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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

LEILANE RIGATTO MARTINS

Moda, arte e
interdisciplinaridade

São Paulo
2013
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

LEILANE RIGATTO MARTINS

Moda, arte e interdisciplinaridade

São Paulo
2013
LEILANE RIGATTO MARTINS

Moda, arte e interdisciplinaridade

Dissertação apresentada à Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Área de Concentração:
Design e Arquitetura

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Régis Moreira


Martins

São Paulo
2013
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

E-MAIL DA AUTORA: lanerigatto@gmail.com

EXEMPLAR REVISADO E ALTERADO EM RELAÇÃO À VERSÃO ORIGINAL, SOB


RESPONSABILIDADE DO AUTOR E ANUÊNCIA DO ORIENTADOR. O ORIGINAL
SE ENCONTRA DISPONÍVEL NA SEDE DO PROGRAMA.

São Paulo, 03 de maio de 2013.

Martins, Leilane Rigatto


M386m Moda, arte e interdisciplinaridade / Leilane Rigatto
Martins. – São Paulo, 2013.
169 p. : il.

Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: Design e


Arquitetura) – FAUUSP.
Orientador: Sérgio Régis Moreira Martins

1.Arte contemporânea 2.Moda 3.Interdisciplinaridade I.Título

CDU 7.067.3
MARTINS, Leilane R.
Moda, arte e interdisciplinaridade

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de


São Paulo para obtenção do título de Mestre em Design e Arquitetura

Aprovada em: ____________________________________________________

Banca Examinadora

Prof. Dr (a). _____________________________________________________

Instituição: ______________________________________________________

Julgamento: _____________________________________________________

Assinatura: ______________________________________________________

Prof. Dr (a). _____________________________________________________

Instituição: ______________________________________________________

Julgamento: _____________________________________________________

Assinatura: ______________________________________________________

Prof. Dr (a). _____________________________________________________

Instituição: ______________________________________________________

Julgamento: _____________________________________________________

Assinatura: ______________________________________________________
Dedico este trabalho ao meu marido, Felipe Votava Lourenço, com amor, admiração e
gratidão, por todo seu apoio, carinho e compreensão durante o meu Mestrado.

Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Dr. Sérgio Régis Moreira Martins, que me ensinou com
inteligência e leveza a transitar pela complexidade que se rebate neste mundo que
se descortina para mim e que, sobretudo, ensinou-me a ver o lado bom de palavras
como “contaminação”. Agradeço-o também pelo empenho nas leituras e confecção
desta dissertação.

À contribuição dada em meu Exame de Qualificação pelos professores Dr. Carlos Zibel
Costa e Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira. Suas críticas, considerações e sugestões
foram fundamentais para o amadurecimento da minha pesquisa.

À Elaine Póvoas, gestora institucional, e Michelle Gaizarain, de projetos estratégicos


da MCF Consultoria e Conhecimento, pela presteza com que me colocaram em
contato com a Louis Vuitton do Brasil.

À Patrícia Romano, relações-públicas da Louis Vuitton do Brasil, pelas informações


concedidas a respeito dos atos interdisciplinares propostos pela Louis Vuitton.

Ao Instituto Anette Giacometti, pela cessão de imagens de Alberto Giacometti.

Às indicações iniciais de bibliografia cedidas por Mitisuko Shitara, além das conversas
esclarecedoras.

Aos funcionários da secretaria e da bedelaria da CPG da FAU.

Agradeço à minha mãe, Terezinha Rigatto Martins, pela dedicação e preocupação


com a minha formação. Pela visão e pelo ambiente por ela proporcionados que me
ensinaram a preservar e cultivar o conhecimento. Ao meu pai, Walter José Martins,
por acreditar em mim. E às minhas irmãs, que me serviram como modelo.

Ao meu amigo, sempre presente, André Bragança Martins, por quem tenho grande
estima.

Aos meus amigos e colegas da FAU pelo apoio acadêmico e pelas discussões
prolíficas: Iara Pierro de Camargo, Renata Figueiredo, Lina Kamitsuji, André Lacroce
e Ludmila Machado.
RESUMO

MARTINS, L. R. Moda, arte e interdisciplinaridade. 2013. 200 f. Dissertação


(Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo,
2013.

A presente pesquisa estuda arte e moda buscando relacionar as duas áreas


de conhecimento por meio das teorias interdisciplinares. A parte principal da pesquisa
se concentra no estudo de três atos interdisciplinares ocorridos entre os artistas
contemporâneos Stephen Sprouse, Takashi Murakami e Vanessa Beecroft produzidos
em parceria com Marc Jacobs, diretor criativo da Louis Vuitton. Esses casos de
estudo foram selecionados levando em conta o encontro entre moda e arte que busca
enfatizar a ação benéfica da arte no produto de moda e da moda no campo da arte.
A partir desses casos são levantadas questões pertinentes aos campos da arte, do
design e da moda, evidenciando a troca entre eles, em que permeiam a complexidade
que demanda um processo integrativo. Há interesse em investigar a qual tipo de
interdisciplinaridade cada ato interdisciplinar atende, bem como estudá-los sob um
olhar filosófico, sociológico e também sob algumas teorias da arte. Entende-se que o
estudo interdisciplinar da moda relacionado a outras áreas concorre para formalizar a
pesquisa neste campo.

Palavras-chave: Moda. Arte. Interdisciplinaridade.


ABSTRACT

MARTINS, L. R. Fashion, art and interdisciplinarity. 2013. 200 f. Dissertação


(Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo,
2013.

This research studied art and fashion trying to relate the two areas of knowledge
through interdisciplinary theories. The main part of the research focuses on the
interdisciplinary study of three acts occurring among contemporary artists Stephen
Sprouse, Takashi Murakami and Vanessa Beecroft produced in collaboration with
Marc Jacobs, creative director of Louis Vuitton. These cases were selected taking into
account the encounter between fashion and art that emphasizes the beneficial action
of the art in fashion product and fashion in art. From these cases are raised issues
pertaining to the fields of art, design and fashion, showing the exchange between
them, in which permeate the complexity that demands an integrative process. There
is interest in investigating which type of interdisciplinarity meets every act and study
them under a philosophical, sociological look and also under some theories of art. It is
understood that the interdisciplinary study of fashion related to other areas contributes
to formalize research in this field.

Keywords: Fashion. Art. Interdisciplinarity.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 8
Arte, design e design de moda – aproximações e distanciamentos........................ 13
Atos Interdisciplinares entre arte e moda ao longo da história................................ 46

1 TEORIAS INTERDISCIPLINARES........................................................................ 79
1.1 Fundamentações, conceituações e metodologias interdisciplinares................. 80
1.2 Sobre a história interdisciplinar.......................................................................... 94

2 STEPHEN SPROUSE E TAKASHI MURAKAMI – ESTUDO DE CASO DE DESIGN


DE SUPERFÍCIE.................................................................................................... 100
2.1 Stephen Sprouse e a linha Graffiti................................................................... 101
2.2 Takashi Murakami e a linha Multicolor.............................................................. 107

3 VANESSA BEECROFT E A NÃO INTERVENÇÃO NO PRODUTO DA LOUIS


VUITTON................................................................................................................ 114

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.......................................................................... 131

5 CONCLUSÃO...................................................................................................... 148

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 151

GLOSSÁRIO.......................................................................................................... 157

ANEXOS................................................................................................................ 162
INTRODUÇÃO
Moda, arte e interdisciplinaridade 9

“Fiat modes – pereat ars.”


“Viva a moda – morra a arte.”
Max Ernst, 1919

O reconhecimento relativamente recente da moda como atividade projetual


por parte das universidades, das instituições de ensino e profissionalizantes e pelo
mercado faz crescer a necessidade de um estudo mais aprofundado acerca desta
prática. A moda ganha um papel de destaque como campo de estudo, ao mesmo
tempo em que está aberta a novas experimentações, mas ainda está carente de
pesquisas acadêmicas.
As sondagens experimentais deste estudo referem-se a dois objetos e a
uma interferência de arte-moda de outra ordem, projetados pelos artistas Stephen
Sprouse, Takashi Murakami e Vanessa Beecroft para a Louis Vuitton, marca de artigos
de luxo de moda. Eles serão submetidos a uma análise pormenorizada no decorrer
desta pesquisa. Existem objetos executados por Murakami e Sprouse que se baseiam
principalmente na estamparia corrida. No caso de Vanessa Beecroft, o produto final
dessa arte é etéreo, efêmero, a obra em si acaba e ficam registros sensoriais ou
retinianos da performance, ou em vídeos e fotos. Esses trabalhos possuem caráter
essencialmente contemporâneo, pois vivem na fragmentação, na fronteira. Enfatizam
a relevância da moda como suporte para a arte, contestando sua efemeridade, que é
também condição para sua subsistência.
No Brasil, embora a produção acadêmica de moda tenha crescido a partir da
década de noventa, o número de trabalhos realizados não têm sido suficiente para
elucidar questões de uma área que tem sido ativamente abordada há tão pouco tempo.
Embora vários trabalhos acadêmicos produzidos no Brasil voltados à área de
moda possuam relevância, eles não possuem abrangência no que diz respeito à moda
como atividade projetual relacionada à questão interdisciplinar, especificamente no
caso dos objetos da Louis Vuitton aqui estudados. Eles ilustram bem essa situação e
demandam averiguação mais aprofundada para verificar a interdisciplinaridade como
peça-chave para a compreensão da moda. O ineditismo que envolve o tema desta
pesquisa não só a justifica como reforça sua necessidade.
Fora do Brasil, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, inúmeros
pesquisadores de diversas áreas se dedicam a estudos interdisciplinares entre arte e
moda, mas com caráter essencialmente histórico. É o caso de Peter Wollen, Caroline
Evans, Deyan Sudjic, Radu Stern, Alice Mackrell, Joanne Entwistle e Elizabeth
Wilson, que, embora estudem arte e moda em atos conjuntos, não tratam de casos
contemporâneos e mais recentes, ou não falam sobre questões exclusivas dos
trabalhos desenvolvidos para a Louis Vuitton aqui abordadas.
O objeto de estudo desta dissertação são três atos interdisciplinares que
Moda, arte e interdisciplinaridade 10

consistem em objetos de arte-moda. Envolvem exclusivamente acessórios, como


bolsas, carteiras e cintos, criados para a marca Louis Vuitton.
O diretor criativo da marca, Marc Jacobs, conta com a colaboração de alguns
artistas contemporâneos. Entre eles figuram Stephen Sprouse, Takashi Murakami e
Vanessa Beecroft. As roupas são preteridas neste processo, pois não se encontram
dentro do recorte delimitado, portanto, não são pertinentes à presente pesquisa.
O enfoque específico se dá sobre acessórios, uma vez que grande parte dos
objetos de moda gerados pela aliança entre Louis Vuitton e artistas contemporâneos
resultou em bolsas, sapatos, cintos e lenços. Dentro do recorte específico desta
pesquisa, as roupas se encontram em segundo lugar, tendo, portanto, menor
importância.
No caso do objeto bolsa, por exemplo, ele se mostra mais versátil, já que pode
ser usado com várias produções de roupa – o look1, além de sua durabilidade se
comparada a uma peça de roupa. A bolsa é um objeto em si icônico, onde o significado
não está dado, mas pode ser produzido com maior frequência e profundidade do que
em peças de roupas (FERRARA, 2007: 15 e 19).
Stephen Sprouse e Takashi Murakami interferem no design de superfície,
modificando de forma agressiva o aspecto da bolsa. O primeiro “grafita” em 2001 as
bolsas, e o segundo colore em trinta e três cores diferentes o logo da Louis Vuitton
em 2003.
Vanessa Beecroft cria, em 2005, uma performance dentro de uma loja da Louis
Vuitton, em Paris. Ela envolve produtos da marca, mas em momento algum propõe
alguma mudança direta sobre os objetos em si. Este e outros casos de artistas que
trabalharam em conjunto com a Louis Vuitton são analisados minuciosamente no
terceiro capítulo.
Há interesse, especialmente no terceiro capítulo dedicado à análise dos três
produtos desenvolvidos pelos três artistas, em escrutar a qual tipo de interdisciplinaridade
esses trabalhos atendem de acordo com os autores trabalhados e o contexto em
que foram produzidos. É importante lembrar que existe interesse em averiguar o
reconhecimento da moda como atividade projetual sob a óptica interdisciplinar.
Posteriormente, deve-se pensar de que forma estes atos interdisciplinares colaboram,
tanto para o campo de arte quanto para o de moda.
Por meio deste projeto, pretende-se verificar o desenvolvimento da moda,
principalmente nos últimos dez anos, relacionado às questões interdisciplinares.
Isso abrange a arte, o design e o design de moda. Ainda pode ser reivindicado o
reconhecimento da moda com ciência.

1 Look é toda produção que uma pessoa veste (ou vestirá) ao mesmo tempo, como, por exemplo,
camisa, colete, saia, meia, sapato e chapéu. Engloba tudo o que ela está usando e, geralmente, visa o
uso de peças coerentes entre si e a um determinado estilo.
Moda, arte e interdisciplinaridade 11

Alguns conceitos citados mais adiante nesta introdução poderão aparecer ao


longo da dissertação de forma mais extensa quando necessário e são aplicados aqui
com o intuito de delimitar o objeto de estudo e apresentar qual é o objetivo desta
pesquisa.
A intenção é que a pesquisa se desdobre e contribua para a discussão e a
proposição de métodos voltados a trabalhos interdisciplinares relacionados à moda,
design e arte no sentido de produzir bibliografia específica que favoreça pesquisas
posteriores e desenvolva esse campo ainda incipiente.
A interdisciplinaridade se intensifica no contexto descrito principalmente a partir
da década de setenta, levando em conta as evoluções ocorridas até a atualidade.
Ela pode auxiliar no entendimento do atual papel da moda nas instâncias projetual e
acadêmica a partir do momento que se reconhece a moda com um suporte para a arte
ou a arte como modelo processual para a moda.
Ao estabelecer parcerias com outros campos, a exemplo dos três artistas
trabalhados nesta dissertação, a moda se vale da legitimidade da interdisciplinaridade
em busca constante de renovação. Ela enriquece o repertório das áreas envolvidas
favorecendo a ideia de colaboração entre elas, além de fomentar o questionamento
entre as partes de diferentes sistemas. É creditado à interdisciplinaridade um
enriquecimento gerado por essa troca de informações. Há interesse em descobrir de
que maneira ele se desdobra.
Por que a Louis Vuitton acredita que a arte é fundamental ao seu processo que
se impõe sobre a autodestruição de suas tendências de uma estação para outra?
Por que a Louis Vuitton deseja tornar algo tão marcante algo tão efêmero? Em que
aspecto isso é benéfico para a marca? Seria uma tentativa de valorizar ainda mais
seu patrimônio? Ou o esgotamento de tendências e recursos inovadores atingiu esta
marca que sempre teve acesso praticamente irrestrito aos meios necessários para o
desenvolvimento de seus processos e produtos?
Talvez seja de interesse da própria Louis Vuitton proporcionar o acesso à arte
a um público menos intelectualizado com alto poder aquisitivo. A efemeridade que
permeia as relações de consumo gera um vazio e o próprio consumo da informação
de arte se torna efêmero. Ao mesmo tempo, dá a impressão a quem consome este
produto de estar ilusoriamente consumindo arte.
Seria uma espécie de novo “fruidor” que não é connoiseur de arte, mas acredita
que está consumindo arte ao adquirir este tipo específico de produto proposto pela
Louis Vuitton. A moda nesse cenário se utiliza da arte como fonte de status. Assim,
para o consumidor de acessórios da Louis Vuitton que tenham a interferência de
artistas, é mais cômodo consumir arte adquirindo objetos de moda do que o contato
com obras contemporâneas. Volta-se novamente ao ponto delicado de definir qual é
o limite para categorizar o que é um objeto de arte e/ou moda. Até onde um objeto de
Moda, arte e interdisciplinaridade 12

moda é exclusivamente arte ou moda? – eis um questionamento que permeia essa


dissertação.
Por último, esse status da arte se transfere do objeto para o consumidor que
acredita ser um espectador ou partícipe no contexto da arte contemporânea.
Em uma época onde o consumo é a nova religião, o consumo de algo nobre
como a arte torna-se equivalente a confessar seus pecados e amenizar sua culpa.
Com relação aos métodos e materiais utilizados para o desenvolvimento
desta pesquisa, buscou-se estabelecer relação entre os casos selecionados e a
revisão da bibliografia. Essa revisão resultou em uma reflexão acerca de aspectos
interdisciplinares que envolvem a arte, o design e o design de moda.
A presente pesquisa se divide em três partes: primeiro, a introdução que conta
com uma breve diferenciação entre arte, design e moda, além de um olhar social
e filosófico que recorre a autores como Lipovetsky, Bourriaud, Barthes, Santaella,
Ferrara, Svendsen, Sudjic e Morin, entre outros. Ainda na primeira parte, no Capítulo
I, encontra-se um enfoque histórico dado por Wollen, Evans, Mackrell, Givry, Entwistle
e Wilson, que refaz o trajeto histórico do final do século XIX, passando pelo século
XX e chegando ao século XXI contando com os principais atos interdisciplinares que
foram marcos para a arte e a moda.
Na segunda parte, composta pelo Capítulo II, situam-se as teorias
interdisciplinares que envolvem os atos estudados no Capítulo III. Elas são fornecidas
por Fazenda e Japiassú no Capítulo II e serão ilustradas por exemplos do Capítulo I.
A terceira parte se refere ao Capítulo III, onde há uma análise mais aprofundada dos
produtos e seus processos criativos. Esse capítulo foi confeccionado após a revisão
bibliográfica de obras que contam a história dos atos realizados para a Louis Vuitton
e do questionário semiestruturado aplicado à relações-públicas da Louis Vuitton no
Brasil, Patrícia Romano. A reunião e o estudo desses documentos dizem respeito
ao centro de pesquisa. Ainda na terceira parte, após o Capítulo III, encontra-se a
conclusão.
Os anexos encontrados ao final desta pesquisa contam com documentos e
questionário semiestruturado feito à responsável pela área de relações-públicas da
Louis Vuitton, Patrícia Romano, que foi de grande valia para este trabalho e serviram
para orientá-lo, especialmente pela pouca ou inexistente bibliografia. Além disso,
trabalhos atuais da Louis Vuitton e dos artistas estudados foram exaustivamente
monitorados por intermédio de publicações e sites de internet para que apontassem um
direcionamento que pudesse elucidar alguma questão referente à presente pesquisa.
Moda, arte e interdisciplinaridade 13

Arte, design e design de moda – aproximações e distanciamentos

Esta pesquisa tem como interesse verificar o reconhecimento da moda como


atividade projetual por meio do estudo de casos interdisciplinares entre moda e arte,
que concorrem para essa fundamentação quando a arte reconhece a moda como
suporte. Um esclarecimento acerca das vinculações entre arte, design e moda é
fundamental para enredar as questões inerentes à realidade interdisciplinar de que
trata esta pesquisa.
A melhor maneira e também a mais simples de introduzir o tema desta
dissertação é explicando cada um dos termos empregados em seu título: Moda, arte
e interdisciplinaridade.
A palavra interdisciplinar encontra na pedagogia sua justificativa e remete
à interação existente entre duas ou mais disciplinas, onde ela é regida por uma
axiomática comum a várias disciplinas que obedece a uma disciplina de nível
hierárquico imediatamente superior (FAZENDA, 2002: 38).
Fala-se de reconhecimento da moda como atividade projetual sob um viés
interdisciplinar, além de seu valor acadêmico que está intimamente ligado à aceitação
da legitimidade e consequente valorização do sistema da moda, como fenômeno
que precisa se desconstruir para se recriar incessantemente. Contraditoriamente, a
moda precisa se autodestruir para existir. O seu valor se manifesta, neste contexto,
de acordo com atos interdisciplinares ricos em colaborações tanto para as artes e o
design quanto para ela mesma.
Vale um esclarecimento imbricado dos termos arte, design e moda, a fim de
explicitar o recorte que se pretende.
Partindo da premissa que o vocábulo design do inglês é uma palavra de origem
latina, é possível perceber aí a dimensão de sua complexidade. Nesse sentido,
confere-se a ele os mais diversos significados: propósito, plano, intenção, meta,
conspiração, forma, estrutura básica, esquema maligno, enquanto substantivo. Como
verbo exprime os seguintes sentidos: tramar algo, simular, projetar, esquematizar,
configurar e proceder de modo estratégico. Também denota as ideias desenho e
signo. É um desígnio que está intimamente ligado à astúcia e à fraude (FLUSSER,
2007: 181).
O designer é, portanto, um conspirador malicioso que faz uso da máquina para
realizar seu intento. Ela é quem dá o sentido atual conferido ao design, relacionado
à mechos do grego, o que incita uma armadilha. A máquina é um dispositivo para
a enganação pelo qual o designer atinge seus objetivos de criação de um objeto,
repaginação do mesmo – styling – ou conferir novo uso a um determinado produto já
existente (FLUSSER, 2007: 182).
De acordo com estas definições, o design se adequa ao capitalismo tardio
Moda, arte e interdisciplinaridade 14

que impõe a substituição cada vez mais veloz dos produtos anteriores por linhas de
produtos mais novos. A obsolescência se intensificou. Nesse sentido, o trabalho do
designer é fundamental como ato que fomenta a otimização técnica e estética do
artefato. E, para tal atuação, ele recorrerá aos dispositivos que tem ao seu alcance:
as máquinas, os materiais, a tecnologia de maneira geral e à sua própria subjetividade
que, no fim das contas, é que revela a essência de seu esforço. Esse esforço, por sua
vez, implica em diferenciação constante que leva a um desgaste repertorial, pois o
designer está quase sempre a serviço de uma empresa que depende de seu sucesso
financeiro para garantir sua subsistência e, indiretamente de seus funcionários, entre
eles o designer.
Nesse contexto, o designer se empenhará em pesquisar, reformular e abstrair
segredos de produção ou de qualquer outra ordem com cada vez mais intensidade em
uma realidade onde o consumo intenso baseado na efemeridade do uso do produto
foi instaurado. Essa relação de desgaste embota a imagem do designer, levando a
crer em alguns momentos que ele é alguém de quem sempre se deve desconfiar,
é alguém que está sempre pronto a enganar. Os conceitos sobre o design ou o seu
materializador humano, elencados por Vilém Flusser, não parecem agora tão absurdos.
Flusser também se refere a outro aspecto basilar do design. A antiga explicação
de arte, que está relacionada à techné (técnica) do grego que, por sua vez, está ligada
à tekton (carpinteiro). O material amorfo, hylé, que receberá o afeto do artista, se
tornará o produto final de sua arte. Assim, o artista é quem provoca o aparecimento da
forma. Artista e técnico eram funções que se fundiam, pois a arte estava em um estágio
essencialmente técnico. Platão considerava esses indivíduos impostores e traidores
das ideias, pois as deformavam ao tentar seduzir os observadores (FLUSSER, 2007:
182).
Ars do latim equivale à techné e sintetiza a noção de manobra, agilidade,
enquanto artifex refere-se ao impostor. O artista é então um prestidigitador que se
utiliza de artifícios para manipular. Ele tem poder – Kunst em alemão deriva do verbo
poder – no sentido de poder realizar algo (FLUSSER, 2007: 183).
É nesse ponto que a arte e design coincidem e ao mesmo tempo se contradizem.
São capazes de estetizar objetos que sensibilizarão as pessoas, em quantidade muito
limitada e de modo a ser cultuado, ou de forma que também seja cultuado, mas
massificado.
Esse objeto de culto, exclusivo, que responde a uma qualidade máxima e a uma
quantidade mínima, denomina-se obra de arte. A arte se interpõe como modelo da
produção de objetos que têm o máximo de valor (ARGAN, 2005: 252), em detrimento
do design que se caracteriza pelo produto reproduzido em larga escala. Uma coisa
é “a coisa que tem valor” e outra é “o valor da coisa”. Essa dicotomia guia a relação
existente entre arte e design que se intercalou em diversos períodos. Houve fases ou
Moda, arte e interdisciplinaridade 15

regiões culturais inteiras em que a práxis prevaleceu sobre a teoria e outras em que
a teoria predominou sobre a práxis, o que levou a segunda a ser reduzida à operação
mecânica que, por sua vez, está sempre aquém de um modelo ideal (ARGAN, 2005:
13 e 14), ideal este que levava Platão a julgar impostores os que tentavam se apropriar
da forma.
Existe uma contiguidade entre arte e design cada vez mais explícita. O consumo
de massa de produtos industrializados desenhados por designers gráficos, de produto
e de moda muito reconhecidos ou de artistas faz com que a linha que separa o design
da arte obnubile-se em direção a um caminho que talvez um dia eleve o design ao
status da arte. Essa condição se formaliza o mastige (mass + prestige), onde o saca-
rolhas é assinado por um grande designer italiano e o espremedor de laranjas por um
célebre designer francês, levando ao ápice do consumo do capital cultural, quando um
artista inglês assina uma coleção de jeanswear, ou uma célebre arquiteta iraquiana
cria sandálias de plástico. Esses exemplos mostram que o mastige satisfaz o indivíduo.
Ele pode não ter acesso a uma grande arquiteta para projetar sua casa, mas tem
possibilidade de contato com seu trabalho adquirindo a sandália que ela desenhou.
Alessandro Mendini, Philip Starck, Damien Hirst ou Zaha Hadid equiparam-se na
materialização de uma assinatura prestigiosa em campos interdisciplinares.
O trabalho criativo do artista renova a experiência da realidade estabelecendo
uma relação entre a arte e a sociedade que sai da primeira para segunda, nunca ao
contrário. Dessa forma, a produção artística estabelece uma história das imagens
que [assim como o design], está vinculada às atividades culturais. Levando em
consideração que a forma se legitimava por meio do espírito, por ser imanente a uma
época onde o seu sentido se concentrava na atividade espiritual e no conhecimento e
não no sentido (ARGAN apud NAVES, 1992: XII; XV; XVI e XXII), essa discussão se
aproxima da ideia de zeitgeist ou “espírito do tempo”.
Antes de analisar esse novo termo apontado, vale lembrar que a construção da
história visual, ligada às artes e ao design, é concebida por críticos de arte, curadores,
artistas e pessoas em geral ligadas às artes visuais. A crítica consiste no fato de a
história do design ter sido em grande parte gestada por indivíduos ligados à arte, nem
sempre ao design, como é o caso de Argan, a quem se atribui alguns sentidos sobre o
que é arte contidos neste texto. Portanto, é necessário ter cautela ao se apropriar de
determinada teoria, sendo importante entender o contexto de onde ela emana.
O “espírito do tempo” ou l’air du temps, mais conhecido como zeitgeist na
sociologia, designa um conjunto de opiniões válidas em um determinado tempo, gosto
ou desejo. Mais utilizado a partir do século XVIII, refere-se, no uso culto, às ciências
sociais para identificar o clima geral intelectual, moral e cultural, predominante
em determinada época (CALDAS, 2004: 70-71). Assim, a partir deste preceito,
compreende-se melhor o uso de um objeto, seja ele de arte ou design. Ao saber em
Moda, arte e interdisciplinaridade 16

que época um objeto foi criado, produzido e posto em uso, é possível entender melhor
quais as necessidades e anseios daquela sociedade em determinado período, para
que esse repertório sirva como modelo para a criação atual.
Cabem aqui algumas definições essenciais sobre moda. O próprio termo zeitgeist
denomina algo que está ligado a um modo de agir, pensar, a um comportamento de
uma época ou região. Dessa forma, a palavra moda se aproxima de “modo”, façon do
francês, que origina por meio da corruptela em inglês a palavra fashion.
O sentido dado à palavra moda a partir de 1700 (BRAUDEL apud WILSON,
1987: 29) passa a significar “andar ao ritmo dos tempos”. Essa definição se encaixa
muito bem na pós-modernidade. Talvez andar ao ritmo dos tempos em função da
valorização exacerbada presente, seja seguir o fluxo fragmentado e complexo
imposto pela ordem atual efêmera, o l’air du temps do momento presente. Nesse
contexto faz sentido pensar a moda interdisciplinarmente. A ramificação de diversas
áreas do conhecimento se une em um momento interdisciplinar, a fim de combater a
fragmentação na busca por uma solução.
Para falar em moda, é imprescindível discutir a origem da vestimenta. Há
algumas possibilidades para justificar o surgimento da vestimenta: o clima que leva o
indivíduo a se cobrir para se proteger do frio, o pudor, uma ideia mais sofisticada de
que os trajes eram usados – pois fornecia magia a quem os usava – e, por último, a
exibição (LAVER, 1989: 7; 8 e 16). Outra conclusão a respeito do aparecimento da
vestimenta se refere, por um lado, ao resultado de condições materiais que implicam
em clima, saúde, agricultura e meios produtivos e, por outro, se refere ao resultado de
fatores mentais, ligados à religião, à estética, à posição social, à magia e à imitação.
Ainda hoje existem dúvidas a respeito do surgimento da vestimenta, se veio antes ou
depois do surgimento da moda (BOUCHER, 2010: 13), mas interessa saber que são
dois fenômenos distintos. A vestimenta refere-se ao ato de cobrir o corpo, já a moda
está intimamente ligada à substituição. Aparentemente é o vestuário que dará vazão
à moda.
Já em 1831, sabe-se que o primeiro objetivo do vestuário, quando se refere
à Pré-história, era o ornamento e não a decência. A primeira necessidade, a de
ornamentação, era espiritual (CARLYLE apud WILSON, 1987: 77). E vale reiterar
que a moda surge, sobretudo pelo aspecto mágico, por acreditar que a diferenciação
atribuiria magia ao indivíduo.
Embora o advento do termo moda esteja ligado ao início do Renascimento,
ele só foi tema de pesquisa científica por volta de 1860, em trabalhos eruditos, de
pesquisadores medievalistas. Estes tratavam a indumentária como uma soma de
peças, e a peça indumentária em si como um narrador histórico (BARTHES, 2005:
258), sem considerar os aspectos sociais e psicológicos implicados pelas roupas.
No livro Para uma crítica da economia política do signo, Jean Baudrillard
Moda, arte e interdisciplinaridade 17

enfatiza que a moda é um dos fenômenos mais inexplicáveis, pela característica de


inovar signos, de produzir significados aparentemente arbitrários e constantes, pelo
mistério lógico de seu ciclo, que são, com efeito, parte de sua essência. Sobre os
acessórios, tatuagens, maquiagem, Baudrillard explica que servem para reescrever a
ordem cultural sobre o corpo, que é o que tem um efeito de beleza (BAUDRILLARD,
1972: 88).
Ainda no que se refere à vestimenta, percebe-se que no mundo ocidental a
roupa sempre superou a funcionalidade; desde seus primórdios já possuía caráter
mágico, daí o vestuário satisfazer um desejo de representação. É a roupa que vai
inspirar medo ou autoridade, distinção por meio do traje do chefe ou do uniforme do
policial ou da toga do juiz de direito (BOUCHER, 2010: 13 e 14). Em vários estágios
de desenvolvimento, o homem se viu obrigado a operar mudanças em suas roupas,
o que foi exigido para sua adaptação aos progressos que o cercavam. Nesta linha,
o estudo histórico do vestuário depende de três fases em que se empenhou uma
sucessão de predominâncias, entre elas: influências religiosas e místicas, esforços de
libertação espiritual e social e concentrações de interesses econômicos (BOUCHER,
2010: 17).
É a noção de distinção de classe, que se rebate na hipótese de o homem se
cobrir por exibição, que melhor atribui sentido ao surgimento da vestimenta (LAVER,
1989: 8). Essa parece ser a forma mais sensível e mais próxima, do que somente no
século XIV, viria a se tornar a moda.
Há implicações sociais e psicológicas nas diferenciações das roupas de povos
e indivíduos desde a antiguidade. É o caso dos egípcios, a quem o apanágio do
uso da vestimenta pertencia às classes ligadas ao Império. Os escravos e os menos
favorecidos andavam nus ou seminus nessa sociedade (LAVER, 1989: 8 e 16).
Especulações a respeito do surgimento da vestimenta são imprescindíveis
para discutir o surgimento da moda. A moda como movimento aparecerá por meio
de mudanças nas roupas cada vez mais constantes a partir do século XIV na Europa
Ocidental. Seu desenvolvimento e trocas de estilos provêm do processo civilizacional
ocorrido nesse período. A moda surge a rigor da distinção social. No período que
marcou o final da Idade Média e início do Renascimento, graças à expansão comercial
e ao crescimento da vida nas cidades, surge uma nova classe: a burguesia (WILSON,
1985: 26; 30; 32).
Abandonando as estruturas feudais, a corte se torna cada vez mais sofisticada
e copiada pelos burgueses. Essa classe nascente possui capital para tentar se igualar
materialmente à nobreza. A corte de Borgonha por sua vez criará uma nova moda
a cada vez que for imitada (BRAGA, 2004: 40), mantendo clara sua intenção em se
diferenciar não só por seu capital, mas por sua tradição. Assim, no século XIV, graças
à cópia da burguesia e à busca pela diferenciação da aristocracia surge o conceito de
Moda, arte e interdisciplinaridade 18

moda.
A moda tem origem nas contradições da sociedade capitalista e funciona como
uma máscara essencialmente urbana. É um reflexo direto da vida nas cidades, é a
própria ironia moderna. Por meio dela se expressam as ambiguidades sociais. Seu
significado e finalidade emanam das contradições do capitalismo que se desenvolvem
no meio urbano: a criação em oposição ao desperdício, a riqueza e a sordidez do
sistema capitalista, a identidade do eu com o corpo e com o mundo e a moda oposta
e complementar à arte (WILSON, 1985: 21; 27 e 29).
O incremento do comércio e do capitalismo, a queda da sociedade feudal, o
crescimento das cidades e a ascensão da burguesia foram as principais razões para
o estabelecimento da moda. É nesse momento de transição do final da Idade Média
para o Renascimento que emerge o conceito de moda (WILSON, 1987: 32-34).
Entre os teóricos, é consenso que a moda desponta entre a segunda metade
do século XIV e o início do século XV na parte ocidental da Europa. Essa formalização
refere-se a três diferentes períodos: do seu surgimento no século XIV até a metade
do século XIX, de 1850 até meados de 1960 e da década de sessenta do século XX
até os dias atuais. Dos três períodos, o primeiro é o mais linear, no sentido de que as
mudanças nas roupas ainda ocorrem de maneira sutil, além de levarem mais tempo
para serem substituídas. O segundo momento, denominado “moda de cem anos”,
está ligado ao nascimento da alta-costura em 1850 e sua formalização ao longo desse
século, o que a tornou modelo de irradiação de tendências para todas as esferas
da moda, do alto-luxo ao popular, ou seja, a despeito de todo o desenvolvimento
tecnológico ocorrido nesse período – a máquina de costura mecânica é introduzida
nos métodos de produção em 1860 – a moda se mantém regular em sua estrutura
de difusão por um grande período (LIPOVETSKY, 1989: 69-72). O terceiro e último
período descreve o funcionamento da moda a partir da década de sessenta do século
XX, que implica em mudanças formais referentes ao modo de se vestir e de consumir.
O último período difere da “moda de cem anos” representando uma nova fase
da história da moda. A emergência desse sistema renovado da moda não compreende
qualquer ruptura com o passado moderno. A burocracia na produção de roupas de
moda orientada por criadores e estilistas, a lógica da produção em série, as coleções
criadas a cada estação, os desfiles e a publicidade de moda serão alterados pelo
redescobrimento do sistema de moda. A ideia de moda no sentido individual e social
mudou junto com os gostos e os comportamentos dos sexos de uma nova classe de
jovens: os baby-boomers. A avidez pelo consumo aumenta à medida que aumenta o
individualismo. Essa fase da moda está diretamente ligada à sua fase anterior, a da
moda moderna, que tinha seu ritmo ditado pela alta-costura. Nesse sentido, esse último
momento é uma extensão potencializada dos preceitos modernos da moda ligados à
sua estética burocratizada por protocolos de difusão de tendências, de produção de
Moda, arte e interdisciplinaridade 19

peças de roupas e sua faceta individualizadora e democrática (LIPOVETSKY, 1989:


107).
Essa situação tem sua origem na década de sessenta na França e nos Estados
Unidos, onde surge a figura do estilista. Ele substituirá o modelista de carreira e, com o
desmantelamento do processo de vestuário, incluindo aí a alta-costura, a “rua” passa
a ser a nova ordem e ela opera na inexorável democratização da moda, analisada por
Lipovetsky anos mais tarde (BAUDOUT, 2000: 17 e 18).
A alta-costura cede lugar ao prêt-à-porter que representa o acesso da massa
à moda. Com a diversificação cada vez maior de produtos, formaliza-se a figura do
“criador de moda” que, nos anos setenta, é quem tem controle absoluto da marca. Nos
anos oitenta surgem as “marcas conceito”, que se vinculam a um determinado estilo
de vida. A partir da década de noventa há uma proliferação das boutiques que visam
atender a demanda gerada pelo desejo individual (BAUDOUT, 2000: 17; 18 e 23).
A configuração do funcionamento da moda a partir dos anos dois mil se rebate
na expressão fast-fashion, que representa seus ciclos. É um termo comum hoje às
redes de varejo que visam à rápida substituição de produtos por outros mais novos, de
forma que sempre disponibilizem produtos novos para que possam ser consumidos
em um ritmo cada vez mais rápido. Esse pensamento ilustra o conceito de moda como
um acontecimento passageiro, só que agora potencializado pela lógica capitalista,
que, por sua vez, está diretamente ligada à indústria da moda. A lógica de Lipovetsky
que diz respeito à difusão de tendências e à crescente faceta individualizadora e
democrática da moda se superou nos últimos dez anos graças também ao modelo de
reprodução do magazine. O magazine atual vende tendências de moda com qualidade
e preço acessível. Ele perdeu seu caráter exclusivamente popular.
É mais simples entender agora porque a moda não é somente a expressão da
cultura do consumo ou da distinção de classes. Embora ela esteja diretamente ligada
a essas duas questões, seria um reducionismo acreditar que a finalidade da moda é
essa, uma vez que ela se constitui sobre a ideia de que o prestígio flerta com todos
os extratos sociais (STERN, 2004: 2). Atualmente, a moda se encontra em sua forma
mais democrática e está disponível para quase todos, independentemente de seus
gostos e classe social, e diz respeito a uma individualidade de massa, onde é possível
acreditar ser único, mesmo que o objeto escolhido seja produzido em massa. É um
design igual para um grande número de pessoas que adquire esses produtos, mas
que ao mesmo tempo emana algo de individual para quem os utiliza (SUDJIC, 2010:
14).
A moda não é uma consequência do capitalismo, mas é antes um dos fatores que
só contribui para o seu crescimento. Ela é uma força maior que dá forma à experiência
social contemporânea (STERN, 2004: 2). Hoje serve de modelo para outras áreas. É
possível ver anúncios publicitários que vão desde alimentos até arquitetura recorrerem
Moda, arte e interdisciplinaridade 20

ao imperativo moda.
Fala-se em “fim do mundo tradicional”, onde, na cultura moderna, a novidade
tem seu valor elevado e a expressão da individualidade humana diz respeito à
dignidade (STERN, 2004: 3). É evidente que a passagem discute a entrada no período
moderno, mas se por uma corruptela essa passagem do “fim do mundo tradicional” for
interpretada como uma ruptura entre períodos pode-se estabelecer uma analogia a
respeito do rompimento da moda com os ditames modernos da “moda de cem anos”
e sua entrada no período contemporâneo, que se inicia a partir de 1960, onde seria
possível falar em um “fim do período moderno na moda”, um fim simbólico da moda
moderna que eclode com as modificações sociais.
Houve um momento na arte que se falava em “fim da história da arte”. Ele
não significa que a arte acabou, mas que o discurso no qual ela está inserida sofreu
uma mudança, já que o objeto mudou e não se ajusta mais às suas antigas diretrizes
(BELTING, 2006: 8). Assim como a arte, o design e a moda também sofreram
transformações progressivas ao longo do último século, imiscuindo-se um ao outro.
A partir da década de setenta, destaca-se nos países capitalistas
industrializados o pensamento pós-moderno, inicialmente dirigido às questões
estéticas e arquitetônicas, tendo, desde então, uma crescente difusão e repercussão
no mundo da cultura e incidindo na elaboração da teoria social e na reflexão filosófica.
O raciocínio pós-moderno denota uma crítica e uma ruptura com a modernidade, com
implicações que atingem desde a vida cotidiana até a produção do conhecimento
social (EVANGELISTA, 2001: 30).
A pós-modernidade abarca inúmeras manifestações do efêmero e seus reflexos
na cultura, nas artes e no design. A arte, a sociedade e o sujeito são marcados
pela efemeridade, pela fragmentação, pelo descentramento, pela indeterminação,
pela descontinuidade, pelo ecletismo das diferenças e pelo caos paradoxal. Nessa
perspectiva, o individualismo domina o cotidiano, por meio do consumismo e pelo
predomínio da informação (EVANGELISTA, 2001: 30).
Na busca de uma solução, algumas obras contemporâneas descortinam-se
nesse cenário interdisciplinar que se desdobra em informações sobre arte e moda.
Assim, a moda passa a ser uma possibilidade de suporte para a arte.
Ainda na década de setenta, o design se liberta da rigidez normativa, passando
por um período de fervilhamento. Para o design, deixa de existir somente uma maneira
correta de fazer as coisas, ao mesmo tempo em que é alcançada uma disposição para
conviver com a complexidade e com a fragmentação.
A arte busca, a partir da década de setenta, questionar limites e fronteiras
da cultura e do cotidiano. Naquele momento, a arte conceitual, uma arte de ideias,
imaterial, estava em seu apogeu. Refletindo sobre seus novos desafios, ela se difundiu
de outras maneiras, por meio dos happenings, das performances e de inúmeros tipos
Moda, arte e interdisciplinaridade 21

de manifestações que tiveram reconhecido seu status de arte dentro desse panorama.
Esse cenário da arte que se forma a partir da década de setenta é fundamental para
o estudo que se pretende nesta pesquisa, pois ele admite formas de arte que se
diferenciam da arte moderna.
A silhueta “H”, que na moda corresponde a roupas com volumes de mesma
proporção nos ombros e quadris, além da cintura marcada, corresponderia aqui para
todos os efeitos ao grid moderno da arquitetura e do design gráfico. Esse quadrado
perfeito onde a silhueta “H” se encaixa será simbolicamente superado, principalmente
a partir da década de setenta. O ideal moderno contaminado por uma estética
minimalista tendia a uma homogeneização. É nesse sentido que se fala em superar
a silhueta “H” a partir da década de setenta, momento de maior abertura a novos
diálogos.
Como a moda é essencialmente contemporânea, é difícil de encaixá-la em
determinado período histórico sem referências de história da moda muito profundas. A
silhueta “H” dominou efetivamente a moda da década de quarenta e noventa, mas não
se pode dizer que ela foi extinta. A silhueta “H” não foi abolida na década de setenta,
então a afirmação do parágrafo acima deve ser entendida de forma alegórica.
Ainda concernente às precisões do termo moda, é possível afirmar que ela
sugere mudança no vestir, ou seja, diferentes modas. Esse sentido é dado às roupas
e acessórios que mudam sazonalmente. Outro sentido dado à palavra moda é dirigido
por padrões comportamentais e estéticos adotados por uma sociedade por um
determinado tempo. Essas lógicas são regidas pela substituição do velho pelo novo.
Se existe uma palavra que sintetizaria a moda como uma ideia, essa palavra seria
“mudança” (CALDAS, 1999: 30), que gera o novo, o exclusivo. A ideia de exclusividade,
além de estar ligada à moda, ao luxo e à arte, é essencialmente moderna.
A moda como representação do ciclo de vida do produto – roupas e acessórios
em especial – cada vez mais acelerado e mais curto só se consolidará entre os séculos
XIV e XV na Europa Ocidental (CALDAS, 1999: 31). Hoje, graças ao fenômeno “moda”,
a obsolescência programada foi superada pela “obsolescência acelerada”.
A moda se enuncia em sua difusão de tendências graças a um preceito
sociológico conhecido como “efeito de
gotejamento”, do inglês, trickle effect. Ele
justifica por si só a difusão, e diz respeito à
criação de fenômenos de moda gerados no
topo da pirâmide social, que caracteriza o
bottom down. Esse efeito atua pela busca
constante de diferenciação, distinção do
grupo. Logo após serem criados, esses
fenômenos se alastram em cadeia sobre as 1. Irmãos Campana. Mobiliário Zig Zag, 2001
Moda, arte e interdisciplinaridade 22

classes sociais subalternas. Estas, por sua vez, imitam as camadas superiores em
busca de identificação com as mesmas. Em uma escala de apropriação de uma
inovação pode-se falar em ordem decrescente em: “inovadores”, “seguidores precoces”
e “atrasados”. Os “inovadores” são os formadores de opinião que criam um estilo a ser
seguido pelos “seguidores precoces” que estão atentos a tudo o que é lançado para
ser consumido como imagem ou produto. Os atrasados, por último, recebem toda a
informação das camadas anteriores e podem adaptá-la para seu uso (CALDAS, 2004:
46).
Um exemplo esclarecedor do trickle effect ocorreu nos últimos anos. A empresa
Grendene vem lançando, desde 2005, várias sandálias da marca Melissa em parceria
com vários designers e artistas,
entre eles, os irmãos Campana.
Eles estariam no topo da pirâmide,
seriam os “inovadores” – a Melissa
Zig Zag inspirada em seu Mobiliário
2. Cópia de Melissa Zig Zag para a marca Material Girl da Macy’s, 2011 Zig Zag sofre o trickle effect. A
sandália, além da versão em
plástico, já foi reeditada flocada (com aspecto de veludo) e com glitter (brilho) pela
própria Grendene. A adesão e o uso desta sandália são representados pela classe
dos “seguidores precoces”. Em último lugar vêm os “atrasados” que, muitas vezes
recorrem a cópias mais baratas do produto e que, ironicamente, trazem algumas
inovações antes mesmo dos “inovadores”. É o caso
da Melissa com glitter, que já é encontrada no
comércio popular há alguns anos, antes de a
própria Grendene começar a fabricá-la. A marca
Material Girl, desenvolvida pela cantora Madonna
para o magazine Macy’s copia de forma quase
idêntica o trabalho dos irmãos Campana, fato
evidenciado pela imagem 2. A imagem 3 refere-se 3. Irmãos Campana. Melissa Zig Zag, 2005
à Melissa original desenhada pelos irmãos
Campana em 2005. Na cópia de 2011 (imagem 2), se não fosse pela palmilha listrada
e pela emenda central, que conota mau acabamento, nem se perceberia que se trata
de uma cópia mais barata da marca Material Girl.
Além do bottom down, onde o fenômeno começa no topo da pirâmide para em
seguida gotejar até sua base, é possível observar o efeito contrário, conhecido como
bubble up. Nesse caso, o fenômeno começa na base da pirâmide e sobe em direção
ao topo, como é o caso do glitter colocado nas Melissas pelo comércio informal antes
mesmo da própria detentora da criação do produto, a Grendene, colocar.
À medida que uma inovação é difundida no campo cultural, ela tende a perder
Moda, arte e interdisciplinaridade 23

sua força, seu significado (CALDAS, 2004: 47). Vale esclarecer que o topo da pirâmide
também é representado por formadores de opinião como a “alta-costura” e artistas,
não estando limitado somente à classe econômica. Assim, é também com a base da
pirâmide que pode ser representado pelo público em geral ou por alguma subcultura,
o underground, a cultura alternativa (JONES, 2005: 51).
Moda e tendência são palavras que se fundem chegando ao ponto de se
equivalerem, já que a tendência é algo que já se transformou ou pretende se transformar
em moda (CALDAS, 2004: 50).
A moda se transforma o tempo todo por meio da criação de tendências. Elas
percorrem o caminho ao longo da cadeia têxtil e seus valores correspondem a uma parte
inseparável do sistema de moda. O trickle effect ou efeito de gotejamento intensifica
o desejo de diferenciação, onde a busca pelo exclusivo, pelo novo, a obsolescência
contínua de artigos criados pelo mercado é o próprio motor da mutabilidade da moda,
pelo qual o indivíduo deseja exprimir uma identidade única, que justifica a sazonalidade
da moda (LIPOVETSKY, 2004: 18 e 19).
Assim como a moda, o design também sofre esse trickle effect. Esse gotejamento
também contamina os produtos e os processos de produção, difusão e consumo dos
objetos de design. O saca-rolhas Anna G. de Alessandro Mendini é um bom exemplo.
Até 2005, só existia o original, da marca Alessi. Pouco tempo depois, já era possível
encontrar sua cópia no mercado popular. A moda contamina outras áreas por meio de
seus processos típicos como a difusão.
A aparência das coisas é, para o design, uma consequência das condições de
sua produção (FORTY, 2007: 12). Assim, os objetos do design, sejam eles de moda,
de produto, de gráfico ou de embalagem sofrerão também ao longo da descida e
subida na pirâmide os efeitos do l’air du temps. E, de acordo com mudanças culturais
ligadas a um determinado período, passarão por mudanças estéticas e funcionais.
Assim como as várias formas de design, a arte também mantém a convicção
no l’air du temps, uma vez que sua história oscilou entre períodos onde houve o
predomínio da práxis ou da teoria, por exemplo. Em dado momento, a arte figurou
como objeto, sendo modelo para outras atividades (ARGAN apud NAVES, 1992: XXI)
como no caso do artesanato. A obra de arte deve ser apreciada no contexto do seu
tempo e circunstancialidade (JANSON, 1992: 9), por isso não é possível separá-la da
conjuntura em que ocorre.
Há exemplos emblemáticos da apreensão do l’air du temps por uma nova
moda. Os dóricos da antiguidade grega impunham aos vencidos a sua moda e seus
costumes, assim como os romanos. Além disso, o primeiro exemplo de bubble up
ocorre em 1789, quando, pela primeira vez, o traje começa a sofrer influências políticas
com os sans-culottes (BOUCHER, 2010: 14 e 17). Na moda, essa influência do l’air
du temps ocorre quando se discute o seu surgimento e da vestimenta pelo viés das
Moda, arte e interdisciplinaridade 24

influências religiosas, místicas, mágicas, espirituais, sociais, estéticas, produtivas ou


por interesses econômicos. Geralmente, o trickle effect é envolvido pelo l’air du temps.
Dificilmente um está dissociado do outro.
O design tem muitas vezes um papel estratégico e acaba por ser inseparável
do período ao qual pertence. Ao longo do texto, esse conceito do espírito do tempo
aparecerá de forma recorrente mostrando como um objeto de design pode estar
alinhado e compreender o período no qual foi gerado e ao qual pertence.
Lipovetsky destaca no pensamento contemporâneo um “futuro eufórico” onde
os designers são afetados pelo l’air du temps, da euforia e do consumo pelo gozo.
Nesse sentido, este projeto visa compreender como atos interdisciplinares podem
colaborar com o ato conceptivo, comum tanto à moda como à arte, a fim de coordenar
esforços realizados em vários níveis para otimizar um determinado resultado. Por
meio da interdisciplinaridade, da união entre o antigo e o novo, entre diferentes áreas
do conhecimento resgatam-se e surgem visões adaptadas à nova forma tecnicista e
consumista que a sociedade tomou, principalmente a partir da segunda metade do
século XX (LIPOVETSKY, 2007: 61), reforçando a vantagem da interdisciplinaridade.
Assim é também com a arte. Em busca de um determinado resultado, o artista
é aquele que deseja sondar a profundidade das coisas e elas estão ligadas a um
contexto geral que as guia (ARGAN apud NAVES, 1992: XIII). O artista é aquele que
vive a procura de algo que não perdeu (MEIRELES apud MORAIS, 1998: 41) e sua
obra é o resultado de uma objetivação de uma verdade subjetiva (CAMARGO apud
MORAIS, 1998: 44). Assim, por meio do pensamento de alguns críticos de arte e de
alguns artistas, é possível sondar o que é a arte e o que o artista pretende para em
seguida tecer uma possível rede de pensamentos entre arte e design que ajude a
enxergar no que elas são compatíveis.
O design propriamente dito “refere-se à preparação de instruções para a
produção de bens manufaturados”, como trabalhar em um design de um carro ou de
um sapato, por exemplo. Ele é mais significativo do que se reconhece, principalmente
em seus aspectos ideológicos e econômicos, tanto que teve participação ativa na
geração da riqueza industrial. Sua questão estética e ideológica jamais devem ser
separadas da ideia de lucro, senão seu sentido se esvazia, tornando o design, um
“apêndice cultural” (FORTY, 2007: 11-12).
Na arte, ao contrário, o compromisso com o lucro não deveria existir. Sabe-se
que o design está diretamente ligado à indústria e produção em série, mas há um
tipo de design que não visa o lucro, ou pelo menos inicialmente não visa. É inegável
que a moda e o design de forma geral são formadores de riqueza, mas peças como
o espremedor de citrinos Juicy Salif de Philip Starck ou o saca-rolhas Anna G. de
Alessandro Mendini possivelmente não foram inicialmente idealizados como sucesso
de vendas. Eles ocupam um espaço no design inicialmente voltado à reflexão.
Moda, arte e interdisciplinaridade 25

Assim é com a alta-costura. Um sistema com um custo altíssimo que sequer


se paga – afinal, quantas pessoas podem pagar milhares de euros por uma criação
parisiense de alta-costura? O que importa, sobretudo, é o fato de que o retorno que
os desfiles de alta-costura trazem em forma de venda de produtos acessíveis como
bolsas, relógios, óculos de sol e perfumes é imenso.
A mídia ajuda a transformar os desfiles em sonhos que só podem ser consumidos
pela maior parte da população em forma de produtos de linha, onde se manifesta
o mastige. O processo de alta-costura se assemelha mais ao processo criativo da
arte ligado à exclusividade, ao valor máximo, enquanto a moda de maneira geral,
excetuando-se a alta-costura, pode ser pensada mais em termos de design, como
produtos criados para gerarem lucro.
Essa discussão sobre os limites entre arte e design se rebate na distinção entre
artes “maiores” e “menores”, abolida na segunda metade do século XIX. A essa altura,
artes “maiores” eram aquelas consideradas não funcionais e exclusivas, calcadas no
objeto único de máximo valor, enquanto as artes “menores” estavam ligadas ao uso
cotidiano, ao produto do artesanato e que em certo sentido evoluiu para o design.
Questionava-se nesse contexto a diferença entre o artista e o artesão (STERN, 2004:
3). De lá para cá, esse debate se tornou cada vez mais intenso e, embora a distinção
tenha sido abolida, até hoje ressoa e divide as opiniões de artistas e designers sobre
suas produções.
Seja como for, “os objetos não são inocentes” (SUDJIC, 2010: 9) e são criados
com alguma finalidade – artística, experimental ou lucrativa. Na arte não é diferente,
e Iwald Granato tem uma declaração arrebatadora da década de oitenta que diz que
a arte não é tão bonita e tão fina como aparenta ser no museu. Ela é bandida, pior
que gente, traidora e sacana (GRANATO apud MORAIS, 1998: 46). É uma instituição
que “produz sentidos ideológicos e posições que regulam e contêm as experiências
subjetivas das pessoas colocadas dentro de seus limites” (GRAHAM apud FERREIRA
e COTRIM, 2009: 432). A arte muitas vezes age de forma manipuladora, assim
como o design que, muitas vezes, busca gerar necessidades, que não constituem
necessariamente uma demanda.
Nesse ponto os dois são bem parecidos, mas a arte parece querer se legitimar
pela exclusividade e pelo desapego comercial. Embora hoje seja conhecido o fato de
que a arte movimenta um mercado bilionário, ela parece querer se esquivar de sua
sorte. O volume de capital movimentado pelo design pode ser maior em números
absolutos, mas o valor unitário de uma obra de arte geralmente ultrapassa o valor de
um produto de design, mesmo que ele seja de luxo. Dessa forma, não se pode afirmar
a inocência artística da produção exclusiva de um único objeto que agora parece
confundir-se entre os campos da arte e do design se for pensada do ponto de vista
mercadológico. O produto da arte não visa somente à celebração da criatividade, mas
Moda, arte e interdisciplinaridade 26

também uma demanda de mercado.


A arte também se assemelha ao design pelo uso que faz do cotidiano. Por vezes
transforma o banal em arte, por meio da assemblage ou do ready made duchampiano.
Talvez entrem aí também os “objetos específicos” de Donald Judd ou os “não objetos”
de Lygia Clark nomeados assim contra sua vontade por Ferreira Gullar. Seja como
for, há inúmeros casos em que “a arte demonstra que o ordinário é extraordinário”
(OZENFANT apud MORAIS, 1998: 39). A união entre arte e vida que tanto o período
moderno celebrou pode ser enfatizada pela frase do artista John Ruskin: “...a vida
sem indústria é culpa e a indústria sem arte é brutalidade” (RUSKIN apud MORAIS,
1998: 35). Essa frase mostra a interação entre arte e vida tão discutida pela arte e
pelo design. No período moderno, o limite entre as duas instâncias é cada vez mais
estreito.
Principalmente a partir da década de sessenta, a arte se utiliza cada vez mais
dos processos industriais inerentes ao design para a produção de suas obras. Por
outro lado, o design se utiliza dos processos de criação da arte de forma quase
irrestrita. Isso pode ser observado nos três casos selecionados por esta dissertação
que tratam de produtos desenvolvidos por artistas para a Louis Vuitton entre 2001 e
2009. Entre eles estão os trabalhos de design de superfície (estamparia) de Stephen
Sprouse em 2001 e 2009 e Takashi Murakami em 2003, além da performance de
Vanessa Beecroft realizada na flag ship da Louis Vuitton em 2005, em Paris. Vanessa
altera a percepção do tradicional produto da Louis Vuitton para quem o observa por
meio de sua performance.
Conforme já foi dito, a arte se utiliza dos processos de produção do design,
além de hoje se aproximar cada vez mais do modo de comercialização dos produtos
originários do design. Nos trabalhos da Pop Art percebe-se nitidamente essa relação
em sua produção e crítica. As colagens de Richard Hamilton ou as apropriações de
Andy Warhol baseiam-se em produtos industrializados. Tanto Richard Serra quanto
Amilcar de Castro utilizam o aço corten em suas obras. Ele é um produto da indústria
usado na construção civil e tem uma resistência três vezes maior à corrosão que o
aço comum. O interessante para esses artistas é que suas imensas obras não se
deteriorem quando expostas ao tempo. Esse aço tem um tom ferrugem, o que lhe dá
um ar envelhecido, conferindo à obra um lugar na memória. Os aspectos subjetivos
de suas obras se utilizam de uma matéria processada industrialmente, cara ao campo
do design.
A conversa complexa que se estabelece entre as obras de Serra, o espaço
urbano e a arquitetura adquirem caráter político e crítico em uma possível reordenação
desse espaço (MARTINS, 2010: 20) que indiretamente gera uma nova maneira de
pensar o design. Assim como influencia a arquitetura, as obras de Serra também
influenciam a indústria produtora de aço que passa a enxergar sua obra como uma
Moda, arte e interdisciplinaridade 27

referência estética. Por outro lado, o aço corten, se pensado como material, tem sua
origem no design, então esse aspecto político e crítico em relação ao espaço urbano
e à arquitetura presente nas obras de Serra pode se estender ao design. Sabe-se que
na tecnocracia a produção industrial é costumeiramente associada à questão política
e carece de crítica.
A partir daí é possível afirmar que arte e design trocam conceitos o tempo
todo, inclusive com a arquitetura, mas o foco deste estudo são o design de moda e a
arte. Conceitos, materiais, ideias e apropriações processuais originários da arte ou do
design podem se sobrepor entre si. É sob esse prisma que os três produtos gerados
por artistas para a Louis Vuitton serão discutidos.
O design pode ser entendido como um serviço público, onde o designer é o
narrador de uma história que, se souber conduzir o uso da linguagem de forma clara e
eficaz, se tornará convincente (SUDJIC, 2010: 24; 34 e 37). A inteligência conspiradora
do designer volta a vociferar.
A essência do raciocínio do designer e os métodos utilizados, inclusive
na produção do produto que deverá ser orientada por ele, é o mais relevante na
produção industrial. O designer sugere determinadas características ao objeto e deve
dar indícios de como ele funciona e de que forma pode ser explorado, no sentido de
otimizar seu uso. O design adapta as percepções ao modo como o objeto deve ser
interpretado. Ainda na esteira do desenvolvimento de produto, é preciso assegurar
a identidade visual de um produto, mantendo traços de família à qual ele pertence
(SUDJIC, 2010: 24; 34; 37; 46 e 51). Nas obras de arte, ao contrário, o artista não
orienta um uso ou interpretação, mas busca atingir uma forma específica, um resultado
que, nesse ponto, aproxima a arte do fazer processual do design. E no caso das
“séries”, produzidas pelos artistas, elas trazem o DNA daquela família à qual as obras
pertencem, mantendo uma identidade visual e conceitual entre suas obras, como no
design.
O design já se encontra embrenhado nas camadas mais profundas da sociedade
pós-industrial. Ele revela valores culturais e emocionais (SUDJIC, 2010: 49). Há uma
fala de Paul Rand com relação a essa situação que só pode ser avaliada com ironia
ou sob um olhar lúdico. “Todos têm ideias diferentes sobre o que seja design. Alguns
pensam que é a gravata do pai. Outros pensam que é a camisola da mãe. Outros
ainda acham que é o tapete da sala. Outra pessoa está pensando que é o papel de
parede do seu banheiro. Entende? Isso não é design. É decoração.” (RAND apud
KROEGER, 2010: 34).
Percebe-se na fala de Rand um reducionismo que acaba por ferir a esfera do
design. O design de moda é responsável pela criação e desenvolvimento de produtos
como gravata ou camisola, portanto os dois são design. Quanto ao papel de parede ou
o tapete da sala, os dois também são design de produto, e só passam a ser decoração
Moda, arte e interdisciplinaridade 28

quando flagrados instalados e coordenados junto ao ambiente arquitetônico.


Existe uma sofisticação nas diferenciações dos vários ramos do design, donde
não se pode afirmar que só o gráfico e o produto são design, até porque, sozinha, a
esfera do produto compreende roupas, mobiliários, utilidades domésticas, carros e
helicópteros, além dos outros gêneros de produtos.
Esse improviso lúdico com relação ao design não conota sua seriedade, mas
serve para ilustrar o quão próximo o design está no contato diário, lembrando que essa
frase proferida por Rand pertence a um tempo, talvez vinte, trinta anos atrás ou mais,
em que o design se encontrava em um grau de profissionalização e reconhecimento
acadêmico bem inferior ao atual. O importante hoje é perceber que há um tipo de design
específico que atende a uma gama de produtos. Se essa necessidade for negada ao
design, corre-se o risco de cair na discussão de bom ou mal design (KROEGER, 2010:
34), que é simplista e não atende à demanda contemporânea, que lê nas entrelinhas,
mais complexa que a moderna.
Esta dissertação não concorda com a visão de “bom ou mal design” e reafirma
o compromisso com a divisão de categorias atuais de design que se torna cada vez
mais clara, senão o próximo passo é negar o design vernacular, ou o Juicy Salif de
Philip Starck, ou a Cadeira Favela dos Irmãos Campana, porque não reúnem as
qualidades do postulado moderno sagrado da “forma e função”. No caso de Starck,
embora seu espremedor de citrinos não seja o mais funcional, ele teve alcance mundial
em matéria de consumo, o que revela a aceitação de um novo modo de pensar. É que
o acontece também com a Cadeira Favela dos Campana. Sem pensamento criativo
não há desenvolvimento no design. A criatividade tem que ser livre, não pode estar
condicionada.
Os nomes desenho industrial ou design não dão conta das diferenças entre os
vários tipos de design. Mesmo fronteiriços, há limitações em cada um deles: moda,
produto, gráfico, embalagem etc. (FERRARA, 2011: 76).
O design representa o todo que pode ser entendido no produto final ou nas partes
que o constituem como esclarecido acima por Ferrara. Dessa forma, “o todo é mais
que a soma de suas partes” (RAND apud KROEGER, 2010: 42). O todo interage com
outras partes por vezes mais complexas. No sentido de potencializar essa afirmação
de Rand há de se pensar também na intertextualidade, onde podem operar vários tipos
de designs diferentes como o design de moda e o gráfico que podem estabelecer um
diálogo filosófico-teórico ou projetual. Essa intertextualidade ocorre entre as estampas
(design gráfico) e as bolsas (design de moda/produto) desenvolvidas por Stephen
Sprouse e Takashi Murakami para a Louis Vuitton.
Além dos diferentes tipos de design existentes, é possível perceber uma
dicotomia entre desenho industrial e design. O primeiro se baseia na invenção e
produção de informação. Ele é essencialmente moderno e está ligado à potência
Moda, arte e interdisciplinaridade 29

produtiva do século XIX aliado à sociedade de consumo, à produção em série. O


design por sua vez visa redescobrir o valor de troca e reelaborar sua dimensão social.
Ele tem o papel de transformar a troca em uma sociedade remodelada (FERRARA,
2011: 68).
O papel do designer é achar uma saída artística para uma forma, uma utilidade
cotidiana, é dar forma a uma evidência funcional (FERRARA, 2011: 78). Essa ideia
não se diferencia muito do momento em que artista e técnico eram funções que se
fundiam na Grécia antiga, onde o artista era aquele que provoca o aparecimento da
forma (FLUSSER, 2007: 182). Eis outro aspecto em que o design coincide com a arte.
Em termos econômicos e políticos, o design da era pós-industrial se caracteriza
por suplantar o valor da troca pelo valor da acumulação consumista. Dessa forma, o
design de forma geral e principalmente a moda renovam os objetos ao seu redor de
forma real ou aparente, diminuindo a importância do trabalho projetual do designer
em detrimento do mercado (FERRARA, 2011: 75). O aspecto artístico, estético e
ideológico do trabalho do designer tem sido abandonado pela maior parte da indústria
que visa à massificação. Assim, hoje, o designer cumpre muitas vezes o papel de um
mero tradutor de uma reprodução barata de um design, geralmente consagrado na
Europa e nos Estados Unidos.
Assim, o design pode ser entendido como um conflito entre forma e conteúdo
(RAND apud KROEGER, 2010: 6 e 7), onde em alguns momentos haverá um predomínio
de um sobre o outro. Na atualidade, o design abrange processos e resultados que vão
da complexidade à simplicidade (RAND apud KROEGER, 2010: 50 e 51), e nesse
esquema o design pode em certa altura apoiar-se mais na forma do que em seu
conteúdo e vice-versa. Percebe-se essa oscilação também pela importância que o
usuário adquiriu como interlocutor. Muitas vezes seu comportamento interfere nessa
relação, mesmo que de forma indireta.
Trabalhos de arte mais recentes tomam como horizonte teórico a esfera das
interações humanas e seu contexto social mais que a afirmação de um espaço
simbólico autônomo e privado. Eles invertem radicalmente o sentido mais conhecido
dos objetos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna. Configura-se
a partir daí a “estética relacional” (BOURRIAUD, 2009: 19 e 20). A arte contemporânea
cria espaços livres, onde desenvolve um projeto político ao procurar problematizar a
esfera das relações (BOURRIAUD, 2009: 23).
Esse projeto político se manifesta por meio das micropolíticas. A arte
contemporânea baseada nas micropolíticas se espelhará e refletirá atitudes
sociopolíticas relacionadas à realidade. O mundo que, até a queda do Muro de Berlim,
se organizava em direita capitalista e esquerda socialista se desfaz, e então o exercício
político passa a se dar de maneira diferente. A noção de política é substituída pelas
micropolíticas que se refletem em “uma atitude focada em questões mais específicas
Moda, arte e interdisciplinaridade 30

como a fome, a impunidade, o direto à educação e à moradia, a ecologia, enfim, tudo


aquilo que nos diz respeito e nos faz viver em sociedade” (CANTON, 2009: 15 e 16).
Esse objeto é destituído da máxima do valor inestimável, do objeto exclusivo produzido
em quantidade mínima e de valor máximo para ser desvendado por um fruidor.
A partir daí, a relação com os objetos, a arte e entre as pessoas fará parte do
discurso criador do designer e do artista, que buscam também se comunicar com seu
interlocutor. As relações tornam-se referência para o fazer projetual. As relações são
a essência da interdisciplinaridade presente nos trabalhos dos três artistas que terão
algumas obras analisadas nesta dissertação.
Enquanto a “estética relacional” descreve a sensibilidade coletiva na qual se
inserem novas formas de prática artística, a “pós-produção” se ocupa em elaborar
uma forma por meio de objetos já existentes em circulação no mercado cultural. Os
artistas se apropriam de algo que já possui uma forma dada por outros indivíduos.
Dessa forma, as noções de originalidade e criação esfumaçam-se, concretizando a
“estética DJ” que insere objetos culturais em contextos definidos (BOURRIAUD, 2009:
8). O momento atual dedica-se mais a uma produção voltada à Cultura, guiada pela
Política, relegando o segundo plano àquela Arte fundamentada essencialmente pela
Estética (MEIRELES in FERREIRA e COTRIM, 2009: 265).
Os trabalhos de Sprouse, Murakami e Beecroft refletem essa ideia de se
apropriar de um objeto considerado acabado e interferir nele. O produto da Louis
Vuitton continua a ser a bolsa, mas com alterações visíveis, sejam físicas ou no
discurso, como no caso da obra de Vanessa Beecroft que opera no nível da linguagem.
Ela os reapresenta aos consumidores.
A noção de arte relacional se reflete no design bem como na arte e está ligada
a outro conceito de arte. O “campo ampliado” do texto A escultura no campo ampliado
de autoria de Rosalind Krauss aponta a perda de lugar da escultura moderna e
aponta novos campos de possibilidades nos espaços entre paisagem/não-paisagem,
arquitetura/não-arquitetura, entre outras possibilidades (MARTINS, 2070: 14). A “pós-
produção” constituiria o tensionamento das linhas que dividem as diferentes práticas
artísticas e, consequentemente, a exacerbação do campo ampliado.
Essas possibilidades interessam a este estudo. Elas ultrapassam as fronteiras
do que era definido como arte até as décadas de sessenta e setenta e configuram o
período-marco das relações híbridas e do pensamento em rede. A moda se revela
como uma outra possibilidade de manifestação nesse contexto e passa a ganhar força
e apoio de diversos meios, entre eles a arte.
A prática artística deixa de se organizar em torno de um meio de expressão
para usar vários deles de acordo com o local que a arte aborda. É nesse momento
que ocorre a passagem da arte moderna para a arte contemporânea que aumenta a
complexidade nesse panorama e a diversidade de soluções (MARTINS, 2010: 15).
Moda, arte e interdisciplinaridade 31

Assim como a arte relacional se refere às interações humanas e a novas


práticas artísticas, o design se coloca como uma possibilidade de relação onde tudo
nele é relativo. Paul Rand reconhecia que a pobreza imperava em matéria de padrões
estéticos no design moderno e defendia que a vida cotidiana e a arte comercial, e
o design gráfico especialmente, deviam ser enriquecidos pela arte. Como designer
ele se espelhou nos trabalhos de Paul Klee, El Lissítzky e Le Corbusier (RAND apud
KROEGER, 2010: 22; 23 e 42). De forma igual, Marc Jacobs, o diretor-criativo da
Louis Vuitton, buscará artistas contemporâneos para construir seu discurso.
Há interesse em uma breve e eficiente abordagem a respeito do design gráfico
por parte desta pesquisa. Conforme já citado anteriormente, Sprouse e Murakami
trabalham o design de superfícies alterando a forma das bolsas da Louis Vuitton. A
própria marca imortalizou a estampa monogram. Essas estampas corridas, produzidas
pela marca, embora tenham a finalidade de atender ao mercado de moda, estão
intimamente ligadas ao design gráfico. Nesse sentido, é importante entender alguns
conceitos básicos de design gráfico para que possa ser feita a ligação com a moda
que já vem sendo abordada neste texto.
O design gráfico, também chamado de design visual, é relativamente recente
e se divide em três períodos: a criação e conscientização do design visual (desligado
da produção artesanal); a expansão da criatividade do design gráfico; e, por último, o
fim da ex-URSS e o início da globalização. Marcado pela desconstrução, esse período
ainda vigora (PIGNATARI in CAUDURO, 2005: 5 e 6).
No caso do design gráfico ou “linguagem da visão”, ele constitui uma linguagem
visual específica que, por mais rica que seja, se torna inútil e sem habilidade para inseri-
la em um contexto palpável. Devem ser levados em conta também reflexões acerca
do processo e da solução de problemas e, se uma forma não for a mais requintada,
deve-se ter em mente que o foco está em buscar formas que exprimam um novo
sentido. O design ligado às mudanças culturais constantes levou a momentos difíceis
em que a ideia de forma perdeu seu caminho (LUPTON e PHILIPS, 2008: 6 e 10).
Mesmo não sendo um exemplo de design gráfico, é possível falar novamente do Juicy
Salif de Philip Starck que, embora alguns estudiosos do design o critiquem pela sua
funcionalidade problemática, tem inegável relevância, uma vez que ele fundou um
novo tipo de pensamento no design. A questão da funcionalidade é importante, mas
contraditoriamente nem sempre é o que interessa primeiro ao consumidor/interlocutor.
A ideia de arte e vida ou de design e arte se equivalem e são recorrentes. O
design é a poética da produção. O designer, por sua vez, é o configurador da imagem
ideológica da empresa ou instituição (PIGNATARI in CAUDURO e MARTINO, 2005:
7). Não é diferente para a Louis Vuitton, uma empresa familiar tradicional com mais de
cento e cinquenta anos. Seu logo e sua estampa monogram, uma das mais célebres,
são facilmente reconhecidos em qualquer lugar do mundo. A imagem da marca foi
Moda, arte e interdisciplinaridade 32

moldada durante todos esses anos com o auxílio desses símbolos gráficos.
É importante conhecer as três principais funções do design gráfico: identificar,
informar (e instruir) e apresentar (e promover). A primeira diz do que se trata, a segunda
indica relação com outra coisa, enquanto a terceira tenta prender a atenção e tornar a
mensagem ou o visual inesquecível. O alfabeto e a imagem são elementos essenciais
do design gráfico. Ele é uma linguagem, de gramática imprecisa e vocabulário em
contínua expansão. Assim como os outros tipos de design mencionados, ele também
é inseparável da economia e cultura dos países industrializados (HOLLIS, 2010: 1 e
4).
Quando se fala em qualquer produto material de design, é preciso lembrar que
por trás deles há outro tipo de leitura: a leitura não-verbal, que se estabelece como
uma linguagem quando evidencia o texto que ele permite produzir, ou seja, é “uma
linguagem da linguagem” (FERRARA, 2007: 13). Então, a bolsa da Louis Vuitton seria
um produtor de linguagem que permite ao observador montar outros textos.
Em complementaridade a estes aspectos mais subjetivos, aparece a esfera
prática do design. O design de moda, por exemplo, é sustentado por uma indústria
pesada, representada pela CPTV – Cadeia Produtiva Têxtil e de Vestuário. Ela é
composta por diversos setores que processam sua matéria-prima. O ponto de partida
nesta cadeia é a agroindústria e a petroquímica, que estão por trás da fabricação das
fibras que são os componentes dos fios. Da fiação, os fios vão para as tecelagens
e se materializam em tecidos, planos e malhas. A tecelagem fornece tecidos aos
confeccionistas, que em sua manufatura os transforma em roupas e acessórios. E
no final da cadeia se encontram as redes de varejo, onde o produto é encontrado
na forma como é consumido pelo público em geral, já beneficiado, sob de forma de
roupas ou acessórios (IPT, 1992).
Entre os elementos constituintes da CPTV, as fibras, os fios, os tecidos, as
confecções e o varejo podem aparecer coadjuvantes. As empresas de beneficiamento
– tinturarias, lavanderias, estamparias, e empresas de bordado – podem aparecer
entre os setores da cadeia. As tinturarias e lavanderias podem aparecer desde a
fiação até a confecção. A estamparia e o bordado podem ser feitos desde a tecelagem
até a confecção. Além disso, é importante falar do “TNT”, que é o “tecido-não-tecido”.
Formada por uma pasta prensada à alta temperatura, ele não tem a trama e o urdume
característicos do tecido plano, como o jeans, nem colunas e fileiras que as malhas
circulares (como o moletom) e retilíneas (como os tricots) possuem. Ele é uma massa
prensada, por isso o nome “tecido-não-tecido”. De forma sucinta, essa é a cadeia têxtil
que representa as engrenagens do funcionamento da moda. Ela é parte do design de
moda, é sua faceta industrial.
Um profissional de moda, de maneira geral, para ingressar nessa indústria,
além de criatividade, também precisa atender a exigências nos campos pessoal,
Moda, arte e interdisciplinaridade 33

intelectual, técnico e até físico. A grande maioria dos criadores de moda não tem
projeção espetacular de celebridade e, principalmente na Europa e nos Estados
Unidos, trabalha satisfeita nos bastidores, em empregos gratificantes e com salários
medianos (JONES, 2005: 6). Grande parte da produção desses lugares é realizada
em países como China, Índia ou Ilhas Maurício. Assim, aos profissionais europeus e
americanos cabe a função de designer, que não é confundida em nenhum momento
com a produção, ao contrário do que acontece em países como o Brasil. Outro aspecto
marcante é a baixa remuneração oferecida ao designer em território brasileiro.
Por vezes, o estilista assume os papéis de artista, cientista, psicólogo, político,
matemático, economista e vendedor (STOREY in JONES, 2005: 6), na confecção em
que trabalha. Por se tratar de um cargo estratégico e pela falta de profissionalização do
meio de moda, o estilista com formação que atua em confecção acaba por acumular
diferentes funções por ser visto como uma espécie de “salvador”, já que muitas vezes
ele é o único com formação específica dentro de uma empresa.
Essa faceta ligada à atuação do profissional do design, em especial na área de
moda, traz à tona a realidade econômica atual. Distante da ideia de glamour, a maioria
que trabalha com criação de moda está subordinada às demandas do mercado que,
no caso do Brasil, copiam servilmente as tendências vindas do exterior.
As pequenas confecções são a maioria empregadora em todo o mundo e o
lucro capitalista que almejam as faz andar na contramão dos desfiles de moda, que
seriam os lançadores de tendências. Essas pequenas empresas não participam
desses desfiles. Quanto às marcas que desfilam em semanas de moda, no Brasil ou
no exterior, o que se vê é um desfile de cinco minutos que resume o trabalho árduo de
seis meses que nada tem de espetacular.
Quando a moda é pensada como um fenômeno socialmente amplo, se
estendendo a outros sistemas, ela pode ser pensada como parte integrante do
cenário da arte. Ela exibe o entrelaçamento indissolúvel das esferas econômica,
social, cultural, organizacional, técnica e estética. Isso quer dizer que, embora a moda
esteja ligada ao belo, ao luxo e ao glamour que aferem a ela um tom de futilidade, o
campo se revela como uma zona de manifestação visual de atributos que vão além da
estética (SANTAELLA, 2004: 115).
Hoje, é fundamental que as habilidades técnicas e o pensamento visual e crítico
operem em equilíbrio (LUPTON e PHILIPS, 2008: 6). Se separados, mão e cabeça,
técnica e ciência, arte e artesanato, a cabeça é prejudicada e a compreensão e a
expressão são comprometidos (SENETT, 2008: 30). O desenvolvimento de produto e
o conhecimento de técnicas e materiais são imprescindíveis ao design, bem como as
ideias, o pensamento crítico.
De qualquer forma, esse trabalho não será beneficiado em se ater à questão
da indústria da moda ou a aspectos práticos ligados ao design. Embora importantes
Moda, arte e interdisciplinaridade 34

e passíveis de receber críticas, eles configuram um panorama diferente, oposto ao


que se pretende aqui estabelecer, portanto não são relevantes para o contexto desta
pesquisa.
O interesse se mantém em desvendar as áreas de contato e de atrito entre a
arte, o design e o design de moda, para então estudar os trabalhos realizados para a
Louis Vuitton pelos três artistas selecionados. É preciso entender a arte, seu significado
e funcionamento, bem como o do design, que tem aspecto mais amplo que o design
de moda, só para em seguida se dedicar ao campo da moda. Para o entendimento
desses três diferentes campos e para verificar o que aqui se pretende, ou seja, suas
afinidades e diferenças, o mais indicado é continuar o estudo por meio do olhar da
filosofia, da sociologia e da teoria de arte. Para tanto, ainda existem definições e
aspectos a serem abordados pela óptica interdisciplinar deste trabalho a respeito da
arte, do design e da moda.
Uma definição de moda digna de atenção parte do princípio de explicar
o que é a alfaiataria. Ela é a “arte das medidas proporcionais” que sofre ajustes,
encurtamentos, modificações específicas, onde um traje visa enfatizar algum aspecto
físico na construção de um look, para argumentar que são a realização desses ajustes
e a colocação dos mesmos em circulação, ou seja, o uso universal dessas peças
modificadas que definem o que é moda (KÖLER, 2001: 57). A moda consistiria,
portanto, em alterações feitas nas roupas e sua respectiva circulação e difusão.
Reafirmando o compromisso com as definições de moda que têm aparecido neste
texto até agora, o ciclo da moda baseia-se na mudança forçada de uma moda para
aquecer a indústria, para sua posterior circulação. Esse fato se opõe à sua origem
ligada à burguesia, que primeiro fez com que a moda criada pela corte circulasse,
para só depois gerar modificação.
Além das hipóteses do surgimento da moda por capacidade técnico-produtiva,
por pudor ou adorno há também a ideia de apropriação de uma forma ou de uso
específico de um traje pela sociedade que segue regras de fabricação. São essas
regras acordadas pela sociedade e as limitações ou avanços técnicos que permitem
as mudanças da moda e não só seu valor utilitário ou decorativo (BARTHES, 2005:
265). Não deve haver engano a respeito da moda – ela busca a mudança, não
necessariamente o belo. Seu ideal de beleza consiste na mudança constante, em
um ciclo de vida do produto cada vez mais curto. Por isso Barthes afirma que, quanto
maior for a capacidade técnica para mudar e a respectiva aceitação da sociedade,
mais a moda praticará mudanças.
O “perpétuo pipocar de estilos” atual reforça a ideia que vem desde o século
XVIII, afirmando que a moda é sobretudo uma maneira de ser e, por extensão, de
vestir-se. Hoje, o termo produto se sobrepõe ao termo artigo de moda. A moda, em
constante mutação, representa a aliança entre o acaso e a vontade de criar de um lado
Moda, arte e interdisciplinaridade 35

e a necessidade de produzir de outro, além da dicotomia entre a arte e a indústria. O


criador de moda hoje, que é um empresário, busca se impor como artista (BAUDOT,
2000: 8-11).
Talvez seja essa a premissa da Louis Vuitton ao dar apoio a Marc Jacobs
para que ele crie em conjunto com artistas. A moda parece querer negar sua verve
capitalista tentando se banhar com um verniz de arte. De qualquer forma esta atitude
só lhe agrega maior valor.
Os reflexos no corpo social que tiveram como ponto de partida organização
da indústria de moda nos últimos cinquenta anos não param de cessar. A moda
encarna mudança ao captar as evoluções sociais e estéticas do tempo sem nenhum
preconceito. Ela expõe as transformações políticas em contato com a individualidade
(micropolíticas). Manifesta-se como uma das mais elegantes expressões de poder,
talvez daí venha o desejo de dominá-la (GRUMBACH, 2009: 8).
Esse equilíbrio entre dominar a moda estando a par de tudo o que ela propõe
e não cair em um exagero caricato, que seria uma espécie de “design total” na moda,
é criticado por Christian Dior, para quem a verdadeira elegância estava ligada à
individualidade.
Ele dizia que, dentro da enorme variedade oferecida pela produção em massa,
era preciso conhecer bem sua personalidade para não aderir a modismos que não lhe
caíssem bem. Afirmava que ninguém é escravo da moda. Não há uma única tendência
a cada estação; há várias delas (DIOR, 2009: 60).
A moda nunca despertou tanto interesse como hoje. E também nunca esteve
tão disponível. O que antes era privilégio de poucos, hoje povoa as revistas de moda,
assegurando o trickle effect. Há cem anos o panorama era completamente diferente.
Ao consumir, usar algo deve-se pensar: “o que isto fará por mim?” (DIOR, 2009: 60-
61)
As questões colocadas por Dior foram lançadas em forma de livro em 2008 na
França e em 2009 no Brasil, portanto não há como saber exatamente quando o autor
concebeu o seu Pequeno dicionário de moda, como é chamado o livro. Sabe-se que
o livro antecede 1957, ano do falecimento do coutourier.
É fato que, se houve interesse por parte de editoras publicarem e traduzirem
o livro em questão, é porque ele tem importância no contexto vigente. As afirmações
que Dior faz nessa obra ainda se mostram extremamente atuais e, nesse sentido,
deve-se pensar a seu respeito.
Dior fala em individualidade, conceito essencialmente moderno. Esse enredo
entoado pelo capitalismo é tratado por Lipovetsky por meio da ideia de hedonismo,
que levaria à exacerbação deste individualismo. Dior fala do interesse que a moda
provoca e de sua democratização, de que também trata Lipovetsky. Assim, é possível
perceber a importância dos aspectos abordados por Dior, uma vez que, da década de
Moda, arte e interdisciplinaridade 36

sessenta para cá, eles só se potencializaram, seja por meio dos esforços realizados
para profissionalizar e estruturar a indústria da moda, seja por meio da demanda dos
consumidores que só cresce.
Dior também critica o consumo excessivo, orientando as pessoas a se
perguntarem o que determinado produto pode fazer por elas. Esse questionamento
não visa levar à questão do bom ou mal design encontrada neste texto nas citações de
Paul Rand, considerada de certa forma ultrapassada por esta dissertação. Mas vale
ser crítico e pensar: que diferença um objeto a ser adquirido irá fazer no cotidiano?
Para além da questão estética, existe hoje uma preocupação muito maior com o
descarte destes objetos e que impacto eles podem gerar no ambiente ou na sociedade.
A contradição entre design, em especial o design de moda, a sustentação de seu
sistema calcado no consumo e as demandas sociais e ambientais por sustentabilidade
se fazem presentes gerando um panorama antagônico.
A moda se torna muito mais importante à medida que é uma maneira de
perceber o cotidiano. “Se a moda é roupa, ela não é indispensável”. Transgredindo as
definições acadêmicas de arte, pintura e escultura, poucas podem, como a moda ou
a música, influenciar tão diretamente as pessoas. A moda é uma comunicação única,
uma espécie de língua, que tem a ver com as sensações vividas por uma geração
que as transmitirá usando a roupa que quiser (YAMAMOTO in BAUDOT, 2000: 12 e
13). Yamamoto define a moda com um olhar contemporâneo onde ele a equipara de
forma contundente à arte. Embora se saiba das diferenças entre moda e arte, esse
tipo de manifestação parece cada vez mais aceitável. Aqui sua visão coincide com a
de Ferrara, pois parte da ideia de que a roupa é um produtor de linguagem não verbal.
O produto de luxo da moda sempre prezou pela exclusividade e, assim como a
arte, até meados do século XX a herança de uma família era medida pela quantidade
de Worths, Poirets ou Redferns2 que as mulheres de uma família tinham, sendo
inclusive passados de geração a geração. Apesar de a moda ter um posicionamento
bastante comercial, o seu produto de luxo anda na contramão, visando a exclusividade.
A arte, por outro lado, expande seu mercado de forma cada vez mais agressiva se
proliferando na abertura de mais galerias, feiras de arte e exposições espetaculares
que contabilizam o número de visitantes. Ela visa uma finalidade não muito diferente
da moda: o lucro.
A exclusividade vai muito além da distinção social. Ela possui um aspecto de
magia, de algo sagrado, místico e de libertação espiritual que manifesta a expressão
mais profunda do “eu”, da individualidade do ser humano. Dessa forma, o homem
aproxima-se da fruição artística, ato individual condicionado ao entendimento de uma

2 Frederic Worth foi o primeiro grande coutourier e criador do sistema de alta-costura. John Redfern
e Paul Poiret foram estilistas expoentes no final do século XIX e início do século XX, respectivamente.
As roupas destes três criadores (além de outros) era tão valiosa que se tornava herança.
Moda, arte e interdisciplinaridade 37

obra em que o autor leva em consideração o olhar do fruidor, onde a obra é constituída
a partir da observação deste, uma vez que ela está no centro e o espectador está ao
redor.
“A própria velocidade de mudança acabou mudando até as formas de produção.”
Não há mais “ismos”, mas uma “intervenção de eventos artísticos e a-artísticos que
explodem precisamente com a ideia linear de tempo, que operava tanto na tradição,
quanto na vanguarda.” (PLAZA in FERREIRA e COTRIM, 2009: 452). Isso diz respeito
à arte, ao design e à moda. As relações entre sua produção, o público e seus suportes
mudaram completamente na passagem do período moderno para o contemporâneo.
A “estética relacional” e a “pós-produção” de Bourriaud podem refletir as micropolíticas
tratadas por Katia Canton. Esse vínculo ajuda a configurar o panorama atual que paira
sobre novas formas de produzir objetos visuais. Ao que parece, esse sistema ainda
não se estabilizou e nem parece ser esse seu objetivo.
Conceitos originais de uma área podem contribuir com outros campos, como é
o caso da filosofia no design. A filosofia pós-estruturalista busca ajudar a apreender
o mundo visual presente. Da mesma forma, um pensamento de Bernard Tschumi é
passível de ser extraído da arquitetura para adaptar-se à realidade do design: “as
definições da arquitetura reforçam e amplificam duas concepções irreconciliáveis:
de um lado, a arquitetura [e o design] como coisa do intelecto, uma disciplina
desmaterializada ou conceitual com suas variações tipológicas [arquitetônicas ou
gráficas] e morfológicas; de outro lado, a arquitetura [e o design] como fato empírico
que se concentra nos sentidos, na experiência do espaço...[o design é uma experiência]
difícil de exprimir em palavras ou desenhos: o prazer e o erotismo” (TSCHUMI in
NESBITT, 2008: 576-577). Nota-se aqui o dado sensorial dos objetos que não podem
ser descolados do cotidiano.
Há uma espécie de ajuste, de “acerto de contas” entre as áreas. A moda parece
reivindicar seu estatuto de arte, muito embora haja afirmações veementes de que
moda não é arte. Por outro lado, a arte cava de forma cada vez mais profunda em
um terreno que outrora não lhe despertava tanto interesse: o do estreitamento de
relação com o cotidiano, por meio dos ready-mades, performances, instalações,
happenings e outras formas de produção. A discussão central não é a destituição da
escultura tradicional ou das qualidades pictóricas da pintura impressionista, mas sim
a mudança na linguagem que cada vez mais se aproxima do cotidiano, do consumo
e, consequentemente, da moda.
Para que uma obra de arte seja compreendida, ela deve, antes de tudo, ser
encarada como um todo. Perceber qual é o clima, a dinâmica das formas. Antes de
qualquer elemento ser identificado, a composição total faz uma afirmação que não
pode ser desprezada. Deve-se procurar um assunto, uma chave com a qual tudo se
Moda, arte e interdisciplinaridade 38

relacione3. A partir daí, instruir-se até onde puder a respeito do assunto de que trate a
obra parece o mais prudente, pois, nada que um artista põe em seu trabalho pode ser
negligenciado impunemente pelo observador (ARNHEIM, 1980: intr.).
Na arte moderna, as teorias que dão embasamento à ideia de arte se relacionam
por meio de documentos teóricos que podem ser resumidos em alguns pontos: o
contexto cultural da época (avanços científicos, políticos, sociais etc), o ambiente
ideológico específico (círculo de relacionamentos dos artistas), veículo transmissor
das ideias do artista, a linguagem escolhida e as qualificações pessoais do autor
como teórico e seu repertório (CHIPP, 1996: 2 e 3). É impossível não reconhecer
a importância dos elementos que dão forma à arte moderna e, por se tratar dela,
deve-se entender sua contribuição, mas ressalvando-se as críticas. O contexto, o
ambiente, a linguagem, o suporte e a formação do artista são relevantes desde que
esses pressupostos não excluam trabalhos coerentes pelo fato de o autor não atender
a algum deles.
Um exemplo é a obra de Arthur Bispo do Rosário, que nunca admitiu ser
chamado de artista em vida, mesmo especialistas tendo lhe conferido tal designação.
As proposições de Chipp podem excluir Bispo do Rosário da seara dos artistas por se
tratar de uma pessoa que não teve uma formação tradicional em artes, porque não
se relacionava com intelectuais e artistas ou até porque muito de sua produção não
se deu em telas pintadas ou esculturas clássicas, mas sobre roupas. Os documentos
teóricos modernos que tendem a validar um artista e sua obra já não dão conta e não
podem ser os únicos meios de inserção de um trabalho e seu criador no métier da
arte.
Na renovação cíclica da moda, quando se entende a moda como modas que se
passam ao longo de meses ou estações, onde ela é sazonal, ela adquire um caráter
de reprodução e essa reprodutibilidade ameaça a “aura” da obra de arte que passa
a ter sua singularidade substituída pela massificação (BENJAMIN apud SVENDSEN,
2010: 113-114). Assim, as obras dos três artistas estudados, mesmo que possam
promover a moda à arte, sofrem a ameaça constante da renovação do ciclo da moda.
Essa substituição de modas interfere no processo de validação e garantia de um
objeto como objeto dotado de valor artístico, nesse contexto, o objeto de arte-moda.
O critério funcional ou não de uma peça de roupa não é suficiente para
designar se a moda alcança o terreno da arte. Tradicionalmente, esse ponto de vista
é encontrado em autores como Adorno. Essa ideia vem desde Kant, que defende a
genuinidade de um objeto pelo seu caráter puramente estético, se ausentando de
qualquer característica ligada à finalidade. Assim, como quase toda a peça de roupa

3 Essa chave de que Arnheim fala com a qual tudo se relaciona alude a “estética relacional” de
Bourriaud e, embora se saiba que essa não era a intenção do autor em 1980, o momento atual permite
entender a composição total como um contexto geral ou enredo onde tudo se relaciona.
Moda, arte e interdisciplinaridade 39

possui essa característica funcional, ela não seria arte. Por outro lado, tomando o ideal
de Adorno, há roupas de alta-costura ou feitas para os museus que nunca foram sequer
vestidas. Um vaso grego, considerado uma antiguidade artística, não é destituído de
sua capacidade funcional, conter líquidos e sólidos, mas ocupa um espaço idealizado
pela arte que não permite que ele cumpra esta função. (SVENDSEN, 2010: 119-120).
Esse ponto de vista, o da necessidade da ausência da funcionalidade, dificulta a
inclusão de alguns objetos no universo artístico, muito embora possam ser apreciados.
Dessa maneira, se torna difícil alocar obras de arte contemporânea no conceito de
arte de acordo com o conceito kantiano, já que boa parte delas é propositadamente
útil. (SVENDSEN, 2010: 120).
Há um contraponto, mais forte do que todos citados até agora, que equipara a
arte, o design e o design de moda: a estetização dos objetos. Delimitando arte como
“o exercício de atividades tais como a edificação de templos e casas, a realização de
pinturas e esculturas, ou a tessitura de padrões [...] por outro lado [...] arte [é] alguma
espécie de belo artigo de luxo, algo para nos deleitar em museus e exposições ou
uma coisa muito especial para usar como preciosa decoração na sala de honra”
(GOMBRICH, 1993: 19), percebe-se o destaque dado ao “belo” ou ao que gera
deleite. Não é intenção desta pesquisa entrar em uma discussão sobre o “belo”, mas,
independentemente dos padrões que confiram beleza a determinado objeto, tanto
a arte, quanto o design e o design de moda, perseguem essa qualidade em suas
produções.
Conforme já visto em Flusser, a obra de arte era algo que constituía
funcionalidade na antiguidade, portanto a definição de arte do parágrafo anterior
“constitui um desenvolvimento recente e que muitos dos maiores construtores, pintores
ou escultores do passado sequer sonharam com ele” (GOMBRICH, 1993: 20).
Atualmente, “a arte é secretamente rival da técnica”. “A técnica não interpreta o
mundo que vê à sua frente, mas produz um mundo técnico, das aparências, como se
vê nas mídias” (BELTING, 2006: 19).
Em todas as suas nuances, a arte, o design e a moda ora se assemelham, ora
caminham em direções diametralmente opostas. O fato é que há um ponto comum
entre os três campos que é inegável: todas trabalham o campo visual ou sensorial e, a
partir daí, buscam elevar seus objetos à categoria de luxo ou de objeto questionador.
Conforme já afirmado anteriormente, essa dissertação não visa travar uma
discussão a respeito do termo “belo”, mas por hora basta entender a beleza como
algo que desperta grande interesse e tende a estar ligada ao luxo, à exclusividade.
Sua marca ao longo da história, tanto na arte quanto no design e na moda, é inegável.
Dessa forma, algumas passagens e autores contidos neste texto farão perceber a
importância dada à beleza e ao registro retiniano, que atualmente não deixa de ser
uma experiência mais cultural que estética.
Moda, arte e interdisciplinaridade 40

Se o objeto de arte aparece como aquele que é estetizado e, por sua vez, é feito
para ser visto e apreciado, por outro lado é impossível definir qualidades absolutas em
arte baseadas em regras suscetíveis advindas de inúmeras culturas tão diversificadas
entre si (JANSON, 1992: 9). Isso seria reduzir o sentido da arte. Novamente é reforçada
a relevância que tem o objeto digno de ser observado por suas qualidades estéticas.
O design está relacionado a tornar os objetos belos, à transmissão de ideias,
ao lucro ou a ser um método especial de resolver problemas (FORTY, 2007: 11). As
duas primeiras premissas estão diretamente ligadas ao contato visual. O design se
reflete no objeto que é apreciado por suas características visuais. O aspecto visual
tem muito apelo no que diz respeito à transmissão da mensagem, ajuda o usuário a
desenvolver empatia pelo produto. O valor dado ao objeto que exerce grande poder
visual é sentido tanto na arte como no design.
Com o design de moda não é diferente. Das inúmeras justificativas sobre o
surgimento da vestimenta, algumas se baseiam em questões referentes ao clima,
ao pudor, até uma delas atingir uma ideia mais sofisticada. Essa ideia consiste na
invenção da vestimenta por acreditar que esta conferia algum tipo de magia a quem a
portava. Ao final, a exibição carrega consigo o apontamento mais esclarecedor no que
diz respeito à criação dos primeiros trajes (LAVER, 1989: 7). Sem dúvida, a exibição
individual remonta a antiguidade e o ato de destacar-se dos demais, inerente ao
homem, fará com que ele use um traje mais vistoso, ou elaborado, para ser apreciado
como uma obra de arte.
O uso da vestimenta como um esforço para se libertar espiritualmente e
socialmente (BOUCHER, 2010: 17) reflete uma preocupação com a magia e a
diferenciação social. Essa última é secundária, sendo a primeira o motor da apropriação
humana por peles e adereços na antiguidade. A roupa adquire um aspecto sagrado,
então a roupa mais arrojada, até certo ponto, que não comprometa a aceitação social,
tornará alguém líder em um ambiente e fará dos outros pessoas comuns.
Interessante que essa roupa sagrada da antiguidade tem um ponto comum
com a atualidade. Em ambos períodos, esse líder, mencionado no texto por sua
diferenciação adquirida por meio da vestimenta, deve ser diferente na medida em
que sua imagem se destaque do restante das pessoas de sua convivência, mas não
seja excessivamente distinta a ponto de gerar estranheza. O que difere o arrojo do
excesso de extravagância em um determinado período é o tempo. O l’air du temps
ajudará a definir o que é acolhido ou não em determinada sociedade. Muito parecido
com o que ocorre hoje em termos de tendência de moda.
Argan fala em fazer a história da arte como a história das imagens (ARGAN
apud NAVES, 1992: XV), algo pertinente aos três campos: arte, design e design de
moda. Eles caminham paralelamente construindo sua história por meio de imagens
que tem cada vez mais força com o advento da pós-modernidade.
Moda, arte e interdisciplinaridade 41

Uma revelação instigante é a de que, à medida que uma moda é reconhecida


por um museu, sua efemeridade se torna fugidia e, mesmo que pontualmente (GIVRY,
1998: 9), ela se equipara à arte. Então, estar em um museu torna uma moda arte na
mesma medida em que a arte se aproxima da moda quando a utiliza como suporte de
sua produção, como é o caso dos trabalhos de Vanessa Beecroft, Sylvie Fleury etc.
A moda é uma arte como a literatura, a pintura, a escultura ou a música, na
medida em que o duelo entre tradição e inovação torna-se acirrado (BARTHES, 2005:
265). Dessa forma, a interdisciplinaridade tem papel fundamental na união entre o
novo e o antigo, entre arte e moda e torna-se assim cada vez mais frequente, resultado
da configuração da sociedade de consumo pós-moderna.
As ligações entre arte e moda remontam ao renascimento. Artistas como Jacopo
Bellini, Antonio del Pollaioulo e Antonio Pisanello não só retratavam a moda em suas
pinturas como criavam modelos de roupa e padronagens têxteis, além de bordados
(MACKRELL, 2005: 5). Há uma crítica a respeito do uso de pinturas para o estudo da
história da moda. Muitos artistas usavam trajes de um estilo anterior à sua época em
seus quadros, por gosto ou porque seu ambiente não acompanhava as mudanças
da moda. Logo, nem sempre uma pintura retrata o traje usado naquela época, ou em
qualquer época. Obras de arte nem sempre são uma fonte histórica confiável para o
estudo da moda (KÖHLER, 2001: 54), pois mostram que o indivíduo ora versava como
artista, ora como estilista, comprometendo assim a tessitura da história da moda.
Os atos interdisciplinares promovidos pela Louis Vuitton não visam em um
primeiro momento tecer a história da moda. Eles geram obras e produtos de alto valor
agregado no que diz respeito principalmente à imagem de moda. Ao chamar artistas
contemporâneos para experimentar no âmbito do processo criativo e desenvolvimento
de seus produtos, a marca se posiciona como pioneira na questão interdisciplinar.
É o artista-estilista contemporâneo atuando como o artista renascentista. Jacobs,
Sprouse, Murakami e Beecroft têm seu ofício de artista amalgamado ao de estilista.
Assim, com a colaboração de artistas como Vanessa Beecroft, Takashi
Murakami, Julie Verhoeven, Stephen Sprouse, Robert Wilson, Elafur Eliasson, entre
outros artistas de grande importância para a arte contemporânea, percebe-se que a
arte tem papel fundamental em trazer sentido ao reconhecimento da moda como uma
atividade sólida.
Embora seja reconhecido o grande retorno comercial ou, em termos de imagem,
o que estes atos possam proporcionar para a Louis Vuitton, eles são irrelevantes no
âmbito desta pesquisa. Essa interatividade é interessante por seu ineditismo com
relação ao fato de a moda procurar a arte para gerar novas formas de se reinventar
e repensar seus processos criativos e de desenvolvimento de produtos. Há uma
preocupação mais ligada ao desvelo da arte com os processos de produção de seus
objetos. Com relação aos objetos estudados nesta pesquisa, esse cuidado da arte
Moda, arte e interdisciplinaridade 42

também contamina o ciclo da moda, principalmente por se tratar de artigos de luxo.


Se faz importante esclarecer o que é interdisciplinaridade e expor de maneira
sucinta os pontos de vista dos principais estudiosos de forma que seja explicitado
o recorte desejado. Aqui cabe apenas uma exposição de alguns termos ligados à
interdisciplinaridade de forma bastante resumida, cabendo em um capítulo posterior
tratar somente deste assunto de maneira mais aprofundada e ilustrada por exemplos
advindos do campo da moda e da arte, ou vice-versa, que aqui serão referidos como
arte-moda.
O sociólogo Edgar Morin afirma que o progresso dos conhecimentos
especializados sem comunicação, unilaterais, leva à regressão extrema dos
conhecimentos como um todo (MORIN, 2007: 13). Esses pensamentos surgem na
tentativa de desafiar as dificuldades encontradas pelo conhecimento científico à
excessiva especialização do conhecimento. A abordagem interdependente entre os
conhecimentos que esse pensador sugere é condição para a construção da relação
interdisciplinar entre arte e moda que este projeto pretende investigar.
Uma sugestão de definição e estruturação interdisciplinar foi elaborada por
Heinz Heckhausen, que entende disciplina como “investigação científica especializada
de uma matéria determinada e homogênea”, em que novos conhecimentos surgem
em substituição a outros mais antigos (PALMADE apud HECKHAUSEN, 1979: 221).
Embora a definição de Heckhausen seja condizente com o funcionamento da moda,
ela deve ser usada com cautela. Rever os conceitos no sentido de aprimorá-los pode
ser positivo, mas a provisioriedade cartesiana deve ser combatida. Assim como na
moda, existe nessa explicação de interdisciplinaridade um desejo de se renovar,
o gosto pelo novo como forma de comprovar um conhecimento, o que reafirma a
dinâmica do ciclo da moda, que se desconstrói para se recriar.
O funcionamento de um sistema baseado no novo remete diretamente aos
conceitos de Gilles Lipovetsky, filósofo francês que discute a interdisciplinaridade
para construir uma importante crítica ao consumo e à rápida obsolescência, que são
características intrínsecas à moda e que se alimentam diretamente da novidade. Ele
sustenta que a interação como ferramenta para criação de novos produtos e serviços
é essencial para atender um consumidor ávido por novidades (LIPOVETSKY, 2007:
53).
O autor sustenta que o liberalismo globalizado reafirma o lugar onde a
modernidade se encontra com a interatividade, evidenciando-a na eficiência técnica –
um dos pilares da economia globalizada (LIPOVETSKY, 2007: 54) – que, para atender
o mercado, se especializa cada vez mais e busca novas maneiras de interagir para
criar produtos e oferecer serviços.
A interdisciplinaridade deixa clara essa questão: tanto a moda quanto a economia
buscam cada vez mais se especializar a fim de se renovar, e criar novas maneiras de
Moda, arte e interdisciplinaridade 43

estimular o consumo. A moda é parte do sistema econômico. Tanto para a economia


quanto para a moda, a interdisciplinaridade é mais um meio para se atingir um fim. Por
outro lado, na contramão da excessiva especialização, a interdisciplinaridade vem ao
encontro dos desejos de criar novos produtos ou promover novas formas de enxergá-
los.
É clara a necessidade de uma justaposição de conceitos na tentativa de não se
perder o que foi conquistado, seja nas artes, no design, na moda. Para Morin, o conjunto
de novas concepções, visões, descobertas e reflexões irão se acordar, se reunir,
à medida que muitos elementos ou partes forem trabalhados interdisciplinarmente
(MORIN, 1996: 145-146).
Mais adiante, no Capítulo II, alguns conceitos de interdisciplinaridade serão
expostos visando uma melhor fundamentação dos mesmos, onde alguns pensadores
da interdisciplinaridade e da moda terão evidenciadas suas teorias a fim de verificar
a existência de uma prática interdisciplinar, efetiva, nos trabalhos de arte-moda
apresentados, observando a existência de conexões coerentes entre o design de
moda, o design e a arte.
Para a Louis Vuitton, dotar um objeto de valor artístico equivale a acreditar que
o design é um aliado à sua sobrevivência, que transforma seus produtos em ímãs
sedutores. “Isso envolve sedução em série.” (SUDJIC, 2010: 14) É possível notar,
neste pensamento de Sudjic que, além do movimento da moda estar dominando
quase todas as outras esferas da economia, como também afirma Dario Caldas, há
um desvelo interdisciplinar da moda com o design no que tocam os trabalhos da Louis
Vuitton. Como uma marca de luxo, ela precisa tornar seus produtos atraentes e, para
isso, ela trabalha na construção de uma imagem ligada à arte para valorizar suas
linhas de acessórios.
Para Adorno, o papel da arte é ressignificar a moda por meio de uma reflexão,
onde a relação entre ambos os campos deve ser ambivalente. A arte não é tão pura
que esteja acima da moda, mas ao mesmo tempo deve resistir à moda para ser arte
(ADORNO apud SVENDSEN, 2010: 124-125).
As bolsas da Louis Vuitton pretendem ser peças de quase-arte, objetos de
arte-moda, pois são produtos estetizados que passam pelas mãos de artistas, muito
embora sejam funcionais. Essa fronteira entre arte e funcionalidade se esmaece
gerando um panorama mais complexo. Nele é mais difícil enxergar onde começa a
porção arte ou funcionalidade de um determinado objeto.
A moda é arte quando os conceitos de moda e arte passam a ser expandidos de
forma radical, de modo que seja difícil não incorporar algum objeto nesses conceitos.
A partir daí, fica praticamente impossível delimitar o que é ou não arte e o que é ou
não afetado pela dinâmica da moda. (KIM apud SVENDSEN, 2010: 122). Além da
obsolescência, traço marcante da moda, outro aspecto importante chama a atenção:
Moda, arte e interdisciplinaridade 44

esse hibridismo inerente a alguns objetos, e que perpassa as correntes da moda e da


arte, torna cada vez mais difícil de situar onde um objeto está e em que momento ele
é arte e ou moda, em uma espécie de “campo ampliado” da moda.
Tudo hoje é contaminado pelo funcionamento da moda. Essa obsolescência
acelerada atinge também a arte. Da mesma maneira, as fronteiras estendidas à moda
em muitos momentos atingem a arte. Desde as criações surrealistas de Schiaparelli,
passando pelas criações volumétricas propostas por Balenciaga na década de
cinquenta, até coleções mais recentes de estilistas belgas, japoneses ou ingleses,
essas peças de roupas e sua apresentação (geralmente em forma de desfile) partem
de um questionamento muito similar ao da arte contemporânea. Para que se possa
medir quão próximo um campo está do outro, a moda depende da maneira como reflete
sobre si mesma, dos processos utilizados na construção de seus objetos (roupas e
acessórios) e de sua exposição (exposições, fotos e desfiles), além da linguagem
que estes propõem. Além da questão de a moda ser ou não arte, deve-se atentar à
qualidade desta arte. (SVENDSEN, 2010: 121).
A arte diferencia-se da moda, principalmente por possuir uma tradição de crítica
séria que inexiste no campo da moda. Nas artes visuais, na literatura, na música ou
no cinema há crítica coerente. Na moda, a crítica é mais um estreitamento de relação
entre jornalistas, estilistas e publicidade. Ela deve ser revista para sua valorização
dada a influência que tem na vida dos indivíduos. A moda hoje desempenha um papel
mais relevante que as belas-artes o que torna urgente que sua crítica se organize e se
revigore (SVENDSEN, 2010: 183; 184 e 195).
O modus operandi da moda tem se tornado cada vez mais importante para o
desenvolvimento do campo artístico. (SVENDSEN, 2010: 124). Bourriaud é claro no
que diz respeito à renovação do discurso da arte por meio da interdisciplinaridade com
a moda.
Ele comenta que as obras de Vanessa Beecroft são uma espécie de cruzamento
entre a performance e a fotografia de moda, nunca se reduzindo somente ao universo
da performance. Ele também ilustra o momento no qual a moda é contemplada
no mundo da arte citando Sylvie Fleury, que recorre à cartela de cores da marca
Chanel quando diz estar sem “uma ideia clara da cor” que vai usar em suas obras
(BOURRIAUD, 2009: 12).
Esses movimentos, segundo o autor, compartilham a ideia de recorrer
a estruturas já produzidas, seja nas obras de Beecroft, Murakami ou Sprouse.
Estruturas já produzidas no sentido de se inscrever, se instalar no meio do que já está
produzido. A pergunta que era “o que criar de novo?”, passa a ser “o que fazer com o
que já existe?”. Dentro das referências dessa massa do cotidiano, como fazer aflorar
singularidades? Pensando desta maneira, artistas contemporâneos programam as
formas. Ao invés de pintar a tela em branco, eles manipulam o dado. É como se
Moda, arte e interdisciplinaridade 45

estivessem em uma loja com ferramentas à disposição para usar, manipular, reordenar
e projetar (BOURRIAUD, 2009: 12 e 13).
A ideia central é inventar novos usos para os modos de representação de
formas já existentes. Rirkrit Tiravanija parafraseia Wittgenstein ao alertar para
procurar o uso ao invés do significado (BOURRIAUD, 2009: 14), onde a arte assume
uma dimensão política, manifestando-se por meio das micropolíticas. É uma postura
essencialmente contemporânea no sentido de criticar, e ao mesmo tempo consumir,
de viver na fronteira, na fragmentação. A “cultura DJ” (BOURRIAUD, 2009: 41), que
inventa itinerários por entre as culturas, justifica com clareza o que se pretende nesta
pesquisa: validar objetos de moda que recorreram à arte de modo a se reinventar por
meio de formas já existentes incorrendo em atos interdisciplinares.
Deve-se pensar que a moda atinge em alguns momentos o campo da arte
quando se utiliza de seus processos criativos. Atualmente essa fronteira não é mais
líquida, mas sim gasosa. Dessa forma, a arte também se utiliza dos estratagemas da
moda para renovar seu discurso absorvendo novas linguagens. Estas afirmações são
carregadas de complexidade, pois vivem no auge de seu antagonismo sem ao mesmo
tempo negar a essência das duas áreas.
Apesar do caráter comercial, a moda penetra profundamente nas obras de arte.
A moda está inserida no contexto histórico de uma maneira que afeta o sensório,
consequentemente, as obras de arte, mesmo que isso seja sutil (ADORNO apud
SVENDSEN, 2010: 124).
Essa questão fica mais clara ao ler o próximo capítulo desta dissertação,
onde é delimitado um recorte histórico acerca dos casos interdisciplinares mais
marcantes da história da moda recente. Por meio da troca, a moda busca renovar
sua linguagem, abrindo a possibilidade de um “autoquestionamento”, além de ser por
vezes provocativa.
A arte contemporânea busca questionar e criticar. Ela se rende aos anseios
sazonais da moda, ao mesmo tempo em que tece sua crítica por meio de obras como
as de Beecroft, Murakami e Sprouse.
A interdisciplinaridade de certa forma explica a moda, pois embora a moda
trabalhe sempre para satisfazer suas necessidades, ela sempre busca a troca de
informações em sistemas distintos para agregar valor à sua produção.
Embora os produtos analisados na presente pesquisa tenham sido pensados,
projetados majoritariamente em território francês, eles hoje são consumidos em todos
os continentes, o que torna maior o alcance e compreensão desta pesquisa. No
momento contemporâneo, principalmente graças à internet, a informação caminha com
velocidade cada vez maior e assim é também com os produtos, resguardadas suas
respectivas categorias. Os acessórios de moda aqui estudados têm reconhecimento
internacional. Então é possível afirmar que, caso a pesquisa fosse realizada em outra
Moda, arte e interdisciplinaridade 46

parte do mundo, seus resultados provavelmente seriam muito parecidos.


É importante relatar como a interdisciplinaridade entre áreas de diferentes
campos de atuação pode agregar valor ao sistema de moda por meio da troca e
complementação de informação. O trabalho recorrerá às principais definições de
arte, design e moda, sempre que for necessário, tecendo possíveis relações. Esta
introdução tem como objetivo apresentar a maneira como o trabalho se organizou e,
consequentemente, expor as partes que o compõem.
A ideia central deste projeto se concentra na interdisciplinaridade e como
ela pode ser benéfica em um trabalho que envolva arte, design e moda e, em que
momento cada uma dessas disciplinas se beneficiam desta troca, em especial a
última. É necessário pensar a moda como um novo modelo de pensamento para a
arte, bem como a arte como elemento do universo da moda.
O impacto de uma área sobre a outra é inegável, mas ao mesmo tempo
imensurável dada a complexidade e as variáveis – já exploradas por esta Introdução
– que cada uma delas envolve. Não se pode pensar a arte somente com os olhos da
moda, nem a moda somente com os olhos da arte. Cada uma dessas áreas possui
critérios próprios que dizem respeito ao valor de sua produção.
Encontra-se aí a solução que vem de uma ambiguidade. Moda e arte não têm
que ser analisadas com áreas-estanque, já que o grupo interdisciplinar ideal, levado
em consideração neste trabalho, é composto por indivíduos com formação distinta
entre si, oriundos de diferentes áreas, mas complementares.
É nesse ponto que as incertezas tomam as rédeas da discussão, dando início
à presente dissertação. Persistem a imprecisões sobre os limites entre arte, design e
design de moda sobre os quais foi lançada luz sem conclusão definitiva. Esse enigma
se mostra “belo como o encontro de uma máquina de costura e um guarda-chuva
numa mesa de dissecar cadáveres.” (CONDE DE LAUTREAMONT apud MORAIS,
1869: 35).

Atos interdisciplinares entre arte e moda ao longo da história

A fim de melhor esclarecer as vinculações entre o design e a arte que possam


corroborar para a compreensão da moda como suporte para a arte e vice-versa visando
casos interdisciplinares, se faz importante uma elucidação a respeito de artistas e
designers precursores destes atos interdisciplinares. Nesse sentido, é preciso uma
breve revisão histórica para a compreensão da pesquisa em sua totalidade.
Um dos principais pesquisadores sobre a história de atos propostos entre arte
e moda é Peter Wollen, professor de cinema e televisão da UCLA (Califórnia). Sem
dúvida um dos expoentes neste campo, contribuiu com a pesquisa sobre arte e moda
assim como Valérie de Givry, Alice Mackrell, Radu Stern e Deyan Sudjic, entre outros.
Moda, arte e interdisciplinaridade 47

Este capítulo visa repassar os principais atos interdisciplinares ocorridos entre arte e
moda do final do século XIX, passando pelo século XX e estendendo-se até o início
do século XXI.
Segundo Peter Wollen, autor do primeiro capítulo e organizador do catálogo
Addressing the Century: 100 Years of Art and Fashion, resultado da exposição
homônima realizada na Califórnia em 1999, uma diferenciação inicial é importante a
respeito do trabalho do artesão e do artista, onde o primeiro faz objetos destinados ao
uso cotidiano (no qual o usuário possa usar da maneira que melhor lhe convier), e o
segundo é tido como algo não instrumental (WOLLEN, 1999: 7). O catálogo, produto
da referida exposição, servirá de base para este capítulo, que tem enfoque histórico.
Essa compilação acerca da exposição conta com a colaboração de vários estudiosos
de moda, artistas e filósofos que têm como foco a produção interdisciplinar entre moda
e arte.
Wollen toma como exemplo uma pintura, que é algo a ser admirado, mas nada
de prático pode ser feito com ela. Sua importância é atribuída a valores elevados que
foram elaborados por especialistas em história da arte e estética ao longo do tempo
(WOLLEN, 1999: 7), conforme visto na Introdução, em autores como Argan.
Vicenzo Fani, artista futurista conhecido como Volt, afirma que moda é arte,
como arquitetura e música. Para ele, um vestido brilhantemente desenhado e gasto
pelo uso possuía o mesmo valor de um afresco de Michelangelo ou da Madonna de
Ticiano (FANI apud STERN, 2004: 160).
Para Henry Van de Velde, a evolução das ideias e as condições da vida social
não poderiam fazer com que só tivessem valor pinturas e esculturas. Seria loucura
pensar que somente estas duas categorias poderiam satisfazer a necessidade artística
do século XX (VELDE apud STERN, 2004: 11).
O ponto de vista que dispensa à arte a qualidade de objeto inútil justifica o
valor da arte como um fim em si, ou seja, a arte só tem valor porque é inútil (SUDJIC,
2010: 168). Esse pensamento coincide em Wollen e Sudjic. Ambos compartilham uma
visão que valoriza o design em detrimento da arte. Eles acreditam que o design, assim
como a moda, traduz a identidade contemporânea, muitas vezes suplantando a arte.
Wollen afirma que é importante conhecer o contexto artístico no qual um trabalho
de arte específico está inserido e, considerando o questionamento dos limites da arte,
estes são expressivamente redefinidos para além da tradição do desenho, da pintura e
da escultura clássica quando se analisa obras como os pôsteres de Toulouse-Lautrec,
as colagens de Picasso, as obras de Duchamp, Johns, Rauschenberg, Tinguely, Naum
June Paik e Christo (WOLLEN, 1999: 7). Esses limites transbordam para novas áreas,
como a abordagem da moda sob a óptica da arte e vice-versa.
Ainda segundo Wollen, o design de produtos e de roupas é visto tradicionalmente
como algo mais artesanal do que artístico. O traço mais significante que difere a
Moda, arte e interdisciplinaridade 48

roupa de outros objetos utilitários é redefinido após 1850, com surgimento de Charles
Frederic Worth (WOLLEN, 1999: 8).
O design de moda é extremamente diferente de outras atividades projetivas que
se dedicam ao design de outros produtos. Existe uma relação íntima entre a roupa e
seu uso, o que distingue o design de moda dos demais “designs” (WOLLEN, 1999: 8).
O prestígio da pintura tinha a ver com sua durabilidade e sua transcendência
histórica, então a moda como um fenômeno essencialmente efêmero não possuía
o mesmo reconhecimento de uma obra de arte. Graças ao criador da alta-costura,
Charles Frederic Worth, redefinir a natureza da relação da roupa com seu uso, a moda
eleva seu status como arte aplicada, mas ainda muito distante de ser considerada
puramente arte. Considerado o pioneiro da alta-costura, tornou-se o fornecedor ideal
para as pessoas que desejavam ostentar determinada condição social (WOLLEN,
1999: 8).
Sob a liderança de Worth, existia uma indústria do luxo que se beneficiava
da publicidade gerada pela corte, como a indústria de tecidos de luxo de Lyon,
publicidade esta que beneficiava também o costureiro e seu cliente. Os consumidores
que adquiriam essas roupas sob medida eram vistos como usuários efêmeros, uma
vitrine perfeita para a indústria do luxo. Eram clientes mais ricas que dificilmente
usavam um mesmo vestido mais que uma vez, o que aferia à moda um tom teatral. A
moda nunca atingiria o status de arte, a não ser que superasse sua efemeridade, que
nesse momento estava diretamente ligada ao seu efeito teatral (WOLLEN, 1999: 8-9).
De acordo com Judith Clark, a história da arte na década de vinte é indissociável
tanto da história da moda como da história do teatro. Qualquer estudo dessa época
que envolva arte ou moda implica na compreensão de como os ideais modernistas
foram interpretados pelo teatro europeu. Teatro e figurino foram componentes críticos
de uma fusão interdisciplinar artística que começou no início do século XX e, já na
década de vinte, fornecia um contexto para o desenvolvimento do vocabulário moderno
(CLARK, 1999: 79).
Diretores de teatro trabalharam com artistas rejeitando a arte decorativa de caráter
popular na virada do século, a fim de propor soluções visuais para o desenvolvimento
de uma sociedade mecânica e urbanizada. O teatro era um microambiente onde o
corpo vestido se tornava a expressão do movimento plástico dentro do espaço cênico.
A roupa desse momento poderia ter um papel fundamental na propaganda política na
Europa, da Rússia comunista até a Itália fascista. Ela poderia transformar, restringir,
modificar, fazendo o corpo parecer mecanizado, sexualizado ou dessexualizado
(CLARK, 1999: 79). Esses eram os parâmetros que apareciam nos textos e criações
de moda de artistas futuristas como Giacomo Balla e Fotunato Depero.
Um exemplo mais recente dado por Valérie de Givry, que se refere à regulação
dos ideais modernos do início do século XX, são as roupas do estilista Thierry Mugler
Moda, arte e interdisciplinaridade 49

que tem preferência pelas formas geometrizadas do Construtivismo. Suas roupas


lembram esculturas de Archipenko (GIVRY, 1998:120).
Foi Giacomo Balla e, em menor proporção, Depero, quem mais contribuiu para
a tradução das aspirações futuristas em roupas. Marinetti, que escreveu o manifesto
futurista em 1909, desvalorizava tudo o que fosse feminino. Ainda segundo Judith
Clark, ele tratou a roupa feminina do período e tudo o que ela representava como uma
doença (WOLLEN, 1999: 80 e 82).
Judith Clark relata que o primeiro e o segundo manifestos sobre vestimenta
escritos por Balla em 1914 foram dedicados à vestimenta masculina, sendo a maior
parte das roupas futuristas voltada para homens. Somente em 1920, Volt (Vincenzo
Fani Ciotti) escreveu um manifesto dedicado à vestimenta feminina (WOLLEN, 1999:
82).
O manifesto alertava que a forma em “S” representada pelo corselet da Belle
Époque, esquecia as curvas femininas, racionalizando o corpo como um cilindro. Volt
defendia que as mulheres deveriam abrir mão dessa estética que incluía o corselet,
os tecidos luxuosos, as joias e os tons pastéis em função de roupas dinâmicas e
expressivas que ele definia como verdadeiros “poemas vivos” (WOLLEN, 1999: 82).
Segundo o artista, as mulheres deveriam ter uma existência mais poética. Ele
anunciava que a moda era de certa forma futurista, constatando que ela era uma das
formas de expressão mais imediata e de sucesso dos valores da modernidade. Em
um sistema de obsolescência constante, mesmo que pareça contraditório, a moda
tem um papel de trazer arte para o cotidiano (WOLLEN, 1999: 82). Na década de
vinte, moda e arte começam a se aproximar de forma mais efetiva.
Na primeira metade do século XX, se estabeleceram na Europa inúmeras casas
de moda. Elas tinham à sua frente a figura do designer de moda – homens e mulheres
– que, sob a luz do avant-garde da arte moderna, estenderam para si o respeito que
antes era apanágio dos artistas plásticos (MACKRELL, 2005: 115).
Isso se deu em parte pelas trocas feitas entre estilistas e artistas em suas
produções. De maneira geral, é comum encontrar colaborações pluridisciplinares
entre ambos, mas em períodos que se alternaram, por vezes artistas contribuíram
mais com estilistas do que o contrário. Esse é o caso da Belle Époque. Como exemplo
pode ser citada a contratação de artistas por Madame Paquin, como León Bakst para
criar vestidos e Paul Iribe e Georges Lepape para criar ilustrações luxuosas para sua
Maison. Os dois últimos artistas citados também desenvolveram trabalhos primorosos
com Paul Poiret na primeira década do século XX (MACKRELL, 2005: 115-116 e 119).
Outro artista que trabalhou para Poiret foi Erté. Nascido russo, Romain de Tirtoff
usava o pseudônimo Erté, pois este era o som produzido quando as iniciais de seu
nome eram pronunciadas em francês. Ele começou a trabalhar com Poiret em 1913.
A interação entre arte e moda possui uma grande herança cultural que teve um
Moda, arte e interdisciplinaridade 50

destaque especial nas mãos de Poiret. Ele foi o estilista que melhor relacionou moda a
outros tipos de fazer artístico. Vale ressaltar os artistas com quem ele trabalhou e dos
quais ele era também colecionador: Paul Iribe, Georges Lepape, Edouardo Benito,
Man Ray, Edward Steichen, Raoul Dufy, Erté, Constantin Brancusi, Kees van Dongen,
Boutet de Monvel, Pierre and Jacques Brissaud, André Dunoyer de Segonzac, Henri
Matisse, Amedeo Modigliani, Francis Picabia, Jean Metzinger, Jean-Louis Boussingault,
Bernard Naudin, Marie Laurencin, Robert e Sonia Delaunay, Roger de la Fresnaye,
Luc-Albert Moreau, André Derain e Pablo Picasso (MACKRELL, 2005: 118).
Ao trabalhar com alguns dos principais expoentes da arte moderna, Poiret foi
responsável por reforçar a ligação entre arte e vida que o ideal moderno previa e
elevar o nível das ações interdisciplinares entre arte e moda. Poucos vivenciaram tão
bem a arte em seu trabalho supondo superar os obstáculos impostos à criação de
moda.
Nessa busca pela união entre arte e vida, Poiret acreditava que a mulher
precisava de uma roupa mais saudável e atual, que fosse condizente com seus
movimentos. Para isso, ele encara os riscos comerciais da mudança e assume a
posição do estilista que “libertou” as mulheres do corselet. Ele tinha uma postura
considerada vanguardista para o início do século XX, seja em seu relacionamento
profissional e produtivo com artistas, seja na abolição do corselet.
Ele encarava esses artistas como “colegas de profissão”, uma vez que, para
ele, seus ofícios eram parecidos. Pela recepção às ideias dos artistas se convencionou
dizer que ao seu redor havia um “movimento” (MACKRELL, 2005:118). A vida de
Poiret também influenciou sua obra. Seu relacionamento com artistas, seja como
colecionador, admirador ou amigo, afetou profundamente sua produção.
É possível fazer uma analogia entre o seu trabalho e o da Louis Vuitton. Tanto na
tradição de seus produtos, como nos relacionamentos com artistas que os mentores
criativos das duas “marcas” possuíram ou possuem – Paul Poiret e Marc Jacobs – se
parecem.
Ainda no início do século XX, o futurismo italiano se empenhou em criar uma
nova dinâmica cultural que revolucionaria o vestir, assim como a pintura, a poesia,
a arquitetura, a música, o cinema e até a gastronomia. Em 1913, Giacomo Balla
desenvolveu padronagens geométricas, com cores vivas, tanto para homens quanto
para mulheres (WOLLEN, 1999: 11-12).
Judith Clark apoia-se no fato de a roupa ter se tornado não somente um
objeto, mas um evento para os futuristas. Ela podia ser agressiva, ágil, dinâmica,
simples, confortável, higiênica, jovial, assimétrica, agradável e diversificada. A criação
de estampas óticas causou uma ruptura no sentido visual, gerando incômodo para
as ruas. O design das roupas futuristas deveria variar de acordo com o humor e o
ambiente, com diferentes peças para manhã, tarde e noite. Por meio de acessórios
Moda, arte e interdisciplinaridade 51

modificadores, como botões, faixas e broches, o usuário poderia acrescentar um sinal


visível dos seus sentimentos íntimos. Era o que os futuristas alertavam em inúmeros
manifestos (WOLLEN, 1999: 82).
De acordo com Judith Clark em março de 1921, três membros do INKhUK (O
Instituto de Cultura Artística), Aleksandr Ródtchenko, Varvara Stiepânova e Aleksei Gan
registraram os princípios do Primeiro Grupo de Trabalho Construtivista, baseados nos
ideais comunistas. O manifesto foi baseado na união de trabalho, técnica, organização
e rejeição de elementos puramente decorativos (WOLLEN, 1999: 84).
Em 1920, o estudo de movimentos mecanizados assumiu um papel científico
em institutos como o Laboratório de Coregrafia e Choreology na Academia Russa
de Ciências Artísticas. A ideia era desenvolver uma linguagem de movimentos
cientificamente reproduzidos. O foco era estudar a teoria e registrar a prática da arte
em movimento (WOLLEN, 1999: 85). Nesse momento, havia grande interesse tanto
na Europa Ocidental quanto na Oriental em desvendar tudo o que estivesse ligado à
ideia de movimento e velocidade que eram adjetivos modernos. Além do futurismo
e do construtivismo, esse ambiente propiciou também o desenvolvimento da arte
cinética.
Para Judith Clark, a Bauhaus e seus colaboradores, Walter Gropius, Wassily
Kandinsky, Lyonel Feininger, Laslo Maholy-Nagy, Paul Klee e Oskar Schlemmer
reconhecem a possibilidade dos artistas influenciarem a produção industrial.
Schlemmer foi responsável por transformar as oficinas da Bauhaus em um local de
trabalho com foco multidisciplinar e experimental (WOLLEN, 1999: 86).
Peter Wollen defende que a moda atinge o status de arte no momento em que
supera a questão da efemeridade. A moda como essência encontra outros valores
que não somente o da efemeridade, o que confere a ela um ar teatral, caminhando no
sentido de estabelecer uma forte relação com a arte, seja utilizando os discursos
artísticos para sua produção, seja utilizando seus processos. Para o artista, era
imprescindível a habilidade para pintar a textura de tecidos e drapeados em um
momento onde havia o predomínio da figura vestida nas obras de arte. O costureiro,
assim como o pintor, precisava ter uma consciência especial
sobre a anatomia humana e um talento distinto para valorizar
a figura do cliente (WOLLEN, 1999: 9).
O vestuário feminino da década de vinte tem como
objetivo criar e popularizar roupas femininas mais higiênicas,
com apelo estético e praticidade em seu uso e manutenção.
Esse panorama do design de moda torna menos nítida
a linha que divide a arte da moda e cria parcerias entre
artistas e designers que favorece a troca entre as disciplinas
4. Paul Poiret. A Persa, 1911
(WOLLEN, 1999: 9). É no momento em que Paul Poiret
Moda, arte e interdisciplinaridade 52

liberta as mulheres do corselet, no Arts and Crafts que cresce a Reforma na Moda.
O movimento Arts and Crafts em poucos anos estimulou a expansão do design
de moda. O arquiteto e designer holandês Henry van de Velde descreveu o vestir
como o último “movimento conquistado” seguido da arquitetura, mobiliário e artigos de
design em geral, funcionais ou decorativos (WOLLEN, 1999: 10). Esse pensamento
reforça o caráter contemporâneo da moda que busca reconhecimento como atividade
criadora, buscando deixar de lado comparações prejudiciais com a arte, a arquitetura
e o design.
Peter Wollen relata que Arthur Lasenby Liberty, proprietário da loja de
departamentos Liberty situada em Londres, solicitou tanto a Paul Poiret quanto ao
grupo Wiener Werkstätte, liderado por Josef Hoffmann, Koloman Moser e Dagobert
Peche, trabalhos para a coleção de sua loja, a Liberty. Esses designs foram inspirados
pelo trabalho de Gustav Klimt, também integrante do grupo. Nesse período Klimt foi
claramente influenciado pelo orientalismo. Emilie Flöge, designer de moda e esposa
de Klimt, também se mostrou uma força importante para a realização destes trabalhos
para a Liberty no final do século XIX e começo do XX (WOLLEN, 1999: 9-10).
A qualidade que envolvia a produção do grupo de Viena talvez fosse uma das
principais preocupações do grupo. Em 1910 passava a funcionar sob a direção de
Eduard-Josef Wimmer-Wisgrill um departamento de moda dentro da Wiener Werkstätte
que já contava um ano antes com a criação de uma divisão têxtil interna. Essa abertura
para a moda sem dúvida teve influência direta de Paul Poiret, que defendia a criação
de moda como parte da criação artística de maneira geral (MACKRELL, 2005: 124).
O que interessava a Poiret era a oficina que produzia estampas florais pintadas
à mão. Como bases eram utilizados tecidos feitos de seda. O design de superfície
desenvolvido pelo grupo neste período afetou a moda internacional (MACKRELL,
2005: 124-125).
Essa presença é sentida na moda parisiense por meio das criações de Poiret
que remetiam ao ambiente cultural que Viena cultivava naquele momento. Um figurino
de Poiret de 1912, que se tratava de um quimono drapeado desestruturado, remetia
diretamente aos quimonos criados por Hoffmann e Peche. Além disso, seu figurino
levava tecido estampado pela Wiener Werkstätte (MACKRELL, 2005: 125).
A qualidade e a importância do trabalho da Wiener Werkstätte ainda se fazem
sentir. A eficiência interdisciplinar se mostra por meio dos atos propostos pelo grupo.
Contribuições como essas servem de parâmetro para produções futuras pelo seu
caráter positivo ao mesclar arte e moda.
Josef Hoffmann, arquiteto do grupo de Werkstätte, se preocupava com as
roupas que o usuário vestiria nas casas em que projetava, ultrapassando a questão
arquitetônica e configurando um panorama multidisciplinar (WOLLEN, 1999: 10).
Rapidamente, tornou-se óbvia a ligação entre o estilo de Poiret e do grupo de
Moda, arte e interdisciplinaridade 53

Klimt. Por meio da obra de Poiret, o gosto austríaco é colocado em contato com a
tradição francesa.
Alguns artistas que trabalharam com Poiret, como Paul Sérusier e sua esposa
Madame Sérusier, rejeitavam qualquer distinção entre artes decorativas e belas artes
(MACKRELL, 2005: 127).
Menos frequente – mas não incomum – era a produção de artistas que buscavam
expressar sua visualidade por intermédio da moda. Aparentemente igual, esse tipo de
produção difere por se tratar de uma colaboração que se inicia no campo da moda e
vai para a arte. Diferentemente da situação em que Poiret
convocava artistas para trabalharem com ele, esses artistas
procuravam a moda espontaneamente como forma de
manifestação. O estímulo vinha antes da arte.
Entre os trabalhos relevantes, encontram-se propostas
de roupas de Sonia Delaunay e Natalia Goncharova. A primeira
criou estampas vivas e produziu seus próprios vestidos,
casacos e têxteis voltados para a decoração de interiores.
A segunda ganhou fama pelos figurinos produzidos para o
Ballet Russo e por trabalhar para a Maison Myrbor – que
comercializava artigos de moda, tapetes e cortinas – entre
os anos de 1922 e 1926, auxiliando na criação das peças
exibidas na Exposition Internationale des Arts Décoratifs et 5. Aleksandr Ródtchenko. Roupa
masculina para trabalho, 1922
Industriels Modernes de 1925.
Nesse mesmo período, os construtivistas russos como Stiepânova e Ródtchenko
também se dedicaram ao design de moda, mas com foco nas massas em detrimento
da elite (WOLLEN, 1999: 12).
Varvara Stiepânova defendia que a roupa
deveria expor a maneira como era costurada e,
consequentemente, seu dinamismo. Expor como as
peças haviam passado por máquinas de costura, como
a máquina reta4 por exemplo, lembrava a agilidade
moderna. Stiepânova e Popova foram capazes de
desenvolver tecidos inovadores e designs de roupas
como parte do seu trabalho na Primeira Fábrica de
Tecido do Estado.
O Construtivismo, que nesse momento
dava mais importância ao processo, disseminou
formas geométricas para substituir as tradicionais 6. Varvara Stiepânova. Figurino – The Death
of Tarelkin, 1922

4 A quina reta é a principal máquina destinada à confecção de peças de roupas, utilizada


principalmente em tecido plano. Possui aspecto tracejado.
Moda, arte e interdisciplinaridade 54

padronagens florais russas. Futuramente, na década de sessenta, essa estética


geometrizante influenciaria a construção de roupas do estilista Pierre Cardin.
Outro trabalho importante foi o da artista Sofia Beliaeva-Ekzempliiarskaia. Em
1934, ela realizou estudos que se baseavam em leis da percepção visual aplicadas ao
design de roupas (EKZEMPLIIARSKAIA apud STERN, 2004: 59).
Na década de vinte, a alta-costura se simplifica, atendendo a um novo e amplo
mercado além da tradicional elite, por meio da nova estética modernista amplamente
difundida no período. Nessa época, também a moda é marcada pelo racionalismo e
pelo funcionalismo que aparece nas roupas para esportes, seguindo a tendência da
Reforma na Moda (WOLLEN, 1999: 12).
Wollen afirma que a roupa racionalista prezava pelo movimento. As roupas de
Paul Poiret que buscavam abolir o corselet perseguiam este ideal (WOLLEN, 1999:
12).
O designer que entende a linguagem do artista poderia transpor com sucesso
o trabalho científico para a realidade. A interpretação correta do designer sobre arte
é uma das primeiras condições para a produção de roupas. Acreditava-se, na época
da Reforma, que apenas a colaboração entre o artista e o designer poderia resolver o
problema da roupa (LAMANOVA apud STERN, 2004: 180).
Para Walter Crane (CRANE apud STERN, 2004: 106), a moda moderna e a
arquitetura moderna enfrentavam um dilema parecido. As duas áreas sentiam as
drásticas mudanças sociais do início do século XX e procuravam se adaptar a elas da
melhor forma possível.
Anne Hollander propõe que, nesse momento, “homem e mulher haviam atingido
uma igualdade visual” pelo fato da roupa feminina, pela primeira vez, seguir o aspecto
básico e minimalista da roupa masculina. Logo, as mulheres eram capazes de parecer
com um homem de verdade e não parecer com figuras enfeitadas e fantasiosas. Em
outras palavras, a modernização significou a abolição dos devaneios de enfeites
extravagantes e embustes retóricos de representação do corpo por roupas que
distorciam e encobriam a forma. As roupas se tornaram racionalizadas, como exigia a
estética modernista (HOLLANDER apud WOLLEN, 1999: 12-13).
Segundo Ulrich Lehmann, em 1937, o artista alemão Wolfgang Schulze (Wols)
foi acompanhado pela revista Harper´s Bazaar para documentar a construção do
Pavilhão da Elegância, que era construído para abrigar a exposição de artes decorativas
e industriais. Ao invés do glamour, suas fotografias mostravam o manequim em seu
estado puro de nudez, antes de sua corrupção e modificação pela moda (LEHMANN,
1999: 91). A relação da arte com a moda se estreita no surrealismo que usará o
manequim como suporte por um período.
Inspirada em um desenho de 1917, de Chirico apresenta a obra surrealista O
Filho Pródigo em 1975. Ela apresenta uma figura paterna em um casaco fora de
Moda, arte e interdisciplinaridade 55

moda, abraçando um relutante manequim. Esse manequim não tem nada mais a
oferecer que um esqueleto de madeira. Sem braços e sem
sexo, as proporções do manequim aparecem por trás dele
como se fosse compensar seu trágico estado de reduzida
mobilidade, fazendo alusão à história bíblica, em um
“estilo de vida devasso entre prostitutas”, argumenta Ulrich
Lehmann (LEHMANN, 1999: 94).
André Breton, teórico do surrealismo, e Pierre
Naville, sociólogo francês, acreditavam que as grandes
tensões no coletivo expressadas pela moda deveriam ser
submetidas à percepção (LEHMANN, 1999: 93).
De acordo com Lehmann, o manequim
desconstruído tornou-se uma figura de devoção durante 7. Giorgio de Chirico. O Filho Pródigo,
o período surrealista. O manequim nu reduzido a uma 1975
armadura, esta livre de qualquer conceituação ou modificação, poderia ser usada
pelo artista para expressar os ímpetos e ansiedades básicas tanto da mulher quanto
do homem (LEHMANN, 1999: 95).
O manequim foi transformado pelo seu contexto, de um ícone de beleza
efêmera, em um exemplar de sátira boêmia. A feminilidade idealizada não é somente
uma representação nem um trabalho de arte, mas parte de uma grande crítica da vida
moderna. Em seu trajeto pela arte e pela moda nos anos vinte e trinta, o manequim
perdeu sua inocência e, finalmente, sua importância como discurso artístico moderno
(LEHMANN, 1999: 95).
A atmosfera de mistério evocada pelos escritos surrealistas revelou uma
camada de significado além da estranha semelhança humana da manequim como
uma musa misteriosa, catalisadora da imaginação humana (LEHMANN, 1999: 94-95).
A designer Elsa Schiaparelli recusou o estilo moderno da década de vinte, do
qual Chanel foi expoente, desenvolvendo uma tendência ao surrealismo que a cercou
de artistas como Man Ray, Tristan Tzara, Hans Picabia, Jean Cocteau, Salvador Dalí e
Meret Oppenheim. Schiaparelli experimentou materiais como celofane, vidro, plástico
e náilon de pára-quedas trabalhando os acessórios em excesso (WOLLEN, 1999: 14).
Chanel se inspirou em movimentos de arte moderna. Seus designs, que refletiam
a racionalização e funcionalismo fundados na arquitetura moderna – Construtivismo e
a Bauhaus –, costumavam ter o formato de um cubo, tendendo ao cubismo analítico.
Esbelta, clássica, graciosa, elegante e geralmente esportiva, a moda de Chanel se
tornou um dos estilos que viria a ser produzido facilmente em grande escala pelos
fabricantes do Pós-Guerra.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o estilo de Chanel foi massificado, se
embrenhando em várias esferas da vida por meio de roupas e acessórios. Hoje, esse
Moda, arte e interdisciplinaridade 56

movimento se repete não só por meio de marcas de moda, mas também por meio
da obra de artistas pop, como Takashi Murakami, que inunda com suas estampas
diversos objetos, que variam de chaveiros até quadros.
A vanguarda moderna que contaminou a moda se refletiu nas aproximações
entre couturriers e artistas. Muitos couturriers admiravam e frequentavam artistas
modernos. É o caso de Paul Poiret, que era amigo de Francis Picabia, Maurice de
Vlaminck, André Derain e Raoul Dufy, ou Chanel, que era ligada ao poeta Pierre
Reverdy e a Max Jacob. A versão de Jean Cocteau para Antígona teve cenários de
Pablo Picasso, figurino de Juan Gris e música de Arthur Honegger (LIPOVETSKY,
2001: 81).
As relações entre arte e moda estreitam-se de forma cada vez mais intensa
culminando em uma simbiose que passa a favorecer não só a moda, mas também a
arte.
A capa da revista Punch, de 1913, cria uma provocação ao tencionar a relação
entre arte e moda com a pergunta: “Por que não deixam os cubistas e futuristas
lançarem as tendências de moda da primavera?” (PEAKE apud STERN, 2044: 64 e
192).
Na década de cinquenta, a performance de arte trouxe uma preocupação aos
artistas do gênero que era inevitável: a roupa. A performance envolve criação de
roupas, o que anteriormente correspondia a desenhar para um espetáculo de dança
ou teatro, só que agora atendendo especificamente aos objetivos dos artistas, usando
a roupa como uma forma de autoexpressão ou como um elemento “quase-ritual”
(WOLLEN, 1999: 14).
Na década de setenta, é comum encontrar artistas japoneses e brasileiros,
assim como americanos e europeus, que realizavam performances e confeccionavam
suas próprias roupas, seu próprio design. Para as duas disciplinas, moda e arte, a
referência é a mesma, e a respeito dela convergem pontos em comum como a
utilização da cor, o movimento de onde pode nascer a forma, o gesto, o conceito ou a
escolha, a tela, o espaço, o volume. A tela para o artista é como o tecido para o
designer de moda e, nesse momento, o
artista prefere se aproximar do tecido
(WOLLEN, 1999: 15).
No Brasil, o artista, engenheiro e arquiteto
Flávio de Rezende Carvalho (1899–1973),
ficou conhecido, além de suas obras de
inegável valor, por sua coluna semanal no
jornal Diário de São Paulo e, acima de tudo,
por sua postura ousada e, de certa forma,
8. Flávio de Carvalho. Experiência nº 3, 1956 agressiva. Em textos diretos e sarcásticos,
Moda, arte e interdisciplinaridade 57

produziu críticas à moda e aos costumes da sociedade com ironia e irreverência.


Em 1956, realizou um desfile na cidade de São Paulo que causou comoção.
Ele apareceu diante de todos trajando saia e meias “arrastão”. Justificou sua escolha
com o argumento, absolutamente plausível, de que seriam os trajes ideais para o
clima tropical brasileiro. Assim, ele tecia a crítica ao traje masculino da época, escuro
e severo, que limitava os movimentos e não era arejado, julgando o vestuário feminino
mais apropriado ao clima do país.
Esse posicionamento reflete que o autor transgredia com inteligência a lógica
imposta à sociedade por meio da vestimenta. Ele requeria para si a roupa antes
destinada às mulheres em uma crítica ao modo de se trajar do homem. Dessa forma,
a referida roupa deixa de ser feminina e passa, mesmo que por um breve momento, a
ser unissex.
Sua postura foi motivo de protestos e críticas da elite machista que controlava
a sociedade no período. Assim, as vozes que se erguiam contra suas atitudes eram
constantes, porém apenas davam mais força à figura do artista e ampliavam o alcance
de suas ideias.
Outro fator interessante relacionado a essa performance é que ela foi um ato
pensado e estudado profundamente. O assunto era levado a sério por Flávio de
Carvalho em palestras, além dos artigos publicados em sua coluna que era veiculada
aos domingos pelo Diário de São Paulo durante o ano de 1956. Muitas vezes, em seus
artigos ele utilizava o trickle effect para construir seus argumentos, especialmente ao
bubble up, uma vez que admirava e reconhecia, nas mentes criativas das minorias
e dos marginalizados – como as mulheres, os loucos e os mendigos –, a verdadeira
essência criadora.
Pela sua simplicidade, o New Look de Verão de Flávio de Carvalho é de certa
forma uma espécie de antecipação do “Pauperismo” que viria à tona por meio da
moda e do design de produtos na década de oitenta, pelas mãos de estilistas japoneses
como Yohji Yamamoto e Rei Kawakubo e que, de certa forma, também traduz o
pensamento do design minimalista da marca MUJI.
Flávio de Carvalho se opunha de forma irônica aos
ideais de luxo do New Look, originário da moda,
criado por Christian Dior.
O New Look de Verão era um acinte ao hábito
de importar a cultura e costumes de países europeus
e dos Estados Unidos. A expressão New Look surgiu
em função de um desfile de Christian Dior, ocorrido
em 1947, batizado pela redatora da revista Harper’s
Bazaar americana, Carmel Snow, e reportava uma
9. Flávio de Carvalho. New Look de Verão, maneira de se vestir de forma feminina e opulenta
1956
Moda, arte e interdisciplinaridade 58

em oposição às limitações no consumo impostas pela guerra que acabara há pouco


tempo. O Tailleur Bar foi o look que imortalizou o estilo de Dior.
Além da crítica ao colonialismo cultural, é possível
estabelecer uma relação, embora antagônica, entre o New
Look de Dior, luxuoso, e o de Flávio de Carvalho, mais próximo
ao minimalismo, que descrevia um modo de se vestir que viria
a substituir o smoking, propondo um novo traje adaptado aos
trópicos para o homem, segundo o próprio autor. Flávio de
Carvalho buscou inspiração na moda para construir o que seria
um dos maiores marcos da arte moderna brasileira no século
XX. 10. Christian Dior. Tailleur
Bar, 1947
Wollen considera que os anos sessenta trouxeram
outra onda de enorme mudança tanto para o mundo das artes, quanto para o da
moda. Enquanto em Londres, Nova Iorque e Paris os artistas respondiam à nova
cultura jovem e desenvolviam seus trabalhos paralelamente, especialmente os que
se dedicavam à Pop e à Op Art, houve um atraso dessa cultura jovem na Costura em
Paris, que veio a acontecer somente com o trabalho de designers como Paco Rabanne
e André Courrèges. Eles chamaram a atenção criando a “Era Espacial”, representada
por roupas angulosas e geométricas, com contrastes de cor e, no caso de Rabanne,
inovação material pelo uso de metais e novos tipos de plásticos. Georgina O’Hara
observa que Paco Rabanne executou roupas com alicate ao invés de agulha e linha
(WOLLEN, 1999: 15), o que aproximava seu trabalho do fazer artístico.
A moda de Pierre Cardin, na década de sessenta, vêm ao encontro do gosto da
época pela abstração, mais precisamente a abstração geométrica, mas a concepção
de suas formas concerne, sobretudo, aos conceitos construtivistas que remetem a
uniformes funcionais, como aqueles feitos por Aleksandr Ródtchenko para a peça de
teatro La Punaise (GIVRY, 1998: 72).
No trabalho de Paco Rabanne, é fácil identificar a linguagem da malha de
metal, das cotas de malha em que ele recria sua linguagem formal, reinventando-as.
Do mesmo modo que uma aranha tece sua teia, o “vestido-objeto” se forma no ritmo
em que a matéria é criada, como em um princípio autógeno, e esse fazer projetual
lembra muito os trançados das pinturas de François Rouan nos anos oitenta (GIVRY,
1998:74).
Nas peças de Courrèges dos anos sessenta há um quê de construtivismo, em
um estilo Bauhaus, na aplicação das linhas horizontais e verticais sempre paralelas que
construía, conferindo um apuro de teorema geométrico às peças (GIVRY, 1998:74).
Warhol, que transitava com consciência entre a arte e a moda, o consumo e
a publicidade, abraçou a música e os filmes do início da década de sessenta para
criar sua arte. Usava atrizes em seus filmes que trajavam seus vestidos de papel
Moda, arte e interdisciplinaridade 59

estampados com as pinturas de bananas, ao mesmo tempo em que as latas de sopa


Campbell influenciaram, em 1966, a produção de uma série de minivestidos trapézios
que levavam o título The Souper Dress (MACKRELL, 2005: 149).
Esses vestidos descartáveis eram uma crítica ao consumo e tinham um papel
importante na disseminação da arte pop. O catálogo da exposição The Warhol Look:
Glamour/Style/Fashion, sediada em vários locais dos Estados Unidos, Canadá,
Europa e Austrália de 1997 a 1999, deixou claro que, no trabalho de Warhol, a moda
era o tecido responsável por unir o que antes pareciam elementos díspares
(MACKRELL, 2005: 149).
A moda, ao mesmo tempo em que pertence
ao cotidiano de todos e é desejada pela maioria,
abarca a forma estranha, o exótico, o excêntrico.
É comum ouvir que determinado objeto ou
imagem é “de moda” por estar fora de um padrão
esperado, ou por possuir volumes maiores ou
menores do que os praticados em determinado
momento, ou por possuir cores extravagantes,
“cores de moda”. Isso soa estranho se a moda for
pensada como a “ciência” que propõe um padrão
para determinado período.
No mesmo período, em Nova Iorque,
artistas iluminavam vestidos com luzes elétricas,
como a artista japonesa Atsuko Tanaka. As
11. Atsuko Tanaka. Electric Dress, 1956
pinturas Op e Pop Art substituíram o Surrealismo
como uma das principais vertentes artísticas que haviam
influenciado a moda, repensando o ready-to-wear
desenhado por Ródtchenko e Stiepânova.
Simultaneamente, houve uma volta ao Construtivismo
também no âmbito da arte, com artistas cruzando a
barreira entre o avant-garde e a cultura popular (WOLLEN,
1999: 15).
Essa inspiração pop atingiu Yves Saint-Laurent que,
em 1966, cria a coleção Pop Art – silhuetas em tons de
pele desenhadas sobre o jérsei, que exaltam a coloração
pop e remetem aos “grandes nus” de Tom Wesselman, de
1963. As peças privilegiam a simplicidade de expressão
gráfica e cores vivas (WOLLEN, 1999: 15).
Outra importante colaboração interdisciplinar do
mesmo período que envolveu arte e moda, só recentemente 12. Yves Saint-Laurent. Silueta, 1966
Moda, arte e interdisciplinaridade 60

reconhecida, foi a de Giacometti. Ele foi responsável pelo desenho que estampou
lenços distribuídos como brindes de fim de ano aos clientes da Galeria Maeght, em
Paris, no ano de 1959. Para a execução deste projeto, pois
se trata de um design, ele pintou ao menos quatro telas a
óleo no tamanho do lenço a ser estampado. Como artista,
ele respeitou profundamente a função do objeto neste
projeto (WIESINGER, 2012: 131 e 132).
Os lenços (figuras 13, 14 e 15) compunham a
exposição de Giacometti realizada no Brasil de março a
junho de 2012. Eles se referem às pinturas de Giacometti
feitas a pedido da Galeria Maeght no ano de 1959. Antes
dele, Braque, em 1957, e Chagall e Miró, em 1958, também
13. Alberto Giacometti. Lenço, 1959
foram requisitados para este tipo de trabalho. A Fundação
Alberto e Annette Giacometti, que generosamente cedeu
essas imagens, não possui o registro das outras duas
pinturas que seriam testes para o referido lenço. Percebe-
se que só agora se revela um desvelo interdisciplinar da
obra de Giacometti no tocante à moda. Antes considerados
objetos de menor valor, esses “testes” para lenços não
tiveram tanta sorte na sua conservação. No ano de 2007,
a marca de moda Louis Vuitton editou um dos lenços do
artista que também foi exibido na Pinacoteca (figura 15),
onde a exposição foi sediada.
Na década de sessenta, Giacometti estabeleceu 14. Alberto Giacometti. Lenço, 1959
um rico diálogo entre o objeto
decorativo e o objeto de arte. Acreditava que, naquele
período, as fronteiras entre design e arte obnubilavam-se
de forma cada vez mais intensa. Este foi o tema de sua
exposição Antagonismos 2 – objetos, realizada em 1962
no Museu de Artes Decorativas de Paris. De qualquer
maneira, ele acreditava que os objetos, ao contrário das
produções artísticas, não tinham a aptidão de “adquirir
15. Alberto Giacometti. Lenço, editado vida” (WIESINGER, 2012: 134), ou melhor, não possuíam
pela Louis Vuitton, 2007
aura nas palavras de Walter Benjamin.
Outra vertente abordada pelo artista em sua obra foi o teatro. O artista criou
objetos que eram recorrentes em interiores de Jean-Michel Frank, e em desenhos de
Jean Hugo para a Harper’s Bazaar em 1938 (WIESINGER, 2012: 131).
A questão da teatralidade aparece na relação da obra com o espaço, em que ele
se aprofunda no esboço de uma arquitetura para um cenário de teatro e nos acessórios
Moda, arte e interdisciplinaridade 61

de cenário que ele criava, muito utilizados pela fotografia de moda (WIESINGER,
2012: 131) e que permite afirmar novamente o caráter interdisciplinar de parte de
sua obra com relação à moda. Essa teatralidade estava intrinsecamente ligada à
moda no período surrealista. Foi na década de trinta que as obras de Giacometti mais
apareceram ligadas ao universo do teatro, da decoração e da moda.
Na década de sessenta, William Klein, pintor abstrato, escultor da arte cinética,
cineasta e fotógrafo de moda, mostra muito de seu desprezo pela indústria da moda
em seu filme, sarcástico, quase cômico Qui
êtes-vous, Polly Maggoo?, onde ele cria
um mundo fantasioso da moda, fazendo
referência aos leitores de revista de moda
que, na década de sessenta, se
amontoariam ao ver “supermodelos”
(MUIR, 1999: 104).
16. William Klein. Qui êtes-vous, Polly Maggoo?, 1966
Klein também ficou famoso em 1965
por seu livro New York, um olhar sobre
a cidade que ele deixou para trás, focando no caos das ruas e no modo de vida
lunático das cidades. Ele desenvolveu uma estética e uma variedade de técnicas, que
incorporaram a distorção, closes, borrados que aparentavam um resultado acidental
ou não intencional. Klein trouxe suas idiossincrasias na linguagem visual para as
páginas da revista Vogue e produziu imagens subversivas e “antimoda” durante uma
década, destoando das imagens produzidas décadas antes que refletiam Nova Iorque
e Paris (MUIR, 1999: 103 e 104).
Aleksandr Liberman, então diretor de arte da Vogue, lembrou os leitores que
nem tudo na vida é saúde e felicidade. Segundo
Robin Muir, ele concebia a foto de forma que
contasse uma estória, como um quadro, o que
traz ao trabalho de moda um teor crítico, quase
politizado. Foi a partir do trabalho de Deborah
Tuberville, uma série de fotos de 1975 de
modelos em uma ducha, que uma tempestade
de protestos tomou forma. As modelos estavam
17. Deborah Turbeville. Fotos para Vogue, 1975
dispostas lânguidas, solitárias, sem qualquer
interesse no mundo externo. Criou-se um cenário de alucinação, que lembrava um
campo de concentração, onde seus corpos esvaziados de qualquer energia pareciam
estar dopados (MUIR, 1999: 104). Foi a primeira vez que fotos com este teor figuraram
em revistas de moda.
O período que compreende a década de quarenta até meados da década de
setenta foi marcado por uma produção têxtil prolífica. Tecelagens inglesas como a
Moda, arte e interdisciplinaridade 62

Ascher e a Liberty trabalharam neste espaço de tempo com vários artistas plásticos
que imprimiam às suas estampas um efeito pictórico, nem sempre condizente com as
regras da produção em série da estamparia têxtil, mas que mostram a interação entre
arte e moda (MACKRELL, 2005: 151), muitas vezes
transformando defeitos em efeitos de vanguarda.
Entre os principais artistas a quem foi solicitado
tanto pela Ascher quanto pela Liberty a dar sua
contribuição estão: Pablo Picasso, Jean Cocteau,
John Piper, Feliks Topolski, Eduardo Paolozzi, Francis
Picabia, Ben Nicholson, Barbara Hepworth, Henri
Matisse, Victor Vasarely, André Derain, Antoni Clavé,
John Tunnard, Françoise Gilot, Scottie Wilson, Ivon
Hitchens, Jean Hugo, André Lanskoy, Christian Bérard,
Marie Laurencin, Cecil Beaton, Phillip Jullian, Jean-
Denis Malclès, Constantin Alajalov, Alexander Calder,
Lucian Freud, Frances Hodgkins, Henry Moore, Graham 18. Henri Moore. Two Standing Figures
(for Ascher), 1947
Sutherland e Sonia Delaunay.
Essas estampas encontraram apoio de estilistas da época que faziam com que
elas se tornassem tendências. Essas estampas exibem um deslumbrante senso de
cor e mostram como os designs desses artistas ainda permanecem atuais (MACKRELL,
2005: 153).
Peter Wollen sustenta que um dos marcos
da aproximação entre arte e moda ocorreu em
1982, com a capa da revista nova-iorquina
Artforum5 feita pelo designer japonês Issey
Miyake com colaboração do artista Koshige
Shochikudo, que trabalhava com bambu,
em uma fusão de moda, trabalho manual e
escultura – esse ato assinalou um novo tipo
19. Issey Miyake. Capa da Artforum, 1982 de relacionamento entre arte e alta-costura
(WOLLEN, 1999: 15).
Em meados dos anos oitenta, vários ateliês de moda empregaram artistas para
aumentar sua “credibilidade artística”. Assim foi até a década de noventa, quando
Cindy Sherman fez fotos para Comme des Garçons; Nan Goldin para Helmut Lang
e Mitsuhiro Matsuda; Tracey Emin criou peças publicitárias para Vivienne Westwood;
Jenny Holzer desenvolveu um letreiro para Helmut Lang; e Julian Schnabel trabalhou

5 Artforum é uma revista internacional, publicada mensalmente e especializada em arte


contemporânea. A crítica Rosalind E. Krauss foi a grande colaboradora e responsável por estabelecer
esta revista no cenário da arte contemporânea.
Moda, arte e interdisciplinaridade 63

como designer de interiores para Azzedine Alaïa (SVENDSEN, 2010: 107).


Cindy Sherman incorporou a arte ao seu trabalho nas suas Fashion Series em
que ela se fotografa vestindo roupas de Jean-Paul Gaultier, Issey Miyake, Jean-Charles
de Castelbajac. De 1983 até agora ela, já produziu mais de trezentos autorretratos, ou
self-transformations (MACKRELL, 2005: 157).
Com olhar tenso e desgrenhado, trajando as roupas de forma bastante
desconfortável – a antítese das modelos em fotografias de moda –, Cindy Sherman
tem usado a moda de forma a explorar ideias e imagens da identidade feminina
que dão testemunho de uma mudança de paradigma na relação entre arte e moda
(MACKRELL, 2005: 157).
Seu trabalho se assemelha ao de Sylvie Fleury, no sentido de que ambos
criticam e combatem o consumo, a ostentação e o desperdício. Também é possível
estabelecer relação com o trabalho da artista francesa Orlan, que busca atingir o
rosto ideal por meio de cirurgias plásticas em uma tentativa de criticar a indústria do
consumo. Sejam em roupas, sapatos ou cirurgias plásticas, a moda se manifesta de
inúmeras formas, podendo levar à alienação. À arte cabe o papel de criticar a moda
quando a estetização da vida segue regras impostas pela moda e suplanta o ideal de
unir arte e vida.
Formas tradicionais de arte, como pintura e escultura, perderam sua hegemonia
e deram espaço às instalações, à arte conceitual e outros gêneros menos usuais de
arte, que gradualmente começaram a incluir o uso de roupas (WOLLEN, 1999: 15).
Um novo gênero começou a emergir, geralmente associado a “roupas de arte”.
Ao mesmo tempo, os costureiros não somente se cercaram de artistas, como eles
próprios se tornaram artistas. Nas décadas de sessenta e setenta, roupas passaram
a ser exibidas como trabalhos de arte e artistas começaram a invadir novas áreas,
incluindo o universo da moda, anteriormente exclusivo aos designers (WOLLEN,
1999: 15).
Valérie de Givry argumenta em seu livro L’Inspiration Artistique des Créateurs
de Mode, de 1998 que, os costureiros da primeira metade do século XX vão impor
seu estilo, que por sua vez está subordinado ao gesto. Segundo ela, Dior desenha,
Balenciaga esculpe, Lacroix acrescenta, Alaïa remove, Margiela conceitua e Mugler
e Saint-Laurent purificam, em uma realidade onde todos enxergam o corpo como um
suporte para o tecido e a roupa, uma superfície a ser trabalhada (GIVRY, 1998: 70 e
71).
Para os designers japoneses, em especial Issey Miyake, Rei Kawakubo
(criadora da marca Comme des Garçons) e Yohji Yamamoto, não há uma separação
clara entre arte e design (WOLLEN, 1999:16).
Rei Kawakubo tende a ver suas roupas como elementos de um ambiente
completo, reminiscências daqueles criados por Wiener Werkstätte no período do
Moda, arte e interdisciplinaridade 64

Arts and Crafts. Os japoneses também experimentaram novos materiais. Miyake,


por exemplo, empregou especialistas em seu estúdio de design para explorar as
possibilidades de novos tecidos e novas tecnologias de produção, além da peça feita
em bambu em parceria com Koshige Shochikudo (WOLLEN, 1999:16).
O uso experimental de materiais inusitados e excêntricos é uma das
características que está ligada à arte e à alta-costura (WOLLEN, 1999: 17).
A cerâmica, por exemplo, foi usada tanto pela artista Tiziana Bendall-Brunello,
quanto por Martin Margiela, designer de alta-costura de Paris. Outros artistas e
designers experimentam com borracha,
aço, jornal, madeira e vidro, entre outros
materiais, com a preocupação de
reconfigurar a forma do corpo por meio de
“esculturas” provocativas de roupas
(WOLLEN, 1999: 17).
Georgina Godley e Rei Kawakubo
desenham roupas com formas côncavas e
convexas que contradizem a forma básica 20. Tiziana Bendall-Brunello. Angel, s/d
do corpo na coleção Bump & Lump. Martin
Margiela ainda desenhou uma coleção para ser devorada pelo bolor, como uma forma
de arte autodestrutiva. O trabalho de Margiela satisfaz conceitualmente os pontos
artísticos de Marcel Duchamp (WOLLEN, 1999: 17). Os dois, à sua maneira gostam de
polemizar em prol dos valores estéticos tradicionais da alta-costura e da arte. A atitude
de Duchamp desestabiliza pela ironia, enquanto a de Martin Margiela questiona o
significado profundo das origens da moda.
A fotografia e vídeo também tiveram um importante papel para o mundo da
moda, não só como publicidade, mas colaborando para a cristalização do impacto
visual da roupa sobre o público. Man Ray iniciou sua carreira trabalhando para Paul
Poiret, e mais recentemente existem colaborações como a de Cindy Sherman para a
Comme des Garçons (WOLLEN, 1999: 17 e 18).
Houve um relacionamento muito próximo e ao mesmo tempo complexo entre
alta-costura e fotografia, estabelecendo um domínio visual entre as formas, assim
como a alta-costura havia estabelecido um relacionamento paralelo com a “sociedade
do retrato”, ou seja, a alta-costura de certa forma influenciou a fotografia embora o
trabalho do “retratista” ou do pintor buscassem eliminar a importância do trabalho do
criador de moda (WOLLEN, 1999: 9). A relação entre a alta sociedade, a fotografia e
a moda sempre pendia em favor dos mais fortes economicamente nesta relação, uma
vez que eles exerciam uma espécie de mecenato.
Na alta-costura, os desfiles se tornaram muito mais performances orientadas, às
vezes envolvendo uma performance de arte, e assim encorajando o uso do vídeo, não
Moda, arte e interdisciplinaridade 65

só como um meio de registro, mas como uma mídia criativa em si. Ao mesmo tempo,
artistas usam roupas relacionadas às performances com a finalidade de produzir seu
próprio vídeo de arte. A estética que transpassa o mundo da arte e da moda torna-
se cada vez mais permeável, como uma estética de mistura e de novas mídias que
continuam a se desenvolver (WOLLEN, 1999: 18).
A moda se comporta como arte quando mostra sua habilidade em criar “imagens
completamente simbólicas”, dando corpo às imagens tanto psicologicamente como
fisiologicamente, de maneira real e moderna. A moda tem um compromisso com o
visual e a função da alta-costura é reconciliar o lado visual e o lado tátil. No avant-
-garde da moda, o visual e o tátil estão frequentemente em uma dinâmica de tensão
(HOLLANDER apud WOLLEN, 1999: 18).
Um terceiro campo emergiu com o pós-modernismo. O campo da arte,
anteriormente dominado pela pintura e pela escultura, foi acrescido da performance,
do vídeo e da instalação, que passam a ter papel fundamental na interdisciplinaridade
entre arte e moda (WOLLEN, 1999: 18).
Artistas se voltaram para a moda assim como designers de moda se voltaram
para as artes, no sentido de explorar os conflitos dinâmicos e frequentes entre o
visual e o tátil, a arte e o design, a acepção da “forma pura” e do design para o uso.
O diálogo entre eles ainda está se iniciando, mas sua produtividade não pode ser
negada (WOLLEN, 1999: 18).
Para Caroline Evans, a provocação de Max Ernst de 1919, “vamos deixar a
moda existir, assim pode ser que a arte morra”, contrasta com os valores duráveis da
arte com a efemeridade e superficialidade da moda (ERNST apud EVANS, 1999: 97)
reforçados a partir da década de noventa.
A relação entre arte e moda passa a ganhar força principalmente a partir da
década de oitenta, atingindo seu ápice na Bienal da Moda, evento que ocorre a cada
dois anos na Europa e que prestigia os principais criadores da moda em exposições,
em museus antes destinados somente à arte (BRAGA, 2004: 104).
A primeira edição desta Bienal ocorreu em 1996, em Florença, e trouxe como
tema “O tempo e a moda”. Sua segunda edição, em 1998, ocorrida nas cidades de
Florença, Prato e Livorno, trouxe o tema “A moda se veste de cinema”. A Bienal da
Moda ilustra bem como esse arrivismo artístico foi acolhido e fez com que importantes
exposições de moda ganhassem cada vez mais espaço nos museus (BRAGA, 2004:
104).
Na contemporaneidade, a discussão em torno do corpo humano se intensificou.
Ele se distingue por sua característica de ser de certo modo inacabado, desnudo,
vulnerável e incompleto (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 108). O modernismo reforçou
a ideia de que o corpo é como uma lacuna que deve ser preenchida.
Para Adolf Loos, algo só era considerado moderno se esse “algo” estivesse
Moda, arte e interdisciplinaridade 66

na moda há algum tempo, além de somente uma estação (LOOS apud SVENDSEN,
2010: 27). De acordo com este raciocínio, a moda em geral não é moderna, pois não
se considerava moderno algo tão efêmero que durasse uma estação ou menos. Essa
afirmação se mostra incoerente, uma vez que já ficou claro até aqui que a moda foi um
dos principais pilares da formação da vida moderna nas cidades do século XIX.
Confrontando as colocações de Entwistle e Wilson e Loos, depara-se aqui com
uma contradição: se o corpo humano, segundo Entwistle e Wilson, é de certo modo
inacabado e incompleto, ele não seria moderno de acordo com a ideia de boa forma,
mas é para este corpo que se criam inúmeros designs desde o século XV e, seguindo
o próprio raciocínio de Loos, este corpo é identificado como algo moderno por estar
em vigor há tantos séculos.
Esse corpo é inacabado, ou seja, é constantemente repensado. Aí reside a
maior dificuldade em elevá-lo ao status de boa forma de acordo com o ideal moderno.
Talvez o melhor exemplo desse corpo humano da mutabilidade constante seja a artista
Orlan e seu trabalho.
Em suas performances, ela se submete a cirurgias plásticas, em que recita
poemas, em uma tentativa irônica de se tornar Vênus de Milo. Ela questiona ferozmente
o sistema da moda, da obsolescência constante, e critica o sacrifício para se atingir a
boa forma, aqui observado em duplo sentido, a imposta pelas revistas de moda e a
proposta pelo modernismo.

21. A artista Orlan 22. Orlan. Sucessful Surgery, 1990

Nos anos noventa, a instabilidade prevalece e admitem-se obras como o vídeo


Twinkle, de Sylvie Fleurie, onde o pé da artista é enquadrado sôfrega e compulsivamente
provando e descartando uma montanha de sapatos da moda (EVANS, 1999: 97). A
artista afirma que, quando não tem uma ideia clara da cor que vai usar em uma obra,
recorre à cartela de cores mais recente da marca Chanel (FLEURY apud BOURRIAUD,
2009: 12).
Caroline Evans atenta para um dado irônico na obra de Sylvie Fleury a respeito
da convergência entre arte e moda, no momento em que a artista que se assume uma
socialite compulsiva por compras e transforma sua vida em uma obra de arte (EVANS,
1999: 97).
Moda, arte e interdisciplinaridade 67

A artista associa sua produção às últimas tendências de moda lançadas pelas


revistas especializadas, ironizando a noção de glamour e mostra que a moda,
possivelmente, tem mais a dizer sobre a vida do que se pensa (EVANS, 1999: 97).
A arte atualmente se resguarda com
relação a crenças eternas, substituindo grandes
narrativas por uma lista de outras narrativas de
incorporação e identidade (EVANS, 1999: 97)
que dizem respeito às micropolíticas.
A distância entre a arte e o cotidiano
se torna cada vez menor. A própria noção de
identidade se desloca no ambiente político que
está em constante movimento (PELBART apud
23. Sylvie Fleury. Twinkle, 1992
CANTON, 2009: 26 e 27).
A política passa a ser vista onde não costumava vigorar anteriormente. Há uma
tendência a descentralizar o foco da política, explicando que ela está no cotidiano,
na gestão do corpo, na sexualidade, entre outros inúmeros campos (PELBART apud
CANTON, 2009: 24).
Esse contexto tem uma dimensão política que não resume o poder a uma
figura de Estado, mas o envolve por meio de mecanismos complexos que atravessam
diferentes campos (PELBART apud CANTON, 2009: 24).
Os artistas encontraram no campo da atuação artística um espaço mais
acolhedor que os partidos políticos. Estes enfrentam uma crise no Brasil e no mundo,
reflexo da crise das ideologias clássicas (SPITZCOVSKY apud CANTON, 2009: 21),
fruto do individualismo.
O mundo capitalista não é indiferente à dimensão subjetiva. Hoje, toneladas de
subjetividade são consumidas. O império capitalista se expandiria sem vender a todos
a promessa de um modo de vida, suscitando em todos um desejo (PELBART apud
CANTON, 2009: 65)?
Hoje são comercializadas cada vez mais maneiras de ver, de sentir, de pensar,
de perceber, de morar e de vestir, ou seja, o que se consome hoje são formas de vida
(PELBART apud CANTON, 2009: 65) que
potencializam a produção de subjetividade.
Experiências de certa forma mais
politizadas aconteceram na década de
noventa. Entre elas se destacam as criações
do grupo Vexed Generation, que apresenta um
interesse específico na segunda metade do
século XX, onde a experiência metropolitana é
reforçada — poluição, vigilância, fiscalização 24. Vexed Generation. Vexed Parka, 1995
Moda, arte e interdisciplinaridade 68

e o exercício da autoridade por parte da polícia (EVANS, 1999: 99).


A modernidade está ligada ao “choque”, definido como um tipo de presente
vívido inerente à cidade contemporânea (BENJAMIN apud EVANS, 1999: 99).
O choque é eletrônico: todos estão ligados a eventos espetaculares e excitações
tecnopsicopatas que ajudam a mapear o momento atual na superfície do mundo visível
(EVANS, 1999: 99), em um “Estilo 2000” que marcou fortemente a produção recente
em design, evidenciando um momento de objetos tratados como minissujeitos, de
“design-total”, de um “Estilo 2000” (FOSTER, 2002: 14).
Esse Design Total – Gesamtkunstwerk – engessa o usuário pela individualidade
expressa em cada agulha, design típico do período art nouveau (FOSTER, 2002: 13 e
15).
A falta de “espaço de circulação” refere-se à falta de distinção entre os objetos
que suprime qualquer desejo futuro. O interesse deve se concentrar em “distinções”,
em “espaço de circulação”, em diferentes propostas e espaços provisórios (KRAUSS
apud FOSTER, 2002: 17), portanto, quando uma moda específica correspondente a
um determinado período, se estabelece como uma espécie de domínio visual e pode
ser nociva, levando à massificação.
Essa afirmação de Karl Krauss que Hal Foster toma para si complementa o que
Adolf Loos pensa sobre moda – que ela não dura o suficiente para ser considerada
moderna. Por outro lado, se uma “moda” de duração mais longa supera o período que
se refere à sua efemeridade, ela se convenciona como algo moderno.
Assim, percebe-se que esse pensamento é infundado e fomenta um preconceito
profilático, uma espécie de preconceito ao contrário, pois, antes de qualquer objeto ser
assimilado a ponto de se tornar comum ou até um clássico, ele nasce como uma moda
passageira para só então, posteriormente, ser superado por outra moda transitória.
Aparentemente, esse pensamento de Loos, Krauss e Foster a respeito da moda
só estimula uma visão preconceituosa contra ela. Não há evidências que fundamentem
esse pensamento em profundidade, uma vez que os próprios objetos provenientes do
design de produto – que não roupas – surgem muito mais por modismo do que por
necessidade.
Ainda na década de noventa, imagens antagônicas convergem para o terreno
do frágil e mutável, aonde o corpo humano – que vem sendo representado por artistas
como um objeto – é traumatizado, ferido e partido (EVANS, 1999: 97). A moda da
década de noventa, assim como a arte, também acolheu o discurso do corpo como
objeto mutável.
A silhueta de moda, embora não menos idealizada, representou inconstância
e mutabilidade. Georgina Goodley experimentou com uma série de Barbies e alterou
seus corpos com plástico antes de produzir seus vestidos biomórficos no meio dos
anos oitenta (EVANS, 1999: 97).
Moda, arte e interdisciplinaridade 69

Em 1997, Rei Kawakubo, da Comme des Garçons, usou enchimentos de pena


de ganso em vestidos para transformar o corpo
pós-industrial em novas formas (EVANS, 1999:
97).
Segundo Robin Muir, Jurgen Teller e
Wolfgang Tillmans contribuíram muito para a
linguagem de moda, conferindo certa obscuridade
ao gênero. O trabalho dos dois fotógrafos é muito
forte e estampa paredes de galerias de arte e
revistas de moda (MUIR, 1999: 104).
O clique estético de Teller configura as
principais publicações de moda e é a prova
do impacto de sua fotografia sobre clientes
importantes e desejosos por compartilhar sua
visão peculiar do mundo (MUIR, 1999: 105).
Em suas campanhas iniciais, como para
a Jigsaw, há um relaxamento e um estilo fluido.
Em 1997, Teller fez um vídeo para a Jigsaw, onde 25. Rei Kawakubo. Bump & Lump Collection,
1997
mostra um homem caindo de um prédio sem parar
(EVANS, 1999: 98).
Seus modelos recusam as piruetas nas passarelas e contam suas próprias
histórias por meio de gestos únicos. Aparecem deitados distraídos na grama,
fracassados à mesa, olhando através da janela do trem. Esses momentos mundanos
e ordinários reasseguram sua familiaridade, e podem ser observados como fatias do
que chamamos de vida real (MUIR, 1999:105).

26. Jurgen Teller. Campanha Jigsaw, 1997 27. Jurgen Teller. Campanha Jigsaw, 1997

Seus modelos não posam, parecem inseguros, vulneráveis, comuns e “reais”.


Teller afirma não estar interessado em peças de roupa. Sua obra, ultrapassando o
gênero de moda, afirma um Novo Realismo, explosivo e subversivo (MUIR, 1999:
105).
A fotografia de moda subversiva, assim como a moda, tem muito a nos dizer,
Moda, arte e interdisciplinaridade 70

absorvendo, perturbando, persuadindo de maneira irresistível (MUIR, 1999: 105).


No mesmo ano, Martin Margiela inverteu duplamente o tempo da moda quando
desconstruiu roupas de brechó e deu vida a elas como peças novas, para em seguida
espirrar bolor nas mesmas conferindo a elas um caráter envelhecido (EVANS, 1999:
98).
Margiela reflete uma aproximação com os ideais modernos que originam-se no
século XIX, onde o tempo-moda faz parte da temporalidade da metrópole, com seu
potencial para o espetáculo e renovação própria (EVANS, 1999: 98).
Na década de oitenta, a Wearable Art e a arte conceitual começaram a tomar
forma em detrimento do tradicional uso da roupa, contextualizado a performance e a
instalação (WOLLEN, 1999: 16) de
forma mais enérgica.
Lun*na Menoh e Helen Storey se
viraram para o mundo da moda exibindo
seu trabalho em galerias e museus. O
trabalho destas artistas e designers foi
fruto de um novo tipo de cruzamento
estético do Arts and Crafts, que visava
à união da arte com a vida e que foi 28. Lun*na Menoh. S/S Collection 1770-1998, 1998
reforçado nesse período (WOLLEN,
1999: 16).
O Art Nouveau e os movimentos do mesmo período, como o Arts and Crafts,
buscavam unir a arte à vida por meio de uma unidade visual que incorria na falta de
“espaço de circulação”, expressão cunhada por Karl Kraus, que denomina a falta de
diferenciação visual pelo predomínio de um único estilo, como o que acontecia no
início do século XX com o Art Nouveau ou o Arts and Crafts (FOSTER, 2002:15).
Há uma crítica aos designers do Art Nouveau referindo-se a eles como “aqueles
que usam a urna como penico”, pois desejam infundir a arte (a urna) no objeto utilitário
(o penico) (KRAUSS apud FOSTER, 2002:16).
Aqueles que fazem o inverso são modernistas funcionalistas que querem elevar
o objeto utilitário à arte (KRAUSS apud FOSTER, 2002:17).
Alguns anos depois, Marcel Duchamp iria exceder os dois lados com seu urinol
disfuncional, Fountain, apresentado como arte (KRAUSS apud FOSTER, 2002:16 e
17).
Os dois erros são equivalentes – ambos confundem valor-uso e valor-arte –
e ambos são perversos, assim como arriscam uma indistinção regressiva entre as
coisas: eles não conseguem enxergar que limites objetivos são necessários para o
“espaço de circulação”, que permite a construção de uma forma liberal de subjetividade
e cultura (KRAUSS apud FOSTER, 2002:17).
Moda, arte e interdisciplinaridade 71

Ainda segundo Foster, não existe resistência no design contemporâneo: ele se


deleita com as tecnologias pós-industriais e fica feliz em sacrificar a semiautonomia da
arquitetura e da arte em benefício das manipulações do design. Um novo e importante
termo é cunhado pelo autor: mundo neo-Art Nouveau, do design total e da plenitude
da internet (FOSTER, 2002: 25).
No que diz respeito à junção de arte e vida, a vida é contemplada nos trabalhos
de Helen Storey e Emily Bates. Nascimento e morte são evocados por Storey no
momento da concepção, onde começa a
narrativa, e nas roupas de cabelo de
Bates, nas quais a morte do cabelo
humano remete ao memento mori6,
contracenando com a lembrança sempre
presente de que o homem morrerá um dia
(EVANS, 1999: 97).
O trabalho de Martin Margiela,
exposto em 1997 no Museu Boijmans van
29. Adrian Bannon. Thistledown Coat, 1998
Beuningen, em que ele espirrou bolor em
suas roupas para produzir uma aura de decadência, ocupa o lugar tradicionalmente
tomado pela arte (EVANS, 1999: 97).
A partir desse momento, a arte se moveu em direção à moda: Ann Hamilton,
Adrian Bannon e Lesley Dill usam materiais como granola, gaze, voile e penas para
evocar a efemeridade e a transitoriedade. No caso do casaco de sementes de cardo
de Adrian Bannon (fig. 29), tanto o casaco quanto a fibra perecerão no final (EVANS,
1999: 98).
De acordo com Caroline Evans, diante das críticas que a moda exerce sobre a
sociedade do espetáculo, a vida privada tende a se tornar pública. A modernidade
coloca a moda no centro das atenções como uma parte da teatralização do cotidiano
e da aproximação do indivíduo com seu próprio “eu” (EVANS, 1999: 98).
Na esteira dos
trabalhos experimentais
que envolvem arte e moda,
o trabalho de Lucy Orta, de
2001 (suéteres ligados uns
aos outros), em que ela
trabalha a ideia de Social
Link se liga ao trabalho do
grupo Vexed Generation, 30. Lucy Orta. Nexus Architecture (Social Link), 2001

6 Expressão latina que significa “lembre-se de que você é mortal” ou “lembre-se de que você vai
morrer”.
Moda, arte e interdisciplinaridade 72

de 1995. Eles reconfiguram a experiência da cidade no século XX, dando sequência à


ideia de modernidade de Baudelaire, que estava intimamente ligada à experiência da
cidade recém-industrializada da segunda metade do século XIX (EVANS, 1999: 99).
No Brasil, destaca-se a partir da década de oitenta o trabalho de Regina Silveira.
Artista plástica gaúcha, intencionalmente ou não tangencia a questão da moda mesmo
que de forma enviesada na série
Armarinhos e no trabalho Tramazul. O
primeiro, uma série de colagens em vinil,
reproduz agulhas, colchetes de pressão,
botões, tesouras, colchete de ganchos,
alfinetes e linha – todos insumos
necessários à confecção de artigos de
moda. O segundo se forma a partir de
uma tela de talagarça7 para simular um
bordado do céu, exposto na fachada do 31. Regina Silveira. Agulha, 2002
MASP em 2009.
Sua obra se baseia “na distorção e alteração dos códigos de representação
espacial (Perspectiva), assim como na distorção e alteração das sombras em
ambientes existentes ou construídos” (MARTINS, 2010: 49). Principalmente na série
Armarinhos, a artista redefine a proporção
dos objetos e suas sombras, explorando e
remodelando o espaço para além da lógica
cartesiana.
Há uma ironia sofisticada em alguns
de seus trabalhos que representam sombras
de objetos ausentes, que se refere a uma
espécie de
32. Regina Silveira. Tramazul, 2009
presença da
ausência. É
uma ironia metalinguística (MARTINS, 2010:49), onde a
artista usa o espaço para falar do espaço e o objeto
para falar do objeto.
Aqui é possível estender o uso desses objetos
para falar de moda. Uma vez que os elementos usados
em Armarinhos e Tramazul se referem à moda, mesmo
que de forma não intencional, constrói-se um discurso
sobre moda. A moda influencia nesse sentido a produção 33. Regina Silveira. Ganchos, 2002

7 Tecido encorpado, de fios ralos, sobre o qual se borda.


Moda, arte e interdisciplinaridade 73

artística de Regina Silveira pela carga semântica que cada objeto desses carrega.
O texto A revelação da sombra, de 1981, de José Teixeira Coelho Netto, dá
indícios sobre a série Armarinhos. O professor e curador fala de “um conflito, uma
colisão entre signos autônomos: o sentido surgindo
de uma incongruência resolvida esteticamente [...]
de um jogo de aproximações e colisões de signos
de proximidade insuspeitada” (COELHO, 1981).
Ele discorre a respeito da sombra “distanciada
do signo do objeto: duas dimensões distintas em
queda livre na direção de um terceiro significado
virtual [...]. Pela tradição, todo produto estético
desdobrava-se em duas vertentes, conteúdo e
forma. Mas há uma terceira margem: a da matéria,
aquilo que é a substância primeira do ato poético e
que receberá, num segundo momento, uma certa
forma que por sua vez se reveste de um conteúdo
exteriorizado. Matéria não é forma, nem conteúdo.
34. Regina Silveira. Tesoura, 2007 É a mola de ambos, o poético em estado extremado:
a ideia do poético, a sensação primeira do poético.”
(COELHO, 1981)
O objeto que não está lá se constitui como um jogo, baseado na intuição, mas
que ao mesmo tempo se recusa à
facilidade. Nesse sentido, o novo é
deixado de lado, passando a importar
o desconhecido e sua construção
(COELHO, 1981). Esses trabalhos de
Regina Silveira parecem priorizar a
sombra que se refere ao que há para
desvendar, o que está por de trás da
imagem.
Assim, revelar é velar de novo.
35. Regina Silveira. Botão, 2002
A sombra é escorregadia, movediça,
está e não está no lugar ao mesmo tempo e está no espectador que é a própria
sombra (COELHO, 1981).
Com relação à obra Tramazul, outro texto de Teixeira Coelho corrobora para
seu entendimento. Ele fala de uma “arte de sexo, com sexo” ao invés de se referir à
obra como uma “arte de gênero”, expressão que ele considera um eufemismo. O céu
bordado seria, portanto, um céu pós-feminista de acordo com a leitura. (COELHO,
2009)
Moda, arte e interdisciplinaridade 74

Como uma obra que aceita sumir, característica da arte contemporânea,


Tramazul escapa aos olhos, consequentemente ao corpo de forma fugaz (COELHO,
2009), como a moda, que está lá, mas não é vista, pelo menos não de forma direta.
No design de moda, o produto deixa de ser um bem de consumo e passa a ser
mais um dado a ser manipulado – mas não para a construção de um discurso artístico
– para otimizar gráficos do capitalismo tardio. Os produtos são revistos à exaustão em
versões cada vez mais “atuais” que não se diferenciam entre si em sua essência, mas
que alimentam o consumo desenfreado de necessidades práticas inexistentes. Assim,
o indivíduo se deixa alienar pelo design, não questionando o papel de um objeto que
é consumido e reconsumido em um nível de complexidade irrisório.
Na contramão deste pensamento se situa o trabalho do estilista Hussein
Chalayan. Seu trabalho de moda se refere à instalação. Se a imaginação é
preponderantemente visual, não é tranquilizadora, mas traiçoeira e instável (EVANS,
1999: 99).
Seu objetivo é provocar uma reflexão profunda e gerar instabilidade, reforçando
a falta de fé em um modelo que sinaliza um período de ansiedade sobre as constantes
mudanças dos fluxos dos sinais e imagens na cultura contemporânea (EVANS, 1999:
99).
De qualquer forma, por mais que se pense a respeito de um objeto, seja ele
conceitual para estimular a reflexão ou comercial para incentivar o consumo conspícuo,
todo processo de comunicação é imperfeito ou parcial,
visto que um objeto não pode ser esgotado e,
consequentemente, toda interpretação representa o
universo de forma parcial, embora conserve sempre
no fundo a aspiração de esgotá-lo (FERRARA, 2007:
7).
A fotografia, um ícone por excelência da
representação, faz da fotografia de moda um tipo
de arte particular e peculiar (MUIR, 1999: 101). A
associação de seus signos está implícita e precisa
ser produzida (FERRARA, 2007: 15), e não há leitura
melhor para o objeto de moda que a leitura não verbal,
não literal, subjetiva que a fotografia é capaz de
36. Hussein Chalayan. S/S 2007, 2007
proporcionar.
Man Ray contribuiu muito para a fotografia de moda, mesmo a contragosto.
Mostrou um desprezo pela moda que o levava a quebrar as regras e formular as suas
próprias, com talento e graça, desenvolvendo um processo criativo incrível. Por isso,
em seu trabalho de moda a presença de arte é fortemente sentida. (MUIR, 1999: 102
e 103).
Moda, arte e interdisciplinaridade 75

Outro trabalho experimental que envolve moda a arte, e de certa forma a


fotografia porque é efêmero e precisa ser registrado, é Wonderland de Helen Storey.
Ele consiste em roupas biodegradáveis que
são dissolvidas em contato com a água. Em
um tanque com água à medida que a modelo
Alice Dellal vai se movimentando a roupa vai
desaparecendo.
O perecimento da arte contemplado
nesses trabalhos dá as mãos à moda que
também perecerá. A roupa de Chalayan se
transformará, a fotografia de moda desbotará 37. Helen Storey. Wonderland, 2008
na mesma velocidade que as tendências se
modificarem e a roupa biodegradável de Storey se dissolverá na próxima chuva.
A transição da arte para a moda, em particular, parece estar articulada à
condição pós-moderna (EVANS, 1999: 98). É na década de oitenta que é enfatizado
o uso da roupa e do discurso efêmero e hedonista da moda por parte da arte.
A mutabilidade constante da moda é um tipo de memento mori. A mudança
rápida de estilos cria uma relação com dois hábitos intelectuais dominantes da última
metade do século vinte que traduzem, em algum sentido, a efemeridade que permeia
a moda: o pessimismo e o niilismo (EVANS, 1999: 98).
A capacidade de mudança da moda treina os indivíduos para serem flexíveis
em um mundo de rápidas mudanças, reciclando o velho e tornando-o novo – nesse
revival, ela substitui o tempo linear pelo tempo cíclico (EVANS, 1999: 98).
A alta-costura do século XIX introduziu a noção de estação de moda, como um
relógio, e esse padrão repetitivo das estações suaviza o tempo, controlando a vida
cotidiana mais efetivamente do que o mundo imprevisível (EVANS, 1999: 98).
Na era do “sujeito design”, a “hipermodernidade” segundo Gilles Lipovetsky,
representa o que agora parece claro: quando se pensava que o ciclo consumista
estava completo em sua lógica narcisista, percebe-se que o design promove um ciclo
de produção e consumo dotado de pouca ou quase nenhuma complexidade, sem
deixar “espaço de circulação” para mais nada.
Billboards, internet, compras, moda, vídeos e revistas, tudo que concerne à
aparência tende a ser transformado em imagens encantadoras, enquanto os novos
meios eletrônicos operam uma profunda mudança na identidade cultural (EVANS,
1999: 99). A velocidade de acesso à informação leva à sua obsolescência fugaz e
muda a forma como o indivíduo se relaciona com ela. Assim, as tendências de moda
estão sujeitas a alterações constantes do público em geral que ajuda a definir o que
está “na moda”.
Pensar em moda e nas convenções sociais é lembrar que o mundo social é um
Moda, arte e interdisciplinaridade 76

mundo de corpos vestidos ou pelo menos enfeitados, onde a nudeza sem adornos é
algo quase sempre inapropriado, mesmo quando é parcial (ENTWISTLE e WILSON,
1999: 107).
Evidências antropológicas também têm mostrado que todas as culturas vestem
o corpo de alguma maneira, com roupas, tatuagens, escarificação, cosméticos ou
de outras formas (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 107). Essas escolhas representam
signos da autoimagem que se quer comunicar, e esses “signos falam sem palavras,
são linguagens não verbais altamente eficientes no mundo da comunicação humana”
(FERRARA, 2007: 6 e 7).
Isso leva à valorização da moda no ocidente evidenciada pela prática do vestir.
A moda se refere a um sistema particular para a produção e consumo de roupas,
caracterizado por um ciclo de estilos que mudam (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 107)
incessantemente.
O corpo nu é tão potente que, quando é permitido vê-lo, quando, por exemplo,
ele é representado na arte, ele ainda é governado por convenções sociais. Enquanto
representação na arte e na mídia há uma distinção entre a nudez por escassez de
ornamentos e a nudez indecorosa. No espaço público, há regras sempre exigindo que
o corpo esteja vestido (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 108).
A moda tem sido descrita como uma forma de vestir que se tornou uma forma
de adornar o corpo, e a natureza ubíqua do adorno/vestir sugere que o ato de vestir-se
é um dos meios pelos quais o corpo se torna sociável, além de dar a ele um sentido,
uma identidade (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 108).
O ato individual e pessoal de se vestir é um ato de preparar o corpo para o
mundo social, tornando-o apropriado, aceitável, de fato respeitável e possivelmente
também desejável para os outros em um encontro social. Vestir é um modo importante
sobre como os indivíduos aprendem a viver em seus corpos e sentir-se em casa neles
(ENTWISTLE e WILSON, 1999: 108).
Vestir-se é uma prática de cuidar do corpo, que requer conhecimento, técnicas
e habilidade. Operar no limite entre o “eu” e os outros é a interface entre o individual e
o mundo social (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 108).
O sistema da moda é marcado pela produção e distribuição de roupas, e ele
trabalha para promover, em qualquer período, uma estética específica que se torna
moda, em outras palavras, um estilo que se torna popular, um estilo desejável de
vestir (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 107).
No mundo contemporâneo, as coleções de prêt-à-porter dos grandes costureiros
criam um cenário significativo ao promover certos estilos de vestir, e hoje esses estilos
alcançam a moda de rua mais rápido do que nunca com a ajuda das fábricas de
produção em massa que interpretam as coleções e trazem versões mais baratas
(ENTWISTLE e WILSON, 1999: 107), como as lojas situadas nos bairros Les Halles,
Moda, arte e interdisciplinaridade 77

em Paris, ou Bom Retiro e Brás, em São Paulo.


Os designers dependem de uma série de agentes do sistema da moda: não só
da indústria manufatureira, mas dos criadores de tendências, dos editores das revistas
de moda, dos jornalistas, dos fotógrafos e dos compradores de moda (ENTWISTLE e
WILSON, 1999: 107).
Eles determinam que estilos de vestir serão promovidos e, somando-se a
tudo isso, quais estilos estarão amplamente acessíveis aos consumidores. Moda é,
antes de tudo, o produto de uma série de complexas interações entre produtores,
distribuidores e consumidores (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 107 e 108).
Vestir-se é crucial para o entendimento do corpo e o modo de vê-lo é tão
contaminado pela moda atualmente, que a representação do corpo nu remete a
modas e convenções do vestir de qualquer período. A arte prova que a nudez não
é mais experimentada nem apreendida do que as roupas são (HOLLANDER apud
ENTWISTLE e WILSON, 1999: 108 e 109).
A nudez artística nunca é a nudez indecorosa, mas ela traja as convenções
contemporâneas do vestir, não obstante as invisíveis. Vestir é uma forma pela qual o
corpo se faz visível (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 109). No caso da nudez artística,
ela pode ser registrada de diversas maneiras: na forma de performance, happening,
vídeo ou fotografia, com o propósito de proporcionar alguma reflexão sobre o corpo,
a sociedade e até a política. Esse é o caso das performances propostas por Vanessa
Beecroft.
Vestir é um assunto tanto sobre moralidade quanto sobre estética. Vestir-se
inapropriadamente traz incômodo, podendo fazer o indivíduo se sentir errado ou até
culpado (BELL apud ENTWISTLE e WILSON, 1999: 109).
É tão importante usar a roupa certa que mesmo aqueles que não estão
interessados em sua aparência irão se vestir suficientemente bem, ou ao menos
apropriadamente, a fim de evitar a censura da sociedade. O tecido, ou as próprias
roupas, são a extensões do corpo ou até mesmo da alma (BELL apud ENTWISTLE e
WILSON, 1999: 109). Essa visão também é compartilhada por Helen Storey.
O vestir cotidiano não pode ser separado da vida, da respiração, de todo o
movimento corporal que ela abrange. A separação entre o corpo e a vestimenta é mais
evidente quando ainda há marcas do corpo nas roupas. As marcas de desgaste nas
roupas mostram como seu uso muitas vezes não é um ato consciente por estarem tão
presentes no cotidiano (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 110).
A exibição da roupa como objeto de arte é a abordagem mais frequentemente
encontrada nos museus, e ela faz com que se perca algo que a arte, a pintura e o filme
paradoxalmente trazem de volta: o senso de a roupa estar intrinsecamente ligada ao
corpo (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 111).
O museu destitui a roupa de seu sentido fundamental, que é efetivar a relação
Moda, arte e interdisciplinaridade 78

entre arte e vida.


Mesmo não sendo este o tratamento proposto por esta dissertação, vale
entender como se desdobra essa relação entre a roupa e o museu, que não deixa de
ser uma das facetas do pensamento que procura eliminar o hiato entre moda e arte.
Vestir o corpo e o “eu” constitui uma totalidade, e quando o vestir e o corpo são
separados, como um look em um museu, compreende-se apenas um fragmento do
vestir (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 111).
Quando corpo e roupa são separados, o entendimento desta relação é
comprometido. Isso também acontece com a roupa em um magazine ou em uma
boutique porque ela é fetichizada. Em uma loja com visual merchandising, música,
arquitetura e outros elementos que estimulem o desejo de consumir, diferentemente do
ambiente calmo, silencioso e não apelativo do museu, a roupa adquire outro aspecto
(ENTWISTLE e WILSON, 1999: 111).
A condição ideal para pensar a roupa é quando está vestida em um corpo real.
Assim, ela emana mensagens que no museu ou na loja não é capaz de emanar.
O vestuário disposto em museus, sem uso, sugere um momento diferente e
misterioso, pois, por sua falta de vida, os vestidos lá presentes lembram a vida a que
eles estavam destinados a adornar (ENTWISTLE e WILSON, 1999: 111).
A exposição dos principais atos que envolvem o vestir e a produção artística do
século XX apresentadas neste capítulo visa reafirmar o compromisso interdisciplinar
existente entre a moda e arte: que em algumas obras uma seja a lacuna em branco da
outra a ser preenchida, pelo fazer projetual do designer de moda ou o fazer artístico.
1
TEORIAS
INTERDISCIPLINARES
Moda, arte e interdisciplinaridade 80

1.1 Fundamentações, conceituações e metodologias interdisciplinares

Durante a década de setenta se formalizaram as teorias interdisciplinares. O


presente capítulo tem como principal interesse esclarecer epistemologicamente o
termo interdisciplinaridade, que dá origem a outros termos, fundando uma delimitação
conceitual entre eles. Esses termos são: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Eles formam um conjunto único que está
sob a égide da teoria interdisciplinar, portanto, dizer-se interdisciplinar é adequar-se
ao nível de interação estabelecido por cada nomenclatura de modo compatível.
Além disso, o capítulo visa desvendar a interdisciplinaridade sob o olhar
da moda e da arte por meio de exemplos que conjuguem essas duas áreas e que
sejam pertinentes a esta dissertação. Há interesse em discutir qual a relevância da
interdisciplinaridade para as áreas de estudo envolvidas.
Os exemplos necessários para ilustrar a teoria interdisciplinar foram retirados
do primeiro capítulo e são utilizados de forma a introduzir o assunto para que, após
esse preâmbulo, no Capítulo III, o objeto de estudo central desta dissertação tenha
uma base suficientemente sólida para se desenvolver. Dessa forma, o leitor também
cria proximidade com as relações que se pretende estabelecer.
Esse texto foi produzido a partir do estudo das obras de dois autores brasileiros
precursores do assunto interdisciplinaridade no Brasil: Hilton Japiassu e Ivani Fazenda.
O primeiro possui uma obra emblemática que data de 1976, Interdisciplinaridade
e patologia do saber, que, apesar de transcorridos quase quarenta anos, ainda se
encontra válida. O livro constrói uma análise crítica sobre a pesquisa e o ensino
universitário, e para isso ele se baseia em acontecimentos mundiais que tocam as
esferas econômica, política, social e tecnológica, que ainda dizem respeito ao contexto
atual, representado por um saber cada vez mais fragmentado, principalmente no
campo acadêmico, que sofre de uma passividade desarticuladora.
Ivani Fazenda, a segunda autora em questão, contribui com mais de uma obra
e, ainda hoje, se empenha em seus estudos no que concerne à interdisciplinaridade.
Ela se refere a Hilton Japiassu como “a primeira produção significativa sobre o tema
no Brasil”. Dessa forma, ela descreve a obra do autor que, assim como a dela, se
dedica às principais questões que envolvem a interdisciplinaridade e uma metodologia
adequada a ela (FAZENDA, 2010: 24).
Para a autora, o maior obstáculo com relação às diferenciações conceituais
foi a impossibilidade lógica de encontrar uma linguagem única para a explicação
do conhecimento, pois havia ambiguidade entre teóricos que já estudavam a
interdisciplinaridade desde a década de sessenta, como Michaud, Heckhausen, Piaget
e Jantsch (FAZENDA, 2010: 24).
A obra de Japiassu, Interdisciplinaridade e patologia do saber, oferece uma
Moda, arte e interdisciplinaridade 81

importante contribuição. Logo no prefácio, há uma análise lúcida acerca do tema,


redigida por Georges Gusdorf, um dos precursores dos estudos interdisciplinares.
Suas observações, ainda hoje, justificam a busca por respostas interdisciplinares.
Gusdorf critica a atuação passiva de chefes e representantes de estado
diante da gravidade das consequências da fragmentação já naquela época. Em sua
visão pessimista, define o mundo como desarticulado (GUSDORF apud JAPIASSU,
1976: 7). Vale destacar que, de lá para cá, pouco se orientou no sentido de um fazer
interdisciplinar efetivo. Assim, o mundo segue em uma espiral de fragmentação. A
interdisciplinaridade já sinaliza uma carência, não só uma necessidade (JAPIASSU,
1976: 30).
No campo do design, especificamente do design de moda, a interdisciplinaridade
reflete hoje uma possibilidade entre tantas outras para a solução de problemas, além
de se apresentar como uma nova abordagem metodológica que traz consigo novas
propostas de trabalho.
Aos experts, a quem se supõe saber mais que os outros, tudo é delegado no
campo das ciências, mesmo que eles já tenham frustrado expectativas anteriormente.
São os “homens do provisório”, uma vez que, a todo o momento, um conhecimento é
substituído por outro mais recente no método cartesiano de produção do conhecimento
(GUSDORF apud JAPIASSU, 1976: 8).
Esses especialistas formulam uma linguagem técnica enfeitada de termos
técnicos bárbaros que estabelecem o equilíbrio temporário onde havia uma ameaça
de ruptura, até outra crise se iniciar. Segundo G.K. Chesterton, o especialista é aquela
figura que possui um saber cada vez mais extenso sobre uma área de interesse ou
cobertura cada vez menor (CHESTERTON apud JAPIASSU, 1976: 8). Segundo
Gusdorf, “o triunfo da especialização consiste em saber tudo sobre nada” (GUSDORF
apud JAPIASSU, 1976: 8).
A partir da análise de Japiassu e Gusdorf, é possível estabelecer uma analogia
com a dinâmica que rege a moda. A moda é provisória assim como os “homens do
provisório” e, se eles buscam substituir um conhecimento por outro de forma cada vez
mais veloz, a moda também pretende trocar suas tendências por outras mais novas
de forma cada vez mais eficiente.
Nesse sentido, a criação de moda comercial, o fast fashion, é análogo à
produção de conhecimento do mundo moderno. Torna-se mais evidente a ideia de
que a moda é uma das manifestações que melhor traduz o sentimento moderno, mas
não se limita só a ele.
Outro olhar lançado sobre a questão da provisoriedade é que ela é condição
para que ocorra a interdisciplinaridade, não no sentido de se substituir conhecimentos
mais antigos por outros mais novos, mas no sentido de que colocar em dúvida
teorias constituídas não significa anulá-las, mas admitir seu caráter provisório. É a
Moda, arte e interdisciplinaridade 82

complexidade dos fenômenos envolvidos que justifica esse caráter provisional. A


interdisciplinaridade, por sua vez, visa transgredir paradigmas científicos muito rígidos,
gestados na forma de disciplina como ainda hoje se configuram (FAZENDA, 2010:
63). É a partir da dúvida que a interdisciplinaridade busca questionar as certezas
paradigmáticas que têm sua origem na ciência (FAZENDA, 2010: 63).
A incerteza é imanente à moda e, por essa razão, ela é tão próxima do
pensamento contemporâneo que é fluído e varia de acordo com o contexto retratado.
Apesar de admitir a dúvida, deve-se exigir rigor por parte da moda ou de qualquer
outra área, sob pena de o ato interdisciplinar que deve suscitar a dúvida acabar por se
tornar incompreensível. A dúvida deve motivar o processo, ela não é o fim único que
o sustenta, pois, se assim fosse, qualquer coisa receberia o título de interdisciplinar.
Não se deseja aqui promover o uso indiscriminado da interdisciplinaridade.
Longe de ser um modismo, a interdisciplinaridade reflete o pensamento
contemporâneo que preza o contexto. Assim, ela surge como uma espécie de
tendência, mas que, ao invés de ser devorada de maneira fugaz como acontece com
a moda, se torna um processo inerente e, em alguns momentos, inexorável da criação
de determinado produto de moda. Essa demanda por interdisciplinaridade se rebate
no desenvolvimento de produto e, posteriormente, na indústria da moda.
É certo que, apesar de inspirar mais a prática que a teoria, a interdisciplinaridade
não é completamente aceita no âmbito da indústria que visa à pesquisa aplicada, que
fornece resultados rapidamente em detrimento do processo interdisciplinar que exige
mais cautela e tempo.
A reflexão de Japiassu acerca da provisoriedade combate o descarte de
pensamentos válidos simplesmente porque estes não são os “mais novos”, enquanto
Fazenda acredita que os conhecimentos devem sim ser questionados, o que não
significa que deverão ser necessariamente substituídos.
Essa afirmação manifesta uma espécie de modernismo às avessas, contrário à
“ordem da substituição” incontestável. Assim está a interdisciplinaridade para a moda
no contexto proposto por esta dissertação. A moda não descarta a interdisciplinaridade
com tanta facilidade porque aprendeu os benefícios que ela pode trazer e que o tempo
da interdisciplinaridade é outro – ele difere do tempo da moda.
Ao invés de negá-la, a moda busca conviver harmoniosamente com a questão
interdisciplinar. No Capítulo III, por meio dos exemplos da Louis Vuitton, será possível
perceber que a interdisciplinaridade caminha ao lado da moda há anos.
Na moda, os costureiros franceses acreditaram, durante muito tempo, que a
costura, como a ciência, era a retificação de um longo erro (BAUDOT, 2000: 11). Por
um longo período, a moda se conformou à lógica moderna, para só em um momento
seguinte contestá-la.
Deve-se estar atento quanto à aplicação da interdisciplinaridade com ética,
Moda, arte e interdisciplinaridade 83

senão ela corre o risco de virar uma “ciência das ciências”, como propunha Heckhausen
(FAZENDA, 2002: 30), onde se tornaria uma verdade absoluta contradizendo seus
princípios. Ela deve rever sua produção de conhecimento e conceitos a todo o
momento, a fim de não se tornar um discurso estabelecido.
A despeito da cultura do descarte de tendências, produtos e comportamento,
a moda também deve rever sua produção a fim de estabelecer critérios com uma
consideração especial que possibilitem a construção de uma crítica séria na área, sob
pena de não obter um grande reconhecimento acadêmico.
Uma rede de comunicação enraizada liga o planeta todo de modo que todos
se tornaram vizinhos próximos. Isso muda a relação do espaço-tempo do planeta.
O crescimento da especialização sinaliza e multiplica mais e mais necessidades
humanas e os meios para satisfazê-las (JAPIASSU, 1976: 10). A moda tem seu papel
como criadora de artifícios para satisfazer as necessidades humanas e, com o advento
da internet, principalmente desde a década de noventa, esse quadro só se agrava.
Dessa forma, a verdade humana se submete à verdade econômica. É preciso
ter cuidado com “a verdade econômica que nem sempre se identifica com a verdade
humana” (GUSDORF apud JAPIASSU, 1976: 12).
Quanto mais as disciplinas se desenvolvem, mais elas se vêm dissociadas
da realidade humana, dado o grau de abstração que visam atingir. Assim, quanto
mais rigoroso seu discurso, mais ele se vê separado da realidade (GUSDORF apud
JAPIASSU, 1976: 14).
É necessária a renúncia ao excesso de especialização, que leva à abstração
por parte dos pesquisadores. Eles têm de estar comprometidos na “restauração das
significações humanas do conhecimento”. A ciência que divide para reinar dissocia as
perspectivas, levando a um racionalismo que descaracteriza a natureza e desumaniza
o homem (GUSDORF apud JAPIASSU, 1976: 15-19 e 20), relegando a subjetividade
à informalidade.
A patologia contemporânea se traduz em uma “patologia do saber” e uma
patologia da existência individual e coletiva. É preciso que o homem da especialidade
se torne também o homem da totalidade, em uma dinâmica compensadora à da
especialização que seria a da não especialização, onde seria fundada a consciência
interdisciplinar postulada por Japiassu. Para tanto, é necessário que cada especialista
supere os limites de sua área de conhecimento de forma que ela não seja desfigurada,
acolhendo as contribuições advindas de outras disciplinas (GUSDORF apud
JAPIASSU, 1976: 23-26). A disciplina isolada só consegue atingir um sentido parcial e
limitado da realidade que foi destacada (JAPIASSU, 1976: 67).
Ivani Fazenda considera que a interdisciplinaridade é uma atitude que implica
a mudança de hábitos adquiridos com relação à compreensão do conhecimento
(FAZENDA, 2002: 20). É uma nova forma de ver, uma nova leitura despida de
Moda, arte e interdisciplinaridade 84

preconceitos e aberta para a interação.


O desenvolvimento da sensibilidade é apontado como uma das principais
questões para a efetivação do fazer interdisciplinar. Aqui, admite-se que a atitude
interdisciplinar seja inerente ao ato de produzir conhecimento. A interação é condição
para a realização da interdisciplinaridade que pressupõe uma integração de
conhecimentos que busquem quebrar paradigmas transformando a própria realidade
(FAZENDA, 2002: 9). A integração é uma etapa anterior e fundamental à interação
que, posteriormente, pode atingir o nível interdisciplinar. Deve-se atentar ao fato de
que a integração ocorra com vistas ao desenvolvimento, que propicie alguma mudança
(FAZENDA, 2002: 49). A integração não pode ter um fim em si mesma.
Antes que sejam abordados mais aspectos acerca da interdisciplinaridade,
como sua problemática, seus objetivos, suas justificativas e sua metodologia, a
definição terminológica é iminente para que se possa retomar a discussão. Assim,
a postulação será exposta tomando por base o trabalho dos dois principais autores
abordados e suas referências: Hilton Japiassu e Ivani Fazenda.
Vale reforçar o compromisso desta dissertação com relação à escolha de
estudar a interdisciplinaridade como base para o desenvolvimento do processo criativo
na moda. É sob essa óptica que serão analisados no capítulo seguinte os três casos
selecionados: Stephen Sprouse, Takashi Murakami e Vanessa Beecroft, criando em
conjunto com a Louis Vuitton.
A moda se renova incessantemente por meio de tendências que se substituem
umas às outras ao longo do tempo, comandadas pelo fenômeno do trickle effect. Nada
mais natural que a moda, ávida por novas tendências, veja na interdisciplinaridade
mais uma forma de manter sua renovação a pleno vapor.
Para dispor da interdisciplinaridade como recurso, a moda teve que aprender a
respeitar o tempo da interdisciplinaridade e seus efeitos que não se dissipam de uma
estação para outra. Os resultados derivados da interdisciplinaridade também não se
concretizam em apenas uma estação.
É a intensidade das trocas entre os especialistas e o grau de integração real das
disciplinas em um mesmo projeto de pesquisa que caracteriza o que é chamado de
interdisciplinaridade (JAPIASSU apud FAZENDA, 2002: 25). Logo, pode-se entender
que este termo compreende os níveis da multidisciplinaridade, da pluridisciplinaridade
e da transdisciplinaridade; além da interdisciplinaridade propriamente dita, que é um
termo que serve para nomear as teorias interdisciplinares como um todo.
Japiassu alerta para um dos problemas com relação à nomenclatura
interdisciplinar, que é o uso de vocábulos com significações diversas. Um mesmo termo
se refere à explicação de conceitos diversos, embora próximos de acordo com o autor.
As definições dos principais termos coincidem com as de Fazenda: disciplinaridade,
multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade,
Moda, arte e interdisciplinaridade 85

e se fundamentam por meio de documentos publicados na década de setenta por Guy


Michaud e Erich Jantsch, entre outros (JAPIASSU, 1976: 72).
Essa porosidade é presente ainda hoje e, em um contexto de fragmentação, é
cada vez mais difícil pensar em conceitos-estanque. Apesar disso, um certo rigor deve
vigorar tanto nas definições quanto na aplicação prática das teorias interdisciplinares
para evitar práticas intuitivas esvaziadas de sentido.
A subdivisão em quatro níveis – multi, pluri, inter e transdisciplinaridade – que
Ivani Fazenda utiliza é proposta por Guy Michaud. É esse o primeiro documento,
proposto em dezembro de 1969 na OCDE, que contribuirá para a discussão do papel
da interdisciplinaridade nas Universidades (FAZENDA, 2002: 27).
De acordo com o raciocínio de Ivani Fazenda, os termos ligados à questão
interdisciplinar são: integração, interação e interdisciplinaridade. Entre eles, se
estabelece um vínculo em ordem crescente que começa com a integração, se
transforma em interação e, posteriormente, passa a ser interdisciplinaridade. Não há
interdisciplinaridade sem interação (FAZENDA, 2002: 8).
Japiassu afirma que disciplina tem o mesmo sentido que ciência e “significa
a exploração científica especializada de determinado domínio homogêneo...”, e
esta exploração visa substituir conhecimentos mais antigos por outros mais novos
(JAPIASSU, 1976: 72).
A disciplina, para Fazenda, é um conjunto de conhecimentos específicos em
que há concordância no que diz respeito a métodos e conteúdos que têm características
próprias (MICHAUD apud FAZENDA, 2002: 27).
A multidisciplinaridade é considerada inadequada por Japiassu por se
configurar em disciplinas que só se justapõem. São disciplinas que ocorrem
simultaneamente, sem que a relação entre elas floresça. É considerada a forma
mais simples. Se há uma interação deste nível, a solução de um problema se utiliza
de informações de duas ou mais disciplinas sem que isso as enriqueça. Ocorre o
estudo por diferentes ângulos sem um acordo prévio a respeito da metodologia ou dos
conceitos a serem compartilhados (JAPIASSU, 1976: 72-73).
Fazenda acredita que a multidisciplina se caracteriza pela justaposição de
disciplinas que não possuem relação aparente entre elas (MICHAUD apud FAZENDA,
2002: 27).
A figura 7 do Capítulo I refere-se à obra de Giorgio de Chirico, O Filho Pródigo,
de 1975. Essa obra mostra a importância do manequim e do casaco dentro do discurso
surrealista e do artista, mas não vai além. A relação é aparente e pode ser feita, mas
não é explicitada e nem há um sentido mais profundo nela que envolva ganhos reais
para as duas áreas.
A obra O Filho Pródigo, de Giorgio de Chirico, apresenta o manequim como
objeto presente na obra surrealista, embora no final da década de trinta ele já houvesse
Moda, arte e interdisciplinaridade 86

perdido sua força como discurso estético. Assim, o manequim, que possui uma ligação
com a moda, não era o único elemento usado pelos artistas surrealistas. Apesar de
esta figura ser recorrente, ela não é responsável pelo discurso surrealista, e a ligação,
apesar de evidenciada por estudiosos (como Ulrich Lehmann), não é evidente para a
moda sequer como uma atitude pluridisciplinar – que dirá interdisciplinar – considerando
seus níveis de integração. A obra de Chirico não tem ligação direta com a moda e o
uso do manequim como suporte para a arte não é suficiente para enriquecer o campo
da moda. A ligação não é aparente, pois não gera benefícios visíveis para os dois
campos. Portanto, o exemplo proposto é multidisciplinar.
No caso da pluridisciplinaridade, a diferença é que há alguma cooperação,
mas não coordenação entre as disciplinas. São disciplinas agrupadas, de modo que
algumas relações existentes entre elas podem aparecer, sem que isso faça com que
haja qualquer colaboração para as disciplinas envolvidas (JAPIASSU, 1976: 73).
A pluridisciplina ocorre quando há a justaposição de disciplinas próximas,
onde pode haver relação, mas ela não é aparente (MICHAUD apud FAZENDA, 2002:
27).
O Electric Dress, o vestido de lâmpadas representado pela figura 11 do Capítulo
I, da artista japonesa Atsuko Tanaka, evidencia relações aparentes entre a arte e a
moda, mas sem gerar enriquecimento para a última. Se de um lado ela contribui para a
arte propondo uma nova obra, por meio de um novo suporte, por outro ela nada altera
no campo da moda. Dessa forma, esse exemplo constitui um caso pluridisciplinar por
existir relação entre os dois campos, arte e moda, representados pela obra citada,
mas sem contribuição efetiva para ambos.
É importante esclarecer que o princípio de diferenciação entre um nível
interdisciplinar e outro é coordenado pela intensidade das trocas e pelo grau de real
interação. Segundo Japiassu, a interdisciplinaridade em si se destaca das demais até
agora por se caracterizar como um campo unitário do saber, ou seja, seu espaço é
encontrado na negação e na superação das fronteiras existentes entre as disciplinas
(JAPIASSU, 1976: 74).
O termo interdisciplinaridade surge na década de setenta como um neologismo,
que ainda hoje não possui sentido estático. É necessário propor uma diferenciação
entre multi e pluri de um lado para explicar a interdisciplinaridade que se coloca do
lado oposto (JAPIASSU, 1976: 72).
Interdisciplinaridade, para Japiassu, significa religar fronteiras estabelecidas
anteriormente entre as disciplinas que, por algum motivo no decorrer do processo,
seguiram rumos diferentes culminando na multi ou pluridisciplinaridade (JAPIASSU,
1976: 75).
A interdisciplina, de acordo com Fazenda, é configuração entre duas ou mais
disciplinas onde existe a interação, que pode ir da troca de ideias à troca de conceitos,
Moda, arte e interdisciplinaridade 87

metodologias e procedimentos. O grupo interdisciplinar adequado deve ser composto


por pesquisadores que receberam diferentes formações, tendo dados, métodos,
conceitos e termos próprios (MICHAUD apud FAZENDA, 2002: 27).
Na interdisciplinaridade há a interação, termo próprio a ela que denota a
reciprocidade nas trocas entre as disciplinas que participam do processo, ou seja, o
enriquecimento das disciplinas envolvidas. A integração caminha para uma interação
que inicia o processo interdisciplinar. Ele faz convergir metodologias e esquemas
conceituais depois de um estudo que os compara e os julga (JAPIASSU, 1976: 74).
A proposta de Roupa masculina para trabalho, do artista construtivista Aleksandr
Ródtchenko, ilustrada pela figura 6 do Capítulo I, constitui um exemplo interdisciplinar
irrefutável, uma vez que a moda contribuiu para a construção da obra de Ródtchenko
enquanto ampliou seu repertório técnico por meio de uma nova proposta de modelagem.
A roupa tem formato arrojado, impensável ainda nos dias de hoje para o
vestuário masculino. É possível ter noção da dimensão do impacto desta peça na
década de vinte. Ela marca uma colaboração para o campo do design de moda. Essa
peça, criada em 1922 e reconstruída em 1979, baseava-se nos ideais comunistas que
eram parte da obra do artista, que acreditava que vida e arte deveriam andar juntas.
A roupa, que é parte integrante do sistema da moda, é indissociável do cotidiano
e, nesse caso, ela preza pelo caráter artístico. O artista utiliza o suporte da moda que é
a roupa como meio para sustentar o seu discurso e, por meio dela, coloca o cotidiano
no centro da discussão da arte construtivista. A moda, por seu lado, se beneficia de
um novo pensamento no campo projetual, que é uma modelagem recém-adquirida.
Há o enriquecimento das duas áreas envolvidas neste processo, que reforça o ideal
interdisciplinar.
Japiassu refere-se a um termo criado por Piaget na década de setenta
para designar uma ligação que estaria em um nível superior ao interdisciplinar: a
transdisciplinaridade. Nele haveria um sistema total, onde uma axiomática comum a
todas as disciplinas envolvidas no processo as manteria no mesmo nível de interação.
Tanto Japiassu quanto Piaget reconhecem esse nível como utópico, uma vez que,
ainda nos dias atuais, o saber se encontra fracionado. Essa coordenação entre esse
grupo de disciplinas teria em vista a solução de um problema comum entre elas
(PIAGET apud JAPIASSU, 1976: 75-76).
A definição mais ponderada talvez seja a de Edgar Morin, que propõe a
transdisciplinaridade como um processo que envolve a ação para a solução um
problema prático (MORIN, 1996: 149).
A transdisciplina é aquela em que uma axiomática comum a um determinado
conjunto de disciplinas concorre para a solução prática de um problema (MICHAUD
apud FAZENDA, 2002: 27). A transdisciplinaridade afere à efetivação de alguma coisa
prática. Ela ultrapassa a teoria estabelecendo um compromisso com sua aplicação.
Moda, arte e interdisciplinaridade 88

A roupa biodegradável de Helen Storey, do projeto Wonderland, de 2008 (figura


37 do Capítulo I), traz uma solução para a questão ambiental no que se refere ao
consumo de roupas, que, por sua vez, sustenta o ciclo da moda.
A artista-cientista propõe roupas biodegradáveis. São roupas que, em contato
com a água, se dissolvem. Ela recorre à tecnologia para que sua roupa sustente
o ciclo da moda, o fast fashion – seria impossível pensar fora dessa esfera – e ao
mesmo tempo cria uma roupa que é destruída em contato com a água.
Sua roupa é, antes de tudo, uma contribuição artística, pois reflete um
questionamento contemporâneo acerca do consumo e do meio ambiente e é, ao
mesmo tempo, uma contribuição para a moda, pois além da colaboração tecnológica
e ambiental que sua roupa traz para a moda, ela celebra a efemeridade, inerente ao
ciclo de vida do produto de moda.
Além das colaborações para a moda e para a arte, no projeto Wonderland há
uma contribuição para a tecnologia. Ao mesmo tempo em que ela é responsável pelo
desenvolvimento do “tecido” que dissolve, ela beneficia o próprio campo ao comprovar
os avanços que proporciona. Trata-se, portanto, de um projeto transdisciplinar, já que
contempla a solução efetiva de um problema por meio de uma axiomática comum a
todos os sistemas envolvidos: a preocupação ambiental. A roupa que desmancha na
água traz real mudança no ato de vestir e descartar, o que coroa um problema prático.
Fala-se ainda no termo arquidisciplinaridade, embora este termo não tenha
ganhado força na educação por seu caráter redundante. A disciplinaridade, a inter, a pluri
e a transdisciplinaridade “são as quatro flechas de um único arco: o do conhecimento”
(Nicolescu, 1999), portanto têm uma mesma raiz. O termo arquidisciplinaridade é
usado para designar as quatro instâncias da interdisciplinaridade juntas. Embora
algumas pessoas chamem isso de arquidisciplinaridade, este termo não foi explorado
academicamente.
A metodologia interdisciplinar exige uma reflexão mais profunda e inovadora,
despida dos preconceitos cartesianos e verdades já adquiridas para então desenvolver
o olhar sob novas perspectivas. É necessário desconfiar das “cabeças bem-arrumadas”,
que na verdade se mostram bastante “desarrumadas”, exigindo nova rearrumação
(JAPIASSU, 1976: 42). Não há espaço para a vulnerabilidade da descoberta neste
ambiente e ela é parte inerente ao aprendizado.
Segundo Japiassu, a interdisciplinaridade se apresenta sob forma de protesto,
dividido em três vertentes: uma que se coloca contra a fragmentação do saber, que
se expressa por meio do excesso de especialização, outra contra a dissociação do
conhecimento científico da sociedade que não se beneficia dele e, por último, contra o
conformismo das ideias prontas, impostas sem o menor questionamento (JAPIASSU,
1976: 43-44).
A interdisciplinaridade nasce por uma crítica das fronteiras que há entre as
Moda, arte e interdisciplinaridade 89

disciplinas, da sua divisão-estanque, e traz consigo a possibilidade de uma mudança


metodológica no campo da pesquisa, para que este se torne mais adequado
principalmente às ciências humanas (JAPIASSU, 1976: 53-54).
A especialização está baseada na mentalidade analítico-dissociativa. “A
inteligência positivista retém apenas os fatos, permanecendo cega às significações e
negligenciando” a existência humana capaz de dar sentido ao conhecimento existente,
seja na área da biologia, da física, da economia, da psicologia etc. (JAPIASSU, 1976:
102).
Diante dessa visão simplista do conhecimento, pode-se dizer que o positivismo
se conforma como um estágio infantil da ciência (LICHNEROWICZ apud JAPIASSU,
1976: 102).
No caso de uma metodologia interdisciplinar, ela busca superar o sistema lógico-
matemático de aplicação, que visa à criação de uma lei por uma hipótese. Nesse
caso, se torna importante “dizer de quê se fala, o quê se fala, como se faz, e com
que objetivo”, de acordo com Japiassu (JAPIASSU, 1976: 117). A interdisciplinaridade
visa combater os particularismos e sectarismos intelectuais, contribuindo para o
desmoronamento das barreiras intelectuais (JAPIASSU, 1976: 139).
Japiassu prevê três tipos de pesquisa em seu livro, fundadas em diferentes
métodos: a pesquisa fundamental de cunho teórico, a pesquisa orientada,
que vislumbra a conjunção de teoria e prática, e a pesquisa aplicada de caráter
essencialmente prático, mais voltada às necessidades do mercado (JAPIASSU, 1976:
156).
Com relação a esses tipos distintos de pesquisa, Japiassu não se opõe a nenhum
deles. Só prevê que os dois tipos que estão nas pontas da escala de interação, que
seriam a pesquisa fundamental e a pesquisa aplicada, poderiam gerar somente
resultados práticos ou teóricos, respectivamente. Assim, o autor defende como método
mais adequado aos interesses interdisciplinares a pesquisa orientada, mas não que
ela seja uma obrigatoriedade (JAPIASSU, 1976: 156).
Ele esclarece também que nem todos os problemas podem ser solucionados a
partir da lógica interdisciplinar (JAPIASSU, 1976: 156). É importante que, de tempos
em tempos, estes conceitos sejam revisitados e revistos a fim de que a ideologia
interdisciplinar não se contradiga ao correr o risco de se tornar uma “verdade”.
A presente pesquisa, que visa analisar três casos específicos ocorridos entre
arte e moda, é uma pesquisa de caráter teórico e prático, pois tem como objetivo
último a análise teórica de pesquisas aplicadas para o desenvolvimento e a aplicação
de seus resultados. Dessa forma, este estudo se configura como uma pesquisa
orientada. É importante esclarecer que existem diferenças entre analisar e fazer um
trabalho interdisciplinar. Esse trabalho, além de analisar o aspecto interdisciplinar de
objetos de moda e arte, age de forma interdisciplinar, aplicando até certo ponto as
Moda, arte e interdisciplinaridade 90

teorias interdisciplinares.
Para o autor, os campos prático e teórico não se excluem, muito pelo contrário,
colaboram entre si, e esta ação está no cerne da interdisciplinaridade (JAPIASSU,
1976: 45)
É claro o posicionamento interdisciplinar quanto ao seu legado para o sistema
universitário: ela deseja transformar e desenvolver o pesquisador com um olhar aberto
que não se encerra em sua área específica. Assim, a universidade interdisciplinar
se estabelece como lugar de prática da descoberta das estruturas em detrimento
da repetição exaustiva de conteúdos, lugar de reflexão permanente de ordem
epistemológica crítica, onde ela supera o corte entre universidade, saber, sociedade e
realidade, e estimula a atividade e a pesquisa coletivas (JAPIASSU, 1976: 162).
Por um lado, Fazenda declara que a prática interdisciplinar inexiste nas
universidades brasileiras, seja no ensino, seja na pesquisa (FAZENDA, 2002: 15).
Por outro, a autora reconhece que há algum interesse no que diz respeito à prática
interdisciplinar no país, uma vez que ela admite a possibilidade de trabalhá-la no ensino
desde o final da década de sessenta, enquanto em países da Europa e nos Estados
Unidos ela se apresenta ainda hoje como um tema controverso (FAZENDA, 2002: 7).
Não se pode generalizar, mas, quando há prática interdisciplinar, ela é incipiente ou
não é formalizada e registrada adequadamente.
A interdisciplinaridade afeta a forma de pensar, o discurso da construção do
conhecimento. Assim, o grande desafio interdisciplinar não é somente a tomada de
consciência, mas a aceitação de uma nova postura diante do conhecimento que se
reflete na inevitável reorganização dos estudos e pesquisas já realizados, ou em
andamento, de forma metodológica (JAPIASSU, 1976: 31). A divisão racional do
trabalho aumenta, por sua vez, sua eficácia e produtividade (JAPIASSU, 1976: 41).
Japiassu defende que há urgência em se criar a uma nova antropologia, que
teria a tarefa de reagrupar os dados pesquisados por todas as disciplinas em uma
perspectiva de convergências interdisciplinares, e que daria origem a um projeto de
pesquisa orientado reflexivo (JAPIASSU, 1976: 182).
Esses dados deveriam ser revistos sempre, à exaustão, pois assim colaborariam
para reafirmar a necessidade da atividade em grupo na prática interdisciplinar. Dada a
dimensão desse trabalho, ele envolveria vários grupos organizados empenhados em
fazer um levantamento desses estudos e realocá-los constantemente em grupos que
concorressem para a realização de pesquisas interdisciplinares, além de funcionarem
também como vigias dedicados a combater sectarismos intelectuais.
Em respeito a essa nova antropologia proposta por Japiassu, esta pesquisa
busca cumprir parte de seus objetivos, uma vez que não é uma pesquisa em grupo.
Ela realiza o levantamento de casos interdisciplinares que envolvem arte e moda e os
analisa, buscando organizar o pensamento sobre a arte e a moda. Essa colaboração
Moda, arte e interdisciplinaridade 91

para a moda é indispensável por reforçar seu reconhecimento como uma ciência ou
atividade dotada de profundidade sob a óptica interdisciplinar.
Com relação à questão metodológica, é importante estabelecer a problemática
que guiará a pesquisa de modo bastante claro. Desse modo, cada envolvido no
processo compreenderá qual seu grau de participação na pesquisa (FAZENDA, 2002:
55).
Outro ponto relevante é que, se a pesquisa interdisciplinar está invariavelmente
ligada à realidade, que está ligada à sociedade, uma linguagem clara só vem contribuir
para que o resultado de uma pesquisa atinja seu objetivo final: retornar como forma de
benefício para a sociedade. Para tanto, a pesquisa deve considerar o seu interlocutor;
as pessoas que colocarão o produto da pesquisa em prática devem ter uma leitura
acessível da mesma.
É preciso ser crítico com relação ao que se preza em uma pesquisa
interdisciplinar. Seus pesquisadores devem ter certa independência com relação aos
temas a serem pesquisados para que não se convertam em instrumentos a serviço
da ideologia da tecnoestrutura. A tecnoestrutura é representada por três blocos: o
da burocracia industrial, o da tecnocracia ou gestão profissional e o do saber técnico
necessário ao processo de inovação (JAPIASSU, 1976: 213).
A dimensão crítica é indispensável. A “ciência crítica” visa recolocar as práticas
científicas no contexto sócio-político-cultural (FAZENDA, 2002: 13). A sociedade
precisa se beneficiar dos avanços científicos de forma mais direta.
A interdisciplinaridade requer o uso da intuição para apontar as relações não
observadas entre as coisas (FAZENDA, 2002: 15). O pesquisador comprometido, que
tem conhecimento sobre seu campo de estudo, busca o estado da arte em seu objeto
de estudo, e sua intuição é decisiva neste processo. Ela entra no espaço adequado da
“liberdade do pesquisador”. Essa liberdade garante que o estudo responda e legitime
as dúvidas e hipóteses propostas pela pesquisa e que o trabalho do pesquisador não
seja colocado a serviço de interesses escusos.
Segundo Fazenda, deve haver uma preocupação constante com o
desenvolvimento de certas aptidões intelectuais e de faculdades psicológicas além da
memória e do simples raciocínio discursivo (FAZENDA, 2002: 17). A pesquisa jamais
pode ser colocada a serviço de uma clientela e, embora o mercado muitas vezes force
a essa sujeição o campo acadêmico, este deve se declarar em um ato verdadeiramente
interdisciplinar como um baluarte da ética combatendo esses receios.
Existem ainda dois tipos de pergunta comuns ao processo de pesquisa.
A intelectual, que explicita seu objetivo e busca respostas imediatas, e a de cunho
existencial, que contempla os compromissos e angústias que permeiam a vida. As
perguntas acadêmicas conduzem a resultados previsíveis, enquanto as “perguntas que
transcendem o homem e seus limites conceituais exigem respostas interdisciplinares”
Moda, arte e interdisciplinaridade 92

(FAZENDA, 2010: 64) e estimulam a prática intuitiva.


Com relação ao pesquisador interdisciplinar, é importante que este pratique
uma escuta sensível e paciente para otimizar a forma de retratar e analisar suas
descobertas. Também é imprescindível sensibilidade na hora de socializar e divulgar
essas novidades (FAZENDA, 2010: 122). A formalização do método escolhido por ele
para aplicar a interdisciplinaridade é fundamental, pois são extremamente nocivas
para o pensamento interdisciplinar as práticas intuitivas que se abandonam à própria
sorte, que se encerram na intuição (FAZENDA, 2010: 32).
É difícil transpor a ruína espiritual que decreta a “morte do homem” onde
o estruturalismo a proclama (GUSDORF apud JAPIASSU, 1976: 15). O pós-
estruturalismo parece ser uma resposta à crítica de Japiassu. O pós-estruturalismo
não está preocupado em negar o estruturalismo, mas sim em dar sequência ao seu
raciocínio inicial. Por abrir mão de uma única visão predominante é que ele se mostra
mais adequado à interdisciplinaridade.
No anseio pela “construção de uma democracia que contemple o múltiplo, as
diferenças e o conflito”, percebe-se a necessidade da participação das “sensibilidades
individuais, grupais e cotidianas” (HISSA apud COSTA, 2010: 47), que revelam um
“esgarçamento no panorama geral das disciplinas e dos comportamentos desde os
primeiros sinais da crise modernista” (COSTA, 2010: 42).
Nesse sentido, as tendências ou teorias pós-estruturalistas começam a expor o
mundo e suas relações de maneira diferente do modernismo, mas não necessariamente
antagônica a ele. Tomando por base o pensamento pós-estruturalista, percebe-se a
relação entre o conceito de rede e seus agenciamentos com as teorias interdisciplinares
(COSTA, 2010: 89). Um exemplo dessa relação é a valorização da questão ambiental
que engendra várias áreas, entre elas a indústria de bens de consumo, a indústria
cultural que por sua vez opera mudanças nos hábitos de consumo, no comportamento
etc.
Kate Nesbitt contempla a interdisciplinaridade quando ela cita Foucault e alguns
pensadores da Escola de Frankfurt que estabeleceram relação entre a filosofia, a
história e a psicologia em suas obras, a fim de desvendar os fenômenos da cultura no
contexto da sociedade e da economia política (NESBITT, 2008: 43).
Sair de um “...saber setorizado a um conhecimento total” (FAZENDA, 2002:
89) diz respeito à causa da educação permanente. Um dos pressupostos da
interdisciplinaridade é que ela pode efetivar a educação constante. O homem se
torna um ser em um processo contínuo sem limites de tempo, lugar ou circunstância
(FAZENDA, 2002: 98).
Atualmente, cada vez mais pessoas recorrem ao conceito de mass production,
o DIY (Do it yourself) para customizar peças e acessórios, passando pela decoração
e chegando à paisagem urbana. É a formação do homem total somada à formação
Moda, arte e interdisciplinaridade 93

do homem inserido em sua realidade e do homem agente de mudanças no


mundo (FAZENDA, 2002: 99) que provoca transformação. Tudo isso diz respeito
à interdisciplinaridade. Ela se realiza com plenitude após quarenta anos de sua
formalização acadêmica nos exemplos deste e do próximo capítulo. Se mudar o
mundo é uma das exigências interdisciplinares, essa pesquisa busca cumprir seu
papel mudando o olhar que lança sobre o conhecimento.
As teorias interdisciplinares datam da década de setenta e percebe-se que,
ainda hoje, embora muito celebradas, até pouco tempo eram relegadas a um campo
de estudo estanque que as segurava firmemente para que estas não vazassem,
contaminando o mundo moderno.
É preciso mudança real de mentalidade dos próprios órgãos de fomento
à pesquisa, que, aparentemente, vêm perdendo o receio de tais teorias e vêm
estimulando seu uso. Parece que acordaram de um sonho, ainda que tardiamente,
e, só agora, quarenta anos depois, é que admitem não só as possibilidades que se
abrem com a pesquisa de cunho interdisciplinar, como também sua exigência.
Vale uma breve reflexão a respeito da verdadeira prática interdisciplinar.
Japiassu chama atenção para a distância que se está do benefício de “valores que dão
sentido à presença humana na Terra”. Hoje, os modelos da civilização contemporânea
são o ator de novela, o cantor da moda, o CEO de uma grande empresa, o político,
as celebridades-instantâneas etc. Essas figuras são impostas, a despeito de sua
mediocridade, pelas forças conjugadas nos meios de propaganda: revistas, jornais,
televisão, cinema, internet etc. (GUSDORF apud JAPIASSU, 1976: 22).
Esses modelos dos mass media se beneficiam de um crédito passageiro e,
em alguns casos, tentam se beneficiar do conceito interdisciplinar, acreditando que
unindo o espetáculo a uma tentativa de arte ou design, tem-se a referida prática, mas
é importante que se desenvolva um criticismo com relação ao que muitas vezes se
deseja passar por interdisciplinar (GUSDORF apud JAPIASSU, 1976: 22). E, nesse
contexto, a indústria do design, seja ele gráfico, de produto ou de moda – ramos do
design abordados por esta dissertação – não pode se ver desobrigada de sua parcela
de contribuição nessa desordem sistematizada.
O design de moda, quando serve a esse sistema, acaba por endossá-lo e
regredir na busca por uma crítica coerente à produção de moda que, por sua vez,
deve ser construída com seriedade. Além das questões recorrentes do problema da
ausência de uma crítica fundamentada na moda, brevemente discutidas na Introdução
desta dissertação, a postura de colaborar com essa faceta da indústria da cultura de
massa leva a uma alienação cada vez maior.
Pouca atenção foi dada à influência que o design exerce sobre a forma de
pensar. Assim como a televisão, a ficção, a revista e os jornais, o design também
pode ajudar a moldar o pensamento sem que os indivíduos se deem conta, de forma
Moda, arte e interdisciplinaridade 94

alienante (FORTY, 2007: 12).


Sabe-se há tempos que o design não é uma atividade inofensiva e que ele
provoca efeitos de duração maior e mais penetrantes na mentalidade humana que
a mídia com sua produção efêmera. O design molda as formas de um jeito que elas
tornam tangíveis e estáveis ideias sobre como ser e agir (FORTY, 2007: 12).

1.2 Sobre a história interdisciplinar

Atualmente, a interdisciplinaridade passa por um momento de revisão dos


conceitos e uma compilação dos momentos decisivos da interdisciplinaridade nas
décadas de sessenta, setenta, oitenta e noventa (FAZENDA, 2010: 9). Discutida a
questão interdisciplinar, vale uma breve abordagem histórica a seu respeito, que se
desdobra em novas contribuições.
O conceito e a evolução do emprego da interdisciplinaridade vêm sendo
categorizados na atualidade. Essa atualização do estudo já se encontra em pleno uso
por vários estudiosos da área (FAZENDA, 2010: 11), além de designers, que são o
foco deste estudo.
É a busca, ou melhor, a ousadia da busca que consolida a interdisciplinaridade.
Essa busca se reflete sempre em uma pergunta, que é traduzida por meio de uma
pesquisa (FAZENDA, 2010: 9). Ela mostra que a pesquisa interdisciplinar nasce do
empenho de pesquisadores lúcidos, criativos e comprometidos que, por meio do seu
trabalho, buscam anunciar formas de interpretar dificuldades, sobretudo as teóricas
(FAZENDA, 2010: 11).
A referência mais antiga encontrada a respeito do termo interdisciplinaridade
surge na Grécia antiga. É o conceito de Paideia que, apoiado na definição de parceria,
traz em sua essência a lógica interdisciplinar. A Paideia pode ser sintetizada em
uma proposta eterna de troca que diz respeito à evolução dos envolvidos, onde um
tem um conhecimento maior sobre uma ciência, por exemplo, mas este respeita os
conhecimentos já adquiridos pelo outro e, dessa maneira, operam a troca (FAZENDA,
2010: 38).
A incorporação inconsciente de padrões, ideias e práticas leva ao processo
de interiorização. Ele deve ser levado em conta no trabalho interdisciplinar que se
constrói sobre a produção de subjetividade.
Quanto mais intenso o processo de interiorização, maior a capacidade de
percepção da ignorância, da limitação e da provisoriedade. Assim, a interioridade, que
por sua vez conduz a um exercício de humildade, leva ao conhecimento interdisciplinar,
que é o conhecimento da totalidade (SÓCRATES apud FAZENDA, 2010: 14-15).
O movimento interdisciplinar começa a se formalizar na Europa, na década de
sessenta. É mais forte na França e na Itália, reflexo dos movimentos estudantis que
Moda, arte e interdisciplinaridade 95

reivindicam um novo modelo de universidade e de escola (FAZENDA, 2010: 18).


Um dos primeiros pesquisadores da interdisciplinaridade foi Georges Gusdorf.
Em seus estudos ele apresenta um desenvolvimento gradual das preocupações
interdisciplinares desde os sofistas e os romanos até a atualidade, tomando o cuidado
de evidenciar quando essas preocupações foram mais relevantes. O século XVIII é
um desses casos em que um mundo acadêmico povoado por enciclopedistas via
na passagem do Uno ao Múltiplo a solução da organização dos saberes da época
(FAZENDA, 2002: 25).
De forma resumida, historicamente, Georges Gusdorf apresenta, em 1961, um
trabalho interdisciplinar dedicado às ciências humanas para a UNESCO, desejando que
elas se orientassem para a convergência, se aproximando da teoria. Posteriormente,
um grupo de estudiosos americanos e europeus orientado pela UNESCO retoma essa
ideia, e, em 1968, um novo trabalho é publicado. Suas preocupações principais eram
sistematizar uma metodologia e orientar os enfoques dados às pesquisas, experiência
realizada com estudos que aconteciam desde 1964 (FAZENDA, 2010: 20).
Em 1967, foi realizado na Bélgica um colóquio da UNESCO que visava refletir
sobre a teologia do ponto de vista epistemológico. Posteriormente, vários envolvidos
se tornaram pesquisadores da causa interdisciplinar. Nesse colóquio, dedicavam-se
ao estudo das relações igreja/mundo, que leva a uma questão maior: ser/existir. Essa
dicotomia leva à discussão de uma dicotomia interdisciplinar entre o sujeito humano/
mundo (FAZENDA, 2010: 21). É nesse período que irão surgir os primeiros indícios
das dicotomias que eclodem na década de oitenta.
O movimento da interdisciplinaridade na década de setenta pode ser chamado
de maneira simplista de a década da “estruturação conceitual básica”. É um período
de construção epistemológica (FAZENDA, 2010: 17-18).
O encontro da OCDE, Organization et Coopération du Developpement Economic,
em Nice, em setembro de 1970, formalizou a retomada destes estudos no século XX
e, principalmente, no que diz respeito à preocupação epistemológica com os termos
pluri, inter e transdisciplinaridade que ainda hoje não possuem definições definitivas.
Essa reflexão reuniu, no Seminaire sur la Pluridisciplinarité et l’Interdisciplinarité dans
les Universités, teóricos como Heinz Heckhausen, Jean Piaget, Erich Jantsch, Marcel
Boisot e André Lichnerowicz (FAZENDA, 2002: 28).
Ivani Fazenda e Hilton Japiassu, os principais estudiosos da interdisciplinaridade
no Brasil, empregam ainda hoje as definições fornecidas pela publicação da OCDE:
L’Interdisciplinarité: problème d’enseignements et de recherche dans les Universités,
inicialmente formalizada por Guy Michaud, Heinz Heckhausen, Marcel Boisot e Erich
Jantsch.
Em 1971, um comitê com estudiosos importantes foi convocado pela OCDE,
entre eles Guy Michaud e Leo Apostel. O propósito era redigir um documento que
Moda, arte e interdisciplinaridade 96

elencasse os principais problemas do ensino e da pesquisa nas universidades. A


ideia central era estimular atividades de pesquisa coletiva e inovação no ensino. Do
ensino universitário, era cobrada uma atitude interdisciplinar que respeitava o ensino
organizado por disciplinas, mas que pedia uma revisão das relações entre elas e os
problemas da sociedade (FAZENDA, 2010: 21-22).
Em 1977, Guy Palmade se refere aos perigos de a interdisciplinaridade se
converter em uma ciência aplicada. Embora a questão já tivesse sido levantada
anteriormente, é Palmade quem assume a discussão. A interdisciplinaridade, longe
de ser uma ciência, é uma ação (FAZENDA, 2010: 22-23 e 28). Aparentemente, hoje
a interdisciplinaridade é mais um processo que um produto (FAZENDA, 2010: 25).
Admitindo-se que o conhecimento fragmentado seria sua própria falência, o
conhecimento em sua totalidade, discutido principalmente na década de setenta,
engendra o processo interdisciplinar que preza pelo papel humanista da ciência e se
opõe à falência do humano, à “agonia da civilização” como proporia Georges Gusdorf
em 1978 (FAZENDA, 2010: 19).
Na década de oitenta, pensa-se que é importante que o quadro teórico da
interdisciplinaridade seja construído na medida exigida pelo objeto a ser analisado.
(FAZENDA, 2010: 27). A década de oitenta foi um período de “busca de epistemologias
que explicitassem o teórico, o abstrato, a partir do prático, do real”. Foi um período em
que as contradições foram explicitadas (FAZENDA, 2010: 17 e 27).
Em 1983, um importante documento marcou o processo de estabelecimento da
interdisciplinaridade. Redigido por estudiosos como Georges Gusdorf, Leo Apostel e
Edgar Morin, o texto Interdisciplinaridade e ciências humanas, de 1983, explicita essas
contradições presentes na prática interdisciplinar na década de oitenta (FAZENDA,
2010: 27).
Outra preocupação que aparecia nas discussões da época se referia ao campo
da arte. Era importante nesse período que a ampliação da potencialidade do homem se
alastrasse para outros campos que não o racional (DUFRENNE apud FAZENDA, 2010:
17). Dessa forma, esse período é marcado por significativos avanços e descobertas
em relação à interdisciplinaridade, como, por exemplo: a interdisciplinaridade não é
categoria de conhecimento, mas de ação, ela é a síntese imaginativa e audaz, convida
a perguntar e a duvidar. Entre ela e as disciplinas existe uma diferença de categoria,
ela é um tecido flexível que nunca isola seus elementos e ela se desenvolve quando
as próprias disciplinas se desenvolvem (FAZENDA, 2010: 28-29).
Entre as dicotomias enfrentadas nessa década estão: teoria/prática, verdade/
erro, certeza/dúvida, processo/produto, real/simbólico e ciência/arte (FAZENDA, 2010:
29). Todas elas têm extrema importância para o contexto desta dissertação que visa o
reconhecimento da moda tanto como atividade projetual quanto ciência, do ponto de
vista interdisciplinar.
Moda, arte e interdisciplinaridade 97

Ainda hoje, se apresentam algumas contradições que impedem o movimento


interdisciplinar de se desenvolver plenamente. Essas dicotomias que surgem durante
as pesquisas vêm sendo enfrentadas pelos estudiosos (FAZENDA, 2010: 14). Uma
delas, de caráter filosófico, é representada pela oposição ciência/existência. Para
dúvidas desse aporte busca-se uma resposta interdisciplinar.
Nesse sentido, a prática interdisciplinar facilitaria o enfrentamento da chamada
“crise das ciências”. É importante que se percebam os paradigmas a serem superados
pela interdisciplinaridade. O problema se concentra no dilema de uma ciência que,
questionada em suas objetividades, não se reconhece nas subjetividades atuais.
Assim, as verdades objetivas seriam substituídas pelo “erro” em uma ciência transitória.
Essa abertura para a mudança só tende a favorecer a consumação do encontro entre
a ciência e a existência (FAZENDA, 2010: 14-15).
Uma atitude que reflete o pensamento contemporâneo é a proposta de uma
releitura da filosofia revendo o passado com olhos de presente e de futuro, para que
o erro deixe de ser um critério de verdade. É a dúvida que constrói o conhecimento
(FAZENDA, 2010: 15).
Originalmente um artigo escrito em 1996, o livro Imposturas Intelectuais de
1999, dos físicos Alan Sokal e Jean Bricmont, faz uma análise sobre o que chamam
de “mistificações físico-matemáticas”. Essa expressão consiste em alguns erros que,
segundo eles, alguns expoentes pós-modernos incorreram. Se, por um lado, há uma
tentativa de colaboração com relação à denúncia-crítica que se faz ao modo indevido
como são utilizados alguns conceitos científicos – no caso por filósofos – por outro,
esses mesmos que criticaram não o fizeram calcados em um olhar filosófico. Para se
criticar uma filosofia deve-se recorrer a argumentos pertinentes a ela (COSTA, 2010:
41-42).
Dessa forma, percebe-se ainda hoje o domínio de um pensamento racionalista
e fracionado que concebe somente o mesmo tipo de aplicação a um conceito, o
que o empobrece. Não é de hoje que as experiências interdisciplinares já revelam
a necessidade de que as relações entre ciências humanas e naturais sejam revistas
(JAPIASSU, 1976: 213).
Na década de setenta havia a pretensão de gerar hipóteses e orientações de
trabalho para as ciências humanas, que só começam a ser revelados nos dias de hoje.
Entre eles está o estudo da arte em uma dimensão antropológica, que leva à reflexão
sobre a superação da dicotomia ciência/arte (FAZENDA, 2010: 20). Essa hipótese é
extremamente lúcida e ela se aplica claramente ao objeto de estudo contemplado na
presente pesquisa, uma vez que a ciência é suporte para o estudo e pesquisa de atos
que conjugam o design de moda e a arte, como explicita o exemplo da figura 36 – o
trabalho transdisciplinar de Helen Storey.
Outro paradigma a ser destituído é o da dicotomia cultura/ciência, por meio
Moda, arte e interdisciplinaridade 98

do estudo das matemáticas sob um olhar antropológico. Uma aplicação clara da


matemática sob o viés da antropologia acontece no uso das artes aplicadas. É a
modelagem usada para confeccionar roupas.
Resumidamente, ela constitui a disciplina responsável por transformar as
medidas do corpo humano em formas proporcionais passíveis de serem vestidas,
após a criação de um molde sobre o qual será gerada uma produção em série. Por ser
uma disciplina ligada à moda que tem reconhecimento recente, a modelagem é vista
hoje, principalmente fora do Brasil, como um campo de estudo conceitual e criativo
que desvenda o corpo pouco a pouco.
Existem ainda mais hipóteses, mas uma última reflexão a respeito da superação
da dicotomia espaço/tempo se faz importante. Ela ocorre quando o desenvolvimento
da antropologia se dá a partir de estudos da geografia humana, que figura a relação
entre os seres humanos e o ambiente em que vivem. Outras hipóteses que foram
levantadas na década de sessenta vêm sendo discutidas atualmente. O período atual
está entre os mais férteis para a discussão e a prática interdisciplinar (FAZENDA,
2010: 20).
A década de noventa se dedica à construção de uma nova epistemologia,
própria da interdisciplinaridade. É na década de noventa que culmina a contradição
entre as pesquisas sobre a interdisciplinaridade desenvolvidas por Ivani Fazenda no
Brasil. Entre as contradições, a maior delas está na proliferação de práticas intuitivas
esvaziadas de sentido, sem referência conceitual ou metodológica (FAZENDA, 2010:
33).
Esse processo pode ser danoso ao projeto interdisciplinar. A intuição é inerente
ao desenvolvimento do trabalho interdisciplinar e deve ser usada com sabedoria,
pautada por uma metodologia adequada. O ato interdisciplinar requer conversa e
delimitações que circunscrevam a área de atuação de cada disciplina. Esse acordo
prévio deve ser revisto no decurso da execução do projeto.
Fazenda afirma que a condição para o fazer interdisciplinar se concentra na
construção de uma teoria que visa alcançar seus objetivos, reconhecendo a necessidade
do risco. A regra seria então basear-se em uma “metodologia da imprudência”, de
fazer do erro uma condição para se chegar a uma verdade (FAZENDA, 2010: 42),
mesmo que provisória.
Constatando dessa maneira que a natureza da ciência está no erro e não
no acerto, admite-se a inserção do processo interdisciplinar no cotidiano das mais
diversas formas (FAZENDA, 2010: 34).
A interdisciplinaridade, ainda hoje, é tema de discussão em vários países
graças à urgência de sua aplicação, o que torna o tema bastante atual. Em Portugal,
na Universidade de Lisboa, o grupo Mathesis discute o tema desde a década de
noventa. Na França, é tema de pesquisas dos grupos Cresas (Centre de Recherche
Moda, arte e interdisciplinaridade 99

de Education Specialisée de l’Adaptation Scolaire) e Crise (Centre de Recherche sur


l’Éducation et l’Imaginaire Social) (FAZENDA, 2010: 133-134).
A prática interdisciplinar luta no combate à visão cartesiana das ciências que
ainda hoje predomina. Apesar desse panorama, os trabalhos selecionados por esta
dissertação superam o receio da interdisciplinaridade se tornar uma prática vazia,
pois trazem uma reflexão e uma crítica mais aprofundadas no que diz respeito ao
reconhecimento da moda referente à sua prática interdisciplinar.
Ao longo dos próximos capítulos, ficarão mais claras as relações que
demonstram como os atos selecionados aferem a uma prática interdisciplinar e a qual
tipo cada um deles pertence, construindo um discurso basilar para a discussão da
moda no contexto interdisciplinar.
2
Stephen Sprouse
e Takashi Murakami

Estudo de Caso de
Design de Superfície
Moda, arte e interdisciplinaridade 101

2.1 Stephen Sprouse e a linha Graffiti

O segundo capítulo corrobora com a ideia de que o grupo interdisciplinar


adequado é formado por profissionais de áreas diversas, com formações distintas,
métodos, conceitos e termos próprios.
Dessa forma, quando Stephen Sprouse, Takashi Murakami e Vanessa Beecroft
propõem novos produtos ou novas formas de apresentação a pedido da Louis Vuitton,
o que se tem são diferentes olhares que se expressam por meio de produtos inéditos.
Esses artistas possuem formações distintas. Eles frequentaram escolas e universidades
de design, arte e arquitetura, respectivamente. Essa formação heterogênea, quando
somada ao conhecimento de Marc Jacobs – formado pela Parsons School –, ressoa
positivamente nas colaborações aqui analisadas.
Focando na pesquisa orientada que aqui se pretende, há interesse em conhecer
melhor a pesquisa aplicada – de fundo prático – desenvolvida por Takashi Murakami,
Stephen Sprouse e Vanessa Beecroft e os motivos que os levaram a colaborar com
uma empresa de moda.
Em seguida, a presente pesquisa se concentra em estudar esses atos práticos
por meio de um olhar analítico prático e que terá como parte do resultado de uma
dissertação a escrita, a pesquisa fundamental. A união da pesquisa fundamental, de
caráter teórico com a pesquisa aplicada, de fundo prático, tem como resultado uma
pesquisa orientada. É ela quem melhor descreve os benefícios da interdisciplinaridade.
A presente pesquisa tem caráter teórico e prático, pois tem como objetivo
último a análise teórica dos processos utilizados para o desenvolvimento dos produtos
estudados e aplicação futura de seus resultados. Dessa forma, este estudo se configura
como uma pesquisa orientada.
O objetivo interdisciplinar do estudo da arte em uma dimensão antropológica,
leva à reflexão sobre a superação da cisão existente entre ciência e arte reforçada
pelo ideal positivista. Essa hipótese é extremamente lúcida e se aplica claramente aos
objetos de estudo contemplados nesta pesquisa, uma vez que a ciência é o suporte
para a pesquisa de atos que conjugam o design de moda e a arte.
Tanto Stephen Sprouse quanto Takashi Murakami interferiram diretamente
sobre o produto da Louis Vuitton. Os dois artistas interferiram no design de superfície
de algumas bolsas clássicas da marca que já são comercializadas há mais de cento
e cinquenta anos.
É isso que une os dois artistas e os diferencia de Vanessa Beecroft. Ela, ao
contrário, não interfere no design do produto de forma direta, como fazem Sprouse e
Murakami.
A partir de agora serão apresentados os caminhos que levaram cada um desses
artistas a manipular os produtos da Louis Vuitton.
Moda, arte e interdisciplinaridade 102

O principal texto que conta a história do trabalho de Sprouse para a Louis


Vuitton está inserido em uma coletânea sobre arte, moda e arquitetura lançada pela
marca, Louis Vuitton: Art, Fashion and Architecture. Esse livro relata caso a caso vários
trabalhos que coordenaram esforços entre artistas contemporâneos e seu diretor
criativo, Marc Jacobs. Nesse livro, um texto de Glenn O’Brien trata das aproximações
e contaminações entre a arte e a moda de rua, propostas por Sprouse a Jacobs.
O conteúdo desse livro é emblemático, pois reúne os atos entre arte, moda
e arquitetura mais prolíficos e recentes. Na década de oitenta, a Louis Vuitton já
recorria ao trabalho de artistas como César, Sol Lewitt e Olivier Debré, mas após uma
longa pausa é Marc Jacobs quem retoma essas atividades interdisciplinares, com
sua entrada como diretor criativo na marca em 1997. Sua abordagem evidenciava a
mistura de referências de áreas distintas como solução para o processo criativo na
contemporaneidade.
Jacobs teve papel fundamental nessas iniciativas, pois muitos artistas foram
convidados por ele para criarem para a Louis Vuitton. Muitos desses artistas, como é
o caso de Stephen Sprouse, compunham seu círculo de amizades. Como um grande
admirador de arte contemporânea, Jacobs intensificou os pontos de intercâmbio entre
a arte e a moda em um grau anteriormente desconhecido.
Jacobs sempre focou na arte contemporânea, que busca maior proximidade
do espectador. Quando o estilista cria algo novo, em conjunto com um artista, ele
considera referências já existentes, fazendo alusão à “pós-produção” de Bourriaud.
Esse conceito tem relação com a arte pop e o uso de objetos já existentes que
também é de interesse de Jacobs. Esses conceitos não são comuns à arte moderna
e mostram o quão intensa e profunda é a forma com que Jacobs está voltado para a
contemporaneidade.
A atuação desses artistas não se limitou aos acessórios da Louis Vuitton. Além
de alguns deles terem alterado o tradicional monograma marrom e caramelo da Louis
Vuitton, eles também colaboraram com vitrines, instalações artísticas e exposições
no Espace Louis Vuitton, que é uma galeria que funciona no último andar da loja da
Champs-Élysees, em Paris.
Em texto de Glenn O’Brien para o livro Louis Vuitton: Art, Fashion and
Architecture, o escritor e editor de revistas como Interview, Art in America, Antiques e
Vanity Fair conta que conheceu Stephen Sprouse quando ele ainda tinha vinte anos.
Stephen Sprouse nasceu em Dayton, Ohio, nos Estados Unidos, em 1953.
Faleceu em março de 2004 em Nova Iorque e, durante a sua vida, realizou trabalhos
como artista e como estilista, tendo sempre um olhar voltado para a rua. Ele foi um
dos precursores da estética high low.
Sprouse trabalhava como assistente de Halston, estilista que veio de Indiana
para Nova Iorque, e Sprouse parecia seguir seus passos, literalmente. Sprouse era
Moda, arte e interdisciplinaridade 103

bonito e discreto, um jovem que se destacava em um grupo de rapazes uniformizados


que trabalhavam no estúdio do estilista (O’Brien:
2009, 355).
O’Brien conta que ele tinha uma aura,
algo diferente que fez com que ele reconhecesse
Sprouse muitos anos depois desse primeiro
encontro. O’Brien se refere a Sprouse como uma
pessoa lacônica, e diz que, às vezes, pessoas
que falam muito pouco parecem ter um segredo.
Para ele, Sprouse tinha um segredo (O’Brien:
2009, 355).
O’Brien conta que, quando reencontrou
Sprouse novamente, foi como se um segredo
houvesse sido revelado. Sprouse havia voltado
38. Stephen Sprouse. Iggy on the cross, 1987
à cidade e vivia em um grande prédio antigo na
Rua Cinquenta e Oito, a duas quadras da Bergdorf Goodman8 (O’Brien: 2009, 355).
Nesse ambiente ele desenvolveu suas próprias amizades – Debbie Harry,
Chris Stein, o fotógrafo Kate Simon e a designer de joias Janice Savitt viviam lá.
Stephen tinha um grande apartamento que parecia ainda maior porque ele derrubou
as paredes entre as salas de estar e de jantar. Não havia mobília no lugar, só uma
máquina de xérox (O’Brien: 2009, 355).
Ter uma máquina de xérox na década de oitenta era algo incrível. Andy Warhol
não teve uma e Jean-Michel Basquiat não comprou a sua logo. Sprouse produzia arte
com sua xérox loucamente, e ela estava espalhada pelas paredes e roupas que ele
fazia para Debbie Harry, que era o ícone pop perfeito da próxima geração – uma loira
linda com cérebro, voz e atitude (O’Brien: 2009, 355).
Naquele momento Stephen Sprouse poderia ter seguido qualquer um dos
caminhos – o de artista ou o de designer. E ele se mostrou um artista, sucesso de
crítica, mas a atividade de designer estava em “seu sangue”. Ele era um verdadeiro
“artista-designer”. Ninguém absorveu a estética de Warhol como Sprouse. Ele tinha
em sua mente aquela cartela de cores antinatural, o neon e o fluorescente, o infra e
o ultra. Ele aprendeu todos os truques da Op e da Pop Art e a iconografia típica da
Factory de Warhol (O’Brien: 2009, 355).
Stephen Sprouse nunca disse muito, mas ele não tinha que dizer; sua obra fez
isso por ele. Ele era quieto, esperto, e transbordava novas ideias. Geralmente, quando
dizia alguma coisa era uma “pérola”, então todos prestavam atenção. Quando Andy
Warhol morreu, ele disse: “Para quem nós vamos fazer as coisas agora?” (O’Brien:

8 Loja de departamentos de produtos de luxo, situada na Quinta Avenida, em Manhattan, Nova


Iorque.
Moda, arte e interdisciplinaridade 104

2009, 355).
Sprouse era um desses indivíduos raros, que é ao mesmo tempo frágil e
indestrutível. Ele era uma daquelas pessoas que influenciavam positivamente as
pessoas ao seu redor, fazendo-as acreditar que elas também eram talentosas e
fornecendo a elas evidências disso (O’Brien: 2009, 355).
Como designer, ele criava uma coleção brilhante
após a outra, sempre conseguindo extrair o incomum de
algo aparentemente banal ou que já havia sido dado por
perdido (O’Brien: 2009, 355).
Sprouse nunca foi um artista do grafite. Mas ele
vivia cercado pelo grafite e pelos seus mais importantes
representantes, como Jean-Michel Basquiat e Keith
Haring. Para Sprouse isso era algo inerente à sua
geração, e a despeito de suas palavras hesitantes, ele
era um estilista extraordinariamente eloquente. Ao ver
uma caligrafia em um muro, Stephen sabia que o grafite
representava o triunfo da mão humana na era das
megacorporações e da produção em massa (O’Brien:
39. Stephen Sprouse. Sem Título, 1984
2009, 355).
O dado humano em sua obra é recorrente e
mostra como sua produção, artística ou de design, está alinhada ao pensamento
interdisciplinar que visa combater paradigmas no que diz respeito à visão cartesiana
que ainda hoje acomete as ciências e as artes. A despeito do desenvolvimento que
a ciência possa proporcionar é preciso lembrar do componente humano que está por
trás dela.
Sprouse era capaz de ver, desenhar, pintar e arrumar as coisas de um jeito
que elas pareciam ser do futuro, e sua visão implacável transformou o panorama da
moda (O’Brien: 2009, 355). Ele era uma espécie de artista, estilista e diretor-criativo
ao mesmo tempo. Tinha uma capacidade admirável de criar imagens.
A participação de Sprouse na criação da Louis Vuitton abriu as portas para as
inovações subsequentes imaginadas por Jacobs. Foi uma espécie de manifesto de
Sprouse em sua abordagem. Seus acessórios projetados para a Vuitton atravessaram
violentamente o mundo do parisiense chique (GASPARINA, 2009:46).
Marc Jacobs sabia disso, e foi um golpe de mestre aliar-se a Sprouse. O’Brien
conta que Jacobs viu em Sprouse sua alma gêmea. Há grandes semelhanças entre o
talento de ambos, mas, se por um lado Sprouse era tolhido por sua hesitação e
laconismo, Jacobs era uma força eloquente da natureza. Em um ponto os dois se
pareciam: eram ao mesmo tempo parceiros de trabalho e fãs um do outro. Stephen
gostava de utilizar o trabalho de amigos artistas em seus projetos de moda. Ele sabia
Moda, arte e interdisciplinaridade 105

que trabalhar com outro criador não o depreciava, mas o enaltecia enquanto artista, e
Marc Jacobs também acreditava nisso (O’Brien: 2009, 355).
Ambos entenderam intuitivamente
que o ato de alterar a marca registrada da
Louis Vuitton, consagrada comercialmente,
deu uma nova vida a empresa que guarda
tão zelosamente o símbolo de sua herança.
Eles fizeram a marca entender que o grafite
não alteraria sua tradição e que para crescer
ela precisaria de um toque cada vez mais
humano (O’Brien: 2009, 355).
O estilista se aproximou cada vez mais
40. Stephen Sprouse. Louis Vuitton Graffiti, 2009
de Sprouse pela admiração que tinha pelo
trabalho do amigo. Guiado por esse
sentimento, a colaboração foi selada. Stephen Sprouse também era um estilista e isso
só ajudou para que os dois se unissem cada vez mais (GASPARINA, 2009: 47).
O artista desenvolveu, em 2001, ao lado
de Marc Jacobs, as primeiras peças grafitadas
para a marca. Dado o sucesso da coleção criada
em 2001, o trabalho foi reeditado somente com
uma mudança de cor e relançado em 2009.
Em viagem a Paris em janeiro de 2009,
foi possível constatar que essa coleção de
acessórios, criada por Sprouse e Jacobs,
lançada em oito de janeiro de dois mil e nove,
foi responsável por uma fila de dar a volta no
41. Stephen Sprouse. Louis Vuitton Graffiti, 2009
quarteirão, ao redor da loja.
O preço das peças variava de cem a mil seiscentos e noventa euros e, na hora
do almoço, já não tinha sobrado nada nas lojas. Jacobs afirma que se oferecer à suas
clientes alguma coisa instigante, interessante,
elas vão comprar. Além dessa coleção, outras
parcerias interdisciplinares foram realizadas com
Sprouse. Entre elas está uma de 2006, em que ele
desenvolveu uma padronagem de leopardo para a
Vuitton.
No mês seguinte, a coleção Graffiti foi
lançada no Brasil. Segundo informações de Marc
Sjostedt, gerente-geral da marca no Brasil, essa
coleção era uma espécie de tributo prestado à 42. Stephen Sprouse. Louis Vuitton Graffiti, 2009
Moda, arte e interdisciplinaridade 106

Stephen Sprouse, que morrera prematuramente em 2004.


Segundo Sjostedt, tudo começou quando Marc Jacobs foi visitar um
apartamento em Paris. O imóvel em questão era de Serge Gainsbourg, compositor
francês que tinha entre algumas de suas manias colecionar baús da Louis Vuitton.
Um desses, inclusive, foi pintado todo de preto pelo dono. Com o passar do tempo, a
tinta descascou e deixou o monograma à mostra. Ele conta que, quando Marc Jacobs
viu este baú todo descascado, teve a ideia de convidar Sprouse para criar uma linha
usando grafite.
Essa coleção, assim como todas as coleções lançadas pela Louis Vuitton em
parceria com artistas, era limitada e dividia-se em
duas linhas: Graffiti e Roses. Na primeira, são
sempre três cores: laranja, rosa e verde-néon
(figuras 040, 041 e 042). A segunda surgiu inspirada
no desenho de uma rosa que Sprouse costumava
mandar como agradecimento aos amigos (figura
043).
Entre as peças, estavam três modelos
clássicos de bolsa, quatro de sapatos, leggings,
camisetas, biquínis e outros acessórios como
lenços, além de um pingente especial, em formato
de cadeado, que reproduz a padronagem do grafite
de Sprouse usando 377 pedras colocadas uma
a uma. São safiras rosas e laranjas e tsavoritas
verdes.
Esse tipo de produto traz em si uma
contradição: ao mesmo tempo em que esse cadeado 43. Stephen Sprouse. Louis Vuitton Roses,
2009
é a representação do consumo conspícuo enaltecido
pelo sistema da moda, que se rebate em seu aspecto decorativo, ele traz consigo a
simbologia punk.
O cadeado era usado como acessório
e era comum na linguagem de rua da década
de oitenta. Stephen Sprouse é responsável por
levar essa linguagem para a Louis Vuitton. A
marca busca “revestir” de arte os seus produtos
por meio dos artistas que chama a participar
de seu processo criativo, mas ao mesmo tempo
mantém-se completamente acessível em
44. Stephen Sprouse. Louis Vuitton Roses, 2009
termos de linguagem.
Assim como a moda se comporta diante de vários movimentos ligados
Moda, arte e interdisciplinaridade 107

ao underground, a marca mescla com cada vez mais desenvoltura referências


aparentemente incongruentes, que gera um “punk de boutique”. A despeito da
massificação gerada por esta corrente de consumo, o ato interdisciplinar se torna
interessante quando deflagrado no momento de seu desenvolvimento, revelando
formas do pensamento criativo como o de Stephen Sprouse e Marc Jacobs.

2.2 Takashi Murakami e a linha Multicolor

Rebecca Mead, uma da escritoras mais influentes do New Yorker já traçou


perfis de Santiago Calatrava, Ronald Lauder, Nico Muhly, e Slavoj Zizek, entre outros.
Ela é a responsável por descrever a parceria entre a Louis Vuitton e o artista japonês
Takashi Murakami no livro Louis Vuitton: Art, Fashion and Architecture.
Talvez uma das parcerias mais rentáveis à Louis Vuitton, Takashi Murakami
lidera no número de colaborações com a marca. Dentre as inúmeras variedades que
propõe ao público por meio dos produtos que sofrem sua interferência e que são
comercializados nas lojas da marca, destaca-se o Multicolor Monogram Black.
Takashi Murakami nasceu em Tóquio em 1962 e frequentou a Tokyo University
of Arts. Insatisfeito com o panorama da arte contemporânea japonesa, que, segundo
ele, se apropriou de forma demasiadamente profunda
das tendências ocidentais, ele atua desde a década de
noventa no campo da arte e do design de forma irônica.
Ele satiriza essa falta de identidade nacional da arte
japonesa recente.
Havia uma ironia no fato do estúdio de Andy
Warhol ter ficado conhecido como The Factory. Embora
seus assistentes produzissem uma diversificada linha
de produtos – silk-screen, litogravuras, filmes – a
metáfora da fábrica só veio
bem depois. A General
Electric, por exemplo,
45. Takashi Murakami. My Lonesome
Cowboy, 1998
nunca serviu de lugar a
estrelas do filme pornô,
nem sediou festinhas regadas a anfetaminas (MEAD:
2009, 290).
Pelo contrário, Kaikai Kiki New York, o estúdio
ocidental de Takashi Murakami em Long Island, realmente
é uma fábrica de arte, na qual as convenções da cultura
46. Takashi Murakami. Hiropon, 1997
corporativa são rigorosamente observadas (MEAD:
2009, 290). Ao tratar seu estúdio como uma fábrica, Murakami prestou uma espécie
Moda, arte e interdisciplinaridade 108

de homenagem a Wahrol.
Tendo iniciado suas atividades no Brooklyn em 1998, em um estúdio que
funcionava como entreposto do estúdio japonês de Murakami, o lugar se dedica tanto
à produção em massa quanto ao refinamento da estética elitizada do Superflat de
Murakami (MEAD: 2009, 290).
Murakami foi o fundador do movimento Superflat, que mistura referências do
mangá e do anime, além da cultura pop ocidental. Com seu estilo assina produtos que
vão da alta moda a chaveiros e toy art. Seu trabalho está representado em museus de
todo o mundo.
No Kaikai Kiki New York, em Long Island,
subindo as escadas, há um escritório com uma
bancada de computadores tripulada por asseclas
usando fones de ouvido, que lidam com a
produção e promoção das obras de arte de
Murakami, a gestão e o suporte de artistas
seletos, a feira de arte semestral GEISAI em
Miami e Tóquio, e a divisão internacional de
merchandising da empresa. Seus produtos
variam das bolsas luxuosas aos chaveiros
47. Takashi Murakami. Multicolor Monogram Black,
2003
baratos. Descendo um andar, vinte funcionários
especializados produzem a arte – imagens que
remetem ao cartoon, escandalosamente enquadradas em folhas de platina – de
acordo com as instruções precisas enviadas por designers sêniores de Murakami
(MEAD: 2009, 290).
Se o local não tem os zumbidos de uma linha de
montagem, ainda assim há prazos para cumprir uma
ordem de Murakami no que diz respeito à produção,
incluindo parcerias como a que tem com Kanye West,
com quem Murakami começou trabalhar em 2007
desenhando capas de álbuns, além da Louis Vuitton,
cujo monograma padrão Murakami foi encarregado
de renovar em 2003 a pedido de Marc Jacobs, diretor
criativo da marca. “Quando eu vi o trabalho de Takashi
48. Takashi Murakami. Multicolor Mono-
Murakami pela primeira vez eu sorri e me surpreendi: gram White, 2003
De onde vem essa explosão?”, diz Jacobs (MEAD:
2009, 290).
“Eu adoraria se a mente que imaginou este mundo produtor de extravagâncias,
de olhos de água-viva, musgos cantores, cogumelos mágicos e criaturas que se
metamorfoseiam, estivesse disposta a renovar o icônico monograma Louis Vuitton”,
Moda, arte e interdisciplinaridade 109

afirma Jacobs (MEAD: 2009, 290).


Após várias conversas com Jacobs,
Murakami primeiro repaginou o monograma com
letras em cores ácidas em um fundo preto ou branco
(figuras 049 e 050) e, a partir daí, continuou a
produzir variações sobre o tema, uma colaboração
que Jacobs chama de “casamento monumental da
arte com o comércio” (MEAD: 2009, 290).
A primeira parceria entre o artista e a marca
resultou no Multicolor Monogram, que deu origem
ainda em 2003 ao Eye Love Monogram, que
consistia em uma variação do Multicolor Monogram 49. Takashi Murakami. Eye Love SUPERFLAT
com olhos de geleia, recorrentes nas obras de Black, 2003
Murakami.
A relação entre arte e moda se mostrou
tão prolífica que, no mesmo ano, o artista ainda
desenvolveu para a marca a estampa Cherry
Blossom Monogram, que consistia no logo da Louis
Vuitton envolvido por pétalas e flores com rostos e
diferentes expressões faciais. O que se conhece
como inanimado nas mãos de Murakami passa a
ganhar forma e movimento.
Em 2005, Murakami propôs o Cherry
Monogram, baseando-se na mesma fórmula. Dessa
50. Takashi Murakami. Eye Love SUPERFLAT vez, foram inseridas cerejas vívidas na tradicional
White, 2003
padronagem da marca.
Mais recentemente, em 2008 a marca comercializou uma nova estampa
proposta por Murakami: a Monogramouflage Skull,
que, como o próprio nome sugere, consiste em
uma estampa de fundo camuflado que se imiscui
ao clássico monograma da Louis Vuitton pontuado
por caveiras.
Todas essas padronagens, esses designs de
superfície criados por Murakami ao longo de cinco
anos foram desenvolvidos para serem aplicados
em bolsas, malas, baús, carteiras etc.
Por último, em um caso à parte, Murakami
usa os desenhos Panda e o LV with Hands em
51. Takashi Murakami. Cherry Blossom
2003, para duas estampas localizadas em malas Monogram, 2003
Moda, arte e interdisciplinaridade 110

sóbrias da Louis Vuitton. Em geral, seu trabalho se


concentra na estamparia corrida, que se caracteriza
por cobrir a superfície total de um produto. Ele
recorre ao design de superfície para estampar suas
alegorias em acessórios e roupas Vuitton.
No caso da estamparia localizada, só é
estampado o centro de uma das faces da peça
(figura 054), com a figura de um panda ou com a
logo colorida. A outra face da mala permanece com
o aspecto altivo dado pelo monograma tradicional
52. Takashi Murakami. Cherry Monogram, 2005
da marca, sem interferência do artista.
Percebe-se que a interferência do artista no produto não precisa ser totalizadora.
Em termos de visualidade um produto não precisa ser inteiro estampado por Murakami
para se tornar novo em termos de categoria. Uma maleta de negócios com um dos
lados estampado já configura uma nova possibilidade de produto e, consequentemente
de uso.
Na retrospectiva artística de Murakami que
começou em 2008 no MOCA, em Los Angeles, a
loja do museu vendia pinturas apresentadas na
exposição como qualquer outra galeria, embora
houvesse obras que pudessem ser adquiridas
por quem não dispunha de milhões de dólares
(MEAD: 2009, 290).
Mead conta que, em visita ao estúdio de
Murakami em uma sexta-feira à tarde, dois
funcionários da Kaikai Kiki subiam em um andaime
para finalizar uma enorme tela onde estava 53. Takashi Murakami. Monogramouflage Skull,
2008
pintado um crânio abstrato com flores em suas
órbitas – uma imagem comumente usada no universo de Murakami – representado
sobre um padrão de camuflagem
abstrato. Este trabalho já vinha sendo
produzido há dois meses e seria
entregue em três dias, a tempo de
começar a exposição em Londres que
também fazia parte de sua retrospectiva
(MEAD: 2009, 290).
Esses dois designers estavam
envernizando a obra com uma
54. Takashi Murakami. Panda e LV with Hands, 2003 laboriosidade industrial que remetia a
Moda, arte e interdisciplinaridade 111

uma cena de Alice no país das Maravilhas, na qual três servos da Rainha de Copas
são vistos pintando freneticamente rosas brancas de vermelho (MEAD: 2009, 290).
A única coisa que faltava nessa fábrica de arte era o próprio artista: Murakami.
Ele passa somente uma pequena parte do tempo em Nova Iorque, e a maior parte do
tempo se encontra na sede do Kaikai Kiki, em Tóquio. A filial do escritório de Murakami
foi criada em Nova Iorque para diminuir a logística e os custos envolvidos na venda
para uma clientela internacional (MEAD: 2009, 290).
Sua presença física é requisitada em apenas duas tarefas: aprovar e então
assinar as obras produzidas em seu nome. “As pinturas nunca estão prontas antes
que ele diga que está”, diz Jeff Vreeland, um gerente do estúdio. “Só é uma pintura
quando ele diz que é.” (MEAD: 2009, 290)
O trabalho de Murakami só pode ser produzido da maneira como é porque não
depende da presença física do artista: seria um trabalho extenuante e inacessível em
termos financeiros para ser feito pelo próprio artista. Mas ao mesmo tempo em que
a presença física não é necessária para a produção desses trabalhos, Murakami é
completamente dedicado à sua arte, em um grau que suplantará o artista que mais
“põe a mão na massa”. “Eu acordo e durmo no estúdio, cuido da minha dieta para ter
longevidade, pratico exercícios, leio pilhas de livros, falo com meus funcionários o dia
todo, faço alguns desenhos, e vou dormir,” ele diz. “A minha vida se resume a isso.
A única coisa que eu espero é o momento em que um projeto é concluído, e essa
satisfação dura apenas três segundos.” (MEAD: 2009, 290)
Murakami não tem um apartamento no Japão ou em Nova Iorque; ele prefere
viver em seu estúdio. Seu quarto em Long Island consiste em um quarto diminuto,
separado da entrada comum por uma porta translúcida deslizante e contém pouco
mais que uma cama queen-size e uma mesa com alguns livros sobre ela. O que
acontece naquele quarto nas poucas horas em que Murakami não está efetivamente
trabalhando é um sonho recorrente, no qual ele diz: “Estou sendo assustado e
perseguido por um robô gigante, e eu continuo correndo em alta velocidade pelas
esquinas da velha cidade”. (MEAD: 2009, 290)
A questão da tecnologia misturada a um mundo fantástico permeia a vida de
Murakami. As figuras alegóricas que participam de sua vida invadem seus momentos
mais íntimos. A velocidade é outro elemento recorrente em suas criações. Percebe-
-se, em suas obras e seu processo criativo, uma voracidade por criar cada vez mais
e mais imagens.
Quanto à relação existente entre arte e moda em sua obra, Murakami se refere
a essas imprecisões como “ladainha”. Para ele vigora o princípio da colaboração que
é a própria resposta. Ele afirma que, daqui a duzentos anos, essa colaboração para a
Louis Vuitton será vista como arte. Ele gosta dessa dicotomia. De qualquer maneira, o
que interessa é o conceito que envolve a colaboração realizada para atingir o objetivo:
Moda, arte e interdisciplinaridade 112

o monograma multicolorido (GASPARINA, 2009: 47).


Murakami tem uma visão comum ao século XIX, comum a grupos de artistas
e designers como o Wiener Werkstätte, que não tratavam as belas artes e as artes
decorativas como coisas completamente distintas. Sua produção é coerente com o
ideal moderno de unir arte e vida ao máximo.
Ele afirma que não é o seu trabalho que gera resultados. Trata-se de um
contrato de colaboração. Ele enfatiza a natureza híbrida de sua empresa, que mescla
liberdade criativa com restrições externas, de empresas e uma visão do artista baseada
nas exigências da Louis Vuitton (GASPARINA, 2009: 47).
A associação entre Jacobs e Murakami é muito coerente com o trabalho do
artista japonês, que sempre se pautou por uma consciência voltada aos negócios.
Essa abordagem se reflete em um interesse no legado de Warhol, assim como na
tradição japonesa, que preza pela relação entre arte e comércio de forma mais franca
que a europeia (GASPARINA, 2009: 47).
Os verdadeiros interesses e ambições de Murakami se rebatem em sua
referência mais óbvia, Warhol. Seu estúdio originalmente se chamava Hiropon Factory9
em uma clara homenagem ao modelo que o artista julga mais próximo à sua produção
(MEAD: 2009, 290).
Um modelo parecido à fábrica de Murakami é o estúdio “hollywoodiano”. Em
uma pequena cidade, um grupo de pessoas talentosas executa a inspiração do diretor
enquanto o público espera que ele manuseie a câmera com suas próprias mãos
(MEAD: 2009, 290).
“Seria maravilhoso se eu pudesse construir uma estrutura similar a da Disney,”
ele diz. “A Disney sobrevive a crises econômicas, troca de executivos e ao surto dos
conflitos corporativos internos.” (MEAD: 2009, 290)
Mead questiona o artista: “existe arte após a vida?” E Murakami responde: “Eu
quero que meu trabalho continue a viver mesmo depois que meu corpo morrer”. Na
arte, a questão da imortalidade é muito antiga; criar uma empresa para durar mais que
seu fundador é algo totalmente diferente. Se alguém pode fazer isso, essa pessoa é
Murakami (MEAD: 2009, 290).
De maneiras diferentes, Sprouse e Murakami deixam sua marca nos produtos
da Louis Vuitton no que se refere principalmente ao design de superfície. O trabalho
dos dois artistas compõe o mesmo capítulo por trazerem referências à moda e ao
design anteriores aos projetos para a Louis Vuitton. Sprouse atuava de forma mais
autoral, informal, própria da linguagem de rua, enquanto Murakami opera de acordo
com sua factory, regida pelos preceitos das grandes corporações.
A interferência no design da Louis Vuitton é uma consequência natural do

9 Hiropon significa meta-anfetamina, um estimulante altamente viciante.


Moda, arte e interdisciplinaridade 113

trabalho de ambos. Ao criar sua arte, eles tangenciam o design e a moda. Ao criar
design, não se desvinculam da arte. A forma dos dois projetarem se rebate na seguinte
afirmação: eles produzem arte pensando em design e design pensando em arte.
3
Vanessa Beecroft e
a não intervenção
no produto da
Louis Vuitton
Moda, arte e interdisciplinaridade 115

A intervenção, ou melhor, a não intervenção de Vanessa Beecroft nos produtos


da Louis Vuitton rende um capítulo à parte pela complexidade de relações propostas
pela artista.
Vanessa Beecroft nasceu em Gênova, em 1969, e mora em Los Angeles. Seu
trabalho tem sido exposto internacionalmente desde 1993 e frequentemente expõe
comentário social provocativo e crítico. Beecroft se destaca por suas performances
inovadoras e não convencionai,s aproximando-se da criação de imagens e da
comunicação.
Entre os lugares nos quais ela apresentou seus trabalhos estão: Espace
Louis Vuitton, em Paris, França, em 2006; Bienal de São Paulo, no Brasil, em
2002; Guggenheim Museum, em Nova Iorque, Estados Unidos, em 1998, e P.S.1
Contemporary Art Center, em Long Island City, Nova Iorque, Estados Unidos, em
1994 (BEECROFT, 2007: 55).
Há várias publicações que registram sua obra. Entre elas, estão: Vanessa
Beecroft Performances 1993-2003 (Skira, 2003), VBLV06” (Charta, 2007) e Louis
Vuitton: Art, Fashion and Architecture (Rizzoli, 2009).
Sua obra mais recente de que se tem registro foi a VB66, realizada em 2010,
em Nápoles, Itália. Os nomes de suas obras sempre fazem referência às suas iniciais
VB, de Vanessa Beecroft, seguidas do número da performance.
Foi Emmanuel Hermange quem registrou sua performance proposta para a
Louis Vuitton no livro Louis Vuitton: Art, Fashion and Architecture. Hermange é um
escritor, crítico de arte e educador que escreve artigos científicos regularmente para
livros e monografias de artistas, assim como propõe revisões de outros textos para
várias revistas, como Art Press, Pour Voir, L’Oeil, Parachute, Critique d’Art, Études
Photographiques, Romantisme e Universalia. Leciona História da Arte na Escola
Superior de Arte em Grenoble e trabalha na Escola Nacional Superior de Fotografia
em Arles. Em 1998, ele foi premiado com a bolsa de estudos Lavoisier pelo ministro
francês das Relações Exteriores.
Vanessa Beecroft conquistou um lugar no topo da cena artística internacional
por uma série contínua de provocações que ela produziu. Repetidas exaustivamente,
suas performances que expõem por várias horas a nudez de modelos femininas
constrangem e levam à reflexão. (HERMANGE: 2009, 132)
Preocupada com a banalização das relações humanas, entre elas as afetivas e
as comerciais, a artista oferece o corpo feminino nu como uma forma de manifestação
contra o esvaziamento das relações. Segundo a artista, grande parte das relações
humanas gira em torno de sexo e, quando o assunto é sexo, geralmente é o corpo
feminino que é profanado. É expondo mulheres nuas que ela agressivamente se coloca.
Suas performances são críticas, pois, embora pareça contraditório que a artista exiba
mulheres nuas para criticar a banalização da nudez feminina, ela argumenta que, se
Moda, arte e interdisciplinaridade 116

são mulheres nuas que os homens querem ver, são mulheres nuas que eles vão ter.
Longe de ser a mulher produzida para um ensaio fotográfico, suas mulheres
parecem inanimadas, como uma mortalha. Inertes, entediadas e sem muita produção,
todas se parecem entre si. Nessa homogeneização dessas figuras humanas, o que
interessa é o discurso do corpo. A artista revoga o romantismo que a nudez feminina
possa ter em detrimento de um discurso direto e crítico.
Em sua primeira instalação em Milão, VB01, de 1993, a artista procurou modelos
para a performance prestando atenção aos seus atributos físicos, sua maquiagem e
os acessórios que completariam o efeito desejado (HERMANGE: 2009, 132).
Em suas performances, a cenografia às vezes é mínima, com o espaço
previamente designado – frequentemente uma instituição de arte – praticamente
intocada pela presença de tantos corpos. Outras vezes, há uma narrativa mais clara
(HERMANGE: 2009, 132).
Na maior parte das performances de Vanessa Beecroft, as modelos sob
instrução minuciosa da artista não se movem. Em outras performances, elas se
movem vagarosamente, languidamente, embora sem exageros. Em geral, elas não
se comprometem com a audiência, mas se isso ocorre, é de forma rápida e evasiva,
de relance (BURTON, 2005: 64).
As modelos não têm nenhuma responsabilidade pelo efeito que causam nos
espectadores. Nestas circunstâncias, o espectador é levado a encarar e projetar sua
visão, seu desejo e sua identificação (ou não identificação) nas modelos. Obrigados
a assistir, pela incerteza da cena a que estão assistindo, os espectadores esperam a
promessa de alguma ação ou de um sinal de reconhecimento de suas presenças, seu
controle, que seus olhares desejosos podem ser devolvidos (BURTON, 2005: 64).
O espectador sente-se envergonhado pelo modo como sua atenção não é
percebida, não é levada em conta ou fica impune. Outros membros do público acusam
a presença de outros espectadores. Eles são espectadores que desempenham um
papel no espetáculo, engajados no processo voyeurista de avaliação dos corpos que
realizam a performance à sua frente (BURTON, 2005: 64).
As performances de Beecroft, que são conhecidas como uma arte
“padronizada”, que recorre a ícones do cinema e da moda, têm sido bem documentadas
desde 1993. Os títulos são simples e progressivos, como VB01, VB02, VB03 e assim
por diante, e suas performances variam em termos de acessórios como perucas,
meias, sapatos etc. (BURTON, 2005: 64).
As performances têm evoluído a partir de eventos não ensaiados, envolvendo
mulheres parcialmente vestidas, reais, onde é dado o mínimo de instrução, para que
“espetáculos de proporções épicas” sejam orquestrados cuidadosamente, usando
modelos nuas, ou quase nuas. O trabalho de Beecroft é baseado em ideias de controle
e instrução (BURTON, 2005: 64).
Moda, arte e interdisciplinaridade 117

Beecroft possui algumas regras básicas para uma performance. Entre elas
estão:
“Não converse, não interaja com outros, não cochiche, não ria, não se mova
teatralmente, não se mova muito devagar, seja simples, natural, desarme-se, seja clássica,
inacessível, alta, forte, não seja sexy, não seja rígida, não seja casual, assuma o estado de
espírito que você preferir (calma, forte, neutra, indiferente, orgulhosa, educada, superior),
comporte-se como se você estivesse vestida, como se não houvesse mais ninguém no
mesmo ambiente, você é como uma imagem, não estabeleça contato com o exterior,
mantenha-se firme o quanto puder, lembre-se da posição que foi atribuída à você, não sentem-
se todas ao mesmo tempo, não façam os mesmos movimentos ao mesmo tempo, alternem
posições de descanso com posições de alerta, se você estiver cansada, sente, se você tem
que sair, faça em silêncio. Aguente até o fim da performance, interprete as regras com
naturalidade, não transgrida as regras, você é o elemento essencial da composição, suas
ações se refletem no grupo, quando estiver próximo ao fim você pode se deitar, levante-se
pouco antes da reta final.” (Beecroft in Marcella Beccaria 2003, p.18-19)

Algumas de suas performances, como


a VB45 e VB46, duraram aproximadamente
três horas. Seus trabalhos são articulados
em linguagem visual contemporânea. Ela
enfatiza a ideia de máscara, simulacro,
pedindo às modelos que usem perucas
loiras, ou cabelos descoloridos e saltos
altos. Ela descreve esses elementos como
seus “temas visuais”, seu “plano material”,
ou ingrediente do seu manifesto, sua obra.
55. Vanessa Beecroft. VB45, 2001
É um mise-en-scène do desejo de ser uma
modelo, de permanecer parada e ser olhada (BURTON, 2005: 65 e 68).
Suas performances são, acima
de tudo, “atos femininos”. Os sapatos de
salto das modelos são objetos típicos do
traje da mulher. Deste modo, o exagero
das características e das suas associações
se manifesta, ironicamente, por falta de
mais agentes exteriores, como roupas e
outros adereços que podem influenciar
potencialmente a leitura da obra como um
56. Vanessa Beecroft. VB46, 2001
todo (BURTON, 2005: 68).
Ao entrevistar Vanessa Beecroft, Marcella Beccaria percebeu que sua
performance serve para criar uma dimensão separada do fluxo normal dos eventos,
impondo condições em que cada performance pode ser qualificada como uma
“experiência” precisa (BURTON apud BECCARIA, 2005: 68).
Vanessa Beecroft usa o espetáculo deliberadamente para contestar
Moda, arte e interdisciplinaridade 118

construções da mulher na cultura visual contemporânea, da mulher dissimulada por


trás do salto alto, da exibição de sua nudez, do cabelo tingido etc. É claro que a nudez
das modelos também é problemática e contra-ataca potencialmente sua habilidade em
produzir com sucesso a leitura desejada. Essa leitura se refere, entre outras coisas, à
nudez usada em sua obra como modo de enfatizar as características dos diferentes
sexos. Ela admite que este é um dilema para a leitura de seu trabalho, embora insista
em usá-lo como uma ferramenta para provocar, forçar, indo além dos limites da
sociedade, ou vendo o que acontece se certos tabus são abordados (BURTON apud
BECCARIA, 2005: 69).
Na Bienal de Veneza de 2007, ela fez uma referência direta à guerra civil em
Darfur, enfileirando um grupo de mulheres negras no chão e as banhando com tinta
vermelha, simulando sangue, na performance VB61 (HERMANGE: 2009, 132).
No que diz respeito à Louis Vuitton, se faz necessário um esclarecimento sobre
os nomes dos trabalhos desenvolvidos por Beecroft. VBLV é uma abreviação para uso
corrente neste texto de VBLV06, que leva o nome da artista Vanessa Beecroft, o nome
da marca Louis Vuitton e o ano em que o ensaio fotográfico e o livro foram publicados,
2006.
Com relação a essa obra, VBLV06, foi o ensaio fotográfico que virou livro e
que registrou o Alfabeto Conceito desenvolvido por Vanessa Beecroft. Portanto, VBLV
também pode aparecer como sinônimo do referido alfabeto.
Convidada para realizar duas performances para a reinauguração da flagship
da Louis Vuitton na Champs-Élysées em outubro de
2005, Beecroft escolheu trinta modelos, algumas
negras, outras brancas, e as colocou em prateleiras no
átrio da loja, onde elas pareciam contorcidas,
espalhadas entre os tradicionais baús. Essa foi uma
ocasião histórica para a marca (HERMANGE: 2009,
132). A reinauguração da loja de Paris, marcada pela
performance VB56, realçou os atos artísticos
desenvolvidos pela marca em parceria com artistas.
Para uma performance organizada pelo malletier
da Louis Vuitton no Petit Palais na mesma época, um
outro grupo de mulheres apareceu em uma configuração
mais conhecida – as modelos permaneceram em pé
como sentinelas no meio da grande sala. Uma imagem 57. Vanessa Beecroft. VB57, 2005
era projetada atrás delas e trazia as iniciais da marca
formada por corpos femininos – brancos para o “L” e negros para o “V” (HERMANGE:
2009, 132). Tratava-se da VB57.
O nome completo da marca apareceu representado da mesma forma por corpos
Moda, arte e interdisciplinaridade 119

femininos [a VBLV06], em uma série de fotografias montadas no espaço de exibição


da marca, no oitavo andar do mesmo prédio que abriga a loja, o Espace Louis Vuitton
(HERMANGE: 2009, 132).
Inspirada por uma revista antiga que a artista encontrou em um brechó em Nova
Iorque, ela desenvolveu o Alfabeto Conceito, reminiscente do “alfabeto humano” que
o ilustrador de moda Erté desenvolveu no final da década de vinte. A esse respeito,
Roland Barthes comentou que “é [...] uma ilusão pensar que a moda é obcecada
com o corpo. A moda é obcecada com outra coisa que Erté descobriu, com a lucidez
extrema do artista, que é a Escrita, a inscrição do corpo no espaço sistemático de
signo” (HERMANGE: 2009, 132).
Romain de Tirtoff foi um artista do século XX de origem russa que atuou
principalmente na França. Suas iniciais “R. T.”, quando pronunciadas em francês
produzem o som “Erté”, que se tornou seu pseudônimo. Ele atuou em vários campos,
dentre eles moda, figurino, design de joias, design gráfico, cenário e decoração de
interiores.
Seu alfabeto realmente inspirou o de Beecroft e as semelhanças são aparentes,
mas os dois alfabetos diferem em pontos fundamentais: o Alfabeto Conceito de
Beecroft pretere o trabalho gráfico à fotografia do nu feminino, algo que possuía uma
resistência maior na década de vinte, quando Erté idealizou seu “alfabeto humano”.
No alfabeto de Erté, os corpos masculinos e femininos aparecem em todas as
letras, mas também aparecem outros elementos gráficos, como na letra “B”, em que
o corpo aparece na posição vertical ladeado por desenhos que formam as curvas da
letra.
Embora sejam projetadas, as performances de Beecroft não seguem uma
coreografia específica. As modelos recebem apenas algumas instruções: para serem
naturais e despojadas, não falarem, não se mexerem, não sorrirem, não se sentarem
e para se mexerem todas ao mesmo tempo quando necessário. “Elas ficam cansadas,
elas começam a nos olhar, elas não sabem mais o que fazer, como suportar o estresse.
É bonito. Eu não as instruo neste aspecto.” Porque seus corpos frequentemente
trazem uma magreza idealizada pela moda, enfatiza a artista que justifica o uso
frequentemente de criações de designers de moda (HERMANGE: 2009, 132). Ela
crítica o corpo macérrimo construído pela moda por meio do uso de acessórios de
marcas de moda. É como se ela responsabilizasse a moda por fazer isso aos corpos
das mulheres.
Voltando ao aspecto crítico da obra de Vanessa Beecroft, é possível relacionar
sua produção anterior à VB56 e VB57 ao universo da moda. Em outras ocasiões,
Beecroft utilizou biquínis, scarpins, sandálias de salto alto e botas de canos longuíssimos
de várias marcas de moda muito conhecidas, como Helmut Lang, Gucci ou Prada.
A obra de Beecroft tem sido vista muitas vezes pelas lentes da moda, o que
Moda, arte e interdisciplinaridade 120

aumenta a afinidade da disciplina com as belas artes. Ainda em suas entrevistas, a


artista tem declarado repetidas vezes que tem pouco interesse nesse discurso, e que
ela seleciona determinado par de sapatos ou desenvolve algumas roupas somente
pelas suas qualidades fotogênicas (HERMANGE: 2009, 132).
Isso já denotava interesse na moda por parte da artista. Mesmo que se trate de
uma crítica, a obra de Beecroft sempre se ocupou da moda. A artista costuma negar
dar importância à moda em suas entrevistas, mas é importante ressaltar que ninguém
está alheio à moda. Uma atitude “antimoda” constitui ainda assim um comportamento
ligado à moda.
Sem dúvida havia uma tentativa de fetichizar as mulheres de sua performance
como foram fetichizados os acessórios que elas usavam. Em seu trabalho, o fetiche
do objeto se transfere para aqueles corpos prostrados que se posicionam contra
o consumo excessivo, principalmente o consumo que favorece a banalização e a
sexualização do corpo da mulher.
VB56 e VB57 foram alvos de uma polêmica quando o artista gráfico Anthon
Beeke afirmou que a fonte feita com corpos femininos já havia sido estilizada por
ele na década de setenta e que se chamava O Alfabeto das Damas Nuas. A marca
se desculpou com o artista e recolheu todos os livros VBLV06 de circulação. Parte
importante desta pesquisa foi composta com o auxílio deste livro, que contém,
além de entrevistas de Vanessa Beecroft, outras informações fundamentais para o
entendimento do trabalho.
Há anos Vanessa Beecroft falava em criar seu próprio alfabeto, mas ainda
não havia achado a situação certa para realizar esse trabalho. Em 2005, quando
Peter Marino realizou o projeto da flagship da Louis Vuitton na Champs-Elysées, ele
perguntou à artista se ela consideraria criar um projeto para a abertura da loja. Além
de loja, esse espaço é uma espécie de centro cultural com instalações permanentes
de James Turrel e Olafur Eliasson e, no último andar haveria uma galeria de arte, o
Espace Louis Vuitton. Marino teve um insight de que Vanessa era a artista certa para
criar, além de um evento marcante, imagens ressonantes que ligariam a abertura da
loja a um ambicioso encontro com a arte contemporânea (DEITCH in BEECROFT,
2007: 32).
Beecroft achou que a encomenda da Louis Vuitton era a situação certa para a
realização do projeto do alfabeto. Então, o projeto passou a ser pensando a partir do
ensaio fotográfico que criaria o alfabeto nu de Vanessa Beecroft, tão verossímil quanto
uma performance ao vivo (DEITCH in BEECROFT, 2007: 32).
Foi a solução ideal para quem acompanhava o processo de desenvolvimento
da obra. O resultado seria estimulante tanto artisticamente como comercialmente.
Beecroft produziria uma seção fotográfica para criar as letras do alfabeto romano e seria
capaz de soletrar LOUIS VUITTON de uma maneira provocativa e inesperadamente
Moda, arte e interdisciplinaridade 121

bela (DEITCH in BEECROFT, 2007: 32).


Inspirada pelas cores dos produtos de couro e pelo logo da marca, Beecroft
começou a reunir um elenco de garotas negras e mestiças. Ela decidiu que usaria
garotas brancas somente para as letras “O” e “L”. Não desejava garotas altas e
magras com corpos de modelos, como faz costumeiramente. Ela queria mulheres
mais curvilíneas; precisava de dançarinas ou atletas que tivessem a capacidade de
se contorcer para produzir letras como B, R e S (DEITCH in BEECROFT, 2007: 32).
Esse tipo de corpo não seria fácil de achar em agências de modelos, então
Beecroft contratou uma pequena empresa chamada Lehni Projects – dirigida por
uma garota chamada Lehni – que era especializada em reunir elenco de “pessoas
reais” para produções criativas. Lehni investiu várias semanas perguntando a elas se
concordariam em posar nua para um projeto de arte. A todas as possíveis modelos,
era solicitado que fossem ao escritório da Deitch Projects para uma primeira etapa da
seleção, onde elas eram entrevistadas e fotografadas (DEITCH in BEECROFT, 2007:
32).
Para a sessão fotográfica do alfabeto em Nova Iorque, foi alugado um grande
estúdio especialmente equipado para o que a grandiosidade da sessão exigia. A cada
manhã, várias horas eram usadas para a maquiagem antes de a sessão ter início.
Ao contrário de seus trabalhos anteriores, Beecroft não usou muita maquiagem nos
corpos para atingir um tom uniforme de pele, embora muitas das garotas tivessem
tatuagens que tinham que ser cobertas e imperfeições que precisavam ser suavizadas
(DEITCH in BEECROFT, 2007: 32).
Uma sessão fotográfica de Beecroft parecia a filmagem de um grande filme,
com dezenas de extras e um grupo numeroso de assistentes de produção. Um quarto
especial foi montado para a preparação e para a prova das perucas. Beecroft tinha
imaginado algumas perucas com cores de doces coloridos para as garotas negras,
inspiradas tanto nos seus desenhos do início da carreira quanto na fantasia que é
associada à moda de Paris. Um grande fundo branco foi colocado no chão sob a

58. Vanessa Beecroft. Nude Alphabet, 2005


Moda, arte e interdisciplinaridade 122

câmera. Na preparação para fotografar cada letra, as garotas eram cuidadosamente


posicionadas no papel branco sob o chão (DEITCH in BEECROFT, 2007: 32-33).
O público de arte estava habituado a ver somente as performances ao vivo de
Beecroft, e, no caso do projeto do alfabeto, ele só foi finalizado com as fotografias
cuidadosamente impressas e retocadas. Toda a preparação meticulosa, incluindo as
polaroids da seleção das modelos, os esboços de composição e o arquivo de perucas,
sapatos e roupas não foram apresentados ao público. Mesmo assim, cada aspecto da
performance é cuidadosamente catalogado e arquivado. Às modelos também foram
dados extensos questionários para que elas preenchessem enquanto aguardavam
sua vez de fotografar. Eles continham perguntas sobre os seus repertórios, suas
crenças religiosas, seus interesses em arte e música, e sobre detalhes íntimos de suas
vidas privadas. Tudo isso está englobado no conceito artístico de Beecroft (DEITCH in
BEECROFT, 2007: 33).
Durante uma sessão de fotos para Vanessa, as modelos geralmente podem ser
vistas intensamente concentradas em seus questionários enquanto esperam sua vez
para serem fotografadas. Um dia, esse material suplementar formará um fascinante
estudo sobre o tipo de jovem e criativa mulher desta geração, que estava ansiosa para
participar da criação de arte ao vivo (DEITCH in BEECROFT, 2007: 33).
A estrutura modular das letras do alfabeto nu representa um novo passo na
reinvenção do corpo na arte. As letras têm uma composição modular que podem ser
reconfiguradas em variações múltiplas. As estruturas resultantes podem ser narrativas
– soletrar nomes, palavras ou frases – ou formas abstratas e aleatórias. O conceito
de alfabeto se conecta com a tradição da arte e da arte sistêmica, linguagem de uma
geração anterior de artistas conceituais (DEITCH in BEECROFT, 2007: 33).
O trabalho do alfabeto também representa uma nova concepção a respeito da
nudez feminina. Os corpos são musculosos, como os de estátuas de atletas gregos.
Os corpos não são eróticos. Há beleza em cada variação de tom de pele e cor de
cabelo, justapostos uns aos outros. Os corpos das modelos implicam movimento e
esforço, embora estejam inertes. As imagens são reminiscências das figuras de um
frontão de um templo grego (DEITCH in BEECROFT, 2007: 33).
Quando Vanessa era uma estudante de arte na faculdade em Milão, há
quinze anos, ela percebeu que os modelos-vivos em suas aulas de desenho eram
mais interessantes como imagens do que como figuras desenhadas sobre caveletes.
Esse foi o começo de um simples, mas profundo tipo de inovação que introduziu um
novo conceito de como fazer um trabalho de arte. Beecroft pertence a um pequeno
número de artistas que é capaz de fazer arte de um modo sem precedentes (DEITCH
in BEECROFT, 2007: 33).
Suas performances sempre são eventos únicos para espectadores seletos,
e é precisamente a documentação desses atos que garante que seu trabalho seja
Moda, arte e interdisciplinaridade 123

amplamente conhecido (HERMANGE: 2009, 132).


O fato de ela remover os espectadores da maioria das fotografias denota uma
preocupação maior da artista em promover a imagem do que em criar um documento
(HERMANGE: 2009, 132).
Mesmo reconhecendo o diretor de cinema, pintor e poeta Pier Paolo Pasolini, o
diretor de cinema e teatro e roteirista Luchino Visconti e o diretor de cinema, roteirista
e ator Rainer Werner Fassbinder como fontes de inspiração, Vanessa fala muitas
vezes que seu trabalho tem um componente autobiográfico significativo. No início de
sua carreira, ela estava profundamente impressionada por certo tipo de garotas que
“não comiam em público, eram muito altas e muito magras, ou usavam cores muito
brilhantes. Algumas delas pareciam estar sofrendo,” acrescentando que “elas eram ao
mesmo tempo sensuais e frígidas” (HERMANGE: 2009, 132).
Sentindo que não alcançaria tal realismo quando ela tentou representá-las
por meio da pintura, ela decidiu trazê-las para o trabalho como uma “matéria-prima”
(HERMANGE: 2009, 132).
Suas performances aludem a modelos em um estúdio acadêmico de pintura,
a concursos de beleza, a comunidades falsas de “selvagens” das exposições
etnográficas montadas durante as feiras mundiais da era colonial, ao andar das
prostitutas e a um grupo de retratos do século XVII da arte holandesa. Longe de ser
acidental, essas diversas possibilidades de significados está no centro da arte de
Beecroft (HERMANGE: 2009, 132).
Vanessa aceitou realizar o trabalho para a Louis Vuitton após levar em
consideração algumas questões relativas ao design e ao consumo. Ela entende que
a Louis Vuitton foi uma das primeiras companhias a transformar commodities em
produtos de luxo. Entendi que a empresa pretendia adicionar valor intelectual à sua
marca, e que seus dirigentes estavam abertos a interpretações (BEECROFT, 2007: 4).
Ela ponderou que o design eleva o objeto da categoria de commodity para
a categoria de componente de estilo de vida – e isso altera o padrão de consumo.
O objeto passa de um investimento pragmático a um impulso governado por um
desejo irracional de consumir, seja um colar ou uma mala, um telefone, um carro, uma
máquina de lavar (BEECROFT apud FRIEDMAN, 2007:4).
As palavras de Lucrécia Ferrara (2011: 75) ajudam a entender de forma crítica
o papel do design na sociedade atual, onde “o grande agente é o mercado que
estabelece a forma, desconectando-a da função, visto a utilidade e a necessidade
estarem definitivamente superadas. A moda se instala como a nova necessidade
que planifica o uso consumista, o qual, para massificar o consumo, banaliza toda
diferença”. Se por um lado o design estiliza os objetos, por outro ele pode levar à
alienação por ajudar a despertar um desejo desenfreado de consumir.
A lente do design é capaz de transformar um objeto utilitário em um objeto
Moda, arte e interdisciplinaridade 124

de desejo (BEECROFT apud FRIEDMAN, 2007:4). Dessa forma, a proposta artística


emerge em termos de potencializar a diferenciação, fazendo com que o ciclo de vida
do produto dure cada vez menos e exija mais substituições para categorias de produto
parecidas. Até o produto mais básico depende de um ponto de vista. Embora a artista
se oponha ao discurso da moda e esclareça que não deseja compactuar com ele, ela
depende dele até certo ponto para a construção de seu raciocínio.
Mesmo que a artista se sinta alheia à moda, ninguém está ileso aos seus efeitos.
A questão da apresentação social, que está intimamente ligada à moda, é inerente a
todos e não é diferente com as representações da artista.
Beecroft acredita que o campo de trabalho de um artista não está circunscrito
de forma definitiva: qualquer coisa, de um fenômeno social a uma maçã, pode ser
usado como objeto ou pode ser parte do contexto no qual um trabalho de arte é criado
(BEECROFT, 2007: 4).
Um museu é um ambiente de arte bem estabelecido que concede um asilo ao
artista: liberdade para agir e imunidade à consequência. Ao contrário, um ambiente
de comércio, como uma loja de varejo, representa o oposto. Arte é vendida em
uma galeria, não em uma loja de bolsas ou em uma joalheria. Esses tipos de lojas
representam um campo de batalha para um artista (BEECROFT, 2007: 4).
A complexidade da interação entre o trabalho do artista e uma marca comercial
reside em seu foco e em valores recíprocos. O foco de uma marca é gerar mais vendas
e mais lucros. A marca tenta se purificar da mácula gerada pelo ato vulgar de tornar o
produto um embuste, incorporando a ele capital intelectual. Para a marca, esse é um
valor. A questão é se esses valores podem se reconciliar (BEECROFT, 2007: 4).
Com isso em mente, Vanessa Beecroft aceita o desafio proposto ao seu trabalho
artístico – usar um ambiente de luxo e sofisticação para apresentar uma imagem que
traria uma relação dialética com o contexto apresentado: a loja. A imagem é a de um
grupo de mulheres, a maioria negra e uma minoria branca, instalado nas prateleiras
da loja ao lado de um display de bolsas (BEECROFT, 2007: 4).
Ao dispor as mulheres nas prateleiras junto às malas, a artista desejou aludir à
viagem, ao ato de deslocar-se, de mover-se e de perder o poder (BEECROFT, 2007:
4). Ela fala da vulnerabilidade a que todas aquelas mulheres estão expostas, como
quando se está em um lugar desconhecido. Esse conteúdo adicional foi gerado pelo
simples ato de colocar um grupo de mulheres sobre os móveis no átrio de uma recém-
inaugurada loja da Louis Vuitton – uma grande, luxuosa loja de departamentos na
Champs-Élysées, em Paris (BEECROFT, 2007: 5).
A imagem resultante desse quadro deveria provocar uma reflexão sobre
questões relacionadas a produtos, mulheres, ostentação, sensualidade, corpo, desejo,
valor, negligência, abandono, abuso, silêncio e raça (BEECROFT, 2007: 5).
Segundo a artista, ela não desejava acusar a Louis Vuitton com sua obra. O
Moda, arte e interdisciplinaridade 125

evento de abertura da loja deu à artista a oportunidade única de criar uma imagem que
não teria sentido em outro contexto. E por essa razão, ela se sente muito satisfeita em
ter tido esta oportunidade de trabalhar neste espaço (BEECROFT, 2007: 5).
Beecroft (BEECROFT, 2007: 5) afirma que o mundo da arte também tem suas
próprias lojas para a comercialização de seus produtos. De qualquer maneira, o foco
imediato desta performance premeditada não é vender mais bolsas ou mais obras de
arte.
No entanto, para a marca, este ato equivale a legitimar a identidade intelectual
da empresa, para ajudá-la a entrar em uma esfera superior a do comércio em si. E
para o artista, a parceira proporciona o acesso a um desafio e uma maior exposição
(BEECROFT, 2007: 5).
Uma vez que um alto valor de mercado é atingido pelos produtos das empresas,
elas frequentemente querem elevar seu status cultural – para se tornarem patronos de
ideias e conceitos, e até mesmo unir-se ao avant-garde. Trabalhando nesse ambiente,
Beecroft (BEECROFT, 2007: 5) afirma que se sente quase como se estivesse
trabalhando em um museu.
Se por um lado a artista não se diz adepta da moda, por outro ela eleva uma
loja de moda – que representa um dos maiores centros irradiadores de ideologias
destinadas ao consumo – ao patamar de um museu. É possível sustentar que a moda
não é apenas um apêndice na obra de Beecroft.
Mas para escapar definitivamente das atividades mundanas e comerciais –
como vender bolsas – hospedar um evento de arte, ou pendurar uma obra de arte em
uma loja não é suficiente (BEECROFT, 2007: 5). É preciso assumir riscos.
Riscos incluem submeter um trabalho de arte a um ambiente vulgar; ou aplicar
à arte as mesmas regras que são aplicadas ao merchandising, reforçando assim a
supremacia cultural que diz que é possível se apropriar de ideias, transformar a arte
em commodity e cooptar o avant-garde (BEECROFT, 2007: 5).
Trabalhando nos bastidores do poder, a questão que permanece para Beecroft
(2007: 5) é: de que lado da linha ela está? A artista recebeu muitas críticas na ocasião
da realização dessa performance, possivelmente porque entre os dois lados, da arte
e do comércio, seu posicionamento nem sempre é claro.
Ela diz se inspirar no modus operandi dos primeiros pintores renascentistas
que trabalharam para o Papa Giulio II, incluindo Rafael, cujas composições e imagens
perfeitamente equilibradas continuam a despertar um sentimento de confiança e
beleza, enquanto ao mesmo tempo inspiram dúvida. Ele se aproximou da expectativa
da Igreja por meio de uma imagem de estabilidade ao alcançar o equilíbrio ideal
entre paisagem, figura e arquitetura – surpreendendo a todos (BEECROFT, 2007: 5).
Quando pensada a relação entre moda e pintura renascentista, surge outra questão
fundamental: o panejamento. O peso do tecido e sua caída eram fundamentais para a
Moda, arte e interdisciplinaridade 126

captação da luz e do volume.


Tendo como fonte de inspiração artistas renascentistas, Vanessa Beecroft
expõe o modelo vivo retratado na pintura, mas com um efeito de realidade. Ela leva o
modelo vivo para sua obra.
Entre os artistas do Renascimento, a ligação entre arte e design de moda era
mais explícita. Antonio del Poullaioulo e Antonio Pisanello tinham uma relação mais
estreita com a moda. Poullaioulo, além de pintor e escultor, era também ourives, e
Pisanello foi o mais importante confeccionador de medalhas da primeira metade do
século XV. Além de retratar artigos de moda, eles efetivamente criaram acessórios em
forma de joias e medalhas, o que implica em criação de moda.
Jacopo Bellini, Antonio del Poullaioulo e Antonio Pisanello, além de retratarem
a moda em suas pinturas, também criavam modelos de roupa, padronagens têxteis e
bordados. Em suma, eles contribuíram para além do campo das belas artes. A moda
ensejou várias dessas colaborações.
Para Beecroft, a questão da ilusão do espaço, da profundidade apresentada
pelos pintores renascentistas parece demasiado evidente para acreditar (BEECROFT,
2007: 5).
Ao desvincular a moda de seu aspecto comercial, percebe-se que ela penetra
profundamente nas obras de arte. A “pintura com luz” de Picasso se assemelha aos
experimentos da alta-costura (BOURDIEU, 2006: 101), lembrando que a moda pode
inspirar a arte.
Na paisagem de VBLV06, as garotas são objetificadas como bolsas; elas têm as
mesmas cores que as bolsas e silenciosamente encaram o público de compradores,
tendo algum poder pelo status que é aferido a elas naquele momento. Muitas vezes
elas se encontram simplesmente entediadas e à espera do fim da performance
(BEECROFT, 2007: 5).
Em entrevista a Riccardo Lisi, a artista ressaltou a diferença entre as
performances e o ensaio fotográfico. VB56, de 2006, foi uma performance que
ocorreu na inauguração da flagship da Louis Vuitton, na Champs-Élysées, em Paris
(BEECROFT, 2007: 49). VB57 também foi uma performance, mas aconteceu no Petit
Palais. As duas performances ocorreram em nove de outubro de dois mil e cinco
pela ocasião da reabertura da loja. Elas originaram o VBLV06, que se trata de um
ensaio fotográfico e posterior registro em livro do Alfabeto Conceito. Conforme dito
anteriormente, esse livro foi uma das obras que serviu de base para essa pesquisa.
Vanessa Beecroft conta que muitas fotos foram tiradas até que fossem
suficientes para escrever o nome “L O U I S V U I T T O N” e sua logomarca. Ela conta
que, quando a marca entrou em contato, a primeira coisa que veio à sua cabeça foi
escrever o nome da marca usando o corpo de mulheres (BEECROFT, 2007: 49).
Beecroft desejava reproduzir no ensaio fotográfico um dos porões de navio
Moda, arte e interdisciplinaridade 127

de carga onde eram transportados escravos. Ela conta que já desejava fazer um
alfabeto com corpos femininos, mas que antes do convite da Vuitton não tinha nada
para escrever (BEECROFT, 2007: 49).
Foi preciso submeter as modelos a uma posição desconfortável para escrever o
nome da marca. Elas precisavam se dobrar para atingirem as formas desejadas. Para
a artista, as formas das letras eram reminiscências das formas cariátides (BEECROFT,
2007: 49).
Sem dúvida, havia interesse também em design gráfico e fontes. Para realçar
as proporções cromáticas do logo da Louis Vuitton, foram usadas majoritariamente
modelos negras e uma minoria branca (BEECROFT, 2007: 49). O tom de pele das
modelos negras variava bastante, a fim de alcançar o contraste desejado.
Nesse trabalho, a artista buscava criar uma imagem que remetesse ao período
colonial, quando a Louis Vuitton começou suas operações, em 1854. Vuitton teve a
intuição de construir baús assim que as pessoas começaram a viajar para países
remotos. Ele havia previsto a necessidade de um recipiente de bagagem compacto.
Mesmo sendo analfabeto, produziu baús para sheiks, soberanos e exploradores do
Oriente Médio (BEECROFT, 2007: 50).
Com relação à produção do alfabeto, a artista escolheu um ensaio fotográfico
para se proteger contra riscos. A artista temia imprevistos ao fotografar uma performance
ao vivo, ainda mais se tratando da construção complexa de um alfabeto com corpos
(BEECROFT, 2007: 50).
Na VB56, havia a novidade de executar uma performance na loja e de trabalhar
com uma marca de artigos de luxo, algo até então inédito para a artista. Ela conta que,
quando aceitou o projeto, estava na Alemanha realizando uma performance na Neue
Nationalgalerie, em Berlim. Era a VB55, que ela considerava o oposto da performance
para a Louis Vuitton (BEECROFT, 2007: 50).
No dia da performance em Paris, ela pediu à Louis Vuitton que fossem removidas
todas as bolsas da nova coleção no espaço que havia sido atribuído a ela na loja da
Champs-Élysées, e que as prateleiras fossem preenchidas somente com coleções de
malas de viagem clássicas. A artista também solicitou que fossem mantidas as bolsas
das linhas Keepall, Speedy e Noé, porque elas exemplificavam o estilo e filosofia da
Louis Vuitton (BEECROFT, 2007: 50).
A partir daí, ela afirma que não “terminou” a preparação das modelos,
e as mostrou “não finalizadas” com meias em suas cabeças ao invés de perucas
(BEECROFT, 2007: 50). Havia interesse por parte da artista em contestar o ideal de
beleza feminino que, por vezes, ela reproduzia em suas performances, porque, nesse
caso, dentro da Louis Vuitton, representante máxima do consumo de moda, a crítica
proveniente de seu trabalho seria mais incisiva se as modelos parecessem padecer
ao lado de malas e bolsas luxuosas.
Moda, arte e interdisciplinaridade 128

É como se as modelos parecessem bonecas quebradas e só consumindo se


recobrassem, ou seja, a crítica é aos consumidores que só encontram sentido de
completude na aquisição de algum bem.
Para enfatizar a relação com o consumo, Beecroft alocou suas modelos em
prateleiras, ao lado de malas, como se elas fossem uma mercadoria. Era como se ela
exclamasse: “Do couro à pele, da bagagem às mulheres”. Nesse momento as modelos
passavam de pessoas a produtos. Era como se, por um instante, elas pudessem ser
legalmente comercializadas. Elas foram dispostas nas prateleiras como as bolsas,
segundo regras do visual merchandising da loja (BEECROFT, 2007: 50-51).
As modelos usavam sapatos feitos a pedido da artista, de couro claro, da cor
da alça das bolsas da Louis Vuitton. Beecroft havia esboçado que eles seriam feitos
do mesmo couro inacabado das alças das malas. As partes mais claras do couro
não tratado, marca registrada da Louis Vuitton, implicam para a artista em um ato de
violência contra um jovem animal (BEECROFT, 2007: 51). A artista estava preocupada
em criticar o desperdício ligado ao consumo, fosse ele ligado à realidade feminina ou
ao meio ambiente.
Na VB56, ao mesmo tempo em que Vanessa Beecroft cria uma performance
que espetaculariza o ato de comprar, ela tenta distrair os clientes o máximo possível
do logo da Louis Vuitton.
Apesar da polêmica dessa manifestação artística dentro de sua principal loja, a
Louis Vuitton entendeu o trabalho. Embora as imagens não sejam promocionais, pelo
menos não no sentido tradicional, a marca ficou satisfeita. A burguesia culta de Paris
assentiu o trabalho. A artista se disse surpresa com a falta de crítica negativa à sua
performance e percebeu que essa atitude se tratava quase de um hábito parisiense
de não se chocar, que ela encarou como algo positivo (BEECROFT, 2007: 51).
Na Alemanha ocorreu o contrário. A VB55, uma performance mais bruta e sem
enfeites composta por cem mulheres usando somente meias no museu de vidro em
Berlim, não foi tão bem recebida por uma audiência que considerou as garotas “muito
feias”. Ao trabalhar com ambos os projetos, a artista diz que foi surpreendida pela
dicotomia entre a cultura berlinense e a moda parisiense (BEECROFT, 2007: 51).
No projeto do alfabeto da Louis Vuitton ,os corpos abrem mão de suas próprias
formas e se libertam. Eles se moldam e se transmutam em letras de forma harmoniosa.
Eles mantêm uma aparência clássica, mesmo com o contraste dado pelas perucas
coloridas. Nas fotografias, essas perucas aparecem como um forte sinal gráfico e
mostram a dicotomia que existe na obra, entre o clássico e o extravagante, que atende
à lógica contemporânea do rápido consumo de moda (BEECROFT, 2007: 51).
Durante as fotos, as modelos negras usaram perucas black power rosa que,
nas fotos, pareciam um elemento gráfico, uma ilusão. A artista afirma que esse artifício
foi uma licença poética e que, para isso, ela usou perucas de cabelos naturais tingidos
Moda, arte e interdisciplinaridade 129

de rosa ou laranja (BEECROFT, 2007: 51-52).


Já as garotas brancas usaram cabelos descoloridos como os que apareciam nas
pinturas da artista. Ela não desejava que as garotas brancas fossem completamente
realistas e, para dar esse tom irreal, ela usou cabelos mais claros. As garotas brancas
do “L” de “Louis” deveriam remeter à Vênus de Botticelli (BEECROFT, 2007: 52).
O uso de diferentes tons de pele, tanto para as letras feitas com as garotas
negras quanto para as brancas, era para dar profundidade à fotografia. Beecroft
buscou diferentes tons de cores, em contraste com a rigidez da estrutura do tipo. A
artista desmente ter usado vários tons para remeter aos tipos de couro usados pela
marca na fabricação de seus acessórios (BEECROFT, 2007: 52).
Embora o resultado final do trabalho emane delicadeza, escrever letras e
palavras com o corpo das pessoas evoca abuso, segundo Beecroft (2007: 52). Ela
pretende estigmatizar o elemento decorativo que é quase uma imposição em seu
trabalho para a Louis Vuitton.
Há um sacrifício físico por trás da aparência de leveza. É custoso alcançá-la
e, para a artista, é quase uma humilhação a que as modelos se expõem. Da mesma
forma, a artista se curva ao trabalhar para a Louis Vuitton. Ao mesmo tempo em
que afirma que a empresa tem tradição em trabalhar com artistas, o que conferiu ao
ambiente de trabalho um tom de museu, a artista contraria seus ideais ao servir a uma
companhia multinacional de primeiro mundo (BEECROFT, 2007: 53).
Aparentemente incoerente, Vanessa Beecroft foi muito criticada pelo meio
artístico ao realizar essas performances para a Louis Vuitton. O templo do consumo
de moda que a artista sempre desaprovou servia agora de palco para sua arte. Ela
argumenta que nada fazia mais sentido: estar no centro de um dos maiores templos
de consumo feminino e ter espaço para criticá-lo. Ela defende que, nesse espaço, sua
obra se desenvolveu com plenitude.
Ao tornar legível e identificável o logo da Louis Vuitton escrito com corpos
nus femininos, a artista pretendia demonstrar ironicamente até onde a alienação
consumista pode levar. São as mulheres que consomem ardorosamente objetos que
se tornam ao mesmo tempo objetificadas.
A complexidade que envolve a performance de Beecroft se afasta gradativamente
da lógica moderna. O acessório da Louis Vuitton que serve de suporte para o ato
artístico aponta para soluções inovadoras e diferentes das já conhecidas pela arte
moderna. Elas se distanciam cada vez mais das representações clássicas da arte
moderna, a escultura e a pintura. Assim abrem-se novos caminhos (MARTINS, 2010:
14-15) para novas formas de expressão artística.
A arte de Murakami e Beecroft pode ser interpretada hoje como formas
atualizadas e sofisticadas de crítica às tradições artísticas. Será que a criação cultural
em parceria com as grandes corporações capitalistas tornou-se o movimento mais
Moda, arte e interdisciplinaridade 130

subversivo do mundo da arte? É difícil levar essa discussão adiante, mas é reconhecido
no risco um papel muito importante (GASPARINA, 2009: 46).
Ao realizar o trabalho para a Louis Vuitton, talvez Vanessa Beecroft não esteja
contemplando a arte contemporânea somente por meio da performance, mas também
por aludir ao objeto de moda que é emblemático para a produção artística recente.
O que também contribui para aumentar o interesse no ato interdisciplinar talvez
seja o fato de a artista considerar o espectador, que tem a possibilidade de ativar a
obra. O público se sente em certo sentido efetivando a obra.
4
ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Moda, arte e interdisciplinaridade 132

“Deveríamos ou ser uma obra de arte ou


vestir uma obra de arte.”
Oscar Wilde

Trabalhos como o de Murakami, Sprouse e Beecroft inauguram uma tendência


ao comprometimento da Louis Vuitton com a arte contemporânea. A postura da Louis
Vuitton corrobora com a divulgação dos trabalhos desses artistas para o grande
público. Mesmo que o produto da Louis Vuitton seja de luxo, ele está de certa forma
mais próximo do público em geral do que a arte. O design é mais presente no cotidiano.
O luxo proporciona alívio. Ele envolve a experiência que molda as atividades
cotidianas. São rituais ligados à exclusividade que não visam à repetição (SUDJIC,
2010: 129-129).
Esses atos iniciados pela Louis Vuitton representam a união do artesanato
tradicional – pois suas peças são todas manufaturadas por artesãos experientes – e
da inovação para criar uma experiência de estilo de vida completa.
Por outro lado, os artistas colaboram com a marca no sentido de dar a ela um
lustre artístico. Por meio dos seus trabalhos, esses artistas conferem capital cultural
aos objetos de design da Louis Vuitton. O produto da marca ganha então um valor
simbólico maior, que se desdobrará na identidade do consumidor.
A diferença do produto da Louis Vuitton assinado por artistas não é funcional,
mas simbólico. Preços distintos entre produtos não podem ser explicados pelo seu
caráter prático. Segundo Svendsen (2010: 139), a verdade sobre um objeto é a sua
marca, pois as pessoas buscam o “metaproduto” e não o objeto físico em si.
Esse fenômeno moderno atinge também a cultura. Ela se torna a principal
mercadoria na cultura contemporânea (DEBORD, 2003: 193). Essa busca pelo que o
produto representa e pelo que ele pode tornar o indivíduo se rebate nos trabalhos da
Louis Vuitton. Além de consumir a marca, o comprador “consome” arte.
Novamente volta-se para o mastige, que se refere a grande parte do público
consumidor dos produtos da Louis Vuitton. Mesmo admitindo que os acessórios da
Louis Vuitton tenham um caráter artístico, eles não fogem da lógica capitalista que
engloba o design. O consumidor continua sendo, segundo Ferrara (2011: 75-76), o
público do produto de massa que foi engendrado por um modo de consumir que torna
o projeto massificante.
Com uma produção de objetos cada vez mais diversificados, o indivíduo se
achata e perde a capacidade de adequar o produto comprado a seu projeto de vida.
O lado subjetivo e o objetivo do sujeito distanciam-se cada vez mais, provocando uma
perda da autoridade do usuário diante do objeto (SIMMEL apud SVENDSEN, 2010:
135-136).
A moda é a que melhor demonstra essa questão. O sujeito adequa-se à
Moda, arte e interdisciplinaridade 133

moda e, portanto, à roupa, e não o contrário. Racionalmente, os objetos deveriam se


adaptar à necessidade humana, mas nem sempre é o que acontece no design e, mais
especificamente, na moda.
Ainda assim, é possível que o usuário subverta essa lógica de outra forma. A
despeito da imagem que os produtores tenham pensado em incutir ao seu produto, o
usuário apropria-se dele da maneira que melhor lhe convier, excedendo seu sentido
original (SVENDSEN, 2010: 146).
Sabe-se que uma marca de luxo desse porte não sobrevive da renda advinda
da venda de roupas, mas sim da venda de acessórios como bolsas, malas, sapatos,
óculos de sol, lenços e carteiras que expressam em números a maior parte da receita
da marca.
Daí o interesse deste estudo pelas bolsas, que têm maior demanda, já que
comunicam de forma efetiva o status do usuário deste objeto. A bolsa é um elemento
à parte do corpo do usuário, ou seja, não está preso ao corpo como a roupa, mesmo
que temporariamente, e, apesar disso, tornou-se um signo de status na moda dos
mais fortes, onde, em uma escala hipotética de medição do consumo conspícuo, um
indivíduo que porta uma marca de mais prestígio tem mais valor social.
Além disso, a materialidade da bolsa é mais sentida que a da roupa. Espera-
-se que todos os indivíduos estejam vestidos, mas que nem todos portem acessórios.
A presença da bolsa torna-se maior que a da roupa quando o luxo é considerado.
A bolsa pode não estar junto ao corpo o tempo todo, mas ainda pode ser alvo de
observação, o que no caso da roupa é mais difícil, já que, para admirar uma pessoa
vestida, inevitavelmente se está olhando para ela. No caso da roupa, essa relação
tem outro peso e acontece de outra forma.
A logomania10 é recorrente em acessórios de moda, o que nem sempre acontece
com as roupas. Isso acontece porque, com relação aos artigos de luxo, os acessórios
se alastram por mais camadas sociais do que as roupas. O custo-benefício oferecido
pela bolsa é maior do que o da roupa, já que costumam ser repetidas mais vezes do
que uma mesma roupa. A bolsa evidencia a marca que a criou.
É como se a bolsa, assim como outros acessórios, se projetasse de forma
mais incisiva do que a própria roupa. Conquistando mais espaço, a bolsa comunica
de forma mais evidente e literal. Não está em jogo a qualidade do teor do que se
comunica, mas sim o alcance da mensagem.
Partindo dessa premissa, torna-se mais nítida a intenção da marca ao associar-
se a artistas atuais. Ela busca na obra dos artistas uma espécie de reconhecimento

10 O termo logomania é utilizado aqui para designar o uso excessivo do nome de uma marca em
seus produtos, tornando-o um objeto de reconhecimento imediato, literal e de baixa complexidade. No
caso de bolsas e roupas o nome da marca pode aparecer ao mesmo tempo em um produto no couro
ou tecido, nos metais, no pingente do zíper etc.
Moda, arte e interdisciplinaridade 134

por meio da valorização de seus produtos. É como se esses híbridos de design e


arte passassem a ter, mesmo que por um breve instante, a aura no entendimento de
Walter Benjamin.
Quando tocado pela arte, o objeto de moda adquire capital cultural e o portador
do objeto também adquire por contiguidade. Ferrara (2011: 78) se refere a criar “uma
espécie de valor superior do uso enquanto troca social” que teria como objetivo chegar
ao equilíbrio entre o uso e a troca. As bolsas da Louis Vuitton desejam seguir a lógica
proposta por Ferrara, mas no fundo a distorcem.
Talvez seja possível entender uma troca mais positiva se for superada a ideia do
consumo como fim único do design. Entende-se que o design tem finalidade comercial
e não se pretende aqui criticar tal fato, mas o objeto criado em contato com a arte tem
a possibilidade de desfrutar de um lado humanizado da produção em série. Esse seria
um bom exemplo da negociação entre programa e projeto, consumo e descarte de
que fala Ferrara.
A Louis Vuitton é categórica ao afirmar que tem o desejo de aumentar e solidificar
sua relação com a arte contemporânea. Movida por essa aspiração, a marca começou
a convidar artistas para interferir em seus produtos.
Está prevista para 2013 a finalização e inauguração da Fundação Louis Vuitton
para a Criação que ficará no Jardin d’Acclimatation, Bois de Boulogne, em Paris. Com
projeto assinado por Frank Gehry, o local abrigará um grande complexo artístico com
museu e atividades voltadas à arte. Essa iniciativa coroa a intenção da marca de
estreitar sua relação com o mundo da arte. A maison, que já possuía uma galeria no
último andar de sua flagship em Paris, o Espace Louis Vuitton, agora dá um passo
maior construindo um prédio que se dedicará integralmente às artes.
O objetivo da futura Fundação é promover e estimular um espaço de diálogo
com o grande público, além de oferecer a artistas e intelectuais uma plataforma para
discussões, inspiração e reflexão. O prédio de Gehry, que tem a estrutura de uma
“nuvem”, quer elevar as relações entre a arte e a moda propostas pela Vuitton.
A marca admite que a inspiração e admiração entre artistas, designers,
arquitetos e ela é mútua, e que isso torna as atividades interdisciplinares desafiadoras
e produtivas tanto para o mundo da alta moda como da arte.
A ideia de unir a moda, o luxo, a arte e a arquitetura baseia-se em proporcionar
uma nova visão do mundo distante do comum. A arte contemporânea se mostra como
um ponto de vista alternativo. “A arquitetura moderna, inseparável do mundo do luxo,
desempenhou um papel preponderante no estabelecimento do nome da Louis Vuitton
no mundo moderno.” (Carcelle, 2009: 4)
A iniciativa da Louis Vuitton não é inédita. Outros atos entre moda, design,
arquitetura e arte contemporânea já aconteceram e vem se intensificando desde o
final do século XX. Tanto a Prada quanto a Cartier fundaram seus próprios museus
Moda, arte e interdisciplinaridade 135

(SVENDSEN, 2010: 107). A Prada funda em 1993, seu PradaMilanoArte. O prédio da


Cartier, fundado em 1984 com apoio do artista César, foi projetado por Jean Nouvel.
Na década de cinquenta e sessenta, com o surgimento das performances,
passou a fazer sentido que cada artista construísse seu discurso mais alinhado ao
cotidiano. A roupa foi um grande aliado nesse momento. A moda se comportou como
um campo de investigação artística.
Ainda segundo Carcelle (2009: 4), os [os artistas e] designers de moda
convidados dão um novo tipo de energia e criatividade ao desenvolvimento de roupas
da Louis Vuitton. Carcelle ainda afirma que, a despeito de ser um arquiteto, fotógrafo
ou estilista, o artista contemporâneo desenvolve criações inusitadas.
O criador a que Carcelle se refere geralmente cria uma coleção de roupas ou
acessórios para a marca sem participar do dia a dia do desenvolvimento dos outros
produtos. No fundo, esse artista não sabe o que compõe a maior parte da coleção,
então para ele é um grande desafio criar algo que se encaixe no contexto da marca
naquele momento e que seja apresentável em conformidade com o restante da
coleção na loja.
Na maior parte das entrevistas dada por ele ou relatos de outros profissionais
de comunicação da empresa, o que se percebe é que a Louis Vuitton se coloca como
uma marca que dá oportunidade ao artista. O livro Louis Vuitton: Art, Fashion and
Architecture é anunciado como uma obra que apresenta “as principais colaborações
da Louis Vuitton com artistas, arquitetos, designers, estilistas e fotógrafos de renome
internacional” (CARCELLE, 2005).
O artista desenvolve produtos para a Louis Vuitton de acordo com a sua visão e
realiza vitrines para a marca, que sem dúvida ajudam a democratizar seu trabalho. Ao
final da colaboração, é exibida uma exposição das obras deste artista no último andar
da flagship de Paris, onde há uma galeria.
Sem dúvida, a obra de vários artistas ganha o grande público quando em
contato com uma marca do porte da Louis Vuitton, mas dizer que a contribuição é
uma via de mão única que parte da empresa em direção aos artistas seria ingênuo. A
empresa também se beneficia do crescimento do capital cultural de seus produtos ao
atribuir a eles o conceito de um artista. A Louis Vuitton também amplia seu repertório
em contato com a arte e, consequentemente, melhora seu desempenho comercial.
Há ganhos de outra ordem que não costumam ser midiatizados. Os artistas
geralmente aceitam criar design para a Louis Vuitton após fecharem contratos de
valores vultuosos. Os artistas também são responsáveis nesse processo por colocar a
arte ao alcance de mais pessoas. Se por um lado eles criticam as empresas capitalistas,
por outro compactuam com elas em benefício próprio.
A arte que vive um distanciamento ilusório da esfera do comércio tem obras
vendidas a milhares de dólares, mas não é bem-vista pelo público de arte quando
Moda, arte e interdisciplinaridade 136

inserida em um contexto de design de produto, sob pena de imediatamente desvalorizar-


se. A contradição acentua-se de forma cada vez mais intensa.
Vale lembrar que toda iniciativa interdisciplinar bem como a exposição na vitrine,
o visual merchandising da loja entre outros materiais visuais e de divulgação são
criados e desenvolvidos pela Louis Vuitton Paris. Segundo Patrícia Romano (2011),
relações-públicas e gerente de eventos da marca no Brasil, que foi entrevistada para
esta dissertação, “todas as iniciativas são internacionais e as equipes locais aplicam,
seguindo guidelines super restritos em todas as áreas, de VM (visual merchandising)
à comunicação”.
Patrícia afirma ainda que nunca houve contato ou interferência da equipe
brasileira da Louis Vuitton desde sua abertura no país em 1989 nos atos propostos
por Marc Jacobs e artistas contemporâneos.
Isso vale também para a parte de arquitetura e design de interiores das lojas.
Todas as lojas seguem um plano piloto de loja – a flagship da Champs-Élysées – de
onde vêm todas as ideias e o conceito central de loja. Muitos materiais e produtos como
peças de mobiliário ou texturas específicas para paredes, displays são desenvolvidos
por empresas na Coreia do Sul e vêm diretamente para o Brasil, onde são somente
instalados.
Assim como a Louis Vuitton propaga o reconhecimento da moda principalmente
nos últimos dez anos por intermédio da arte contemporânea, artistas como Christine
Hill e Julia Scher atuam da mesma maneira.
Se a arte moderna idealizava a união da arte e do cotidiano, a arte contemporânea
chega à esfera do comércio. As duas artistas citadas, Hill e Scher, têm sua vida
cotidiana e seus trabalhos como suporte artístico. Seus meios de subsistência servem
de base para o desenvolvimento de seus trabalhos.
Christine Hill, professora da Bauhaus, trabalha em sua Volksboutique, espécie
de brechó em que ela aconselha os compradores e em sua Armory Apothecary, espécie
de botica em que ela tenta aliviar os males de seus fregueses, onde ela cobrava vinte
dólares por uma receita em 1997. Essas “lojas” existem, lucram, têm franquias e, ao
mesmo tempo, sustentam o discurso da artista que já expôs na Documenta X.
Julia Scher também é professora. Atua em Colônia, na Alemanha, na
Kunsthochschule fur Medien Koln, onde leciona para o curso de arquitetura uma
disciplina relacionada à vigilância, multimídia e performance. Ela fala sobre panoptismo
e tem uma empresa de segurança que recruta mulheres acima de quarenta anos para
atuarem como seguranças em museus. Sua empresa também lucra e é por meio dos
equipamentos de sua empresa que a artista confecciona suas obras. O ideal de sua
empresa está alinhado ao de suas obras.
São formas alternativas que surgem de criticar o consumo excessivo e ao
mesmo tempo fazer uso dele para custear projetos artísticos. Claro que comércio
Moda, arte e interdisciplinaridade 137

e arte pode ser uma combinação perigosa, mas no caso de Hill e Scher elas não
parecem ter intenções espúrias.
As duas artistas irrompem as barreiras da arte e do comércio. Da mesma
forma, a Louis Vuitton ultrapassa a barreira do comércio e chega até a arte. A moda
nesse contexto fala sobre arte sem negar sua finalidade primeira, diretamente ligada
à indústria do design: o lucro.
Deixando de lado a imagem da Louis Vuitton – de empresa multinacional
detentora de produtos icônicos –, esses atos conjuntos marcam um período muito fértil
para a interação da arte e da moda. Longe de ser algo passageiro, essas colaborações
entre artistas e estilistas assumem um novo patamar na criação contemporânea.
A partir daí, moda e arte assumem um novo posicionamento, onde não se fala
somente sobre arte ou sobre moda de forma isolada ou como um prenúncio do ato
interdisciplinar. No contexto estudado elas se tornam uma coisa só, uma unidade que
inexiste se separada. Mesmo que essa entidade ainda não possua um nome, ela já se
manifesta por meio de atos como estes realizados pela Louis Vuitton.
A questão é que fenômenos de equivalência e trocas simbólicas sempre
existiram entre os mundos da arte, da moda e do luxo. No caso da Louis Vuitton, é
importante entender como um acessório de luxo e uma obra de arte se aglutinam em
uma bolsa (GASPARINA, 2009: 43).
A mistura entre arte e moda nem sempre visa tornar os acessórios da marca
mais belos, pelo menos não no sentido tradicional, mas sim mais originais. Essa
originalidade pode beirar o bizarro e, nesse ponto, o ato de interação remete ao modus
operandi do avant-garde (GASPARINA, 2009: 43).
O trabalho de Marc Jacobs com os artistas contemporâneos visa converter
uma intuição em um produto real. Ao selecionar um experimento que Jacobs chama
de “acidente”, parte-se para entender o significado e poder de seu potencial estético
(GASPARINA, 2009: 43).
Além disso, existe a experimentação do artista isolado que, na maioria das
vezes, nunca trabalhou com design, especialmente design de moda. A criatividade
frequentemente é fruto do acidental. Sorte e aleatoriedade também são constantes da
criatividade (GASPARINA, 2009: 43).
Essas bolsas da Louis Vuitton são de certa forma a metáfora da criatividade.
Jacobs busca inspiração em eventos como a Frieze Art Fair, a principal feira de arte
contemporânea, sediada em Londres, todo mês de outubro (GASPARINA, 2009: 43).
A renovação do compromisso da Louis Vuitton com a arte acontece em 2005
com a reabertura de sua flagship em Paris. Remodelada pelo arquiteto Eric Carlson e
pelo designer de interiores Peter Marino, o espaço recebe o visitante de forma inédita,
integrando arte e arquitetura (GASPARINA, 2009: 44).
O espaço da loja é separado do espaço de exposição. A loja, seu design e sua
Moda, arte e interdisciplinaridade 138

arquitetura provocam experiências arrebatadoras. Arte e arquitetura se integram. A arte


está no cerne da atividade projetual. No espaço da loja também são expostos trabalhos
dos artistas James Turrel, Olafur Eliasson e Tim White-Sobieski (GASPARINA, 2009:
44).
A ideia é gerar experiência para o indivíduo que entra na loja. Seja pelo produto
em si, que se refere à moda e à arte em alguns casos, seja pela arquitetura ou pelo
design da loja.
Esse espaço é uma espécie de antídoto efêmero (GASPARINA, 2009: 44).
Antídoto porque lembra o toque humano necessário, mesmo no processo de produção
em série relativo ao design. A arte humaniza, até certo ponto, as relações de consumo.
Efêmero porque acima de tudo uma loja da Louis Vuitton é um grande templo do
consumo de moda e a efemeridade é inerente a ela.
Pensando dessa maneira, o mundo criativo é um universo simbiótico onde as
divisões entre as artes – arte e design de moda – tem pouco sentido (GASPARINA,
2009: 44).
Na esteira da interação, não é possível acreditar que o mundo da moda exista à
parte do mundo da arte. O que há é um mundo inteiramente dedicado às artes – artes
visuais, cinema, música, moda, arquitetura etc.
Foi na década de oitenta que a Vuitton estabeleceu laços mais profícuos
com inúmeros artistas. Em 1988, foram encomendados a Sol Lewitt, Arman, James
Rosenquist e Sandro Chia uma série de lenços de seda (GASPARINA, 2009: 44).
Parece natural esses dois mundos se cruzarem, seja pelo aspecto visual ou
formal que envolve seus desenvolvimentos. Novamente, o que interessava desde
aquela época era a transmissão da criatividade (GASPARINA, 2009: 44).
Foi Marc Jacobs, em 1997, quando entrou para a Louis Vuitton, que estreitou
os laços da empresa com o mundo da arte. Por iniciativa sua, alguns artistas que
possuem uma produção relevante colaboraram para a marca (GASPARINA, 2009:
44). Entre eles estão Takashi Murakami, Julie Verhoeven, Sylvie Fleury, Richard
Prince, Ugo Rondinone, Stephen Sprouse, Vanessa Beecroft, Olafur Eliasson, Robert
Wilson, James Turrel, Bruno Peinado, Claude Closky etc.
A empresa também tem acionado vários curadores para que seu espaço. Ela
acredita que grandes artistas não bastam para conceber um espaço de arte. Com a
Fundação Louis Vuitton, a ser inaugurada em 2013, a preocupação é com a garantia
da qualidade das colaborações (GASPARINA, 2009: 44).
Em termos de design, a valorização da marca se fez notar a partir do momento
em que ela começou a criar com artistas. Nos anos noventa, aconteceu um processo
radical de modernização da marca. Nesses vinte anos, o lendário monograma da
marca foi desfigurado, tatuado, picado, colado, tapado, revestido, aniquilado, colorido
e descolorido (GASPARINA, 2009: 44).
Moda, arte e interdisciplinaridade 139

Nesses projetos, o investimento em estética lida com o imaterial e a natureza


simbólica de objetos (GASPARINA, 2009: 46).
Na década de sessenta, Andy Warhol se declarou um “artista de negócios”,
demonstrando que a natureza comercial do trabalho artístico não representa
necessariamente uma contradição com relação à sua validade artística. Muitos
artistas que se envolveram com a Louis Vuitton nos últimos dez anos cultivam uma
estética “pós-duchampiana”. Seus trabalhos levantam questões pertinentes à indústria
cultural, [em especial à moda], como as relações ambíguas entre arte e comércio
(GASPARINA, 2009: 46).
Há tempos os artistas vêm usando a moda e os bens de luxo como metáforas
eficazes para tecerem seus comentários na pós-modernidade. Isso envolve a arte, o
luxo, o estilo de vida, a estética e o comércio (GASPARINA, 2009: 46).
Reiterando o que foi dito anteriormente, se a arte moderna buscava aprofundar
vínculos com o cotidiano, a arte contemporânea não se incomoda em reforçar sua
ligação com o comércio. Houve um aprofundamento na relação entre arte e vida que
o período moderno previa. Essa relação com a “vida” foi especialmente realçada pela
finalidade comercial. Obras como as de Vanessa Beecroft questionam o consumo
sem, no entanto, negá-lo.
A despeito das colaborações entre a Louis Vuitton e os artistas configurarem
o panorama artístico, o objetivo não é estabelecer uma hierarquia, mas analisar a
natureza da relação entre as duas áreas da cultura visual (GASPARINA, 2009: 46).
Mais do que perguntar se moda é arte, a pergunta deveria ser: essa arte é boa,
é relevante? Até que ponto a moda vista como arte é boa arte? Alguns exemplos do
último século colocam a moda no mesmo nível de qualidade da arte contemporânea
(SVENDSEN, 2010: 122).
As criações de Balenciaga da década de cinquenta não diferem tanto dos
experimentos espaciais que eram explorados no mesmo período. As peças surrealistas
de Schiaparelli não foram menos adiantadas que a fotografia surrealista produzida
nos anos vinte e trinta (SVENDSEN, 2010: 122).
E na moda contemporânea, desfiles como os de Alexander McQueen, que
propunham que o público se observasse por meio de caixas de espelho na passarela,
traziam um processo de auto-objetivação. Esse desfile começou com um atraso
proposital para que profissionais de moda – que dependem dela para sua subsistência
– fossem obrigados a se observar antes do início do desfile. Esses indivíduos, como
jornalistas, produtores e compradores que sempre foram responsáveis por ditar a
aparência que o outro deve ter, eram agora submetidos a um processo parecido.
A qualidade artística dessa proposta é reconhecida dentro do espectro da arte
contemporânea (SVENDSEN, 2010: 123).
Partindo da definição de que a arte é inicialmente algo despido de qualquer
Moda, arte e interdisciplinaridade 140

característica funcional, em última instância inútil, muitos objetos inúteis não podem
ser classificados como arte. Por outro lado, a arte contemporânea prima por ser
explicitamente útil (SVENDSEN, 2010: 120). A arte contemporânea na maior parte das
vezes constrói seu discurso por meio de objetos utilitários, o que facilita seu diálogo
com a moda.
Percebe-se que não há nenhuma linha divisória que evidencie a separação
entre moda e arte. São dois mundos análogos (SVENDSEN, 2010: 123) dentro da
cultura visual.
Isso acontece não porque a moda atingiu o nível da arte, mas porque tudo –
inclusive a arte – está sujeita à lógica da moda. A forma de funcionamento da moda
tem tido uma participação cada vez mais relevante no desenvolvimento do campo
artístico (SVENDSEN, 2010: 123-124).
A arte não é tão pura para estar acima da moda, mas, para ser respeitada
como tal, deve resistir à moda. A arte também reconhece e segue a moda até certo
ponto, porque a moda oferece uma verdade à arte e ao mesmo tempo ameaça sua
autonomia (ADORNO apud SVENDSEN, 2010: 124). A arte reconhece o poder da
moda e se sujeita a ela ao mesmo tempo em que a combate (SVENDSEN, 2010:124).
Marc Jacobs afirma que quem trabalha para uma empresa internacional tem
que fazer uma série de escolhas criativas que diferem daquelas defendidas pelo
artista, que tem um comprometimento mais profundo com o seu trabalho. O artista
representa um tipo singular de contribuição (GASPARINA, 2009: 47).
Jacobs é um verdadeiro admirador de arte e muitas de suas escolhas são
guiadas por trabalhos artísticos. Ele é um colecionador de arte contemporânea e
descobre, sozinho, novos artistas o tempo todo. Foi assim com Takashi Murakami.
Ele descobriu o artista por meio de artigos e visitando a exposição do Kaikai Kiki na
Fundação Cartier em 2002. Ele cultiva amizades genuínas com artistas (GASPARINA,
2009:47).
É interessante pensar que, desde a década de sessenta, tem sido feito um
esforço para integrar a arte ao dia a dia e isso se refere ao avant-garde. Esse sonho
baseia-se em uma dicotomia potente, com a arte de um lado e de outro, bem distante
da realidade (GASPARINA, 2009: 47).
Esse pensamento aparece na moda, sob a forma de consumo de massa e
alta-costura. A última aparece associada a valores de escassez e elitismo que sempre
definiram a arte moderna. Contudo, essas fronteiras se tornaram mais porosas do que
o pensamento moderno jamais pode imaginar (GASPARINA, 2009: 47).
A cumplicidade entre arte e moda já era evidenciada por Theodor Adorno, que
acreditava que tal fato era intrínseco ao modernismo e ao mesmo tempo representava
grande confusão (ADORNO apud GASPARINA, 2009: 47). A complexidade desta
questão se rebate na afirmação de Baudrillard abaixo.
Moda, arte e interdisciplinaridade 141

Ele anteviu o surgimento de uma arte “pós-Warhol” (BAUDRILLARD apud


GASPARINA, 2009: 47), que seria supostamente indissociável das tendências da
moda.
Percebe-se que, há muito tempo teóricos já detectaram a contaminação entre
a arte e da moda. Embora Lipovetsky (1989: 90) afirme que a era moderna desfez a
divisão entre as belas artes e as artes decorativas, essa pesquisa crê que essa divisão
está sendo revista só recentemente. Essa discussão se rebate nos atos operados pela
Louis Vuitton que visam enfatizar essa união. Não é o caso discutir se há comunhão
entre arte e vida ou entre arte e comércio, mas considerar é que a moda permeia
vários substratos culturais.
A moda rege “outras esferas da vida, como o culto ao corpo, o consumo e o
bem-estar. Não dar lugar a ela é não querer olhar de frente para o que é hoje nossa
sociedade” (LIPOVETSKY, 2002: 11).
A Pop Art só colaborou com o colapso da distinção hierárquica entre arte mais
elevada e menos elevada. Esse processo é comparável ao processo de emergência
do prêt-à-porter. O mito do avant-garde renasce sob uma nova aparência que mistura
a forma mais pura do modernismo ao seu exato oposto, o experimentalismo e o
comércio (GASPARINA, 2009: 47-48).
A partir desse momento, a arte se torna acessível a todas as áreas da cultura
visual e, de certa forma, os grandes objetivos do movimento moderno foram cumpridos.
Moda e arte uniram-se no interior da Pop Art (NICOL apud GASPARINA, 2009: 48).
Com a proliferação em massa do estilo pop, o conceito de colaboração entre
arte, luxo e moda tem perdido sua originalidade. Para a Louis Vuitton e Marc Jacobs,
a reinvenção fica por conta do caráter histórico (GASPARINA, 2009: 48). A marca
empresta sua tradição a artistas que visam reconstruir a cultura pop visual por meio
de um viés histórico.
A Pop Art foi classificada como pop, entre outras coisas, porque desafiava a
tradição artística. Com soluções díspares do modo clássico de produção artística,
seus trabalhos levantavam questões não só sobre o consumo e sobre o momento em
que ela emergia, mas também sobre um legado artístico e a forma de representação
que vigorava até então.
Foi “a sociedade de consumo [que] legitimou o ideal de viver melhor. O poder
de compra continua dividido, mas o desejo de melhorar de vida é hoje praticamente
universal” (LIPOVETSKY, 2002: 14).
A Louis Vuitton consagra esse “desejo de viver melhor” inspirado pela moda.
Assim como as subculturas nascem no underground criando suas próprias modas,
as camadas mais elevadas rearranjam o papel da arte na esfera do consumo. Os
consumidores contemporâneos endossam a proposta da Louis Vuitton de unir arte e
moda.
Moda, arte e interdisciplinaridade 142

Ao adquirir um produto criado por Jacobs e Sprouse, o consumidor está de


certa forma ditando como ele vai consumir arte, seja pelo seu poder aquisitivo que não
lhe permite comprar uma obra de arte, seja pelo seu nível cultural que não faz dele um
connoiseur de arte. Trata-se de um novo tipo de fruidor de arte que se manifesta por
meio do consumo.
Jacobs trabalha com artistas que são descendentes diretos de Warhol. Sprouse
era um artista ligado ao underground nova-iorquino da década de oitenta quando
Warhol estava em seu auge. E Murakami pode ser considerado sua versão japonesa
em termos de métodos de produção, sua abertura ao mercantilismo e ao assédio
midiático (GASPARINA, 2009: 48).
Jacobs foi brilhante ao solucionar esse conflito. Foi audaz na transposição de
alguns dispositivos da Pop Art para o design de moda. Essa visão permite que o
trabalho de Jacobs trate de antigos desafios artísticos mencionados pela Pop Art.
Jacobs, com o auxílio da Louis Vuitton, inventou a cultura pop de Luxo (GASPARINA,
2009: 48).
É importante acompanhar esses atos e observar até que ponto eles respeitam
os pressupostos interdisciplinares, uma vez que a colaboração de um artista, em uma
linguagem pop, mais acessível, pode se tornar literal demais, reduzindo o conceito
artístico a uma linguagem de baixa complexidade, empobrecendo-o.
Design fala sobre desejo, mas, curiosamente, este desejo parece quase sem
assunto atualmente, ou, ao menos, sem importância; isto é, o design parece avançar
rumo a um novo tipo de narcisismo, onde tudo é imagem, sem interior – uma apoteose
do sujeito que também está prestes a desaparecer (FOSTER, 2002: 25). Foster fala
do design total que tende a anular a identidade do usuário. Nos referidos trabalhos
para a Louis Vuitton, é importante ser crítico com relação à massificação a que seus
produtos leva, ao mesmo tempo em que de certa forma democratizam a arte.
Sem dúvida, a superfície das coisas importa, mas também é preciso revelar no
que consiste seu substrato. Ao designer cabe hoje manipular a superfície, a aparência
e as nuances semânticas do significado que façam compreender o que um objeto está
tentando dizer sobre si mesmo (SUDJIC, 2010: 34).
Em termos de consumo, a moda sai ganhando em seu estreitamento de relação
com a arte. Seu produto ganha valor, é quase contaminado pela arte. A exclusividade
é passada da obra de arte para o produto de moda, mesmo que momentaneamente.
Exclusividade é algo que a moda sabe promover.
Os atos interdisciplinares entre a Louis Vuitton e os artistas são prolíficos, mas a
afirmação que uma pessoa espera obter portando um acessório da marca pode torná-
lo cego, afinal mesmo as bolsas criadas por artistas são cobertas pelo monograma e
pela logo da Louis Vuitton. Isso tem a ver com design total.
O sujeito que usa uma bolsa Louis Vuitton, ao mesmo tempo em que se
Moda, arte e interdisciplinaridade 143

diferencia, se torna submisso. Ele se submete ao nome da marca. A tradição da marca


diz que ele é alguém respeitado, pois ela se transfere para o consumidor. O indivíduo
recorre ao objeto com prestígio reconhecido para obter esse tipo de afirmação. Isso
pode, em certo sentido, anular sua identidade. É preciso resguardar o espaço de
circulação do indivíduo, pois de nada adianta a interdisciplinaridade entre a arte e a
moda se o sujeito que consome este artefato torna-se cada vez mais alienado.
Usando a moda para influenciar a vida cotidiana por meio da distribuição de
produtos, Jacobs criou um mercado de massas genuíno para itens de luxo da Louis
Vuitton. Essa é outra forma de atingir o mundo real e pessoas que não podem comprar
uma obra de arte de trinta ou quarenta mil dólares (GASPARINA, 2009:48).
A popularização de itens de luxo e o desejo de colocá-los ao alcance de mais
pessoas representam mais do que a ânsia pela democratização da moda ou a busca de
reconhecimento por parte da marca. É um desdobramento da utopia dos movimentos
vanguardistas, um esforço para “mudar a vida em si” (GASPARINA, 2009: 48).
Arte e moda passaram por um processo de rupturas no século XX. A
intensificação das quebras de paradigmas por parte da moda a tornam mais próxima
da vanguarda artística. A moda conquistou seu espaço por meio da lógica moderna
da revolução que previa suas mudanças sucessivas, seu gosto pelo novo e suas
rivalidades, próprias ao universo criativo (LIPOVETSKY, 1989: 82).
Após estudar a produção dos três artistas para a marca, fica mais fácil
identificar o apelo da moda sobre outras áreas da visualidade. A sobrevivência de
muitas empresas depende do styling11 e, a cada mudança, o novo design se rende
ao imperativo moda. Na ânsia de tornar seu produto único, as marcas se rendem às
últimas tendências.
Como exemplo, no design de produtos há o caso da Apple. O usuário de
computador paga mais pelo exterior da máquina e deve estar pronto para trocá-la
a cada dois anos se quiser ter um novo produto Apple. Para tornar seus clientes
sedentos a ponto de trocarem seus computadores mesmo que eles ainda estejam
em condições de uso, a empresa investe agressivamente em design (SUDJIC, 2010:
14). A obsolescência acelerada não abala somente a indústria da moda. O sistema da
moda provoca mudanças cada vez mais rápidas em quase todos os outros setores,
para além dos seus domínios originais.
Ela tem responsabilidade na atenuação das diferenciações do vestuário de
classes. Esse papel da moda se intensificou no início do século XX. O sistema de
tendências que homogeneizou o vestir de camadas sociais cada vez mais amplas
(LIPOVETSKY, 1989: 74) era fruto do gotejamento que se traduzia no gosto da época,
o “espírito do tempo”.

11 Tornar o produto superficialmente atraente.


Moda, arte e interdisciplinaridade 144

A moda pode ser definida tanto pela sua ligação com o vestuário quanto pelo
fenômeno de mudança que denota (SUDJIC, 2010: 162). Essa segunda parte refere-
se ao sistema da moda, que é maior e que pode atingir outras áreas do campo visual.
O grupo Memphis, que parecia caçoar das verdades modernistas (SUDJIC,
2010: 84), é um exemplo dessa lógica pulsante do sistema da moda. Seus designers,
que davam acabamento rosa-bebê aos seus televisores na década de oitenta, traziam
a liberdade, o lado lúdico e a extravagância, geralmente associados à moda, para a
esfera do design.
Outro fator relevante na equação arte e moda é a percepção. Ela pode ser
moldada pelos aspectos físicos do design (SUDJIC, 2010:70). A bolsa Louis Vuitton,
que já possui um grande apelo visual no que diz respeito à tradição, quando modificada
por artistas se torna ainda mais exclusiva e, portanto, mais valiosa. Isso desperta a
curiosidade. Uma camiseta estampada com uma gravura de Andy Warhol não geraria
o mesmo interesse, mesmo se tratando de arte e moda em uma conotação simplista.
Não basta parecer caro. O produto deve sinalizar valor e ambição da forma
correta. É necessário entender para quem o produtor está olhando, pois nem todo
mundo conhecerá determinado produto. É preciso conhecer a “linguagem oculta dos
iniciados” e saber o que faz produtos idênticos parecerem tão diferentes uns dos
outros (SUDJIC, 2010: 100).
O que diferencia uma marca da outra é criar um estilo de vida que as pessoas
queiram viver. [A Louis Vuitton] reforça a necessidade de produzir uma nova linguagem,
além de ceder aos anseios de seus clientes por luxo (SUDJIC, 2010: 108 e 113).
Dieter Rams se ocupava em criar objetos perfeitos que resistiriam ao tempo,
desafiando a moda. Ele projetou objetos que supostamente se tornariam atemporais
por serem minimalistas, por se livrarem do excesso de informação. Sua intenção não
consistia em agradar os consumidores da Braun, mas em demonstrar uma supremacia
intelectual (SUDJIC, 2010: 30) inerente ao modernismo.
Sua tentativa em fazer o design superar a moda fez com que seus objetos
se tornassem obsoletos de qualquer maneira. Seus designs, rádios, calculadoras,
aparelhos de barbear foram suplantados por categorias de objetos completamente
novos (SUDJIC, 2010: 30). Essa lógica corresponde à renovação cíclica da moda. É
mais interessante reconhecê-la, pois ela é implacável. A Louis Vuitton é uma empresa
de moda que entende bem essa situação e por isso busca constantemente novo
fôlego na arte.
Muitos projetos hoje se baseiam em peças ou partes de produtos já prontos
e geralmente vindos da China. A ideia de montar um produto a partir de elementos
já existentes para dar resultado a uma personalidade distinta (SUDJIC, 2010: 31)
coincide com a noção de “pós-produção” de Bourriaud e atende às propostas da Louis
Vuitton.
Moda, arte e interdisciplinaridade 145

Devido a sua reputação, a arte é uma fonte de ideias visuais que se derrama
sobre outras áreas criativas. O fazer artístico de Takashi Murakami não está distante
dos modos de produção do design e da fabricação. Muitos recorrem à manufatura
chinesa, com melhor custo-benefício. Nesse ponto é possível estabelecer uma relação
entre ambos. Trata-se de uma confluência que faz com que o design se pareça e seja
tratado com arte (SUDJIC, 2010: 193).
O designer passa a ser um narrador. Quando ele possui uma história convincente
para contar e sabe a linguagem do design de maneira fluente e eficaz (SUDJIC, 2010:
34), seu produto revela novas maneiras de pensar.
Ernesto Nathan Rogers, um dos criadores da Torre Velasca, sugeriu, em um
artigo de 1946, que é possível descobrir que tipo de cidade uma sociedade construirá
por meio de um exame minucioso de uma colher proveniente daquela comunidade.
Ele defendia a importância do design no mundo contemporâneo (SUDJIC, 2010: 35).
Esse pensamento transbordou nas décadas de oitenta e noventa e tem muito
a dizer sobre o design atual (SUDJIC, 2010:35). Quando a referência é a bolsa da
Louis Vuitton na visão de Vanessa Beecroft, esse pensamento se ilumina. Sem dizer
uma palavra, sem interferir diretamente no produto, a artista e a marca reposicionam
o produto na escala do consumo.
“A arte e o design servem às vezes para se reforçar mutuamente.” A Pop Art
reabasteceu o tipo de objetos industrializados que havia inspirado a arte, em uma
continuidade do objeto “duchampiano”, ao mesmo tempo em que serviu de inspiração
a muitos designers (SUDJIC, 2010: 195).
É contraditório que, mesmo na era do individualismo exacerbado que se rebate
em um consumismo cada vez mais intenso, seja possível dar mais valor a algo que
pode ser chamado de inútil do que ao útil. De um modo simplista, a arte é inútil, o
design útil (SUDJIC, 2010: 167). É assim que o mercado reage em termos práticos
com relação à arte e ao design.
Dessa forma, uma bolsa grafitada por Stephen Sprouse em cores flúor tende
a ser mais chamativa, portanto mais difícil de usar que uma bolsa clássica. Mesmo
assim, a lógica do design se inverte, e o que é passageiro passa a ter mais valor.
O design é concebido para ser útil (SUDJIC, 2010: 176), mas a bolsa multicolorida
de Takashi Murakami para a Louis Vuitton é feita em quantidades reduzidas, é caríssima
e não é fundamental. Do ponto de vista prático, não é essencial ter uma bolsa dessas.
Alguns designers [como Marc Jacobs] mudaram o significado do design em
relação à natureza cada vez mais efêmera dos objetos estandardizados. Talvez a
separação entre arte e design não seja tão intensa como se sugere. A utilidade não é
o fim último do design (SUDJIC, 2010: 177).
Sottsass falava em utilidade emocional do design (SOTTSASS apud SUDJIC,
2010: 177), mas a mentalidade moderna persiste em equiparar essa função do design
Moda, arte e interdisciplinaridade 146

à teatralidade da moda de passarela. Assim como a moda conceitual vista em desfiles


tem relação direta com a indústria do vestuário, o design experimental, ou “sem função”
está diretamente ligado à pesquisa e à inovação (SUDJIC, 2010: 177).
As bolsas propostas por artistas à Louis Vuitton passam por um demorado
processo de desenvolvimento de produto baseado em um experimentalismo se
comparadas às bolsas de linha. Esse tipo de trabalho gera inovação. A partir dessas
iniciativas é que surgem novas descobertas, mesmo que de forma “acidental”, como
se refere Jacobs. O acidente se converte em resultado – não menos valioso – pelo
seu caráter espontâneo.
Isso explica a proliferação de museus de objetos ou objetos de design em
museus de arte. Muitas dessas peças vão parar em um museu mais pelo que
“representam em termos do esforço e inteligência usados em sua criação” do que
pela sua aparência externa (SUDJIC, 2010: 172).
No design, contexto e processo são fundamentais, mas o que se vê nos objetos
que representam o design no MoMA, é que o museu faz de tudo para sugerir que o
design é algo inútil, tão inútil quanto a arte, portanto quase tão importante (SUDJIC,
2010: 173).
Nesse sentido, o que se percebe é que a Louis Vuitton está reinventando o
valor de troca (FERRARA, 2011: 68), onde ela busca equiparar seu produto ao objeto
artístico.
Ou, de acordo com Svendsen (2010: 42), o consumo assumiu cada vez mais
“a forma de consumo de símbolos” em que se produz identificação com o que o item
de consumo representa.
Se para Ferrara (2011: 73) “o designer é chamado a reinventar uma forma
artística” para o objeto utilitário, talvez o que a Louis Vuitton esteja fazendo seja isso,
mas de outra forma. Para atingir o mesmo objetivo, a marca chama artistas ao invés
de designers. Pode parecer óbvio chamar artistas para dar um aspecto de arte em um
objeto, mas, nesse caso, a lógica é subvertida, pois o artista nesse caso “é chamado a
tornar artística uma utilidade cotidiana” (FERRARA, 2011: 73) e não a criar um modelo
único e idealizado. O artista passa a se inserir na lógica estandardizada do design de
produtos.
A marca se compromete com a lógica das necessidades irrelevantes, das
pseudonecessidades de Lipovetsky, que não constituem uma necessidade em si, mas
atendem à demanda consumista que regulamenta o design e, especialmente, a moda.
O desenho corre o risco de perder seu valor como manifestação cultural em
medidas que somente atenuam a questão. Os atos promovidos pela Louis Vuitton
denotam a preocupação da marca em tentar incessantemente alçar a moda ao
patamar da arte. Sabe-se que no fundo o design da marca está a serviço de demandas
Moda, arte e interdisciplinaridade 147

comerciais dos grandes grupos de luxo como o LVMH12.


Nesse panorama, a Louis Vuitton presta homenagem regional aos artistas que
lhe são caros, mas difunde essa informação de forma padronizada mundialmente.
Seria a necessidade a que se refere Ferrara (2011: 77) de “lugarizar as influências de
totalização global”, pensamento que coincide com o ideal de que qualquer indivíduo
pode ser único, desde que seja dentro da produção em massa.
Segundo Mackrell (2005: 158), as fronteiras entre arte e moda ainda estão se
expandindo no que diz respeito a temas como identidade, sociedade e estereótipos.
A partir desses temas, os artistas contemporâneos estão explorando novas ideias e
levantando novas questões que se desdobrarão em um futuro próximo.
Mesmo já conhecendo as limitações do design em termos de expressão
individual, percebe-se o saldo positivo dos atos propostos pela Louis Vuitton. Ela
ultrapassa o campo do design ao se arriscar convidando artistas para desenhar seus
produtos. A complexidade, que por vezes se confunde com contradição, faz parte do
processo interdisciplinar.
Apesar dos problemas assinalados no caminho, como o fato de a Louis Vuitton
parecer criativa e manipuladora ao mesmo tempo – pois trata de design e arte e tem a
obrigação de gerar uma receita – percebe-se que a grande adesão às suas ideias faz
com que a interdisciplinaridade em si caracterize uma demanda.

12 LVMH – Louis Vuitton Moët Hennessy é um grupo que representa um conglomerado de marcas
de luxo.
5
CONCLUSÃO
Moda, arte e interdisciplinaridade 149

No ponto em que a pesquisa se encontra, parece evidente que o pensamento


cartesiano, presente na lógica moderna, não basta para responder ao quadro exposto
nesta dissertação. Assim, de acordo com Sérgio Martins (2010: 106), o modus
operandi moderno parece [no panorama interdisciplinar e transdisciplinar] não somente
insuficiente como limitador.
A opção de prezar por uma visão que atenda de forma mais ampla ao design
parece satisfatória, uma vez que a presente dissertação se dedica a este tema e foi
trabalhada em seu ambiente intelectual.
Dessa forma, é preciso separar o trabalho dos três artistas abordados nos
capítulos três e quatro em dois grupos, a saber: tanto Stephen Sprouse quanto
Takashi Murakami dedicam-se à mudança visível nos produtos da Louis Vuitton. Eles
interferem no produto no que diz respeito ao seu design. Eles constituem o primeiro
grupo. Vanessa Beecroft representa o segundo grupo, não necessariamente oposto
ao primeiro, mas que se dedica à criação de imagem sem, no entanto, interferir
diretamente no produto da marca.
Nos dois grupos, o processo fica evidente nos produtos finais. Esse é um
dos principais fatores que permite analisar um produto de acordo com o seu grau
de interação, que se desdobrará em interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade.
Essa categorização poderá variar dependendo do contexto em que se analisa esses
trabalhos: se é pelo olhar do design ou da arte.
Com relação ao design, o primeiro grupo é representado por dois artistas que,
sem ter relação, buscam o mesmo objetivo: trazer inovação visual para o produto. Suas
bolsas explicitam as mesmas preocupações em utilizar processos que modifiquem o
design do produto e, consequentemente, sua apresentação. A expressão a ser usada
para seus trabalhos é transdiciplinaridade, pois trata de uma mudança prática, efetiva,
guiada por uma axiomática comum: renovar o produto visualmente, de forma mais
agressiva e literal.
Ainda sob a perspectiva do design, o trabalho de Vanessa Beecroft se encaixa
na categoria interdisciplinar por abandonar de certa forma a questão prática, que se
refere a produto. Seu trabalho é complexo, pois modifica a imagem da marca ferindo
seu produto no que ele tem de mais valioso: sua tradição. Ao mesmo tempo em que
ela utiliza a loja da marca para realizar sua performance, ela menospreza o local por
se tratar de um templo de consumo alienado. De qualquer forma, no que se refere a
design, sua produção se qualifica como interdisciplinar.
Se for feita a opção por um olhar voltado para a arte, a lógica se inverte. O
primeiro grupo passa a realizar um trabalho interdisciplinar, pois a lógica da praticidade/
funcionalidade é posta de lado pela arte. Não interessa a ela o design de superfície, o
desenvolvimento de estamparia, mesmo que sejam exclusivos.
Enquanto o primeiro grupo se dedica a uma questão prática sob a óptica da
Moda, arte e interdisciplinaridade 150

arte, o segundo grupo devota seu trabalho à produção de subjetividade que, sob o
olhar da arte, transmuta-se em uma prática transdisciplinar, pois a subjetividade está
para a arte assim como a funcionalidade está para o design.
Nesse contexto, Beecroft é transdisciplinar por se preocupar com a visão
artística em detrimento do design. E mesmo tendo conhecimento de que a produção de
subjetividade não é exclusividade da arte e que a funcionalidade pode ser reconhecida
na arte contemporânea, sabe-se das predileções da arte e do design.
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Moda, arte e interdisciplinaridade 152

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Glossário
Moda, arte e interdisciplinaridade 158

Acessório – peça ou objeto que serve de adorno ou complemento. Lembrando que,


hoje, o acessório pode ser a peça principal na composição de um look (por exemplo,
do vestuário, como cinto, bolsa etc.).

Arte – produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização


de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana (ex.:
arte literária, arte da pintura, arte cinematográfica).
Objeto de culto, exclusivo, que responde a uma qualidade máxima e a uma quantidade
mínima (ARGAN, 2005: 252).

Arte Contemporânea – período artístico que surgiu após a segunda Guerra Mundial
e prolonga-se até hoje. Caracteriza-se pela ascensão de novas linguagens e novos
suportes além da pintura e da escultura tradicional. A ideia de “campo expandido” de
Rosalind Krauss é emblemática nesse sentido. Muitos movimentos desse período
manifestam-se primeiro na sociedade para só depois se revelar na pintura, na literatura,
na música, no cinema e na moda.

Arte-moda – objetos ou ações que envolvem a arte e a moda, seja a moda se utilizando
dos suportes recorrentes da arte ou o contrário. Esse termo foi desenvolvido para esta
dissertação e cobre uma lacuna existente entre as duas áreas, a arte e a moda.

Bottom Down – quando uma tendência goteja do topo da pirâmide social ou dos
formadores de opinião para as demais camadas. É o contrário do Bubble Up, e é mais
comum. Está no campo de abrangência do Trickle Effect, o Efeito de Gotejamento.

Bubble Up – é o contrário do Bottom Down. É a tendência que emerge da base da


pirâmide social ou que tem seus formadores de opinião em movimentos de rua, por
exemplo, para só depois essa tendência borbulhar e chegar ao topo da pirâmide. Está
no campo de abrangência do Trickle Effect, o Efeito de Gotejamento.

Costureira – mulher que costura amadorística ou profissionalmente, especificamente


roupas. Esse termo não reflete uma tradução que possa se equiparar ao termo
“costureiro”. A partir de 1850, quando surge o termo couturrier, a mulher não tem espaço
também nessa seara, sendo somente uma costureira sem qualquer reconhecimento,
embora leve o mesmo nome de seus colegas de profissão.

Couturrier – o termo surge em 1850, quando nasce o primeiro grande criador de


moda, Charles Frederick Worth, chamado “costureiro”. A figura do grande costureiro
dará origem um século depois ao “estilista”.
Moda, arte e interdisciplinaridade 159

Design – a concepção de um produto (máquina, utensílio, mobiliário, embalagem,


publicação etc.), especialmente no que se refere à sua forma física e funcionalidade.
Outro sentido é dado pela palavra desenho (‘forma do ponto de vista estético e utilitário’
e ‘representação de objetos executada para fins científicos, técnicos, industriais,
ornamentais’) (HOUAISS, 2009: 654).

Estilista – aquele que concebe ou que tem por ofício conceber novas formas no terreno
da moda, do mobiliário etc. Que se expressa com um estilo próprio, inconfundível, em
qualquer outra área.

Fast Fashion – refere-se ao funcionamento da moda a partir dos anos dois mil,
representando seus ciclos que duram cada vez menos. É um termo comum hoje às
redes de varejo que visam à rápida substituição de produtos por outros mais novos, de
forma que sempre disponibilizem produtos novos para que possam ser consumidos
em um ritmo cada vez mais rápido. Esse pensamento ilustra o conceito de moda como
um acontecimento passageiro, potencializado pela lógica capitalista, que, por sua vez,
está diretamente ligada à indústria da moda.

Flagship – loja exemplar de uma marca, que denomina um estilo de vida específico
proposto por aquela empresa. Também chamada de “loja conceito”, servirá de modelo
para as demais lojas da marca no mundo. Reforça a ideia de criação de conceito da
marca, associando-a de forma cada vez mais profunda a esse conceito.

Griffe – “marca” em francês. Refere-se à marca feita com as garras de um animal.


Termo usado principalmente na década de oitenta para se referir a empresas de
confecção de moda de grande prestígio.

Halston – Nascido Roy Halston Frowick (1932-1990), nasceu em Des Moines, Iowa,
Estados Unidos. Estudou na Universidade de Indiana e no Chicago Institute. Começou
sua carreira desenhando chapéus. Na década de sessenta, desenhou chapéus para
Jacqueline Kennedy (Onassis) e, em 1966, passa a se dedicar ao prêt-à-porter.
Imortalizou os vestidos longos e fluidos da era da discoteca na década de setenta.

Haute-couture – “alta-costura” em francês, designa um processo de produção de


artigos de moda exclusivos, feitos sob medida. Surge em 1850, com o advento do
primeiro grande costureiro de “alta-costura”, Charles Frederick Worth. Segue o estatuto
da Câmara Sindical da Alta Costura, que estipula regras para determinar se o que é
produzido por uma maison (grife de alta-costura) consiste em “alta-costura”.
Moda, arte e interdisciplinaridade 160

High Low – mistura aparentemente contraditória do erudito com o popular, do barato


com o caro etc. Na moda, a expressão é usada para designar contraste de volumes e
propostas. Stephen Sprouse foi um dos precursores dessa estética nos anos oitenta,
responsável pela mistura da cultura punk com a alta moda.

Interdisciplinar – que estabelece relações entre duas ou mais disciplinas ou ramos


de conhecimento, que é comum a duas ou mais disciplinas.

Look – é toda produção que uma pessoa veste (ou vestirá) ao mesmo tempo, por
exemplo, camisa, colete, saia, meia, sapato e chapéu. Engloba tudo o que ela está
usando e, geralmente, visa o uso de peças coerentes entre si e a um determinado
estilo.

Malletier – artesão responsável pela confecção de baús, malas e bagagens variadas.


Geralmente ligada à indústria de luxo.

Mass Media – são as mídias envolvidas na comunicação de massa, que visam


alcançar grande audiência. Compreende televisão, rádio, filmes, jornais, internet etc.

Mastige – Mass + Prestige. Define a ideia de pretígio para as massas. Expressão


mais comum às “segundas marcas”, como é o caso da Miu Miu, que é a segunda
marca mais jovem e mais barata da Prada. As marcas principais e mais caras também
vêm aderindo ao Mastige, produzindo acessórios cada vez mais acessíveis. Quem
não pode comprar uma roupa de demi-couture ou prêt-à-porter pode comprar a bolsa,
o óculos de sol, o perfume da marca ou chaveiro. Esses objetos se organizam em uma
escala decrescente de preço e prestígio, mas exerce grande influência sobre quem
deseja consumir a marca.

Moda – conjunto de opiniões, gostos, assim como modos de agir, viver e sentir
coletivos (ex.: moda masculina) ou o uso de novos tecidos, cores, matérias-primas
etc. sugeridos para a indumentária humana por costureiros e figurinistas de renome
(ex.: a moda outono-inverno).

Objeto – coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento


ou uma ação. Artigo, mercadoria, peça.

Partícipe – participante. No caso da arte contemporânea, é aquele que participa da


obra no sentido de lhe dar completude, mas não necessariamente em sua realização. O
Moda, arte e interdisciplinaridade 161

partícipe não é obrigatoriamente levado em consideração no momento da concepção


da obra.

Prêt-à-Porter – expressão francesa que significa “pronto para usar”, refere-se à


roupa pronta vendida nas casas de moda em detrimento da roupa feita sob medida.
Processo massificado de artigos de moda que visava substituir a alta-costura, surgido
no pós-guerra, em 1949.

Processo – sequência contínua de fatos ou operações que apresentam certa unidade


ou que se reproduzem com certa regularidade; andamento, desenvolvimento, marcha.
Modo de fazer alguma coisa; método, maneira, procedimento.

Produto – aquilo que é produzido para venda no mercado. Resultado de um trabalho


ou de uma atividade intelectual, por exemplo.

Roupa – peça ou conjunto de peças de vestir; traje; qualquer tecido que sirva para
adorno ou cobertura.

Tendência – aquilo que leva alguém a seguir um determinado caminho ou a agir


de certa forma; predisposição, propensão. Orientação comum de uma categoria
determinada de pessoas; movimento. Evolução de algo num determinado sentido;
direção, orientação.

Trickle Effect – o Trickle Effect ou Efeito de Gotejamento justifica por si só a difusão


de uma tendência, e diz respeito à criação de fenômenos de moda gerados no topo
ou na base da pirâmide social, que caracteriza respectivamente o Bottom Down e o
Bubble Up.

Vestimenta – peça de roupa que serve para vestir qualquer parte do corpo; vestidura.
Roupa usada como paramento para uma cerimônia, uma liturgia etc.; traje. Tudo o
que forma cobertura, revestimento.

Zeitgeist – “l’air du temps” ou “espírito do tempo”. Expressão que designa algo que
está ligado a um modo de agir, de pensar; comportamento de uma época ou região.
Anexos
Moda, arte e interdisciplinaridade 163

QUESTIONÁRIO INVESTIGATIVO ACERCA DOS ATOS INTERDISCIPLINARES


ESTUDADOS – RESPONDIDO POR PATRÍCIA ROMANO, RELAÇÕES PÚBLICAS
DA LOUIS VUITTON DO BRASIL EM OUTUBRO DE 2011 VIA EMAIL;

“vamos lá Lane,
Estou super corrida mas vou tentar te ajudar. Respondo algumas perguntas e te “dou
de presente” um press release com entrevista do Yves Carcelle sobre a relação da
LV com a Arte
Nele você vai encontrar TUDO!!!

(See attached file: Libro LV-PO.pdf)

1) Qual é seu cargo ou função na Louis Vuitton? GERENTE DE RELAÇÕES


PÚBLICAS E EVENTOS

2) Em que ano a Louis Vuitton iniciou suas operações no Brasil? 1989, COM A
PRIMEIRA LOJA EM SP

3) A entrada da LV no país se deu por meio de algum intermediário ou foi uma


operação própria?

4) Com relação aos trabalhos que envolveram atos artísticos (como a colaboração
de Vanessa Beecroft, Takashi Murakami e Stephen Sprouse), houve alguma
interferência ou adaptação por parte da equipe do Brasil nas campanhas e
produtos ou tudo veio inteiramente pronto e só foi reproduzido aqui? TODAS
AS INICIATIVAS SÃO INTERNACIONAIS E AS EQUIPES LOCAIS APLICAM,
SEGUINDO GUIDELINES SUPER RESTRITOS EM TODAS AS AREAS, DE VM A
COMUNICAÇÃO

5) Em algum momento a equipe da LV Brasil teve contato com algum destes artistas
contemporâneos (Vanessa Beecroft, Takashi Murakami e Stephen Sprouse)? NÃO”

Patricia ROMANO
Louis Vuitton
Public Relations & Events Manager

Na próxima página segue a entrevista em anexo.


Moda, arte e interdisciplinaridade 164

Louis Vuitton
Arte, Moda e Arquitetura

01
Moda, arte e interdisciplinaridade 165

LOUIS VUITTON Arte, Moda e Arquitetura

Este novo livro apresenta as “Louis Vuitton: Arte, Moda e


Arquitetura” oferece, pela primeira

principais colaborações da Louis vez na história da marca de luxo, uma


seleção criteriosa dos intercâmbios

Vuitton com artistas, arquitetos, criativos estabelecidos entre a Louis


Vuitton e um crescente número

designers, estilistas e fotógrafos de


de designers dos mundos da arte,
arquitetura, design, fotografia e

renome internacional.
moda. Essa antologia ricamente
ilustrada é complementada por

Um verdadeiro trabalho de
ensaios críticos que analisam e
trazem novas perspectivas sobre o
comprometimento da Louis Vuitton
referência, oferece uma nova durante um dos períodos mais
férteis da criação contemporânea.
perspectiva sobre as relações que Escrito por críticos internacionais
dos mundos da arte, moda e

a marca de luxo estimula com a arquitetura, esse trabalho, com mais


de 400 páginas e ilustrado com 400

criação contemporânea. documentos coloridos, será publicado


em três idiomas – francês, inglês

Uma edição luxuosa especialmente e italiano – e estará disponível nas


livrarias, publicado respectivamente

desenhada por Takashi Murakami por de La Martinière, Rizzoli NY e


Rizzoli Italia.

estará à venda exclusivamente nas Uma edição luxuosa desenhada


exclusivamente para a Louis Vuitton

lojas Louis Vuitton em todo mundo por Takashi Murakami estará à venda
nas lojas Louis Vuitton e no site www.

a partir de 1 de setembro de 2009.


louisvuitton.com a partir de setembro
de 2009.

02
Moda, arte e interdisciplinaridade 166

LOUIS VUITTON Arte, Moda e Arquitetura

Louis Vuitton e Criação Takashi Murakami e Richard Prince


intervieram até mesmo diretamente com
o Monograma da Maison, apropriando-se
Um símbolo de elegância e da art de vivre
livremente das suas formas e identidade
dos franceses, a Louis Vuitton cultivou
visual. As colaborações entre a Louis
uma relação íntima com o mundo das
Vuitton e outros artistas assumiram uma
artes desde sua fundação em 1854.
variedade de formas: projetos de vitrines,
Inventando a arte de viajar, a Louis
instalações artísticas específicas para as
Vuitton e seus sucessores mantiveram-
lojas, exposições no Espace Louis Vuitton
se sintonizados com uma era em rápida
no último andar da Champs-Elysées
mudança, e trabalharam com os mais
Maison, e a aquisição de novas obras para
renomados engenheiros, decoradores,
a coleção de arte da Maison.
pintores, fotógrafos e designers da época.
No mesmo espírito, a Louis Vuitton
Esta fascinação por formas inovadoras
convocou um panteão internacional
de expressão cresceu durante as
de arquitetos para projetar suas lojas,
décadas seguintes e continua hoje sob a
incluindo Jun Aoki, Kumiko Inui e Peter
orientação do seu diretor artístico, Marc
Marino. Campanhas de publicidade
Jacobs; sapatos, relógios, jóias e coleções
também criaram oportunidades de
de roupas juntaram-se à diferenciada
trabalho com fotógrafos talentosos como
coleção de bolsas, malas e acessórios de
Jean Larivière, Annie Leibovitz, Inez Van
viagem.
Lamsweerde e Vinoodh Matadin.
O interesse da Louis Vuitton pela arte teve
início nos anos 80, quando ela começou
a trabalhar com pintores como César, Sol
LeWitt e Olivier Debré. Sobre a Louis Vuitton
Demonstrando a influência da arte sobre
a arte do artesão, essas cooperações Líder mundial em luxo, a Louis Vuitton
ricamente texturizadas tornaram-se tem sido sinônimo da arte de viajar com
uma tradição e atingiram novos níveis elegância desde 1854. Desde 1997, com
quando Marc Jacobs juntou-se à a chegada do designer Marc Jacobs,
Maison em 1997. Apaixonado pela arte ela estendeu sua expertise para roupas
contemporânea, Jacobs convidou alguns femininas e masculinas, relógios e jóias,
dos artistas mais renomados do mundo combinando o artesanato tradicional com
para juntar forças com a Louis Vuitton, faro e inovação para criar uma experiência
intensificando os pontos de intercâmbio de estilo de vida completa. Desde 1987,
entre a arte e a moda em um nível sem ela integra o Grupo LVMH/Moët Hennessy.
precedentes. Entre essas parcerias Louis Vuitton, o maior grupo de artigos de
renomadas, o falecido Stephen Sprouse, luxo do mundo.

03
Moda, arte e interdisciplinaridade 167

Entrevista com Yves Carcelle,


Presidente e CEO da Louis Vuitton

Por que publicar hoje criação da Fundação Louis Vuitton para a


Criação, anunciada em outubro de 2006
um livro retrospectivo por Bernardo Arnault, Presidente e CEO

sobre as principais da LVMH/Moët Hennessy.Louis Vuitton.


A futura Fundação será um espaço
colaborações da Louis novo e um conceito animador que terá
como objetivo estimular o diálogo com
Vuitton? um grande público e oferecer a artistas
e intelectuais uma plataforma para
Na Louis Vuitton, a influência da arte discussões, inspiração e reflexão.
tem sido uma inspiração óbvia para
novos produtos, arquitetura das lojas, Se a marca inspira artistas, designers e
colaborações artísticas e para as arquitetos, eles, por sua vez, inspiram a
campanhas de publicidade da Maison. Louis Vuitton. Essa inspiração mútua é
Nosso desejo de construir e aumentar muito desafiadora e produtiva, não apenas
nossa relação com o mundo da arte para o mundo do luxo, mas também para
contemporânea nos levou a trabalhar o mundo da arte contemporânea.
com inúmeros artistas da nossa era,
como fotógrafos, arquitetos e estilistas.
Para a Louis Vuitton, foi essencial traçar, Como você explica
através de uma antologia fascinante, suas
cooperações artísticas mais significativas. o sucesso das
Nesse livro, o foco está nos artistas que colaborações da Louis
tiveram um impacto na história da Louis
Vuitton. Vuitton?
Qual é o papel da Louis
A moda, o luxo, a arte e a arquitetura
unem-se para propor uma nova visão do
Vuitton no mundo da mundo e nos levar para longe do comum.
A arte contemporânea nos fornece um
criação contemporânea? ponto de vista alternativo. A arquitetura
moderna, inseparável do mundo do luxo,
De todas as marcas de luxo, a Louis desempenha um papel preponderante no
Vuitton pode afirmar com certeza estabelecimento do nome da Louis Vuitton
que ela mantém as associações mais no mundo moderno. A indústria da moda
férteis e variadas com o mundo das e seus designers dão uma nova energia e
artes - na verdade, essa é uma tradição uma criatividade singular às coleções de
que remonta quase que à origem da roupas da Maison.
Maison. Este desejo de criar e reinventar Um artista contemporâneo,
continuamente e, ao mesmo tempo, independentemente de ser um arquiteto,
manter e transmitir a história e identidade fotógrafo ou estilista, muitas vezes produz
da marca, foi transformado em múltiplas criações inesperadas. É um desafio
colaborações, na maioria das vezes ousado para a Louis Vuitton e eu acredito
bastante inesperadas. Constantemente que pouquíssimas marcas foram capazes
renovado sob a influência de Marc Jacobs, de ultrapassar as barreiras e chegar
o comprometimento da Louis Vuitton com a este ponto entre o luxo e a criação
as artes foi recentemente fortalecido pela contemporânea.

04
Moda, arte e interdisciplinaridade 168

Louis Vuitton
Arte, Moda e Arquitetura

Uma seleção de 80 artistas Autores


Três ensaios assinados por três
Haluk Akakçe, Azzedine Alaïa, Mert Alas críticos: Louis Vuitton & Arquitetura:
& Marcus Piggott, Jun Aoki, Ron Arad, Arman, Learning from Louis Vuitton
Gae Aulenti, Shigeru Ban, Philippe Barthélémy [Aprendendo com a Louis Vuitton]
por Taro Igarashi
& Sylvia Griño, Vanessa Beecroft, Manolo Louis Vuitton & Arte:
Blahnik, Eric Carlson, Gilles Carnoy, 33 colors [33 cores]
César, Jaime Chard, Kirill Celuskin, por Jill Gasparina
Louis Vuitton & Moda:
Sandro Chia, Claude Closky, Patrick O império dos sinais [The empire of
Demarchelier, Olivier Debré, Vincent Dubourg, signs] por Olivier Saillard
Olafur Eliasson, Teresita Fernández,
Sylvie Fleury, Frank Gehry, Romeo Gigli, Contribuições de Simon Castets, Jill
Jean-Paul Goude, Guzman, Zaha Hadid, Hans Gasparina, Emmanuel Hermange,
Hemmert, Anouska Hempel, Taro Igarashi, Marie Le Fort, Ian Luna,
Marie Maertens, Rebecca Mead,
Fritz Hansen, Kumiko Inui, Arata Isozaki, Cédric Morisset, Glenn O’Brien, Olivier
Marc Jacobs, Alexey Kallima, Rei Kawakubo, Saillard, Valerie Steele e Philippe
David LaChapelle, Xavier Lambours, Trétiack.

Helmut Lang, Jean Larivière, Jacques-Henri Com a colaboração de Hervé


Lartigue, Ange Leccia, Annie Leibovitz, Mikaeloff, Curador e Consultor
Sol LeWitt, Christian Liaigre, Michael Lin, Editorial.

Katherina Manolessou, Peter Marino,


Raymond Meier, Miss.Tic, Isaac Mizrahi,
Nicolas Moulin, Takashi Murakami,
Malakeh Nayini, Jean-Jacques Ory,
Martin Parr, Bruno Peinado, Fabrizio Plessi,
Richard Prince, Andrée Putman,
Jean-Pierre Raynaud, Razzia, Ugo Rondinone,
James Rosenquist, Alberto Sorbelli,
Stephen Sprouse, Philippe Starck,
Sybilla, Juergen Teller, Ruben Toledo, Nicole
Tran Ba Vang, James Turrell,
Inez Van Amsweerde & Vinoodh Matadin,
Julie Verhoeven, Zhan Wang,
Vivienne Westwood, Tim White-Sobieski,
Robert Wilson, William Adjété Wilson.

05
Moda, arte e interdisciplinaridade 169

LOUIS VUITTON Arte, Moda e Arquitetura

Título
Louis Vuitton : Arte, Moda e Arquitetura

Edição Limitada da Louis Vuitton


Edição de luxo desenhada por Takashi Murakami:
Edição encadernada com uma capa com “LV with hands” (LV com
mãos) e uma caixa em plexiglass gravada com padrão Damier.
À venda exclusivamente nas lojas Louis Vuitton e no site
www.louisvuitton.com

Data da publicação: 1 de setembro de 2009


Formato: 24 x 31cm
3 folhetos 91/2 x 121/4”
404 páginas, 400 ilustrações

Edições de Livrarias
Rizzoli USA, versão em inglês
Editions de La Martinière, versão em francês
Rizzoli Italia, versão em italiano
À venda nas livrarias

Fotos
Fotos livres de direitos autorais estão disponíveis em:
https://easyshare.oodrive.com/workspace/vuittonpresse
Login: LVAFA
Senha: lvbook

Edição Limitada Louis Vuitton copyrights: © 2002 Louis Vuitton


Malletier / Takashi Murakami / Kaikai Kiki Co., Ltd. Todos os Direitos
Reservados.

Communication Louis Vuitton Brazil


Patricia Romano – p.romano@br.vuitton.com
PR Assistant Brazil– Tatiana De Nichile – pr_brasil@br.vuitton.com
Louis Vuitton Haddock Lobo- Rua Haddock Lobo, 1587, 3º andar (11) 3063-0798

Atitude Comunicação Rio de Janeiro


Kika Gama Lobo e Camilla Alves - milla@atitude.inf.br

www.louisvuitton.com

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