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SEGUNDA EDIÇÃO
EDITORES
Outro livro de interesse
ISTVÁN MÉSZÁROS
ZAHAR EDITORES
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a cultura a serviço do progresso social
(co n tin u a çã o da 1.“ ah a )
ZAHA R EDITORES
a cultura a serviço do progresso social
RIO DE JANEIRO
DA IDEOLOGIA
2.® edição
( co n tin u a na aba)
BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
SOCIOLOGIA
Segunda edição
ZAHAR EDITORES
RIO DE JANEIRO
T ítu lo original:
On Ideology
Copyright © 1977 b y
Centre fo r Contemporary Cultural Studies
AH rights reserved
Todos os direitos reservados.
A reprodução não-autorizada
desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação do Copyright. (Lei 5.988)
Capa: Érico
Composição: Zahar Editores
1983
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por
ZAHAR EDITORES S.A.
Caixa Postal 207 (ZC-00) Rio de Janeiro
que se reservam a propriedade desta versão
Impresso no Brasil
índice
Introdução
Stuart Hall
O Interior da Ciência:
Ideologia e a "Sociologia do Conhecimento'
Roisín McDonough
A Ideologia como Falsa Consciência: Lukács
A relação entre conhecimento e ação, 4S; A teoria da consciência de
classe, 49\ O proletariado como portador da verdade, 52; A concep
ção historicista de ideologia. 54; A hostilidade contra as ciências na
turais, 55
PARTE II
PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
PARTE III
SUBJETIVIDADE E IN D IV ID U A LID A D E
Victor MoUna
Notas sobre Marx e o Problema da Individualidade 295
Introdução 295
Marx e a individualidade 296
Os indivfduos sob relações sociais definidas, 296: Os indivfduos como
"personificações", 302
Notas sobre o humanismo 308
Anti-humanismo, 308: Humanismo "socialista"?, 314: Humanismo
"cie n tffico ” ?, 322
Considerações sobre a ideologia 326
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Introdução
Gregor McLennan
Stuart Hall
e Consciência de Classe, para a noção de que cada ciasse possui sua própria
visão do mundo "objetiva". Assim, a presença constante desse conceito
explica, em parte, o historicismo radical daquele texto (para uma explica
ção mais detalhada, cf. o artigo seguinte desta coletânea, sobre Lukács).
Através das primeiras obras de Lukács a tradição chega diretamente
até Goldmann. Ela forma toda a base teórica de Le Dieu Cachê — Gold-
mann conferindo-lhe um novo polimento marxista ou sócio-histórico.
Mas muitas das mesmas idéias estão presentes em forma não diferente na
obra de KarI Mannheim e naquilo que tem sido chamado "marxismo bur
guês" de Mannheim. A preocupação de Mannheim com ideologia é eviden
temente fundamental para sua obra mais conhecida. Ideologia e Utopia,
um texto no qual Mannheim submete à prova sua própria explicação para
o problema que, desde o início, afetava esta problemática: se as idéias são
"historicamente relativas", onde pode ser encontrada a "verdade"? (A
resposta de Mannheim está no pensamento relativamente não relativista da
inteiligentsia descompromissada.) Mas as conexões com Dilthey são ainda
mais pronunciadas nos primeiros estudos de Mannheim, por exemplo, os
ensaios Conservative T hought" (tratado como uma Weitanschauung) e
"On The Interpretation of W e ita n s c h a u u n g "A história desta série de
transformações dos elementos do sistema hegeliano delimita, portanto, um
dos pontos seminais de confluência entre um certo tipo de marxismo e
um certo tipo de historicismo — ambos profundamente coloridos por seu
momento hegeliano de inspiração.
O estudo da cultura como Espírito Objetivo (Geisteswissenschaft) e
da história como as "objetivações do E spírito" (Geistesgeschichte) tam
bém suscitou um método particular de estudá-las. As objetivações humanas
exigiam seu próprio "m odo de conhecimento", diferente dos objetos do
mundo natural. Este método exigia um ato de "compreensão" (Verstehen)
— uma reconstrução de significados corporificados através de projeção ima
ginativa ou "empatia". Isto permitiu que as sucessivas manifestações da
Consciência Objetiva através da história, e as "visões do m undo" que ex
pressavam, fossem captadas como "todos". Manifestações particulares só
possuíam significado em relação aos "tod os" (ou totalidades) que expres
savam. O Espírito, a essência da história, pode deste modo ser visto como
este modelo ou configuração maior em qualquer época, manifestado ou
expresso em cada uma de suas formas. O método de estudar a cultura atra
vés da "interpretação" fo i chamaáo hermenêutica\e o processo de relacio
nar as partes ao todo e o todo às partes, num interminável processo de
"ajustamento duplo", foi descrito como "o círculo hermenêutico".
0 debate entre hermenêutica e métodos mais positivistas de análise
veio a se constituir no campo de um debate teórico importante - a "luta
sobre o m étodo" — para o qual o sociólogo Max Weber apresentou uma
contribuição importante. Weber não era um diltheyano, embora o conceito
22
l
o INTERIOR DA CIÊNCIA 25
Definamos o fenômeno em estudo como uma relaçSo entre dois ou mais termos,
reais ou supostos; construamos uma tabela de possíveis permutações entre os
termos; tomemos a própria tabela como o objeto geral da análise. . .
o INTERIOR DA CIENCIA 37
não como são afirmados mas como aparecem na própria exposição — são
dignas de um cuidadoso reexame.
A segunda "linha de descendência" importante é constituída pelas
duas aplicações do método estruturalista ao campo da semiótica: a primei
ra identificada claramente com o trabalho de Barthes, a segunda com o de
Lacan e Kristeva. A julgar pelos Elementos de Semiologia, fo i principal
mente de Saussure, e não de Lévi-Strauss (isto é, da lingüística e não da
antropologia), que Barthes derivou o estímulo para seu trabalho em se
miologia. Saussure via a utilização de todos os sistemas de signos como parte
da ciência geral da lingüística. Barthes inverteu esta proposição, ao declarar
que os sistemas lingüísticos eram apenas um elemento num campo m uito
mais vasto de sistemas de signos, cuja ciência era a semiótica. A semiótica
era o método pelo qual os sistemas mental e simbólico ou significante de
uma cultura podiam ser sistematicamente investigados. Mas a preocupação
de Lévi-Strauss em mapear os inventários de uma cultura foi fundamental
para Barthes.^® Ao contrário de Lévi-Strauss, Barthes conservou o conceito
de "ideologia" distinto do conceito geral de cultura, mas foi esse últim o
que se constituiu no objeto propriamente dito da "ciência dos signos".
As ideologias eram apenas os "usos" particulares de sistemas de significa
ção particulares numa cultura, que as classes dominantes apropriaram
para a perpetuação de sua dominação. No posterior desenvolvimento da
semiótica, Barthes é talvez o proeminente caso do semiótico que conti
nuou a se interessar pela convergência entre sistemas significantes e "frag
mentos de ideologias". De um modo geral, a tradição dominante no início
da semiótica estava mais preocupada em identificar as regras segundo as
quais a significação como tal efetivou-se. Assim, embora a semiótica tenha
certamente colocado na agenda a possibilidade de uma análise mais sistemá
tica e rigorosa de sistemas culturais e ideologias específicos, esta promessa
em grande parte deixou de ser realizada. "M yth Today" de Barthes,"** —
apesar de sua natureza experimental — continua sendo um dos poucos tra
tamentos fundamentais da relação entre significação e ideologia no que
poderia ser chamado de a primeira fase da semiótica. O rompimento com
esta primeira fase da semiologia e com seu ímpeto diretamente lévi-straussia-
no foi estabelecido por Lacan. Curiosamente, a transformação de Lacan
tem início com uma "releitura" de Freud de um ponto de vista lingüístico;
e os termos da lingüística estruturalista continuam fornecendo-lhe certos
termos-chave em seu repertório conçeitual. 0 Freud de Lacan é o Freud da
linguagem dos sonhos e das "regras" da elaboração onírica — condensação,
deslocamento, etc.; o Freud de A Interpretação de Sonhos antes que de
O t go e o Id. Lacan também aborda o inconsciente como se fosse "estru-
luindo como uma linguagem". Os trabalhos de Lacan, e mais especialmen-
iit III. (lii «nus seguidores, também voltaram a se ocupar com a questão da
iiliiiiliium ", nmhora esse não seja o terreno de ideologias provenientes de
(I IN I KRIOR DA CIÊNCIA 39
de problemas. Todavia, não pode haver dúvida de que Bourdieu está pro
curando "pensar" a problemática da segunda smtese (a marxista) ao mes
mo tempo em que se atém a alguns dos avanços realizados dentro da pro
blemática da primeira (a estruturalista). Pois é um princípio primordial da
lingüística estruturalista que um signo não pode significar por si mesmo
(somente dentro de um campo de relações com outros termos); mas tam
bém que ele não possui significado pelo fato de referir-se diretamente a
um objeto presente no mundo. Como Bourdieu parafraseia Saussure (e
Lévi-Strauss, para não falarmos de Althusser), o significado surge "na cor
respondência entre uma estrutura e outra (campo ideológico e campo so
cial) ou uma posição e outra (em cada um destes campos) e não entre um
elemento e outro". Quando Lévi-Strauss estava discutindo a relação entre
sistemas totêmicos e o mundo natural, ele insistiu no sentido de que era
impossível tomarmos qualquer termo isolado de uma classificação totê-
mica como "referindo" diretamente um objeto ou animal na Natureza. Era
a relação de um termo para outros termos dentro do sistema que se asse
melhava — correspondia, em estrutura — à relação entre um animal e um
outro na espécie a que se referia.
Quer tentemos ou não desenvolver uma teoria marxista adequada da
ideologia a partir desse ponto, parece que o problema da ideologia nos
apresenta uma instância paradigmática da teoria marxista como ra/:oq ue
Althusser chamou de necessidade —e dificuldade — de nos atermos a "am
bos os extremos da cadeia" imediatamente: a relativa autonomia de uma
região (por exemplo, ideologia) e sua "determinação em última instância"
(por exemplo, o caráter determinante da ideologia por outras instâncias e,
em última instância, pelo econômico). Foi a necessidade de se ater ao ú l
tim o protocolo que, de tempos em tempos, sancionou uma tendência de
reduzir os níveis de uma formação especial — em particular, reduzir
"idéias" ou ideologias â "base" (definida de modo limitado como "o eco
nôm ico"). Por outro lado, foi a exigência de explorar o d ifícil terreno da
"autonomia relativa" (da ideologia) que conferiu ao campo da ideologia
sua abertura inadequada. E através desta brecha — para adotarmos uma
recente metáfora de Althusser — que o "filh o te " da semiologia continua
a "escapulir por entre as pernas" de uma teoria marxista da ideologia..
NOTAS
BIBLIO GR AFIA
Roisín McDonough
0 indivíduo produzia objetos de cultura para ampliar sua vida e suas potencia
lidades. Para tal, ele tinha tanto que utilizar a soma total dos produtos humanos
(espirito objetivo) como aprofundar a interíorizaçáo e a reintegraçáfo destes pro
dutos em sua própria corrente de \^ a . Mas essa reintegração de sujeito e objeto
era inatingível. O espiVito objetivo, moldado em formas acabadas, veio a desta
car-se da corrente de vida e adotou sua própria dinâmica, desenvolvendo-se daf
por diante não mais como meios, mas como fins. Assim, o homem progressiva
mente tornou-se escravo de seus próprios produtos.(A/Cfl 70, p. 40)
I ukács começa seu ensaio sobre a consciência de classe fazendo uma dis-
imção, como o faz Marx em A Sagrada Família, entre uma classe-para-
si e uma classe-em-si.
não existe, portanto, nenhuma posição possível em tal sociedade a partir da qual
a base econômica de todas as relações sociais possa tornar-se consciente. (Ibid.)
uma consciência amaldiçoada por sua própria natureza com o trágico destino de
ter desenvolvido uma contradição insolúvel no auge mesmo de seus poderes Co
mo conseqüência dessa contradição, ela deve aniquilar-se a si mesma. (p.61)
a trágica dialética da burguesia pode ser vista no fato de que para ela é não ape
nas desejável, mas essencial, identificar seus próprios interesses de classe em re
lação a toda questão particular, enquanto que ao mesmo tempo esta conscienti
zação torna-se fatal quando é estendida à questão da totalidade. (1971, p. 65)
Somcnt© qu3ndo surge uma situação histórica na qual uma classB precisa compre
ender a sociedade se quiser fazer valer os seus direitos; somente quando o fato
de uma classe compreender a si mesma significa que ela compreende a sociedade
como um todp e quando, conseqüentemente, a classe torna-se tanto o sujeito co
mo 0 objeto do conhecimento; em suma, somente quando estas condições são
todas elas satisfeitas, é que a unidade de teoria e prática, a pré-condição da
função revolucionária da teoria, torna-se possível, (pp. 2-3)
e, posteriormente,
NOTA
Ver P.Q. Hirst, Evolução Social e Categorias Sociológicas, onde ele argumenta
que a versão de Weber do neokantismo apresenta tendências positivistas no sen
tido de que Weber unificou uma concepção "cultural-científica" do conheci
mento histórico/social com uma concepção positivista da natureza e métodos de
conhecimento empírico. Isso é particularmente evidente em sua insistência sobre
a separação entre afirmações de fato e avaliações e em sua tentativa de estudar
valores "objetivamente" e submeter proposições acerca deles a critérios de ver
dade empírica. "O objeto weberiano de conhecimento tem um caráter dual. Con
siste de fenômenos dados á experiência ("fatos") que se constituem como o
objeto coerente do conhecimento por valores. Os fenômenos 'reais' são isolados
analiticamente como o objeto de um conhecimento específico: o meio de isola
mento desses fenômenos da "multiplicidade in fin ita " é sua relevância para cer
tos valores culturais. Os valores definem a unidade analiticamente separada dos
fenômenos a serem estudados." Finalmente, "o conhecimento é limitado por
valores cuja existência se supõe anterior a ele e que determinam seu conteúdo, e
por um determinado campo de fenômenos que ele não pode questionar ou alterar".
BIBLIOGRAFIA
I Introdução
Estrutura e superestrutura
O ponto de partida para a exploração de Gramsci lhe é fornecido pelo mo
delo marxista fundamental de estrutura e superestrutura. Em seus textos,
a estrutura, o "m undo da economia", está sempre presente; seus movimen
tos estabelecem parâmetros para os desenvolvimentos na superestrutura,
mas é apenas a "m ola propulsora da história em última instância".^ As
análises de Gramsci da relação entre estrutura e superestrutura pouco
devem à economia política marxista. Seu débito é para com Marx, o histo
riador do 18 Brumário, e não ao Marx de O Capitai Gramsci utiliza termos
de "análise político-histórica", tais como "bloco histórico" e movimentos
"orgânicos" e "conjunturais". Todavia, estes termos não se referem sim
plesmente ao nível superestrutural. O "bloco histórico", por exemplo, re
fere-se tanto à estrutura na qual as classes são constituídas ao nível econô
mico (sobre esta base, Gramsci distingue entre classes "fundamentais" e
frações de classe), como ao nível político no qual as classes e as frações de
classe se combinam."* De modo semelhante, Gramsci emprega "orgânico"
e "conjuntural" para distinguir movimentos na superestrutura de acordo
com o grau em que estes movimentos têm uma base na transformação e
reorganização do modo de produção.*
Hegemonia
Isto nos leva ao conceito gramsciano de hegemonia. Aplicações recentes
do conceito apresentaram tendências para assimilá-lo à "dominação ideo
lógica" e para instrumentalizá-lo ao sugerir uma simples relação de do
minação e subordinação.'® Deve, portanto, ficar claro que hegemonia, para
Gramsci, inclui o ideológico mas não pode ser reduzido àquele nível, e que
ela se refere à relação dialética de forças de classe. A dominação e a subor
dinação ideológicas não são compreendidas isoladamente, mas sempre
como um aspecto, embora crucialmente importante, das relações das
h >1 I IICA E IDEOLOGIA 65
"se para toda luta ideológica quiséssemos encontrar uma explicação original ime
diata na estrutura, seríamos apanhados desprevenidos".^*
Essas pessoas não apenas deixam de ter uma consciência precisa de sua própria
identidade histórica, mas não têm consciência nem mesmo dos . .. limites exatos
de seu adversário. Existe uma antipatia pelo oficialismo — a única forma pela
qual o Estado é percebido.^’
p o l ít ic a e id e o l o g ia 71
possível fazer-se aqui uma avaliação completa deste últim o volume. Mas é
importante notar o seguinte; Althusser m odificou m uito a distinção simples
ideologia/ciência estabelecida em sua obra inicial. Ele admitiu o "teoricis-
m o" de algumas das posições adotadas; ele abandonou a idéia de uma "prá
tica teórica" auto-suficiente; a filosofia é agora definida, não como uma
"garantia epistemológica" mas como uma intervenção na "luta de classes
em teoria". Embora o caráter científico das aberturas teóricas de Marx
não possa ser reduzido às condições históricas que as tornaram possíveis,
estas condições já não são consideradas irrelevantes para quando e como
tais "rupturas" acontecem. Althusser continuou insistindo em que essas
modificações — nem todas fundamentadas com segurança — não atingiram
os pontos essenciais em sua crítica do humanismo e do historicismo. Mas
a mudança de ênfase e as substanciais reavaliações tiveram o efeito de, uma
vez mais, remover algumas das barreiras entre o "marxismo estruturalista"
e a obra de Gramsci. Por exemplo, elas tornaram possível para os teóricos
estruturalistas reconhecerem o que os críticos do "teoricism o"de Althusser
sempre argumentaram: tjue, na atenção que Gramsci dá à especificidade do
"p o lític o ", seu ataque a todas as formas de reducionismo econômico e
sua insistência sobre a necessária complexidade do complexo estrutura-
superestrutura, encontramos já examinadas — apesar da terminologia m ui
to diferente da empregada pelos estruturalistas — precisamente aquelas
questões sobre "a autonomia relativa" e a "sempre pré-dada complexa uni
dade de uma formação social" que com razão acredita-se constituírem
a "imensa revolução teóúca" áe Althusser. Assim, seja Gramsci um "histo-
ricista" ou não, algo levou-o, em Cadernos do Cárcere, a registrar com fo r
ça, clareza e consistência notáveis, seu necessário rompimento com o mar
xismo concebido seja como um reducionismo econômico ou como uma
teoria de formações sociais como "totalidades expressivas". E isso foi um
rompimento com aquilo que Althusser definiu como a essência do "h istori
cismo" — bem como de sua imagem refletida no espelho, o economismo.
Resumindo a questão: se Gramsci continua sendo um "historicista",
então seu historicismo rompeu com aquilo que os estruturalistas definiram
como sendo a essência da problemática do historicismo. E, portanto, um
"historicism o" com o qual os estruturalistas são obrigados a se conciliar
— a levar em conta, e não simplesmente ignorar. Gramsci é o caso lim ite
do "historicism o" para o marxismo estruturalista.*' Esta questão, longe de
estar encerrada, continua sendo um encontro aberto e não concluído, um
dos encontros mais importantes no campo da teoria marxista contemporâ
nea. Objetivamente falando, esta é a posição na qual a problemática de
Gramsci e a de Althusser e Poulantzas se defrontam. A maneira pela qual
Althusser e Poulantzas efetivamente negociaram suas posições pessoais
particulares dentro desta conjuntura teórica em diferentes pontos de suas
obras é assunto para uma investigação mais detalhada. Existem apenas
78 TEORIAS
Mas Marx diz algo mais sobre essa esfera. Dela, diz ele, surgem as
principais relações das superestruturas políticas e jurídicas da sociedade
burguesa, bem como os temas e discursos ideológicos chave. Esta esfera
"é de fato um verdadeiro Paraíso dos direitos inatos do homem. Somente
nela governam a Liberdade, a Igualdade, a Propriedade e Bentham". Isto
surge precisamente do fato de que essa "esfera ruido sa "^ a esfera (depen
dente) da troca individual — e conseqüentemente a sede e a origem das li
berdades políticas e jurídicas, "possessivas e individualistas", da sociedade
burguesa (todas baseadas no sujeito individual) e daquelas ideologias indivi
dualistas que caracterizam o "senso comum" burguês. Assim, "Liberdade,
porque tanto o comprador como o vendedor de uma mercadoria, digamos
força de trabalho, são coagidos [isto é, parecem ser coagidos] somente por
sua livre vontade. . . o acordo a que chegam é apenas a forma pela qual ma
nifestam sua vontade comum. Igualdade, porque cada um entra em relação
com o outro, como com um simples possuidor de mercadoria, trocando
equivalente por equivalente. Propriedade, porque cada um dispõe apenas
daquilo que é seu. E Bentham porque cada um olha somente para si mes
m o" (p. 176). Em suma, para adotar uma frase do próprio Althusser,
essa "esfera ruidosa" fornece a base para aquelas práticas e formas ideo
lógicas superestruturais nas quais os homens são forçados a "viver uma re
lação imaginária" de equivalência e individualismo para suas condições
reais (não-equivalentes, coletivas) de existência. Esta não é apenas uma das
pouquíssimas passagens de O Capita! em que Marx assinala explicitamente
a articulaçço entre os níveis econômico, político-jurídico e ideológico
de uma formação social. É também o local onde, longe de simplesmente
abandonar tudo o que Hegel, Locke e Adam Smith queriam dizer com o
termo "sociedade civil", Marx o adota e, repensando-o, agora no terreno
conceituai transformado do capital e seu circuito, elabora um novo concei
to. Ele já não é a sede e a fonte do individualismo. É apenas a esfera indi-
vidualizante do circuito das vias do capital para expandir a reprodução. 0
"individualism o", portanto, não é a origem do sistema — seja de fato ou em
teoria. Ele é o que o capital produz como uma de suas "formas fenome
nais" necessárias — um de seus efeitos necessários, mas dependentes. 0
que mais diferencia a designação de Marx deste novo espaço teórico é seu
uso como um conceito para referenciar algumas das complexas relações
entre base e superestrutura. Identificar as "formas imediatas" do capital
nesse estágio em seu circuito é começar a retraçar aquilo que Gramsci
chamava a "passagem" da base para a "complexa esfera das superestrutu
ras".
Althusser por vezes parece estar a ponto de apreender isto, mas recua
num momento crítico. Se retivermos o conceito de "sociedade c iv il", diz
ele, temos que reconhecer que ele não tem nenhuma existência econômi
ca, mas é apenas um "efeito combinado de direito e ideologia político-le-
POLÍTICA E IDEOLOGIA 83
gal sobre o econômico". Esta interpretação não pode ser comparada com a
de Marx no capítulo citado anteriormente. Poulantzas compartilha esta in
terpretação de Althusser — novamente identificando este conceito com o
nível do jurídico-político e do ideológico apenas. Mas Marx está demons
trando claramente a acumulação de efeitos — econômico, político-jurídi-
co, ideológico — nesta instância única.
Gramsci, como já vimos, faz um uso m uito diferente do conceito de
"sociedade civil". Primeiro, sem que seja precisamente o mesmo que Marx
esboçou, Gramsci de fato parece estar m uito próximo da formulação
provisória de Marx; pelo menos no sentido de encarar "sociedade c iv il"
como um conceito que marca o efeito acop/acíor de base e superestrutura.
Mas Gramsci também o emprega num segundo sentido, mais amplo em
concepção, menos diretamenté atribuível à formulação de Marx em O
Capital, e pertencendo de modo menos ambíguo aos conceitos desenvolvi
dos por Gramsci para "pensar" a especificidade da instância política e para
articular o conceito de hegemonia. Gramsci faz uma distinção crítica entre
a "dominação" de uma aliança da classe dominante sobre uma formação
social mediante força e coerção e a "direção" ou liderança de uma tal ali
ança mediante consentimento. Para esse últim o momento ele reserva o ter
mo "hegemonia". Esse momento é caracterizado pela capacidade de um
bloco dominante ampliar sua esfera de liderança e autoridade sobre a socie
dade como um todo e ativamente ajustar a vida econômica, civil e cultu
ral, as instituições educacionais, religiosas e outras ao seu domínio. Muitas
destas esferas estão aparentemente longe da autoridade direta do Estado,
da sociedade política e da economia;em seu segundo uso, estas são algu
mas das áreas que Gramsci inclui sob a designação vaga de "sociedade civil".
Ora, a função da ideologia dominante e dos aparelhos estatais ideo
lógicos em "consolidar e unificar" uma formação social sob a hegemonia
de uma aliança de classe particular é uma questão para a qual Althusser
voltou sua atenção <no artigo sobre os AIE. Mas seu desagrado da distinção
sociedade civil/Estado leva-o a abandoná-la, declarando ser a distinção pu
ramente legalística sob o capitalismo, e não de importância real. Isto o
obriga a designar todos os "aparelhos ideológicos" como aparelhos do Es
tado; Althusser os chama de "aparelhos ideológicos do Estado". Ele argu
menta não ter nenhuma conseqüência o fato de que alguns desses apa
relhos sejam diretamente organizados pelo Estado, e que outros sejam
organizados por particulares, uma vez que todos funcionam "debaixo da
ideologia dominante".*® Esta definição é tautológica. E também serve para
dissimular certas distinções críticas. Existem diferenças entre aparelhos
diretamente coordenados pelo Estado e os que não o são. Estas diferenças
são importantes — elas afetam a maneira pela qual tais aparelhos funcio
nam, como se articulam com o Estado; podem também fornecer a base de
84
cificamente autônomas". Por isso ele não tem uma teoria desenvolvida
das diferentes regiões de uma formação social, e portanto das teorias apro
priadas para cada uma delas como teorias "regionais".'” Mas ele insiste, em
todos os seus textos, sobre a "autonomia relativa", a efetividade específi
ca, do político e do ideológico; e opõe-se com vigor a todas as formas de
reducionismo das superestruturas à base, seja do tipo expressivo, econo
mista ou espontaneísta. Gramsci também, em Cadernos do Cárcere —
como Poulantzas em PoUtica! Power - dá ampla atenção á política e ao
Estado. Por isso é d ifícil pensar sobre a estrutura teórica do livro de Pou
lantzas, a não ser em relação ao campo para cuja abertura Gramsci contri
buiu decisivamente, mesmo quando se admite que a maneira de Poulant
zas teorizar essa área nãoé gramsciana, mas de caráter rigorosamente althus-
seriano, sendo que sua expressão é de inspiração rigorosamente lenínista. O
problema, portanto, é que Poulantzas é sempre m uito menos simpático a
Gramsci do que o é Althusser: m uito menos generoso em reconhecer seu
débito teórico. Seu ataque ao "historicism o" de Gramsci é m uito mais
purista do que o ataque de Althusser.'” E se alonga em detalhes para des
vincular sua obra de qualquer contaminação gramsciana.
Algumas destas distinções são autênticas e frutíferas. Outras são dis
tinções sem diferenças teóricas reais. Um exemplo das primeiras é o debate
sobre "cesarismo" e "bonapartismo" (isto é ainda m uito mais desenvolvi
do no posterior estudo de Poulantzas, Fascism and Dictatorship). Estes são
os termos empregados por Gramsci quando ele discute tipos diferentes de
resolução política para momentos de crise e ruptura — resoluções não he
gemônicas ou formas "excepcionais" do Estado capitalista. Gramsci os de
fine de maneira um tanto inconsistente; Poulantzas, corretamente,
submete-os a um escrutínio mais sistemático. Poulantzas argumenta que o
conceito gramsciano de "cesarismo" refere-se àquele momento excepcio
nal em que nenhuma das classes fundamentais consegue governar — quan
do há um equilíbrio de poder, um impasse. O fascismo, contudo, não é o
resultado de um impasse entre classes, m uito embora, sob o fascismo, o
Estado capitalista de fato apresente certas características de "autonom ia"
que Gramsci identificava com uma "solução cesarista".'’* Isto permite a
Poulantzas distinguir entre tipos diferentes do Estado de exceção com mais
cuidado do que Gramsci. Trata-se, portanto, de uma distinção ú til e produ
tiva.
O caso é bem outro no que tange à "hegemonia".'^® Poulantzas diz u ti
lizar "hegemonia" para referir-se à "maneira pela qual um bloco no poder
composto de várias classes ou frações politicamente dominantes pode
funcionar". E ele distingue este conceito da maneira como Gramsci o u ti
liza. Esta distinção parece ser falsa; decididamente, esta é uma das manei
ras segundo a qual Gramsci utiliza o conceito. Poulantzas faz objeções ao
fato de que Gramsci também utiliza "hegemonia" para referir-se ás estraté-
88 TEORIAS
gías das classes dominadas. Ora, essa questão de se uma classe que não de
tém o poder do Estado pode ser "hegemônica" apresentou anteriormente
problemas para o uso da obra de Gramsci. Em sua famosa troca de idéias
com Anderson, E.P. Thompson também questionou esta utilização do con
ceito — adotando no caso paradoxalmente a posição de Poulantzas. Mas a
questão foi colocada de forma mais urgente e prática pela estratégia global
do Partido Comunista Italiano e seu objetivo de conceber uma "hegemo
nia" social — por exemplo, através do "Compromisso H istórico" com a
Democracia Cristã — antes de assumir o poder do Estado: uma estratégia
para cuja construção, além do mais, o nome de Gramsci tem sido constan
temente invocado. Se qualquer destas aplicações pode realmente ser san
cionada com referência à obra de Gramsci, é uma questão aberta. Mas é
certo que, em sua delicada distinção entre uma "guerra de m ovim ento"
(um assalto frontal ao poder estatal) e uma "guerra de posição" (a ocupa
ção e infiltração das trincheiras e fortificações da sociedade civil), Gramsci
de fato considera o partido da classe operária como, pelo menos, um parti
do que exige uma "estratégia econôm ica".'* Poulantzas, contudo, argu
menta, como Lênin, que as classes dominadas "não podem conquistar o
dom ínio ideológico antes de conquistar o poder p o lític o " (p. 204). A d ifi
culdade é que Poulantzas não se contenta em reafirmar esta posição leni-
nista mais clássica. Ele vai mais além ao atribuir o que considera um erro
de Gramsci ao historicismo de Gramsci. Apesar de, diz ele, a problemática
de Gramsci "ser à primeira vista oposta à tese de Lukács" — o proletaria
do ascendente como uma classe-sujeito, o portador de uma "visão do
m undo" universal. Isto parece derrubar as muitas diferenças reais e concre
tas entre Gramsci e Lukács. Como o próprio Poulantzas reconhece em ou
tras ocasiões, Gramsci de fato aborda teoricamente a "ru p tu ra " entre uma
ideologia dominante. . . e a classe politicamente dominante".^’ De fato,
essa atenção às "rupturas" é que fundamenta, teoricamente, a atenção de
Gramsci à especificidade do político e sua recusa em tolerar qualquer re
dução ou simples identidade entre base e superestrutura. Este é o terreno
de uma importante e irreversível diferença teórica entre Gramsci e Lukács.
Poulantzas foi levado, por sua premência em atacar o "historicism o" em
todos os seus aspectos, a reduzir esta diferença — e assim a dar uma im
pressão distorcida da contribuição teórica característica de Gramsci.
Não se trata de uma visão lukácsiana de classes-sujeitos e visões do
mundo imputadas. Trata-se de um conceito ampliado de hegemonia.
Gramsci reaimente usa, como tentamos demonstrar, o conceito de "hege
m onia" num sentido amplo e abrangente. Ele o utiliza — embora "não
teoricamente" — para tratar de uma questão de suma importância na teoria
marxista: a questão dos meios complexos e freqüentemente indiretos pelos
quais todo o tecido da sociedade capitalista — freqüentemente por meio
daquilo que Althusser chamou uma "harmonia às vezes incompleta"™ — é
POLÍTICA E IDEOLOGIA 89
I
dições sistemáticas. Poulantzas de fato tende a tratar "hegemonia" como
uma "efetividade funcional" da dominação da aliança de classes no poder -
isto é, a tratá-la de modo não problemático. Disto Gramsci jamais é culpado.
Daí, enquanto para Poulantzas a "hegemonia" se apresenta como um
aspecto mais ou menos garantido da dominação do Estado capitalista por
uma aliança da classe dominante, Gramsci tende a tratar o conceito de uma
maneira mais contestada, mais conjunturalmente localizada. Para Gramsci,
as classes poz/em "governar" durante longos períodos sem serem "hegemô
nicas": o exemplo da Itália fo i capital neste caso. Pode haver "crises de he
gemonia" que não resultem num colapso do sistema. Pode haver mudanças
no tipo de hegemonia — momentos em que a "coerção" se afasta do "con
sentimento", ou vice-versa. De fato, essa distinção a mais que Gramsci traça
entre formas "hegemônicas" e "não-hegemônicas" de dominação permi
te-nos de modo mais preciso períodizar concretamente momentos e fo r
mas diferentes do Estado capitalista e diferentes fases em qualquer uma
das formas. Isto nos leva diretamente ao que Gramsci concebeu como cons
tituindo, por excelência, a especificidade da teoria marxista da política, a
análise de conjunturas particulares, de momentos particulares de "hege
m onia" e das relações das forças de classe que mantêm um tipo de "equi
líbrio instável" ou provocam uma ruptura nele. Também levou-o a conside
rar a natureza dos "compromissos" que permitem a um bloco dominante
consolidar seu governo ao conquistar classes subalternas para o seu lado; e
examinar não apenas qualquer "equilíbrio de foiças" particular, mas ainda
o que a tenaência predominante em tal equilíbrio consistia — oferecendo
um terreno favorável ou desfavorável para a luta de classes, definindo assim
a estratégia para o partido do proletariado. Longe disto constituir, para to
dos os propósitos práticos, uma perspectiva lukácsiana, com a atribuição
de uma forma particular de "consciência de classe" a uma classe-sujeito in-
diferenciada, os conceitos de Gramsci aqui parecem apontar diretamente
para o terreno de Lénin: a "análise concreta de situações concretas". Sua
aplicação na análise de toda uma variedade de conjunturas políticas pare
ce-nos rica em promessas — e mal começou.
Contudo, não é surpreendente —considerando o que argumentamos —
constatar que Poulantzas também discorda da distinção que Gramsci faz
entre "hegemonia" e "dominação", atacando Gramsci por este reservar o
termo "hegemonia" para aqueles momentos em que o consentimento pre
valece sobre a coerção. Poulantzas faz objeções a esta distinção — funda
mental para Gramsci (preso ás dicotomias coerção/consenso, dominação/
direção, etc.). Ele critica Gramsci por dizer que existe sempre uma "com
plementaridade" entre aqueles dois elementos de poder político ou estatal.
O Estado, argumenta ele — em acréscimo — não pode ser "hegemônico";
p o l ít ic a e i d e o l o g ia 91
V I Conclusão
NOTAS
4. 1971, p. 60.
5. 1971, p. 177.
6 . Segundo Norbeto Bobbio [Gramsci e Ia Concezione delia Società 'CivUe', Fel-
trinelli, 1971), o uso que Gramsci faz de "sbciedade civil" marca um corte radi
cal com a tradição marxista. Enquanto Marx usa o termo para designar "tod o o
complexo das condições materiais de vida" (isto é, como um aspecto da base),
Gramsci mantém a "sociedade civil" na superestrutura. Com base nessa inter
pretação, Bobbio faz uma leitura dos "Cadernos" em que a determinação da
base sobre a superestrutura é invertida, e as condições "objetivas" são transfor
madas em instrumentos potenciais da subjetividade de classe. A fraqueza da in
terpretação se torna evidente quando ele Identifica o uso analítico que Gramsci
faz de "sociedade civil" na sua obra histórica como simplesmente um meio de
identificar os biocos "progressista" e "reacionário". Bobbio está tentando reco
locar Gramsci no modelo historicista, e consegue tornar seus escritos bastante se
melhantes aos de Lukács.
7. Gramsci, 1971, p. 1 2 .
8. 1971, p. 52.
9. 1971, p. 208.
10. 1971, p. 265.
11. 1971, p. 181.
12. 1971, p. 139.
13. 1971, p. 328.
14. 1971, pp. 376-7.
15. Marx, 1970, p. 64.
16. 1971, p. 78.
17. 1971, p. 83.
18. CarI Boggs (1976) tende a fazer ambas as coisas. Em sua tentativa de refutar o
economismo da II Internacional, ele reproduz o outro lado da mesma problemá
tica, isto é, o "historicism o". Por exemplo, sua explicação da hegemonia é em
termos de "permeação" dos sistemas de valores: "Hegemonia nesse sentido pode
ser definida como um 'principio organizador' ou 'visão de mundo' .. . difundido
por órgãos de controle ideológico e socialização em cada área da vida." O con
ceito de hegemonia de Gramsci é, portanto, reduzido a um modelo marcuseano
de controle social. Charles Woolfson (1976), em seu artigo "Semiotics of Work-
ing-Class Speech", diz claramente que "toda hegemonia numa sociedade de clas
ses é necessariamente limitada e incompleta, e existe em tensão"; contudo, ele
mistura hegemonia com dominação ideoiógica e subordinação
19. 1971, p. 161.
20. 1971, p. 57.
21. 1971, p. 442.
22. 1971, p. 357.
23. Isso se torna particularmente evidente quando se lê as "Cartas da Prisão", de
Gramsci {Letters from Prison, New Edinburgh Review Special Editions 1974)
24. 1971, p. 348. '
25. 1971, p. 324.
26. 1971. p. 355.
27. 1971, p. 420.
28. 1971, p. 325.
29. 1971, p. 333.
30. 1971, pp. 14-15.
31. 1971, p. 408.
32. 1971, p. 12.
33. 1971, p. 258.
34. 1971, p. 275-6.
35. 1971, p. 238.
36. 1971, p. 57.
37. 1971, p. 331.
38. 1971, p. 339.
39. 1971, p. 198.
40. 1971, p. 331.
41. 1971, pp. 272-3.
42. 1971, p. 165.
43. 1971, p. 197, p. 331.
44. 1971, p. 328.
45. 1971, p. 377.
46. 1971, p. 152.
47. 1971, pp. 152-3.
48. 1971, p. 403.
49. 1971, pp. 445-6.
50. 1971, p. 405.
51. 1971, p. 417.
52. 1971, p. 407.
53. 1971, pp. 432-40.
54.1971, pp. 446-7.
55.1971, p. 403.
56.1971, p. 376. _
57.Todo o artigo de Althusser "Contradição
quanto a isso.
58. Ver, especialmente, a seção intitulada "Analysis of Situations, Relations of
Force", no ensaio "The Modern Prince", Prison Notebooks, pp. 175-85.
59. Capi tulo 5 de Lire "L e Capital".
60 "Ideology and Ideological State Apparatuses: Notes towards an Investigation",
em Lenin and Philosophy and Other Essays, New Left Books, 1971. Menciona
do como "o artigo sobre os A IE ".
61. Althusser diz que o caso de Gramsci é uma "situação-limite" em "Marxism is
not a Historicism", p. 131.
62 As primeiras formulações de ideologia como "relações imaginárias vivenciadas
encontram-se na seção IV do ensaio de Althusser "Marxismo e Humanismo , em
A Favor de Marx. Foram depois desenvolvidas em Lire "Le Capital", mas espe
cialmente no ensaio sobre os AIE.
"Finalmente, assim como seu uso polêmico e prático do conceito, Gramsci tam
bém tem uma concepção verdadeiramente 'historicista' de Marx; uma concepção
'historicista' da relação entre a teoria de Marx e a história real” . Althusser em
"Marxism is not a Historicism", p. 130.
A primeira investida critica de Althusser sobre o conceito de "sociedade civil"
aparece no contexto de uma discussão sobre "o fantasma do modelo hegeliano
novamente" e a assim chamada "inversão" que Marx fez de Hegel. Ver o ensaio
"Contradiction and Over-Determination", pp. 108-11; e Reading Capital, pp.
162 e segs.
Dado que a expressão "sociedade civil" aparece aqui no que (para esse texto)
deve ser considerado como uma formulação seminal, a leitura que Althusser faz
dessa expressão parece forçada: "Evidentemente, Marx ainda está falando de so
ciedade civil' (especialmente em A Ideologia Alemã . .), mas como uma alusão
ao passado, para denotar o âmbito de suas descobertas, não para re-utilizar o
98 TEORIAS
conceito' . Seria mais exato dizer que aqui Marx realmeme "u tiliz a " o conceito
de modo transfigurado, Indicando assim o âmbito de suas descobertas. ..
66 . O argumento de Althusser é que a referência á "sociedade de necessidades" desa
parece do discurso de Marx: portanto, ele não só inverteu, mas rompeu com
Hegel. Contudo, descobertas teóricas não podem ser limitadas a "fazer desapare
cer velhos conceitos", devem também retê-los, mas numa posição alterada
dentro do discurso: ou designando o espaço teórico a que se referem diferente
mente. Althusser sabe disso, pois tanto Marx quanto Hegel utilizam "a dialéti
ca , embora, como ele demonstra, tenha significados diferentes para cada um
Sempre que Althusser aborda a questão da "inversão", parece ser compelido a
forçar distinções, que são corretas e necessárias, até um ponto absoluto Isso é
devido a uma utilização demasiadamente rigida de "corte epistemológico" - o
que o próprio Althusser reconheceu em sua Autocrítica.
67. Cf. Marx a Engels, 2 de abril de 1858: "A circulação simples, considerada em
S I mesma - e é a superfície da sociedade burguesa, obliterando as operações
mais profundas das quais emerge - não revela diferença entre os objetos de
troca, exceto diferenças formais e temporárias. Esse é o reino da liberdade igual
dade e propriedade baseada no 'tra ba lho '... O absurdo, por um lado, dos que
pregam a harmonia econômica, os defensores modernos do livre comércio . . . em
manter essa relação bastante superficial e abstrata como sua verdade em contras
te com as relações de produção mais desenvolvidas e seu antagonismo. (Por
outro lado), o absurdo dos proudhonistas . .. em opor as idéias de igualdade
etc., correspondentes a essa troca de equivalentes (ou coisas supostamente equi
valentes) as desigualdades etc., que resultam dessa troca e que constituem sua
origem." Para uma exposição mais detalhada do mesmo argumento, ver os
capítulos 48, 49 e 50 de O Capitai, vol. III, parte V III.
68 . Inesperadamente, Althusser descobre uma confirmação dessa ruptura em Grams-
ci. Como um marxista consciente, Gramsci Já havia apresentado essa objeção
numa frase. A distinção entre público e privado é uma distinção inerente ao d i
reito burguês e valida nos domfnios (subordinados) nos quais o direito burguês
exerce sua autoridade'." ("Ideological State Apparatuses", p. 253.) Evidente
mente, Althusser está certo ao considerar que a distinção público/privado é
principalmente imposta pelo direito burguês e que, portanto, a fronteira entre
eles esta constantemente sendo alterada. Mas está errado se estiver argumentan
do que a questão de onde, em qualquer momento histórico especifico, essa fron
teira foi traçada e irrelevante para Gramsci. Como Althusser observa, sem tecer
comentários, na nota 5, quando Gramsci teve a "notável idéia" de acrescentar a
greja, as Escolas, os sindicatos etc." aos aparelhos repressivos do Estado "ele
in cluiu... um certo número de instituições da sociedade c iv ii" . Assim 'para
Gramsci, a distinção publico/privado continuava sendo importante, embora não
determinante na última instância".
69. Ver os ensaios de Gramsci "Os Intelectuais" "Sobre as Escolas" e "Americanis-
mo e Fordismo" em Cadernos do Cárcere.
70. Esse argumento é desenvolvido detalhadamente em Poulantzas, Classes in Con-
temporary Capitaiism, 1974.
71 Ver, especialmente, Political Power and Social Classes, pp. 227-52.
72. Sobre uma "estrutura regional como um obfeto de ciência", ver Political Power
pp. 16-18. '
73. Por exemplo, Political Power, pp. 137-9.
f4 Os trechos relativos a 'Cesarismo", "Bonapartismo" e "Fascismo" encontram-se
principalmente em Political Power, pp. 258-62.
99
POLfriCA E IDEOLOGIA
81. Ver PourM arx, Maspero, 1965, p. 78 e 114n. Génial em francês, mas "b rillia n t
em inglês, em vez do "genial" em For Marx, p. 81 n. e p. 114n.
82. 1971, pp. 38, 434-5.
33_ \ / 0 r o artigo sobre Althusser nesta coletânea.
84. Althusser, 1976, p. 1 1 2 n., grifo no original.
85. íô/cí., p. 124/7.
BIBLIOGRAFIA
A. Gramsci (1971) Selections from the Prison Notebooks, org. por Hoare e Nowell
Smith, Lawrence and Wishart, Londres.
L. Althusser (1969) For Marx. New Left Books, Londres. [Ed. bras.; A Favor ae
/Warx, 2? ed.. Rio, Zahar, 1979.1
L. Althusser (1970) Reading Capital, New Left Books, Londres. [Ed. bras.: Ler U
Capital", 2 volumes. Rio, Zahar, 1979.1
L. Althusser (1976) Essays in Self-Criticism, New Left Books, Londres.
100
t e o r ia s
l
A Teoria de Althusser sobre Ideologia
Gregor McLennan,
Victor Molina, Roy Peters
causai real de outros níveis deve ser encarada com seriedade. Nunca há
uma causa única e original de um estado de coisas ou "conjuntura". É
certo que a relativa autonomia de outros níveis só é auferida em termos do
que é ou não é compatível com o modo principal de produção; mas tal
proposição implica a possibilidade de uma relação causai indireta de
maneira que "Sua Majestade, a economia" não aparece e não pode apare
cer "em pessoa". Os níveis político e ideológico não revelam claramente a
presença do econômico esgueirando-se por trás deles. Em Ler "O Capi
ta l", Althusser refere-se com freqüência a esta "determinação ausente"
como sendo a presença de uma "estrutura imanente em seus efeitos", ou
"causalidade estrutural" ("causalidade metonímica").^ Ora, são os termos
estrutura e causalidade estrutural que às vezes provocam as críticas. Indi
caremos sucintamente aqui alguns dos mais importantes problemas daque
le que é um debate complexo e presente.
Falando de um modo geral, estrutura refere-se, como indicado acima,
a uma formação social complexamente estruturada: complexa porque é
uma combinação de elementos "estruturados em dominância", porque os
vários níveis não podem ser reduzidos a uma única contradição. Um " n í
vel" predomina sobre os outros; contudo, quer este nível coincida com o
econômico (como no capitalismo, por exemplo) ou não, os dois são teori
camente distintos, e o nível dominante é ele próprio especificado pelo de
terminante, isto é, o nível econômico.
A principal dificuldade gira em torno de se o conceito causalidade es
trutural em Ler "O Capita!" implica uma mudança importante dos con
ceitos de superdeterminação e estrutura em A Favor de Marx. Neste último
texto, o termo estrutura designa acima de tudo a formação social, como na
conceitualização de uma estrutura em dominância, onde não há lugar para
ambigijidade.^ Em Ler "O Capitai", causalidade estrutural ou Darstellung
parece ser o mesmo conceito. E num sentido no qual Althusser utiliza a
noção, não ocorre problema de continuidade, pois esta noção representa
um rigoroso reexame daqueles mecanismos da região econômica do modo
de produção capitalista (daqui por diante MPC) algumas vezes referido
pelos marxistas como a relação entre relações reais e formas fenomenais.
Althusser propõe "Darstellung" como um meio de analisar a real efetivida
de de formas aparentemente "superficiais", tais como salários, ao mesmo
tempo em que retém a noção de que a produção (em oposição à troca) é,
por assim dizer, determinante na última instância. O par formas fenome-
nais/relações reais é, na opinião de Althusser, incapaz de uma explicação
adequada desta dupla articulação, pois repousa numa noção hegelianaque
reduz fenômenos dados às emanações de uma "essência" supostamente
não problemática.
Na citação que damos a seguir, Althusser associa Darstellung ao con
ceito de superdeterminação. Ele cita a passagem extraída da Introdução,
106 TEORIAS
Assim, a ideologia é uma questão da relação vivida entre os homens e seu mun
do. Esta relação, que não parece consciente a não ser sob condição de que seja in
consciente, da mesma forma só parece ser simples sob a condição de que seja
complexa, de que não seja uma simples relação, mas uma relação entre relações,
uma relação de segundo grau. Na ideologia os homens na realidade exprimem,
não a relação entre eles e suas condições de existência, mas a maneira pela qual
vivem a relação entre eles e sqas condições de existência: isto pressupõe tanto
uma relação real como uma relação imaginária, vivida. A ideologia é, pois, a
expressão da relação entre os homens e seu "m undo", isto é, a unidade Isuper-
determinadal da relação real e da relação imaginária entre eles e suas condições
reais de existência. (1969, pp. 233-234)
A formação social capitalista, de fato, não pode ser reduzida à relação de pro
dução capitalista isoladamente, nem, consequentemente, á sua infra-estrutura.
A exploração de classe não pode continuar, isto é, reproduzir as condições de
sua existência, sem as relações legal-poirticas e ideológicas que em última instân
cia são determinadas pela relação produtiva. (1976, p. 203)
1
A TEORIA DE ALTHUSSER 123
3. A natureza da ideologia
O que Althusser procura detalhar na segunda parte de seu ensaio é uma
problemática m uito precisa, que não deve ser confundida com a dos AIE:
uma teoria da ideologia em geral. Este projeto, para ele, é pertinente por
que a estrutura e o funcionamento da ideologia são sempre os mesmos. O
problema é o do mecanismo da ideologia, que é uma realidade não históri
ca, isto é, imutável na forma através de toda a extensão da história das so
ciedades de c/asse.*’
Sua restrição explícita à história das "sociedades de classe" é, uma vez
mais, uma importante distinção de suas formulações em A Favor de Marx,
mas não há nenhum argumento explícito sobre a razão para essa restrição
ou sobre a importância que ela tem para sua teoria da ideologia. Todavia,
esta restrição é lógica se quisermos manter o elo com a problemática da
reprodução e com os AIE, evitando o problema da "ideologia na sociedade
comunista".
Há uma outra restrição. O mecanismo da ideologia "em geral" é abs
trato em relação às ideologias reais (ideologias regionais e de classe) exis-
124 TEORIAS
Algumas conclusões
0 ensaio sobre os AIE representa um avanço na teorização de Althusser
que é fruto de uma maior precisão e de uma explicação ampliada do terre
no da "ideologia". Em primeiro lugar, a especificidade das estruturas da
ideologia (materialidade, aparelhos, constituição de sujeitos, etc.) ganha
126 TEORIAS
gem. Nossa interpretação, neste artigo, tem sido uma interpretação que pro
cura situar antes os avanços do que as discrepâncias reconhecidas no texto.
Vimos, pois, que o ensaio focaliza uma problemática diferente: a da
ideologia dominante (aparelho de Estado, reprodução) e a dos mecanismos
necessários de qualquer ideologia ("ideologia em geral"). Esta última tam
{
bém deu origem a alguns enormes problemas: é ela simplesmente diferente
ou está em contradição com as conclusões da primeira parte? É importante,
no que diz respeito a esse debate, sustentar que o caráter "geral" da ideolo
gia refere-se apenas aos mecanismos comuns e gerais de qualquer ideologia
concreta. Não se trata de uma ideologia "abstrata" em oposição a "concre
ta ", nem um esquema abstrato procurando ou esperando "realização". Este
mecanismo da ideologia é investigado detalhadamente na terceira parte
desta coletânea. Este mecanismo deve ser situado de modo crucial ao nível
da individualidade (relações individuais "vividas em imaginação"), e não
pode ser encarado, portanto, como idéias simplesmente falsas ou "distor
cidas". É possível, portanto, apesar das dificuldades remanescentes, mos
trar a coerência de uma tese precisa mas complexa: as ideologias, para
Althusser são
V I Recapitulação
vidualidade etc. Esta idéia recebeu atenção mais específica no ensaio sobre
os AIE sob a forma da tese segundo a qual a ideologia constitui agentes in
dividuais como sujeitos. Indicamos a ordem dos problemas que esta tese
suscita, problemas que permanecem sem solução em Althusser, e talvez
ainda mais refratários à luz de sua mais recente Autocrítica.
V II Conclusão/crítica
A ideologia é tão "re a l" quanto a ciência; seu papel está longe de ser insig
nificante. O argumento de Althusser de que a ideologia tem de fato a ver
tanto com as práticas materiais, cotidianas^ quanto com as idéias-na-cabe-
ça deve precaver contra uma construção "idealista" desta posição. As
idéias da ideologia, portanto, são tão verdadeiras quanto são falsas, pos
suindo posições reais, identificáveis, de existência. Qual é, pois, a diferença
qualitativa ou lógica entre ciência e ideologia? A ideologia é a maneira pela
qual os homens vivem sua relação com as condições reais de existência, e
esta relação é necessariamente imaginária. Em outras palavras, a ideologia
repousa sobre experiências subjetivas que se apresentam como se represen
tassem as condições mais profundas, invisíveis e não sentidas da existência
social. Segue-se, pois, argumenta Hirst,que para Althusser a experiência não
é o tipo de coisa que pode chegar ao conhecimento das circunstâncias do
sujeito. O conhecimento não depende nem da experiência nem dos sujeitos.
Antes de prosseguirmos nesta linha de pensamento, devemos mencio
nar a posição mais desenvolvida de Hirst,^* pois representa uma abordagem
de Althusser que é ao mesmo tempo original e diametralmente oposta á
primeira série de criticas. Resumidamente, Hirst aplaude a tentativa de
Althusser de romper com o economismo na teoria da ideologia. Todavia,
trata-se apenas de uma tentativa, porque o próprio Althusser, longe de pre-
(Conizar o "autonom ismo", é vitima de certos desvios economisticos per
sistentes. No ensaio sobre os AIE, por exemplo, a ideologia e o Estado são
simples funções já dadas; mecanismos derivados por uma causalidade trans
parente e proveniente de outro setor, isto é, da economia. Em suas obser
vações sobre a natureza do "su jeito " da ideologia, Althusser é impedido de
manter um diálogo autêntico com disciplinas na área da subjetividade -
psicanálise e semiótica - porque ele retém um conceito de indivíduo hu
mano que é pré-freudiano. Essa noção particular é mantida a fim de preser
var a lógica da "representação". Isto é, que os meios imaginários da repre
sentação ideológica (imagens, linguagem, emoções, símbolos, rituais etc.)
derivam daquilo que é representado ou lhe são subordinados. E para Althus
ser, definitivamente, aquilo que é representado é um objetivo ou condição
economicamente definido (a perpetuação do governo de classe) cujo lugar
é preenchido por agentes humanos. Neste sentido, a coerência de suas ob
servações é comprometida por seus fantasmas economicistas. Hirst argu
menta ainda que o próprio conceito de representação — uma versão de au
tonomia relativa — é, como o segundo conceito, inerentemente instável. Os
meios necessários de representação ideológica (como as superestruturas)
são tidos como possuidores de uma autonomia relativa face à sua função
social "objetiva". Não obstante, transparece na teoria de Althusser que
esses meios só podem ser situados de modo coerente em termos daquela
função. A autonomia relativa, afirma Hirst, quer se refira a "níveis" da fo r
mação social, práticas políticas ou a mecanismos ideológicos, é um concei-
134 TEORIAS
NOTAS
1. 1976, p. 179.
2. 1970, pp. 182-93.
136 TEORIAS
3. 1969, p. 254.
4. Marx, 1973, pp. 106-7.
5. Ver 1969, pp. 193-214.
6. Hindess e Hirst, 1975, pp. 272-8.
7. Ver 1970, parte III, "The Basic Concepts of Historical Materialism".
8. Ver 1969, pp. 183-93.
9. 1971, pp. 134-5.
10. Ver 1976, pp. 175-87.
11. A noção de Imaginário, aqui, é bem semelhante á de Lacan. Ver, por exemplo,
New Le ft Review 51. '
12. 1969, p. 231.
13. 1970, p. 28.
14. Mas ver o artigo sobre Gramsci nesta coletânea.
15. 1970, pp. 52-3.
16. 1970, p. 177.
17. 1971, p. 171.
18. Ver 1971, p. 146.
19. 1971, p. 152.
20. 1969, p. 233.
21. Ver 1971, p. 159.
22. 1971, pp. 170-3.
23. Para o exemplo mais avançado desse argumento, ver Hirst. 1976.
24. 1976, p. 68.
25. Ver Bibliografia.
26. Cailinicos, 1976, pp. 7-9.
27. M. Glucksmann, 1974.
28. Hirst. 1975.
29. Hirst, 1976.
BIBLIOGRAFIA
Obras de Althusser
Textos Críticos
A. Cailinicos (1976) Althusser's Marxism, Pluto, Londres.
N. Geras, "Althusser's Marxism: An Assessment and an Account" New Le ft Re-
view, 71.
137
A TEORIA DE ALTHUSSER
ReferAncias
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Identificação Errônea de Ideologia:
a Ideologia no Poder Político e nas Classes Sociais
Os conceitos gerais
• Ver o artigo mimeografado a ser publicado pelos autores, que é uma tentativa de
avaliar a teorização da natureza do Estado no capitalismo contemporâneo.
* • Para um exame mais detalhado do quadro estruturalista, ver a primeira seção do
artigo sobre Althusser nesta coletânea.
IDENTIFICAÇÃO ERRÔNEA DE IDEOLOGIA 139
Poulantzas começa sua discussão da ideologia com uma crítica das con
cepções "historicistas". Esta crítica volta-se para a posição do "jovem "
Marx segundo a qual a ideologia está contida no modelo: "O sujeito/o
l
IDENTIFICAÇÃO ERRÔNEA DE IDEOLOGIA 141
real/alienação" (p. 195), no qual "a ideologia é uma projeção num mundo
imaginário da essência mistificada do sujeito." Esta problemática leva à
redução da ideologia à consciência — ou, antes, falsa consciência. Todavia,
o alvo principal da crftica é a concepção de Lukács de^"consciência de clas
se" e "visão do m undo", na qual a "visão do m undo" da "classe-sujeito"
particular da história apresenta-se como o princípio central no estabeleci
mento da unidade de uma formação social. Poulantzas traça essa concep
ção através de sua transfiguração e suas utilizações por diferentes mãos —
Weber, Parsons, New L e ft fíeview e Gramsci, embora admitindo que a obra
de Gramsci também implique "aspectos científicos e originais" — cujos
elementos mais significativos são: "a metáfora ambígua" do "cim ento" da
sociedade; e o rompimento "com a concepção de ideologia como um siste
ma conceituai". Poulantzas volta a ambos os temas em sua própria análise.
Existem, contudo, outras objeções à concepção historicista, que con
vergem em torno de sua conexão "genética" coma classe-sujeito particular.
Considera-se que esta concepção conduz a dois erros importantes. Primei
ro, a "exagerada politização" da ideologia (p. 202), na qual as ideologias
são tratadas "com o se fossem distintivos políticos numerados nas costas
das classes sociais", torna impossível decifrar a relação concreta entre a
ideologia dominante e a classe ou fração politicamente dominante. Em
contraste, Poulantzas argumenta que
na realidade, a ideologia dominante não reflete simpiesmente as condições de
existência da classe dominante, o sujeito "puro e simples", mas antes a relação
política concreta entre as classes dominante e dominada numa formação social.
Ela é frequentemente permeada de elementos que derivam do "modo de vida"
de classe ou frações outras que a classe ou fração dominante, (p. 203)
Segundo, a identificação da ideologia com classes-sujeitos específicas torna
impossível estabelecer a existência, dentro da ideologia dominante, de ele
mentos pertencentes às ideologias de outras classes que não a classe p o liti
camente dominante e explicar a permanente possibilidade da contamina
ção da ideologia da classe operária pelas ideologias dominante e pequeno-
burguesa, porque numa concepção historicista cada ideologia de classe
"funciona, por assim dizer, num vácuo" (p. 205).
Estas observações constituem uma importante abertura na reformula
ção da questão da ideologia. Acima de qualquer outra coisa, ao afastar a ideo
logia de sua construção por uma única classe-sujeito histórica elas levantam
a possibilidade de pensar as ideologias como unidades complexas, produ
zidas sob condições específicas e moldadas e reconstituídas no processo
das lutas de classes. É esta a tarefa que se propõe nas seções subseqüentes.
A condição do ideológico deriva do fato de que ele reflete a maneira pela qual
os agentes de uma formação, os portadores de suas estruturas, vivem suas condi
ções de existência, isto é, refletem sua relação com estas condições como ela é
"vivida" por eles. A ideologia está tão presente em todas as atividades dos agen
tes que se torna impossível distingui-la de sua experiência vivida, (pp. 206-7)
Desse ponto de vista, seu papel especifico e real de unificador não é o de cons
titu ir a unidade de uma formação social (como a concepção historicista gostaria
que fosse), mas o de refletir esta unidade reconstituindo-a num plano imaginá
rio. (pp. 208-9)
k o ideológico (isto é, uma ideologia dada) é constituído como uma instância re
gional na unidade da estrutura; e esta estrutura sofre a dominação de uma classe
dada como seu efeito no campo da luta de classes. A ideologia dominante, ao
assegurar a inserção prática de agentes na estrutura social, tem como objetivo a
manutenção (a coesão) desta estrutura, significando isto acima de tudo domina
ção e exploração de classe, (p. 209)
estrutura (unidade) .. . não pode ser decifrada a partir de suas relações com uma
consciência de classe/visão do mundo, consideradas num vácuo, mas do ponto
de partida no campo da luta de classes, isto é, a partir das relações concretas
entre as várias classes em luta, a relação na qual funciona a dominação de classe,
(p. 209)
i
IDENTIFICAÇÃO ERRÔNEA DE IDEOLOGIA 145
Isto não é O mesmo que postular a ausência de luta de classes ou ver essas
relações de luta como tendo sido incorporadas ou integradas na formação
social através do mecanismo de consentimento, mas apenas apontar a com
plexidade das relações ideológicas de dominação e subordinação. Assim,
as classes dominadas podem viver "até mesmo sua revolta" contra a dom i
nação do sistema dentro do quadro de referências da ideologia dominante:
por exemplo, no çaso da "ideologia reformista clássica" ou mesmo no caso
da "coexistência de uma ideologia revolucionária poderosamente articulada
com uma ideologia sujeita à estrutura básica da legitimidade dominante".
Essa advertência quanto à complexidade das relações ideológicas de
dominação e subordinação é ainda mais enfatizada pela observação de dife
rentes tipos de legitimidade que podem coexistir numa situação concreta,
incluindo aliança de classe (em termos ideológicos) com outras classes e
frações. Por exemplo, a legimitidade feudal não apenas freqüentemente
caracterizou estruturas feudais coexistindo em estados capitalistas, mas até
mesmo estruturas típicas de Estados capitalistas: é o caso da Grã-Bretanha
contemporânea, com uma classe executiva moderna que coexiste e apóia a
legitimidade monárquica. Ao abordarmos tal exemplo, não devemos subes
tim ar a existência de tal forma de legitimidade que depende de uma ideolo
gia de classe particular - a de uma aristocracia quase inexistente.
Este retorno (e esta ênfase quanto) à necessária complexidade das rela
ções ideológicas de dominação e subordinação conclui o tratamento que
IDENTIFICAÇÃO ERRÔNEA DE IDEOLOGIA 147
dir-se-ia que ele está contradizendo seu argumento anterior de que os agen
tes de produção de fato aparecem como indivíduos somente naquelas rela
ções superestruturais que são relações jurídicas, e não na estrutura das
IDENTIFICAÇÃO ERRÔNEA DE IDEOLOGIA 151
Pelo próprio ato da troca, cada indívrduo é refletido em si mesmo como seu su
jeito exclusivo e dominante (determinante). Com isso, então, a completa liber
dade do indivfduo é estabelecida... O interesse geral é exatamente a generalida
de de interesses que se buscam a si mesmos. Conseqüentemente, quando a forma
econômica, a troca, estabelece a igualdade multllateral de seus sujeitos, então
o conteúdo, tanto o indivíduo como o material objetivo que leva à troca, é a liber
dade. {Grundrisse, Penguln, 1973, pp. 244-5)
Esta forma fenomenal, que torna invisível a verdadeira relação e que, de fato,
mostra o oposto direto desta relação, forma a base de todas as noções jurídicas
tanto do traballiador como do capitalista, de todas as mistificações do modo de
produção capitalista, de todas as suas ilusões como a liberdade, de todas as mo
dificações apologéticas na atitude dos economistas vulgares.
Meu ponto de vista de que cada modo de produção especial e as relações sociais
que lhe são correspondentes, em suma, de que a estrutura econômica da socie
dade é a base real sobre a qual a superestrutura jurfdica e política é levantada e
à qual formas sociais definitivas de pensamento correspondem... (citado em
Poulantzas, p. 28). y
Conclusão
mico. Isto não apenas porque acreditamos que a análise do econômico que
oferecemos é uma análise cuja importância tem sido reduzida dentro dos
princípios de Althusser, mas porque é esta conexão — o econômico e a
ideologia — que acreditamos ser o ponto vital de qualquer teorização mar
xista sobre ideologia. Poulantzas criticou corretamente os erros das con
cepções historicistas da ideologia —sua redução à consciência de sujeitos de
classe economicamente definidos —mas deixou de oferecer uma alternativa
rigorosa e substancial a esta posição.
A construção da ideologia mediante sua função não é um fundamento
adequado para esta teoria alternativa. Ela supõe (incorretamente, argu
mentaríamos nós) que os problemas de uma análise marxista da estrutura
econômica são resolvidos e encerrados, sendo que o recuo à função da ide
ologia ocorre justamente porque Poulantzas não consegue especificar a
relação entre as relações reais nas quais se localizam os agentes, e as formas
ideológicas nas quais são pensados, compreendidos e representados. A
"fun ção " da ideologia está diretamente inserida nesse espaço teórico.
Não pretendemos ter resolvido a natureza da relação entre essas re
lações fundamentais e suas formas ideológicas. O que tentamos fazer foi
acrescentar um modo de pensar metade da relação. Partimos do econô
mico e procuramos demonstrar como Marx identifica a base de aspectos
fundamentais da ideologia burguesa no contexto de diferentes aspectos
da estrutura econômica do capitalismo. Estas apreciações, contudo, não
são marginais às análises de Marx sobre o funcionamento do capitalismo,
elas reaparecem através de toda sua crítica da economia política burgue
sa. De fato, formam um elemento crucial destas críticas quando Marx in
siste em que os erros da economia política derivam do fato de que esta
não consegue penetrar nos movimentos superficiais do capitalismo.
Estas observações, contudo, não constituem uma teoria da ideologia.
Elas disto se aproximam ao especificar como esta teoria deve ser apreen
dida a partir de um lado da relação entre o econômico e o ideológico. Elas
não nos fornecem uma maneira de pensar a Ideologia. Contudo, insistem
em que o "prim ado" do econômico na teoria marxista deve ser pensado
de uma maneira mais persistente e ativa do que sua redução à "m a triz "
das estruturas levada a cabo por Poulantzas levaria a crer. A dificuldade de
se pensar a ideologia adequadamente é a tarefa de sustentar esta concepção
ampliada do econômico sem perm itir que outras análises recaiam num eco-
nomismo vulgar no qual a ideologia e a política são tratadas como epife-
nômenos meramente refletivos. Quanto a isto, aceitaríamos os avanços
definitivos conseguidos pelo paradigma althusseriano (embora não necessa
riamente as soluções que prescreve) em torno da irredutibilidade da ideo
logia, a descentralização dos agentes com respeito às relações e processos
nos quais estão inseridos.
158 TEORIAS
BIBLIOGRAFIA
que estão também sob constante pressão para se modificar, assim como se
modificam as condições da vida material. Segue-se daí que a primeira parte
de nossa definição seria de que é a vida material que determina a ideologia.
A questão seguinte é, inevitavelmente, como? Não discordamos de
que certos aspectos da ideologia da classe operária são representações dos
interesses das classes dominantes, embora possamos discordar de qualquer
sugestão de que isto ocorra de maneira conspiratória. Mas, mesmo nesse
caso, as idéias da classe dominante são endossadas, modificadas ou rejeita
das segundo certas condições materiais.
As condições materiais, evidentemente, existem ao nível das experi
ências cotidianas de classe e das práticas de classe. Estas experiências e prá
ticas diferem não somente entre classes, mas também no interior dessas
classes — gerando frações de classe ocupacionais ou locais. Assim, não são
apenas as idéias das classes dominantes que são testadas na experiência
da classe operária, mas, o que é igualmente importante, sugerimos nós, a
prática de classe gera seu próprio tipo de consciência e cultura. Assim, a
natureza contraditória da consciência da classe operária reflete a dife
rença entre a experiência real da produção capitalista e as formas fenome
nais do mercado refletidas na superestrutura. A experiência coletiva e
vivida da produção capitalista fornece grupos alternativos de práticas e de
organizações materializadas na cultura da classe operária. A consciência ge
rada é, ideologicamente, "senso com um ": aprender através da experiência
o que pode e o que não pode ser feito em condições dadas. Portanto, isto é
ideológico porque as condições são dadas, não são questionadas - somente
a melhor maneira de manipulá-las para conseguir vantagens é considerada.
Nessas condições, localização e local de trabalho tornam-se extrema
mente importantes. A base material do seccionalismo repousa num mercado
de trabalho diferenciado pela indústria, por variações entre firmas nas in
dústrias, e pela divisão do trabalho em locais de trabalho particulares. Em
bora, em termos gerais, grupos geograficamente distintos de operários co
nheçam os mesmos tipos de problemas, os problemas de qualquer grupo es
pecífico são particulares e únicos. São limitados no tempo, giram em torno
de pessoas particulares, sendo confinados a um local de trabalho particular
ou a uma seção deste local.
Desse modo, os operários da linha de montagem de televisões não dis
cernem sua dependência definitiva do mineiro de carvão, não havendo
nenhuma razão de "senso com um " pela qual deveriam fazê-lo. Nestas
situações, a atividade de classe teín sua base na indústria ou na localidade.
As alianças são formadas numa região, numa fábrica ou através de uma
ocupação, sendo que em algumas circunstâncias essas alianças podem tor
nar-se tão exclusivas a ponto de dissimular a realidade definitiva de ser
classe operária. A melhor coisa que pode acontecer nesse caso é uma indi
ferença às lutas de outros operários. A pior é um co nflito aberto entre
ESTUDOS COMUNITÁRIOS 163
Considero que tal impressão está errada se nos leva a construir uma imagem da
classe operária simplesmente a partir da soma da variedade de estatísticas dadas
em alguns desses trabalhos sociológicos . .. precisamos claramente tentar enxer
gar, para além dos hábitos, aquilo que os hábitos representam, enxergar através
das declarações para ver o que as declarações representam . .. detectar as diferen
tes pressões emocionais por trás de frases idiomáticas e observâncias ritual ísticas.
(1957, p. 17)
Isto quer dizer que, quando o caráter social da produção capitalista torna-
se aparente no estilo de vida e nas atividades oposicionais da principal
força produtiva, a classe operária, a sociologia aparece como uma teoria de
como responder a essa oposição sem abolir o modo de produção capitalista.
A sociologia reconhece o caráter social da produção — mas nega que
ela tenha algo que ver com a produção, que é, afinal de contas, a preo
cupação da economia. Os "problemas sociais", isto é, aquelas atividades
ou fenômenos que colidem com os interesses do capital, são vistos como
o resultado da vida "social" — não como contradições econômicas. Já não
é a "fam ília-problem a" individual que está desorientada, é uma porção de
"fanhílias-problema" vivendo numa "área-problema". Assim, por exemplo,
no que diz respeito à educação, podemos ver agora que é a comunidade
que determina amplamente o êxito educacional:
O que permanece incontestado, contudo, é o fato de que o conceito de comuni
dade nos fornece um guia esclarecedor quanto às expectativas e necessidades da
população das áreas de captação escolar, bem como os fatores que prevalecem
no comportamento de seus alunos e professores, (Eggleston, 1967, p. 361
ção de que em todos os casos ela não coincide com a realidade empírica.
Temos procurado evitar isso criticando aspectos do tipo, em vez de indagar
se grupos particulares de trabalhadores se ajustam ou não à categoria. Além
do mais, "tra dicion al" e "proletariado" parecem-nos ser termos contradi
tórios quando aplicados à consciência da classe operária. Sugerimos que
alguns dos fatores que Lockwood associa à comunidade tradicional — a
existência de interações emocionais diretas no trabalho, o mercado de tra
balho localizado, e o alto grau de envolvimento no trabalho — inibem o
desenvolvimento da consciência do proletariado em vez de estimulá-la.
Uma vez mais, como assinala Westergaard (1970), os desenvolvimentos eco
nômicos subjacentes à resposta cultural da privatização estão levando a
uma transparência cada vez maior no nexo do dinheiro — um desenvolvi
mento que não deixa de ser problemático para o capitalismo.
Finalmente, um outro problema é a idéia determinista/positivista de
consciência manifestada por Lockwood neste artigo específico. A consci
ência é vista simplesmente como um reflexo da atividade na base. Isso é
surpreendente tendo em vista os trabalhos (anteriores) de Lockwood sobre
"a classe operária afluente", nas quais, examinando o aburguesamento, ele
insistiu que três aspectos da atividade da classe operária devem ser levados
em consideração: o econômico, o relacionai e o normativo, todos apresen
tando uma relativa autonomia, com o relacionai agindo como mediador
entre os outros dois. Neste sentido, a consciência jamais poderia ser apenas
um reflexo do que fazem as pessoas, já que as mediações de como o fize
ram, e com quem, eram cruciais. Em Sources o f Variation in Working Class
Images o f Society, Lockwood parece derrubar os níveis do econômico e
do relacionai, dando-nos em seu lugar uma crua formulação base-superes-
trutura com determinações mecanicistas. Um exemplo desse mecanicismo
é manifestado na identificação que Lockwood faz do tradicionalista prole
tário como o trabalhador que possui maior consciência de classe. Eis a ex
plicação de Lockwood de sua imagem da estrutura social:
Uma coisa parece m uito clara. Os trabalhadores podem não ver a es
trutura de classe de uma maneira, mas de maneiras diferentes e contraditó
rias. Isto é mais compreensível em vista dos efeitos sobre a consciência e
as imagens de classe do sistema educacional e dos meios de comunicação.
Dadas todas as diferentes influências que operam sobre a consciência dos
trabalhadores, sugeririamos que qualquer tipo de "imagens da sociedade"
coerentes seria a exceção e não a regra. Se nem a situação social de um
grupo particular de trabalhadores, nem as interpretações destas situações
são homogêneas, como sugere Lockwood, está aberto o caminho para con
tradições aparentes entre atitude e conduta e ainda para uma considerável
variação nas próprias atitudes.
Ora, o erro básico cometido por Parkin em suas análises tanto dos sin
dicatos como do Partido Trabalhista é o de generalizar em categorias atem
porais características peculiares a um período histórico particular. Antes
de mais nada sua descrição de economismo, apesar da citação que faz de
Lénin, é uma simples caracterização do movimento trabalhista numa con
juntura particular. Lénin apontava as limitações do sindicalismo como
força política e revolucionária — sua relação com a atividade política. Fun
damentalmente, seja qual for o grau de reformismo dos líderes sindicalis
tas, a própria existência de um sindicato ipso facto afirma a diferença in
transponível entre capital e trabalho numa sociedade de mercado; ela cor-
porifica a recusa da classe operária em integrar-se no capitalismo segundo
os próprios termos do capitalismo. O sindicalismo tem sido sempre uma
resposta direta às forças econômicas — uma resposta a um sistema em que
os trabalhadores são forçados a vender sua força de trabalho como uma
mercadoria no mercado. Como Benyon (1973) assinala, esta situação gerou
uma consciência de classe nas fábricas que compreende as relações de clas
ses em termos de sua manifestação direta em conflito entre empregadores e
trabalhadores numa fábrica. Esta consciência está enraizada no local de
trabalho onde as lutas são travadas pelo controle do emprego e dos "d ire i
tos da diretoria e dos trabalhadores. Embora possa ser uma "p olítica da fá
brica” , o fato de se ocupar com exploração e poder indica que ela contém
elementos políticos definidos. Os sindicatos, portanto, refletem e expri
mem uma "consciência da classe operária": uma consciência que reconhe
ce a validade do proletariado como uma força social distinta, com seus pró
prios interesses corporativos na sociedade. Isto pode não ser o mesmo que
uma consciência socialista, mas deve ser reconhecida como uma precondi-
ção necessária para seu desenvolvimento.
Além do mais, enquanto o "coletivismo instrumental" dos trabalha
dores é exprimido com um economismo agressivo e um controle fabril de
fensivo, a correlação que Parkin faz disso como sendo simplesmente "aco-
m odatício" é unidimensional. Ele pressupõe que as exigências economistas
serão satisfeitas de modo consistente e que o controle fabril é algo que só
176 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
A (liijunçáo Bntre aquilo que tem sido chamado uma "consciência sindicalista" e
unin 'consciência po lítica" náo é clara. A política e um entendimento político
piKlem estar implicitamente presentes na maneira pela qual os trabalhadores e os
iillv litu i encaram e compreendem seu sindicato e seus empregadores. O que está
C.lnro, contudo, é que enquanto a política está presente no sindicalismo, os sindi-
( nloi antes restringem do que desenvolvem esta consciência política. . . Segundo
a liadição, o movimento sindical britânico tem enfrentado a contradição de
<M>ür se ao empregador ao mesmo tempo em que o reconhece através da dicoto-
mla das alas "industrial" e "p o lítica " do movimento trabalhista. Qualquer coisa
leliclonada a uma mudança na sociedade foi transferida para o Partido Tra-
bnlhlita, (1973, p. 231)
Conclusão
BIBLIOGRAFIA
APÊNDICE
Incluímos este Apêndice para ilustrar como o interesse dos sociólogos se focalizou
tanto na "comunidade” como uma ideologia quanto nos estudos comunitários na
década de 50. Incluimos trabalhos realizados nos Estados Unidos para comparação,
pois um desenvolvimento semelhante lá ocorreu nos anos 30.
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ESTUDOS COMUNITÁRIOS 183
Dan Finn,
Neil Grant, Richard Johnson
Introdução
I O partido trabalhista
A via parlamentarista
Uma das determinantes fundamentais do Trabalhismo tem sido a relação
do Partido com a classe trabalhadora. Apesar das aparências em contrário
e, principalmente, das tentativas no pós-guerra dos "socialistas democrá
ticos" para' "am pliar as bases" do apoio eleitoral do Partido, ele tem
dependido do voto da classe trabalhadora e de uma aliança histórica com
190 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
Dos partidos políticos que alegam ser o socialismo seu objetivo, o Partido Tra
balhista sempre foi um dos mais dogmáticos — não quanto ao socialismo, mas
quanto ao sistema parlamentar. Empíricos e flexíveis quanto a tudo o mais, seus
líderes sempre fizeram da devoção a este sistema seu ponto de referência fixo e
o fator condicionante de seu comportamento político. Isto não quer dizer sim
plesmente que o Partido Trabalhista jamais tenha sido um Partido da revolução;
tais partidos normalmente sempre se mostraram dispostos a aproveitar as opor
tunidades que o sistema parlamentar oferecia como um meio de ampliar seus
objetivos. Antes, foram os líderes do Partido Trabalhista que sempre rejeitaram
qualquer tipo de ação política (tal como movimentos grevistas com propósitos
políticos) que se desviasse, ou que assim lhes parecesse, dó quadro e das conven
ções do sistema parlamentar. O Partido Trabalhista não tem sido apenas um
Partido parlamentar; ele tem sido um Partido profundamente imbuído de parla
mentarismo. (1972, p. 13)
r â ri,/i.
ia iiii -rteiLSorui:
j . 'Jma SsS r do Esta-
assistência educacional através
teria t í d l o L m « Is o ^ ra d m a r’^ ! ! * ' ° dificilmente
estabelecimentos de ensino sob o L n tr o L S ' r i
owenistas haviam explorado essa t r i l T ®
*- í ^ ^ * quase cem anos antes. 0 aue os sus
tentara então, face a recursos materii^ic m/nirrti-sc -r •
êxitos políticos iminentes. De acordo L I ' T i ' .«^‘ P^^ativa de
Partido Trabalhista sobre o p o rtu n id a rie llm
era bastante racional, sendo a i n d r u r l h°
e pelos liberais populares A fla g r a n tlf ^
Conservadores, governos com p o lític a T d lL ^ ^ ^
capital
rolorss-rN tornaram
D * j a com
luta necessária
• ' ' « 6e pooerosa.
p o d e l i Contudo,
r ''^ '^ ^ ^ como veremos a
relaçao do Partido o sistpm^ . cicmua, a
sua relaça~o com o Parlamento. Esta r lí a í^ lle T tr " " ’ "
toto. incluindo muitas das ideologias Ha rL iã T l t
geral dos argumentos de Tawney sobre aspectos tais como seleção em com
paração com outras posições no Partido Trabalhista.
A análise de Tawney, de modo característico, foi elaborada como his
tória. A educação desenvolvera-se ao longo de linhas de classes no século
X IX , como um sistema de spsrtheid social. Havia dois setores distintos:
a educação elementar era o treinamento de "uma classe especial", de tra
balhadores e criados; a educação secundária estava reservada aos seus se
nhores. Os sistemas eram paralelos; era impossível uma progressão entre
eles, mesmo para um aluno individual. As premissas desse sistema - "as
doutrinas de 1870" — têm sido de algum modo enfraquecidas desde 1902.
Apesar da recente deturpação dos propósitos inadequados de Fisher,
alguns elementos de ligação entre os dois sistemas foram erguidos. Mas a
divisão elementar/secundário continou substancialmente intata: formas
"exclusivas" de seleção e abrir passagem para os de capacidade excepcio
nal constituíam um compromisso cujo objetivo era perpetuar a divisão.
Para isto também concorriam esquemas fragmentários como a continuação
diurna ou a extensão da educação dentro do sistema elementar. Para a
maioria dos alunos, a "educação elementar" era o máximo que podiam es
perar; a educação secundária continuava sendo "um privilégio educacional
excepcional".
O objetivo, então, era garantir "uma conexão viva e orgânica" entre o
ensino elementar e secundário, reclassificando-os como estágios sucessivos
e definidos segundo a idade, através dos quais cada aluno devia avançar in
dividualmente. Somente assim cessaria a intromissão ilegítima de "classes"
nas questões "educacionais".
Vale a pena acentuar a essa altura que, embora "classe" seja uma das
palavras-chave de Tawney, ele a usa muito vagamente. Em Secondary
Schools fo r AU, a palavra é geralmente usada para denotar pressuposições
e preconceitos, principalmente quando estes são vistos como fatores arcai
cos ou irrelevantes para a questão em pauta. Assim, embora Tawney por
vezes se refira a "estratificação de classe" à maneira sociológica, sua u tili
zação típica é idealista e moralista. O termo "classe" é invariavelmente pe
jorativo: "as irrelevâncias vulgares das desigualdades de classe e da pressão
econômica", "a odiosa doutrina da dominação de classe", "a vulgaridade
do sistema de classe". Às vezes "classe"contrapõe-se a "comunidade", di
visão contra uma harmonia social: "Sua política (do Partido Trabalhista)
não visa vantagem de nenhuma classe isolada, mas o desenvolvimento dos
recursos humanos de toda a comunidade" (p. 64, grifos do autor e cf. a
seção sobre "classe" em Equality).
Contra os resíduos das doutrinas do passado baseadas no conceito de
classe, Tawney discerniu (e ajudou a propagar) um movimento crescente
de oposição. Por vezes esse aspecto era apresentado simplesmente como
mais um aspecto de "comunidade" — "nosso senso comum e nossa huma-
EDUCAÇÃO E CRISE 199
Tanto nas criticas contra o atual sistema como nas propostas para melhorá-lo,
existem indícios de um acordo fundamental que nãío existia há dez ou mesmo
cinco anos atrás. Na Inglaterra, não é indigno de um cavalheiro roubar meio cen
tavo de uma criança; e os interesses industriais, podemos admitir, opor-se-ão a
qualquer reforma que interfira com a oferta de força de trabalho juvenil barata.
Mas entre educadores e professores, economistas e assistentes sociais, administra
dores e, não em últim o lugar, os próprios pais, não se verifica uma ampla diversi
dade quanto ao principal ponto fraco do atual sistema, (p. 18)
O objetivo deveria ser o de tornar nosso sistema educacional uma unidade or
gânica, viva em todas as partes, servida por professores unidos, autOnomos e
Hvres. (p. 123,grifos nossos)
Definida pelo estágio da vida para o qual provê, ela é a educação do adolescen
te. Definida por seu currículo, ela pressupõe que o trabalho preparatório de
desenvolver os processos mais simples de pensamento e expressão foi alcançado,
e que seus alunos estão aptos a serem introduzidos, pelo menos em linhas gerais
e por etapas, às matérias que os interessarão como adultos, e a um conhecimento
que pode ser razoavelmente esperado da parte de homens e mulheres instrurdos.
Definida por seu propósito, seu objetivo principal não é o de ensinar a técnica
ou o ofício especializado de qualquer profissão particular, mas desenvolver as
faculdades que, por serem um atributo do homem, não são peculiares a qualquer
profissão ou classe particular de homens, e criar os interesses que, ao mesmo tem
po em que possam tornar-se a base de uma especialização num estágio posterior,
possuem um valor que se estende além de sua utilidade para qualquer vocação
específica, porque são a condição de uma vida racional e responsável na socie
dade. (p. 291
À primeira vista, esta e outras passagens parecem não ter conteúdo, e num
certo sentido assim é. O significado delas é quase que inteiramente negati
vo. O que é significativo é o que é negado. De modo particular, Tawney
opõe definições de educação secundária derivadas do futuro emprego do
aluno. O Movimento Trabalhista deve rejeitar, escreve ele posteriormente,
"o comercialismo vulgar que concebe a fabricação de datilógrafos e mecâ
nicos eficientes como objetivo primordial da educação do adolescente"
(p. 111); em outras palavras, o legado das Central and Junior Technical
Schools. A doutrina da determinância da ocupação é ''fundamentalmente
viciosa", sacrificando as chances de um desenvolvimento humano mais
completo das crianças à produção de mão-de-obra para a indústria.
O antiindustrialismo de Tawney produz um emaranhado particular
de argumentos. Por um lado, a educação é vista como uma esfera cuja
autonomia em relação a considerações econômicas e sociais (isto é, as
"classes") deve ser defendida. Isto leva-o a definir certos critérios como
meramente "educacionais", de modo que, por exemplo, noções psicológicas
de "desenvolvimento natural" são invocadas contra considerações de u tili
dade econômica. Os "especialistas" da região são também proporcionalmen
te exaltados juntamente com "o progresso da ciência educacional". A ten
dência desta parte da argumentação é separar radicalmente a formação
social e um meio principal de sua reprodução, uma posição estranha para
um socialista que procura modificar o mundol Por outro lado, a educação
é vista como tendo alguns efeitos pertinentes em um nível mais do que in
dividual, Ela de fato (se for do tipo correto) desenvolve e melhora a ordem
social. Tawney mostra-se tão capaz como qualquer economista de cunhar
a frase sonora sobre educação e capital humano:
É possível tanto o pessoa! como o equipamento material da indústria serem sub-
capitalizados, e uma nação que tenha a coragem de investir generosamente em
202 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
II A sociologia da educação
Desen volvimen to
A sociologia da educação teve suas raízes na tradição de "aritmética polí-
iica da sociologia empírica, que se preocupava diretamente com questões
de pobreza e de desigualdade social. Foi durante a década de 1930, depois
da criação de um Departamento de Biologia Social na London School of
Economics ( l s e ), que foram realizados esforços sistemáticos para investi
gar o papel desempenhado pela educação na manutenção e perpetuação da
estrutura de classes e na promoção da mobilidade social. Foi nesse contex
to que as conclusões dos testes de inteligência, geralmente citados em
apoio a um sistema seletivo, foram utilizadas no sentido oposto. Em 1935,
Cray e Moshinsky, em seu artigo-chave, "A b ility and O portunity in Eng-
llsh Education (' Capacidade e Oportunidade na Educação Inglesa"),
combinaram técnicas psicológicas e sociológicas numa pesquisa da relação
entre capacidade e realização. Eles concluíram que havia uma "grande re
serva de capacidade não utilizada" (1936, p. 364).
A institucionalização desse projeto de levantamento de fatos na LSE e
seu posterior desenvolvimento depois da Lei da Educação de 1944 assina
lam o nascimento da sociologia da educação como uma disciplina acadêmi
ca legitima. Nos termos dos problemas inicialmente abordados, a nascente
sociologia da educação foi grandemente influenciada por seus antecedentes
208 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
Impactos
O impacto destas conclusões deve ser avaliado em dois níveis: em relação
.'ii políticas sobre atividades e organização interna das escolas, e em rela
ção à política do Partido Trabalhista. No primeiro caso, este impacto rom
peu a dominação da psicologia sobre a organização escolar e sobre métodos
de ensino progressivos. Como demonstra Simon (1974), a disseminação
dos testes de inteligência eo conseqüente processo seletivo geraram a intro
dução da seleção interna e, posteriormente, legitimaram o sistema tripartite.
Os sociólogos criticaram estas práticas e assinalaram o caráter duvidoso dos
mecanismos de seleção, questionando depois toda a base de diferenciação,
e finalmente demonstrando seu aspecto "auto-suficiente". Desse modo,
para J.W.B. Douglas, a seleção fortaleceu, sendo nelas amplamente basea
da, as deficiências culturais/materiais da criança da classe trabalhadora
(1964).
Quanto ao segundo nível, o ensino centralizado na criança fora preco
nizado em relatórios governamentais desde a década de 1930, juntamente
com propostas para se classificar os alunos de acordo com níveis de inteli
gência. Ambos os conceitos estavam relacionados a uma interpretação psi
cológica do homem como uma criatura com capacidades determinadas,
inatas. O nível de inteligência, contudo, era fundamental e estabelecia lim i
tes às capacidades e potencialidades que poderiam ser exploradas através
de uma abordagem centrada na criança. Assim, a inteligência determinava
a estrutura e a organização, e dentro desses limites uma abordagem centra
da na criança podia ser empregada. A compatibilidade destes pontos de
vista é demonstrada no apêndice do Relatório Hadow (1933), elaborado
por Sir Cyril Burt, "o pai do teste de inteligência", e Susan Isaacs, um dos
progressistas mais influentes. A sociologia, então, ao debilitar o conceito
de inteligência, retirou o pino teórico que legitimava a estrutura organiza
cional e, conseqüentemente, libertou o progressivismo como método de
sua influência coercitiva e determinante.
Desse modo, os sociólogos puderam demonstrar que era a consolida
ção, na escola, das deficiências da classe trabalhadora, e não sua incapaci
dade inata, que contribuía para o insucesso da classe. Conseqüentemente, a
organização interna e estrutural do ensino tinha que ser reformulada para
compensar estas deficiências, em vez de ajustá-las. A força política deste
argumento aumentou com os relatórios do governo no final da década de
!j0 e inicio da de 60, que não somente reconheciam a necessidade de téc
nicos mais capacitados, mas ainda defendiam o ponto de vista de que era
necessário um nivel maior de realização mesmo para aqueles que apresen
tavam capacidade média. Estes relatórios puderam fazer isso apontando
a diminuição em números absolutos de trabalhos não especializados e o
aumento do nivel de especialização exigido pelas ocupações que surgiram
como conseqüência direta de avanços tecnológicos. Anteriormente, relató-
214 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
o talento intelectual nao é uma quantidade fixa com que temos de trabalhar,
mas uma variável que pode ser modificada pela politica social e pelas aborda
gens educacionais. (1936, p. 6)
As constatações das pesquisas sugerem cada vez mais que a inadequação lingüis-
tica, a desvantagem quanto à base social e ffsica e o desempenho mediocre na
escola estão intimamente associados. Devido ao fato de que as maneiras !e se
expressar, que são tudo de que precisam para o uso cotidiano no lar e no am
biente em que vivem, são restritas, alguns meninos e meninas podem jamais
adquirir os meios básicos para o aprendizado, e seu potencial intelectual é, por
tanto, encoberto. (1963, p. 151
0 currículo deveria ser, nas palavras de Sir William Pile, um "Jardim Se
creto", no qual os políticos entrariam com risco próprio, já que qualquer
incursão poderia ser interpretada como totalitária tanto na intenção como
na natureza.
Para os professores, no período entre as duas guerras, uma das princi
pais fontes de descontentamento com as práticas "educacionais" do siste
ma ainda não reformado era a preocupação em garantir a liberdade quanto
ao currículo. A influência generalizada das comissões examinadoras e os
efeitos sobre as escolas elementares e secundárias dos processos seletivos
forneceram argumentos imediatos para uma iniciativa no sentido de provi
dências institucionais mediante as quais a direção das comissões examina
doras pudessem ser contornadas. Além disso, nos setores escolares menos
afetados pelas determinações externas — os níveis mais baixos das esco
las primárias — reformas curriculares experimentais demonstraram a viabi
lidade de métodos de ensino alternativos. À medida que a força represen
tada pelos professores se expandia, diminuía a proporção aluno-professor.
Ao lado da introdução de métodos "progressivos", através de faculdades
de treinamento e do Inspetorado, o currículo da escola elementar começou
a se desenvolver num sentido centrado na criança e baseado nas pesquiras.
Contudo, essa iniciativa não era generalizada; relatórios recentes como o
de Plowden (1967) ainda instavam os professores a adotarem esta abor
dagem. As pressões para que fossem apresentados mais e mais alunos para
os exames de seleção, e a exigência de maiores qualificações educacionais,
inibiram a difusão destes métodos.
Desse modo, dentro do sistema educacional a luta em prol das escolas
de ensino geral era dirigida não somente contra a organização formal do
ensino, mas também contra o controle externo exercido sobre o currículo
tanto pelos processos seletivos como pelas comissões examinadoras. O N U T ,
por exemplo, preconizou em 1946 a abolição dos exames externos. No pe
ríodo após o término da guerra a proliferação de juntas externas de exames
intensificou o problema, sendo que somente depois do Relatório Beloe,
em 1960, os professores ganharam o controle sobre seu próprio sistema
I DUCAÇAOE CRISE 223
f
estruturas significativas, dentro desses parâmetros, implica uma acomo
dação com estas forças. Ela submete a postura oposicional potencial de
respostas culturais - não inevitavelmente, mas na prática.
Como Paul Willis procurou demonstrar em seu estudo sobre adoles
centes da classe trabalhadora: "o problema não é tanto que a criação
de significados subjetivos e ações com ela relacionadas reproduzam as rela
ções sociais de produção existentes, e sim que em suas conseqüências estas
coisas mantêm — na verdade constituem — o tecido da atual estrutura"
(Willis, 1976, p. 8). Assim, o "ê x ito " da "habitação" criada pela cultura an
(
tiescola, o grupo de cultura informal, leva á cultura da fábrica e prepara
esse caminho.
EDUCAÇÃO E CRISE 225
Young (1972), que assinala que embora seja legítimo os sindicatos terem
uma política quanto aos exames, eles estariam infringindo a autonomia se
fossem tomadas decisões de política em relação ao currículo escolar. Esta
noção individualista de autonomia transforma-se, na prática, no direito de
n io fazer nada. Os aperfeiçoamentos de currículos são recebidos e, então,
rejeitados ou aceitos. Isto implica uma resposta do professor, não uma ini
ciativa. Desse modo, por exemplo, diante de alunos do RSLA, ele terti que
escolher entre ensino baseado nos recursos, estudos integrados, e assim por
diante. No entanto, a opção é feita dentro dos parâmetros dos projetos
específicos, e dos parâmetros da experiência passada, sua e de seus alunos.
Os níveis entre os grupos de pesquisa e a escola são ocupados por uma
complicada trama de instituições — desde "assessores" locais até os centros
de professores; desde as publicações dos organismos de classe às comissões
examinadoras locais. Até mesmo nas escolas operam hierarquias comple
xas; desde inovações curriculares do vice-diretor às inovações do professor
substituto. É dentro desse contexto que temos que encarar a prática do
progressivismo, que pode estar bem longe das explicações teoricamente
coerentes desenvolvidas na pesquisa original.
A essa altura é importante acentuar a distinção entre "progressivismo"
e "profissionalismo", nenhum dos dois sendo redutível simplesmente ao
outro, muito embora tenham raízes comuns na ideologia pequeno-burgue-
sa. O profissionalismo como tal não se preocupa com o método ou com o
conteúdo do ensino per se, sua preocupação central é com a condição eco
nômica dos professores. De modo semelhante, o progressivismo é uma
abordagem educacional e ideológica aos problemas técnicos e pedagógicos
do ensino e que nada tem a ver com a posição e condição profissional do
professor como tal. Ambas as ideologias, como são expressas no aparelho
educacional, possuem apoios e fontes institucionais — faculdades de treina
mento, sindicatos, institutos de pesquisas, e assim por diante. É através
desses organismos que elas exercem uma poderosa influência sobre a con
duta dos professores e sobre o que acontece na sala de aula. Ao mesmo
tempo, é importante notar a disjunção entre o nível de prática e a ideolo
gia. A incorporação do progressivismo ás práticas da sala de aula, como
abordagem e como método de controle, tem lugar dentro dos fatores de
terminantes das lutas de classe na sala de aula.
Argumentamos que a estratégia profissional das organizações dos
professores estava implicitamente vinculada com a racionalização e com
a equalização do sistema educacional. Além do mais, argumentamos que
em torno desta afirmação do profissionalismo — institucionalmente
apoiada por uma forma de educação à parte — foram construídas uma po
lítica educacional dos professores e ideologias. Fato importante, a luta pela
autonomia tem estado intimamente ligada ao desenvolvimento da ideologia
do progressivismo. Assim, a capacidade de o professor responder às "neces
228 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
o futuro padrão de emprego neste país exigirá uma reserva de talentos muito
maior do que a atual; . .. e pelo menos uma substancial proporção dos alunos
médios e "abaixo da média" é suficientemente educável para prover aquele
talento adicional. A necessidade não é de apenas mais trabalhadores especializa
dos para preencher os empregos existentes, mas também de uma força de traba
lho com melhor instrução e inteligentemente adaptável para satisfazer as novas
exigências. (1963, p. 5)
Desse modo, um período mais longo passado nas escolas que tenham recur
sos adequados, além de alterações organizacionais internas e curriculares, é
necessário se quisermos que "nossas crianças" desenvolvam seu potencial.
Dadas as oportunidades, nSo temos dúvidas de que elas ("nossas crianças") en
frentarão os desafios que uma economia em rápido desenvolvimento oferece
tanto a elas como a seus irmãos e irmãs mais bem dotados. Mas não há tempo a
perder. Metade de nosso futuro está nas mãos delas. Devemos cuidar para que
esteja em boas mãos. (1963, p. xiv)
V C rític a
Igualitários Fabianos
"igualdade" "igualdade de oportunidade"
objetivos sociais/culturais objetivos econômicos
236 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
não podemos nos dar ao luxo de impor uma segregação a nossas crianças no está
gio de admissão à escola secundária. Como socialistas, como democratas, opomo-
nos a esse sistema de apartheid educacional porque acreditamos na igualdade de
oportunidade. Mas isso não é tudo. Simplesmente não podemos, como nação,
nos dar ao luxo de negligenciar o desenvolvimento de um único jovem. Não po
demos nos dar ao luxo de eliminar % ou mais de nossos filhos de virtualmente
qualquer chance de alcançarem a educação superior. Os russos não se dão, os
alemães não se dão, e os japoneses não se dão, nós tampouco podemos nos dar
a esse luxo.
N iiiiii iipenas para suas elites, uma difusão mais ampla da “ especialização",
■ n i Ib que o sistema educacional pode provê-la, era uma convicção absolu-
U Além do mais, esta convicção mantinha aglutinados todos os principais
lll■m>tllos do repertório. Primeiro, ela proporcionava uma justificativa
iiiinlm unteobstinada e de um materialismo vulgar para as políticas de igual-
iliiln concluindo ou atenuando os processos de seleção, as escolas de en-
■imi gorai e até os EPA. Sem isto, a acusação de que tais políticas eram
iliMiirinárias" e mesmo "socialistas" era possível de ser aceita. Segundo,
■l« Miconciliava a inevitável tensão entre a característica humanista e a
iilDiilogia dos profissionais da educação — a importância de se fazer o má-
Niiiiii para o desenvolvimento pessoal de cada criança — e o mundo do tra-
imlho, posteriormente. Pois os educadores foram informados (apesar do
i|iiH lua experiência mais direta pudesse sugerir) de que sempre haveria
im iiio trabalho especializadoe interessante para seusalunos.Terceiro, já que
■I loima da relação entre escola e produção era deixada de modo extrema-
iiiiinte vago, os professores podiam conscientemente preencher os espaços
'iiiflo i com atividades relevantes e estimulantes, animados por um senti-
iimnto de sua utilidade, m uito embora os alunos pudessem parecer inexpli-
I «velmente desinteressados pela oferta. Finalmente, a combinação educa-
çéo crescimento econômico ajustava-se perf.eitamente ao tipo de aliança
i|ua a liderança trabalhista desta fase procurava formar: trabalhadores,
pimcipalmente os das tecnologias mais novas, profissionais pequeno-bur-
gueies, como os professores, e os setores mais progressistas do empresariado
■ do capital nacional.
iMilti liii, tiBíde 1945, de apoio popular maciço ao ensino geral ou a qual-
•VMi) nutro aspecto da política trabalhista. Os pais têm-se mostrado em
ll■llll Indiferentes; seus filhos têm na verdade resistido aos efeitos da polí-
iire i nrim sugerem as contraculturas na escola e a oposição ao RSLA.
lle lembrarmos o argumento apresentado no início deste ensaio, este
■liaienin paradoxo não deve nos surpreender. Nem precisamos invocar
............. noção da apatia natural dos pais pertencentes à classe trabalhado-
I I i|unnto à educação de qualquer tipo. O fato é que o Partido Trabalhista
...... .. piocurou educar as classes populares a partir daí. Mas esse estado
n ln á uma "engrenagem", como a social-democracia acredita; ele sistema-
iiiiiiin n ie transforma as exigências políticas que lhe são feitas em nome
lU i ■Iniiei subordinadas. Aquilo que se afirma ser "de d ire ito " volta sob
tn m ii Irreconhecível. A educação é o melhor exemplo desse processo.
Num lentido geral, a pressão para a extensão dos direitos sociais e para
iiiiiiiii "igualdade" tem sido o combustível para o crescimento a longo pra-
■II ilii ilitem a estatal. Mas na prática esse processo tem sido dobrado e tem
ini iihido seu conteúdo de aspectos específicos do Estado na área educacio-
>i>il ()i Bspectos-chave são a separação estrutural das escolas de outros
MiiiM. do ensino e sua tendência para monopolizar toda a noção de educa-
'.íii II profissionalização dos professores e a busca de interesses setoriais
nu aparelho; e, acima de tudo, a necessidade estrutural de os orientadores
« administradores educacionais levarem em conta os interesses do capital.
DImo decorre que, tanto na produção como na escola, uma necessidade im-
pniln pela natureza — aprender — é experimentada como algo alienígena.
>\ ni.rola torna-se, além do mais, o local das lutas de classe. As divisões
iMiiiii pais, professor e criança, antagonismos mal disfarçados, são intrínse-
I ai no próprio aparelho. Ademais, a tendência geral da política do Partido
I i.ih.ilhista em sintonia com os professores tem sido a de exaltar os "espe-
clnllitas" da região em relação aos pais e de desvalorizar o senso comum da
>ultura dos pais. A tendência social reformista na ideologia do partido con-
•ngue isso de um modo absolutamente insultuoso, m uito mal compensado
piit uma oposição romântica (Bernstein, 1973; Rosen, 1973). Ao mesmo
tampo, o progressivismo tornou o ensino cada vez mais esotérico. Desse
mndo, todo o posicionamento trabalhista quanto ao ensino, não apenas es
vaziando o terreno da agitação, mas literalmente patrocinando novas
Intmas de opressão, abriu oportunidades maciças para um conservadorismo
demagógico, antiburocrático e anti-estatal.
VI A Crise
Nas seções anteriores oferecemos uma explicação e uma crítica dos aspec
tos mais flagrantes da ideologia educacional da social-democracia na déca
da de 60. Ao fazê-lo, procuramos apontar a fraqueza tèórica inerente à
244 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
iiiiia um desafio m uito mais forte. Embora esta mudança tenha realmente
iitTi i.máter político imediato, ao fazer uma iniciativa antecipatória a fim
•tw tirar a iniciativa dos conservadores, a mudança subjacente depende de
uma lérie de outros acontecimentos. Estes acontecimentos dizem respeito
M«an( lalmente ao desafio sistemático aos pressupostos do programa edu-
I «rmnal anterior — um desafio que se tem desenvolvido desde 1969.
Podemos constatar que os pressupostos que deram origem ao Relató-
iiii Nawsom, discutido anteriormente, revelaram-se insuficientes, e portan-
iM .1'. formas institucionais deles decorrentes foram atacadas. Assim, do
liiin io de vista de que as escolas são o meio para se resolver um problema, a
•iilini, o fracasso da classe trabalhadora e suas conseqüências econômicas e
i iillurais, a ênfase agora é a de acusar as escolas pelo fracasso, apesar dos
iiM ursos investidos.
Concretamente, a mudança fo i marcada por uma série de "aconteci-
iimntos" educacionais que foram identificados contra um fundo de dissen-
«Bii. Durante todo o peri'odo em que o Partido Conservador esteve no go-
umno, com as lutas trabalhistas que o caracterizaram, mas também durante
» ultima parte da década de 60, a direita acabou por identificar a educação
I umo um importante fator causai da "crise m oral" da época. O Black Pa-
t»» de 1969 pôde identificar os efeitos subversivos do igualitarismo nas
rupturas de 1968/1969, enquanto os pânicos morais inerentes do período
■m torno da questão da "juventude" serviram para reduzir a base causai ao
i|uadro institucional da educação. Nesse contexto os acontecimentos edu-
1 .11 ionais foram publicamente definidos.
As alegações de um declínio nos padrões de instrução nas escolas da
III A entre 1968 e 1971 tocaram um nervo exposto — por causa das cono-
lições emocionais da leitura como talvez a razão de ser das escolas. Desse
mudo, quando Start e Wells viram publicadas suas conclusões pela Funda-
i.lo Nacional para a Pesquisa Educacional, em 1972, Thatcher conseguiu
nxplorar a controvérsia que se seguiu ao instituir o Relatório Bullock
(1975) na questão geral da instrução primária, sua avaliação e controle.
Mnli recentemente, na esteira das conclusões de Bullock, a atenção nas
■■colas foi acentuada pelos acontecimentos em William Tyndale e pela
pficepçáo dada ao relatório de Bennett sobre métodos de ensino (1976).
() continuado fracasso das crianças provenientes da classe trabalhadora e a
■parente falta de impacto do programa compensatório validaram as acusa
ções de que a organização interna da escola, e especificamente os profes-
lures, são os culpados.
A responsabilidade das escolas, ao facilitár o fracasso educacional em
vez do êxito, tem sido um tema central dos Black Papers desde 1969. Seu
nquacionamento do progressivismo como um método, com o anarquismo e
■ desintegração moral como conseqüências, tem se somado a uma crítica
UBtal dos padrões em declínio’ na educação superior, sendo este últim o
246 PROBLEMAS DA DEMOCRACIA SOCIAL
1
I DUCAÇÃO E CRISE 247
A importância de Bullock
A desintegração da coalizão sociologia/política social pode ser concreta
mente identificada no processo de formação da política oficial. O Relató
rio Bullock (1975), tão sintomático da década de 70 quanto o de Newsom
o foi na década de 60, preocupou-se com as questões fundamentais do de
senvolvimento da linguagem e com a realização educacional. Baseava-se no
velho repertório da teoria compensatória, tão importante no Relatório
Plowden. A inovação conceituai, contudo, foi substituída por um conjunto
muito mais rígido de propostas políticas para a implementação da velha
teoria. O programa sugerido de intervenção pressupunha que a cadeia
causai do fracasso na educação podia ser retraçada até o estágio pré-lingüís-
tico do desenvolvimento da criança, especificamente até o ambiente social
pré-natal do "la r". A ação remediadora apropriada, segundo se entendia,
assumia a forma de intervenção sistemática nos ambientes domésticos da
população-meta, isto é, os lares de trabalhadores manuais não-especializa-
dos nas Áreas de Prioridade Educacional. O objetivo desta intervenção era
reestruturar o ambiente lingüístico inicial das crianças que estavam "em
risco". Tal programa teria exigido-uma considerável expansão do número
de visitantes e conselheiros, e teria levado à reductio adabsurdum de uma
"educação compensatória para o feto".
NOTAS
1. Reconhecemos que não fornecemos uma explicação adequada, em termos ampla
mente marxistas, da expansão do sistema educacional ocorrida no pós-guerra. Tra
ta-se de uma Importante lacuna, que será preenchida por um outro trabalho. Gos
taríamos de assinalar que nosso objetivo aqui é antes de mais nada um estudo das
ideologias educacionais, não a expansão do ensino como tal. No que concerne ao
processo mais amplo, rejeitamos as explicações simplistas do tipo, por exemplo,
que reduz o fenômeno em questão aos efeitos de uma tendência unidimensional
na base econômica. Exemplo: a desespecialização.
2. A referência a Sillitoe provém da introdução ao Capítulo 4 do Relatório, cuja
abertura apresenta a seguinte citação de Saturday Night and Sunday Morning.
"Se a sua máquina estivesse funcionando bem. . . você passaria a ter sonhos fan
tásticos pelo resto do dia. . . Você viveria num mundo compatível de imagens
passando pela sua cabeça como uma lanterna mágica, em cores lunáticas vivas e
maravilhosas." Ip. 27)
3. A participação dos pais na direção das escolas está sendo considerada, entre outras
coisas, pela Comissão Tavior, que deverá apresentar seu relatório ao Secretário de
Estado no segundo semestre de 1977. Será um pouco tarde para que os pais te
nham voz no "Grande Debate".
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Parte in
SUBJETIVIDADE E IN D IV ID U A L ID A D E
Ideologia, Subjetividade e o Texto Literário
Introdução
Este artigo teve inicio como uma tentativa de colocar o problema da rela
ção entre arte, literatura e ideologia. Esta tentativa relacionava-se com nos
sos projetos, cuja preocupação era desenvolver uma explicação teórica do
texto literário. Nós estávamos cada vez mais convencidos da impossibilida
de desse projeto no momento. Por um lado, é impossível teorizar o texto
literário isoladamente de operações teóricas m uito mais amplas. Por outro
lado, as teorias mais amplas existentes não parecem prover uma base ade
quada para a teorização da prática artística em geral, e isto seria um pré-re
quisito para nossa tentativa de teorizar o texto literário. O artigo tornou-se
a primeira parte de uma tentativa de explorar este dilema geral.
Na Seção 1 examinamos as abordagens marxistas á questão da arte, li
teratura e sua relação com a ideologia. Oferecemos uma crítica das inade
quações destas teorias em seus próprios termos. Elas são vistas como uma
conseqüência das inadequações das teorias marxistas da subjetividade. De
acordo com esta perspectiva, na segunda seção apresentamos uma expo
sição dos conceitos-chave da teoria lacaniana da subjetividade. Trata-se de
uma explicação da questão que esposa alguns dos aspectos básicos da teoria
althusseriana, à qual Althusser se refere freqüentemente e sobre a qual ele
escreveu extensamente (Althusser, 1971, p. 189). Isso também tem impor
tância para a teoria de Julia Kristeva sobre a arte na formação social, que
é o outro assunto principal de nossa segunda seção.
Caracterizamos a obra de Kristeva como uma tentativa de dar ao mar
xismo uma teoria da subjetividade que, todavia, sofre de uma considerável
falta de precisão em pontos essenciais; uma imprecisão no que diz respeito
à exata natureza do próprio projeto. Achamos que esta imprecisão situa-se
em torno do problema das relações entre o marxismo de Althusser e a psi
canálise de Lacan. Na obra de Kristeva, a reconciliação entre estes dois
discursos é apresentada como um fa it accompli. Não podemos aceitar esta
solução, e na terceira seção deste artigo procuramos esboçar a natureza e
as dimensões deste problema. Argumentamos tratar-se de nada menos que
258
SUBJETIVIDADE E INDIVIDUALIDADE
o problema da teoria da formação social, uma vez que somente tal teoria
pode nos dar uma explicação teórica da relação entre as obras de Althusser
e Lacan. A tentativa de desenvolver uma teoria da ideologia e sua relação
com a prática artística e com o te xto jite rá rio depende, em nossa opinião,
de uma solução para este problema. ' '
Essas questões são exploradas m uito mais extensamente numa versão
anterior da Seção 3, que será publicada pelo Centro, intitulada “ Marxism,
Psychoanalysis and the Theory o f the Social Form ation". ’
ver e, portanto, nos dá sob a forma de "ver", "perceber", "se ntir" (que nSo é a
forma de conhecer), é a ideologia na qual se banha, da qual se desvencilha como
arte, e á qual alude. . . quando falamos de ideologia, devemos saber que a ideo
logia infiltra-se em toda atividade humana, que ela é idêntica à experiência vivida
da própria existência humana,- eis por que a forma pela qual ‘somos levados
a ver" a ideologia nos grandes romances tem como conteúdo a experiência i-
vida" de indivfduos. (1971, p. 204)
todo uso é uma intervençáfo, uma escolha de posições, uma tomada de posíçâío
dentro da contradição, e desse modo é uma contribuição ativa para seu desen
volvimento. iibid., p. 39)
Nai palavras admiráveis de Sâio Paulo, é no logos (significando ideologia) que nós
"vivemos, nos movemos e existimos". Segue-se que para você e para mim a ca
tegoria do sujeito é um "óbvio primordial (o óbvio é sempre primordial): é evi
dente que você e eu somos sujeitos (livres, éticos etc. . .1 Como todos os óbvios.
Inclusive os que fazem uma palavra "dar nome a uma coisa" ou "ter um signi
ficado" (incluindo, portanto, a "transparência" óbvia da linguagem), o óbvio de
que você e eu somos sujeitos, e de que isto náío causa nenhum problema, ê um
efeito ideológico, o efeito ideológico elementar, (ibid.)
Qualquer tentativa para aproximar uma teoria que seja antes de mais
nmia uma teoria da crítica literária científica e uma teoria da prática artís-
tli .1, o que por extensão implica uma teoria do consumo (a receptividade
iln arte e da literatura), é em si mesma problemática, já que põe em
(|ii«stão o problema da prática subjetiva, que o sistema althusseriano tenta
Iim itir. Macherey consegue o m itir a questão de como e sob que tipo de
linterminações “ o homem faz sua própria história''® ao classificar a dimen-
ido da prática significante sob um mecanismo de subjetividade ideologica
mente determinada dado em práticas ideológicas nos aparelhos ideológi-
I iis do Estado. Assim, o nível de prática significante desaparece de vista e
II prática artística no sentido brechtiano já não se vê incluída no objeto
d« uma teoria analítica científica. Argumentaríamos, contudo, que ambos
272 SUBJETIVIDADE E INDIVIDUALIDADE
iimc iiii ler sustentado por uma teorização cientTfica da constituição na lin-
iiimiiaim desse sujeito, da qual o indivTduo é portador.
A linha demarcatória ciência/ideologia na teoria althusseriana, segun-
ilii II i|Udl a experiência da subjetividade do indivTduo situa-se no campo da
lll■lll(l(|ia, em resultado do processo de falso reconhecimento que torna
poi^ivnii aquelas práticas ideológicas (nos aparelhos ideológicos do Estado)
iiiiR liiim am a substância da vida cotidiana, omite o conceito geral de prá-
III .1 iignificante. A prática significante, que tem como base a divisão sujei-
iii.iilije to , deve necessariamente incluir em si o discurso científico. É atra-
ila tentativa de tornar autoconsciente o sujeito velado do discurso
I iRMiífico que se poderia começar a reteorizar a divisão ciência/ideologia e
i(ii«i»ilonar, na perspectiva da prática significante, a natureza do sujeito e
..........nstituição na linguagem. É isto que forma a base do projeto teórico
ilii liilia Kristeva, o qual abordaremos em seguida.
O pré-edipiano
O pré-edipiano é ao mesmo tempo um sistema de conceitos e o momento
no desenvolvimento psíquico do indivíduo que estes conceitos constroem.
A distinção entre o edipiano/pós-edipiano e o pré-edipiano feita aqui é útil
apenas quanto aos propósitos de exposição e argumentação. Não é uma
distinção que se faria da mesma maneira na análise propriamente dita, na
qual o pré-edipiano penetra no edipiano, e na qual os sintomas associados
a ambos os momentos podem coexistir e interferir mutuamente.
Os conceitos do pré-edipiano
i} O corpo fragmentado
A criança é vista como estando voltada, primeiramente, para a exploração
da percepção sensória, e sua principal característica é o auto-erotismo.
Nesta fase a criança não distingue entre os dados associados a seu próprio
corpo e os que estão associados à exterioridade. Ela não tem senso de sua
separação física ou de sua unidade física. Este é o momento que será refe
rido em caráter retroativo, após a "fase especular", pela fantasia do "corpo
em fragmentos".
num tamanho contrastante que a fixa e com uma simetria que a inverte, que es
tão em conflito com a turbulência dos movimentos que o sujeito, a criança, sen
te animando-a. (ibid., p. 37)
A imagem com a qual a criança se identifica, que Lacan diz poder ser des
crita como o "Eu Ideal", está situada no mundo exferíor â criança. Assim,
IIII OLOGIA E SUBJETIVIDADE 275
|Na fase especular] o eu é precipitado numa forma primordial antes de ser obje-
tificado na dialética da Identificação com o outro, e antes que a linguagem lhe
restitua, no universal, suas funções como sujeito... esta forma [o eu] situa a ins
tância do ego, antes de sua determinação social, numa direção fic tfc ia ... {ibid.,
p. 72-3)
O complexo de Édipo
O "Complexo de Édipo" é o termo dado à fase ou momento em que a in
tervenção do 'Pai' exige que a criança abandone sua relação exclusiva com
a mãe e sua passagem às estruturas da sociabilidade humana. À criança são
atribuídas uma posição na linguagem e na família e ainda a sexualidade
masculina ou feminina. A repressão daqueles elementos da vida psíquica da
criança que não se ajustam a este posicionamento constitui o inconsciente.
O complexo de castração
A tentativa da criança de incluir as funções genitais entre as que podem ser
expressivas da identificação entre criança e mãe fracassa porque a criança
se vê diante de um rival, o "P ai", contra quem ela é impotente. O termo
"P ai" não tem por finalidade designar o verdadeiro pai da criança, embora
o pai verdadeiro possa ocupar esta posição na estrutura. Contudo, nesse
caso, ele só o faz como a representação de todos os Pais ou do Pai funda
mental (na cultura cristã. Deus). O Pai é essencialmente a autoridade que
pode intervir na relação mãe-criança e delimitá-la.
O pape! da linguagem
A "linguagem", na lingúistica pós-saussuriana, significa a estrutura formal
(|ue está na base dos atos individuais da fala e os torna possíveis. Trata-se
i Ih um sistema de normas que não é acessível á consciência do simples usuá-
ilii da linguagem, mas que só pode ser inferido através da análise lingüfstica
iiitemática. Os dois conceitos fundamentais de Saussure para nosso objeti
vo no momento são o signo e o conceito de linguagem como sendo mera
mente um sistema de diferenças no qual não existem termos positivos.
Para Saussure, o signo é a união do significante e do significado. O
'.ignificante é a palavra-imagem (quer acústica ou gráfica) e o significado
ó o conceito a que ela está associada. O signo como um todo recebe seu
dignificado não em virtude de sua referência a algum objeto no mundo real,
mas por sua diferenciação especffica de todo o corpo de outros signos ou
"léxico". Um signo tem um significado porque ocupa um lugar particular
no léxico. Isto é parte daquilo que se entende por linguagem como sendo
npenas um sistema de diferenças.
A noção saussuriana de signo é criticada explicita e implicitamente na
obra teórica de Derrida, Kristeva e Lacan. A base desta objeção pode ser
expressa da seguinte maneira: na união de significante (palavra-imagem) e
significado (conceito) é impossível atribuir-se qualquer condição irredu
tível ao conceito (o significado). Se o significante pode ser unificado com
um conceito mental, é apenas em virtude do fato de que outros significan-
tes permitem á mente formular conceitos estáveis. Em vez de uma unidade
de significante e significado, temos um constante revezamento de signifi-
cantes. O significado (conceito) como significado puro nunca é atingido.
Por exemplo, o significante "cã o", segundo esta teoria, só seria inteligí
vel em relação aos outros significados "canino" e "quadrúpede", e de modo
mais geral "anim al" ou "mascote". A linguagem é, pois, um vasto sistema
tautológico no qual o conceito puro (significado) nunca pode ser isolado.
A criança só consegue utilizar plenamente a linguagem ao submeter-se
a este sistema convencional que Lacan chama de Ordem Simbólica. Ela só
consegue começar a utilizar a linguagem de modo coerente ao assumir uma
posição nesse sistema de convenções. Isto é, a criança precisa identificar-se
com certos termos — "m enino" ou "m enina", " filh o " ou "filh a " — termos
que ganham eles próprios sua significação mediante sua relação com um
significante centrai.
Desejo
A fim de esclarecer a natureza deste significante central, primeiro precisa
mos examinar mais de perto a reação da criança à ameaça de castração. A
criança só pode resolver a situação, por um lado, ao submeter-se á autori
dade paterna, e, por outro lado, identificando-se com essa autoridade. Con-
278 SUBJETIVIDADE E INDIVIDUALIDADE
O falo '
O significante fálico é o significante do desejo. Ele não é identificável com
o pênis real, mas, como significante, é parte do sistema Simbólico. E aqui
que o papel do pênis real torna-se crucial na passagem diferencial dos dois
11UiOLOGIA E SUBJETIVIDADE 279
Para nossa finalidade presente, dentro dos limites deste artigo, seria impos
sível ir mais além no conceito lacaniano do inconsciente, já que isto exige
uma volta a conceitos lingüísticos avançados, fora de propósito aqui, jun
tamente com um exame m uito mais detalhado de todo o sistema teórico
de Lacan.
Como vimos, a noção do sujeito é apropriada pelo indivíduo na medi
da em que este se tenha sujeitado à ordem simbólica paternalmente definida,
tendo assumido nela uma posição, isto é, na medida em que o indivíduo
possa utilizar a linguagem coerentemente com base em sua relação com o
significante central, o falo. Estritamente falando, é somente quanto ao su
jeito que podemos empregar os pronomes ele e ela em qualquer sentido
que não seja o biológico, já que somente com a passagem completa á subje
tividade é que a identidade sexual se torna um atributo fix o do indivíduo.
O sujeito, além do mais, é constantemente perturbado pelo "retorno do
reprim ido"; os efeitos da repressão aparecem no discurso do sujeito como
o "a to fa lho " freudiano, fisicamente como "sintomas histéricos" (exem
plo: a constipação crônica do homem dos lobbs) e nos sonhos.
II )| OI.OGIA E SUBJETIVIDADE 281
Kristeva sugere que a nova maneira pela qual as pulsões são combinadas
anteriormente à aquisição da linguagem é determinada do exterior pela fa
mília e pela configuração social e pela maneira pela qual isto age sobre a re
lação da criança com a mãe. Desse modo a criança está sendo constantemente
preparada para estar plenamente no simbólico: na linguagem e na auto-
consciência, através da resolução do complexo de castração que provoca a
repressão primeira e a formação do inconsciente. Uma vez que a criança
entrou na autoconsciência e na linguagem como sujeito, sua posição aí pre-
286 SUBJETIVIDADE E INDIVIDUALIDADE
cisa ser constantemente reafirmada, já que, como assinalamos, ela está sob
constante ataque dos coros semióticos. As relações sociais (as relações de
produção tal como mantidas pelo Estado e pelo sistema legal) e as relações
de produção dentro da estrutura da famriia, que se fundamentam na re
pressão das pulsões e na manutenção da Ordem Simbólica, mantêm no
lugar um certo tipo de relação entre unidade (o sujeito transcendente, a
Ordem Simbólica, a linguagem, a ideologia, o discurso científico etc.) e
processo (os coros semióticos).
Segundo Kristeva, é no sujeito falante que os dois domínios, o semió-
tico e o simbólico, se reúnem, e que o modo de produção sócio-econômico
encontra-se com o modo de produção do sujeito na prática significante.
Daí, existem dois níveis de contradição, articulados: entre as forças e rela
ções de produção e a contradição do processo de signifiance, que encontra
expressão nos
Conclusão
Assim, concluindo a Seção 2 deste artigo, defrontamo-nos com todos os
problemas que são levantados por qualquer tentativa de reformulação da
lormação social em termos de uma unidade intrínseca do modo sócio-eco-
nòmico de produção e do modo de produção da prática significante como
teorizada por Kristeva. O que falta na teoria de Kristeva é uma tentativa
séria e persistente de pensar a relação entre estes dois conceitos (modo eco
nômico de produção e modo de produção da prática significante), que são
288 SUBJETIVIDADE E INDIVIDUALIDADE
Nas duas primeiras seções deste artigo, tentamos colocar o problema que
surge nas posições teóricas que vimos considerando, e relacionamos estas
diferentes posições entre si. Isto implica necessariamente a adoção de uma
posição exterior às teorias individuais consideradas.
Se quisermos ter bases sólidas para examinar as teorias de Macherey,
Lacan e Kristeva e sua relação mútua, estas bases só podem ser amplamen
te propostas se ultrapassarmos o nível de exposição crítica. Um exame da
teoria de Macherey ou de Kristeva da arte e da ideologia, isoladamente,
seria evidentemente impossível. Mas ambas as teorias apresentam-se como
um meio de abordàr o texto artístico (especificamente, o literário). Se qui
sermos tentar situar o texto artístico política e teoricamente, temos que
levar em conta o fato de.que estas teorias oferecem abordagens alternativas
e mutuamente excludentes para essa tarefa. É nosso desejo reter ambas as
teorias com suas inadequações e utilidade, prosseguindo nesta base para
uma análise das implicações mais amplas de sua coexistência.
A presente seção tem duas finalidades. Primeiro, objetiva prover
alguns aspectos introdutórios e comentários sobre nosso projeto mais
amplo. Em segundo lugar, objetiva justificar o que de outra forma seria
uma justaposição arbitrária e infundada das duas teorias da arte e ideologia
e uma mera afirmação da importância de sua inter-relação. Isto infelizmen
te nos envolverá em assertivas referentes a questões teóricas de um tipo
mais geral, o que não pode ser amplamente fundamentado no espaço aqui
disponível.
Nosso problema imediato é o da teorização da inadequação e da uti
lidade das teorias de Macherey e Kristeva da arte e da ideologia. Mas di
ficilmente poderiamos não estar cônscios de que em ambas se encontram
teorias implícitas da arte e da formação social. No caso de Macherey, a
teoria da formação social na qual se baseia a obra é, como vimos, uma
teoria althusseriana. No caso de Kristeva, o problema é mais complexo:
uma teoria da formação social é mais suposta do que tornada explícita em
sua obra; Kristeva diz "seguir" Althusser e ao mesmo tempo critica o
marxismo num sentido radical.
im OLOGIA E SUBJETIVIDADE 289
NOTAS
BIBLIOGRAFIA
Victor Molina
Introdução
Marx e a individualidade
Esta tese, que é a base para a obra teórica de Marx, foi formulada em A
Ideologia Alemã. Seu argumento fundamental é aí baseado numa concep
ção dos "hom ens" em termos de homens em seu elo social dado, em con
traste com Feuerbach, que "pára na abstração 'homens'". Daí em diante,
o interesse teórico de Marx será justamente a natureza desse "elo social"
dado, com base no processo social de produção.
Sempre há a tentação de se ver na formulação acima o ponto de parti
da de uma conceituaçlo sobre o indivíduo concreto. Mas, ao contrário, é
justamente aí que Marx separa a si mesmo do "indivíduo concreto" como
um objeto analítico. Devemos ter em mente que todas as referências feitas
por Marx a indivíduos concretos referem-se apenas à existência de algumas
premissas óbvias:
As premissas de onde partimos não são arbitrárias, não são dogmas, mas premis
sas reais. . . elas são os indivíduos reais, sua atividade e as condições materiais
em que vivem. . . A primeira premissa de qualquer história humana é, evidente
mente, a existência de indivíduos humanos viventes. (Marx, The German Ideolo-
9V. P- 19)
Assim, é bastante óbvio desde o inicio que existe uma ligação m aterial entre os
homens, que é determinada por suas necessidades e seu modo de produção, e
que é tão antiga quanto os próprios homehs. Esta ligação está sempre assumindo
novas formas, apresentando, assim, uma "história", independentemente da
existência de quaiquer disparate político ou religioso que manteria os homens
unidos de maneira especial. {The Cerm an Ideology, p. 32)
Estas relações não são relações entre Indlvfduo e Indivrduo, mas entre traba
lhador e capitalista, entre camponês e proprietário de terras etc. [The Poverty o f
Philosophy, p. 87)
iguais, e ao mesmo tempo indiferentes uns aos outros; qualquer outra distinçffo
individual que possa haver não lhes diz respeito; eles são indiferentes a todas as
suas outras peculiaridades individuais. (Grundrisse, p. 242)
1*111 ■ nvitar problemas de tradução, podemos citar uma explicação mais re
i enin desta tese:
cii Indivíduos são aqui tratados apenas na medida em que são as personificações
de categorias econômicas, os portadores (Tràger) de relações e interesses de clas-
■■ particulares. (Capita! /, Penguin, p. 92)
I oda a obra teórica em O Capita! pressupõe esta tese. Seja qual for a
ii|iinião que possamos ter sobre a tese althusseriana dos indivíduos como
iiiniiis "suportes de funções", uma coisa não pode ser negada: que O Capi-
i.if ■ uma análise de relações de produção capitalistas, nas quais a única
RaUilência dos indivíduos é como "portadores e agentes destas relações
II apita! III, p. 209).
Não se trata aqui de definições, nas quais coisas [ou indivfduos, VM] tém que
ser enquadradas. Estamos lidando aqui com funções definidas que têm que ser
expressas em categorias definidas.ICap/ra/ //, p. 230)
efeitos, uma implicação que não está presente nas coisas. Em outras pala
vras, esta implicação se refere ao problema daquela "individuação no seio
da sociedade" assinalada por Marx, concernindo ainda ao problema de
como "as relações pessoais derivam das relações de produção e troca". Mas
esta problemática não é de Marx.
Ao tratar o problema da criação da mais-valia, ao mesmo tempo em
que teoricamente permanecia na esfera da circulação, Marx pergunta a si
mesmo se a dificuldade em resolver este problema não viria de sua tese
sobre a "personificação":
Fiquemos, pois, dentro dos limites da troca, em que vendedores s5o também
compradores, e compradores, vendedores. Nossa dificuldade talvez tenha surgi
do do fato de termos encarado os atores c o m o p e r s o n ific a ç õ e s , em vez de c o m o
in d iv íd u o s . ^ C a p ita i I , p . 1 6 0 )
Em seguida Marx prova que não é este o caso. Mas o que ele estava
perguntando era precisamente se a causa do aparecimento de uma mais-va
lia não veio de uma superioridade puramente individual de um indivíduo
sobre outro (nesse caso, maior esperteza), isto é, de uma diferença de o ri
gem natural (individual), e não do caráter da própria relação social (nesse
caso, a relação de troca) personificada nos atores. Marx prova, então, que
sua insistência em considerar os indivíduos como "personificações" é não
apenas correta, mas necessária para a análise das relações capitalistas como
tal, explicando posteriormente a criação da mais-valia a partir da natureza
da relação de produção.
Mas o importante para nós é que Marx formula explicitamente uma j
distinção clara entre um tratamento teórico dos indivíduos como personifi
cações (como portadores de categorias econômicas) e um tratamento dos I
indivíduos como indivíduos (de acordo com diferenças individuais não de
rivadas da relação econômica propriamente dita). A pergunta e a resposta a
ela correspondem claramente a uma diferença entre qual é o problema da
condição da categoria de "in d ivíd u o " na teoria de Marx e qual seria o
problema de uma teoria da individualidade como tai, este últim o problema]
não estando presente em Marx.
Tudo isto está relacionado com o fato de que o conceito de personifi
cação, o único através do qual Marx pensa a individualidade em O Capitai,
expressa a existência daquela indiferença a respeito de qualquer determi
nação não derivada das relações sociais propriamente ditas, mediante as
quais Marx caracterizou as relações individuais em Grundrisse. Os indiví-^
duos existem dentro das relações sociais somente como portadores das de-|
terminações surgidas do conjunto destas relações. Isto, por sua vez, implicai
que os indivíduos na teoria de Marx são sempre pressupostos nesta indife-|
rença em relação à existência natural de sua individualidade.
MARX E o PROBLEMA DA INDIVIDUALIDADE 307
absolutamente não pressupõe uma relação individual com seu possuidor; a possi
do dinheiro não é o desenvolvimento de qualquer aspecto essencial particular di
individualidade do possuidor; mas sim a posse daquilo que não tem individuall
dade, já que esta (relação) social existe ao mesmo tem po como um objeto exter
no, sensório, que pode ser apanhado mecanicamente, e perdido da mesma ma
neira. Sua relação com o indivíduo aparece, pois, como uma relação puramenta
acidental. {Grundrisse, p. 222)
A n ti-Humanismo
O que assinalamos é a presença em Marx de diferentes teses concernentes à
individualidade. A principal consideração é a de que estas teses não consti
tuem uma teoria da individualidade no sentido estrito, que por sua vez im
plica ainda que o "in d iv íd u o " não é o objeto analítico de Marx (nem o
ponto de partida nem o ponto de chegada teórico). Nestas teses encontra
mos uma coisa diferente: elas valem apenas como princípios teóricos com
os quais pensar a individualidade. A formulação de uma problemática da
individualidade pode surgir apenas do conhecimento existente sobre as re
lações sociais capitalistas.
Estas teses nos levam a uma conclusão m uito precisa: os "indivíduos"
presentes no discurso teórico de Marx precisam ser pensados, como o faz
Luporini, apenas como "indivíduos nus". Com isto queremos apenas dizer
algo que já foi d ito: os indivíduos aparecem destituídos de toda determina
ção, exceto aquelas decorrentes das relações sociais. Como diz Luporini:
MARX E o PROBLEMA DA INDIVIDUALIDADE 309
A expressão "indivp'duos nus" está presente em Marx toda vez que ele adota a
palavra "hom ens" depois de ter destrüTdo o mito ideológico da "essência do
homem". Esta expressão não tem para ele valor próprio, mas uma função das re
lações sociais, antes de mais nada das "relações de produção"; somente nesta
função é que ela tem valor científico. E é somente a partir dela que podemos co
meçar a reconstruir o que é o indivíduo humano concreto de uma maneira não-
ideológica. {Dialectica Marxista, p. 63)
Por mais controvertida que possa ser esta tese, achamos que é a única
i|ue expressa a condição real da categoria do indivíduo na teoria de Marx.
Mas agora temos um problema diferente. No que diz respeito a uma
i:onceitualização marxista da "individualidade", parece que tudo o que
I onseguimos está, novamente, nas palavras de Luporini:
Seu (de IVlarx) corte com as ilusões especulativas que predominam aqui é na rea
lidade um desvio teórico necessário. Isto é feito com o objetivo de posteriormen
te elaborar um conceito científico do homem e desse modo voltar aos indiví
duos concretos e retornar ao problema do humanismo, (p. 28)
acredito agora que a única maneira com que podemos esperar chegar a um co
nhecimento verdadeiro da arte, aprofundarmo-nos na especificidade da obra
de arte, conhecermos os mecanismos que produzem o "efeito estético , é
justamente passar um longo tempo e prestar a maior atenção aos princípios
básicos do marxismo, e não nos apressarmos a "passar a outra coisa’ , po^s se nos
movermos depressa demais em direção a "outra coisa" chegaremos nao a um
conhecimento da arte, mas a uma ideologia da arte, (Lenin and Philosophy.
p. 208)
Humanismo "socialista"?
Parece-nos necessário lembrar alguns aspectos da posição "humanista" clás
sica e sua relação com o marxismo. Referimo-nos aqui especificamente
ao chamado humanismo socialista" que, apesar de suas várias tendências
sistemáticas, pode ser reconhecido como uma "problem ática" muito es
pecifica. Veremos, partindo de alguns de seus principais princípios, que a
posição humanista (apresentada como uma posição marxista) apresenta
uma lógica humanista particular em ação, à qual toda e qualquer questão
teórica é referida e respondida. E é a atividade desta "lógica" que caracte
riza o "humanismo" como uma ideologia particular. Abordaremos apenas
quatro aspectos deste problema.
1. O fato mais conhecido sobre a posição humanista é sua tese sobre a na
tureza da teoria marxista. Seu principal esforço é provar que no centro da
teoria marxista existe uma filosofia do homem, isto é, que os fundamentos
teóricos da própria teoria de Marx residem numa filosofia antropológica.
Os conceitos básicos seriam os do homem, essência do homem, alienação
etc. A totalidade do materialismo histórico é reorganizada em torno destas
categorias. Assim, a^história é vista como a auto-realização do homem, a
sociedade é a "criação do homem", as relações sociais são relações "hum a
nas" ou mesmo "existenciais", e assim por diante.
Basta lembrar algumas formulações:
Podemos dizer que a antropologia do jovem Marx é a chave para sua economia e
da mesma forma, para toda sua criação posterior. (Schaff, M a r x is m o , p. 40)
O cam.nlw para a wciologia de Marx começou com o problema do indivíduo
humano. U b id ., p. 85)
Seu e x a rp e da economia será especificamente compreendido tendo-se em mente
1 economia realizou o GATTUNGSWESEN (u n iv e r s a l-
le s W e s e n ) do homem. (Marcuse, M a r x y e i T r a b a jo A lie n a d o , p. 11)
OU sem ambigüidade:
o homem foi a primeira e principal preocupação de Marx (que) nunca rompeu
os vínculos espirituais com o socialismo utópico. (Rubel, S o a a h s t H u m a n is m ,
p. 214)
Os indívrduos, que já não estão sujeitos à divisão do trabalho, têm sido concebi
dos pelos filósofos como um ideal sob o nome de "Homem". Eles têm conce
bido todo o processo que delineamos como o processo evolutivo do "Homem",
de modo que a cada estágio histórico o "Homem" foi substitufdo pelos indiví'-
duos e mostrado como a força motora da história. Todo o processo foi assim
concebido como um processo da auto-alienação do "Homem", e isto deveu-se
essencialmente ao fato de que o indivíduo médio do período posterior sempre
fo i impingido ao estágio iniciai, e a consciência de uma era posterior aos indi
víduos de uma era anterior. (The Cerman ideoiogy, p. 76)
sença do estágio posterior na análise (que pode agora ser uma "avaliação")
da realidade tanto passada como presente; no capitalismo, por exemplo.
Devido ao fato de que nesse caso o que é "eternalizado" é uma socie
dade Comunista futura, estamos diante de uma inversão do problema da
história. Para a Economia Política, como observou Marx, "houve história,
ftias já não existe nenhuma". O argumento humanista, ao contrário, é de
que não houve história, de que a verdadeira história do homem só terá
início com o comunismo. Mas estas teses são a mesma coisa: se não houve
nenhuma história, foi porque houve instituições feudais, capitalistas etc.,
e encontramos nelas "relações bem distintas" das atribuídas à "natureza
humana".
Também encontramos aqui a necessidade humanista de uma substi
tuição da análise científica por uma avaliação crítica (conceitos críticos
em Marcuse etc.) na qual há um confronto entre uma categoria "id ea l" e
uma realidade existente, esta categoria envolvendo não uma representação
da realidade, mas o equilíbrio utópico (a unidade expressa pelos conceitos
"Homem", "Natureza Humana" etc.). O que há aqui é o doutrinarismo
sempre presente no qual, como no caso de Proudhon, "a contradição só
existe entre suas idéias fixas e o movimento real" (Marx, Poverty o f Phi-
losophy^ p, 161). A idéia fixa humanista tem várias "faces unitárias": o
Homem, a essência humana, o comunismo (como um ideal) etc. E a con
tradição que o humanismo descobre (entre suas idéias e a realidade) tam
bém possui várias faces: auto-realização, auto-alienação etc.
Devemos notar que o que o argumento humanista apresenta é, talvez,
um problema real. A revolução proletária é, de fato, uma revolução que
"não pode haurir sua poesia.do passado, mas somente do fu tu ro " (Marx,
The 18 Brumaire, p. 400). Neste sentido, o que o socialismo humanista nos
oferece pode ser visto como uma "poesia do fu tu ro " positiva e útil para
convencer os oponentes e os indecisos, isto é, ú til para vencer uma luta
ideológica. É este o curioso argumento pronunciado por humanistas como
Lefèbvre (que explicitamente denota a importância "ideológica" do con
ceito de "alienação"), Schaff, Goldmann etc.
Neste sentido, Schaff é muito claro:
Quanto a isso, Marx estava errado "em sua idealização romântica da classe
operária, conseqüência de uma atitude puramente teórica e não da obser
vação da realidade humana de tal classe" (Fromm, PsicoanáUsis, p. 76)
argumentou que 'todo marxista sabe que as classes são distintas, muito
embora os indivíduos possam mover-se livremente de uma classe a outra;
de modo semelhante, as tendências na vida política são distintas apesar do
fato de que os indivíduos podem mudar livremente de uma tendência para
qutra, e apesar de todas as tentativas e esforços para amalgamar as tendên
cias" (II, p. 54).
Em suma, podemos dizer que o caráter "humanista" do argumento a
favor de um "humanismo científico" em Marx (contra a tese anti-humanis
ta) deriva não do velho e direto reducionismo de conceitos marxistas a
categorias "humanistas", mas de uma tese mais sutil que coloca o proble
ma teórico de uma "conexão entre a concepção do materialismo histórico
e a da estrutura da individualidade humana" (que em geral pode ser uma
problemática teórica válida em si mesma) como uma paradoxal necessidade
da coerência 'd a teoria marxista (Sève, p. 33). 0 conceito de homem, por
exemplo, está agora não no centro da teoria marxista, mas é um conceito
(um dos conceitos) do qual depende a teoria de Marx. Mas, quando entra
mos nos detalhes, esta coerência nada mais é do que uma coerência "hum a
nista . E trata-se de uma coerência m uito distorcida, na qual o conceito de
homem produz, como de hábito, milagres teóricos. Se a história é a "histó
ria do homem", então não é de surpreender constatar-se que "cada forma
ção social produz a longo prazo os homens de que precisa, incluindo os
homens de que precisa para transformá-la através da ação revolucionária"
(p. 33). A "formação social" é vista como um sujeito que tem a necessida
de de produzir os homens "de que precisa". Voltando à tese leninista
acima, o esforço para amalgamar tendências", desta vez tendências
teóricas, é o problema sempre presente de qualquer "humanismo" e o
perigo para a teoria marxista.
E esta busca de uma coerência teórica para a teoria marxista que curio
samente liga esta nova forma de "humanismo" científico a um outro amál
gama contemporâneo: o que está im plícito na problemática referente à
"subjetividade". Não estamos negando os direitos teóricos a este objetivo
analítico como tal, mas achamos que quando este problema é postulado
em relação a uma necessidade do desenvolvimento de um "marxismo do
sujeito" as coisas se tornam problemáticas. Por exemplo, no artigo de John
EIlis em WPCS 9 testemunhamos novamente um esforço voltado para a
construção de uma "ciência da natureza humana" (EIlis, p. 205) que desta
vez permitiria uma explicação teórica daquilo que é concebido como o
"momento subjetivo do processo social".
Esta tese vai diretamente contra o alegado erro de pensar "os aspectos
externossem os aspectos internos" (por exemplo, com relação aos aspectos
do processo capitalista de reprodução) ou contra pensar "o objetivo sem o
subjetivo". Esta necessidade teórica de coerência é resolvida pelo amálga
ma do marxismo com a psicanálise.
MARX E O PROBLEMA DA INDIVIDUALIDADE 325
A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas reais condi
ções de existência. { L e n in a n d P h ilo s o p h y , p. 153)
o que está representado na ideologia é, portanto, não o sistema das relações reais
que governam a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária destes indiví'-
duos com as relações reais em que vivem. (Len/n and P h ilo s o p h y ^ p. 1 5 5 )
quando falamos de ideologia, devemos saber que a ideologia penetra em toda ati
vidade humana, que ela ê idêntica á experiência "vivida" da própria existência
humana. { L e n in a n d P h i lo s o p h y , p. 204I
É esta a razão por que, por exemplo, a idéia de "justiça" é uma noção
"ideológica": porque é uma noção sob a qual e na qual os homens podem
viver suas relações com suas condições de existência e com suas lutas (ver
Phiiosophie Spontanée, p. 57). Também é esta a razão pela qual uma situa
ção de pobreza, como em E i Nost Miian, de Bertolazzi, pode ser vivida
nos argumentos da consciência moral e religiosa (ver For Marx, p. 140).
Neste sentido, a ideologia não apenas implica uma representação de relações
individuais com as relações sociais, mas é ao mesmo tempo uma representa
ção dada aos indivíduos.
De fato, a ideologia é dirigida aos indivíduos. A função prático-social
da ideologia é Justamente construir indivíduos concretos com^ sujeitos,
isto é, transformar os indivíduos em sujeitos. Esta transformação-constitui-
ção é efetuada através do mecanismo particular de "interpelação" basea
do na existência e funcionamento da "categoria do sujeito", que para
MARX E O PROBLEMA DA INDIVIDUALIDADE 327
B IB LIO G R A F IA
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