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DR.

ADOLFO BEZERRA DE MENEZES CAVALCANTI

Palavras de D. Guiomar
Aniversário
O Missionário
A vida de Bezerra de Menezes
Infância
Questões religiosas
Mudança do Ceará para o Rio Grande do Norte e Volta ao Ceará
Ruma à Faculdade – Viagem para o Rio de Janeiro
Na Faculdade de Medicina
Médico
Casamento
Política
Morre a esposa
Reeleito Vereador
Religião
Segundas Núpcias
Deputado Provincial
De volta à Política
Adesão de Bezerra ao Espiritismo
“Kardec Brasileiro”
O alfaiate
Empresário
Jornalismo
Obras Publicadas
Curiosidades
Fragmentos da vida do apóstolo bezerra
A morte do filho
Obsessão desprezada determina lesão orgânica
Mulher de Bezerra desenganada, curada pelo Espiritismo
Não tinha o dinheiro da passagem
O anel de formatura
Carta do Irmão
O filho de Bezerra
Falecimento
Palavras de D. Guiomar

Durante toda a sua existência terrena deu-nos, com seu trabalho incansável e constante em
benefício do próximo, inúmeros exemplos do quanto pode o amor e a religiosidade modificar a
vida das criaturas humanas.

Dentre os que ouvem aos chamados da fraternidade, assumindo-a como eficaz princípio
transformador, Dr. Bezerra destacou-se de maneira ímpar, corajosa e abnegada servindo ao
bem, acreditando e valorizando as potencialidades de cada ser.

“Guiomar de Oliveira Albanesi”

Aniversário

Comemora-se no dia 29 de agosto, o nascimento de Adolfo Bezerra de Menezes.

Um dos maiores vultos da história deste país, viveu 68 anos, de 29 de agosto de 1831 a 11 de
abril de 1900. Dotado de cultura invulgar e de oratória vibrante, foi um dos mais importantes
líderes do movimento espírita no Brasil, sendo por isso cognominado “O Kardec Brasileiro”.

Verdadeiro apóstolo, o que melhor definia sua personalidade era o amor e a fraternidade com
que se devotava, inteiramente, à missão de aliviar o sofrimento humano. Por esse motivo,
recebeu também o nome de “O Médico dos Pobres”.

É farta, a literatura sobre a vida do Dr. Bezerra de Menezes. De tudo o que foi escrito sobre
essa figura rara, invulgar e virtuosa, retiramos alguns fatos principais, para ficarem gravados
neste livro, resguardando para nossa instituição a memória do ilustre patrício, também nosso
Instrutor e Patrono.

O Missionário

Com relação ao aspecto missionário da vida de Bezerra de Menezes, o romance “Brasil,


Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, de Humberto de Campos, psicografado por Chico
Xavier, esclarece:

O século XIX, que surgira com as últimas agitações provocadas no mundo pela Revolução
Francesa, estava destinado a presenciar extraordinários acontecimentos.

No seu transcurso, cumprir-se-ia a promessa de Jesus que, segundo os ensinamentos do seu


Evangelho, derramaria as claridades divinas do seu coração sobre toda a carne, para que o
Consolador reorganizasse as energias das criaturas, a caminho das profundas transições do
século XIX.

Mas não haviam terminado as atividades bélicas da triste missão de Bonaparte e já o espaço
se movimentava, no sentido de renovar os surtos de progresso das coletividades. Assembleias
espirituais, reunindo os gênios inspiradores de todas as pátrias do orbe, eram levadas a efeito,
nas luzes do infinito, para a designação de missionários das novas revelações. Em uma de tais
assembleias, presidida pelo coração misericordioso e augusto do Cordeiro, fora destacado um
dos grandes discípulos do Senhor, para vir à Terra com a tarefa de organizar e compilar
ensinamentos que seriam revelados, oferecendo um método de observação a todos os
estudiosos do tempo. Foi assim que Allan Kardec, a 3 de outubro de 1804, via a luz da
atmosfera terrestre, na cidade de Lion. Segundo os planos de trabalho do mundo invisível, o
grande missionário, no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma
plêiade de auxiliares da sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas
individualidades de João-Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de Leon Denis,
que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Dellane, que apresentaria a estrada
científica e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos, desenhando as
maravilhas das paisagens celestes, cooperando assim na codificação kardeciana no Velho
Mundo e dilatando-a com os necessários complementos.
Ia resplandecer a suave luz do Espiritismo, depois de certificado o Senhor da defecção
espiritual das igrejas mercenárias, que falavam no globo em seu nome.

Todas as falanges do Infinito se preparam para a jornada gloriosa.

As abnegadas coortes de Ismael trazem as suas inspirações para as grandes cidades do país
do Cruzeiro, conseguindo interessar indiretamente grande número de estudiosos.

As primeiras experiências espiritistas, na Pátria do Evangelho, começaram pelo problema das


curas. Em 1818, já o Brasil possuía um grande círculo homeopático, sob a direção do mundo
invisível. O próprio José Bonifácio se correspondia com Frederico Hahnemann. Nos tempos do
segundo reinado, os mentores invisíveis conseguem criar, na Bahia, no Pará e no Rio de
Janeiro, alguns grupos particulares, que projetavam enormes claridades no movimento neo-
espiritualista do continente, talvez o primeiro da América do Sul.

Antes dessa época, quando prestes a findar o primeiro reinado, Ismael reúne no espaço os
seus dedicados companheiros de luta e, organizada a venerável assembleia, o grande
mensageiro do Senhor esclarece a todos sobre os seus elevados objetivos.

− Irmãos, expõe ele, o século atual, como sabeis, vai ser assinalado pelo advento do
Consolador à face da Terra. Nestes cem anos se efetuarão os grandes movimentos
preparatórios dos outros cem anos que hão de vir. As rajadas de morticínio e de dor
avassalarão a alma da humanidade, no século próximo, dentro dos imperativos das transições
necessárias, que serão o sinal do fim da civilização precária do Ocidente. Faz-se mister
amparemos o coração atormentado dos homens nessas grandes amarguras, preparando-lhes o
caminho da purificação espiritual, através das sendas penosas. É preciso, pois, preparemos o
terreno para a sua estabilidade moral nesses instantes decisivos dos seus destinos. Numerosas
fileiras de missionários encontram-se disseminadas entre as nações da Terra, com o fim de
levantar a palavra da Boa-Nova do Senhor, esclarecendo os postulados científicos que surgirão
neste século, nos círculos da cultura terrestre.

Uma verdadeira renascença das filosofias e das ciências se verificará no transcurso destes
anos, a fim de que o século XX seja devidamente esclarecido, como elemento de ligação entre
a civilização em vias de desaparecer e a civilização do futuro, que assentará na fraternidade e
na justiça, porque a morte do mundo, prevista na Lei e nos Profetas, não se verificará por
enquanto, com referência à constituição física do globo, mas quanto às suas expressões
morais, sociais e políticas. A civilização armada terá de perecer, para que os homens se amem
como irmãos. Concentraremos, agora, os nossos esforços na terra do Evangelho, para que
possamos plantar no coração de seus filhos as sementes benditas que, mais tarde, frutificarão
no solo abençoado do Cruzeiro.

Se as verdades novas devem surgir primeiramente, segundo os imperativos da lei natural, nos
centros culturais do Velho Mundo, é na Pátria do Evangelho que lhes vamos dar vida,
aplicando-as na edificação dos monumentos triunfais do Salvador. Alguns dos nossos auxiliares
já se encontram na Terra, esperando o toque de reunir de nossas falanges de trabalhadores
devotados, sob a direção compassiva e misericordiosa do Divino Mestre.

Houve na alocução de Ismael uma breve pausa.

Depois, encaminhando-se para um dos dedicados e fiéis discípulos, falou-lhe assim:

− Descerás às lutas terrestres com o objetivo de concentrar as nossas energias no país do


Cruzeiro, dirigindo-as para o alvo sagrado dos nossos esforços. Arregimentarás todos os
elementos dispersos, com as dedicações do teu espírito, a fim de que possamos criar o nosso
núcleo de atividades espirituais, dentro dos elevados propósitos de reforma e regeneração.

Não precisamos encarecer aos teus olhos a delicadeza dessa missão; mas, com a plena
observância do código de Jesus e com a nossa assistência espiritual, pulverizarás todos os
obstáculos, à força de perseverança e de humildade, consolidando os primórdios de nossa
obra, que é a de Jesus, no seio da pátria do seu Evangelho. Se a luta vai ser grande,
considera que não será menor a compensação do Senhor, que é o caminho, a verdade e a
vida.

Havia em toda a assembleia espiritual um divino silêncio. O discípulo escolhido nada pudera
responder, com o coração palpitante de doces e esperançosas emoções, mas as lágrimas de
reconhecimento lhe caíam copiosamente dos olhos.

Ismael desfraldara a sua bandeira à luz gloriosa do Infinito, salientando-se a sua inscrição
divina, que parecia constituir-se de sóis infinitésimos. Uma vibração de esperança e de fé fazia
pulsar todos os corações, quando uma voz, terna e compassiva, exclamou das cúpulas
radiosas do Ilimitado:

− Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos trabalhadores de boa-vontade!

Relâmpagos de luminosidade estranha e misericordiosa clareavam o pensamento de quantos


assistiam ao maravilhoso espetáculo, enquanto uma chuva de aromas inundava a atmosfera
de perfumes balsâmicos e suavíssimos.

Sob aquela bênção maravilhosa, a grande assembleia dos operários do Bem se dissolveu.

Daí a algum tempo, no dia 29 de agosto de 1831, em Riacho do Sangue, no Estado do Ceará,
nascia Adolfo Bezerra de Menezes, o grande discípulo de Ismael, que vinha cumprir no Brasil
uma elevada missão.

A vida de Bezerra de Menezes

Infância

Adolfo Bezerra de Menezes nasceu em 29 de agosto de 1831. Seus pais, residentes na


freguesia do Riacho do Sangue (hoje Jaguaretama), no Estado do Ceará, possuíam grandes
recursos.

O pai, Antônio Bezerra de Meneses, era capitão das antigas milícias e tenente-coronel da
Guarda Nacional.

Possuía fazendas de criação e era um dos mais importantes fazendeiros da região, O gado era
a riqueza da província e a venda dos rebanhos deixava larga margem de lucro.
Sua família era formada pelo casal, quatro filhos e um grande número de parentes agregados.
Tanto ele como a esposa, dona Fabiana de Jesus Maria Bezerra, eram dois modelos de
probidade.

O “coronel” Antônio, bom e generoso, não media sacrifícios na hora de socorrer os


necessitados. Como é comum em tais casos, a mão estendida muitas vezes acobertava
segundas intenções; fornecia dinheiro indistintamente, e, quando o cofre estava vazio recorria
aos “abonos”. Sacava sobre os lucros futuros, comprometendo, assim, a própria fortuna.

Um dia, verificando as contas, o balanço acusou resultados alarmantes. As dívidas


ultrapassavam, muito, os lucros futuros. E percebeu, cheio de pesar, que o seu coração
fraterno o obrigara a um excesso que ele próprio ignorava.

Seu caráter íntegro ditou-lhe a única atitude digna: procurou os credores, um por um,
transmitindo-lhes a decisão de entregar todos os seus bens para pagamento das dívidas.
Porém, sucedeu o que ninguém esperava. Os credores reunidos não aceitaram aquela solução,
e fizeram mais: em homenagem à conduta irrepreensível do velho fazendeiro, assinaram um
documento onde declaravam que aqueles bens continuariam sempre dele; gozasse deles e
pagasse quando e como quisesse, que eles, credores, se sujeitavam aos prejuízos que
pudessem ter.
O “coronel” recebeu a mensagem e, embargado pela comoção, insistiu para que aceitassem
sua decisão. Não houve acordo.

Certo de que não poderia demover aqueles homens, fez uma solene declaração: jurou que,
daquela data em diante se considerava simples administrador daquilo que fora sua fortuna.

Continuou a reger os negócios, acumulando os lucros para aqueles a quem chamava de


“donos”. Retirava apenas o necessário para manter a família. O que, muitas vezes, era tão
restrito ela chegou a passar privações.

Na ocasião em que tudo isto aconteceu, o menino Adolfo, último filho do casal, estava
terminando o curso preparatório. Os dois mais velhos tinham-se formado em direito e o
terceiro cursava ainda o segundo ano, na Faculdade de Direito de Olinda. Adolfo foi, portanto,
o menos aquinhoado pela sorte, pois a derrocada paterna surpreendeu-o ainda no curso de
Humanidades. Contudo, esse período foi promissor para a vida do pequeno estudante.

Em 1838, aos sete anos de idade, ingressou na escola pública da Vila Frade, adjacente a
Riacho do Sangue, onde, em dez meses, completou sua educação primária.

Questões religiosas

Como todo o moço de família do interior nordestino, o seu catolicismo era eivado de fatos
espíritas, acontecidos aqui e ali, e que respingavam a sua adolescência.

No Norte, aliás, onde as crendices de toda a espécie encontram guarida em seu vasto e
variadíssimo folclore, a noção religiosa, entre as famílias do interior apresenta-se repleta de
acontecimentos espiritóides e lendas do sobrenatural.

Assim é que, desde criança, Bezerra se acostumara a ouvir as mais estranhas narrações , onde
apareciam seres extravagantes, como capetas, mulas sem cabeça, iaras e outras superstições.

As histórias de almas do outro mundo, de demônios e casas mal assombradas, repontavam


amiúde, deixando na alma do garoto estigmas de pavor e sentimentos de medo.

Em tudo ele acreditava, como acontece com todos os da sua idade. Mesmo porque tais
baboseiras não eram apresentadas pela boca dos sertanejos incultos; até as pessoas gradas
do local falavam delas, com o devido respeito supersticioso.

Aos sete anos, por exemplo, ouvira dizer que as almas dos mortos vêm constantemente visitar
os vivos...Isto causou uma profunda impressão no cérebro do pequeno, que passou várias
noites alarmado e amedrontado.

Aos nove anos, na mesma freguesia em que nascera, certa vez, uma moça conhecida de sua
família foi vítima de uma possessão horrível. A infeliz debateu-se, durante dias, em
sofrimentos angustiantes.

Chamaram o vigário da localidade, e este solicitamente compareceu a fim de aplicar o


exorcismo com que costumava restituir a calma ao paciente, nesses casos. Dessa vez, porém,
o exorcismo nada adiantou; o padre, bem como o meritíssimo juiz local, declarrou
solenemente à população que o diabo havia entrado no corpo daquela moça.

Mas, no dia seguinte a moça voltava a si, naturalmente, pois a obsessão findara. O fato, no
entanto, causou perplexidade em toda a gente. Bezerra, pelo menos, dele se lembrava
sempre, como a primeira dúvida que lhe inspirara a ineficiência do catolicismo.
Mudança − Do Ceará para o Rio Grande do Norte

Quatro anos depois, em 1842, a família viu-se forçada a emigrar, em conseqüência de


perseguições políticas e dificuldades financeiras. O velho fazia parte dos “liberais”, e era o
tempo da perseguição impiedosa que as autoridades vitoriosas exerciam sobre eles. A família
mudou-se para o Rio Grande do Norte.

Na província potiguar, o pequeno Adolfo, que contava 11 anos de idade, foi matriculado na
aula pública de latinidade, que funcionava na Serra do Martins e era dirigida por padres
jesuítas. A família estava residindo na antiga vila Maioridade (mais tarde cidade da
Imperatriz).

Volta ao Ceará – Adolescência

Em 1846, a família retornou à Província do Ceará, fixando residência na capital, Fortaleza. O


jovem foi matriculado no Liceu do Ceará, que era dirigido por seu irmão mais velho, e quatro
anos mais tarde concluiu os estudos preparatórios.

Ruma à Faculdade – Viagem para o Rio de Janeiro

Não sentindo pendor algum para o estudo do direito, confessou ao pai os anelos que nutria
pela medicina. Naquela época não havia escolas de medicina no Norte. O velho viu-se na
contingência de enviar o filho para a Corte.

Não queria servir de obstáculo à vontade do filho. Queria ser médico? Que seguisse o seu
destino.

Porém, a situação da família era angustiante. Ele decidiu contar ao rapaz tudo o que
acontecera, a fim de que pudesse, antes de partir, formar um juízo acerca da conduta de seu
pai. Chamou o jovem estudante, que contava apenas vinte anos, e, em palavras repassadas
de ternura, expôs-lhe todos os motivos de sua pobreza, os credores, a fazenda, etc.

Finda a narração, Adolfo levantou-se, com os olhos marejados de lágrimas, e abraçou o pai.
Disse-lhe, então, que tudo o que ouvira havia sido um grande e inestimável estímulo para ele.

Sua vida, meu pai, está repleta de verdadeiros rasgos de probidade. Seus atos ficarão
impressos dentro do meu coração, como modelos de dignidade e retidão moral. Prometo, no
entanto, ao senhor e a mim mesmo, ser digno do nome honrado que levo comigo para a
Corte.

O velho, comovido, abraçou o filho. Intimamente possuía a certeza de que este cumpriria a
promessa. Dias depois os parentes se cotizaram e conseguiram a quantia de quatrocentos mil
réis, destinados a custear a viagem do rapaz.

Compradas as passagens e a roupa indispensável, o futuro médico fez as suas despedidas.


Debruçado na amurada do navio que singrava as águas, o jovem Adolfo respondia,
tristemente, aos acenos da família que ficou.

Bezerra aportou na Guanabara absolutamente só, sem um amigo sequer, trazendo no bolso
trinta e oito mil réis.

 
Na Faculdade de Medicina

Em 1851, ano de falecimento de seu pai, aos vinte anos mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde, naquele mesmo ano, iniciou os estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Na idade em que a rapaziada costuma extravasar a alegria própria da juventude,


ensimesmava-se , recluso, para o estudo e a meditação. A respeito de religião, nada havia
ainda pensado, maduramente... Nascido e criado sob os auspícios do catolicismo, conservara-o
até então, como uma tradição transmitida pelo amor dos pais.

No ano seguinte, 1852, ingressou como residente no hospital da Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro. Para prover os seus estudos, dava aulas particulares de Matemática e Filosofia.

Médico

Foi no final de 1856 que Bezerra de Menezes concluiu o seu curso de medicina. Contava,
então, 25 anos de idade.

Obteve o doutoramento em 1856, com a defesa da tese: “Diagnóstico do Cancro”. Nessa


altura, abandonou o último sobrenome, trocou o “s” de Meneses para “z” , passando a assinar-
se simplesmente como Adolfo Bezerra de Menezes.

Com um respeitável canudo de folha debaixo do braço e um anelão no indicador direito, o novo
facultativo transpunha os umbrais da Academia, deixando as lutas escolares para trás e
disposto a enfrentar com ânimo as lutas que o mundo, cá fora, iria oferecer-lhe.

Foram cinco anos de sacrifícios e de duras renúncias, em que a vontade de vencer era a única
bandeira a cuja sombra o estudante pobre se abrigava. Arredio à turbulência dos colegas,
procurava instintivamente o isolamento e o sossego, tão necessários ao seu espírito de
pensador embrionário.

Sua primeira idéia foi a de instalar um consultório. Mas não possuía os meios necessários para
tanto. Entrou, então, em entendimentos com um colega de turma, mais aquinhoado pela
fortuna. Combinados, instalaram-se em uma salinha no centro comercial da cidade.

Os primeiros tempos foram daqueles capazes de desanimar os dois jovens esculápios se os


mesmos não possuíssem uma têmpera forte de bons lutadores. Bezerra especialmente.
Durante os meses em que o consultório permaneceu aberto, a clínica foi quase nenhuma. Sem
nome feito, não seria mesmo de esperar qualquer sucesso prematuro. Não se verificava,
contudo, a mesma coisa em sua casa de residência.

Estudioso como sempre o fora, os seus diagnósticos, já a esse tempo, denunciavam a notável
intuição do médico na arte de curar.

Ninguém pagava; tudo era gente pobre, absolutamente pobre. E Bezerra nunca falou em
dinheiro a pessoa alguma.

A figura do apóstolo já começava a se esboçar, delineando os seus contornos interiores.

No ano em que Bezerra de Menezes conquistou o seu diploma, o governo imperial decretou a
reforma do Corpo de Saúde do Exército e nomeou para chefiá-lo o velho mestre, Dr. Manuel
Feliciano Pereira Carvalho, como cirurgião-mor. E foi assim que Bezerra passou a ser cirurgião-
tenente do Exército.

Isto representava para ele a estabilidade segura de um lugar remunerado que lhe iria servir
para mais se aprofundar nos problemas médico-cirúrgico, facilitando-lhe, desse modo, a
tranquilidade necessária.
A 27 de abril de 1857 candidatou-se ao quadro de membros titulares da Academia Imperial de
Medicina com dissertação sobre “Algumas considerações sobre o cancro, encarado pelo lado do
seu tratamento”. O acadêmico José Pereira Rego leu o parecer na sessão de 11 de maio, a
eleição transcorreu na de 18 de maio e a posse na de 1º. de junho do mesmo ano.

Em 1858 candidatou-se a uma vaga de lente substituto da Secção de Cirurgia da Faculdade de


Medicina do Rio de Janeiro.

Nesse ano saiu a sua nomeação oficial como assistente do Corpo de Saúde do Exército, no
posto de capitão-tenente.

Foi então que um amigo, o médico militar dr. Manuel Feliciano Pereira de Carvalho, chefe do
Corpo de Saúde do Exército, decidiu chamá-lo para o Hospital Central, como médico militar.

Bezerra conseguiu a estima e a confiança do velho e sábio professor, nesse mesmo hospital,
pois nele ingressara como praticante e interno, em 1852, isto é, quando cursava ainda o
segundo ano de medicina. Tão apto e tão inteligente se mostrou o estudante que o próprio dr.
Feliciano lhe confiava os seus familiares.

Sua passagem pelo Exército foi outra página refulgente da sua carreira. Predestinado, como
sempre o fora, para o exercício superior da medicina, viu Bezerra o seu campo dilatado para
um ramo que lhe tinha sido, até então, impraticável: a cirurgia.

Tal foi o seu carinho e fervor, no desbravamento dessa nova especialidade, que até os seus
próprios companheiros não lhe regateavam louvores. Logo no ano seguinte ao da sua
nomeação para médico militar, Bezerra foi recebido como sócio efetivo da Academia Nacional
de Medicina.

Nessa ocasião apresentou à douta assembléia uma excelente “Memória”, considerada, até
hoje, como uma das mais conscienciosas no assunto. Entusiasmou-se o jovem médico pelo
exemplo da vida e dos trabalhos do grande Ambroise Paré, o “pai da cirurgia”.

Plasmou, segundo o modelo do velho cirurgião francês, criador da litotomia (seção de conduto
ou de órgão, para remoção de cálculo), a sua verdadeira personalidade.

Começou o triunfo. Não se deixou, porém, envaidecer com tão pouca coisa. Se lhe satisfazia
no íntimo o sucesso da cirurgia, continuava, contudo, a sentir a necessidade de socorrer
aqueles que o procuravam. Não esqueceu, pois, a sua enorme “clientela” caseira... As glórias
do cirurgião não foram suficientes para abalar os desígnios do altruísta.

A clínica crescia, avolumava-se. Em pouco, Bezerra já atendia a clientes que vinham de longe.
E a “espécie” da clientela era sempre a mesma: pobre, paupérrima. Pela primeira vez, Bezerra
de Menezes, viu o seu nome alongado, com o complemento de “médico dos pobres”.

Esse título, agraciado pela miséria de uma multidão, foi o mais glorioso título que ele alcançou
na vida, segundo sua própria confissão. Para uma alma filantrópica, realmente, nada de mais
nobre do que isso: ser “médico dos pobres”...

Já então, com a fama que lhe espalhava as ações pelos quadrantes da cidade, o consultório do
centro comercial começou a se tornar movimentado. Lá, porém, os clientes ricos pagavam. E a
renda, em pouco tempo, atingiu soma bem satisfatória. Ele gastava tudo o que ganhava, com
os seus pobres. Remédios, auxílios pecuniários, roupas, etc. etc., tudo distribuído entre as
mãos que lhe eram estendidas, na solicitação de um óbolo. 
A um amigo que lhe perguntou, certa vez, se gostava de música, respondeu Bezerra:

− É o maior encanto para mim, a música...

– E porque não vais à Companhia Lírica? A temporada tem estado brilhante!


– Não posso; os meus doentes não me dão tempo de ouvir as harmonias líricas...
− Mas assim, em pouco estarás embrutecido...

− Nem tanto, meu amigo. Isto me traz a vantagem de ouvir as harmonias do coração, que é a
música mais linda que há no mundo.

Médico apóstolo, ninguém mais do que ele mereceu tal título. Basta ouvir-lhe os conceitos,
evidenciados por sua sublime missão apostólica.

− Um médico – dizia ele – não tem o direito de terminar uma refeição, nem de escolher hora,
nem de perguntar se é longe ou perto, quando um aflito qualquer lhe bate à porta.

“O que não acode por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou por
ser alta noite, mau o caminho ou o tempo, ficar longe ou no morro; o que, sobretudo, pede
um carro a quem não tem com que pagar a receita, ou diz a quem lhe chora à porta que
procure outro – esse não é médico, é negociante de medicina, que trabalha para recolher
capital e juros dos gastos da formatura. Esse é um desgraçado, que manda para outro o anjo
da caridade que lhe veio fazer uma visita e lhe trazia a única espórtula que podia saciar a sede
de riqueza do seu espírito, a única que jamais se perderá nos vais-e-vens da vida”...

Casamento

Vendo o progresso contínuo de sua vida, que lhe apresentava um horizonte cada vez mais
risonho e promissor, Bezerra de Menezes resolveu casar-se. E casou por amor, com d. Maria
Cândida de Lacerda, no dia 6 de novembro de 1858.

Desde os primeiros tempos, o ambiente morno e acolhedor do lar conjugal deixou-o


maravilhado e feliz. Seu espírito vivia cheio de encantamento, desfrutando uma situação
verdadeiramente invejável.

Trabalhava animado e lutando para o conforto da esposa, que era um exemplo lídimo de
virtudes.

Jornalista brilhante, colaborando nos principais jornais da metrópole, clínico filantropo, era até
conhecido pela alcunha de “médico dos pobres”, acatadíssimo nos meios militares, tudo isso
emprestava-lhe uma posição social deveras invejável.

E foi então que a política o cobiçou.

 Política

O calendário marcava o ano de 1860. A população de São Cristóvão, onde residia e clinicava,
quis que ele a representasse na Câmara Municipal.

Bezerra, por princípio, quis evitar a política. Previa que o seu temperamento e o seu caráter
não eram compatíveis com a sabujice e a barrela dos politicóides do seu tempo, que eram,
afinal, os politicóides de todos os tempos.

Em casa, porém, sua dedicada companheira mirava com indisfarçável orgulho o convite.
Desejosa de ver a ascensão gloriosa do marido, tratou de convencê-lo a ingressar nas lides
políticas. E Bezerra acedeu como sempre.

Nesse tempo, o presidente da Câmara Municipal era Roberto Jorge Haddock Lobo, do Partido
Conservador. Ao mesmo tempo, Bezerra de Menezes já se havia notabilizado pela atuação
profissional e pelo trabalho voltado à população carente.
Desse modo, em 1860, em uma reunião política, alguns amigos levantaram a candidatura de
Bezerra de Menezes, à Câmara, pelo Partido Liberal, como representante da paróquia de São
Cristóvão, onde então residia.
Ciente da indicação, Bezerra recusou-a inicialmente, mas, por insistência, acabou se
comprometendo apenas em não fazer uma declaração pública de recusa dos votos que fossem
outorgados.

Abertas as urnas e apurados os votos, o núcleo antagônico, que era o Partido Conservador, foi
derrotado e o nosso “médico dos pobres” foi eleito pelos liberais de São Cristóvão.

No reconhecimento, porém, uma surpresa o aguardava: Haddock Lobo, chefe do Partido


Conservador, entendeu de impugnar o diploma de Bezerra, bem como o do coronel Frias de
Vasconcelos, seu companheiro de chapa, sob o argumento de que militares não podiam
exercer o cargo de Vereador.

- Um soldado não pode ser eleito, a menos que ... Bezerra viu-se dentro de um dilema, que
reclamava cuidados na sua solução: renunciar ao Exército ou à Política.

De um lado, o emprego vitalício, a segurança do futuro, enfim a garantia do lar. Do outro, a


glória fácil da popularidade, a posição política invejável, embora efêmera, dispendiosa e
incerta. Bezerra era prudente.

Resolveu, contudo, dar satisfação à esposa seguindo-lhe os conselhos. Em 26 de março de


l861, requereu exoneração do posto militar, e lançou-se, destemeroso, à luta, apoiando o
Partido, que necessitava dele para obter a maioria na Câmara.

Alma tenaz, afrontou tudo. E a adversidade não o poupou. Foi alvo de críticas violentas da
imprensa, a qual lhe dedicou os mais bárbaros adjetivos.

Desfeito o impedimento, foi empossado no mesmo ano. 


Toda a vaga imensa de injúrias e ápodos veio para derrubá-lo, babujando, com a sua
salsugem, o solo onde se erguia o gigante que surgia.

Mas no parlamento o triunfo era completo. Orador consciencioso e de largos recursos de


retórica, “doublé” de analista sutil e honesto nas questões públicas, viu-se em pouco cercado
da estima e da admiração.

A política – de ordinário tão ingrata – dava-lhe o prêmio merecido, mercê dos seus esforços.
Bezerra vencia na vida pública.

Morre a esposa

Em casa, porém, um golpe doloroso e quase irreparável, desferido pelo destino, abalou o
invicto lutador, deixando-o abatido e sem ânimo. A esposa desvelada, após uma enfermidade
rápida, e imprevisível, abandonava o mundo em menos de vinte dias, falecendo em 24 de
março de 1863.

Bezerra viu-se em plena viuvez, dentro do seu lar triste e desconfortado e com dois filhinhos:
um de três e o outro de um ano de idade. Dentro do seu supremo desalento, deixava cair do
seu coração alanceado estas palavras: As glórias mundanas, que eu havia conquistado, mais
por ela do que por mim, tornaram-se-me aborrecidas, senão mesmo odiosas...

A grande crise, porém, foi vencida. Passado o período de exaltação da dor, Bezerra, como que
temperado nesse cadinho sinistro das grandes provações, retornou, intemerato e forte, para as
lutas políticas.
Reeleito Vereador

Foi reeleito vereador da Câmara Municipal para o período de 1864 a 1868.

Religião

Espiritualista por vocação, todas as vezes que sua alma sensível era posta em prova, subiam-
lhe do subconsciente os eflúvios recalcados de sua religiosidade.

Isto aconteceu quando o golpe da viuvez o alanceou de forma brutal. Buscando consolação, o
“médico dos pobres” voltou-se com toda a unção para o consolo benéfico da religião, Começou
a ler a Bíblia. Lia-a e meditava longamente sobre o mundo de ensinamentos que ali se contém.

Por esta época, 1869, falecia em Paris o codificador do Espiritismo, Allan Kardec.

Mas, antes de o Espiritismo ser codificado por Kardec, já havia sido fundado por Melo Morais,
no Rio de Janeiro, o primeiro grupo espírita.

Desnecessário se torna dizer a grande convulsão espiritual que as teorias do mestre Kardec
ocasionaram em todo o mundo.

Bezerra conheceu a Doutrina Espírita na ocasião do lançamento da tradução em língua


portuguesa de “O Livro dos Espíritos”, em 1875, quando o seu tradutor, Dr. Joaquim Carlos
Travassos, ofereceu um exemplar ao deputado Bezerra de Menezes.

Sobre o contato com a obra, o próprio Bezerra registrou:

“Recebi o exemplar na cidade e eu morava na Tijuca, a uma hora de viagem de bonde.


Embarquei com o livro e, como não tinha distração para a longa viagem, disse comigo: Não hei
de ir para o inferno por ler isto... Depois, é ridículo confessar-me ignorante desta filosofia,
quando tenho estudado todas as escolas filosóficas. Pensando assim, abri o livro e prendi-me a
ele, como acontecera com a Bíblia. Lia. Mas não encontrava nada que fosse novo para meu
Espírito. Entretanto, tudo aquilo era novo para mim!...Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se
achava no “O Livro dos Espíritos”. Preocupei-me seriamente com este fato maravilhoso e a
mim mesmo dizia: parece que eu era espírita inconsciente, ou, mesmo como se diz
vulgarmente, de nascença”.

Tal fato, como vimos, impressionou vivamente o espírito de Bezerra de Menezes. 


Mais tarde, porém, conseguiu compreender a causa desse fenômeno. É que ele era um espírita
inconsciente, já naquele tempo.

Segundas Núpcias

Por essa época, Bezerra, reeleito para o cargo de vereador em 1864, casa-se, no ano seguinte,
em segundas núpcias, com da. Cândida Augusta de Lacerda Machado, irmã por parte de mãe
de sua primeira esposa, e que cuidava de seus filhos até então, com quem teve mais 7 filhos.

Sua companheira, desta vez, foi aquela que o deveria acompanhar até que ele cerrasse os
olhos, seguindo-o e amparando-o com um desvelo e um carinho verdadeiramente
extraordinários.

 
Deputado Provincial

Em 1866 foi eleito deputado Provincial pelo Rio de Janeiro. Empossado em 1867, sustentou aí
remendas lutas, combatendo, especialmente, o famoso ministério Zacarias.

Era um tempo tumultuoso na política do país. As coisas chegaram a tal ponto que o Governo
Imperial decidiu dissolver a própria Câmara, no ano seguinte.

Bezerra multiplicava então a sua atividade, desdobrando-se para atender a serviços


consideráveis.

Basta dizer que, além da ação política, de forma quase absorvente, exercia ele o cargo de
presidente da “Companhia Carris Urbanos” e da “Estrada de Ferro Macaé − Campos”, da qual
era fundador. 

Com todas essas preocupações, não deixou todavia de prosseguir nas lutas partidárias, não
obstante a Câmara se encontrar de portas fechadas. Sua palavra, nos comícios, e sua pena, na
imprensa, não tiveram repouso nesses dez anos. Escrevia continuamente na “A Reforma”,
órgão liberal da Corte.

 De volta à Política

Bezerra foi eleito deputado, em 1878, mandato que exerceu por dois anos, pois que em 1880
era designado para presidente da Câmara Municipal e líder do seu partido.

Foi eleito deputado geral pela Província do Rio de Janeiro no período de 1877 a 1885. Neste
período acumulou o exercício da presidência da Câmara e do Poder Executivo Municipal.

Foi membro, a partir de 1882, das Comissões de Obras Publicas, redação e Orçamento. Nesta
escala ascensional no tablado da política, Bezerra poderia ainda ter ocupado lugares de maior
destaque, alargando o seu horizonte de ambições e de conquistas.

Mas, ele não possuía, positivamente, o estofo ou a estrutura do homem político, sua espinha,
sempre ereta, não se acostumava às curvaturas com que a sabujice política produz em seus
filhos, caracteres de plasticidade duvidosa... E, em 1885 encerrou sua carreira política.

Na vida pública, acumulou inúmeros títulos de cidadania.

Adesão de Bezerra ao Espiritismo

Após estudar por alguns anos as obras de Allan Kardec, em 16 de agosto de 1886, aos 55 anos
de idade, perante um auditório de cerca de duas mil pessoas da melhor sociedade, enchia o
salão de honra da Guarda Velha, no Rio de Janeiro, para ouvir, em silêncio emocionado e
atônito, a palavra de ouro do eminente político, do eminente médico, do eminente cidadão, Dr.
Adolfo Bezerra de Menezes que, em longa alocução proclamava, aos quatro ventos, a sua
adesão ao Espiritismo.

Ninguém pode descrever o abalo extraordinário que tal acontecimento provocou na sociedade
brasileira. Todos, aparvalhados e surpresos, pasmavam para a atitude serena que o “médico
dos pobres” acabava de assumir inesperadamente.

O Espiritismo crescia, choviam adesões. Mas nenhum dos conferencistas conseguiu a


retumbância e a projeção alcançada por Bezerra de Menezes. Sua palavra, assim que começou
a vibrar em prol da doutrina, repercutiu de maneira estranha no coração dos espíritas e não
espíritas.

No ano seguinte, a pedido da Comissão de Propaganda do Centro União Espírita do Brasil,


inicia a publicação de uma série de artigos sobre a Doutrina em O Paiz, periódico de maior
circulação na época. Com o nome de “Estudos Filosóficos − Espiritismo”,
os artigos saíram regularmente aos domingos, no período de 23 de outubro de 1887 a
dezembro de 1893, assinados sob o pseudônimo “Max”.

Em 1889 Bezerra de Menezes foi visto como o único capaz de superar as divisões, vindo a ser
eleito presidente da Federação Espírita Brasileira. Nesse período, iniciou o estudo sistemático
de “O Livro dos Espíritos” nas reuniões públicas das sextas-feiras. 

De 1890 a 1891 foi vice-presidente da FEB na gestão de Francisco de Menezes Dias da Cruz,
época em que traduziu o livro “Obras Póstumas” de Allan Kardec, publicado em 1892.

“Kardec Brasileiro”

Pela atuação destacada no movimento espírita da capital brasileira no último quartel do século
XIX, Bezerra de Menezes foi considerado um modelo para muitos adeptos da Doutrina.

Destacam-lhe a índole caridosa, a perseverança e a disposição amorosa para superar os


desafios. Essas características, somadas à sua militância na divulgação e na reestruturação do
movimento espírita no país, fizeram com que fosse considerado o “Kardec Brasileiro”, numa
homenagem devida ao papel de relevância que desempenhou.

Muitos seguidores acreditam, ainda, que Bezerra de Menezes continua, em espírito, a orientar
e influenciar o movimento espírita. É considerado patrono de centenas de instituições espíritas
em todo o mundo.

O alfaiate

Certa vez sentia-se o nosso futuro médico em sérias dificuldades financeiras. Não havia
ninguém a quem ele pudesse pedir. A única pessoa que às vezes lhe valia nesses momentos
era um alfaiate, velho conhecido da província. Este, de quando em quando, emprestava-lhe
dez ou vinte mil réis, até que os alunos lhe pagassem as aulas.

“O que me valia era o alfaiate, a quem pagava um tanto por mês pela roupa que lhe mandava
fazer e que, por minha pontualidade no pagamento, me supria, de vez em quando, nos meus
maiores apuros, uns vinte ou trinta mil réis, que nunca mais do que isso lhe pedi. Mas agora
precisava de cinqüenta, pois tinha de comprar botinas e chapéu e alugar, ida e volta, um
rocinante. Oh! , como me batia o coração à idéia do homem abanar-me a cabeça! Além do
vexame, o pesar de não ir à festa do Cardozo, em casa do tio Anselmo, onde já via, pelo
pensamento, brilharem duas estrelas: os olhos da prima Gertrudinha. Só esta perspectiva me
decidiu na tremenda luta de ir ou não ir ao meu banqueiro.

À porta, ia recuar, entendendo que era melhor não me expor a uma vergonha e, mesmo, na
melhor hipótese, não contrair uma dívida que me cativaria por muito tempo... Mas o caixeiro,
que me conhecia, veio a mim saber o que queria. “Ala jacta est”. Vencer ou morrer. Perguntei-
lhe: O Sr. Faria está? Respondeu-me ele: “Embarcou ontem para a Europa, mas se precisa de
alguma coisa, está aí o contramestre.”. Foi uma punhalada que me dissipou as fumaças de
flamejar no Itaboraí; mas foi ao mesmo tempo um calmante para minha agitação, quer de
passar por uma vergonha, quer de contrair uma dívida que é sempre um cancro, de que
poucos, quando se torna um hábito, se salvam. Dever, para quem se preza, é sempre uma
escravidão moral que se não resgata senão por sacrifícios e que perturba a alma durante toda
a sua permanência. Dei costas à casa, onde ia prender grande parte do meu futuro, porque
cinqüenta mil réis, para mim, eram tanto como cinqüenta contos para outros. Voltei mais
alegre do que triste, lembrando-me do que ouvi de minha mãe: “Boa romaria faz quem em
casa fica em paz”.

 
Empresário

Em 1870 foi sócio fundador da Companhia Estrada de Ferro Macaé a Campos.

Em 1872 empenhou-se na construção da Estrada de Ferro Santo Antônio de Pádua,


pretendendo estendê-la até ao Rio Doce, projeto que não conseguiu concretizar.

Foi um dos diretores da Companhia Arquitetônica de Vila Isabel, fundada em outubro de 1873
por João Batista Viana Drummond (depois Barão de Drummond) para empreender a
urbanização do bairro de Vila Isabel.

Em 1875, foi presidente da Companhia Ferro-Carril de São Cristóvão, período em que os


trilhos da empresa alcançavam os bairros do Caju e da Tijuca.

Jornalismo

No período de 1859 a 1861 exerceu a função de redator dos Anais Brasilienses de Medicina,
periódico da Academia Imperial de Medicina. Por tudo isto, Bezerra de Menezes foi uma das
mais eminentes personalidades médicas do Brasil.

Em 1869, durante a campanha abolicionista publicou o ensaio “A escravidão no Brasil e as


medidas que convém tomar para extinguí-la sem danos para a Nação”.

Em 1877 publicou outro ensaio, expondo os problemas de sua região natal: “Breves
considerações sobre as secas do Norte”.

Alguns indicam que foi autor de biografias sobre o Visconde do Uruguai e do Visconde de
Caravelas, personalidades ilustres do Império do Brasil.

Foi redator de “A Reforma”, órgão liberal do Município, e, de 1869 a 1870, redator do jornal
“Sentinela da Liberdade”.

Obras Publicadas

1902 – A Casa Assombrada – (Romance)


1907 – Espiritismo − Estudos Filosóficos − (3 volumes)
1920 – A Loucura sob novo prisma – (estudo etiológico)

− Casamento e Mortalha – (romance)


− Evangelho do Futuro
− História de um Sonho
− Lázaro, o Leproso
− O Bandido
− Os Mortos que Vivem
− Pérola Negra
− Segredos da Natureza
− Viagem Através dos Séculos

1946 – A Doutrina Espírita como Filosofia Teogônica 


1983 − Os Carneiros de Panúrgio – (Romance).
Curiosidades

Em sua atuação como Deputado, destacam-se algumas iniciativas pioneiras: buscou, através
de projeto de lei, regulamentar o trabalho doméstico, visando conceder a essa categoria,
inclusive, o aviso prévio de 30 dias.

Denunciou os perigos da poluição que já naquela época afetava a população da cidade do Rio
de Janeiro, promovendo providências para combatê-la.

Fragmentos da vida do apóstolo bezerra

Há um fato na vida de Bezerra que revela a primeira manifestação do mundo invisível ao


espírito do então jovem estudante:

Senhorio atrevido- As taxas na Faculdade estavam à sua espera. Se Bezerra não lhes
satisfizesse o pagamento arriscava-se a perder o ano.

E não era só. O senhorio, sujeito atrevidaço e sem entranhas, ameaçava pô-lo na rua.

Desesperado – uma das poucas vezes em que Bezerra desesperou na vida – e como não fosse
incrédulo, ergueu os olhos ao alto e apelou para Deus.

Nessa ocasião bateram à porta. Era um moço de fisionomia simpática e atitudes polidas que
vinha tratar umas aulas de matemática. Bezerra recusou, a princípio, confessando mesmo ser
esta a matéria que ele mais detestava. O visitante relutou; por fim, lembrando-se de sua
situação desesperadora, Bezerra resolveu aceitar.

O moço, sob o pretexto de que podia esbanjar a mesada recebida do pai, pediu licença para
efetuar o pagamento adiantadamente. Após alguma relutância, convencido, acedeu.

Combinado o dia e a hora para o início das aulas, o visitante despediu-se. Bezerra não cabia
em si de contente. Nesse mesmo dia liquidou o aluguel e as taxas de exames na Faculdade.
Lembrou-se, porém, do compromisso, e, como não possuísse livro algum sobre a matéria,
correu à Biblioteca e, durante horas, devassou com sofreguidão os vários pontos para a
próxima aula. 
Essa, todavia não se realizou; nem essa nem outra qualquer, pelo simples motivo de que o
discípulo não mais apareceu. Dias se passaram e... nem viva alma...

Isto preocupou sobremaneira o jovem estudante que nunca deixou de se referir a tal fato
como uma das primeiras manifestações do auxílio que o mundo invisível pode dispensar a
qualquer espírito angustioso.

Em todo o caso, concluía ele, jovialmente – foi essa a única vez que estudei a fundo uma lição
de matemática; o fato, assim mesmo, para alguma coisa me serviu...

A morte do filho

Em seu livro “A Loucura sob novo prisma”, sob o pseudônimo de Max, Bezerra fala do
desencarne de um de seus filhos, que vem dar a seus pais sinal de sua passagem à vida
verdadeira:

− “Em Portugal, as Lendas e Narrativas do ilustre Alexandre Herculano as atestam. No Brasil,


quase não há uma família, dizia o erudito Dr. Manuel Soares da Silva Bezerra, que não tenha
um fato a referir da aparição de mortos.

Darei aqui, um dos muitos que conhecemos. D. Maria Cândida de Lacerda Machado, senhora
tão distinta pela inteligência como por virtudes, que viveu na boa sociedade do Rio de Janeiro,
tinha em São Paulo, estudando na Faculdade de Direito, o filho de seu primeiro matrimônio.
Um dia, recebeu carta do moço, que se achava de perfeita saúde, e na noite desse mesmo dia,
ao apagar a vela para dormir, ouviu distintamente o som da queda de pesado castiçal de
prata, pousado sobre uma mesa, a alguma distância da cama. Acreditando que gatos ou ratos
lançaram abaixo o estimado objeto, acordou o marido (ele), que, acendendo a vela, viu, com
ela, o castiçal em seu lugar.

− Foi sonho, disse ele.

– Não, que eu estava acordada, respondeu a senhora. E, depois de longa discussão, apagaram
de novo a vela e voltaram à cama. Imediatamente fere-lhes os ouvidos o som da queda do
castiçal; ao que acudiu o homem, dizendo:

- Agora, sim: garanto que caiu. Acesa a vela, foram surpreendidos com a presença do castiçal
no seu lugar!

Muito tempo levaram em conjeturar, até que resolveram repousar. Deu-se, então, um fato
singular para a senhora, ainda acordada, enquanto o marido já dormia.

Sua mão deslizou doce e amavelmente pela testa de D. Maria, e, tomando-lhe os bastos
cabelos, soltos, correu por eles até as pontas. – É meu filho, que me vem dar sinal de ter
morrido! exclamou a angustiada senhora. Reconheci-lhe a mão, fazendo, com meus cabelos, o
que sempre foi seu gosto. É ele!

E não houve como dissuadi-la daquela idéia, nem durante o resto da noite, que levou a
prantear o filho, nem no dia seguinte, quando famílias amigas acudiam a convencê-la de que
era infundado seu juízo, à vista da carta que dava o moço de perfeita saúde.

 Entre os que foram visitá-la, figuraram os Drs. Mariano José Machado e Joaquim Pinto Neto
Machado, respeitáveis médicos, que nos deram a notícia do fato, no mesmo dia.

Dois ou três dias depois, chegou o vapor de Santos, única via célere, de então, entre a Corte e
a província de São Paulo, e, por ele, veio a notícia da morte do jovem, colhido por uma
enfermidade, exatamente no dia em que foi aqui recebida sua carta.

 Obsessão desprezada determina lesão orgânica

Noutro capítulo do livro “ A loucura sob novo prisma”, Bezerra comenta:

− “Efetivamente, Hahnemann disse, e nós temos observado, que a obsessão desprezada


determina lesão orgânica do cérebro, donde a coexistência das duas causas da perturbação
mental.

Infelizmente temos experiência feita com o maior interesse sobre este ponto da magna
questão.

Um de nossos filhos, moço de grande inteligência e de coração bem formado, foi subitamente
tomado de alienação mental.

Os mais notáveis médicos do Rio de Janeiro fizeram o diagnóstico: loucura; e como loucura o
trataram sem que obtivessem o mínimo resultado.

Notávamos um singular fenômeno: quando o doente, passado o acesso e entrado no período


lúcido, ficava calmo, manifestava perfeita consciência, memória completa e razão clara, de
conversar criteriosamente sobre qualquer assunto, mesmo literário ou científico, pois que
estudava Medicina, quando foi assaltado.

Mais de uma vez, afirmou-nos que bem conhecia estar praticando mal, durante os acessos,
mas que era arrastado por uma força superior à sua vontade, a que em vão tentava resistir.
Apesar de não podermos explicar como, continuando o cérebro lesado, se dava aquele
fenômeno de perfeita clarividência ou de nítida transmissão dos pensamentos, acompanhamos
o juízo dos médicos, nossos colegas, de ser o caso de verdadeira loucura.

Desanimados, por falharem todos os meios empregados, disseram aqueles nossos colegas que
era inconveniente e perigoso conservar o doente em casa, e que urgia mandá-lo para o
hospício.

Foi ante esta dolorosa contingência de uma separação mais dolorosa que a da morte, que
resolvemos atender a um amigo que havia muito nos instava para que recorrêssemos ao
Espiritismo.

Obsessão, respondeu-nos o Espírito que veio à nossa evocação; acrescentando: além do


tratamento terapêutico, que deve ser dirigido sobre o baço, que no homem, como o útero na
mulher, é a porta às obsessões, sempre ligadas a uma lesão orgânica, é indispensável evocar
o obsessor, e alcançar dele que desista da perseguição. 
Foi marcado o dia para a aconselhada evocação, a primeira a que assistimos. Veio o Espírito
inimigo, que se dirigiu exclusivamente à nossa pessoa, de quem, principalmente, queria tirar
vingança, por mal que lhe havíamos feito em passada existência.

− Não posso fazer-te o que a ele faço, disse bramindo, porque és mais adiantado; mas
castigo-te indiretamente na pessoa de teu filho amado, que também concorreu para meu mal.

Não foi possível acalmar-lhe a sanha, que refervia à medida que se lhe falava em paz, amor e
perdão. Saímos abatidos e confusos por tudo o que vimos e ouvimos, principalmente porque o
Espírito se referiu a um pensamento nosso, a ninguém revelado.

A este trabalho, sem nenhum resultado, seguiram-se outros, parecendo às vezes que o inimigo
se abrandava, esperança que em breve se dissipava, vindo ele, noutro dia, mais cheio de ódio
e sedento de vingança. Neste ínterim, um amigo nosso, tão distinto pela sua ilustração, como
pelo seu caráter, nos comunicou o seguinte, que nos esclareceu sobre aquele ódio
intransigente:

Orava ele, à hora de deitar-se, e à sua prece do costume ajuntou uma especial em favor do
Espírito nosso perseguidor, para que tivesse a luz e reconhecesse o mal que a si próprio estava
fazendo.

Ouviu então uma voz que lhe disse: Vê; e olhando na direção da voz, viu aquele amigo uma
masmorra imunda e tenebrosa, onde um homem, acorrentado e agrilhoado, gemia suas
misérias e as de sua mulher e filhinhos, privados de todo apoio.

− Queres que perdoe a quem me reduziu a este estado, e pior, reduziu os entes que mais
amei na vida? perguntou a voz que vinha do prisioneiro. Travou-se entre os dois uma
discussão, que não vem a propósito transcrever aqui. O que é essencial saber é que a justiça
de Deus se cumpria no fato que tão dolorosamente nos fazia sangrar o coração.

Devemos acrescentar, ao que acabamos de referir, que o cavalheiro com quem se deu este
fato era médium inconsciente, e hoje se acha na plenitude das mediunidades – vidente,
auditiva, psicográfica e sonambúlica.

O moço era vítima de seus abusos noutra existência, continuou a sofrer a perseguição, e por
tanto tempo a sofreu, que seu cérebro se ressentiu, de forma que, quando o obsessor, afinal
arrependido, o deixou, ele ficou calmo, sem mais ter acessos, porém não recuperou a
vivacidade de sua inteligência. O instrumento ainda não se restabeleceu.

Dir-se-á: a loucura também se cura, e os doentes curados dela também ficam assim, porque o
instrumento se ressente por muito tempo do mal que o afetou. É verdade; mas a loucura
vence-se pelo tratamento terapêutico, e o nosso doente, desde que tivemos certeza de ser o
mal obra de um Espírito, nunca mais tomou remédios, senão os morais, em trabalhos
espíritas, de cerca de três anos.
Vê-se, portanto, quanto importa, diante de um caso de loucura, fazer de pronto o diagnóstico
diferencial, para que, se for obsessão, não chegue esta a desorganizar o cérebro, que é o
órgão atacado pelo obsessor.

Ora, não tendo a Ciência meio seguro de fazer aquele diagnóstico, mesmo porque só existe
para ela a loucura, é óbvio que devemos procurar recursos para verificarmos se existe a
obsessão, no Espiritismo científico.

O médico materialista só vê desarranjos mentais, e, só aplica o tratamento apropriado à


loucura. Quando não colhe resultado (e nunca o poderá colher nos casos de obsessão), nem de
leve suspeita que sua é a falta; o que julga, com toda a suficiência, é que o mal é incurável. E
assim acabam infelizes vítimas da ...Ciência.

Mulher de Bezerra desenganada, curada pelo Espiritismo

“Se alguém se achar doente e os médicos o desenganarem por tuberculoso e, recorrendo ao


espiritismo, receber comunicação de que não há tuberculose e, usando dos remédios que, pelo
mesmo espiritismo lhe forem dados, ficar bom, teremos mais uma prova de que a
comunicação dos mortos com os vivos vai além da simples indicação dos meios curativos. Esse
caso se deu com minha mulher, desenganada por tísica e curada completamente pelo
Espiritismo”.

Na falta do dinheiro da passagem ...

Quando Bezerra era presidente da Companhia Carris Urbanos, deixava certo dia os escritórios
da mesma, na rua Sete de Setembro. Seis horas da tarde e, como dirigente escrupuloso, era
sempre o último a sair, após assistir ao fechamento das portas do escritório. Dispunha-se a
descer a via pública, rumo do largo de São Francisco de Paula, onde iria tomar o bonde para a
Tijuca.

Já na calçada, Bezerra encontrou um velho conhecido, que o abordou nervoso e trêmulo.

− Que é isso, meu caro? Que sucedeu?

O homenzinho, com fisionomia transtornada e angustiosa, contou que acabara de perder o


filho e que, desempregado e desprovido de recursos, vinha precisamente para falar ao velho
amigo...

Bezerra não pediu mais explicações. Chamou-o para o desvão de uma porta, enfiou a larga
mão ossuda na algibeira da caça e sacou da carteira.

− Toma, meu “velho”. Leva, leva isto. É tudo o que tenho no momento. Espera; ainda há
mais!

E vasculhou os bolsos do colete de onde retirou alguns níqueis. O infeliz relutou. Mas Bezerra
meteu-lhe a carteira e as moedas no bolso do casaco e, sem mais conversas, ganhou a rua.

Com lágrimas nos olhos o amigo se despediu. Quanto havia na carteira? Nem mesmo Bezerra
o sabia; nem lhe importava saber. Desceu a rua Sete de Setembro e chegou ao largo.

Já instalado no bonde, com o jornal aberto sobre os joelhos, meteu os dedos nos bolsos do
colete e só então se lembrou de que lá não existia uma moeda sequer!

Calmamente, saltou e se dirigiu a uma casa conhecida, onde foi pedir, pelo menos, os
trezentos réis da passagem...
O anel de formatura

align="justify"Este caso faz parte da sua vida de clínico e colabora, sobejamente, para o
mérito da sua alcunha de ”Médico dos Pobres”: O conhecido homeopata achava-se, certa
manhã nevoenta e penumbrosa, em seu pequeno consultório na Farmácia Cordeiro, à rua 24
de maio, na estação suburbana do Riachuelo.

Fora, na estreita sala de espera, acotovelava-se a miséria do bairro. Mulheres emagrecidas


pelo esforço contínuo e brutal dos trabalhos mais pesados sustinham nos braços crianças
descarnadas.

Homens do povo, proletários infelizes e sem recursos, encentravam-se às paredes, no esforço


de disfarçarem a própria fraqueza, oriunda de prolongado estado de desnutrição.

Bezerra, pacientemente, com aquele olhar de apóstolo, fazia entrar um por um, no consultório.
Com palavras de doce mansuetude animava a todos, após a consulta e a receita, despachadas
gratuitamente. Porque ele não cobrava mesmo, fosse o que fosse, à sua clientela pobre. Pobre
ou rica. Os que podiam davam-lhe aquilo que bem entendessem. Naquela manhã, no entanto,
apenas as mãos da miséria se estendiam para o clínico.

Em dada ocasião, penetrou no consultório uma pobre mulher, com uma criança embrulhada,
nos braços. Sentou-se e apresentou o filhinho.

Seu aspecto, de profundo desalento, traduzia o drama horrível das vidas cujo corolário é a
provação miserável da fome.

Bezerra auscultou a criança; indagou os sintomas mais elucidativos da moléstia; em seguida


receitou.

− Volte para casa, minha filha, e dê ao menino estes remédios, de hora em hora. Compre-os
aqui mesmo, se quiser...A mulher desandou a chorar...− Comprar, doutor ...Comprar com
que?
Não tenho nem pão para dar ao meu filho. Bezerra descansou sobre a infeliz seus olhos
mansos. Devia ser assim o olhar de Jesus Cristo quando fitava os miseráveis. − Não se aflija,
minha filha. Vou ajudá-la. Nós estamos no mundo para sofrer com os nossos irmãos das suas
mesmas dores...

E procurava pelos bolsos do casaco o dinheiro que porventura lá houvesse.

Mas não havia nenhum. O último fora dado ao cliente anterior... Remexeu em todos os bolsos,
com uma esperança secreta. Tudo em vão. Pôs-se então a pensar. 
Diante dele soluçava a imagem viva da “mater dolorosa”.

Os pensamentos turbilhonavam no cérebro do apóstolo. E foi com o olhar turbado pela névoa
de uma profunda mágoa que ele fitou a sua mesa de trabalho, os velhos livros empilhados no
armário, os papéis e a caneta, voluteando entre os dedos.

De repente, a um movimento da mão, a esmeralda do seu anel de médico desprendeu um


brilho estranhamente verde.
Verde ... esperança ...E ao brilho da pedra, seguiu-se o brilho de contentamento do olhar do
médico.

Enquanto a mãe soluçava, Bezerra sorria. Mansamente, vagarosamente, puxou o anel do


dedo.

Virou-o, entre os dedos longos, afundando o olhar no mistério verde daquela pedra, engastada
no ouro farto do aro.

Seu anel de formatura!

Viu dentro dele, em um instante, todo o seu longo e porfiado esforço para alcançar o direito de
usar aquele emblema.

Quanta luta! Quanta canseira!

E sentiu a satisfação de o poder empregar na ação mais humanitária que Deus lhe
proporcionara na vida.

Intimamente, agradeceu a lembrança daquele momento; voltou-se para a infeliz.

− Toma, minha filha, leva isto para casa. Poderás comprar leite, remédio e mais alguma coisa
para o teu filhinho...

A desgraçada, vendo o anel que lhe brilhava na palma da mão, com os olhos atônitos e
abertos, não sabia o que pensar.

O médico não lhe deu mesmo tempo para tanto. Já de pé, convidava-a a deixar a sala.

− Nada de demoras ... Vamos! Tenho outros clientes à minha espera!...

Impelida pela mão bondosa do clínico, a pobre mãe deixou o consultório. Quando se voltou,
para agradecer, pôde ouvir apenas a sua voz apostolicamente mansa:

− Entre, aquele que estiver em primeiro lugar.

E a porta do consultório tornou a fechar-se.

Carta do Irmão

Em 1886, Bezerra recebeu carta de um irmão que o denunciava como réu de apostasia, por ter
abraçado o Espiritismo. Em resposta datada de 31 de maio de 1886, Bezerra escreveu mais de
cem páginas, que a Federação Espírita publicou no livreto “Uma Carta de Bezerra de Menezes”,
por se constituir em tese doutrinária de grande relevância. Destacamos pequeno trecho:

“Meu caro irmão: Recebi a prezada carta em que Você derrama suas lágrimas de pesar pelo
mau caminho que leva minha alma, afastando-se da educação religiosa que recebi, com o leite
− e abraçando idéias falsas, politéicas e demoníacas, quais as que ensina o Espiritismo... Eu
me preocupo sem cessar com o que pode aproveitar à minha alma, considerando esta vida,
com todas as glórias que oferece, uma simples parada (pouso) na infinita viagem que temos
de fazer, em busca da casa do Pai. Creio, portanto, em Deus Padre Todo Poderoso, Criador do
Céu e da Terra – e creio que sou um espírito por Ele criado para a imortalidade.
Não sou cristão, porque meus pais me criaram nessa lei e me batizaram; mas sim porque
minha razão e minha consciência, livremente agindo, firmaram minha fé nessa doutrina
sublime, que, única na Terra, eleva o homem, em espírito, acima da sua condição carnal – e
que por si mesma se revela obra de infinita sabedoria, a que o homem jamais poderá
chegar ... “
O filho de Bezerra

Conta, Ramiro Gama, que num domingo de abril de 1942 foi a Miguel Pereira, no Estado do
Rio, e à noite dirigiu-se para o Centro Espírita Joana d`Arc, onde foi medicado através de
passes, fez a palestra, e conheceu irmãos que sabiam testemunhar Jesus.

“Em nossos olhos e nos olhos dos assistentes percebíamos lágrimas doces de emoção e
vestígios das visitas dos espíritos evocados. Ao nosso encontro vem um senhor idoso, cabelos
grisalhos, rosto enrugado, aparentando ter 60 anos. Traz os olhos vermelhos de chorar e as
mãos trêmulas pelas vibrações do encontro. E nos abraça comovida e enternecidamente.

Era um dos filhos de Bezerra de Menezes. Chamava-se Otávio, apelidado de “O Barão”, e dele
guardamos a fisionomia simpática e as palavras gratulatórias”:

− “O senhor deu-me o verdadeiro perfil espiritual de meu pai. Senti-lhe a presença e a


satisfação de vê-lo recordado como o deseja, através dos testemunhos que deu junto a Jesus”.

− “Parou um pouco, para refazer-se da emoção, e continuou”: − “Depois que ele desencarnou
e lhe sentimos a falta é que eu e meus irmãos, inclusive minha prezada mãe, verificamos o
anjo que ele fora e é.

Muitas vezes, eu mesmo o achava descuidado com o futuro, porque não se enriquecia, não
aumentava sus haveres materiais, não lutava para nos deixar, como desejava, alguma fortuna,
alguns bens em dinheiro. Mais tarde é que compreendi o que lhe herdamos: um nome limpo e
iluminado pelos serviços cristãos realizados, uma alma pura e um espírito triunfante, porque
todo ligado ao dever de servir, de ser bom e de ser útil. Hoje, já me sentindo à beira do
túmulo, arrependo-me de não lhe haver imitado os exemplos. Mas algo deixou em mim, algo
que me burila o íntimo, a certeza consoladora e certa de que não há, em verdade, glória maior
senão a de ser bom”.

− “Pelo filho, tão bom e tão meigo, tão humilde e sincero, começamos a gostar mais, muito
mais, para sempre, do Espírito de Bezerra de Menezes”.

A vida de Bezerra foi toda pontilhada de momentos difíceis. Mas ele nunca fraquejou. Lutador
como poucos, superou todas as dificuldades como apóstolo, recebendo suas provas dolorosas
com a fé inamovível e a compreensão dos que conhecem as verdades espíritas. 

Bezerra andava sempre voltado para os outros, na preocupação do que pudessem precisar, do
que lhes faltava. Para si mesmo, tudo bastava.

O mundo lhe aparecia como um enorme tablado onde a Dor representava continuamente uma
longa tragédia.

Consciente da provação imposta à humanidade, nesse grau do seu aperfeiçoamento espiritual,


tinha o anseio de minorar, no que lhe fosse possível, os tormentos de alguns. 
E trabalhava incessantemente com este escopo, esquecendo-se de si mesmo. De resto, que
lhe importava o conforto, o bem-estar material? Não era ele um dos eleitos, bem aquinhoado
pela bondade do Supremo? Não merecera, porventura, os mais alcandorados dons espirituais?

Para ele somente a bondade poderia redimir os homens de séculos e séculos de maldade.

Três anos antes do raiar do século vinte, Bezerra, mesmo cansado e combalido, atendia em
seu consultório, As centenas de consulentes pobres que se aglomeravam às portas da
farmácia, esta de propriedade do seu velho amigo e companheiro nas lides espiritistas, José
Guilherme Cordeiro, cujas faculdades de médium receitista também o tornaram famoso.

O consultório andava sempre cheio. Gente de todas as categorias sociais. Pobres e abastados,
crianças, moços e velhos. Tipos humildes de proletários e figuras elegantes da sociedade.
O grande médico, com os seus ollhinhos claros e vivos, disfarçando o sorriso bondoso no
emaranhado das longas barbas brancas, fixava aquela sucessão contínua de consulentes que
passava, diariamente, diante dele.

E receitava, aconselhando o que a bondade lhe ditava. Dava medicação para o corpo e
bálsamos para o espírito.

Quem notasse a afluência enorme de clientes, certamente pensaria que o Dr. Bezerra de
Menezes era um homem bem instalado na vida, enriquecido pelo dinheirão que recebia pelas
consultas.

Tudo engano. Durante os últimos quatro anos de vida – e foram esses justamente os que
Bezerra trabalhou naquele consultório – a situação de sua família era a mais precária possível.
Sofria o reflexo do altruísmo do seu chefe.

Quando regressava à casa, muitas vezes não levava um único tostão; e, no armário não
restava sequer uma côdea de pão.

Os tormentos dos entes caros mais o atormentavam. Dias e dias, semanas e meses se
sucediam e as agruras se acumulavam.

Não havia remédio. Nem diante da necessidade que imperava em seu lar, nem mesmo a
ameaça da miséria que lhe rondava à porta, seriam capazes de derrogar o princípio
profundamente filantrópico do médico.

Bezerra era desses temperamentos que não transigem e não cedem, embora o estômago
reclame. Só atendia aos reclamos do coração. Por sentimentos de comiseração faria tudo; por
imperativos materiais, jamais daria um passo.

Diante da situação aflitiva, tornando a vida insustentável, em casa, sua esposa decidiu agir. E
foi procurar o amigo Cordeiro, que se surpreendeu com o relato. Não sabia que a vida do
amigo estivesse a tal ponto, comprometida. 
Procurou tranqüilizar a senhora; e prometeu agir, por seu turno, resolvendo o problema da
seguinte forma: Cobraria as consultas de Bezerra, mas só àqueles que estivessem em
condições de pagar. E, assim mesmo, estabeleceu o preço mais baixo possível: cinco mil réis.

Não foi sem alguma relutância que o médico aceitou tal estado de coisas.

Em verdade, para ser justo consigo mesmo,ele não tinha o direito de deixar a família sem a
devida assistência material.

Aceitou portanto a nova ordem estabelecida pelo amigo; mas impôs uma condição: a de que o
dinheiro do pagamento das consultas não lhe passasse pelas mãos.

E explicou as suas razões: não podia ver a pobreza sofrer. A mãe, com o filhinho ao colo, o
ancião alquebrado e faminto, a mulher esquálida e desnutrida, todo esse cortejo de miséria e
desconforto que lhe passava diariamente sob os olhos merecia o seu carinho e os seus
sacrifícios.

Na hora do sofrimento alheio, Bezerra esquecia-se de tudo. Não que a família fosse
injustamente esquecida, nestes gestos. Ao contrário, por ser um justo é que ele assim
procedia. 

Possuía o amor da humanidade. Qualquer ser humano que sofresse merecia a sua comiseração
e o seu desvelo, fosse ou não fosse um parente seu. Bezerra, embora mantivesse em alto grau
o culto da família, não abrigava sentimentos egoísticos em relação aos demais. A mão que se
lhe estendesse recebia a esmola; não precisava ser a de um parente. 
Por isso mesmo, “o Médico dos Pobres” recolhia dentro do seu coração o eco das lamentações
de todos os que o procuravam, na sublimação cristã do “amai-vos uns aos outros”.
Falecimento

O alvorecer de 1900 não foi promissor para o “médico dos pobres”. Foi mesmo o princípio do
fim.

Logo nos primeiros dias de janeiro, Bezerra foi acometido por violento ataque de congestão
cerebral, que o prostrou no leito, naquele leito pobre de onde ele jamais iria poder levantar-se.

Principiou daí o longo período de agonia que durou três meses, cruciantes, indescritíveis.

De fato, poucas páginas, na história da vida humana, podem se assemelhar ao crepúsculo de


Bezerra de Menezes, médico dos mais ilustres, nome que brilhava na política, na
administração, nas letras, no jornalismo, condutor espiritual do seu tempo e que, por fim,
agonizava em um pobre leito de ferro, em plena miséria e nimbado pela auréola da própria
bondade.

A congestão violenta e tenaz arrancara-lhe a fala e os movimentos. Hirto, inerte sobre a


enxerga, o corpo endurecido desenhava, a princípio, sob a colcha, suas formas atléticas. Sobre
o travesseiro branco, a cabeça leonina do enfermo se destacava de forma singular.

Os cabelos prateados se derramavam na alvura da fronha, emoldurando-lhe o semblante, e a


barba farta se derramava, emaranhada, sobre o peito.

No rosto, onde nem um leve movimento de contração agitava os músculos, a vida se


concentrava nos olhos.

Os olhos de Bezerra! Toda gente que o conhecera falava continuamente em seu olhar. Seus
olhos verdes eram tão mansos tão suaves, espelhavam tão sinceramente a bondade inata, que
não havia como resistir à sua fascinação.

Ninguém desconhecia a luta tremenda em que se debatia a família de Bezerra. Mas ninguém
teria a coragem de oferecer fosse o que fosse, de forma direta. Verificava-se então um caso
curiosíssimo: os visitantes enfiavam, delicadamente, suas espórtulas por baixo do travesseiro
do enfermo.

No primeiro dia, a pessoa que lhe foi mudar as fronhas surpreendeu-se vivamente. Lá estavam
moedas e cédulas. Desde o níquel de tostão até a nota de duzentos mil réis!

Bezerra de Menezes, veio a falecer na manhã do dia 11 de abril de 1900, às 11 horas e trinta
minutos, aos 68 anos de idade.

Não faltaram aqueles que, pobres e ricos, socorreram a família, liderados pelo Senador
Quintino Bocaiúva. No dia seguinte, na primeira página de “O Paiz”, foi-lhe dedicado um longo
necrológio, chamando-o de eminente brasileiro.

Recebeu ainda homenagem da Câmara Municipal do então Distrito Federal pela conduta e
pelos serviços dignos prestados à nação.

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