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para a Educação
RESUMO
1. Introdução
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Em contrapartida, países que enfrentaram dificuldades como guerras civis e
ditaduras em seus passados recentes, têm apresentado resultados excepcionais nas
provas internacionais. Tais desempenhos acabam refletidos na capacidade de inovação,
criatividade e, por conseguinte, na geração de empregos. Podemos citar aqui casos como
o da Coreia do Sul, da Finlândia e da Polônia. Como poderia haver tal discrepância? É
preciso pensar então em que medida poderíamos desenvolver em nossos alunos a
capacidade de se empenharem, dedicarem-se mais nos estudos. Qual a importância do
empenho nos estudos? O avanço acadêmico não seria peculiar aos ditos indivíduos com
Quociente Inteligente alto?
Max Weber, em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” destaca que
países de matriz protestante conseguiram realizar a Revolução Industrial com menor
sofrimento e esforço do que aqueles que rejeitaram tal perspectiva religiosa. Ora, Weber
não estava fazendo um trabalho de apologia religiosa. Mas ele queria entender a relação
entre a perspectiva protestante e o fato de países como Alemanha, Inglaterra e até
mesmo os Estados Unidos haverem realizado a Revolução Industrial. A resposta de
Weber seria o que ele denomina de “Ascetismo”, ou seja, a disciplina. Na teologia
protestante, a justificação, ou seja, a salvação, só pode ocorrer através do sacrifício de
Cristo. No entanto, após ser salvo, o indivíduo vive um processo de mudança, de
conversão espiritual no qual ele abandona velhos hábitos, tornando-se, assim, mais
semelhante a Cristo. Esse processo pode ser denominado de santificação. E é aqui que
Weber entende que está um diferencial importante na chamada ética protestante. A
disciplina de produzir, de negar a si mesmo por um objetivo maior teria se infiltrado na
cultura de tais países, levando-os a desenvolver uma lógica de disciplina pessoal capaz de
promover foco, concentração em determinadas tarefas. Essa disciplina seria, então,
responsável por levar tais países ao sucesso econômico.
No Brasil, porém, a realidade seria muito diferente. Sendo um país católico, a
riqueza poderia ser vista como sinal de luxúria e avareza, pecados capitais. Além disso,
segundo Sérgio Buarque de Holanda, o brasileiro teria a tendência, herdada de Portugal,
de depender do Estado para conquistar seus objetivos. Mas, como essas perspectivas
poderiam estar relacionadas à educação?
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Precisamos analisar o quanto a disciplina, o ascetismo, estaria relacionado ao
desempenho acadêmico para constatar se é factível associar a teoria de Weber ao
contexto educacional. Trata-se, portanto, a partir de um processo qualitativo de revisão
bibliográfica, relacionar as perspectivas de Max Weber com o contexto educacional.
2. Metodologia
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TOUGH, Paul. Uma questão de Caráter. Ed. Intrínseca, pág. 92.
5
RESNICK, Mitchell. Lifelong Kindergarten. Pág. 70.
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Não desejo ampliar muito o assunto. Afinal, a questão da estrutura da escola,
como funciona e a dinâmica de cada aula são temas muito abrangentes. Então basta, por
hora, entender que os alunos não só podem, como precisam e querem desenvolver o
ascetismo. Resnick ainda faz importantes perguntas como: O que motiva tanto as
crianças na escola e o que leva o adolescente a estar desmotivado?
Resnick sugere que a utilização de brinquedos pedagógicos – e faz referências
constantes à própria LEGO – engajaria os alunos ao desenvolvimento de atividades
estimulantes que demandam tempo, atenção e são academicamente instrutivas.
Mas, ainda permanece uma questão importante. Enquanto Coreia do Sul,
Finlândia, Polônia, Cingapura, Japão, conseguem desenvolver projetos educacionais nos
quais trabalha-se com a autodisciplina dos indivíduos, como poderíamos entender o lugar
em que o Brasil se encontra nessa perspectiva?
Sérgio Buarque de Holanda retrata um cenário interessante. Tendo em vista o fato
de o Brasil ser colonizado por uma nação ibérica, para Holanda há uma tendência cultural
pouco inclinada ao exercício da autodisciplina. Afeitos ao lucro fácil e ao escalonamento
imediato de cargos por exemplo, os ibéricos legaram à América uma cultura de
resistência ao lucro e ao trabalho árduo. Segundo Holanda
É compreensível, assim, que jamais se tenha
naturalizado entre gente hispânica a moderna religião
do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna
ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais
nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do
que a luta insana pelo pão de cada dia. O que ambos
admiram como ideal é uma vida de grande senhor,
exclusiva de qualquer esforço, de qualquer
preocupação.6
Para Holanda, os ibéricos carregavam um conceito clássico de trabalho, ou seja,
aquele em que o trabalho mental é superior ao trabalho braçal. Por isso, o trabalho
intenso e duro era visto, costumeiramente, como algo inferior. Por outro lado, Holanda
ainda aponta que os ibéricos costumam depender do Estado. Como se o Estado fosse a
solução para todos os problemas. Essa condição geraria certo acomodamento em torno
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HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Pág. 38.
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do trabalho. Isso não significa, porém, que o ascetismo seja ausente ou, no caso dos
países de colonização ibérica não tenha qualquer eficácia. Tomo como exemplo os
colégios militares, nos quais a autodisciplina é requisito básico.
De acordo com Benevides e Soares, estudiosos das escolas militares
Embora não seja óbvia a relação entre
indisciplina e baixo desempenho acadêmico, no Brasil,
estudos sugerem que há não somente um impacto
sobre profi- ciência média, mas também sobre outros
resultados educacionais, como a repetência escolar.
Para esses pesquisadores, o background oferecido pelas famílias na formação da
autodisciplina dos estudantes é fundamental para sua postura em sala de aula.
No best-seller “O cérebro da criança”, Siegel e Bryson apontam que é
imprescindível que a família desenvolva e incentive a reflexão em seus filhos. Ou seja, é
importante entender que os pais precisam criar a ideia de autodisciplina em seus filhos e
que as crianças aprenderão muito mais pelo exemplo do que pela imposição.
A escola militar, com seu apurado sistema de seleção também proporcionaria a
seleção de um grupo já expectante de um sistema pedagógico mais rígido. A escola,
porém, seria absolutamente essencial na potencialização da proficiência do aluno em
português e matemática.
É notório o destaque dos alunos das escolas
públicas militares nas avaliações padronizadas
brasileiras. A maioria desses alunos pertence à rede
pública estadual de ensino e possui desempenhos
médios bem superiores (até 50 pontos), que os deixam
em outro nível de performance quando comparados
aos seus colegas de rede e, em alguns casos, até da
rede privada de ensino.7
É claro que existem muitos fatores que influenciam o desempenho acadêmico e
não queremos reduzir ou simplificar a questão e transformar a tal autodisciplina como o
único elemento capaz de corresponder a uma mudança total da educação brasileira. É, no
7
BENEVIDES, Alessandra de Araújo & SOARES, Ricardo Brito. Diferencial de desempenho de alunos das escolas
militares: o caso das escolas públicas do Ceará, in.: Revista Nova Economia, volume 30, n.1, 2020.
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entanto, notório que sistemas educacionais que estimulam o exercício do ascetismo têm
melhores desempenhos em vários segmentos. Nota-se ainda que mesmo no Brasil, onde
supostamente poderia haver menor inclinação a uma dedicação e foco de viés cultural,
podem surtir grandes resultados da prática do ascetismo, da responsabilidade, do foco
voltado para os estudos.
Mas, talvez toda essa discussão sobre ascetismo pareça estar incentivando o
surgimento de autômatos, máquinas centradas na realização de testes padronizados. E
nada pode estar mais longe da verdade. O PISA, por exemplo, se debruça na capacidade
de atrelar os conhecimentos acadêmicos ao mundo comum. Isso implica inclusive numa
proximidade entre a escola e a própria realidade social. Ken Robinson, um dos maiores
intelectuais recentes em educação, costumava sugerir que as escolas deveriam perguntar
quais os interesses dos alunos antes de apresentar-lhes as matérias convencionais. Isso
porque, inclusive em consonância com o modelo finlandês, a ideia seria o
desenvolvimento de projetos dentro da escola. Na medida em que o aluno tem interesse
pelo que está produzindo, isso facilitaria muito o foco no desenvolvimento de suas
atividades.
Não se trata, portanto, de estabelecer um foco apenas. Não se trata de ascetismo
como um fim em si mesmo. A condução de professores, o conhecimento de si mesmo e a
capacidade de saber o que lhe apraz, são elementos importantes para estabelecer aquilo
que é importante e como seve ser estudado. Para tanto, ter professores qualificados,
família envolvida com o processo educacional e um ambiente com estrutura que
permitam a dedicação aos estudos facilitam muito o estabelecimento dessa disciplina
pessoal.
Sem dúvida há muitas pessoas que são desafiadas a não apenas ter a disciplina
com os estudos mas também a estabelecer a disciplina de não se permitirem afetar pelos
apelos contrários a uma vida acadêmica. Para muitos brasileiros, entre a escola e a
necessidade de estudar estarão a necessidade de se alimentar, a família desestruturada, o
transporte, a falta de infraestrutura escolar, o valor dos livros, má formação de
professores, dentre outros problemas.
A sala de aula invertida tem sido apregoada como um modelo de prática
pedagógica. Há o risco de ser apenas mais uma moda. Não nego o valor do método, mas
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o mesmo não prosperará a menos que os alunos entendam que está em suas mãos a
responsabilidade do próprio conhecimento. A curiosidade, o estímulo, portanto,
precisam, de alguma forma, partir daqueles que pretendem que as crianças sejam
interessadas. É preciso que pais e professores criem esse estímulo, sugiram esse prazer.
Nem mesmo o aclamado sistema educacional finlandês teria sucesso sem a ideia de
perseverança, disciplina. As escolas têm autonomia sem abdicar dos conteúdos. Ou seja, a
partir do momento em que cada escola pode decidir como abordar os temas, a
criatividade flui, o trabalho passa a ser voltado para o cumprimento de uma meta. O
ascetismo está implícito, portanto.
4. Considerações finais
Thomas Rudmik, em seu livro “Imaginal” diz que a ideia de que podemos
tratar dos problemas sem dor não resolve, de fato os problemas, apenas os empurra
para frente para que alguém possa tratar deles mais tarde. Ainda nesse livro, Rudmik
menciona Tim Brown em seu livro Change by Design. Segue parte da citação:
O mito da inovação é achar que ideias brilhantes
saltam completamente elaboradas das mentes dos
gênios. Na verdade, a maioria das inovações nasce do
rigor e da disciplina.
Esse é o ponto central na discussão sobre ascetismo. A questão essencial é que a
disciplina, conduzida para a direção correta, pode proporcionar o desenvolvimento da
inovação e da criatividade.
A partir da perspectiva de Max Weber, quando cita a importância do ascetismo
para nações que realizaram a Revolução Industrial, por exemplo, nota-se que as
conveniências que esses países usufruem não é fruto do acaso, mas resultado de uma
cultura de disciplina pessoal carregada em cada cidadão. Países como Coreia do Sul,
Finlandia e Polônia, por exemplo, enfrentaram cenários adversos nos últimos cinquenta
ou sessenta anos. A reconstrução das instituições e da própria sociedade só foi possível
graças a um compromisso de toda a sociedade com o desenvolvimento do país. Houve,
portanto, um preço a ser pago. Compromisso e responsabilidade não são, exatamente,
palavras que soam motivacionais a princípio. Lembram muito mais a privação, a
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resiliência, a paciência, o altruísmo e a empatia. Foi, no entanto, dentro dessa perspectiva
que tais países alcançaram patamares de desenvolvimento capazes de trazer maior
conforto para as gerações mais jovens dos mesmos países. Qual o caminho que eles
escolheram para transformar suas realidades? A educação.
Não se trata de ser conivente com o Brasil e dizer que tratamos apenas de países
perfeitos. Entretanto reconheceram na educação o valor de transformação social que a
educação pode promover. Tiveram a paciência para esperar pelos resultados.
No que diz respeito ao Brasil, a considerar as análises de Sérgio Buarque de
Holanda, o Brasil teve sua cultura forjada sob o patrimonialismo, a dependência do
Estado, a ideia de que o trabalho árduo era uma atividade inferior. A educação brasileira,
por sua vez, tem desempenhos muito ruins em exames internacionais que revelam uma
dura realidade sobre o trabalho que vem sendo feito dentro das escolas. Muitas vezes
lidamos com professores e pedagogos cuja formação não foi idealmente construída, com
infraestrutura sofrível, um currículo engessado, sem autonomia e com pouco espaço para
o desenvolvimento de habilidades inovadoras. O Brasil estaria então determinado ao
fracasso? Claro que não.
Apenas à guisa de exemplo, tomamos o caso das escolas militares nas quais,
institucionalmente se adota como prática o exercício constante do ascetismo em
diferentes aspectos do cotidiano e não apenas na perspectiva pedagógica. Como
pudemos perceber, as escolas brasileiras em que se adota a autodisciplina como método
de estudo, o desempenho é, normalmente, muito superior quando comparado aos
desempenhos de escolas civis. Após vinte anos em sala de aula, lecionando disciplinas
como História, História da Arte, Sociologia e Filosofia, pudemos perceber que essa
perspectiva teórica não se aplica apenas a instituições, mas sobretudo a indivíduos. O
talento pode, então, ser superado pela dedicação, foco, disciplina.
Por fim, não se trata apenas de haver foco e disciplina, pois, foco na direção errada
pode ser também uma tragédia. É preciso acompanhamento e os professores devem
receber formação adequada para desenvolverem aulas multi e interdisciplinares. Afinal,
os conhecimentos no mundo fora da sala de aula não são repartidos, antes, estão
concatenados. O sistema de projetos desenvolvido na Finlândia, por exemplo, demanda
tempo, esforço, dedicação de cada aluno. A disciplina anda, nesse momento, de mãos
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dadas com a criatividade e a inovação, sempre amparadas pelo trabalho assessorado do
professor.
Seria importante, portanto, que as escolas pudessem desenvolver um trabalho de
conscientização constante sobre o valor da disciplina e da responsabilidade para cada
aluno. Afinal, não é de conteúdo cognitivo apenas que vive uma escola. Trata-se, antes de
mais nada, de uma atitude de caráter que será útil ao cidadão por toda a sua vida.
Referências
RIPLEY, Amanda. As Crianças Mais Inteligentes do Mundo. Edit. Três Estrelas, 2014.
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