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A instituição escolar sob o olhar psicopedagógico

Maria do Carmo Ribeiro Abreu1


Sueli de Paula Cunha2

O título deste capítulo: A instituição escolar sob o olhar


psicopedagógico, traz a dobra3 de duas expressões fundantes: “Instituição
escolar” e “olhar psicopedagógico”, conectadas pelo “sob” que relaciona as
duas expressões, e remete-as ao estado circunstancial de a primeira estar
“debaixo de” e, a um só tempo, campo para a invenção da segunda.
Nessa linha de pensamento, o olhar psicopedagógico será
destrinchado em primeiro lugar, uma vez que possibilita o garimpo dos valores
em ação; dos entraves ao aprendizado; dos ditos e dos mal ditos na
comunicação. Enfim: dos saberes e dos fazeres pedagógicos institucionais.
Ao ampliar a visão sobre o campo, os olhos (substantivo comum
plural) carregados de simbologia e de ancestralidade4 convocam para o cenário
a realidade institucional desconhecida e misturam o visível da escola com o
seu invisível; o direito com o avesso; o instituído e o instituinte; o fora, o
entorno, as singularidades com o dentro da instituição, das pessoas e das
comunidades envolvidas em trilhas incertas e transversais. Neste processo há
um risco, as forças do convencional, das certezas proclamadas, da binaridade
podem interferir e extraviar o Psicopedagogo, atuante no âmbito institucional5.

1
Pedagoga, psicopedagoga, Ms. em Educação, doutoranda em Educação, Ex-Presidente da
Associação Brasileira de Psicopedagogia–Seção Goiás (ABPp/GO). E-mail:
mribeiroabreu@yahoo.com.br. (62) 99637 2005
2
Psicóloga, psicopedagoga, Ms. em Educação, Conselheira Vitalícia da ABPp/GO. E-mail:
suelipsi@gmail.com. (62) 984383834
3
Deleuze utiliza o conceito de dobra como possibilidade de pensar criativamente a produção
da subjetividade como uma forma de atuar, de criar e inventar seu pensamento a partir de
dobras de outros pensamentos.
4
Olhos de Hórus – símbolo de força, poder, coragem e proteção; Olho grego – símbolo de
sorte e energia positiva, limpeza, saúde, luz, paz e a proteção.
5
A Psicopedagogia oferece dois campos de atuação ao Psicopedagogo: o clínico onde
trabalha em espaços de atendimento psicopedagógico e o institucional onde atua como pessoa
contratada e, nesse caso, pertence ao quadro de gestão da escola. Pode também, prestar
serviços como assessor e consultor por tempo determinado.
Emerge daí a espreita às nuances impensadas para uma transformação
pertinente do conhecimento e da realidade, mas que não se sabe de antemão
o trajeto do destino, embora tenha o traçado de plano comum6. A realidade é
transformada à luz do cuidado e de engajamento, mediante a intervenção
necessária, como visto em Deleuze e Guatarri (1995) e Fonseca e Kirst,
(2003). Ressalta-se que o olhar psicopedagógico não constituiu objeto de
estudos desses autores. No entanto, o método cartográfico designado por eles,
é um achado complementar ao referencial psicopedagógico deste trabalho - em
face da sua utilidade para descrever processos mais do que as coisas em si.
Por outro lado, a escrita deste texto se atém ao trabalho do
Psicopedagogo na área institucional escolar, na modalidade de assessoria e
consultoria, campo de atuação das autoras, sempre empenhadas na produção
da aprendizagem no e com o coletivo da escola. Propõe interrogar a atuação
da Psicopedagogia, sobretudo, à luz dos estudos de Alicia Fernández (1991,
1994, 2001), das contribuições de Deleuze e Guattari (1992, 1995), Gandin
(2001), Lourau (2004) e Kastrup (2019, 2020, 2021), e, talvez, iniciar um
percurso por interessantes achados, em hachuramento com as experiências7
de longos anos de trabalho das escritoras deste texto.
A partir da cartografia8, pretende, também, instigar rotas diferenciadas
daquelas que têm sido o trajeto da Psicopedagogia Institucional; encontrar
pistas de fuga dos roteiros prontos que roubam a dinâmica da escola; olhar por
outros pontos e embaraçar os ângulos dos olhares em busca da realidade
escorregadia; desenhar linhas na trama e no drama de vida na escola em
busca de novas “pensamentações” e invenções em nome do aprender.

6
Plano comum na pesquisa cartográfica, segundo Krastup (2020) se refere ao traçado do
comum de uma da ação interventiva em que sujeito e objeto, nós e eles, nós mesmos e eles
mesmos e o campo, o não humano participam da construção, reconstrução do plano comum,
por isso é heterogêneo, não dado pronto. É construído com. O importante é colocar a
sensibilidades em campo. Tem como diretriz metodológica a transversalidade (sem
horizontalidade e sem verticalidade) por meio da participação, da inclusão e da tradução.
Forma uma rede de articulação rizomática sem hierarquia.
7
Experiências no sentido proposto por Larrosa Bondía (2002, p. 21), "a experiência é o
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece,
ou o que toca".
8
Cartografia – Pertence ao campo do fazer, do inventar, do devir. Mapeia o território e
produz mapa “conectável, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente” (Deleuze; Guattari, 1996, p. 21). Instrumentaliza a resistência aos modos de
objetivação e subjetivação.
A interrogação aqui proposta anuncia uma prática em processualidade,
referendada pelos estudos dos autores citados, somada às vivências e à
reflexibilidade das autoras sobre esse vivido - acumulado e repaginado na
travessia do trabalho. Transpõe, por isso, o mero exercício teórico, pensar por
pensar, e registra o zigue-zague da lida com atividades experenciadas, pelas
duas autoras deste texto9, em instituições escolares.
O sujeito que se propõe engajar no campo da instituição escolar, à luz
do olhar psicopedagógico, se encontra com outros sujeitos e grupos capazes
de outros olhares que não são os seus e, porque diferentes, exigem abertura
para a escuta, logo: não há movimentos pré-estabelecidos, uma vez que
vivencia as experiências sem se amarrar aos pontos de vistas e sem anular a
observação ou refutar os fundamentos.
Este texto se compõe da explicitação de um referencial teórico e da
cartografia de uma atuação das autoras em campo. Assim delimitado:
1. Existe uma Psicopedagogia para a clínica e outra para a instituição?
2. A Instituição: todo, as partes e as bordas
3. Leitura psicopedagógica da escola sob o olhar do Institucional
4. Cenas e linhas de uma experiência: Cartografia, outra
5. As pensamentações insistem
Quiçá esta narrativa possibilite-nos pensar, sentir e agir de um modo,
outro.

1. Existe uma Psicopedagogia para a clínica e outra para a


instituição?

O Código de Ética do Psicopedago diz no Art. 1.º que:

“A Psicopedagogia é um campo de atuação em


Educação e Saúde que se ocupa do processo de
aprendizagem considerando o sujeito, a família, a
escola, a sociedade e o contexto sócio histórico,
utilizando procedimentos próprios, fundamentados
em diferentes referenciais teóricos”.

9
A cada parágrafo a alegria de pensar com, de lançar o carretel de ideias e juntas recolher
as linhas, num jogo onde a apropriação conjunta é comemorada. Escrever em parceria, abrir
um espaço entre as duas e o pensável. Exercício de compartilhar, sustentar, escutar,
testemunhar, divergir, “consensuar”, diferenciar. Escrever deixando marcas, inscrições
individuais e dialógicas, possibilitadoras da autoria a quatro mãos.
Embora atue em dois campos (Educação e Saúde), a Psicopedagogia é
uma só. Alicia Fernández, referência clássica da Psicopedagogia, esclarece a
inadequação de separar Psicopedagogia clínica de Psicopedagogia
institucional, como campos de atuação diferenciados por espaços físicos de
atuação. Argumenta que:
Esta dicotomização é causante e indicadora de
uma série de erros, em um ato extremo tentar
trasladar as modalidades de trabalho e o enquadre
do consultório à escola, e no outro extremo tentar
substituir o pedagogo. Ambos erros correspondem
a uma onipotência que termina em impotência.
(1994, p.?)

A Psicopedagogia pertence à instância do aprender e este traz em


sua dinâmica o perguntar e o perguntar-se. Perguntar envolve o outro e a mim
mesmo. Estende-se à teoria como ferramenta para a intervenção necessária.
O aprendizado está na dependência da abertura de um espaço à pergunta
articulada a três instâncias: desconhecimento, conhecimento e desejo de
conhecer.
Desse modo, o ato de problematizar potencializa e capacidade do
humano em sua atividade inventiva, bem como de elimina o determinismo que
a recognição10 impõe. A aprendizagem a partir da invenção, da pergunta e da
problematização “abre espaço para a produção de novas subjetividades,
reconfigurações do mundo, sendo, portanto, interna a nós, e não externa,
unicamente” (Kastrup, 2014)
A Psicopedagogia considera a história da instituição, da vida dos
sujeitos em sua singularidade e a própria história desses sujeitos como
protagonistas da e na instituição. Assim o faz pelo fato de a realidade ser
inventiva, “as coisas acontecem embaraçadas em transformações permanentes,
marcadas pela imprevisibilidade do território rizomático11 (Informação verbal)12.
Ela também preconiza a necessidade do afetivo nas relações de
aprendizagem e propõe aprofundamento teórico; troca de experiência; pesquisa
10
Recognição: Forma de conhecer que barra a invenção e não abre espaço para a produção
de novas subjetividades.
11
Rizomático: “Refere-se a rizoma uma rede de linhas com crescimento por todas as vias
cuja natureza é incerta. Processo pensado sem ascendência e linearidade A cartografia parte
dessa ideia”. (Fala da Prof.ª Dr.ª Virgínia Kastrup, no curso "+ pistas: cartografias da
invenção”, Binah, em 09 de abril de 2021)
12
Fala da Prof.ª Dr.ª Virgínia Kastrup, no curso "+ pistas: cartografias da invenção”, Binah,
em 09 de abril de 2021
e intervenção; sugere a reflexão da prática educativa. Na mesma medida
mobiliza o educador a investigar sua própria história de aprendizado para se
conhecer e ressignificar sua a relação com o conhecimento e, fortalecido,
engajar-se no processo de aprendizagem do outro e seu próprio. Assim, a
Psicopedagogia humaniza a ação educativa e recupera o prazer na
aprendizagem.
Neste texto, o foco é a Psicopedagogia Institucional, campo onde
acontecem surpreendente trilhas no processo de invenção, de intervenção, de
cuidado do mediador. Situa-se além da descrição dos fatos e exige a
dissolução do ponto de vista pessoal, que carece de outros pontos de vistas,
vistos de outros pontos e, sempre com o grupo, coletivo da escola.
A Psicopedagogia no campo institucional ainda se apresenta um tanto
marginalizada, como observa a vivência destas autoras como professoras de
cursos de especialização em Psicopedagogia; conselheiras da Associação
Brasileira de Psicopedagogia – Seção Goiás e em conversas com pares. No
geral, a preferência profissional acontece pelo atendimento psicopedagógico
em espaços especializados. Tema para estudos futuros.
No entanto, a Psicopedagogia Institucional sinaliza em sua atuação o
devir de uma escola em que a aprendizagem seja eixo central no processo de
construção coletiva em que sujeito e objeto, teoria e prática se conectam no
“entre”, entre coisas e entre pessoas, gerando conhecimento do interesse (inter -
esse), acima das formas de domínio permanentes, mais importantes e
estudadas de antemão. “Entre as coisas não designa uma correlação localizável
que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular,
um movimento transversal que as carrega uma e outra, [...]” (DELEUZE E
GUATARRI, 1995).
A percepção da instituição escolar se faz em um interminável devir, por
isso como afirmado anteriormente, adentrar uma escola a serviço de uma
intervenção psicopedagógica, talvez, se pareça com cutucar uma caixa de
maribondos. Encaixados, a paz reina na exterioridade, mas basta um toque
externo e tudo se torna perigoso. O movimento se faz em urgência. O desafio,
segundo Lourau (2004), é que a intervenção constitua nova força que entra em
cena nas relações com forças já existentes.
Em tais circunstâncias, o Psicopedagogo Institucional trabalha com o
devir, com as dobras e redobras, nas quais os posicionamentos se movem e
reposicionam-se e, na esteira, é costumaz assustar com a prática dos
estranhamentos em sincronia com Gravatá (2020, p.10): “praticar
estranhamento é duvidar das fotografias do mundo na nossa cabeça”13.

2. A Instituição: todo, as partes e as bordas

E como se dá esse processo no ambiente institucional? A leitura dos


autores aqui escolhidos para o pensar as instituições do ponto de vista macro,
e para posteriormente adentrar as educativas, em especial, a escolar, sob o
olhar psicopedagógico, elucida que estas são constituídas nas relações
mútuas, articuladas, justapostas e concomitantes de elementos objetivantes e
subjetivantes, imbricados em embates das formas e das forças.
Tal proposição permite conectá-la diretamente com o pensamento
psicopedagógico sobre a aprendizagem que necessita de dois personagens: o
ensinante, o aprendente e um vínculo estabelecido entre os dois. A
aprendizagem é processo que se desenvolve em uma matriz vincular e lúdica
(FERNÁNDEZ,1991). A autora, ainda afirma:

“Aprender é apropriar-se, apropriação que se dá a partir


de uma elaboração objetivante e subjetivante. A
elaboração objetivante permite apropriar-se do objeto
ordenando-o e classificando-o.... A elaboração
subjetivante tratará de reconhecer e de apropriar-se
desse objeto a partir das experiências que o sujeito tem
sobre este objeto” (p.116).

Esta dinâmica acontece a partir da articulação das quatro instâncias


que constituem o sujeito (desejo, inteligência, organismo e corpo) e do vínculo
que este sujeito estabelece com o outro (ensinante e aprendente).
A aprendizagem acontece em muitos espaços institucionais, formais e
não formais, dentre os formais, neste estudo, ocorre na Instituição Escolar.

3. Leitura psicopedagógica da escola sob o olhar do Institucional

13
GRAVATÁ, A. Ler plutões. In: O jogo de ler o mundo. SP, edições SM.2020.
O que aprendi a ler?
Comecei pelos olhos das pessoas.
Bel Santos Mayer14

Enquanto instituição social, a escola a um só tempo forma e expressa


a sociedade em que está inserida. O deslinde do trabalho psicopedagógico põe
à mesa a compreensão das tramas estabelecidas, a partir das interações entre
as redes externas que a tencionam e que são, ao mesmo tempo, tensionadas
por ela e que se revelam em movimentos instituídos que obstaculizam o
aprender, provocando a busca por outros encadeamentos que surgem como
processos instituintes, conforme Fernández (2001 p.35) “A Psicopedagogia
dirige-se para a relação entre modalidade de ensinante da escola e a
modalidade de aprendizagem de cada aluno e a este como aprendente e
ensinante em seu grupo de pares.”
Nessa linha, o fazer psicopedagógico, na escola, se abastece dos
conhecimentos e da atitude clínica. A palavra “clínica”, segundo Fernandez
(1994), faz referência a uma atitude profissional, a um modo de olhar e de
intervir em Psicopedagogia. Considera as determinações inconscientes que
participam no processo de aprender, em especial, um modo de intervir que me
inclui como partícipe no campo onde trabalho, dando conta, portanto de
fenômenos de transferência e de implicação
A mesma autora (2001), ainda, propõe seis instâncias que atuam
simultâneas e fornecem pistas para traçar o primeiro plano comum de
intervenção psicopedagógica nas escolas que, acima da participação,
necessita do engajamento e da confiança de toda comunidade que a compõe e
refere-se:
1. Ao sujeito aprendente que sustenta cada aluno;
2. ao sujeito ensinante que habita e nutre cada aluno;
3. à relação particular do professor com seu grupo e com seus
alunos;

14
GRAVATÁ, A. O que aprendi a ler. In: Cartas a jovens educadores/as. Disponível em: <
https://abre.ai/cVjR>. Acessado em 06/06/2021
4. à modalidade de aprendizagem do professor e, em
consequência, à sua modalidade de ensino;
5. ao grupo de pares real e imaginário a que pertence o professor;
6. ao sistema educativo como um todo.
Nestas seis instâncias há um convite para desvelar como a
comunidade escolar olha para as singularidades e multiplicidades que se
estabelecem entre os diversos personagens, o contexto e o conhecimento.
No cenário desenhado, a Psicopedagogia Institucional no espaço
escolar constitui-se de intrincados olhares (ABREU, 2000). Uns instituídos,
outros instituintes, mas constituídos em conjunção:
1. olhar da legislação;
2. olhar técnico e instrumental específicos da Psicopedagogia;
3. olhar da Psicopedagogia sobre aprender e ensinar;
4. olhar teórico inter e transdisciplinar.
Esses olhares dispensam hierarquia, acontecem de forma transversal na
totalidade existencial de instituição e de forma simultânea. Às vezes
embaralhando a realidade, em outras desvendando escondidos incrustados
nela. “Longe de limitar seu olhar à realidade fixa, tal como propõe a abordagem
da representação, a cartografia visa a ampliação da nossa concepção de
mundo para incluir o plano movente da realidade das coisas.” (ESCÓSSIA E
TEDESCO, 2020 p.92) Tal qual a Psicopedagogia com a atuação institucional.
Os dois primeiros, olhar legislação e olhar técnico e instrumental,
específicos da Psicopedagogia, pertencem ao território do instituído,
prescrevem a ordem estabelecida: a legislação educacional, as normas
escolares, os valores, os modos de representação e de organização da escola,
considerados normais, como igualmente os procedimentos habituais de
previsão econômica, social e política (Lourau, 2004). Em Deleuze e Guatarri
(1998) correspondem do plano da forma.
Os dois últimos, olhar da Psicopedagogia sobre aprender e ensinar e
olhar teórico inter e transdisciplinar habitam desregradamente as brechas do
instituinte que, a um só tempo, possibilita “a contestação, a capacidade de
inovação e, em geral, a prática política como "significante" da prática social”
(LOURAU, 2004, p.11). Em Deleuze e Guatarri (1998), o instituinte é do
pertencimento do plano de forças, no qual acontecem relações contraditórias
levados por fluxos capazes de produzir subjetividades coletivas e moventes na
dinâmica da escola. Aqui ocorre a invenção que se atrela à aprendizagem
criativa.
Os quatro olhares acontecem em nome da intervenção “encomendada”.
Entrecruza os fios entre os quais passa a trama para formar o tecido da
instituição escolar. Dinâmica ritualística e inovadora, em que os múltiplos
olhares, neste momento, se condensam em um olhar síntese, para romper com
a diferença entre fazer (poiein) e agir (prattein) e, nesse movimento, possibilitar
a ruptura da organização instituinte, que constrói invisivelmente o lócus
pedagógico de uma escola e lhe constitui um jeito próprio de caminhar.
O Psicopedagogo que atua na instituição escolar há de lançar esses
olhares atelhados à escuta, o que lhe possibilita a tessitura dos múltiplos
olhares à luz da realidade existencial, para a compreensão da dramática escrita
e inscrita nas tramas do espaço escola. Por isso, a escuta é o complemento
indispensável dos múltiplos olhares.

5. Relato de uma experiência: Cartografia, outra

quantas são as linhas e liminares do corpo


quantas linhas você é valente de revoltar
quais linhas você vai esquecer de propósito
quais linhas não aceitam escrever só escavar
Edição 5 – jornal das miudezas15

A partir daqui a experiência do olhar psicopedagógico sob a


instituição escolar, lavrada no relato cartográfico, acontece em cenas, linhas
e estações, balizadas pelos afetos e afectos vivenciadas, durante o percurso e
intensificadas pelo sentir, pensar e agir concomitantes.

a. Cena 1 – Recebimento de convite de uma escola particular

A direção escolar solicitou a “encomenda” (LOURAU, 1995) produção


do projeto político pedagógico (PPP) – com a queixa16 de que o documento se

15
Jornal das miudezas. Disponível em:
https://drive.google.com/drive/u/0/folders/1K3QTcRWrspj8e_amPu2jsbpiBUi7Orfe. Acessado
em 08/06/2021
16
Segundo Fernández (2000, p.20), “A queixa é lubrificante da máquina inibitória do
pensamento”
distanciava da realidade da escola. Restringia-se, portanto, a um documento de
gaveta, escrito em cumprimento às exigências burocráticas da legislação
educacional à época do reconhecimento legal da escola.
A palavra-chave de uma demanda do trabalho psicopedagógico é
“queixa”. Sinaliza algo embolado que fratura o devir do campo que se
disponibiliza para a intervenção. Por conseguinte, se queixa “atrapa” a
caminhada, urgia interrompê-la. Quebrar-lhe os elos daquela cadeia em que
aprisionavam o instituído da escola. Restava-nos pensar sobre rotas
instituíntes, onde as forças molares e moleculares17, transversalizadas e
atravessadas pela fortaleza de produção, de invenção e de reprodução,
possibilitem mostrar, desvelar e guardar caminhos impensados
Assim, a queixa institucional – desarticulação do PPP com a realidade
daquela escola - sinalizou-nos caminhos outros e, a um só tempo,
possibilitou-nos agenciar os múltiplos olhares, conjugados à escuta, para
desterritorializar18 os escondidos, os não ditos ou mal ditos imbrincados. Ianni
(1996, p.169) diz que: “[...] o sujeito do conhecimento não permanece no
mesmo lugar, deixando que seu olhar flutue por muitos lugares, próximos e
remotos, presentes e pretéritos, reais e imaginários”.
Neste contexto, a pergunta: como construir orientações para os fazeres
institucionais, de modo que os criadores de vida na escola (comunidade
escolar) e construíssem novas trilhas em consonância com o cotidiano escolar?
O perguntar abre possibilidade para o pensar, permite “situar-se com
autoria” (FERNÁNDEZ, 2001, p.55). O movimento aqui provocado foi o de
fazer pensável a prática por nós desenvolvida e apurar a pergunta: qual é o
nosso lugar enquanto Psicopedagogas na produção de um PPP, consoante
com o vivido na escola?

17
Repetindo Deleuze e Guatarri, (1996): Molar - Concebido como enquadrador, duro e que
busca a unidade. Corresponde às estratificações que delimitam objetos, sujeitos,
representações e seus sistemas de referência. Molecular - Concebido como fugidio, liso, que
afirma a multiplicidade e a diferença. Pertence à ordem dos fluxos, dos devires, das transições
de fases, de intensidades.

18
Conforme Barboza e Calza: “A ação de desterritorializar é uma ação de desordem, de
fragmentação para buscar e encontrar novos saberes, menos instituídos, adotando uma
percepção diferenciada que está pronta para descobrir novas ideais além das previstas”.
Disponível em:
<https://www.ufrgs.br/e-psico/subjetivacao/espaco/desterritorializacao.html>. Acessado em
08/06/2021.
b. Cena 2 - Transformação da realidade da escola em campo reflexivo.

A pergunta da “Cena 1” nos convocou a jogar e habitar territórios que


possibilitassem fazê-la pensável.
Jogar em o nosso campo - a experimentação - confluindo-a com a
teoria, enquanto ferramenta conceitual, abriu pistas para a transformação e
reconstrução do plano comum. Nesse movimento, surgiu o espaço entre; entre
a certeza e a dúvida; entre tatear e encontrar. Perguntar convocou novas
perguntas e nos projetou, de novo, ao entre o que conhecíamos e o que não
conhecíamos em uma ida e vinda que nutriu o desejo por conhecer aquela
comunidade escolar.
Refletimos sobre a compreensão do nosso lugar, o da intervenção
psicopedagógica, que tem como propósito “abrir espaços objetivantes e
subjetivantes de autoria de pensamentos” (FERNÁNDEZ, 2001, p.55).
Intervenção psicopedagógica, não interferência, em que reine o saber
soberano das certezas, lugar do ferir entre, mas uma “inter-versão”, que inclui
outras versões, um devir entre quem intervém e o outro.
Com esses antecedentes – cena 1 e cena 2 – partimos para a “mão na
massa”

c. Cena 3 – Construção coletiva do PPP por meio da intervenção


psicopedagógica.

Aceito o convite e dissecado-o em reflexões, estava declarado o nosso


objeto de trabalho: Intervenção psicopedagógica para a construção do PPP
pulsante de forma participativa. Preparamo-nos, organizamos um
planejamento, mas abertas e disponíveis para a intersecção com encontros
impensados, desafiadores em invenção.
Adentramos na escola com o nosso corpo, impregnado de saberes e
fazeres experimentos em outros trabalhos, portávamos a disposição para a
troca em encontros intensivos com as companheiras e companheiros de bordo.
O referencial teórico, caixa de ferramenta, constituiu-se parte da produção de
sentido. Mais do que de um corpus teórico, necessitávamoss do olhar e da
escuta sensíveis e em estado de fluidez e ressignificação permanentes. Desse
modo, levamos em nossa bagagem possibilidades que pudessem ser
experenciadas por todos e a disposição para conjugar com as experiências das
bagagens dos participantes e, na esteira dessa conjunção, acontecer
modificações, transformações e transmutações.
O objeto, PPP, por vezes, se fez impreciso e, nesses momentos,
escapou, do que fora planejado, mas sem escorrer entre os dedos, ao contrário
proporcionou maior consistência. “Quando olho para uma “coisa” não olho para
o objeto em si, ele chega em mim com meu texto corporificado (Informação
verbal) 19
Esta cena - Construção coletiva do PPP por meio da intervenção
psicopedagógica – inaugurou o tempo de apreender a realidade em suas
múltiplas dimensões e de convidar toda comunidade escolar para narrar suas
versões sobre a escola, mediadas pelo perguntar(se) - pensar (se), o dialogar
consigo mesmo e mostrar ao outro o seu saber, pois assim se pode conhecer o
que sabe (Alícia, 2000). Movimento caracterizado pelo desbravamento.
Desafiou-nos a eliminar certezas, problematizar, buscar a produção dados e
analisá-los sem muito saber das certezas, outrora marteladas. Tudo isso gerou
o desenho da escola, com inventividade, onde o constante foram as troca e
afetos, combustíveis do aprendizado.
Assim, a inquietude se inscreveu até o final do trabalho em nosso fazer
psicopedagógico. Formou dobras e redobras no emaranhado da queixa da
instituição escolar em análise, trançado inter e transdisciplinarmente pelo plano
de formas20 ou do instituído que proclamava a ordem estabelecida: a legislação
educacional, as normas escolares, os valores, os modos de representação e de
organização da escola, considerados normais, como igualmente os
procedimentos habituais de previsão econômica, social e política (Lourau,
2004).

19

20
Trata-se do instituído. Prescreve a ordem estabelecida: a legislação educacional, as
normas escolares, os valores, os modos de representação e de organização da escola,
considerados normais, como igualmente os procedimentos habituais de previsão econômica,
social e política (Lourau, 2004). Em Deleuze e Guatarri (1998) correspondem do plano da
forma
Inquietação que é intrínseca ao ensinar e ao aprender; à relação
professor – aluno – conhecimento; à modalidade de aprendizagem21 e à
modalidade de ensino22; aos vínculos entre segmentos e intersegmentos; à
modalidade da gestão; às relações de poder, aos papéis, às funções, à relação
escola – família; à relação escola-sociedade; antes de ser empecilho,
sinalizou-nos os alertas do caminho que entravam nas rodas de conversa de
onde germinava novas propostas de ações, técnicas de experimentações,
recursos.
Nessa linha de pensamento, as três cenas se constituíram-se em pistas
para um percurso interconectado em estações e linhas: Sensibilização,
emergência da coordenação, coleta e análise de dados, escrita do parecer
psicopedagógico.

Iniciou-se a experimentação propriamente.

▪ Estação 1 – Linha Sensibilização:

Ponto inicial do coletivo – sensibilização - que afetou singularidades e


pluralidades dos envolvidos no processo, pessoas, contextos e objetos. Assim,
essa linha sensível movimentou o instituído, impulsionado pelo instituinte,
mobilizou para o engajamento da grande jornada e estabeleceu uma
intencionalidade inicial e o sentimento de pertença de todos na resolução,
mesmo provisória, da “encomenda” institucional.
Nessa estação, o sensibilizar aconteceu com a mediação de recursos
que a criatividade inspira, tais como: imagens, músicas, perguntas, textos,
diálogos, jogos, dramatizações, entre outras experimentações.
Duas modalidades de sensibilização ofereceram as primeiras pistas para
o traçado do plano comum. A primeira, disparadora, provocadora de ação
conjunta e participativa na qual cada um se inclui. Inclui o outro e a escola com

21
Modalidades de aprendizagem - Conceito básico para teoria psicopedagógica. Trata-se da
“maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e conformar seu saber”. (Fernández,
1991, p.107)
22
Modalidade de ensino – “Maneira pessoal de mostrar o que conhece e um modo de
considerar o outro com o aprendente” (Fernández, 2001, p.101)
sua organização e modos de agir. A segunda, sensibilização desafiadora,
movimenta no sentido anti-horário para produzir a transformação da queixa em
pensamento. A queixa funciona como lubrificante da máquina inibitória do
pensamento. Congela-o ao status quo (Fernandez, 2004).
Neste fluxo de sensibilizar, nasceu a premência de um terceiro,
integrado à escola para compor conosco a execução do plano comum. Tempo
de avançar, de seguir para no fluxo da nova estação.

▪ Estação 2 - Linha Um Terceiro.

Propusemo-nos, então, a encontrar um terceiro, conectivo entre nós e a


comunidade escolar. Terceiro que não nos dividisse, mas que agisse no
entremeio em conexão com. Foi escolhido no grupo e pelo grupo a pessoa
ponte, necessária para que o diálogo, os encontros, a organização, o traçado
do plano comum, o engajamento, a análise, a síntese e as interrelações se
efetivassem entre nós e a escola.
A coordenação geral da processualidade de olhar, escutar, dialogar ou
seja: estar junto com foi assumida por nós. Atuamos como mobilizadoras,
animadoras do grupo para cavoucar os fios visíveis e invisíveis que teciam
aquela instituição. Ressalta-se que a tal assunção, desafiou-nos em primeiro
lugar, pelo próprio trabalho no campo da problematização e experimentação no
e com o coletivo da instituição escolar. O segundo desafio se referiu à vivência
no campo de forma tal que abrisse espaço para toda a instituição se
disponibilizasse para afetar e ser afetada, para se alegrar com aprendizagens
impensadas, aumentando a potencialização institucional.
Cuidamos nesse movimento, sempre com a coletividade de instigar a
diminuição da assimetria e do poder; autorizar o desvelamento das variantes
obstaculizadoras do processo de ensinar e de aprender com leituras dos
devires.
Enfim, coordenamos e acompanhamos o processo de tomada de
decisões quanto ao espaço do “que fazer institucional”. O que esteve em jogo
neste trabalho psicopedagógico foi, principalmente, a percepção dos diferentes
olhares. Permitimo-nos deixar-se afetar pela escuta sensível, tudo em conexão,
sobretudo, com a arte de mediar ações, para que a instituição escolar pudesse
se autogerir; tomar decisões focadas nos dados reais, embora provisórios,
relativas a um devir; e para que buscasse a sua autodefinição,
autodeterminação e autopromoção.
Sensibilização realizada, tempo de outras estações afim de promover a
potência em que circule a reflexão e encontre pista para agir.

Pensamos que nosso acionar institucional teria como


premissa básica CRIAR as estratégias de intervenção
em relação ao ensinante-aprendente – na trama vincular
intrassubjetiva, intersubjetiva e transubjetiva –
facilitadoras do processo de crescimento. Acionar no
singular, no plural, no grupal. (MONTALDO APUD
FERNÁNDEZ, 2001, p. 36)..

b. Cena 4 – Planejamento participativo, traçado do plano comum

Balizadas pelas proposições de Gandin (2001) - marco situacional,


marco referencial e marco operativo - desenhamos o caminho a seguir com
possíveis rotas e pistas traçadas no plano comum, mas cientes de que estes
marcos arquitetariam desenhos, outros.
Nesta vivência corporificada, nosso olhar e escuta se dirigiram para o
espaço entre, espaço que torna simultânea a objetividade e a subjetividade.
Um trabalho que acontece na intersubjetividade e com engajamento.

iii. Estação 3 – Linha Coleta de dados:


Nessa parada movente, a utilização de técnicas, experimentações e
instrumentos, tais como roda de conversa, par educativo, diário de campo,
história e organização institucional, histórias de vida, narrativas das
testemunhas dos processos históricos da instituição, jogos, danças,
entrevistas, entre outros promoveram o engajamento do coletivo. “O território
vai sendo explorado por olhares, escutas, pela sensibilidade aos odores,
gostos e ritmos” (Barros e Krastup, 2020). O acompanhamento das questões
pontuadas, abriram janelas à tomada de decisão que, por sua vez, trouxe na
esteira a exigência de rupturas e mudanças institucionais.
A coleta de dados é ação e contém o fazer, mas se esse (objetivante)
acontecer sem o agir (subjetivante) a mesmice permanece e imobiliza a ação.
A falta de transversalização pode circunscrever a instituição no entorno dela
mesma. Ao contrário, se no campo estiver contido as interconexões entre
sentir, pensar e agir, a instituição pode alargar o pensamento e acolher a
mudança.
Os passos contínuos e cumulativos efetuados com a sensibilização,
com escolha do coordenador e coleta de dados conduziram ao tempo de
aportar na próxima estação.

iv. Estação 4: Linha Análise dos Dados


A análise dos dados se constituiu pistas para intervir, com-fiar na
possibilidade de engajamento do outro, dos outros - movimento em que a
realidade a ser observada era composta por fios; por traços e tramas
descontínuas; movimentos de erupção; tudo emaranhado pelas formas e pelas
forças do cotidiano que impulsionaram o prosseguimento da viagem.
No ir e vir das estações chegou o tempo de uma parada para organizar
as pistas experenciadas: sensibilização, emergência de coordenação, coletas e
análise dos dados. Tempo de fluição da inventividade que aconteceu pelo
entrecruzamento das vivências das estações e linhas.
Agora mostrar a cartografia era preciso!

v. Estação 5: Linha Cartografia do Parecer Psicopedagógico.


Aguardar o pensar do outro também se fez necessário. Interligar os
pensáveis em uma rede onde cada um contribui com seu fio é trabalho de
autoria grupal, registro das memórias das estações e linhas que ofereceram
uma multiplicidade de possíveis saídas.
Nesse sentido, mesmo o instrumento da escrita sendo técnico, tendo
uma forma, um enquadre, passa longe a ideia de fôrma, texto seco e objetivo,
sem ‘alma’. Aqui a cocriação do estilo apresentou as singularidades dos
autores. Despossuído de roteiro fixo, nem por isso, o parecer psicopedagógico,
dispensa a coerência ao transformar as observações e fatos obtidos durante a
experiêmentação institucional em possíveis saberes e fazeres.
Na escrita, a inspiração veio também da arte, da música popular,
mesmo sem reconhecimento, como dos versos do saudoso Vander Lee (2007)
que encerram este texto: “Deixa-me perder hora. Pra ter tempo de encontrar a
rima. Ver o mundo de dentro pra fora. E a beleza que aflora de baixo pra
cima”23.

vi. Estação 6 – Linha Devolutiva


Depois do parecer psicopedagógico elaborado, tornou-se
imprescindível apresentar à totalidade da instituição escolar o texto produzido.
Longe de seguir o padrão binário clássico de elencar os pontos positivos e os
pontos a melhorar, transmutamos o exercício da devolutiva, além dos dados
coletados e congelados e inventamos procedimentos, técnicas e recursos que
potencializassem a entrada participativa de todos os envolvidos. Aconteceu
aqui o exercício da transversalidade. Desse modo, houve devolutiva durante
todo o percurso da investigação, na interferência nos pontos de vista, nas
atitudes, no surgir de sujeitos e mundos. Constituiu-se, portanto, como mais
que um momento do trabalho. “O que se faz é restituir/devolver ao problema
bem-feito sua complexidade que, nesse movimento, ao invés de esclarecê-lo
continua a complicá-lo, a afirmá-lo na riqueza de possibilidades” (Almeida e
outros. 2018, p.210).
Portanto, a instituição escolar sob o olhar psicopedagógico se faz em
um interminável devir. Movimento inquieto e expresso ao embarcar, parar,
partir, interconectar experiências da viagem e fazer a memória das estações e
das: sensibilização, emergência da coordenação, coleta de dados, análise de
dados, escrita do parecer psicopedagógico e devolutiva.

6. A insistência das pensamentações

Nunca pude, ao longo de toda minha vida,


resignar-me ao saber parcializado,
nunca pude separar um objeto de estudo
de seu contexto, de seus antecedentes,
de seu vir-a-ser.
Edgar Morin24
O que propusemos neste texto foi interrogar a atuação da
Psicopedagogia à luz dos estudos da área institucional e das contribuições de

23
In: Alma nua. Disponível em:
24
MORIN, E. - Sonora, MX, outono de 2004
lugares outros. Propusemos instigar rotas diferenciadas daquelas que têm sido
o trajeto da Psicopedagogia Institucional; encontrar pistas de fuga dos roteiros
prontos que roubam a dinâmica da escola; conjugar as referências
bibliográficas e iniciar um percurso no território da cartografia.
Muitas “pensamentações”, muitos ir e vir, muitas interrogações, muitos
perguntar-se aconteceram. Em estado de (in)conclusão construímos
conhecimento, pondo em jogo o nosso saber e a liberdade para pensar
(Fernández, 2001).
Como os cartógrafos, sentimos aproximação do campo de trabalho
como estrangeiras visitantes de um território que não que era nosso. “O
território vai sendo explorado por olhares, escutas, pela sensibilidade aos
odores, gostos e ritmos” (Barros e Kastrup, 2020). Se é possível comparar o
Psicopedagogo com o cartógrafo25, então necessário se faz, a abertura ao
plano de forças, assim joga com o apreender a realidade escolar em múltiplas
dimensões, menos de forma – e mais de plano de força – o que, na maioria das
vezes, foge ao controle do estabelecido.
Para jogar com “encomenda “- a queixa de que o PPP era cumprimento
burocrático - uma das ferramentas de maior potência foram perguntas que
nasceram a partir do nosso trânsito entre o referencial teórico e as pistas do
caminho26. Experimentamos a beleza de perguntas brotarem dos olhares e da
escuta em busca, talvez, de uma percepção diferenciada, à espreita da
descoberta de novas ideais, além das visíveis. Fernández (2007, p.113)
convida a: “Desativar a queixa e o aborrecimento para ativar a capacidade de
perguntar”. Perguntar, perguntar a si, ao outro, aos outros como ato de
problematização, de diálogo, de aprendizagem.
A autora ainda esclarece que perguntar nem sempre estabelece relação
biunívoca com a intenção de encontrar uma resposta, simplesmente abre o
espaço "da pergunta"; quer dizer, da simbolização, da mediatização do
pensamento.

25
Nas palavras de Júnior J. DE A. M. cartógrafo, pesquisador que trabalha com método da
cartografia. A cartografia consiste numa espécie de abertura ao finito ilimitado das
possibilidades da existência humana. Na verdade, o cartógrafo acompanha um campo
extremamente dinâmico. O que ele procura incansavelmente são processos e devires.
26
No cotidiano dessa escola, participamos do acontecimento - vida em
plenitude: em toda multiplicidade, beleza, conflitos, estranhamentos e talvez,
por isso, a Psicopedagogia institucional, tal qual a Cartografia, seja o reino dos
desassossegos. Fica o convite de Paulo Leminski em Ler pelo não: “Desler,
tresler, contraler,/ enlear-se nos ritmos da matéria,/ no fora, ver o dentro e, no
dentro, o fora”.

REFERÊNCIAS

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