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Editorial

Comunicação, arquitetura e design são três áreas em que o Brasil tem se destacado.
Seja pela criatividade e originalidade, pela competência comunicativa, pelo senso
estético ou pelo rico caldo cultural que nutre nossos profissionais, o fato é que o mundo
presta atenção no que fazemos nesses setores. Por isso devemos prestar muita atenção
nas pesquisas e inovações que brotam de nossas universidades e centros de pesquisa.

Esta edição temática da Revista Iniciação, organizada pela editora Prof.ª Dra. Myrna de
Arruda Nascimento, a quem agradeço e parabenizo pelo cuidadoso e criterioso trabalho
realizado, é uma ótima oportunidade de nos atualizarmos e conhecermos relevantes
trabalhos que podem impactar a forma como nos relacionamos com a cidade, com os
espaços culturais, com a escola, com nossas casas e até mesmo com nosso vestuário.

Navegar por esta edição e ler seus artigos é prazeroso e enriquecedor. Aproveite, caro
leitor.

Romero Tori
Editor

“Dedicamos esta publicação da Revista IC – Comunicação, Arquitetura e Design


à querida amiga, colega e pesquisadora Célia Maria Escanfella (1963 - 2015),
cuja lembrança se fez presente durante a redação dos textos deste número.
Sua infalível percepção, crítica sensível e solidária colaboração fez-nos muita
falta e avivou nossa desassossegada memória. Deixamos nesta nota nosso
carinho e saudades.”
Os editores.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
Apresentação do Dossiê
Esta segunda edição temática, publicada com temas que tangenciam as áreas da
Comunicação, da Arquitetura e do Design, enfatiza experiências pedagógicas e
propostas de desenvolvimento da formação acadêmica através de investigações em
laboratórios e vivências pessoais, qualificadas pela aproximação de jovens
pesquisadores ou de alunos recém-formados com o contexto social, urbano, material
e cultural que lhes é familiar, ou peculiar dos questionamentos que estas áreas de
conhecimento enfrentam no tempo presente.

Assim, encontramos neste grupo de artigos, relatos sobre experimentos que estudam
paradigmas típicos da concepção modular, no campo da Arquitetura e do Design,
como os modelos tridimensionais de matriz geométrica, reproduzidos e analisados
no artigo “ Forma e função nas casas de Peter Eisenman”, e o desenvolvimentos de
um projeto para bancada de trabalho compactável, para atividades como hobby
(oficinas caseiras), ou para a atuação de profissionais em pequenas oficinas.

No artigo referente aos “Dois estudos de caso da aplicação de Madeira Laminada


Compensada na Arquitetura”, discutindo o uso do compensado como elemento
estrutural ou como revestimento, também identificamos o interesse pelas
experimentações, considerando a abordagem empírica e especulativa com que se
estuda o tema selecionado. A gênese da aplicação experimental e do desdobramento
de pressupostos teóricos em atividades práticas também é discutida em “ Tatlin e
Gabo, da experimentação à produção; entre a estrutura e a estética”, no qual os
modelos concebidos a partir das obras: Contra-relevo de canto, de Wladimir Tatlin
(1915) e a Construção de Rotterdam, de Naum Gabo (1957), visam flagrar, através
da manipulação de materiais e da análise de sistemas de articulação estruturais,
como se manifesta o raciocínio projetual tensionado pela vizinhança entre Arte e
Arquitetura. As estratégias pedagógicas contemporâneas subjacentes a estas
questões estão presentes em “Metodologia de ensino baseada na experimentação
pelas escolas Bauhaus e VKhUTEMAS”, e “Banco Multifuncional Infantil: Pesquisa em
mobiliário infantil voltado para a pedagogia Waldorf”,

As proximidades entre Arte e Arquitetura, estabelecidas a partir de reflexões sobre


articulações entre Corpo e Espaço, cujas representações utilizam suportes e
linguagens artísticas particulares, como o cinema e a fotonovela, podem ser
discutidas nas reflexões sugeridas pelo artigo “O reflexo da Memória no espelho do
Tempo: A captura da Atmosfera arquitetônica” (ensaio verbo-visual gráfico da
fotonovela), e pelo ensaio “A representação da cidade de São Paulo no filme Ensaio
sobre a cegueira: distopia, não-cidade ou cidade global?”, que denuncia o anonimato
da metrópole paulistana, fenômeno recorrente nas megalópoles mundiais.

Intervenções arquitetônicas, em contextos urbanos distintos, revelam olhares


particulares dos autores que as projetaram como Trabalhos de Conclusão de Curso,
da primeira turma graduada em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário
Senac. “Intervenção na margem da Billings; o caso dos Pereiras/Jequirituba” analisa
os impactos do loteamento irregular na manutenção do manancial, devido, à
insuficiência de saneamento ambiental e de infraestrutura urbana, discutindo
hipóteses de redesenho urbano para sanar os problemas de mobilidade e acesso,
pelos moradores, aos equipamentos e serviços públicos; “Lugares Invisíveis: sobre o
espaço público em São Bernardo do Campo” e “RBZU 150 314 3” propõem
investigações e intervenções pontuais para discutir a formação da imagem da cidade
e o habitar na metrópole contemporânea, evocando o imaginário de seus habitantes,
tendo como foco a cidade de São Bernardo do Campo. O primeiro artigo elege os
denominados espaços invisíveis, despercebidos pelos habitantes do espaço urbano,
como objeto de investigação, e o segundo propõe a recuperação do centro comercial
Conjunto Anchieta, através da inserção de nove containeres inspirados e associados

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a nove possibilidades perceptivas, suscitando filtros e visões parciais do fenômeno
urbano, que revelam fragmentos da cidade com novos significados e propõem um
novo uso para o edifício e para a socialização neste terreno. Escolhendo um foco
tecnológico para pensar questões da urbanidade contemporânea, “UrbX – como os
aplicativos móveis potencializam a vida urbana” identifica projetos de hibridização
entre espaço físico e meio digital, verificando como as Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) são utilizadas em desdobramentos urbanos, explorando a
experiência de viver e se apropriar da cidade permeada pela Informação em mídias
digitais por meio de dispositivo móveis e aplicativos geolocalizados.

Nesta edição, recebemos, novamente, contribuições de pesquisas realizadas por


Universidades externas. As da Faculdade de Arquitetura e Design paranaense
sinalizam : em “Modateca PUCPR: Criação e Organização do acervo de moda na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná” a participação dos alunos na criação de
banco de dados e materiais disponível para consulta, configurando pesquisa teórico-
prática destinada a zelar pela memória da Moda e promover conhecimento; e em
“Fibras têxteis sustentáveis: algodão colorido e orgânico, fibras de bambu, soja e
milho” as oportunidades para se discutir de forma conjunta conceitos relacionado à
sustentabilidade tecnologia e inovação, no cenário da indústria têxtil, como estratégia
para conter a degradação ambiental. A descartabilidade e a intenção de aumentar o
ciclo de vida útil e funcional dos produtos, problemática também relacionada a
urgência de atitudes sustentáveis, é comentada no artigo “O designer como agente
participativo no processo do desenvolvimento de produtos sustentáveis”, cuja
pesquisa foi desenvolvida na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Por fim, a análise da percepção sensorial de um pedestre projetada na cidade de


Bologna, resultante de Intercâmbio Internacional acadêmico, ilustra nossa Seção
Especial: Experiência, apresentando o ensaio poético: “Bologna - O vento soprando
na vela colorida de vermelho”. Transformada em inspiração e matriz do Trabalho de
Conclusão de Curso do autor do artigo, esta experiência é traduzida em textos
subjetivos e fotografias, que representam lugares e eventos simbólicos e sensíveis
ao caminhante e observador, utilizados pelo mesmo autor para a construção da
imagem do fenômeno urbano vivenciado em solo italiano.

Nesta edição, trazemos até nossos leitores um diálogo amplificado pela reunião de
investigações sobre temas familiares à Comunicação, Arquitetura e Design
aproximando-os de estudos nestas áreas, voltados a temáticas incomuns. Uma
estratégia aberta para acompanharmos aos dilemas da produção científica acadêmica
contemporânea.

Até a próxima,

Myrna Nascimento.

Coeditora

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Forma e função nas casas de Peter Eisenman

Form and function in Peter Eisenman houses

Luis Paulo Hayashi Garcia, Valeria Cássia dos Santos Fialho

Centro Universitário Senac


Departamento de Arquitetura e Urbanismo - Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{luis_paulo_2@hotmail.com, valeria.sfialho@sp.senac.br}

Resumo. Esse projeto de iniciação científica pretende, por meio da experimentação


com modelos tridimensionais, tanto físicos como virtuais, compreender o s
p r o c e s s o s d e p r o j e t o q u e r e s u l t a r a m nas “casas de papel” projetadas pelo
arquiteto americano Peter Eisenman, com especial f o c o n a r e l a ç ã o e n t r e f o r m a ,
função e estrutura.

Palavras-chave: volumetria, forma, função, modelos tridimensionais,


desconstrutivismo.

Abstract. This study aims, through studies with physical and virtual models,
understands the theories behind the “paper houses” designed by the American Architect
Peter Eisenman, with special focus on the relationship between volumetric, function and
structure.

Key words: paper template, graduation work, scientific magazine.

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Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
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1. Introdução
A experimentação realizada por Peter Eisenman na sua série de casas é importante
referência para a produção contemporânea da arquitetura. Para o arquiteto, o ponto
de partida para sua arquitetura estaria na transformação da geometria dos objetos.
Seu pensamento mesclou, nestes projetos, a racionalidade de um objeto puro, o cubo,
e a neoplasticidade, com a qual remodelou a figura tridimensional original retirando
algumas de suas identidades iniciais, adotando funções e volumetrias diferenciadas e
ajustando-se com grelhas estruturais complexas para alcançar os objetivos
propostos.

2. Objetivos
O objetivo desta pesquisa é analisar e captar informações referentes às casas de
Eisenman a fim de formar um acervo de consultas para futuras pesquisas, além de
compreender a complexidade de suas obras no âmbito arquitetônico. Além disso, a
realização deste trabalho permite a construção de um acervo de modelos e materiais de
referência para futuros estudos na área.

3. Metodologia
Os métodos utilizados foram pesquisa teórica, documental e empírica com a
finalidade de adquirir conhecimento através da experimentação. A metodologia
escolhida para seu desenvolvimento envolveu redesenho dos projetos e construção de
modelos tridimensionais físicos e virtuais utilizando, em alguns casos, métodos de
fabricação digital. O método de análise gráfica, também utilizado, teve grande
importância para o entendimento estrutural, volumétrico e funcional dos projetos,
enquanto os modelos contribuíram para o entendimento analítico e tridimensional das
formas.

4. Resultados e discussões

Análise por diagramas e textos


A partir do levantamento bibliográfico e iconográfico, o trabalho, em sua primeira etapa,
se resumiu à coleta de material para leitura e referência, além da realização de
levantamentos de diagramas e textos referentes a cada uma das casas estudadas. Os
desenhos de diagramas foram feitos a mão a fim de melhor compreender os projetos
das casas, uma vez que, algumas delas, são de complexa volumetria e estrutura.
Articulado com os desenhos, textos também foram produzidos com o mesmo fim. As
casas foram estudadas dentro de uma cronologia partindo da mais antiga, a primeira, a
House I (1967-1968), para a mais recente a Guardiola House (1988), desse modo
observando as transformações filosóficas e projetuais que Eisenman vinha
desenvolvendo ao longo daqueles anos. Todas as dez casas tiveram o mesmo processo,
mas seguem como exemplo os diagramas e textos das House I e Guardiola House:

HOUSE I (1967-1968): A casa de número um, que está localizada na cidade de


Princeton Nova Jersey, é a primeira de uma série de dez casas que Peter Eisenman

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projetou sendo algumas delas apenas experimentais. O objeto inicial puro utilizado
para esta casa foi o cubo. As articulações complexas que essa forma geométrica sofre
mais a estrutura duplicada sobreposta não tiram a característica inicial do cubo na
volumetria final da casa como ocorre em outras casas da série. Ela teve início em
1967 com desenhos axonométricos, e teve como um dos pontos principais obter um
distanciamento entre cliente e autor, pois era dessa forma que Eisenman pensava que
poderia colocar suas ideias e filosofias em prática sem receber influência de ninguém.

GUARDIOLA HOUSE (1988): Guardiola house projetada em 1988 tem implantação


na cidade de Cadiz na Espanha. Uma das casas mais complexas da série de
Eisenman, Guardiola só foi possível de ser modelada através da computação. O cubo,
que foi utilizado como objeto inicial dessa casa, sofre diversos procedimentos como
torções, rotações, subtrações etc. são deixados à mostra para causar ao observador
um sensação de incerteza com relação à articulação da casa, como se ela mudasse de
forma a todo o momento.

Figura 1. Estudos de diagramas volumétrico da Guardiola house, realizado pelo autor.

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Análise por tridimensionalidade física e virtual.

Propomos para essa segunda etapa da pesquisa a produção dos modelos com a
finalidade de concretizar as ideias articuladas na primeira etapa. Com a prioridade
em traduzir as casas através de maquetes, para a confecção foram selecionadas
quatro entre as dez casas que existem. Foram então selecionadas House I, House 11a,
El Even Odd e Guardiola house. Selecionamos, assim como as citadas na primeira
parte desse artigo, como exemplo, as casas House I e a Guardiola house. A escolha
por modelar a House I é pelo fato dela ser a primeira da sequência desenvolvida por
Eisenman; ela foi projetada em 1968 e foi um experimento que ele desenhou
relacionando estrutura, volumetria e função. Para compreender a filosofia que o
arquiteto expõe na arquitetura o inicio é de evidente importância. A complexidade
estrutural também serviu de reforço para a produção dela.
Inicialmente foram produzidos redesenhos técnicos para a elaboração dessa
maquete. Estes foram feitos com o auxílio do programa AutoCad para agilizar e
facilitar o processo. Assim como os desenhos, o modelo virtual também foi executado
no mesmo software. A escala da maquete física, 1:50, foi escolhida para melhor
entender o processo que Eisenman desenvolveu neste projeto e representar com
melhores detalhes essa obra.

Figura 2. Redesenhos das plantas da House I, software AutoCad, realizado pelo autor.

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Figura 3. Modelos virtuais, normal e explodido, realizado em software AutoCad, pelo autor.

Figura 4. Modelo físico t r i d i m e n s i o n a l , e m p a p e l p a r a n á , c o n s t r u í d o pelo autor.

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A Guardiola house por ser o último projeto dessa série de casas foi inevitável sua
modelagem. Sua complexa volumetria, que só foi possível de reproduzir com o
auxílio de um computador, sua estrutura, seu local e terreno foram fatores para a
confirmação da confecção da maquete. Também representa, assim como já Rafael
Moneo citou, um novo momento na obra de Peter Eisenman relacionando-se com
suas obras mais contemporâneas. O processo da maquete foi possível através da
fabricação digital, a impressão 3D. Escolhemos esse tipo de confecção para melhor
representar os detalhes da volumetria da casa. A modelagem foi feita através do
software Rhinoceros e os desenhos das plantas do Auto Cad. A escala definida que
melhor atendia a visualização dos detalhes e ficaria em um tamanho adequado foi a
1:200. Já o terreno foi confeccionado na cortadora a laser. Concluída a maquete,
analisamos a suavidade em que a casa se posiciona no terreno e a relação entre
eles. Analisamos também como Eisenman evoluiu em seus pensamentos
projetuais e filosóficos para chegar nesse nível de complexidade que é Guardiola
house.

Figura 5. Redesenhos da Guardiola house, realizados com o software AutoCad pelo autor.

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Figura 6. Modelo virtual da Guardiola House , realizado pelo autor com utilização do software
Rhinoceros.

Figura 7. Modelo de estudo, em wireframe, da Guardiola House, realizado no software AutoCad


pelo autor.

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Figura 8. Modelo tridimensional, modelado no software Rhinoceros e produzido na impressora
ZPointer (fabricação digital).

Figura 9. Modelo físico tridimensional da Guardiola house, realizado pelo autor.

Figura 10. Modelo tridimensional da Guardiola House, feito pelo autor.

4. Conclusão
A obra de Eisenman intriga pelos conceitos filosóficos aplicados à arquitetura. O
arquiteto experimentou novas maneiras de projetar e relacionar forma, estrutura e
função em seus projetos. Ao longo desse período inicial de experimentação ele
acaba por consolidar seus pensamentos filosóficos influenciados por Jaques Derrida e
Gilles Deleuze.

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Eisenman se preocupa em traduzir seus desenhos como literatura que remetem
ao pensamento da desconstrução em uma linguagem arquitetônica. Esta pesquisa
procurou produzir “textos visuais” que abordam questões que vão além do desenho.
Diante do material recolhido e produzido podemos afirmar que o projeto foi
executado com êxito perante a sua finalidade de construir e estudar os
pensamentos sobre o arquiteto e teórico Peter Eisenman e a elaboração de
desenhos e modelos relacionados às casas por ele projetadas.

Podemos concluir também, após o termino desta pesquisa, a importância de um


modelo tridimensional, tanto virtual como físico, para o entendimento de um
projeto arquitetônico. Ficou claro que a compreensão dos projetos aqui
estudados não seria eficaz sem os métodos selecionados. A articulação entre
desenhos, textos e modelos virtuais e físicos foi imprescindível na elaboração do
trabalho, e a completa correlação entre essas áreas também fundamentou as
reflexões aqui apresentadas.

Figura 11. Modelos físicos tridimensionais desenvolvidos durante a pesquisa. Registro fotográfico
do autor.

Referências
DORFMAN, Beatriz R. Arquitetura e representação: As casas de papel de
Peter Eisenman e textos da desconstrução de Jaques Derrida, Rio Grande
do Sul, 2009. Tese (Pós-graduação e pesquisa em arquitetura) –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

EISENMAN, P. Diagram Diaries, London, Thames and Hudson Ltd, 1999.

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EISENMAN, P. Peter Eisenman’s House VI: the client’s response, Michigan,
Whitney of library design, 2007.

MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno. Barcelona,


Gustavo Gili, 2001.

PONS, Juan Puebla. Neovanguardias y representación arqutectónica: La


expresión inovadora del proyecto contemporâneo. Barcelona, UPC, 2002.

NESBITT, Kate. Uma nova agenda para arquitetura. Ed. Cosac Naify,
2006. DAVIDSON, Cynthia C. Tracing Eisenman: complet works,
Michigan, Rizzoli, 2007.

Recebido em 22/11/2014 e Aceito em 06/05/2015.

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RHOB: bancada de trabalho compacta
RHOB: compact workbench

Rafael Augusto Reis Moreira, Myrna de Arruda Nascimento


Centro Universitário Senac
Bacharelado em Design Industrial
{rafagtb@yahoo.com.br, myrna.anascimento@sp.senac.br}

Resumo. O projeto deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) reestrutura e modifica


o desenho convencional de bancadas de trabalho compactáveis existentes no mercado,
adaptando o conceito existente para que a mesma possa ser utilizada em residências e
pequenas oficinas. A bancada proposta revela-se um equipamento comum ao usuário
que dela faz uso tanto como hobby, como na sua atuação profissional. A metodologia
adotada para desenvolver este TCC foi pesquisa teórica e histórica, sendo que o
levantamento de referências (material impresso e sites) foi feito a partir de fontes
secundárias. Além disso incorporou-se entrevistas e levantamento de campo a este
documento, considerando estudos de caso semelhantes ao tema deste TCC (oficinas
caseiras, hobby).
Palavras-chave: Faça-você-mesmo, hobby, usinagem, marcenaria, bancada de
trabalho, design industrial.

Abstract. This Final Work (TCC) intends to restructure and modify the conventional
design of existing workbenches packable labor market, adapting it for homes and small
workshops. The workbench becomes a common equipment either for the amateur user or
for the professional one. The methodology to develop this TCC was theoretical and
historical research, and the survey results (printed materials and websites) from
secondary sources. Besides, we incorporated interviews and field survey, considering
case studies similar to the theme of this TCC (homemade workshops, hobby).
Key words: DIY, hobby, machining, woodworking, workbench, industrial design.

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Introdução

O estudo e construção de uma plataforma compacta para trabalhos manuais, voltada


para o uso em residências e pequenas oficinas foi o tema do meu Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC). A metodologia adotada para desenvolvê-lo foi pesquisa
teórica e histórica, sendo que o levantamento de referências (material impresso e
sites) foi feito a partir de fontes secundárias. Incorporou-se a este documento
entrevistas e levantamento de campo, considerando estudos de caso semelhantes ao
tema deste TCC (oficinas caseiras, hobby). A comparação analítica entre estes casos
fundamentou a geração do projeto de produto que apresenta a bancada RHOB.
A partir da apresentação dos argumentos que subsidiaram minha escolha pelo tema
(item 1), dividi este texto em 3 eixos que discutem aspectos importantes para o
desenvolvimento da monografia que subsidia a proposta do projeto, o que resulta em
uma versão resumida do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em dezembro
2014, sob a orientação da profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento.
O primeiro eixo discute o papel do artífice na sociedade (item 2), desde quando este
trabalha manualmente até quando produz trabalho industrial, destacando o caráter
“artificial” do fazer. Ainda neste eixo, consideramos a aquisição da consciência
material (item 3) como uma habilidade advinda do caráter transformador da ação
manual exercida pelo artífice, e identificada também em sua própria transformação
enquanto indivíduo, na medida em que intervém no material. O conhecimento do
material a partir do contato e do convívio/ da noção de operações instrumentadas ou
mecanizadas que tornam possível a ação sobre o material, faz-nos refletir sobre o
quanto é possível transformar; como é possível potencializar a transformação; que
qualidade podemos obter a partir da eficiente ação transformadora, e, portanto,
desenvolver produtos que viabilizem esta qualidade e tornem mais eficientes os
produtos gerados.
No eixo seguinte, introduzimos a discussão sobre como a prática manual caseira na
atualidade se processa, focando nossa análise no hobby, aqui entendido como o “fazer
por distração”, ou “passatempo”, (item 4) e também incluímos uma análise sobre o
“fazer” (produção do hobbista) e o mobiliário para o “fazer” (as adaptações sugeridas
e o tipo de mobiliário desejado para esta finalidade). Como desenvolvimento destas
operações, apresentamos o caso Paulk, marceneiro que desenvolveu uma estação de
trabalho particular, uma bancada das mais sofisticadas e complexas do ponta de vista
do local de trabalho individual, para transformação de materiais.
No terceiro e último eixo, comentamos referências contemporâneas profissionais e os
resultados das entrevistas aos profissionais que utilizam bancadas Hobby, e dos
estudos de caso analisados (item 5, e conclusão), para subsidiar as escolhas que nos
levaram a desenvolver o projeto RHOB, apresentado na sequência através de um link
de vídeo, uma vez que seu atributo mais forte, além da compactação, é a
portabilidade e montabilidade.

1. A opção pelo tema


Desde criança eu era fascinado pelo quarto empoeirado e com cheiro de mofo, nos
fundos da minha casa, onde meu pai guardava as ferramentas que ele usava, nas
horas livres, para fazer manutenção e reparos em diversos lugares da casa. Era muito
comum ouvi-lo dizer “Se eu posso fazer bem feito um trabalho, porque contratar um
cara que vai me cobrar caro e fazer mal feito” e isto, de certa forma, me influenciou,
pois sempre queria imita-lo em tudo que fazia.

Com apenas quatro anos, já mostrava interesse em “brincar” com as ferramentas e


pedi uma caixa de “perramenta” de presente para minha mãe. As ferramentas

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perigosas, de corte, furação e lixamento eram escondidas pelo meu pai e levou um
bom tempo para que ele me ensinasse a usá-las com segurança. Comecei a realizar as
primeiras tarefas perigosas por volta dos seis anos, sempre com a supervisão do meu
pai e aprendi a realizar furos em madeira com a furadeira elétrica, cortes com serrote
e lixamento. As atividades eram simples e eu as realizava com muita vontade de
aprender e me aperfeiçoar.
O divertimento em realizar as pequenas tarefas era grande e, quando via o resultado e
os elogios, ficava cada vez mais motivado em aprender novas formas de trabalhar. Os
anos se passaram e as técnicas de oficina foram refinadas, cada vez que aprendia um
novo modo de executar um trabalho eu buscava realizar o quanto antes e, algumas
vezes, os resultados eram desastrosos, e outras, bem próximos ao de um profissional.
Esta vivência na oficina, de certa forma, sempre me transportou para um mundo livre
de obrigações onde o tempo não tinha importância e o que realmente valia era a
atividade realizada. O interesse por trabalhos em oficina me levou a ter contato com
profissionais de marcenaria e ferramentaria, bem como suas ferramentas, dentre
estas, as bancadas de trabalho que mesmo não tendo um projeto definido e, na
maioria das vezes construídas pelo próprio artesão, sempre me chamaram atenção
pela robustez e eficiência. A bancada para trabalhos manuais é o carro chefe para
quem deseja ter desempenho máximo, versatilidade e precisão na execução de
quaisquer trabalhos sejam de marcenaria, ferramentaria, serralheria, artesanato,
dentre outros. As bancadas de trabalho para marcenaria existentes no mercado
possuem diversos equipamentos acoplados ao seu conjunto, que facilitam trabalhos
como corte, furação e lixamento de madeira, acrílico, alumínio, entre outros materiais.
Nas ferramentarias, estas bancadas funcionam apenas como plataforma para o uso de
ferramentas intercambiáveis, na sua maioria de médio e grande porte para uso
exclusivo em oficinas profissionais.

2. O Artífice: transformar / manufatura / ofício

2.1 O trabalho com as mãos


O fazer manual, transformando material bruto em objetos desejados, é uma prática
antiga na sociedade e, para compreender suas origens, é necessário estudar como os
indivíduos se transformaram em artífices ao longo do tempo.
Richard Sennet (2013) apresenta uma leitura minuciosa sobre este “personagem” da
história da produção de cultura material humana, em obra recentemente traduzida
(2013), na qual o autor sugere abordar o “fazer manual” como uma operação mental
complexa, fruto da curiosidade e iniciativa espontânea de indivíduos cuja ação
intelectiva revela-se em intervenções executadas de forma prática, “com as mãos”.
Segundo SENNET (2013) o equilíbrio entre o saber e o fazer existe, e nisso o autor
diverge da opinião de Hannah Arendt1, sua antiga professora, que distingue o homem
em duas dimensões, homo laborens e homo faber. Arendt defende que o homem que
apenas executa sem questionar, pode ser definido pela expressão latina homo
laborens que compara o homem a uma besta de carga que executa tarefas sem uso da
criatividade, sem fazer questionamentos sobre o que está fazendo e que está preso ao
trabalho que o isola do mundo. Por outro lado, o trabalhador que estaria em outra
dimensão de trabalho e que seria homo faber questiona o trabalho individual e não
apenas faz coisas. Este trabalhador, que busca discutir e julgar a tarefa, está ligado
diretamente aos resultados da tarefa e como isto irá interferir no mundo, executa o
trabalho em comum com os outros trabalhadores, e servirá como um guia para o
homo laborens sendo um superior e não um colega.

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Filósofa política alemã (1906-1975)
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Para Sennet, esta divisão é injusta, pois menospreza o homem prático e o coloca em
posição de um trabalhador que não pensa, apenas faz. O que ele defende é que
trabalhadores braçais, também dividem ideias, bem como conversam e
discutem/questionam mentalmente com os materiais que lhe são passados. Desta
forma estão em uma situação onde o pensamento e o sentimento, caminham juntos
durante o fazer. Os produtos criados pelo homem podem revelar muito a seu respeito,
esta ligação acontece quando os objetos passam a explicar por si só como o homem
pode se modificar socialmente devido à influência que a produção de objetos pode
causar em seus sentidos. O desejo de executar um trabalho bem feito, motiva o
artífice a desenvolver suas habilidades. A busca pela qualidade leva o artesão a
praticar atividades repetitivas e a técnica do artesão sofre mudanças ao longo deste
processo de transformar a matéria em objeto de desejo. O artífice inquieto busca a
sua recompensa no trabalho bem feito e a prática repetitiva leva à produção de peças
próximas da perfeição, pois a perícia artesanal não pode ser subestimada pelo artífice
e a ação conjunta da sua mão e do seu cérebro é essencial na concepção do objeto.
O questionamento do artesão perante o problema leva-o a prática que está longe de
ser uma atividade mecânica, leva-o também a buscar e entender novos materiais e,
somente desta forma, ele se torna capaz de sentir aquilo que está fazendo.
Esta conexão do artesão com o trabalho faz com que ele faça aquilo que se
comprometeu a fazer de forma plena e satisfatória, e tenha a recompensa emocional
desejada.
Além disso, o autor mencionado (SENNET, 2013) também insere na discussão do
papel do artífice e sua relação com a oficina (espaço de trabalho) e com as máquinas
(instrumentos de trabalho).

2.2 Oficinas
O trabalho de produção de objetos nas oficinas, ao longo da história, em vários tipos
de ambientes como guildas, ateliês e oficinas-residência, influenciou diretamente na
motivação do trabalhador. O papel do artífice dentro do ambiente de trabalho nem
sempre seguiu um padrão. As influências que determinavam como o trabalho seria
realizado, religiosas ou derivadas de imposições políticas, determinavam o ritmo e a
forma de trabalhar.
As oficinas dependiam da organização do trabalho, organização hierárquica e a
originalidade do mestre artesão para que o trabalho fosse realizado e tais fatores
interferiram diretamente nos resultados obtidos e na transferência do conhecimento
para os aprendizes, em muitos casos o conhecimento não pôde ser passado
completamente e morreu junto com os mestres.
A satisfação pessoal do artífice em transformar matéria prima em objeto de desejo
percorreu séculos e não foi exaurida da sociedade mesmo após o nascimento da
indústria e mecanização dos meios de produção. O objeto de desejo concebido por um
mestre em sua oficina seguia (e segue até os dias de hoje) sua forma de produzir e
possuía as características artesanais do seu criador. Tais objetos eram produzidos com
o máximo de qualidade e recebiam todo o conhecimento e capacidade que o mestre
artesão poderia oferecer.
A oficina de instrumentos do mestre luthier Antônio Stradivarius (Cremona, 1644 -
1737), seguia o tipo de organização que era transferido tradicionalmente aos
aprendizes (futuros mestres de outras oficinas), junto com os conhecimentos de
produção de instrumentos musicais. O local de trabalho era ao mesmo tempo
residência e oficina, no qual seus familiares e aprendizes estavam presentes no
cotidiano da produção. Os aprendizes trabalhavam durante o dia nas bancadas e

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durante o período da noite dormiam sob o tampo em sacos de palha e estavam
submetidos às mesmas regras pelas quais passaram os familiares de Stradivarius.
Havia algo especial nas oficinas como a do mestre de violinos Antônio Stradivarius que
mesmo tendo muitos discípulos, sendo alguns deles seus filhos, não conseguiu
transferir todo o conhecimento e técnica interrompendo a produção de instrumentos
de altíssima qualidade sonora, após sua morte. Alguns aprendizes da oficina de
Stradivarius, devido ao aumento da oferta de instrumentos confeccionados por outros
luthiers, deixaram de trabalhar na oficina do mestre e passavam a produzir por conta
própria seus violinos para comercializar ou iam trabalhar em outro tipo de
manufatura.
A desconfiança de que o mestre artesão não conseguiria recompensá-los
financeiramente os afastava cada vez mais cedo do mestre. Sendo assim, os contratos
de seus aprendizes eram cada vez mais curtos e artífices de alto nível profissional
como era o caso de Antônio Stradivarius, não dispunham mais do tempo necessário
para passar seus conhecimentos.
Este é um interessante fato, que resume a influência que o mercado e a sociedade
podem ter sobre as oficinas artesanais e como fatores externos ao ambiente de
trabalho do artífice podem contribuir para a alteração dos padrões de organização das
mesmas.

2.3 Máquinas
O surgimento de maquinário industrial que facilitava o trabalho manual e que servia
como extensão da mão do artífice–artesão também levantou a questão sobre a
substituição ou não do homem pela máquina, ou ainda, se estas máquinas iriam
apenas auxiliar o artesão durante o processo produtivo.
Para entendermos esta questão temos que rever como a sociedade europeia reagiu ao
aumento da produção de bens de consumo. Durante o Renascimento, a produção de
artefatos como roupas e utensílios de mesa em abundância aumentou
consideravelmente a circulação destes produtos entre a população europeia no século
XV, devido ao aumento no número de artesãos. (SENNET,2013)
A demanda por produtos aumentava mesmo estando a Europa em meio a uma
sociedade em escassez. Países como a Holanda e a França, conhecidos por
economizarem, viam sua população se deixar corromper pela compra movida por
impulso e ansiedade. O impulso e a ansiedade surgiam diante da oferta abundante de
produtos, estes que antes eram acessíveis apenas às parcelas mais ricas da população
e agora estavam sendo produzidos e disponibilizados às esferas mais comuns.
(SENNET,2013)
Durante o século XVIII, pensadores afirmavam que a máquina tinha papel de
aperfeiçoamento do homem. A máquina seria o começo de um novo modo de se
pensar produtivamente e de um modo mais racional. A comparação entre o homem e
a máquina levou os pensadores a aprofundar seu estudo sobre o comportamento do
homem. (SENNET,2013)
A criação da máquina a vapor por James Watt (1736-1819) se deu em uma oficina
que não foge aos padrões de manufatura da oficina de Antônio Stradivarius, mas
passou a ser produzida industrialmente a seguir, e atuou em um contexto social
totalmente diferente.
A máquina a vapor foi descrita pelo seu fabricante e não possuía segredos de
produção como no caso dos violinos de Stradivarius. A oficina esteve presente em
todos as etapas do processo produtivo, seja como principal meio de produção ou como
intermediação entre o criador e a fábrica. (SENNET,2013)

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No século XIX o artífice passou a ser visto como um inimigo dos novos meios de
produção, pois não se adaptava à cultura das máquinas e era visto como alguém que
não produzia com precisão, um egoísta que tinha como valor a produção de peças que
mantinham as irregularidades do trabalho feito manualmente. (SENNET,2013)
As tentativas de substituição da máquina humana por modelos criados por artífices
deram origem a dois tipos de “ferramentas espelho”. Ferramentas espelho são objetos
que podem ser equivalentes ou podem ampliar nossas capacidades. Segundo o autor,
(SENNET, 2013) as máquinas-espelho, que apenas nos imitam, podem ser chamadas
de replicantes uma vez que apenas cumprem uma tarefa fisiológica do homem.
Se uma máquina produzida pelo homem pode ampliar suas capacidades fisiológicas,
como força, rapidez e memória, a mesma irá substitui-lo em atividades ou poderá
servir como ferramenta para torna-lo aquilo que ele poderia ser.
As tentativas de criar máquinas que ampliassem nossas capacidades surgiram na
época do Iluminismo com maquinas que conseguiam replicar nossas habilidades como
é o caso do invento do flautista de Jacques Vaucanson (Figura 1). Tal invenção
conseguia reproduzir sons, porém apenas isto, portanto, era apenas um replicante de
uma capacidade humana já conhecida, apesar de ter sido considerada uma maravilha
mecânica (SENNET, 2013).

Figura 1. Gravura que representa o flautista de Jacques Vaucanson e seu complexo mecanismo
de funcionamento.
(Disponível em: <http://thepiper.k12.somerville.ma.us/wordpress/future-soon/url/>. Acesso em 23 Mai.
2014)

A genialidade empregada na máquina de Jacques Vaucanson chamou a atenção de


Luís XV, que viu uma possibilidade de aplicação dos conhecimentos de Jacques em
algo que pudesse aumentar a fabricação de tecidos feitos de seda (Figura 2). A
máquina ganhou do homem em quantidade de produção e substituiu o trabalhador por
ter custo mais baixo na aplicação e possibilitar uma produção maior de tecido. Este foi
o momento histórico em que o homem foi literalmente substituído pela máquina, o
que causou revolta por parte dos tecelões substituídos de forma abrupta no sistema
de produção (SENNET, 2013).

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Figura 2 - Tear produzido por Jacques Vaucanson a pedido de Luís XV.
(Disponível em: http://rutherfordjournal.org/images/hollerith4.png Acesso em 23 Mai. 2014)

3. Consciência material

A relação do trabalho do artífice com o material escolhido transcende o campo da


materialidade. Tenho observado isto, pois, com frequência, em minhas atividades
manuais, ter a melhor técnica ou o melhor equipamento não foi suficiente para que o
resultado esperado fosse alcançado.
O material escolhido para qualquer finalidade estimula a criatividade e estimula
nossos sentidos diretamente. A relação de profunda conexão logica e filosófica com o
material faz com que tenhamos ideias novas durante o processo de criação e, muitas
vezes, alteramos completamente o projeto frente às imposições do material. O artífice,
que naturalmente entende o material com que trabalha, impõe qualidades humanas
no momento em que modifica a matéria bruta ou quando modifica expressivamente o
meio de produção (SENNETT, 2013).
Segundo os filósofos Heráclito e Parmênides, toda mudança ou transformação material
só poderia acontecer a partir da recombinação dos quatro elementos naturais água,

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fogo, terra e ar. Estes quatro elementos aleatoriamente organizados seriam
responsáveis por formar tudo o que existe.
Porém, a evolução natural revelou que matéria bruta, a combinação dos quatro
elementos naturais, pode gerar matéria bruta e, portanto, esta dedução nos leva a
entender a possibilidade de transformação material além das combinações em que
eles acreditavam.

(...) Platão (181b- 190 a.) afirmava que a formula matemática é uma ideia
independente da tinta usada para anota-la. Pelo mesmo motivo, sustentava
Aristóteles, a expressão verbal não é limitada por sons vocabulares específicos – é
por isto que podemos traduzir de uma língua para outra. (SENNET, 2013, p143)

Richard Sennet (2013) afirma que a civilização oriental acredita que a matéria, pelo
fato de se decompor, é inferior às ideias e à teoria que nunca “morre”.
O artífice trabalha numa via de duas mãos: seu trabalho pode modificá-lo e suas
modificações podem perdurar naquilo que ele produz.
A mudança que vem da ação e da relação com o material “abre os olhos da mente” do
artífice, e isto acontece frequentemente em sua oficina. Porém o entendimento pode
vir separado da ação, como no caso dos filósofos, que assistem suas ideias
perdurarem, mas sem modificações positivas e sem participar daquilo que afirmaram.

4. Faça você mesmo (do inglês, Do it yourself - DIY)

Em diversos países da Europa, assim como nos Estados Unidos, a cultura do “faça
você mesmo” é comum a toda a população. O costume de fazer pequenos reparos em
suas casas, que as pessoas praticavam após a Segunda Guerra Mundial, nas décadas
de 1940 e 1950, e a prática de construção de objetos para tornar o custo de vida mais
baixo, foi denominado, pela população americana, de “Do it yourself” que em
português significa “faça você mesmo”.
A opção pela ação autônoma do indivíduo no desenvolvimento de certos tipos de
tarefas de seu interesse, em parte está relacionada com o movimento Arts & Crafts
por ser uma forma de desenvolvimento da criatividade pessoal e também da
capacidade de alcançar uma qualidade particular em sua produção própria, que em
muitos casos é superior a encontrada em produtos industrializados.
Duarte (2013) afirma que a cultura do “do it yourself”, despertou seu interesse para
uma vertente de consumidores que não estão preocupados apenas em usar objetos e
jogá-los fora, para que possam ter em um curto prazo outro produto industrializado
novo nas mãos. Estas pessoas costumam reparar aquilo que possuem, aumentando a
vida útil do produto, além também de se disporem a construir aquilo que usam.
A empresa Tramontina (2013) divulga em seu site um texto que procura justificar ou
narrar como este comportamento começou a se manifestar no ambiente de trabalho
de alguns profissionais durante as décadas de 1960:
Tudo nasceu como um hobby. Depois de uma semana de trabalho nos seus escritórios,
homens e mulheres começaram a utilizar o tempo livre para cumprir tarefas manuais,
quase como uma terapia contra a burocracia da vida corporativa. Montar um armário,
por exemplo, deixou de ser uma mera tarefa doméstica para se transformar numa
diversão em família. Essa foi a gênese da cultura do faça-você-mesmo, que atende
pela sigla DIY (do it yourself, em inglês), na segunda metade do século 20. A virada
do milênio, no entanto, trouxe novidades. O hobby se transformou em filosofia de vida
para aqueles que acham que a existência só é completa se construída pelas próprias
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mãos. Grande parte do renascimento do movimento tem relação com a tecnologia e
com o clima colaborativo promovido pela internet. (TRAMONTINA, 2011, s.p. on
online)
Outro exemplo da influência do faça você mesmo também foi relatado no site da
Tramontina, e se refere ao fato de trabalhadores conseguirem diminuir os custos do
trabalho no campo quando passaram a desenvolver suas próprias ferramentas ao
invés de simplesmente comprá-las. A iniciativa destes trabalhadores está levando
conhecimentos técnicos para pessoas de todo o país e tornando a tecnologia acessível
a todos:
Um dos exemplos mais radicais - e apaixonantes - do movimento DIY atende pelo
nome de Open Source Ecology.
Um grupo de fazendeiros, engenheiros, projetistas e entusiasmados, de qualquer
facção, está criando uma série de projetos de máquinas essenciais para uma vida
autossustentável no campo. São 50 equipamentos que estão ganhando projetos
baratos que “qualquer pessoa” pode fazer em casa, como tratores e empilhadeiras. O
objetivo é contribuir para a redução dos custos do trabalho no campo e fazer a
tecnologia chegar a lugares que dependem de um empurrão para atingir o
desenvolvimento. (TRAMONTINA, 2011, s.p. on online)

4.1 Hobby
O termo Hobby de origem inglesa, e que mais tarde foi incorporado à língua
portuguesa, sem tradução, é usado para definir o ato de executar uma atividade
prática prazerosa fora do horário de trabalho.
No mercado brasileiro de ferramentas manuais e elétricas, as ferramentas voltadas
para o público que desenvolve atividades de reparo ou manutenção em casa é uma
realidade. Alguns fabricantes usam a palavra hobby para especificar um segmento de
ferramentas produzidas pela empresa, como é o caso da fabricante Bosch. Sua
furadeira modelo Hobby (Figura 3) foi o primeiro produto de uma serie que inclui
lixadeiras, serras entre outras. A furadeira Bosch é líder de vendas no mercado de
ferramentas de pequeno porte.

Figura 3 - Furadeira Bosch modelo HOBBY


(Disponível em:-http://www.dicamodamulher.com/wp-content/uploads/2013/07/furadeiras-Bosch-1.jpg
Acesso em 21 Maio 2014)

Estas ferramentas não seguem o mesmo tipo de construção e materiais que as


utilizadas por profissionais, ou seja, apresentam características específicas que
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sinalizam o tipo de uso a que se destinam. Suas características mais “leves” indicam
que foram projetadas para o público que pretende apenas executar tarefas de
manutenção que não exigem tanto esforço, nem vai utilizá-las com tanta frequência.
Ferramentas manuais como martelo serrote etc., também sofreram alterações em
seus projetos iniciais e foram adaptadas para o público por fabricantes brasileiros
como é o caso da Ramada (Figuras 4 e 5).

Figura 4 - Serrote modelo Hobby Ramada


(Disponível em: http://www.ramadaferramentas.com.br/site/Produto/Serrote-Hobby/386 2014.Acesso em
4 Abr.2014)

Figura 5 - Martelo Ramada


(Disponível em :http://www.ramadaferramentas.com.br/site/Produto/Martelos/418 Acesso em 4 Abr.2014)

Com o auxílio de tais ferramentas, um usuário leigo usando bom senso e um pouco de
criatividade, pode efetuar reparos e construir peças em casa sem precisar contatar um
profissional.

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Figura 6 - João Gava, aos 100 anos, em sua oficina na garagem.
(Disponível em: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2013/08/marceneiro-de-100-anos-e-
adotado-pela-enteada-apos-perder-o-unico-filho.html. Acesso em 6 Maio 2014)

Portanto, hobby trata-se de uma atividade sem obrigação de execução ou prazo de


entrega, algo que fazemos, mas para o qual não temos que ter retorno financeiro. Os
“Hobbystas” desenvolvem cada vez mais, diferentes atividades manuais em oficinas
pequenas que são construídas em garagens e pequenos cômodos (Figuras 6 e 7).

Figura 7: Oficina de garagem, suas pequenas dimensões permitem a realização de trabalhos de


pequeno e médio porte.
(Disponível em: http://www.shootingtimes.com/files/2011/11/STMP-120100-GUN-03.jpg. Acesso em 5
Mai. 2014)

4.2 O “fazer” e o mobiliário para o “fazer”


A experiência do trabalho com hobby, e a necessidade de ter à disposição uma
plataforma para trabalhos que não fosse simplesmente uma mesa, sempre foram dois
aspectos presentes na minha atuação como “hobbysta” e hoje como profissão, uma
vez que estive envolvido, ao longo dos últimos anos, com a construção de diferentes
tipos de peças, para diversos tipos de clientes. Para a construção destas peças tive
que criar gabaritos para conseguir a precisão desejada no produto final, afinal, quando
se trata de desenvolver peças únicas, a qualidade do produto deve ser controlada
também de forma artesanal, como toda atividade manufatureira.

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Alguns gabaritos são encontrados no mercado, mas os equipamentos que o empregam
seguem as normas do fabricante e suas aplicações não são universais (Figura 8).

Figura 8 - Gabarito para uso em furadeiras, auxilia o usuário na realização de furos


perpendiculares a superfície, mas não pode ser empregado em todas as furadeiras hobby do
mercado.
(Disponível em: http://www.preciolandia.com/br/suporte-para-furadeira-bancada-para-esqu-7c5c4c-a.html
Acesso em 4 Abr.2014.)

A possibilidade de recorrermos a referências contemporâneas profissionais permite


que possamos identificar outras necessidades, ou mesmo conhecer soluções que
poderão também ser parte do quadro de referências que norteará o desenvolvimento
do produto desejado.
As bancadas de trabalho (Figura 9) assumiram, com o passar dos anos, diferentes
formas e aplicações.

Figura 9 - Bancada profissional, encontradas em marcenarias tradicionais.


(Disponível em: http://tecnicasdemarcenaria.blogspot.com.br/2011_11_01_archive.html Acesso em 15
Mar. 2014.)

No campo profissional existem padrões de bancadas com medidas específicas, projetos


prontos de produtos destinados a este fim que são executados por fabricantes e

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colocados no mercado, como é o caso da bancada projetada por Guido Einemann
(Figuras 10 a 13).
A bancada projetada e construída por Einemann segue o padrão das bancadas
convencionais de marcenaria que são fixadas ao chão das oficinas. Suas rodas
possuem freios que mantem a mesa estática durante a tarefa. Porém, embora seja
mais um exemplar de características conhecidas, esta talvez seja a bancada mais
completa já construída, pois supre quaisquer necessidades do profissional de
marcenaria da atualidade. Os gabaritos e ferramentas que podem ser acoplados ou
incorporados à bancada atendem todos os tipos de trabalho que um mestre
marceneiro venha a realizar. Este é um bom exemplo de como as bancadas evoluíram
tecnicamente ao longo dos anos. (Core77, 2013, online).

Figura 10 - Estação de trabalho Einemann com seus acessórios e gabaritos montados. A mesa
permite ajuste de altura por ação pneumática e acoplamento de gabaritos por meio de encaixe
ou fixação por vácuo. A superfície composta por travessas e suportes permite a fixação de outra
superfície maior que amplia as dimensões da área de trabalho.
(Disponível em: http://montagetische.info/cms/front_content.php?client=1&lang=2&idart=29 Acesso em
20 Mai.2014)

Figura 11 - Bancada Einemann em uso; fixação da peça a ser trabalhada feita por grampos
convencionais na lateral, exemplo de uso de acessórios externos acoplados a suportes na
bancada.
(Disponível em: <http://montagetische.info/cms/front_content.php?client=1&lang=2&idart=2> Acesso em
20 Mai.2014)

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Figura 12 - Fixação de peça em produção na superfície da bancada; fixação feita com o auxílio
de grampos convencionais.

(Disponível em:<http://montagetische.info/cms/front_content.php?client=1&lang=2&idart=2> Acesso em 20


Mai.2014)

Figura 13 - O módulo de vácuo MT pode ser facilmente montado em todas as bancadas


Einemann ou bancadas de trabalho existentes. Ao combinar isso com a bancada de altura
regulável a peça de trabalho fixada pode ser posicionada sem esforço e sem o contratempo da
fixação dos grampos convencionais.
( http://montagetische.info/cms/front_content.php?idcat=27&idart=30&changelang=2>
Acesso em 20 Mai.2014.)

4.3m O caso Ron Paulk


Ron Paulk é um renomado carpinteiro americano, e criador de uma bancada de
trabalho de uso pessoal em sua oficina móvel que se tornou um hit do design de
produto nos últimos anos, e incentivador da cultura do faça você mesmo (diy) em todo
mundo.

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Segundo entrevista concedida por Paulk ao jornalista Rain Noe, em agosto de 2013, o
profissional afirma ter usado diferentes tipos de bancadas, mesas de folhas de
compensado apoiadas sobre cavaletes, que serviam de tampo ou plataforma onde
eram realizados seus trabalhos, tais trabalhos eram realizados nas residências dos
clientes em lugares com dimensões reduzidas.
Esta situação é muito comum de se encontrar em quase todas as oficinas,
principalmente em oficinas domesticas, pois, o espaço disponível para atividades
manuais é reduzido e a bancada tem que ser desmontável para que o espaço ocupado
possa ser ampliado ou retomado nas suas funções habituais, depois de se utilizá-la.
Portanto o ambiente designado para esta finalidade deve ser bem aproveitado.
Os problemas detectados por Ron Paulk nas bancadas que utilizava durante o trabalho
eram instabilidade estrutural, desnível da superfície, dificuldade de movimentação e o
armazenamento do equipamento em sua oficina móvel (Figura 14) que funciona em
um caminhão ou trailer.

Figura 14- Ron Paulk em frente à oficina móvel e o caminhão que usa para transportá-la.

A ideia inicial para criação da bancada veio acompanhada da necessidade de


compactação. Para obter este resultado, o designer criou duas peças, e estas, unidas,
formam o tampo da bancada (Figura 15)

Figura 15 - As duas peças que formam o tampos e bancada desmontadas e bancada montada
após união dos mesmos.

Quando em uso, as bancadas de Paulk frequentemente ficavam cheias de ferramentas


na superfície forçando-o a utilizar uma mesa auxiliar, próxima a bancada, para colocar
as ferramentas de uso imediato. Este modo de trabalhar toma muito tempo útil do
profissional durante a tarefa, além de resultar em produtos menos precisos e,
portanto, de qualidade inferior.
Baseado em conceitos de Engenharia, Design e Marcenaria, Ron Paulk criou em uma
plataforma em forma de caixa, tão resistente quanto uma bancada com tampo maciço
que se costuma ver em oficinas de marcenaria convencionais. O espaço do interior da
bancada, oco, pode ser usado para guardar as ferramentas moveis durante o trabalho.
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Esta característica do projeto permite que a superfície fique disponível apenas para o
material que será transformado em peças futuramente.
A bancada deixou de ser apenas uma mesa constituída por uma superfície simples de
madeira compensada e passou a ser um ambiente favorável ao acoplamento de outras
ferramentas que possuem bancadas próprias. Estas ferramentas unidas à bancada
facilitam o trabalho aumentam as possibilidades de criação e evitam o deslocamento
dos materiais para outra bancada para que sejam cortados, como é o exemplo da
serra de bancada mostrada durante a entrevista.
Ron Paulk incentivado pelo desejo pessoal de facilitar e também de agilizar suas
tarefas, criou algo simples de ser feito sem ter a intenção de comercialização. A
bancada foi apresentada em seu canal no site youtube e ganhou milhares de fãs que o
perguntavam sobre como projeto tinha sido feito e como poderiam ter em suas mãos
uma bancada como a que ele havia criado. Hoje suas blueprints e plantas são
vendidas pela internet e bancadas são construídas pelos próprios compradores em
suas oficinas em casa ou oficinas profissionais.
A bancada de Ron Paulk foi o primeiro exemplo que usei como referência para
começar este projeto, pois reúne simplicidade e eficiência em sua concepção.

5. Pesquisa de Campo

Depois de identificadas referências de produtos para abordarmos este tema,


realizamos, entre os meses de Agosto e Setembro, a pesquisa de campo na cidade de
São Paulo, organizando os dados coletados a partir das informações obtidas também
de entrevistas aos profissionais que utilizam bancadas Hobby. O processo subdividiu-
se nos seguintes itens:
1. Levantamento em lojas especializadas do setor de ferramentas profissionais e
semiprofissionais para conhecer as bancadas existentes no mercado.
2. Visitas às oficinas hobby (caseiras) e profissionais.
3. Entrevistas com profissionais selecionados de campos diferentes de atuação
como fotografia, arquitetura, ferramentaria e design, mas que compartilham do
mesmo interesse e atividade como hobby.
Os resultados de cada levantamento são detalhados a seguir.
5.1 Visitas às lojas do ramo
As visitas e pesquisa feitas em lojas do ramo de ferramentas onde tive contato com as
bancadas das marcas Vonder, Jinhua, Lee Tools e Sb bancadas fornecerem dados para
o levantamento de pontos positivos e negativos dos modelos disponíveis, bem como
de seu funcionamento. Além disso, o contato com produtos ofertados pelo mercado
me possibilitou elencar algumas premissas do projeto, como, por exemplo, propor
uma bancada construída com materiais resistentes à agua e solventes, com
estabilidade e robustez sem prescindir do caráter de bancada compacta dobrável, e
que possa ser guardada/armazenada em um espaço de aproximadamente 80 cm x 45
cm x 25 cm, podendo este ser definido a partir de uma prateleira, um armário de
ferramentas ou apoiada diretamente sobre o piso.
A análise comparativa sobre os produtos encontrados nas lojas forneceu as seguintes
observações:

1.As bancadas Vonder V 600, Lee Tools e Jinhua possuem o mesmo projeto e
materiais e não apresentaram boa estabilidade quando montadas e em posição de
trabalho. Possuem um “jogo” natural devido à folga entre as partes que compõem a
base dobrável.

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2. As morsas não trabalham em sincronia. Esta função está relacionada ao ato de
prender a peça a ser trabalhada em lugares diferentes da bancada estudada. Como
isso não acontece, a peça fica presa com pressão desigual o que pode fazer com que
ela se solte em função do atrito ou da força aplicada por quem estiver trabalhando.

3. O tampo em MDF das bancadas inviabiliza o trabalho com uma peça molhada em
caso de lixamento ou furação. Quando isto se faz necessário, processa-se o
resfriamento do material por líquidos. O MDF neste caso, por não ser impermeável, irá
absorver os líquidos e perderá sua resistência o que encurtará sua vida útil.

4.A bancada depois de dobrada ocupa um espaço de 1.06 metros de altura por 60
centímetros de largura e costuma ser guardada encostada em uma parede ou
pendurada em suportes também na parede.

5.O suporte de ferramentas, apesar de ser útil durante o uso, não permite que a
bancada seja compactada sem que se tirem todas as ferramentas do apoio antes do
procedimento. Este suporte também funciona como uma peça estrutural que estabiliza
a base da bancada.

Tabela 1- Tabela comparativa sobre as bancadas existentes no mercado

Fabricante Modelo Preço Loja Materiais Funcionamento e


características

Vonder BM-500 R$ 191 Leroy Aço tubular, Bancada de Pontos positivos: Pés construídos
Merlin Mdf, pequenas com ventosas que permitem a
Polipropilen dimensões sem a fixação da bancada em uma
o injetado e opção de superfície lisa o que garante boa
borracha. compactação estabilidade à bancada. As morsas
são capazes de prender com
segurança peças pequenas e este é o
objetivo desta bancada, trabalho de
pequenas proporções.
Pontos negativos: Tampo em Mdf
que se desfaz em contato com
líquidos. Não possui gabaritos para
corte lixamento e furação.

Vonder BM-600 R$ 189,00 Leroy Aço tubular, Bancada compacta Pontos positivos: A compactação
Merlin Mdf, e dobrável possui da bancada pode ser considerada
Polipropilen morsas no tampo boa e facilita na hora de guardar e
o injetado e para fixação de também na remontagem para uso.
borracha. peças e suporte
para ferramentas Pontos negativos: A bancada
em sua base quando montada em posição de
trabalho, possui um “jogo” natural
devido à folga entre as partes que
compõem a base. As morsas não
trabalham em sincronia e esta função
serviria para prender a peça a ser
trabalhada em lugares diferentes da
bancada, o que não acontece, pois, a
peça fica presa com pressão desigual
o que pode fazer com que ela se
solte em função do atrito ou da força
aplicada por quem estiver
trabalhando. Por ter o tampo em mdf
a bancada torna impossível se
trabalhar com uma peça molhada,
em caso de lixamento ou furação que
precise de resfriamento por líquidos,
o mdf neste caso, por não ser
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impermeável, ira absorver os líquidos
e perderá sua resistência o que
encurtará sua vida útil.

Lee Tools - R$ 87,20 Dutra Aço tubular, Bancada compacta Idem a bancada Vonder BM-600
Máquinas e dobrável possui
Mdf morsas no tampo
Polipropilen para fixação de
o injetado e peças e suporte
borracha. para ferramentas
em sua base

Jinhua - Indisponív Leroy Aço tubular, Bancada compacta Idem a bancada Vonder BM-600
el na loja Merlin e dobrável possui
no dia da Mdf morsas no tampo
visita e Polipropilen para fixação de
indisponív o injetado e peças, Escalas de
el borracha. medidas e suporte
também para ferramentas
no Site da em sua base.
loja.
Sb SB- 155 R$ 327,00 Leroy Madeira Bancada compacta, Bancada com projeto baseado em
bancadas Merlin Lyptus e construída em bancadas tradicionais de marcenaria
Tauary madeira com uma com boa estabilidade e tamanho
morsa na lateral, adequado a pequenas oficinas,
muito robusta e porem não apresenta possibilidades
pratica, porém, não de adaptação de gabaritos e
apresenta a opção versatilidade para uso em outras
de compactação. atividades que não estejam ligadas a
marcenaria. A bancada Sb 155
também não possui a opção de
compactação.

Em relação às visitas que realizei a oficinas hobby e profissionais, as informações


obtidas estão organizadas na tabela 2.

Tabela 2 - Tabela comparativa sobre os usuários destes produtos.

Oficinas/proprietários Local onde foi Objetivo da Ferramentas Produção


montada a oficina encontradas no local
oficina

1-Designer A Espaço alugado Auxiliar o Impressoras 3 d, Protótipos modelos e


para esta Designer na equipamentos de moldes.
finalidade. fabricação de usinagem CNC e
peças matrizes mecânica. Bancada
para moldes e fixa de grande porte
protótipos

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2-Arquiteto Cômodo Construção de Usinagem CNC e Maquetes modelos
pequeno no modelos e variedade de em escala e objetos
apartamento. pequenos ferramentas de feitos em madeira
trabalhos de pequeno porte.
marcenaria Bancadas móveis e
fixas.
3- Designer B Escritório no Modelos Ferramentas manuais Maquetes e modelos
apartamento. rápidos e básicas, material de em escala feitos em
objetos em desenho, estilete, papel, madeira
escala bisturi, régua de aço, balsa, PVC entre
alicates e grampos outros.
para fixação.
Eventualmente, uma
furadeira ou Micro-
retífica.
4-Designer c Comodo Marcenaria e Furadeira, Serra Tico- Peças pequenas de
pequeno no usinagem de tico, Micro-retífica, artesanato e
apartamento. metais Serrotes e bancada marcenaria também
dobrável. desenvolve peças
mecânicas em metal.
5-Fotografo Comodo de Trabalhos de Ferramentas manuais Moveis, manutenção
pequenas Marcenaria básicas, bancadas da residência e
dimensões em dobráveis e produção de peças
casa. ferramentas para em madeira e outros
trabalho em madeira materiais.
e outros materiais
usináveis
6- Artista plástico Espaço Marcenaria Ferramentas antigas e Moveis e outras
construído para modernas elétricas peças em madeira
esta finalidade. para trabalhar
madeira
7- Autor do TCC Comodo de Marcenaria, Ferramentas de Móveis em madeira,
pequenas usinagem pequeno e médio peças em metal,
dimensões em mecânica e porte, semi- moldes modelos,
casa. pintura. profissionais e protótipos em
Trabalhos de profissionais. materiais diversos e
manutenção da pintura profissional.
residência do
autor

A grande maioria dos entrevistados tem a oficina instalada em um cômodo de


pequenas dimensões (três casos em apartamento e dois em casa). Apenas dois
entrevistados alugaram um espaço para esta finalidade já determinada (galpão
alugado ou construído).
O acesso na maioria dos casos exige um limite máximo de 80 cm de largura por 2.10
de altura que costuma ser a medida padrão para portas de apartamentos e casas,
sendo esta condição selecionada para atender a todos os envolvidos.

Conclusão

Os profissionais entrevistados também colaboraram com para compreendermos a


dinâmica de trabalho de cada um, bem como os materiais e tipos de ferramentas que
costumam usar. Assim, a bancada “ideal”, segundo estes levantamentos, deveria
apresentar: compactação, leveza (baixo peso) , compartimentos para ferramentas,
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ajuste de altura, superfície propícia à adaptação de gabaritos, estabilidade estrutural,
facilidade na montagem e armazenamento.

Procurando atender a maioria das demandas mencionadas pelos usuários, estabeleci


como atributos do projeto os seguintes itens:
 Simplicidade de manuseio.
 Autonomia para a construção da bancada.
 Construção com material único (neste caso madeira compensada). Todas as
peças que compõem a bancada poderão ser cortadas em uma placa de
compensado com 1.60m x 2.20m com 18 mm de espessura.
 Compactação suficiente para que a bancada não impeça a movimentação do
usuário pelo espaço livre da oficina quando a mesma não estiver sendo usada.
 Leveza (baixo peso)
 Compartimentos para ferramentas dentro do próprio tampo da bancada para
manter as ferramentas pequenas próximas ao usuário e para que possam ser
guardadas.
 Superfície propícia à adaptação de gabaritos com furos de fixação de grampos
e também de suportes de trabalho.
 Estabilidade estrutural que será alcançada com um projeto robusto e preciso,
tanto em relação aos encaixes quanto em relação ao posicionamento das peças
durante a montagem.
 Facilidade na montagem e armazenamento.

Material – Escolhi a madeira em virtude de ser um material que está presente no


cotidiano de maioria das oficinas hobby. Um material de ótima estabilidade mecânica
e resistência a intemperes, extremamente útil e que pode ser trabalhado com
versatilidade. No entanto, a madeira pode se apresentar de diversas formas, sendo,
para este caso, definida a prancha de compensado como matéria-prima do mobiliário.
Esta escolha se deve ao fato deste material ser encontrado com facilidade em lojas de
materiais para marcenaria e algumas casas de material para construção, além de ter
preço acessível.
Dimensionamento – As dimensões do produto foram determinadas em função do
tamanho do tampo (e este definido em função de área mínima para o trabalho que se
pretende desenvolver) e de sua profundidade. A altura do tampo e da base também
foi crucial para o desenvolvimento do modelo, pois, estes determinaram juntos com o
tampo a melhor altura para se trabalhar.
Desempenho. –Observou-se a necessidade de executar tarefas sem que a bancada
oscile ou pareça frágil, e também a necessidade de que ela tenha fácil armazenamento
e transporte (já que a maioria dos espaços residenciais adaptados para este uso,
atualmente, tem dimensões mais contidas)

Especificações técnicas:
Material: Compensado Naval 18 mm
Dimensões: desmontada 80 cm x50 cm x 20 cm; montada 85 cm (altura) x 60 cm
(largura) x 40 cm (profundidade)
Funções: Base para a realização de trabalhos manuais com ferramentas diversas,
suporte para gabaritos grampos e morsas, tampo modular que pode ser acoplado a
outro tampo construído separadamente para aumentar a superfície de trabalho.

Apresento o link do filme que mostra a montagem do protótipo finalizado, ainda em


fase de teste junto aos usuários voluntários.

https://www.youtube.com/watch?v=HOLDWMaRBAc&feature=youtu.be

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Por fim, observo que os postulados de Sennet acerca da experiência do “fazer manual
“, estudados neste trabalho, adquirem neste TCC projeção amplificada quando
são aplicados em um raciocínio que se destina a criar um objeto cuja finalidade é
amparar a criação (através da manipulação manual de materiais) de tantos outros.

Fazendo alguma coisa acontecer mais de uma vez, temos um objeto de


reflexão; as variações nesse ato propiciador permitem explorar a
uniformidade e a diferença; a prática deixa de ser mera repetição digital
para se transformar numa narrativa; movimentos adquiridos com
dificuldade ficam cada vez mais impregnados no corpo; o instrumentista
avança em direção a maior habilidade. (SENNET, 2013, p.181)

Referências
CASSILAS, A. L. Máquinas- Formulário Técnico, São Paulo: Ed. Mestre Jou,
1981, 636p
DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Significado de Bancada. Disponível
em: <http://www.dicio.com.br/bancada/> Acesso em 28 Abr.2014
DUARTE, Fernanda. DIY – Saiba usar como sua criatividade. In Design’On.
26/ Fevereiro/ 2013. Disponível em:
<http://www.des1gnon.com/2013/02/coisas-sobre-diy-que-precisamos-saber/>
acesso dia 6/5/2014
PORTAL DO CONSUMIDOR. Fazer pequenos consertos em casa pode render
economia de até 98%%. Disponível em:
<http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?id=26331> Acesso em 13
Mai 2014
PROJETOHOBBY.Pequena historia da minha oficina. Disponível em:
<http://projetohobby.blogspot.com.br/2013/02/pequena-historia-da-minha-
oficina.html> Acesso em 28 Abr.2014
http://www.core77.com/blog/tools/interview_with_ron_paulk_on_the_design_of
_his_innovative_paulk_workbench_25453.asp
SENNETT, Richard. O artífice. Tradução de Clóvis Marques. 4º ed. Rio de
Janeiro: Record, 2013. 360p
OXFORD DICTIONARIES. Definitions of hobby in English. Disponível em:
<http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/hobby?q=hobby>.
Acesso em: 28 Abr.2014

Recebido em 23/02/15 e Aceito em 06/05/15.

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Dois estudos de caso da aplicação de madeira laminada
compensada na arquitetura

Two case studies of the application of wood laminated plywood in architecture

Ludmila Cesário de Lima, Prof. Dr. Giorgio Giorgi Jr.


Centro Universitário Senac – Santo Amaro
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{lud.cesario@gmail.com, g.giorgi@uol.com.br}

Resumo. Este trabalho tem por objetivo analisar as diversas aplicações da madeira
compensada no campo da arquitetura. Foram selecionadas duas experiências
arquitetônicas que usam o compensado como material principal em construção, seja
na parte estrutural ou somente como revestimento.
Palavras-chave: madeira compensada, arquitetura.

Abstract. This work aims to analyze the various applications of plywood in the field
of architecture. Two architectural experiences were selected using plywood as the
main material in construction, as the structural part or only as coating.
Key words: phywood, architecture.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Contextualização

O compensado surgiu, em sua forma mais moderna, a qual conhecemos hoje durante
a Revolução Industrial. Isto se deu devidos aos avanços tecnológicos da época como
a criação de maquinários, como o cortador giratório, a prensa hidráulica com chapa
quente, além das novas colas e resinas, que vieram a possibilitar a produção de
painéis muito mais eficientes e maiores que os antigos feitos a mão. Nos anos 1900
o compensado era usado principalmente na indústria de chás para fazer delicadas
caixas onde se guardavam os saquinhos chás, e este produto podia ser encontrado
em diversas partes do mundo. Por volta dos anos 1920 a indústria automobilística
dos Estados Unidos consumia metros e metros de painéis de compensado na
produção de automóveis. Outras utilizações surgiram na década de 1930, mas seu
maior impulso começou a partir da II Guerra Mundial. Nesta época surgiram
compensados de diferentes cores e pesos, painéis resistentes à água e ao fogo além
de um significativo aumento de sua aplicação no comércio, na indústria e para fins
sociais. Durante o decorrer da história o compensado foi usado para uma variedade
de propósitos, na fabricação de móveis, sofás, de portas, persianas, vagões de trem,
na engenharia naval, na construção de aeronaves, brinquedos, instrumentos, e
agricultura e em outros segmentos (SEM, 1995, p. 2).

Já na arquitetura, um período particularmente fértil no uso do compensado se deu


entre os anos 1930 e pós II Guerra Mundial, em especial nos países de tradição no
uso do compensado, como os países escandinavos e nos Estados Unidos. Motivados
pela crescente construção civil nos Estados Unidos e pelo surgimento de novos
materiais e técnicas construtivas além da possibilidade de construir modelos de baixo
custo e mais rápidos na construção, arquitetos como Walter Gropius, Marcel Breuer,
Richard Neutra, Gregory Ain, Rudolf Schindler, Charles Eames, Raphael Soriano, Eero
Sarinen, Graig Ellwood entre outros, todos influenciados principalmente pela
arquitetura de Frank Lloyd Wright, usaram o compensado em seus projetos.Wright,
em especial possui muitos projetos em que usou a madeira compensada como
revestimento interno (Sweeton Residence, Blair Residence, HoffMan Residence,
Peterson Residence, Frank Lloyd Wright Pield Office, entre outros projetos).Em sua
autobiografia Frank Lloyd Wright: An Autobiografy (1943, página 491) o autor
justifica o uso das placas de madeira compensada em alguns de seus trabalhos
ressaltando sua capacidade de ser um rico isolante térmico, a prova de pragas,
podem ser fabricados no próprio local onde será usada ou pode ser enviada pelo
fabricante e adicionadas a estrutura já montada sem complicações.

A Plywood Model House (Figura 1) (que posteriormente se chamou Mainard Lyndon


House) construída em 1936, foi um projeto do arquiteto Richard Neutra para uma
convenção chamada "Architectural Building Material Exhibit em Los Angeles (FORD,
1989, p. 128). Inicialmente se tratava somente de um protótipo feito para a
convenção, porém a casa foi vendida e transportada sem grandes problemas apesar
dos seus 150 m², principalmente devido ao fato de ser construída exclusivamente de
painéis de compensado e perfis leves de aço. Esta casa marcou uma fase de transição
na trajetória de Neutra que passou a fazer casas maiores e mais leves devido ao
emprego do compensado em muitos dos seus projetos posteriores.

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2
Figura 1. Plywood Model House.

Fonte: SHULMAN, 1936, P. 38.

2. Objetivo da Pesquisa

Com o objetivo de compreender de forma mais aprofundada o desempenho do


compensado em uma construção, foram escolhidas duas experiências arquitetônicas
onde o compensado está presente como material principal.

A primeira experiência trata-se do da Casa de Borracha Preta na Praia Dungeness


(Rubber House), do arquiteto Simon Conder, contruida em 2003, que utiliza o
compensado espruce proveniente dos bosques reflorestados da Finlândia. A segunda
experiência é o projeto Minimod de autoria do grupo MAPA de arquitetos brasileiros
e uruguaios, que se trata de uma célula modular de 27 m² que pode, devido a sua
leveza, ser transportada utilizando caminhão grua para qual seja seu destino final.

3. Experiências

Experiência 1 -Rubber House

Esta casa foi construída em 2003 na região extremamente árida da praia de


Dungeness na Inglaterra, sendo projetada pelo escritório Simon Conder Associates.
A casa que possui 127 m² se desenvolveu a partir de uma cabana de pescador (Figura
2) preexistente construída na década de 30.Dela manteve-se somente a estrutura de
madeira que pode ser vista de seu interior. Já seu exterior foi revestido com
compensado espruce (Picea abies) fornecido pela empresa finlandesa Wisa-Spruce,
que produz o compensado de forma sustentável em florestas controladas. Este
compensado tem suas lâminas coladas de forma cruzada por uma cola especial de
formaldeído de ureia feita para resistir a lugares extremamente secos, como é o caso
da região de Dungeness. O material caracteriza por ser leve, ter boa resistência e
rigidez e a sua variação de forma é mínima em relação a umidade, sendo seu uso
mais típico em pisos, paredes, coberturas e contraventamentos.

O compensado espruce foi usado no restante da Rubber House nos acabamentos


internos e externos. No acabamento interno o compensado está presente no piso,
nas paredes, no teto, nas portas e nos móveis, que são embutidos. Já no acabamento
externo, paredes e cobertura, o compensado foi revestido com uma membrana de
borracha preta EPDM (monômero de etileno propileno dieno) que é resistente à água,
às temperaturas extremas e ao mesmo tempo é permeável a vapores, é a prova de

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3
ozônio, de raios ultravioletas, não é inflamável, além de ser um produto natural
(MCLEOD, 2009).

Figura 2. Cabana de pescador Figura 3. Rubber House

Fonte: Página ShedWorking.co.uk1 Fonte: Archdaily2

A casa possui um só pavimento, a cabana de pescador serve como hall de entrada e


é ligada ao restante da casa por uma passagem de vidro que chega a grande sala de
estar. No projeto foram priorizadas as áreas sociais, a planta é livre com poucas
paredes e a casa possui somente um quarto, além de um grande deck na parte
posterior. Na área molhada o acabamento interno também é de compensado,
inclusive o patamar onde se encaixa a banheira em balanço, isto se deve a camada
de tinta intumescente transparente fosca resistente a umidade e ao fogo, presente
em todo acabamento interno da casa.

Figura 4. Interior da casa.

Fonte: Archdaily3

1
http://www.shedworking.co.uk/2008/06/beach-hut-tuesday-dungeness.html
2
http://www.archdaily.com/421569/black-rubber-house-simon-conder-associates/
3
http://www.archdaily.com/421569/black-rubber-house-simon-conder-associates/

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4
Figura 5. Corte esquemático do banheiro

Fonte: Elaborada pela autora

1. Cobertura: membrana de borracha preta EPDM de 1,2 mm fixa em chapas de madeira


compensada de espruce de 18 mm; caibros de madeira macia de 150 x 150 mm entremeados
com isolamento térmico de lã mineral; ripas de madeira macia 50 x 50 entremeadas com
isolamento térmico e sistema de calefação de apoio por radiação; barreira de vapor polietileno
de 0,12 mm; chapas de madeira compensada de espruce de 18 mm pintada com tinta
intumescente transparente, fosca para alcançar a classe 1 do sistema britânico de resistência
ao fogo.
2. Janela com painel de ventilação feito com chapa de madeira compensada espruce de 18 mm
com furos de 20 mm a cada 50 mm de eixos.
3. Estrutura escondida na parede que segura o nicho da banheira em balanço em perfil tubular
de aço galvanizado de 70 x 70 x 4 mm.
4. Paredes externas: membrana de borracha preta EPDM de 1,2 mm fixa em chapas de
madeira compensada de espruce de 18 mm; caibros de madeira macia de 150 x 150 mm
entremeados com isolamento térmico de lã mineral; ripas de madeira macia 50 x 50
entremeadas com isolamento térmico e sistema de calefação de apoio por radiação; barreira
de vapor polietileno de 0,12 mm; chapas de madeira compensada de espruce de 18 mm
pintada com tinta intumescente transparente, fosca para alcançar a classe 1 do sistema
britânico de resistência ao fogo.
5. Banheira esmaltada branca com encosto duplo 1700 x 750 x 430 mm.
6. Degrau de acesso à banheira com duas chapas de madeira compensada espruce de 18 mm.
7. Piso Elevado: chapas de madeira compensada de espruce de 18 mm; barreira de vapor
polietileno de 0,3 mm; ripas de madeira macia de 50 x 50 mm com isolamento térmico de
poliestireno extrudado intersticial e outra barreira de valor polietileno de 0,3 mm; madeira
compensada de espruce de 18 mm.
8. Barrotes de madeira macia de 100 x 50 mm que se liga ao perfil tubular que sustenta a
banheira.
9. Lastro de concreto que faz contrabalanço com o nicho da banheira em balanço.
10. Viga baldrame e sapara de concreto

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5
Figura 6. Detalhe do teto e parede

Fonte: Elaborada pela autora

Figura 7. Esquema construtivo da Rubber House.

Fonte: Elaborado pela autora

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6
Experiência 2 – Minimod

O Minimod, do grupo Mapa de arquitetos, é um projeto de 2013 e que em 2014 foi


selecionado para representar o Brasil na Bienal Ibero-americana. Este projeto trata-
se de uma célula modular de 27m² feita com 100% de materiais pré-fabricados. Esta
célula pode assumir diversas funções e usos, como quarto, cozinha sala, dependendo
da exclusivamente da necessidade de quem a compra. Há ainda a possibilidade de
articular mais de uma célula, além da mesma poder ser transportada (Figura 8) para
qualquer destino desejado com a utilização de caminhão grua ou desmontada em
partes menores e levada ao terreno para sua montagem final. Seu sistema estrutural
é o steel frame, sistema construtivo que utiliza perfis leves de aço galvanizado e que
permite no máximo até quatro pavimentos. Uma placa de OSB faz o
contraventamento desta estrutura, dando a ela mais estabilidade e rigidez. Este
sistema permite qualquer tipo de revestimento e os arquitetos do grupo Mapa
optaram por faze-lo na parte interna (Figura 9) e externa de madeira compensada
pinus. Segundo uma das arquitetas responsáveis, Camila Pereira do Mapa Porto
Alegre, esta escolha se deu principalmente pela sua estética e por ser um material
de origem sustentável.

Figura 8. Minimod

Fonte: Página MAPA4

Figura 9. Interior da Minimod

Fonte: Página MAPA5

4
http://mapaarq.com/175536/1808394/-/min-minimod
5
http://mapaarq.com/175536/1808394/-/min-minimod

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7
Internamente a célula é revestida por uma um painel de madeira compensada com
cola comum e fixada diretamente nos perfis de aço. Já externamente o painel foi
resinado com cola fenólica, que tem a função de proteção, sobretudo das intempéries
climáticas. A fachada é ventilada sendo o painel de compensado afastado do corpo
da célula e fixado nos montantes do caixilho. Na parte interna o painel foi somente
envernizado e por fora recebeu pintura preta à base d'água, pois a intenção principal
era deixar a mostra os veios da madeira.

Figura 10. Esquema construtivo da Minimod

Fonte: Elaborado pela autora

Legendas:

1. Montantes do caixilho de alumínio. 2. Cobertura verde.


3. Perfis em aço galvanizado que sustenta da cobertura verde. 4. Painel de madeira compensada
pinus envernizada.
5. Perfis em aço galvanizado. 6. Placa de OSB que faz o contraventamento da estrutura.
7. Chapa de aço.

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8
4. Conclusão

A metodologia usada nesta pesquisa se deu primeiramente através de uma seleção


de projetos de arquitetura significativos que usaram a madeira laminada
compensada, do começo do Séc. XX aos nossos dias. Posteriormente foram
selecionadas duas experiências, a Rubber House do escritório Simon Conder
Associates, e a Minimod do escritório MAPA. Pode-se observar por meio da análise
mais aprofundada das experiências escolhidas o empenho do compensado como
protagonista de um projeto de arquitetura. Em ambos os projetos, os arquitetos
optaram por fazer todo o revestimento interno e externo em madeira compensada,
além de parte de seu sistema construtivo estrutural, colocando toda sua confiança
em um material que ainda é mais explorado pelo setor moveleiro, na construção civil
e naval.

A madeira compensada laminada, um fruto da Revolução Industrial, ainda passa por


transformações. Com o surgimento cada vez mais inovador de novas tecnologias em
resinas, colas, e outros materiais que se aderem ao compensado, é possível prolongar
sua durabilidade, a necessidade de manutenções e seu reaproveitamento.

Sobretudo devido as atuais discussões sobre sustentabilidade, é perceptível um


crescente interesse e preocupação no discurso de arquitetos contemporâneos ao
justificarem o uso de certos materiais em seus projetos, e consequentemente o uso
do compensado de florestas sustentáveis substituindo o uso da madeira maciça. Este,
é um ponto positivo, já que a partir deste interesse novas aplicações do compensado
podem vir a surgir na arquitetura contemporânea que já vem se tornando cada vez
mais inovadora e de qualidade.

Referências

STRORRER, W. The Architecture of Frank Lloyd Wright: A Complete


Catalog. Chicago: University Of Chicago Press, 2007.

WRIGHT, F. L. Frank Lloyd Wright: An Autobiografy: Portland:


Pomegranate Communications, 2005.

NGO, D. e PFEIFFER, E. Bent ply - the art of plywood furniture. New York:
Princeton Architectural Press, 2003.

B. K, Sen. Problems and prospects of plywood industry: A case study


from Assam. New Dehli: Mittal Publications, 1995.

FORD, J. Classic Modern Homes of the Thirties: 64 Designs by Neutra,


Gropius, Breuer, Stone and Others. New York: Dover Publications, 1989.
Hines, Thomas. Oxford: Oxford University Press, 1982.

MCLEOD, V. Detalhes Construtivos da Arquitetura Residencial


Contemporânea. Porto Alegre: Bookman, 2009.

http://www.wisaplywood.com/en/downloads/brochures/generalbrochures/Pag
es/default.aspx

Recebido em 24/02/15 e Aceito em 06/05/15.

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9
TATLIN E GABO - Da experimentação à produção
entre a estrutura e a estética

Tatlin e Gabo – From experimentation to production


between structure and esthetics

Gabriella Neri Gutierrez, Prof.ª. Dra. Myrna de Arruda Nascimento.


Centro Universitario Senac
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{gngabyneri.@gmail.com, myrna.anascimento@sp.senac.br}

Resumo. A pesquisa em questão visa analisar o legado deixado pelos artistas


construtivistas Vladimir Tatlin e Naum Gabo e as repercussões de suas obras na
formação de arquitetos e em intervenções nos ambientes urbanos. Para atender a este
propósito, o projeto foi desenvolvido em duas etapas: inicialmente percorreu-se uma
trajetória analítica de aprofundamento conceitual da base filosófica e artística destes
expoentes, a partir de pesquisa e levantamento bibliográfico e iconográfico e,
posteriormente, foi adotado um procedimento experimental em que foram aplicadas
práticas de manipulação de materiais, análises de encaixes e sistemas de articulação
estruturais, amparados pelo raciocínio abstrato, procedimento usual nos campos da
Arquitetura e do Design. Esta estratégia buscou explorar a relação da Arte com a
Arquitetura, por meio da reprodução das seguintes obras: Contra-relevo de canto, de
Tatlin (1915) e Construção de Rotterdam, de Gabo (1957). A produção destes
modelos permitiu à pesquisadora aplicar, em experimentações concretas, alguns dos
conceitos apresentados por estes artistas na fundamentação do Construtivismo, além
de aprender a conhecer e a explorar materialidades, ao traduzir em modelos, as
formas utilizadas por eles.

Palavras-chave: Construtivismo; Tatlin; Gabo; Arquitetura; Experimentação.

Abstract. This research aims to examine the legacy of the constructivist artists
Vladimir Tatlin and Naum Gabo and the repercussions of their works in the
development of architects and in urban environments interventions. To reach this
purpose we developed the project in two stages: initially we made an analytical study
of the artist’s philosophical and artistic concepts background and, later, we adopted an
experimental procedure trying material’ s handling practices, analysis of structural
joint fittings and systems supported by abstract reasoning, usual procedure in the
Architecture and Design fields. This strategy sought to explore the relationship
between Art and Architecture, through the reproduction of the following works:
Contra-corner relief of Tatlin (1915) and Rotterdam Building of Gabo (1957). The
production of these models allowed the researcher to apply in materials trials some of
the Constructivism concepts presented by these artists, besides learning and exploring
materialities while experimenting in models the forms and materials used by them.

Key words: Constructivism; Tatlin; Gabo; Architecture; Experimentation.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
Introdução

O levantamento bibliográfico e iconográfico realizado neste trabalho evidencia que o


Movimento Construtivista na Europa teve início nas primeiras décadas do século XX e
a relação entre a funcionalidade e a função social da Arte passou a ser o alvo das
arquiteturas, esculturas e pinturas produzidas pelos artistas da época. Essas ideias
construtivistas exerciam considerável influência sobre os estudantes e, de acordo com
Rickey (2002), elas puderam ser consideradas como o primeiro movimento artístico a
declarar a aceitação da era científica e de seu espírito, como base para as percepções
relacionadas ao mundo exterior e interior à vida humana.

O Construtivismo Soviético surgido neste contexto europeu é considerado como um


movimento vanguardista e também uma das vertentes do racionalismo moderno, por
sua busca radical para exprimir-se plasticamente através de objetos (GULLAR, 1998).
Ainda, de acordo com este autor, pode-se afirmar que este movimento da arte russa
foi uma decorrência do Cubismo francês e do Futurismo italiano, adquirindo
características próprias que lhe permitiram um desenvolvimento autônomo e mais
livre do que tiveram outros movimentos vanguardistas europeus.

Justificamos a escolha dos artistas Vladimir Tatlin e Naum Gabo destacando as


características de cada produção e o interesse destas para o estudo e aprendizado de
Arquitetura e Design: Tatlin fez uso de construções abstratas em planos
tridimensionais, utilizando materiais puros da época industrial, o que gerava impacto
e sensação de movimento a quem observava suas obras; Gabo produziu esculturas
superdimensionadas na busca por leveza, que eventualmente foram implantadas no
espaço urbano, assumindo funções como: fontes, portais, etc. Tais características
desafiadoras, do ponto de vista arquitetônico e artístico, puderam ser observadas nas
produções desde então, bem como nas cidades contemporâneas.

1. Objeto da Pesquisa
A pesquisa, por meio de estudos conceituais sobre o movimento Construtivista Russo
e da reprodução de modelos tridimensionais dos arquitetos/artistas Vladimir Tatlin e
Naum Gabo, estudou os processos criativos e produtivos destes profissionais para
compreender a inter-relação entre a estrutura e a estética, o funcionamento dos
objetos/produtos e as formas de articulações entre eles, a partir de obras
reconhecidas no campo da Arquitetura e do Design.

2. Metodologia
Do ponto de vista metodológico, este projeto utilizou pesquisa conceitual e empírica
com o intuito de ampliar o conhecimento e permitir a experimentação de
modelos/maquetes dos expoentes do movimento Construtivista Russo, visando o
aprofundamento dos conceitos e dos métodos de trabalho adotados neste movimento.

3. Resultados e discussão
O levantamento bibliográfico e iconográfico realizado neste trabalho evidenciou que o
Movimento Construtivista na Europa (1913 – 1924) teve início nas primeiras décadas
do século XX e a relação entre a funcionalidade e a função social da Arte passou a ser
o alvo das arquiteturas, esculturas e pinturas produzidas pelos artistas da época.
Essas ideias construtivistas exerciam considerável influência sobre os estudantes da
época e, de acordo com Rickey (2002), elas puderam ser consideradas como o
primeiro movimento artístico a declarar a aceitação da era cientifica e de seu espírito

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2
como uma base para as percepções do mundo exterior e interior à vida humana
(RICKEY, 2002 p.180).

Neste mesmo período, a ocorrência da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) acelerou por


toda parte o desenvolvimento da indústria, o processo tecnológico e o investimento na
produção bélica. Devido também à mudança política da época na URSS (ascensão de
Stalin), o partido comunista resolveu fechar todos os ateliers de artistas modernos
existentes. Dessa maneira, o Construtivismo começou a se difundir por toda a Europa,
sendo visto como um meio “cultural” de disseminação internacional das ideias
comunistas, de acordo com Gooding (2002), que objetivava expressar nas formas
arquitetônicas o ímpeto dinâmico da revolução com forte componente expressionista.
A importância dos movimentos russos de vanguarda está nessa busca radical de um
objeto para a expressão plástica (GULLAR, 1998).
Segundo Argan (2006, p.283), o Construtivismo Soviético pode ser considerado uma
das vertentes do racionalismo moderno, construído a partir dos princípios
fundamentais da arquitetura moderna, que são:
 A prioridade do planejamento urbano sobre o projeto arquitetônico;
 O máximo de economia na utilização do solo e na construção, a fim de poder
resolver o problema da moradia;
 A rigorosa racionalidade das formas arquitetônicas entendidas como deduções
lógicas;
 O recurso sistemático, a tecnologia industrial, a padronização e a pré-
fabricação em série;
 A concepção da arquitetura e da produção industrial qualificada como fatores
condicionantes do progresso social e da educação democrática da comunidade.
As demais vertentes deste movimento puderam ser identificadas, de acordo com esse
mesmo autor, em diferentes regiões europeias, a saber:
 Racionalismo formal – França –> Le Corbusier;
 Racionalismo metodológico-didático – Alemanha –> Bauhaus;
 Racionalismo ideológico – Rússia –> Construtivismo soviético;
 Racionalismo formalista – Holanda –> Neoplasticismo;
 Racionalismo empírico – Países escandinavos –> Alvar Alto;
 Racionalismo orgânico – EUA-> Frank Lloyd Wright.
Analisando esses movimentos europeus e, em especial o Construtivismo, podemos
concluir que a abstração geométrica construtiva foi um dos grandes e um dos mais
duradouros movimentos da Arte Moderna e que teve forte impacto nos conceitos da
arquitetura contemporânea. Conforme Argan (2006, p.455), a geometria deste
movimento vanguardista não é a representação do espaço como ele é e sim como
poderia ser e desse modo já não adere a uma noção, e sim a uma imaginação ou
invenção do espaço. Assim, de acordo com este autor, é derrubada a barreira
tradicional entre a lógica e a imaginação, entre a ciência e a arte; a arte se coloca
como ciência criativa, que não estuda fenômenos dados, mas fenomeniza o
pensamento.
De acordo com Gullar (1998, p.45), os movimentos de vanguarda da arte russa foram
então uma decorrência do Cubismo francês e do Futurismo italiano, que adquiriram
características próprias, o que lhes propiciou um desenvolvimento autônomo e mais
livre do que tiveram os movimentos que lhes deram origem. Segundo esse autor, no

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Racionalismo como no Suprematismo, no Não-Objetivismo como no Construtivismo -
tanto o sentido de dinamismo como o de abstração, o de construção como o de
transcendência, aparecem sempre ligados como contradições que buscam a sua
síntese.
Todos estes movimentos tinham uma forte inter-relação entre si, assim como
divergências entre seus artistas representantes, que também podem ser explicadas
pelo contexto da época em que eles eclodiram, de acordo com Rickey (2002).
Segundo este autor, de um lado achavam-se os que acreditavam que os trabalhadores
da arte deveriam servir às massas, deveriam ser compreensíveis a todos e usar
técnicas e materiais industriais. Tal posição era incitada por Tatlin (Figura 1),
Rodchenko (Figura 2) e, posteriormente, por El Lissitzky (Figura 3). E, de outro lado,
haviam os que enxergavam na arte não-figurativa uma poesia pura liberada de ideias,
como era proclamado por Malevitch (Figura 4) e apoiado pelos irmãos Pevsner
(Figuras 5 e 6).

Figura 1. Figura 2. Figura 3.


Contra-relevo de canto Vladimir Circulo Branco, Prounenraum,
Tatlin (1914) Alexander Rodchenko (1918) El Lissitzky (1923)
Fonte: RICKEY, G. (2002 p. 40) Fonte: GOODING, M. (2002 p. 49) Fonte: GOODING, M. (2002 p. 55)

Figura 4. Figura 5. Figura 6.


Quadro preto sobre fundo branco, Modelo para Cristal Developable Surface,
Kasimir Malevich (1913) Naum Gabo (1937) Antoine Pevsner (1938)
Fonte: GOODING, M. (2002 p. 13) Fonte: ARGAN, G.C. (2006 p. 452) Fonte: http://maxwelldemon.com/2009/03/21/surfaces-
1-the-ooze-of-the-past/

Para Gooding (2002 p.64), muitos dos artistas das últimas


décadas da abstração puseram-se a explorar as infinitas
possibilidades dos procedimentos “concretos” sistemáticos e
seriais relativos à cor e ao tom, à medida e ao intervalo, à
área e ao volume, ao número e a sequência. Alguns
basearam suas pesquisas na natureza ou nas descobertas
das ciências físicas; outros, na cor e em suas
correspondências com o som e as estruturas ordenadas da
música.
A pintura abstrata e a colagem, ainda segundo Gooding
(2002 p.48), foram promulgadas como ativamente
expressivas de ideias que, na esfera político-social, podiam
Figura 7 Relevo mudar o mundo (Figura 7).
Pictórico,
Vladimir Tatlin.
Iniciação (1914)de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 5 no 1 - Junho de 2015
- Revista
Fonte: GOODING, M. (2002Edição
p. 46) Temática: Comunicação, Arquitetura e Design

4
É neste contexto artístico que Tatlin lança o Construtivismo em 1913: um movimento
que se opunha à tendência metafísica do Suprematismo e que, ao contrário deste,
nascia de um fascínio direto pela mecânica e pela construção de objetos e de contra-
relevos (Figuras 8 e 9) realizados em metal, plástico, madeira ou vidro. Na opinião de
Tatlin, esses contra-relevos ficavam numa zona intermediária entre a pintura e a
escultura (GULLAR, 1930 p.139).
Estes contra-relevos passaram a ser uma forma de arte criada por Tatlin - também
definidos como “objetos virtuais” - que ocorriam nos cantos de paredes e nas figuras
que ficavam suspensas de diferentes formas (os materiais que ele utilizava eram:
ferro, alumínio e zinco).

Figura 8. Contra- relevo de canto, Figura 9. Contra- relevo de canto,


Vladimir Tatlin (1915) Vladimir Tatlin (1915)
Fonte: http://www.artecapital.net/estado-da-arte-24-augusto Fonte: GOODING, M. (2002 p. 47)

Os materiais e suas relações nos relevos de Tatlin eram


apresentados como o que eram e não como um meio
para a representação de algo mais; suas construções não
retratavam um aspecto do mundo e nem refletiam a
realidade - eram “componentes da realidade, uma parte
do mundo com uma dinâmica própria, visível e exemplar”
(GOODING, 2002 p.48). Este mesmo autor afirma que o
sonho de Tatlin era atingir e defender “a arte como uma
projeção imaginativa, em analogias concretas das novas
possibilidades da vida civilizada e uma metodologia
construtiva para a realização material das formas de vida
cotidiana”. A obra mais famosa de Tatlin destacando o
aspecto do contra-relevo foi um projeto para o
Monumento à Terceira Internacional (Figura 10) -
podendo ser considerada tanto uma escultura como uma
Figura 10. Monumento a III
arquitetura. Internacional, Vladimir Tatlin 1919)
Fonte: RICKEY, G. (2002 p. 44)

Ainda que o termo Construtivismo tenha derrubado todas as barreiras tradicionais


entre as artes e tenha sido utilizado entre várias ciências, ele também foi
considerado vago no meio artístico, conforme Rickey (2002). Trata-se de um desses
termos que se tornam técnicos sem jamais terem sido definidos. O conterrâneo de
Tatlin - Naum Gabo - ao invés de usar o termo “construtivista”, usou o termo mais
genérico “construtivo” para definir sua arte, de acordo com Rickey (2002). Vale
também mencionar que em 1920, o termo de Tatlin apresentava algumas
implicações políticas locais, que se perderam ao ser exportado mais tarde para o
resto do mundo (RICKEY, 2002).

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5
Para Gabo, a nova arte era a expressão e o impulso criativo humano (GOODING,
2002, p.60). Ele foi o último artista da vanguarda russa que defendia uma estética
diferente e que, em 1920, teve suas ideias divulgadas em uma exposição ao ar livre
em uma Avenida de Moscou. Gabo expôs esculturas neste evento (serie Heads –
Figuras 11 e 12) e escreveu um texto para a abertura da exposição, que ficou
conhecido como Manifesto Realista. Este nome, em razão do contexto político-social
da época, escondeu o verdadeiro fundamento das ideias de Gabo – o Construtivismo,
ainda que neste manifesto, a palavra construir, como termo operativo, tenha
aparecido nove vezes e a palavra real, somente duas.

Figura 11. Cabeça construída nº1, Figura 12. Cabeça construída nº2,
Naum Gabo (1915) Naum Gabo (1916)
Fonte: http://www.naum-gabo.com/gallery/ Fonte: http://www.naum-gabo.com/gallery/

Gabo queria demonstrar que entre Ciência e Arte existe uma continuidade e não uma
relação. Para o artista “... não se pode raciocinar em uma obra de arte” e a obra de
arte não deve expressar sentimentos e pensamentos individuais, nem propor ideias
políticas e sociais, mas sim revelar a realidade interna invisível das coisas
(GOODING, 2002 p.62). De acordo com Rickey (2002), em cinco sentenças sucintas
Gabo rejeitou:
(...) a cor acidental e superficial, o valor descritivo da linha, em favor da
linha como direção de forças estáticas, o volume, em favor da
profundidade, como única forma plástica e pictórica no espaço, a massa
na escultura, em favor do volume construído por planos, a ilusão de cinco
mil anos de ritmo estático, em favor de “ritmos cinéticos como as formas
básicas da nossa percepção do tempo real” (RICKEY, 2002 p.48).

Argan (2006 p.454) destaca que a morfologia plástica de Gabo era geométrica, tendo
suas origens na teoria suprematista de Malevitch; era uma geometria fenomenizada
pela qual as figuras não eram símbolos de conhecimento – como a serie construção
linear (Figura 13), mas formas concretas cuja escultura e comportamento podiam ser
estudados. Para este autor, Gabo vai além das esculturas, chegando a propor
reverberações de suas obras no campo da Arquitetura e do Urbanismo (Figura 14).

Figura 13. Construção Linear nº2, Naum Gabo (1972) Figura 14. Torsão, - Londres, Naum Gabo (1936)
Fonte: GOODING, M. (2002 p. 60) Fonte: htp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Naum_Gabo_Fountain_02.jpg
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A construção tridimensional da escultura apresentada nas figuras 15, 16 e 17,
segundo Gabo, foi uma "contribuição ideológica” ao Construtivismo, pois o nível de
integração entre a escultura e a arquitetura, a transparência do espaço definido pela
escultura e a impressão de leveza valorizam a obra com este formato e peso (cerca de
40 mil quilos), como um dos símbolos do movimento vanguardista russo. Suas
dimensões máximas são: 26,2 metros de altura e largura de 4,8 metros e 5,2 metros.
A obra foi trazida do local de produção para o seu local de destino em três noites
sucessivas.

Além disso, conforme Gabo, esta escultura foi inspirada em estruturas orgânicas
encontradas em plantas. Seu autor viu a base da escultura como as raízes que
ancoram o organismo no chão. Os dois blocos de concreto, folheados ou chapeados de
mármore preto, formam o equivalente a um tronco, de onde surgem oito ramos de
metal que se encontram no topo. O núcleo mais fino sombreado representa a
folhagem. Esta obra é conhecida por diversos nomes, como: Flor estilizada; a coisa;
acidente de trem; pinça; banana.

Figuras 15,16 e 17. Construção de Rotterdam, Naum Gabo (1957)


Fonte: ttp://www.sculptureinternationalrotterdam.nl/collectie/permanent/ZTNaumGabo.

Com o intuito de compreender com mais clareza a evolução do movimento


construtivista, fez-se necessário conhecer a trajetória de vida dos dois artistas
destacados neste projeto - Vladimir Tatlin e Naum Gabo – conforme a Tabela 1:

Tabela 1. Comparativo das biografias de Tatlin e Gabo

TATLIN GABO (Naum Pevsner)

Nascimento/local: 1885 – Moscou, Rússia 1890 – Briansk, Rússia


1952 – Cidadania Americana
Morte/local: 1953 – Moscou, Rússia 1977 – Waterbury, Connecticut -EUA

Área de Atuação: Rússia Rússia, Noruega, Berlim, Paris,


Inglaterra e EUA
Diploma: 1910 - Escola de Belas Artes em Moscou Universidade de Munique

Reconhecimento/ _ Em 1971 foi agraciado com um prêmio


honorário pela rainha Elizabeth II.
Homenagem:

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Exposição: Em 1914, início da vertente defendida por Em 1922, Gabo participa da 1ª
este artista para sair das telas, quando faz exposição de arte Russa, na galeria
seu quadro em alto relevo – Relevo Pictórico Van Diemen, em Berlim.
(fig. 7), cujos componentes são: madeira,
Em 1946, vai para os EUA aonde faz
metal e ferro.
amplas exibições e passa a lecionar
Em 1915, ele constrói o contra-relevo-de- na Escola de Graduação de
canto (figs.8 e 9). Essa obra assinala um Arquitetura da Universidade de
novo começo no campo da escultura e da Harvard, além de ministrar palestras
pintura, pois contém relação visível entre em Yale e Chicago.
material e espaço, luz e sombra, cheios e
vazios, além de não conter moldura. A obra
foi exposta na exposição 0.10(zero. dez) em
dezembro deste mesmo ano, em Moscou.
Movimento O movimento foi proposto pelo artista, em Gabo faz em 1915 seu primeiro
1919/1920, quando concebeu o projeto do estudo da obra Cabeça que revelava
nas obras:
Monumento a Terceira Internacional (1920) espaço. Depois fez três trabalhos que
(fig. 10), sendo esta a primeira obra a desenvolviam movimento -
começar a estudar e considerar o ponto de Construção cinética nº 1 (1920) foi
partida para uma nova arquitetura. A obra um trabalho que visava demonstrar
contém todos os pontos básicos do aos estudantes da escola em Moscou
Construtivismo, dinamismo (espiral que uma única linha, através do
crescente), funcionalidade (técnica de movimento, tornava-se um volume.
construção), monumentalidade (93m de Em 1922 Gabo desenvolveu um
altura e 1,56 de diâmetro) e materiais projeto que não saiu do papel que
inovadores (metal e madeira pintada). apenas visava estudar diferentes
deslocamentos de linhas. Seu
Para Tatlin, o movimento se dava através do
terceiro projeto foi a obra Torsão
“tempo” /posição em que o apreciador
(1929-36) (fig. 14), que corresponde
estava na obra - a espiral crescente é a
a uma fonte que se move por meio
causadora dessa percepção.
de jatos de água como nas cordas de
suas outras construções.

Materiais: Madeira, metal, ferro, zinco, alumínio. Monofilamento de nylon, vidro e aço
inoxidável.

Luz nas obras: Tatlin não teve esse tema como algo Gabo foi o primeiro a pensar em
discutível em suas obras. materiais que pudessem ressaltar a
luz, com construções de plástico
transparente com fios esticados. Por
um lado, estas impediam que parte
da luz envolvesse a superfície e por
outro, deixavam que parte dela
atravessasse, iluminando o espaço
interno.

Filosofia: Tatlin acreditava que os trabalhadores da Gabo via na arte não figurativa uma
arte deveriam servir as massas, que poesia pura liberada de ideias.
deveriam ser compreensíveis por todos e Defendia uma estética diferente. Para
usar técnicas e materiais industriais. ele, a obra de arte não devia
expressar sentimentos e
O sonho de Tatlin era produzir: a Arte como
pensamentos individuais, nem propor
uma projeção imaginativa, em analogias
ideias políticas e sociais, mas sim
concretas, das novas possibilidades da vida
revelar a realidade interna invisível
civilizada; e desenvolver uma metodologia
das coisas. Segundo Gabo, “Não se
construtiva para a realização material das
pode raciocinar em uma obra de
formas de vida cotidiana (Gooding ,2002
arte”.
p.50).

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Processo Experimental:

Esta pesquisa permitiu a tradução de esculturas dos artistas selecionados, a partir da


execução de modelos/maquetes, visando possibilitar à pesquisadora a vivência da
construção prática de obras representativas do Construtivismo, tendo como objetivo
compreender os pressupostos construtivistas e sua materialidade (manifestação dos
materiais, que geravam configurações/eventos formais). Considerando o desafio de
sintetizar essa tradução em um único suporte, optou-se por selecionar duas obras,
dos artistas escolhidos, que explorassem de forma diferenciada o apoio vertical:
Contra-relevo de Canto, de Tatlin (Figura 18) e Construção de Rotterdam, de Gabo
(Figura 19).

Figura 18. Contra- relevo de canto,


Vladimir Tatlin (1914) Figura 19. Construção de Rotterdam,
Naum Gabo (1957)

A obra de Tatlin foi escolhida por representar o surgimento do movimento


Construtivista, ao ser apresentada ao público na exposição 0.10(zero. dez) em
Moscou, e por ser considerada como o marco da transição na Arte dos modelos
bidimensionais para tridimensionais.
A escolha da obra de Gabo ocorreu por sua complexidade, relevância, escala,
localização (ela não está em nenhum museu, mas a céu aberto, em frente ao edifício
de uma famosa loja de departamento De Bijenkorf, na Av. Coolsingel, 105 em
Rotterdam, Holanda, considerado o símbolo da reconstrução da cidade de
Rotterdam) e, principalmente, pela relação desta com a Arte – a Arte em contato
com a população, que é um dos princípios fundamentais do Construtivismo.
A obra de Tatlin está instalada em um canto, ou seja, explora o vértice resultante do
encontro de duas paredes e, a de Gabo, está localizada na esquina de um prédio.
Assumindo esta diferença, a pesquisadora optou então por fazer uma única maquete,
partindo da visão da esquina do edifício, em que no vértice interno foi posicionada a
escultura de Tatlin e do lado oposto, a de Gabo.

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Vale mencionar que os modelos foram executados, adotando-se escalas diferentes
para cada lado do suporte: a obra de Gabo, na escala 1:100 e, a de Tatlin, na escala
1:5 (Figura 20).

Figura 20. Maquetes: Construção de Rotterdam e Contra-relevo de


canto – Acervo da Autora 2014.

Primeiramente foi realizado um estudo das dimensões de cada obra, a partir da


produção de ensaios para dedução das medidas de cada uma. Estes estudos foram
feitos por hipótese, a partir de relações de proporção entre as obras e os elementos
que aparecem nas fotos, cujas medidas são conhecidas. Para se chegar a essas
escalas, foram estudadas as dimensões das fachadas frontal e lateral esquerda do
prédio De Bijenkorf, obtendo-se as seguintes referências: altura - 26m. e
comprimento das paredes - 36m. Posteriormente foi feito um levantamento dos
materiais que pudessem proporcionar, além de uma boa sustentação do modelo, o
comportamento e a qualidade material mais semelhante com as obras reais.
Inicialmente foi feito o apoio vertical, utilizando-se papel Paraná sem modificações
para o vértice interior (Figura 21), e revestindo-se o vértice exterior com uma
representação das fachadas do edifício feitas no software AutoCAD (Figura 22).

Figuras 21 e 22. Maquete


Acervo da Autora 2014.

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Para a execução do modelo, foram utilizados: arame, papel Paraná pintado de
bronze para a estrutura de ferro e pintado de marrom escuro para a base de
mármore e para os perfis de aço. (Figura 23).
De posse dos materiais necessários e considerando as
medidas 26x8x8cm na escala 1:100, iniciou-se a
construção da maquete, cumprindo os seguintes passos
(Figura 24):
 perfis de ferro externos: desenho, corte e pintura
de bronze no papel Paraná;
 perfis de ferro internos: desenho, corte e
pintura de bronze no papel Paraná; Figura 23. Material para maquete

 base de mármore: desenho, corte e pintura de Acervo da Autora 2014


marrom no papel Paraná;
 tubos de aço: desenho, corte e pintura de marrom no papel Paraná;
 colagem: inicialmente a base para dar sustentação; depois, os perfis de aço
interno e recursos para travamento da peça; em seguida, os tubos de aço e
os perfis de ferro externos e, finalmente, os arames trazendo a impressão de
torsão para os perfis de ferro.

Figura 24. Processo de construção da maquete. Acervo da Autora 2014

Para a reprodução da obra de Tatlin foram escolhidos: papel laminado para


representar o metal, madeira balsa para madeira, papel cartão marrom para o ferro,
papel grafite para cartolina e linha preta para cabo de aço. (Figura 25)
Com os materiais em mãos e sabendo que as medidas da obra eram 4,4x9x9cm, na
escala 1:5, foi possível começar a etapa de construção do modelo.
1-Desenho, recorte e colagem das peças
2-Colagem da peça montada na “parede”
3-Colagem dos barbantes para dar mais fixação da peça.

Figura 25. Maquetes: Construção de Rotterdam e Contra-relevo de


canto – Acervo da Autora 2014

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Figuras 26, 27, 28 e 29.
Maquete: Contra – Relevo (Tatlin) - escala 1:5.
Acervo da Autora 2014.

Figuras 30, 31, 32.


Maquete: Construção de Roterdã (Gabo) - escala 1:100.
Acervo da Autora 2014.

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4. Conclusão
A trajetória analítica conceitual deste projeto permitiu entender que o movimento
Construtivista é caracterizado por um modo de expressão marcante de figuras
geométricas trabalhadas de diversas maneiras, que remetem a movimentos com
sobreposição de planos e uso de materiais (fortes e aparentes). A partir do processo
experimental realizado, pode-se perceber que os artistas/arquitetos escolhidos, Tatlin
e Gabo, mesmo fazendo parte do mesmo movimento e adotando técnicas construtivas
semelhantes, possuíam filosofias artísticas divergentes, o que marcou de forma
distinta seus trabalhos. Também mediante a elaboração dos modelos tridimensionais
foi possível aprofundar a compreensão dos sistemas construtivos utilizados por cada
artista e as relações estabelecidas por eles entre a função e a estética, reforçando
alguns conceitos estruturais do Construtivismo, tais como: torsão, movimentos,
mistura de materiais e a inter-relação entre eles.
Por fim, esta pesquisa também possibilitou verificar a relevância do movimento
Construtivista na arquitetura moderna e contemporânea, especialmente por sua
característica de ser voltado para a manifestação artística nas ruas e para a
população, o que suscitou o interesse e a disposição da pesquisadora em aprofundar
este estudo em um trabalho futuro, com o objetivo de identificar possíveis
relações/conexões das obras contemporâneas (artísticas e arquitetônicas) com os
princípios e características do movimento estudado nesta pesquisa.

Referências
ARGAN,G.C. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GULLAR, F. Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta.
Rio de Janeiro: Revan, 1998.
GOODING, M. Movimentos da arte moderna: arte abstrata. São Paulo:
Cosac & Naify, 2002.
RICKEY,G. Construtivismo: Origens e Evoluções. São Paulo: Cosac & Naify,
2002.

Recebido em 19/02/15 e Aceito em 19/05/15.

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design

13
Metodologia de ensino baseada na experimentação pelas escolas
Bauhaus e VKhUTEMAS1

Teaching methodology based on experimentation by schools Bauhaus e VKhUTEMAS

Vanessa Mattara, Myrna de Arruda Nascimento


FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
{vanessa.mattara@usp.br, myrnanas@gmail.com}

Resumo. Este trabalho tem como objetivo abordar o procedimento pedagógico


desenvolvido por duas escolas de ensino artístico e projetual, Bauhaus e VKhUTEMAS,
que tiveram um papel de destaque na prática da Arquitetura e do Design, ao
fundamentar um pensamento produtivo baseado em processos experimentais.
Buscando compreender seus aspectos didáticos principais, foi feito um estudo do
contexto histórico em que estavam inseridas e foram utilizados critérios comparativos
entre as Instituições de Ensino, por meio do entendimento de suas respectivas bases
teóricas, bem como dos resultados práticos obtidos, observando os trabalhos
produzidos pelos alunos de ambas as escolas.
Palavras-chave: procedimento pedagógico, experimentação, Bauhaus e
VKHUTEMAS.

Abstract. This work aims to approach the educational method developed by two
schools of artistic and projective education, Bauhaus and VKhUTEMAS, that played a
major role in the practice of Architecture and Design, by substantiating one productive
thought based in experimental processes. Seeking to understand their main teaching
aspects, it was made a a study of the historical context that they were inserted in and
comparative standards were used between the Educational Institutions, by
understanding their theoretical bases, as well the practical results obtained, observing
the work produced by students of both schools.

Key words: educational method, experimentation, Bauhaus and VKhUTEMAS.

1
O presente artigo é resultado de atividade desenvolvida como pré-iniciação científica, do projeto
Experiências didáticas para ensino em Arquitetura e Design através da experimentação: produção
acadêmica e pesquisa científica, da Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento, vinculado à bolsa Ensinar com
Pesquisa concedida pela Universidade de São Paulo à FAUUSP, e desenvolvido em 2014.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução
O estudo das metodologias de ensino aplicadas pelas escolas superiores Bauhaus e
VKhUTEMAS assume grande importância na compreensão da linguagem utilizada nos
campos de conhecimento da Arquitetura e Design, cuja configuração, no século XX,
deve muito a essas escolas. Centros de inovação, elas foram responsáveis por
revolucionar os processos criativos adotados até então, ao aplicarem um conceito-
chave no pensamento pedagógico: a experimentação. Esse conceito trouxe consigo a
necessidade de conhecimento e vivência do material, contribuindo, portanto, para
promover uma consciência do processo produtivo. É dessa forma que desenvolve-se
uma nova linguagem de criação, pautada na experimentação de materiais e técnicas.
Vale salientar que contexto político e social na qual ambas as Instituições estavam
inseridas foi decisivo nas suas trajetórias, ao sofrerem com a pressão quanto ao papel
que deveriam assumir diante da sociedade, em plena transformação em virtude das
turbulências políticas e econômicas, dos movimentos revolucionários e das reações e
manifestações populares diversas em virtude do convívio no período entre as duas
guerras mundiais. Esse fato acabou por influenciar diretamente suas filosofias de
ensino. Dessa forma, o presente trabalho pretende compreender o modo como elas se
moldaram em decorrência deste cenário.

2. Metodologia de pesquisa
Diante do apresentado, o presente trabalho utilizou como metodologia de pesquisa a
pesquisa teórica e documental, a fim de realizar um estudo comparado das
metodologias de ensino das escolas em questão por meio de um embasamento
bibliográfico pertinente ao tema.
Assim, a pesquisa desenvolveu-se nas seguintes etapas: levantamento bibliográfico
sobre cada uma das escolas, Bauhaus e VKHUTEMAS; estudo do contexto histórico e
assim, dos fatores culturais relevantes para o desenvolvimento da filosofia ensino
aplicada; levantamento iconográfico, com a observação de exemplos identificados
como parâmetros de investigação; identificação e compreensão dos aspectos didáticos
principais; interpretação e comparação dos métodos de ensino, utilizando como
ferramenta de estudo a elaboração de esquemas e tabelas comparativas, a fim de
organizar o material levantado; e por fim, redação das conclusões e edição final do
material produzido.

3. Contexto histórico-político
A Bauhaus, fundada em 1919 na Alemanha, e a VKhUTEMAS, em 1920 em Moscou,
apresentaram diversas similaridades quanto aos seus aspectos didáticos, apesar da
distância geográfica. Isso pode decorrer do fato de que, de certa forma, as duas
fizeram parte de um mesmo período histórico, salvo suas especificidades. Ambas
estavam inseridas num mundo pós-guerra, na qual o fim da 1ª Guerra Mundial não
havia completado mais de 2 anos. Havia um particular estado de espírito em comum:
no caso, um certo pessimismo e descrença no futuro, com o surgimento de críticas e
questionamentos acerca da máquina como solução dos grandes problemas do mundo.
Isso acabaria seguido pela necessidade de compreender o contexto industrial e como
posicionar-se diante dele.
No caso da Alemanha, derrotada pela guerra, o país viu-se diante de uma abusiva
dívida imposta pelos vencedores. O clima era de decepção e expectativa pessimista.
Na Rússia, o fim da guerra foi acompanhado pelo ideário da Revolução de 1917, que
era justamente baseada num espírito de reconstrução, implicando na necessidade de
rever as estruturas sociais e repensar o mundo.
Uma mescla de profunda depressão, consequência da guerra
perdida e da desintegração da vida intelectual e artística, e a
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2
ardente esperança de construir algo novo com as ruínas, sim a
opressora intromissão do estado, tão direta até aquele
momento². (GARCIA, 2001, p. 73, apud COMUNICACION,1972,
p 187)
Diante das condições apresentadas, seguia-se, portanto, um forte desejo de
reconstrução em ambos os países. Esta ocorreria por meio da reformulação do ensino,
uma vez que acreditava-se que ele deveria cumprir um papel no processo político em
que se encontravam as duas nações. Assim, o objetivo era formar uma nova geração
de indivíduos com conhecimento íntimo das necessidades da época, cientes dos
desafios e mudanças dessa nova sociedade em formação. Essa linha de pensamento
viria a conduzir os passos de ambas as instituições.
Arte e artistas seriam importantes elementos para disseminar o novo raciocínio
criativo, assumindo os papéis de veículos de transformação. É a partir da postura de
aceitação dessa nova realidade, com o reconhecimento de que as mudanças pelas
quais a sociedade havia passado representava um fenômeno irreversível, que surge o
esforço de aproximação entre arte e indústria. Assim, os debates tinham como tema
central a questão da mecanização na produção moderna, e portanto, a busca por
meios de se adequar a essa nova condição. Em resumo, as escolas deveriam
encontrar meios de sintetizar a criação artística, as necessidades da população e de
produção.
O fundamento da qualidade do produto provém da necessidade
de incorporar um artista aos processos produtivos e que a atual
integração entre ambos se daria na preparação destes nas
técnicas artesanais e conhecimento dos sistemas de produção
industrializados. (GARCIA, 2001, p.72)
Nosso alvo era o de eliminar as desvantagens da máquina, sem
sacrificar nenhuma de suas vantagens reais. Procuramos criar
padrões de qualidade, e não novidades transitórias. (GROPIUS,
1997, p. 32)

Para analisar a trajetória das escolas de forma mais específica, foi organizada uma
linha do tempo para cada escola (Figura 1) tendo como base as informações
levantadas na dissertação de mestrado "Experiências didáticas comparadas", de
Hernan Carlos Garcia (2001). As linhas do tempo focalizam questões mais singulares
da Bauhaus e da VKhUTEMAS, como as fases de seus desenvolvimentos (fundação,
consolidação e desintegração), seus diretores e as sedes pelas quais cada uma
passou.
Figura 1. Linha do tempo da Bauhaus e VKhUTEMAS.

Fonte: Acervo pessoal

²"Una mezcla de profunda depresión, consecuencia de la guerra perdida y de la disdegración de la vida


intelectual y artística, y la ardiente esperanza de construir algo nuevo con las ruinas, sin la opresora
intromisión del estado, tan directa hasta aquel momento".

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3
Esse esquema permitiu melhor entendimento acerca dos processos pelas quais cada
uma passou em um período histórico em comum. É possível observar de forma mais
clara como ambas foram fundadas logo após o fim da Primeira Guerra Mundial e se
desintegraram nas proximidades da difusão das ideias do Nacional-Socialismo, cuja
implantação ocorreu em 1933.
Cada instituição passou conflitos internos que contribuíram para abalar suas
estruturas políticas e acadêmicas ao longo de suas existências, sendo o período entre
guerras e as pressões externas agravantes dessa situação, acarretando na
consequente desestruturação e fechamento de ambas.

4. Metodologia de ensino
Com foi observado, o período posterior à 1ª Guerra foi caracterizado por discussões
tensas e complexas quanto à relação entre arte e produção, o que acarretaria na
proposição de desenvolvimento da criação artística tendo como base os modernos
processos industriais. Assim, Bauhaus e VKhUTEMAS tiveram um papel crucial nesse
processo, ao fundamentar as bases de uma nova didática, voltada para a formação de
especialistas dispostos a ouvir os anseios dessa sociedade em construção.
Era primordial que aluno conhecesse a técnica e o material. Havia o incentivo ao
estudo da função da cor, dos volumes, texturas, etc. e dos fenômenos ligados à visão
e à percepção. Eram lecionados conceitos como contrastes (claro-escuro, quente-frio,
complementar, simultâneo, de qualidade e quantidade, grande-pequeno, comprido-
curto, etc.).
O aluno desenvolvia um amplo conhecimento sobre o material, que era a base de toda
a sua formação. Ele entrava em contato com diversos materiais: madeira, pedra,
metal, argila, vidro, tecidos, entre outros, que eram estudados minuciosamente. Um
meio de aliar esses conceitos à prática foi o uso da experimentação, método pela qual
o aluno tinha a oportunidade de comprovar as propriedades de cada material
utilizando a técnica da manipulação. O aprendizado não se restringia aos conceitos
ensinados na aula, pois ele se estendia a um processo de investigação das
propriedades de cada material.
Esse tipo de "estudos de criação" obedecia a um duplo objetivo
pedagógico: por um lado, devia facilitar ao estudante, através
do seu próprio fazer experimental, os conhecimentos de
categorias elementares da estética visual, como dimensão e
proporção, estática e dinâmica, tensão e contraste, e, por outro
lado, devia proporcionar ao mesmo estudante uma
compreensão fundamental das características e o
comportamento dos distintos materiais (peso específico,
elasticidade, resistência, etc.)3. (WICK, 1986, p.139)
Tratava-se de um método de descoberta baseado na tentativa e erro aliado à pesquisa
pessoal. Nessa linha de pensamento, os processos de concepção e experimentação
ocorriam de maneira simultânea. O uso desse processo criativo permitia que o curso
não fosse concebido como um ensino tradicional e metódico, afastando-se, assim, dos
moldes do academicismo.

3
"Este tipo de "estudios de creación" obedecía a un doble objetivo pedagógico: por un lado, debía facilitar al
estudiante, mediante el proprio quehacer experimental, los conocimientos de categorías elementales de la
estética visual, como dimensión y proporción, estática y dinámica, tensión y contraste, y, por otro lado,
debía proporcionar al mismo estudiante una comprensión fundamental de las características y el
comportamiento de los distintos materiales (peso específico, elasticidad, resistencia, etcétera).

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4
No caso dos VKhUTEMAS, a eles devemos a elaboração das
primeiras disciplinas propedêuticas fundadas a partir de
múltiplas experimentações formais e estéticas. Essas disciplinas
tiverem um papel de vanguarda no conjunto de faculdades dos
VKhUTEMAS. O curso básico, onde elas eram ensinadas,
constituía a ossatura artística que permitia às estruturas
complexas dos VKhUTEMAS de encontrar sua coerência4. (KHAN
- MAGOMEDOV, 1990, p. 21)

Diante disso, em ambas as instituições foi criado um curso preliminar, que consistia
num ensino comum e introdutório que tratava justamente da introdução geral desses
conceitos, tendo em vista necessidade de conhecimento dos métodos e técnicas de
criação. Ele era voltado para os alunos ingressantes de todas as disciplinas artísticas
(arquitetura, artes gráficas e tipografia, escultura, obras de madeira e metal, obras
têxteis e pintura).
Uma das maiores inovações dos VKhUTEMAS foi o Curso Básico,
que fornece um paralelo claro com o equivalente experimental
"Vorkurs" ou Curso Preliminar na Bauhaus. Ele pretendia
fornecer uma "educação geral artística e prática, científica,
teórica social e política e fornecer um sistema de conhecimento
essencial para a faculdades especializadas. Os estudantes
recebiam instrução em geometria, química, física, matemática,
teoria da cor, uma língua estrangeira, a história da arte, e
treinamento militar em edição às matérias puramente
artísticas.5 (LODDER, 2005, p.462)
A existência desse curso permitia ao aluno ter uma visão holística do curso antes da
posterior especialização, relacionando-se ao conceito de "arte total".
O nosso objetivo mais nobre é criar um tipo de homem que seja
capaz de ver a vida em sua totalidade, em vez de perder-se
muito cedo nos canais estreitos da especialização. Nosso século
produziu milhões de especialistas: deixem-nos agora dar
primazia ao homem da visão. (GROPIUS,1997, p. 27)
Através do curso básico o aluno recebia uma formação artística e profissional geral
suficiente para lhes permitir resolver os problemas estéticos e de produção, assim
como aqueles em que seriam confrontados nas faculdades de especialização.
Formavam-se assim profissionais altamente qualificados para a indústria, e dessa
forma, aptos para enfrentar os desafios da nova sociedade. Era dessa forma que a
relação material, tecnologia e produção se tornava concreta.
Havia diferença na duração e denominação do curso nas duas escolas, sendo
“Vorkurs” na Bauhaus e “Basic Course” na VKhUTEMAS, no entanto, o procedimento
pedagógico era similar em ambas. A VKhUTEMAS, assim como a Bauhaus, passou por
diversas alterações na estrutura didática, com reformas de ensino envolvendo
mudanças na duração, troca de professores, forma de organização, etc., mas a
essência permaneceu sempre a mesma, que era a fundamentação do ensino com o
curso básico.
4
"Dans le cadre des Vhutemas, on leur doit l'élaboration des premières disciplines propédeutiques fondées à
partir de um multiples expérimentations formelles et esthétiques. Ces disciplines jouèrent un rôle d'avant
garde sur l'ensemble des facultés des Vhutemas. La Section de base, où elles étaient enseignées, constitua
l'ossature artistique qui permit aux structures complexes des Vhutemas de trouver leur cohérence."
5
"One of the major innovation of the VKhUTEMAS was the Basic Course, which provides a clear parallel with
the equally experimental "Vorkurs" or Preliminary Course at the Bauhaus. It was intended to provide "a
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5
general artistic and practical, scientific, theoretical social and political education and to provide a system of
knowledge essential for the specialist faculties. Students received instruction in geometry, chemistry,
physics, mathematics, the theory of color, a foreign language, the history of art, and military training in
addition to purely artistic subjects".

O curso preliminar se converteu assim na base pedagógica da


Bauhaus. O objeto de estudo do curso era o "conhecimento e
avaliação correto do meio individual de expressão". Antes de
tudo, se trata de "liberar as forças criadoras no estudante",
enquanto que se se evita "toda a atribuição vinculante a um
determinado movimento estilístico"6. (WICK apud ARGAN,
1962, p. 32)

O diagrama (Figura 2.) mostra como era a estrutura do curso durante o período em
que a Bauhaus estava sob a direção de Walter Gropius (1919-1928), mostrando
claramente como era preciso estudar os conceitos gerais, representados pelas
camadas mais externas, para depois seguir no caminho da especialização, localizada
no centro:
Figura 2. Diagrama de estudos da Bauhaus.

Fonte: Acervo pessoal (traduzido e redesenhado pela pesquisadora)

A fim de identificar as principais diferenças e semelhanças entre a Bauhaus e a


VKhUTEMAS de forma mais objetiva, foi feita uma tabela comparativa (Figura 3.)
tendo como base a leitura da dissertação de mestrado "Didáticas comparadas", de
Hernan Carlos Garcia (2001) e o livro "Constructive Strans in Russian Art", de
Christina Lodder (2005).

6
"El curso preliminar se convirtió así en la base pedagógica de la Bauhaus. <El objeto de estudo del curso
era "el conocimiento y la evaluación correcta del medio individual de expresión". Ante todo, se trata de
"liberar las fuerzas creadores en el estudiante", al tiempo que se evita "toda adscripción vinculante a un
determinado movimiento estilístico".

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
6
Figura 3. Tabela comparativa entre Bauhaus e VKhUTEMAS

Fonte: Acervo pessoal

5. Produção nos ateliers


Apresentadas as bases em que se sustentavam as escolas Bauhaus e VKhUTEMAS,
contextualizadas por meio de um ponto de vista teórico, é de igual importância
observar os resultados práticos do emprego dessas metodologias de ensino. A
pesquisa elaborou um olhar sobre os trabalhos realizados durante os cursos a fim de
observar com mais clareza os conceitos trabalhados nas oficinas de produção. Sabe-se
que duas características marcantes de ambas as escolas era a valorização do
conhecimento do material e uso do processo de experimentação. Assim, foram
selecionados alguns exemplos que tratam dessas ideias, que serão apresentados a
seguir.
É interessante observar os estudos realizados na escola Bauhaus durante o curso
básico (Figura 4), cuja essência era justamente o conhecimento do material. Pode-se
dizer que tal conhecimento era um requisito para que o aluno obtivesse êxito no
exercício, que consistia em estudar a trabalhabilidade de um material específico.
No exemplo a seguir, o material de trabalho era o papel. Conhecendo suas
propriedades, o aluno deveria explorar as possibilidades de mutação desse material,
por meio da experimentação, utilizando-se de dobraduras e recortes. Além disso, o
aluno deveria estar atento às respostas de rigidez, equilíbrio, estabilidade,
flexibilidade e etc., dadas pelo papel moldado. Esse processo de transformação de um
material bidimensional em estruturas tridimensionais gerou resultados diversos.

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7
Figura 4. Estudos de papel no curso básico da Bauhaus (1927).

Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Ainda em relação ao conhecimento do material, os dois estudos seguintes, realizados


na VKhUTEMAS e Bauhaus, respectivamente (Figuras 5 e 6), tratam da observação
das propriedades de duas composições tridimensionais. Embora realizados em anos
diferentes (1920 e 1921), um ponto em comum entre as escolas é que ambas
concentram atenção em aspectos plásticos, como massa, peso, volume, estrutura e
dinâmicas da estrutura no espaço.
Figura 5 (esquerda). Estudo de massa e peso, por um aluno da VKhUTEMAS (1920)
Figura 6 (direita). Exercício de observação das relações estático-dinâmicas na Bauhaus. (1921)

Fonte: Richard Saltoun Gallery <VKhUTEMAS Workshops (1891-1965)> Disponível em:


http://www.richardsaltoun.com/artists/171-vkhutemas-workshops/works/. Acessado em:
18/02/2015;
WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlim, Chicago. London: Cambridge
Press, 1969, p.289.

O domínio sobre essas propriedades permitiu aos alunos alcançar respostas diferentes
de cada material, e, tendo isso em vista, os estudos das Figuras 7 e 8 mostram os
materiais trabalhados de modo a ter como princípio o equilíbrio. Nos estudos em
questão, foram utilizados dois materiais: papel e madeira, na VKhUTEMAS e Bauhaus,
respectivamente. Sabendo que as características específicas de cada material
determinam resultados específicos, as composições finais foram resultadas das
respostas desses materiais. Na composição da Figura 8, por exemplo, foram usados
diversos tipos de madeira com pesos diferenciados, sendo necessário realizar uma
combinação madeira leve/pesada, resultado esse que só foi possível ser alcançado
através do domínio da qualidade e desempenho do material.
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8
Figura 7 (esquerda). Estudo de equilíbrio, VKhUTEMAS (1920)
Figura 8 (direita). Estudo de equilíbrio, Bauhaus (1924)

Fonte: Richard Saltoun Gallery <VKhUTEMAS Workshops (1891-1965)> Disponível em:


http://www.richardsaltoun.com/artists/171-vkhutemas-workshops/works/. Acessado
em: 18/02/2015;
MOHOLY-NAGY, László. Do material à arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili, 2005, p.147.

Seguido essa linha de raciocínio, procurando obter respostas diferentes de cada


material por meio da experimentação, o exemplo a seguir (Figura 9) mostra como
vários resultados foram obtidos quando determinada propriedade foi colocada em
destaque. Os estudos tridimensionais feitos em diferentes ateliês geraram
composições diferentes, sendo elas, respectivamente: 1- Interseção de formas
geométricas simples; 2- Composição dinâmica com destaque ao eixo vertical; 3-
Composição a diferentes níveis de destaque de um movimento espiral, em vertical; 4-
Composição vertical dinâmica com a interpenetração e deslize dos volumes.
Figura 9. Estudos tridimensionais em 4 ateliês, VKhUTEMAS (1920)

Fonte: KHAN - MAGOMEDOV, S. VHUTEMAS- Moscou 1920-1930 - Volume 1. Paris:


Regard, 1990, p. 282.

Num outro exercício de criação, foram realizados também trabalhos que consistiam na
investigação de combinações com diferentes materiais, gerando sobreposições e
interseções, permitindo vários caminhos de criação. Nos exemplos das Figuras 10, 11

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e 12, foram utilizados diferentes materiais que foram integrados em uma mesma
composição: papel, madeira, vidro, metal, ferro e arame.
Do mesmo modo que no exemplo anterior, os elementos são combinados explorando
um determinado tema: estática, estabilidade, peso, leveza, etc.
Figura 10. Exposição de trabalhos dos alunos da VKhUTEMAS (1920)

Fonte: Richard Saltoun Gallery <VKhUTEMAS Workshops (1891-1965)> Disponível em:


http://www.richardsaltoun.com/artists/171-vkhutemas-workshops/works/. Acessado
em: 18/02/2015.

Em todo o processo de construção é preciso considerar a relação do volume com o


espaço, sendo este considerado estático ou dinâmico, além da busca de desenvolver
um pensamento baseado na relação forma-estrutura. No exemplo da Figura 11, à
esquerda, a espiral da escultura, apesar da sua propriedade de flexibilidade é o
elemento que dá toda a sustentação à estrutura, sendo também o elemento
construtivo que dá condições de estabilidade. Do mesmo modo, o exemplo da Figura
12, à direita, mostra um estudo do ponto de apoio necessário para estruturar a
composição.
Figura 11 (esquerda). Escultura suspensa, Bauhaus (1924)
Figura 12 (direita). Estudo de equilíbrio, Bauhaus (1923)

Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia de la Bauhaus. Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.138;
WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlim, Chicago. London: Cambridge
Press, 1969, p.292.

Todos esses trabalhos mostram o quanto era incentivado que o aluno desenvolvesse
sua sensibilidade com a vivência do material, deduzindo a partir dos resultados
observados, conhecimento sobre o uso e emprego deste em futuras estruturas aplicas
em projetos. Além disso, mostra como, por vezes, os resultados obtidos em ambas as
escolas se aproximaram, demonstrando semelhanças quanto ao método de ensino
desenvolvido.

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6. Considerações Finais
Diante do exposto pelo presente trabalho, fica clara a importância que as Instituições
Bauhaus e VKhUTEMAS assumiram no contexto em que estavam inseridas, ao
desenvolverem sua didática tendo como base a sociedade e suas necessidades. No
caso em questão, enfrentava-se uma mudança crescente dos padrões de vida com o
advento da industrialização. A solução encontrada foi a formação de profissionais
altamente preparados para esses desafios.
Além disso, as escolas destacaram-se pela inovação técnica e expressão artística,
cujos fundamentos ainda causam repercussão até os dias de hoje, notavelmente na
prática da Arquitetura e do Design. Essa influência se dá nos processos de concepção,
uma vez que as escolas mostraram a clara necessidade de conhecimento dos métodos
de criação, que seria alcançado através da investigação da técnica e do material. A
busca por esta informação e domínio se configurou com base em um processo
experimental de especulação e descoberta.
Assim, a linguagem baseada na experimentação foi o cerne da metodologia de ensino
aplicada por essas escolas, e uma forma de concretizá-la adotou o curso básico e o
enfrentamento da manipulação do material, conforme apresentamos anteriormente. A
estrutura curricular das escolas mostra uma preocupação inovadora quanto a uma
formação completa, que não se restringe à pura especialização, mas que se volta para
o engajamento social e para o convívio e bem-estar humano.

Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Gropius und das Bauhaus, EDITORA Reinbek, 1962.
COMUNICACION, Colección. Socialismo, Ciudad y Arquitectura. URS 1917-
1937: La aportación de los Arquitectos Europeos. Madrid: Alberto Corazón,
1972. Serie A. V. 23.
DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Colonia: Taschen, 1992.
GARCIA, Hernan Carlos W. S. VKhUTEMAS/VKhUTEIN, Bauhaus,
Hochschule für Gestaltung Ulm: Experiências Didáticas Comparadas.
São Paulo, 2001. Dissertação (Mestrado), FAUUSP, não publicada.
GROPIUS, Walter. Bauhaus: Novarquitetura. São Paulo, Perspectiva, 1997.
KHAN - MAGOMEDOV, S. VHUTEMAS- Moscou 1920-1930 - Volume 1.
Paris: Regard, 1990
LODDER, Christina. Constructive Strands in Russian art. London: Pindar
Press, 2005.
MOHOLY-NAGY, Laszló. Do material à arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili,
2005.
WICK, Rainer. Pedagogia de la Bauhaus. Madrid: Alianza Editorial, 1986.
WINGLER, Hans Maria. La Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlin: 1919-1933.
Barcelona: Gustavo Gili, 1980.
WINGLER, Hans Maria. The Bauhaus: Weimar, Dessau, Berlim, Chicago.
London: Cambridge Press, 1969.

Recebido em 23/02/2015 e Aceito em 06/05/2015.

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
11
Banco multifuncional infantil: pesquisa em mobiliário infantil
voltado para a pedagogia Waldorf

Multifunctional children’s stool: research in furniture for the Waldorf pedagogy

Bruna Grossi, Nara Silvia Martins


Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Bacharelado em Desenho Industrial
{lina.grossi@gmail.com, narasilvia.martins@mackenzie.br}

Resumo. O objetivo principal do presente trabalho é projetar um mobiliário escolar


infantil focando nas ações do sentar e brincar, levando em consideração aspectos
relevantes e inerentes à pedagogia Waldorf, ao desenvolvimento infantil e ao espaço
físico da sala de aula. O mercado nacional de mobiliário escolar infantil voltado para a
pedagogia em questão oferece produtos que atendem a função do sentar variando de
tamanho, mas não são ajustáveis ou empilháveis. O presente trabalho busca atender
as questões espaciais da sala de aula, do crescimento infantil e possibilitar a ação do
sentar e do brincar em um único objeto multifuncional e com altura de assento
ajustável.
Palavras-chave: Mobiliário, Escolar, Infantil, Pedagogia Waldorf, Multifuncional.

Abstract. The main objective of this paper is to design a children’s school furniture
focusing on the actions of sitting and playing, taking into account relevant and
inherent aspects of Waldorf pedagogy, focusing on child development and the physical
space of the classroom. The domestic market for children’s school furniture that
follows Waldorf pedagogy offers products that meets the function of sitting varying in
size; however, they are not adjustable nor stackable. This study aims to address the
space issues in the classroom, child growth and enable the action of sitting and
playing in a single multifunctional object with the additional feature of a height
adjustable seat.
Key words: Furniture, School, Children, Waldorf pedagogy, Multifunction.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

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1. Introdução
O objetivo do presente projeto é desenvolver um mobiliário escolar infantil que atenda
as necessidades de crianças entre 2 e 5 anos de idade, estudantes de escolas que
atuam com a pedagogia Waldorf. Abrangendo o primeiro setênio é necessário que o
objeto possibilite a ação de brincar visto que esse é o principal objetivo da abordagem
de ensino durante o período. O projeto contemplará um mobiliário que seja lúdico,
estimule a imaginação e criatividade da criança podendo ele ser uma única peça ou
modular.
Para ir de encontro com a pedagogia adotada é necessário priorizar o uso de materiais
verdadeiros, ou seja, materiais que evidenciem e representem a realidade do mundo
material e natural exatamente como ela é, como a madeira, o tecido, a cerâmica, a
pedra, etc. a primeiro momento cogita-se no uso da madeira certificada para a
confecção do produto. O móvel deverá ter predominância de partes aparentes do
material em seu estado natural, evitando assim acabamentos como a pintura
eletrostática, formicas, lacas, entre outros. Quaisquer acabamentos que seja
necessário deve atender primeiramente as normas da NBR 14006, que normatiza o
desenvolvimento de mobiliários escolares infantis em território nacional.
Para desenvolvimento do presente projeto foi necessário levar em consideração
importantes aspectos sobre o desenvolvimento infantil dentro do período escolhido,
como o desenvolvimento da motricidade, raciocínio, equilíbrio, bem como seu
desenvolvimento emocional e social.
O desenvolvimento social, emocional e mental da criança é, portanto, aspecto de
grande relevância no projeto do mobiliário, que não deve somente atender as suas
dimensões físicas, mas também, as necessidades sociais, emocionais e mentais ao
longo do seu crescimento, estando todas essas questões de acordo com as premissas
e conceitos da pedagogia adotada que serão expostos mais adiante.
Essa pesquisa foi abordada através do método qualitativo. Buscou-se a analise e
interpretação dos dados obtidos através de bibliografias especificas, pesquisa de
campo e entrevista com profissional da área da pedagogia Waldorf, com o objetivo de
se obter respaldo na definição da problemática, argumentação e analise dos dados
compilados.
O presente projeto foi um dos quarenta selecionados para participar da quinta edição
da mostra Jovens designers e ficará em exposição no Museu da Casa Brasileira – São
Paulo, SP além de também participar com a mostra da Bienal Brasileira de Design
2015, em Florianópolis, Santa Catarina.

2. Tema
O mobiliário escolar é um dos elementos de apoio ao processo de ensino. Os confortos
físicos e psicológicos vão influenciar de forma direta no rendimento e aprendizagem.
[...] Apesar das especificidades que adquirem nos diversos espaços educativos, os
móveis escolares são classificados em três tipos distintos, comuns a qualquer ambiente
escolar: superfícies de trabalho e assentos; suportes de comunicação; mobiliário para
guardar material escolar. (BERGMILLER et al. 1999, p.5)
O foco do projeto será na superfície de trabalho e assento. Segundo a norma da ABNT
NBR 14006/2008, o conjunto aluno, é composto por dois elementos distintos: a
cadeira e a mesa sendo que, a primeira é constituída de superfície para assento, apoio
para as costas e estrutura e a segunda, de tampo, porta objetos e estrutura. No
entanto o desenvolvimento do projeto de mobiliário escolar infantil para a pedagogia
Waldorf não deve se basear na NBR 14006/2008 pois contemplará em um único

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objeto as superfícies de assento e trabalho sendo que, o uso das mesmas não será
simultâneo.

3. A Pedagogia Waldorf
A primeira escolar Waldorf foi fundada em sete de setembro de 1919 em Sttuttgard,
na Alemanha por Rudolf Steiner com a ajuda de Emil Molt, proprietário da fabrica de
cigarros Astoria /Waldorf – explicando a origem do nome da pedagogia – a princípio
para atender aos filhos dos funcionários da própria empresa.
Trinta e sete anos após a inauguração da primeira escola Waldorf no mundo, a
primeira é fundada no Brasil na cidade de São Paulo, no bairro de Higienópolis pela
iniciativa dos casais Berkhout, Bromberg, Mahle e Schmidt cujo principal objetivo foi
contribuir no país com os benefícios decorrentes das práticas Antroposóficas, como o
exercício da pedagogia em questão que, é uma vertente da Antroposofia, uma ciência
que: centrando o seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o
cientifico, o cultural e o artístico – religioso, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação
pratica e concreta.
Atualmente são reconhecidas setenta e três escolas pela Federação das escolas
Waldorf no Brasil e mais vinte e cinco em formação, sem contar com os jardins de
infância isolados, ou seja, que se dedicam somente ao ensino voltado para o primeiro
setênio. Existem escolas que continuam as suas atividades do primeiro ao nono ano e,
quando se estendem para o ensino médio conta com um ano a mais que o ensino
médio das demais pedagogias, onde este tem a duração de três anos.
Mesmo após quase cem anos de sua criação, a pedagogia Waldorf continua atual, pois
para o desenvolvimento da mesma, Rudolf Steiner consolidou as bases de uma
educação partindo da analise do pensar, sentir e a vontade denominadas dimensões
especificas do ser humano. Segundo Steiner uma sociedade só pode configurar-se e
desenvolver-se de forma sadia e adequada às solicitações da época se levar em conta as
dimensões essenciais do ser humano (SAB, 2013).
Foi sobre esse mesmo princípio que concebeu a trimembração do organismo social,
revalorizando os preceitos que impulsionaram a Revolução Francesa: Liberdade,
fraternidade e igualdade. Na pedagogia esses conceitos foram traduzidos da seguinte
maneira:
Na educação, isso significa desenvolver na criança as bases
para um pensamento claro e preciso, isento de preconceitos e
dogmas, o que leva a liberdade; sentimentos autênticos não
massificados e que respeitam os demais, num marco de
igualdade de direitos e obrigações, e uma fraternidade na vida
econômica do futuro. (SAB, 2013)
Uma das principais características da pedagogia é a não atribuição de notas em um
sentido usual, pois, cada aluno é acompanhado de perto e qualquer dificuldade que
ele tenha em qualquer aspecto do seu desenvolvimento segundo a pedagogia, será
identificada e, a partir disso será desenvolvido um trabalho para sanar essa
dificuldade.
O incentivo ao pensamento abstrato e intelectualizado não é realizado de maneira
apressada ou completa logo nos primeiros anos da criança , pois essa, além de ser
uma das características marcantes da pedagogia, evidencia a visão integral que a
mesma tem do ser humano, que é encarado por ela do ponto de vista físico, anímico e
espiritual e o desenvolvimento contínuo desses membros constituintes (ou entidades)
da formação do homem é abordado de forma direta pela pedagogia através do cultivo
de ações/atividades que atuam diretamente sobre a entidade humana que se destaca
dentro de um determinado período do desenvolvimento humano. Para Steiner, o

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desenvolvimento humano acontece em períodos que duram aproximadamente sete
anos, os setênios como são chamados mais comumente. Esse desenvolvimento não é
linear e, cada período é marcado por uma característica ou membro da entidade
humana que aparece de uma maneira mais pronunciada, ou seja, a personalidade do
individuo passa a viver, principalmente, dessa característica.
Cada setênio compreende traços das características do desenvolvimento anterior. Esse
período de sete anos é relativo e pode variar de pessoa para pessoa – por conta desse
motivo também, o desenvolvimento de cada criança deve ser acompanhado de perto,
em uma analise individual, para que se perceba se está apta ou não para o
desenvolvimento de determinada atividade ou para ingressar na etapa de ensino
seguinte – durante o tempo de vida inteiro de um ser humano, o seu
desenvolvimento, segundo a Antroposofia, acontecerá em períodos de
aproximadamente sete anos. No entanto são os três primeiros setênios que englobam
o período escolar. (LANZ, 2011)

4. Os Setênios
Logo em seu nascimento é claro que o ser humano possui os quatro membros que o
constituem: o corpo físico, etérico, astral e o eu. Dentro dos três primeiros setênios
acontece o desenvolvimento dos membros constituintes do ser humano e de
importantes aspectos de sua personalidade. Segundo Steiner:
(...)a vida humana não decorre de forma linear, mas em ciclos
de aproximadamente sete anos. Em cada um desses ciclos, um
determinado membro da entidade humana se desenvolve de
maneira mais pronunciada. A personalidade, isto é, o eu, ‘vive’
então principalmente nesse membro. (LANZ, 2011, p.38)
É de extrema importância que cada aspecto de cada etapa desse desenvolvimento
seja observado e respeitado bem como a maneira em que o contato com as coisas do
mundo serão apresentadas a esse ser humano em formação, pois, segundo Lanz:
De maneira geral, o desenvolvimento sucessivo dos quatro
membros do ser humano corresponde ao que pedagogos do
passado chamaram de processo de amadurecimento. Esse se
realiza de forma endógena, como algo orgânico. A ele
corresponde o com o mundo e o ‘aprender’. Parece evidente que
a cada fase do amadurecimento deve corresponder a uma forma
apropriada de contato com o mundo. Em outras palavras: à
transformação do ser humano deve corresponder uma
transformação das influencias exteriores, estas devem
realmente alcançar o ser humano em sua disposição interna
adequada. A imagem da chave e da fechadura logo nos ocorre:
é necessário que ambas possam adaptar-se plenamente para
que o mecanismo funcione. (LANZ, 2011, p.40)
Cada setênio possui características e demandas singulares porém, como o objetivo do
presente projeto é o desenvolvimento de um mobiliário escolar infantil, a pesquisa
acerca do desenvolvimento infantil bem como suas necessidades se concentrará no
primeiro setênio, período que abrange do zero aos sete anos de idade.

5. O primeiro Setênio: O jardim de infância


Visto que é logo nos primeiros três anos de vida que aprendemos as atividades
essenciais para o desenvolvimento da própria e para que essa de distinga da vida
animal, como andar ereto, a fala e o pensar, enxergar a infância como apenas um

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momento de brincadeiras, despreocupações e vida irresponsável ou desmerece-la, é
um grande erro, pois, é justamente durante esse período em que o ser humano se
encontra em sua formação mais básica, fundamental e o aprendizado dessas três
grandes questões são possíveis somente em contato com outros seres humanos.
Como afirma Lanz:
Essas três conquistas corresponder as três virtudes básicas que
a criança vivencia inconscientemente: quando ela anda
segurando a mão de um adulto, essa segurança é como um
símbolo do amor que une os dois seres. Quando fala, ela deve
praticar a honestidade: as palavras devem exprimir a verdade;
os pensamentos (por exemplo, numa ordem dada ou numa
disposição tomada) deve haver coerência e clareza.
Pensamentos que não se sustentam mutuamente são ilógicos e
indignos do homem. (LANZ, 2011, p.45)
Como a infância se revela um período de grande importância para o desenvolvimento
da vida, é possível concluir que o desenvolvimento de um produto que seja especifico
para o período e de uso escolar – uma vez que a criança passará um período
considerável dentro da escola desenvolvendo as atividades que são essenciais para a
vida humana – tem a sua relevância.
Por conta desse fato é de grande importância que o objeto se apresente de maneira
coerente com as necessidades de desenvolvimento da criança e atenda as atividades
que são essenciais para o desenvolvimento da própria vida, bem como as atividades
que são desenvolvidas dentro da escola de acordo com a pedagogia adotada.
Apesar do primeiro setênio, abranger o período de zero a sete anos de idade e a
Pedagogia Waldorf acreditar e recomendar que a criança esteja no ensino infantil
durante esse período, o Artigo 29 da lei Nº12.796 de quatro de abril de 2013, vigente
no Brasil, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, prevê que:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de
até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade. (NR)
No Artigo 30 da mesma Lei está previsto que crianças de quatro a cinco anos devem
frequentar a pré-escola. Já o Artigo 31, prevê regras comuns de organização do ensino
infantil:
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras
comuns:
I – avaliação mediante acompanhamento e registro de desenvolvimento das
crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino
fundamental;
II – carga horária mínima anula de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um
mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional;
III – atendimento da criança de no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o
turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral;
IV – controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a
frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas;
V – expedição de documentação que permita atestar os processos de
desenvolvimento e aprendizagem da criança. (NR)

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Apesar da determinação da Lei aprovada em quatro de abril de 2013 ir contra os
princípios pedagógicos adotados pelas escolas Waldorf, ela deve ser cumprida, pois,
trata-se de uma determinação do Governo Federal nacional com a finalidade de
regulamentar a modalidade de ensino no país, independente do sistema pedagógico
adotado por qualquer escola da rede pública ou privada. Por essas razões o intervalo
de idades adotado, dentro do primeiro setênio, será o de dois a cinco anos.
Entender que o desenvolvimento da criança se dá em períodos e que ao longo dos
mesmos ela acumula novos conhecimentos, percepções e interpretações da realidade,
é importante para a realização do projeto de mobiliário escolar, uma vez que,
entende–se as necessidades específicas em cada etapa do ser em desenvolvimento,
permitindo possíveis caminhos na escolha de soluções aos problemas que irão surgir
ao longo do projeto (SURRADOR, 2010).
Do zero aos sete anos a criança encontra-se em um estado de permeabilidade em
relação ao meio e as pessoas que convive. Ela funciona como uma esponja absorvendo
e devolvendo ao mundo tudo aquilo que a permeia, seja bom ou ruim. Do zero aos
três, ela não diferencia o meio ao seu redor de si própria pois, ainda não tem
consciência do próprio “eu”. Essa questão fica evidente em momentos muito comuns
em crianças dessa faixa etária, em que ela faz referência a si própria na terceira
pessoa, exemplo: Tomás quer brincar no chão; Beatriz quer comer biscoito.
Normalmente entre o período de dois anos e oito meses aos três anos, a criança passa
a tomar consciência do próprio “eu”. É o período em que ela já possui um bom
domínio do ato de andar ereta, da fala e do raciocínio. Esse período é marcado por
muitas manhas e birras em que a criança fica muito negativa, pois, junto com a
consciência do próprio “eu” vem o desejo de autoafirmação do mesmo (LANZ, 2011).
Após esse período, surge na criança a irresistível necessidade de imitação. Ela passa a
imitar tudo e todos ao seu redor e, além de imitar ela realmente acredita que é o seu
objeto de imitação, ou seja, o médico, o músico, o pai, a mãe, o cachorro, etc. a
imitação tem um papel essencial no primeiro setênio para o desenvolvimento do ser
humano, pois, é justamente na imitação que a criança aprende. De pouco valem
conselhos, exortações ou ordens austeras com o objetivo de educar uma criança, pois
são pouquíssimos eficazes. Para ensinar uma criança do primeiro setênio basta que se
dê o exemplo, pois, inconscientemente, ela busca no adulto um modelo para seguir, a
ser imitado. Portanto a chave para o ensinamento é a também a imitação. Essa é a
premissa básica que todo professor orientado pela pedagogia Waldorf deve
compreender e seguir (LANZ, 2011).
Estimular, compreender e respeitar esse universo da imitação que, consequentemente
leva ao brincar é essencial para a criança e imprescindível para o desenvolvimento da
própria pedagogia, bem como, para qualquer projeto a ela relacionada. Impedir,
atrapalhar ou até mesmo desmerecer o desenvolvimento e a vivência desse universo
pela criança é uma brutalidade, uma vez que, dessa maneira estará barrando o seu
próprio desenvolvimento.
É importante observar a própria ética e postura diante de uma criança, sobretudo
nesse período do primeiro setênio. Permeável a tudo ao seu redor ela é capaz de
perceber e sentir o caráter e o estado de espírito dos que a rodeiam. Segundo Lanz:
A permeabilidade da criança ao que se acha em seu redor é um
fato que todo educador deveria conhecer e levar em conta. A
criança absorve inconscientemente não só o que existe ao seu
redor sob o aspecto físico; o clima emotivo que a circunda, o
caráter e os sentimentos das pessoas que a rodeiam, tudo isso
penetra nela e é absorvido pelo corpo etérico. (LANZ, 2011, p.
41).

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Por conta disso todo o cuidado com a própria postura e com a própria ética diante de
uma criança pequena deve ser tomados pois, as influências do mundo ao redor dela
exercem efeitos sobre todos os membros constituintes do ser humano, causando
impacto sobre toda a sua vida futura.
As influencias que emanam do mundo ambiente exercem,
portanto, efeitos profundos sobre a organização física e psíquica
da criança, efeitos que se farão sentir durante toda a vida
futura, Essas influências exteriores abrangem desde o aspecto
do quarto, com moveis e adornos, até os pensamentos e
sentimentos das pessoas que lidam com a criança. Todo o clima
sentimental e moral circundante atua sobre ela.(LANZ, 2011,
p.42)
Por conta deste fato, pode-se concluir que, se tudo que está ao redor da criança causa
impactos sobre ela, portanto o mobiliário com o qual ela terá contato dentro do
ambiente escolar deve ser pensado com a mesma cautela e zelo que se tem com a
própria postura diante da mesma.
O primeiro setênio é regido pelo dinamismo. A vontade, inerente à criança, além de
estimulada deve ser conduzida por rotina e ritmo, dessa forma essa vontade irá entrar
em uma regularidade semelhante a da respiração (sístole/diástole). Conforme afirma
Lanz:
O fluxo da vontade, de dentro para fora, não é menos imediato
e direto do que o das impressões, de fora para dentro. Sem
barreira nem inibição, a criança exterioriza o que se passa
dentro dela: seus gestos, sua mímica, a passagem instantânea
do choro ao riso e vice e versa, o prazer de correr, de subir em
árvores, de escorregar, etc., tudo isso demonstra uma força
irresistível de impulsos motores descontrolados que merecem o
nome de ‘vontade’. Embora de modo inconsciente, a criança
pequena é um ser no qual prepondera a vontade. Toda vontade
conduz a criança a movimentos. Vemos pois, a criança pequena
conquistar o espaço (...) em suma, ela treina incansavelmente o
seu sistema motor. (LANZ, 2011, p. 44).
Vontade sem limites e condução resulta em uma criança desconcentrada, agitada e
inquieta. Vontade reprimida resulta em uma criança apática, medrosa e sem iniciativa.
É necessário encontrar um meio termo, um equilíbrio. A vontade inerente a criança
deve ser conduzida com propósito e, acima de tudo deve ser respeitada. É na rotina,
na repetição dos acontecimentos, mas sem uma austeridade e inflexibilidade, que se
transmite confiança e segurança para a criança, e isso faz com que ela seja mais
tranquila. Conforme diz Lanz: “esse dinamismo, porém, não deve viçar. O bom
educador nunca o inibirá brutalmente, mas o conduzirá, pouco a pouco, a uma
regularidade rítmica que se assemelhará a uma respiração composta de sístole e
diástole.” (LANZ, 2011, p. 44)

6. O brincar
Dentro da pedagogia Waldorf o ato de brincar é essencial para a criança do primeiro
setênio por que é nessa atividade que ela consegue exteriorizar e vivenciar a vontade
nela contida. Por conta deste fato, o presente projeto se propõe a possibilitar o brincar
imaginativo.
Dados recolhidos através da pesquisa de campo que incluiu a visita ao Colégio Waldorf
Micael em Cotia – SP e entrevista concedida pela professora Helena Maria Regina Dias
de Jesus, responsável por uma turma do ensino infantil do mesmo colégio, trouxeram

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um maior entendimento sobre a pedagogia bem como a aplicação da mesma no dia a
dia da escola.
Segundo a professora Helena, o importante dentro do ensino infantil é o brincar,
sendo que ele acontece de duas maneiras: o brincar dentro e o brincar fora. Para, o
brincar fora – isso prevê que o espaço do ensino infantil seja generoso como ocorre na
maioria das escolas que adotam a pedagogia – o mais importante é que se tenha um
espaço com natureza para que a criança tenha contato com a terra, areia, água,
grama e demais tipos de vegetação. Uma topografia mais acidentada também é muito
interessante, pois, propicia exercícios de subir e descer que auxiliam equilíbrio e
estimula o movimento (premissas básicas da pedagogia Waldorf), trabalhando a
motricidade da criança, aspecto de extrema importância para o seu desenvolvimento.

Figura 1. Imagem da autora, realizada durante visita ao Colégio Waldorf Micael em 18.03.2013.
Na imagem é possível visualizar a área externa do jardim de infância.

Em oposição ao espaço de fora, existe o espaço de dentro, que é fechado, a sala de


aula. Esse ambiente é composto por uma mesa grande onde todos se reúnem para
tomar o lanche e fazer o pão - nela as crianças também podem desenhar e, a partir
dos três anos, elas passam a realizar a atividade de aquarela também desenvolvida
nessa mesa – outra mesa menor que possibilita a reunião de três ou quatro crianças,
uma mini - cozinha para brincadeiras de imitação, prateleiras para organizar os
brinquedos, mapotecas para guardar os desenhos feitos em aquarela, uma tenda,
escorregador e um barco-escada. Essa é a configuração básica do interior de qualquer
sala de uma escola Waldorf.

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Figura 2. Imagem da autora, realizadas durante visita ao Colégio Waldorf Micael em 18.03.2013.
Na imagem é possível visualizar o interior de uma sala de aula do jardim de infância.

O brincar dentro é menos expansivo que o brincar fora, ele estimula a fantasia, a
imaginação e o criar. Dentro da rotina, do ritmo do dia a dia de uma escola Waldorf, o
brincar dentro representa o ritmo da inspiração. Os brinquedos nunca são acabados
dando liberdade á criança para que esta crie, imagine e invente a sua própria
brincadeira. O ambiente bem como, mobiliário devem permitir e incentivar essa
atividade.
No entanto o presente projeto visa criar uma ligação entre a prática pedagógica, o
ambiente de sala de aula e o usuário fazendo com que objeto se transforme em um
coadjuvante para a prática no dia a dia da pedagogia Waldorf, respeitando seus
valores e premissas, lançando mão do design para materializar as ideias pedagógicas
em produto.
Para se chegar a expressão formal adequada de um produto, é necessário que,
primeiramente, se tenha clara a função que este objeto irá suportar e quais funções
são desenvolvidas dentro do espaço que irá conter o objeto. Somente a partir de
avanços nesta pesquisa é possível ter uma segurança maior para encontrar a forma
adequada às funções que serão suportadas pelo objeto, evitando-se o surgimento de
formas fixas, pré-estabelecidas e dogmáticas.

7. O ambiente
Durante o período de formação e aprendizado é indispensável que o ambiente escolar
seja o mais confortável e agradável possível ao aluno. A arquitetura que se destina a
conter a pedagogia Waldorf visa a criação de um ambiente fluido onde predominam o
ritmo das formas, não cartesiano. Esse mesmo ambiente deve prover espaço para as
mais diversas tarefas que nele serão desenvolvidas, tais como o desenho livre,
aquarela, modelagem, roda de reunião para contos, canto e recitar versos aula de
euritimia, entre outras atividades. Para Porcare:
As salas precisam ser relativamente grandes para abarcar as
diferentes atividades – a brincadeira com fantoches, bonecos,
outros brinquedos e objetos de uso diário, a roda em que
cantam, recitam versos, ouvem contos de fada, a modelagem
em barro ou cera de abelha, a pintura em aquarela, pequenas

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dramatizações, jogos. Em vista da grande importância do
ambiente nesta fase – “...é o ambiente que plasma a vida
anímica e a vida orgânica da criança em idade pré-escolar.” -,
este deve ser acolhedor e aconchegante, deve transmitir o
sentimento de proteção. (PORCARE, 2005, p.169)

No entanto existem controversas de como deve ser o ambiente projetado para a


educação infantil, pois, crianças até os cinco anos de idade passam por um processo
de amadurecimento de sua motricidade muito importante e que deve ser considerado.
A criança nesse estágio, deve aprender a distinguir direita de esquerda, acima de
abaixo, frente e trás e por isso alguns estudiosos defendem o projeto de um ambiente
mais cartesiano, outros, no entanto pregam o uso de uma arquitetura de formas mais
fluidas, porém o que ambas as partes defendem é o estabelecimento de uma simetria.
Por estes motivos, no espaço destinado ao grupo da Educação
Infantil há a necessidade de diferenciação, além de direita de
esquerda, de frente e fundos, o caráter espacial a ser utilizado
é, pois, a simetria. Quando a sala, entretanto, não é
rigidamente simétrica, deve possibilitar a orientação através de
um equilíbrio harmônico dos elementos que constituem o
espaço.(PORCARE, 2005, p.171)
Espaço ainda deve assumir uma configuração que permita liberdade para que cada
etapa do desenvolvimento infantil aconteça livremente, dividido em zonas de
diferentes alturas para a realização de diferentes atividades bem como para a
formação de grupos e as mais diversas brincadeiras.
É imprescindível que a criança do primeiro setênio tenha seus órgãos sensórios
estimulados para promover o seu desenvolvimento, para isso são desenvolvidas
atividades como a culinária porque através dela é possível trabalhar os doze sentidos
citados por Steiner e, a cor e o seu emprego dentro desse ambiente são outro estudo
a parte. O uso de cores primárias é bem vindo, pois:
Na arquitetura a cor não representava, para Steiner, um
elemento decorativo, mas era intrínseca à criação, criação de
uma atmosfera ou ambiente condizente ás diferentes utilidades
daquele espaço e da situação de vida por ele abarcada e na
qual estava inserido(...)Não é, de modo algum, indiferente qual
matiz de um espaço delimitado cerca o ser humano em
qualquer condição espiritual. E mais, não é indiferente, qual
matiz atua, principalmente, sobre um ser humano tal ou qual
temperamentos, intelectualidade, caráter. Também não é
indiferente para toda a organização humana, se um matiz atua
durante longo tempo, em repetição frequentemente retomável
ou, se atua somente como transitório. (PORCARE, 2005 p. 160)
O espaço da educação infantil deve ser um núcleo voltado para si, afastado de
qualquer distração. Deve contemplar em sua configuração arquitetônica/espacial um
ambiente suficientemente espaçoso para comportar as atividades quotidianas
desenvolvidas pela pedagogia, tais como: a modelagem em argila, roda de euritimia,
canto, recitação de versos, contos de fábula, desenho livre bem como o brincar dentro
e o brincar fora. Esse espaço ainda deve contar com uma cozinha para o
desenvolvimento da culinária e da preparação do lanche dos alunos que, no caso do
Colégio Waldorf Micael, cada sala de jardim de infância contava com a sua própria
cozinha e sanitário. O objetivo desses ambientes que se assemelham ao ambiente
familiar e doméstico é, justamente, propiciar a criança do primeiro setênio justamente
essa vivência (PORCARE, 2005).

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8. O mobiliário escolar infantil para a escola Waldorf
O objetivo do presente projeto foi desenvolver um mobiliário escolar infantil que
atenda as necessidades de crianças entre 2 e 5 anos de idade, estudantes de escolas
que atuam com a pedagogia Waldorf.
O mobiliário precisa ser multifuncional e lúdico, deve contemplar as ações de sentar e
brincar através de linhas e formas mais livres e não dogmáticas que, permitam ao
usuário imaginar e reinventar novas maneiras de uso do objeto proposto.

9. Desenvolvimento de projeto
O desenvolvimento do mobiliário escolar infantil não aconteceu de forma linear e
cartesiana em sua totalidade. Houveram muitos momentos em que a experimentação,
o fazer em si, sobrepuseram a criação a partir do desenho como forma de
representação. Contudo uma forma de criação não excluiu a outra e, em diversos
momentos aconteceram quase que simultaneamente. O fazer em si aconteceu de
maneira exploratória, lançando mão de materiais ordinários e presentes em nosso
cotidiano, como o papelão, para dar suporte as formas que surgiram levando em
consideração aspectos importantes da pedagogia adotada, do desenvolvimento
infantil, da ergonomia e das normas vigentes para o desenvolvimento de produtos
escolares e infantis. A situação descrita acima não é nada atípica, sobretudo
considerando a afirmação de Munari em “Das coisas nascem coisas”:
O método de projeto, para o designer, não é absoluto nem
definitivo; pode ser modificado caso ele encontre outros valores
objetivos que melhorem o processo. E isso tem a ver com a
criatividade do projetista, que, ao aplicar o método, pode
descobrir algo que o melhore. Portanto, as regras do método
não bloqueiam a personalidade do projetista; ao contrário,
estimulam-no a descobrir coisas que, eventualmente, poderão
ser úteis também aos outros. [...] (2002, p.11 e 12).
No entanto foi de extrema importância estabelecer parâmetros, observar e obedecer a
regras de metodologia projetual. Como afirma Munari:
Também no campo do design não se deve projetar sem um
método, pensar de forma artística procurando logo a solução,
sem fazer antes uma pesquisa sobre o que já foi feito de
semelhante ao que se quer projetar, sem saber que materiais
utilizar para a construção, sem ter definido bem a sua exata
função. (2002, p. 10 e11)
Foi observando essa recomendação que o briefing surgiu, de maneira quase que
espontânea, a partir do cruzamento de informações obtidas através do levantamento
teórico, traduzidas em imagens, dispostas em grupos divididos por afinidade de tema
em painéis e interligadas, também por afinidade.

10. Briefing do projeto

Problema
Ausência de mobiliários multifuncionais voltados para as salas de aula de Escolas
Waldorf.

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Proposta
Projetar um mobiliário multifuncional que atenda o público-alvo nas questões
ergonômicas, de desenvolvimento neuropsicomotor e social; atenda ao ambiente em
que será inserido servindo de coadjuvante para o desenvolvimento diário da
pedagogia em questão.

Tipologia
Mobiliário multifuncional que contemple a ação de sentar, o brincar dentro e o apoio
para atividades individuais tais como, os desenhos, a modelagem com cera de abelha,
etc.;

Ambiente de uso
Escolas Waldorf,

Material
Compensado folheado de 15mm e parafuso além cabeça plana sextavado interno,
acabamento cromo prata, 45mm de rosca soberba.

Características do produto
 Empilhável;
 Leve e de fácil manuseio;
 Multiuso;
 Lúdico.

Público-alvo
Escolas Waldorf da cidade de São Paulo;

11. Registro Iconográfico


Foi realizado no dia 25.09.2013 um registro fotográfico no Colégio Waldorf Micael –
Cotia, São Paulo com a turma do jardim de infância de responsabilidade da professora
Marta Martins. A intenção desse registro foi identificar as posturas mais assumidas
pelas crianças durante o brincar dentro. A partir desse registro foi possível constatar
que as crianças, em sua maioria, preferem brincar no chão. Outras preferem atribuir
novos usos a objetos como a cadeira, o barco-escada ou um simples caixote de
madeira para guardar os brinquedos. Existe ainda um pequeno grupo de crianças que
refere desenvolver atividades individuais, como pode se observar nas imagens.

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Figura 4. Imagem realizada em 25.09.2013 no colégio Waldorf Micael durante o brincar
dentro/Fotografia: Bruna Grossi

Figura 5. Imagem realizada em 25.09.2013 no colégio Waldorf Micael durante o brincar


dentro/Fotografia: Bruna Grossi

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Figura 6. Imagem realizada em 25.09.2013 no colégio Waldorf Micael durante o brincar
dentro/Fotografia: Bruna Grossi

A análise desse levantamento fotográfico foi crucial para a definição das funções que o
objeto em questão deveria conter. A partir dessa analise ficou claro que ação do
sentar deveria ser contemplada, porém não de forma rígida ou fixa e que, o mobiliário
abrisse as mais diversas possibilidades de uso às crianças, inclusive para aquelas que
preferem brincar sozinhas ou em grupos pequenos, livre de formas dogmáticas.

12. Normas aplicadas ao desenvolvimento de mobiliários escolares


infantis
O projeto não se encarregará de cumprir com a NBR 14006/2008 que normatiza o
desenvolvimento de mobiliários escolares infantis em território nacional, pois trata-se
de um objeto único que comporta as ações de sentar e trabalhar. Como cita a norma:

1.Objetivo
1.1 Esta Norma estabelece os requisitos mínimos de mesas e cadeiras para
instituições de ensino, nos aspectos ergonômicos, de acabamento,
identificação, estabilidade e resistência.
NOTA: A combinação de mesa e cadeira é denominada nesta Norma como
conjunto aluno.
1.2 Esta Norma não se aplica a móveis destinados aos usuários com
necessidades especiais.

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1.3 Esta Norma não se aplica a conjunto aluno concebido em uma única
estrutura ou conjunto aluno com regulagens.

13. Referências de projeto


No levantamento mercadológico realizado a partir dos parâmetros estabelecidos pelo
briefing, buscou-se conhecer o que já foi realizado dentro do grande tema e do próprio
tema específico. Com o levantamento foi possível entrar em contato com projetos que
auxiliaram no desenvolvimento do presente projeto.

“The Racer Collection” é uma linha de mobiliário multifuncional desenvolvida para uso
externo, fabricada com polietileno de alta densidade.

Figura 7. RACER COLLECTION. Projeto: Eric Pfeiffer em parceria com Loll 2011. Extraído de:
http://www.pfeifferlab.com/racer-collection (acessado em 03.03.2013).

O estudo de caso concentrou-se na cadeira que além de contemplar a função de


sentar, seu desenho cria e agrega planos que permitem o apoio de objetos e também
a ação de sentar em outra modalidade.

O projeto HIGH CHAIR foi desenvolvido para ser uma cadeira que possibilita um sentar
não estático uma vez que, para as crianças sentar-se sem se mover pode ser uma
tarefa bem difícil. As curvas suaves da cadeira Leander apoiam as costas da criança -
que prestam apoio firme, mesmo sem uma almofada.

Figura 8. HIGH CHAIR. Projeto: Stig Leander. Extraído de: http://www.leander.com (acessado
em: 03.03.2013)

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O conceito está direcionado ao desenvolvimento da criança, não apenas em seu
crescimento. A cadeira pode ser facilmente regulada para o uso de crianças das mais
diversas idades presente em diferentes idades.
Outra referência consultada foi produzida pela empresa alemã Livipur especializada
em produtos antroposóficos, é um mobiliário antroposófico internacional, o banquinho
Louis possibilita diversas formas de sentar.

Figura 9. LOUIS ZAUBERWÜRFEL-HOCKER. Projeto: desconhecido. Fabricante: Livipur,


Alemanha. http://www.livipur.de (acessado em 08.03.2013)

Também foi levantado o mobiliário antroposófico presente em escolas Waldorf no


âmbito nacional fabricada pela Associação Comunitária Monte Azul, a fundada pela
pedagoga antroposófica alemã Ute Craemer. A cadeira MA003, encontrada na sala de
aula do jardim de infância do Colégio Micael, apresenta um desenho simples, que abre
possibilidade para uma única forma de sentar. Possui três variações de dimensão para
atender as questões ergonômicas das crianças no primeiro setênio.

Figura 10. CADEIRA MA003. Projeto: Desconhecido. Fabricante: Monte Azul

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14. O processo criativo

Foram desenvolvidas clínicas de criação de desenhos e estudos volumétricos a partir


da evolução dos desenhos estabeleceu formas do produto. Estudo volumétrico em
madeira balsa, escala 1:5 para definição das formas e estudos de empilhamento.

Figura 11. Desenhos a mão e de livre escala/Imagem: Bruna Grossi.

Figura 12. Desenhos a mão e de livre escala/Imagem: Bruna Grossi

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Figura 13. Desenhos e estudo volumétrico em madeira balsa, escala 1:5/Fotografia: Bruna
Grossi.

Figura 14. Estudo volumétrico em papel triplex, escala 1:5/Fotografia: Bruna Grossi.

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Após esse estudo em escala, foi desenvolvido um estudo em escala 1:1 usando
papelão.

Figura 15. Confecção do modelo em papelão, escala 1:1/Fotografia: Ricardo Martins.

Figura 16. Confecção do modelo em papelão, escala 1:1/Fotografia: Ricardo Martins.

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Figura 17. Estudo de empilhamento do modelo em papelão, escala 1:1/Fotografia: Ricardo
Martins.

Figura 18. Comparativo entre o modelo e cadeira escolar padrão/Fotografia: Ricardo Martins.

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Figura 19. Definição da forma final do produto/Imagem: Bruna Grossi.

Figura 20. Definição do mecanismo de ajuste do assento/Imagem: Bruna Grossi.

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15. Ergonomia
As dimensões do banco surgiram a partir da observação da tabela antropométrica de
crianças de 23 meses a cinco anos contida no livro “As medidas do homem e da
mulher fatores humanos em design” (ASSOCIATES, H.D)
A ideia de possibilitar alturas diferentes para o assento surgiu da observação da ampla
variação da altura poplítea da faixa etária definida. A tabela antropométrica mostra as
dimensões medias durante o crescimento da criança e, durante discussões com o
professor de projeto, chegou – se a conclusão de que para ir de encontro com os
parâmetros e premissas de projeto, seria mais interessante que o produto
possibilitasse o ajuste de altura do assento pois, dessa maneira, seria possível atender
as questões ergonômicas tanto das crianças menores (apoiar os pés no chão) quanto a
das crianças maiores (apoiar a parte posterior da coxa no assento).

Após o estudo volumétrico em escala foi realizado a prototipagem do produto e


resolvido os problemas que surgiram durante o estudo volumétrico, deu-se início a
prototipagem do modelo em escala 1:1, realizada em madeira compensado folhado de
15mm de espessura.

Figura 21. Prototipagem do produto em escala 1:1/Fotografia: Bruna Grossi

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Figura 22. Prototipagem do produto em escala 1:1/Fotografia: Bruna Grossi

Figura 23. Lateral vazada em oblongo, escala 1:1/Fotografia: Bruna Grossi

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Figura 24. Pré-montagem do banco, escala 1:1/Fotografia: Bruna Grossi

Figura 25. Protótipo finalizado/Fotografia: Ricardo Martins.

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Figura 26. Protótipo finalizado/Fotografia: Ricardo Martins.

Desenho técnico

Figura 27. Desenho técnico de todas as peças que compõem o banco e detalhe da quina
arredondada do assento. Sem escala/Imagem: Bruna Grossi

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16. Produto Final
Após o desenvolvimento do produto, deu–se início a fase de testes com os usuários.
As crianças receberam bem o produto e logo entenderam suas funções. Essa etapa foi
essencial para determinar a real relevância do projeto e se o produto funcionaria
efetivamente, atendendo o usuário nas questões aqui levantadas anteriormente. No
entanto, pequenas alterações foram necessárias para que o produto se adequasse a
realidade do seu uso. É possível perceber nas fotos que foi aplicada a tinta lousa preto
na parte posterior do espaldar. Essa medida foi necessária, pois, a maioria das
crianças não só ficaram tentadas, como desenharam na superfície que pode ser usada
como mesa também. No entanto, durante o período de observação de uso, foi possível
notar certo constrangimento por parte da criança quando esta riscava o banco, por
conta disso, decidiu-se ampliar a possibilidade de uso do produto e oferecer a
superfície do espaldar como suporte para o desenho dando ao usuário uma liberdade
maior quanto ao uso do produto sem o submeter a constrangimentos.

Figura 28. Primeiro teste com o usuário/Fotografia: Bruna Grossi

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Figura 29. Protótipo depois do primeiro teste com o usuário/Fotografia: Bruna Grossi

Figura 16. Produto final/Fotografia: Ricardo Martins.

16. Conclusão
O desenvolvimento do projeto foi pensado de maneira em que o usuário fosse melhor
atendido tanto nos aspectos físicos quanto psicológicos. Para tanto, observou-se que
para chegar a um resultado satisfatório seria mais interessante que o assento do
banco tivesse alturas ajustáveis, atendendo tanto as criança de dois anos que,
necessariamente quando sentada precisa de apoio firme para os pés, quanto a criança

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de cinco anos que já apresenta um maior controle do próprio corpo e equilíbrio mais
avançado que as crianças menores mas, quando sentada não deve deixar de apoiar a
parte posterior da coxa, uma vez que isso lhe causaria fadiga e a levaria assumir
posturas prejudiciais a sua saúde.
As pesquisas contribuíram para o desenvolvimento do produto, determinando
parâmetros que guiaram o projeto e muitas vezes definiam a sua tipologia formal.
Aliada a contribuição da pesquisa no projeto, a contribuição do fazer não foi menos
importante pois através dessa ação que foi possível visualizar erros e acertos,
auxiliando de maneira muito mais prática e eficaz a tomada de decisões durante todo
o processo projetual.

17. Referências

Associação Monte Azul. Disponível < http://www.monteazul.org.br/home.php


> acesso em: 02 fev. 2013.

ASSOCIATES, H. D. As medidas do homem e da mulher fatores humanos


em design. Porto Alegre: Bookman, 2007.

BERGMILLER, K.; SOUZA, P. L.; BRANDÃO, M. B. Ensino Fundamental:


Mobiliário escolar. Brasília: FUNDESCOLA – MEC, 1999.

LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf. Caminho para um ensino mais


humano. 10° ed. São Paulo: Antroposófica, 2011

LIVIPUR. < disponível http://www.leander.com/> acesso em: 03 mar. 2013.

MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

PFEIFFER LAB <disponível http://pfeifferlab.com/ > acesso em: 03 mar. 2013.

PORCARE, Waldmam. A arquitetura escolar e a pedagogia Waldorf :


diretrizes para o projeto arquitetônico. 2005, 100 f. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura) - Faculdade de arquitetura e urbanismo, Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005.

SAB. Sociedade Antroposófica do Brasil. Disponível: < http://www.sab.org.br/


>acessado em: 07 jan. 2013.

SURRADOR, Susana Raquel Brito. Mobiliário escolar infantil:


Recomendações para o seu design.2010.134 f. Dissertação (Mestrado em
Design Industrial) Escola Superior de Artes e Design -Faculdade de Engenharia,
Universidade do Porto, Lisboa, 2010. Disponível: < http://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/61707/1/000148959.pdf> acessado em 02 fev.
2013.

Recebido em 24/02/2015 e Aceito em 06/05/2015.

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O reflexo da memória no espelho do tempo:
A captura da atmosfera arquitetônica

Memory Reflex in Time Mirror:

Catching the architectonic atmosphere

Carolina Manuela dos Santos


Centro Universitário Senac - Campus Santo Amaro
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
Professor Orientador: Ricardo Luis Silva

Resumo: O objetivo do presente trabalho é abordar a fotografia como ferramenta


de registro e captura da memória, acompanhado dos teóricos Walter Benjamin,
Henri Bergson, Paul Ricoeur e Peter Zumthor.
Debruçada sobre essas influencias discuto acerca das formas não convencionais de
pensar, representar, rememorar e propor a arquitetura, desde os anos 60 com o
grupo Archigram - nome que vem da junção entre as palavras “architecture” e
“telegram”; com a ideia de lançar uma publicação que fosse simples e mais ágil que
uma revista comum, e que tivesse a rapidez de um telegrama. Passando pelo livro
“Yes is more” do arquiteto dinamarquês Bjarke Ingels, que desconstrói o código do
super-herói de quadrinhos e o integra aos seus desenhos. Esse terreno contextual e
visual foi elaborado afim de alojar o objeto final; onde os conceitos de história
contada através de fotos, como em um filme estático serão reunidos e
transformados em uma fotonovela arquitetônica, com intuito de propor uma
maneira diferenciada de pensar e sentir a arquitetura, afim de possuir uma
identidade que atinja todos os públicos.

Palavras-chave Memória; Registro; Imagem; Percepção; Existência; Arquitetura.

Abstract: The presente work aim is an approach of Photography as a tool of


registry and capture of memory. Following Walter Benjamim, Henri Bergson, Paul
Ricoeur and Peter Zumthor. This monograph presents and discusses about not
convencional forms of thought, representation, review and propose architecture,
since the sixties with Archigram Group, name that comes from the junction
between the words Architecture and telegram; with the idea of launch a publication
that was simple t and more agile that an ordinary magazine, and also had the
quickly of a telegram. Passing through the book “Yes” is More” of architect Danish
Bjarke Ingels, that desconstructs the code of the comics superhero and to integrate
him in his illustrations. This contextual terrain, conceptual and visual was prepared
in order to accommodate the final object of this work: where the concepts of the
History counted through photos, as in a static film be gathered and transformed in
a Fotonovela Architectural in order to propose a different way of thought and feel
the architecture, having an identity that reaches all public.

Key words: Memory; Record; Image; Perception; Existence; Architecture.

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
Considerações ao leitor:

 Apresentado aqui de forma sucinta esse trabalho que originalmente é


composto por três formas de abordagem, sendo, a monografia parte
fundamental para conceitualização e entendimento das demais, a revista,
que é a materialização de toda uma construção de pensamentos e, por fim,
um curta de três minutos, que constituiu a parte lúdica.
Essa tríade de desenvolvimento se consolidou em um ensaio verbo-visual,
com uma abordagem cientifica singela, onde sua verdadeira força se faz nas
imagens e especulações propostas no decorrer da leitura, esse trabalho
nada mais é do que uma provocação ao leitor, um convite para que ele
participe com suas impressões, vivencias e interpretações de cada colagem
aqui apresentada. Começo esse artigo de forma não linear, dando ênfase
primeiramente à meus ensaios afim de causar “desconforto”, seguindo para
a parte escrita, finalizando com fragmentos do curta, junto com o link para
ser assistido.

Recebido em 31/01/15 e Aceito em 06/05/15.

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“Eu sou fenomenologista, estou preocupado com a maneira como as coisas são, sentem,
tocam, cheiram, soam, isto é o que eu penso quando estou a projectar. É um sentimento, não
está na minha cabeça.”
Zumthor

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Há portas que precisam de duas mãos para serem abertas, outras que deslizam com um só
toque. Existem aquelas que deixam ver o que encerram e nos convidam a entrar, outras que
se negam a ceder passagem. Minhas prediletas são as que estão sempre abertas.
Manuela

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A escada é um elemento que introduz uma outra dimensão na maneira como ocupamos o
espaço. Cada escada oferece uma experiência própria no percorrer, seja na maneira como a
tocamos e nos deslocamos sobre ela, seja segurando firmemente o corrimão ou deslizando
pelos degraus de pedra já gastos.
Manuela

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1. Introdução
A fotografia passou por vários estágios desde que foi criada, no início do século XIX,
durante muito tempo enfrentou o dilema se poderia ou não ser considerada arte, e
hoje é uma das mais expressivas formas de manifestações artísticas. A partir de suas
capturas e impressões, ela se tornou um mecanismo de materialização da
memória. Nesse trabalho a fotografia será abordada por duas vertentes, a da
memória e a da história.

Entende-se neste trabalho a memória como algo além de uma ferramenta de


guardar dados mnemônicos (reservatório de lembranças); que se trata de uma
representação de coisas já apresentadas anteriormente, uma possível reconfiguração
de dados guardados na memória que despertam com o exercício da rememoração. A
relembrança exige esforço que faz com que busquemos tal conhecimento obtido
anteriormente. O ato de memorizar algo é a economia do reaprender, o trabalho
penoso de memorizar treina o indivíduo para que o conhecimento adquirido não caia
no esquecimento.

Segundo a reflexão bergsoniana a memória está relacionada com o “real anterior”,


nos situamos primeiramente no passado em geral para acessar uma lembrança.
Nessa concepção já está marcada a noção de que a lembrança é do passado.

Com sua linguagem mítica de representação do mundo, os gregos nos falaram da


deusa Mnemósine, a memória, mãe das musas, entre as quais se encontrava Clio, a
história. Mnemósine e Clio possuíam afinidades, pois ambas tinham a seu encargo a
construção de narrativas sobre uma temporalidade já transcorrida, ou seja, a
presentificação de uma ausência, tarefa comum voltada para a representação
mnemônica do passado. A deusa Mnemósine, administrava o rememorar das coisas
acontecidas; com o passar do tempo coube a Clio a tarefa de registrar o passado,
atribuindo o status de permanência do texto, sobre a oralidade.

Ao fazer uso de artifícios de fixação da memória como a escrita e a fotografia, a


história aprisiona o tempo, mais do que a fidelidade ao modelo, a ambição da
fotografia é tornar-se um espelho do tempo.

Esta monografia apresenta e discute acerca das formas não convencionais de pensar,
representar, rememorar e propor a arquitetura, a fotonovela foi escolhida como produto
final justamente por reunir em sua linguagem todas essas reflexões, fazendo um
resgate dessa identidade esquecida desde os anos 80, pude refletir também sobre a
disseminação da cultura por mecanismos de massa desde o início da fotografia,
mencionada por Walter Benjamin no primeiro capítulo. A fotonovela como objeto
final, é a junção de tudo que é dito no decorrer desse trabalho, a materialização de
um círculo de referências que se fecha nela mesma.

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2. Era uma vez a fotografia
Walter Benjamin (1892-1940) foi quem primeiro introduziu os estudos sobre a
fotografia enquanto um discurso teórico. No seu primeiro ensaio intitulado a
“Pequena história da fotografia” escrita em 1931, ele buscou o ponto de vista estético
e também político, em um debate sobre a essência da fotografia, que envolveu os
produtores de imagens durante a vanguarda fotográfica alemã, particularmente
nos anos XX.
A “Pequena história da fotografia” conta de forma linear e crítica como foi a
introdução da fotografia com ênfase na sociedade alemã, iniciando com sua
descoberta por Niepce e Daguerre “simultaneamente”, havendo, entretanto, uma
resistência em patentear a invenção, porém, o Estado interveio e logo a fotografia
caiu em domínio público.

“(...) os clichês de Daguerre eram placas de prata, iodadas e expostas na câmera


obscura; elas precisavam ser manipuladas em vários sentidos, até que se pudesse
reconhecer, sob uma luz favorável, uma imagem cinza-pálida.” (BENJAMIN, Walter;
Pequena História da Fotografia, p. 94)

Benjamin observa os primeiros cem anos de fotografia e nas suas primeiras duas
décadas de existência ela era considerada uma técnica pré-industrial e ficava restrita
a “arte de feira” (BENJAMIN, Walter;Pequena História da Fotografia, p. 70). Depois
ela teve o formato de carte-de-visite inaugurando a fase industrial, em seguida como
cartão postal. Mas foi na forma de retrato que A fotografia se destacou.

“A fraca sensibilidade luminosa das primeiras chapas exigia uma longa exposição ao
ar livre. Isso por sua vez obrigava o fotografo a colocar o modelo num lugar tão
retirado quanto possível, onde nada pudesse perturbar a concentração necessária
ao trabalho.” (BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 97)

A pintura já conhecia á muito tempo esses rostos em primeiro plano. Mas com o
retrato fotográfico os quadros perderam popularidade, só continuando nas famílias
apenas para testemunhar o talento artístico do autor.

“A fotografia está substituindo a pintura. As possibilidades criadoras (...) através de


velhas formas, velhos instrumentos, no fundo já foram liquidados com o
aparecimento do novo.” (BENJAMIN, Walter;Pequena História da Fotografia, p. 70)

As reflexões sobre as consequências do avanço causado pelo desenvolvimento


tecnológico e o advento da cultura de massa alteram, de maneira definitiva, a noção
de arte.
Os primeiros cem anos de fotografia são para Benjamin, também os primeiros cem anos
de um debate teórico sobre seu significado, sob todos os aspectos. Ao longo desse tempo,
apesar de seu desenvolvimento acelerado, a fotografia persistiu em justificar-se perante a
Arte. Cem anos de fotografia são cem anos de conflito e crise da arte.

“Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre arte e a fotografia, é a tensão
ainda não resolvida que surgiu entre ambas quando as obras de arte começaram a ser
fotografadas.” (BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 105.)

Ao longo de sua obra Benjamin deixou claro os modelos pelos quais a fotografia
contribuiu para a crise artística; citando os principais motivos para isso: Em primeiro
lugar, a própria reprodutibilidade, a fotografia surge como primeira técnica de
representação verdadeiramente revolucionária.

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“(...) com a fotografia, a mão liberta-se pela primeira vez, no processo de
reprodução de imagens, de importantes tarefas artísticas que a partir de então
passaram a caber exclusivamente aos olhos que vêem através da objectiva. Como
o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução
de imagens foi tão extraordinariamente acelerado que passou a poder acompanhar
a fala.” (BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 105.)

Para Benjamin a discussão sobre a “fotografia como arte” é inteiramente secundária em relação
da “arte como fotografia.”

“(...) a importância da reprodução fotográfica de obras de arte para a função


artística é muito maior que a construção mais ou menos artística de uma
fotografia.”
(BENJAMIN, Walter; Pequena História da Fotografia, p. 104.)

A fotografia rompe com a unicidade da obra de arte; além de diminuir o valor


“informativo” da pintura, que posteriormente vai buscar no impressionismo e no
cubismo um terreno onde a fotografia não poderia segui-la. O conceito de aura na
obra de Walter Benjamin se insere justamente no que se diz respeito a essa unicidade
mencionada, da técnica da obra de arte e da sua singularidade.

“A singularidade da obra de arte é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da


tradição. Esta tradição, ela própria é algo de completamente vivo, algo de
extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga da Venus, por exemplo, situava-se -
num contexto tradicional diferente, para os Gregos que a consideravam um objecto de
culto, e para os clérigos medievais que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos
enfrentavam da mesma forma, era a sua singularidade, por outras palavras a sua
aura.” (BENJAMIN, Walter; A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica,
p.05).

No entanto, a reprodução da obra de arte relaciona-se com a sua autenticidade, para


Benjamin, por mais perfeita que fosse a cópia, jamais seria igual à obra

“Na fotografia, o valor de exposição começa a afastar, em todos os aspectos, o


valor de culto”. Porém, este não cede sem resistência. Ocupa uma última
trincheira: o rosto humano. Não é, de modo nenhum, por acaso que o retrato
ocupa um lugar central nos primórdios da fotografia. No culto da recordação dos
entes queridos, ausentes ou mortos, o valor de culto da imagem tem o seu último
refúgio. Na expressão efêmera de um rosto humano acena, pela última vez, a aura
das primeiras fotografias.” (BENJAMIN, Walter; A obra de arte na era da
reprodutibilidade técnica, p.08.)

A expressão obtida a força pela longa imobilidade do modelo é a principal razão que
se assemelham em sua simplicidade a quadros bem pintados, evocando ao
observador uma imagem mais persistente ao tempo do que as fotografias modernas.
Na “Pequena história da fotografia” a aura está relacionada com a tentativa de
descrever a experiência, (a experiência está diretamente relaciona com a memória e
com dados fixados nela), em decorrência disso o declínio da aura é
consequentemente o declínio da experiência. O homem que perde sua experiência e
com ela, sua memória é aquele submetido a uma economia de gestos repetitivos e
mecânicos, que são indiferentes ao tempo.

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Colagem 1. Modo operante

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3. A memória como economia do reaprender

“(...) nenhuma citação direta de uma arquitetura passada trai o mistério de um


ambiente cheio de memórias.” (ZUMTHOR, Peter; Pensar a arquitectura, p.08.)

Para Zumthor o processo de projetar é uma imersão em memórias antigas,


reavivando imagens relacionadas a sua infância, formação e, com seu trabalho
como arquiteto.
O uso da memória como principal ferramenta projetual é um ato tão mecânico que
não paramos para refletir sobre sua atuação no consciente. A memória pode ser
entendida como a busca de imagens inteiras ou fragmentadas que, na maioria das
vezes é fantasiosa, mas que pode ser entendida como a procura de algum dado que,
efetivamente estava guardado e somente traz sua representação à tona. Ela também
pode ser vista como defesa do esquecimento, assegurando que acontecimentos
desagradáveis do passado não aflorem novamente.

“(...) não temos nada melhor que a memória para significar que algo aconteceu,
ocorreu, se passou antes que declarássemos nos lembrar dela.”
Paul Ricoeur

No início com Platão e Aristóteles, depois com Bergson, e a partir das premissas
estabelecidas por eles, entra Ricoeur, também um estudioso da memória que vem
esclarecer o que significa para o homem “estabelecer uma ligação com o passado”.
Ricoeur reflete primeiro sobre a etimológica da palavra memória - existe em grego
duas palavras para designa-la: anamnèsis, que é o ato de lembrar, o recolher ativo
de lembranças, e mnème, que é a imagem lembrada, uma intervenção no ser, a
impressão deixada na alma.
No diálogo Teeteto, Platão se utiliza da “metáfora da cera” na qual inscreve-se
impressões exteriores, que deixam vestígios, marcas, rastros, devido a sua
intensidade da impressão; segundo ele algumas lembranças são mais nítidas e outras
mais sutis, essas qualidades dependem da cera mole ou já endurecida, determinando
a qualidade da impressão; quando essa é fraca, quase não marca, quando é muito
forte marca demais e danifica.

A teoria platônica trata do lembrar dentro de uma reflexão maior sobre a


confiabilidade das imagens, aquelas vindas dos sentidos, isto é, as sensações, e
aquelas vindas da memória, as lembranças. As lembranças tendem a ser mais
duvidosas, porque não são de uma impressão exterior, mas sim de uma impressão
interior, vestígio deixado por algo que não é mais presente.
De forma geral a imagem existe dentro da mente humana, é a interpretação que
fazemos daquilo que está a nossa volta quando é visto pelos olhos. A luz que é
emitida ou refletida dos objetos é projetada na retina, aquilo que o cérebro decodifica
da projeção é o que chamamos de imagem.

Logo é possível estabelecer uma relação entre os sentidos e a memória, pois a função
dos órgãos sensoriais é comunicar ao cérebro a informação, e transmiti-la por meio
de impulsos nervosos. Entende-se a sensação como um diálogo entre a razão e
os sentidos. Somos aquilo que recordamos, e o acervo de cada indivíduo é
único, o cérebro faz associações com o que já está armazenado com as
informações recém adquiridas, de acordo com a vivencia de cada um. Ou seja,
a memória armazena as informações através de sensações que se sobressaem
das demais, um gosto muito amargo, uma cor vibrante, uma superfície áspera
ou um aroma muito agradável, essas sensações são consequências de
estímulos sensoriais.

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A imaginação “criação de imagens” completa a capacidade visual; as imagens
mentais estão relacionadas com o inconsciente e com o consciente, elas
partem do mundo sensível para adquirirem forma no inconsciente (momento
subjetivo), para depois ganharem intensidade (momento objetivo), dessa
forma os medos e anseios são projetados na nossa imaginação, e
exteriorizados para a realidade, assim a imaginação está sempre associada
às experiências subjetivas, por sua vez mostra a relação que fazemos entre
visão e emoção.
Antes mesmo de Bergson, Aristoteles já vinha com a definição aparentemente obvia
de que “a memória é do passado” e que ela sempre comporta uma temporalidade,
não podendo existir memória nem do presente nem do futuro. Bergson retoma essa
teoria e aprimora quando distingue entre dois tipos de memória: a memória adquirida
e a memória espontânea. A primeira é fruto de um aprendizado transformado em
habito pelo exercício constante (rememorar), chegando ao ponto de aprender,
não se fazendo necessário o ato de lembrar, um exemplo seria; dirigir ou
saber uma formula matemática de cor.

A segunda é a memória espontânea, é a memória “verdadeira” ou autentica,


segundo Bergson, em oposição ao princípio de repetição da primeira, ela é
diferente porque traz de volta nossa atenção ao presente algo que aconteceu
num momento e em um lugar do passado (algo que pode ter sido esquecido),
fazendo ressurgir esse momento único do passado na intensidade do presente.

“(...) nossa lembrança continua em estado virtual; dispomo-nos assim apenas a


recebê-la adotando a atitude apropriada. Pouco a pouco aparece como que uma
nebulosidade que se condensasse; de virtual ela (lembrança) passa ao estado
atual; e, à medida que seus contornosse desenham e sua superfície se colore,
ela tende a imitar a percepção.” (BERGSON, Henri; Materia e memória, p. 156.)

O passado em geral se torna uma lembrança, capaz inclusive de se confundir com


a percepção. Primeiramente devemos reconhecer um passado especifico no
interior do passado em geral; por isso que no texto de Bergson existem diversas
metáforas visuais, pois geralmente, damos a esse reconhecimento o nome de
imagem. O trabalho de reconhecimento, ou de evocação de imagens, não pode
ser confundido com a invocação de lembranças.

O momento de atualização da “imagem-lembrança” acontece quando estamos nesse


passado geral, e a partir daí trabalhamos para evocar as imagens, assim a imagem
do passado se atualiza, fixando-se no presente.

“(...) em estado aberto, o que a imagem é em estado fechado. Apresenta em


termos de devir, dinamicamente, o que as imagens nos dão como já feito, em
estado estático. Presente e atuante no trabalho de evocação das imagens, ele se
dissipa e desaparece por trás das imagens depois que estas foram evocadas, tendo
cumprido seu papel. A imagem de contorno fixos desenha o que foi.” (BERGSON,
Henri; Matéria e memória, p. 146.)

Essa citação nos parece essencial para se compreender o argumento de Bergson,


pois além de sintetizar o processo de atualização da lembrança em imagem, que
poderíamos dizer que se trata de um “passado reencontrado”, explícita também o
motivo pelo qual temos dificuldade de entender esse mecanismo de evocação; essa
dificuldade decorre do fato de que, quando reencontramos a “imagem do passado”
sua potência de servir ao presente, além de confundi-la com a percepção desse
presente, não se sabe ao certo qual foi o trabalho pelo qual se chegou a essa imagem.
Ricoeur ressalta de maneira muito clara as dificuldades da teoria da imagem como
base de uma compreensão da memória. Poderíamos dizer que a noção da imagem

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ainda introduz uma substancialidade que atrapalha, porque não se sabe bem definir
a sua origem.

Em outros termos, a teoria da imagem mnêmica sofre com a existência de um agente


que continua obscuro nas suas intenções.

É aqui que Ricoeur introduz, sua reflexão sobre nossa relação com o passado, e
pensar a presença, o passado no presente. Não é somente aquilo que passou, e se
extinguiu, mas também é, ao mesmo tempo, aquilo que perdura nesse desdobrar do
presente para o futuro. O passado é aquilo que não está mais, que foi extinto e não
volta, mas também é aquilo cuja passagem continua presente e marcante. O passado
foge das apropriações do presente, ele como sendo breve se torna passado também,
suas pretensões de dominação se esvaem, e com cada presente muda a história do
passado, como bem sabem os historiadores, mas sempre acaba sobrando alguma
coisa, mesmo que marginalizada pela consciência.

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Colagem 2. Mir.AR

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4. Além de plantas, cortes e fachadas

“Este é um novo terreno em que a informação é quase uma substancia, um


novo material com o poder de reformular os arranjos sociais, em que a cidade
se converte em sitio de construção continua em um sentido muito literal, em
que as coisas e pessoas vibram e oscilam ao redor do globo em consumo
estático de energia, em que a busca modernista pelo autentico é um
anacronismo, em que a inquietude é a condição cultural vigente.
Este é o território habitado por Archigram.”

David Greene

O Archigram surgiu a partir de estudantes de arquitetura recém formados, que se


reuniam para publicar uma revista ilustrada de caráter provocativo também chamada
Archigram. Um nome que vem da junção entre as palavras architecture e telegram;
a ideia era lançar publicação que fosse simples e mais ágil que uma revista comum
e que tivesse a rapidez de um telegrama.

A ideia era mesclar projetos e comentários sobre arquitetura com imagens gráficas,
cuja a referência vinha do universo da TV, do rádio e das histórias em quadrinhos. A
linguagem utilizada na programação visual da revista era a da bricolagem, através
da justaposição de desenhos técnicos, artísticos, fotografias, fotomontagens e textos.
Com esta publicação eles instauraram uma crítica irônica e radical às convenções e
aos procedimentos estabilizados. Os questionamentos levantados em seus artigos
eram uma reação contra a obviedade e a monotonia no processo de representação e
de criação arquitetônica. Eles souberam como nenhum outro profissional da época
traduzir seus projetos e ideias em linguagem contemporânea.

5. Yes is more, Less is more e Less is a bore

“Yes is More”, ou melhor, “Sim é Mais”: este é o lema do escritório de arquitetura


dinamarquês BIG, o arquiteto Bjarke Ingels faz com que a arquitetura participe mais
do que apenas um pano de fundo na história em quadrinhos, ele desconstrói o código
do super-herói de quadrinhos e o integra aos seus desenhos. É o próprio Ingels quem
explica o seu projeto, como em uma espécie de conferência, usando uma divertida
apresentação com desenhos que narram os processos de desenvolvimento dos
projetos.

6. Peter Eisenman

Afim de propor uma nova perspectiva, Peter Eisenman teoriza um deslocamento do


sentido habitual da arquitetura, muitas vezes de forma contraditora e radical ele
sempre quis se manter no campo teórico, na pretensão de mudar o que de fato a
arquitetura significa, usando talvez uma lógica similar a dos ready-made de
Duchampo onde o artista e a instituição envolvida têm “o poder de transformar coisas
ordinárias em arte”.
Talvez reconhecendo a necessidade de uma confirmação institucional sobre seu
próprio trabalho, não é surpreendente que Eisenman tenha se empenhado como
agitador cultural, criando suas próprias instituições validadoras, fundando o IAUS e
suas diversas revistas. Eisenman preferiu ver a arquitetura através dos livros.
Preferiu a abstração dos discursos à concretude da arquitetura, e a partir deles
contra-traduziu arquitetura em linguagem.

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Colagem 3. Banquete

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7. Fotonovela

A fotonovela nasceu na Itália do pós-guerra, como subproduto do cinema: as


primeiras publicações nesse formato (fotos e legendas mostrando as falas dos
personagens) foram cartazes de filmes. Os estúdios usavam fotogramas cortados na
edição dos filmes para montar seus cartazes e anúncios publicitários, que traziam
como que um pequeno resumo do filme. Por isso, em fotonovelas das décadas de
1950 e 1960, não é raro reconhecer o rosto de estrelas do cinema europeu,
principalmente o italiano.

Habert (HABERT, Angeluccia Bernardes. Fotonovela e indústria cultural: estudo de


uma forma de literatura sentimental fabricada para milhões, p.17.) define a
fotonovela como “uma forma de narrativa que utiliza foto e texto” e admite classificá-
la como “gênero” (literário) por causa de sua especificidade formal, mas ressalva que
seu interesse não se prende às peculiaridades expressivas ou de linguagem da
fotonovela, mas ao fato de tratar-se de “produto de uma indústria cultural que veicula
conteúdo consumido cotidianamente por um grande público”.

8. Morder a cauda

“Ler é uma atividade produtora de sentido, mas ler criticamente é metalinguagem


(...).” (WALTY, Ivete. CURY, Maria Zilda. Textos sobre textos. p.7)

Como citado acima por Samira Chalhub o código está em destaque. O próprio sentido
do prefixo metá, que remete a sua etimologia grega, que significa; mudança,
posterioridade, além, transcendência, reflexão, crítica sobre. Por exemplo um livro
que fale sobre metalinguagem é um livro metalinguístico, também pode-se citar a
moda em relação a roupa que revisita o passado, reinterpretando-o, ou o cinema
quando o filme tem como tema o fazer cinematográfico; até mesmo quando Woody
Allen usa uma camiseta referindo a si mesmo a metalinguagem está presente.

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Colagem 4. Antítese

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9. Despina

Memórias, experiências expressivas abandonadas por Guido Alselmi, o mesmo


personagem do filme 8 ½ de Fellini, que assume neste enredo a identidade de um
arquiteto que inicia uma peregrinação, com o anseio de recuperar lembranças e
vivencias perdidas, resgatando assim o ato de projetar além das relações puramente
funcionais, redescobrindo uma arquitetura que se relacione diretamente com a
experiência humana do habitar.
Durante a jornada Guido é acompanhado apenas por Peter Zumthor, esse que é um
dos arquitetos que mais exerce influência sobre seu trabalho. Zumthor assume o
papel de “voz da consciência”, e em alguns momentos se materializa e dialoga com
o personagem principal. Assim como Fellini retrata no filme, Guido tem devaneios
frequentes no decorrer da história, essas fugas da realidade na verdade são a fonte
de sua criatividade artística, nessas miragens ele se depara com entidades
transfiguradas em citações e fragmentos imagéticos, que o norteiam durante a
viagem.
Ao abrir de portas e descer de escadas Guido inicia sua trajetória por uma cidade-
montagem, erguida a partir das vivencias que tanto quer recuperar; seu norte é a
cidade de Despina, referência ao livro Cidades invisíveis de Ítalo Calvino, Despina foi
escolhida como ponto final do percurso em decorrência do seu nome, cujo significado
é destino, que pode ter duas interpretações possíveis, o lugar onde nos dirigimos ou
o futuro. Cada um dos olhares descreve para onde o observador deseja dirigir-se.
Pelo caminho outras cidades do livro são mencionadas e reinterpretadas com
referência a bairros de São Paulo.

Mais a frente imagens de casas surgem fragmentadas, em um fluxo desordenado da


consciência de Guido, elas não mantem nenhum tipo de associação com o presente,
não são lineares e não estabelecem coerência com espaço e tempo. Os fragmentos
resgatados remetem ao passado, rememorando as primeiras vivencias da arquitetura
que apareceram para ele.
Assim como em uma das cenas no filme 8 ½, onde Guido é envolvido por um Harém
com todas as mulheres que fizeram parte de sua vida, durante o trajeto até essa
cidade que não sabemos se de fato existe ou se é mais uma de suas fantasias, ele
se “depara” com arquitetos e intelectuais que nortearam o seu desenvolvimento e
que transformaram sua percepção sobre arquitetura.
É com o andar errante, que Guido consegue produzir novas maneiras de pensar o
espaço e recupera as referências perdidas, através do agir na cidade que ele cria
novas possibilidades sensíveis de se entender e de se projetar, andando
desordenadamente descobre “cidades” dentro de “cidades”, absorvendo suas
próprias logicas, dinâmicas, estruturas a serem compreendidas e analisadas, contudo
as cidades nunca acabam de dizer o que têm a dizer, cada cidade surge incompleta
e apenas faz sentido na sua relação com as restantes, e ao final da de sua deriva
Guido percebe quantas cidades ele tem em si, aquelas em que viveu de fato, as que
visitou em alucinações ou de verdade, e as que apenas imaginou, todas elas parte
da procura de si mesmo.

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Colagem 5. ½

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10. Início

Me despeço apenas para dizer que todas as colagens aqui exibidas, fizeram parte da
fotonovela, fotocolagem, ou seja, lá a forma que vocês ao final da leitura de letras e
imagens resolvam chamar minhas representações. Assim como não me imponho em
definir qual é a categoria do meu trabalho, não me sentiria a vontade em esclarecer
as intenções de cada montagem, seria egoísta de minha parte em condicionar
interpretações que podem ser absolutamente desprendidas. Tento trazer a mesma
situação com o vídeo, que por meio de outra mídia repleta de influencias adquiridas
durante o curso, procuro preencher esse trabalho com intenções libertas de
moderações.

Figura 1. Cena dos curta Em SI dade

Figura 2. Cena dos curta Em SI dade

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Figura 3. Cena dos curta Em SI dade

Figura 4. Cena dos curta Em SI dade

Figura 5. Cena dos curta Em SI dade

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Figura 6. Cena dos curta Em SI dade

Link para acesso ao vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=Ut7wb4RPQdI

Referências
Livros

ANDRADE, Carlos Drummond de; Versos à boca da noite, Alguma poesia;


Record, Rio de Janeiro, 2007.
BARTHES, Roland; Roland Barthes por roland barthes, Cultrix LTDA, 1975.
BENJAMIN, Walter; A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica,
1955.
BENJAMIN, Walter; A pequena história da fotografia, 1995.
BERGSON, Henri; Matéria e memória; Martins Fontes, São Paulo, 1999.
BERGSON, Henri; Memória e vida; Martins Fontes, São Paulo, 2011.
CHALHUB, Samira, A Metalinguagem, Parma LTDA, São Paulo, 2005.
EISENMAN, Peter; Inquietação teórica e estratégia projetual. Tradução de
Cristina Fino, Cosac Naify, São Paulo, 2013.
MONEO, Rafael; Inquietação teórica e estratégia projetual. Tradução de Flavio
Coddou, Cosac Naify, São Paulo, 2008.
PALLASMAA, Juhani; Os olhos da pele; Bookman, 2011.
PLATÃO; Teeteto; Fundação Calouste Gulbenkian.
SADLER, S. Archigram: architecture without architecture. Cambridge, 2005.
RICOEUR, Paul; A memória, a história, o esquecimento, Unicamp, 2007.
WALTY, Ivete. CURY, Maria Zilda. Textos sobre textos, Dimensão, 1999.
ZUMTHOR, Peter; Pensar a Arquitectura; GG, 2009.
ZUNTHOR, Peter; Atmosferas; GG, 2009.

Teses

NASCIMENTO, Angela do; A trajetória da Editora Vecchi; Tese de mestrado;


ECA-USP, Sao Paulo, 2012.
HABERT, Angeluccia Bernardes. Fotonovela e indústria cultural: estudo de uma
forma de literatura sentimental fabricada para milhões. Petrópolis, 1974.
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Colagem 6. Descanso de Guido

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A representação da cidade de São Paulo no filme Ensaio sobre a
cegueira: distopia, não-cidade ou cidade global?

Paper Template for Revista Iniciação: The representation of the city of São Paulo in the
film Blindness: dystopia, non-city or global city?

Daniela Ciarvi Martins, Prof Ms. Ralf José Castanheira Flôres.


Centro Universitário SENAC
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{danielaciarvi@gmail.com, ralfjcf@sp.senac.br}

Resumo. Esse artigo analisa as relações entre cidade, cinema, sociedade,


arquitetura, espaço e os conceitos de distopia, cidade global e não-cidade, tendo
como estudo de caso a cidade de São Paulo e seu uso no filme “Ensaio sobre a
cegueira”, de Fernando Meirelles.
Palavras-chave: cidade, São Paulo, cinema, arquitetura, cidade cenográfica,
representações, distopia, cidade global.

Abstract. This paper analyzes the relations between the city, cinema, society,
architecture, space and the concepts of dystopia, global city and non-city, using as an
example the city of Sao Paulo and its use on the film “Blindness”, by Fernando
Meirelles.
Key words: city, Sao Paulo, films, architecture, scenography city, representations,
dystopia, global city.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução

A representação da cidade de São Paulo no filme “Ensaio sobre a cegueira” é objeto


de discussão e reflexão devido a forma como essa construção é feita, de uma cidade
sem nome e identidade, características típicas das grandes cidades atuais.
A partir disto, referências em imagem, literatura e cinema foram buscadas de forma a
exemplificar e ampliar a pesquisa. E foi através dessas referências, que os conceitos
de distopia, não-cidade e cidade global foram abordados também.
O presente artigo mostra esse processo de um ano que utilizou-se tanto de pesquisa
teórica quanto virtual e a posterior análise e cruzamento dos dados levantados.

2. Imagem, representação, cinema e cidade

A fotografia, criada por Niépce em 1826, é uma forma de representação da realidade


e do cotidiano, podendo ser usada no jornalismo, na história e na arte. Na primeira
fotografia, ele registrou a paisagem de onde vivia através da janela de seu quarto,
revelando assim a relação entre a imagem fotográfica e a cidade, conforme afirmam
SOUZA & ANGELO (2008).
Cinquenta anos depois, a fotografia transformou-se e passou a ter movimento, com a
criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière em 1895, registrando o panorama
urbano e assim surgiu o cinema. Uma forma de se ver e conhecer o mundo mesmo
estando em algum lugar distante, através da criação da identidade visual dos lugares.
Desde então, conforme ROCCA (2012), cinema e cidade estabeleceram uma relação
mútua, onde a primeira testemunhou, registrou e discutiu o desenvolvimento das
cidades e suas transformações. Mostrando-se como um espelho da sociedade e
criando imagens e ideias sobre determinados lugares, podendo inclusive manipular e
influenciar.
A imagem da cidade também pode ser construída através de outros meios além do
cinema e da fotografia e um deles é a literatura. Através de descrições inseridas nos
textos, é possível criar uma cidade, que pode ser imaginada e pensada de formas
diferentes de acordo com o leitor, sendo assim uma forma tão subjetiva quanto às
outras na criação dessa identidade.
A imagem, a representação, a fotografia e o cinema estão diretamente ligados à
cidade e ao cotidiano, ao urbano e a metrópole moderna. Podendo assim, a última ser
também uma personagem e não apenas um cenário ou locação, como ocorre em
nosso objeto de estudo, o livro “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago e a
adaptação cinematográfica de Fernando Meirelles.

3. Distopia, cidade global e não-lugar

A utopia é um conceito filosófico que representa um ideal, tanto de passado, quanto


presente e futuro e as relações existentes entre os três. Conforme CLAEYS (2013),
definir o conceito de utopia é algo difícil, pois abrange tanto os ideais de sociedade,
quanto o oposto desses ideais, que são as distopias ou antiutopias e também abrange
fantasias, lugares sagrados e outros.

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O conceito de distopia, derivado da utopia, surgiu na literatura no final do século XIX.
Em contrapartida ao movimento socialista que crescia mundialmente. Embora a
distopia possa não só envolver aspectos políticos, os regimes totalitários fascistas e
socialistas tiveram grande influência. As distopias podem abranger o caos, a
superpopulação, a pobreza, a fome, doenças e guerra.
As distopias contemporâneas tratam de um futuro apocalipse, as mais famosas são
“Admirável Mundo Novo” (1932), de Aldous Huxley e “1984” (1949), de George
Orwell, que retratavam os problemas da modernidade.
Distopias famosas no cinema incluem “Laranja Mecânica” (1971), dirigido por Stanley
Kubrick, e adaptado do livro de 1962 de Anthony Burgess, que retrata a violência,
o colapso do núcleo familiar e a desintegração moral e “Blade Runner” (1982), de
Ridley Scott que retrata a decadência urbana futurista.
Já o conceito de cidade global, segundo CARVALHO (2000), surgiu com a
globalização da economia, inicialmente nos países desenvolvidos, a partir dos anos
70. O aumento do setor terciário, financeiro e das comunicações e empresas
transnacionais, fez com que o capital não ficasse mais retido em um único lugar e que
as metrópoles tivessem novas posições no mundo capitalista financeiro. A partir dos
anos 90, as cidades dos países subdesenvolvidos que passassem pelo processo de
globalização seriam consideradas cidades globais.
Inserida nesse contexto, a cidade global pode ser um lugar sem identidade, sem
características exclusivas. Tanto no livro de José Saramago quanto no filme de
Fernando Meirelles nem a cidade e nem as pessoas possuem nome. Elas são
descritas pelas suas características étnicas e específicas (a mistura de povos
diferentes também faz parte da cidade global). Essa cidade pode ser qualquer uma,
em qualquer lugar do mundo, assim como as pessoas que nela vivem.
Aliado ao conceito de cidade global está o de não-lugar. O não-lugar, conforme AUGÉ
(1994), é um local sem identidade, é ao mesmo tempo a contradição de todas as
culturas em uma única cultura mundial, de todas as arquiteturas em uma arquitetura
mundial.
O não-lugar traz, também, às pessoas da metrópole moderna o anonimato, a perda
da identidade individual, através dos tantos números que acompanham o dia-a-dia,
como os do cartão do banco e da passagem de trem. O que se conecta diretamente
com o filme, visto que nele nem as pessoas e nem a cidade possuem nomes. Porém,
esse anonimato pode ser visto como algo bom, como uma forma de liberdade.
A partir desses conceitos, é possível ter uma base para então analisar como estes se
aplicam aos objetos de estudo, tanto o filme, como a cidade de São Paulo inserida
naquele. O que é feito mais adiante ao longo do artigo.

4. A cidade sem nome de “Ensaio sobre a cegueira”

O livro “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago foi lançado em 1995 e a


adaptação cinematográfica de Fernando Meirelles, em 2008, e ambos tratam
epidemia de cegueira que se alastrou de forma desastrosa.
A história começa com um homem em uma metrópole qualquer, que é retratada no
filme com cenas da Avenida Faria Lima, dentro de um carro, que repentinamente fica
cego. Ele recebe ajuda de outro homem que estava passando na rua nesse momento,
que o acompanha até em casa, mas que na verdade é apenas um ladrão que se
aproveita da situação para roubar seu carro. Depois, em sua casa, o primeiro homem
vai com sua mulher ao oftalmologista, e lá descobre que não há nenhuma explicação
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para sua cegueira. No dia seguinte, todas as pessoas com quem o primeiro homem
teve contato, ficam cegas.
O governo, temendo uma epidemia, isola os cegos em um antigo hospício. Ali dentro,
um grupo se forma: o primeiro homem cego e sua mulher, o ladrão, a mulher com os
óculos escuros, o homem do tapa olho preto, o menino, o médico e a mulher do
médico, esta a única que não está cega mas fingiu estar para poder estar junto ao
marido. Conforme a cegueira infecta mais e mais pessoas, o hospício passa a se
tornar pequeno e a comida escassa, assim iniciam-se disputas por ela, que incluem
mortes, brigas, violência e abusos sexuais.
Em meio a essa situação que se torna cada vez mais degradante, uma das cegas
inicia um incêndio no local, e assim todos os cegos confinados saem do hospício,
incluindo o grupo, que se depara com uma cidade completamente diferente da que
existia antes da exclusão. Não há mais guardas vigiando a entrada e a saída, então
eles saem andando a procura de suas respectivas casas.
São usadas no filme como locação imagens da marginal do rio Pinheiros, da ponte
Otávio Frias de Oliveira (ponte estaiada), a Vila Boim, o Elevado Costa e Silva
(minhocão), o Viaduto do Chá e a praça Ramos de Azevedo para retratar o estado em
que se encontra a cidade. Nessas cenas, pequenos grupos de cegos caminham atrás
de comida, há muita sujeira e excrementos no chão. A cidade fede e aparentemente
não há mais uma ordem.
Depois de muito caminharem e lutarem para sobreviver, tanto no meio dos outros
cegos quanto atrás de comida, todos se encaminham à casa do médico e sua mulher,
onde passam a viver em família. Até que um dia de manhã, o primeiro cego recupera
sua visão de forma repentina e inexplicável. Esse fato gera a esperança em todos de
que em breve recuperariam a visão também.
Logo após o ocorrido, a mulher do médico vai até a varanda de sua casa e olha para
cima, em um momento em que o céu parece ficar branco e que ela perderia sua visão
também. No entanto, assim que ela abaixa o olhar, vê os edifícios da cidade à sua
frente.

Figura 1. Cena do filme “Ensaio sobre a cegueira”, que ilustra a cidade após o isolamento
dos cegos. Ao fundo o Shopping Light em São Paulo.

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Figura 2. Cena do filme “Ensaio sobre e cegueira”, que se passa embaixo do Elevado
Costa e Silva, em São Paulo.

As figuras retratadas foram retiradas do filme “Ensaio sobre a cegueira” e foram


usadas para retratar a cidade pós-isolamento do primeiro grupo de cegos. Mostram
uma cidade suja, com sacos de lixo jogados na calçada, eletrodomésticos
abandonados e pequenos grupos de cegos perambulando em busca de comida.
Na obra de Saramago (1995), essa mesma parte da cidade pós-isolamento dos cegos
é descrita como ruas desertas com lixo por toda parte e excrementos alastrados na
calçada.
A cidade descrita tanto no livro quanto no filme não tem nome, não tem uma marca,
não tem uma relação com a história, não tem identidade. Esse tema tem sido
abordado no cinema contemporâneo de forma semelhante, em que cenas de diversas
metrópoles são usadas para compor a imagem de uma qualquer, como nos filmes
“Blade Runner” (1982), de Ridley Scott e “Her” (2013), de Spike Jonze.
No caso de “Ensaio sobre a cegueira”, além de ser uma cidade distópica, pois mostra
uma sociedade caótica, sem ordem e sem leis, trata-se de uma cidade global,
podendo ser em qualquer lugar do mundo e um não-lugar, pois não há características
específicas desse ambiente e nem uma identidade.
A imagem da cidade criada no filme é, de início, de uma metrópole globalizada com os
problemas típicos de grandes cidades, como o tráfego intenso de carros, motos e
pessoas, onde ainda há uma ordem. Com a epidemia da cegueira, essa cidade se
transforma, e é revelada aos poucos ao observador, conforme figura 3.

Figura 3. Cena do filme “Ensaio sobre a cegueira”, mostra o grupo de cegos chegando à
cidade.

Nessa imagem, é possível ver os edifícios espelhados ou de vidro com alto gabarito,
denominados “high-tech” ao fundo, que simbolizam essa cidade globalizada, moderna
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e tecnológica. A ponte também faz parte dessa composição globalizada de cidade. Não
há nada de caráter identitário ali, mostra uma cultura e arquitetura universal. Trata-
se de uma importante fase de transição do filme, entre o isolamento dos cegos e a
cidade “lá fora”. Nesse plano, a cidade parece ser ainda organizada e ordenada. Para
compor esse cenário, foram usadas de locação a marginal do rio Pinheiros, a Ponte
Octávio Frias de Oliveira e os edifícios da avenida.

5. A cidade de São Paulo inserida no filme “Ensaio sobre a


cegueira”

Diversos pontos da cidade de São Paulo foram usados como locação para o filme
“Ensaio sobre a cegueira”. Muitos desses pontos estão localizados em locais
importantes e com edifícios imponentes, como o centro desta, e a Avenida Nações
Unidas (marginal do rio Pinheiros). Entretanto, apesar de sua localização, são edifícios
que compõem um cenário sem identidade, em que é impossível, com apenas um
enquadramento, descobrir de qual cidade no mundo se trata.

Figura 4. Cena do filme “Ensaio sobre a cegueira”. Cruzamento entre as Avenidas


Brigadeiro Faria Lima e Presidente Juscelino Kubitschek.

Figura 5. Cena do filme “Ensaio sobre a cegueira”. Elevado Costa e Silva.

As imagens ilustram cenas em que a cidade de São Paulo foi usada como cenário para
a cidade do filme. São locais de grande relevância, tanto econômica como histórica,
porém, através desses enquadramentos perdem suas identidades (Ver Anexo).
A figura 4 mostra o trafégo intenso entre carros, pedestres e motocicletas no
cruzamento entre duas grandes avenidas. A intenção ali, era de retratar uma cidade

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globalizada, populosa, caótica, mas com uma aparente ordem, antes da epidemia de
cegueira.
Já a figura 5, também mostra um símbolo importante da cidade, o Elevado Costa e
Silva, porém visto sob essa perspectiva assemelha-se com uma avenida qualquer,
com edíficios sem qualquer relação identitária. São usados aqui, para retratar uma
cidade grande, porém deteriorada, suja e caótica, com carros abandonados ao longo
da via, e pessoas vivendo como animais, após o alastramento da cegueira.
Por se tratar de uma cidade grande e com tantas diversidades, desde estilo de
edificios à desenho de vias, São Paulo pôde ser usada de cenário para diversos tipos
de situações, podendo ser uma cidade “high-tech”, uma cidade globalizada, uma
cidade moderna, uma cidade caótica, uma cidade suja, uma cidade histórica e tantas
outras.

6. Conclusão

Com a globalização e a ascensão de uma cultura universal, as metrópoles ao redor do


mundo se transformaram em cidades parecidas, sem uma identidade ou uma relação
histórica marcante. Apesar de possuírem ícones, é possível pegar trechos delas para
criar uma outra e essas cidades utilizadas são denominadas cidades-globais e não-
lugares.

Elas passaram a ser retratadas cada vez mais no cinema, na fotografia e na literatura,
como um reflexo da sociedade atual, ilustrando o anonimato, o caos do grande fluxo
de pessoas, carros, informações e a velocidade com o que tudo acontece na vida
cotidiana. Muitas vezes, são análises críticas e/ou satíricas, que são enquadradas
como distopias ou antiutopias.

Tanto o livro de Saramago, quanto o filme de Fernando Meirelles, são definidos


como distopias, por mostrarem essa cidade e sociedade conflituosa, sem identidade,
sem nome, e sem qualquer relação histórica ou característica específica.

Referências

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supermodernidade. 3 ed. França: Ed. Papirus, 1994.

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conceito. São Paulo, v.14, n.4, Outubro de 2000. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
88392000000400008&lng=en&nrm=iso>.

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SESC, 2013 – 224 p.

GOMES, Renato Cordeiro. Representações da cidade na narrativa


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v.I, n. I. Rio de Janeiro, jul/dez, 2000.
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KUBRICK, Stanley. A Clockwork Orange. Reino Unido. Hawk Films e


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MARTINS, Marina Cañas. O cinema como representação da paisagem:


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MEIRELLES, Fernando. Ensaio sobre a cegueira. Brasil, Canadá e Japão.


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ROCCA, Fabio La. A visão da paisagem no cinema: entre sonho e


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SARAMAGO, José. Ensaio sobre cegueira. Ed. Caminho. 312 págs. Portugal,
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SOUZA, Lilian Andreza dos Santos; ANGELO, Roberto Berton de. Cidades
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WENDERS, Wim. A paisagem urbana. La Veritê des images. Paris, 1992.

Recebido em 27/02/2015 e Aceito em 06/05/15.

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Intervenção na margem da Billings
O caso dos Pereiras/Jequirituba
Intervention in Billings’s Margin
The case of Dos Pereiras/Jequirituba

Thamara Cristina da Fonseca Nadais


Centro Universitário Senac
Departamento de Humanas - Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{thamara nadais}thamara.nadais@gmail.com

Resumo. O objeto de análise deste trabalho é o loteamento irregular Dos


Pereiras/Jequirituba, localizado no distrito do Grajaú, extremo sul de São Paulo, em
área de manancial e de proteção ambiental.
Por se tratar de um loteamento irregular, às margens da represa, este trabalho se
propõe a identificar e desenvolver uma proposta de intervenção urbana para o
loteamento Dos Pereiras/Jequirituba, considerando os impactos da irregularidade
urbanística na manutenção do manancial, devido, à insuficiência de saneamento
ambiental e de infraestrutura urbana, bem como os problemas de mobilidade e
acesso, pelos moradores, aos equipamentos e serviços públicos.
Dessa forma, a intenção da intervenção urbanística é desenvolver um projeto de
urbanização do loteamento, que indique os locais para implantação e/ou
complementação de infraestrutura, bem como a criação de espaços livres relacionadas
ao lazer, onde a convivência e participação das pessoas esteja presente e possibilite
contato com a vida civil em geral.
Palavras-chave: loteamento irregular, área de manancial, urbanização, espaços
livres.

Abstract. The object of analysis of this work is an irregular allotment called Dos
Pereiras/Jequirituba located in Grajaú, extreme south of São Paulo, in the area of
environmental protection, on the banks of the dam.
This work aims to identify, analyze and develop a proposed urban intervention for
allotment Dos Pereiras/Jequirituba, considering the impacts of urban irregularity in
maintaining the watershed, mainly due the lack of environmental sanitation and urban
infrastructure as well as the problems of mobility and access by residents to public
facilities and services.
Thus, the intention of the urban intervention aims to develop an urbanization project
of the subdivision, indicating the locations for implementation and/or completion of
infrastructure as well as creating free spaces related to leisure, recreation for the
coexistence and people participation in entertaining activities is a meeting point and
allow contact with the civilian life in general.
Key words: irregular allotment, area source, urbanization, free spaces.

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Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

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E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução
O interesse por assuntos públicos, como a urbanização, tanto o seu desenvolvimento e
a forma de utilização de determinado espaço, surgiu quando trabalhei na
Subprefeitura de M’Boi Mirim. Sua localização, em um bairro de alta densidade
populacional, tem características semelhantes ao Complexo Cantinho do Céu, como
ocupação de favelas e loteamentos irregulares, muitas vezes em áreas de preservação
ambiental e de mananciais, que demanda uma infraestrutura eficaz, que propiciem
melhorias na qualidade urbana e na vida dos moradores.
O Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba é uma ocorrência de assentamento
habitacional desprovida de infraestrutura de saneamento ambiental de acordo com a
Lei Específica da Represa Billings, nº 13.579/09. Com as visitas feitas no local,
percebe-se o difícil acesso pelo sistema viário, nem todas as vias tem pavimentação
adequada, há uma densidade elevada de habitantes, morando em casas muito
próximas, em áreas de risco tanto pela apropriação nas margens da Represa Billings
quanto ao longo da linha de transmissão de energia, não há implantação de
saneamento básico, levando todo o detrito diretamente para a represa, e, toda a área
verde que deveria estar preservada, está ocupada.
Tendo estes projetos como referência e ao iniciar o estudo sobre as condições do
loteamento irregular Dos Pereiras/Jequirituba, definiu-se pela importância em
discorrer sobre temas como regularização fundiária e urbanística, a relação desta
irregularidade com a legislação urbano-ambiental.
A partir deste breve quadro referencial, é feita a caracterização do loteamento,
discorrendo sobre seus impactos na região, assim como analisar a existência e
possibilidade de melhoria de sua infraestrutura e regularização das moradias. Para a
melhoria da qualidade de vida dos moradores e a recuperação e proteção dos
mananciais, tem como objetivo principal a inserção de um parque urbano com espaços
livres voltados para o lazer e recreação, circulação e o mais importante, gerar a
convivência e participação das pessoas em atividades de entretenimento, criando um
ponto de encontro e ter um contato com a vida civil em geral.

2. Objeto de estudo
A zona Sul da cidade de São Paulo tem apresentado, ao longo dos últimos 50 anos 1,
um crescimento populacional bastante significativo, em especial, nas áreas mais
frágeis a ocupação, isto é, àquelas situadas em áreas ambientalmente protegidas. O
tipo de ocupação predominante que tem se consolidado nas áreas ambientalmente
protegidas são os chamados assentamentos precários.
A falta de alternativas habitacionais, gerada pelo intenso processo de
urbanização, baixa renda das famílias, apropriação especulativa da
terra urbanizada e inadequação das políticas de habitação, levou um
contingente significativo da população a viver em assentamentos
precários e informais. Estes se caracterizam pela informalidade na
posse da terra, ausência ou insuficiência de infraestrutura,
irregularidade no processo de ordenamento urbano, falta de acesso a
serviços e moradias com graves problemas de habitabilidade,
construídas pelos próprios moradores sem apoio técnico e
institucional. (PlanHab: 2010,36)

1
Dados levantados junto ao site da PMSP, histórico demográfico da cidade de São Paulo de 1950 a 2010 -
http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas

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Dessa forma, a área de interesse para o trabalho de conclusão de curso, é um
loteamento irregular, denominado Dos Pereiras/Jequirituba, localizado no Distrito do
Grajaú, extremo Sul de São Paulo.
Este loteamento, com 300 lotes, que teve sua ocupação iniciada em 1991 2. Conforme
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, Lei nº 13.885/2004, o mesmo é
classificado como Zona Especial de Interesse Social – ZEIS 1, que corresponde às
favelas e loteamentos precários, que se insere na Macrozona de Proteção Ambiental.
E, ainda, de acordo com o Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Capela do
Socorro, nº 428, anexo à Lei nº 13.340/2002, art. 73, os loteamentos situados nas
ZEIS têm por finalidade a implantação de infraestrutura básica de saneamento
ambiental e equipamentos sociais, visando à melhoria da qualidade de vida e o
desasensamento populacional, objetivando a recuperação e a conservação dos
mananciais enquadrados pela legislação estadual.
Na Lei Específica da Represa Billings, nº 13.579/09, a área se insere na Área de
Recuperação Ambiental – 1, que são ocorrências de assentamentos habitacionais
desprovidas de infraestrutura de saneamento ambiental.
A análise feita através de mapas do processo de ocupação urbana, na Subprefeitura
da Capela do Socorro, demonstra a ocorrência de aumento não planejado de
habitações, comércio e serviços, que correspondem num grande número de
assentamentos irregulares, ou seja, favelas e loteamentos que ocupam áreas de
terceiros ou públicas, que não podem ser densamente ocupadas conforme disposto na
legislação ambiental. Situação que se acentua com a “ausência de atenção” do
proprietário e/ou do Estado, que não inibe e oferece alternativas reais para minimizar
a ocupação irregular, em especial, na área de mananciais.

Fig. 1: Mapa da evolução urbana da Capela do Socorro, Cidade Dutra, Grajaú e do Socorro, de
1962 atéos anos 2000.
Fonte: CESAD – USP.

2PMSP - Habisp Plus. Disponível em: <http://www.habisp.inf.br/7773399b-ccbf-445c-a118-


3ea6d3e8417c/Dos%20Pereiras%7CJequirituba.>

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3. O Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba
O loteamento objeto de estudo é desprovido de saneamento ambiental, de acordo com
os padrões estabelecidos pela Lei Específica da Represa Billings, nº 13.579/09. O
início da ocupação ocorreu em 1991, com 300 lotes implantados (aproximadamente
300 famílias) e índice de ZEIS de 40%. 3 Com as visitas feitas no local, percebe-se o
difícil acesso pelo sistema viário, nem todas as vias tem pavimentação adequada, há
uma densidade elevada de habitantes, morando em casas muito próximas, em áreas
de risco tanto pela apropriação nas margens da Represa Billings quanto ao longo da
linha de transmissão de energia, não há implantação de saneamento básico, levando
todo o detrito diretamente para a represa, e, toda a área verde que deveria estar
preservada, está ocupada.
Por se tratar de uma área de ocupação irregular, às margens da represa, o foco, na
primeira fase da pesquisa é fazer uma caracterização do loteamento denominado Dos
Pereiras/Jequirituba para discorrer sobre os impactos da precariedade de saneamento
ambiental desta ocupação na manutenção do manancial, bem como, analisar a
existência de equipamentos urbanos como espaços públicos voltados para o lazer e
recreação, podendo ter uma relação com o trecho do Parque implantado Complexo
Cantinho do Céu e, que vem sendo utilizado pelos moradores desde 2010.
Com o estudo feito na Secretaria Municipal de Habitação do processo administrativo
de número 1992-0.000.900-0, o loteamento era denominado “Sítio dos Pereiras” e seu
proprietário e loteador, o Sr. José Pereira da Silva. A área loteada correspondia a
55.191 m², com 33.100 m² (60%) de área desmatada e 450 m de ruas lineares
abertas (figura 14). A área média dos lotes implantados previa 125 m², totalizando
10.000 m² de lotes permitidos no local. A falta de equipamentos urbanos como redes
de água e esgoto, ruas sem guias e pavimentação, ligações clandestinas de energia
elétrica e seu relevo com inclinação acentuada em direção a represa foram
constatadas.

Fig. 2: Vista aérea do loteamento em 1992. Fig.3: Quadra fiscal com a implantação das ruas.
Fonte: Processo administrativo 1992-0.000.900-0 Fonte: Processo administrativo 1992-0.000.900-0

O loteamento foi multado e embargado pela Prefeitura Municipal de São Paulo e pela
Polícia Florestal e de Mananciais em 1991, de acordo com as folhas 04 e 05 do
processo administrativo 1991-0.000.900-0, pelo parcelamento com abertura de vias
sem prévia autorização dos órgãos e por se localizar às margens da Represa Billings,
em área de Proteção aos Mananciais.

3Habisp. Disponível em:


<http://www.habisp.inf.br/7773399b-ccbf-445c-a118-3ea6d3e8417c/Dos%20Pereiras%7CJequirituba>.

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Os índices urbanísticos permitidos pela legislação para implantação de Loteamentos
Residenciais permitiam metragem mínima de 500m², limitando o local para, no
máximo, 31 lotes. Implantado como o proposto (figura 19), além de causar um dano
irreparável para a represa, as consequências seriam: assoreamento da represa pela
ausência de drenagem e retirada da cobertura vegetal e a dimensão dos lotes
inviabiliza a implantação de fossas sépticas, acarretando problemas sérios de
saneamento pois não será atendido com os serviços básicos (água, luz, esgoto, lixo e
energia elétrica).

Fig. 4: Planta do loteamento em 1992.


Fonte: Secretaria Municipal de Habitação
Processo administrativo 1992-0.000.900-0

Essa análise resultou em algumas implicações, tais como o perímetro da ZEIS ser
maior que o tamanho do loteamento pois, o planejamento da ZEIS respeita algumas
diretrizes do Plano Regional Estratégico – 428, Anexo XIX do Livro XIX, onde há a
necessidade de proteção da borda da represa numa margem de 50 metros, a remoção
das ocupações com risco de enchentes e das que estão localizadas a menos de 5
metros dos cursos d’água e a preservação dos cursos, faixas d’água e rios.
Entre os impasses para promover a regularização fundiária da totalidade de lotes
deste loteamento está a necessidade de dotação de infraestrutura urbana, que
permita acesso facilitado ao loteamento e as ocupações de seu entorno, a implantação
de saneamento ambiental e capacidade de suporte da mesma para a população
residente e para a manutenção do manancial, o enquadramento com ao disposto na
lei específica da Billings e a previsão de unidades habitacionais para àquelas unidades
que estão em situação de risco.

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Outro aspecto identificado é o tratamento dado pelos técnicos da Subprefeitura de
“não reconhecer” esta ocupação, devido não pertencer ao cadastro oficial, vinculado
ao cadastro tributário.4

Fig. 5: Vistas do Loteamento dos Pereiras/Jequirituba.


Fonte: Autoria própria. 22 de setembro de 2014.

3.1. Localização
O Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba se localiza em um raio de 35,9 km de distância
do marco zero da cidade de São Paulo, na Praça da Sé. Da Subprefeitura da Capela do
Socorro, Avenida do Rio Bonito, zona sul, dista aproximadamente um raio de 9km.

4Informações obtidas com funcionários do Setor de Cadastro da Subprefeitura Capela do Socorro, dia 07
de maio de 2014.

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Fig. 6: Mapa de localização do Loteamento em relação ao centro (ponto vermelho) e a
Subprefeitura (ponto laranja).
Fonte: Base Gegran São Paulo. Desenho de autoria própria.

3.2. Acessos
O acesso principal para chegada ao Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba, sentido
bairro, é pela Estrada Canal de Cocaia que se encontra com a Avenida Dona Belmira
Marin ou pela Rua Rubens de Oliveira, que se une com a Rua Pedro Escobar e, a partir
daí um acesso pode ser feito pela Rua Gerônimo Paco e outro pela Rua São Francisco.
Esses dois acessos facilitam a circulação de pedestres e automóveis no loteamento.
O loteamento está localizado entre algumas barreiras urbanas: além de estar na
margem da Represa Billings, se encontra entre dois braços da represa e outros
elementos no entorno, em um raio de 2km, como a linha de transmissão de energia e
a única via de acesso, Avenida Dona Belmira Marin, dificultando a locomoção sentido
bairro e centro.
As alternativas de vias secundárias são pouco acessíveis e os percursos difíceis pelo
bairro sempre apresentar a mesma característica, tanto pelas casas quando pela falta
de sinalização nas ruas, dificultando a localização. Para chegar de ônibus ao
loteamento, tendo como referência a Estrada Canal de Cocaia e a Rua Pedro Escobar,
é possível pegar uma linha, com duração aproximada de 15 minutos e, outra opção é
a caminhada que dura em torno de 20 minutos para os edifícios principais, como
escolas, praças, o CEU Navegantes e até mesmo o Complexo Cantinho do Céu.

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Fig. 7: Mapa de acessos do loteamento e equipamentos em um raio de 2km.
Fonte: Base Gegran São Paulo. Desenho de autoria própria.

3.3. ZEIS
O mapa de ZEIS conta com a análise das ZEIS – Zona Especial de Interesse Social – a
partir do Habisp5, do Plano Diretor Estratégico, nº 13.340/2002 e do Plano Diretor
Estratégico atual, nº 16.050/14.
A cota de inundação da Represa Billings é a cota 747, segundo o EMAE – Empresa
Metropolitana de Águas e Energia – e em comparação com o mapa da CETESB, de
Área de Recuperação e Proteção dos Mananciais, a cota de inundação conta com uma
faixa não edificante de 50 metros a partir da cota 747 e todo o existente a partir desta
faixa é considerado Sub-área de Ocupação Especial, que tem como principal objetivo a
implantação de habitações de interesse social, equipamentos urbanos e sociais e,
além disso, promover a recuperação ambiental e urbana, implantando infraestrutura
sanitária e urbanizando favelas ou ocupações irregulares.
Analisando as possíveis áreas de risco, o estudo feito pelo IPT – Instituto de Pesquisas
Tecnológicas – contratado pela Secretaria Municipal de São Paulo, em 2009, para
realizar a análise e mapeamento de riscos associados a escorregamentos em áreas de
encostas e solapamentos de margens de córregos em favelas do Município de São
Paulo, na Subprefeitura Capela do Socorro (SPCS), volume II, conclui que o
Loteamento dos Pereiras / Jequirituba não está localizado em área de risco pois se

5Habisp. Disponível em:


<http://www.habisp.inf.br/7773399b-ccbf-445c-a118-3ea6d3e8417c/Dos%20Pereiras%7CJequirituba>.

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encontra cerca de 1,6 km da área mapeada do Bairro Cantinho do Céu e 1 km do
Parque Prainha. O estudo foi entregue no dia 30 de outubro de 2010.
Pela vistoria feita no local, em outubro de 2014, com a ajuda da Líder Comunitária
Vera Lúcia, foi possível verificar que o loteamento tem água e energia instalados
independentemente e, iluminação, coleta de lixo e reciclagem nas ruas. O sistema de
drenagem fluvial não foi feito assim como a pavimentação das ruas e calçadas,
deixando por responsabilidade dos moradores a pavimentação comunitária.

Fig. 8: Mapa de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social -1).


Fonte: Base Gegran São Paulo e Pesquisa de dados no Habisp.
Desenho de autoria própria.

3.4. Usos e Gabarito de altura


De acordo com a visita feita no loteamento, foi observado que o uso é
predominantemente residencial e com alguns estabelecimentos de serviços e
comércios localizados na mesma edificação. A maioria das residências instaladas na
margem da represa estão em cota negativa, dificultando o acesso para o pavimento
inferior da casa pelo seu declive acentuado, apresentando alguns problemas como
insalubridade, iluminação e ventilação inadequadas, falta de esgotamento sanitário e
a ausência de áreas e equipamentos de lazer de fácil acesso ( a dificuldade de
deslocamento para o Complexo Cantinho do Céu e outras regiões, como o aeroporto
de Congonhas e Centro, demandam mais tempo devido a precariedade nos
transportes) e nas demais ruas, São José, Santo Antônio e São Judas, o gabarito de
altura se mantém entre 1 e 3 pavimentos.

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Fig. 9: Mapa de uso
do solo.
Fonte: Base Gegran
São Paulo e visita in
loco. Desenho de
autoria própria.

Fig. 10: Mapa de


gabarito de altura.
Fonte: Base Gegran
São Paulo e visita in
loco. Desenho de
autoria própria.

4. Espaços livres à margens de Rios e Represas


Referência de Projeto

Para que uma cidade tenha um bom funcionamento é necessária a integração de


pessoas com o espaço.
A rua, os caminhos para pedestres, a praça e o parque são a
gramática da cidade, fornecem a estrutura que permite às cidades
nascer, estimular e acomodar diversas atividades. (ROGERS, 2012:3)
A convivência, participação, recreação e lazer são fatores determinantes na vida e
experiência da cidade e definem a qualidade física do espaço urbano, que vai desde
elementos menores, como bancos, calçadas, plantios de árvores, até seu

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planejamento com edifícios, praças, entre outros, que compõem a circulação intensa e
permanência de pessoas no local.
(...) a renovação de um único espaço, ou mesmo a mudança no
mobiliário urbano e outros detalhes podem convidar pessoas a
desenvolver um padrão de uso totalmente novo. (GEHL, 2014:2)
As atividades sociais e de lazer propostas também influenciam na vitalidade desse
espaço. Lojas, restaurantes, monumentos, praças, museus e edifícios devem ser
combinadas e se localizar de modo com que as pessoas percorram o espaço e passem
por elas. Assim, há interação entre elas, o trajeto feito parece mais curto, podendo
aproveitá-los para outras experiências.
Um lugar movimentado, com presença de pessoas torna a cidade viva, segura,
sustentável e saudável quando se tem boas oportunidades de caminhar e quando é
considerado um ponto de encontro atrativo, informal e democrático para a sociedade.
Cada vez mais, há o interesse em remodelar espaços livres para que estes
possibilitem o relacionamento entre as pessoas e sejam considerados convidativos,
deixando de ser visto como inseguros, desabitados e vazios, pois quanto mais pessoas
se movimentam pela cidade e permanecem, mais qualidades eles – os espaços livres –
devem oferecer.
Se há vida e atividade no espaço urbano, então também existem
muitas trocas sociais. Se o espaço da cidade for desolado e vazio,
nada acontece. (GEHL, 2014:3)
De modo mais específico, o mesmo acontece com rios e represas, onde se tem o
desejo e a possibilidade de tornar aquele espaço, seu curso e suas margens, um lugar
externo comum para uso de todos6.
A escolha destes projetos se deu por sua característica de parque urbano7, áreas que
tem como principal objetivo a recreação e lazer dos visitantes com possibilidade de
visitar áreas naturais, admirar paisagens sem precisar se locomover em grandes
distâncias. Alguns também podem oferecer ambientes culturais e educativos, como no
caso do Parque Feliz Luzitânia, que se localiza em uma região histórica e cultural em
Belém.
Todos permitem a convivência através de atividades onde as pessoas se relacionem
(como pistas de skate, quadras, playgrounds, espaço para eventos, etc), vivam o
espaço e, ao longo de sua caminhada, a possibilidade de se observar e admirar algo,
gerando um espaço bem frequentado e que possibilite a todos, a interação com o meio
urbano e atividades oferecidas, além de dar importância também a mobilidade
urbana, com o uso de ciclovias e ciclofaixas, como exemplo a ciclovia do Rio Tietê e
Pinheiros.
No Complexo Cantinho do Céu, a criação de áreas que iriam de acordo com os
“desejos”, se não de todos, era de sua maioria, melhorando a infraestrutura e
estimulando a utilização de espaços públicos/coletivos (que eram escassos), mas sem
se desfazer da identidade do local e das pessoas, respeitando os moradores e suas
opiniões. Esta reflexão é tomada como principal ponto de partida para a realização das
intervenções propostas na Margem da Billings e, especificamente no loteamento Dos
Pereiras/Jequirituba, que necessita de uma melhoria em sua infraestrutura de
saneamento básico, no sistema viário, utilização desses espaços de forma adequada a

6Cidades para pessoas, segunda edição. São Paulo, 2014.


7Governo do Estado de São Paulo. Sistema Ambiental Paulista.
http://www.ambiente.sp.gov.br/ambiente/parques-e-unidades-de-conservacao/parque-urbano/

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leis, respeitando áreas como proteção ambiental e de mananciais e, principalmente, a
melhoria da qualidade de vida e de moradia da população local.

Fig. 11: Área de contemplação do Complexo Cantinho do Céu.


Fonte: http://www.archdaily.com.br

No parque São Lourenço, em Curitiba, o verde se distribui entre áreas remanescentes


de floresta com araucárias. A ciclovia que circunda o lago serve como ponto de
interligação aos ciclistas que fazem o percurso entre o Parque da Barreirinha, ao
norte, e o Bosque João Paulo II, no centro da cidade, se relacionando diretamente com
o parque proposto por acompanhar o desenho do lago e aproveitar de sua topografia
para a implantação dos equipamentos.

Fig. 12: Bosque para Caminhada Parque São Lourenço.


Fonte: Paisagismo Brasileiro na virada do Século 1990-2010.

A mobilidade urbana também é um assunto de interesse para a continuidade da


pesquisa e, assim como ocorre atualmente na ciclovia da Marginal Tietê e Pinheiros, a
iniciativa da implantação de uma ciclofaixa no parque urbano pode contribuir para a
construção de novos trechos, conectando com outros pontos da cidade, como
terminais, parques (Complexo Cantinho do Céu) ou praças, possibilitando o lazer e
uma melhoria nos acessos.

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Fig. 13 e 14: Ciclovia da Marginal do Rio Tietê e Pinheiros.
Fonte: http://www.vadebike.org/

O Parque Feliz Luzitânia, em Belém, se torna referência de projeto por sua


implantação, em um terreno acentuado, próximo de um rio se assemelha ao objeto de
estudo – o Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba – e mostra soluções perante aos
acessos, como escadas e pistas para caminhada que possibilitam um percurso e
contemplação do parque e da paisagem.

Fig. 15: Acesso para o pavimento Fig.16: Espaço cultural do parque.


inferior do parque
Fonte: Paisagismo Brasileiro na virada do Fonte: Paisagismo Brasileiro na virada do Século
Século 1990-2010. 1990-2010.

5. Proposta de Intervenção

Com a análise realizada, percebe-se que o loteamento é reconhecido como uma área
invadida por habitações informais, localizada entre barreiras urbanas, como a margem
da Represa Billings, a linha de transmissão de energia e acesso viário insuficiente, em
área de manancial e proteção ambiental. Dada a situação existente, o projeto objetiva
a melhoria das condições físicas e urbano-ambientais do loteamento.
As intervenções necessárias são voltadas para a implantação de infraestrutura
(pavimentação e drenagem) e equipamentos, espaços públicos, preservação do meio
ambiente com a revegetação destas áreas e o reassentamento de algumas habitações

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localizadas na margem, que são desprovidas de infraestrutura de saneamento
ambiental para uma nova ocupação feita por dois edifícios residenciais em um terreno
em frente ao loteamento, na Rua Rubens de Oliveira, adequados a proposta
urbanística.
O projeto conta com novo parcelamento dos lotes, total de 200 unidades,
pavimentação das ruas, drenagem fluvial e um parque urbano, que permita
oportunidades de participação direta da sociedade, tornando-a uma cidade viva e
segura, com equipamentos de lazer, institucionais, uma melhoria na qualidade do
sistema viário e, consequentemente, nos espaços livres em seu entorno.

Fig. 17: Mapa do parcelamento proposto.


Fonte: Base Gegran São Paulo. Desenho de autoria própria.

As 35 edificações localizadas na cota negativa da margem da Represa serão


reassentadas para um terreno em frente ao loteamento, passando a linha de
transmissão de energia. Tem 1.985 m² de área de terreno. Serão implantados dois
blocos com 20 unidades de 45m² cada, contando com térreo e quatro andares. Esse
reassentamento visa atender ao item XI, do artigo 3º da Lei 13.579/2009:
recuperação e melhoria das condições de moradia através de infraestrutura e
regularização e, nas áreas de risco ou recuperação ambiental, garantir a
reurbanização, remoção e realocação das pessoas.

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Fig. 18: Mapa de reassentamento e possível organização dos apartamentos propostos.
Fonte: Base Gegran São Paulo. Desenho de autoria própria.

Com área total de 9.834,70 m², o parque urbano conta com uma ciclofaixa que
demarca os limites do parque, iniciando-se na Rua Santo Antônio e acompanha o
desenho da Rua São Francisco. Em sua extensão, acontecem áreas para caminhada,
arquibancada para assistir jogos na quadra poliesportiva ou manobras na pista de
skate e deck para contemplação da natureza e o movimento das pessoas, definido
como o passeio público ao longo do parque.
No nível mais baixo, acontecem alguns percursos para caminhada, com pontos
estratégicos de lazer, como playground, área de ginástica e jogos de tabuleiro, espaço
livre para possíveis eventos e campinho de futebol. Para contemplação da vista da
represa e brincadeiras e esportes aquáticos, há um deck flutuante com bancos.
Nas extremidades da área, a partir da cota de segurança de inundação da represa
(cota 747) e nas proximidades do brejo, localizam-se as áreas de preservação
ambiental para tentar recuperar todo o dano causado pelo assoreamento,
desmatamento das margens, aterramento de nascentes, impermeabilização do solo
por loteamentos irregulares e poluição por lixo doméstico, químico e industrial.

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Fig. 19: Implantação do parque proposto.
Fonte: Base Gegran São Paulo. Desenho de autoria própria.

Fig. 20: Cortes do terreno e detalhes do deck de contemplação e deck flutuante.

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Fig. 21: Cortes do terreno e detalhe da área de jogos e de ginástica.

Fig. 22: Cortes do terreno mostrando o campinho de futebol e sua arquibancada.

6. Considerações finais
A pesquisa teve como objetivo principal estudar o loteamento irregular Dos
Pereiras/Jequirituba, com a realização de levantamentos do processo de ocupação
urbana na região da Capela do Socorro. Para a análise e compreensão do nível de
irregularidade habitacional existente nesta Subprefeitura, foi observado que o
Loteamento Dos Pereiras/Jequirituba não se enquadra ao disposto na Lei de Proteção
dos Mananciais e não foram reservadas áreas para uso público e coletivo, como áreas
verdes e institucionais.
Considerando os levantamentos de dados realizados e a insuficiência da infraestrutura
urbana instalada, observada com a visita no local, conclui-se que há necessidade da
melhoria do espaço urbano como a pavimentação das ruas e a complementação do
sistema de drenagem de águas pluviais, observado e proposto nos mapas como um
primeiro raciocínio para a segunda etapa do projeto. Já o reassentamento de
edificações precárias, instaladas em um declive acentuado, muitas vezes com sistema
de esgoto a céu aberto ou falta deles, agora estão instaladas em um local com
condições de habitabilidade adequadas e mais próximas do centro de serviços e
comércio, na Rua Pedro Escobar.
No terreno que foi liberado com a remoção das ocupações, foi proposta a implantação
de um parque, buscando a médio e longo prazo, a implantação de árvores nativas da
mata ciliar da Mata Atlântica (predominante na região) para uma recuperação da área
ambiental e, consequentemente, uma contribuição para a melhoria da qualidade do

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reservatório e além disso, o parque também conta com elementos que envolvem a
vida das pessoas na região com sua circulação, permanência e aproveitamento do
lugar com a utilização dos equipamentos oferecidos: decks, arquibancadas, espaços
livres, etc., distâncias acessíveis de passagem e seus equipamentos como calçadas,
ciclofaixa, playground, quadras, área de ginástica, entre outros, que proporcionam um
uso frequente e torna, esse mesmo espaço, um ponto atrativo para a vida local,
permitindo a participação direta da sociedade.

Referências

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BRISSAC PEIXOTO, Nelson. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac, 2000.
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CULLEN, Gordon. Paisagem urbana. Lisboa: Edições 70, 1971.
EMAE – Empresa Metropolitana de Águas e Energia. Cota de inundação da
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FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Ver a Cidade. São Paulo: Nobel, 1988.
FRANÇA, Elisabete. Entre o Céu e a Água: O Cantinho do Céu. Série Novos
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GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2014.
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IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Mapeamento de áreas de risco. SMSP.
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2000.

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18
_____. A popularização do centro de São Paulo: um estudo de transformações
ocorridas nos últimos 20 anos. São Paulo: FAU-USP, Tese de Doutorado, 2010.
KLIASS, Rosa Grena. Parques urbanos de São Paulo. São Paulo: Pini, 1993.
LEME, Maria Cristina da Silva (Coord.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São
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MASCARÓ, Juan Luis. Loteamentos Urbanos. 2º Edição. Porto Alegre:
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Vitruvius. Estética das favelas. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883> Acessado
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WERTHMANN, Christian e outros. Operações Táticas na Cidade Informal: o
caso do Cantinho do Céu. São Paulo, 2009.

Recebido em 06/01/2014 e Aceito em 06/05/2014.

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Lugares invisíveis: sobre o espaço público em São Bernardo do
Campo
Invisible places: about public space in São Bernardo do Campo

Larissa Costa Lobo, Ricardo Luis Silva


Centro Universitário Senac
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{larissa.lobo@yahoo.com.br, ricardo.lsilva@sp.senac.br}

Resumo. Os fenômenos que acontecem na cidade já não se adequam mais aos


princípios formais de zoneamento e gestão. As atividades humanas acontecem
no espaço de acordo com as necessidades contemporâneas, e não é mais um
desenho arquitetônico que determina como cada espaço será utilizado,
sobretudo quando falamos de espaços públicos. Nesse aspecto, as intervenções
urbanas1, tanto as temporárias como permanentes, atuam como alternativa ao
processo contínuo de desenvolvimento das cidades. São fundamentais ao
reconhecimento das atuais necessidades, pois colocam em questão a
percepção de áreas esquecidas na cidade, espaços que se desprenderam da
memória dos seus habitantes e dos princípios estabelecidos pelo desenho
urbano, e passam a valorizar os aspectos físicos de um lugar, permitindo que
se descubram novos lugares e novas identidades.
São Bernardo do Campo, cidade que sempre foi palco das minhas experiências,
logo se mostrou como o lugar mais propício para se desenvolver esse tema,
considerando sempre a proposta de trabalhar com o vazio.

Palavras-chave: intervenções urbanas, lugar, vazio, São Bernardo do Campo.


Abstract. The phenomena that happen in the city are no longer suited to the
formal principles of zoning and management. Human activities take place in
space according to the contemporary needs and the architectural design does
not determine how each space will be used anymore, specially when we’re
talking about public spaces. In this respect, the urban interventions, both
temporary and permanent, act as an alternative to the continuous process of
development of cities. This attitudes are fundamental to the recognition of
actual needs, because it puts under observation the perception of neglected
areas in the city, spaces that have been broken off from memory of its
inhabitants and from the principles established by urban design, and start to
appreciate the physical ascpects of a place, allowing people to discover new
places, new spacialities and new identities.

1
Intervenções urbanas – “Uma forma de transformação positiva dos lugares. Funcionam como
catalisadores de relações de proximidade e intimidade, tanto com o próprio espaço, quanto na relação
entre os indivíduos da urbs, atuando reativamente contra esse desfavorável estado de alienação pura.”
SANSÃO, Adriana, 2012.

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Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

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E-mail: revistaic@sp.senac.br
São Bernardo do Campo, city that has Always been the place of my
experiences, proved to be the most propicious place for me to develop this
theme, walways considering the proposal to work with the empty.
Key words: urban interventions, place, empty, Sao Bernardo do Campo.

1. Introdução
Voltando ao Brasil, depois de uma experiência muito valiosa de intercâmbio 2,
me deparei com o trabalho final de graduação. O momento ideal para
condensar todo o conhecimento adquirido, formalizando-o em um breve ensaio
que seria então destinado aos espaços públicos da minha cidade, no caso, São
Bernardo do Campo. Em meio a discussões sobre o papel do lugar na formação
da imagem da cidade e o habitar na metrópole contemporânea, decidi que o
tema se desenvolveria a partir de uma análise sobre as práticas em
intervenções urbanas.
Durante muito tempo eu não sabia dizer o que seria o meu “produto final”, o
caminho foi construído ao longo do processo. Percebi que o termo “vazio” era
recorrente nos meus registros e, diante de todos os significados que essa palavra
possa sugerir, decidi encarar o espaço vazio como elemento fundamental de
intervenção na cidade. Escolhi investigar os espaços invisíveis da cidade de São
Bernardo do Campo, estes que passam despercebidos pelos olhos de seus próprios
habitantes, mas que pudessem, através de intervenções pontuais, se reintegrarem
à imagem da cidade e ao imaginário de seus habitantes. Através deste trabalho, eu
proponho discutir sobre o espaço público na cidade.

2. Sobre escolhas e experiências


São Bernardo tem sua história intimamente ligada às vizinhas Santo André, São
Caetano e São Paulo, mas que, diferente dessas, logo cedo se envolveu com a
indústria automobilística, descobrindo vocação para alavancar sua economia e
receber uma nova população, constituída de operários metalúrgicos e suas famílias,
o que contribuiu para a formação dos primeiros núcleos urbanos da cidade, as
chamadas vilas operárias.
Até então, nos anos 1950, São Bernardo era uma grande vila que pulsava ao ritmo
do progresso. Com a grande oferta de oportunidades, aqui e em toda a grande São
Paulo, pessoas de diversas regiões do país desembarcaram à procura de uma “vida
melhor”. Isso impulsionou o crescimento excessivo da cidade, que na década de
1990, se viu em uma situação de estagnação econômica e uma população que não
parava de crescer.
A especulação imobiliária, durante muito tempo governa a região, trazendo grandes
empreendimentos para o centro da cidade, ocupando ostensivamente todas as
áreas livres que existiam. Assim potencializou-se um crescimento desmesurado da
cidade, espalhando modelos desproporcionais à escala do pedestre, que favorecem
a imposição de muros em detrimento da criação de espaços públicos de qualidade,
modelos estes que, pela arquitetura, desconsideram a importância da convivência
entre os cidadãos. Outro aspecto relevante é a extinção da memória arquitetônica
da cidade, em São Bernardo não existe, como na maioria dos municípios antigos,
um centro configurado por elementos históricos, tudo foi apagado em prol do
desenvolvimento da cidade.

2
Graduação Sanduiche, realizada através do programa do governo Ciência sem Fronteiras, quando vivi
por um ano na cidade de Bolonha, na Itália, estudando na Università di Bologna – Laurea Magistrale in
Ingegneria Edile Architettura.

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3
Muitos habitantes têm sua profissão em outros locais, e por isso vê-se que a cidade
se tornou um grande dormitório para essa população que, muitas vezes, trabalha
em cidades vizinhas. E que também sai em busca de atividades de lazer e
convivência, em busca de uma identidade que não encontra aqui. O município ainda
é formado majoritariamente por pessoas nascidas fora de seus limites geográficos,
cerca de 52,3% da população, de acordo com o Censo 2010. Tais características
nos levam a acreditar que é uma cidade onde a maioria de seus habitantes, na
verdade, não habitam.
Quando o homem habita, ele está simultaneamente locado no espaço e
exposto a um certo caráter ambiental. As duas funções psicológicas
envolvidas, podem ser chamadas “orientação” e “identificação”. Para ganhar
o suporte existencial o homem ter que ser capaz de orientar-se; ele tem que
saber onde ele está. Mas também ele tem que identificar-se com o meio,
isto é, ele tem que saber como ele está num certo lugar.3
O lugar, segundo Norberg-Schulz, é a manifestação concreta do habitar. Ele coloca
o mundo como lugar, um mundo constituído por símbolos e elementos que
transmitem significado e o homem precisa ser capaz de interpretá-los. Segundo o
autor, o homem habita entre dois mundos opostos: a terra e o céu, o primeiro
tangível (elemento estável, concreto e suscetível a mudanças) e o segundo não-
tangível (elemento instável, referente a funções do tempo e clima) . O habitar, por
sua vez, é o que ele chama de suporte existencial. Este suporte compreende as
relações básicas entre o homem e o seu meio, ou seja, a união destes dois mundos,
campo no qual atua a arquitetura. A construção do lugar deve valorizar a relação
entre o indivíduo e o seu meio, intensificando a experiência com os espaços
públicos, para preservar na memória de quem habita nesse lugar, uma boa
lembrança.
A memória e o vazio
A memória que se tem da cidade está essencialmente ligada ao patrimônio
industrial, que desencadeou importantes movimentos sociais, da indústria e do
trabalho, ao longo da história. No ano de 2014 foi inaugurado o Museu do Trabalho
e do Trabalhador, obra de destaque na cidade, implantado no local onde
funcionava, no passado, o Mercado Municipal, mas que por anos permaneceu em
ruínas no centro da cidade.
Outro processo dramático de extinção do patrimônio arquitetônico da cidade é o
caso da sede da prefeitura, o Paço Municipal, que, ao longo dos anos, vem
perdendo suas características principais com intervenções que nada tem a ver com
o conceito do projeto original. O conjunto configurava uma esplanada de pedra
portuguesa e dispunha volumes isolados que abrigavam as sedes dos poderes
legislativo e executivo, mas que foram significativamente descaracterizados ao
longo dos anos. Abrigava também uma grande área verde no coração da cidade. A
atual intervenção, e talvez a mais catastrófica de todas, é a implantação de um
piscinão na praça do paço. Outro exemplo, associado à perda de memória, é caso
do Pavilhão Vera Cruz, que no passado, foi cenário de uma indústria
cinematográfica intensa, mas que não teve condições de se perpetuar no tempo.
Hoje, o espaço, um pouco degradado pela ação dos anos e a falta de manutenção,
recebe feiras e exposições dos mais variados temas, desde automóveis a design de
interiores, com conteúdos que pouco têm a contribuir para a integração da
população a este espaço.
Quando um edifício histórico é eliminado da cidade, ou é esquecido, deixado de
lado, cria-se uma lacuna, um vazio. Uma parte da memória é apagada,

3
NORBERG-SCHULZ, Christian apud REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar. Disponível
em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/225>

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4
influenciando a configuração da imagem que se tinha da cidade, e
consequentemente a relação entre o indivíduo e o espaço.
A atual forma de vida na cidade se reduz ao cultivo de uma cultura segregadora,
onde se criam muros e barreiras, vendendo uma falsa segurança a uma população
já consumida pela violência, onde o sujeito vive em modo automático, percorrendo
a cidade, não mais a pé, mas de dentro do seu carro ou dentro de um ônibus
lotado, um sujeito que não consegue refletir sobre as experiências na cidade, que
não tem oportunidades para construir uma relação afetiva com os espaços por onde
anda. Uma cidade onde as relações sociais se restringem a encontros em shoppings
e supermercados gigantescos, estes que por sua vez, sempre com as mesmas lojas
e os mesmos logotipos, não te permitem identificar em que cidade está.
E assim associa-se, essencialmente, a perda de memória ao vazio, ao espaço
ausente de atividades, de construções, ausente de identidade. Ao vazio de quando
buscamos algo e não encontramos. É o que observo quando ando pelas ruas da
cidade, vejo um grande vazio representado pelo alheamento, pela ausência de
relações, de pessoas usufruindo os espaços, vejo apenas caminhantes apressados,
presos, cada um, em seus pensamentos e rotinas. A cidade já não detém mais os
olhares de seus habitantes.
O vazio é um conceito que abrange diversas tipologias, sejam espaços edificados ou
ausentes de construção, não utilizados, subutilizados, desocupados ou sem uso. De
qualquer maneira, são espaços que possuem uma característica em comum, a de
não exercerem função social ou econômica, são resquícios físicos do progresso das
cidades. São espaços inúteis e que não contribuem para a formação da imagem da
cidade, geralmente associados a visões negativas do espaço [figura 1]. No entanto,
esses lugares representam espaços de transição temporal, com potencialidades
para transformações e mudanças que provoquem novos usos/ ocupações mais
efetivas no tecido urbano como um todo.
Em levantamento realizado pela Secretaria de Planejamento Urbano, foi constatado
que São Bernardo do Campo possui um total de 458 imóveis não edificados ou
subutilizados e 89 edificados não utilizados.4 Junto a essa estatística, achei
oportuno incorporar também os espaços de passagem, geralmente
desinteressantes aos olhos dos pedestres, ou os não-lugares5, espaços onde não se
pode ler de forma nítida a identidade, relação e história dos indivíduos inseridos
nesse espaço, e então, reunindo estas características em comum, decidi identifica-
los e nomeá-los de lugares invisíveis.

4
Dados disponíveis em:
<http://www.saobernardo.sp.gov.br/comuns/noticia_completa_print.asp?ref=9915>
5
AUGÉ, Marc. Não-Lugares, introdução a uma antropologia da supermodernidade. 3. Ed. São
Paulo: Papirus, 1994.

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5
Figura 1. Sob viaduto Kenzo Uemura, São Bernardo do Campo. Fonte: Autoria Própria

3. Fatos da arquitetura
A arquitetura lida naturalmente com a criação e organização do espaço, este que,
pode ser denominado também de vazio, ou seja, o que não é apenas um conjunto
de larguras, comprimento e alturas, mais do que isso, é um ambiente onde o
homem anda e vive.6 Quando o espaço ganha significado diante da presença do
homem, consideramos esse espaço como um lugar. Estas duas esferas (lugar e
espaço) basicamente não podem ser compreendidas uma sem a outra, este fato
pode estar relacionado tanto à dimensão temporal com a qual nos relacionamos
com esse espaço e consequentemente nos apegamos a ele (ideia de experiência)
quanto ao valor identitário que atribuímos a ele, sem que haja necessariamente
uma prática duradoura (ideia de vivência).
A vida contemporânea tirou do indivíduo a experiência com a rua, impondo muros e
barreiras que colocam em crise a ideia de cidade, alterando a paisagem e
confundindo o indivíduo com a presença de não-lugares. Através da arquitetura é
possível proporcionar experiências diversas e reestabelecer vínculos entre o espaço
e suas funções. Todo indivíduo pertence a um lugar. Um lugar rodeado por coisas e
arquitetura.7 E é através de ações que envolvam a valorização do espaço,
qualificando a arquitetura como marco, como identidade, que essas experiências se
transformam.
A rua também deveria cumprir o papel de lugar. As fachadas e os espaços públicos
transmitem significado, acolhem o indivíduo e despertam admiração. É na rua que
está a essência da cidade.

6
REIS-ALVES, Luiz Augusto. O conceito de lugar. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/225>
7
ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. 1. Ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2009.

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6
Se, no começo, as ruas se transformavam para ele em interiores, agora são
esses interiores que se transformam nas ruas, e, através do labirinto das
mercadorias, ele vagueia como outrora através do labirinto urbano.8
Este trecho, de Walter Benjamin, retrata a Paris de Baudelaire, onde o sujeito que
vagueia pelas ruas, representado pelo flaneur, sai à procura de abrigo no meio da
multidão. A cidade se transforma em paisagem e as galerias em janela, o espaço
público onde se pode observar e sentir a cidade. Ainda nas palavras de Benjamin,
“os parisienses transformam as ruas em interiores”.
Benjamin menciona elementos da cidade (as ruas), que através da arquitetura (as
galerias) se transformaram em lugares. E a partir do momento em que essa
consciência ganha dimensão, conferindo significado ao espaço, se estabelece uma
identidade.
Existem alguns fatos da arquitetura que devem ser mencionados nessa discussão, e
então, usaremos Bolonha como exemplo, que possui uma característica
arquitetônica que a define: os pórticos. Os pórticos de Bolonha representam a
identidade daquele lugar, e sempre farão parte do imaginário da cidade. É um fato
atemporal, implícito na vida de quem por eles caminha e por isso se configura como
uma composição “silenciosa, que se reconhece pela sua capacidade de desaparecer
no espaço”.9 O pórtico simboliza um tipo de vazio arquitetônico, representado pelos
vãos e passagens, que é absolutamente conveniente com o meio em que está
inserido. O pórtico faz parte do cotidiano de seus habitantes e da imagem da cidade
[figura 2].
Podemos falar também sobre os marcos da cidade, que atuam como ponto de
referência no meio urbano. Um monumento, um elemento arquitetônico relevante,
como uma escadaria ou uma ponte, um edifício notável como uma igreja. São
componentes inerentes à imagem da cidade. Gosto da ideia de associar o marco a
um elemento perceptível, notável pelo seu valor afetivo. Como acontece com os
parques ou as praças. A praça, no verdadeiro sentido da palavra piazza é um
espaço de encontros, que pela união de elementos e momentos, sempre nos faz se
sentir parte daquele lugar e consequentemente nos faz contemplar seu entorno. É
um espaço de detalhes. Já o parque, em sua imensidão, é um espaço de
generalidades, um lugar que nos direciona aos acontecimentos, a observar o que
está dentro e o indivíduo é apenas mais um no espaço.
Estes são fatos importantes para a formação da identidade do lugar, a cidade
precisa de elementos que a revelem, que a torne essencialmente dinâmica.

8
BENJAMIN, Walter apud BARROS, Fernando Monteiro de. Faculdade de Formação de Professores.
Baudelaire, Byron e Lucio Cardoso: A flanerie e o dandismo do vampiro. Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/soletras/5e6/04.pdf>
9
ARAVENA, Alejandro, PEREZ, Fernando, QUINTANILLA, José. Los Hechos de la Arquitectura. 3. Ed.
Santiago: Ediciones ARQ, 2007.

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Figura 2. Via dell’Indipendenza, Bolonha. Fonte: Autoria Própria

Iniciativas e intervenções
A intervenção valoriza os atributos físicos de um lugar. Um espaço que antes
passava despercebido aos olhos da população, depois de uma intervenção faz
com que venha à tona a sua forma, permitindo que se descubram novos
lugares, abrindo para a cidade novas visadas, novas espacialidades, novas
experiências urbanas.10
Tem se observado, com cada vez mais frequência, que as pessoas estão
começando a se mobilizar pelos ideais que são importantes para alcançar o tipo de
vida que elas querem. A era pós-moderna, marcada pela fragmentação da vida
humana em sociedades individualizadas, começa a dar espaço a hipermodernidade,
conceito empregado por Lipovetsky (2004) para descrever a atual situação na qual
nos enquadramos. A hipermodernidade evidencia a cultura do excesso, onde tudo
se torna muito mais intenso e urgente. As mudanças acontecem de maneira
acelerada, determinando um tempo marcado pelo efêmero, no qual flexibilidade e
fluidez aparecem como tentativas de acompanhar essa velocidade. É caracterizada
por uma sociedade que está redescobrindo o passado, que valoriza o presente e se
preocupa com o futuro e por isso formula estratégias para a permanência das
próximas gerações. O bem estar individual dá lugar ao coletivo. “O que define a
hipermodernidade não é exclusivamente a autocrítica dos saberes e das instituições
modernas; é também a memória revisitada, a remobilização das crenças
tradicionais, a hibridização individualista do passado e do presente. Não mais
apenas a desconstrução das tradições, mas o reemprego dela sem imposição

10
SANSÃO, 2002

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8
institucional, o eterno rearranjar dela conforme o princípio da soberania
individual”11. Podemos incluir a reconquista do espaço público como materialização
desse comportamento.
São dezenas de exemplos em São Paulo que, atualmente, tem assistido a inciativas
por parte de uma população pró ativa, e recentemente também, por parte da
prefeitura, em transformar o uso de espaços ociosos na cidade. Os largos São
Francisco e Paissandu receberam, em 2014, intervenções temporárias com o
projeto “Centro Aberto”, iniciativa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Urbano, com consultoria do escritório dinamarquês Gehl Architects. O projeto é um
convite ao cidadão para que se aproprie do espaço público, dotado de novos
equipamentos urbanos, para vivenciar as transformações urbanísticas na região.12
O “Better Block”13 surgiu em Dallas, nos Estados Unidos, onde os moradores do
bairro de Oak Cliff encontraram uma maneira de potencializar a experiência do
bairro e tornar as ruas mais vivas, através de intervenções colaborativas entre
artistas, vizinhos e comerciantes locais. O projeto consiste em identificar uma rua e
as deficiências deste local, e assim, juntamente com a comunidade, propor uma
intervenção. O primeiro Better Block aconteceu em 2010, o plano era dar uso aos
locais de comércio abandonados, trabalhando com os proprietários para implantar
atividades temporárias e com isso foi possível constatar que existia uma demanda
local que podia tornar essa intervenção em algo permanente. Com o
desenvolvimento do projeto, foi possível ainda implantar uma ciclovia e fazer uso
das vagas de carro da rua para a criação de espaços de convivência. Por fim foram
instalados novo mobiliário urbano, iluminação e vegetação, criando um sentido de
lugar. Desde então a iniciativa propagou-se por todo o país, com projetos em
diversas cidades.
Essas ações se enquadram na ideia de “urbanismo tático” (PETRESCU, 2011), este
conceito consiste em criar estratégias que desenvolvam um sentido de comunidade
entre os habitantes/vizinhos de um determinado lugar. Tais estratégias se baseiam
em intervenções urbanas que permitem recriar a identificação com a cidade. 14 É o
“faça você mesmo” e é a partir de iniciativas como essas que aos poucos se
recompõe a imagem da cidade, proporcionando espaços saudáveis de interação
social.
Um acontecimento inerente a toda e qualquer cidade contemporânea é o chamado
“urbanismo cotidiano” (CRAWFORD, 1999) que consiste na prática do urbanismo de
forma empírica, favorecendo o uso de espaços públicos de uma maneira
alternativa, dando-lhe novos significados através dos indivíduos ou grupos que dele
se apropriam em diversos momentos do dia, de acordo com ritmo da vida
cotidiana. Esses espaços ganham um novo sentido através de ações efêmeras e se
tornam memoráveis pela importância dos eventos que ali ocorrem. Não é o
urbanismo de desenho formal e planos oficiais, trata-se do “olhar tático sobre a

11
LIPOVETSKY, 2004
12
Centro Aberto. Disponível em: <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/centro-aberto/>
13
Better Block. Disponível em: < http://betterblock.org/>
14
Tácticas Urbanas, disponível em: <http://www.plataformaurbana.cl/archive/2011/05/25/tacticas-
urbanas-1/>

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9
ação transitória, pequena e particular ao contexto que se desenvolve nos espaços
ordinários da cidade, buscando novas possibilidades a partir da sua própria matéria
prima que são as atividades cotidianas.”15
Ainda em sintonia com este tema está o termo “urbanismo temporário”, introduzido
por Temel (2006) que abrange as intervenções em âmbito interativo, ou seja, a
difusão da arte pública ou instalações arquitetônicas que transformam o uso e
atribuem valor a um determinado espaço, produzindo um significado maior e mais
permanente na cidade, diferente de uma intervenção efêmera. Pela sua qualidade
tectônica, o processo de intervenção é mais duradouro e experimental. Portanto, o
urbanismo temporário atua também como alternativa ao planejamento urbano,
“onde atividades temporárias podem ocupar as brechas do planejamento, enquanto
se espera pela implementação dos planos, permitindo a pré-transformação do
espaço.”16
Um modelo interessante de apropriação do espaço a partir da arte, e também o
mais representativo desse segmento no país, é o Arte/Cidade, que se propõe a
discutir novas estratégias urbanas e artísticas de intervenção em megacidades. Em
quatro momentos, o evento aconteceu entre 1994 e 2002 em São Paulo, partindo
de uma iniciativa institucional e coordenado pelo filósofo Nelson Brissac Peixoto 17,
quando arquitetos e artistas puderam então realizar intervenções onde se colocava
em questão a percepção do espaço. As intervenções, em sua maioria, estavam
comprometidas com técnicas escultóricas em grande escala e a percepção
fenomenológica de objetos colocados no espaço, mas a característica, talvez mais
interessante deste evento, foi a apropriação de estruturas arquitetônicas existentes
para a disseminação da arte. Uma espécie de crítica à ideia dos megamuseus, que
são exclusivamente projetados para a apreciação da arte, ao mesmo tempo em que
a própria cidade oferece diversos espaços vazios para serem ocupados. Por isso, a
ideia do Arte/Cidade não era exatamente o uso da arte como ferramenta de
valorização do espaço, mas principalmente a de usar a cidade como instrumento de
valorização da arte. O evento ganhou muito destaque na época, principalmente
pela preocupação em revelar novos espaços na cidade, atuando em locais de
transição, como também por ter sido promovido e idealizado no interior de uma
secretaria de Estado da Cultura em um momento de crise de instituições públicas,
após o governo Collor.
As relações com o lugar tornam-se um componente indissociável da obra de
arte. Essa nova experiência estética substitui a contemplação de objetos
autônomos deslocados do contexto por uma colocação em situação. Uma
radical alteração na questão da percepção, que passa a pressupor um

15
SANSÃO, Adriana. Intervenções temporárias e marcas permanentes na cidade
contemporânea. arquiteturarevista. Vol. 8, n. 1. 2012. p 33-34.
16
Idem. p. 34-36
17
Nelson Brissac. Filósofo, trabalha com questões relativas à arte e ao urbanismo. Autor de diversos
livros entre eles A sedução da barbárie, Ed. Brasiliense, 1982, Paisagens Urbanas, Ed. Senac 1995,
Ate/Cidade – Intervenções Urbanas, Ed. Senac, 2002. Dedica-se também a pesquisas sobre dinâmicas
territoriais na região sudeste do Brasil e as relações entre arte e indústria.

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10
observador inserido no espaço engendrado pela obra. A obra como objeto se
dilui diante da utilização do lugar como forma de experiência estética.18

As propostas do Arte Cidade não são exatamente projetos arquitetônicos e


urbanísticos, elas indicam estratégias e alternativas para a reestruturação do
espaço da cidade, colocando desafios para questões que ainda não se tem resposta.
O projeto leva em consideração uma extensa pesquisa urbanística sobre a região de
implantação e, atuando junto com os arquitetos e artistas participantes, procura
compreender os elementos arquitetônicos e modos de ocupação existentes, para
então começar a desenvolver as propostas.
Os espaços outrora ociosos que receberam as intervenções do Arte/Cidade
passaram por reformas e atualmente fazem parte do cotidiano da cidade como a
Cinemateca Brasileira e a Casa das Caldeiras.

4. Aproximações
Em São Bernardo, com uma câmera na mão, saí em busca de vazios, de espaços
ausentes. Considero indispensável estabelecer contato físico com a cidade e sentir
as suas características.
Por meio da escrita e inspirada pelos relatos de Marco Polo em As Cidades
Invisíveis, tentarei descrever os espaços invisíveis da minha cidade. Estes que
passam despercebidos pelos olhos de seus próprios habitantes. Intangíveis e
desconectados, são espaços que vêem sem serem vistos. Para conhecer estes
espaços faremos um pequeno trajeto a pé, percorrendo uma avenida que reúne
diversos momentos e, principalmente, alguns espaços invisíveis ao longo de sua
extensão. Descobrindo a pé a cidade do carro e narrando percursos como quem
quer contar sobre uma cidade que acaba de visitar pela primeira vez.

A rotatória

Acessar a rotatória não é uma tarefa fácil, existe apenas um ponto em volta do
gigante verde onde se pode atravessar a rua com mais tranquilidade para
poder chegar a ela. Ao cruzar as três pistas, encontramos um ambiente
solitário, onde a grama permanece intocada e as árvores centenárias fazem
sombra de dia. Voltado para a mais larga das avenidas que a circundam existe
um totem de granito preto, gravado de forma ilegível o nome da praça. De
tarde é possível ver algumas pessoas andando por ali, o pessoal da caminhada
que atravessa sem demora a rotatória, pra acessar a avenida e continuar o
“treino”. Agora imaginem essa praça oval, cortada por um viaduto. Mas um
viaduto baixo, que desaparece entre as árvores, principalmente de noite. O
cenário corresponde ao modelo de qualquer baixio de viaduto nas cidades
brasileiras, onde a superfície é revestida de paralelepípedos dispostos de tal
maneira a fim de, supostamente, impedir que moradores de rua se hospedem
ali. Bom, volta e meia eles passam por ali, mas não têm presença marcada no
local. Sob o viaduto ecoam os sons dos carros que circulam a rotatória em
baixa velocidade e descubro a presença de um ponto de ônibus, onde três
pessoas se misturam ao mar de pedras. Ao sair do coberto as atmosferas se
misturam e é como sair de uma caverna e entrar em contato com a natureza
intacta, sentindo novamente o calor do sol na pele, passando entre as folhas

18
BRISSAC, 2002, p.18.

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11
das árvores. Ao completar o diâmetro da praça, estampado em um dos taludes
que sustentam o viaduto, um tímido cartaz diz “espaço destinado a poesia”.

Agora subimos ao nível do viaduto, no acesso onde começa a avenida que, de


certa maneira, conecta os dois lados da cidade. Caminhamos em direção ao
centro, as buzinas de moto rompem o silêncio, passando entre os carros
parados no farol. Na calçada, desnivelada pela ação do tempo, nota-se o
padrão característico da cidade, não sei bem como explicar mas são espécies
de argolas pintadas de preto sobre o ladrilho branco. No centro da avenida
estende-se um largo corredor de ônibus, onde os trólebus determinam o
percurso de milhares de pessoas ao longo do dia. Mais três minutos de
caminhada, entre diversos consultórios médicos e restaurantes da avenida,
avistamos o próximo ponto.

O pavilhão
Um lugar que parou no tempo. Peço licença na guarita para tirar algumas fotos
e sou advertida de que tivesse cuidado, pois “ali ninguém entra há muito
tempo, e só tem pulgas”. Bem, as pulgas eu não vi, mas vi muitas pombas e
até mesmo um filhote delas, o que foi uma grande surpresa, pois nunca tinha
visto um filhote de pomba, que mal sabia voar e se assustou quando eu invadi
o seu território.
Antes de chegar a parte abandonada do conjunto, visualizo o grande pavilhão,
que está sendo preparado para a próxima feira, acho que tem a ver com
noivas. Desisto de dar uma volta pelo espaço diante do olhar curioso dos
trabalhadores do local e vou direto para a área abandonada. O chão, até então
asfaltado, agora é só terra e pedriscos. O sol parece estar próximo, refletindo
a brancura inerte dos pequenos pavilhões, ao caminhar a poeira sobe e os
olhares me perseguem, até que entro em um deles. Pisos de cerâmica
empilhados, sacos de areia e dezenas de pallets, a escrivaninha de madeira
parece ter sido arremessada ali dentro junto às esquadrias e aos restos de
madeira velha. Não sei quando o pavilhão se transformou em um grande
depósito de entulhos. Diante das aberturas opostas o vento corre ali dentro,
carregando aquela sensação característica de uma obra não acabada, um ar
pesado. As quatro paredes em alvenaria armada preservam o aspecto natural
do tijolo de concreto, mas o ambiente é marrom, marcado talvez pelo reflexo
do chão de terra vermelha em que todos estes elementos repousam. A forma
trapezoidal do edifício é espelhada no segundo pavilhão.
Entre um pavilhão e outro existe um plano baixo e uma pequena ponte de
madeira deteriorada para atravessar este pequeno vão, penso que viria a ser
uma espécie de espelho d’agua, seria bonito se estivesse funcionando. Do
outro lado, o segundo pavilhão é uma versão menor do primeiro. Sem
aberturas, a não ser a única porta que se mantém aberta, este é
completamente escuro e gelado, o cheiro é o mesmo de uma garagem de
subsolo e por algum motivo ali dentro o nível é mais baixo, é preciso descer
uma pequena escada para sentir-se no espaço, mas penso que talvez não seja
uma boa ideia fazê-lo. A praça que envolve o conjunto é formada por dois
níveis de piso e a grama se confunde com a terra. Nesse ponto vejo o encontro
de uma rua calma e arborizada com uma das avenidas mais movimentadas da
cidade e logo à frente ergue-se uma igreja alta de forma peculiar, uma espécie
triangular com vitrais azuis, que se destaca no céu sem nuvens. As pessoas
que por ali caminham, acostumadas com a quietude do lugar nem notaram a
minha presença, talvez pela atual fachada de grades, que aprisionam o
pequeno conjunto abandonado.

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Passo novamente pela guarita e agradeço ao vigia, estamos novamente na
avenida. Sigo pela mesma calçada, em direção ao centro da cidade, o cenário é
o mesmo. Existem duas opções para chegar ao centro, podemos seguir pelo
viaduto até chegar a cota mais baixa da cidade, onde está o paço municipal,
ou acessar a escadaria e descer. Vamos pela escada.

Sob o viaduto
Antes de descer, o que me chama atenção é uma criança que brinca sozinha
naquele ambiente desfavorável e então percebo que é a filha da dona do
carrinho de cachorro quente que fica ali, aceno e desço os 40 degraus que
conectam a parte alta e a parte baixa, o semáforo de pedestre abre lá embaixo
e cruzo com diversas pessoas no caminho. Nesse ponto as avenidas convergem
o fluxo de quem vem de diversas regiões da cidade, as paradas de ônibus
estão cheias. Fico na beirada da escada, que agora sobe. À frente, nas largas
faixas de pedestres, cada indivíduo caminha em seu próprio ritmo,
compartilhando caminhos e misturando-se aos ambulantes que ficam sob o
viaduto. Estes são personagens fixos no cenário, que casualmente são
procurados quando alguém está tempo demais a esperar no ponto e precisa de
uma água ou um chocolate, já que não se vende mais passe de ônibus. Entre
uma pista e outra os espaços são generosos, os percursos não acompanham o
desenho do piso, por isso a terra batida. Cartazes lambe-lambe de todos os
tipos se sobrepõem, colados nas colunas do viaduto que se inclina ao encontro
do paço. À direita, no baixio que acompanha o desnível ao lado da escadaria,
os paralelepípedos repousam uniformemente em uma inclinação perfeita para
se estirar, imagino como seria interessante ocupar aquele vazio com pequenas
plataformas, onde eu realmente pudesse me estirar e talvez até mesmo
escutar o burburinho incessante das pessoas que ali esperam os seu s ônibus
passarem. Imaginando como as coisas podiam ser diferentes.
Entre tantos percursos, este foi o primeiro a me colocar em contato com
alguns espaços esquecidos na cidade, ainda que existam muitos outros a
serem descobertos e imaginados.
[...]
E, a partir de todas as discussões expressas neste trabalho e o envolvimento maior
com os espaços da minha cidade, apresento como objeto dessas reflexões uma
composição entre o espaço construído e diversas propostas de disposições
espaciais.

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Figura 3. Rotatória. Fonte: Autoria Própria

Figura 4. Pavilhão. Fonte: Autoria Própria

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14
Figura 5. Viaduto. Fonte: Autoria Própria

5. Considerações Finais
Este ensaio não é sobre os fins e nem sobre os começos, são os meios. O
processo, por assim dizer. Este trabalho reuniu algumas reflexões muito breves
sobre os pensamentos que me rodeiam e de como as ideias aparecem para
mim até o momento. Os propósitos deste trabalho foram construídos durante a
pesquisa, feitos, refeitos e descobertos dentro dos limites de tempo que me foi
possível fazê-lo. Concretizar pensamentos nunca foi tarefa fácil, mas motivada
pelo ritmo intenso do trabalho, tudo pareceu clarear-se à medida que me
esforçava para exteriorizar minhas observações. Sempre achei a escrita um
exercício fantástico, ainda que eu reconheça a necessidade de me aprimorar
com a organização das palavras.
A contemplação é, para mim, o aspecto mais interessante da arquitetura, pois
é o momento em que os conceitos propostos, então materializados, ganham
sentido e dimensão no espaço, criando atmosferas. Como diria Paulo Mendes
da Rocha é o “seduzir a ponto de parar e ficar”, e o arquiteto é a figura que
idealizará estes espaços, que por sua vez provocarão sentimentos e
consolidarão identidades. Acredito que a compreensão dessa perspectiva
sempre me trará um campo de alternativas para atuar na cidade e, em algum
momento, isso se revelará através de projetos. Estamos vivenciando novas
descobertas que indicam profundas mudanças na configuração da sociedade no
que diz respeito às formas de vida e consequentemente à reformulação de
espaços. No momento, compreendo que a intervenção seja o caminho mais
coerente para a reconquista do espaço público nas cidades, espaços estes que
materializam os desejos de uma sociedade que está começando a redescobrir o
valor da rua. A intervenção é o processo. Criam-se alternativas ao tecido
urbano consolidado, promovendo novos olhares aos lugares esquecidos.
Formam-se diversas imagens de uma mesma cidade que assiste a arquitetura
se transformar.

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15
Já é hora de outros protagonistas pensarem e projetarem a cidade de
modo que, perante a dominante cidade especulativa e segregadora sejam
incorporados pontos de vistas plurais que possam reinventar a cidade
humana.19
É por isso que defendo a democratização da arquitetura.
E que o primeiro passo seja através de intervenções urbanas.

Referências
RODRIGUES, Sérgio Fazenda. A casa dos sentidos. Lisboa: Uzina
Books, 2013.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Gustavo Gili, 2009.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções urbanas: Arte/ Cidade. São
Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.
LERNER, Jaime. Acupuntura Urbana. Ed. 5. Rio de Janeiro: Record,
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MONTANER, Josep Maria; MUXI, Zaida. Arquitetura e Política. São
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ARAVENA, Alejandro. Os fatos da arquitetura, 2013. Disponível em:
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PETRESCU, Javier Vergara. Tacticas Urbanas, 2011. Disponível em:
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REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar, 2007. Disponível
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MAGNAVITA, Pasqualino Romano. Inflexão teoria da arquitetura,
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9> Acesso em 18 set. 2014.
SOUZA, Gabriel G. E. de. Experimentalismo e estratégia: o projeto
Arte/Cidade e a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo .
2007. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2007/SOUZA,%20Gabriel%20G
irnos%20Elias%20de.pdf> Acesso em 25 de set. 2014.

19
MONTANER, p.127, 2014

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SANSÃO, Adriana. Intervenções temporárias e marcas
permanentes na cidade contemporânea. arquiteturarevista.
Unisinos, vol. 8, n.1, jan/ jun 2012. p 31-48.

Recebido em 31/01/2015 e Aceito em 06/05/2015.

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RBZU 150 314 3

RBZU 150 314 3

Rafael Barbieri Zaia


Centro Universitário Senac – São Paulo
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{rafael.zaia@hotmail.com, myrnanas@gmail.com}

Resumo. A necessidade de estudar o fenômeno urbano no Conjunto Anchieta e nele


propor uma intervenção pode ajudar a compreender melhor como as pessoas
constroem a imagem de um local, e como esta imagem se torna tão forte que acaba
se materializando fisicamente, de determinada forma, que acaba por alterar seu uso.

Cinco autores foram escolhidos como referências para o estudo e a compreensão do


local. Assim acredito que uma intervenção potencialize seu uso original e proponha
novos modos de sociabilidade neste terreno que é de grande importância para a
cidade de São Bernardo do Campo.

Palavras-chave: Arquitetura; Intervenção; São Bernardo do Campo; Contâiner;


Fenomenologia.

Abstract. The need to study the urban phenomenon in Conjunto Anchieta and set it to
propose an intervention may help to better understand how people construct the
image of a place, and how this image becomes so strong that ends up materializing
physically, which ends by changing its use. Five authors were chosen as references for
the study and understanding of the site. So I believe that an intervention leverages its
original use and propose new modes of sociability in this area which is of great
importance to the city of São Bernardo do Campo.

Key words: Architecture; Intervention; São Bernardo do Campo; Container;


Phenomenology

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução
Diversas razões levaram-me a estudar e tentar compreender o Centro Comercial
Conjunto Anchieta de São Bernardo do Campo. A primeira, e mais importante, é o fato
de ficar no meio de um caminho que me é muito familiar, afinal eu passo pelo terreno
onde está o edifício, no mínimo dez vezes por semana.
Desde minha infância me lembro que o edifício já era bem degradado e me intrigava
pois se encontrava numa parte muito privilegiada do centro comercial de São
Bernardo. A presença de moradores de rua e de pessoas sempre muito embriagadas
nas suas imediações, ou mesmo dentro do edifício, ficaram muito marcadas não só em
mim, mas também nas pessoas que passam por ali com frequência.
Outra razão da escolha deste tema, foi o meu interesse pela história de minha cidade
natal e como, nos últimos anos, uma grande corrida imobiliária e a busca por rápidas
soluções aos problemas de infraestrutura da cidade resultaram na demolição de
diversas obras importantes do meio urbano, como a antiga Câmara Municipal e o
Parque do Paço Municipal.
A necessidade de estudar o fenômeno urbano e nele propor uma intervenção pode
ajudar a compreender melhor como as pessoas constroem a imagem de um local, e
como esta imagem é tão forte que acaba se materializando fisicamente, de
determinada forma, e alterando assim seu uso.
Lacan (1940) dizia que a imagem construída de um objeto, nem sempre representa o
que ele na realidade é, mas a imagem pode se tornar tão forte e embasada que o
objeto se transforma naquela imagem artificialmente construída. Acredito que isso
tenha acontecido com o edifício, e uma intervenção talvez potencialize seu uso original
e proponha novos modos.
Assim minha proposta de intervenção consiste em um conjunto de containeres que se
associam a nove possibilidades perceptivas que suscitam relações e visões da cidade
como filtros que revelam fragmentos da cidade sob novas perspectivas.
A familiaridade e o convívio diário com o edifício existente sugeriram denominar estes
eventos, materializados em experiências, com siglas que remetem ao código adotado
para identificação de containeres, mesmo critério utilizado para conferir título a este
Trabalho de Conclusão de Curso: RBZU 150 314 3.

Assim, RBZ remetem às iniciais do nome do proprietário do container de acordo com


padrões internacionais (neste caso, Rafael Barbieri Zaia); o “U” indica o tipo de
container e o que pode carregar, os 6 primeiros dígitos indicam: a data em que o
autor começou a fazer suas derivas 15.03.14, e o ultimo digito, 3, é um digito de
checagem feito com um cálculo pré-estabelecido com os números anteriores.

2. A História
A história do Conjunto Anchieta começa bem antes dos anos 60 e de sua construção.
A partir da década de 40 e 50 indústrias automobilísticas começam a se instalar na
cidade e criar uma atmosfera mais urbana para uma cidade até então com
características rurais. O centro da cidade onde está situado o Conjunto Anchieta hoje,
deve seu desenvolvimento nos anos 50 à essas industrias e a construção da nova
prefeitura em 1955.
Em 1961 O empresário Jorge Haad Skaf visando aumentar o comércio dessa região
importante de São Bernardo encomenda o projeto do Conjunto Anchieta. O projeto
original visava 3 andares comerciais e uma torre residencial de 10 andares, mas os
planos foram suspensos no meio da construção em1964 devido ao golpe militar. Não
só a economia do país tinha sido afetada, impossibilitando o progresso da construção,
mas também o ABC sempre foi uma região muito ativa politicamente devido aos
sindicalistas das indústrias automobilísticas e os alunos da faculdade FEI. Desde então

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o conjunto Anchieta mantém as marcas de 1964 tendo na maioria de seus andares,
projetos de residências sem terminar.
O comércio nesta região da cidade sempre foi bem escasso, tendo 25 lojas
funcionando em seus 3 andares, e as reformas sendo pagas pelos próprios
comerciantes que lá estão desde que abriram-se as portas do edifício na década de 60
e 70. Apesar de ser um terreno muito privilegiado, sendo perto das duas estações de
ônibus mais importantes de São Bernardo, e perto também da Prefeitura, o Conjunto
tem um histórico do convívio com o tráfico de drogas, prostituição e a presença de
mendigos que fazem com que as pessoas evitem passar por ali.
Ainda que o comércio de eletrônicos do conjunto Anchieta sobreviva graças a presença
e hábitos de seus fiéis clientes, há muito mais para ser explorado neste lugar, do
ponto de vista do uso do edifício, e os comerciantes da região tem grande interesse
em revitalizar esta área de suma importância para a cidade.

3. Os Autores
Os autores escolhidos para a pesquisa de referência foram me ocorrendo conforme o
trabalho foi se desenvolvendo. O primeiro a ser trabalhado foi Gaston Bachelard e sua
afinidade com a imagem poética e a memória do espaço. Juhani Pallasmaa é essencial
como arquiteto que faz esta ligação entre a poética e filosofia e o espaço construído.
Já Zumthor e Hertzberger vieram como um apoio de arquitetos que propõem a
reflexão sobre a arquitetura e as sensações que ocorrem nos espaços. Steven Holl em
sua obra nos revela como a arquitetura está completamente envolvida com
fenomenologia, fazendo uma ponte entre o pensamento teórico e a prática da
arquitetura. Fazendo ligações entre estes autores pude defini-los como essencial para
minha pesquisa para poder entender como o espaço e a leitura dos livros alteravam
minha percepção do espaço físico e o não físico.

4. Gaston Bachelard
Para poder entender as relações sensíveis que podem ser desencadeadas a partir do
convívio e observação de um espaço construído, procedeu-se a leitura do livro “A
poética do espaço” (2012) de Gaston Bachelard.
Através de relações fenomenológicas o autor, fazendo associações entre as descrições
literárias e as sensações, reflete como o indivíduo se sensibiliza pelo espaço e cria
vínculos sentimentais com o espaço. A casa deixa de ser espaço meramente físico, e
acaba por ganhar um atributo virtual, onde todo o ser sentimental se abriga. Aquele
que habita o espaço é sensibilizado por ele, e o espaço delimita as fronteiras sensíveis,
fazendo com que a pessoa que habite o espaço viva a casa, ou abrigo em sua
totalidade.
Compreendido dentro deste espaço virtual, o abrigo ganha um valor onírico que é
criado pelo seu habitante ou pelo ser sensível, poeta. Pode assim se dizer, que ele
nunca possui uma visão imparcial deste espaço. Ele, como ser que pensa e sonha com
esse lugar, sempre tem a visão abalada por suas emoções e revelam a esse lugar,
através de sua literatura, uma visão completamente parcial desse campo onírico em
que o abrigo está conectado.
Por isso pode ser muitas vezes difícil explicar um ambiente, ou espaço construído,
meramente através de literatura, ou poesia, pois antes de tudo este recurso “verbal”
oferece uma visão em primeira pessoa de quem viveu o espaço.

“As grandes imagens têm ao mesmo tempo uma história e uma pré-história. São sempre
lembrança e lenda ao mesmo tempo. Nunca se vive a imagem em primeira instância. Toda
grande imagem tem um fundo onírico insondável e é sobre esse fundo onírico que o passado
pessoal coloca cores particulares. ” (BACHELARD, 2012, p.50)

É preciso ir além deste campo de reflexão e especulação oferecido pela leitura


sensível, e pela imaginação, para se poder viver o espaço, para que se possa ter uma

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experiência singular e menos influenciada por fontes externas. Na mesma linha de
pensamento em que somente a literatura não define o espaço como ele é, em termos
objetivos, ele nos mostra apenas como o espaço é em relação ao autor, também não é
apenas o texto o único recurso para traduzir toda a experiência sensível que pode
ocorrer quando se vive o espaço. Além disso, não se pode esquecer que, cada vez que
se vivencia um espaço, cria-se uma nova percepção sobre ele e o conceito. O
significado do espaço se transforma.

“Casa, aba da pradaria, ó luz da tarde, de súbito adquires uma face quase humana. Estás perto
de nós, abraçando, abraçados. ” (RILKE apud BACHELARD, 2012, p. 27)

Após criado uma relação de memória com o espaço ou partes dele, o indivíduo se
torna mais seguro em relação à sua conexão com ele; ele pode se encerrar nesse
espaço, em sua solidão. Desse modo o espaço construído se torna a proteção dele
contra o exterior, o lugar se torna uma imagem materna com a qual ele cria uma
relação muito forte, de dependência, de intimidade, de afeto.

5. Juhani Pallasmaa
Autor de “Os olhos da pele” (2012), Juhani Pallasmaa descreve como o processo de
percepção de um espaço e sua concepção projetual vai muito além da visão. Em seu
primeiro livro, ele descreve com detalhes como sentimos o edifício, suas formas e
como isso nos influencia no ato projetual.
Em seu livro “As mãos inteligentes” (2013), ele discute o papel das mãos, importantes
no oficio da produção, do projeto de arquitetura, acrescentando também a ação delas
quando percebemos um espaço. O toque, a textura, as sensações de temperatura; de
dimensão e volume em relação ao corpo, tudo isso participa da formação de um
repertório que acaba sendo resultante das percepções advindas de todos nossos
sentidos. Segundo o autor não é apenas o ato de vermos o edifício que nos faz
compreendê-lo; o sentir, o vivenciar também fazem parte da nossa construção mental
sobre o fenômeno arquitetônico. Em uma passagem do livro ele explica como
sentimos o edifício e percebemos não apenas uma única face, mas o seu volume por
completo, como se nada fosse segmentado. Usa, para esta consideração, uma
aproximação com a obra do escultor Henry Moore.
Também é evidente que um fator emocional e estético, além da identificação pessoal
corporalizada, é tão essencial à criatividade cientifica quando à produção e
experimentação da arte. Henry Moore, um dos maiores escultores da era moderna,
enfatiza a identificação corporal e o entendimento simultâneo de vários pontos de
vistana obra de um escultor:

“[O escultor] deve se esforçar continuamente para pensar e usar a forma em sua absoluta
totalidade espacial. É como se ele pegasse a forma sólida dentro de sua cabeça - ele pensa
nela, não importa seu tamanho, como se estivesse segurando-a totalmente napalma de sua
mão. Ele visualiza mentalmente uma forma complexa em todos os seus lados; ele sabe, ao
olhar de um lado, como é o outro; ele se identifica com seu centro de gravidade, sua massa,
seu peso; ele percebe o volume e o espaço que a forma desloca no ar.” (PALLASMAA, 2013, p.
19)

Pallasmaa nos convida a refletir sobre como a compreensão do espaço como um todo
é importante. Não apenas uma fachada, deve-se pensar o edifício como uma forma
continua, como uma massa no espaço. Pensando desta forma, parece ser iminente a
criação de maquetes e modelos de estudo para a compreensão de um projeto e seu
espaço construído como um todo. A representação bidimensional já não dá conta de
transmitir as sensações imaginadas e agora as mãos se tornam a imaginação
materializada. Elas transformam em matéria física o que a mente imagina em um
mundo onírico.

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Considere como Moore decidiu mostrar suas mãos. Elas não estão nem em repouso nem em
movimento; elas não seguram nenhuma ferramenta, portanto, não desenham ou esculpem. Ao
invés disso, elas são pegas em poses que convocam dois aspectos distintos do projeto de Moore
como um artista. Ver e sentir - a diferença entre o que os registros dos olhos e os dos dedos
percebem - ambos emergem como fatos corporais imediatos. Isso ocorre porque as obras de
Moore declaram que as mãos do escultor conferem tato para a vista. Os resultados radicais são
um tema que organizam a obra Ideias para escultura conforme mostramos. Mas mais do que
isso, os desenhos de Moore mostrando suas mãos deixam claro não só que o artista pretende
comunicar admiração e surpresa com ao seu próprio feito, mas também que ele pede aos
espectadores que experimentem semelhante sensação. “Aqui estão minhas mãos ‘, diz o autor
referindo-se a cada imagem, “presente e palpável; esses são os meios que me fizeram o artista
que sou. Usando-os – e apenas com eles- eu desenvolvi o corpo do meu trabalho. Eu penso que
eles são realmente, o meu trabalho. (WAGNER,2010, p. 91, tradução livre do autor do
trabalho).

Segundo a crítica Anne M. Wagner, desenhos como estes expressam a identidade do


artista, pois a vida e o trabalho deste começam e se realizam em suas mãos. Porém,
no caso de Moore, mais do que assumir o papel de metonímia quando nos referimos
“a mão do artista”, as mãos dele sinalizam tanto a presença do artista como também
a origem da ação corpórea que as executou. A relação entre Henry Moore e seu
trabalho com as mãos, citada como exemplo por Pallasmaa, pode ser trabalhada a
partir de exemplos em que o produto resultante da ação manual sobre a matéria
representa a experiência do corpo no espaço como as bonecas em “homenagem a
Henry Moore” executadas por Paulo Mendes da Rocha, o projeto da mesa Henry Moore
de Zaha Hadid, e os desenhos de cabeça, conforme observamos nas imagens.

Figura 1 – Bonecas de meia de Paulo Mendes da Rocha

6. Herman Hertzberger

Herman Hertzberger inicia seu livro “Lições de Arquitetura” explorando o sentido das
palavras “público” e “privado”, e explicando seu significado mais abrangente, convoca
o tradicional clichê para associa-los aos adjetivos coletivo e individual. Ao invés de se
atentar apenas a essas duas explicações para demarcações espaciais, o autor vai além
em seu livro, mostrando as gradações entre essas duas situações de uso que podem
inaugurar uma arquitetura nova.
O autor explica as demarcações territoriais e nossas relações com elas, por exemplo,
os “limites espaciais” (ou melhor, a ideia destes limites) que nós criamos só fazem
sentido se fizerem fronteira com algo de diferente valor, que crie alguma relação de
diferenciação. Um lugar só é entendido como público se o lugar próximo a ele for
privado; se ambos forem públicos, podem ser considerados como apenas uma única

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extensão de espaço. As demarcações territoriais explicadas por Hertzberger
Hertzberger só valem se forem comparadas a outras demarcações diferentes.

“O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em comparação com a sala de estar e a
cozinha da casa em que mora...Numa escola, cada sala de aula é privada em comparação ao
hall comunitário. Este hall, por sua vez, é, como a escola em sua totalidade, privado em
comparação com a rua. ” (HERTZBERGER, 2012, p. 14)

Seguindo este pensamento, ele nos explica como as demarcações apenas de “publico”
e “privado” são na verdade inúteis, pois algo só relacionado à instância de privado ou
de público em relação a outro espaço, também simplesmente catalogado como público
ou privado, limita sua apreensão. Além disso, as zonas consideradas semiprivadas e
semipúblicas tem sentidos muito ambíguos para serem zonas intermediarias entre
essas duas gradações.
Hertzberger usa como exemplo dessamultiplicidade de gradações, as percepções,usos
e relações que podemos ter na BibliotecaNacional de Paris.A biblioteca pode ser usada
por qualquer cidadão, logo ela tem um caráter público. No entanto quando uma
pessoa começa a usar a mesa de trabalho para estudo e começa a se apossar deste
espaço, ele se torna relativamente privado e pessoal, mesmo ela sendo um objeto de
uso comum.
A mesa de estudo é citada diversas vezes como a expressão do seu usuário, que a
torna privada por um determinado período de tempo; não podemos ver claramente
como essas relações mudam umas em comparação a outras. O posto de trabalho tem
caráter público, assim como a biblioteca, mas no momento em que está sendo usado
por uma pessoa, ele passa a ter um caráter privado e pessoal, mesmo sendo
essencialmente de uso comum dos usuários da biblioteca.
Discutindo as gradações que podem ocorrem em diversos ambientes, Hertzberger
mostra alguns mapas (Figura 2) da escola Montessori, nos quais áreas de acesso
específico, podem ocorrer divisões de responsabilidades. O autor afirma que na
elaboração da planta essa diferenciação de responsabilidade pode ser intensificada ou
atenuada de acordo com a vontade do projetista.
Define, portanto, que a responsabilidade por cada área projetada é muitas vezes de
quem insere seus objetos, suas referências pessoais no local, ou, em outras palavras,
quem organiza a área para um uso específico. As pessoas que usam o local podem
zelar por ele colocando vasos, suas próprias cores ou objetos de estimação para se
sentirem mais pertencentes ao espaço. Porém, o autor explica que não apenas a
forma do espaço construído deva convidar o usuário a organiza-lo, mas também a
estrutura social, (do grupo do qual o indivíduo se constitui enquanto membro) deve
reconhecer esse tipo de responsabilidade, onde a pessoa que o utiliza pode qualificar o
espaço com sua expressão pessoal, colocando nele seus objetos próprios, e revelando
nele sua forma de utilizá-lo.

“É preciso algo mais para que isso aconteça: para começar, a própria forma do espaço deve
oferecer a oportunidade, incluindo os acessórios básicos, etc., para que os usuários preencham
os espaços de acordo com suas necessidades e desejos pessoais. Mas, além disso, é essencial
que a liberdade de tomar iniciativas pessoais esteja presente na estrutura organizacional da
instituição, e este aspecto tem consequências muito maiores do que se pode pensar à primeira
vista.” (HERTZBERGER, 2012, p. 24)

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Figura 2 – Diagramas da Escola Montessori em Delft

6.1 A Forma Convidativa

A forma convidativa, termo criado pelo autor, se opõem completamente ao


funcionalismo criado pela arquitetura moderna e seus projetistas5. Este conceito
propõe uma arquitetura capaz de expandir as possibilidades e alavancar o potencial de
certos espaços para que possam ser usados das maneiras mais engenhosas e de
acordo com a vontade de cada usuário.
Hertzberger explica como as pessoas normalmente usam os objetos e estruturas
construídas à sua volta sem consciência e muitas vezes dão uma nova função para
objetos cotidianos sem perceberem. É da natureza do ser humano buscar deduzir
diversos significados em um único objeto ou espaço.
Um dos casos citados pelo autor, para ilustrar a questão, trata do modo como as
pessoas se sentam; como os indivíduos conferem a estruturas e relevos diversos o
papel de “assento”. Para Hertzberger, este exemplo inaugura a primeira possibilidade
dessa forma convidativa.
Uma calçada mais alta que o normal, por exemplo, convida as pessoas a usa-la como
ponto de descanso o que acaba muitas vezes criando um ato social, inaugurando um
ponto no espaço onde diversas pessoas podem parar para sentar.

“A extrema funcionalidade de um projeto torna-o rígido e inflexível, isto é, oferece ao usuário


do objeto projetado muito pouca liberdade para interpretar sua função de acordo com sua
vontade. É como se já estivesse decidido a priori o que se espera do usuário, o que ele pode e o
que ele não pode fazer.”(HERTZBERGER, 2012, p. 177)

O autor, critica o funcionalismo extremo dizendo que quem o indivíduo acaba


tornando-se refém desse objeto que não inaugura novas possibilidades, além daquela
a que ele foi destinado ao ser projetado. A diversidade de usos de um objeto, e a
criatividade do usuário é que faz com que o objeto seja interessante e se mantenha

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vivo no seu contexto. Por exemplo, as calçadas levantadas em Buenos Aires (Figura
3), um tipo de solução arquitetônica no espaço público, mesmo que não intencional
(parece-nos que foi um recurso para nivelar o piso das duas ruas da esquina), além de
servir como uma passagem para os pedestres, acaba servindo como um banco onde
os cidadãos podem esperar e até mesmo criar um tipo de sociabilidade muito
interessante.
Discutindo sobre a forma convidativa, Hertzberger coloca uma consideração em
questão; qual a finalidade de ser projetar um espaço como este? Que tipo de função
esse objeto pode possuir, tendo como consequência a noção, o tamanho deste espaço.
Pensando assim, quanto maior o espaço, maior as possibilidades de ser ocupado;
sabemos que isso não é possível, já que isto implicaria em projetar os espaços de
maiores dimensões possíveis, para torna-los ainda mais controladores.

“Numa cozinha grande demais, temos de procurar e carregar as coisas mais do que o
estritamente necessário. É simplesmente uma questão de comodidade, de ter à mão tudo de
que se necessita. ” (HERTZBERGER, 2012, p. 190)

Figura 3 – Calçadas levantadas em Buenos Aires

Ponderando seus usos e atividades, o autor explica que cada área projetada necessita
de uma área diferente que condiz com sua finalidade. Explica que a maioria dos
arquitetos quando não se atentam a essas regras de usos, acabam por projetar
espaços grandes demais, onde perdemos a sensação da escala, e desperdiçando um
grande potencial que o espaço pode oferecer.
Nas figuras 4 e 5, Hertzberger explica como um espaço comum pode ser tratado. A
primeira é uma pintura de Van Gogh (De Aardappeleters, 1885) , onde se mostra um
círculo de pessoas apertadas em uma mesa, evidenciando a unidade que a disposição
de seus corpos, ao redor do apoio comum, cria neste espaço; a segunda é uma
fotografia de um lar de idosos, onde ao invés de colocar bancos pertos das janelas,
como é comum em alas dos hospitais, o autor propôs outra espacialidade, e acaba
criando um espaço de convivência com uma mesa, estimulando um contato incomum
entre os usuários do local.

7. Peter Zumthor

O autor inicia a discussão em seu livro Atmosferas (2009), justificando seu título e seu
profundo interesse em buscar qualidade na sua própria produção arquitetônica.

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Zumthor explica este conceito sobre qualidade, segundo o qual esta é atingida ou está
presente quando se é tocado por uma obra, e então o arquiteto se indaga porque
algumas obras nos "tocam" e o que faz delas resultar em experiências tão
subjetivamente especiais.

"A atmosfera comunica com a nossa percepção emocional, isto é, a percepção que funciona de
forma instintiva e que o ser humano possui para sobreviver. Há situações em que não podemos
perder tempo a pensar se gostamos ou não de alguma coisa, se devemos ou não saltar e fugir.
Existe algo em nós que comunica imediatamente conosco."(ZUMTHOR, 2009, p. 13)

Sobre percepções imediatas o autor discorre comentando como elas se diferem da


compreensão perceptiva do pensamento linear, que vai de ponto A até ponto B, e que
nos faz passar (e ter consciência de) por cada etapa do pensamento. Dá como
exemplo a música de Brahms, que no momento em que começa a tocar, nos
sensibiliza instintivamente, provocando a partir dela um sentimento "dentro de nós
mesmos", que é inexplicável, que é uma compreensão imediata do momento; isto
para Zumthor é atmosfera.
Zumthor ainda usa como exemplo destas percepções a experiência arquitetônica que
temos na Estação Central de Richmond de John Russel Pope. Ele não consegue
explicar o sentimento, o que se passa dentro dele quando vê uma foto da estação,
pois é um ícone completamente subjetivo, que toca apenas a ele desta forma. O
arquiteto ainda se indaga sobre como se podem produzir espaços tão belos e naturais
como este.

7.1A magia do real

Zumthor (2009), ao analisar uma fotografia de Hans Baumgartner8, questiona-se


sobre como se consegue projetar um espaço tão harmônico e belo como aquele, e
como é possível transmitir a atmosfera que existe na fotografia em seus espaços
construídos. Para ele o arquiteto vive numa dualidade de conseguir ou não projetar
algo tão subjetivamente belo.
Zumthor também exemplifica essa questão citando uma frase que está pendurada em
seu ateliê sobre o músico Stravinski, uma vez que a música também comunica
atmosferas e é um tipo de arte, que, mais que arquitetura, nos toca imediatamente,
nos causa uma resposta corporal instantânea.

"Escala diatônica radical, escalada rítmica poderosa e diferenciada, evidência da linha melódica,
clareza e rudeza das harmonias, um radiar cortante das tonalidades, por fim a simplicidade e
transparência do tecido musical e a solidez da construção. ” (BOUCOURECHLIEV, apud
ZUMTHOR, 2009, p. 19, 21)

Ainda discutindo sobre como a música pode também nos estimular, e sua relação com
o projeto arquitetônico, o autor afirma que é possível ver claramente os
procedimentos, e ferramentas para criar a música também na arquitetura.
Destacando seu interesse por essa questão, Zumthor discorre sobre nove
procedimentos projetuais para explicar como tenta criar as atmosferas em suas casas
e projetos.

7.2As nove atmosferas

Para nos apresentar as nove atmosferas, Zumthor começa discorrendo sobre o corpo
da arquitetura. Na passagem apresentada a seguir, o arquiteto discute como a

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presença do material na arquitetura é de suma importância em seu processo
projetual.

“O que considero o primeiro e maior segredo da arquitetura, é que consegue juntar as coisas do
mundo, os materiais do mundo e criar este espaço. ” (ZUMTHOR, 2009, p. 23)

Comparando a arquitetura com o corpo humano e sua anatomia, assim como temos a
pele e tudo que é preenchido, ou seja, o material de fora, a casca, e o interior, tanto
na estrutura humana como na construção todos os elementos são tão essenciais
quanto o que se apresenta no exterior. A partir desta analogia o arquiteto pensa
também em corpo físico, não só com a ideia de comparação, mas usando o corpo
como algo que se pode tocar como uma membrana.
Prosseguindo na discussão sobre os materiais, o autor nos explica como a consonância
de materiais é importantíssimo aliado na escolha destes. Esclarece como no processo
de criação existe primeiro a ideia e depois a criação física; e imagina como os
materiais podem se combinar e reagirem uns em relação aos outros num espaço, e as
reações e atmosferas que podemos criar através dessa escolha consciente.

“Materiais soam em conjunto e irradiam, e é desta composição que nasce algo único. Os
materiais são infinitos -imaginem uma pedra que podem serrar, limar, furar, cortar e polir, e ela
será sempre diferente. ” (ZUMTHOR, 2009, p. 25)

Para ilustrar seu raciocínio, Zumthor usa como exemplo dessa escolha e combinação
de materiais seu projeto para a capela Bunder Klauss, e mais especificamente uma
maquete construída. A escolha consciente do chão de chumbo e as paredes de
concreto nos transmite certo tipo de atmosfera, o chão da capela molhada já a
transforma em um outro tipo de espaço que acaba refletindo a luz que entra pelo vão.
A escolha destes materiais e a forma como reagem uns com os outros, que também se
dá entre eles e os elementos da natureza, transformam um espaço físico e nos
transportam a novos mundos e assim gerando e nos fazendo experimentar novas
atmosferas.
O som do espaço, outra das atmosferas descritas por Zumthor, nos convida a explorar
um sentido muitas vezes esquecido na arquitetura; a audição. O autor nos conduz
para uma jornada em sua infância, ao lembrar ele do bater de panelas na cozinha que
indicava que sua mãe estava por perto; este era um som que o fazia sentir-se seguro
e que ficou marcado em sua memória. Segundo ele, não mais ouvimos os sons dos
espaços, e os arquitetos não imaginam o espaço com o sentido da audição.
Zumthor nos convida a imaginar um edifício sem som nenhum, tirando todas suas
influências externas e discute como também o silêncio ativa esse sentido e tem um
grande poder de nos comover.

"Acho que edifícios soam sempre. Soam também sem emoção. Não sei o que é. Se calhar é o
vento ou qualquer coisa assim. Só se repara nisto quando se entra numa sala sem ressonância,
de que é diferente. É bonito! Acho muito bonito construir um edifício e pensá-lo a partir do
silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que hoje em dia é bastante difícil, porque nosso mundo é tão
barulhento." (ZUMTHOR, 2009, p. 31)

A quarta atmosfera escolhida por ele trata da temperatura do espaço. O autor, quando
aborda a temperatura de um ambiente usa a palavra ‘ temperar’, que seria a
combinação de elementos frios e quentes para a criação projetual. Explica como a
madeira pode ser quente e o aço frio. Comenta que o sentir a temperatura do local
não se dá apenas no tato, no sentir na pele esta diferença de temperatura, e sim
também com os pés e o que nós podemos ver em um ambiente.
Citando como exemplo o Pavilhão da Suíça em Hannover, onde o uso perspicaz da
madeira nos ambientes criava uma temperatura diferente, Zumthor nos permite
perceber como este recurso conferiu uma nova atmosfera ao local.

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“Para a execução do Pavilhão da Suíça em Hânover,utilizamos muita, muita madeira, muitas
vigas de madeira. E quando havia calor, estava fresco neste pavilhão como numa floresta,
quando fazia frio, havia mais calor lá dentro do que lá fora, mesmo não estando fechado. ”
(ZUMTHOR, 2009, p. 35)

As coisas que me rodeiam é a quinta atmosfera escolhida por Zumthor, e através dela
ele explica como fica impressionado sempre que entra em um espaço novo, habitado
por pessoas, e por seus pertences. Questionando- se se a arquitetura tem como tarefa
a criação de um espaço para receber todos os pormenores de cada usuário, defende a
ideia de que entrarão novos elementos em seu edifício depois de pronto, e que, apesar
de não saber quais serão, ele está ciente de que o projeto será habitado e isso deve se
refletir em sua estratégia projetual.
Entre a serenidade e a sedução é o sexto ponto discutido por Zumthor. Apresenta-nos
esta atmosfera a partir do seu projeto das termas, onde tentou criar um espaço livre,
explorando a ideia de um edifício sedutor que leva o usuário a descobrir cada nova
sala, ou corredor, mas sem criar um labirinto.

"A arquitetura é certamente uma arte espacial, é o que se diz, mas a arquitetura também é
uma arte temporal. Não a vivo apenas num segundo. Nisto Wolfgang Rihm e eu somos da
mesma opinião, a arquitetura também é uma arte temporal, como a música o é. Ou seja,
imagino como nos movimentamos neste edifício, e aí vejo os pólos de tensão com os quais
gosto de trabalhar." (ZUMTHOR, 2009, p. 43)

Zumthor explica a serenidade, obtida neste projeto, como um “não procurar”, o


“apenas existir”. Em contraposição ao seduzir, onde o usuário a cada virada descobre
uma nova interação espacial, a serenidade faz o contrário, a arquitetura se apresenta
como é, e deixa apenas que o usuário exista dentro dela, sem ser influenciado a
procurar e seduzido a descobrir onde deve ir.
A sétima atmosfera nos fala sobre A tensão entre o interior e exterior. Para discuti-la o
autor propõe pensarmos como ao criarmos uma arquitetura nova, delimitamos o
espaço entre o que há dentro e o que há fora.
A partir do momento que traçamos uma linha denominamos o que é interior e
exterior. Para ele isto implica criar um invólucro para esse interior criado, e a fachada
que se mostra a partir desta “linha divisória” para o mundo nos diz o que é esta
arquitetura e como ela é. Mas Zumthor nos chama a atenção de que ela deve dizer
também que há algo em seu interior que não está sendo mostrado; nos explica essa
tensão entre público e privado; o que está à mostra, e o que está escondido.

"Marcamos posição. Observamos. Não sei se conseguem perceber a minha paixão, não é
voyeurismo, pelo contrário, tem tudo a ver com atmosfera. Lembre-se de Janela indiscreta de
Alfred Hitchcock. Um clássico. Aparece à janela iluminada aquela mulher no seu vestido
vermelho e não se sabe o que faz. No entanto: algo se vê!"” (ZUMTHOR, 2009, p. 49)

Os degraus da intimidade, como discute Zumthor, é uma atmosfera que não trata
apenas da escala num sentido mais frio e acadêmico da palavra. Os elementos desta
categoria falam da massa e do volume de uma obra, as relações de proximidade e
distância, e a discrepância entre elas.
O autor explica como o edifício por fora não deve revelar seu volume interior. Muitas
vezes uma massa espacial, um interior impressionante pode se revelar ao entrar por
um edifício que pode parecer desinteressante. Essa relação de peso é que cria a
atmosfera para Zumthor. O volume impressionante que pode ter um edifício por fora,
pode desaparecer ao entrarmos em seu interior e percebermos que ele é oco.

"Ou, como ouvi ontem, a Villa Rotonda de Andrea Palladio, uma coisa grande, monumental,
mas quando estou lá dentro, não me sinto intimidado, mas sim enaltecido. Se me permitem

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utilizar essa palavra. O espaço em redor não me intimida, mas torna-me de alguma forma,
maior e deixa-me respirar mais livremente, não sei como denominar esta sensação, mas vocês
sabem o que quero dizer." (ZUMTHOR, 2009, p. 53, 55)

A última atmosfera que nos é apresenta o autor nos fala sobre A luz sobre as coisas.
Zumthor nos conduz a ver a luz e a sombra no espaço: onde elas se encontram, como
elas se comportam no espaço, e como são passageiras. Discute como no ato projetual
não pensamos linearmente como um engenheiro sobre onde devemos colocar cada
foco de luz, e sim como este pensamento está interligado desde o início da concepção
do projeto.
O autor pensa num edifício como um volume sólido sendo escavado pela luz, criando
os ambientes, como podemos deixar a luz entrar e criar seu próprio caminho. Discorre
também sobre como se escolhem os materiais para suas construções, e como a luz os
influencia.

"Uma das ideias preferidas é a seguinte: pensar o edifício primeiro como uma massa de
sombras e a seguir, como num processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade
infiltrar-se. Toda a gente faz isso porque é um processo lógico sem segredos. A segunda ideia
preferida é colocar os materiais e superfícies, propositadamente, à luz e observar como
reflectem. É necessário, portanto, escolher os materiais tendo presente o modo como reflectem
a luz e afiná-los."” (ZUMTHOR, 2009, p.61)

8. Steven Holl

Para entender as experiências que temos sob o ponto de vista fenomenológico


Steven Holl disseca a experiência do todo em pequenas partes e fragmentos de
fenômenos.
Se denominamos “percepção completa” aquela em que visões de perto, médio e longe
são sobrepostas e confrontadas, a junção entre elas cria essa percepção do espaço
como um todo, porém tal noção é inconsciente, só se pode estar consciente de uma
visão a partir consciência dos estímulos e, por sua vez, nossos olhos não conseguem
ser estimulados e abarcar a experiência espacial de forma completa, de uma única
vez.
Andrei Tarkovsky (1982, Itália), quando discorre sobre o filme ‘Sete samurais’ de
Akira Kurosawa, destaca a cena em que se vê o barro nas pernas dos samurais,
quando estes morrem. O Cineasta oriental enfatizava, de forma singela, a chuva
levando o barro e mostrando a perna do samurai morto tão branca como o mármore.
Ao apresentarmos as possibilidades de apreendermos um ambiente urbano, e suas
demandas, através do uso que se faz de mecanismos de percepções capaz de flagrá-lo
em uso e deduzir suas particularidades, temos necessidade de incluir em nossas
discussões aspectos relacionados à “visão e produção da arquitetura”.
Dependendo do movimento e da posição em que você está no espaço, segundo o
autor, pode-se perceber a cidade de forma diferente e é impossível ter todas as
perspectivas de uma única vez, então a visão será sempre parcial, nunca completa.
Em outros termos, como também citamos anteriormente, através das palavras de
Henry Moore, a representação em perspectiva reduz a compreensão do espaço como
um todo.
Não se trata de tentar fazer o todo se compartimentar no espaço, mas fazer com que
o todo se manifeste através de pequenas partes que podem ser representadas e
possam representá-lo.
Em outras palavras, é preciso explorarmos a idéia de construir espaços urbanos sobre
(Ou melhor, a partir de) principios perceptivos. Neste universo constituído por
fenômenos arquitetônicos é preciso considerar o uso e as propriedades das cores
primarias, por exemplo, como um recurso capaz de assumir representações

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expressivas. Aplicadas a contextos específicos, as cores primárias parecem muito
apagadas em superfícies foscas ou expostas à luz. Steven Holl frequentemente
justifica a luz exposta em virtude de algum tipo de luz e espaço interno especifico.
No Mexico e Minnesota, por exemplo, o amarelo e o laranja são as mesmas cores mas
representam aspectos diferentes em cada cidade sobre cada tipo de luz solar que
nelas incide. O Mexico, no entanto, parece muito mais vivo do que Minnesota. Sendo
assim, é preciso observar que mudando a percepção da cor sobre a luz muda-se
também a percepção do local inteiro.
O espirito perceptico e a força metafisicada arquitetura percebidos através de luz e
sombra, solido e não solido, cheios e vazios, são abordados por Steven Holl através de
exemplos como a intervenção de Robert Irwin e James Turrel, na cidade Californiana,
conhecida como Mendota Stoppages (1968-1970) a luz natural e suas variações
calibram a intensidade da arquitetura e assim das cidades.
Comparar New York e Los Angeles é pouco estimulante; como estas cidades se
diferem pela forma como se manifestam de dia e ànoite, da mesma forma como em
alguns paises situados em regiões mais setentrionais, se trabalha melhor à noite por
terem menos horas para fazê-lo durante o dia.
Isso também muda a perceção das cidades: as que estão mais ao norte do que as que
estão mais próximas ao Equador são lugares onde se trabalham de formas diferentes
e sobre intensidades solares e lunares também diferentes.
Segundo o autor, tempo fisico é o que sentimos na pele, que passa, o tempo de que
se contam as horas. O tempo imaterial é o que se passa dentro de nossas mentes,
num mundo onírico.
O filósofo e físico Henri Bergson(1859-1941, Paris) explorou a idéia de duração, fusão
e organização. Para ele, o tempo vivido (impossivel de ser contado porque é
qualitativo e ininterrupto) relacionava-se ao espaço, por ele denominado como
“combinação impura de tempo homogeneo”.

“The truth is we change without ceasing...there is no essential difference between passing from
one state to another and persisting in the same state. If the state which “remains the same” is
more varied than we think, [then] on the other hand the passing of one state to another
resembles—more than we imagine—a single state being prolonged: the transition is continuous.
Just because we close our eyes to the unceasing variation of every physical state, we are
obliged when the change has become so formidable as to force itself on our attention, to speak
as if a new state were placed alongside the previous one. Of this new state we assume that it
remains unvarying in its turn and so endlessly. ” (BERGSON, 2012, p. 165)

9. O Diário

Paralelamente à leitura das obras citadas neste trabalho, segui com uma pesquisa de
campo não convencional, já que os livros tratavam de vivências, memória e o
habitante no espaço e nortearam minha “coleta de dados”.
Durante todos os dias da pesquisa fiz visitas ao edifício, procurando novos caminhos
para abordá-lo e decifrá-lo, novas percepções e novos olhares para poder entender
suas reais necessidades.
A pesquisa de entorno, mapas e diagramas parecia-me muito fria e não se relacionava
com o indivíduo que ali habita. Além das visitas me propus a tirar fotos e registrar
cada momento que achava interessante e me dava uma nova ideia do que era o local.
As imagens eram comentadas como constatações sensíveis, fugazes, mais, ainda
assim, significativas e indicadoras de estados físicos e sensoriais daquela arquitetura.
Através deste relato pode-se ver como a percepção muda conforme a pesquisa vai
ficando mais extensa, e a progressão na leitura dos livros se extende.

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De início já havia começado a fazer fotos do edifício, porém com um olhar menos
crítico e pensando que seriam fotos apenas para ilustrar o local, e não fotos de
sensações, texturas e dos próprios sentidos se materializando nas fotos. Com o passar
do semestre o meu olhar foi se modificando e as fotos apresentadas a seguir revelam
essa mudança.
Começando pela leitura de Gaston Bachelard e seu estudo da casa e a memória,
comecei a fazer caminhos diferentes que me evocassem novas lembranças e
sensações, diferentes daquelas usuais que já tinham se tornado automáticas ao passar
por lá. Ao fazer este novo caminho descobri uma nova vitalidade ocorrendo dentro do
edifício, com suas antigas lojas e entradas que muitas vezes davam para a rua
posterior.
Essa nova percepção me deu a entender que muitas vezes apenas a visão de fora, a
visita mais fria, sem poder vivenciar a natureza do local, não engloba todas suas
sensações e não diz muito sobre o edifício em questão.
Durante a leitura da produção literária de Pallaasma e minhas visitas me dei conta da
textura do Conjunto Anchieta.
A antiga pintura vermelha desbotada e as pichações. Parecia um local abandonado,
mas ainda haviam muitos comerciantes lá.
Este estudo das texturas fez com que me concentrasse em imagens fotográficas a
partir de uma escala menor, onde eu podia ver cada detalhe e abrir meus olhos para
como a “casca” de um edifício, sua pele, pode dizer sobre ele. Toda aquela desatenção
que os habitantes e visitantes da cidade dedicavam ao seu exterior dizia muito sobre
como as pessoas o viam, e, por conseguinte o ignoravam completamente.
Durante meus levantamentos fotográficos reparei numa arquitetura adaptativa. Como
se a necessidade das pessoas fizesse com que se criasse novos usos para
instrumentos antigos, ou se criassem espaços novos a partir dos antigos. Nessas
visitas me deparei com microcomércios instalados embaixo de suas rampas, e outra
loja instalada onde havia uma no passado.
Estas experiências me levaram a estabelecer relações com as reflexões sobre
arquitetura propostas em Lições de Arquitetura, obra em que Hertzberger demonstra
casos onde a arquitetura foi adaptada para novos usos e fez com que se criasse uma
nova vitalidade no local. Hertzberger mostra como por, através de iniciativas
imprevistas ou mesmo, acidentes, ou pensamento projetual, a arquitetura pode
potencializar diversas áreas “discretas” do espaço e fazer com que estas virem pontos
atrativos.
Fatores externos também influenciam ao criar uma construção mental sobre o local.
Durante uma das visitas começou a chover, assim tive de fazer um outro caminho que
nunca havia feito para poder me abrigar da chuva, o que fez com que eu passasse
pelo meio de uma loja.
Essa quebra de caminho, em outras palavras, “desvio”, ativa uma nova percepção
sobre o local que eu jamais havia tido. Fez-me vê-lo como um local mais permeável
do que havia imaginado da primeira vez.
Não o via mais como um volume maciço; conseguia ver seu interior e imaginei como
essa conexão entre sua alameda interior e a rua principal seria importante para a
criação de novos caminhos.
Outra forma de ativar meus sentidos foi visita-lo a noite.
A cidade inteira parecia se comportar de outra forma numa noite chuvosa, e o
Conjunto Anchieta não era diferente. Conseguia ver os postes iluminando suas
fachadas, e via como as sombras eram evitadas pelos pedestres. Suas paredes eram
refletidas no chão molhado e a superfície do piso parecia criar uma nova imagem dele.
O chão como espelho, e não mais elemento opaco fascinou-me. O uso das luzes
brancas e amarelas, esse conjunto todo era incrível.
Percebi a relação maior que há do edifício com a luz, e isto me fez pensar como
projetamos o espaço não apenas para a luz do dia, mas para a noite também.

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Como Zumthor nos diz em Atmosferas, a luz que é projetada em cada material, e o
efeito desta característica nos traz diferentes sensações e evocam diferentes
memórias. A visita noturna do Conjunto Anchieta foi essencial para a minha
compreensão da importância de perceber como a luz (natural e artificial) incide sobre
o espaço arquitetônico.

Figura 5 – Exemplos de foto do Diário

10. O projeto

O terceiro andar do Conjunto Anchieta, onde existiu o Cinema serviu como a tela
branca perfeita para desenvolvermos o pensamento projetual sobre o local.
Light Pavillion de Lebbeus Woods (China, 2008) foi uma influência direta para a forma
de nos apropriarmos dele, onde a luz toma conta do local e infecta o espaço. Através
desse pensamento foram se desenvolvendo desenhos nos quais as pessoas criariam
caminhos e novas percepções sobre o Conjunto.
A intervenção de Lebbeus Woods e Christoph A. Kumpusch é dividida entre quatro
andares de um prédio em Chengdu construído pelo Arquiteto
Steven Holl. As colunas iluminam e atravessam os espaços vazios criando novas
estruturas e fazendo com que as pessoas que passem tenham sua percepção alterada
do edifício. De um prédio ortogonal e friamente calculado, ele passa a ser um espaço
de luz e que não segue “regras”.

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Pensando assim o Conjunto Anchieta serviu como base para experimentações. Desta
natureza.
Nove percepções seriam criadas no local, através da produção de containers e de suas
associações e relações, cada uma delas criando sua visão para a cidade, cada filtro
mostrando uma parte da cidade de uma nova perspectiva.
Com esta intervenção pretende-se que o conjunto ganhe uma nova vida a partir do
momento em que a arquitetura nova se implantar e passr a criar novos modos de se
ver e pensar um local já existente.
Para acomodar todo esse universo de percepções que já deveriam existir pensou-se
num compartimento, um módulo onde tudo isso poderia ocorrer de forma livre
(espaço interior sem regras) e ao mesmo tempo contido (dentro de um módulo pré-
estabelecido). A ideia de contrapor liberdade e autonomia, com segurança e
contenção, para estar na gênese dos primeiros exemplos selecionados pelo
pesquisador. Wink Space é uma das experiências propostas pelos autores com
módulos de containers onde se criam grandes caleidoscópios.
As pessoas são convidadas a experimentar esse monóculo gigante, ao andar sobre ele
e percebem que, enquanto suas reflexões mudam isto também alimenta sua
percepção de novas nuances de luz, cor e até como seu corpo se comporta quando
refletido em uma superfície irregular.
Segundo as reações decorrentes destas experiências, observamos que usar containers
pareceu a solução mais correta para a finalidade escolhida: criar-se novas formas de
se perceber um espaço já construído.
Os desenhos iniciais que desenvolvemos para esta proposta projetavam a ideía de que
caminhos seriam feitos pelos habitantes e a percepção destes mudaria através da
passagem de pessoas e visitantes, pelos containers.
Após os esboços iniciais sobre como projetar “tipos de containers” no local, a ideía foi
se lapidando para que eu pudesse considerar abarcar todas as nove atmosferas
citadas por Zumthor, como um único fenômeno. Assim, foise criando mirantes que
evocassem as memórias das pessoas e sua relação com a cidade, ou melhor, sobre
lugares que se conectam ao Conjunto, o que remete às leituras de Bachelard (2012)
Steven Holl forneceu-nos sua contribuição na criação de espaços perceptivos que se
interligam através dos containers e denotam a passagem de uma percepção à outra,
de um sentido a outro.
Lebbeus Woods é uma forte referência em um sentido: o de apresentar uma
“arquitetura de guerrilha “, que se apodera e cria apêndices construidos, novos anexos
para novas percepções que serão experienciadas na arquitetura existente.

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Figura 6 – Esboços do Light Pavillion

11. Os nove fora

Espaço onde os materiais colidem, combinam e reagem entre si. A escolha consciente
de um ambiente cavernoso se transformar num interior de metal reflexivo visa evocar
memórias primordiais que vem do uso da pedra, até um momento mais recente com o
domínio do uso correto do metal.
Experimentando através do espaço, a pessoa é convidada a desviar das pedras, sentir
sua textura na parede e descobrir as diferentes escalas que ocorrem quando se
confina um espaço cavernoso num container.

Os sons da infância dão o tom destes containers. O indivíduo passa por imagens
borradas enquanto ouve ao fundo o som de crianças brincando. Quase como uma
visita a memórias antigas, essa intervenção tem a intenção de transformar o som do
espaço numa percepção da memória subjetiva.
As imagens projetadas estão fora de foco propositadamente, imaginando que a pessoa
está lembrando-se aos poucos do que acontece em sua mente.

A diferença de temperatura do espaço na pele do usuário pretende mostrar ao


receptor que a percepção sensorial da arquitetura vai muito além da visão e audição
experienciadas nas primeiras intervenções.
O muxarabi que compõe todo o espaço cria um ambiente onde o vento passa
levemente, tocando a pessoa e mesmo sem ele encostar no continer, o container a
toca de alguma forma.

A utilização de duas paredes, uma de aço corten e outra de madeira convidam o


usuário a tocá-las, a interagir com esse “espaço” dentro do espaço. As paredes correm
por toda a intervenção e mostram como estes containers são muito mais por dentro
do que o que há do lado de fora pode revelar.
A arquitetura tem diversas camadas, a textura diferente de cada material faz com que
cada habitante o sinta de forma diferente.

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Os pormenores de cada pessoa são o tom principal deste container. A vista muito
simples, apenas escrivaninhas e molduras sem foto, a pessoa é convidado a deixar
sua marca, algum objeto seu para que ele se sinta “dono” do local. A escrivaninha de
cada pessoa demonstra sua personalidade.
A arquitetura deve prever que quem a usa vai alterá-la para as suas necessidades e é
isso que este container quer fazer. As pessoas são donas de todo o espaço, eles são os
habitantes reais da arquitetura e para quem ela deve ser feita.

Esta intervenção referência abertamente os móveis verticais de Panton, revelando um


interior muito mais interessante e lúdico que seu exterior metálico e duro.
A idéia principal é mostrar como um exterior não quer dizer nada sobre seu interior. O
usuário cria expectativas do que pode ocorrer dentro de um container, ele não imagina
que lá ocorre um interior interessante que pode ser usado à sua vontade.

Placas que remetem a cidades ou florestas dão ao indivíduo a possibilidade de


trabalhar interior e exterior. As placas giratórias revelam que o invólucro da
arquitetura não diz o que é dentro ou fora. O container fechado pode ser tomado por
uma floresta se a pessoa escolher virar as placas para dentro. Se virá-las para o outro
lado temos um ambiente urbano dentro deste container.
A idéia principal é perceber que o interior só é interior quando delimitamos e falamos
o que é “fora”, o que é “exterior”, assim o habitante pode brincar e criar o seu
exterior, nesse interior modulado que é o container.

Um espaço primeiramente onde a luz cria a arquitetura, quase sólida, a abertura cria
um clima sereno convidando o usuário a descobrir de onde vem a fonte de luz. Um
espaço onde há apenas as paredes do container iluminados por uma força maior, que
vem do teto.
Seduzindo o indivíduo a sentir essa luz entrando sem controle, é um tipo de
intervenção que faz com que toda a percepção espacial de um container mude.

A única intervenção que passa por dentro do cinema, a que fala de luz e sombra, claro
e escuro. O espaço é escavado pela luz que entra no container, as aberturas hora
maiores hora menores ditam quanta luz terá no espaço e que cor ele terá.
Assim a pessoa também pode colocar seus olhos e descobrir de onde vêm a luz, e
como ela se comporta se a abertura é maior ou menor.

Figura 7 – Implantação Conjunto Anchieta com os containers instalados

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12.Considerações Finais

Mais do que concluir algo, este trabalho tem o intuíto de mudar a percepção de quem
o lê. Assim como aconteceu comigo, ao desenvolver esse trabalho, através das
leituras e minha convivência intensa com o local, comecei a pensar o edifício de forma
diferente. Cada visita, e cada leitura nova me fazia perceber e trazer a tona novas
questões sobre a imagem daquele local que estava sendo criada por mim.
De fevereiro até o final de outubro, onde se concentraram meus maiores esforços para
criar essa construção mental do edifício, minha própria imagem foi mudando junto,
andei pelo edifício de forma diferente, olhei ele com outros olhos e o senti diferente na
minha pele. A maior questão não é viver o espaço construído e sim como você escolhe
abordar ele. Seja por meio de imagens, ou através de uma linguagem escrita, tudo
isso contribui para a percepção que você terá dele. E cada vez que você altera seu
pensamento, o espaço construído mudará para acompanhar esse raciocío.
No final, o edifício, assim como pesoas, não são trabalhos concluídos eles mudam e se
alteram conforme sua interação com a cidade. O edifício se lapida conforme as
necessidades locais, assim como ocorreu quando eu o coloquei como meu objeto de
estudo. O edifício se transformou de um espaço problemático na cidade, para um
espaço com um potencial transformador da percepção subjetiva.

Referências

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Martins Fontes Editora, São Paulo,


2012.
ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2009.

HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. Martins Fontes Editora, São


Paulo, 2012.

MOORE, Mary et al. Henry Moore – Ideas for Sculptures. JRP Ringer and Hauser
& Wirth, Zurique, 2010.

PALLASMAA, Juhani. Os Olhos da Pele - a Arquitetura e Os Sentidos. Bookman


Editora, 2005

PALLASMAA, Juhani. As mãos Inteligentes: A Sabedoria Existencial e


Corporalizada na Arquitetura. Bookman Editora,
2013

LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu. Jorge


Zahar. 1988.

BERGSON, Henri. Introdução à metafísica. Martins Fontes, 2006.

Recebido em 31/01/15 e Aceito em 06/05/15.

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UrbX – como os aplicativos móveis potencializam a vida urbana

UrbX - how mobiles applications powers the urban life

Rafael João da Silva, Nelson José Urssi


Centro Universitário Senac – Santo Amaro
Bacharelado em Publicidade e Propaganda
{faeljs@gmail.com nelson.jurssi@sp.senac.br}

Resumo. A crescente utilização de aplicativos em dispositivos móveis, principalmente


com uso de mídias locativas, tem alterado o relacionamento das pessoas entre o
espaço físico e o espaço digital. Este projeto analisa como os aplicativos móveis
potencializam a vida urbana das pessoas nos contextos de mobilidade, esporte,
relacionamento, negócios, entretenimento e cidadania. Os resultados revelam que
com o uso de aplicativos, as pessoas agora podem economizar mais tempo no
trânsito; praticar atividades físicas de forma mais engajada; ter mais autonomia nos
negócios; relacionar-se de forma mais afetiva; conhecer aprofundadamente uma
cidade e assim, participar de causas políticas e cidadãs. A conclusão se dá por meio da
reflexão sobre as ambivalências dessas tecnologias e seus limites de uso. Além de
revelar conteúdos interessantes e contemporâneos, a pesquisa abre espaço para
estudos futuros.
Palavras-chave: tecnologia móvel, aplicativos locativos, espaço urbano.

Abstract. The increasing use of applications on mobile devices, especially with the use
of locative media has changed people's relationship between physical space and digital
space. This project examined how these mobiles applications power the urban life of
people in the contexts of mobility, sports, relationships, business, entertainment and
citizenship. The results show that with the use of applications people can now save
more time in traffic; practice physical activities in a motivating way; have more
autonomy in business; relate with people in an affective way; know everything about a
city and finally get into political causes. The conclusion is given by analyzing the
ambivalences of these technologies and the limits of usage. In short, besides reveal an
interesting and contemporary content, this research opens issues for future studies.
Key words: mobile technology, locative applications, urban space.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

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Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1.Introdução
A cidade do século XXI se tornou uma cidade senciente (SHEPARD, 2011) sobretudo
com o uso sensores distribuídos e dispositivos móveis. Por meio de combinações de
tecnologias geolocalizadas e mídias locativas (LEMOS, 2014b) – caracterizadas pela
realidade aumentada, geolocalização, geoanotação e mapeamento - é formado um
território informacional, que consiste em um fluxo de dados em uma zona de
intersecção entre o espaço físico e o espaço digital. Dentro desse território, acessado
por meio de aplicativos em dispositivos móveis, podemos obter inúmeras formas de
interface com a cidade. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
invadiram o espaço urbano proporcionando às pessoas novas experiências de
interação e participação. Uma dessas experiências se dá por meio de aplicativos
geolocalizados (geoapps) em dispositivos móveis. No presente artigo, adotamos
geoapp por considerar a expressão mais adequada para identificar as qualidades
locativas e/ou geolocalizadas nos aplicativos.
A crescente utilização dos smartphones e o acesso a rede de internet móvel, fez com
que os geoapps entrassem na vida das pessoas de modo a potencializá-la. Com o
intuito de explorar e estudar como esses aplicativos estão alterando a vida das
pessoas no espaço urbano, utilizamos metodologias como revisão bibliográfica,
estudos de caso, entrevistas a usuários e pesquisa de campo. Assim, chegamos a
resultados que mostram as facilidades proporcionadas pelo uso de geoapps em
determinados contextos como: mobilidade, esporte, relacionamento, negócios,
entretenimento e cidadania. E o processo de interação nesses contextos urbanos
foram denominados Urban Explorations (UE).
O uso de geoapps em dispositivos móveis tem crescido exponencialmente o que torna
o smartphone um verdadeiro “controle-remoto” da vida urbana (LEMOS, 2014a). Só
na AppStore®, loja de aplicativos oficial da Apple®, existem mais de um milhão de
aplicativos disponíveis para download. Muitos desses aplicativos, com características
geolocalizadas ou locativas, estão tornando as cidades mais eficientes e dando maior
autonomia ao cidadão em diferentes momentos. Cada UE foi pesquisada de modo a
refletir como os geoapps podem alterar, e em que medida podem potencializar, a vida
das pessoas nos ambientes urbanos. Por exemplo: em Mobilidade, as pessoas
economizam tempo e evitam estresse no transporte obtendo informações de linhas e
trajetos; em Esporte, as atividades físicas se tornam mais empolgantes e
encorajadoras quando compartilhamos nossa performance pessoal ou mesmo
participando de um game, ou seja, gamificando as atividades físicas; em
Relacionamento, as pessoas são estimuladas a saírem do ambiente digital e se
relacionarem no mundo físico; em Entretenimento, a cidade passa a ser explorada de
uma maneira mais intensa e divertida com o uso do ambiente urbano como parte da
informação ou de um processo de gamificação; em Negócios, as pessoas adquirem
autonomia e acesso direto aos pontos de venda online e offline; e por fim em
Cidadania, como os aplicativos colocam as pessoas em contato direto com os atores
governamentais permitindo sua ação direta em causas políticas e sociais.

2. A pesquisa

Em princípio, nosso objetivo é identificar contextos de hibridização entre espaço físico


e meio digital, verificando como as TICs são utilizadas em desdobramentos urbanos.
Explorar a experiência de viver e se apropriar da cidade permeada pela informação em
mídias digitais por meio de dispositivo móveis e geoapps. A metodologia de pesquisa
teve como base a revisão bibliográfica de autores relacionados ao tema, estudos de
caso de geoapps, pesquisa de campo como explorações urbanas, aplicação de
questionário de caráter quantitativo e entrevistas de caráter qualitativo. Nas pesquisas

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de projetos relacionados a informatização do ambiente urbano, foram verificados os
projetos existentes no mercado e os projetos em andamento no mercado. A primeira
etapa foi dedicada à revisão bibliográfica em consonância com a experiência da
cidade. Ampliamos o âmbito do design e da arquitetura para as áreas das artes,
comunicações e tecnologia que permitiram explorar as transformações do espaço
urbano permeadas pela informação digital em contato com o indivíduo urbano. Na
segunda etapa desenvolvemos pesquisas em laboratório de projetos (estudos de caso)
com base tecnológica que reflitem mudanças de experiência e de percepção do corpo,
do espaço e do ambiente urbano. A partir da análise, mapeamos possíveis tendências
na utilização da computação urbana e na construção de ambientes híbridos. Com
estes dados, desenvolveu-se tabela categorizando os aplicativos móveis conforme
suas qualidades locativas, contextuais e experienciais. Na terceira etapa,
desenvolvemos pesquisa de campo onde foram observados os aplicativos em seus
contextos de uso, como atividades de cunho social e politico, consulta de informações
no ambiente urbano e manifestações cidadãs como formas de construção de uma nova
paisagem urbana.

Figura 1 - Para o desenvolvimento desta pesquisa, a estratégica metodológica se apoiou em


várias abordagens de investigação. Fonte: os autores, 2014.

Na quarta etapa, desenvolveu-se questionário online para saber como as pessoas


pensam e como utilizam os geoapps no espaço urbano. O material produzido durante
a pesquisa faz parte em base de dados do projeto de pesquisa “UrbX informação,
comunicação e experiências interativas nas cidades” desenvolvida atualmente com o
grupo Labvisual na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São
Paulo (2013-2016) e no Centro Universitário Senac (2014-2015) que visa caracterizar
e qualificar as camadas informacionais no espaço urbano como lugar de experiência do
conhecimento pelo usuário/cidadão, as Urban Experiences (UrbX). E identificar
tipologias que definem a cidade, essa entidade complexa, como um movimento
orgânico, dinâmico e cultural.
A última etapa, consistiu no desenvolvimento de entrevistas com usuários que se
disponibilizaram a aprofundar as questões levantadas na etapa anterior. As
entrevistas foram conduzidas de modo presencial e à distância, via Skype®. Toda
pesquisa é baseada no contexto nacional - Brasil. Será detalhado a seguir, como cada

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uma dessas abordagens foram utilizadas para contribuir com os resultados
apresentados na pesquisa. É importante ressaltar também que o objetivo dessa
pesquisa não é promover aplicativos, mas sim destacar suas qualidades
infocomunicacionais que vão de acordo com o propósito da pesquisa.

Revisão Bibliográfica
A primeira etapa do projeto consistiu no levantamento e revisão bibliográfica. Nesta
etapa, foram desenvolvidos leituras e fichamentos de títulos que abrangem conteúdos
da pesquisa, como: tecnologia de informação e comunicação (TIC), mídias locativas e
geoapps, interfaces e interação no ambiente urbano, privacidade e território
informacional, experiência do usuário e cultura urbana.
As obras utilizadas como base para o tema foram: Digital ground (McCULLOUGH,
2004) e E-topia (MITCHEL, 2002), sobre as mudanças no espaço ocasionadas pelas
TICs no ambiente urbano tanto no tempo presente como no futuro, artigos científicos
sobre cibercultura, mobilidade e mídias locativas de André Lemos (2014a, 2013a,
2014b, 2013b), Nomadismo Tecnológicos (BEIGUELMAN, LA FERLA, 2011) que
relaciona as mudanças sociais no ambiente urbano causadas pelo uso das mídias
móveis, Sentient City (SHEPARD, 2011) que articula a computação urbana como
espaço de mediação para este novo status urbano e aspectos do design de experiência
em Experience Design 1 (2001) e Designing Meaningful Experiences (2011) de Nathan
Shedroff.
Esta etapa foi de extrema importância para a imersão no assunto, de modo a observar
o espaço urbano e as demais etapas do projeto com um olhar mais crítico e teórico.
Foi também nesta etapa que o projeto se direcionou em trabalhar com foco nos
aplicativos de características geolocalizadas, visto que as mídias locativas fazem a
interação entre o espaço físico e o espaço digital, o que por sua vez deixa esta
pesquisa alinhada ao projeto que a originou.

Pesquisa em Laboratório
Nesta etapa realizou-se um levantamento e categorização de diversos geoapps.
Inicialmente, categorizaram-se os aplicativos utilizando dois critérios: o dispositivo e
suas características locativas (ver tabela 1). Em dispositivos, foram classificados os
aplicativos pela sua qualidade móvel e pelo artefato de uso (smartphone e tablet). Já
nas características locativas, os aplicativos foram categorizados pelas seguintes
qualidades (LEMOS, 2014a): mapeamento, geolocalização, geoanotação e realidade
aumentada. O levantamento desses aplicativos se deu por meio de pesquisas em seus
sites oficiais, lojas de aplicativos, comentários de usuários, revistas e vídeos no
Youtube®.
Após a análise do funcionamento de cada aplicativo, identificando as principais formas
de explorar o espaço urbano e como as TICs alteram e ampliam o espaço urbano,
criou-se a categoria contextual na planilha para classificar os aplicativos que recebeu o
nome de Urban Explorations (UE). O UE foi criado baseado em como cada geoapp é
utilizado no espaço urbano pelo usuário. Observando os aplicativos escolhidos
anteriormente, chegou-se a cinco categorias (ver tabela 1) por campo de uso:
Mobilidade, Esporte, Relacionamento, Negócios, Entretenimento e Cidadania.
A UE Mobilidade apresenta aplicativos em dispositivos móveis que auxiliam as pessoas
em seus trajetos diários no espaço urbano, seja a pé ou utilizando veículos
motorizados. Em Esporte, estão relacionados os aplicativos que estimulam as pessoas
a praticarem atividades físicas no espaço urbano. Já em Relacionamento, são
considerados os aplicativos que facilitam a interação entre pessoas no espaço urbano.

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Negócios diz respeito aos aplicativos que dão autonomia para as pessoas realizarem
transações comerciais na cidade. Em Entretenimento estão aplicativos com o propósito
de revelar o que há de melhor na cidade em termos de lazer e cultura, seja exposições
ou mostras, restaurantes, eventos, cinemas, etc. Por fim, Cidadania, que tem como
principal objetivo relacionar os aplicativos que colaboram para a resolução de
problemas sociais e o melhor convívio em sociedade. É importante ressaltar que
muitos aplicativos podem pertencer a diversas categorias simultaneamente.

Figura 2 - O aplicativo Flightradar24®, o usuário pode apontar a câmera do seu smartphone


para qualquer avião no céu e saber exatamente, em tempo real, qual o plano de voo do avião,
sua velocidade atual, altitude, aeroporto de origem e destino e ainda o modelo da aeronave.
Além disso, há a possibilidade de verificar a companhia aérea e visualizar, de forma virtual, as
mesmas imagens aéreas que o piloto vê pela cabine. Fonte: os autores, 2014.

Pesquisa de Campo
Esta etapa consistiu em testar alguns aplicativos que foram categorizados
anteriormente na etapa de Pesquisa em Laboratório. Esses aplicativos foram
escolhidos considerando sua relevância em cada UE e uso gratuito. Para a aplicação do
teste, foram utilizados os dispositivos móveis iPad 2®, iPhone® 5c e 5s com a
utilização da internet móvel 3G e 4G.
Os testes foram realizados considerando os contextos de usos dos aplicativos. Por
exemplo, testes de aplicativos relacionados à mobilidade. Nesse caso, todos os testes
foram realizados no momento em que se utilizava o transporte público ou em casos
onde houve necessidade de checar a situação do trânsito. Os testes permitiram refletir
sobre o estado atual da cidade e suas camadas de informação digital. Cada
experiência foi documentada em imagens, textos e vídeos com os próprios dispositivos
móveis para consultas posteriores. Foi etapa de total imersão e uma das mais
importantes do processo, pois foi por meio dela que se conseguiu, de fato, sentir como
esses aplicativos tem o poder de facilitar e potencializar a vida das pessoas na cidade.
Foi também por meio desta etapa que sentimos a necessidade de criar uma terceira
categoria para os geoapps. Essa nova categoria, de nome Experiência do Usuário (ver
tabela 1), teve como objetivo classificar que tipo de sentimento que o usuário teria ao
utilizar determinado aplicativo no espaço urbano. As experiências identificadas no uso
dos geoapps foram definidas na atual intersecção de disciplinas como: design de

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interação, design de informação, design visual e metodologias de análise que compõe
o campo do design de experiência (SHEDROFF, 2001, 2011). Consideramos como
relevante para nossa pesquisa como o uso dessa tecnologia amplia a percepção da
urbanidade contemporânea e propicia uma participação ativa cidadã, dessa forma
identificamos as seguintes experiências e seus desdobramentos: Consulta (capacidade
de gerar e obter informações), Engajamento (motivação e compromisso),
Empoderamento (dar poder ao usuário em suas escolhas e ações), Autonomia
(independência e desenvoltura) e Co-criação (união, criatividade e colaborativismo).

Pesquisa Exploratória (Online)


Com o propósito de ouvir a opinião, experiências e obter resultado quantitativo e
qualitativo para a pesquisa, desenvolveu-se um questionário online para o público
externo. Esse questionário foi desenvolvido utilizando a ferramenta GoogleDocs® e
divulgado estrategicamente em grupos de redes sociais que estavam alinhados com a
proposta da pesquisa. Escolhemos categorias de indivíduos conforme seu trânsito e
uso da informação no espaço urbano como: taxistas, cadeirantes, motoristas e
caronas, designers e comunicadores, universitários e trabalhadores, entre outros. Por
exemplo, foram realizadas perguntas sobre o sistema operacional que o usuário
utilizava no dispositivo móvel, se ele tinha consciência da presença de sistema GPS no
dispositivo, em quais contextos (UE) os aplicativos o ajudavam em seu cotidiano e se
ele considerava que os aplicativos móveis poderiam dar mais poder de decisão e
resolução de problemas instantâneos pelo uso da internet no ambiente urbano. Além
dessas perguntas, havia um campo onde o usuário poderia descrever outras
experiências de uso com aplicativos no espaço urbano. No final, o usuário também
poderia classificar palavras que representassem essas experiências, como
engajamento, empoderamento etc.
Esta etapa trouxe abrangente conteúdo para a pesquisa, pois foi por meio dela que
aconteceram melhorias na categorização dos aplicativos. A descoberta de novos
aplicativos, além de ter servido como base no desenvolvimento e descrição das
experiências relatadas no resultado da presente pesquisa, foi importante para definer
o panorama informacional urbano desse meio de década. Todas essas respostas, bem
como o formulário de questões, estão disponíveis para consultas posteriores nos
arquivos em nuvem GoogleDrive® dos autores.

Entrevistas
No questionário online mencionado, os participantes foram consultados para uma
entrevista posterior sobre o tema. As pessoas foram escolhidas pela qualidade
descritiva nas respostas apresentadas, sobretudo no texto elaborado para relatar as
experiências de uso de aplicativos no espaço urbano.
Todos os participantes foram convocados por e-mail, onde foi apresentada a proposta
do projeto e os meios disponíveis pelos quais poderiam ser realizadas as entrevistas.
Na ocasião, cada entrevista foi aplicada de forma presencial, à distância via Skype® e
formulário GoogleDocs® online. Tivemos a participação de 11 pessoas de diferentes
regiões do Brasil, incluindo a participação do CEO do aplicativo 99taxis®.
As entrevistas foram pré-estruturadas e contaram com 20 perguntas divididas em
categorias relacionadas ao modo de utilização dos aplicativos geolocalizados em cada
UE, além de perguntas gerais com o intuito de analisar o uso de dispositivos móveis
no dia-a-dia. Alguns exemplos de perguntas: “Qual seu sentimento quando acaba a
bateria do seu celular? ”, “Como você utiliza seu smartphone para praticar esportes? ”
ou “Como você acha que será o futuro das cidades com o crescimento do uso de
smartphones? ”.

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Esta etapa da pesquisa foi essencial para analisar de forma mais detalhada o que as
pessoas pensam sobre o tema e quais os impactos dessas tecnologias no futuro. Assim
como as demais etapas, todas as respostas obtidas na entrevista foram documentadas
– textos e formulários - para consultas posteriores. O resultado e a reflexão de todas
essas etapas deram base para o desenvolvimento do projeto, sobretudo a criação das
tabelas que classificam os aplicativos. Por meio dessas análises, foi possível extrair
informações importantes que ajudaram no desenvolvimento da pesquisa e que
certamente ajudarão em próximos estudos.

Articulação de dados

Para consolidar os dados levantados pela pesquisa – revisão bibliográfica para


conteúdo de base; pesquisa em laboratório para definir quais aplicativos seriam mais
representativos entre ambiente urbano, informação e usuário, considerando suas
qualidades locativas, e contextos de utilização; pesquisa de campo e pesquisa
exploratória para identificar as possibilidades de imersão e delimitar as experiências
do usuário comprovadas pelas entrevistas qualitativas – construímos a planilha
(tabela 1) em que os dados obtidos puderam ser observados em sua individualidade
ou comparados entre si como parte da experiência urbana.

As qualidades locativas, segundo Lemos (2014b, 2013a) caracterizadas por


mapeamento, geolocalização, geoanotação e realidade aumentada foram definidas
respectivamente pela possibilidade do aplicativo de identificar e mapear informações
geográficas no entorno do usuário, localizar o lugar específico do usuário por meio de
sistema GPS (sistema de posicionamento global) dos dispositivos móveis,
possibilidade de inserir informações digitais no plano urbano mapeado e a inserção de
informação digital com acesso por sistemas de RA (realidade aumentada).
As UEs foram definidas, a partir das qualidades locativas, pelos contextos em que o
aplicativo poderia atuar. Definimos como contexto a relação entre o espaço urbano e a
situação em que a informação é utlizada. As cinco categorias: Mobilidade, Esporte,
Relacionamento, Negócios, Entretenimento e Cidadania foram identificadas conforme o
tipo da informação locativa que se articulava com o uso do geoapp. Podemos observar
que essas categorias se apresentam compostas pois há a multiplicidade natural de
informações disponibilizadas pelo aplicativo e utilizadas conforme seu local de acesso.

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Tabela 1 – Desenvolveu-se planilha caracterizando os aplicativos geolocalizados (geoapps)
segundo qualidades locativas, contextos de utilização e experiência de usuário. Fonte: os
autores, 2014.

A exploração advinda do uso de dispositivos móveis, geoapps, suas qualidades


locativas e contextos de uso, indicou a necessidade de se identificar que tipo de
resultado o usuário obteria com o acesso de informação digital por todo o tecido
urbano. Conseguimos estabelecer camadas de interação que ampliam não só o
ambiente urbano, mas também a possibilidade de ação do usuário na cidade, definido-
o como cidadão. Essa participação e colaboração cidadã é expressa por níveis de
experiências e seus respectivos desdobramentos: Consulta (capacidade de gerar e
obter informações), Engajamento (motivação e compromisso), Empoderamento (dar
poder ao usuário em suas escolhas e ações), Autonomia (independência e
desenvoltura) e assim a possibilidade Co-criação (união, criatividade e
colaborativismo) em sequência construtiva que o cidadão incorpora a pró-atividade e a
disposição para o protagonismo. A intersecção dos dados desse processo permite
elaborar e articular importantes experiências urbanas (UrbX) que podem ampliar o
que entendemos por ambiente urbano como um espaço acrescido de camadas de
informação e possibilidades de uso e interação, o que Vassão (2008) identificou como
Ecologia de Interação Urbana.
Com a análise das etapas descritas anteriormente, foi possível articular as informações
e ampliar o resultado final da pesquisa, o que a deixou viva até o último momento
desse artigo. Com base na metodologia desenvolvida para essa pesquisa, será descrito
e analisado em cada UE um resumo da análise de alguns aplicativos testados para
esta pesquisa e como eles estão modificando a vida urbana das pessoas. Na etapa
seguinte da pesquisa, 2015-2016, iremos nos aprofundar no ciclo evolutivo das
experiências, definindo a área do design de experiências e identificando tipos de
contato com a informação no ambiente urbano até o processo de formação cidadã por
meio de imersão urbana.

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3.Resultados e discussão
O espaço urbano, nestes últimos anos, passou por diversas transformações
ocasionadas pelas TICs, principalmente pelo advento e crescimento da internet móvel.
Essas transformações, novas camadas informacionais em conjunto com o espaço físico
e de forma onipresente permitiu uma outra forma de interação urbana ao
usuário/cidadão, uma nova experiência do ambiente urbano. Essa nova experiência
amplia e modifica as possibilidades de consumir, produzir e distribuir informações na
cidade (BEIGUELMAN, LA FERLA, 2011), dando ao cidadão novas formas de ação e
participação como engajamento, empoderamento e autonomia.

A cidade do século XXI torna-se assim uma cidade interativa e senciente, sobretudo
com o uso das mídias locativas, um sistema composto de dispositivos móveis e
geoapps. Por meio de combinações das tecnologias de realidade aumentada,
geolocalização, geoanotação e mapeamento - características típicas dessa mídia - é
definido território que consiste em um fluxo informacional em uma zona de
intersecção entre o espaço físico e o espaço digital (LEMOS, 2014b).

Dentro deste território informacional, o usuário entra em uma nova matriz espacial,
onde informação digital e arquitetura configuram os novos elementos urbanísticos da
metrópole global. O acesso a dados em tempo real ajuda o usuário e cidadão a tomar
decisões imediatas sobre tudo que acontece ao seu redor. Essas novas camadas
informacionais fazem com que as pessoas possuam cada vez mais poder e ação sobre
o espaço.

Mobilidade

O uso de aplicativos em dispositivos móveis baseado em localização vem facilitando a


locomoção das pessoas nos grandes espaços urbanos das cidades. Para as pessoas
que utilizam transporte público, existem aplicativos, como o Onde está meu ônibus®,
que indicam a localização exata de um ônibus no mapa. Já para as pessoas que
utilizam taxis na cidade, aplicativos como 99taxis®, localiza taxistas próximos e
possibilita que o usuário os chame pelo smartphone, podendo verificar a foto do
motorista, sua reputação e acompanhar sua chegada ao vivo. Verificou-se por meio de
testes que o tempo médio de chegada de um taxista era de 5 a 10 minutos, nas
cooperativas normais esse tempo chegava há 30 minutos.

Para quem dirige ou se locomove a pé, aplicativos como GoogleMaps® e Waze®


auxiliam os usuários a traçarem rotas e a estimarem o preço e o tempo de chegada. O
Waze®, por exemplo, tem sua base de dados construída e compartilhadas por
usuários. Além disso, o aplicativo permite que o motorista informe sua rota ao vivo
com qualquer pessoa, perguntas como: “que horas você vai chegar? ” são respondidas
por meios desses aplicativos. Em suma, esses aplicativos auxiliam as pessoas a se
locomoverem nas cidades de modo a economizarem tempo e otimizarem seu
deslocamento urbano. Independente do tamanho da cidade ou território, o usuário
tem controle sobre como, onde e quando chegar ao local desejado.

Esporte
Praticar atividades físicas traz benefícios para a saúde das pessoas e para o
desenvolvimento de uma sociedade mais ativa. Porém, de acordo com o Portal Brasil
(2013) com dados do Ministério da Saúde, 80% dos brasileiros ainda são considerados
obesos e não praticam atividades físicas regularmente. Este resultado é ocasionado
por desmotivação pela falta de companhia ou de tempo, ou mesmo por um ambiente
inadequado. Porém, por meio de aplicativos baseados em localização, os smartphones
se tornaram verdadeiros personal trainer.

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O aplicativo Runtastic®, por exemplo, permite que o usuário monitore sua corrida
como a distância percorrida, velocidade, calorias queimadas, além de ouvir feedbacks
durante toda a corrida. Além disso, o usuário pode compartilhar sua corrida nas redes
sociais e ouvir áudios de aplauso, gritos ou gravações personalizadas enviadas por
amigos que o acompanha por meio de um mapa em tempo real na internet. Já o
aplicativo Zombies, Run®, transforma o espaço urbano em um cenário de game. Isto
porque, um dos principais objetivos do aplicativo é que o usuário corra de zumbis (em
áudio ouve-se eles se aproximando) enquanto se exercita. Já para quem não tem
bicicleta e deseja praticar essa atividade, por meio do aplicativo BikeSampa® é
possível localizar bicicletas próximas e alugá-las nas estações utilizando o próprio
smartphone. Alguns anos atrás, os únicos praticantes de esportes que recebiam
motivação e apoio com suas práticas esportivas eram os atletas profissionais. Hoje,
qualquer pode se tornar um atleta de qualidade profissional, graças a aplicativos que
criam plateias online, transformam-se em personal trainer fazendo com que o usuário
dispute e compartilhe seu desempenho com outras pessoas que também estão
engajadas e com mesmo propósito: ficar saudável e consequentemente colaborar para
uma sociedade mais ativa.

Relacionamento

Com o forte crescimento dos smartphones e a ampliação das redes de internet móvel
na sociedade, o relacionamento físico entre as pessoas tem se tornado um assunto
importante. Muitas pessoas veem o dispositivo móvel como o inimigo das relações
sociais, em pesquisa realizada pela consultoria VitalSmarts®(2014) 89% dos
entrevistados consideram que o uso de tecnologias prejudica os relacionamentos
interpessoais. Porém, ao mesmo tempo que o uso dessas tecnologias preocupa por
seu caráter invasivo no relacionamento interpessoal, elas também incentivam o
relacionamento físico.

Existem diversos aplicativos que incentivam o relacionamento fora do mundo digital.


Um deles é o Tinder®, que utiliza a localização do usuário para encontrar pessoas com
os mesmos interesses, criando assim, uma paquera virtual que estimula o encontro
pessoal. Outro aplicativo é o Highlight®, que combina as informações do Facebook®
do usuário com sua localização e o notifica sempre que pessoas com interesses
comuns estiverem próximas. O Facebook® inclusive anunciou em maio de 2014 a
criação de um serviço semelhante que avisa quando um amigo na rede estiver
próximo fisicamente um do outro.

As comunicações eletrônicas contemporâneas não substituem os contatos face a face


(BEIGUELMAN, LA FERLA, 2011), e é por isso que surgem cada vez mais aplicativos
que estimulam efetivamente esse tipo de contato. Esses aplicativos diminuem o
espaço e ampliam o contato face a face, fazendo com que os dispositivos que outrora
eram inimigos das relações, tornem-se o estopim para que essas relações se
estabeleçam da melhor maneira possível: o encontro presencial.

Negócios

Os aplicativos dão autonomia para que as pessoas ganhem dinheiro e realizem


negócios sem o intermédio de instituições, utilizando o próprio smartphone. O
aplicativo PiniOn®, por exemplo, possibilita que o usuário localize e realize missões
geolocalizadas nas cidades de forma autônoma. Essas missões estimulam o usuário a
ir a estabelecimentos para monitorar preços, tipo de atendimento, qualidade dos
produtos etc. A cada missão completada, o usuário recebe entre R$5 a R$10 (reais).
No teste realizado para esta pesquisa, era possível faturar cerca R$500 em único dia
com missões de distância média de 4 kilômetros. Já aplicativos como ZapMóveis® e

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Imovelweb® permitem que as pessoas localizem imóveis a venda ou para locação
próximos a ele, dispensando muitas vezes o intermédio de uma imobiliária. Da mesma
forma ocorre para contratação de motoboys. O aplicativo VaiMoto® utiliza a
localização do usuário para encontrar motoboys mais próximos. Além de ver a foto e
reputação do motoboy, o usuário consegue acompanhar ao vivo a retirada e entrega
das encomendas. Assim os aplicativos de Negócios tornam as pessoas autônomas e
por vezes empreendedoras. Com o uso desses aplicativos, serviços presenciais
prestados por empresas, como bancos, imobiliárias e empresas de motofretistas
podem criar novas faixas de mercado.

Entretenimento

“A computação urbana foi incorporada ao cotidiano e propicia novos hábitos e


oportunidades sociais, econômicas e culturais que dão forma às experiências diárias
das pessoas” (URSSI, 2014). Uma dessas experiências se dá por meio das áreas do
entretenimento. São tantas as formas de se entreter nas cidades que fica difícil saber
o que acontece em todo lugar. Entretanto, muitos geoapps tornam essa tarefa simples
e faz com que as pessoas tenham a cidade na “palma da mão”.

O Kekanto® por exemplo, é um aplicativo em formato de rede social que utiliza a


localização do usuário para informar o que tem de melhor na cidade. Uma das funções
do aplicativo é a possibilidade de pedir dicas para as pessoas sobre que lugar visitar
na cidade, além de convidá-las para um passeio em grupo. Outro aplicativo
semelhante é o Catraca Livre®, que também aproveita a localização do usuário para
apresentar atrações musicais, teatros, cinemas, danças que estão a uma distância
próxima do usuário. Além disso, é possível traçar rotas para chegar até esses locais
indicados. Já o aplicativo Cinemark® permite que as pessoas localizem, reservem e
comprem ingressos para cinema a qualquer hora e em qualquer lugar.

Os geoapps permitem tornar espaços desconhecidos em espaços conhecidos, uma


cidade grande fica pequena com sua utilização. Hoje, é possível chegar em qualquer
cidade desconhecida, pegar o smartphone e obter todas as informações sobre lugares
de interesses e trajetos a seguir. É possível ainda interagir com os habitantes locais
dessas cidades, convidá-los para descobrir e explorar a cidade com você.

Cidadania

Como foi visto até aqui, muitos dos aplicativos disponíveis no mercado colocam as
pessoas em rede, propiciando interação e compartilhamento de informações e
conhecimento criando assim uma inteligência coletiva (LÉVY, 2011) ou crowdsourcing.
A inteligência coletiva pode fazer com que as pessoas trabalhem e criem juntas
quebrando a barreira entre cidadãos e governos, unindo o corpo social e o corpo
político. Quando se passa de um “ponto de acesso” para um “ambiente de acesso”
(LEMOS, 2014a) e pessoas começam a transformar dados em informação, vê-se
nascer uma sociedade mais justa e as TICs ajudam a potencializar isso. É o caso do
Colab®. Trata-se de um geoapp em que as pessoas podem relatar problemas
corriqueiros na cidade, como bueiros abertos, falta de iluminação pública, limpeza
urbana, buracos nas vias, etc. Esses dados formam um mapa colaborativo com fotos e
a localização das reclamações que podem auxiliar prefeituras e gestores públicos a
tomarem ações mais eficientes. Outro aplicativo é o Zaznu®, que entre mobilidade
urbana e cidadania, estimula a carona solidária ao permitir que o usuário localize
motoristas próximos que tenham o mesmo trajeto. Estimular caronas ajuda a resolver
problemas como o volume de veículos nas ruas e a emissão de gases poluentes no
meio ambiente. Ou o aplicativo Liga®, que permite o usuário reportar em tempo real
problemas em relação a roubos, sequestros, usuários de drogas, etc. gerando,

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também, um mapa colaborativo de grande utilidade para ONGs ou órgãos de
segurança pública. Assim, a rede formada por pessoas, redes sem fio, dispositivos
móveis e geoapps possibilita a resolução de problemas de forma inteligente e
colaborativa. Hoje, muitas pessoas reclamam dos poderes executivo, legislativo e
judiciário de nosso país, de fato temos inúmeras razões para isso. Porém, é muito
ingenuo pensar que todos os problemas devem ou podem ser resolvidos por eles.
Política se faz com a participação de todos. Não se exerce política apenas no momento
do voto, é necessário lutar constantemente por direitos, transformar dados em
informação, sugerir, fiscalizar e opinar. Tudo isso, faz com que seja construído um
mundo melhor e mais justo para se viver. Se depender da qualidade e quantidade de
fluxo informacional que geramos diariamente, isso não está longe de acontecer.

4.Considerações finais
Esta pesquisa apresenta exemplos de como os aplicativos em dispositivos móveis
estão potencializando a vida das pessoas no espaço urbano. Dessa forma, as cidades
estão se tornando um “texto vivo”, um grande “livro” onde a cada conexão ele é
reescrito com novas informações que propiciam ao cidadão possibilidades de uma
participação efetiva e ampliada. Com o uso das mídias locativas, as pessoas agora
podem economizar tempo e evitar estresse ao se locomoverem, praticar esportes de
maneira mais empolgante e encorajadora, conhecer pessoas e até mesmo encontrar
amigos próximos, ter mais autonomia para empreender, realizar negócios e ganhar
dinheiro, verificar o que tem de bom na cidade e interagir com os seus habitantes, e o
mais importante em nossa opinião, aderir a causas sociais e políticas o que torna as
cidades lugares mais humanos e ativos, lugares melhores para se viver.
O resultado obtido por meio da pesquisa exploratória realizada para este projeto
contou com a participação de 110 pessoas que foram questionadas e avaliadas, em
escala de 0 a 7, como os geoapps em dispositivos móveis facilitam a vida dos cidadãos
na cidade. Concluímos com resultado positivo, 94% das pessoas consideram que de
fato os aplicativos e dispositivos móveis potencializam a vida das pessoas no espaço
urbano. É indiscutível que hoje os dispositivos móveis permitem que as pessoas
interajam com o espaço urbano de forma única. Porém, ao longo das próximas
décadas, o mundo deverá se preparar para construir um tecido urbano ainda mais
complexo do que foi construído até agora (URSSI, 2014). A popularidade dos
smartphones e a expansão da rede móvel de internet de alta velocidade (3G e 4G)
também contribuem para que se tenha um ambiente cada vez mais interativo.
Quando mencionamos as relações da tecnologia na vida das pessoas, será sempre
importante observar as ambivalências, uma delas é a privacidade. As mídias móveis
são indiscutivelmente mídias de vigilância e controle1 (BEIGUELMAN, FERLA, 2011).
Ou seja, quando se utiliza geoapps em dispositivos móveis, as pessoas deixam rastros
digitais na rede. Por exemplo, com a utilização de aplicativos como GoogleMaps® ou
Highlight®, informações pessoais como localização, rotinas, preferências transitam
pela rede com diferentes graus de segurança que podem, eventualmente, ser
acessados e hackeados. Outra ambivalência é a dependência das pessoas pelas TICs.
Por exemplo, durante o período de testes, o aplicativo GoogleMaps® foi utilizado
intensamente para traçar rotas e descobrir novos caminhos. Em diversas ocasiões a
bateria do smartphone acabava de forma repentina no meio do caminho. A sensação

1 Com diferentes níveis de controle, existem três regimes de vigilância: Panóptico, Escópico e de
Rastreamento. O primeiro se refere a um tipo de vigilância em ambientes circunscrito – uma pessoa no
centro vigiando todos presencialmente. Já o Escópico é a vigilância a distância, por exemplo, uso de
câmeras em lugares estratégicos. Por fim, o regime de rastreamento, que surgiu diretamente do universo
digital, possibilitando monitorar as pessoas de forma ubíqua e com maior eficiência e riqueza de
informações. (BEIGUELMAN, FERLA, 2011)

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nesses momentos era de total “desespero”, já que todo o trajeto para chegar ao
destino desejado estava no smartphone. A situação era tão inapropriada que a ação
de pedir auxílio a um transeunte, para chegar ao destino, parecia estar fora de
questão. O uso intenso de aplicativos em dispositivos móveis faz com que a vida das
pessoas seja programada a ponto de depender deles para tudo. Ir a um local sem ter
o caminho traçado pelo geoapp ou ir a um restaurante sem considerar sua sugestão
pode parecer hoje um risco. Comparamos o uso do smartphone ao funcionamento de
um carro. Ao usar o carro, muitas pessoas não têm ideia de como ele funciona. O que
importa é que ele funcione. A ideia é a mesma para smartphones e aplicativos.
Esta pesquisa teve como propósito explorar a experiência de viver o cotidiano e se
apropriar da cidade permeada pelas TICs por meio de dispositivos móveis e geoapps
que permitem configurar uma nova geografia urbana por meio das redes sem fio. O
ambiente urbano se apresenta pelas novas possibilidades das experiências urbanas,
ou UrbX. Propomos verificar como esses aplicativos intensificam nossa vida urbana.
Além disso, este projeto abre possibilidades para estudos futuros, já que cada
característica qualitativa - locativa, contextual e experiêncial - pode ser ampliada e
explorada sob diversos enfoques. Para tanto é necessário ter a consciência que, fora
do território informacional existe vida social, humana e cotidiana que anima estas
tecnologias. A UrbX, essa gama de experiências urbanas, refere-se a pessoas, não
apenas a dispositivos tecnológicos, isto é, todas as facilidades proporcionadas pela
tecnologia devem ser utilizadas de forma consciente, de modo à realmente intensificar
o convívio físico das pessoas na cidade.

Referências

BEIGUELMAN, Giselle, LA FERLA, Jorge (org). Nomadismos tecnológicos. São


Paulo: Editora Senac, 2011

LEMOS, André. Comunicação e práticas sociais no espaço urbano: as


características dos Dispositivos Hídridos Móveis de Conexão Multiredes.
Disponível em
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/DHMCM.pdf Acesso 11
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http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/midia_locativa.pdf Acesso
10 Outubro de 2013b.

____________. Cibercultura e Mobilidade - A Era da Conexão. Disponível


em http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/r1465-1.pdf
Acesso 30 Maio 2014a.

____________. Manifesto sobre as Mídias Locativas. 2009, Disponível em


http://pt.scribd.com/doc/32954187/Manifesto-das-Midia-Locativas Acesso 10
de Abril de 2014b.

Lévy, Pierre. From Social Computing to Reflexive Collective Intelligence:


The IEML Research Program. 2009. CRC, FRSC, University of Ottawa Acesso
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McCULLOUGH, M. Digital ground: Architecture, pervasive computing, and


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p. 1146-1154 . In: Coutinho, Solange G.; Moura, Monica; Campello, Silvio
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Iniciação Científica em Design da Informação. Maio 2014 v. 1 n. 2. [= Blucher
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VASSÃO, Caio Adorno. Arquitetura Livre: Complexidade, Metadesign e


Ciência Nômade. Tese Doutorado, USP, 2008.

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Insensitivity Take Toll on Relationships. Disponível em
http://cms.vitalsmarts.com/d/d/workspace/SpacesStore/e4e0695e-8415-4a78-
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51c09b190901/Digital%2520Divisiveness%2520Research%2520Summary.pdf
> Acesso 10 Abril 2014.

Recebido em 23/02/15 e Aceito em 18/05/15.

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Modateca PUCPR: criação e organização do acervo de moda na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Modateca PUCPR: establishment and organization of the fashion acquis at the Pontifical
Catholic University of Paraná.

Gabriela Fabro Cardoso, Taisa Vieira Sena


Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR
Escola de Arquitetura e Design - Bacharelado em Design de Moda
{gabrielafabroc@gmail.com; taisavieira13@gmail.com}

Resumo. O presente artigo tem o intuito de divulgar a criação da Modateca na


Pontifícia Universidade Católica do Paraná, que visa formar um banco de dados e
materiais que ficará disponível para consulta e pesquisa dos colaboradores, alunos do
curso e para comunidade. Trata-se de uma pesquisa teórico-prática que tem o ímpeto
de zelar pela memória da Moda, ao mesmo tempo que promove conhecimento.
Palavras-chave: Modateca, Acervo de Moda, História da Moda.

Abstract. This article has the goal to promote the creation of Modateca at the
Pontifical Catholic University of Paraná, which aims to form a database and materials
that will be available for consultation and research of employees, students and
community. This theoretical and practical research has the impetus to ensure the
memory of Fashion and promote Knowledge at the same time.
Key words: Modateca, Fashion Acquis, Fashion History.

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Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

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E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução
O projeto Modateca, trata de uma pesquisa de iniciação científica teórico-prática, com
o intuito de estruturar e organizar a Modateca do Curso de Design de Moda da Escola
de Arquitetura e Design da PUCPR.
A Modateca funcionará como um local de pesquisa histórica, social, comportamental e
de tendências, voltado para a manutenção cultural especificamente no campo da
moda. A implantação de uma Modateca nos Cursos de Design de Moda é hoje um
grande diferencial que vem agregando valor e conhecimento para alunos e
comunidade.
O espaço Modateca visa organizar e unir os diversos conhecimentos sobre a moda e
atuar como espaço de elaboração e propagação do conhecimento a partir de ações
interdisciplinares entre pesquisa, ensino e extensão, incentivando a gestão de moda,
contribuindo com o desenvolvimento das atividades e qualidade do design da moda.
O profissional de Design de moda pode atuar em diferentes áreas sendo elas: têxtil,
design de joias e acessórios, modelagem, vestuário, calçados, produção, consultoria
de moda entre outros. Pelo fato do campo de atuação do designer de moda ter
crescido, a atuação do mesmo dita costumes e valores culturais no dia a dia da
sociedade contemporânea. Segundo Ono (2006), pode-se dividir as funções do
designer em três vertentes: 1-) Função simbólica, onde cada consumidor reage em
função de um sistema de valor próprio e de um sistema de referências sociais e
culturais. 2-) Função técnica, que serve para satisfazer em termos técnicos as
demandas dos usuários. 3-) Função de uso, que caracteriza o que o usuário espera do
produto, em termos de serviços prestados, e pode ser classificada como principais e
secundárias. Sendo assim, pode-se inferir que a área da moda se mostra cada vez
mais ampla a medida que a demanda se torna maior e que é essencial que ela seja
explorada, através de pesquisas para que o próprio professional e acadêmico possa
desempenhar melhor seu papel.

Os cursos de Moda são consideravelmente novos no Brasil, uma vez que tiveram início
na década de 1990, por tanto, trata-se de uma área na qual ainda há muito a se
pesquisar. Devido a sua velocidade de mercado e busca por alto desempenho há por
parte das empresas um alto investimento em tecnologia para produção de novos e
mais eficientes produtos, levando as Escolas que apresentam curso nesta área,
também a incentivar esforços de pesquisa e geração de conhecimento para poder
manter seu grupo de colaboradores e alunos atualizados.

A pretensão do projeto é criar um espaço onde serão reunidos elementos


representativos da cultura material do vestuário. Barros (2009, p.6) define o termo
Modateca como: “[...] um conjunto organizado e catalogado de amostras têxteis,
periódicos, sites, catálogos para pesquisa, materiais sobre indumentária, moda e
referências de tendências da moda.” Estruturada no Laboratório Têxtil do curso de
Design de Moda, tem o intuito de contribuir para a formação de uma memória cultural
têxtil e disponibilizar a comunidade acadêmica e externa um espaço de pesquisa de
moda e do vestuário, subsidiando as atividades de ensino, pesquisa e extensão;
promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos; garantindo
estudos e pesquisa sobre diversas áreas que estão diretamente ligadas ao curso de
Design de moda, como História da Indumentária e da Moda, Projeto de Moda,
Modelagem, Tecnologia da Confecção, Desenho Têxtil e de Moda.

Observa-se que materiais dos mais diversos tipos e formatos, como peças de
vestuários, revistas, catálogos de moda e de tendências, amostras de tecidos e

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catálogos de indústrias têxteis, entre outros, são recebidos pelo curso de Design de
Moda da PUCPR através de doações para a composição de acervo e utilização pelos
acadêmicos em suas atividades de pesquisa, mas ainda não há um processo adequado
para catalogação, controle e uso destes materiais de forma que se possa disponibilizá-
los aos acadêmicos e, ao mesmo tempo, preservá-los, para suprir essa necessidade.
Por esses motivos, a existência da Modateca de faz importante.
O projeto visa organizar um acervo sistematizado de Moda e vestuário, material
teórico e fotográfico constituindo um espaço de elaboração e disseminação do
conhecimento. São ações do projeto a coleta, catalogação e organização do material,
em forma de acervo com amostras físicas, referencial teórico e fotográfico para que
fique à disposição dos alunos, pesquisadores e da comunidade. O projeto prevê etapas
posteriores ou ainda outros projetos de Iniciação Científica nas áreas de pesquisa de
tendências, consultoria de imagem, entre outros, que poderão ser agregados ao
projeto Modateca. Após a organização do acervo, de acordo com as possibilidades do
projeto, poderão ser ministradas palestras, cursos e prestação de serviços para o
mercado de moda local e comunidades carentes.
O trabalho desenvolvido através da organização e atualização permanente de seu
acervo, estudo técnico de tendências e pesquisas será permanentemente
disponibilizada aos frequentadores da Modateca. Serão ações permanentes a coleta de
elementos da cultura material de moda, realizada através de doações, consignações e
peças desenvolvidas pelos alunos e professores em projetos interdisciplinares. Os
materiais serão estudados, documentados, conservados, armazenados, expostos e
disponibilizados para pesquisa, servindo como recurso didático-pedagógico em
diversas áreas de moda

2. Objetivos do Projeto

Stevenson (2011) afirma que “No século XXI, além de estar entrelaçada à tecnologia,
a moda recebeu uma nova legitimidade. Agora as galerias de moda dos museus são
atrações populares por si mesmas.”, partindo do pensamento de que um acervo de
Moda se faz necessário no meio acadêmico, o projeto tem como objetivo geral
organizar a Modateca do Curso de Design de Moda da PUCPR, através da obtenção de
materiais que serão estudados e catalogados, formando assim um acervo de Moda e
Vestuário que permitirá aos alunos e a comunidade usufruírem do ambiente para
consultas e pesquisas, e tem como objetivos específicos: levantar dados bibliográficos
sobre História da Indumentária e da Moda, Projeto de Moda, Modelagem, Tecnologia
da Confecção, Desenho Têxtil e de Moda, com intuito criar um banco de dados teórico
consistente que auxilie na documentação e catalogação dos materiais e que esteja
disponível para pesquisa, limpar e restaurar peças e materiais recebidos, sempre que
possível, para que sejam encaminhados para catalogação, catalogar as amostras
(peças de moda e vestuário, revistas, catálogos, book de coleção, books de tendência
e fotografias), buscando criar um acervo consistente para pesquisa, criar fichas
técnicas e modelagem das peças de vestuário existentes no acervo, ampliando assim a
base de pesquisa da Modateca, Organizar o espaço da Modateca, junto ao Laboratório
Têxtil do Curso de Design de Moda de forma a estruturar um local de exposição e
pesquisa.

3. Metodologia do Projeto

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O Projeto Modateca do Curso de Design de Moda da PUCPR tem como referência a
Modateca da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), considerada uma
das mais bem estruturadas dos Cursos de Moda do país.
Proporcionar aos alunos e professores da Universidade um ambiente que os permita
aprimorar as pesquisas sobre moda e vestuário é um dos principais objetivos do
projeto. Os materiais são obtidos através de doações ou permutas, sendo depois
documentados, conservados, armazenados, com a possibilidade de exposição
permanente ou temporária.
Após a obtenção dos materiais, é feita a catalogação e um trabalho de pesquisa, para
que haja um melhor controle dos mesmos. A busca por novas peças e informações é
constante, a fim de agregar o máximo de conhecimento e valor possíveis ao Projeto.
O Projeto Modateca tem o intuito de agrupar o maior número de materiais e pesquisas
possíveis ligados à moda, sempre divulgando e preservando o acervo, que será
composto por elementos representativos da cultura material de moda e de vestuário,
que auxiliará futuras pesquisas. No espaço serão catalogadas e expostas peças
originais de cada época, como um vestido de casamento de 1951 recebido em doação,
seguindo a metodologia de estudo de cultura material usada pela professora
historiadora Rita Andrade em sua tese de doutorado. A pesquisa proposta será
desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, com embasamento em livros e artigos
científicos da área de moda, têxtil e cultura material.
Além das peças originais o acervo possui também réplicas de peças de indumentária e
moda produzidas pelos alunos e professores em projetos interdisciplinares envolvendo
as disciplinas de História da Indumentária e da Moda, Modelagem e Processo de
Montagem (costura), no decorrer dos semestres, revistas, catálogos, book de coleção,
books de tendência.
As peças de indumentária e moda são limpas e passam por um processo de restauro,
caso seja necessário, são fotografadas e ficam armazenadas no Laboratório têxtil.
Cada peça receberá um código de identificação, de acordo com época, modelo e
matérias. Será desenvolvido um catálogo impresso e digital onde os visitantes
poderão consultar sobre cada peça exposta. Nele constará a foto da peça, ficha com
informações de identificação como: coleção, objeto, código, conservação,
autor/estilista, procedência (local), doador, usado por, ano da peça, aquisição (tipo),
empréstimo, descrição, data de entrada da peça. Além de croquis, uma ficha com
desenho técnico e a modelagem da peça.
A Modateca oferecerá aos acadêmicos um espaço organizado para pesquisa de moda
englobando revistas, catálogos, books de tendências e outros materiais já existentes
no acervo do curso. As revistas das áreas de modelagem e costura das décadas de
1960 a 2000 recebidas em doação ao Curso de Design de Moda deverão ser
organizadas e catalogadas de acordo com o título, área de interesse, data. Os
assuntos de cada edição serão levantados e organizado em planilhas para facilitar a
busca por assunto.
A Modateca contará com a Fototeca, acervo de fotografias de vestuário e moda, que
serão organizadas e catalogadas de acordo com a época.
Metodologicamente, o trabalho é desenvolvido através da organização, manutenção e
atualização do acervo, (atividades técnicas/operacionais de suporte, amparadas por
uma fundamentação teórica das áreas de História da Indumentária e da Moda, Projeto
de Moda, Modelagem, Tecnologia da Confecção, Desenho Têxtil e de Moda e atividades
voltadas para o atendimento à clientela (que envolvem as atividades de ensino,
pesquisa e extensão).
Um artigo será escrito para ser apresentado sob forma de pôster no 11º Colóquio de
Moda, o maior evento acadêmico da área de moda do Brasil e que ocorrerá em

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Curitiba, com o intuito de divulgar a pesquisa teórico-prática desenvolvida pela aluna
e sua orientadora.

4. Criação das fichas técnicas e layout


Para que o projeto demostrasse harmonia gráfica, as fichas e layout foram criados
com o auxílio do programa Adobe Illustrator, tendo como base as fichas utilizadas no
projeto Modateca da UDESC. Para ilustrar a capa do projeto, foram escolhidos
elementos da moda como a bolsa, sapato, vestido, óculos e manequim. As fichas e a
capa levam o símbolo da PUCPR, para evidenciar onde o projeto está sendo
desenvolvido e onde as peças podem ser encontradas, a tipografia selecionada foi
Franklin Gothic Book. Pode-se inserir que o design de moda e o design gráfico andam
juntos, no caso do projeto Modateca, o auxílio digital se faz necessário, tanto para que
haja uma estética satisfatória quanto para uma melhor e ágil catalogação dos objetos.
Sobre o Design Gráfico na moda, Martins (2010) afirma que “[...] o design pode estar
na estampa da camiseta como na produção de um catálogo da coleção.”, ou seja, o
design gráfico pode ser inserido de diversas formas no âmbito da moda, inclusive na
criação das fichas, como é o caso do presente projeto.

Figura 1. Capa da apostila das fichas da Modateca PUCPR.

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As fichas
Tendo como base o método usado na Modateca da UDESC, as fichas foram criadas,
através do programa Gráfico Adobe Illustrator, prestando-se atenção na escolha dos
elementos gráficos e cores, para que houvesse uma unidade gráfica, combinando o
conceito do projeto com a arte gráfica. As fichas têm a intenção de melhor organizar e
catalogar os objetos do acervo, informando a descrição do objeto, o código, o ano e
autor.

Figura 2. Ficha de Desenho Técnico da Modateca PUCPR.

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Figura 3. Ficha de Modelagem da Modateca PUCPR.

5. Considerações finais
A existência da Modateca se mostra de extrema importância, ao passo que a mesma
proporciona aos alunos da Universidade e à comunidade um espaço de pesquisa de
moda e do vestuário, o que auxilia na propagação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos na área de Design de Moda. Para que o projeto possa ser
executado com o melhor rendimento possível, a aluna tem se dedicado as etapas
teóricas e práticas, se apoiando em referências bibliográficas e na orientação da
professora.
A Modateca é um projeto de vida longa, que permanecerá na faculdade, permitindo
que os acadêmicos, professores e a comunidade em geral possam usufruir do acervo,
que estará sendo sempre atualizado. Deve-se salientar que o projeto ainda se

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encontra em estágio inicial e os resultados são parciais, uma vez que o trabalho de
iniciação científica encontra-se ainda em desenvolvimento.
O projeto tem permitido à aluna ampliar seus conhecimentos em relação à História da
Indumentária e da Moda, assim como aprimorar suas habilidades de escrita e
desenvolvimento de pesquisas. A inserção do aluno no desenvolvimento da Modateca
se faz necessária ao passo que o mesmo pode auxiliar o professor na obtenção,
catalogação e armazenamento dos materiais. Os estudos feitos durante o projeto têm
propiciado uma visão amplificada sobre a Moda em suas diversas áreas e tem ajudado
a obter um melhor rendimento em sua vida acadêmica, bem como tem auxiliado a
aluna a aprender a otimizar seu tempo, para melhor cumprir com suas tarefas.

Referências

STEVENSON, Sj. Cronologia da Moda: de Maria Antonieta a Alexander


McQueen. Rio de Janeiro: Zahar,2012.

ONO, Maristela Mitsuko. Design e cultura: sintonia essencial.1. ed.


Curitiba: Edição da autora,2006.

MARTINS, Thaiza. Moda, arte e design gráfico: uma construção


estratégica. Colóquio de Moda. 2010. Disponível em: <
http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/6-Coloquio-de-
Moda_2010/71382_Moda_arte_e_design_grafico_-
_uma_construcao_estrategic.pdf> Acesso em: 10 Nov. 2014.

BARROS, I. S. A implantação de uma modateca como fator de


desenvolvimento para indústrias de moda do arranjo produtivo local do
agreste pernambucano. Revista de Extensão da Universidade de Taubaté.
Taubaté (SP), vol.2. n.1, 2009. Disponível em: <http://periodicos.unitau.br/ojs-
2.2/index.php/extensao/article/viewFile/1043/740> Acesso em: 1 mar. 2014.

Recebido em 17/12/2014 e Aceito em 06/05/15.

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Fibras têxteis sustentáveis: algodão colorido e orgânico, fibras
de bambu, soja e milho

Fibre sustainable: colorful cotton and organic, bamboo fiber, soy and corn

César Henrique Muchinski, Taisa Vieira Sena


Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR
Escola de Arquitetura e Design - Bacharelado em Design de Moda
{henriquemuchinski@gmail.com; taisavieira13@gmail.com}

Resumo. Aliar sustentabilidade, tecnologia e inovação vem sendo um dos principais


desafios no atual cenário da indústria têxtil. Isso vem acontecendo em virtude da
grade decorrência da degradação ambiental e, principalmente, pela situação
irreversível que agentes poluentes e aditivos químicos trazem ao meio ambiente.
Diversas soluções de fibras têxteis sustentáveis vem sendo exploradas, entre essas,
destacam-se a fibra de algodão colorido, bambu, soja e milho.
Palavras-chave: fibras sustentáveis, sustentabilidade, indústria têxtil.

Abstract. Ally sustainability, technology and innovation, has been a major challenge
in the current scenario of the textile industry. This happening due of the large
environmental degradation and, mainly, by the irreversible situation that pollutants
and chemical additives brings to the environment. Several solutions for sustainable
textile fibers has been explored, among these, we highlight the colored cotton fiber,
bamboo, soy and corn..
Key words: fibre sustainable , sustainability, textile industry.

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Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

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1. Introdução

O presente artigo faz parte de uma pesquisa de iniciação científica realizada no curso
de Design de Moda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e aborda o
desenvolvimento e uso de fibras têxteis sustentáveis. A metodologia usada na pesquisa
é basicamente teórica, no entanto também algumas empresas fornecedoras destes
materiais foram contatadas, solicitando amostras que pudessem ficar disponíveis no
acervo da Teciteca do curso para pesquisa de outros alunos junto ao levantamento
teórico realizado. No atual contexto de mundo globalizado, a sustentabilidade vem
sendo um tema amplamente discutido nas mais diversas áreas, inclusive na moda. Para
Sachs (2004), “a sustentabilidade no tempo das civilizações humanas vai depender da
sua capacidade de se submeter aos preceitos de prudência ecológica e de fazer um bom
uso da natureza”. Nesse contexto, a busca por alternativas e produtos ecologicamente
corretos vem crescendo juntamente com essa responsabilidade sustentável. Em meio à
isso, diversas empresas do ramo têxtil vêm buscando fibras sustentáveis como
alternativas ecologicamente corretas, entre elas fibras de bambu, soja, milho e,
destaque especial para a fibra de algodão colorido. O projeto tem por objetivo geral
levantar dados e analisar as informações sobre as fibras têxteis sustentáveis, visando
formar um banco de dados e materiais que ficará disponível na Teciteca do Curso de
Design de Moda da PUCPR. Para tanto, faz-se necessário levantar dados bibliográficos
sobre as fibras têxteis sustentáveis, visando criar um material teórico consistente sobre
as mesmas. Criar um canal de contato com as empresas fornecedoras destas fibras,
visando a obtenção de amostras e informações sobre as mesmas. Catalogar as amostras
físicas das fibras têxteis sustentáveis enviadas pelas empresas, buscando ilustrar as
informações teóricas do banco de dados da Teciteca. Fazer, sempre que a quantidade
de amostras enviada tornar possível, testes de solidez, estabilidades dimensional,
durabilidades, manufatura, entre outros, buscando obter um maior número de
informações sobre o material adquirido. Vale ressaltar que a pesquisa acerca das fibras
encontra-se em nível preliminar, necessitando um maior aprofundamento para uma
efetiva contribuição cientifica quando o levantamento final acarretará em soluções para
reflexões técnicas e o uso mais abrangente e contextualizado à respeito dessas fibras.

2. Desenvolvimento da pesquisa

Por ser, a sustentabilidade e o desenvolvimento e uso de fibras têxteis ecológicas, um


tema ainda novo na área de moda, a pesquisa bibliográfica foi desenvolvida em livros
que abordam temas como Inovação, Estudos e Pesquisas Reflexões para o Universo
Têxtil e de Confecção Inovação, Tecnologia e Gestão de Flávio Sabrá et all., Rede de
Empresas: A cadeia têxtil e as estratégias de manufatura na indústria brasileira do
vestuário de moda de Francisca Dantas Mendeset all. e Moda e sustentabilidade: uma
reflexão necessária de Lilian Berlim, entre outros. Mas principalmente, em anais de
congressos como o Colóquio de Moda, P&D, Congresso Nacional dos Técnicos Têxteis,
International Symposium on Sustentable Design e Simpósio Brasileiro de Design
Sustentável. Revistas técnicas da área têxtil e de confecção como Revista Textília e
Revista Química Têxtil. Além de sites das empresas fornecedoras destes materiais. O
levantamento bibliográfico ocorreu como esperado com a captação de material
suficiente para realização do projeto. As etapas seguintes consistiram em
levantamentos das empresas fornecedoras das fibras e contato com as mesmas para
solicitação de informações e materiais.

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design

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Para o campo da moda, é um desafio conceber novos produtos para o vestuário de
acordo com o princípio sustentável, uma vez que ela é encarada como efêmera, já que
possui ciclos de vida curtos e seu apelo ao consumismo torna-se um entrave a tal
princípio. Para o setor têxtil torna-se também um desafio, pois sua cadeia de produção
é um processo poluente e que gera muitos resíduos. O contingente de pessoas e
instituições preocupadas com os problemas do meio ambiente e do desenvolvimento
sustentável vem crescendo no mundo todo. Para atender a essa demanda de
consumidores, empresas do setor têxtil estão gradativamente passando a demandar
matérias-primas produzidas dentro de sistemas menos agressivos ao meio ambiente
como forma de diferenciação e, consequentemente, a moda pode se beneficiar dessa
atitude. O setor têxtil é constituído por uma cadeia de atividades em sequência linear,
desde a obtenção de fibras naturais e/ou químicas, passando pela fiação, tecelagem e
acabamentos, até a confecção final de artigos de vestuário. Desta forma têm-se seis
elos específicos: 1) produção e matéria-prima, 2) fiação, 3) tecelagem, 4)
beneficiamento, 5) confecção e 6) mercado. Todo o processo tem início na obtenção
das fibras e produção dos fios, tanto como produto final, quanto na composição dos
tecidos que originam os produtos de vestuário, cama mesa e banho, tecidos de uso
industrial entre outros produtos têxteis. Para compreender esta dinâmica é preciso
identificar: os tipos de fibras (naturais ou químicas), os tipos de fios e tecidos existentes
(planos - simples, jacquards, compostos, felpudos, malhas - de urdume e de trama,
laçadas, não tecidos, especiais, ou tecidos de alta performance), e seus respectivos
beneficiamentos (tingimento, estampagem e acabamentos finais) que poderão ser
utilizados para a produção de peças têxteis. As fibras mais conhecidas são fibras
naturais, aquelas que se encontram na natureza. Podem ter origem vegetal como o
algodão, o linho, o rami, o sisal, entre outras; animais, como a seda, e a lã; ou ainda
ter origem mineral como o amianto. As fibras químicas podem ser derivadas de produtos
petroquímicos também chamados de fibras sintéticas. Como exemplo: poliamida,
poliéster, polipropileno e polietileno. Ou podem ser derivadas de um componente
natural e um componente químico, neste caso, são chamadas de fibras artificiais. As
fibras (químicas e naturais) passam pelo processo de fiação, assim os fios podem ser
compostos em sua estrutura por diferentes fibras, que apresentarão diferentes
propriedades. A seguir os fios poderão ser utilizados como produto final – na produção
de fios para diversos fins como trabalhos artesanais, matéria-prima para não-tecidos
ou podem ser utilizados na próxima etapa - tecelagem plana e/ou nas malharias. Os
tecidos e malhas são originados da tecelagem de fios e fibras que se unem através de
processos físicos e/ou químicos. Os tecidos ainda são submetidos a algum tipo de
beneficiamento, divididos em: beneficiamentos primários também são chamados de
tratamento prévio ou preparação, envolvem os processos que se aplicam aos materiais
têxteis objetivando prepará-los para as etapas subsequentes de tingimento,
estampagem e acabamento final; beneficiamentos secundários são os que fornecem a
cor (etapa de tingimento) ou estampa (etapa de estamparia) ao produto têxtil; e
beneficiamento terciário constitui o acabamento final do substrato têxtil. Neste são
conferidas as características desejáveis finais ao substrato têxtil como toque, brilho, e
tratamentos especiais. Desta forma deve-se levar em conta os sistemas de produção
de fibras, fios e tecidos para verificar em termos empresarias quais as estratégias que
beneficiam o meio ambiente baseado no princípio da conservação, reaproveitamento,
reuso e otimização de matérias-primas, e principalmente o uso de matérias-primas
menos poluentes. Dentre essas matérias-primas, encontram-se as fibras ecológicas, ou
sustentáveis, em nosso projeto damos destaque ao algodão colorido e orgânico, e as
fibras artificiais produzidas a partir do bambu, da soja e do milho.

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3. Fibras têxteis sustentáveis
Os assuntos que envolvem sustentabilidade e degradação do meio ambiente vêm
crescendo e gerando discussões entre consumidores e produtores em relação a uma
conscientização de impactos ambientais. Com isso as grandes empresas precisam
buscar produzir produtos ecologicamente corretos e benéficos ao meio ambiente e à
sociedade. As fibras têxteis sustentáveis estão entre as matérias-primas que menos
agridem o meio ambiente, como “o algodão orgânico, cultivado sem o uso de
fertilizantes e pesticidas” (Chavan, 2004) que está se tornando o queridinho dos
produtores de moda e de seus consumidores. Além do algodão orgânico, tem-se
também outras fibras que estão ganhando destaque no mundo da moda, como o
algodão colorido, as fibras de bambu, as fibras derivadas de soja e de milho, as quais
são apresentados a seguir.

3.1. Algodão Colorido


Atualmente, o algodão responde por aproximadamente 80% das fibras utilizadas nas
fiações brasileiras: na tecelagem, 65% dos tecidos são produzidos a partir de fios de
algodão, enquanto na Europa gira em torno de 50%. A fibra totaliza 3% das terras
cultiváveis no planeta, mas contabiliza 25% dos agrotóxicos consumidos no mundo
(Zanesco, 2008). Sob esse ponto de vista, novas formas de cultivo de algodão vêm
sendo estudadas, como por exemplo o Algodão Colorido, que dispensa uso de
agrotóxicos e, ainda, dispensa processos de beneficiamento extremamente poluentes.
O algodão colorido, em seu contexto histórico, é tão antigo quanto o algodão branco,
sendo que muitas espécies nativas foram encontradas em escavações no Peru, datando
2500 a.C. Entretanto, vale ressaltar que essa fibra é curta e fraca, não aguentando
processos de tecelagem e fiação. Em virtude disso, empresas como a Embrapa Algodão,
vem trabalhando em pesquisas na busca de melhorar aspectos do algodão como a
resistência e o comprimento, processo esse, que recebe o nome de melhoramento
genético do algodão. Esse processo consiste no cruzamento de diversas variedades de
plantas selvagens do algodão colorido. Essas plantas são encontradas no interior do
nordeste brasileiro, vale ressaltar que espécies internacionais também foram utilizadas
nesse processo. À partir da obtenção dessas, é formado um “Banco de Germoplasma”,
com as mais diversas variedades de plantas de algodão que, futuramente, vem a ser
cruzadas. Como resultado do cruzamento dessas flores, é obtido frutos, e dentro destes
cresceram sementes. As sementes resultantes desse cruzamento são plantadas,
avaliadas e selecionadas para dar origem às plantas de algodão colorido que
conhecemos. Foram desenvolvidos cinco padrões de algodão colorido, todos sendo
resistentes e adequados ao mais diversos processos têxteis. Esses padrões de algodão,
receberam seu nome conforme sua coloração, sendo eles BRS Verde, BRS Rubi, BRS
Safira, BRS Topázio e 200 Marrom. Conforme o avanço das pesquisas, em futuro
próximo teremos, ainda, o algodão natural nas cores azul e preta. A principal
importância dessa fibra é o fato de não ser necessários processos de beneficiamento,
como o tingimento, processo o qual utiliza-se corantes que degradam a natureza e uma
grande quantidade de água, da qual não é possível o reaproveitamento. Ressaltando
que o tingimento é uma das etapas mais poluentes da cadeia têxtil. Vale ressaltar que
todas essas variedades do algodão colorido reduzem os custos de produção na indústria
têxtil. O cultivo das variedades do algodão colorido é realizado, principalmente, no
Sertão da Paraíba, no nordeste brasileiro.

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3.2. Fibra de bambu
A fibra de bambu é outro exemplo de fibra de baixo impacto ambiental. Por ser 100%
celulósica, a fibra pode ser totalmente degradada no solo por micro organismos e luz
solar, sem causar danos ao meio ambiente. Deve-se levar em conta, ainda, que a planta
que fornece a fibra tem renovação quase imediata, sem necessidade de aditivos
químicos. Outro fator ecologicamente correto é o fato da fibra de bambu ser
naturalmente antimicrobiano, dispensando assim, a necessidade de produtos químicos
prejudiciais ao meio ambiente. Dentre as propriedades, destaca-se o fato dela ser
renovável, 100% ecológica e bactericida natural, pois contém um agente, "o kun de
bambu", que impede que as bactérias cultivem nele. Em questão ao conforto, essa fibra
proporciona tecidos extremamente macios, sendo, inclusive, mas macio que o algodão
e tendo brilho natural à superfície. Em contra partida, para a fabricação de tecidos, são
necessárias fibras de no mínimo 30mm de comprimento e a fibra de bambu apresenta
apenas entre 2-3mm de comprimento. Para obter fibras mais longas, a indústria faz uso
do dissulfeto de carbono, que é altamente tóxico ao meio ambiente. Após esse processo,
a fibra de bambu fica com aspecto similar ao fio de nylon.

3.3. Fibras derivadas da soja


As fibras químicas derivadas da soja (Soybean Protein Fibre - SPF) são avançadas fibras
têxteis. São conhecidas como “fibras têxteis verdes”, justamente pelo fato da origem
da matéria-prima derivada da soja ser sustentável. É uma fibra proteica, desenvolvida
a partir da semente da soja (resíduo da mesma após a extração do óleo nela contida),
não sendo considerada, então, uma fibra de origem vegetal natural, mas sim artificial.
Entre suas principais propriedades, destaca-se o fato da fibra ter aparência nobre, com
brilho semelhante ao da seda e caimento elegante, sendo assim, ideais para o uso em
camisaria. O conforto é proeminente, apresentando maciez, lisura e brilho semelhantes
a seda e cachemira, possuindo a mesma absorção de umidade do algodão e ventilação
superior. Vale ressaltar, ainda, seu alto índice de ruptura, sendo mais elevado que lã,
algodão e seda, ficando abaixo apenas da fibra de poliéster.

3.4. Fibras derivadas do milho


Derivado do milho temos a fibra Ingeo, desenvolvida e lançada pela empresa americana
Cargill Dow em janeiro de 2003, criada a partir de um plástico a base de milho
geneticamente modificado.

O processo de fabrico da fibra passa pela moagem do milho até


este se transformar em amido e posteriormente em açúcar. Em
seguida, o açúcar é fermentado com enzimas criando ácido lácteo
que será futuramente purificado. No final deste processo
obtemos umas pequenas placas de plástico, de cor branca opaca,
de ácido poliáctico (PLA). Este composto final pode ser moldado
em copos de plástico, embalagens ou ser processado na fibra
Ingeo. (ANDRÉ PAIVA, 2010, p. 32)

É uma fibra biodegradável, podendo ser processada sem a emissão de poluentes para
o ambiente e, apesar de ser sintético, o produto não contém em sua composição
componentes à base de petróleo. Os tecidos obtidos através dessa fibra apresentam
aspectos ligados ao conforto, bom caimento e texturas macias, lisas e claras. É, ainda,
resistente à transpiração – sendo amplamente usados para confecção de trajes de
práticas esportivas - e de fácil manutenção (easy care), ou seja, seca rapidamente e

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mantém boa aparência após a lavagem. Aliar sustentabilidade, tecnologia e inovação
vem sendo um dos principais desafios no atual cenário da indústria têxtil. Isso vem
acontecendo em virtude da grande decorrência da degradação ambiental e,
principalmente, pela situação irreversível que agentes poluentes e aditivos químicos
trazem ao meio ambiente.

4. Comparativo

Tendo como base as fibras apresentadas e o atual cenário econômico, social e ambiental
da indústria da moda, a ideia da inserção de formas alternativas relacionadas ao
consumo de moda – nesse caso, fibras sustentáveis – se torna marcante e eficiente.
Ambas as fibras estão em processo de pesquisa e maior aprofundamento, com
peculiaridades ligadas à soluções alternativas na cadeia têxtil ou até mesmo na
substituição de fibras sintéticas, por exemplo. Para ilustrar de maneira abrangente
esses dados, uma tabela comparativa foi elaborada levando em conta as principais
características que as fibras apresentam e sua real eficiência sustentável.

Tabela 1. Comparativo da síntese das fibras


Algodão Algodão Fibra de Fibra de Soja Fibra de
Orgânico Colorido Bambu Milho

A adoção do A adoção do A fibra de Fibra de Para ter uso


algodão algodão bambu é origem efetivo como
orgânico no colorido no 100% artificial, com fibra, esta
lugar do algodão lugar do biodegradável, aparência deve ser
seria algodão renovável e nobre, processada e
impactante, pois impactaria na naturalmente conforto transformada
sua cultura é a redução do uso anti- proeminente e na fibra
que mais polui e de corantes e microbiano, excepcional Ingeo, que
mata similares, uma não propriedade de pode ser
agricultores no vez que esse necessitando tingimento. utilizada na
mundo; tipo de algodão o uso de tecelagem de
tem coloração aditivos Vem sendo têxteis, como
Dispensa o uso natural, sem químicos; combinada o jeans, por
de qualquer tipo necessidade de com diversos exemplo;
de agrotóxico, tingimento; Cresce sem o têxteis, entre
evitando uso de eles seda, Mesmo sendo
também o nenhum algodão, um material
adoecimento de Diversidade aditivo elastano e sintético,
agricultores; em opções de químico, cashemira; essa fibra
cor, sendo assim a não possui
transitando fibra mais químicos à
entre tons sustentável base de
terrosos e nesse As malhas petróleo em
O uso do verde; contexto; confeccionadas sua
algodão com essa fibra composição;
orgânico na O Brasil vem Renovação apresentam
indústria da se destacando quase maciez, lisura
moda tem na produção imediata e e brilho
aumentado dessa fibra, danos excepcionais,
considerável- principalmente mínimos ao apresentando

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mente, várias com a meio a mesma
marcas implantação do ambiente. absorção de
adotaram essa “Banco de umidade que o
fibra como Germoplasma”, algodão e
alternativa à realizado pela ventilação
sustentabilidade. Embrapa. superior.

5. Considerações finais
Como principais resultados até o momento destacamos a formação de um banco de
dados teórico sobre as fibras têxteis sustentáveis, com o qual os alunos podem fazer
consultas sobre estes matérias para seus projetos e principalmente os trabalhos das
disciplinas têxteis e de desenvolvimento de produto, como glossário têxtil e projeto de
vestuário respectivamente. E o recebimento e catalogação das amostras enviadas pelas
empresas contatadas. Estes materiais seguirão para análise e depois ficarão expostos
no acervo da Teciteca do curso. A divulgação das informações das fibras sustentáveis
para o meio acadêmico proporciona, desde o princípio, a preocupação e consciência com
o meio ambiente e o conhecimento de que é possível usar essas novas fibras
ecologicamente corretas para o desenvolvimento de novas peças e produtos e para a
expansão da “moda verde”, ou EcoFriendly. O aprofundamento teórico-cientifico acerca
dessas fibras receberá um aprofundamento mais abrangente e técnico, uma vez que
ainda é necessária uma pesquisa de campo e tecnológica, para assim poder sanar
carências ou lacunas em abertas deste artigo. Vale ressaltar, ainda, a importância do
contínuo investimento em pesquisas ligadas à sustentabilidade, uma vez que dentro da
indústria têxtil, o descarte de substâncias nocivas ao meio ambiente é constante. Sendo
assim, a importância de tomar conhecimento dessas novas fibras e tecnologias deve ser
proporcionado desde a vida acadêmica.

Referências

BERLIM, Lilian. Moda e sustentabilidade: uma reflexão necessária. São Paulo:


Estação das Letras e Cores, 2012

CHATAIGNIER, Gilda. Fio a fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação
das Letras, 2006.

CHAVAN, R.B. Fibras ecológicas e têxteis ambientalmente corretos. II

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Simpósio Internacional de Engenharia Têxtil e XXI Congresso Nacional dos
Técnicos

FANGUEIRO, R. et al., Desenvolvimento sustentável na Indústria Têxtil:


Estudo de propriedades e características de malhas produzidas com
fibras biodegradáveis.

PEZZOLO, Dinah Bueno. Tecidos: história, tramas, tipos e usos. São Paulo:
Senac São Paulo, 2007.

MENDES, F.D.; Sacomano, J.B.; Fusco, J.P.A. Rede de Empresas – a Cadeia


Têxtil e as estratégias de manufatura na indústria brasileira do vestuário
de moda. São Paulo: ed. Arte & Ciência, 2010.

SABRA, Flavio (org). INOVAÇAO, ESTUDOS E PESQUISAS: REFLEXOES PARA O


UNIVERSO TEXTIL E DE CONFECÇAO VOL. 3: EDUCAÇAO, FORMAÇAO PROFISSIONAL E
NOVAS FRONTEIRAS. Rio de Janeiro: Estação das Letras e Cores, SENAI/CETIQT,2012

SACHS, Ignacy. Desenvolvimento sustentável: desafio do século XXI. In:


Ambient. soc., Jul/Dez. 2004, vol.7, no.2, ISSN 1414-753X.

PAIVA, André. Engenharia têxtil – Fibras Artificiais. São Paulo: Março, 2010

LIMA, Fernando. Swicofil AG Textile Services: FIBRA PROTEICA DE SOJA


(FPS). Disponível em <http://www.forumtextil.com.br/fibrasoja.htm>.
Acessado em 19 abr. 2014

Recebido em 16/12/2014 e Aceito em 06/05/15.

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O designer como agente participativo no processo do
desenvolvimento de produtos sustentáveis

The designer as agent in participatory process of development of sustainable products

Alberto Felipe Bezerra da Silva


Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Núcleo de Design - Bacharelado em Design
{albertofbezerra@gmail.com}

Resumo. Este artigo disserta sobre relações entre sustentabilidade e estratégias das
indústrias para desenvolvimento de produtos que causem menor impacto ambiental.
Levanta questões sobre a importância da conscientização de empresas e do consumidor
para questões sobre descarte de produtos e sustentabilidade, apresenta o caso da Skol e
sua nova garrafa Skol Design como objeto de conscientização ambiental, assim como
apresentar um produto que já saí de fábrica com mais de uma função configurada.

Palavras Chave: sustentabilidade, embalagem, inovação.

Abstract. This article lectures on relationships between sustainability and strategies of


industries to developing products that cause less environmental impact. Raises questions
about the importance of awareness of business and consumer issues for disposal of
products and sustainability, presents the case of Skol Skol and its new bottle design as an
object of environmental awareness, as well as presenting a product that has already left
the factory with more a set function in the product.
Key words: sustainability, packaging, innovation.

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Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Junho de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

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Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução
Com os grandes problemas ambientais presenciados por todas as pessoas de qualquer
parte do planeta, diversas empresas estão focando no desenvolvimento de produtos que
não agridam o meio ambiente e como consequência amenizem os atuais problemas
ambientes visando também problemas futuros. Desenvolver produtos que não agridam o
meio ambiente é meta das indústrias no século XXI, todavia, o consumismo da
contemporaneidade ultrapassa o que a sociedade deveria consumir e assim o descarte é
bem maior ao esperado. Quanto mais se descarta, mais lixo é gerado consequentemente
gera mais poluição e assim vai alimentando esse ciclo que destrói todo o ecossistema.

Tendo como consequência desse consumismo desenfreado, o aumento desordenado de


fatores que agravam as situações ambientais. Do outro lado da moeda, as empresas
interveem para, agora, desenvolver produtos que sejam leves em questões de agressão
ao meio ambiente, e que seu descarte não afete de forma tão abrupta o meio ambiente,
levando em consideração problemas ambientais como o buraco na camada de ozônio, o
aquecimento global, a poluição, etc. Portanto desenvolver produtos leves, com baixo índice
de poluição, não passa a ser o maior fator agravante, não mais agora em meados de 2013
e sim agravante agora é a quantidade de energia que as indústrias estão usando para
reciclar os produtos que as mesmas desenvolveram. Onde quase todos os processos de
fabricação, ou reutilização de matéria para conceber outro produto, seja ele qual for, dar-
se necessário o uso de algum tipo de energia para executá-lo. Ao usar essa energia mais
um gasto ocorre e de forma ampla ou reduzida alguma agressão ao meio ambiente
acontece.

E mais uma vez o problema volta ao ponto de partida, a destruição do ecossistema do


planeta em que vivemos. Agora o problema não é só da indústria, dos consumidores
desgovernados, mas também um problema de design. Não adianta desenvolver produtos
leves, que agridem pouco o meio ambiente ou às vezes nem agridem, onde o produto tem
apenas uma função. Quando o usuário, se cansar do produto e da função ao qual ele veio
configurar, o fim dele será o descarte e a troca por um outro que possivelmente terá a
mesma função, só que com um design diferente do qual ele usava.

O objetivo deste artigo é mostra as soluções de sustentabilidade que as indústrias estão


buscando para causar menor impacto ao meio ambiente, usando como caso a Skol que
lançou a garrafa Skol Design.

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2. Os produtos sustentáveis na contemporaneidade

Desenvolver produtos não é uma tarefa fácil, e projetar para uma população consumista
se torna mais desafiador para o designer. Um dos fatores que complica a situação é a
famosa mudança comportamental humana. Vivemos e viemos de uma cultura social que,
o possuir faz com que o ser humana sinta-se confortável e assim o mesmo sente cada vez
mais a necessidade de consumir mais e mais.

Segundo Manzini (2005), para alcançar a sustentabilidade, devemos, no futuro, conseguir


consumir cerca de 90% menos do que consumimos hoje. Os produtos devem ser
projetados para durar mais e exercer múltiplas funções, para reduzir, consideravelmente,
o consumo de energia e materiais. Quando se trata de uma nação, uma sociedade, uma
cultura, é extremamente notável que, mudar hábitos e valores não é uma tarefa que
impomos hoje e está concluída no dia posterior. Até ocorrer essa mudança é de real
necessidade desenvolver produtos que seu funcionamento utilize o mínimo de energia e
que gere mínimos problemas ao meio ambiente. Onde vale salientar, que esse produto
deve possuir um grande índice de reutilização e que o mesmo tenha uma longa vida.

A discussão sobre a reciclagem de embalagem e preservação do meio ambiente abrange


vários fatores na sociedade, e chegarão nas pessoas seja por meios de comunicação de
massa ou quando os aterros sanitários das cidades não comportarem mais resíduos
sólidos, e acarretar em pagamento “taxa de lixo” que já foi implantada na cidade de São
Paulo e objetiva colher fundos que ajudem a custear o sistema de coleta de lixo
(PALHARES, 2003).

De acordo com Kazazian (2005) o produto passa ao consumidor os valores da sua marca,
ele irá transmitir a informação para seu público das preocupações por exemplo, que teve
durante a concepção do produto e seu ciclo de vida em relação à água, energia, ar e etc.
Todos as responsabilidades e compromissos que a empresa quanto produtora tem.

Palhares (2003) ressalta que embalagens como garrafas e latas geralmente são rotuladas
com marcas de certas empresas, que se tornam responsáveis pelos impactos ambientais
causados por elas buscando cada vez mais formas de diminuir esses impactos causadas
pelas mesmas.

3. Estratégias para diminuir impacto ambiental – Cerveja Skol

De acordo com Cruz; Azeredo; Brochado (2003) as empresas para se manterem


competitivas no mercado globalizado usam das inovações da tecnologia e buscam
estratégias para diferenciar seus produtos, através do marketing, na publicidade e no

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design de seus produtos e mudanças no processo de produção de seus produtos que
tragam melhorias para a empresa.

Segundo Palhares (2003) o Brasil fabrica um volume de 8,41 bilhões de litros de cerveja
por ano, e é o quarto maior fabricante de cerveja do mundo de acordo com dados da
Sindicerv referente ao ano de 2002. Entre os anos de 1998 a 2003 foram investidos no
Brasil pelas indústrias de cervejaria mais de R$ 3 bilhões, o que possibilitou ampliação e
modernização das fábricas que já existiam e também 10 novas plantas industriais.

Um mercado crescente e quem também investe em embalagens que favoreçam sua


reutilização e descarte. E de acordo com Palhares (2003) os consumidores brasileiros estão
atentos ao descarte de embalagens. E os produtos que sua utilização e descarte tem menor
impacto no meio ambiente são privilegiados por esses consumidores.

Por ser um material aparentemente frágil porém super resistente, o vidro é usado em
diversos produtos e embalagens. É um dos materiais mais antigo feito pelo homem. No
Brasil apareceu em Pernambuco em meados de 1964 inicialmente com a fabricação de
copos e frascos, e no século XX sua produção passou a ser semi automática e automática
(CRUZ; AZEREDO; BROCHADO, 2003). Ainda segundo o autor sua, aplicação maior está
em embalagens, que apontam 31,2% da participação no mercado dos segmentos da
indústria de vidro.

Segundo Cruz; Azeredo; Brochado (2003) a indústria do vidro a partir de 1980 começou
a cair no mercado em relação aos materiais plástico e alumínio, que começaram a ser
usados em produtos como garrafas de refrigerantes, frascos de remédio e bebidas como
cervejas que passaram a usar tanto o plástico no caso de refrigerantes e remédios, e latas
de alumínio nas cervejas.

A utilização de tais materiais, em especial pelas indústrias de


bebidas, em substituição do vidro deve-se ao fato das embalagens
de PET e de alumínio serem mais leves e descartáveis, facilitando a
logística das indústrias de bebidas principalmente no que diz
respeito às embalagens retornáveis. (CRUZ; AZEREDO;
BROCHADO, 2003).

A Skol está no Brasil desde a década de 1960 e foi a primeira cerveja a usar lata no país,
e utilizar latas de alumínio, pioneira também ao usar a abertura maior da lata “boca
redondona”, e inovar com embalagens long neck e latas de 500ml. (PEREIRA, 2005).
Todas essas características demonstram que a empresa Skol é um exemplo de busca por
inovações no desenvolvimento de seus produtos visando inovações e menor impacto

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ambiental, onde faz parcerias com seus clientes como no ano de 2003 quando lançou a
garrafa long neck Skol Beats, onde a silhueta da garrafa faz alusão ao “S” da marca e foi
desenvolvida com a Cisper e a Ambev¹ (CRUZ; AZEREDO; BROCHADO, 2003).

No ano de 2013 a Skol está inovando mais uma vez, lançou a Skol Design, uma garrafa
de alumínio de 473 mililitros que depois de ser consumida a bebida, a embalagem é
transformada em objetos de decoração. Estratégia desenvolvida pela agência F/Nasca
Saatchi & Saatchi (EMBALAGEM MARCA, 2013).

A embalagem é aproveitada e usada em conjunto com kits de decoração que são dispostos
à vendas no site da Skol, e pode ser transformada em produtos como luminária, relógios,
galheteiros, castiçais ou vasos. (Ver fig. 1).

Figura 1: Garrafas de alumínio da cerveja Skol que se transformam em objetos de decoração.

A Skol desta forma está criando alternativas de minimizar a quantidade de lixo que será
depositada no meio ambiente, criando soluções criativas e que buscam conscientizar
também o consumidor de sua responsabilidade com a natureza e descartes de
embalagens. E com essa proposta a empresa também diminui o gasto de energia com a
reciclagem do produto. Assim, o produto já saí de fábrica com mais uma função atrelada
a si, que primordialmente seria envazar, transportar e proteger a bebida alcóolica e agora
passa a ser objeto decorativo.

4. Metodologia

Para a realização do estudo sobre sustentabilidade e estratégias propostas por empresas


de embalagens que causem menor impacto ambiental, foi feito um estudo de caso que Yin
(2005, p.32) afirma ser “um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto de vida
real” com a campanha da Empresa Skol – Skol Design.

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Foi feito um levantamento bibliográfico com livros, dissertações de mestrado e artigos que
abordam assuntos como meio ambiente, sustentabilidade, embalagens e materiais postos
em discussão ao longo do artigo.

5. Análise e discussão dos resultados

A partir da revisão bibliográfica foi possível observar que as empresas se preocupam com
a imagem que irá passar para o seu público, através de estratégias como embalagens
diferenciadas e inovadoras e que tenham informações de sustentabilidade embutidas em
seu contexto. E também visando a diminuição da poluição do meio ambiente, despejando
cada vez mais menos poluentes na natureza.

Em relação a empresa Skol e sua campanha Skol Design, percebe-se essa preocupação
com o meio ambiente e envolvimento do consumidor neste processo de reciclagem e
conscientização da população, já que o produto é consumido por grande parte da
população brasileira, e vai levar às casas dessas pessoas um produto que terá informações
de design e um aditivo simbólico agregado nele que está relacionado com a preocupação
com o meio ambiente.

Também foi obtido informações da situação em que o ecossistema se encontra, lotado de


agravantes poluentes e necessitando cada vez mais da conscientização da população e
empresas responsáveis para diminuir os agentes poluentes nele depositadas.

6. Conclusão

Na atual sociedade consumista em que vivemos, onde na maioria das vezes há produtos
dos quais o consumidor compra apenas por que ficou com vontade ou até mesmo por que
achou bonito sem visar qual a sua função real e qual a utilidade que o mesmo o traz. É
preciso conscientizar esses consumidores, e o principal transmissor desta informação são
as empresas, que devem passar estas informações através de seus produtos e também
de suas ações e produção de produtos, servindo de exemplo para seus clientes.

Como a frequência exagerada de consumismo é de notória a realidade que o planeta não


suporta mais os níveis extremos de poluição. Para diminuirmos esse hábito consumo
desvairado, é de real necessidade uma reeducação da sociedade mostrando o valor da
qualidade e exagero da quantidade. Apresentando de forma concisa os atuais problemas
ambientais do nosso planeta, fazendo que no momento da compra, os clientes pensem
não apenas em sua principal função, mas, nas funções secundárias e no seu descarte.
Para assim poder existir, e prevalecer um critério de compra e uso, partindo do consumidor
para com a natureza.

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Notas
Companhia de Bebidas das Américas, em 2003 ocupou a sétima posição de liderança do
mercado mundial, e a líder no nacional ( PEREIRA, 2005).

Referências

Cruz, Carolina Amorim Oliveira; Azeredo, Consuelo da Conceição; Brochado, Marina


Rodrigues. Inovação incremental: o caso da indústria do vidro no Brasil, 2003.

EMBALAGEM MARCA. Disponível em:


<http://www.embalagemmarca.com.br/2013/07/skol-lanca-garrafas-de-
aluminio/> Acesso em : 08 set 2013.

KAZAZIAN, Thierry. Haverá idade das coisas leves: design e desenvolvimento


sustentável. 2ª edição. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.

PALHARES, Marcos Fruet. Dissertação apresentada ao departamento de


Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Administração. O
impacto do marketing “verde” nas decisões sobre embalagens das
cervejarias que operam no Brasil. São Paulo, 2003.

PEREIRA, Ethel Shiraishi. Dissertação apresentada como exigência parcial para


obtenção do título de Mestre no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade
Cásper Líbero. É cool. Eu tenho, eu sou: estudo de caso do Skol Beats
Sociedade de Consumo e Identidade Cultural. São Paulo, 2005.

SKOL DESIGN. Disponível em: <http://www.skol.com.br/design> Acesso em: 08 set


2013

Recebido em 29/12/2014 e Aceito em 27/05/15.

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Bologna: o vento soprando na vela colorida de vermelho

Bologna: the wind blowing on the red colored sail

Bruno Ribeiro, Myrna de Arruda Nascimento


Centro Universitário Senac
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo
{brunoribeirocosta@hotmail.com, myrna.anascimento@sp.senac.br}

Resumo. O artigo aqui apresentado se desenvolve a partir da análise da percepção


sensorial de um pedestre projetada na cidade de Bologna. Trata-se da leitura de um
aluno de arquitetura em condição de intercâmbio cultural, que anda pela cidade e
observa, entre outras coisas, a relação dos espaços formados pelo tecido urbano com
as pessoas que deles fazem uso. A interação dos espaços é exposta no texto
organizado como Trabalho de Conclusão de Curso através de imagens e palavras que
representam esses lugares e os eventos que neles ocorreram, buscando apresentar ao
leitor a imagem da cidade formada pelo aluno e, ao mesmo tempo, sugerindo que este
leitor possa construir sua própria percepção de Bologna.
Palavras-chave: Bologna, percepção, arquitetura, cidade, semiótica.

Abstract. This article develops a pedestrian sensory perception designed for the city
of Bologna. It reveals the reading of a student of architecture during a cultural
exchange experience that goes through the city and make notes and reflections about
the relationship of the spaces inside the urban grid with the people who use them. The
interaction of spaces is exposed in the organized text that configures the Final Work of
the Architecture and Urbanism Course through images and words that represent these
places and events occurred in them. By this strategy, the author seeks to present to
the reader the city image designed by him and, at the same time, suggests to the
same reader to build up his own perception of Bologna.
Key words: Bologna, perception, architecture, city, semiotics.

Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística.


Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design
Vol. 5 no 1 – Maio de 2015, São Paulo: Centro Universitário Senac.
ISSN 2179-474X

© 2015 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte.

Portal Revista Iniciação: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/


E-mail: revistaic@sp.senac.br
1. Introdução
A maioria das análises dos espaços da cidade e dos fatos urbanos presentes neste
artigo foi baseada em experiências vivenciadas durante a participação deste autor,
estudante de Arquitetura e Urbanismo, em condição de intercâmbio. Muitos dos
relatos são percepções sensíveis a partir do olhar de um pedestre, que visitou e
usufruiu de todas as maneiras cidades e lugares conhecidos a partir de Bologna,
cidade onde aconteceram a maioria dessas experiências, e que é a grande responsável
pela opção pela forma de se conduzir a pesquisa a seguir, que sustenta o argumento
do Trabalho de Conclusão de Curso sobre o qual versa este artigo.

Também grande parte do aprendizado processado durante o período entre 14 agosto


de 2013 a 1 de agosto de 2014 não aconteceu integralmente em uma sala de aula da
UNIBO (Universidade de Bologna), mas se deu nas vias desta cidade que mudou
minha percepção sensorial enquanto eu caminhava.

Bologna não espera, ela acontece.

Enquanto se planejava escrever sobre esse assunto, aconteceram centenas de eventos


na cidade que não irão se repetir mais. É sobre eles, e a partir deles que este artigo
será desenvolvido.

2. Os pontos A,B,C e D: uma maneira de caminhar pela cidade

Este artigo, tem como principal finalidade revelar a cidade de Bologna. Adotando como
tema a projeção, (através do uso de imagens e palavras), da cidade de Bologna ,
pretende-se com a concepção deste “volume” traduzir a leitura processada sobre este
espaço urbano, feita por um estudante de arquitetura, a partir de sua vivência e das
experiências que marcaram seu convívio de um ano neste lugar.
O entendimento do mesmo varia de acordo com a percepção do leitor, pois muitas das
vezes o autor registra fatos individuais vivênciados por ele próprio, e os apresenta ao
leitor de forma “subjetiva”. Porém a idéia é compartilhar com o leitor desta
oportunidade de descoberta pessoal, portanto, o trabalho pretende sugerir que o leitor
“entre na cidade’’ de forma voluntária e possa experimentar percepções e tomar
decisões próprias sobre os significados do lugar , movido pelos dados fornecido por
meio das experiências descritas pelo autor.
Ao considerar esta hipótese, observamos que em A República (Livro VII) de Platão, o
filósofo grego escreveu o tão conhecido “mito da caverna’’, onde conta a história de
prisioneiros que vivem na escuridão desde seu nascimento em uma caverna, e ficam
por todo tempo olhando para uma parede, onde são projetadas sombras do meio
externo. Até que um dia, um dos prisioneiros sai desta “cela” e descobre a realidade.
Uma possível interpretação da metáfora sugerida neste relato é que apenas sabemos o
que vemos, e aquilo que podemos sentir.
Somos receptores de informações e processamos os dados fornecidos por uma fonte
externa, porém, cada indivíduo processa essas informações de uma maneira diferente.
Ao andar por cidades, nos deparamos com vários fatores que podem modificar o nosso
rumo final, ou de como chegamos a ele. Por exemplo, em um cenário hipotético
(fig.1), uma pessoa sai do ponto A com a meta de destino final no ponto B.
Nessa cidade existem centenas de caminhos que a podem levar ao seu destino final.
Ao dar o primeiro passo, essa pessoa está fazendo uma série de escolhas, que tem
relações com a personalidade dela, ou com a sua forma de reagir a sua própria
vontade, e que a guiarão até seu objetivo. Esse indivíduo pode escolher ir por um
caminho mais curto, mais rápido, ou pode escolher passar em uma praça, denominada
aqui como o ponto C, simplesmente por julgar o caminho mais agradável. Tal escolha
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identifica um desvio da rota e possibilita uma experiência mais aprazível e uma
possível descoberta: o ponto D.

Figura 1 - Diagrama hipotético de um pedaço de cidade, no qual mostra uma pessoa que sai do
ponto A com destino final no ponto B. Ela decide passar pelo ponto C, um espaço supostamente
de vivência pública (uma piazza), tal atitude resulta na descoberta de um destino final não
previsto, o ponto D.

3. La dotta, la grassa e la rossa (a esperta, a gorda e a vermelha)


Bologna, la rossa, tem uma identidade cromática graças à sua coloração vermelha,
resultante da localização da cidade: havia falta de pedras no lugar onde a cidade foi
erguida, portanto usaram tijolos vermelhos nos edifícios construídos. Esta identidade
permanece até a atualidade e muitos associam esta coloração com o passado
comunista de sua sociedade. A cor exerce o papel de identidade da cidade. Os
múltiplos tons de vermelho são praticamente responsáveis por conferir uma atmosfera
particular aos eventos de e para Bologna. O vermelho se espalha naturalmente pela
cidade. É um dos pontos em comum que faz o elo entre as edificações e os espaços
que são formados através da implantação das mesmas. Conhecida como capital
italiana da cultura, ela é um palco a céu aberto, inflamada por artistas e atores da
vida real. Caminhar em busca do desconhecido pela cidade, passa a ser uma
experiência cada vez mais enriquecedora e motivadora para tentar entender melhor
como funciona a atmosfera daquele lugar.

Assim como o flâneur de Baudelaire vaguei pelas vias dessa cidade (fig.2). Deparei-
me com fenômenos surpreendentes, momentos impensados, e o inusitado se tornou
parte do meu cotidiano. Gosto de pensar que o flâneur é um investigador da vida
urbana, capaz de reinventar a cidade e seus caminhos em cada saída, em cada jor-
nada. Não consigo cogitar outro termo mais apropriado para minha experiência do que
este, flâneur, de origem francesa, uma vez que “la rossa’’ é conhecida como a
“pequena Paris italiana”.

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Figura 2 – Mapa/diagrama da cidade de Bologna. O mapa foi desenvolvido através de memórias
espaciais de lugares e suas conexões. É praticamente o produto de um processo mental e
distorcido da realidade.

4. Duas Torres

Figura 3 - Em destaque, o ponto onde se localizam as duas torres.

Não existe um lugar certo para começar a falar sobre uma cidade, pois sua imagem
não segue uma ordem cronológica, sendo resultado de uma série de eventos que
acontecem simultaneamente. Assim, começarei a falar de dois grandes ícones de
Bolona: as duas torres (fig.3).

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Se na capital francesa um elemento vertical se torna símbolo máximo de identidade
de uma cidade, na capital da cultura italiana não poderia ser diferente: a Torre Asinelli
assume o papel de elemento ícone culminante de reconhecimento visual para pessoas
externas á cidade. Dessa forma, essas pessoas, mesmo não tendo o conhecimento
total da cidade, são capazes de identificá-la de imediato.

Há uma lenda compartilhada entre os moradores da cidade, com várias versões sobre
a construção das duas torres. Na época em que a cidade foi fundada, as torres
representavam não só um elemento típico da cidade medieval para observação em
caso de combates, mas também um elemento sinalizador de riqueza, pois as famílias
nobres as construíam para batizá-las com o nome da linhagem.

Certa vez, um pobre trabalhador chegou em busca de emprego na cidade e acabou


conhecendo uma linda garota que pertencia a família Asinelli, umas das mais
poderosas do lugar. Os dois se envolveram em um romance contra a vontade dos pais
da linda menina. Visto a persistência do casal, o pai propôs ao trabalhador um acordo:
se ele construísse a torre mais alta da cidade, os dois ficariam livres para se casarem.
Sabendo da impossibilidade disso acontecer o jovem deixou a cidade e prometeu que
só voltaria quando tivesse dinheiro para a construção. Anos depois, o homem se
tornou rico, ao encontrar um tesouro perdido em um rio, e o dinheiro tornou possível a
construção da maior torre de Bologna. A família rival, Garisenda, ao ver aquela torre
de noventa e sete metros no centro da cidade, começou a construir uma outra, com
um projeto que prometia produzir uma torre mais alta ainda. Porém, no andamento da
construção o solo começou a ceder, a torre ficou inclinada e impossibilitou a
continuação das obras.

Até hoje, as torres são o maior símbolo da cidade. Localizam-se na parte leste, no
final da Via Rizzoli, e marcam um eixo na zona central da cidade. O viajador John
Evelyn, em 1645, descreveu da seguinte forma a cidade de Bologna em uma viagem
pela Itália:

Esta cidade pertence ao Papa, tem uma famosa Universidade,


fica em um dos lugares mais férteis da Europa, para todos os
tipos de comissões; tem a forma de um barco, do qual a Torre
Asinelli poderia ser o mastro. A cidade não é muito reforçada,
com um simples muro a sua volta, de quase cinco milhas, e tem
duas milhas de comprimento’’ (Tradução livre feita pelo autor a
partir de TUTTLE, 2001. p.55)

A observação de John Evelyn de que a cidade é um barco e a torre seu mastro, é


muito sugestiva. Ao ver o mapa da cidade, o ponto onde se localiza as torres é o
mesmo de onde partem ramificações de outras vias, que ligam diretamente às portas
da cidade. Estas estão inseridas no anel que limita o centro histórico, marcando o fim
da linearidade das Vias Ugo Bassi e Rizzoli.

A torre é o principal elemento de comunicação visual para o senso de direção do


pedestre, considerando-se o que está implantado no nível do seu olhar, cuja altura
facilmente se destaca no skyline da cidade, de gabarito predominantemente baixo.
Este elemento vertical praticamente organiza a cidade inteira. É quase impossível se
perder em Bologna, mesmo com a não visibilidade da torre em alguns pontos da
cidade, pois o desenho das vias leva o pedestre “naturalmente” à posição da torre.

O trecho a seguir expõe parte do cotidiano dos cidadãos em 1786. Embora seja um
texto do século XVIII, essas são observações com características contemporâneas,
pois se aplicam muito bem para os dias de hoje. Através deste relato conhecemos
interessante modo de situar geograficamente a posição da cidade ao subir no topo da
torre e observar os elementos em seu entorno:
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Ao entardecer, livrei-me finalmente dessa velha, nobre e culta cidade, da
multidão que passeia para lá e para cá, espanta-se, vai às compras e faz seus
negócios, sempre protegida do sol e do mau tempo pelas arcadas espraiadas
por quase todas as ruas da cidade. Subi à torre e deliciei-me com ar fresco. A
vista é magnífica! Ao norte, vêem-se as montanhas de Pádua e, mais adiante,
os Alpes suíços, tiroleses, friulanos, enfim, toda a cadeia de montanhas, dessa
vez envolta em neblina. A oeste, descortina-se um horizonte infindo, em meio
ao qual erguem-se apenas as torres de Modena. A leste, uma planície
uniforme estendendo-se até o Adriático, e pode-se vê-lo ao nascer do sol. Ao
sul, as colinas aos pés dos Apeninos, cultivadas e de vegetação farta até o
topo, ocupadas por igrejas, palácios, casas de campo, tal qual as colinas de
Vicenza. (GOETHE, 1999. p.122)

Subir os 97 metros da Torre Asinelli foi uma experiência incrível. Desde quando
cheguei na cidade, eu queria subir na torre, apesar da lenda que estudantes não
podem subir, pois aquele que fizer isso não conseguirá se formar na universidade. Era
26 de outubro de 2013, um sábado. Normalmente um dia de espetáculo na cidade,
quando vários eventos de artistas de rua acontecem. Havia adquirido uma máquina
fotográfica recentemente, e queria fotografar Bologna do alto da torre pela primeira
vez. Saí de casa por volta de 12:00, tendo como objetivo final o embasamento da
Torre Asinelli, onde fica a porta de entrada para as escadas de acesso ao topo da
mesma. O tempo estava parcialmente nublado, o que não influenciou absolutamente
em nada o típico modo de comportamento cultural da cidade em um sábado. Durante
o caminho fui surpreendido por uma série de fenômenos que estavam acontecendo na
Via Indipendenza.
Dois homens no chão tocavam um instrumento estranho. O som transbordando do
elemento cilíndrico me faz pensar no silêncio. É um rumor constante, com um ritmo
só, intercalado com a respiração e a batida do tambor do homem ao lado. Caminho
um pouco adiante, e o silêncio se transforma em uma cor. Azul, a cor vestia dois
homem-estátuas que ganhavam dinâmica ao som de moedas caindo em um vaso de
metal. Movimento-me , e encontro um palhaço, simpático com sua cartola preta e que
não parava de se mexer. Para um lado e para outro, parando as pessoas que se
desviavam com um sorriso na face, reflexo da palhaçada.

Avante, vejo uma cena que resume a atual situação da sociedade italiana.
Compartilhando o espaço de uma circunferência de aproximadamente 2m de não seria
diâmetro, há uma mulher com seu filho, um imigrante com seus produtos para
crianças e o velho de 44 anos desempregado pedindo dinheiro ao lado de seu
cachorro. Toda a atenção gira em torno da pequena criança, que está encantada com
o cachorro de brinquedo que o imigrante vende. E o animal triste se encontra
acanhado junto ao velho que tem a posição do braço semelhante ao outro homem em
seu lado, ambos com um objeto em punho. O velho com uma caneca de plástico e o
outro com uma pelúcia.

Termino de subir a Via Indipendenza e vejo um tumulto na Piazza Nettuno. Uma


homenagem estava acontecendo em prol aos mortos na segunda guerra. Fiquei alguns
minutos parado, deram-me uma rosa em mãos. Coloquei-a na mochila, de forma a
ficar exposta, visível para o lado de fora. Continuamos, a rosa e eu em sentido da
torre. Deparei-me com um sorriso familiar na Via Rizzoli, meu professor de italiano.
Cumprimento-o e prossigo.

Chego ao pé da Torre Asinelli, meu objetivo inicial. Subo pela sua escada de madeira
interior. Em um dos seus patamares encontro um buraco no chão, através do qual
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vejo as pessoas que buscam o mesmo objetivo que eu. Chego ao topo e roubo um
pouco da luz que entra no diafragma da máquina fotografica, eternizando Bologna em
cores na minha lembrança (fig.4).

Figura 4 - A cidade vista da torre do topo da Torre Asinelli. Nota-se o topo da torre menor e a
cor predominante vermelha da cidade devido aos tijolos. Foto do autor.

5. Piazza Nettuno e Piazza Maggiore

Figura 5 – Em destaque, a Piazza Nettuno e a Piazza Maggiore.

A Piazza Nettuno localiza-se no centro da cidade de Bologna, ao lado do encontro da


Via Indipendenza com a Via Rizzoli. Esta típica piazza italiana tem características
próprias: ausência de vegetação, configuração resultante da disposição de edifícios e
seu principal diferencial é o uso cultural que lhe é atribuído. Esta piazza pode ser palco
para exposições artísticas, manifestações de âmbito sociopolítico, shows, entre outras
formas de usos relacionados à cultura. Na sua mais pura essência, a piazza é um
centro de discussões e decisões, marco zero da cidade, onde a população participa

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diretamente da vida urbana. Não podemos traduzir a palavra piazza em italiano para
praça em português, pois são duas coisas distintas.

A centralidade é, sem dúvida, a característica que mais se destaca na Piazza Nettuno.


Situada sobre os restos da antiga Bononia e perfeitamente inserida no centro do
último anel de muro medieval, esta piazza fica entre dois imponetes edifícios, o
Comunale onde atualmente funciona a Sala Borsa, e o Palazzo Re Enzo. Alguém
sentado nas escadarias em frente a Sala Borsa, antigo prédio da prefeitura e principal
biblioteca da cidade desde dezembro de 2001, consegue observar apenas um vestígio
de vegetação, na Via Indipendenza, em frente ao Hotel Tre Vecchi. Nessa situação
essa pessoa está diante de um grande espetáculo que acontece naquele momento, ao
lado de mais trinta e quatro pessoas, sentadas em uma arquibancada improvisada,
em plena tarde de domingo. No lado oposto da Sala Borsa está o Palazzo Re Enzo de
1245 e o Palazzo Del Podestà, determinantes para o desenho das duas piazzas que o
faceiam

As escadarias que ficam na entrada da Sala Borsa e no Palazzo Del Podestà, além de
serem usadas para o fim proposto de vencer um desnível através de degraus,
constituem também uma grande estrutura-mobiliário urbano, pois as pessoas se
acomodam ali, seja durante seu lazer para contemplação da cidade, seja para um
mero descanso, acompanhado de um lanche. Acolá fica disposta a grande pláteia, que
admira o espetáculo espontâneo, sem ensaios, produzido por atores desconhecidos, no
qual, muitas vezes, aquelas pessoas sentadas desempenham o papel principal.

A Fontana del Nettuno delimita o espaço de transposição entre a Piazza Maggiore e a


Piazza Nettuno. Uma fonte de água, com imagens pagãs originárias da mitologia
grega, contrapõem a atmosfera italiana formada pelo catolicismo. Dizem que a fonte
já pode ter modificado a maneira de andar de muitas freiras.

Existem 7 segredos em Bologna, dos quais o mais conhecido é o da fonte de Nettuno.


Por ser pagã, a construção da fonte em 1565 gerou muita polêmica, pois o escultor
queria fazê-la com a genitália da figura maior, porém a Igreja conseguiu interferir no
projeto, e assim a obra foi terminada com a dimensão do órgão sexual masculino do
Nettuno menor do que inicialmente proposto. Entretanto, foi verificado que de um
determinado ângulo, saindo do prédio da Sala Borsa, olhando para o dedo indicador
do braço esquerdo do deus grego, é possível constatar a imagem de um pênis ereto.
As freiras mudavam suas rotas, uma vez que eram incomodadas com o fato de poder
olhar para a imagem erótica de Nettuno quando se dirigiam à Igreja. Nota-se que,
além da tipologia, alguns fatos históricos ou lendas podem modificar a maneira de
determinada pessoa, ou grupo, andar pela cidade.

A Piazza Maggiore é a principal piazza da cidade, porém não seria a mesma sem a
Piazza Nettuno ao seu lado, que garante o sucesso de sua irmã maior devido à sua
localização. Ela é um convite, uma abertura em meio a edificações que continua o
grande fluxo da Via Indipendenzia e que entra em confronto com o fluxo da Via
Rizzoli, desembocando ali uma grande quantidade de pessoas. Na esquina onde se
encontram essas duas vias principais, já se vê a Basílica di San Petronio. Nesse caso,
a edificação funciona como um grande anúncio ou banner da Piazza Maggiore.

A Piazza Nettuno pode ser denominada um espaço de passagem, não fossem os


eventos, principalmente os produzidos pelos artistas de rua que a usam como palco e
a história do lugar. Um exemplo bem sucedido de apresentação na Piazza Nettuno,
constitui-se em um grupo de artistas composto por um guitarrista, sua mulher
batizada por ele carinhosamente de bailarina, e outros dois ajudantes que dão suporte
na montagem e desmontagem do equipamento de som. Uma moto antiga da Harley
Davidson faz parte da cenografia do show daquele velho guitarrista que faz solos
fantásticos.
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Assim que os artistas começam a tocar, as pessoas se aproximam, e em poucos
minutos já é notável a quantidade de observadores que param e aproveitam o
espetáculo. Isso é resultado da disposição das duas “piazzas” e das vias que foram
citadas acima. Provavelmente, se o grupo fizesse a apresentação em outro lugar, não
teria o mesmo sucesso de público como na frente da Sala Borsa, devido ao fluxo de
pessoas naquele ponto.

Na Piazza Maggiore acontecem semanalmente assembléias políticas não ligadas a


partidos, organizadas por pessoas com nenhuma relação com cargo político. São
habitantes discutindo politicamente formas de melhorar a sociedade. Certa vez fui
surpreendido com um velho sobre um banco (fig. 6) de aproximadamente 20cm de
altura falando sobre os problemas econômicos da Itália. Ele estava conduzindo aquele
debate, do qual, para ter a voz destacada, precisava subir no banco. Juntei-me
àquela roda de pessoas discretamente com a máquina fotográfica ligada, e pude
registrar um pouco daquela essência de uso da piazza acontecendo. Até aquele
momento eu era apenas mais um naquela roda, ou, menos que isso, era apenas um
observador curioso. O acaso fez o banco caminhar em minha direção, o senhor jogou-
o em meu sentido, onde eu estava com meus amigos. A palavra foi passada a nós, e
todos olhavam em nossa direção. Passamos de simples observadores, a participantes
de uma assembléia na piazza. “Scuzi, siamo Stragneri” (Desculpa, somos
estrangeiros), dissemos como um coral. O ritmo de discussão foi quebrado e reto-
mado. Aquela pausa de segundos foi o suficiente para nos colocar em outro patamar,
ao subirmos em uma cota mais alta que o grande platô, chamado de Crescentone, que
soma mais 20cm de altura em relação a cota do pavimento circundante. Foram
segundos sobre 40cm, que nos tornaram o ponto mais alto em uma piazza.

Figura 6 - Voz “alta” na praça. O velho está na cota 40cm em relação ao entorno do crescentone
que o banco de 20cm está apoiado. Foto do autor.

6. O grande baile popular: o dia em que dancei com a cidade

Era uma terça-feria, umas das primeiras noites da primavera. Fazia um frio moderado
em torno de 15ºC. Soube que iria acontecer uma dança coletiva na piazza e não
pensei duas vezes em ir conferir esse evento. Da minha casa, na Via Amendola,
demorava cerca de doze minutos, andando debaixo dos pórticos da cidade, para
chegar na Maggiore. Bastava virar a primeira à esquerda até a Via Indipendenza, e
depois seguir reto. A entrada do meu prédio fica em uma cota de doze metros abaixo
em relação ao nível da Piazza Maggiore. Vencia o desnível na proporção de um minuto
para um metro de altura. Passei pela Piazza Nettuno e cheguei sozinho ao lugar.
Avistei na extremidade oeste da piazza uma aglomeração de pessoas. Sentei no chão,
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perto da beira do tablado elevado de aproximadamente 20cm e fiquei observando
(figura 7). Eles dançavam músicas da época medieval; havia entre 40 e 50 indivíduos
na piazza, que se misturavam acordados pelo som que saia dos instrumentos musicais
de um grupo composto de umas cinco pessoas sentadas no chão. Momentos depois
chegaram meus amigos italianos, que me convidaram a entrar na roda que não
parava de crescer. Aprendi alguns passos de dança e comecei a me entrosar com os
outros participantes (figura 8).

Repentinamente uma janela abriu acima dos pórticos da passagem da via mais bonita
da cidade, a Via Pecherie Vecchie (figura 9). A mulher, com o busto contra a janela,
pedia encarecidamente por silêncio. Nos arredamos à oeste, no sentido da estátua de
San Petronio que fica na fachada do Palazzo D’Accursio margeando a piazza, e
retomamos com a dança. Formamos a grande roda, e trocávamos de parceiros ao
passo que a música tocava. As mulheres circulavam pelo sentido horário e os homens
faziam o oposto. Dancei cerca de 15 segundos com uma moça, ela perguntou que
perfume eu usava, só consegui responder com um ‘’ quase grito’’ quando já estava
com outra parceira de dança, fomos nos distanciando e nunca mais vi aquela ragazza
novamente (figura 10).

O patamar elevado, chamado de crescentone, organiza a disposição das pessoas


envolvidas neste evento. Quando a formação da roda é alterada para oeste, as
pessoas continuam dentro do perímetro desse platô, mesmo com a possibilidade de
avançar mais ao oeste e sair deste nível, ficando ainda mais longe da mulher que está
se sentindo incomodada. O crescentone qualifica o espaço da piazza, tornando-a,
nesse caso, um grande palco. Organiza também os espaços dos eventos, como o
cinema a céu aberto nos meses de Julho e Agosto. Para este evento, cadeiras são
posicionadas no interno desse retângulo de dimensões 113x59 metros. O espaço
coletivo é vivenciado em seu auge. Pessoas de diferentes classes sociais, culturas e
etnias dividindo o mesmo espaço. Sem hierarquias, todas medem 20cm, estando
sentadas em uma cadeira ou no chão fora do crescentone. São espaços ricos como
esse, capazes de aproximar as pessoas, que fazem desta uma cidade melhor. Com um
espaço que permite as descobertas, o encontro ou a experiência urbana de algo
inimaginável.

Figura 7 – 1º momento, chegada ao evento e a primeira composição do grupo na piazza.

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Figura 8 – 2º momento, aproximação ao grupo que se preparava para a dança.

Figura 9 – 3º momento, a grande roda que se formou e a mulher na janela.

Figura 10 – 4º momento, posicionamento na extremidade esquerda do crescenton e fenômeno


do encontro com a menina. De acordo com a classificação de Charles Sanders Peirce(1977)
sobre fenômenos, determinamos que o fenômeno da dança na piazza é um de segunda classe,
pois trata-se de um choque, uma vez que esse evento era realizado normalmente em um lugar
fechado e neste dia específico aconteceu na piazza, caraterizando um conflito entre ações e
hábitos. O fato da menina perguntar qual perfume o individuo usava naquele momento,
caracteriza um fenômeno de primeira classe, a primeiridade, aquela de uma qualidade, do
espontâneo, atributo de sensação e da percepção sensorial. Esse fenômeno é um fenômeno
único, não esperado. Capaz de imortalizar a cena na lembrança, não só do individuo, mas
também da menina, pois o cheiro do perfume foi associado com o acontecimento daquele
momento.

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7. Piazza Verdì

Figura 11 - Em destaque, um lugar para sentar no chão com os amigos, a Piazza Verdì.

A zona universitária é uma região particular. Cortada pela Via Zamboni, com sua cota
mais alta no fim da Via Rizzoli e a mais baixa no ponto onde fica a Porta San Donato;
seus edifícios estão dispostos ao longo da via.

Uma das características de Bologna é a presença dos “Erasmus”, estudantes de


intercâmbio que ajudam na formação de uma cidade universitária. Esses estudantes
fazem parte da cidade, e estão diretamente ligados à flexibilidade do uso na Piazza
Verdì que quebra a barreira do espaço físico tornando o fator ‘’espaço social’’ uma
informação muito forte do local. Esse sítio carrega consigo todo um significado
histórico de um lugar de convivência independente da sua materialidade. Assim como
vemos no trecho abaixo:

[...] a espacialidade constitui representação do espaço e sua


semiótica permite entender o modo como, em espacialidade, o
espaço se transforma em lugar, não físico, mas social, onde
abrigam a comunicação e a cultura nas suas dimensões
históricas, sociais e cognitivas. Assim sendo, o estudo desse
espaço “entre’’ supõe oferecer outra contribuição para a história
da cultura, que vai da plasticidade do material a ilusão da ima-
gem, e para a história da comunicação, que vai da mensagem
que justifica relações humanas e sociais ao vínculo que se
transfoma em mediatização, considera a transmissão que
depende do modo como a comunicação se organiza e cria
outros ambientes sociais, ou os transforma radicalmente,
criando-lhes contextos e ambientes específicos. (FERRARA,
2008, p.13)
Acontecem nesta região movimentos estudantis, manifestações e principalmente,
acontece a Piazza Verdì, delimitada por um teatro que margeia a Via Zamboni, os
fundos de uma igreja, e dois edifícios com um bar no térreo cada um, que de dia
funcionam como restaurante, tendo uma via como elemento divisor entre eles.

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A piazza se transforma ao anoitecer. Pessoas começam a se aglomerar, sentadas no
chão dispostas em vários círculos. São diferentes indivíduos, de etnias distintas:
estudantes espanhóis, portugueses, americanos, brasileiros, turcos, franceses,
italianos, entre outras nacionalidades. Eles dão um caráter de heterogeneidade àquele
lugar. O propósito de se estar ou permanecer no recinto é simplesmente o do usufruto
da troca de experiências, conversas e reuniões sociais. O serviço ilegal da venda de
cerveja por imigrantes inflama mais ainda os jovens, garantindo que eles permaneçam
ali, sem precisar sequer levantar para comprar uma bebida.

É importante observar como esta “atmosfera” contamina a cidade tal e qual nos
sinaliza o arquiteto Peter Zumthor, em seu livro sobre o assunto, discutindo a
presença da praça:
Uma experiência simples, desculpem a simplicidade do meu
pensamento. Mas ao eliminar a praça – os meus sentimentos
desaparecem. Naquela altura, nunca os teria tido da mesma
forma sem a atmosfera da praça. Lógico. Existe um efeito
reciproco entre pessoas e as coisas. (ZUMTHOR, 2009 p.18)
A posição da piazza em relação a cidade e seus usos é fundamental para o sucesso da
mesma enquanto referência de espaço de convívio urbano. Com uma forma retangular
e, o lado maior paralelo a Via Zamboni, ela é um suporte para os prédios da
universidade.

De dia, funciona como um grande pátio para reunião de alunos (figura 8), e de noite
apresenta-se como um espaço completamente diferente do que descrito
anteriormente. Um pedestre que desce a Via Zamboni, partindo das duas torres no
final da Via Rizzoli, encontra a piazza à sua direita. Primeiramente percebe algumas
árvores pequenas plantadas em uma caixa de madeira com alguns bancos do mesmo
material juntos a ela, depois atravessa a continuação da Via Petroni perpendicular a
Via Zamboni e se depara com o vazio.

Diferente da Piazza Maggiore que têm um tablado elevado cerca de 20cm, essa piazza
fica no mesmo nível que as vias ao seu redor. Alguns paralelepípedos de dois
tamanhos distintos servem de mobiliário urbano para a jovem população que a
frequenta e demarcam o perímetro da piazza, diferenciando o espaço para circulação
de carros daquele para o uso dos pedestres. Algo que acontece naturalmente, sem
conflitos entre eles. Uma relação de respeito perante ao espaço público. A dimensão
total do espaço é de 73x24m, porém, assim como na Piazza Maggiore um espaço que
é destacado pelo crescentone, existe um espaço fisíco de 17x45m que é o ponto de
maior densidade da Piazza Verdì, delimitados pelos mobiliários urbanos.

Figura 12 - Situação Piazza Verdì. Nota-se os grupos de pessoas nas extremidades da piazza.

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8. Porta Maggiore

Figura 13 - Em destaque, a porta que nos leva em direção ao mar, a Porta Maggiore.

O muro desta cidade medieval foi projetado no início do século XIII e terminado em
1385. Seu desenho permaneceu praticamente inalterado até sua demolição um pouco
depois de 1900, para as obras de modernização da cidade. O muro de nove metros de
altura formava uma fortificação relativamente vulnerável em relação às outras cidades
italianas, que depois de 1500, com o uso da pólvora, deixaram seus muros mais altos
e robustos. Bologna começa o século XVI demonstrando como a construção de uma
fortaleza moderna poderia ser grandiosa e problemática ao mesmo tempo.

No início de 1900 a cidade passou por um processo de modernização. Muitas


adaptações foram feitas nesse período, dentre elas a demolição do muro, que teve um
grande efeito no funcionamento da cidade, pois deu lugar a um grande anel viário.
Alguns vestígios do muro ainda são encontrados na cidade devido a preservação pa-
trimonial, principalmente as portas, que tem um grande valor não só histórico, mas
também como marco urbano. As quinze portas restantes, da última expansão do teci-
do medieval, funcionam como pontos de referências para as pessoas da, e na cidade.
Durante muitos séculos a Porta Maggiore foi a principal porta de Bologna. Situada ao
fim da Strada Maggiore, ela conecta a cidade com a Via Mazzini, que segue na direção
sudeste até a costa do mar Adriático.

Imagino como seria prazeroso sair reto das duas torres em direção ao mar, passando
por várias cidades que ficam alinhadas com a porta. Fantasio também a época
medieval. As pessoas vinham do sul da Itália, falavam napolitano, entravam pela
porta como se estivessem entrando em uma casa de algum desconhecido que fala
uma língua estranha. Nessa casa a Strada Maggiore é um grande corredor que liga a
porta até o seu “hall” principal: as duas torres.

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9. Madonna di San Luca: a guardiã de Bologna

Figura 14 – Em destaque, uma lenda, o caminho pelos arcos e a Basílica da Madonna di San
Luca.

O viajante que chega de avião, trem ou carro na cidade avista de longe a Basílica da
Madonna di San Luca, situada em um monte alto na parte sudoeste da periferia de
Bologna. Ela é o primeiro grande anúncio da cidade para quem chega. Também é
possível identificá-la das zonas agrícolas livres de construções, durante a passagem
pelas estradas que fazem a ligação com outras partes da Itália.
Relatos de uma visita na Madonna di San Luca em 08/09/13:
O ponto de partida da peregrinação para conhecer a guardiã da cidade foi a Porta
Saragozza, seguindo pelos pórticos até a Madonna di San Luca. O caminho formado
por seiscentos e sessenta e seis arcos carrega uma lenda consigo: quem subir àquela
colina através deles, pagará seus pecados. Cada arco tem um nome e são numerados.
Subindo, eu observava as marcas do processo de restauro, aquela massa branca
passada para cobrir as rachaduras mais pareciam veias que ligam a cidade com a
igreja. Um grande “cordão umbilical” que transposta as suas crenças. No meio do
caminho, percebi uma mancha vermelha na manga da minha camiseta. Havia
esbarrado em uma das colunas de tijolos. Fui marcado e fiquei sagrado por aquela
artéria, um batismo simbólico que me fez pertencer mais ainda de Bologna.
Ao chegar ao topo, bem de longe, via uma pequena cidade congelada por todo o
tempo que ali fiquei parado olhando em direção ao centro. A parte sul da cidade é
repleta de verde, isso se faz parecer ainda maior à distância.
Aquilo que mais gosto neste lugar, não é a igreja, nem a vista, mas sim como cheguei
até a guardiã. O modo como fui levado, guiado, transportado por um caminho, que
representa uma lenda da cidade.

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10.Via Pescherie Vecchie, a mais bonita da cidade

Figura 15 - Em destaque, um detalhe da cidade de Bologna, a Via Pescherie Vecchie.

Não poderia ser mais ao centro da cidade a localização da curta e estreita Via
Pescherie Vecchie (velhos pescadores). Ela é um detalhe remanescente no tecido
urbano e mantêm vestígios da antiga Bologna, não só pela sua tipologia que resistiu
às mudanças urbanistícas e às guerras, mas sobretudo pelo seu uso específico do
comércio de peixes, carnes, frutas, flores, especiárias, mortadela a Bolognesa e outras
iguarias típicas italianas (figura 16).

Ao entrar nessa via, que desagua na Piazza Maggiore, mergulhamos em um mar de


sensações ativador dos nossos sentidos, sobretudo o paladar e olfato. Quando
pensamos em um projeto de arquitetura ou urbanismo, pensamos sobre formas,
materialidade e suas cores, relações de fluxos e espaços, entre outras coisas. Mas eu
me pergunto: o que seria um projeto de arquitetura para aguçar os sentidos mais
primitivos, aqueles invisíveis, sensações não táteis, das quais temos dificuldade de
explicar para outra pessoa sem um exemplo presencial, algo impossível de desenhar
como hipótese para uma futura execução, ou melhor, futura tradução na forma de
projeto? Provavelmente não pensaram nisso para a composição dessa via quando da
sua criação, mas, certamente essa arquitetura invisível, impregnada de qualidade
sensorial, acontece nela de uma forma surpreendente.

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Figura 16 – Via Pescherie Vecchie e sua e sua palheta de cores nos expositores. Foto do autor.

Os cheiros se misturam em meio a variedade de tantos gêneros de produtos. Diferente


do que estamos habituados a ver, os vendedores italianos não deixam o freguês
escolher as frutas pelo tato. Primeiramente é feito o pedido de quantos quilos do
produto o cliente pretende adquirir, depois, o comerciante separa pessoalmente o
produto para entregá-lo. Mesmo não duvidando do frescor dos produtos, esse habito
de não tocar nos leva a observar com mais atenção os gestos do vendedor, pois não
temos o auxílio do tato para escolher uma laranja menos madura, por exemplo. Para
isso, é preciso observá-la, sentir seu cheiro ligeiramente sem nos aproximar tanto da
fruta. A textura da casca da laranja é única. Embora existam outras frutas com o
pigmento de cor semelhante, conseguimos diferenciar uma laranja de outra fruta, com
facilidade; mesmo não podendo tocá-la, é como se pudéssemos sentir aquela textura
apenas com os olhos.

Uma mulher sentada no chão, de costas para o arco que faz a transposição da via com
a Piazza Maggiore, tem em suas mãos um pincel e uma palheta de cores,
provavelmente de tinta aquarela. Ela pinta sobre a tela a vida real, pinta as frutas,
pinta o laranja de laranja, Bologna de vermelho, pincela com as cores da palheta a
palheta de frutas dos expositores. Ou a palheta de cores dos expositores que colore o
papel dessa mulher (figura 17).

Figura 13 – Mulher pintando, com sua palheta de cores, na Via Pescherie Vecchie. Foto do autor.

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As cores da bicicleta, parada no intermédio das fachadas das edificações, me fazem
lembrar as cores do gelato da sorveteria Gianni ao lado das duas torres. Ela é mais um
elemento especial que ajuda na configuração da harmonia deste pedaço de cidade.
Não sei quem é seu dono, nem como ela chegou ali, ou se ela está flanando igual a
eu. Certa vez, conheci uma bicicleta chamada Gioconda, não do Leonardo Da Vinci,
mas sim do Leornado Cavalcante, meu colega de quarto. Sei que um dia ela o levou
para Faenza, à 80km de Bologna, mas isso é uma outra narrativa.

Outro aspecto fascinante deste lugar, é a beleza da organização dos expositores. Tudo
é muito fresco e de alta qualidade. Tal atenção ajuda a fisgar os compradores. Os
peixes parecem ainda vivos, colocados inteiros sobre uma camada espessa de gelo
depositados em caixas plásticas brancas. Lembro muito bem quando fui à Napoli, no
sul da Itália. Deparei-me no porto com pescadores vendendo seus frutos do mar, e me
lembro sobretudo do cheiro no ar do cais. O aroma do fresco, a essência do úmido, os
polvos ainda vivos colocados em um balde no chão. Essa é a mesma sensação que
tinha quando passava pela Via Pescherie Vecchie, ou, para os mais íntimos: a mais
bonita da cidade. Esta via me conduz para um lugar além do real. Mesmo sabendo da
posição geográfica da cidade, ao centro da Itália, e afastada da costa do mar, em
pequenos trechos desta via me sentia em uma zona portuária. Era como se eles, os
pescadores, tivessem pego aqueles peixes no canal Reno que passa por baixo da Via
Indipendenza, ou pela janela da Via Piella, no olho da rua.
Embora volte para a realidade, e tendo a certeza que estou longe, fico confortado em
saber a possibilidade de subir a Via Pescherie Vecchie, virar a primeira à direita na Via
Drapperie, seguir pela Via Rizzoli até o ponto onde estão situados o mastro da cidade,
as duas torres, e então seguir em um caminho linear guiado pela Strada Maggiore,
com a única certeza que em algum momento chegarei ao mar.

As pessoas vão e voltam


Vão e voltam
com o cheiro do úmido
Vão no sentido do mastro do barco
Bologna Vão com o vento soprando na vela colorida de vermelho
azul
vermelho
azul
vermelho
Voltam com cores laranjas
vai
elas vêm e veem o vermelho
dissolvendo no azul do cheiro do mar
desaguando na Piazza Maggiore escorrendo na fontana dell Nettuno
As pessoas vão
e voltam
vão
e
voltam.

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Figura 18– O vento soprando na vela colorida de vermelho. Foto do autor editada.

11.Conclusão
Certa vez, no início do curso, o professor Mauricio Petrosino falou em uma de suas
aulas que não somos alunos de arquitetura e sim arquitetos em formação. Desde
então tentei pensar e agir como um. Entrei na faculdade com o intuito de ser um
grande arquiteto, conhecido mundialmente, e ficava maravilhado ao olhar para as
obras do Paulo Mendes da Rocha. Agora não penso o contrário, serei sempre um
grande admirador da arquitetura paulistana e do legado que o Artigas nos deixou.

Sempre quis ver meu primeiro projeto residencial construído, contemplar


materializado o lugar de abrigo do homem, consciente de que para me agradar o
projeto teria que ser racional e, de preferência, de concreto armado.

Com o tempo percebi que arquitetura é muito maior que isso. Para elaborar uma
singela casa deveria aprender primeiro outras coisas, porém não sabia ao certo o que
era e onde procurar. A casa tem um vizinho, ao lado dela existe um outro e assim por
diante; todas estão situadas em um bairro disposto como um organismo complexo
denominado como cidade.

Sou um arquiteto em formação, que começou a ver, e perceber a relação dos espaços
externos e internos. No decorrer do curso de Arquitetura em São Paulo (2010- 2013),
a cidade sempre esteve e permanecia lá. Suas correlações: comércio, edifícios
públicos, passagens, barreiras, parques e etc, onde a forma de um espaço construído
acarreta/influência a forma e/ou o uso do outro. A noção da ligação e interdepen-
dência de tudo isso começou a influenciar os meus projetos de arquitetura desenvol-
vidos na faculdade.

Quando fui estudar em Bologna (2013-4), sempre soube que deveria pensar em um
tema para o TCC, no período do intercâmbio. Provavelmente um projeto arquiteto-
nicamente bem resolvido, e representado de forma adequada, com cortes, plantas,
fachadas, detalhes construtivos, renders e diagramas. Afinal, seria o meu último pro-
jeto como um arquiteto em formação e não poderia entregar algo medíocre. Teria que
provar para uma pessoa que eu concluirira o curso sabendo que era capaz de projetar
qualquer coisa. Essa pessoa era eu. Enquanto andava por Bologna pensava em meu
tema e nunca chegava em uma ideia fechada. Tudo passava em minha cabeça: inú-
meros tipos de edifícios de usos diferentes e sempre a casa.

Os dias foram passando e eu me embriagava cada vez mais de informações naquela


cidade. Nunca aprendi tanto observando, e a relação entre espaço interno e externo
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começou a ficar muito mais clara para mim. Os espaços da cidade se tornaram parte
do meu cotidiano e eu havia estabelecido uma relação de intimidade muito grande
com cada lugar. Cada experiência me levava a refletir mais, e a vontade de ficar do
lado de fora já era infinitamente maior do que a ânsia de ficar em casa.

Saber-se arquiteto tem um poder muito grande: poder realizar a materialização de


suas ideias no espaço. Uma boa ideia pode significar muito no cotidiano das pessoas,
uma vez que é para elas que os espaços são projetados, e podemos ter a certeza que
aquele espaço “materializado” será usado de uma forma imprevista da qual foi idea-
lizado. Assim como acontece na Piazza Maggiore , onde acontecem inúmeros eventos
dos mais diferentes tipos graças a apenas 20cm que passam a ser os responsáveis em
ajudar a organizar tudo aquilo magicamente.

Compreender esses espaços é fundamental para poder propor um projeto melhor e


mais sensível ao olhar do pedestre que o consome, portanto a arquitetura não está
apenas garantida pela sua tradução em desenhos técnicos ou diagramas, isso são
apenas formas de representá-la. Na verdade, ela nasce nas escolhas mentais do ser
arquiteto, através de suas percepções sensíveis identificadas nos espaços ricos de
possibilidades de usos que ele cria, e é no momento em que as pessoas o usam que os
espaços arquitetados se tornam propriamente arquitetura.

Referências

CACCIARI, Massimo. A cidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2010. p.24-28

CALVINO, Italo. As cidades Invisíveis. São Paulo: Folha de S.Paulo: Cia das
Letras ,2003.

FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Comunicação Espaço Cultura. São Paulo:


Annablume, 2008. p. 8-36

FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Espaços Comunicantes. São Paulo: Annablume


Editora, 2007. p. 6-37

FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Leituras sem Palavras. São Paulo: Editora Ática,
2002. p. 5-21

GOETHE, Johann Wolfgang. Viagem à Itália: 1776-1788. São Paulo:


Companhia das Letras, 1999. p. 121-131

TUTTLE, Richard J. Piazza Maggiore. Veneza: Marsilio Editori, 2001.

ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2009.

O CARTEIRO E O POETA – Direção: Michael Radford. Itália: Co-produção ítalo-


francesa Cecchi Gori Group Tiger Cinematográfica, 1994. DVD (109 minutos)

Recebido em 20/02/15 e Aceito em 27/05/15.

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Avaliadores Ad-Hoc

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