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Coreografia

Aranhas aguardam na teia


O inseto despreocupado.
Aguardam por dias com
A paciência de cânceres
Sem diagnóstico. Cortada
Pela luz a teia brilha como
Saliva iluminada por um flash,
Até que o inseto caia distraído
E a aranha desça, mas não para dançar.

Tadeu Sarmento
Meteoro

Eu direi as palavras mais terríveis esta noite


enquanto os ponteiros se dissolvem
contra o meu poder
contra o meu amor
no sobressalto da minha mente meus olhos dançam
no alto da Lapa os mosquitos me sufocam
que me importa saber se as mulheres são férteis
se Deus caiu no mar
se Kierkegaard pede socorro numa montanha da Dinamarca?

os telefones gritam
isoladas criaturas caem no nada
os órgãos de carne falam morte morte doce carnaval de rua do fim do mundo
eu não quero elegias mas sim os lírios de ferro dos recintos
há uma epopeia nas roupas penduradas contra o céu cinza
e os luminosos me fitam do espaço alucinado
quantas lindas garotas eu não vi sob esta luz?

eu urrava meio louco meio estarrado meio fendido


narcóticos santos, ó gato azul da minha mente
eu não posso deter nunca mais meus delírios
Oh Antonin Artaud
Oh García Lorca com seus olhos de aborto reduzidos a retratos
almas
almas
como icebergs, como velas, como manequins mecânicos
e o clímax fraudulento dos sanduíches, almoços
sorvetes, controles, ansiedades
eu preciso cortar os cabelos da minha alma
eu preciso tomar colheradas de Morte Absoluta
eu não enxergo mais nada
meu crânio diz que estou embriagado
suplícios genuflexões neuroses psicanalistas espetando meu pobre
esqueleto em férias

eu apertava uma árvore contra meu peito como se fosse um anjo


meus amores começam a crescer
passam cadillacs sem sangue, os helicópteros mugen
minha alma, minha canção, bolsos abertos da minha mente
eu sou uma alucinação na ponta de teus olhos

Roberto Piva
A máquina de matar o tempo

Aqui nós investimos contra a alma imortal dos gabinetes. Procuramos amigos que
não sejam sérios: os macumbeiros, os loucos confidentes, imperadores
desterrados, freiras surdas, cafajestes com hemorroidas e todos que detestam os
sonhos incolores da poesia das Arcadas. Nós sabemos muito bem que a ternura
de lacinhos é um luxo protozoário. Sede violentos como uma gastrite. Abaixo as
borboletas douradas. Olhai o cintilante conteúdo das latrinas.

Roberto Piva
POST SCRIPTUM

Quem sou eu?


De onde venho?
Sou Antonin Artaud
e basta eu dizê-lo
como só eu o sei dizer
e imediatamente
verão meu corpo atual
voar em pedaços
e se juntar
sob dez mil aspectos
notórios
um novo corpo
no qual nunca mais
poderão
me esquecer.

PARA ACABAR COM


O JULGAMENTO
DE DEUS

VISITANTES 4 (Cláudio Willer)

nosso espaço
é o espaço do terrível
o pântano
varrido por ventos mornos
atravessando os flautins de sargaços
a noite definitiva e o grito congelado
penetremos aos poucos
neste jardim de negações
onde a palavra pede mais espaço
não há mais muita vida
sobre a face deste planeta
talvez em algum lugar
ainda se ouça o vento soprar entre as árvores
vozes ao longe preenchendo o vale
latidos de cachorros na distante encosta da montanha
transformemo-nos em planta
em raiz
ou minério bruto
para que seja possível conversar
O apanhador de desperdícios (Manoel de Barros)

Uso a palavra para compor meus silêncios.


Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

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