas reflexões uma
composição entre o espaço construído e diversas propostas de disposições
espaciais.
13
Figura 3. Rotatória. Fonte: Autoria Própria
14
Figura 5. Viaduto. Fonte: Autoria Própria
5. Considerações Finais
Este ensaio não é sobre os fins e nem sobre os começos, são os meios. O
processo, por assim dizer. Este trabalho reuniu algumas reflexões muito breves
sobre os pensamentos que me rodeiam e de como as ideias aparecem para
mim até o momento. Os propósitos deste trabalho foram construídos durante a
pesquisa, feitos, refeitos e descobertos dentro dos limites de tempo que me foi
possível fazê-lo. Concretizar pensamentos nunca foi tarefa fácil, mas motivada
pelo ritmo intenso do trabalho, tudo pareceu clarear-se à medida que me
esforçava para exteriorizar minhas observações. Sempre achei a escrita um
exercício fantástico, ainda que eu reconheça a necessidade de me aprimorar
com a organização das palavras.
A contemplação é, para mim, o aspecto mais interessante da arquitetura, pois
é o momento em que os conceitos propostos, então materializados, ganham
sentido e dimensão no espaço, criando atmosferas. Como diria Paulo Mendes
da Rocha é o “seduzir a ponto de parar e ficar”, e o arquiteto é a figura que
idealizará estes espaços, que por sua vez provocarão sentimentos e
consolidarão identidades. Acredito que a compreensão dessa perspectiva
sempre me trará um campo de alternativas para atuar na cidade e, em algum
momento, isso se revelará através de projetos. Estamos vivenciando novas
descobertas que indicam profundas mudanças na configuração da sociedade no
que diz respeito às formas de vida e consequentemente à reformulação de
espaços. No momento, compreendo que a intervenção seja o caminho mais
coerente para a reconquista do espaço público nas cidades, espaços estes que
materializam os desejos de uma sociedade que está começando a redescobrir o
valor da rua. A intervenção é o processo. Criam-se alternativas ao tecido
urbano consolidado, promovendo novos olhares aos lugares esquecidos.
Formam-se diversas imagens de uma mesma cidade que assiste a arquitetura
se transformar.
15
Já é hora de outros protagonistas pensarem e projetarem a cidade de
modo que, perante a dominante cidade especulativa e segregadora sejam
incorporados pontos de vistas plurais que possam reinventar a cidade
humana.19
É por isso que defendo a democratização da arquitetura.
E que o primeiro passo seja através de intervenções urbanas.
Referências
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Books, 2013.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Gustavo Gili, 2009.
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Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.
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2011.
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2011. Disponível em:
<http://www.mackenzie.br/dhtm/seer/index.php/cpgau/article/view/Cle
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MAGNAVITA, Pasqualino Romano. Inflexão teoria da arquitetura,
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SOUZA, Gabriel G. E. de. Experimentalismo e estratégia: o projeto
Arte/Cidade e a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo .
2007. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2007/SOUZA,%20Gabriel%20G
irnos%20Elias%20de.pdf> Acesso em 25 de set. 2014.
19
MONTANER, p.127, 2014
16
SANSÃO, Adriana. Intervenções temporárias e marcas
permanentes na cidade contemporânea. arquiteturarevista.
Unisinos, vol. 8, n.1, jan/ jun 2012. p 31-48.
17
RBZU 150 314 3
Abstract. The need to study the urban phenomenon in Conjunto Anchieta and set it to
propose an intervention may help to better understand how people construct the
image of a place, and how this image becomes so strong that ends up materializing
physically, which ends by changing its use. Five authors were chosen as references for
the study and understanding of the site. So I believe that an intervention leverages its
original use and propose new modes of sociability in this area which is of great
importance to the city of São Bernardo do Campo.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2. A História
A história do Conjunto Anchieta começa bem antes dos anos 60 e de sua construção.
A partir da década de 40 e 50 indústrias automobilísticas começam a se instalar na
cidade e criar uma atmosfera mais urbana para uma cidade até então com
características rurais. O centro da cidade onde está situado o Conjunto Anchieta hoje,
deve seu desenvolvimento nos anos 50 à essas industrias e a construção da nova
prefeitura em 1955.
Em 1961 O empresário Jorge Haad Skaf visando aumentar o comércio dessa região
importante de São Bernardo encomenda o projeto do Conjunto Anchieta. O projeto
original visava 3 andares comerciais e uma torre residencial de 10 andares, mas os
planos foram suspensos no meio da construção em1964 devido ao golpe militar. Não
só a economia do país tinha sido afetada, impossibilitando o progresso da construção,
mas também o ABC sempre foi uma região muito ativa politicamente devido aos
sindicalistas das indústrias automobilísticas e os alunos da faculdade FEI. Desde então
2
o conjunto Anchieta mantém as marcas de 1964 tendo na maioria de seus andares,
projetos de residências sem terminar.
O comércio nesta região da cidade sempre foi bem escasso, tendo 25 lojas
funcionando em seus 3 andares, e as reformas sendo pagas pelos próprios
comerciantes que lá estão desde que abriram-se as portas do edifício na década de 60
e 70. Apesar de ser um terreno muito privilegiado, sendo perto das duas estações de
ônibus mais importantes de São Bernardo, e perto também da Prefeitura, o Conjunto
tem um histórico do convívio com o tráfico de drogas, prostituição e a presença de
mendigos que fazem com que as pessoas evitem passar por ali.
Ainda que o comércio de eletrônicos do conjunto Anchieta sobreviva graças a presença
e hábitos de seus fiéis clientes, há muito mais para ser explorado neste lugar, do
ponto de vista do uso do edifício, e os comerciantes da região tem grande interesse
em revitalizar esta área de suma importância para a cidade.
3. Os Autores
Os autores escolhidos para a pesquisa de referência foram me ocorrendo conforme o
trabalho foi se desenvolvendo. O primeiro a ser trabalhado foi Gaston Bachelard e sua
afinidade com a imagem poética e a memória do espaço. Juhani Pallasmaa é essencial
como arquiteto que faz esta ligação entre a poética e filosofia e o espaço construído.
Já Zumthor e Hertzberger vieram como um apoio de arquitetos que propõem a
reflexão sobre a arquitetura e as sensações que ocorrem nos espaços. Steven Holl em
sua obra nos revela como a arquitetura está completamente envolvida com
fenomenologia, fazendo uma ponte entre o pensamento teórico e a prática da
arquitetura. Fazendo ligações entre estes autores pude defini-los como essencial para
minha pesquisa para poder entender como o espaço e a leitura dos livros alteravam
minha percepção do espaço físico e o não físico.
4. Gaston Bachelard
Para poder entender as relações sensíveis que podem ser desencadeadas a partir do
convívio e observação de um espaço construído, procedeu-se a leitura do livro “A
poética do espaço” (2012) de Gaston Bachelard.
Através de relações fenomenológicas o autor, fazendo associações entre as descrições
literárias e as sensações, reflete como o indivíduo se sensibiliza pelo espaço e cria
vínculos sentimentais com o espaço. A casa deixa de ser espaço meramente físico, e
acaba por ganhar um atributo virtual, onde todo o ser sentimental se abriga. Aquele
que habita o espaço é sensibilizado por ele, e o espaço delimita as fronteiras sensíveis,
fazendo com que a pessoa que habite o espaço viva a casa, ou abrigo em sua
totalidade.
Compreendido dentro deste espaço virtual, o abrigo ganha um valor onírico que é
criado pelo seu habitante ou pelo ser sensível, poeta. Pode assim se dizer, que ele
nunca possui uma visão imparcial deste espaço. Ele, como ser que pensa e sonha com
esse lugar, sempre tem a visão abalada por suas emoções e revelam a esse lugar,
através de sua literatura, uma visão completamente parcial desse campo onírico em
que o abrigo está conectado.
Por isso pode ser muitas vezes difícil explicar um ambiente, ou espaço construído,
meramente através de literatura, ou poesia, pois antes de tudo este recurso “verbal”
oferece uma visão em primeira pessoa de quem viveu o espaço.
“As grandes imagens têm ao mesmo tempo uma história e uma pré-história. São sempre
lembrança e lenda ao mesmo tempo. Nunca se vive a imagem em primeira instância. Toda
grande imagem tem um fundo onírico insondável e é sobre esse fundo onírico que o passado
pessoal coloca cores particulares. ” (BACHELARD, 2012, p.50)
3
experiência singular e menos influenciada por fontes externas. Na mesma linha de
pensamento em que somente a literatura não define o espaço como ele é, em termos
objetivos, ele nos mostra apenas como o espaço é em relação ao autor, também não é
apenas o texto o único recurso para traduzir toda a experiência sensível que pode
ocorrer quando se vive o espaço. Além disso, não se pode esquecer que, cada vez que
se vivencia um espaço, cria-se uma nova percepção sobre ele e o conceito. O
significado do espaço se transforma.
“Casa, aba da pradaria, ó luz da tarde, de súbito adquires uma face quase humana. Estás perto
de nós, abraçando, abraçados. ” (RILKE apud BACHELARD, 2012, p. 27)
Após criado uma relação de memória com o espaço ou partes dele, o indivíduo se
torna mais seguro em relação à sua conexão com ele; ele pode se encerrar nesse
espaço, em sua solidão. Desse modo o espaço construído se torna a proteção dele
contra o exterior, o lugar se torna uma imagem materna com a qual ele cria uma
relação muito forte, de dependência, de intimidade, de afeto.
5. Juhani Pallasmaa
Autor de “Os olhos da pele” (2012), Juhani Pallasmaa descreve como o processo de
percepção de um espaço e sua concepção projetual vai muito além da visão. Em seu
primeiro livro, ele descreve com detalhes como sentimos o edifício, suas formas e
como isso nos influencia no ato projetual.
Em seu livro “As mãos inteligentes” (2013), ele discute o papel das mãos, importantes
no oficio da produção, do projeto de arquitetura, acrescentando também a ação delas
quando percebemos um espaço. O toque, a textura, as sensações de temperatura; de
dimensão e volume em relação ao corpo, tudo isso participa da formação de um
repertório que acaba sendo resultante das percepções advindas de todos nossos
sentidos. Segundo o autor não é apenas o ato de vermos o edifício que nos faz
compreendê-lo; o sentir, o vivenciar também fazem parte da nossa construção mental
sobre o fenômeno arquitetônico. Em uma passagem do livro ele explica como
sentimos o edifício e percebemos não apenas uma única face, mas o seu volume por
completo, como se nada fosse segmentado. Usa, para esta consideração, uma
aproximação com a obra do escultor Henry Moore.
Também é evidente que um fator emocional e estético, além da identificação pessoal
corporalizada, é tão essencial à criatividade cientifica quando à produção e
experimentação da arte. Henry Moore, um dos maiores escultores da era moderna,
enfatiza a identificação corporal e o entendimento simultâneo de vários pontos de
vistana obra de um escultor:
“[O escultor] deve se esforçar continuamente para pensar e usar a forma em sua absoluta
totalidade espacial. É como se ele pegasse a forma sólida dentro de sua cabeça - ele pensa
nela, não importa seu tamanho, como se estivesse segurando-a totalmente napalma de sua
mão. Ele visualiza mentalmente uma forma complexa em todos os seus lados; ele sabe, ao
olhar de um lado, como é o outro; ele se identifica com seu centro de gravidade, sua massa,
seu peso; ele percebe o volume e o espaço que a forma desloca no ar.” (PALLASMAA, 2013, p.
19)
Pallasmaa nos convida a refletir sobre como a compreensão do espaço como um todo
é importante. Não apenas uma fachada, deve-se pensar o edifício como uma forma
continua, como uma massa no espaço. Pensando desta forma, parece ser iminente a
criação de maquetes e modelos de estudo para a compreensão de um projeto e seu
espaço construído como um todo. A representação bidimensional já não dá conta de
transmitir as sensações imaginadas e agora as mãos se tornam a imaginação
materializada. Elas transformam em matéria física o que a mente imagina em um
mundo onírico.
4
Considere como Moore decidiu mostrar suas mãos. Elas não estão nem em repouso nem em
movimento; elas não seguram nenhuma ferramenta, portanto, não desenham ou esculpem. Ao
invés disso, elas são pegas em poses que convocam dois aspectos distintos do projeto de Moore
como um artista. Ver e sentir - a diferença entre o que os registros dos olhos e os dos dedos
percebem - ambos emergem como fatos corporais imediatos. Isso ocorre porque as obras de
Moore declaram que as mãos do escultor conferem tato para a vista. Os resultados radicais são
um tema que organizam a obra Ideias para escultura conforme mostramos. Mas mais do que
isso, os desenhos de Moore mostrando suas mãos deixam claro não só que o artista pretende
comunicar admiração e surpresa com ao seu próprio feito, mas também que ele pede aos
espectadores que experimentem semelhante sensação. “Aqui estão minhas mãos ‘, diz o autor
referindo-se a cada imagem, “presente e palpável; esses são os meios que me fizeram o artista
que sou. Usando-os – e apenas com eles- eu desenvolvi o corpo do meu trabalho. Eu penso que
eles são realmente, o meu trabalho. (WAGNER,2010, p. 91, tradução livre do autor do
trabalho).
6. Herman Hertzberger
Herman Hertzberger inicia seu livro “Lições de Arquitetura” explorando o sentido das
palavras “público” e “privado”, e explicando seu significado mais abrangente, convoca
o tradicional clichê para associa-los aos adjetivos coletivo e individual. Ao invés de se
atentar apenas a essas duas explicações para demarcações espaciais, o autor vai além
em seu livro, mostrando as gradações entre essas duas situações de uso que podem
inaugurar uma arquitetura nova.
O autor explica as demarcações territoriais e nossas relações com elas, por exemplo,
os “limites espaciais” (ou melhor, a ideia destes limites) que nós criamos só fazem
sentido se fizerem fronteira com algo de diferente valor, que crie alguma relação de
diferenciação. Um lugar só é entendido como público se o lugar próximo a ele for
privado; se ambos forem públicos, podem ser considerados como apenas uma única
5
extensão de espaço. As demarcações territoriais explicadas por Hertzberger
Hertzberger só valem se forem comparadas a outras demarcações diferentes.
“O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em comparação com a sala de estar e a
cozinha da casa em que mora...Numa escola, cada sala de aula é privada em comparação ao
hall comunitário. Este hall, por sua vez, é, como a escola em sua totalidade, privado em
comparação com a rua. ” (HERTZBERGER, 2012, p. 14)
Seguindo este pensamento, ele nos explica como as demarcações apenas de “publico”
e “privado” são na verdade inúteis, pois algo só relacionado à instância de privado ou
de público em relação a outro espaço, também simplesmente catalogado como público
ou privado, limita sua apreensão. Além disso, as zonas consideradas semiprivadas e
semipúblicas tem sentidos muito ambíguos para serem zonas intermediarias entre
essas duas gradações.
Hertzberger usa como exemplo dessamultiplicidade de gradações, as percepções,usos
e relações que podemos ter na BibliotecaNacional de Paris.A biblioteca pode ser usada
por qualquer cidadão, logo ela tem um caráter público. No entanto quando uma
pessoa começa a usar a mesa de trabalho para estudo e começa a se apossar deste
espaço, ele se torna relativamente privado e pessoal, mesmo ela sendo um objeto de
uso comum.
A mesa de estudo é citada diversas vezes como a expressão do seu usuário, que a
torna privada por um determinado período de tempo; não podemos ver claramente
como essas relações mudam umas em comparação a outras. O posto de trabalho tem
caráter público, assim como a biblioteca, mas no momento em que está sendo usado
por uma pessoa, ele passa a ter um caráter privado e pessoal, mesmo sendo
essencialmente de uso comum dos usuários da biblioteca.
Discutindo as gradações que podem ocorrem em diversos ambientes, Hertzberger
mostra alguns mapas (Figura 2) da escola Montessori, nos quais áreas de acesso
específico, podem ocorrer divisões de responsabilidades. O autor afirma que na
elaboração da planta essa diferenciação de responsabilidade pode ser intensificada ou
atenuada de acordo com a vontade do projetista.
Define, portanto, que a responsabilidade por cada área projetada é muitas vezes de
quem insere seus objetos, suas referências pessoais no local, ou, em outras palavras,
quem organiza a área para um uso específico. As pessoas que usam o local podem
zelar por ele colocando vasos, suas próprias cores ou objetos de estimação para se
sentirem mais pertencentes ao espaço. Porém, o autor explica que não apenas a
forma do espaço construído deva convidar o usuário a organiza-lo, mas também a
estrutura social, (do grupo do qual o indivíduo se constitui enquanto membro) deve
reconhecer esse tipo de responsabilidade, onde a pessoa que o utiliza pode qualificar o
espaço com sua expressão pessoal, colocando nele seus objetos próprios, e revelando
nele sua forma de utilizá-lo.
“É preciso algo mais para que isso aconteça: para começar, a própria forma do espaço deve
oferecer a oportunidade, incluindo os acessórios básicos, etc., para que os usuários preencham
os espaços de acordo com suas necessidades e desejos pessoais. Mas, além disso, é essencial
que a liberdade de tomar iniciativas pessoais esteja presente na estrutura organizacional da
instituição, e este aspecto tem consequências muito maiores do que se pode pensar à primeira
vista.” (HERTZBERGER, 2012, p. 24)
6
Figura 2 – Diagramas da Escola Montessori em Delft
7
vivo no seu contexto. Por exemplo, as calçadas levantadas em Buenos Aires (Figura
3), um tipo de solução arquitetônica no espaço público, mesmo que não intencional
(parece-nos que foi um recurso para nivelar o piso das duas ruas da esquina), além de
servir como uma passagem para os pedestres, acaba servindo como um banco onde
os cidadãos podem esperar e até mesmo criar um tipo de sociabilidade muito
interessante.
Discutindo sobre a forma convidativa, Hertzberger coloca uma consideração em
questão; qual a finalidade de ser projetar um espaço como este? Que tipo de função
esse objeto pode possuir, tendo como consequência a noção, o tamanho deste espaço.
Pensando assim, quanto maior o espaço, maior as possibilidades de ser ocupado;
sabemos que isso não é possível, já que isto implicaria em projetar os espaços de
maiores dimensões possíveis, para torna-los ainda mais controladores.
“Numa cozinha grande demais, temos de procurar e carregar as coisas mais do que o
estritamente necessário. É simplesmente uma questão de comodidade, de ter à mão tudo de
que se necessita. ” (HERTZBERGER, 2012, p. 190)
Ponderando seus usos e atividades, o autor explica que cada área projetada necessita
de uma área diferente que condiz com sua finalidade. Explica que a maioria dos
arquitetos quando não se atentam a essas regras de usos, acabam por projetar
espaços grandes demais, onde perdemos a sensação da escala, e desperdiçando um
grande potencial que o espaço pode oferecer.
Nas figuras 4 e 5, Hertzberger explica como um espaço comum pode ser tratado. A
primeira é uma pintura de Van Gogh (De Aardappeleters, 1885) , onde se mostra um
círculo de pessoas apertadas em uma mesa, evidenciando a unidade que a disposição
de seus corpos, ao redor do apoio comum, cria neste espaço; a segunda é uma
fotografia de um lar de idosos, onde ao invés de colocar bancos pertos das janelas,
como é comum em alas dos hospitais, o autor propôs outra espacialidade, e acaba
criando um espaço de convivência com uma mesa, estimulando um contato incomum
entre os usuários do local.
7. Peter Zumthor
O autor inicia a discussão em seu livro Atmosferas (2009), justificando seu título e seu
profundo interesse em buscar qualidade na sua própria produção arquitetônica.
8
Zumthor explica este conceito sobre qualidade, segundo o qual esta é atingida ou está
presente quando se é tocado por uma obra, e então o arquiteto se indaga porque
algumas obras nos "tocam" e o que faz delas resultar em experiências tão
subjetivamente especiais.
"A atmosfera comunica com a nossa percepção emocional, isto é, a percepção que funciona de
forma instintiva e que o ser humano possui para sobreviver. Há situações em que não podemos
perder tempo a pensar se gostamos ou não de alguma coisa, se devemos ou não saltar e fugir.
Existe algo em nós que comunica imediatamente conosco."(ZUMTHOR, 2009, p. 13)
"Escala diatônica radical, escalada rítmica poderosa e diferenciada, evidência da linha melódica,
clareza e rudeza das harmonias, um radiar cortante das tonalidades, por fim a simplicidade e
transparência do tecido musical e a solidez da construção. ” (BOUCOURECHLIEV, apud
ZUMTHOR, 2009, p. 19, 21)
Ainda discutindo sobre como a música pode também nos estimular, e sua relação com
o projeto arquitetônico, o autor afirma que é possível ver claramente os
procedimentos, e ferramentas para criar a música também na arquitetura.
Destacando seu interesse por essa questão, Zumthor discorre sobre nove
procedimentos projetuais para explicar como tenta criar as atmosferas em suas casas
e projetos.
Para nos apresentar as nove atmosferas, Zumthor começa discorrendo sobre o corpo
da arquitetura. Na passagem apresentada a seguir, o arquiteto discute como a
9
presença do material na arquitetura é de suma importância em seu processo
projetual.
“O que considero o primeiro e maior segredo da arquitetura, é que consegue juntar as coisas do
mundo, os materiais do mundo e criar este espaço. ” (ZUMTHOR, 2009, p. 23)
Comparando a arquitetura com o corpo humano e sua anatomia, assim como temos a
pele e tudo que é preenchido, ou seja, o material de fora, a casca, e o interior, tanto
na estrutura humana como na construção todos os elementos são tão essenciais
quanto o que se apresenta no exterior. A partir desta analogia o arquiteto pensa
também em corpo físico, não só com a ideia de comparação, mas usando o corpo
como algo que se pode tocar como uma membrana.
Prosseguindo na discussão sobre os materiais, o autor nos explica como a consonância
de materiais é importantíssimo aliado na escolha destes. Esclarece como no processo
de criação existe primeiro a ideia e depois a criação física; e imagina como os
materiais podem se combinar e reagirem uns em relação aos outros num espaço, e as
reações e atmosferas que podemos criar através dessa escolha consciente.
“Materiais soam em conjunto e irradiam, e é desta composição que nasce algo único. Os
materiais são infinitos -imaginem uma pedra que podem serrar, limar, furar, cortar e polir, e ela
será sempre diferente. ” (ZUMTHOR, 2009, p. 25)
Para ilustrar seu raciocínio, Zumthor usa como exemplo dessa escolha e combinação
de materiais seu projeto para a capela Bunder Klauss, e mais especificamente uma
maquete construída. A escolha consciente do chão de chumbo e as paredes de
concreto nos transmite certo tipo de atmosfera, o chão da capela molhada já a
transforma em um outro tipo de espaço que acaba refletindo a luz que entra pelo vão.
A escolha destes materiais e a forma como reagem uns com os outros, que também se
dá entre eles e os elementos da natureza, transformam um espaço físico e nos
transportam a novos mundos e assim gerando e nos fazendo experimentar novas
atmosferas.
O som do espaço, outra das atmosferas descritas por Zumthor, nos convida a explorar
um sentido muitas vezes esquecido na arquitetura; a audição. O autor nos conduz
para uma jornada em sua infância, ao lembrar ele do bater de panelas na cozinha que
indicava que sua mãe estava por perto; este era um som que o fazia sentir-se seguro
e que ficou marcado em sua memória. Segundo ele, não mais ouvimos os sons dos
espaços, e os arquitetos não imaginam o espaço com o sentido da audição.
Zumthor nos convida a imaginar um edifício sem som nenhum, tirando todas suas
influências externas e discute como também o silêncio ativa esse sentido e tem um
grande poder de nos comover.
"Acho que edifícios soam sempre. Soam também sem emoção. Não sei o que é. Se calhar é o
vento ou qualquer coisa assim. Só se repara nisto quando se entra numa sala sem ressonância,
de que é diferente. É bonito! Acho muito bonito construir um edifício e pensá-lo a partir do
silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que hoje em dia é bastante difícil, porque nosso mundo é tão
barulhento." (ZUMTHOR, 2009, p. 31)
A quarta atmosfera escolhida por ele trata da temperatura do espaço. O autor, quando
aborda a temperatura de um ambiente usa a palavra ‘ temperar’, que seria a
combinação de elementos frios e quentes para a criação projetual. Explica como a
madeira pode ser quente e o aço frio. Comenta que o sentir a temperatura do local
não se dá apenas no tato, no sentir na pele esta diferença de temperatura, e sim
também com os pés e o que nós podemos ver em um ambiente.
Citando como exemplo o Pavilhão da Suíça em Hannover, onde o uso perspicaz da
madeira nos ambientes criava uma temperatura diferente, Zumthor nos permite
perceber como este recurso conferiu uma nova atmosfera ao local.
10
“Para a execução do Pavilhão da Suíça em Hânover,utilizamos muita, muita madeira, muitas
vigas de madeira. E quando havia calor, estava fresco neste pavilhão como numa floresta,
quando fazia frio, havia mais calor lá dentro do que lá fora, mesmo não estando fechado. ”
(ZUMTHOR, 2009, p. 35)
As coisas que me rodeiam é a quinta atmosfera escolhida por Zumthor, e através dela
ele explica como fica impressionado sempre que entra em um espaço novo, habitado
por pessoas, e por seus pertences. Questionando- se se a arquitetura tem como tarefa
a criação de um espaço para receber todos os pormenores de cada usuário, defende a
ideia de que entrarão novos elementos em seu edifício depois de pronto, e que, apesar
de não saber quais serão, ele está ciente de que o projeto será habitado e isso deve se
refletir em sua estratégia projetual.
Entre a serenidade e a sedução é o sexto ponto discutido por Zumthor. Apresenta-nos
esta atmosfera a partir do seu projeto das termas, onde tentou criar um espaço livre,
explorando a ideia de um edifício sedutor que leva o usuário a descobrir cada nova
sala, ou corredor, mas sem criar um labirinto.
"A arquitetura é certamente uma arte espacial, é o que se diz, mas a arquitetura também é
uma arte temporal. Não a vivo apenas num segundo. Nisto Wolfgang Rihm e eu somos da
mesma opinião, a arquitetura também é uma arte temporal, como a música o é. Ou seja,
imagino como nos movimentamos neste edifício, e aí vejo os pólos de tensão com os quais
gosto de trabalhar." (ZUMTHOR, 2009, p. 43)
"Marcamos posição. Observamos. Não sei se conseguem perceber a minha paixão, não é
voyeurismo, pelo contrário, tem tudo a ver com atmosfera. Lembre-se de Janela indiscreta de
Alfred Hitchcock. Um clássico. Aparece à janela iluminada aquela mulher no seu vestido
vermelho e não se sabe o que faz. No entanto: algo se vê!"” (ZUMTHOR, 2009, p. 49)
Os degraus da intimidade, como discute Zumthor, é uma atmosfera que não trata
apenas da escala num sentido mais frio e acadêmico da palavra. Os elementos desta
categoria falam da massa e do volume de uma obra, as relações de proximidade e
distância, e a discrepância entre elas.
O autor explica como o edifício por fora não deve revelar seu volume interior. Muitas
vezes uma massa espacial, um interior impressionante pode se revelar ao entrar por
um edifício que pode parecer desinteressante. Essa relação de peso é que cria a
atmosfera para Zumthor. O volume impressionante que pode ter um edifício por fora,
pode desaparecer ao entrarmos em seu interior e percebermos que ele é oco.
"Ou, como ouvi ontem, a Villa Rotonda de Andrea Palladio, uma coisa grande, monumental,
mas quando estou lá dentro, não me sinto intimidado, mas sim enaltecido. Se me permitem
11
utilizar essa palavra. O espaço em redor não me intimida, mas torna-me de alguma forma,
maior e deixa-me respirar mais livremente, não sei como denominar esta sensação, mas vocês
sabem o que quero dizer." (ZUMTHOR, 2009, p. 53, 55)
A última atmosfera que nos é apresenta o autor nos fala sobre A luz sobre as coisas.
Zumthor nos conduz a ver a luz e a sombra no espaço: onde elas se encontram, como
elas se comportam no espaço, e como são passageiras. Discute como no ato projetual
não pensamos linearmente como um engenheiro sobre onde devemos colocar cada
foco de luz, e sim como este pensamento está interligado desde o início da concepção
do projeto.
O autor pensa num edifício como um volume sólido sendo escavado pela luz, criando
os ambientes, como podemos deixar a luz entrar e criar seu próprio caminho. Discorre
também sobre como se escolhem os materiais para suas construções, e como a luz os
influencia.
"Uma das ideias preferidas é a seguinte: pensar o edifício primeiro como uma massa de
sombras e a seguir, como num processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade
infiltrar-se. Toda a gente faz isso porque é um processo lógico sem segredos. A segunda ideia
preferida é colocar os materiais e superfícies, propositadamente, à luz e observar como
reflectem. É necessário, portanto, escolher os materiais tendo presente o modo como reflectem
a luz e afiná-los."” (ZUMTHOR, 2009, p.61)
8. Steven Holl
12
expressivas. Aplicadas a contextos específicos, as cores primárias parecem muito
apagadas em superfícies foscas ou expostas à luz. Steven Holl frequentemente
justifica a luz exposta em virtude de algum tipo de luz e espaço interno especifico.
No Mexico e Minnesota, por exemplo, o amarelo e o laranja são as mesmas cores mas
representam aspectos diferentes em cada cidade sobre cada tipo de luz solar que
nelas incide. O Mexico, no entanto, parece muito mais vivo do que Minnesota. Sendo
assim, é preciso observar que mudando a percepção da cor sobre a luz muda-se
também a percepção do local inteiro.
O espirito perceptico e a força metafisicada arquitetura percebidos através de luz e
sombra, solido e não solido, cheios e vazios, são abordados por Steven Holl através de
exemplos como a intervenção de Robert Irwin e James Turrel, na cidade Californiana,
conhecida como Mendota Stoppages (1968-1970) a luz natural e suas variações
calibram a intensidade da arquitetura e assim das cidades.
Comparar New York e Los Angeles é pouco estimulante; como estas cidades se
diferem pela forma como se manifestam de dia e ànoite, da mesma forma como em
alguns paises situados em regiões mais setentrionais, se trabalha melhor à noite por
terem menos horas para fazê-lo durante o dia.
Isso também muda a perceção das cidades: as que estão mais ao norte do que as que
estão mais próximas ao Equador são lugares onde se trabalham de formas diferentes
e sobre intensidades solares e lunares também diferentes.
Segundo o autor, tempo fisico é o que sentimos na pele, que passa, o tempo de que
se contam as horas. O tempo imaterial é o que se passa dentro de nossas mentes,
num mundo onírico.
O filósofo e físico Henri Bergson(1859-1941, Paris) explorou a idéia de duração, fusão
e organização. Para ele, o tempo vivido (impossivel de ser contado porque é
qualitativo e ininterrupto) relacionava-se ao espaço, por ele denominado como
“combinação impura de tempo homogeneo”.
“The truth is we change without ceasing...there is no essential difference between passing from
one state to another and persisting in the same state. If the state which “remains the same” is
more varied than we think, [then] on the other hand the passing of one state to another
resembles—more than we imagine—a single state being prolonged: the transition is continuous.
Just because we close our eyes to the unceasing variation of every physical state, we are
obliged when the change has become so formidable as to force itself on our attention, to speak
as if a new state were placed alongside the previous one. Of this new state we assume that it
remains unvarying in its turn and so endlessly. ” (BERGSON, 2012, p. 165)
9. O Diário
Paralelamente à leitura das obras citadas neste trabalho, segui com uma pesquisa de
campo não convencional, já que os livros tratavam de vivências, memória e o
habitante no espaço e nortearam minha “coleta de dados”.
Durante todos os dias da pesquisa fiz visitas ao edifício, procurando novos caminhos
para abordá-lo e decifrá-lo, novas percepções e novos olhares para poder entender
suas reais necessidades.
A pesquisa de entorno, mapas e diagramas parecia-me muito fria e não se relacionava
com o indivíduo que ali habita. Além das visitas me propus a tirar fotos e registrar
cada momento que achava interessante e me dava uma nova ideia do que era o local.
As imagens eram comentadas como constatações sensíveis, fugazes, mais, ainda
assim, significativas e indicadoras de estados físicos e sensoriais daquela arquitetura.
Através deste relato pode-se ver como a percepção muda conforme a pesquisa vai
ficando mais extensa, e a progressão na leitura dos livros se extende.
13
De início já havia começado a fazer fotos do edifício, porém com um olhar menos
crítico e pensando que seriam fotos apenas para ilustrar o local, e não fotos de
sensações, texturas e dos próprios sentidos se materializando nas fotos. Com o passar
do semestre o meu olhar foi se modificando e as fotos apresentadas a seguir revelam
essa mudança.
Começando pela leitura de Gaston Bachelard e seu estudo da casa e a memória,
comecei a fazer caminhos diferentes que me evocassem novas lembranças e
sensações, diferentes daquelas usuais que já tinham se tornado automáticas ao passar
por lá. Ao fazer este novo caminho descobri uma nova vitalidade ocorrendo dentro do
edifício, com suas antigas lojas e entradas que muitas vezes davam para a rua
posterior.
Essa nova percepção me deu a entender que muitas vezes apenas a visão de fora, a
visita mais fria, sem poder vivenciar a natureza do local, não engloba todas suas
sensações e não diz muito sobre o edifício em questão.
Durante a leitura da produção literária de Pallaasma e minhas visitas me dei conta da
textura do Conjunto Anchieta.
A antiga pintura vermelha desbotada e as pichações. Parecia um local abandonado,
mas ainda haviam muitos comerciantes lá.
Este estudo das texturas fez com que me concentrasse em imagens fotográficas a
partir de uma escala menor, onde eu podia ver cada detalhe e abrir meus olhos para
como a “casca” de um edifício, sua pele, pode dizer sobre ele. Toda aquela desatenção
que os habitantes e visitantes da cidade dedicavam ao seu exterior dizia muito sobre
como as pessoas o viam, e, por conseguinte o ignoravam completamente.
Durante meus levantamentos fotográficos reparei numa arquitetura adaptativa. Como
se a necessidade das pessoas fizesse com que se criasse novos usos para
instrumentos antigos, ou se criassem espaços novos a partir dos antigos. Nessas
visitas me deparei com microcomércios instalados embaixo de suas rampas, e outra
loja instalada onde havia uma no passado.
Estas experiências me levaram a estabelecer relações com as reflexões sobre
arquitetura propostas em Lições de Arquitetura, obra em que Hertzberger demonstra
casos onde a arquitetura foi adaptada para novos usos e fez com que se criasse uma
nova vitalidade no local. Hertzberger mostra como por, através de iniciativas
imprevistas ou mesmo, acidentes, ou pensamento projetual, a arquitetura pode
potencializar diversas áreas “discretas” do espaço e fazer com que estas virem pontos
atrativos.
Fatores externos também influenciam ao criar uma construção mental sobre o local.
Durante uma das visitas começou a chover, assim tive de fazer um outro caminho que
nunca havia feito para poder me abrigar da chuva, o que fez com que eu passasse
pelo meio de uma loja.
Essa quebra de caminho, em outras palavras, “desvio”, ativa uma nova percepção
sobre o local que eu jamais havia tido. Fez-me vê-lo como um local mais permeável
do que havia imaginado da primeira vez.
Não o via mais como um volume maciço; conseguia ver seu interior e imaginei como
essa conexão entre sua alameda interior e a rua principal seria importante para a
criação de novos caminhos.
Outra forma de ativar meus sentidos foi visita-lo a noite.
A cidade inteira parecia se comportar de outra forma numa noite chuvosa, e o
Conjunto Anchieta não era diferente. Conseguia ver os postes iluminando suas
fachadas, e via como as sombras eram evitadas pelos pedestres. Suas paredes eram
refletidas no chão molhado e a superfície do piso parecia criar uma nova imagem dele.
O chão como espelho, e não mais elemento opaco fascinou-me. O uso das luzes
brancas e amarelas, esse conjunto todo era incrível.
Percebi a relação maior que há do edifício com a luz, e isto me fez pensar como
projetamos o espaço não apenas para a luz do dia, mas para a noite também.
14
Como Zumthor nos diz em Atmosferas, a luz que é projetada em cada material, e o
efeito desta característica nos traz diferentes sensações e evocam diferentes
memórias. A visita noturna do Conjunto Anchieta foi essencial para a minha
compreensão da importância de perceber como a luz (natural e artificial) incide sobre
o espaço arquitetônico.
10. O projeto
O terceiro andar do Conjunto Anchieta, onde existiu o Cinema serviu como a tela
branca perfeita para desenvolvermos o pensamento projetual sobre o local.
Light Pavillion de Lebbeus Woods (China, 2008) foi uma influência direta para a forma
de nos apropriarmos dele, onde a luz toma conta do local e infecta o espaço. Através
desse pensamento foram se desenvolvendo desenhos nos quais as pessoas criariam
caminhos e novas percepções sobre o Conjunto.
A intervenção de Lebbeus Woods e Christoph A. Kumpusch é dividida entre quatro
andares de um prédio em Chengdu construído pelo Arquiteto
Steven Holl. As colunas iluminam e atravessam os espaços vazios criando novas
estruturas e fazendo com que as pessoas que passem tenham sua percepção alterada
do edifício. De um prédio ortogonal e friamente calculado, ele passa a ser um espaço
de luz e que não segue “regras”.
15
Pensando assim o Conjunto Anchieta serviu como base para experimentações. Desta
natureza.
Nove percepções seriam criadas no local, através da produção de containers e de suas
associações e relações, cada uma delas criando sua visão para a cidade, cada filtro
mostrando uma parte da cidade de uma nova perspectiva.
Com esta intervenção pretende-se que o conjunto ganhe uma nova vida a partir do
momento em que a arquitetura nova se implantar e passr a criar novos modos de se
ver e pensar um local já existente.
Para acomodar todo esse universo de percepções que já deveriam existir pensou-se
num compartimento, um módulo onde tudo isso poderia ocorrer de forma livre
(espaço interior sem regras) e ao mesmo tempo contido (dentro de um módulo pré-
estabelecido). A ideia de contrapor liberdade e autonomia, com segurança e
contenção, para estar na gênese dos primeiros exemplos selecionados pelo
pesquisador. Wink Space é uma das experiências propostas pelos autores com
módulos de containers onde se criam grandes caleidoscópios.
As pessoas são convidadas a experimentar esse monóculo gigante, ao andar sobre ele
e percebem que, enquanto suas reflexões mudam isto também alimenta sua
percepção de novas nuances de luz, cor e até como seu corpo se comporta quando
refletido em uma superfície irregular.
Segundo as reações decorrentes destas experiências, observamos que usar containers
pareceu a solução mais correta para a finalidade escolhida: criar-se novas formas de
se perceber um espaço já construído.
Os desenhos iniciais que desenvolvemos para esta proposta projetavam a ideía de que
caminhos seriam feitos pelos habitantes e a percepção destes mudaria através da
passagem de pessoas e visitantes, pelos containers.
Após os esboços iniciais sobre como projetar “tipos de containers” no local, a ideía foi
se lapidando para que eu pudesse considerar abarcar todas as nove atmosferas
citadas por Zumthor, como um único fenômeno. Assim, foise criando mirantes que
evocassem as memórias das pessoas e sua relação com a cidade, ou melhor, sobre
lugares que se conectam ao Conjunto, o que remete às leituras de Bachelard (2012)
Steven Holl forneceu-nos sua contribuição na criação de espaços perceptivos que se
interligam através dos containers e denotam a passagem de uma percepção à outra,
de um sentido a outro.
Lebbeus Woods é uma forte referência em um sentido: o de apresentar uma
“arquitetura de guerrilha “, que se apodera e cria apêndices construidos, novos anexos
para novas percepções que serão experienciadas na arquitetura existente.
16
Figura 6 – Esboços do Light Pavillion
Espaço onde os materiais colidem, combinam e reagem entre si. A escolha consciente
de um ambiente cavernoso se transformar num interior de metal reflexivo visa evocar
memórias primordiais que vem do uso da pedra, até um momento mais recente com o
domínio do uso correto do metal.
Experimentando através do espaço, a pessoa é convidada a desviar das pedras, sentir
sua textura na parede e descobrir as diferentes escalas que ocorrem quando se
confina um espaço cavernoso num container.
Os sons da infância dão o tom destes containers. O indivíduo passa por imagens
borradas enquanto ouve ao fundo o som de crianças brincando. Quase como uma
visita a memórias antigas, essa intervenção tem a intenção de transformar o som do
espaço numa percepção da memória subjetiva.
As imagens projetadas estão fora de foco propositadamente, imaginando que a pessoa
está lembrando-se aos poucos do que acontece em sua mente.
17
Os pormenores de cada pessoa são o tom principal deste container. A vista muito
simples, apenas escrivaninhas e molduras sem foto, a pessoa é convidado a deixar
sua marca, algum objeto seu para que ele se sinta “dono” do local. A escrivaninha de
cada pessoa demonstra sua personalidade.
A arquitetura deve prever que quem a usa vai alterá-la para as suas necessidades e é
isso que este container quer fazer. As pessoas são donas de todo o espaço, eles são os
habitantes reais da arquitetura e para quem ela deve ser feita.
Um espaço primeiramente onde a luz cria a arquitetura, quase sólida, a abertura cria
um clima sereno convidando o usuário a descobrir de onde vem a fonte de luz. Um
espaço onde há apenas as paredes do container iluminados por uma força maior, que
vem do teto.
Seduzindo o indivíduo a sentir essa luz entrando sem controle, é um tipo de
intervenção que faz com que toda a percepção espacial de um container mude.
A única intervenção que passa por dentro do cinema, a que fala de luz e sombra, claro
e escuro. O espaço é escavado pela luz que entra no container, as aberturas hora
maiores hora menores ditam quanta luz terá no espaço e que cor ele terá.
Assim a pessoa também pode colocar seus olhos e descobrir de onde vêm a luz, e
como ela se comporta se a abertura é maior ou menor.
18
12.Considerações Finais
Mais do que concluir algo, este trabalho tem o intuíto de mudar a percepção de quem
o lê. Assim como aconteceu comigo, ao desenvolver esse trabalho, através das
leituras e minha convivência intensa com o local, comecei a pensar o edifício de forma
diferente. Cada visita, e cada leitura nova me fazia perceber e trazer a tona novas
questões sobre a imagem daquele local que estava sendo criada por mim.
De fevereiro até o final de outubro, onde se concentraram meus maiores esforços para
criar essa construção mental do edifício, minha própria imagem foi mudando junto,
andei pelo edifício de forma diferente, olhei ele com outros olhos e o senti diferente na
minha pele. A maior questão não é viver o espaço construído e sim como você escolhe
abordar ele. Seja por meio de imagens, ou através de uma linguagem escrita, tudo
isso contribui para a percepção que você terá dele. E cada vez que você altera seu
pensamento, o espaço construído mudará para acompanhar esse raciocío.
No final, o edifício, assim como pesoas, não são trabalhos concluídos eles mudam e se
alteram conforme sua interação com a cidade. O edifício se lapida conforme as
necessidades locais, assim como ocorreu quando eu o coloquei como meu objeto de
estudo. O edifício se transformou de um espaço problemático na cidade, para um
espaço com um potencial transformador da percepção subjetiva.
Referências
MOORE, Mary et al. Henry Moore – Ideas for Sculptures. JRP Ringer and Hauser
& Wirth, Zurique, 2010.
19
UrbX – como os aplicativos móveis potencializam a vida urbana
Abstract. The increasing use of applications on mobile devices, especially with the use
of locative media has changed people's relationship between physical space and digital
space. This project examined how these mobiles applications power the urban life of
people in the contexts of mobility, sports, relationships, business, entertainment and
citizenship. The results show that with the use of applications people can now save
more time in traffic; practice physical activities in a motivating way; have more
autonomy in business; relate with people in an affective way; know everything about a
city and finally get into political causes. The conclusion is given by analyzing the
ambivalences of these technologies and the limits of usage. In short, besides reveal an
interesting and contemporary content, this research opens issues for future studies.
Key words: mobile technology, locative applications, urban space.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2. A pesquisa
2
de projetos relacionados a informatização do ambiente urbano, foram verificados os
projetos existentes no mercado e os projetos em andamento no mercado. A primeira
etapa foi dedicada à revisão bibliográfica em consonância com a experiência da
cidade. Ampliamos o âmbito do design e da arquitetura para as áreas das artes,
comunicações e tecnologia que permitiram explorar as transformações do espaço
urbano permeadas pela informação digital em contato com o indivíduo urbano. Na
segunda etapa desenvolvemos pesquisas em laboratório de projetos (estudos de caso)
com base tecnológica que reflitem mudanças de experiência e de percepção do corpo,
do espaço e do ambiente urbano. A partir da análise, mapeamos possíveis tendências
na utilização da computação urbana e na construção de ambientes híbridos. Com
estes dados, desenvolveu-se tabela categorizando os aplicativos móveis conforme
suas qualidades locativas, contextuais e experienciais. Na terceira etapa,
desenvolvemos pesquisa de campo onde foram observados os aplicativos em seus
contextos de uso, como atividades de cunho social e politico, consulta de informações
no ambiente urbano e manifestações cidadãs como formas de construção de uma nova
paisagem urbana.
3
uma dessas abordagens foram utilizadas para contribuir com os resultados
apresentados na pesquisa. É importante ressaltar também que o objetivo dessa
pesquisa não é promover aplicativos, mas sim destacar suas qualidades
infocomunicacionais que vão de acordo com o propósito da pesquisa.
Revisão Bibliográfica
A primeira etapa do projeto consistiu no levantamento e revisão bibliográfica. Nesta
etapa, foram desenvolvidos leituras e fichamentos de títulos que abrangem conteúdos
da pesquisa, como: tecnologia de informação e comunicação (TIC), mídias locativas e
geoapps, interfaces e interação no ambiente urbano, privacidade e território
informacional, experiência do usuário e cultura urbana.
As obras utilizadas como base para o tema foram: Digital ground (McCULLOUGH,
2004) e E-topia (MITCHEL, 2002), sobre as mudanças no espaço ocasionadas pelas
TICs no ambiente urbano tanto no tempo presente como no futuro, artigos científicos
sobre cibercultura, mobilidade e mídias locativas de André Lemos (2014a, 2013a,
2014b, 2013b), Nomadismo Tecnológicos (BEIGUELMAN, LA FERLA, 2011) que
relaciona as mudanças sociais no ambiente urbano causadas pelo uso das mídias
móveis, Sentient City (SHEPARD, 2011) que articula a computação urbana como
espaço de mediação para este novo status urbano e aspectos do design de experiência
em Experience Design 1 (2001) e Designing Meaningful Experiences (2011) de Nathan
Shedroff.
Esta etapa foi de extrema importância para a imersão no assunto, de modo a observar
o espaço urbano e as demais etapas do projeto com um olhar mais crítico e teórico.
Foi também nesta etapa que o projeto se direcionou em trabalhar com foco nos
aplicativos de características geolocalizadas, visto que as mídias locativas fazem a
interação entre o espaço físico e o espaço digital, o que por sua vez deixa esta
pesquisa alinhada ao projeto que a originou.
Pesquisa em Laboratório
Nesta etapa realizou-se um levantamento e categorização de diversos geoapps.
Inicialmente, categorizaram-se os aplicativos utilizando dois critérios: o dispositivo e
suas características locativas (ver tabela 1). Em dispositivos, foram classificados os
aplicativos pela sua qualidade móvel e pelo artefato de uso (smartphone e tablet). Já
nas características locativas, os aplicativos foram categorizados pelas seguintes
qualidades (LEMOS, 2014a): mapeamento, geolocalização, geoanotação e realidade
aumentada. O levantamento desses aplicativos se deu por meio de pesquisas em seus
sites oficiais, lojas de aplicativos, comentários de usuários, revistas e vídeos no
Youtube®.
Após a análise do funcionamento de cada aplicativo, identificando as principais formas
de explorar o espaço urbano e como as TICs alteram e ampliam o espaço urbano,
criou-se a categoria contextual na planilha para classificar os aplicativos que recebeu o
nome de Urban Explorations (UE). O UE foi criado baseado em como cada geoapp é
utilizado no espaço urbano pelo usuário. Observando os aplicativos escolhidos
anteriormente, chegou-se a cinco categorias (ver tabela 1) por campo de uso:
Mobilidade, Esporte, Relacionamento, Negócios, Entretenimento e Cidadania.
A UE Mobilidade apresenta aplicativos em dispositivos móveis que auxiliam as pessoas
em seus trajetos diários no espaço urbano, seja a pé ou utilizando veículos
motorizados. Em Esporte, estão relacionados os aplicativos que estimulam as pessoas
a praticarem atividades físicas no espaço urbano. Já em Relacionamento, são
considerados os aplicativos que facilitam a interação entre pessoas no espaço urbano.
4
Negócios diz respeito aos aplicativos que dão autonomia para as pessoas realizarem
transações comerciais na cidade. Em Entretenimento estão aplicativos com o propósito
de revelar o que há de melhor na cidade em termos de lazer e cultura, seja exposições
ou mostras, restaurantes, eventos, cinemas, etc. Por fim, Cidadania, que tem como
principal objetivo relacionar os aplicativos que colaboram para a resolução de
problemas sociais e o melhor convívio em sociedade. É importante ressaltar que
muitos aplicativos podem pertencer a diversas categorias simultaneamente.
Pesquisa de Campo
Esta etapa consistiu em testar alguns aplicativos que foram categorizados
anteriormente na etapa de Pesquisa em Laboratório. Esses aplicativos foram
escolhidos considerando sua relevância em cada UE e uso gratuito. Para a aplicação do
teste, foram utilizados os dispositivos móveis iPad 2®, iPhone® 5c e 5s com a
utilização da internet móvel 3G e 4G.
Os testes foram realizados considerando os contextos de usos dos aplicativos. Por
exemplo, testes de aplicativos relacionados à mobilidade. Nesse caso, todos os testes
foram realizados no momento em que se utilizava o transporte público ou em casos
onde houve necessidade de checar a situação do trânsito. Os testes permitiram refletir
sobre o estado atual da cidade e suas camadas de informação digital. Cada
experiência foi documentada em imagens, textos e vídeos com os próprios dispositivos
móveis para consultas posteriores. Foi etapa de total imersão e uma das mais
importantes do processo, pois foi por meio dela que se conseguiu, de fato, sentir como
esses aplicativos tem o poder de facilitar e potencializar a vida das pessoas na cidade.
Foi também por meio desta etapa que sentimos a necessidade de criar uma terceira
categoria para os geoapps. Essa nova categoria, de nome Experiência do Usuário (ver
tabela 1), teve como objetivo classificar que tipo de sentimento que o usuário teria ao
utilizar determinado aplicativo no espaço urbano. As experiências identificadas no uso
dos geoapps foram definidas na atual intersecção de disciplinas como: design de
5
interação, design de informação, design visual e metodologias de análise que compõe
o campo do design de experiência (SHEDROFF, 2001, 2011). Consideramos como
relevante para nossa pesquisa como o uso dessa tecnologia amplia a percepção da
urbanidade contemporânea e propicia uma participação ativa cidadã, dessa forma
identificamos as seguintes experiências e seus desdobramentos: Consulta (capacidade
de gerar e obter informações), Engajamento (motivação e compromisso),
Empoderamento (dar poder ao usuário em suas escolhas e ações), Autonomia
(independência e desenvoltura) e Co-criação (união, criatividade e colaborativismo).
Entrevistas
No questionário online mencionado, os participantes foram consultados para uma
entrevista posterior sobre o tema. As pessoas foram escolhidas pela qualidade
descritiva nas respostas apresentadas, sobretudo no texto elaborado para relatar as
experiências de uso de aplicativos no espaço urbano.
Todos os participantes foram convocados por e-mail, onde foi apresentada a proposta
do projeto e os meios disponíveis pelos quais poderiam ser realizadas as entrevistas.
Na ocasião, cada entrevista foi aplicada de forma presencial, à distância via Skype® e
formulário GoogleDocs® online. Tivemos a participação de 11 pessoas de diferentes
regiões do Brasil, incluindo a participação do CEO do aplicativo 99taxis®.
As entrevistas foram pré-estruturadas e contaram com 20 perguntas divididas em
categorias relacionadas ao modo de utilização dos aplicativos geolocalizados em cada
UE, além de perguntas gerais com o intuito de analisar o uso de dispositivos móveis
no dia-a-dia. Alguns exemplos de perguntas: “Qual seu sentimento quando acaba a
bateria do seu celular? ”, “Como você utiliza seu smartphone para praticar esportes? ”
ou “Como você acha que será o futuro das cidades com o crescimento do uso de
smartphones? ”.
6
Esta etapa da pesquisa foi essencial para analisar de forma mais detalhada o que as
pessoas pensam sobre o tema e quais os impactos dessas tecnologias no futuro. Assim
como as demais etapas, todas as respostas obtidas na entrevista foram documentadas
– textos e formulários - para consultas posteriores. O resultado e a reflexão de todas
essas etapas deram base para o desenvolvimento do projeto, sobretudo a criação das
tabelas que classificam os aplicativos. Por meio dessas análises, foi possível extrair
informações importantes que ajudaram no desenvolvimento da pesquisa e que
certamente ajudarão em próximos estudos.
Articulação de dados
7
Tabela 1 – Desenvolveu-se planilha caracterizando os aplicativos geolocalizados (geoapps)
segundo qualidades locativas, contextos de utilização e experiência de usuário. Fonte: os
autores, 2014.
8
3.Resultados e discussão
O espaço urbano, nestes últimos anos, passou por diversas transformações
ocasionadas pelas TICs, principalmente pelo advento e crescimento da internet móvel.
Essas transformações, novas camadas informacionais em conjunto com o espaço físico
e de forma onipresente permitiu uma outra forma de interação urbana ao
usuário/cidadão, uma nova experiência do ambiente urbano. Essa nova experiência
amplia e modifica as possibilidades de consumir, produzir e distribuir informações na
cidade (BEIGUELMAN, LA FERLA, 2011), dando ao cidadão novas formas de ação e
participação como engajamento, empoderamento e autonomia.
A cidade do século XXI torna-se assim uma cidade interativa e senciente, sobretudo
com o uso das mídias locativas, um sistema composto de dispositivos móveis e
geoapps. Por meio de combinações das tecnologias de realidade aumentada,
geolocalização, geoanotação e mapeamento - características típicas dessa mídia - é
definido território que consiste em um fluxo informacional em uma zona de
intersecção entre o espaço físico e o espaço digital (LEMOS, 2014b).
Dentro deste território informacional, o usuário entra em uma nova matriz espacial,
onde informação digital e arquitetura configuram os novos elementos urbanísticos da
metrópole global. O acesso a dados em tempo real ajuda o usuário e cidadão a tomar
decisões imediatas sobre tudo que acontece ao seu redor. Essas novas camadas
informacionais fazem com que as pessoas possuam cada vez mais poder e ação sobre
o espaço.
Mobilidade
Esporte
Praticar atividades físicas traz benefícios para a saúde das pessoas e para o
desenvolvimento de uma sociedade mais ativa. Porém, de acordo com o Portal Brasil
(2013) com dados do Ministério da Saúde, 80% dos brasileiros ainda são considerados
obesos e não praticam atividades físicas regularmente. Este resultado é ocasionado
por desmotivação pela falta de companhia ou de tempo, ou mesmo por um ambiente
inadequado. Porém, por meio de aplicativos baseados em localização, os smartphones
se tornaram verdadeiros personal trainer.
9
O aplicativo Runtastic®, por exemplo, permite que o usuário monitore sua corrida
como a distância percorrida, velocidade, calorias queimadas, além de ouvir feedbacks
durante toda a corrida. Além disso, o usuário pode compartilhar sua corrida nas redes
sociais e ouvir áudios de aplauso, gritos ou gravações personalizadas enviadas por
amigos que o acompanha por meio de um mapa em tempo real na internet. Já o
aplicativo Zombies, Run®, transforma o espaço urbano em um cenário de game. Isto
porque, um dos principais objetivos do aplicativo é que o usuário corra de zumbis (em
áudio ouve-se eles se aproximando) enquanto se exercita. Já para quem não tem
bicicleta e deseja praticar essa atividade, por meio do aplicativo BikeSampa® é
possível localizar bicicletas próximas e alugá-las nas estações utilizando o próprio
smartphone. Alguns anos atrás, os únicos praticantes de esportes que recebiam
motivação e apoio com suas práticas esportivas eram os atletas profissionais. Hoje,
qualquer pode se tornar um atleta de qualidade profissional, graças a aplicativos que
criam plateias online, transformam-se em personal trainer fazendo com que o usuário
dispute e compartilhe seu desempenho com outras pessoas que também estão
engajadas e com mesmo propósito: ficar saudável e consequentemente colaborar para
uma sociedade mais ativa.
Relacionamento
Com o forte crescimento dos smartphones e a ampliação das redes de internet móvel
na sociedade, o relacionamento físico entre as pessoas tem se tornado um assunto
importante. Muitas pessoas veem o dispositivo móvel como o inimigo das relações
sociais, em pesquisa realizada pela consultoria VitalSmarts®(2014) 89% dos
entrevistados consideram que o uso de tecnologias prejudica os relacionamentos
interpessoais. Porém, ao mesmo tempo que o uso dessas tecnologias preocupa por
seu caráter invasivo no relacionamento interpessoal, elas também incentivam o
relacionamento físico.
Negócios
10
Imovelweb® permitem que as pessoas localizem imóveis a venda ou para locação
próximos a ele, dispensando muitas vezes o intermédio de uma imobiliária. Da mesma
forma ocorre para contratação de motoboys. O aplicativo VaiMoto® utiliza a
localização do usuário para encontrar motoboys mais próximos. Além de ver a foto e
reputação do motoboy, o usuário consegue acompanhar ao vivo a retirada e entrega
das encomendas. Assim os aplicativos de Negócios tornam as pessoas autônomas e
por vezes empreendedoras. Com o uso desses aplicativos, serviços presenciais
prestados por empresas, como bancos, imobiliárias e empresas de motofretistas
podem criar novas faixas de mercado.
Entretenimento
Cidadania
Como foi visto até aqui, muitos dos aplicativos disponíveis no mercado colocam as
pessoas em rede, propiciando interação e compartilhamento de informações e
conhecimento criando assim uma inteligência coletiva (LÉVY, 2011) ou crowdsourcing.
A inteligência coletiva pode fazer com que as pessoas trabalhem e criem juntas
quebrando a barreira entre cidadãos e governos, unindo o corpo social e o corpo
político. Quando se passa de um “ponto de acesso” para um “ambiente de acesso”
(LEMOS, 2014a) e pessoas começam a transformar dados em informação, vê-se
nascer uma sociedade mais justa e as TICs ajudam a potencializar isso. É o caso do
Colab®. Trata-se de um geoapp em que as pessoas podem relatar problemas
corriqueiros na cidade, como bueiros abertos, falta de iluminação pública, limpeza
urbana, buracos nas vias, etc. Esses dados formam um mapa colaborativo com fotos e
a localização das reclamações que podem auxiliar prefeituras e gestores públicos a
tomarem ações mais eficientes. Outro aplicativo é o Zaznu®, que entre mobilidade
urbana e cidadania, estimula a carona solidária ao permitir que o usuário localize
motoristas próximos que tenham o mesmo trajeto. Estimular caronas ajuda a resolver
problemas como o volume de veículos nas ruas e a emissão de gases poluentes no
meio ambiente. Ou o aplicativo Liga®, que permite o usuário reportar em tempo real
problemas em relação a roubos, sequestros, usuários de drogas, etc. gerando,
11
também, um mapa colaborativo de grande utilidade para ONGs ou órgãos de
segurança pública. Assim, a rede formada por pessoas, redes sem fio, dispositivos
móveis e geoapps possibilita a resolução de problemas de forma inteligente e
colaborativa. Hoje, muitas pessoas reclamam dos poderes executivo, legislativo e
judiciário de nosso país, de fato temos inúmeras razões para isso. Porém, é muito
ingenuo pensar que todos os problemas devem ou podem ser resolvidos por eles.
Política se faz com a participação de todos. Não se exerce política apenas no momento
do voto, é necessário lutar constantemente por direitos, transformar dados em
informação, sugerir, fiscalizar e opinar. Tudo isso, faz com que seja construído um
mundo melhor e mais justo para se viver. Se depender da qualidade e quantidade de
fluxo informacional que geramos diariamente, isso não está longe de acontecer.
4.Considerações finais
Esta pesquisa apresenta exemplos de como os aplicativos em dispositivos móveis
estão potencializando a vida das pessoas no espaço urbano. Dessa forma, as cidades
estão se tornando um “texto vivo”, um grande “livro” onde a cada conexão ele é
reescrito com novas informações que propiciam ao cidadão possibilidades de uma
participação efetiva e ampliada. Com o uso das mídias locativas, as pessoas agora
podem economizar tempo e evitar estresse ao se locomoverem, praticar esportes de
maneira mais empolgante e encorajadora, conhecer pessoas e até mesmo encontrar
amigos próximos, ter mais autonomia para empreender, realizar negócios e ganhar
dinheiro, verificar o que tem de bom na cidade e interagir com os seus habitantes, e o
mais importante em nossa opinião, aderir a causas sociais e políticas o que torna as
cidades lugares mais humanos e ativos, lugares melhores para se viver.
O resultado obtido por meio da pesquisa exploratória realizada para este projeto
contou com a participação de 110 pessoas que foram questionadas e avaliadas, em
escala de 0 a 7, como os geoapps em dispositivos móveis facilitam a vida dos cidadãos
na cidade. Concluímos com resultado positivo, 94% das pessoas consideram que de
fato os aplicativos e dispositivos móveis potencializam a vida das pessoas no espaço
urbano. É indiscutível que hoje os dispositivos móveis permitem que as pessoas
interajam com o espaço urbano de forma única. Porém, ao longo das próximas
décadas, o mundo deverá se preparar para construir um tecido urbano ainda mais
complexo do que foi construído até agora (URSSI, 2014). A popularidade dos
smartphones e a expansão da rede móvel de internet de alta velocidade (3G e 4G)
também contribuem para que se tenha um ambiente cada vez mais interativo.
Quando mencionamos as relações da tecnologia na vida das pessoas, será sempre
importante observar as ambivalências, uma delas é a privacidade. As mídias móveis
são indiscutivelmente mídias de vigilância e controle1 (BEIGUELMAN, FERLA, 2011).
Ou seja, quando se utiliza geoapps em dispositivos móveis, as pessoas deixam rastros
digitais na rede. Por exemplo, com a utilização de aplicativos como GoogleMaps® ou
Highlight®, informações pessoais como localização, rotinas, preferências transitam
pela rede com diferentes graus de segurança que podem, eventualmente, ser
acessados e hackeados. Outra ambivalência é a dependência das pessoas pelas TICs.
Por exemplo, durante o período de testes, o aplicativo GoogleMaps® foi utilizado
intensamente para traçar rotas e descobrir novos caminhos. Em diversas ocasiões a
bateria do smartphone acabava de forma repentina no meio do caminho. A sensação
1 Com diferentes níveis de controle, existem três regimes de vigilância: Panóptico, Escópico e de
Rastreamento. O primeiro se refere a um tipo de vigilância em ambientes circunscrito – uma pessoa no
centro vigiando todos presencialmente. Já o Escópico é a vigilância a distância, por exemplo, uso de
câmeras em lugares estratégicos. Por fim, o regime de rastreamento, que surgiu diretamente do universo
digital, possibilitando monitorar as pessoas de forma ubíqua e com maior eficiência e riqueza de
informações. (BEIGUELMAN, FERLA, 2011)
12
nesses momentos era de total “desespero”, já que todo o trajeto para chegar ao
destino desejado estava no smartphone. A situação era tão inapropriada que a ação
de pedir auxílio a um transeunte, para chegar ao destino, parecia estar fora de
questão. O uso intenso de aplicativos em dispositivos móveis faz com que a vida das
pessoas seja programada a ponto de depender deles para tudo. Ir a um local sem ter
o caminho traçado pelo geoapp ou ir a um restaurante sem considerar sua sugestão
pode parecer hoje um risco. Comparamos o uso do smartphone ao funcionamento de
um carro. Ao usar o carro, muitas pessoas não têm ideia de como ele funciona. O que
importa é que ele funcione. A ideia é a mesma para smartphones e aplicativos.
Esta pesquisa teve como propósito explorar a experiência de viver o cotidiano e se
apropriar da cidade permeada pelas TICs por meio de dispositivos móveis e geoapps
que permitem configurar uma nova geografia urbana por meio das redes sem fio. O
ambiente urbano se apresenta pelas novas possibilidades das experiências urbanas,
ou UrbX. Propomos verificar como esses aplicativos intensificam nossa vida urbana.
Além disso, este projeto abre possibilidades para estudos futuros, já que cada
característica qualitativa - locativa, contextual e experiêncial - pode ser ampliada e
explorada sob diversos enfoques. Para tanto é necessário ter a consciência que, fora
do território informacional existe vida social, humana e cotidiana que anima estas
tecnologias. A UrbX, essa gama de experiências urbanas, refere-se a pessoas, não
apenas a dispositivos tecnológicos, isto é, todas as facilidades proporcionadas pela
tecnologia devem ser utilizadas de forma consciente, de modo à realmente intensificar
o convívio físico das pessoas na cidade.
Referências
13
MITCHEL, Willian J. E-topia. A vida urbana – mas não como a
conhecemos. São Paulo: Senac, 2002.
14
Modateca PUCPR: criação e organização do acervo de moda na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Modateca PUCPR: establishment and organization of the fashion acquis at the Pontifical
Catholic University of Paraná.
Abstract. This article has the goal to promote the creation of Modateca at the
Pontifical Catholic University of Paraná, which aims to form a database and materials
that will be available for consultation and research of employees, students and
community. This theoretical and practical research has the impetus to ensure the
memory of Fashion and promote Knowledge at the same time.
Key words: Modateca, Fashion Acquis, Fashion History.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
Os cursos de Moda são consideravelmente novos no Brasil, uma vez que tiveram início
na década de 1990, por tanto, trata-se de uma área na qual ainda há muito a se
pesquisar. Devido a sua velocidade de mercado e busca por alto desempenho há por
parte das empresas um alto investimento em tecnologia para produção de novos e
mais eficientes produtos, levando as Escolas que apresentam curso nesta área,
também a incentivar esforços de pesquisa e geração de conhecimento para poder
manter seu grupo de colaboradores e alunos atualizados.
Observa-se que materiais dos mais diversos tipos e formatos, como peças de
vestuários, revistas, catálogos de moda e de tendências, amostras de tecidos e
2
catálogos de indústrias têxteis, entre outros, são recebidos pelo curso de Design de
Moda da PUCPR através de doações para a composição de acervo e utilização pelos
acadêmicos em suas atividades de pesquisa, mas ainda não há um processo adequado
para catalogação, controle e uso destes materiais de forma que se possa disponibilizá-
los aos acadêmicos e, ao mesmo tempo, preservá-los, para suprir essa necessidade.
Por esses motivos, a existência da Modateca de faz importante.
O projeto visa organizar um acervo sistematizado de Moda e vestuário, material
teórico e fotográfico constituindo um espaço de elaboração e disseminação do
conhecimento. São ações do projeto a coleta, catalogação e organização do material,
em forma de acervo com amostras físicas, referencial teórico e fotográfico para que
fique à disposição dos alunos, pesquisadores e da comunidade. O projeto prevê etapas
posteriores ou ainda outros projetos de Iniciação Científica nas áreas de pesquisa de
tendências, consultoria de imagem, entre outros, que poderão ser agregados ao
projeto Modateca. Após a organização do acervo, de acordo com as possibilidades do
projeto, poderão ser ministradas palestras, cursos e prestação de serviços para o
mercado de moda local e comunidades carentes.
O trabalho desenvolvido através da organização e atualização permanente de seu
acervo, estudo técnico de tendências e pesquisas será permanentemente
disponibilizada aos frequentadores da Modateca. Serão ações permanentes a coleta de
elementos da cultura material de moda, realizada através de doações, consignações e
peças desenvolvidas pelos alunos e professores em projetos interdisciplinares. Os
materiais serão estudados, documentados, conservados, armazenados, expostos e
disponibilizados para pesquisa, servindo como recurso didático-pedagógico em
diversas áreas de moda
2. Objetivos do Projeto
Stevenson (2011) afirma que “No século XXI, além de estar entrelaçada à tecnologia,
a moda recebeu uma nova legitimidade. Agora as galerias de moda dos museus são
atrações populares por si mesmas.”, partindo do pensamento de que um acervo de
Moda se faz necessário no meio acadêmico, o projeto tem como objetivo geral
organizar a Modateca do Curso de Design de Moda da PUCPR, através da obtenção de
materiais que serão estudados e catalogados, formando assim um acervo de Moda e
Vestuário que permitirá aos alunos e a comunidade usufruírem do ambiente para
consultas e pesquisas, e tem como objetivos específicos: levantar dados bibliográficos
sobre História da Indumentária e da Moda, Projeto de Moda, Modelagem, Tecnologia
da Confecção, Desenho Têxtil e de Moda, com intuito criar um banco de dados teórico
consistente que auxilie na documentação e catalogação dos materiais e que esteja
disponível para pesquisa, limpar e restaurar peças e materiais recebidos, sempre que
possível, para que sejam encaminhados para catalogação, catalogar as amostras
(peças de moda e vestuário, revistas, catálogos, book de coleção, books de tendência
e fotografias), buscando criar um acervo consistente para pesquisa, criar fichas
técnicas e modelagem das peças de vestuário existentes no acervo, ampliando assim a
base de pesquisa da Modateca, Organizar o espaço da Modateca, junto ao Laboratório
Têxtil do Curso de Design de Moda de forma a estruturar um local de exposição e
pesquisa.
3. Metodologia do Projeto
3
O Projeto Modateca do Curso de Design de Moda da PUCPR tem como referência a
Modateca da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), considerada uma
das mais bem estruturadas dos Cursos de Moda do país.
Proporcionar aos alunos e professores da Universidade um ambiente que os permita
aprimorar as pesquisas sobre moda e vestuário é um dos principais objetivos do
projeto. Os materiais são obtidos através de doações ou permutas, sendo depois
documentados, conservados, armazenados, com a possibilidade de exposição
permanente ou temporária.
Após a obtenção dos materiais, é feita a catalogação e um trabalho de pesquisa, para
que haja um melhor controle dos mesmos. A busca por novas peças e informações é
constante, a fim de agregar o máximo de conhecimento e valor possíveis ao Projeto.
O Projeto Modateca tem o intuito de agrupar o maior número de materiais e pesquisas
possíveis ligados à moda, sempre divulgando e preservando o acervo, que será
composto por elementos representativos da cultura material de moda e de vestuário,
que auxiliará futuras pesquisas. No espaço serão catalogadas e expostas peças
originais de cada época, como um vestido de casamento de 1951 recebido em doação,
seguindo a metodologia de estudo de cultura material usada pela professora
historiadora Rita Andrade em sua tese de doutorado. A pesquisa proposta será
desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, com embasamento em livros e artigos
científicos da área de moda, têxtil e cultura material.
Além das peças originais o acervo possui também réplicas de peças de indumentária e
moda produzidas pelos alunos e professores em projetos interdisciplinares envolvendo
as disciplinas de História da Indumentária e da Moda, Modelagem e Processo de
Montagem (costura), no decorrer dos semestres, revistas, catálogos, book de coleção,
books de tendência.
As peças de indumentária e moda são limpas e passam por um processo de restauro,
caso seja necessário, são fotografadas e ficam armazenadas no Laboratório têxtil.
Cada peça receberá um código de identificação, de acordo com época, modelo e
matérias. Será desenvolvido um catálogo impresso e digital onde os visitantes
poderão consultar sobre cada peça exposta. Nele constará a foto da peça, ficha com
informações de identificação como: coleção, objeto, código, conservação,
autor/estilista, procedência (local), doador, usado por, ano da peça, aquisição (tipo),
empréstimo, descrição, data de entrada da peça. Além de croquis, uma ficha com
desenho técnico e a modelagem da peça.
A Modateca oferecerá aos acadêmicos um espaço organizado para pesquisa de moda
englobando revistas, catálogos, books de tendências e outros materiais já existentes
no acervo do curso. As revistas das áreas de modelagem e costura das décadas de
1960 a 2000 recebidas em doação ao Curso de Design de Moda deverão ser
organizadas e catalogadas de acordo com o título, área de interesse, data. Os
assuntos de cada edição serão levantados e organizado em planilhas para facilitar a
busca por assunto.
A Modateca contará com a Fototeca, acervo de fotografias de vestuário e moda, que
serão organizadas e catalogadas de acordo com a época.
Metodologicamente, o trabalho é desenvolvido através da organização, manutenção e
atualização do acervo, (atividades técnicas/operacionais de suporte, amparadas por
uma fundamentação teórica das áreas de História da Indumentária e da Moda, Projeto
de Moda, Modelagem, Tecnologia da Confecção, Desenho Têxtil e de Moda e atividades
voltadas para o atendimento à clientela (que envolvem as atividades de ensino,
pesquisa e extensão).
Um artigo será escrito para ser apresentado sob forma de pôster no 11º Colóquio de
Moda, o maior evento acadêmico da área de moda do Brasil e que ocorrerá em
4
Curitiba, com o intuito de divulgar a pesquisa teórico-prática desenvolvida pela aluna
e sua orientadora.
5
As fichas
Tendo como base o método usado na Modateca da UDESC, as fichas foram criadas,
através do programa Gráfico Adobe Illustrator, prestando-se atenção na escolha dos
elementos gráficos e cores, para que houvesse uma unidade gráfica, combinando o
conceito do projeto com a arte gráfica. As fichas têm a intenção de melhor organizar e
catalogar os objetos do acervo, informando a descrição do objeto, o código, o ano e
autor.
6
Figura 3. Ficha de Modelagem da Modateca PUCPR.
5. Considerações finais
A existência da Modateca se mostra de extrema importância, ao passo que a mesma
proporciona aos alunos da Universidade e à comunidade um espaço de pesquisa de
moda e do vestuário, o que auxilia na propagação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos na área de Design de Moda. Para que o projeto possa ser
executado com o melhor rendimento possível, a aluna tem se dedicado as etapas
teóricas e práticas, se apoiando em referências bibliográficas e na orientação da
professora.
A Modateca é um projeto de vida longa, que permanecerá na faculdade, permitindo
que os acadêmicos, professores e a comunidade em geral possam usufruir do acervo,
que estará sendo sempre atualizado. Deve-se salientar que o projeto ainda se
7
encontra em estágio inicial e os resultados são parciais, uma vez que o trabalho de
iniciação científica encontra-se ainda em desenvolvimento.
O projeto tem permitido à aluna ampliar seus conhecimentos em relação à História da
Indumentária e da Moda, assim como aprimorar suas habilidades de escrita e
desenvolvimento de pesquisas. A inserção do aluno no desenvolvimento da Modateca
se faz necessária ao passo que o mesmo pode auxiliar o professor na obtenção,
catalogação e armazenamento dos materiais. Os estudos feitos durante o projeto têm
propiciado uma visão amplificada sobre a Moda em suas diversas áreas e tem ajudado
a obter um melhor rendimento em sua vida acadêmica, bem como tem auxiliado a
aluna a aprender a otimizar seu tempo, para melhor cumprir com suas tarefas.
Referências
8
Fibras têxteis sustentáveis: algodão colorido e orgânico, fibras
de bambu, soja e milho
Fibre sustainable: colorful cotton and organic, bamboo fiber, soy and corn
Abstract. Ally sustainability, technology and innovation, has been a major challenge
in the current scenario of the textile industry. This happening due of the large
environmental degradation and, mainly, by the irreversible situation that pollutants
and chemical additives brings to the environment. Several solutions for sustainable
textile fibers has been explored, among these, we highlight the colored cotton fiber,
bamboo, soy and corn..
Key words: fibre sustainable , sustainability, textile industry.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
O presente artigo faz parte de uma pesquisa de iniciação científica realizada no curso
de Design de Moda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e aborda o
desenvolvimento e uso de fibras têxteis sustentáveis. A metodologia usada na pesquisa
é basicamente teórica, no entanto também algumas empresas fornecedoras destes
materiais foram contatadas, solicitando amostras que pudessem ficar disponíveis no
acervo da Teciteca do curso para pesquisa de outros alunos junto ao levantamento
teórico realizado. No atual contexto de mundo globalizado, a sustentabilidade vem
sendo um tema amplamente discutido nas mais diversas áreas, inclusive na moda. Para
Sachs (2004), “a sustentabilidade no tempo das civilizações humanas vai depender da
sua capacidade de se submeter aos preceitos de prudência ecológica e de fazer um bom
uso da natureza”. Nesse contexto, a busca por alternativas e produtos ecologicamente
corretos vem crescendo juntamente com essa responsabilidade sustentável. Em meio à
isso, diversas empresas do ramo têxtil vêm buscando fibras sustentáveis como
alternativas ecologicamente corretas, entre elas fibras de bambu, soja, milho e,
destaque especial para a fibra de algodão colorido. O projeto tem por objetivo geral
levantar dados e analisar as informações sobre as fibras têxteis sustentáveis, visando
formar um banco de dados e materiais que ficará disponível na Teciteca do Curso de
Design de Moda da PUCPR. Para tanto, faz-se necessário levantar dados bibliográficos
sobre as fibras têxteis sustentáveis, visando criar um material teórico consistente sobre
as mesmas. Criar um canal de contato com as empresas fornecedoras destas fibras,
visando a obtenção de amostras e informações sobre as mesmas. Catalogar as amostras
físicas das fibras têxteis sustentáveis enviadas pelas empresas, buscando ilustrar as
informações teóricas do banco de dados da Teciteca. Fazer, sempre que a quantidade
de amostras enviada tornar possível, testes de solidez, estabilidades dimensional,
durabilidades, manufatura, entre outros, buscando obter um maior número de
informações sobre o material adquirido. Vale ressaltar que a pesquisa acerca das fibras
encontra-se em nível preliminar, necessitando um maior aprofundamento para uma
efetiva contribuição cientifica quando o levantamento final acarretará em soluções para
reflexões técnicas e o uso mais abrangente e contextualizado à respeito dessas fibras.
2. Desenvolvimento da pesquisa
2
Para o campo da moda, é um desafio conceber novos produtos para o vestuário de
acordo com o princípio sustentável, uma vez que ela é encarada como efêmera, já que
possui ciclos de vida curtos e seu apelo ao consumismo torna-se um entrave a tal
princípio. Para o setor têxtil torna-se também um desafio, pois sua cadeia de produção
é um processo poluente e que gera muitos resíduos. O contingente de pessoas e
instituições preocupadas com os problemas do meio ambiente e do desenvolvimento
sustentável vem crescendo no mundo todo. Para atender a essa demanda de
consumidores, empresas do setor têxtil estão gradativamente passando a demandar
matérias-primas produzidas dentro de sistemas menos agressivos ao meio ambiente
como forma de diferenciação e, consequentemente, a moda pode se beneficiar dessa
atitude. O setor têxtil é constituído por uma cadeia de atividades em sequência linear,
desde a obtenção de fibras naturais e/ou químicas, passando pela fiação, tecelagem e
acabamentos, até a confecção final de artigos de vestuário. Desta forma têm-se seis
elos específicos: 1) produção e matéria-prima, 2) fiação, 3) tecelagem, 4)
beneficiamento, 5) confecção e 6) mercado. Todo o processo tem início na obtenção
das fibras e produção dos fios, tanto como produto final, quanto na composição dos
tecidos que originam os produtos de vestuário, cama mesa e banho, tecidos de uso
industrial entre outros produtos têxteis. Para compreender esta dinâmica é preciso
identificar: os tipos de fibras (naturais ou químicas), os tipos de fios e tecidos existentes
(planos - simples, jacquards, compostos, felpudos, malhas - de urdume e de trama,
laçadas, não tecidos, especiais, ou tecidos de alta performance), e seus respectivos
beneficiamentos (tingimento, estampagem e acabamentos finais) que poderão ser
utilizados para a produção de peças têxteis. As fibras mais conhecidas são fibras
naturais, aquelas que se encontram na natureza. Podem ter origem vegetal como o
algodão, o linho, o rami, o sisal, entre outras; animais, como a seda, e a lã; ou ainda
ter origem mineral como o amianto. As fibras químicas podem ser derivadas de produtos
petroquímicos também chamados de fibras sintéticas. Como exemplo: poliamida,
poliéster, polipropileno e polietileno. Ou podem ser derivadas de um componente
natural e um componente químico, neste caso, são chamadas de fibras artificiais. As
fibras (químicas e naturais) passam pelo processo de fiação, assim os fios podem ser
compostos em sua estrutura por diferentes fibras, que apresentarão diferentes
propriedades. A seguir os fios poderão ser utilizados como produto final – na produção
de fios para diversos fins como trabalhos artesanais, matéria-prima para não-tecidos
ou podem ser utilizados na próxima etapa - tecelagem plana e/ou nas malharias. Os
tecidos e malhas são originados da tecelagem de fios e fibras que se unem através de
processos físicos e/ou químicos. Os tecidos ainda são submetidos a algum tipo de
beneficiamento, divididos em: beneficiamentos primários também são chamados de
tratamento prévio ou preparação, envolvem os processos que se aplicam aos materiais
têxteis objetivando prepará-los para as etapas subsequentes de tingimento,
estampagem e acabamento final; beneficiamentos secundários são os que fornecem a
cor (etapa de tingimento) ou estampa (etapa de estamparia) ao produto têxtil; e
beneficiamento terciário constitui o acabamento final do substrato têxtil. Neste são
conferidas as características desejáveis finais ao substrato têxtil como toque, brilho, e
tratamentos especiais. Desta forma deve-se levar em conta os sistemas de produção
de fibras, fios e tecidos para verificar em termos empresarias quais as estratégias que
beneficiam o meio ambiente baseado no princípio da conservação, reaproveitamento,
reuso e otimização de matérias-primas, e principalmente o uso de matérias-primas
menos poluentes. Dentre essas matérias-primas, encontram-se as fibras ecológicas, ou
sustentáveis, em nosso projeto damos destaque ao algodão colorido e orgânico, e as
fibras artificiais produzidas a partir do bambu, da soja e do milho.
3
3. Fibras têxteis sustentáveis
Os assuntos que envolvem sustentabilidade e degradação do meio ambiente vêm
crescendo e gerando discussões entre consumidores e produtores em relação a uma
conscientização de impactos ambientais. Com isso as grandes empresas precisam
buscar produzir produtos ecologicamente corretos e benéficos ao meio ambiente e à
sociedade. As fibras têxteis sustentáveis estão entre as matérias-primas que menos
agridem o meio ambiente, como “o algodão orgânico, cultivado sem o uso de
fertilizantes e pesticidas” (Chavan, 2004) que está se tornando o queridinho dos
produtores de moda e de seus consumidores. Além do algodão orgânico, tem-se
também outras fibras que estão ganhando destaque no mundo da moda, como o
algodão colorido, as fibras de bambu, as fibras derivadas de soja e de milho, as quais
são apresentados a seguir.
4
3.2. Fibra de bambu
A fibra de bambu é outro exemplo de fibra de baixo impacto ambiental. Por ser 100%
celulósica, a fibra pode ser totalmente degradada no solo por micro organismos e luz
solar, sem causar danos ao meio ambiente. Deve-se levar em conta, ainda, que a planta
que fornece a fibra tem renovação quase imediata, sem necessidade de aditivos
químicos. Outro fator ecologicamente correto é o fato da fibra de bambu ser
naturalmente antimicrobiano, dispensando assim, a necessidade de produtos químicos
prejudiciais ao meio ambiente. Dentre as propriedades, destaca-se o fato dela ser
renovável, 100% ecológica e bactericida natural, pois contém um agente, "o kun de
bambu", que impede que as bactérias cultivem nele. Em questão ao conforto, essa fibra
proporciona tecidos extremamente macios, sendo, inclusive, mas macio que o algodão
e tendo brilho natural à superfície. Em contra partida, para a fabricação de tecidos, são
necessárias fibras de no mínimo 30mm de comprimento e a fibra de bambu apresenta
apenas entre 2-3mm de comprimento. Para obter fibras mais longas, a indústria faz uso
do dissulfeto de carbono, que é altamente tóxico ao meio ambiente. Após esse processo,
a fibra de bambu fica com aspecto similar ao fio de nylon.
É uma fibra biodegradável, podendo ser processada sem a emissão de poluentes para
o ambiente e, apesar de ser sintético, o produto não contém em sua composição
componentes à base de petróleo. Os tecidos obtidos através dessa fibra apresentam
aspectos ligados ao conforto, bom caimento e texturas macias, lisas e claras. É, ainda,
resistente à transpiração – sendo amplamente usados para confecção de trajes de
práticas esportivas - e de fácil manutenção (easy care), ou seja, seca rapidamente e
5
mantém boa aparência após a lavagem. Aliar sustentabilidade, tecnologia e inovação
vem sendo um dos principais desafios no atual cenário da indústria têxtil. Isso vem
acontecendo em virtude da grande decorrência da degradação ambiental e,
principalmente, pela situação irreversível que agentes poluentes e aditivos químicos
trazem ao meio ambiente.
4. Comparativo
Tendo como base as fibras apresentadas e o atual cenário econômico, social e ambiental
da indústria da moda, a ideia da inserção de formas alternativas relacionadas ao
consumo de moda – nesse caso, fibras sustentáveis – se torna marcante e eficiente.
Ambas as fibras estão em processo de pesquisa e maior aprofundamento, com
peculiaridades ligadas à soluções alternativas na cadeia têxtil ou até mesmo na
substituição de fibras sintéticas, por exemplo. Para ilustrar de maneira abrangente
esses dados, uma tabela comparativa foi elaborada levando em conta as principais
características que as fibras apresentam e sua real eficiência sustentável.
6
mente, várias com a meio a mesma
marcas implantação do ambiente. absorção de
adotaram essa “Banco de umidade que o
fibra como Germoplasma”, algodão e
alternativa à realizado pela ventilação
sustentabilidade. Embrapa. superior.
5. Considerações finais
Como principais resultados até o momento destacamos a formação de um banco de
dados teórico sobre as fibras têxteis sustentáveis, com o qual os alunos podem fazer
consultas sobre estes matérias para seus projetos e principalmente os trabalhos das
disciplinas têxteis e de desenvolvimento de produto, como glossário têxtil e projeto de
vestuário respectivamente. E o recebimento e catalogação das amostras enviadas pelas
empresas contatadas. Estes materiais seguirão para análise e depois ficarão expostos
no acervo da Teciteca do curso. A divulgação das informações das fibras sustentáveis
para o meio acadêmico proporciona, desde o princípio, a preocupação e consciência com
o meio ambiente e o conhecimento de que é possível usar essas novas fibras
ecologicamente corretas para o desenvolvimento de novas peças e produtos e para a
expansão da “moda verde”, ou EcoFriendly. O aprofundamento teórico-cientifico acerca
dessas fibras receberá um aprofundamento mais abrangente e técnico, uma vez que
ainda é necessária uma pesquisa de campo e tecnológica, para assim poder sanar
carências ou lacunas em abertas deste artigo. Vale ressaltar, ainda, a importância do
contínuo investimento em pesquisas ligadas à sustentabilidade, uma vez que dentro da
indústria têxtil, o descarte de substâncias nocivas ao meio ambiente é constante. Sendo
assim, a importância de tomar conhecimento dessas novas fibras e tecnologias deve ser
proporcionado desde a vida acadêmica.
Referências
CHATAIGNIER, Gilda. Fio a fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação
das Letras, 2006.
7
Simpósio Internacional de Engenharia Têxtil e XXI Congresso Nacional dos
Técnicos
PEZZOLO, Dinah Bueno. Tecidos: história, tramas, tipos e usos. São Paulo:
Senac São Paulo, 2007.
PAIVA, André. Engenharia têxtil – Fibras Artificiais. São Paulo: Março, 2010
8
O designer como agente participativo no processo do
desenvolvimento de produtos sustentáveis
Resumo. Este artigo disserta sobre relações entre sustentabilidade e estratégias das
indústrias para desenvolvimento de produtos que causem menor impacto ambiental.
Levanta questões sobre a importância da conscientização de empresas e do consumidor
para questões sobre descarte de produtos e sustentabilidade, apresenta o caso da Skol e
sua nova garrafa Skol Design como objeto de conscientização ambiental, assim como
apresentar um produto que já saí de fábrica com mais de uma função configurada.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
2
2. Os produtos sustentáveis na contemporaneidade
Desenvolver produtos não é uma tarefa fácil, e projetar para uma população consumista
se torna mais desafiador para o designer. Um dos fatores que complica a situação é a
famosa mudança comportamental humana. Vivemos e viemos de uma cultura social que,
o possuir faz com que o ser humana sinta-se confortável e assim o mesmo sente cada vez
mais a necessidade de consumir mais e mais.
De acordo com Kazazian (2005) o produto passa ao consumidor os valores da sua marca,
ele irá transmitir a informação para seu público das preocupações por exemplo, que teve
durante a concepção do produto e seu ciclo de vida em relação à água, energia, ar e etc.
Todos as responsabilidades e compromissos que a empresa quanto produtora tem.
Palhares (2003) ressalta que embalagens como garrafas e latas geralmente são rotuladas
com marcas de certas empresas, que se tornam responsáveis pelos impactos ambientais
causados por elas buscando cada vez mais formas de diminuir esses impactos causadas
pelas mesmas.
3
design de seus produtos e mudanças no processo de produção de seus produtos que
tragam melhorias para a empresa.
Segundo Palhares (2003) o Brasil fabrica um volume de 8,41 bilhões de litros de cerveja
por ano, e é o quarto maior fabricante de cerveja do mundo de acordo com dados da
Sindicerv referente ao ano de 2002. Entre os anos de 1998 a 2003 foram investidos no
Brasil pelas indústrias de cervejaria mais de R$ 3 bilhões, o que possibilitou ampliação e
modernização das fábricas que já existiam e também 10 novas plantas industriais.
Por ser um material aparentemente frágil porém super resistente, o vidro é usado em
diversos produtos e embalagens. É um dos materiais mais antigo feito pelo homem. No
Brasil apareceu em Pernambuco em meados de 1964 inicialmente com a fabricação de
copos e frascos, e no século XX sua produção passou a ser semi automática e automática
(CRUZ; AZEREDO; BROCHADO, 2003). Ainda segundo o autor sua, aplicação maior está
em embalagens, que apontam 31,2% da participação no mercado dos segmentos da
indústria de vidro.
Segundo Cruz; Azeredo; Brochado (2003) a indústria do vidro a partir de 1980 começou
a cair no mercado em relação aos materiais plástico e alumínio, que começaram a ser
usados em produtos como garrafas de refrigerantes, frascos de remédio e bebidas como
cervejas que passaram a usar tanto o plástico no caso de refrigerantes e remédios, e latas
de alumínio nas cervejas.
A Skol está no Brasil desde a década de 1960 e foi a primeira cerveja a usar lata no país,
e utilizar latas de alumínio, pioneira também ao usar a abertura maior da lata “boca
redondona”, e inovar com embalagens long neck e latas de 500ml. (PEREIRA, 2005).
Todas essas características demonstram que a empresa Skol é um exemplo de busca por
inovações no desenvolvimento de seus produtos visando inovações e menor impacto
4
ambiental, onde faz parcerias com seus clientes como no ano de 2003 quando lançou a
garrafa long neck Skol Beats, onde a silhueta da garrafa faz alusão ao “S” da marca e foi
desenvolvida com a Cisper e a Ambev¹ (CRUZ; AZEREDO; BROCHADO, 2003).
No ano de 2013 a Skol está inovando mais uma vez, lançou a Skol Design, uma garrafa
de alumínio de 473 mililitros que depois de ser consumida a bebida, a embalagem é
transformada em objetos de decoração. Estratégia desenvolvida pela agência F/Nasca
Saatchi & Saatchi (EMBALAGEM MARCA, 2013).
A embalagem é aproveitada e usada em conjunto com kits de decoração que são dispostos
à vendas no site da Skol, e pode ser transformada em produtos como luminária, relógios,
galheteiros, castiçais ou vasos. (Ver fig. 1).
A Skol desta forma está criando alternativas de minimizar a quantidade de lixo que será
depositada no meio ambiente, criando soluções criativas e que buscam conscientizar
também o consumidor de sua responsabilidade com a natureza e descartes de
embalagens. E com essa proposta a empresa também diminui o gasto de energia com a
reciclagem do produto. Assim, o produto já saí de fábrica com mais uma função atrelada
a si, que primordialmente seria envazar, transportar e proteger a bebida alcóolica e agora
passa a ser objeto decorativo.
4. Metodologia
5
Foi feito um levantamento bibliográfico com livros, dissertações de mestrado e artigos que
abordam assuntos como meio ambiente, sustentabilidade, embalagens e materiais postos
em discussão ao longo do artigo.
A partir da revisão bibliográfica foi possível observar que as empresas se preocupam com
a imagem que irá passar para o seu público, através de estratégias como embalagens
diferenciadas e inovadoras e que tenham informações de sustentabilidade embutidas em
seu contexto. E também visando a diminuição da poluição do meio ambiente, despejando
cada vez mais menos poluentes na natureza.
Em relação a empresa Skol e sua campanha Skol Design, percebe-se essa preocupação
com o meio ambiente e envolvimento do consumidor neste processo de reciclagem e
conscientização da população, já que o produto é consumido por grande parte da
população brasileira, e vai levar às casas dessas pessoas um produto que terá informações
de design e um aditivo simbólico agregado nele que está relacionado com a preocupação
com o meio ambiente.
6. Conclusão
Na atual sociedade consumista em que vivemos, onde na maioria das vezes há produtos
dos quais o consumidor compra apenas por que ficou com vontade ou até mesmo por que
achou bonito sem visar qual a sua função real e qual a utilidade que o mesmo o traz. É
preciso conscientizar esses consumidores, e o principal transmissor desta informação são
as empresas, que devem passar estas informações através de seus produtos e também
de suas ações e produção de produtos, servindo de exemplo para seus clientes.
6
Notas
Companhia de Bebidas das Américas, em 2003 ocupou a sétima posição de liderança do
mercado mundial, e a líder no nacional ( PEREIRA, 2005).
Referências
7
Bologna: o vento soprando na vela colorida de vermelho
Abstract. This article develops a pedestrian sensory perception designed for the city
of Bologna. It reveals the reading of a student of architecture during a cultural
exchange experience that goes through the city and make notes and reflections about
the relationship of the spaces inside the urban grid with the people who use them. The
interaction of spaces is exposed in the organized text that configures the Final Work of
the Architecture and Urbanism Course through images and words that represent these
places and events occurred in them. By this strategy, the author seeks to present to
the reader the city image designed by him and, at the same time, suggests to the
same reader to build up his own perception of Bologna.
Key words: Bologna, perception, architecture, city, semiotics.
© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.
Este artigo, tem como principal finalidade revelar a cidade de Bologna. Adotando como
tema a projeção, (através do uso de imagens e palavras), da cidade de Bologna ,
pretende-se com a concepção deste “volume” traduzir a leitura processada sobre este
espaço urbano, feita por um estudante de arquitetura, a partir de sua vivência e das
experiências que marcaram seu convívio de um ano neste lugar.
O entendimento do mesmo varia de acordo com a percepção do leitor, pois muitas das
vezes o autor registra fatos individuais vivênciados por ele próprio, e os apresenta ao
leitor de forma “subjetiva”. Porém a idéia é compartilhar com o leitor desta
oportunidade de descoberta pessoal, portanto, o trabalho pretende sugerir que o leitor
“entre na cidade’’ de forma voluntária e possa experimentar percepções e tomar
decisões próprias sobre os significados do lugar , movido pelos dados fornecido por
meio das experiências descritas pelo autor.
Ao considerar esta hipótese, observamos que em A República (Livro VII) de Platão, o
filósofo grego escreveu o tão conhecido “mito da caverna’’, onde conta a história de
prisioneiros que vivem na escuridão desde seu nascimento em uma caverna, e ficam
por todo tempo olhando para uma parede, onde são projetadas sombras do meio
externo. Até que um dia, um dos prisioneiros sai desta “cela” e descobre a realidade.
Uma possível interpretação da metáfora sugerida neste relato é que apenas sabemos o
que vemos, e aquilo que podemos sentir.
Somos receptores de informações e processamos os dados fornecidos por uma fonte
externa, porém, cada indivíduo processa essas informações de uma maneira diferente.
Ao andar por cidades, nos deparamos com vários fatores que podem modificar o nosso
rumo final, ou de como chegamos a ele. Por exemplo, em um cenário hipotético
(fig.1), uma pessoa sai do ponto A com a meta de destino final no ponto B.
Nessa cidade existem centenas de caminhos que a podem levar ao seu destino final.
Ao dar o primeiro passo, essa pessoa está fazendo uma série de escolhas, que tem
relações com a personalidade dela, ou com a sua forma de reagir a sua própria
vontade, e que a guiarão até seu objetivo. Esse indivíduo pode escolher ir por um
caminho mais curto, mais rápido, ou pode escolher passar em uma praça, denominada
aqui como o ponto C, simplesmente por julgar o caminho mais agradável. Tal escolha
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identifica um desvio da rota e possibilita uma experiência mais aprazível e uma
possível descoberta: o ponto D.
Figura 1 - Diagrama hipotético de um pedaço de cidade, no qual mostra uma pessoa que sai do
ponto A com destino final no ponto B. Ela decide passar pelo ponto C, um espaço supostamente
de vivência pública (uma piazza), tal atitude resulta na descoberta de um destino final não
previsto, o ponto D.
Assim como o flâneur de Baudelaire vaguei pelas vias dessa cidade (fig.2). Deparei-
me com fenômenos surpreendentes, momentos impensados, e o inusitado se tornou
parte do meu cotidiano. Gosto de pensar que o flâneur é um investigador da vida
urbana, capaz de reinventar a cidade e seus caminhos em cada saída, em cada jor-
nada. Não consigo cogitar outro termo mais apropriado para minha experiência do que
este, flâneur, de origem francesa, uma vez que “la rossa’’ é conhecida como a
“pequena Paris italiana”.
4. Duas Torres
Não existe um lugar certo para começar a falar sobre uma cidade, pois sua imagem
não segue uma ordem cronológica, sendo resultado de uma série de eventos que
acontecem simultaneamente. Assim, começarei a falar de dois grandes ícones de
Bolona: as duas torres (fig.3).
Há uma lenda compartilhada entre os moradores da cidade, com várias versões sobre
a construção das duas torres. Na época em que a cidade foi fundada, as torres
representavam não só um elemento típico da cidade medieval para observação em
caso de combates, mas também um elemento sinalizador de riqueza, pois as famílias
nobres as construíam para batizá-las com o nome da linhagem.
Até hoje, as torres são o maior símbolo da cidade. Localizam-se na parte leste, no
final da Via Rizzoli, e marcam um eixo na zona central da cidade. O viajador John
Evelyn, em 1645, descreveu da seguinte forma a cidade de Bologna em uma viagem
pela Itália:
O trecho a seguir expõe parte do cotidiano dos cidadãos em 1786. Embora seja um
texto do século XVIII, essas são observações com características contemporâneas,
pois se aplicam muito bem para os dias de hoje. Através deste relato conhecemos
interessante modo de situar geograficamente a posição da cidade ao subir no topo da
torre e observar os elementos em seu entorno:
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Ao entardecer, livrei-me finalmente dessa velha, nobre e culta cidade, da
multidão que passeia para lá e para cá, espanta-se, vai às compras e faz seus
negócios, sempre protegida do sol e do mau tempo pelas arcadas espraiadas
por quase todas as ruas da cidade. Subi à torre e deliciei-me com ar fresco. A
vista é magnífica! Ao norte, vêem-se as montanhas de Pádua e, mais adiante,
os Alpes suíços, tiroleses, friulanos, enfim, toda a cadeia de montanhas, dessa
vez envolta em neblina. A oeste, descortina-se um horizonte infindo, em meio
ao qual erguem-se apenas as torres de Modena. A leste, uma planície
uniforme estendendo-se até o Adriático, e pode-se vê-lo ao nascer do sol. Ao
sul, as colinas aos pés dos Apeninos, cultivadas e de vegetação farta até o
topo, ocupadas por igrejas, palácios, casas de campo, tal qual as colinas de
Vicenza. (GOETHE, 1999. p.122)
Subir os 97 metros da Torre Asinelli foi uma experiência incrível. Desde quando
cheguei na cidade, eu queria subir na torre, apesar da lenda que estudantes não
podem subir, pois aquele que fizer isso não conseguirá se formar na universidade. Era
26 de outubro de 2013, um sábado. Normalmente um dia de espetáculo na cidade,
quando vários eventos de artistas de rua acontecem. Havia adquirido uma máquina
fotográfica recentemente, e queria fotografar Bologna do alto da torre pela primeira
vez. Saí de casa por volta de 12:00, tendo como objetivo final o embasamento da
Torre Asinelli, onde fica a porta de entrada para as escadas de acesso ao topo da
mesma. O tempo estava parcialmente nublado, o que não influenciou absolutamente
em nada o típico modo de comportamento cultural da cidade em um sábado. Durante
o caminho fui surpreendido por uma série de fenômenos que estavam acontecendo na
Via Indipendenza.
Dois homens no chão tocavam um instrumento estranho. O som transbordando do
elemento cilíndrico me faz pensar no silêncio. É um rumor constante, com um ritmo
só, intercalado com a respiração e a batida do tambor do homem ao lado. Caminho
um pouco adiante, e o silêncio se transforma em uma cor. Azul, a cor vestia dois
homem-estátuas que ganhavam dinâmica ao som de moedas caindo em um vaso de
metal. Movimento-me , e encontro um palhaço, simpático com sua cartola preta e que
não parava de se mexer. Para um lado e para outro, parando as pessoas que se
desviavam com um sorriso na face, reflexo da palhaçada.
Avante, vejo uma cena que resume a atual situação da sociedade italiana.
Compartilhando o espaço de uma circunferência de aproximadamente 2m de não seria
diâmetro, há uma mulher com seu filho, um imigrante com seus produtos para
crianças e o velho de 44 anos desempregado pedindo dinheiro ao lado de seu
cachorro. Toda a atenção gira em torno da pequena criança, que está encantada com
o cachorro de brinquedo que o imigrante vende. E o animal triste se encontra
acanhado junto ao velho que tem a posição do braço semelhante ao outro homem em
seu lado, ambos com um objeto em punho. O velho com uma caneca de plástico e o
outro com uma pelúcia.
Chego ao pé da Torre Asinelli, meu objetivo inicial. Subo pela sua escada de madeira
interior. Em um dos seus patamares encontro um buraco no chão, através do qual
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vejo as pessoas que buscam o mesmo objetivo que eu. Chego ao topo e roubo um
pouco da luz que entra no diafragma da máquina fotografica, eternizando Bologna em
cores na minha lembrança (fig.4).
Figura 4 - A cidade vista da torre do topo da Torre Asinelli. Nota-se o topo da torre menor e a
cor predominante vermelha da cidade devido aos tijolos. Foto do autor.
As escadarias que ficam na entrada da Sala Borsa e no Palazzo Del Podestà, além de
serem usadas para o fim proposto de vencer um desnível através de degraus,
constituem também uma grande estrutura-mobiliário urbano, pois as pessoas se
acomodam ali, seja durante seu lazer para contemplação da cidade, seja para um
mero descanso, acompanhado de um lanche. Acolá fica disposta a grande pláteia, que
admira o espetáculo espontâneo, sem ensaios, produzido por atores desconhecidos, no
qual, muitas vezes, aquelas pessoas sentadas desempenham o papel principal.
A Piazza Maggiore é a principal piazza da cidade, porém não seria a mesma sem a
Piazza Nettuno ao seu lado, que garante o sucesso de sua irmã maior devido à sua
localização. Ela é um convite, uma abertura em meio a edificações que continua o
grande fluxo da Via Indipendenzia e que entra em confronto com o fluxo da Via
Rizzoli, desembocando ali uma grande quantidade de pessoas. Na esquina onde se
encontram essas duas vias principais, já se vê a Basílica di San Petronio. Nesse caso,
a edificação funciona como um grande anúncio ou banner da Piazza Maggiore.
Figura 6 - Voz “alta” na praça. O velho está na cota 40cm em relação ao entorno do crescentone
que o banco de 20cm está apoiado. Foto do autor.
Era uma terça-feria, umas das primeiras noites da primavera. Fazia um frio moderado
em torno de 15ºC. Soube que iria acontecer uma dança coletiva na piazza e não
pensei duas vezes em ir conferir esse evento. Da minha casa, na Via Amendola,
demorava cerca de doze minutos, andando debaixo dos pórticos da cidade, para
chegar na Maggiore. Bastava virar a primeira à esquerda até a Via Indipendenza, e
depois seguir reto. A entrada do meu prédio fica em uma cota de doze metros abaixo
em relação ao nível da Piazza Maggiore. Vencia o desnível na proporção de um minuto
para um metro de altura. Passei pela Piazza Nettuno e cheguei sozinho ao lugar.
Avistei na extremidade oeste da piazza uma aglomeração de pessoas. Sentei no chão,
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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
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perto da beira do tablado elevado de aproximadamente 20cm e fiquei observando
(figura 7). Eles dançavam músicas da época medieval; havia entre 40 e 50 indivíduos
na piazza, que se misturavam acordados pelo som que saia dos instrumentos musicais
de um grupo composto de umas cinco pessoas sentadas no chão. Momentos depois
chegaram meus amigos italianos, que me convidaram a entrar na roda que não
parava de crescer. Aprendi alguns passos de dança e comecei a me entrosar com os
outros participantes (figura 8).
Repentinamente uma janela abriu acima dos pórticos da passagem da via mais bonita
da cidade, a Via Pecherie Vecchie (figura 9). A mulher, com o busto contra a janela,
pedia encarecidamente por silêncio. Nos arredamos à oeste, no sentido da estátua de
San Petronio que fica na fachada do Palazzo D’Accursio margeando a piazza, e
retomamos com a dança. Formamos a grande roda, e trocávamos de parceiros ao
passo que a música tocava. As mulheres circulavam pelo sentido horário e os homens
faziam o oposto. Dancei cerca de 15 segundos com uma moça, ela perguntou que
perfume eu usava, só consegui responder com um ‘’ quase grito’’ quando já estava
com outra parceira de dança, fomos nos distanciando e nunca mais vi aquela ragazza
novamente (figura 10).
Figura 11 - Em destaque, um lugar para sentar no chão com os amigos, a Piazza Verdì.
A zona universitária é uma região particular. Cortada pela Via Zamboni, com sua cota
mais alta no fim da Via Rizzoli e a mais baixa no ponto onde fica a Porta San Donato;
seus edifícios estão dispostos ao longo da via.
É importante observar como esta “atmosfera” contamina a cidade tal e qual nos
sinaliza o arquiteto Peter Zumthor, em seu livro sobre o assunto, discutindo a
presença da praça:
Uma experiência simples, desculpem a simplicidade do meu
pensamento. Mas ao eliminar a praça – os meus sentimentos
desaparecem. Naquela altura, nunca os teria tido da mesma
forma sem a atmosfera da praça. Lógico. Existe um efeito
reciproco entre pessoas e as coisas. (ZUMTHOR, 2009 p.18)
A posição da piazza em relação a cidade e seus usos é fundamental para o sucesso da
mesma enquanto referência de espaço de convívio urbano. Com uma forma retangular
e, o lado maior paralelo a Via Zamboni, ela é um suporte para os prédios da
universidade.
De dia, funciona como um grande pátio para reunião de alunos (figura 8), e de noite
apresenta-se como um espaço completamente diferente do que descrito
anteriormente. Um pedestre que desce a Via Zamboni, partindo das duas torres no
final da Via Rizzoli, encontra a piazza à sua direita. Primeiramente percebe algumas
árvores pequenas plantadas em uma caixa de madeira com alguns bancos do mesmo
material juntos a ela, depois atravessa a continuação da Via Petroni perpendicular a
Via Zamboni e se depara com o vazio.
Diferente da Piazza Maggiore que têm um tablado elevado cerca de 20cm, essa piazza
fica no mesmo nível que as vias ao seu redor. Alguns paralelepípedos de dois
tamanhos distintos servem de mobiliário urbano para a jovem população que a
frequenta e demarcam o perímetro da piazza, diferenciando o espaço para circulação
de carros daquele para o uso dos pedestres. Algo que acontece naturalmente, sem
conflitos entre eles. Uma relação de respeito perante ao espaço público. A dimensão
total do espaço é de 73x24m, porém, assim como na Piazza Maggiore um espaço que
é destacado pelo crescentone, existe um espaço fisíco de 17x45m que é o ponto de
maior densidade da Piazza Verdì, delimitados pelos mobiliários urbanos.
Figura 12 - Situação Piazza Verdì. Nota-se os grupos de pessoas nas extremidades da piazza.
Figura 13 - Em destaque, a porta que nos leva em direção ao mar, a Porta Maggiore.
O muro desta cidade medieval foi projetado no início do século XIII e terminado em
1385. Seu desenho permaneceu praticamente inalterado até sua demolição um pouco
depois de 1900, para as obras de modernização da cidade. O muro de nove metros de
altura formava uma fortificação relativamente vulnerável em relação às outras cidades
italianas, que depois de 1500, com o uso da pólvora, deixaram seus muros mais altos
e robustos. Bologna começa o século XVI demonstrando como a construção de uma
fortaleza moderna poderia ser grandiosa e problemática ao mesmo tempo.
Imagino como seria prazeroso sair reto das duas torres em direção ao mar, passando
por várias cidades que ficam alinhadas com a porta. Fantasio também a época
medieval. As pessoas vinham do sul da Itália, falavam napolitano, entravam pela
porta como se estivessem entrando em uma casa de algum desconhecido que fala
uma língua estranha. Nessa casa a Strada Maggiore é um grande corredor que liga a
porta até o seu “hall” principal: as duas torres.
Figura 14 – Em destaque, uma lenda, o caminho pelos arcos e a Basílica da Madonna di San
Luca.
O viajante que chega de avião, trem ou carro na cidade avista de longe a Basílica da
Madonna di San Luca, situada em um monte alto na parte sudoeste da periferia de
Bologna. Ela é o primeiro grande anúncio da cidade para quem chega. Também é
possível identificá-la das zonas agrícolas livres de construções, durante a passagem
pelas estradas que fazem a ligação com outras partes da Itália.
Relatos de uma visita na Madonna di San Luca em 08/09/13:
O ponto de partida da peregrinação para conhecer a guardiã da cidade foi a Porta
Saragozza, seguindo pelos pórticos até a Madonna di San Luca. O caminho formado
por seiscentos e sessenta e seis arcos carrega uma lenda consigo: quem subir àquela
colina através deles, pagará seus pecados. Cada arco tem um nome e são numerados.
Subindo, eu observava as marcas do processo de restauro, aquela massa branca
passada para cobrir as rachaduras mais pareciam veias que ligam a cidade com a
igreja. Um grande “cordão umbilical” que transposta as suas crenças. No meio do
caminho, percebi uma mancha vermelha na manga da minha camiseta. Havia
esbarrado em uma das colunas de tijolos. Fui marcado e fiquei sagrado por aquela
artéria, um batismo simbólico que me fez pertencer mais ainda de Bologna.
Ao chegar ao topo, bem de longe, via uma pequena cidade congelada por todo o
tempo que ali fiquei parado olhando em direção ao centro. A parte sul da cidade é
repleta de verde, isso se faz parecer ainda maior à distância.
Aquilo que mais gosto neste lugar, não é a igreja, nem a vista, mas sim como cheguei
até a guardiã. O modo como fui levado, guiado, transportado por um caminho, que
representa uma lenda da cidade.
Não poderia ser mais ao centro da cidade a localização da curta e estreita Via
Pescherie Vecchie (velhos pescadores). Ela é um detalhe remanescente no tecido
urbano e mantêm vestígios da antiga Bologna, não só pela sua tipologia que resistiu
às mudanças urbanistícas e às guerras, mas sobretudo pelo seu uso específico do
comércio de peixes, carnes, frutas, flores, especiárias, mortadela a Bolognesa e outras
iguarias típicas italianas (figura 16).
Uma mulher sentada no chão, de costas para o arco que faz a transposição da via com
a Piazza Maggiore, tem em suas mãos um pincel e uma palheta de cores,
provavelmente de tinta aquarela. Ela pinta sobre a tela a vida real, pinta as frutas,
pinta o laranja de laranja, Bologna de vermelho, pincela com as cores da palheta a
palheta de frutas dos expositores. Ou a palheta de cores dos expositores que colore o
papel dessa mulher (figura 17).
Figura 13 – Mulher pintando, com sua palheta de cores, na Via Pescherie Vecchie. Foto do autor.
Outro aspecto fascinante deste lugar, é a beleza da organização dos expositores. Tudo
é muito fresco e de alta qualidade. Tal atenção ajuda a fisgar os compradores. Os
peixes parecem ainda vivos, colocados inteiros sobre uma camada espessa de gelo
depositados em caixas plásticas brancas. Lembro muito bem quando fui à Napoli, no
sul da Itália. Deparei-me no porto com pescadores vendendo seus frutos do mar, e me
lembro sobretudo do cheiro no ar do cais. O aroma do fresco, a essência do úmido, os
polvos ainda vivos colocados em um balde no chão. Essa é a mesma sensação que
tinha quando passava pela Via Pescherie Vecchie, ou, para os mais íntimos: a mais
bonita da cidade. Esta via me conduz para um lugar além do real. Mesmo sabendo da
posição geográfica da cidade, ao centro da Itália, e afastada da costa do mar, em
pequenos trechos desta via me sentia em uma zona portuária. Era como se eles, os
pescadores, tivessem pego aqueles peixes no canal Reno que passa por baixo da Via
Indipendenza, ou pela janela da Via Piella, no olho da rua.
Embora volte para a realidade, e tendo a certeza que estou longe, fico confortado em
saber a possibilidade de subir a Via Pescherie Vecchie, virar a primeira à direita na Via
Drapperie, seguir pela Via Rizzoli até o ponto onde estão situados o mastro da cidade,
as duas torres, e então seguir em um caminho linear guiado pela Strada Maggiore,
com a única certeza que em algum momento chegarei ao mar.
11.Conclusão
Certa vez, no início do curso, o professor Mauricio Petrosino falou em uma de suas
aulas que não somos alunos de arquitetura e sim arquitetos em formação. Desde
então tentei pensar e agir como um. Entrei na faculdade com o intuito de ser um
grande arquiteto, conhecido mundialmente, e ficava maravilhado ao olhar para as
obras do Paulo Mendes da Rocha. Agora não penso o contrário, serei sempre um
grande admirador da arquitetura paulistana e do legado que o Artigas nos deixou.
Com o tempo percebi que arquitetura é muito maior que isso. Para elaborar uma
singela casa deveria aprender primeiro outras coisas, porém não sabia ao certo o que
era e onde procurar. A casa tem um vizinho, ao lado dela existe um outro e assim por
diante; todas estão situadas em um bairro disposto como um organismo complexo
denominado como cidade.
Sou um arquiteto em formação, que começou a ver, e perceber a relação dos espaços
externos e internos. No decorrer do curso de Arquitetura em São Paulo (2010- 2013),
a cidade sempre esteve e permanecia lá. Suas correlações: comércio, edifícios
públicos, passagens, barreiras, parques e etc, onde a forma de um espaço construído
acarreta/influência a forma e/ou o uso do outro. A noção da ligação e interdepen-
dência de tudo isso começou a influenciar os meus projetos de arquitetura desenvol-
vidos na faculdade.
Quando fui estudar em Bologna (2013-4), sempre soube que deveria pensar em um
tema para o TCC, no período do intercâmbio. Provavelmente um projeto arquiteto-
nicamente bem resolvido, e representado de forma adequada, com cortes, plantas,
fachadas, detalhes construtivos, renders e diagramas. Afinal, seria o meu último pro-
jeto como um arquiteto em formação e não poderia entregar algo medíocre. Teria que
provar para uma pessoa que eu concluirira o curso sabendo que era capaz de projetar
qualquer coisa. Essa pessoa era eu. Enquanto andava por Bologna pensava em meu
tema e nunca chegava em uma ideia fechada. Tudo passava em minha cabeça: inú-
meros tipos de edifícios de usos diferentes e sempre a casa.
Referências
CALVINO, Italo. As cidades Invisíveis. São Paulo: Folha de S.Paulo: Cia das
Letras ,2003.
FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Leituras sem Palavras. São Paulo: Editora Ática,
2002. p. 5-21
Anita Dedding
Camila D'Ottaviano
David Sperling
Eneida de Almeida
Giorgio Giorgi
Katia Teixeira
Marta Bogéa
Robinson Salata
Rose Moraes
Tatiana Sakurai
Zuleica Schincariol