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Brilha o luar... O que teme o homem mais que a morte? Range o triste cedro...

O que
sonha o homem mais que a morte? Lentamente minhas mãos trespassam a textura seca e
pálida da velha árvore, posso sentir seus lamentos enquanto sua forma pouco a pouco se
desfaz. Este túmulo de imagens e ideias não é comum a todos os homens, mas todos os
homens são comuns a ele. Do céu se ouve um sinistro badalar; embora só, posso ouvir o
som dos corpos que se levantam dos bancos em contemplação a um antigo ritual,
evocando uma voz fúnebre que lentamente se aproxima. Minha nuca se arrepia, finos
dedos, mãos gélidas deslizam com desejo e perversão pelo meu corpo, mas não posso me
virar; o fio da lâmina em minha garganta me proíbe a qualquer movimento. Me pergunto,
para onde foram todas as cores que preenchiam a natureza? Não... O vermelho carmesim
que escoa lentamente de minha cabeça destronou-as todas diante de meus olhos, restam
os vermes que espreitam pela minha pele. A sombra, a mais negra sombra que há, agora
se levanta diante da luz a quem outrora bem serviu, seus braços se abrem, uma forma
gigantesca no horizonte de muitos braços e mãos, ela sorri e chama pelo meu nome, mas
por alguma razão não pode chegar até mim. Minha respiração acelera, sinto frio, mas não
tão frio quanto pavor, risos caçoam em meus ouvidos. Um grande relâmpago se choca
contra minha árvore, dividindo-a em dois; neste macabro réquiem sinto partir também o
meu coração que palpita para fora de meu peito trêmulo e covarde. Um fino orvalho cai
do céu, mas nunca toca o chão, tenho sede... As metades do cedro se movem uma em
direção a outra, de seus picos, buscando um toque do destino: Elas se entrelaçam e se
expandem, formando um grande portal. Ao meu redor, flores se espalham por todo o
campo; mas morrem à medida que longos passos invisíveis se aproximam, ficando cada
vez mais fortes. Pétalas voam ao portal, girando como um grande redemoinho, formando
uma grande passagem para um lugar que não posso enxergar. De lá, braços pálidos longos
como serpentes se estendem para fora, se alongando e alongando até se interromperem
bem diante de mim. Suas múltiplas mãos formam sinais desconhecidos, mas uma voz que
vem de dentro revela suas macabras intenções: “Me entregue sua boca para que eu possa
falar!”. Confuso tento proferir qualquer palavra, mas nada sai de minha boca! Estou
mudo, minha boca não pode mais falar! “Me entregue seus olhos para que eu possa
enxergar!” Estou cego, minha visão deixou de enxergar! “Me entregue seus ouvidos para
que eu possa ouvir!” Estou surdo, minha audição deixou de ouvir!

“M e e n t r e g u e s u a v i d a, p a r a q u e e u p o s s a e x i s t i r”.

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