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Pedagoga, psicopedagoga, Ms. em Educação, doutoranda em Educação, Ex-Presidente da
Associação Brasileira de Psicopedagogia–Seção Goiás (ABPp/GO). E-mail:
mribeiroabreu@yahoo.com.br. (62) 99637 2005
2
Psicóloga, psicopedagoga, Ms. em Educação, Conselheira Vitalícia da ABPp/GO. E-mail:
suelipsi@gmail.com. (62) 984383834
3
Deleuze utiliza o conceito de dobra como possibilidade de pensar criativamente a produção
da subjetividade como uma forma de atuar, de criar e inventar seu pensamento a partir de
dobras de outros pensamentos.
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Olhos de Hórus – símbolo de força, poder, coragem e proteção; Olho grego – símbolo de
sorte e energia positiva, limpeza, saúde, luz, paz e a proteção.
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A Psicopedagogia oferece dois campos de atuação ao Psicopedagogo: o clínico onde
trabalha em espaços de atendimento psicopedagógico e o institucional onde atua como pessoa
contratada e, nesse caso, pertence ao quadro de gestão da escola. Pode também, prestar
serviços como assessor e consultor por tempo determinado.
Emerge daí a espreita às nuances impensadas para uma transformação
pertinente do conhecimento e da realidade, mas que não se sabe de antemão
o trajeto do destino, embora tenha o traçado de plano comum6. A realidade é
transformada à luz do cuidado e de engajamento, mediante a intervenção
necessária, como visto em Deleuze e Guatarri (1995) e Fonseca e Kirst,
(2003). Ressalta-se que o olhar psicopedagógico não constituiu objeto de
estudos desses autores. No entanto, o método cartográfico designado por eles,
é um achado complementar ao referencial psicopedagógico deste trabalho - em
face da sua utilidade para descrever processos mais do que as coisas em si.
Por outro lado, a escrita deste texto se atém ao trabalho do
Psicopedagogo na área institucional escolar, na modalidade de assessoria e
consultoria, campo de atuação das autoras, sempre empenhadas na produção
da aprendizagem no e com o coletivo da escola. Propõe interrogar a atuação
da Psicopedagogia, sobretudo, à luz dos estudos de Alicia Fernández (1991,
1994, 2001), das contribuições de Deleuze e Guattari (1992, 1995), Gandin
(2001), Lourau (2004) e Kastrup (2019, 2020, 2021), e, talvez, iniciar um
percurso por interessantes achados, em hachuramento com as experiências7
de longos anos de trabalho das escritoras deste texto.
A partir da cartografia8, pretende, também, instigar rotas diferenciadas
daquelas que têm sido o trajeto da Psicopedagogia Institucional; encontrar
pistas de fuga dos roteiros prontos que roubam a dinâmica da escola; olhar por
outros pontos e embaraçar os ângulos dos olhares em busca da realidade
escorregadia; desenhar linhas na trama e no drama de vida na escola em
busca de novas “pensamentações” e invenções em nome do aprender.
6
Plano comum na pesquisa cartográfica, segundo Krastup (2020) se refere ao traçado do
comum de uma da ação interventiva em que sujeito e objeto, nós e eles, nós mesmos e eles
mesmos e o campo, o não humano participam da construção, reconstrução do plano comum,
por isso é heterogêneo, não dado pronto. É construído com. O importante é colocar a
sensibilidades em campo. Tem como diretriz metodológica a transversalidade (sem
horizontalidade e sem verticalidade) por meio da participação, da inclusão e da tradução.
Forma uma rede de articulação rizomática sem hierarquia.
7
Experiências no sentido proposto por Larrosa Bondía (2002, p. 21), "a experiência é o
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece,
ou o que toca".
8
Cartografia – Pertence ao campo do fazer, do inventar, do devir. Mapeia o território e
produz mapa “conectável, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente” (Deleuze; Guattari, 1996, p. 21). Instrumentaliza a resistência aos modos de
objetivação e subjetivação.
A interrogação aqui proposta anuncia uma prática em processualidade,
referendada pelos estudos dos autores citados, somada às vivências e à
reflexibilidade das autoras sobre esse vivido - acumulado e repaginado na
travessia do trabalho. Transpõe, por isso, o mero exercício teórico, pensar por
pensar, e registra o zigue-zague da lida com atividades experenciadas, pelas
duas autoras deste texto9, em instituições escolares.
O sujeito que se propõe engajar no campo da instituição escolar, à luz
do olhar psicopedagógico, se encontra com outros sujeitos e grupos capazes
de outros olhares que não são os seus e, porque diferentes, exigem abertura
para a escuta, logo: não há movimentos pré-estabelecidos, uma vez que
vivencia as experiências sem se amarrar aos pontos de vistas e sem anular a
observação ou refutar os fundamentos.
Este texto se compõe da explicitação de um referencial teórico e da
cartografia de uma atuação das autoras em campo. Assim delimitado:
1. Existe uma Psicopedagogia para a clínica e outra para a instituição?
2. A Instituição: todo, as partes e as bordas
3. Leitura psicopedagógica da escola sob o olhar do Institucional
4. Cenas e linhas de uma experiência: Cartografia, outra
5. As pensamentações insistem
Quiçá esta narrativa possibilite-nos pensar, sentir e agir de um modo,
outro.
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A cada parágrafo a alegria de pensar com, de lançar o carretel de ideias e juntas recolher
as linhas, num jogo onde a apropriação conjunta é comemorada. Escrever em parceria, abrir
um espaço entre as duas e o pensável. Exercício de compartilhar, sustentar, escutar,
testemunhar, divergir, “consensuar”, diferenciar. Escrever deixando marcas, inscrições
individuais e dialógicas, possibilitadoras da autoria a quatro mãos.
Embora atue em dois campos (Educação e Saúde), a Psicopedagogia é
uma só. Alicia Fernández, referência clássica da Psicopedagogia, esclarece a
inadequação de separar Psicopedagogia clínica de Psicopedagogia
institucional, como campos de atuação diferenciados por espaços físicos de
atuação. Argumenta que:
Esta dicotomização é causante e indicadora de
uma série de erros, em um ato extremo tentar
trasladar as modalidades de trabalho e o enquadre
do consultório à escola, e no outro extremo tentar
substituir o pedagogo. Ambos erros correspondem
a uma onipotência que termina em impotência.
(1994, p.?)
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GRAVATÁ, A. Ler plutões. In: O jogo de ler o mundo. SP, edições SM.2020.
O que aprendi a ler?
Comecei pelos olhos das pessoas.
Bel Santos Mayer14
14
GRAVATÁ, A. O que aprendi a ler. In: Cartas a jovens educadores/as. Disponível em: <
https://abre.ai/cVjR>. Acessado em 06/06/2021
4. à modalidade de aprendizagem do professor e, em
consequência, à sua modalidade de ensino;
5. ao grupo de pares real e imaginário a que pertence o professor;
6. ao sistema educativo como um todo.
Nestas seis instâncias há um convite para desvelar como a
comunidade escolar olha para as singularidades e multiplicidades que se
estabelecem entre os diversos personagens, o contexto e o conhecimento.
No cenário desenhado, a Psicopedagogia Institucional no espaço
escolar constitui-se de intrincados olhares (ABREU, 2000). Uns instituídos,
outros instituintes, mas constituídos em conjunção:
1. olhar da legislação;
2. olhar técnico e instrumental específicos da Psicopedagogia;
3. olhar da Psicopedagogia sobre aprender e ensinar;
4. olhar teórico inter e transdisciplinar.
Esses olhares dispensam hierarquia, acontecem de forma transversal na
totalidade existencial de instituição e de forma simultânea. Às vezes
embaralhando a realidade, em outras desvendando escondidos incrustados
nela. “Longe de limitar seu olhar à realidade fixa, tal como propõe a abordagem
da representação, a cartografia visa a ampliação da nossa concepção de
mundo para incluir o plano movente da realidade das coisas.” (ESCÓSSIA E
TEDESCO, 2020 p.92) Tal qual a Psicopedagogia com a atuação institucional.
Os dois primeiros, olhar legislação e olhar técnico e instrumental,
específicos da Psicopedagogia, pertencem ao território do instituído,
prescrevem a ordem estabelecida: a legislação educacional, as normas
escolares, os valores, os modos de representação e de organização da escola,
considerados normais, como igualmente os procedimentos habituais de
previsão econômica, social e política (Lourau, 2004). Em Deleuze e Guatarri
(1998) correspondem do plano da forma.
Os dois últimos, olhar da Psicopedagogia sobre aprender e ensinar e
olhar teórico inter e transdisciplinar habitam desregradamente as brechas do
instituinte que, a um só tempo, possibilita “a contestação, a capacidade de
inovação e, em geral, a prática política como "significante" da prática social”
(LOURAU, 2004, p.11). Em Deleuze e Guatarri (1998), o instituinte é do
pertencimento do plano de forças, no qual acontecem relações contraditórias
levados por fluxos capazes de produzir subjetividades coletivas e moventes na
dinâmica da escola. Aqui ocorre a invenção que se atrela à aprendizagem
criativa.
Os quatro olhares acontecem em nome da intervenção “encomendada”.
Entrecruza os fios entre os quais passa a trama para formar o tecido da
instituição escolar. Dinâmica ritualística e inovadora, em que os múltiplos
olhares, neste momento, se condensam em um olhar síntese, para romper com
a diferença entre fazer (poiein) e agir (prattein) e, nesse movimento, possibilitar
a ruptura da organização instituinte, que constrói invisivelmente o lócus
pedagógico de uma escola e lhe constitui um jeito próprio de caminhar.
O Psicopedagogo que atua na instituição escolar há de lançar esses
olhares atelhados à escuta, o que lhe possibilita a tessitura dos múltiplos
olhares à luz da realidade existencial, para a compreensão da dramática escrita
e inscrita nas tramas do espaço escola. Por isso, a escuta é o complemento
indispensável dos múltiplos olhares.
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Jornal das miudezas. Disponível em:
https://drive.google.com/drive/u/0/folders/1K3QTcRWrspj8e_amPu2jsbpiBUi7Orfe. Acessado
em 08/06/2021
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Segundo Fernández (2000, p.20), “A queixa é lubrificante da máquina inibitória do
pensamento”
distanciava da realidade da escola. Restringia-se, portanto, a um documento de
gaveta, escrito em cumprimento às exigências burocráticas da legislação
educacional à época do reconhecimento legal da escola.
A palavra-chave de uma demanda do trabalho psicopedagógico é
“queixa”. Sinaliza algo embolado que fratura o devir do campo que se
disponibiliza para a intervenção. Por conseguinte, se queixa “atrapa” a
caminhada, urgia interrompê-la. Quebrar-lhe os elos daquela cadeia em que
aprisionavam o instituído da escola. Restava-nos pensar sobre rotas
instituíntes, onde as forças molares e moleculares17, transversalizadas e
atravessadas pela fortaleza de produção, de invenção e de reprodução,
possibilitem mostrar, desvelar e guardar caminhos impensados
Assim, a queixa institucional – desarticulação do PPP com a realidade
daquela escola - sinalizou-nos caminhos outros e, a um só tempo,
possibilitou-nos agenciar os múltiplos olhares, conjugados à escuta, para
desterritorializar18 os escondidos, os não ditos ou mal ditos imbrincados. Ianni
(1996, p.169) diz que: “[...] o sujeito do conhecimento não permanece no
mesmo lugar, deixando que seu olhar flutue por muitos lugares, próximos e
remotos, presentes e pretéritos, reais e imaginários”.
Neste contexto, a pergunta: como construir orientações para os fazeres
institucionais, de modo que os criadores de vida na escola (comunidade
escolar) e construíssem novas trilhas em consonância com o cotidiano escolar?
O perguntar abre possibilidade para o pensar, permite “situar-se com
autoria” (FERNÁNDEZ, 2001, p.55). O movimento aqui provocado foi o de
fazer pensável a prática por nós desenvolvida e apurar a pergunta: qual é o
nosso lugar enquanto Psicopedagogas na produção de um PPP, consoante
com o vivido na escola?
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Repetindo Deleuze e Guatarri, (1996): Molar - Concebido como enquadrador, duro e que
busca a unidade. Corresponde às estratificações que delimitam objetos, sujeitos,
representações e seus sistemas de referência. Molecular - Concebido como fugidio, liso, que
afirma a multiplicidade e a diferença. Pertence à ordem dos fluxos, dos devires, das transições
de fases, de intensidades.
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Conforme Barboza e Calza: “A ação de desterritorializar é uma ação de desordem, de
fragmentação para buscar e encontrar novos saberes, menos instituídos, adotando uma
percepção diferenciada que está pronta para descobrir novas ideais além das previstas”.
Disponível em:
<https://www.ufrgs.br/e-psico/subjetivacao/espaco/desterritorializacao.html>. Acessado em
08/06/2021.
b. Cena 2 - Transformação da realidade da escola em campo reflexivo.
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Trata-se do instituído. Prescreve a ordem estabelecida: a legislação educacional, as
normas escolares, os valores, os modos de representação e de organização da escola,
considerados normais, como igualmente os procedimentos habituais de previsão econômica,
social e política (Lourau, 2004). Em Deleuze e Guatarri (1998) correspondem do plano da
forma
Inquietação que é intrínseca ao ensinar e ao aprender; à relação
professor – aluno – conhecimento; à modalidade de aprendizagem21 e à
modalidade de ensino22; aos vínculos entre segmentos e intersegmentos; à
modalidade da gestão; às relações de poder, aos papéis, às funções, à relação
escola – família; à relação escola-sociedade; antes de ser empecilho,
sinalizou-nos os alertas do caminho que entravam nas rodas de conversa de
onde germinava novas propostas de ações, técnicas de experimentações,
recursos.
Nessa linha de pensamento, as três cenas se constituíram-se em pistas
para um percurso interconectado em estações e linhas: Sensibilização,
emergência da coordenação, coleta e análise de dados, escrita do parecer
psicopedagógico.
21
Modalidades de aprendizagem - Conceito básico para teoria psicopedagógica. Trata-se da
“maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e conformar seu saber”. (Fernández,
1991, p.107)
22
Modalidade de ensino – “Maneira pessoal de mostrar o que conhece e um modo de
considerar o outro com o aprendente” (Fernández, 2001, p.101)
sua organização e modos de agir. A segunda, sensibilização desafiadora,
movimenta no sentido anti-horário para produzir a transformação da queixa em
pensamento. A queixa funciona como lubrificante da máquina inibitória do
pensamento. Congela-o ao status quo (Fernandez, 2004).
Neste fluxo de sensibilizar, nasceu a premência de um terceiro,
integrado à escola para compor conosco a execução do plano comum. Tempo
de avançar, de seguir para no fluxo da nova estação.
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In: Alma nua. Disponível em:
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MORIN, E. - Sonora, MX, outono de 2004
lugares outros. Propusemos instigar rotas diferenciadas daquelas que têm sido
o trajeto da Psicopedagogia Institucional; encontrar pistas de fuga dos roteiros
prontos que roubam a dinâmica da escola; conjugar as referências
bibliográficas e iniciar um percurso no território da cartografia.
Muitas “pensamentações”, muitos ir e vir, muitas interrogações, muitos
perguntar-se aconteceram. Em estado de (in)conclusão construímos
conhecimento, pondo em jogo o nosso saber e a liberdade para pensar
(Fernández, 2001).
Como os cartógrafos, sentimos aproximação do campo de trabalho
como estrangeiras visitantes de um território que não que era nosso. “O
território vai sendo explorado por olhares, escutas, pela sensibilidade aos
odores, gostos e ritmos” (Barros e Kastrup, 2020). Se é possível comparar o
Psicopedagogo com o cartógrafo25, então necessário se faz, a abertura ao
plano de forças, assim joga com o apreender a realidade escolar em múltiplas
dimensões, menos de forma – e mais de plano de força – o que, na maioria das
vezes, foge ao controle do estabelecido.
Para jogar com “encomenda “- a queixa de que o PPP era cumprimento
burocrático - uma das ferramentas de maior potência foram perguntas que
nasceram a partir do nosso trânsito entre o referencial teórico e as pistas do
caminho26. Experimentamos a beleza de perguntas brotarem dos olhares e da
escuta em busca, talvez, de uma percepção diferenciada, à espreita da
descoberta de novas ideais, além das visíveis. Fernández (2007, p.113)
convida a: “Desativar a queixa e o aborrecimento para ativar a capacidade de
perguntar”. Perguntar, perguntar a si, ao outro, aos outros como ato de
problematização, de diálogo, de aprendizagem.
A autora ainda esclarece que perguntar nem sempre estabelece relação
biunívoca com a intenção de encontrar uma resposta, simplesmente abre o
espaço "da pergunta"; quer dizer, da simbolização, da mediatização do
pensamento.
25
Nas palavras de Júnior J. DE A. M. cartógrafo, pesquisador que trabalha com método da
cartografia. A cartografia consiste numa espécie de abertura ao finito ilimitado das
possibilidades da existência humana. Na verdade, o cartógrafo acompanha um campo
extremamente dinâmico. O que ele procura incansavelmente são processos e devires.
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No cotidiano dessa escola, participamos do acontecimento - vida em
plenitude: em toda multiplicidade, beleza, conflitos, estranhamentos e talvez,
por isso, a Psicopedagogia institucional, tal qual a Cartografia, seja o reino dos
desassossegos. Fica o convite de Paulo Leminski em Ler pelo não: “Desler,
tresler, contraler,/ enlear-se nos ritmos da matéria,/ no fora, ver o dentro e, no
dentro, o fora”.
REFERÊNCIAS