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Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável:

Políticas, Ecologias e Saberes


Artigos, Resumos e Projetos
Anais do I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável

ORGANIZADORES
Juliana Quadros
Péricles Augusto dos Santos

VOLUME I
NÚMERO I
Organização
Juliana Quadros
Péricles Augusto dos Santos

Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável:


Políticas, Ecologias e Saberes

Artigos, Resumos e Projetos


Anais do I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável

1ª Edição

Universidade Federal do Paraná, Matinhos, 2015


ISBN 978-85-63839-25-1

Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável:


Políticas, Ecologias e Saberes

VOLUME I, NÚMERO I, 2015

ANAIS DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL


SUSTENTÁVEL

29 A 30 DE OUTUBRO DE 2015

MATINHOS | PR
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES EM DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁ-
VEL: POLÍTICAS, ECOLOGIAS E SABERES.
ANAIS DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL (I SBDTS)
29 a 30 de Outubro de 2015
Matinhos | PR

Realização: Apoio:

PROJETO GRÁFICO
Capa: Péricles Augusto dos Santos
Projeto Gráfico e Diagramação - Péricles Augusto dos Santos
Revisão do Apêndice de Resumos: Loide Sulamita Mendes do Nascimento.
Copyright© dos editores

ISBN 978-85-63839-25-1
Caro Leitor,

A Comissão Organizadora, com muita alegria, apresenta o Ebook “Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvi-
mento Territorial Sustentável: Políticas, Ecologias e Saberes” com os Anais do I Simpósio Brasileiro de Desen-
volvimento Territorial Sustentável.

A proposta do evento nasceu em 2014, no seio do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial


Sustentável (PPGDTS), sediado no Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR Litoral), município
de Matinhos, litoral do Estado do Paraná. Nossa região está entre os maiores remanescentes de Mata Atlântica
do Brasil, cercada por ilhas, baías, manguezais, praias e florestas. Aqui vivem muitas comunidades tradicionais,
o que torna a materialização deste simpósio nesse cenário específico, uma empreitada de simbologia muito
grande.

Ao longo de doze meses, um coletivo de voluntários (docentes, mestrandos/as técnicos/as administrativos e


estudantes de graduação) trabalhou árdua e afetuosamente para estruturar este evento. Buscando sempre con-
templar uma programação científica que promovesse reflexões e intercâmbio de experiências, ajudando a pensar
a questão do desenvolvimento territorial sustentável e suas diferentes conexões interdisciplinares. Acreditamos
que o sucesso do evento seja fruto principalmente da adesão de cada um/uma de vocês participantes, que
acreditaram em nossa proposta e atenderam ao nosso chamado, vindo de diversas regiões do país e também
de outros países.

Ficamos muito honrados com o recebimento de mais de 200 trabalhos científicos na primeira edição de um sim-
pósio, que já nasce grande, e esperamos que frutifique e se amplie em suas próximas edições.

Portanto, agradecemos a participação de todos/as congressistas, palestrantes, mediadores/as, assim como o


empenho e dedicação de todas as pessoas e instituições que contribuíram para tornar o sonho deste evento algo
real e concreto.

Este Ebook está organizado em três sessões. A primeira traz como capítulos os artigos completos apresentados
nos 13 Grupos de Trabalho do evento. A segunda sessão traz como suplemento do Ebook os resumos apresen-
tados durante a sessão de paíneis do evento. Por fim a terceira sessão traz os projetos de pesquisa apresenta-
dos no “Consórcio de Projeto de Pesquisas”.

Esperamos desta forma que as reflexões produzidas por cada autor possa ser divulgada de forma ampla e de-
mocrática, sempre com o objetivo de promover o diálogo dos saberes para construção do conhecimento sobre o
Desenvolvimento Territorial Sustentável.

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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PRESIDENTA DA REPÚBLICA COMISSÃO CIENTÍFICA
Dilma Vana Rousseff
Antômio Carlos Diegues Marcos Cláudio Signorelli
MINISTRO DA EDUCAÇÃO Clóvis Reis Marta de Azevedo Irving
Renato Janine Ribeiro Dimas Floriani Paul Elliot Little
Fernando Henrique de Sousa Paz Péricles Augusto dos Santos
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Joseli Maria Silva Rafael Metri
REITOR Juliana Quadros Sandra Mara Maciel Lima
Prof. Dr. Zaki Akel Sobrinho Leandro Angelo Pereira Ulysses Paulino de Albuquerque
Lilian Blanck de Oliveira Valdir Frigo Denardin
VICE-REITOR Marcos Aurelio Saquet
Prof. Dr. Rogério Andrade Mulinari

PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


Prof. Dr. Edilson Sergio Silveira
AVALIADORES
SETOR LITORAL
DIRETOR DO SETOR LITORAL Adriana Lucinda de Oliveira Luiz Everson da Silva
Prof. Dr. Valdo José Cavallet Ana Christina Duarte Pires Luiz F. Guimarães Schwartzman
Ana Maria Franco Manoel Flores Lesama
VICE DIRETOR Charlotte F. R. N. de Couto Melo Marcelo Chemin
Prof. Dr. Renato Bochicchio Cinthia Sena Abrahão Marcelo Varella
Clóvis Wanzinack Marcia Regina Ferreira
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL - UFPR Christiane Rocha Marcos Claudio Signorelli
Daniele Resende Archanjo Marcos de Vasconcellos Gernet
COORDENADORA Emerson Joucoski Marisete T. Hoffmann Horochovski
Profª. Drª. Liliani Marília Tiepolo Fernando Henrique de Sousa Paz Maira Taiza Sulzbach
VICE- COORDENADOR Helena Midori Kashiwagi Nadia Terezinha Covolan
Prof. Dr. Rodrigo Rossi Horochovski Ivan Jairo Junckes Paulo Henrique Carneiro Marques
Juliana Quadros Péricles Augusto dos Santos
Junior Ruiz Garcia Ricardo Monteiro
PRESIDENTE DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
Liliani Marilia Tiepolo Rodrigo Arantes Reis
Prof. Dr. Marcos Claudio Signorelli Luciana Ferreira Rodrigo Rossi Horochovski
Luciana Vieira Castilho Weinert Valdir Frigo Denardin
COORDENADORA DA COMISSÃO COMISSÃO CIENTÍFICA DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOL- Luciano Huergo Wanderlei do Amaral
VIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL Luiz Augusto Mestre
Profª. Drª. Juliana Quadros

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I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável
Universidade Federal do Paraná - Setorr Litoral | de 29 a 30 de Outubro de 2015

COMISSÃO ORGANIZADORA
Alex Freitag Ketlyn Rodrigues
Alexandre Hofart Arins Larissa Amâncio
Alides Baptista Chimin Júnior Lorena Costa de Queiroz
Amanda Sell Tavares Luana dos Santos Bueno
Ana Clara Giraldi Costa Luciana Castilho Weinert
Andreia Cristina da Silva Luiz Eduardo Geara
Andreia Machado Manuela França Abalem
Andressa Luz Borges Marcela Godoy dos Santos
Areta da Costa Mendes Marcelo Chemin
Beatriz Leite Ferreira Cabral Marcos Claudio Signorelli
Claudemir D. Miranda Junior Maria Karonlinne L. de Medeiros
Cleonice Schull da Cruz Mariane Gonçalves de lima
Daniela Resende Archanjo Micaela Góis Boechat Boaventura
Daniele Schneider Mirna Carriel Cleto
Diogo Camargo Pires Nadia Ansilago
Edipo Vinicius dos Santos Tagliatella Natali Calderari
Elaine Paduch Patricia Aparecida Model
Elisama Dias Paula Moreira da Silva
Ellen Santo Pedro Sarkis Simões de Oliveira
Erica Vicente Onofre Péricles Augusto dos Santos
Fernanda de Souza Sezerino Rafael Punhatoski
Fernando Henrique de Sousa Paz Rodrigo Arantes Reis
Flávia Gabrielle Koprovski Samaroni Pinheiro
Isadora Mendes Costa Samyra Tazaki Dote
Ivan Jairo Junckes Stephany Mayara Barros
Janelize Felisbino Nascimento Thiago Lopes Leandro
Jhonatan Carlos dos Santos Tieme Carvalho Nishiyama
João Rafael Deron Wanderlei do Amaral
José Carlos Muniz
Juliana Quadros

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SUMÁRIO

GRUPO DE TRABALHO I - FEDERALISMO GOVERNANÇA E IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DUAS COLÔNIAS RURAIS DE PARANAGUÁ


-PR: A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO......................................................................................................................017

BUROCRATAS A NÍVEL DE RUA E SUAS AÇÕES.......................................................................................................022

COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS FORAM IMPLEMENTADAS NO TERRITÓRIO VALE DO RIBEIRA PAULIS-


TA?......................................................................................................................................................................................026

DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO NO VALE DO RIBEIRA, PR,


BRASIL..............................................................................................................................................................................032

PARLAMENTARES EM AÇÃO: UM ESTUDO DAS PROPOSITURAS DE QUATRO DEPUTADOS FEDERAIS EVAN-


GÉLICOS DO ESTADO DO PARANÁ NA 54ª LEGISLATURA....................................................................................037

POLÍTICAS PÚBLICAS, POLÍTICAS SOCIAIS E O MODELO FEDERATIVO BRASILEIRO..................................042

GRUPO DE TRABALHO II - EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

A COMUNIDADE ESCOLAR COMO TERRITÓRIO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DA ES-


COLA MUNICIPAL HEINZ WITTITZ EM GUARATUBA – PR....................................................................................048

A EDUCOMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO DA


EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL.........................................................................................................................051

A FAMÍLIA E A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES PARAA PROMOÇÃO E AMPLIAÇÃO DA PARTI-


CIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA ATRAVÉS DE PROJETOS.................................................................................056

CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁ-


VEL.....................................................................................................................................................................................063

MAPEAMENTO DE MÍDIAS CIDADÃS COMO FERRAMENTA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.....067

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MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE: DIFUNDINDO O DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL PARA O MUNICÍPIO DE INÁCIO MAR-
SUSTENTÁVEL..............................................................................................................................................................073 TINS - PR.........................................................................................................................................................................132

VIOLÊNCIA NO AMBIENTE ESCOLAR: QUESTÕES DE PODER ENTRE ESTUDANTES DO LITORAL DO PA- DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: LIMITES SOCIAIS DO CRESCIMENTO.....................138
RANÁ...............................................................................................................................................................................078
ECODESENVOLVIMENTO COMO RESPOSTA A UMA CRISE MULTIDIMENSIONAL.......................................143
GRUPO DE TRABALHO III - GÊNERO E DIVERSIDADE
SISTEMAS AGROALIMENTARES LOCALIZADOS, NOVAS RURALIDADES E A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
A INSERÇÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO EM POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO.............................................................................148
DE PODER.......................................................................................................................................................................084
TIPICAMENTE CAIÇARA: A CATAIA ENQUANTO PRODUTO DA COMUNIDADE DE BARRA DO ARARA-
A LIBERDADE FEMININA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM OLHAR A PARTIR DE AMARTYA SEN. PIRA/GUARAQUEÇABA-PR........................................................................................................................................153
..........................................................................................................................................................................................089
GRUPO DE TRABALHO V - RURALIDADES, TRABALHO E SUSTENTABILIDADE
DA EPIDEMIA DE CESARIANAS AO RESGATE DO PARTO NATURAL................................................................092
A EROSÃO EM ESTRADAS NÃO PAVIMENTADAS NA BACIA DO RIO DO ATALHO EM CRUZ MACHADO
EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E DIVERSIDADE E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMEN- – PR..................................................................................................................................................................................160
TO DO CENÁRIO ESCOLAR........................................................................................................................................097
ENTRE A PRESENÇA E AUSENCIA: ANALISE DAS PECULIRIDADES DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
MULHERES TRABALHADORAS NA AREA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO LITORAL DO PARANÁ: INERSEC- DO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR............................................................................................................................165
ÇÕES ENTRE GÊNERO, TRABALHO, VIOLÊNCIA(S) E SAÚDE...........................................................................102
MERCADO INSTITUCIONAL NO TERRITÓRIO DO MARAJÓ: O CASO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PARA OS HOMENS DE MATINHOS – PR: OBSTÁCULOS NA ATENÇÃO ALIMENTOS...................................................................................................................................................................171
PRIMÁRIA À SAÚDE.....................................................................................................................................................107
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS SOB A ÓPTICA DA TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDA-
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES EM NOVA ANDRADINA - MS......................................................112 DE.....................................................................................................................................................................................175

REDES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA INTER- PERFIL DO CONSUMIDOR DE PESCADOS E/OU FRUTOS DO MAR NO LITORAL DO PARANÁ...................181
SETORIAL NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ/PR.....................................................................................................117
PRODUÇÃO DE BANANA NO LITORAL DO PARANÁ - REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO RURAL
NA REGIÃO OU IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO.....................................................188
GRUPO DE TRABALHO IV - DESENVOLVIMENTO, SABERES LOCAIS E TEMPORALIDADES
GRUPO DE TRABALHO VI - AGROECOLOGIA E PRODUÇÃO ORGÂNICA
“NA BAÍA MUDOU TAMBÉM, PORQUE TUDO MUDA”: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE TEMPORA-
LIDADES, BAÍA DE GUARATUBA, PR.......................................................................................................................123 A AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: OS SABERES LOCAIS COMO
PROMOTORES DE DESENVOLVIMENTO E DE NOVAS RELAÇÕES DE GÊNERO............................................193
RELAÇÕES, PRÁTICAS E ESTRUTURAS DE RECIPROCIDADE NA PESCA DA TAINHA NA ILHA DO MEL....127
A IMPORTÂNCIA DAS INOVAÇÕES SOCIOTÉCNICAS PARA O FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FA-

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MILIAR DE BASE ECOLÓGICA – O CASO DA REDE ECOVIDA..........................................................................198 VALE DO ITAJAÍ, RIO DO SUL (SC)..........................................................................................................................262

RESSIGNIFICAÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS DE MULHERES NA AGRICULTURA FAMILIAR E CAMPONESA MONITORAMENTO DE AMÔNIA NA ATMOSFERA EM PARANAGUÁ-PR.........................................................266
DE BASE AGROECOLÓGICA.....................................................................................................................................202
POLÍTICAS PÚBLICAS E SAÚDE DA CRIANÇA: A INSERÇÃO DO FISIOTERAPEUTA NA PUERICULTURA
OS PROTOCOLOS COMUNITÁRIOS COMO INSTRUMENTOS DA AGROECOLOGIA PARA A PROTEÇÃO DOS EM PONTAL DO PARANÁ/PR.....................................................................................................................................269
SABERES TRADICIONAIS DOS AGRICULTORES FAMILIARES..........................................................................206
POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA, SAÚDE E CIDADES PORTUÁRIAS - PERSPECTIVAS PARA PARANAGUÁ.....274
PERSPECTIVAS DE SUSTENTABILIDADE TERRITORIAL NO CENÁRIO DA PAISAGEM CULTURAL CAFE-
EIRA: O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES CAFEEIRAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO DEPARTAMENTO DE SAÚDE AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE MATINHOS/PR: DISCUSSÃO A PARTIR DA QUALIDADE AMBIEN-
RISARALDA/COLÔMBIA............................................................................................................................................211 TAL DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS........................................................................................................................280

PAISAGISMO AGROECOLÓGICO..............................................................................................................................216 ORGANIZAÇÃO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (CEREST) E SÉRIE HIS-
TÓRICA DAS NOTIFICAÇÕES DOS AGRAVOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO PARANÁ (2010-2014)....285
CASOS DE SUCESSO DE PRODUTORES CERTIFICADOS PELO PROGRAMA PARANAENSE DE CERTIFICA-
ÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS, NÚCLEO GUARAPUAVA..............................................................................219 GRUPO DE TRABALHO IX - ÁREAS PROTEGIDAS, RISCO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA: NÚCLEO SUDOESTE DO PARANÁ (BRASIL)................................223 GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E (PSEUDO) PARTICIPAÇÃO SOCIAL......................................291

GRUPO DE TRABALHO VII - TURISMO E MEIO AMBIENTE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E CONFLITOS AMBIENTAIS: UMA ANÁLISE DAS ÁREAS NATURAIS PRO-
TEGIDAS DO LITORAL DO PARANÁ........................................................................................................................296
CICLOTURISMO E AGROECOLOGIA. VETORES PARA A SUSTENTABILIDADE TERRITORIAL..................232
DISPUTAS E LÓGICAS DE USO DO PARQUE NACIONAL MARINHO DAS ILHAS DOS CURRAIS, ESTADO
ESTRADA DA GRACIOSA...........................................................................................................................................237 DO PARANÁ..................................................................................................................................................................301

O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E SAZONALIDADE NO LITORAL DO PARANÁ................................241 VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O CASO DO
MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ....................................................................................................................................306
TURISMO COMO UM POSSÍVEL FATOR DE ECODESENVOLVIMENTO............................................................246
AS RELAÇÕES ENTRE DESASTRE E TERRITÓRIO COMO EXPRESSÃO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIEN-
TURISMO EM PARQUES DO LITORAL DO PARANÁ: CORRELAÇÃO ENTRE ATIVIDADES TURÍSTICAS PO- TAIS: AS DIMENSÕES TERRITORIAIS DOS DESASTRES NO VALE DO ITAJAÍ/SC.........................................311
TENCIAIS/COMPATÍVEIS E REALIZADAS..............................................................................................................250
MUDANÇAS NO CLIMA E NA NATUREZA: A PERCEPÇÃO DOS PESCADORES DA VILA SÃO PEDRO EM
TURISMO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: PERCEPÇÕES SOBRE O LITORAL NAVEGANTES/SC.........................................................................................................................................................316
DO PARANÁ..................................................................................................................................................................255
SAPOS EM ÁGUA FERVENTE?: PERCEPÇÕES DOS MORADORES DO BAIRRO SÃO PEDRO, NAVEGANTES
GRUPO DE TRABALHO VIII - SAÚDE E AMBIENTE (SC) SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS ADVINDAS DA DENSIFICAÇÃO URBANA E DO FENÔ-
MENO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS...................................................................................................................322
AVALIAÇÃO DE CONFORTO TÉRMICO EM AMBIENTES COM COBERTURA VERDE NA REGIÃO DO ALTO

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UMA ANÁLISE DAS OCORRÊNCIAS E DOS AFETADOS POR DESASTRES NO LITORAL DO PARANÁ COM PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE PRODUTORES RURAIS DO MUNICÍPIO DE DIONÍSIO (MG) SOBRE FUNÇÕES
BASE NO SISTEMA INTEGRADO DE DEFESA CIVIL............................................................................................326 E SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS..................................................................................................................................388

GRUPO DE TRABALHO X - CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E JUSTTIÇA AMBIENTAL TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ÓLEO ESSENCIAL DE Baccharis milleflora (Leess.) A.P. De (Asteraceae)
NOS CAMPOS GERAIS DA FLORESTA ATLÂNTICA DO ESTADO DO PARANÁ................................................392
A PROPOSTA DA GESTÃO TERRITORIAL DE TERRAS INDÍGENAS COMO MEIO DE SE ALCANÇAR A SUS-
TENTABILIDADE.........................................................................................................................................................332 TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DOS COMPOSTOS VOLÁTEIS DE FOLHAS DE Varronia curassavica Vell. (Bo-
raginaceae) SUBMETIDAS A DIFERENTES MÉTODOS DE SECAGEM..................................................................398
A RESSIGNIFICAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO ENFRENTAMENTO A UM CONFLITO TERRITO-
RIAL NO LITORAL DO PARANÁ...............................................................................................................................337 UTILIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA IRRIGAÇÃO.....................................................................................402

AVALIAÇÃO DAS REDES SOCIOAMBIENTAIS DE MEDIAÇÃO DA POLÍTICA DO TERRITÓRIO DA CIDA- VALORAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS EM PONTAL DO PARANÁ...............................................................406
DANIA DO BAIXO TOCANTINS-PA...........................................................................................................................341
GRUPO DE TRABALHO XII - ZONA COSTEIRA, CRESCIMENTO URBANO E ORDENAMENTO TERRI-
EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS DA BARRAGEM NORTE NO MUNICÍPIO DE JOSÉ BOITEUX – SC...............346 TORIAL

IMPLICAÇÕES DE POLÍTICAS PARA A PESCA ARTESANAL COSTEIRA NA TRAJETÓRIA DE DESENVOL- VELHAS REVOLTAS, NOVAS MÁQUINAS: ORDENAMENTO TERRITORIAL E DIREITO À CIDADE NO TER-
VIMENTO DA BAÍA DA ILHA GRANDE (RIO DE JANEIRO).................................................................................351 RITÓRIO DO BAIRRO JARDIM JACARANDÁ II – PARANAGUÁ – PR.................................................................413

OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A JUSTIÇA AMBIENTAL: O CASO DO MOVIMENTO INTERESTADUAL DAS CONSEQUÊNCIAS DA OCUPAÇÃO EM ÁREAS LITORÂNEAS: ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE NA-
QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU......................................................................................................................357 VEGANTES – SANTA CATARINA................................................................................................................................418

PESCADORES TRADICIONAIS DA VILA DA BARRA DO SUPERAGUI: DESAFIOS E CONFLITOS...............362 CONSIDERAÇÕES SOBRE CRESCIMENTO CAPITALISTA E MEIO AMBIENTE: UMA CONTRADIÇÃO ANUN-
CIADA..............................................................................................................................................................................424
GRUPO DE TRABALHO XI - RECURSOS NATURAIS, BIOTECNOLOGIA E SERVIÇOS ECOSSISTÊMI-
COS LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E URBANÍSTICA BRASILEIRA: O CASO IL CAMPANÁRIO VILLAGGIO RESORT
EM JURERÊ INTERNACIONAL - FLORIANÓPOLIS/SC...........................................................................................429
ADOÇÃO DE INOVAÇÃO EM PARQUES TECNOLÓGICOS: COMPUTAÇÃO EM NUVEM E A REDUÇÃO DOS
IMPACTOS AMBIENTAIS............................................................................................................................................369 NEM SÓ DE AÇORIANOS SE DEU A COLONIZAÇÃO DO LITORAL DE SANTA CATARINA...........................433

CAPTAÇÃO DE ÁGUA DA CHUVA VIABILIDADE ECONOMICA EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL – O ESPAÇO EM MOVIMENTO: ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DA ILHA DOS VALADARES NO LITORAL DO
ILHA DO MEL ESTUDO DE CASO.............................................................................................................................374 PARANÁ - PR..................................................................................................................................................................439

EMPREGO DE DESREGULADORES ENDÓCRINOS NA CRIAÇÃO E REPRODUÇÃO DE ANIMAIS PARA CON- GRUPO DE TRABALHO XIII - ARTE E CULTURA
SUMO HUMANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS..........................................................................................................379
EMPODERAMENTO E CAPACITAÇÃO PARA AS MULHERES DO “ARTESANATO ESTAÇÃO” NA CIDADE DE
GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS: O CASO DO RIO ACRE E O IMPACTO SOBRE ANTONINA – PARANÁ – BRASIL................................................................................................................................446
A FRONTEIRA BRASIL - BOLÍVIA.............................................................................................................................384

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OIKOS DA AMAZÔNIA: O ESTUDO FOTOETNOGRÁFICO COMO FORMA DE ENTENDER AS RELAÇÕES ANÁLISE COMPARATIVA DE INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DE CIDADES BALNEÁRIAS COM ELE-
CULTURAIS MATERIALIZADAS NO ESPAÇO..........................................................................................................449 VADO POTENCIAL PORTUÁRIO: O CASO DE ITAPOÁ-SC E PONTAL DO PARANÁ-PR...................................463

APÊNDICE DE SUPLEMENTOS - RESUMOS O TURISMO RURAL COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO RURAL NO MUNI-
CÍPIO DE PALMEIRA/PR...............................................................................................................................................464
CARACTERIZAÇÃO QUIMICOAMBIENTAL DOS SOLOS DO ENTORNO DO PORTO DE PARANAGUÁ, PR...457
POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: ANÁLISE DO PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ.464
PAISAGEM SUSTENTADA: ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS PARA PLANEJAMENTO E CONSTRUÇÃO
SUSTENTÁVEL NO BRASIL........................................................................................................................................457 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ÉTICA: O MEIO AMBIENTE EM CRISE.................................................................465

PAISAGEM SUSTENTADA: PRINCÍPIOS DE PLANEJAMENTO E CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL NO BRA- “CATRAIAS” DO RIO OIAPOQUE E DINÂMICA TERRITORIAL TRANSFRONTEIRIÇA FRANCO-BRASILEI-
SIL....................................................................................................................................................................................458 RA.....................................................................................................................................................................................465

VILA CEPILHO: UMA EXPERIÊNCIA DE TERRITORIALIZAÇÃO NA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM....458 (IN)VISIBILIDADE DE PRÁTICAS AMBIENTAIS NA PRODUÇÃO DA Maranta arundinacea L. ARARUTA NO
MUNICÍPIO DE SÃO FELIPE – BA...............................................................................................................................466
TAQUARUÇU: DESAFIOS PARA A ARQUITETURA VERNACULAR EM SUA PAISAGEM................................459
A FEIRA LIVRE COMO CANAL DE COMERCIALIZAÇÃO E “LÓCUS” DE RELAÇÕES IDENTITÁRIAS: O CASO
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TERRITORIAL: DINÂMICAS TERRITORIAIS COMPLE- DA MATINFEIRA – PR....................................................................................................................................................466
MENTARES OU PARALELAS? ESTUDO DE CASO NO ESTADO DO PARANÁ...................................................459
ASSEMBLEIA DE AVES EM POLEIROS ARTIFICIAIS UTILIZADOS NA RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA DE HÁ-
PERSPECTIVAS DE POTENCIAL GEOTURÍSTICO DO ASTROBLEMA DE CABEÇA DE SAPO-MA................460 BITATS ALTERADOS NO CERRADO E MATA ATLÂNTICA NO BRASIL...............................................................467

AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO(TIC) NOS CURSOS SUPERIORES DE ADMINIS- O ENSINO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADO A MATA DE CAZUZINHA, UM RESQUÍCIO DE MATA
TRAÇÃO OFERTADOS NA MODALIDADE PRESENCIAL E A DISTÂNCIA NA CIDADE DE SANTA MARIA/ ATLÂNTICA DO MUNICÍPIO DE CRUZ DAS ALMAS - BA......................................................................................467
RS.....................................................................................................................................................................................460
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
MANEJO AGROECOLÓGICO DO SOLO.....................................................................................................................461 E REDES DE ATENDIMENTO A SAÚDE DE PARANAGUÁ/PR...............................................................................468

INDICADORES PARTICIPATIVOS LOCAIS DE SAÚDE EM COMUNIDADES DO ENTORNO DA MICROBACIA A REATIVAÇÃO DA BASE OPERACIONAL DA TECHINT EM PONTAL DO PARANÁ: ANÁLISE DO PROCESSO
DO RIO SAGRADO NA FLORESTA ATLÂNTICA DO BRASIL: UM OLHAR PARA A SUSTENTABILIDADE...461 DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL............................................................................................................................468

OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DOS REJEITOS ORGÂNICOS SÓLIDOS DO MERCADO DE PESCADOS A DISTRIBUIÇÃO DO CRÉDITO RURAL NO TERRITÓRIO DA PRODUÇÃO NOS ANOS DE 2013 E 2014.......469
MANOEL MACHADO - MATINHOS/PARANÁ...........................................................................................................462
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL CONFLITANTE: A INSTALAÇÃO DA UTE PORTO DO ITAQUI DE SÃO
A EXPERIÊNCIA DA ROMARIA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DE SAÚ- LUÍS - MA E A COMUNIDADE REASSENTADA VILA RESIDENCIAL NOVA CANAÃ DE PAÇO DO LUMIAR
DE NA COMUNIDADE DA BARRA DO ARARAPIRA/ LITORAL NORTE DO PARANÁ –2015...........................462 - MA..................................................................................................................................................................................469

IDENTIDADE AMBIENTAL NA PÓS-MODERNIDADE: O DILEMA DO EDUCADOR/CONSUMIDOR.............463 PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICA TERRITORIAL NUMA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA: UM ESTUDO

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SOBRE O MUNICÍPIO DE SÃO LUIS GONZAGA DO MARANHÃO.......................................................................470 REDE DE SAÚDE MATERNO-INFANTIL DE UM MUNICÍPIO DO LITORAL DO PARANÁ................................476

OLHARES DO GRUPO FISIOTERAPÊUTICO NO RIO SAGRADO, MORRETES - PR........................................470 A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL EDIFICADO COMO ELEMENTO DO DESENVOLVIMENTO
REGIONAL E DO TURÍSTICO LOCAL NO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR........................................................477
O TURISMO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL DA CO-
MUNIDADE FAXINALENSE TAQUARI DOS RIBEIROS EM RIO AZUL-PR........................................................471 MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO: PERCEPÇÕES EM COMUNIDADES RURAIS DA MATA ATLÂNTICA
DO LITORAL DO PARANÁ............................................................................................................................................477
TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ÓLEO ESSENCIAL DE ESPÉCIES NATIVAS DA FAMÍLIA LAMIACEAE
NA FLORESTA ATLÂNTICA DO SUL DO BRASIL..................................................................................................471 A VISIBILIDADE E O POTENCIAL DOS PRODUTOS ORGÂNICOS NO/DO LITORAL DO PARANÁ: UMA QUES-
TÃO SOCIOECONÔMICA AMBIENTAL.....................................................................................................................478
USO DE FOTOGRAFIAS NA RECONSTRUÇÃO GEOHISTÓRICA DA PAISAGEM URBANA/RURAL DO MU-
NICÍPIO DE CAMPO MOURÃO-PR............................................................................................................................472 NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E GOVERNANÇA TERRITORIAL: O CASO DA BAÍA DA
ILHA GRANDE E SUAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO........................................................................................478
METODOLOGIA PARA A ELABORAÇÃO DE UM CIRCUITO CICLOVIÁRIO: O CASO DO MUNICÍPIO DE
MATINHOS – PARANÁ................................................................................................................................................472 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO LITORAL DO PARANÁ: UMA QUESTÃO DE DESENVOLVIMENTO,
PODER E JUSTIÇA.........................................................................................................................................................479
TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ (BRASIL): CARACTERIZAÇÃO DO USO TURÍSTICO DO PARQUE NA-
CIONAL SAINT HILAIRE/LANGE..............................................................................................................................473 O PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO TERRITORIAL............479

PROJETO RADIAL NO SUL DE PORTUGAL E NO LITORAL DO PARANÁ: MOVIMENTOS LITORÂNEOS EM REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ZONAS RURAIS: ESTUDO DE CASO NO TERRITÓRIO MEIO OESTE
PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO..................................................................................................................473 CONTESTADO EM SANTA CATARINA.......................................................................................................................480

AGROTÓXICOS EM ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIOAMBIEN- ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO VALE DO RIBEIRA PAU-
TAIS NO LITORAL DO PARANÁ................................................................................................................................474 LISTA...............................................................................................................................................................................480

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DAS POPULAÇÕES DO CAMPO E DA FLORESTA: UM OLHAR PLANTAS INDICADORAS DE SOLO: ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DE PLANTAS ESPONTÂNEAS EM ÁRE-
TEÓRICO DAS INIQUIDADES EM SAÚDE...............................................................................................................474 AS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA..................................................................................................................................481

ANÁLISE POPULACIONAL NO PERÍODO 1970 – 2010: O ÊXODO RURAL NO LITORAL PARANAENSE, PA- AS RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE O PARQUE NACIONAL DE SAINT-HILAIRE/LANGE E SUA ZONA RURAL
RANÁ E BRASIL...........................................................................................................................................................475 DE ENTORNO (FACE LESTE – PR 508).......................................................................................................................481

A PERCEPÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES ENVOLVIDOS NUM O ENSINO DE CIÊNCIAS NAS ESCOLAS E O OLHAR DO ALUNO CAIÇARA SOBRE O LITORAL.................482
PROJETO CIENTÍFICO DESENVOLVIDO PELA UFPR LITORAL..........................................................................475
PROGRAMA AQUISIÇÃO DE ALIMENTO: O ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE PONTE SERRADA-SC...482
O CONCURSO DE DESENHO “PATRIMÔNIOS DO LITORAL DO PARANÁ” COMO AÇÃO DE EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL..............................................................................................................................................................476 PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ATRAVÉS DA RECICLAGEM PARA PRESERVAÇÃO
DO MEIO AMBIENTE: O CASO DA SECRETARIA AMBIENTAL DA PREFEITURA DE PARANAGUÁ.............483
GESTÃO DA INFORMAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE DE APOIO À

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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
LEVANTAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO MANGUE-VERMELHO (Rizophora mangle) COMO MEDICAMENTO TENSIONISTA E SUA IMPORTÂNCIA NA TRANSFORMAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO AGRÁRIO...............491
FITOTERÁPICO PARA O TRATAMENTO DE ENFERMIDADE CUTÂNEA DE PESCADORES DO MERCADO
DO PEIXE DE MATINHOS-PR......................................................................................................................................483 DO MINHOCUÇU AO PEQUI: O USO DE RECURSOS NATURAIS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DA PON-
TINHA – MG......................................................................................................................................................................491
RESULTADOS PRELIMINARES DE ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS PARA INVESTIGAÇÃO DA
DINÂMICA DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM PARANAGUÁ – PR....................................................................484 VALORIZAÇÃO DAS CULTURAS TRADICIONAIS: ROMPENDO OS PRECONCEITOS, UMA OLHAR DESDE
A SOCIOLINGUÍSTICA...................................................................................................................................................492
FORMAÇÃO CONTINUADA DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE A RESPEITO DAS DEFICIENCIAS:
UMA EXPERIÊNCIA DE REDES NA UNIDADE DE SAÚDE SERRARIA DO ROCHA..........................................484 POPULAÇÕES TRADICIONAIS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO CAMPO TEÓRICO DA SOBREPOSIÇÃO
TERRITORIAL..................................................................................................................................................................492
EDUCAÇÃO EM SAÚDE SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA PARA AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
DA ILHA DO VALADARES: UMA EXPERIÊNCIA TERRITORIAL EM SAÚDE.....................................................485 EVOLUÇÃO SOCIECONÔMICA DO ESTADO DE RONDÔNIA DE 2002 A 2014: ANTES E DURANTE A CONS-
TRUÇÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS DE JIRAU E SANTO ANTÔNIO............................................................493
GESTÃO COMPARTILHADA INTERNACIONAL DO AQUÍFERO GUARANI EM BUSCA DO DESENVOLVI-
MENTO HUMANO E SUSTENTÁVEL.........................................................................................................................485 O LIXO E OS IMPACTOS AMBIENTAIS........................................................................................................................493

CONCEPÇÕES DE PROFISSIONAIS DA EDUAÇÃO DIANTE DA VIOLÊNCIA NAS MÍDIAS............................486 QUALIDADE DO AR: MATERIAL PARTICULADO EM SUSPENSÃO NA ATMOSFERA DO MUNICÍPIO DE PA-
RANAGUÁ........................................................................................................................................................................494
RESULTADOS PRELIMINARES DO USO DA TÉCNICA FUZZY E ANÁLISE ELEMENTAR DE CASCAS DE ÁR-
VORE PARA ELABORAÇÃO DE MAPAS DE RISCO.................................................................................................486 A CADEIA DE VALOR NA PESCA ARTESANAL DO CAMARÃO- ROSA NA LAGOA DOS PATOS: UM ESTUDO
DE CASO NO MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL..........................................................................................494
CONCENTRAÇÃO ATMOSFÉRICA DE DIÓXIDO DE NITROGÊNIO (NO2) NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ
- PR...................................................................................................................................................................................487 MODELAGEM DIGITAL DO TERRENO APLICADO AO NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO: UM ESTU-
DO DE CASO DO PARÂMETRO DECLIVIDADE.........................................................................................................495
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA APA DE GUARAQUEÇABA, UMA ANÁLISE DA GESTÃO PARTICIPATIVA.....487
RESULTADOS PRELIMINARES DE UMA PROPOSTA DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR NO ASSENTAMENTO
UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO DO CAMPO.......................................................................................................488 NHUNDIAQUARA, MORRETES - PR............................................................................................................................495

SAÚDE DO TRABALHADOR E A POLÍTICA ECONÔMICA.....................................................................................488 USO DA TERRA E CONFLITOS AMBIENTAIS NA PAISAGEM DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DO CAMPO,
CAMPO MOURÃO-PR.....................................................................................................................................................496
A ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO CERRADO DE CAMPO MOURÃO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMIEN-
TAL...................................................................................................................................................................................489 IMPACTO DE EVENTOS CLIMÁTICOS NA ECONOMIA DA PESCA DO CAMARÃO-ROSA CAPTURADO NA
REGIÃO DA LAGOA DOS PATOS..................................................................................................................................496
COMUNIDADES SUSTENTABLES COMO ESTRATEGIA DE PROTECCIÓN DEL SUELO RURAL...................489
A (RE)PRODUÇÃO DOS SABERES LOCAIS INDÍGENAS NO PARACURI PROMOVENDO DESENVOLVIMENTO
A ABORDAGEM DE EXTENSÃO RURAL PARA COMUNIDADES DE PESCADORES ARTESANAIS...............490 TERRITORIAL SUSTENTÁVEL EM ICOARACI-BELÉM/PA....................................................................................497

A AGROECOLOGIA APROXIMANDO SUJEITOS, DIREITOS E NATUREZA: RELATO DA EXPERIÊNCIA EX- A GESTÃO E INOVAÇÃO DE CIDADES E O PAPEL DOS SERVIDORES E DA SOCIEDADE NA ELABORAÇÃO

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DE NOVOS MODELOS DE GESTÃO AMBIENTAL E DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO DA ANÁLISE DE CENÁRIOS PROSPECTIVOS PARA A COGESTÃO ADAPTATIVA DA PESCA ARTESANAL DE CA-
REDE FORMADA NO MUNICÍPIO DE RONCADOR-PR...........................................................................................497 MARÕES..........................................................................................................................................................................529

ADMINISTRAÇÃO VERDE E ECONOMIA VERDE: UM MOVIMENTO DE SENSIBILIZAÇÃO SOCIAL.........498 ANÁLISE DO PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ E SEUS DESDOBRA-
MENTOS...........................................................................................................................................................................531
COLETA SELETIVA: FERRAMENTA DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS E ATITUDES......................498
POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL NO LITORAL PARANAENSE: POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO
RECICLAR É PRECISO: BRINQUEDOS PEDAGÓGICOS QUE CONSCIENTIZAM..............................................499 DA RESOLUTIVIDADE DE SUAS AÇÕES...................................................................................................................535

A IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DOS ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS DO LICENCIAMENTO AMBIEN- ANÁLISE DO PADRÃO DE COBERTURA DO SOLO NO MUNICÍPIO DE TEFÉ-AM POR MEIO DE DADOS DE
TAL COMO UMA FERRAMENTA DE GESTÃO TERRITORIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA POPULAÇÃO SENSORIAMENTO REMOTO ORBITAL ÓPTICO......................................................................................................539
LOCAL.............................................................................................................................................................................499

APÊNDICE DE SUPLEMENTOS - PROJETOS DE PESQUISA

PRÁTICAS DE GESTÃO DE RECURSOS COMUNS E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS: APOIO À TOMADA DE DE-


CISÕES NA CONSERVAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO LITORAL DO PARANÁ...................................................501

MONITORAMENTO SOCIOAMBIENTAL PARTICIPATIVO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUS-


TENTÁVEL: PROPOSTA DE FORMULAÇÃO DE INDICADORES PARA UM SISTEMA LAGUNAR DA REGIÃO
SUL DO BRASIL.............................................................................................................................................................505

O PADDD BRASILEIRO: ESTUDO COMPARATIVO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AFETADAS PELOS


COMPLEXOS HIDRELÉTRICOS DO MADEIRA E DO TAPAJÓS............................................................................510

AVALIAÇÃO DO MANEJO SUSTENTÁVEL DO FRUTO DA PALMEIRA JUÇARA (EUTERPE EDULIS MAR-


TIUS) NA MATA ATLÂNTICA: UM ESTUDO DE CASO COM AGRICULTORES FAMILIARES DA ZONA DE
AMORTECIMENTO DO PARQUE NACIONAL SAINT HILAIRE - LANGE, LITORAL DO PARANÁ..................513

A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS NA REPRODUÇÃO SOCIAL DOS AGRICULTORES ASSENTADOS: UM


ENFOQUE SOBRE A PRODUÇÃO DE LEITE EM SANTANA DO LIVRAMENTO/RS..........................................516

MENSURAÇÃO DE IMPACTOS SOCIAIS: UMA ANÁLISE SOBRE VULNERABILIDADE AMBIENTAL DE CO-


MUNIDADES DE PESCADORES ARTESANAIS SUJEITAS AOS IMPACTOS DE EMPREENDIMENTOS COSTEI-
ROS..................................................................................................................................................................................520

A EXPANSÃO PORTUÁRIA E A PERDA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS DOS PESCADORES ARTESANAIS


NO MUNICÍPIO DE RIO GRANDE – RS......................................................................................................................525

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GRUPO DE TRABALHO I
Federalismo Governança e Implantação de Políticas Públicas
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DUAS COLÔNIAS RURAIS DE PARA-
GT - 01
NAGUÁ-PR: A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO
INTRODUÇÃO

O conceito de desenvolvimento, por muito tempo atrelado à ideia de crescimento econômico, tem sido debatido
Ana Elisa Penha1; Marcus Aurelio S. da Silva2; Luiz Ricardo Toniolo3; Renata de Fátima Tozetti4 de forma mais abrangente e preocupa-se com a vida humana. Contudo, como afirma Sachs, (2007, p. 292) “o desenvolvi-
mento socioeconômico é um processo” que depende de “restrições impostas pelo meio ambiente natural” e pela história.
Professora Drª: Marisete Teresinha Hofmann-Horochovski5
Esta afirmação remete à ideia de dois sistemas que interagem, o sistema natureza e o sistema sociedades abordadas por
Raynault (2002, p. 13) como requisito para a “compreensão da realidade concreta”. Por muito tempo, dentro do paradigma
científico moderno, as interações e os processos foram deixados de lado e foram priorizadas abordagens lineares, focadas
RESUMO
em indicadores somente econômicos ou somente físicos da natureza.
O presente diagnóstico das colônias Quintilha e Maria Luiza, localizadas na área rural do Município de Paranaguá-PR, tem
por objetivo levantar alguns indicadores para melhor compreender as dinâmicas existentes resultantes das interações entre De acordo com Boaventura Santos (2001, p. 69), este paradigma dominante possui limitações que o mergulharam
a sociedade e a natureza. O enfoque principal deste artigo foi destacar as políticas públicas, sobretudo, Educação, Saúde e numa crise “profunda e irreversível”. Assim, um novo (e necessário) paradigma exige aproximações científicas que levem
Assistência Social. Nesse sentido, antes do diagnóstico de cada uma, foi necessário mencionar um referencial normativo em consideração as interações de diferentes disciplinas no ambiente acadêmico e saberes locais fora desse ambiente. Essa
enfatizando o grau de autonomia da esfera municipal para a implantação da política pública correspondente. Os dados
foram obtidos por meio da pesquisa de abordagem qualitativa, realizando levantamento a partir do diálogo de saberes e complexidade, inerente à realidade, exige uma prática interdisciplinar para uma compreensão em busca de uma “comple-
disciplinas através de visitas/entrevistas e da consulta de dados secundários sobre essas políticas públicas. As informações tude” (PHILIPI JR, 2000, p. 22).
permitiram constatar as dificuldades de acesso da população local aos equipamentos sociais apesar da legislação que mu-
nicipalizou grande parte desses serviços. O presente trabalho nasceu de uma proposta interdisciplinar elaborada na disciplina Construção da Pesquisa Inter-
disciplinar I, no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Territorial Sustentável, da Universidade Federal do Paraná –
Setor Litoral. A partir de diversos olhares sobre um objeto comum, tal abordagem teve a finalidade de estabelecer diálogos
Palavras-chave: Diagnóstico. Área rural de Paranaguá. Políticas Públicas. Interdisciplinaridade. entre diferentes formas de conhecimento e entre o conhecimento científico e outros saberes, com o intuito de construir um
diagnóstico interdisciplinar; um caminho alternativo de análise e percepção de uma realidade existente. De forma geral,
o diagnóstico tinha por objetivo evidenciar as heterogeneidades desse espaço, a fim de melhor compreender as dinâmicas
ABSTRACT
existentes por detrás da diversidade de situações. Trata-se de uma relação análise/descrição em um quadro espacial comum
This diagnosis of Quintilha and Maria Luiza colonies located in the rural area of the municipality of Paranaguá-PR aims com diferentes olhares disciplinares sobre uma mesma realidade, o qual possibilitou identificar recursos e potencialidades
to raise some indicators to better understand the dynamics existing resulting from interactions between society and nature. que possam constituir-se em reais oportunidades de desenvolvimento. Assim, o diagnóstico não tem o propósito de “erguer
The main focus of this article was to highlight public policies, particularly Education, Health and Social Assistance. In
fronteiras estanques”, como afirma Raynaut (2004, p. 28).
this regard, before the diagnosis of each, it was necessary to mention a normative framework emphasizing the degree of
autonomy of the municipal level for the implementation of relevant public policy. Data were obtained through qualitative
Nesta perspectiva, o diagnóstico é um instrumento dinâmico que permite a compreensão da realidade local, através
research, conducting survey from the disciplines of knowledge and dialogue through visits/interviews and consultation
of secondary on these public policies. The information allowed toverify the difficulties of access of local people to social da “coleta e organização de dados empíricos” (op. cit. p. 28). Para viabilizar a coleta de dados, foi organizado, num primei-
facilities despite legislation that municipalized most of these services. ro momento, o trabalho em três dimensões – natureza e cultura, trabalho e economia, e políticas públicas. Num segundo
momento, os dados foram trabalhados coletiva e interdisciplinarmente, para alcançar o objetivo proposto pela disciplina.
Ressalta-se que as informações aqui utilizadas referem-se apenas a primeira parte desse exercício.
Key words: Diagnosis. Rural area of Paranaguá. Public Policy. Interdisciplinarity.
Neste artigo, as análises se debruçam sobre as políticas públicas desenvolvidas nestas colônias tendo como foco
levantar informações sobre a atuação dessas políticas sociais nas áreas da educação, assistência social e saúde, sobretudo
1 Psicóloga. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR. E-mail: anaelisapenha@yahoo.com.br quanto à existência de aparelhos sociais, ou seja, escolas, unidades de saúde e centros de referência. Como políticas pú-
2 Pedagogo. Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR. E-mail: marcusaurelio11@yahoo.com.br blicas, entendemos a ação do Estado com o propósito de enfrentamento de problemas identificáveis. Os aparelhos sociais,
3 Historiador. Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR E-mail: luizricardotoniolo@gmail.com
4 Pedagoga. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR E-mail: renazetti@hotmail.com por outro lado se manifestam no sentido de dar suporte à atuação do Estado em determinada área, tendo como objetivo a
5 Socióloga. Docente do PPGDTS – UFPR. E-mail: marisetehh@gmail.com

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garantia de serviços de base à população. O enfoque principal de nosso grupo, como já dito anteriormente, foram as políticas públicas, especialmente as de
Educação, Saúde e Assistência Social. Nesse sentido, antes do diagnóstico de cada uma, foi necessário um referencial
Sendo assim, as políticas públicas representam, de fato, a ação do Estado, ou ainda de acordo com Oliveira (2013,
normativo enfatizando o grau de autonomia da esfera municipal para a implantação da política pública correspondente.
p. 15), “o Estado em ação”, em suas respectivas esferas, sendo os Governos federal, estadual e municipal, dentro de suas
responsabilidades e competências constituídas legalmente, as quais, Souza (2006, p. 22), nos aponta como a “divisão ter-
ritorial de poder governamental”. De certa forma podemos designar política pública como uma “ferramenta das decisões
DISCUSSÃO: RECORTE ESPACIAL E DEMOGRAFIA
do governo”; ferramenta que afeta diretamente a vida dos cidadãos (op. cit. p.22). No entanto, nos alerta a autora para o
fato de não haver uma única definição para o termo “política pública”. O litoral paranaense possui uma área de 806,225 km², entre o Oceano Atlântico e a Serra do Mar, composto por
sete municípios, a saber: Guaraqueçaba, Antonina, Morretes, Paranaguá, Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba. Suas
Por fim, é importante destacar que, além da introdução, este trabalho está dividido em três partes. A primeira parte
principais fontes econômicas são as atividades portuárias, agropecuária, agricultura, silvicultura, criação de animais,
destinada a metodologia descreve as técnicas de pesquisa utilizadas para obtenção dos dados e informações, a segunda
extração vegetal e pesca. Neste trabalho foram analisadas duas localidades específicas: a Colônia Quintilha e a Colônia
parte demonstra os principais aspectos das políticas públicas, dentre eles: demografia, para justificar o recorte espacial
Maria Luiza, ambas na área rural do município de Paranaguá, conforme apresenta o mapa da figura 1.
analisado, educação, assistência social e saúde. Por último a conclusão finaliza o estudo, envolvendo a percepção dos
pesquisadores em relação ao desafio de se construir um diagnóstico coletivo, apontando estratégias para que as políticas A área das colônias Quintilha e Maria Luiza localizam-se próximas e dentro de uma unidade de conservação, o Parque
públicas se efetivem de fato para aqueles que dela necessitam. Nacional Saint Hilaire Lange e da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba. Embora, a região seja acessada
parcialmente pela rodovia Alexandra-Matinhos, a PR-508, as famílias de agricultores enfrentam diversas limitações por

conta da legislação ambiental que restringe certas atividades econômicas6.
METODOLOGIA
Figura 1

Para obtenção das informações, foram utilizadas técnicas de pesquisa qualitativa, por entendê-las como as mais
adequadas para identificar as dimensões de desenvolvimento local e sua relação com o meio rural. Dessa forma, para
a coleta de dados primários, foram usadas as técnicas de observação e das informações vivas, não escritas, obtidas em
entrevistas e discussões com informantes privilegiados, com experiência e conhecimentos locais, colhidas em visitas de
campos às referidas colônias. Mas, não se deve compreender as análises quantitativa e qualitativa enquanto “modos opos-
tos e inconciliáveis de ver a realidade” (CARDOSO, 1986, p. 95). 

Através de entrevistas semi-estruturadas procuramos valorizar a observação e a participação. O processo de obser-


vação é mediado pelo contexto da entrevista com as diversas interferências, inclusive a formação acadêmica dos mestran-
dos. Por outro lado, a participação dos mestrandos nas entrevistas foi orientada pelos professores do PPGDTS no sentido
de não cristalizar o discurso local ou legitimar lideranças conforme comenta Alba Zaluar (CARDOSO, 1986, p. 113).

Tal aproximação visou primeiramente à realização do diagnóstico para a composição de um quadro comum dentro
de uma complementaridade entre ensino e pesquisa (RAYNAUT, 2002, p.19). Essa abordagem faz parte da concepção
pedagógica do Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR e permite a construção de inte-
rações críticas e possíveis problemas de pesquisa.

Para a coleta de dados secundários foram utilizadas como fontes de pesquisa a base de dados censitários do Insti-
Mapa do setor censitário e localização das Colônias Quintilha e Maria Luiza
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os Cadernos Municipais do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social (IPARDES) e o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Tais in- Fonte: Bruno Gurgatz/Lab Móvel UFPR com adaptação de Ricardo Toniolo/PPGDTS UFPR
dicadores levantados tem o propósito de ser um pré-requisito para a este diagnóstico e posterior elaboração de hipóteses 6 A forte presença do aparato regulamentar, tanto nas limitações das Unidades de Conservação quanto às restrições impostas pelo
uso e ocupação do solo da APA de Guaratuba e do Parque Nacional, propiciam conflitos entre o poder público e os moradores das colô-
para outros pesquisadores (RAYNAUT, 2002, p. 139). nias, trazendo à discussão problemas referentes à redefinição dos limites do Paraná e a presença de apoio institucional nas colônias.

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em 1998, foi fator decisivo na implementação de uma municipalização do ensino fundamental. Neste caso, para alcançar
seus objetivos, o governo federal adotou a estratégia de constitucionalizar as transferências intra-estaduais, eliminando a
O levantamento dos dados demográficos foi feito a partir do painel de dados do IBGE de 2010. As colônias fazem
incerteza quanto ao recebimento dos recursos vinculados à oferta de matrículas. (ARRETCHE, 2004, p 24).
parte de um único setor censitário, o correspondente ao número 411820405000193. O painel do IBGE apresenta os dados
de duas formas básicas: por Municípios ou por Setores Censitários, sendo que essas delimitações possuem razões bem A atual LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/96 prevê autonomia para que os muni-
específicas. A classificação por Municípios visa, entre outros, justificar o repasse de recursos e a classificação por Setores, cípios organizem Sistema Municipal de Ensino (SME) próprio de acordo com a realidade local. Desta forma, a Secretaria
a delimitação da equipe ou do recenseador em campo para coleta de dados. Municipal de Administração e Gestão Pessoal de Paranaguá, sancionou a Lei Complementar nº 069/2007, em seu artigo
5º, inciso I, apresenta que o SME compreenderá as escolas das diversas modalidades e os órgãos municipais de educação,
Os duzentos e setenta e oito moradores estão distribuídos por 105 domicílios em equivalência na quantidade
sendo: a) Secretaria Municipal de Educação Integral; b) Conselho Municipal de Educação; c) Conselho Municipal de Ali-
homens e mulheres. Vale observar que certas discrepâncias gráficas tais como número de homens entre 65 e 69 anos, ou
mentação Escolar; d) Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB - Fundo de Manutenção
ainda, 30 e 34 anos na pirâmide etária (figura 2) não representam grandes diferenças, pois são compensadas com faixas
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério.
etárias acima ou abaixo. Tais diferenças gráficas são resultantes do baixo número de residentes em que dois ou três au-
mentam consideravelmente o número/tamanho do gráfico. O artigo 21 garante ao SME de Paranaguá assegurar às unidades escolares progressivos graus de autonomia peda-
gógica e administrativa e de gestão financeira. Ainda, o artigo 49 estabelece que a “identidade da escola do campo é defi-
nida por sua vinculação (...) à realidade”. Dentro desta perspectiva de autonomia preconizada pela legislação, verificamos
Figura 2
a ausência de grande parte desses órgãos o que dificulta a participação, deliberação e gestão dos recursos.

Em contato telefônico com a atual Presidente do CME - Conselho Municipal de Educação, foi informado que
estas escolas do campo ofertam classes multisseriadas. As Colônias Maria Luiza e Quintilha possuem como escola de
referência a Escola Rural José Chemure localizada na rodovia PR 508 Alexandra-Matinhos, que de acordo com a base de
dados do PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola, possui atualmente 21 alunos matriculados. Em relação a esta es-
cola, que está compreendida dentro da Colônia Maria Luiza, a Presidente relatou que não há APMF – Associação de Pais,
Professores, Mestres e Funcionários, nem UEx – Unidade Executora própria, devido provavelmente a falta de interesse
da comunidade local em gerir estas associações ou conselhos. Sendo assim, conforme previsto no artigo 21, destacado
acima, o recurso financeiro recebido através do PDDE é direcionado para a Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura
e repassado via CME às unidades, que de acordo com a Presidente do CME, convocam os professores em reuniões para
definição do destino dessa verba.

Não há CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil na comunidade, e a partir do quinto ano, as crianças e ado-
lescentes precisam deslocar-se até a área urbana de Paranaguá com o ônibus escolar da prefeitura, e geralmente passam a
frequentar as escolas estaduais Alberto Gomes da Veiga, Faria Sobrinho e Vidal Vanhoni, conforme relato de moradores.
Durante visita de campo às colônias, pode-se constatar que em uma das propriedades, de composição familiar, não foram
Fonte: IBGE, 2010. feitos destaques para a questão do estudo, apesar de se observar crianças e adolescentes na área.

EDUCAÇÃO

A partir da descentralização fiscal e administrativa, normatizada pela Constituição Federal de 1988, os municí- ASSISTÊNCIA SOCIAL
pios passam a gerir a educação fundamental e infantil, devendo, os estados e municípios investirem 25% de suas receitas
com educação. É importante dizer que a criação do Fundo de desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF), A Constituinte apontou as diretrizes da descentralização e participação e a direção da construção das leis de regu-
lamentação da Assistência Social. A LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social (1993), regulamentou os artigos consti-

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tucionais que tratam da Política Pública de Assistência Social. Após esse momento, foi aprovada a PNAS - Política Na- serviço relacionado à assistência jurídica, a mesma Secretaria possui a Defensoria Pública.
cional da Assistência Social (2004), que propõe a implementação da LOAS na perspectiva de um sistema único, o SUAS
Enquanto órgãos permanentes, deliberativos e consultivos que tem por finalidade avaliar, elaborar, propor e fis-
- Sistema Único da Assistência Social. Em seguida, as NOBs - Normas Operacionais Básicas (2005/2006) expressaram
calizar as políticas de direitos, o município possui os seguintes Conselhos Municipais: Assistência Social, da Criança e
os modos dos serviços a serem desenvolvidos, bem como os aspectos relacionados à gestão do trabalho. Na sequência,
do Adolescente, da Juventude, da Mulher e do Idoso. Há ainda o Conselho Tutelar, equipamento de caráter autônomo e
a Lei Federal 12.435/11 ofereceu como principal contribuição o reconhecimento legal do SUAS como sistema oficial de
permanente, que possui como função zelar pelos direitos da infância e adolescência, conforme os princípios estabelecidos
organização da Política Pública de Assistência Social no Brasil.
pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim como as demais políticas, a maior parte dos aparelhos pertencem
Os princípios do SUAS se referem à universalidade, gratuidade, integralidade da proteção social, intersetorialida- à área urbana do município.
de e equidade e possui como seguranças afiançadas pelo mesmo, a acolhida, a renda, o convívio ou vivência familiar, o
desenvolvimento da autonomia, o apoio e auxílio. São ainda diretrizes estruturantes da gestão do SUAS: primazia do Es-
tado na condução da política, descentralização político administrativa, financiamento partilhado entre a União, os Estados SAÚDE
e os Municípios, matricialidade sócio-familiar, territorialização, controle social e participação popular.
Ao contrário da Política Pública voltada para a Educação, em que o governo federal garante certa autonomia para
Nesta perspectiva, o atendimento está organizado por níveis de complexidade assim estruturada: os municípios, a Política Nacional de Saúde é bastante centralizada. O financiamento, formulação e coordenação de uma
política nacional de saúde, como aponta Arretche (2004, p. 22), “está sob o comando do governo federal que estabelece
• Proteção Social Básica: possui caráter preventivo, é ofertada nos territórios com vistas ao fortalecimento
todas as normas dessa política setorizada, através do Ministério da saúde”. Dessa forma, os governos subnacionais são
de vínculos familiares e comunitários e à promoção de cidadania.
totalmente dependentes da transferência de verbas para a manutenção deste setor.
• Proteção Social Especial de Média Complexidade: atua junto a usuários que tiveram seus direitos viola-
Ao final da estrada citada, atravessando a rodovia PR 508, foi possível visualizar, à beira da desta, a Unidade de
dos, na perspectiva de fortalecimento e reconstrução de vínculos para superação da situação da violação
Saúde Santa Escomação, conforme indicado na figura 3.
vivenciada.
Figura 3
• Proteção Social de Alta Complexidade: destinada a usuários que sofreram violação de direitos e encon-
tram-se com vínculos rompidos. Está também associada a ações em casos de calamidades públicas.

Através de levantamento da realidade do município de Paranaguá, foi possível verificar que no território, os servi-
ços condizentes com a Proteção Social Básica ocorrem por meio do equipamento CRAS (Centro de Referência da Assis-
tência Social) Vila Garcia, sendo este o órgão responsável pelo atendimento da população das colônias Quintilha e Maria
Luiza. Após contato telefônico e diálogo com as assistentes sociais do local, foi possível levantar os seguintes dados: o
referido CRAS atende ainda as colônias Pereira, Rio das Pombas, Morro Inglês e outros 9 (nove) bairros do município
de Paranaguá. A equipe do equipamento público é composta por três profissionais de nível superior, sendo 2 (duas) assis-
tentes sociais e 1 (uma) psicóloga, bem como 1 (uma) coordenadora e 1 (um) auxiliar administrativo. O atendimento nas
colônias em questão ocorre por meio de visitas domiciliares, convite e sensibilização para participação em oficinas. Há
ainda existência do Programa Família Paranaense, porém o mesmo, segundo relato, encontra-se atualmente inviabilizado.
A equipe relata a necessidade de contratação de outros profissionais como educadores sociais, oficineiros e equipe técnica.
No município de Paranaguá existe um CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social que atende Unidade de Saúde Santa Escomação
situações que ultrapassam os serviços da Proteção Social Básica (violação de direitos/fragilidade de vínculos).
Fonte: Os autores
Os serviços da Proteção Social Especial de Alta Complexidade ocorrem por meio de um albergue e dois abrigos
institucionais (casas lares): Lar dos Meninos e Lar das Meninas. Enquanto política de atendimento possui ainda um Res-
taurante Popular, localizado na Rua Felipe Chede, em frente ao Ginásio de Esportes Joaquim Tramujas. Em relação as A partir de levantamento realizado junto à população local, nesta Unidade Básica de Saúde (UBS) são ofertados
atendimentos por profissional Clínico Geral, Ginecologia e Dentista. No caso de urgências/emergências, a população é

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atendida pelo Hospital Regional de Paranaguá no perímetro urbano. E, nos casos de maior necessidade, a população é Perspec., São Paulo, v. 18, n. 2, June 2004. Disponível em: http://goo.gl/tWfZvl
encaminhada ao Centro de Municipal de Especialidades quando há necessidades de outras especialidades. Os casos que
CARDOSO, Ruth (Org). A aventura antropológica: teoria e pesquisa. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
envolvem questões referentes à saúde mental são atendidos pelo CAPS – Centro de Atenção Psicossocial “Solar dos Gi-
rassóis”, também na área urbana do município. OLIVEIRA, Vanessa E. As fases do processo de políticas públicas. In: MARCHETTI, V. (Org). Políticas Públicas em
debate. São Bernardo do Campo: ABCD Maior, UFABC, 2013.

PHILIPPI JR, Arlindo et al. Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora, 2000.
CONCLUSÃO RAYNAUT, Claude. Meio Ambiente e Desenvolvimento: construindo um novo campo do saber a partir da perspectiva
interdisciplinar. Desenvolvimento e Meio Ambiente. n.10, p.21-32.jul/dez, 2004.
O trabalho interdisciplinar requer comunicação em torno de problemas e realidades comuns, porém, analisados
de diferentes formas por vários olhares. Para realizar este diagnóstico, observou-se que a turma 2015 do Programa de __________.Claude.; et al. Metodologia de Diagnóstico Interdisciplinar: a construção de um quadro de trabalho co-
mum. In: Desenvolvimento e meio ambiente: em busca da interdisciplinaridade. Curitiba. Editora UFPR. 2002.
Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (PPGDTS/UFPR) teve a iniciativa de dialogar para buscar
alternativas de comum acordo no momento da definição das dimensões para iniciar a pesquisa, o que gerou momentos de SACHS, Ignacy. Rumo à Ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007.
tensão, dúvida e discussão, mas que posteriormente resultaram em grande riqueza de informações. Verifica-se que SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso sobre as Ciências. 12ª ed. Porto: Edições Afrontamento, 2001.
a utilização das políticas públicas pela população inicia-se muitas vezes por serviços fundamentais, mas pode vir a ser
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p.
abrangida a partir das necessidades decorrentes do cotidiano. Assim, em virtude de determinada ocorrência, a demanda
20-45.
por um serviço liga-se aos demais serviços ou esferas. Deste modo, a procura por um Clínico Geral pode demandar a
utilização de um especialista, como por exemplo um Cardiologista. A partir deste último, fazem-se necessários exames
que podem ultrapassar a esfera municipal e abranger a espera nacional, como no caso da necessidade de uma cirurgia de
transplante de órgão. Da mesma forma, uma pessoa no desenvolvimento de seu processo educacional, inicia sua forma-
ção na escola pública municipal, passa pela estadual, até chegar à Universidade. Ao passar a fazer uso da política deste
equipamento, tal pessoa estará fazendo uso dos serviços advindos da esfera nacional.

Deste modo, é possível que os serviços oferecidos à população em questão ocorram em primeira instância através
dos equipamentos públicos municipais que pertencem ao município de Paranaguá, que se encontram ou se deslocam até
as colônias. Porém, as necessidades decorrentes podem abranger o município de Matinhos, como no caso do acesso à
Universidade, ou à capital Curitiba, bem como no caso de acesso a serviços de saúde de alta complexidade. Assim, a rede
de atendimentos acaba criando uma configuração que se entrelaça e se ramifica nos mesmos ou diferentes pontos, envol-
vendo os mesmos atores sociais, que demandam às diversas políticas públicas. Por tratar-se de uma área rural, foi possível
observar as dificuldades de acesso/proximidade das ações em relação ao território.

Desta forma, é importante que as políticas públicas estejam a serviço destes atores e que sejam construídas por
eles, para que realmente tenham sentido e eficácia. Tais políticas devem oportunizar uma relação horizontal entre os
envolvidos, jamais sendo imposta ou engessada. Aqueles que delas necessitam sabem realmente suas necessidades e as
aplicações dessas leis precisam fazer sentido para quem as utiliza e não para quem as redige, que muitas vezes sequer
conhece as reais necessidades locais de cada população.

REFERÊNCIAS

ARRETCHE, Marta. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo

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BUROCRATAS A NÍVEL DE RUA E SUAS AÇÕES INTRODUÇÃO

A discussão sobre o papel e influência dos burocratas no processo de implementação é central e importante para
Valéria dos Santos de Oliveira1; Daniele Schneider2; Rodrigo Rossi Horochovski3 compreendermos como, estas ações são colocadas em prática e quais são os fatores que influenciam na mudança de rumos
e nos resultados das políticas públicas (LOTTA, 2012).

RESUMO A relação entre burocracia, organização e implementação das políticas, é importante porque discute o porquê
de políticas serem bem-sucedidas ou fracassarem. Nos diversos estudos de políticas públicas, principalmente no Brasil,
Este artigo tem como objetivo apresentar os burocratas a nível de rua, sua importância, suas ações, desdobramentos
o campo é bastante incipiente. A maioria deles se remete à atuação da alta burocracia, ou seja dos homens públicos de
e a segurança pública neste contexto, a Constituição de 1988 impulsionou a expansão do emprego público, devido à
universalização de serviços básicos, como saúde, educação e segurança pública, resultando assim na importância da carreira, que são detentores de saber especializado e que ocupam altos cargos na máquina pública consequentemente
burocracia das ruas. A literatura abordando esses burocratas tem apontado as principais discussões existentes tanto em tornam-se os responsáveis por decisões de políticas públicas.
nível internacional como nacional. Portanto, faremos uma discussão teórica entre burocratas a nível de rua, políticas
públicas e segurança pública. Contudo existe um outro segmento da burocracia que está vinculado à prestação de serviços à comunidade,
atualmente este segmento é crescente, tendo considerável importância nos processos de criação dos estados de bem-estar
social e da universalização dos serviços básicos, são eles os burocratas a nível de rua (street level bureaucracy).
Palavras-chave: burocratas a nível de rua, políticas públicas e segurança pública.
Para Lipsky (1980) os burocratas de rua são funcionários que trabalham diretamente no contato com os usuários
dos serviços públicos, em um curso regular de rotina, em interação constante com os cidadãos, como, por exemplo, poli-
ABSTRACT ciais, professores, profissionais de saúde, entre outros.
This paper aims to present the Street-Level Bureaucracy, its importance, its actions, unfoldings and public safety in this No Brasil, após a Constituição de 1988, ocorreu a expansão do emprego público, devido à universalização de ser-
context, the Constitution of 1988 boosted the expansion of public employment due to the universalization of basic ser-
viços básicos, como saúde e educação, daí a importância da burocracia das ruas. Para a maioria dos cidadãos, sua relação
vices such as health, education and public safety, resulting in importance of the bureaucracy of the streets. The literature
addressing these bureaucrats have pointed out the major existing discussions both at international and national levels. com o Estado ocorre através desses agentes de Estado (burocratas a nível de rua), pois estes servidores em suas atividades
Therefore, we will make a theoretical approximation between Street-Level Bureaucracy, public policies and public sa- provém serviços públicos, discriminam quem tem ou não acesso a serviços e estipulam sanções aos cidadãos.
fety.

DISCUSSÃO
Key-words: Street-Level Bureaucracy, public policies and public safety.
Burocratas a Nível de Rua e suas Ações

Considerando o exposto, surge então novos modelos teóricos e pesquisas empíricas acerca do papel destes buro-
cratas, identificando a complexificação deste papel, segundo Lipsky (1980) pois são o foco da controvérsia política, por-
que são pressionados pelas demandas de serviços para aumentarem a efetividade e a responsividade e ao mesmo tempo
são pressionados pelos cidadãos para aumentarem a eficiência e eficácia.

O referido autor levanta ainda uma questão central que surge na relação entre agentes implementadores e cida-
dãos. Afirma que as pessoas chegam aos burocratas de rua como indivíduos únicos, portadores de diferentes experiências
de vida, personalidades, expectativas e necessidades. No entanto, quando encontram os burocratas de rua, transformam-
se em clientes, identificáveis e alocáveis em alguns padrões e categorias sociais, passando a ser tratados, de acordo com
esses padrões unificados e indiferenciados.

1 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - e-mail: valeriaso238@gmail.com; Entretanto, os burocratas de rua experimentam os problemas dos clientes como categorias de ação e suas de-
2 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - e-mail: danischneiderufpr@gmail.com;
3 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - e-mail: rodrigoh33@gmail.com.
mandas individuais como solicitações agregadas, padronizadas e categorizadas dentro das possibilidades de respostas e

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serviços que estão aptos a prestar. é o de literalmente realizar as políticas públicas, que lida rotineiramente com a realidade da função pública.
A condição de estar no nível de rua, em interação com o público das políticas, permite ao burocrata que ocupa esta
Segundo Lotta (2012) a partir de análises empíricas, os burocratas nas sociedades contemporâneas, não apenas
posição, a amplitude de escolhas como realizador das políticas públicas e está pautada no seu relativo poder discricionário
administram, mas participam com os políticos do processo de tomada de decisão.
e a relativa autonomia das autoridades organizacionais, o que estão inter-relacionadas para a constituição dos burocratas
A autora ainda reconhece que existe uma lacuna sobre a implementação de políticas referente principalmente às das pontas como um entregador ou um executor dos serviços públicos.
interações e valores envolvidos nestes processos: Neste sentido Lotta (2010), relata sobre o poder discricionário:
A discricionariedade exercida pelos burocratas é, portanto, resultado da interação que exercem entre
...os agentes de implementação lidam, em sua prática, com processos de interação que envolvem di- seus próprios valores, valores de outros atores envolvidos, os procedimentos, restrições, estruturas,
ferentes valores, referenciais e identidades. Nesses processos de interação, portanto, entram no con- incentivos, encorajamentos e proibições. Assim, é necessário examinar os padrões de interação para
texto as mais variadas identidades, demandas, necessidades e referenciais, além de constrangimentos compreender por que as ações foram feitas daquela forma. A questão, portanto, é olhar para o ambiente
e normas institucionais, que devem ser negociados pra a construção das práticas de implementação. institucional e relacional dentro do qual a burocracia opera. (LOTTA, 2010, P.4).
Esses processos requerem negociações entre os diversos fatores que aparecem na interação, para que
se possa, efetivamente, implementar as políticas públicas. (LOTTA, 2010, P.53)
Conforme Arretche (2001), há uma grande distância entre os objetivos e o desenho concebidos originalmente
pelos formuladores das políticas públicas e a tradução de tais concepções em intervenções públicas. Essa distância diz
respeito a contingências da implementação, explicadas, em grande parte, pelas decisões tomadas por uma cadeia de im-
A atuação da burocracia nas linhas de frente do Estado deve ser referenciada, em grande parte, por ocuparem uma
plementadores no contexto político, institucional e econômico em que operam.
posição de decisão em última instância na implementação de políticas públicas. Essa característica é de grande importân-
A literatura tem abordado essas decisões tomadas pelos implementadores como exercício de sua discricionarie-
cia, porque abre possiblidades para que suas ações possam ser rebatidas e discutidas pelos cidadãos.
dade, considerando que esses agentes têm grande impacto sobre as políticas públicas implementadas devido à autonomia
Uma das discussões apontadas por Lipsky (1980) a respeito dos burocratas a nível de rua, é a discricionariedade que possuem no momento da implementação.
desses agentes, reconhecendo a autonomia que possuem na implementação das políticas públicas, pois suas ações indi- Assim, podemos considerar que as instituições impactam as práticas dos burocratas de rua, mas também que as
viduais acabam tornando-se o comportamento da agência pela qual respondem e que representam. Dependendo da ação ações, valores, referências e contextos dos indivíduos acabam por influenciar suas decisões.
que os burocratas a nível de rua exerçam com os usuários de serviços, o exercício da função pública pode ser causa de Assim, os fatores institucionais e organizacionais são determinantes para se compreender como os burocratas
bem ou mal estar social, pois personifica a relação do Estado com o cidadão. implementadores agem, na medida em que, ao longo da cadeia de implementação, são construídos contextos específicos
sobre os quais os burocratas poderão atuar.
Quanto as relações pessoais, na prática, o princípio da impessoalidade, que idealmente norteia a prestação dos
Dessa forma, as próprias decisões que serão tomadas e a discricionariedade que será exercida pelos implemen-
serviços públicos, vê-se relativizado, à medida que no ato da prestação de serviços, ressaltam-se elementos subjetivos, à
tadores têm como pano de fundo condições específicas colocadas pelo contexto, as quais podem, inclusive ampliar ou
base de traços culturais existentes na sociedade, muitos deles indesejáveis, como racismo, machismo, preconceito social,
limitar o espaço para discricionariedade.
preconceito sexual, etc. É o caso por exemplo do agente público que discrimina negros, mulheres, pobres, homossexuais

no ato da prestação do serviço público.
Segurança Pública
Se no espírito das leis o Estado busca a neutralidade e a imparcialidade, tratando a todos de forma equânime, com Neste contexto vamos abordar essas questões relacionadas a segurança pública. O exercício da discricionariedade
espírito republicano, no âmbito da sua ação concreta, a máquina pública revela-se o contrário disso. Esta atuação expli- na atuação policial em uma sociedade democrática suscita diversas questões, estimulando propostas de reformas nas po-
caria o reduzido impacto que políticas públicas tem sobre determinada populações-alvo. No caso, a política pública pode lícias e, ao mesmo, causando polêmica entre estudiosos e profissionais da área.
mesmo ser bem concebida, dispor de recursos adequados: humanos, materiais e financeiros, e mesmo assim revelar baixa Meyers e Vorsagner (2010) lembram que o alcance e a direção da discricionariedade estão ligados também à com-
eficácia, a depender da atuação do agente público no ato de prestar o serviço (LIPSKY, 1980). plexidade organizacional e das tarefas desempenhadas por eles:
A complexidade aumenta a necessidade de decisões discricionárias pelos trabalhadores de linha de
A burocracia como descreveu Weber (2002), pensada como o modelo ideal de funcionalidade para o contexto frente junto com a dificuldade de supervisão e monitoramento de suas ações. A promulgação de regras
do Estado moderno, deve ser associada a duas características fundamentais para que se compreenda sua manutenção e e procedimentos muitas vezes gera efeitos contrários e força os burocratas de nível de rua a selecionar
legitimidade: a impessoalidade e a universalidade. A burocracia é impessoal e universalista porque, uma vez que deve as regras a serem aplicadas. (MEYERS; VORSANGER, 2010, p.254).

operar pela lógica racional-legal para existir, se legitimar, é obrigada a reconhecer os cidadãos de forma formalizada,
Muniz (2008) observa a atuação dos policiais, analisa a ação desses profissionais e a discricionariedade na apli-
como iguais.
cação das leis, demonstra como a atuação policial, no que diz respeito à aplicação seletiva das leis, sofre grande variação
Lipsky (1980), caracteriza o burocrata de nível de rua como um “policy maker”, ou seja, um indivíduo cuja função

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individual a partir das escolhas e do exercício da discricionariedade desses policiais. ruas, quanto podem interferir na qualidade de vida dos cidadãos.
A segurança pública tem motivado o desenvolvimento de diversas agendas, por outro lado também tem dividido a A maioria das decisões policiais tem como encaminhamento ora “não fazer nada” em termos legais ou normativos,
opinião dos profissionais atuantes na área de segurança pública, políticos e cidadãos quanto à possibilidade destas agen- ora “nada fazer” como resultado de falhas ao se considerar modos alternativos de fazer alguma coisa sem à aplicação
das responderem de forma factível e consequente à democratização das práticas de segurança pública, principalmente da da legislação (Skolnick,1994; Muniz, 1999; Muniz e Proença Jr, 2006). Tanto num caso como noutro tem-se um tipo de
policial. inação em relação aos procedimentos formais e normativos estabelecidos. Estas decisões que resultam em alguma forma
Uma das visões mais problemáticas e, ao mesmo tempo, uma das mais corriqueiras que se tem sobre as institui- de “não agir” possuem baixa visibilidade. São por vezes intencionalmente ocultadas do público e, por conseguinte, mais
ções policiais é a de que elas “fazem cumprir a lei”. Nada é mais enganoso e inconsistente com a realidade das polícias. difíceis de influenciar ou controlar (Goldstein,1977; Klockars, 1985). 
Apesar de caracterizar-se como um consenso e revestir-se de uma roupagem legalista, esta visão oculta os elementos que A visão de que os policiais possuem bem mais poderes do que os cidadãos que policiam, permite uma leitura da
conformam a polícia como um instrumento de coerção sob consentimento social subordinado ao império da lei (Bittner, discricionariedade como um expressivo acréscimo de poder policial. Num jogo de relações já pontuadas pela assimetria,
1990; Muniz e Proença Jr, 2006c). Ela mascara, particularmente, o recurso fundamental à discricionariedade nos proces- este suposto “poder a mais” pode ser percebido como um sobrepeso que faria a balança pender ainda mais para o lado
sos de tomada de decisão. daqueles agentes que controlam, coagem e custodiam. Aos olhos do senso comum, a desproporção de recursos é mais
A imagem de que a polícia está aplicando a legislação de forma literal e automática, sobretudo nas atividades de palpável nas interações entre policiais e cidadãos do que nas relações de poder estabelecidas entre outros profissionais e
combate ao crime, compromete o entendimento da natureza da ação policial nas sociedades democráticas. Ela fomenta, o seu público.
portanto, a ilusão de que uma ‘polícia cidadã’ corresponderia a agir em situações de emergência, em contextos que tra- Diante dessa evidência é razoável supor que o decisionismo policial possa vir a ser objeto de uma espécie de
zem elementos de incerteza, risco e perigo, ressentindo-se de algum espaço de autonomia e liberdade para decidir qual é desconfiança coletiva prévia. E isto de tal forma que a discricionariedade policial pode ser apreendida como algo que se
alternativa mais apropriada de atuação. suspeita por antecipação, requerendo uma vigilância redobrada dos que policiam e uma dúvida estruturante por parte dos
Segundo Klockrars (1985) essa visão legalista fracassa em termos explicativos porque orienta-se ela posição ino- cidadãos policiados.
bservável na vida social de que a lei inventa o mundo. Sucumbe em termos instrumentais uma vez que não reconhece o Em parte por conta desse tipo de suspeita, muitas polícias e policiais tentam minimizar e até mesmo negar seus
grande espaço discricional existente na práxis policial, o qual molda a conduta profissional dos policiais mais do que as poderes discricionários, especialmente o selective enforcement ou a aplicação seletiva da lei. Conforme ressalta Klockars
normas legais. (1985:94), os políticos, por diversas motivações, tendem a seguir pelo mesmo caminho, tratando a polícia como se ela
Diante da impossibilidade real de poder prever ou antecipar qualquer acaso ou surpresa de violência intrínsecos às tivesse muito pouco ou quase nenhuma autonomia decisória no emprego da legislação. Os cidadãos, de um modo geral,
demandas da população, a intervenção policial se dá exatamente na tomada de decisões discricionárias, onde evidencia-se reforçariam também este mesmo coro endossando a visão de que o papel da polícia seria mesmo “fazer cumprir a lei” tal
que as leis existentes é uma entre outras referências relevantes a serem consideradas no processo decisório. como foi escrita.
Estas decisões, por sua vez, resultam da convergência entre os determinantes políticos, legais, normativos e técni- O que disso se afasta, por exemplo, o real cotidiano do trabalho policial, pode vir a ser recebido paradoxalmente
cos que informam o mandato policial e as exigências contextuais e idiossincráticas oriundas de cada situação particular. com receio e, até mesmo, como um possível desvio de conduta. Mas, à primeira vista, policiais, políticos e cidadãos têm
Delas se extrai um acervo de conhecimentos, um saber prático, uma práxis que orienta o comportamento policial, no qual boas razões para estabelecerem uma compreensão ambígua e, em boa medida, uma leitura negativa do recurso discricio-
o conjunto de leis existentes é uma entre outras referências relevantes a serem consideradas (Muniz, 1999). nário particularmente quando ele resulta na aplicação seletiva da lei (Klockars, 1985).
(Kenneth, Davis Culp apud Klockars, 1985:93). É sabido que a maioria dos Estados possui algum dispositivo legal que estabelece que as polícias devam aplicar
Há ao menos três elementos importantes na definição acima que valem à pena serem enfatizados. O primeiro deles todas as leis de forma plena e integral. É óbvio que este tipo de normatividade não se mostra factível na vida real.
reporta-se ao sujeito da decisão. Todavia, ela converte claramente a aplicação de todas as leis relacionadas à segurança das pessoas e do patrimô-
A discricionariedade é apresentada como uma capacidade que é exercida tanto por policiais individualmente, nio, em uma efetiva obrigação ou um dever da polícia. Sob este ângulo, a aplicação seletiva da lei seria apreciada como
quanto pela organização policial. Trata-se de um aspecto importante, ainda que pareça óbvio, porque permite compreen- um ato extralegal ou mais propriamente ilegal (Klockars,1985).
der que o recurso à discricionariedade não se restringe às escolhas que policiais fazem nas ruas no curso do seu trabalho E isto de tal maneira que toda ação policial estaria, no limite, condenada à clandestinidade e a extenuação de seus
diário. procedimentos pela necessidade operacional da violação da lei para poder cumpri-la.
Assim como os agentes da ponta da linha, as agências policiais estão, diariamente, tomando importantes decisões Todavia, é necessário uma abordagem sistêmica e contextual dos problemas que seja capaz de distinguir os falsos
discricionárias quando decidem aonde alocar pessoal; o que deve ser ensinado nas academias policiais; qual a prioridade problemas das reais questões que estruturam e desafiam o provimento de segurança pública nas democracias contempo-
no atendimento às emergências; quando recompensar ou punir policiais; como encaminhar as reclamações dos cidadãos, râneas.
etc. Todas estas e muitas outras decisões da administração policial tanto afetam as atividades e atitudes dos policiais nas

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CONSIDERAÇÕES FINAIS área. A segurança pública tem motivado o desenvolvimento de diversas agendas, por outro lado também tem dividido a
No processo de construção do Estado Social uma nova força emergiu: a burocracia de nível de rua. A literatura opinião dos profissionais atuantes na área de segurança pública, políticos e cidadãos quanto à possibilidade destas agen-
abordando esses burocratas tem apontado as principais discussões existentes tanto em nível internacional como nacional, das responderem de forma factível e consequente à democratização das práticas de segurança pública, principalmente da
a exemplo do caso Brasileiro onde priorizamos a segurança pública. policial.
“Street-Level Bureaucracy” – burocracia de nível de rua, foi traduzido pela literatura brasileira como o termo
designado pioneiramente por Michael Lipsky para denominar uma classe específica da estrutura burocrática dos go- REFERÊNCIAS
vernos contemporâneos. Lipsky (1980) discute e busca apontar como a literatura tem conceituado e categorizado esses
ARRETCHE, Marta. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: MOREIRA, Maria Cecília Roxo;
burocratas de nível de rua, analisando a questão da discriocionaridade, papel central para se compreender como atuam os CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (Org.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais.
burocratas de nível de rua no processo de implementação de políticas públicas. São Paulo: IEE/PUC SP, 2001.
Os burocratas a nível de rua são entre outros os funcionários públicos que se caracterizam por estarem alocados
ESCOBAR, Santiago et alli. Seguridad Ciudadana: Concepciones y políticas. Caracas. Nueva Sociedad- Friedrich Ebert
nas pontas dos serviços públicos, em contato direto com a população, lidando diariamente com as políticas públicas em Stiftung, 2005; pp.:85- 147.
seu nível operacional bem como com os conflitos decorrentes desta interação, a exemplo de professores, policiais, agentes
BITTNER, Egon. Aspects of Police Work. Northeastern University Press. Boston, 1990.
de saúde, assistentes sociais, entre outros.
É necessário um olhar apurado para que se conheça não somente as questões finais das políticas públicas, mas EMGRUBER, Julita, MUSUMECI, Leonarda, CANO, Ignácio. Quem vigia os Vigias? Um Estudo sobre Controle Exter-
também seu impacto nos processos de implementação do Estado junto ao cidadão. Neste bojo, Lotta (2009) discorre sobre no da Polícia no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Record, 2003.
o momento de implementação das políticas públicas como uma situação real de mediação entre os agentes implementa- ESCOBAR, Santiago et alli. Seguridad Ciudadana: Concepciones y políticas. Caracas. Nueva Sociedad- Friedrich Ebert
dores, os cidadãos e o poder público. Stiftung, 2005.
A atuação da burocracia nas linhas de frente do Estado deve ser referenciada, em grande parte, por ocuparem uma FARIA, Carlos A. Pimenta. Ideias, conhecimento e políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.18, n.51,
posição de decisão em última instância na implementação de políticas públicas. Essa característica é de grande importân- p.22-29, fev.2003.
cia, porque abre possiblidades para que suas ações possam ser rebatidas e discutidas pelos cidadãos.
GOLDSTEIN, Herman. Policing a Free Society. Cambridge, Ma: Ballinger, 1977.
Quanto as relações pessoais, na prática, o princípio da impessoalidade, que idealmente norteia a prestação dos GOLDSTEIN, Joseph. Police Discretion not to invoke the Criminal Process: Low Visibility Decisions in the Administra-
serviços públicos, vê-se relativizado, à medida que no ato da prestação de serviços, ressaltam-se elementos subjetivos, à tion of Justice. Yale Law Journal 69 (March), pp: 543-594, 1960.
base de traços culturais existentes na sociedade, muitos deles indesejáveis, como racismo, machismo, preconceito social, KLOCKARS, Carl B. The Idea of Police. London, Sage Publications, 1985.
preconceito sexual entre outros. É o caso do agente público que discrimina negros, mulheres, pobres, homossexuais no
ato da prestação do serviço público. KLOCKARS, Carl B. and MASTROFSKI, Stephen. Thinking about Police. Contemporary Readings. New York. Mc-
Graw-Hill, 1991.
A literatura tem abordado essas decisões tomadas pelos implementadores como exercício de sua discricionarie- LIMA, Roberto Kant de. A Polícia da Cidade do Rio de Janeiro. Seus Dilemas e Paradoxos. Rio de Janeiro, Editora Fo-
dade, considerando que esses agentes têm grande impacto sobre as políticas públicas implementadas devido à autonomia rense, 1995; pp.: 37 – 142.
que possuem no momento da implementação. Assim, podemos considerar que as instituições impactam as práticas dos
_________________. “Espaço Público, Sistemas de Controle Social e Práticas Policiais: O caso brasileiro em perspectiva
burocratas de rua, mas também que as ações, valores, referências e contextos dos indivíduos acabam pro influenciar suas comparada.Direitos Humanos: Temas e Perspectivas. Org.: NOVAES, Regina. Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001; pp.:
decisões. 94 – 111.
Meyers e Vorsagner (2010) lembram que o alcance e a direção da discricionariedade estão ligados também à com-
LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. New York: Russel Sage Fou-
plexidade organizacional e das tarefas desempenhadas por eles. Muniz (2008) observa a atuação dos policiais, analisa dations, 1980.
a ação desses profissionais e a discricionariedade na aplicação das leis, demonstra como a atuação policial, no que diz LOTTA, Gabriela Spanghero. Saber e podeer: agentes comunitários de saúde aproximando sabers locais e políticas pú-
respeito à aplicação seletiva das leis, sofre grande variação individual a partir das escolhas e do exercício da discriciona- blicas. 2006. Dissertação (Mestrado) Programa de Administração Pública e Governo da Escola de Administração de Em-
riedade desses policiais. presas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.
O exercício da discricionariedade na atuação policial em uma sociedade democrática suscita diversas questões, LOTTA, G.S. Implementação de políticas públicas: o impacto dos fatores relacionais e organizacionais sobre a atuação
estimulando propostas de reformas nas polícias e, ao mesmo, causando polêmica entre estudiosos e profissionais da dos burocratas de nível de rua no Programa Saúde da Família. 2010. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, De-
partamento de Ciência Política, São Paulo.

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MEIER, Kenneth.;O’TOOLE, Laurence J. Bureaucracy in a democratic state: a governance perspective Baltimore: The COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS FORAM IMPLEMENTADAS NO TERRITÓRIO VALE DO RIBEIRA
Johns Hopkins University Press, 2006. PAULISTA?
MEYERS, Kenneth.J;O’TOOLE, Laurence J. Nureaucracy in a democratic state: a governance perspective. Baltimore:
The Johns Hopkins University Press, 2006.
Joaquim Alves da Silva Jr.1
MEYERS, Marcia.;VORSANGER, S. Burocratas de nível de rua e a implementação de políticas públicas. In: PETERS,
G.; PIERRE, J. (org). Administração Pública: coletânea. São Paulo: Editora Unesp, 2010. P. 249-270.

MUNIZ, Jacqueline. Ser Policial é, sobretudo, uma Razão de Ser. Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do RESUMO
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IUPERJ (tese de doutorado), 1999.
Eu elaborei uma breve revisão histórica em torno das políticas públicas implementadas no Vale do Ribeira no decorrer
______________. Vitimização de Policiais Militares no Rio de Janeiro. Breves Considerações Exploratórias. Seminário do século XX até o momento atual. A pesquisa é qualitativa e foi elaborada a partir de uma revisão bibliográfica. Ao
Internacional da Organização Internacional do Trabalho, Foz do Iguaçu, fevereiro de 2003. longo da exposição observa-se um contexto de políticas executadas com pouca efetividade quanto à construção do bem
público. Porém, nota-se um movimento recente de arranjos institucionais mais estruturados e uma sociedade civil mais
MUNIZ, Jacqueline, PROENÇA JR., Domício, DINIZ, Eugênio. “Uso da Força e Ostensividade na Ação Policial”. Con- organizada, refletindo um quadro de aprendizagem, tensões e desafios em torno do potencial de construção de novas
juntura Política: Boletim de Análise do Departamento de Política da UFMG. Belo Horizonte, Abril de 1999; pp.: 22 regras nas arenas e nos ambientes institucionais do território.
– 26.

MUNIZ, Jacqueline, PROENÇA JR. Police Use of Force. The Rule of Law and Full Accountability. Comparative Models
of Accountability Seminar. INACIPE. Mexico, 29-30 Octuber; 2003; pp.:1 – 11. Palavras-chave: Políticas Públicas, Território Vale do Ribeira, Sustentabilidade.

MUNIZ, Jacqueline. ZACCHI, José Marcelo. “Avanços, Frustrações e Desafios para uma Política Progressista, Demo-
crática e Efetiva de Segurança Pública no Brasil”. In:
ABSTRACT
OHLIN, Lloyd E. and REMINGTON, Frank. Discretion in Criminal Justice.The Tension Between Individualization and
I Drew up a brief historical review around the public policy implemented on Ribeira Valley territory from the twentieth
Uniformity. Albany. State Universityof New York, 1993.
century. The research is qualitative and was prepared from a literature review. Throughout the exhibition, there is a con-
PIORE, M. Beyond markets: sociology, street-level bureaucracy, and the management of the public sector. Regulation & text of polícies with little effectiveness as the construction of public good. However, there is a recent movement of more
Governance, v.5, n.1, p.145-164,Mar.2011. structrured institutional arrangements and a more organized civil society, reflecting a learning framework, tensions, and
challenges around the potential building of new rules in the arenas and territorial institutional environments.
REINER, Robert. The Politics of the Police. Toronto. University of Toronto Press, 1992.

SKOLNICK, Jerome H. Justice Without Trial. Law Enforcement in Democratic Society. New York. Macmillan College
Publishing Company, 1994. Key-words: Public Policy, Ribeira Valley Territory, Sustainability.

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University Press, 1993.

WEBER, Max. The Thoeory of social and economic organizations. New York: Free Press, 1947.

1 Gestor Ambiental e mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) joaquimasjr@gmail.com.

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INTRODUÇÃO comunidades indígenas já existentes no Vale (MUNARI, 2009).

O debate em torno da ação estatal no Brasil encontrou fértil terreno com a transição ao regime democrático O início do século XX destaca-se a imigração japonesa na região. A colonização nipônica iniciada em 1913 resul-
das últimas três décadas (O’DONNELL, 1991). Este debate vem sendo estabelecido com uma crescente variedade de tou de um acordo entre o governo estadual de Manuel Joaquim Albuquerque Lins (1912-1916) e do Sindicato de Tóquio,
abordagens, dentre elas, a estrutura do Estado, as instituições, os processos e fases de execução da política, a aborda- ao qual segundo o acordo, eram asseguradas a doação de terras, a isenção de impostos e o pagamento por famílias insta-
gem cognitiva dos atores, e as redes de políticas públicas (GRISA, 2010), visando compreender um novo arcabouço de ladas. Em 1918 foi criada a K.K.K.K. (Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha) - Companhia Ultramarina de Empreendimentos
premissas da relação Estado-sociedade, tais como a participação popular e gestão social, a descentralização dos arranjos S. A. em Registro, filial da Companhia Imperial Japonesa de Imigração que se tornaria responsável pela colonização
institucionais, o fortalecimento de entes federados, a redução da máquina estatal, entre outros. Em que pese o papel regional (AOKI; LIMA, 2011). Na década de 1930, o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) repassa recursos para ex-
historicamente central do Estado no desenvolvimento econômico e no planejamento do país, principalmente a partir do pansão da produção agrícola de teicultura e bananicultura (MUNARI, 2009). Esta articulação recoloca o Vale nos trilhos
início do século XX, é clara a heterogeneidade do processo desta intervenção, devido aos contextos e realidades também do desenvolvimento econômico, adicionado às obras de abertura de estradas em direção ao planalto paulista e para Juquiá,
diversas do território brasileiro (CEZAR, 2012). visando o escoamento de variedades pela via férrea Santos-Juquiá, construída entre 1913 e 1915 pela empresa inglesa
Southern San Paulo Railway. Entretanto, a integração ao mercado se deu com variedades de baixo valor agregado, es-
Este ensaio tem por objetivo ilustrar a evolução histórica das políticas públicas direcionadas ao território Vale do
sencialmente alimentos de baixo custo. A colonização e a relativa ascendência econômica tão só se resumiram às regiões
Ribeira paulista, enveredando “na investigação de processos e escolhas que se deram ‘no passado’, mesmo próximo, e
mais dinâmicas, notadamente a cidade de Registro e o seu entorno próximo (BRAGA, 1999).
que influenciam o presente” (HOCHMAN, 2007, p. 153). Esta análise será contextualizada a partir do papel do Estado
como indutor do desenvolvimento. Os argumentos estão organizados da seguinte forma: uma breve contextualização do A partir da década de 1940, as investidas de colonização e ocupação dão início aos conflitos em torno da posse
Vale do Ribeira, seguido pelos comentários sobre as ações regionais iniciadas a partir da metade do século XX, e final- da terra e da exploração de espécies da mata atlântica, tal como o palmito Juçara (Euterpe edulis Martius), e a invasão e
mente alguns comentários sobre as políticas territoriais executadas a partir da última década com o paralelo da discussão compra de terras por grandes fazendeiros. O aumento do desflorestamento da mata atlântica na região motivou a implan-
sobre sobreposição de políticas públicas estaduais e federais no território. Termino o escrito com breves comentários tação das políticas ambientais de comando e controle, principalmente a partir da década de 1950, sendo o Parque Estadual
reflexivos em relação às perspectivas políticas no Vale do Ribeira. Turístico do Alto Ribeira (PETAR) seu marco inicial, além das legislações restritivas à exploração de flora e fauna do bio-
ma1 (ADAMS et al, 2013). Interessante notar, em paralelo à ocupação regional e investidas tímidas econômicas no Vale
do Ribeira na primeira metade do século XX, observava-se no plano nacional e principalmente em São Paulo a expansão
VALE DO RIBEIRA: COLONIZAÇÃO E FORMAS DE OCUPAÇÃO industrial via estratégia de substituição das importações, refletindo a perspectiva desenvolvimentista do Estado da época.
Entretanto, a atuação focada nos centros mais desenvolvidos, notadamente a região sudeste, fez acentuar as disparidades
O Vale do Ribeira está localizado na porção sul do Estado de São Paulo, sendo composto por 25 municípios. Sua
socioeconômicas regionais (CEZAR, 2012).
população contém 450 mil habitantes ocupando uma área de aproximadamente 18.000 km2, ou, cerca de 7% do territó-
rio estadual. A região guarda o maior corredor de mata atlântica do país, possuindo inúmeras comunidades tradicionais,
além de ser moradia de agricultores familiares e camponeses, comunidades estas em resultado das investidas históricas
A AÇÃO DO ESTADO NO VALE A PARTIR DA DÉCADA DE 1950
de colonização regional. Recentemente, a região experimenta processos de diversificação da produção agrícola e o cres-
cimento de serviços em torno do turismo ecológico e rural, além do fortalecimento do serviço público regional (SILVA A preocupação em torno da integração nacional e da perspectiva regional de desenvolvimento das regiões que não
Jr., 2015). acompanharam a transição industrial (CEZAR, 2012), foram fatores determinantes para uma atuação estatal mais inci-
siva no Vale do Ribeira. Em 1950, o governo estadual de Ademar de Barros (1947-1951) inaugurou o Hospital Regional
A ocupação regional data do século XVI, com a fundação da então vila de Cananéia em 1531. Disto decorre a
Dr. Leopoldo Bevilacqua (HRBL) em Pariquera-Açu, que se tornaria referencia regional no atendimento ao público. Em
ocupação do interior via Rio Ribeira de Iguape. Com a descoberta de ouro de aluvião no século XVII, se deu início ao
1961, com o objetivo de integrar a região sul ao resto do país, Juscelino Kubitscheck (1956-1961) inaugura a Rodovia
ciclo de extração, constituindo a cidade de Iguape o nó logístico e econômico regional. No século XIX, das margens do
Regis Bittencourt. A rodovia foi a maior indutora de infraestrutura e dinamizadora da economia no Vale do Ribeira (BRA-
Rio Ribeira de Iguape surge o ciclo do arroz com base no trabalho escravo. que seria suprimido no fim do referido pe-
GA, 1999; MUNARI, 2009; RESENDE, 2002).
ríodo devido à expansão cafeeira no planalto paulista e no Vale do Paraíba (CEZAR, 2012; FURTADO, 2005). A maior
parte da população, à exceção de uma pequena elite que produzia arroz “por falta de opção” (VALENTIN, 2006, p. 16), O primeiro esboço de planejamento regional partiu do mandato do governador Carvalho Pinto (1959-1962) com o
volta-se para a agricultura de subsistência nas regiões mais afastadas, levando ao processo chamado de “caipirização” denominado Plano de Ação. O plano buscava a melhoria, aperfeiçoamento e atualização da atuação do Estado para pro-
(BRAGA, 1999). Esse processo consolidou as comunidades quilombolas, ribeirinhas e caiçaras em conjunto com as moção do aumento da qualidade de vida da população e do desenvolvimento econômico. Deste plano, surge a “Operação

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Caiçara”, iniciada com o propósito de formar uma comissão de técnicos e representantes estatais (Comissão 1045), para a pequenas obras, com ausência de planejamento e tratamento direto com as prefeituras, reforçando as práticas cliente-
a elaboração de estudos voltados a melhor compreensão da complexidade social e econômica do Vale. Cria-se então um listas. Como reflexo, intensificou-se os conflitos fundiários e a degradação ambiental, principalmente com a atividade
decreto fundindo a Comissão 1045 com a Comissão do Litoral do Estado, com fins de aprofundar os estudos e criar di- extrativista (BRAGA, 1999; COMISSÃO CAMPONESA DA VERDADE, 2014; RESENDE, 2002).
retrizes voltadas ao desenvolvimento regional (BRAGA, 1999). Apesar das ações previstas no Plano de Ação não serem
Franco Montoro (1983-1986) assume o governo em meio a uma crise econômica a nível mundial (CEZAR, 2012).
implementadas, destaca-se este momento como um marco por ser a primeira vez na qual o Estado se debruça sobre o
Porém, este governo veio com a proposta de priorização, por um lado, das questões ambientais, criando o Conselho Es-
Vale do Ribeira com o proposito de solução integrada dos problemas. Por outro lado, a experiência de planejamento foi
tadual do Meio Ambiente (CONSEMA) em 1983 e a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) em 1986 (RESENDE, 2002),
perdida com a não execução do Plano de Ação, e o planejamento governamental teve que ser reiniciado do zero para a
e por outro lado, pelo fortalecimento da gestão democrática, do planejamento regional e do apoio à agricultura familiar,
região (TODESCO, 2010).
incluindo o fortalecimento da SUDELPA (BRAGA, 1999). O governo lançou em 1985 o Plano Diretor do Desenvol-
O Governo Adhemar de Barros (1963-1966) primou pela agenda de planejamento regional, elevando o Grupo de vimento Agrícola do Vale do Ribeira, o MASTERPLAN. Diferente dos planos anteriores que orientavam esforços na
Planejamento à categoria de Secretaria de Planejamento, além da elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado infraestrutura, o MASTERPLAN foi o primeiro plano que objetivava resolução de problemas dos pequenos agricultores
– PLADI (1964-1969). Apesar do PLADI ter sido considerado uma proposta melhorada do Plano de Ação, a sua elabo- da região, fundamentalmente a questão da posse irregular da terra, já que, não muito diferente do momento atual, cerca
ração foi realizada sem considerar o quadro orçamentário das secretarias e órgãos diretamente envolvidos, acarretando de 40% das propriedades da região não possuíam situação dominial regularizada (RESENDE, 2002).
na não implementação deste plano (BRAGA, 1999). O governo de Lauro Natel (1966-1967) criou o Plano Global de
Sob o guarda-chuva do MASTERPLAN, o governo integrou o Centro de Desenvolvimento Agrícola do Vale do
Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul (PGD-VR). A elaboração deste plano ficou a cargo do Serviço do
Ribeira (CEDAVAL), criado em 1982 como braço operacional da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento
Vale do Ribeira (SVR), órgão vinculado ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), que contratou a BRAS-
(SAA). Este órgão, foi criado por interesses externos (à saber, do governo japonês), para desenvolver a atividade agrope-
CONSULT – Engenheiros Projetistas e Consultorias Técnicas Administrativas S.C para a elaboração deste novo plano.
cuária na região. Uma das linhas do CEDAVAL seria a implantação do Projeto de Monitoria Agrícola, voltado aos agri-
Porém, as ações executadas a partir deste planejamento se resumiram a pequenas obras de infraestruturas e a incidência
cultores familiares. Contudo, o projeto falhou por ter a proposta de investir maciçamente na promoção de uma agricultura
de medidas assistencialistas, (BRAGA, 1999).
sofisticada e moderna, sem levar em conta “as condições atípicas da região do Vale, dos pontos de vista socioeconômico,
A entrada do governo Abreu Sodré (1967-1971) reforçou as ações do SVR nas áreas de infraestrutura e explo- fundiário e ambiental” (IDESC, 2005, p. 17).
ração de potenciais turísticos. Em 1969 cria-se a SUDELPA, entidade autárquica com o objetivo de promover o desen-
Outras ações realizadas direcionadas especificamente a agricultura familiar foi o Projeto Emergencial de Apoio
volvimento regional articulado com os órgãos estaduais e municipais. A proposta da SUDELPA foi baseada na Superin-
à Pequena Agricultura (PEAPA), o Programa de Ação Comunitária do Vale do Ribeira (PACI-VR) e o Programa de Re-
tendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que por sua vez foi inspirada pelo “Tenesse Valley Autority”,
gularização Fundiária. Tanto o PEAPA como o PACI-VR não saíram do papel logo no seu início (IDESC, 2005). Já o
política desenvolvida nos EUA na década de 1930 voltada ao “desenvolvimento integrado de bacias hidrográficas”, arti-
Programa de Regularização Fundiária realizou diagnóstico e ações de mediação de conflito fundiário com os pequenos
culando obras de infraestrutura e hidroeletricidade com o desenvolvimento agropecuário de uma dada região (BRAGA,
posseiros. Porém, o programa foi descontinuado com o término do governo Franco Montoro. As ações orientadas ao
1999; CEZAR, 2012).
desenvolvimento socioambiental serviram para dificultar a prática de clientelismo entre prefeituras e governo do Estado,
Os mandatos de Lauro Natel (1971-1978) são considerados a fase áurea da SUDELPA, já que mais de 60% de o que gerou reação contrária dos prefeitos em relação à SUDELPA. Com a entrada do governo Orestes Quércia (1987-
todo o orçamento durante a história da autarquia foram implantados neste período. Entretanto, a maior parte das obras 1991), o tema que tratava sobre o fechamento da SUDELPA ganhou prioridade na agenda de governo, convergindo com
de infraestruturas foram direcionadas às porções mais desenvolvidas do Vale. Um dos exemplos mais claros é Ferrovia a bandeira dos municípios, pois estes se viam com pouca margem de manobra em relação às práticas clientelistas durante
Paulista S.A. (FEPASA) construindo os ramais de trem Itararé-Apiaí (1973) e Juquiá-Cajati (1987), ligando-os ao então o governo de Franco Montoro (BRAGA, 1999). Neste momento de crise da superintendência que levava a cabo o pla-
ramal Juquiá-Santos, visando o escoamento de produtos da indústria do cimento do grupo Serrana e do grupo Camargo nejamento regional, os agricultores familiares simplesmente são esquecidos, já que todas às políticas direcionadas a esta
Corrêa. Além disso, foram direcionados esforços esparsos no sentido de continuidade dos estudos e ações para promover categoria estavam sob o guarda-chuva da agora extinta SUDELPA.
o turismo, principalmente em Cananéia e Eldorado (BRAGA, 1999; TODESCO, 2010).
Se por um lado observamos a intensificação das relações conflituosas entre agentes públicos e comunidades em
O Governo Paulo Salim Maluf (1979-1982) marca a fase negra da autarquia. As implicações políticas entre a decorrência à execução das políticas de desenvolvimento regional, por outro temos um estado, tanto nas esferas federal
continuidade do desenvolvimento da superintendência pelo governo federal não era de interesse do então governante es- e estadual, que reduziu substancialmente suas ações na região ribeirense na década de 1990, principalmente no tocante
tadual. O reflexo desta tensão política foi à redução orçamentária da SUDELPA com a consequente interrupção das obras ao planos de desenvolvimento regional. Vale ressaltar o contexto internacional centrado pelo Consenso de Washington
de infraestruturas e projetos de desenvolvimento do Vale. As ações por parte da autarquia se viram novamente voltadas que impingiu uma agenda de governo centrada no combate a inflação e equilíbrio fiscal no contexto nacional (CEZAR,

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2012). A ação do governo estadual se resumiu ao financiamento de projetos ambientais e de desenvolvimento local em Fome Zero (ADAMS, et al, 2013), e a implementação de políticas públicas de desenvolvimento rural sob o enfoque
articulação com Organizações Não-Governamentais (ONGs) que pouco surtiu efeito. Entretanto, vale destacar que, na territorial (FAVARETO; SCHORDER, 2007; SILVA Jr, 2015), com a implantação do Programa Nacional de Desen-
década supracitada, os governos da União lançaram políticas até então inéditas para o campo, como o a aposentadoria volvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT) lançado em 2003 no governo de Luiz Inácio Lula da Silva
rural lançada em 1991, a Lei da Reforma Agrária e do Rito Sumário em 1993, o Programa Saúde da Família (PSF), lança- (2003-2010).
do em 1994 e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), lançado em 1996. O impacto
No Vale do Ribeira, o arranjo territorial foi formado a partir da articulação de três ministérios: o MDA, o Ministé-
destas políticas foi determinante para reduzir o êxodo rural e para criar novas dinâmicas socioeconômicas no campo, ge-
rio de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), tendo o Consórcio
rando indicadores de mudanças sociais e econômicas positivas em relação aos grandes centros urbanos (ABRAMOVAY;
de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Social (CONSAD), fundado em 2004, como a arena de negociação e de-
FAVARETO, 2010; ADAMS et al, 2013).
cisão das ações e verbas disponibilizadas pelos três ministérios. Ainda houve uma tentativa de integração deste arranjo
Em 1989 surge no Vale o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (CODIVAR), in- com o Plano de Ação da Mesorregião Diferenciada Vales do Ribeira e Guaraqueçaba (PROMESO), a cargo do Ministé-
tegrando inicialmente 20 municípios em torno da otimização de ações de desenvolvimento socioeconômico na região rio da Integração Nacional (MIN), porém tal articulação não foi concretizada (SILVA Jr., 2015). Deste arranjo, em 2005
(CRUZ et al., 2009). Junto ao CODIVAR, em 1991 foi criado o Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Vale iniciou-se a construção do denominado Projeto Vale do Ribeira Sustentável (PVRS). Este projeto foi coordenado pelo
do Ribeira (FVR), o qual serviu para a criação das indústrias têxteis de Registro (FRANÇA, 2005). Em 1996, o governo Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania no Vale do Ribeira (IDESC), com a intenção de construir
de Mario Covas (1995-2001) implementou o Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Ribeira de Iguape e Litoral Sul - um plano territorial e a construção de editais para fomentar projetos de desenvolvimento e fortalecimento de lideranças
CBH-RB (RESENDE, 2002), com o objetivo de gestão dos recursos hídricos através dos planos de bacias hidrográficas locais. A aplicação de uma metodologia cuidadosamente elaborada de participação e construção do projeto territorial
e dos projetos financiados pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO). Foi o CBH-RB que participou da promoveu uma centelha de empoderamento por parte das organizações da sociedade civil participantes do processo,
construção do Plano de Emergência executado após as cheias de 1997 que ocorreram no Vale. Entretanto, a maior parte além da legitimação do CONSAD como colegiado privilegiado para a busca de demandas e soluções para o desenvol-
das ações foram voltadas somente para obras de infraestrutura, contudo, sem o processo de mediação com as populações vimento do território (COELHO; FAVARETO, 2008). Entretanto, o PVRS não foi executado devido ao baixo nível de
mais afetadas pelas enchentes. compromisso por parte dos tomadores de decisão, adicionando-se ao fato da baixa densidade e complementaridade das
instituições locais e regionais quanto a real implementação de um projeto territorial (FAVARETO; SCHRODER, 2007).
Entre 1999 e 2002 há uma primeira integração de ações entre o governo federal e estadual com a realização do
Fórum de Desenvolvimento do Vale do Ribeira, executado a partir do Programa Comunidade Ativa (PCA) do governo Em 2008 foi lançado o Programa Territórios da Cidadania (PTC). Este programa surgiu com a pretensão de dar
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A ação foi coordenada em ambas as esferas com o objetivo de induzir a estra- continuidade a ações do PRONAT a partir da universalização das políticas sociais em articulação com o desenvolvimen-
tégia de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS). O processo de execução da estratégia foi amplamente to rural sustentável dos territórios. Esta estratégia seria organizada pela integração horizontal e vertical dos governos,
participativo, o que resultou em 2001 no Programa de Fortalecimento das Vocações das Comunidades do Vale do Ribeira órgãos públicos e organizações privadas visando à viabilização de planos territoriais construídos em articulação aos di-
- Agenda Rural (ROMÃO et al, 2005). A inovação do plano integrou esforços do Ministério do Desenvolvimento Agrário ferentes atores e interesses. Entretanto, a execução PTC no Vale do Ribeira encontrou inúmeros obstáculos, destacando
(MDA) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS, atual CONDRAF) na esfera federal, a saída do IDESC da coordenação do CONSAD, a dificuldade de articular a participação com as ações do programa e o
do CODIVAR e do CBH no âmbito estadual e no âmbito local do Sindicato Regional da Agricultura Familiar do Vale crescente número de imbróglios em torno do funcionamento do colegiado. A quantidade de impedimentos chegou a tal
do Ribeira e Litoral Sul (SINTRAVALE). O plano foi elaborado, no entanto, pela ausência de compromisso financeiro ponto dos participantes decidirem pelo fechamento do CONSAD em 2014, para constituir em seu lugar um Colegiado
por parte dos governos, impediu a execução do mesmo (IDESC, 2005). Entretanto, esta experiência foi fundamental de Desenvolvimento Territorial (CODETER) com o objetivo de construir um novo ciclo da política a partir da realização
para o surgimento de associações, cooperativas e sindicatos da região, além de fortalecer as organizações já existentes de convênios com universidades públicas para a gestão do PTC (SILVA Jr., 2015).
(COELHO; FAVARETO, 2008).
Além das políticas federais, o governo estadual criou arranjos institucionais e ações voltadas ao desenvolvimen-
to do Vale do Ribeira. Primeiramente, em 2001 o CODIVAR transforma-se no Consórcio Intermunicipal de Saúde do
Vale do Ribeira – CONSAÚDE, entretanto, sem deixar de atuar nas antigas competências de desenvolvimento regional
NOVO CICLO DE POLÍTICAS NOS ANOS 2000: CONTINUIDADES E NOVOS DESAFIOS
(CRUZ et al, 2009). O CONSAÚDE possui um importante papel na gestão da saúde pública regional. Ademais, o Pro-
No início do século XXI foram constituídos novos arranjos institucionais pelo governo federal. Este momento grama Estadual de Microbacias Hidrográficas do Estado de São Paulo (PEMH), uma das principais políticas do governo
marca o reposicionamento do Estado como ator central no planejamento do desenvolvimento social e regulador dos estadual, fruto de um acordo entre o Estado de São Paulo e o Banco Mundial, está sob a incumbência da Coordenadoria
mecanismos econômicos (CEZAR, 2012). Houve a reestruturação das políticas sociais com o surgimento do Programa de Assistência Técnica Integral – CATI (NETO; CLEMENTE, 2014). Este programa surgiu a partir da preocupação de-
corrente da degradação ambiental e pelo combate à pobreza rural, sendo dividido em duas fases: a primeira, executada

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entre 2000 e 2008, voltada a projetos de infraestrutura e a segunda, o Microbacias II – Acesso ao mercado foi iniciada CONSIDERAÇÕES FINAIS
em 2010 e segue em execução. Outra política implementada no âmbito estadual, o Programa Minha Terra (PMT), foi
As políticas públicas implementadas no Vale do Ribeira evidencia por um lado, a trajetória de inúmeros planos e
lançado em 2002 a cargo da Fundação Instituto de Terras de São Paulo (ITESP), órgão da Secretaria e Justiça e da defesa
ações que não resultaram num diálogo entre a gestão pública e as demandas da sociedade civil, pouco contribuindo para
da Cidadania do estado (GOBBO, 2011). Tendo o objetivo de realizar a regularização fundiária para comunidades mais
a construção de um norte orientador e planejado voltado para a sustentabilidade dos processos produtivos e da construção
vulneráveis, o programa ganhou continuidade e se transformou em política de Estado em 2010. Dentre as ações mais
do bem público (GALVANESE; FAVARETO, 2014). Nota-se como o Estado brasileiro não possui uma atuação homo-
recentes levadas a cabo pelo governo estadual, o Programa Paulista Agricultura de Interesse Social (PPAIS) foi lançado
gênea em seu território, onde as estratégias e capacidade de criação de novas estruturas e regras podem variar de uma
pela CATI em 2011, visando fortalecer a comercialização da agricultura familiar via compras públicas. O pouco tempo
região para outra. Na outra mão, numa análise mais detida, percebe-se que a construção de uma estrutura institucional
de execução e articulação do PPAIS impossibilita qualquer análise mais robusta desta política.
mais robusta e plural na região ribeirense é mais visível somente a partir da década de 1990. Ou seja, hoje há um maior
A esquematização abaixo sintetiza o fio de argumentação proposto. número de arranjos institucionais e ações executadas por parte dos diversos entes estatais na região de forma contínua,
apesar da atuação fragmentada e sob forte componente político-partidário (COELHO; FAVARETO, 2008; SILVA Jr.,
Linha do tempo das políticas públicas do Vale do Ribeira 2015). Sob o prisma de O’Donnell (1991), percebe-se a resistência do sistema democrático delegativo, ou, um sistema
formado por uma transição democrática recente, com pouca densidade institucional e com a ausência de obrigatoriedade

CF 88
1920

1940
1960

2010
1900

1980

2000
por parte do tomador de decisão e dos gestores na prestação de contas da gestão pública, o que impossibilita medidas de
questionamento ou sanção por parte da sociedade civil. Entretanto, Coelho e Favareto (2008) sugerem que, as organiza-
Plano de Açao/Operação Caiçara
MASTERPLAN ções sociais existentes no Vale do Ribeira, importante aspecto regional das últimas três décadas, tem o potencial de criar
L. Ref. Agr.
eventos de tensões, negociações e pressões em torno de suas demandas. Adiciona-se a manutenção da mata atlântica e a
Planos, projetos e programas

Aposentadoria rural
PSF riqueza sociocultural do Vale como atributos imprescindíveis para alavancar estratégias de desenvolvimento territorial
PRONAF
sustentável. É possível conceber um cenário na qual a sociedade civil organizada forme redes de pressão nas diferentes
PEMH-II/CATI
PEMH-I/CATI arenas da gestão pública em torno da construção de maior convergência quanto à atuação territorial integrada, múltipla,
PMT/ITESP
PFZ/MDS com perspectiva ao longo prazo sob a ótica da sustentabilidade.
PRONAT/MDA
PVRS
PROMESO/MIN
PTC/MDA
AGRADECIMENTOS
PPAIS/CATI
ZEE/SMA
SUDELPA
Agradeço as contribuições e críticas elaboradas por Alexandre Antunes Ribeiro Filho.
Arranjos institucionais e

CEDAVAL
CONSEMA
SMA
CODIVAR CONSAÚDE REFERÊNCIAS
FVR
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CODETER/MDA
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: 1. INTRODUÇÃO
UM ESTUDO DE CASO NO VALE DO RIBEIRA, PR, BRASIL
Segundo Navarro (2001), durante muito tempo, o desenvolvimento rural foi associado ao conjunto de ações
do Estado e de organismos internacionais destinados a intervenções nas regiões rurais pobres que não conseguiam se
Dayana Lilian Rosa Miranda1; Bruno Martins Augusto Gomes2
integrar ao processo de modernização agrícola, preconizando ações de intervenção dirigidas e orientadas sob um caráter
compensatório. Esta realidade se fez presente na região do Vale do Ribeira (PR) a qual conta com ricos patrimônios
ambientais e culturais, porém acusa baixa qualidade de vida e desenvolvimento econômico em função das características
RESUMO
geográficas e das opções de políticas públicas vinculadas à região.
O território do Vale do Ribeira está localizado na Bacia Hidrográfica Ribeira do Iguape e no Complexo Estuarino
No parte paranaense do Vale do Ribeira (Brasil), encontram-se as mais baixas taxas de Índice de Desenvolvimento
Humano – IDH da região. Dessa forma, o governo deste estado considera o território como sendo prioritário para a Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, abrangendo as regiões sudeste do Estado de São Paulo e leste do Estado do
implementação de um conjunto de políticas públicas que visem melhorar as condições de vida da população local. Paraná. A região paranaense é composta por sete municípios: Adrianópolis, Bocaiúva do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulisses,
Dessa forma, mediante um estudo de caso no Vale do Ribeira - PR, este artigo tem como objetivo analisar como o Itaperuçu, Rio Branco do Sul e Tunas do Paraná.
desenvolvimento rural de um território é influenciado pelas ações do setor público. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
Este território tem sua base econômica atrelada, principalmente, à agricultura familiar - com predomínio de culturas
bibliográfica junto a observações in loco, com o intuito de, respectivamente, coletar dados históricos sobre o tema e
verificar a condição em que a região se encontra atualmente. Assim, foi possível constatar que o Vale do Ribeira participou de milho, feijão e mandioca, e ao extrativismo vegetal e mineral. A agricultura ocupa 30% do território, emprega 70% da
de forma marginal dos benefícios que o conjunto de políticas públicas direcionadas à região, com exceção daqueles mão-de-obra, gera 60% da arrecadação municipal e contribui com cerca de 20% do PIB regional (IPARDES, 2011). Mas
produtores mais estruturados e/ou mais integrados ao mercado. A pecuária e o reflorestamento de Pinus e Eucalyptus na região do Vale do Ribeira estão as mais baixas taxas de Índice de Desenvolvimento Humano, apresentando um IDH
tiveram um forte incremento nesse período, aumentando ainda mais a concentração fundiária e de renda na região. Assim,
media de 0,65 - o que a faz ser considerada pelo governo paranaense como prioritária para a implementação de um de
pode-se concluir que a agricultura familiar tem relevância no alcance do desenvolvimento rural e sustentável do meio,
mas este êxito é dependente das políticas públicas. políticas públicas que visem melhorar as condições de vida da população local.
Dessa forma este artigo tem como objetivo analisar como o desenvolvimento rural de um território é influenciado
pelas ações do setor público mediante um estudo de caso do Vale do Ribeira. Para tanto, em termos metodológicos, foi
Palavras-chave: Desenvolvimento Rural. Sustentabilidade. Vale do Ribeira. realizada uma pesquisa qualitativa adotando a análise bibliográfica e a observação in loco, com o intuito de, respectivamente,
coletar dados históricos sobre o tema e constatar a condição em que este território se encontrava. Como estratégia da
ABSTRACT pesquisa, optou-se por adotar a abordagem de estudo de caso, pelo fato desta ser uma estratégia de investigação em que
o pesquisador explora profundamente um programa, um evento, uma atividade ou um processo (Creswell, 2010). Então,
In its the part of Paraná state, Vale do Ribeira (Brazil) are the most lowest rates of Human Development Index - HDI, that foi elaborada a análise dos dados coletados, a qual é exposta a seguir pautando-se em um resgate das principais políticas
makes the region to be considered by Paraná government as priority for a set public policies implementation that aim at
públicas que impactaram no desenvolvimento rural do território. Por fim, expõe-se uma síntese desta relação entre as
to improve the local population life conditions. Therefore, through a case study of Vale do Ribeira, this article has with
goal to analyze how the rural development of a territory is influenced by the public sector actions. Thus, was realized ações implementadas pelo setor público e o desenvolvimento rural alcançado a partir da experiência do Vale do Ribeira,
a bibliographic search and on-site observations, in order to, respectively, to collect historical data about the theme and assim como são apresentadas propostas para pesquisas futuras comprometidas com a temática.
to verify the current territory condition. Therefore, was possible to find that the Vale do Ribeira participated marginally
of the public policies benefits directed to the region, with the exception those more structured producers and / or more
integrated to the market. The livestock and the reforestation of pine and eucalyptus had an increase strong in this period, 2. DESENVOLVIMENTO RURAL
further increasing land concentration and income in the region. Thus, we can conclude that the family farming has relevant
to achievement of rural and sustainable environment development, but this success is dependent of the public policies. Navarro (2001) expõe que o “conceito de desenvolvimento rural altera-se ao longo do tempo, influenciado por
diversas conjunturas e, principalmente, pelos novos condicionantes que o desenvolvimento mais geral da economia e da
Key-words: Rural Development. Sustainability. Vale do Ribeira. vida social gradualmente impõem às famílias e às atividades rurais”. Ainda segundo o autor:

Desenvolvimento rural, portanto, pode ser analisado a posteriori, neste caso referindo-se às análises sobre
programas já realizados pelo Estado (em seus diferentes níveis) visando a alterar facetas do mundo rural a
partir de objetivos previamente definidos. Mas pode se referir também à elaboração de uma “ação prática”
para o futuro, qual seja, implantar uma estratégia de desenvolvimento rural, para um período vindouro
(assim, existiriam diversas metodologias de construção de tal estratégia, bem como um amplo debate sobre
1 Mestra em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental – UDESC. E-mail: dayana.l.rosa@gmail.com
seus objetivos e prioridades principais) (NAVARRO, 2001, p.88).
2 Doutor em Políticas Públicas - UFPR. Professor da UFPR. E-mail: gomesbma@ufpr.br

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Entende-se por desenvolvimento rural, a melhoria das condições de vida das pessoas residentes nas áreas e regiões dimensões elementares do desenvolvimento, quais sejam: (i) economia, (ii) sociedade e cultura, (iii) ambiente e (iv)
rurais, através de processos sociais que respeitem e articulem os princípios de eficiência econômica, equidade social política e instituições; sendo necessário entender os processos de desenvolvimento como algo que envolve múltiplas
e territorial, qualidade patrimonial e ambiental, sustentabilidade, participação democrática e responsabilidade cívica dimensões, cada qual contribuindo de uma determinada maneira para o futuro e a sustentabilidade do território.
(BRASIL, 2003). Abramovay (2010) acrescenta que a concepção de território abre caminho para um avanço notável na concepção
Conforme Moreira e Carmo (2004), o termo desenvolvimento rural foi disseminado notadamente na década de do estudo do desenvolvimento, visto a ênfase na maneira de como os diferentes atores – públicos, privados e sociedade
1970, como estratégia para contrabalançar os efeitos negativos da modernização da agricultura que incidia sobre os civil organizada – relacionam-se no plano local. Martins (2009) discute a abordagem em que se refere ao desenvolvimento
países do terceiro mundo, convergindo com o modelo de “desenvolvimento comunitário” amplamente aplicado pelas e regulação socioambiental dos territórios rurais a partir de esferas públicas de governança política das áreas rurais que
agências internacionais de desenvolvimento durante as décadas de 1950 e 1960. Já na década de 1980, eis que surge venham a representar, além dos interesses agrícolas, os demais setores sociais ligados à dinamização e otimização das
então outro intento modernizador revolucionário, agora implementado por meio de técnicas e estruturas de difusionismo economias locais e regionais e a preservação da cultura.
mais agressivas e integradas. Era o Desenvolvimento Rural Integrado que surgia a partir de teorias sociológicas, Fox (1990), Navarro (1999, 2002) e Martins (1999, 2003), indicam que os processos de desenvolvimento ligados
antropológicas e econômicas da modernização agrária, com base nas premissas de que: 1) a causa da pobreza rural nos à participação e organização popular podem e devem contribuir efetivamente para estimular a “emancipação social”, criar
países subdesenvolvidos era a carência de tecnologias adequadas às suas circunstâncias e à falta de capital humano para mecanismos de responsabilização (accountability) e promover a democratização da sociedade, a participação dos atores
realizar a mudança tecnológica; 2) o responsável por essa carência de capital humano era a falta de investimentos em e a coesão social e territorial.
pesquisa, experimentação agrícola e educação rural; e 3) a falta de investimentos devia-se às políticas nacionais que não No entanto, Schneinder (2010) sustenta a afirmativa de que a formulação da agenda de ações do Estado é menos
valorizavam a agricultura (MOREIRA e CARMO, 2004). influenciada pelos demandantes diretos das políticas, no caso os agricultores e as populações rurais, do que pelos
No Brasil, nos anos de 1990 a sustentabilidade foi incorporada às estratégias de desenvolvimento rural, sob a estudiosos e mediadores. O autor relata que a agenda de questões que formam as políticas de desenvolvimento rural do
forma de programas de desenvolvimento rural sustentável, agora mediante a industrialização sustentável da agricultura Estado brasileiro desde a década de 1990 é permeada pelas ideias e propostas colhidas pelos formuladores de políticas
(Moreira E Carmo, 2004). Schneinder (2010) acredita que, a partir desse período, as políticas públicas e discussões (police makers) junto aos estudiosos e mediadores.
teóricas sobre o desenvolvimento rural reemergiram em bases inteiramente diferentes daquelas da década de 1970. Cazella (2012) defende uma formulação de políticas públicas de desenvolvimento rural mais próxima das
Sob influência das transformações sociais, políticas e econômicas que se operaram no âmbito do Estado brasileiro, as propostas do desenvolvimento territorial, ou seja, contemplando: (i) ações permanentes de reassentamentos de famílias
discussões específicas sobre o tema do desenvolvimento rural e as políticas governamentais voltaram-se para a reforma para o alcance do reordenamento territorial e fundiário - reforma agrária e crédito fundiário; (ii) microfinanças; (iii)
agrária, crédito para agricultura familiar, segurança alimentar, combate às formas precárias de trabalho, regularização pluriatividade - exercício de outras atividades remuneradas associadas à agricultura; e (iv) a valorização do caráter
fundiária, apoio às populações tradicionais (quilombolas, ribeirinhos) e ações de desenvolvimento territorial. multifuncional da agricultura familiar - segurança alimentar, conservação ambiental, manutenção de paisagens rurais,
Porém, Moreira e Carmo (2004) destaca a também presente a estratégia de industrializar sustentavelmente a geração de novas ocupações, entre outros.
agricultura gerando um modelo hegemônico que padroniza o manejo industrial dos recursos naturais, sem levar em Neste sentido Abramovay (2010) argumenta que num país marcado pela tradição latifundiária como o Brasil, o
consideração as especificidades de cada país, território, região ou lugar. Altieri (2002) esclarece que tal forma de acesso à terra, ao crédito e ao mercado são fundamentais para o processo de desenvolvimento rural. Como exposto por
manejo é incompatível com o conceito de sustentabilidade ecológica, pois a agricultura industrializada transforma os Guimarães (1977) o latifúndio é o grande responsável pelo atraso no campo – afinal este apresentava baixos índices de
ciclos naturais e os processos biológicos, forçando as bases da reprodução biótica do ar, da água e da terra. Assim, produtividade e altos índices de exploração dos trabalhadores rurais.
entende-se como Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS um conjunto de práticas e tecnologias aplicadas ao meio Em suma, acredita-se que os estudos sobre o desenvolvimento rural no Brasil precisam buscar uma maior
rural que possibilite a exploração e utilização racional dos recursos naturais com o menor impacto possível, propiciando emancipação do modelo de desenvolvimento adotado a partir das ações do Estado, das políticas públicas e até mesmo da
a sustentabilidade do meio também para as gerações futuras (ALTIERI, 2004).  participação social, em vias de atingir uma perspectiva real da necessidade emergencial dos processos de mudança social.
Segundo Maluf (2001) a temática territorial permitiu a emergência, na definição de políticas públicas, de
um discurso de revalorização do meio rural, antes negligenciado em ações de desenvolvimento regional, que eram
3. DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NO VALE DO RIBEIRA
basicamente voltadas para a estruturação dos espaços urbanos. O meio rural deixa de ser entendido somente por suas
características produtivas e passa a ser valorizado também por seus aspectos sociais, culturais e ambientais; assim como O Vale do Ribeira – PR conta, a partir dos anos 1970, com um conjunto de ações de Programas Governamentais
o posicionamento contrário à dicotomia rural-urbano, que negligencia as relações sociais desenvolvidas na prática em que dão ênfase para a agricultura da região. Dentre as políticas públicas implantadas na região anteriormente, merece
decorrência dos diversos mecanismos de integração entre estes espaços. destaque o Programa Integrado de Desenvolvimento do Litoral e Alto Ribeira – PRODELAR, criado em 1976 pelo
De acordo com o MDA (2003), as políticas de desenvolvimento territorial devem levar em consideração as quatro governo do Paraná, que objetivava sumariamente o desenvolvimento da região Litoral e Alto Ribeira (BIANCHINI,

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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2010). Este Programa não via na atividade um potencial projeto voltado ao desenvolvimento “econômico” da região, portanto, agricultores com melhor nível de tecnologia. Porém, o impacto mais significativo que se pode atribuir ao PRO-
por isso ele priorizou a atividade de pesquisa e exploração mineral como sendo uma atividade econômica com potencial RURAL foi a recuperação da “máquina estatal” durante os anos 1980, dando a ela condições de operacionalidade através
para o alcance do então desenvolvimento econômico do território. Segundo mesma fonte, dentre as políticas de médio e da criação de novos escritórios da EMATER, com a consequente ampliação no número de técnicos, veículos e rede de
longo prazo, foram previstas a criação de um polo cimenteiro na região e, em segundo plano, o aproveitamento da laranja apoio à pesquisa na agricultura.
em Cerro Azul. Como políticas de curto prazo, de forma marginal foi previsto o apoio à agricultura em cadeias como a Segundo a mesma fonte, em 1989, é implementado o Programa de Manejo das Águas, Conservação do Solo e
do leite, fruticultura (mamão e citrus), olericultura (tomate, pimentão e alho) e as culturas de subsistência, além de um Controle da Poluição em Microbacias Hidrográficas - PARANÁ RURAL. Este previa a conservação de solos e da água
programa de regularização fundiária dos municípios que compõe o território. e o controle da poluição, além de confirmar a microbacia hidrográfica como unidade de planejamento e ação prioritária
Porém, a fragilidade da assistência técnica e do investimento em pesquisa, a ausência de cooperativas, bancos, para as regiões mais dinâmicas da agricultura e uma das mais impactadas pelo uso intensivo do solo. Este novo Programa
agroindústrias bem como canais de mercado e meios de escoamento da produção impossibilitaram a consolidação de foi priorizado em relação ao PRÓ-RURAL. Assim, foram priorizadas as áreas mais férteis e dinâmicas do Estado, que são
cadeias como a da hortifruticultura, a do leite e da laranja (BIANCHINI, 2010). Já a prioridade do PRODELAR, que era as regiões norte e oeste, com uma agricultura mais intensiva e uma maior demanda de manejo do solo e da água, assim
investir em pesquisa e exploração mineral, acabou se concretizando quando subsídios governamentais foram destinados à como de controle da poluição. Logo, os investimentos do PARANÁ RURAL no Vale foram proporcionais à importância
pesquisa e exploração mineral, acarretando no fortalecimento e ampliação do polo cimenteiro nos municípios de Itaperuçu econômica da região e à capacidade de contrapartida de seus agricultores ou ainda a adequação da tecnologia e da
e Rio Branco do Sul. assistência técnica à realidade regional, recebendo o território, assim, poucos recursos.
Souza (1976) expõe que, frente às limitações impostas pelo relevo do território, fortaleceu-se, na década de Com o término do PRÓ-RURAL é criado então, em 1998, o Paraná 12 Meses, executado pelo Governo do Estado
1970, uma outra atividade econômica impulsionada pelos incentivos fiscais promovidos pelo Governo Federal na região, com apoio financeiro do Banco Mundial, estando em atividade até abril de 2006. Os componentes básicos do Programa
sendo estes revertidos para plantios comerciais de madeira de reflorestamento de Pinus e Eucalyptus, tendo em vista previam o desenvolvimento social e produtivo do beneficiário e o fortalecimento institucional e desenvolvimento
que a região não seria supostamente adequada para a agricultura mecanizada. Destaca-se que, naquele período, tem-se o tecnológico. Em sua concepção o programa se pautava na viabilização da agricultura a partir dos agricultores e seus
processo de modernização da agricultura no Brasil como um marco histórico no que tange ao desenvolvimento do setor familiares, enquanto cidadãos e profissionais da agricultura. O Paraná 12 Meses propunha avançar nos hortifrutigranjeiros
agrícola nacional. Souza (1976) afirma ainda que com a implantação das áreas de reflorestamento muitas comunidades e na revitalização da cafeicultura além de agregar mais valor na produção com o incremento da agroindustrialização,
e porções de área rural de municípios inteiros acompanharam a desconfiguração do verde da Mata Atlântica presente traduzidas em um plano de ação. Porém, o Programa favoreceu agricultores localizados em áreas mais férteis com
no Vale do Ribeira, causada pela ação do vento e do homem. Destaca-se que nos municípios de Rio Branco do Sul e sistemas mais intensivos, o que não era o caso do Vale do Ribeira. O apoio à agricultura foi pequeno, não atendendo
Itaperuçu o reflorestamento das espécies é mais significativo e recorrente. novamente às reais demandas dos agricultores familiares da região, principalmente os de menor renda. Em relação ao
Na década de 1980 tem-se no governo do estado o Programa de Apoio à População Carente do Alto Ribeira meio ambiente, faltou a adequação das propostas técnicas do Programa às reais necessidades dos agricultores e da região
- PRÓ-RIBEIRA, criado como parte integrante do Programa de Desenvolvimento Regional - Apoio às Populações (BIANCHINI, 2010).
Carentes, elaborado pelo IPARDES e financiado por agências multilaterais de desenvolvimento (BIANCHINI, 2010). Nas duas primeiras décadas dos anos 2000 encontram-se disponíveis para acesso por parte dos agricultores as
A proposta era a promoção do incentivo à melhoria da produção de culturas de subsistência, como o milho e o feijão, seguintes políticas públicas voltadas para a manutenção, apoio e desenvolvimento da agricultura familiar: o (i) Programa
aos novos implementos agrícolas de tração animal, à citricultura, à pecuária (leite, caprinocultura e suinocultura). Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, que objetiva fortalecer as atividades desenvolvidas pelo
Ele trabalhava ainda as temáticas de apicultura, armazenagem, comercialização, melhoria de estradas, regularização produtor familiar por meio da integração do agricultor com a cadeia produtiva; (ii) Programa de Aquisição de Alimentos
fundiária, saneamento rural, e até mesmo a diversificação da pequena propriedade a partir do reflorestamento de Pinus ou – PAA, que visa adquirir produtos da agricultura familiar para formacao de estoques de alimentos, controlar preços,
Eucalyptus e/ou Bracatinga ou Erva-mate, em áreas impróprias à agricultura em até três hectares da propriedade. O e realizar doações simultâneas para famílias e grupos sociais em situação de insegurança alimentar; o (iii) Programa
resultado revelou que a diversificação agropecuária foi modesta, ao passo que o reflorestamento de Pinus e Eucalyptus Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, que oferta refeições balanceadas e nutritivas a estudantes da rede pública de
foi significativo, principalmente no que tange aos municípios de Itaperuçu e Rio Branco do Sul. ensino; o (iv) Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural - PRONAMP que é voltado ao médio produtor rural,
Ainda na década de 1980 ocorreu o Projeto Integrado de Apoio ao Pequeno Produtor Rural - PRÓ-RURAL, sendo financiamentos cedidos quando a renda do agricultor ultrapassa o valor máximo de investimento estabelecido pelo
criado em 1981 pelo Governo do Estado do Paraná com apoio do BID, visando à ampliação da estrutura da ATER, da PRONAF; o (v) Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, que consiste em um seguro da safra;
Pesquisa, do apoio ao associativismo, criação de associações e melhora de infraestrutura e dinamização do uso do crédito o (vi) Finame Agrícola, que consiste no auxílio via crédito, à produção e à comercialização de máquinas, implementos
rural (BIANCHINI, 2010). O PRÓ-RURAL tinha o objetivo de aumentar a produção agropecuária, o nível de renda agrícolas, bens de informática e automação destinados à produção agropecuária; e por fim, o (vii) ABC da Agricultura de
dos produtores e, consequentemente, a qualidade de vida. Como resultado, o Programa proporcionou um incremento às baixo carbono, que é uma linha de crédito que tem como objetivo incentivar a adoção de técnicas agrícolas sustentáveis
principais cadeias produtivas da região, com um alcance pequeno no universo dos pequenos agricultores, beneficiando, que contribuam para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a preservação dos recursos naturais.

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Contudo, o território do Vale do Ribeira participou de forma marginal desse processo, em se tratando do o processo pelo qual o progresso tecnológico se internalizou na agricultura, modificando o tipo de relação que o agricultor
desenvolvimento regional que tais políticas públicas implementadas poderiam ter trazido ao território, embora produtores estabelecia com a natureza e os sistemas produtivos, mostrando desarticulação dos sistemas de valores preexistentes e o
mais estruturados e/ou mais integrados ao mercado tenham se beneficiado diretamente desde as últimas décadas do século abandono de formas tradicionais de sociabilidade em comunidades tradicionais. Nota-se também que os agricultores que
XX. A pecuária e o reflorestamento de Pinus e Eucalyptus tiveram um forte incremento nesse período, aumentando ainda não tinham acesso à terra e a outros recursos produtivos não se ajustaram às condições do modelo vigente, permanecendo
mais a concentração fundiária e de renda na região. a grande maioria fora da dinâmica de “desenvolvimento rural”.
Os sujeitos locais envolvidos relatam que antes da década de 1970 a economia agrícola local era boa, mas que os Em suma, a lógica operacionalizada a partir das políticas públicas vistas em campo, revela uma perspectiva de
modos de produção eram um tanto quanto sofridos para o agricultor. Após esse período veio uma crise para a agricultura reintegração e fortalecimento da produção de alimentos a nível local, propiciando aos agricultores familiares estratégias
local, com uma queda significativa nos preços e a desvalorização dos principais produtos destinados à comercialização antes não acessadas de subsídios de produção e comercialização, de modo a estruturar condições que permitirão a
(milho, feijão e mandioca), acarretando no abandono das atividades da lavoura e grande êxodo rural nos municípios por comercialização através de outros instrumentos locais e regionais. As atuais políticas públicas em vigência nos municípios
conta do fato. Grande parcela dos agricultores que permaneceram no campo arrendou suas terras para plantações de Pinus revelam uma garantia das condições de mantenimento do agricultor familiar no campo, ao que se refere à racionalidade
e Braquiária para o gado, fato que acarretou no empobrecimento e infertilidade do solo. Com isso, intensificaram-se os econômica e produtiva e a oportunização de ressignificação das relações internas e externas da lógica familiar, representando
processos de queimada e inserção de adubos químicos e/ou sintéticos no solo, o que somou para um maior empobrecimento, um instrumento de “subsídio” da agricultura familiar, com foco no estímulo à produção de alimentos para o consumo local.
aceleração de processos de erosão e infertilidade dos solos cultiváveis da região.
Os agricultores familiares, sem maiores opções, se inseriram crescentemente na dinâmica do mercado - a
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
monocultura extensiva do Pinus e Eucalyptus, fato que acarretou na perda de autonomia do processo produtivo, forçando
muitos agricultores familiares a migrarem para outros locais. Muitos agricultores familiares ainda não têm acesso à Em um país marcado pela visível tradição latifundiária como o Brasil, o acesso à terra, ao crédito, ao mercado e
regularização fundiária de suas propriedades, o que dificulta o acesso a um conjunto de políticas públicas como o crédito todos os subcomponentes implícitos no processo consistem em iniciativas primordiais para composição do alcance do
rural, habitação e subsídios governamentais via projetos de desenvolvimento rural, sem falar na produção agrícola, que desenvolvimento para as populações residentes no meio rural. Neste cenário, políticas públicas voltadas para o fortalecimento
depende do acesso à terra para ser desenvolvida. da agricultura familiar possibilitam novos rumos para o alcance do desenvolvimento rural com equidade social e melhoria
Há um sentimento presente nos locais de que a agricultura nos municípios está acabando devido ao envelhecimento na qualidade de vida dos agricultores. Portanto, este texto teve o objetivo de analisar como o desenvolvimento rural de um
das pessoas que habitam o campo, permanecendo no meio rural somente os pais e avós, visto que a juventude está território é influenciado pelas ações do setor público mediante um estudo de caso do Vale do Ribeira.
migrando para os pólos urbanos e também por conta dos efeitos que o cultivo do Pinus e a extração de minérios irão Ficou evidente que está institucionalizado entre os tomadores de decisão do setor público a formulação de políticas
acarretar ao solo e, consequentemente, à atividade da agricultura futuramente, ao passo que outros atores envolvidos públicas voltadas para a regiao do Vale do Ribeira, porém, estas pouco alcançam a promoção do desenvolvimento
citam a necessidade de “corrigir os erros do passado” através da recuperação do solo e utilização do manejo orgânico e sustentável deste território. Algumas, como as relacionadas à pecuária e ao reflorestamento de Pinus e Eucalyptus inclusive
agroecológico na cultura de produção. aumentaram a concentração fundiária e de renda na região. Da mesma forma é comum estas gerarem benefícios para
Contudo, segundo os sujeitos ligados à agricultura familiar local, a partir do início dos anos 2000, a realidade alguns produtores mais estruturados e/ou mais integrados ao mercado.
do Vale do Ribeira obteve melhoras com a criação das entidades representativas de classe, a utilização de maquinário Como implicação teórica, este artigo expõe a relevância da agricultura familiar para o alcance do desenvolvimento
no campo nas áreas apropriáveis, a facilitação do transporte da mercadoria produzida, a diversificação da produção para rural e sustentável do meio, realçando a dependência destes objetivos em relação às políticas públicas e agricultura na
subsistência e comercialização e o acesso por parte dos agricultores familiares às políticas públicas e programas de discussão e redimensionamento do modelo predominante de desenvolvimento rural. O mesmo processo que gerou a
governo tratados no presente estudo. exclusão e o abandono do campo por famílias de agricultores de pequena escala, também foi responsável pelo surgimento
Como possíveis soluções para aperfeiçoar a agricultura local foram citadas questões inerente à recuperação das de uma nova dinâmica no campo, que vem apontando caminhos considerados viáveis como solução para uma permanência
práticas antigas de mutirões (puxirões); a permanência dos programas atuais de governo, o aumento das cotas e criação de digna de homens e mulheres no meio rural por meio da agricultura familiar. Desde os anos 1990, vem surgindo uma
novos programas em prol do benefício do setor, independente da mudança de governo; a ampliação dos canais de mercado, legitimação desta enquanto estratégia desenvolvimento rural sustentável e no cenário político que envolve o setor.
a melhoria na logística de comercialização e valorização dos preços dos produtos; o desenvolvimento de agroindústrias Como implicação prática permite defender a importância dos agricultores familiares organizados sob a forma
locais, para beneficiar e processar os alimentos produzidos localmente; a profissionalização do meio rural através da de modelo baseado nos moldes cooperativos/associativos organizem sua produção e comercialização. Esta articulação
oferta de capacitação, principalmente para os jovens; o estimulo à produção orgânica e agroecológica e a facilidade de se constituirá como um veículo de comercialização, mas também como uma ferramenta de politização dos agricultores
acesso à certificação dos produtos; assim como a melhoria na assistência técnica de produção. de base familiar, de desenvolvimento de processos culturais de produção orgânica e agroecológica. Portanto, funcionará
Portanto, sob o ponto de vista adotado na presente pesquisa, tem-se que a modernização da agricultura representou como um estímulo do desenvolvimento rural a partir do local.

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Finalmente, pesquisas futuras podem dedicar-se a investigação com os diversos sujeitos envolvidos acerca de
uma possível mudança de enfoque na aplicação das políticas públicas em curso pudesse ter sido continuada, de modo MARTINS, J. S. O Sujeito oculto. Ordem e transgressão na reforma agrária. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
a criar condições que alterem o ambiente institucional local e regional, revelando potencialidades e criando assim, de
MARTINS, R. C. Descrição e Prescrição no Desenvolvimento Rural: O território como espaço social reificado. Ruris.
forma conjunta, estratégias que possam vir a ter implicações no desenvolvimento e na definição de políticas públicas vol.3. n.1. Março/2009.
e diretrizes de planejamento e gestão ligadas ao desenvolvimento rural sustentável, de forma a organizar os processos
político-institucionais ligados à agricultura familiar e sua dinâmica socioprodutiva local e regional. Também como lacuna MOREIRA, R. M. CARMO, Maristela Simões do. Agroecologia na construção do Desenvolvimento Rural Sustentável.
Agricultura São Paulo. v. 51, n. 2, Jul./dez. 2004. p. 37-56.
de pesquisa teve-se o não mapeamento, por insuficiência de dados disponíveis, da distribuição espacial das políticas
públicas em curso, seguido da impossibilidade de categorização de acesso através de um mapa ilustrativo que mostrasse
NAVARRO, Z. Manejo de recursos naturais e desenvolvimento rural: um estudo comparativo em quatro estados
a realidade in loco dos principais perfis de beneficiários, as comunidades em que estão situados, se são residentes ou não, brasileiros (lições e desafios). Relatório ao Banco Mundial, 1999.
as principais atividades agropecuárias envolvidas, entre outros, ferramenta que possibilitaria gerar um diagnóstico atual
das políticas públicas em curso e até mesmo um prognóstico e/ou cenário ideal baseado nos dados coletados em campo. NAVARRO, Z. Desenvolvimento Rural Brasileiro: os limites do passado e os caminhos do futuro. Revista Estudos
Avançados. vol. 15, nº 43. Set./dez. 2001. p. 83-100.

NAVARRO, Z. Mobilização sem emancipação: as lutas sociais dos sem terra no Brasil. In SANTOS, B.S., org. Produzir
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ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 4.ed. – Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2004. SOUZA, D. M. P.. Alterações físicas químicas e biológicas provocadas pela cultura de Pinus em alguns solos do
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PARLAMENTARES EM AÇÃO: UM ESTUDO DAS PROPOSITURAS DE QUATRO DEPUTADOS FEDE- Esta pesquisa analisa parte da atuação dos deputados federais do estado do Paraná integrantes da Frente Parla-
RAIS EVANGÉLICOS DO ESTADO DO PARANÁ NA 54ª LEGISLATURA. mentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional do Brasil entre os anos 2011-2015. André Zacharow, Edmar Arruda,
Fernando Francischini e Hidekazu Takayama foram os parlamentares paranaenses que na 54ª Legislatura da Câmara dos
Deputados compuseram a FPE.2
Fernando Henrique de Sousa Paz1
Existem n formas de se buscar conhecer os sentidos da atuação parlamentar, inclusive aquelas que partindo da
análise de produções jornalísticas sobre as atividades dos parlamentares, ou de entrevistas com os próprios parlamen-
RESUMO tares, acerca dos motivos para suas proposituras, também buscam explicar particularidades de um conjunto de relações
sociais que tem na atuação parlamentar uma de suas expressões. A forma escolhida, nesta pesquisa, para apreender par-
Esta pesquisa analisa atuações de deputados federais do estado do Paraná integrantes da Frente Parlamentar Evangélica
entre os anos 2011-2015. O objetivo é identificar autorias, temas pautados e a presença de temas ligados à teoria do ticularidades da atuação parlamentar, bem como da base social na qual se assentou tais atuações – porque se há atuação
desenvolvimento sustentável em proposituras na Câmara dos Deputados do Brasil, durante a 54ª Legislatura. Acredita- parlamentar há base social onde ela se assenta – prioriza a análise do conteúdo das proposituras parlamentares, conside-
se que a metodologia empregue e o resultado da análise das proposituras parlamentares podem contribuir com novos rando os parlamentares como propositores de temas apreciados no parlamento e os assuntos pautados como aquilo que
estudos da atuação parlamentar.
possibilitou determinados relacionamentos entre um conjunto de parlamentares da câmara baixa do Brasil.

Aqui, considerou-se, após identificadas mais de cinco centenas de proposituras, que determinado conjunto de
parlamentares formou uma rede de relacionamentos ao pautarem, individual ou coletivamente, uma série de assuntos
– como se verá a seguir – no parlamento. Para tanto foi necessária, inicialmente, a identificação dos elementos – temas
pautados – capazes de unir maior ou menor conjunto de parlamentares. Esses elementos, aqui, não são considerados os
únicos a possibilitarem relacionamentos entre parlamentares no interior daquela instituição, tampouco se pode afirmar
a existência de outros elementos, ou de outros tipos de relacionamentos, a partir da metodologia empregue para analise
dos dados coletados.

Compreendemos a atuação parlamentar como ação de influenciar sobre todas as partes do Estado-Nação (o exe-
cutivo, o legislativo, o judiciário, as forças armadas e as instituições públicas ou privadas) a partir do parlamento.

A teoria do desenvolvimento sustentável abrange um campo vasto de conhecimentos que tem como principal
razão de ser a preocupação com o impacto da atividade humana nos recursos naturais, hoje e amanhã. Diminuir tal im-
pacto, proteger e garantir recursos naturais para as gerações futuras, sem deixar de lado preocupações com justiça social
são, desde os idos de 1970, os grandes objetivos dos que tomam tal teoria para iluminar o desenvolvimento de novas
práticas sociais. Para os objetivos desta pesquisa, dois marcos teóricos da teoria do desenvolvimento sustentável foram
destacados: o da economia ecológica e o do ecodesenvolvimento.

A economia ecológica encara a economia humana como parte do ecossistema e não o ecossistema como um ente
servil da economia humana. Além de considerar que para se realizar ao infinito o crescimento econômico sempre esbarra-
rá na escassez de recursos naturais, preocupa-se em reparar estragos na natureza ocasionados pela utilização dos mesmos
considerando, sobremaneira, a existência de estragos irreparáveis e, assim, preocupa-se de modo especial com a gestão
dos resíduos dos processos produtivos, reservando a ela lugar de destaque na economia humana. A economia ecológica
visa uma sustentabilidade ao ver a necessidade de se pensar modelos produtivos que não levem os recursos naturais ao
declínio contínuo de seus estoques (DENARDIN, 2003).

O marco teórico do ecodesenvolvimento, a partir de Sachs (2007), se assemelha ao da economia ecológica ao

1 Aluno do PPGDTS da Universidade Federal do Paraná 2 www.fpebrasil.com.br/portal/index.php/os-deputados Visitado em 15 de março de 2015.

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apresentar severa preocupação com as necessidades das futuras gerações e, para além, mostra-se preocupado com a escolhido.
existência de estruturas participativas de planejamento e gestão das atividades humanas que impactam sobre os recursos
André Zacharow, nascido em 1939, natural de Jaguariaíva (PR), é advogado, economista e professor. Na câmara
naturais e sobre as necessidades materiais e imateriais das sociedades. Tal proposta de ecodesenvolvimento abrange certas
baixa exerceu mandato entre 2003 e 2007 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Posteriormente, para a legislatura
noções de sustentabilidade que são: 1- ecológica: necessidade de utilização de técnicas de baixo impacto para a natureza
dos anos 2007-2011, assumiu como suplente entre outubro de 2008 e março de 2010 pelo Partido do Movimento Demo-
e de melhor aproveitamento dos recursos naturais; 2- social: atender necessidades materiais e imateriais do todo social;
crático Brasileiro (PMDB) e, uma vez mais, também pelo PMDB, foi eleito à 54ª legislatura – 2011-2015. No exercício
3- econômica: alocação e gestão de recursos públicos e privados considerando as necessidades macrossociais; 4- espacial:
do cargo na 54ª legislatura integrou 7 comissões permanentes, 4 comissões especiais e 1 comissão parlamentar de inqué-
equilíbrio entre o campo e a cidade por meio de uma melhor distribuição de assentamentos humanos e atividades econô-
rito na Câmara dos Deputados. Ao longo dos anos exerceu o cargo de diretor do Banco Regional de Desenvolvimento do
micas; 5- cultural: transformações endógenas por meio da manutenção da cultura material e imaterial.
Extremo Sul e do Banco de Desenvolvimento do Paraná, presidente da Companhia de Desenvolvimento e do Centro In-
E assim chegamos à fase de apresentar as rotas trilhadas que tornaram possível algum entendimento acerca de uma ternacional de Tecnologia de Software, ambos em Curitiba, diretor superintendente do Instituto de Previdência do Paraná,
rede de autores e de temas pautados na Câmara dos Deputados, isto é, compreender sentidos da atuação dessas quatro Auditor Chefe da Itaipu e Diretor Presidente da Fundação de Pensão dos Funcionário da Itaipu, presidente da Sociedade
atuações parlamentares. Evangélica Beneficente e diretor da Associação das Empresas da Cidade Industrial de Curitiba. Também foi professor
titular na Universidade Federal do Paraná e na Faculdade Católica de Administração e Economia em Curitiba. Em suas
Nas eleições de 2010 o número de vagas para representantes do estado do Paraná na câmara baixa do Brasil era
passagens pela câmara baixa, ora esteve filiado ao PDT, ora ao PMDB, outrora esteve filiado ao Partido Progressista (PP)
de 303, o que veio a ser mudado para 29, nas eleições de 2014. O número de candidatos a essas vagas foi de 337, sendo
e, também, ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).10
que 265 foram considerados aptos e os outros 72 foram considerados não aptos a assumirem o cargo no caso de serem
eleitos.4 Desses, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, 20 não entregaram a prestação de contas final.5 O Paraná, Edmar de Souza Arruda, nascido em 1959, natural de Maringá (PR), é economista. Na câmara baixa exerceu
em 2010, já contava com seus atuais 399 municípios e, à época, com uma população de 10.444.526 , desses, aproxima- 6
mandato na 54ª legislatura (2011-2015) pelo Partido Social Cristão (PSC) e foi reeleito ao cargo, pelo mesmo partido,
damente 7.584.579 era de eleitores.7 Compareceram às urnas, nas eleições de 2010, 7.597.999 eleitores paranaenses8. para a legislatura atual. Na anterior, integrou 10 comissões permanentes, 14 comissões especiais, 1 comissão parlamentar
Os deputados federais eleitos foram: Ratinhos Junior; Hermes Parcianello Frangão; André Vargas; Alex Canziani; Cida de inquérito e 3 grupos de trabalho na Câmara dos Deputados. É sócio das empresas Cantareira Construções e Empreen-
Borguetti; Delegado Francischini; João Arruda; Rubens Bueno; Osmar Serraglio; Micheletto; Giacobo; Hauly; Nelson dimentos Imobiliários Ltda, Ecoplaneta Reflorestamento S.A., Ecoalumi Alumínio Ltda, BRA Incorporadora Ltda e da
Meurer; Takayama; Zeca Dirceu; Angelo Vanhoni; Dilceu Sperafico; Alfredo Kaefer; Eduardo Sciarra; André Zacharow; Brazcana Agroindustrial S.A. Exerceu o mandato de vereador no município de Maringá (PR), entre os anos 2001 e 2004.
Sandro Alex; Reinhold Stephanes; Assis do Couto; DR Rosinha; Cezar Silvestri; Lupion; Nelson Padovani; Edmar Arru- Ao longo dos anos exerceu, também, os cargos de presidente do Programa de Apoio às Igrejas e Entidades sem Fins Lu-
da; Rosane Ferreira; Leopoldo Meyer.9 crativos e da Fundação Isis Bruder, ambas com sede no município de Maringá (PR), e o de vice-presidente de Serviços
Sociais do Sindicato da Habitação do Paraná. É filiado ao PSC desde 2009.11
O primeiro passo dado foi no sentido de identificar algum perfil biográfico desses parlamentares. Posteriormente,
buscamos as proposituras deles no parlamento. Quanto aos perfis, nos detemos a informações sobre as atuações desses Fernando Destito Francischini, nascido em 1970, natural de Londrina, PR, é delegado de Polícia Federal. Exerceu
parlamentares somente na 54ª Legislatura da Câmara dos Deputados. Portanto, informações sobre atuações em outras le- mandato na 54ª legislatura (2011-2015) pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e foi reeleito ao cargo,
gislaturas da Câmara dos Deputados não constam nos resumidos perfis biográficos aqui apresentados. O caminho para se desta vez pelo Partido Solidariedade (SD), para a 55ª legislatura da Câmara dos Deputados. Em sua primeira passagem
chegar ao perfil biográfico do parlamentar, por dentro da página da Câmara dos Deputados é o seguinte: acesse o site da pela câmara baixa integrou 10 comissões permanentes, 14 comissões especiais, 1 comissão parlamentar de inquérito, 1
Câmara dos Deputados: <www2.camara.leg.br/>; na Secção “Deputados”, acesse o item “Conheça os Deputados” grupo de trabalho, e ainda a Frente Parlamentar da Redução de Maioridade Penal e o Conselho de Ética da Câmara dos
(o endereço da página passará a ser: <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa>); no item “Pesquisa de Deputados. Nos anos 1996 e 1997, em Curitiba, exerceu os cargos de Comandante de Pelotão da RONE (Cia Choque) e
Deputados”, digite o nome do parlamentar e escolha a legislatura de seu interesse (para esta pesquisa a legislatura Subcomandante do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do estado do Paraná. Em 1998 e 1999, exerceu
escolhida foi a 54ª); acesse o link do resultado obtido para visualizar as informações biográficas do parlamentar o cargo de Chefe do Setor de Análise de Informações Sobre Drogas e Terrorismo da INTERPOL no departamento de
3 www.tse.jus.br/noticias-tse/2013/Abril/tse-redefine-cadeiras-na-camara-dos-deputados-para-eleicoes-2014 Visitado em 15 de março de Polícia Federal em Brasília, DF. Entre 1998 e 2007, também ligado à Polícia Federal, exerceu os cargos de professor na
2015. Academia Nacional de Polícia, em Brasília, DF, Chefe de Setor de Análise de Dados de Inteligência Policial do Diretor
4 http://divulgacand2010.tse.jus.br/divulgacand2010/ Visitado em 15 de março de 2015.
5 http://spce2010.tse.jus.br/spceweb.consulta.prestacaoconta2010/pesquisaCandidato.jsp Visitado em 15 de março de 2015. Executivo, em Brasília, DF, Chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Patrimoniais, em Curitiba, PR, Chefe do Serviço
6 Censo IBGE – 2010. Regional Sul da Coordenação de Operações Especiais de Fronteiras, em Curitiba, PR, e Chefe da Delegacia de Repressão
7 www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/consulta-quantitativo Visitado em 15 de março de 2015.
8 www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/estatisticas-de-eleitorado Visitado em 15 de março de 2015. a Entorpecentes, em São Paulo, SP. Exerceu ainda o cargo de Subsecretário de Inteligência na Secretaria de Estado da
9 A relação de nomes foi elaborada a partir de informações colhidas em: www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes anteriores/eleicoes-2010/estatis- 10 www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=74377 Visitado em 15 de março de 2015.
ticas-de-eleitorado Visitado em 15 de março de 2015. 11 www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=160578 Visitado em 15 de março de 2015.

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Segurança Pública no estado do Espírito Santo, em 2003, e o de Secretário Municipal Antidrogas de Curitiba, PR, entre os Posteriormente, para cada um dos casos encontrados, o conteúdo do resultado apresentado na página da Câmara
anos 2008 e 2010. Representou o Ministério da Justiça e a Polícia Federal do Brasil no Grupo de Trabalho “Delitual” do dos Deputados foi copiado e levado para o editor de texto do pacote LibreOffice.14 Nele, somente as informações autoria
Mercosul, em Caracas, Venezuela, no ano 2005. É filiado ao Sindicato dos Policiais Federais desde 2008. Já esteve filiado e conteúdo da ementa foram preservadas, todo o restante foi deletado. Quando da limpeza dos dados, percebemos que
ao PSDB,  ao Partido Ecológico Nacional (PEN) e hoje encontra-se filiado ao SD.12 muitos casos de proposituras foram disponibilizados no site da Câmara dos Deputados de forma duplicada. Às vezes se
tratando de cópia integral, às vezes cópia do conteúdo da propositura com informações outras somente sobre a situação
Hidekazu Takayama, nascido em 1948, natural de Rolândia, PR, é Ministro Religioso da Igreja Evangélica As-
da propositura (aguardando providências internas; aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados; trami-
sembleia de Deus desde 1970. Exerceu mandato de deputado federal entre os anos de 2003 e 2007 pelo PTB, tendo sido
tando em conjunto; arquivada; aguardando vistas; tramitação do requerimento finalizada; pronta para pauta; aguardando
reconduzido ao cargo na legislatura seguinte, anos 2007-2011, pelo PMDB, reeleito ao cargo para a 54ª legislatura, anos
resposta; etc.); deletamos todos os casos duplicados e o montante de proposituras analisadas foi o seguinte:
2011-2015, pelo PSC, e novamente reeleito para a legislatura atual (2015-2019), também pelo PSC. Na 54º legislatura
da câmara baixa esteve como 4º Suplente de Secretário da Mesa Diretora entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2015, além Tabela 02. Proposituras analisadas
de ter integrado 9 comissões permanentes, 15 comissões especiais e 1 comissão parlamentar de inquérito ao longo desse DEPUTADO FEDERAL QUANTIDADE
André Zacharow 18
mandato. Em suas passagens pela câmara baixa, esteve em duas missões oficiais, uma em 2008, nos EUA, e outra em
Edmar de Souza Arruda 96
2014, no Japão. Ao longo dos anos foi vereador em Curitiba, PR, entre 1989 e 1993, pelo PMDB, e duas vezes deputado Delelegado Fernando Destito Francischini 335
estadual no Paraná, uma entre 1996 e 1999, pelo Partido da Frente Liberal (PFL), e outra entre 1999 e 2002, também pelo Hidekazu Takayama 60
TOTAL 509
mesmo partido. Exerceu ainda o cargo de Diretor de Relações Públicas da Associação AEADEPAR-FACEL, entre 1998
Fonte: Dados do Autor.
e 2000, e o de Conselheiro do SEB do Hospital Evangélico, entre 1990 e 1993, ambos em Curitiba, PR. Durante a década
1991-2001, participou como conferencista em 8 convenções da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, sendo 1 em Por-
tugal, 1 na Alemanha, 1 na França e 5 no Brasil. Já esteve filiado ao PMDB, PFL, PTB, PSB, Partido dos Aposentados da Preservadas tais informações (autoria e conteúdo das ementas das proposituras), as separamos por “;”, como tam-
Nação (PAN), e, desde 2007, está filiado ao PSC.13 bém, quando a propositura contava com mais de um autor, separamos os nomes desses autores também por “;”. Depois
de separar por “;” autor e conteúdo da ementa, partimos para a tarefa de classificar assunto o conteúdo das ementas das
Identificados os deputados federais eleitos pelo estado do Paraná em 2010, identificados aqueles que compuseram
proposituras. No editor de texto, cada caso foi alocado em uma linha diferente e, para cada linha, num total de 509, temos
a FPE durante os anos da 54ª Legislatura da câmara baixa, identificados os perfis biográficos dos quatro parlamentares
as seguintes informações: autor ou autores, conteúdo da ementa da propositura e assunto da propositura. Isto foi necessá-
evangélicos, partirmos para a tarefa de encontrar todas as proposituras feitas pelos mesmos no exercício da atividade par-
rio para posteriormente podermos transformar o arquivo de texto num arquivo de planilha eletrônica, também do pacote
lamentar. Para se chegar a visualizar as proposituras de um deputado federal o caminho a percorrer é o seguinte: acesse o
LibreOffice15, o que facilitou a análise dos dados. O que estamos chamando de assunto da propositura decorre da leitura do
site da Câmara dos Deputados: <www2.camara.leg.br/>; na Secção “Deputados”, acesse o item “Conheça os Deputados”
texto da ementa da propositura e posterior classificação. Tratamos de classificar por assunto os 509 casos de proposituras
(o endereço da página passará a ser: <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa>); no item “Pesquisa de Deputa-
encontradas.
dos”, digite o nome do parlamentar e escolha a legislatura de seu interesse (para esta pesquisa a legislatura escolhida foi
a 54ª); acesse o link do resultado obtido; acesse o item “Proposições de Autoria do Deputado”. No resultado da busca A imagem abaixo serve de exemplo para mostrar dois casos reais de proposituras que têm como autor o parlamen-
serão apresentadas todas as proposituras feitas pelo parlamentar em todas as legislaturas nas quais ele atuou, começando tar Fernando Francischini.16 Ao buscarmos conhecer o assunto de cada uma das 509 proposituras optamos por mantermo-
pela atual – se for o caso do parlamentar estar exercendo mandato – ou pela mais recente, até a mais antiga. nos fiéis ao texto da ementa da propositura, quando possível, e, para os casos em que isto não foi possível, recorremos
aos textos das leis e/ou de projetos de leis indicados no texto da ementa da propositura para então nos mantermos fiéis
Seguimos a trilha apresentada anteriormente e dispomos o resultado encontrado na tabela abaixo:
ao assunto do conteúdo desses textos. Para os dois casos que constam na imagem abaixo, e que por ora nos servem de
Tabela 01. Proposituras na 54ª Legislatura da Câmara dos Deputados (2011-2015) exemplos para demonstrarmos parte da metodologia utilizada, o que realizamos foi: caso 1- foi possível se manter fiel
DEPUTADO FEDERAL QUANTIDADE
ao texto; caso 2- foi necessário buscar a lei para então se manter fiel ao conteúdo do texto da lei. Para o primeiro caso o
André Zacharow 22
Edmar de Souza Arruda 108 classificamos com o assunto Código de Trânsito Brasileiro, e o segundo, com o assunto ICMS.
Delelegado Fernando Destito Francischini 367
Hidekazu Takayama 60
TOTAL 557
Fonte: Câmara dos Deputados Federais. 14 THE DOCUMENT FOUNDATION. LibreOffice, [s.l.: 4.3.], 2014.
12 www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=160646 Visitado em 15 de março de 2015. 15 THE DOCUMENT FOUNDATION. LibreOffice, [s.l.: 4.3.], 2014.
13 www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=74385 Visitado em 15 de março de 2015. 16 www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_lista.asp?Autor=5310383&Limite=N Visitado em 15 de março de 2015.

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Imagem 01. Forças Nacionais; Formação de militares; Frente Parlamentar da Segurança Pública; Fronteiras Nacionais; FUNAI; Fundo de Par-
ticipação dos Municípios; Fundo Nacional de Segurança Pública; Gases radioativos; Gibi da Associação Nacional da Indústria
de Armas e Munições; Guarda municipal; IBAMA; ICMS; Idosos; Igreja Evangélica Assembleia de Deus; Importação; Imposto
de renda; IPI; ISS; IDEB, Índices de violência; Infrações; Inmetro; Instituição privada; Instituto Nacional de Supervisão e Ava-
liação da Educação Superior; Interceptações ilegais; Isenção em concurso público; Isenção na importação de artigos olímpicos;
Isenção de IPI para portadores de deficiências; Isenção para pessoas com deficiência auditiva; Isonomia e Negros; Itambé – PR;
Ivatuba – PR; Jornada de seis horas diárias; Jornada de trabalho para enfermeiros; Jussara – PR; Justiça Militar da União; Lava-
gem de dinheiro; Legislação; Legislação penal; Lenalidomida; Leonel de Moura Brizola; Legislação ambiental; Licitação pública;
Loterias; Maioridade penal; Manoel Revaldaves da Silva; Mapa da violência 2011; Maria Helena – PR; Maus tratos em animais;
Homofobia e MEC; Medicamentos; Meia-entrada; Meio ambiente; Mercado financeiro e de capitais; Meritocracia; Ministério da
Fonte: Câmara dos Deputados. Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério da Fazenda; Ministério da Saúde; Ministério da Segurança Pública; Ministério
do Planejamento; Ministério dos Esportes; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério do Turismo; Ministra Chefe da Secretaria
de Comunicação Social da Presidência da República; Ministra de Estado Chefe da Casa Civil; Ministro Chefe da Secretaria Geral
Em 13 proposituras não foi possível identificar o assuntos das mesmas. Para as outras 496, foram identificados
da Presidência da República; Ministro da Ciência e Tecnologia; Ministro de Estado da Justiça; Ministro de Estado da Previdência
310 assuntos diferentes, que estão listados no quadro abaixo. Em negrito visualiza-se aqueles que correspondem àquelas
Social; Ministro de Estado do Trabalho e Emprego; Ministro de Estado Secretário-geral da Presidência da República; Moção de
proposituras que estão em sintonia com os temas e as preocupações dos marcos teóricos do desenvolvimento sustentável
repúdio ao governo da Venezuela; Nelson Verri; Normas; Notícias; Nova redação; Novo Itacolomi – PR; Obras no Estado do Ma-
apresentados anteriormente.
ranhão; ONG Afroreggae; Operação Monte Carlo; Operação Voucher; Operações policiais; Organizações religiosas; Pagamento de
mensalidade; Paiçandu – PR; Peculato; Pensão Especial para Lais Souxa; Pesquisa fraudulenta; Petrobras; PIS; Piso Salarial Nacio-
nal para Agentes Comunitário de Saúde; PIS e PASEP; Planos privados; Poder Judiciário da União; Polícia Civil; Polícia Federal;
Aborto; Acessibilidade; Acidente nuclear; Acidentes Copa 2014; Adoção de pessoas; Anatel; Anistia para policiais; Anvisa; Apo-
Policiais; Policiais e aposentadoria; Policiais Militares; Política monetária; Política nacional; Política nacional do meio ambiente;
sentadoria por invalidez; Apresentação da pessoa presa; Áreas de preservação permanente; Armas e munições; Assistência a bra-
Políticas pública de estímulo ao consumo; Portes de armas de fogo; Posse dos deputados federais; Prêmio de Direitos Humanos
sileiros no exterior; Atendimento presencial; Atendimento presencial e audiovisual; Banco Central do Brasil; BNDS e Delta Enge-
Evandro Lins e Silva; Prêmio Transparência e Fiscalização Pública; Presidência da República; Previdência Social; Primeira Igreja
nharia; Brasil e Japão; Relações exteriores entre Brasil e Paraguai; Brasil e Vaticano; Caixa Econômica Federal; Caixa eletrônicos;
Batista de Curitiba; Procedimento regimental; Profissão; Programa A Voz do Brasil; Programa Bolsa Família; Programa Crack
Cargo comissionado; Cargos comissionados; Cartórios; Centenário do Sul – PR; Cesta básica; Cibercrimes; Clérigos; Código Br
É Possível Vencer; Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior; Programa
aille; Código de Defesa do Consumidor; Código de Processo Civil; Código de Processo Penal; Código de Trânsito Brasileiro; Có-
Medicina Social; Programa Minha Casa Minha Vida; Programa Nacional de Educação Fiscal; Programa Nacional de Segurança
digo Eleitoral; Código Penal; Combate ao Crime Organizado; Combate às drogas; Comissão de Turismo e Desporto; Companhias
Pública com Cidadania; Programa Segundo Tempo; Programa Universidade Para Todos; Progressão no regime prisional; Proibição
aéreas; Comunicação Social; Conselho Federal de Odontologia; Conselho Nacional de Ministros de Confissão Religiosa; Conselho
da eliminação de animais; Projeto Casa de Direitos; Qualificação de mão de obra; Quotas eleitorais; Realização de missão oficial;
Nacional de Trânsito; Conselho Nacional de Direitos Humanos; Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; Con-
Reconhecimento da República Saara Ocidental; Recursos financeiros; Redução da maioridade penal; Redução tarifária; Reforma
tas de campanha; Contra incêndios; Contribuição de inativos; Copa 2014; Corpo de Bombeiros Militar; Corrupção; Cota para ne-
política; Reforma Protestante; Registro; Reincidência; Religião; Remuneração; Repasse de recursos para Adrianópolis – PR; Ro-
gros; Cotas raciais nas empresas; Crédito tributário; Criação de subcomissão permanente; Criação de municípios; Crime ambiental
dovias; Salário Mínimo; Salários nas Embaixadas; Sarandi – PR; Saúde; Saúde do trabalhador; Saúde mental; Secretaria-Geral da
e os polimeros; Crimes contra a mulher; Crimes hediondos; Infância, juventude e criminalidade; Cruzeiro do Sul – PR; Custódia
Presidência da República; Secretarias de Segurança Pública; Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Segurança
de presos; Defensivos agrícolas; Defensoria Pública da União; Defesa nacional; Delação premiada; Denúncias contra parlamenta-
digital; Seguro rural; Seguros de vida; Servidores da Justiça; Servidores públicos; SESI; Sessão plenária; Simpósio Internacional de
res; Descontos; Descriminalização do aborto; Desoneração da folha de pagamentos; Despesas; Dia Nacional da Oração; Direção
Polícia Executiva; Sistema Financeiro Nacional; Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras; Sistema Nacional de Armas;
homicida-suicida; Direito de resposta; Direito de resposta; Direito dos estagiários; Diversidade biológica; Divórcio; Doações ECA;
Sistema penitenciário; Sistema prisional; Sólidos a granel; Secretaria de Patrimônio da União; Subsídio do Defensor Público-Ge-
Doadores de medula óssea; Dossiê dos aloprados; Doutor Camargo – PR; Drogas; ECA; ECT Fundo de Pensão; Eletrobras; Elizete
ral Federal; Supremo Tribunal Federal; SUS; Tabagismo; Tarifa; Telefonia; Telefonia móvel; Terra Rica – PR; Terras indígenas;
Aparecida Romangnoli Piveta Assunção; Emendas Parlamentares; Energia elétrica; Energia nuclear; Ensino fundamental; Ensino
Timemania; Tipificação penal; TJ-DF; Tortura na Ditadura; Trabalho; Trabalho de adolescentes; Trabalho infantil; Tráfico de crian-
superior; Entidades beneficentes; Infraestrutura de escolas; Espionagem; Estado da Bahia; Estado do Paraná; Estatuto do Consu-
ças; Transferências intergovernamentais; Trânsito de veículos antigos; Transporte; Tratamento contra o crack; Tribunais Regionais
midor; Estatuto da Advocacia e da OAB; Estatuto do Portador de Deficiência; Estoques públicos de alimentos; Exame Nacional de
Federais; Tribunal do júri; Tribunal Regional Federal; Tributação de bebidas; Tuneiras do Oeste – PR; TV NBR; União de pessoas
Ensino Médio; Farmácias; Fator Previdenciário; Feriados; Ferrovias; FGTS; Animais em filmes pornográficos; Forças Armadas;

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do mesmo sexo; UOL; Valorização da família; Ventania – PR; Viagem parlamentar à China; Violência na WEB; Visita à fábrica de REFERÊNCIAS
munições CBC e a fábrica de armamentos Taurus; Voto aberto.
DENARDIN, Valdir F. Abordagens econômicas sobre o meio ambiente e suas implicações quanto aos usos dos recursos
naturais. Teoria e Evidência Econômica, n. 21, v. 11, Nov. 2003, p. 129-150.

Para o assunto “Acidente nuclear” está a propositura, de autoria única (Hidekazu Takayama), que expressa preo- SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. VIEIRA, P. F. (Org.). São Paulo:
cupações com a possibilidade de acidentes nucleares no Brasil. No assunto “Áreas de preservação permanente” encon- Cortez, 2007. (cap.10 e 11).
tramos a propositura, também de autoria única (Edmar Arruda), que buscava colocar na ordem do dia a apreciação do SACHS, Y. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. STROH, P. Y. (Org.). Rio de Janeiro/RJ: Garamond, 2009.
Projeto de Lei nº 1.876, de 1999, que dispunha sobre áreas de preservação permanente, reserva legal e exploração flores-
tal. Para o assunto “Crime ambiental e os polimeros” o que se tem é a propositura, também de autoria única (Fernando
Francischini) em que o mesmo solicitou a realização de audiência pública para debater crime ambiental e a destinação
final de lixo que contém polimeros. No assunto “Gases radioativos” têm-se duas proposituras, de autoria única (Hidekazu
Takayama), para que José Augusto Perrotta desse explicações na Câmara dos Deputados sobre a contaminação de plu-
tônio e urânio no planeta Terra decorrentes da explosão de reatores nucleares no Japão. Para o assunto “Meio ambiente”
há a propositura, também de autoria única (Hidekazu Takayama), que buscava acrescentar dispositivo à Lei nº 4.771, de
1965 (Código Florestal) para permitir a retirada de folhas verdes ou secas com características farmacológicas comprova-
das. No assunto “Terras indígenas” têm-se duas proposituras, uma reunindo vinte parlamentares como autores e a outra
reunindo dezesseis, que buscavam a presença de ministros de Estado para debate no interior da Câmara dos Deputados
demarcações de terras indígenas.
No exercício de comparação, percebe-se que das 496 proposituras onde foi possível identificarmos o assunto de
cada uma delas, cerca de 2% do total (8 proposituras) está em sintonia com as preocupações socioambientais dos marcos
teóricos do desenvolvimento sustentável apresentados anteriormente. Sendo que o restante, perto de 98 % das proposi-
turas (488 casos), tratam de outros assuntos.

A análise das 509 proposituras, observando os nomes dos proponentes, para além dos 4 parlamentares apresen-
tados anteriormente, possibilitou a identificação de outros 330 parlamentares. A propositura que mais contou com auto-
res, 128 parlamentares, versou sobre o reconhecimento do Saara Ocidental como Estado e instalação de escritórios de
representação deste Estado no Brasil. Mas as 8 proposituras que se aproximaram das preocupações do desenvolvimento
sustentável, como vimos anteriormente, não se mostraram capazes de aglutinar considerável número de parlamentares,
considerando que a câmara baixa do Brasil, à época, também contava com o mesmo número atual de cadeiras, que é de
513.

Se por um lado encontramos apenas um reduzidíssimo número de proposituras alinhadas com as preocupações do
desenvolvimento sustentável, o que demonstra claramente que na 54ª Legislatura o sentido da atuação por proposituras
desses 4 deputados federais do estado do Paraná não era o mesmo das preocupações do desenvolvimento sustentável,
por outro, e talvez de maior interesse, têm-se no desenvolvimento e na aplicação do método de análise da atuação par-
lamentar, aqui apresentado, os motivos para chegarmos a concluir que os sentidos da atuação por proposituras desses 4
parlamentares não esteve alinhado com as preocupações do desenvolvimento sustentável. Assim consideramos,
a partir dos nossos exercícios nesta pesquisa, bem como dos resultados obtidos, que a metodologia empregue para inves-
tigar os sentidos da atuação parlamentar a partir do estudo das proposituras se mostra eficiente. Novos estudos validarão
ou refutarão tanto a metodologia como os resultados apresentados, veremos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS, POLÍTICAS SOCIAIS E O MODELO FEDERATIVO BRASILEIRO INTRODUÇÃO

O estado brasileiro, mesmo com todos os avanços que têm sido propagados acerca das tentativas da diminuição
das desigualdades sociais, ainda está longe para que parcela significativa da população seja efetivamente contemplada
Solange Aparecida Duarte1; Valéria dos Santos de Oliveira2; Rodrigo Rossi Horochovski3
com as políticas públicas no que diz respeito às muitas mazelas que nos são diariamente visíveis. Para tratar deste tema
são muitas as vertentes a serem consideradas para que se consiga atender as várias dimensões que compõe os indivíduos.
De maneira ainda incipiente, já vem acontecendo algumas ações, porém, em virtude de uma estrutura burocrática, indi-
RESUMO vidualista e interesseira do modelo federativo praticado no Brasil e as condições para que haja a governabilidade nesta
Este artigo tem como objetivo apresentar como as políticas públicas e as políticas sociais se comportam para a efetivação federação, acarretam inúmeras situações criando grandes dificuldades para que esses problemas sejam suficientemente
de suas demandas no modelo federativo brasileiro considerando elementos trazidos a partir da Constituição de 1988. A substanciais para fazer parte da agenda governamental e assim obtermos uma efetiva possibilidade de ações através de
produção de políticas públicas bem como o comportamento dos diversos atores envolvidos é que irão descrever de que
políticas públicas.
forma um problema passa a ser uma política pública, considerando que a mesma é composta por fases e as suas impli-
cações. Para tanto, propomos uma aproximação teórica entre políticas públicas, políticas sociais e modelo federativo Este artigo tem como objetivo apresentar como as políticas públicas e as políticas sociais se comportam para a efe-
brasileiro.
tivação de suas demandas neste modelo federativo. A preocupação em descrever este tripé, se apresenta em consequência
da forma como vem sendo construídas essas discussões pelos autores que se dedicam a escrever sobre políticas públicas,
bem como sobre as políticas sociais que se efetivam através de ações das políticas públicas.
Palavras-chave: políticas públicas, políticas sociais e modelo federativo.
As variáveis aqui mencionadas são consequência da proposta de um Estado democrático antes proposto e ratifi-

cado pela Constituição Federal de 1988. Para atender ao propósito desta discussão, entender que o Estado apresenta um
ABSTRACT sistema presidencialista e, compreender as implicações deste, são vitais no tocante a busca do por que seria necessário
que pessoas que se apresentam em situação de vulnerabilidade precisariam estar nas bases para esta compreensão e assim
This paper aims to present how public policies and social policies work for the accomplishment of their demands goals in
the Brazilian federative model considering information brought from the Constitution of 1988. The production of public poderem buscar aquilo que lhes é de direito com mais propriedade. Entender que todas as linhas de ação desta sociedade
policies as well as the behavior of the various actors involved is what will describe how a problem becomes a possible são definidas através das políticas seria, alias, é fundamental para que as pessoas passem de uma situação de meros ex-
solution as a public policy, considering that it is made up of stages and their implications. Therefore, we propose a theo- pectadores da sua vida, a protagonistas da sua construção histórica.
retical approximation between public policies, social policies and the brazilian federative model.

METODOLOGIA
Key-words: public policy, social policies and federative model.
O tema das políticas públicas enquanto discussão é amplo e se apresenta cada vez mais necessário às políticas
sociais devido à imbricação que existe entre uma e outra. Neste contexto, este artigo propõe buscar alguns autores que
produziram debates acerca destas temáticas tratando de cada uma das politicas especificas ou trabalhando sobre ambas
supracitadas. Para tal entende-se que trazer uma breve revisão de literatura através da pesquisa bibliográfica se torna bas-
tante viável metodologicamente.

Entende-se que é necessário ter o cuidado numa metodologia como esta, de não tornar-se prolixo com os autores
trabalhados, como destaca PINHEIRO (2005, p.29) “A revisão de literatura pode ter como objetivos determinar o ‘estado
da arte’”, o que neste artigo tem-se todo cuidado, pois este aparato literário é fruto de um momento distante para esta con-
dição e, portanto, é importante mensurar como está a produção do tema e sendo assim validar como se apresenta o nível
das discussões acerca de um assunto.
1 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, e-mail: desisol@gmail.com;
2 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, e-mail: valeriaso238@gmail.com;
3 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, e-mail: rodrigoh33@gmail.com.
Na proposta das políticas públicas discutirem o que é relevante para o tema, tem se apresentado de certa forma

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complexo, pois, como estas são construídas e efetivadas por ciclos, têm-se algumas fases deste ciclo com mais e outras Dentro das políticas públicas existe um ciclo, denominado “Ciclo das políticas públicas” ou “fases da política”,
com menos produção até o momento para compor o arcabouço literário. Sendo assim pretende-se apresentar como o ou ainda, fases do “processo de políticas públicas”, que é constituído por definição de agenda, identificação de alternati-
tema tem tratado alguns dos momentos da produção das políticas públicas. vas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.

Neste artigo, apenas cita-se as fases que compõe as políticas públicas, mas devido a carência de literatura em Os atores envolvidos são inicialmente os financiadores dos programas, os seus dirigentes e os técnicos do progra-
língua portuguesa que algumas fases apresentam, não é possível ainda fazer e ou selecionar as devidas, nos dois níveis ma. A crítica à tradicional perspectiva hierárquica, top-down leva a considerar os interesses e necessidades dos “clientes”
de revisão como o proposto por Alves quando argumenta: ou beneficiários do programa. Pode ser usada por gerentes de outros programas e de serviços similares do setor público;
agentes do Governo Federal e representantes de organizações da sociedade civil e de fundações; membros das câmaras
..... que há dois tipos básico de revisão de literatura: a) aquela que o pesquisador precisa para o seu
legislativas dos distintos níveis de governo; cientistas sociais; por outros avaliadores; pelas organizações; pelo público
próprio consumo, isto é, para ter clareza sobre as principais questões teórico-metodológica pertinentes
ao tema escolhido; e b) aquela que vai efetivamente integrar o relatório do estudo. (ALVES, 1992, p. 54).
em geral (FARIA e FILGUEIRAS, 2003).

Em virtude dos estudos das políticas públicas que nasceram nos Estados Unidos da América, existe disponível Países em desenvolvimento e de democracia recente ou recém-democratizados, não conseguiram ainda formar
uma significativa quantidade de literatura, o que comparado ao Brasil, pode-se compreender ainda engatinhando. Por coalizões políticas capazes de equacionar, a questão de como desenhar politicas públicas capazes de impulsionar o de-
isso é necessário que a academia assuma a sua função precípua de produzir e encaminhar a discussão acerca deste tema. senvolvimento econômico e de promover a inclusão social (SOUZA, 2007).

DISCUSSÃO Políticas Sociais

Compreendendo as Políticas Públicas – síntese de aspectos relevantes Desde a constituição de 1988, a participação social tem sido reafirmada no Brasil como fundamento dos mecanis-
mos institucionais que visam garantir a efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades e também a vigência dos
Como ponto de partida propomos descrever a política pública como a “ação do governo”, abordando assim uma direitos sociais (SILVA, JACCOUD, BERGHIN, 2005). Direitos estes de todas as matizes, principalmente neste contexto
breve conceituação e histórico dos estudos de políticas públicas. A Política pública é um campo multidisciplinar que bus- dos direitos aos movimentos sociais, que necessitam de políticas públicas e políticas sociais para que minimizem e aca-
ca “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e quando necessário indicar mudanças no bem com os problemas estruturais da sociedade.
rumo dessas ações (variável dependente) (SOUZA, 2007). A política pública após a formulação desdobra-se em planos,
programas, projetos, bases de dados ou sistemas de informação.
Uma das relações consideradas fundamentais é a que se estabelece entre Estado e políticas sociais, ou en-
A política pública como área de conhecimento e disciplina acadêmica nasce nos Estados Unidos. Na Europa a tre a concepção de Estado e a(s) política(s) que este implementa em uma determinada sociedade. Quando
área de políticas públicas surge como desdobramento de trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Es- se focaliza as políticas sociais (como as de educação, saúde, previdência, habitação entre outras) os fato-
res envolvidos para a aferição de seu “sucesso” ou “fracasso” são complexos, variados, e exigem grande
tado e do Governo, produtor de políticas públicas, entretanto nos EUA observa-se que a ênfase se dá nos estudos “sobre
esforço de análise (HÖFLING, 2001).
a ação do governo”. Para tanto observa-se que os estudos sobre políticas públicas, ou sobre “o governo em ação”, não são
novos na ciência política, tendo ganhado destaque a partir da emergência de programas de bem-estar social (OLIVEIRA,
2013).
A garantia de direitos sociais nos campos da educação, saúde [...] foi acompanhada da consolidação de uma nova
Muito da literatura especializada não tem tradução para o português, mas o interesse dos pesquisadores pelos institucionalidade objetivando assegurar a presença de múltiplos atores sociais.
processos de planejamento, implementação e avaliação das políticas públicas, em diversas áreas, principalmente as do
Políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementada pelo Estado, vol-
campo de públicas, vem expandido os estudos da área.
tadas para a redistribuição dos benefícios sociais, visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo
É evidente que não há consenso sobre a definição de políticas públicas, no entanto esse panorama nos traz um desenvolvimento socioeconômico (HÖFLING, 2001).
leque de possibilidades de interpretações, mas, por outro lado nos auxilia para o que pretendemos desenvolver na pesqui-
Com uma visão contemporânea optamos por trazer à luz de forma simplificada a visão de Celso Furtado, gran-
sa, como destacado, por exemplo, na visão de Lynn, que é “um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos
de referência do pensamento econômico brasileiro e do economista indiano Amartya Sen no que tange a questão do
específicos”, o que vem de encontro com o que aqui vamos tratar.
desenvolvimento. Neste sentido para Furtado (2004), o desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação e

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de aumento de produtividade macroeconômica, mas principalmente o caminho de acesso a formas sociais mais aptas a autonomia fiscal e política, tendo portanto, condições institucionais para não aderir às políticas federais
estimular a criatividade humana e responder as aspirações da coletividade. (ARRETCHE, 2004, p.19).

Na visão de Sen, o desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobre-
za e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e O que foi descrito sobre a política de coalizão existente no Brasil, reflete nas três instâncias de poder e, portanto,
intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. Portanto espera-se que esse desenvolvimento como assim a implementação desta ou daquela política pública local, também perpassa pelos mesmos elementos anteriormente des-
citado pelos autores, atinja todas as camadas sociais inclusive através de politicas sociais e políticas públicas, garantindo crito. Mesmo com as barreiras da governabilidade impostas para o executivo, ainda existem caminhos legais de que se
minimamente os direitos dessa população. avance na conciliação com os programas, que podem acontecer por meio das Medidas Provisórias e dos Decretos Leis.
Sobre essas ações para governar, MARCHETTI (2013) relata: “A governabilidade de coalizão é uma possibilidade que
traz para o cenário um elemento que é a Medida Provisória (MPs) que permite que o Executivo negocie essa possibilidade
Um problema para se constituir em uma Política Pública de governar com o Legislativo”.

A Constituição Federal de 1988, também denominada de Constituição cidadã, define o Brasil como um Estado Este modelo federativo brasileiro garante um mecanismo institucional básico que é a discordância e a mesma
Democrático e de Direito. Sendo assim precisa criar mecanismos para que busque assegurar que as diferenças significati- fornece por sua vez uma grande diversidade de políticas, o que incorre na não possibilidade da não implementação de
vas existentes entre os mais abastados e os menos privilegiados fossem minoradas. Políticas públicas são implementadas determinadas políticas ou ainda a desigualdade de implementação das mesmas.
e definidas através de políticas setoriais ou sociais para que se construam ações. A constituição de 1988 marcou aspectos
Nas três esferas de governo, havendo a opção pela implementação de uma política, esta poderá acontecer sob
importantes no que se refere à mudança de visão referente a educação, a diversidade, a cultura, e aos movimentos sociais.
duas abordagens: a abordagem top dow ou a abordagem bottom-up. A abordagem top dow desenhada pelas altas burocra-
O caminho a ser seguido passa então a ser considerado, em virtude da forma como questões têm sido tratadas e cias tem a sua implementação descrita de forma a que se aplique, a política em si considerando que a mesma se dá pela
como chegam a se transformar numa política pública. A participação dos indivíduos em espaços de discussão tem sido interação entre os objetivos definidos e as ações que a efetivam. Já a abordagem bottom-up, também desenhada pelas
fundamental, para que se tenham elementos para constituir dados significativos e criando condições a possibilitar que um altas burocracias tem seu diferencial na aplicação da política por entender que se deve considerar no processo, além dos
problema seja de tamanha relevância e que passe então à categoria de política pública. objetivos a serem atingidos, também a sua elaboração numa construção na perspectiva do consenso entre quem elabora
e aqueles que executam.
O modelo da federação brasileira constituídas em três instâncias de governos, as desigualdades regionais que são
apresentadas, e a viabilização para governar em virtude do sistema presidencialista com as políticas de coalizão que são O modelo de implementação bottom-up tem sua base identitária com o que propõe a Constituição Federal vigente.
consequências, criam alguns entraves para a organização e constituição de uma agenda pública. No processo de formu- Sendo assim, há um elemento fundamental nesta forma de abordagem que é a participação da sociedade civil organizada
lação da política pública muitos fatores pesam nesta tomada de decisão. Para SOUZA (2012): juntamente com seus afiliados. Essa participação traz dados das suas inserções e intervenções nos conselhos das políticas
a visão mais comum da teoria da escolha racional, de que o processo decisório sobre políticas públicas públicas, que variam desde apenas conselheiros da sociedade civil denominados “Conselheiros Não Governamentais” e
resulta apenas de barganhas negociadas entre indivíduos que perseguem seu auto-interesse, é contestada ou até mesmo a estarem mais envolvidos como na condição de representantes nestes conselhos na função de “Conselhei-
pela visão de que interesses (ou preferências) são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também ros Governamentais”.
por processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados pela história de cada
país (SOUZA, 2012, p.82).
Com a democracia se consolidando no aparelho do Estado, essas participações nestes níveis de decisão, traz no
Seguindo neste caminho Marchetti (2013) entende que para que se avance no debate acerca das políticas públicas seu interior uma maior responsabilização sobre as ações efetivas no campo da gestão pública. Surge o accountability e
é necessário que tenhamos “consolidação e estabilidades das instituições financeiras”. Sendo assim, “a estabilidade do assim maneiras de se intervir sobre os direitos e deveres do Estado acerca das suas atuações para com as instituições e
regime é variável decisiva para uma agenda de políticas públicas orientada por preferências mais plurais”. com os cidadãos nas políticas sociais.

No que diz respeito a efetivar uma política pública quando instituída no âmbito do Governo Federal União, Esta- As liberdades substantivas já defendidas por SEN (2010), quando discute sobre a possibilidade de intervenções
dos e Municípios não têm a obrigatoriedade de implementá-las, uma vez que estas políticas não seja prioridade para os na máquina do Estado, valores como conscientização, empoderamento, igualdade de oportunidade são fundamentais que
governos locais. Sobre isso ARRETCHE (2004) afirma: passem a fazer parte da agenda de debates dos implementadores das políticas públicas e das políticas setoriais uma vez
que estão legalmente previstas constitucionalmente esses atores sociais.
[...] a autoridade do governo federal para induzir as decisões dos governos locais, no sentido de que
estas venham a coincidir com suas próprias prioridades, permanece limitada, uma vez que estes detêm

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Essa agenda sugere então um modelo de gestão dita Gestão Participativa. Wampler (2010) define a gestão parti- CONSIDERAÇÕES FINAIS
cipativa como, “a devolução aos cidadãos do poder de decisão na formulação de políticas locais, através da estrutura de
Ainda há muito a percorrer para que as políticas públicas sejam públicas para todos. Se faz necessário repensar
espaços que conformam a participação tanto do Estado, quanto da sociedade civil, produz novas formas de engajamento
as ações governamentais e formas de interferências. O modelo federativo proposto, não está fora deste repensar uma vez
entre estes atores”. Ainda nesta perspectiva, segundo o autor, comunidades são criadas a partir destes espaços de parti-
que as questões problemas, para se tornarem política públicas passam por tantos vieses que acabam se tornando sempre o
cipação. Três tipos de comunidades se expandem: a comunidade de políticas públicas, a comunidade do associativismo
elemento de barganha entre aqueles que propõe e aqueles que a efetivam propriamente dito.
e a comunidade política.
Realizar levantamento da revisão da literatura de políticas públicas e políticas sociais, do modelo federativo, fo-
A gestão participativa nos três formatos apresentados anteriormente, tem no Brasil, um peso do ponto de vista das
mentar reflexões foram aspectos presentes e propostos neste artigo.
ações com os cidadãos; ações essas que deveriam atuar nos legislativos em todas as instâncias de governos que compõe
a federação brasileira. Como já descrito anteriormente, funcionários e líderes comunitários representam em grande parte Neste sentido buscar compreender e protagonizar possibilidades de que esse estudo se torne viável e desafiador
comunidades organizadas, assim atuam intermediando através da seleção de demandas emergentes com as suas ações para o que propomos tanto no sentido de acumulo das revisões teóricas quanto a expectativa do que poderá ser gerado
nos conselhos. como resultado e evidencia dessa pesquisa.

A Participação dos Conselhos e as Políticas Públicas. Nos questionamos: até que ponto, a proposta de um novo sistema político, com um novo desenho federativo seria
satisfatório, no que diz respeito a atender as sua reais demandas que precisam das políticas públicas como único meio de
Na década de 1930, no Brasil a saúde é a política pública que mais tem se apresentado com a sua função precípua.
exercer a sua cidadania e mesmo como resultado de uma ação política.
Em 1986 o Conselho Nacional de Saúde, determina para a Constituição Federal de 1988 as ações para a implementação
do Sistema Único de Saúde SUS. Portanto, a implementação de uma política pública como a saúde, a educação, a se-
gurança, a habitação e demais, trazem para a sociedade grandes movimentações sejam elas culturais, econômicas e ou REFERÊNCIAS
sociais. Daí a se perceber, porquê os grandes embates políticos no entorno da formulação para essas agendas.
ARRETCHE, Marta. “Federalismo e Políticas Sociais no Brasil; problemas de coordenação e autonomia”. Revista
A política pública é uma ferramenta de intervenção social e, portanto, os seus resultados têm impactos na econo- São Paulo em Perspectiva, Vol. 18, nº 2, ano 2004.
mia. Por isso SOUZA (2012) diz “políticas públicas repercutem na economia e na sociedade, daí porque qualquer teoria CÔRTES, Soraya Vargas. Viabilizando a Participação em Conselhos de Política Pública Municipais: arcabouço
da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade”. institucional, organização do movimento popular e policy communities. In G. Hochman, M. Arretche e E. Marques
(orgs) Políticas Públicas no Brasil. 3ª Reimpressão, Ed. Fiocruz, Rio de janeiro RJ 2012.
Estudar política pública se dá na medida que se opta por explicar uma política social e todo processo que per-
MARCHETTI, Vitor. Desenho institucional e políticas públicas no Brasil. In: Marchetti, V. (Org). Políticas Públicas
meiam a ação desta propriamente dita. Trabalhar na possibilidade de que se efetive a política pública na prática, aconte-
em debate. São Bernardo do Campo: ABCD Maior, UFABC, 2013.
cerá na medida em que estas terão as suas definições explicitadas e discutidas nos conselhos representativos.
RIBEIRO, Uriella Coelho. FARIA, Cláudia Feres. Entre o legal e o real: o que dizem as variáveis institucionais sobre
A participação das representações governamentais e não governamentais nestes conselhos ficam a encargos dos os conselhos municipais de políticas públicas? In L. Avritzer (org) A dinâmica da participação local no Brasil. Vol 3.
seus regimentos internos o que variam significativamente, dependendo de que área da política pública está sendo imple- Ed. Cortez, São Paulo, 2010
mentada nas políticas sociais. Essas variações segundo CÔRTES (2010): PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Lei 11.346 de 15 de setembro de 2006. Disponível em http://www.planal-
Políticas públicas – especialmente as políticas sociais – têm importância diferenciada, no contexto geral
to.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm. Acesso 17/01/2015.
da administração governamental, tendo em vista a parcela da população para qual a provisão – benefícios, SOUZA, Celina. “Estado da Arte da Pesquisa em Políticas Públicas”. In G. Hochman, M. Arretche e E. Marques
bens e serviços – se destina e o modo como ela é financiada, produzida e distribuída (CÔRTES, 2010,
(orgs) Políticas Públicas no Brasil. 3ª Reimpressão, Ed. Fiocruz, Rio de janeiro RJ 2012.
p.129).
WAMPLER, Brian. Transformando o Estado e a sociedade civil por meio da expansão das comunidades política,
Enfim para a garantia de todas as condições para o real exercício da cidadania, é necessário que as ações a serem associativa e de políticas públicas. In L. Avritzer (org) A dinâmica da participação local no Brasil. Vol 3. Ed. Cortez,
realizadas pelo Estado, aconteçam de forma justa e equânime. Logo as políticas públicas devem ser o elemento que deve São Paulo, 2010.
oportunizar e garantir esta melhoria da qualidade de vida da população, com vistas a efetivar uma ação da qual origina-se
DRAIBE, S. M. Estado de Bem-Estar, Desenvolvimento Econômico e Cidadania: algumas lições da literatura con-
o binômio política pública. temporânea. In: HOCHMAN, Gilberto (org). Políticas públicas no Brasil. /organizado por Gilberto Hochman, Marta
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GRUPO DE TRABALHO II
Educação, Comunicação e Cidadania

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A COMUNIDADE ESCOLAR COMO TERRITÓRIO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES Introdução GT - 02
DA ESCOLA MUNICIPAL HEINZ WITTITZ EM GUARATUBA – PR.
A escola historicamente é associada a um discurso de emancipação, sobretudo, pessoal. Afinal é preciso estudar
“para ser alguém na vida”. Este discurso reforça a ideia de que desenvolvimento é acúmulo de riquezas, cargos e coisas.
Esta concepção colonialista da educação se materializa pela implantação de sistemas de ensino, receitas prontas e auto-
Luiz Ricardo Toniolo1 matização de respostas. Enfim, uma formação com objetivo de inserção no mercado de trabalho.

Por outro lado, a emancipação pode ser entendida como um “processo de satisfação de liberdades” (SEN, 2010).
RESUMO Essa emancipação que não se limita ao conceito mercadológico de bem estar, defende a realização de liberdades para as
pessoas. Liberdade de aprender e ser o que desejar. Assim, uma educação voltada para a capacitação de mão de obra para
Diante da necessidade de aproximação da Universidade dos saberes das comunidades, o presente artigo pretendeu avaliar
o mercado é o caminho inverso da emancipação do indivíduo e da satisfação das liberdades.
primeiramente o papel da comunidade escolar no processo de fortalecimento do capital social (identidades e relações soli-
dárias) na Escola Municipal Vereador Heinz Wittitz no Município de Guaratuba – PR. Em seguida, pretendeu-se perceber Dessa forma, a Escola Básica pode ser um espaço de emancipação, não por orientação do Estado, mas por meio
a importância da aproximação da Universidade Federal do Paraná através do Curso de Extensão em Gestão de Processos
de Educação, Diversidade e Inclusão ministrado pelos estudantes do Curso de Especialização em Gestão de Processos de da formação continuada dos sujeitos envolvidos, ou seja, a comunidade escolar.
Educação.
Por esse caminho, a aproximação entre a Universidade e a Escola Básica pode representar um produtivo processo
de formação para a comunidade escolar, sobretudo os professores e professoras. Esta aproximação através de cursos de
formação continuada pode favorecer um ambiente de discussão e conhecimento de experiências comunitárias, solidárias,
ABSTRACT
sustentáveis, ricas em experiências significativas, especialmente, no contexto de crise de conhecimento e recontextualiza-
Given the need to approach the University of knowledge communities, the present article first assess the role of the ção das identidades (SANTOS, 1997).
school community in the process of strengthening social capital (identity and solidary relations) at the Municipal School
Councilman Heinz Wittitz in the municipality of Guaratuba - PR. Then it was intended to realize the importance of the É importante ressaltar a diferença entre a formação e a capacitação dos profissionais. A capacitação profissionais
approximation of the Federal University of Parana through the Course Extension in Management Processes Education, refere-se à apropriação de técnicas, muitas vezes de repetição, como o uso de tecnologias da informática. É o caso de
Diversity and Inclusion taught by students of the Specialization Course in Education Process Management.
alguns dos candidatos a tutores de Ensino à Distância que apesar das diferentes formações recebem a mesma capacitação
para uso do moodle (ferramenta on-line para ensino à distância) para todas as disciplinas (NICOLODI, 2012). Assim, a
formação dos professores vai além da capacitação pois se dá de forma contextualizada, ou seja, nas experiências. Esta
formação contextualiza mais responde às necessidades dos professores e que “no momento que a realiza, mais eles a va-
lorizam” (CUNHA, 2005).

O espaço escolar é diversificado. Composto por professores, estudantes, demais funcionários e familiares. Des-
sa forma, o espaço escolar é potencialmente rico para experiências de aprendizagem. Através do Curso de extensão em
Gestão de Processos de Educação, Diversidade e Inclusão - GPEDI, ofertado pela UFPR Litoral e multiplicado pelos
Cursistas da Especialização foram possíveis diversas aproximações com o espaço da escola básica.

A tarefa da multiplicação não era a repetição de receitas elaboradas a partir de outra realidade, mas ambiente pro-
fícuo de discussão da realidade local. As pessoas envolvidas no processo não tardaram em discutir problemas que pode-
riam resolver, ao invés de procurar desculpas externas para o fracasso. Essas pessoas que participaram do Curso não eram
apenas os professores, faziam parte de um universo mais amplo de profissionais de educação. Havia ali profissionais da
secretária, da limpeza, da merenda escolar, etc. Tal diversidade no Curso foi uma grata surpresa e essencial para a multi-
plicação, pois permitiu novos olhares e a construção de uma identidade de comunidade escolar. Assim, a comunidade não
é um espaço. É um território! Que segundo Maria Isabel da Cunha inclui:
1 Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR luizricardotoniolo@gmail.com.

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(...) iniciativas institucionais de formação continuada. Envolvem, também, as ações institucionais que acontecem por sidade e a educação básica. Esta aproximação supera a visão de que a profissão do professor se reduz a um conjunto de
iniciativa dos próprios grupos de professores/projetos/associações profissionais etc. (CUNHA, 2008). técnicas que seriam diferentes dos saberes da universidade (NÓVOA, 1995). Através de cursos de formação continuada
para esses atores sociais da comunidade escolar, esta aproximação permite conexões que possibilitem conhecimentos
Afinal envolve “iniciativas de formação continuada, instituições, conhecimentos próprios da comunidade, conexões com
interdisciplinares, democráticos e, consequentemente, mais interessantes para estudantes e profissionais.
outras comunidades, assim, refizemos uma antiga pergunta: “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e experiência social que eles têm como indivíduos?” (FREIRE, 2009, p.30) A res-
posta para esta pergunta leva ao processo de formação de um território de uma comunidade com seus saberes e experiên-
METODOLOGIA
cias.
Esta aproximação Universidade-Escola básica para o propósito desta pesquisa foi realizada a partir da multiplica-
Sob este olhar procuramos realizar um levantamento das experiências de aprendizagem e estimular a democrati-
ção do Curso de extensão em Gestão de Processos de Educação, Diversidade e Inclusão - GPEDI - para os profissionais
zação dessas experiências como parte integrante do Curso de extensão em Gestão de Processos de Educação, Diversidade
de educação básica do Município de Guaratuba, litoral sul do Paraná. Contando com o acompanhamento dos professores
e Inclusão.
da Universidade, o dia-a-dia do curso foi vivenciado pelos professores-cursistas da Especialização GPEDI que, inclusive,
são do próprio município.

JUSTIFICATIVA Os inscritos no curso chegaram a cento e noventa e quatro. Embora, tenha ocorrido algumas desistências, a carga
horária de cento e oitenta horas foi realizada por cento e vinte e seis extensionistas. O grupo, além de numeroso, se reve-
O espaço escolar tem sido marcado pela influência de modelos que privilegiam o conteúdo e a formação de traba-
lou, também, bastante diverso, cmposto por professoras e professores da educação infantil; Fundamental I; Fundamental
lhadores para o mercado de trabalho. A percepção dessa educação funcionalista impede que haja a valorização dos saberes
II; Ensino Médio; estudantes de Magistério; profissionais da secretária; biblioteca; inspetoria; merenda escolar e limpeza.
locais de um determinado lugar, assim como dos profissionais e estudantes.
Esta diversidade representou um desafio no preparo dos materiais do Curso, entretanto, se revelou – através dos relatos
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação especifica a necessidade de adequação de planos de aula, projetos político dos cursistas – a vivência mais significativa.
-pedagógicos, currículos e avaliações à realidade local para toda a educação básica no país (BRASIL, 1996). Diante disso,
Diante dessa realidade, o objetivo do nosso Curso não poderia ser fechado. Foi o andamento do Curso que revelou
se faz necessária a valorização de práticas pedagógicas voltadas para o local, que fazem parte da realidade da comunidade.
novos problemas de pesquisa e, portanto, novos objetivos. Porém, ficou claro desde os primeiros encontros de preparação
Embora, tal proposta já estivesse no discurso dos pioneiros de 1932 (AZEVEDO, 1932), ainda percebe-se lacunas nas
com os demais professores multiplicadores que o objetivo era conhecer/se aproximar parte da realidade da educação bási-
práticas docentes que possibilitem experiências significativas.
ca de Guaratuba. Este “conhecer/aproximar” não seria feito através de tabelas, questionários, números, e sim, de entender
Contudo, percebe-se, também, a impossibilidade de ação central por parte do Estado em adaptar as práticas peda- a vivência de atores sociais. Seguindo essa perspectiva a comunidade escolar é lugar que reúne possíveis atores que com-
gógicas à realidade local. Esta impossibilidade é tanto operacional quanto ideológica. Dessa forma, cabe à comunidade partilham certas ideias que podem contribuir para romper com uma educação colonialista e voltada para o mercado. Mas,
escolar provocar experiências de aprendizagem que façam sentido para a realidade do estudante. Essa responsabilidade é essas comunidades precisam de interação, espaços de diálogo, trocas e debates, formando redes. Assim, essas redes que
da comunidade tanto por capacidade e sintonia quanto por necessidade de sobrevivência. são criadas a partir de demandas se solidarizam em seus objetivos superando a visão de “classe social” por “ator social”
e de “luta de classes” por “movimento social” (SCHERER-WARREN,1996).
Assim, a partir da concepção da comunidade como território, logo com capacidade criativa, é preciso que haja
uma adaptação dos processos de aprendizagem resultantes desse poder criativo local. Nesse sentido, o objetivo principal da pesquisa foi, no primeiro momento, provocar diálogos com a comunidade
escolar para a criação de projetos de aprendizagem baseado em problemas. Contudo, a partir dos contatos com os profes-
Essas práticas pedagógicas podem ser desenvolvidas por atores sociais que se posicionem como mediadores do sores, foi possível perceber diversas experiências significativas de aprendizado. Assim, o objetivo principal foi comple-
processo pedagógico, que focam seu trabalho na efetiva aprendizagem do estudante e que não se prendam às limitações mentado: conhecer as experiências da comunidade escolar que valorizem saberes locais, processos de aprendizagem por
externas para alcançar seus objetivos. Isso significa, também, desenvolver propostas didáticas baseadas em problemas que problemas, economias solidárias e ações ambientais.
possibilitam novos olhares para o mundo e para si mesmos. Através dessas práticas pedagógicas o papel da escola pode
ser dimensionado como um território de valorização e afirmação da identidade da comunidade. Dessa forma, o meio escolhido para a aproximação foi a pesquisa ação que “incorpora a ação como sua dimensão
constitutiva –, o pesquisador em educação não deixa dúvidas sobre a relevância conferida à prática em seu processo de
Mas, para tanto, esse novo paradigma ganhará força a partir de um diálogo mais intenso entre a Universidade e a investigação. Tratou-se, assim, de uma pesquisa que buscou articular a relação entre teoria e prática no processo mesmo
comunidade escolar da Educação Básica. Daí a importância de formação continuada para aproximar e interagir a Univer-

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de construção do conhecimento” (MIRANDA, 2006). hortas. Muitas técnicas e conteúdos foram apreendidos a partir da solução democrática da compostagem. Os achados da
pesquisa nos conduziram à várias técnicas de compostagem. A partir de experiências na internet encontramos um modelo
DISCUSSÃO
de composteira adequado à escola (RODRIGUES, 2014). A ideia prosperou para dar uso ao húmus produzido pelas com-
Por conta do processo de multiplicação que foi realizado por professores do próprio município, houve no início posteiras e estudantes e professoras organizaram uma horta orgânica num espaço sem utilização que representava ameaça
certas resistências em relação ao fato de que não eram professores “de fora”. Porém, desde o início dos diálogos houve às crianças.
uma clara intenção de romper com as expectativas de “receitas de sucesso” para a prática de sala. Esse rompimento con-
Outro grupo de profissionais da comunidade escolar levantou a questão da dificuldade de trazer os pais para parti-
tribuiu para o fortalecimento dos atores sociais como o caso da professora afastada que, inicialmente, acreditou que não
ciparem dos processos da escola. Tal problema foi levantado a partir da discussão de que cabe à escola mais responsabi-
poderia participar por não estar na função, mas que se sentiu confortável ao ser incluída e perceber que suas experiências
lidades que antes eram da família e, ainda, o fato de que os pais não comparecem às reuniões.
tinham significado; as professoras que viajavam da área rural por duas horas até chegar à área urbana que ficaram sensi-
bilizadas pelo convite. A multiplicação do Curso de extensão não foi só superação de problemas, também gerou certos desconfortos.
Diante do questionamento: “E a Escola convida a família a participar do processo de aprendizagem ou só chama os pais
Ficamos bastante tocados, pois os relatos de problemas e soluções foram enriquecedores e nos fizeram pensar como estes
quando há um problema?”, muitas foram as reações , assim como novas dúvidas surgiram e a possibilidade da autocrítica.
espaços de valorização de saberes e fazeres são raros. A chegada dos estudantes do curso de formação de professores com
os olhos cheios de otimismo foram provocações de ânimo para os demais. Enfim, as interações entre os multiplicadores e Diante dessa problematização, duas professoras lembraram um projeto realizado em 2013. O projeto de produção
os multiplicados permitiram a construção de uma identidade. de sabão ecológico como oportunidade de aprender e de envolver as famílias com o processo de aprendizagem na escola.
Os estudantes das séries finais do ensino fundamental I da Escola Municipal Vereador Heinz Wittitz pesquisaram com a
Buscamos a aproximação com as experiências dos profissionais da comunidade escolar como forma de valori-
comunidade sobre o uso do sabão ecológico. Após a tabulação, constataram o desconhecimento sobre o produto. As pro-
zação das identidades e saberes locais. Nesse sentido, o foco é explicado, pois “a experiência é o que nos passa, o que
fessoras pesquisaram a técnica de fabricação para realizar na escola e os pais foram convocados para ajudar na produção.
nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou que toca” (LARROSA, 2014). Muitas vezes, a
A interdisciplinaridade no projeto de aprendizagem é evidente. Conhecimentos que de outro modo estariam isolados em
palavra experiência acaba se confundindo com experimento, que dá uma ideia de sujeito e objeto, estímulo e resposta.
cada disciplina foram integradas no processo e permitiram novas conexões. Assim, estudantes, familiares e profissionais
Contudo, segundo Vygostki, uma atividade psíquica superior que é o aprender se dá através da criação de instrumentos
se envolveram na produção do sabão ecológico. Alguns compreenderam a eficiência superior do produto e, também, a
para a resolução de problemas (FRIEDRICH, 2012).
oportunidade de uma economia ecológica e solidária, além, é claro, do envolvimento dos pais na comunidade escolar.
Uma das grandes questões presentes, senão a maior, é a problemática ambiental. A busca de instrumentais para
A percepção inicial do Curso de extensão foi de um processo de formação continuada que pretendia aproximar os
a resolução de problemas ambientais é uma atividade psíquica que supera a simples relação de pergunta e resposta tão
professores de parte dos saberes da Universidade, como o conhecimento de políticas públicas, textos científicos e orienta-
comum na realidade escolar tradicional. A partir de problemáticas ambientais, a comunidade escolar internaliza e busca
ções. Embora tivesse a certeza da existência de saberes por parte da comunidade escolar, o processo foi uma imersão em
soluções quando há espaço para interações. Essa internalização se dá de forma interdisciplinar tanto para apresentar saídas
um espaço de troca de saberes, possibilitando o contato com um potencial criador de comunidades. Além da oportunidade
para a crise ambiental quanto para a crise do conhecimento (LEFF, 2011).
de conhecer experiências e soluções próprias de cada comunidade, foi possível realizar trocas enriquecedoras para as
Nesse sentido, o “problema” das sobras alimentares da merenda escolar apontada pelas merendeiras foi resolvido práticas pedagógicas de todos os envolvidos.
através da aproximação com as professoras da mesma escola. Interessante foram os depoimentos de duas professoras que
se surpreenderam com a ação da merendeira, pois, dificilmente, equipes de limpeza ou de alimentação são vistas como
parte do processo de educação. Assim, foi necessário um olhar mais amplo da escola, muito além, de docentes e discentes. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este novo olhar, ampliado, incluiu profissionais que são vistos apenas como técnicos e, até mesmo, menospre- Tais resultados nos alertaram para a necessidade de dois tipos de espaço. O primeiro espaço é a divulgação dessas
zados na comunidade. A partir do problema foram discutidas democraticamente possíveis soluções sustentáveis para os experiências em ambientes interativos e periódico de circulação para as comunidades escolares. Percebeu-se que a maior
resíduos orgânicos. A pesquisa de métodos de tratamento dos resíduos levou à construção de composteiras que permitiram parte dos professores desempenham atividades criativas e que levam em consideração experiências locais, éticas e solidá-
não apenas a destinação do resíduo, mas, o uso do húmus para fertilização. rias. Esta interação virtual tem ocorrido com os atores sociais nas redes sociais com a formação de grupos e repositórios
digitais, mas de forma, dispersa o que dificulta a divulgação para outras comunidades. Esta divulgação é importante não
Naturalmente, que as soluções não foram imediatas. Cartazes de conscientização produzidos pelos estudantes,
para a mera reprodução de práticas, mas com a finalidade, de ser a matéria prima para adaptações e aperfeiçoamentos. O
aprendizado e apropriação de técnicas, pesquisa de soluções mais adequadas e valorização do húmus para o cultivo de

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segundo espaço, a necessidade de se manter cursos de formação continuada para a maior aproximação dos profissionais A EDUCOMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO
entre si e com a Universidade como forma de valorizar o trabalho desenvolvido nas escolas, como também aproximar DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL
dos estudantes e professores da Universidade, oportunidades de conhecer os caminhos de práticas significativas de
aprendizado.
Tatiana de Medeiros Canziani1; Marcelo Luís Korelo2
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A Educomunicação Socioambiental foi proposta pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), como linha de ação para
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um material de orientação de práticas de comunicação para a EA com a intenção de dar suporte a propostas de políticas
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RODRIGUES, Efraim. (2014) Ligados na Pilha: a compostagem na escola. Disponível em: http://www.efraim.com.br/ analyze the documentation produced by the Ministry of Environment, focused on Environmental Education, in order to
cartilhasm.pdf . Acessado em: 22 de janeiro de 2014. verify what are the principles, objectives and actions proposed by the MMA that support the diffusion of environmental
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SCHERER-WARREN, Ilse. (1996) Redes de Movimentos Sociais. São Paulo: Edições Loyola, 143p. Key words: Environmental Education. Educommunication. Socioenvironmental Educommunication.
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1 Professora do Instituto Federal do Paraná – Campus Curitiba. Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade
ZAOUAL, Hassan. (2006) Nova economia das iniciativas locais: uma introdução ao pensamento pós-global. Rio de
de São Paulo. e-mail: tatiana.canziani@ifpr.edu.br
Janeiro: DP&A: Consulado geral da França: COPPE/UFRJ, 253p. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente Urbano e Industrial (PPGMAUI) da Universidade Federal do Paraná.
e-mail: marcelo.korelo@gmail.com

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1 INTRODUÇÃO Educomunicação Socioambiental.
A partir da promulgação da Lei n .9.795/99 , em fevereiro de 1999, foi instituída no Brasil a Política Nacional de Educação
o 3

Ambiental. Essa legislação tem por objetivo esclarecer e definir o que o Estado entende por Educação Ambiental (EA) e a quem
confere a responsabilidade pelo desenvolvimento de ações que visem promover a EA em território nacional. Além disso, o documento 2 METODOLOGIA
traz os princípios básicos e os objetivos fundamentais da mesma. Trata-se de um estudo científico, de abordagem qualitativa, com objetivos descritivos. A pesquisa documental é adotada
como procedimento para o desenvolvimento da pesquisa dentro da metodologia escolhida. Essa documentação é indireta, de tipo
Com relação à Política Nacional de Meio Ambiente, a lei determina que as atividades vinculadas a essa política pública
escrito, visto que foi produzida quase em sua maioria pelo Ministério do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo, o trabalho se vale da
devem ser desenvolvidas a partir de linhas de ação pré-determinadas, e ocorrer em espaços educativos formais e não formais, com a
pesquisa bibliográfica como suporte para discutir os pressupostos teóricos surgidos ao longo da análise.
intenção de capacitar recursos humanos; desenvolver estudos, pesquisas e experimentações; produzir e divulgar material educativo
e acompanhar e avaliar essas ações educativas.

Em razão da instituição dessa política nacional, foi criado o Programa Nacional de Educação Ambiental, o ProNEA. O 3 AS AÇÕES DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE EM PROL DO DESENVOLVI-MENTO DA
ProNEA propõe missão, diretrizes e princípios que orientam sua linha de atuação, e por conseguinte as demais ações de educação EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: A BUSCA POR UMA LINHA DE ATUAÇÃO DEFINIDA POR
ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), baseados no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA

e Responsabilidade Global4. Essas diretrizes foram elaboradas no ano de 2004, a partir de um processo de consulta pública que
envolveu mais de 800 educadores ambientais brasileiros, em parceria com as Comissões Interinstitucionais Estaduais de Educação
Ambiental (CIEAs) e as Redes de Educação Ambiental. 3.1 A LEI NO 9.795/99 E A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O ProNEA (BRASIL, 2005) defende que a “Comunicação para a Educação Ambiental” deve ser uma das linhas de ação
desenvolvidas para promover a Educação Ambiental e para que se produza, gere e disponibilize, de forma interativa e dinâmica, as A Lei no 9.795/99 define Educação Ambiental, em seu Artigo de no 1, como os “[...] processos por meio dos
quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
informações relativas à EA.
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” (BRASIL,
Em outubro de 2004, acontece a I Oficina Nacional de Comunicação e Educação Ambiental. Das discussões e proposições 1999)
desse evento tem início a construção de um documento, também de cunho orientativo, sobre educomunicação socioambiental. Uma
Em virtude desse caráter protagonista de envolvimento dos sujeitos, propõe que deve ocorrer de modo essencial e permanente
primeira versão-base é criada alguns meses depois, em junho de 2005 (BRASIL, 2005). Essas informações, entretanto, somente são
na educação nacional. Além disso, necessita se dar de maneira articulada em todos os níveis e modalidades do processo educativo,
sistematizadas, finalizadas e publicadas em 2008, após participação e colaboração de mais de 60 especialistas na área.
seja ele formal e/ou não-formal.
As Diretrizes para a Educomunicação Socioambiental como linha de ação para promoção da Educação Ambiental são
Igualmente como a educação, trata-se, portanto, de um direito do cidadão. São responsáveis pelo cumprimento desse direito,
publicadas no documento Educomunicação Socioambiental: comunicação popular e educação5, o objeto de estudo desse artigo.
o Poder Público, mas também as instituições educativas, os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama,
Esse trabalho tem a finalidade de verificar quais são os princípios, objetivos e ações propostas pelo ProNEA, do Ministério do
os meios de comunicação de massa, as empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, assim como a sociedade como
Meio Ambiente, que sustentam a difusão de ações educomunicativas socioambientais em espaços não-formais. Opta-se, nesse
um todo.
sentido, por focalizar a pesquisa, em virtude de recortes metodológicos, nos espaços não-formais de educação, ainda que o material
consultado proponha ações para a educação formal e informal. Essas instituições devem se incumbir de promover a educação ambiental por meio da definição de políticas públicas, através
da integração a programas educacionais, de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente e também de formação de
Entende-se que a análise dessa documentação, extravasa os horizontes de uma consulta bibliográfica, e caminha em direção
trabalhadores. Essa promoção deve visar a atuação individual e coletiva que se volte para a prevenção, identificação e a solução dos
ao concreto, ao se refletir em programas e ações reais de Educação Ambiental por meio da Educomunicação Socioambiental, que se
problemas ambientais e ocorrer de modo permanente através da disseminação de informações e práticas educativas sobre o meio
valem das orientações contidas nesse material através de princípios sustentados por uma política pública nacional em consolidação.
ambiente.
Por esse motivo, faz-se importante revisitar o modo como se estabeleceu/ vem se estabelecendo esse cenário em torno da
A legislação (BRASIL, 1999) indica ainda, Artigo de no 4, que a Educação Ambiental está amparada em oito
3 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei n .9795/99, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política
o

Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 fev. 1999. princípios básicos. São eles: I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção de meio
4 O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global é um documento elaborado por educadores ambiente na sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o meio sócio-econômico e o cultural,
ambientais, jovens e pessoas ligadas ao meio ambiente de vários países do mundo, publicado durante a 1º Jornada de Educação Ambiental, que sob o enfoque da sustentabilidade; III - o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi
se tornou referência para a Educação Ambiental.
5 BRASIL. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2008. e transdisciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; V - a garantia de

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continuidade e permanência do processo educativo; VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a social na proteção, recuperação e melhoria das condições ambientais e de qualidade de vida”. (BRASIL, 2005, p.33) As diretrizes
abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconhecimento e o respeito estabelecidas pelo ProNEA devem ser reconhecidas pelos governos, em razão de seu caráter prioritário e permanente.
à pluralidade e à diversidade individual e cultural.
O ProNEA propõe as seguintes diretrizes para implementação de programas/ ações de Educação Ambiental: Transversalidade
Baseados nesses princípios foram estabelecidos objetivos fundamentais para que a Educação Ambiental faça e Interdisciplinaridade; Descentralização Espacial e Institucional; Sustentabilidade Socioambiental; Democracia e Participação
cumprir, como desenvolver uma compreensão integrada de meio ambiente, pensada a partir de relações múltiplas e Social; Aperfeiçoamento e Fortalecimento dos Sistemas de Ensino, Meio Ambiente e outros que tenham interface com a educação
complexas, de modo integrado à ecologia, psicologia, legislação, política, sociedade, economia, ciência, cultura e ética. ambiental.
Ademais, cabe à EA garantir a democratização de informações ambientais, estimular a consciência crítica sobre as
Além disso, são estabelecidos princípios aos quais esses projetos voltados ao desenvolvimento da EA devem se orientar,
questões socioambientais, incentivar a participação social nas causas ambientais como valor intrínseco do exercício da
segundo o Programa Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999, p.37).
cidadania e como fundamento para o futuro da humanidade, além de fomentar a integração entre ciência e tecnologia.
Nesse mesmo sentido, a EA tem por missão estimular a cooperação entre diferentes regiões brasileiras com o objetivo de
construir uma sociedade ambientalmente equilibrada.
• Concepção de ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência sistêmica entre o meio natural
A análise da Política Nacional de Educação Ambiental, Lei no 9.795/99, expressa uma preocupação em promover e o construído, o socioeconômico e o cultural, o físico e o espiritual, sob o enfoque da sustentabilidade.
a formação do cidadão através dos processos educativos, escolares e não-escolares. Dessa intencionalidade, requer-se • Abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais, transfronteiriças e globais.
que se propicie capacitação de recursos humanos, o desenvolvimento de estudos e pesquisas e também produção e
• Respeito à liberdade e à equidade de gênero.
divulgação de material educativo.
Essas ações devem buscar o aprimoramento de instrumentos e metodologias que visem a incorporação da • Reconhecimento da diversidade cultural, étnica, racial, genética, de espécies e de ecossistemas.
dimensão ambiental, a participação dos interessados, o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais. • Enfoque humanista, histórico, crítico, político, democrático, participativo, inclusivo, dialógico,
Com relação à Educação Ambiental nos espaços não-formais, a Lei no 9.795/99, esclarece que “Entendem-se por cooperativo e emancipatório.
educação ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões • Compromisso com a cidadania ambiental.
ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente”. (BRASIL, 1999)6 • Vinculação entre as diferentes dimensões do conhecimento; entre os valores éticos e estéticos; entre a
Com o objetivo de estimular essas ações e práticas educativas em espaços não-formais, o Poder Público, em nível educação, o trabalho, a cultura e as práticas sociais.
federal, estadual e municipal, incentivará que haja: I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, • Democratização na produção e divulgação do conhecimento e fomento à interatividade na informação.
em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio
• Pluralismo de idéias e concepções pedagógicas.
ambiente; II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais na formulação
e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não-formal; III - a participação de empresas • Garantia de continuidade e permanência do processo educativo.
públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e • Permanente avaliação crítica e construtiva do processo educativo.
as organizações não-governamentais; IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação; • Coerência entre o pensar, o falar, o sentir e o fazer.
V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação; VI - a sensibilização
• Transparência.
ambiental dos agricultores; VII - o ecoturismo.

3.2 O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A COMUNICAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO


AMBIENTAL COMO LINHA DE AÇÃO
Essas diretrizes tem como objetivo geral, dar conta da missão a ela indicada que é possibilitar que a Educação Ambiental
contribua para a construção de sociedades sustentáveis com pessoas atuantes e felizes em todo o Brasil. Além disso, devem visar a
A criação da Diretoria do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) ocorre em 1999, de maneira paralela à
promoção de processos voltados aos valores humanistas, ao desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
promulgação da Política Nacional de Educação Ambiental. De 1999 a 2003, o ProNEA encontra-se em processo de construção de
– condições importantes para a construção de sociedades sustentáveis com cidadãos participativos.
suas Diretrizes, por meio de reuniões com especialistas da área de educação ambiental, audiências públicas e eventos. Essas diretrizes
são publicadas no ano de 2003 e trazem consigo a intenção de assegurar, de modo equilibrado, a interação e a integração “[...] das Como linhas de ações e estratégias são sugeridas: 1) Gestão e Planejamento da Educação Ambiental no país; 2) Formação
múltiplas dimensões da sustentabilidade ambiental [...] ao desenvolvimento do país, buscando o envolvimento e a participação de Educadores e Educadoras Ambientais; 3) Comunicação para a Educação Ambiental; 4) Inclusão da Educação Ambiental nas
6 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei no.9.795/99, de 27 de abril de 1999. Artigo no. 13. Instituições de Ensino; 5) Monitoramento e Avaliação de Políticas, Programas e Projetos de Educação Ambiental.

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O foco desse estudo é a linha de ação de no 3, Comunicação para a Educação Ambiental. A Comunicação para a Educação São objetivos da Educomunicação para o desenvolvimento das políticas socioambientais: 1) O estímulo e a difusão da
Ambiental se divide em dois eixos: a Comunicação e tecnologia para a educação ambiental e a Produção e apoio à elaboração de comunicação popular participativa no campo da Educação Ambiental brasileira, com o fim de fortalecer a ação educadora coletiva
materiais educativos e didático-pedagógicos. pela sustentabilidade; 2) A contribuição para a elaboração e a implementação de uma Política Nacional de Comunicação e Informação
Ambiental.
A Comunicação e tecnologia para a educação ambiental se refere mais às questões de promoção, divulgação e estímulo
de projetos, ações e políticas públicas, através de informações e conhecimento sobre a EA, por meio de produtos audiovisuais e Baseada nos estudos de Soares9 (1999), a Educomunicação Ambiental ou Socioambiental adquire nova expressão como
impressos divulgados pelos meios de comunicação de massa. suporte para o desenvolvimento da Educação Ambiental.

Têm-se como estratégias para promover a Comunicação para a Educação Ambiental: que as informações sejam de caráter
educativo, por meio de uma linguagem acessível, com integração entre as diferentes mídias. Estimula-se que haja produção artísticas
Refere-se ao conjunto de ações e valores que correspondem à dimensão pedagógica dos processos
e literárias como forma de fomentar a discussão de questões ambientais. Ressalta-se que essas informações divulgadas reconheçam comunicativos ambientais, marcados pelo dialogismo, pela participação e pelo trabalho coletivo. A
experiências de Educação Ambiental locais e sejam socializadas por meio de “Salas Verdes”. Também se estimula a criação de canais indissociabilidade entre questões sociais e ambientais no fazer-pensar dos atos educativos e comunicativos
de acesso às informações ambientais, produção de programas temáticos e a elaboração de planos e programas de comunicação para é ressaltada pelo termo socioambiental. A dimensão pedagógica, nesse caso em particular, tem foco no
“como” se gera os saberes e “o que” se aprende na produção cultural, na interação social e com a natureza.
instâncias governamentais. Com relação à criação de um banco de dados que disponibilize informações sobre Educação Ambiental7 (BRASIL, 2008, p.10)
e um cadastro nacional de agentes de EA, o ProNEA prevê a centralização nos sites do MMA, principalmente o do Departamento de
Educação Ambiental (DEA). Além disso, prevê a alimentação desse banco de dados, pela sociedade em geral. Por fim, existe uma
preocupação com a capacitação para as tecnologias de informação e comunicação.
Os Ministérios do Meio Ambiente e da Educação (BRASIL, 2008) definiram oito princípios norteadores para a
O eixo Produção e apoio à elaboração de materiais educativos e didático-pedagógicos firma uma parceria entre os Ministérios Educomunicação Socioambiental. São eles: 1) Compromisso com o diálogo permanente e continuado; 2º - Compromisso com a
do Meio Ambiente e Ministério da Educação (MEC), tanto para a aquisição como para a produção de material impresso e audiovisual interatividade e produção participativa de conteúdos; 3o - Compromisso com a transversalidade; 4º - Compromisso com o Encontro/
para trabalhar a Educação Ambiental em todo o país, de modo nacional, regional e local. Ademais, prevê a utilização de ensino Diálogo de Saberes; 5º - Compromisso com proteção e valorização do conhecimento tradicional e popular; 6º - Compromisso
a distância. Além da implantação de rádios comunitárias em polos irradiadores, a partir de parceria com a Associação Brasileira com a democratização da comunicação e com a acessibilidade à informação socioambiental; 7º - Compromisso com o direito à
de Rádios Comunitárias, para produção de programação, especialmente, voltada para o público jovem “[...] como instrumento comunicação; 8º - Compromisso com a não discriminação e o respeito à individualidade e diversidade humana.
pedagógico e de fomento às atividades ambientalmente sustentáveis.” (BRASIL, 2005, p.50)
Esses princípios orientadores servirão de direção para o desenvolvimento de atividades e processos voltados à Educomunicação
Socioambiental, executadas por qualquer segmento da sociedade. As atividades propostas podem seguir três linhas de ação: Articulação
de Ecossistemas Comunicativos no campo da Educação Ambiental, Produção interativa/participativa em mídias massivas e Formação
3.3 A EDUCOMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
do Educomunicador Socioambiental.

A Educomunicação Socioambiental é adotada pelo Ministério do Meio Ambiente como política integrante da trajetória que O documento sobre a Educomunicação (BRASIL, 2008) sugere ainda meios para que essas ações complementares integradas
vem sendo estabelecida pela Educação Ambiental em nível nacional, desde 1999. Por esse motivo, tem por finalidade possibilitar sejam implementadas. Sugere-se que se: realizem diagnósticos e mapeamentos iniciais da comunicação em todos os níveis; desenvolvam
que se cumpra o estabelecido pela Lei no 9.795/99, pela Política Nacional de Educação Ambiental e pelo Programa Nacional de pesquisas e publicações de metodologias apropriadas para diagnóstico da comunicação, para formação de educomunicadores e para
Educação Ambiental (ProNEA). a elaboração de programas; apoie, em seu âmbito de atuação, a constituição de estruturas educadoras voltadas para a informação e a
comunicação popular em meio ambiente; articulem bases virtuais de informação (páginas, plataformas, sistemas) não somente devido
O referencial teórico da Educomunicação (SOARES, 1999)8 é assim adotado, pois dá conta de sistematizar o quadro de a seu caráter de autopromoção, mas como fomento para as discussões sobre o tema; trabalhe em rede com os campos da educação,
referência para a toda ação comunicativa no campo da Educação Ambiental. Assim como contribui com a construção de uma Política da comunicação e da informação ambiental; apoie o planejamento e a gestão de programas de Educomunicação Socioambiental, em
Nacional de Comunicação e Informação Ambiental. Acredita-se que “[...]A Educomunicação aproxima o campo da Educação qualquer nível do poder público, como meio de fortalecer a Educação Ambiental como prática de todos; e, por fim, que se defina os
Ambiental à perspectiva de uma comunicação popular educadora, autonomista e democrática.” (BRASIL, 2008, p.9) meios institucionais para apoio permanente e financiamento da Educomunicação Socioambiental.

A Educomunicação, como as Diretrizes do ProNEA (BRASIL, 2003), valem-se da transversalidade e da participação social
por meio de recursos pedagógicos, baseados no dialogismo e na autonomia, para o desenvolvimento de suas ações.

7 O Sistema Brasileiro de Informação em Educação Ambiental (SIBEA) reúne dados sobre o tema em um portal do Ministério da 9 O Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares é coordenador-geral do Núcleo de Educação e Educação (NCE) da Universidade de São Paulo desde
Educação. a sua fundação em 1996.
8 SOARES, I.O. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Brasília, 1999.
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4 DISCUSSÃO Ambiental, Política Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) e Diretrizes para a Educomunicação Social Ambiental, percebe-
A adoção da Educomunicação Socioambiental nos espaços não-formais é tratada dentro das Diretrizes da Educomunicação se que as políticas públicas voltadas à promoção da Educação Ambiental, em território brasileiro, encontram-se em processo de
Socioambiental (BRASIL, 2008) do Ministério do Meio Ambiente como um campo de aplicação para a linha de ação. Juntamente com consolidação. Porém, com orientações muito bem definidas com relação aos princípios e objetivos que devem ser seguidos para a
a educação não-formal, são alocados os processos formativos populares e informais. Em outro lado, o documento define a educação implementação de ações e programas nessa área.
formal também como espaço de execução dos projetos socioambientais, entretanto com um potencial menor de exemplificação e
De 2008 a 2015, não foi proposto mais nenhum documento que se refira à Educomunicação, nem à Educomunicação
com menos possibilidades de atuação do que o ambiente não-formal.
Socioambiental por parte do Ministério do Meio Ambiente. Entretanto, em 2010, foram publicadas as Diretrizes para a Estratégia
São exemplos de campos de atuação da Educomunicação, segundo as Diretrizes da educomunicação Socioambiental Nacional de Comunicação e Educação em Unidades de Conservação (BRASIL, 2010a) e a Resolução no. 422/ 2010 (BRASIL,
(BRASIL, 2008): Educomunicação nos Coletivos Educadores para Territórios Sustentáveis; Educomunicação para a constituição 2010b), do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Mais uma vez, a Educomunicação é referenciada como linha de ação para o
de Municípios Educadores Sustentáveis, nas Cidades-Escola e nos Bairros-Escola; Educomunicação nas Redes de Educação e / ou desenvolvimento de ações comunicativa e educacionais voltadas à Educação Ambiental.
de Comunicação Ambiental; e, Educomunicação Socioambiental na Pesquisa Participativa em Meio Ambiente.
O posicionamento aqui assumido, é de que o novo campo já está legitimado, no que se refere, a uma política pública
A Educomunicação nos Coletivos Educadores para Territórios Sustentáveis se refere às possibilidades de tratar a Educação pensada dentro de um processo que visa promover a Educação Ambiental, mas também definir a Política Nacional de Comunicação,
Ambiental como um ação permanente, organizada em prol da sustentabilidade. Dessa maneira, supõe-se a organização de documentos Educação e Informação da Educação Ambiental. As diretrizes e orientações citadas foram (bem) construídas em um processo
com essa finalidade, projetos político-pedagógicos, currículos, cursos, entre outros. participativo que envolveu o Estado, mas também especialistas e agentes envolvidos com a Educação Ambiental.

Já a Educomunicação para a constituição de Municípios Educadores Sustentáveis, nas Cidades-Escola e nos Bairros-Escola, Trata-se de um movimento integrador, que constrói e se reconstrói cotidianamente por meio da práxis, através de ações
retrata as políticas de educação e comunicação articuladas com comunidades, movimentos, escolas. e projetos reais com sujeitos também concretos. Nesse sentido, entende-se que assim como foi construído baseado na troca de
experiências, também pode possibilitar que assim se crie um movimento cíclico.
A Educomunicação nas Redes de Educação e/ou de Comunicação Ambiental demonstra que para que haja difusão de
saberes e conhecimentos de maneira mais eficiente, através de ações e projetos, é interessante que haja integração e interação Ao se estabelecer um panorama revisitado sobre as origens e fundamentos da comunicação educativa e/ou educação
dessas experiências por meio das Redes orientadas em razão da EA. Daí o viés da transversalidade tão apontado nos documentos comunicativa, através de projetos desenvolvidos por Anísio Teixeira, passando por Mário Kaplún e Paulo Freire, observa-se e
analisados. se compreende que são os movimentos populares e os espaços informais e não-formais, os berços para o desenvolvimento da
Educomunicação.
E, por fim, a Educomunicação Socioambiental na Pesquisa Participativa em Meio Ambiente. Tratam-se de ações
investigativas, de cunho participativo, situadas “[...] como um setor à parte para mostrar que a pesquisa não é exclusivamente Por esse motivo, e em razão, do caráter democrático da proposta voltada à formação do educomunicador social em espaços
originada no sistema formal de educação. Pode ser proposta e conduzida, também, por exemplo, por uma organização comunitária”. não-formais, estimula-se o estabelecimento de novas experiências que possam vir a contribuir para a área da Educomunicação
(BRASIL, 2008, p.33) Socioambiental e que contribuam diretamente no empoderamento do cidadão autônomo e crítico.

Trata-se, portanto, de dar intencionalidade educativa aos compromissos sociais com a finalidade de construir uma sociedade
mais sustentável e equilibrada, a partir de espaços não necessariamente voltados para esse fim.
REFERÊNCIAS
Para isso, é preciso partir de um entendimento sobre Educomunicação Socioambiental com uma campo de intervenção social.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambienta em Unidades de Conservação
Nessa linha de ação a educação e a comunicação são processos da construção do sujeito. E esse sujeito é um cidadão que faz parte de - ENCEAl. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2010. Disponível em:<http://www.cca.eca.usp.br/sites/cca.eca.usp.br/files/
uma sociedade e que carrega consigo valores, hábitos, ideias próprias, cultura. Esses saberes pré-existentes são representativos para Publica%C3%A7%C3% A3o ENCEA.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2015.
esse modelo de comunicação e educação, pois é coerente e significativo com uma realidade. O sujeito consciente de sua existência e ______. Ministério do Meio Ambiente. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação. COSTA, F.A.M.
de sua autonomia torna-se protagonista da sua própria história. E a comunicação democrática surge nesse contexto, no qual o sujeito (Org.). Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2008. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/txbase_
é também emissor da informação, a partir de espaços públicos de expressão. educom_20.pdf>. Acesso em: 01 jul.2015.

______. Ministério do Meio Ambiente. Lei no.9795/99, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Por isso, a adoção da Educação Ambiental embasada em uma visão de ambiente como uma totalidade, interdependente do Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 fev. 1999. Disponível em:
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______. Ministério do Meio Ambiente. Programa de Educomunicação Socioambiental. Série Documentos Técnicos 2. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente – Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, 2005. Disponível em: <http://www.mma.
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A partir da análise da legislação/ documentação exposta na seção anterior – Lei no. 9.795/99, Programa Nacional de Educação

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A FAMÍLIA E A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES PARA A PROMOÇÃO E AMPLIAÇÃO
______. Ministério do Meio Ambiente. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília: Ministério do Meio Ambiente DA PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA ATRAVÉS DE PROJETOS
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______. Ministério do Meio Ambiente. Resolução no.422, de 23 de março de 2010. Estabelece diretrizes para as campanhas, ações e Roseli de Fátima dos Santos de Almeida1; Marília Pinto Ferreira Murata2
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pdf/educacaoambiental/ tratado.pdf>. Acesso em: 17. jun. 2015. A presente pesquisa adotou a metodologia da pesquisa-ação, aplicada junto as famílias, as crianças e educadoras de um
Centro de Educação Infantil. Teve como um de seus objetivos promover a reflexão e intervir no sentido de valorizar a
SOARES, I.O. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. In Contato: Revista participação da família na escola, com vistas a consolidação de uma parceria efetiva para a promoção do desenvolvimento
Brasileira de Comunicação, Educação e Arte – nº 2. Brasília: UnB, 1999. infantil a partir de uma perspectiva biopsicossocial do processo educacional. Para tanto foi desenvolvido um programa,
por meio da aplicação de um projeto de atividades relacionadas à temática da questão ambiental. Foram convidadas a
participar do projeto todas as 11 educadoras, as 92 crianças matriculadas no CMEI de 03 à 05 anos e seus familiares, sendo
que 54 famílias e 09 educadoras aceitaram participar do projeto. Foi aplicada avaliação ao início e no final da realização
do programa de intervenção, por meio de questionário semiestruturado e, avaliação periódica ao longo da execução dos
trabalhos. O programa de intervenção foi realizado no período de 15 de maio a 04 de Julho de 2013 e contou com 10 dias
de atividades. Todas as atividades foram elaboradas utilizando-se brincadeiras e materiais lúdicos, respeitando-se a fase
de desenvolvimento em que as crianças se encontravam. Das questões aplicadas às famílias e educadoras selecionadas
para o presente estudo, 07 constavam do questionário inicial e 01 do questionário final. Observou-se que as educadoras
do CMEI mostraram-se interessadas em mudanças quanto às atividades que envolvem família e escola, principalmente
com projetos. Percebeu-se que com a aplicação do projeto foi possível abordar conteúdos interdisciplinares, e desenvolver
atividades diversificadas, bem como aproximar família e escola.

Palavras chave: relação família-escola, desenvolvimento infantil.

1 Prefeitura Municipal de Matinhos rose-.-lee@hotmail.com


2 Universidade Federal do Paraná mariliamurata@gmail.com

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INTRODUÇÃO onde se encontram em fase de desenvolvimento, convivem com educadoras, outras crianças e esses relacionamentos
influenciam na formação de sua personalidade.
O presente artigo consiste na reflexão e contribuição da importância acerca das responsabilidades das instituições
família e escola no contexto da aprendizagem, com vistas ao desenvolvimento de crianças da educação infantil. Ainda segundo Libâneo (2009 pg.300) “o objetivo primordial da escola é o ensino e a aprendizagem dos
alunos”. Para que ela se desenvolva é necessário que se socialize, satisfazendo suas necessidades e assimilando a cultura
O interesse na temática que envolve família e escola surge da necessidade de promover e ampliar a participação da sociedade em que vive. (MARTINS e TAVARES, 2010). Portanto as escolas precisam estar abertas as crianças, as
da família na escola através de projetos de forma efetiva, uma vez que ambos os envolvidos no processo educacional famílias, membros da comunidade, educadoras, e todos envolvidos diretamente no processo educativo, abordar conteúdos
podem estar afastados por ideias divergentes. Segundo Polato (2009, p.102) “os pais, que esperam ações dos professores significativos e oferecer as crianças oportunidade de socialização com pessoas fora de casa.
e esses dizem não caber a eles tais tarefas. Professores, por sua vez, depositam nos pais expectativas, que eles não têm
condições – ou não sabem como cumprir”. Essa situação pode gerar uma barreira que precisa ser rompida, para o bom Assim, a escola torna-se um espaço de trocas e de construções coletivas e deve ser partilhado com a família, e
desempenho da criança em toda a sua potencialidade. ainda que abram espaços para que as crianças sejam ouvidas, pois fazem parte da escola, e as idéias e diretrizes principais
são construções dos adultos principalmente no que diz respeito às brincadeiras (MARQUES e SPERB, 2012).
O projeto a que se refere o presente estudo teve como objetivo geral desenvolver um programa de intervenção
para a aproximação e facilitação da relação família e escola, por meio de atividades relacionadas à temática da educação Desta forma a escola torna-se um veículo com grandes poderes de transmissão de pensamento, de trocas de
ambiental, visando o desenvolvimento de um trabalho envolvendo a parceria entre família escola, lembrando que esta é conhecimentos. A escola tem papel chave nos caminhos do desenvolvimento individual da criança.
de extrema importância no processo educacional, tanto no que diz respeito à estimulação do desenvolvimento global da
criança como para a formação cidadã. As adaptações e modificações curriculares voltadas para o aprendizado, visando A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação Nacional reconhece a Educação Infantil no Brasil como a
à construção da identidade, autonomia, autoestima das crianças, respeitando as especificidades das faixas etárias e primeira etapa da Educação Básica, e tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 06 anos de idade em
adequado às fases do desenvolvimento infantil contribuíram para o desenvolvimento do projeto e o acompanhamento seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família, das instituições de educação
durante o processo educacional, por parte da família mostrou-se de fundamental importância para o desenvolvimento infantil e da comunidade. (BRASIL, 1996).
pleno da criança. Desta forma quando se fala em pleno desenvolvimento não se enfatiza somente o aspecto cognitivo. A legislação é clara e aponta para a necessidade das crianças em relação ao tempo e espaço físico adequado ao
Foram objetivos específicos do projeto: desenvolvimento integral. Segundo o RCNEI (Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil),

- Fomentar na escola em um espaço vivo de interações, aberto ao real e as suas múltiplas dimensões.

- Incentivar a participação da família em atividades escolares desde a primeira infância. As características da faixa etária das crianças atendidas, bem como as necessidades atuais de construção de uma
sociedade mais democrática e pluralista apontam para a importância de uma atenção especial com relação às
- Fomentar a participação da família na aquisição dos conhecimentos da criança. instituições e as famílias (BRASIL, 1998).

- Estimular a reflexão das educadoras sobre a importância da parceria família-escola.

Um dos objetivos da aplicação da pesquisa de campo era conhecer o dia a dia do Centro Municipal de Educação As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Art.3º- I) estabelecem que as propostas
Infantil com crianças de 03 anos (maternal II) a 05 anos (Pré II) no sentido de verificar como estas crianças se relacionavam pedagógicas das instituições desta etapa escolar devem respeitar os fundamentos norteadores, que são: Princípios Éticos
com seus colegas, educadoras, e como era a participação da família no processo ensino-aprendizagem e as dificuldades da Autonomia, Responsabilidade, Solidariedade e Respeito ao Bem Comum, ao meio ambiente e as diferentes culturas,
encontradas em relação a essa parceria. identidades e singularidades. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres da Cidadania, do Exercício da Criticidade e do
Respeito á Ordem Democrática. Princípios Estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de
Para o desenvolvimento da pesquisa de campo foram elaborados questionários iniciais e finais com as famílias expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 2010).
e educadoras atuantes na educação infantil acerca de suas responsabilidades, dificuldades e expectativas.
Principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento e a capacidade de se relacionarem com outras crianças
permitindo varias experiências e manifestações verbais, corporais, artísticas, lúdicas e culturais. A criança deve ser o foco
ESCOLA E EDUCAÇÃO INFANTIL principal de todo trabalho escolar, e há que se considerarem suas necessidades e seus interesses que são sempre movidos
pela curiosidade.
A escola tem papel fundamental na formação integral da criança, como diz Libâneo (2009, p.300):
Estudos constatam evidencias claras dos benefícios para a Educação Infantil, (E.I) em CMEIs, com crianças
A escola é uma instituição social com objetivo explicito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e acima de 03 anos, e de benefícios quase que universais para as crianças associadas as varias formas de E.I em
afetivas dos alunos por meio da aprendizagem dos conteúdos, para tornarem-se cidadãos participativos na sociedade ambientes coletivos (brinquedotecas, parquinhos, entre outros) utilizados por crianças de 03 anos ou mais. Além de
em que vivem (LIBÂNEO, 2009, p.300). constatarem o aumento dos benefícios, quanto maior a qualidade da E.I, melhor as instituições atendem as necessidades
do desenvolvimento da criança. (MELHUISH, 2013). Desta forma fica claro que quanto melhor a qualidade, mais
influencia terá no desenvolvimento, não só físico como social então é responsabilidade do Estado em parceria com o
Município ofertar essa qualidade no que se refere aos anos iniciais da educação infantil, assim como admitir profissionais
Diante disso entende-se a responsabilidade da escola em relação à formação da criança da educação infantil,
capacitados, beneficiando o ensino aprendizagem das crianças e que priorizem o movimento e as brincadeiras como
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práticas pedagógicas incorporadas no cotidiano escolar, pois é nas brincadeiras que a criança reflete sua realidade e A escola nunca educara sozinha, de modo que a responsabilidade educacional da família nunca cessará. Uma vez
atividades lúdicas e jogos proporcionam a formação de idéias, conceitos, raciocínio lógico voltado à especificidade de escolhida à escola, a relação com ela apenas começa. É preciso o diálogo entre escola e família. (REIS, apud SOUZA
sua faixa etária. 2009, p.6).

PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR DA CRIANÇA Desta forma, observa-se que a família é realmente responsável pela educação e fica claro que a responsabilidade
não deve ser delegada para a escola, é preciso socialização, diálogo entre os envolvidos, pois a escola não educa sozinha,
a educação acontece mutuamente, no processo de coletividade.
A família possui papel decisivo na educação formal e informal, é através dela que os filhos recebem valores A família e a escola emergem como duas instituições fundamentais para desencadear os processos evolutivos das
éticos. O estatuto da criança e do adolescente o (ECA), em seu artigo 4º ressalta: pessoas, atuando como propulsores ou inibidores do seu crescimento físico, intelectual e social (POLONIA e DESSEN,
2005).

Entretanto cabe a cada uma entender seu papel na formação das crianças. A parceria entre escola e família é
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Publico assegurar com absoluta prioridade,
fundamental por isso família e escola precisam trabalhar juntas, e nada melhor como uma boa conversa com a educadora
a efetivação dos direitos referentes à saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, a
regente para estabelecer relações de confiança, pois o diálogo é o fio condutor que une família e escola.
cultura, á liberdade e a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1999).
As pesquisas de Costa (2003), Fonseca (2003), Marques (2002) citadas por Polônia e Dessen (2005 p.3) tem

demonstrado os benefícios da integração família e escola, particularmente quando o projeto pedagógico da escola abre
Além disso, é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da espaço para a participação familiar e reconhece que cada um tem seu papel de aprendizagem e desenvolvimento das
definição das propostas educacionais (BRASIL, 1990). crianças. É o projeto pedagógico que permite uma flexibilidade das ações conjuntas.

Portanto as famílias e responsáveis têm direitos e deveres. A lei é clara quanto aos deveres das famílias em Os benefícios de uma boa integração entre família e a escola relacionam se a possíveis transformações evolutivas
matricular, e acompanhar a educação de seus filhos, saber o que ocorre com seus filhos, é um direito da família conhecer nos níveis cognitivos, afetivos, sociais da personalidade da criança (POLONIA e DESSEN, 2005).
e participar da proposta pedagógica da escola, no entanto é preciso tomar a iniciativa, não ficar esperando tudo da escola.
Sulzer- Azaroff, Mayer (1989) acreditam que para estabelecer uma relação efetiva entre família e escola é
E essa participação de forma ativa na vida escolar das crianças vai proporcionar efeitos benéficos na qualidade do ensino.
necessário que as educadoras aceitem a responsabilidade de se comunicar de forma clara, simples e compreensível com
Segundo Chalita (2004 pg.21): “a família tem a responsabilidade de formar o caráter, de educar para os desafios a família.
da vida, de perpetuar valores éticos e morais. Desta forma a família como 1ª instituição formadora assume sua parcela de
Portanto uma boa relação entre a família e a escola deve estar presente em qualquer trabalho educativo, que
responsabilidade na educação da criança não deixando tudo somente para a escola.
tenha como principal alvo, a criança. A escola deve também exercer sua função educativa junto às famílias, discutindo,
Comer e Haynes (1991 apud Fraiman, 1997) apontam que a participação da família na educação é essencial informando, orientando sobre os mais variados assuntos, para que em reciprocidade, escola e família possam proporcionar
para o desenvolvimento escolar de seus filhos, pois é a família que promove o suporte social, cultural e emocional das um bom desempenho escolar e social ás crianças (SOUZA, 2009). Desta forma o diálogo torna-se o elo principal entre
crianças (FRAIMAN, 1997). família, escola e criança.

A participação na vida escolar da criança é de suma importância para o seu o desempenho, pois quando as famílias
acompanham todo o processo de desenvolvimento educacional, esta se sente valorizada e importante. Tais sentimentos
MÉTODO
somente contribuem para o seu aprendizado. Existem muitas maneiras das famílias participarem deste processo, sendo
que algumas contribuições tornam-se muito relevantes como os auxilio nas tarefas escolares, o incentivo a leitura e o seu Foi aplicado um projeto em um CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil), que abordou o tema “Meio
envolvimento nos eventos pedagógicos ocorridos na escola (SOARES, 2010). Ambiente”, com crianças de 03 a 05 anos. As atividades foram criteriosamente elaboradas, sendo desenvolvidas para
A participação das crianças em atividades mais complexas com os pais favorece a formação dessas crianças e todas as turmas desde as turmas de Maternal II, Pré I e Pré II, respeitando a especificidade de cada faixa etária.
as transforma em agentes do próprio desenvolvimento (EYKEN, RIBEIRO, 2012). Foi realizada a avaliação no início e ao término do projeto, em que as famílias e educadoras responderam
Desta forma fica evidente que a participação da família na vida escolar é benéfica, pois contribui para aumentar questionários semi-estruturados, elaborados para este fim. Para o presente estudo foram selecionadas sete questões
a autonomia, autoestima, e melhora o desempenho escolar da criança. que constavam do questionário inicial e uma do questionário final, que foram aplicadas aos familiares e educadoras
participantes.
A educação não é uma tarefa que a escola possa realizar sozinha, portanto é a família a instituição primeira
responsável por essa educação, porem os objetivos e ideais devem ser o mesmo e partilhados entre as duas instituições. A avaliação contou ainda com a observação sistemática e registro da criança e educadoras do uso do conceito
estudado em diversas situações. Utilizou-se também registro através de relatórios de todas as atividades desenvolvidas
Neste sentido, Reis citado por Souza (2009, p.6) afirma que:
durante a realização do projeto no caderno denominado “Diário de Registro”. Foram observadas possíveis mudanças de

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atitudes em relação à participação das crianças, famílias e educadoras. Figura 1 - Oportunidade proporcionada pela escola Figura 2 - Oportunidade proporcionada pela escola
para participação da família segundo os familiares. para participação da família segundo as educadoras.
Quanto às famílias participantes, todas foram convidadas e aceitaram voluntariamente participar do projeto,
(1)
sendo que a maioria dos participantes eram do sexo feminino (mães e avós). A média de idade dos familiares participantes (11)
20% (15) 11%
entrevistados foi entre 20 a 29 anos, sendo algumas com 50 a 59 anos. Em relação às educadoras todas eram do sexo 28%
feminino com idade entre 30 a 39 anos. (1)
11% (4;)
(2) 45%
4%

RESULTADOS E DISCUSSÕES (2)


4%
Os resultados apresentados a seguir dizem respeito à análise das respostas obtidas a partir da aplicação dos
questionários aos familiares e educadoras. Participaram do projeto e responderam os questionários 54 familiares e 09 (3)
educadoras. (12) (12)
33%
22% 22%
A tabela 1 apresenta as respostas dos familiares e educadoras sobre a importância da participação da família na
escola. Datas Comemorativas
Datas Comemorativas Projeto Atual Projeto Atual
Reuniões
Tabela 1 – Importância da participação da família na escola. Reuniões varias atividades
varias atividades
quase nada não respondeu quase nada
RESPOSTAS Famílias Educadoras
Acompanhar o desenvolvimento do educando 22 02
Interação Família e Escola 10 04
Segurança e maior rendimento 08 02 Dewey (1987) afirma que “educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida futura e que a
Conhecer a escola e seu papel 04 01 escola deve representar a vida presente tão real e vital para o aluno como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio”.
Outros 04
Não respondeu 06 Os tempos mudaram, quase um século se passou, e essa afirmação continua ainda atual. A discussão da função
social da escola, do significado das experiências escolares para os que dela participam foi e continua a ser um dos assuntos
Total Entrevistados 54 09
mais polêmicos entre educadoras. As recentes mudanças na conjuntura mundial, com a globalização da economia e a
informatização dos meios de comunicação têm trazido uma série de reflexões sobre o papel da escola dentro desse novo
De acordo com a tabela acima 22 famílias acharam importante à participação da família na escola para acompanhar modelo de sociedade, desenhado no final do século passado.
o desenvolvimento da criança, porém 04 educadoras acreditavam que a importância da participação acontece para que se
obtenha mais interação entre a família e escola. Assim 08 famílias acreditavam que a participação da família na escola É nesse contexto e dentro dessa polêmica que a discussão sobre a Pedagogia de Projetos, hoje, se coloca, o que
iria acrescentar a criança segurança obtendo melhorias ao seu rendimento escolar. significa dizer que esta é uma discussão sobre uma determinada concepção e postura pedagógica e não sobre uma técnica
de ensino mais atrativa para os alunos (MAGALI, 1998).
As figuras 1 e 2 apresentam as respostas dos familiares e educadoras sobre as oportunidades que a escola
proporciona para a participação da família. Neste sentido o trabalho com pedagogia a partir da aplicação de projetos visa à ressignificação do espaço escolar,
transformando em um espaço vivo de interações aberto ao real e as suas múltiplas dimensões. O envolvimento das
Normalmente, as escolas que adotam prioritariamente as datas comemorativas em seus currículos para a crianças se tornou primordial e as atividades em grupo contribuíram para desenvolver espirito de cooperação entre todos.
participação da família na escola seguem o modelo tradicional de educação. Aquelas que adotam as práticas construtivistas
e sociointeracionistas trabalham com projetos de aprendizagem contínuos ao longo do ano letivo, mantendo em seu A tabela 2 apresenta as percepções das famílias e educadoras relacionadas à frequência de participação dos
calendário anual algumas datas comemorativas consideradas as mais importantes. Através da realização de Projetos, familiares nas atividades oferecidas pela escola.
proporcionam aos os alunos a oportunidade para refletirem sobre vivências e experiências, estimulando a aprendizagem Dos 54 famílias e 09 educadoras entrevistadas inicialmente, de acordo com a tabela acima se observa que a
de conceitos e atitudes que possam levar por toda a vida, como conviver em harmonia, respeitar o próximo, aprender frequência de participação em atividades relacionadas à escola é bem maior em dias de assinatura de boletins, em seguida
a trabalhar em grupo, ser criativo, ter uma linguagem bem desenvolvida, constituir uma leitura de mundo de forma a participação na escola por parte da família é para acompanhamento do aprendizado seguido de acompanhamento nas
inteligente e que lhe abra novas perspectivas, ser perceptivo aos fatores críticos, dentre outros (Brasilescola.com). Nas atividades escolares. Observa se, entretanto que as famílias buscam participar, e quando não podem mandam alguém de
figuras acima verifica-se que 28% das famílias e 45% das educadoras responderam que a escola ainda proporciona sua confiança para receber as informações. No entanto, ainda existem famílias que participam raramente das atividades
eventos como datas comemorativas e reuniões para a participação da família, porém fica visível que 22% das famílias e que envolvem tarefas para casa e o diálogo. A escola precisa trabalhar ainda mais essa importância, através de projetos ou
33% de educadoras acreditam no trabalho através de projetos, pois vem ganhando espaço nas instituições escolares. Essa outros meios que se façam necessários para atingir o objetivo.
mudança surge no início do século, com John Dewey e outros representantes da chamada “Pedagogia Ativa”.
Tabela 2 – Frequência de participação da família na escola segundo as famílias e educadoras.

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ATIVIDADES SEMPRE QUASE SEMPRE ÀS VEZES RARAMENTE NUNCA Figura 3 – Fatores que dificultam a participação da Figura 4 – Fatores que dificultam a participação da
RELACIONADAS F E F E F E F E F E família na escola segundo os familiares. família na escola segundo as educadoras.

A ESCOLA
Eventos 34 04 15 04 05 01 0 0 0 0
Tarefas 07 01 02 08 02 0 43 0 0 0
Diálogos 35 06 12 02 06 01 01 0 0 0
Reuniões 40 03 12 04 02 02 0 0 0 0
não respondeu (0)0%
Acompanhamento 37 01 16 08 01 0 0 0 0 0 não respondeu (3) 7% nada (0) 0%
Aprendizado 43 03 09 06 02 0 0 0 0 0 nada (2)3%
Boletins 43 08 08 01 03 0 0 0 0 0 portas fechadas (1)11%
portas fechadas (0) 0% Problemas de… (0) 0%
Problemas de saúde (2)4%
Dificuldade de Dificuldade de… (1)11%
(3) 5%
comunicação Falta de interesse (2) 22%
Demonstrar interesse pelo aprendizado das crianças é um passo importante que pode influenciar positivamente o Falta de interesse (6) 12%
(38) Horario de… (5) 56%
desempenho escolar da criança. A participação da família na escola é essencial, conversar com as educadoras é fundamental Horario de trabalho
69%
para ajudar nesse processo. Sendo assim observou-se que nas opiniões das educadoras entrevistadas, somando um total
de 09 pessoas, a frequência de participação da família na escola em atividades desenvolvidas de acordo com a tabela
acima se verificou a participação da família sempre em reuniões de entrega de boletins. Verificou-se pouca participação
da família nas tarefas escolares, no acompanhamento das atividades desenvolvidas e aprendizado, o que confirma que a
família não participa, ou pouco participa principalmente no que diz respeito às tarefas escolares ou ainda, que não sabem
ajudar nas tarefas propostas pela escola.

Diante disso faz-se necessário uma reflexão sobre a escola desenvolver um trabalho envolvendo a temática
“tarefas escolares”, pois como destaca Parolin (2006 ed.18) é importante: As figuras abaixo apresentam as respostas das famílias e educadoras sobre atividades que a escola deveria
proporcionar para a participação da família.
que o tema possa ser rediscutido nas escolas, entre os professores, aprendizes e familiares, como um instrumento
de aprendizagem. E que as aprendizagens advindas dessa “tarefa” sejam todas benéficas, promotoras de autonomia,
provocadoras de reflexões e conhecimento e, sobretudo, com temperatura emocional mais baixa e com mais luz para Figura 5 - Sugestões de atividades para a escola Figura 6 - Sugestões de atividades para a escola
todos nós (PAROLIN, 2006). proporcionar a família segundo as famílias. proporcionar a família segundo as educadoras.

Desta forma fica visível que o acompanhamento das famílias nas tarefas escolares dos filhos(as) é de suma Projetos Atuais
importância, pois quando a família participa da vida escolar da criança o interesse e rendimento é melhor, ainda mais se (1)
existir uma relação de confiança mútua entre família e escola. A tarefa é um reforço dos conteúdos uma verificação do (1) 11%
aprendizado e possibilita à família compartilhar dos conhecimentos aplicados em sala de aula. 11%
Reuniões,Palestras,
Eventos
As figuras a seguir apresentam as respostas das famílias e educadoras relacionadas à dificuldade de participação
da família na escola.
Atividades sala,casa
De acordo com as respostas, 69% dos familiares acham que o horário de trabalho é a grande barreira que os
impede de participar, pois coincide com o horário em que seus filhos são deixados na escola e na maioria das vezes as (4)
empresas não os liberam para essa participação, e ainda muitos só retornam a noite para casa. Da mesma forma, 56% das 45%
Atividades
educadoras também acreditam que o horário de trabalho é uma das dificuldades que impede a participação da família na (3)
recreativas,extraturno
vida escolar dos filhos, porém também afirmam que ainda existem famílias que não demonstram interesse. 33%

É preciso trazer a família para a escola e cabe à escola criar estratégias para atrai-las, pois na relação família
escola uma sempre espera algo da outra. É preciso que a escola seja capaz de construir coletivamente uma relação de
diálogo mútuo, onde cada parte envolvida tenha o seu momento de fala, mas também de escuta, onde exista uma efetiva
troca de saberes (SOARES, 2010). Sendo assim é necessário que as educadoras saibam dialogar com as famílias, e Diante das respostas, verifica-se que 45% das educadoras acreditam que a escola deveria proporcionar mais
também escutar, para que cheguem a um entendimento mutuo. projetos para a participação da família, tendo em vista o bom andamento do projeto aplicado recentemente. Já 27% das
famílias acham que a escola deveria proporcionar mais atividades recreativas e extra turno, 33% de educadoras e 10% de
famílias acham que a escola deveria proporcionar reuniões, palestras e eventos para essa participação e 34% das famílias

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não sabem ou não quiseram responder. As figuras 9 e 10 correspondem às respostas da família sobre o que esperam da escola e das educadoras sobre o
que esperam da família.
Existem muitas maneiras da família participar deste processo, sendo que algumas contribuições tornam-se muito
relevantes, como o auxilio nas tarefas escolares, o incentivo a leitura e o seu envolvimento nos eventos pedagógicos Figura 9 - Expectativas da família em relação Figura 10 - Expectativas das educadoras em relação
ocorridos na escola (SOARES, 2010). do que esperam da escola. ao que esperam das famílias.

Há ainda que se preocupar em relação às reuniões com as famílias na escola em relação aos assuntos ou dinâmicas
evitando cobranças e reclamações das crianças. As reuniões devem criar uma oportunidade para que a família conheça, (3) (3)
33% 34%
aprecie e reflita sobre o que as crianças fazem e aprendem na escola favorecendo a integração, o debate e o crescimento
de todos os envolvidos (GARCIA, 2005).

As figuras 7 e 8 apresentam as respostas das famílias sobre o que acham que a escola espera deles e das educadoras
sobre o que acham que a família espera delas.
(3)
33%
Figura 7 – Opinião das famílias sobre o que Figura 8 - Opinião das educadoras sobre o que Acompanhar o ensino aprendizagem
acham que a escola espera delas. acham que a família espera delas.
Interesses em projetos x eventos x ativ
(5) escolares
9% Colaboração x Respeito x Confiança

(1) (1)
2% 11% (6)
(2)
(8) 67%
22%
15% Observando-se as figuras acima, nota-se que 56% das famílias esperam que a escola tenha mais compromisso
e trabalhe em prol do desenvolvimento da criança, 33% das educadoras acham que a família deve acompanhar o ensino
aprendizagem dos filhos, 26% das famílias esperam educação de qualidade, enquanto que 33% das educadoras esperam
que a família tenha mais interesse em projetos, eventos e nas atividades escolares, 9% das famílias não espera nada da
(40) escola, acham que está bom assim, 33% educadoras esperam colaboração, respeito e confiança por parte da família.
74%
São várias as expectativas da família em relação à escola, portanto para a escola corresponder com essas
Participação = Colaboração expectativas devem oferecer educação de qualidade e para isso é necessário que se tenha um ambiente favorável à
Apoio = Compromisso
Comprometimento = Competencia
aprendizagem, não somente em espaço físico como também no aspecto humano.
Muita coisa
Respeito = Confiança A família vê a escola como algo muito importante, e nutrem o desejo de ver seus filhos se desenvolverem cada
Não respondeu vez mais.
Não Respondeu

Na resposta das educadoras duas questões se destacaram, uma é que esperam que a família acompanhe o ensino
e aprendizagem das crianças e outra é que a família demonstre interesse em projetos, eventos e atividades desenvolvidas
De acordo com a figura 7, 74% dos familiares acreditam que a escola espera participação e colaboração da pela escola.
família, 15% responderam apoio e colaboração, 2% acham que a escola espera muita coisa da família e 9% não respondeu
ao questionário. As figuras 11 e 12 correspondem às opiniões das famílias e educadoras sobre as possibilidades de diminuir a
barreira existente entre família e escola.
Quanto à expectativa das educadoras em relação ao que a família espera delas, 67% afirmam que os familiares
esperam que as educadoras tenham comprometimento e competência, 22% respeito e confiança para o bom desempenho
da criança visando atingir os objetivos propostos para a educação infantil. E 11% das educadoras entrevistadas não
responderam. Tanto as famílias quanto as educadoras nutrem expectativas uma em relação a outra, e ambas têm um
objetivo em comum: a criança. De modo geral, na expectativa da família o que prevalece é a participação e colaboração
e na expectativa das educadoras, comprometimento e competência.

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educativo estejam conscientes de que o diálogo é a ponte que ultrapassa todos os limites e o primeiro passo fica por conta
da escola e das educadoras, pois existe a necessidade de não fazer pré-julgamento, realizar um trabalho de aceitação em
Figura 11- Opinião das famílias sobre as Figura 12 - Opinião das educadoras sobre as
possibilidades de diminuir a barreira entre possibilidades de diminuir a barreira entre relação às famílias, não importa de onde vem, a escola pode e deve exercer o seu papel da melhor maneira possível, pois
família e escola. família e escola. através de muitas lutas que o povo conquistou direitos de frequentar a “escola para todos” com obrigatoriedade de oferta
de educação de qualidade.
(2) De fato, as educadoras do Cmei mostram-se interessadas em mudanças quanto a atividades que envolvem família
9% (9) e escola, principalmente com projetos. Observou se que com a aplicação do projeto possibilitou a aproximação entre a
100% família e escola.
Apoiar a participação da família na aquisição dos conhecimentos da criança é uma postura que profissionais da
educação devem ter, mostrar que é possível desenvolver uma relação de parceria buscando favorecer o desenvolvimento
(7) integral da criança.
32% Estimular e propor ações, reflexões através de mudanças de atitudes tanto das educadoras quanto a participação
(13) das famílias na escola é um grande desafio. Desafio, este que devem ser postos para toda sociedade.
59%

REFERÊNCIAS

BENCINI, R. Todas as Leituras, Revista Nova Escola, São Paulo, nº 194 p.31-37, ago. 2006.
Através de Projetos Diálogos Através de Projetos Diálogos
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente (1990). Estatuto da criança e do adolescente. – 7. ed. – Brasília : Câmara
Não respondeu Não respondeu dos Deputados, Edições Câmara, 2010.

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação
infantil/ Secretaria de Educação Básica. - Brasília: MEC, SEB, 2010.
A pergunta correspondente as respostas apresentadas nas figuras acima correspondem a uma pergunta feita no
segundo questionário, ou seja, posteriormente a aplicação do projeto. Observando-se os resultados apresentados nas BRASIL, SEF. Ministério da Educação e Cultura. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília:
figuras 11 e 12, verifica-se que 100% das educadoras e 59% das famílias acham que as possibilidades de diminuir a MEC/SEF, 1998.
barreira existente entre escola e família é através de projetos, já 32% das famílias acham que a barreira pode ser rompida
através de diálogos e 9% das famílias não soube ou não quis responder. CAGLIARI, L. C., Alfabetização e Linguística: pensamento e ação no Magistério. Ed. Scipione.

De fato, a aplicação do projeto contribuiu significativamente para aumentar a participação da família na escola, CHALITA Gabriel, Educação: a solução está no afeto – São Paulo: Editora Gente, 12ª ed.2004 edição revista e atualizada.
esse foi um passo dado no sentido de superar a barreira de forma conjunta. E.C.A- Estatuto da Criança e do adolescente,7ª edição, Brasil 1999.
Porem é necessário que cada um faça a sua parte, ou seja, não ficar jogando a culpa no outro. A relação deve ser EYKEN, E. D. O. V, RIBEIRO, C. D. M. Desenvolvimento Infantil: seus agentes e as politicas do município do Rio
mantida através de conversas frequentes e não somente em dias de reuniões para entrega de boletins, assim o que chama de Janeiro. Ago, 2012.
a atenção é que foram as famílias a responder que através de diálogos e projetos com a participação conjunta entre família
e escola é possível diminuir a barreira existente. FRAIMAN, L.P. A importância da participação dos pais na educação escolar. 1998. Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, S. P.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS GARCIA, H. H. G. de O. Reuniões de Pais na Educação Infantil: Modos de Gestão, Caderno de Pesquisa v41 nº142
Fev. 2011.
A família é base de toda a sociedade e como primeira instituição a qual a criança pertence exerce um papel
fundamental no seu desenvolvimento. Como se observou nos estudos e por consequência das necessidades de trabalho, Legislação brasileira sobre meio ambiente. – 2. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010.
falta tempo para poder participar de todas as atividades escolares ofertadas pela escola. Porém existe uma grande
LDB,Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dez 1996.
necessidade de esforço por parte das famílias no sentido dessa participação. Se faz necessário que, as famílias auxiliem
no desenvolvimento integral de seus filhos, bem como devem se esforçar para estarem presente em todos os momentos LIBÂNEO, J. C. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização/José Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira,
da vida da criança. Presença que implica envolvimento, comprometimento e colaboração. Devem estar atentas as Mirza Seabra Toschi-7.ed.- São Paulo:Cortez,2009.-(Coleção Docência em Formação/coordenação Antônio Joaquim
dificuldades não só cognitivas, mas também comportamentais e intervir da melhor maneira possível, visando sempre o Severino, Selma Garrido Pimenta).
bem estar de seus filhos.
Para que a união entre a família e escola aconteça de verdade é preciso que os indivíduos envolvidos no sistema MARTINS, S. V. M.; TAVARES, H.M. A Família e a Escola: Desafios para a educação no mundo contemporâneo. Revista

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da Católica, Uberlândia, v.2, n n. 3, p. 256-263, 2010. CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL
MARQUES, F. M. SPERB, T. M. (2003). A escola de educação infantil na Perspectiva das Crianças. Disponível em
www.scielo.com.prc Francisca Araujo Costa Guedes1; Rodrigo Arantes Reis2; Emerson Joucoski3
POLATO, A. Sem Culpar o Outro, Revista Nova Escola, Reportagem Especial nº225, p.102, setembro 2009.
RESUMO
POLÔNIA, A.C; DESSEN M. A. Em busca de uma Compreensão entre as Relações Família e Escola. Psicologia
Escolar e Educacional. v.9,n.2,p.203-213,2005. Diante da grave crise socioambiental mundial e da necessidade de busca de um novo modelo de civilização e de
sociedade pautado numa nova ética da relação entre os seres humanos e a natureza a Educação Ambiental adquire
SCHRAM, S.C. e CARVALHO, M.A.B. O Pensar Educação em Paulo Freire: para uma pedagogia de mudanças. relevância internacional como estratégia de enfrentamento da crise ambiental e uma das formas de se alcançar a
2007, disponível em>http:wwwdiaadiaeducacao.pr.gov.br.portals-pde-arquivos-852-2.pdf>acesso em 20 jul.2013. sustentabilidade. O que implica a quebra do atual padrão de desenvolvimento e uma correlação entre justiça social,
qualidade de vida e equilíbrio ambiental. O desafio é a superação de uma visão ingênua e meramente reprodutora
SOARES, J. M. Familia e escola: Parceiras no Processo Educacional dos filhos 11-03-2010. Disponível em http:// do sistema atual vigente. Este estudo compreendido como uma pesquisa bibliográfica visa refletir sobre a educação
www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1853 acessado em ambiental numa perspectiva das correntes práxica ou crítica social tendo como foco a formação da cidadania crítica
24-09-2013. como instrumento de transformação das relações entre sociedades humanas e natureza.

SOUZA, M.E. do P., Família-Escola:AImportância dessa Relação no Desempenho Escolar – SantoAntônio da Platina-2009
http://www.portaleducacao.com.br/psicologia/artigos/37858/a-importancia-da-familia-no-desenvolvimento-psiquico-
Palavras-chave: Educação Ambiental; Cidadania Crítica; Desenvolvimento Sustentável.
do-sujeito#ixzz2lU3oQTV7
SULZER-AZAROFF, B. M.; ROSENFIELD, S. A.; McLOUGHLIN, C.S. A Relação Familia e escolar: desafios e
perspectivas. Brasília. 1989. ABSTRACT

Faced with the serious global environmental crisis and the need to search for a new model of civilization and society
guided a new ethic of the relationship between humans and nature Environmental Education acquires international
significance as a coping strategy of the environmental crisis and one of the ways to achieve sustainability. This implies
to break the current pattern of development and a correlation between social justice, quality of life and environmental
balance. The challenge is overcoming a naive view and merely reproducing the prevailing current system. This study
understood as a bibliographical research aims to reflect on environmental education from the perspective of current
praxis or social critique focusing on the formation of critical citizenship as a tool for transformation of relations
between human societies and nature.

Keywords: Environmental Education; Critical citizenship; Sustainable Development.

1 UFPR Setor Litoral - franciscaguedes@gmail.com;


2 UFPR Setor Litoral - reisra@gmail.com;
3 UFPR Setor Litoral - joucoski@gmail.com.

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INTRODUÇÃO O termo desenvolvimento é comumente utilizado como sinônimo de crescimento. Porém, Furtado (2002),
afirma que para que haja autêntico desenvolvimento a população como um todo deve ser beneficiada. Segundo o autor
A grave crise socioambiental mundial impõe, sobretudo a partir da década de 1970, a Educação Ambiental como é possível haver crescimento sem desenvolvimento.
instrumento de transformação das relações entre sociedade humana e natureza com vistas ao desenvolvimento sustentável.
O papel da Educação para o desenvolvimento é enfatizado tanto por educadores quanto por economistas. Furtado (2004) defende a ideia de que o crescimento econômico se funda na manutenção dos privilégios das elites
Demo (2007) afirma que na modernidade a educação é o principal patrimônio especialmente no que se refere a que atendem a seus ensejos de modernização. Em sua concepção o Brasil não se desenvolveu apenas se modernizou.
oportunidades de desenvolvimento. Ao discorrer sobre modernidade, Demo assegura com convicção que educação é O que caracteriza o desenvolvimento é o projeto social implícito. O autor ressalta que a disposição de recursos para
elemento “substancial de qualquer política de desenvolvimento, não só como bem em si e como mais eficaz instrumentação investir não garante um futuro melhor para a massa da população. Somente um projeto social voltado para a melhoria
da cidadania, mas igualmente como primeiro investimento tecnológico” (DEMO, 2007, p. 22). das condições de vida dessa população poderia transformar o crescimento em desenvolvimento.
Para Leff (2010) os problemas ambientais estão essencialmente atrelados a problemas do conhecimento. Desta
forma toda a política ambiental deve passar por uma política do conhecimento, o que implica também a educação. Furtado (2004) afirma ainda que desenvolvimento não se limita ao acúmulo e aumento da produtividade
Furtado (2002) ressalta que a educação é o investimento mais importante para que haja autêntico desenvolvimento. macroeconômica. Está relacionado ao estímulo da criatividade humana e às respostas aos anseios da coletividade.
Segundo o autor todos os países desenvolvidos investiram consideravelmente em formação humana. O desenvolvimento é “a expressão da capacidade para criar soluções originais aos problemas específicos de uma
O baixo nível de renda é analisado por Sen (2000) relacionado à privação de capacidades individuais, em uma via sociedade” (FURTADO, 2008, p. 110).
de mão dupla: se por um lado o analfabetismo e as más condições de saúde, fome e subnutrição são decorrentes do baixo A questão ambiental também é destacada por Furtado (1974) ao se referir ao desenvolvimento econômico como
nível de renda, assim também, melhor nível de educação e saúde ajuda a auferir melhores rendas. mito. Segundo o autor a base do sistema capitalista é o processo de acumulação e a elevação do nível de consumo das
No entanto, existem várias correntes de Educação Ambiental, influenciadas por diferentes concepções populações, causando efeitos diretos ou indiretos sobre os recursos naturais, sobretudo os recursos não renováveis. Para
epistemológicas de meio ambiente e natureza (LIMA, 1999). A superação de uma visão ingênua da Educação Ambiental é o autor o capitalismo cria um estilo de vida que sempre será privilégio de uma minoria. E a depredação do mundo físico
fundamental para que se tenha uma educação verdadeiramente transformadora e não meramente reprodutora dos sistemas decorrente desse estilo de vida é tão elevada que sua generalização poderia levar ao colapso de toda uma civilização
vigentes. colocando em risco a própria sobrevivência da espécie humana.
O presente trabalho tem por objetivo apresentar a Educação Ambiental numa perspectiva práxica ou crítica social
tendo como foco a formação da cidadania crítica como instrumento de transformação das relações entre sociedades Nesse sentido, a homogeneização imposta pelo sistema capitalista e o processo de globalização tornam inviável a ideia
humanas e natureza. de que o crescimento econômico pode ser universalizado. “O processo global de desenvolvimento tem um considerável
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com o intuito de refletir sobre o papel da educação para o desenvolvimento custo ecológico” (FURTADO, 2002, p. 78). O modelo de vida imposto pela sociedade industrial possui um alto custo
territorial sustentável. em termos de recursos não renováveis. A ideia desse chamado desenvolvimento econômico de generalizar esse modelo
para toda a humanidade pode levar a uma catástrofe planetária.

Furtado (1974) observa que o modelo da economia em expansão destrói o meio ambiente em larga escala e cria a ilusão
EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE de que o crescimento da economia leva ao desenvolvimento.

A partir da década de 1960, diante de acontecimentos históricos e suas consequências, tais como a 2ª Guerra O desenvolvimento, segundo Sen (2000) exige a remoção das principais fontes de privação da liberdade. O autor
Mundial e emissão de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, entre outros acidentes, iniciam-se reflexões e debates afirma que a globalização nega liberdades fundamentais à maioria das pessoas. Liberdade essa relacionada à pobreza
acerca da temática ambiental (MORALES, 2008). econômica, uma vez que esta priva as pessoas dos direitos básicos de sobrevivência, tais como o acesso a alimentação,
saúde, moradia, saneamento básico; ou ao acesso a serviços públicos (educação, segurança, assistência médica) e
Surge então, o movimento ambientalista, que busca em seus discursos e práticas a superação de formas destrutivas assistência social. Também nega as liberdades políticas e civis impostas por regimes autoritários e a restrições à vida
na relação entre a sociedade humana e o seu meio (CASTELLS, apud MORALES, 2008). social, política e econômica da comunidade.
A Revolução Industrial e o desenvolvimento tecnológico deixaram “pegadas” cada vez maiores e insustentáveis, Tanto Sen (2000) quanto Furtado (2002) dão ênfase à satisfação das necessidades básicas da população como
levando a críticas ao sistema capitalista, a exploração de recursos não renováveis, ao consumo desenfreado e a busca de
imprescindível ao desenvolvimento. O problema da pobreza no Brasil é analisado por Furtado (2002) nas dimensões
lucros excessivos e imediatos, sem a preocupação com o desenvolvimento econômico e social sustentáveis.
da fome endêmica, da questão da habitação popular e da insuficiência de escolaridade, limitado ao ponto de vista
Diante desse quadro, temos o enriquecimento de uma elite dominante, à custa do aumento da pobreza, da miséria e até econômico, da concentração da riqueza no Brasil e das desigualdades sociais. A análise de Sen (2000) se volta mais
mesmo da indigência, e ainda, a destruição da natureza e os problemas socioambientais decorrentes. para a questão das liberdades substantivas e instrumental, essa última distinta em liberdades políticas, facilidades
econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora.
De acordo com Cavalcanti (2012), o sistema econômico extrai recursos da natureza para o seu desenvolvimento/
crescimento e depois a utiliza como esgoto, lançando sobre ela seus dejetos e deixando como legado uma pegada ecológica A ênfase na educação é fortemente explicitada em ambos os autores. Furtado (2002) afirma que todos os países
cada vez maior. desenvolvidos investiram consideravelmente na formação humana. Ainda destaca que o investimento em educação é
o mais importante a se fazer para que haja autêntico desenvolvimento e não apenas crescimento.
Surgem questionamentos sobre os modelos de crescimento econômico, o aumento populacional, a poluição
causada pelas grandes indústrias, os danos ambientais entre outros relacionados. O baixo nível de renda é analisado por Sen (2000) relacionado à privação de capacidades individuais, em uma via de
mão dupla: se por um lado o analfabetismo e as más condições de saúde, fome e subnutrição são decorrentes do baixo

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nível de renda, assim também, melhor nível de educação e saúde ajuda a auferir melhores rendas. coletivamente, com a busca de soluções para os problemas existentes e com a prevenção de novos.

O crescimento econômico ocorre independente das desigualdades sociais. Está mais voltado à concentração de riqueza, Outros eventos internacionais se deram na sequência, sempre reafirmando a necessidade de se fortalecer a
ao mundo globalizado, ao aumento do poder de consumo e do Produto Nacional Bruto – PNB e da disposição de recursos educação ambiental como estratégia de enfrentamento da crise ambiental, por meio da formação de uma nova maneira de
naturais. Enquanto o desenvolvimento está relacionado ao desenvolvimento humano em todas as suas dimensões e se relacionar com a natureza. Entre eles, a Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental realizada
capacidades e à sustentabilidade socioambiental. Isto explica o fato de que o Brasil possa ser considerado um dos países em Tbilise (antiga URSS) em 1977; o Congresso Internacional de Educação e Formação Ambiental, que aconteceu
mais ricos do mundo, porém não desenvolvido, pois figura entre os maiores índices de desigualdade social, com baixos em Moscou no ano de 1987; a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente – ECO/92,
investimentos em educação, saúde e promoção da vida e da liberdade humana. na cidade do Rio de janeiro em 1992 e, em evento paralelo, a I Jornada Internacional de Educação Ambiental que deu
origem ao Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global; a Cúpula Mundial
O autêntico desenvolvimento só se efetiva com o benefício da população como um todo (FURTADO, 2002). sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+10, em Johanesburgo na África do Sul; a Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, novamente no Rio de Janeiro, conhecida como Rio+20.
A questão ambiental também é fator preponderante para o desenvolvimento. A capacidade de sustentação é um aspecto
imprescindível nesse processo. Tanto a equidade social quanto a prudência ecológica são partes da ética do desenvolvimento No Brasil o marco norteador da implementação de políticas públicas ambientais foi a criação da Lei nº 6.938/1981
(SACHS, 1986). que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, a partir da qual foram criados o Sistema Nacional do Meio
Ambiente (SISNAMA), O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
A noção de sustentabilidade implica a quebra do atual padrão de desenvolvimento e uma correlação entre justiça social, e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
qualidade de vida e equilíbrio ambiental (JACOBI, 2003).
Também a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, estabelece em seu Capítulo VI
O desafio, portanto, é o de formular uma educação ambiental crítica e inovadora nos níveis formal e informal e que seja do Título VIII, diretrizes nacionais para o meio ambiente, determinando em seu inciso VI do Artigo 225, a incumbência
acima de tudo um ato político voltado para a transformação social. Para Jacobi (2003, p.196) o enfoque da educação do poder público de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
ambiental “deve buscar uma perspectiva holística de ação, que relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo em preservação do meio ambiente.
conta que os recursos se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o homem”.
Para atendimento ao disposto na Constituição Federal foi promulgada a Lei 9.795/1999 que dispõe sobre
Uma mudança considerável do próprio processo civilizatório se faz necessário para se atingir o desenvolvimento a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental, colocando-a como elemento essencial e
sustentável que requer um restabelecimento das relações entre a sociedade humana e a natureza. Requer ainda um novo permanente da educação nacional.
estilo de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável, socialmente sustentável, culturalmente sustentável e
O Art. 1º da Lei 9.795/1999 define Educação Ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a
politicamente sustentável a partir de uma nova ética (JACOBI, 2006). coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação
Segundo Jacobi (2006) o fortalecimento da democracia e a construção da cidadania constituem-se no desafio político da do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
sustentabilidade. A educação nesse sentido é essencial para a formação de valores de sustentabilidade e transformação
das relações sociais por meio do processo de construção da cidadania. Loureiro (2005, p. 69) a define como “práxis educativa e social” tendo como fim a construção de valores, conceitos,
habilidades e atitudes, possibilitando o entendimento da realidade de vida e a atuação consciente e responsável de atores
sociais, individuais e coletivos no ambiente.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FORMAÇÃO DA CIDADANIA CRÍTICA
Assim sendo, contribui para a busca de um novo modelo de civilização e de sociedade pautado numa nova ética
Segundo Morales (2008, p. 19 e 20), a partir da Conferência das Nações Unidas (1972), “retomou-se a necessidade da relação entre os seres humanos e a natureza, pois possibilita o desenvolvimento de uma ampla consciência crítica das
de nova ética ambiental, capaz de promover a erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluição, da
relações sociais e de produção que situam a inserção humana na natureza.
exploração e da dominação humana”. Ficou a cargo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) a elaboração do Programa O papel da educação ambiental no processo de sensibilização e formação da população em geral sobre a
Internacional de Educação Ambiental (PIEA). A partir de então a educação ambiental adquire relevância internacional e
passa a ser apreciada como campo da ação pedagógica. problemática ambiental é destacado por Marcatto (2002), considerando que os problemas ambientais se manifestam
em nível local e envolve diretamente os seus moradores enquanto vítimas ou até mesmo seus causadores. O que os
Em 1975, na cidade de Belgrado na Iugoslávia, aconteceu o Encontro Internacional em Educação Ambiental,
torna, provavelmente, os mais aptos a diagnosticá-los e os mais interessados em resolvê-los. Aqui entra a questão da
promovido pela UNESCO, onde se criou o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA) e se elaborou um
documento que ficou conhecido com a Carta de Belgrado. territorialidade. Partir dos problemas locais, sejam eles sociais, ambientais, econômicos, educacionais ou culturais.
Porém com consciência planetária. O saber local, ou seja, o sentido de pertencimento a uma comunidade local que se
A Carta de Belgrado aponta para a necessidade de se construir uma nova ética global, que demande atitudes e
insere em um mundo global.
comportamentos individuais e coletivos, que se harmonize com o lugar da humanidade dentro da biosfera; que reconheça
e responda com sensibilidade às complexas e dinâmicas relações entre a humanidade e a natureza, e entre os povos. A
Jacobi (2003, p. 193), destaca o papel transformador da educação ambiental como principal objetivo para o
Educação Ambiental é destacada como central para que essa nova ética global seja evidenciada. Sua meta é a formação
de uma população mundial que tenha consciência da questão ambiental e que se comprometa, tanto individual quanto desenvolvimento sustentável por meio da corresponsabilização dos indivíduos. O que requer uma redefinição das relações

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entre sociedade humana e natureza com uma mudança do próprio processo civilizatório. Para a pedagogia da complexidade ambiental a aprendizagem é própria de cada sujeito. É um processo dialógico que
vai além de toda racionalidade comunicativa construída sobre a base de um possível consenso de sentidos e verdades.
A educação ambiental deve, sobretudo, situar-se num contexto de formação da cidadania crítica, da formação de Pressupõe também uma pedagogia do meio em que o aluno reapropria seu mundo ao voltar o seu olhar para seu entorno,
uma identidade e do sentimento de pertencimento a uma coletividade. Pressupõe a criação de novos valores morais e sua cultura e sua história a partir de sua realidade empírica. Desta forma, a pedagogia da complexidade ambiental percebe
um novo olhar sobre a sociedade humana e a natureza a partir de uma nova ética. “Deve ser vista como um processo de a realidade como construção social mobilizada por valores, interesses e utopias (LEFF, 2010).
permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com consciência local e
planetária” (JACOBI, 2003, p. 198). Significa uma preparação para a construção de uma nova racionalidade e supressão de uma cultura de desesperança
e alienação, com vistas a um processo de emancipação que permita novas formas de reapropriação do mundo (LEFF,
A formação da cidadania crítica pressupõe o desenvolvimento de indivíduos que se percebem enquanto sujeitos 2010).
históricos, sociais, culturais e comprometidos com a transformação do meio em que vive.
Carvalho (2010, p. 116) propõe uma educação ambiental como prática interpretativa que se empenhe a construir,
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Ambiental, Resolução nº 2/2012 em seu Art. 6º, “a junto a outras práticas sociais, “um acesso compreensivo à problemática ambiental e à arena de ação política em torno
Educação Ambiental deve adotar uma abordagem que considere a interface entre a natureza, a sociocultura, a produção, dela”. Sua maior contribuição seria o fortalecimento de uma ética socioambiental aliada a valores políticos emancipatórios
o trabalho, o consumo, superando a visão despolitizada, acrítica, ingênua e naturalista ainda muito presente na prática que agreguem o projeto de uma cidadania democrática no esforço de construção de uma sociedade justa e ambientalmente
pedagógica das instituições de ensino”. O senso comum ainda é a base para a prática pedagógica de muitos educadores, sustentável.
sendo necessária sua superação e construção de uma prática educativa dialética que leve a formação da cidadania crítica
Desenvolver uma educação ambiental numa perspectiva práxica com vistas a uma mudança nas pessoas e no meio
e à emancipação dos sujeitos. ambiente, podendo estas ser de ordem socioambiental e educacional. Ou ainda, uma educação ambiental do ponto de
Nesse sentido, o papel da educação no processo de desenvolvimento territorial sustentável está relacionado à sua vista da corrente crítica social, o que “envolve um tratamento político para a transformação da realidade, com projetos
função de formação da cidadania crítica e emancipação do sujeito, com vistas à transformação das relações sociais ou de ação com uma perspectiva emancipatória dos sujeitos” (LIMA, 1999, p.73). Trata-se da formação da cidadania crítica
socioambientais, tanto locais quanto globais. como forma de superação de uma educação ambiental ingênua e meramente reprodutora do sistema atual vigente.

A educação para a cidadania pode construir a possibilidade da ação política com vistas à formação de uma
coletividade que é responsável pelo mundo que habita. Ou seja, despertar o sentido de pertencimento e de responsabilidade, CONSIDERAÇÕES FINAIS
levando a buscas pela compreensão e superação das causas estruturais e conjunturais dos problemas socioambientais por
meio da ação coletiva e organizada (SORENTINO, et al, 2005). A educação ambiental, seja ela formal ou informal, é um dos principais instrumentos para se alcançar a
sustentabilidade socioambiental. Há consenso entre educadores, economistas e cientistas de forma geral de sua importância
A constituição da cidadania crítica – que reflete sobre o consumo, a sustentabilidade e a formação política – faz na busca de equilíbrio entre a sociedade humana e sua relação com a natureza.
parte do papel social da escola e são elementos constitutivos do desenvolvimento territorial sustentável.
No entanto, a educação de forma geral tanto pode reforçar comportamentos ou valores arraigados como as práticas
A problemática do desenvolvimento sustentável não se remete apenas a degradação do meio ambiente. As de exclusão social e a depredação dos recursos naturais de forma inconsequente como se estes fossem ilimitados, como
consequências das ações irrefletidas do ser humano sobre a natureza são alarmantes e insustentáveis. Põe em risco a pode transformar as relações dos seres humanos entre si e destes com o meio em que vive.
própria sobrevivência da espécie humana.
Alcançar uma educação verdadeiramente transformadora e não meramente reprodutora dos sistemas atuais
Desta forma a Educação Ambiental torna-se parte dos desafios sociais contemporâneos e são tomadas medidas vigentes é uma tarefa essencial para o desenvolvimento territorial sustentável.
legais para que faça parte dos Currículos da Educação Básica, no sentido de formação e conscientização do educando,
Os investimentos em educação precisam ser priorizados em todo e qualquer projeto de governo. A começar pelo
bem como sua emancipação em relação ao seu desenvolvimento social, econômico, político e cultural, para que seja
local, pela formação de cidadãos com consciência local, no sentido de pertencimento a uma comunidade local que se
sujeito de sua própria história e aja com responsabilidade no meio em que vive.
insere num mundo global. Uma educação que leve o indivíduo a se perceber como um sujeito histórico, cultural, social e
A relação entre a sociedade humana e a natureza precisa ser revista a partir da própria relação dos homens entre si. comprometido com o meio e sua transformação.
A educação nesse sentido é um caminho para que se possa rever essa relação, através de uma reflexão constante da
construção da vida em sociedade e da relação do ser humano com o meio e sua transformação.
REFERÊNCIAS
Para Assmann (1998, p. 26) a educação, no mundo atual em que o fato maior são as lógicas da exclusão e o alastramento
da insensibilidade que as acompanha, “terá um papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para ASSMANN, H. Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente. 4ª edição. Petrópolis\RJ: Editora Vozes, 2000.
reorientar a humanidade”. Na concepção do autor “educar é a mais avançada tarefa social emancipatória”.
CARVALHO, I. C. M. Os Sentidos de “Ambiental”: A Contribuição da
Para Leff (2010) os problemas ambientais estão essencialmente atrelados a problemas do conhecimento. Desta forma Hermenêutica à Pedagogia da Complexidade. In: A Complexidade Ambiental.
toda a política ambiental deve passar por uma política do conhecimento, o que implica também a educação. LEFF, E. (coord.). 2. Ed. – São Paulo: Cortez, 2010.
Diante da complexidade ambiental, Leff (2010) propõe uma pedagogia da complexidade ambiental que se fundamenta DEMO, P. Desafios Modernos da Educação. 14 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
na fusão entre a pedagogia crítica e o pensamento da complexidade.

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FURTADO, C. Em Busca de um Novo Modelo: Reflexões sobre a Crise COMO FERRAMENTA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Contemporânea. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

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Rosane Maria Albino Steinbrenner1; Brunella Lago Velloso2;
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JACOBI, P. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, nº 118, p. 189-205, março/2003.

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30/4. Centro Universitário São Camilo. São Paulo/SP: 2006.
O presente artigo apresenta os principais resultados do projeto de pesquisa intitulado “Mídia Cidadã e Desenvolvimento
LEFF, E. Pensar a Complexidade Ambiental. In: A Complexidade Ambiental. LEFF, E. (coord.). 2. Ed. – São Paulo: Sustentável: mapeamento e análise de rádios comunitárias em áreas de pressão socioambiental na Amazônia”. O projeto
Cortez, 2010. busca entender a dimensão e o papel potencial das rádios comunitárias nos embates discursivos pelo desenvolvimento
da região amazônica. O objeto da investigação são rádios comunitárias situadas em áreas de potencial conflito socioam-
Lei nº 9795 de 27 de abril de 1999 (Política Nacional de Educação Ambiental). biental na Amazônia Legal, o que inclui disputas por território ou pelo uso de recursos naturais, considerando-se grandes
LIMA, G. C. Questão Ambiental e Educação: Contribuições para o Debate. Ambiente & Sociedade, nº 5, p. 135-153. obras de impacto (em especial hidrelétricas pelo contexto e circunstâncias atuais) mas também Unidades de Conservação
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Brasil: 1999. e Terras Indígenas nos noves estados da região. Como produto principal do projeto foi gerada uma cartografia digital
sobre comunicação cidadã e desenvolvimento sustentável na região, capaz de gerar insumos para o fortalecimento da
LOUREIRO, C. F.B. Educação Ambiental e Movimentos Sociais na Construção comunicação comunitária como espaço de contra-hegemonia midiática e consequente empoderamento de grupos locais
da Cidadania Ecológica e Planetária. In: Educação Ambiental: Repensando o nas decisões que afetem seu bem-estar.
Espaço da Cidadania. LOUREIRO, C.F.B; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S.
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MARCATTO, C. Educação Ambiental: Conceitos e Princípios. Belo Horizonte: FEAM, 2002.


Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, rádios comunitárias, mapa digital.
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SACHS, I. Ecodesenvolvimento: Crescer sem Destruir. São Paulo: Ed. Vértices, 1986. ABSTRACT
SEN, A. K. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000. This article presents the main results of the research project entitled “Citizen Media and Sustainable Development: Map-
ping and analysis of community radios in areas of social and environmental pressure in the Amazon Region.” The project
SORRENTINO, M.; TRAJBER, R.; MENDONÇA, P.; JUNIOR, L. A. F. Educação seeks to understand the significance and the potential role of community radios in the discursive discussions about the
Ambiental como Política Pública. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 285-299, maio/ago. 2005. development of the Amazon region. The research objects are community radio stations located in potential environmen-
tal and social conflict areas in the Amazon, including disputes over territory or the use of natural resources, considering
the significant (state) projects of impact (particularly hydropower stations, due to present contexts and circumstances)
but also Conservation Units and Indigenous Lands in nine states in the region. The main product of the project was a
digital cartography about citizen communication and sustainable development in the region, able to generate inputs for
the strengthening of community communication as a space for alternative media and empowerment of local groups in
decisions that affect their well-being .

Keywords: Sustainable development, community radios, digital map.

1 Professora adjunta da Faculdade de Comunicação (FACOM/UFPA) nani.steinbrenner@gmail.com


2 Jornalista, pesquisadora colaboradora do projeto “Mídia Cidadã e Desenvolvimento Sustentável” brunellavelloso@gmail.com

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INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta os principais resultados do projeto de pesquisa intitulado “Mídia Cidadã e Desen-
volvimento Sustentável: mapeamento e análise de rádios comunitárias em áreas de pressão socioambiental na Amazô-
nia”3. O projeto busca entender a dimensão e o papel potencial das rádios comunitárias nos embates discursivos pelo
desenvolvimento da região amazônica. O objeto da investigação são rádios comunitárias situadas em áreas de potencial
conflito socioambiental na Amazônia Legal, o que inclui disputas por território ou pelo uso de recursos naturais, con-
siderando-se grandes obras de impacto (em especial hidrelétricas pelo contexto e circunstâncias atuais) mas também
Áreas de Proteção (com foco especial sobre Terras Indígenas, grupos de histórica invisibilidade) nos noves estados da
região - Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, mais o estado do Mato Grosso e parte do Ma-
ranhão (a Oeste do Meridiano 44). Foram mapeadas ao todo 504 rádios comunitárias licenciadas pelo Ministério das
Comunicações (MINICOM, Jun.2015) em 436 municípios amazônicos. Optou-se pela seleção das rádios comunitárias
licenciadas - Licença Definitiva (LDE) e Licença Provisória (LPE) – na medida em que estas emissoras, já tendo vencido Figura 1: Mapa Digital Rádios Comunitárias na Amazônia e Desenvolvimento Sustentável
todas as etapas do processo de legalização, por vezes longo e frustrante, já deteriam as condições jurídicas, técnicas e
administrativas para estarem em funcionamento e portanto, capazes, potencialmente, de atuarem no campo midiático e se
inserirem no campo do desenvolvimento de suas localidades. O mapa digital das rádios comunitárias, disponível no endereço www.projetomacam.net/site, apresenta, numa
perspectiva socioambiental, o dimensionamento das potencialidades das rádios comunitárias em relação ao desenvolvi-
A meta principal do projeto foi gerar uma cartografia digital sobre comunicação cidadã e desenvolvimento susten-
mento sustentável da região, por meio do cruzamento, por município, da localização das rádios comunitárias licenciadas
tável na região, capaz de gerar insumos para o fortalecimento da comunicação comunitária como espaço de contra-hege-
pelo Ministério das Comunicações (MINICOM, 2015), com duas variáveis reconhecidamente essenciais à conformação e
monia midiática e consequente empoderamento de grupos locais nas decisões que afetem seu bem-estar. Nesse sentido,
preservação da megadiversidade étnica e ambiental da região – as Unidades de Conservação (UC) (SNUC/MME,2015),
o estudo tem também a expectativa de, por meio das informações geradas e cenários revelados, vir a favorecer políticas
incluindo seus dois tipos de uso, sustentável e de proteção integral, e as Terras Indígenas (TI) (FUNAI, 2015), decretadas,
públicas ou ações que fortaleçam os meios comunitários e o protagonismo local nos embates discursivos que decorrem
homologadas e em estudo. Como terceira variável, o mapa inclui também as Usinas Hidrelétricas (UHE) - que fazem parte
do modelo de desenvolvimento para a região amazônica. Uma região megadiversa, biológica e etnicamente falando,
do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC, 2015 - em funcionamento, em construção ou já previstas nos rios da Bacia
território singular duplamente periférico - chamado de ‘periferia da periferia’ - por seus baixos indicadores sociais e pelo
Amazônica) – obras de alto impacto socioambiental na região.
histórico isolamento, explorada historicamente como um gigante natural por uma visão exógena a partir de interesses
externos, nacionais e internacionais.

CONCEITOS CENTRAIS
O MAPA DIGITAL
A noção de sustentabilidade5 a que se refere este estudo vincula-se à ideia mais ampla e complexa do equilíbrio duradouro
Um mapa digital ou cartografia digital permite uma visualização dinâmica dos dados da pesquisa e consiste em entre a humanidade e o seu ambiente, integrada à ideia de um desenvolvimento sustentável em sua perspectiva multimen-
uma imagem virtual que apresenta um grande conjunto de informações com base georreferenciada (longitude/latitude). sional, ou seja, que em sua formulação busca integrar várias dimensões – a ambiental e econômica, mas também a social
Para esta pesquisa, optamos pelo tipo chamado mapa inteligente, que se diferencia por abrigar informações atualizadas e
que atua na Amazônia (www.produtoracolaborativa.com.br )
detalhadas, que contribuem para facilitar e melhorar planejamentos e ações. O mapeamento digital foi realizado utilizan-
5 Tal noção, mais ampla e integral de sustentabilidade se acha pautada desde a I Conferência do meio Ambiente,
do softwares livres de georreferenciamento com gerenciador de conteúdo web wordpress juntamente com o tema “Mapas em Estocolmo, em 1972, quando foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Naquele
de vista”, permitindo a visualização dinâmica dos dados da pesquisa4. momento a noção de sustentabilidade já trazia a ideia de complexidade e transversalidade, apresentadas especialmente no
conceito de “ecodesenvolvimento” de Ignacy Sachs (2004) abrigando em seu tripé, a noção de sustentabilidade a partir da
3 Projeto financiado pelo CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico. eficiência econômica, prudência ecológica e equidade social. Foi a partir dessa noção mais integral que se originaram as
Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES N.18/2012 -Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas bases e os esforços para a construção do conhecido Relatório Brundtland (1987), com a definição mais citada até hoje de
4 O mapa digital foi desenvolvido em parceria com a Produtora Colaborativa - Produtora Cultural de Projetos e desenvolvimento sustentável, concebido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem compro-
Eventos de Comunicação Comunitária, Cultura Digital, Economia Solidária, Software Livre e Desenvolvimento Local meter a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.

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e cultural. Diz respeito também ao local como palco central da territorialidade e à endogenia como vetor do desenvol- É considerada uma região heterogênea e megadiversa , o que significa dizer que abriga um volume de biodiversidade
vimento, isto é, pressupõe o protagonismo dos atores locais como fator central na construção de um desenvolvimento que é fundamental para todo o planeta. A floresta amazônica representa mais da metade das florestas tropicais úmidas
humano local sustentável. do planeta, onde se concentram 54% das espécies de plantas, 73% das de mamíferos e 80% das de aves existentes no
território nacional. Possui ainda o rio mais extenso do mundo, o Amazonas, e a maior bacia hidrográfica do planeta, que
Já a noção de mídia cidadã é entendida como o meio comunicativo que se origina e/ou desenvolve-se como
contribui com 20% de toda a água doce que flui dos continentes para os oceanos (GEOAMAZÔNIA, 2012).
um projeto político-cultural capaz de promover cidadania na comunidade onde atua, sendo assim capaz de gerar
consciência política e mudanças sociais na sua comunidade, seja ela geográfica ou movida por afinidades. As rádios Unidades de Conservação e Terras Indígenas
comunitárias6, entendidas como emissoras que “têm gestão pública, operam sem fins lucrativos e têm programação plu-
ral” (PERUZZO,1999, p. 252-253), se inserem nesta perspectiva de mídias cidadãs, na medida em que são reconhecidas A existência de Áreas Protegidas na Amazônia, que incluem Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Terri-
idealmente como meios de contra-poder, de expressão democrática e de pertencimento local (LEAL, 2007). Buscam, tórios Quilombolas, são consideradas a principal ferramenta de preservação de tamanha diversidade biológica, étnica e
como afirma Peruzzo (2009) provocar a reinvenção de um modelo de comunicação de interesse público. Elas surgem da cultural da região. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que estabelece as normas para
articulação dos movimentos sociais pela democratização da comunicação no anos de 1990, sendo regularizadas no final criação e gestão das Unidades de Conservação (UC) existentes no país, foi instituído no ano 2000, pela Lei 9.985. Em
da década (Lei 9.612/98), com potencial estratégico na articulação de novos arranjos institucionais e (re)posicionamentos 2002, o governo federal criou o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que se insere no contexto da deli-
de grupos sociais no campo da comunicação e assim, por conseguinte, no campo do desenvolvimento da região. mitação de determinados espaços territoriais com seus respectivos recursos ambientais, aos quais devem ser destinados
cuidados específicos de proteção da sua população tradicional e de seu patrimônio biológico, como a principal alternativa
A relação entre comunicação comunitária e desenvolvimento sustentável é pensada a partir de uma perspectiva de conservação da natureza do país (VERISSIMO et al, 2011).
interdisciplinar. Recorre-se, para isso, especialmente na etapa de seleção e estudo de casos, à análise sociológica propicia-
da pela Teoria dos Campos Sociais, de Bourdieu (1986). A teoria dos campos de Bourdieu (1986) se constitui, de forma Originalmente, somente as UCs eram consideradas Áreas Protegidas, porém, a partir de 2006, o Plano Nacional
ampla, numa sociologia do poder com alto teor explicativo do princípio da organização social em qualquer sociedade. O de Áreas Protegidas (PNAP) incluiu neste conceito os Territórios Quilombolas e as Terras Indígenas (TI) (Decreto n.º
autor parte de uma visão topológica da sociedade, que seria formada por uma pluralidade de espaços relativamente autô- 5.758/2006). As TIs consistem em porções do território nacional, de propriedade da União, habitada e de uso exclusivo
nomos, denominados “campos”, entendidos como microcosmos dotados de sentido e regras próprias e capazes de definir de um ou mais povos indígenas que as utilizam em suas atividades produtivas
modos específicos de dominação e, consequentemente, de resistência e reação. O campo em disputa sob foco central
Estudos mostram que elas têm sido eficazes contra o desmatamento na Amazônia Legal (IMAZON), porém
desta pesquisa é de forma imediata o campo da comunicação, mais especificamente o sub-campo ou campo midiático,
sofrem ameaças e pressões diversas - a instalação de projetos de infraestrutura, em especial hidrelétricas e as invasões
no qual as rádios comunitárias como meios alternativos se inserem, porém relacionado direta ou indiretamente ao campo
e conflitos fundiários, que têm provocado iniciativas para reduzir ou retirar a proteção legal (desafetação) de Áreas de
do desenvolvimento, na medida em que busca como referência e localização processos de intervenção que imprimam
Proteção na região7 . Evidencia-se, portanto, uma clara disputa e contradição entre duas grandes políticas, de um mesmo
mudanças (e por conseguinte conflitos de interesse) na região pesquisada.
governo, ambas com foco sobre a região amazônica: a de proteção da biodiversidade e a de produção de energia. Setores
estratégicos, nos quais as decisões em geral carecem de transparência e debate público.

TERRITÓRIO E VARIÁVEIS DA PESQUISA Projeto hidrelétrico para a Amazônia


A Amazônia Atualmente, são 23 grandes hidrelétricas que integram a lista dos Planos Decenais de Energia de 2020 a 2023 (13
delas constam da previsão atualizada do PAC, obras selecionadas neste estudo), projetos que em conjunto acenam com
A Amazônia Legal, definida por critérios administrativos para fins de planejamento no final dos anos 50 (Lei
uma nova configuração ambiental, social e territorial para a região amazônica. Segundo diversos estudos, os impactos da
1806/53), e adotada como referência neste estudo, inclui os sete estados da região Norte e mais o estado de Mato Grosso
construção de grandes hidrelétricas são muitos e já conhecidos, entre os quais, os ocasionados pelos impactos migrató-
e parte do Maranhão (a oeste do Meridiano 44), com uma área total de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, o que re-
rios gerados pela atração direta de trabalhadores e indireta de pessoas em busca de oportunidades - que irão se sobrepor a
presenta cerca de 60% do território nacional, onde vive uma população aproximada de 22 milhões de habitantes num total
“um quadro de alta precariedade no acesso a bens e serviços públicos (saúde, educação, saneamento, moradia, alimenta-
de 772 municípios (13,83% do total dos municípios brasileiros) - 68,9% residentes na área urbana, a maior parte residente
ção, entre outros) e de pressões de diversas ordens sobre os recursos naturais” - e os impactos socioambientais causados
em metrópoles e cidades médias - e 31,1% na área rural. Uma população altamente heterogênea étnica e culturalmente -
7 Dados apontam que, entre 2003 e 2006, a criação de 485 mil quilômetros quadrados de Áreas Protegidas na
dentre a qual ribeirinhos, centenas de grupos indígenas e de povoamentos quilombolas. Amazônia, que incluem UC e TI, teria contribuído para reduzir em 37% a taxa de desmatamento no período (SOARES-
FILHO et al, 2010 apud IMAZON, s/d). Por outro lado, entre agosto de 2012 e julho de 2014, 10% dos 1.531.000 hec-
6 tares desmatados na Amazônia pertenciam a 160 Unidades de Conservação.
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pela interferência direta e indireta das obras em Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Territórios Quilombolas. fins lucrativos e registradas pelo Ministério das Comunicações (MiNICOM,2015), já chega a 4.701 rádios comunitárias,
número que supera o de emissoras comerciais somadas.
Não existem cálculos do aumento populacional esperado diante do conjunto das hidrelétricas previstas até agora
na Amazônia, assim como não existe qualquer estimativa dos impactos sociais e ambientais decorrentes do fluxo migra- Na Amazônia, segundo dados do Ministério das Comunicações (2015), já foram outorgadas cerca de 570 emis-
tório (INESC, 2015). Belo Monte é o exemplo mais dramático dessa falta de planejamento. O município de Altamira, no soras comunitárias, sendo que 504 destas encontram-se licenciadas – com licença definitiva ou Licença Provisória – em
Oeste do Pará, região da Transamazônica – outra obra emblemática de alto impacto na região - sede administrativa da mais da metade (56,4%) dos 772 municípios dos nove Estados que formam a Amazônia Legal. O número de rádios comu-
obra, que em 2010 tinha cerca de 100 mil habitantes, viu sua população subir para mais de 150 mil pessoas. nitárias representa pouco mais de 75% do total de emissoras comerciais na região9. Se considerarmos que mais da metade
destas emissoras comunitárias licenciadas, ou seja, 265 delas, não disputam audiência com rádios comerciais, pois são,
Um dossiê publicado recentemente pelo Instituto Socioambiental (ISA, jun.2015), mostra um cenário caótico em
segundo dados da Anatel (2015), a única emissora de rádio ou o único meio de comunicação massivo eletrônico em seus
vários setores do município após o licenciamento da obra em 2011 e o início do processo de migração populacional. Tais
municípios, capazes, portanto, de produzir informação sobre a realidade local no meio mais popular que existe até hoje,
denúncias, que vem sendo apontadas por ONGs ambientalistas, encabeçadas pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre
temos aí um cenário extremamente revelador do potencial estratégico da radiodifusão comunitária.
(MXVPS), agora também repercutem na mídia8. O governo, entretanto, ignora as denúncias, as críticas e os impactos já
visíveis. Em contraponto, os investimentos no projeto hidrelétrico continuam sendo defendidos como estratégicos para a Os números, entretanto, apesar de expressivos e crescentes, pelas contas de estudiosos e dos movimentos sociais,
ampliação da geração de energia no país, e sua consequente importância para as dinâmicas econômicas do país. não revelam a realidade do fenômeno, que tende a ser até seis vezes maior. Estima-se que existam hoje entre 15 e 20 mil
rádios comunitárias “não-legalizadas” em funcionamento no país (LIMA e AGUIAR LOPES, 2007). O número de rádios
É justamente esse debate público inclusivo, de todos os envolvidos e afetados pelas decisões de planejamento - que
comunitários de fato em atividade é impreciso e difuso em função da clandestinidade imposta a inúmeras emissoras que
não aconteceu em Belo Monte, onde não foram realizadas audiências públicas junto às populações indígenas atingidas
praticam o exercício temporário e arriscado da rádio livre, expostas à fiscalização e apreensão de seus equipamentos por
– que as rádios comunitárias, como meios comunitários, alternativos à grande mídia e tradicionalmente vinculados aos
parte da Anatel e da Polícia.
segmentos populares e originados dos movimentos sociais podem vir a favorecer.
Por outro lado, são muitas as pressões enfrentadas pelas emissoras, tanto para legalizarem-se quanto para se man-
As rádios comunitárias terem no ar. As limitações impostas pela Lei 9.612 - de alcance, potência e frequência, de associação e expansão por meio
Muitos grupos e indivíduos em todo o mundo têm descoberto que o rádio lhes permite controlar uma ferramenta de rede, além do modelo limitado de gestão financeira, que permite apenas o “apoio cultural” restrito à apoiadores com
de comunicação genuína que fomenta a criatividade e facilita o acesso popular. Assim o rádio tem sido durante mais de sede na localidade - somados a extrema burocracia do processo de legalização das rádios comunitárias, acabam por be-
cinquenta anos, o instrumento mais atrativo para a comunicação participativa e considerado o meio ideal, em todo o mun- neficiar as emissoras apadrinhadas por religiosos ou políticos ou que simplesmente reproduzem os modelos comerciais.
do, por sua simplicidade, fácil acesso e baixo custo, para provocar mudanças sociais. Em cada região elas recebem uma Isso finda por criar uma onda das chamadas “pseudo-comunitárias” - emissoras que se constituem por interesse privado,
denominação diferente, segundo o contexto sociocultural e jurídico do país onde se localiza: rádio popular ou educativa reproduzem os formatos comerciais e não são abertas à participação da comunidade. Uma onda desviante de sua origem
na América Latina, rádio rural ou local na África, rádio pública na Austrália, rádio livre ou associativa na Europa e rádio e ideal que só pode ser combatida com políticas públicas de democratização da comunicação no país.
comunitária no Brasil. A existência e funcionamento de emissoras comunitárias como espaços públicos de reação ou resistência no
Todos estes nomes descrevem o mesmo fenômeno: conseguir fazer-se ouvir e democratizar a comunicação na campo midiático de regiões periféricas10, como a Amazônia, pode significar a possibilidade de atender à formulação de
escala comunitária. Elas são reconhecidas, de forma geral e idealmente como meios de contra-poder, de expressão demo- informações e visões de mundo no interesse de grupos historicamente desconsiderados pelos atores politicamente in-
crática e de pertencimento local, com vistas a provocar a reinvenção de um modelo de comunicação de interesse público fluentes da esfera pública11 onde se reproduz, de forma ainda mais aguda, o padrão global de concentração dos meios de
(PERUZZO, 2009). 9 Segundo dados do Ministério das Comunicações de setembro de 2014, a radiodifusão sonora comercial na Região
Norte, mais os estados do Mato Grosso e Maranhão, totalizavam 668 emissoras de rádio (386 FM, 241 AM, 03 OC e 38
Em termos quantitativos não há dúvidas de seu vigor. Em quase 17 anos, desde a aprovação da Lei da Radiodi- OT). Disponível em: http://www.comunicacoes.gov.br/espaco-do-radiodifusor/radiodifusao-comercial
fusão Comunitária (Lei 9.612/98), o número de emissoras comunitárias FM, de baixa potência (até 25 wats) e reduzido 10 A periferia, segundo Santos (2007), vem a ser, o lugar onde se é duplamente penalizado: pelos processos de seg-
alcance (1 km de raio), como exige a lei (9.612/98), vinculadas ao menos oficialmente a associações comunitárias sem mentação (de trabalho e classe social) característicos do capitalismo e pelo modo territorial de distinção e desigualdades.
Vivemos num mundo onde o valor do indivíduo depende, em larga escala, não apenas do que se tem, mas também do
lugar onde se está. Nesse sentido, morar na periferia é condenar-se duas vezes à pobreza (SANTOS, 2001, p.139).
8 Ver sobre Belo Monte: Estadão, O. Obra do lago de Belo Monte espalha caos. Site, postado em 27 Junho de 2015 (19h48). Dis-
ponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,novanoticia,1714861. Ver também: EL PAIS BRASIL.Belo Monte, empreiteiras e 11 De acordo com Habermas (1996), é na esfera pública, como espaço público politicamente influente, que os dife-
espelhinhos. Opinião¸ Eliane Brum. Postado em 06 de julho de 2015 – 12h49. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/06/opi- rentes grupos constitutivos de uma sociedade múltipla e diversa partilham argumentos, formulam consensos e constroem
nion/1436195768_857181.html problemas e soluções comuns. A esfera pública conforma assim o “contexto público comunicativo, no qual os membros

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comunicação. na região, ou seja, 265 delas, não disputam audiência com rádios comerciais, pois são, segundo dados da Anatel (2015),
a única emissora de rádio ou o único meio de comunicação eletrônica em seus municípios, capazes, portanto, de produzir
Etapas da pesquisa e resultados informação sobre a realidade local no meio mais popular que existe até hoje, temos aí um cenário extremamente revelador
do potencial estratégico da radiodifusão comunitária.
O projeto de pesquisa “Mídia Cidadã e Desenvolvimento Sustentável: mapeamento e análise de rádios comu-
nitárias em áreas de pressão socioambiental na Amazônia”, contou com duas etapas de coleta e análise de dados com Cruzando os dados: dimensões e potencialidades reveladas
metodologias distintas. A primeira etapa da investigação, de caráter mais quantitativo, consistiu na fase de mapeamento
Das 504 rádios comunitárias licenciadas na Amazônia, cerca de 45% delas estão localizadas em município que possuem em
e identificação do cenário de pesquisa, na qual foram levantados e cruzados dados secundários de:
seus territórios Unidades de Conservação, num total de 296, distribuídas em maior número nos municípios do Pará (54), seguido
1) Emissoras comunitárias licenciadas pelo governo em municípios dos nove estados que formam a Amazônia Legal – do Maranhão (48) e do Amazonas (30). Em relação às Terras Indígenas, a partir do cruzamento de dados realizado pela pesquisa,
Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Rondônia, Roraima e parte do Maranhã (a Oeste do Meridiano, verificou-se que um terço das rádios comunitárias (152) está licenciado em municípios que abrigam TI, num total de 297 Terras In-
44°O), de acordo com dados secundários obtidos junto aos site do Ministério das Comunicações (2015) e Anatel (2015), dígenas distribuídas em 135 municípios, praticamente a metade em municípios do Amazonas (149 TI), seguido do Mato Grosso (87
conferidos por município na página do Sistema de Controle de Radiodifusão (SRD); TI) e do Pará (69 TI)13 (Tabela 1).

2) Demais meios massivos eletrônicos (Rádios comerciais em Ondas Médias, Frequência Modulada, Ondas Curtas e No que diz respeito às hidrelétricas na região, tomou-se como referência o último balanço do PAC, de outubro de 2014, que
aponta o número de 13 projetos de hidrelétricas para a Amazônia, todos eles situados ao menos em um município que abriga rádio
Ondas Tropicais e Retransmissoras (RTV) e Repetidoras de TV (RPTV), existentes nos municípios amazônicos, também
comunitária. As UHE encontram-se em diferentes estágios: quatro em operação14, duas já concluídas15, cinco em obras16 e duas em
junto ao SRD (2015);
fase de ação preparatória17. As UHE previstas pelo PAC e consideradas no estudo abrangem 23 municípios e destes, 17 possuem
3) Unidades de Conservação (UC) existentes, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2015); rádios comunitárias licenciadas. Destes municípios, pouco menos da metade, sete deles (42%), abrigam também Terras Indígenas e
Unidades de Conservação.
4) Terras Indígenas (TI) criadas ou previstas, de acordo com dados do site da FUNAI (2015);
Ao cruzar todas as variáveis – Rádios Comunitárias, Usinas Hidrelétricas, Terras Indígenas e Unidades de Conservação
5) Usinas Hidrelétricas (UHE) em obras, previstas e em funcionamento, conforme dados disponibilizados pelo site do (Tabela 1)– sinalizam-se as localidades com maior potencial atual ou futuro de eclosão de conflitos socioambientais pelo uso (ou não
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, 2014). uso) dos recursos naturais. É justamente nesses territórios e sobre esses embates que a comunicação comunitária, voltada à cidadania
e educação ambiental, pode fazer diferença.
Inicialmente o projeto previa a inclusão também de Territórios Quilombolas, incluídos recentemente (2006) na
condição de Áreas Protegidas e que já chegam ao número impressionante de 856 áreas certificadas na Amazônia. Da
mesma maneira, previa a inclusão de outras obras de alto impacto na região, além das usinas hidrelétricas, como rodovias
ou projetos de mineração, porém tais dados não foram incluídos na análise da pesquisa e no mapa digital em função do
volume total de dados em relação ao fator tempo do projeto, e principalmente pela situação de acirramento em torno do
projeto hidrelétrico do governo para a região, especialmente sinalizadas pelas as obras de Belo Monte e do complexo do
Tapajós, que afetam de forma especialmente brutal as populações indígenas. Todavia, em função da característica dinâ-
mica do mapeamento digital, também chamado de cartografia digital, é possível a inclusão permanente de novos dados
e variáveis.
gião Norte, mais os estados do Mato Grosso e Maranhão, totalizavam 668 emissoras de rádio (386 FM, 241 AM, 03 OC
Dados levantados e cenários revelados e 38 OT). Disponível em: http://www.comunicacoes.gov.br/espaco-do-radiodifusor/radiodifusao-comercial

Segundo dados do Ministério das Comunicações (2015), 504 rádios comunitárias estão licenciadas em mais da 13 Para entender a diferença entre os números, é importante destacar que um mesmo município abriga muitas vezes
metade (56,4%) dos 772 municípios dos nove estados que formam a Amazônia Legal, o que representa perto de 75% do mais de uma Terra Indígena ou Unidade de Conservação em seu território e que cerca de 10% dos municípios possui mais
total de emissoras comerciais na região12. Se considerarmos que mais da metade destas emissoras comunitárias (52,5%) de uma rádio licenciada.
14 Ferreira Gomes (AP); Jirau (RO); Santo Antônio (RO); Santo Antonio Jari (AP e PA).
de uma comunidade política plural constituem as condições de possibilidade da convivência e da tolerância mútua, além 15 Dardanelos (MT); Estreito ( MA e TO).
dos acordos em tono das regras que devem reger a vida comum” (Habermas, 1996, p. 156 apud Costa, 2002, p.27). 16 Belo Monte (PA); Colíder (MT); São Manoel (MT e PA); Sinop (MT); Teles Pires (MT e PA).
12 Segundo dados do Ministério das Comunicações de setembro de 2014, a radiodifusão sonora comercial na Re- 17 Jatobá (PA); São Luiz do Tapajós (PA).

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REFERÊNCIAS
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LEAL, Sayonara. Radiodifusão Comunitária n Brasil: desafios e perspectivas para as políticas públicas. In: RAMOS, Murilo Cesar;
Dentre os SANTOS, Suzy (Org.). Políticas de comunicação: buscas teóricas e práticas. São Paulo: Paulus; 2007. p.377-404.
sete municípios com maior potência em termos de quantidade de unidades de variáveis entrecruzadas, o campeão é Altamira, com
LIMA, Venício A.; LOPES, Cristiano Aguiar. Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004). As au-
duas rádios comunitárias, 12 Terras Indígenas, 11 Unidas de Conservação e uma Usina Hidrelétrica em obras, Belo Monte, um
torizações de emissoras como moeda de barganha política. Disponível em: http://www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/
dínamo de conflitos, impasses e contradições há quase 40 anos. Na sequência vêm os municípios de Itaituba (PA) - 01 radcom, 02 Coronelismo. Acesso em: 04 dez. 2007
UHE, 05 TI, 11 UC; Porto Velho (RO) - 05 radcom, 02 UHE, 03 TI, 14 UC; Aripuanã (MT) - 02 radcom, 01 UHE, 03 TI, 02 UC;
PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicação nos Movimentos Populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis:
Almeirim (PA) - 02 radcom, 01 UHE, 02 TI, 04 UC; Laranjal do Jari (AP) - 01 radcom, 01 UHE, 02 TI, 04 UC e Nova Canaã Vozes, 1999.
do Norte (MT) - 01 radcom,01 UHE, 01 TI, 02 UC).
PINTO, Lúcio Flávio. De Tucuruí a Belo Monte: a história avança mesmo?. Bol. Mus.
Chega-se, portanto a 14 o número de rádios comunitárias localizadas em municípios que abrigam todas as variáveis e, por-
Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2012, vol.7, n.3, pp. 777-782. ISSN 1981-8122.
tanto, com maior potencial de conflito socioambiental. Apoiar estas emissoras com políticas públicas que lhes garantam condições
de autonomia e independência em seu funcionamento seria um importante passo para promover mais informação e reflexão crítica MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Prefácio: Néstor García Canclini. 4.
ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
sobre a realidade local, ampliando assim as possibilidades de maior participação dos grupos locais nas decisões que coloquem em
risco a sustentabilidade de seu meio ambiente, seu bem estar e sua qualidade de vida. SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004

STEINBRENNER, Rosane Maria Albino. Rádios Comunitárias na Transamazônica: Desafios da comunicação comunitária em
regiões periféricas. 386 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido). Belém: 2011, UFPA.

CONCLUSÃO VEIGA. José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

As rádios comunitárias são um fenômeno de comunicação especialmente fértil e crescente em regiões periféricas do pla- __________. A Emergência Socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007.
neta. Entretanto, pelo mesmo motivo de atuarem em territórios periféricos a partir de iniciativas de grupos subalternos, as rádios VERÍSSIMO, Adalberto et al (Orgs.). Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira: avanços e desafios. Belém: IMAZON; São Paulo:
comunitárias muitas vezes não conseguem impactar a agenda política ou mesmo brigar pela audiência onde propagam seus sinais, Instituto Socioambiental, 2011.
gerando em si um paradoxo: constituem-se como fenômeno crescente, relevante social e politicamente, mas desconhecido do
grande público, invisível para além de suas bases ou segmentos diretamente antagônicos e não reconhecido de fato pelos tomado-
res de decisão. Os dados aqui apresentados, abrigados de forma dinâmica em um mapa digital, numa perspectiva socioambiental
das rádios comunitárias na região amazônica, têm como expectativa gerar maior compreensão da importância e do papel que as
emissoras comunitárias podem representar como instrumento de comunicação e educação cidadã na construção mais democrática e
sustentável do desenvolvimento da Amazônia.

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MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE: DIFUNDINDO O DESEN- 1. INTRODUÇÃO
VOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Os impactos gerados pelo atual modelo de desenvolvimento econômico estão cada vez mais visíveis, e os sinais
Janaina Mayara Müller da Silva1; Oklinger Mantovaneli Júnior2 disto são preocupantes, como o aquecimento global, a ruptura na camada de ozônio, a extinção da biodiversidade e a
escassez da água. Todos estes fenômenos são ocasionados pela figura humana, em sua maioria, alinhados ao desenvol-
vimento econômico que não mede esforços nem consequências para garantir lucro. Desta forma, há a necessidade de
RESUMO mudança de paradigmas com relação ao desenvolvimento. Avançar em direção da sustentabilidade pode ser um dos cami-
nhos para pensar em outro modelo de desenvolvimento, capaz de integrar os aspectos econômicos, sociais e ambientais
O desenvolvimento sustentável precisa ser enfatizado, visto os crescentes impactos ocasionados por um modelo de de-
senvolvimento que privilegia o econômico, ausentando-se de discussões ambientais e sociais. Agendas globais discutem em prol do bem comum (MERICO, 2002).
a temática e problematizam o próprio conceito de desenvolvimento. Prova disto são os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Para a mudança de paradigmas na concepção de desenvolvi- Dentre diversas iniciativas em favor do desenvolvimento sustentável, destacam-se acordos globais projeta-
mento, estas agendas precisam ser difundidas para toda a sociedade. No Brasil, o Movimento Nacional pela Cidadania dos através de objetivos, metas e indicadores. Inicialmente pode-se citar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
e Solidariedade trabalha em prol desta propagação, permitindo que as agendas adentrem nos estados, municípios e a (ODM), elaborados para a construção de um mundo mais próspero e justo. Embora a principal problemática levantada
sociedade brasileira, aproximando então a proposta global do local. Acredita-se que esta institucionalidade que difunde esteja relacionada com a pobreza, o desenvolvimento sustentável é considerado essencial para promoção do bem comum.
agendas globais com pautas sustentáveis pode contribuir muito para a conscientização de que é necessário caminhar em
direção a um desenvolvimento sustentável. Procedente deste, cita-se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ciente das problemáticas ambientais,
concebe um caminho concreto para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. As duas agendas têm
mostrado evolução na própria conceituação do termo desenvolvimento, considerando extremamente importante não so-
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, Objetivos de Desenvolvi- mente a dimensão econômica do mesmo, mas buscando um enfoque multidimensional, envolvendo o social e o ambiental
mento Sustentável, Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade. em uma perspectiva sustentável.

Os pactos enfatizam e trabalham em prol de um desenvolvimento sustentável, mas como tratam-se de agendas
ABSTRACT globais, a dificuldade está em difundir a ideia e conscientizar as pessoas da importância do mesmo. No Brasil, este papel
é desempenhado pelo Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade (MNCS). Este difunde as ideias centrais dos
Sustainable development needs to emphasized, as the growing impact caused by a development model that focuses on
pactos, para que estas cheguem nos estados, munícios e na sociedade brasileira. Está presente em todos os estados do
economic, absent up of environmental and social discussions. Global agendas discuss the theme and problematize the
concept of development. Proof of this are the Millennium Development Goals and Sustainable Development Goals. To País e busca a institucionalização em todos os municípios. O presente artigo busca dar visibilidade a tal institucionalidade
the paradigm shift in development thinking, these agendas need to spread throughout society. In Brazil, the Movimento capaz de capilarizar a discussão sobre sustentabilidade para todo o Brasil. Entende-se que movimentos que difundem a
Nacional pela Cidadania e Solidariedade works for of this spread, allowing the agendas enter the Brazilian states, mu- pauta da sustentabilidade precisam ser estudados e propalados para que a temática possa tornar-se referência, principal-
nicipalities and society, then approaching the overall site proposal. It is believed that this institutional framework that
mente ao se tratar de desenvolvimento.
disseminates global agendas with sustainable guidelines can greatly contribute to the awareness of the need to move
towards sustainable development.
Este artigo é parte de esforços exploratórios de dissertação de mestrado em fase de elaboração. Divide-se em
três partes. Primeiro, faz-se uma pequena apresentação das agendas globais ODM e ODS, e consequentemente, sua vin-
Key-words: Sustainable Development, Millennium Development Goals, Sustainable Development Goals, Movimento culação com o desenvolvimento sustentável. Depois, apresenta-se o MNCS como instancia de disseminação dos pactos
Nacional pela Cidadania e Solidariedade. globais. Por fim, conclui-se que o papel desempenhado pelo Movimento tem contribuído para a disseminação das agen-
das globais, e desta forma, contribuído também para capilarizar a discussão acerca do desenvolvimento sustentável para
todo o Brasil. Para a realização deste trabalho exploratório, utilizou-se pesquisa documental e bibliográfica.

1 Bolsista FAPESC/CAPES jaana_muller@hotmail.com.


2 oklingerfurb@gmail.com

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2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E AGENDAS GLOBAIS da pobreza3 mundial. Após estabelecida as principais demandas, a ONU, juntamente com 191 países-membros, compro-
meteu-se com o acordo. Este, foi consolidado pela Declaração do Milênio das Nações Unidas, aprovada na Assembleia
Pensar em outra lógica de desenvolvimento e na própria questão da sustentabilidade, foi oficialmente inserido
do Milênio em Nova Iorque (sede da ONU), realizada entre os dias 6 e 8 de setembro de 2000 (ONU, 2000).
na agenda pública a partir de 1987, no Relatório Nosso Futuro Comum, ou, como é mais conhecido, Relatório Brun-
dtland. Compreende-se que o desenvolvimento sustentável deve ser capaz de satisfazer as necessidades da atual popu- O acordo refere-se a oito objetivos para os países em desenvolvimento, quais sejam: 1) Erradicar a extrema po-
lação, sem comprometer a capacidade de satisfação das necessidades das gerações futuras (CMMAD, 1988). Além dis- breza e a fome; 2) Atingir o ensino básico universal; 3) Igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir
so, o desenvolvimento sustentável é, antes de tudo, um desafio político. Ou seja, incorporar a palavra sustentabilidade a mortalidade na infância; 5) Melhorar a saúde materna; 6) Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7) Garan-
no conceito de desenvolvimento é direcionar o tipo de desenvolvimento que se quer seguir, e ainda, propõe-se que os tir a sustentabilidade ambiental, e; 8) Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento (PNUD, 2015a). Cada
sujeitos devam se identificar e trabalhar em prol deste projeto, concretizando-o. Logo, apesar de importante evidenciar objetivo está vinculado a metas e indicadores que permitem qualificar e medir as dificuldades e avanços no alcance dos
o debate teoricamente, financeiramente e até tecnologicamente, o essencial é o interesse social e político, e a determi- mesmos. Embora existam metas e indicadores mundiais, cada país adapta-os de acordo com seu contexto, bem como
nação para a construção de uma nova relação entre a sociedade e a natureza (SANTOS, 1996). com suas necessidades e possibilidades (BRASIL, 2014). Os ODM tiveram prazo estipulado de quinze anos, ou seja, as
metas deveriam ser alcançadas até 2015 (PNUD, 2015a). Os ODM apoiam um outro modelo de desenvolvimento, que
Abramovay (2010) acredita que elementos para estratégia do desenvolvimento sustentável podem ser encon-
pode ser viabilizado pelo desenvolvimento sustentável, pois o pacto integra questões ambientais, sociais e econômicas.
trados em diversos instituições, seja no setor público, privado e também na sociedade civil. Entretanto, para alcançar
Logo, pode-se considera-la uma porta de entrada para discussões acerca da sustentabilidade.
o desenvolvimento sustentável é preciso envolver a cooperação humana e a forma como a própria sociedade usa e
entende os ecossistemas. Para o autor, Reconhecendo a importância dos ODM para o desenvolvimento mundial, a ONU, juntamente com os estados-
membros e a sociedade civil, está formulando uma nova agenda global desde 2012, denominada Agenda Pós-2015. Esta
foi concretizada pelo documento “O Futuro que Queremos”4, que renova o compromisso político com o desenvolvimen-
Desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas dos to, inserindo o comprometimento com o desenvolvimento sustentável, ou seja, integrando os três pilares: econômico,
indivíduos em condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos
social e ambiental. Trata-se de uma agenda que integra programas, ações e diretrizes que deverão nortear o trabalho da
ecossistemas às sociedades humanas. Ele é formado por uma infinidade de fatores determinantes, mas
cujo andamento depende, justamente, da presença de um horizonte estratégico entre seus protagonistas ONU e de seus estados-membros, em prol do desenvolvimento mundial. Para superar lacunas dos ODM, o novo pacto
decisivos (ABRAMOVAY, 2010, p. 97). deverá envolver tanto os países em desenvolvimento, quanto os desenvolvidos. A proposta foi nomeada de Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ONU, 2012).

Os ODS se aproximam ainda mais do desenvolvimento sustentável, justamente porque exigem que todas as
Ou seja, embora haja diversas iniciativas em prol do desenvolvimento sustentável, falta consolidar uma dinâmica pró-
ações em prol do desenvolvimento considerem a sustentabilidade, independente do caráter da ação. A nova agenda
pria deste desenvolvimento, que vá além da mera mensuração entre o crescimento econômico e os limites ambientais.
reconhece a fragilidade dos ecossistemas e a necessidade de um desenvolvimento menos agressivo ao meio ambiente.
As agendas globais salientadas neste artigo, propõem um novo modelo de desenvolvimento a ser consolida- Além disso, envolve todos os países, o que permite que a agenda seja discutida e difundida em sua plenitude (ONU,
do, conjuntamente com a mudança de paradigmas do mesmo. E por se tratar de acordos globais, torna a mudança de 2012). Este pacto representa todo o aprendizado de duas décadas de desenvolvimento, por isto consegue avaliar todo o
paradigma ainda mais abrangente. Jeffrey Sachs (2005) acredita que diante das inúmeras problemáticas enfrentadas progresso e as lacunas para efetivação de um desenvolvimento sustentável (ONU, 2014a).
pela humanidade – principalmente a miséria e a luta pela sobrevivência –, faz-se necessário concentrar forças mundiais
Trata-se de 17 objetivos, quais sejam: 1) Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os luga-
para reversão deste cenário. Ou seja, deve-se adotar ações coordenadas entre países ricos e pobres para permitir o de-
res; 2) Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição, e promover a agricultura sustentável; 3)
senvolvimento e progresso de todos. Para o autor, somente um pacto global entre todos os países proverá tal mudança
Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 4) Garantir educação inclusiva e
para suprir tais problemáticas.
equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida para todos; 5) Alcançar igualdade
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) envolvem objetivos, metas e indicadores, visando res- de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6) Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e sanea-
ponder as maiores barreiras para o desenvolvimento mundial. Trata-se de uma iniciativa da Organização das Nações mento para todos; 7) Garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos; 8) Promover o cres-
Unidas (ONU) e de seus estados-membros. Através de relatórios emitidos pelos diversos órgãos da ONU, um grupo cimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos; 9)
de trabalho, representando os estados-membros, selecionou e reescreveu estas demandas abarcando os quatro temas 3 Pobreza extrema na época, atingia mais de 1000 milhões de pessoas (ONU, 2000).
principais: saúde, educação, meio ambiente e social / econômico. O que mais se procurava enfatizar era a erradicação 4 Documento foi emitido pela ONU em 2012, e está disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/OFuturoqueQueremos_
rascunho_zero.pdf.

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Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação; 10) Redu- 3. MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE
zir a desigualdade entre os países e dentro deles; 11) Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis;  12) Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis;  13) Tomar medidas urgentes
para combater a mudança do clima e seus impactos; 14) Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares No Brasil, a agenda ODM é difundida e instituída nos estados, municípios, sociedade civil e setor privado,
e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;  15) Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos através do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade (MNCS), conhecido também pelo slogan Nós Podemos.
ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater à desertificação, bem como deter e reverter a
degradação do solo e a perda de biodiversidade; 16) Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento
sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em FIGURA 1 – SLOGAN
todos os níveis; 17) Fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento
sustentável (PNUD, 2015b). 

Os ODS só foram concebidos devido ao positivo resultado dos ODM. Nos últimos 14 anos, os países em de-
senvolvimento que aderiram este pacto, trabalharam em prol do alcance de metas e objetivos de forma bastante concre-
ta, principalmente assumindo políticas públicas que contribuam para o alcance das mesmas. Isto permitiu um avanço
significativo na melhoria das condições iniciais, caracterizadas em cada objetivo. Segundo o Informe Mundial sobre
os ODM, emitido em 2014, desde 1990, reduziu-se a pobreza extrema mundial pela metade. Ou seja, 700 milhões de
pessoas saíram desta condição. Entre 2000 e 2012, as ações realizadas pelos países conseguiram evitar cerca de 3,3
milhões de mortes por malária e tuberculose. De 1990 a 2012, cerca de 2.300 milhões de pessoas tiveram acesso a água Fonte: MNCS, 2015.
potável. O progresso mundial no alcance das metas estipuladas pelos ODM tem contribuído para um desenvolvimento
mais sustentável e justo. Entretanto, há a necessidade de esforços mais significativos, pois, embora haja avanços con-
sideráveis, cerca de 14% da população ainda está subnutrida (ONU, 2014b). E os ODS surgem justamente para suprir O Movimento permite que os ODM sejam divulgados em ampla escala, e acompanhados pela população em
lacunas deixadas pelos ODM, ampliando e concretizando ainda mais a discussão. geral. Promove ações para o alcance das metas estipuladas pelos ODM, e estabelece uma relação direta com o Estado,
para que as agendas públicas incorporem os ODM em suas ações. Desta forma, entende-se que o MNCS exerce um papel
Mesmo tratando-se de uma agenda global, entende-se que estratégias adotadas para o cumprimento dos ODM
fundamental para que os ODM sejam atingidos em todos os níveis da esfera pública.
têm relevância também localmente. Logo, os ODS caminharão na mesma direção. Esta relação entre o global e o local é
visível pois os avanços nos indicadores de cada objetivo são perceptíveis também nas cidades e estados brasileiros. Isto O MNCS foi criado em 2004, através de uma iniciativa do Instituto Ethos5, para unir esforços do governo e da
é, ações, estratégias e políticas públicas estão sendo direcionadas para os objetivos em diversas escalas, possibilitando o sociedade civil, em prol da adesão e implementação dos ODM. Durante a Abertura da Conferência Nacional do Instituto
desenvolvimento em sua totalidade. O sucesso desta relação está na ramificação da agenda para os estados e municípios Ethos, o Presidente do Instituto, Oded Grajew, anunciou a criação do Movimento e propôs ainda a Semana Nacional pela
do País, e também para a sociedade civil e setor privado. Desta forma, no que tange ao Estado, torna-se essencial a ado- Cidadania e Solidariedade, que seria realizada entre os dias 9 e 15 de agosto daquele ano, em São Paulo (SP). Também
ção de políticas públicas voltadas aos objetivos dos pactos, assim como o incentivo e promoção de ações com o mesmo participaram deste pronunciamento, André Spitz, representando o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida;
fim. A sociedade civil e o setor privado também possuem um papel relevante a medida em que tomam consciência das Marielza Oliveira, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Percival Caropreso, vice-presidente da
agendas. Estes podem direcionar suas ações para o cumprimento dos objetivos, além de exigir respostas do Estado para McCann-Erickson, entre outros. A ideia da Semana, e do próprio Movimento, teria partido de Israel Tevah, proprietário
o mesmo propósito. A interação entre Estado, sociedade civil e setor privado, permite que as metas estabelecidas pelos das Indútrias Tevah6, com o intuito de ampliar a solidariedade no país. O objetivo do Movimento e da Semana, seria
ODM, e posteriormente pelos ODS, tenham reflexos mais significativos, garantindo que pactos globais possam trazer mobilizar e conscientizar a sociedade em geral, para que esta sensibilizasse também o governo, sobre a importância dos
benefícios concretos a população, em nível local. 5 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Trata-se de um “[...] polo de organização de conhecimento troca de ex-
periências e desenvolvimento de ferramentas para auxiliar as empresas a analisar suas práticas de gestão e aprofundar seu compromisso com a
Assegurar que os pactos globais possam ser difundidos para todo o País pode ser uma estratégia bastante pro- responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável” (INSTITUTO ETHOS, 2015).
missora para a mudança no próprio paradigma de desenvolvimento. O Brasil conta com um movimento bastante atuante 6 Em 1997, funcionários da empresa Tevah de Porto Alegre (RS) procuraram a direção para construção de uma ação de caridade, projeto
no qual inspirou a campanha de fomento aos ODM – o Movimento e a Semana. A proposta era a produção de peças (roupas de cama, roupa in-
nesta perspectiva. fantil, etc.) para entidades e para a própria comunidade próxima à empresa. Esta ação ficou conhecida como o Dia da Solidariedade no município.
A produção acontecia em um sábado, a empresa contribuía com a material e os funcionários com o voluntariado. Uma verdadeira referência de
voluntariado (PNUD, 2004).
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ODM. A primeira Semana divulgou os avanços do País com relação aos ODM, e promoveu debates e a mobilização Além disso, o MNCS busca,
e comprometimento da sociedade civil na temática. Os envolvidos com o processo de criação da iniciativa, acreditam
que para se alcançar os ODM, a primeira estratégia deve ser a mobilização da sociedade em favor da solidariedade e da
cidadania (MNCS, 2004). a) articular a organização de setores da sociedade civil e do poder público local para a realização de pro-
gramas e projetos que visem atingir as Metas do Milênio; b) promover, incentivar e organizar, apoiar a
A semana foi planejada por organizações sociais e empresas, com o intuito de promover a cidadania e a soli- articulação do MNCS/NP estaduais, regionais e municipais e estes serão representados por voluntários que
formarão os núcleos articuladores; c) capacitar gestores e representantes da sociedade civil por meio de
dariedade, conforme já citado, mas também para incitar a consciência social. Considerando a importância dos ODM, cursos presenciais e a distância, oficinas e seminários, a desenvolverem ações que objetivam alcançar os
os envolvidos tinham a preocupação com ações que extrapolassem calendários eleitorais, e que fossem permanentes, ODM; d) divulgar os ODM para amplo conhecimento da sociedade brasileira; e) promover a participação
da sociedade civil, das instituições públicas e privadas, e do poder público local na plataforma ODM; f)
gerando um caráter duradouro e forte na luta contra a injustiça social. Na Semana, portanto, propôs-se uma forma de
incentivar o trabalho voluntário de pessoas e organizações, potencializando ações já existentes; g) formar
mobilização permanente, envolvendo tanto os governos como a sociedade civil, para que se difundisse e colocasse em parcerias e implementar ações para promover o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de
prática a implementação dos ODM. Construiu-se uma agenda de encontros e atividades para a promoção da cidadania, vida; h) promover e incentivar a realização de projetos, programas e ações sinérgicas nos estados, muni-
cípios e comunidades; i) monitorar a evolução das metas e dos indicadores dos ODM em nível nacional,
da solidariedade e da mobilização. A Semana é anual e coincide com o aniversário da morte de Herbert de Souza (Beti-
estadual e municipal; k) propor estratégias de ação para situações em que os indicadores não apresentem
nho), 9 de agosto7. A homenagem foi escolhida para lembrar a luta do sociólogo pela erradicação da fome e da pobreza, os resultados esperados (MNCS, 2012, p. 1-2).
que coincide com o fundamento dos ODM. A Semana foi divulgada voluntariamente pela agência McCann Erickson
Brasil, através da campanha “Oito Jeitos de Mudar o Mundo” (MNCS, 2004).
Apresenta ainda, institucionalmente, a
Do governo federal, a iniciativa de fomento e apoio à Semana e ao Movimento, foi a criação do Prêmio ODM
Brasil. Este tem como objetivo incentivar e dar maior visibilidade a ações, programas e projetos que visem o cumpri-
mento dos ODM. A iniciativa foi proposta na primeira Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade e é coordenada
Visão: O Brasil como referência mundial no alcance dos ODM, com a participação integrada de governos,
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). O empresas e sociedade civil. Missão: Articular e integrar todos os setores da sociedade para promover o
Prêmio é destinado a governos municipais, através de políticas públicas implantadas por prefeituras que contribuam alcance dos ODM em nível nacional, estadual e municipal. Valores: Amorosidade; Entusiasmo; Flexibi-
lidade; Ousadia; Perseverança; Positividade; Simplicidade; Solidariedade; Transparência; Cidadania do
com os ODM, e a organizações da sociedade civil, através de práticas que também contribuam nesta perspectiva (BRA-
direito e da responsabilidade; Comprometimento pessoal; Confiança como premissa de relacionamento;
SIL, 2015). Cooperação sem restrição; Ética da coerência e do bem comum; Inovação socioambiental; Respeito ao
direito de expressão; Valorização à diversidade cultural (MNCS, 2012, p. 2, grifos no original).
O MNCS surgiu e permaneceu no Estado de São Paulo até 2006. Neste ano, expandiu para o segundo Estado a
aderir a bandeira, o Paraná. A partir dessa experiência, capilariza-se ações e estratégias para todos os estados brasileiros
(COSTA, 2013). O Movimento é coordenado por secretarias, que integram o Colegiado Executivo Nacional, quais sejam: Secreta-
Atualmente, o MNCS se auto define como “[...] um movimento apartidário, ecumênico e plural da nação bra- ria Executiva Nacional, Secretaria Executiva Nacional Adjunta, Secretaria Nacional de Mobilização, Secretaria Nacional
sileira [...]” (MNCS, 2012, p. 1). Seu objetivo é de Mobilização Adjunta e Articuladores Regionais: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste I, Nordeste II, Norte I e Norte
II (MNCS, 2012). A figura 2 apresenta a estrutura nacional do Movimento, assim como os estados que fazem parte dos
articuladores regionais, nas respectivas regiões:
[...] promover, articular, disseminar e acompanhar as ações em prol do alcance dos ODM de forma con-
vergente e integrada no âmbito nacional, estadual e municipal por meio do trabalho de várias organiza-
ções sociais (Ongs, empresas, universidades, fundações, igrejas, entidades de trabalhadores, sindicatos,
movimentos sociais, associações de bairro, governos, entre outros), realizado de forma voluntária, por
instituições ou por projetos que tenham por objetivo à promoção dos ODM, na construção da cidadania
e praticando a solidariedade (MNCS, 2012, p. 1).

7 Formado em Sociologia e Política de Administração, o sociólogo é conhecido pela luta social. Faleceu em 09
de agosto de 1997 (BRASIL ESCOLA, 2015).
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FIGURA 2 – ORGANOGRAMA DO MNCS fundamentações, a promoção do desenvolvimento sustentável. Com a criação de agendas como estas, é fundamental que
hajam mecanismos para a propagação dos seus interesses. O MNCS é um exemplo disto, a medida em que surge como
uma iniciativa para disseminação destes pactos, e, desta forma, contribui também para a disseminação do fundamento
dos mesmos, que é o desenvolvimento sustentável.

Conclui-se que institucionalidades capazes disto são importantes para mudanças no paradigma do desenvolvi-
mento, pois permitem a propagação do conhecimento, do diálogo e a promoção então de um novo modelo de desenvol-
vimento. O MNCS tem a possibilidade de construir um senso territorial convergente com objetivos declarados por estas
agendas globais e fazer com que o desenvolvimento sustentável seja base de discussão política em todas as escalas do
país, para que possa ser assumido como modelo de desenvolvimento, e por fim, concretizado.

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Brasil uma referência mundial no alcance dos ODM – considera-se essencial a participação de todos, de forma articula- BRASIL ESCOLA. Herbert de Souza. Por Jussara de Barros – equipe Brasil Escola. Disponível em: < http://www.bra-
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da e integrada, seja em nível municipal, regional, estadual ou nacional. A articulação entre os três setores da sociedade,
entre os 26 Estados e o Distrito Federal, e entre centenas de municípios, atribui importância ao MNCS no cumprimento CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Editora
dos ODM. O MNCS contribuiu ainda para o envolvimento de atores no alcance dos ODM, dando maior visibilidade ao FGV, 1988.
poder emanado de uma articulação aberta e institucionalizada de diferentes setores (MNCS, 2014). COSTA, Lilian Raquel da Silva. MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE: Refle-
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agenda global, ODS. O Movimento participou ativamente da construção do novo pacto, e continuará existindo para Acesso em 24 fevereiro 2015
difusão do mesmo. Para o Movimento, a nova agenda reforça a “[...] construção de um mundo melhor, socialmente
INSTITUTO ETHOS. Sobre o Instituto. Disponível em: < http://www3.ethos.org.br/conteudo/sobre-o-instituto/#.
inclusivo, ambientalmente sustentável e economicamente equilibrado [...]” e são estes valores que estimulam a sua VWPETM9Viko>. Acesso em 25 maio 2015.
existência (MNCS, 2014, p. 3). Logo, continuará mobilizando atores sociais e empresariais para convergirem ações
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_____. O Futuro que Queremos. Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro, Esta pesquisa focou-se nas intersecções entre a violência no âmbito escolar e percepções de discentes da Educação
2012. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/OFuturoqueQueremos_rascunho_zero.pdf>. Acesso Básica sobre a problemática, estabelecendo-se relação com o conceito de poder, e com isso, almejando subsidiar estra-
em 01 junho 2015. tégias para sua prevenção e contribuir assim, com o desenvolvimento regional. A metodologia do estudo foi de caráter
exploratório transversal quantitativo e qualitativo, com amostragem constituída por 1.000 estudantes (n=1000) do ensino
_____. Objetivos de Desarrollo del Milenio: Informe de 2014. Editora Tessa Too-Kong, Nueva York, 2014b. Dispo- fundamental, 5° ao 9° ano. Foi elaborado um instrumento contendo 29 questões sobre o cotidiano escolar, a violência no
nível em: <http://www.un.org/es/millenniumgoals/pdf/mdg-report-2014-spanish.pdf>. Acesso em 10 maio 2015. ambiente escolar e seus desdobramentos. Foi realizado um pré-teste pela equipe do projeto. A aplicação ocorreu entre no-
vembro e dezembro de 2013 e a participação foi anônima e voluntária. Os resultados foram analisados mediante estatís-
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Notícias. Ação de operários inspira semana das Metas. tica descritiva e armazenados em um banco de dados online com acesso para os pesquisadores. Observou-se que 47,6%
Por Ricardo Meirelles. 14 agosto 2004. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3098>. Acesso em (n=476) relatou sofrer agressão, ofensa ou intimidação em ambiente escolar, sendo a agressão verbal a mais frequente
30 junho 2015. (82,35%; n=392), seguida pela física (25%; n=119) e ambas podem ocorrer de forma isolada ou conjunta. As causas mais
_____. Objetivos do Milênio. 8 objetivos para 2015. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ODM.aspx. Acesso em frequentes destas agressões são: racista (n=140), econômica (n=130), religiosa (n=112) e gênero (n=48). Observou-se
17 fevereiro 2015. (2015a). alta prevalência de violência no contexto escolar em estudantes do 5º ao 9º ano das escolas públicas do litoral do Paraná,
principalmente ligada a questões de raça/etnia, sócio econômica, religiosa e de gênero. Se manifestam em forma de vio-
_____. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: < http://www.pnud.org.br/ODS.aspx>. Acesso lência verbal, física e psicológica, que podem acarretar danos à saúde das vítimas. A partir destes resultados, foi possível
em 10 agosto 2015. (2015b). refletir sobre o conceito teórico de poder, e consequentemente subsidiar discussões sobre estratégias de prevenção com
base no reconhecimento do panorama regional.
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Textos Didáticos, IFH/UNICAMP, n. 23, 1996.

ABSTRACT
Violence is a major challenge for the agenda of Brazilian development and the school environment is configured in the
field where this problem emerges with ever more intensity. This research focused on the intersections between violence
in schools and students perceptions of basic education on the issue, aiming to subsidize strategies for its prevention, thus
contributing to regional development. The methodology of the study was quantitative and qualitative cross exploratory,
with sample consists of 1,000 students (n = 1000) of primary school, 5 th to 9 th year. An instrument containing 29 ques-
tions about the school routine, violence in the school environment and its development has been prepared. A pretest by
the project team was held. The application took place between November and December 2013 and the participation was
anonymous and voluntary. The results were analyzed using descriptive statistics and stored in an online database with
access for researchers. It was observed that 47.6% (n = 476) reported suffering aggression, offense or intimidation in a

1 Universidade Federal do Paraná. cloviswa@gmail.com

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school environment, the most common being verbal abuse (82.35%, n = 392), followed by the Physical (25%, n = 119)
and both can occur in isolation or together. The most frequent causes of these attacks are racist (n = 140), economic (n =
130), religious (n = 112) and gender (n = 48). There was a high prevalence of violence in the school context in students Tal fato histórico é confirmado por Waiselfisz (2012, 2014, 2015) em sua série de estudos atuais que deram origem
from 5th to 9th grade in public schools of Paraná coast, mainly linked to issues of race / ethnicity, economic, social, re- ao mapa de violência e que colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Essa violência historicamente
ligious and gender. They manifest themselves in the form of verbal abuse, physical and psychological, which can cause construída pela sociedade, se adentra e se reflete também dentro dos muros dos colégios. Segundo Abramovay (2012,
damage to the health of victims. From these results, we can reflect and discuss prevention strategies based on the recog-
nition of the regional panorama. p.45) a violência “apresenta-se sempre de forma complexa e multifacetada e tendo origem em causas de natureza social,
histórica e individual. Certamente, no universo escolar, as várias manifestações de violência igualmente se fazem presen-
tes, cada vez de forma mais acentuada”.
Key words: Violence, power, development, territory.
Rocha (2012, p. 32) expõe que “é fato, desde sua origem, que a escola é local de poder e ideologia, disputa de
consciências e de controle, seja de mentes ou de corpos”. Na concepção de Foucault (2015, p.18) o poder “não é um
INTRODUÇÃO objeto, uma coisa, mas uma relação. Pois ele é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica. Não é lugar, que
se ocupa, nem um objeto, que se possui. Ele exerce, se disputa. E não é uma relação unívoca, unilateral; nessa disputa ou
A violência no ambiente escolar, vem se constituindo num constante objeto de estudo devido a inúmeros se ganha ou se perde”.
atos praticados entre/contra estudantes e/ou docentes. Uma problemática social que se manifesta em diferentes formas
envolvendo todo um conjunto educacional. Segundo Minayo (2006) a violência não é um uma, e sim múltipla. Advinda Castells (2013) ainda complementa em relação ao poder, quando cita que:
de origem latina, a palavra vis, quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física
ou psicológica sobre o outro.
“As relações de poder são constitutivas da sociedade porque aqueles que detêm o poder constroem as
Vários estudos em Sociologia, Psicologia e Saúde Pública entendem a violência como um fenômeno social- instituições segundo seus valores e interesses. O poder é exercido por meio da coerção (o monopólio da
violência, legítima ou não, pelo controle do Estado) e/ou pela construção do significado na mente das
mente construído, podendo afirmar que a violência é um processo dirigido com determinadas finalidades, assumindo pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica”. (p.14).
dessemelhantes fatores, adquirindo diversas formas e produzindo danos irreparáveis, com consequências imediatas e a
longo prazo”. (FRANCO, 1990; ROCHA, 2012). Mais recentemente, estudos relacionados ao desenvolvimento vêm es-
tabelecendo a relação entre este (desenvolvimento), a violência e suas intersecções (entre violência e desenvolvimento),
Borba e Russo (2011) afirmam que tradicionalmente se espera que o ambiente escolar seja um espaço social
ganhando destaque os estudos de Amartya Sen (2010), que destaca que o desenvolvimento humano só é possível a partir
onde as relações interpessoais possam ser identificadas como sinônimos de desenvolvimento humano, um espaço de
de práticas baseadas na tolerância e em liberdades individuais e coletivas. “ Ter mais liberdade melhora o potencial das
compartilhamento de conhecimentos éticos, morais sociais e culturais, rompendo paradigmas, respeitando e valorizando
pessoas para cuidar de si mesmas e para e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvi-
as diferenças, solidariedade, cooperação igualdade e equiparação de oportunidades que são essenciais num ambiente
mento”. (SEN, 2010, p.33).
escolar com finalidade do exercício da cidadania. Todavia, não é o que parece ocorrer no cotidiano escolar. As relações
No quesito construção social da violência, Foucault (2015, p. 12) traz o conceito de poder, citando que “o poder de poder, dominação/subordinação e violência também se estabelecem nos espaços escolares. Portanto, este trabalho
não é um objeto, natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente”. Segundo Minayo objetiva pesquisar como se manifestam as distintas modalidades de violência no cenário escolar, estudando um grupo de
(2006), o descobrimento do Brasil teve em sua história no período da colonização e de desenvolvimento, diversos regis- estudantes de escolas públicas, tendo como recorte territorial específico a região do litoral do Paraná. Com isso espera-se
tros de violência de um país escravista e colonizado. No entanto se carrega uma fábula/mito no imaginário social que o problematizar esta visão “romântica”, colocada por Borba e Russo (2011) que muitas vezes é imputada às escolas. Ou
Brasil é um país pacifico. Tratando-se de uma meia verdade, como Minayo (2006) cita: seja, busca-se evidenciar que as escolas também são locais de manifestação de poder e de violência, que podem refletir e
retroalimentar outras violências que permeiam a sociedade e que impactam no desenvolvimento territorial.

“Somos um povo violento. Na obra Outros 5002: uma conversa sobre a alma brasileira, discutem a tese
de que nosso nascimento, como país, é fruto de um estupro: os homens (só havia homens – a maioria METODOLOGIA
degradados - nas caravelas de Cabral) que aqui chegaram e encontraram as tribos indígenas, loucos para
copular, não buscavam a alma das mulheres, nem a cultura autóctone, nem a sabedoria do povo”. (p. 26). A pesquisa iniciou-se em 2012 como projeto de iniciação científica da Universidade Federal do Paraná e vem se
2 ZWETSCH, Roberto Ervino. Lucy DIAS; Roberto GAMBINI. Outros 500: uma conversa sobra a alma brasilei- solidificando no programa de pós-graduação em nível de doutorado em Desenvolvimento Regional, pela Universidade
ra. (São Paulo: SENAC, 1999. 228 p.). Estudos Teológicos, v. 42, n. 1, p. 96-100, 2013.

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Regional de Blumenau – FURB. Neste artigo será descrito parte desses resultados, mais especificamente relacionados ao O conceito de violência simbólica aparece como eficaz para explicar a violência da escola, a que se reproduz na
eixo desenvolvido com alunos e alunas da Educação Básica de três municípios do litoral paranaense. dimensão pedagógica e institucional, expressando-se por meio do controle, da autocracia, da brutalização das relações
(ROCHA, 2012). Ao debruçar-se sobre as noções de violência simbólica e violência moral, chama-se atenção ao fato de
Trata-se de um estudo exploratório transversal de caráter qualitativo e quantitativo, realizado no segundo semes-
que na amostra de estudantes desta pesquisa, essas dimensões também aparecem. A Tabela 2 ilustra que quase 90% dos
tre de 2013. A amostragem foi constituída por mil (n=1000) estudantes da rede pública de ensino dos municípios de Mor-
sujeitos relatou que já sofreu ameaças em seu ambiente escolar, sendo que alguns inclusive relatam que isso ocorre com
retes, Paranaguá e Guaratuba (PR). As idades dos participantes variaram entre 10 a 17 anos, que responderam anônima
certa frequência. A violência não se restringe a agressões físicas, mas também pode incluir a violência verbal, caracteri-
e voluntariamente a um formulário de pesquisa contendo 29 questões objetivas e discursivas, sendo elaborado e testado
zada por xingamentos, piadas e apelidos, que foi relatada por 392 sujeitos. O espaço da escola onde é mais frequente a
previamente (pré-teste), a respeito da violência no contexto escolar e seus desdobramentos. O anonimato dos participan-
ocorrência de episódios de violência é o recreio, de acordo com o relato de quase 40% dos estudantes, conforme pode ser
tes foi respeitado, a fim de preservar a identidade dos mesmos, obedecendo aos princípios bioéticos internacionais, tal
observado na Tabela 2.
como a Declaração de Helsinki, e as Resoluções n° 196/96 e 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os dados
quantitativos foram tabulados em uma base de dados online e analisados mediante estatística descritiva, enquanto os da-
dos qualitativos foram transcritos e analisados tematicamente a partir de categorias emergentes, seguindo a metodologia
Tabela 2. Caracterização das representações de violência escolar relatadas por escolares de
proposta por Gomes e Minayo (1994), sendo que neste artigo será dada ênfase aos resultados quantitativos. escolas municipais do litoral do Paraná – PR
QUESTÃO N=Total OPÇÕES PERCENTUAL (%)
Sofreu algum tipo de Sim 52,40%
RESULTADOS E DISCUSSÃO agressão em ambiente 1000
escolar Não 47,60%

Entre os participantes da pesquisa, observou-se maior frequência do gênero masculino (n=503, 50,30%) e idade Em algum momento 56,07%
entre 13 e 15 anos (n=563, 56,30%) conforme tabela 1. Do total da amostra, que constou de mil sujeitos (n=1000), 524 Uma ou duas vezes 30,24%
Já sofreu ameaça em am- Todos os dias 2,65%
(52,40%) relataram que já sofreram algum tipo agressão no ambiente escolar.
biente escolar Todas as semanas 0,22%
453 Todo mês 0,22%
Não 10,60%
Empurrões 63,90%
Caracterização das Tipo-
119 Agressão 24,40%
Tabela 1. Caracterização dos/as participantes. logias da Violência Física
Surra 11,80%
QUESTÃO n=Total OPÇÕES PERCENTUAL (%)
Caracterização das Tipo- Apelidos 48,70%
1000 Masculino 50,30%
Gênero logias da Violência Ver- 392 Piadas 28,10%
Feminino 49,70%
bal/Psicológica Xingamentos 23,20%
10 a 12 anos 38,50%
Idade 13 a 15 anos 56,30% Recreio 39,74%
1000 Sala de Aula 19,87%
16 a 18 anos 5,20%
Corredores 11,04%
Fonte: Os autores, 2015. Caracterização dos Locais
Escolar 7,73%
que ocorreram a violência
453 Arredores da Escola 3,31%
Refeitório 3,31%
Chesnais3 (1981) distingue no imaginário social atual, três definições de violências que contemplam tanto o âm- Outros 15,01%
bito individual quanto o coletivo: no centro de tudo, a “violência física”, que atinge diretamente a integridade corporal Fonte: Os autores, 2015.
e que pode ser traduzida nos homicídios, agressões, violações, torturas, roubos a mão armada; a “violência econômica”
que consiste no desrespeito e apropriação, contra a vontade dos donos ou de forma agressiva, de algo de sua propriedade
e de seus bens; e, por último, a “violência moral e simbólica”, aquela que trata da dominação cultural, ofendendo a dig- Todas essas modalidades de violência (verbal, psicológica, moral, física, econômica) são permeadas por relações
nidade e desrespeitando os direitos do outro”. (MINAYO, 2006, p. 14-15). de poder. Foucault (2015) esclarece nesse sentido, afirmando que as relações de poder também podem servir como ins-
3 CHESNAIS, Jean-Claude. Histoire de la. 2a ed., Paris, Pluriel. 1981.
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trumentos de luta, articulando com outros instrumentos, contra essas mesmas relações de poder”. Hannah Arendt (1990) do. Por outro lado, ao não explicitar as desigualdades de gênero, a escola corre o risco de acomodar-se e continuar (re)
complementa a noção de violência como um meio de e um instrumento para a conquista do poder. (MINAYO, 2006), produzindo os dicotômicos modelos tradicionais na relação entre sexos (SASTRE, MARMÓN E HERNÁNDEZ, 2003).
enquanto que Araújo (2004) esclarece que os atos de violência servem para demarcar espaços de poder.
“O poder não atua do exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comporta-
De acordo com Rocha (2012) desse modo, a imagem do outro passa a ser percebida como ameaçadora e inferior. mento, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e à manutenção da sociedade industrial, capitalista”.
Para a autora, as relações na escola são vividas de modo odioso, marcadas pela violência. Essas acepções foram confir- (FOUCAULT, 2015, p. 21-22).
madas com os dados ilustrados na Tabela 3, que exemplifica os principais motivos relatados pelas vítimas de violência
A busca por elementos que justificam as incidências dessas condutas, muitas vezes extrapolam os muros das
no ambiente escolar. Destacou-se a violência de gênero, marcada por práticas sexistas e homofóbicas nas escolas. A
escolas. São apontadas como razões exógenas ao ambiente escolar: o Sexismo e hierarquias/desigualdades de gênero,
“violência de gênero” é definida por Suárez e Bandeira (1999) como acontecimentos violentos abrigados nos diferentes
conforme estudos de gênero propostos por Joan Scott (1986), Guacira Louro (2001) e Butler (2008); o racismo e outros
relacionamentos de gênero, que são relacionamentos que podem pôr em interação conflituosa não apenas homem e mu-
preconceitos que permeiam a sociedade, alguns inclusive com origem familiar, frutos de influências da mídia e/ou carac-
lher, mas também mulher e mulher ou homem e homem. A ligação entre violência e gênero é importante para indicar não
terísticas do ambiente em que a escola está situada.
apenas o envolvimento de mulheres e de homens como vítimas e autores, mas também como sujeitos, que buscam firmar
mediante a violência, suas identidades masculinas ou femininas. No presente estudo, os casos de violência estão ligados a diferentes causas. As causas com maiores prevalências
foram: Étnico-racial (n=140); Econômica (n=130); Religiosa (n=112); e, relacionadas ao Gênero (n=48). No que se refere
Na tabela 03, podemos ver alguns dados da pesquisa efetuada com 1000 estudantes no litoral do Paraná, relativos
aos casos de violência relacionados às questões étnico-raciais, os estudantes relataram que o tipo de cabelo é a principal
a questões de gênero, étnico-racial, econômico e religião.
causa (40,00%), sendo que os que mais sofrem são os sujeitos afrodescendentes.

Já o estilo de se vestir foi a causa mais comum relacionada com questões econômicas (52,30%), sendo que as pes-
Tabela 3. Causas das incidências de violência escolar relatadas por escolares de escolas muni- soas com menor poder para aquisição de roupas ditas “da moda” sofrem mais com intimidações e discriminação.
cipais do litoral do Paraná – PR
QUESTÃO N= Total OPÇÕES PERCENTUAL (%) Nos casos relacionados com religião, os evangélicos sofreram mais abuso (41,10%), seguidos dos que professam
Gay 52,10% outras religiões, tais como as de matrizes africanas. E por fim, nos casos relacionados às questões de gênero, os sujeitos
Gênero Lésbica 27,10%
48 LGBT’s (lésbicas, gays, bissexuais e trans – travestis e transexuais), os gays foram as principais vítimas (52,10%), segui-
Mulher/Sexismo 20,80%
dos das que sofrem violência apenas por serem mulheres.
Cabelo 40,00%
Cor da pele 26,40% De acordo com Ricas e Donoso (2010), sabe-se que o fenômeno da violência no contexto escolar não pode ser
Étnico-Racial 140 Negro 16,40% dissociado da violência que acontece na sociedade em geral. A miséria, a exclusão, a desigualdade, o autoritarismo, a falta
Loiro 12,90%
de ética e a concentração de renda e poder estão intimamente articuladas e interligadas à manutenção da violência no nos-
Ruivo 4,30%
so cotidiano. A violência decorre deste complexo contexto multicausal de fragilidade social, onde o abuso e desrespeito
Roupa 52,30%
aos direitos humanos são nítidos, e até banalizados, pela sociedade, conforme apontado por Hannah Arendt (1999) em
Econômica 130 Pobre 42,30%
Rico 5,40% sua obra “Eichmann em Jerusalém: sobre a banalização do mal”. Essas fragilidades acabam por favorecer a exposição de
Evangélico 41,10% adolescentes a situações evitáveis de risco.
Católico 25,90%
Religiosa Sendo assim Castells (2013) cita que:
112 Ateu 6,30%
Outros 26,80%
Fonte: Os autores, 2015.
“Os movimentos sociais vêm de uma injustiça fundamental de todas as sociedades, implacavelmente con-
frontadas pelas aspirações humanas de justiça como: exploração econômica; pobreza desesperançada; de-
sigualdade injusta; comunidade política antidemocrática; Estados repressivos; Judiciário injusto; racismo;
xenofobia, negação cultural; censura; brutalidade policial; incitação à guerra; fanatismo religioso (frequen-
A escola pode tomar para si a tarefa de resistir e promover a transformação das concepções e comportamentos
temente contra crenças religiosas alheias); descuido com o planeta azul (nosso único lar); desrespeito à
sociais, no sentido de ensinar a pensar, a questionar, e com isso apontar novas formas de interpretar e organizar o mun- liberdade pessoal, violação da privacidade; gerontocracia; intolerância; seximo; homofobia e outros atro-

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a exclusão manifestada pelo discurso do outro, ocultada no ambiente escolar, parece agora ganhar evidência nas pesqui- ROCHA, T. B. Cyberbullying: ódio, violência virtual e profissão docente. Brasília: Liber Livro, 2012. 192p.
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transformadora, ele reproduz e reforça as desigualdades sociais”. (ROCHA, 2012, p. 21).
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Mediante a situação presente no ambiente escolar, ser faz necessário ampliar oportunidades sociais focadas na SCOTT, J. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. The American Historical Review, v. 91, n. 5, p. 1053-75,
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SUÁREZ, M.; BANDEIRA, L. (Org.). Violência, Gênero e Crime no Distrito Federal. Brasília: Paralelo 15, 1999.
pende de estabelecer os encadeamentos empíricos que tornam coerente e convincente o ponto de vista da liberdade como
a perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento”. Sendo assim o autor cita que a “liberdade é vista, por essa WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2012: Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. São Paulo: Instituto
Sangari, 2012. 185 p.
abordagem, como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de
privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2014: OS JOVENS DO BRASIL. Brasília: Secretaria-geral da Presidência da
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GRUPO DE TRABALHO III
Gênero e Diversidade

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A INSERÇÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO EM POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO: UMA As políticas públicas foram formuladas no formato de direito subjetivo do cidadão e dever do EstadoGT - 03da
a partir
QUESTÃO DE PODER Constituição Federal em 1988, em que o Estado passa a ter seu campo de ação definido no tocante às políticas econômicas
e sociais. Nesse sentido, de acordo com Oliveira (2008, p. 102), “as políticas públicas têm sua origem nas relações de
Renata de Fátima Tozetti1; Marcos Claudio Signorelli2 força de uma sociedade que, em embates constantes, formará o conjunto de decisões tomadas no interior do Estado”.
Observa-se que a criação da Carta Constituinte de 1988 surge neste contexto dos embates entre os movimentos sociais,
RESUMO que se fortaleceram devido ao agravamento dos problemas sociais que emergiam, e dos interesses da esfera estatal em
Este artigo revisita as políticas públicas de gênero na educação, demonstrando sua relação com questões de poder, manter a ordem e garantir o acúmulo do capital, conforme destaca a autora:
manifestadas nos espaços escolares. Discute-se gênero a partir das relações de poder apresentadas por Michel Foucault Compreendida como estratégia governamental de intervenção nas relações sociais, as políticas sociais
(2001) e Joana Maria Pedro (2005), arraigadas hegemonicamente numa sociedade heteronormativa e sexista, em que surgiram apenas a partir de pressões dos movimentos populares do século XIX. Elas foram implantadas
homens e mulheres são tratados/as de forma desigual nos diversos espaços sociais. Dentro deste contexto, faz-se um recorte como forma de respostas ainda que incipientes, aos problemas inerentes à “questão social”. (OLIVEIRA,
para apresentar a participação de homens atuantes em espaços escolares da educação infantil, que eram tradicionalmente 2008, p.106).
ocupados por mulheres, que estariam “pré-destinadas” ao cuidado das crianças. Utiliza-se como metodologia a pesquisa
de abordagem qualitativa, aplicando entrevistas como instrumento de coleta de dados aos docentes citados. Em seguida, Após a criação da referida legislação e de outras leis elaboradas especificamente para as diversas políticas públicas
apresenta-se a proposta de Portugal no que tange às políticas públicas de gênero e suas relações para o desenvolvimento após esse período, foi estabelecido no cenário brasileiro um sistema de garantia de direitos permeado pelas contradições
sustentável da população do país, como possibilidade a ser seguida. O trabalho finaliza com a reflexão da necessidade
constante de avaliação destas políticas públicas na busca de resultados qualitativos dos projetos, programas e ações de do modo capitalista de produção. As políticas públicas sociais brasileiras se configuram com o objetivo de alimentar o
governança, sinalizando-se a necessidade de ausculta dos/as atores envolvidos. processo de reprodução da força de trabalho e minimizar as sequelas da questão social.
O surgimento das discussões sobre gênero na sociedade também não foi diferente. A autora Joana Maria Pedro
Palavras-chave: Gênero. Poder. Políticas Públicas. Espaços Escolares. (2005), através do texto intitulado Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica oportuniza
um diálogo com a história dos movimentos sociais inicialmente demandados por grupos de mulheres, e posteriormente,
ABSTRACT feministas, gays e lésbicas, que questionavam as desigualdades e as relações de poder entre os sexos. Problematizavam
This article revisits the public policies of gender in education, demonstrating its relationship with issues of power,
manifested in school spaces. It discusses gender from power relations presented by Michel Foucault (2001) and Joana a visão androcêntrica de mundo: impositora, autoritária e determinante nos processos de desigualdade, que geravam
Maria Pedro (2005), rooted in a hegemonic heteronormative and sexist society in which men and women are treated/ rótulos às mulheres como frágeis, dóceis, e destinadas a atividades inerentes aos afazeres domésticos e a cuidar dos
as unequally in different social spaces. In this context, it is a cutout to display the active participation of men in early filhos/as. Conforme Pedro (2005, p.86), “foi do interior da categoria mulheres que surgiu a categoria gênero, foi também
childhood education school spaces that were traditionally held by women, which would be “earmarked” to the care of entre as historiadoras que estavam escrevendo sobre história das mulheres que a categoria de análise gênero passou a ser
children. It is used as methodology the qualitative study, using interviews as a data collection instrument to the said
teachers. Then we present the proposal for Portugal with regard to public policies of gender and its relationship to utilizada”.
sustainable development of the population, as a possibility to follow. The work ends with the reflection of the constant Não há aqui a pretensão de adentrar no debate histórico, mas sim, focar no termo gênero, destacando-o para dar
need to evaluate these policies in seeking qualitative results of the projects, programs and governance actions, signaling visibilidade como marco referencial dessa problemática, elucidando a inserção da perspectiva de gênero na educação
the need for auscultation of/the actors involved. e no campo das políticas públicas. Atenta-se para o fato de que todos os movimentos sociais tem uma trajetória que
acompanha a luta por direitos civis, direitos humanos, igualdade e respeito, e, é neste viés que se justifica esta pesquisa,
Key words: Gender. Power. School Spaces. Public Policy.
ao relacionar as políticas públicas de ações afirmativas com o espaço escolar, propondo que estes, sejam espaços de
tolerância, solidários e equânimes à diversidade, seja ela de classe, raça, etnia, sexo/gênero, idade, religião, entre outros.
Considerando que os espaços escolares são lugares caracterizados de expressões sociais, culturais, simbólicas e
políticas e que devem promover a identidade e autonomia das crianças desde pequenas, pautadas nas relações entre seus
pares, torna-se mais que necessário diante do status quo, tratar acerca da complexidade sobre sexualidade e relações de
gênero na educação. Pensar sobre gênero para Carvalho, Casagrande & Luz (2009, p.14), é:
... enquanto construção social do feminino e do masculino, foi assumido como um elemento das relações
sociais, presente em todas as nossas instituições, inclusive nas escolas. É preciso desnaturalizar o
INTRODUÇÃO determinismo biológico presente nos padrões dicotômicos de gênero que aprisionam homens e mulheres
em comportamentos e atributos considerados, respectivamente, naturalmente masculinos e femininos.
1 Pedagoga. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável pela UFPR Litoral. E-mail: renazetti@hotmail.com
2 Doutor em Saúde Coletiva. Professor do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável pela UFPR Litoral.
E-mail: signorelli.marcos@gmail.com O fato de falar sobre isso com crianças pode causar estranheza a alguns, pois essa forma de pensar, revelando

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medos e preconceitos hegemônicos fazem do tema um tabu, presente na educação de meninos e meninas, perpetuando-se documental de dados secundários, de referencial teórico e entrevistas com os docentes que atuam na educação infantil
na vida adulta de homens e mulheres. Nesse sentido, a perspectiva de gênero na educação é debatida a partir da ideia de de São José dos Pinhais-PR. Como análise documental foi desenvolvida pesquisa junto às políticas públicas recentes
Foucault (2001, p. 86), que considera relativo seus usos e significados, destacando que “nascem de uma disputa política da área da educação que apresentam interface com a temática de gênero, tendo como recorte documentos federais e
e são os meios pelos quais as relações de poder – de dominação e de subordinação – são construídas”. estaduais, circunscritos ao Paraná. As entrevistas foram realizadas via e-mail e também pessoalmente, mediante as devidas
As relações de gênero e poder nos processos de socialização e convivência de crianças e adolescentes em idade autorizações para a realização do contato com os interlocutores. Foram transcritas e os conteúdos das entrevistas foram
escolar são repletas de normas e controles das expressões corporais. Frequentemente tornam-se um fator limitante ao categorizados tematicamente, a partir das categorias emergentes e colacionados com a literatura. É importante ressaltar
desenvolvimento infanto-juvenil, tendo em vista que o movimento e a descoberta do corpo são imprescindíveis ao que foram usados nomes fictícios para preservar o anonimato dos profissionais.
aprendizado desses/as que frequentam creches, pré-escolas e escolas. Essas formas de controle disciplinar demarcam
fronteiras entre feminino e masculino, reforçando as características físicas e comportamentos esperados para cada sexo
durante as atividades de rotina nos espaços escolares. O fato é que, muitas vezes, os adultos com essa visão dicotômica
de gênero, naturalizada ao longo de sua formação enquanto sujeitos, acabam por transmitir expectativas sobre o “certo” RESULTADOS E DISCUSSÃO
e “errado” nas ações das crianças, que estão a desvendar o mundo que as cerca. Revisitando algumas das políticas públicas com o objetivo de buscar as relações entre gênero e Educação, voltadas
Curioso fato observado em creches e pré-escolas, em que a tarefa hegemônica de cuidar de crianças compete principalmente aos espaços escolares como propagadores de ações afirmativas junto aos educandos/as, constata-se que
majoritariamente às mulheres, deixando de considerar os educadores e professores homens que escolheram a docência na alguns avanços foram conquistados. Dentre estes programas, diretrizes e legislações destacam-se: o ECA – Estatuto
primeira infância como profissão. Diferenças como esta são constatadas já na formação desses/as profissionais, em que da Criança e do Adolescente (1980); a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.934/96; os PCNs –
mulheres tendem a estudar no campo das ciências humanas, matriculando-se nos cursos de Pedagogia e Letras, voltados Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); que preveem a instituição dos temas transversais no currículo (educação sexual
ao magistério, enquanto os homens são incentivados pela sociedade a buscar por graduações em ciências exatas, como ou orientação sexual); o Fascículo sobre o tema transversal Orientação Sexual (1997), que consolidou a escolarização
nos cursos de Engenharias, por exemplo. Assim, a norma vigente, prevê carreiras distintas de trabalho para homens e da sexualidade; os RCNEIs – Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1998); o Programa Brasil sem
mulheres, caracterizando, obviamente em salários melhores para os homens. Homofobia (2004) e na sequência o Projeto Escola sem Homofobia (2004); o Caderno Temático de Sexualidade (2009) da
Diante dessa normatização determinada por uma sociedade sexista e iníqua, destacamos neste estudo o debate SEED/PR; as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (2009); e a criação da SECADI/MEC - Secretaria
em torno das políticas públicas da educação com enfoque de gênero, analisando mais detalhadamente a participação de de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Esta, desde 2008, vem fomentando o curso GDE -
profissionais homens em espaços escolares da primeira infância em um CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil Gênero e Diversidade na Escola - para todas as instituições públicas de ensino superior que queiram ofertar o curso para
do município de São José dos Pinhais-PR. Espera-se contribuir com o debate intenso que vem sendo travado no cenário formação de profissionais da educação básica para questões específicas de gênero e diversidade.
brasileiro contemporâneo, almejando os ideais propostos pelo pesquisador Amartya Sen, em participação especial no No cenário atual, destaca-se a SECADI, como peça fundamental dentro do MEC responsável pela organização,
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 2014, ao propor que o “desenvolvimento só é divulgação e manutenção do GDE em todo o país. Para a SECADI, a educação não pode se separar, nos debates, de
possível em sociedades caracterizadas pela equidade de gênero e onde os seres humanos são respeitados”. Desta forma, questões como desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável. Traz uma agenda que contempla questões
contempla-se a universalidade, em que “todos os indivíduos possam ter igual valor e igual direito a proteção e ao apoio”. de gênero, identidade de gênero e orientação sexual; educação ambiental e sustentabilidade; escola e proteção às crianças
(PNUD, 2014, p. 29). e adolescentes; saúde e prevenção; diversidade étnico-racial; políticas afirmativas para afrodescendentes e populações
indígenas; educação para as populações do campo; qualificação profissional e mundo do trabalho; democracia, direitos
METODOLOGIA humanos, justiça e paz mundial. Na mesma direção, a compreensão e o respeito pelo diferente e pela diversidade são
O estudo utilizou em sua metodologia a pesquisa de natureza qualitativa. Minayo, (2001, p. 22), apresenta a ideia dimensões fundamentais ao processo educativo.
de que este tipo de pesquisa “responde a questões muito particulares”, assim como a temática apresentada neste artigo e Quanto ao PNE - Plano Nacional de Educação, sancionado em 2014 pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014,
os recortes de entrevistas realizados com os homens atuantes na educação infantil. Segundo a autora, o nível da realidade e que prevê metas da educação básica até a pós-graduação para serem atingidas nos próximos dez anos, estipula que
estudada não pode ser quantificado e cita que este tipo de pesquisa “trabalha com o universo de significados, motivos, os estados e municípios elaborem os próprios planos locais. O PNE, fruto da 11ª CONAE - Conferência Nacional de
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e Educação, do Ministério da Educação, previa inicialmente debater nas escolas as questões de gênero, porém, acabou
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. (MINAYO, 2001, p. 22). Por isso, a sendo sancionado sem a inclusão dessa temática. Doze estados, traziam em seus textos originais trinta e cinco referências
necessidade de focar nas falas destes poucos homens para relatar suas angústias e dificuldades e não apenas destacar às questões de gênero, com palavras e termos que foram rejeitados pelo Congresso, entre os quais destacam-se: Gênero,
quantos são entre tantas mulheres. Identidade de Gênero, Ideologia de Gênero, Diversidade Sexual, Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Para desenvolver a presente pesquisa, foram aplicados os seguintes instrumentos de coleta de dados: análise Homofobia e Orientação Sexual. Quais seriam as razões que levaram o Congresso a não permitir a visibilidade destas
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questões junto às nossas crianças? Estaria novamente a sociedade, legitimando as relações de assimetria sobre as minorias, objetivos estão sendo atingidos e se os recursos públicos estão sendo utilizados de forma adequada. [...] A
que na visão hegemônica de poder não devem ter voz para não fomentar o debate, a criticidade e a liberdade de escolha avaliação contribui ainda para evitar que nossas políticas possam cometer os mesmos equívocos detectados
em políticas já implementadas, melhorando a sua eficácia e melhor contribuindo para a justiça social.
nos espaços escolares?
Enquanto no Brasil tais políticas nem sempre avançam, em outros países novas estratégias vêm sendo
A nível local, iniciativas como a das Universidades Federal do Paraná - UFPR Setor Litoral em 2007 e da
implementadas. No que tange às relações entre gênero e desenvolvimento sustentável, os pesquisadores portugueses
Universidades Tecnológica Federal do Paraná UTFPR em 2008 são importantes para contribuir para a formação da
Gaspar & Queirós (2009), organizaram um relatório denominado Género, Território e Ambiente: estudo de diagnóstico
comunidade escolar da Rede Municipal de educação de Curitiba e região metropolitana e de Matinhos no litoral do Paraná,
e criação de indicadores de gênero, encomendado pela CIG – Comissão para a Igualdade de Gênero da Universidade de
em relação a temática “gênero, sexualidade e diversidade sexual na escola”. (CARVALHO, CASAGRANDE & LUZ, 2009,
Lisboa, para tratar da temática. O relatório adotou as noções inscritas, enfatizando o papel da participação das mulheres na
p. 11). Por intermédio dos grupos de estudo relacionados à diversidade de gênero, multiplicaram o conhecimento junto de
Agricultura visando a igualdade no trabalho e no emprego relacionando às políticas públicas de agricultura e transportes
professores/as e funcionários/as das escolas de educação básica das localidades mencionadas, através de pesquisadores/
(mobilidade). A figura 1 apresenta as noções adotadas pela FAO - Food and Agriculture Organization, (mandato para o
as engajados/as com estudos e pesquisas relacionadas à temática. Considerando a urgência do debate, Sierra & Signorelli,
mainstreaming de género estabelecido pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas - ECOSOC, United Nations
(2014, p. 9-10), propõem “através de fundamentos teóricos e políticos o combate às formas de opressão e violência de
Economic and Social Council.
gênero/sexuais que massacram multidões de corpos que não se ajustam ao processo normalizador que se impõem em
nossa contemporaneidade”.
Assim como as iniciativas destacadas acima, outros municípios brasileiros carecem de ações educativas com foco
na mobilização dos diferentes atores envolvidos no desenvolvimento humano de crianças e adolescentes. Se nada for feito,
no futuro farão parte desse contexto predominantemente excludente e determinista das relações entre homens e mulheres.
Por outro lado, podem fazer a diferença se forem devidamente (in)formados/as sobre como se dão esses processos nos
espaços escolares. O estudo realizado em Portugal serve de exemplo de como se dá essa relação das políticas públicas nos
diferentes contextos sociais e demandas da população, conscientizando que gênero deve ser discutido e incorporado em
todas as políticas públicas, sejam elas de educação, social, de agricultura, de saúde, entre outras. Desta forma, teremos um
desenvolvimento sustentável atrelado às instâncias da sociedade civil e às ações de governança, gerando solidariedade,
respeito e equidade entre as pessoas e suas relações de convivência, sejam em espaços públicos ou privados.
Ainda debatendo sobre iniciativas locais, trazemos neste trabalho o caso específico da educação infantil, ilustrando
a questão da participação dos homens. Contextualiza-se mencionando que esta modalidade de ensino em São José dos
Pinhais-PR, conta atualmente com quarenta e dois CMEIs, atendendo aproximadamente 7.8803 crianças das áreas urbana
Figura 1 – Noções de gênero de acordo com a FAO e rural. Os/as docentes destas unidades são contratados via concurso público, determinado pela administração pública,
Fonte: GASPAR, Jorge & QUEIRÓS, Margarida (2009). oferecendo vagas para educadores/as sociais, professores/as e pedagogos/as, para atuação em creche (atendimento de
crianças de 0 a 3 anos de idade) e pré-escola (atendimento de crianças de 4 a 5 anos de idade). Verifica-se que dentre este
O estudo aponta que as atenções sobre a igualdade de gênero sejam uma parte central nas intervenções em todos os número total de CMEIs constam no quadro de profissionais da SEMED 1.205 profissionais, sendo apenas sete homens,
domínios setoriais, incluindo estudos, aconselhamento político, legislação, investigação, planejamento, implementação, dentre eles um professor, um pedagogo e cinco educadores sociais.
monitorização e principalmente, avaliação dos programas, planos e projetos. Visão esta que deve ser incorporada às Dos sete profissionais envolvidos, cinco deles se dispuseram a participar desta pesquisa, sendo possível realizar
nossas políticas de governança com enfoque na efetivação destas junto daqueles/as que protagonizam diariamente as entrevista com dois educadores sociais e aplicar questionário com as mesmas perguntas direcionadas nas entrevistas aos
consequências da inoperância das suas garantias de direito. demais docentes, sendo eles: um pedagogo, um professor e um educador social.
Pelo levantamento e análise das políticas públicas já destacadas, verifica-se que profissionais da educação têm Para o pedagogo João, que possui mais experiência, estando há 20 anos na educação, relata que foi bem acolhido no
respaldo, ancorado nas legislações, deliberações, parâmetros curriculares, projetos, programas e conferências, mas que CMEI e que não notou nenhum tipo de preconceito ou indiferença em relação ao seu trabalho. Quanto as suas expectativas
não bastam ratificações no papel sem participação social, para que estas políticas tenham êxito. De acordo com Luz (2009, e angústias em trabalhar na educação infantil, João relata que:
p. 196): “É um trabalho instigante e como estou no início de carreira nesta modalidade (1 ano e 6 meses), sinto que
Essa participação evolve os processos de elaboração, possibilitando que as reais necessidades da população 3 Dados referentes ao mês de Junho de 2015, obtidos por meio da SEMED – Secretaria Municipal de Educação de
sejam contempladas, a fiscalização sobre a implementação, que tem por atribuição verificar se seus São José dos Pinhais–PR.

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ainda falta muito a aprender. Assim procuro participar dos cursos de formação e posteriormente fazer Agora, se essa distância tem a ver com o fato de eu seu professor homem, não saberia te dizer, aparentemente,
uma especialização na área”. acontece com as outras professoras, mas, seria bom entrevistá-las para ver se há uma diferença real
mesmo”. Professor Vitor.
Os outros três docentes ouvidos, exercem a função de educadores sociais, há aproximadamente 1 ano meio, sendo
que um deles possui formação em Magistério Superior. Nestes relatos pode-se notar que a chegada de um homem num Ainda na voz deste professor, ele relata que “há sempre um estranhamento inicial por parte dos familiares quando
espaço que antes era predominantemente ocupado por mulheres causou estranheza por parte das famílias, conforme se descobrem que seus filhos e filhas ficarão sob cuidados de um professor homem”, mas que se identifica com a Educação
destaca no relato abaixo: Infantil e que acredita ser a etapa mais importante de toda educação humana. Para ele:
“Os pais geralmente no início estranham ter um homem como educador, alguns relatam assim: ´Pensei “É necessário que hajam melhores professores atuando nessa área que hoje ainda é muito estigmatizada
que você era apenas um estagiário!’ ‘Não sabia que você era o professor também’. Teve uma mãe que com o senso comum que carrega o ranço da assistência social e que é necessário ter um lado maternal em
questionou qual era a minha função via agenda e eu a respondi dizendo que a minha função não era detrimento do profissionalismo dos professores”.
diferente das demais educadoras, realizo os mesmos serviços que elas. Porém há muitos pais que acharam
diferente e gostaram da ideia me elogiaram e gostaram do meu trabalho, acredito que com esse apoio fica Através das entrevistas, foi possível verificar que os cinco interlocutores que atuam na educação infantil do
mais fácil exercer a profissão. Percebi incerteza e insegurança de alguns pais quando chegavam na sala
município de São José dos Pinhais-PR, exercem suas funções buscando igualdade de gênero enquanto docentes, junto
com as crianças, nunca falaram nada em particular mas ficavam de cara “amarrada” como quem não
aprovou a ideia. Maurício, Educador Social. aos seus espaços de atuação. Analisando as políticas públicas, não há nenhuma lei que dê preferência às mulheres para
atuação com crianças na primeira infância, no entanto, são poucas as prefeituras municipais que contratam homens para
Já o educador social Pablo, apresenta sua percepção de acolhida no CMEI através da fala das crianças. o exercício destas funções. Talvez, o maior desafio esteja na percepção das famílias, para que elas reconheçam que os
“As crianças não eram acostumadas com a figura do homem em sala de aula, no começo me chamavam homens devem e podem cuidar e educar das crianças nas escolas, e que assim como as mulheres são capazes realizar com
de tio, tia, pai, professor e até de mãe. Estavam acostumadas a serem cuidadas só por mulheres e acho
que por isso se confundiam. Demonstram carinho por mim e agora já estão acostumadas. Na turma
êxito e atenção todas as atividades que antes eram predominantemente de perfil feminino.
que estou não tem crianças de fralda, elas já vão ao banheiro sozinhas, mas se for preciso, em casos
de emergência, eu ajudo a limpá-las. No começo era a educadora que trabalha em turma comigo que
trocava as crianças, depois eu também comecei a trocar”. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as políticas públicas devem considerar as relações de gênero e as demandas tanto de homens quanto de
Na fala desse profissional, é importante destacar sua própria visão enquanto homem cuidando de criança na mulheres, pautando-se na transversalidade da temática e na importância dessa discussão junto à sociedade. Há que se
primeira infância. Sua preocupação era do cuidado, mas devido às imposições heteronormativas da dinâmica escolar, provocar a mudança dos estereótipos de gênero que geram comportamentos discriminatórios, injustos, intolerantes e
ficava preocupado em ter que trocar a fralda de uma criança, como se esta função também não fosse incumbida aos violentos. Não basta inserir textos com discursos igualitários nas políticas educacionais, nos projetos político-pedagógicos,
homens que cuidam de crianças nessa fase do desenvolvimento. currículos escolares e planos de aula. É urgente que além de propor, se acompanhe e fiscalize tais políticas para que a
Para o educador social Marcos, que exerce no CMEI uma função voltada para o ensino das artes e da música sociedade não mantenha velada uma questão que se trabalhada com as crianças e adolescentes também nos espaços
dentro de seu cargo, observa-se em seu depoimento em sua relação com as famílias foi preocupante no começo. escolares, trará novos rumos numa perspectiva de justiça social, tolerância e respeito a si mesmos/as e ao outro/a. O
“No início isso me preocupava muito, cheguei a receber alguns olhares estranhos, mas com o
desafio é atuar enquanto sujeitos de direitos, de desenvolvimento sustentável dentro desse espaço arraigado de relações
desenvolvimento do trabalho e principalmente o acolhimento das crianças, as famílias acabaram
entendendo que isso pode sim ser normal”. sociais, culturais, simbólicas e políticas que é a escola.
Este estudo conclui que existem políticas públicas recentes, ancoradas nas legislações, deliberações, parâmetros
Neste trecho, chamo a atenção do leitor para o termo normal proferido pelo profissional, como se essa ideia de curriculares, projetos, programas e conferências, tanto em nível federal quanto estadual, no caso do Paraná. Todos esses
errado, anormal, diferente já estivesse enraizada nos conceitos determinados pelas famílias que o receberam neste espaço recursos didáticos apresentam significativo conteúdo, respaldando os profissionais da educação para o exercício da
escolar. igualdade de gênero nos espaços escolares. No entanto, não bastam ratificações no papel, é preciso maior participação
De acordo com o professor Vitor, que já atou como professor e pedagogo em outras escolas e possui uma social, como por exemplo, das famílias, evidenciado na fala dos profissionais homens que escolheram a educação infantil
experiência de 7 anos, quando perguntado sobre sua relação com as famílias, responde que não há uma aproximação, para o exercício de suas profissões.
mas através de outra vertente, e sugere ouvir também as demais colegas professoras para confirmar sua fala. As entrevistas apontam a não aceitação das famílias em relação à figura do homem cuidando das crianças que
“Grande parte das famílias são distantes e não se interessam sobre a aprendizagem de seus filhos. Há
familiares que sequer conheci, pois não vão levar nem buscar as crianças, não comparecem em reuniões frequentam os CMEIs, ao menos num primeiro momento. Verifica-se que a fala destes homens revelam o debate histórico
nem festas. Com as famílias que eu tenho o mínimo de interação, não chega a 15% de interesse das famílias que vem sendo travado pelas mulheres, em busca da igualdade de gênero. O sentimento demonstrado nas auscultas,
em conversar e saber como está a vida escolar de seus filhos e filhas. Mas tenho uma relação cordial e de indiferença, receio e desconfiança, reforça o comportamento heteronormativo e sexista, que em muitas situações do
muito profissional. As vezes há mães que pedem orientações minhas de como lidar com a disciplina de suas
crianças, e raramente perguntam algo com cunho pedagógico, como processo de alfabetização por exemplo. cotidiano diferenciam as mulheres dos homens em depreciação do sexo feminino, principalmente referente às questões de

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trabalho. E essa situação vem de encontro com a discussão da temática, para iluminar a reflexão no sentido de mudança PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano. Sustentar o Progresso Humano: reduzir as vulnerabilidades e reforçar a
desse padrão de comportamento. No entanto, considera-se um notável avanço da administração pública do município de resiliência. Portugal, 2014.
São José dos Pinhais-PR, não diferenciar homens de mulheres e vice-versa no momento da nomeação ao cargo público, SIERRA & SIGNORELLI (Orgs.). Diversidade e educação: intersecções entre corpo, gênero e sexualidade, raça e etnia.
demonstrando assim, que pequenas vitórias vêm sendo conquistadas, ainda que lentamente no que tange à equidade de Matinhos: UFPR Litoral, 2014.
gênero.
Este estudo sinaliza que para promover as políticas de igualdade/equidade de gênero nas escolas ainda se faz
necessário ouvir cada vez mais os atores sociais que estão na ponta e que muitas vezes se mantêm invisíveis perante a
sociedade. No caso dos espaços escolares, diante de dificuldades relacionadas a essas questões, é preciso voltar o olhar
para enfrentamento do problema social, sem mantê-lo velado. Enquanto a escola fizer de conta que tudo vai bem, por
medo do que as famílias ou a comunidade escolar irão julgar, continuaremos tendo violência e descriminação, ou seja, na
contramão do papel social dessa instituição que é de promover igualdade e incentivar a cultura de paz.

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1, 2005.

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A LIBERDADE FEMININA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM OLHAR A PARTIR DE AMARTYA INTRODUÇÃO
SEN (...) nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto um reconhecimen-
to adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres. Esse é, de fato, um
aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade (SEN,2 p.263).

Nadia Terezinha Covolan1

As pessoas e as sociedades, em que pesem as diferenças culturais, compartilham alguns valores relacionados às
ações humanas. A liberdade está no centro das discussões, especialmente a partir da implantação dos estados laicos e
RESUMO
democráticos. Nesse bojo diversas teorias têm sido elaboradas sobre o que seria e ou constituiria tal categoria - liberdade
Neste ensaio, toma-se por base a obra Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen, onde a expansão das liber- - para quem e por que seria importante, assim como seus limites e possibilidades. Dessa forma, diferentes concepções de
dades individuais é enfocada como meio e finalidade do desenvolvimento. Este, extrapolando a mensuração por renda, liberdade individual e coletiva vêm influenciando as mentalidades e as práticas societárias, no tempo e no espaço.
relaciona-se às liberdades substantivas capazes de promover a dignidade e a qualidade de vida conforme os valores con-
siderados pelas pessoas envolvidas. Nesse sentido, a falta de liberdade das mulheres constitui além de uma iniqüidade, Categorias fortes como liberdade, autonomia, livre arbítrio, não raramente são aceitas sem uma análise mais apro-
um verdadeiro impedimento para que as sociedades desenvolvam-se de acordo com suas capacidades. Devido a suas
fundada sobre o arcabouço ideológico nas quais estão assentadas, e são tecidas. Assim, discutir sobre - liberdade, auto-
vontades estarem geralmente desconsideradas ou agenciadas, e suas vozes serem subsumidas nos discursos, programas
e políticas elaborados para elas e raramente por elas, justifica-se a pertinência a discussão sobre a liberdade feminina e nomia, agência - tornou-se uma necessidade na contemporaneidade, uma vez que suas diferentes concepções impactam
desenvolvimento humano na atualidade brasileira. Em que pesem as lutas dos movimentos feministas e dos resultados diretamente na convivência e sobrevivência da humanidade, plural e diversa.
dos estudos de gênero, tem havido no país uma inflexão das políticas públicas emancipatórias em geral. A escalada do
conservadorismo religioso dentro das gestões decisórias do poder político em nível nacional tem propagado um discurso A construção social de gênero, que demarca tradicionalmente diferenças radicais para homens e mulheres, consti-
de ódio para com a diferença e nesse bojo, ações e intervenções tem contrariado direitos elementares das mulheres en- tui a matriz de outras desigualdades e é produtora direta de injustiça e iniqüidade. Nesse sentido, a (não) liberdade femi-
quanto cidadãs, e distorcido a questão de gênero na educação. nina constitui uma lacuna na reflexão ética, econômica, social, dentre outras, no tempo e no espaço.

O indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de economia em 1998, afirma que o desenvolvimento engloba um com-
Palavras chaves: Liberdade, Desenvolvimento, Mulheres. promisso com a expansão das liberdades substantivas e com o enfrentamento da opressão e da miséria. O autor enfoca a
dimensão Ética no debate econômico, ao incorporar a esse a metade feminina da humanidade, invisível, desconsiderada,
a mais pobre, sem voz e com sua agência comprometida.
ABSTRACT

In this essay, we take based on the work Development as Freedom by Amartya Sen, where the expansion of individu- Para a Economia clássica o desenvolvimento requer a diminuição significativa de bem estar público, direitos e
al liberties is focused as a means and purpose of development. This, extrapolating measurement by income, relates to liberdades. Amartya Sen, na esteira de Aristóteles (V a.C), argumenta que a utilidade da riqueza esta nas coisas que ela nos
the substantive freedoms capable of promoting the dignity and quality of life as the values ​​considered by the people
permite fazer e não nela mesma; está nas possibilidades que traz para as pessoas poderem viver a vida conforme os seus
involved. In this sense, the lack of freedom of women is beyond a iniquity, a real impediment for societies develop in
accordance with its capabilities. Because of their will usually be disregarded or brokered and their voices be subsumed próprios valores. As liberdades mais prementes se referem à sobrevivência, ao acesso à água, aos serviços de saúde, ao
in speeches, elaborate programs and policies for them and rarely by them justified the relevance of the discussion on saneamento, a educação, ao emprego digno e remunerado, a segurança econômica e social, ao acesso a direitos políticos e
women’s freedom and human development in Brazil today. In spite of the struggles of women’s movements and the re- a participação efetiva na vida social. Nesse contexto, a vida de bilhões de mulheres em todo o mundo é afetada pela falta
sults of gender studies there has been a shift in the country of emancipating public policy in general. The rise of religious
de liberdades elementares e pelo impedimento de viverem de acordo com suas capacidades, e valores.
conservatism within the decision-making efforts of political power at the national level It has propagated hate speech
toward the difference and that bulge actions and interventions has contradicted basic rights of women and distorted the Autores como Aristóteles pensaram componentes da idéia contemporânea de liberdade política. Nesse sentido,
gender issue in education.
Sen discute dois pontos: 1 – o valor da liberdade pessoal - que deve ser garantida em uma boa sociedade; 2 – a igualdade
de liberdade - onde todos importam, e a liberdade que é garantida para cada um deve ser garantida para todos. Aristóteles
Key Words: Freedom, Development, Women escreveu profusamente sobre a primeira proposição, excluindo os escravos e as mulheres, consideradas por ele seres in-
completos e imperfeitos. A defesa da segunda proposição tem origem muito recente e ainda causa polêmica. Mesmo em
sociedades mais democráticas em relação às mulheres, a liberdade feminina é insuficientemente discutida ou considerada
1 UFPR litoral. nadiathe@gmail.com nos discursos das disciplinas que compõem as ciências, as religiões e a ética filosófica.

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Liberdade remete a autonomia, que compõe as recentes discussões sobre direitos, deveres e desenvolvimento. A Nesse sentido, políticas para o DH implicam em considerar dois aspectos fundamentais: o avaliativo e o da agên-
categoria autonomia de origem grega é composta pelos termos autos - o mesmo, ele mesmo, por si mesmo - e nomos - cia. O aspecto avaliativo objetiva avançar em prol do maior bem-estar das pessoas. O aspecto agência preocupa-se com o
compartilhamento, lei do compartilhar, instituição, uso, convenção. Na Grécia do século V a C, autonomia se referia a que as pessoas podem fazer para alcançar esse bem-estar, ou seja, como podem ser as próprias agentes em suas realidades.
polis não submetida ao poder de outras cidades. Na modernidade, adquire o sentido de emancipação pessoal e capacidade
Baseado em diversas pesquisas, o autor demonstra que a educação e o trabalho formal, e remunerado, das mu-
de pensar por si mesmo.
lheres, interferem diretamente na diminuição do número de filhos e da mortalidade materna e infantil, na diminuição dos
A partir de 1960, o principio de respeito à autonomia das pessoas tornou-se objeto de profunda reflexão da filo- conflitos armados e da violência em geral, e importa diretamente na conservação dos recursos naturais, dentre outros
sofia moral, particularmente da ética aplicada aos conflitos de interesses e valores vigentes nas sociedades secularizadas aspectos vitais.
das democracias pluralistas. A autonomia juntamente com a justiça formam os alicerces do projeto moderno que Norbert
Bobbio (2002) chamou de cultura dos direitos, que constroem a cidadania entre duas existências legitimas e conflituo- A instrução reforça a agência feminina e torna a mulher mais bem informada e qualificada para agir. A liberdade
sas, que são: a) o particularismo das liberdades, preferências e interesses pessoais, pertencentes ao campo dos direitos para procurar e ter emprego remunerado fora de casa reduz a privação das mulheres, interfere nas liberdades para não
de cada individuo – ou de primeira geração; b) o universalismo das necessidades e interesses comunitários e coletivos, sofrer fome, doenças e morte prematura.
pertencentes ao campo dos direitos de todos os indivíduos - ou de segunda geração -, elaborados a partir do século XIX.
O trabalho doméstico realizado gratuitamente pelas mulheres, em que pese ser o contributo fundamental para a
prosperidade geral, não é remunerado nem dividido igualmente entre os sexos. Assim, Amartya Sen (2010) considera que
O desafio de equacionar autonomia e justiça esta posto hoje, com vistas a um projeto societário pluralista que ga-
para as mulheres, o emprego remunerado fora de casa é mais visível e importante, pois constitui um fator educativo que
ranta liberdades individuais e coletivas também para as mulheres. Autonomia e a Liberdade são os princípios discutidos
as expõe ao mundo, aumentando a eficácia de sua agência. O autor afirma, ainda, que a imagem da mulher como heroína
no contexto das desigualdades que se estabelecem nas relações de gênero, ou seja, de poder entre homens e mulheres nas
relegada ao sacrifício pelo lar e pela família não a beneficia e nem às sociedades. A superação dessa teoria de sacrifício,
sociedades.
no entanto, pode dar lugar à do êxito pessoal, se houver apoio de redes sociais e democracia autêntica. Porém, para que
Dessa forma, neste ensaio discute-se a liberdade feminina enquanto direito elementar e de cidadania, e também haja emancipação feminina efetiva, os papéis sociais demarcados para homens e mulheres devem ser desnaturalizados e
como fulcro do desenvolvimento humano, e nesse bojo, os processos que permitem ou impedem as ações, decisões e as “tradições” problematizadas.
oportunidades das mulheres, nas suas circunstâncias particulares. Justifica-se essa abordagem nesse momento especial
Os resultados das pesquisas realizadas na Índia, China e outros países do oriente, possuem semelhanças com
da vida brasileira, onde forças religiosas fundamentalistas elaboram discursos de ódio que tem se desdobrado em ações
outras realizadas em países ocidentais, inclusive na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) brasileira.
restritivas às liberdades pessoais e coletivas.
Essas pesquisas revelam que as mulheres estão geralmente em piores condições em comparação com os homens e que
as meninas sofrem muito mais privações que os meninos. As diferenças aparecem de muitos modos, algumas visíveis,
outras, invisíveis, tanto em países ricos como em pobres. Mesmo quando os homens e as mulheres têm tratamento mais
LIBERDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO
igualitário, em termos de alimentação e cuidados de saúde, permanecem importantes diferenças de gênero em esferas
Para Amartya Sen (2010), a liberdade é o cerne do desenvolvimento, pois fundamenta e envolve tanto os pro- menos óbvias e elementares.
cessos que permitem as ações e decisões quanto às oportunidades que as pessoas têm nas suas circunstâncias pessoais
e sociais. Assim, a falta de liberdade generalizada das mulheres constitui uma iniquidade que afeta suas vidas e a das Além disso, as desigualdades entre homens e mulheres nos países em desenvolvimento é, geralmente, questão de
sociedades na qual estão inseridas. Nesse sentido, é imprescindível a agencia participativa das mulheres, que possuem vida e morte para as mulheres. A diferença é que a independência financeira das mulheres salva vidas, começando pelas
valores próprios que querem, sejam respeitados. O termo agente, diz respeito a alguém que age e produz mudanças con- próprias, e das crianças especialmente meninas, e melhora toda a sociedade, fato que não ocorre da mesma forma quando
forme seus próprios valores e objetivos. os homens são educados e obtém rendimentos.

Para o autor, Desenvolvimento Humano (DH) implica em: a) expansão das possibilidades de ser e de fazer das Assim, a agência feminina influencia diretamente não só seu próprio bem-estar, mas é o cerne do desenvolvimento
pessoas, para terem funcionamentos e capacidades, tais como saúde, alimentos, conhecimentos e poder participar da vida humano enquanto tal. Qualquer tentativa para aumentar o bem-estar feminino, seja em forma de políticas ou ações, não
da comunidade; e b) remoção dos obstáculos que impedem a pessoa de fazer aquilo que pode fazer na vida, tais como o pode deixar de recorrer à opinião e à autonomia das próprias mulheres, pois estas sabem o que querem e são as respon-
analfabetismo, a falta de saúde, a impossibilidade de acesso a recursos, a ausência de liberdades civis e políticas (SEN, sáveis pelas mudanças mais radicais (SEN, 2010).
2010).

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A AGÊNCIA DAS MULHERES NO DESENVOLVIMENTO Assim, na elaboração das políticas, trata-se de saber que diferentes valores estão presentes na vida das pessoas
O capitulo oitavo da obra citada é dedicado à discussão sobre a agência feminina. O autor lembra a histórica luta e que elas esperam que sejam considerados. As gestões na função pública, no papel de implementar as prioridades que
de Mary Wollstonecraft que em 1794 ousou levantar a voz e escrever que as mulheres, além de direito a um maior bem emergem dos valores sociais, tem como garantir a discussão ampla das diferenças para avançar no respeito aos direitos
estar, eram pessoas capazes de agir em seu próprio nome e da sociedade. Desde séculos até o presente, essa assertiva não humanos, tem como fazer frente a lobbys discursivos que remetem ao medievo e fomentam o retrocesso de direitos, na
é óbvia. contramão das recomendações mundiais emanadas de decisões conjuntas em encontros de países democráticos e laicos.

O autor aproxima-se dos estudos feministas e de gênero, especialmente quando aponta para a gravidade da vio- Pode-se melhorar o alcance e a qualidade das discussões mediante ampla liberdade de imprensa e independência
lência naturalizada e perpetrada contra as meninas e mulheres em todo mundo, e trata das conseqüências ocasionadas dos meios de comunicação (ausência de censura), e educação sobre a questão de gênero nas suas múltiplas expressões na
pela sua tradicional submissão. Assim, seus aportes importam para a tomada de consciência sobre: a) a necessidade de educação básica - lembrando que os estudos de gênero são os que abordam as relações de poder desiguais entre homens
ações e políticas de direitos de gênero e/ou afirmativas para as mulheres; b) a imprescindibilidade do efetivo exercício e mulheres nas diferentes sociedades, e apontam como esses podem ser transformados.
da agencia feminina, começando pelas decisões sobre seu corpo, sua integridade física e mental, instrução, trabalho e
participação nas decisões políticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O êxito pessoal feminino, a princípio, só se torna possível com a existência de uma rede de apoio social e uma
democracia autêntica. Desenvolvimento Humano implica na emancipação feminina, na desnaturalização dos papéis so- No Brasil, em que pese o reconhecimento que o empoderamento mínimo das mulheres - via educação e emprego
ciais, e em profunda reflexão sobre qual tradição as mulheres querem que sejam preservadas. formal com renda - impacta na sociedade, o avanço dos direitos femininos se encontra limitado, acuado e correndo riscos
de sérios retrocessos. As ações e políticas reeditam velhas intenções de utilidade, ou seja, as mulheres são acionadas para
Para o autor, no caso de conflito entre a tradição e a modernidade, é necessário uma resolução participativa e não a solução de problemas emergenciais tais como, por exemplo, o controle demográfico e da economia, quando isso é do
uma aceitação unilateral em favor da tradição imposta por dirigentes políticos, autoridades religiosas ou admiradores de interesse das gestões no poder. No geral, o enfoque de gênero - das relações de poder desigual entre homens e mulheres
uma antropologia do passado. Nesse sentido, tolher a liberdade com o pretexto de defender valores tradicionais tais como em todas as dimensões da vida - é desconsiderado nas políticas públicas e/ou se encontra subsumido em interesses po-
os veiculados pelos fundamentalismos religiosos não são legítimos e passam longe da necessidade das pessoas afetadas, líticos particulares, tem que pese a luta dos movimentos feministas e sociais e os argumentos resultantes dos estudos de
dos seus valores e de como desejam viver suas vidas, com todo o direito disso. No caso, passam longe das capacidade, gênero.
direitos e valores das mulheres nas sociedades (SEN, 2010).
Assim, o desenvolvimento depende, a princípio, de ações afirmativas para mulheres e políticas públicas de gê-
No Brasil de hoje, em que pese a democracia estar consolidada, e variadas ações e políticas afirmativas para as nero. Para que as mulheres em diferentes contextos possam exercer efetivamente sua liberdade/autonomia/agencia, é
mulheres estarem implantadas e/ou em curso, o recrudescimento de um conservadorismo religioso peculiar - e nunca vis- necessário discutir agenciamentos de vontades, produzidos diuturnamente nas diferentes instancias sociais. Impõe-se o
to nessas proporções - coloca em perigo os parcos avanços duramente conquistados. Esse problema ainda não está sendo desafio de enfrentar interesses escusos de grupos fundamentalistas, não apenas com pesquisas, teorias, debates acadêmi-
devidamente estudado, considerado, detido e/ou problematizado. A memória recente da história de partidos fanáticos, e cos, coleta de informações de campo, reflexão interdisciplinar, mas especialmente, com a ação organizada da sociedade
os acontecimentos atuais no planeta nos demonstram que o conservadorismo fundamentalista religioso pode implantar civil e laica. O discurso de ódio ao diferente atinge primeiro o feminino, e constitui a face invisível da violência que
uma ordem de consequências desastrosas e... bélicas. impede o desenvolvimento humano enquanto tal. O DH requer uma cultura de paz e para tanto, é fundamental considerar
Oportunidades sociais adequadas permitem a autonomia e esta, molda destinos pessoais e exprimem efetivamen- em profundidade a liberdade substantiva das mulheres, a começar por sua autonomia e integridade física. As diferenças
te a solidariedade. O desenvolvimento pessoal e das comunidades dependem do exercício da liberdade das mulheres e no exercício das liberdades, de homens e mulheres, importam social e politicamente e podem ser modificadas uma vez
remete para a sua capacidade de cultivar a paz. O autor observa que os países onde as mulheres tem mais liberdade, são que são historicamente construídas.
menores os conflitos, inclusive, os armados: Amartya Sen evoca nesse sentido, a busca da justiça como equidade, capaz de contemplar as mulheres e nessa
Ter mais liberdade para fazer as coisas que são justamente valorizadas é importante por si mesmo para a esteira, os e as diferentes de qualquer norma hegemônica. A concepção de uma humanidade homogênea, sem diferen-
liberdade global da pessoa e importante porque favorece a oportunidade de a pessoa ter resultados valio- ças, constrói alicerces em areia movediça; sob essa base, a liberdade/autonomia/agencia, são apenas abstrações sem
sos (... ) ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o
mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento (SEN, 2010, p. 33). consistência.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA EPIDEMIA DE CESARIANAS AO RESGATE DO PARTO NATURAL

BOBBIO, Norberto. A natureza do preconceito. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: UNESP,
2002.
Aline de Oliveira Gonçalves1
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

RESUMO
Diante da epidemia de cesarianas, o parto natural se tornou tema de militância no Brasil, primeiramente entre alguns
profissionais da saúde e posteriormente por grupos de mulheres, que visam resgatar e compartilhar os conhecimentos e
experiências relacionados ao parto. Em 2010, o Ministério da Saúde constatou que 52% dos nascimentos aconteceram
por cesarianas. Na rede privada, esse índice chegou a 82% e na rede pública de 37%, sendo que a recomendação
da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a taxa esteja em torno de 15%. Panorama que reflete, entre outros
fatores, o excesso de medicalização e a perda do poder de decisão da mulher em relação ao seu corpo. Neste artigo é
apresentado um panorama histórico sobre o parto no Brasil e da ação de grupos de mulheres organizadas em torno do
tema, situando indicadores da região litorânea do estado do Paraná neste contexto.

Palavras-chave: Cesarianas, Parto humanizado, Mobilização

ABSTRACT
The natural birth became a cause in Brazil, at first between health professionals and later by women’s groups. In 2010,
the Ministério da Saúde (Brazil Government) indicates that 52% of births happened by caesarean section. In the private
assistance, this rate reached 82% and the public 37%, while the recommendation of the World Health Organization
(WHO) is that the rate would be around 15%. This scenery evidence factors like over-medicalization and the decrease
of the decision power of woman about their bodies. This paper presents is a historical overview of childbirth and about
action of women’s groups organized around the theme, placing the coastal region of Paraná state in this context.

Keywords: Cesarean sections, Humanized birth, Mobilization

1 alinegoncalves@gmail.com Universidade Federal do Paraná

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INTRODUÇÃO litorâneos acabam tendo seus filhos no Hospital Regional de Paranaguá – instituição pública, gerida pela Secretaria de
Estado da Saúde (Governo do Estado do Paraná), que não atende muitas das exigências legais e dos pressupostos da
Desde o ano de 2010, o Brasil é considerado o país recordista mundial em número de cesarianas. E apesar
humanização do parto (Perez, 2014).
de não haver estatística mais recente oficial, indicadores parciais apontam que, ao menos nos partos realizados pela
assistência privada, o número de cesarianas continua a crescer. Esses indicadores são um alerta, uma vez que a cirurgia Segundo a pesquisa “Lei do Acompanhante: Relevância e Proposições com Práticas de Acolhimento à Gestante
expõe mulheres e crianças a mais riscos do que o parto normal (vaginal), além de gerar mais custos para o sistema de no Município de Matinhos-Paraná” (Perez, 2014), que abordou parturientes e equipes de assistência social do hospital
saúde. Neste artigo, visa-se traçar uma breve perspectiva histórica sobre o parto no Brasil2 e sobre a atuação de grupos municipal de Matinhos e o Regional de Paranaguá, os dois locais não ofertam os serviços e a atenção necessária para a
mobilizados em defesa da humanização do parto. Pretende-se também situar a região litorânea do estado do Paraná neste abordagem humanizada do parto. Segundo a autora, eles nem sequer cumprem a Lei do Acompanhante, que permite que
contexto, uma vez que possui uma estrutura limitada em qualidade e extensão para a assistência obstétrica. Para isso, toda a parturiente tenha ao seu lado durante o trabalho de parto, parto e pós-parto uma pessoa de sua confiança.
foram levantados alguns indicadores relacionados a via e local de parto, para um estudo comparativo com os indicativos
Tabela 01
nacionais.
Nascimento por via de parto nos sete municípios do litoral do Paraná
A cirurgia cesariana é considerada de baixo risco e necessária para salvar vidas quando há indicação correta, mas
quando eletiva (por livre escolha da paciente ou do médico) pode acarretar diversos problemas, assim como aumenta Ano N. de nascimentos Parto normal Cesariana % Cesarianas
2010 4.085 1.798 2.287 55,98
2011 4.093 1.814 2.279 55,68
o risco de mortalidade tanto materna quanto infantil. Entre os problemas decorrentes do excesso de cesarianas para as 2012 4.226 1.923 2.303 54,49
2013 4.107 1.950 2.157 52,52
crianças estão: prematuridade (nascimentos com menos de 37 semanas), desenvolvimento de problemas respiratórios, Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC
baixo peso ao nascer, maior probabilidade de recorrer à UTI neonatal. Para as parturientes alguns dos possíveis problemas
são: maior risco de necessidade de internação em UTI; de transfusão sanguínea; de uso de antibióticos; de dificuldades

na amamentação; e recuperação pós-parto mais lenta. Diante dessas condições, algumas gestantes têm optado por ter seus filhos em casa, mesmo sem poder contar com
Diante desse cenário, grupos de mulheres em diferentes regiões do país começaram a buscar alternativas para a assistência dos sistemas de saúde. Uma vez que a rede pública e a rede privada não oferecem essa opção no Brasil –
contornar a cultura hospitalar e “cesarista”. É possível identificar, principalmente nas capitais e cidades de maior porte, diferente de países como a Inglaterra e a Holanda nos quais essa é uma das abordagens ofertadas pelos sistemas públicos.
grupo de mães e doulas3, entre outros educadores perinatais, que promovem encontros, cursos e eventos visando a Pelos registros oficias no sistema Sinasc/MS, foram registrados nos sete municípios do litoral paranaense: 11 partos
difusão de informações de incentivo ao parto natural para mulheres e casais gestantes. Nos últimos anos, esses grupos domiciliares em 2010; outros 11 em 2011; 13 em 2012; e 05 em 2013. A maior parte das ocorrências se deu em Paranaguá,
entraram em conflito com Conselhos Regionais de Medicina, por defenderem o direito de escolha das mulheres em o que poderia indicar que o parto em casa não ocorreu por dificuldade de acesso ao equipamento de saúde e sim por opção
relação ao parto e principalmente, por defenderem, o direito de parir em casa. da parturiente.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA AO PARTO

Na região litorânea do Paraná é possível identificar algumas iniciativas de promoção do parto humanizado, A prevalência dos profissionais médicos na assistência ao parto no Brasil é recente e segue a linha curativa e
organizadas pela sociedade civil, como será apontado a diante. Essas ações fazem um contraponto aos indicadores de hospitalar, como grande parte da medicina ocidental. Mas, em todo mundo, até o século XVIII, o parto não era considerado
via de parto encontrados na região, que não diferem daqueles dados nacionais. Pode-se observar que nos últimos anos um ato médico, quem detinha o conhecimento e prestava assistência às gestantes eram as parteiras e quase a totalidade
houve uma pequena queda no número de cirurgia cesarianas, mas a porcentagem delas em relação ao parto normal ainda dos nascimentos aconteciam nas casas das famílias. O conhecimento sobre o processo de parto era detido, quase que
está longe da recomendação da OMS (Tabela 01). Paranaguá, a cidade portuária mais antiga do estado concentra a maior exclusivamente, por mulheres e transmitido localmente pela observação e pela prática.
parcela da população e também dos equipamentos de saúde. Assim, muitas das mulheres residentes nos demais municípios A obstetrícia, como especialidade médica, surgiu nas faculdades europeias, e com ela foi criado um novo conjunto
de conhecimentos e práticas que, inicialmente, foram exercidos quase que exclusivamente por homens. Foram eles que
2 Um panorama detalhado sobre os aspectos que envolvem o parto pode ser encontrado em TORNQUIST (2004); MAIA (2010),
CARNEIRO (2012). desenvolveram novos instrumentos, como o fórceps, e iniciaram a realizar os partos nos hospitais.
3 A palavra doula, em grego, significa aquela que serve outra mulher, e refere-se à acompanhante de parto especialmente treinada
para oferecer apoio contínuo físico e emocional à parturiente e a seu parceiro durante o trabalho de parto e o parto, trazendo-lhes segurança e Centradas, inicialmente, em uma visão bastante pessimista da natureza feminina, a obstetrícia e a ginecologia
tranquilidade. A doula não substitui o acompanhante escolhido pela parturiente e muito menos o obstetra. Em seu trabalho, ela utiliza técnicas de justificarão toda uma série de inovações científicas – particularmente no campo da cirurgia – que tornaram a mulher
respiração, relaxamento, massagem e métodos não-farmacológicos de alívio à dor, e auxilia a mulher na escolha de posições mais confortáveis um corpo passivo. Os instrumentos e as técnicas obstétricas, criados e usados no campo da medicina da mulher, são
para o parto. Vários estudos científicos mostram os resultados deste apoio contínuo, entre eles, reduzir o número de cesarianas, a duração do reveladores desta visão, ao mesmo tempo em que estão carregados de associações com a sexualidade e a ascendência
dos homens sobre as mulheres ou, neste caso, dos médicos sobre suas pacientes (TORNQUIST, 2004, p. 72).
trabalho de parto e o uso de analgesia. Acedido em http://www.institutoaurora.com.br/produtos/livro_doula.
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maternidades - sendo encontrados apenas em algumas iniciativas isoladas desse sistema e em algumas casas de parto.
A metáfora da mudança de endereço da casa para o hospital [...] carregou consigo uma sucessão de mudanças: passou
A transição entre os partos domiciliares e hospitalares foi gradual e enfrentou a resistência das mulheres. Elas de ofício à profissão, de affaire de femmes para assunto de homens, de pobres para elites escolarizadas, das mãos
preferiam ter seus filhos em casa, uma vez que o hospital era associado à morte, à pobreza e aos excluídos, além da negras para luvas brancas, do rural para o urbano, de saberes populares para saberes científicos, de corpos pulsantes
para corpos patológicos, de técnicas mecânicas e ritos espirituais para técnicas químicas, de uma percepção abrangente
prevalência de questões morais que dificultavam a aceitação de homens presentes em um momento considerado íntimo para um olhar esquadrinhador e meticuloso (TORNQUIST, 2004, p. 98).
das mulheres. Assim, as primeiras gestantes atendidas nos hospitais foram mulheres marginalizadas, que não tinham
condições de serem atendidas em casa por uma parteira. Nesse contexto surgiu um antagonismo entre o conhecimento
técnico-científico, exercido principalmente por homens, e o conhecimento popular, transmitido de forma oral e praticado A assistência hospitalar ao parto acarretou problemas como a medicalização excessiva e violência obstétrica, tema
por mulheres. “A medicina intervencionista, predominantemente masculina, mas também branca e de elites, certamente envolto em vários tabus, que só recentemente tem sido trazido para a discussão pública. Os procedimentos rotineiros de
deixou suas marcas em todo o processo e na própria ciência e encontrou resistências no cotidiano” (TORNQUIST, 2004, assistência ao parto denominado “normal”, no Brasil, incluem uma lista extensa de intervenções, como descreve Carneiro:
p. 75).
[...] a sequência de procedimentos realizados de rotina, quando uma mulher chega ao hospital: a tricotomia (raspagem
dos pelos pubianos); o enema (lavagem intestinal); a ocitocina (hormônio sintético que acelera as contrações
Com a consolidação da nova especialidade médica iniciou uma crescente repressão ao trabalho das parteiras, uterinas); a ruptura da bolsa (aminiotomia); a epidural (analgesia) e a episiotomia (corte da musculatura perineal para
alegando falta de assepsia ou de conhecimentos técnicos, o que colocaria em risco as vidas de mães e crianças – também a passagem do bebê). Circula a idéia de que uma atitude gera a outra – a ocitocina, que aumenta a dor, encaminha, por
exemplo, à anestesia, à epidural e, assim, sucessivamente. Critica-se, também, a necessidade do jejum e da posição
as condenando por suas rezas, curanderias e bruxarias. supina (deitada) para parir, bem como o tratamento desrespeitoso por parte da equipe médica, a escuta ininterrupta dos
batimentos cardíacos do feto, a solidão durante o trabalho de parto e a impossibilidade de se caminhar ou de se usar
[...] toda sorte de especialistas de cura, populares e/ou familiares, como benzedeiras, curandeiras e parteiras, foram outros métodos para alívio da dor que não a anestesia peridural (2012, p. 18).
perseguidas, desqualificadas e banidas desta arte, e, com elas, um conjunto significativo de conhecimentos das
próprias mulheres sobre seus próprios corpos, suas dinâmicas, seus produtos. Esse processo é identificado por Yvonne
Knibiheler como uma desestruturação de redes de saberes femininos, saberes estes compartilhados pelas mulheres,
mas que, também, tinham uma rede de especialistas própria, em que a parteira era uma das principais personagens
(TORNQUIST, 2004, p. 73). Vieira (1999) afirma que o processo histórico de medicalização do corpo feminino passa, necessariamente, pela
ideia de que existe uma natureza biológica determinante e dominante da condição feminina. “Daí decorrem ideias sobre a
maternidade, instinto maternal e divisão sexual do trabalho como atributos ‘naturais e essenciais’ à divisão de gênero na
No final do século XIX, na Europa, o médico obstetra começou a ocupar, no imaginário social, o papel do protetor sociedade” (VIEIRA, 1999, p. 68). Para controlar esses instintos, o corpo da mulher poderia ser regulado, ou controlado
da mulher e do bebê, principalmente nas localidades urbanas. No Brasil, a transição dos partos domiciliares para os medicamente, desde a anticoncepção até a esterilização, passando pela gestação e o parto.
hospitalares aconteceu entre o século XIX e o XX. Aqui, as parteiras tradicionais também eram as responsáveis pela
assistência ao parto, e as mulheres que exerciam esse ofício tinham uma posição diferenciada nas suas comunidades, o
que acontece nos dias atuais em comunidades isoladas onde elas ainda atuam, como explicita Tornquist: CESÁREA: NECESSIDADE, ESCOLHA OU INDUÇÃO
A transgressão de papéis femininos que a parteira realiza permite que ela tenha acesso a atividades costumeiramente
masculinas – o mundo da rua, as tarefas de transporte – e sugere uma inversão dos papéis de gênero, na medida em A incidência de cesarianas no Brasil começou a crescer significativamente nos anos 70. “Segundo dados do Inamps,
que mostra a dependência e submissão dos homens aos ditames da parteira e da parturiente. A situação do marido da a proporção de cesáreas no total de partos feitos no sistema público de saúde passou de 15% em 1970 para 31% em 1980
parteira também está relacionada ao prestígio que seu dom confere conforme observa Benedita Pinto, no Tocantins:
“O marido ou companheiro da parteira jamais é apontado pelo nome, mas como marido da parteira, ao contrário das (Perpétuo, Bessa & Fonseca, 1998), e não parou mais de crescer” (MAIA, 2010, p. 38).
outras mulheres, que são indicados como a mulher de João, a mulher de Antonio, a mulher de Zeca” (TORNQUIST,
2004, p. 106). Um argumento apresentado por médicos obstetras é que suas pacientes teriam medo da dor do parto normal, o que
não é comprovado por algumas pesquisas. No trabalho “Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência
pela via de parto” (Faúndes et al, 2004) – para o qual foram entrevistadas 656 mulheres atendidas pelo SUS, em hospitais
Em alguns países, como na França e na Inglaterra, as obstetrizes (profissionais de nível superior formadas em de São Paulo e Pernambuco, e 147 médicos que atuam nas mesmas instituições; um dos resultados encontrados foi que
obstetrícia ou enfermeiras especializadas em obstetrícia)4 atuam na assistência ao parto (pré-natal e parto normal) e a maioria das mulheres entrevistadas declarou preferir o parto vaginal, principalmente entre aquelas que vivenciaram as
os médicos são chamados em casos em que há complicações. No Brasil esse modelo não foi adotado nos hospitais e duas abordagens (normal e cesárea).
4 O curso de graduação em obstetrícia trata-se de uma formação na área da enfermagem, sinônimo de parteiro diplomado ou parteiro A questão do medo do parto vaginal e da dor durante o parto, que figura prioritariamente na percepção dos médicos, foi
profissional. No Brasil somente a Universidade de São Paulo (USP Leste) oferece essa graduação. A obstetriz é responsável pelo atendimento das expressa excepcionalmente pelas mulheres. As entrevistadas, pelo contrário, manifestaram que a dor após a cesariana
mulheres durante a gestação, o parto e o pós-parto. Realiza o pré-natal, o parto normal e também cuida da mulher no pós-parto. Os profissionais é o principal motivo para preferirem o parto vaginal. Mais ainda, é notável que, entre as mulheres que tiveram tanto a
são preparados para assumir uma posição de coadjuvantes do parto, competentes o suficiente para saber como e quando agir se algo não estiver experiência de parto vaginal como de cesárea, a menor dor foi citada mais frequentemente como motivo para preferir
correndo bem com a mãe ou com o bebê. Disponível em: < http://www.each.usp.br/obstetricia/obstetricia.htm >. Acesso em 12 de jan. 2014.
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a via vaginal do que a cesárea (FAÚNDES et al, 2004, p. 493). Em relação ao excesso de cesarianas, a implantação de políticas públicas para tentar reverter essa tendência
começou em 1998. Em junho daquele ano, o Ministério da Saúde publicou uma portaria (MS/GM nº 2.816)5, que pretendia
limitar o número de cesarianas realizadas em cada hospital, diminuindo a taxa para 30% dos partos até o ano 2000. Não
Há um descompasso entre o que as mulheres e médicos declaram ser as razões de escolha da via de parto. “Os alcançando sucesso na implantação da Portaria, em 2000, foi lançado o Pacto Nacional pela Redução das Taxas de
resultados da presente pesquisa mostram um contraste entre o que os médicos declaram perceber como sendo a opinião Cesárea, pelo qual a atribuição do controle das taxas hospitalares de cesarianas passava aos estados (até 2007, 21 estados
das mulheres, e o que as próprias mulheres manifestaram como suas preferências e os motivos das mesmas” (FAÚNDES haviam aderido ao Pacto6). Ainda em 2000, o então Ministro da Saúde, José Serra, com a portaria n.º 569/GM, instituiu
et al, 2004, p. 493). O problema de comunicação interpessoal com os médicos é um dos fatores que faz com que algumas o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento. O Programa tinha como prioridades: concentrar esforços no
mulheres adeptas ao parto humanizado recorram a profissionais de outras formações para acompanharem seus partos sentido de reduzir as altas taxas de morbimortalidade materna, peri e neonatal no país; adotar medidas que assegurem a
(obstetrizes, enfermeiras). As denúncias de dificuldade de diálogo entre gestantes e médicos também são frequentes em melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto, ao puerpério e
blogs, redes sociais ou manifestações de rua relacionadas à humanização do parto. neonatal; instituir o Sisprenatal (software que permite o acompanhamento adequado das gestantes inseridas no Programa
Além do equívoco quanto à via de parto preferida pelas mulheres, que é majoritariamente a via de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, do Sistema Único de Saúde); e mecanismos de incentivo à realização das
vaginal e não a cesárea, como os médicos supunham, houve uma total discrepância entre os atividades7.
motivos que os médicos percebiam como razão para preferir o parto cesáreo e a opinião expressada
pelas mulheres. [...] Os presentes achados permitem concluir que a principal justificativa para o Apesar desses esforços, em 2011, 40% dos partos pelo SUS ainda eram por cesáreas. Em resposta a esse quadro,
aumento na taxa de cesárea, ou seja, o respeito do desejo das mulheres por parte dos médicos, não
o Governo Federal lançou, em 2011, uma nova a estratégia para promover o parto humanizado pelo SUS, chamada
tem sustentação nos fatos. Uma melhor comunicação entre médicos e mulheres grávidas pode
contribuir para a melhora da situação atual (FAÚNDES et al, 2004, p. 488). Rede Cegonha. Os objetivos são muito próximos ao do Programa lançado em 2000: ampliar as ações que vão desde o
planejamento reprodutivo, passando pela atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como assegurar às
crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis, visando à diminuição das taxas
Outro estudo, coordenado por Barbosa et al entre 1998 e 1999, investigou se havia uma cultura de cesárea entre de mortalidade infantil e materna.
mulheres atendidas em duas maternidades na cidade do Rio de Janeiro. A conclusão foi que a maioria das mulheres não Os hospitais que integram a Rede Cegonha recebem recursos para ampliar e qualificar a estrutura de atendimento às
quer e não pede cesárea (75,5%) e entre aquelas que pediram o fizeram durante o trabalho de parto, ou seja, não havia a gestantes e recém-nascidos em centros de parto normal. A equipe do centro deve ser composta por enfermeiros obstétricos,
intensão / desejo inicial de fazer uma cesariana. técnicos em enfermagem e auxiliares de serviços gerais. Com isso, espera-se uma redução ainda mais significativa de
cesáreas no país. Em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde, entre os nascimentos assistidos pelos SUS 753.766
(36,8%) foram cesarianas e 1.123.739 (63,2%) foram partos normais.
POLÍTICAS DE SAÚDE DA MULHER
Paralelamente às ações do Governo Federal, tramitam projetos de lei no Congresso Nacional que também visam à
Os aspectos culturais, sociais e políticos que envolvem a saúde da mulher colocam em um patamar próximo implantação do parto humanizado. Como, por exemplo, o projeto de lei 5304/13, que prevê que as parturientes assistidas
questões como a maternidade, o parto, a (anti) concepção, o aborto, a esterilização e as tecnologias de reprodução assistida. pelo SUS sejam acompanhadas por doulas, visando diminuir o tempo de trabalho de parto e medicalização excessiva.
Questões que também sofrem pressões de instituições religiosas, políticas e da corporação médica. Ao menos desde a Outra conquista política recente, na área da atenção ao parto, é o direito de a parturiente ter um acompanhante, como
década de 1960, várias ações coletivas estão sendo realizadas para promover o atendimento à saúde amplo e de qualidade, estabeleceu a Lei Nº 11.108, de abril de 2005. Porém direitos como esse, já assegurados para as parturientes enfrentam
visando à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. Os avanços na área da saúde da mulher, especialmente no que tange desafios estruturais para serem cumpridos. Gestores de intuições de saúde alegam que nem sempre dispõem de estrutura
aos direitos sexuais e reprodutivos e à assistência materno-infantil, foram bandeiras e conquistas importantes do processo física, material e profissional para assegurar o cumprimento da lei.
de redemocratização do estado brasileiro e da consolidação do movimento feminista no país.

Atualmente, as políticas públicas relacionadas à saúde da mulher, em âmbito nacional, são articuladas pela
Secretaria de Políticas da Mulher (SPM), criada em 2003, a qual integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
Nela, estão organizadas três linhas principais de ação: (a) Políticas do Trabalho e da Autonomia Econômica das Mulheres;
(b) Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; e (c) Programas e Ações nas áreas de Saúde, Educação, Cultura, 5 Portaria n.º 569/GM. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/portarias/port98/GM/GM-2816.htm>. Acesso em 02 de abr. 2014.
6 As cesarianas no Brasil: situação no ano de 2010, tendências e perspectivas (p. 387).
Participação Política, Igualdade de Gênero e Diversidade. 7 Portaria n.º 569/GM disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/PORT2000/GM/
GM-569.htm>. Acesso em: 12 de jan. 2014.

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O RESGATE DO ASPECTO ‘HUMANO’ DO PARTO desenvolvem ações para compartilhar suas experiências, difundir informações e provocar a reflexão em diversos espaços
da sociedade.
A mobilização pela humanização do parto não nasceu de uma iniciativa governamental. A sociedade civil
organizada é que colocou primeiramente o tema em pauta. Não é possível encontrar uma definição única sobre o que é a Um exemplo foi a atividade de Interação Cultural e Humanística, realizada na Universidade Federal do Paraná
humanização do parto, mas, segundo as diretrizes apontadas pela Rede de Humanização do Parto (ReHuna), é possível – Setor Litoral (Matinhos), em 2013. Nela uma estudante e duas professoras promoveram rodas de conversa e práticas
listar algumas características que frequentemente são associadas a ele. São práticas que relevam as indicações da medicina relacionadas à humanização do parto, das quais participaram estudantes universitários e membros da comunidade local.
baseada em evidências, as recomendações da OMS e que permitem: que a mulher possa escolher seus acompanhantes Outra iniciativa, também realizada em Matinhos, é o Grupo Artemisa, constituído de forma voluntária, inserido no leque
no processo de parto; ter privacidade; se expressar e movimentar livremente; recorrer a métodos naturais de alívio de projetos da Motirõ Sociedade Cooperativa, que promove encontros para troca de experiências, espaços de suporte e
da dor (água quente, massagens, acupuntura); escolher e ter o acompanhamento de um profissional capacitado para escuta, bem como a realização de palestras e oficinas com temas variados.
acompanhá-la (obstetra, obstetriz ou parteira); ser informada e optar por receber ou não analgesia e outros procedimentos
Iniciativas como essas, podem indicar a promoção de uma cultura e de saberes femininos sobre os processos
ou medicamentos (ocitocina, episiotomia); escolher a posição para parir; ser a primeira a ver e pegar o bebê se assim
de reprodução, parto, pós-parto, de uma maneira bastante singular. Não mais como as parteiras tradicionais faziam,
quiser; poder pegá-lo e amamentá-lo logo após o nascimento.
tampouco como a cultura médico-hospitalar predominante hoje. Aspectos das políticas públicas e da forma de assistência
O parto humanizado começou a ser debatido e praticado no Brasil na década de 1990, mas suas práticas trazem ofertada pelas redes pública e privada poderão sofrer algumas mudanças diante da pressão social exercida por esses grupos
elementos e dialogam com outras abordagens iniciadas ainda nos anos 30, que ganharam visibilidade nos anos 50 nos organizados, fazendo com que as normas já existentes sejam cumpridas e que novas práticas sejam implementadas, assim
países europeus. Entre os precursores parto humanizado no Brasil estão Galba Araujo, em Fortaleza (CE), médico como uma nova cultura em relação ao parto possa surgir.
obstetra que desenvolveu seu trabalho junto às comunidades, agia em parceria com as parteiras e incentivava o parto na
posição de cócoras; Moyses Parcionick, em Curitiba (PR), ginecologista e obstetra que atuou na assistência ao parto e na
prevenção ao câncer de colo de útero, após trabalhar junto a comunidades indígenas e observar benefícios da posição de
cócoras para a saúde das mulheres, incentivou suas pacientes a parirem dessa forma; Hugo Sabatino, professor e médico, REFERÊNCIAS
em Campinas (SP), foi o principal idealizador da criação da Rede pela Humanização do Nascimento (Rehuna), em 1993.
BARBOSA, Gisele Peixoto et al. Parto cesáreo: quem o deseja? Em quais circunstâncias? Cad. Saúde Pública, Rio de
Em comum, os três praticavam a obstetrícia de forma mais adequada à fisiologia feminina, educando e preparando as
Janeiro, v. 19, n. 6, Dec. 2003.
mulheres para partos na posição vertical.
CARNEIRO, Rosamaria Giatti. Cenas de parto e políticas do corpo: uma etnografia de práticas femininas de parto
Mais recentemente, é possível observar uma ampla e diversificada rede de mulheres e profissionais da área da humanizado. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.
saúde que atuam em defesa da humanização do parto, do direito de escolha da mulher em relação a abordagem obstétrica DESLANDES, Suely F. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciência & Saúde
e do parto domiciliar, em praticamente todos os estados do Brasil. Esses grupos não têm estruturas institucionalizadas, Coletiva, v. 9, n. 1, p.22-27, 2004.
são integrados por profissionais que prestam serviços na área materno infantil, como enfermeiras, doulas, psicólogas, GONÇALVES, Aline. Da internet às ruas: a marcha do parto em casa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal
fotografas e principalmente por mulheres que tiveram experiências negativas de parto (sofreram violência obstétrica do Paraná, Curitiba. Disponível em: http://hdl.handle.net/1884/36284. Acesso em jul/2015.
ou passaram por cesarianas que consideraram posteriormente desnecessárias). Esses grupos têm ocupado espaços na
FAÚNDES, Aníbal et al. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Rev. Saúde
mídia nacional e também promoveram manifestações de rua nos 2012 e 2014 (Marcha do Parto em Casa e Marcha pela Pública, Campinas, v. 38, n. 4, p. 488-94, 2004.
Humanização do Parto), fazendo com que a discussão em torno da problemática fosse ampliada na sociedade brasileira
MAIA, Monica Bara. Humanização do parto: política pública, comportamento organizacional e ethos profissional. Rio
(GONÇALVES, 2014). de Janeiro: Fio Cruz, 2010.
PEREZ, Lauana Silva. Lei do Acompanhante: relevância e proposições com práticas de acolhimento à gestante no
município de Matinhos-Paraná. Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES pela UFPR, Matinhos, 2014.

Para que as mudanças necessárias na assistência ao parto sejam implementadas são necessárias alterações PITANGUY, Jacqueline. O movimento nacional e internacional de saúde e direitos reprodutivos. In: GIFFIN, K; COSTA,
S. H. (Orgs.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 19-38.
estruturais. Mas, enquanto essas mudanças não ocorrem e diante desse cenário descrito neste artigo, mulheres e
profissionais da saúde que não concordam com a abordagem predominante no Brasil, inclusive no litoral do Paraná, TORNQUIST, C. S. Parto e poder: o movimento pela humanização do parto no Brasil. 2004. Tese (Doutorado em
Antropologia) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
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VIEIRA, Elisabeth Meloni. A Medicalização do Corpo Feminino. p.67-78. In: GIFFIN, K; COSTA, S. H. (Orgs.). EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E DIVERSIDADE E DESAFIOS PARA O DESENVOL-
Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. VIMENTO DO CENÁRIO ESCOLAR.

Rita Estela Salino1; Marcos Claudio Signorelli2

RESUMO

O presente artigo visa empreender uma reflexão sobre desafios para o desenvolvimento do ambiente escolar no que tan-
ge às políticas públicas com enfoque de gênero e diversidade sexual. A metodologia é de cunho qualitativo, por meio
de registros de histórias orais com discentes com idade entre 16 a 18 anos matriculados em escolas públicas de ensino
profissional nas modalidades de ensino médio integrado, através de encontros individuais durante seis anos de docência.
Os relatos evidenciam a discriminação, o desrespeito, a violência psicológica e física, a homofobia, a formação de este-
reótipos e a falta de acesso à educação pautada no respeito às questões de gênero e diversidade. Os dados da pesquisa de
campo são confrontados com aportes teóricos e com políticas públicas da área, que vêm sendo implantadas recentemente.
Os resultados reforçam a necessidade de ampliação de tais políticas denunciando a supressão de liberdades de expressão
e descrevendo os sofrimentos causados pela repressão de sentimentos evidenciados no espaço escolar. Argumenta-se com
base nos resultados, que a reprodução de tais preconceitos no cenário escolar configura-se em um desafio ao desenvol-
vimento, conforme pressupostos teóricos propostos por Amartya Sen, que postula o desenvolvimento como uma prática
libertadora. Em síntese, este trabalho demonstra um panorama desafiador, que pode ser extrapolado para a maioria dos
outros espaços escolares, acerca das construções sociais em relação as questões de gênero e diversidade e sua articulação
com políticas públicas, imprescindíveis ao desenvolvimento humano e sustentável.

Palavras-Chave: Gênero; Políticas públicas; Escola; Desenvolvimento Humano.

ABSTRACT

This article aims to undertake a reflection on challenges for the development of the school environment with regard to
public policies with a gender approach and sexual diversity. The methodology is qualitative nature, through records of
oral histories with students aged 16 to 18 enrolled in public schools of vocational education in terms of integrated high
school through individual meetings during six years of teaching. The reports highlight discrimination, disrespect, psy-
chological and physical violence, homophobia, the formation of stereotypes and the lack of access to education based on
respect to issues of gender and diversity. The field survey data are confronted with theoretical contributions and public
policy area that have been implemented recently. The results reinforce the need for expansion of such policies denouncing
the suppression of freedom of expression and describing the sufferings caused by the repression of feelings evident at
school. The argument is based on the results, the reproduction of such prejudice in the school setting sets up a challenge
to development as theoretical framework proposed by Amartya Sen, who posits development as a liberating practice. In
summary, this work demonstrates a challenging panorama, which can be extrapolated to most other school spaces, about
the social constructs regarding gender and diversity issues and its relationship with public policy, essential to human and
sustainable development.

Keywords: Gender; Public policy; School; Human Development.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR; ritasalino@yahoo.com.br;


2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR; signorelli.marcos@gmail.
com

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1 INTRODUÇÃO a pesquisa foi realizada a partir da descrição de relatos de realidades sociais com significados que o ambiente manifesta
tanto por parte do discente quanto da professora pesquisadora principal.
Geralmente os discentes selecionam aquele docente que confiam ou que percebem que poderão compartilhar
seus sentimentos e não serão julgados ou condenados ao silêncio e relacionam conteúdos acadêmicos que encorajam Conforme, Cardoso (2004, p. 97), “histórias de vida pretendem desvendar as teias que ligam os macroproces-
a iniciativa do diálogo. Durante seis anos de docência em escolas públicas foi possível coletar e sistematizar diversos sos econômicos e os comportamentos concretos”. Observar é contar, descrever e situar os fatos únicos e os cotidianos,
registros de história oral de discentes que norteiam esta pesquisa sobre a importância de refletir sobre dignidade humana construindo cadeias de significação sendo permitido ao observador a análise do seu próprio modo de olhar. A teoria do
nas escolas. O foco deste estudo são questões de gênero e diversidade sexual que emergiram no cotidiano escolar, bem conhecimento nos oferece um caminho para compreender a realidade e não uma série de “verdades” a serem comprova-
como violências e preconceitos oriundos destas dimensões. São tecidas análises a respeito de como esses indivíduos das. (CARDOSO, 2004)
podem ser oprimidos e apresentar inúmeras consequências psicológicas em virtude do sofrimento, angústia e violência.
“As finalidades das análises da pesquisa qualitativa em termos de pesquisa social são: estabelecer uma compreen-
O ambiente escolar não pode ser um reprodutor de desigualdades. Deve ser compreendido como um território são dos dados coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas, e ampliar
que acolhe e integra as diferenças, promovendo a inclusão das identidades dos diferentes sujeitos. A diversidade não o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte”. (MINAYO,1992, p.
pode ser considerada simplesmente como tolerância ao outro, é muito mais do que isto, é respeitar o outro em sua pleni- 69).
tude, características físicas e culturais, pensamentos, comportamentos, crenças, valores e direitos civis.
Histórias de vida e relatos orais conduzem a interpretações ao estudo de conceitos científicos e a proposição
Uma das questões presentes refere-se à categoria gênero que é concebida por particularidades sociais, compor- de hipóteses para explicar a vivência humana. A partir das narrativas orais, as categorias emergentes do campo foram
tamentais e culturais. O termo gênero problematiza normas tradicionalmente construídas do que é ser um homem ou uma cotejadas com literatura e confrontadas com políticas públicas vigentes sobre questões de gênero e diversidade sexual,
mulher, que resulta em relações assimétricas de poder de um sobre o outro. (SCOTT, 1986; PEDRO, 2005; DEBERT e focando particularmente nas interfaces com o contexto escolar e com repercussões para o desenvolvimento.
GREGORI, 2008).
Uma observação importante em relação aos depoimentos que serão compartilhados, que os mesmos são reais,
Conhecer as histórias reais é fundamental para compreender a realidade de nossa sociedade no que diz res- porém, com nomes fictícios e sem identificação da escola em relevo, com o objetivo de não expor qualquer discente,
peito a diversidade, gênero, sexualidade e orientação sexual. Mas somente isso não basta, é necessário diagnosticar os respeitando-se os preceitos bioéticos de pesquisas com seres humanos.
problemas e pesquisar possíveis hipóteses para ajudar a resolver as questões apresentadas. Nesse sentido, o papel do
docente também é questionado: não se trata somente de um mero “transmissor” de conhecimentos, mas sim de um ator
social importante no processo de desenvolvimento de outros seres humanos. 3 APROXIMAÇÃO COM AS HISTÓRIAS ORAIS.

Esta pesquisa destaca como aportes teóricos os estudos do economista Amartya Sen sobre o desenvolvimento Depois de uma aula de Gestão de Pessoas, em que falava sobre a importância do equilíbrio emocional e como
como liberdade, que traz contribuições importantes para análise de políticas públicas brasileiras vigentes que intersec- as nossas emoções interferem no mundo profissional e pessoal, um aluno de 17 anos após o término da aula perguntou se
cionam com a temática de gênero e diversidade em relevo neste estudo, destacando-se: Constituição Federal; Estatuto da podia falar em particular. Para não expor este jovem, seu nome fictício é “X”, conforme agendamos o mesmo compare-
Criança e do Adolescente, Plano Nacional de Educação, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Programas: ceu e começou seu diálogo muito emocionado e repleto de lágrimas:
“Brasil Sem Homofobia”, “Escola que Protege”, a “Política Nacional de Saúde Integral para Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais” e “Lei Maria da Penha”.
Professora, você tem que me ajudar...estou desiquilibrado, minha família não conversa comigo, meus
amigos de sala tiram saro de mim, juro para

você, já tentei namorar meninas e não consigo, o meu desejo é por meninos. Eu quero ser pai, eu quero ter
2 NOTAS SOBRE A METODOLOGIA
filhos, o que eu vou fazer? Meus pais jamais vão aceitar tudo isso, eu tenho medo, me ajuda! (abril, 2009).
Este trabalho baseou-se em metodologia qualitativa de estudo com procedimentos da observação participante
e registros de narrativas de história oral, considerando o empírico do ambiente escolar. Foram realizados registros e
observações dos interlocutores envolvidos na pesquisa através de depoimentos orais coletados entre os anos de 2008 a Infelizmente a comunidade escolar atualmente está muito pouco aberta ao diálogo. A família que por questões
2014, com estudantes dos cursos técnicos na modalidade de ensino médio integrado. O perfil dos discentes é variado e culturais e religiosas estabelece padrões que devem ser seguidos, os colegas de sala simplesmente excluem o diferente
manifestam seu ponto de vista sobre diversos temas vivenciados durante a adolescência e vida adulta. Cabe ressaltar que e a educação sexual não é ofertada de maneira digna para que ajude o jovem a definir sem culpa sua orientação sexual.

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Os padrões culturais estipulados na sociedade contemporânea são as relações heterossexuais e os que não seguem os Ao visitar algumas políticas públicas de décadas ou anos anteriores, observa-se menos ortodoxia, tal como no Estatuto
padrões normativos sofrem a exclusão, a violência física e psicológica que se manifesta no ambiente escolar, na família da Criança e do Adolescente, (ECA, 1990), em que não consta artigo que proíba a adoção de crianças por homossexuais.
e nos espaços públicos. Entretanto, uma vez que a união desses sujeitos ainda que não é considerada família, a adoção só seria possível a nível
O caráter compulsório da heterossexualidade e como este se faz com que a cultura não admita um sujeito individual, ou seja, por um dos pares (COSTA, 2006). Verifica-se desta forma, que a adoção de crianças por casais ho-
ser outra coisa além de um homem ou uma mulher, impondo também que a única forma legítima de amor mossexuais está relacionada ao reconhecimento desses sujeitos enquanto famílias legítimas, mais um dos desafios ao
e desejo sentidos por um homem esteja dirigida a uma mulher, e vice-versa. (BUTLER, 2003). desenvolvimento humano, seguindo a visão proposta por Sen e Kliksberg, ao propor a eliminação das injustiças neces-
sárias ao desenvolvimento (2010).

O que mais impressionou em seu diálogo, além de todos os seus sofrimentos, a sua maior preocupação: não A Constituição Federal do Brasil de 1988, Art. 1º, reconhece como entidade familiar a convivência duradoura,
poder ter poder ter filhos da forma considerada “normal”, entenda-se natural normatizada por construções culturais que pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, que nos remete a
seriam a união de um homem e uma mulher através do casamento heterossexual e a procriação. necessidade de propor uma nova concepção de família mais ampla do que atual.

O padrão de família propõe papéis hierárquicos bem definidos, seguindo um princípio denominado heteronor- O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil foi declarado possível pelo Supremo
matividade que segundo, Petry e Meyer, (2011), visa regular e normatizar modos de ser e de viver, os desejos corporais Tribunal Federal (STF) em 2011. Os homoafetivos têm os mesmos direitos e deveres que as uniões heteroafetivas que
e a sexualidade de acordo com o que está socialmente estabelecido para as pessoas, numa perspectiva biologicista e envolvem herança, segurança social, visitação na prisão, adoção, pensão, fertilização in vitro e barriga de aluguel.
determinista. Há um anteprojeto para instituir o Estatuto da Diversidade Sexual, proposto pela Comissão de Diversidade
A reflexão que se faz diante da narrativa do estudante é: Por quê predomina na sociedade a premissa de que um Sexual da OAB, instituída desde 2009 em Recife. Visa elaborar um projeto legislativo para incluir a população LGBT
homossexual não pode ter o direito à paternidade? Por quê um casal homoafetivo não pode ser considerado uma família? (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) no âmbito da tutela legal e capacita advogados para um novo
Quais as mudanças sociais necessárias para que todos tenham o real acesso aos direitos e deveres constitucionais? Quais ramo do direito para o reconhecimento da família, assegurando os diversos direitos como: o divórcio, adoção, reprodução
as contribuições e desafios de políticas públicas recentes nesse campo? Como o contexto escolar pode atuar, potenciali- assistida, proteção contra violência doméstica, habitação, no entanto os avanços são lentos no ambiente legislativo.
zando o desenvolvimento humano desses sujeitos? O último Censo (IBGE, 2010), analisou a variável referente à coabitação com parceiro do mesmo sexo, consta-
Ao levantarem-se tais indagações sobre injustiça, preconceitos e a falta de informação, é possível encontrar ecos tando 60.002 brasileiros e brasileiras. O que reflete que existem muitas uniões de pessoas do mesmo sexo e que alguns
nas reflexões de Amartya Sen que propõe o desenvolvimento como uma prática libertadora. Juntamente com Bernardo órgãos oficiais já visualizam este fato, porém outros, particularmente alguns legisladores (vereadores, deputados e sena-
Kliksberg, (2010) em sua obra “As pessoas em primeiro lugar” constituem um verdadeiro manifesto contra as desigual- dores) demoram a avançar na proposição de leis para assegurar, prevenir, proteger, reparar e promover a igualdade entre
dades que afligem um país em desenvolvimento. Tratam de alguns temas-chave do novo século segundo seu pensamento sexos.
econômico inovador, concentrando o foco nas iniquidades que atingem os sistemas de segurança social da maioria dos O segundo caso explorado neste artigo emergiu em 2013, na disciplina de Gestão de Pessoas. Foi conduzida
países. Segundo Sen, a solução passa pela reversão dos mecanismos de perpetuação da pobreza, da ignorância e da vio- uma dinâmica chamada “facebook manual” que seria um alvo de interesse do jovem para trabalhar as competências de
lência – um imperativo ético baseado na dignidade inalienável da pessoa humana. Kliksberg, ao investigar os gargalos uma forma que os mesmos se sentissem à vontade em se expressar: comunicação, raciocínio lógico, criatividade, flexi-
sociais do desenvolvimento da América Latina aborda o problema central da exclusão em suas múltiplas manifestações: bilidade, equilíbrio emocional e liderança. As apresentações foram fantásticas, houve muita troca de aprendizagem com
jovens ao mesmo tempo desempregados e fora da escola, marginalização das populações indígenas e afro-americanas, os discentes e como não poderia ser diferente, relatos impressionantes de opressão de liberdades, merecendo destaque o
violência urbana, e que cabem neste estudo, já que alguns relatos de jovens ouvidos ao longo da pesquisa convergem com discurso de uma aluna de 16 anos:
a exclusão, inclusive escolar, levando ao abandono dos estudos. Para os autores, a visão integral perpassa propostas para
“Vocês não querem fazer trabalho em equipe comigo, vocês têm nojo de mim, só porque namoro meninas.
a imediata redução e, no longo prazo, eliminação das injustiças, causadoras do subdesenvolvimento.
Vocês me excluem, eu sei, eu sinto isso, nas caras que fazem quando eu me aproximo e quando eu falo o
que sinto, eu choro e uso o “facebook” para desabafar”.
Todavia ao analisarmos o cenário brasileiro contemporâneo no que tange as políticas públicas, observa-se que
tais premissas com relação ao respeito às diversidades ainda são consideradas exceção. Particularmente, hoje, em 2015,
vem predominando o discurso reacionário e conservador, que critica iniciativas de minimização das assimetrias de gêne-
Na fala da jovem o que impressiona é a palavra “nojo” fazendo o paralelo com o sinônimo: repulsão. Indaga-se
ro, bem como rechaça, qualquer iniciativa que busque diminuir as desigualdades historicamente colocadas em relação à
como alguns colegas podem sentir isto por um ser humano e voltemos a dignidade humana que vai além da tolerância e
sujeitos não-heterossexuais. Fato curioso é que, num passado não tão distante, tal movimento não estava tão arraigado.
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sim de uma convivência harmoniosa. Richard Miskolci, (2012), explica que algumas pessoas consideram os não hete- reais que as pessoas disfrutam, considerando as liberdades instrumentais: liberdades políticas, facilidade econômica,
rossexuais como seres “abjetos”. “Em termos sociais, “a abjeção”, constitui a experiência de ser temido e recusado com oportunidade social, transparência e segurança protetora. O Brasil é um país em desenvolvimento, portanto, ainda está
repugnância, pois sua própria existência ameaça uma visão homogênea e estável do que é comunidade” (MISKOLCI, em processo de construção e avanço da expansão das liberdades, o que não nos impede de avaliar o atual estado da arte,
2012, p. 24). prosseguindo no que concerne essa questão.

Quando manifestada contra os sujeitos em relevo, configura-se em uma modalidade de violência, denominada Ao refletirmos sobre as narrativas dos dois jovens trazidos neste texto, o primeiro questionamento é em relação
de gênero. A violência de gênero pode se manifestar com ameaças, agressões físicas e psicológicas, constrangimentos, às liberdades políticas no que se refere aos direitos civis. A Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adoles-
abusos sexuais, estupros, assédio moral ou sexual. O crescimento da violência homofóbica no Brasil, conforme dados do cente que tem como direitos fundamentais: 1 - Direito à vida e a saúde; 2 – Direito a liberdade, ao respeito e à dignidade;
Governo Federal, (2012), é assustadora. Em relação à população LGBT, houve um aumento de 166,09%, em grande par- 3 – Direito à convivência familiar e comunitária; não vem garantindo integralmente proteção e direito a vida, uma vez
te acontecendo ao redor do seu lar: vizinhos e familiares. Os tipos de violações mais reportadas são a violência psicoló- que nos deparamos com pesquisas que revelam a morte precoce de jovens negros, violência policial, ataques homofóbicos
gica com 83,20%, sendo humilhações (35,32%), hostilizações (32,27%), ameaças (5,78%) e discriminação com 74,01%. e também o número de homicídios de pessoas LGBT, que aumentou de 11,51% de 2011 para 2012 conforme relatório
sobre violência homofóbica no Brasil do Poder Público Federal. As informações confirmam a existência da intolerância
A homofobia é um fato e o país precisa de leis que eduquem, previnam, punam e tratem os que sofrem dessa ti-
das pessoas e a homofobia materializando-se por meio das confidências relacionadas acima, de forma explícita ou velada.
pologia de violência. O Projeto de Lei da Câmara de Deputados (PLC) 122/2006 com a intenção de criminalizar precon-
ceitos pela orientação sexual e identidade de gênero equiparando com legislação já existente com demais preconceitos O Brasil é em tese Estado laico desde 1890 após a proclamação da república quando Ruy Barbosa estabelece por
não avançou. Em 2012, Marta Suplicy, Senadora Federal tentou um acordo com as entidades religiosas que se opõem decreto a separação da Igreja e do Estado. Interesses religiosos não podem sobrepor os demais direitos dos cidadãos deste
ao projeto e modificou o texto da seguinte forma: “não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da país e interferir em espaços públicos como o ambiente escolar. No entanto, ficou garantido o direito ao culto religioso.
fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião.” No entanto, o novo texto foi reprovado por O que deve ficar nítido é que a escola não pode influenciar na decisão de culto religioso do discente e ao mesmo tempo
defensores dos direitos LGBT por considerarem a alteração desfocada do objetivo original da lei, a criminalização do não pode interferir em suas crenças no espaço escolar. Todavia, deve respeitá-las, como pressuposto da liberdade de cada
preconceito. O projeto prosseguiu para a Comissão de Direitos Humanos e foi arquivado em janeiro de 2015. sujeito.

As estatísticas e o relato oral são fundamentais para dar visibilidade às violações de direitos humanos cometi- Porém, na esteira do debate em torno da laicidade do Estado, chama a atenção no cenário político atual, o fato
das contra populações homossexuais e, assim, promover a construção de políticas públicas que alterem essa realidade. que o legislativo brasileiro é o mais conservador desde 1964, composto por militares, ruralistas, policiais e religiosos fun-
Porém, percebe-se que os agressores não são punidos e ainda existem projetos no legislativo como o chamado “Cura damentalistas. Parlamentares religiosos fundamentalistas tendem a ser conservadores e com construções sociais focadas
Gay”, que propunha a suspensão da validade de dois artigos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia em na religião. Querem legislar interferindo em políticas igualitárias já conquistadas pela população LGBT, sob a égide da
vigor desde 1999, que proíbem a terapia para alterar a orientação sexual e a não ação coercitiva considerando que a ho- bíblia e dos dogmas de suas crenças.
mossexualidade não é uma doença. O projeto foi arquivado diante a polêmica e as manifestações do movimento LGBT.
A preocupação se faz presente pela mistura e confusão do culto religioso com o estado laico. As convicções reli-
Para docentes observadores é muito claro como os grupos excluem os chamados “diferentes”: homossexuais, giosas não podem contribuir para a estagnação do progresso de novas leis e programas que visem a igualdade de gênero
transexuais, lésbicas, negros, pobres, gordos, deficientes físicos, indígenas e nordestinos nos trabalhos em equipe. e diversidade partindo apenas da lente cultural religiosa de seus dogmas. Tais grupos religiosos devem ser co-responsa-
bilizados pelos ataques homofóbicos que fomentam, uma vez que impedem seu processo de criminalização.
Portanto, cabe ao docente privilegiar formação de grupos de forma criteriosa a evitar recusas de integrantes pela
intolerância e privilegiar a inclusão e o respeito às diferenças. “A intolerância é a atitude que reponde pela vontade de Seguindo os pressupostos de Sen, indaga-se: Como é possível existir desenvolvimento em um país que exclui,
eliminar o outro, ou é a própria negação da existência do outro, que é diferente”. (ITANI, 1998, p. 128). A intolerância que ignora, que discrimina, que violenta, que não protege as vítimas e que não pune os agressores? Qual o futuro das
constitui modalidade de violência e também se configura em aspecto observado por Amartya Sen, que defende que o próximas gerações de vítimas? Será que sofrerão dos mesmos problemas?
desenvolvimento passa pela reversão dos mecanismos de perpetuação da pobreza, ignorância e violência.

5 DESAFIOS NO CENÁRIO ESCOLAR


4 DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE
As histórias orais trazidas neste estudo demonstram diversos problemas que enfrentamos por possuir um sistema
Para Amartya Sen, (2000), o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades educativo que em seu trâmite documental escolar como o Projeto Político Pedagógico (PPP) que prevê uma educação lai-

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ca e livre de preconceito, porém, na prática, a mesma não se efetiva, não se cumpre e não se materializa. As ocorrências sejam.
revelam que por diversos fatore sendo um deles os religiosos, a escola apresenta distância da realidade e não promove o
Os autores/teorias consultados, as políticas públicas abordadas, os dados estatísticos apresentados e a pesquisa
envolvimento social.
empírica contribuíram para reflexão sobre gênero, cultura, poder e desenvolvimento sustentável. Os depoimentos orais e
Algumas direções escolares não assumem uma postura inclusiva e laica, por receio de processos na Secretaria os sofrimentos apresentados não foram inválidos. Ao contrário, evidenciam o poder exercido pela heteronormatividade
de Educação, reclamações de pais, reclamação de professores, problemas pedagógicos e por fim, para evitar conflitos na construção social dos sujeitos, sua ação no seio da comunidade escolar e o quanto estamos distantes do desenvolvi-
não incentiva ações transformadoras em seu cotidiano, o que é lamentável. Todavia, será que estamos respeitando e mento como prática libertadora, conforme apontado por Amartya Sen.
ofertando a dignidade a esses discentes? Lembrando que a educação deve ser cidadã e não apenas focada em ementas
A pesquisa chama atenção para alguns desafios no cenário de políticas públicas de gênero e diversidade, ace-
e conteúdos programáticos. É preciso formar cidadãos que compreendam e questionem o mundo que vivem, conforme
nando aumento na violência de gênero, o arquivamento de projetos importantes, tais como criminalização da homofobia
orientam os parâmetros curriculares nacionais:
e o risco que correm os direitos civis homoafetivos diante do avanço da intolerância por partes dos religiosos fundamen-
Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas, a discussão de questões polêmicas e delicadas, como talistas.
masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais, pros-
tituição e pornografia, dentro de uma perspectiva democrática e pluralista, em muito contribui para o
No entanto para que avancemos no desenvolvimento das liberdades individuais, precisa-se de ações que fomen-
bem-estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.
(Parâmetros Curriculares Nacionais, Orientação Sexual, p. 283). tem a sociedade laica e democrática baseada em políticas públicas que garantam o acesso à educação e saúde, proteção
aos direitos, à plena saúde sexual, a criminalização da homofobia, a garantia dos direitos civis para as novas constituições
Em 2004, o Ministério da Educação lançou o programa “Escola que Protege”, cujo propósito foi prevenir e familiares e que prevaleça a cultura pelo respeito às diferenças.
romper o ciclo da violência contra crianças e adolescentes no Brasil e capacitação dos profissionais para uma atuação
qualificada em situações de violência identificadas ou vivenciadas no ambiente escolar. 
REFERÊNCIAS
A escola não pode praticar a violência simbólica, conforme Bourdieu, (1989), ou seja, quando de forma sub-
jetiva exerce relações de dominação ao impor a normatização social, silencia situações de opressão, violência física e AGÊNCIA BRASIL. Nova composição do congresso é mais conservadora desde 1964. <http://www.valor.com.br>.
Acesso em: 29/06/2015.
psicológica e em alguns casos pune “o diferente” com a exclusão social.
AGÊNCIA SENADO. Arquivamento da PLC 122/06. <http://www12.senado.gov.br/noticias>. Acesso em: 30/06/2015.
O Plano Nacional de Educação, no artigo 2º, está direcionado para a superação das desigualdades educacio-
nais: “com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” e em 2006 se efetiva o BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989.
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos com o objetivo de garantir direitos e deveres dos cidadãos. BRASIL. Diretrizes e bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em:
12/06/2015.
Sem dúvida, houve grandes avanços nas políticas públicas na última década, no entanto ainda sentimos distân-
cia entre teoria e prática. Ou seja, ainda levaremos um tempo para que as leis sejam efetivamente implantadas e que se CARDOSO, Ruth. Uma aventura Antropológica: Teoria e Pesquisa. 4ª Edição. Paz e Terra, 2004.
materializem nas escolas, até porque exige um planejamento de longo prazo quando se trata de educação. DEBERT Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e Gênero. Novas Propostas, velhos dilemas. RBCS,
Vol. 23 n° 66, 2008; 165-85.
No entanto, se acena uma possiblidade de retrocesso no que tange o plano nacional de educação para 2020
com a retirada da questão de gênero e orientação sexual do documento. O estatuto da diversidade que se encontra sem INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico, Rio de Janeiro, 2010.
<http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15/06/2015
avanços no legislativo resvala na proposição do estatuto da família, considerando a sua constituição heteronormativa:
famílias formadas apenas por homem e mulher e a proibição da adoção por homossexuais. JUNIOR, Gabriel Dezen. Curso Completo de Direito Constitucional, Vol. I, 10ª Edição, Brasília, Vestcon, 2006, 952
p.

ESTATUTO DA DIVERSIDADE SEXUAL. <http://www.estatutodiversidadesexual.com.br>. Acesso em: 15/06/2015.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gênero e Diversidade na escola: Formação de Professores/as em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Ra-
Os registros de histórias orais apresentados refletem a vida como ela é. O que as pessoas passam em suas vidas ciais. Livro de conteúdo, CEPESC, Brasília, 2009.
contribuem de forma empírica para a reflexão de todos, especialmente ao educador, considerado como aquele profissio- ITANI, A. Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998, p. 119-134
nal que prioriza a formação de cidadãos críticos e livres para serem e pensarem e não o que “a sociedade” quer que o
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LUDGLEYDSON, Fernandes de Araujo; Oliveira, Josevânia da Silva Cruz de Oliveira; SOUSA, Valdiléia Carvalho de MULHERES TRABALHADORAS NA AREA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO LITORAL DO PARANÁ:
Sousa, CASTANHA, Alessandra Ramos. Adoção de Crianças por casais homoafetivos: um estudo comparativo INERSECÇÕES ENTRE GÊNERO, TRABALHO, VIOLÊNCIA(S) E SAÚDE.
entre universitários de direito e de psicologia. Psicologia & Sociedade; 19 (2): 95-102, 2006.

MINAYO, Maria Cecília de Souza, Org.; DESLANDES, Suely Ferreira; NETO, Otavio Cruz; GOMES, Romeu. Pes- Daniele Schneider1; Marcos Claudio Signorelli2
quisa Social. 21ª Edição, Editora Vozes, 2002.

MISKOLCI, Richard; JUNIOR, Jorge Leite. Diferenças na educação: outros aprendizados. São Carlos: EdUFSCar, RESUMO
2014. 253p.
O estudo sobre mulheres que atuam na segurança pública é recente, sendo escassas articulações entre trabalho, questões
PEDRO, Joana M. Traduzindo o debate: o uso da categoria de gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v. de gênero, exposições às violências e saúde dessas mulheres, particularmente em recortes geográficos delimitados,
24, n. 1, p. 77-98, 2005. que tenham como foco a dinâmica própria do território. Tradicionalmente a segurança pública é vista como espaço de
trabalho e poder masculino e as mulheres desta categoria desafiam tal norma, lutando para provar sua competência neste
PETRY, Analídia Rodolpho; MEYER, DAGMAR Elisabeth Estermann. Transexualidade e heteronormatividade,
âmbito profissional. O estudo objetivou cartografar o cotidiano das mulheres trabalhadoras da área de segurança pública,
Porto Alegre, 2011.
articulando questões de gênero e exposições às violência(s) com o processo saúde-doença, tendo como recorte territorial
RELATÓRIO SOBRE VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA NO BRASIL: ANO DE 2012. Secretaria de Direitos Humanos. o Litoral Paranaense. A metodologia foi qualitativa, por meio de pesquisa etnográfica com 50 mulheres (policiais civis
<http://www.sdh.gov.br>. Acesso em: 30/06/2015. e militares, guardas municipais e agentes penitenciárias), realizada nos municípios de Guaratuba, Matinhos e Pontal do
Paraná, no período entre Março/2014 e Março/2015. A análise dos resultados revelou: 1) desafios a que tais mulheres estão
SEN, Amaryta Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Companhia das Letras, São Paulo, Companhia das Letras, submetidas, frente à dinâmica sazonal no campo da segurança pública do Litoral Paranaense; 2) exposição às violências
2000, 172p. (principalmente institucional e de gênero) e repercussões à saúde dessas mulheres, que impactam no desenvolvimento
humano; 3) relações de poder, marcadas pela assimetria de gênero entre profissionais homens e mulheres, sinalizando
SEN, Amartya; KILKSBERG, Bernando. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas a necessidade de elaboração e implementação de políticas pú­blicas específicas para mulheres atuantes em segurança
do mundo globalizado. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, 404 p. pública. Em síntese, este trabalho evidenciou a necessidade de dar vozes às profissionais femininas nas instituições de
segurança pública, fazendo-se necessário estudar o cotidiano dessas mulheres, considerando o impacto da violência em
SCOTT, J. Gender: a useful category of historical analysis. Am Hist Rev 1986; 91:1053-75. suas vidas, as resistências e as adaptações provocadas nas instituições em resposta à presença delas em um ambiente
considerado tradicionalmente masculino.
Sexualidade/Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Diversidades. Núcleo
Palavras chaves: Mulheres; Segurança Pública; Gênero; Violência.
de Gênero e Diversidade Sexual. – Curitiba: SEED, PR, 2009. 216 p.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Supremo reconhece união homoafetiva. <http://www.stf.jus.br/portal>. Acesso ABSTRACT
em: 19/06/2015.

SUPLICY, MARTA. PLC- 122/06. <http://www12.senado.leg.br> Acesso em 30/06/2015. The study of women who work in public safety is recent and scarce links between work, gender, exposure to violence
and health of these women, particularly in delimited geographical clippings that focus on the dynamics of the territory.
Traditionally public safety is seen as workspace and male power and women in this category defy that rule, fighting to
prove their ability in this professional field. The study aimed to map the daily lives of working women of public safety,
articulating gender issues and exposure to violence (s) with the health-disease process, whose territorial clipping the
Litoral Paranaense. The methodology was qualitative, through ethnographic research with 50 women (civil and military
police, municipal guards and prison officers), held in the cities of Guaratuba, Matinhos and Pontal do Paraná, in the period
between March/2014 and March/2015. The results revealed: 1) the challenges that these women are submitted, opposite
the seasonal dynamics in the field of public safety Litoral Paranaense; 2) exposure to violence (mainly institutional and
gender) and repercussions on the health of these women, that impact on human development; 3) power relations, marked
by gender asymmetry between professional men and women, signaling the need for designing and implementing specific
public policy for working women in public safety. In summary, this study highlighted the need to give voice to women
professionals in public security institutions, making it necessary to study the daily lives of these women, considering
the impact of violence in their lives, resistances and adaptations caused the institutions in response to their presence in a
traditionally male environment considered.
Key words: Women; Public safety; Gender; Violence.

1 Mestranda do PPGDTS – UFPR – Setor Litoral – danisch77@hotmail.com


2 Orientador Prof. Dr. do PPGDTS – UFPR – Setor Litoral - Signorelli.marcos@gmail.com

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INTRODUÇÃO participantes, que foi interrompida pelo critério de saturação nas entrevistas, ou seja, quando as concepções, explicações
O território é um compartimento do espaço, como fruto de sua diversificação e organização, tendo duas principais e sentidos atribuídos pelas sujeitas começaram a ter uma regularidade de apresentação (MINAYO, 2007).
funções: servir de abrigo, como uma forma de segurança e a outra servir como um trampolim para oportunidades A metodologia qualitativa foi construída nesta pesquisa, conforme apontado por Greenhalgh e Taylor (1997) e
(GOTTMANN, 1973/2005). Para Saquet (2013), segurança e oportunidade requerem uma organização interna do também por Stewart (2001), pois permite um conhecimento aprofundado dos significados que as pessoas trazem dos
território, bem como suas relações externas, as de poder e também a dominação, ou seja, o território assume distintos ambientes, relações e práticas. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das
significados para as mais diversas sociedades e/ou grupos sociais. crenças, dos valores e das atitudes (MINAYO, 2007).
O surgimento deste estudo germinou de uma motivação intrínseca, de uma experiência vivenciada ao longo de A etnografia vem sendo adotada em pesquisas na área de saúde e segurança pública. Segundo Geertz, (1973),
seis anos, como profissional da seara de segurança pública, como agente da polícia civil e agente penitenciária em um focaliza sua análise na cultura de um grupo, nas redes e padrões de significados que desenham uma cultura e que guiam
município da região. e dão sentido às ações das pessoas e que elas nunca são mapeadas até o fim, mais que isso, os estudos etnográficos são
Para compreender os dilemas e desafios dessas mulheres atuantes na segurança pública, é fundamental o sempre suposições parciais e incompletas e não explicações completas.
entendimento da categoria de análise gênero. Neste estudo, são adotados como referenciais de gênero os trabalhos A pesquisa de campo ocorreu entre Março/14 à Março/15, tipicamente obtida por meio de imersão na vida diária
desenvolvidos por Joan Scott (1996) e Joana Maria Pedro (2005). Scott propõe que gênero é um elemento constitutivo de dessas profissionais da seara de segurança pública, incluindo o acompanhamento da rotina laboral dessas mulheres na
relações sociais construídas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, sendo ele um primeiro modo de dar significado dinâmica territorial (nas instituições e em atendimento às ocorrências), registros de campo, e entrevistas semiestruturadas
às relações de poder. Pedro evidencia o gênero como uma categoria de análise, da mesma forma como quando falamos com atoras chave no processo. As observações e vozes que emergiram do campo foram categorizadas tematicamente
de classe, raça/etnia, geração e seus significados. por meio de categorias emergentes, que foram analisadas à luz de estudos teóricos sobre gênero, violência, saúde
A violência pode repercutir direta e indiretamente na qualidade de vida e saúde das pessoas, bem como reverbera coletiva e desenvolvimento territorial sustentável.
no desenvolvimento de uma região, são expressas em distintas categorias e de múltiplas maneiras, perpetradas em Somadas aos registros de campo, foram efetuadas entrevistas em profundidade, onde foram utilizados
diversos contextos e com repercussões em várias esferas (MINAYO, 2007). questionários com perguntas semiestruturadas, com roteiro pré-determinado, um importante arcabouço para buscar
Tradicionalmente a segurança pública é vista como espaço de trabalho e poder masculino e estas mulheres identificar as atoras chaves no processo, focando na percepção da interlocutora de si mesma, da vida e da experiência,
integrantes da segurança pública desafiam tal norma, desdobrando-se para legitimar sua competência nesse âmbito expressa em suas próprias palavras. As entrevistas e anotações de campo foram transcritas, codificadas e realizada
profissional, galgando lugares de destaque, a exemplo do cenário deste estudo, o Litoral Paranaense, que é comandado análise temática de categorias emergentes do campo. A identificação e participação das profissionais foram de forma
por uma Capitã. voluntária e anônima no estudo. Para preservar a identidade e sigilo das informações prestadas, pactuadas por meio da
Portanto, a partir dessas inquietações, este estudo teve como objetivo cartografar o cotidiano de mulheres assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, não se especificou ao longo do texto, nem o quantitativo
trabalhadoras da área de segurança pública, articulando, questões de gênero e exposições às violências com o processo nem a corporação de origem das entrevistadas (civil, militar, guarda municipal ou agente penitenciária). Os nomes
saúde-doença, tendo como recorte territorial o Litoral Paranaense. citados ao longo do texto são fictícios, também visando preservar a identidade das profissionais.
Acredita-se que a inserção do tema de segurança pública e identificação das dificuldades enfrentadas por elas, Nesta pesquisa, as questões éticas referentes às publicações de pesquisa com seres humanos estão em conformidade
visibilizando as relações de traba­lho nas instituições consideradas essencialmente masculinas, poderão subsidiar a com os princípios contidos na Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (1964, reformulada em 1975,
elaboração de políticas públicas, com o recorte de gênero, voltadas a proporcionar melhores condições de trabalho e de 1983, 1989, 1996, 2000 e resolução 466/2012 do CNS – Conselho Nacional de Saúde), atendendo aos fundamentos
vida à essas profissionais. éticos e científicos pertinentes.

METODOLOGIA RESULTADOS/DISCUSSÕES
Este estudo baseou-se em metodologia qualitativa, por meio de aproximação etnográfica, segundo Clifford Geert
(1973), com objetivo de compreender a dinâmica territorial, cartografando o cotidiano de 50 mulheres trabalhadoras da
1) CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
área de segurança pública, sendo elas: policiais militares, policiais civis, guardas municipais e agentes penitenciárias,
O território é um elo pelo qual espaço e sociedade se relacionam, constituindo-se em relações espaciais socialmente
articulando questões de gênero e exposições às violências com o processo saúde-doença, tendo como recorte territorial
construídas, onde sua concepção como parte do espaço apropriado em uma manifestação de poder, onde os interesses
o Litoral Paranaense. Delimitou-se apenas as mulheres que atuam nos municípios de Guaratuba, Matinhos e Pontal do
políticos e culturais acabam atuando como fatores limitantes. Neste estudo, é relevante considerar o conceito de território
Paraná, que possuem características balneárias, buscando entender as particularidades desse território e sua influência
de acordo com alguns autores, como Saquet (2013), que apresenta uma abordagem política, econômica e cultural para
no cotidiano das profissionais
território, resultando das relações de poder produzidas por determinado grupo social, ressaltando a abordagem na natureza
Optou-se por se definir o número de sujeitas por inclusão progressiva, sem demarcar a priori o número de
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como parte do território. força física são amplamente difundidos, pensar em mulheres compondo a área de segurança pública era algo improvável
O Litoral Paranaense é uma das regiões menos desenvolvidas do Paraná, analisando-se indicadores socioeconômicos e não aceito pela sociedade até pouco tempo atrás. No relato de outra interlocutora, evidencia-se esta inferioridade:
e de saúde (SIGNORELLI, 2011). Os municípios de característica balneárias, como Guaratuba (aproximadamente 34.000
“...existe muita desigualdade entre homens e mulheres na segurança pública, as vagas são
habitantes), Matinhos (32.000) e Pontal do Paraná (23.000), são territórios peculiares, de contrastes profundos, onde a
limitadas para entrada de mulheres, não acho justo. A carreira da segurança pública é desvantajosa
sazonalidade influencia diretamente o modo de vida dos habitantes locais, uma vez que durante o verão sua população é para as mulheres, pois no Brasil, a polícia é violenta e repressiva, exigindo um comportamento
multiplicada por 10. agressivo, e neste ponto a mulher está em desvantagem física e emocional. Quem entra nessa
No quesito segurança pública, a dinâmica é bastante diversificada, uma vez que na época de temporada de verão, profissão acaba perdendo seu lado frágil, pois a realidade violenta afeta a maneira de ser. ...
(Profissional Letícia)
a segurança é reforçada, pois a quantidade de habitantes decuplica. Polícias civis e militares, oriundas dos diversos
municípios Paranaenses se deslocam ao Litoral para reforçarem a segurança local, totalizando num efetivo de cerca de 3
Na polícia militar e sua organização, que têm como princípios norteadores a hierarquia e a disciplina, ou seja, o
mil policiais e bombeiros na temporada de 2014.
poder, com base na obediência às ordens estabelecidas, observa-se esta diferenciação, pois o poder está no fato de que
Conforme relatório da Operação Verão da Polícia Militar do Paraná, no primeiro mês da Operação Verão 2014/15,
alguns indivíduos podem mais outros menos. Entretanto, não de uma forma repressiva, usando força física, mas pelos
foram prestados atendimentos a 21 locais de morte, 11 casos de estupros, 589 situações de furto (simples e qualificado)
atributos de dominação, o denominado poder simbólico (FOCAULT, 2003).
e 125 casos de roubo. As ações também resultaram na apreensão de 34 armas de fogo, 12,1 Kg de maconha, 2,52 Kg de
cocaína, 5,268 Kg de crack, 71 unidades de ecstasy, 72 unidades de LSD e 15 frascos de lança-perfume.  “...as mulheres na segurança pública em cargos de oficialato são a minoria, uma Coronel teve que
entrar na justiça para conseguir sua promoção, que era de direito, um absurdo, muito preconceito...”
“...as mulheres muitas vezes desempenham melhor as funções de comando, mas acho que não
são muito respeitadas. Quando é homem no poder a tropa obedece muito mais...”(Profissional
GÊNERO, PODER E SEGURANÇA PÚBLICA Andréia).
Diversos estudos de gênero vêm sendo produzidos nos últimos anos, promovendo reflexões sobre as relações
que se estabelecem entre homens e mulheres, entre as mulheres e entre os homens (Scott, 1996; Louro, 2000; Saffioti, Para Bourdieu (1998), o poder simbólico é esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade
2005; Butler, 2008). daqueles que estão sujeitos a esse poder ou mesmo daqueles que o exercem. O autor se concentra nas situações em que
Pedro (2005) dialoga com os movimentos sociais, buscando apresentar um panorama de como as categorias de esse poder é normalmente ignorado, fato que nos permite intuir que esse poder é plenamente reconhecido pelos agentes
análise como “mulher”, “mulheres”, “gênero” e “sexo” têm sido constituídas. Nos relatos a seguir, coletados durante envolvidos.
esta pesquisa de campo, observa-se esta influência das desigualdades de gênero no cotidiano das mulheres da segurança Para Focault (2003), o poder configura-se como um lugar estratégico na sociedade, um tipo particular de relação
pública: que influencia e modifica a conduta dos indivíduos, o que contribui para que as relações de poder sejam complexas e
produtoras de outros poderes.
“...o gênero influencia diretamente no trabalho, na relação entre homens e mulheres, porque
a mulher tem que provar que é competente, tem que se impor senão acaba na faxina ou no
administrativo. Tem colega masculino de serviço que é preconceituoso, não trabalha com “...o poder é muito marcante em nossa área de trabalho, a cadeia hierárquica é complicada, não
mulher, porque tem medo, agora se a mulher for gay aí é diferente, é tratada como um deles. podemos pular cadeia de comando, senão o bicho pega, é punição na certa, sofremos assédio
Já o homem homossexual é ao contrário, é mal visto, sofre mais preconceito ainda... então é moral, e as vezes até sexual. Temos que seguir à risca as ordens, com disciplina, temos que
meio complicada essa relação entre homens e mulheres no meio profissional...” (Profissional prestar continência aos superiores senão somos punidas, então eu percebo que a sensação de
Caroline). poder vai mudando o ser humano, a sede de poder transforma a pessoa, geralmente parte para
coisas negativas...” (Profissional Janaína).

O relato evidencia a valência negativa a tudo que é relacionado ao feminino. Na segurança pública, mulheres No cotidiano laboral das profissionais, constatou-se que apesar da abertura para o trabalho, as mulheres
heterossexuais e homens homossexuais são menosprezados, enquanto mulheres homossexuais são tratadas de maneira representam ainda a minoria nas instituições de segurança pública, observado na fala de uma das atoras:
diferenciada, já que são associadas a masculinidade. Conforme SAFIOTTI (2005) a hierarquia entre homens e
mulheres é trazida ao debate, fazendo face à abordagem funcionalista, que, embora enxergasse as discriminações “...as mulheres são minoria, comparada aos homens, até pouco tempo atrás nós mulheres éramos
perpetradas contra as mulheres, situava seus papéis domésticos e públicos no mesmo nível, atribuindo-lhes igual proibidas de dirigir viaturas, era muito machismo, não havia justificativa, apenas era dada a
ordem, até não concordávamos, mas por causa da hierarquia tínhamos que obedecer, senão
potencial explicativo.
ocorria punição e até assédio moral...” “... Muitas vezes somos tratadas como vagabundas pela
De certo modo, em uma instituição composta majoritariamente por homens, na qual os padrões de virilidade e tropa e principalmente pelas esposas dos policias masculinos, que por ciúmes, não permitem que

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femininas trabalhem com eles...(Profissional Priscila). maior...” (Profissional Carolina)

Algumas interlocutoras mencionaram sobre a dificuldade em se relacionar com o companheiro de serviço,


Conforme Signorelli (2011) o litoral é uma das regiões menos desenvolvidas do Paraná. É um território de
particularmente, no quanto era difícil conquistar a confiança dele, afinal de contas quando se trabalha em duplas a
contrastes profundos, onde a sazonalidade influencia diretamente o modo de vida dos habitantes locais. As influências
sua vida depende do outro. É uma via de mão dupla, uma faz a segurança do outro, dando cobertura em casos mais
sazonais não se restringem apenas às estações do ano, mas também às condições climáticas, sol e chuva, que repercutem
complexos e perigosos. E quando esta dupla é formada por uma mulher e um homem, este se vê na desvantagem física,
na dinâmica territorial e nos arranjos locais.
conforme relatado:
São duas cidades distintas convivendo, muitas vezes conflitantes, no interior da mesma cidade: os veranistas e
os moradores, o mangue e a orla da cidade à beira-mar, a temporada de verão e o inverno. São explícitas as diferenças
“…tive que ouvir de um companheiro de serviço que ele não trabalhava com mulher, dizia
que iria ficar na mão, que na hora do vamos ver eu “colaria as placas”, que ele não queria particulares desse território, da desigualdade de oportunidades, da flutuação sazonal, e que fica particularmente evidente
morrer, que não confiava em mulher pra trabalhar junto, que somos fracas e não impomos na questão da segurança pública.
respeito…” “...nesta área de segurança tem muito disso, se a mulher é vaidosa é vagabunda, se Minayo e Adorno (2013) apresentam uma importante contribuição em seu artigo, a reflexão do policial como
é homossexual é machorra e o homem é pior ainda, é taxado de marica, o preconceito, é muito
produtor e consumidor simultâneo da segurança pública, o policial compromete sua própria segurança para garantir a
pior, tiram sarro, viraram motivo de piada, os gays levam a pior, viram motivo de chacota,
os efetivos masculinos não querem trabalhar junto com homossexuais do sexo masculino... dos outros e paga um elevado preço por isso, conforme pode ser ilustrado no trecho a seguir:
tem medo que dê em cima deles, falam que vão descer porrada, que vão ficar desmoralizados, “...as corporações policiais poderiam ser configuradas como organizações nas quais o risco
então tudo é muito escondido, eles tem medo de se assumirem, tem uns que até tem casamento como escolha individual é previsível e inclusive desempenha um papel inerente às condições de
de fachada por medo de preconceito e perseguição...” (Profissional Fernanda). trabalho, ambientais e relacionais. Os profissionais que as compõem têm consciência disso. Seus
corpos estão permanentemente expostos e seu espírito não descansa num sentido de alerta que as
investigações demonstram. Em todas as pesquisas realizadas com policiais observamos que eles,
ao mesmo tempo temem as dificuldades e sentem os perigos, relatam “o vício da adrenalina” que
Fato curioso foi perceber as “desigualdades de gênero” entre os próprios colegas de trabalho, onde o preconceito
os mantém prontos para a ação...” (MINAYO (2013), p 588)
ainda vigora. Neste sentido é visível que esta é uma realidade de várias profissões, não somente da segurança pública,
mas especialmente daquelas associadas tradicionalmente à hegemonia masculina, como no caso o militarismo, onde as
  Os autores ainda abordam que a segurança coletiva não pode ser obtida negligenciando a segurança dos próprios
diferenciações de gênero parecem mais rígidas.
agentes da lei, sob a cruel desculpa da sua suposta vocação para o heroísmo.
“...essa profissão é perigosa, arriscamos nossas próprias vidas pela profissão, não trabalhamos com
SAZONALIDADE, VIOLÊNCIA(S) E SAÚDE equipamentos de segurança apropriados, muitos coletes balísticos estão vencidos, se der bobeira
A violência está hoje, entre as maiores causas de morbidade e mortalidade de muitos países do mundo, incluindo você perde a vida. Lidar com presidiários é sempre uma caixinha de surpresas, tenho colegas
que foram reféns e que ficaram fora da casinha até hoje. Quando tem rebelião é estressante, nos
o Brasil (WAISELFISZ, 2008). Para Minayo (2003; 2007) a violência é um fenômeno biopsicossocial, que tem como preocupamos pois a mulher é sempre alvo de estupro...” “...A maior e pior preocupação é com a
espaço de criação e desenvolvimento das relações intergrupais e interpessoais da vida cotidiana, seguindo uma tipologia. família, porque temos medo pela segurança deles, porque nossa profissão é muito marcada, temos
A autora destaca que o termo mais adequado a ser utilizado seria violências, porque envolve uma gama de fatores um rótulo, somos alvos de ameaça fora do serviço, e quem paga o pato as vezes é nossa própria
família. Meu filho já foi ameaçado várias vezes, é terrível ter que viver em constante alerta...”
expressados nas ações humanas de indivíduos, classes sociais, grupos, ocasionando em atitudes violentas como mortes (Profissional Flávia)
ou danos à integridade física, mental, moral ou espiritual. Portanto trata-se de uma realidade multifacetada, complexa e
diferenciada. De acordo com a interlocutoras deste estudo, as violências mais comuns no Litoral Paranaense são: homicídio,
Os municípios de característica balneária do litoral paranaense apresentam uma dinâmica territorial violência contra mulheres (estupro), furto, roubo e tráfico. As estações com maiores relatos de violência doméstica são o
diferenciada e marcante, apesar de a região ser composta por municípios com reduzida população, a violência inverno e verão, no inverno porque o número de pessoas ociosas aumenta, e o consumo excessivo do álcool também, já
é perceptível, principalmente por disputa territorial de gangues de tráfico de drogas, resultantes em homicídios, no verão como a população flutuante aumenta consideravelmente as ocorrências decuplicam.

estupros e assaltos, conforme relatos a seguir:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“...aqui no litoral é complicado, temos pouco efetivo, e poucas viaturas, as ocorrências que Nesta pesquisa, realçou-se denso e tenso contexto de negociações a que essas mulheres de segurança pública
aparecem em nossa rotina são relacionadas a acerto de contas de tráfico, que acabam em são submetidas, imbricadas por relações hierárquicas de poder. Observa-se uma iniquidade de gênero e forte violência
homicídios, como a segurança é insuficiente nessa época do ano [outono e inverno]... Também institucional, desde preconceito e discriminação por serem mulheres, até casos de assédio moral e sexual.
acontece casos de estupros, nessa época fica tudo deserto, pouca movimentação...” “...Já no
verão, recebemos reforços, então as ocorrências são variadas, mas a fiscalização é muito A influência sazonal é bem marcante e influencia a rotina da região litorânea, principalmente no quesito segurança

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pública. Outro fator notório foram as precárias condições de trabalho que reverberam diretamente no processo saúde- GOTTMANN, Jean. Il significato del territorio. Roma: Nexta Books, 2005.
doença, em ambientes insalubres, bem com sobrecarga de trabalho nos períodos de maior movimento no litoral. HAESBAERT, R. Des-territorialização e Identidade: a rede “gaúcha” no nordeste. Niterói: EDUFF, 1997.
Ocorre uma repercussão significativa do trabalho na vida pessoal e social dessas mulheres, principalmente o ________________Territórios Alternativos. Niterói: EdUFF; São Paulo: Contexto. 2002. pp.186.
risco e ameaça da segurança de seus familiares, causando um forte impacto emocional e psicológico, devido ao estado LIAMPUTTONG, P.; EZZY, D. Qualitative Research Methods. 2ª Ed. Melbourne: Oxford, 2005.
de alerta constante LOURO, G.L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós- estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. p.
A análise dos municípios do Litoral Paranaense sob a ótica da segurança, bem como da saúde é fundamental 14–36.
diante do desafio do desenvolvimento territorial sustentável, havendo a necessidade de elaboração e implementação LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
de políticas públicas específicas, especialmente quando voltadas à situação das profissionais atuantes em segurança MINAYO M. C. S.; DESLANDES. F. S. Pesquisa Social. Teoria, Método e criatividade. Editora Vozes – Petrópolis, 2007.
pública. _______________________Violência contra idosos: Relevância para um velho problema.  Cadernos de Saúde
A experiência dessas mulheres permanece invisível nas estatísticas oficiais da Segurança Pública, não só a nível Pública, 11(3), 783-791, 2003.
paranaense. É preciso conhecer quem são e quais os desafios que enfrentam em seu cotidiano, para problematizar o _______________________A inclusão da violência na agenda da saúde: Trajetória histórica.  Ciência & Saúde
tema, ganhando uma maior visibilidade, contribuindo de maneira significativa na construção de indicadores de gênero, Coletiva, 11(Sup.), 1259-1267, 2007.   
mostrando situações específicas das mulheres. _______________________Risco e (in)segurança na missão policial. <disponível em http://www.scielo.br/scielo.
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
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A Atenção Básica é o principal acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, todavia são muitos os
desafios para a implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). Visando contribuir
com a temática, a questão central que orienta este trabalho é examinar a inserção dos homens nos programas da saúde em
Matinhos-PR, nos anos de 2011 e 2012. A coleta de dados foi realizada por meio de análise dos dados do Relatório Anual
de Gestão da Saúde e entrevistas semi-estruturadas. Os resultados obtidos indicam que, além das barreiras históricas
de gênero e do interesse dos homens por políticas específicas, em Matinhos esta parcela da população carece do acesso
necessário as ações de atenção básica.

Palavras-chave: homem, saúde, políticas públicas, Matinhos.

ABSTRACT
The Primary Care is the main access to the services of the Unified Health System (SUS) in Brazil, however there
are many challenges to the implementation of the National Policy for Integral Attention to Men’s Health (PNAISH).
Aiming to contribute to the theme, the central question that guides this paper is to examine the inclusion of men in health
programs in Matinhos, PR, during these years 2011 and 2012. Data collection was carried out through analysis of annual
report data Health Management and semi-structured interviews. The results indicate that in addition to historical barriers
of gender and the interest of men for specific policy in Matinhos this portion of the population lacks the necessary access
to primary care actions.

Keywords: man, health, public policy, Matinhos.

1 Graduada em Gestão Pública pela UFPR - brunaufpr@gmail.com


2 Professor do Curso de Gestão Pública na UFPR - ivanjairojunckes@gmail.com

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1 INTRODUÇÃO como Postos de Saúde ou “Postinhos”. A finalidade dessas unidades é atender até 80% da população, para que os pacientes
A Atenção Básica é o principal acesso aos serviços de saúde. A Política Nacional de Atenção Básica é a soma da não precisem de encaminhamento para o hospital (UBS, 2011). O município de Matinhos possui 06 Unidades Básicas
experiência de agentes diretamente ligados com o desenvolvimento e a concretização do Sistema Único de Saúde. Essa de Saúde. A unidade básica abriga, no mínimo, uma Equipe de Saúde da Família (ESF). Em 1994 surgiu o Programa
política está integrada com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que pretende guiar as ações, Saúde da Família, com intuito de organizar a atenção básica do SUS, promovendo a melhoria das condições de vida da
promover e direcionar a população masculina aos serviços de saúde, priorizando a humanização, com foco na faixa etária população. (BRASIL, 2006)
de 20 a 59 anos (BRASIL, 2009). Com base no Sistema de Informações da Mortalidade, o Relatório Anual de Gestão (RAG), registra 118 óbitos
Os desafios para a implantação dessa política são muitos e a questão central que orienta este trabalho é examinar no ano de 2012 em Matinhos, sendo 85 do sexo masculino e 33 do sexo feminino. As causas dos óbitos foram hipertensão
as políticas públicas de saúde e a inserção dos homens nos programas da saúde s em Matinhos-PR nos anos de 2011 e arterial e doenças cardíacas (25); neoplasias em geral (13); 08 mortes decorrentes de diabetes mellitus; 25 de violências
2012. em geral e 17 mortes súbitas de causas desconhecidas e morte sem assistência (PMM, 2012).
Para o presente estudo foram realizadas pesquisas bibliográficas acerca da temática das políticas públicas e da Grillo e Gorini, (2007) notam que:
saúde do homem; foi feita análise dos dados do Relatório Anual de Gestão da Saúde de Matinhos e foram realizadas A diabete melito é uma doença de importância mundial que vem se tornando um problema de
Saúde Pública, tomando proporções crescentes no que se refere ao aparecimento de novos casos.
também 10 entrevistas semi-estruturadas com homens que tinham como profissão a construção civil e a pesca, além de
É uma das principais doenças crônicas que afetam o homem, acometendo populações de países
uma entrevista com a Coordenadora do Programa Saúde da Família de Matinhos-PR. em todos os estágios de desenvolvimento econômico-social. (GRILLO e GORINI 2007, p. 49,
A atenção primária à saúde é declarada uma prioridade para a implementação da Política Nacional de Atenção grifo nosso).
Integral à Saúde do Homem, que foi lançada no dia 27 de agosto de 2009, pelo Ministério da Saúde, após a constatação
de que os agravos da saúde do sexo masculino são um problema de saúde pública. No ano de 2009, no Brasil os homens Com base em outros dados sobre óbitos ocorridos no Brasil, nota-se que nos últimos anos há uma concentração
de 20 a 59 anos somaram 52 milhões de pessoas e do total de 38 milhões de trabalhadores, 22,5 milhões pertencem a de mortes de adultos do sexo masculino, principalmente até os 29 anos de idade (BRASIL, 2011).
população masculina (BRASIL, 2009). Em pesquisa realizada em Matinhos, Oliveira (2012) constata que existem 800 pessoas com diabetes melito, cadastradas
através de Programas de Agentes Comunitários de saúde e das Estratégias de Saúde da Família, que representa 3,34% da população
O reconhecimento de que os homens acessam o sistema de saúde, através de atenção de alta e média complexidade, do município. Esse dado é preocupante se levarmos em conta que a diabete está ligada as causas de morte e internação. A autora cita
tem como consequência o agravo da doença, em função da demora na procura do serviço de saúde, gerando assim maior ainda que “no ano de 2002, o coeficiente de mortalidade por diabete no município de Matinhos foi de 29,7 por 1.000 habitantes, com
custo para o SUS. Por isso se faz necessário fortalecer, promover e qualificar a atenção primária, garantindo a promoção um crescimento de 54,2 por 1.000 habitantes para o ano de 2009” (OLIVEIRA, 2012).
e prevenção da saúde e as doenças evitáveis (BRASIL, 2009, p.13).

Como cita Campanucci, (2011): 2 AS AÇÕES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA EM MATINHOS


A atenção básica ou primária no Brasil, também defendida como a porta de entrada do SUS, Conforme programação anual de saúde, do Relatório Anual de Saúde de 2011 e 2012, as ações de saúde foram divididas em
consiste em um relevante espaço de promoção da saúde, prevenção de doenças e representa o 05 eixos. O eixo estudado é o Eixo de Atenção Primária em Saúde nas linhas de cuidado da Saúde da Criança, da Saúde do Idoso, da
primeiro passo na busca pela consolidação de uma assistência integral à saúde. (CAMPANUCCI, Saúde da Mulher nos seus ciclos de vida, Saúde do Adolescente e do Homem. As diretrizes de 2011 e 2012 programadas e realizadas
2011, p. 2). descritas no eixo citado seguem abaixo.

Muitas doenças poderiam ser evitadas, se a população masculina, realizasse com frequência, as medidas de No primeiro item de Atenção a Saúde do Idoso, a meta programada em 2011 foi vacinar 1858 pessoas acima de
prevenção primária. Se os homens resistem na utilização da atenção primária, aumenta não somente os gastos financeiros 60 anos contra a gripe influenza e 2978 foram vacinados. O número de pessoas imunizadas foi acima do esperado, a
da sociedade, mas também, o sofrimento tanto físico quanto emocional do enfermo, de sua família, de seus amigos, na justificativa para tal número, como expõe o relatório é que no período de inverno aumenta a população idosa no litoral do
luta pela conservação da saúde e da qualidade de vida do paciente (BRASIL, 2009). Paraná. Em 2012 a meta era a mesma, só aumentou o número de pessoas que foi de 3553, sendo imunizados 3211 idosos.
Na Atenção de Saúde da Criança, em 2011 a intenção era vacinar 371 crianças menores de 01 ano contra a poliomielite. A
Bahia (2006) alerta que decorridos 15 anos que o SUS foi criado e instituído pela Constituição Federal ele
meta foi cumprida e 434 crianças foram vacinadas. No ano de 2012 o propósito era o mesmo, o que diferencia é o número
está longe de ser executável, as condições em que o sistema único de saúde encontra-se são muito diferentes daquelas
de crianças que foi de 412, desse número foram vacinadas 83 crianças a mais.
preconizadas no SUS constitucional. Isto é, o SUS real, distancia-se do SUS constitucional. O SUS possui problemas que
Na Atenção de Saúde do Adolescente, nos dois anos não foi realizada nenhuma ação específica para este grupo.
dificultam e repelem a população masculina dos serviços de Atenção Primária à Saúde (CAMPANUCCI, 2011).
Mas foram realizadas algumas atividades em educação em saúde em escolas, como com atividades, palestras, orientações
O acesso preferencial de entrada para o SUS são as Unidades Básicas de Saúde (UBS), conhecidas popularmente
sobre a saúde bucal realizadas pelas Equipes de Saúde da Família.

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No quarto item de Atenção à Saúde da Mulher, o objetivo era realizar 7901 exames preventivos e somente 1743 Anual de Gestão da Saúde de 2011 e 2012, que em muitos momentos deixa a desejar, as informações não estão detalhadas ou
exames foram realizados. Os dois motivos para o baixo número de exames realizados foram: rotatividade de profissionais explicadas, sendo facilmente encontradas várias incoerências, isto é, a qualidade da informação é precária.
da área da saúde e a dificuldade em atrair as mulheres para a realização do exame. Além disso, foram criados horários

alternativos, para que o público-alvo citado pudesse realizar o atendimento, mas, mesmo assim, o número de mulheres
2.1 A QUESTÃO DE GÊNERO EM QUESTÃO: A MASCULINIDADE COMO AMEAÇA AOS HOMENS
atendidas não foi nem a metade da meta proposta. Em 2012 a meta programada foi a mesma de 2011 e somente 1089
É essencial discutir sobre gênero, quando se fala sobre saúde do homem. A identidade de ser homem
exames foram feitos. A justificada para esse baixo número foi a mesma do ano anterior e em 2011 houve uma adesão
é formada pelo modelo de masculinidade, que molda a maneira que o homem deve adotar para viver. Os valores, os
maior do que em 2012.
princípios e as regras desse modelo devem ser seguidas por todos os homens, pois homem que não segue o modelo é
No item de Atenção a Saúde do Homem, que é o objeto de estudo deste artigo, esse item não foi realizado como
considerado menos homem. O modelo hegemônico de masculinidade preconiza que os homens, que os “verdadeiros
programa em 2011 e 2012, mas inserido nas ações de atendimento nas unidades básicas de saúde.
machos”, devem ser fortes, corajosos, ativos, invulneráveis e invencíveis. (GOMES, 2010, grifo nosso).
Nas Ações de Alimentação e Nutrição, a cobertura do Programa do Leite de 2011 era diminuir o baixo peso de
Esse modelo hegemônico é predominante, porque é considerado como um modelo natural e normal (KORIN,
212 crianças. A meta alcançou o resultado esperado, sendo atendidas 288 crianças. Em 2012 o objetivo era o mesmo de
2001). Junto com esse modelo, estão enraizados os problemas de realizar a necessidade de saúde do homem, por
2011 e foram acompanhadas 283 crianças.
simplesmente citar ou conversar sobre os problemas de saúde, os homens se sentem fracos, envergonhados e tem medo
No item de Controle de Hipertensão Arterial, através da Cobertura do Programa Hiperdia era recadastrar, revisar
se serem vistos como “femininos” por outras pessoas. A partir disso, vem o conceito de feminilização relacionado a saúde
e monitorar 3093 pessoas acima dos 20 anos. A ação teve um número acima do esperado, contabilizando 9123 pessoas,
(FIGUEIREDO, 2005). Nas palavras de Promundo apud Gomes (2010):
em 2011. No ano de 2012 o objetivo era igual ao de 2011, sendo acompanhadas 3147 pessoas, número maior do que o Gênero se refere às formas como somos socializados, como nos comportamos e agimos, tornando-nos homens e
ano anterior. mulheres; refere-se também à forma como estes papéis e modelos, usualmente estereotipados, são internalizados,
pensados e forçados. (Promundo apud Gomes 2010, p. 14).
Nas Ações de Controle da Diabetes Mellitus, a meta do ano de 2011 por meio da Cobertura do Programa Hiperdia
era recadastrar, revisar e monitorar 1251 pessoas de 30 a 69 anos. A meta foi alcançada totalizando 2978 pessoas.
No final da década de 1970, as políticas de gênero fortaleceram-se no Brasil, visando a “redemocratização do
Em 2012, o propósito era o mesmo de 2011, a meta não foi alcançada, sendo monitoradas 1150 pessoas, sendo 255
Estado” e ao avanço das condições de vida e trabalho. Foi nesse contexto, que as mulheres organizaram-se, uniram-se e
insulinodependentes.
participaram dos “movimentos sociais e partidos políticos” que discutiam sobre as igualdades de poder entre homens e
Na Atenção a Saúde Bucal, o objetivo de 2011 era dar continuidade nas ações educativas e preventivas que
mulheres (Couto e Gomes, 2012, p.2571).
já são realizadas. Em 2012 foram realizados 15.736 atendimentos odontológicos, deste número 9028 foram atividades
Até recentemente as questões de gênero abordavam quase que exclusivamente as mulheres e a feminilidade.
educativas. No item de Expansão das Equipes de Saúde da Família, tanto em 2011 quanto em 2012, o objetivo era aumentar
(KORIN, 2001). Braz, (2005, p.97) conclui “que a saúde do homem tem sido pouco considerada pelas políticas públicas
o número de famílias atendidas pela Equipe da saúde da família. O relatório não expressa números para comparar se a
de saúde o que acaba por redundar numa atenção precária dos serviços de saúde”.
meta foi cumprida, somente em 2012 o relatório cita que não houve o cumprimento do objetivo programado.
A maior dificuldade das políticas públicas não é simplesmente “fazer” a inclusão dos homens nos serviços de
No item de Implementação de Educação para os agentes comunitários de saúde, o objetivo dos dois anos era
saúde, mas mobilizá-los, sensibilizá-los da grande importância de cuidar da saúde e os benefícios que eles ganham com a
realizar 10 eventos para capacitação dos servidores, como palestras, cursos, seminários, etc. Em 2011 não há registro da
prevenção de doenças, tal qual apontam ALBANO, BASÍLIO e NEVES, (2010). Os autores destacam que “sem equidade
realização dos eventos, já em 2012 eles foram realizados.
de gênero não há saúde”. A discussão sobre poder que homens têm em relação às mulheres encaixa diretamente com a
Nas Ações de Saúde Mental, foram realizados em 2011, 1920 atendimentos psicoterápicos, que consistem em
masculinidade.
entrevistas/conversas com psicólogos. No ano de 2012 foram realizados 1200 atendimentos, além da dispensação de mais
Assim cita Korin (2001):
de 8000 receitas de medicamentos controlados. No último item de Implementação de Atenção Básica para Reabilitação,
[...] cada vez que um homem maltrata uma mulher, reafirma-se a mensagem que os homens têm
15829 atendimentos foram feitos, através de atendimentos da Clínica de Fisioterapia. Em 2012 foram realizados 9492 poder sobre as mulheres: basta que alguns homens o façam para que todas as mulheres recebam
atendimentos. a mensagem. (KORIN, 2001, p.69).
Nota-se que, de um ano para outro, em alguns itens não houve mudanças, mas em outros aumentou ou diminuiu o número
de pessoas atendidas, isto é, os objetivos, em sua maioria eram os mesmos, o que diferencia os dois anos é a quantidade de pessoas Em todas as Unidades Básicas de Saúde de Matinhos, os profissionais das ESFs, são em sua maioria, mulheres.
que é beneficiada por tal meta. Por isso visualiza-se que a UBS é um território feminino. Longe de querer propor a “masculinização” da UBS, mas é
necessário reconhecer a necessidade de políticas e práticas diferenciadas e inovadoras para o acolhimento dos homens
O item de maior interesse que é o de Atenção a Saúde Integral do Homem, que não foi realizado como programa, mas
neste território feminino.
inserido nas ações executadas nas Unidades de Saúde da Família. Nesse primeiro momento, o que expressa o Relatório é que não
Em pesquisa, Gomes e Nascimento (2006, p.902) explicam que analisando a temática “homem e saúde” algumas
existem programas especificamente voltados ao homem (PMM, 2012, grifo nosso). Além disso, é necessário criticar o Relatório
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considerações são indispensáveis para a discussão desse tema. Sendo elas, os homens adoecem e morrem mais do que Rosa e Matos, (2010, p. 1543) debatem sobre a saúde, os riscos, a atividade pesqueira e sobre os catadores de
as mulheres; a masculinidade e a saúde estão associadas; a construção do gênero masculino e os efeitos na área da saúde caranguejo da Baía de Guanabara. Esses trabalhadores correm vários riscos, como afogamentos, acidentes com barcos,
devem ser voltados para a “perspectiva relacional de gênero”; o aumento de atitudes agressivas dos homens faz com que com os equipamentos de pesca, estão sujeitos à exposição do sol, do calor, do frio e mudanças no clima, sem contar o
ele seja um perigo pra si mesmo e pra outros, atingindo principalmente mulheres e crianças. esforço físico, do peso carregado e levantado.
É notória a diferença da implantação e criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da O primeiro ponto em comum entre os entrevistados revela algo bastante interessante: a maioria ameniza as
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. A primeira foi protagonizada pelos movimentos feministas, dificuldades vividas no exercício profissional e não cita perspectiva de mudar de profissão. Quando perguntado se eles
enquanto a segunda surgiu após decisão do governo federal (COUTO e GOMES, 2012). A procura dos homens aos pretendiam mudar de ofício, já que eles têm dores e problemas de saúde que podem se agravar, apenas um afirma a
programas de saúde só acontece quando a doença está avançada, como a diabetes e hipertensão, por isso o sistema de necessidade mudar de profissão e trabalhar em outra área.
saúde foi “obrigado” a mudar a tática dos serviços de saúde, em relação ao gênero masculino. (ALBANO, BASÍLIO e A metade dos entrevistados aprendeu seu ofício com o pai e/ou irmão, iniciando a trabalhar ainda criança. Quase
NEVES, 2010). todos relataram problemas de saúde devido à profissão exercida, como dores na coluna, nos ombros, nos braços e pernas.
Castro apud Couto e Gomes (2012, grifo nosso), entendem que a PNAISH não deve ser apenas mais uma política, Dores que muitas vezes se agravam, se eles não forem ao médico. Neste sentido, a seguir alguns trechos das entrevistas:
mas uma Política que precisa ser debatida e apoiada como “política transversal de gênero” voltada principalmente à saúde. “Já fiz operação na coluna, por causa da pesca” “ainda tenho muitas dores nos ombros” (Entrevistado 2, 49
Em entrevista, a Coordenadora do Programa Saúde da Família revela que atualmente no município os serviços anos).
oferecidos nas UBS são basicamente voltados para todos públicos e que não existem programas que atendam somente os “Precisei fazer operação nas vistas, por forçar as vistas, fazendo e remendando as redes à noite” (Entrevistado
homens. Ela atribuiu alguns motivos, para inexistência de tais programas, sendo eles: falta de materiais e equipamentos para 5, 82 anos).
o atendimento dos pacientes; espaço físico limitado para atender exclusivamente os homens e a carência de profissionais “Faz 15 anos que trabalho com obras e tenho dores nas costas, braços e ombros” (Entrevistado 8, 47 anos).
qualificados para atender. Quando questionados se tiveram ou têm alguma doença, quase todos relataram algum problema de saúde, como
A Secretaria da Saúde de Matinhos reconhece seus problemas, em relação à estrutura física dos serviços de saúde a diabete, reumatismo, labirintite, gota, colesterol alto, pressão alta e hipertensão. A seguir alguns fragmentos que ilustram
em atenção primária, as dificuldades enfrentadas nas estruturas dos prédios da saúde e de manutenção nas UBS; também essas doenças:
em relação aos problemas enfrentados para a implementação do Programa Saúde da Família, devido a dificuldades de “Tenho colesterol alto e fumo já faz 30 anos” (Entrevistado 7, 51 anos).
manter e fixar médicos nas UBS; rodízio de vários profissionais de enfermagem e devido à desconfiança da população em “Eu tenho hipertensão, não me consulto, só pego a receita e compro os remédios. Porque nunca tem remédio
relação aos profissionais existentes dos Postos de Saúde (PMM, 2012). aqui” (Entrevistado 10, 36 anos).
Também foi perguntado sobre a relação do entrevistado com o SUS, se ele utiliza ou já utilizou os serviços
3 A SAÚDE DO HOMEM EM MATINHOS: RELATOS DAS DIFICULDADES DE ACESSO A ATENÇÃO públicos de saúde. Todos responderam que já utilizaram o SUS de Matinhos, em alguma situação. Eles utilizam
À SAÚDE PRIMÁRIA principalmente o Hospital, devido à urgência do problema de saúde. Pois quando sentem uma dor ou incômodo que eles
Visando aprimorar as análises, foram realizadas dez entrevistas semi-estruturadas, com um questionário podem “aguentar” não vão ao médico. Seis entrevistados avaliaram o SUS de Matinhos como péssimo. Essa avaliação
contendo 34 perguntas. As entrevistas foram realizadas com 10 homens, sendo 05 homens que trabalham com atividade por parte dos entrevistados tem como base alguma situação que eles viveram e presenciaram. Por conta dessa experiência
pesqueira e 05 homens que trabalham com a construção civil. A escolha dos entrevistados ocorreu por meio dos seguintes eles não procuraram mais o sistema de saúde. Alguns trechos das falas evidenciam esta situação:
critérios: homens, do sexo masculino; com idade superior ou igual a 20 anos, que residam em Matinhos e ter como ofício ”Quebrei a costela e fui no hospital me consultar, eles falaram que não era nada, continuei com dor. Daí eu
a atividade pesqueira ou que trabalhassem com a construção civil, todos os entrevistados concordaram com a abordagem. tava sentindo muita dor, paguei um médico particular e lá ele disse que tinha quebrado duas costelas e que perfuraram
O enfoque nessas duas categorias de profissão aconteceu devido à exposição a vários riscos e problemas de saúde que os o pulmão” (Entrevistado 2, 49 anos).
trabalhadores estão sujeitos (PROSENEWICZ e LIPPI, 2012). “Além da demora no atendimento, tem médico que pergunta o que você tem. Claro se eu soubesse o que eu
Filho (2011) explica que: tenho, nem vinha no médico” (Entrevistado 3, 42 anos).
O trabalho na construção civil é extremamente penoso pelas condições ambientais onde é “O atendimento é péssimo, tem que esperar pra marca consulta e às vezes consegue consulta” (Entrevistado 9,
realizado e também pelo desgaste físico dado pelas atividades normalmente envolvendo peso e
48 anos).
posturas críticas. Associado a isto se tem o estresse devido à transitoriedade e à alta rotatividade
neste setor produtivo, que aumenta o risco de contrair vários tipos de enfermidades e entre elas as “Tive que pagar 14 exames que o médico pediu, porque se fosse esperar pelo SUS, ia demorar muito”
musculoesqueléticas, presentes em 64% das doenças ocupacionais em 2009, com destaque para (Entrevistado1, 68 anos).
alterações na coluna e lombalgia. (FILHO, 2011, p. 6). Focando diretamente no objeto desse trabalho, quando questionados se conheciam algum atendimento, programa
ou ação especificamente voltada para o homem, nenhum deles conhecia, ou tinha ouvido falar sobre esse tipo de
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atendimento. para receber esses homens, é necessário mobilizar os homens para que eles utilizem os serviços de saúde. Através não
“Não conheço nenhuma consulta só pro homem” (Entrevistado 8, 47 anos). só de campanhas, mas de ações que envolvam a família, as igrejas, os clubes de futebol, as empresas, as associações
“Que eu saiba não tem, não. Só tem pra mulher” (Entrevistado 4, 52 anos). comunitárias, os sindicatos e demais entidades as quais os homens mantêm relacionamentos de referência. Outro espaço
Alguns entrevistados contaram também que, não há médicos suficientes para atender toda a população. Matinhos privilegiado de preparação dos homens que utilizarão os serviços no futuro é a escola. Ali poderiam ser fortalecidas as
sofre com a difícil fixação e contratação de médicos. Além dos médicos, ocorre uma rotatividade de outros profissionais ações desenvolvidas na saúde, educando e criando a cultura que transforme as práticas de “masculinidade resistente”
da saúde (PMM, 2012). preconizada pelo modelo hegemônico de masculinidade.
“Vou no postinho e não tem médico, nem remédio, de que adianta ir lá então” (Entrevistado 10, 26 anos).
“Toda vez que eu vou no posto, não tem médico e ainda tem que esperar pra marcar consulta” (Entrevistado REFERÊNCIAS
6, 49 anos). ALBANO, B. R.; BASÍLIO, M. C.; NEVES, J. B. Desafios para a Inclusão dos Homens nos Serviços de Atenção
Alguns entrevistados falaram que é difícil eles terem que perder um dia, ou até mais, só pra marcar uma consulta. Primária à Saúde. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG, v. 3, n. 2, p. 554-563 nov./dez, 2010.
Sendo que são eles que sustentam toda a família. Por isso muitos deles deixam de comparecer às Unidades de Saúde para BAHIA, L. Avanços e percalços do SUS: a regulação das relações entre o público e o Privado. Trab. educ. saúde, Rio
agendamento ou para realizar algum procedimento, como pode ser percebido nas falas a seguir: de Janeiro, v. 4,n. 1,Mar. 2006.
“Quando a gente vai no Posto, não tem médico. As vezes perco um dia de serviço só pra ir marcar” (Entrevistado BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.
3, 42 anos). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem: Princípios e Diretrizes. Textos Básicos de Saúde. Brasília,
“Não me consulto, porque tenho que trabalhar, o horário do Posto, não dá certo” (Entrevistado 2, 49 anos). 2009.
Depreende-se a evidente necessidade de ajustes no sistema de atendimento para que os homens, pelo menos BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de Estrutura
trabalhadores da construção civil e pesca, sejam atendidos em suas necessidades elementares de atenção à saúde. A Física das Unidades Básicas de Saúde da Família. Brasília, 2006a,72p.
instauração de horários alternativos para atender aos homens seria um começo. BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Apoio à Descentralização. Coordenação-Geral de Apoio à Gestão
Descentralizada. Serie Pactos Pela Saúde, 2006, Volume 01. Diretrizes Operacionais Pactos pela Vida, em Defesa do
4 CONCLUSÃO SUS e de Gestão. Brasilia, 2006b, 76p.
Os serviços de saúde de Matinhos dirigidos ao homem, principalmente na Atenção Básica, carecem de avanços, BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Mortalidade do adulto no Brasil: taxas de
pois entende-se que a atenção primária ou básica consiste no primeiro passo para o acesso aos serviços de saúde. A única mortalidade segundo o sexo, as causas e as regiões, 2010. Saúde Brasil: uma análise da situação de saúde e a vigilância
ação voltada ao homem é o atendimento especializado de médico urologista, em uma única Unidade Básica de Saúde. da saúde da mulher, 2011.
Somente essa ação não se caracteriza com uma política pública. As outras ações que existem abrangem a população em BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do
geral. Tal condição implica na constatação de que não se dispõe de uma política de saúde para o homem no município. Adolescente Fernandes Figueira. Perfil da Situação de Saúde do Homem do Brasil. Brasília, 2012a.
A estrutura dos Postos de Saúde é precária, especialmente quando refletimos acerca das ações as quais os homens BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de
são usuários. Pois para o atendimento desses homens seria necessário o aprimoramento da capacitação de pessoal e um Atenção Básica, Série E. Legislação em Saúde. Brasília, 2012b.
espaço físico melhor estruturado. BRAZ, M. A construção da subjetividade masculina e seu impacto sobre a saúde do homem: reflexão bioética
Adicionalmente, os horários precisam passar por urgentes ajustes. O que se pode observar é que os entrevistados sobre justiça distributiva. Ciência & Saúde Coletiva, 10 (1):97-104, 2005.
procuram atendimento à saúde somente quando, por causa da dor, não conseguem trabalhar. Do contrário, quando sentem CAMPANUCCI, F. S. Atenção Primária e a Saúde do Homem. Anais do II simpósio Gênero e Políticas Públicas.
um sintoma, grave ou tênue, não buscam os serviços de saúde. Quando o fazem, precisam ausentar-se do trabalho e COUTO, M. T.; GOMES, R. Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde
amargar a redução de renda naquele dia ou período, visto que muitos deles trabalham em ocupações informais ou com Coletiva, 17 (10): 2569-2578, 2012.
baixa formalização. Além da equipe e da estrutura, os horários de atendimento das UBS deveriam ser adequados para FIGUEIREDO, W. Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços de atenção primária. Ciência &
que os homens que trabalham pudessem ser atendidos em outro turno. Saúde Coletiva, 10 (1): 105-109, 2005.
Porém, algo mais seria necessário. Percebe-se que mesmo que houvesse um horário especial de atendimento, FILHO, B. B. S. Trabalho e Saúde: A Lombalgia em Pedreiros de uma Empresa da Construção Civil na Grande
profissionais capacitados para atender aos homens, espaço físico e material disponível e suficiente para uso, os homens Vitória. 81 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local) – Setor de Ciências, Escola de
ainda assim talvez não buscassem o atendimento. Nota-se que a cultura de invencibilidade, virilidade e machismo, Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, 2011.
está enraizada de tal forma que essas mudanças não seriam suficientes para atender muitos dos homens que vivem no GOMES, R. A saúde do homem em foco. Coleção saúde e cidadania. Editora UNESP, São Paulo,2010. 92 p. e-book.
município estudado. A questão de gênero está diretamente ligada nesse contexto. Mais do que preparar bem as UBSs Acesso restrito.
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GOMES, R. NASCIMENTO, E. F. A produção do conhecimento da saúde pública sobre a relação homem-saúde: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES EM NOVA ANDRADINA - MS
uma revisão bibliográfica. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22 (5):901-911, mai, 2006.
GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F.; ARAÚJO, F. C. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que
Cláudia Geani Torres1; Neiva Maria Alves2; Paulo César Schotten3; Rodrigo Santolini Soares4; Solange Fachin5
as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad. Saúde Pública,
Rio de Janeiro, 23 (3):565-574, mar, 2007.
GORINI, M. I. P. C.; GRILLO, M. F. F. Caracterização de pessoas com Diabetes Mellitus Tipo 2. Revista Brasileira RESUMO
de Enfermagem , Brasília, 60(1):49-54, jan-fev, 2007. Objetivou-se, com este trabalho, identificar as ações que o governo municipal de Nova Andradina está executando em
KORIN, D. Novas perspectivas de gênero em saúde. Adolesc. Latinoam., mar. 2001, vol.2, no.2, p.67-79. ISSN 1414- relação à política pública para a mulher. Por política pública entendem-se decisões e ações governamentais que influen-
7130. ciam a vida dos cidadãos frente situações vulneráveis. Através do levantamento de base bibliográfica e um estudo de
caso com metodologia qualitativa, identificou-se as ações implementadas pela Secretaria Executiva de Políticas para a
OLIVEIRA, G. C.; CORREA, C. L. Capacidade funcional em pacientes com diabetes mellitus no município Mulher de Nova Andradina, as quais estão impactando de forma positiva as estatísticas do município, que vem se desta-
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Risco: percepção dos pescadores ribeirinhos do Rio Machado de Ji-Paraná, RO. Saúde Soc. São Paulo, v.21, n.1, ABSTRACT
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gov.br/dataset/unidades-basicas-de-saude-ubs>.

1 UFMS (claudiatorres_591@hotmail.com)
2 UFMS (neiva.ivi@hotmail.com)
3 UFMS (paulo.schotten@ufms.br)
4 UFMS/UNIOESTE (admsantolini@hotmail.com)
5 UNINOVE/UFMS (sofachin@yahoo.com.br)

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1. INTRODUÇÃO programas, linhas de financiamento) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos.
Nem sempre, porém há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. De-
Entende-se por política pública segundo Kanaane, Filho e Ferreira (2010), que as políticas são disposições,
vem ser consideradas também as “não ações” as omissões, como forma de manifestação de políticas, pois representam
medidas e procedimentos que traduzem a “orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais re-
opções e orientações dos que ocupam cargos.
lacionadas às tarefas de interesse público, refletindo a ação intencional do Estado junto à sociedade”. Um dos campos
dentro das políticas públicas que merecem atenção é o destaque para as políticas públicas promovendo a redução das O Estado tem o dever de promover ações públicas preventivas de acordo com as necessidades dos municípios,
desigualdades de gênero. Preocupado com este contexto de atenção a “Mulher” o município de Nova Andradina é ino- agindo sobre a política econômica, social, saúde, educação, assistência social e outras, com a população participativa
vador preocupando-se em criar uma Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher, para dar importância às políticas para o atendimento aos interesses da maioria da população.
públicas que tenham como objetivo a equidade de gênero, excluindo todas as violências contra a mulher e trabalhando
para sua emancipação financeira com uma participação ativa nos setores econômicos da sociedade. Para compreender o que é de necessidade à sociedade é preciso encontrar e apontar as dificuldades, os proble-
mas e limites para a prática poder entrar em ação, por meio de projetos de políticas públicas de desenvolvimento susten-
Os pesquisadores despertaram a curiosidade em conhecer as políticas públicas para as mulheres implementa- tável e integrado.
das no município de Nova Andradina, tendo como problemática central do estudo identificar: quais são as ações que o
governo municipal de Nova Andradina está implementando em relação à política pública para a mulher? Segundo Farah (2004), “política pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado, orientado por
determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses. Um programa governamental, por sua vez, con-
Este relato aborda as políticas públicas para a mulher desenvolvidas no município de Nova Andradina, estado siste em uma ação de menor abrangência em que se desdobra uma política pública”.
de Mato Grosso do Sul, constituído município em 01/01/1959, com população residente de 45.585 habitantes segundo
o IBGE, área de unidade territorial de 4.776.002 Km², população de mulheres de 22.852 e homens 22.733. Ao obser- Como visto as políticas públicas caracterizam-se por metas, planos e ações que visam algum bem a população
var a política pública municipal, o presente artigo tem como objetivo mensurar as ações desenvolvidas nos últimos dez e que atendam algum grupo de indivíduos que busquem melhorias e mudanças no limite da lei sem o risco aos órgãos
anos na secretaria executiva de políticas públicas para a mulher no município de Nova Andradina. Visando atender esse públicos. De uma forma ou outra sempre pode ficar a desejar as reivindicações de alguns, pois será impossível de aten-
propósito faz uso da metodologia diagnosticada em um estudo de caso embasado em um estudo bibliográfico e descri- der as expectativas de todos os grupos.
tivo junto à referida secretaria com entrevista a secretaria de assistência social e as participantes das ações. Possuindo metas que respondem as necessidades com ênfase nos setores marginalizados através da pressão so-
cial, promovendo o desenvolvimento com implantação de geração de emprego e renda, em um processo dinâmico, com
alianças, negociações e mobilizações.

2. POLÍTICAS PÚBLICAS Toda sociedade sofre impactos relacionados à idade, religião, sexo, renda, escolaridade, trabalho, etc., ou seja,
é envolvida mais de uma decisão, necessitando de diversas ações estratégicas para programar as decisões já tomadas.
O conceito de políticas públicas esta embasado nos autores: Teixeira (2002), Farah (2004) e Santos (2006).
Nesse artigo observaram-se as considerações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, fundação pública Ressaltando que no interior do próprio sistema político surgem às demandas, podendo ser reivindicações de
vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o IPEA fornece suporte técnico e institucional às ações estradas, saúde, educação, previdência etc. Existem três tipos de demandas, as novas que são novos problemas como diz
governamentais - possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e de programas de desenvolvimento brasi- o nome, ou seja, problemas que não existiam antes. As decorrentes que são os problemas mal resolvidos ou não resolvi-
leiro - e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos. dos. E as reprimidas que são as constituídas por não decisões.

As políticas públicas são instituídas pelo Estado (nível federal, estadual e municipal), com objetivo de atendi- Também possuem um papel importante às mídias transmitindo as situações pela televisão, jornal, internet, mo-
mento das necessidades populacionais da sociedade civil. Ressaltando que também podem contar com iniciativas pri- bilizando os agentes de demandas públicas, chamando atenção da população para diversos problemas no mundo inteiro.
vadas mediante suas necessidades.
Lembrando que estes programas envolvem mais do que educação, habitação, saúde, saneamento e previdência,
“Políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimen-
tos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”. vários fatores interferem para o sucesso destas concepções. Enfatizando que se movimentam a partir do Estado (tribu-
(TEIXEIRA, 2002) nais, legislativo, instituições permanentes) e do governo (políticas, técnicas, projetos e programas que partem da socie-
dade). E as conhecidas políticas públicas são os projetos voltados para a sociedade com objetivo de melhorar algumas
de suas precariedades, visando à diminuição das desigualdades, redistribuição de benefícios e educação. A sociedade
Ainda segundo Teixeira (2002), são políticas explicativas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, necessita destes projetos políticos para resolver seus problemas.
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Ressalta Santos (2006), que uma organização pública forma-se por diversas razões e interesses, porque é di- E ainda segundo Farah (2004), desde os anos 80, sob o impacto da democratização e da luta de movimentos so-
rigida para atender às necessidades da população. Ela permite aos seus dirigentes desenvolver projetos, realizar ativi- ciais organizados em torno de questões concernentes às mulheres e de movimentos que assumiam abertamente o ideário
dades, superar obstáculos, controlar seu ambiente, por meio da de tarefas, da coordenação de esforços, da unidade de feminista no Brasil, vem ocorrendo um processo gradual de incorporação da problemática das desigualdades de gênero.
direção e do uso inteligente dos recursos. A organização pública pode, assim, fazer mais do que um governo sozinho A partir da Constituição Federal de 1988, houve um aumento na importância dos governos municipais e a redução das
faria. desigualdades de gênero passou a fazer parte da agenda desses governos.

As ações vindas do Estado são resultados de movimentos, lutas, contradições e como qualquer solicitação esta E é nesta realidade que se revela a necessidade da mulher em busca de seus direitos, de ser vista com respeito e
sujeita a mudanças que surgem efeitos diferentes do esperado sofrendo efeitos das relações sociais de poder. Interes- não apenas como um sexo frágil, de além de ser dona de casa também ser empreendedora.
sante ressaltar que não é porque existem a reivindicações que elas serão atendidas, elas tem que chamar atenção das
três esferas e serem reconhecidas.
2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS EM NOVA ANDRADINA – MS.

2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHER Para este estudo usamos recorte temporal de 2006 a 2014. Capturando as ações desenvolvidas pela Secretaria
Executiva de Políticas para a Mulher de Nova Andradina, com entrevistas, atas, reportagens, leis e decretos municipais.
A discussão sobre as políticas públicas para a mulher passou a existir em 1975, na primeira Conferência Mun-
dial de Mulheres realizada no México. A definição de políticas públicas para mulheres está embasada nos autores: Fa- O município de Nova Andradina está localizado a 300 quilômetros da capital do Estado de Mato Grosso do
rah (2004) e Sarti (1988). As políticas públicas voltadas às mulheres se iniciaram por mobilizações femininas em busca Sul, Campo Grande, foi oficializado município em 1959. É conhecida como a “Capital do Vale do Ivinhema”, sua popu-
de seus direitos, sendo que por parte dos governos as políticas públicas femininas estão em fase de construção, ainda lação possui a estimativa de 45.585 habitantes, sendo a sétima maior cidade de Mato Grosso do Sul com a nona coloca-
são poucas as participações das mulheres em cargos fundamentais no poder. ção no PIB do Estado, estimado como principal centro urbano e econômico da região sudeste.

Conceituando sobre o assunto Sarti (1988), salienta que desde o início da década de 1960, os grupos de mu- Ressaltando que no mesmo município foi criado no dia 01 de janeiro de 2013 a Secretaria Executiva de Políti-
lheres atuavam junto a associações de bairros pobres, como os clubes de mães ou as associações de donas-de-casa, cas para a mulher, possuindo o objetivo de promover no município políticas públicas que busquem a equidade de gêne-
ligadas, em sua maioria, à Igreja Católica. Eram grupos de convivência onde as participantes desenvolviam trabalhos ro, acabando com todas as violências contra a mulher e trabalhando para sua emancipação financeira com uma partici-
manuais (tricô, bordado, crochê, etc.) ou atividades religiosas, como o catecismo. pação ativa nos setores econômicos da sociedade.

Nas últimas décadas as mulheres vêm assumindo papéis relevantes trabalhando fora de casa, estudando, sendo Sendo que tudo começou em 2005 com a Coordenadoria da mulher, localizada junto a Secretaria Municipal de
representantes em cargos públicos como nossa presidente Dilma demonstrando que às mulheres podem estar em qual- Cidadania e Assistência Social (SEMCIAS), respeitando as orientações da Secretaria Especial de Políticas para as mu-
quer lugar da sociedade. E a constituição já trazia este assunto como pauta. lheres da Previdência da República, a lei 491, artigo 2°, que prevê que a Coordenadoria Especial da mulher será vincu-
lada ao gabinete do Executivo Municipal. Através de projetos e parcerias com o Governo Federal foi criado espaço para
Conforme consta a constituição brasileira, promulgada em 1988 que afirma no capitulo I – Dos Direitos e
a atual secretaria. Em 15 de dezembro de 2006 foi implantado o Centro de Atendimento a Mulher (CAM).
Deveres Individuais e Coletivos, artigo 5°, parágrafo 1°, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e
garante a todo o tratamento igual perante a lei. O Brasil também é signatário de, praticamente, todos os tratados e con- A equipe multiprofissional da secretaria é comandada por uma assistente social e conta com uma psicóloga,
venções Internacionais de proteção aos Direitos Humanos das Mulheres. pedagogas, assessoras governamentais, motorista e auxiliar administrativo.

Fato que, apesar de todas as lutas pela igualdade de gênero, ainda existe dificuldade em ser colocado em práti-
ca, enfatizando ainda que os avanços são visíveis e constantes. Campanhas são realizadas procurando sempre acompa- Quadro 1: Ações desenvolvidas pela Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher de Nova Andradina - MS
Conselho da Mulher Foi criado pela lei n° 701 de 19 de março de 2008 que tratam dos
nhar a igualdade dos direitos das mulheres. balanços das ações desenvolvidas e delimitam projetos para o for-
talecimento no atendimento às mulheres.
As reivindicações das mulheres, que inicialmente estavam relacionadas à moradia, saneamento básico,
transporte e custo de vida, passaram a envolver questões específicas da condição de mulher: desigual- Casa da Cultura Criada junto à coordenadoria da mulher em 2006 para dar apoio às
mulheres artesãs visando a alcançarem uma verdadeira autonomia.
dade salarial, direito a creches, saúde da mulher, sexualidade, contracepção e violência contra a mulher.
(FARAH, 2004) Elas expõem seus trabalhos para ter uma maior visibilidade e ter
onde vender e não pagam nada por isso só lucram isso com apoio
público municipal.

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Mulheres Mil Criado em março de 2011, a fim de promover cursos gratuitos e ci- Diante das ações pesquisadas o que mais chamou atenção dos pesquisadores foi às ações desenvolvidas pela
clos de palestras voltadas para a mulher, desenvolvida pelo IFMS. “Feira Mulheres de Atitude”, com relação ao empreendedorismo social na geração de renda e a economia solidária fato
Com objetivo de oferecer bases de uma política social de inclusão
e gênero para que mulheres em situação de vulnerabilidade social que nos levou a detalhar as ações e destacar casos de sucesso já alcançados pelo programa.
tenham acesso à educação profissional ao emprego e renda.

2.3 FEIRAS MULHERES DE ATITUDE


Blitz Educativa Iniciou em março de 2011 onde desenvolve várias orientações vol-
tadas ao trânsito para a mulher. De acordo com o estudo de caso analisado junto à secretaria executiva de politicas publicas para a mulher apre-
A secretaria distribui bombons com recadinho educativos só para as sentam-se os dados a seguir.
mulheres que estão ao volante.
Fazem um trabalho em cada esquina no centro da cidade e essa A Feira Mulheres de Atitude é coordenada pela Subsecretaria de Projetos e Políticas Públicas para Mulheres
orientação é feita de mulher para mulher e os homens só dão apoio. com o apoio da Secretaria Municipal de Assistência Social e do Governo municipal.
Comitê Estadual de Políticas Iniciado em março de 2013 socializando ao comitê de articulação e moni-
para Mulheres toramento do plano estadual de políticas para as mulheresde Mato Grosso
A coordenadoria de políticas públicas para a mulher percebendo a necessidade de demonstrar os trabalhos de-
do Sul.
senvolvidos pelas mulheres participantes das ações do poder público municipal criou a feira denominada “Mulheres de
Feira Mulheres de Atitude Criada em março de 2006 com exposição de artesanatos e praça Atitude” que tem como principal objetivo, fortalecer e dar visibilidade às ações e projetos realizados em prol da constru-
de alimentação desenvolvida no decorrer do ano em várias datas
predefinidas no início do ano decorrente. ção da cidadania plena das mulheres.
Tem o intuito das mulheres apresentarem seus trabalhos artesanais
e fazerem suas vendas e obterem encomendas que muitas vezes se Articulada com entidades governamentais e não governamentais, associações, movimentos de mulheres, mu-
estendem ate a próxima feira por serem muitos pedidos, e a praça
lheres autônomas e entre outros, a feira é um espaço reservado para exposição e comercialização de produtos, circuitos
de alimentação que e o chama da população incentivando a ida até
o local. de palestras, oficinas e apresentações artísticas.
Outubro Rosa Iniciou em 2012 com parceria da FINAN estimulando a participa-
ção da população e das entidades na luta contra o câncer de mama. A feira mulheres de atitude teve sua primeira edição em março de 2006, a partir de então as expositoras senti-
Entre as atividades estão às blitz educativas e de prevenção ao cân-
cer de mama e cada ano aumenta o apoio dos comerciantes e enti- ram a necessidade de estruturar e profissionalizar esse evento. Hoje elas já possuem barracas personalizadas e estão or-
dades públicas envolvidas com o projeto. ganizadas em dois setores: artesanato e alimentação.
Gincana do dia da Mulher Começou em março de 2006 com parceria com Rotary Clube com
objetivo de valorizar a autoestima do público feminino. Junto com Os grupos de mulheres expositoras precisam participar das reuniões solicitadas pela organização do evento
essa gincana também existe um trabalho em de salão de beleza,
maquiagem, manicure, tudo para incentivar a autoestima da mu- quando necessário; as expositoras têm que participar de todas as feiras, exceto quando for casos de doenças ou morte na
lher tudo de graça em conjunto com profissionais da área, e existe família comprovado; devem administrar a compra dos materiais a serem comercializados para que não aja prejuízo no
também distribuição de prêmios para as ganhadoras das gincanas.
decorrer da feira e em relação à montagem da feira as expositoras pagam uma taxa ao responsável pela montagem e des-
Fonte: Próprios Autores (2014).
montagem das tendas.
No novo e complexo ambiente de atuação em torno das políticas públicas, o gestor público necessita obter e O não cumprimento dessas responsabilidades poderá acarretar na perda do espaço, assim como descompromete
processar muitas informações, dominar conhecimentos que o coloquem no limite entre ser técnico e político, incenti- a coordenação de cumprir também com suas responsabilidades (em relação a essa expositora).
vando a tomada de decisões (KANAANE; FILHO; FERREIRA, 2010).
É de responsabilidade da organização do evento: viabilizar a locomoção da estrutura das tendas (stands, palco,
Essas mulheres estão aproveitando as oportunidades que o poder público está oferecendo para elas buscarem a hidráulica, elétrica, sonorização e iluminação); fazer a distribuição das entidades nos stands disponíveis, considerando
independência. Pois são todas mulheres guerreiras, que não tem nada de sexo frágil e o governo municipal está de pa- os produtos e melhor organização do espaço; organizar as atividades previstas na Feira e não é de responsabilidade da
rabéns por criar e manter um organismo governamental de políticas para as mulheres, fortalecido, eficiente e com todo organização a venda ou não dos produtos comercializados pelas expositoras.
apoio, gerando possibilidades e beneficiando a todos os envolvidos no programa.
Ressaltando que cabe a todas as expositoras e a organização o cuidado com todos os espaços da Feira, manten-
Em Nova Andradina as mulheres estão investindo em seus próprios negócios para dar uma ajuda na renda fa- do-a limpa e organizada para receber os (as) visitantes e consumidores (as).
miliar e ter uma independência financeira.
Para a Secretária Executiva Interina de Políticas para a Mulher de Nova Andradina, Jozeli Chulli, os avanços

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são visíveis e constantes, ou seja, todas as campanhas são realizadas procurando sempre acompanhar a violência contra Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher bem como as ações nela desenvolvidas.
a mulher muito de perto. Desde a implantação destes programas, não há nenhuma vítima, pois o programa conta com
O mesmo tem conseguido resultados positivos a cada dia, a exemplo dos casos de sucesso e dos novos em-
uma rede de atendimento fortalecida. Esta política de vigilância se deve ao governo municipal que é sensível a causa.
preendedores que estão se consolidando no município a partir da experiência vivenciada na feira “Mulheres de Atitu-
Essas mulheres estão aproveitando as oportunidades que o poder público está oferecendo para elas buscarem de” e paralelo ao êxito destes projetos percebe-se a diminuição dos índices de violência contra a mulher, inserção da
sua independência financeira. Estas mulheres trabalham pelo método de economia solidária que é uma forma de valo- mulher no mercado de trabalho, capacitação empreendedora e enfrentando de forma criativa as temáticas pertinentes as
rização no humano e não no capital, ou seja, produzindo de maneira associativista e cooperativista na distribuição de políticas públicas da mulher.
riqueza.
Uma questão muito relevante da pesquisa é a geração de renda para essas mulheres que são atendidas pelas
A feira iniciou-se com 25 expositoras e hoje está com 30 expositoras, sendo 18 no artesanato e 12 na alimen- políticas públicas, que na grande maioria dos casos são provedoras de seus lares e a independência financeira ou com-
tação, que além de venderem suas mercadorias recebem muitas encomendas dando visibilidade aos produtos e serviços plementação de renda melhorou a qualidade de vida de todo o núcleo familiar.
gerados no município.
Conforme dados da secretaria executiva de politicas publicas para as mulheres as ações das políticas públicas
No transcorrer deste tempo quando as expositoras adquirem maturidade empresarial, acabam deixando a feira para a mulher apresentam bons resultados na diminuição dos índices da violência doméstica, pois elas recebem orien-
e empreendendo em negócios autônomos conforme exemplos a seguir: tação tornando conhecedoras de seus direitos passando a valorizar-se mais, aumentando a autoestima, sendo respeitada
pelos cônjuges e filhos e em alguns casos tornam-se independentes financeiramente.
A expositora Selma Souza, 49 anos, atualmente proprietária do empreendimento “Caseiro Restaurante”, ini-
ciou as atividades em julho de 2013, com restaurante servindo comida caseira, marmitas personalizadas e marmitas. Essa ação inovadora do município de Nova Andradina merece destaque e deve servir de exemplo para outros
Decidiu abrir seu próprio negócio porque não queria trabalhar mais de empregada. Seu objetivo era atender uma clien- municípios, a ponto de que as mulheres se desvinculam de outras esferas de programas governamentais (bolsa família,
tela pequena, mas já está fazendo ampliações, porque o estabelecimento não comporta mais seu público. Possui três vale renda e outros) que as tornam autossuficientes para a conquista de sua independência financeira, ações estas que
funcionários e destaca que o período de convivência na feira Mulheres de Atitude gerou experiência que contribuíram justificam os investimentos da Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher em prol as politicas públicas municipais.
para que se sentisse mais segura e capacitada no mercado formal.

A expositora Lucilene, 48 anos, iniciou suas atividades em janeiro de 2014, servindo tapioca, crepes, pão de
queijo no palito e outros. Abriu seu próprio negócio para ter independência financeira e complementar a renda familiar. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de se instalar em um ponto comercial fixo com mais conforto e estabilidade, está satisfeita com seu empreendi-
Em resposta ao nosso problema de pesquisa que visava identificar quais são as ações que o governo municipal
mento. Possuem quatro funcionários de segunda a sexta feira e seis de sábado e domingo em um local de fluxo intenso
de Nova Andradina está executando em relação à política pública para a mulher, identificou-se que o município através
de clientes demonstrando que o estabelecimento está cada dia possuindo mais êxito.
da Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher programou conforme relacionado anteriormente no texto um con-
A feira é de suma importância, pois além de gerar renda para estas mulheres, ainda produz geração de renda a junto de ações em prol da política pública da mulher, porém a feira “Mulheres de Atitude” é a que conquistou maior
terceiros, como funcionários e familiares que não possuíam trabalho fixo. Colaborando para uma vida digna e confortá- visibilidade.
vel com estabilidade financeira.
Políticas públicas são de extrema importância para o crescimento da sociedade onde o papel dos gestores pú-
blicos na busca pelos direitos da população é de grande relevância. A cidade de Nova Andradina está sendo destaque
3. ANÁLISES DO RESULTADO no estado possuindo uma secretaria executiva de políticas para a mulher, buscando o fim da violência contra a mulher,
Foi verificado com este artigo que a política pública para as mulheres é de fundamental importância para a so- crescimento profissional das mesmas, a equidade de gênero, associados ao despertar para o empreendedorismo.
ciedade brasileira, pois ela engloba uma grande parte da população que vive em situação de vulnerabilidade, tanto psi-
Segundo os gestores públicos municipais o que tem impulsionado a participação destas mulheres é a necessi-
cológica, financeira e moral perante a sociedade ajudando assim a essas pessoas a terem uma melhor dignidade diante
dade delas proverem seus lares, pois é muito comum em nossa sociedade a mulher ser a chefe da casa. Damos grande
da sociedade em que vivem.
ênfase às políticas públicas para as mulheres, pois as mesmas sofrem vários preconceitos e discriminações por questões
Salientando ainda que a política pública para a mulher que é o fator de relevância deste artigo, com ênfase no de gênero, não usufruindo de seus direitos constitucionais.
município de Nova Andradina, está sendo pioneiro e merece destaque pelas ações desenvolvidas desde a criação da
Cidadãos ativos são aqueles que exercem esses direitos para melhorar a qualidade de sua vida política ou cívi-
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ca por meio de sua participação na vida econômica e política ou ainda na realização de ações coletivas ou organizadas. REDES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA
(KANAANE; FILHO; FERREIRA, 2010). INTERSETORIAL NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ/PR

Enfim, este relato de experiência não teve como propósito analisar as causas das políticas públicas voltadas às
Marcos Claudio Signorelli1; Luciana Vieira Castilho Weinert2
mulheres, mas sim identificar e demonstrar sua importância como processo de aceleração e melhoramento da qualidade
RESUMO
de vida. As ações desenvolvidas em Nova Andradina demonstram resultados das políticas públicas para mulheres Este trabalho objetiva apresentar e refletir sobre uma experiência desenvolvida no município de Paranaguá/PR, que teve
que buscam defender interesses com precisão e velocidade frente à sociedade, adotando uma postura de forma ativa como escopo o fortalecimento das redes sociais e políticas públicas para pessoas com deficiência (PcD), desenvolvida
mostrando-se motivadoras e transformadoras frente às estratégias de gestão pública municipal. por meio de parceria interinstitucional entre Ministério da Saúde, Universidade e Prefeitura. Trata-se do Programa de
Educação pelo Trabalho na Saúde (PET Saúde) - Redes de Atenção às PcD, uma política fomentada pelo Ministério da
Saúde, que tem como objetivo principal viabilizar a interação no mundo do trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS)
REFERÊNCIAS entre acadêmicos, docentes, comunidade e profissionais atuantes no SUS. A metodologia de trabalho envolveu aspectos
quali e quantitativos, baseados na metodologia da pesquisa-ação, que vem sendo desenvolvidos desde março de 2013
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
até o presente momento (agosto/2015). As ações foram planejadas e executadas seguindo a articulação intersetorial entre
Gráfico, 1988.
três eixos, vinculados às três secretarias municipais: de saúde, de educação e de assistência social. Como resultados,
FARAH, Marta Ferreira dos Santos. Políticas Públicas e gênero. In: GODINHO, Tatau; SILVEIRA, Maria Lúcia da destacou-se: 1) o mapeamento da rede vigente de atenção às PcD no âmbito da saúde, educação e assistência social, no
(Org.). Políticas Públicas e igualdade de gênero. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2004. que tange aos atores sociais, incluindo a) os próprios sujeitos com deficiência (cadastro e interfaces com a rede) e b) os
profissionais (percepções e atuação junto às PcD) e também c) equipamentos (acessibilidade e interfaces com as PcD); 2)
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de Recuperação Eletrônica (SIDRA). Disponí- a partir da etapa de mapeamento, o fomento à Política Nacional de Saúde da PcD, por meio principalmente de estratégias
vel em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=500620&search= mato-grosso-do-sul|nova de a) capacitação de recursos humanos, b) prevenção de deficiências e c) organização e funcionamento dos serviços para
-andradina|infograficos:-dados-gerais-do-municipio>. Acesso em agosto de 2014. atender as PcD; 3) o Projeto PET Saúde como um agente interdisciplinar potencializador da formação de estudantes na
área da saúde e também de formação permanente de profissionais atuantes no SUS. Em síntese, a experiência vem sendo
KANAANE, Roberto; FILHO, Alécio Fiel; FERREIRA, Maria das Graças. Gestão Pública: planejamento, processos,
capaz de articular diferentes atores e setores em torno da rede de atenção às PcD.
sistemas de informação e pessoas. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
Palavras-chave: Pessoas com Deficiência; Rede Social; Políticas Públicas; Ação Intersetorial.
MUNICIPIO DE NOVA ANDRADINA MS. Histórico do município. Disponível em: <http://www.pmna.ms.gov.br/
historia>Acesso em agosto de 2014. ABSTRACT
This paper aims to present and reflect about an experience developed in the city of Paranaguá/PR, which objectives were
SANTOS, Clezio Saldanha. Introdução à Gestão Pública. São Paulo: Editora Saraiva 2006.
to strength social networks and public policies for persons with disabilities (PWDS), developed through inter-institutional
SARTI, Cynthia. Feminismo no Brasil: uma trajetória particular. Cadernos de pesquisa. São Paulo, N. 34, p. 38-47, partnership between the Brazilian Ministry of Health, University and City Hall. This is the Program of Education by
1988. Working in Health (PET Health) - Health Care Networks to PWDS, a policy promoted by the Ministry of Health. It aims
to promote interactions in the world of work within the Brazilian Unified Public Health System (SUS) between academics,
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Rea- students, community and health professionals working at the SUS. The methodology involved qualitative and quantitative
lidade. 2002, AATR-BA. aspects, based on the methodology of action research, which has been developed since March/2013 until nowadays
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. Guia para elaboração de Referências de acordo com NBR (August/2015). The actions were planned and executed following the intersectoral coordination between three axes,
6023/2002. Disponível em: linked to three municipal departments: health, education and social assistance. As result, we highlight: 1) the mapping
of the current care network for PWDS in health, education and social assistance, with respect to social actors, including
<http://www.bco.ufscar.br/servicos/arquivos/guia-para-elaboracao-de-referencias2012>. Acesso em outubro de 2014. a) the PWDS (records and interfaces with the network), b) professionals (perceptions and action with the PWDS) and
also c) equipment (access and interfaces with PWDS); 2) based on the mapping stage, we conducted the promotion of
National Health Policy for PWDS, mainly through strategies a) training of human resources, b) prevention of disabilities
c) organization and operation of services to meet the PWDS; 3) the PET Health Project as an interdisciplinary potentiating
agent to train students in health care as well as a continuing education strategy for professionals working in the SUS. In
summary, the experience has been able to articulate different actors and sectors around the attention network for PWDS.
Keywords: Disabled Persons; Social Networking; Public Policies; Intersectoral Action.

1 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável Universidade Federal do Paraná signorelli.marcos@gmail.


com
2 lucianaweinert@gmail.com

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INTRODUÇÃO METODOLOGIA
Este estudo parte do conceito de redes sociais, iluminado por Junqueira (2000) que estabelece a rede como um Para materializar o projeto em uma perspectiva seguindo a metodologia de pesquisa-ação, descrita por Thiollent
emaranhado de relações das quais os sujeitos constituem os nós, contemplando a organização social. Marques (1999) (1996), a elaboração inicial da proposta foi feita conjuntamente entre docentes da universidade, profissionais e gestores da
complementa que rede social é entendida como “o campo presente em determinado momento, estruturado por vínculos rede de atenção à saúde, que trabalham diretamente com as PcD. Visando a participação do controle social, foi realizada
entre indivíduos, grupos e organizações construídos ao longo do tempo” (Marques, 1999, p. 46). Já Castells (1999) também a apresentação, discussão e pactuação dos objetivos do projeto junto ao Conselho Municipal de Saúde de
afirma que as pessoas organizam seu significado em torno do que são e acreditam que são, e as redes de intercâmbios Paranaguá, cidade que acolheu esta experiência. A proposta foi então submetida e aprovada junto ao Ministério da Saúde,
conectam pessoas, grupos, regiões e organizações de acordo com os objetivos estabelecidos na rede. Tais pressupostos sendo que contemplou a articulação também nos municípios de Guaratuba e Pontal do Paraná, ampliando a rede para uma
convergem com a teoria sistêmica, proposta por Edgar Morin (1996), que propõe que os objetos/sujeitos são redes de abordagem regionalizada. Todavia, neste trabalho será descrita exclusivamente a experiência de Paranaguá.
relações e a realidade é uma teia complexa de relacionamentos. Na sequência houve o aprofundamento e ampliação do contato com gestores dos três eixos em que se organizou a
O foco específico deste trabalho são as redes voltadas às pessoas com deficiência (PcD). Segundo o Instituto proposta: 1) na Saúde - as coordenações das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégias da Saúde da Família (ESF),
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo 2010, mais de 45 milhões de brasileiros (23,9% da população) no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) e dos Centros Municipais de Diagnóstico (CME) e de Especialidades
declararam ter algum tipo de deficiência, que podem ser categorizadas em: visual, auditiva, motora, mental ou intelectual (CMD), no âmbito da atenção secundária; 2) na Educação - junto às coordenações da Secretaria Municipal de Educação,
e múltipla. Destes, cerca de 56% são do sexo feminino. Já o Estado do Paraná, conta com uma população de 10.444.526 do Núcleo Regional de Educação, e de diretores de instituições de ensino selecionadas aleatoriamente (municipais e
(dez milhões, quatrocentos e quarenta e quatro mil e quinhentos e vinte e seis) habitantes, sendo que 18% dos paranaenses estaduais); 3) na Assistência Social – por meio do contato com a Gestora de Assistência Social do município e pelas
sofrem algum tipo de deficiência (BRASIL, 2015). coordenações dos equipamentos que compõem esta pasta. Como estratégia inicial foi proposta uma etapa diagnóstica da
Um dos grandes desafios para o desenvolvimento humano e sustentável, pautado na justiça social e nos rede municipal de atenção às PcD em cada um dos três eixos, denominada de mapeamento, que incluiu:
direitos humanos, refere-se à inclusão das PcD, que por muitos séculos permaneceram à margem da sociedade. Eram 1. Entrevista semiestruturada com gestores e profissionais chave: Este roteiro de entrevista possuía questões
rotineiramente isoladas em sanatórios ou instituições incapazes de desenvolver suas potencialidades, ou até mesmo referentes às percepções e o conhecimento dos entrevistados sobre as PcD frente ao seu cotidiano de trabalho,
abandonadas nas ruas, vivendo em situação de mendicância e extrema pobreza. Nas últimas décadas, o processo de as políticas públicas voltadas a este grupo, bem como as principais demandas destas pessoas e desafios à
inclusão no Brasil foi incentivado através de políticas e leis que garantam a inclusão de PcD, inicialmente, com foco na articulação em rede.
Educação. Elaborada com apoio na Conferência Mundial de Educação Especial, ocorrida em 1994, a política de inclusão 2. Avaliação físico-estrutural dos locais a partir do Boletim Cadastral de Equipamentos Sócio-assistenciais na Área
das PcD nas escolas regulares brasileiras, data de mais de dez anos e se encontra embasada na Declaração de Salamanca da Saúde-assistência: Este instrumento contemplou dados referentes à identificação do local, os programas/
(MESQUITA et al. 2009). Porém, foi a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que se projetos/serviços ofertados, a infraestrutura, os recursos humanos e o acesso às PcD (rampas, corrimão, portas
observou essa transformação do sistema educacional brasileiro. Foi uma mudança significativa no processo educacional acessíveis, ruas pavimentadas ao entorno, distância do ponto de ônibus).
trazendo também inúmeras expectativas, dificuldades e desafios (MESQUITA et al., 2008). No eixo saúde foram realizadas entrevistas com 21 profissionais da atenção primária à saúde do município de
Já na área da saúde, um marco significativo foi a aprovação da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Paranaguá, incluindo as coordenadoras das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e unidades com o programa Estratégia
Deficiência, originalmente de 2002 e ratificada em versões mais atualizadas nos anos seguintes (BRASIL, 2008 e 2010). de Saúde da Família (ESF); os gestores dos centros municipais de diagnósticos (CMD) e especialidades (CME); e os
Tal política apresenta seis diretrizes: 1) Promoção da qualidade de vida das PcD; 2) Assistência Integral à Saúde das profissionais responsáveis pelas unidades de saúde visitadas. Foram avaliados 20 locais de atendimento, incluindo 17
PcD; 3) Prevenção de deficiências; 4) Ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação; 5) Organização e unidades de saúde (UBS e ESF), 2 centros municipais de diagnóstico e especialidades (CMD e CME) e o local onde se
funcionamento dos serviços de atendimento à PcD; 6) Capacitação de recursos humanos. localizava a coordenação de todas as unidades de saúde (UBS e ESF).
Com base nessas acepções, a respeito de redes sociais e das políticas públicas voltadas a esse grupo populacional, No eixo educação, o mapeamento in loco compreendeu 40% das 77 instituições de ensino entre Escolas Estaduais,
fundamentou-se a atuação do projeto que será descrito neste trabalho, que teve como objetivo fomentar/potencializar as Municipais e CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil) do município. Houve a tabulação de indicadores
redes de atenção às PcD, trabalhando-se em uma dinâmica que contempla duas instâncias de rede: a rede intrasetorial secundários, obtidos a partir de dados fornecidos pelo Núcleo Regional de Educação (NRE) de Paranaguá, visitas in loco
e a rede intersetorial. A rede intrasetorial ocorre dentro dos limites da área de saúde, foco estratégico viabilizado para avaliação estrutural e dos equipamentos, bem como entrevistas com gestores e docentes das instituições visitadas.
pelo Ministério da Saúde, com ações na atenção primária, secundária e alguma contribuição na terciária. Já na rede No eixo vinculado à secretaria de assistência social os locais abordados foram a Secretaria Municipal de Assistência
intersetorial há interação da saúde com os eixos de assistência social e educação e cujas ações foram articuladas por meio Social (Semas); a Diretoria de Proteção Básica; os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS); a Diretoria de
da experiência aqui descrita. Proteção Especial; o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS); o Conselho Tutelar; o Lar das
Meninas e o Lar dos Meninos; o Albergue (atualmente extinto); o Resgate Social, transformado em Centro de Referência
Especializado para população em situação de rua (Centro POP); e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
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A partir do mapeamento, os dados foram tabulados, sendo que os aspectos quantitativos foram tabulados com uso Tabela 1: Acessibilidade e barreiras arquitetônicas nos serviços de APS de Paranaguá
do software Microsoft Excel. Em uma segunda etapa, realizou-se a avaliação dos resultados obtidos pela metodologia Acessibilidade Possuem Parcialmente Não Possuem
qualitativa, por meio da análise temática de categorias emergentes, de acordo com Minayo (2001). Isto permitiu a Rampas de Acesso 6 (30%) 0 14 (70%)
Calçada até a Porta 4 (20%) 0 16 (80%)
discussão dos principais temas levantados durante a realização das entrevistas semi-estruturadas. O conjunto de dados Corrimão 3 (15%) 0 17 (85%)
(quantitativos e qualitativos) obtidos na etapa de mapeamento subsidiou a etapa de ações ao longo da sequência do Porta Acessível 13 (65%) 3(15%) 4 (20%)
Banheiro Adaptado 5 (25%) 0 15 75%)
projeto, também organizadas a partir dos três eixos, mas com atividades intersetoriais de convergência dos três eixos em
encontros coletivos de planejamento, pactuação e avaliação das ações na rede. Alguns desses resultados serão descritos Fonte: Os autores, 2015.
na próxima seção deste trabalho.
A avaliação dos resultados também apontou para a necessidade de um cadastro específico para a PcD, visando
RESULTADOS E DISCUSSÃO fortalecer a rede de atenção à saúde dessas pessoas. Esse cadastro seria uma ferramenta de extrema importância para um
O projeto vem sendo desenvolvido pela UFPR desde março de 2013, simultaneamente em três municípios da atendimento mais eficaz e encaminhamento especializado e adequado para este público. Os dados coletados evidenciam
região litorânea do Paraná: Guaratuba, Pontal do Paraná e Paranaguá. A atuação nestes municípios buscou implementar que 75% das PcD atendidas pela atenção primária não possuem cadastro que especifique suas deficiências. Em 20% dos
grupos de trabalho a fim de consolidar e aprimorar a rede regional de atenção às PcD. Cada município conta com uma casos existe um cadastro manual, porém sem sistematização ou padronização, e, em apenas 5% há um cadastro digital,
equipe composta por um docente tutor, seis profissionais preceptores que atuam na rede municipal da saúde e mais doze mas que não significa uma padronização. É notória a falta de cadastro específico na rede de atenção primária, pois apenas
estudantes de graduação dos cursos de Fisioterapia, Serviço Social, Saúde Coletiva e Educação Física da Universidade um dos serviços de saúde do município possui o cadastro realizado de modo digital.
Federal do Paraná (UFPR). O projeto ainda conta com um coordenador geral, que faz a articulação da rede entre as três No eixo da educação, o mapeamento revelou “deficiências” na estrutura física das instituições de ensino,
localidades, totalizando uma equipe de trabalho de 58 pessoas. destacando-se diversas barreiras arquitetônicas. A Figura 2 expressa que as instituições de ensino apresentam carência
Como uma primeira etapa de implementação do projeto, com intuito diagnóstico, foi proposto nos três municípios de espaço físico adequado para atender e receber alunos com algum tipo de deficiência. Entre as 35 instituições visitadas
o mapeamento do perfil das PcD, da implantação das políticas públicas em cada eixo e do conhecimento dos profissionais durante a etapa de mapeamento, há um número elevado que apresenta barreiras arquitetônicas. Além de problemas
e gestores sobre estas políticas, das condições de acessibilidade e as demandas da atual rede de cuidado à PcD. Neste estruturais, a etapa qualitativa realizada com gestores da área de educação revelou a necessidade de fomento a formação/
trabalho serão apresentados somente os resultados referentes ao município de Paranaguá. capacitação do corpo docente para atuar junto às PcD em sala de aula. Com o advento do paradigma da inclusão, a
A operacionalização das ações no município foi dividida em três eixos: saúde, educação e assistência social. Educação passou de um modelo que isolava as PcD em escolas especiais ou classes especiais, para um modelo em que
No eixo saúde o mapeamento revelou que toda a rede de atenção à saúde de Paranaguá necessita de um maior suporte estas pessoas devem ser incluídas (e não apenas inseridas) nas classes tradicionais. Todavia, esse processo deve ser
físico-estrutural e, principalmente, de capacitação dos prestadores de serviços, garantindo melhora no atendimento, mediado, com apoio de docentes auxiliares capacitados e com recursos que permitam a efetividade do processo.
identificando as necessidades específicas apresentadas pelas PcD e realizando os encaminhamentos adequados para Já os desafios apontados a partir do mapeamento junto a Secretaria de Assistência Social revelaram que o registro
atenção especializada. Outro dado importante refere-se à necessidade de ampliação do acesso à informação e realização dos atendimentos prestados não ocorre e a inexistência de um banco de dados prejudica o processo e a formação da “rede”.
de medidas preventivas que contemplem os grupos de risco, como é o caso de gestantes, hipertensos, diabéticos, Nas entrevistas dos 13 servidores sobre como veem a questão das PcD, a acessibilidade emergiu como prioridade. A
crianças e idosos, que se tornam pessoas com risco potencial de desenvolver deficiências. Atualmente poucas ações são maioria dos funcionários apontou somente o Benefício de Prestação Continuada (BPC) como o único serviço direcionado,
tomadas nesse sentido, como é o caso da vacinação, que integra uma diretriz nacional. Porém observou-se um potencial, o qual não se destina apenas às PcD, pois atende também à população idosa, e tem como critério o recorte de renda. Ao
particularmente na atenção primária à saúde (APS) para prevenção das deficiências, com foco nesses grupos específicos. final da entrevista, solicitou-se sugestões para a rede de atenção às PcD e os aspectos mais relatados foram: a necessidade
Trata-se dos agentes comunitários de saúde (ACS), que atuam como mediadores entre a comunidade e o SUS, podendo de capacitação profissional e a necessidade de um Conselho representativo das PcD, o Conselho Municipal dos Direitos
também colaborar no diálogo entre as demandas das PcD e o sistema. Todos estes apontamentos vão de encontro com das PcD (BRASIL, 1999), ainda não implantado oficialmente no município.
as diretrizes descritas na Política Nacional da Saúde da Pessoa com Deficiência. A questão da acessibilidade foi outro
ponto nevrálgico nos equipamentos deste eixo, conforme apontam os dados colhidos no instrumento de avaliação físico-
estrutural compilados na Tabela 1.

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Figura 2: Presença de dispositivos de acessibilidade das IEs mapeadas no município de Paranaguá-PR o compartilhamento de conhecimento com a equipe de referência técnica (equipe básica da ESF – médico da família,
enfermeiro, técnicos de enfermagem e ACS) para determinada área. A equipe matriciadora, além de apoiar as ações
específicas e do seu campo de especialidade dentro do eixo saúde, paulatinamente também poderá fazer a articulação
e apoio matricial intersetorial, a partir de demandas das instituições de ensino (eixo educação) ou dos equipamentos de
assistência social (eixo assistência). Ressalta-se que esta iniciativa encontra-se em curso, tendo recém-iniciado no 1º
semestre de 2015.
3) Prevenção de deficiências – este quesito foi trabalhado especialmente com agentes comunitários de saúde (ACS)
por meio de oficinas a respeito de aspectos relacionados ao desenvolvimento neuropsicomotor infantil, detecção precoce
de atrasos no desenvolvimento e estimulação precoce. Também foram realizadas oficinas a respeito de cuidados com
diabéticos, pessoas com problemas cardiovasculares, gestantes e estratégias de prevenção de complicações que podem
originar deficiências. Acredita-se que ACS podem atuar como multiplicadores desses conhecimentos junto às populações
adscritas às suas áreas de atuação, uma vez que este profissional é colocado como interlocutor entre os serviços de saúde
e a comunidade (Nunes, 2002).
4) Ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação – um dos eixos de atuação do projeto constou
Fonte: Signorelli e Mélo, 2015. na viabilização de uma bolsa monitoria para estudante proveniente do Curso de Informática e Cidadania da UFPR,
que criou um banco de dados piloto, contendo informações referentes às PcD, incluindo tipos de deficiência, dados
Como ações desencadeadas a partir da etapa de mapeamento, o projeto balizou suas estratégias para consolidação pessoais, e informações básicas de seu prontuário. Como se trata de um piloto, o trabalho foi iniciado a partir de um
da rede a partir das diretrizes da Política Nacional da Saúde da Pessoa com Deficiência, que serão comentadas a seguir: dos territórios de saúde, contemplando os usuários adscritos à Unidade de Saúde Serraria do Rocha. A partir do piloto,
1) Promoção da qualidade de vida das PcD – a etapa de mapeamento originou um dossiê a respeito das principais almeja-se ampliar aos outros territórios de saúde do município. Como estratégias complementares, o eixo vinculado à
barreiras arquitetônicas e de acessibilidade encontrada pelas PcD no município, em equipamentos da saúde, educação secretaria de assistência social realizou-se o georeferenciamento dos equipamentos disponíveis e criou-se uma página na
e assistência social, para subsidiar estratégias de acessibilidade junto aos gestores que garantam mais qualidade à vida rede social facebook para divulgar todas essas informações que são sendo geradas pelo projeto, como forma de fortalecer
dessas pessoas. Por meio de reuniões e eventos, as próprias PcD também foram conclamadas a participar das ações do os mecanismos de informação.
projeto, particularmente no envolvimento para viabilização do Conselho Municipal dos Direitos das PcD, em processo 5) Organização e funcionamento dos serviços de atendimento à PcD – além da estratégia de apoio matricial em
de implantação no município. Tais iniciativas poderão garantir a promoção da qualidade de vida dessas pessoas no médio saúde, que reorganiza o funcionamento dos serviços a partir da APS, a própria ação de qualificação dos profissionais
e longo prazo. No curto prazo a equipe do projeto trabalhou com ações de educação em saúde, especialmente nas escolas contribui com a organização dos serviços. Nas oficinas realizadas junto às escolas, foi ressaltada a importância do
(com docentes e discentes), nos serviços de saúde (com ACS) e nos serviços de assistência social (com recepcionistas e paradigma da inclusão, ao invés de isolar as PcD em classes especiais ou em escolas especiais, que não contribuem com
apoio administrativo) sobre como abordar as PcD de modo inclusivo e sem preconceitos nos seus respectivos espaços sua inserção na sociedade, uma vez que encarceram tais pessoas do convívio com o restante da população. A articulação
de atuação. intersetorial também se deu por meio da divulgação aos profissionais da saúde a respeito dos benefícios destinados às PcD
2) Assistência Integral à Saúde das PcD – um dos pontos observados no mapeamento foi a falta de articulação de baixa renda, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que muitas vezes não é acessado por essa
entre os diferentes níveis da rede de atenção à saúde (primário, secundário e terciário). A falta de ações na atenção população, por falta de informação.
primária gerava sobrecarga nos equipamentos secundários (clínicas e ambulatórios especializados) e terciários (hospital). 6) Capacitação de recursos humanos – esta foi uma das estratégias mais trabalhadas ao longo dos dois anos de
Portanto, uma equipe de profissionais que atuava no âmbito secundário, em conjunto e com aval da gestão, deslocou execução da proposta. As oficinas de capacitação incluíram profissionais dos três eixos, incluindo ACS, profissionais da
sua lotação de trabalho para a atenção primária, desenvolvendo uma iniciativa piloto de apoio matricial em saúde em saúde, docentes, diretores e supervisores escolares, profissionais que atuam junto à Secretaria Municipal de Assistência
uma das Unidades Básicas de Saúde, no caso, da Serraria do Rocha. O conceito de matriciamento em saúde pode Social. Um dos pontos abordados com ênfase na capacitação foi em torno da implantação da Política Nacional de Saúde
ser entendido como uma metodologia de ação para gestão do trabalho em saúde, visando assegurar maior eficácia e das PcD. Além de profissionais, também foram realizadas atividades de educação em saúde junto a estudantes de 40% das
eficiência ao trabalho em saúde (CAMPOS e DOMITTI, 2007). Campos (1999) define Apoio Matricial e Equipes de instituições de ensino sediadas em Paranaguá, particularmente voltadas à inclusão e diminuição de preconceitos contra
Referência, visando reorganizar o trabalho em saúde, tendo como elementos norteadores a gestão do trabalho em saúde as PcD. A equipe do projeto ainda gravou vídeo-aulas para multiplicação da estratégia após o encerramento formal do
e transdisciplinaridade. O matriciamento pode utilizar-se da figura de um Apoiador Matricial, especialista (neste caso, projeto.
fisioterapeutas, terapeuta ocupacional, nutricionista e psicólogas, todas preceptoras do projeto PET) que tem por função É significativo ressaltar que entre a etapa de mapeamento e a etapa de ação baseada no fomento à política nacional
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foram realizadas reuniões de avaliação e planejamento em conjunto com a equipe do projeto e representantes das reorganização do trabalho em saúde. Ciência e Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 393-403, 1999.
instituições abordadas na etapa diagnóstica. No momento atual, novo encontro está previsto para avaliação das ações CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; DOMITTI, Ana Carla. Apoio Matricial e equipe de referência: uma metodologia
alcançadas, sabendo-se que a implantação da rede é um desafio constante, e que depende da mobilização de diversos para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. CAD Saúde Pública, v. 23, n. 2, p. 399-407, 2007.
atores sociais e serviços. CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Diretoria de pesquisas,
Considerações Finais coordenação de população e indicadores sociais [site]. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.
O mapeamento da situação no município demonstra fragilidades importantes como a escassez de acessibilidade, php?lang=&codmun=411820&search=parana|paranagua. Acesso em: 05 de jul. 2015.
o desconhecimento de profissionais e gestores a respeito da PcD e das políticas públicas voltadas à elas, a desarticulação JUNQUEIRA, Luciano Antonio Prates. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Revista de
entre os diferentes espaços frequentados pelas PcD, com falta de interlocução e compartilhamento de informações entre Administração Pública, v. 34, n. 6, p.35-45, 2000.
estabelecimentos de educação, assistência e saúde, e ainda, o desconhecimento do perfil da população com deficiência MARQUES, Eduardo Cesar. Redes sociais e instituições na construção do Estado e da permeabilidade. Revista Brasileira
devido à ausência de um banco de dados unificado para cadastro específico destas pessoas. Tais aspectos dificultam a de Ciências Sociais. Anpocs, v. 14, n. 41, p.45-67, 1999.
consolidação de uma rede de atenção abrangente e eficiente. Além disto, a implantação das diretrizes da Política Nacional MESQUITA, Rafael Barreto de; COLLARES, Patricia Moreira; LANDIM, F.L.P.; LUNA, Cícera Gilvani de. Análise de
de Saúde da PcD fica prejudicada. redes sociais informais: aplicação na realidade da escola inclusiva. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, n.
O desenvolvimento de ações na tentativa de melhorar esta realidade fez com que este projeto contribuísse para o 26, p. 549-62, 2008.
diagnóstico da realidade local, a capacitação profissional, e, a informação da população. Estes foram passos importantes MESQUITA, Rafael Barreto de; COLLARES, Patricia Moreira; LANDIM, F.L.P.; PEIXOTO, A.C.R. Apoio Social na
e que em conjunto com o cadastro específico e detalhado das PcD assegurarão o reconhecimento destas pessoas, sua inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais: a perspectiva dos professores. Ciência, Cuidado e Saúde,
correta identificação e seu acesso à rede de atenção. v. 8, n. 1, p. 34-41, 2009.
Enfatiza-se também a importância do conhecimento e aprendizado gerado para as equipes de trabalhadores em MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 18ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
saúde, educação e assistência social com foco na prevenção. A capacitação destes atores permite o reconhecimento e MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
a intervenção em situações de risco para o desenvolvimento de deficiências. Destaca-se que a prevenção é a ação que NUNES, Mônica de Oliveira; TRAD, Leny Bonfim; ALMEIDA, Bethânia de Araújo; HOMEM, Carolina Ramos; MELO,
promove os resultados mais eficientes. Marise Claudia Itaparica de Carvalho. O agente comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem híbrido
Outra importante estratégia de ação para fortalecimento desta rede foi o incremento da visibilidade das PcD na e polifônico. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 6, p. 1639-1646, 2002.
comunidade e pelos gestores. Para tal, durante o curso do projeto houve diferentes frentes de atuação como a elaboração SIGNORELLI, M.C.; MÉLO, T.R. Diversidade, inclusão e saúde: perspectivas interdisciplinares de ação. Curitiba:
de palestras, oficinas, documentário, exposição fotográfica e produção científica em eventos e que culminaram com a UFPR Litoral, 2015.
publicação de um livro. THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 1996.
Acredita-se que a experiência descrita cumpriu com seu objetivo inicial de proporcionar a interação entre
comunidade, universidade e trabalhadores do SUS para mapear, divulgar e fortalecer a implementação das políticas
públicas e desta forma fortalecer a rede de atenção à PcD por meio da articulação de diferentes atores sociais em uma
perspectiva interdisciplinar e intersetorial.

Agradecimentos: ao Ministério da Saúde, pelo financiamento das bolsas destinadas à execução do projeto PET Saúde.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº3.076, de 1º de junho de 1999. Cria, no âmbito do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos
Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - Conade, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, 02 de junho de 1999. Disponível em: http://www.in.gov.br. Acesso em: 07 mar. 2015.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília, 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Brasília, 2010.
CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Equipes de Referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a
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GRUPO DE TRABALHO IV
Desenvolvimento, Saberes Locais e Temporalidades

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“Na Baía mudou também, porque tudo muda”: percepção de moradores sobre introdução GT - 04
temporalidades, baía de guaratuba, pr.
Mudou né, hoje as canoas é de fibra. Na Baía mudou também, porque tudo muda, tende a evoluir com o passar do
tempo. Quando eu era piá, dava de contar quantos pescador tinha, não dava mais de 10 pescador. Hoje tem mais de
200. Num lugar que você só tira e não planta, aí fica complicado né, ainda tem que disputar com turista (AMORIM,
2014).
Beatriz Cabral; Larissa Lopes Mellinger

A narrativa de Sr. João Carlos Amorim, nascido no “sítio” e atual morador do bairro Piçarras, denota que, segundo
resumo sua percepção, mudanças no tipo de embarcações que circulam no estuário de Guaratuba e o advento das atividades de
Elegeram-se como termos centrais para o presente estudo, natureza e ambiente. Diferenciados e apresentados por pesca esportiva, praticadas com a utilização de embarcações de lazer influenciaram no modo como a pesca profissional
Ingold (2002; 2012), eles permitiram compreender a percepção de habitantes de localidades da Baía de Guaratuba, litoral no estuário atualmente é praticada.
sul do Paraná, com os quais foram estabelecidos diálogos, sobre o ambiente. A reflexão que culminou na elaboração deste
trabalho está associada à uma tese produzida em 2013 e uma dissertação, de 2015. Este trabalho tem como propósito Em alusão às categorias utilizadas por Cunha (2009), além das atividades vinculadas à “tradição”, reguladas pelo
refletir sobre a influência de processos históricos que marcam a distinção entre temporalidades, recorrentes nas falas dos
interlocutores, sobre sua percepção/ interação com o ambiente da Baía de Guaratuba. Como resultado das narrativas “tempo natural”, também merecem destaque as ocupações associadas à atividades da “modernidade”, reguladas pelo
apresentadas, nota-se que a percepção sobre o conjunto de transformações no contexto em que estão inseridos contribuem “tempo do relógio”, marcado pelo ritmo urbano-industrial e da produtividade do capital. Tradicionalismo e modernismo,
para diferenciação e reforço das dualidades estabelecidas por eles, para diferenciar “naquele tempo” e “hoje”. Atualmente, estando em permanente movimento, requerem a aquisição e renovação de habilidades e conhecimentos para interagir
com a utilização do estuário para fins de lazer, normatização pesqueira e criação de unidades de conservação, emergem
com a diversidade de ambientes e sujeitos.
dualidades que reforçam o dinamismo da relação que se estabelece com o ambiente, tal como “rico” e “pobre”; “grande”
e “pequeno”; “sustento” e “diversão”; “legal” e “ilegal”. Diante deste cenário, propõe-se que para elaboração de análises
A reflexão que culminou na elaboração deste ensaio está associada à uma tese produzida em 2013 e uma
e propostas de gestão de territórios, o destaque esteja na concepção (visões de mundo) do humano que habita o ambiente,
de modo a favorecer o diálogo e aproximação entre aqueles que concebem o estuário como natureza e aqueles que o tem dissertação, de 2015. Este trabalho tem como propósito refletir sobre a influência de processos históricos que marcam a
como ambiente em que praticam suas atividades cotidianas e renovam suas habilidades e reprodução social. distinção entre temporalidades, recorrentes nas falas dos interlocutores, sobre sua percepção/ interação com o ambiente
da Baía de Guaratuba.

Palavras chave: Ambiente; Natureza; estuário; percepção. Elegeram-se, como centrais para o presente estudo, os termos natureza e ambiente. Diferenciados e apresentados
por Ingold (2002; 2012) permitiram compreender a percepção de habitantes de localidades da Baía de Guaratuba, com
os quais foram estabelecidos diálogos. Na perspectiva desse autor, a diferença entre natureza e ambiente é que o conceito
abstract de natureza presume que elementos interagem entre si apenas por fatores de ordem ecológica, ao passo que o ser
Nature and environment were elected as central terms for this study. Differentiated and presented by Ingold (2002; humano seria um observador distante deste mundo (INGOLD, 2002, 2012). Nesta lógica contempla-se e apropria-se da
2012), they help us to understand the perception that some inhabitants of communities of Guaratuba Bay, located at natureza como sendo fonte de recursos, espaço de consumo ou posse. Já a percepção de um “habitante” do ambiente
southern coast of Paraná, with which dialogues were established, of environment. The reflection that culminated in this ocorre a partir das interações entre diversas formas de vida, entre humanos ou não humanos.
work is associated with a thesis produced in 2013 and a dissertation from 2015. This paper aims to reflect on the influence
of historical processes that mark the distinction between past and present periods, recurring to the some speeches that Portanto, a oposição entre os termos é a partir das formas como os indivíduos se colocam na relação com o mundo,
reveal the speakers perception of these periods and their interaction with the environment of the Guaratuba Bay. The
presented narratives indicate that the set of changes in the context in which the interlocutors live, contribute to differentiate seja na perspectiva de um observador ou de um habitante. Tais relações são possibilitadas a partir do conhecimento e
and reinforce dualities established by them, to differentiate “at that time” and “today”. Associated to these, new ways habilidades configuradas sob a “perspectiva do habitante”, em que a percepção sob as nuances do ambiente possibilita o
of relation to this estuary, expressed on the recreational purposes, fishery regulation and creation of conservation units; desenvolvimento de ações, habilidades práticas que caracterizam, são recriadas e incorporadas em um modus operandi,
design new dualities that reinforce the dynamism of the relationship established with the environment, such as “rich”
and “poor”; “Big and small”; “Sustenance” and “fun”; “Legal” and “illegal.” We consider that territory analysis and quando pessoas executam tarefas particulares (INGOLD, 2002). Neste sentido, o ambiente é dinâmico, pois “Onde há
plans must be elaborated by the focus on the perceptions of the inhabits of the environment, in order to make possible vida, há movimento” (INGOLD, 2002, p. 19).
a dialogue and rapprochement between those who conceive the estuary like nature and those who conceive it as an
environment, where are practiced their daily activities and renewed their skills and social reproduction Pode-se considerar que, ainda que duas pessoas residam em um mesmo local, a percepção e conhecimento que
cada uma possui poderá será diferente, a depender das relações e ações estabelecidas no meio. Nesta trama, a percepção
não é resultado do indivíduo com seus processos internos neurológicos e sim, das estruturas neurológicas acionadas no
Key words: Environment; Nature; estuary; perception. presente, como também o conhecimento/habilidades adquiridos na relação com o ambiente. Portanto, o processo de

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transmissão de informação não é suficiente para garantir que pessoas tenham uma percepção comum sobre o ambiente, “domicílios particulares, não ocupados e de uso ocasional” (IBGE, 2001; IBGE, 2010).
pois outros elementos são significativos para constituir o sistema perceptivo.
Mellinger (2013) constatou que atualmente, 72% das unidades familiares pesquisadas praticam a pesca estuarina
De acordo com estas duas categorias, natureza e ambiente, pretende-se refletir sobre alguns relatos a serem para subsistência, e aproximadamente 42% das famílias entrevistadas tem a pesca estuarina como fonte de renda, a partir
apresentados, que revelam a percepção de “habitantes” da Baía de Guaratuba, sobre as mudanças que ocorreram no da comercialização do camarão branco, sobretudo como iscas vivas, diretamente para os turistas que praticam a pesca
estuário. Para tanto, primeiramente serão apresentados alguns aspectos históricos que possibilitam uma compreensão de amadora e esportiva.
algumas características peculiares do Estuário da Baía de Guaratuba.
Além da pesca, outras doze atividades foram identificadas como meio de sustento das famílias entrevistadas,
com destaque à confecção de farinha e trabalho na roça; produção de quintal (frutíferas e horta); a criação de animais;
e a coleta do caranguejo “pegado” nos manguezais. Além das atividade desenvolvidas tradicionalmente na região, o
o estuário: ambiente e sustento
contexto de mudanças na baía favoreceu o desenvolvimento de atividades não tradicionais, como: a maricultura, com
Estuários são ambientes marinhos semifechados, situados entre o oceano e o continente, influenciado pelas registro do primeiro cultivo de ostras na Baía em 1996, sendo atualmente uma atividade importante para os restaurantes
descargas de água doce de um ou mais rios, por correntes de vazante e enchente. Se situam sobre terras férteis e suas da localidade do Cabaraquara; a pesca com ceva nos rios do interior da Baía; os passeios guiados com turistas; a oferta
águas são renovadas periodicamente pelas marés (MIRANDA, CASTRO. & KJERFVE., 2002). O Estuário da Baía de de aluguel de quarto e estacionamento; as ocupações de marinheiro, cozinheira, faxineira ou carpinteiro naval.
Guaratuba está situado ao sul do litoral paranaense, em Guaratuba. Possui cerca de 6.260 hectares (IBRADES, 2011).
Além dos rios e canais de maré, a baía é constituída por bancos de gramíneas e bosques de manguezais bem preservados
(BRANDINI, 2008). Percepção de moradores sobre transformações

A diversidade de ambientes que configura a baía de Guaratuba reflete sobre a heterogeneidade de modos de O período que precede ao processo de urbanização do município de Guaratuba é associado à “fartura”, conforme
trabalho e vida que caracterizam o cotidiano de famílias que habitam este território. Antes do processo de urbanização relata um dos moradores mais antigos do Descoberto que fez a primeira casa com “material” na comunidade: “Naquele
ocorrer de forma contundente no município de Guaratuba, as comunidades rurais praticavam sistema de coivara, que tempo qualquer um podia andar pelo mato, podia caçar, fazer o que quiser. Naquele tempo era farto, tinha muita comida,
era utilizado para o cultivo de feijão, mandioca e café. Nas áreas alagadas era realizado cultivo de arroz. Também peixe.” Ele recorda que eram preparadas grandes roças de mandioca e de arroz (cultivos que atualmente são mais
praticavam o extrativismo do cipó-preto para confecção de artesanato e construção de moradias (FERREIRA, 2010). escassos devido a legislação ambiental), que as pessoas costumavam dividir e compartilhar o trabalho, caracterizando o
Predominavam os processos coletivos de organização do trabalho, tal como a pesca da tainha com espia (na entrada da sentimento de colaboração e reciprocidade entre os agricultores e pescadores da região. Este mesmo senhor conta que:
baía), pesca de camarão com peneiras, guajus, mutirões e sistema de quinhão. “Eu fazia muito mutirão naquele tempo, um ajudava o outro. Naquele tempo, se fizesse uma roça aí era uns 40 homens
pra trabalhar, e vinham, porque todo mundo precisava”.
O processo de urbanização foi intensificado entre as décadas de 1950 e 1990, com influência de investimentos
governamentais associados à ampliação da infraestrura da região, promulgação de normas de controle da pesca e criação Ele explica que a organização de “puxiruns”, para mobilização e realização do trabalho na roça, ainda é promovida
de unidades de conservação da natureza (UC), além do incentivo à empresas madeireiras na região. A partir da década de na comunidade mas que, segundo ele, não agrega a mesma quantidade de pessoas de antigamente. Se antes o sentimento
1990, foram configuradas diversas UC sobre o território da Baía. Em 1992, foi constituída a Área de Proteção Ambiental de fartura estava associado à abundância de alimentos, na atualidade ela se expressa na diversidade e quantidade de
de Guaratuba. Em 1998 foi instituído o Parque Estadual do Boguaçú, ao sul da Baía, e em proximidade e abrangendo bens alimentícios, vestuário, eletrônicos, moradia e ao acesso à infraestrutura básica. O comerciante que foi o primeiro
parte das populações ao norte da Baía, o Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, criado em de 2001. Neste contexto, entre a construir sua casa de “material”, na comunidade do Descoberto explica que: “Naquele tempo a gente bem dizer cada
1998 e 2000 Mellinger (2013) registra relatos de migrações para a comunidade situada ao norte da Baía de Guaratuba, família tinha uma mudinha, tinha dois. Hoje não, todo mundo tem seu guarda-roupa cheio de roupa. Em muitos pontos
o Cabaraquara, decorrentes das restrições ambientais associadas às UC. Ainda, o poder público fomentou o processo melhorou. O primeiro rádio aqui fui eu que comprei.”
de capitalização, modernização e crescimento da pesca marítima paranaense, decorrente, sobretudo, da ampliação do
Coexistindo com a percepção acerca da fartura de alimentos, “aquele tempo” também foi veiculado à dificuldade
mercado consumidor, entre 1975 e 1985 (ANDRIGUETTO-FILHO, KRUL & FEITOSA, 2014).
de acesso às condições de infraestrutura básica, como água encanada, energia elétrica, vias de acesso e comunicação.
Ademais, há de se considerar a chegada de veranistas, atraídos ao município sob a valorização da utilização A exemplo desta constatação, professora aposentada da comunidade do Descoberto explica que “... tinha o que vender
dos balneários para turismo e lazer, que repercutiram na expansão de segundas residências, marinas e iates, sobretudo e não tinha como vender, não tinha estrada, luz, água, geladeira. Água era de poço, bem gelada, lá caía folha, pulava a
a partir da década de 1980. A comercialização de terrenos para proprietários de segundas residências contribuiu para cobra, pulava o sapo e nós usava aquela água, graças a deus nunca aconteceu nada”.
que, entre 2001 até 2010, mais da metade do total de residências em Guaratuba fossem caracterizadas como sendo
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A construção de rodovias, facilitou o acesso dos moradores do “sítio” para “lá em Guaratuba”, modo que muitos A baía de Paranaguá é assim. A sardinha charuto, depois que começaram a aparecer a sardinheira, que tarrafa aí pra
no outro dia pescar né. Aí tem aquele pescador mais curioso né, que quer saber como é, aí ele viu como era a rede
moradores rurais se referem ao núcleo urbano da cidade, ainda que pertençam ao mesmo município; favoreceu o acesso né. E como tinha muito sardinha charuto na Baía (de Guraratuba), eles pegaram e inventaram de fazer uma rede
ao mercado e a comercialização de muitos produtos na comunidade. Por outro lado, a melhoria da mobilidade viária também, que nem a da tainha só que mais pequena. Barquinho pequeninho, bote aberto né. Dava um lanço de dois
mil três mil quilos de sardinha né. Barco vinha carregado. Aí o pessoal pensou, tenho que pescar também porque se
e aquaviária para acesso ao município de Guaratuba, favoreceu a especulação imobiliária, o aumento demográfico e a um tá matando, tenho que matar também. Ainda bem que veio o IBAMA e proibiu. Se deixar, se não regulassem,
expansão de segundas residências, sobretudo para fins de lazer. Um morador da comunidade do Descoberto, agricultor, o pessoal ia tudo pra aquilo ali. Daí tinha terminado. Como aqui, pegavam sardinha ali, a turma começou a fazer
uma coisa miudinha de serrar a tarrafinha na hora que puxa, ela vem tudo em sacador. Aí pessoal começou tudo a
conta que: cair em cima e deu no que deu. Pra nós aqui é a sardinha penacho, tem as guelras grandes e aqui em cima tem um
penachinho. Naquele tempo você ia pra cima e estourava destes e agora não tem mais, acabou.
Hoje tá tudo mais fácil, o que a gente tem vende aqui mesmo. Melhorou barbaridade com a estrada. Muitas pessoas,
naquela época, que tudo era difícil pra viver, abandonaram tudo, chácara o mato tomou conta. Hoje em dia a pessoa
se arrepende, querem pegar o terreno mas já não tem como. Aqui valorizou muito, muito.
Conforme relata um pescador que veio do sítio para morar no Bairro de Piçarras, a proibição de se pescar com
malhas menores, que acabam pegando peixes na fase inicial do desenvolvimento, contribuiu para manter a vida “dos
Atualmente, nos bairros de Mirim e Piçarras existem somente três pescadores cujos terrenos dão acesso direto bichinhos”.
à Baía de Guaratuba, fato decorrente da venda de terrenos para pessoas de fora e trouxe repercussões no acesso à No meu tempo tinha bastante peixe. Não tinha rede, era o lanço, usava duas canoas, uma canoa jogava aqui, jogava
Baía e que repercute diretamente nas condições de trabalho dos pescadores. O pescador que diz ser o mais antigo da rede e a outra segurava. Naquele tempo era 40 braços de rede. O cara fechava três quatro lanços dava uma canoa
de peixe. Pescava bagre, corvina, saguá, pampu, parú, depois mais miudo com malha 6, até malha 7 e malha 5. De
comunidade de Piçarras, diz que: uns tempos pra cá a malha 5 foi proibida. Foi bom proibir pros bichinhos.
Porque quando nós morava ali, a estrada era precária, não era asfaltada, desde o aeroporto. Pra nós levar o peixe
pra lá, nós ia remando. Agora não dá mais porque os caras fizeram o trapiche lá fora e agora não dá mais, porque
quando a maré enche você não vence, cansa, tem que suar pra passar aquele trecho, andar mais 100 metros pra
andar até o outro trapiche. Aquilo é obra tudo irregular, mas o poder do dinheiro faz assim. Diante da diminuição da “produção”, muitos jovens filhos de pescadores não se dedicam mais à esta atividade.
Em decorrência disto, morador que até pouco tempo pescava a remo na em proximidades ao bairro Mirim, comenta
sobre o desinteresse da geração mais nova pelo exercício da pesca: “Hoje até, como já não tem mais camarada e os
É recorrente a percepção de que a fiscalização sobre o cumprimento de normas ambientais é feita de forma filhos de muitos pescador foram estudar, se formaram em alguma profissão, não querem pescar mais. Porque aqui o
desigual entre parcelas da sociedade. Se por um lado há um consenso da inoperância dos agentes governamentais em pessoal não quer mais, não dá produção...”. Ainda sobre as ocupações exercidas pelos pescadores, moradora do bairro
fiscalizar as normas, é reconhecida a importância de normas que favoreceram o aumento da quantidade de peixes na Piçarras, mulher de pescador e proprietária de um pequeno mercado de peixe situado em seu terreno, conta que nos
Baía, tal como a proibição do arrasto da pesca em 2003, fazendo com que pescadores passassem a usar o caceio e lanço bairros Piçarras e Mirim, muitas pessoas prestam serviços para os turistas como caseiros, marinheiros, jardineiros ou
batido (MELLINGER, 2013). domésticas.

Esta norma, aliada à ampliação do mercado, aquisição de tais inovações tecnológicas, motorização e fomento para Apesar de todos os relatos sobre a diminuição do peixe, entrevistados contam que a situação atual da baía é mais
aquisição de embarcações favoreceram a pesca na plataforma interna, substituindo a pesca estuarina. Neste contexto, favorável do que a aproximadamente uma década atrás, conforme comenta pescador do bairro de Caieiras: “Dá muito
permaneceram na baía os pescadores artesanais, os quais utilizam apetrechos específicos e capturam uma quantidade de peixe, é robalo, é linguado, bagre branco, bagre amarelo, xareu, pampo, miraguaia, garoupa, peva, caratinga branca”,
peixes inferior à dos que pescam fora da baía. Um dos pescadores mais antigos da comunidade de Caieiras, cujo nome pescador antigo que reside no Mirim: “Ah, volta (!) Dependendo da qualidade da água, volta. Teve uma época que ficou
atualmente intitula ruas do bairro explica sobre as características dos pescadores “da baía”. pior do que agora. Pesca uns oito anos atrás era muito ruim, eu padeci”.
Na baía é uma pescaria da pessoa que às vezes não tem barco grande, e ele já é um pescador artesanal. Só que ele
fica com o barquinho dele, com a tarrafa e rede trabalhando, se ele acha que dá pra viver daquilo ele fica na Baía. O dinamismo da baía influi também na quantidade de peixes, pois para pescador e agricultor de Piçarras: “Tem
Agora, quem já começou com barco grande quer ir cada vez mais pra lá, né. Se ele acha que dá pra viver daquilo muita espécie de peixe que este ano deu fracassado mas no ano passado deu demais. Fazia tempo que eu não via parati,
ali na Baía, ele fica. Agora, quem já começou com barco maior pra pescar pra fora, ele quer ver cada vez mais.
o meu filho tirou mil quilos num dia.” Portanto, a baía está em permanente mudança, algumas espécies que eram mais
avistadas em outrora desapareceram e ele acredita que outros seres voltaram a surgir. De acordo com estes relatos e
percepções, parece que a elaboração de normas ambientais (controlando a pesca e o pescador na Baía de Guaratuba),
Em geral, os pescadores entrevistados consideram significativa a diferença que instrumentos de pesca específicos
vem contribuindo em parte para a perpetuação de determinadas espécies de peixes e crustáceos, no entanto, afetando
produzem no ambiente e reconhecem a importância de normas ambientais que regulem o uso de determinados apetrechos,
diretamente o modo como a pesca é realizada.
o mesmo pescador que reside em Caieiras, bairro situado em proximidade à desembocadura da Baía, descreve sobre os
efeitos da sardinheira: A urbanização decorrente da náutica, pesca esportiva e turismo, ao mesmo tempo em que trouxe impactos e
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conflitos, gerou empregos para a população, pois morador de Cabaraquara pondera que: “[...] o pobre sem o rico não pessoas que percebem o mesmo estuário a partir da lógica da “natureza”, conforme termos cunhado por Ingold (2002;
vive. A gente tem que pescar pra vender o peixe pro rico. Conforme o rico sem o pobre não vive, porque ele quer pescar 2012). Isto requer um constante movimento do nativo, para aquisição de novas habilidades para sobreviver a esta
o robalo, nós, pobre pescador, pega o camarão pra vender pra ele, então ele tá precisando da gente”. No entanto estes relação, muitas vezes conflituosa, com os agentes que concebem o estuário como “natureza”.
processos refletem diretamente na relação que se estabelece com o ambiente:
Diante desta complexidade, nas análises e propostas de gestão de territórios, o foco deve estar na concepção
De primeiro a gente pescava mais pro canal. Hoje em dia no canal não dá pra pescar por causa dos do humano que habita o ambiente, tendo em vista a necessidade de se levar em conta seus interesses. Para finalizar,
turistas, naquele tempo não tinha turista, o turista respeitava mais os pescador. Hoje em dia se nós soltar
uma rede boieira e se ficar ali no canal, você pode dar sinal com boné com a camisa os turistas chegam considera-se a importância de pensar propostas de desenvolvimento e organização territorial que permitam um diálogo
com a lancha grande e não respeita. Aí a gente vai correndo atrás pra ver se eles pagam a rede, às vezes e aproximação entre “os que são da baía” e “os que são de fora da baía”.
passam o motor de 15 pra cima. Quando ele é uma pessoa boa ele paga, acontece com muitos pescadores
e às vezes ainda xingam a gente.
Diferentemente do “mito do progresso”, o qual promove a segregação social; propõe-se que o desenvolvimento
do território, conceba a indivisibilidade entre os aspectos e atividades que unem passado e presente, tradição e
modernidade, “ambiente” e “natureza”, trançados sob amparo de políticas públicas decididas com a participação dos
Do mesmo modo, pescadores das comunidades do Cabaraquara e Porto de Passagem reconhecem que, conforme
moradores, contemplando a diversidade de formas de vida e de vínculos com o ambiente. Nesta tessitura, nossa reflexão
explica maricultor do Cabaraquara “se não fosse o iate, muita gente ia ter que buscar trabalho fora, talvez nem conseguisse
se encerra sob a luz de questionamentos: “Desenvolve-se o quê, para quem, com que benefício e a que custo? Que
morar ali porque emprego na comunidade não tem”. Por fim, moradores que trabalham diretamente com turistas na pesca
dimensões do ser humano são satisfeitas por ele?” (HIEDEMANN, 2009, p. 29).
esportiva de ceva concebem que esta prática trouxe uma mudança muito positiva para a comunidade, pois trabalhar com
turistas passa a ser algo mais seguro, em termos de retorno econômico, do que a pesca: “... mais vantagem trabalhar com
o pessoal de fora”. Os turistas também compram a farinha e a ostra, e até uma relação de amizade é firmada com turistas
de pesca, conforme relato de moradores do Descoberto e de Caieiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O conjunto de transformações no contexto em que estão inseridos contribuem para diferenciação e reforço das ANDRIGUETTO FILHO, J. M.; KRUL, R & FEITOSA, S. Contradições históricas entre gestão e fomento e a
dualidades estabelecidas por eles entre “naquele tempo” e “hoje”, entre “dentro da Baía” e “fora da Baía”, entre pescador evolução da pesca de arrasto de camarão na plataforma interna do Paraná. In: HAIMOVICI, M.; ANDRIGUETTO
“velho” e pescador “novo”, “pesca artesanal” e “pesca industrial”. Em acréscimo a estas dicotomias, atualmente, com FILHO, J. M.; SUNYE, P. S (Org).A pesca marinha e estuarina no Brasil: estudos de caso multidisciplinares.Rio
Grande: Editora da FURG, 2014
a náutica e a normatização pesqueira, emergem outras dualidades, quais sejam “rico” e “pobre”; “grande” e “pequeno”;
“sustento” e “diversão”; “legal” e “ilegal”. Mesmo que pescadores artesanais tenham aderido e se reestruturado à BRANDINI, N. Biogeoquímica da Baía de Guaratuba, Paraná, Brasil: origem, metabolismo, balanço de massa e
destino da matéria biogênica. 278 p. Tese (Doutorado em Geoquímica Ambiental) - Universidade Federal Fluminense,
diversos elementos que caracterizam a “urbanização/modernização dos pescadores”, muitos ainda mantêm modos
Niterói, 2008.
específicos de integração com os ambientes da Baía, desenvolvendo suas habilidades/ conhecimentos sobre peixes e
condições do ambiente, e também resignificando seus saberes, suas práticas materiais e imateriais. CABRAL, B.L.F. Entre marés: pesca artesanal e náutica na Baía de Guaratuba. Trabalho de conclusão de curso
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A relação que eles estabelecem com os manguezais, rios, florestas, corpos d’água é calcada no conhecimento, CUNHA, L. H. O mundo costeiro: temporalidades, territorialidades, saberes e alternatividades, Revista
na experiência e observação sobre as condições do ambiente. Mas ainda assim, para que as práticas e atividades Desenvolvimento e Meio Ambiente N. 20. Editora UFPR, jul./dez. 2009 (pp. 59-67)
sejam desenvolvidas são necessárias adequações de acordo com o aparato legal que rege sua permanência ou não em
FERREIRA, M. R. Comunidades rurais de Guaratuba – Paraná: os limites e as possibilidades da opção extrativista
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HEIDEMANN, F.G.; SALM, J.F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de
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análise. Brasília, DF: UnB, 2009. p. 23-39.
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públicos que possuem um conhecimento sobre o estuário, fundado a partir de leituras e observação de imagens. Por
______. Ambientes para la vida: conversaciones sobre humanidad, conocimiento y antropología. Montevideo: Trilce,
outro lado, quando o território passa a ser utilizado como fonte de lazer ou como local para captura de peixes associados Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación y Extensión Universitaria – Universidad de la República, 2012
à pesca esportiva, muitas vezes a natureza é tida como espaço de consumo, fonte de recursos disponíveis para deleite
INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (IBRADES). Difusão sobre a importância
humano. Neste sentido, a percepção de uma pessoa que habita o “ambiente” é diretamente influenciada por ações das dos manguezais para a preservação da biodiversidade marinha no município de Guaratuba: relatório das
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atividades. Guaratuba: Departamento de Meio Ambiente, 2011. RELAÇÕES, PRÁTICAS E ESTRUTURAS DE RECIPROCIDADE NA PESCA DA TAINHA NA ILHA DO
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades. Dados gerais do município de Guaratuba. MEL
Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=410960&search=parana|guaratuba|infogr
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MELLINGER, L. L. Processos decisórios na gestão dos bens naturais comuns: participação democrática, hibridismos e
invisibilidades. 201 p. Tese (Doutorado em Sociologia Rural) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. Resumo
MIRANDA, L. B.; CASTRO, B. M.; KJERFVE, B. Princípios de oceanografia física de estuários. São Paulo: Edusp, 2002. 414p A pesca coletiva da tainha na Ilha do Mel, Paranaguá/PR é realizada de forma coletiva e destaca-se como uma atividade
econômica permeada por relações de reciprocidade e troca mercantil. Neste contexto, o artigo trata de identificar e
qualificar as relações e práticas socioeconômicas desta comunidade tendo como base a teoria da reciprocidade. Constata-
se que estas relações e práticas são estruturadas pelas regras de distribuição dos rendimentos da pesca que, apesar de
inserida no mercado, foge dos padrões estabelecidos por ele e são construídas a partir das relações sociais, culturais e
econômicas da comunidade.

Palavras-Chave: reciprocidade; trabalho coletivo; pesca artesanal.

Abstract
Collective mullet fishing in Ilha do Mel, Paranaguá/PR is held collectively and stands out as an economic activity
permeated by relations of reciprocity and commodity exchange. In this context, the article is to identify and describe the
relationships and socio-economic practices of this community based on the theory of reciprocity. It appears that these
relationships and practices are structured by the distribution rules of fishery income which, although inserted in market
escapes the standards set by him and are built from social, cultural and economic community.

Key words: reciprocity; collective work; artisanal fisheries.

1 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral – evandrohistoria@hotmail.com

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Introdução Mulheres, crianças, turistas e outros pescadores aguardam na praia o momento de puxar a rede, ou mesmo
O presente texto apresenta resultados de uma pesquisa sobre as relações socioeconômicas de uma comunidade entrar no mar para impedir as tainhas de escaparem do cerco. Depois de muito silêncio para o peixe não fugir, o cerco é
de pescadores da Ilha do Mel, Paranaguá/PR. O trabalho empírico foi realizado na temporada de pesca do ano de 2015 finalizado com muito barulho e geralmente é aplaudido por todos.
com a comunidade da Vila de Encantadas, localizada ao sul da ilha, que desenvolve a pesca da tainha na Praia do Miguel, A pesca de cambau é realizada durante a noite em maré vazante e não se utiliza canoa. Dependendo da maré
distante aproximadamente quatro quilômetros da vila. pode-se camboar duas vezes por noite (20h00min e 04h00min, por exemplo) e, geralmente, se passa a rede por toda a
Tendo como base uma vertente renovada da teoria da reciprocidade (TEMPLE, 2003; CHABAL, 1996; praia. Diferente da rede utilizada no lanço, na qual os dois calões (extremidades da rede) são segurados com cordas, as
SABOURIN, 2011) o estudo buscou identificar e qualificar as relações de reciprocidade presentes na organização social redes de cambau são menores e possuem hastes de madeira ou bambu em suas extremidades. Comparado ao lanço o
e econômica da pesca, tendo em vista responder a seguinte questão: quais suportes institucionais estruturam as práticas número de pescadores que praticam esse tipo de pesca é menor.
e relações de reciprocidade entre os pescadores da Praia do Miguel? No cambau são necessários pelo menos quatro pescadores, geralmente homens, a rede utilizada é do tipo
A metodologia utilizada no trabalho de campo foi a observação participante (GIL, 2009) e a história oral (AMADO feiticeira (com três malhas). Um pescador, geralmente o dono da rede, camboa ‘por fora’ com a água do mar na altura
e FERREIRA, 2006) realizada entre maio e julho de 2015. Para apresentar os resultados este texto está organizado em do tórax, outro pescador segura o cambau ‘por terra’ com água na altura joelho, outros dois pescadores acompanham o
três partes sem contar a introdução e as considerações finais. Na primeira parte são apresentados alguns aspectos técnicos arrasto para segurar o cambau no momento em que os peixes são cercados. Ao sentir que há peixes na rede os pescadores
da pesca tendo em vista sua contextualização; na segunda parte são apresentados os elementos conceituais da teoria da se comunicam: quem está ‘por fora’ faz um som com a boca (pequeno grito ou assovio), quem está ‘por terra’ geralmente
reciprocidade; e, por fim, na terceira parte é apresentada a análise dos dados empíricos da pesquisa. emite um sinal luminoso com a lanterna. Neste momento o cerco é fechado pelo pescador que está ‘por fora’ e os
dois pescadores que acompanham na praia seguram os calões para que aqueles que arrastaram a rede possam estica-la
A tainha, os lanços e as camboadas impedindo que algum peixe escape.
Em 1945, a pesquisadora Gioconda Mussolini (2005) fez uma descrição sobre a temporada de pesca da tainha Na narrativa dos pescadores, a pesca de cambau serve à subsistência, enquanto a pesca de lanço é voltada ao
no litoral paulista e usa expressões dos pescadores da Ilha de São Sebastião para relatar sobre as fases da pesca: ‘tainha mercado. Dependendo do sucesso da pesca de cambau o peixe também pode ser comercializado.
solta’, ‘tainha de corrida’ e ‘tainha de arribada’. Em fins de maio aparece uma ou outra tainha anunciando a temporada, é Durante a temporada de pesca do ano de 2015 um total de 6.494 tainhas7 foram capturadas pelos pescadores
a ‘tainha solta’; Em junho e julho surgem os grandes cardumes migrando para o norte, a ‘tainha de corrida’; finalmente, da Praia do Miguel. Essa contabilidade considera somente os resultados da pesca de lanço, pois que a pesca de cambau
no final de julho e início de agosto, as tainhas param de subir e mudam o sentido voltando para o sul e adentrando ao é realizada primordialmente para o consumo não sendo registrada sua quantidade. Tanto a pesca quanto o comércio
estuário mais próximo, são as poucas ‘tainhas de arribada’. do pescado é realizado coletivamente. A renda é dividida entre todos os participantes da pesca conforme as regras de
Na Ilha do Mel a corrida da tainha é esperada com paciências pelos pescadores da Praia do Miguel e a sua distribuição estabelecidas pelos grupos. Trata-se da divisão do terço e dos quinhões que, na perspectiva deste estudo,
captura é feita de duas formas: os lanços e as camboadas. Cada uma dessas formas requerem habilidades e petrechos estruturam as relações e as práticas de reciprocidade entre os pescadores.
diferentes, bem como recursos humanos, horários e técnicas específicas.
A pesca de lanço é realizada durante o dia e reúne o maior número de pessoas. Tudo inicia quando o A teoria da reciprocidade
espia identifica um lote (cardume) de tainha se aproximando da praia, sua visão aguçada e sua experiência sobre o
2
Partindo dos estudos iniciais de Mauss (2003) e Polanyi (2000) a teoria da reciprocidade, nos últimos anos,
comportamento do peixe possibilitam informações precisas que variam da quantidade ao tamanho dos peixes. O dono da vem passando por uma renovação. O objetivo é precisar a produção de valores humanos através das estruturas de
rede3 é o primeiro a receber as informações do espia via rádio e, através de sons específicos feito com a boca, convoca reciprocidade e busca diferenciá-la das relações de troca mercantil, produtora de valores materiais.
todos os pescadores presentes a estarem prontos na praia, rapidamente a canoa é colocada no mar sendo tripulada pelos Temple e Chabal (1995) reconhecem a existência de várias formas de reciprocidade, sempre diferenciando
proeiros4, o chumbereiro5 e o patrão da canoa6. Além do equilíbrio e força requeridos a todos os tripulantes, os proeiros, da troca através dos valores produzidos. O valor produzido na relação recíproca está no ato e implica valores afetivos,
que geralmente são dois ou três, precisam remar no mesmo ritmo para que os remos não se toquem espantando o peixe já o valor produzido na troca está na coisa e se utiliza de uma reciprocidade mínima para interesses complementares
ou mesmo derrubando um dos tripulantes; o chumbereiro deve lançar a rede no mar sem enroscá-la e para tanto recebe a e materiais. A troca não cria valor, a reciprocidade cria valor ético que se torna valor econômico em uma economia de
ajuda do patrão da canoa que também dirige e rema. reciprocidade.
2 O espia é quem vigia o cardume no mar e dá orientações ao popeiro (via sinais) e ao dono da canoa (via rádio) na formação do cerco. Temple e Chabal (1995) consideram que a reciprocidade possui diferentes níveis, formas e estruturas que
3 Além de ser o proprietário dos petrechos, o dono da rede coordena a operação, sendo um mediador na comunicação entre o espia e o
popeiro. formam um sistema de reciprocidade. Os níveis da reciprocidade são categorizados por Temple e Chabal (1995) em:
4 São aqueles que remam movimentando a canoa, também são chamados de remeiros. real, simbólico e imaginário. Tais níveis, de acordo com a natureza dos atos, dão lugar a três formas de reciprocidade:
5 É o responsável por lançar a rede ao mar após a rebentação de forma ágil e silenciosa.
6 Também chamado de popeiro, é quem dirige a canoa para atravessar rebentação, vai na popa da canoa e ajuda no remo a no lançar da positiva, negativa e simétrica.
rede.
7 Cerca de 10 toneladas.
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Com relações às estruturas de reciprocidade, vale destacar que o termo estrutura é herdado da antropologia e Quanto à estrutura ternária centralizada, esta não ocorre sem a legitimação de um centro de poder capaz de alocar
designa uma organização que articula elementos que constroem as relações sociais. Segundo Chabal (2005), estruturas as dádivas e organizar sua distribuição, a mutualidade ocorre entre os indivíduos, mas através do centro redistributivo
de reciprocidade articulam atos dos seres humanos que se legitimam graças à reciprocidade. Temple (2009) classificou que se torna um intermediário. Polanyi (2000) chama essa estrutura de redistributiva e aponta que ela pode ocorrer
em duas as estruturas elementares de reciprocidade: a binária (face a face e compartilhamento) e a ternária (unilateral, quanto em comunidades pequenas, como um grupo que se reúne para caçar, quanto em sociedades mais complexas, onde
bilateral e centralizada). Porém, reconhece a existência de estruturas intermediárias entre elas. Estas estruturas são o estado através da tributação promove a distribuição de renda.
matrizes que produzem sentimentos e valores específicos. Assim como, no caso de grupos assimétricos, a reciprocidade pode gerar submissão, a reciprocidade centralizada
Na estrutura binária face a face duas partes estão frente a frente na relação de reciprocidade. Segundo Temple ou redistribuição pode legitimar a dominação de um líder ou grupo que está no poder. Esse caráter opressivo e aristocrático
(1998), essa relação pode ocorrer entre indivíduos, famílias ou grupos e produzir formas positivas, negativas ou da reciprocidade centralizada é denunciado por Godelier (1969) na sua crítica ao pensamento de Polanyi.
simétricas que, por vezes, geram valores diferentes. Na sua forma positiva, por exemplo, a reciprocidade binária face a Sabourin (2011a) destaca que esse centro de redistribuição (o chefe ou o estado, no caso dos exemplos de
face estabelece uma dádiva altruísta e produz a sentimento de amizade entre as partes; na sua forma negativa, a vingança, Polanyi) torna-se uma autoridade suprema. Temple (1998) destaca que os sentimentos gerados a partir da estrutura de
produz a inimizade; quando simétrica, onde positivo e negativo se relativizam, gera um sentimento de indecisão, um reciprocidade centralizada é o da obediência ao centro, esse sentimento é gerado a partir de uma confiança não espontânea.
valor ético. Há uma grande diferença entre a reciprocidade das trocas, na qual a dádiva é privatizada entre os atores, e a
A reciprocidade binária face a face também pode ocorrer entre indivíduos, famílias e grupos desiguais, neste reciprocidade das dádivas, na qual a dádiva é refletida na consciência dos atores ou na responsabilidade individual. Para
caso, pode-se gerar um tipo de reciprocidade assimétrica que não pode ser confundida com as três formas de reciprocidade sair da lógica privada, a teoria da reciprocidade propõe uma economia mais humana, na qual o princípio da reciprocidade
apresentada, o sentimento gerado na reciprocidade assimétrica é o da obrigação ou submissão como ocorre na dádiva seja a lógica da produção. Não se trata de um retorno às origens, nem da substituição da lógica da troca pela lógica da
agonística. Segundo Mauss (2003), a dádiva agonística é aquela onde o doador recebe fama e prestígio e o donatário reciprocidade, mas da articulação de ambas para superar a hegemonia da troca mercantil.
apenas perde. Sabourin (2011a) destaca que, em matéria de desenvolvimento, trata-se de inserir o diálogo entre troca e
A estrutura binária de compartilhamento é um prolongamento do face a face com a diferença de que há a partilha reciprocidade em projetos econômicos e sociais, caso contrário apenas uma lógica reinaria – a lógica da troca. O autor
de algo em comum. Enquanto no face a face os indivíduos, famílias ou grupos estão frente a frente, no compartilhamento aplicou a teoria da reciprocidade em diversos contextos, principalmente rurais, na França, Brasil, Guiné Bissau e Nova
eles estão todos frente a todos, ligados pela partilha de um bem comum. Na sua forma positiva produz o sentimento Caledônia, onde foram identificadas relações de reciprocidade em sistemas mistos, onde reciprocidade e troca coabitam
de participação, união e confiança; na forma negativa, a vingança se reproduz através do bem comum e afeta a todos de forma separada ou paralela.
simultaneamente gerando intrigas e partidarismo que fragmentam o grupo. A teoria da reciprocidade pensa alternativas para um desenvolvimento territorial mais sustentável, pois
As estruturas ternárias de reciprocidade, segundo Temple (2009), implicam, pelo menos, três partes na qual um resguarda a produção local da lógica unicamente mercantil e possibilita pensá-las através da interface dos sistemas.
indivíduo atua sobre um parceiro e, ao mesmo tempo está sujeito à atuação de outro parceiro. Essas estruturas podem ser Níveis, formas e estruturas de reciprocidade formam um sistema de reciprocidade que, na articulação com os sistemas
unilateral, bilateral ou centralizada. de troca, fornecem elementos para propor estratégias locais de desenvolvimento cada vez mais adaptadas às integrações
A estrutura ternária unilateral é aquela que possibilita que quem recebeu a dádiva, ou a vingança, a retribua sociais e econômicas construídas em cada território.
para um terceiro sem haver mutualidade entre eles. Por ser linear e contínua quem a recebe não retribui ao doador, neste
caso seria binária. A maneira mais simples de explica-la é na transmissão da dádiva entre as gerações que produzem O terço, os quinhões e as estruturas de reciprocidade na Praia do Miguel
sentimentos de responsabilidade, neste tipo de dádiva o doador procura doar o máximo possível para fortalecer o laço Durante a temporada de pesca de tainha cerca de 40 pessoas passam o dia na Praia do Miguel para a pesca
social (TEMPLE, 1998). de lanço. Algumas famílias acampam na Praia do Miguel em barracos construídos com a autorização do IAP, esses
Diferente da unilateral, na estrutura ternária bilateral, a mutualidade é requerida e as prestações circulam em acampamentos servem para evitar o deslocamento diário à vila, distante aproximadamente quatro quilômetros da praia,
dois sentidos. Segundo Temple (1998), nessa estrutura o sentimento produzido é o da justiça e busca-se doar o suficiente e também para a pesca noturna de cambau.
para equilibrar a dádiva e possibilitar ao outro a retribuição justa. Sabourin (2011b) explica que a estrutura unilateral é Nestes barracos os pescadores passam os dois meses de pesca – da 2ª quinzena de maio até a 1ª quinzena de
fundamentada na lógica da dádiva e, busca-se dar ao máximo para comprometer o donatário e fortalecer o laço social, julho – intercalando com dias em que decidem passar a noite na vila. Os pescadores relatam os momentos vividos
mas na estrutura bilateral, fundamentada na lógica reciprocidade, busca-se a justiça e há uma preocupação em não dar no Miguel como uma experiência exógena quando comparada ao modo de vida na vila. Os mais antigos dizem que a
demais a ponto de impossibilitar a retribuição justa do outro e faze-lo perder o prestígio. vivência no Miguel faz lembrar o modo de vida de seus pais. É comum o discurso de que, no período da pesca da tainha,
Segundo Temple (2009), na estrutura ternária bilateral, a cadeia é contínua e se fecha em forma de rede ou a comunidade estreita seus laços sociais:
círculo. Em forma de rede é quando todos os parceiros mantêm mutualidade, em forma de círculo é quando a mutualidade
não ocorre entre todos. A pesca da tainha é uma forma de juntar mais o povo. Tem aquela união e aquela alegria que dá no povo

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né. Quando pega um cardume bom de tainha dá aquela alegria no povo né, puxar a rede, conversar tudo centro de poder que capta as dádivas e organiza sua distribuição. Na Praia do Miguel o centro redistributivo é o dono da
mundo junto e agitar e tal, então isso ai, pra mim é, além do dinheiro, é juntar o povo e ter essa alegria canoa e da rede, este assume um papel central na pesca coletiva e da sua forma de organização dependem as relações de
aqui na Praia do Miguel, de ter bastante gente junto e tudo mundo dá risada e fala, e corre, e pega e puxa, é
um momento de convivência muito bacana. Junta todo mundo mais perto um do outro e conversam mais. reciprocidade. As prestações são oferecidas em forma de serviços, pois somente através do trabalho coletivo é possível
Depois da pesca da tainha, que todo mundo vai pra lá [para vila] começa, a partir do sete de setembro pra realizar a pesca.
frente [quando começa a temporada de verão], já começa cada um pro seu canto e ninguém mais tem esse
Quanto às regras de distribuição, estas ultrapassam o próprio dono da canoa e da rede, são estabelecidas pelo
contato como tem aqui na Praia do Miguel (Pescador A, 56 anos)8.
costume, pela tradição e legitimadas socialmente. Os próprios pescadores não sabem sobre a origem destas regras: “isso
ai é muito antigo né, muito antigo isso ai, isso ai é das primeiras pescarias que saiam aqui na frente, eles já faziam essa
Há entre os pescadores uma consciência espontânea sobre a preservação da cultura local através da pesca, tendo
regrinha dos quinhão, de como dividir...” (Pescador B, 38 anos). O dono da canoa e da rede adotou as regras utilizadas
em vista a importância desta para as relações sociais e afetivas do grupo:
pelos antigos:
[...] é o que mantem nos ai, mantem a comunidade unida, mantem a cultura, consegue manter a cultura, aos
poucos a gente consegue trazer a nova geração pra participar da cultural local, pra manter essa identidade já fiz pelos antigos mesmo, que eu pescava com eles, né! Pelos Valentim que eu pescava, né! O falecido
e ter o prazer de fazer essa pescaria, e o prazer de passar esses dois meses na Praia do Miguel, como Valdemar, então eu peguei isso aí com eles, é assim que eles repartiam, é assim que vai... vai fazendo né!
uma coisa diferente e fazendo um resgate da própria cultura local [...] o pessoal fica mais concentrado, a E todos os pescadores fazem! Todos os pescadores que pescam assim eles tiram a parte da rede né, a parte
comunidade participa mais, tem mais essa sociabilidade né, umas pessoas com as outras. Na temporada que é da rede, o quinhão da rede, o terço que a gente chama. E depois divide o resto com pessoal, né, de
não tem como, a gente passa um pelo outro e só dá oi, dá bom dia, boa tarde e pronto, porque eu tô quem pesca! (Pescador C, 65 anos)10.
indo fazer uma coisa, tô indo ganhar o meu dinheiro, tô indo fazer um trabalho, tô é... tipo assim, é...
aproveitando o turismo, o comércio, e o verão da Ilha do Mel, sabe... e dai no inverno a gente aproveita
(Pescador B, 38 anos)9. Quando questionado sobre a possibilidade de propor outro modelo para distribuição um pescadores relata:

É meio complicado né, lançar outro modelo que as pessoas podem não aceitar o teu modelo ali, de plano
Todos os pescadores possuem alguma atividade econômica ligada direta ou indiretamente ao turismo na ilha. de contabilidade, então não é legal. É bom deixar assim mesmo como está, porque já é tradição, mudar já
Alguns são proprietários de camping ou pousada, alguns trabalham na coleta de lixo e outros prestam serviços autônomos é uma coisa que vai sair fora do padrão da tradição, é bom deixar o lanço ai (Pescador A, 56 anos).
em construção civil. Poucos são os aposentados na pesca.
A pesca da tainha representa uma renda significativa para os moradores da Vila de Encantadas, principalmente Tais regras estão acima das leis do mercado e se justificam pelas funções de cada um no sistema de pesca
na época de inverno, na qual os serviços turísticos tem sua demanda reduzida. Desta forma, a comunidade de Encantadas (Quadro 1).
mantém duas organizações econômicas bastante distintas: a pesca e o turismo.
No discurso dos entrevistados percebe-se que o turismo se caracteriza como a atividade econômica principal. Quadro 1: Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Lanço.
Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Lanço
Porém, marcada pelo individualismo e por relações sociais menos afetivas. A pesca da tainha é apresentada pelos Divisão do quinhão Logo após a pesca, cada participante, dependendo da quantidade de peixe,
pescadores como uma atividade coletiva e que, apesar de secundária quanto ao turismo, produz valores econômicos e 1. de peixe recebe um, dois ou três peixes para sua refeição.
Todo o peixe é vendido para o mesmo comprador, essa venda é mediada pelo
afetivos muito significativos. 2. Venda do peixe
dono da canoa.
A coexistência das relações de reciprocidade e troca é comum nas economias brasileiras (SABOURIN, 2009). Retirada do terço (em
3. dinheiro)
O valor total da venda é dividido em três, sendo uma parte do dono da canoa.
Na Praia do Miguel não é diferente, troca e reciprocidade organizam as relações econômicas, mas com uma dinâmica Os outros dois terços são subdivididos em quinhões, ou seja, entre todos os
sazonal específica que precisa ser mais bem analisada. Neste estudo, a ocorrência de relações estruturadas de reciprocidade demais participantes da pesca. Aqui há outra regra:
Divisão dos quinhões Os pescadores que embarcaram na Os que ajudaram a puxar a rede
é o foco principal, tendo em vista que as relações de troca estão presentes na pesca coletiva, mais de forma mais tímida 4. (em dinheiro) canoa e os espias recebem 2 quinhões, na praia, inclusive mulheres e
e menos estruturada. ou seja, o dobro dos demais. crianças, recebem 1 quinhão.
Em todas as divisões o dono da canoa retira uma pequena reserva em
Na Praia do Miguel as relações de reciprocidade são estruturadas nas regras de distribuição do pescado. Segundo dinheiro, resultado da falta de troco para todos os quinhoeiros. Por exemplo,
Polanyi (2000; 2012), são as instituições, legitimadas pelas regras e costumes de uma comunidade ou sociedade, que 5. A sobra se um quinhão é avaliado em R$203,50 o dono da canoa retira R$3,50 de
cada quinhão. Esse dinheiro é reservado para retribuir os pescadores que
sustentam as economias de reciprocidade e redistribuição. Para Sabourin (2011a) e Temple (2009), essas instituições são ajudam a trazer a canoa para vila no fim da pesca.
as estruturas que organizam as economias de reciprocidade. Fonte: elaborado pelo autor a partir dos relatos dos pescadores.
A reciprocidade centralizada (SABOURIN, 2011a) ou redistributiva (POLANYI, 2012), é caracterizada por um
8 Entrevista concedida em 23 de Junho de 2015. Entrevistador: Evandro Cardoso do Nascimento.
A justificativa para a retirada do terço é aceita pelos pescadores, pois estes reconhecem a responsabilidade do
9 Entrevista concedida em 25 de Junho de 2015. Entrevistador: Evandro Cardoso do Nascimento. 10 Entrevista concedida em 11 de Julho de 2015. Entrevistador: Evandro Cardoso do Nascimento.

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dono da canoa e da rede pela manutenção dos equipamentos de pesca, bem como o valor investido na aquisição desse dizer, mesmo que... eu tô fazendo essa parte certo, independente se vai acontecer ou não vai acontecer, se
material. Os dois quinhões recebidos pelos que embarcam na canoa são reconhecidos pelo perigo, esforço e habilidade a pessoa vai querer ter o interesse de manter a cultura ou não vai, mas eu tive essa atitude de fazer isso, de
tratar com igualdade porque é interessante tratar todo mundo com igualdade, sabe, então isso que é o bom
requeridos à função: (Pescador B, 38 anos).

Aqueles ganham duas partes, ganham dois quinhão como se fossem duas pessoas trabalhando, é o dobro
daquele que fica ali na praia só puxando a rede, aquele dali que corre mais risco, dá mais garra, mais Na pesca de cambau as regras de distribuição são parecidas. Porém, tem suas especificidades, pois a técnica de
força, rema né, pra encarar o perigo, ali o dono da rede dá dois quinhão praquela pessoa que vai na canoa pesca requer outras funções e habilidades (Quadro 2).
(Pescador A, 56 anos).
Quadro 2: Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Cambau.
Para buscar o máximo de igualdade entre os pescadores, quanto à divisão dos quinhões, é realizado um rodízio Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Cambau
Como muitos pescadores possuem redes para camboar, eles organizam um
entre aqueles que embarcam na canoa, dessa forma é dado a todos a oportunidade de receber dois quinhões. Esse rodízio 1. Rodízio de redes
rodízio por noite.
também serve para inserir novos pescadores ao sistema de pesca, pois eles entendem que desta inserção depende o futuro Como a quantidade de peixe é pequena comparada ao lanço, geralmente
a divisão dos quinhões termina aqui servindo apenas para consumo. Todo
da pesca. Divisão do quinhão
2. de peixe
peixe é dividido, o pescador que camboar “por fora” (geralmente o dono
do cambau) recebe 2 quinhões, já os que camboaram “por terra” recebe 1
quinhão.
Eu fui agora na canoa, certo... demos um lanço... se sair um lanço agora e tiver pessoa suficiente pra dar
Só ocorre quando a pesca é considerada grande (acima do necessário para
ir na canoa, eu não vou, eu deixo outra pessoa ir no meu lugar, porque eu já tive a chance de ir. Então 3. Venda do peixe
consumo). A venda é mediada pelo dono do cambau.
quer dizer, eu tô fazendo uma coisa sustentável, certo, tipo assim, não é egoísmo nem ganância da minha O valor total da venda é dividido em três, sendo uma parte do dono do
parte, sabe... eu tô dando a oportunidade pras outras pessoas fazerem o mesmo... [...] como ele [o dono Retirada do terço (em cambau. Essa regra é flexível, pois muitas vezes o valor retirado pelo dono
da canoa] viu que algumas pessoas estavam pulando duas ou três vezes na canoa e não estavam deixando 4. dinheiro) do cambau não chega a um terço. (caso o dono do cambau não participe da
as outras pessoas, mesmo que estivessem pessoas pra puxar naquele momento, e dai ele falou: não, isso pesca seu terço também está garantido).
não pode acontecer... porque senão vai gerar conflito entre as pessoas, dai o rapaz vai chegar pra você: Os outros dois terços são subdivididos em quinhões, ou seja, entre os demais
pô, mas fulano e ciclano toda hora estão pulando na canoa pra querer ganhar mais que os outros. Então Divisão dos quinhões participantes da pesca, inclusive o dono do cambau. Aqui há outra regra:
gera esse conflitinho assim... interno, então pra gente acabar com esse coisa, e gente faz o quê... então faz 5. (em dinheiro)
Os pescadores que camboaram “por
Os pescadores que camboaram
o seguinte: a mesma responsabilidade que você assume na canoa o outro também assume... certo, então, fora” recebem 2 quinhões, ou seja, o
“por terra” recebem 1 quinhão.
dobro dos demais.
tipo assim, se eu fui uma vez eu tenho que deixar o outro, agora se não tem outra pessoa pra ir, eu tenho
que ir porque o lanço tem que sair de alguma forma, certo (Pescador B, 38 anos). Fonte: elaborado pelo autor a partir dos relatos dos pescadores.

Já os dois quinhões recebidos pelos espias são reconhecidos pelo tempo dispensado ao ofício e pelo papel Nos dois tipos de pesca há uma preocupação coletiva com a divisão justa dos rendimentos, que não tem relação
crucial no sistema da pesca: com o equilíbrio mercantil estruturado sobre a lei da oferta e da procura. Essa justiça é buscada no princípio da equivalência
entre os serviços prestados na pesca (dono da rede, espia, proeiro, popeiro, chumbereiro) e a categoria de participação na
porque o espia enfrenta lá no morro, né, tá lá direto, né! Pega chuva, pega vento, pega sol, pega tudo lá divisão (um terço, um quinhão, dois quinhões).
e ele tá lá, né! Tá lá! Porque sem o espia também a gente não é nada também! Não tem pescaria, se não
tem o espia! Porque o peixe passa e vai embora e não tem quem veja né! Então tem que ter! (Pescador C,
Considerações Finais
65 anos).
A pesca da tainha é um trabalho coletivo e as regras que orientam a partilha do pescado entre os trabalhadores
Quanto à participação de pessoas ‘de fora’, mulheres e crianças na divisão dos quinhões prevalecem o senso de são estabelecidas social e culturalmente. Mesmo que de origem incerta, essas regras de distribuição são respeitadas,
justiça e igualdade: utilizadas e atualizadas pelos pescadores da Praia do Miguel. Formam uma espécie de controle social da comunidade
sobre suas relações econômicas. Sabourin (2011) utiliza a noção de dispositivos coletivos ou institucionais para definir
tua participação é o que faz puxa a rede pra praia, é tua força, tua energia, sabe como, eu não posso ser essas regulamentações sem estatutos formais.
desleal com você nesse momento, porque você, sem a sua participação não tem aquela energia colocada
ali pra puxa a rede, não tem aqueles 200 peixes da praia, 300 peixe... eu acho justo, se o cara tá aqui de São esses dispositivos que institucionalizam as relações sociais e econômicas destes pescadores, e podem ser
manhã cedo aqui e ele ajuda a puxa a rede, é igualdade certo, ele também coloco os mesmos esforços qualificados como estruturantes de uma reciprocidade centralizada (TEMPLE, 2009) ou redistributiva (POLANYI,
que todos colocaram, é uma energia... [...] As crianças também, as crianças também participam ganham
2012). Entendendo que estrutura designa uma organização que articula elementos que constroem as relações sociais. As
o quinhão, tem porque tá ajudando [...] Ganham igual, porque a participação da criança, eu acho que ela
tem o interesse dela, o interesse porque é divertido, o interesse porque gosta, o interesse porque eu consigo regras que orientam a partilha do peixe compõem uma espécie de controle social sobre a pesca, esse controle ultrapassa a
manter uma tradição, uma cultura, envolvendo a nova geração nesta cultura, faz o resgate, então quer formalidade das leis trabalhistas e sustenta a mutualidade, o respeito, a justiça e a confiança entre os pescadores.

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Nesta estrutura de reciprocidade centralizada há um centro de poder legitimado socialmente. Sabourin (2011a) ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL PARA O MUNICÍPIO DE INÁCIO
destaca que esse centro de redistribuição torna-se uma autoridade no grupo. Temple (1998) destaca que os sentimentos MARTINS - PR
gerados a partir da estrutura de reciprocidade centralizada é o da obediência ao centro, esse sentimento é gerado a partir
de uma confiança não espontânea.
As normas de distribuição tornam-se uma estrutura que orienta as relações de reciprocidade centralizada e Sirlei Terezinha Gadomski Rocha1; Carlos Alberto Marçal Gonzaga2; Sérgio Luis Dias Doliveira3; Mônica Aparecida
produz valores materiais (consumo e renda) e valores imateriais (amizade, justiça, confiança e pertencimento). A pesca Bortolotti4; Maricléia Leite5
da tainha depende dessas relações de reciprocidade, pois o sucesso de um lanço, por exemplo, depende do trabalho
coletivo.
Essas relações de reciprocidade coexistem com as relações de troca, principalmente no momento da RESUMO
comercialização do pescado. O grupo da Praia do Miguel comercializa o peixe no Mercado Municipal de Paranaguá.
O presente artigo é resultado de um debate teórico acerca da relação entre o desenvolvimento local e a sustentabilidade
Essa relação é sempre conflituosa desde a pesagem do peixe até o valor pago pelo quilo. para uma área de proteção ambiental. O município de Inácio Martins - PR, inserido na APA Estadual da Serra da
A divisão do terço e dos quinhões é feita em dinheiro pelo dono da rede. Porém, como explica Sabourin (2011a, Esperança possui 51% de seu território como área de proteção ambiental e apresenta características de carência de ações
p. 120), “quando a estrutura de reciprocidade é forte o suficiente, a monetarização [...] não significa necessariamente de desenvolvimento e sustentabilidade para manter a preservação dessa área. Neste sentido, propõe-se a reflexão de que
a sustentabilidade, a partir de estímulos de organização e participação coletiva, pode contribuir para o desenvolvimento
uma mercantilização do trabalho”. Não há, por exemplo, entre os pescadores da Praia do Miguel uma relação como a de
local, pois tanto a sustentabilidade quanto o desenvolvimento local, discutidos no âmbito interdisciplinar permitem
patrão e empregado. novas formas de relacionamento entre a comunidade e o meio ambiente. A pesquisa qualitativa, conduzida por pesquisa
bibliográfica seguida de pesquisa de campo, se propõe, a partir do confronto entre a literatura e a análise da situação do
Referências município, a um levantamento de possíveis ações e alternativas de desenvolvimento sustentável para o referido município,
AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Morais. (Orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora cuja adoção pode trazer contribuições importantes para superar as dificuldades de desenvolvimento.
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ABSTRACT
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MUSSOLINI, Gioconda. O cerco da tainha na Ilha de São Sebastião. In. DIEGUES, A. C. (org.) Enciclopédia Caiçara: Esperança Environmental Protection Area and one of its characteristics is the lack of local development and sustainability
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INTRODUÇÃO problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou ainda,
descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. A pesquisa de campo consiste na observação de fatos
As preocupações que têm embasado os estudos sobre a sustentabilidade nos últimos anos tornaram-se temas de e fenômenos tal como ocorrem, espontaneamente, na coleta de dados a eles referentes e no registro de
variáveis que se presumem relevantes para analisá-los. (TAMAKI, 2005, p. 19).
discussão mundial a partir da década de 1970 e ainda hoje são amplamente debatidos em todas as esferas de conhecimento
e órgãos públicos regulamentadores.
A escolha do tema deve-se a continuidade de estudos já realizados na região, adequando seu desenvolvimento
Especificamente nos municípios com áreas de proteção ambiental, vivencia-se a necessidade de fomentar as sob a ótica interdisciplinar das práticas de desenvolvimento local sustentável e sua efetividade a partir da realidade
discussões sobre a sustentabilidade em todas as suas dimensões, a fim de melhorar a compreensão destes conceitos e a percebida, tomando como base a problemática que envolve a questão e as dificuldades na busca de alternativas que
correta aplicação das políticas públicas na busca do almejado desenvolvimento sustentável. promovam a implantação efetiva das propostas, face ao descompasso percebido no desenvolvimento local. A partir de
dados coletados, ênfase foi dada às questões que envolvem as práticas de sustentabilidade coordenadas com as práticas
Meyer (2000) enfoca que o conceito de desenvolvimento sustentável apresenta pontos básicos que devem
de desenvolvimento local, em relação à melhoria da qualidade de vida e o ambiente.
considerar, de maneira harmônica, o crescimento econômico, maior percepção com os resultados sociais decorrentes
e equilíbrio ecológico na utilização dos recursos naturais. A forma de viabilizar com equilíbrio essas características é o
grande desafio a enfrentar nestes tempos.
1. REVISÃO TEÓRICA
Dessa maneira, esse trabalho volta sua atenção para uma região específica, o município de Inácio Martins - PR,
pela sua atual necessidade de alcançar o desenvolvimento local sustentável, tendo em vista a sua abrangência dentro da 1.1 Desenvolvimento Local Sustentável
Área de Proteção Ambiental Estadual da Serra da Esperança e o relevante índice de desenvolvimento humano. O objetivo A necessidade de se discutir o desenvolvimento sustentável decorre das profundas mudanças que vêm ocorrendo
que orienta a discussão deste artigo é explorar as possibilidades de abordagem sobre as condições de desenvolvimento no meio ambiente desde a Revolução Industrial e que intensificou-se a partir do início do século XX, proporcionado
local no Município de Inácio Martins - PR, em território definido como uma Área de Preservação Ambiental (APA) que, pelo notável avanço científico e tecnológico. Atualmente o discurso é fomentado pelos movimentos ambientalistas pela
dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, classifica-se como de uso sustentável. Assim, este artigo está preservação dos recursos naturais e pela produção de produtos “ambientalmente corretos”.
dividido em: introdução, metodologia, revisão teórica, discussão e resultados e considerações finais, além das referências.
Desde 1987, quando no Relatório Brundtland cunhou-se o conceito de desenvolvimento sustentável mais
conhecido e citado, já se entendia que tal desenvolvimento implica num processo de transformação em que “a exploração
METODOLOGIA dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se
O estudo está inserido na metodologia qualitativa de pesquisa. Os dados foram coletados por meio de pesquisa harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro de atender às necessidades e aspirações humanas”. (ONU, 1987)
de campo realizada no Município de Inácio Martins – PR. A pesquisa qualitativa permite que haja a possibilidade do Desde então, o termo desenvolvimento sustentável ganhou grande popularidade e vem sendo alvo de muitos
tema enfocado ser identificado a partir dos seus sentidos e dos seus significados no meio social, colaborando para sua estudos e tentativas de estabelecimento de políticas gerais que buscam contemplar os seus princípios centrais. A definição
compreensão a partir dos efeitos que origina na realidade, revelando um maior aprofundamento no estudo de suas de Buarque (1998) para desenvolvimento local sustentável se traduz em um:
características, condição apontada por Lehfeld (2007). Processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade; compatibilizando, no tempo e
no espaço, o crescimento econômico, a conservação ambiental, a qualidade de vida e a equidade social,
uanto aos meios a pesquisa é caracterizada como estudo de caso, bibliográfica e documental. O estudo de caso
Q partindo de um claro compromisso com o futuro e a solidariedade entre gerações. (BUARQUE, 1998,
p.38).
é um método empírico que investiga um fenômeno atual em profundidade dentro de seu contexto real, principalmente
quando esses não possuem os limites claramente evidentes. (YIN, 2010).

estudo foi conduzido através das informações encontradas na literatura existente sobre sustentabilidade e
O A busca do desenvolvimento local sustentável requer processos de mudanças sócio-políticas, socioeconômicas
desenvolvimento local, utilizando ainda de levantamento de dados sobre o município estudado, coletados nas bases e institucionais, que assegurem a satisfação das necessidades básicas da população e a equidade social no presente,
oficiais e pesquisa de campo para a produção do conteúdo necessário às análises. A pesquisa de campo permite que sejam ressaltando que não se possa postergá-las para o futuro.
buscadas, no meio social, informações que resultam no aprofundamento da percepção acerca dos sentidos e significados
Para Raynaut (2004), a noção de desenvolvimento sustentável é relativa. Ela varia em função de quem a utiliza e de
do assunto estudado. Tamaki (2005, p. 19) assevera que a pesquisa de campo:
onde ele se situa para definir seu conteúdo:
[...] é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ ou conhecimentos acerca de um

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A sustentabilidade para uma comunidade local à procura dos meios da sua reprodução física e social no seu e enfrentar os problemas que se apresentam, buscando múltiplas teorias para explicá-los. Essa necessidade ocorre devido
ambiente de vida não vai ter o mesmo significado para um movimento ambientalista que pretende preservar
à diversidade das questões a serem resolvidas bem como das possíveis soluções para o desenvolvimento local sustentável.
a “Mata Atlântica”, elemento do patrimônio mundial ou para uma empresa que busca “externalizar” os
danos ambientais que causa no seu entorno, exportando os resíduos para zonas longínquas. (RAYNAUT,
2004, p. 31). Palhano (2012), em seu estudo sobre Interdisciplinaridade da sustentabilidade empresarial, afirma que:
O tratamento interdisciplinar da questão da sustentabilidade não se resume a uma discussão epistemológica.
Esta prática tem o potencial de ser fornecedora de conhecimento para os tomadores de decisões, por ter
“olhares e saberes” com formações distintas, voltados para as mesmas questões, com o compromisso de
Segundo Barbieri e Cajazeira (2009), ainda não há um consenso sobre a definição de sustentabilidade na literatura,
que, por meio da colaboração, se chegue a uma síntese comum através da complementaridade entre eles.
tendo em vista que tal termo se originou da contribuição de diferentes escolas e pensamentos. É evidente a diversidade (PALHANO, 2012, p. 51).
das interpretações, das prioridades e dos objetivos dos atores sociais na discussão acerca do desenvolvimento sustentável,
no entanto, percebe-se uma mesma aspiração que reúne esses vários pontos de vista, ou seja, a busca de um equilíbrio nos
sistemas naturais, nos sistemas sociais e na relação entre ambos. Percebe-se que os estudos sobre o desenvolvimento sustentável nos últimos anos indicam um movimento que
busca cada vez mais a compreensão deste fenômeno a partir de uma visão mais ampla e sistêmica.
Sachs (2008) defende que o desenvolvimento sustentável depende de cinco pilares: social, ambiental, territorial,
econômico e político. A sustentabilidade social indica a necessidade de maior equidade na distribuição de renda e de De acordo com Horst, Fuginaga e Rodrigues (2013, p. 11) “o desenvolvimento comunitário sustentável envolve
bens. A sustentabilidade ambiental indica a necessidade de preservar o equilíbrio dos ecossistemas pela adequação uma grande quantidade de atores no seu planejamento e execução”. Os mesmos autores ainda afirmam que, direcionando
das práticas de produção e consumo. A sustentabilidade territorial indica a necessidade de uma configuração rural- os estudos ambientais de maneira interdisciplinar, aplicando a concepção aglutinadora da realidade, na qual as situações
urbana mais equilibrada e uma distribuição mais adequada dos assentamentos humanos e das atividades econômicas. A estão interligadas, os indivíduos passam a compreender melhor essa interligação, pois percebem que o meio ambiente
sustentabilidade econômica indica a necessidade de gerenciamento e alocação eficientes dos recursos disponíveis e de não constitui objeto de estudo de apenas uma área do conhecimento. Neste processo, se faz necessário estreitar relações
um fluxo constante de investimentos públicos e privados. A sustentabilidade política indica a necessidade de consolidar com várias outras áreas do conhecimento. Assim, o desenvolvimento local sustentável afirma-se como um processo
os processos democráticos para a inclusão e participação de todos nos processos de decisão pública. dinâmico e complexo, através das reflexões interdisciplinares para uma nova prática.
Almeida (2002) afirma que a ideia é de integração e interação, propondo uma nova maneira de olhar e transformar
o mundo, baseada no diálogo entre saberes e conhecimentos diversos. No mundo sustentável, uma atividade não pode
ser pensada ou praticada em separado, porque tudo está inter-relacionado, em permanente diálogo. Neste sentido, se 2. Apresentação e Discussão dos Resultados
faz necessária ampla participação de todos os envolvidos no processo de desenvolvimento trazendo novos desafios aos 2.1 Área de Preservação Ambiental – APA
pesquisadores e profissionais do campo ambiental tanto nos campos epistemológicos como metodológicos. Relatada no artigo 14, inciso I da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei N.º 9.985
de 18/07/00, a Área de Proteção Ambiental (APA) compõe o grupo das unidades de conservação de manejo sustentável.
De acordo com o artigo 15 da referida Lei, a APA é conceituada como sendo uma área
1.2 O viés interdisciplinar do desenvolvimento sustentável [...] em geral grande, com certa quantidade de ocupação humana, composta por elementos abióticos,
bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das
Há que se considerar que os conhecimentos disciplinares tiveram uma grande evolução no século XX, bem como populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o
processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
em muito contribuíram para o desenvolvimento de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, para
Morin (2003, p. 40) “esses progressos estão dispersos, desunidos, devido justamente à especialização que muitas vezes A APA Estadual da Serra da Esperança foi criada em 1992 para proteger a Escarpa Mesozóica no Estado do
omite os contextos, as globalidades e as complexidades.” De acordo com o autor, a fragmentação do conhecimento em Paraná e seus remanescentes de floresta ombrófila mista (floresta com araucária), bem como para proteger nascentes e
disciplinas dificulta ou impossibilita o aprendizado do que está tecido junto, impedindo a visão do todo. fontes de abastecimento a Municípios das bacias do Rio Iguaçu e do Rio Ivaí. (PARANÁ, 1992, apud GONZAGA et al
, 2011).
Neste sentido, o desenvolvimento local sustentável, como proposta centrada no atendimento das necessidades
Localizada no Centro Sul do Estado do Paraná, a APA possui área de 206.555,82 ha e abrange o território de dez
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades, tem nas
municípios (Guarapuava, Prudentópolis, Inácio Martins, Irati, Rio Azul, Mallet, Paulo Frontin, Paula Freitas, União da
práticas interdisciplinares um espaço para repensar suas teorias, conhecimentos e as formas de pensar, e se concretizar
Vitória e Cruz Machado). (PARANÁ, 1992).
como um movimento capaz de unir o saber e os sujeitos deste. Para tanto, necessita da troca entre os diversos setores da
2.2 O município de Inácio Martins - PR
sociedade, e entre pesquisadores na busca das respostas. Diferentes abordagens são necessárias para entender a realidade
O antigo distrito de Guarapuava, até então denominado de Guarapuavinha, tornou-se município através da Lei
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Estadual n°4.245 de 25 de julho de 1960 sendo instalado oficialmente em 25 de novembro de 1961. Sua sede está 2.3 Alternativas para o Desenvolvimento local Sustentável
localizada no 3º Planalto, na Serra da Esperança, a 1.202 metros de altitude do nível do mar, sendo o município mais alto A resultante do confronto entre as bases teóricas e legais, associadas ao estudo de caso possibilitou o identificar
do Paraná, tendo como limites os municípios de: Prudentópolis, Rio Azul, Irati, Cruz Machado, Guarapuava e Pinhão. A pontos críticos e permitiu a elaboração de proposições e medidas capazes de contribuir para implantação de práticas e
População Total do Município era de 10.943 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de ações mais efetivas.
Geografia e Estatística. (IBGE, 2010). Em Inácio Martins, apesar das leis ambientais e Áreas de Proteção Ambiental (APA’s) existentes, pouco se tem
feito para frear o avanço sobre as matas nativas, afinal o extrativismo florestal e o desmatamento ainda é muito intenso,
Conforme pode ser visto no Plano de Manejo da citada APA desenvolvido pelo Instituto Ambiental do Paraná,
em consequência das principais atividades econômicas do município. As coberturas nativas de pinheiro araucária, canela,
Inácio Martins é o que está mais inserido, dentre os dez municípios abrangidos pela APA da Serra da Esperança. Inácio
cedro e imbuia que ainda restam vêm sendo substituídas pelos plantios de exóticas, como Pinus e de Eucalipto.
Martins possui 51% da sua superfície dentro da APA, seguido dos municípios de Mallet (37,4%) e União da Vitória
Dentre as soluções de renda disponíveis, há o Programa Bolsa Verde, instituído pela Lei Federal n. 12.512/2011
(34,6%). (IAP, 2009).
e regulamentado pelo Decreto Federal n. 7.572/2011. Trata-se de um Programa de Apoio à Conservação Ambiental,
O município de Inácio Martins é o único com sede dentro da APA da Serra da Esperança. Além de abranger a área que concede, a cada trimestre, um benefício de R$ 300 às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas
urbana do referido município a APA também engloba um total de 16 comunidades. (PARANÁ, 1992). consideradas prioritárias para conservação ambiental. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o município de
Inácio Martins possui 26 famílias cadastradas e beneficiárias do programa. (BRASIL, 2011; MMA, 2015).
Aproximadamente 50% das famílias que estão no interior da APA pertencem aos municípios de Guarapuava e A geração de novas tecnologias e implantação das já existentes é fundamental para o desenvolvimento. O
Inácio Martins. Segundo estimativas dos próprios moradores, Inácio Martins tinha 661 famílias, 2.244 moradores na Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) criou e disponibilizou uma Cartilha que ensina a obter
APA, o que representa 24,2% dos residentes (famílias/moradores). (IAP, 2009). Entretanto, conforme aponta Gonzaga et renda com bracatingais em assentamentos, que contribui para a utilização e agregação de valor na madeira da bracatinga,
al (2011), em Inácio Martins, “se considerarmos os habitantes da sede do município, mais de 70% do total de moradores árvore nativa das regiões mais frias do Sul do Brasil que pode ser aproveitada para lenha e também para a construção
do município residem dentro da APA e seu entorno imediato”. e mobiliário. (INCRA, 2007).
Diante da dificuldade em prover soluções plausíveis e ambientalmente corretas e sustentáveis para essa população A criação da APA da Serra da Esperança, em 1992, proporcionou aos municípios incluídos em sua área de
da região de Inácio Martins é evidente a necessidade de se buscar alternativas viáveis de práticas de desenvolvimento abrangência o beneficio de receber ICMS Ecológico, pelo critério “áreas protegidas” ou “biodiversidade”. Com base
local sustentável. em dispositivo constitucional o Município de Inácio Martins recebe ICMS Ecológico, que equivale a aproximadamente
De acordo com Gonzaga, et al, que em pesquisa de campo realizada entre 2009 e 2011, dez por cento da receita municipal anual (IAP, s/d). Tal receita, porém, proveniente de um percentual do Fundo de
A situação de geração de renda dentro da APA é mais crítica para o município de Inácio Martins,
Participação dos Municípios sobre a arrecadação do ICMS pelo Estado, foi estabelecida por lei específica a fim de
cujo território está mais de 50% em área de preservação e onde mais de 25% da sua população rural
reside dentro de área protegida ambientalmente. O cenário é mais dramático se considerarmos que, compensar o município pelas restrições ao uso do solo nas Unidades de Conservação. Mas este, porém é recurso que
historicamente, o município desenvolveu-se com a tradição de extrativismo florestal e suas terras são em entra na conta geral da Prefeitura Municipal e é absorvido no orçamento sem distinção nem destinação específica. O
grande porcentagem impróprias para cultivo mecanizado de qualquer cultura. Permanecem as práticas
estabelecimento do repasse do ICMS tem ajudado a diminuir as dificuldades dos municípios menores, pois tais repasses
extrativistas ilegais para produção de carvão e a extração de espécies ameaçadas de extinção, como o
xaxim (eventualmente reprimidas pelo poder de polícia do estado). Há fornos de carvão legalizados passaram a ser uma das principais fontes de receita dos pequenos municípios brasileiros. Sendo assim, tornou-se relevante
que utilizam madeira de reflorestamento e vendem para revendedores/distribuidores, mas a renda é de o planejamento do uso dos recursos provenientes de tal fonte.No entanto, a desigualdade na geração de renda se traduz
subsistência; os distribuidores, por estarem inseridos em relações comerciais mais estruturadas é que
auferem renda acima do nível da pobreza. De forma geral, em Inácio Martins, a renda significativa do num quadro de desigualdade técnica, quantitativa e qualitativa, resultante das distorções ocasionadas pela assimetria de
trabalhador rural com pequenas propriedades dentro da APA é oriunda de serviços prestados às empresas informações e de oportunidades.
reflorestadoras e madeireiras. (GONZAGA et al, 2011, p. 9). O sucesso da implantação de políticas, programas e iniciativas que visam o desenvolvimento local sustentável,
no município de Inácio Martins, passa pelo estímulo à participação e envolvimento de todos os stakeholders da região
Além disso, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou os índices de
nas tomadas de decisão sobre obtenção e uso de recursos. Pois não é sustentável um programa de proteção ao meio
desenvolvimento humano e colocou o município de Inácio Martins na 394º colocação no ranking paranaense, com média
ambiente que exclui a comunidade local da participação direta nos processos de definição de prioridades que afetam a
geral de 0.600 (PNUD, 2013). Apesar de o Índice ser avaliado como médio Inácio Martins tem muito a melhorar, pois a
todos, dentre as quais apresentam-se as seguintes alternativas:
394º colocação demonstra a necessidade de investimentos em políticas públicas e/ou sociais se consideramos o número
− Formação de parcerias do poder público com Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras instituições públicas
de municípios que compõem o Estado do Paraná, que totalizam 399, e que o mesmo é o 178º mais populoso. (IPARDES,
ou privadas para a criação e implantação de iniciativas relevantes na geração de renda à população
2013).
− Promoção e articulação entre os órgãos públicos e a iniciativa privada para dar suporte ao amplo acesso às cadeias de

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valor dos produtos locais. Estímulo á adoção de novas tecnologias sustentáveis, como a do manejo a dos bracatingais desenvolvimento local especificamente para o município de Inácio Martins - PR. Espera-se que a maior contribuição do
em assentamentos, que contribui para a utilização e agregação de valor na madeira da bracatinga. (STEENBOCK, artigo seja apresentar um quadro de referência para desenvolvimento de conceitos, de modo a auxiliar pesquisas futuras
2009) fundamentadas nesses aspectos.
− Incremento na adoção de sistemas agroflorestais, para reduzir a dependência de produtos com pouco valor agregado e
contribuir para aumentar a diversidade biológica.
REFERÊNCIAS
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aos potenciais existentes e atrair negociações. ALMEIDA, Fernando. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
− Fomento à implantação de sistemas gerenciados de manutenção dos ecossistemas naturais, como por exemplo, a
servidão florestal, que aumenta os recursos financeiros da contrapartida privada que se utiliza de produtos naturais e BARBIERI, José Carlos; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel. Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável:
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− Implantação de política de turismo ecológico e de aventura, que se beneficiaria do que o município possui de abundante:
floresta, montanhas, rios e cachoeiras. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Desenvolvimento Rural. Bolsa verde. Disponível em: http://www.mma.gov.
As instituições de ensino superior em projetos de pesquisa e desenvolvimento da região são de extrema importância br/desenvolvimento-rural/bolsa-verde/item/9141 Acesso em: jun. 2014.
no tocante a propagação de formas de sustentabilidade, através da oferta de cursos até a pesquisa in loco com o próprio BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum: comissão mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento. 2.
morador rural para descobrir a melhor maneira de aproveitar a região ecologicamente de acordo com as especificidades ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.
locais.
BUARQUE, Sergio C. Metodologia de Planejamento do Desenvolvimento Local e Municipal Sustentável. Brasília:
Futuros trabalhos podem ser desenvolvidos, avaliando-se o valor que é aplicado nas comunidades inseridas na
INCRA/IICA, 1998.
área de conservação ambiental, em relação ao valor de ICMS Ecológico recebidos pelo Município. Pode-se também
avaliar o impacto financeiro, que trazem as áreas de conservação, para as famílias que vivem em seu entorno, levantando- GONZAGA, Carlos Alberto Marçal; PRADO, Keyla Cristina Pereira; SILVA, Antônio João Hocayen; FREITAS, Carlos
se aspectos como renda, emprego, construção de moradias, saneamento e serviços públicos. Cesar Garcia. Renda da Terra em uma Área de Proteção Ambiental no Paraná. In: Anais do VII Congresso Nacional de
Excelência em Gestão. 12 a 13 de agosto de 2011, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://www.excelenciaemgestao.
CONSIDERAÇÕES FINAIS org/Portals/2/documents/cneg7/anais/T11_0351_2086.pdf Acesso em: out. 2013.
Diante do estudo realizado é possível identificar que o desenvolvimento local sustentável para o município de
HORST, Luciane Vanessa Mendes; FUGINAGA, Cristina Ide; RODRIGUES, Alcir Humberto. Educação ambiental
Inácio Martins carece da ação de todos os que estão envoltos na área de proteção ambiental na região estudada.
e desenvolvimento comunitário: perspectiva interdisciplinar. Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no
O desenvolvimento local sustentável está relacionado com a efetivação de iniciativas que possam estimular o
Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul. UFSC, 2013. Disponível em: http://www.siiepe.ufsc.br/wp-content/
aproveitamento e o desenvolvimento das potencialidades existentes. Essa perspectiva de desenvolvimento está inserida
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na noção de concretização de interesses comuns, sendo importante, para que isto ocorra, a mobilização social, fazendo
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A maioria das atividades econômicas do município estudado são ainda bastante tradicionais, inclusive nas
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sustentável.
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A adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável permite a diversificação das atividades produtivas do
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município e proporciona melhorias para as comunidades rurais, garantindo a permanência das famílias no campo, com
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maior qualidade de vida e assegurando o futuro a partir do uso racional dos recursos naturais.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/ Acesso em: out. 2013
A realização do presente estudo proporcionou uma maior compreensão dos termos de sustentabilidade e
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Desenvolvimento Territorial Sustentável: limites sociais do crescimento. 1. INTRODUÇÃO
O presente artigo traz a memória algumas das ideias de Fred Hirsch contidas em sua principal obra “Limites so-
ciais do crescimento”, na qual o autor discute a exasperada busca por crescimento econômico, em detrimento do social.
Jessé Beserra da Silva1 Neste trabalho nos ateremos àquelas que dizem respeito aos temas sociais e econômicos. Para tanto, apresenta-se inicial-
mente o autor, suas obras e suas principais ideias, na obra em epígrafe, para posteriormente contextualizar e problematizar
as reais necessidades, por crescimento econômico, preconizadas por ele, a atualidade e a pertinência de suas ideias, e o
RESUMO modo como estabelecem um estreito diálogo com as teorias, do desenvolvimento territorial sustentável, desenvolvidas
Neste artigo, procuramos trazer a memória algumas das ideias de Fred Hirsch contidas em sua principal obra, ”limi- pelos autores que defendem a ecossocioeconomia.
tes Sociais do Crescimento”, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento territorial sustentável, revendo o
estreito diálogo entre estas e a teoria da ecosocioeconomia. Para tanto, divide-se este trabalho em três momentos: em
primeiro lugar, fizemos uma apresentação desse economista austríaco com um breve resumo das ideias do autor contidas
no referido livro onde também examinamos seus conceitos acerca dos ”limites Sociais do Crescimento”; em segundo 2. METODOLOGIA
lugar fizemos uma breve recapitulação das teorias da ecossocioeconomia; e por último, a título de conclusão, elaboramos
algumas considerações sobre as suas contribuições na perspectiva da sustentabilidade, sob a égide dos pressupostos do Este estudo vale-se de uma pesquisa com metodologia exploratória, anteriormente realizada, nas publicações
desenvolvimento territorial sustentável. estudadas no conteúdo das disciplinas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial
Sustentável, bem como das experiências vivenciadas no decorrer da parte propedêutica relativa à economia ministrada na
primeira parte do curso a qual, em termos teóricos, poderia ser qualificada como estudos em ecossocioeconomia. Essas
Palavras-chave: crescimento; desenvolvimento; sustentabilidade; território. experiências foram catalogadas processualmente e analisadas de forma definitiva, a partir do projeto de mestrado, já qua-
lificado no referido Programa, no qual se visitou, teoricamente, as demais experiências aqui apresentadas, em um extrato
resumido, daquilo que consideramos pertinentes.

ABSTRACT
3. APRESENTAÇÃO
In this paper, We seek to bring to memory some of Fred Hirsch’s ideas contained in his major work, “Social Limits to
Growth”, especially with regard to sustainable territorial development, reviewing the close dialogue between them and
the theory of ecossocioeconomia. Therefore, this work is divided in three stages: First, we made a presentation this Aus- A guisa de apresentação do autor não há muitos relatos, em literatura portuguesa, sobre o economista austríaco Fred
trian economist with a brief summary of the author’s ideas contained in that book which also examined its concepts about
“Social Limits to Growth”; secondly we made a brief recap of the theories of ecossocioeconomia; and finally, by way of Hirsch, mas conforme consta de sua biografia na enciclopédia eletrônica inglesa Wikipédia, Hirsch...
conclusion, we made some considerations on their contributions from the perspective of sustainability, under the aegis of
the assumptions of sustainable territorial development. […]nasceu em Viena no ano de 1931, e no ano de 1934, logo após a Guerra Civil Austríaca, sua família migrou para
a Grã-Bretanha, onde Hirsch fez todos os seus estudos, e em 1952, se graduou na Escola de Economia de Londres,
após isto trabalhou como jornalista financeiro em dois jornais londrinos, o The Banker e o The Economist e neste
Key-words: growth; development; sustainability; territory. último chegou a ser Editor Financeiro, entre os anos de 1963 e 1966.[…] He was a senior adviser to the International
Monetary Fund , [ 3 ] from 1966 to 1972 where he worked on international monetary problems.Wikipédia (2015).

Todavia Hirsch foi um escritor muito prolífero, tanto escrevendo sozinho quanto em parceria com outros autores.
De sua lavra constam como sendo suas principais obras: “Money International“;   “Newspaper Money: Fleet Street and
the search for the affluent reader“; “Social Limits to Growth“;   “Alternatives to Monetary Disorder“; e  “C.I.A.and the
Labour Movement“. Após obter notoriedade academica, de acordo com a enciclopédia Wikipédia, Hirsch

[…] se tornou Conselheiro Sênior do Fundo Monetário Internacional-FMI, entre os anos de 1966 e 1972, onde tra-
balhou em Comissões relativas a problemas monetários internacionais, especialmente aqueles que afligiram países
em crescimento como no caso do Brasil, tais como foram as crises causadas pelas sucessivas altas do barril de pe-
tróleo na década de 1970.Afterwards he spent two years as a research fellow at Nuffield College, Oxford, from 1972
to 1974, where he started working on his book The Social Limits to Growth (RKP, 1977), having previously written
Money International (Allen Lane, The Penguin Press, 1967), and Newspaper Money: Fleet Street and the search
for the affluent reader (with David Gordon) (Hutchinson, 1975) . […] Depois disso, Hirsch passou dois anos como
pesquisador no Nuffield College, Oxford, entre os anos de 1972 e 1974, onde começou a trabalhar em seu livro Os
1 Mestrando no PPG-DTS da UTFPR-Litoral Jesse.beserra.silva@gmail.com limites sociais do crescimento (1977), tendo previamente escrito Dinheiro Internacional (1967), e Jornal Dinheiro:

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Fleet Street e a busca para o leitor fluente (com David Gordon e Hutchinson, 1975). In 1975 he joined the University suas principais necessidades biológicas de alimentação, para manter-se viva, abrigo e roupa. A distinção econômica
of Warwick at the Chair of International Studies . Em 1975 ingressou na Universidade de Warwick na Cátedra de tradicional entre o quanto é produzido, em que base, e quem fica com essa produção, torna-se então imprecisa. As
Estudos Internacionais. A year later he contracted amyotrophic lateral sclerosis leading to his death on January questões de produção, de abastecimento individual em oposição ao coletivo, e de distribuição passam a ser interli-
10, 1978. Um ano depois ele contraiu esclerose lateral amiotrófica que levou à sua morte em 10 de janeiro de 1978 gadas. HIRSCH (1979, p. 13)
[…] Wikipédia (2015).
Há nessa obra um conceito econômico, desenvolvido por Hirsch, em 1976, muito empregado na atualidade, conhe-
As suas investigações no campo da teoria econômica são muito pouco divulgadas no Brasil, o que pode ser com- cido como “bom posicionamento”, no qual, um objeto (uma raridade) só é bem posicionado e por isso mesmo valorizado
provado pela discreta e parcimoniosa recepção que a academia brasileira teve para com as obras desse professor de tanto pelo seu possuidor quanto por outrem, exatamente porque não pode ser possuído por outrem. Trata-se de um con-
estudos internacionais da Universidade de Warwick, desconsiderando-se as outras quatro principais obras de Hirsch já ceito muito simples, mas que também se aplica a pequenas e grandes organizações, bem como a países.
consagradas pela crítica econômica mundial, uma vez que nas bibliotecas universitárias brasileiras sua presença se reduz
[...] relaciona-se com todos os aspectos dos bens, serviços, posições de trabalho e outras relações sociais que sejam
a esta, intitulada “Social Limits to Growth” publicada em 1976, traduzida para o português por Waltensir Dutra em 1978,
(1) escassos em sentido absoluto ou socialmente impostos; ou (2) sujeitos a congestionamento através de um uso
alguns meses após a morte do autor. mais generalizado [...]. HIRSCH (1979, p. 13)

[...] Sempre houve limites num determinado ponto, mas só recentemente eles se tornaram incomodamente eviden-
Esse mesmo conceito, em relação a seres humanos, Hirsch afirma que o valor posicional de uma pessoa, em relação
tes. Isso é resultado, em essência, de um crescimento material que, no passado, não esteve sujeito a limites sociais.
Nesse sentido, a preocupação com os limites do crescimento expressada pelo Clube de Roma está totalmente mal às outras, decorre de vários fatores e não automaticamente apenas por se fazer bem aquilo que se pode fazer melhor, pois
colocada, focaliza limites físicos distantes e incertos e ignora a presença imediata, embora menos apocalíptica dos isso nunca será suficiente, principalmente, se houver outras pessoas à sua frente, em posição hierárquica ou econômica
limites sociais do crescimento. HIRSCH (1979, p. 16) superior a sua.

Nesse livro Hirsch apresenta uma concepção social da natureza e dos limites do crescimento econômico. A sua tese Para exemplificar essa tese, se uma pessoa é a primeira em sua família a obter um diploma universitário ela pode
central é a de que existem fatos limitadores desse crescimento, eles são prementes, ou seja, para serem observados desde até estar fazendo o seu melhor que pode, mas não o suficiente, uma vez que a frente dela há muitas outras pessoas com
logo. Esses fatores não são apenas físicos, mas sociais, pois à medida que as sociedades ficam mais ricas, uma porção maior preparo e maior poder econômico. Se uma pessoa concluiu seu curso na parte inferior da lista de classificação de
crescente de recursos naturais, bens e serviços são demandados pela parte privilegiada dessas sociedades, denominada de sua turma e em uma universidade considerada fraca na hierarquia acadêmica, essa pessoa está menos elegível para um
consumidores, os quais não podem ser adquiridos ou utilizados por todos sem que ocorra a sua deterioração progressiva. posto de trabalho do que seus antepassados que não possuíam qualquer formação.
Nesse livro Hirsch, enquanto economista procura responder três perguntas:
Ainda em relação a funcionalidade de sua tese acerca do valor posicional de um bem, particularmente em relação à
(1) por que o progresso econômico se tornou, e continuou sendo, um objetivo tão premente para todos nós, como sua comercialização, se a qualidade de um produto ou serviço pudesse ser diminuída como resultado do objetivo privado
indivíduos, embora proporcione frutos decepcionantes quando a maioria dos homens, senão todos, o alcançam?
de produzi-lo e fornece-lo em economia de escala, unicamente com fito na comercialização e na lucratividade.
(2) Por que a sociedade moderna se preocupa tanto com a distribuição – ou a divisão do bolo – quando é evidente
que a maioria das pessoas só pode melhorar seu padrão de vida pela produção de um bolo maior? (3) Por que Ou ainda para supervaloriza-lo, em um viés contrário, a sua produção poderia vir a ser reduzida para lhe conferir
tem o século XX testemunhado uma tendência universal predominante no sentido do abastecimento coletivo e da
uma áurea de raridade ou de exclusividade, como no caso de bens e serviços personalizados (ou de marcas exclusivas),
regulamentação estatal em áreas econômicas, numa época em que a liberdade individual de ação é particularmente
louvada e tem preponderância sem precedentes em áreas não-econômicas, como os padrões estéticos e sexuais, por cuja produção e fornecimento são severamente diminuídos para esse fim, subordinando o interesse público ao privado e
exemplo? A essas questões, vamos dar o nome de (1) o paradoxo da afluência; (2) a compulsão distributiva; e (3) o o bem-estar-social aos interesses do capital.
coletivismo resultante. HIRSCH (1979, p. 13)
Nesta obra, em consonancia com os melhores autores da ecossocioeconomia, Hirsch afirma que há no mundo um
Assim é que Hirsch analisa essa problemática partindo da premissa de que a frustração de não poder consumir é rápido crescimento tanto em população (e do consequente consumo) quanto em produção industrial, das quais resultaram
intensificada pela afluência material e que uma sociedade afluente torna-se uma sociedade insatisfeita. Com essa análise em um drástico aumento de externalidades que, por sua vez, conduzem, inevitavelmente, ao esgotamento de recursos e
Hirsch oferece importantes contribuições para a compreensão de aspectos sociais aparentemente desconexos dessa insa- uma drástica poluição ambiental.
tisfação que permeia a sociedade: a alienação no trabalho; a descrença na luta por educação; a deterioração das condições
As enormes oportunidades de substituições entre os recursos limitados e os materiais reproduzíveis, em conse-
sociais de vida rural e urbana; e as más relações de consumo que geram inflação e desemprego. quencia do progresso tecnológico são evidentes na refutação do que parece ter sido a primeira fase do pessimismo
Minha tese principal é a de que essas três questões estão relacionadas entre si e nascem de uma fonte comum, que ecológico, ou seja, nas projeções malthusianas da invitável superação da produção de alimentos pelo crescimento
se encontra na natureza do crescimento econômico nas sociedades adiantadas. A essência do problema está na com- populacional. A população mundial aumentou quatro vezes desde que Thomas Malthus escreveu, [...] em 1798, “An
plexidade e ambiguidade parcial do conceito de crescimento econômico, quando a massa da população já satisfez Essay on Population”. HIRSCH (1979, p. 35)

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Assim Hisch assevera que a tecnologia pode até amenizar o problema e retardar o início da crise que vem, mas não [...] SACHS (2000, P. 66).
pode nos salvar de um colápso, dada a natureza finita dos recursos naturais do nosso planeta. Desse modo a perspectiva
Desse modo fica patente que a diferença primordial entre crescimento econômico e desenvolvimento reside no
de crescimento econômico ilimitado é uma ilusão, restando-nos apenas limites sociais e morais. Portanto, se é ilusão, o
fato de que: o primeiro é mensurado, quantitativamente, pela avaliação do Produto Interno Bruto (PIB); enquanto que o
que fazer para controlá-lo ou para freá-lo? Para Hirsch há duas questões a serem consideradas no estudo de suas teses: o
segundo é avaliado qualitativamente, e para sua verificação convencionou-se, mundialmente, utilizar o Índice de Desen-
viés exploratório da comercialização; e as consequências das questões de mercados no tecido moral da sociedade.
volvimento Humano (IDH) do país em pauta. Em que pese a maioria dos economistas afirmar que o segundo não subsiste
[...] não será lógico esperar que os trabalhadores se abstenham de usar seu poder para obter vantagens fragmen-
tárias para o bem-estar geral, em nome de códigos normativos tácitos que não foram estabelecidos [...] HIRSCH
sem o primeiro.
(1979, p. 209).
Aprofundando um pouco mais essa compreensão, o PIB é “mensurado quantitativamente” com fulcro no somatório
We further claim that this book, by emphasizing the tendency to market expansion and the corresponding commo- de todas as receitas obtidas, por um determinado país, em um período de um ano, enquanto que o IDH, mesmo sendo
dification of increasing spheres of social life, while simultaneously acknowledging its adverse consequences on the mo- decorrente do primeiro, é “avaliado qualitativamente”, e para ser efetivo depende de uma evolução, não apenas do bem
tivational appeal of social and moral norms, offers insights that justify revisiting it.Aaa AAAAAAmpliando um pouco -estar social das pessoas, mas também da renda “per capita”, das condições de trabalho, de saúde pública, de moradia, de
mais, ele enfatiza que a tendência de expansão dos mercados e a gana da mercantilização pela expansão do mercado de segurança, de educação e das demais relações interpessoais em sociedade.
consumo correspondem em aumentar as diferenças e as distancias das classes sociais, reconhecendo simultaneamente as
Há, atualmente, entre os economistas estruturalistas, um cerco consenso de que, em época de economia globaliza-
consequências adversas na trama social, sobretudo no que diz respeito aos recursos motivacionais das normas sociais e
da, sem crescimento da produção e sem expansão de mercados não há desenvolvimento, por isso mesmo é que os países
morais, as quais na realidade deveriam reger os limites sociais do crescimento.
não podem prescindir dele (o crescimento econômico) para fazer face aos seus respectivos desafios desenvolvimentistas
[...] Podemos estar próximos do limite da organização social explícita possível sem o de uma moral social. Cor-
retivos adicionais, em sua ausência, simplesmente não funcionam. É essa a fraqueza decisiva da abordagem pu- e, sobretudo para atender, urgentemente, as necessidades básicas de suas respectivas populações e de uma expectativa
ramente tecnocrática de manter a economia mercantil de acordo com seu propósito social. [...] HIRSCH (1979, p. incontida por uma melhoria básica das suas atuais condições de vida das pessoas de um determinado território.
268).
Esse consenso, ou consciência econômica, se tornou ainda mais forte a partir da crise econômica mundial de 2008
– cujo início teria sido exatamente uma medida de crescimento econômico, pois a instabilidade econômica tem contri-
3. CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO, TERRITORIO E ECOSSOCIOECONOMIA. buído para o surgimento e o agravamento de crises de toda ordem. Há, atualmente, um permanente clamor mundial por
crescimento econômico, enaltecidos cotidianamente pela anunciação da variação do PIB dos países economicamente
Desde os primórdios dos estudos econômicos os principais teóricos já tratavam do estabelecimento das diferenças
mais fortes, porém algumas questões carecem ser respondidas: quem precisa crescer? Crescer como? Crescer quanto? A
entre crescimento econômico e desenvolvimento. Estes dois conceitos, por vezes confundidos por quem a eles se referem
que ritmo? A que custo? Quem se apropriaria dos benefícios do crescimento? Quem ficaria com o ônus da destruição dos
sem conhecimento de causa, já eram estudados pela economia. Na obra “A Riqueza das Nações” do economista inglês
recursos ambientais?
Adam Smith, lançada em 1776, na qual ele afirmou que uma divisão apropriada da mão-de-obra pela sociedade, com
cada pessoa se especializando naquilo que sabe fazer melhor, seria a melhor maneira de aumentar a produtividade e desse Em relação ao termo território vale evocar o que compreendemos nos estudos sociológicos e de direito, nos quais
modo faria crescer a riqueza de uma nação. depreendemos que os Estados Nacionais Modernos se pautam organizacional, política e socialmente, esta compreensão
está de acordo com a definição de Darcy Azambuja cunhada em seu livro Teoria Geral do Estado, no qual assevera que...
Porém a sua diferenciação ficou mais clara a partir da obra “Teoria do desenvolvimento econômico” do economista
austríaco Joseph Shumpeter, lançada em 1934, quando estabeleceu o crescimento como a máquina que alavanca o desen- [...] o Estado moderno é uma sociedade de base territorial, dividida entre governantes e governados e
que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais insti-
volvimento, mas essas teses só se tornaram célebres por volta de 1948, no fim da segunda guerra mundial. Nessa época, tuições. De fato, é o supremo e legal depositário da vontade social e fixa a situação de todas as outras
quando as nações recém-industrializadas, imitando o padrão norte-americano, se lançaram em uma corrida frenética, na organizações [...] AZAMBUJA (1957, p. 12).
busca de um crescimento econômico, representado precipuamente, pela elevação global da produção industrial, de modo
No presente estudo, em relação aos diversos conceitos de território, consideramos o de caráter simbólico contido
a que lhes facultasse a formação de uma poupança que pudesse financiar as melhorias nas condições sociais de sua po-
na obra de RAFFESTIN (1993) “onde estão os elementos que substanciam a compreensão da influência das relações de
pulação, propiciadas pelo desenvolvimento.
poder sobre o espaço e sua resultante na produção do território”; o de caráter transcendental de um espaço geográfico,
O conceito de desenvolvimento, que sofreu nas mãos do Presidente Truman a metamorfose mais daquilo que assevera SANTOS (2008) “das sociedades humanas em sua obra de permanente reconstrução do espaço
dramática e grotesca de toda a sua história, empobreceu-se ainda mais nas mãos de seus primei-
ros defensores, que o reduziram a crescimento econômico [...] desenvolvimento passou a cons- herdado das gerações precedentes, através das diversas instâncias da produção”; o conceito sociológico que preceitua
tituir um simples crescimento da renda per capita nas áreas economicamente subdesenvolvidas RATZEL (1899), que ao tratar do tema território, vincula-o ao “solo, enquanto espaço ocupado por uma determinada so-

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ciedade”; bem como o contexto dialético de HARVEY (1980), “como sendo ao mesmo tempo, absoluto (com existência salta a necessidade de se formular um modelo brasileiro estrutural para evitar a exclusão da nossa população das benesses
material), relativo (como relação entre objetos) e relacional (espaço que contém e que está contido nos objetos)”. advindas da acumulação e do progresso tecnológico, distanciando-se das outras teorias da época e ficando mais próximo
da teoria da especialização que estavam mais de acordo com as vantagens comparativas de David Ricardo (1820).
Assim território pode ainda significar uma região, parte da natureza, em que uma sociedade se desenvolve em
termos de: economia; política; e cultura, ideia e matéria, identidades e representações, apropriação, controle, poder, par- Em sua análise os países que optassem, exclusivamente, por esse modelo, o da exploração comercial de seus pro-
ticipação e cooperação; e a correspondente força social contrária, revelada na resistência dos excluídos, marginalizados e dutos primários, poderiam, inicialmente, experimentar um crescimento econômico. Desse modo poderiam até alcançar
alijados desse processo social. Considerando inclusive o caráter econômico de um território desenvolvido por BERKES um efetivo aumento da renda das famílias, o qual poderia ser apropriado por uma pequena minoria, por uma elite concen-
& FOLKE (1992)“capital natural, por meio dos bens e serviços derivados, é uma pré-condição para o desenvolvimento tradora de renda que adotaria padrões de consumo e formas de viver típicos dos países ricos e totalmente incompatíveis
econômico”, reforça a ideia de que o território, espaço que contém os recursos naturais, é condição “sine qua non” para com os valores morais e o nível de renda do seu próprio país. Esse país poderia até crescer economicamente, mas não
a busca do desenvolvimento sustentável. se desenvolveria nem se transformaria, muito pelo contrário, se deformaria, empobrecendo sobremaneira, por processos
entrópicos.
O desenvolvimento territorial é um processo que incide, positiva ou negativamente, na realidade de uma socieda-
de, em escala territorial, podendo ocorrer de várias maneiras, por estratégias diversas, que aproveitam os seus recursos Por estas discrepâncias, nessa discussão, não se pode ignorar a relevância da obra do indiano Amartya Sen, um
naturais do território, das potencialidades das pessoas que o ocupam e da tecnologia que estes detém; o desenvolvimento economista premiado em diversas áreas do saber: economia, filosofia e sociologia. As suas contribuições para a ciência
pode ser dinamizado procurando-se estimular a participação e o envolvimento das populações locais; e promovendo são amplas e diversificadas sendo mundialmente reconhecido pelas teorias da “Decisão Social” e do “Estado de Bem-Es-
esforços na conjugação de vários interesses de diferentes intervenientes. tar”. Em sua obra “Desenvolvimento como liberdade”, SEN (2000) foi capaz de sustentar suas teses em todos os ramos
do saber e ilustrar suas proposições fazendo sempre referências aos economistas e aos filósofos do passado, sobretudo
O desenvolvimento, na perspectiva endógena, se revela pelo fato de que o crescimento se inicia, de forma espon-
àqueles que estariam entre os precursores das teses por ele defendidas.
tânea (por iniciativa autóctone) ou programada (por iniciativa governamental), por meio de políticas públicas. Assim é
que um território dotado dos fatores apropriados: recursos naturais; capital social; capital humano; pesquisa; informação; Se o desenvolvimento passa a ser o objetivo das vidas dos indivíduos e um reflexo da liberdade que eles escolhe-
rem, para Sen justiça e desenvolvimento passam a se confundir, pois a seu ver este só ocorreria caso a sociedade estivesse
conhecimento; e instituições. Quando bem liderado, tendo suas potencialidades estrategicamente direcionadas para de- em busca de justiça. Essa abordagem explicita de forma clara os pressupostos éticos e humanísticos do argumento, que
senvolver-se internamente, certamente teria as melhores condições para obter um forte crescimento econômico, acelera- podem assim ser questionados e discutidos, o que não acontece com as teorias tradicionais incluindo a estruturalista de
do e equilibrado, que lhes facultasse atingir um desenvolvimento. Celso Furtado, as quais, tendo implícito algum conteúdo valorativo, utilizam a renda real de um país ou o PIB como
variável chave do crescimento econômico, que em tese levaria ao desenvolvimento.
Para a nossa compreensão política e econômica de desenvolvimentismo, outrora denominado equivocadamente de
Em relação ao bom desenvolvimento consideraremos, neste trabalho, os conceitos disseminados por Wolfgang
progresso, não foram poucas as contribuições de FURTADO (1964), ao explicar “a divisão internacional do trabalho e Sachs, mormente por asseverar que:
o fluxo assimétrico de recursos”. As suas abordagens iniciais em Dialética do Desenvolvimento, onde Furtado parte do
O desenvolvimento ocupa o centro de uma constelação semântica incrivelmente poderosa. Não há ne-
conceito de centro-periferia, desenvolvido, pioneiramente, pelo economista argentino Raúl Prebisch, utilizando-o para nhum outro conceito econômico moderno que tenha influencia comparável sobre a maneira de pensar
diferenciar o posicionamento geoeconômico e geopolítico dos países centrais em relação aos periféricos, ligando-os a e o comportamento humano. Ao mesmo tempo, poucas palavras são tão frágeis e tão incapazes de dar
substancia e significado a esse comportamento. SACHS (2000 pg. 61).
uma espécie de sistema de dependência externa que caracterizou essa relação entre países por décadas, e que ainda per-
siste em bloquear-lhes o sonhado desenvolvimento. O conhecimento científico, aliado aos principais fatores naturais que influenciam diretamente o desenvolvimento
de um país, tais como as condições geográficas, demográficas e os recursos naturais, e possam colaboram, conjuntamente
Assim, essa condição centro-periférica e a condição de dependência entre estes se tornam em dois pilares para uma para o bom desenvolvimento, devem sempre ser sempre analisados sob a ótica do ecossocioambientalismo preconizado
por Ignacy Sachs, sobretudo por afirmar que:
categoria muito mais ampla de dependência econômica, denominada de subdesenvolvimento. Na ótica de FURTADO
(1964), “juntamente com esse sistema foi instituída, também, a divisão internacional do trabalho”, baseada no princípio Enquanto persistirem enormes disparidades sociais, o crescimento permanecerá, com certeza, como uma
condição necessária, embora de modo algum suficiente, do desenvolvimento, cujos aspectos distributi-
das vantagens comparativas e no liberalismo comercial, esta divisão relegava os países periféricos à qualidade de primá- vos e qualitativos não podem ser negligenciados. É um erro dizer que os exorbitantes custos sociais e
rio-exportadores, sendo os países centrais os grandes produtores e exportadores da tecnologia dominante. ecológicos de certas formas de crescimento econômicos se constituem em danos inelutáveis do progresso
SACHS (2007 pg. 251).
Assim, FURTADO (1974), afirmava que ao assimilar uma tecnologia elaborada em outras bases históricas e so-
Em relação à posição dos demais economistas, incluindo Celso Furtado, Sen difere da maioria deles ao rejeitar o
ciais, os países periféricos estariam, pelo mimetismo, introduzindo maiores contradições em seu processo de desenvolvi- espaço das utilidades ou o espaço da renda para avaliar bem-estar e desenvolvimento, afirmando que crescimento “per
mento. Em “O mito do desenvolvimento econômico” ele transmite a ideia de desenvolvimento utópico, inatingível, e res- capita” não é uma medida de suficiente alcance. A solução para ambos os debates é a mesma: utilizar as capacitações,
que refletem a liberdade dos indivíduos escolherem diferentes funcionamentos, como base informacional, embora outros
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aspectos também possam ser considerados - de acordo com a defesa da pluralidade sempre feita por ele. de crescimento zero ou do decrescimento e assume um caráter realmente paradigmático, ou de quebra de paradigma, pela
ruptura com a economia convencional, cujo desdobramento prático é baseado, essencialmente, na contestação do lugar de
Esses questionamentos e preocupações decorrem, pertinentemente, de verdadeiras tragédias socioambientais ocor-
primazia nela ocupado, quase que exclusivamente, pelo crescimento econômico.
ridas no século XX, onde em meio às crises, os aspectos sociais e ambientais foram totalmente negligenciados pelos
países do hemisfério norte que se industrializaram, em um ritmo desenfreado, na busca pelo desenvolvimento econômico Algumas questões têm acirrado antigas discussões que não se resolveram no século passado, e pelo modo como têm
a qualquer custo, cujas ideias centrais decorriam de um terrível paradigma vigente – o progresso, e sua pretensa conse- sido tratadas, nos parece que se arrastarão pelo presente século também. Acerca desse agregado de coisa, aliados a escas-
quência – o desenvolvimento, alcançado, única e exclusivamente, pelo crescimento econômico. sez dos recursos naturais e a busca por caminhos de um desenvolvimento sustentável que preserve o planeta, é que este
trabalho evoca, nas ideias de Hirsch, o necessário respeito aos limites sociais do crescimento; e na ecossocioeconomia
De acordo com as teses da ecosocioeconomia, o desenvolvimento sustentável está alicerçado pelos pilares “social
um respeito e harmonia com o meioambiente. Para tanto, algumas questões ainda carecem ser respondidas: quem precisa
-ambiental-territorial-econômico-político”. Considerando-se que o conceito implica necessariamente na interdisciplina-
crescer? Crescer como? Crescer quanto? A que ritmo? A que custo? Quem se apropriaria dos benefícios do crescimento?
ridade desses diversos campos. Mesmo sendo Sachs um dos principais estudiosos do tema sustentabilidade, ele próprio
Quem ficaria com as externalidades e com o ônus da destruição dos recursos ambientais?
não desenvolveu nenhum modelo de gestão organizacional estratégica para favorecer a sustentabilidade ou o desenvolvi-
mento sustentável, em contrapartida trouxe pressupostos científicos sólidos a altura de um teórico.
[...] o crescimento é uma condição necessária mas, de forma alguma suficiente, para se alcançar a meta 5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
de uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos. O crescimento acelerado não é sinônimo de
desenvolvimento das regiões, se não atenua as desigualdades sociais, reduzindo a pobreza[...] SACHS
(2004, p.13) AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro, Ed. Globo, 1957.

A ecossocioeconomia, enquanto teoria da sustentabilidade possui um caráter da valoração positiva e criativa pre- BERKES, Ferdinad. & FOLKE, Charles Albert, Systems perspective on the interrelations between natural, human-made
sente no ser humano, e que propicia ao indivíduo a construção da sua própria identidade, e desse modo visa formar and cultural capital. Londres, 1992.
cidadãos protagonistas, responsáveis por seus destinos. Neste sentido, a gestão sustentável tem por responsabilidade Furtado, Celso. Essencial de Furtado. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras, 2013.
administrar todos os recursos sociais, econômicos e ambientais para que o ser humano tenha, na forma da reciprocidade,
como uma condição imperativa para se obter uma forma digna de vida e com a possibilidade de satisfazer necessidades Furtado, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
humanas básicas, bem como o desenvolvimento de habilidades intelectuais, laborativas e de auto-realização.
Furtado, Celso. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1980.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Furtado, Celso. Dialética do desenvolvimento. 1 Ed. Rio de Janeiro: F. da Cultura, 1964.
Do acima exposto, entende-se que o cerne da questão que acirra o debate acerca da crescente escassez dos recursos
HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.
naturais, da diminuição da produção de alimentos, tem uma origem comum cuja primeira observação pode ser atribuída a
Thomas Malthus, principalmente por ter sido ele o pioneiro a afirmar que a população mundial cresceria numa progressão Hirsch, Fred - Money International. Allen Lane, 1967;  Fred Hirsch e David S. Gordon - Newspaper Money: Fleet
geométrica enquanto que a produção de alimentos cresceria apenas em progressão aritmética, isso deflagrou uma corri- Street and the search for the affluent reader. Hutchinson, 1975;
da por aumento da produtividade com sementes transgênicas e de controle químico e biológico de pragas nas lavouras,
desconsiderando-se totalmente a questão da segurança alimentar, colocando em risco não apenas a vida humana, mas Hirsch, Fred - Limite Sociais do Crescimento. Ed Zahar, Rio de Janeiro, 1976;
inclusive a perpetuação de todos os seres vivos sobre a terra.
  Hirsch, Fred et all. - Alternatives to Monetary Disorder. McGraw-Hill, 1977; e
Não obstante a tudo isso, a concepção de limites sociais para o crescimento econômico, pensada por Hirsch, tal
 Hirsch, Fred und Fletcher, Richard: C.I.A.and the Labour Movement. Hutchinson, 1977.
qual a conhecemos hoje, tem raízes na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente Humano ou Conferência
de Estocolmo (1972) e está em total consonância com a ecossocioeconomia que vem se impondo tanto sobre a teoria do LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Editora WMF, 2009.
decrescimento quanto a do crescimento zero, como a mais plausível das alternativas de superação da crise socioambiental, PECQUEUR, Bernard. A Guinada Territorial da Economia Global. São Paulo: Ática, 2006.
a partir das perspectivas de uma economia ecologicamente sustentável e socialmente justa, que em tese supera a noção RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.

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Sachs, Ignacy. Rumo à Ecossocioeconomia - teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez Editora, 2007. ECODESENVOLVIMENTO COMO RESPOSTA A UMA CRISE MULTIDIMENSIONAL

Sachs, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Coleção Idéias Sustentáveis. Ed. Garamond,
Anderson de Miranda Gomes1; Cristiane Mansur Moraes de Souza2; Ana Paula Tabosa3
2006.

Sachs, Ignacy. Desenvolvimento includente, sutentável e sustentado. São Paulo: Ed. Garamond, 2006 RESUMO
A humanidade vivencia uma série de riscos de naturezas diversas, muitas vezes auto-gerados, os quais culminam na
percepção de um estado de crise abrangendo várias vertentes, de caráter multidimensional. A ideia de desenvolvimento
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
tem sido a resposta para a crise no sentido de diminuir os riscos ao mesmo tempo em que procura entender os interesses de
SCHUMPETER, Joseph. Historia del Analisis Econômico. Barcelona: Ed. Ariel, 1971. suas populações. Não obstante, os modelos de desenvolvimento não tem sido eficientes, evocando uma nova alternativa
capaz de lidar com as diferentes faces desta crise. O objetivo deste é discutir como o ecodesenvolvimento torna-se uma
SMITH, Adam. Riqueza das Nações. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. resposta mais profícua à crise nos territórios. Justifica-se por tratar de uma discussão que corrobora para se pensar o
desenvolvimento sob uma perspectiva de sustentabilidade e que aborde diferentes faces dos problemas presenciados.
A metodologia utilizada é de uma pesquisa exploratória em que as referências bibliográficas possibilitam a construção
de debates sobre um desenvolvimento real sensível às diferentes dimensões. São resultados parciais, as constatações
do agravamento da crise; do aumento da consciência sobre a destruição do meio ambiente e de uma forte resistência à
mudança dos padrões de consumo.
Palavras-chave: Crise Multidimensional; Desenvolvimento; Ecodesenvolvimento.

ABSTRACT
Humankind experiences a number of risks of various kinds, often self-generated, which culminate in the perception of a
crisis state covering various aspects of multidimensional character. The idea of development has been the response to the
crisis in order to reduce the risks at the same time it seeks to understand the interests of their populations. Nevertheless,
the development models have not been efficient, evoking a new alternative able to handle the different faces of the crisis.
The purpose of this is to discuss how the eco-development becomes a more fruitful response to the crisis in the territories.
It justifies in the corroboration of the debate about the development from a perspective of sustainability and addressing
different facets of the problems witnessed. The methodology used is an exploratory research in which references enable
the construction of a real debate on sensitive development to different dimensions. As partial results there are the findings
of the worsening crisis; increasing awareness of the destruction of the environment and a strong resistance to change
consumption patterns.

Keywords: Multidimensional Crisis; development; Eco-development.

INTRODUÇÃO
Os Estados e nações vivenciam atualmente transformações significativas em suas estruturas econômicas, sociais
e políticas em decorrência do processo de crescimento econômico e da aceleração dos fluxos de informação e tecnologia.
A busca pelo enriquecimento de suas estruturas econômicas, aliado ao desejo eminente de um desenvolvimento de seus
territórios tem levado aos países uma incessante corrida cujo objetivo reflete a uma crescente produtividade (SEABRA,
2006). Não obstante, esse desejo e as ações correlatas ao mesmo levam consigo não somente consequências benéficas,
como o melhor acesso aos bens e serviços a uma maior parcela da população, mas também problemas e distorções nos
1 Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB andlestat@hotmail.
com
2 Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB
3 Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB

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sistemas sociais, econômicos e principalmente ambientais. nos demais setores, social, cultural, espacial e ambiental.
O processo comercial e econômico gerado após a Revolução Industrial, e pós- guerra trouxe consigo além do Segundo Azkarraga et al (2011), vivemos numa sociedade de risco, ou seja, em sociedades que são confrontadas
progresso produtivo uma significante e progressiva cadeia de deterioração do meio ambiente. Tal processo deteriorativo com os desafios da auto-criação de suas possibilidades, as quais, passam grande parte de sua existência se preocupando
advém não só da poluição gerada pelos resíduos da produção industrial e agrícola, mas também pela devastação de áreas com os riscos que as mesmas produziram. Atualmente, as instituições mais desenvolvidas da sociedade moderna (Estado,
que abrigam diferentes ecossistemas na busca de insumos para produção, de uma ocupação desestruturada do espaço e Mercado Financeiro, Ciência e Defesa militar) parecem ser ineficientes frente ao novo risco global. Assim, tal risco pode
também dos dejetos oriundos do consumo exacerbado de bens e serviços. ser consebido como auto-gerado, sendo exemplos: pandemias, energia nuclear, mudanças climáticas. Trata-se de uma
Este processo gerou um incremento importante na produção e no consumo nas ultimas décadas, e com crise da civilização, ou seja, uma crise multidimensional de natureza estrutural e difícil saída caso os padrões de produção,
ele uma destruição sem precedentes dos recursos naturais. Também não possibilitou um desenvolvimento
equitativo para a humanidade, como acreditavam os economistas liberais que delinearam a economia consumo e distribuição não sejam transformados.
capitalista após a Segunda Guerra (ROCHA, 2011, p.12). Essa crise multidimensional torna-se cada vez mais perceptível, sendo que as relações entre os atores internacionais
e domésticos são progressivamente interconectadas e por seguinte desencadeiam verdadeiros circuitos de causa e efeito,
Aliados a degradação ambiental tem-se uma inversão dos valores sociais, que passam a ser colocados a segundo não respeitando as fronteiras físicas ou setoriais. Uma forma de elucidar este momento em que a humanidade vive está na
plano, sendo que o “mercado” passa a ditar as regras no jogo das políticas adotadas nos diversos territórios nacionais. Em contemplação da crise econômica de 2008, a qual gerou inúmeras sequências de transtornos para humanidade e mutações
contrapartida, nunca se soube tanto sobre as diversas áreas, tanto sociais, ambientais, econômicas, científicas quanto neste na própria natureza da crise. Esta começou como uma crise imobiliária, a qual desencadeou uma crise financeira. Tal
momento. Trata-se de um paradoxo de extrema complexidade que permite visualizar-se uma crise multidimensional, ter situação culminou com uma enorme crise na dívida pública em vários países europeus em que a dívida privada foi
informação e compreensão e mesmo assim, não conseguir desvencilhar deste estado que põe em cheque as estruturas transferida para os governos e os mesmos responderam com políticas de austeridade baseada em cortes significativos
sociais, econômicas, ambientais, territoriais e culturais das populações (AZKARRAGA, 2011). para políticas públicas. Assim, a crise financeira desencadeada por um destúrbio imobiliário, por sua vez, tornou-se numa
Surgem assim compreensões distintas a respeito de escalas espaciais de desenvolvimento, entre as recorrentes: local, crise social. Nesse contexto, pode-se de mesma maneira verificar que o exercício do poder é transferido da esfera dos
regional, territorial. Do mesmo modo surgem na literatura diversos complementos adjetivos ao termo desenvolvimento: Estados para instituições internacionais, nas quais o domínio da política transnacional não é uma área operacional dos
endógeno, sustentável, sustentado, solidário etc. Um fator parece ser base para o surgimento desses novos termos: a ideia processos democráticos. (AZKARRAGA et al, 2011, p.5). Ou seja, o déficit democrático é particularmente evidente nas
de que o desenvolvimento visto pela dimensão estritamente econômica não corresponde às expectativas das pessoas, políticas econômicas adotadas pelos Estados pois na verdade quem decide no final é “O Mercado”. Com isso, há cada
representadas por movimentos sociais que emergem nesse período e alertam para o despertar da necessidade de uma vez mais uma aversão à política pelos cidadãos, os quais não enchergam o compromisso político nos caminhos de uma
concepção mais humana para o desenvolvimento na sociedade. democracia representativa. Destarte, a crise social advinda da crise econômica também culmina numa crise política.
Neste sentido, tem-se a proposta do ecodesenvolvimento, na busca de uma melhor utilização dos recursos Nesta crise política, pode-se estender o campo de visão, voltando-se para o aspecto financeiro e econômico já
naturais e do espaço através do seu planejamento. Este é um enfoque de planejamento que pode ser considerado como evocado e analisar outro aspecto, o ambiental. Ao se comparar o desenvolvimento econômico e social dos países, percebe-
um dos vários estilos de pensamento e de intervenção que coexistem no debate contemporâneo sobre meio ambiente e se que este é desigual e que grande parte da população ainda se encontra num lastimável estado de pobreza (SEABRA et
desenvolvimento (GODARD, 1997). O ecodesenvolvimento é pensado como uma alternativa ao modelo convencional al 2006, p72). Por muito tempo tinha-se como uma equação lógica enquadrar o conceito de desenvolvimento aos moldes
desenvolvimentista baseado no crescimento econômico sem observância ao meio ambiente e aos aspectos socioculturais, da valorização econômica e financeira. Ou seja, a ideia de desenvolver determinada área, estaria ligada intrinsecamente em
buscando um horizonte de reflexão mais amplo e diversificado com integração efetiva das múltiplas dimensões do aumentar sua capacidade de produção e consequentemente, na sua ampliação de gerar capital. Assim, há uma valoração
fenômeno do desenvolvimento. (VIEIRA, 1995, p.38). e uma prioridade da eficiência produtiva em detrimento de déficits sociais e ambientais. Nesse sentido, a capacidade dos
Este artigo tem como objetivo levantar a discussão teórica sobre essa perspectiva de desenvolvimento como Estados de definir políticas ambientais nacionais é reduzida pela globalização da cultura consumista, que resulta de uma
necessária para abranger as faces e os problemas da crise multidimensional que se insere. Ainda, discute como o dada visão de mundo, cuja mudança para atender às demandas da reconciliação entre economia e meio ambiente assume
ecodesenvolvimento atua na mitigação dos problemas gerados e como o mesmo pode ser alcançado. um caráter de mudança civilizacional. (ROMEIRO, 1999, p.12). Chega-se nesse ponto a percepção de se viver também
uma crise ambiental, a qual é tida como contribuidora para o agravamento da crise econômica, num círculo vicioso.
Uma Crise Multidimensional Por fim, ao pensarmos sobre o aspecto ambiental da crise voltamos a cerne
Ao se comparar a existência da humanidade com a Terra, percebe-se que se trata de uma presença cronológica cultural da mesma. Com a evolução cultural da humanidade, o mundo moderno
insignificante perante aos bilhões de anos nos quais os ecossistemas foram se modelando até aos dias atuais. Não obstante, marcou o surgimento de uma visão diferente sobre sua existência. Passa-se a deixar de lado a visão sagrada para uma visão
o homem foi capaz de atribuir transformações bem radicais a esses ecossistemas, principalmente nos últimos 200 anos, científica da natureza. Esta é é tida como algo “externo” ao ser humano e, portanto, racionalmente sujeita à exploração de
também conhecidos como a era industrial. Neste período, presenciaram-se mudanças não somente no sistema produtivo, seus recursos. Assim, o racionalismo faz com que se quebre a ‘sacralização da realidade”, ou seja, a unidade que existia
que por milênios permanecia à mercê de uma sociedade agrícola, mas também em outros aspectos do setor econômico e entre o indivíduo, a sociedade e a natureza. Essa ruptura acaba por catalisar o desejo de se equiparar o consumo nos moldes
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dos países tidos como desenvolvidos. Esse consumo está concentrado em uma pequena parte da população do planeta Amartya Sen (2010) define o desenvolvimento como um processo de ampliação da capacidade dos indivíduos
mas tem atraído a ideia de modelo de satisfação a ser perseguido, uma falsa ideia de desenvolvimento. O resultado é uma escolherem, abrirem o horizonte social e cultural. Este acredita que a base material de uma nação é fundamental, mas
perda dos valores humanos em troca de uma busca insessante por um modelo de vida tido como necessário. Os valores deve ser considerada como um meio e não o fim em si.
tem cada vez mais sido corrompidos por uma “imitação” dos modos de vida, deixando-se de lado a utilização do saber O Desenvolvimento pode ser visto, argumenta-se aqui, como um processo de expansão das liberdades
reais de que desfrutam as pessoas. Enfocar a liberdade humana contrasta com concepções mais estreitas
local e de suas potencialidades endógenas. Este fenômeno caracteriza a última face da crise multisetorial, a cultural. do desenvolvimento, como as que o identificam com o crescimento do produto nacional bruto ou
Todas as facetas dessa crise são de carater desestabilizador, mas a convergência das mesmas tornam o atual com o aumento da renda pessoal, ou com a industrialização, ou com o avanço tecnológico, ou como a
modernização social. Ver o desenvolvimento em termos da expansão das liberdades substantivas dirige a
momento histórico muito preocupante. Algumas razões podem ser vislumbradas como contribuintes para esse estado de
atenção para os fins que tornam o desenvolvimento importante, antes que meramente para os meios, que,
crise: Entre essas estão a racionalidade moderna, o progresso (ideológico), a separação autoritária dos anseios economicos interalia, cumprem parte proeminente no processo (SEN, 2010, p.3).
e o mito do infinito crescimento econômico.
A crise multidimensional, como dito anteriormente é potencializada pelos riscos que a mesma produz, sendo os A princípio não haveria uma maneira de se desenvolver sem a exploração dos recursos naturais, bem como não
mesmos uma fonte autoalimentadora do fenômeno. Segundo o sociologo alemão Ulrich Beck (BECK 2010, p.2), os haveria como o meio ambiente suportar a manutenção do desenvolvimento nesse nível predatório do conceito. O filósofo
riscos globais atuais que fortalecem a crise multidimensional teriam três características: (i)Deslocalização - A sociedade Hans Jonas, o qual suas ideias tiveram grande aceitação pelo circulo de ambientalistas, é citado por Leis, no qual esse faz
de risco é global, sendo que seus efeitos não se limitam a um lugar especifico e nenhum país consegue agir e ter bons uma crítica dirigida ao pensamento moderno, o qual não se torna capaz de dar uma resposta à crise ecológica em função
resultados isoladamente; (ii) Incalculabilidade - Não se pode mensurar com precisão os efeitos e impactos do risco da perda ou inversão de uma perspectiva teleológica (orientação finalista do pensamento e da ação). Isso acabaria por
para cada indivíduo ou grupo; e (iii) Incompensabilidade - Os efeitos das catástrofes são potencialmente irreversíveis e impedir a integração ética entre a humanidade e a natureza, em “que a natureza será destruída não para a preservação
transgeracionais. e reprodução da vida humana, mas sim pela lógica de acumulação e do desenvolvimento das forças produtivas” (LEIS,
Beck explica que essa situação do risco global remete a uma ansiedade gerada pela imprevisibilidade, a incerteza, 2010, p.35).
a falta de confiança, a vulnerabilidade, um sentimento de desamparo e medo. Frente a esse medo causado pelo risco auto- Uma das questões mais difíceis no alcance do desenvolvimento é fazer com que a população, o poder público, as
gerado e vivenciado nos diversos setores, chega-se a pergunta norteadora deste trabalho. Qual modelo de desenvolvimento empresas e demais atores assumam uma postura de responsabilidade sobre o seu território, garantindo o contínuo estar de
poderia dar conta das multiplas faces da crise vivenciada nos dias atuais? desenvolvimento (BOISIER, 2004). Não obstante, a necessidade deste envolvimento entre o Estado e a sociedade civil
É evidente que este trabalho não tem a pretensão de estabelecer diretrizes ou fornecer soluções prontas para nas questões ligadas ao processo de desenvolvimento dos territórios para garantir a continuidade do aproveitamento dos
um assunto demasiadamente complexo, em que políticas e ações conjuntas entre os atores diversos devam permanecer recursos e da qualidade de vida dos cidadãos resultou numa nova estratégia e na percepção da realidade no planeta.
constantes no tratamento das distorções. Não obstante, passa-se a evocar uma perspectiva de caráter multidimensional, Nos anos 70, o pensamento ambiental começa ganhar força ao questionar o modelo de desenvolvimento capitalista
com as “chaves” necessárias para investir contra cada face desta crise multidimensional, o ecodesenvolvimento. e de organização territorial associado ao projeto de modernidade. Nesse contexto, a questão que passa a ser pensada é de
como obter um desenvolvimento sem que seja posto em risco o ambiente e fazer com que esse perdure para as gerações
O Desenvolvimento Frente ao Estado de Crise conseguintes. Surge então a busca por uma forma de desenvolvimento sobre os moldes de sustentabilidade. Percebe-se
Para Sergio Boissier (2003) na compilação de verbetes sobre desenvolvimento regional de Siedenberg (2010), o que não há verdadeiro desenvolvimento caso haja deterioração do meio ambiente. De acordo com Maurice Strong (1993),
desenvolvimento é um conceito em transição entre a antiga interpretação de crescimento econômico e a nova concepção Secretário Geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da época, no trabalho de
que representa um estado intangível, subjetivo, que está associada mais com atitudes e menos com conquistas materiais SACHS (1993):
(SIEDENBERG, 2010, p.69). Não obstante, não será excluída a ideia de crescimento econômico do pensamento O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante
a mudança do conteúdo, das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais
proposto por Boisier, pois parte-se da prerrogativa que o crescimento econômico é necessário para que se alcance o
devem ser obedecidos simultaneamente: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica
desenvolvimento econômico. Este pode ser definido como: (STRONG, 1993, p. 7).
O processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao capital que
leva ao aumento da produtividade, dos salários, e do padrão médio de vida da população. A medida Sachs chama a atenção sobre a incompatibilidade de se pensar o desenvolvimento sem que o meio ambiente seja
mais geral de desenvolvimento econômico é a do aumento da renda por habitante porque esta mede
aproximadamente o aumento geral da produtividade; já os níveis comparativos de desenvolvimento atrelado ao mesmo: A verdadeira escolha não é entre o desenvolvimento e o meio ambiente, mas entre as formas de
econômico são geralmente medidos pela renda em termos de PPP (purchasing power parity) por habitante desenvolvimento sensíveis e insensíveis a questão ambiental” (SACHS, 1993, p. 17). A noção de sustentabilidade surge
porque a renda ouproduto do país corrigido dessa maneira avalia melhor a capacidade média de consumo
a partir da noção dos limites do uso produtivo de estoques de recursos físicos renováveis (ritmos de regeneração), dos
da população do que a renda nominal. (BRESSER-PEREIRA, 2008, p.1).
recursos não renováveis (substitutos de insumos que são desassociados após sua utilização tendo de ser substituídos)
(ROCHA, 2011, p. 14). Contudo, com um enfoque mais amplo no que diz respeito à ideia de preservação dos ecossistemas,

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os quais são ameaçados pelas investidas produtivas, voltamos a ideia original de que haveria uma relação competitiva tecnologias menos poluentes para os diversos setores e atividades; e (vi) Produzir instituições capazes de definir normas,
entre o meio ambiente e o sistema de desenvolvimento. O que se pretende, no entanto, é demonstrar que haveria uma monitorar e executar o seu cumprimento no que diz respeito a proteção ambiental.
nova via de pensamento que estaria em consonância com a manutenção dos recursos e suas funcionalidades sem que A sustentabilidade territorial, também conhecida como geográfica, versa sobre obtenção de uma configuração
houvesse a estagnação dos setores econômicos e sociais. rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial de assentamentos urbanos e atividades econômicas
(SACHS, 2003, p. 48). A dimensão cultural está relacionada ao respeito das especificidades de cada ecossistema, de cada
O Ecodesenvolvimento: Um Desenvolvimento Multidimensional cultura e localidade, ou seja, busca soluções particulares, com bases endógenas a cada caso e cultura, ressaltando o valor
A ideia inicial do ecodesenvolvimento seria de direcionar iniciativas de dinamização socioeconômica sensíveis do saber local.
aos fenômenos de degradação do meio ambiente e da marginalização social, cultural e política (...) preconizava uma Faz-se necessário ressaltar que as dimensões do ecodesenvolvimento traduzem a ideia de sustentabilidade
gestão mais racional dos ecossistemas e das paisagens, incluindo o know-how e a criatividade endógena das comunidades. apenas quando se é vinculado o conceito holístico de desenvolvimento. Aliás, o próprio Sachs chama atenção de que
(VIEIRA, 1995, p. 37). Num segundo momento foi pensado no ecodesenvolvimento como um enfoque participativo de o ideal será atingido quando, para expressar o novo paradigma, puder ser referido apenas “desenvolvimento” sem o
planejamento e gestão adaptados a contextos socioculturais e ambientais específicos. O ecodesenvolvimento surge como adjetivo “sustentável” ou o prefixo “eco” (SACHS, 1993, p.3). Assim, o ecodesenvolvimento ou desenvolvimento
uma política ambiental que pode ser visto como uma tentativa de se focalizar a relação sociedade-natureza de uma socioeconômico equitativo somente será alcançado caso seja abordado de forma integral: a maneira sintética de referir-
perspectiva sistêmica e consistente (VIEIRA, 1995, p.33). Ou seja, uma visão sistêmica que contempla várias dimensões se a todos os atributos do desenvolvimento, indicando ao mesmo tempo em que todas as dimensões pertinentes são
torna-se necessária para entendimento do cenário como um todo, permitindo um melhor diagnóstico dos problemas, apreciadas em suas iner-relações, de forma que o modelo conceitual seja completo e holístico (SACHS, 1997, p.34).
prevenção de novos e a possível remediação dos já existentes. Para que o ecodesenvolvimento possa ser factual, alguns fundamentos normativos devem ser implementados e
Essa visão sistêmica vai ao encontro do pensamento de Sachs (1993), o qual descreve as cinco dimensões do consequentemente monitorados: a) a prioridade ao alcance de finalidades sociais, ou seja, a satisfação das necessidades
ecodesenvolvimento, devendo-se considerar o desenvolvimento em sua multidimensionalidade, abrangendo todo básicas materiais e imateriais, promovendo a equidade; b) a prudência ecológica; c) a valorização da participação das
o espectro de necessidades materiais e não materiais; constituir uma civilização do “ser”, com maior equidade na populações; d) a viabilidade econômica pensada em termos macrossociais. (SACHS, 1993; STRONG 1993; VIEIRA
distribuição do “ter”; minimizar a carga deteriorativa dos recursos renováveis e não renováveis; proteção da biosfera 1995).
para proteger a biodiversidade; respeito às especificidades de cada ecossistema, cada cultura e cada local (SACHS, 1993, O que se sugere são a identificação, os usos e a gestão dos recursos naturais em sintonia com as necessidades
p. 24-27). A partir dessa configuração, Sachs elabora as cinco dimensões do ecodesenvolvimento, também chamadas de básicas das gerações atuais e futuras, tendo a contenção de práticas predatórias e exaustivas dos mesmos. Além disso,
dimensões de sustentabilidade: Dimensão Social, econômica, ecológica, espacial, e cultural. (SACHS, 1993). o envolvimento sinérgico da sociedade civil organizada é julgado essencial na definição e na articulação política de
A dimensão social de sustentabilidade remete a ideia de que o desenvolvimento só é sustentável se for baseado necessidades coletivas, na identificação de potencialidades econômicas em cada contexto territorial e na coorganização
num crescimento ordenado e usufruído por uma boa sociedade. É necessária a construção de uma sociedade com melhor do esforço de gestão socioambiental.
distribuição de renda e de bens, diminuindo a distância entre os padrões de vida entre as classes sociais (SACHS, 1993, Entender a natureza e a dimensão dos impactos sobre a mesma continua sendo crucial para a determinação de
p.37). políticas ambientais que venham minimizar os problemas para gerações presentes e futuras. Assim, torna-se crucial
Por sua vez, a sustentabilidade econômica é baseada na: entender as estruturas de custos e benefícios e de ganhadores e perdedores das ações tomadas pela população, empresas
Alocação e do gerenciamento mais eficiente dos recursos e de um fluxo constante de investimentos e governantes.
públicos e privados. Uma condição importante é a de ultrapassar as configurações externas negativas
resultantes do ônus do serviço da dívida e da saída líquida de recursos financeiros do sul, dos termos de Os diagnósticos participativos são etapas iniciais fundamentais do trabalho de planejamento de estratégias de
troca desfavoráveis, das barreiras protecionistas ainda existentes no Norte e do acesso limitado à ciência regionalização do ecodesenvolvimento onde se identificam informações relativas a necessidade, aspirações e estilos
e tecnologia. A eficiência econômica deve ser avaliada em termos macrossociais, e não apenas através do
de vidas das populações, como dados sobre o potencial de recursos e as características geobiofísicas peculiares de
critério da rentabilidade empresarial de caráter microeconômico. (SACHS, 1993, p.37).
cada área a ser focalizada.(VIEIRA, 1995, p.46). Na passagem do conceito a ação observa-se que os diagnósticos
Em relação à dimensão ecológica, esta compreende o uso dos potenciais inerentes aos variados ecossistemas participativos no passo inicial são descritivos e depois explicativos (VIEIRA, 2006).
compatível com sua mínima deterioração (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 47). Isto se dá através de algumas Os diagnósticos descritivos, (i) levam em consideração uma imagem exploratória dos problemas socioambientais
prerrogativas apontadas por Sachs (1993, p. 37-38): (i) Intensificar a potencialidade dos recursos dos ecossistemas, prioritários que afetam a área em estudo em termos de recursos ambientais; (ii) o registro da organização social
diminuindo os impactos negativos nos mesmos, aumentando a tolerância do planeta no exercício da atividade humana; prevalecente; e (iii) um mapeamento preliminar do leque de necessidades básicas e aspirações das comunidades.
(ii) Substituir a utilização dos recursos não renováveis por renováveis e abundantes, limitando-os ao uso consciente e não (VIEIRA, 2006, p. 265). Ou seja, esta etapa consiste observar a partir das percepções sensoriais da região, providenciar
prejudicial ao ambiente; (iii) Conservar energia, recursos e praticar a reciclagem, diminuindo a poluição; (iv) Promover o relato descritivo dos problemas e desarranjos que afetam o ambiente e suas populações.
a conscientização dos indivíduos, fazendo-os priorizar uma auto limitação no consumo de materiais; (v) Intensificar a de No diagnóstico explicativo, em que os dados previamente coletados devem ser ordenados, classificados e
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sistematizados, como parte de um esforço de identificação das relações causais próximas e remotas. (VIEIRA, 2006, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
p. 267). Por último, com o diagnóstico explicativo deve-se alimentar a concepção de cenários prospectivos, ou seja, AZKARRAGA, Joseba, MAX-NEEF, Max, FUDERS, Felix, ALTUNA, Larraitz. Evolución sostenible: apuntes para
no delineamento de “futuros possíveis” para a área em estudo, além disso, a análise em termos de prospectiva social uma salida razonable. Eskoriatza: Instituto de Estudios Cooperativo de la Universidad de Mondragón (Lanki), 2011.
deveria gerar cenários alternativos considerados compatíveis com os resultados da pesquisa ecológico-humana. BECK, Ulrich. Vivir y sobrellevar la sociedad del riesgo global. In: Jornadas Governing the Global Risks, Orkestra
(VIEIRA, 2006, p. 268). (Basque Institute of Competitiveness) y Globernance (Instituto de Gobernanza Democrática), Donostia, 6-7 de octubre
Destarte, o ecodesenvolvimento não somente é capaz de abordar as várias facetas da crise, propondo ações de 2010.
sistêmicas, como também sua característica de participação comunitária permite a organização da sociedade civil para BOISIER, Sergio. El desarrollo en su lugar. 130 Serie GEOLIBROS, Instituto de Geografia. Santiago de Chile:
respostas mais eficientes e mais sensíveis às várias questões que o Mercado e até mesmo o Estado não tem tido sucesso Pontifícia Universidad Católica de Chile, 2003.
em responder. BOISIER, Sergio. Desarrollo territorial y descentralización. El desarrollo en el lugar y en las manos de la gente.Santiago de
Chile, Chile: Revista eure (Vol. XXX, Nº 90), septiembre 2004.
CONCLUSÕES BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Crescimento e Desenvolvimento Econômico. Notas para uso em curso de desenvolvimento
Presencia-se na atualidade um modelo de desenvolvimento basedo na utilização intensiva de combustíveis fósseis, econômico na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Versão de junho de 2008. Disponível em < http://www.
o aumento do consumo tanto de energia quanto de recursos que extrapolam os níveis ideais e põe em risco a estrutura bresserpereira.org.br/Papers/2007/07.22.CrescimentoDesenvolvimento.Junho19.2008.pdf > acesso em Fevereiro de 2013.
natural do planeta. Ainda, o livre comércio irrestrito promovido pelos Governos e empresas tem causado perdas sociais, GODARD, Olivier. A gestão integrada dos recursos naturais e do meio ambiente: conceitos, intituições e desafios de
políticas, culturais e também econômicas para grande parte da população, evidenciando-se assim uma crise multisetorial legitimação. In: Vieira, P. F.; Weber, J. Gestão de recursos naturais renováveis e desenvolvimento: Novos desafios para a pesquisa
sem precedentes e de difícil saída pelas vias convencionais. ambiental. São Paulo: Cortez, 201-266, 1997.
Para corrigir o estado de risco em que a humanidade se encontra, uma mudança da percepção em relação ao LEIS, Hector Ricardo. Bases teóricas para a sustentabilidade no SéculoXXI, IN: Antonio Fernando Silveira Guerra e
desenvolvimento se faz necessária. Deve-se rever as questões referentes ao crescimento econômico e a substituição de Mara Lucia Figueiredo (Orgs.) As sustentabilidades em diálogos. Editora da Univali, Joinville. 2010.
uma postura mais ortodoxa pela via da sustentabilidade . É necessário uma transformção da base material da sociedade, MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. O Mito do Desenvolvimento Sustentável: meio ambiente e custos sociais no
além de uma revolução social e cultural capaz de transformar o estilo de vida da mesma. moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis. Editora UFSC. 2001.
No impasse gerado pela polêmica discussão sobre a promoção do desenvolvimento e o déficit ambiental, tem-se ROCHA, J. M. Sustentabilidade em questão: Economia, sociedade e meio ambiente. Jundiaí, Paco Editorial: 2011.
uma alternativa que não coloca a relação homem – natureza como conflitante. Oposto a essa ideia, procura-se conquistar ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Globalização e meio ambiente. Texto para Discussão. IE/UNICAMP. 1999. Disponível
qualidade de vida por meio de modelos de desenvolvimento que englobem as várias facetas ou dimensões das necessidades em: < http://www3.fsa.br/localuser/Luciana/Nova%20pasta/No%C3%A7%C3%B5es%20de%20Gest%C3%A3o%20Ambiental/
do homem e do ambiente. Globaliza%C3%A7%C3%A3o%20e%20meio%20ambiente.pdf >Acessado em: ago 2012.
O ecodesenvolvimento representa enfoque de planejamento que vem abarcar a multidimensão das necessidades SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI, desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio
humana e ambiental e traz consigo o anseio de garantir para as populações do presente e futuro uma vida mais longa e Nobel. 1993.
menos sujeita a exclusão social e degradação ambiental, minimizando os efeitos da crise multidimensional. Para isso SEABRA, F.; FORMAGGI, L.; FLACH, L. O papel das instituições no desenvolvimento econômico. In: BARRAL,
é necessário a implementação e o monitoramento de fundamentos normativos como a priorização da satisfação das Welber (org.). “Teoria Jurídica e desenvolvimento.” Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006.
necessidades básicas, promoção da equidade, prudência ecológica e valorização da participação popular. SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Amartya Sem; tradução Laura Teixeira Motta; Revisão técnica Ricardo
Por meio dos diagnósticos participativos descritivos e explicativos procura-se os usos e a gestão dos recursos Doninelli Mendes. _ São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
naturais em sintonia com as necessidades básicas das gerações atuais e futuras, tendo a contenção de práticas predatórias SIEDENBERG, D. R. Dicionário do Desenvolvimento Regional. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010.
e exaustivas. Também, procura-se um maior envolvimento sinérgico da sociedade civil organizada na definição e na STRONG, Maurice. Prefácio em: Sachs, I. 1993. Estratégias de transição para o século XXI, desenvolvimento e meio
articulação política de necessidades coletivas, na identificação de potencialidades econômicas em cada contexto territorial ambiente. São Paulo: Studio Nobel. 1993.
e na coorganização do esforço de gestão socioambiental. VIEIRA, Paulo Freire. Meio Ambiente, desenvolvimento e planejamento. In: Viola, E., et al. Meio ambiente,
Com os diagnósticos, procura-se entender o meio ambiente e os impactos sobre o mesmo, além de dirigir políticas desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais. _ São Paulo: Cortez; Florianópolis; Universidade Federal
ambientais que minimizem os problemas para gerações presentes e futuras. Busca-se entender os custos e benefícios das de Santa Catarina. 1995.
ações tomadas pela população, empresas privadas e governantes (poder público). VIEIRA, Paulo Freire. Controvertida Passagem do Conceito à ação. In: EISFORIA. Desenvolvimento Territorial
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2006.
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SISTEMAS AGROALIMENTARES LOCALIZADOS, NOVAS RURALIDADES E A INDICAÇÃO INTRODUÇÃO
GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO A questão da organização produtiva, através de sistemas e arranjos que favoreçam o desenvolvimento regional e
das empresas envolvidas, vem sendo estudada por inúmeros autores, recebendo contribuições importantes e evoluindo
em sua natureza de estudo e de prática (VILPOUX; OLIVEIRA, 2010). Diversos pesquisadores se preocuparam com este
Vítor André da Silveira Duarte1; Jonatan Fortes Silva2
assunto nos últimos anos e contribuíram significativamente para a evolução do estudo dos Sistemas e Arranjos Produtivos
Locais (FURLANETTO; CÂNDIDO; MARTIN, 2011).
RESUMO
A busca de respostas locais capazes de enfrentar os desafios da globalização tem aumentado com rapidez o interesse
Este artigo apresenta uma revisão sistemática objetivando debater sobre os diferentes formatos e conceitos de arranjos e
despertado nos últimos anos por alguns territórios, onde a presença de redes empresariais, acordos de cooperação e
sistemas produtivos locais, abordando brevemente o contexto histórico dos sistemas de produção. Para isso foi selecionado
instituições encarregadas de gerir essas relações superam a questão econômica para incorporar o entorno social (LÓPEZ
um total de 22 artigos das plataformas Periódicos Capes e Scielo. Verificou-se que as aglomerações produtivas são uma
e DEL VALLE, 2002, p.5). Os Sistemas Produtivos Locais tomam força no pós-fordismo e são tidos como interessante
alternativa viável para o desenvolvimento endógeno, especialmente se observadas as relações saudáveis entre o local,
ferramenta para o desenvolvimento, tanto das empresas quanto das regiões onde estes sistemas se instalam e produzem,
o global e os atores envolvidos.
pois com o esgotamento dos padrões fordistas de produção e relação de mercado, se fez necessária uma recomposição
de salários, espaços e produção (REIS, 1988; CAMPOS, CALLEFI, SOUZA, 2005), fazendo surgir um novo período,
Palavras-chave: sistemas produtivos locais, indicação geográfica, sistemas agroalimentares.
chamado de “neo-fordismo” (MORAES, SCHNEIDER, 2010).
No contexto das empresas, e mesmo dos arranjos rurais, para que haja competitividade, desenvolvimento e
sustentabilidade, são necessárias interações entre diversos atores que estarão presentes na aglomeração produtiva, em
LOCAL FOOD SYSTEMS, NEW RURALITIES AND THE GEOGRAPHICAL INDICATION AS
ordem direta e indireta, sendo eles as empresas, a comunidade, os atores econômicos, e as governanças, especialmente o
ENDOGENOUS DEVELOPMENT TOOL
Estado (IPIRANGA, 2008; RIBAS, 2010). Os Sistemas Agroalimentares Localizados (SIAL) foram definidos a partir da
emergência do conceito como organizações de produção e de serviço, associadas a um território específico. Essa definição
ABSTRACT
apresenta semelhanças evidentes com a definição de cluster ou de sistema produtivo local (REQUIER-DESJARDINS,
This article presents a systematic revision aiming to discuss about different formats and concepts of local productivity
2013).
arrangements and systems, abording briefly the historical context of productivity systems. For this we was selected a total
Na discussão brasileira sobre o desenvolvimento rural já se identifica uma mudança de visão nas novas abordagens
of 22 articles from CAPES and SciELO journals. Was found that productive agglomerations are a viable alternative to
utilizadas para compreender o papel do rural. A visão tradicional, apoiada na dicotomia rural-urbana, que confunde rural
endogenous development, especially when observed the healthy relations between the local, the global and the involved
com agrícola, está sendo mudada para uma visão sobre “o mundo rural que se apoia na possibilidade de o ‘território
actors.
rural’ incluir também as pequenas cidades do ‘interior’ e oferecer novas alternativas de emprego e renda e diversas outras
formas de melhoria na qualidade de vida da sua população” (MORAES; SCHNEIDER, 2010, p.302). Nesta perspectiva,
Key-words: local productive system,geographical indication,local food system production.
percebe-se a necessidade de compreender os SIALs como forma organizada de produção e desenvolvimento do espaço
rural, atendendo não só a produção em si, ou a parte econômica do mesmo, mas também a questão da imersão social, ou
seja, do enraizamento das pessoas com o território (MORAES; SCHNEIDER, 2011).
Desta forma, pretende-se estabelecer uma discussão conceitual que abarque os SIALs e sua constituição,
particularidades e proposição teórica em contraste com o contexto das novas ruralidades, ou seja, da ressignificação que
o “campo” vem sentindo nas últimas décadas. Justifica-se esta proposta a partir da necessidade de entender o espaço rural
e suas especialidades, principalmente para a promoção do desenvolvimento das regiões assim caracterizadas, oferecendo
suporte para planejamento e tomada de ações públicas e privadas, no sentido de promover e amparar a estas atividades e
toda a esfera de demandas que delas possam proceder.

METODOLOGIA
1 Mestrando em Desenvolvimento Regional – FACCAT – Taquara – RS vitor.andre.sd@gmail.com Este trabalho de revisão teórica e bibliográfica procurou reunir e organizar informações e conceitos norteadores
2 Mestrando em Desenvolvimento Regional – FACCAT – Taquara – RS

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para os Sistemas Agroalimentares Locais (SIALs), que podem promover o desenvolvimento regional em áreas rurais, versam sobre esta temática. Percebe-se que há, de certa forma, um processo contínuo e crescente de urbanização do meio
bem como sua inserção, num momento de discussão de novas ruralidades, no novo espaço rural. Nesta pesquisa foram rural, principalmente do modo de vida de quem reside neste ambiente.
selecionados, com base na produção de diversos autores, totalizando 22 artigos-base, encontrados em pesquisa nas Desse modo, são encontrados como fatores que promovem uma modificação visível destes meios: i) o turismo
plataformas Periódicos CAPES e SciElo, os principais conceitos sobre as duas temáticas – SIAL e as novas ruralidades, ecológico e de aventura; ii) o uso de espaços rurais para implementação de condomínios e imóveis para uso de segunda
trazendo diferentes óticas sobre a matéria, oferecendo um aporte de bases teóricas, com a finalidade de oferecer residência, ou seja, casas de passeio ou fim de semana; iii) as comunicações cada vez mais abrangentes; iv) a tecnologia
sustentação para o planejamento estratégico que foque na produção local em meios rurais. Foram utilizados artigos e nas atividades ligadas a agricultura e as modernidades como telefonia, internet, mecanização e automação domésticas.
livros que atendessem o critério simples de abordarem os assuntos pertinentes a este estudo, sendo estes: APL, SIAL, Cassilha e Cassilha (2012) definem a área rural como aquela onde as propriedades são maiores e as atividades são
desenvolvimento regional, desenvolvimento rural e as questões da nova ruralidade. Estes foram organizados de forma a voltadas para o setor primário da economia (agropecuária e pesca). Para Bezerra e Bacelar (In: IICA 2013, p. 35), o rural
apresentarem, em conjunto, uma base de discussão teórica sobre o desenvolvimento regional rural, através dos Sistemas não deve ser encarado como um “resíduo do urbano”, mas que “a definição de uma tipologia do rural brasileiro deve
Agroalimentares Locais e sua relação com as novas ruralidades. considerar os contextos territoriais e as distintas formas de relacionamento das áreas rurais com os centros urbanos, com
os quais mantêm relações diferenciadas de interdependência e complementaridade”. Emerge, então, uma nova ruralidade,
1. Discussão das Abordagens que não acaba com o rural anteriormente conceituado, mas que oferece uma diversidade maior no âmbito cultural, social
Nesta seção serão trazidos os conceitos e discussões acerca dos temas APL e SPL – Arranjo Produtivo Local e e econômico, onde são percebidos novos usos da terra e dos espaços sociais, com um leque de opções que não privilegiam
Sistema Produtivo Local -, bem como sua dissimilaridade conceitual e prática, SIAL – Sistema Agroalimentar Localizado, a antiga visão agropecuária como única, ou mais importante, possibilidade para o meio dito rural.
Produtos Alimentares com Indicação Geográfica, além de visitar o conceito do que se trata por “novas ruralidades”, ou
seja, o processo de modificação socioambiental que o meio rural vem sofrendo nas últimas décadas. 2.3 Os Sistemas Agroalimentares Locais (SIALs)
É plenamente natural que se associe o setor da produção agropecuária ao meio rural, já que é ali que, de fato,
2.1 Aglomerações, Arranjos e Sistemas Produtivos Locais são produzidos e comercializados quase que a totalidade dos alimentos do mundo. Algumas iniciativas buscam inovar,
O conceito de Sistema Produtivo Local é, na verdade, uma evolução da aplicação dos Arranjos Produtivos Locais, produzindo em zonas urbanas ou em centros realmente urbanizados, mas são incipientes e pouco expressivos para que se
com um olhar atento ao local, à região, considerando um leque ainda maior de questões que devem estar no contexto, possa retirar do campo a característica e a afeição com a produção agropecuária.
como as relativas ao meio ambiente, sustentabilidade, cultura e história, ou seja, um arranjo produtivo muito mais Quando uma cadeia produtiva se estabelece, surge, em geral, a necessidade de encurtar distâncias entre o
interessado no contexto socioambiental ao qual está inserido, procurando o desenvolvimento não só das empresas mercado consumidor e o produtor. Sendo assim, o fato de existir um produto ou grupo de produtos, que são gerados em
envolvidas, mas um desenvolvimento amplo que atinja várias esferas da sociedade, em diversas áreas de interesses e determinado local, atrai fornecedores de insumos e equipamentos, gera concorrência, diversificação de ofertas de trabalho
necessidades da população local (FALCÃO; SANTOS; GÓMEZ, 2009) (COSTA, 2006). Desse modo, segundo Moraes e especialização no produto (ou cadeia de produtos) – conceitos dos SPL -, cria a necessidade de estruturas organizacionais
e Schneider (2011, p.103), “o Sistema Produtivo Local (SPL) é caracterizado por um grande número de pequenas e e transforma um território, em questão de economia e produção, mudando as perspectivas sociais e combatendo a evasão
médias empresas especializadas e com um relacionamento não hierárquico”. do campesino (MORAES; SCHNEIDER, 2010).
Pode-se ainda compreender que os SPLs retratam a maneira que os agentes econômicos locais produzem e Os SIALs, por isso, são arranjos produtivos exclusivamente do campo e do meio rural. São sistemas de produção
reproduzem bens e serviços e refletem a identidade cultural da região. Nesse sentido, o SPL corresponde a uma atividade de alimentos que atendem a uma série de questões organizadas na cadeia produtiva, sendo assim, não se restringem à
técnico-produtiva resultante da capacidade de adaptação dos agentes econômicos locais ao imperativo tecnológico, pois produção na terra, exclusivamente, mas envolvem todo o circuito que vai desde a produção primária até o consumidor
ao mesmo tempo em que a tecnologia é adaptada às especificidades locais, os agentes econômicos adquirem novos final, passando pelas atividades de transporte e insumos como fertilizantes e defensivos – seja pelo uso ou pela ausência
conhecimentos aos se adaptarem às novas tecnologias implantadas na sua região (MEZA; PINTO; MONTALVO, 2013). dos mesmos – que não se dá por acaso, mas em plena organização dos atores envolvidos em relação ao território – o que
diferencia o Sistema Produtivo do Arranjo Produtivo (CÂNDIDO; MALAFAIA; REZENDE, 2012). De acordo com
2.2 Novas Ruralidades Lins (2012), o produto rural nos SIALs deve ser concebido em um ambiente de conhecimento ou know-how – saber
Há um debate, tão antigo quanto importante, sobre o que define, limita e corresponde ao território urbano e ao rural, fazer – sobre a transformação de produtos e devem possuir apelo em virtude de sua qualidade, apreciação e identificação
dada a dificuldade conceitual e metodológica de definição, onde o uso dos termos “urbano e rural” acaba ficando com local para que tenha valoração por parte do consumidor. Estas características são fundamentais para que um determinado
sentido controverso (REIS, 2006), (DELGADO et al, in: IICA, 2013), (TALASKA, ARANTES, FARIAS, 2009). Isto se produto seja diretamente atribuído a uma região específica, que se caracteriza pelo alto grau de conhecimento em torno
deve em geral ao processo de modernização que o meio rural vem sofrendo com o passar dos anos, assumindo diferentes do mesmo, se tornando um atributo da região a produção daquele tipo de produto.
usos e sendo objeto de estudo e análise para o planejamento da vida das cidades. (SANTOS, 1993). Nesse sentido, há Em geral, a caracterização do Sistema em detrimento do Arranjo se dá pelo surgimento de governança, muito menos
uma dicotomia posta sobre o conceito “urbano-rural” que vem sendo debatido e já contraposto por diversos autores que pelo Estado, mas principalmente pela capacidade organizacional dos diversos setores envolvidos. No caso dos Sistemas
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Agroalimentares, estas governanças podem se dar através da criação de associações de produtores de determinados tipos espécie de selo para identificar produtos, o qual determina a indicação geográfica dos mesmos, com diversos propósitos,
de produtos em relação ao seu território (associação de produtores de fumo, associação de apicultores, por exemplo), entre eles o de proporcionar ao consumidor a referência do local onde foi produzido, garantindo assim o consumo de um
bem como as “demais instituições não-governamentais voltadas à avaliação da qualidade da produção de cada firma e produto genuíno, que carrega em si algum traço marcante de qualidade e/ou de especialidade, que pode ser determinada
à distribuição de certificados/marcas de origem é um indicador privilegiado de transição da condição de arranjo (APL) por uma tecnologia específica de preparo, manuseio, cultivo, ou ainda pelas características naturais do local, como o tipo
para a condição de sistema (SPL)” (PAIVA, 2005, p.8). Sendo assim, o SIAL, por ser conceitualmente um Sistema, e de solo, clima, vegetação, que podem influir direta ou indiretamente nas características do produto (SEBRAE, 2015).
não mais um simples Arranjo, deve conter em sua estrutura a existência destas instituições, as chamadas governanças. O mercado globalizado possui diversas possibilidades e regulações, como no caso dos tratados de livre comércio,
Exemplos de links entre um produto e uma região são observados na produção do vinho e do queijo na Serra Gaúcha, que impedem medidas protecionistas dos países para combaterem a importação. Estas medidas – de protecionismo -, não
ou do queijo de Minas Gerais, e o couro acabado no Vale dos Sinos – Rio Grande do Sul. Esta relação com o território são vistas com bons olhos pela OMC – Organização Mundial do Comércio - e pelos vários Acordos do Livre Comércio
se dá pela sua representatividade, onde seus ativos são essenciais às atividades produtivas dos SIALs e, mostrando-se (ALC), e devem diminuir e até desaparecerem com o passar do tempo. Esta situação pode gerar certo desconforto para
imbricados com os componentes sociais e culturais da área, são inseparáveis da história local (LINS, 2006). os produtores de mercados protegidos, mas alternativas de proteção ao produto qualificado e reconhecido surgem através
É importante que fique clara a ideia de que os Sistemas Produtivos, sejam eles industriais ou agroalimentares, de medidas como registro de marcas e patentes, e em especial para este caso, as Indicações Geográficas. Segundo o
precisam necessariamente passar pela ligação com seu território, seu contexto regional de presente e, por origem, de acordo da OMC sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), define-se a “IG como indicação
passado, passando por uma montagem de estruturas organizacionais, especialmente não governamentais, que auxiliem que identifica um produto como originário do território de um país, ou uma região ou localidade desse território, onde
na criação de métodos, padrões de atuação e produto, gerando um resultado qualificado como saída na cadeia produtiva a qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica.”
a qual o Sistema em questão esteja inserido. Não se exclui a ação do Estado como fomentador nestes sistemas, visto que (DRUZIAN; NUNES, 2012, p.414).
o sucesso destes traz benefícios socioeconômicos para os atores envolvidos e para o território, enquanto recorte espacial Esse tipo de classificação é para o produtor e/ou setor produtivo que já possuam avançado know-how, uma proteção
local e para a região – adjacências – no qual se insere, visto que a governança consiste em interação e regulação entre à identidade de produtos clássicos, de notório destaque, seja por sua qualidade, características peculiares de produção
atores, instituições e Estado (MORAES; SCHNEIDER, 2011; MEZA; MEZA; MONTALVO, 2013). ou de sabor, e só pode ocorrer quando há um Sistema Produtivo, resgatando a ideia de que o Sistema precisa formar
Para obter-se qualidade no que é produzido nos SIALs é necessário que haja, obviamente, qualificação das partes governança, sendo que esta governança, ou seja, a ação organizada de associações e grupos de regulação, formais e
envolvidas. A regulação – fiscalização e determinação de padrões de produção, métodos e resultados – auxilia na obtenção informais, é que vai tornar viável que aquilo que é produzido na região possa adquirir qualidade suficiente e identificação
da qualidade nestes sistemas, mas o processo de qualificação passa por especialização, seja em métodos de produção ou com o conceito original do produto, tornando-o referência para uma IG regular (VIEIRA; WATANABE; BRUCH, 2012).
em um produto específico. Como já citados, os casos da produção de vinho, queijo, cachaça, entre outros, se dão com O objetivo de uma IG é diferenciar um produto ou serviço de seus semelhantes ou afins, porque este apresenta
referência a um território, facilmente identificado quando se fala da origem e tradição dos produtos (vinho e queijo na características de uma determinada região, reflexo dos fatores humanos envolvidos naquele produto, consiste em uma
serra gaúcha, vinho chileno, cachaça em Santo Antônio da Patrulha, champanhe francês, etc.). Muitas vezes lembra-se forma de agregar valor e credibilidade a um produto ou serviço, conferindo-lhes um diferencial de mercado em função
de um local ou região pela menção a um produto ou de um produto pela menção a um local ou região. Tem-se hoje, no das características de seu local de origem (NASCIMENTO; NUNES; BANDEIRA, 2012). “As Indicações Geográficas
mundo e no Brasil, uma iniciativa de rotulação de produtos com a chamada Indicação Geográfica (IG), que, conforme (IGs) são uma ferramenta coletiva de promoção mercadológica e têm por objetivo destacar lugares, pessoas e produtos,
o SEBRAE (2015), “é uma garantia para o consumidor, pois comprova que o produto é genuíno e possui qualidades evocando sua herança histórico-cultural, considerada intransferível” (NUNES; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2012, p.
particulares, ligadas à sua origem” que pode gerar valor agregado ao produto, se tornando um bem e beneficiando as 348).
pessoas da região e da cadeia do produto. Para complementar o tema tratado neste ponto, haverá uma melhor abordagem O processo de reconhecimento de produtos com Indicação Geográfica, no Brasil, decorre junto ao INPI (Instituto
sobre o mesmo no próximo subtítulo. Nacional de Propriedade Intelectual) e, depois de obtido o reconhecimento a nível nacional, será possível desenvolver o
Neste contexto, o SIAL aparece como um sistema produtivo localizado, ou seja, com identificação com o local, processo, que poderá levar ao reconhecimento e proteção do produto a nível mundial (FABRIS; MACHADO; GOMES,
voltado para o setor de alimentos, envolvendo diversos atores, sejam eles os produtores rurais, as agroindústrias, o 2012, p.391). No Brasil, assim como nos países da América Latina que adotaram o uso das IGs, os estudos sobre as
comércio e transporte local, instituições públicas e privadas, de fomento e de regulação. Desta forma, quando o produto potencialidades de produtos locais, para se tornarem referenciados pela sua identificação geográfica, são recentes, mas
não tem sua comercialização e consumo, total ou em partes, dentro do mesmo território, ele adquire, ou deve adquirir, promissores, visto que o Brasil é um país de extensão continental, com vasta diversidade cultural e muitos produtos
status de qualificação que o promova e o referencie para o consumo em outros territórios, mas que aluda ao território de referenciais pela sua constituição e tradição. (NUNES; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2012).
origem, integrando dessa forma o território e suas nuances em diversos formatos do mesmo sistema. Tratando-se de produtos do meio rural, o Brasil se destaca no cenário mundial não só pela sua extensão territorial
e variedade cultural, já mencionadas, mas, por particularidades de clima e solo, que tornam as condições naturais para
2.4 Produtos Alimentares com Indicação Geográfica a produção rural algo com real potencial de desenvolvimento, como por exemplo, clima diversificado – que oferece a
Conforme já mencionado, o mundo, e o Brasil, especialmente neste estudo, experimentam hoje o uso de uma possibilidade de várias culturas distintas – e o país “ainda conta com 388 milhões de hectares de terras agricultáveis
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férteis e de alta produtividade, sendo que 90 milhões ainda não foram explorados. Percebe-se, por estes dados, o alto     Pinto Bandeira Vinhos: tinto, brancos e espumantes 2010 RS
potencial do agronegócio brasileiro para o desenvolvimento de regiões e do próprio país” (VIEIRA; WATANABE;
   Vale dos Sinos Couro Acabado 2009 RS
BRUCH, 2012, p.330).
   Vale dos Vinhedos (*) Vinhos: tinto, branco e espumante 2002 RS
Há uma diferença de caracterização entre os produtos classificados com IGs, sendo dois grupos determinados pelo
INPI, a saber, os produtos com IP (Indicação de Procedência) e os como DO (Denominação de Origem). Estas categorias    Vales da Uva Goethe Vinho de uva Goethe 2012 SC

se diferem conceitualmente, sendo que os produtos com IP possuem comprovação de reputação da localidade, enquanto    Alta Mogiana Café 2013 SP
os com DO apresentam “vínculo do produto com o meio geográfico, descrição do método de obtenção e do notório saber Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2014)

fazer” (FABRIS; MACHADO; GOMES, 2012, p. 392). No Brasil, até 14 de outubro de 2014, havia 5 registros de DO e
O Quadro 1 traz as IGs que já foram registradas, ou seja, aprovados pelo INPI, transformando estes produtos,
21 de IP, conforme quadro a seguir:
oficialmente, em produtos de reconhecida qualidade e referência em suas respectivas áreas. Importante destacar a
Quadro 1 – Lista de Indicações Geográficas no Brasil participação dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com 5 e 8 registros, respectivamente e há ainda muitos
Espécie / Nome da IG Produto/Serviço Ano UF outros produtos e regiões com potencial para integrarem esta lista.
Denominações de Origem:      

   Costa Negra Camarões 2011 CE CONCLUSÕES


Desde o final do período fordista, muitas inciativas de combater a crise capitalista, buscando utilizar os recursos
   Manguezais de Alagoas Própolis vermelha e extrato de própolis vermelha 2012 AL
materiais e pessoais regionalizados, surgiram, trazendo consigo um novo paradigma de desenvolvimento que visa buscar
   Região do Cerrado Mineiro Café 2014 MG
uma integração dos meios de produção com a tradição local, que se relacione e preserve as peculiaridades e características
   Litoral Norte Gaúcho Arroz 2010 RS
locais, sejam estas de ordem cultural, histórica, natural ou tecnológica.
   Vale dos Vinhedos Vinhos: tinto, branco espumante 2012 RS Muitos lugares do mundo, e o Brasil especialmente, vêm vivendo uma nova fase no meio rural, onde velhos
Indicações de Procedência:       conceitos e previsões, como a do total abandono e migração do ambiente rural para o meio urbano, foram substituídos
   Microrregião de Abaíra Aguardente de cana tipo cachaça 2014 BA por uma realidade onde o rural assume novos significados e se adapta para um convívio estabilizado com o urbano,
   Linhares Cacau em amêndoas 2012 ES melhorando e proporcionando o acesso a tecnologias para a população rural. Isso se dá na vida cotidiana e nos meios
de produção, onde a produtividade da terra aumenta e a procura das pessoas da “cidade” por lugares que conservem as
   Canastra Queijo 2012 MG
paisagens campesinas – modificadas ou não – vem num crescente bastante proveitoso, oferecendo oportunidades de
   Região da Serra da Mantiqueira Café 2011 MG
negócios cada vez mais bem exploradas.
   Região do Cerrado Mineiro (*) Café 2005 MG
Essa nova dinâmica de valorização do local, de estruturação de regiões e torno de suas atividades mais características,
   Região de Salinas Aguardente de Cana tipo Cachaça 2012 MG tende a gerar especialização e consequentemente maior qualidade nos produtos oferecidos, que em consórcio com as
   Serro Queijo Minas Artesanal do Serro 2011 MG estruturas de governança em constante planejamento e pesquisa, cria novas oportunidades, proporcionando maior valor
MS/ agregado aos produtos ou ainda uma maior proteção ao que se faz com diferenciais reconhecidos, onde se inserem as IGs.
   Pantanal Mel 2015
MT
   Vale do Submédio do São
Uvas de mesa e Manga 2009 PE
O Brasil, pela sua capacidade produtiva, principalmente no setor agropecuário, se destaca em suas potencialidades
Francisco
de gerar muitas regiões que ofereçam produtos diferenciados e com boa qualidade, valorizando a produção primária, que
    Piauí Cajuína 2014 PI
Café verde em grão e industrializado torrado em grão em geral pouco pode acrescentar valor em sua produção que não seja pelo simples aumento de produtividade. Os diversos
   Norte Pioneiro do Paraná 2012 PR
e ou moído climas, tradições, historicidades e culturas, proporciona um leque bastante amplo de produtos e, até mesmo em produtos
Aguardentes: tipo cachaça e aguardente composta
   Paraty 2007 RJ “iguais”, a possibilidade de diferenciação, graças as características distintas que as regiões e microrregiões brasileiras
azulada
   Mossoró Melão 2013 RN apresentam. Entende-se o uso das IGs como uma excelente ferramenta de proteção a tradição da produção, valorização
   Altos Montes Vinhos e espumantes 2012 RS dos atributos e métodos da produção e do produto, especialmente o agroalimentar.
   Monte Belo Vinhos 2013 RS
   Pampa Gaúcho da Campanha
Carne bovina e seus derivados 2006 RS
Meridional

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TIPICAMENTE CAIÇARA: A CATAIA ENQUANTO PRODUTO DA COMUNIDADE DE BARRA DO ARA- INTRODUÇÃO
RAPIRA/GUARAQUEÇABA-PR
Na globalização ganha força a massificação da cultura mundial, permeado pelos grandes meios de comunicação,
solapando especificidades características que distinguem certas culturas de outras.

José Carlos Muniz1; Mayra Taiza Sulzbach2 Como medida inibidora à uniformização, tem-se buscado o fortalecimento de identidades em torno de territórios e
produtos locais, que os diferenciem uns dos outros, baseados em suas especificidades culturais.

O presente artigo apresenta os resultados de um estudo que analisa o potencial em torno da Pimenta pseudo-
RESUMO
caryophyllus (Gomes) L.R. Landrum, popularmente chamada de ‘Cataia’, como um recurso da comunidade Barra do
Os caiçaras possuem uma ligação com seu território, por vezes enfrentando difíceis embates para sua permanência, mui- Ararapira.
tos destes, impondo restrições que impactam diretamente com seus modos de vida, obrigando-os a encontrarem alterna-
tivas que visualizem a interação na relação cultura-natureza nesses ambientes; Uma dessas, na comunidade de Barra do Os traços identitários com a comunidade e seu território, laços de pertencimento e familiaridade faz com que o re-
Ararapira, é a utilização das folhas da árvore Cataia, aliada aos seus conhecimentos e saberes, como marca identitária da curso encontre diversas especificidades na cultura caiçara, objetivando sua viabilização como potencial da identidade em
comunidade, envolta em um sistema associativo de produção cooperativa, baseada, quase que integralmente, em relações
fomento ao desenvolvimento local.
sociais de compadrios, porém, frente a uma externalidade capitalista, também enfrentando a problemática globalizadora
de outros valores, principalmente os do mercado capitalista.

O LOCAL, SEUS INDIVÍDUOS E SEUS SABERES


Palavras-chave: Identidade territorial; Recurso específico; Associativismo; Desenvolvimento.
O local objeto de análise, Barra do Ararapira, faz parte do município de Guaraqueçaba, localizando-se no extremo
norte do litoral paranaense, divisando com Pontal de Leste [Marujá], no município de Cananéia/SP, ambos contemplando
ABSTRACT unidades de conservação (UCs), o que promove restrições quanto ao uso dos recursos naturais: Parque Nacional de Supe-
The caiçaras have an connection to their territory, sometimes facing difficult confrontations for their stay, many of the- ragui e Parque Estadual da Ilha do Cardoso, respectivamente.
se by imposing restrictions that impact directly to their proper modes, forcing them to find alternatives to visualize the
interaction in the relationship between culture and nature in these environments; One of these, in Barra do Ararapira A região fora habitada por descendentes dos primeiros degredados portugueses na Ilha de Cananéia, em 1502, que, “se
community, is to use the leaves of the tree Cataia, coupled with their expertise and knowledge, as brand identity of the animaram e embarcaram em canoas índias e, saindo barra afora, costeando as praias de Ararapira e Superagui, entraram
community, wrapped in an associative system of cooperative production, based almost entirely on social relations of barra adentro, nas formozas baías de Paranaguá” (VIEIRA DOS SANTOS. 2001. p. 18/19). Nestas paragens, em final do
cronyism, however, against a capitalist externality, also facing the globalizing problems of other values​​, especially those Século XVI, conforme Carneiro (1986) fora fundado o núcleo de Ararapira; Superagui teve seu primeiro registro histórico
of the capitalist.
em 1549, nos relatos do alemão Hans Staden (1900), que por lá encontrou portugueses da Capitania de São Vicente.

A comunidade de Barra do Ararapira se formou entre as vilas de Ararapira e de Superagui, nas proximidades da “bar-
Key words: Territorial identity; Specific resource; associations; Development.
ra”, o canal natural por onde as águas oceânicas do “mar de fora” desembocava no mar de Ararapira ou “mar de dentro”,
viabilizando a fixação das primeiras moradias em épocas de safra pesqueira (BAZZO. 2010, p. 46), quando também os
pescadores ocupavam o espaço com pequenos roçados, principalmente com o plantio da mandioca (Manihot).

As mudanças naturais na localização da “barra”, fechamento de sua desembocadura e abertura em novo local, resultou
em alagamento das áreas ocupadas, influenciando na estruturação da comunidade.

Conforme Bazzo (2010. p. 47), residem na comunidade de Barra do Ararapira, aproximadamente 200 pessoas, em
46 moradias, tendo na pesca artesanal sua principal fonte de renda, configurando-se numa comunidade tradicional de
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (UFPR Litoral). E-mail: muniznativofilho@
pescadores artesanais ou de uma população “caiçara” tradicional.
yahoo.com.br
2 Dra. em Desenvolvimento Econômico e professora da UFPR Setor Litoral. E-mail: mayrasulzbach@yahoo.com.br Os povos ou comunidades tradicionais são assim definidos, pelo Decreto nº. 6.040 (BRASIL, 2007 apud DIEGUES;

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PEREIRA, 2010, p. 39) por contemplar grupos culturalmente diferenciados, sões, estas eram tomados pelos gestores determinados na criação da Unidade de Conservação, gerando conflitos socioam-
bientais com a comunidade local, que até então fez a gestão dos recursos naturais e propiciou à criação de um Parque.

que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam O local onde havia indivíduos vivendo não poderia ser resultado da “natureza intocada”, era um território, que,
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e segundo Pecquer (2005. p. 13), deriva de “um processo de construção pelos atores”, assim, a preservação destas áreas
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
que permitiu à criação do Parque deriva de uma cultura: a “caiçara”; população que lá vivia, com a natureza, a qual se
construiu “dinamicamente nos percursos dos indivíduos e dos grupos [...], são comunidades de sentido, sistemas de
pertencimento.”.
De acordo com Diegues (2004, p. 09), a população caiçara é formada pela “mescla da contribuição étnico-cultural dos
indígenas, dos colonizadores portugueses e em menor grau do escravo africano” e possuem uma forma de vida “baseada Conforme Zaoual, estes locais constituem sítios que (2006, p. 34):
em atividades de agricultura itinerante, da pequena pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato”.

Intimamente integrados à natureza que os cerca, os caiçaras cultivam suas práticas culturais de acordo e em consonân- impregnam o conjunto das dimensões dos territórios de vida: a relação ao tempo, a natureza, ao espaço, ao
cia com a mesma. Conforme Zaoual (2006, p. 32) estas práticas podem definir um sítio ou um lugar com especificidades: habitat, arquitetura, vestuário, as técnicas, ao saber fazer, ao dinheiro, ao empreendedorismo, etc. Antes de
“cada sítio é uma entidade imaterial que impregna conjunto de vida em dado meio” e o indivíduo que nela habita. Um se materializar nos feitos e gestos dos atores ou em qualquer outra materialidade visível a olho nú, os sítios
são entidades imateriais fornecedoras de balizamentos para os indivíduos e suas organizações sociais.
sítio:

possui um tipo de caixa preta, feita de crenças, mitos, valores, experiências passadas, conscientes ou in-
conscientes, ritualizadas. Ao lado desse aspecto feito de mitos e ritos, o sítio possui também uma caixa
NATUREZA MANTIDA E CONHECIDA DO HOMEM LOCAL: A CATAIA
conceitual, que contém seus conhecimentos empíricos e ou teóricos. Enfim, os atores, em dada situação,
operam com uma caixa de ferramentas que contém saber-fazer, técnicas e modelos de ação próprias ao
contexto. (ZAOAUL, 2006, p. 32). Um dos conhecimentos inerentes na relação homem-natureza da comunidade Caiçara da Barra de Ararapira é a
utilização das folhas da Cataia4 (Pimenta pseudocaryophyllus (Gomes) Landrum), pertencente a Família Myrtaceae. Seus
conhecimentos estão associados de forma endêmica, uma vez não se encontrada nas comunidades vizinhas.
Estes atores, com comportamentos socioeconômicos relacionado com seu território são denominados por Zaoual A existência desta planta no local é um recurso que pode se configurar como um recurso ativo. Conforme Pecquer
(1999) como homo situs. Homens pertencentes ao local, respeitando e defendendo seus conhecimentos, uma vez intera- (2005, p. 123), os recursos próprios de território podem permitir a este se diferenciar em relação a seu vizinho. A exis-
gindo com sua realidade. tência de inputs ou ativos em um lugar, quando utilizados para a criação de produtos (PECQUER, 2009, p. 97), pode ser
O homo situs de Zaoual, são os atores, os caiçaras da Barra do Ararapira; Homens que através de seus comportamen- denominada de ‘recursos territoriais’.
tos, em consonância com a natureza permitiram que em pleno Século XX a comunidade onde viviam se transformassem Conforme Denardin; Sulzbach; Komarcheski (2015, p. 203), o território nesta perspectiva é uma unidade ativa de de-
em Unidades de Conservação, os quais promoveriam novos enfrentamentos e diversos desafios ao modo de vida em seu senvolvimento. O desafio é “constitui-se na apropriação dos recursos específicos do território e promover especificações
território. ou ativação destes recursos, ou seja, transformar recursos em ativos específicos”.
A iminência da legislação ambiental, devido à criação, na década de 1980, do Parque Nacional de Superagui3, impac- Na comunidade da Barra do Ararapira as folhas da Cataia são utilizadas tradicionalmente como: tempero e remédios
tou diretamente no modo da população caiçara residente no local e na utilização dos recursos naturais disponíveis, uma caseiros (chás para dores estomacais, azia, diarreia, cicatrização de ferimentos, estimulante sexual etc.). A Cataia atraiu
vez que, de acordo com Diegues (2000. p. 09), esse modelo de área de proteção integral “parte do princípio de que toda a atenção científica sobre sua utilização, características e propriedades medicinais por Morgante; Patrícia et. al (2010).
relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural e selvagem”. Girard; Koehler; Netto (2007, apud CATENACCI, 2010, p. 33) identificaram:
A comunidade da Barra do Ararapira nos primeiros anos da criação do Parque não participava dos processos de deci-
3 UC de Uso Sustentável, parque, que tem o objetivo de assegurar a proteção de parte significativa da Floresta Ombrófila Densa na região
da Serra do Mar, disciplinar o uso e a ocupação do solo, proteger o patrimônio natural, considerando os aspectos referentes aos bens de valor
histórico e arqueológico.
4 Popularmente também recebe este nome a espécie Drimys brasiliensis, da família Winteraceae, por vezes confundida com
a Pimenta pseudocaryophyllus (Gomes) Landrum.
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um óleo essencial muito aromático, o eugenol, sendo este composto explorado há bastante tempo e pos- e a remuneração dos trabalhadores, numa relação de troca mercantil entre os membros que desempenham as diferentes
suindo inúmeras aplicações, desde o uso em aromatizantes, perfumes, cosméticos e inseticidas até na funções, nem tampouco a divisão dos retornos são distintas, conforme as funções.
indústria fármaco-medicinal, dada suas propriedades antibacterianas, analgésicas e sedativas.
Singer (2008, p. 289) sintetiza que “os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios traba-
lhadores coletivamente de forma inteiramente democrática”, com princípios de “solidariedade e de integralização de um
Sua utilização na bebida com teor alcoólico foi por volta de 1985, conforme Gazeta do Povo (2010). Na própria sistema capaz de combater o ‘individualismo competitivo’”. Gestão e princípios que se desenvolvem na Associação das
comunidade, Rubens Muniz “resolveu” experimentar a infusão da folha da Cataia na pinga, uma vez já existir cachaças Mulheres Produtoras de Cataria da Barra do Ararapira.
com infusão de diversas outras folhas, raízes, inclusive cobras; Inicia-se a popularização da bebida, que ganha constan-
A organização da produção, gestão e os princípios desenvolvidos nesta Associação são induzidos por Catenacci (2010,
temente novos apreciadores e mercados, gerando recursos financeiros para a comunidade.
p. 63-64) que destaca especificidades do Grupo, entre elas a motivação não financeira e sim “o divertimento de estar junto
Estes “saberes” à promoção de produtos locais é, segundo Pecquer (2005), uma alternativa ao desenvolvimento com as mulheres”. Catenacci (2010) lista algumas regras existentes na Associação: apenas mulheres podem trabalhar,
endógeno. A promoção de produtos locais ou territoriais ocorre através de saberes da população local com recursos do desde que após os dezoito anos, acreditando assim estar evitando o contato das adolescentes e jovens com a bebida al-
local, o que permite ativar a dimensão da cultura local, o que “constituiria o potencial identificável de um território” coólica; não podem vender nem doar o produto de seu trabalho fora do Grupo; não vendem fiado aos moradores da vila,
(PECQUER, 2005, p. 14). Esses recursos: como estratégia para diminuir o consumo de álcool na comunidade.

Estas especificidades entre outras desenvolvidas na organização social da Associação das Mulheres Produtoras da
resultam de uma longa história, de um acúmulo de memória, de uma aprendizagem cognitiva coletiva Cataia podem ser observadas na literatura da economia social ou sociologia econômica enquanto capital social, de acordo
[...], produzidos num território, que se torna então “revelado”. A produção desses recursos resulta, pois, com os pressupostos de Putnam (1993). As regras do Grupo se configuram enquanto “redes, normas e laços de confiança
de normas, de costumes, de uma cultura que são elaborados num espaço de proximidade geográfica e ins-
que facilitam a coordenação e cooperação para benefícios mútuos”.
titucional, a partir de uma forma de troca que não é mercantil: a reciprocidade. (PECQUER, 2005, p.15).
O capital social segundo Denardin e Model (2014, p. 09) “deve ser levado em conta para um efetivo desenvolvimen-
to local e regional”. O capital social, desempenhado pelas mulheres da comunidade entorno da produção da Cataia não
Os saberes imersos em um território são capazes de promover a ativação destes recursos em ativos específicos do fecha o escopo teórico dos condicionantes ao desenvolvimento endógeno, se soma aos demais citados acima, justificando
lugar, foi o que aconteceu na comunidade da Barra do Ararapira. Após considerado aumento na procura da cachaça de a potencialidade da Cataia enquanto recurso específico da população caiçara, como condicionantes ao desenvolvimento
Cataia foi criada em 2007 a Associação das Mulheres Produtoras da Cataia5. Uma organização territorial que, segundo local ou territorial da comunidade da Barra do Ararapira.
Ambrosini; Filippi (2007, p. 04) fortalecem a possibilidade de um desenvolvimento endógeno e em especial se “se for-
mam a partir de laços de solidariedade, de sangue, do sentimento de pertencimento à comunidade, mas se materializam O fato de a Comunidade estar imersa ao Parque Nacional de Superagui, o qual impõem restrições ao uso dos re-
através das realizações coletivas”. cursos naturais, poderia apresentar-se como um limitante a promoção da Cataia como recurso ativo do local à promoção
do desenvolvimento territorial. Este fato não se apresenta como limites, nem pelos gestores do Parque, nem pela própria
Os recursos (homem e natureza) lugar (território) contemplados por Pecquer (2005), pautados em organizações comunidade. Conforme o diretor-chefe desta Unidade de Conservação Marcelo Bresolin (apud GAZETA DO POVO,
territoriais (ativação de recursos), conforme destacados por Ambrosini e Filippi (2007), promovem um desenvolvimento 2010) “o uso da Cataia por essa comunidade tradicional não traz prejuízo ao ambiente e assegura um retorno econômico
singular por contemplar as caixas (preta - crenças, valores, experiências; conceitual – conhecimentos empíricos e ou a eles”, sendo sua extração “restrita à comunidade e em caráter excepcional.”.
teóricos e de ferramentas – homem e natureza) descrito por Zaoual (2006).
Ambrosini e Filippi (2007, p. 04) destacam que a “solidariedade interna existe para a comunidade se proteger do
exterior”. E como a solidariedade está presente na organização produtiva das mulheres que trabalham como a Cataia, essa
pode atuar como inibidora da extração predatória da Cataia. O pertencimento ao local desenvolve-se, podendo ser um
SOCIABILIDADES EM TORNO DO PRODUTO LOCAL
determinante à propensão da ação coletiva para o bem comum, ou seja,
Na Associação das Mulheres Produtoras da Cataia as funções há extração das folhas, a lavagem, a secagem ao sol,
a separação qualitativa, o empacotamento in natura, o envasamento da bebida entre outros. O processo de produção, de
ordem coletiva, caracteriza a organização de forma solidária, não havendo um proprietário que determina as atribuições ele passa a ter um valor funcional para a comunidade no momento em que os indivíduos percebem que
5 Participam na Associação das Mulheres Produtoras da Cataia cerca de 20 mulheres. Vendem as folhas in natura da Cataia e a bebida as iniciativas de cooperação geram resultados virtuosos para a comunidade, passando, essas, a prevalecer
envasada. sobre comportamentos competitivos dentro do território. (AMBROSINI; FILIPPI. 2007, p. 09).

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mento territorial:

O CUIDAR DO RECURSO ESPECÍFICO; A CATAIA

Uma vez tendo aumentado a demanda pelo produto Cataia, bem como sua consequente extração, a comunidade não pode ser implantado por decreto; permanece uma construção dos atores, mesmo que políticas públicas
apropriadas possam estimular e mobilizar esses atores. Essa construção só pode ser concebida como uma
deve dispor de maior atenção ao recurso. De acordo com Pecquer (2005, p. 13), os recursos “constituem uma reserva, dinâmica e, portanto, inserida no tempo. Trata-se de uma estratégia de adaptação na medida em que esse
um potencial latente ou virtual que pode se transformar em ativo se as condições de produção ou criação de tecnologia processo é reativo em relação à globalização. (PECQUER. 2005. p. 12).
o permitirem”.

A Cataia por ser um recurso específico da comunidade Barra do Ararapira, merece atenção por ser um “recurso ou sua
A Cataia: é referência comercializada nos bailes de fandango6 realizados na comunidade de Superagui; nomeia uma
raridade [que] vão condicionar o tipo de desenvolvimento local” (PECQUER. 2005. p. 13). Catenacci (2010. p. 76-78)
banda de jovens músicos em Pontal do Paraná/PR, a Trupe Cataia e em Sorocaba/PR, a Banda Cataia, esta última em
as estudar a Cataia na Barra do Ararapira cita alguns fatores que contribuem para demonstrar a resiliência socioecológica
homenagem a bebida que os jovens experimentaram na comunidade de Marujá/Parque Estadual da Ilha do Cardoso e;
do sistema de manejo da Cataia no local:
possui festas denominadas de Cataia. A Cataia passa a receber valores exógenos aos originalmente criados na Barra do
Ararapira, descaracterizada de sua comunidade.
(a) instituições locais fortes; (b) práticas de manejo específicas do grupo que lidera a extração da planta;
(c) demanda ainda incipiente e, relativamente, localizada; (d) a exploração da planta não se constitui na
atividade econômica principal da vila; (e) lócus da atividade de exploração inserido numa Unidade de
A CATAIA E A SUA SUSTENTABILIDADE ENQUANTO ATIVO
Conservação; (f) existência de certa flexibilidade por parte do órgão gestor da UC.
Tendo em vista uma desenfreada exploração do produto, é emergente a necessidade da Associação das Mulheres
Produtoras da Cataia pelo auxílio e aporte técnico de instituições público ou privado, que possibilite a manutenção de sua
Em outro estudo sobre a Cataia no local, D’Angelis (2013) considera preocupante à biodiversidade e também à produção, potencializando a valorização pela própria comunidade, diminuindo a extração de forma individual e insusten-
Associação a exploração da Cataia. Enquanto as mulheres fazem a extração coletivamente, coibindo o individualismo e tável. Conforme Ambrosini e Filippi (2007, p. 4-5), o desenvolvimento territorial “deve ser o resultado da interação entre
distribuindo igualitariamente os retornos, existe a extração esporádica por parte de alguns homens que, motivados por instituições locais e atores econômicos dominantes em uma relação de forças equilibradas”.
encomendas, agrados a parentes e amigos, também extraem e destinam à venda, quando visitam cidades vizinhas (CA-
A partir de incentivo técnico, fomentando a valorização da Cataia enquanto produto tipicamente caiçara da Barra do
TENACCI. 2010, p. 55).
Ararapira e reforçando a identidade da comunidade, através da diminuição da prática dos ‘atravessadores’, pode-se criar
A Cataia, folhas in natura e a bebida propriamente dita, todas oriundas da comunidade de Barra do Ararapira, é na comunidade uma “cesta de bens”.
encontrada a venda em diversos lugares, muitos destes sem mencionar a sua origem, desagregando o valor inerente à
“Cesta de bens”, conforme Pecquer (2009. p. 86) caracteriza-se como uma “oferta compósita particular, associada
identidade caiçara de Barra do Ararapira. A Cataia, somente é um produto territorial, específico do local que pode promo-
ao lugar”. Na comunidade de Barra do Ararapira, a “cesta de bens” pode ter a Cataia como produto principal, podendo
ver o desenvolvimento sustentável do local quando atrelado aos demais valores do local, ou seja, ao modo de produção
ser complementada com outros produtos derivados da planta Cataia, bem como a bebida com mel de abelha adicionado,
tais como os oriundos da Associação das Mulheres Produtoras da Cataia da Barra do Ararapira.
folhas in natura para o preparo de chás e temperos como utilizados tradicionalmente pela comunidade, também acresci-
A extração motivada por ganhos individuais, mesmo que realizada pela população local, pode promover atritos com dos de outros produtos da cultura local.
aqueles que elegem à extração de forma coletiva. Conforme Zaoual (2006. p. 28) há “incontestavelmente inúmeros atri-
D’Angelis (2013, p. 69) destaca que há necessidade da adoção de medidas que regulamentem a atividade extrativista
tos entre o grande modelo de civilização global e o sítio das crenças e de ações dos atores, considerados como alvos pela
no local, bem como da elaboração de um plano de manejo coletivo, comtemplando o estoque dos recursos e seu monito-
prática dos experts”. O caminho da extração da Cataia de forma individual pode promover rupturas sociais e econômicas
ramento.
no local.
Coexistindo com o modelo de mercado globalizado, na comunidade de Barra do Ararapira se encontram modelos de
Visando o bem estar da comunidade e a melhor utilização de seus recursos, que para Pecquer (2005, p. 12), “designa
todo processo de mobilização dos atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na 6 Expressão musical-coreográfica-poética e festiva, cuja área de ocorrência abrange o litoral sul do estado de São Paulo e o litoral norte
do estado do Paraná. Essa forma de expressão possui uma estrutura bastante complexa e se define em um conjunto de práticas que perpassam o
base de uma identificação coletiva com uma cultura e um território”, reorganiza-se a economia local e ao desenvolvi-
trabalho, o divertimento, a religiosidade, a música e a dança, prestígios e rivalidades, saberes e fazeres. (Iphan).

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produção e distribuição com princípios associativos, baseados em relações cooperativas, de compadrio e de vizinhança, ___. Enciclopédia Caiçara. V. 1. Diegues. São Paulo: HUCITEC:NUPAUB:CEC/USP, 2004.
que permite identificar seus moradores e a relação destes com a natureza. As forças do mercado tende a promover a apro-
___; PEREIRA, Bárbara Elisa. Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade de conservação da nature-
priação das especificidades locais, insere-as, sem referenciais de identidade, num mercado globalizador. Nesse ínterim é
za: uma reflexão sobre a perspectiva da etnoconservação. In: Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 22, jul./dez. 2010.
essencial o desempenho da “ética e os valores em torno dos quais os atores criam seus espaços locais de vida”, pois, sem
Editora UFPR. P.37-50.
este ‘código de leitura do mundo’, entraria em processo de degradação (ZAOUAL, 2006, p. 54).
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GRUPO DE TRABALHO V
Ruralidades, Trabalho e Sustentabilidade

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A EROSÃO EM ESTRADAS NÃO PAVIMENTADAS NA BACIA DO RIO DO ATALHO EM CRUZ MACHA- 1 INTRODUÇÃO GT - 05
DO – PR1
A humanidade, ao longo de sua história manteve um conjunto de conexões com a natureza. As relações entre
homem e o meio foram deixando, no decorrer dos tempos, significativas mudanças e interferências nos principais recursos
disponibiliza dos pela natureza, tais como: solo, água e florestas. (TRICART, 1977). Essas relações foram perdendo o
THE EROSION IN UNPAVED ROADS IN RIVER BASIN OF ATALHO IN CRUZ MACHADO - PR
sentido de integridade e gerando impactos ambientais3 (DREW, 1989).

A maioria das atividades que o homem desempenha na superfície do planeta provoca alterações nos aspectos da
Vanderlei Marinheski2 paisagem (DREW, 1989). Entre essas atividades, são destacadas como impactantes: a agricultura, a mineração, escava-
ções e construções de estradas (INBAR et al., 1998).

As estradas são faixas do relevo transformado pela ação antrópica que permitem a circulação de pessoas, animais
RESUMO e veículos. Para o seu pleno uso, estas devem estar em condições apropriadas para determinados fluxos de movimentação
O presente artigo teve como objetivo discorrer sobre os processos erosivos em estradas não pavimentadas, na Bacia hi- nas mais variadas condições climáticas (GRIEBELER et al., 2005).
drográfica do Rio do Atalho em Cruz Machado no Paraná. A bacia caracteriza-se com um sistema de agricultura familiar
com baixo nível tecnológico, o relevo é dissecado e com presença constante de blocos e matacões de rochas ígneas. A
metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e o trabalho de campo com a averiguação dos pontos impactados. Os
resultados apontam que na maioria das estradas está ocorrendo perda acelerada de solo, acúmulo de materiais ao longo As estradas, carreadores e caminhos cortam grande número de rios e fontes em diferentes unida-
das vertentes (mata, pastagem e açudes), assoreamento do rio principal e incisões no relevo que prejudicam ou até mes- des de terra. A drenagem lateral nas vias de circulação principal (processo de retirada de água do
mo inviabilizam o trafego. Desta forma, evidencia-se que a atual forma de construção e manutenção das estradas na bacia leito das estradas) faz com que as águas cheguem rapidamente à rede de drenagem aumentando o
do rio do Atalho, apresenta impactos para o meio ambiente e que merecem atenção, visto que se trata de uma área com débito fluvial (aumento rápido de vazão) (THOMAZ, 2005, p. 180).
singularidades ambientais e agropecuárias análogas na região.

Palavras-chave: Uso do solo. Processos erosivos em estradas. Bacia hidrográfica.


O autor ainda considera que as estradas funcionam como canais efêmeros após eventos chuvosos, sendo a con-
centração dos fluxos da água provenientes das regiões a montante.

ABSTRACT Nessa linha de pensamento, as estradas não pavimentadas representam o início de toda movimentação econô-
This article aims to discuss on the erosion process in unpaved roads, in river basin of Atalho on Cruz Machado in Paraná. mica de uma região por estarem conectadas diretamente com áreas produtivas. Já, os processos erosivos nos leitos e bar-
The basin is characterized with a family farming system with low technological level, the relief is dissected and constant rancos são as principais causas da degradação dessas vias (GRIEBELER et al., 2005). A identificação da magnitude dos
presence of blocks and boulders of igneous rocks. The methodology used was the bibliographical research and fieldwork efeitos que a erosão causa em estradas é de fundamental importância para propor técnicas de contenção.
to investigate the affected points. The results show that most of the roads are experiencing accelerated loss of soil, ac-
cumulation of material along the slope (forest, grassland and ponds), silting of the main river and incisions in relief that
Nogami e Villibor (1995) salientam que a erodibilidade do solo é um dos fatores que determinam o tempo que a
harm or even make impossible the traffic. Thus, it is evident that the form current of construction and maintenance of
roads in the shortcut river basin, has impacts on the environment and deserve attention, since it is an area with similar estrada poderá suportar pressões exercidas por fluxos de movimentação sem haver o desprendimento excessivo de sedi-
environmental and agricultural singularities in the region. mentos. Já Denardim (1990) ressalta a dificuldade de estabelecer estudos de erodibilidade no Brasil devido à diversidade
de solos e extensão territorial do país.

Key-words: Soil use. Processes erosion on roads. Hydrographic basin. Mesmo com tantas dificuldades, vem aumentando os estudos com relação aos processos erosivos em estradas
rurais, as quais possuem papel importante no total de sedimentos produzidos dentro da bacia hidrográfica e na condução
3 Segundo o CONAMA (1986, p. 636): (...) considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e bioló-
1 Esse artigo é parte da dissertação de mestrado: Capacidade de uso da terra e perda de solo em uma propriedade representativa na bacia gicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que direta ou indiretamente, afetam:
hidrográfica do rio do Atalho, Cruz Machado – PR, defendida junto ao programa de Pós-Graduação em Gestão do Território da Universidade I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias
Estadual de Ponta Grossa. do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos naturais.
2 Mestre em Gestão do Território, UEPG Prof. da Secretária Estadual de Educação do Paraná marinheskigeo@hotmail.com

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dos sedimentos oriundos de outras fontes. Em meio às floretas, 90% dos sedimentos provêm das estradas (GRACE et al., 2 MATERIAL E MÉTODOS
1998). Bigarella e Mazuchowiski (1985) destacam que do total de sedimentos transportados no Noroeste do Paraná, 20%
2.1 Características da área de estudo
tem origem nos sistemas viários.
A presente pesquisa foi realizada na Bacia hidrográfica do Rio do Atalho, afluente de terceira ordem fluvial da
Os sedimentos das estradas têm origem nas vias de movimentação e nos barrancos (THOMAZ; ANTONELI;
margem esquerda do Rio das Antas, localizado no município de Cruz Machado, Paraná. A área da bacia é de 2.074,77 ha4,
DIAS, 2011). Em paredes de alcovas, a remoção de sedimentos fica em torno de 30% do total de materiais remobilizados.
inserida totalmente na zona rural (FIGURA 1).
Nos barrancos das estradas há a influência direta da altura dos mesmos, da cobertura vegetal e da concentração dos fluxos
de água (OLIVEIRA et al., 1999). Segundo a classificação climática de Köppen, a região de estudo insere-se no regime climático Cfb, subtropical
úmido, com médias de temperaturas anuais em torno dos 10°C nos meses mais frios, e 22°C nos meses mais quentes, com
Grande parte das estradas rurais no Brasil não tem nenhum planejamento com relação às características naturais
índices pluviométricos em torno dos 1800 a 2000 mm anuais (MAACK, 2002).
do relevo e a vulnerabilidade a erosão. Essa ausência de planejamento e “a falta de manutenção são as principais causas
da grande incidência de erosão por ravinas e boçorocas encontradas nas estradas rurais” (SALOMÃO et al., 1999, p. 263). A vegetação que recobre o relevo da Bacia Hidrográfica do Rio do Atalho é caracterizada pela Floresta Ombrófila
Mista. Remanescentes de florestas frias destacam-se: o pinheiro do Paraná (Araucaria angustifolia), a imbuia (Ocotea
Para Griebeler et al. (2005) os processos erosivos em canais e nas margens das estradas são decorrentes da má
porosa) e a erva-mate (Ilex paraguarienses) (MAACK, 2002).
drenagem. Já Luce e Black (1993), relacionam os processos erosivos em estradas ao comprimento das rampas e o aumen-
to da declividade, que aceleram o escoamento das águas. O relevo é dissecado (ondulado a forte ondulado)5, o solo possui afloramento de rochas ígneas, além de várias
nascentes que não permitem uma mecanização intensiva. Por este motivo, desde a chegada dos imigrantes até a atualidade,
Em pequenas propriedades rurais, a maioria das estradas ocupam trechos do relevo com declividades acentua-
são utilizados animais (cavalos e muares) como força de trabalho para revolver a terra e mover as safras.
das, nos quais a erosão é progressiva. As plataformas não são pavimentadas, sendo feito somente a terraplanagem em
meio às várias características do relevo. Como resultado, há incisões associadas às redes viárias e grande quantidade de
sedimentos depositados a jusante ou carregados pelas enxurradas até os cursos fluviais. Esses sedimentos podem ter ori-
gem nas próprias estradas ou em locais de agricultura.

O principal problema dos processos erosivos em estradas rurais está nos sistemas de drenagens. A grande
concentração de fluxos de água na faixa de rolamento da estrada aliada à declividade acentuada, que eleva potencial de
remoção e transporte de materiais. Além disso, a concentração de umidade reduz a capacidade de resistência do solo,
tornando-o mais vulnerável aos processos erosivos.

Em propostas para alocação de estradas, Castro Filho destaca:


Em estradas estreitas, devem-se utilizar técnicas para aumentar a infiltração e controlar o escorrimento,
tais como: proteção dos barrancos e margens com capineiras erva cidreira ou reflorestamento; construção
de barreiras nas valetas; construção de bueiros ou valetas que conduzam a água para o interior do mato ou
capoeiras; revestimento vegetal com gramas ou capins nas partes menos íngremes (CASTRO FILHO et
al., 1999, p. 257).

Bigarella e Mazuchowski (1985) propõem algumas medidas para a diminuição dos processos erosivos em siste-
mas viários, tais como: a proteção vegetal principalmente nos taludes, nas saídas de empréstimo e na própria plataforma;
canais de dispersão dos fluxos de água (valetas ou canaletas), também revestidas com grama; a construção de bueiros em FIGURA 1 – Localização da área de estudo. Org: Autor, 2010.
áreas que concentram muita água; o desnível transversal da pista de rodagem para dispersar a água; os sulcos de dispersão
das enxurradas devem ser construídos com base nas curvas de nível da área, para conseguir dissipar maior quantidade de 4 ha= 10.000 m².
água possível. 5 Classe de relevo conforme a declividade em (%): plano (0 a 3); suave ondulado (3 a 8); ondulado (>8 a 20); forte ondulado ( >20 a 45);
montanhoso de (>45 a 75) e escarpado (>75), (EMBRAPA, 2006).

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO As estradas da bacia são construídas longitudinalmente às vertentes7, sendo que, as mesmas possuem índices
elevados de declividade (>20%), tornando-se vulneráveis a degradação pelos processos erosivos. Isso pode ser verificado
Na bacia do rio do Atalho destaca-se a localização das diferentes formas de uso e ocupação do solo, que é
na figura 3 a, onde se vê um trecho de estrada com a presença de pequenos sulcos no leito e blocos de basalto nos taludes
dominante no município como um todo. As casas e os abrigos para os animais, produtos e equipamentos agrícolas, são
e sobre os barrancos.
construídas na baixa vertente e nos fundos de vale. Já as áreas para a agricultura ocupam a média e alta vertente, e nos
interflúvios predomina a mata, que forma a área de reserva legal da vegetação nativa (FIGURA 2). Em geral as estradas da bacia têm os escapes de água próximo aos taludes dos barrancos, com pequenos desní-
veis orientados para fora das linhas de circulação. Com passar do tempo esses meios de dispersão dos fluxos de água são
As propriedades têm em média de 25 hectares, tamanho que se relaciona aos aspectos de ocupação da região.
erodidos e se transformam em sulcos, o que é identificado na figura 3 c, com abertura de uma incisão de aproximadamente
A estrada principal da bacia está localizada no fundo do vale próximo ao rio, e dos dois lados da estrada foram estabele-
30 cm (MARINHESKI, 2011).
cidos os lotes6, que vão do fundo do vale até o interflúvio. Esses lotes têm em torno de 1000 metros de comprimento do
fundo do vale até o interflúvio e, em torno de 240 metros de largura, com faixas estreitas, dificultando também a logística A presença constante dos animais nas áreas de pastagem ajuda a deslocar os sedimentos nos taludes dos bar-
das estradas. rancos, tipo de influência caracterizado na figura 3 c. Evidencia-se nesse trecho de estrada incisões com sulcos na parte
inferior dos barrancos decorrentes da circulação dos bovinos.

Em alguns pontos das estradas acontecem quedas abruptas dos taludes devido à terraplanagem da base dos bar-
rancos (FIGURA 3 b). Neste caso, a cerca caiu junto com o desabamento do barranco.

FIGURA 2 – Estrada construída junto à vertente na Bacia do Rio do Atalho, PR. FIGURA 3 – Processos erosivos em estradas da bacia do rio do Atalho, PR: a) Estrada junto ao relevo montanhoso e aflorado de rochas; b) Es-
trada mensurada com a queda do talude e cerca dos animais; c) Estrada em área de pastagem com sulcos de erosão; d) Formação de marmita
Fonte: O autor, 2010.
na base do talude do barranco.

Nota: - - - indicam a localização da estrada Fonte: (MARINHESKI, 2011).

6 Lote= Área de aproximadamente 25 hectares. Foi estabelecido pelo governo brasileiro para dividir as terras na chegada dos imigrantes
7 [...] “forma tridimensional que foi modelada pelos processos de denudação, atuantes no presente ou no passado, e representando a
(poloneses) em 1910 e 1911 (ROCKEMBACH, 1996).
conexão dinâmica entre o interflúvio e o fundo de vale” (DYLIK apud CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 26).

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Esses sulcos têm o recebimento de materiais provenientes tanto da caixa das estradas como das próprias áreas de
cultivo, que podem contribuir para maior remoção de solo em determinados pontos, formando as marmitas ou panelas,
denominação utilizada por Oliveira et al. (1999) para esse tipo de abertura. Na figura 3 d foi apresentada a formação de
uma marmita na estrada da Bacia do Rio do Atalho. Neste caso, a presença de um pequeno fragmento rochoso contribuiu
para o aprofundamento da incisão.

Ainda com relação às estradas, elas funcionam como locais de escoamento das enxurradas e contribuem tam-
bém com a produção de sedimentos, que são provenientes das pistas de rodagem e dos barrancos.

Segundo mensurações de Marinheski (2011) as estradas da bacia apresentaram perdas de solo de 30,36 kg/m²/
ano. Esses sedimentos chegam rapidamente até o Rio do Atalho, visto que no local de estudo, as vertentes dos dois lados
são curtas, tendo em média menos de mil metros de comprimento, contribuindo para a rápida vazão das águas da chuva e
sedimentos desagregados. A figura 4, retrata essa característica. Após um evento chuvoso, as águas do rio ficaram turvas a b
devido às partículas oriundas dos locais com os diferentes usos do solo. FIGURA 5 – Depósitos de sedimentos: a) Em meio à pastagem, b) Em meio à floresta.

Fonte: O autor, 2010.

Nota: Seta indica cone de deposição.

Evidencia-se que a gestão das estradas na bacia do rio do Atalho tem apresentado problemas ao meio ambiente,
com perdas acentuadas de solo, contaminação dos recursos hídricos e estradas em condições precárias para circulação.

O estudo das consequências que erosão causa em estradas rurais não pavimentadas, é primordial para garantir a
qualidade ambiental e diminuir os impactos ambientais. Desta forma, ressalta-se que mesmo sendo incipientes os estudos
da temática na área, a sua continuidade e a avaliação da magnitude tornam-se substanciais, visto que se trata de uma área
com singularidades ambientais e agropecuárias análogas na região.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desenvolvimento desse trabalho, conclui-se que a erosão acelerada nas estradas da bacia do rio do Atalho,
prejudica o trafego e dificulta o transporte dos cultivares até as propriedades, elevando o custo de transporte e de manu-
FIGURA 4 – Águas turvas do Rio do Atalho, logo após evento chuvoso. tenção desses sistemas viários.
Fonte: O autor, 2010.
Os sedimentos produzidos na bacia do Rio do Atalho chegam rapidamente até o rio principal, sendo que na re-
ferida bacia, as vertentes dos dois lados são curtas (<1000 m). Conter a desagregação do solo e o rápido escoamento das
águas nessas vertentes é de fundamental importância para diminuir a degradação dessas estradas e diminuir os impactos
Os sedimentos produzidos nas estradas da bacia vão encontrando vários locais de deposição ao longo do percur-
no meio ambiente.
so feito pelas enxurradas. Pode ser observado na figura 5 a, a deposição em locais de pastagem e na figura 5 b, o acúmulo
de solo em meio à vegetação. Desta forma, é necessário que após cada evento chuvoso seja realizada a limpeza das canaletas de dispersão de
água nas estradas, conduzindo-a para locais de maior infiltração no relevo ou para áreas com maior cobertura vegetal.

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Assim, esse estudo torna-se um importante indicador de que as elevadas perdas de solo nos trechos de estradas ROCKEMBACK, I. F. Dados Históricos e Memórias de Cruz Machado. Cuiabá, 1996.
merecem atenção especial porque todas as propriedades da bacia contam com pelo menos uma estrada, interligando as SALOMÃO, F. X. de T. et al. Controle e Prevenção dos Processos Erosivos. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S. do;
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ENTRE A PRESENÇA E AUSENCIA: ANALISE DAS PECULIRIDADES DO CONTEXTO SOCIOECONÔ- INTRODUÇÃO
MICO DO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR
O município de Morretes2 no Estado do Paraná foi escolhido para essa pesquisa, entre outros motivos que serão
expostos a seguir, principalmente em decorrência de sua história centenária. A fundação3 de Morretes ocorreu na época
do Brasil Colônia - período em que havia grande influencia religiosa, busca pela colonização, exploração territorial e ex-
Natália Carolina de Oliveira Vaz1 tração de recursos naturais - Morretes passou a ter relevância para a formação histórica do país e região.

Em uma “Sinopse Estatística do Município de Morretes”, feita pelo IBGE-PR no ano de 1950, considera que a
fundação de Morretes/PR teria sido decorrente de um ato praticado no ano de 1721, com a determinação do magistrado
RESUMO Ouvidor Pardinho para a Câmara de Paranaguá4 fizesse a demarcação e medição da nova sede da povoação que teria seu
O presente artigo relaciona pesquisas feitas na região entre a presença e a ausência da analise do contexto socioeconô- território composto por 300 braças, em quadra. Ocorre que o ato de medição foi revogado pelo Ouvidor Peixoto, após a
mico do município de Morretes/PR. O objetivo deste trabalho é demonstrar o contexto socioeconômico de Morretes/PR representação da câmara a “el-rei”, o ato inicial do Ouvidor Pardinho foi confirmado(IBGE-PR,1950). Isso fez com que a
com as suas peculiaridades próprias. Além disso, busca demonstrar as preocupações latentes que ainda ocorrem naquela medição atrasasse, apenas em 31 de outubro de 1733 foi feita a medição. Obteve nesta data o nome de “Povoado Menino
região. Para tanto foi utilizado método bibliográfico. Por se tratar de uma região sensivelmente peculiar a presente pes- de Deus dos Três Morretes”,sendo a data considerada da efetiva fundação de Morretes (IBGE-PR, 1950, p.9; INCRA,
quisa possibilita a identificação de alguns aspectos singulares latentes entre pesquisas feitas em diferentes épocas. No 1970, p.12; VIEIRA DOS SANTOS, 1950, p. 30).
âmbito do contexto socioeconômico, marcante, que ainda persistem ao tempo e dificultam o seu desenvolvimento.
Atualmente o município encontra-se na mesorregião do litoral do Paraná posição geográfica na latitude 25 º 28 ‘
37 ‘’ S e na longitude 48 º 50 ‘ 04 ‘’ W (IBGE), há 70 km (SETR) de distância de Curitiba, capital do estado do Paraná.O
Palavras-chave: Socioeconômico. Desenvolvimento. Morretes/PR. município de Morretes/PR faz ao todo com 7(sete) municípios, que são Antonina, Campina Grande do Sul, Guaratuba,
Paranaguá, Piraquera, Quatro Barras e São José dos Pinhais. A área do município em 1950 era de 719,9 Km² (IBGE-PR,
p. 13), posteriormente teria passado para 722 km² (INCRA, 1970, p. 4). A sua extensão territorial, atualmente sua área da
ABSTRACT unidade territorial é de 684,580 Km²5 segundo o IBGE.

This article relates surveys in the region between the presence and absence of analysis of the socioeconomic context of MAPA 1 – Território do Município de Morretes/PR
the city of Morretes/PR. The objective of this study is to demonstrate the socioeconomic background of Morretes/PR
with its own peculiarities. It also seeks to demonstrate the latent concerns that still occur in the region. For this we used
bibliographic method. Because it is a substantially unique region this research enables the identification of some latent
unique aspects of research done at different times. Under the socioeconomic context , marked that still persist of time
and hinder its development.

Keywords: Socioeconomic . Development . Morretes/PR .

FONTE: SUBPLAN 6

2 A origem do nome do município na “Etimologia. Morretes Palavra formada pelo termo “morro” e pelo sufixo diminutivo plural “etes”.
“Morro” é substantivo masculino de origem incerta, no castelhano aparece como “morrión” designando monte pouco elevado. O sufixo “etes”
vem do latim “ittum” e forma substantivos com valor diminutivo. (AGC, ABHF).”(FERREIRA, 2006, p. 198).
3 Existem hipóteses diferentes para se considerar a data de fundação de Morretes/PR. No ano de 2015, se for considerada que a fundação
data de 1721 completará 294 anos, se levar em consideração a afetiva medição completará 282 anos e se considerar a sua transformação em muni-
cípio completará 174 anos. As datas de “aniversário” neste caso mudariam para cada hipótese, levando em consideração a teoria do ato praticado.
4 De acordo com Ferreira “Paranaguá tem a prerrogativa de ser o primeiro município fundado no Paraná, fato que se deu através de Carta
Régia, de 29 de julho de 1648.” (FERREIRA, 2006, p. 222).
5 Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=411620&search=||infogr%E1ficos:-infor-
ma%E7%F5es-completas>. Acesso em: 25 jun. 2014.
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regioanal, Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB. 6 Disponível em: <http://www.planejamento.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2317>. Aces-
natihvaz@gmail.com
so em: 25 jun. 2014.
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No mapa acima podemos observar o formato politico-administrativo de Morretes o que será importante para com- relevância da presente pesquisa que tem o intuito de colaborar com a localidade. Alias conforme o IPARDES Morretes
preender e localizar o município nos mapas seguintes. O referido município que possui algumas singularidades latentes é um município com baixo grau de urbanização “< 50”, conforme pode-se verificar no mapa abaixo:
que dificultam o desenvolvimento, estas singularidades permanecem há anos e ainda estão de certa forma prejudicando
o seu desenvolvimento regional. Não se pretende nesta dissertação, abordar todo o processo de colonização do Brasil,
MAPA 2 - Grau de Urbanização do Estado do Paraná (2010)
mas sim efetuar um recorte sintético da história e geografia para o LÓCUS de interesse da pesquisa, isto é, a região onde
atualmente se encontra o município de Morretes.Sabe-se que a geografia de um território influencia diretamente no de-
senvolvimento de uma região, assim como, as dificuldades de acesso e condições climáticas.

O desenvolvimento e o povoamento do planalto paranaense foram lentos, em virtude da dificuldade de acesso


para travessia de diversas Serras situadas no Estado do Paraná (MARTINS, 1939). No século XVI iniciaram as primeiras
intenções e circulações colonialistas nesse estado. Já no século XVII quando foi descoberto ouro no território paranaense
começou intensa ocupação da região, mormente por paulistas e portugueses que buscavam indígenas para utilizá-la como
mão-de-obra escrava. No território paranaense, até o século XVIII, havia apenas a vila de Curitiba, que era a maior; e
a vila de Paranaguá; que era menor, ambas até meados de XIX eram pertencentes província de São Paulo (PAICENTI,
2012).

Naquela época havia disputa de três cidades para ser capital da primeira província. A disputa era entre as cidades
de Paranaguá, Guarapuava e Curitiba. Esta última mantinha uma posição política diferenciada, acompanhando mais o
partido liberal. No dia 19/12/1853 Curitiba se tornou a província do Paraná, após a aprovação do projeto para a criação da
respectiva província em 20/08/1853, tornando-se a Lei nº 704, após a sanção do Imperador Dom Pedro II em 29/08/1853
(LAZIER, 2005). Após o estado do Paraná obter autonomia, iniciou uma época de grande imigração de italianos, polo- FONTE: IPARDES7
neses e alemães, por meio de programa oficial de imigração européia (PAICENTI, 2012).

As disputas da época não se limitavam ao poder, mas também por conquistas e manutenção de território no estado
Acima é possível notar que o município de Morretes faz divisa com outros municípios que possuem grau de urba-
do Paraná. A disputa não se deu apenas entre colonos e imigrantes, que buscavam as melhores terras, mas houve também
nização mais elevado. Como vimos fundação do município de Morretes/PR ocorreu no século XVIII, antes do “século
a resistência indígena, principalmente dos índios que já ocupavam a região. Além disso, houve disputas internacionais
da urbanização” (BARROS, 2007, p. 7), na época que a economia da região se tornou predominantemente agrícola, pois
pelas terras do Paraná entre os países europeus – principalmente Portugal e Espanha(LAZIER, 2005).
em 1732 tornou-se proibida a extração do ouro (VIEIRA SANTOS, 1950), um ano antes da efetiva demarcação de terra.
Segundo afirmações feitas 1970, pelos pesquisadores do INCRA, “Toda a Região Litorânea do Paraná é um desa- O trafego negreiro se intensificando no século XVIII em decorrência da produção de açúcar e da extração de ouro, não
fio. Desafio ao homem, aos governos e ao desenvolvimento” (INCRA, p. XI, 1970). Este desafio entre outros fatores se só as cidades foram crescendo, mas também a preocupação das autoridades (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010).
deu em decorrência geografia da região do litoral paranaense (MARTINS, 1939). O estudo do INCRA realizado no ano
A urbanização do município aumentou gradualmente no decorrer do tempo, mas foi no século XIX que predo-
de 1970 afirmava que “Se continuar a tendência atual da estagnação econômica, o Município corre o perigo de se trans-
minou o início da maior concentração urbana, porém o município não é predominantemente urbano. Além disso, uma
formar em museu da história paranaense, sem vida econômica independente” (INCRA, 1970, p. 35). Essa preocupação
considerável extensão de fronteira é com municípios tem maior hierarquia em relação a ser considerado centros urbanos,
permanece desde os dias atuais.
predominantemente no lado leste quanto no lado oeste:

1. SINGULARIDADE DO CONTEXTO SOCIO-ECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR: EN-


TRE PRESENÇA E AUSÊNCIA

A seguir serão demonstradas as singularidades apontadas pela presente pesquisa que ainda permanecem na atuali-
7 Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/grau_de_urbanizacao_2010.jpg>. Acesso em: 25 jun.
dade. Tais singularidades latentes que serão trazidas para facilitar a compreensão da sensibilidade peculiar da região e a 2014.

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MAPA 3 – Hierarquia dos Centros Urbanos no Estado do Paraná (2007) 1950, p. 19).

Segundo o referido estudo o crescimento do município estava abaixo da média evolucional do País, considerando
o fator de crescimento por década, conforme pode-se observar, a progressão populacional teve um lento crescimento,
pois de 1950 à 1970 a quantidade de habitantes aumentou apenas 3.434 habitantes. A quantidade de habitantes é maior do
que existia no ano de 1950, como se verá a seguir, conforme relatado no estudo realizado no ano de 1970. Em 1970 foi
realizado um estudo no município de Morretes/PR pelo Instituto Nacional de Cidadania e Reforma Agrária no município,
por pesquisadores do INDA atual INCRA, que buscavam solucionar problemas desenvolvimento sociais e econômicos.
Para demonstrar de maneira clara foi elaborada uma tabela com os dados relatados no referido estudo do INCRA, que
podemos verificar abaixo:

TABELA 1 – Evolução Populacional (1950 – 1970)

ANO HABITANTES
1950 10.566
1960 11.654
1970 14.000
(Elaborado pela autora,p.16 do INCRA)
FONTE: IPARDES8

Diferente do que aduz o referido estudo não significa que perdeuhabitantes e sim que o município não obteve tal
Os fatores territoriais de serras e acidentes geográficos que circundam influenciam diretamente no desenvolvi- população porque não acompanhou a progressão populacional que ocorria no País. Porém certamente a expectativa po-
mento regional. Não apenas tais fatores contribuíam com a lentidão desenvolvimentista, mas também defasagem tec- pulação potencial em menos de vinte anos teria sofrido uma defasagem de 4.422 habitantes, cerca de 30% da população
nológica, endemias, a economia regional, a ausência de aperfeiçoamento profissional e a busca os jovens pro melhor do município no ano de 1970, pois não acompanhou os índices de crescimento, isso se deve justamente a percepções
qualidade de vida não favorecia a permanência no município (INCRA, 1970). regionais que influenciam a permanência e a imigração de habitantes. No século XXI a situação não aparenta ser muito
diferente, pois conforme os dados do IBGE, o ultimo SENSO do ano de 2010 revelou que a diminuição populacional
continua ocorrendo. No ultimo senso realizado em 2010 (IBGE), o número de habitantes era de 15.718 habitantes9, logo
a. A situação geográfica especial de Morretes impediu, na história, o desenvolvimento de uma “Hin-
terlândia” agrícola, mas atraiu homens de pioneirismo comercial e industrial. Desde então predomina, a sua densidade demográfica é de 22,9610. Atualmente os dados oficiais do IBGE informam que o município estimada-
nas camadas sociais mais importantes, uma mentalidade comercialista e empresarial que procura, de- mente teve um relativo aumento de 633 habitantes na população do ano de 2014, em quatro anos, em relação ao ano de
pois da decaída econômica, suas realizações fora do Município. – Apesar dos obstáculosa uma evolução
2010. Se levar em conta a população potencial que Morretes/PR deveria ter em 2010 em relação ao crescimento do País.
agrária, atualmente, serem superáveis, ainda não se desenvolveu um espírito de pioneirismo agrário.(IN-
CRA,1970, p. 35) É possível notar igualmente defasagem nos gráficos e a tabela a seguir, na seqüência, demonstraram a evolução popula-
cional do município de Morretes, do estado do Paraná e do Brasil do ano de 1991 à 2010:

Para falar de um município, muito além da economia é preciso falar das pessoas que ali habitam e que fazem que
existam dados econômicos. Igualmente ao tópico anterior não se pretende aqui comparar valoração de índices e sim pro-
porcionalidades, levando se em consideração as peculiaridades existentes. Nos anos de 1950 foi publicado uma “Sinópse
Estatística do Município de Morretes”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Departamento
Estadual de Estatística do Estado do Paraná. Para o referido estudo foram utilizados os dados do ano de 1948 e 1949, os
9 Estima-se que a população do município de Morretes/PR em 2014 era de 16.381(IBGE).
quais aduzem que no município haviam cerca de uma população total de 13.550 habitantes em “31/XII/1949” (IBGE, 10 Segundo o IBGE a Densidade demográfica é calculada(hab/km²), a metodologia sobre o cálculo. Disponível em
8 Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/hierarquia_de_centros_urbanos_2007.jpg>. Acesso
<ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/nota_metodologica_2014.pdf>. Acesso em: 25 jun.
em: 25 jun. 2014.
2014.
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GRAFICO 1 – Evolução Populacional (1991 – 2010) b. O êxodo permanente que vigora há 85 anos, pois este não data apenas dos últimos decênios.

No ano de 1853 o Município contava com 3709 habitantes (6)11. Acompanhando o crescimento médio do
Brasil, Morretes devia ter, hoje, uma população de 46.000 pessoas.

Este êxodo, que atualmente continua, privou a região permanentemente, não só de mão de obra de quali-
dade, mas também de espírito de iniciativa particular e empresarial. – É comum, como se observa, que nos
sítios continuam vivendo e trabalhando pessoas mais idosas de 50 anos e jovens abaixo dos 18 anos, mas
quase toda uma geração de 18 a 40 ou 45 anos ausentou-se à procura de melhores condições de vida fora
do Município.(p. 35)

Analisando o gráfico(1) e a tabela(2) que contém os dados de evolução populacional, nota-se uma queda na popu-
lação do município, oposta ao aumento da população que ocorreu no estado e no País em que está localizado. O IPARDES
elaborou um mapa para demonstrar a densidade demográfica, onde o município de Morretes aparece com “< 25” a menor
densidade demográfica (hab/km²):

Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem Populacional 2007 e
MAPA 4 - Densidade demográfica – Paraná (2010)
Censo Demográfico 2010;


Tabela 2 - Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem Populacio-
nal 2007 e Censo Demográfico 2010

Ano Morretes Paraná Brasil


1991 13.135 8.448.713 146.825.475
1996 15.017 8.942.244 156.032.944
2000 15.275 9.563.458 169.799.170
2007 16.198 10.284.503 183.987.291
2010 15.718 10.444.526 190.755.799

Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem Populacional 2007 e
Censo Demográfico 2010;

A situação atual não é algo novo, nem em relação a densidade demográfica ou a situação de esvaziamento ou
êxodo. O estudo realizado pelo INCRA demonstra que essa situação não vigora apenas nas ultimas décadas. Em 1970 o
FONTE: IPARDES12
estudo afirmou que vigorava há 85 anos o êxodo permanente. Diversos seriam os fatores que contribuíam com a estagna-
ção e como êxodo (INCRA, 1970):

Ao contrário do estado do Paraná, que teve um aumento populacional de mais de 100% (cem por cento) entre os

11 “Informações da Prefeitura Municipal.”(p. 133).


12 Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/densidade_demografica_2010.jpg>. Acesso em: 25
jun. 2014.

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anos de 1950 e 1960 (LAZIER, 2005). O IPARDES elaborou um estudo que demonstra as áreas de esvaziamento e de são de atividades complementares (habitação, serviços públicos e privados, comércio para o consumo das
famílias, saúde etc.). Cabe à política urbana revelar estas cidades para a ação governamental, articulando
crescimento no estado do Paraná, com enfoque nos anos de 1991/2000 e 2000/2010:
os diversos setores desta ação, destacando sua importância para o desenvolvimento de toda uma região e
do país como um todo(BITOUN; MIRANDA, 2009, p.5).

MAPA 5 - Área de Esvaziamento e de Crescimento (1991/2000-2000/2010)


A economia é um dos fatores que influenciam a permanência de pessoas. Uma das maiores fontes de geração de
renda no município é o turismo. O entendimento atual é que o “Turismo é definido como o sistema inter-relacionado que
inclui os turistas e os serviços associados (facilidade, atrações, transporte e hospedagem) fornecidos e utilizados para
auxiliar a movimentação do turista” (FENNELL, 2002, p.17).

O turismo entra na composição do cálculo do PIB – Produto Interno Bruto de um município como serviço. Cabe
mencionar que “A análise econômica entende por oferta a quantidade de mercadoria ou serviço que entra no mercado con-
sumidor a um preço dado e por um período determinado” (BOULLÓN, 2002, p.42). Desde o início da coleta e apuração
de dados do PIB do município de Morretes/PR, em 1999 até o ano de 2011, demonstram que a grande predominância é
do “valor adicionado bruto dos serviços”14. Conforme gráfico 2 e tabela 3 a seguir:

GRAFICO 2 –Produto Interno Bruto –Morretes/Paraná/Brasil

FONTE: IPARDES13

Nota-se que o município de Morretes tem a taxa de crescimento populacional de “<PR,em 2000/2010” e faz divi-
sa em grande parte com municípios “> PR, em 1991/2000 e 2000/2010” e a menor parte com “<0, em 2000/2010”. Isso
significa que a de Morretes vem diminuindo, diferente do que ocorre nos municípios vizinhos que aumentam a sua taxa
de crescimento populacional ou no mínimo a mantém.
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona
Franca de Manaus - SUFRAMA.15
Nas cidades das periferias mais atrasadas, estagnadas ou remotas, o problema consiste de relações sociais,
estrutura fundiária e padrões técnicos atrasados, relações rural-urbano pobres, carência por infra-estrutura
econômica e social, que no conjunto produzem emigração, baixa renda, dependência por transferências
governamentais, o que se traduz em baixa capacidade de produção de riqueza e, portanto, baixa capacidade
de alteração espontânea do quadro de estagnação e pobreza. Nestas cidades, a política urbana deve envol-
ver esforços de articulação com outros setores governamentais de modo a fomentar relações rural-urbano,
isto é, procurar influir sobre a ação destes setores no sentido de mudar a infra-estrutura social e econô-
mica para dinamizar o processo de urbanização necessário à dinamização da agricultura (modernização
da agricultura familiar, transformação de produtos primários, produção de insumos, atividades terciárias
interdependentes como comércio, transportes, armazenagem, reparações mecânicas, finanças, educação
profissional), de modo a propiciar mecanismos de incorporação produtiva de pessoas e, portanto, a expan- 14 No entendimento de De Luca (1998) existe uma discussão no campo econômico em relação ao melhor emprego do conceito de valor
adiciona no presente caso é a relação entre a contabilidade nacional (macroeconomia) e a contabilidade financeira (microeconomia) , analise que
13 Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/areas_crescimento_e_de_esvaziamen- considera a soma do valor adicionado das empresas para quantificar a riqueza econômica de uma nação.
to_1991_2000_2010.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2014. 15 Disponível em: <http://cod.ibge.gov.br/26DGC >. Acesso em: 05 jun. 2014.

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TABELA 3- Valoração das Receitas Variáveis RegionaisProduto Interno Burto –Morretes/Paraná/Brasil BOULLÓN, R.C..Planejamento do espaço turístico. Trad. Josely Vianna Baptista. Bauru: EDUSC, 2002.

Variável Morretes Paraná Brasil


DE LUCA, Márcia Martins Mendes. Demonstração do Valor Adicionado: do cálculo da riqueza criada pela empresa
ao valor do PIB. São Paulo: Atlas, 1998.
Agropecuária 17.561 9.371.924 105.163.000
Indústria 14.970 33.429.611 539.315.998 DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.
Serviços 95.525 68.022.406 1.197.774.001
FENNELL, David A. Ecoturismo. São Paulo: Contexto, 2002.
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona
FERREIRA, João Carlos Vicente. Municípios PARANAENSES ORIGENS E SIGNIFICADOS DE SEUS NOMES.
Franca de Manaus - SUFRAMA.16
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O maior contraste na comparação dos PIB’s é no valor adicionado da indústria, que sofre uma inversão de pro-
br/26DGC> . Acesso em: 05 jun. 2014.
porcionalidades em relação ao valor adicionado da agropecuária. Em relação ao valor adicionado de serviços nota-se que
é proporcionalmente maior, assim como os demais, dentro da sua proporção. Não se pretende aqui fazer nenhum tipo de IBGE-PR. - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico, Departamento Estadual de Estatística do
Paraná. Sinopse Estatística do Município de Morretes. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográ-
equivalência de receitas ente um Município, um Estado e um País no que se refere a quantidade, mas sim em relação à fico, Departamento Estadual de Estatística do Paraná, 1950.
predominância da maioria dos municípios analisados para que chegassem a tais índices. Analisando o município de Mor-
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Responsáveis técnicos: LIMA, Silvio G. de Carvalho et
retes/PR em comparação com o estado do Paraná e o Brasil, nota-se que economicamente este destoa da média encontrada
al. Morretes e suas possibilidades. Curitiba: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, 1970.
na econômia. A estagnação econômica do município preocupa pesquisadores.
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. RELAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ES-
TADO ORDENADOS SEGUNDO AS MESORREGIÕES E AS MICRORREGIÕES GEOGRÁFICAS DO IBGE
- PARANÁ – 2012 <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_fisica/relacao_mun_micros_mesos_parana.pdf>
CONSIDERAÇÕES FINAIS
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. PERFIL DO MUNICÍPIO DE MORRE-
O município de Morretes/PR é detentor de grande riqueza, dentre tantas existentes destaco; a natural, cultural TES. Disponível na Internet: http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?Municipio=83350&btOk=ok
e histórica. É uma região com grande potencial, mas marcada por peculiaridades socioeconômicas que não colaboram
com o seu desenvolvimento. As pesquisas expostas neste artigo, a respeito do contexto socioeconômico de Morretes de- LAZIER, Hermógenes. Paraná: terra de todas as gentes e de muita história.3. ed. Francisco Beltrão : Ed. do Autor,
2005.
monstram as emergências da região por meio de suas peculiaridades latentes. É interessante que se desperte o interesse de
outros pesquisadores com a finalidade de realização de outras pesquisas que contribuam para o desenvolvimento daquela MARTINS, Romario. História do Paraná. 2ªed. Curitiba - São Paulo – Rio: Editora Guaíra 1939.
região.
PIACENTI, C. A. O potencial de desenvolvimento endógeno dos municípios paranaenses. Curitiba: Camões, 2012.
Restaram amplamente demonstradas as emergências e fragilidades da região por meio da exposição do contexto SETU - Secretaria de Estado do Turismo. <http://www.turismo.pr.gov.br/modules/turista-pt/>
socioeconômico. Entre a presença e ausência de pesquisas na região são notadas peculiaridades no contexto socioeconô-
mico que permanecem sensivelmente semelhantes com o passar dos anos. Uma das influencias que contribuem para a re- SUPLAN - Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos de Planejamento Institucional. <http://www.planejamento.
mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2317>
sistência e permanência destas peculiaridades pode ser o não reconhecimento das mesmas. É pacifico que fatores ligados
a origem da história e a geografia de uma região têm ligação com a sua forma de desenvolvimento. VIEIRA DOS SANTOS, Antonio. Memoria Historica, Chronologica, Topographica e Descriptiva da Villa de Mor-
retes e do Porto Real Vulgarmente Porto de Çima (1851). TomoI. Curitiba: Museu Paranaense, 1950.

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MERCADO INSTITUCIONAL NO TERRITÓRIO DO MARAJÓ: O CASO DO PROGRAMA DE INTRODUÇÃO
AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS

A Amazônia tem sido analisada ao longo de sua história sob diferentes pontos de vistas: vazio demográfico,
João Paulo Leão de Carvalho1; Miquéias Freitas Calvi2; Benedito Ely Valente Cruz3
pulmão do mundo, celeiro agrícola, etc. Constantemente essa região tem sido central no debate acadêmico, político e
econômico. Talvez o período mais emblemático que proporcionou significativas transformações na Amazônia foi durante
RESUMO
a década de 1970, quando o Estado intentou acelerar o processo de integração nacional e ocupação da região. Porém, as
A política de desenvolvimento territorial assumida nos últimos anos pelo governo brasileiro almejou praticar fomento às
políticas públicas de desenvolvimento rural, em particular à heterogênea agricultura familiar. Os Mercados Institucionais abordagens e planejamentos estratégicos na época foram desconexos com a realidade amazônica, tornando-a palco dos
são uma das ações que tem como objetivos possibilitar o acesso à alimentação e apoiar a agricultura familiar, a exemplo grandes projetos e empreendimentos que marcam um contexto de migrações, desflorestamentos e conflitos agrários.
do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Neste trabalho objetivamos analisar a efetivação do PAA no Território A abertura democrática brasileira a partir da década de 1980, acompanhada da constituição de 1988 que introduziu
do Marajó, Pará. Embora tenha finalidade fortalecer a agricultura familiar e garantir a segurança alimentar, considera-se
novos dispositivos jurídicos, trouxe novos ares ao modelo de planejamento político nacional. O reconhecimento dos
tímida a efetivação deste programa, fruto de frágeis iniciativas do arranjo institucional, principalmente por não considerar
a sociobiodiversidade desse território amazônico. direitos indígenas, demarcação de terras ocupadas por populações tradicionais, por exemplo, trazem como proposta a
reformulação da noção do macroplanejamento, incentivado na década anterior. Os debates da sociedade mundial em torno
Palavras-chave: Política pública; Compras governamentais; Agricultura familiar; Desenvolvimento territorial. das preocupações ambientais e da defesa de populações tradicionais amazônicas promoveram no âmbito institucional a
busca pelo realce das singularidades regionais, que, juntamente com movimentos acadêmicos e sociais, reivindicaram a
ABSTRACT criação de políticas específicas para esse público. Com isso, a política de desenvolvimento territorial assumida nos últimos
The territorial development policy assumed, in the last years, by the brazilian government aimed to stimulate rural anos pelo governo brasileiro tem almejado praticar fomento às políticas públicas de desenvolvimento rural, em particular
development public policies, in particularly, the heterogeneous of the family farming. The institutional markets are
à heterogênea agricultura familiar. Todavia, as políticas voltadas ao desenvolvimento rural têm apresentado limitações em
one of the actions that aim to enable the access to food and support family farming, for example the Food Purchase
Program (PAA). This paper aims to analyse the effectiveness of PAA in the Marajó Territory, Pará. Although its goal is sua efetivação (SIMÕES; CASTRO; SANTOS, 2013), devido fragilidade nas iniciativas institucionais.
to strengthen the family farming and ensure the food security, it is considered its effectiveness timid, results of fragile Na perspectiva de melhorar o desempenho das ações do Governo Federal nos Territórios Rurais, a Estratégia de
initiatives of the institutional arrangements, mainly by not consider the socio biodiversity of the territory Amazon. Gestão Territorial do Plano Safra (ETGPS) da Agricultura Familiar é uma interessante iniciativa de acompanhamento e
gestão social das políticas públicas de desenvolvimento rural executadas no âmbito do Ministério do Desenvolvimento
Keywords: Public policy; Governmental purchases; Family farming; Territorial development. Agrário - MDA (BRASIL, 2014a). Esta estratégia tem a finalidade de apoiar os Colegiados de Desenvolvimento Territorial
(CODETER) através do assessoramento técnico qualificado por meio de Núcleos em Extensão e Desenvolvimento
Territorial (NEDET). Dentre as políticas públicas acompanhadas nos territórios encontram-se a assistência técnica
(PNATER), crédito (PRONAF), projetos de infraestrutura (PROINF), assim como os mercados institucionais, a exemplo
do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Através da compra governamental, este programa visa apoiar a agricultura
familiar por meio da inclusão socioeconômica e fomento à agroindustrialização (BRASIL, 2003).
Os mercados institucionais são ações governamentais que buscam promover a compra de alimentos originários
na agricultura familiar, dispensando licitação. Além da geração de renda, entende-se por estratégico a formação de estoque
e distribuição de alimentos para garantir a segurança alimentar. Esta ação visa ainda reforçar os circuitos locais e regionais
de comercialização, valorizar a biodiversidade e hábitos alimentares saudáveis, estimulando também o associativismo.
Proporcionar a comercialização de produtos das famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade é, sem
dúvida, um caminho interessante para a superação da pobreza econômica de diversas famílias, como preconiza as ações
do PAA. Contudo, segundo Hespanhol (2013), embora as estatísticas oficiais apontem para aumento no número de acessos
e recursos disponibilizados em nível nacional, o PAA tem apresentado limitações em sua abrangência e concentração
espacial, além da falta de articulação com outras políticas estratégicas, a exemplo do PRONAF e da PNATER. Além do
1 Mestre em Agriculturas Amazônicas, Assessor Territorial de Inclusão Produtiva do Marajó, NEDET/UFPA, jpmarajo@gmail.com mais, sua abordagem burocrática não condiz com a lógica familiar de produção, limitando o acesso de famílias que se
2 Doutorando em Ambiente e Sociedade – NEPAM/UNICAMP, Docente-Pesquisador UFPA/Campus Altamira, mcalvi@ufpa.br encontram aquém de um assessoramento.
3 Doutorando em Geografia-UNESP, Docente-Pesquisador UEPA, bvalente7@yahoo.com.br

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Diante da fragilidade do arranjo institucional, as políticas voltadas à agricultura familiar não têm conseguido Pescado, Frutas
Breves Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Mapuá e Farinha de
incorporar as particularidades da sociobiodiversidade das famílias extrativistas amazônicas. Neste contexto, o objetivo Mandioca
Farinha de
do estudo foi analisar o processo de efetivação do PAA no Território do Marajó, no qual a sociobiodiversidade das Portel Associação Pró-Ribeirinho
Mandioca
famílias está baseada no extrativismo local. Gurupá Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Paranã e Cacal. Açaí e Camarão
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Açaí e Camarão
Assentamento Agroextrativista Ilha Caeté 2012
Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas Ilha Bala Vento Bom
Açaí e Camarão
Samaritano
São Sebastião Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha São
Açaí e Camarão
METODOLOGIA da Boa Vista Raimundo
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Este estudo foi embasado em pesquisa bibliográfica, coleta de dados secundários junto a Companhia Nacional Açaí e Camarão
Assentamento Agroextrativista da Ilha Raquel
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
de Abastecimento (CONAB) e ao Sistema de Gestão Estratégica (SGE) do MDA, e pesquisa de campo no Município de Açaí e Camarão
Assentamento Agroextrativista da Ilha Coroca
FONTE: Pesquisa junto a CONAB (2014).
São Sebastião da Boa Vista, microrregião geográfica dos Furos de Breves, na porção centro-sul da Ilha do Marajó, Pará,
constando de entrevistas realizadas em outubro de 2014 utilizando questionários semiestruturados. Entrevistou-se um
Observando outras fontes oficiais (BRASIL, 2014b), identifica-se ainda uma redução nos resultados do Programa,
profissional da Secretaria Municipal de Agricultura responsável pela execução local, o gestor municipal e representante
pois no ano de 2011, 171 famílias do Marajó forneceram produtos ao PAA, gerando cifra de R$704.203,76 em contratos.
de organização familiar com acesso ao Programa.
Já em 2013, houve somente 36 famílias, somando apenas R$31.997,49. Não houve acessos ao Programa ao longo do ano
Analisamos a efetivação do PAA no referido Município na modalidade “compra com doação simultânea”, que
de 2014, pois não foram realizadas novas submissões de projetos perante a CONAB, segundo as informações coletadas
busca atender demandas locais de alimentação. Identificamos aspectos da organização das famílias, preço e forma de
junto a esse órgão.
pagamento, produtos adquiridos, estrutura de transporte e agroindustrialização.
Para ter acesso ao Programa, as famílias precisam estar com a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) ativa,
porém não é fácil a obtenção de tal certidão, visto que a instituição estadual oficial de assistência técnica e extensão rural
apresenta carência em seu quadro profissional e em infraestrutura, o que resulta em baixo atendimento da demanda. Já no
caso das prestadoras desse serviço que atuam na região, as ações avançam lentamente por conta dos tramites burocráticos
RESULTADOS
existentes no governo federal para o financiamento das atividades. Ademais, o desinteresse e desconhecimento dos
O território do Marajó, de maneira geral, apresenta ambiente pouco impactado pela ação da agricultura intensiva
gestores municipais também reforçam as causas da redução ao acesso. Esta falta de articulação, para Hespanhol (2013),
em insumos agrícolas, sendo essencialmente um território formado por famílias que desenvolvem sua sociobiodiversidade
tem sido fundamental para a descontinuidade do acesso ao PAA em nível nacional.
forjadas no extrativismo local. Porém, o Marajó é sempre lembrado pelos baixos índices de desenvolvimento social e
A dinâmica do PAA em São Sebastião da Boa Vista recebeu destaque, pois dos quinze acessos ao Programa no
econômico. Assim, é imprescindível a ação de políticas que promovam a superação deste quadro instável, transferindo
Marajó entre os anos 2008 a 2012, oito pertenciam ao referido Município. Foi fator favorável ao desempenho dessas
renda e apoiando as atividades locais.
organizações de agricultores familiares o envolvimento entre as famílias, gestores e técnicos, em especial para superação
Neste sentido, enquanto política de inclusão econômica, o PAA é tido como estratégico para o Território, muito
de dificuldades que as famílias enfrentaram para se enquadrarem aos critérios do Programa, bem como em relação a
embora tenha demonstrado limitações quanto sua efetivação. Apenas sete dos dezesseis municípios do Marajó acessaram
grupos formalmente organizados, que dependem de assessoria para se manterem regulares junto à Receita Federal. A
o Programa. São eles: Soure, Santa Cruz do Ararí, São Sebastião da Boa Vista, Breves, Portel, Gurupá e Afuá (TABELA
principal dificuldade está em manter atualizado o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídica (CNPJ) e, assim, estarem aptas
01).
a firmar contrato com a CONAB. Mesmo assim, a organização formal tem avançado diante da proposta do Programa.
TABELA 01 – Caracterização do acesso ao PAA no Marajó (2008-2012) Porém, estão dependentes de assessoria técnica para elaboração dos projetos padronizados pela CONAB. Na realidade,
PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS NO MARAJÓ isto é fruto das frágeis iniciativas institucionais, as quais desconsideram a realidade local dessas famílias amazônicas.
MUNICÍPIO ORGANIZAÇÃO PRODUTO ANO
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras agroextrativistas do Diante da generalização das políticas públicas de apoio à agricultura familiar, notam-se sérias limitações para efetivação
Afuá Açaí
Assentamento da Ilha do Meio.
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do de um desenvolvimento endógeno. Becker (2010) também destaca que, para serem exitosas, as políticas públicas devem
Açaí e Camarão
Assentamento Agroextrativista da Ilha Raquel 2008
São Sebastião Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Açaí, Camarão, ser adaptadas aos processos sociais na Amazônia.
da Boa Vista Assentamento Agroextrativista Ilha do Paulo Pescado e Mel
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do De forma geral, a comercialização acontece na própria localidade das famílias em função do alto custo do
Açaí
Assentamento Agroextrativista da Ilha Coroca
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Agroextrativistas da transporte, e principalmente pela imprecisão nos preços ofertados no mercado regional, que, em algumas vezes, não
Afuá Açaí e Camarão 2010
Margem Esquerda do Canal da Conceição e Furo do Moura. cobre os custos da atividade. Geralmente, estes são superados quando se trata do mercado institucional. Mas quando os
Soure Associação Comunitária dos Camaroeiros do Município de Soure Camarão
Santa Cruz do Associação dos Pescadores da Comunidade de Jenipapo e Santa Cruz
Ararí do Ararí
Pescado 2011 preços locais são melhores, cria-se um conflito para as famílias participantes que não podem aproveitá-los, já que mantém

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compromisso em contrato junto ao Programa. ii) a gestão do território é uma concepção moderna, uma prática científico-tecnológica com finalidade econômica. A
Segundo os atores locais, a maior contribuição do PAA é a geração de renda. De acordo com Hespanhol (2013), quebra da escala macrogeográfica de planejamento estatal deve ser definida pelos níveis de territorialidades e gestão dos
isto é o principal fator para que as famílias tenham interesse pelo Programa. Entretanto, os preços ofertados são tabelados territórios. Isto deveria fortalecer o desenvolvimento territorial sustentável. Mesmo que estas sejam propostas adversas,
de forma comum para todas as regiões, aspecto que desconsidera as peculiaridades locais, a exemplo das dificuldades em diz a autora. Estes princípios deveriam estar efetivamente inseridos na política pública, pois, dessa maneira seria possível
transportes que o território do Marajó impõe, principalmente às famílias que vivem mais distantes dos centros urbanos. que as experiências locais de desenvolvimento pudessem ser contempladas. Porém, na maioria dos casos, os instrumentais
Além do mais, as famílias questionam sobre procedimentos adotados pelo PAA na forma de pagamento, porque após jurídicos são elaborados de modo geral, não permitindo que a dinâmica endógena reflita em uma política pública.
a entrega dos produtos, aguardam mais de um (01) mês para receber os recursos da venda realizada. Após análise da Os princípios teóricos elencados acima têm suas controvérsias entorno do crescimento econômico e suas
CONAB, o valor é depositado em conta bancária, que se encontra sob responsabilidade dos presidentes das organizações. implicações ao meio ambiente, com acirrado debate, em especial, a partir do final da década de 1960, quando os
Isto também tem provocado à desconfiança dos demais associados, pois acreditam acontecer apropriação indevida dos movimentos socioambientais (Clube de Roma (1968), Relatório de Brundland (1987) e Rio-92 (1992), por exemplo)
valores repassados. apontaram suas preocupações sobre o incomodo que o desenvolvimento capitalista provocara, não apenas ao meio
Os produtos da sociobiodiversidade local adquiridos pelo PAA em São Sebastião da Boa Vista foram natural como também na qualidade da vida humana. Diante deste contexto de forte preocupação ambiental, Romeiro
predominantemente camarão (Macrobrachium amazonicum Heller, 1962) e, principalmente, o açaí (Euterpe oleracea (2001) discute sobre duas correntes teóricas que constituem, de modo geral, o chamado desenvolvimento sustentável:
Mart.), entregues para a Pastoral da Criança - organização da rede socioassistencial no Município - na forma in natura, a) a economia ambiental, a qual considera o meio natural como fonte de insumos e com capacidade de assimilação dos
pois as famílias não agroindustrializam os produtos conforme normas sanitárias. Todavia, como o açaí é bastante perecível, efeitos negativos pelos ecossistemas, não vendo limites absolutos no crescimento econômico. Assim, visa a precificação
nem sempre o produto entregue encontra-se em boa qualidade. Quando há agroindustrialização, não é desenvolvida em dos produtos com base em processos mercadológicos; e b) a economia ecológica, que propõe restrição à expansão do
acordo com as normas sanitárias vigentes em razão dos investimentos necessários às instalações e equipamentos, visto crescimento econômico. Tem como fundamento a busca pela eficiência ecológica, tendo o desenvolvimento tecnológico
que são elementos além da capacidade financeira das famílias. Sobre esse cenário, o melhor acesso a linhas de créditos como processo regulatório. Estas correntes, por mais que apontem preocupação relevante sobre os rumos prejudiciais
(PRONAF) e de projetos em infraestruturas (PROINF) poderiam apontar soluções para superação destas limitações. provocados pelo desenvolvimento econômico vigente, não apontam claras saídas ao futuro da sociedade mundial, pois
Mesmo que o PAA ressalte a diversidade agrícola, nesse município é dada prioridade para aquisição de apenas um estão baseadas nos mesmos princípios teóricos do desenvolvimento capitalista que criaram e ainda aprofundam a crise
produto, o açaí. Esse fato tem gerado insegurança aos participantes, visto que a safra se concentra entre julho a dezembro, socioambiental.
ocasionando descontinuidade no fornecimento do principal produto local a esse mercado institucional. O processo de destruição ambiental, causado pelo próprio Capitalismo, colocou em alerta os executores
deste modelo econômico, aos quais passaram a buscar por novos espaços sociais e físicos. Além disso, para continuar
com níveis elevados de acumulação, houve a busca por alternativas tecnológicas na esperança do “esverdeamento”
DISCUSSÕES (COSTA, 2006; SILVA, 2011) do processo produtivo. Sobre isso, concorda-se com esses autores ao afirmarem que uma
Reflexões sobre desenvolvimento territorial simples reformulação do modelo econômico baseado no capital ainda não é o suficiente, pois se necessita de profundas
Durante o período de 1930 – 1975, o Estado tomou o planejamento centralizado na noção de macrorregião. transformações nas relações de produção e na maneira de construção de conhecimentos. Ou seja, deve-se refletir sobre
A unificação do mercado doméstico e a negociação com as elites regionais são marcantes neste período, em particular a hegemônica linha determinista temporal produtiva para considerar, também, a existência de diferentes lógicas de
na Amazônia, tida como prioritária na integração nacional, em especial no período pós-1970, quando os Grandes produção, desde as que utilizam a coleta e o uso do fogo, como as que artificializam o meio. Através do reconhecimento
Projetos na região Norte intentavam transformá-la em fornecedora de matéria-prima para abastecer o mercado nacional da diversidade de lógicas produtivas talvez se encontre outros caminhos de sustentabilidade e, então, tenha-se princípios
e internacional. Também, neste contexto, assistiu-se um dos maiores episódios de migração para a Amazônia, decorrente para formulações de políticas públicas condizentes com as realidades territoriais.
das políticas de colonização regional incentivada pelo governo militar.
De fato, novas territorialidades emergem, colocando em questão o poder do Estado e a macrorregião como Politica pública e diversidade da agricultura familiar
noção de planejamento. Neste outro contexto, as populações tradicionais deveriam assumir o controle de seus territórios, Para Peixoto e Oliveira (2015), as políticas públicas no decorrer do século XX privilegiavam os grandes produtores
entretanto, o atual formato que o Estado assume tem fortalecido as grandes corporações, representando seu próprio rurais, mas que, na última década, assistiu-se a incorporação da abordagem territorial na elaboração de políticas públicas,
enfraquecimento e perda de controle do processo produtivo. Além disso, há um enfraquecimento da capacidade de promovendo a inserção de diversas famílias que historicamente estavam excluídas do processo produtivo nacional.
regulação local diante da exigência de nova escala e ritmo de instrumentalização do espaço e do tempo (BECKER, 2010). Dessa maneira, o Estado brasileiro reconheceu que a politica pública significa a ferramenta principal para a solução de
Segundo a autora acima, nesta conjuntura existem dois princípios teóricos que são bem significativos na problemas públicos. Entretanto, esta realidade merece maior atenção, porque, ainda é necessário refletir para quais rumos
temática sobre desenvolvimento territorial: i) a territorialidade é uma relação com o espaço, que influencia ou controla as iniciativas estatais estão conduzindo o processo de desenvolvimento nacional.
ações manifestas em relações pessoais cotidianas e as mais complexas sobre uma área geográfica específica, o território; No interessante estudo de Ploeg (2008), demonstra-se uma agricultura familiar diferenciada daquela visão
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estritamente tradicional, onde as famílias já não simplesmente trabalham para provimento de seu sustento e venda dos as efetivações deste mercado institucional. Isto é fruto das frágeis iniciativas do atual arranjo institucional que não
excedentes. Pelo contrário, estão mais próximos dos mercados globais e com acesso a políticas públicas, sem deixarem compreende a sociobiodiversidade, e em particular dos interiores da Amazônia.
de apresentar uma lógica camponesa. A experiência assistida por esse autor revela uma contradição em que se encontram As políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de famílias nos Territórios Rurais sofrem influência das
diversas famílias agricultoras pelo mundo (válido também para o Brasil): se por um lado os agricultores familiares preocupações ambientais e dos pensamentos acadêmicos, as quais têm promovido mudanças no funcionamento peculiar
estão mais fortalecidos diante de uma crise financeira e ambiental por estarem mais integrados ao meio natural e menos de lógicas familiares.
dependentes de insumos artificiais de produção, por outro, a ascensão de processos mercadológicos tem provocado forte Mesmo que o reconhecimento das particularidades territoriais esteja presente no discurso das políticas nacionais,
tensionamento e inserção em relações de trocas materiais e imateriais que desconectam as famílias das estruturas que as experiências práticas nem sempre tem alcançado resultados para além do modelo baseado na produção física. As ações
às fortalecem, o capital ecológico. Isto acontece, segundo o autor, através de prescrições e planejamentos externos ao voltadas para a sociobiodiversidade da Amazônia, em especial, são elaboradas dentro de princípios mercadológicos,
funcionamento das lógicas familiares produtivas, presentes na atual relação entre Estados e Mercados. Dessa forma, a técnico-científicos e burocráticos, que não estão em acordo com a lógica ou conhecimento dos diferentes modos de
autonomia das famílias é substituída por normas e protocolos seguidos por aquelas mais integradas naquela relação. interpretar o tempo e o espaço. Assim, há um descompasso entre as atuais políticas públicas de desenvolvimento e as
Indubitavelmente, quanto mais protocolos e normas deterministas, a diversidade existente nas lógicas familiares lógicas familiares amazônicas.
de produção estará suscetível a padronização, o que proporcionará perda em sua diversidade social e ambiental. Porém,
tem se tornado quase que essenciais algumas mudanças na organização do trabalho e da produção para que famílias
participem das políticas públicas neste modelo atual. AGRADECIMENTOS
Há casos em que se identificam alterações no funcionamento das lógicas familiares produtivas. Como o
observado por Mota et al. (2015), onde famílias tradicionais extrativistas estão se inserindo em redes sociais exógenas Este trabalho foi elaborado a partir das ações do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial - NEDET/UFPA
e regulada pela burocracia estatal (editais, elaboração de projetos, obtenção de declarações, disponibilidade de recursos no Território do Marajó. Contou com auxílio financeiro da SDT/MDA e CNPq, a quem agradecemos.
no Governo Federal, etc.), para poder continuar acessando o mercado institucional. Os autores reforçam que o acesso a
esta Política tem promovido aumento do trabalho familiar e alteração na lógica comum do extrativismo local, o qual era
praticado somente pelas mulheres. Entretanto, diante deste novo quadro, homens e jovens tem se dedicado fortemente na REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
atividade para entregarem maior quantidade de produtos ao PAA.
Contudo, identifica-se que existem lógicas familiares de produção que não estão se adequando ao padrão ANDRADE, Álvaro; SILVA, Gustavo; ANDRADE, Nadir. O acesso às políticas públicas no semiárido e seu reflexo na
heterogeneidade da agricultura familiar: o PNAE em Boquira – BA. Revista Extensão Rural, DEAER – CCR – UFSM,
institucional da Política, como o observado por Andrade, Silva e Andrade (2015), onde famílias não acessam facilmente
Santa Maria, v. 22. N. 2, abr/jun. 2015. 19 p.
os mercados institucionais por não apresentarem capacidade de inovação em seus sistemas de produção e diversificação BECKER, Bertha. Novas territorialidades na Amazônia: desafio as políticas públicas. Boletim Museu Paraense Emílio
para agregação de valor. Esta não adequação revela que a heterogeneidade daquela agricultura familiar estudada pelos Goeldi. Ciências Humanas. Belém, v.5, n.1, 2010, p.17-23.
autores permanece, mesmo diante do modelo institucional determinista que está em vigor. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA) - SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL (SDT). Gestão Territorial do Plano Safra: Estratégia de efetivação de políticas públicas de
As políticas nacionais destinadas ao público da agricultura familiar ainda são ineficientes para compreender
desenvolvimento rural. 2014 (a), 23p.
a diversidade de lógicas familiares produtivas, em particular as situadas na região amazônica. Através das normas e BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – Secretaria do Desenvolvimento Territorial (SDT). Sistema
procedimentos técnico-acadêmicos presentes nas iniciativas institucionais, desconsidera-se que as populações tradicionais de Gestão Estratégica (SGE). 2014 (b).
geralmente não tomam como finalidade a produção física em si, mas adaptam suas necessidades as intempéries da BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. LEI Nº 10.696, DE JULHO DE 2003.
COSTA, Gilson. Desenvolvimento rural sustentável com base no paradigma da agroecologia. Belém. UFPA/NAEA,
natureza. Assim, essas populações aprendem a lidar com as circunstanciais naturais, decifrando o melhor manejo a ser
2006. 381 p.
praticado. É dessa forma que as suas necessidades são superadas e forjam a dinâmica local. HESPANHOL, Rosângela. Programa de Aquisição de Alimentos: limitações e potencialidades de políticas de segurança
alimentar para a agricultura familiar. Sociedade & Natureza, 25 (3): 469 – 483, 2013.
MOTA, Dalva; HERIBERT, Schmitz; JÚNIOR, Josué; RODRIGUES, Raquel. O trabalho familiar extrativista sob a
influência de políticas públicas. Revista de Economia e Sociologia Rural - RESR, Piracicaba – SP, Vol. 52, Supl. 1, p.
CONCLUSÕES
189 – 204, 2014.
Para melhor efetivação do PAA no Marajó, entende-se que são necessários maiores investimentos em assistência PEIXOTO, Ângela Martins; OLIVEIRA, Adriano Rodrigues. A abordagem territorial nas políticas públicas de
técnica e crédito, melhorias em transporte e agroindustrialização, maior envolvimento dos gestores municipais e desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município0 de Ipameri – GO. Revista
fortalecimento da participação das famílias envolvidas no Programa. Compreende-se também que o PAA é fundamental NERA. Presidente Prudente. Ano 18 n°. 26 – Edição Especial, 2015. p – 70 – 91.
PLOEG, Jan Douwe Van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da
para combater as mazelas que afligem milhares de famílias nos Territórios. Entretanto, as limitações tornam tímidas
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globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. 372 p. O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS SOB A ÓPTICA DA TEORIA DA JUSTIÇA COMO
ROMEIRO, Ademar. Economia ou economia política da sustentabilidade? Texto para discussão. IE/UNICAMP, EQUIDADE
Campinas, n. 102, set. 2001. 28 p. Disponível em: http://cursa.ihmc.us/rid=1GM431YJX-G9XCVN-S9/economia%20
ou%20economia%20da%20pol%C3%ADtica%20da%20sustentabilidade.pdf Acesso: 16/07/2015. Mônica Aparecida Bortolott1; Vivian Lie Kato de Lima2; Nilson Maciel de Paula3
SILVA, Luís. A abordagem sistêmica na formação do agrônomo do século XXI. Editora: Appris. Curitiba (PR) –
2011. 400 p. RESUMO
SIMÕES, Aquiles; CASTRO, Flávia; SANTOS, Clarissa. Os dilemas do desenvolvimento territorial: um estudo no O presente artigo tem como objetivo compreender a articulação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como
sudeste paraense. In GUERRA, Gutemberg Armando Diniz; WAQUIL, Paulo Dabdab (Orgs.) Desenvolvimento rural um mecanismo de promoção de justiça social aos agricultores familiares e examinar como esse programa vem se
sustentável no Norte e no Sul do Brasil. Belém: Paka-Tatu, 2013. p. 31 – 62. desenvolvendo, bem como seus limites, suas possibilidades e sua abrangência. A análise dessa política pública será
realizada com fundamentação teórica nos trabalhos de John Rawls em relação à justiça como equidade. A partir de
diversos estudos realizados sobre o programa, verificou-se que o mesmo tem contribuído para a justiça social conforme
a Teoria de Rawls. Porém, como fator limitante do PAA, verificou-se que existe um elevado grau de dependência dos
agricultores familiares em relação a esta política pública uma vez que não proveu meios que assegurassem que esses
produtores possam continuar a ter o mesmo desenvolvimento sem o amparo de tal política.

Palavras-chave: Programa de Aquisição de Alimentos, Agricultura Familiar, Políticas Públicas, Justiça como Equidade.

1 Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas - monica_economia@yahoo.com.br


2 vivian_kato@yahoo.com.br
3 nilson@ufpr.br

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1. INTRODUÇÃO social que definem essa divisão de vantagens e para selar um acordo acerca das parcelas distributivas
O reconhecimento da agricultura familiar como categoria social e como alternativa para o desenvolvimento apropriadas. Esses princípios são os princípios da justiça social: são um modo de atribuir direitos e
deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos
nas últimas duas décadas têm levado à elaboração de diversos estudos sobre políticas públicas diferenciadas para esse encargos da cooperação social.
setor. Uma dessas políticas que vem se destacando é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O presente artigo
visa compreender a articulação desse programa como um mecanismo de promoção de justiça social aos agricultores O objetivo central da Teoria da Justiça Social consiste em estabelecer uma estrutura básica inicial de uma
familiares e examinar, à luz da Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls, como o PAA vem se desenvolvendo, sociedade igualitária e organizá-la em uma configuração cooperativa através das instituições sociais que a integram.
bem como seus limites, suas possibilidades e sua abrangência. Como essas instituições da sociedade são marcadas por favorecerem, desde o início, uns mais do que outros, Rawls
Em se tratando de políticas públicas, esse tema ganhou mais destaque quando, em 1936, Lasswell incluiu no enfatiza que a determinação dos princípios da justiça social deve ser resultado de um conjunto de diferentes visões e
arcabouço teórico a expressão “análise de política pública” com o objetivo de integrar e estabelecer diálogo entre o não deve beneficiar ou desfavorecer os envolvidos, de forma que o pacto social possa ser original, justo, equilibrado e
conhecimento científico e o conhecimento empírico das ações governamentais. É desse autor o conceito mais reconhecido aceito consensualmente. Dessa maneira, esses princípios devem ser escolhidos de modo a impedir que as desigualdades
e utilizado, que considera que a política pública tem o objetivo de responder aos questionamentos em relação a quem surjam, estabelecendo, assim, uma justiça social através de um conjunto normativo reparador e redistributivo.
ganha o quê, por que e que diferença fazem as decisões dos agentes públicos (SOUZA, 2006). As políticas públicas são Como modo de garantir que esses princípios básicos sejam escolhidos de forma justa, os indivíduos devem
criadas e implementadas para suprir as demandas de setores e agentes socialmente vulneráveis. “Essas demandas são fazê-lo despidos de qualquer preconceito e julgamentos. Isso se dará, por meio do “véu da ignorância” (RAWLS, 2008,
interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que se cria na sociedade civil através p.15). A compreensão sobre esse “véu da ignorância” de Rawls remete à defesa da equidade em uma situação inicial
da pressão e mobilização social” (TEIXEIRA, 2002, p. 3). A implementação de uma política pública pode ser analisada hipotética de formação da sociedade em que a concepção de justiça é realizada sem a consciência e o comprometimento
a partir do marco conceitual desenvolvimento por John Rawls (2008) segundo o qual em um mundo com recursos das diferenças naturais de cada indivíduo. Em outras palavras, os cidadãos desconheceriam sua posição social e, por
escassos e com indivíduos que são, em geral, desinteressados uns em relação aos outros, é necessário que se criem conseguinte, escolheriam normas realmente justas a todos. Dessa forma, a concepção de justiça seria resultado de uma
princípios pensados coletivamente para que se possa estabelecer uma sociedade cuja base seja uma justiça distributiva. negociação que proporcionará favorecimento coletivo e um bem comum.
A ação governamental, dessa forma, é essencial no que tange ao alcance da justiça social e da melhoria das condições de Outro aspecto importante consiste na consideração da noção de justo antes da noção de bem através da perspectiva
vida da sociedade. da teoria ética. Neste contexto, o autor trata sobre a distribuição de bens que pode ser igualitária, quando se trata dos
Nesse sentido, o Estado brasileiro tem elaborado políticas voltadas à agricultura familiar, dentre as quais se bens primários, ou desigual, como ocorre com a forma de acesso aos bens pelos menos favorecidos. Diante disso, cabe
destaca o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Essa política foi criada em 2003 com o objetivo central de “[...] ao Estado promover e incentivar a minimização das desigualdades através de uma sociedade ordenada. Assim, além da
garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de promoção ao bem-estar, destaca-se o estabelecimento de uma concepção pública de justiça, ou ainda, de uma sociedade
insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura que reconhece que todos aceitam e são conscientes de que os demais também estão de acordo com esse ideal do que é
familiar” (BRASIL, 2006). O PAA será analisado neste artigo tendo em vista seu propósito de incentivo à diversificação justo, e de instituições sociais que atendam os princípios da justiça. Uma sociedade, então, deveria ser fundamentada
da produção de alimentos e de fortalecimento e inclusão da agricultura familiar nos mercados. nos princípios da liberdade e da diferença. “[...] os dois princípios de justiça avaliam a estrutura básica em função de
como ela regula a repartição dos bens primários entre os cidadãos, repartição esta especificada conforme um índice
2. A TEORIA DA JUSTIÇA apropriado” (RAWLS, 2003, p.83). A liberdade de cada cidadão deve ser a mais ampla possível até o ponto em que seja
Reconhecido como um dos principais filósofos do século XX, John Rawls desenvolveu sua teoria baseada no compatível com a liberdade racional dos outros indivíduos. Já o princípio da diferença aborda as desigualdades sociais
contrato social - pacto fictício que visa legitimar o Estado, abordados nos trabalhos de Locke, Rousseau e Kant. Em sua e econômicas através da perspectiva de que essas diferenças devem ser suprimidas por meio da ação reparadora das
obra Uma teoria da justiça, Rawls trabalha com a noção de uma sociedade estabelecida com base em princípios da justiça. instituições.
De acordo com o autor (RAWLS, 2008, p.102), “a sociedade é interpretada como um empreendimento cooperativo Assim, deve haver uma maior atenção às parcelas excluídas da população como meio para se estabelecer uma
para benefício de todos”. Isto é, através de um sistema cooperativista, com a soma de esforços dos indivíduos, pode-se igualdade de oportunidades. Contudo, as desigualdades naturais humanas são admitidas quando são benéficas para
alcançar uma qualidade de vida vantajosa para todos. Não é uma busca individual e dissociada. Todavia, como a sociedade todos. Isto é, a injustiça só existe quando as diferenças entre os indivíduos não trazem vantagens a todos. Como bem
é pautada por uma situação de constante conflito de interesses, na existência desses possíveis embates motivados pelo afirma Rawls (2008, p. 68), “Todos os valores sociais – liberdade, oportunidade, rendas, bens e as bases do respeito
descompasso em relação à distribuição de vantagens conquistadas pelo trabalho coletivo, há a necessidade de mediação próprio – deveriam ser distribuídas igualmente, a menos que uma distribuição desigual de um desses valores, ou de
desses conflitos. A partir dessa observação, Rawls (2008, p. 5) aborda os Princípios da Justiça Social. todos, viesse a trazer vantagens para alguns”. Essa reflexão de Rawls apresentada aqui fornece, pois, os moldes para a
criação de instituições e de regras normativas que pautarão a vida em sociedade de maneira equitativa e justa. A partir do
Há uma necessidade de um conjunto de princípios para escolher entre os diversos modos de organização
desenvolvimento dessa perspectiva teórica, poderemos assim realizar a análise do Programa de Aquisição de Alimentos
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(PAA), sob essa óptica, como uma política pública que atua como uma alternativa à promoção do desenvolvimento Destarte, houve um maior reconhecimento do potencial socioeconômico do setor para a superação da pobreza
econômico, ambiental e social da agricultura familiar no Brasil. através da geração de renda e de soberania e segurança alimentares, além de ser um modelo de produção sustentável.
Segundo dados da CONAB (2015) “a agricultura familiar gera mais de 80% da ocupação no setor rural e responde
3. AGRICULTURA FAMILIAR no Brasil por sete de cada 10 empregos no campo e por cerca de 40% da produção agrícola”. Essas informações
O foco na modernização industrial e no seu consequente desenvolvimento econômico sofreu mudanças ao longo representam que grande parte dos alimentos consumidos pelos brasileiros são oriundos de pequenas propriedades,
das últimas décadas, especialmente após a década de 1980, quando o governo reduziu drasticamente os investimentos o que contribui para o exercício de práticas de produção ecologicamente equilibradas, motivada pela diversificação
na agricultura e, consequentemente, em sua produção. Além disso, questões sociais de desenvolvimento, preocupações de cultivos e menos uso de insumos industrias bem como a preservação do patrimônio genético de cultivares locais.
ambientais e a redemocratização do país começaram a ter mais evidência resultando numa conjuntura que permitiu um Além disso, é um motivador para a redução do processo de migração rural-urbana.
maior questionamento em relação ao modelo de produção e de desenvolvimento excludente dominante até então, abrindo A agricultura familiar, apesar de suas limitações estruturais, vem se apresentando como alternativa estratégica para
perspectivas para incentivos à produção rural familiar. o desenvolvimento da sociedade por representar uma instância de desenvolvimento redistributivo. Portanto, é de suma
Assim, na década de 1990, em decorrência das atividades de organizações não governamentais e de movimentos importância que se procure compreender se as políticas públicas voltadas para esse setor – no caso, o PAA - não apenas
sociais, a agricultura familiar ganhou maior atenção do Estado. A criação do Programa Nacional de Fortalecimento promovem a manutenção da lógica mercadológica através da entrada desses pequenos produtores no mercado, mas que
da Agricultura Familiar (PRONAF) em 1996 foi um marco que estabeleceu mecanismos de fornecimento de crédito busquem por promover um desenvolvimento justo e a liberdade assertiva dos agricultores familiares no espaço rural.
para o setor e transformou os agricultores familiares em tema importante para as políticas públicas nacionais, abrindo
caminhos para o desenvolvimento desse segmento. Para compreender melhor quem é o ator social do presente trabalho, 4. O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)
a agricultura familiar é vista neste artigo como um segmento social e produtivo cuja gestão, propriedade e mão-de-obra O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado em 2003 e vem se firmando como uma política importante
provêm do âmbito familiar. Para tanto, assumimos a definição de Chayanov, reproduzida por Wanderley (2004, p. 45) e complementar ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o qual abriu portas para
segundo a qual: o fortalecimento de políticas públicas voltadas para os segmentos menos favorecidos. Assim, o PAA representa uma
forma de intervenção do Estado para contribuir com a promoção de equidade social na agricultura familiar com reflexos
Esse caráter familiar se expressa nas práticas sociais que implicam uma associação entre patrimônio,
trabalho e consumo, no interior da família, e que orientam uma lógica de funcionamento específica. positivos para a sociedade em geral.
Não se trata apenas de identificar as formas de obtenção do consumo, através do próprio trabalho, mas Pelo seu papel estratégico no combate à pobreza e à insegurança alimentar, o PAA é fruto de questões que estavam
do reconhecimento da centralidade da unidade de produção para a reprodução da família, através das em pauta na década anterior que abordavam a segurança alimentar e a valorização da agricultura familiar (GRISA et al.,
formas de colaboração dos seus membros no trabalho coletivo – dentro e fora do estabelecimento familiar
–, das expectativas quanto ao encaminhamento profissional dos filhos, das regras referentes às uniões 2009, p. 2). O programa surgiu sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
matrimoniais, à transmissão sucessória, etc. a partir da mobilização de diversas organizações da sociedade civil e de atores ligados a instituições governamentais e
fazia parte do conjunto de ações estruturantes do Programa Fome Zero. Sua operacionalização é realizada pela Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB) e executado com recursos MDS e do Ministério do Desenvolvimento Agrário
Ricardo Abramovay (1998, p. 143) complementa esta definição afirmando que “Muito mais que um segmento
(MDA), com a parceria de estados e municípios. O objetivo do programa é promover a comercialização de alimentos
econômico e social claramente delimitado, a agricultura familiar é definida como um valor. O apoio que recebe vem das
vindos da agricultura familiar.
consequências que seu desenvolvimento pode propiciar: melhores condições de vida, desenvolvimento sustentável, luta
contra a pobreza”. A comercialização dos produtos agrícolas é um dos gargalos enfrentados pelos produtores rurais,
De acordo com o aparato legal, desde o Estatuto da Terra de 1964, o conceito de agricultura familiar já estava principalmente os pequenos. Buscando minimizar este problema, o Governo Federal criou o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). Através deste, o Estado passou a participar do processo de comercialização
amparado na denominação de propriedade familiar de determinado tamanho e que fosse explorada direta e pessoalmente da agricultura familiar, garantindo a aquisição de produtos a preços justos e incentivando a pequena
pelo agricultor e sua família, mesmo que eventualmente com a ajuda de terceiros (BRASIL, 1964). Porém, foi somente produção (FUSCALDI, 2009, p.01)
através da Lei nº 11.326 de 24 de julho de 2006 que as diretrizes para a agricultura familiar foram formuladas e
estabelecidas e, então, o segmento passou a ter ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 2006)4. Ou seja, o Estado, através do PAA, realiza a compra de alimentos desses pequenos produtores por meio de
4 Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio
chamadas públicas com dispensa de licitação, sendo os destinatários pessoas em situação de insegurança alimentar,
rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II destinando os estoques de alimentos a instituições que fornecem refeições regularmente, tais como: hospitais, quartéis,
- utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha
percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo
presídios, escolas, restaurantes universitários e refeitórios de entidades públicas (MDA, 2013). “Além disso, o Programa
Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011) IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL, [...] fortalece circuitos locais e regionais e também redes de comercialização; valoriza a biodiversidade e a produção
2006)

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orgânica e agroecológica de alimentos; incentiva hábitos alimentares saudáveis e estimula o associativismo” (BRASIL, do PAA nos últimos anos junto às associações, às entidades, ao Estado, aos agricultores e às regiões. Aqui, far-se-á uma
2012, p.3). Suas atividades podem ser divididas em várias modalidades: compra com doação simultânea, compra direta, análise da atuação do programa como uma política pública que promove a justiça equitativa de acordo com os preceitos
apoio à formação de estoques, incentivo à produção e ao consumo do leite (PAA Leite) e compra institucional. (BRASIL, de John Rawls.
2012)
Atualmente, o PAA é uma das ações que compõem o Plano Brasil Sem Miséria (BSM) em seu eixo Inclusão 5. AGRICULTURA FAMILIAR E JUSTIÇA COMO EQUIDADE
Produtiva Rural (MDA, 2003). Conforme dados do BSM (2013), o plano tem como um dos objetivos o fortalecimento
Conforme exposto, Rawls propõe o estabelecimento de uma estrutura básica da sociedade a partir da posição
das atividades realizadas pelas famílias da agricultura familiar, aumentando a sua capacidade produtiva e a entrada de seus
original. Para tal, seriam escolhidos princípios que fossem de acordo com a justiça social. Dessa forma, as instituições
produtos nos mercados consumidores, através de orientação e acompanhamento técnico, para produção e comercialização.
dessa sociedade devem fornecer o aparato para que os indivíduos tenham garantidos os bens primários, para que consigam,
O PAA pode ser visto, assim, como uma política pública voltada ao desenvolvimento, contemplando questões estruturais
sobretudo, ter participação de modo justo e igualitário na sociedade.
e específicas através da conexão e articulações de agentes locais, ocorrendo assim uma
O tema da agricultura familiar traz uma problemática que abarca a questão dos direitos à alimentação e à terra.
[...] conexão entre os pequenos produtores de alimentos e a população de menor poder aquisitivo, uma vez Embora não estejam incluídas diretamente no que Rawls manifestara, elas estão inseridas no entendimento do conceito
que o processo de distribuição dos alimentos, ou mesmo a formação de estoques, promove articulações
de justiça da sociedade brasileira. Isso pode ser observado no fato desses dois direitos estarem apoiados tanto pela
entre agentes locais (associações e cooperativas de produtores; instituições públicas e privadas etc.), o
que pode resultar na valorização (econômica, social etc.) do território em que as ações e relações são Constituição Federal de 1988, pelos artigos 6º e 186, como pelo Estatuto da Terra de 1964 e outras leis. Partindo desse
desenvolvidas. (ANTUNES, HESPANHOL, 2011, p. 106) pensamento, procurou-se analisar os resultados de diversos estudos sobre o PAA através da óptica trazida por John Rawls
em relação à teoria da justiça como equidade.
Para se ter uma perspectiva de seus efeitos, uma avaliação do PAA no período de 2003-2010, realizado pelo Muitos dos estudos observados relatam que o PAA foi muito importante para os agricultores familiares no que
MDA, constatou-se como resultado direto do programa um aumento da renda de agricultores familiares, povos indígenas tange aos benefícios trazidos ao comércio, uma vez que a produção pôde ser planejada, os modos de produção e de
e comunidades tradicionais, além de melhoria da diversidade e qualidade dos alimentos fornecidos por entidades da comercialização foram modificados e os produtos foram diversificados e comercializados nos mercados locais com preços
Rede Socioassistencial e por Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição. E como resultado indireto, verificou- justos. Além disso, houve a identificação e ampliação de novos mercados e a promoção do desenvolvimento sustentável.
se uma dinamização de economias locais; reconhecimento e valorização da produção familiar e dos agricultores pela Isso fomentou a valorização do espaço rural, enfatizando de maneira positiva as diferenças regionais.
sociedade; aumento da variedade de alimentos produzidos nas unidades familiares; valorização da cultura alimentar Outro ponto que merece destaque consiste na questão da qualidade de vida dos agricultores participantes do PAA.
local e valorização da produção orgânica de alimentos e de produtos da sociobiodiversidade. De acordo com Machado, Os resultados dos estudos analisados indicaram que o programa, na percepção dos atores pesquisados, teve influência
Rocha e Campos (2011, p.8), o PAA é um avanço importante na política agrícola brasileira, visto que contribuiu com os positiva sobre alguns indicadores de sua qualidade de vida, tais como: a elevação de renda, o que possibilitou a aquisição
agricultores familiares, pois: de bens duráveis e melhorias nas moradias, e a elevação do nível de qualidade da alimentação dos indivíduos em
(1) busca garantir sua renda de maneira regular, ao assegurar uma demanda com recursos públicos para situação de insegurança alimentar. Destaca-se aqui que, como um dos objetivos do PAA é o combate à fome, além de
escoar e estabilizar a venda da produção familiar, (2) inova ao permitir a aquisição de alimentos produzidos estimar alimentos regionais e incentivar a produção livre de agrotóxicos, outro efeito bastante enfatizado é a garantia do
pela AF para consumo e formação dos estoques públicos, sem a realização de licitações; (3) oferece apoio
recebimento desses alimentos de qualidade e melhor preço pelas instituições locais.
financeiro à formação de estoques para organizações de agricultores familiares, como cooperativas e
associações; e (4) objetiva promover a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Até aqui, pode-se identificar, a partir da teoria de Rawls, o caráter redistributivo do PAA à categoria social dos
agricultores familiares, uma vez que esse programa tem se mostrado como um caminho para a promoção da segurança
Segundo a CONAB, em 2010, o valor financeiro do programa foi de R$ 680,75 milhões reais, com 155.166 mil alimentar por meio do incentivo à diversificação da produção de alimentos e da criação de mecanismos para levar esses
contratos em todo o Brasil, e a quantidade comercializada foi de 462.429 toneladas de alimentos. Grisa et al. (2011, p. 37) produtos à mesa das populações mais vulneráveis. A redistribuição também é vista na melhoria da renda dos pequenos
são enfáticos ao avaliar o programa: produtores, cujas famílias conseguiram elevar sua qualidade de vida. Enfatiza-se também a política como um instrumento
de valorização da moral do indivíduo rural, o qual é um ponto incluído por Rawls no que ele denomina de bens primários.
O PAA sinaliza um novo estágio no que se refere às políticas de fortalecimento da agricultura familiar,
sobretudo porque abre um canal de comercialização para essa categoria social, garantindo a aquisição de A atuação dos atores sociais (gestores, produtores, representantes dos consumidores e organizações) também ganhou
seus produtos pelo Estado por meio de mecanismos diferenciados. A garantia de comercialização traz um destaque nos estudos. Na análise realizada por Guareschi (2010), por exemplo, verificaram-se esforços entre os agentes
novo alento a essas famílias, que podem lançar mão de suas especificidades, de seus valores e suas práticas participantes para a consideração do contexto histórico, cultural e social local na adaptação da operacionalização do PAA
locais para articular-se com diversos públicos consumidores.
ao cenário local do município de Tenente Portela (RS). Notou-se também, em outros estudos de caso, o relacionamento
Considerando este contexto, segue uma sequência de trabalhos realizados por pesquisadores sobre os reflexos positivo com os gestores públicos e as organizações privadas, que objetivam conjuntamente os mesmos anseios e com

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isso a política pública apresentou eficácia em sua execução. alimentar para populações em risco bem como deixa um sentimento, aos produtores, de pertencimento e utilidade
Ghizelini (2012, p.1) relatou a experiência do PAA em dois municípios do Paraná como uma estratégia para para a comunidade. Por meio da perspectiva da teoria da justiça como equidade de John Rawls, podemos observar
a promoção de atores sociais na agricultura familiar e constatou que os “agricultores e as associações pesquisadas que o Estado procura, através das políticas públicas, atuar na promoção da igualdade de oportunidades, respeitando as
conquistaram em função do PAA o reconhecimento social, político, social e econômico dos grupos sociais urbanos, rurais liberdades de cada indivíduo e suprimindo as desigualdades existentes que não são vantajosas para todos. O PAA, dessa
e do poder político municipal, estadual e nacional”. A organização coletiva dos atores sociais representa um “espaço forma, pode ser considerado como um mecanismo alternativo para promover a justiça social e uma sociedade equitativa
onde os atores se articulam por um projeto coletivo com o objetivo de reivindicar e lutar por princípios e um projeto de que trata John Rawls.
(de vida e coletivamente referenciado) contra um poder hegemônico” (GHIZELINI, 2012, p. 3). Nesses casos, a partir
da óptica de Rawls, o PAA se mostrou como um mecanismo que trouxe o reconhecimento, por parte da sociedade, da BIBLIOGRAFIA
importância da atividade da agricultura familiar na redução das desigualdades sociais e na promoção do desenvolvimento
da população rural. Logo, pode-se entender que, no momento em que as ações dos agentes visam o benefício coletivo, os ABRAMOVAY, Ricardo. Agricultura familiar e serviço público: Novos desafios para a extensão rural. Cadernos de
resultados da intervenção do Estado são satisfatórios e proporcionam a inclusão social que contribui para a equidade. Ciência & Tecnologia, Brasília, v.15, n.1, p.137-157, jan./abr. 1998.
O fortalecimento de cooperativas e associações também se mostraram como resultados da implantação do PAA
ANTUNES, Marina. V. M.; HESPANHOL, Rosangela. A. M. O programa de aquisição de alimentos no Município de
em diversos estudos analisados. A pesquisa de Antunes e Hespanhol (2011), no município de Dracena (SP), salientou
Dracena-SP. Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, v. 2, n. 33, p. 101-122, ago./dez. 2011. Disponível
que, embora os recursos financeiros disponibilizados fossem poucos e houvesse uma quantidade baixa de agricultores
em: http://revista.fct.unesp.br/index.php/cpg/article/viewFile/1929/1809. Acesso em 15. abr. 2015
participando do programa, observaram-se melhorias no processo de cooperação entre os atores envolvidos. O trabalho
BRASIL. Lei n. 11.326 de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da
de Silva (2013), através de um estudo na Cooperativa da Agricultura Familiar Integrada (COOPAFI) em Capanema (PR),
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constatou que o PAA exerce papel relevante e enfático para o fortalecimento da agricultura familiar. A experiência da
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através da inovação dos processos e da construção da autonomia dos sujeitos.
Disponível em http://www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentar-e-nutricional-san/programade-aquisicao-de-
Embora se tenha observado, em alguns estudos, pontos negativos como uma desarticulação entre os agentes
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públicos, a falta de recursos financeiros, infraestrutura e ajuda de especialistas, o desconhecimento da existência e da
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operacionalização desse programa por parte dos agricultores e um elevado grau de dependência dos pequenos produtores
em: http://www.mda.gov.br/portalmda/sites/default/files/ceazinepdf/politicas_publicas_baixa.pdf Acesso em 20. abr.
em relação ao programa, visto como um mero instrumento de comercialização, constata-se que o PAA está, aos poucos,
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atingindo seu objetivo enquanto política pública.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/cartilha_paa_final.pdf>. Acesso em 27 mai. 2015
No que se refere à perspectiva de Rawls, pode-se observar que a promoção da justiça como equidade apresenta-se
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento. Agricultura Familiar (2015). Disponível em: http://www.conab.
no momento em que o Estado passa a favorecer e intervir a favor de uma maior participação dos atores sociais no que tange
gov.br/conteudos.php?a=1125 Acesso em 15. abr. 2015
às políticas públicas para minimizar as desigualdades relativas ao acesso aos alimentos e para fomentar a comercialização
FUSCALDI, kelliane da C. Programa de Aquisição de Alimentos: uma política de apoio à comercialização agrícola. IN.
de produtos da agricultura familiar, desenvolvendo esse segmento. Isso demonstra a efetividade do programa no que se
Palestra Congresso Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (2009). Disponível em:
refere à busca reparadora das desigualdades no meio rural através da inclusão do agricultor familiar no mercado por meio
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da distribuição de instrumentos para a melhoria da produção. Destarte, observou-se um reconhecimento institucional da
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noção de justiça social.
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Verifica-se, portanto, que os valores sociais, os quais Rawls destaca (oportunidades, renda e respeito próprio),
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estão sendo proporcionados aos agricultores familiares e aos demais atores envolvidos no programa. Com o objetivo de
reparar as assimetrias prejudiciais existentes entre os indivíduos, o PAA traz oportunidade de poder acessar mercados de GRISA, C., SCHMITT, C.J., MATTEI, L.F. MALUF, R.S. & LEITE, S.P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos
comercialização que atendam as necessidades da agricultura familiar, além de favorecer a diversificação e a produção (PAA) em perspectiva. Apontamentos e questões para o debate. Trabalho apresentado no “Seminário Temático Programa
de pequena escala, o que promove a ampliação da renda familiar. Esse processo é de grande importância, pois pode de Aquisição de Alimentos (PAA)”, Juazeiro, BA, Brasil, 24 e 25 de agosto.
trazer a esses agricultores o respeito próprio, no momento em que os alimentos produzidos proporcionam segurança
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PERFIL DO CONSUMIDOR DE PESCADOS E/OU FRUTOS DO MAR NO LITORAL DO PARANÁ INTRODUÇÃO

No Brasil, a pesca artesanal está ligada, historicamente, à influência de três correntes étnicas que formaram a cul-
tura das comunidades litorâneas: a indígena, a portuguesa a cultura das comunidades litorâneas: a indígena, a portuguesa
Janaína Gabrielle Moreira Campos da Cunha; Lilian da Silva Dias Dias; Marcelo Fogaça; Patricia De Oliveira
e a negra (SILVA et al., 1990). Da cultura indígena as populações litorâneas herdaram o preparo do peixe para a alimenta-
ção, o feitio das canoas e jangadas, as flechas, os arpões e as tapagens; da cultura portuguesa, herdaram os anzóis, pesos de
metal, redes de arremessar e de arrastar; e da cultura negra, herdaram a variedade de cestos e outros utensílios utilizados
RESUMO para a captura dos peixes (DIEGUES, 1983).
A importância da compreensão das riquezas do litoral paranaense foi a principal motivação para o desenvolvimento da
presente pesquisa. Buscou-se verificar no âmbito da pesca artesanal, identificar o comportamento do consumidor de A pesca artesanal é definida como aquela em que o pescador sozinho ou em parcerias participa diretamente da
pescados e frutos do mar do Litoral do Paraná. Utilizou-se como método de coleta de dados a aplicação de questionário, captura de pescado, utilizando instrumentos relativamente simples. Os pescadores artesanais retiram da pesca sua princi-
abrangendo consumidores de algumas cidades do Paraná. Com o enfoque da comercialização foi analisado também o pal fonte de renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares (DIEGUES, 1983). Os pescado-
perfil do consumidor de pescados e/ou frutos do mar do Litoral do Paraná, quanto a suas preferências, gênero em geral res artesanais, de acordo com Diegues (1983), estão acostumados com pouca produção, portanto se caracterizam como
aos atributos que norteiam o perfil desse consumidor. São apresentadas as conclusões a respeito deste perfil, bem como
sugestões para estudos futuros. pequenos produtores. Não aceitam a pesca industrial porque são diretamente prejudicados por ela e acreditam que esta
violenta constantemente a natureza.

Segundo Garcez e Sanches-Botero (2005) existem, no Brasil e também no litoral paranaense, diversas formas pe-
Palavras chaves: Pescados, Frutos do Mar, Litoral do Paraná.
las quais a pesca se organiza, e que, principalmente, diferem muito entre si. Em um estudo realizado com pescadores do
litoral brasileiro, dividem as atividades pesqueiras profissionais em três categorias: de subsistência, artesanal e industrial,
as duas últimas com finalidade comercial.

O Litoral paranaense é considerado o terceiro celeiro mundial de reprodução de animais aquáticos, constituindo
um ambiente extremamente vulnerável a acidentes. Conta com 7 municípios em 90 Km de costa que, somada às baías de
Guaraqueçaba, Antonina, Paranaguá e Guaratuba, perfaz mais de 400 Km de costa interna (MATSUI e NATALINO,2005).

MATERIAL E MÉTODOS

Tomando como base os estudos de Gil (1991) e Vergara (1990), a pesquisa pode ser classificada quanto aos fins
e quanto aos meios. Quanto aos fins a pesquisa pode ser classificada como descritiva, já que para Vergara (1990) a pes-
quisa descritiva expõe características de determinada população ou determinado fenômeno, e pode também estabelecer
correlações entre variáveis e definir a natureza. Quanto aos meios a pesquisa pode ser classificada como bibliográfica,
telematizada e de campo.

Segundo Vergara (1990), a pesquisa bibliográfica é o estudo sistematizado desenvolvido com base no material
publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao público em geral, podendo este ser
fonte primária ou secundária.

Com a finalidade de desenvolver a pesquisa científica, cumprindo os procedimentos metodológicos e a carac-


terização do objeto do estudo, tem-se de início a pesquisa bibliográfica, que “procura explicar um problema a partir de
referências teóricas publicadas em documento” e “busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do
passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema.” (CERVO, BERVIAN e SILVA, 2006)
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Ainda Cervo, Bervian e Silva (2006) a pesquisa descritiva “procura descobrir com a maior precisão possível, a Segundo Fagundes (2003) os óleos essenciais das famílias ômega 6 e ômega 3 têm influência praticamente em
frequência com que o fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e suas características”. todas as reações metabólicas do organismo, estes podem ser encontrados de forma abundante nos peixes e frutos do mar.
Além disso, a ausência de ácidos gordurosos ômega 3, no período de gestação pode prejudicar o desenvolvimento do
Em meio às várias formas que a pesquisa descritiva adota, encontra-se o estudo exploratório, indicado “quando há
sistema visual e comprometer a inteligência futura do bebê, além da depressão pós parto por parte da mãe. Para ficar claro,
poucos conhecimentos sobre o problema a ser estudado.” (CERVO, BERVIAN e SILVA, 2006).Sendo assim, este estudo
Venturi (2010) classifica os peixes e os frutos do mar conforme quadro abaixo:
pode ser classificado como bibliográfico, pois tanto para a elaboração do referencial teórico quanto para a elaboração da
metodologia foram utilizados artigos e livros que abordavam o assunto, pode também ser classificada como telematizada
por utilizar informações retiradas de websites de empresas e instituições do setor pesqueiro e instituições de ensino.
Classificação dos peixes e frutos do mar
Com o intuito de trabalhar também com questionários e medidas de opinião, observou-se a necessidade da pes- Tipos de peixes e frutos do mar
quisa de campo, que conforme Lakatos e Marconi (1991) utilizam-se das técnicas de observação, questionário, formulá- Tipos de peixe e frutos do mar Exemplos
lagosta, camarão, lagostim, caranguejo, entre
rio, medidas de opinião e atitudes técnicas mercadológicas. Crustáceos
outros
Moluscos lula, mexilhão, ostra, polvo, entre outros
Peixes de água doce carpa, perca, truta, entre outros
COLETA DE DADOS
Peixes de água doce e salgada Enguia e salmão, entre outros
A pesquisa de campo foi realizada utilizando a aplicação de questionário, sendo estes enviados via correio ele- arenque, côngrio, bacalhau, merluza, raia, sardi-
Peixes de água salgada
trônico ou entregue em mãos de forma impressa. Os respondentes forneceram informações, por meio de classificação em nha, linguado, atum, entre outros.
ordem de preferência dos produtos, com base nas características pré-selecionadas. Fonte: Venturi (2010)

MÉTODO ESCOLHIDO Os locais onde são ofertados os pescados e frutos do mar para compra são geralmente as peixarias e os supermer-
cados, estabelecimentos estes especializados para a comercialização deste tipo de alimento/produto.
Análise conjunta possibilita compreender a forma como os consumidores estruturam a preferência por produtos
(ou serviços), tendo por base a avaliação de combinações de níveis dos atributos dos produtos (ou serviços). Assim, Segundo Venturi (2010, p.109) “ A peixaria diz respeito a um estabelecimento especializado na comercialização
baseia-se no pressuposto de que os consumidores avaliam o valor ou utilidade de um produto, em função da utilidade e pré-preparo de peixes, crustáceos e demais frutos do mar”. Na visão de Salgado (2005, p.198) “ para consumir frutos
proporcionada pela combinação de níveis dos atributos que o compõe. A partir dessa ordenação, o pesquisador pode de- do mar com segurança é importante comprá-los em mercados de peixe e em supermercados que os mantêm cobertos e
terminar a importância de cada atributo e a combinação mais efetiva. envoltos com gelo, protegidos do sol e de insetos (...)”.

Além da peixaria, os consumidores do litoral do Paraná também apreciam os pescados e frutos do mar em restau-
rantes, conforme preparo do local, bem como a forma que ele é servido, de modo que essa procura por estes tipos de ali-
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS ASSUNTOS QUE COMPREENDEM O CONSUMO E A COMERCIALIZA-
mentos têm levado os restaurantes a introduzir em seus cardápios pratos dos mais variados tipos à base de peixes e frutos
ÇÃO DOS PESCADOS E/OU FRUTOS DO MAR.
do mar a fim de proporcionar aos seus clientes uma alternativa de alimentação gostosa, saudável e com baixas calorias.
Os pescados e os frutos do mar estão presentes e “arraigados” na cultura da região litorânea do Paraná, por seus “Nas cidades costeiras ou nas populações ribeirinhas, os restaurantes têm o cuidado e dão a devida importância quando da
pratos para todas as classes sociais, ricos em propriedades nutricionais e a facilidade de acesso na região à estas riquezas preparação do prato, de modo a se tornarem sofisticados, requintados e agradando sempre o consumidor final”. ( MON-
marinhas. TEBELLO e ARAÚJO, 2005).

Inúmeros são os benefícios desses alimentos para o organismo humano, pelas vitaminas e outros itens essenciais à É importante o consumidor também ter conhecimento da forma que são manuseados, acondicionados e conservados
saúde, contribuindo significativamente para uma vida mais saudável. Como exemplo, o ômega 6 e ômega 3 que possuem os pescados e frutos do mar, pois estes possuem certa fragilidade depois de retirados das águas e dos manguezais, merecendo
grande importância no processo do metabolismo do organismo. Além disso, no caso da gestação, o ômega 3 auxilia no uma atenção especial nestes aspectos.
desenvolvimento nas funções visuais e mentais do feto.
Para produtos congelados, deve-se observar a data de industrialização, a validade e identificação do fornecedor,
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bem como a temperatura ideal para a sua conservação, porém importante destacar que no caso de congelados eles não • Influenciam o comportamento do consumidor.”
podem ultrapassar o prazo de validade de 3 meses. Quando forem comprados frescos e cobertos com pedaços de gelo,
A tabela a seguir destaca detalhadamente exemplos de situações do consumidor quanto aos ambientes físicos,
podem ser guardados por várias horas, mas o ideal é consumi-los no mesmo dia em que foram comprados. (SALGADO,
sociais, o tempo, a definição de tarefa e os estados antecedentes. (RAMOS, 2000)
2009);
Tabela 02 – Situações do consumidor
Outro aspecto de relevância é a procedência, pois o consumidor deve ter conhecimento de que local estão sendo
extraídos estes alimentos, de modo que estes devem ser extraídos ao mar aberto e jamais nas áreas costeiras, ou próximo Cinco tipos de situações do consumidor
das regiões habitadas, uma vez que possuem maior risco de contaminação, pelo fato de muitos locais não possuírem um 1) Ambiente físico: Os aspectos físicos e espaciais concretos do ambiente que envolve uma ativida-
tratamento adequado de esgoto e também por ser uma região portuária, com movimentações constante de embarque e de de consumo.
desembarque de navios , podendo assim lançar ao mar contaminantes prejudiciais à saúde humana.
2) Ambiente social: Os efeitos que outras pessoas provocam sobre um consumidor durante uma
atividade de consumo.
Salgado (2009, p. 198) afirma que:
“os frutos do mar, quando criados em águas poluídas, podem ser contaminados com vários tipos de bac- 3) Tempo: Os efeitos da presença ou ausência de tempo nas atividades de consumo.
térias e transmitir várias doenças, inclusive hepatite. Portanto, todo cuidado é pouco na hora de comprar
e preparar este tipo de alimento. Em geral os barcos pesqueiros que abastecem os mercados de peixes e 4) Definição da tarefa: As razões que geram a necessidade de os consumidores compararem ou
supermercados capturam esses moluscos e crustáceos em mar aberto, distante da costa, onde a poluição consumirem um produto ou serviço.
ainda não chegou. Então, a dica é não apanhá-los à beira-mar ou perto do cais, pois aí a poluição é maior”.
5) Estados antecedentes: Os estados psicológicos e de espírito temporários que um consumidor
traz para uma atividade de consumo.

“A preferência nacional, de norte a sul, é pelo camarão. Mas também há pratos apreciados à base de mexilhões, Fonte: Mower & Minor.
vôngoles, mariscos, lula, polvo, lagosta, caranguejos, siris, ostras, vieiras entre outras variedades” (Salgado 2009, p.198).

RESULTADOS E DISCUSSÕES
PERFIL DO CONSUMIDOR
O questionário foi elaborado com as questões voltadas para identificar o perfil do consumidor de pescados e frutos
O comércio de pescados no Litoral do Paraná em geral é a fonte provedora de muitas famílias, em geral represen- do mar no Litoral do Paraná, visando
tam a muitos sua principal fonte de renda.
os consumidores e potenciais consumidores que moram no local estudado ou em outras cidades. O estudo analisou fatores
Nesse comércio a presença do consumidor é variada, e suas aquisições são realizadas no município que atende ao relevantes para se identificar o comportamento desse consumidor. Abaixo o resultado da pesquisa:
seu perfil comportamental. Segundo Engel et al. (2000), o comportamento do consumidor deve ser estudado para enten-
O estudo verificou uma paridade quanto aos gêneros que consomem o pescado e frutos do mar (Figura 01).
der as atividades diretamente envolvidas em obter, consumir e dispor de produtos, sendo interessante incluir processos
decisórios antes e após as ações. Figura 01: Questão 01

Para se identificar o consumidor é preciso saber quais são as situações que compreendem seu comportamento.
“As situações do consumidor consistem nos fatores temporários do ambiente que formam o contexto dentro do qual
ocorre a atividade do consumidor.” (RAMOS, 2000)

Assim, a situação do consumidor é composta por fatores que:

• Envolvem o tempo e o lugar nos quais ocorre a atividade do consumidor;

• Explicam o motivo pelo qual a ação ocorre;

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Com relação à faixa etária, a procura maior é pelos consumidores entre 18 a 30 anos (47%), seguido pelo público Dentre os consumidores pesquisados, houve uma predominância em quem reside no município de Paranaguá
de 31 a 45 anos (33%). (65%).

(Figura 02) (Figura 04)

A procura maior, analisando do aspecto renda familiar, destaca-se entre R$ 2.012,67 a R$ 3.479,36 (27%), segui- Quanto ao consumo dos pescados e frutos do mar, 1% das pessoas entrevistadas não consome o produto, enquan-
do R$ 3.479,36 a R$ 6.563,73 (23%) e R$ 1.194,53 a R$ 2.012,67 (20%). to 99% consomem.
(Figura 03) (Figura 05)

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Já na frequência do consumo há uma paridade, 33% semanalmente, seguido 28% quinzenalmente e 26% mensal- Foi perguntado quanto à facilidade de encontrar o pescado e/ou frutos do mar preferido, 94% encontram com
mente. facilidade e 6% não, justificando a sazonalidade como um fator preponderante.

(Figura 06) (Figura 08)

Ao analisar a pesquisa o peixe (55%) encontra-se com a maior preferência pelos consumidores, seguido do cama-
A maioria do público pesquisado opta por consumir o produto de sua preferência em casa (69%) e 31% em res-
rão (32%), caranguejo (6%), ostra (5%) e outros (2%).
taurantes.
(Figura 07)
(Figura 09)

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A feira (mercado de peixe) é o local mais procurado para a aquisição do pescado e frutos do mar (69%). O item que se destacou como o principal motivo que leva ao consumo é o prazer/gosto (67%).

(Figura 10) (Figura 12)

A modalidade de preparo que predominou foi frito (59%), seguido de assado (17%), cozido (15%) e outros (6%).
Em relação ao preço, podemos analisar que é um dos fatores que determina na aquisição do pescado e/ou frutos
(Figura 11) do mar, 45% alegou que influencia pouco, 37% alegou que não influencia e 18% alegou que influencia muito.

(Figura 13)

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CONCLUSÃO ENGEL, J. et al. Comportamento do consumidor. 8.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000.

Com base nos resultados das análises realizadas a partir dos dados coletados na pesquisa de campo com o objetivo FAGUNDES, Luiz Alberto. Guia de Alimentação Natural. Alimentos que nos ajudam a viver melhor. Porto Alegre:
de identificar o perfil do consumidor de pescado e/ou frutos do mar no Litoral do Paraná, conclui-se que: Editora AGE Ltda,2003.

1. Não há uma diferença significativa entre os gêneros feminino e masculino; GARCEZ, D.S. & SÁNCHES-BOTERO, J.I. Comunidades de pescadores artesanais no estado do Rio Grande do Sul,
Brasil. Rio Grande: Atlântica, 2005.
2. O consumo é significativo entre a faixa etária que compreende aos 18 a 30 anos;
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3.ed.- São Paulo: Atlas, 1991.
3. Há um consumo similar nas famílias com a renda de R$ 2.012,67 a R$ 3.479,36 (27%) e R$ 3.479,36 a R$
6.563,73 (23%); LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico. 3. ed. São Paulo: Atlas,
1991.
4. O município de Paranaguá destaca-se na pesquisa, sendo o local onde esses consumidores residem;
MARQUES, J. G. W. 2001. Pescando Pescadores: Ciência e Etnociência em uma Perspectiva Ecológica. São Paulo:
5. A preferência pelo pescado e/ou frutos do mar é predominante em todo o público pesquisado;
NUPAUB-USP.
6. Há uma paridade quanto à periodicidade do consumo, praticamente o pescado e/ou frutos do mar está sempre
MONTEBELLO, Nancy de Pilla; ARAÚJO, Wilma Maria Coelho. Carne e Cia, Série Alimentos e bebidas, Distrito
presente nas refeições;
Federal: Editora Senac , 2005.
7. O consumidor de carne de pescado no Litoral do Paraná tem o peixe com opção de carne mais saborosa, demons-
MOWEN, J.C. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Prentice Hall, 2003 p. 3.
trando preferência por mais 55% dos entrevistados, seguido o camarão com 32%;
RAMOS, Simone. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Prentice Hall, 2003.
8. Foi significativo o resultado quanto à facilidade ao encontrar o produto de preferência na região 94%;
MATSUI, NATALINO - RELATÓRIO TÉCNICO SOBRE O CENSO ESTRUTURAL DA PESCA ARTESANAL
9. A residência própria é o local de maior preferência ao consumo;
MARÍTIMA E ESTUARINA NOS ESTADOS DO ESPÍRITO SANTO, RIO DE JANEIRO, PARANÁ, SANTA CATA-
10. A feira (mercado de peixe) é o local mais procurado para a aquisição do pescado e/frutos do mar; RINA E RIO GRANDE DO SUL. Convênio SEAP/IBAMA/PROZEE Nº 110/2004 -(Processo nº00350. 000748/2004-
74)
11. A modalidade de preparo que se destaca é o pescado e/ou frutos do mar frito;
SALGADO, Jocelem Mastrodi. Dieta alimentar para manter a saúde e evitar doenças. São Paulo: Ediouro, 2009.
12. Mais da metade dos entrevistados alegou que consomem por gosto/prazer; e
SILVA, T. E.; TAKAHASHI, L. T.; VERAS, F. A. V.. 1990. As Várzeas Ameaçadas: Um Estudo Preliminar das Relações
13. O preço foi o fator que mostrou um ponto determinante na aquisição do pescado e/ou frutos do mar com 63%
entre as Comunidades Humanas e os Recursos Naturais da Várzea da Marituba no Rio São Francisco. Programa de Pes-
(somatório 45% pouco e 18% influencia muito).
quisas e Conservação de Áreas Úmidas no Brasil. Universidade de São Paulo.
14. Outro ponto importante e avaliado na pesquisa, na questão aberta realizada na pesquisa, foi que apesar de haver
VENTURI, James Luiz. Gerenciamento de bares e restaurantes. Porto Alegre: Bockman,2010.
um número expressivo de entrevistados que residem em Paranaguá, o município que atende melhor os desejos do
consumidor quanto a qualidade no modo do preparo e preço é Morretes, Antonina e Guaratuba. VERGARA, Syllvia Constant, Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. São Paulo: Editora Atlas, 1997.

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PRODUÇÃO DE BANANA NO LITORAL DO PARANÁ - REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO 1. Introdução
RURAL NA REGIÃO OU IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO O litoral do Paraná abrange sete municípios (Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Morretes, Matinhos, Pontal
do Paraná e Paranaguá). Com cerca de 80% de sua área formada por unidades de conservação (ESTADES, 2003), é
Luiz Everson da Silva1; Bruno Martins Gurgatz2; Dyego Ferreira Santiago2; Maria Carolina Nico Pinheiro da Veiga3; considerada estratégica em função da urgência de ações de conservação dos ecossistemas únicos que ali se encontram e
Rodrigo Arantes Reis1 e Adriana Lucinda de Oliveira4 da importância de seus recursos hídricos.
A importância ambiental desta região se dá de diversas maneiras. O litoral paranaense está situado na área da
Reserva da Biosfera, tombada pela UNESCO devido a sua área florestada e importância ecológica. Também abriga um
RESUMO grande mosaico de unidades de conservação, que busca criar um ambiente propício para a manutenção da riqueza genética
das espécies ali presentes. Diversos estratos florestais, assim como regiões com influência de marés e restingas são alguns
Neste ensaio discutimos o processo de compreensão do modelo de desenvolvimento do litoral paranaense, buscando,
de forma crítica, encontrar as controvérsias causadas pelo panorama econômico atual a partir do papel da universidade. exemplos dos grandes ambientes encontrados.
Elencamos um panorama das pesquisas realizadas perpassando a situação do risco ambiental para as comunidades da Este bioma requer especial atenção. Devido a sua alta taxa de endemismo e perda de área florestada, foi
região, exaltando a necessidade da preservação ambiental neste processo, na tentativa de buscar o acesso da comunidade classificado em quarto lugar na lista de hotspots de biodiversidade prioritários para conservação global (MYERS et al.,
ao conhecimento desenvolvido. Destacamos o papel da universidade para compreender as dinâmicas da agricultura no
2000). Este refúgio de biodiversidade também representa um grande laboratório, sendo uma das regiões que propiciam
litoral paranaense, com enfoque no cultivo de banana, e suas fragilidades no uso de agroquímicos, assim, fomentando
e subsidiando práticas sustentáveis e agroecológicas que visem à produção de alimentos de forma segura, com menos o desenvolvimento de conhecimento científico sobre a natureza com alta qualidade. A estrutura proporcionada pelas
impacto possível a saúde e ao meio ambiente torna-se neste momento uma ação urgente e necessária. unidades de conservação também auxilia neste processo.
Apesar de tudo, sabe-se que tal fenômeno conservacionista se deu principalmente devido ao desenvolvimento
Palavras-chave: desenvolvimento rural, produção de banana, sustentabilidade.
tardio da região, unida ao fato da formação geológica da Serra do Mar não proporcionar o terreno ideal para agricultura
extensiva. Atualmente, restam somente 8,5% de área original do bioma floresta atlântica no Brasil (FUNDAÇÃO SOS
ABSTRACT MATA ATLÂNTICA, 2012), e 12,5% da área original no estado do Paraná.
Ao mesmo tempo em que apresenta um grande nível de preservação, abrange os municípios que apresentam alguns
In this essay we discussed the process of understanding the development of the Paraná coast model , searching, critically, dos mais alarmantes indicadores de desenvolvimento do estado do Paraná. Especial atenção deve ser dada aos baixos
find the controversy caused by the current economic outlook from the university paper. We list an overview of research
conducted traversing the situation of environmental risk for the communities of the region, extolling the need for índices de desenvolvimento humano, alfabetização e saúde (IPARDES, 2012).
environmental preservation in this process in an attempt to seek the community ‘s access to developed knowledge. Se por um lado os ecossistemas presentes não se revelaram propícios à expansão do urbanismo capitalista ou dos
We highlight the role of the university to understand the dynamics of agriculture in Paraná coast , focusing on banana sistemas agroindustriais (o que garantiu a existência ainda de grandes áreas pouco atingidas pela exploração humana),
cultivation , and weaknesses in the use of agrochemicals, thus promoting and subsidizing sustainable and agroecological
por outro, representam o risco da “terra de ninguém”, pois a demografia rarefeita coloca a região sob constante ameaça de
practices aimed at producing food safely with least possible impact on health and the environment becomes at this point
an urgent and necessary action. degradação pelo surgimento de empresas de exploração primária, como pedreiras e mineradoras, pelo sediar de instituições
proscritas pelo citadino da capital (favelas, colônia penal, depósitos de lixo urbano, entre outras). Assim, configura-se um
Keywords: rural development, banana production , sustainability espaço certamente merecedor de ações de pesquisa que busquem compreender melhor as dinâmicas de uso do espaço
numa perspectiva de desenvolvimento territorial sustentável.

2. O Litoral do Paraná no Contexto do Desenvolvimento


Os municípios do litoral paranaense podem ser divididos em 3 grupos utilizando o elemento econômico mais
marcante de cada um: Os praiano-turísticos (Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba), Portuários (Antonina e Paranaguá),
e rurais (Antonina, Morretes e Guaraqueçaba), sendo estes dois últimos grupos, influenciados diretamente pela dinâmica
econômica do agronegócio Estades (2003).
O modelo de desenvolvimento em que o litoral paranaense está submetido é centralizado na cidade de Paranaguá e
1 Docente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável - PPGDTS/UFPR. em seus empreendimentos portuários. As exportações brasileiras se dão principalmente a partir do primeiro setor: produção
2 Graduando em Gestão Ambiental - UFPR.
3 Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável - PPGDTS/UFPR. através da exploração de recursos da natureza, caracterizando produtos de baixo valor agregado e grande degradação
4 Docente do Curso de Serviço Social - UFPR

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ambiental. Desta forma, a região foco do trabalho faz parte de um longo processo de produção e exportação, ficando com Estudos recentes relacionam a incidência de Alzheimer com a exposição ao inseticida Diclorodifeniltricloroetano
uma parte ínfima do lucro, e com boa parte dos passivos gerados. - DDT (RICHARDSON, 2014). O composto aumenta a probabilidade de ocorrência da doença em pessoas com
Na busca pela compreensão da dinâmica de ocupação e desenvolvimento, a Universidade Federal do Paraná - predisposição genética ao Alzheimer.
Setor Litoral tem se ocupado na produção do conhecimento dentro do contexto regional do litoral paranaense, região Um estudo transversal realizado na cidade de Nova Friburgo constatou que 64,7% da amostra apresentavam
que abriga parte do maior remanescente da Floresta Atlântica brasileira (KAUANO, 2012), bioma classificado em quarto distúrbios da cognição, 72,5% apresentaram efeitos muscarínicos, houve doze relatos de intoxicação aguda nos últimos
lugar na lista de hotspots de biodiversidade prioritários para conservação global (MYERS et al., 2000). Também concentra dois anos, sendo que 30% deles resultaram em hospitalizações por insuficiência respiratória e coma (ARAÚJO, 2007).
diversas comunidades tradicionais, além de índices de desenvolvimento humano alarmantes. Desta forma, as pesquisas Quanto a contaminação ambiental, um dos estudos relevantes mostra a contaminação da água de chuva em
realizadas visam discutir a realidade do risco ambiental para as comunidades da região, exaltando a necessidade da uma cidade da Alemanha, onde 11 pesticidas foram encontrados em mais de 10 amostras (HUESKES, 1997). Outro
preservação ambiental neste processo, sempre buscando o acesso da comunidade ao conhecimento desenvolvido. estudo, mais recente, identificou 16 pesticidas e mercúrio na cera de ouvido de uma baleia-azul em uma única amostra
Desta forma, as pesquisas realizadas visam discutir a realidade do risco ambiental para as comunidades da (TRUMBLE, 2013).
região, exaltando a necessidade da preservação ambiental neste processo, sempre buscando o acesso da comunidade ao O município de Guaratuba produziu cerca de 102.480 toneladas de banana em 2013, sendo o maior produtor de
conhecimento desenvolvido. tal cultura do litoral paranaense (IPARDES, 2013). A Figura 1 compara os municípios do litoral paranaense em relação
Neste sentido, o foco principal da presente ensaio está no processo de compreensão do modelo de desenvolvimento a produção de banana em 2013. É visível a liderança do município de Guaratuba, seguido por Antonina na produção de
do litoral paranaense, buscando, de forma crítica, encontrar as controvérsias causadas pelo panorama econômico atual a bananas na região.
partir do papel da universidade na interlocução com o desenvolvimento rural em um olhar sobre a produção de banana
no litoral.

3. Produção Rural no Litoral Paranaense: Saúde e Risco Ambiental


O litoral do Paraná conta com 3 municípios rurais (DENARDIN, 2012), que são Antonina, Morretes e
Guaraqueçaba. Tal atividade também é proeminente em Guaratuba, que é considerado turístico, porém, concentra grandes
áreas de bananais. Apesar de o litoral ser popularmente reconhecido devido à suas atrações turísticas, a agricultura é
de fundamental importância para a economia da região. Os dados censitários do IBGE e IPARDES apontam os três
municípios acima citados com 1.563 estabelecimentos agropecuários, dos 2.297 espalhados pelo litoral. As atividades
se diversificam em: aquicultura, horticultura, lavoura permanente, lavoura temporária, pecuária, pesca, entre outros. A
população economicamente ativa (PEA) no meio rural totaliza 10.744 pessoas, sendo que 6.550 estão concentradas em
Morretes, Antonina e Guaraqueçaba. Conforme o Censo de 2010, a população do litoral paranaense soma um total de
265.386 habitantes, distribuídos em 240.129 para a zona urbana e 25.257 para a zona rural, destes 16.558 habitantes
vivem nos três municípios (Morretes, Antonina e Guaraqueçaba).
A produção rural do litoral paranaense se dá a partir das culturas de banana, arroz e mandioca, com produção no
ano de 2012 de 137, 10 e 16 toneladas respectivamente (IPARDES, 2012). Também exalta-se a importância do palmito
pupunha para a região (EMBRAPA, 2007). Outras culturas, como gengibre estão presentes em menor quantidade.
A utilização de agroquímicos em tais culturas representa potencial risco para a conservação da floresta atlântica,
havendo diversos casos de proximidade entre unidades de conservação e produções na região.
Figura 1:Municípios do litoral paranaense por produção de banana em toneladas. Fonte: Os autores. Dados de IPARDES, IBGE.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva através do Dossiê “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na
Praticamente toda a extensão do município de Guaratuba está dentro da APA estadual de Guaratuba, desta forma,
saúde” (CARNEIRO, 2012) lista os mais diversos problemas de saúde causados pela exposição ou ingestão de agrotóxicos.
contrastando a preservação ambiental, com a produção deste alimento. Situação similar ocorre com o Parque Nacional
Dentre os sintomas de intoxicação aguda por agrotóxicos de diversos tipos, os mais críticos são convulsões, dificuldade
Saint-Hillaire/Lange, de proteção integral, que conta com diversas comunidades produtoras de arroz em seu entorno.
respiratória e sangramento nazal. Quanto aos efeitos da exposição crônica, é possível citar alterações cromossomiais,
A questão dos agroquímicos para bananicultura pode colocar em risco a produção de ostras nativas. A ostra
efeitos neurotóxicos, arritmias cardíacas, asma, cânceres, doença de parkinson e desregulação endócrina.
produzida na região de Cabaraquara, no município de Guaratuba, é reconhecida internacionalmente como uma das mais

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saborosas, principalmente pela qualidade da água, proveniente da conservação do seu entorno (CULTIMAR, 2012). necessidades e às especificidades daquela ocupação geográfica, por meio do acesso ao conhecimento e a tecnologia
Exalta-se aqui a importância do risco ambiental imposto às unidades de conservação da região, principalmente voltada ao desenvolvimento (BOTOMÉ, 2003).
na APA de Guaratuba, que abriga diversos contextos sociais, culturais, econômicos e naturais em seu interior, contando Rolim e Serra (2010), ao discutirem o impacto das instituições de ensino superior nas regiões em que estão
com 200 mil ha e abrangendo parte dos Municípios de Guaratuba (65,61% da APA), São José dos Pinhais (11,25%), inseridas, diferenciam as Universidades que estão na região das Universidades que são da região. As primeiras estão
Tijucas do Sul (9,24%), Morretes (6,43%), Paranaguá (5,69%) e Matinhos (1,78%). A extensão da Floresta Ombrófila mais preocupadas com as questões do conhecimento universal, com temas de interesse nacional, formando alunos para
Densa é bastante expressiva, destacando-se a Formação Sub-Montana (64.756 ha), seguida pela Formação Montana o mercado nacional. Já as universidades que são da região, além de tratar das questões universais e nacionais, também
(41.070 ha) e Alto Montana (1.309 ha). Outras formações também estão presentes em menores extensões. Porém, tal estão
nível de conservação e saúde ambiental das comunidades ali presentes é constantemente ameaçado devido a diversos preocupadas com as questões específicas das suas regiões, pesquisam os temas das atividades econômicas das regiões,
empreendimentos, em grande parte rurais ou de infraestrutura que se instalaram neste espaço. também formam alunos capacitados para os mercados de trabalho das suas regiões e são parceiras dos demais atores
Devido ao pacote tecnológico implementado desde a década de 50, através da revolução verde, as técnicas de regionais.
plantio e manejo de culturas vem sendo pautadas na utilização de insumos químicos como pesticidas e fertilizantes Já para pensar o desenvolvimento nos ancoramos na concepção de Todaro, que o conceitua como:
(Octaviano, 2010), visando eliminar pragas resultantes dos desequilíbrios ecológicos causados, e reutilizar solos
processo que compreende uma eficiente alocação de recursos e um crescimento sustentável do produto
empobrecidos.
agregado no longo no longo prazo, promovido pelo emprego de mecanismos econômicos, sociais e
Porém, tal prática induz diversas problemáticas relativas ao risco ambiental. Os efeitos da exposição a pesticidas
institucionais, com vistas ao incremento rápido e em larga escala dos níveis de vida, sobretudo das massas
na saúde humana são diversos, e podem ser dividos entre crônicos (cânceres, alterações cromossômicas) e agudas
mais pobres...(TODARO,1997, p.18).
(convulsões, dores de cabeça). Além disso, pode trazer danos ao aspecto socioambiental da região, conhecida por ser
um hotspot de biodiversidade. O autor citado ao abordar a necessidade de uma eficiente alocação de recursos, aponta para a premente busca
Compreender as dinâmicas da agricultura no litoral paranaense e suas fragilidades no uso de agroquímicos, de alternativas de produção, face a escassez e finitude dos recursos naturais; que nos reporta também a um crescimento
assim, fomentando e subsidiando práticas sustentáveis e agroecológicas que visem à produção de alimentos de forma sustentável, ou seja equilibrado sem grandes picos ou depressões. Indica ainda os mecanismos que fomentam esse
segura, com menos impacto possível a saúde e ao meio ambiente torna-se neste momento uma ação urgente e necessária. processo; podemos analisar o econômico a partir da ação do mercado e do Estado5, o social considerando a preocupação
com as condições materiais dos trabalhadores e o institucional visando formas/ instrumentos de privilegiar quem não tem
4. Considerações Finais condições de sobreviver, buscando assim o incremento rápido nos níveis de vida ( os impostos podem ser um fonte para
Para avaliar o modelo de desenvolvimento imposto ao litoral paranaense, foram estabelecidas pelo Grupo de isso).
Pesquisa em Desenvolvimento Territorial Sustentável da UFPR - Setor Litoral duas frentes de trabalho: através de
O conceito demonstra um caminho para tornar menos desiguais as condições de vida; e demanda a construção do
dados diretos (contaminação por agrotóxicos em diversas matrizes nos municípios rurais) e por meio de indicadores
desenvolvimento a partir de bases sustentáveis. Isso só é viável a partir da apropriação e valorização das potencialidades
(a qualidade do ar de Paranaguá, município sede do maior porto graneleiro do país). Neste ensaio nos debruçamos
endógenas, da identificação dos diferentes atores sociais e do conhecimento das limitações regionais; por isso a necessidade
em relatar o primeiro.
de adentrarmos ao estudo da sustentabilidade do Desenvolvimento da região litorânea do Paraná.
Refletimos agora sobre o papel da universidade nesta realidade, neste território. Pensar em uma universidade
voltada para a região implica, portanto, pensá-la desde a sua concepção, ou seja, concepção e missão andam juntas, Assim, nosso foco de pesquisa tem sido identificar e quantificar a presença de pesticidas em diversas matrizes no
são inseparáveis. Olhar a universidade na perspectiva do desenvolvimento regional sustentável significa materializá-la litoral paranaense. Compreender as fontes de contaminação, áreas de dispersão e efeitos na saúde, de forma a subsidiar
enquanto instituição social e não como uma mera organização voltada ao mercado (CHAUÍ, 1999). mudanças na forma de produção e compreender o risco ambiental envolvido, assim como possíveis infrações a legislação.
Há que se considerar que o processo de conhecimento e a produção de tecnologia e inovação também são Além disso, identificar os principais pesticidas utilizados nas culturas da região, quantificar a presença dos contaminantes
construções sociais, complexas e permeadas por diferentes interesses e mediações. Ou seja, não são autônomos, nem encontrados, confrontar os resultados frente à legislação vigente, avaliar os possíveis efeitos na saúde da população rural
neutros, mas constituem-se na interação ação-reflexão-ação de práticas, saberes e conhecimentos. São, portanto, trabalho e nos consumidores dos produtos e por fim propor meios de monitorar a emissão dos poluentes em diferentes períodos
e relações sociais objetivadas. Esses processos requerem opção política, institucional e pessoal dos sujeitos envolvidos. (safras) e ações mitigatórias, assim como alternativas de produção.
Além disso, a Universidade historicamente constituiu-se como espaço elitizado, meritocrático, comprometido Espera-se relacionar os resultados com dados de saúde do trabalhador e intoxicações da região. A região conta
com as demandas do mercado e dos detentores do capital. com culturas de banana, arroz, mandioca (IPARDES, 2012) e palmito pupunha (EMBRAPA, 2007). Outras culturas como
Por isso, a Universidade, ao orientar-se para uma região, deve projetar estratégias e ações direcionadas às 5 Em tempos de globalização, embasada numa política neoliberal, o mercado é o principal agente negociador, cabendo ao Estado
apenas a tarefa de garantir a estabilidade ( controle da inflação e do desemprego).

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o gengibre também estão presentes em menor quantidade. Tais produções são potenciais consumidores de pesticidas Ambiente. v. 8, p. 25-41, 2003.
de diversos tipos. Assim, também são potenciais fontes de contaminação por agroquímicos. Os efeitos da exposição FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA. Atlas dos remanescentes florestais da mata atlântica : PERÍODO 2011-
a pesticidas em humanos são diversos, e podem ser divididos entre crônicos (cânceres, alterações cromossômicas) e 2012. 2012. Disponível em: <http://www.sosma.org.br >. Acesso em: 27 fev. 2015.
agudas (convulsões, dores de cabeça). Além disso, podem trazer danos à flora e fauna, influenciando o aspecto natural HUÈSKES, R., LEVSEN, Karsten. Pesticides in rain. Chemosphere, v.35, n.12, p.3013-3024, 1997.
da região, conhecida por ser um hotspot de biodiversidade . IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. PERFIL AVANÇADO DOS
Por fim, nesse cenário de desafios e alternativas para a sustentabilidade social (necessidades humanas) e MUNICÍPIOS - GUARATUBA. 2013. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.
sustentabilidade ambiental (limites do meio ambiente) do Desenvolvimento, resta-nos afirmar que é imprescindível php?codlocal=11&btOk=ok>. Acesso em: 17 março de 2015
investirmos no conhecimento da realidade em seus diversos aspectos, considerando as contradições, interesses, IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. PERFIL DA MICRORREGIÃO
correlações de forças, jogos de poder que compõem essa territorialidade e seus diferentes atores sociais. GEOGRÁFICA DE PARANAGUÁ. 2012. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.
Somos sujeitos nesse processo também, sendo assim, fiquemos atentos a nossa prática diária e aos movimentos php?codlocal=638&btOk=ok>. Acesso em: 17 março de 2015.
em defesa da sustentabilidade, no que se refere ao uso da energia, da água, dos materiais não renováveis, dos renováveis, KAUANO, Érico Emed; TOREZAN, José Marcelo Domingues; CARDOSO, Fernanda Cristina Gil and MARQUES,
da poluição do nosso ar, da proteção e conservação das belezas naturais. Márcia Cristina Mendes. Landscape structure in the northern coast of Paraná state, a hotspot for the brazilian Atlantic
Todos estariam em melhor condição se cada um considerasse os efeitos de seus atos sobre os demais. Mas ninguém Forest conservation. Rev. Árvore [online]. v.36, n.5, p. 961-970, 2012.
está disposto a crer que os outros agirão desse modo, e assim todos continuam a buscar seus próprios interesses. Nesse MYERS, Norman; MITTERMEIER, Russell. A.; MITTERMEIER, Cristina.G.; FONSECA, Gustavo.A.B.; KENT,
sentido, a proposta de desenvolvimento com sustentabilidade requer, consciência, corresponsabilidade, cooperação, Jennifer. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, v.403, p.853-845, 2000.
solidariedade e principalmente compromisso com as gerações futuras. TODARO, Michel Paul. Economic Development. 6ed. London & New York: Longman, 1997.
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GRUPO DE TRABALHO VI
Agroecologia e Produção Orgânica

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A AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: 1 Introdução GT - 06
OS SABERES LOCAIS COMO PROMOTORES DE DESENVOLVIMENTO E DE
NOVAS RELAÇÕES DE GÊNERO Historicamente, a agricultura familiar representa uma fonte de renda para milhares de agricultores/as que, no trato
da terra, buscam o sustento para a família. O debate sobre este sistema produtivo no âmbito acadêmico e político legitimou-
Adilson Tadeu Basquerote Silva1; Giully de Oliveira2 se a partir da década de 1960. De lá para cá as pequenas propriedades vem passando por significativas mudanças de
natureza demográfica, econômica, social e cultural. Percebe-se entre outros aspectos, um envelhecimento da população
RESUMO rural, desinteresse das populações envolvidas em permanecer no campo e em especial os mais jovens, além de uma
atuação cada vez maior das mulheres em todas as etapas da produção, comercialização e gestão do excedente.
Neste trabalho analisa-se, nas trajetórias das famílias agricultoras da Associação de Produtores Agroecológicos Semente O processo de modernização da agricultura brasileira objetivou transformar a agricultura de insumos tradicionais
do Futuro (APASF) do município de Atalanta (SC), como a agroecologia proporcionou geração de renda e ampliou em agricultura de insumos modernos. Esse processo, em geral, não considerou a organização a capacidade e os limites
a relações sociais, promoveu equidade de gênero e preservação do patrimônio cultural e desenvolvimento territorial
dos ecossistemas locais, a forma de organização e os conhecimentos tradicionais das populações envolvidas.
sustentável por meio das atividades desenvolvidas. Para isto, realizou-se pesquisa qualitativa com base na coleta de
dados por meio de observação participante e entrevistas não estruturadas realizadas com homens e mulheres, membros No que concerne as características da agricultura familiar, Wanderley (2001, p. 25), afiança que é “aquela em que
da Associação. Os dados indicam a agroecologia no âmbito da APASF é uma fonte segura de renda e que por meio desta, a família, ao mesmo tempo que é proprietária dos meios de produção (produzindo para seu consumo e para o mercado),
novas relações sociais e de gênero e de produção foram estabelecidas. Além disto, ela possibilitou a preservação do assume o trabalho no estabelecimento produtivo”. Segundo ela, a conjugação dessas duas características, ou seja, o fato
patrimônio cultural e desenvolvimento territorial sustentável aos envolvidos, ao permitir o resgate e o uso de técnicas de
de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho, tem consequência fundamental na forma como ela age
cultivo e de transformação de produtos praticadas por seus antepassados.
econômica e socialmente. Estudos de Abramovay (1998) e Lamarche (1993) entre outros, também relacionam família,
Palavras-chave: Agroecologia. Desenvolvimento Territorial Sustentável. Gênero. Renda. trabalho e produção como atributos da agricultura familiar.
Por suas características históricas, o território catarinense abrange inúmeros agricultores/as familiares. Desde o
processo de colonização, a base da produção agrícola catarinense foi pautada na pequena propriedade familiar e mesmo
THE AGROECOLOGY AND SUSTAINABLE TERRITORIAL DEVELOPMENT: THE LOCAL
KNOWLEDGE AS PROMOTERS OF DEVELOPMENT AND NEW GENDERS RELATIONS com o intenso processo de migração do campo para a cidade, o Estado permaneceu com a população dedicada a agricultura
vivendo próxima a pequenas cidades numa relação rural-urbano, como destacado por Wanderley (2011) e Veiga (2004).
ABSTRACT Segundo o Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006,
das 193.668 propriedades agrícolas do estado, 168 mil foram classificadas como estabelecimentos de caráter familiar,
In this work analyze, in the trajectories of families farmers Association of Producers Agroecologycal Seed of the Future
(APASF) the municipality of Atalanta (SC), as the agroecology provided income generation and expanded the social somando 87% do total. Deste modo, o Estado aparece como destaque no percentual total de agricultores/as familiares
relations, promoted equality of gender and cultural heritage preservation and sustainable territorial development through em detrimento a outros Estados. Ressalta-se que estes 87% de estabelecimentos detém apenas 44% da área do estado e
activities. For this, there was qualitative research based on the collection of data through participant observation and non- produz o equivalente a 67% do valor bruto de produção dos estabelecimentos agropecuários do Estado. No que tange a
structured interviews carried out with men and women, members of the Association. The data indicate the agroecology estrutura fundiária, predominam estabelecimentos de pequenas dimensões, em que: (i) 65% das propriedades possuem
within the APASF is a secure source of income, and that through this, new social relations and gender and production
were established. he data indicate the agroecology within the APASF is a secure source of income, and that through this, áreas inferiores a 20 hectares; e (i) 69,3 mil estabelecimentos possuem menos de 10 hectares, o que corresponde a 36%
new social relations and gender and production were established. In addition, it allowed for the preservation of cultural do total.
heritage and sustainable territorial development to those involved, to allow the redemption and the use of techniques of Contudo, entre os/as agricultores/as familiares é crescente a parcela de famílias que buscam alternativas produtivas
cultivation and processing of products practiced by their ancestors. no meio rural diferentes do sistema convencional e que visam um desenvolvimento territorial sustentável. Na literatura
sobre agroecologia os/as agricultores/as convencionais são aqueles/as:
Key-words: Agroecology, Sustainable Territorial Development, Gender, Income.
que aderiram ao modelo produtivista estimulados pelas políticas de modernização da agricultura
iniciadas nos anos 1960, conhecida como Revolução Verde. Algumas características dos agricultores
convencionais são o uso de insumos industriais, as monoculturas, uniformização genética e, geralmente,
a subordinação a uma empresa que comercializa seus produtos. (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p.
65).

Entre os sistemas produtivos na agricultura familiar vem se destacando a agroecologia, que para Caporal,
1 Udesc. abasquerote@yahoo.com.br
2 Udesc. giully.de.oliveira@gmail.com
Costabeber (2004), é uma junção da ecologia com a agronomia, que leva em consideração a necessidade de conservação

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da biodiversidade ecológica e cultural. Corroborando, Gliessmann (2001) defende que ela busca desenvolver uma familiar (p. 7)
agricultura ambientalmente adequada, que valoriza o conhecimento local dos agricultores/as, a socialização desses
Neste contexto que este estudo objetiva analisar nas trajetórias das famílias agricultoras da Associação de Produtores
conhecimentos e sua aplicabilidade como objetivo comum à sustentabilidade. Deste modo, agroecologia incorpora ideias
Agroecológicos Semente do Futuro do município de Atalanta (SC), como a agroecologia proporcionou a geração de renda
que vão além das fronteiras convencionais, e
e ampliou a relações sociais, promoveu equidade de gênero e preservação do patrimônio cultural e desenvolvimento
[...] constitui uma estrutura teórica destinada a compreender os processos agrícolas de maneira ampla.
Os sistemas produtivos são concebidos como uma unidade fundamental de estudo, onde os ciclos territorial sustentável por meio das atividades desenvolvidas.
minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações socioeconômicas são
investigadas e analisadas como um todo [...] a pesquisa agroecológica preocupa-se não em maximizar a
2. O itinerário metodológico – percorrendo os caminhos da APASF.
produção de uma atividade em particular, mas sim otimização do agroecossistema como um todo. Essa
tendência troca a ênfase de uma pesquisa agropecuária direcionada a disciplinas e atividades específicas A Associação de Produtores Agroecológicos Semente do Futuro (APASF) localiza-se a aproximadamente 200
para tratar de interações complexas entre pessoas, culturas, solos e animais (ALTIERI, 1989, p.18). km de Florianópolis, em Atalanta, SC. De colonização europeia (alemã e italiana), o município essencialmente agrícola
e estruturação fundiária, caracteriza-se pela presença de agricultores/as familiares com propriedades de 10 e 50 hectares
Nesse sentido, a agricultura de base agroecológica é apontada como uma estratégia de desenvolvimento rural
(KRAEMMER, 2000).
sustentável, com vistas a diversificação e a dinamização do setor agrícola bem como uma forma de proporcionar maior
O extrativismo de madeira representou o primeiro ciclo econômico do município e paralelamente a agricultura de
agregação de valor e geração de excedente aos/as pequenos/as produtores/as familiares. Nesse contexto, torna-se essencial
subsistência contribuía para a exploração do solo. O fim da matéria prima para as madeireiras coincidiu com a chegada
a efetiva participação de todos os membros da família no processo produtivo, visto a intensidade uso de mão de obra, o
da Revolução Verde3 que trouxe a mecanização e os insumos químicos para agricultura. No início dos anos de 1990, as
que abre espaço para a efetiva participação da mulher na produção, comercialização e gestão do excedente.
primeiras propriedades iniciam a experiência de cultivo agroecológico.
A perspectiva de análise de gênero em espaços rurais apontam a subordinação e sub-valorização do trabalho
Neste contexto foi fundada no ano de 1996 a APASF, localizada nas comunidades de Alto Dona Luíza e Santo
feminino em virtude deste ser considerado uma ajuda ao trabalho que pertence ao homem. Assim sendo, posiciona-se a
Antônio no município de Atalanta, estado de Santa Catarina (SC). Inicialmente os produtores viviam em constantes
mulher a condição de membro da família não remunerado e com atuação invisibilizada. (PACHECO, 2002; PAULILO,
incertezas, visto a dificuldade de transição do sistema convencional para o agroecológico. Não havia um sistema
1987; WOORTMANN; WOORTMANN, 1997). Em contexto semelhante, Melo e Di Sabbato (2005) afirmam que o
articulado de comercialização específico para o setor, bem como técnicas específicas que norteassem as atividades diárias
trabalho feminino na agricultura familiar é visto como uma extensão do seu papel de mãe, esposa, dona de casa e
e resolvessem os problemas decorrentes (BASQUEROTE SILVA 2013).
provedora das necessidades da família. São de sua responsabilidade o quintal, a horta, os serviços domésticos, ou seja,
Em seu estudo, Basquerote Silva (2013) descreve que a Associação se tornou referência na produção de base
atividades de reprodução. De forma inversa, para o homem cabe a posição de provedor do estabelecimento.
agroecológica no Alto Vale do Itajaí, SC e para outros/as produtores/as e associações, por apresentar, manter e desenvolver
Quanto à coordenação do trabalho nos estabelecimentos rurais, Moura (1978), Heredia (1979) e, Woortmann
técnicas de cultivos peculiares, integrarem-se a um sistema de comercialização competitivo, possuir uma organização
e Woortmann (1997), explicitam que cabe ao homem, ao assumir o papel de chefe do processo produtivo. Cabe a
interna estruturalmente organizada com marcante presença feminina, contar com uma produção diversificada e permanente,
ele, transmitir no próprio trabalho, as dimensões simbólicas e educativas da agricultura familiar. Nesta perspectiva,
ser referência regional e municipal na produção e difusão do sistema agroecológico. Ademais, A Associação possui
Woortmann (1995, p. 11), afiança que “a transmissão do saber é mais do que transmissão de técnicas: ela envolve valores
participação feminina marcante nos cargos de direção.
e construção de papéis”. Segundo a autora, o homem “é detentor de um saber que o autoriza a governar o processo de
A trajetória da Associação se constitui em fracassos e sucesso. Famílias entrando no sistema, outras saindo.
trabalho, isto é, a dirigir o trabalho e a família. Esse saber é transmitido à força do trabalho, aos filhos que, ao trabalhar,
Atualmente ela é composta por 15 membros sendo oito mulheres e sete homens, distribuídos em sete famílias. Destas, em
estão se constituindo também como “conhecedores plenos” (p. 13).
quatro delas, os filhos migraram ou moram em casa, mas exercem atividades no setor secundário ou terciário, enquanto
As discussões a cerca das relações sociais construídas no meio rural por meio da divisão social do trabalho,
os pais permanecem sozinhos na atividade agroecológica. Em uma propriedade atuam a mãe viúva e o filho solteiro, em
aprofundadas por Paulilo (1987) ao descrever a organização interna das atividades agrícolas em comunidades do Estado
outra, a mãe e a nora e em numa última, o casal e dois filhos homens. Os dados evidenciaram que na totalidade, as filhas
de Santa Catarina e da Paraíba, constatou que independente do caráter e esforço despendido, se feito por mulheres,
mulheres migraram da agricultura. Na Associação, realiza-se reunião ordinária sempre na primeira segunda feira do mês
geralmente é considerado “trabalho leve” e possui menor valor de remuneração. Para ela:
de forma itinerante nas propriedades.
[...] “trabalho leve” não significa trabalho agradável, desnecessário ou pouco exigente em termos de
tempo ou de esforço. Pode ser estafante, moroso, ou mesmo nocivo à saúde – mas é “leve” se pode ser Nesse espaço empírico desenvolveu-se um estudo de caso (YIN, 2001), de natureza qualitativa (BOGDAN;
realizado por mulheres e crianças. Fica a pergunta: porque se paga menos pela realização dessas tarefas? BIKLEN, 1994; ALVES-MAZOTTI, 1998), por apresentar tentativa de compreensão detalhada dos significados e
A resposta não deve ser procurada em realidades especificadas das regiões estudadas ou do próprio meio
3 “[...] vasto movimento de ampliação de alguns elementos da segunda revolução agrícola (seleção, fertilização mineral, tratamentos,
rural como um todo. Essa situação ocorre da valorização social do homem enquanto “chefe de família”, cultura uniforme de populações geneticamente homogêneas, mecanização parcial, controle estrito do uso de recursos hídricos) aplicados, sobretudo
responsável pela reprodução de seus “dependentes”. Assim, o trabalho desses últimos fica em plano a três culturas importantes (arroz, milho e soja) largamente cultivadas em países em desenvolvimento” (MAZOYER; ROUDART, 1997, p. 454-
secundário, cabendo, nestes casos, uma remuneração que apenas “ajuda” a composição do orçamento 455).

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características de situações apresentadas pelo investigador, os quais são os principais coletores dos dados. Consiste em revelaram mudança na própria concepção que as mulheres tinham de si e de suas limitações e da atual valorização dos
um estudo de caráter etnográfico (LAPLANTINE, 1993) cujo pressuposto é identificar os atributos de gênero diante da seus conhecimentos. A saber
questão da transição agroecológica, dos rearranjos familiares e da manutenção das relações produtivas no campo, junto Minha vida mudou muito depois que mudamos para agroecologia. Eu nunca imaginei que pudesse me tornar mais
à APASF em Atalanta (SC). independente. Eu fui criada para ser a esposa. Como a gente morava no interior e não podia estudar mais que a
quarta série, aprendi que deveria ser uma boa dona de casa e ajudar o marido na roça. Hoje eu vejo de uma forma
Os dados coletados no mês de dezembro de 2014 foram obtidos recorrendo-se a observação participante e diferente. Não me considero ajudante dele. Nós dois somos os responsáveis sobre tudo o que acontece na propriedade,
entrevistas semiestruturadas4 com 10 membros (homens e mulheres) atuantes desta Associação. Os registros da observação inclusive sobre o dinheiro, sobre o que comprar ou vender. Onde gastar. Percebo que minha em minha casa as coisas
participante visaram descrever e compreender o que estava ocorrendo em determinadas situações nas propriedades visitadas mudaram bastante e meu marido também percebeu isto. Em outras casas vejo que ainda existe uma certa resistência
dos maridos neste sentido. Mas uma coisa é certa: agora o que a gente faz é valorizado. Minhas geleias estão famosas.
e reuniões da APASF. Posteriormente a obtenção dos dados, os mesmos foram analisados utilizando os procedimentos da Sigo a receita da minha Omã e na horta plantamos com os antigos fazia, sem venenos, sem poluir, aprocveitando o que
Análise Textual Discursiva (ATD) de Moraes e Galiazzi (2011), entendida como uma metodologia de análise de dados de a natureza nos oferece. (Gorete, 54 anos. Entrevista cedida em 07 dez. 2014).
informação de natureza qualitativa que objetiva produzir novas compreensões sobre fenômenos e discursos.
A mudança no modo de se relacionar com a sua realidade, não foi percebida apenas por elas. Os maridos também
perceberam o empoderamento5 gradativo que suas esposas foram adquirindo ao longo do tempo. Os relatos evidenciam
3. Mulheres, desenvolvimento territorial sustetável, relações produtivas e familiares na ASPAF
que eles também consideram positiva esta mudança. José afirmou:
Falta de perspectiva, desestímulo em continuar a cultivar a terra. Este era o contexto na década de 1990, em que
Minha mulher não é mais a mesma. Ela hoje conversa com todo mundo, entende mais as coisas. Nós temos uma
algumas famílias no pequeno município de Atalanta- SC cansadas de sucessivas safras inexitosas, problemas de saúde
relação de igual pra igual. Ela está mais disposta. Eu percebo que com a agroecologia ela se sente mais importante
relacionados ao uso de defensivos sintéticos, resolveram experienciar um modelo alternativo de produção agrícola, por que as pessoas fazem com que ela se sinta assim. No dia de feira, se ela não vai, os clientes já ficam perguntando
a agroecologia. A fala de Maria trouxe à baila o contexto da agroecologia na propriedade e os motivos que fizeram a o que aconteceu. Quando vem as pessoas visitar a nossa propriedade, ela até se arruma um pouco e vai recebendo o
pessoal. Quando recebe um elogio sobre as suas geleias, ela fica toda boba. Gosto de ver ela assim, satisfeita com o
família optar por este segmento. Segundo ela, a proposta foi recebida com precaução. Afinal, trabalharam a vida toda da que faz. Nem doente ela fica mais. Até eu mudei o jeito de tratar ela (José 47 anos. Entrevista cedida em 12 dez. 2014).
mesma forma, e a mudança gerou insegurança:
Meu marido estava com problemas de saúde devido aos venenos. Nós não víamos mais perspectiva de lucro. Mas Os depoimentos evidenciaram também a percepção que as mulheres têm seu trabalho na agroecologia. Para elas
também não queria sair pra cidade, conhecemos todo mundo aqui, temos nossas coisas, nossa casa que com suor do a mudança na forma de cultivar, por meio de métodos tradicionais, também alterou a forma como seu trabalho passou a
trabalho conseguimos adquirir. Mas as safras não davam lucro e a gente estava desanimado. Foi então que surgiu a
proposta de produzir na agroecologia e eu disse que essa era nossa chance de mudar de vida, de virar a página. Mas ser reconhecido dentro e fora das propriedades. Ao serem indagadas sobre quem gosta mais da agroecologia, elas ou seus
a gente não sabia como ia ser. Eu sabia que se fosse pra produzir coisas como a minha Omã (como são chamadas as esposos, as respostas foram unânimes: São elas. Dentre os motivos destacados está a visibilidade que o trabalho ganha.
avós nas regiões de colonização alemã) fazia eu tinha certeza que a gente ia se dar bem (Maria, 53anos. Entrevista Neste sentido, Verônica afirma:
concedida em 21 dez. 2014).
Eu sempre gostei mais da agroecologia do que o Pedro. Eu era a responsável pela horta e fazia as geleias aqui para
nossa casa. Agora parece que me trabalho aparece mais, tem importância. Antes eu não me achava importante por
Neste contexto, a criação da Associação teve fundamental importância a participação feminina. Elas propuseram
que parece que eu ajudava o Pedro, agora não. Como sou eu quem faço as geleias, ele é que me ajuda, por que parte
aos seus maridos a adesão ao novo sistema e os convenceram de que esta poderia ser a saída para não terem que da nossa renda vem delas e ele teve que aprender a respeitar isso. Agora às vezes aprece que está invertido, ele é que
abandonar a agricultura e manter as relações produtivas no campo, além de preservar o patrimônio cultural por meio me ajuda. Sei que esta mudança incomoda o Pedro. Eu até entendo, por que ele foi criado de outro jeito. Mas ele sabe
que nossa vida mudou pra melhor. Que agora temos renda de maneira mais tranquila e maior parte vem das geleias
da manutenção das técnicas de cultivo e de transformação dos produtos adquiridos de gerações anteriores. No entanto, que eu fazia desde que eu era solteira. Ele sabe que a gente só tá na roça por que eu insisti pra nós experimentar a
não poderiam trabalhar individualmente. Foi necessário que se quebrassem velhos paradigmas da agricultura como a agroecologia e por que eu já conhecia umas técnicas que nós usamos agora. (Verônica, 62 anos. Entrevista cedida em
ampliação da visibilidade (PAULILO, 1987; WOORTTMAN, 1995; CARNEIRO, 2001) do trabalho feminino. João 18 dez. 2014).
destacou a importância que as mulheres tiveram para que a associação se concretizasse e para que pudessem adotar o
Corroborando com a fala de Madalena, Tereza expõe o que mudou na sua auto percepção em relação a sua vida
sistema agroecológico, manter e resgatar técnicas de produção sustentáveis utilizadas por seus antepassados .
após adotar a agroecologia e fazer parte da APASF.
Eu não acreditei que ia dar certo a gente mudar pra agroecologia. Aceitei por que não via outra forma de nós se
manter na roça produzindo e por que a Maria insistiu muito. Nós aprendemos que o moderno era passar veneno, usar Antes de fazer parte da Associação, minha vida era o serviço da roça e o de casa e às vezes passear na casa dos
máquinas e que produto bom tinha que ser comprado. Agora fazemos as coisas do jeito dos antigos e isso é que tem parentes, ir na missa. Dependia da vontade do marido para ir pra qualquer lugar. Agora não. Eu aprendi a dirigir,
valor e parece moderno. (João, 60 anos. Entrevista cedida em 14 dez 2014). quando quero ir à algum lugar combino com ele e vou. Temos conta em conjunto, vou no banco, converso com outras
pessoas, faço cursos que me interessam. Se eu vejo algo que eu gosto pra mim, pra casa eu compro. Agora parece que
a produção é nossa. Antes parecia que era dele. Parece engraçado, por que o que faço agora é o que eu via meu pai
Ainda na perspectiva da atuação feminina na APASF e do resgate de técnicas dos sustentáveis, os depoimentos
5 Conforme observa Assis (2004), o termo empoderamento (empowerment) é utilizado por feministas e estudiosas da questão de gênero
4 O nomes e as utilizados na transcrição das entrevistas são fictícios e as idades abrangentes como forma de manter o anonimato dos
para referir-se mais ao processo de maior participação das mulheres na esfera pública principalmente política: partidos, sindicatos, associações.
entrevistados. Respeitou-se ao máximo a originalidade das falas dos/as entrevistados/as.

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e meus irmãos fazerem. Não posso reclamar do meu marido, mas as ciosas estão muito melhores agora. (Tereza, 70 Constatou-se, que as experiências vividas pelas mulheres na APASF evidenciam que para que as mulheres possam
anos. Entrevista cedida em 20 dez. 2014). resignificar o espaço doméstico, precisam desconstruir primeiro as imagens construídas de si e que foram impostas pelo
conjunto da sociedade e por elas assimiladas e reproduzidas e, então, buscar a uma maior autonomização das formas de
Cabe aqui destacar que a inserção das mulheres rurais no campo político (sindicatos, associações, movimentos
sujeição pelo contrato sexual, pela cultura etc. Romper no dia-a-dia e libertar-se desse modelo hegemônico de feminilidade,
sociais, partidos políticos) tem possibilitado um aprendizado coletivo (SPANEVELLO, 2008). Em contexto semelhante,
onde a mulher deve ser doce e passiva e muitas vezes assexuada, é um grande desafio, pois é uma luta contra essas
Basquerote Silva (2013) destaca que o contexto da APASF é um exemplo, que circular no espaço público, em viagens, a
identidades naturalizadas consideradas fixas, acabadas e impostas, apresentadas ao longo da história como naturais.
participação em feiras, entre outros, transitar para além dos limites da propriedade são processos importantes para maior
No entanto, a inserção em atividades que envolvem eventos externos, ministrar palestras, cursos entre outros, não
igualdade de gênero no campo, à medida que permite à elas descortinar a esfera pública e vivenciar diferentes realidades.
se apresenta como uma realidade à todas as mulheres que compõem a APASF. Algumas delas são mais inibidas ou não se
Neste sentido, não é apenas a agroecologia o fator catalisador das mudanças para as mulheres do campo em Atalanta, ou
consideram hábeis para tal.
em outras regiões. Deste modo, embora predominem assimetrias nas relações entre mulheres e homens no campo, têm
ocorrido processos de mudança.
4. Considerações finais
Dentre os fatores condicionantes de alterações nas relações de gênero na APASF são as feiras, onde elas sempre
O presente estudo objetivou analisar objetiva analisar nas trajetórias das famílias agricultoras da Associação de
fora atuantes. Para elas participar da agroecologia proporcionou um espaço para mostrar à sociedade o que elas eram
Produtores Agroecológicos Semente do Futuro do município de Atalanta (SC), como a agroecologia proporcionou a
capazes de produzir e a forma como produzem. As conversas explicitaram que elas têm consciência da visibilidade e
geração de renda e ampliou a relações sociais, promoveu equidade de gênero e preservação do patrimônio cultural e
da contribuição que seu trabalho tem dentro e fora de suas propriedades, quando relatam situações que acontecem nos
desenvolvimento territorial sustentável por meio das atividades desenvolvidas. Nele foi possível identificar a participação
pontos de venda (feiras):
das mulheres agricultoras familiares de base agroecológica na formação, existência e permanência da APASF e na
A feira foi uma grande mudança na minha vida. Antes eu só trabalhava na roça e vinha pra casa, cuidava dos bichos,
tirava o leite conversava com alguém diferente quando ia à missa ou ia pra cidade. Minha rotina era essa. Hoje não. manutenção do patrimônio cultural e desenvolvimento territorial destas famílias. Além disso, perceber a posição que as
Eu saio de casa, converso com outras pessoas, sei dos assuntos, vejo como os outros se comportam, se vestem, tenho mulheres tiveram em toda a trajetória da associação, bem como as mudanças decorrentes deste processo para os homens
amigos que nunca imaginei ter. Me sinto gente. Gosto do que eu faço e vejo que as pessoas valorizam isso. No começo
e para elas.
foi estranho porque eu achava que as coisas que eu fazia não eram boas. As receitas que uso aprendi com minha mãe,
que aprendeu com a minha oma e assim por diante. Por causa da feira, até fiz uma conta no facebook e tenho email. Percebeu-se que para estes/as agricultores/as familiares, a agroecologia tem se mostrado uma alternativa viável e
Meus clientes me mandam mensagens, fazem encomendas e isso até facilita meu trabalho porque posso levar separado promissora, pois tem possibilitado agregação de valor à produção, geração de excedente, desenvolvimento sustentável,
o que eles querem e desse modo não preciso pesar na hora da venda, por exemplo.( Maria, 50 anos. Entrevista cedida
em 14 dez. 2014) . maior autonomia produtiva e qualidade de vida dos envolvidos. A formação da associação foi um esforço coletivo de
homens e mulheres na busca da permanência no campo e de manutenção dos saberes adquiridos das gerações passadas.
O cenário descrito anteriormente avaliza as constatações de Basquerote Silva (2013), Lovato et al. (2010), Schaaf Evidenciou-se que a adoção do sistema agroecológico de produção resultou em mudança na forma como as
(2001), entre outros, quando afirmam que a organização e participação das mulheres rurais tem se ampliado, à medida próprias mulheres concebiam sua vida e a partir daí, redefiniram sua posição e sua importância na sociedade por meio do
que passam a ser atuantes, não apenas nos sindicatos e nos movimentos sociais, mas também associações e grupos de empoderamento gerado a partir da emancipação e da visibilidade que seu trabalho proporciona, por abrir espaços para
produção que desenvolvem experiências produtivas alternativas em nível das propriedades, como: na agroecologia; que elas atuem como sujeitos. Suas conquistas elevaram sua autoestima, diminuíram o preconceito e proporcionaram uma
na criação de centros de formação, para prestação de assessoria técnica e organizativa; na formação de espaços de nova forma de organizar as propriedades e de gerir suas vidas.
comercialização como feiras, cooperativas, associações, entre outros, gera empoderamento A análise também revelou haver relações de gênero mais equilibradas a partir da adoção da agroecologia e a
A participação na APASF representou mudança na própria concepção que as mulheres tinham de si e de suas criação da APASF. Neste cenário, as mulheres que antes exerciam atividades em quase todas as esferas produtivas da
limitações e oportunizou vivenciar outras experiências. Tereza afirma: propriedade, mas eram responsáveis apenas por aquelas de caráter reprodutivo deixaram de atuar apenas como ajudantes
Eu antes parecia um bicho do mato, não sabia conversar, tinha medo do que as pessoas falavam ou achavam de mim. do trabalho de seus esposos. Elas tornaram-se protagonistas e sujeitos do processo produtivo e participam das decisões
Não falava em público. Aos poucos fui mudando. Até que um dia a associação foi escolhida entre muitas outras para a serem tomadas nas propriedades e na Associação. Assim sendo, seu trabalho saiu da invisibilidade e se revelou com
representar a agroecologia em um seminário onde tinham pessoas do Brasil inteiro. Ninguém queria ir e eu disse
pra Maria, se tu ir comigo eu vou. Era só gente de empresa, engravatado e a maioria homens e nós umas pobres uma importante fonte de renda para a família. Além disso, constatou-se mudanças na forma como os homens passaram
coitadas, de unha manchada de terra, de mãos grossas de lidar com as ferramentas. Eu até já tinha ido em palestra, a perceber as suas companheiras, considerando-as não mais como ajudantes na produção, mas como responsáveis do
mas geralmente eram os homens que falavam. Quando chegou a nossa vez de falar, parece que o meu coração ia sair processo assim como eles.
pela boca. E nós subimos no palco e falamos o que tinha que falar do nosso jeito. Quando terminamos, a plateia nos
aplaudiu de pé. Desse dia em diante eu pensei: eu posso, eu sou importante, eu tenho valor e o que eu faço também. Há que se destacar que para estas mulheres, fazer parte da APASF representou muito mais do que uma fonte renda,
(Tereza, 70 anos. Entrevista cedida em 20 dez. 2014). denotou participar de um mundo antes apenas idealizado ou vivido por seus esposos, pais irmãos. Permitiu avançar para
além da esfera privada e participar de atividades que vão ultrapassam o trabalho doméstico ou da lavoura, da realidade
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vivida cotidianamente, das relações unicamente familiares; oportunizou descortinar a esfera pública por meio da vivência LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
com realidades distintas das suas, na participação em congressos, dias de campo, cursos, palestras, feiras, seminários, LAMARCHE, Hugges et al. Tradução: Angela Maria Naoko Tijiwa. A Agricultura Familiar: comparação internacional.
viagens, entre outros. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.
Ademais, evidenciou-se que, por iniciativa feminina, estas famílias mantiveram relações produtivas no campo. LOVATTO, Patricia et al. Gênero, sustentabilidade e desenvolvimento: uma análise sobre o papel da mulher na agricultura
Comprovou-se que em virtude dos problemas enfrentados no sistema convencional de cultivo, havia o desejo de familiar de base ecológica. Revista Redes, Santa Cruz do Sul, n. 2, v. 15, p. 191-212, 2010.
abandonar o meio rural e a tendência de não considerar o campo como um lugar de oportunidades. No entanto, a adoção MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence. Histoire des agricultures du monde. Du éolithique à la crise
da agroecologia possibilitou à estas famílias e, em especial para as mulheres, além da permanência nas atividades contemporaine. Paris, Seuil, 1997.
agrícolas de forma sustentável, mantendo vivos os saberes de seus antepassados, a ampliação das relações sociais, em MELO, Hildete Pereira de; DI SABBATO, Alberto. Mulheres rurais: invisíveis e mal remuneradas. In: BRASIL MDA.
virtude do contato com realidades políticas, intelectuais e sociais distintas das vivenciadas até então. Gênero, agricultura familiar e reforma agrária no Mercosul. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006.
p. 47-87.
Certamente, muitos são os desafios a serem rompidos por estas mulheres. Mas é inegável a sua ascensão como
protagonistas de uma nova forma de fazer, organizar e viver a agricultura familiar e que elas promoveram rearranjos MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva. 2.ed. Ijuí: Unijuí, 2011.
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social. Por fim, as ações desenvolvidas na APASF demonstram importantes avanços construídos na busca da promoção
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A IMPORTÂNCIA DAS INOVAÇÕES SOCIOTÉCNICAS PARA O FORTALECIMENTO DA AGRICULTU- be seen in the case study on the Ecovida Network Agroecology (Core coast of Santa Catarina). More than a style of agri-
RA FAMILIAR DE BASE ECOLÓGICA – O CASO DA REDE ECOVIDA culture, agro-ecology proposes the transition to a sustainable base of agriculture, which currently involves transforming
the technical basis of agricultural production. In this context, the concept of agro-ecological transition becomes paramount
and can be understood as a gradual and multilinear process of change that incorporates ecologically based technologies.

Suzana Maria Pozzer da Silveira1


Keywords: agroecology family agriculture, socio-technical innovations, Ecovida Agroecology Network, sustainable ter-
ritorial development.
RESUMO

No Brasil, a partir da década de 1990, a agricultura familiar passou a ter mais destaque e reconhecimento, tendo recebido
apoio de várias políticas públicas, tais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF.
Posteriormente, com a crescente demanda por alimentos limpos, livres de insumos químicos, a agricultura familiar de Introdução
base ecológica passa a ter uma significativa ampliação. Outra novidade refere-se ao fato de que as organizações, enti-
dades, movimentos sociais, representativas desse segmento, passaram a ser mais proativas e propositivas. Dessa forma, Da década de 1990 em diante a agricultura familiar passou a ter maior reconhecimento, tendo várias políticas
participam mais ativamente na construção e implementação das políticas públicas, não se restringindo à crítica, reivindi- públicas sido direcionadas a esse segmento do meio rural brasileiro. Entre as principais estão o Programa Nacional de
cações e protestos. Assim como, introduzem inovações na forma de organização e gestão dessas atividades. Trata-se das
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o Programa Territórios da Cidadania e o Programa Desenvolvimento
inovações sociotécnicas, as quais compreendem uma tecnologia organizativa e grupal em termos de saber tecer alianças
e auto-organizar-se. A sua viabilização implica transformações lentas, de médio e longo prazo, por meio de mudanças Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT) e, recentemente, foi lançado o Plano Nacional de Agroecologia e Produção
cumulativas. No entanto, pode-se colocar que os desafios na consolidação e difusão dessas inovações são, de certo modo, Orgânica (PLANAPO).
proporcionais à crescente demanda por produtos limpos e saudáveis. Isso porque, em função de uma série de fatores,
correm o risco de perderem o seu ideário e/ou a sua identidade de projeto, limitando-se a meros nichos de mercado, tal A organização e demanda da sociedade civil foi fundamental para alavancar essas iniciativas, tendo destaque os mo-
como pode ser verificado no estudo de caso sobre a Rede Ecovida de Agroecologia (Núcleo Litoral Catarinense). Mais vimentos sociais, ONG’s, fóruns, redes e entidades diversas. Essas organizações não tem se limitado à crítica ao sistema
que um estilo de agricultura, a agroecologia propõe a transição para uma agricultura de base sustentável, o que, atual- e/ou falta de oportunidades, de direitos, mas são mais proativas e propositivas. Procuram colocar em prática inovações em
mente, implica transformar a base técnica de produção agrícola. Nesse contexto, o conceito de transição agroecológica
passa a ser primordial, podendo ser compreendido como um processo gradual e multilinear de mudança, que incorpora diversos âmbitos, seja na produção, na criação de novas formas de gestão e organização social, mais participativas, hori-
tecnologias de base ecológica. zontalizadas e dinâmicas. Um exemplo emblemático são as redes de agricultores familiares e agroecológicos, tais como
a Rede Ecovida de Agroecologia e as experiências no âmbito da Economia Solidária. Instrumentalizando a formação de
novas sociabilidades, em geral, pautadas pela lógica da reciprocidade, essas inovações viabilizam processos de inclusão
Palavras-chave: Agricultura familiar agroecológica, Inovações sociotécnicas, Rede Ecovida de Agroecologia, desenvol- social e de construção de cidadania ambiental. No entanto, permanecem ainda embrionárias e fragmentadas. A partir desse
vimento territorial sustentável. cenário buscou-se, sobretudo, entender melhor as condições de viabilidade da Rede Ecovida de Agroecologia no contexto
específico da zona costeira catarinense. Essa região foi selecionada, pois apresenta potencial significativo para o fortale-
cimento dessas inovações. Entre outros aspectos positivos, podem ser citados a proximidade entre rural e urbano, entre
ABSTRACT
instituições públicas, empresariais e organizações da sociedade civil; o elevado poder aquisitivo da população; a abertura
In Brazil, from the 1990s, family farming now has more prominence and recognition and received support from various ao espaço marítimo e a demanda crescente por produtos orgânicos. Em função dessas características e da sua localização
public policies, such as the National Program for Strengthening Family Farming - PRONAF. Later, with the growing
geográfica estratégica, as inovações sociotécnicas presentes no local têm enorme potencial, sendo uma referência o turis-
demand for clean food, free from chemical inputs, family farming ecological base is replaced by a significant expansion.
Another novelty refers to the fact that organizations, entities, social movements, representing this segment have become mo rural, o qual vem despertando o interesse dos jovens em investir e permanecer nessa atividade. No entanto, em relação
more proactive and purposeful. Thus participate more actively in the construction and implementation of public policies, às experiências de agroecologia em rede, o que se verifica é uma significativa dificuldade na sua difusão e consolidação.
not limited to criticism, claims and protests. As well as introduce innovations in organization and management of these
activities. These are the socio-technical innovations, which include an organizational and group technology in terms of Face ao exposto, tendo por locus o Núcleo Litoral Catarinense da Rede Ecovida de Agroecologia, foram investiga-
knowing weave alliances and self-organize themselves. Its feasibility involves slow changes, medium and long term, dos dois grupos, a saber: o Grupo de Paulo Lopes (GPL) 2 e o Grupo de Joinville Piraí-Cubatão (GPC) 3. Além de situarem-
through cumulative changes. However, you can put the challenges in the consolidation and dissemination of these inno-
se em regiões diferentes na zona costeira, estando o primeiro localizado no litoral centro-sul e o segundo no litoral norte,
vations are, in a way commensurate with the growing demand for clean and healthy products. This is because, depending
on a number of factors, risk losing their ideology and / or your project identity, limited to mere niche markets, such as can 2 GPL – Sigla que denomina o Grupo da Rede Ecovida de Paulo Lopes, denominado Grupo Paulo Lopes (GPL).
1 Instituto Federal Catarinense (IFC – Câmpus Santa Rosa do Sul) E-mail: suzana@ifc-sombrio.edu.br 3 GPC – Sigla que denomina o Grupo da Rede Ecovida de Joinville, denominado Grupo Piraí Cubatão (GPC).

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apresentam especificidades emblemáticas. O grupo de Joinville (GPC) tem apoio do poder público municipal, através da 1930 como sendo a “ecologia aplicada à agricultura”. Desde os anos 1960/1970 com o surgimento da problemática
Fundação 25 de Julho, o que facilita as parcerias com outras atividades que vem sendo desenvolvidas no município, tais ambiental, a agroecologia passou a ter maior visibilidade. Além de não fazer uso de insumos químicos, compreende
como o turismo rural, as agroindústrias artesanais e a fitoterapia. No município de Paulo Lopes a situação é um pouco di- uma ciência, um movimento e uma prática que visa uma nova modalidade de desenvolvimento rural, mais sustentável e
ferente, pois o grupo (GPL) não tem apoio do poder público, sendo que boa parte dos seus integrantes vem tendo dificul- equitativa (MADAIL et al, 2011; CAPORAL, 2009).
dade em se consolidar, embora seja um dos grupos mais antigos da zona costeira catarinense. Posto isto, a pesquisa teve
Mais que um estilo de agricultura, a agroecologia propõe a transição para uma agricultura de base sustentável, o
por objetivo geral compreender como a Rede Ecovida vem se constituindo, em termos de integração dos agricultores,
que, atualmente, implica transformar a base técnica de produção agrícola (CAPORAL, 2004). Nesse contexto, o concei-
procurando explicar a fragilidade ou inexistência de conexões entre os seus nós, assim como em relação a outros atores e
to de transição agroecológica passa a ser primordial, sendo compreendido como um processo gradual e multilinear de
dinâmicas territoriais vigentes na região. O enfoque analítico foi baseado no conceito de rede social e na metodologia de
mudança, que incorpora tecnologias de base ecológica. Envolve outra racionalização econômica, produtiva, assim como
análise de redes sociais (ARS) aplicada à avaliação prospectiva de estratégias de desenvolvimento territorial sustentável
novas atitudes e valores dos atores sociais, devendo cada agroecossistema ser considerado em suas especificidades, de
(DTS).
modo a fortalecer o desenvolvimento endógeno e a cultura local.
Considerando os aspectos referidos, afora a introdução e as considerações finais, na primeira parte do trabalho será
conferida ênfase ao desenvolvimento da agricultura familiar, sua maior visibilidade e reconhecimento, com destaque
para agricultura de base agroecológica. A segunda seção discorre sobre as inovações sociotécnicas, tendo por referência 2. As inovações sociotécnicas voltadas para a viabilização da agricultura de base ecológica
o estudo de caso sobre a Rede Ecovida de Agroecologia – Núcleo Litoral Catarinense, em que são destacadas as po-
Em geral, as inovações, no campo social, têm surgido devido às condições adversas de falta de trabalho e de
tencialidades e desafios na construção e fortalecimento dos laços sociais, em termos de ativos territoriais. Na terceira e
alternativas. Além de constituírem uma alternativa de inserção social, na sua grande maioria, visam à construção de
última parte é enfatizado a importância dessas inovações para o desenvolvimento territorial sustentável, o que implica
novas modalidades de desenvolvimento. Ou seja, não se limitam a um perfil assistencialista, mas constituem embriões
considerar a análise dos “territórios construídos” e das “coalisões territoriais”.
de novas formas de organização, de gestão e de trabalho.

Grande parte das inovações sociotécnicas no campo social estão relacionadas às “técnicas brandas”, pois referem-
1. A importância da agricultura familiar, de base ecológica, para o desenvolvimento territorial sustentável se a uma tecnologia organizativa e grupal, em termos de saber tecer alianças e auto-organizar-se (HERRERA; UGAR-
TE, 2008). Um exemplo emblemático são as redes de agricultores agroecológicos e de economia solidária. Embora
Como é sabido, no Brasil, historicamente a agricultura familiar foi relegada a um segundo plano, tendo as mono-
tenham especificidades, de modo geral, visam à construção de sociabilidades mais solidárias e sustentáveis, através da
culturas maior respaldo do poder público, seja na época do ciclo da cana de açúcar, do algodão, do café e, mais recen-
implementação de novas formas de produção e gestão.
temente, da soja. A pequena produção, em geral, foi vista como ineficiente, inexpressiva, para o desenvolvimento rural
do país. Mas, na década de 1990 inicia um processo de mudança, tendo sido formuladas políticas públicas, em âmbito No entanto, deve-se considerar que um dos principais empecilhos para a difusão e consolidação dessas inovações
nacional, voltadas para esse segmento. Uma referência é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar refere-se à dificuldade na manutenção dos seus ideários de solidariedade, de respeito ao meio ambiente e de construção
(PRONAF), o qual vem sendo anualmente ampliado, seja em volume de recursos, seja em termos de linhas de crédito de novas sociabilidades num cenário pouco propício. Isso porque, frente à lógica do individualismo, do consumismo
(PRONAF Infraestrutura, PRONAF Assistência Técnica, PRONAF Jovem etc) (GUANZIROLI; BASCO, 2010). Outras e da competitividade, essas inovações acabam encontrando muitos obstáculos no fortalecimento e ampliação das suas
políticas públicas têm conferido direta e indiretamente suporte e fortalecimento ao PRONAF, tais como o Programa de conexões internas e externas. Além disso, segundo Ricci (2010, p.04), grande parte das organizações da sociedade civil
Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF), o Programa Terri- não “pensa o território como base de organização, mas o tema. O território articula muitos temas e pessoas. É ali que
tórios da Cidadania e o Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT). nasce a noção de público”. Para Almeida (2003) essas inovações precisam se consolidar enquanto um movimento social,
não se limitando a uma mera ação contestadora e/ou restrita a identidades específicas.
Não obstante, embora as políticas públicas tenham sido fortalecidas, ainda há muito a ser feito para alcançar o
desenvolvimento territorial e/ou rural sustentável. Isso porque, o modelo da modernização agrícola ou revolução verde,
baseado nas monoculturas, na mecanização, e na utilização de insumos químicos, embora venha recebendo muitas críti-
2.2 Um caso empírico: Rede Ecovida de Agroecologia - Núcleo Litoral Catarinense
cas, ainda continua hegemônico. Contudo, devido principalmente à demanda dos consumidores por alimentos limpos e
sustentáveis, a agricultura de base ecológica tem se ampliado, sendo uma referência a agroecologia. Embora o lançamento oficial tenha sido no dia 28 de abril de 1999, na Assembleia Legislativa do Estado de Santa
Catarina, a Rede Ecovida de Agroecologia surge no Sul do Brasil, sendo resultado de processos históricos, em especial
O conceito de agroecologia deriva da ecologia e da agronomia, tendo sido proposto pelos ecologistas nos anos
de organizações da sociedade civil que lutavam por uma alternativa ao modelo da modernização agrícola ou revolu-
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ção verde. Além da dimensão ecológica, a Rede Ecovida trabalha as dimensões sociopolítica, cultural e econômica. A estratégica para o desenvolvimento territorial sustentável, essas experiências tendem a se restringir a pequenos grupos que
consideração dessas dimensões implica uma nova compreensão da natureza, a construção de uma nova sociabilidade, a se agregam à Rede em busca de um selo a baixo custo, em geral, visando nichos de mercado. Dessa forma, a limitação dos
consideração do saber popular e o acúmulo de experiências. Esses aspectos constituem a identidade de projeto da Rede encontros, as poucas conexões, a desconsideração da dimensão sociopolítica nesses processos contribui para certa apatia
Ecovida, a qual confere à agroecologia uma dimensão estratégica (ECOVIDA, 2007). Atualmente, a Rede Ecovida e desinteresse dos agricultores em se envolver mais na Rede.
abrange os três Estados da Região Sul (RS/SC/PR) e parte da região sul de São Paulo. Está composta por 23 núcleos e
Mesmo com pouca visibilidade nos seus municípios, os sociogramas das redes egocêntricas4 evidenciaram um perfil
dois pré-núcleos, tendo uma média de três mil famílias filiadas (ECOVIDA, 2012).
fortemente endógeno dos grupos, os quais têm poucos laços exógenos, afora um ou outro agricultor que possui uma va-
Mesmo tendo coordenações estaduais e uma coordenação geral, é nos grupos e núcleos onde são tomadas as prin- riedade mais ampla de conexões. As parcerias com atores territoriais que apresentam perfil similar ao da Rede Ecovida,
cipais decisões e encaminhamentos coletivos da Rede Ecovida. Ou seja, a rede opera de modo descentralizado, tendo tais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Fórum da Agenda 21 e o Fórum de Economia
por elo de referência o núcleo regional. Em relação ao Núcleo Litoral Catarinense, a pesquisa priorizou para análise os Solidária, são frágeis ou inexistentes. Os vínculos com essas organizações poderiam contribuir para o fortalecimento des-
grupos de Paulo Lopes (GPL) e de Joinville (Piraí-Cubatão) (GPC), em função de o primeiro ser o mais antigo do Nú- sas inovações sociotécnicas, principalmente no que se refere à troca de informações, à ajuda mútua, o fortalecimento das
cleo, e o segundo por ter forte apoio das instituições públicas locais, em especial da Fundação Municipal 25 de Julho. A coalisões territoriais e o engajamento da juventude nessas atividades. Como pode ser verificado na referida pesquisa, a
pesquisa analisou os grupos no período compreendido entre 2002 e 2012, a fim de abarcar o início dessas atividades, o depender do interesse dos filhos dos agricultores, a Rede Ecovida tende a desvanecer, pois a grande maioria não pretende
desenvolvimento e a situação atual. De modo geral, pode-se destacar que ambos os grupos tiveram uma primeira fase de dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelos pais.
estruturação, uma segunda de desestruturação e uma terceira de reestruturação.
No caso da zona costeira catarinense essa situação é ainda mais complexa, pois há muitos atrativos devido à pro-
Na primeira fase havia maior atuação dos mediadores e incentivadores dos grupos, existindo mais encontros pre- ximidade ao meio urbano e as oportunidades de trabalho assalariado, principalmente, no verão em que o turismo sazonal
senciais, visitas a outros grupos, troca de informações, etc. Com o passar do tempo, essas atividades foram diminuindo. é muito forte. Em função disso, muitos agricultores veem pouca potencialidade para essas inovações na região, mesmo
Nos comentários dos agricultores pode-se perceber a dificuldade da organização e atuação em rede. Essa fragilidade tendo mercado consumidor. No entanto, mais que uma inovação, a Rede Ecovida de Agroecologia é fundamental para
dificulta a ampliação dessas experiências, pois as conexões entre os nós propiciam além da troca de elementos, o forta- manter a sustentabilidade dessa região, em termos de propiciar maior equilíbrio face à urbanização desordenada, à de-
lecimento recíproco e, em consequência, a multiplicação dessas unidades (MANCE, 1999). Um exemplo emblemático e sestruturação das comunidades tradicionais e, em consequência, da identidade cultural desse território. Em função disso,
uma evidência dos poucos laços existentes na rede é o caso do agricultor 7PC, o qual destacou a importância de existir urge o fortalecimento de dinâmicas voltadas para o desenvolvimento territorial sustentável o que implica a consolidação
uma equipe na rede responsável por produzir mudas orgânicas, enquanto em Paulo Lopes a agricultora 11PL, produtora e difusão dessas inovações, assim como o maior incentivo das políticas públicas a essas tecnologias sociais.
de mudas orgânicas, teve de parar de produzir devido à falta de compradores. Esse descompasso pode ser visualizado nos
sociogramas da Rede, em que se observa um “buraco estrutural” entre os dois grupos, tendo por elo ponte e/ou interme-
diário apenas um mediador que não atua em nenhum dos grupos, mas no Núcleo Litoral (SILVEIRA, 2013). 3. A importância do desenvolvimento territorial sustentável para o fortalecimento das inovações sociotécnicas

Uma série de fatores contribui para explicar a baixa densidade da rede, tais como, por exemplo, o aumento da de- Em fins da década de 1990, sob influência de políticas públicas europeias, em especial do Programa de Apoio ao
manda por produtos orgânicos e a consequente necessidade de inserção nos mercados; a falta de recursos e de estrutura Desenvolvimento Local e Rural (LEADER) o desenvolvimento setorial foi sendo aos poucos superado pelo desenvol-
técnica adequada; a pouca mão de obra disponível; o frágil incentivo das políticas públicas; a dificuldade no acesso à vimento territorial. Não obstante, pode-se colocar que o desenvolvimento territorial, no Brasil, é uma agenda relativa-
internet, entre outros. Esses empecilhos tendem a dificultar a manutenção dos ideais e princípios da agroecologia, como mente recente, tendo iniciado formalmente em 2003 com a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, a qual
pressupõe a identidade de projeto da Rede. No entanto, deve-se atentar para o fato de que essas inovações, ao não con- é responsável pela formulação e implementação do PRONAT (Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios
siderarem a dimensão sociopolítica, correm o risco de “debilitação de seu caráter transformador e contra-hegemônico” Rurais) (ANDION, 2009).
(CASSARINO, 2009, p.06). Ou seja, podem tornarem-se inovações sociotécnicas pontuais, com pouca ou nenhuma
influência na construção de novas territorialidades, limitando-se, por exemplo, a condição de nicho de mercado. Contudo, embora as políticas descentralizadas venham sendo estimuladas, o modelo de modernização agrícola
continua hegemônico, com uma política verticalizada de gestão do território. Segundo Schejtman e Berdegué (2003 apud
A falta de resultados concretos e de maior divulgação dessas atividades nos seus respectivos municípios, pouco AMORIN, 2008, p.02), “o território é um conjunto de relações sociais que dão origem e expressam uma identidade e
favorece o potencial estratégico da rede em termos de viabilizar a construção de novas modalidades de desenvolvimento um sentido de propósitos compartilhados por múltiplos agentes públicos e privados”. Dessa forma, o desenvolvimento
rural. Além disso, a não consideração da dimensão sociopolítica contribui para aproximar a Rede Ecovida a uma simples territorial requer o estabelecimento de um ´pacto territorial` capaz de fortalecer um novo sujeito coletivo que articule as
certificadora, tendo isso sido inclusive destacado pelos próprios agricultores. Nesse caso ao invés de contribuir de forma
4 Ver: SILVEIRA, 2013.

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forças dinâmicas do território. rede. Sem isso, é forte o risco dessas inovações se limitarem aos mesmos grupos, tendo uma inércia em termos de prota-
gonismo e de fortalecimento de novas sociabilidades, pautadas na confiança, na ajuda mútua e na construção de coalisões
Não obstante, tal como referido na pesquisa empírica apresentada na seção anterior, há uma fragilidade nas cone-
territoriais.
xões entre os diferentes grupos e atores territoriais. Ou seja, na viabilização das coalisões territoriais, sociais e políticas,
as quais implicam a capacidade de formar laços territoriais em prol da consolidação de dinâmicas exitosas de desenvol- Como pode ser demonstrado pelo sociograma, a estrutura da rede irá refletir a sua dinâmica. Para alterá-la, faz-se
vimento (BEBBINGTON, OSPINA, RAMÍREZ, 2011). Segundo Abramovay (2000), iniciativas desse porte requerem necessário uma reestruturação dessas inovações, de modo a possibilitar a emergência de uma nova dinâmica reticular,
investimentos em educação no meio rural, a fim de favorecer a aprendizagem e a valorização dos saberes locais, uma vez mais horizontalizada e com graus similares de frequência dos laços. No caso da análise empírica analisada neste artigo
que o desenvolvimento territorial “apoia-se, antes de tudo, na formação de uma rede de atores trabalhando para a valo- (Rede Ecovida), o ideal seria que essa iniciativa partisse do coletivo, ao invés de limitar-se a um ou outro grupo, em
rização dos atributos de uma certa região” (ABRAMOVAY, 2000, p. 11). Desse modo, pode-se colocar que as possibili- termos de ser construída em longo prazo, constituindo uma estratégia de ação, a fim de fortalecer os nós, a rede e, em
dades dos projetos se concretizarem irão depender do jogo de atores, de suas redes/alianças/conflitos. Daí a importância consequência, o desenvolvimento territorial sustentável.
das pesquisas empíricas com foco nessas dinâmicas, nas instituições de mediação e negociação, e na participação dos
atores menos mobilizados (CAZELLA, BONNAL, MALUF, 2009).
Referências
Embora a perspectiva do desenvolvimento territorial tenha obtido êxito em reorientar, em parte, o discurso e o
projeto das políticas públicas, isso não foi acompanhado de mudanças institucionais. Ainda perduram os velhos valores e ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Revista Economia Apli-
cada –– n° número 2, vol. IV: 379-397, abril/junho 2000. Disponível em: http://www.abramovay.pro.br/artigos_cientifi-
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ALMEIDA, Jalcione. A agroecologia entre o movimento social e a domesticação pelo mercado. Ensaios FEE, Porto
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territorial, tendo pouca representatividade dos grupos mais vulneráveis. A despeito desses desafios, os programas têm
alguns méritos, tais como melhor aplicação dos recursos públicos, existindo maior controle social; melhoria na qualidade AMORIN, Luci Suzana Bedin; STADUTO, Jefferson Adronio Raimundo. Desenvolvimento territorial rural: estudo em-
pírico sobre agroindústria familiar rural no Oeste do Paraná. Rev. de Economia Agrícola, São Paulo, v. 55, n.º01, p. 15-
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ANDION, Carolina et al. Space and Inequality: A Case Study of Territorial Development in Santa Catarina. Administra-
Todavia, mesmo com esses aspectos positivos, esses territórios ainda não podem ser classificados como territórios tive Theory & Práxis / june 2009, Vol. 31, N.º 2.
“construídos”, pois falta promover a integração entre os diferentes setores existentes no território, em especial no campo
BEBBINGTON, Anthony; OSPINA, Pablo; RAMÍREZ, Eduardo. Proyecto de investigación temática desarrollo ter-
da agricultura, de modo a fortalecerem as inovações sociotécnicas e os recursos locais (ANDION, 2009). Desse modo, ritorial, médio ambiente y coaliciones extra-territoriales. Abril de 2011. Disponível em: http://www.rimisp.org/wp-
percebe-se uma dissonância entre o discurso e o resultado prático desses programas e inovações, sendo o principal de- content/uploads/2013/03/215.pdf. Acesso em: 20/10/2013.
safio avançar do “território dado” para o “território construído”, a fim de dinamizar a cesta de bens (agricultura familiar, CASSARINO, Julian Perez. Dimensões iniciais necessárias à agroecologia como proposta transformadora para
agroecologia, artesanato, pesca, turismo rural, etc) do local (PECQUEUR, 2003). o desenvolvimento rural no Brasil. Disponível em: http://www.uff.br/vsinga/trabalhos/Trabalhos%20Completos/Ju-
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CAPORAL, Francisco Roberto & COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília:
Considerações finais MDA/SAF/DATER – IICA, 2004. Disponível em http://www.agroecologia.uema.br/publicacoes/CaporalCostabeberM-
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O fortalecimento da agricultura familiar, de base ecológica, tende a se ampliar devido a crescente preocupação dos
CAZELLA, A. Ademir; BONNAL, Philippe; MALUF, Renato S. Multifuncionalidade da agricultura familiar no Brasil
consumidores com a saúde e a qualidade de vida. Com o aumento da demanda, as políticas públicas para esse segmento
e o enfoque da pesquisa. In: Agricultura familiar: multifuncionalidade e desenvolvimento territorial no Brasil. Rio de
devem ser paulatinamente reforçadas, o que constitui um aspecto favorável para as redes de agroecologia. Porém, se Janeiro: Mauad X, 2009.
o objetivo não se limitar a mero produtivismo, ou a inserção em nichos de mercado, mas de fortalecer a identidade de
ECOVIDA, Rede de Agroecologia. Uma identidade que se constrói em rede. Caderno de Formação 01. Lapa/PR, Julho
projeto dessas inovações e/ou o desenvolvimento territorial sustentável, torna-se imprescindível o fortalecimento das de 2007.
conexões em rede. Para tanto, é importante transcender o discurso do senso comum de que basta haver conexões para
a existência das redes, desconsiderando os esforços necessários para que essas estruturas funcionem, de fato, enquanto ________________________.Núcleos. Disponível em: http://www.ecovida.org.br/nucleos/. Acesso em 20/2012.

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RESUMO
Caribe. Santiago do Chile: CEPAL, 2008.
Este artigo aborda a agroecologia como uma alternativa de desenvolvimento e como uma forma de contraposição das
MADAIL, João Carlos Medeiros; BELARMINO, Luiz Clovis; BINI, Dienice Ana. Evolução da produção e mercado de agricultoras familiares e camponesas às desigualdades de gênero. As reflexões aqui presentes estão relacionadas a um
produtos orgânicos no Brasil e no mundo. RCA – Revista Científica da AJES. ISSN – 2177-5923. Juína – Mato Grosso.
Disponível em: http://www.revista.ajes.edu.br/arquivos/artigo_20110220123621.pdf. Acesso: 2011. projeto em nível de mestrado, que objetiva compreender como a adoção da agroecologia tem modificado as relações de
gênero na agricultura, averiguando se tais mudanças têm ressignificado positivamente o papel exercido por mulheres
PECQUEUR, Bernard. A guinada territorial da economia global. Revista Eisforia / Universidade Federal de Santa Ca- dentro dos estabelecimentos familiares. Trata-se de um estudo de caso cujo principal meio de coleta de dados é a realização
tarina, Centro de Ciências Agrárias, Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas. – v.1, n.1 (jan/jun 2003) – Flo-
rianópolis: PPGAGR, 2003. Barcelona. España. Julio del 2008. de entrevistas semiestruturadas de caráter qualitativo. Tem-se encontrado mulheres atuantes em diversas etapas e ações
de agroecologia e de maneira geral, as agricultoras demonstram que sentem orgulho e consideram gratificante o trabalho
RICCI, Rudá. Os desafios dos movimentos sociais hoje. Entrevista: IHU On-Line – edição 325, 21-04-2010. Dispo-
realizado na produção agroecológica.
nívelem:http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=3164. Acesso em:
22-04-2010.
Palavras-chave: gênero; transição; agroecologia.
SILVEIRA, Suzana Maria Pozzer da. Redes de agroecologia: uma inovação estratégica para o desenvolvimento terri-
torial sustentável. Estudo de caso de dois grupos do Núcleo Litoral Catarinense da Rede Ecovida de Agroecologia no
período de 2002 a 2012. 2013. 482 p. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e ABSTRACT
Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Florianópolis, 2013. Disponível em : <http:// This article discusses agroecology as an alternative of development and as a form of opposition of family agriculture
www.bu.ufsc.br/teses/PSOP0453-T.pdf>. Acesso em : 7 ago. 2013. woman farmers and peasant woman to gender inequalities. Is related to a master’s research project that aims to understand
how the adoption of agroecology has changed gender relations in agriculture, examining whether such changes have
positively reframed the role played by women within the family establishments. This is a case study and the main form
of data collection is conducting semi-structured interviews of qualitative character. We have found women engaged
in various stages of agroecology actions. In general, the woman farmers have shown that they are proud and consider
rewarding the work done in the agro-ecological production.

Keywords: gender; transition; agroecology.

1 UFSC, nicole.fossile@gmail.com
2 UFSC, stropasolas@gmail.com

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1. Introdução sociais rurais, ONGs, entre outros, tem indicado a agroecologia como uma estratégia de desenvolvimento.

1.1) A agricultura familiar orientada por princípios agroecológicos O enfoque agroecológico articula o autoconsumo e a diversificação da produção como uma forma de privilegiar a
soberania e a segurança alimentar, dado que muitos agricultores familiares por distintas razões não acessam alimentação
A consolidação da modernização conservadora3 no campo mudou o exercício da atividade agrícola, a dinâmica
com qualidade, em quantidade e na frequência adequada. O direcionamento para além da inserção no mercado é uma
produtiva e as relações com a natureza influenciando diretamente no calendário agrícola e na importância do saber
maneira de abordar o desenvolvimento sob perspectivas não econômicas, e ainda para desconstruir a ideia de relação
do agricultor na orientação da produção (WANDERLEY, 2013). Tais mudanças resultaram em dependência técnica e
entre subsistência e pobreza que incide sobre a agricultura com base na renovação dos ciclos naturais (SHIVA,
econômica, afetando principalmente as dimensões sociocultural e econômica das unidades de produção da agricultura
1995). Portanto na perspectiva agroecológica avalia-se o desenvolvimento com base em múltiplos aspectos que estão
familiar e suas formas de reprodução, interação no trabalho e direcionamento profissional dos filhos e, em muitos casos
relacionados aos chamados princípios agroecológicos. Os relacionados à dimensão sociocultural circulam em torno de
a permanência e/ou acesso a terra, a soberania alimentar e a preservação de culturas e de agroecossistemas tornam-
ações de reconhecimento e de valorização do saber tradicional, do potencial endógeno, da participação ativa dos atores
se inviáveis. Neste trabalho assume-se que, no sentido do que afirma Wanderley (1998), a agricultura familiar é uma
sociais e da geração de tecnologias a partir de metodologias participativas (CAPORAL et. al, 2005). Através dos quais
categoria com diferentes formas sociais de combinação entre propriedade e trabalho. A autora defende que o agricultor
são fortalecidos quesitos como a construção coletiva de conhecimento, diálogo, autoestima e valorização da profissão
familiar carrega uma tradição e guarda muitos os traços camponeses4, se adaptando a novos contextos econômicos e
visto que a transição para a agroecologia pressupõem o domínio e resgate de conhecimentos necessários ao trabalho
sociais sem desvincular-se da lógica de manutenção da família como objetivo central.
produtivo agrícola, transmitidos tradicionalmente via socialização familiar. Estão ainda relacionados à melhoria das
Mesmo apresentando dados expressivos com relação ao abastecimento interno e relevante caráter distributivo relações humanas entre agricultores - extensionistas, instituições e entidades que interagem diretamente com a categoria.
e de equidade socioeconômica (IBGE, 2006), as agriculturas familiares5 não são prioritárias em destinação de recursos
Estimulam também a participação em mercados locais e em circuitos curtos de comercialização, nos quais as
e no acesso à políticas públicas no Brasil. Os efeitos negativos decorrentes do histórico preterimento da agricultura
mulheres se destacam via participação em feiras. Os princípios relacionados ao campo produtivo incentivam a progressiva
familiar em relação ao agronegócio são diversificados e refletem-se também nos números da migração rural-urbano
autonomia quanto ao uso de insumos externos, através da conservação dos recursos naturais e da biodiversidade,
evidenciando a problemática da continuidade dos estabelecimentos e a necessidade de políticas públicas direcionadas ao
promovendo a restauração da resiliência do agroecossistema.
público jovem e à melhoria de infraestrutura no rural. Destaca-se que a permanência dos jovens representa possibilidade
de continuidade histórica e de reprodução social (ABRAMOVAY, 2004) de maneira que é fundamental que a sociedade Por sua formulação, a agroecologia tem alto potencial para promover autonomia e qualidade de vida visto que
apoie alternativas que estão sendo construídas e questione o que tem sido feito em nível de governo para o fomento, amplia o olhar sobre a ideia de desenvolvimento, para variados aspectos da vida social dos agricultores. Assim diversas
continuidade e prosperidade da agricultura familiar. unidades familiares têm adotado princípios ecológicos, integral ou parcialmente em ações individuais ou coletivas. De
maneira que além de se tornarem mais independentes financeira e tecnologicamente do modelo do agronegócio, são mais
A contraposição a tais efeitos negativos tem gerado novos papéis do rural e, influenciado diretamente na visão
valorizadas pelo conjunto da sociedade por produzirem alimentos de qualidade superior.
de mundo dos agricultores, alterando aspectos não econômicos como a qualidade de vida, a saúde, a autoestima e ainda
a forma de relacionamento com a natureza. Na perspectiva de valorização desses aspectos a agroecologia tem sido
construída como uma ciência multidimensional que aproxima agronomia e ecologia, englobando a dimensão ecológica
1.2) Problemáticas de gênero na agricultura familiar e transição para a agroecologia
e técnico agrícola, a socioeconômica e a cultural (CAPORAL et. al, 2005). Suas abordagens contribuem para mudança
de paradigmas nos âmbitos social, produtivo e na construção do conhecimento. De maneira geral, as agriculturas de base A pouca valorização do trabalho das mulheres rurais que conforme Paulilo (1987), expressa a posição de
ecológica servem de modelos para a transição a formas mais ecológicas, biodiversas e socialmente justas de agricultura subordinação da mulher na sociedade, é considerada relevante na decisão de permanecer ou não nos estabelecimentos
(ALTIERI, 1995). Embora a agroecologia seja multidimensional neste momento considera-se como mais relevantes às familiares. Além da falta de perspectivas dada a situação do rural brasileiro, são considerados fatores como à exclusão da
dimensões econômica e sociocultural por abrangerem questões de construção de igualdade social. Nos últimos anos capacitação e da formação profissional para o trabalho agrícola, a dificuldade de acesso à renda e crédito, o preterimento
é possível verificar que proposições levantadas por entidades representativas da agricultura familiar, de movimentos na herança da terra (BRUMER, 2004), o peso da autoridade paterna (DE CASTRO, 2013), o gerenciamento da unidade
3 Transformação na base técnica da produção agropecuária no pós-guerra, marcada pela dependência do mercado externo e dos meios de produtiva sob o ponto de vista masculino, dentre outros. Esses fatores tem influência também sobre as oportunidades
produção, consolida-se na década de 1960. que as mulheres terão de acesso às políticas públicas vinculadas à reforma agrária, na participação em programas de
4 O campesinato pode ser visto como uma forma social particular de organização da produção e “sociedades camponesas se definem por
manterem com a chamada “sociedade englobante” laços de integração, dentre os quais são fundamentais os vínculos mercantis” (WANDERLEY, geração de renda e de formação profissional. Tais tópicos estão relacionados ao grau de autonomia e afetam diretamente
2013). a liberdade e a qualidade de vida das mulheres rurais, de maneira que muitas jovens recusam-se a reproduzir a situação
5 Lamarche (1993) propõe quatro paradigmas teóricos de unidades de produção para diferenciar a agricultura familiar com base em
participação da família e grau de dependência do mercado.

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social das mães (AGUIAR; STROPASOLAS, 2010). Isto indica que desigualdades de gênero6 são frequentemente citadas mesmo como um nicho de mercado.
por mulheres, principalmente jovens, entre as principais causas da migração rural urbano (DE BIASE, 2010; BRUMER,
Como objetivo final do redesenho agroecológico pretende-se um sistema integrado que possua eficiência biológica,
2004; DE CASTRO, 2013).
seja biodiverso, tenha capacidade produtiva e de resiliência do agroecossistema. As mudanças de base tecnológica
Assim, questões estruturais de hierarquia de poder tem sido questionadas dentro dos grupos familiares e causado preferencialmente devem ocorrer de forma constante e progressiva, embora estejam subordinadas ao desejo, a capacidade
rupturas no processo de formação de novos agricultores e impasses na sucessão geracional. Afetando diretamente a de adaptação, ao nível anterior de degradação do sistema e ao aporte financeiro e de assistência técnica dos quais os
reprodução material, histórica e sociocultural de segmento expressivo da categoria (STROPASOLAS, 2011). agricultores familiares dispuserem.

Considerando as questões de gênero que perpassam a vida das trabalhadoras rurais, na promoção da luta pela Além das mudanças de base tecnológica há o processo de mudanças sociais e políticas que deve promover equidade
igualdade de direitos, os atores sociais envolvidos com a agroecologia têm utilizado de estratégias metodológicas e social e de gênero. Para De Biase (2010), a incorporação da perspectiva ética do cuidado, característica atribuída ao
processos educativos que envolvem o diálogo e a participação ativa. Os movimentos sociais de mulheres se destacam feminino, na implantação efetiva do sistema produtivo, possibilita que as mulheres participem de forma mais ativa em
nessas proposições e na construção da agroecologia, impulsionando o protagonismo das mulheres e dando visibilidade decisões quanto à inclusão de novos cultivares. Assim podem diversificar a produção ao avaliar os produtos do ponto de
à sua condição de agentes de desenvolvimento e promotoras da própria liberdade (SEN, 2000). Em Santa Catarina, o vista da segurança alimentar e nutricional e da geração de renda (PACHECO, 1999 cit. em DE BIASE, 2010). Afirma-se
Movimento de Mulheres Camponesas trabalha desde a década de 1980 para superação das desigualdades de gênero e tem que as mulheres atuantes na agroecologia modificam também sua postura de participação na vida pública (BURG, 2005;
significativa contribuição na conquista e efetividade da garantia de direitos. SILIPRANDI, 2009; LISBOA; LUSA, 2010). Isso significa que a participação em lugares de reflexão e de atuação seja
um elemento mobilizador no protagonismo e na construção da identidade social.
Por considerarem a permanência no campo como fundamental para a manutenção, o bem-estar e a garantia de
subsistência das famílias e pelo acumulo de críticas ao modelo produtivista e tomada de consciência dos efeitos negativos O ato de construir a identidade como algo em produção permanente, está ligado aos sistemas de representação
dele decorrentes, os movimentos se aproximam do campo ambiental. Dessa maneira, a aproximação com a agroecologia social. O reconhecimento de si em interação com os espaços sociais de atuação, possibilita que a identidade seja diretamente
se faz essencial, pois a preservação da biodiversidade é o ponto chave da independência em relação aos transgênicos, vinculada com as relações de poder (STROPASOLAS, 2011). Assim, essas mulheres têm possibilidade de se inserirem
ao uso de agrotóxicos e outras tecnologias que tem causado impactos negativos. Principalmente em termos de perda de em ações no espaço produtivo, no qual nem sempre a produção agroecológica assume papel principal7; nos espaços de
saúde, endividamento dos agricultores familiares e destruição de ecossistemas. decisões, no qual interagem com o espaço público e as derivadas relações de poder como forma de autoafirmação e de
domínio sobre a própria identidade. A condição de participação ativa nas decisões sobre o planejamento agrícola é uma
As mulheres possuem um significativo conhecimento sobre as espécies e garantem por meio de sua atividade
conquista contínua de desconstrução de paradigmas e retomada de espaços historicamente femininos. Estas mulheres
produtiva as bases para Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), estando presentes em praticamente todas as etapas
assumem-se como responsáveis pelas próprias vidas, fazendo-se presentes na preservação do meio ambiente, frente
dos processos produtivos. Como executam atividades que são relevantes para o manejo agroecológico, podem contribuir
ao agronegócio e em contraposição à sociedade machista, empoderam-se e ampliam consciência sobre a luta contra
na conservação da biodiversidade e na manutenção dos agroecossistemas através do cuidado com as hortas, os pomares,
subordinação da mulher e da natureza.
os jardins e os animais. Além de valorizar estas atividades, habitualmente realizadas por mulheres, a agroecologia atua
também sobre a ideia de descentralização da gestão dos estabelecimentos. Para Siliprandi (2009), estar presente nos A transição para a agroecologia modifica o modo de ser e de se relacionar com os outros e com a natureza, e
espaços de comercialização, cursos, seminários e encontros de agroecologia permite contato com novos conhecimentos abre espaço para a desconstrução de paradigmas, como os de relações autoritárias (SILIPRANDI, 2009). Nesse sentido,
e habilidades, possibilita o reconhecimento social do trabalho e fortalece a autoestima. A participação se ampliaria, pois considera-se importante averiguar se a orientação das unidades produtivas familiares por princípios agroecológicos tem
a transição para a agroecologia exige a realização de um conjunto de atividades que pressupõe maior necessidade de mão realmente alterado a condição social das mulheres fortalecendo e incentivando novos processos de protagonismo. Assim,
de obra, ocupando todos os membros da família. Dessa maneira a transição para a agroecologia incentiva a inserção de delimitou-se como questão norteadora desta investigação: que fatores promovem a ressignificação dos papéis sociais e
mulheres e jovens e potencializa a possibilidade de reconhecimento e valorização profissional. familiares exercidos por mulheres nos estabelecimentos familiares orientados por princípios de agroecologia?

O processo de transição é vivido pelas famílias em diferentes intensidades, variando conforme o motivo que as O objetivo geral desta pesquisa é compreender como a adoção da agroecologia tem causado alterações na agricultura
direciona para produção de base ecológica, por motivos relacionados à saúde como, por exemplo, a intoxicação de um familiar de base agroecológica averiguando se essas mudanças têm ou não promovido ressignificações positivas no papel
familiar devido ao uso de agrotóxicos ou o interesse pela produção de alimentos saudáveis como compromisso ético ou exercido por mulheres (jovens e adultas). Para isso, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) averiguar
6 Conforme Scott (1995), gênero é uma maneira de dar significado às relações de poder embasadas nas diferenças percebidas entre os as mudanças ocorridas nos papéis sociais das protagonistas destas ações nas esferas pública e privada; b) verificar o grau
sexos, mas faz referência exclusiva às origens sociais de homens e mulheres. O entendimento das relações sob essa perspectiva permite pensar de autonomia construída por esse público específico nas relações sociais e familiares; c) Investigar as redefinições no
homens e mulheres como resultado de uma construção social e cultural, que limita e orienta as práticas sociais com base em hierarquia de
relações de poder (DE BIASE et. al, 2010). 7 No caso das propriedades em transição.

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perfil identitário das jovens envolvidas com agroecologia; d) Verificar o papel das políticas públicas na promoção da por vezes, faz com que se contraponha às atividades de cunho meramente econômico.
participação das mulheres nas ações orientadas para a agroecologia.
Elas têm atuado no redesenho dos agroecossistemas escolhendo novas cultivares a partir da perspectiva de
As hipóteses que direcionam esta pesquisa são de que as mudanças ocorridas devido à transição para a agroecologia diversificação da alimentação, da geração de renda e na agregação de espécies de função ecossistêmica específica
alteram as relações de gênero nos grupos familiares e sociais e ressignificam os papéis sociais das mulheres inseridas conforme adquirem ou retomam conhecimentos técnicos e empíricos. Verifica-se que é uma preocupação recorrente
nestas ações. E, ainda, que a participação ativa nas ações de agroecologia está vinculada à efetividade do acesso a realizar a recuperação de sementes crioulas para trocas e preservação das espécies. Nesta pesquisa, temos encontrado
políticas públicas específicas para esses públicos em nível local. mulheres que realizam um trabalho de armazenamento de sementes, organizando-as por meio de registros visuais em
fotos e cadernos de notas. Estas agricultoras promovem trocas de sementes e compartilham conhecimentos no intuito de
Metodologia
que os ingressantes no processo de transição não passem as mesmas dificuldades que foram enfrentadas por elas.
A pesquisa se configura como um estudo de caso de caráter qualitativo cuja principal ferramenta para a coleta A incorporação da perspectiva agroecológica às lutas sociais das mulheres é uma forma de articulação em torno
de dados é a realização de entrevistas semiestruturadas, complementadas por observação não participante e uso de de objetivos práticos, pois em muitos casos os grupos são organizados para o fortalecimento da capacidade produtiva,
dados secundários, quando necessário. As questões são orientadas no sentido de identificar como as agricultoras estão trocas de experiências e minimização dos problemas enfrentados na comercialização. Um dos pontos significativos do
conduzindo seus processos emancipatórios e compreender as suas percepções sobre as experiências, os desafios e enfoque agroecológico é a proposta de descentralização da gestão das unidades produtivas, visto que é pressuposto que o
as demandas que consideram marcantes nos processos de transição, bem como a forma que relacionam a prática da manejo do agroecossistema demande mais atenção no período de transição, exigindo mais recursos humanos. Destacamos
agroecologia com suas identidades. Para tanto, se optou por selecionar agricultoras que estejam em diferentes níveis de a participação das mulheres na construção e organização dos espaços produtivos, embora em distintas situações de
transição para a produção agroecológica e que não estejam inseridas em movimentos sociais de mulheres, para que seja valorização e de reconhecimento, dentre as quais, inclusive há demonstrações de ressentimento para com os membros
possível observar como tais questões estão sendo abordadas fora destes espaços de organização social. da família. De maneira geral, as agricultoras têm demonstrado conhecimento empírico e técnico quanto à produção e ao
manejo, bem como preocupações com a saúde, inclusive a dos consumidores. Vem se constatando também que sentem
Para contemplar os objetivos da pesquisa serão consideradas relevantes às atividades assumidas pela mulher, orgulho e consideram gratificante o trabalho realizado na produção agroecológica, ressaltando suas relações pessoais com
as formas como tais atividades são desempenhadas e as consequências que acarretam para a sua vida social e familiar a natureza.
(CAIXETA, 2004). O roteiro das entrevistas contempla indicadores que pretendem averiguar a situação da mulher na
propriedade no período que antecede o inicio da transição para a agroecologia, analisando as mudanças na divisão Considerações Finais
do trabalho e nas responsabilidades decorrentes desse processo; a participação (ou não) das mulheres nas unidades Considera-se que todo processo de reconhecimento do trabalho das mulheres passa necessariamente pelo acesso
produtivas; o reconhecimento e valorização nos espaços públicos e privados; a sua percepção quanto ao trabalho que aos recursos econômicos, visto que o acesso à renda tem se apresentado como um dos fatores que aumenta o poder
realizam e o que representa ser mulher e agricultora no contexto de transição para a agroecologia. de decisão e a autonomia das mulheres no interior das famílias. Portanto, considera-se que as relações de gênero no
interior das famílias são determinantes no processo de democratização do acesso a informações, à renda, a terra e ao
crédito. Reitera-se a necessidade de afirmação da agroecologia enquanto uma potencialidade para o empoderamento das
Resultados parciais e discussão mulheres. Porém, avalia-se que isto não ocorrerá se não for realizada uma série de mudanças que contemplem as relações
familiares, de maneira que as mulheres sejam reconhecidas e valorizadas enquanto agentes de propostas alternativas de
A aproximação com as agricultoras foi facilitada por contatos pessoais e apoio do técnico extensionista da Epagri,
desenvolvimento, essenciais na construção da agroecologia.
nas cidades de Imbuia e Ituporanga, região do Alto Vale do Itajaí em Santa Catarina. As agricultoras entrevistadas se
encontram em distintos estágios do processo de transição, incluindo a etapa inicial, de amenização dos impactos da
Referências
utilização de agrotóxicos e, ainda sem selo de certificação de produtos orgânicos. ABRAMOVAY, R. Sucessão profissional e transferência hereditária na agricultura familiar. In: XXXVII Congresso
Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Rio de Janeiro. 2004.
Observou-se que elas têm desempenhado um papel de destaque como precursoras na transição para a agroecologia,
protagonizando parte significativa dos processos das unidades de produção, assumindo os riscos e as responsabilidades AGUIAR, Vilênia Venâncio Porto; STROPASOLAS, Valmir Luiz. As problemáticas de gênero e geração nas comunidades
rurais de Santa Catarina. Parry Scott Rosineide Cordeiro Marilda Menezes, p. 157, 2010.
iniciais. Tal fato pode estar associado às construções sociais de gênero, considerando que a sociedade delega e orienta as
práticas sociais das mulheres para as atividades relacionadas ao cuidado, que normalmente tem a função de manutenção ALTIERI, Miguel A. Agroecología: creando sinergias para una agricultura sostenible. 1995.
do bem estar da família e estão incorporadas ao dia-a-dia, sendo que em muitos casos são atividades afetadas por um BRUMER, Anita. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do Sul. Estudos feministas, v.
processo de invisibilização. Desta maneira, a mulher carrega saberes e práticas relacionadas à reprodução social, o que, 12, n. 1, p. 205-227, 2004.

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BURG, Ines Claudete et al. As mulheres agricultoras na produção agroecológica e na comercialização em feiras do OS PROTOCOLOS COMUNITÁRIOS COMO INSTRUMENTOS DA AGROECOLOGIA PARA A PROTE-
sudoeste Paranaense. 2005. ÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS DOS AGRICULTORES FAMILIARES

CAIXETA, Juliana Eugênia. Identidade feminina: um conceito complexo. Paidéia, v. 14, n. 28, p. 211-220, 2004.
CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio; PAULUS, Gervásio. Agroecologia como matriz Ana Paula Brudnicki Barbosa1; Igor Alexandre Pinheiro Monteiro2
disciplinar para um novo paradigma de desenvolvimento rural. In: Congresso Brasileiro de Agroecologia. 2005.
DE CASTRO, Elisa Guaraná. Entre Ficar e Sair: uma etnografia da construção social da categoria jovem rural. 2013.
RESUMO
IBGE. Censo 2006. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 10/05/2014.
O presente estudo visa analisar o fomento à agricultura familiar pela agroecologia, onde os protocolos comunitários
LAMARCHE, Hugues et al. A agricultura familiar. Comparação internacional, v. 1, 1993. podem ser utilizados como instrumentos à proteção dos saberes tradicionais da comunidade onde o agricultor, em sua
maioria familiar, está inserido. Para tanto, utilizou-se o método indutivo, a fim de analisar o panorama geral da agri-
LISBOA, Teresa Kleba; LUSA, Mailiz Garibotti. Desenvolvimento sustentável com perspectiva de gênero-Brasil,
cultura familiar no Brasil, bem como as possíveis alternativas para fomentar tal produção. Deste modo, foi realizado
México e Cuba: mulheres protagonistas no meio rural. Estudos Feministas, p. 871-887, 2010.
um apanhado do contexto histórico e geral da agricultura familiar no Brasil, abordando a agroecologia, como meio de
PAULILO, Maria Ignez Silveira. “O peso do trabalho leve”. Ciência Hoje, Rio de Janeiro: SBPC, v. 5, n. 28, p. 64-70, preservar os saberes tradicionais dos agricultores e, a partir de tal premissa, instrumentos que poderiam viabilizar esta
jan./fev. 1987. prática, razão pela qual foi adotada a aplicação de protocolos comunitários. A agricultura familiar engloba a maioria da
SCOTT, Joan. Gênero, uma categoria útil de análise histórica (1995). Educação e realidade, 2009. população rural e é a responsável pelo abastecimento do mercado nacional. Contudo, o fomento da produção foi negli-
genciado por vários anos, o que gerou o êxodo rural e o abandono do cultivo das áreas, aumentando as áreas urbanas
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. e a poluição. Como meio de brecar esta lógica danosa, busca-se a implantação da agroecologia, a qual busca o manejo
adequado da terra, a diminuição e até mesmo a não utilização de defensivos químicos, bem como a proteção dos saberes
SHIVA, Vandana. Abrazar la vida. Mujer, ecología y desarrollo. Madrid, Horas y horas, 1995.
tradicionais, os quais hoje são importantes como recurso genético. Desta maneira, com a implantação de protocolos co-
SILIPRANDI, Emma. Um olhar ecofeminista sobre as lutas por sustentabilidade no mundo rural. Petersen (org.), 2009. munitários, tais recursos genéticos e a própria produção agrícola familiar serão protegidas, uma vez que a sua formação
empodera os atores locais a regular a sua relação com os agentes externos à comunidade, a fim de garantir o seu meio de
STROPASOLAS, Valmir Luiz. sucessão geracional na agricultura familiar. Juventude na construção da,. Agriculturas v. produção próprio, bem como a forma de acesso aos recursos genéticos ali cultivados, os quais tem por escopo a garantia
8, n. 1, p. 26. 2011. dos conhecimentos tradicionais e proteção dos recursos genéticos adquiridos, a fim de regularizar o acesso dos agentes
WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos externos, como forma a evitar a biopirataria.
sociedade e agricultura, v. 1, 2003.

Palavras chave: Agricultura Familiar, agroecologia, saberes tradicionais, protocolos comunitários.


____________. Em busca da modernidade social: uma homenagem a Alexander V. Chayanov. Para pensar: outra
agricultura. Curitiba: Editora da UFPR, p. 29-49, 1998.
ABSTRACT

This study aims to analyze the promotion of family farming by agroecology, where community protocols can be used
as instruments for the protection of traditional knowledge community where the farmer in his most familiar, is inserted.
For this, we used the inductive method in order to analyze the production of family farming in Brazil, as well as possible
alternatives to foster such production. Thus, there was a glimpse of the historical and general context of family farming
in Brazil, addressing agroecology as a means to preserve traditional knowledge of farmers and from such a premise, in-
struments that could facilitate this practice, which is why it was adopted the application of Community protocols. Family
farming encompasses the majority of the rural population and is responsible for supplying the national market. However,
the development of production has been neglected for several years, which led to the rural exodus and the abandonment
of farming areas, increasing the urban areas and pollution. As a means to put the brakes on this harmful logic, seeks the
implementation of agroecology, which seeks proper land management, reduction and even the non-use of agrochemi-
cals, as well as the protection of traditional knowledge, which today are important as genetic resource. Thus, with the
implementation of community protocols such genetic resources and their own family farm will be protected, since their
1 Estudante de Especialização em Direito Ambiental pela PUCPR e Pesquisadora no Grupo de Pesquisa PRO-POLIS da UFPR - ana.
brudnicki@gmail.com
2 Acadêmico de Direito da Faculdade de Castanhal - igorapmonteiro@gmail.com

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training empowers local actors to regulate its relationship with agents external to the community in order to ensure your Com o direito à propriedade e a necessidade da população buscar os bens da vida e, diante da necessidade de
own production environment, as well as how to access to genetic resources grown here, which has the scope to guarantee produção cada vez maior, nasceu a Revolução Industrial, a qual trouxe a produção de bens em grande escala, onde, mais
protection of traditional knowledge and genetic resources acquired in order to regulate the access of external agents as a
tarde, trouxe a produção em massa, no inicio do Século XX.
way to prevent biopiracy .
A Revolução Industrial teve sua relevância na atividade agrícola e sobre a produção de produtos químicos. Ante
ao aumento da produção, aumentou também a população, em especial nas grandes cidades, bem como a necessidade de
Key-wods: Family agriculture, agroecology, traditional knowledge, community protocols.
maior produção de alimentos, pois diminuiu a agricultura de subsistência. “Assim, os agricultores pararam de produzir
seus próprios insumos e passaram a comprar de indústrias manufatureiras” (GRIGG, 1987, p. 93).
1. Introdução Nesta toada, a agricultura moderna nasce no início nos séculos XVIII e XIX, tendo em vista o aumento da produ-
A presente pesquisa visa a análise da utilização dos protocolos comunitários como instrumento para o fomento da ção agrícola e pecuária em várias regiões da Europa, o qual foi entitulado como Primeira Revolução Agrícola. Contudo,
agroecologia na agricultura familiar. segundo Ehlers (1994, p. 10), no século XIX, há uma série de descobertas científicas e de avanços na tecnologia, como
os fertilizantes químicos, o melhoramento genético das plantas e os motores via combustão interna, o que possibilitaram
Hoje a maioria da população que vive na área rural tem sua subsistência calcada na agricultura familiar que, no entanto, o progressivo afastamento da produção animal e vegetal, marcando a Segunda Revolução Agrícola. Nesta fase, destaca-
são negligenciados e estão à margem da produção tecnológica, dependendo de apoio técnico, científico e financeiro dos se como padrão produtivo o emprego dos insumos industriais, denominado como agricultura “convencional” ou “clássi-
entes públicos para a sua produção, o que acaba gerando o aumento da população da área urbana e consequentemente, o ca”, o qual se intensificou após a Segunda Guerra Mundial culminando, à década de 1970, a Revolução Verde.
aumento desenfreado da poluição.
Segundo Venâncio (2015, p. 46), cada vez mais ocorreu o aumento do mercado tecnológico no campo, o que
Como meio a tentar afastar a dependência total do Estado, hoje os grandes centros de estudo agrícolas como a abarca a mecanização, novas técnicas de cultivo, ampla utilização de defensivos químicos agrícolas e sementes geneti-
EMBRAPA e demais entes civis tem considerado a agroecologia como meio dos pequenos agricultores possam utilizar camente modificadas, sob o pretexto de erradicação da fome e a melhora da qualidade de vida da população. Ao longo
boas práticas agrícolas e ecológicas que viabilize a sua produção e que traga um diferencial ao produtor. A agroecologia dos anos, a produção ligada a agricultura de subsistência calcada nos saberes tradicionais foram alterados por práticas
busca a proteção dos saberes tradicionais a fim de buscar meios de difundir a agricultura sustentável, a qual traga ao tecnológicas mais homogêneas.
produtor a manutenção dos seus conhecimentos e meios pelos quais ele possa subsistir com a sua produção, seja pelo seu
trabalho por meio da ostensiva produção de alimento ou pelo repasse dos seus conhecimentos em busca da proteção dos Tal cenário fica evidente no Brasil após a década de 60, onde buscou-se a maior produção, com foco na produção
seus recursos genéticos, a fim de preservar a biodiversidade. para o exterior, sob o argumento do desenvolvimento e da necessidade de expansão.Com a crise do petróleo no Oriente
Médio, a produção agrícola não tinha mais somente a visava somente a produção de alimentos, mas também devia ofe-
Como meio a se alcançar tais objetivos, verifica-se a possibilidade de se utilizar os protocolos comunitários, os recer matrizes energéticas capazes de substituir o petróleo, o que adveio o programa PROALCOOL do governo federal,
quais foram criados como meio a proteção da biodiversidade, a fim de empoderar as comunidades tradicionais a regular o que, evidentemente, “estimularia o advento da indústria agrícola de monocultura” (TEIXEIRA, 2015, p. 28). Tal ce-
as suas formas de aplicação e gestão de seus saberes tradicionais, a fim de proteger os recursos naturais e os recursos nário gerou o maior êxodo rural já apresentado no Brasil, uma vez que os agricultores familiares não tinham condições
genéticos ali utilizados. de subsistir com a própria terra, sendo a migração para as cidades uma alternativa a miséria apresentada, o que gerou o
aumento de quase “20% da população dos grandes centros urbanos” (ALVES, et al., 2015, p. 83).

No que tange as áreas agrícolas, ficou evidente a divisão de produção agropecuária no Brasil, pois os “grandes
2 . Agricultura moderna e os prejuízos para as gerações futuras
produtores destinam sua produção ao mercado externo e os produtores familiares cabe o abastecimento do mercado
Desde o início dos tempos o ser humano utilizou sistematicamente o solo. Suas funções cingem-se em: servir nacional” (DELGADO, 2015).
como meio básico para a sustentação da vida e de habitat para pessoas, animais, plantas e outros organismos vivos; man-
Nestes últimos dez anos o que se vislumbra acerca da produção agropecuária é uma área cultivada de, aproximada-
ter o ciclo da água e dos nutrientes; servir como meio para a produção de alimentos e outros bens primários de consumo;
mente, 69,2 milhões de hectares no Brasil no ano de 2012 (IBGE, 2012). No Censo Agropecuário de 2006, verifica-se
agir como filtro natural, tampão e meio de absorção, degradação e transformação de substâncias químicas e organismos;
que “4.367.902 estabelecimentos de agricultores familiares, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros”
proteger as águas superficiais e subterrâneas; servir como fonte de informação quanto ao patrimônio natural, histórico
(FRANÇA, 2009), o que evidencia o total descaso com a agricultura familiar.
e cultural; constituir fonte de recursos minerais e como meio básico para a ocupação territorial, práticas recreacionais e
propiciar outros usos públicos e econômicos”(CONAMA, 420/2009). Para tanto, um primeiro passo é apresentar políticas que fomentem a fixação do agricultor em sua propriedade,
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demonstrando a viabilidade da produção de forma sustentável, atentando ao disposto na legislação ambiental. Um dos a qual traga ao produtor a manutenção dos seus conhecimentos e meios pelos quais ele possa subsistir com a sua produ-
meios que poderá ser utilizado é a aplicação da agroecologia para a aplicação da agricultura sustentável. Sua definição ção, seja empregando força motriz na produção de alimento ou na difusão dos seus conhecimentos em busca da proteção
consiste na aplicação dos princípios ecológicos que, segundo a EMBRAPA (2009), define o entendimento e desenvolvi- dos seus recursos genéticos a fim de preservar a biodiversidade.
mento de agroecossistemas sustentáveis.
Como instrumento da agroecologia, podemos nos utilizar dos Protocolos Comunitários, os quais visam a preser-
vação dos recursos naturais e genéticos, senão vejamos.

3. A agroecologia e os saberes tradicionais

Uma das possíveis formas que poderiam brecar a extensão danosa que se vislumbrou nos últimos 50 anos é o fo- 4. Os Protocolos Comunitários
mento da agroecologia, a qual busca “estilos de agricultura de base ecológica que atendam a requisitos de solidariedade
A biodiversidade, de uma maneira geral, requer o uso equilibrado dos recursos naturais e uma visão integral do
entre as gerações atuais e destas para com as futuras gerações” (VENANCIO, 2015, p. 54). Tem como requisitos a pre-
conceito de território a ser entendido, o que implica em dizer que as formas comunitárias de ordenamento e uso dos recur-
servação e reconstrução da fertilidade do solo, prevenindo sua erosão e mantendo sua saúde ecológica; o baixo impacto
sos naturais, bem como as práticas tradicionalmente exercidas contribuem para conservar a natureza.
sobre o meio ambiente; a utilização racional de água, de forma a possibilitar a recarga dos aquíferos; a utilização dos
recursos dos próprios agrossistemas, reduzindo o uso de insumos externos; a valoração e conservação da diversidade Para tanto, são criados os Protocolos Comunitários (PC), o qual ganha sua primeira aparição no texto do Protocolo
biológica; garantia da equidade no acesso às práticas agrícolas, aos conhecimentos e às tecnologias, permitindo o contro- de Nagoia (PN), editado em 2010, o qual não foi aqui ratificado. O Protocolo de Nagoia entrou em debate com o condão
le local dos recursos agrícolas. de complementar a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), no que tange a um de seus pilares máximos, qual seja,
a repartição equitativa de benefícios. Deste modo, engloba a proteção ao acesso ao conhecimento tradicional associado à
Gutierres et. al. (2006, p. 24-26). afirmam que seu escopo é a recuperação da fertilidade do solo por meio do seu manejo
biodiversidade, bem como o acesso e a repartição de benefícios.
ecológico; acabar com a produção com agrotóxicos; aumentar as culturas produzidas; fomentar a agricultura de subsis-
tência; dominar os saberes tradicionais, a fim de difundir tais conhecimentos, reconquistando o patrimônio cultural e Edis Milaré (2013, p. 1023), contextualiza a importância da proteção do patrimônio genético prevista já na Cons-
buscar novos conhecimentos; bem como edificar uma infraestrutura própria tituição da República de 1988:

Desta maneira, a agrocoecologia primaria pelas boas práticas agrícolas e pela preservação dos recursos naturais, No âmbito internacional, como já anotado, a matéria foi disciplinada pela Convenção sobre Biodiversidade
e pelo recente Protocolo de Nagoya sobre o Acesso aos Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equita-
“a fim de empoderar comunidades de pequeno porte e de comunidades tradicionais com conhecimentos que fomentem tiva dos Benefícios Decorrentes de sua Utilização. No Brasil, a temática mereceu a atenção do constituinte
sistemas sustentáveis de conservação de uso da agrobiodiversidade” (NODARI; GUERRA, 2014, p. 287). de 1988, o qual estabeleceu, no inciso II do §1.º do art. 225 da Carta Magna que a proteção do patrimônio
genético nacional é um dos instrumentos que garantem o direito ao meio ambiente ecologicamente equi-
Os conhecimentos tradicionais adquiriram particular importância para a indústria da biotecnologia, principalmen- librado.
te de produtos farmacêuticos, químicos e agrícolas, uma vez que 120 princípios ativos atualmente isolados de plantas
superiores, e largamente utilizados na medicina moderna, 75% têm utilidades que foram identificadas pelos sistemas
tradicionais. Menos de doze são sintetizados por modificações químicas simples, o resto é extraído diretamente de plan- O artigo 12 do PN, que trata sobre Conhecimento Tradicional Associado a Recursos Genéticos, discorre timida-
tas e depois purificado. Com essas palavras, Juliana Santili, (2004, p. 345), simplifica a relevância da proteção aos co- mente sobre o Protocolo Comunitário (MILARÉ, 2013, p. 1023):
nhecimentos tradicionais, sua catalogação e regulamentação do acesso e repartição de benefícios dos saberes empíricos Ao implementarem suas obrigações ao abrigo do presente Protocolo, as Partes levarão em consideração,
associados à biodiversidade, que, à época, ainda estava em discussão. A bioprospecção ou biopirataria era - e é - o maior em conformidade com sua legislação doméstica, as leis costumeiras de comunidades indígenas e locais,
protocolos e procedimentos comunitários, conforme aplicável, com respeito ao conhecimento tradicional
pesadelo de quem se dispunha a catalogar e publicar os saberes tradicionais amplamente. associado a recursos genéticos.

Sem um regime jurídico de proteção terceiros mal-intencionados poderiam facilmente se apropriar de técnicas
arduamente trabalhadas durante décadas ou séculos para fins econômicos sem repartir devidamente os benefícios. Por
Entretanto, a doutrina internacional majoritária já desdobra este conceito em outras possibilidades, tal como a
outro lado, quando se discutia a repartição de benefícios os termos eram ridiculamente benéficos aos usuários em prol
gestão territorial e consulta prévia visando abranger os demais pilares da CDB, que são a conservação da biodiversidade
dos provedores.
e o uso sustentável dos recursos genéticos.
Portanto, o que pode se verificar é que a agroecologia tem por diretriz buscar meios de difundir a agricultura sustentável,
A Lei de Biodiversidade, Lei nº. 13.123, lançada em maio deste ano, deu um grande passo no reconhecimento da
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importância dos PCs, bem como no caráter múltiplo desse instrumento. No art. 2º, VI e art. 9º, §1º, IV, já expõe a possi- 2015, 14):
bilidade de terem definidas as regras para a consulta prévia por meio dos PCs. • Deve-se fazer o manejo do açaí;

A lei conceitua os PCs no art. 2º, VII: • Pesca para algumas espécies é proibida no defeso;

Norma procedimental das populações indígenas, comunidades tradicionais ou agricultores tradicionais • Não fazer queimadas;
que estabelece, segundo seus usos, costumes e tradições, os mecanismos para o acesso ao conhecimento
tradicional associado e a repartição de benefícios de que trata esta Lei; • Não pode fazer o corte sem controle de madeiras já que algumas árvores estão faltando, por exemplo a
andiroba;

• Não é permitido matar caça com filho e a grande matança de animais da floresta;
Com essa conjuntura, os PCs ganham vigor e se adequam às reais necessidades dos povos e comunidades tradicionais que,
• Só se pode tirar o palmito com o manejo adequado;
além de diminuir drasticamente as chances de “biopirataria”, previne ações não adequadas ao uso sustentável do territó-
rio. Cria-se um terreno fértil para o diálogo, seguro para a comunicação e para a ação de pesquisadores e comunitários, • Respeitar o acordo de convivência que muitas vezes pode conter regras de uso. Por exemplo, o acordo de
convivência pode estipular uma quantidade máima de recursos por família, tanto para venda quanto para
sendo garantida a participação de todos.
consumo familiar.
O Protocolo Comunitário, portanto, vem para empoderar os povos e comunidades tradicionais de uma coerção
não existente anteriormente, indo além do previsto em Nagoia ao conceber um sistema robusto de codificação para a
proteção dos conhecimentos e modo de vida tradicional, onde a própria população produzirá seus regulamentos, a fim de Além das regras, o PC afirma acreditar na importância da estipulação das mesmas para preservar a biodiversidade
criar normas que satisfaçam os seus interesses locais. e os recursos naturais, pois, dessa forma, garantem um uso adequado às necessidades das comunidades e um modo de vida
sustentável, mas que “a criação de novas regras é algo essencial, uma vez que novos problemas precisarão de novas regras
Seu objetivo é a repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo uso de conhecimentos tradicionais em
para lidar com eles” (COMITÊ GESTOR DO PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE, 2015, 14)
produtos comerciais constitui a base de um instrumento de mercado que visa reconhecer o papel desempenhado por
povos indígenas e comunidades tradicionais na manutenção, reprodução e desenvolvimento, de saberes únicos sobre a
biodiversidade.
5. Considerações Finais
Podemos citar dois exemplos claros de Protocolos Comunitários que exprimem esta visão sustentável de manejo florestal
A utilização do solo foi ostensiva desde o início da humanidade, a qual foi utilizada para diversos fins, em espe-
construída através de práticas tradicionais e saberes empíricos de respeito à biodiversidade que são o Protocolo Comuni-
cial para a produção de alimentos. A utilização para a agricultura teve um aumento exponencial no início da Revolução
tario Biocultural Alto San Juan, na Colômbia e o Protocolo Comunitário do Bailique, no Amapá, Brasil.
Industrial e perdura até os dias de hoje, onde verifica-se o aumento da produção em massa e a utilização desenfreada de
O PC Alto San Juan traz um tópico específico para tratar da relação da comunidade com os recursos naturais, no defensivos agrícolas e Organismos Geneticamente Modificados, os quais destroem o conhecimento tradicional adquirido
qual afirma que (2012, p. 11). pelos agricultores familiares, bem como as comunidades tradicionais, pois tais práticas trazem uma nova metodologia de
produção que visa o consumo de seus insumos, prejudicando a diversidade genética e natural.
o sistema tradicional de produção comunitária se refere a um sistema multi-opcional, baseado na com-
binação de trabalhos agrícolas, pesqueiras, minerais, aproveitamento florestal, criação de animais, caça
e trabalhos artesanais. Estas práticas de uso do território se estabelecem de acordo com o conhecimento No entanto, o aumento da produção e fomento de práticas agrícolas exponenciais não foram fomentadas à agri-
tradicional conforme a oferta natural das condições da paisagem. cultura familiar, sendo esta negligenciada no Brasil desde a década de 60 até os dias atuais. Com isso, vislumbramos a
baixa da produção de alimentos para o mercado interno, o inchaço das cidades e o aumento da poluição desenfreada ante
a diminuição das áreas de preservação.
O PC Alto San Juan continua tecendo detalhes sobre cada um desses sistemas de produção e subsistência, expli-
cando como se dá sua relação sustentável com o meio ambiente e seu sistema agrícola baseado na agroecologia. Como uma alternativa a produção agrícola familiar, destaca-se a agroecologia, a qual tem por escopo a produção
por meio de práticas agrícolas que visam a preservação ambiental e genética.
Com certa semelhança, o PC do Bailique guarda um tópico para tratar do Uso de Recursos Naturais, no qual de-
fine direitos e deveres dos comunitários ao explorar os recursos naturais do território, garantindo o uso destes recursos, Como a aplicação deste instrumento, cita-se a utilização dos Protocolos Comunitários, onde podem ajudar a entender a
mas também exigindo que respeitem as regras definidas pelas comunidades envolvidas na construção do protocolo, que dinâmica dos povos e comunidades tradicionais que os constroem e a auxiliar os agentes externos a desenvolver a melhor
são expostas em uma linguagem simples (COMITÊ GESTOR DO PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE, política de relacionamento com estes.

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Os PCs passam a gerir as relações com terceiros, assumindo o controle dos procedimentos e tendo a possibilidade res. 1. ed. Sãp Paulo: Expressão Popular, 2005.
de ter voz ativa no processo de tomada de decisões e negociações, a fim de garantir aos atores locais o acesso à contrapar-
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal. Brasília:
tida dos frutos que os saberes tradicionais geraram por meio de exploração dos agentes externos, bem como a proteção
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A ideia de reconhecimento ganha força com a implementação dos PCs em razão de se demonstrar um meio capaz
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de ampliar os horizontes daqueles que não pertencem àquelas minorias culturais tradicionais, bem como aos agricultores
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PERSPECTIVAS DE SUSTENTABILIDADE TERRITORIAL NO CENÁRIO DA PAISAGEM CULTURAL 1. Introdução
CAFEEIRA: O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES CAFEEIRAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO DEPARTA-
O presente artigo nasce da necessidade de visibilizar o papel que diferentes agentes sociais têm sobre um cená-
MENTO DE RISARALDA/COLÔMBIA
rio especifico como duas tensões da realidade cafeeira, ou seja, entre a paisagem vivida, significada e representada, e a
paisagem normatizada e institucionalizada, as quais configuram um contexto altamente dinâmico. O principal objetivo é
fazer uma abordagem relacional entre três estudos de caso em três municípios do departamento de Risaralda/Colômbia e
César Andrés Alzate Hoyos1; Luisa Fernanda Durán Montes1
confrontar a materialidade biofísica com o seu processo de transformação e construção a partir de práticas sócio-espaciais
. de ocupação, representação e valoração da paisagem, práticas estas que desde uma primeira leitura são processualidade
histórica na formação da paisagem. Ademais, busca-se dialogar com agentes atuantes desde a economia solidária, pensa-
RESUMO
dos como organizações no devir sustentável do território.
Nesta pesquisa apresentam-se três estudos de caso de organizações da economia solidária, as quais atuam no contexto
da paisagem cultural cafeeira do departamento de Risaralda, Colômbia, enfatizando-se a transformação histórica da pai-
sagem, os obstáculos e as possibilidades da declaração (Patrimônio Mundial da Humanidade), a mudança cultural e o 2. Abordagem metodológica
resgate ético do quefazer econômico das organizações na sustentabilidade territorial.
Esta é uma pesquisa qualitativa, a qual se desenvolve através da análise de diferentes estudos de caso, dos quais se
escolheram três para o presente artigo, utilizando a coleta e produção de informação secundária e primaria principalmente
Palavras-chave: território; paisagem; sustentabilidade; economia solidária.
por meio de entrevistas feitas aos líderes das organizações, as quais se localizam em três municípios do departamento de
Risaralda/Colômbia: Belén de Umbría, Apía e Dosquebradas.

ABSTRACT Da mesma maneira, o trabalho está assentado teoricamente sobre quatro conceitos: território, paisagem, susten-
This research present three case studies of solidarity economy organizations, what act in the context of the Coffee Cul- tabilidade e economia solidária. Além de tentar aprofundar nestes conceitos, buscamos gerar um tecido dialético entre os
tural Landscape of the department of Risaralda, Colombia, emphasizing the historical transformation of the landscape, mesmos, o qual permitirá apresentar as principais discussões de maneira mais coerente e compreensível.
obstacles and possibilities of the declaration (World Heritage of Humanity) and the cultural change and the ethical rescue
of what to do economic of the organizations in the territorial sustainability.

3. Contexto sócio-espacial do departamento de Risaralda


Key words: territory; landscape; sustainability; solidarity economy O departamento de Risaralda com uma extensão de 365.300 ha, representa 0,3% do território nacional e possui
2% da população do país, 951.945 habitantes (DANE, 2015). Encontra-se na porção central da região andina, no ocidente
do território nacional. Está conformado por 14 municípios, dos quais a cidade de Pereira é a capital, que responde por
56% da sua população total; as principais cidades são Dosquebradas, Santa Rosa de Cabal e La Virginia.

Durante aproximadamente 150 anos a economia do departamento esteve baseada na produção agrícola, mormente
de café. Mais recentemente, sua economia passou a ser fortemente de serviços e comercial. Apesar disso, a maior parte
dos municípios que constituem o departamento ainda conservam como atividade primária o plantio, a colheita e a expor-
tação de café tanto em pergaminho2 quanto processado (pronto para o consumo).

A história do departamento tem estado vinculada ao processo cafeeiro no país, que começa com a chegada do
grão ao departamento de Santander no século XVIII, localizado na zona nordeste na região andina, e depois de vários
anos se espalha pela cordilheira até chegar ao departamento de Antioquia e daí desce para Caldas, Risaralda e Quindío.
É importante distinguir que o enfoque inicial do cultivo de café consistia em lavouras de grandes fazendas e enquanto se
1 Estudantes de mestrado em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Pesquisa financiada pela FAPESP. dispersava pelo ocidente do país gerou uma cafeicultura em pequenas unidades de produção e a predominância da mes-
E-mail: csalzate@gmail.com - dumont094@gmail.com 2 Película interna do grão de café, entre a casca e a semente. É um café sem processar mas se encontra despolpado, lavado e secado.

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ma. Pertencer à Lista do Patrimônio Mundial implica nos seguintes compromissos: avaliar a cultura do café de modo
que se possa contribuir para a sua conservação, sustentabilidade, integridade e autenticidade como uma paisagem em
Desde a segunda metade do século XX até o período atual tem-se diminuído a relevância do café no departamen-
constante evolução. São identificados uma série de atividades que servem a este propósito, como: garantir a permanência
to de Risaralda, não só em proporção de hectares, que apresentou uma redução de 11,69% entre o ano 2008 e o primeiro
da cultura do café, fomentar um sentimento de pertencimento, promover a coesão social, realçar a apreciação da beleza
trimestre de 2015, segundo os dados disponibilizados pela Federación Nacional de Cafeteros (FNC), senão em valor
cênica, abrigar à população, estimular as atividades produtivas locais, contribuir para a continuidade do cultivo de café,
agregado. Em 1989 o rompimento do Pacto Económico3 criou uma profunda crise aos cafeicultores, pois este pacto
fortalecer a denominação de origem Café de Colombia4, contribuir para a proteção da biodiversidade, da água e uso ra-
estabilizava o preço do café no mercado internacional e não dependia diretamente da bolsa de Nova York como ocorre
cional da terra.
atualmente.
Depois de 4 anos da emissão da declaração, a problemática no departamento de Risaralda está representada nas
4. Paisagem Cultural Cafeeira Colombiana
condições econômicas, políticas e culturais atuais, salientando que o processo produtivo não é rentável, deixando muitos
A declaração Paisaje Cultural Cafetero Colombiano (PCCC) emitida pela UNESCO (Organização das Nações produtores em crise devido principalmente às políticas públicas que não ajudam a prevenir ou evitar a queda dos preços,
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 2011. No entanto, o processo para ser inscrita na Lista de Patrimônio sendo os camponeses pressionados a mudar seu sistema de produção, ou simplesmente, a deixar suas terras. Além disso,
Mundial da Humanidade se iniciou bem antes, em 2001, levado a cabo pela iniciativa de diversas entidades governamen- os preços do café, normalmente baixos, desfavorecem os camponeses e poderão contribuir para mudar a estrutura prin-
tais e instituições acadêmicas do país. cipal da paisagem cultural cafeeira, que é caracterizada, por enquanto, pelo predomínio de café. Estas situações podem
colocar em risco a declaração de Paisagem Cultural Cafeeira, em virtude da crise agrária e a administração inadequada
A paisagem é composta por um território de 141.120 ha e inclui áreas de 47 municípios dos departamentos de
da institucionalidade cafeeira.
Caldas, Quindío, Valle del Cauca e Risaralda, das quais 1.074 ha correspondem à área urbana e 140.046 ha à área rural. A
5. A paisagem vivida
área rural compreende 416 povoados onde se localizam cerca de 24.000 fazendas de café com uma população estimada
em 80.000 habitantes, cuja principal atividade é a produção de café de qualidade, e com a característica que a maioria das O conceito de paisagem é entendido hoje como uma tradução do conteúdo visível que se expressa na forma
plantações tem sido historicamente nas encostas e montanhas devido às condições topográficas da região (MINISTERIO (padrões na configuração, estruturas na corporizarão), é materialidade mediada pelas práticas sócio-espaciais liberadas
DE CULTURA E FEDERACIÓN NACIONAL DE CAFETEROS, 2009). através do trabalho, instrumentalizadas através da técnica e, percebida, representada, valorizada e usada numa dimensão
simbólica. A intervenção na construção de paisagem como fato e fenômeno, como resultado e processo, é dialética na
A cultura do café está presente também em diversas manifestações intangíveis, como as músicas, mitos e lendas,
construção do conceito como materialidade espacial vivida, regulada, transformada e apropriada, é, sem dúvida, proje-
ofícios tradicionais, entre outros (BOHÓRQUEZ, 2006). Ressalta-se que nesta paisagem se combinam o esforço huma-
ção dos territórios, movimento nas territorialidades. “[...] É na emergência desses territórios que a sociedade mediatiza
no, familiar e gerações de agricultores com o apoio de instituições como a Federación Nacional de Cafeteros, de modo
suas relações com a natureza e lhe atribui um valor, uma representação e um controle sobre as paisagens que os homens
que foi desenvolvida uma cafeicultura baseada na pequena propriedade, cujo tamanho médio é de 4,6 ha. A maioria dos
disputam em um campo relacional de poder” (DUARPE, 2001, p. 20).
povoados que compõe essa paisagem é caracterizada pelo cultivo do café em mais de 60% da área da vila. Ademais
é comum encontrar fazendas com plantio de café, milho, banana da terra, feijão e outras culturas alimentares, porém, Como a paisagem não pode fugir da materialidade objetiva que a compõe, nem da processualidade relacional
a cafeicultura é a atividade predominante nos sítios. Estas propriedades estão localizadas em um habitat estratégico e subjetiva que a substantiva (pois designa um ‘ser’ as ações, as qualidades, e a um tecido circunstancial), então, dotamos
diversificado para a conservação da biodiversidade, com abastecimento de água, forte atividade tectônica e condições de sentido e significado a paisagem como paisagem cultural, densificando simbolicamente o que representa a paisagem;
climáticas, ambientais e produtivas que proporcionam uma beleza cênica singular; assim, a produção de café foi es- em outras palavras, “É uma noção transdisciplinar que evidencia um nível de organização mais complexa e superior que
tabelecida a partir do cultivo sombreado, passando por semi-tecnicidade em cultivos com algum nível de sombra até a paisagem natural e social, e que incorpora uma participação substantiva da sociedade” (MATEO, 2007, p. 55).
monoculturas de café realizadas com alta tecnologia. Adicionalmente, essa atividade produtiva é considerada como uma
das maiores empregadoras do campo colombiano, com 17% do emprego no setor agrícola do país (MINISTERIO DE No panorama geral na Colômbia e localmente em Risaralda, podem-se identificar diversos momentos que pelas
CULTURA E FEDERACIÓN NACIONAL DE CAFETEROS, 2009). suas condições sociais, políticas e especificamente económicas, transformaram a paisagem do território caracteristica-
mente cafeeiro. Estas mudanças podem ser distinguidas a partir de 1970, quando se iniciou o processo de intensificação
3 Este Acordo Internacional do Café criado na década de 1940 e depois reformulado em 1962 entre 32 países produtores e 212 países produtiva nas pequenas unidades de produção, sobretudo porque o mercado era rentável e nesse momento o país depen-
consumidores, para tentar estabilizar seu preço no mercado internacional. Para a Colômbia o rompimento deste acordo significou a crise cafeei-
ra mais forte da sua história, pois os principais países produtores do grão aumentaram a sua produção, que no mercado mundial passou de 90 4 A denominação de origem Café de Colombia indica que o produto apresenta uma qualidade especifica de acordo com fatores naturais
milhões de sacas em 1998 a 130 milhões de sacas em 2008. Assim, o crescimento da demanda não foi proporcional à oferta, tendo como conse- e humanos, neste caso conta com o apoio oficial das autoridades (Federación Nacional de Cafeteros), outorgando uma proteção especial definido
quência a redução do preço internacional do grão, sendo esta no país notória, especialmente pela desvalorização da moeda (BARÓN, 2010). por um selo que permite vender o café com um melhor preço.

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dia fortemente das vendas do grão. Outra questão importante está relacionada com três décadas distinguidas entre 1970 derivados de sua biologia e seu psiquismo. Esso é possível graças a dois condições: 1) a cultura, a presença
e 2005, nas quais se pode sintetizar a redução na área de lavoura de café aproximadamente em 20%, e ao mesmo tempo de um substrato que se agrega ao biológico e que é produto da existência social, o que dá origem e faz
possível; 2) o exercício da liberdade ou do livre arbítrio, é dizer, a possibilidade de optar entre os vários
a produção total aumentou em 50%, o que significou para o país uma maior diversidade agrícola com cultivos de frutas, cursos de ações possíveis, que vai abrindo o próprio processo evolutivo da espécie humana mediante a
legumes e verduras. Este processo foi consequência da aplicação de políticas da Federación Nacional de Cafeteros para construção de cultura, e que se traduz na ampliação do rango de opções do qual dispõem os integrantes da
espécie humana (seus espécimenes) frente ao devir de sua existência individual e coletiva (ELIZALDE,
cumprir com o estipulado pela Organización Internacional del Café baseado na tecnificação do cultivo e diversificação do
2002, p. 386, tradução nossa).
uso do solo. Para o caso da zona Andina, essa estratégia teve como resultado uma paisagem mais heterogênea, devido à
dificuldade para a mecanização agrícola nas encostas, e com a implementação da intensificação permitiu aos agricultores
produzir a mesma quantidade numa área menor, deixando espaço para outras práticas de uso da terra nos sítios (GUHL, A sustentabilidade da qual fazemos referência está longe da Sostenibilidad5 ambiental ou do Desarrollo Sostenible
2008). como caminho de valoração monetária da natureza, ou seja, sem mudar o modelo econômico e pelo contrário introdu-
zindo a linguagem científica neste. Pensamos que a transformação “Requer de uma profunda mudança cultural (um novo
Outro aspecto importante são as mudanças da paisagem através do cultivo de café sombreado para uma produção
sistema de crenças, uma nova epistemologia, uma nova ética, uma nova economia)” (ELIZALDE, 2002, p. 388, tradução
a pleno sol. O primeiro trazia muitos benefícios para a lavoura, pois aproveitava a área de bosque presente no local, mas,
nossa). Dentro dessa postura, a economia solidária fornece os elementos necessários para questionar o ser e o quefazer
por não aumentar a produtividade do cultivo, foi implementado na lavoura cultivos do grão a pleno sol para aumentar
econômico, para propor um reencontro com nossa natureza de cooperação, pois “É na cooperação e não na concorrência
a dita produtividade, o que teve como consequências o desmatamento de importantes extensões de bosques ou podiam
onde foi possível desenvolver o potencial evolutivo da nossa espécie” (MATURANA 1995, p. 211, tradução nossa).
ser substituídos por outros que foram úteis. Além disso, noutras situações quando a cobertura do solo era deficiente e se
precisava continuar com a produção foi necessário renovar a terra e plantar novamente. Estamos convictos que uma nova racionalidade ambiental precisa de uma nova racionalidade económica, a eco-
nomia solidária precisa ganhar relevância nos fixos e fluxos que organizam um território, que o configuram, é por isto
Finalmente, salienta-se que a atividade cafeeira mobilizou processos fundamentais para a região e o país, como a
que utilizamos o conceito de sustentabilidade territorial. Como salienta Saquet (2007), a sustentabilidade territorial do
criação de aquedutos comunitários e rede de esgotos, levou energia a zonas rurais muito afastadas que não contavam com
desenvolvimento vai além da ambiental, pois esta teria a capacidade de reproduzir, na mudança, a identidade. Identidade
estes serviços básicos, tendo como objetivo principal melhorar a qualidade de vida dos cafeicultores, e a produtividade
construída e projetada histórica e coletivamente, territorializada espacialmente através de ações políticas e culturais.
da atividade, sendo os projetos financiados principalmente pela Federación Nacional de Cafeteros mediante um fundo
nacional que recolhe contribuições dos cafeicultores., o qual é atualmente alvo de muitos debates e críticas. Neste aspecto, a economia solidária como conceito nasce como movimento reacionário das injustiças dadas num
6. O papel das organizações de economia solidária na sustentabilidade territorial: a mudança cultural e o contexto capitalista sitiado por um modelo econômico neoliberal. Como afirma Paul Singer (2004, p. 11) “A economia
resgate ético do quefazer econômico solidária não pretende opor-se ao desenvolvimento [...] O seu propósito é tornar o desenvolvimento mais justo [...] de
forma mais igual e menos casual [...] propõe um uso bem distinto das forças produtivas”. Como reafirma Kapron (2002,
A sustentabilidade desde o questionamento ambiental está presa num ou vários paradigmas, que como explica
p. 51) a “Economia solidária não é só solidariedade na produção, mas também na organização e na articulação com todos
Elizalde (2002) são de carácter técnico, tecnológico, mercantilizado e com uma visão lineal de curto
os setores sociais”, é dizer, significa articulação e cooperação em rede, agregando um valor de coerência no sentir, pensar
prazo (e sem feedback). Esta visão hegemónica em vez de assumir uma mudança radical das crenças, valores e condutas,
e atuar coletivo, pode não só atuar sobre um plano orientador e transformador de valores e significados de correlação
como expõe Elizalde (2002), deposita um poder ilimitado na ciência e a tecnologia, cada vez mais politizada (desde os
cultural, é ética no agir de gestão, de organização racional das ideias, atividades, práticas e projeções, implica respostas
interesses de quem exerce mais poder na tomada de decisões) e constrangida pelo mercado. A sustentabilidade, nessa
inteligentes para satisfazer necessidades e desejos, envolve energia intersubjetiva nos objetivos, no devir coletivo.
esteira, vai ser entendida como mudança cultural, pois a construção ‘do ambiental ‘ se precisa fazer desde uma distin-
ção—sem fazer uma divisão orgânica—entre o agir da natureza do ser humano como co-evolutiva da biologia animal 7. A paisagem transformada
e a adaptação e transformação dos ecossistemas por via sociocultural, quer dizer, como plataforma técnico-simbólica,
Aquí Somos Paz é uma fundação do município de Belén de Umbría que nasceu em 2010, produto de aquilo que se
política e económica.
faz sem nome, pois, se atua a partir da convicção e não do reconhecimento, isto é, Aquí Somos Paz começou trabalhando
Neste sentido, a espécie humana tem logrado certa independência em relação às leis do ecossistema, este enten- pelas crianças da área rural do município, tentando em primeira medida, dar presentes para eles nas festas do fim de ano.
dido como a articulação de muitos nichos ecológicos, porém, nossa espécie não tem nicho ecológico, o que significa que Ação que traria gradualmente o interesse de muitas pessoas e entidades. Isto desencadeou posteriormente numa coopera-
a adaptação humana não se realiza através de transformações orgânicas, senão por meio de uma plataforma instrumental tiva que precisava agir no setor agroalimentar do município, Coopropaz, que si bem contava com avanços importantes, a
complexa e ascendente que chamaremos ‘cultura’ (ANGEL MAYA, 2003, tradução nossa). 5 Entenda-sea Sostenibilidad como uma palavra que em espanhol é utilizada nos discursos hegemônicos de Desarrollo Sostenible, distin-
ção que fazemos de Sustentabilidad (sustentabilidade) como uma proposta que constroem diferentes escolas Latinoamericanas de pensamento em
Os seres humanos, pelo contrário, podem ir além dos limites que são estabelecidos por condicionamentos negação à mercantilização monetária da natureza, e a favor do potencial de mudança que têm ou devem adquirir as culturas.

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comercialização era ainda fraca e espalhada. Victor Echeverry, presidente da fundação e a cooperativa, começa juntando lizações das quais participou Asoapia, já trazem ganhos em espaços importantes, como a relevante representatividade no
14 marcas de café em só uma marca, Granos de Paz, abrindo, assim, a perspectiva do financiamento, da produção, orga- comitê municipal e departamental de cafeeiros.
nização solidária, comercialização, distribuição e consumo do café do município. Incorporando padrões de qualidade,
Dentro da entrevista feita a Francisco José Herrera, ele salienta que o benefício da PCCC não está chegando
canalizando verbas, melhorando as relações na esfera pública e privada e incorporando estratégias de venda em pequena
aos produtores, precisa-se ir além do turismo, encadear todos os setores, pois o manejo não é o correto. Exemplo disso,
escala através de associados e amigos que levaram e ainda levam o café por diferentes países (EUA, Itália, Inglaterra, Es-
é que a institucionalidade cafeeira está procurando aderir aos produtores de café ao selo da PCCC, e não ao contrário. “É
panha, Índia, França, etc.); ademais incorporaram uma terceira empresa, Aquí Somos Paz Productos y Servicios, encarre-
um negócio que traz benefícios para quem?” —Questiona Francisco José Herrera—agregando à discussão que, “a PCCC
gada da comercialização das organizações; o que faz de Granos de Paz uma marca que sintetiza o esforço mancomunado
vai ficar só na foto, e as políticas...os verdadeiramente beneficiados...cadê? lastimosamente já não se tem muito para mos-
de muitos agentes locais, nacionais e até internacionais, isto hoje se traduz em melhor qualidade de vida e num projeto de
trar”.
desenvolvimento local que atinge a inclusão de diferentes gerações e a visão de futuro do território.
Outro estudo de caso que gostaríamos de ressaltar é Asocafé Manantial/Dosquebradas, associação que desde um
Neste sentido, que significa a PCCC para esta organização? Dentro da mesma estrutura dinâmica das organiza-
ponto de vista do trabalho que se estabelece junto com a institucionalidade cafeeira, diferença-se dos outros dois casos
ções, esta declaração representa uma oportunidade na consolidação do turismo, mostrando os atrativos do município
expostos. Esta associação nasce em 2010 com 50 associados (atualmente 235) e o apoio do Comité Departamental de Ca-
e as qualidades de seus produtos; implica ademais, espaços de publicidade abertos para este tipo de empreendimento:
feteros de Risaralda. Organização focada na produção de cafés especiais e processados, resgatando o cultivo de variedades
programas de rádio, de televisão, documentários centrados nas organizações e algumas publicações em periódicos de
como Castillo, Caturro e Borbón. Do mesmo modo, entre um 90 e 95% se vende no mercado local, o resto só é levado
alta difusão. Também a PCCC significa representação, junto com a FNC e Procolombia concedem-lhe o selo de Café de
junto com os associados para Europa, EUA e Arábia Saudita, pois ainda não se tem a capacidade de exportar grandes
Colombia por dois anos para poder exportar com maiores garantias, ademais incorporam o selo de Paisagem Cultural
quantidades como organização. Cabe destacar que o apoio do Comité Departamental e Municipal também é um ganho na
Cafetero. Vamos observar algumas diferenças que tem este empreendimento com a seguinte organização, pois o papel
participação por parte da associação dos espaços de discussão, um avanço no poder de influência na tomada de decisões
político aqui se centra mais no apoio, projeção e propulsão da iniciativa, não em uma luta de poder e uns ganhos nos
locais. Entretanto, Hugo Cadavid, gerente da associação, argumenta que a FNC precisa de grandes mudanças, problemas
espaços de tomada de decisão, como assim ocorre com Asoapia.
que pelo menos se visibilizaram nas greves cafeeiras. O gerente da associação assinala que não se pode seguir vendendo
Asoapia (Asociación de Cultivadores de Apia) é uma organização que se funda em 2005 com a entrega e só matéria-prima, precisa-se vender o grão processado, dar valor agregado ao café.
empenho de Francisco José Herrera Gallego, organização que através de uma parceria quase conatural com Agrotatamá
Sob estes argumentos, a PCCC se constrói neste caso a partir de imaginários diferentes aos já apresentados, claro,
(Agroapecuaria Orgánica Tatamá), uma organização de 20 anos de funcionamento com um papel vital na cooperação
falamos igualmente de camponeses, pequenos produtores que se associam com o intuito de melhorar sua qualidade de
técnico-administrativa e comercial de Asoapia, conseguem hoje, ter mais de 450 associados, camponeses com peque-
vida, familiar e até mesmo comunitária, todavia, o contexto é diferente, com uma organização que atua na cidade e onde
nas propriedades (entre 5 e 10 hectares), que melhoram gradualmente sua qualidade de vida e mudam junto com outras
os sítios de produção mais próximos estão a 10 ou 15 minutos, estamos então referindo-nos a uma cultura muito mais
iniciativas agroalimentares e culturais o curso do município. Atualmente, Asoapia incorpora as vantagens da economia
citadina, que vive de uma maneira mais intensa os processos urbanos. Como expõe Hugo Cadavid, o cenário muda, mas
solidária, quer dizer, união, coerência e organização em todos os processos, recursos e demais fatores que compõem a or-
os valores do cafeicultor não mudam. Em resumo, e conforme à entrevista feita ao referido autor, este salienta que com
ganização em sua estrutura, financiamento (autonomia nos créditos que provem de um Fundo Rotativo Solidário próprio
a declaração não chegou nada ainda para a associação, quiçá sim aos intermediários que utilizam a imagem da PCCC.
com retornos na poupança e outros serviços), funcionamento, objetivos, visão e até o produto final, uma síntese densa-
Possivelmente haja mais visualização mundial e alguns novos mercados de comercialização se tenham aberto, apesar e
mente sócio-espacial, que atualmente se exporta para países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Alemanha e Inglaterra,
além disso, não se conta com a estrutura necessária para melhorar essa atividade comercial. A sustentabilidade da PCCC
suportados em padrões internacionais certificados junto aos selos de qualidade com os que conta a organização (Comer-
é questionável, precisam-se de ações coerentes que reconheçam o valor da terra e do trabalho do produtor, adicionar valor
cio Justo: Fairtrade Labelling Organizations Internacional –FLO e Café Orgânico), comercialização que traz consigo um
com a transformação, distinção na produção por sítios, diminuição dos intermediários e educação não só na produção e
sobre preço que repercute nos insumos, administração, fundo de solidariedade, educação, adequação e certificação de
comercialização, também no consumo.
novos sítios e até mesmo atividades de integração e lazer.

A dinâmica de Asoapia é bastante diferente ao que observávamos no caso anterior, o papel é ativamente político e
de base social, é efervescência no jogo de poderes, no ganho de espaços na tomada de decisões. Na última greve cafeeira 8. Considerações finais
de 2014, não se obteve benefícios para os pequenos cafeicultores, pelo contrário auxílios econômicos como o programa
A construção de paisagem denota pluralidade, como fazer uma ou várias leituras de uma mesma realidade? A pai-
de Protección al Ingreso Cafetero –PIC (instrumento aplicado pela Federación Nacional de Cafeteros para proteger o
sagem é por natureza paisagem vivida, ou seja, percebida, representada, valorizada, e claro, usada. As transformações da
ingresso do cafeicultor quando o preço interno do grão baixa) ficou nas mãos dos grandes produtores, porém, as mobi-

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paisagem cafeeira compreendidas desde a cultura, implica entendê-las como processualidade histórica que começa com
os processos de ocupação (colonização antioqueña), ou seja, como materialidade (arquitetura, lavouras de café, sistema COLÔMBIA. Plan de Manejo Paisaje Cultural Cafetero. 1º Edición. Bogotá: Ministerio de Cultura e Federación Na-
cional de Cafeteros, 2009.
de transporte, biodiversidade, relevo, clima, etc.) e como imaterialidade (folclore, gastronomia, técnicas na lavoura e
na colheita, tecido relacional, etc.), é produto da dinâmica política e macroeconômica, como o Acordo Internacional
do Café e seu posterior rompimento; da institucionalidade, isto é, a Federación Nacional de Cafeteros como organização COLÔMBIA. Proyecciones de población departamentales por área 2005-2020. 1º Edición. Bogotá: Departamento
privada com funções públicas (regulação da compra e venda do café, venda de insumos, assistência técnica, emissão de Administrativo Nacional de Estadística (DANE), 2015.
certificados e permissões de exportação, etc.); e como resistência social (protestos, alternativas à monocultura e uso de
GUHL, Andrés. Café y cambio de paisaje en Colombia, 1970-2005. 1º Edición. Medellín: Fondo Editorial Universidad
agrotóxicos e participação nos espaços políticos). EAFIT, Banco de la República, 2008.

Foram apresentados três estudos de caso, três organizações que vivenciam a paisagem como fato histórico e
processo dinâmico (transformações e configuração da paisagem) e como paisagem institucionalizada, formalizada e LEFF, Enrique; ARGUETA, Arturo; BOEGE, Eckart; Porto, Carlos. Más allá del desarrollo sostenible. La construcción
regulada. Não por acaso, apreender a paisagem como forma do complexo conteúdo territorial, requer falar de um patri- de una racionalidad ambiental para la sustentabilidad: una visión desde américa latina. In: LEFF, Enrique; EZCURRA,
mônio como um reconhecimento, resgate da cultura no tempo, que precisa de compromissos para manter uma declaração Exequiel; PISANTY, Irene; ROMERO, Patricia. La transición hacia el desarrollo sustentable. Perspectivas de américa
latina y el caribe. 1º Edición. México, D.F: Universidad Autónoma Metropolitana, 2002, p. 477-580.
aparentemente estática, ante a evidente crise agrária do país e portanto no departamento, o conflito armado, o modelo
extrativista, a ineficiência, corrupção e até ausência do Estado, e diferentes obstáculos presentes na realidade cafeeira. MATEO, José. Geografía de los paisajes. 1º Edición. La Habana: Ministerio de educación superior universidad de la
Porém, também se explicita algumas demandas por parte de todos os agentes que fazem parte da PCCC, como as que se habana facultad de geografía, 2007.
apresentaram nos estudos de caso. Estratégias, visões, aspirações, desejos e conquistas diferentes num mesmo contexto, MATURANA, Humberto. La realidad: ¿objetiva o construida? II. Fundamentos biológicos de la realidad. 1º Edición.
mas que constroem uma paisagem percebida, representada e valorizada de maneira diversa, por meio da participação Guadalajara: Editorial Anthropos, 1995.
política, das estratégias de financiamento, produção, comercialização e consumo, e um complexo de relações que confi- SAQUET, Marcos. Abordagens e conceitos de território. 1° Edição. São Paulo: Editora expressão popular, 2007.
guram o agir particular de cada organização, a percepção e contribuição ao que denominamos neste artigo de sustentabi-
SINGER, Paul. Desenvolvimento capitalista e desenvolvimento solidário. Estudos Avançados. São Paulo, v.18, 2004.
lidade territorial, que em consequência se traduz na permanência da paisagem, na coerência das práticas sócio-espaciais
sobre os ecossistemas, e a organização mesma da sociedade como natureza vivida e transformada. KAPRON, Sérgio. Economia popular solidária: política pública para o desenvolvimento. In: MANCE, Euclides. La
revolución de las redes. La colaboración solidaria como una alternativa pos-capitalista a la globalización actual. 1º Edi-
ción. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

REFERÊNCIAS

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Universitaria Autónoma de Occidente, 2003.
ELIZALDE, Antonio. Ética ambiental: la bioética y la dimensión humana del desarrollo sustentable. Valores y redes
de solidaridad. In: LEFF, Enrique; EZCURRA, Exequiel; PISANTY, Irene; ROMERO, Patricia. La transición hacia
el desarrollo sustentable. Perspectivas de américa latina y el caribe. 1º Edición. México, D.F: Universidad Autónoma
Metropolitana, 2002, p. 381-401.

DUARPE, Maria. A (re)significação da paisagem no período contemporâneo. In: ROSENDAHL, Zeny; LOBATO COR-
RÊA, Roberto (Orgs). Paisagem, imaginário e espaço. 1º Edição. Rio de Janeiro: edUERJ, 2001.

BARÓN, Juan. Geografía Económica de los Andes Occidentales. Revista de Economía del Rosario, Bogotá, n.123.
Universidad del Rosario. 2010. Disponível em: http://www.banrep.gov.co/sites/default/files/publicaciones/archivos/DT-
SER-123.pdf. Acesso em: 20 de junho de 2015.

BOHÓRQUEZ, Leonardo. Expresiones de un patrimonio intangible. Revista UNP, Bogotá, n. 85. Universidad Nacio-
nal de Colombia. 2006. Disponível em: http://historico.unperiodico.unal.edu.co/Ediciones/85/12.htm. Acesso em: 29 de
março de 2015.

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PAISAGISMO AGROECOLÓGICO Introdução
O projeto político pedagógico do Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR Litoral) possui uma
proposta diferenciada, que fundamenta-se em projetos de intervenção dos educandos junto às comunidades envolvidas,
buscando contribuir para o seu desenvolvimento emancipatório no que diz respeito aos aspectos científico, econômico,
Ana Christina Duarte Pires1; Gilson Walmor Dahmer2
ecológico e cultural. Isso é resultado da forte interação entre a comunidade da UFPR Litoral e a comunidade litorânea
na construção de um novo ciclo de desenvolvimento regional (UFPR Litoral, 2006). Os estudantes são formados de
forma que possam identificar a problemática das comunidades, a fim de que possam propor alternativas reais e viáveis
RESUMO para o estímulo do crescimento social e econômico regional. Para isso, as atividades de ensino, pesquisa e extensão são
realizadas de forma integrada, uma vez que o acesso ao conhecimento científico é proporcionado de forma vinculada às
O projeto teve como base a orientação às comunidades envolvidas pelo Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) na fundamentação de conceitos sobre jardins sustentáveis, com a valorização de plantas ornamentais endêmicas necessidades da comunidade local.
do litoral do Paraná integradas com saberes tradicionais sobre plantas da região. Na fase inicial do projeto foi realizado Nesta proposta, a organização curricular integra o saber científico, pelos Fundamentos Teórico Práticos, com
um diagnóstico a partir de relatos de pessoas da comunidade, resgate bibliográfico e registro de imagens que representam os espaços regulares de Interações Culturais e Humanísticas e de prática através dos Projetos de Aprendizagem, todos
o cenário atual da área de atuação do projeto. Essa foi a base de dados para a elaboração e desenvolvimento dos quintais
fazendo parte da carga horária de cada curso.u Assim, o projeto Paisagismo Agroecológico foi gerado a partir de uma
e jardins agroecológicos. A partir daí, uma série de ações foram executadas pelos alunos do Curso de Tecnólogo em
Agroecologia da UFPR, envolvendo plantio e distribuição de mudas, espaços de convívio e troca de sementes e mudas e atividade desenvolvida no espaço pedagógico de Interações Culturais e Humanísticas entre a comunidade acadêmica e
construção da praça agroecológica nos arredores da Universidade. população próximo ao Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná, no município de Matinhos, e foi desenvolvido por
estudantes, docentes, técnicos e educadores infantis no período de agosto de 2013 a dezembro de 2014.
Palavras-Chave: agroecologia; educação ambiental; sustentabilidade; paisagismo
Por atender a comunidade urbana e rural do litoral do Paraná, as ações realizadas tiveram como principais enfoques
o apoio a construção de hortas e educação ambiental nas escolas e o cultivo de hortas, jardins e pomares urbanos em
ABSTRACT espaços públicos, utilizando diversas técnicas agroecológicas. Essas ações originaram uma demanda de uma continuidade
das atividades de uma forma permanente, visto que foi constatado um grande interesse e envolvimento dos estudantes,
This project was based on the guidance to the communities involved by Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná
educadores e integrantes da comunidade do município. Tudo isso contribui com a amplitude do potencial agroecológico
(UFPR) in the grounds of concepts of sustainable gardens, with the appreciation of endemic ornamental plants of the
coast of Paraná integrated with traditional knowledge about plants in the region. In the initial phase of the project a como forma de sustentabilidade do litoral paranaense, visto que resgata alguns saberes que foram esquecidos na associação
survey was carried from people in the community reports, bibliographic rescue and record images that represent the das atividades econômicas dos habitantes do litoral brasileiro com pesca e alguns cultivos de subsistência como mandioca
current scenario of the project scope. That was the database for the design and development of yards and agroecological e feijão. Este trabalho ampliou a visão desses habitantes sobre o potencial produtivo de seus espaços ociosos e/ou
gardens. From there, a series of activities were carried out by students Technologist Course in Agroecology from UFPR,
públicos, de forma a conscientizar essa população sobre a ocupação desses espaços com atividades que lhe proporcionem
involving planting and distribution of seedlings , living spaces and exchange of seeds and seedlings and construction of
agroecological plaza outside the University . alimentação e lazer, importância essa frisada por ADAMS, 2000.
A fim de lançar o Paisagismo Agroecológico além da definição estética, promovendo sua associação com a
Keywords: agroecology; environmental education; sustainability; landscaping produção de alimentos saudáveis acessíveis a todas as faixas da população, visto a ser desenvolvido em espaços públicos,
desenvolveram-se, na prática, conceitos de segurança e soberania alimentar. A segurança alimentar, como conceitua
SOUZA, 2009, se configura em uma necessidade para assegurar alimentação à população em modo permanente. Dessa
forma procurou-se, com os jardins ecológicos, incentivar a ocupação de espaços públicos ociosos e de solo muitas vezes a
descoberto, como uma opção de cultivo de plantas alimentícias associadas a plantas medicinais e também com a finalidade
estética e recreativa. Assim, despertaram-se conceitos éticos de que os alimentos saudáveis podem ser disponibilizados
para todos e é dever de cada cidadão conservar o ambiente para as gerações futuras.
Os jardins agroecológicos são considerados sustentáveis, pois articulam aspectos ecológicos, ambientais, éticos,
econômicos, políticos e culturais. Assim, a continuidade dos estudos e o aprofundamento das práticas fazem com que
esse agroecossistema mantenha-se socioambientalmente produtivo ao longo do tempo, conforme frisam CAPORAL &
1 Professora da UFPR Setor Litoral. anachrisdp@gmail.com COSTABEBER, 2002. Ao se implantar este tipo de jardim, estimula-se a biodiversodade necessária para o cultivo do solo
2 Professor da UFPR Setor Litoral e estudante do Programa de Pós Graduação em Ciência do Solo da UFPR. gwdahmer@gmail.com

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e identifica-se espécies nativas e companheiras de forma a construir um ambiente de produção segura e eficiente, o que Nativas; Sistema Ecológico; Adubações, compostagem e reaproveitamento de resíduos; Escalonamento Sucessional
remete aos parâmetros ecológicos e culturais que constituem a sustentabilidade. Com a possibilidade de consumo dos de Vegetais; Contrastes de Paisagens; Métodos para reprodução de Plantas; Podas; Planejamento Paisagistico;
alimentos, na forma in natura ou como temperos ou medicinais, agrega-se o valor econômico ao sistema, e associado à Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Equipamentos de Jardinagem.
acessibilidade deste consumo, também o parâmetro ético. Os parâmetros politoco e cultural também são preservados pois O projeto envolveu professores, servidores técnico-administrativos, servidores da manutenção, estudantes e
as atividades são desenvolvidas em grupo e os seus resultados são abertos à participação da comunidade. pessoas da comunidade. Foi realizado um programa de capacitação para os envolvidos no projeto, através de articulação
com o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) do Paraná, onde foram ministrados cursos e oficinas nos
temas de: Jardinagem, Floricultura, Cultivo de Banana e Abacaxi, com visitas técnicas e aberto aos integrantes da
comunidade interna e externa da universidade.
Sobre os dados e referências identificados na primeira fase, foram elaborados projetos de jardinagem e paisagismo
agroecológico nos espaços selecionados.
Paralelamente, foi desenvolvido no especo interno do Setor Litoral da UFPR viveiros de mudas de espécies nativas
e de outras espécies que atuam como companheiras dessas. Essas mudas foram usadas na implantação dos jardins
agroecológicos, |os estudantes também promoveram, feiras e encontros de troca de sementes crioulas e de mudas de seu
cultivo próprio, em momentos de integração entre cursos e comunidade do municípios de Matinhos.
O projeto, pelo seu respaldo junto à comunidade universitária, gerou a demanda de 2 bolsistas, durante 12
meses, proporcionadas pela Pró Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) e do Setor Litoral da UFPR. E estando o
grupo organizado de forma autônoma, foram realizadas as seguintes atividades: articulação com possíveis parceiros,
Figura 1 – Jardim Agroecológico
fornecedores de material e beneficiados; coleta de material e manutenção de equipamento; preparação de material
Fonte: estudante Wilson Rubens Neto
vegetativo; construção de estruturas de apoio aos viveiros de mudas e ornamentação dos jardins; registro fotográfico;
produção de material didático escrito; assessoria, manejo reparos e manutenções nas estruturas construídas.; apresentação
Em virtude da necessidade de relacionar e integrar as várias atividades que ocorrem nos municípios do
do trabalho realizado em eventos da universidade;
litoral paranaense, motivadas pela comunidade acadêmica, essa proposta justificou-se pela falta de fomento a uma
Durante a execução do projeto, foram utilizados os resíduos sólidos do Restaurante Universitário para
maior participação da comunidade junto as atividades do setor. Com a implantação do projeto, procurou-se suprir o
compostagem, produzindo adubo orgânico para a produção e plantio das mudas nos espaços ao redor da Universidade
distanciamento social entre alguns setores da comunidade dos municípios litorâneos e promover a construção de um
e nas escolas. Essa ação possibilitou a reflexão sobre o aproveitamento de resíduo sólido doméstico como fonte de
banco de dados sobre projetos sociais relacionados a esse tema, suas potencialidades e dificuldades para envolvimento
produção de adubo orgânico, ecologicamente e ambientalmente sustentável e de custo zero, o que representa uma
da comunidade do município.
economia de recursos financeiros para quem o produz e ao mesmo tempo destina os resíduos para aproveitamento,
Este projeto representou uma ação de contrapartida da Universidade à comunidade do litoral oferecendo
reduzindo dessa forma o desperdício e a poluição dos solos e reservatórios de água, assim como favorecendo a melhoria
educação ambiental, hortas, pomares, estruturas e técnicas agroecológicas. Dessa forma, o trabalho foi realizado através
da estrutura do solo.
da construção de ambientes paisagísticos, de estruturas circulares e dos cultivos agroecológicos
De forma integrada às atividades de paisagismo agroecológico, foram desenvolvidos ambientes circulares
Os objetivos deste projeto foram: proporcionar a construção de um conhecimento paisagístico agroecológico
paisagísticos no sentido educativo de espaços de aprendizagem, proporcionando conforto, sombra e base para o apoio
para o planejamento de jardins sustentáveis; gerar possibilidades de renda para pessoas da comunidade local; melhorar a
das plantas. Essas estruturas priorizaram a utilização de material sustentável (principalmente o bambu) o formato
qualidade de vida com práticas de jardinagem e com ambientes agradáveis aos sentidos; promover a educação ambiental
circular e as técnicas de tensegridade. Nesses espaços circulares, percebeu-se que foram promovidas formas alternativas
através das práticas e de ambientes paisagísticos
e mais dinâmicas de sinergia entre grupos de pessoas. A base da reflexão são fundamentos históricos onde povos que
habitavam em moradas circulares atingiam maior grau de união, e era comum que houvesse entre eles o sentimento de
Relato da experiência
tribo (como os índios), que de forma cooperativa lhes tornavam mais capazes de realizar seus objetivos. Percebeu-se
Em espaços urbanos públicos do município de Matinhos, litoral do Estado do Paraná, foram mapeadas áreas com
que a geometria de um ambiente pode transformar as interações humanas.
potencial de aproveitamento para promover a segurança alimentar do município através do cultivo agroecológico de
espécies vegetais alimentícias, para consumo humano e da fauna.
Os temas abordados para os estudos iniciais foram: Fisiologia e Morfologia Vegetal, Pedologia, Espécies Vegetais

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Considerações Finais
A avaliação foi realizada ao final de cada semestre, quando foram apresentados os resultados dos trabalhos e
preparadas as novas ações. Esta avaliação somativa teve a finalidade de construir um panorama com a visão geral do
desempenho do estudante enquanto grupo (Black $ Wiliam, 1998). O método foi o de auto-avaliação dos participantes
tanto na forma coletiva quanto individual, com descrição da evolução da praxis e da teoria utilizada na fundamentação
do tema do projeto.
Os estudos iniciais sobre espécies vegetais e condições gerais do solo do local proporcionaram um despertar
sobre a ligação entre saberes científicos com as práticas efetuadas na construção dos jardins. Dessa forma, diferentes
percepções sobre o tema foram incentivadas e expostas ao final de cada semestre, na realização do Festival de Interações
Culturas e Humanísticas, realizado semestralmente no Setor Litoral, onde os estudantes tiveram a oportunidade de expor
suas reflexões e também apresentar o que foi produzido para a comunidade universitária. Esses fechamentos permitiram
as reflexões articulando os fundamentos adquiridos no curso de Agroecologia com as práticas ecológicas de jardinagem,
consolidando a articulação entre os saberes acadêmicos e os de prática. Assim, obteve-se uma familiaridade de saberes,
Figura 2 – Montagem de estrutura de bambu como apoio para crescimento de plantas e criação de um nicho de sombra
Fonte: acervo dos autores quebrando a estranheza que pode ser causada pelo fato de esses saberes estarem “organizados em categorias gerais e
abstratas e idealizarem, fragmentarem e simplificarem a prática concreta e complexa” (Fiorentini, 2001, p. 310).
Os produtos foram resultado do trabalho que permanecerá nos lugares onde foram montadas exercendo suas
O projeto também foi enriquecido com espaços de interação com as crianças de escolas do entorno do Setor determinadas funções, sejam estruturas, cultivos agroecológicos e seus frutos, parquinhos, estufas ou mesmo o próprio
Litoral, como o Centro Municipal de Educação Infantil Caminho Alegre. Em um primeiro momento, os estudantes aprendizado. Considera-se que foram proporcionados espaços agradáveis de sombra e de percepção sensorial como
visitaram as escolas para contato com a Direção e proposta dos momentos de integração. Após, foram planejados e aromas e sabores, mostrando à população do município que pequenos espaços, muitas vezes ociosos, podem constitui-se
executados encontros com os estudantes envolvidos no projeto, para momentos de educação ambiental. Assim, além do em espaços de produção de alimentos e sensações agradáveis tanto visual como sensorialmente. Além disso, demonstrou-
trabalho dos educandos nos espaços públicos, recepção das crianças para o plantio de mudas de árvores no entorno e se que o consórcio de plantas compatíveis possibilita a ampliação da diversidade de possibilidade de alimentação saudável
no interior do campus do Setor Litoral da UFPR. A ação foi tão positiva que gerou demanda, solicitada pela direção das e de qualidade.
escolas, para a continuidade do projeto, dessa vez com atuação dentro das próprias escolas, na construção de hortas e Na continuidade do projeto pretende-se desenvolver materiais didáticos, escritos e/ou audiovisuais a serem
produção de composto. publicados

Referências bibliográficas:
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content/uploads/2015/02/PPP-UFPR-LITORAL_Set-2008_Alteracao_Dez-2008.pdf. Acesso em 16/06/2015
Figura 3 – Encontro com as crianças do CMEI Caminho Alegre para plantio de mudas em comemoração ao Dia da Árvore
Fonte: Acervo dos Autores

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CASOS DE SUCESSO DE PRODUTORES CERTIFICADOS PELO PROGRAMA PARANAENSE DE CER- two growers planning to expand/diversify the production. Public policies as OPCPP are very important, and the data col-
TIFICAÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS, NÚCLEO GUARAPUAVA lected in such programs can be used for the implementation and/or strengthen of publics policies and programs, besides
increasing the visibility of the problematic.
Débora AnzolinValginhak1; Dione Azevedo; Thyron Cristovão Korobinski; Leonardo Zabot Anderle; Jackson Kawaka-
mi
Keywords: Sustainable agriculture; agroecology; public policies; public health.

RESUMO

A Revolução Verde foi um processo de modernização da agricultura que buscava aumentar a produção de alimentos para Introdução
acabar com a fome da população, tendo o auxílio de investimentos do governo que contribuíram para o uso indiscrimi- A partir da década de 1940 a agricultura mundial iniciou um processo de modernização que ficou conhecido como
nado dessas novas tecnologias e insumos e acabaram causando um grande impacto ambiental. Com isso, surgiram vários Revolução Verde. Esse processo consistia no uso de insumos químicos, técnicas produtivas e mecanização do campo com
movimentos populares que buscavam uma agricultura sustentável, como a produção orgânica, que utiliza apenas técnicas
a finalidade de aumentar a produtividade e acabar com a fome da população que se encontrava em pleno crescimento
que respeitam o meio ambiente e a saúde. No Brasil o Estado do Paraná tem se destacado nessa atividade, sendo o Pro-
grama Paranaense de Certificação de Produtos Orgânicos (PPCPO) um exemplo de política estadual, por ser responsável (NUNES, 2007). Isso ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, pois as indústrias bélicas e químicas sentiram a necessi-
pela certificação gratuita de agricultores familiares. Pouco se sabe ainda sobre os produtores que comercializam produtos dade de aproveitar seu maquinário e tecnologia de produção de venenos destinados a guerra, dedicando-se à fabricação
orgânicos, sendo o objetivo desse trabalho caracterizar três deles e relatar os casos de sucesso. Para a realização dessa de máquinas e defensivos agrícolas (ANDRADES e GANIMI, 2007).
pesquisa foi utilizado um questionário contendo dez perguntas abertas, que foram respondidas por entrevista telefônica
Entretanto, os impactos negativos causados por essa nova forma de produzir alimentos foram altos, principalmente devido
pelos produtores Sr.ª Scheila, Sr. Altino e Sr. Manuel. Verificou-se que a melhoria na saúde dos próprios agricultores é
o principal motivo para a adoção desse modo de produção, seguido pela preocupação ambiental; os locais de venda ao aumento no número de políticas públicas e investimentos para a modernização da agricultura, que contribuíram para
são bastante diversificados e dois produtores relataram que certificariam a produção mesmo sem a existência do PPCPO o uso massivo dessas tecnologias e insumos, passando a afetar a disponibilidade e qualidade da água, do ar e do solo,
devido à venda para merenda escolar, mostrando a importância dos programas para a renda dos produtores. As principais gerando impactos ambientais que exigiram e exige dos ecossistemas uma grande resiliência (SOARES, 2010).
dificuldades encontradas são a carência de assistência técnica e mão de obra especializada, fazendo com que apenas dois
Em resposta às diversas mudanças provocadas no ambiente, no mesmo período surgiram movimentos populares
produtores sintam vontade de expandir/diversificar a produção. Programas governamentais como o PPCPO são muito
importantes, sendo que dados obtidos em tais programas servem de base para a criação e/ou fortalecimento de políticas que buscavam uma agricultura integrada com o ambiente e que contrapusesse o modelo consumista da agricultura con-
e programas públicos, além de aumentar a visibilidade para a problemática. vencional, apesar de ainda não haver normas ou regulamentos que padronizassem esses sistemas orgânicos (ORMOND
et al., 2002; ALVES et al., 2012). No Brasil, essa regulamentação só surgiu na década de 1990, impulsionada pela movi-
mentação internacional, pelo aumento da produção e da procura por esses alimentos (MEDAETS e FONSECA, 2005).
Palavras-Chave: Agricultura sustentável; agroecologia; políticas públicas; saúde coletiva. Dessa forma, entende-se por orgânico todo alimento obtido sem a utilização de qualquer tipo de agrotóxico e ou-
tros insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente modificados ou radiações ionizantes. Esses elementos são ex-
cluídos de toda a cadeia produtiva, ou seja, do processo de produção, transformação, armazenamento e transporte, sempre
ABSTRACT
visando à conservação do meio ambiente e da saúde de todas as formas de vida (DAROLT, 2007).
The Green Revolution was a modernization process of the agriculture that tried to improve the food production to fight Nos últimos anos a produção de orgânicos tem se expandido no Brasil, passando de 6.719 agricultores que optaram por
against the hunger, with the help of government investment. This investment contributed to the large use of the new esse sistema em janeiro de 2014 para 10.194 em janeiro de 2015 (MAGALHÃES, 2015), sendo que o faturamento que era
technologies and inputs that caused high negative environmental impact. In this scenario, many popular activities arouse.
These activities focused in a sustainable agriculture, like the organic production, which uses just environment- and de R$2 bilhões em 2014 deve fechar este ano com R$2,5 bilhões, apresentando uma alta de 30% (SANTOS, 2015). Nesse
health-friendly techniques. In Brazil, Parana State highlights in this activities. The Organic Product Certification Pro- cenário, o Paraná se destaca por ser o estado responsável pela terceira maior produção de orgânicos do país, produzindo
gram of Parana (OPCPP) is an example of public policy, because it is responsible for free certification of small growers. aproximadamente 140 mil toneladas anualmente (RPC TV, 2015).
There is still little information about the growers who sell organic products, and this study defined the three successful
cases of such growers. In this study, a questionnaire with ten questions was used and was telephone-answered by the Um dos motivos que pode ter elevado o Paraná a esse patamar foi a criação do Programa Paranaense de Certifica-
growers: Mrs. Scheila, Mr. Altino and Mr. Manuel. It was verified that the promotion of the growers’ health was the ção de Produtos Orgânicos (PPCPO) em 2009. Esse programa surgiu da parceria entre a Secretaria de Estado da Ciência,
main cause for the adoption of this way of production, followed by environment awareness; the selling points are varied
and two growers state that they would certificate their production even without the assistance of OPCPP, because they Tecnologia e Ensino Superior (SETI), Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) e instituições de ensino superior do
can sell to the scholar meals. This fact shows the importance of public policies for the income of the growers. The main Estado, com o objetivo de promover a certificação gratuita desses produtores, pois segundo Castro Neto et al. (2010) a
difficulties faced by the growers were the shortage of technical specialized assistance and working labor, resulting in just certificação custava em torno de R$2 mil em 2010.
1 Universidade Estadual do Centro-Oeste, davalginhak@gmail.com

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Apesar do aumento no número de certificações, a atividade do programa ainda é recente, e por este motivo pouco
se conhece sobre os produtores certificados e suas conquistas. Dessa forma, o presente trabalho buscou caracterizar três
produtores orgânicos certificados a partir de 2012 pelo PPCPO, fase II – Núcleo Guarapuava, visando relatar as experiên-
cias de sucesso vivenciadas por esses produtores pós-certificação.

Metodologia

Para o desenvolvimento desse trabalho foi realizada uma pesquisa exploratória qualitativa, e como instrumento de
pesquisa a utilização de um questionário com dez perguntas abertas de caráter agroecológico e socioeconômico. O méto-
do utilizado para obtenção das respostas foi por entrevista telefônica, escolhido devido as suas inúmeras vantagens, como
menor disponibilidade de recursos financeiros para se ter acesso aos entrevistados que residem em diferentes cidades, Figura 2 - Produção de vegetais orgânicos na propriedade do Sr. Altino.
rapidez na coleta de dados e segurança da obtenção das respostas.

Os questionários foram respondidos em abril de 2015 por três agricultores familiares certificados com o auxílio do
PPCPO – Núcleo de Guarapuava: Sra. Scheila (figura 1), residente em Porto Vitória e Sr. Altino (figura 2), residente em
Guarapuava, ambos com certificação de produção primária vegetal; e Sr. Manuel (figura 3), residente em Rio Azul com
certificação de produção animal de leite orgânico e processamento do leite.

Figura 3 - Produção de leite orgânico na propriedade do Sr. Manuel.

Resultados e Discussão

Os dados obtidos por meio das entrevistas realizadas com os três produtores orgânicos podem ser observados no
quadro 1.
Figura 1 - Produção de vegetais orgânicos na propriedade da Sra. Scheila.

Quadro 1 - Questões respondidas pelos produtores orgânicos

Questões Sra. Scheila Sr. Altino Sr. Manuel


Motivação para pro- Saúde e meio ambien- Saúde Saúde, meio ambiente
dução de orgânicos te e dever social
Período de utilização 14 anos 13 anos 11 anos
de técnicas agroeco-
lógicas

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Período de certifica- 6 meses 1 ano 6 meses nas feiras realizadas na cidade, diretamente com os consumidores e em uma lanchonete, mas afirmou ter dificuldades na
ção orgânica venda dos produtos devido à falta de conhecimento da população, que ainda prefere comprar esse tipo de alimento nos
Certificação caso não Sim Não Sim grandes mercados. A produtora Scheila vende em feiras e mercados da cidade, para a merenda escolar e diretamente aos
houvesse o programa consumidores, e afirmou não ter encontrado dificuldades na venda dos produtos em nenhum momento, provavelmente,
Local de venda dos Feiras e mercados da Lanchonete, feiras da Merenda escolar,
segundo ela, por residir em uma cidade pequena de interior, onde os moradores dão preferência aos produtos orgânicos.
produtos cidade, merenda esco- universidade e da pre- mercados e direta-
lar e diretamente com feitura e diretamente mente com os consu- O produtor Manuel vende para merenda escolar, nos mercados e diretamente aos consumidores, e comentou ter encontra-
os consumidores com os consumidores midores do resistência devido à falta de conhecimento da população apenas no início de sua produção. Já em 2013, Ferreira et al.
Escolaridade do pro- Superior completo Ensino médio com- Superior completo (2014) identificaram, por meio de visitas às propriedades agroecológicas, a importância dos programas governamentais
dutor pleto de aquisição de alimentos e da venda direta ao consumidor para a obtenção de renda dos agricultores familiares da região
Outra fonte de renda Produção de leite e Motorista escolar e Mãe – aposentada e
atendida pelo PPCPO – Núcleo Guarapuava, que compreende o Paraná-Centro, Centro-Sul e Cantuquiriguaçu.
trabalho na cidade aposentado pensionista
Dificuldades encon- Controle de pragas; Falta de conhecimen- Início: da produção Políticas públicas de aquisição de alimentos para a merenda escolar como o Programa Nacional de Alimentação
tradas Assistência técnica; to da população que houve resistência de-
Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) apresentam como uma de suas prioridades a aquisição de
Mão de obra especia- geralmente tem pre- vido à falta de conhe-
lizada; Preço similar ferência por produtos cimento da popula- alimentos oriundos de fornecedores certificados como orgânicos, podendo pagar até 30% a mais do que para produtos
ao convencional maiores e de melhor ção; Atualmente: mão da agricultura convencional, pois admite-se que esses produtos estão diretamente relacionados a segurança alimentar,
aparência; Controle de obra especializada; ao desenvolvimento regional sustentável e ao cuidado com o ser humano e o meio ambiente (FUNDO NACIONAL DE
de pragas; Preço simi- Assistência técnica
DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, 2014). Dos produtores entrevistados, dois afirmaram realizar a venda de
lar ao convencional
Vontade de expandir/ Sim. Produção de Não, já ocorre a pro- Sim. Aumentar a seus produtos para a merenda escolar, sendo que esses mesmos produtores relataram que certificariam a produção mes-
diversificar a produ- frutas dução de aproximada- produção do leite e mo sem a existência do PPCPO. Darolt (2002) expôs a importância da utilização de alimentos orgânicos de produtores
ção mente 20 culturas expandir para culturas regionais na merenda escolar, pois dessa forma é possível fortalecer a economia local, viabilizar a produção familiar e a
vegetais, devido à alta permanência dos agricultores no campo.
procura
Dicas aos novos pro- Persistência e orga- Seguir requisitos exi- Persistência e orga- Com relação à escolaridade, Mazzoleni e Nogueira (2006) afirmam ser um fator importante, juntamente com a
dutores orgânicos nização por parte do gidos, pois a certifi- nização por parte do
experiência em outras atividades profissionais, para desencadear o processo de transformação para escolha do sistema
produtor, pois o mer- cação é um processo produtor, pois o mer-
cado é bom bem criterioso cado é bom orgânico e da certificação dos produtos obtidos. No presente trabalho constatamos esse fato, pois os três produtores pos-
suem alta escolaridade e quando questionados sobre outra fonte de renda, dois deles informaram trabalhar também em
A realização dessa pesquisa mostrou que o principal fator motivacional para a produção de orgânicos é a saúde, outras atividades na cidade.
sendo que um dos entrevistados ressaltou o dever que os produtores têm em oferecer alimentos saudáveis ao consumi-
dor, sem agredir ao meio ambiente. Resultado semelhante foi encontrado por Turra e Ghisi (2004) após entrevista com Analisando as dificuldades encontradas na produção orgânica, o controle de pragas e a venda dos produtos orgâ-
oito produtores orgânicos de laranja, em que cinco deles afirmaram ter adotado essa técnica pelo quesito saúde, seguido nicos com preço de produto convencional, e principalmente a carência de assistência técnica e de mão de obra especiali-
por respeito ao meio ambiente. zada são fatores que prejudicam a produção orgânica, sendo esses dois últimos itens também mencionados por diversos
produtores como limitantes para a maior expansão do sistema agroecológico (BARBÉ, 2009; MICHELLON et al., 2014;
Esse resultado pode estar relacionado ao fato de que os entrevistados são produtores da agricultura familiar que PADUA-GOMES et al., 2014).
se alimentam dessa produção e muitas vezes residem na propriedade, não querendo correr os riscos trazidos pela utili-
zação dos insumos químicos utilizados na agricultura convencional. Os dados obtidos quando questionado o período de Ainda como dificuldade de venda, um dos itens que merece atenção foi o relato de um dos produtores que afirmou
utilização de técnicas agroecológicas na produção reafirma essa hipótese, pois é uma atividade mantida há longo prazo. que a falta de conhecimento da população interfere na preferência por esses produtos, pois os vegetais maiores e de me-
Segundo Pelinski et al. (2006), a diminuição dos gastos com a saúde ocasionados pela segurança alimentar advinda do lhor aparência produzidos pelo sistema convencional são mais procurados. Darolt (2007) listou alguns mitos e verdades
uso desses produtos faz com que a produção destinada ao autoconsumo seja considerada uma renda para a família. sobre os alimentos orgânicos, e um dos mitos citados, ainda muito difundido, é o pensamento de que os produtos orgâ-
nicos são menores e mais feios. Segundo ele, os vegetais orgânicos têm tamanho e aspectos normais, sendo os vegetais
Com relação à comercialização dos produtos pode-se verificar um mercado bem amplo: o produtor Altino vende convencionais maiores do que o normal devido ao uso excessivo de fertilizantes.

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Apesar das dificuldades encontradas nesse sistema de produção, dois produtores apresentaram interesse em expandir/ Rio de Janeiro, v. 44, n. 2, p. 263-293, 2006.
diversificar a produção, e citaram a persistência e organização como fatores importantes para o sucesso nesse mercado.
MEDAETS, Jean P.; FONSECA, Maria Fernanda A. C. Produção orgânica: regulamentação nacional e internacio-
nal. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário: NEAD, 2005. 104 p.

MICHELLON, Ednaldo; JUNG, Lígia M.; DANIEL, Márcio A.; MEIRA, Fernanda Maria; MESSIAS, Samireille S. A
Conclusão experiência da certificação pública de produtos orgânicos. In: SEMINÁRIO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA
REGIÃO SUL, 31., 2014, Florianópolis. Anais do 31º SEURS. Florianópolis: UNIPAMPA, 2014.
Apesar do grande número de pesquisas realizadas para se conhecer o perfil dos consumidores de produtos or-
gânicos, poucos são os trabalhos referentes à caracterização dos produtores desses alimentos, personagens diretamente NUNES, Sidemar P. O desenvolvimento da agricultura brasileira e mundial e a idéia de Desenvolvimento Rural.
Curitiba: DESER, 2007. 15p.
envolvidos na busca da soberania e segurança alimentar. Esse tipo de trabalho ajuda a entender não apenas os aspectos
positivos desse sistema para o ser humano e o meio ambiente, mas também os problemas e dificuldades encontradas em ORMOND, José G. P.; PAULA, Sergio R. L.; FILHO, Paulo F.; ROCHA, Luciana T. M. Agricultura orgânica: quando
todo o processo, subsidiando com informações as instituições públicas para que essas possam contribuir para a criação o passado é futuro. Rio de Janeiro: BNDES Setorial, 2002. 32p.
e/ou fortalecimento de políticas e programas que auxiliem os agricultores tanto no processo de produção, quanto de co- PADUA-GOMES, Juliana B.; BEZERRA, Gleicy J. NASCIMENTO, Jaqueline S.; SCHLINDWEIN, Madalena M.; PA-
mercialização dos produtos obtidos, além de promover uma maior visibilidade à problemática. DOVAN, Milton D. Produção orgânica no Assentamento Itamarati, em Ponta Porã, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil.
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A REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA: NÚCLEO SUDOESTE DO PARANÁ (BRASIL) Introdução

Este texto foi elaborado a partir das atividades de pesquisa realizadas no projeto “As territorialidades e tempo-
Marcos Aurelio Saquet1; Raquel Alves de Meira2; Leila Maria Panho3
ralidades na agricultura camponesa (agro)ecológica”, em seis municípios do Sudoeste paranaense, tendo como objetivo
principal compreender as territorialidades e as temporalidades que caracterizam a agricultura camponesa (agro)ecológica
a partir de 1990, tentando qualificar a opção teórico-metodológica adotada a partir da pesquisa empírica e reflexiva, e
RESUMO
gerando subsídios sistematizados que possam ser utilizados na construção participativa de projetos de desenvolvimento
No presente texto apresentamos alguns dos resultados das nossas pesquisas referente a atuação da Rede ECOVIDA territorial em redes locais de cooperação, projetos voltados para a produção de alimentos sem o uso de insumos químicos,
de Agroecologia, as relações que se estabelecem entre ela e os produtores agroecológicos no processo de certificação
participativa, que faz parte de um dos objetivos propostos em nosso projeto de pesquisa intitulado “As territorialidades para a preservação na natureza e para a valorização do patrimônio territorial das famílias camponesas. Os municípios
e temporalidades na agricultura camponesa agroecológica”, no qual buscamos compreender as territorialidades e as estudados são Ampére, Flor da Serra do Sul, Francisco Beltrão, Itapejara d’Oeste, Marmeleiro e Verê (Sudoeste do Para-
temporalidades que caracterizam a agricultura camponesa agroecológica nos municípios de Ampére, Flor da Serra do ná). O projeto conta com financiamento da Fundação Araucária (Edital Pesquisa Básica e Aplicada 24/2012) e do CNPq
Sul, Francisco Beltrão, Itapejara d’Oeste, Marmeleiro e Verê (Sudoeste do Paraná) a partir de 1990. Neste texto sinteti- (Edital Universal 14/2013).
zamos algumas informações da pesquisa bibliográfica e documental realizada até o momento, destacando a formação e
manutenção da mesma, processo de Certificação Participativa e manutenção do selo, identificando aspectos da cultura Nesta oportunidade, procuramos sintetizar os resultados conseguidos analisando a atuação da Rede ECOVIDA de
camponesa reproduzida historicamente.
Agroecologia nos municípios pesquisados, destacando a sua formação, as atividades que realizam voltadas para a certifi-
cação participativa e sua organização em núcleos descentralizados ligados em rede.
Palavras-chaves: Rede Ecovida; Certificação Participativa; Agroecologia. Inicialmente, é importante destacar que a colonização efetiva do Sudoeste paranaense foi promovida pelo Estado a
partir de 1940, quando a aliança entre agentes econômicos e políticos incentivou a ocupação desta região de fronteira e a
acumulação capitalista, que se deu por meio da expansão da produção agrícola e da sua comercialização. Essa colonização
consolida a existência de pequenos estabelecimentos produtores de alimentos com base no trabalho familiar, ao mesmo
NETWORK OF AGROECOLOGY ECOVIDA: CORE SOUTHWEST PARANÁ (BRAZIL) tempo, que atende a uma lógica de planificação estatal e do mercado (SANTOS, 2008; ALVES et al, 2004).

Até a década de 1960, no Sudoeste do Paraná, o trabalho e a produção mercantil foram baseados em atividades
ABSTRACT que exigiam menor dispêndio financeiro, como a erva-mate, a criação de porcos e o cultivo de feijão. Com o aumento das
redes de circulação e comercialização, outras atividades agropecuárias são constituídas, porém, sem romper totalmente
This dissertation will show some results from our research related to the Rede ECOVIDA’s performance (specifically its
a organização territorial inicial formada a partir da chegada dos migrantes vindos de Santa Catarina e do Rio Grande do
Southwestern of Paraná subsidiary), as well as its relations with the local producers in the process of participative certi-
fication. This work aims to understanding how territorialities and temporality characterize the peasant agriculture (agro) Sul. Esta migração provocou a suplantação da economia cabocla predominante na região, consubstanciando uma transi-
ecologic in the municipal areas of Ampére, Flor da Serra do Sul, Francisco Beltrão, Itapejara d’Oeste, Marmeleiro e Verê ção cultural, econômica e política, tanto nas cidades em processo de formação quanto no espaço rural dos municípios que
(Southwestern of Paraná) since the early 90’s. It synthesizes the relevant bibliographic and documental information up também se formavam (WACHOWICZ, 1987; SAQUET, 2006).
to date, highlight the foundation and action of Rede ECOVIDA in the process of participative accreditation, and identify
the issues of the peasant culture replicated historically through agro ecological standads. Os migrantes e camponeses descendentes de italianos, alemães e poloneses substantivaram, numa primeira fase,
novas forças produtivas, relações de produção, tipos de cultivo, criaram povoados e cidades, com outros valores e pro-
cessos culturais, provocando, portanto, mudanças profundas no Sudoeste do Paraná a partir dos anos 1940. Outras duas
Keywords: Rede Ecovida; Participative Certification; Agroecology.
fases fundamentais na formação territorial são: a chamada modernização agrícola (a partir de 1968) e a industrialização
centrada na intervenção das prefeituras municipais aliadas aos empresários de ramos distintos, formando os denominados
parques industriais, processo intimamente ligado à urbanização, especialmente a partir dos anos 1980-90 (SAQUET, 2006
e 2010; SANTOS, 2008).
1 Professor da UNIOESTE e coordenador do Grupo de Estudos Territoriais (GETERR) E-mail: saquetmarcos@hotmail.com
2 Geógrafa e bolsista de apoio técnico da Fundação Araucária E-mail: rakelmeira@hotmail.com Esse processo alterou substancialmente a pauta de produção, no Brasil de maneira geral e no Sudoeste do Paraná
3 Acadêmica do Curso de Geografia da UNIOESTE/Francisco Beltrão e bolsista de iniciação científica da Fundação Araucária E-mail: de forma específica. Algumas características identificadas referentes ao Sudoeste do Paraná, a partir dos anos 1970, são as
leilapanho@hotmail.com

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seguintes: a) aumento considerável da quantidade de tratores e de colheitadeiras; b) prática de aluguel de máquinas para Governo Federal (Programa de Aquisição de Alimentos [PAA] e Programa Nacional de Alimentação Escolar [PNAE])
realização do processo produtivo; c) aumento significativo da utilização de insumos químicos; d) aumento da área cul- desde 2004.
tivada e da produção da soja, e da produção do milho; e) aumento do número de arados de tração mecânica; f) aumento
O CAPA-Verê atua regularmente em Verê, São Jorge d’Oeste e em Itapejara d’Oeste, por meio da assistência
substancial da quantidade de contratos de financiamento para custeio da produção agrícola (SANTOS, 2008; SANTOS
técnica aos agricultores agroecológicos realizada com cursos e palestras (são quatro técnicos que atuam especialmente
e SAQUET, 2010).
com a olericultura e com a fruticultura), atendendo cerca de 200 famílias que trabalham com pelo menos alguns princí-
Tentando se contrapor à expansão da agricultura capitalista, a Associação de Estudos, Orientação e Assistência pios agroecológicos, das quais, cerca de 50 são consideradas agroecológicas (parcial ou totalmente). A assistência tam-
Rural (ASSESOAR - fundada em 1966) trabalha historicamente para o fortalecimento da agricultura camponesa e, entre bém tem o caráter formativo, feito por meio da realização de intercâmbios, tardes de campo (oficinas) e cursos, e está em
suas linhas de atuação, prioriza a formação e a assistência técnica vinculada à Agroecologia. A ASSESOAR é fundado- processo de expansão territorial no Sudoeste do Paraná. (www.capa.org.br, acessada em 23/5/2012 e em 24/9/2013). A
ra, membro e atua em parceria com a Rede ECOVIDA de Agroecologia (instituída em 1998 para realizar a certificação certificação da produção é realizada pela Rede ECOVIDA, de maneira participativa, em consonância com a regulamen-
participativa da produção agroecológica na região Sul do Brasil); influenciou a criação do Centro de Apoio ao Pequeno tação do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (2007). Em Verê, o CAPA influenciou diretamente
Agricultor (CAPA), com sede em Verê (PR), no ano de 1997; realizou cursos como o Pós-médio em Agroecologia e De- a criação da Associação de Produtores Agroecológicos de Verê (APAVE), em 2001, justamente para tentar facilitar a
senvolvimento, concluídos em 2007 e 2010, e apoia outras atividades como a Feira Agroecológica de Francisco Beltrão, comercialização da produção familiar.
o Projeto Vida na Roça (Dois Vizinhos - PR) e a Festa das Sementes, sempre envolvendo agricultores camponeses do
A Rede ECOVIDA de Agroecologia tem um papel importante na produção e na comercialização, pois tem
Sudoeste do Paraná.
como finalidade estabelecer formas de comercialização que priorizem a venda direta dos alimentos produzidos pelos
Fritz (2008) resume o início desse movimento: produtores agroecológicos, tentando reduzir as intermediações na comercialização. As iniciativas da Rede ECOVIDA,
Teve um papel muito forte o trabalho da ONG Assesoar, ainda na década de 1970. A Acarpa/Emater, na década como destacam Rover e Lampa (2013), demonstram o esforço em criar mecanismos comerciais que promovam a diver-
de 1980, teve um trabalho com ênfase em adubação verde e adubação orgânica, introdução de animais rústicos, sidade produtiva, a proximidade entre os agricultores e os consumidores, a valorização local e regional dos territórios
produção de sementes variadas e trabalho de extensão através da organização das comunidades partindo de sua onde é feita a produção alimentar e a construção de relações comerciais que visam gerar vínculos sociais mais amplos
realidade e necessidade (p. 187).
que os mercantis, fortalecendo relações de reciprocidade entre as pessoas envolvidas em cada transação.

A ASSESOAR, segundo Grigolo (2008), denuncia o drama ecológico da chamada Revolução Verde, defende A formação da Rede ECOVIDA de Agroecologia
a Agroecologia como condição para os agricultores se reproduzirem socialmente, cria o fundo de crédito rotativo e
A Rede ECOVIDA foi formada num período histórico em que alguns partidos políticos de esquerda e o movi-
investe na formação específica para a produção agroecológica de alimentos, principalmente frutas e hortaliças. Há, ao
mento denominado agroecológico estavam organizados num movimento de repúdio à mundialização acelerada do capi-
mesmo tempo, iniciativas centradas na olericultura e na fruticultura disseminadas em diferentes municípios do Sudoeste
tal com a disseminação do neoliberalismo.
do Paraná.

A ONG CAPA foi fundada em 1978, em Santa Rosa (RS), pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Embora a Rede Ecovida seja constituída por um número maior de organizações que se encontram sob sua
área de influência ou por elas são influenciadas, a exemplo do Movimento dos Atingidos por Barragens
Brasil (IECLB); também naquele Estado, em 1982, cria-se o CAPA em Arroio do Tigre e em São Lourenço do Sul e, (MAB) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), optou-se por analisar a trajetória das três or-
em 1997, instalam-se os núcleos no Paraná: Verê e Marechal Cândido Rondon. A partir de 2003, o CAPA tem cinco ganizações sociais principais, conforme revelado pela pesquisa de campo: o sindicalismo cutista, o MST
e as ONGs. A igreja, o Partido dos Trabalhadores e o movimento ambientalista são considerados trans-
núcleos: Erechim, Pelotas, Santa Cruz do Sul, Verê e Marechal C. Rondon (BUCHWEITZ, 2003; FRITZ, 2008; GAIO-
versais nesta análise, tendo em vista que influenciaram a todos e seu raio de ação não se limita ao campo,
VICZ e SAQUET, 2010; SAQUET e ALVES, 2015). Os principais conceitos utilizados são: ecologia, sustentabilidade, por este motivo não se dedica uma análise especial. Enquanto que o sindicalismo e o MST se encontram
agroecologia, agricultura orgânica, ecossistema e agroecossistema, todos vinculados a um movimento mais geral de apenas no âmbito das relações políticas, embora muito mais em nível local do que institucionalmente,
as ONGs são parte constituinte e foram determinantes para que a Rede Ecovida viesse a se constituir
manifestações e iniciativas em favor da preservação e recuperação ambiental.
(NUNES, 2012, p. 34).
Os técnicos e demais trabalhadores do CAPA atuam na formação política (organização social), na orientação Nunes (2012) destaca que, durante a ditadura militar, a igreja católica foi o espaço de fortalecimento dos movi-
voltada para a produção (sobretudo de frutas e hortaliças) e para a comercialização, tentando fortalecer a economia mentos opostos à expansão desenfreada do capital, tanto na cidade quanto no campo. Entretanto, a partir de 1980, em
familiar, preservando o ambiente, produzindo alimentos saudáveis e comercializando de distintas maneiras, sobretudo meio às contradições dos interesses próprios dos movimentos sociais, alguns ganham autonomia política, desvinculan-
no mercado local: feiras livres, lojas especializadas, mercados, venda direta no estabelecimento e para os programas do

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do-se dos ideais pregados pela igreja. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) foi o que obteve maior desli- tor, o grupo, o núcleo e a Rede do Sul do Brasil”; há, portanto, uma rede que articula distintos grupos de agricultores no
gamento da igreja e maior destaque pela sua frente de luta contra a concentração fundiária e em defesa da agroecologia, Sul do Brasil e em São Paulo.
opondo-se aos produtos transgênicos (NUNES, 2012).
Figura 01 – Organização dos Núcleos da Rede ECOVIDA presente nos três Estados do Sul e no Estado de São Paulo.
O sindicalismo começou a reivindicar políticas agrícolas ‘mais adequadas’ para garantir a viabilidade
econômica e social dos pequenos agricultores, que passaram a ser chamados de familiares: crédito,
seguro agrícola, garantia de preços, compras governamentais etc. As ONGs, por sua vez, procuraram
manter a educação popular na forma de assessoria às organizações sociais do campo, principalmente
através de uma forma particular de se organizar: os grupos de agricultura ecológica. Estes grupos
confeririam uma “identidade” à forma de atuação das ONGs que passariam a priorizar o seu trabalho com
a agroecologia – já que algumas fizeram esta opção, outras fizeram parcialmente e outras, ainda, mantive-
ram-se como assessoria ao sindicalismo, principalmente (no Sul do Brasil as duas primeiras estimulariam
a constituição da Rede Ecovida). (NUNES, 2012, p. 19).

A agricultura familiar ganha respaldo em encontros e políticas efetivadas na década de 1990, quando os movimen-
tos supracitados se articulam com a Frente Sul da Agricultura Familiar e, por consequência, a Rede ECOVIDA também
se fortalece, principalmente com a aprovação da Instrução Normativa da Agricultura Orgânica nº 007 (de 17 de maio de
1999, dispondo sobre as normas para a produção de produtos orgânicos vegetais e animais).

Segundo a Rede ECOVIDA (2004), a agroecologia não é apenas o ato de produzir alimentos saudáveis, visa
também preservar o ambiente e promover a inclusão social, além de proporcionar a soberania alimentar com o trabalho
familiar igualitário entre gêneros, favorecendo a cooperação entre os produtores e consumidores. Zonin (2007) também
pondera que a agroecologia não é apenas um marco teórico, faz-se necessário mudanças nos seus alicerces em uma
gradual transformação das bases produtivas e sociais, do uso da terra e do manejo da biodiversidade, proporcionando a
ampliação da sustentabilidade de longo prazo dos distintos sistemas agropecuários.

Segundo Nunes (2012), a Rede ECOVIDA é formada por produtores agroecológicos, consumidores, técnicos e Fonte: REDE ECOVIDA (2015). Organização: MEIRA, R. A. (2015).
pessoas que apoiam suas práticas; conta, em 2015, com 26 núcleos regionais, interligando mais de 170 municípios dos
três Estados do Sul do Brasil e São Paulo, além de 200 grupos de agricultores, 20 ONGs, 100 feiras livres e 10 coopera-
tivas de consumidores (Figura 01). Os núcleos são os seguintes: Agroflorestal, Alto Uruguai, Alto Vale, Arenito Caiuá, Os núcleos organizam o processo de certificação podendo adaptar a metodologia à realidade local, desde que
Centro Oeste do Paraná, Centro Paranaense, Centro RS, Libertação Camponesa, Litoral Catarinense, Litoral Solidário, se mantenha as normas da Rede ECOVIDA (PASSOS e ISAGUIRRE-TORRES, 2013). A certificação não tem custo
Luta Camponesa, Maurício Burmester do Amaral, Missões Monge, João Maria, Oeste de Santa Catarina, Oeste do Para- ao agricultor e é realizada pelos comitês de ética locais: há reuniões, visitas aos estabelecimentos rurais, discussões e
ná, Planalto Norte, Planalto RS, Planalto Serrano, Serra, Sudoeste do Paraná, Sul, Sul Catarinense, Vale do Caí, Vale do avaliações ao longo do ano (RADOMSKY, 2013). “[...] é a participação nos grupos que torna possível aos agricultores
Rio do Peixe e Vale do Rio Uruguai (REDE ECOVIDA, 2015). acompanhar o processo de transição e consolidação ecológica das propriedades.” (PASSOS e ISAGUIRRE-TORRES,
2013, p. 367). A certificação é feita em consonância com o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica
A Rede ECOVIDA não possui núcleo central e o seu funcionamento ocorre de maneira descentralizada, com os
(Decreto n. 6.323, de 27/12/2007) e o controle é feito por entidade jurídica credenciada junto ao Ministério da Agricul-
núcleos regionais que reúnem membros de uma região com características semelhantes, facilitando a troca de informa-
tura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Também há as auditorias externas e as Organizações de Controle Social (OCS)
ções e o processo de certificação participativa (REDE ECOVIDA, 2004).
nas quais os agricultores familiares podem comercializar sem certificação quando a mesma acontece diretamente aos
O CAPA e a ASSESSOAR, juntamente com os agricultores agroecológicos são responsáveis pelo Núcleo do consumidores (PASSOS e ISAGUIRRE-TORRES, 2013; ALMEIDA e NIEDERLE, 2013). Bem mais recentemente, de-
Sudoeste do Paraná da Rede ECOVIDA de Agroecologia. A organização estrutural, de acordo com o presidente do CAPA finiu-se, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), por meio do decreto 7.794, de 20/8/2012.
– Verê, Jhony Luchmann (entrevista concedida em 19 de nov. de 2014), acontece “da seguinte forma: o agricultor está
Neste processo, o CAPA atende os municípios de São Jorge, Verê e Itapejara d’Oeste e os demais municípios do
ligado ao grupo, que está ligado ao núcleo, a organização do Estado do Paraná e à Rede ECOVIDA, ou seja, é o agricul-
Núcleo Sudoeste do Paraná são atendidos pela ASSESSOAR, porém, o maior número de agricultores certificados está

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nos municípios atendidos pelo CAPA; eram 41 agricultores em outubro de 2015, nesses três municípios (Figura 02). “Os O processo de certificação participativa da Rede ECOVIDA
produtores são organizados em grupos para facilitar o atendimento tanto da ASSESSOAR como do CAPA, mesmo que o
Os produtores agroecológicos, de acordo com a Rede ECOVIDA (2004), são vistos pela maioria das pessoas
agricultor seja o único do município, ele precisa estar incluído a um grupo que discute as temáticas da agroecologia, isso
como atrasados no tempo “moderno”, pois valorizam os saberes e técnicas herdadas das gerações passadas. Os saberes
é obrigatório para ter certificação da Rede ECOVIDA”, destaca Jhony.
adquiridos empiricamente por esses produtores agroecológicos normalmente não são valorizados, pois não fazem parte
O CAPA e a ASSESSOAR, apesar de serem ONGs, são instituições diferentes, o CAPA está centrado na assis- das chamadas novas tecnologias, direcionadas ao agronegócio, à monocultura, às commodities.
tência técnica, já a ASSESSOAR está mais direcionada ao processo de formação, sobre temas como desenvolvimento
Radomsky (2010) comenta que, buscar a conversão para a agroecologia como forma de obter lucratividade não é
e Agroecologia. O CAPA já nasceu com o propósito de prestar assistência ao agricultor e a ASSESSOAR, apesar de ter
viável, pois os objetivos desse modo de vida, como preferem chamar os produtores agroecológicos, não são pautados no
atuado durante vários anos na orientação técnica a partir dos diagnósticos realizados, atualmente tem uma linha bem
viés econômico, mas na organização coletiva, na autonomia decisória e na preservação ambiental.
definida de formação política.
A Agroecologia envolve atividades com o lugar, práticas e habilidades são criadas na interação com o ambiente e
Um dos aspectos que se destacam é a maior vinculação dos agricultores agroecológicos de Francisco Beltrão e
outros sujeitos. Desta forma, um aspecto central é a autonomia do produtor, que escolhe o sistema de preparo do solo e
Ampére à ASSESOAR e, de Verê e Itapejara d’Oeste, ao CAPA, justamente em razão das iniciativas direcionadas destas
os vegetais cultivados, a regulação do tempo de trabalho e de descanso, enfim, o gerenciamento da terra. A Agroecologia
instituições nos municípios mencionados e, evidentemente, dos vínculos estabelecidos por cada agricultor entrevistado:
exige planejamento, caso contrário, não é possível produzir (RODOMSKY, 2010). A experimentação diária é fundamen-
foram eles que destacaram estas instituições, fato que valoriza o trabalho feito por ambas. Há um processo de territoriali-
tal, principalmente na busca de conhecimento das técnicas específicas (REDE ECOVIDA, 2004).
zação que não se sobrepõe, pelo menos em relação às ações vinculadas às práticas produtivas. Ao que parece, a partir das
entrevistas realizadas e das constatações feitas por Maini (2013) e Saquet (2014), há iniciativas que se complementam, Para que a propriedade se torne agroecológica, segundo a Rede ECOVIDA (2004), é necessário que a família
especialmente em Itapejara e Ampére, porque a ASSESOAR atua mais especificamente na sensibilização e formação passe pelo processo de ecologização constante e progressiva. O processo visa evitar que áreas já convertidas para a agroe-
política e, o CAPA-Verê, na assistência técnica, transformação e comercialização da produção agroecológica. cologia, retornem para a prática convencional. A ecologização dinamizada pela Rede, cria consciência das dificuldades e
Figura 02 – Distribuição dos agricultores e das agroindústrias certificados pela Rede ECOVIDA em outubro de 2015. benefícios de trabalhar com alimentos livres de insumos químicos.

Zonin (2007) ressalta que este processo é denominado de transição agroecológica, definido como gradual e de
troca ao longo do tempo das formas de manejo e gestão dos agroecossistemas. Há meta de passagem de sistemas de pro-
dução convencionais a outros que incorporem princípios, métodos e tecnologias “de base ecológica”, implicando maior
racionalização produtiva, mudança de atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo do solo e à conservação
do ambiente.

Segundo Radomsky (2010), para ser um produtor agroecológico, não basta apenas não fazer o uso de agrotóxicos,
é preciso ter um estilo de vida diferente daquele construído na agricultura convencional. O autor define estilo de vida
como produto das condições e relações sociais; resultado da apropriação material e imaterial de objetos e práticas ecoló-
gicas reproduzidas na família durante anos.

Um aspecto fundamental é o reconhecimento de que o processo de transição agroecológica não se dará de forma
linear, mas numa dialética entre avanços e recuos, que é inerente aos processos de mudança social. Não há um nível
desejável ou aceitável de sustentabilidade, pois para cada local, região ou território, as condições econômicas e culturais
mudam de parâmetros (ZONIN, 2007).

Cada região revela diferentes estratégias de acesso aos recursos para a produção, de gestão e manejo dos agroe-
Fonte: CAPA – Verê (2015); REDE ECOVIDA (2015). Elaboração: MEIRA, R. A. (2015).
cossistemas, de participação em processos de inovação, de inserção nos mercados e relações com os agentes envolvidos
no desenvolvimento, representando especificidades em cada forma de ruptura com o modelo tecnológico e organizacional
da Revolução Verde (SIQUEIRA, 2011).

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Assim, um dos principais objetivos da Rede ECOVIDA é o processo de certificação participativa, que visa instalar familiar local, os critérios para a obtenção da certificação são obrigatórios para ambos. No caso das agroindústrias, no-
uma relação próxima de confiabilidade entre produtores e consumidores, em que a união permite que experiências e co- vas exigências são acrescentadas: a limpeza do local e dos materiais; o destino correto do lixo; em caso de utilização de
nhecimentos sejam socializadas e preservados durante gerações (REDE ECOVIDA, 2004). aditivos no processamento do produto, verifica-se qual é a origem e o percentual; o tipo de embalagem mais correta e
as informações que devem constar no rótulo; a logomarca e o selo da Rede são essenciais após a certificação do produto
A certificação participativa é um conjunto de procedimentos realizados para garantir que determinado produto
(REDE ECOVIDA, 2004).
tenha um diferencial em relação aos demais, gerando benefícios financeiros e não financeiros para produtores e consu-
midores. A certificação participativa não é restrita apenas ao produto final, mas também aos processos de produção dos Para que um produto seja certificado, precisa atender as especificações estabelecidas pela Rede ECOVIDA que
alimentos. A certificação pode ser voluntária, facultativa ou obrigatória, dependendo da legislação do país ou órgão do pode alterar as exigências dependendo de cada produto e da legislação nacional. Em casos de descumprimento das
qual o produtor está ligado. Quando o produto exige certificação obrigatória para comercializá-lo, estas especificações normas exigidas o uso do selo é interrompido e o produtor precisará regularizar a situação, solicitando outro parecer do
precisam ser atendidas para o recebimento do selo de conformidade, expresso no rótulo do alimento (REDE ECOVIDA, Conselho de Ética, que dará ou não permissão para o uso do selo. (REDE ECOVIDA, 2004).
2004).
Por estes motivos, Zonin (2007) ressalta que a certificação e a transição agroecológica dependem de dois pontos
A certificação participativa precisa cumprir alguns preceitos: os insumos e produtos industriais utilizados para chaves, ou seja, da transição interna, no sistema produtivo, e da transição das condições externas à unidade de produção.
a produção devem ter autorização do Comitê Técnico da Rede; os mesmos não devem gerar dependência econômica e A transição externa é construída pelo Estado e pela sociedade, com alguns aspectos como a expansão da consciência
alienação do produtor às agroindústrias; os produtos não podem prejudicar a saúde dos produtores e consumidores; o pública, a organização dos mercados e da infraestrutura, as mudanças institucionais na pesquisa, no ensino e na exten-
processo de ecologização precisa ser constante e progressivo, evitando o retorno à agricultura convencional; valorizar os são, juntamente com a formulação de políticas públicas com enfoque agroecológico e inovações referentes à legislação
trabalhadores familiares igualando as relações de gêneros entre homens e mulheres; produzir alimentos que atendam ao ambiental.
mercado consumidor local de todas as faixas de renda; e solidificar a relação de confiança entre produtor e consumidor
Siqueira (2011) destaca a relevância do papel que a sociedade civil organizada tem na transição externa, através
(REDE ECOVIDA, 2004).
da ação política, deveriam ser mobilizados todos os segmentos envolvidos, tais como agricultores, consumidores e técni-
De forma breve, o percurso para conseguir a certificação participativa através da Rede ECOVIDA, configura-se cos, de modo a constituir forças favoráveis na luta pela acessibilidade da sociedade aos alimentos agroecológicos.
da seguinte maneira: 1) participar nos encontros dos grupos e adaptar a propriedade às regras apresentadas no Caderno
A Rede ECOVIDA proporciona uma formação política e técnica, com assuntos de produção e comercialização,
de Formação da Rede ECOVIDA; 2) preencher um mapa manualmente, descrevendo minuciosamente como era realizada
tentando contribuir para melhorar a qualidade de vida no campo, por meio da sua ação com os agricultores. No que diz
a produção convencional e as mudanças em transição; 3) realizar o período de transição para a prática ecológica, com o
respeito à comercialização, há participação dos produtores nas feiras livres e agroecológicas das praças municipais. Esta
apoio de técnicos especializados disponibilizados pela Rede ECOVIDA em cada núcleo; 4) solicitar o acompanhamento
prática resgata a solidariedade e a cooperação perdida no sistema capitalista individualista, permitindo que o agricultor
do agrônomo que dá assistência ao núcleo pertencente, sendo que, o mesmo efetuará um laudo técnico da propriedade,
venda seu produto pelo preço por ele definido, sem intermediações, conforme verificamos nas pesquisas empíricas em
solicitando a visita do Conselho de Ética à propriedade; 5) com a visita feita, um parecer é dado à Rede ECOVIDA pelo
Francisco Beltrão, Marmeleiro e Ampére, municípios do Sudoeste do Paraná. Os produtos agroecológicos são vendidos
Conselho de Ética que pode ratificar ou não o parecer; 6) caso não ocorram problemas, o selo é solicitado pelo produtor
in natura e transformados, com destaque para frutas, hortaliças, legumes, geleias e sucos.
por meio do núcleo regional pertencente ao Conselho de Certificação da Rede ECOVIDA; 7) depois do selo aprovado, as
embalagens e rótulos também passam pela inspeção da Rede; 8) as visitas na propriedade são periódicas e o Conselho de Luchmann (2014) destaca a importância da Associação dos Produtores Agroecológicos de Verê (APAVE) e da
Ética pode interromper o uso do selo a qualquer instante caso haja práticas irregulares na produção (RODOMSKY, 2010). Associação dos Produtores de Vinho de Verê (APROVIVE), pois garantem a segurança para os agricultores no município
do Verê, diferente de outros municípios que fazem parte do Núcleo Sudoeste, que não possuem um processo organizativo
A Rede ECOVIDA (2004) destaca alguns aspectos observados pelo seu Comitê Ético e Técnico, na produção ve-
como o de Verê, sendo mérito dos produtores, pois são os principais atores na construção e organização coletiva cons-
getal e animal em visitas periódicas às propriedades: na produção vegetal delimita-se a área de produção agroecológica e
truído a partir do CAPA.
convencional, e em seguida verifica-se a origem das sementes, manutenção da biodiversidade dos cultivos e animais, téc-
nicas de manejo e conservação do solo, além do grau de dependência externa que o produtor tem em relação aos insumos
agrícolas; na produção animal, primeiramente, é analisado o tipo e a origem da alimentação dos animais, a diversidade A comercialização no Mercado do Produtor de Verê ainda é incipiente, falta uma organização maior para
das raças, os medicamentos utilizados no controle de doenças e insetos, juntamente com as instalações de infraestrutura. poder oferecer um produto com melhor aparência ao consumidor da cidade. O município de Itapejara
d’Oeste, por exemplo, tem um comércio muito forte de casa em casa, já em São Jorge do Oeste toda a se-
Independente do agricultor produzir somente o alimento e vendê-lo in natura ou processá-lo em agroindústria mana tem a feirinha na sexta-feira, além da venda de casa em casa. Além disso, os consumidores que tem
interesse começam a procurar os produtores na própria propriedade, são compras que acontecem semanal-

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mente e em média de 30 a 40 reais de frutas e verduras, porém o produtor muitas vezes não contabiliza essa Este mapeamento demonstra claramente a distribuição espacial dos agricultores (agro)ecológicos, a concentra-
venda que no final tem um montante elevado (ENTREVISTADO JOHNY LUCHMANN, 19/11/2014). ção em Verê e a importância da atuação do CAPA, da ASSESOAR e da Rede ECOVIDA que, apesar da complexidade e
da demora para a transição, juntamente com algumas desistências de agricultores, têm conseguido manter o número de
certificados no Núcleo Sudoeste do Paraná, mais notadamente nos municípios onde estão instaladas as entidades. Com
A diminuição dos intermediários na compra e venda dos produtos agroecológicos, favorece e incentiva o contato
exceção do município de Flor da Serra do Sul, que em 2015 não teve nenhum produtor certificado pele Rede ECOVIDA.
direto e o estabelecimento de relações de confiança entre consumidores e produtores, fazendo com que o mercado interno
e os pontos de venda locais sejam beneficiados e fortalecidos (NUNES, 2012). As redes curtas, por meio das territoria- O CAPA tem uma atuação mais completa, com atividades mediadoras na produção, transformação, comercializa-
lidades entre o campo e a cidade, entre o urbano e o rural, centradas em relações de confiança entre produtores e consu- ção, certificação, contribuindo decisivamente na manutenção das práticas agroecológicas, bem como na valorização das
midores, são um dos componentes centrais do desenvolvimento local e precisam ser inerentes à cultura em um território. relações de cooperação, da organização política e do mercado local, por meio da sua vinculação direta com a APAVE. Esta
Há um forte vínculo entre identidade, cultura, rede organizativa e território (BELLIGGIANO e DE RUBERTIS, 2012; última também se configura como um pequeno nó de comercialização e de estreitamento das relações entre produtores e
SAQUET, 2014), característica que provavelmente também ocorre no processo de certificação participativa. consumidores, construindo redes e fluxos que nos mostram, apesar das contradições e das diferenças, a importância dos
A metodologia participativa forma elos de confiança entre todas as famílias que integram o grupo, uma laços de solidariedade, da certificação participativa e das redes curtas de comercialização.
espécie de ‘aval solidário’, que pode levar à responsabilização de todo o grupo no que se refere ao acom-
panhamento das regras da certificação. Nessa conexão, todo o grupo responde solidariamente, podendo ser
penalizado no caso de uma eventual não conformidade de um de seus integrantes. (PASSOS e ISAGUIR-
RE-TORRES, 2013, p. 370; grifo do original). Considerações finais

Até o presente momento das nossas pesquisas, foi possível verificar três aspectos principais relativos à Rede ECO-
VIDA de Agroecologia: a) a sua gênese ocorre num contexto de luta e organização política para tentar potencializar a
No Núcleo Sudoeste do Paraná há, atualmente (2015), 72 agricultores certificados, e, em 2014, existiam 59, des-
produção agroecológica, bem como mediar a reprodução biológica e social de famílias camponesas; b) a sua organização
tacando-se os municípios de Verê (26), Francisco Beltrão (6) e São Jorge d’Oeste (6) (Figura 03), dois dos quais onde o
reticular, ou seja, envolvendo os agricultores, os grupos e os núcleos, por meio de ações integradas que visam a promoção
CAPA atua. O aumento mais significativo, verificado entre 2012 e 2015, ocorreu em Verê, cerca de 100%.
da Agroecologia onde atua; c) a sua atuação direta nos processos de transição e certificação participativa, processo que
Figura 03 – Distribuição dos agricultores e das agroindústrias certificados pela Rede ECOVIDA em 2014. diminui consideravelmente, ao que tudo indica, os gastos dos produtores neste aspecto, além de contribuir para revalorizar
relações comunitárias, tais como a cooperação e a solidariedade em meios às contradições e aos conflitos sociais sempre
presentes em cada território; d) a centralidade histórica desempenhada pela ASSESOAR e pelo CAPA-Verê, como nós de
instalação e irradiação da Rede, em relação complementar, sobretudo no que se refere à formação política e em Agroeco-
logia, e à orientação técnica para a produção ecológica de alimentos.

Esse processo também nos revela que há uma ancrage (ancoragem) territorial (PECQUEUR e ZIMMERMANN,
2002; 2005; HAKMI e ZAOUAL, 2008; RICHEZ-BATTESTI, 2008) ou o rooted in place and context (SCOONES, 2009)
fundamental, juntamente com as relações de proximidade e confiança que vão se estabelecendo no decorrer das ações da
Rede ECOVIDA. A confiança, assim, é uma das premissas centrais para a reprodução da produção agroecológica e da pró-
pria ECOVIDA, valor inerente à lógica camponesa, conforme nos ensina Sabourin (2009) ao destacar a importância dos
vínculos com a terra e com o patrimônio familiar, das relações de reciprocidade entre as pessoas e a autonomia perante o
mercado capitalista.

Portanto, iniciativas como a verificada na relação ASSESOAR-Rede ECOVIDA-CAPA, revelam claramente as


múltiplas relações e processos que vivemos cotidianamente, conforme nos ensinam, num âmbito mais geral, Raffestin
(1977; 1993 [1980]) e Bagnasco (1977, 1978), subsidiando interpretações das variedades de situações concretas que
Fonte: ASSESOAR (2014); REDE ECOVIDA (2014). Elaboração: MEIRA, R. A. (2015). substantivam certa formação territorial. A territorialidade é processual e relacional ao mesmo tempo (RAFFESTIN, 1993
[1980]; SAQUET, 2007, 2015a, 2015b) e significa, em situações como essa, uma mediação fundamental sobretudo para

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GRUPO DE TRABALHO VII
Turismo e Meio Ambiente

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CICLOTURISMO E AGROECOLOGIA. VETORES PARA A SUSTENTABILIDADE TERRITORIAL Introdução GT - 07
Este estudo explora a experiência de realização do ‘Projeto Roteiros Agroecológicos de Cicloturismo Rural no terri-
JOEL HENRIQUE CARDOSO ; LEANDRO DE MELO KARAM ; JAQUELINE SGARBI SANTOS
1 2 3
tório da Serra dos Tapes’ enquanto uma ação inovadora de agroturismo (GUZATTI, 2010), que evidencia a possibilidade
de uma ‘nova ruralidade’ (VEIGA, 2004, FAVARETTO, 2010), que além da produção primária, possui inúmeros predi-
RESUMO cados para prestar outros serviços à população do território e de outras realidades.

Em síntese, o projeto consiste na condução de grupos de ciclistas urbanos até espaços rurais, onde são realizados
Este artigo apresenta a trajetória de uma ação de cicloturismo rural agroecológico que vem sendo realizada no território roteiros que incluem passeios de bicicleta em uma ou mais propriedade familiar em transição agroecológica, a fim de que
da Serra dos Tapes, que está situado na Serra do Sudeste, metade sul do Rio Grande do Sul. Apesar de ser uma experiên-
os participantes tenham a oportunidade de conhecer as práticas produtivas e desfrutar da gastronomia local que utiliza
cia recente, evidencia-se que a agricultura e o rural são capazes de cumprir outros serviços as populações urbanas territo-
riais e extra-territoriais. O projeto centra-se na ideia do agroturismo, que se vale de dinâmicas sociais que possibilitam a prioritariamente os alimentos agroecológicos da propriedade e entorno.
estruturação de serviços turísticos ambientados na realidade sócio-produtiva de famílias agricultoras residentes em áreas
rurais. Além de valorizar os bens e serviços prestados pelo rural e famílias agricultoras, o trabalho discute o potencial do Ao mesmo tempo, mais do que apontar o agroturismo como um novo serviço prestado pelas populações rurais às
cicloturismo rural agroecológico enquanto estratégia de aproximação entre atores sociais e instituições rurais e urbanas, populações urbanas, o projeto se vincula a ideia de complementariedade política entre atores rurais (movimento das famí-
com destaque para os movimentos de ciclocidadania e mobilidade urbana e das famílias agricultores agroecológicas. lias agricultoras agroecológicas) e urbanos (movimentos de ciclocidadania), apontando estes movimentos como vetores
do desenvolvimento territorial.

Palavras-chaves: agricultura familiar; mobilidade urbana, capital social; territorialidade; agroturismo. Para Guzatti (2010, p.250), o agroturismo é

um segmento do turismo desenvolvido no espaço rural por agricultores familiares organizados,


dispostos a compartilhar seu modo de vida, patrimônio natural e cultural, mantendo suas ativida-
ABSTRACT des econômicas, oferecendo produtos e serviços de qualidade, valorizando e respeitando o am-
biente e a cultura local e proporcionando bem-estar aos envolvidos4.

This article presents the trajectory of an agroecological rural bicycle touring has been carried out within the Serra dos Além de uma experiência inovadora de agroturismo esta ação persegue a ideia de contribuir para o desenvolvimento
Tapes, which is situated in the Serra do Sudeste, the southern half of Rio Grande do Sul. Despite being a recent ex-
sustentável condizente com a ideia de “novas territorialidades’ (FAVARETTO, 2010), que se materializa na valorização
perience, it is evident that agriculture and rural are able to fulfill other services territorial and extra-territorial urban
populations. The project focuses on the idea of agritourism, which relies on social dynamics that enable the structuring da Agroecologia e do Ciclismo como práticas de baixo impacto ambiental e promotoras da saúde e da vida.
acclimatised tourist services in socio-productive reality of farming families living in rural areas. In addition to value the
goods and services provided by rural and farming families, the paper discusses the potential of agro-ecological approach Assim, apesar de se tratar de uma experiência recente e que se encontra num processo de aprimoramento, a reflexão
while touring rural strategy among social actor and rural and urban institutions, especially the movements of cyclists and que se fará tem por objetivo referendar que o cicloturismo rural agroecológico é um vetor de desenvolvimento sustentável
urban mobility and farmers families agroecological. dos territórios. Os eventos aproximam e valorizam os atores e instituições urbanos e rurais, comprometendo reciproca-
mente com as questões referentes a mobilidade urbana, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida.

Por entender a particularidade inerente em cada território, adverte- se que o cicloturismo rural agroecológico tem-se
Key-words: farming families; urban mobility; social capital; territoriality; agritourism.
mostrado viável em função de haver na Serra dos Tapes um conjunto de condições que serão apresentadas neste artigo de
forma esquemática, mas que grosso modo, respeitando-se as especificidades, tal estratégia pode ser inspiradora de outras
iniciativas.

Materiais e métodos
O trabalho aqui apresentado consiste em um processo de pesquisa-ação (THIOLLENT, 2000) que vem experimen-
1 EMBRAPA Clima Temperado – joel.cardoso@embrapa.br
tando o cicloturismo rural agroecológico como estratégia de aproximação e complementaridade entre pessoas e institui-
2 Pedal Curticeira – leandro@pedalcurticeira.org
3 Universidade Federal de Pelotas (UFPel-DCSA) – sgarbijaqueline@yahoo.com.br 4 Conceito elaborado pela Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia.

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ções urbanas e rurais do território da Serra dos Tapes, Rio Grande do Sul (Fig. 1). visitações previamente agendadas de pessoas do espaço urbano a realidade rural, que tem como referência uma família
ou grupo de famílias inseridos na produção de alimentos agroecológicos.

Resultados e discussão
Entre os resultados que serão apresentados pretende-se refletir sobre o conjunto de condições que possibilitaram a
elaboração e desenvolvimento da iniciativa de agroturismo, além da viabilidade das ações desenvolvidas até o momen-
to, apresentando-se transversalmente a estes temas os desdobramentos de caráter mais qualitativo, que permanecem no
âmbito das impressões coletadas pelos autores.

Elementos e condições para a ação

Inicialmente deve-se dizer que o desenvolvimento desta ação no contexto da Serra dos Tapes só foi possível graças
a um processo de organização social e a existência de uma densidade institucional que trabalham mutuamente na con-
formação do território, mas que precisa ser melhor explorado pelos agricultores familiares agroecologistas e por grupos
organizados do espaço urbano, com destaque para os movimentos de ciclocidadania e mobilidade urbana.

Estamos falando do território enquanto espaço multidimensional, de difícil apreensão, mas que em síntese pode ser
descrito como “Local” de possibilidades (RAFFESTIN, 1993, p. 144, aspas do autor). A partir desta noção percebe-se
que os espaços de feiras-livre, ciclovias, a opção pela bicicleta ou por um produto agroecológico deixam de ser simples
opções e passam a estabelecer fronteiras, territórios e normativos comportamentais para quem integra estes movimentos.
Figura 01 – Mapa do Rio Grande do Sul, Brasil, com destaque para a localização do
Território da Serra dos Tapes. O movimento agroecológico vem se estruturando na região de Pelotas, RS, desde o início da década de 90, havendo
algumas propriedades que iniciaram o processo de transição há mais de 20 anos. Paralelamente a produção, os agricul-
tores tem se organizado para efetuar a comercialização, sendo as feiras de produtos agroecológicos um dos espaços de
A Serra dos Tapes caracteriza-se como a porção da Serra do Sudeste que está localizada na margem sul do Rio
maior visibilidade deste processo frente a população urbana (BUCHWEITZ, 2003.; ANJOS; GODOY; CALDAS, 2005).
Camaquã, englobando os relevos mais acidentados (100 m a 400 m) daquela zona, que originalmente estava coberta por
florestas (Florestas Estacionais Semideciduais). Esta região, como a maioria das terras destinadas a colonização no Sul Os feirantes estão organizados por meio da Associação Rural de Produtores Agroecológicos da Região Sul – AR-
do Brasil, foi densamente povoada por imigrantes europeus não portugueses a partir de 1850 (SALOMONI, 2013). PA-SUL, que foi uma instituição estratégica para a organização dos eventos de cicloturismo rural, uma vez que estes
agricultores já possuem uma larga trajetória na agroecologia, além de a prática como feirantes lhes dar uma grande faci-
Apesar do termo Serra dos Tapes não ser utilizado pela população local para referendar o espaço geográfico em
lidade para se relacionar com o público.
questão, percebe-se que as similaridades ambientais e histórico-culturais desta região imprimiram aos diversos grupos
étnicos (indígenas; não indígenas de antes de 1850 - portugueses, espanhóis, negros; não indígenas após 1850 - pome- Neste contexto, a área de Sistemas Agroflorestais da Embrapa Clima Temperado foi em busca de parceiros para de-
ranos, italianos, franceses, poloneses), um conjunto de referências que permitem o auto-reconhecimento e definição de senvolver atividades turísticas que servissem como estratégias múltiplas de divulgação da produção agroecológica, valo-
uma identidade que possibilita situar a realização deste projeto no ‘Territóro da Serra dos Tapes’. Esta ação é organizada rização da autoestima das famílias e remuneração de ativos não valorizados no mercado, como os fragmentos florestais,
pelo Movimento de Ciclocidadania ‘Pedal Curticeira’ e pela instituição de pesquisa agropecupeária Embrapa Clima corpos de água, paisagens e elementos da biodiversidade existentes nos agroecossistemas e seu entorno (ECHEVERRI
Temperado, que conta com o apoio do comércio local de bicicletas (JL Casarin) e da Associação Regional de Produtores PERICO; RIBEIRO, 2005).
Agroecológicos da Região Sul (ARPASUL). Tais instituições promovem eventos que colocam em contato ciclistas urba-
Após algumas tentativas de aproximação com praticantes da observação de pássaros houve a demanda de organiza-
nos e estabelecimentos de agricultura familiar agroecológica.
ção de atividades de cicloturismo rural por parte do Movimento Pedal Curticeira. Tal instituição consiste em um coletivo
Até o momento, os estabelecimentos rurais que participam do projeto estão localizados nos municípios de Pelotas, de ciclistas da cidade de Pelotas preocupados com o planejamento e mobilidade urbana e que regularmente se encontram
Canguçu, Morro Redondo, Turuçu e São Lourenço do Sul. Em síntese, os eventos de cicloturismo rural consistem em para pedalar pela cidade e entorno, havendo alguma experiência na organização de passeios nas áreas rurais e municípios

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vizinhos. Tabela 2 – Data, local das atividades, número de participantes e receitas geradas de cada um dos sete eventos
realizados em 2015 com as atividades de cicloturismo rural em propriedades em transição agroecológica da
Foi assim que um pesquisador da Embrapa, interessado em encontrar formas de remuneração das famílias agri-
Serra dos Tapes: Pelotas, RS, 2015.
cultoras, por bens e serviços rurais não valorados no mercado e um profissional liberal que descobriu a bicicleta como
instrumento de educação ambiental iniciaram a organização de eventos de cicloturismo rural. Data Local da Atividade Nº participan- Valores Ge-
tes rais
Viabilidade da ação: 22/março Comunidade Agroecológica do Remanso/Can- 36 R$ 1.680,00
guçu
No momento, os eventos de cicloturismo já estão no seu segundo ano de execução, contabilizando em seu currículo 12/abril Colonia São Manoel/Pelotas 25 R$ 1.170,00
sete atividades executadas em 2014 e outras quatro no primeiro semestre de 2015, estando previstas até o final de 2015 17/maio Coxilha dos Campos/dos Silveira/Canguçu 44 R$ 2.200,00
mais seis atividades, totalizando 17. 14/junho Santo Amor e Afonso Pena/Morro Redondo 20 R$ 900,00
Total 4 eventos 125 R$ 5950,00
No primeiro ano de atividades, foram agendados oito eventos, dos quais um foi cancelado. Os resultados apresen-
tados na tabela 1 referem-se ao ano de 2014 e na tabela 2 ao ano de 2015. No primeiro semestre de 2015 foram realizados quatro eventos, o ganho médio de cada evento foi de R$ 1.487,50
(um mil quatrocentos e oitenta e sete reais e cinquenta centavos), com participação média de 32 participantes, que paga-
ram R$ 47,60 (quarenta e sete reais e sessenta centavos) por evento, o que aponta que os eventos de cicloturismo rural
Tabela 1 – Data, local das atividades, número de participantes e receitas geradas de cada um dos sete eventos em unidades de produção agroecológica permanecem atraindo o público, ainda que muitas das propriedades estejam
realizados em 2014 com as atividades de cicloturismo rural em propriedades em transição agroecológica da Ser- sendo visitadas pela segunda vez.
ra dos Tapes: Pelotas, RS, 2014.
Além do retorno econômico auferido às famílias agricultoras e à coordenação do Movimento Pedal Curticeira,
Data Local da Atividade Nº partici- Valores Ge- este projeto demonstra a viabilidade de parceria público-privada na dinamização de atividades de interesse mútuo, o
pantes rais que dialoga com a ideia de Abramoway (2002) quando aponta a perspectiva de Abu-El-Hay (1999) como alternativa ao
15 e 16/mar Acampamento de abertura no Sítio Amoreza - 19 R$ 1.425,00
pensamento ‘culturalista5’ de Putnam (2005), quando defende a possibilidade de avanços democráticos e de formação
Afonso Pena, Morro Redondo
06/abr Famílias Leal e Ferreira – Coxilha dos Silvei- 30 R$ 1.050,00 rápida de capital social em países em desenvolvimento, uma vez que as instituições públicas estabeleçam uma relação
ra, Canguçu mais horizontal com as organizações da sociedade civil (ABRAMOWAY, 2002). Como demonstração do avanço nas
04/mai Templo das Águas – Colônia São Manoel, 20 R$ 760,00 relações de confiança e formação de capital social, vale destacar a sensibilização do público em geral com relação às
Pelotas ações praticadas pela Embrapa e Associação ARPASUL no que tange a visibilidade dos trabalhos em agroecologia,
08/jun Família Schiavon – Colônia São Manoel, Pe- 27 R$ 945,00
assim como por parte do Movimento Pedal Curticeira e JL Casarin, instituições diretamente interessadas em promover
lotas
14/set Família Scheer – Rincão da Caneleira, Morro 27 R$ 1.080,00 o uso da bicicleta.
Redondo
19/set Família Storch - São Domingos, Turuçu 30 R$ 1.050,00 Em síntese, pode-se dizer que este processo tem permitido um amplo aprendizado por parte de todos os envol-
14/dez Evento de Encerramento 2014, Embrapa Sede 27 R$ 945,00 vidos. Ao longo dos 18 meses de execução do projeto a equipe executora e famílias de agricultores estabeleceram um
e Estação Experimental Cascata conjunto de procedimentos padrões no que concerne a preparação, divulgação e execução dos eventos.
Total 7 eventos 180 R$ 7.255,00
A preparação dos eventos consiste na sensibilização das famílias agricultoras, que tem sido feita de forma cole-
Durante o ano de 2014, o ganho médio com cada evento foi de R$ 1.032,00 (um mil e trinta e dois reais), com par- tiva, por meio de reuniões com os grupos de agricultores feirantes que integram a Associação Arpa Sul e também in-
ticipação média de 26 participantes, que pagaram R$ 40,00 (quarenta reais) por evento, sendo que a primeira atividade dividualmente, quando a família em questão não é feirante, mas foi identificada como potencial receptor de atividades
teve um custo de R$ 75,00 (setenta e cinco reais), em função de ter sido realizada em dois dias e incluir pernoite. de cicloturismo. Fato que se avalia como positivo uma vez que a inclusão de outras famílias não sócias da ARPASUL

5 O culturalismo foi um termo cunhado pelos economistas neo-institucionalistas para descrever o pensamento das correntes institucio-
nalistas frente ao conceito de ‘Capital Social’, que tem em Robert Putnam seu mais reconhecido teórico. Em síntese, Putnam e seus seguidores
defendem que as sociedades com maior aprendizado institucional, que é fruto de uma longa história de relações de reciprocidade e confiança,
são as que melhor respondem as ações do estado moderno, enquanto que nas realidades com baixo capital social os esforços voltados para o
bem público, com destaque para as políticas públicas e ações privadas voltadas ao bem comum, tendem a ser muito menos efetivos.

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reduz os riscos de o projeto promover atitudes individualistas de exclusão dos que estão fora da organização, o que Put- feiras-livres, o que prentende afirmar que o agroturismo nos moldes que aqui se desenvolve, contribui para a estruturação
nam (2005) descreve como dark side do capital social (PUTNAM, 2005). de um sistema agroalimentar territorial (PEREZ-CASARINO; FERREIRA, 2013).

O processo de divulgação cumpre a função eco-pedagógica de sensibilizar indivíduos e instituições para uma nova Segundo relato das famílias participantes do projeto, os eventos de cicloturismo tem proporcionado o aumento de
postura frente aos bens do território. Além do processo da divulgação ampla do projeto, que utiliza dos diversos meios de consumidores nas feiras agroecológicas. Outra questão interessante dos feirantes diz respeito a maior empatia com que
comunicação como jornais, revistas, rádio, televisão e internet, chama-se a atenção para o fato de que a divulgação dos se relacionam com os consumidores que estiveram em suas casas, estabelecendo novos vínculos de proximidade e maior
eventos e contato com o grupo de ciclistas urbanos se dá prioritariamente por meio das redes sociais da internet6. Além confiança.
dos meios de comunicação outro elemento que aproxima os ciclistas são as próprias pedaladas noturnas que acontecem
No que se refere aos ciclistas, observa-se um estreitamento das relações com os agricultores que, além do momento
na cidade de Pelotas e zona peri-urbana duas vezes por semana e que também se valem das redes sociais da internet para
da feira-livre, não são raros os casos de retorno de pessoas às propriedades visitadas fora do contexto dos eventos, tanto
se organizarem.
para fins turísticos como para comprar alimentos diretamente do produtor.
O aprendizado sobre a execução dos eventos tem sido permanente, uma vez que se trata de uma atividade ino-
O impacto na vizinhança também tem sido relatado pelas famílias que sediaram os eventos. Nos domingos tranqui-
vadora que possui inúmeras particularidades quanto a execução a campo. Para iniciar deve-se dizer que os eventos de
los das comunidades rurais, a movimentação dos ciclistas chama a atenção dos comunitários, sugestionando a pergunta
cicloturismo rural no formato que aqui se apreseta, necessitam obrigatoriamente de meios de transporte para aproximar
de por que motivo pessoas da cidade visitam propriedades que não utilizam agrotóxicos.
as pessoas e bicicletas ao local onde serão desenvolvidas as atividades. O custo deste serviço oneraria significativamente
os eventos, a ponto de elevar o valor das inscrições em 50% (cinquenta por cento), de forma que na atual conjuntura a Ainda que hipotética, uma reflexão possível é de que os eventos de cicloturismo estão servindo como demonstração
atividade pela parceria público-privado, com destaque para a Embrapa que aloca sem custos um ônibus e um caminhão. prática para que as comunidades rurais se apropriem da ideia de que o rural e a agricultura têm, além da produção, inú-
meros outros valores que precisam ser conservados. (CARNEIRO; MALUF, 2003).
O apoio da Embrapa a este processo demonstra a relevância da participação de uma instituição pública neste pro-
cesso, por mais que o grau de dependência coloque em risco a autonomia dos demais atores sociais, com destaque para Além de explorar o roteiro de visitação nas propriedades a equipe organizadora avalia o nível de dificuldade das
os agricultores familiares agroecológicos e movimentos de ciclocidadania. estradas vicinais, as distâncias e o tempo previsto para cumprir o roteiro em grupo, considerando a heterogeneidade dos
participantes, de modo a não exigir esforços exagerados, pois a priori, desconhecesse o condicionamento físico e habi-
A logística de organização dos eventos prevê a preparação, execução e apresentação dos resultados. A preparação
lidade em terrenos acidentados e de relevo acentuado que caracteriza os trajetos visitados. Para atenuar dificuldades, os
consiste em todo um conjunto de ações que incluem a sensibilização das famílias agricultoras e do público interessado
ciclistas dispõem de carro de apoio, suporte mecânico e hidratação durante os passeios.
para que o evento aconteça de acordo com o planejado. Neste conjunto de ações destaca-se a visita prévia ao estabeleci-
mento, que consiste em visitar a família e o seu agroecossistema, que em síntese é a área de terras que ela maneja. Este Quanto aos roteiros de bicicleta chama-se a atenção para o risco de acidentes da atividade. O esforço da equipe é
processo deve acontecer com algumas semanas de antecedência ao evento, de forma a possibilitar as famílias e equipe eliminar tais episódios, de forma que os ciclistas são orientados a utilizar equipamentos de segurança e a fazer os trajetos
organizadora o tempo necessário para ajustar detalhes e promover a atividade. em grupo em velocidade de passeio, ainda que as condições do terreno sejam propícias para a prática do mountain bike
(MTB).
Em síntese a preparação consiste em reforçar os princípios norteadores do agroturismo com os membros das fa-
mílias para que estes explorem as práticas e processos desenvolvidos por eles como atrativo turístico, que somados as Apesar de raros, ao longo do desenvolvimento do programa já aconteceram acidentes, o que tem sido contornado
demais potencialidades turísticas existentes no estabelecimento e entorno, possibilitam uma experiência turística ino- com certa tranquilidade em função de se possuir materiais de primeiros socorros, veículos de apoio e articulação com
vadora e carregada de conceitos aos visitantes. Para tanto, os agricultores devem estar cientes de que mais importante unidades de pronto atendimento, com destaque para a concessionária das rodovias federais que tem prontamente prestado
do que apresentar curiosidades para os visitantes, quer-se explorar as suas atividades rotineiras que vão marcadas com socorro aos participantes que se acidentaram.
especificidades e modos de fazer que lhe diferenciam e dão notoriedade frente ao público visitante.
Atualmente a equipe organizadora dos eventos vem estreitando relações com intenção de formalizar parceria com
Neste processo, os princípios agroecológicos da produção de alimentos são evidenciados de maneira sútil e cuida- a concessionária das rodovias federais, além de ter feito tratativas para assegurar os participantes e suas bicicletas quanto
dosa, de forma que o agroturismo desempenha um papel importantíssimo de avaliação da qualidade, podendo-se dizer a acidentes, o que ainda não se viabilizou. Apesar da dificuldade em equacionar plenamente, a prevenção de acidentes e
que os eventos de cicloturismo rural acabam cumprindo em certa medida a função de processo de certificação partici- garantias aos participantes é um dos grandes retos que a equipe executora do projeto persegue atualmente, uma vez que
pativa, uma vez que as famílias agricultoras comercializam sua produção diretamente aos consumidores por meio da a sustentabilidade do projeto é totalmente dependente desta questão.
6 Ver em https://www.facebook.com/RoteirosAgroecologicos.

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Por se tratar de uma questão de difícil equação, a falta de garantias aos participantes pós-acidente fazem com que os famílias agricultoras agroecológicas frente aos seus pares, o que sinaliza para estas comunidades rurais o nascimento de
membros das equipe executora invistam maior energia na prevenção, o que em certo limite é contraditório uma vez que uma nova agricultura.
se está promovendo eventos que tem como um dos seus atrativos a prática de esportes de aventura. Mesmo assim, tem-se
No contexto urbano pode-se perceber que as ações de cicloturismo rural agroecológico tem estimulado o fortaleci-
limitado os participantes a praticarem baixa velocidade, com destaque para as inclinações descendentes acentuadas, o
mento do movimento de ciclocidadania e mobilidade urbana, uma vez que as atividades geram vínculos entre os ciclistas
que gera certo desconforto por parte de alguns participantes que em sua maioria são ciclistas mais abtuados a prática do
urbanos, o que propicia condições para o envolvimento e participação nos espaços de debate sobre o planejamento no que
MTB e estão mais predispostos a correr riscos.
se refere a mobilidade urbana.
No entanto, na experiência até aqui desenvolvida este não é o perfil dominante dos participantes, que na sua maioria
Assim, arrisca-se dizer que o projeto está contribuindo para o desenvolvimento territorial sustentável, estimulando
são ciclistas urbanos, pouco habituados os passeios rurais e mais predispostos a prevenção, o que de certa forma reduz a
boas práticas socioambientais como a produção e consumo de alimentos agroecológicos, estímulo ao uso da bicicleta
exposição ao perigo inerente das quedas.
como meio de transporte não poluente e que promove a saúde, além de aproximar e gerar complementaridades entre públi-
De forma geral, o público se apresenta bastante heterogêneo, com destacada participação de estudantes universitá- cos rurais e urbanos, que ao se reconhecerem melhoram sua compreensão sobre o território existente e apontam caminhos
rios de graduação e pós-graduação, que buscam os eventos de cicloturismo rural para, além de lazer, obter conhecimentos para uma nova territorialidade.
da realidade do território.
Referências
Tal aspecto evidencia que o turismo local pode surpreender e atender expectativas tanto daqueles que já conhecem
ABRAMOWAY, Ricardo. Desenvolvimento territorial e capital social. Em: SABOURIN, Eric; TEIXEIRA, Olivio Alber-
a realidade, como daqueles que estão visitando pela primeira vez, o que pode ser explicado pelo fato dos roteiros de ci-
to (Ed. Técnicos). Planejamento e desenvolvimento dos territórios rurais. Conceitos, controvérsias e experiências.
cloturismo rural aliarem aventura (MTB), aprendizado (produção agroecológica) e natureza (beleza das paisagens rurais)
Brasília: Embrapa Informações Tecnológicas, 2002. p. 113 – 128.
(EZEQUIEL; CARVALHO, 2014).
ANJOS, Flávio S. dos; GODOY, Wilson I.; CALDAS, Nádia V. As feiras-livres de Pelotas sob o império da globaliza-
De forma sintética, pode-se dizer que a atividade cumpre múltiplas funções de geração de renda para as famílias
ção: perspectivas e tendências. Pelotas: Editora e gráfica universitária, 2005.
agricultoras, relações de confiança entre agricultores e consumidores, aprendizado institucional entre instituições públi-
cas, privadas e da sociedade civil, além de aproximar e gerar complementaridades entre movimentos sociais que atuam BUCHWEITZ, S.; MENEZES, P. O tempo compartilhado: 25 anos do Capa, Porto Alegre: Centro de Apoio ao Pequeno
em sintonia com as diretrizes do desenvolvimento territorial sustentável, como são os movimentos de ciclocidadania e Agricultor, 2003.
mobilidade urbana e os movimentos de agricultores familiares agroecológicos.
CARNEIRO, M.J.; MALUF, R.S. (Orgs.) Para além da produção: multifuncionalidade e agricultura familiar. Rio de
Janeiro : MAUAD, 2003. 230p.

Considerações finais: ECHEVERRI; Rafael. Ruralidade, territorialidade e desenvolvimento sustentável. Tradução Dalton Guimarães. Bra-
sília: IICA, 2005.
Ao final de um ano e meio de realização dos eventos de cicloturismo rural agroecológico, observa-se que estas ati-
vidades tem cumprido a função projetada de gerar renda para as famílias rurais e despertar a atenção da população rural EZEQUIEL, Graça; CARVALHO, Mário. O turismo natureza como potenciador das singularidades territoriais: o caso
e urbana, com relação à produção e comercialização de alimentos agroecológicos enquanto movimento estruturante do do pedestrianismo em portugal. Em: CRISTÓVÃO, Artur et al. Turismo rural em tempos de novas ruralidades. Série
sistema agroalimentar do território. Estudos Rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2014.

Ao mesmo tempo, esta atividade reafirma a estas famílias a importância de outros bens e valores contidos nos GUZZATTI, THAISE COSTA. O agroturismo como elemento dinamizador na construção de territórios rurais. Flo-
espaços rurais, que apesar de serem muito relevantes para a qualidade de vida das população do território, não tem sido rianópolis: UFSC, 2010. 281 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós- Graduação em Geografia, Centro de
remunerados. Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

Desta forma, acredita-se que o projeto tem contribuído verdadeiramente para que estas famílias sintam-se recom- HAESBAERT, Rogério. Des-caminhos e perspectivas do território. Em: RIBAS, Alexandre Domingues; SPOSITO, Eli-
pensadas pelos serviços prestados em seus agroecossistemas e entorno, como a manutenção de saberes locais e a ma- seu Savério; SAQUET, Marcos Aurélio (Orgs). Território e desenvolvimento: diferenes abordagens. Francisco Bel-
nutenção de elementos da biodiversidade, corpos de água e fragmentos florestais. Este processo eleva a autoestima das trão: Unioeste, 2004.

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PÉREZ-CASARINO, Julian.; FERREIRA, Angela Damasceno Ferreira. Agroecologia, construção social de mercados ESTRADA DA GRACIOSA
e a constituição de sistemas agroalimentares alternativos: uma leitura a partir da Rede Ecovida de Agroecologia. Em:
NIERDELE, Paulo André; ALMEIDA, Luciano de; VEZZANI, Fabiane Machado (Org.). Agroecologia. Práticas, mer-
cados e políticas para uma nova agricultura. Curitiba: Kairós, 2013. p. 171 – 213. Janaína Gabrielle Moreira Campos da Cunha; Lilian da Silva Dias Dias; Marcelo Fogaça; Patricia De Oliveira

PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia. A experiência da Itália moderna. Tradução Luiz Alberto Monjardim.
Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2005.
1. Introdução
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro e São
Paulo: Ed. Record, 2000. A sobrevivência da sociedade, continuamente vai decorrer de sua qualidade de vida, o desafio maior sempre vai ser
a integração ou a harmonização entre o plano econômico, ambiental e social. A preocupação continua da sociedade com os
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 10a. Edição. São Paulo: Cortez: Autores Associados. 2000. impactos ambientais vem fazendo uma mudança significativa para a coletividade, porem isso ainda não é o suficiente, para
que possamos combater ou minimizar estes grandes impactos. Recentemente houve um deslizamento de terras em uma das
VEIGA, José Eli. Destinos da ruralidade no processo de globalização. Estudos avançados, n. 51, maio-agosto 2004, p.
estradas mais Histórica do Paraná, a Estrada da Graciosa, A estrada foi a primeira ligação entre o litoral paranaense e a capi-
51-67.
tal, Curitiba. Construída ainda no período do Império, a rodovia ainda mantém características antigas, como a pavimentação
em paralelepípedos. Além do valor histórico, o local é um ponto turístico do litoral, devido às cachoeiras e aos mirantes, de
onde é possível ver o mar.

modelo de desenvolvimento. A Estrada da Graciosa, como é conhecida a também reconhecida como Rodovia PR-410, é
uma estrada pertencente ao governo do Paraná, ou seja toda a reponsabilidades de manutenção , preservação e recuperação
, pertence ao Governo Estadual. Visto que o deslizamento de terra causou o rompimento da estrada, em determinado ponto
da estrada, ficando inabilitada a passagem de veiculo, dentro deste projeto a proposta e mostrar situações para evitar ou
minimizar situações como essas.

2. Problema
Como minimizar os impactos ambientais na Estrada da Graciosa, causados pela erosão e pela atividade humana, sem
prejudicar o desenvolvimento econômico das comunidades que vivem nas proximidades da estrada?

3. Objetivo Geral
Apresentar propostas para redução dos impactos ambientais causados pela força da natureza (erosão), pela comuni-
dade próxima, pelos viajantes e pelos turistas.

4. Objetivo específico
 Evidenciar propostas para preservação ambiental;
 Sugerir ações de mitigação dos impactos ambientais no solo;
 Avaliar as melhores condições para continuidade do comércio e turismo, sem prejudicar a fauna e a flora local;
 Propor ações de monitoramento contra problemas ambientais.

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5. Justificativa Quando ocorrem as precipitações, o solo absorve uma parcela da água, no entanto, outra parte se locomove
Considerando a relevante importância tanto histórica como turística para o estado do Paraná, a Estrada da Gra- em forma de enxurrada na superfície do terreno, a parte de água que se infiltra no solo se confronta com alguns tipos de
ciosa tornou-se um interessante objeto de estudo para o grupo no que concerne a questão de “Preservação Ambiental”. rochas impermeáveis, com isso a água não encontra passagem e começa acumular-se em único local, tornando, dessa
Devido o último problema com deslizamento de terra e o excesso de chuvas, o qual resultou no bloqueio da Estrada, forma, o solo saturado de umidade que não consegue suportar e se rompe, desencadeando o deslizamento de terras nas
torna-se evidente um estudo mais aprofundado quanto a preservação do local e mitigação contra os impactos ambientais. encostas até a base dos morros.

Os motivos que desencadeiam esse processo estão ligados à forma de relevo, estrutura geológica do terreno,
além das ações humanas que intensificam os deslizamentos: retirada da cobertura vegetal de áreas de relevo acidentado,
habitação em locais impróprios, oferecendo condições propícias para o desenvolvimento desse fenômeno.

6. Conceito de deslizamento de terras de encostas: Um entendimento do que ocorreu na Estrada da Gracio- O deslizamento é um processo que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo. No Brasil, as pessoas que vivem
sa nos centros urbanos e que mais sofrem são as de baixo poder aquisitivo, pois as áreas de risco em que habitam são uma
O jornal Folha do Litoral publicou, que no dia 13 de março de 2014, houve desmoronamentos de terras na Estra- das únicas alternativas para essa classe residir, visto que são lugares de pequeno valor comercial.
da da Graciosa, ocasionados pelas fortes chuvas, segundo a SIMEPAR, o volume pluviométrico alcançou 100 milímetros
Em todos os anos, durante os períodos de chuva, veiculam notícias de enchente e deslizamento em áreas margi-
e continuou oscilando entre 60 a 80 milímetros, isso é equivalente a uma quantidade de 100 litros de água para 1 m² de
nalizadas, produzindo prejuízos e mortes em diversas metrópoles brasileiras.
área ou uma lâmina de 10 centímetros de água para 1 m².
Imagens da Estada da Graciosa após o deslizamento de terras.
Para medição do volume pluviométrico é utilizado o pluviômetro, que é um aparelho meteorológico destinado
a medir, em milímetros, a altura da lâmina de água gerada pela chuva que caiu numa área de 1 m².

Fonte: foto Divulgação/PRE Fonte: foto Divulgação/PRE


Fonte: Brasil Escola

7. Recuperação da Estrada e Medidas Corretivas


A região da Estrada da Graciosa é uma região de mata tropical, com encostas, com riachos e possui terreno aci-
Segundo o Jornal Folha do Litoral, no dia 07 de abril de 2014, publicou que o Governo do Paraná e DER -
dentado, ou seja, uma região muito propícia ao fato ocorrido, vejamos o que diz o Geógrafo Freitas, o qual relata que o
Departamento de Estrada e Rodagem apresentaram à população de Morretes e Antonina o cronograma de obras para
deslizamento é um fenômeno comum em áreas de relevo acidentado, sobretudo nas encostas. Esse processo pode ocorrer
recuperar a Estrada da Graciosa.
em locais onde não há ocupação humana, no entanto, são mais comuns em terrenos onde houve a retirada da cobertura
vegetal original, que é responsável pela consistência do solo e que impede, através das raízes, o escoamento das águas. A princípio será construída uma ponte, feita de concreto, que é um tipo de OAE – Obra de Arte Especial, porém
existem outras medidas que poderão ser adotadas, como por exemplo, construção de taludes, sistemas de drenagem,
Pelo fato de o Brasil ter predominância de clima tropical, existem grandes índices pluviométricos no verão, que
bueiros, aterros, cortes, sarjetas, valetas de proteção, bacias de amortecimento, cortina atirantada, tais medidas fazem
corresponde ao período chuvoso, com isso as encostas naturalmente seriam locais de risco, uma vez que estão sujeitas ao
parte do conjunto para construção ou reconstrução de uma estrada.
risco de deslizamentos de terra.

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7.1Identificação de áreas vulneráveis • Talude

Conforme Dyminski, é muito importante a identificação de áreas vulneráveis a movimentações. A identificação


destas áreas pode ser feita através de:

- Mapas topográficos;

- Mapas geológicos;

- Fotografias aéreas e de satélite;

- Evidências de movimento.
7.2 Investigações de Campo/Solo

Dyminsk relata que podem também ser realizadas investigações de campo/solo, que exigem planejamento pré- Fonte: brasilcaminhoneiro
vio, quando o problema a ser investigado deve ser bem definido e escolhidos os métodos de investigação. Devem ser
realizados trabalhos detalhados de:
• Sistemas de drenagem
- Levantamento topográfico;

- Estudo das estruturas geológicas;

- Exploração do subsolo:

- Sondagens a Trado;

- Sondagens SPT;

- Sondagens rotativas;

- Outros ensaios: CPT, Palheta (Vane Test), dilatômetro, etc...

- Água no terreno: superficial e subterrânea (medições de nível de água e poro-pressão (piezômetros), permea- Fonte: Prefeitura de Vitória
bilidade do solo/rocha, regime de chuvas) • Bueiros

7.2.1Fatores ambientais:
Os fatores ambientais que influenciam na estabilidade do solo são:

- Clima;

- Fatores Humanos (antrópicos);

- Ecossistema.
7.3 Imagens de conjuntos de acessórios necessários em uma estrada:

Abaixo imagens referentes ao conjunto de acessórios necessários em uma estrada, como medidas de prevenção Fonte: Prefeitura de Vitória
contra o ocorrido na Estrada da Graciosa:
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• Sarjetas 8. Últimas notícias da Estrada da Graciosa;
Segundo o Governo do Paraná Iniciou nesta quarta-feira (23) as obras propriamente ditas na Estrada da Graciosas
concretagem das vigas de sustentação da ponte que vai permitir a passagem, em meia pista, de veículos na Estrada da
Graciosa, ou seja será um processo de rotação de veiculo mais lendo em função de ser apenas uma via para liberação do
trafico de veiculo.

Conforme o Governo do Estado As equipes do DER já fizeram a limpeza dos trechos da Estrada da Graciosa onde houve
desabamento de encostas há duas semanas, quando choveu tão forte quanto no dia 13 de março, data do desabamento da
rodovia, a recuperação total está prevista para o mês de setembro de 2014, conforme texto abaixo.:
RESTAURAÇÃO TOTAL - A restauração total da rodovia tem previsão para ser
finalizada até setembro deste ano. A estimativa é que sejam investidos R$ 5 milhões
em projetos e obras. Além da ação emergencial, as equipes estudam a colocação
Fonte: Estradas de Pernambuco de muros nas encostas do km12, onde ocorreu desabamento da barreira, e obras
complementares. Os muros vão evitar que as pedras do morro desabem novamente.

• Bacias de amortecimento

9. Conclusão

O presente projeto tem objetivo apresentar propostas para redução dos impactos ambientais causados pela força
da natureza (erosão), pela comunidade próxima, pelos viajantes e pelos turistas da região da Estrada da Graciosa. Visto
que recentemente, esta área passou por um deslizamento de terra, que causou o rompimento em determinado ponto da
estrada, tornando-a inabilitada a passagem de veículo, situação como essa é causa alguns descontentamento, além de não
permitir a passagem trás danos naturais a área. Com os resultados obtidos pode-se avaliar que a preservação da Estrada
da Graciosa se dá pelos cuidados com em preservação da estrada obtidos de estudo bibliográfico.

Fonte: Drenagem Deflor Referencial Bibliográfico

DYMINSK, Andréa Sell. Noções de estabilidade de taludes e Contenções. Disponível em: http://www.cesec.ufpr.br/
docente/andrea/TC019/TC019/Taludes.pdf . Acesso em 20 de abril de 2014, às 15:00 hrs.
• Cortina atirantada
FREITAS, Eduardo. Deslizamentos de Encostas. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/geografia/deslizamentos
-encostas.htm>. Acesso em 20 de abril de 2014, às 17:00 hrs.

JORNAL FOLHA DO LITORAL, 07 de abril de 2014, pg. 03.

http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=80052. Acesso em 23 de abril de 2014 às 18:00 hrs.

Fonte: Sope Engenharia

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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E INTRODUÇÃO

SAZONALIDADE NO LITORAL DO PARANÁ Os diferentes ciclos do desenvolvimento do turismo no litoral do estado do Paraná, Brasil, delimitaram o modelo
de sua exploração como atividade econômica, suscitando, no decorrer de sua história, diferentes segmentações de turis-
mo, como sol e mar, náutico, gastronomia típica, ecoturismo, aventura, porém o segmento turístico que adquiriu a forma
Luiz Ernesto Brambatti1; Fernando dos Santos Alves2 de turismo de massa foi o turismo de sol e mar, pelo território oferecer uma orla de praias, ilhas, baías e balneários em
sua costa.

Do início da implantação das colônias de imigrantes, no século XIX até os anos 1950, período marcado por duas
RESUMO Guerras Mundiais, o movimento de ocupação do litoral do Paraná foi no sentido da internalização, ou seja, um movi-
Este estudo trata do fenômeno da sazonalidade turística nos municípios balneários do litoral do Paraná-Brasil e afirmação mento vindo do mar, através do transporte marítimo, de pessoas, trabalhadores, imigrantes, colonizadores, máquinas e
de um turismo de base comunitária para diminuir os impactos sociais negativos nas comunidades locais. Diferentes meios mercadorias que chegavam pelos portos em direção à capital do Estado e ao interior do Paraná, passando inicialmente
de hospedagem e prestadores de serviços foram investigados para identificar a curva de sazonalidade. O estudo contém
uma revisão da literatura e das estratégias sugeridas por vários autores para diminuir os efeitos da sazonalidade e buscar pelos caminhos do Itoupava, do Arraial e da Graciosa, até a construção da ferrovia, passando a ser o meio de transporte
alternativas. A sazonalidade turística contribui ainda mais para o desemprego, a marginalização e a drogadição. Este ar- prioritário. O litoral representava apenas um meio de acesso ao território.
tigo propõe a desconstrução do paradigma da sazonalidade enquanto concepção ideológica que orienta a ação racional
dos gestores tanto público quanto privados, bem como a construção de alternativas de um turismo de base comunitária Da mesma forma que no resto do mundo, no período pós-guerra ocorre a recuperação das economias, as conquis-
de características sustentáveis. tas sociais dos trabalhadores, a implantação do estado do welfare na Europa, a Consolidação das Leis Trabalhistas no Bra-
sil – CLT (1945), com o crescimento da renda e da formação de uma classe média com poder aquisitivo, o que favoreceu
o início de um movimento de ocupação do litoral no sentido inverso até então, com a construção de segundas-residências
Palavras Chave: sazonalidade, turismo de base comunitária, estratégias. e veraneios. Era o início do turismo de lazer no litoral do Paraná.

A demanda por segundas residências no litoral fez crescer a especulação imobiliária com a formação dos balneá-
rios de Matinhos, Guaratuba e Pontal do Paraná, então pertencentes ao município de Paranaguá, fazendo surgir novos
ABSTRACT
municípios, no modelo urbanístico de desenho ortogonal, retangular, em xadrez, ocupando inicialmente a orla oceânica
This study deals with the phenomenon of seasonal tourist in cities in the coast of Paraná, Brazil and affirmation of a como lugar de maior valorização e aos poucos verticalizando com edifícios, tal como as cidades modernas. O setor de
community-based tourism to reduce the negative social impacts on local communities. Different lodging facilities and
service providers were investigated to identify the seasonality curve. The study contains a literature review and strate- serviços acompanhou o crescimento do balnearismo, com a instalação de vários hotéis, restaurantes e pousadas para
gies suggested by several authors to reduce the effects of seasonality and look for alternatives. The tourist seasonality atenderem aos veranistas. Neste período o litoral era mais frequentado no período de inverno, por motivos de saúde, para
further contributes to unemployment, marginalization and druggeds. This article sets out to deconstruct the paradigm of o tratamento do corpo e males respiratórios (Bigarella, 2009).
seasonality as an ideological concept that guides the rational action of managers both public and private, as well as the
construction of alternatives from a community-based tourism sustainable features. O resultado desta ocupação desordenada e não planejada do território praiano por segundas residências foi o sur-
gimento de municípios sem planejamento urbano e com forte dependência sazonal. Com a demanda para a construção
civil, levas de operários deslocaram-se para o litoral e ali permaneceram, ao lado das populações tradicionais. Atualmente
Keywords: seasonality, community-based tourism, strategies. restam apenas algumas vilas de pescadores em toda a orla, a maior parte em ilhas protegidas ambientalmente, onde po-
dem manter seus costumes de povos cultura tradicional.

O estudo do INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-IPARDES, sobre a cadeia


produtiva do turismo no Estado do Paraná, feito em 2008, aponta 2.186 estabelecimentos comerciais vinculados ao turis-
mo3 no litoral. Desse contingente, 2.114 são microempresas – a maioria sem nenhum empregado, 70 pequenas e 2 (duas)
médias. Esse quadro sugere que a maior parte da força de trabalho é familiar e informal ou constituída por autônomos e

1 Professor UFPR Litoral 3 Dados do MTE e SEBRAE (2005), disponíveis em ‘Cadeia produtiva do turismo no Paraná: estudo da região turística do litoral. (IPAR-
2 Pós graduando UFPR Litoral, e- mail: lebramba@gmail.com DES, 2008, p. 17) apud UFPR LITORAL, Justificativa do Projeto Pedagógico do Curso de Gestão em Turismo, 2011.

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apesar do dinamismo das microempresas o efeito multiplicador no conjunto da economia é baixo, sendo que o “desen- LEE et al. (2008) apresentam uma revisão da literatura sobre sazonalidade e turismo e os impactos positivos e
volvimento do turismo na região depende de ampliação e melhoria da qualidade dos equipamentos da cadeia produtiva” negativos bem como as estratégias que são adotadas em diferentes situações, mais precisamente pelos empresários, para
(IPARDES, 2008, p.19). minimizar os efeitos. Na atividade turística, a sazonalidade é tida como algo negativo, que causa desemprego, diminui-
ção da atividade econômica e turística. As principais estratégias que tem sido utilizadas contemplam a diversificação dos
O mesmo estudo apresenta ainda as principais carências e características da atividade do turismo no litoral sa-
atrativos, diversificação do público alvo, marketing e uma assistência governamental, que incide sobre a atividade empre-
lientando a escassa formação e desenvolvimento de gestão; limitações na capacitação e no desenvolvimento de recursos
sarial no período de baixa temporada.
humanos; limitação nos sistemas de informação, desconhecimento do mercado e problemas de redução de custos e co-
mercialização; falta de vínculo e desconhecimento do uso das novas tecnologias, com pouca ou nenhuma incorporação COMMONS e PAGE (2001), sugerem que a “sazonalidade está indissoluvelmente ligada ao turismo e o fato de
de inovação tecnológica e das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s), inclusive como ferramenta de marke- que os fluxos turísticos são determinados por fatores de natureza transitória e sazonais”. MANNING e POWER (1984)
ting das empresas; difícil acesso a linhas de financiamento e crédito adequadas e em condições competitivas, por conta explicam a sazonalidade e seus impactos negativos na “distribuição desigual de uso ao longo do tempo (pico) como um
do desconhecimento dos mecanismos de crédito existentes para as micro e pequenas empresas. dos problemas mais universais do setor de lazer e turismo, fazendo com que ocorra o uso ineficiente de recursos, perda
de potencial de lucro, pressão social e a capacidade de carga ecológica e dificuldades de agendamento administrativos”
O objetivo deste estudo foi verificar a incidência do fenômeno da sazonalidade no trade turístico do litoral do
(p.25). Estes autores preocupam-se com a subutilização das estruturas existentes gerando ineficiência na administração
Paraná e propor o turismo de base comunitária como forma de diminuir os impactos sociais da sazonalidade.
dos altos e baixos da demanda”.

LEE et al. ( 2008) cita que nem todas as estratégias podem ser empregadas para combater os efeitos negativos da
A SAZONALIDADE sazonalidade , bem como valorizar os efeitos positivos, por que as características dos lugares são diferentes, principal-
mente em regiões remotas.
A sazonalidade surge na história do turismo moderno de massas com o advento de dois movimentos sócio-histó-
ricos: O primeiro, o das conquistas sociais dos trabalhadores pelo direito a férias de 30 dias, permitindo que pudessem Também Butler e Mao (1997) dedicaram um estudo sobre sazonalidade, classificando o problema em duas di-
gozar de descanso e lazer durante um período de tempo, que na maior parte dos casos coincidia com a estação do verão mensões: “a natural ou física e a institucional, envolvendo as questões sociais e culturais de um destino”. De acordo com
por conta de ser também o período das férias escolares. estes autores, a sazonalidade estaria orientada pela variação dos fenômenos naturais, como estação chuvosa, verão com
sol, neve para esquiar nas montanhas. Segundo LEE (2008) estes autores afirmam “que as atividades culturais, religiosas,
O segundo, como consequência do primeiro, ocorre com desenvolvimento de zonas balneárias e de veraneio, no étnicas e sociais em um destino influenciam o tipo e número de visitantes. Exemplos disso são as visitas de seguidores
pós guerra, onde estas classes de trabalhadores pudessem gozar de suas férias de lazer, durante o verão, em ambientes religiosos a lugares sagrados como Meca e Lourdes, bem como visitas de fãs de esportes para os principais eventos es-
de sol e mar, ou no inverno, em zonas de montanha. Isto significou a implantação de infraestrutura básica e turística para portivos ao redor do mundo.
permitir o acesso, o conforto e o desfrute da temporada.
BAUM e LUNDTORP4 apresentam as desvantagens da variação da demanda sazonal, considerados neste estudo
“Temporada” deixa de ser apenas um período de tempo em que ocorre algum fenômeno natural ou social, para
como efeitos da sazonalidade em destinos turísticos:
ser um período de tempo gasto com as férias ou o tempo em que ocorre o maior fluxo turístico em um determinado lugar
associado a um clima propicio. Pode-se identificar este período também como de um aumento de demanda e o período de a) Operação curta de negócios durante um certo período do ano, com grande período de fechamento ou redução
baixo fluxo de demanda como de baixa temporada. A este movimento de alta e de baixa demanda se dá o nome de sazona- do nível operacional;
lidade. Os destinos que apresentam este movimento de picos de alta e baixa temporada são dependentes da sazonalidade.
b) A consequente necessidade de gerar receitas para o ano inteiro, enquanto os custos fixos se estendem num pe-
Os termos sazonalidade e temporada são então incorporados no vocabulário do turismo. Este fenômeno social ríodo de 12 meses;
ocorre depois da Segunda Guerra Mundial, coincidindo com o desenvolvimento das rodovias como meio de transporte e
c) No período inter sazonal, há uma subutilização dos bens de capital, que também ficam parados, sem uso alter-
com a implantação de cidades balneárias, de segundas residências no litoral, para a temporada de veraneio.
nativo;
Motta (2001, p. 98) define sazonalidade como um fenômeno que ocorre em determinado período, ou seja, “aquilo
d) Consequentes problemas de abastecimento, dos serviços essenciais, com base numa temporada de curta dura-
que ocorre em alguns períodos e em outros não”. Ao consolidar um turismo de temporada, todas as outras atividades tu-
rísticas sofrem com a diminuição dos fluxos, incidindo diretamente nas outras atividades da economia, por consequência. 4 BAUM. T. & LUNDTORP, S.(2001) Seasonality in Tourism < in http://books.google.com.br/books> acesso em 12 de novembro de
2010.

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ção; belecimentos entre restaurantes e pizzarias, dos quais 22 permanecem fechados durante o ano, o que representa 75% dos
estabelecimentos fechados.
e) As empresas de transporte reduzem também as atividades, reduzindo as opções de acesso aos destinos;
No segmento de colônia de férias, foram encontradas em Matinhos, 05 estabelecimentos, sendo que todos se mantêm
f) Os empregos são temporários, ao invés de empregos sustentáveis ao longo do ano;
abertos durante o ano. Em Pontal do Paraná, foram investigados 06 estabelecimentos, que ficam fechados fora da tempo-
g) As ausências de empregados permanentes diminuem a qualidade standard do produto. rada 4, funcionando apenas 02 estabelecimentos. Em Guaratuba foram encontrados 17 estabelecimentos de associações
de funcionários, sindicatos e congêneres, sendo que somente 5 funcionam durante o ano todo, permanecendo fechados
70 % dos estabelecimentos do tipo colônia de férias.
Costa Martins (2010) afirma que “a sazonalidade é uma característica inerente ao setor do turismo, e que o próprio Os gráficos a seguir apresentam a variação sazonal da demanda no destino Litoral do Paraná, municípios balneários
setor vem procurando enfrentar no sentido de reduzir ou atenuar os seus efeitos. São poucos os destinos que não apre- de Matinhos, Guaratuba e Pontal do Paraná. Utilizou-se apenas um gráfico representativo de cada segmento de serviços.
sentam características sazonais da procura, sendo por isso uma preocupação dos agentes públicos e privados no sentido
de definirem estratégias que permitam atenuar os seus efeitos negativos”. Tabela 1 - Variação sazonal de uma colônia de férias em Matinhos - PR

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a foi a pesquisa documental e quantitativa junto a meios de hospedagem em Matinhos.
Para investigar o impacto da sazonalidade nos meios de hospedagem e estabelecimentos de alimentos e bebidas, uti-
lizou-se como amostra o cadastro de estabelecimentos constante do Guia de turismo do Litoral do Paraná, 2013, uma
publicação da Secretaria de Turismo do estado do Paraná. Para os dados estatísticos dos municípios, utilizou-se como
fonte o IBGE, 2010.

Desta investigação resultou uma classificação por nível de dependência sazonal: 1. Dependência sazonal alta, quando
ocorrem picos em até 3 meses do ano e baixa demanda nos restantes 9 meses; 2) dependência sazonal moderada, quando
ocorrem picos em 3 meses, fluxo moderado em mais 4 meses e fluxo de demanda baixo em 5 meses do ano e; 3) depen-
dência sazonal baixa, quando há equilíbrio de demanda, porém com picos de alta em até 3 meses.

Fonte: UFPR Litoral. Projeto de Extensão Construindo alternativas de turismo extratemporâneo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em Matinhos foram investigados 7 (sete) hotéis, totalizando 1064 leitos disponíveis. Destes, quatro estão cadastrados Neste gráfico pode-se perceber que a variação de demanda tem sido muito semelhante nos últimos quatro anos,
no CADASTUR do Ministério do Turismo, dois não estão cadastrados e um não informou. Percebeu-se, quando con- mantendo os picos sazonais de alta nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro e de baixa nos meses de abril, maio, julho
tatados, que 42% funcionam o ano todo enquanto 58 % ficam fechados fora da temporada de verão. Já as pousadas de até novembro.
Matinhos somam 527 leitos e apenas duas são cadastradas no CADASTUR. Foram investigadas 13 pousadas e somente
O estabelecimento referente ao gráfico/tabela 2 localiza-se em Matinhos, PR, e tem 170 leitos disponíveis. Exclui-
3 declararam funcionar durante o ano todo. As demais, 77%, ficam fechadas fora da temporada. Em Pontal do Paraná
se deste gráfico o mês de junho por se tratar de férias coletivas.
foram investigadas 16 pousadas, totalizando 587 leitos. Destas, 31% fica fechada durante o ano, enquanto 69% consegue
manter a pousada aberta. Em Guaratuba, 12 pousadas foram investigadas, das quais 9 não estavam operando, o que sig- O gráfico/tabela 2 apresenta a variação sazonal de demanda de um hotel em Matinhos, PR, com 83 UHs e 332 leitos,
nifica que 75 % permanece fechada durante a baixa temporada. situado muito próximo ao mar.

No município de Pontal do Paraná, foram investigados 18 estabelecimentos entre restaurantes e pizzarias, dos quais
12 se mantém fechados fora da temporada, o que representa 67% fechados. Em Guaratuba, foram investigados 29 esta-

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Tabela 2- Variação sazonal de um hotel em Matinhos – PR A curva de sazonalidade de uma pousada de Matinhos-PR (gráfico 3) confirma a variação de demanda entre o
pico, que ocorre no mês de janeiro e os meses de menor fluxo, entre maio e setembro.

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

Conceitualmente, turismo de base comunitária (TBC) significa o conjunto de atividades turísticas que ocorrem em
uma determinada comunidade, com características de participação social, baixa intensidade e onde ocorre uma integra-
ção maior entre o turista visitante e os receptores, que na maioria das vezes, são também agricultores familiares.
“Os princípios sobre os quais o turismo se baseia nas comunidades derivam da visão do mundo (cosmovisão) que
estas possuem, ou seja, uma visão holística onde o homem e a natureza formam parte de uma unidade total e in-
divisível. A terra e as pessoas são complementares e estão unidas por um destino: garantir a harmonia do mundo
que deve ser constantemente recriada, transcendendo o tempo e as pessoas. A regeneração da vida está baseada na
reciprocidade de todas as forças da vida. O conceito de desenvolvimento sustentável, hoje em voga, inspira-se desta
visão do mundo e sua filosofia de vida” (MALDONADO, 2009, p. 30).”

Para o desenvolvimento do turismo de base comunitária, Sachs (1993) “defende o fortalecimento e capacitação
Fonte: UFPR Litoral. Projeto de Extensão Construindo alternativas de turismo extratemporâneo. das comunidades num nível local, substituindo as iniciativas globais. Esse autor propõe que sejam realizadas parcerias
entre instituições públicas e privadas no fomento de iniciativas solidárias e no estabelecimento de redes horizontais, ca-
pazes de gerar arranjos institucionais e produtivos, como é exemplo iniciativas de turismo comunitário”.
Tabela 3- Gráfico de demanda sazonal de uma pousada em Matinhos-PR
O diferencial deste modelo de turismo é a dimensão humana e cultural, que tem como objetivo a troca de expe-
riências entre o turista e a comunidade receptora, fazendo com que ambos se envolvam e isso proporcione o conheci-
mento de aspectos socioculturais do espaço visitado. Outro ponto importante, segundo o site Instituto EcoBrasil, é que
o turismo de base comunitária “(...) deve contribuir para uma melhor conservação e desenvolvimento da localidade,
trazendo benefícios econômicos, sociais e culturais para todos os membros da comunidade”.

O turismo nesta perspectiva vem ajudando as comunidades locais (comunidades receptoras), de forma geral, a
adquirir mais conhecimentos sobre seus potenciais e bens patrimoniais, sociais, culturais e naturais, que podem ser uti-
lizados de uma forma inovadora na gestão de seus territórios, explorando essas concepções de maneira consciente. Esta
concepção de turismo adota o termo “comunidade”, o qual envolve princípios, valores e nomes que regram e organizam
um determinado grupo de pessoas, e tem o propósito de assegurar o bem-estar comum e preservar a identidade local.

Segundo Maldonado (2009), o patrimônio de uma comunidade é formado por diferentes valores, crenças, co-
nhecimentos, táticas, instrumentos, artefatos, lugares, representações, terras e territórios, assim como todos os tipos
de manifestações tangíveis e intangíveis de um povo que, através deste conjunto, expressam seus modos de vida e sua
cultura. Neste sentido, o turismo de base comunitária diferencia-se entre as comunidades, promovendo uma riqueza de
conhecimento e experiências para quem os usufrui. Algumas comunidades, em especial, as pequenas, ainda preservam
manifestações intangíveis de seu povo, bem como os seus patrimônios arquitetônicos locais.
Fonte: UFPR Litoral. Projeto de Extensão Construindo alternativas de turismo extratemporâneo
Estes lugares geralmente não tem uma economia representativa para municípios ao qual pertencem, já que o de-

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senvolvimento econômico, na maioria das vezes, acaba promovendo um sucateamento das características culturais. O BOROCS, J. (1996) Leisure migration, A sociological study on tourism , Ed. Pergamon , New York ,
Turismo de Base Comunitária busca ser uma alternativa junto à comunidade, para manter nas localidades características BOULLÓN C. Roberto (2002) Planejamento do espaço turístico, SP: EDUSC, 278p.
tradicionais e que ofereçam experiências que os turistas não vão obter em outros locais, devido aos fatores históricos e
BRAMBATTI, L.E. (2011)Sazonalidade e turismo extratemporâneo no litoral do Paraná, Artigo, UFPR Litoral ( não
temporais. Esse modelo de turismo trabalha com o desenvolvimento da comunidade através de um planejamento cons-
publicado)
truído juntamente com os membros que nela vivem, buscando melhorias para todos, com uma administração cooperada
e consciente. BUTLER, R.(1994) Seasonality in tourism: Issues and problems. In: SEATON, A.V. (ed.), Tourism: the state of the art.
Chichester, UK: John Wiley and Sons, p. 332-339.
BUTLER, R. & MAO, B. (1997) ‘Seasonality in Tourism: Problems and Measurement’. In P. Murphy (ed.), Quality
Management, Chichester, New York, Wiley.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CASTROGIOVANI, L. A.(2013) Turismo, Organização e Reconstrução do Espaço Urbano Contemporâneo, Revista
Confirmou-se, pelos estudos empíricos, que nos municípios investigados ocorre o fenômeno da sazonalidade Rosa dos Ventos 5(3) 381-389, jul-set, © ISSN: 2178-9061
turística. Este fenômeno é agravado em função dos municípios não desenvolverem alternativas de geração de trabalho COHEN, Erik. (1999) A macrosociological approach to tourism. Revista Current Anthropology, vol 40. n. 2, april.
e renda capazes de absorver a mão de obra ociosa de baixa temporada, impactando tanto socialmente quanto econo-
CORIOLANO, Luzia Neide M. T. (org.)(2003) O turismo de inclusão e o desenvolvimento local. Fortaleza: Ed. Premius.
micamente os lugares. Os efeitos são prejudiciais ao desenvolvimento local, mantendo índices de IDHM (índice de
desenvolvimento humano municipal) dos piores do estado do Paraná, em torno de 0,7. Socialmente, o desemprego, a COMMONS, J. and PAGE, S. (2001) ‘Managing Seasonality in Peripheral Tourism Regions: The Case of Northland,
marginalização social, a drogadição são os efeitos negativos do fenômeno. New Zealand’. In T. Baum and S. Lundtrop (eds.), Seasonality in Tourism, New York, Pergamon, Amsterdam, pp.153-
172.
Das estratégias colocadas pelos autores supra citados para romper os efeitos negativos da sazonalidade, está o COSTA MARTINS, Ana Margarida. (2010) Gestão Estratégica da Sazonalidade em Turismo: Caso de Aveiro, Disser-
Turismo de Base Comunitária, envolvendo as comunidades tradicionais e remanescentes do processo de urbanização da tação de Mestrado em Gestão e Desenvolvimento do Turismo, Universidade de Aveiro, PT, , disponível em < https://ria.
Orla. Pela característica do território do litoral do Paraná, a existência de parques nacionais e estaduais de proteção da ua.pt/bitstream/10773/3740/1/238183.pdf> acesso em 14/9/2014.
Mata Atlântica impõe uma possibilidade pouco explorada em turismo, como o ecoturismo na floresta. DUMAZEDIER, Jofre (2001). Lazer e cultura popular. 3a ed. São Paulo : Perspectiva. 2001, 335 p.

Um Turismo de Base Comunitária, para ser sustentável, deverá levar em conta a desconstrução de paradigmas de ESTADES, N. P. (2003) O litoral do Paraná: entre a riqueza natural e a pobreza social. Desenvolvimento e Meio Am-
planejamento e ação racional para a construção de um novo paradigma, o da sustentabilidade no turismo em destinos de biente, Curitiba, n. 8, p. 25-41, jul./dez..
sol e praia. INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

E SOCIAL – IPARDES. (2008) Cadeia produtiva do turismo no Paraná: estudo da região turística do litoral. Curitiba:
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SCHEUER, L. (2010) Sazonalidade do turismo no município de Guaratuba - PR , Dissertação de Mestrado, Programa TURISMO COMO UM POSSÍVEL FATOR DE ECODESENVOLVIMENTO
de Pós-graduação em Geografia, UFPR , CURITIBA, p.61 a 81.
WEBER. M.(1993) Metodologia das ciências sociais (parte I). São Paulo: Cortez. 
Patrícia Denkewicz1; Carlos Alberto Marçal Gonzaga1.
______(1995a) Metodologia das ciências sociais (parte II). São Paulo: Cortez

Sites consultados RESUMO


IBGE < http://cidades.ibge.gov.br> acesso em 15/9/2014
Os objetivos deste artigo são: Analisar se o turismo de base comunitária e o Ecoturismo, segmentos praticados na ilha
IPARDES <www.ipardes.gov.br/webisis.docs/Turismo_Litoral_Parana.pdf> acesso em 15/9/2014 do Mel, constituem fatores de ecodesenvolvimento; Identificar, a partir das comunidades locais, a eficácia da pratica do
Turismo de base comunitária na Ilha do Mel; verificar o desempenho do Ecoturismo, a partir de moradores e turistas, na Ilha
https://ria.ua.pt/bitstream/10773/3740/1/238183.pdf>acesso em 14/9/2014 http://books.google.com.br/books> acesso do Mel- Pr; e analisar a relação entre esses dois segmentos turísticos, em vias de ecodesenvolvimento.Os procedimentos
em 12 de novembro de 2010 metodológicos versam uma abordagem qualitativa, com pesquisa de campo, a qual ocorrerá por meio de entrevistas
Coriolano (2010) < http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/conf_simp/textos/luzianeidecoriolano-turismo. semiestruturadas com os moradores locais, com conversas informais e observações sobre o cotidiano da comunidade
htm> acesso em 16/9/2014 local. Como resultado percebeu-se que a população da Ilha do Mel, usufrui desses segmentos alternativos do turismo de
maneira satisfatória, logicamente, estão aperfeiçoando essa prática, que ainda, é singela. Sendo assim, estão em vias de
Governo do Paraná, Secretaria de Educação, História do Paraná. http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/ alcançar um efetivo desenvolvimento comunitário e ecodesenvolvimento.
conteudo.php?conteudo=332
Palavras Chaves: Turismo de base comunitária; Ecoturismo; Ecodesenvolvimento; Ilha do Mel.
Henrique Paulo Schmidlin (Vitamina)
http://altamontanha.com/Artigo/3466/um-pouco-de-historia-do-litoral-e-da-serra-da-prata-pr
ABSTRACT

The objectives of this article are: To analyze the community-based tourism and ecotourism, segments practiced on the
island of Mel, are eco-development factors; Identify, from the local communities, the effectiveness of the practice of
community-based tourism in Honey Island; Ecotourism verify the performance, from locals and tourists on the island
of Mel Pr; and analyze the relationship between these two tourist segments in the process of ecodesenvolvimento. The
methodological procedures Versam a qualitative approach, with field research, which will take place through semi-
structured interviews with local residents, with informal conversations and observations on the everyday local community.
As a result it was noticed that the population of Honey Island, enjoys these alternative segments satisfactorily tourism,
of course, they are perfecting this practice, which also is simple. So, they are on track to achieve an effective community
development and eco-development.

Key Words: Community-based tourism; Ecotourism ; Eco-development ; Honey Island.

1 Universidade Estadual do Centro Oeste; patriciadenkwicz@hotmail.com; gonzaga@unicentro.br

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1 INTRODUÇÃO em vias de ecodesenvolvimento.
A Ilha do Mel, objeto de estudo deste trabalho, faz parte dos principais atrativos turísticos do Paraná. Está Tais objetivos, justificam-se pela incessante dúvida entre a teoria e prática da atividade turística, da necessidade
localizada na entrada da Baía de Paranaguá, à 30min de Pontal do Paraná e à 1h45min da cidade de Paranaguá, município de entender quais os reias impactos que causam sobre os moradores.
ao qual pertence.
É apreciada tanto por suas belezas históricas e naturais, como por sua importância ecológica, fatores esses, que 2 METODOLOGIA
contribuíram para seu tombamento, que é datado em 16 de maio de 1975, pelo Departamento do Patrimônio Histórico Para a realização desta pesquisa foi utilizada uma abordagem qualitativa, com pesquisa de campo, a qual ocorrerá
e Artístico do Paraná, com o intuito de impedir o turismo predatório e conservar os hábitos culturais e a vegetação por meio de entrevistas semiestruturadas com os moradores locais, com conversas informais e observações sobre o
natural, no entanto, o interesse pela preservação do Patrimônio histórico e natural da Ilha do Mel vem desde 1953. Nesse cotidiano da comunidade local, seguida por pesquisas bibliográficas.
tombamento determinou-se que toda nova implantação de infraestrutura turística só poderia ser construída depois de A abordagem qualitativa é necessária porque tem caráter exploratório que estimula os entrevistados a pensarem
aprovada pelo conselho do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná. (PARANÁ, 1990). livremente sobre algum tema. É utilizada quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma
Devido ao potencial turístico significativo que a Ilha possui, tanto naturais como culturais, recebe anualmente questão, abrindo espaço para a interpretação. É uma pesquisa indutiva, isto é, o pesquisador desenvolve conceitos, ideias
um número expressivo de turistas, os quais impactam positivamente na economia local, com a geração de renda pela e entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados (DANTAS, 2006).
execução de serviços turísticos. No entanto, também ocasionam impactos negativos na esfera ambiental e cultural, como A entrevista semiestruturada é similar a uma conversa com o entrevistado, baseado e um determinado assunto.
por exemplo, o aumento da geração de resíduos, depleção de recursos naturais e modificações culturais (GONZAGA; Possui um guião pré-determinado que é adaptável ao entrevistado. Essa flexibilidade e possibilidade de adaptação ao
DENKEWICZ, 2013). entrevistado permitem obter dados de uma forma mais ampla, o que é essencial para o desenvolvimento dessa pesquisa
Ainda pensando nos impactos negativos, surge o Ecoturismo, em uma tentativa de harmonizar os interesses do (MARTINS, 2003).
turismo com o do desenvolvimento sustentável das comunidades locais, a fim de preservar o meio ambiente e a cultura As entrevistas foram auxiliadas por uma pesquisa de campo, a qual foi realizada ao longo de uma vivência com
das comunidades tradicionais caiçaras. Swarbrooke (2000, p.56), afirma que o Ecoturismo deve ser de baixa escala e moradores das comunidades e turistas, através da observação do cotidiano e de conversas informais registrados em
menos espoliativo das culturas e natureza local do que as outras formas “tradicionais” de turismo. caderno de campo, a qual teve a duração de quatro meses, entre janeiro e agosto de 2015 . A escolha desse momento de
Observa-se, também, a prática do Turismo de base comunitária, pouco percebida e articulada pelos moradores pesquisa ocorreu a partir da alta e baixa temporada turística, momentos cruciais na realidade cotidiana dos moradores, que
e visitantes, mais que no entanto, tem sua prática garantida no cotidiano dos moradores. O autor Hall aponta que “o a apesar, de territorialmente, estarem no mesmo lugar, vivem experiências totalmente diferentes, por questões temporais.
turismo de base comunitária está baseado na participação da comunidade anfitriã no planejamento e na manutenção do Foi realizada uma pesquisa documental, baseada no Plano de Manejo vigente na Ilha do Mel, buscando analisar
desenvolvimento do turismo, a fim de criar uma indústria mais sustentável” (HALL, 1996 apud BLACKSTOCK, 2005, as leis utilizadas para a administração do local, verificando a sua interferência, seja positiva ou negativa, sobre o
p. 39). desenvolvimento da comunidade local.
Em uma análise dos dois segmentos turísticos, percebe-se uma propensão para o Ecodesenvolvimento, que segundo O Plano de Manejo segundo a Lei Nº 9.985/2000, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação,
Sachs (1986), é o “desenvolvimento que configura-se na busca por soluções específicas dos problemas individuais de é um documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de Conservação, se
cada ecoregião, abordando questões em ambitos ambientais e culturais, como também demandas imediatas e aquelas a estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais.
longo prazo. A pesquisa bibliográfica ou de dados secundários, trata-se de um levantamento da bibliografia já publicada, seja
No entanto, essa confluência, entre tais segmentos turísticos, podem passar a ilusão de uma atividade sustentável, em livros, revistas impressas ou eletrônicas. Tem como finalidade colocar o autor m contato direto com o que já foi escrito
a qual além de preservar o meio ambiente e a cultura, gere de maneira igualitária os rendimentos obtidos com o turismo, sobre o assunto, assim reforçando sua analise ou manipulação dos dados (STREHL, 2008). A união dessas pesquisas
proporcionando a comunidade local um desenvolvimento econômico e socioeconômico. possibilitará alcançar os objetivos propostos com mais exatidão em seus resultados. As pesquisas bibliográficas serão
Contudo, em uma reflexão sobre esses contextos, esta pesquisa apresenta a seguinte problemática: Será que esses dois auxiliadas pela análise documental, a qual será realizada no plano de manejo, o qual é utilizado para a gestão da Ilha do
segmentos turísticos seguidos na Ilha do Mel, apresentam uma eficácia satisfatória, em relação ao desenvolvimento Mel.
econômico e socioeconômico das comunidades? .
Sendo assim, propõem-se como objetivo geral: analisar se o turismo de base comunitária e o Ecoturismo, segmentos
praticados na ilha do Mel, constituem fatores de ecodesenvolvimento . E como objetivos específicos: Identificar, a partir 3 DISCUSSÃO BIBLIOGRÁFICA
das comunidades locais, a eficácia da pratica do Turismo de base comunitária na Ilha do Mel; verificar o desempenho do 3.1 ECOTURISMO E ECODESENVOLVIMENTO
Ecoturismo, a partir de moradores e turistas, na Ilha do Mel- Pr; e analisar a relação entre esses dois segmentos turísticos, A partir de preocupações, com os impactos ambientais e culturais, que atividade turística pode causar, sobre

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determinada comunidade ou atrativo, surge segmentos turísticos alternativos ao turismo de massa. A partir, dessa Portanto, em uma sintetização, para Sachs o ecodesenvolvimento “busca garantir a satisfação das gerações futuras,
linha de raciocínio, surge o Ecoturismo que segundo Barreto e Tamanini (2002, p.36) aparece como uma proposta valorizar os sujeitos componentes das ecoregiões, proporcionando a eles participação nos planejamentos de estratégias,
conservacionista, pois é um tipo de turismo que passa a ter cuidados com o meio ambiente, valorizando a comunidade como também, uma análise sobre o comportamento desses indivíduos diante seus dilemas cotidianos, buscando resolver
local, exigindo qualidade de vida, hospitalidade, recreação e segurança e serviços inter-relacionados. questões, dessas ecoregiões, com dados ecológicos e culturais apresentados. Sua estrutura é apoia no pluralismo tecnológico,
A Organização Mundial de Turismo, define Ecoturismo como com uma visão amplificada a modernização, tendo em seu seio uma crítica ao mercado capitalista, procurando evidenciar
retribuições não materiais na vida dos sujeitos, para que assim os indivíduos possam desfrutar, de uma possível fuga, da
[...]um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural,
incentiva sua conservação e busca a formação de consciência ambientalista por meio da interpretação do corrida de aquisição material imposta pelo capitalismo”.
ambiente, promovendo o bem estar das populações”, (INSTITUTO ECOBRASIL, 2008: p.16).
3.2 TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO.
Portanto, o Ecoturismo apresenta uma forma de utilizar os recursos naturais e culturais dos atrativos, de forma O desenvolvimento da atividade turística em determinadas localidades vem apresentando sérios impactos negativos
consciente. Proporcionando ao turista e ao morador local, uma convivência harmônica com os recursos que utilizam para socioeconômicos deixando parte da comunidade local, excluída deste desenvolvimento e sem participação dos recursos
sua satisfação, seja ela advinda de obtenção de renda ou de lazer. e benefícios gerados pela exploração da atividade turística, excluindo também a participação em tomadas de decisões e
Para o bom desempenho, dessa proposta conservacionista, o Ecoturismo é regido por princípios bases,os quais o planejamentos. Tais fatores têm levado a se pensar em alternativas para a realização de uma atividade menos impactantes,
Instituto ECOBRASIL (2000), em uma de suas publicações, faz referências, sendo eles: oferecer ao turista contato com onde surge o turismo de base comunitária.
a natureza, pois estando em contato com ela obterá respeito e conhecimento maior sobre ela; entender e conscientizar Segundo Bartholo (2009, p.86), “turismo de base comunitária busca se contrapor ao turismo massificado, buscando
os turistas sobre sua importância ambiental e sociocultural; ajudar na preservação das áreas exploradas; beneficiar a respeitar as tradições locais, podendo servir de veículo para revigora-las e mesmo resgatá-las.” Já Tuccum (2008, p.147),
comunidade local, na questão econômica, social e cultural, proporcionando melhoria em suas vidas; usar da mão de obra diz que turismo de base comunitária:
local, ou seja, dar oportunidade para a população local trabalhar e se desenvolver; ter uma infraestrutura adequada, que
harmonize e não prejudique o meio ambiente e ao mesmo tempo atenda as necessidades do turista; e valorizar a cultura é aquele no qual as populações locais possuem o controle efetivo sobre seu desenvolvimento e gestão, e
está baseado na gestão comunitária ou familiar das infraestruturas e serviços turísticos, no respeito ao meio
local.
ambiente, na valorização da cultura local e na economia solidária.
Nesse contexto, percebe-se a correlação com o Ecodesenvolvimento que segundo Sachs sustentasse em três
pilares: eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. Sendo assim, interpretando a partir de um local
Sendo assim, o turismo de base comunitária, apresenta-se como uma alternativa para realizar um turismo que
turístico, o qual é regido pelo ecoturismo, entende-se que as atividades realizadas devem proporcionar renda satisfatória
beneficie a todos os sujeitos envolvidos, sem findar os recursos existentes, onde a comunidade local consiga desfrutar dos
aos envolvidos, sendo essa renda distribuída de maneira proporcional, buscando a paridade social juntamente com a
benefícios da atividade turística, apresentando também comprometimento. Como afirma Carvalho (2007) o turismo de base
preservação e conservação ambiental.
comunitária destaque-se pela mobilização da comunidade local na luta por seus direitos contra grandes empreendedores
De acordo com Sachs (1986), o ecodesenvolvimento compreende a importância de garantir a satisfação das
da indústria do turismo de massa que pretendem ocupar seu território ameaçando a qualidade de vida e as tradições da
gerações futuras, aponta a importância de possuir vasto conhecimento das culturas e dos ecossistemas, especialmente nas
população local.
relações entre os indivíduos e o ambiente, refere-se também a uma análise de como os indivíduos encaram seus dilemas
Já o desenvolvimento comunitário visa melhorar as condições de vida daqueles que habitam um local. Procura
cotidianos; como também a participação dos indivíduos no planejamento das estratégias, devido ao conhecimento
o desenvolvimento equilibrado e integrado de uma comunidade, com o máximo respeito pelos seus valores próprios e
local que possuem. Alude que, no ecodesenvolvimento, o pluralismo tecnológico é a estrutura mais apropriada, ou
procurando tirar partido da sua riqueza histórica (SANTOS, 2002).
seja, mesclar a tradicional mão de obra intensiva com a capital intensivo, coloca também, que o ecodesenvolvimento
Segundo Godinho (2012, p:12) deve-se as Nações Unidas a seguinte definição:
busca resolver todos as questões das ecoregiões de maneira especifica, realizando o levantamento ecológico e cultural
da localidade, sendo problemas imediatos ou á longo prazo. Na conceitualização do Sachs, existe uma crítica sobre o
o desenvolvimento comunitário é uma técnica pela qual os habitantes de um país ou região unem os seus
mercado capitalista, onde ele aponta que: esforços aos dos poderes públicos com o fim de melhorarem a situação econômica, social e cultural das
devemos impor-nos voluntariamente um teto do consumo material, procurando gratificação em esferas suas coletividades, de associarem essas coletividades a vida da Nação e de lhes permitir que contribuam
não-materiais da nossa vida e desse modo enfatizando a dimensão cultural da natureza humana, ou sem reserva para os progressos do País.
ficaremos presos na corrida acelerada da aquisição de número cada vez maior de bens.” (SACHS, 1986,
p:04).
Em termos mais gerais, o desenvolvimento comunitário, foi considerado em dois ambitos, habitantes de um país

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um sentido amplo, apresentando-se como uma grande comunidade; e no regional, em um sentido delimitado como uma A consciência de preservação e conservação ambiental está interiorizada, em grande parte, dos sujeitos que
pequena comunidade, onde ambos possuem sujeitos que compartilham de um mesmo objetivo, o progresso em todas moram e visitam o local. No entanto, particularidades ocorrem, as quais acabam passando pelo mesmo processo de
as suas vertentes, e que ao final do processo, mesmo sendo no sentido delimitado, proporcionaram resultados amplos, “julgamento social” que ocorre em relação ao turismo de base comunitária.
abrangendo o sentido de nação, ou seja, as pequenas comunidades que compõem uma nação, unirão esforços que Sobre, o olhar comunitário, no contexto do Ecoturismo, pode-se afirmar que o conhecimento e a perspectiva é
refletirão na grande comunidade, que é a nação de um país. maior, do que em relação ao turismo de base comunitária. A população residente afirma vivenciar os impactos positivos
desse segmento, além de possuir informações e conhecimentos do nicho.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES Já em relação, ao turista, pode-se afirmar que, grande parte vem em busca do contato com a natureza, com a
Os resultados obtidos, ocorreram através da convivência com a comunidade local, que foi baseada em conversas, conscientização ambiental também interiorizada. O conhecimento sobre o segmento, também já está agregado à suas
observações e anotações no diário de campo. No que se refere ao turismo de base comunitário observou-se que a práticas e atitudes dentro da Ilha. No entanto, tais dados se distanciam de uma generalização, pois há exceções.
comunidade local tem em sua rotina alguns preceitos desse segmento, mais que no entanto, não os percebe. Sendo assim, No contexto, de auxiliar na preservação ambiental e cultural do local, compreende-se que o Ecoturismo tem
esse segmento é vivenciado parcialmente. apresentado impactos positivos, pois esse objetivo é alcançado com mais facilidade, a partir da conscientização ambiental
Levantou-se que dentro das cinco comunidades da Ilha do Mel, duas são consideradas os polos turísticos, sendo que procura propagar. Esse bom desempenho do segmento é percebido na manutenção/preservação/conservação da Ilha,
elas as comunidades de Brasília e Encantadas, as quais possuem os pontos de embarque, responsáveis pela grande que consegue manter a beleza cênica existente.
circulação de turistas e moradores.
Dentro dessas comunidades, está presente a Associação dos Nativos, a qual possui, logicamente, um nativo 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
que representa a população, em reuniões do município de Paranaguá. Essa representação se faz por meio, do repasse A atividade turística promove a formação de novas práticas cotidianas e novos sentidos para os locais turísticos,
de informação, entre governo e população e vice versa. Nesse contexto a Associação dos Nativos assume um papel que favorecerão determinados segmentos de turismo, que determinará a condição da população local. Nesse sentido foram
importante na estruturação do turismo de base comunitária, pois é, a partir dessa organização que a vontade da comunidade abordadas duas segmentações a de turismo de base comunitária e o Ecoturismo, que aparecem como uma alternativa
é deferida. contrária ao turismo massificado, buscando desenvolver as comunidades envolvidas.
Observou-se que as Associações organizam reuniões com os moradores locais, para fim de decisões referente Nesse contexto, abordou-se o ecodesenvolvimento das comunidades, tendo como possíveis ferramentas o turismo
ao seu cotidiano e a Ilha, como por exemplo, reivindicações de melhoria na infraestrutura básica e de apoio ao turismo, de base comunitária e ecoturismo. Portanto, objetivou-se responder se o turismo de base comunitária e o Ecoturismo,
reclamações, pedidos de verbas, enfim, tudo que for relacionado as necessidades e qualidade de vida dos moradores. segmentos praticados na ilha do Mel, constituem fatores de ecodesenvolvimento. analisar se o turismo de base comunitária
Essas reuniões, tem o objetivo de colocar na pauta de reuniões do governo, medidas que levem ao desenvolvimento e o Ecoturismo, segmentos praticados na ilha do Mel, constituem fatores de ecodesenvolvimento .
das comunidades, enfatizando o progresso dos empreendimentos locais, que consequentemente impactam positivamente Desse modo, concluiu-se que tais segmentos turísticos são fatores de ecodesenvolvimento, pois estão baseados
no desenvolvimento da atividade turística, que logo impactará beneficamente na renda dos moradores. em premissas desse conceito. Na vivência, do cotidiano da realidade da população moradora da Ilha do Mel, observou-se,
Dessas reuniões, seja com o governo ou com os moradores, atas são redigidas e entregues aos representantes das que mesmo inconscientemente, vivem baseados nos preceitos de tais segmentos.
Associações, que repassam para os moradores. Essas atas, são todas arquivadas, para fins de esclarecimentos perante Preceitos, que de maneira singela, têm apresentados resultados positivos no desenvolvimento econômico, social e
alguma emergência. cultural dos moradores, tornando o turismo a principal fonte de renda da comunidade. E, ao mesmo tempo, valorizando
Notou-se que a comunidade nativa e moradora da Ilha do Mel possui comprometimento com as questões ligadas os recursos naturais e culturais da localidade, proporcionando, paralelamente, a preservação dos mesmos.
ao seu desenvolvimento, existe uma cobrança, realizada pelos próprios moradores, em caso de descomprometimento, a Em relação, aos objetivos específicos, identificou-se que a prática do turismo de base de comunitária é modesta,
qual se caracteriza como uma “espécie de julgamento social”. mais apresenta-se de forma eficiente sobre o cotidiano da comunidade. Já, o desempenho do ecoturismo é satisfatório,
No que se refere, ao relacionamento entre os moradores, percebe-se um sentimento de solidariedade, ou seja, no procede da prática dos visitantes como dos visitados, seguindo positivamente seus princípios, mesmo dentro, das
cotidiano desses indivíduos ocorre à ajuda mutua, como também, a troca de alimentos, utensílios e favores, assim iniciando limitações e exceções dos envolvidos.
a configuração do turismo de base comunitária, que prevê a união da comunidade em prol do seu desenvolvimento. Portanto, conclui-se que a população da Ilha do Mel, usufrui desses segmentos alternativos do turismo de maneira
Em relação ao Ecoturismo, percebeu-se um bom desempenho na prática, tanto moradores como turistas, respeitam satisfatória, logicamente, estão aperfeiçoando essa prática, que ainda, é singela. Sendo assim, estão em vias de alcançar
as questões ecológicas e culturais presentes na Ilha do Mel. Os moradores participam do processo de formulações de um efetivo desenvolvimento comunitário.
estratégias administrativas do local, como também se beneficiam dos recursos naturais, históricos e culturais, tendo sua
renda estruturada nesses recursos. REFERÊNCIAS
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www.revistaecotour.com.br/novo/home/default.asp?tipo=noticia&id=1759]. Último acesso em 29-09-2013. ção se dá na perspectiva de conciliação entre princípios de desenvolvimento e sustentabilidade via turismo e considera o
mosaico de Unidades de Conservação como uma das características territoriais mais marcantes do litoral do Paraná. Um
COSTANZA, Robert. Ecological economics: the science and management of sustainability. New York, 1991. Disponivel
de seus objetivos, cujos resultados alcançados estruturam este texto, é sistematizar a correlação entre atividades turísticas
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GODINHO, Maria Inês Lúcia Ferro Pato. Potenciar o Desenvolvimento Comunitário através do Turismo Acessível para Os resultados parciais, relativos aos parques nacionais Saint-Hilaire/Lange e Ilhas dos Currais demonstram baixo número
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ABSTRACT
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1. INTRODUÇÃO 2. REVISÃO DA LITERATURA

O litoral paranaense é uma região que apresenta forte singularidade no que diz respeito às suas características 2.1 As Unidades de Conservação
naturais, culturais e históricas. É reconhecida e projetada devido a atributos naturais, como praias, cachoeiras, restinga,
Serra do Mar, gama variada de fauna e flora, além da Mata Atlântica, um dos 25 hotspots mundiais da biodiversidade, ou Segundo MMA (2008) as Unidades de Conservação (UC) são áreas estabelecidas pelo Poder Público para a
seja, áreas com grande concentração de riqueza de espécies (TABARELLIet al., 2005; MYRES et al., 2000). proteção da fauna, flora, clima, solo e todos os processos ecológicos relacionados aos ecossistemas naturais. A criação de
unidades de conservação de âmbito federal ou estadual se dá através de decretos presidenciais e governamentais, respec-
No campo cultural, a região conta com manifestações culturais presentes nos remanescentes da sua arquitetura, na tivamente. De acordo com a Lei nº. 9.985/2000, Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, as UCs podem
sua forma culinária e nas suas formas de celebração. Este potencial faz desta região um polo firmado para o desenvolvi- ser divididas em dois grandes grupos: Proteção Integral e Uso Sustentável.
mento do turismo, conforme se traduz no reconhecimento pelo Estado como região turística (FERNANDES et al., 2012).
As UCs de Uso Sustentável têm como principal objetivo conservar a natureza e utilizar seus recursos naturais
Segundo o Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS) do Litoral Paranaense, realiza- de forma sustentável. Elas têm como categorias: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico,
do em 2010, os principais segmentos turísticos da região são o turismo cultural, o ecoturismo e o turismo de sol e praia, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particu-
sendo este o mais procurado. Porém este mesmo Plano considera o crescimento pela procura por destinos sustentáveis, lar do Patrimônio Natural (SNUC, 2000).
direcionados para práticas de lazer.
As UCs de Proteção Integral têm como objetivo preservar a natureza, porém utilizando os recursos apenas de
As Unidades de Conservação (UCs) consistem em áreas protegidas pelo poder municipal, estadual ou federal. De forma indireta. São compostas pelas categorias: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento
acordo com Unidades de Conservação no Brasil (2012) e SNUC (2000) são áreas legalmente delimitadas e protegidas Natural e Refúgio de Vida Silvestre (SNUC, 2000).
por possuírem características naturais relevantes, devido ao diversificado e até singular ecossistema de fauna e flora,
características de paisagens, reserva de águas jurisdicionais, entre outros fatores. Em vista disso são reconhecidas em De acordo com Vallejo (2003), Franco (2011) e Medeiros e Young (2011) as unidades de conservação cumprem
termos de potencial para desenvolvimento do turismo sustentável. com uma série de papeis que visam beneficiar a população, como a contribuição na melhoria da qualidade de água e ar,
na conservação da biodiversidade de fauna e flora local, no potencial de geração de energia elétrica, na geração de renda
Estudo realizado pelo Instituto SEMEIA1 projeta que a realização de investimentos em infraestrutura básica e para a população local, entre outros.
implantação de planos de manejos nas UCs de todo o Brasil, em até 10 anos, apresenta potencial de geração de receita
de R$ 168 bilhões.

O litoral do Paraná possui grande parte de seu território composto por UCs, sendo no total 32 áreas de conserva- 2.2 Unidades de Conservação do Litoral do Paraná
ção (QUADRO 1): 12 parques, 3 estações ecológicas, 3 áreas de proteção ambiental, 1 floresta estadual, 10 reservas par- A região litorânea do estado do Paraná, segundo o IBGE (2014), possui uma população de aproximadamente
ticulares de patrimônio natural, 1 área de relevante interesse ecológico, 1 área especial de interesse turístico e 1 reserva 284 mil habitantes dividida entre sete municípios (Antonina, Morretes, Guaraqueçaba, Matinhos, Paranaguá, Pontal do
biológica (FONSECA NETO, 2015; CHEMIN & ABRAHÃO, 2014) e poucas são utilizadas para o turismo. Dentre os Paraná, Guaratuba). Os municípios totalizam uma área de 6.057.2 km², de acordo com Denardin et al. (2008), até ano de
12 Parques, 6 são abertos à visitação, são eles: Parque Nacionais Saint-Hilaire/Lange, do Superagui e o Parque Nacional 2008, 82% de todo o território era contemplado por Unidades de Conservação (UCs). Dados relativos a 2015, atualizados
Marinho das Ilhas dos Currais; Parques estaduais da Ilha do Mel, do Rio da Onça e Pico do Marumbi. com novas UC’s, elevam este percentual para aproximadamente 92%, considerando UCs terrestres.
Visando o desenvolvimento e a sustentabilidade dos parques, a pesquisa a que este estudo se vincula, investiga a De acordo com Fonseca Neto (2015), a preocupação com a conservação da natureza ganhou força principal-
gestão e o desempenho turístico das Unidades de Conservação da categoria Parque. São abordados parques à visitação. mente na década de 1980, década em que teve início a criação de UCs na região (QUADRO 1).
Sendo assim, o primeiro passo consistiu na identificação das unidades com tal característica, bem como análise do perfil e
história. Na sequência, um questionário foi desenvolvido com base nos Formulários de Inventariação da Oferta Turística
do Ministério do Turismo (2011) e empregado em entrevistas com os gestores das unidades. Apresenta-se nesta comuni-
cação um recorte dos resultados desta pesquisa, direcionado ao objetivo de correlacionar atividades turísticas potenciais/
compatíveis e atividades turísticas efetivamente realizadas nos domínios destes parques.

1 SEMEIA. Instituto Semeia. Unidades de conservação no Brasil: A contribuição do uso público para o desenvolvimento socioeconômi-
co. São Paulo: Semeia, 2014.

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QUADRO 01: Unidades de conservação delimitadas no litoral do Paraná2 A maior área contínua preservada da Floresta Atlântica se encontra na porção norte do litoral. Em 1991 a Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) reconheceu a importância da região, que contém
ANO DE
Nº. TIPO/NOME ESFERA ÁREA TOTAL (ha)
CRIAÇÃO várias espécies ameaçadas de extinção. Neste ano de 1991 foi então classificada como a primeira Reserva da Biosfera em
1 1981 Parque Estadual Rio da Onça Estadual 118,51 território brasileiro: Reserva da Biosfera Vale do Ribeira-Serra da Graciosa. Em 1999, as reservas de Mata Atlântica do
2 1982 Estação Ecológica (EE) Ilha do Mel Estadual 2.240,69 Sudeste, da qual o litoral paranaense é parte integrante, recebeu o título de Patrimônio Mundial, devido sua importância
3 1982 EE Guaraqueçaba Federal 13.638,00
física, pois abriga os últimos remanescentes da Floresta Tropical Pluvial Atlântica do Brasil (FONSECA NETO, 2015;
4 1984 Área Especial de Interesse Turístico do Estadual 66.732,99
Marumbi UNESCO, 2015).
5 1984 Área de Proteção Ambiental (APA) da Estadual 489.000,00
Serra do Mar
6 1985 APA Guaraqueçaba Federal 191.595,50
7 1985 Área de Relevante Interesse Ecológico Rio Estadual 109,00 2.3 A categoria Parque
Pinheiro e Pinheirinho
8 1989 Parque Nacional do Superagui Federal 21.400,00 Segundo SNUC (2000), Parque Nacional tem como seu objetivo principal a preservação de ecossistemas
9 1990 Parque Estadual da Graciosa Estadual 1.189,58 naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, onde se pode realizar atividades de pesquisas, educação ambien-
10 1990 Parque Estadual Pico do Marumbi Estadual 8.745,45 tal e turismo sustentável.
11 1992 APA de Guaratuba Estadual 199.595,51
12 1992 EE do Guaraguaçu Estadual 1.150,00 O Parque Nacional é de posse e domínio público, aberto a visitações, porém estas estão sujeitas a normas e res-
13 1994 Parque Estadual do Pau Oco Estadual 905,58 trições pré-estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, bem como as normas e regulamentos da administração do local
14 1994 Parque Estadual Roberto Ribas Lange Estadual 2.698,69 (SNUC, 2000).
15 1994 Reserva do Particular Patrimônio Natural Federal 819,18
(RPPN) Salto Morato Plano de manejo consiste em um documento, derivado de estudos e pesquisas, que contém as normas que devem
16 1998 Floresta Estadual do Palmito Estadual 530,00
reger o uso da área e do manejo dos recursos naturais, restrições de uso, zoneamento da área, além de conter diversos
17 2000 RPPN do Sebuí Federal 400,78
18 2001 Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange Federal 25.118,90
estudos como, diagnósticos do meio biológico, físico e social. Ele deve ser produzido num prazo máximo de cinco anos
19 2002 Parque Estadual Pico do Paraná Estadual 4.333,83 após a criação da UC (SNUC, 2000; MMA, 2015).
20 2002 Parque Estadual do Boguaçu Estadual 6.660,64
Dentre as funções dos parques está a de conservar a biodiversidade, fauna e flora. Também é possível desenvol-
21 2002 Parque Estadual Ilha do Mel Estadual 337,84
22 2003 RPPN Morro da Mina Estadual 1.336,19 vimento de pesquisas científicas na área de cosméticos, medicamentos ou outros usos, mediante previa autorização do
23 2004 RPPN Águas Belas Estadual 508,20 órgão responsável e estando sujeitas as restrições e condições estabelecidas pela unidade administrativa do local (SNUC,
24 2007 RPPN Rio Cachoeira Estadual 4.292,88 2000; MEDEIROS e YOUNG, 2011).
25 2007 RPPN Vô Borges Estadual 21,50
26 2007 RPPN Serra do Itaqui Estadual 3.526,37 As unidades desta categoria, em sua nomenclatura, sofrem influência do nível da esfera que é realizado seu de-
27 2007 RPPN Serra do Itaqui 1 Estadual 392,37 creto de criação, sendo criado pelo estado ou município, levando o nome de Parque Estadual e Parque Natural Municipal,
28 2011 RPPN Fazenda Santa Maria Estadual 400,27 respectivamente (SNUC, 2000).
29 2011 RPPN Serra do Itaqui II Estadual 984,93
30 2012 Reserva Biológica Bom Jesus Federal 34.179,00
31 2013 Parque Nacional Marinho Ilha dos Currais Federal 1.400,00
(marítimo) 2.4 Turismo em Parques
32 2015 Parque Nacional Guaricana Federal 34.000,00
Organização: Os autores, 2015. Fonte: IAP; ICMBio; CHEMIN e ABRAHÂO, 2014. Parques têm entre seus objetivos o desenvolvimento do Turismo Sustentável, que envolve questões relacionadas
com a gestão dos recursos ambientais, econômicos e sociais. Em seus domínios são recomendadas atividades relativas ao
ecoturismo (ou turismo ecológico) e o turismo de aventura (MTUR, 2010).

2 Algumas UC’s, como por exemplo APA Serra do Mar e Parque Nacional Guaricana, avançam limites para municípios e áreas contíguas O ecoturismo tem como principal motivação a observação e apreciação da natureza pelo turista, mantendo e
ao litoral.

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contribuindo para sua preservação. É uma atividade que utiliza o patrimônio natural de forma sustentável buscando a ETAPA 3: contato com órgãos responsáveis, Instituto Chico Mendes (ICMBio) e Instituto Ambiental do Paraná (IAP),
formação de uma consciência ambiental tanto dos visitantes como da comunidade local incentivando sua conservação para agendamento e realização das entrevistas com gestores das unidades de conservação. Do total de 12 parques, 6 estão
(EMBRATUR, 1994; MTUR, 2010). abertos à visitação.

O turismo de aventura é um subproduto do ecoturismo, também tendo o respeito e a preservação das áreas na- ETAPA 4: aplicação direta com os gestores dos Parques Nacionais Saint-Hilaire/Lange e Marinho das Ilhas dos Currais
turais na qual é realizado e pode ser definido como movimentos turísticos da prática de atividade de aventura recreativa e envio, a pedido, via e-mail para o gestor do Parque Nacional do Superagui.
podendo ocorrer em qualquer espaço natural, rural ou urbano, em área protegida ou não (MTUR, 2010). ETAPA 5: sistematização dos dados relativos aos Parques Nacionais Saint-Hilaire/Lange e Marinho das Ilhas dos Cur-
rais, análise e redação.
O ecoturismo tem como um de seus objetivos a educação ambiental, estando além das práticas formais e recur-
sos pedagógicos normais na finalidade de obter um maior conhecimento e contato com ambientes naturais, bem como
descoberta de novos estilos de vida, gastronomia, crenças, arquitetura, entre outros. O Programa Nacional de Educação
Ambiental – ProNEA, desenvolvido em conjunto dos Ministérios de Meio Ambiente e da Educação, recomenda a educa- 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
ção ambiental em todos os níveis educacionais, assegurando a sustentabilidade em níveis ambientais, sociais e culturais Os resultados e a análise aqui apresentados estão circunscritos aos parques nacionais Saint-Hilaire/Lange e Ilhas
(MTUR, 2010; MMA & MEC, 2005). dos Currais, unidades em que a entrevista foi efetivada. Não houve retorno até o fechamento deste texto do Parque Nacio-
De acordo com SEMEIA (2014), vários países incentivam o turismo em áreas naturais protegidas, com interesse nal do Superagui. Já os parques estaduais condicionam a realização de pesquisa a um procedimento padrão de cadastro.
na geração de renda, que em parte é revertida para a preservação e para as comunidades. Alguns estudos de caso sugerem Diante disso a aplicação do questionário com os gestores destas unidades ainda aguarda manifestação e liberação do
que estas atividades geram benefício socioeconômico bastante expressivo, pois em muitos exemplos a renda é suficiente presente órgão.
para afastar as populações da pobreza. O PARNA Saint-Hilaire/Lange foi criado pela Lei nº 10.227, de 23 de maio de 2001 e abrange os municípios de
Matinhos, Guaratuba, Morretes e Paranaguá. Ocupa um trecho da Serra do Mar, conhecido como Serra da Prata. Sua área
aproximada é de 25 mil hectares. Não possui plano de manejo, porém, é aberto à visitação o ano todo, sendo esta mais
3. MATERIAL E MÉTODOS voltada para prática de pesquisa, aventura e passeios.

O estudo se desenvolveu por meio das seguintes etapas: A entrevista no PARNA Saint-Hilaire/Lange ocorreu na sede da unidade, em 15 de junho de 2015. Das 23 ativi-
ETAPA 1: aprimoramento conceitual e levantamento de informações básicas a respeito de unidades de conservação, dades turísticas elencadas como opção, foram assinaladas 15 como atividades potenciais e compatíveis com o perfil da
parques e uso turístico de parques. Também investigou o histórico e o perfil das unidades de conservação no litoral para- presente UC (FIGURA 1). Nenhuma outra atividade foi indicada como meio de ampliação da lista de opções.
naense.

ETAPA 2: preparação do questionário como instrumento de coleta de dados e definição de estratégias para efetivação da
entrevista (MARCONI E LAKATOS, 1999) junto aos órgãos responsáveis e gestores. O questionário foi desenvolvido a
partir do modelo de Inventariação da Oferta Turística do Ministério do Turismo, correspondente à Categoria C1 – Atra-
tivos Naturais, Tipo C.1.6 – Unidades de Conservação e similares, Sub-tipo C.1.6.6 Parque3.

Após adaptações o Questionário final se dividiu em 6 partes: 1 - Informações Gerais; 2 - Funcionamento; 3 - Ca-
racterísticas; 4 - Estado geral e conservação; 5 - Comunidade do entorno; 6 - Equipe responsável. Na parte 3 o item 3.4,
expresso por “Atividades”, se organizava mediante um quadro com elenco de 23 linhas alternativas4 e três colunas (Rea-
lizada; Compatibilidade; Potencialidade) para marcações “sim/não”.

3 Disponível em: http://www.inventario.turismo.gov.br/invtur/jsp/formularios/.


4 Atividades turísticas elencadas: arvorismo; atividades culturais; atividades pedagógicas; bóia-cross; bungee-jump; caminhada; canoa-
gem; ciclismo; escalada; ginástica; kitesurf; mergulho; observação; parapente/asa-delta; pesca; rafting; rapel; remo; safári fotográfico; vela; vôo FIGURA 01: Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange - correlação entre Atividades Potenciais/Compatíveis e Atividades Realizadas.
livre; windsurf; trilha; outra (a especificar). Organização: Os autores, 2015.

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Do conjunto de 15 atividades turísticas potenciais e compatíveis, 4 foram assinaladas como atividades efetiva- do que da organização e incentivo de uso turístico da unidade.
mente desenvolvidas nos domínios do parque. Esta correlação indica baixo número de atividades turísticas frente ao
potencial do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange. De outro modo, as atividades assinaladas como efetivamente reali-
zadas possuem em sua natureza baixa dependência de gestão, promoção e estruturação da UC. Caminhadas, escaladas, 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
observação e trilha são realizadas com pouco ou nenhum investimento, instalações e obras de apoio, pois se articulam Devido aos procedimentos administrativos, relacionados aos órgãos responsáveis, a realização de visitas e entre-
em torno da vontade e disponibilidade de equipamentos disponibilizados pelo próprio praticante. vistas com gestores de parques vinculados ao Instituto Ambiental do Paraná restaram prejudicadas.

O PARNA Marinho das Ilhas dos Currais foi criado pela Lei nº 12.829, de 20 de junho de 2013. Situa-se entre as O Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange não desenvolve plenamente sua potencialidade de atividades turísticas.
baías de Guaratuba e Paranaguá, a 6,2 milhas da costa5, possuindo uma área de 1.400 ha. Ele não possui plano de manejo, Trata-se de um Parque com aproximadamente 25.000ha, muito diverso em sua constituição e com diversidade de atra-
porém está aberto à visitação em todos os meses do ano, dispensando prévio agendamento, exceto para mergulho. ções, todavia, enfrenta dificuldades operacionais devido ao baixo número de funcionários e receitas insuficientes para
investimentos estratégicos para o desenvolvimento do turismo, que depende de instalações, equipamentos, entre outros.
Para o PARNA Marinho das Ilhas dos Currais a entrevista foi realizada no dia 11 de junho de 2015, na sede do
PARNA Saint-Hilaire/Lange, pois o parque não possui sede própria. Das 23 atividades turísticas elencadas como opção, Do mesmo modo, o Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais realiza baixo número de atividades turísticas.
foram assinaladas 7 como atividades potenciais e compatíveis com o perfil da presente UC (FIGURA 2). Nenhuma outra Contudo, além de implantação recente possui um perfil distinto de unidade, pelo fato de estar em ambiente marítimo.
atividade foi indicada como meio de ampliação da lista de opções.
Os dados até então alcançados permitem traçar um quadro que sugere insuficiência de uso e desempenho turístico
das unidades de conservação do tipo “parque” na presente região. O fato de metade dos parques estarem abertos à visita-
ção e a efetivação de baixo número de atividades turísticas em seus domínios indicam um alerta sobre o cumprimento do
papel estratégico destas unidades para o desenvolvimento da região naquilo que se refere ao turismo.


REFERÊNCIAS
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balnearização e patrimonialização na formação e dinâmica do espaço turístico. In.:Ra’e Ga. Curitiba, v. 32, p. 212-
239, dez., 2014.
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Figura 02: Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais – relação entre Atividades Potenciais/Compatíveis e Atividades Realiza- ecológico no litoral paranaense. REDES, Santa Cruz do Sul, v. 13, n. 2, p. 184 - 198, mai./ago., 2008.
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Paraná: atrativos, segmentos e sua distribuição no estado.In.: ABET, Juiz de Fora, v. 2, n. 2, p. 65-78, jul./ dez., 2012.
Do conjunto de 7 atividades turísticas potenciais e compatíveis, 3 foram assinaladas como atividades efetivamen-
te desenvolvidas nos domínios do parque. Assim como no PARNA anterior a correlação indica baixo número de ativi- Fonseca Neto, José Claro da. Ambiente do Litoral Paranaense. Disponível em: http://www.cem.ufpr.br/litoralnotacem/
textos.htm . Acesso em 21 de jul. 2015.
dades turísticas frente ao potencial do parque em tela. Também se repete o fato de que as atividades assinaladas como
efetivamente realizadas possuem em sua natureza baixa dependência de gestão, promoção e estruturação da UC. Cumpre FRANCO, Marina. As Unidades de Conservação e a Economia. In.: Planeta Sustentável, 2011. Disponível em: http://
salientar que se trata de uma unidade marítima, com especificidades (acesso, transporte, viabilidade de visitação, perfil planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/unidades-conservacao-economia-628618.shtml . Acesso em:
05 de ago. 2015.
de público, outros).
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativa de População 2014. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.
Todavia, canoagem, mergulho e observação correspondem a atividades que independem das condições de gestão br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/estimativa_dou_2014.pdf Acesso em: 25 de jul. 2015.
e promoção da unidade, refletem mais da capacidade dos usuários de dispor de meios e equipamentos para tal finalidade
Medeiros, R.; Young, C.E.F.Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: Rela-
5 Está situado entre os pontos 25.43.13 S e 048.22.26 W; 25.44.27 S e 048.22.53 W; 25.45.47 S e 048.19.49 W; 25.44.33 S e 048.19.21 tório Final.Brasília:UNEP‐WCMC,120p, 2011.
W, no Arquipélago dos Currais.

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MMA. Ministério do Meio Ambiente. Unidades de Conservação: Conservando a vida, os bens e os serviços ambien- TURISMO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: PERCEPÇÕES SOBRE O
tais. São Paulo, 2008. LITORAL DO PARANÁ
MMA. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Manejo. Disponível em: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/uni-
dades-de-conservacao/plano-de-manejo Acesso em: 10 de ago. 2015.
MMA & MEC. Ministério do Meio Ambiente & Ministério da Educação. Programa Nacional de Educação Ambien- Natali Calderari1; Valdir Frigo Denardin1
tal (ProNEA). Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação. Coordenação
Geral de Educação Ambiental. - 3. ed - Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005.
MTUR. Ministério do Turismo. Ecoturismo: orientações básicas. 2ª Edição, 2010. Disponível em http://www.turismo. RESUMO
gov.br/export/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Ecoturismo_Versxo_Final_IM-
PRESSxO_.pdf . Acesso em: 29de jul. 2015. O ecodesenvolvimento e o desenvolvimento territorial sustentável se constituem como modelos de desenvolvimento
que, ao contrário daquele baseado no crescimento econômico, consideram as especificidades locais e visam o bem-estar
MTUR. Ministério do Turismo. Inventário da Oferta Turística. Brasília, 2011. da população e a qualidade do meio ambiente, abrangendo aspectos sociais, culturais e ambientais. Nesse contexto, o
turismo surge como uma estratégia para sua promoção quando promove a participação da comunidade e tem como base
os recursos específicos do território. O Litoral do Paraná, caracterizado principalmente pelo turismo de “sol e mar”,
MYERS, N.; MITTERMEIER, R.A.; MITTERMEIER, C.G.; FONSECA, G.A.B. da; KENT, J. Biodiversity hotspots apresenta elementos culturais e ambientais relevantes relacionados à áreas preservadas de mata atlântica e diversidade
for conservation priorities. Nature, v.403, p.853-858, 2000. de culturas. Este trabalho tem como objetivo realizar uma aproximação entre a discussão teórica do desenvolvimento
territorial sustentável e turismo e o contexto turístico do Litoral do Paraná. Parte-se da hipótese de que a região apresenta
PDITS. Plano Integrado do Turismo Sustentável. Polo Turístico do Litoral Paranaense. Disponível em: http://www.turis-
elementos potenciais de estudo para pensar em modalidades de turismo que consistam em uma alternativa ao turismo de
mo.pr.gov.br/arquivos/File/setu/pdf/institucional/PDTISProdutoLitoral.pdf Acesso em: 05 de ago. 2015.
“sol e mar” e contribuam para o desenvolvimento territorial sustentável da região.
SEMEIA. Instituto Semeia. Unidades de conservação no Brasil: A contribuição do uso público para o desenvolvi-
mento socioeconômico. São Paulo: Semeia, 2014.
SNUC. Sistema Nacional de Unidades de conservação: texto da Lei 9.985 de 18 de julho de 2000 e vetos da presi- Palavras-Chave: Ecodesenvolvimento; Desenvolvimento Territorial Sustentável; Turismo; Litoral do Paraná
dência da República ao PL aprovado pelo congresso Nacional. - São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Bios-
fera da Mata Atlântica, 2000. 2ª edição ampliada. 76 p.; 21cm. - (Cadernos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica:
série conservação e áreas protegidas, 18). ABSTRACT
TABARELLI, M.; PINTO, L. P.; SILVA, J. M. C.; HIROTA, M. M.; BEDÊ, L. C. Desafios e oportunidades para a The eco-development and sustainable territorial development are constituted as development models that, unlike that
conservação da biodiversidade na Mata Atlântica brasileira. In.:Megadiversidade 1 (1), p. 132-138, 2005. based on economic growth, consider local specificities and aim at the population’s well-being and the quality of the
UNESCO. Atlantic Forest South-East Reserves. Disponível em: http://whc.unesco.org/en/list/893 . Acessado em: 08 de environment, including social, cultural and environmental. In this context, tourism emerges as a strategy for its promotion
ago. 2015. when promotes community involvement and is based on the specific resources of the territory. The Coast of Paraná, mainly
characterized by the “sun and sea” tourism, presents relevant cultural and environmental elements related preserved areas
Unidades de Conservação no Brasil. Unidades de conservação.In.: Unidades de Conservação no Brasil, 2012. Dis- of rainforest and diversity of cultures. This work aims to achieve a rapprochement between the theoretical discussion of
ponível em: http://uc.socioambiental.org/%C3%A1reas-para-conserva%C3%A7%C3%A3o/unidades-de-conserva%- sustainable territorial development and tourism and the tourism context of the Coast of Paraná. It starts with the hypothesis
C3%A7%C3%A3o . Acesso em: 08 de ago. 2015. that the region has potential elements of study to think of tourism modalities consisting as a alternative to tourism of “sun
and sea” and contribute to the sustainable territorial development of the region.
VALLEJO, L. R. Unidades de conservação: uma discussão teórica à luz dos conceitos de território e de políticas
públicas. Universidade Federal Fluminense, 2003.

KEY-WORDS: Ecodevelopment; Sustainable Territorial Development; Tourism; Paraná coast

1 Universidade Federal do Paraná - natali_calderari@hotmail.com/valdirfd@ufpr.br

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1. INTRODUÇÃO 3. TURISMO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
O termo desenvolvimento, comumente interpretado como sinônimo de crescimento econômico, é cada vez mais Ao pensar em um novo modelo de desenvolvimento que vá além do crescimento econômico, Sachs (1986; 2007) é um
discutido em relação ao seu real significado. Aspectos ambientais, sociais e culturais, juntamente com o crescimento dos principais autores que discutem os princípios e características do ecodesenvolvimento. Para ele, o desenvolvimento
atuando como um meio para melhorar a qualidade de vida, configuram em um novo modelo de desenvolvimento que deve partir de uma hierarquização onde está “o social no comando, o ecológico enquanto uma restrição assumida e o
preza pela satisfação das necessidades básicas da população (FURTADO, 1983; SACHS, 1986; SEN, 1999; VEIGA, econômico recolocando em seu papel instrumental” (SACHS, 2007, p. 266). O autor apresenta o ecodesenvolvimento
2005). como

O ecodesenvolvimento, aqui interpretado pelo viés de Sachs (1986; 2007), considera as especificidades de cada um estilo de desenvolvimento que, em cada ecorregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas
particulares, levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades
lugar fundamentais para se pensar em estratégias de desenvolvimento. As questões envolvendo a qualidade do meio imediatas como também aquelas a longo prazo (SACHS, 1986, p. 18).
ambiente tem espaço importante nesse contexto e devem ser pensadas em conjunto com os demais fatores que envolvem
o território. Nesse caso, não se aplica o modelo até então utilizado pelos países nórdicos e norte-americanos, mas sim
em diferentes formas de promover o desenvolvimento com base nas características locais. O desenvolvimento territorial As principais características do ecodesenvolvimento, segundo o autor, são: a valorização dos recursos específicos
sustentável, por sua vez, segue os mesmos princípios e procura torná-los aplicáveis, do ponto de vista da viabilidade de de cada ecorregião, visando a satisfação das necessidades básicas da população; o direcionamento das forças para a
suas dimensões. realização do homem, através do emprego, segurança, qualidade das relações humanas e respeito às diversas culturas;
O turismo se configura como importante estratégia para o desenvolvimento territorial sustentável, uma vez que seja a gestão dos recursos naturais de modo solidário às gerações futuras, evitando a depredação e incentivando o uso de
utilizado como gerador de renda às populações em situação de vulnerabilidade econômica e tenha nos recursos específicos recursos renováveis; a redução de impactos humanos sobre o meio ambiente através de novas formas de produção e
locais seus principais possibilitadores. No Litoral do Paraná, a atividade turística está ligada ao turismo de “sol e mar”, aproveitamento de processos produtivos; o aproveitamento da capacidade regional para a fotossíntese e a utilização
um turismo de massa caracterizado pela sazonalidade. de fontes locais de energia, bem como alternativas ao uso do automóvel particular; o desenvolvimento de um estilo
tecnológico específico, como o aperfeiçoamento de ecotécnicas que compatibilizem objetivos sociais, econômicos e
A pergunta que este trabalho visa responder é: o turismo é uma área de estudo potencial para se pensar o desenvolvimento ecológicos; a oferta de equipamentos e técnicas de produção adaptadas às condições econômicas e ecológicas do pequeno
territorial sustentável no Litoral do Paraná? Nesse sentido, parte-se da hipótese de que a região apresenta elementos camponês e zonas rurais, considerando as especificidades desses casos; e a educação, formal ou não formal como forma
potenciais de estudo para pensar em modalidades de turismo que consistam em uma alternativa ao turismo de “sol e mar” de sensibilização acerca da dimensão ambiental e os aspectos ecológicos do desenvolvimento (SACHS, 1986).
e contribuam para o desenvolvimento territorial sustentável da região.
A participação dos grupos e das comunidades locais para a criação de meios de vida sustentáveis é uma das principais
O objetivo deste artigo consiste em realizar uma aproximação entre a discussão teórica do desenvolvimento medidas a serem tomadas na estratégia de desenvolvimento, sendo importante considerar a diversidade de culturas
territorial sustentável e turismo e o contexto turístico do Litoral do Paraná. Para tanto, serão relacionados os preceitos do e evitar soluções homogeneizadoras (SACHS, 2007). Nesse sentido, Sachs (2007, p. 186) salienta que, no ambiente
desenvolvimento territorial sustentável com a prática de um turismo que tem como base as particularidades do território. urbano, o ecodesenvolvimento não pode ser promovido através de estratégias de cima pra baixo, mas “projetadas e
Na sequência, será realizada uma breve apresentação do uso turístico do Litoral do Paraná e alguns elementos potenciais implementadas pela população, auxiliadas por políticas de capacitação eficazes”, e que “a troca de experiências entre
para o desenvolvimento do turismo. cidades e os estudos comparativos devem desempenhar um papel importante nas políticas de cooperação” com o intuito
de estimular a criatividade social, e não somente encontrar modelos prontos. Tais considerações se aplicam também ao
meio rural, que possui dinâmicas próprias e deve ser gerido sob a ótica de seus problemas específicos. Para o autor, na
2. METODOLOGIA agricultura, um fator importante nessa estratégia consiste:
A metodologia se baseará em revisão bibliográfica acerca das temáticas do desenvolvimento territorial sustentável,
na exploração da biodiversidade e da diversidade cultural, visando identificar novos recursos e gerenciá-
ecodesenvolvimento e turismo, bem como de estudos do turismo no Litoral do Paraná. Em um primeiro momento serão los de forma socialmente útil e ecologicamente prudente. Recorrendo simultaneamente ao conhecimento
apresentadas as características do ecodesenvolvimento, desenvolvimento territorial sustentável e o papel do turismo nesse local das populações e às conquistas da ciência moderna, poderíamos assim valorizar de forma integral e
contexto, em especial o turismo cultural, turismo rural e ecoturismo. Na sequência far-se-á uma breve caracterização do duradoura o potencial contido nos ecossistemas (SACHS, 2007, p. 278).

turismo no Litoral do Paraná assim como alguns fatores culturais e ambientais. Por fim, a conclusão.

A transição do modelo de desenvolvimento atual para o ecodesenvolvimento implica em alguns fatores levantados

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pelo autor, a saber: o tempo de transição, que deverá cobrir um período de várias décadas para que possa fazer sentido; Para Pecqueur (2005, p 12), o desenvolvimento territorial é definido como “todo processo de mobilização dos
os custos de transição e o ajuste tecnológico que deverão ser assumidos em maior parte pelos países industrializados; atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na base de uma identificação coletiva com
a necessidade de mudanças institucionais, políticas multidimensionais e a capacidade de redirecionar o progresso uma cultura e um território”. Assim, o ecodesenvolvimento e o desenvolvimento territorial sustentável são tratados aqui
tecnológico; e a mudança no estilo de vida, nos padrões de consumo e nas funções produtivas (SACHS, 2007). como um mesmo fim a ser atingido, um modelo de desenvolvimento que tem como base a valorização das especificidades
locais e a busca por estratégias para a resolução de problemas específicos, considerando tanto aspectos econômicos como
Dentre as singularidades próprias de um país, que devem ser consideradas nas estratégias de desenvolvimento, Sachs
ambientais e sociais.
(2007, p. 264) aponta os contextos “histórico-cultural”, “ecológico” e “institucional” como fundamentais. Esses aspectos
estão presentes na diversidade de territórios e devem ser analisados também ao nível local de planejamento. Porém, A participação da população no processo de desenvolvimento está entre os fatores mais importantes apontados
cabe ressaltar que “os aspectos qualitativos do desenvolvimento são de fato muito importantes, mas não constituem pelos autores. Além de Sachs (1986; 2007) e Vieira (2009), Jean (2010, p. 71) ressalta que as ações de formação, o
um substituto para a satisfação material de algumas necessidades humanas básicas” (SACHS, 2007, p. 295). Por isso, o aumento do nível de educação das populações e o aprendizado dos líderes locais sobre conhecimentos ligados à gestão
crescimento econômico está incluso, como um meio, nos fatores contemplados pelo desenvolvimento. de projetos são fundamentais. Carrière e Cazella (2003, p. 37) cita a cooperação entre os atores sociais com diferentes
No decorrer das décadas de 1980 e 1990, a proliferação de estudos de caso sobre as experiências de interesses, “mas que podem encontrar áreas de convergência em novos projetos, de tal forma que todos se beneficiem da
desenvolvimento local e desenvolvimento territorial em diferentes contextos nacionais tem contribuído “atmosfera” propícia à geração de iniciativas inusitadas”. Tonneau e Vieira (2003, p. 317) destacam que três fatores são
para o aprofundamento das nações (sistêmicas) de endogeneidade, descentralização, self reliance,
autonomia local e sistemas produtivos locais integrados, que sempre foram consideradas como alicerces
determinantes em um projeto de desenvolvimento territorial sustentável: o “interesse real dos atores locais na modificação
da posição ecodesenvolvimentista (VIEIRA, 2009, p. 27). efetiva de suas práticas convencionais”, “o nível de sinergia bottom-up que eles alcançarem” e “a efetividade das políticas
públicas indutoras de inovações técnicas”.

No campo da pesquisa, Tonneau e Vieira (2003) estabelecem quatro princípios para a produção de conhecimentos:
Posterior às discussões e uso do termo “ecodesenvolvimento”, Vieira (2009, p. 40) coloca o desenvolvimento
análise dos dispositivos de diálogo e de negociação entre os atores sociais relevantes; estudo de territórios considerados
territorial sustentável como uma categoria que “tem contribuído para dotar o enfoque de ecodesenvolvimento de
em toda a sua diversidade; mapeamento e caracterização de experiências exitosas; e novos métodos de concepção de
fundamentos científicos e éticos cada vez mais sólidos”. Pra ele:
sistemas de informação em parceria. Nesse sentido, cabe pensar em estratégias locais em suas variadas formas, explorando
Este conceito designa uma modalidade de política ambiental de corte simultaneamente preventivo e os potenciais de cada região.
proativo, focalizando a relação sociedade-natureza de uma perspectiva sistêmica consequente. Sua
aplicação exige uma dinâmica de experimentações comparativas e de longo fôlego com enfoques Nesse contexto, o turismo surge como uma estratégia para o desenvolvimento territorial sustentável quando
analíticos de corte transdisciplinar e com sistemas autenticamente descentralizados de planejamento e
gestão (VIEIRA, 2009, p. 63). planejado sob a perspectiva dos recursos territoriais do local e contribuindo para a valorização dos atrativos e geração
de renda à população local. Porém, Fratucci (2014) alerta para o caráter puramente econômico que essa atividade pode
adotar. Para ele, a importância econômica da atividade turística também contribui “para que as ações e políticas públicas
e privadas direcionadas para o desenvolvimento do turismo privilegiem tal dimensão econômica do fenômeno” em
Para Jean (2010, p. 53) “as novas teorias do desenvolvimento territorial valorizam o papel ativo dos territórios,
detrimento das dimensões social, ambiental, cultural e política (FRATUCCI, 2014, p. 91). O autor salienta que o poder
eles mesmos representados não como suportes do desenvolvimento, e sim como formas de produção social que sustentam
público vem elaborando e implementando políticas voltadas à interesses do capital financeiro, de modo que os interesses
o desenvolvimento das regiões”. Segundo o mesmo autor, o elo entre o desenvolvimento territorial e o desenvolvimento
de outros agentes sociais envolvidos com o turismo não sejam considerados.
sustentável está na articulação entre espaços que permite ao território chegar a um estado de resiliência. Sobre os territórios
rurais, Jean (2010, p. 61) os descreve sob a perspectiva do desenvolvimento territorial sustentável como: Sob um olhar mais abrangente do turismo, Fratucci (2014, p. 93) afirma que, na gestão dos territórios do turismo,
Primeiramente, aos territórios dotados de ecossistemas saudáveis, ou seja, com ar e água pura, paisagem “é condição sine qua non a contemplação das relações e interações que se estabelecem entre os territórios de cada
agradável e um patrimônio natural e construído bem cuidado. Em segundo lugar, a territórios que agente social, pois é a partir delas que se estabelece o território do turismo, em sua concretude e totalidade”. Em um
apresentam viabilidade econômica, isto é, nos quais se observa um aumento do empreendedorismo, uma
desenvolvimento a nível local, o turismo é um instrumento da população para uma melhor condição de vida, devendo ser
diversificação econômica e uma redução da pobreza. Em terceiro lugar, os territórios usufruindo de maior
equidade social em decorrência do fim da migração rural, especialmente dos jovens, com nível crescente considerado um “meio” e não um “fim” (POLEZA et. al., 2008, p. 6). Poleza et. al. (2008, p. 5) ressaltam que o turismo
de inclusão social das minorias e das mulheres, além de acesso aos serviços públicos. para o desenvolvimento deve implicar no “envolvimento e na participação cidadã no processo de gestão e planejamento
da localidade”.

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Diante disso, algumas categorias de turismo são consideradas como potenciais ao desenvolvimento. O turismo sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’” (p. 21). Carrière e Cazella (2003, p. 34)
cultural, o turismo rural e o ecoturismo são citados nesse contexto. Para o Ministério do Turismo (2008, p. 16), o apontam as características básicas das dinâmicas territoriais: “a) elas são múltiplas e sobrepostas, além de impermanentes;
turismo cultural “compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos b) na maioria das vezes seus limites não são nítidos; e c) elas buscam valorizar o potencial de recursos latentes, virtuais e
do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da ‘escondidos’”.
cultura”.
Nessa perspectiva, a busca pelos recursos específicos do território se torna primordial. Pecqueur (2005, p. 12)
O turismo de base cultural tem se apresentado de forma cada vez mais destacada como uma alternativa
para diversas cidades que possuem atrativos monumentais, artísticos, bem como de costumes e práticas afirma que “a dinâmica de desenvolvimento territorial visa revelar recursos inéditos, e é nisto que constitui uma inovação”.
sociais tidas como tradicionais. Isso permite afirmar que economia e cultura podem se entrelaçar na busca A partir disso podem ser desenvolvidas estratégias particulares do território, permitindo o uso de suas potencialidades e
de novas alternativas de desenvolvimento das cidades (ABRAHÃO e BAHL, 2011, p. 97).
satisfação de suas necessidades.

O autor diferencia recursos e ativos genéricos de específicos. Enquanto os ativos correspondem a algo que está
O turismo rural, por sua vez, é conceituado como “o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio sendo usado ou “em funcionamento”, os recursos representam um potencial a ser utilizado, como uma “reserva”, que
rural, comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o pode ser transformado em ativo. Os ativos ou recursos genéricos são transferíveis, seu valor independe do contexto e
patrimônio cultural e natural da comunidade” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004, p. 11). Inácio (2003) defende que participação em qualquer processo de produção. Já os ativos ou recursos específicos são intransferíveis, seu valor está
o agroturismo pode ter papel significativo para ações voltadas ao ecodesenvolvimento, quando não baseado somente em ligado ao território. “Os ativos específicos existem como tais, mas seu valor é função das condições de seu uso”, os
relações econômicas. “A implementação de projetos baseados no ecoturismo e no turismo rural apresenta-se como uma recursos específicos “constituem a expressão do processo cognitivo que se inicia quando atores dotados de competências
importante alternativa para pequenas comunidades” (INÁCIO, 2003, p. 185). diferentes põem essas competências em comum e, dessa forma, produzem conhecimentos novos” (PECQUEUR, 2005,
p. 13).
O ecoturismo “é um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e
cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da interpretação do Para Pecqueur (2005, p. 14) “O desafio das estratégias de desenvolvimento dos territórios consiste, portanto,
ambiente, promovendo o bem-estar das populações” Ministério do Turismo (2008, p. 16). Neste caso, vê-se evidente a essencialmente em se apropriar dessas condições e buscar o que constituiria o potencial identificável de um território”.
visão de atrelar a qualidade do meio ambiente à satisfação de necessidades da população local. O autor expõe que tais recursos resultam de “normas, de costumes, de uma cultura que são elaborados num espaço de
proximidade geográfica e institucional, a partir de uma forma de troca que não é mercantil: a reciprocidade” (PECQUEUR,
O turismo de massa, como o turismo de “sol e mar”, por vezes exclui parte da população local dos benefícios
2005, p. 15).
gerados, como no caso do Litoral do Paraná (ESTADES, 2003), e é potencial gerador de impactos socioambientais, como
no litoral catarinense (POLEZA, et. al., 2008). Ao ter o desenvolvimento como fim, a atividade turística deve englobar
aspectos ambientais, promovendo a proteção do meio ambiente, aspectos sociais, envolvendo o protagonismo local, e
4. TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ
aspectos econômicos, como fonte de renda às comunidades locais.
A atividade turística no Litoral do Paraná é caracterizada, principalmente, pelo turismo de “sol e mar”. O período
de maior movimento compreende os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, evidenciando a sazonalidade como fator
marcante dessa prática. A formação de balneários, com grande número de segundas residências, é uma característica
3.1 Recursos específicos do território
visível nas cidades praianas. Ao todo a região possui sete municípios, sendo a economia baseada principalmente pela
Para pensar o turismo como estratégia de desenvolvimento para a região, deve-se compreender suas dinâmicas
atividade portuária em Paranaguá e Antonina, rural em Morretes e Guaraqueçaba, e turística em Guaratuba, Matinhos e
territoriais. Jean (2010, p. 69) cita três funções dos territórios rurais (que também adaptam-se ao ambiente urbano):
Pontal do Paraná (ESTADES, 2003).
a função econômica de produção e geração de empregos, a função ambiental de proteção e valorização
dos ecossistemas, e uma função social ou cultural, na qual a criação de uma paisagem tem valor, não mais De modo semelhante a outros territórios litorâneos mundo afora, no litoral do Paraná áreas urbanas e espaços
restrita provavelmente à manutenção de certas tradições agrícolas, faz parte também da cultura rural local. turísticos eclodiram como efeito da difusão dos hábitos de veraneio e da efervescência cultural do prazer
praiano. Matinhos e Pontal do Paraná, conformadas por sucessivos balneários que seguem a linearidade
da costa e da PR 412, representam os exemplos mais puros da concretização espacial do processo de
balnearização. Guaratuba, cuja fundação remonta ao século XVIII, difere no aspecto “origem” destes dois
municípios. Apesar disso, do mesmo modo que Matinhos e Pontal do Paraná a expansão do quadro urbano
Haesbaert (2008), por sua vez, defende que todo território é funcional e simbólico, pois “exercemos domínio na segunda metade do século XX como implicação da balnearização (CHEMIN e ABRAHÃO, 2013 apud
CHEMIN e ABRAHÃO, 2014, p. 229-230)

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Diante disso, cabe valorizar as particularidades do Litoral do Paraná que, ao contrário do que move o turismo grande capacidade de adaptação quando se deseja promover ações com esse fim.
de “sol e mar”, possam consistir em recursos específicos a serem utilizados pelo turismo no desenvolvimento da região.
Cabe ressaltar que o turismo para o desenvolvimento sustentável possui características condizentes com os princípios
Aspectos culturais, principalmente relacionados à cultura caiçara e remanescentes históricos, e aspectos ambientais,
propostos nesse modelo de desenvolvimento e que, do mesmo modo que pode ser um instrumento para sua promoção,
devido a áreas de mata atlântica preservada, são algumas das características que o diferencia.
muitas vezes apenas replica as atividades com fins puramente econômicos, como o turismo de massa. Nesse contexto,
No litoral, as tradições se encontram no cotidiano; em muitas localidades ainda se pratica o artesanato o turismo cultural, o turismo rural e o ecoturismo figuram entre possíveis categorias de turismo que, quando planejados
tradicional. Os potes de barro, os trançados, as pinturas com traços europeus e índios, podem ser
encontrados em lugares recônditos das baías do litoral paranaense. Os “caiçaras” confeccionavam, até com a participação das comunidades locais, são potenciais instrumentos para o desenvolvimento de um território.
bem pouco tempo, as canoas de um pau só, com a árvore do guapuruvu, que, quase extinta, obriga a
busca de outras soluções. O fandango, bailado tradicional do litoral, possui um aparato impressionante O Litoral do Paraná, principalmente devido aos seus aspectos culturais e ambientais, possui elementos que
que envolve as comunidades em todo o seu processo. As violas, as rabecas, os tamancos são feitos pela permitem pensar modelos de turismo que consistam em uma alternativa ao turismo de “sol e mar”, contribuindo para o
comunidade: as danças, os cantos e modo de executar os instrumentos e bailar as modas são transmitidos
espontaneamente; o fandango de um lugar traz a sua marca, sua identidade própria, diferenciando-se
desenvolvimento territorial sustentável da região. Tais modelos constituem um potencial campo de estudo nessa área,
de outros. É um arcabouço pertencente a uma comunidade, que identifica sua tradições, mentalidade e principalmente no que se refere à identificação e utilização de seus recursos específicos no território.
valores (PARANÁ, 2009 apud ABRAHÃO e BAHL, 2011, p. 107).
Este trabalho buscou realizar uma aproximação entre as temáticas do desenvolvimento territorial sustentável,
turismo e o contexto turístico do Litoral do Paraná através de uma breve descrição deste e alguns elementos culturais e
ambientais. Para uma análise mais aprofundada do tema, é imprescindível a realização de estudos que visam enriquecer
Estades (2003, p. 26) destaca que os principais elementos responsáveis pela heterogeneidade do Litoral do Paraná
as discussões nesse campo, principalmente em relação ao levantamento dos recursos específicos da região e seus usos.
são os diferentes ecossistemas, a diversidade de atividades econômicas, a variedade cultural de populações com origens
diferentes e as desigualdades sociais. Chemin e Abrahão (2014, p. 215) destacam a “diversidade de espaços turísticos,
materializados junto a balneários marítimos, recantos fluviais, cidades históricas, territórios insulares e espaços naturais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
delimitados como unidades de conservação”. Os autores ainda citam a transformação de elementos de infraestrutura, no
que se refere à sistemas de transporte, em atrativos turísticos, como o Caminhos do Itupava. Além desses, o Complexo ABRAHÃO, Cinthia Sena; BAHL, Miguel. Turismo cultural e desenvolvimento includente: o caso de Paranaguá, Paraná,
Estuarino de Paranaguá e a Baía de Guaratuba, os centros históricos de Paranaguá e Antonina, o complexo da Serra do Brasil. Turismo em Análise, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 96-118, abr/2011.
Mar, a Ilha do Mel e o Parque de Superagui, as Estradas da Graciosa e de Ferro Paranaguá-Curitiba e Conjunto Marumbi CARRIÈRE, Jean-Paul; CAZELLA, Ademir Antonio. Abordagem introdutória ao conceito de desenvolvimento territorial.
são importantes locais projetados como espaços turísticos. Antonina e Morretes também se destacam na gastronomia Eisforia, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 23-47, dez/2003.
(CHEMIN e ABRAHÃO, 2014). CHEMIN, Marcelo; ABRAHÃO, Cinthia Maria de Sena. Dinâmicas e configurações da atividade turística no litoral
do Paraná. Matinhos: UFPR (Setor Litoral), Pesquisa/Relatório (n.1). 2013. In: CHEMIN, Marcelo; ABRAHÃO, Cinthia
Em Paranaguá, Abrahão e Bahl (2011, p. 111) defendem que o “patrimônio arquitetônico bem como o patrimônio Maria de Sena. Integração territorial do litoral do estado do Paraná (Brasil): transportes, balnearização e patrimonialização
imaterial relativamente preservado nas manifestações culturais e no modo de vida dos ilhéus apresenta-se como na formação e dinâmica do espaço turístico. Ra’e Ga, Curitiba, v. 32, p. 212-239, dez/2014.
potenciais para o desenvolvimento da região”. Ressaltam que “converter este potencial em atrativo requer sensibilidade,
CHEMIN, Marcelo; ABRAHÃO, Cinthia Maria de Sena. Integração territorial do litoral do estado do Paraná (Brasil):
conhecimento profundo da história e da cultura local, bem como a disponibilidade de diálogo a respeito das diferenças” transportes, balnearização e patrimonialização na formação e dinâmica do espaço turístico. Ra’e Ga, Curitiba, v. 32, p.
(ABRAHÃO e BAHL, 2011, p. 114). Em todo o Litoral do Paraná, os recursos culturais e ambientais oferecem um 212-239, dez/2014.
extenso campo de estudo para a geração de conhecimento que contribua para um planejamento turístico voltado ao
ESTADES, Naína Pierri. O Litoral do Paraná: entre a riqueza natural e a pobreza social. Desenvolvimento e Meio
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
A busca de estratégias para a promoção do desenvolvimento territorial sustentável tem no turismo uma importante
HAESBAERT, R. Dos múltiplos territórios a multiterritorialidade. In: Heidrich, A. L. et al. (Orgs). A emergência da
área a ser explorada. No âmbito da valorização das especificidades locais e da satisfação das necessidades básicas da
multiterritorialidade: a ressignificação da relação do humano com o espaço. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. p.
população, tendo em vista a qualidade de vida como foco do desenvolvimento, a atividade turística apresenta-se com 19-36B.

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GRUPO DE TRABALHO VIII
Saúde e Ambiente

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AVALIAÇÃO DE CONFORTO TÉRMICO EM AMBIENTES COM COBERTURA VERDE NA REGIÃO DO Introdução GT - 08
ALTO VALE DO ITAJAÍ, RIO DO SUL (SC). As superfícies verdes diminuem situações de desconforto atmosférico, tornando-se consequentemente
indispensáveis. Com a procura de meios que promovam melhoria na qualidade de vida das pessoas e tentando aumentar a
Laércio de Souza1; Arlete Longhi Weber1; Rogério Euzébio Tovela1; Giane Triches2 quantidade de áreas verdes e bem estar, a arquitetura vem ganhando novas formas e estrutura já há bastante tempo.
Os telhados verdes, coberturas verdes, tetos verdes, telhados vivos, eco telhado, telhados ajardinados, dentre outras
denominações resultantes da sua evolução não são uma técnica recente, mas sim milenar. Tem como base a combinação
RESUMO do solo e vegetação, que proporciona em climas frios calor no interior do edifício e, em climas quentes impede a sua
penetração, Peck (1999). Este telhado é formado por um conjunto composto basicamente por uma camada superior de
O telhado verde tem como característica a utilização de espécies vegetais variadas sobre a cobertura de edificações, com
a finalidade de proporcionar maior conforto térmico no seu interior, reduzindo gastos com energia para aquecimento ou substrato (solo), vegetação e uma subcamada drenante inferior apoiada sobre laje ou outra estrutura de cobertura, com
resfriamento dos ambientes, além de contribuir na infiltração das águas das chuvas e melhorar os aspectos paisagísticos. impermeabilização adequada entre ela e tal estrutura, Minke, (2003).
Este trabalho teve como objetivo avaliar alterações na temperatura e umidade relativa do ar no interior de edificações Segundo Osmundson (1999), a primeira referência histórica de jardins suspensos, feitos pelo homem, são os
com o uso de telhados verdes. O experimento foi desenvolvido no viveiro florestal do Instituto Federal Catarinense –
Zigurates da antiga Mesopotâmia, atual região de Iraque, construídos por volta de 600 a.C, onde o mais famoso era
Campus Rio do Sul, SC. Foram construídos protótipos em madeira de um metro quadrado cada, coberto com telha de
cimento amianto. O experimento constou de dois tratamentos (com e sem cobertura vegetal) e cinco repetições. Um Etemenanki, na Babilônia, com 91 metros de altura e uma base de 91 metros por 91metros e, o mais preservado dos
protótipo de cada lado serviu de bordadura, totalizando 12 protótipos. A distribuição dos tratamentos e repetições se deu antigos Zigurates é o de Nanna, na antiga cidade de Ur, mas como instrumento funcional para a civilização teve diferentes
por sorteio. O substrato para o crescimento das plantas foi colocado a uma altura de 5 centímetros sendo composto por formas, onde a titulo de exemplo na Escandinavia, os telhados eram cobertos com uma mistura de terra e grama como
30% terra de barranco, 30% cama de aviário e 40% casca de arroz carbonizada. As plantas de Echeveria sp. e Sedum sp.
forma de isolamento térmico, Morais (2004).
foram plantadas respeitando um espaçamento de 10 centímetros entre elas. O monitoramento da temperatura e umidade
relativa do ar (UR) foi realizado com um Termo-higrômetro, colocado no interior do protótipo, em intervalos de dois Nos anos 70, organizações privadas juntas com universidades e centros de pesquisa começaram a desenvolver
dias, totalizando 30 leituras. Os dados coletados foram submetidos a análise de média e variância e as médias comparadas na Alemanha estudos envolvendo o telhado verde e suas aplicações, desenvolvimento de habitats ecológicos em áreas
pelo teste de Tukey ao nível de 5% de significância. Houve diferenças significativas na temperatura e umidade relativa urbanas, balanço energético, sistemas de drenagem e impermeabilidade, planejamento e dimensionamento. Este fato
do ar (UR) entre os tratamentos. A média das temperaturas foi 1,2°C menor no telhado com cobertura verde. A umidade
tornou a Alemanha pioneira e fonte bibliográfica desta tecnologia na era moderna, onde as suas companhias como a
relativa do ar foi maior no interior dos protótipos com cobertura verde do que nos sem cobertura, com média de 82,38%
e 80,87%, respectivamente. Zinco, Optima, Optigrun e Bauder, introduziram no mercado consumidor nos anos 80, usando materiais betuminosos
impermeáveis à água e resistentes ao crescimento de raízes (RODRIGUEZ, 2006).
Palavras-chave: Telhado verde, conforto térmico, ecodesenvolvimento, ecossocioeconomia. Com o passar dos anos, esta técnica começou a ser utilizada em vários países. Na Califórnia todos os prédios são
feitos com telhados verdes em suas coberturas. Em países como Holanda, Canadá e Alemanha a técnica foi aderida em
bairros, quem faz a aplicação de telhado verde e capta a água recebe subsídio do Governo, mobilizado com o incentivo,
cerca de 14 milhões de metros quadrados de telhado verde. Em Chicago, todos os prédios reformados tem obrigatoriamente
a cobertura de telhado verde (GRACIELE, 2008). No Brasil, segundo Tomaz (2005) esta prática foi realizada pela primeira
vez em 1936 no prédio MEC, construído pelo arquiteto Roberto Burle Marx, que executou também em 1988 o telhado
verde no Banco Safra em São Paulo. Em 1992, as arquitetas Rosa Grená Kliass e Jamil Kfouri projetaram os jardins do
Vale do Anhangabaú na mesma cidade e, mais recentemente a técnica foi aplicada no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro,
Florianópolis e Campina Grande.
Atualmente, grande parte dos trabalhos desenvolvidos que exploram as características dos telhados verdes visa
quantificar a atuação do telhado verde na diminuição do escoamento superficial da água de chuva e no combate às ilhas
de calor urbano, sendo uma importante medida de promoção do desenvolvimento sustentável em centros urbanos, através
da promoção da qualidade do ar, da água e da redução da necessidade de sistemas de aquecimento e refrigeração nas
edificações.
O modelo atual de desenvolvimento baseado na busca desenfreada por crescimento econômico e lucro traz
1 Mestrando em Desenvolvimento Regional da FURB, laercio.prof@gmail.com consequências desastrosas para o meio ambiente. No campo, florestas e vegetação natural dão espaço às plantações
2 Aluna Instituto Federal Catarinense – Campus Rio do Sul, giane.triches@gmail.com

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monocultoras e nas cidades, espaços verdes são sucumbidos por edificações que consomem com as paisagens naturais, Para abordar problemas ambientais é necessário uma articulação das diversas disciplinas envolvidas, tendo assim,
criando ambientes impermeáveis e com altas temperaturas, trazendo consequências não apenas ambientais, mas um estudo integrado dessa problemática complexa. O mesmo autor ainda afirma que Ciências Naturais e Ciências
econômicas e sociais. Sociais, apesar das diferenças conceituais, não formam uma separação, é necessário uma concepção unificada sobre
A busca por tecnologias que visem a minimização ou até mesmo um reaproveitamento de recursos naturais, ambas (GARCIA, 1994). Dentro da perspectiva de uma ação estratégica interdisciplinar para o ecodesevolvimento,
controle na emissão de gases de efeito estufa e redução de resíduos, surge como estratégias para passagem de um o telhado verde se encaixa perfeitamente visto que envolve diversas áreas do conhecimento (arquitetura e urbanismo,
desenvolvimento mau (explorador, aniquilador dos recursos naturais) para um ecodesenvolvimento (desenvolvimento agronomia, engenharia, biologia, medicina, entre outros) tanto no seu projeto como nos resultados de sua implantação.
equilibrado) (SACHS; VIEIRA, 2006). O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas) publicado em final de março
Dentro da perspectiva econômica, Baldessar (2012) apresenta dados do Departamento do Meio Ambiente de do corrente ano apresenta como principal mensagem o impacto das mudanças climáticas, a adaptação e a vulnerabilidade
Chicago nos Estados Unidos, onde em um dia com temperatura ambiente de 37°C a superfície de um telhado normal (INSTITUTO CARBONO BRASIL, 2014). Segundo o relatório, vivemos na era das mudanças climáticas produzidas
chegou a 74°C, enquanto a superfície de um telhado verde foi de apenas 29°C, cortando custos de resfriamento do pelo homem. Em muitos casos, não estamos preparados para os riscos que já enfrentamos. Investimentos em uma melhor
ambiente com a economia de energia. preparação podem render benefícios no presente e no futuro. O relatório ainda sugere criatividade para lidar com o
Numa perspectiva ecológica, os telhados verdes constituem reconstrução de habitats para insetos e aves e quiçá, aquecimento global e que compreender que as mudanças climáticas são um desafio de gestão de risco abre uma ampla
outros animais de pequeno porte. variedade de oportunidades para integrar a adaptação ao desenvolvimento social e econômico.
A dimensão social no uso dos telhados verdes pode vir a contribuir com questões de diminuição de enchentes nos Neste contexto, os telhados verdes apresentam-se como sugestões ecologicamente corretas e economicamente
centros urbanos devido a absorção da água da chuva, bem como, propiciar espaços agradáveis ao lazer e aos encontros viáveis, pois conforme Baldessar (2012) apresenta grandes vantagens, tanto do ponto de vista do conforto devido à
sociais de vizinhos (hortas, jardins) em condomínios verticalizados. umidade do ar e de sua temperatura, bem como a consideração do efeito ambiental que é capaz de produzir no seu entorno.
Contudo, telhados verdes vão além das questões socioambientais e econômicas. Surgem como perspectiva
de mudança e ocupação de espaço. Quando falamos nos telhados verdes como ocupação e mudança do espaço nos Material e Métodos
adentramos na visão possibilista da geografia. Corrêa (2000) considera a evolução das relações entre o homem e a O estudo foi desenvolvido no viveiro florestal do Instituto Federal Catarinense – Campus Rio do Sul, localizado na
natureza, que, ao longo da história, passam de uma adaptação humana a uma ação modeladora, pela qual o homem com comunidade de Serra Canoas a 696,6 metros acima do nível do mar.
sua cultura, cria uma paisagem e um gênero de vida, ambos próprios e peculiares a cada porção da superfície da Terra. Para implantação do projeto foram construídos protótipos em madeira compensada de um metro quadrado cada,
A possibilidade de o homem modificar e adaptar o espaço onde vive traz novas perspectivas dentro do coberto com telha de cimento amianto (Eternit) e fixado sobre uma base de concreto (figura 1). O telhado foi construído
ecodesenvolvimento, pois se um dia ele adaptou o verde ao cimento agora, para sobreviver às mudanças climáticas, com uma inclinação de 1% fará facilitar o escoamento superficial da água da chuva e da irrigação.
vai ter que readaptar o cimento ao verde, sendo a técnica do telhado verde uma alternativa para tornar um espaço frio e O experimento foi instalado em outubro de 2013 e constou de dois tratamentos (com e sem cobertura vegetal) e
vazio, num espaço vivo, visto que os demais espaços urbanos já se encontram, na maioria, ocupados por calçadas, ruas e cinco repetições. Um protótipo de cada lado serviu de bordadura, totalizando 12 protótipos. A distribuição dos tratamentos
edificações. e repetições se deu por sorteio.
Santos (2006) retrata essa relação espaço-objeto como um sistema de ação interdependente, onde a formação do Sobre as telhas que receberam a cobertura vegetal, foi esticado um plástico transparente para evitar a infiltração
espaço consiste num conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ações que interagem. De um lado, os sistemas de de água no telhado. Para facilitar a ficção do substrato e das raízes, foi colocado sombrite sobre o plástico e uma moldura
objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou de madeira.
se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. Esta visão reafirma O substrato utilizado para o crescimento das plantas foi preparado no próprio viveiro florestal do Campus contendo de
a possibilidade de o homem modificar o espaço através de suas ações, criando, recriando, transformando o espaço onde 30% terra de barranco, 30% cama de aviário e 40% casca de arroz carbonizada, todos componentes disponíveis na região.
se encontra. Essa modificação depende da relação indissociável entre objeto, ação, e espaço. Neste contexto os telhados O substrato foi colocado sobre o telhado dos protótipos que receberiam cobertura vegetal com altura de 5 centímetros.
verdes constituem objetos, que através da ação humana, modificam espaços. As plantas foram produzidas no viveiro florestal do Campus nos meses de julho, agosto e setembro. Optou-se pelo
Ao tratarmos de técnicas e alternativas rumo ao ecodesenvolvimento, à ecossocioeconomia, temos que pensar nas uso de Echeveria sp. e Sedum sp. por serem plantas resistentes a condições de baixa umidade e fertilidade do solo e de
questões interdisciplinares que envolvem essas práticas, pois não há como pensar em um novo desenvolvimento social, crescimento lento, além de apresentarem menor exigência em manutenção.
ambiental e econômico sem analisar as relações, participações e contribuições das diversas áreas disciplinares. As plantas foram plantadas respeitando um espaçamento de 10 centímetros entre elas. As irrigações ocorreram
Segundo Boff (1993) a ecologia exige uma visão de totalidade, soma de partes, superando saberes isolados, diariamente em igual volume para todos os protótipos (com e sem cobertura vegetal). Em períodos de chuva a irrigação
havendo a necessidade de uma compreensão interdisciplinar e holística. foi suspensa.

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O monitoramento do desempenho térmico foi realizado com o auxilio de um aparelho Termo higrômetro, colocado relatadas por Cantor (2008) que afirma que a queda de temperatura sob o telhado verde varia de 1,7 ºC até 3,9 ºC. Desta
no interior do protótipo, obtendo-se medidas de temperatura e umidade relativa do ar (UR) a cada dois dias durante dois forma, o emprego de telhados verdes nos ambientes densamente construídos centros urbanos pode contribuir no conforto
meses, totalizando 30 leituras. Todas as leituras foram realizadas entre as quinze e dezesseis horas. térmico, utilizando as características térmicas da vegetação que, ao realizarem a evapotranspiração reduzem a temperatura
Os dados foram submetidos a análise de variância (ANOVA) e as médias dos tratamentos foram comparadas pelo do ambiente.
teste de Tukey (p<0,05). Segundo Rivero (1985) quando o meio externo não apresenta condições térmicas adequadas, o organismo utiliza
os sistemas termoreguladores, os quais apesar de ser o meio natural de regulação de perdas de calor do organismo,
Resultados e discussão representa um esforço extra, e consequentemente, uma queda na potencialidade de trabalho (FROTA; SCHIFFER, 1988).
De acordo com os resultados, a temperatura e a umidade relativa do ar apresentaram diferenças nos protótipos Desta forma, os telhados verdes podem contribuir de forma significativa no conforto térmico das residências bem como
com e sem cobertura vegetal (Tabela 1). dos locais de trabalho, melhorando o desempenho produtivo e a qualidade de vida.
Embora o custo inicial para implantação de um telhado verde seja maior do que um telhado convencional, ao
Tabela 1: Médias das temperaturas (ºC) e Umidade Relativa do Ar (UR; %) com e sem cobertura vegetal no telhado longo do tempo, o telhado verde prolonga a sua vida útil, protegendo da incidência direta dos raios solares e outras
dos protótipos no IFC – Campus Rio do Sul. intempéries (CANTOR, 2008). Segundo o mesmo autor, o telhado verde é tido como uma camada protetora, a prova
d´água que protege o telhado do sol e das variações de temperatura por mais de 36 anos, enquanto nos telhados comuns a
Tratamento TºC UR (%) sua duração é inferior a 20 anos.
Com cobertura 21,85 b* 82,38 a
Sem cobertura 23,05 a 80,87 b A média da umidade relativa do ar nos protótipos com cobertura verde foi de 82,38 %, superior aos 80,87 % dos
Média 22,45 82,62 protótipos sem cobertura verde nos telhados (tabela 1). Esta maior umidade no interior dos protótipos com cobertura
* Valores seguidos da mesma letra, nas colunas, não diferem entre si, pelo teste de Tukey (p˂0,05).
verde deve-se em grande parte a umidade retida no substrato e raízes das plantas, a qual é transferida para o interior do
ambiente. O calor transferido da superfície dos telhados para o interior das edificações depende da quantidade de água
A temperatura média total dos protótipos com cobertura verde foi menor quando comparada com os protótipos
e da temperatura do ar, o que leva a uma dependência mutua e continua da redistribuição do calor e da umidade. No
sem cobertura verde nos telhados. Nos telhados sem cobertura verde (Figura 2), a média das temperaturas registrada
estudo, o substrato foi mantido úmido durante toda a avaliação e as temperaturas foram amenas, refletindo em uma maior
foi de 23,05oC. Enquanto nos telhados com cobertura verde a média das temperaturas registradas foi de 21,85oC, 1,2 oC
umidade relativa do ar no interior dos protótipos com cobertura verde.
abaixo das temperaturas obtidas para os telhados sem cobertura verde.
Quando associado a altas temperaturas, a baixa umidade do ar aumenta a sensação de desconforto térmico. Desta
Em trabalho realizado por Minke (2003) na Alemanha, a temperatura do substrato das coberturas verdes não foi
forma, uma maior umidade do ar no interior das edificações auxilia na melhora do conforto térmico. No entanto, nesta
superior a 20oC, enquanto a temperatura do ar externo chegou a 30oC. Segundo Lopes (2007) em estudo realizado em
pesquisa, a umidade do ar no interior dos protótipos tanto com, como sem cobertura verde, foram altas, pois a região onde
telhados verdes na cidade de São Carlos em São Paulo na primavera-verão, a amplitude térmica no interior das edificações
se instalou o experimento não sofre tão intensamente com os problemas da baixa umidade do ar. Principalmente, porque
foi menor que a do ar externo, promovendo um amortecimento térmico de 0,4oC. Em Cingapura, a presença de cobertura
o experimento foi implantado em uma área onde predomina a vegetação de florestas e reflorestamentos, tendo efeito
com solo sobre os telhados promoveu temperaturas superficiais de 42 oC e variações diárias de 20oC. Enquanto que com a
provável mais significativo em grandes centros urbanos onde a umidade relativa do ar normalmente é mais baixa.
presença de vegetação as temperaturas máximas alcançaram 36 oC e variações não superiores a 3oC, valores bem abaixo
Os telhados verdes, além de contribuírem para melhorar o conforto térmico no interior das edificações e promover
dos medidos nas superfícies dos solos expostos (WONG et al, 2003). Na Grécia, a presença de coberturas verdes, não
o seu embelezamento, podem ainda contribuir com redução dos picos das enchentes. Isso porque os telhados podem reter
permitiu que a temperatura ultrapassasse 30 oC no interior das edificações, enquanto em coberturas convencionais, as
de 15 % a 70 % das águas pluviais, evitando que elas atinjam diretamente no solo e escorram superficialmente (TOMAZ,
temperaturas normalmente ultrapassam essa temperatura (NIACHOU et al, 2001).
2005).
Os grandes centros são construídos na maioria, com materiais escuros, que absorvem o calor em sua massa, bem
As variações nas temperaturas dependem em grande parte dos materiais empregados na construção dos telhados
como no solo durante o dia e liberam a noite. Por essa razão a temperatura nestas áreas tende a ser superior às áreas menos
bem como na vegetação e substratos empregados na cobertura verde. Em análise comparativa, reduzidas temperaturas
habitadas e rurais, formando ilhas de calor. Como consequência há a necessidade do uso de ar condicionado, aumentando
superficiais são encontradas em espaços cobertos por vegetação densa e escura. Temperaturas mais elevadas são
o gasto energético (CANTOR, 2008). De acordo com Liu e Baskaran (2003) o uso de 0,10 metros de substrato, conferiu
encontradas em ambientes cobertos por vegetação esparsa e avermelhadas, bem como nos substratos.
uma economia de 25 a 30% de energia.
Como resultado das medidas a campo, conclui-se que os efeitos diretos das coberturas verdes são seus benefícios
As coberturas verdes contribuem para a regulação térmica nos ambientes internos das edificações, mesmo em dias
térmicos, que se deve a combinação da camada de substrato e da vegetação, reduzindo os valores das temperaturas
com externas temperaturas externas do ar, tanto para frio quanto para calor (TEODOSIOU, 2003).
superficiais nas coberturas, e consequentemente sua transferência de calor para os ambientes internos das edificações.
A queda de 1,2 oC na temperatura observada no experimento dos telhados com cobertura verde foi semelhante as

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Mais estudos referentes ao uso de telhados verdes em edificações contemporâneas nos grandes centros necessitam cobertura. Dissertação (Mestrado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
ser realizado, principalmente com o objetivo melhorar a sua aplicação, baratear o custo e disseminar a informação, INSTITUTO CARBONO BRASIL (Florianópolis). Carbono Brasil Tecnologia e Serviços Ambientais Ltda. IPCC: Novo
relatório é alerta para governos e sociedade. 2014. Disponível em: <http://www.institutocarbonobrasil.org.br/noticias2/
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Precisa-se urgentemente de introduzir processos que levem à elaboração de alternativas ao modelo social vigente SACHS, I.; VIEIRA, P. F. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2006.
THEODOSIOU, T. G. Summer period analysis of the performance of a planted roof as a passive cooling technique. and
até superá-lo historicamente. Impõem-se revoluções moleculares, quer dizer, revoluções a serem inauguradas pelos
Building, Lausanne, v.35, n.9, p.909-917, 2003.
atores sociais, tal como as moléculas se organizam em grupos, comunidades, articulações de reflexão e de ação e outros TOMAZ, P. Telhado Verde. BMPs, Cap. 10, dez/2005.
movimentos sociais que já ousam viver o novo, integrado e não-fragmentado, em seus espaços vitais (Leonardo Boff). WONG, N. H. Investigation of thermal benefits of roottop garden in the tropical environment. Energy and Building,
A paisagem é diferente do espaço. A primeira é a materialização de um instante da sociedade, segundo Milton Lausanne, v.38, n.3, p.261-270, 2003.
Santos é “tudo que nós vemos, o que nossa visão alcança” além de tudo que sentimos, ouvimos, em suma, tudo o que
percebemos. O espaço contém o movimento. Por isso, paisagem e espaço são um par dialético, complementam-se e se
opõe. O espaço e a paisagem são produtos da sociedade, de suas infindáveis e tão diversas realizações. Portanto, para
a melhoria dos atuais espaços o telhado verde torna-se inprescindivel, reconhecendo a gama de soluções para os atuais
problemas ambientais, mas tudo depende do Homem.
A utilização da cobertura vegetal nos telhados promoveu redução na temperatura e aumento da umidade relativa
do ar no interior dos protótipos.
Uma menor temperatura associada ao aumento da umidade relativa do ar são fatores que contribui significativamente
para melhoria do conforto térmico, principalmente em regiões quentes e/ou de grandes centros.

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MONITORAMENTO DE AMÔNIA NA ATMOSFERA EM PARANAGUÁ-PR Introdução

Os portos marítimos são necessários para o fluxo de mercadorias ao redor do mundo, porém existe grande
preocupação em relação aos impactos ambientais causados, devido principalmente aos meios de transportes que utilizam
Édipo Vinicius Dos Santos Tagliatella; Rodrigo Arantes Reis; Bruno Martins Gurgatz; Felipe Foroni Cota Souza;
combustíveis fosseis sem um controle eficiente de suas emissões (BAILEY, 2004). Consequentemente os ambientes
Gustavo Augusto dos Santos Elste.
terrestres e marinhos sofrem grande impactos, como contaminação de corpos de água, invasão de espécies exóticas
destrutivas, degradação das zonas húmidas, congestionamento, ruído, poluição luminosa, perda de recursos culturais,
contaminação do solo e da água a partir de vazamento de tanques de armazenamento, poluição do ar, entre outros (AAPA,
RESUMO 1998). Destaca-se aqui, a importância da poluição atmosférica, considerada o maior risco ambiental à saúde humana nos
As áreas portuárias são centros de atividades econômicas e também grandes geradoras de impactos ao meio ambiente, que dias atuais (WHO, 2014).
tendem a aumentar devido ao crescimento global do comércio. Existem várias fontes que emitem poluentes para a atmosfera,
entre elas: locomotivas, caminhões, navios e rebocadores. As consequências na saúde da população local, devido à grande A Resolução CONAMA 03, de 28 de junho de 1990, define como poluente atmosférico:
emissão de poluentes no ar são diversas, e consistem no maior risco ambiental a saúde humana atualmente. Paranaguá,
uma das sete cidades do litoral paranaense, tem sua economia baseada na atividade portuária. O porto de Paranaguá é Qualquer forma de matéria ou energia com intensidade e em quantidade, concentração, tempo ou
características em desacordo com os níveis estabelecidos, e que tornem ou possam tornar o ar: impróprio,
um dos mais importantes do Brasil e o maior exportador de grãos da América Latina. Devido a grande quantidade de
nocivo ou ofensivo à saúde; inconveniente ao bem-estar público; danoso aos materiais, à fauna e flora;
indústrias relacionadas a produção e transporte de fertilizantes no local, iniciativas que visem a compreensão da dinâmica prejudicial ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade.
poluidora para elementos relacionados a estas atividades são de extrema importância. Neste estudo, foi utilizado um
equipamento chamado de APV (Amostrador de Pequeno Volume) para avaliação das concentrações de amônia (NH3).
O monitoramento da qualidade do ar no Colégio Estados Unidos da América foi realizado ao longo de 5 meses, e foram
identificados vários picos de concentração do poluente, além da média esperada em um total de 40 coletas. Uma amostra Existem vários estudos que indicam que a poluição atmosférica tem afetado de forma significativa a vida humana,
referente ao mês de novembro que chegou a ter 8,38μm/m3 amônia na atmosfera. A média geométrica de NH3 ficou em
2,96μm/m3. sabe-se até o momento que pessoas idosas, crianças e pessoas com problemas no aparelho respiratório e cardiovascular
são mais prejudicadas pela emissão de poluentes, desenvolvendo principalmente patologias como asma e bronquite
(PRIETSCH, 2003).
Palavra-chave: Poluição Atmosférica, Amônia, Paranaguá.
A emissão de poluentes atmosféricos tem aumentado em consequência do desenvolvimento industrial (FREEDMAN,
1989). O aumento na emissão de poluentes e consequentemente a sua deposição no solo (RODRIGUEZ, 2007), nas
florestas e nos bens comum geram consequências a saúde e ao meio ambiente (CHAGAS, 2007).
ABSTRACT
The portuary areas are the center of economic activities and also generate big environmental impacts, which tends to
increase due the global trade growth. There are many air pollution sources, as trains, trucks, ships and tugboats. The
consequences on health of the local population, due the great pollutant emissions are many, and consist in the biggest Bibliografia
environmental risk to the human health today. Paranaguá, one of the seven cities of Paraná’s coast, has its economy
based on port activity. The port of Paranaguá is one of the most important in Brazil, and the biggest grain exporter in A NH3 é a principal base gasosa na atmosfera (NORMAN et al., 2001), e tem como característica ser incolor e
Latin America. Due the large number of industries related to production and transport of fertilizers, initiatives aimed at apresentar odor irritante. A decomposição da matéria orgânica, como também sua sintetização pela industrial no uso de
understanding the dynamics of pollutant elements related to these activities are important. In this study, we used a small fertilizantes e os veículos são as principais fontes geradoras desta substância (PERRINO, C., CATRAMBONE, M., DI
volume sampler to assess the ammonia (NH3) concentration. The monitoring analysis was realized in five months, and
many peaks are identified. One sample in November reached 8,38μm/m3 of NH3 in the air. The geometric average was BUCCHIANICO, a.d.m., ALLEGRINI, I., Atmos).
2,96μm/m3.
Estima-se que 108 toneladas de NH3 são emitidas no período de um ano em todo o planeta (EPA, 2002).

De acordo com Smil (2001) apud Erisman et al. (2007), a amônia é relevante na produção de fertilizantes, isso
Keywords: Air pollution, Ammonia, Paranaguá.
intensificou a utilização da mesma na agricultura, porém, segundo Smil (2001) a mesma gerou um aumento nas emissões
atmosféricas de amônia. Atualmente o Brasil depende da importação de fertilizantes para suprir a demanda do agronegócio
(FERNANDES et al., 2009).

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No Canadá, a organização Environment Canadá notificou que as emissões do gás amônia têm causado impactos
ao meio ambiente, entre eles a formação de material particulado (ENVIRONMENT CANADA, 2001). A menor fração
de material particulado é encontrado nos aerossóis contendo amônio (KEUKEN et al., 1989) Em consequência da
alcalinidade da amônia vários são os efeitos desta à saúde do ser humano, pois ela pode causar leve irritação até severas
lesões no corpo.(FONTANA, 2006).

As consequências da inalação da amônia diferem em função da duração e intensidade em que uma pessoa é
exposta. Concentrações entre 40 e 700 mg L -1 são classificadas como exposição leve, suas principais consequências
podem ser mencionados: irritação nas vias respiratórias, nos pulmões e nos olhos. Concentração superior a 5000 mg L -1
são classificadas como exposições severas e provocam edema pulmonar, broncoespasmo, graves queimaduras nos olhos
e pele (USEPA, 1989; ONTARIO MINISTRY OF THE ENVIRONMENT, 2001; MEULENBELT, 2007).

Segundo a Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais - ABHO (2006) o organismo humano suporta até
8 h de trabalho por dia em uma concentração de 30 ppm de amônia gasosa. Por mais que a amônia seja encontrada
em concentrações na faixa de dezenas de ppm, a mesma tem uma vantagem em sua detecção pois, produz um odor
extremamente desagradável. (SINGLES et al., 1998).

Método

O equipamento para a coleta de Gases APV (Amostrador de Pequeno volume) foi instalado na cidade de Paranaguá-
PR, no colégio Estados Unidos da América (Figura 1). A mesma esta localizada na Avenida Gabriel de Lara nº 1377. O
colégio está localizado ao lado do corredor portuário, próximo a depósitos de fertilizantes, em consequência disto existe
um intenso trafego de caminhões no entorno da escola.
Figura 1: Ponto de Coleta no Colégio Estados Unidos da América, em Paranaguá
O amostrador ficou afastado em no mínimo 20 m de árvores, edifícios ou outros grandes obstáculos, em uma área
de horta na escola. Uma regra geral é que o amostrador fique afastado de um obstáculo em no mínimo duas vezes a altura
do obstáculo com relação à entrada do amostrador, que ficou a 2 metros de altura acima do solo. Para absorção deste poluente na atmosfera é utilizado uma solução de Acido sulfúrico 0,1N. Este reagente absorve
Para determinar a concentração de NH3 foi utilizado um equipamento chamado APV (Amostrados de Pequeno o gás presente na atmosfera através de reações químicas. O mesmo fica exposto ao ar por um período de 1h, e são
Volume) - Trigás. Este aparelho possui uma bomba a vácuo e faz com que o ar circule pelo sistema até ser distribuídos para borbulhados 10 ml da solução absorvente. Uma solução em branco também é levada ao local de amostragem para viés de
três fracos borbulhadores. Agulhas hipodérmicas são colocadas antes dos fracos borbulhadores, estes tem por objetivo comparação. Após um período nominal de uma hora de amostragem, em uma vazão de dois litros por minuto, a solução
limitar a quantidade de ar que entrará em contato com os reagentes químicos por um período de tempo, as metodologia de absorção é levada ao laboratório da UFPR litoral, e transferida para frascos de 50 ml para ser analisada. São aplicadas
para coleta de gases especificam a quantidade de ar que devem entrar em contato com os reagentes, para a coleta de nesta solução 2 ml de solução tampão. Adicionados 5 ml da solução de trabalho de fenol, agitado, e preenchido até 22
Amônia foram utilizados agulhas que permitiram uma vazão de 2,0 L/min. ml, adicionado 2,5ml da solução de hipoclorito e diluído em água destilada até 25 ml. Depois deste processo a solução
analisada é armazenada em local escuro por 30 min para desenvolver coloração. Após este período a absorbância da
solução é posta contra um reagente em branco a 630 nm pela método de espectrofotometria, o resultado da absorbância
é calculada conforme as fórmulas apresentadas na metodologia para Determinação da Amônia na Atmosfera (Método do
Indofenol) .

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Resultados e como já foi citado os mesmo são mais sensíveis em relação as alterações que o ambiente sofre devido a poluição.
Também possivelmente neste ambiente se encontrem pessoas com problemas cardíacos ou até mesmo respiratório e que
Foram realizados um total de cinco amostragens, para análise de Amônia presente na atmosfera, no decorrer do
provavelmente estejam inalando por algum período o ar poluído com amônia. A maior concentração encontrada ao longo
mês de Agosto, duas foram feitas em segundas-feiras, outras duas em quartas-feiras e uma na Sexta-feira. A amostra com
das amostragens foi de 8,3μm/m3 de NH3. Com relação aos dias da semana em que são coletados mais poluentes, fica
maior concentração no referido mês foi de 6,4μm/m3 de NH3, esta foi realizada no dia 21/08/13 em uma Quarta-feira. A
evidente que nas segundas-feiras foi obtida maior média geométrica com uma concentração 3,12 μm/m3 de amônia em um
média geométrica para estes mês é de 4,08 μm/m3. Em um total de onze amostragens, para análise de Amônia presente
total de 14 amostras.
na atmosfera, no decorrer do mês de Setembro, três foram feitas em segundas-feiras, quatro em quartas-feiras, três em
Sextas-feiras, e uma na Quinta-feira. A maior amostra no referido mês foi de 6,4μm/m3 de NH3, esta foi realizada no dia Considerações Finais
30/09/13 em uma Segunda-feira. A média geométrica para estes mês é de 2,88 μm/m3. No decorrer do mês de Outubro
A escala amostral da pesquisa ainda é instável, por mais que tenhamos obtido alguns resultados que mostram que a
Foram realizados um total de 9 amostragens, para análise de Amônia presente na atmosfera,, três foram feitas em segundas-
emissão de amônia pode estar relativamente alta, uma análise temporal maior será necessária, pois a mesma nos possibilitará
feiras, quatro em quartas-feiras e duas em Sextas-feiras. A maior amostra no referido mês foi de 6,1μm/m3 de NH3, a
melhor compreensão da concentração deste poluente na atmosfera. No entanto, foi perceptível que neste colégio pode
mesma foi realizada no dia 23/10/2013 em uma Quarta-feira. A média geométrica para estes mês é de 2,79 μm/m3. Foram
se encontrar potenciais resultados alarmantes em uma pesquisa futura. Os resultados altos se devem provavelmente a
realizados um total de 7 amostragens, para análise de Amônia presente na atmosfera, no decorrer do mês de Novembro,
instalação de depósitos de fertilizantes que estão estabelecidos no entorno do colégio.
duas foram feitas em segundas-feiras, três em quartas-feiras e duas em Sextas-feiras. A maior amostra no referido mês
foi de 8,3μm/m3 de NH3, esta foi realizada no dia 25/11/2013 em uma Segunda-feira. A média geométrica para estes mês
é de 2,50 μm/m3. um total de 8 amostragens foram realizados para análise de Amônia presente na atmosfera, no decorrer Referências
do mês de Dezembro, 4 foram feitas em segundas-feiras, 3 em quartas-feiras, e uma na Quinta-feira. A maior amostra no
ASSOCIAÇAO BRASILEIRA DE HIGIENISTAS OCUPACIONAIS – ABHO. Limites de Exposição Ocupacional &
referido mês foi de 2,1μm/m3 de NH3, esta foi realizada no dia 09/12/2013 em uma Segunda-feira. A média geométrica
Índices Biológicos de Exposição. São Paulo: ABHO, 2006.
para estes mês é de 1,54 μm/m3. Os resultados podem ser visualizados na figura 2. BAILEY, Diane; SOLOMON, Gina. Pollution prevention at ports: clearing the air. Environmental Impact Assessment
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artigo tem como objetivo discutir a inserção do fisioterapeuta na rede de atenção à saúde da criança do município
de Pontal do Paraná com estratégias de avaliação do desenvolvimento motor, orientação materna e levantamento de
indicadores associados à motricidade na faixa etária de 1 a 12 meses de idade. Este acompanhamento fornece subsídios
para determinar se o lactente está dentro do que se espera para sua idade em relação ao desempenho motor, ou se
ele possui risco de atraso. O trabalho possui aprovação ética para sua execução e foi realizado na Unidade de Saúde
da Mulher e da Criança do município de Pontal do Paraná, um centro de referência em saúde materno infantil que
dispõe de serviços de medicina, nutrição, fonoaudiologia e fisioterapia. Como metodologia realizou-se a avaliação do
desenvolvimento motor, levantaram-se dados sobre as condições de nascimento e gestação da criança, e informações
socioeconômicas. Os resultados obtidos mostram boas condições de nascimento e desenvolvimento, justificado pelo fato
do bom acompanhamento realizado no período gestacional, reiterando a importância do atendimento multiprofissional e
da rede de cuidados a esta população. A experiência relatada neste artigo contribui para a formação da rede de atenção à
saúde da criança, pois ocasionou a inserção do profissional fisioterapeuta na equipe de puericultura do município.

Palavras-chave: Saúde materno infantil, Redes sociais, Puericultura, Desenvolvimento motor.

ABSTRACT

The creation of a network of health care for the child depends on the implementation of public policies that ensure the right
to health in its full aspect. The child health care is a health promotion service for the age group from 0 to 5 years old. The
multidisciplinary approach to the children health strengthens the occurrence of a global monitoring for their development.
In this holistic view motor development has an important role due to its influence in cognitive development and school
learning ability in later ages. This article aims to discuss the insertion of the physiotherapist in the network of health
care in Pontal do Paraná trough strategies of motor development assessment, maternal guidance and survey indicators
associated with motor in the age group 1-12 months age. This monitoring provides information for determining whether
the infant is within the expected for their age or if it has risk of delay. The work has ethical approval for their execution
and was held at the Health Unit for Women and Child, a reference center for maternal and child health that offers medical
services, nutrition, speech therapy and physiotherapy. The methodology was held on evaluation of motor development,
collection of data on the conditions of birth and child pregnancy, and socioeconomic information. The results show good
conditions of birth and development justified by the fact of good monitoring conducted during pregnancy, reiterating
1 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR - lucianaweinert@gmail.com
2 Curso de Fisioterapia – UFPR
3 Prefeitura Municipal de Pontal do Paraná - PR

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the importance of multidisciplinary care and the network of care for this population. The experiment reported in this natal de qualidade e reduzir as taxas de morbimortalidade materna e perinatal, chamado Programa de Humanização no
paper contributes to the formation of a child health care network because led to the insertion of the physiotherapist in the Pré-Natal e Nascimento (PHPN) (GOLÇALVES et al., 2008; SERRUYA, CECATTI e LAGO, 2004; SERRUYA, LAGO
municipal child health care staff.
e CECATTI, 2004).
Key-Words: Maternal infant health, Social networking, Child health care, Motor development O PAISC visa melhorar as condições de assistência à saúde, na faixa etária de 0 a 5 anos, com prioridade para
grupos de risco. É composto pelas ações de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, incentivo ao aleitamento
Introdução materno e orientação para o desmame, controle das doenças diarreicas, e das infecções respiratórias agudas e imunização
O serviço de puericultura tem como prioridade oferecer promoção de saúde a crianças de 0 a 5 anos de idade (VIDAL, FRIAS e MARQUES, 2001).
(BONILHA e RIVOREDO, 2005). A qualidade deste serviço está diretamente relacionada com a participação de uma Dependendo da qualidade assistencial prestada no período gestacional podem-se evitar diversos fatores que
equipe de trabalho multidisciplinar e da implementação das políticas públicas de forma que se desenvolva uma rede de contribuem negativamente para a saúde da gestante e do recém-nascido, (LOPES et al., 2000; GONÇALVES et al.,
atenção. 2008). Passado o período pré-natal e perinatal, o sistema de saúde ainda deve ter uma atenção especial no que diz
A construção de redes de atenção à saúde da criança estrutura-se e solidifica-se por meio de um conjunto de respeito à saúde destes bebês, pois as mudanças que acontecem no primeiro ano de vida são muito importantes para
elementos tecnocientíficos e subjetivos, os quais direcionam as ações para o cuidado com as pessoas. Esta forma de determinar as habilidades de coordenação motora e locomoção da criança (SANTOS, DANTAS e OLIVEIRA, 2004). E
cuidar deve ser iniciada no âmbito familiar, mas ao mesmo tempo, ser consolidada por ações nos serviços públicos de estas habilidades formarão a base para a interação com o ambiente em que a criança vive e consequentemente para um
saúde (STARFIELD, 2002). aprendizado escolar e um desenvolvimento cognitivo eficientes (MANCINI et al, 2004).
O Sistema Único de Saúde (SUS), criado através da Constituição Federal de 1988, é composto por um conjunto Desta forma, se faz importante a avaliação do desenvolvimento de crianças de até um ano de idade, pois nesta
de ações e de serviços de saúde regulamentado pela gestão pública. Ele está inserido no contexto das políticas públicas fase pode-se detectar atrasos no desenvolvimento e evitar possíveis doenças que comprometem a saúde global da
de seguridade social que, além da própria Saúde, abrangem os campos da Previdência e da Assistência Social (CONASS, criança (HALPERN et al, 2000). E, a partir desta nova lógica de reorganização do sistema de saúde, das suas diretrizes
2011) e da abordagem do PAISC em relação ao acompanhamento de crescimento e desenvolvimento de recém-nascidos, o
A Constituição Federal de 1988, através do artigo 196, afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado, fisioterapeuta torna-se uma figura de referência para esta rede de atenção à saúde (BISPO JÚNIOR, 2010).
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso Além disto, sabe-se que um melhor conhecimento a respeito da qualidade da assistência prestada à população
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Entre as diretrizes de organização materno infantil, em nível de atenção primária, torna-se fundamental para a reorientação de políticas de saúde e
previstas no artigo 198, destaca-se o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo implementação de novas estratégias, assim como para a alocação de recursos (SANTOS et al., 2000).
dos serviços assistenciais (BRASIL, 1988). Diante disto, foi implementada a Lei Orgânica da Saúde, mais conhecida Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões sobre a experiência da inserção do fisioterapeuta na rede de
como Lei N.8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõem sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação atenção à saúde da criança, mais especificamente na equipe de puericultura do município de Pontal do Paraná, e, realizar
da saúde, a organização e funcionamento dos serviços (BRASIL, 1990). o levantamento de alguns indicadores da saúde desta população.
Em 1946, o conceito de saúde foi definido pela Organização Mundial da Saúde como “... o estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou incapacidade”. Tal definição implica em Metodologia
uma política de saúde que esteja integrada às demais políticas sociais de forma efetiva. Assim, amplia-se o espectro de O projeto teve início através de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) proposto por alunas do curso de
ações possíveis, principalmente relacionadas à promoção da saúde e prevenção de agravos (ALMEIDA FILHO, 2000; Fisioterapia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cujo objetivo foi identificar o perfil do desenvolvimento motor
CAMPOS, BARROS e CASTRO, 2004). A promoção da saúde envolve medidas que não são direcionadas diretamente de lactentes entre 1 e 12 meses do litoral do estado, incluindo o município de Pontal do Paraná. Após a aprovação
a uma determinada doença ou desordem, mas visam aumentar/ melhorar a saúde e o bem-estar gerais (CZERIESNIA e pelo Comitê de Ética em Pesquisas do Setor de Ciências da Saúde (CEP/SD-UFPR) (CAAE nº 21001613.9.0000.0102),
FREITAS, 2003). Assim, no âmbito da saúde da mulher e da criança, foram criados na década de 80 os Programas de estabeleceu-se o vínculo entre a UFPR e a Secretaria de Saúde do município, mais especificamente, com a Unidade de
Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e da Criança (PAISC) (BRASIL, 1984; GONÇALVES et al., 2008). Saúde da Mulher e da Criança, onde se realizou as avaliações dos lactentes.
O PAISM incluía ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a A Unidade de Saúde da Mulher e da Criança do município de Pontal do Paraná é um centro de referência do
assistência à mulher em clínica ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar, município para o atendimento às gestantes, que fazem seu pré-natal com ginecologista e ainda dispõem de outros
DST, câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das atendimentos em especialidades em um mesmo local. Mesmo após o nascimento de seus bebês, as mães retornam à
mulheres (BRASIL, 1984; OSIS, 1998). Com a necessidade de se estabelecer uma nova estratégia no que diz respeito unidade para dar continuidade a este acompanhamento O recém-nascido também passa por uma rede de cuidados que se
à saúde da gestante e da criança, no ano 2000 o Ministério da Saúde instituiu um programa para garantir a atenção pré- estende durante o primeiro ano de vida, e que inclui os serviços da enfermagem, nutrição e pediatria.

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Através das ações do presente projeto, após completar 30 dias, a criança é inserida também no acompanhamento estabelecido o número de lactentes nas condições de atrasos, de adiantamento e normalidade. Estes dados são apresentados
do desenvolvimento motor realizado pelo fisioterapeuta do município em parceria com docente e discentes dos cursos de na Tabela 2.
Fisioterapia e Educação Física da UFPR. Todo o acompanhamento realizado pela equipe multiprofissional é realizado no
mesmo dia, e, os retornos para seguimento tem frequência mensal. Tabela 2: Caracterização do desenvolvimento motor dos lactentes acompanhados (n=431)
A avaliação motora dos lactentes foi realizada através de um instrumento específico, a descrição do desenvolvimento Resultado do Acompanhamento Percentual de Crianças
Atraso no desenvolvimento 16,2%
motor proposta por Castilho-Weinert (2010), onde se avalia e gradua a presença de reflexos, reações, planos de movimento, Adiantamento no desenvolvimento 22,5%
padrões de movimento e habilidade motoras esperadas para cada mês na faixa etária entre 1 e 12 meses. Além disto, Desenvolvimento adequado para a faixa etária 61,2%
um questionário contendo informações relevantes sobre o nascimento e saúde global da criança, dados maternos e
dados socioeconômicos é aplicado aos pais. Este questionário visa complementar a avaliação motora e relacionar os
fatores ambientais, as características individuais e o estilo de vida da família e da criança às possíveis alterações seu do A Tabela 3 demonstra, dentro do total de lactentes com atraso (n= 70), o percentual de lactentes com a respectiva
desenvolvimento motor. caracterização de seu atraso.
Os dados da criança incluem peso e comprimento, perímetro cefálico ao nascimento e atuais, notas obtidas no
Boletim de Apgar, intercorrências no primeiro ano de vida, tipo de amamentação, permanência ou não em Unidade de Tabela 3: Quantificação do atraso motor das crianças acompanhadas
Terapia Intensiva, entre outros. Os dados maternos estão relacionados à escolaridade, hábitos alimentares, histórico Nº de meses de Atrasos Percentual de Lactentes
de gestações e abortos, consumo de substâncias como álcool e entorpecentes e presença de outras doenças durante a 1 mês de atraso 76,2 %
gestação. As informações sobre as condições socioeconômicas compreendem a renda mensal familiar e o recebimento 2 meses de atraso 15,4 %
ou não de algum auxílio do governo. 3 meses de atraso 7,2 %
Após a avaliação, determina-se a idade motora que representa o nível de desenvolvimento motor que a criança 5 meses de atraso 1%
possui e se a mesma possui ao não atrasos em relação aos marcos motores esperados para sua faixa etária. Na sequencia
são repassadas orientações a mãe ou responsável presente a respeito do posicionamento e da estimulação motora Ao longo do período de atuação do projeto do município, foram identificados, por exemplo, casos de
adequada, de acordo com a idade e necessidades específicas. Caso necessário, o lactente é encaminhado ao pediatra Hiperbilirrubinemia, popularmente conhecida como “amarelão”, em que o lactente já apresentava alterações no
do serviço com o diagnóstico fisioterapêutico. Em contrapartida, o pediatra e demais profissionais da unidade também desenvolvimento que poderiam se tornar sequelas definitivas em sua capacidade de movimentação. Com a estimulação
realizam encaminhamentos ao fisioterapeuta. A equipe possui um diálogo constante para caracterizar a qualidade desta precoce e as orientações aos pais, esta condição foi revertida entre 2 e 4 meses. Em casos como este, é realizado o follow-
rede de atenção. up (acompanhamento do bebê de risco) quinzenalmente. Outros benefícios relacionados à participação do fisioterapeuta
no serviço de puericultura estão relacionados a incorporação da medição mensal do perímetro cefálico, de forma que os
Resultados casos de alteração do crescimento dos ossos do crânio, como micro e macrocefalia podem ser identificados precocemente.
A seguir, serão apresentados os resultados sobre às condições de nascimento e sobre o desenvolvimento motor da Como resultados também se salienta o incentivo ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida;
população avaliada até o presente momento, totalizando 431 crianças acompanhadas. as orientações específicas sobre o manuseio e os cuidados domiciliares com bebês prematuros, orientações sobre
A Tabela 1 demonstra os dados sobre as condições de nascimento, contemplando as dimensões de peso e posicionamentos e sobre a importância de não se utilizar o andador.
comprimento, idade gestacional e notas do Boletim de Apgar (vitalidade). Os resultados obtidos na avaliação motora juntamente com as informações do questionário aplicado aos pais/
responsáveis dão subsídios para determinar se o lactente está dentro do que se espera para sua idade em relação ao
Tabela 1: Condições de saúde ao nascimento desempenho motor, ou se ele possui risco de atraso ou risco potencial para desenvolver patologias mais graves como, por
Mínimo Máximo Média Desvio Padrão
Peso ao nascimento 0,950 5,520 3,199 533,52 exemplo, a Encefalopatia Crônica Não Progressiva da Infância, conhecida popularmente como paralisia cerebral. Nesta
Comprimento ao nascimento 33 56 48,4 2,69 condição a criança pode apresentar dificuldades intelectuais, de fala e de movimentação, como para caminhar.
Idade gestacional 23 43 38,6 1,75
Apgar 1º minuto de vida 1 10 7,8 1,25 Os dados da população avaliada foram apresentados durante uma Oficina de Capacitação em Prevenção na Saúde
Apgar 5 º minuto de vida 1 10 9,5 0,89 da Criança, direcionada aos profissionais das áreas da saúde e da educação no município. Além de apresentar os resultados
de todo o trabalho realizado na Unidade de Saúde da Mulher e da Criança, esta oficina teve como objetivo informar estes
No que diz respeito à avaliação motora, foram comparadas as idades motora e cronológica de cada lactente e
profissionais sobre a identificação precoce de atrasos, quais as orientações que devem ser dadas aos pais e familiares e

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sobre a importância da detecção precoce de situações de riscoa. que apresentavam dificuldade de aprendizagem e concluíram que estas apresentavam atrasos no desenvolvimento motor.
Outro estudo realizado com crianças entre 7 e 11 anos, avaliou o desempenho motor de escolares que apresentavam
Discussão dislexia, transtornos e dificuldades de aprendizagem. Os resultados também apontaram para o desempenho inferior em
A atenção prioritária à gestante, associada ao acompanhamento do desenvolvimento do bebê, constitui diversos domínios do desenvolvimento motor (OLIVEIRA e CAPELLINI, 2013).
ações primárias necessárias à garantia da promoção da saúde com qualidade de vida. Programas que abordam estas Desta forma há que se refletir sobre as políticas públicas que determinam as ações de promoção e prevenção na
características atendem ao princípio da integralidade preconizado pelas Políticas Públicas de Saúde no Sistema Único de puericultura, para que possuam uma abordagem realmente interdisciplinar e que evitem consequências futuras para a
Saúde, abordando a maternidade nas suas várias dimensões. saúde global da criança.
Encontra-se na literatura alguns estudos que abordam a participação do fisioterapeuta no serviço de puericultura.
Entretanto, estes limitam-se a relatos de estágios acadêmicos de fisioterapia, projetos extensionistas e projetos de Considerações Finais
residência multiprofissional. Atualmente, a formação na área da saúde busca um olhar integral sobre o indivíduo, considerando todos os
Em João Pessoa na Paraíba e em Lajeado no Rio Grande do Sul, os acadêmicos do curso de fisioterapia têm a aspectos que possam interferir em suas condições de saúde. No campo da Fisioterapia não é diferente, visto que estes
oportunidade de participar do acompanhamento do serviço de puericultura durante estágio supervisionado em Saúde profissionais devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em
Coletiva (RAMALHO et al., 2014; ULSENHEIMER e SCLWINGEL, 2011). No município de Blumenau situado no nível individual quanto coletivo.
estado de Santa Catarina, é desenvolvido um projeto de extensão universitária por uma equipe multiprofissional composta Salienta-se que o cuidado integral à saúde materno infantil ainda constitui um desafio, exigindo maiores reflexões
por docentes e discentes da Universidade Regional de Blumenal (FURB). No ambulatório da instituição, desenvolve- sobre as práticas atuais e possibilidades de atuações futuras. Isto se dá pelo fato de que estes novos modelos procuram
se este projeto que visa a atenção à saúde materno-infantil, e dentre os serviços ofertados à comunidade, encontra-se a romper, ainda que timidamente, com o paradigma cartesiano que sustenta a prática profissional tradicional, numa
puericultura. Este trabalho iniciou em 1996, e em 1998 teve a inserção do fisioterapeuta no acompanhamento da saúde da concepção fragmentada dos fenômenos humanos e da saúde.
mulher e da criança (SOUZA et al., 2014). O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) também Ressalta-se a importância do fisioterapeuta integrado à equipe multiprofissional, atuando na promoção da saúde
vem desenvolvendo ações relacionadas à saúde materno-infantil. Acadêmicos, docentes e preceptores da Universidade de e assegurando o direito constitucional de saúde aos cidadãos. Trata-se, também, de uma importante medida de redução
Fortaleza (UNIFOR) estão inseridos nas atividades de puericultura da cidade de Fortaleza (BARAKAT, 2014). Todavia, gastos para o município, partindo do pressuposto de que medidas preventivas dentro da atenção primária são mais efetivas
até neste momento, somente este projeto PET que incorpora a participação de fisioterapeutas trabalhadores do sistema e abrangentes.
local de saúde (preceptores), em todos os outros havia apenas a participação por parte das Universidades. A experiência relatada neste artigo contribui para a formação da rede de atenção à saúde da criança, pois como
Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família também vem abordando a ótica da saúde materno- já mencionado, o serviço de puericultura com a participação do fisioterapeuta está em vigor no município de Pontal
infantil. Em Sobral no Estado do Ceará o fisioterapeuta iniciou suas atividades no ano de 2001, e havia participação dos do Paraná. Contudo, ainda existe um caminho a ser percorrido na implementação das políticas públicas para que este
fisioterapeutas do próprio sistema local de saúde (PAREDES et al.; 2009). No município de Londrina no Estado do serviço seja assegurado à população mesmo que, porventura, se altere a parceria entre a Universidade e o Município.
Paraná, as atividades vêm sendo desenvolvidas desde o ano de 2005 (YONAMINE e TRELHA, 2009). No momento, pactuou-se a sustentabilidade desta proposta com a continuidade das avaliações motoras após o término
Na maioria dos estudos descritos a Universidade tem desempenhado papel importante para que haja um serviço do TCC através de um projeto de Iniciação Científica, também vinculado à UFPR, que permitiu a permanência do
de puericultura com uma equipe composta também pelo profissional fisioterapeuta. O desafio a ser enfrentado é que este fisioterapeuta na unidade realizando este trabalho em conjunto com a equipe multiprofissional de puericultura.
serviço seja garantido a toda a população por profissionais já pertencentes ao sistema de saúde de cada localidade, tendo
em vista que a atenção integral é um direito garantido pela Constituição Brasileira. Referências
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Os resultados apresentados apontam para boas condições de nascimento e desenvolvimento da população perspectivas em mudança. 2002.
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acompanhamento que realizado no período pré-natal para estas gestantes, reiterando a importância do atendimento 4-20, 2000.
BARAKAT, Roberta Duarte Maia. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – Pet-Saúde e Humanização:
multiprofissional a esta população.
caminhos para uma formação interdisciplinar no âmbito da saúde materna. In: Anais do Congresso Internacional de
Ressalta-se a importância de avaliar o aspecto motor e estimular o desenvolvimento das habilidades motoras, pois Humanidades & Humanização em Saúde [=Blucher Medical Proceedings, n.2, v.1], São Paulo: Blucher, 2014.
estas irão repercutir nas habilidades cognitivas e de aprendizado da criança. O desenvolvimento motor é um facilitador ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Assistência integral à saúde da mulher: bases da ação programática. Brasília:
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA, SAÚDE E CIDADES PORTUÁRIAS - PERSPECTIVAS PARA PARANAGUÁ Introdução
A poluição atmosférica consiste na presença de uma substância em valores diferentes aos encontrados na natureza,
na maioria das vezes, resultante de atividades humanas, capazes de causar dano ao ser humano, animais, vegetais ou
Rodrigo Arantes Reis1; Bruno Martins Gurgatz¹; Felipe Foroni Cotta Souza¹; Luiz Fernando de Carli Lautert¹; Luiz
materiais (CANÇADO et al., 2006; ELSOM, 1992; KAMPA; CASTANAS, 2008). Segundo Kampa e Castanas (2008),
Everson da Silva¹.
os principais poluentes atmosféricos podem ser divididos entre gasosos, poluentes orgânicos persistentes (POP), metais
pesados e materiais particulados (MP).

RESUMO Atividades de transporte terrestre são grandes potenciais fontes de emissão de poluentes gasosos, como Dióxido
de Nitrogênio e Monóxido de Carbono (NO2 e CO) (BEEVERS et al., 2012; LOZHKINA; LOZHKIN, 2015; NAGPURE;
A poluição atmosférica consiste na presença de uma substância em valores diferentes aos encontrados na natureza,
na maioria das vezes, resultante de atividades humanas, capazes de causar dano ao ser humano, animais, vegetais ou SHARMA; GURJAR, 2013; PLEIJEL; KARLSSON; GERDIN, 2004). O Ozônio (O3) também surge devido ao transporte
materiais. Os principais poluentes atmosféricos podem ser divididos entre gasosos, poluentes orgânicos persistentes, de forma indireta, pois é formado principalmente a partir de Óxidos de Nitrogênio (NOx) em reações com compostos
metais pesados e materiais particulados. Tais poluentes são responsáveis por uma à cada oito mortes ocorridas no orgânicos voláteis (VOC) e luz solar (CHAI et al., 2014; KATSOUYANNI, 2003). SO2 tem como fontes antropogênicas
mundo. Paranaguá, município do litoral paranaense, é campo de estudo vasto quanto a poluição atmosférica, fenômeno
a queima de carvão e óleos pesados, como combustíveis de navios (ENDRESEN et al., 2005; KAMPA; CASTANAS,
causado principalmente por abrigar o maior porto graneleiro do Brasil e o grande complexo industrial de fertilizantes
que se localiza ao redor. A qualidade do ar em Paranaguá ainda é em um certo grau desconhecida, sendo que trabalhos 2008). Tais VOCs são poluentes associados a atividade industrial, tráfego pesado, tintas, adesivos e aerosóis. Dentre os
preliminares buscam entender as fontes, dinâmicas e o risco ambiental envolvido na emissão de poluentes pelas atividades principais, estão o Benzeno, o Tolueno, o Etilbenzeno e o Xileno (BTEX)(HINWOOD et al., 2007; SCHAUER et al.,
portuárias na região. Este estudo exalta a importância da produção dos mapas de risco a partir de indicadores de saúde 1999; TRUC; OANH, 2007)
ambiental baseados em qualidade do ar para a gestão municipal, principalmente para planejamento e ordenamento do
espaço portuário e o seu entorno. Os POPs consistem em uma série de compostos com características de alta persistência no ambiente. Pesticidas
são os principais exemplos desta categoria, como o diclorodifeniltricloroetano (DDT). Também podem provir de fontes
plásticas ou combustão incompleta (ELLIOTT; ELLIOTT, 2013; HUNG et al., 2013; KAMPA; CASTANAS, 2008).
Palavras-chave: Gestão Portuária, Saúde Ambiental, Risco Ambiental, Litoral Paranaense.
Metais pesados são substâncias com densidade maior que 5 g/cm³. Dentre eles, é possível citar Cromo, Cobre,
Zinco, Arsênio, Cádmio e Chumbo, emitidos principalmente por transporte terrestre (HJORTENKRANS; BERGBÄCK;
ABSTRACT HÄGGERUD, 2006; ZHANG et al., 2015). O Cádmio pode também estar relacionado a atividades da indústria de
fertilizantes (ROBERTS, 2014), metalúrgicas e queima de combustível (KAMPA; CASTANAS, 2008).
Atmospheric pollution is the presence of a substance in different levels from those find in nature, most often, from human
activities, able of cause harm to humans, animals, vegetables and materials. The major atmospheric pollutants are the Enquanto os outros poluentes são classificados devido a sua origem química, o material particulado é uma
gaseous, the persistant organic pollutants, heavy metals and particulated matter. This pollutants are responsible for one
in every eight deaths worldwide. Paranaguá, a town in Paraná coast, is a vast field of study on atmospheric pollution, classificação física de partículas encontradas no ar, como poeira, fuligem, fumaça e gotículas líquidas, sendo assim,
mainly because of the Brazil’s largest grain port and the big industrial complex that the city hosts. The air quality in the não são uma substância, mas uma mistura de vários componentes (AMANCIO; NASCIMENTO, 2014; VALLERO,
city is still largely unknown, but studies about the emissions, dynamics and risks are being conducted. This study exalts 2007). São comumente divididas em PTS (Totais), PM10 ou “inaláveis” (menor ou igual a 10 µm de diâmetro) e PM2.5 ou
the importance of the production of risk maps from environmental health indicators based on air quality to urban and “finas” (menor ou igual a 2.5 µm de diâmetro) (CANÇADO et al., 2006), como ilustrado na figura 1. É apontado como
portuary management.
o poluente mais freqüentemente relacionado com danos à saúde (BRAGA et al., 2001).

A investigação sobre estas substâncias e sua presença no ambiente iniciou-se a partir de episódios isolados, aonde a
Keywords: Port Management, Environmental Health, Environmental Risk, Paraná Coast.
poluição atmosférica alcançou níveis extremos e foi possível estabelecer relações entre atividades de transporte e desfechos
na saúde, mesmo que os efeitos diretos dos poluentes na saúde ainda fossem difíceis de detectar (BRUNEKREEF;
HOLGATE, 2002). Em 1985, um episódio de smog na Alemanha apresentou altos números de internações e mortes em
relação a uma área controle (WICHMANN et al., 1989). No mesmo período, na Holanda, houve um declínio na capacidade
pulmonar de crianças estudadas, efeito que durou cerca de duas semanas (HOEK et al., 1990). A partir dos anos 90,
1 Universidade Federal do Paraná Setor Litoral - Laboratório Móvel de Educação Científica da UFPR Litoral - reisra@gmail.com
estudos conhecidos como time-series se tornaram mais populares, pois apresentavam vantagens como a compreensão da

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variabilidade climática, o uso de populações controle, além da disponibilidade de estações de monitoramento que dispõe a nascimento de crianças anencéfalas e outros problemas de saúde causados pela industrialização massiva na região
de dados coletados rotineiramente (BRUNEKREEF; HOLGATE, 2002). Shah et. al. (2013) realizaram um processo de (SPEKTOR et al., 1991; VIEIRA-FILHO; LEHMANN; FORNARO, 2015). O local é circundado pela Serra do Mar,
revisão de estudos time series nos principais poluentes gasosos e material particulado, visando compreender as relações predominantemente apresentando ecossistema de Floresta Atlântica. A vegetação do local foi gravemente impactada
de tais compostos com insuficiência cardíaca (internações e morte). Associações relevantes foram encontradas para CO, devido a emissões de fluoretos provenientes da produção de fertilizantes (KLUMPP; DOMINGOS; KLUMPP, 1996;
SO2, e NO2, mas não para O3. Elevações de PM10 e PM2.5 também apresentaram associações relevantes, principalmente KLUMPP; KLUMPP; DOMINGOS, 1994). Visando avaliar tais efeitos, foi realizado um convênio Brasil/Alemanhã
no próprio dia de exposição, e com efeitos mais persistentes para PM2.5. para um estudo de longo prazo dos efeitos da poluição na floresta atlântica, resultando na publicação “Air Pollution and
Vegetation Damage in the Tropics: The Serra Do Mar as an Example” (KLOCKOW; TARGA; VAUTZ, 1997), trazendo
diversas informações de várias áreas do conhecimento sobre a região.

Apesar dos avanços no controle das emissões, estima-se que os custos relacionados diretamente a poluição
atmosférica no município de Cubatão entre 2000 e 2009 foram pelo menos R$ 3.44 milhões (TAYRA; RIBEIRO; DE
CÁSSIA NARDOCCI, 2012).

Poluição Atmosférica e Saúde


Segundo a Organização Mundial da Saúde a poluição atmosférica é o maior risco ambiental à saúde humana nos
dias atuais, sendo responsável por uma a cada oito mortes. Somente no ano de 2012 estimou-se que a poluição do ar foi
responsável por sete milhões de óbitos (WHO, 2014).

Braga et al. (2001), através de análise de estudos relacionados ao efeito da poluição atmosférica na saúde
humana concluíram que concentrações de poluentes atmosféricos podem acarretar afecções agudas e crônicas no tracto
Figura 1: PM10 e PM2.5 em compação ao tamanho de grãos de areia e fio de cabelo. Traduzido de US Environmental Protection Agency, respiratório, mesmo em concentrações abaixo dos padrões de qualidade do ar determinados pelo CONAMA. A incidência
disponível em <http://www.epa.gov> de patologias do sistema respiratório, como asma e bronquite (AKINBAMI et al., 2010; GUARNIERI; BALMES, 2014;
O’CONNOR et al., 2008), está associada com as variações das concentrações de vários poluentes atmosféricos, de
No Brasil, os primeiros estudos surgiram em São Paulo e Cubatão, primeiramente utilizando ratos para maneira complementar, a mortalidade devido as estas patologias também apresenta uma forte associação com a poluição
determinação dos efeitos biológicos da poluição atmosférica (GYÖRGY MIKLÓS BÖHM et al., 1989; REYMÃO et al., atmosférica (KIM; LIM; KIM, 2015; LU et al., 2015). Estudos relatam a influência do material particulado no incremento a
1997) e posteriormente analisando a mortalidade de crianças em relação a diversos poluentes, encontrando NOx como visitas a hospitais e morte por doenças pulmonares e cardíacas (KAISER, 2005). Foi observado correlação entre acidentes
principal agravante (SALDIVA et al., 1994). vasculares cerebrais e poluição atmosférica mesmo com os níveis do poluente relativamente baixos (LISABETH et al.,
2008; WELLENIUS et al., 2012).
Além dos impactos na saúde, a poluição atmosférica também traz danos aos ecossistemas florestais. O ozônio, por
exemplo, é responsável por causar dano foliar, o que pode afetar a taxa de fotossíntese (ACHARD, 2009; CHAPPELKA; Recentemente, foram relatarados efeitos adversos de poluentes do ar ambiente sobre o declínio cognitivo e
SAMUELSON, 1998). Estudos ainda procuram avaliar sua influência na redução do crescimento e produção de biomassa acelerado envelhecimento cerebral. Resultados apresentaram baixo desempenho cognitivo entre as pessoas mais velhas
(CHAPPELKA; SAMUELSON, 1998; HOLMES, 2014). . Holmes (2014) observou o ozônio e o CO2 como fatores que que residem em bairros com altos níveis de exposição a PM 2.5 (AILSHIRE; CLARKE, 2014; GATTO et al., 2014) ou
alteram a dinâmica da provisão de água por florestas. Achard (2009) identifica a chuva ácida, os VOCs, o O3 e SO2 como próximo de grandes rodovias (WELLENIUS et al., 2012). Além disso, um importante estudo recente aponta a associação
principais impactadores dos ambientes florestais Considerando as florestas são responsáveis pelo mantenimento das entre poluição atmosférica, especificamente PM 2,5, e a diminuição da massa encefálica em mulheres adultas, indicando
reservas aquíferas, pode-se concluir que a poluição atmosférica apresenta um risco considerável para a sustentabilidade relação direta entre a poluição e o desenvolvimento cerebral (CHEN et al., 2015).
da disponibilidade de água pela humanidade (PODOLAK et al., 2015).
Outra questão importante para a compreensão da relação entre qualidade do ar e saúde é a condição social
No Brasil, estudos relacionados a poluição atmosférica e florestas foram realizados no pólo industrial de Cubatão, envolvida. Sabe-se que pessoas negras e/ou em situação socioeconômica ruim podem estar mais propensas a sofrer os
no estado de São Paulo. Este município ficou conhecido como “mais poluído do mundo” e “Vale da Morte”, devido impactos da poluição (O’NEILL et al., 2003; SEXTON, K. et al., 1993; SEXTON, KEN, 1997). O consumo de comidas

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de baixa qualidade (ROMIEU et al., 1998), menor acesso a cuidados médicos, stress e violência são alguns fenômenos em Taiwan, utilizando principalmente as emissões de material particulado e VOCs a partir de navios e caminhões,
que explicam este fator. Além disso, uma pesquisa relativa a desigualdade regional mostrou que, em quatro comunidades chegando ao expressivo número de 123 milhões de dólares por ano. Utilizando NOx, SO2 e PM2.5, a estimativa para
americanas, comunidades desfavorecidas estavam associadas a incidência de doenças coronárias (ROUX et al., 2001). os principais portos da grécia estava entre 12.4 a 24.3 milhões de euros em 2013, com 2742.7 toneladas totais emitidas
Outro fator que pode influenciar em seu nível de exposição é o local de residência, neste sentido pessoas de baixa renda (MARAGKOGIANNI; PAPAEFTHIMIOU, 2015).
tendem a viver próximas de rodovias, aonde há menor valorização dos imóveis (O’NEILL et al., 2003) e maior exposição
à poluição.
Paranaguá - Um Modelo de Estudo
Se por um lado, espera-se que famílias ricas gerem mais emissões veiculares por possuírem mais veículos e dirigir
Segundo de Souza Porto (2013):
mais, há de se levar em consideração que famílias pobres poluem mais pois mantém veículos velhos e em mal estado
de conservação, Kahn (1998) gerou uma espécie de “Curva de Kuznets”, relativa a emissão de hidrocarbonetos e renda As vulnerabilidades fazem a conexão entre as dinâmicas globais da sociedade e os espaços
familiar, mostrando como esses dois fatores são equivalentes. localizados em que os riscos se realizam ao atingirem territórios e populações particulares. Tais
vulnerabilidades decorrem do modelos de desenvolvimento que, em nome do crescimento produtivo e
econômico, introduzem e multiplicam riscos, introduzem e multiplicam riscos ocupacionais e ambientais,
ao mesmo tempo que reproduzem relações sociais que concentram poder e riqueza, ou seja, produzem e
Poluição em Cidades Portuárias
mantém desigualdades.
A navegação oceânica é responsável pela emissão de 1.2 a 1.6 milhões de toneladas de PM10, 4.7 a 6.5 toneladas
de SOx e 5 a 6.9 toneladas de NOx. Isso corresponde a 15 % do total de NOx no planeta, e 5 a 8% do total de SOx. Paranaguá, município do litoral paranaense, é campo de estudo vasto quanto a vulnerabilidades e desigualdades,
Além disso, 70% de toda emissão dos navios ocorre em até 400km dos continentes. As emissões de material particulado fenômeno causado principalmente por abrigar o maior porto graneleiro do Brasil (MARTINS et al., 2010) e o grande
relacionadas ao transporte marítimo são responsáveis por cerca de 60.000 mortes anuais mundialmente, principalmente complexo industrial de fertilizantes que se localiza ao redor. O município tem cerca de 52% do seu território dentro de
nas principais rotas de comércio, como Ásia e Europa (CORBETT et al., 2007). áreas de proteção permanente (ABRAHÃO, 2011). Tal condição coloca Paranaguá como um modelo para estudos sobre
Porém, a atividade portuária não se limita a navegação. Portos possuem uma série de equipamentos que podem poluição atmosférica e organizações portuárias. Devido a ausência de grandes pólos industriais nas cidades ao redor e a
trazer impactos ambientais, tais como: grandes motores de navios, caminhões a diesel, trens, entre outros (BAILEY; presença da floresta atlântica, como se pode ver na Figura 2.
SOLOMON, 2004). Considerando que o Brasil apresenta 26,58% de sua população em áreas costeiras (IBGE, 2011),
cidades portuárias devem ser foco de estudos e soluções para a problemática da poluição atmosférica.

O Sistema Portuário Nacional (MESQUITA, 2015) define portos organizados como “bem público construído
e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e
armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária”.
Desta forma, as fontes de emissão a serem estudadas para tais áreas são as mais diversas, exigindo assim, uma abordagem
voltada ao espacial, porém, garantindo dados do tipo time series, para o acompanhamento e evolução da emissão dos
poluentes.

Moreno e colaboradores (2009) identificaram que emissões localizadas nas docas a partir de depósitos de clínquer
(cimento bruto) ou coque (combustível derivado do carvão betuminoso), assim como as obras de ampliação exerceram
grande influência nos níveis de PM10, em estudo realizado no porto de Valência. Pandya et al. (2002), sugerem que
a combustão do óleo diesel utilizado em diversos processos produtivos do sistema portuário tem o papel causal no
desenvolvimento de asma e rinite. Quanto a este aspecto, trabalhadores expostos a exaustão do diesel à longo prazo
enfrentam geralmente maiores riscos de desenvolver câncer de pulmão, cerca de 50- 300% (DAWSON; ALEXEEFF,
2001; SILVERMAN, 1998).

Berechman e Tseng (2012) estimaram os custos ambientais das emissões provenientes do porto de Kaohsiung, Figura 2: O Litoral Paranaense visto por satélite

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Assim como Cubatão, Paranaguá também está circundada pela Serra do Mar, com vegetação predominante de
Floresta Atlântica, um dos hotspots mundiais de biodiversidade (MYERS et al., 2000).

Devido a importância sócio-econômica do estuário para a região, caracterizada por atividades de pesca, turísticas
e industriais (MARTINS et al., 2010), estudos ambientais são encontrados na literatura. Porém, estas pesquisas
correntemente investigam parâmetros relativos a água ou sedimentos, não focando em qualidade do ar. Martins et al.
(2010) identificaram esteróides de matéria orgânica fecal antropogênica em diversos pontos ao longo dos rios e do
estuário, em alguns pontos em níveis que caracterizam despejo de esgoto. Experimentos referentes a derramamento de
óleo também foram realizados (EGRES et al., 2012; MARQUES et al., 2014).

As produções que mais se aproximam do âmbito da poluição atmosférica foram sobre doenças respiratórias
produzidos por Spinelli et al. (2007) e Antoniaconi e Muniz (2013). Ambos encontraram prevalências de asma e rinite
próximas as de grandes cidades brasileiras e municípios portuários. Outra produção utilizou liquens fruticosos como
bioindicador da poluição atmosférica, identificando as vias de acesso utilizadas por caminhões e o porto como possíveis
fontes de poluição atmosférica (MOREIRA, 2011).

Dentre os principais poluentes que devem ser investigados no município estão os compostos gasosos, metais e
material particulado devido ao alto fluxo de caminhões (DA SILVA, 2011). Black carbon, um componente formador do
material particulado proveniente de atividades de transporte também se mostra interessante para análise (WEICHENTHAL Figura 3: Distribuição das Estruturas que compõe o complexo portuário de Paranaguá. Adaptado de www.operacaosafra.pr.gov.br.
et al., 2014).

Uma das importantes industrias associadas ao Porto de Paranaguá é a de fertilizantes, com a presença de grandes Considerações Finais
empresas de escala global (ABRAHÃO, 2011), como demonstrado na Figura 3. Alguns contaminantes não comumente A qualidade do ar em Paranaguá ainda é em um certo grau desconhecida, sendo que trabalhos preliminares
associados à poluição atmosférica são relacionados à atividades industriais do gênero, como o Fosfato, Nitrogênio (HE buscam entender as fontes, dinâmicas e o risco ambiental envolvido na emissão de poluentes pelas atividades portuárias
et al., 2011) e amônia (ASMAN; SUTTON; SCHJØRRING, 1998). Outro risco é a contaminação por Cádmio (Cd), na região. Futuros estudos espaciais e temporais devem contribuir para a produção de informações importantes para o
naturalmente encontrado em rochas de produção de fertilizantes fosfatados (ROBERTS, 2014). Desta maneira estudos conhecimento relativo a região e a área de estudo. O município se coloca como um modelo para o estudo da poluição
que ampliem a determinação da composição dos poluentes se mostra essencial para a região. atmosférica portuária e em florestas, devido a sua localização, conservação do entorno e relevância econômica.

Segundo princípios para análise integrada dos riscos propostos por de Souza Porto (2013), a região apresenta
riscos em níveis globais e locais,. No município, há riscos envolvendo seu território, onde as pessoas circulam e são
expostas localmente, mas também há riscos globais, advindos dos frutos da globalização pelo transporte marítimo, e que
se estendem não somente às proximidades do local de emissão, mas também a áreas distantes, como florestas e outros
municípios. Outro princípio extremamente necessário para estudo em Paranaguá é o agravamento dos ciclos do perigo
em contextos vulneráveis, onde vulnerabilidades sociais decorrentes de ações e decisões humanas acabam afetando os
próprios seres humanos.

Considerando que existe uma relação estreita entre desenvolvimento, ambiente e saúde, a utilização de
indicadores de saúde ambiental é essencial para contribuir com a implementação de políticas que apóiam a intervenção
dos determinantes sociais da saúde, em situações em que o ambiente desempenha um papel fundamental (GALVÃO;
FINKELMAN; HENAO, 2011). O produto direto de tais indicadores são os mapas de risco, que nos permite planejar
medidas de intervenção junto a fontes poluidoras (BARCELLOS; BASTOS, 1996; PEITER; TOBAR, 1998), se mostrando

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um instrumento essêncial para elaboração de políticas públicas eficiêntes. Exalta-se aqui a importância da produção dos Diesel Exhaust, Based on a U.S. Railroad Worker Cohort. Risk Analysis, v. 21, n. 1, p. 1–18, 2001.
mapas de risco a partir de indicadores de saúde ambiental para a gestão municipal, principalmente para planejamento e EGRES, Aline Gonzalez et al. Effects of an experimental in situ diesel oil spill on the benthic community of unvegetated
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ordenamento do espaço portuário e o seu entorno.
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SAÚDE AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE MATINHOS/PR: DISCUSSÃO A PARTIR DA QUALIDADE 1- INTRODUÇÃO
AMBIENTAL DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS Vários enfoques têm sido propostos para analisar as complexas relações entre o ambiente e a saúde, influenciadas
tanto pelas características físicas e bióticas dos ambientes quanto pela estrutura social, econômica e política de uma
Elaine Paduch1; Paulo Henrique Carneiro Marques2; Juliana Quadros3. determinada paisagem. Para Heller (1998), os riscos decorrentes da insalubridade ambiental atingem em maior grau,
populações com menor status socioeconômico, que estão mais sujeitas aos afeitos negativos dos impactos ambientais.
Neste sentido, diversos autores defendem o estudo integrado da relação entre saúde e o meio ambiente, de forma
RESUMO minimamente interdisciplinar
Historicamente, os conceitos de saúde e ambiente estiveram intimamente ligados, a exemplo de Hipócrates nos
O presente artigo traz reflexões sobre o conceito de saúde ambiental e suas implicações para a formulação de políticas
públicas de desenvolvimento territorial urbano, tomando por base os problemas socioambientais decorrentes do processo séculos XVI, em Ares, Águas e Lugares, com a Teoria dos Miasmas, que considerava que as doenças eram causadas por
de ocupação da área urbana do município de Matinhos. São apresentadas considerações históricas, articuladas com odores e pelo ar (GOUVEIA, 1999). Para este autor, a saúde ambiental não deve ser entendida apenas como agravos
informações sobre as condições ambientais e de saúde, bem como fatores físicos e biológicos que determinam a atual
à saúde, devido a fatores físicos, químicos ou biológicos mais diretamente relacionados com a poluição, o que atribui
conformação paisagística da cidade. Em seguida, a saúde ambiental do município é discutida a partir do diagnóstico
da qualidade da água de seus rios e canais urbanos, através da análise de algumas variáveis descritoras dos ambientes um caráter eminentemente ecológico ao processo saúde-doença. Saúde significa o completo estado de equilíbrio, e não
aquáticos, coletadas no sistema de drenagem principal (Rio Matinhos) e canais artificiais que recortam a área urbana somente a ausência de doenças.
do município. O sistema hidrográfico recebe cargas de poluentes decorrentes de esgotos domésticos lançados no corpo Posto o desafio do estudo de problemas socioambientais a partir de abordagem interdisciplinar, integrando as
hídrico. Os resultados apresentados evidenciam diversos riscos ambientais amplamente negligenciados pela gestão
pública e permite amplas considerações. dimensões ambientais, políticas, econômicas e sociais, este estudo tem como objetivo compreender o panorama da saúde
ambiental do município de Matinhos, no litoral do Paraná. A abordagem é realizada a partir de uma análise da paisagem
fundamentada em extensa bibliografia existente no âmbito da Geografia Física e da história de ocupação para este local,
Palavras-Chave: Saúde Ambiental; Qualidade da Água; Saneamento; Matinhos confrontada com dados originais de um estudo de variáveis descritoras dos ecossistemas aquáticos. Os resultados são
discutidos à luz do conceito de Saúde Ambiental em perspectiva ecossistêmica, conforme descrito a seguir.

1.1 Saúde ambiental na perspectiva ecossistêmica


A atenção recente sobre a relação entre ecossistema e saúde humana é um dos frutos da preocupação com o
crescimento da poluição e seus impactos a saúde humana e a qualidade de vida. Neste sentido, Gomez e Minayo
(2006), apontam que os estudos das relações entre saúde e meio ambiente devem basear-se na interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade, buscando das diversas áreas do conhecimento para compreender causas e consequências de forma
integrada.
Para Minayo e Miranda (2002), a Saúde Ambiental se difundiu a partir do século XIX, com a problemática do
saneamento básico e as constantes epidemias da chamada revolução bacteriana, com isso diversos pesquisadores se
dedicaram a bacteriologia, imaginando que esta evolução erradicaria todas as enfermidades, uma utopia. O conceito se
fortaleceu a partir do relatório de Brundtland (1987), junto com o conceito de desenvolvimento sustentável, trazendo
uma base teórica para o estudo fatores ambientais e de saúde, partindo das complexas inter-relações físicas, biológicas,
químicas e sociais dos ecossistemas. Superada uma fase inicial em que eram apresentados os desafios e as complexidades
da área, recentemente a saúde ecossistêmica ganhou destaque, com autores como Minayo (2002), “esse campo pode ser
resumido em sustentabilidade ecológica, democracia, direitos humanos, justiça social e qualidade de vida”. a isso fica
evidente quando o lado problemático e negativo se revela pela persistência das desigualdades sociais e da degradação
ecológica, articulados a fatores econômicos e socioculturais, que coloca em debate o processo de desenvolvimento
pautado no crescimento econômico ilimitado em um planeta finito. A discussão é complementada por novos conceitos
1 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - paduch.elaine@gmail.com
2 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - phcm@ufpr.br de desenvolvimento trazidos por Amartya Sen (2000), com o “desenvolvimento como expansão das liberdades”,
3 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - quadros.juliana@hotmail.com

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priorizando a liberdade social e política e a não privação de quaisquer “liberdades”. 1997). O Rio Matinhos sofreu profundas alterações das características naturais, com a ocupação das margens e constantes
No Brasil, verificamos grande esforço na compreensão dos problemas de ordem ecológica, onde atores sociais, dragagens para aprofundamento do canal. Além disso, a expansão urbana de forma mal planejada, têm refletido na
cientistas e gestores unem seus esforços para se dedicar as consequências reais que a população e os ecossistemas qualidade da água e alterando fatores físicos que consequentemente afetam na saúde de toda a comunidade biológica
enfrentam. É importante salientar que o progresso econômico e hegemônico, com a ideia de que o ecossistema seria presente.
capaz de assimilar todos os processos de dominação humana sobre a natureza, essa ideia fracassou com o aumento da
consciência ecológica na década de 70 (MINAYO 2002). A partir daí grande parte dos estudos focavam as problemáticas 1.3 Breve Histórico de Ocupação de Matinhos e modificações do sistema hidrográfico
que a deterioração ecológica ameaçava a saúde da população. O contexto da ocupação que modela a área urbana do município de Matinhos, tanto espacial, quanto temporal,
O que hoje denominamos como o campo da Saúde Ambiental compreende diversificados estudos articulados com indicam que não houve uma preocupação com as dinâmicas ambientais existentes. Matinhos é um município balneário
as estratégias de gestão integral do meio ambiente, com o objetivo de compreender melhor as questões que envolvem o e tem sua economia baseada no turismo de praia e sol e no comércio de bens e serviços. Nos últimos anos, Matinhos
campo da saúde e ambiente. apresentou um crescimento populacional, mas não somente isso que tem feito o município expandir a área urbana. A
intensa ocupação da orla nos anos 1950-1960, pelas segundas residências de verão diminuiu áreas lotáveis próximas
1.2 Condicionantes da Saúde Ambiental no município de Matinhos-PR ao mar e houve uma intensa valoração desses imóveis, com o crescimento populacional, verificou-se a necessidade
Os principais fatores que provocam a deterioração da qualidade ambiental no litoral paranaense são as de expandir as áreas construídas avançando para as áreas verdes. O mercado imobiliário seguiu a lógica econômica,
atividades industriais, portuárias, pesqueiras, turísticas e ocupações urbanas sem devido planejamento. Essas atividades isso nos leva a entender o surgimento de inúmeros loteamentos, a especulação imobiliária não respeita as dimensões
vêm deteriorando os recursos hídricos e colocando em risco ecossistemas que desempenham papéis importantes na socioambientais.
manutenção da biodiversidade local, especialmente nos sistemas aquáticos, habitats vitais para algumas espécies. Para A ocupação de Matinhos passou a ser significativa a partir de 1920, com a abertura dos acessos, mais especificamente
Estades (2003), a ausência de um desenvolvimento alternativo aliado as desigualdades sociais ameaçam os recursos o trajeto que ligava Praia de Leste ao principal acesso de Curitiba-Paranaguá, já para Caiobá o trajeto era feito pela praia
naturais, à medida que diversas pressões antrópicas, mais concretamente o crescimento populacional e outras dinâmicas (RIBEIRO, 2008). O acesso facilitou a chegada de veranistas e também a abertura dos primeiros comércios locais. Com
de uso e ocupação do solo, geram uma série de conflitos neste território. o crescimento dos balneários as culturas tradicionais “caboclas” começaram a desaparecer, o estilo das casas, o engenho
No município de Matinhos, pode-se perceber como influências desses fatores alteraram as dinâmicas naturais da mandioca e costumes tradicionais foram deixados de lado para dar início a pequenos comércios e assim atender
e modificaram a paisagem, especialmente no que tange à cobertura vegetal, modificações das dinâmicas hidrográficas as necessidades dos veranistas (PREFEITURA MUNICIPAL DE MATINHOS, 2015). Segundo Ribeiro (2008), a área
e a deterioração dos recursos hídricos. Matinhos apresenta uma estrutura padrão de cidades balneárias, voltada para o central de Matinhos começou a ser urbanizada a partir de 1930, gerando as primeiras modificações da paisagem e a
turismo sazonal, configuração que provocou uma intensa ocupação da orla marítima, destinada as segundas residências ocupação da orla que destruiu as áreas de restingas e dunas além de encostas de morros. A partir daí rios foram alargados,
de verão. O crescimento populacional e a expansão urbana descontrolada são resultados desse processo, que alterou canalizados e retificados, áreas de mangues e brejos foram aterrados.
significativamente as características da região. Com objetivo da urbanização, em 1948, obras de drenagem modificaram significativamente o quadro hidrográfico
local, o DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), responsável pelas obras, o saneamento e a erradicação
da Malária. Ribeiro (2008) relata que os rios e áreas alagadas eram vistos como verdadeiros desastres biológicos,
criadouros de mosquitos que ameaçavam o progresso. Na década de 1950, viu-se a necessidade da ampliação dessas
obras de drenagem, com a construção do canal, que atualmente margeia a principal Av. Juscelino Kubitschek de Oliveira.
O rio Caiobá e o rio Guaraituba teve parte do seu leito aterrado para fins de loteamento e o restante foi desviado do curso
original, contudo, é possível observar nos descritos de Ribeiro (2008), que os projetos de drenagem não obedeceram às
dinâmicas naturais dos cursos d´água.
Para Milani (2000), devido a modificação e descaracterização da bacia do rio Matinhos pela ampliação e
prolongamento de seus canais de primeira ordem, bem como a drenagem dos pequenos cursos d’água, como rio Caiobá
FIGURA 1: Localização do município de Matinhos – área de estudo.
e Guaraituba, não é mais possível caracterizá-los como Bacia Hidrográfica convencional, contudo ainda pode ser
caracterizada como um micro estuário devido a interferência de marés.
O sistema de drenagem principal é o Rio Matinhos, este desemboca diretamente no oceano, sofrendo influência
Bigarella (1946), em seus estudos afirma que os rios que cortam a planície têm suas nascentes na parte montanhosa
direta das marés, que os caracteriza como um micro estuário (MILANI, 2000). Os sistemas estuarinos são sistemas
do complexo cristalinos, ou nas áreas alagadas. Na planície estes tornam-se meândricos, com águas cristalinas exceto nas
complexos, tem contato direto com o mar e sofrem influência diretas das marés (DAY, 1980 apud DUARTE, et al.,

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áreas pantanosas estes têm aspectos escuros e com a presença de matéria orgânica. Bigarella (1946), afirma ainda que os
rios da planície sofrem interferências da maré por alguns quilômetros acima da foz. Procedimentos de Coleta
[...] ”a coloração amarela até castanho é consequente à matéria orgânica, óxido de ferro hidratado e às argilas
provenientes do transporte marinho ou da decomposição dos feldspatos sedimentados, juntamente com os As coletas foram realizadas entre abril de 2014 a dezembro de 2014, em quatro saídas à campo, foram coletadas 12
grãos de quartzo e outros minerais” (BIGARELLA, 1946, p.71).
amostras em um total de 6 pontos ao longo de dois cursos d’água Rio Matinhos (R) e Canal Caiobá (C), maré alta e maré
baixa. Os pontos selecionados seguiram respectivamente: Na jusante (1), um ponto mais centro (2) e outro Montante (3).
O sistema hidrográfico de Matinhos é relativamente pequeno e complexo, em torno de 33km², isso deve-se a A água coletada em frascos de polietileno previamente limpos, esterilizados estes foram armazenados em uma
interação entre os ambientes continentais e marinhos e sobretudo pela elevada taxa de ocupação antrópica. O quadro caixa térmica e levadas ao laboratório da UFPR Litoral para análise. Avaliou-se a qualidade da água para os seguintes
hidrográfico de Matinhos encontra-se bastante alterado pois a rede foi retilinizada, especialmente a região que drena o variáveis: Temperatura, Potencial Hidrogeniônico (pH), Saturação de oxigênio dissolvido, Oxigênio Dissolvido (OD),
Sul de Caiobá, encontra-se bastante impermeabilizada e diversas residências forma construídas nas margens do canal Turbidez, Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Condutividade e nutrientes inorgânicos amônio e fosfato.
(MILANI, 2000). No entanto como afirma Ribeiro (2008), apesar de perderem suas características originais, esses canais As concentrações de temperatura e OD, foram determinadas em campo com oxímetro e termômetro de mercúrio
apresentam uma comunidade biológica rica, a presença de ictiofauna composta por traíras, carás, lambaris, jundiás respectivamente. Para análise dos demais parâmetros as amostras foram armazenadas em frascos de polietileno e levadas
(bagres) e muçuns de avifauna: garças e outras aves, além de cagados e lontras. ao laboratório em uma caixa térmica. As análises de salinidade (refratômetro), pH (peagâmetro), turbidez (turbidímetro),
condutividade (condutivímetro) foram realizadas em campo. Para as análises de nutrientes as amostras foram filtradas em
filtros Schleicher & Schuell GF-52C e congeladas. As concentrações do Fosfato e Amônio, foram determinadas através do método
colorimétrico descrito por Grasshoff et al. (1983), com leitura realizada em espectrofotômetro UV-1601, Shimadzu.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

É possível observar que a área urbana Matinhos apresentou um crescimento desordenado. Segundo IBGE (senso
2010), a alta taxa de urbanização cerca de 99,4%, com um total de aproximadamente 9 mil domicílios. Diversas situações de
precariedade das estruturas (Abastecimento de água, rede de coleta e tratamento de esgoto, coleta de lixo e pavimentação),
e de moradias apontadas por Esteves (2011), acarretam problemas graves no que se referem a insalubridade ambiental.
Fig 2: Fotografias históricas das décadas de 1930, 1950 e 1970 sobrepostas à atual imagem de satélite do Google Earth,
Para Silva (2013), a intensidade e velocidade com que o processo de urbanização de Matinhos ocorreu, gerou
demonstrando a rápida modificação da paisagem no município de Matinhos. problemas como: a poluição dos rios; ocupação das áreas com vegetação nativa e de vertentes por moradias irregulares;
deficiência na coleta de lixo, problemas de alagamentos e inundações, decorrentes do processo de antropização acelerado,
2. MATERIAIS E MÉTODOS bem como da falta de planejamento. Alguns deles, são apresentados na figura 5.Como podemos observar na figura
5, a quantidade de resíduos (sacolas plásticas, garrafas e até eletrodomésticos), descartados incorretamente nas ruas e
A partir da análise dos conceitos e do histórico de ocupação do município, foi elaborado um diagnóstico da
terrenos baldios, entram nos sistemas de drenagem se acumulam em manilhas, entopem bueiros, bocas de lobo, causam
Saúde ambiental composto por um levantamento in loco de condições ambientais através de observação direta e registros
inundações em residências e comércios de Matinhos, a figura 6, apresenta um panorama desse fato.
fotográficos e um diagnóstico dos padrões espaciais de qualidade da água do sistema hidrográfico
A situação de insalubridade, é ainda mais agravada em períodos longos de chuvas, onde ocorre frequentes
2.1 Área de Estudo inundações. Isso deve-se ao fato de áreas impermeabilizadas obstrui a infiltração da água da chuva no solo. Situação
Optou-se pelo recorte da área urbana, que compreende os canais urbanos do município de Matinhos, desde a ainda pior em áreas de fragilidade ambiental (mangues, beiras de rios e brejos), que ocorrem de forma intensa e sem
linha da costa até 20m s.n.m., seguindo a linha de delimitação do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, em áreas onde a planejamento, associada a ausência de infraestruturas de saneamento, os riscos e consequências à saúde ambiental são
urbanização é mais intensa. A região pertence a maior área de floresta Atlântica preservada e um dos mais significativos ainda mais graves, devido doenças de veiculação hídrica e vetores.
remanescentes do estado de Paraná, sendo denominada Floresta Ombrófila Densa. As questões de saneamento em Matinhos, são tratadas no diagnóstico de vulnerabilidade ambiental feito por
De acordo com Ângulo et al. (2006), Matinhos está situado na região sul do Brasil, porção leste do estado Esteves (2011). O autor retrata as fragilidades da população e das moradias, diante de inundações, vendavais e chuvas de
do Paraná localizada entre as coordenadas, 25° 48’ e 25° 51’ de latitude sul e 48° 31’e 48° 34’ de longitude oeste de granizo, destacando a situação de risco pela exposição à insalubridade ambiental.
Greenwich. Matinhos não possui rede de coleta e tratamento de efluentes para o total de residências, muitos se utilizam de
fossas sépticas e ligações irregulares e/ou clandestinas que contaminam o solo, o lençol freático e os recursos hídricos

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complicando ainda mais a situação de insalubridade ambiental. Paralelo a essa situação os canais recebem interferência os pontos de coleta dispostos no Rio Matinhos e Canal de Caiobá.
de marés, a conexão desses corpos hídricos e a interação entre esses sistemas lançam os esgotos e resíduos diretamente
no mar. Nos boletins de balneabilidade feitos pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), é possível verificar que muitas
Tabela 1: Resultados das análises de campo e laboratório:
vezes as praias se encontram impróprias para banho, algumas manchas escuras podem ser verificadas em pontos da orla
ainda nas imagens de satélite. MARÉ ALTA MARÉ BAIXA
Variáveis Rio Matinhos (R) Canal Caiobá (C) Rio Matinhos (R) Canal Caiobá (C)  
A maioria das residências utiliza de fossas negras como descarte de resíduos, contudo são improprias para a
M1 M2 M3 C1 C2 C3 M1 M2 M3 C1 C2 C3  
região, visto que os solos do litoral são arenosos e com baixa capacidade de carga, além disso, o sistema de drenagem
Temperatura 19,4 19,2 19,8 23,5 23,8 24,8 19,4 19,1 21,4 21,7 21,6 20,8  
pluvial recebe cargas de esgoto clandestinas, que desembocam nos rios e canais que são dispersos nos sistemas aquáticos. pH 5,96 5,95 6,86 6,65 6,72 6,73 5,88 5,42 5,94 6,15 6,32 6,62  
A figura , apresenta um panorama da infraestrutura de saneamento e o sistema de drenagem urbana do município de Salinidade - - 23 - - - - - 3 - - -  
Matinhos. Condutividade 54,73 34,64 - 262,6 616,8 232,4 57,71 103,9 0 358,1 189,9 207,8  
OD mg/l 4,8 3,62 1,1 2,08 2,63 2,05 6,33 2,05 2,47 3,34 1,35 1,54  
Sat OD % 52,2 39,6 12 28 36,5 26 69 22 28 38 15 17  
Turbidez NTU 3,2 14,6 11 10 11,2 12 1,4 7,8 19,8 5,8 18,6 18,9  

Figura 5: Mapa da área urbana de matinhos evidenciando o sistema hidrográfico, as áreas atendidas por rede de coleta de esgoto e

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Figura 03 (1 a 5): Análise gráfica dos padrões espaciais das variáveis descritoras da qualidade da água no sistema hidrográfico do Referências Bibliográficas
Rio Matinhos, evidenciando as diferenças entre a região do Rio Matinhos (M1 a M3) e dos canais de Caiobá (C1 a C3), conforme
o mapa da fig 01.
DUARTE, Antônio A.L.S. Caracterização dos Ambientes Estuarinos, Mistura em Estuário, Universidade do Minho.
Os resultados permitem as seguintes analises preliminares sobre a situação dos canais de drenagem urbanos de Departamento de Engenharia Civil, 1997. p. 41-55.
Matinhos: ESTEVES, Francisco. A., Fundamentos em Limnologia, Rio de Janeiro, 2° ed. 1998. 226 p.
• Os valores de oxigênio dissolvido refletem as boas condições da água que desce da vertente oceânica da serra GRASSHOFF, K. EHRHARDT, M., KREMLING, K. (eds.) Methods of Seawater Analysis. 2ª ed. Verlag Chemie,
(ponto M1), evidenciando claramente um gradiente de diminuição da oxigenação em direção à foz dos sistemas, uma Weinheim, 1983. p. 419.
evidente influência do aporte de carga orgânica das áreas onde não há coleta e tratamento de esgotos. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, censo 2010. IBGE Cidades@ Matinhos, Paraná. Brasília. Acesso
• O pH, da mesma maneira, evidencia um gradiente desde uma região mais ácida, sob influência dos ácidos húmicos em: maio/2015.
e fúlvicos produzidos na decomposição do aporte de folhas e matéria orgânica produzida nas cabeceiras da bacia, LEMOS, Carolina, A., Qualidade da Água de uma Bacia Hidrográfica inserida na Reserva da Mata Atlântica,
sendo gradativamente tamponada pelo aporte dos efluentes urbanos Maquiné, Rio Grande do Sul – Brasil, Dissertação Mestrado, Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal do
• A condutividade, excelente indicador de fontes pontuais de poluição doméstica evidenciou os pontos mais críticos Rio Grande do Sul –RS, 2003.
no canal de Caiobá. Os valores são significativamente menores no Rio Matinhos, provavelmente em função da MILANI, Rogério. J.; Canali, E. N Naldy, O sistema hidrográfico do Rio Matinhos: Uma análise morfométrica.
diluição causada pelo maior volume de água limpa proveniente da porção florestada da bacia. O ponto M3 não foi Curitiba, 2000. p. 139-152.
medido por ter apresentado influência da salinidade marinha, denotando um ambiente bastante dinâmico típico de MINAYO, Maria C. S.; Parte III: Enfoque ecossistêmico de saúde e qualidade de vida, Saúde e ambiente sustentável
um microestuário. estreitando nós. Rio de Janeiro, Ed. FIOCRUZ, 2002. p 173.
Foi possível identificar importantes diferenças entre os compartimentos da bacia relativos aos canais de Caiobá e SEN, Amartya; Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia da Letra, 2000.
ao canal principal do Rio Matinhos. Neste último, a correnteza, o aporte de maior volume de água limpa proveniente tanto SILVA, V. D., Urbanização e suas Implicações em Matinhos – PR, Anais do Simpósio Nacional de Geografia Urbana,
da serra do Mar quanto por influência das marés mais altas, determinam um ambiente aquático mais dinâmico e salubre, Rio de Janeiro, 18 a 23 de novembro de 2013.
não obstante a forte evidência de contaminação acentuada. Na região de Caiobá, cortada por canais artificiais paralelos
à linha da costa (dificultando a drenagem) determinam ambientes praticamente lênticos, propensos à eutrofização e
proliferação de algas, plantas aquáticas e inúmeros vetores típicos de uma região de “esgoto a céu aberto”. O passivo
ambiental do saneamento e da balneabilidade é de difícil solução, decorrente de décadas de planejamento inexistente.
O principal risco á saúde ambiental identificado é relativo à localização do Hospital Municipal Nossa Senhora dos
Navegantes, na confluência dos canais de drenagem a céu aberto da região de Caiobá. Diagnosticado como o ponto mais
poluído do município, o risco de contaminação das instalações do hospital por vetores biológicos voláteis, carregados
por insetos, aves ou mesmo nos pés dos frequentadores do hospital é mais do que evidente.
Os rios são vistos como impecílios pelo mercado imobiliário, não há nenhuma preocupação com a estrutura de
saneamento nem mesmo referente a higidez desses espaços. O cenário que se instala em Matinhos, é de completo descaso
com a biodiversidade e com a saúde. Os processos de urbanização ocorreram de forma mal planejada, grande parte das
residências não possuem infraestrutura nem mesmo para atendimento de serviços básicos, como saneamento, e apenas
uma parcela do esgoto coletado é efetivamente tratado.

Em termos de desafios e perspectivas para a reestruturação e melhorias da saúde ambiental, depende da inequívoca
necessidade de desenvolver estudos relacionados ao tema, e sobretudo no que se refere ao conhecimento mais detalhado
sobre a intensidade de uso do solo, além da readequação de toda a infraestrutura urbana que incluem os sistemas de
drenagem e a rede de coleta e tratamento de efluentes.

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ORGANIZAÇÃO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (CEREST) E and quantitative aspects. Qualitative data refer to the description of the state network, while the quantitative data were
SÉRIE HISTÓRICA DAS NOTIFICAÇÕES DOS AGRAVOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO PARANÁ extracted from the Database System for Notifiable Diseases Information (SINAN NET), which were tabulated through
TABWIN system and supported by the Microsoft Excel. The results revealed the territorial CEREST organization of
(2010-2014) the state, grouped into eight macro-regional health areas and one Municipal CEREST in Curitiba. Regarding diseases
notifications, Paraná, in the last five years (2010-2014), evidenced an increase of 120.74% of the notifications related to
OH. The serious work accidents accounted for approximately 50% of notifications. Still within serious work accidents,
work-related deaths were relatively constant over the last five years, with an annual average of 297 deaths. Finally, in
Amanda de Paula Boni Navarro1; Giselle de Oliveira Veiga2; Maria Carolina Lobo da Silva Leal3; Silvia Eufenia territorial terms, Curitiba´s CEREST was the highest territory in number of notifications. As a final thought, we also
Albertini4; Marcos Claudio Signorelli5 highlight the issue of underreporting of injuries of OH in the SINAN database, which, despite the efforts of CEREST´s
teams, it also presents a major challenge for OH networks.

RESUMO
Key words: Occupational Health; Public Health Policy; Disease Notification; Unified Health System
As políticas públicas voltadas à saúde do trabalhador (ST) vêm sendo fomentadas pelas últimas gestões governamentais.
Uma das importantes estratégias consiste na estruturação de redes de atenção à ST, vinculadas ao Sistema Único de Saúde
(SUS) e com abordagens intersetoriais, que transcendem o campo da saúde. Com base nesse cenário, este estudo teve
como objetivo descrever a organização territorial e ações dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)
do Estado do Paraná e também apresentar a série histórica das notificações dos agravos à saúde dos trabalhadores
paranaenses, no período compreendido entre 2010 e 2014. A metodologia adotada envolveu aspectos quali-quantitativos. INTRODUÇÃO
Os dados qualitativos referem-se à descrição da rede estadual, enquanto os quantitativos compreendem dados extraídos
do Banco de Dados do Sistema de Informação dos Agravos de Notificação (SINAN NET), que foram tabulados por meio Ainda em processo de construção, a Saúde do Trabalhador (ST) é uma área da Saúde Coletiva que estuda o
do tabulador de dados TABWIN e com o auxílio do Microsoft Excel. Os resultados revelaram a organização territorial processo saúde – doença dos seres humanos e a sua relação com o trabalho, “através do estudo dos processos de trabalho,
da rede estadual de CEREST, agrupados em oito macrorregionais de saúde e um CEREST Municipal em Curitiba. Em de forma articulada com o conjunto de valores, crenças e ideias, as representações sociais, e a possibilidade de consumo
relação às notificações de agravos, no Paraná, nos últimos cinco anos (2010 a 2014), houve um aumento de 120,74 %
das notificações relacionadas à ST, sendo que os acidentes de trabalho graves representaram aproximadamente 50% de bens e serviços, na “moderna” civilização urbano-industrial“ (MENDES E DIAS, 1991, pág. 347).
das notificações. Ainda dentro dos acidentes de trabalho graves, os óbitos relacionados ao trabalho apresentaram-se
relativamente constantes nos últimos cinco anos, cuja média anual foi de 297 óbitos. Por fim, em termos territoriais, No Brasil, este campo teve mais destaque a partir da década de 80, influenciado por diversos fatores, sendo
o CEREST de Curitiba apresentou a maior quantidade de notificações. Como reflexão final, salienta-se a questão da alguns deles: a transição demográfica mundial, o processo intenso de discussões sociais sobre as condições de vida e
subnotificação dos agravos de ST no banco de dados do SINAN, que, apesar dos esforços das equipes dos CEREST, saúde dos diversos grupos brasileiros, bem como pelo número elevado de doenças ocupacionais clássicas (benzenismo
ainda apresenta-se como um grande desafio para as redes de ST.
e saturnismo) e da epidemia de novas doenças ocupacionais (Lesão por Esforços Repetitivos - LER), e o fortalecimento
dos movimentos sindicais da época. Este contexto influenciou também a Constituição Federal de 1988 e a inclusão da
Palavras- chaves: Saúde do Trabalhador; Políticas Públicas de Saúde; Notificação de Doenças; Sistema Único de Saúde. definição de ST na Lei Orgânica da Saúde e suas devidas competências (MENDES E DIAS, 1991).

A referida Lei Orgânica da Saúde, 8080 de 1990, define a ST com “um conjunto de atividades que se destina,
por meio de ações de vigilância epidemiológica e sanitária, a promoção e prevenção da saúde dos trabalhadores”. Na
ABSTRACT
esteira desta diretriz considerada fundante do campo da ST brasileira, outras políticas públicas foram desencadeadas,
Public policies for occupational health (OH) have been fostered by recent government efforts. One of the important com objetivo de estruturar uma rede de atenção a ST na esfera do Sistema Único de Saúde (SUS).
strategies is to structure the OH care networks, linked to the Unified Health System (SUS) and intersectoral approaches
that transcend the field of health. Based on this scenario, this study aimed to describe the territorial organization and Desde então, várias legislações foram publicadas visando organizar as ações de ST no âmbito nacional, dentre
management of the OH Reference Centers (CEREST) ​​of Paraná State and also present the historical series of reports of
elas merecem destaque neste trabalho a Portaria 777 de 2004 que instituiu, pela primeira vez, a notificação compulsória
health problems of workers from Paraná, in the period between 2010 and 2014. The methodology involved qualitative
dos 11 agravos de ST (Intoxicação Exógena, Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR), Pneumoconiose, Transtornos
1 Mestranda Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/UFPR.. Enfermeira, trabalha na Secretaria de Estado da Saúde do PR
(SESA), no Centro Estadual de Saúde do Trabalhador (CEST). Email: Amanda.navarro@sesa.pr.gov.br; Mentais relacionados ao Trabalho, LER/DORT, Acidentes do trabalho fatais, Acidentes de trabalho com Mutilações,
2 Enfermeira, Especialista em Enfermagem do trabalho, atua na SESA PR, no CEST. Email: giselleveiga@sesa.pr.gov.br. Acidentes do trabalho com crianças e adolescentes, Acidentes com exposição a Material Biológico, Câncer Relacionado
3 Enfermeira, Especialista em Gestão da Vigilância em Saúde, atua na SESA PR, no CEST. Email: maria.leal@sesa.pr.gov.br;
4 Assistente Social, Mestre em Serviço Social, atua na SESA PR, no CEST. Email: silalbertini@gmail.com ao Trabalho). Sobre estes agravos, atualmente estão vigentes as Portarias do Ministério da Saúde nº 1.271 e 1.984, ambas
5 Fisioterapeuta, Doutor em Saúde Coletiva, Docente dos Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e Desenvolvimento Territorial de 2014.
Sustentável/UFPR. Email: signorelli.marcos@gmail.com

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Outras legislações importantes são a Portaria 2.728 de 2009 que atualmente regulamenta a Rede Nacional de abrangência, das ações intra e intersetoriais de ST, “assumindo uma função de retaguarda técnica e pólos irradiadores de
Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) e a Portaria 1.823 de 2012 que instituiu a Política Nacional de Saúde ações e idéias de vigilância em saúde, de caráter sanitário e de base epidemiológica” (BRASIL, 2006, pág. 20).
do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT). A RENAST se estrutura de modo complexo, com ação nos diferentes níveis
No Paraná, atualmente, estão implantados e em funcionamento um CEREST Estadual, denominado Centro
de atenção à saúde (primário, secundário e terciário), envolvendo distintas esferas governamentais, com competências do
Estadual de Saúde do Trabalhador (CEST), oito CEREST Macro Regionais sob a gestão do Estado (atendendo as 22
Ministério da Saúde, Estados e Municípios, e ainda com atuação intersetorial e interdisciplinar.
Regionais de Saúde do estado do PR e seus 398 municípios) e um CEREST Municipal de Curitiba (Gestão Municipal de
Ao debruçar-se sobre a esfera estadual, recorte territorial especificamente analisado neste estudo, temos a Política Curitiba) (PARANÁ, 2015), conforme pode ser observado na Figura 1, que apresenta tais distribuições geográficas.
Estadual de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador do Paraná (PEST), instituída em 2011, a qual regulamenta e explicita
a organização da RENAST no Estado do Paraná.
Figura 1 - Divisão dos CEREST no estado do Paraná - versão agosto de 2015
Sendo assim, o objetivo deste artigo é descrever a organização dos CEREST (Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador), que são unidades regionalizadas que compõem a rede estadual de ST e apresentar uma série histórica de
2010 a 2014 das notificações dos agravos de ST no estado do Paraná.

Justifica-se a publicação deste trabalho ao meio acadêmico, pois se faz importante divulgar como está organizada a
RENAST no estado do Paraná, visando a atenção integral a ST e, em destaque nesse trabalho, as notificações dos agravos
de ST. Tais elementos poderão subsidiar políticas públicas e estratégias descentralizadas (locais) para abordagem às
questões concernentes ao campo da ST.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório quali-quantitativo, transversal, com dados secundários, coletados a partir
do Banco de Dados do Sistema de Informação dos Agravos de Notificação - SINAN NET, dos anos de 2010 a 2014 do
Paraná, cuja base de dados possui como última atualização a data de 03 de Agosto de 2015. Tais dados foram obtidos com
o auxílio da equipe do Sistema de Informação e Análise de Situação do Centro Estadual de Saúde do Trabalhador (CEST),
sendo que a primeira autora do trabalho faz parte da equipe.

Os dados qualitativos referem-se à descrição da Rede dos CERESTs e sua organização no território paranaense.
Os dados quantitativos levantados tratam da frequência e distribuição das notificações pelo território do Paraná e foram
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, 2015.
tabulados por meio do tabulador de dados TABWIN e com o auxílio do Microsoft Excel.

O CEST tem como papel planejar e organizar a Atenção Integral a ST no âmbito do SUS no Estado do Paraná com
RESULTADOS E DISCUSSÃO
ações na atenção primária, média e alta complexidade e de vigilância à saúde, apoiando e incentivando as Regionais de
As ações de ST são desenvolvidas em todos os níveis de atenção do SUS (Atenção Primária, Secundária e Saúde e os municípios para o desenvolvimento destas ações, com garantia de participação do controle social em todas as
Terciária), de forma hierarquizada e descentralizada, e para isso, a RENAST possui como eixo integrador os Centros etapas (PARANÁ, 2015).
de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), com a atribuição principal de dar suporte técnico e científico às
Implantado em 2006, o CEST vem desenvolvendo os pressupostos contidos na PNSTT e suas ações culminaram
intervenções do SUS no campo da ST, integradas com as ações de outras instituições (PARANÁ, 2011).
na elaboração da PEST. O CEST está sediado em Curitiba, fazendo parte da Superintendência de Vigilância em Saúde
Explicando de outro modo, os CEREST atuam como centros articuladores e organizadores, no seu território de (SVS) da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). É composto atualmente por equipe multiprofissional

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(Enfermeiras, Assistentes Sociais, Médicos, Farmacêutica, Fisioterapeuta, Técnico de Segurança do Trabalho, Assistentes MPS do ano de 2013, já que neste ano o MPS registrou 52.132 casos de acidentes de trabalho com trabalhadores com
Administrativos, Psicólogos, entre outros). carteira assinada, e o SINAN registrou 12.793 notificações de todos os trabalhadores, independentemente do vínculo
empregatício dos mesmos.
Além das ações desenvolvidas pelo CEST já citadas anteriormente, a organização das informações e notificações
dos agravos de ST é “uma das operações fundamentais para a implantação da vigilância e avaliação da PEST”. Dispomos Figura 3 – Agravos de ST no Estado do PR, ano de 2014.
atualmente de vários bancos de dados que nos permitem acessar informações de ST no estado, geradas por diversas
instituições governamentais, como o Ministério da Previdência Social (MPS), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Agravos de ST no PR no ano de 2014
entre outros, e banco de dados do próprio Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)
e do SINAN (PARANÁ, 2011).
Acidente Trabalho
Assim, apresentamos na Figura 2 uma breve análise das notificações dos agravos de ST do banco de dados do 514; 4% c/Exposição a Material
SINAN dos anos de 2010 a 2014, já que a própria PEST (2011) já disponibilizou tais dados até o ano de 2010. Biológico
1003; 8%
Acidente de Trabalho
4551; 36% Grave

Figura 2 – Série histórica das notificações dos agravos de ST no estado do PR entre 2010 e 2014. Intoxicações Exógenas

6724; 52% Doenças Relacionadas


SÉRIE HISTÓRICA DAS NOTIFICAÇÕES DOS
ao Trabalho
AGRAVOS DE ST NO PR DOS ANOS DE 2010 A 2014

14000
12793 12795
12000
11054
10000 Fonte: SINAN NET, agosto de 2015.
8000 8184
6000 5795
4000
Observa-se na Figura 3 que, no ano de 2014, entre os 11 agravos de notificação compulsória da ST, os acidentes
2000
graves representaram 52% do total das notificações, seguidos dos acidentes com exposição a material biológico,
0
2010 2011 2012 2013 2014 representando 45% das notificações e intoxicações exógenas relacionadas ao trabalho, com 8% do total das notificações.
Apenas no ano de 2010, os acidentes com exposição à material biológico ficaram em primeiro lugar no número de
notificações, sendo que nos outros anos ficaram em segundo lugar.
Fonte: SINAN NET, agosto de 2015.
Faz-se importante definir o conceito de Acidente Grave, de acordo com o Ministério da Saúde (2006, pág. 15 e
Observa-se na Figura 2 que houve um aumento de 120,74% das notificações dos agravos de ST no período
16):
estudado. De acordo com o Ministério da Saúde (2015), o Paraná, no ano de 2014, ficou em terceiro lugar no número de
notificações em relação aos acidentes (graves, fatais e com exposição à material biológico e intoxicações exógenas), em
comparação com os demais estados brasileiros. “ [...] Acidente de trabalho fatal é aquele que leva a óbito imediatamente após sua ocorrência ou que venha a ocorrer
posteriormente, a qualquer momento, em ambiente hospitalar ou não, desde que a causa básica, intermediária ou
imediata da morte seja decorrente do acidente. [...] Acidente de trabalho grave é aquele que acarreta mutilação, física
Não necessariamente deve-se pensar que estão ocorrendo mais acidentes e doenças relacionados ao trabalho, mas ou funcional, e o que leva à lesão cuja natureza implique em comprometimento extremamente sério, preocupante;
sim, que as ações de vigilância em ST estão sendo intensificadas. Além disso, no Paraná, uma das metas para a ST, contida que pode ter conseqüências nefastas ou fatais. [...] Acidente de trabalho com crianças e adolescentes é aquele que
acomete trabalhadores com menos de 18 anos de idade, na data de sua ocorrência.”
no Plano Estadual de Saúde, é o aumento das notificações dos agravos de ST, devido principalmente a grande subnotificação
dos mesmos. Esta questão da subnotificação fica mais evidente ao compararmos o banco de dados do SINAN com o do

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Descrevendo brevemente as principais características dos Acidentes Graves, no Paraná, no ano de 2014, 84 % de notificação dos casos de óbitos nos sistemas de informação da Saúde e do INSS no município de Belo Horizonte,
ocorreram com o sexo masculino e 41% dos acidentes com pessoas da faixa etária entre 20 a 34 anos. Com relação revelando também a falta de uma sistematização de tais dados e cruzamento das informações.
à ocupação dos trabalhadores, a principal é a de pedreiro, com 7,6 % dos casos, seguido do alimentador de linhas de
produção com 5 % dos casos. Com relação ao tipo do acidente, 78 % foram típicos, 17,8% foram de trajeto e 4% das
fichas de notificação estavam com este campo sem preenchimento. Com relação à situação no mercado de trabalho, 60% Figura 5 – Agravos de ST por CEREST do PR entre os anos de 2010 a 2014.
dos trabalhadores eram registrados e 18% eram autônomos.

Sobre às doenças relacionadas ao trabalho (PAIR, Pneumoconiose, Transtorno Mental relacionado ao trabalho, Agravos de ST por CEREST do PR entre os anos
LER/DORT, Dermatose Ocupacional, Câncer relacionado ao trabalho) observa-se ao longo dos anos estudados que elas de 2010 a 2014
não possuem um número substancial de notificações. Tal fato pode ser explicado pela dificuldade em se diagnosticar tais
60000 50620
agravos e fazer o nexo técnico epidemiológico com as condições de trabalho.
50000
40000
Figura 4 – Óbitos relacionados ao trabalho no estado do PR entre 2010 e 2014.
30000
10820
20000
2003 7903 4274 6825 5602 3304 5533 4356
ÓBITOS RELACIONADOS AO TRABALHO NO ESTADO DO 10000
PR NOS ANOS DE 2010 A 2014 0

II

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400

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350

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295

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297

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CE
300

RE
M
303

CA

CE
250
244
200
150
Fonte: SINAN NET, agosto de 2015.
100
50
0
2010 2011 2012 2013 2014 Ao analisarmos a Figura 5, observamos que o CEREST Municipal de Curitiba apresentou, na somatória dos anos
de 2010 a 2014, o maior número de notificações dos agravos de ST no PR. Faz-se importante frisar também que a maior
fonte notificadora dos agravos de ST no estado do Paraná atualmente é o Hospital do Trabalhador, situado em Curitiba.
Fonte: SINAN NET, agosto de 2015.
Deve-se levar em consideração também o critério populacional, pois Curitiba já responde por 16,8 % da população total
do Estado, que de acordo com o Censo do IBGE de 2010 apresentava uma população de 10.444.526 habitantes.

Dentro da ficha de notificação dos acidentes graves do SINAN, são notificados os casos fatais, além dos acidentes
mutilantes e com crianças e adolescentes. Assim, faz-se importante registrar que nos últimos 5 anos, os casos de óbitos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
relacionados ao trabalho notificados no SINAN, vem se mantendo constantes, apresentando uma média de 298 óbitos
ao ano, conforme pode ser observado na Figura 4. O SIM registrou uma média 371 óbitos por ano, nos últimos 5 anos. O presente trabalho evidenciou como estão organizados os CEREST de gestão estadual do Paraná, bem como
Ao compararmos os dados do SIM e do SINAN, observamos uma diferença de 73 óbitos ao ano, número muito elevado, suas principais ações, focando em uma breve análise das notificações dos agravos de ST, já que esta é uma das ações
comprovando também a subnotificação no SINAN. desenvolvidas pela equipe do CEST. Ação esta de grande relevância para a tomada de decisão e planejamento em saúde,
pelos gestores locais e profissionais de saúde que desenvolvem as ações de vigilância em ST.
Não realizamos a análise dos bancos de dados de outras instituições para o período estudado. Porém, há alguns
estudos que fizeram esta análise, e merece destaque um estudo de Correa e Assunção (2003), o qual constatou problemas Apresentamos que, no Paraná, nos últimos cinco anos (2010 a 2014), houve um aumento de 120,74 % das

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notificações dos agravos de ST, sendo que os acidentes de trabalho graves representaram aproximadamente 50% das Notificação de acidentes de trabalho fatais, graves e com crianças e adolescentes. Brasília, 2006.
notificações. Descrevendo brevemente as principais características dos Acidentes Graves, no Paraná, no ano de 2014 BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Técnica de Saúde dos Trabalhadores (COSAT). Rede Nacional de Atenção
(n=12795), 84 % ocorreram com o sexo masculino, em 41% com pessoas da faixa etária entre 20 a 34 anos, sendo a Integral à Saúde do Trabalhador: Manual de Gestão e Gerenciamento. 1ª edição – 2006. São Paulo, Maio de 2006.
principal ocupação a de pedreiro. Ainda dentro dos acidentes de trabalho graves, os óbitos relacionados ao trabalho
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei 8.080, de 19 de Setembro de 1990.
apresentaram-se constantes nos últimos cinco anos, cuja média anual foi de 297 óbitos. Por fim, em termos de território,
o CEREST de Curitiba apresentou no mesmo período a maior quantidade de notificações. CORREA, PAULO ROBERTO LOPES; ASSUNÇÃO, ÁDA ÁVILA. A subnotificação de mortes por acidentes de
trabalho: estudo de três bancos de dados. Epidemiologia e Serviços de Saúde, vol. 12, nº 4, 2003.
Faz-se importante destacar que os dados apresentados necessitam de uma análise qualitativa, em outros estudos, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Cidades. Disponível em: http://www.cidades.
para desvendar as reais condições de trabalho dos trabalhadores que se materializam nos números revelados neste estudo. ibge.gov. Acesso em 11 de Agosto de 2015.
Refletimos também sobre a questão da subnotificação dos agravos de ST no banco de dados do SINAN, que, apesar
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Estados. Disponível em:
dos esforços das equipes dos CEREST, ainda é um problema que precisa ser enfrentado. Outro ponto frágil da rede de
assistência é a rotatividade de recursos humanos e necessidade de capacitação dos mesmos. http://www.cidades.ibge.gov. Acesso em 11 de Agosto de 2015.
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho 2013. Disponível em: http://
Além disso, destacam-se os problemas estruturais e conjunturais atuais que afetam a saúde dos trabalhadores, www.previdencia.gov.br/dados-abertos/aeat-2013/estatisticas-de-acidentes-do-trabalho-2013/subsecao-d-acidentes-do-
como as precarizações das condições de trabalho, causadas pelo capitalismo, influenciando no “desemprego estrutural trabalho-segundo-o-municipio/tabelas-d-2013/. Acesso em 11 de Agosto de 2015
produzido pela redução da necessidade de trabalho vivo, ao lado do aumento da exploração dos trabalhadores em MENDES, RENÉ; DIAS, ELIZABETH COSTA. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Rev. Saúde Pública.
atividade” (ALBUQUERQUE E SILVA, 2014, pág. 963). São Paulo, vol. 25, nº 5, pág. 341-9, 1991.

Como potencialidades da área da ST no Paraná, destacamos o fato de que a Vigilância em Saúde (Epidemiológica, PARANÁ. CEST. CENTRO ESTADUAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR. O que é o CEST? Disponível em: http://
www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1469. Acesso em 06 de Agosto de 2015.
Ambiental, Sanitária, ST, Promoção da Saúde) passa por um processo de reestruturação e fortalecimento no Paraná, tanto
no nível estadual/regional, quanto nos municípios (PARANÁ, 2015). A partir da vigência, em 2013, do VIGIASUS – PARANÁ. Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. VIGIASUS. Programa De Qualificação Da Vigilância em Saúde no
Programa de qualificação da Vigilância em Saúde no Estado do Paraná - o qual prevê, entre outras ações, o repasse Paraná. Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2979. Acesso em 12 de
Agosto de 2015.
financeiro para os Municípios e a definição de indicadores e metas para monitoramento do desempenho das ações de
Vigilância em Saúde em nível regional e municipal, pretende-se intensificar ainda mais as ações de ST (PARANÁ, 2015). PARANÁ. Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. Superintendência de Vigilância em Saúde. Centro Estadual de Saúde
do Trabalhador. Política Estadual de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador do Paraná. Curitiba, Agosto de 2011.
79 páginas.

REFERÊNCIAS

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determinantes da saúde e a determinação social da saúde. Saúde e Debate, vol.38, n° 103, pág. 953-964, 2014.
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.

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GRUPO DE TRABALHO IX
Áreas Protegidas, Risco e Mudanças Climáticas

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1. INTRODUÇÃO: AS POLÍTICAS PÚBLICAS GT - 09
GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E (PSEUDO) PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Academicamente a politica pública surge como área de estudo nos Estados Unidos com o objetivo de entender as
ações do governo. Isto rompe com a lógica da ênfase nas teorias explicativas do Estado e do governo comuns na Europa.
Péricles Augusto dos Santos1; Juliana Quadros2
Neste sentido o pressuposto científico adotado para consolidação dos estudos sobre políticas públicas passa a ser o de
que em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser formulado cientificamente e
analisado por pesquisadores independentes. Neste sentido o que temos é o estudo de como o governo atua efetivamente
RESUMO (SOUZA, 2012, p.66-67).
As políticas públicas ambientais tem se configurado como importante estratégia dos governos para efetivação da con-
Mas como definirmos o termo política pública? Não há uma única, ou melhor, definição de política pública.
servação de espécies e ecossistemas ameaçados no mundo. No Brasil o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) se apresenta como uma das legislações mais avançadas mundialmente sobre a conservação da natureza por meio Souza (2012) diz que:
do estabelecimento de áreas naturais protegidas denominadas de Unidades de Conservação (UCs). Adicionalmente, a
“Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo,
participação social na criação e gestão de UCs também é prevista no SNUC. Nesse sentido, nos propomos a discutir a colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor
participação social na gestão das UCs no Brasil, pensada a partir deste marco legal e de conceitos de participação social mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação constitui-se no estágio em
e das políticas públicas. Percebemos que o marco legal investigado apresenta mecanismos de participação social, porém, que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações,
a efetivação destes mecanismos tem sido prejudicada pelo desconhecimento do poder de decisão que tem a participação que produziram resultados ou mudanças no mundo real” (SOUZA, 2012, p. 69).
social, pela falta de diálogo na busca de objetivos comuns e pela consequente falta de mobilização social. Dessa forma
os fóruns de participação social, como os conselhos gestores das UCs tornam-se espaços precarizados, usados de forma
inapropriada e facilmente manipulados por interesses que não atendem os objetivos da maioria dos atores sociais envol-
vidos e das próprias UCs. O mesmo autor traz um levantamento de definições dadas por diversos outros autores, quais sejam: um campo
dentro do estudo da política que analisa o governo a luz de grandes questões públicas (MEAD 1995); um conjunto de
ações do governo que irão produzir efeitos específicos (LYNN, 1980); política pública é a soma das atividades dos gover-
Palavras-chave: Conselhos gestores, participação social, conservação, unidades de conservação. nos, que agem diretamente ou por delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos (PETERS, 1986); o que o governo
escolhe fazer ou não fazer (DYE, 1984); decisões e analises sobre a política pública implicam em responder às seguintes
questões, quem ganha o quê, porquê e que diferença faz (LASWELL); e por fim a mais clássica seria a definição de Lowi
ABSTRACT apud Rezende (2004, p.13) política pública é uma regra formulada por alguma autoridade governamental que expressa
uma intenção de influenciar, alterar, regular, o comportamento individual ou coletivo através de sanções positivas ou
Environmental public policy has been configured as an important strategy of governments to effect the conservation of
threatened species and ecosystems worldwide. In Brazil the National System of Conservation Units (SNUC) is presented negativas. Chama a atenção como Souza (2012) e os autores mencionados por ele conferem importância ao ator governa-
as one of the most advanced legislation worldwide on nature conservation through the establishment of protected natural mental na decisão sobre políticas públicas. Por outro lado, Toro & Werneck (2004) embora reconheçam o papel decisivo
areas called Conservation Units (CUs). Additionally, social participation in the creation and management of protected de Estado, valorizam a participação social:
areas is also foreseen in SNUC. In this sense, we propose to discuss social participation in the management of protected
areas in Brazil, considered from this legal framework and concepts of social participation and public policy. We realize “Participar politicamente significa fundamentalmente, tomar parte das políticas públicas. Consiste em
that the legal framework has investigated mechanisms of social participation, however, the effectiveness of these mecha- formar opinião sobre uma decisão do Estado; em expressar, pública e livremente, essa opinião; e em vê-la
nisms has been hampered by the lack of decision-making that has social participation, lack of dialogue in pursuit of com- levada em consideração” (Toro & Werneck, 2004).
mon goals and the consequent lack of social mobilization. Thus the forums for social participation, such as management
councils of UCs become precarious spaces, used inappropriately and easily manipulated by interests that do not meet the
goals of most social actors involved and their own protected areas.
Portanto, nessa perspectiva, as políticas públicas são produto tanto da atuação governamental, em especial dos
legisladores, quanto da participação social. Considerado o ciclo das políticas públicas como sendo composto por cinco
Keywords: Management councils, social participation, conservation, protected areas. fases de acordo com Oliveira (2013, p.32), quais sejam: percepção/definição do problema, agenda-setting, elaboração de
1 Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável pela Universidade Federal do Paraná – UFPR – guto.pericles@gmail.com programa/decisão, implementação, avaliação/correção de ação e terminação, temos que a percepção/definição do proble-
ma pode emanar dos anseios da sociedade mobilizada e participativa. Ainda nesse sentido, a sociedade empoderada é o
2 Doutora em Zoologia e Professora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da Universidade Fede-
ral do Paraná – UFPR. melhor fiscal da implementação e da avaliação da eficiência das políticas públicas.

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Dentro desse contexto o objetivo desse estudo é discutir a participação social na gestão das unidades de conser- sentam em sua obra um breve resgate histórico de sociedades, em que as práticas de caça, pesca e corte de árvores eram
vação, como mecanismo estabelecido a partir de uma política pública, o SNUC. proibidos em determinadas extensões territoriais, além da realização de inventários sobre as terras, florestas, áreas agri-
cultáveis e reservas de caça, em 1804 na Inglaterra, com o objetivo de fazer o planejamento do uso destes espaços. Neste
sentido a obra de E. P. Thompson “Senhores e Caçadores” (1997) que trata das reservas de caça da Floresta de Windsor e
2. MATERIAL E MÉTODOS da constituição da lei negra permite observar a existência de conflitos ambientais já nos anos de 1700. Sobre a ocupação
colonial do bioma que caracteriza a porção leste do continente sulamericano, Dean (1996) menciona:
O presente trabalho foi elaborado a partir de um recorte específico da construção do projeto de pesquisa de
“Durante quinhentos anos, a Mata Atlântica propiciou lucros fáceis: papagaios, corantes, escravos, ouro,
mestrado denominado “Redes de conflitos socioambientais em comunidades do entorno de Unidades de Conservação:
ipecacuanha, orquídeas, e madeira para o proveito de seus senhores coloniais e, queimada e devastada,
o caso da localidade do Parati, Guaratuba/PR”. Este recorte trata especificamente de parte de um conjunto de análises a uma camada imensamente fértil de cinzas que possibilitavam uma agricultura passiva, imprudente e insus-
legislações ambientais que se aplicam ao bioma Mata Atlântica, sendo delimitado como objeto de análise neste momento tentável” (DEAN, 1996, p. 380).
o SNUC e seu decreto de regulamentação nº 4.340, 2002.

Com o objetivo de entender como o marco legal ambiental influência a dinâmica das populações de entorno a Dentro desse contexto de exaustão de recursos naturais e de conflitos socioambientais surge a noção de áreas
UCs, realizamos análises documentais a partir de pesquisas bibliográficas, além, da sistematização de informações co- protegidas. Para Medeiros (2006) estas são espaços territorialmente demarcados cuja principal função é a conservação e/
lhidas pelos autores, a partir de suas experiências junto a conselhos gestores de UCs. Para tal buscamos identificar como ou a preservação de recursos, naturais e/ou culturais a elas associados. Segundo a União Internacional para a Conservação
está estruturada a ideia e os mecanismos de participação social dentro do texto da legislação e como esta participação da Natureza, uma área natural protegida é definida como “uma superfície de terra ou mar consagrada à proteção e manu-
se constituí na prática. Estruturamos assim as análises partindo de uma unidade central, a Participação Social, passando tenção da diversidade biológica, assim como dos seus recursos naturais e dos recursos culturais associados, e manejada
para identificação de categorias dentro deste contexto, seguindo para tal o modelo de análise de conteúdo proposto por através de meios jurídicos e outros eficazes” (LEA et al, 2006, p.7). Nesses dois conceitos é importante destacar a refe-
Bardin (2008). rência feita à conservação/preservação ou proteção/manutenção dos recursos culturais associados.
. No Brasil, as chamadas áreas protegidas no contexto internacional, recebem o nome de Unidades de Conserva-
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES ção (UCs), cunhado por Maria Tereza Jorge Pádua e utilizado para se referir a cada área que compõe o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC) instituído pela lei federal Nº 9.985, de julho de 2000
As unidades de conservação
Segundo Dourojeanni & Pádua (2007, p. 56):
Antes de se esboçar qualquer esforço de compreensão sobre as áreas naturais protegidas e as UCs no Brasil, é
“Como o próprio nome indica, uma UC é uma área dedicada a conservar a natureza. A expressão equiva-
necessário que se tenha claro como a “Crise Socioambiental” torna-se importante pauta nas agendas mundiais e locais, lente, área protegida reflete com a mesma força e clareza que seu objetivo é a proteção da natureza. Nem
dando origem assim, às políticas públicas ambientais. mais, nem menos. Mas com o decorrer do tempo, com a aparição dos conceitos de ecodesenvolvimento, e
sobretudo, o de desenvolvimento sustentável, as definições do termo mudaram muito e foram ampliadas
Os fatores geradores de uma crise socioambiental global, responsáveis por inibir e interferir de forma acentuada para incluir áreas onde a exploração dos recursos naturais é cada vez mais intensa e a presença humana é
a razão de sua existência”.
no funcionamento de sistemas ecológicos sustentadores da vida sobre a terra estão em muitos casos associados à de-
gradação generalizada dos solos, das águas, do ar, entre outros. A crise pode ser classificada como: global, uma vez que
atinge a biosfera como um todo; acelerada e crescente, assumindo proporções globais com a revolução industrial e acele-
Milano (2002) concluí que:
rando no após-guerra; irreversível, na medida em que esgota a capacidade de carga ou suporte de inúmeros ecossistemas;
ameaçadora, sendo cada vez mais capaz de destruição; reforçadora de desigualdades sociais e entre nações; e causadora “As UC existem para proteger a natureza, na sua maior amplitude possível, da sistemática agressão hu-
mana, seja esta decorrente de processos arcaicos ou tradicionais; ainda que para beneficio da própria hu-
de impactos socioculturais de grandes proporções, atingindo com maior intensidade camadas sociais mais fragilizadas
manidade. Também, as UC não foram pensadas e nem foram criadas para promover o desenvolvimento,
e periféricas (NUPAUB, data). ainda que, como consequência de sua existência com bom manejo, possam propiciá-lo. E isto não pode ser
esquecido, porque é a essência e os motivos da sua existência”.
As diferentes sociedades estabelecem suas diferentes formas de relação com a natureza. Silva (1996) comenta
que um dos primeiros passos do homem para a preocupação com a natureza foi o de proteger os animais de caça, o que
não seria suficiente em comparação à depredação do homem ao longo dos tempos. Dourojeanni & Pádua (2007) apre- Diegues (2004, p. 9) em oposição às noções trabalhadas por Dourojeanni & Pádua e Milano, faz críticas às áreas

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protegidas brasileiras, em particular as de proteção integral, apontando para uma possível crise uma vez que estas sofrem República Federativa do Brasil de 1988 diz em seu Art. 1º, parágrafo único que “todo poder emana do povo, que o exerce
com processos de invasão e degradação. Esta crise estaria ainda associada à falta de dinheiro para desapropriação, a falta por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”.
de investimento público, de fiscalização, de informação ao público, etc. Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
“O fato das legislações considerarem ilegal a existência de moradores no interior de UC de proteção e do Distrito Federal, constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I.
integral, por si só, é fator de conflitos entre outras populações e as áreas protegidas. [...] Existem ainda A soberania; II. A cidadania; III. A dignidade da pessoa humana; IV. Os valores do trabalho e da livre
habitantes que residem em áreas contíguas às UC, as chamadas áreas de entorno, e que se utilizam de seus iniciativa; V. O pluralismo político. Parágrafo Único: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio
recursos naturais, de maneira regular ou não. Há ainda o caso das populações que vêm das cidades pró- de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição (Constituição da República
ximas, ou mesmo afastadas, mas que fazem uso da UC (espaço, recursos naturais, turismo), que também Federativa do Brasil, 1988).
provocam impacto nas Unidades, gerando conflitos”.

Mas apesar desse direito estar previsto legalmente, no Brasil e no Mundo, o que se observa na prática é que
essa participação da população nas decisões do país acaba ficando muito aquém das possibilidades porque a população
Adams (2000, p. 154), salienta a importância da compreensão das temporalidades que influenciam a cultura das desconhece seus direitos e deveres ou ignora o poder que a sua participação pode ter na mudança social.
populações. Tratando especificamente da população caiçara, Adams diz que “não se discute a origem das populações
caiçaras sob uma perspectiva histórica, diacrônica, o que resulta na desconsideração de que os caiçaras pescadores arte- De fato, segundo Toro & Werneck (2004) a participação social é uma das estratégias para solucionar problemas
sanais e embarcados surgiram a partir dos lavradores pescadores, e somente após as mudanças ocorridas entre as décadas e conquistar melhores condições de vida para todos. Segundo esses autores, para fortalecer a participação social é neces-
de 1930-50”. E destaca: “... um dos fatores que preocupam é a afirmação de certos aspectos a partir de análises sem sário estimular a mobilização social que é:
contextualizações temporais e sincrônicas, que acabam por desconsiderar os processos de transformações culturais pelos “o ato de convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um
quais as populações passam”. Exemplificando, Sanches (1997) diz não ser possível afirmar que o manejo tradicional sentido também compartilhado” (Toro & Werneck, 2004).
caiçara garanta a diversidade ecológica com base nos estudos até hoje realizados.

De fato, apenas parte-se do pressuposto não testado nem comprovado de que sim, fundamentalmente quando o No entanto, cabe salientar que mobilização social é uma escolha e que a participação social é um ato de liber-
modo de ser e fazer do caiçara é grosseiramente contraposto a avassaladora destruição causada pelos grandes empreen- dade. Essa decisão depende essencialmente das pessoas se verem ou não responsáveis e como capazes de provocar e
dimentos do agronegócio, da indústria ou da infraestrutura de transporte. construir mudanças. Nesse ponto, o educador Paulo Freire define empoderamento como sendo a propriedade de uma
Cabe ressaltar a visão que Brito (2000, p.15) apresenta em seu trabalho, onde cada país em decorrência de suas pessoa ou grupo de pessoas, ou ainda, instituição que:
especificidades políticas, econômicas, culturais, e de recursos naturais que possuí, tem formas diferenciadas de entender “realiza, por si mesma, as ações e mudanças que levam a evoluir e se fortalecer. Empoderamento implica
quais devem ser os objetivos de conservação da natureza. Concordando e ampliando essa visão, temos que em um único em conquista, avanço e superação por parte daquele que se empodera (sujeito ativo no processo) e não
uma simples doação ou benevolência que transforma o sujeito em objeto passivo. Não é um movimento
país de dimensões continentais como Brasil, onde estão representados sete biomas (Floresta Amazônica, Caatinga, Cer- que ocorre de fora para dentro, mas sim internamente, pela conquista” (Freire, 1992).
rado, Pantanal, Floresta Atlântica e Campos Sulinos) e toda a vida que eles abrigam, incluindo-se aí as vidas humanas
com seus traços culturais, sociais, econômicos e políticos variáveis nas escalas temporal e espacial, estabelecer priorida-
des e objetivos de conservação da natureza comuns aos diferentes atores sociais parece ser uma meta intangível. A construção democrática e participativa responsável pela abertura do Estado a um conjunto de organizações
Portanto, a própria variação de conceitos, objetivos, noções e práticas gera um quadro de diferentes relações sociais, admitindo a tensão política como método decisório, e diluindo, na medida do possível, as práticas autoritárias e
sociais, o que por sua vez se configura como um quadro geral de conflitos socioambientais no contexto da conservação patrimonialistas, configuram uma nova esfera pública que incide sobre o estado (JACOBI, 2003). Para o autor os princi-
da natureza (e das Unidades de Conservação) no Brasil e no Mundo. pais exemplos disso estão nos conselhos gestores de políticas públicas – saúde, educação, assistência social – que apon-
tam para existência de um espaço público de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil de natureza
deliberativa. Jacobi (2003) destaca ainda na política ambiental o surgimento e fortalecimento de numerosos conselhos,
consultivos e deliberativos, em várias áreas em todos os níveis (federal, estadual e municipal) com a participação ativa
3.2 A participação social
de representantes de ONGs e movimentos sociais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) coloca que é um direito da pessoa humana a par-
Especificamente no contexto das UC o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei federal Nº
ticipação nas decisões do seu país, diretamente ou através de representantes eleitos. Da mesma forma a Constituição da

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9.985 de 18 de julho de 2000, estão previstos mecanismos de consulta e participação. “A representação dos órgãos públicos e da sociedade civil nos conselhos deve ser, sempre que possível,
paritária, considerando as peculiaridades regionais” (BRASIL. Decreto nº 4.340, 2002, art.17).
Este sistema é constituído por um conjunto de UCs Federais, Estaduais e Municipais. Este conjunto é formado
por diferentes categorias de proteção que compõem dois grupos com características específicas. O primeiro grupo das
UC de “proteção integral”, Estações Ecológicas, Reservas da Biosfera, Parque Nacionais, Monumentos Naturais e Re- A categoria deveres traz complementos importantes para estas estruturas da categoria representação, por exem-
fúgios da Vida Silvestre, tem em comum o objetivo básico a preservação da natureza. O segundo grupo das UC de “uso plo, quando traz que a gestão deve:
sustentável”, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrati- “Prestar apoio à participação dos conselheiros nas reuniões, sempre que solicitado e devidamente justifi-
vista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural, buscam cado. Parágrafo único. O apoio do órgão executor indicado no inciso II não restringe aquele que possa ser
compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (BRASIL. Lei nº prestado por outras organizações”. (BRASIL. Decreto nº 4.340, 2002, art. 19).

9.985, 2000, art.7).

Partindo da unidade de análise “Participação Social” identificamos para o texto do SNUC nove categorias: Res- Assim como está assegurada na categoria direitos a participação de populações residentes nos processos de
trição; Acesso; Regulação; Conciliação; Mecanismos; Poder de decisão; Comunicação; Deveres; e direitos. Já o mesmo elaboração, atualização e implementação do plano de manejo no caso das Reservas Extrativistas, das Reservas de De-
processo aplicado ao texto do Decreto que regulamenta o SNUC permitiu a identificação de seis categorias: Regulação; senvolvimento Sustentável, das Áreas de Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de
Mecanismos; Poder de decisão; Comunicação; Deveres; e representação. Relevante Interesse Ecológico.

Pudemos perceber que as categorias Restrição e Acesso relacionam-se respectivamente a limitação de acesso e Por fim a categoria comunicação traz elementos importantes para se pensar as relações entre gestores e popula-
uso de recursos naturais e espaços ou a possibilidade de manejo dos mesmos. A categoria Mecanismos agrupou textos ções. Por exemplo:
que organizam e sistematizam estruturas de participação sejam de processos de gestão, ou até mesmo na criação das UC. “Compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos
Um exemplo disto é o trecho que se refere ao processo de consulta pública para criação das UC: preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos
necessários à criação da unidade” (BRASIL. Decreto nº 4.340, 2002, art. 4).
“A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas
de oitiva da população local e de outras partes interessadas” (BRASIL. Decreto nº 4.340, 2002, art. 5).

Este processo poderia se fosse de fato executado em todos os casos, no mínimo auxiliar a minimizar possíveis
A categoria regulação deu destaque a informações relacionadas ao plano de manejo. Tal destaque pode se justi- conflitos entre UC e populações.
ficar pelo fato de que o plano de manejo se constitui como o principal instrumento de regulação do uso dos espaços nas O que devemos questionar em certa medida é a efetividade das estruturas na prática, mais especificamente a dos
UC. Este resultado pode parecer óbvio , mas a questão é: podemos afirmar que estruturalmente as formas de regulação conselhos gestores, principal espaço para efetivação da participação social no contexto da gestão de áreas naturais prote-
vão ser efetivamente construídas a partir da elaboração dos planos de manejo a partir da realidade e contexto de cada UC. gidas no Brasil.
Sendo assim se as UC não apresentarem seus planos de manejo as formas de regulação acabam sendo genéricas e pouco
efetivas em contextos mais específicos. As definições para criação dos conselhos gestores, previstos pela lei como mecanismo de gestão para as UC
se configuram como ponto de destaque. Neste sentido cabe aos conselhos acompanhar a elaboração, implementação e
A categoria conciliação pode ser identificada apenas no texto do SNUC, porém evidencia a aproximação dos ob- revisão dos planos de manejo3 da UC, esforçar-se para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais rela-
jetivos das UC a ideia de uso sustentável. Característica essencial para qualquer noção de desenvolvimento de atividades cionados com a UC, e o mais importante do ponto de vista deste trabalho, propor diretrizes e ações para compatibilizar,
que possam conciliar conservação de desenvolvimento sociocultural e econômico de qualquer população. integrar e otimizar as relações com a população do entorno ou do interior da UC.
Poder de decisão foi a categoria que trouxe as estruturas dos textos do SNUC e do Decreto que evidenciam a É possível identificar mecanismos de participação dentro do contexto das unidades de conservação, porém as
possibilidade de decidir, aprovar, gerir. Ou seja, existem sim na legislação referências a possibilidade de gestão das UC dinâmicas de conflito se estabelecem cada vez com mais força, como pudemos tratar na seção anterior deste trabalho. Dis-
por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade.
3 Planos de Manejo promovem a integração da unidade de conservação à vida econômica e social das comunidades vizinhas, pois é um
Ressaltamos também a categoria representação identificada apenas para o texto do Decreto, uma vez que esta documento que não se limita a discutir somente o interior da área, mas também o seu entorno. É elaborado essencialmente para estabelecer o
zoneamento e as normas que devem presidir o uso da unidade de conservação e o manejo de seus recursos naturais. A sociedade participa de sua
faz referência às formas, estruturas e mecanismos de representação dos atores sociais, por exemplo: elaboração, revisão e implementação, por meio do conselho gestor (MMA, 2011).

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cutir as formas de representatividade nestes espaços previstos por estes mecanismos pode ser uma das alternativas para Relatos sobre observações em conselhos: reunião no centro das cidades, longe das comunidades, dificuldade
que se possa entender um pouco melhor o porquê da ineficiência destes mecanismos de participação. Segundo Avritzer com transporte, alimentação no dia da reunião, uso de Datashow, predomínio da linguagem escrita em detrimento do diá-
(2007) podemos ter distintas formas de representação na política contemporânea, classificadas por tipo de representação logo, o público dando uma de privado, defendendo interesses do setor privado, ONGs que manipulam as comunidades,
a partir da relação com o representado, forma de legitimidade da representação e sentido da representação conforme a representantes que não representam suas comunidades, mas sim seus próprios interesses, falhas de comunicação entre
figura 1 do próprio autor. gestão da UC e conselho, entre conselheiros e comunidade, são características do funcionamento dos conselhos que tem
dificuldade e inviabilizado a efetiva participação social.
Para o autor a questão colocada pela política contemporânea deve ser: a redução da preocupação com a legiti-
midade dessas novas formas de representação e o aumento da preocupação sobre de que modo elas devem se sobrepor Por fim torna-se importante ressaltar que o atual contexto de precarização das UC no país que apresenta um
em um sistema político regido por múltiplas soberanias. Assim para Jacobi (2003): quadro de analistas insuficiente, baixo repasse de orçamento, ausência de planos de manejo e também documentos in-
“A participação assume um papel cada vez mais relevante na denúncia das contradições entre os inte- capazes de serem postos em prática bem como na crítica as UC feita por Diegues aqui já apresentada em que há falta de
resses privados e os interesses públicos na construção de uma cidadania ambiental que supere a crise de dinheiro para desapropriação, falta de investimento público, de fiscalização, de informação ao público, podem ser a causa
valores e identidade e proponha uma outra, com base em valores de sustentabilidade. Isto potencializa a do enfraquecimento e precarização das condições de efetivação dos espaços dos conselhos e dos processos de gestão das
ampliação da consciência ambiental e sua tradução em ações efetivas de uma população organizada e in-
formada de maneira correta, que está preparada para conhecer, entender, reclamar seus direitos e também equipes das UC.
para exercer sua responsabilidade. Pessoas cidadãs críticas e conscientes compreendem, se interessam,
reclamam e exigem seus direitos ambientais junto ao setor social correspondente e, por sua parte, estão
dispostas a exercer sua responsabilidade ambiental. Uma sociedade civil organiza e participa da direção
de sua própria vida, e isto permite que as pessoas adquiram um poder político e a capacidade de produzir REFERÊNCIAS
mudanças”.
ADAMS, C. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem: a necessidade de uma nova abordagem disciplinar.
Revista de Antropologia, vol 43(1): 145-182, 2002.

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BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Fe-
deral, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF. Publicado no D.O. de 19.7.2000.
Portanto aqui chegamos ao ponto que gostaríamos, o de pensar sobre a necessidade de discutir a efetividade da
conservação a partir do SNUC sob o ponto de vista da possibilidade de participação social nos processos de gestão das _______. Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002.
Regulamenta artigos da Lei n   9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
o
UC que não se efetiva. Segundo Jacobi (2003) os mecanismos de participação aumentaram muito nos últimos 10 anos,
Natureza - SNUC, e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF. Publicado no D.
mas ainda não fazem diferença. Apesar de terem democratizado, os mecanismos são mal aproveitados pela população, O. de 23.8.2002.
como no caso das audiências públicas. Porém atribuir a ineficiência destes mecanismos de participação somente à so- _______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
ciedade pode ser um equívoco e não é o que pretendemos e nem o autor. Segundo ele ainda é necessário incrementar os Gráfico, 1988.
meios de acesso à informação, assim como o papel indutivo que o poder público deve ter na oferta de conteúdos infor-
BRITO, M. C. W. de. Unidades de Conservação: intenções e resultados. São Paulo: Annablume, 2000.
macionais e educativos.
DEAN, W. A ferro e fogo: a historia e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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JACOBI, Pedro Roberto. Espaços públicos e práticas participativas na gestão do meio ambiente no Brasil. Sociedade e RESUMO
Estado, Brasília, v. 18, n. 1-2, Dec. 2003.
O litoral do Paraná é uma região reconhecida não apenas por estar integralmente inserido dentro do Bioma Mata Atlân-
LITTLE, P. E. Territórios Sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialiedade. Brasília: tica, mas também por integrar uma das maiores áreas florestais contínuas deste ameaçado bioma, considerada hotspot de
Série Antropologia, 2002. biodiversidade. Por estes motivos tem sido considerado área prioritária para conservação e ao longo dos últimos 40 anos
diversas iniciativas de conservação foram realizadas e hoje em 5.231 km2 existem 32 unidades de conservação da natu-
MEDEIROS, R. Evolução das tipologias e categorias de áreas protegidas no Brasil. Ambiente & Sociedade, 9(1): reza (UC) de diversas categorias de manejo. Este estudo buscou analisar a representatividades destas UC de acordo com
41-64, 2005. a proteção integral, o uso sustentável e as categorias de manejo e também dois quesitos considerados essenciais para a
gestão destes espaços: o plano de manejo e o conselho gestor. Observamos que a ausência destes instrumentos de gestão
MMA. Informe nacional sobre áreas protegidas no Brasil. 2ed. Brasília: 2007.
está fortemente relacionada com a existência de conflitos ambientais na região, e que estes se intensificam a medida que a
_____. O Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza. Cadastro Nacional de Unidades de Conserva- região litorânea tem sido cobiçada para a realização de empreendimentos de infraestrutura de grande impacto ambiental.
ção/MMA. Disponivel em: www.mma.gov.br/publicacoes. A aparente proteção ambiental esconde um cenário de extrema vulnerabilidade quanto a manutenção do provimento dos
serviços ecossistêmicos para sua crescente população.
MILANO, M. S. Porque existem as unidades de conservação? In:  Unidades de Conservação: atualidades e ten-
dências. Org. Miguel Serediuk Milano. Curitiba: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2002. p. 193 a 208.
MILANO, M.; TAKAHASHI L.; e Nunes M. (orgs) A Ocupação do Território Brasileiro e a Conservação dos Re- Palavras-chave: mata atlântica; unidades de conservação; litoral do Paraná; conflitos ambientais
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The Paraná coast is a region known not only be fully inserted within the Atlantic Forest biome, but also to integrate one
OLIVEIRA, Vanessa E. As fases do processo de políticas públicas. In: MARCHETTI, V. (Org). Políticas Públicas em of the largest continuous forests of this threatened biome, considered biodiversity hotspot. For these reasons it has been
debate. São Bernardo do Campo: ABCD Maior, UFABC, 2013. considered a priority area for conservation and for the past 40 years several conservation initiatives were carried out in
5231 km2 and today there are 32 nature conservation units (UC) of the various management categories. This study aimed
SILVA, L. L. da. Ecologia : manejo de areas silvestres. Santa Maria (RS): UFSM. Centro de Pesquisa Florestal, 1996. to analyze the representativeness of these UC according to strict protection, sustainable use and management categories
and also two questions considered essential to the management of these spaces: the management plan and the manage-
SANCHES, R. A. Caiçaras e a Estação Ecológica de Juréia-Itatins: Litoral Sul São Paulo. Rosely Alvim Sanches.
ment council. We note that the absence of these management tools is strongly related to the existence of environmental
São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.
conflicts in the region, and they are intensified to as the coastal region has been coveted for conducting environmental
SOUZA, Celina. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In: HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta e impact of large infrastructure projects. The apparent environmental protection hides an extreme vulnerability scenario as
MARQUES, Eduardo (Org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. to maintain the provision of ecosystem services for its growing population.

THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Keywords: Atlantic Forest; protected areas; coast of Paraná; environmental conflicts

1 Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável, Setor Litoral. liliani@ufpr.
br

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Introdução Consideramos os dispositivos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei No 9.985 de 18 de
julho de 2000 e Decreto No 4.340 de 22 de agosto de 2002) para definir que Plano de Manejo é “o documento técnico me-
O litoral do Paraná ocupa uma área de 5.231km2 integralmente inserido no bioma Mata Atlântica, caracterizado
diante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as
por suas diversas fisionomias vegetais em grande parte florestais e também por existir em ambientes com grandes varia-
normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas
ções, desde planícies ao nível do mar até encostas íngremes da Serra do Mar. Entre ambientes naturais biodiversos de
necessárias à gestão da área” (SNUC, Artigo 2, XVII).
extremo valor ecológico e as paisagens modificadas historicamente, vivem cerca de 265.362 habitantes em sete municí-
pios com populações entre 7.000 habitantes em Guaraqueçaba até 140.450 em Paranaguá1. Estes habitats, assim como a Já a definição dos Conselhos Gestores de Unidades de Conservação segue a proposição da Instrução Normativa
região como um todo possuem diversas características sociais e culturais, são desde lavradores e lavradoras de terra que N 09/2014 do ICMBio, segundo a qual é uma “instância colegiada formalmente instituída por meio de Portaria do Pre-
o

utilizam modos tradicionais de cultivo em ambientes rurais com muitos elementos naturais, são pescadores e pescado- sidente do Instituto Chico Mendes, cuja função é constituir-se em um fórum democrático de diálogo, valorização, parti-
ras artesanais que vivem próximos ou muito distantes de centros urbanos até comerciantes e industriais que vivem em cipação e controle social, debate e gestão da Unidade de Conservação, incluída a sua zona de amortecimento e território
ambientes urbanos. A economia regional é diferenciada em cada município, mas pode ser simplificada pelas principais de influência, para tratar de questões ambientais, sociais, econômicas e culturais que tenham relação com a Unidade de
formas atuais do uso do solo costeiro: portuário, agrícola, turístico e destinado a conservação dos ecossistemas e sua Conservação” (Capítulo I, Artigo 2o, I).
biodiversidade.
Resultados
Estas paisagens representam os últimos remanescentes contínuos de floresta atlântica costeira do Brasil e ainda
encontram-se relativamente bem conservados graças às características geomorfológicas regionais e a presença de Uni- O litoral do Paraná possui atualmente 32 Unidades de Conservação distribuídas em diversas categorias de mane-
dades de Conservação. Figuram também entre os principais hotspots de biodiversidade do leste do Brasil e se integram jo, conforme pode ser observado no Anexo 1. Juntas, estas áreas permitem a proteção de 930.262,89 hectares da Mata
ao Complexo Estuarino Lagunar Iguape-Cananéia-Paranaguá, considerado uma das maiores áreas de manguezais do Atlântica Costeira.
planeta formando o Mosaico de Áreas Protegidas do Lagamar.
No entanto, quando consideramos que os dois grandes agrupamentos de unidades de conservação, Proteção In-
Foi justamente devido a estas singularidades que diversas iniciativas de conservação começaram a ser conduzidas tegral e Uso Sustentável, permitem diferentes abordagens de conservação, não é mais possível utilizar-se de distorções
a partir da década de 1980 na região, quando iniciou-se o processo de criação de Unidades de Conservação no litoral. para considerar que todo o litoral do Paraná é protegido. Neste caso, um olhar mais atento facilmente detecta que 16 das
Este é o foco deste trabalho, que objetivou analisar algumas informações sobre as UC da região e a implementação de UC criadas no litoral do Paraná são de proteção integral, grupo que abrange as unidades de conservação mais restritivas
dois instrumentos de gestão de unidades de conservação, considerados básicos: o plano de manejo e o conselho gestor, quanto ao uso do solo e dos recursos naturais, são elas as estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, mo-
seja ele consultivo ou deliberativo, de acordo com a categoria de manejo da unidade. Consideramos que estes dois instru- numento naturais e refúgios de vida silvestre. Estas UC são responsáveis pela proteção de 176.662,37 hectares. Já aquelas
mentos, garantidos por lei, quando presentes na estrutura gerencial das UC tem influência sobre os conflitos ambientais UC que permitem o uso sustentável dos recursos representam outras 16 das UC locais, sendo elas representadas pelas
e podem ser utilizados na mediação dos mesmos. Porém outros elementos se imbricam neste emaranhado e complexo áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, floresta estadual e reservas particulares do patrimônio
sistema sociobiodiverso. natural, protegendo um total de 498.438,94 hectares de terras no litoral (Figura 1).

Métodos

Avaliamos algumas variáveis relacionadas às UC do litoral do Paraná, como área, representatividade e categorias
de manejo. Também observamos o nível de implementação de todas as Unidades de Conservação particulares, estaduais
e federais presentes no litoral do Paraná em relação a presença ou ausência de plano de manejo e de conselho gestor.
Utilizamos como base de dados as informações disponíveis nos órgãos oficiais de gestão das Unidades de Conservação,
quais sejam o Instituto Ambiental do Paraná (IAP/DUC – Departamento de Unidades de Conservação), no âmbito esta-
dual e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no âmbito federal. Também nos valemos
de visitas em campo, conversas informais com gestores, participação em reuniões técnicas e em reuniões de conselhos
gestores de UC localizadas no litoral do Paraná. De forma complementar foram consultadas leis, instruções normativas
e roteiros metodológicos relacionados.

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Figura 1: Representatividade das UC do Litoral do Paraná em relação ao tamanho da área de proteção (hectares). PI Est = Proteção Integral Es- Figura 3: Área de proteção em hectares das diferentes categorias de manejo das Unidades de Conservação existentes no litoral do Paraná (APA
tadual; PI Fed = Proteção Integral Federal; US Est = Uso Sustentável Estadual; US Fed = Uso Sustentável Federal; RPPN = Reserva Particular = Área de Proteção Ambiental; PARQUE = PARQUE; AEIT = Área de Especial Interesse Turístico; REBIO = Reserva Biológica; RPPN =
do Patrimônio Natural. Reserva Particular do Patrimônio Natural; ESEC = Estação Ecológica; FLO = Floresta).

De todas estas categorias mencionadas, no litoral paranaense existem três categorias de proteção integral (Parque, Aqui é importante fazer uma ressalva em relação a categoria definida como APA, uma vez que elas incorpo-
Estação Ecológica e Reserva Biológica) e quatro categorias de uso sustentável (Área de Proteção Ambiental, Área de Es- ram terras públicas e/ou privadas, ou seja, dentro dos limites de uma APA podem existir Parques, Reservas Biológicas,
pecial Interesse Turístico, Floresta Estadual e Reserva Particular do Patrimônio Natural) o que representa um complexo Estações Ecológicas, RPPN, empreendimentos do setor produtivo como latifúndios agrosilvopastoris, psicultturas e
sistema de gestão, maior ainda quando consideramos que estas UC estão dispersas em três instâncias gerenciais: a esfera indústrias, empreendimentos do setor energético e de infraestrutura como ,usinas hidrelétricas, termoelétricas, rodovias,
pública federal, a estadual e a esfera privada (Figura 2). ferrovias, aeroportos, portos, além de áreas urbanizadas.

Estes detalhamentos relacionados às categorias de manejo são fundamentais para se por fim a confusão que ge-
ralmente se faz, e não sem razão, especialmente entre os moradores destas áreas e de seus entornos mas também entre
pesquisadores da comunidade científica que, desatentos aos diferentes tipos de uso e restrições que cada grupo de UC
permite, acabam generalizando todas as diferentes formas que no Brasil existem para se gerir estas áreas. Alguns autores
que tratam desta questão são Andriguetto-Filho et al. (2006), Pierri et al. (2006), Teixeira & Limont (2007) e Kasse-
boehmer (2007). No litoral do Paraná é perceptível a baixa representatividade de unidades de conservação de categorias
restritivas (Figuras 1 e 3), aquelas do grupo de proteção integral, cujo objetivo básico, segundo o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (Lei Federal No 9985 de 18 de julho de 2000) é preservar a natureza, sendo admitido apenas o
uso indireto dos seus recursos naturais. Ao passo que as Unidades de Uso Sustentável representam a maior parte das áreas
protegidas e possuem como objetivo a compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos
seus recursos naturais.
Figura 2: Número de Unidades de Conservação no Litoral do Paraná em cada categoria de manejo (PARQUE = PARQUE; RPPN = Reserva
Particular do Patrimônio Natural; ESEC = Estação Ecológica; APA = Área de Proteção Ambiental; REBIO = Reserva Biológica; FLO = Flo- Também podemos nos atentar ao fato de que grande parte das UC de Proteção Integral estão localizadas em áreas
resta; AEIT = Área de Especial Interesse Turístico). íngremes, nas encostas de montanhas da Serra do Mar, locais de difícil acesso até mesmo para se fiscalizar as áreas e é
importante que assim seja, uma vez que estas áreas são consideradas de risco e mesmo antes da proteção oferecida pelo
Em relação ao tamanho de área das UC, percebe-se que as APA representam as maiores áreas de proteção, segui- SNUC, já contavam com proteção especial dada pelo Código Florestal (Lei Federal No 4771 de 15 de setembro de 1965).
das dos parques, AEIT, das Reservas Biológicas e das RPPN, com pouca representatividade das Estações Ecológicas e São nestas áreas que concentram-se as nascentes dos principais cursos d’água que formarão os grandes rios da planície
de Florestas (Figura 3). litorânea, como o rio Cubatão e Canasvieiras em Guaratuba, o rio Cambará e Guaraguaçu entre Matinhos e Paranaguá,
o rio Nhundiaquara em Morretes, Cachoeira em Antonina, Tagaçaba em Guaraqueçaba, só para citar alguns exemplos. A
proteção integral destas áreas é mais do que justificada, não apenas pelas suas características ecológicas e sua biodiversi-
dade mas também como provedora de serviços ecossistêmicos para todo o litoral do Paraná, entre os quais destacamos o
provimento hídrico e também a proteção territorial contra desastres naturais, como por exemplo aqueles provocados pelo
excesso de chuvas, deslizamentos, descolamento do solo, escorregamentos, mas tantos inúmeros outros conforme tem se
observado nas publicações sobre o tema (Daily, 1997; Daily et al., 2000; Costanza et al., 1997; De Groot et al., 2002).

Já as Unidades de Conservação de Uso Sustentável não possuem a mesma eficiência na proteção ambiental (ver
Firkowski, 2007), uma vez que diversos usos nela são consentidos, até mesmo usos completamente incompatíveis com
os objetivos de conservação, como por exemplo grandes áreas de monocultivos em encostas e nas margens de rios, com
aplicação de elevadas cargas de insumos químicos, como é o caso da APA de Guaratuba. Os conflitos ambientais que
envolvem Unidades de Conservação e os moradores das localidades onde estas estão presentes tem sido cada vez mais

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frequentes em diversas regiões do Brasil. Alguns dos autores que tem se dedicado a estes conflitos são Oliveira (2004), Nacional de Participação Social (PNPS), recém-instituída pelo Decreto N° 8.243/2014, tem como uma de suas diretrizes
Diegues (1999), Gomes et al. (2004), Guerra (2005), Brito (2008), Shiraishi & Drummond (2010), Camargo (2011); Tie- gerais o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia, objetivando a
polo (2015). Neste contexto é notável que as UC brasileiras possuem baixo nível de consolidação, abrangendo inúmeros consolidação da participação social como método de governança e conceitua os conselhos de políticas públicas como
problemas de gestão, entre os quais destacam-se sobreposição com terras indígenas, regularização fundiária, impactos instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo.
ambientais, infra-estrutura básica, quadro de funcionários precário, perda de biodiversidade, ausência de instrumentos de
O ICMbio atesta também que os Conselhos são considerados os principais instrumentos de relacionamento entre
gestão. Apesar de contar com um sistema nacional que as regulamenta, este é relativamente recente e não se percebem
as Unidades de Conservação e a sociedade, podendo ser consultivo ou deliberativo. Tem como objetivos promover a
muitos esforços governamentais em fazer com que as Unidades de Conservação cumpram definitivamente seu papel,
gestão compartilhada da UC, com ampla participação da sociedade. Também destaca que o Conselho deve ser composto
tema bastante debatido nos Congressos Brasileiros de Unidades de Conservação, além de outras tantas análises, como as
por representantes da sociedade e dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais. Sua criação se dá por meio de
de Terborgh et al. (2002), Dourojeanni & Jorge-Pádua (2007) e Medeiros et al. (2011).
Portaria publicada no Diário Oficial da União. Entre as competências do Conselho cabe elaborar seu regimento interno
No litoral do Paraná estes problemas não são diferentes da escala nacional, pelo contrário, há indicativos de que e plano de ação; acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da UC, garantindo seu caráter
são muito piores (Sezerino & Tiepolo, 2012). Aqui destacamos dois instrumentos básicos de gestão que tem influência participativo que busca integrar a UC com outras áreas protegidas bem como com o seu entorno. No caso das UC fede-
sobre quadros conflituosos que se instalam por toda a região: o plano de manejo e o conselho gestor. O que percebemos rais, o ICMBio possui a Instrução Normativa 09/2014 e o Guia para Conselhos e Gestores para orientar a formação e o
ao analisar as 32 unidades de conservação existentes no litoral do Paraná é um quadro gravíssimo de abandono, como funcionamento dos Conselho, seguindo diretrizes e normas. Talvez por ter já um boa caminhada estabelecendo diretri-
tem sido exposto por Tiepolo (2015). Apenas 14 UC possuem planos de manejo, sendo que sete são de Unidades de zes e normas para seu funcionamento, este instrumento de gestão não tem sido o maior dos problemas das UC federais
Conservação Estaduais, seis são de RPPN e apenas um é relativo a UC federal. Destaca-se que a maioria destes planos do Paraná, embora careçam de uma avaliação de efetividade e participação social. Ao apresentar o Guia de Gestores e
de manejo estão desatualizados. Quando olhamos para os dados relativos aos conselhos gestores a situação é muito pior: Conselheiros do ICMBio, João Arnaldo Novaes deixa claro que “Administrar áreas protegidas com participação social
nenhuma UC de proteção integral estadual o possui. Em relação às UC federais apenas quatro possuem, sendo três par- pressupõe legitimidade, transparência, legalidade e eficiência na gestão e os conselhos das Unidades de Conservação são
ques nacionais e a APA de Guaraqueçaba. fóruns de excelência para o alcance deste objetivo”.

Segundo o próprio ICMBio veicula, “o Plano de Manejo visa levar a Unidade de Conservação a cumprir com os A partir de todo o exposto podemos considerar que por trás de uma aparente proteção ambiental a partir do es-
objetivos estabelecidos na sua criação; definir objetivos específicos de manejo, orientando a gestão da Unidade de Con- tabelecimento de Unidades de Conservação ao longo destas últimas quatro décadas, o litoral do Paraná não é de fato
servação; promover o manejo da Unidade de Conservação, orientado pelo conhecimento disponível e/ou gerado.”. Ele protegido, pelo contrário, a maior parte das UC da região, sejam elas no âmbito estadual ou federal não possuem estru-
ainda: “estabelece a diferenciação e intensidade de uso mediante zoneamento, visando a proteção de seus recursos na- tura de gestão e não observam os dispositivos legais quanto aos instrumentos de gestão, ademais a maior parte da área
turais e culturais; destaca a representatividade da Unidade de Conservação no SNUC frente aos atributos de valorização de proteção. É representada por UC de Uso Sustentável, que não garantem efetividade na conservação. No caso das UC
dos seus recursos como: biomas, convenções e certificações internacionais; estabelece normas específicas regulamen- estaduais a situação é sabidamente muito mais grave pois sequer contam com gestores ou analistas ambientais em seus
tando a ocupação e o uso dos recursos da Unidade de Conservação, zona de amortecimento e dos corredores ecológicos; quadros, o que acaba agravando ainda mais o já precário quadro de conservação da biodiversidade da região. Já as UC
reconhece a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural das populações tradicionais e seus sistemas federais, embora um pouco melhor estruturadas quanto ao seu quadro de pessoal, encontram barreiras significativas para
de organização e de representação social”. a elaboração de seus planos de manejo. Muito disso devido ao caráter demasiadamente complexo que o próprio ICMBio
vem adotando para sua confecção, ao deixar de lado a principal característica deste documento, a sua dinamicidade e
De acordo com o SNUC todas as UC devem dispor de um Plano de Manejo, que deve abranger a área da UC, permanente atualização.
sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com fim de promover sua integração à vida
Ao considerar as diversas características físicas e biológicas que agem sobre o litoral, em especial o clima, o rele-
econômica e social das comunidades vizinhas (Artigo 27, § 1). É ainda prerrogativa legal de que o plano de manejo seja
vo, a rede hídrica e a cobertura florestal, é notável que o litoral do Paraná apresenta-se extremamente vulnerável quanto a
elaborado no prazo de cinco anos a partir de sua criação (§ 3o) e periodicamente revisados e atualizados.
conservação da sua biodiversidade e manutenção dos serviços ecossistêmicos para a população dos sete municípios. Haja
Em relação aos Conselhos Gestores, a Lei N° 9.985/2000 estabelece a necessidade de criação de Conselhos na visto que inúmeras obras de elevado impacto ambiental estão sendo licenciadas pelos órgãos ambientais, notavelmente
gestão de Unidades de Conservação. Já o Decreto N° 4.340/2002 estabelece a forma de composição e de representação o IAP, muitas das quais polêmicas e até mesmo com irregularidades processuais que invalidam os estudos de impacto
destes Conselhos, bem como define suas competências. O próprio ICMBio considera que “cada Conselho constitui um ambiental (como exemplo citamos a licença ambiental para ampliação de terminal de fertilizantes particular no Porto de
fórum de excelência para promover o diálogo permanente com a sociedade e construir com as comunidades e demais ato- Paranaguá). Também percebemos que a consequência mais nítida deste quadro de abandono e precarização das UC que
res locais a solução para os desafios a serem enfrentados pela gestão das Unidades de Conservação.” Para além, a Política aflige o litoral do Paraná afeta diretamente a população da região, que não consegue enxergar perspectivas de desenvol-

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vimento a partir das UC, pelo contrário, ao serem excluídas da construção coletiva, da participação e do protagonismo Kasseboehmer, A. L. 2007. Restrições e impactos da legislação ambiental aplicada no Município de Guaraqueçaba,
social na gestão de nossas áreas protegidas, pouco interesse manifestam pela promoção da efetiva conservação da biodi- Paraná. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Pós-graduação em Engenharia Florestal, Curitiba,
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Parque Estadual da Graciosa 1990 1.189,58 Morretes N N
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Parque Estadual do Boguaçu 1998 1
6.660,64 Guaratuba N N
ICMBio: Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade. 2014. Conselhos Gestores de Unidades de Con- Parque Estadual do Pau Oco 1994 905,58 Morretes N N
servação Federais: um guia para gestores e conselheiros. Coordenação de Gestão Participativa, 76p. Parque Estadual Pico do Marumbi 19902 8.745,45
Piraquara, Quatro Bar-
S N
ras, Morretes

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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Campina Grande do DISPUTAS E LÓGICAS DE USO DO PARQUE NACIONAL MARINHO DAS ILHAS DOS CURRAIS, ESTA-
Parque Estadual Pico Paraná 2002 4.333,83 N N
Sul, Antonina DO DO PARANÁ
Parque Estadual Roberto Ribas Lange 1994 2.698,69 Antonina, Morretes N N
Parque Estadual do Rio da Onça 19813 118,51 Matinhos S N
Estaduais de Uso Sustentável – Área Total: 458.455 ha
Antonina, Morretes, Ana Clara Giraldi-Costa1; Afonso Takao Murata
São José dosPinhais,
AEIT do Marumbi 1984 66.732,99 Piraquara, Quatro Bar- S N
ras, Campina Grande
do Sul RESUMO
APA Estadual de Guaraqueçaba 1992 191.595,50 Guaraqueçaba N N
Historicamente o estabelecimento de unidades de conservação de proteção integral, como os parques, tem dado margem
Guaratuba, São José a complexas situações de conflitos ambientais, ora pela realocação das populações residentes em tais áreas, ora pela
dos Pinhais, Tijucas restrição ao acesso e uso costumeiro dos recursos naturais contidos nela. Nesse universo, a criação do Parque Nacional
APA Estadual de Guaratuba 1992 199.596,51 S S
do Sul, Morretes, Ma- Marinho das Ilhas dos Currais no Estado do Paraná no ano de 2013 gerou dúvidas, disputas de lógicas e usos. Diante
tinhos desse cenário, este artigo faz uma análise dos principais atores sociais envolvidos com o PARNA Currais e suas percep-
Floresta Estadual do Palmito 1998 530,00 Paranaguá N N ções sobre os conflitos gerados com a criação da unidade, trazendo o discurso do autor do projeto de lei, o ICMBio, e
RPPN Cadastro Estadual – Área Total: 11.481,54 ha os pescadores artesanais do município de Matinhos, que utilizam tradicionalmente os recursos pesqueiros do perímetro
RPPN Reserva Natural Morro da Mina 2003 1.336,19 Antonina S N do parque. Os dados empíricos apresentados foram coletados a partir de entrevistas com os envolvidos e partindo dos
RPPN Reserva Natural Águas Belas 2004 508,20 Antonina N N pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa participante (PP). A partir dos dados obtidos pode-se dizer que a
RPPN Vô Borges 2007 21,50 Morretes N N criação do parque trouxe conflitos para a comunidade de pesca pela falta de participação das pessoas e instituições no
RPPN Reserva Natural Rio Cachoeira 2007 4.292,88 Antonina S N processo de criação da unidade, e pela restrição ao uso e acesso costumeiro dos recursos pesqueiros. Os diferentes atores
RPPN Reserva Natural Serra do Itaqui 2007 3.526,87 Guaraqueçaba S N têm posicionamentos divergentes sobre esses conflitos, sendo que essas divergências são os motivos que caracterizam o
RPPN Reserva Natural Serra do Itaqui 1 2007 392,37 Guaraqueçaba S N quadro conflituoso.
RPPN Reserva Natural Fazenda Santa Maria 2011 400,27 Antonina N N
RPPN Reserva Natural Serra do Itaqui II 2011 984,93 Guaraqueçaba S N
RPPN Encantadas 2014 18,33 Antonina N N Palavras-chave: Percepção ambiental. Atores sociais. Discurso. Unidades de conservação.
Federais Proteção Integral – Área Total: 148.281,56 ha
Estação Ecológica de Guaraqueçaba 1982 4.475,69 Guaraqueçaba N S
Parque Nacional do Superagüi 1989 33.860,36 Guaraqueçaba N S
Guaratuba, Morretes,
ABSTRACT
Parque Nacional Saint Hilaire-Lange 2001 25.118,90 N S
Matinhos e Alexandra
Historically the establishment of integral protection in the protected areas, such as parks, has given rise to complex situ-
Antonina, Guaraque-
Reserva Biológica Bom Jesus 2012 34.179,74 N N ations of environmental conflict, either by relocation of populations that living in these areas, either by restricting access
çaba, Paranaguá and customary use of natural resources contained therein. In this picture, the creation of the National Marine Park “Ilha
Guaratuba, Morretes, dos Currais”, Paraná state in 2013 has raised questions, logical disputes and uses. Against this backdrop, this article
Parque Nacional de Guaricana 2014 49.286,87 N N
São José dos Pinhais analyzes the main social actors involved with Currais National Marine Park and their perceptions about the conflicts
Parque Nacional Marinhos do Arquipélagos de generated by the creation of the unit, bringing the discourse of the bill’s author, ICMBio, and artisanal fishermen of the
2013 1.360,00 Pontal do Paraná N N
Currais Matinhos city, which are traditionally the fishing resources of the perimeter of the park. The empirical data presented
Federais Uso Sustentável – Área Total: 282.444,02 ha were collected from interviews with the actors and building on the theoretical and methodological principles of partici-
APA de Guaraqueçaba 1985 282.444,02 Guaraqueçaba S S patory research (PP).The data obtained it can be said that the creation of the park brought conflict to the fishing commu-
RPPN Cadastro Federal – Área Total: 1.219.96 ha nity by the lack participation of these people in unit creation process, and the restriction on use and customary access of
RPPN Salto Morato 1994 819,18 Guaraqueçaba S N fisheries resources. Different actors have divergent positions on these conflicts, and these differences are the reasons that
RPPN do Sebuí 1999 400,78 Guaraqueçaba N N characterize the conflictive framework.

Keywords: Environmental perception. Social actors. Speech. Protected areas.


1 Universidade Federal do Paraná - acgiraldicosta@gmail.com - afonsomurara@gmail.com

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Introdução Metodologia
Este artigo é resultado do projeto de pesquisa de mestrado intitulado “A pesquisa participante como instrumento
Com o intuito de solucionar a problemática ambiental, bem como, conservar áreas estratégicas para a manutenção
metodológico para o estudo de conflito socioambiental no litoral paranaense”. A pesquisa participante é um enfoque de
da biodiversidade, o Brasil adota como política ambiental o estabelecimento de áreas naturais protegidas, como as unida-
investigação social por meio do qual se busca a participação da comunidade na análise de sua própria realidade com o
des de conservação (UC). Desde 2000 com a promulgação da lei nº 9.985 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades
objetivo de promover a participação social para o benefício dos participantes da investigação. Esses participantes são os
de Conservação (SNUC)2, as UC são criadas, implementadas e geridas através de normas e regras específicas voltadas à
oprimidos, os marginalizados, os explorados (GIANOTTEN; WIT, 1987).
proteção do patrimônio natural e também cultural.
Sendo assim, esta pesquisa está sendo construída através do diálogo e ação conjunta com os pescadores artesa-
Embora o SNUC seja reconhecido internacionalmente por apresentar uma abertura do modelo tradicional de im-
nais de Matinhos – comunidade tradicional que utiliza tradicionalmente os recursos pesqueiros advindos do perímetro
plantação de áreas protegidas, já que não se resumiu a uma “cópia” do modelo norte americano e instituiu categorias de
do PARNA Marinho das Ilhas dos Currais e que viu a base de sua reprodução sociocultural e econômica afetada pelos
uso sustentável como as reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, que garantem a participação e
critérios restritivos da categoria parque.
o estabelecimento de populações locais em tais áreas, a criação de áreas protegidas de maior restrição de uso e ocupação
Intentando analisar a percepção dos atores sociais sobre os conflitos ambientais gerados com a criação do PARNA
ainda tem dado margem a complexas situações de conflitos.
foram feitas no período de fevereiro a maio de 2015 reuniões individuais entre os pescadores artesanais e os demais atores
Dessa maneira, historicamente o estabelecimento de unidades de conservação de proteção integral, como os par-
do conflito (ICMBio e parlamentar). Estas reuniões caracterizam uma coleta de dados do tipo entrevista semiestruturada.
ques, tem gerado situações de conflitos ambientais ora pela realocação das populações residentes em tais áreas, ora pela
Durante as reuniões os pescadores puderam expor seu discurso e fazer perguntas aos atores. O roteiro para a entrevista foi
restrição ao acesso e uso costumeiro dos recursos naturais contidos nela. Nesse universo, a criação do Parque Nacional
elaborado conjuntamente entre pesquisadores e pescadores, se pautando sobretudo na demanda e nas dúvidas da comuni-
Marinho das Ilhas dos Currais no Estado do Paraná no ano de 2013 gerou dúvidas, disputas de lógicas e usos, e conside-
dade de pesca. As reuniões foram gravadas e transcritas.
rou-se relevante analisar a percepção dos diferentes atores sociais envolvidos com o parque sobre os conflitos ambientais
que estão ocorrendo desde a sua criação.
Parte-se da ideia que os conflitos ambientais são disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de Resultados e discussões
relação (política, social, cultural...) que estes mantêm com seu meio natural. Os conflitos são, portanto, aqueles envol- A criação do Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais no estado do Paraná, se deu através de um projeto de
vendo grupos sociais com diferentes modos de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo lei (n° 7.032) elaborado no ano de 2002 pelo Legislativo Federal, e aprovado em 20 de junho de 2013 sob a lei no 12.829.
menos um dos grupos vê a continuidade de suas formas sociais de apropriação ameaçadas. Estas disputas ocorrem tanto A região é um arquipélago situado entre as baías de Guaratuba e Paranaguá, e compreende três ilhas. As ilhas
em nível material quanto simbólico, podendo ser ainda de ambos os tipos (LITTLE, 2001). são indicadas como área prioritária para conservação da Mata Atlântica e dos Campos Sulinos, na categoria de área de
Dessa maneira, adotamos para o estudo e o entendimento dos conflitos dessa natureza, uma abordagem antro- extrema importância biológica (MMA, 2002). Nesse sentido, de acordo com a lei no 12.829 de 2013, o PARNA dos Cur-
pológica. De acordo com Little (2006) o conceito propriamente antropológico do conflito, vai além de um foco restrito rais tem por finalidade proteger os ecossistemas das ilhas, bem como os ambientes marinhos dos limites do seu entorno,
nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos cosmológicos, rituais, identitários e morais que não são permitindo ainda a proteção e controle de relevantes áreas de nidificação de várias espécies de aves e de hábitat de espé-
claramente visíveis na ótica de outras perspectivas teóricas. cies marinhas.
Nesse universo acreditamos que o estudo dos conflitos ambientais só torna-se possível quando realizada a análise Os Parques Nacionais (PARNA) pertencem ao grupo de proteção integral, previsto no SNUC. A categoria tem
dos atores sociais, os quais constituem peças-chave. Logo, para que o entendimento do conflito seja válido e confiável como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibili-
é necessário entender em quais posições os atores se situam (PLATIAU et al., 2005), e quais os pontos de vista dos su- tando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
jeitos ou coletividades, principalmente no que diz respeito as alternativas apresentadas para uma possível resolução dos recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico (SNUC, 2000, Art. 11). Isto é, nos parques são permitidos
conflitos. apenas usos indiretos dos recursos naturais3.
Nesse sentido, este artigo faz uma análise dos principais atores envolvidos com a unidade: o autor do projeto de Entretanto, os recursos pesqueiros advindos do perímetro do parque são tradicionalmente utilizados por pesca-
lei; o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – órgão gestor da UC e; os pescadores artesa- dores artesanais do litoral paranaense, dentre eles a comunidade do município de Matinhos. Aproximadamente 35 embar-
nais da região central do município de Matinhos, e suas percepções sobre duas questões que norteiam os conflitos obser- cações utilizam o espaço para a pesca da tainha (Mugil lizae e Mugil platanus),e a cavala (Scomber japonicus), peixes de
vados: o processo de criação do PARNA das Ilhas dos Currais e a continuidade do uso e acesso aos recursos pesqueiros. curso que são pescados principalmente nos meses de maio, junho, julho e agosto, através da prática do cerco.

2 O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) é composto por 2 grandes categorias de manejo, cujos objetivos se diferen-
ciam quanto à forma de proteção e usos permitidos: o grupo de Proteção Integral, onde só é permitido o uso indireto dos recursos naturais, e o
grupo de Uso Sustentável, onde se permite a ocupação humana e uso direto e sustentável dos recursos naturais. 3 O uso indireto é aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais.

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Mapa 01: Localização do PARNA Marinho Ilhas dos Currais e o município de Matinhos, PR O que aconteceu aqui no Parque Nacional Marinho dos Currais.., houve uma proposta de lei no Congresso
Nacional, em 2002, encaminhada pelo deputado federal, e aí ele mandou o projeto de lei e esse projeto
ficou tramitando no Congresso Nacional, sem muita informação, sem ter consulta base, sem ter apoio
popular durante muitos anos. Esse deputado novamente como suplente assumiu de novo em 2013, e aí
ele através de um acordo de lideranças lá, ressuscitou o projeto dele na comissão específica do Congresso
Nacional. Isso passou pela comissão, acabou sendo levado para o Plenário e foi votado. Novamente sem
muita consulta, sem muita conversa. O pessoal que estava trabalhando no levantamento de informações
para poder ter algum esclarecimento maior sobre a possibilidade de se criar uma unidade de conservação,
foram atropelados pelo processo. O ICMBio foi consultado duas vezes sobre o que ele achava, uma colega
que trabalhava aqui fez um parecer dizendo que faltava informações biológicas, que não havia quantidade
de informações adequadas, se precisava fazer uma análise com um pouco mais de calma, mas infelizmen-
te, ou felizmente não sei, o processo via acordo de lideranças foi aprovado lá e virou uma lei (ICMBio,
transcrição ipsis litteris).

Sobre a questão da participação dos pescadores na criação da unidade, o autor do projeto de lei argumenta que
houve legalidade no processo de tramitação do projeto, e que houve inúmeras tentativas de ouvir o máximo possível de
pessoas. De acordo com este ator, durante um seminário que ocorreu em um hotel no município de Paranaguá (cerca de
50 km da cidade de Matinhos) onde os pescadores do litoral paranaense foram convidados para discutir sobre a questão
do “seguro defeso” (política pública que paga um salário mínimo mensal para que os pescadores artesanais não capturem
determinadas espécies em certos períodos de interesse reprodutivo) a questão sobre a criação do PARNA das Ilhas dos
Fonte: F. Sezerino
Currais esteve presente.
Analisando a percepção dos pescadores sobre os conflitos gerados com a criação do PARNA observa-se primei- Além disso, o autor da PL argumenta que as reuniões que ocorriam no Congresso Nacional podem ser conside-
ramente um conflito em decorrência da participação desses atores na criação da unidade, que segundo os pescadores, não radas como consultas, uma vez que o Congresso é um espaço público. Jornais estaduais também foram utilizados para
contou com a sua participação, isto é, não houve nenhuma consulta pública para o estabelecimento da unidade. informar a população sobre o projeto que estava em trâmite. Assim de acordo com o parlamentar:
Entretanto, para serem criadas UC no Brasil é preciso ter consulta pública com ampla participação dos setores
Pra mim esse era um assunto que deveria estar sendo comentado entre todos vocês (pescadores). Então se
envolvidos para definição da localização, dimensão e limites da UC, e de debates sobre a categoria a ser adotada, além de efetivamente pessoas como vocês não participaram da reunião eu não posso te garantir. Mas de que um
estudos técnicos que permitam identificar os limites mais adequados (SNUC, 2000, Art. 22, § 2o). Porém, os pescadores processo de debate amplo teve, isso eu posso garantir (Parlamentar, transcrição ipsis litteris).
alegam não terem sido consultados nem convidados para participar de nenhuma reunião:
De acordo com o presidente da colônia: No processo de consulta de que trata o Art. 18,§ 2o, citado anteriormente, o Poder Público é obrigado a fornecer
informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas. No caso dos jornais publicados se
O que fica intrigado na nossa comunidade é que nós, eu, eu to a frente da colônia faz quase 10 anos, e eu tratavam de informes para a população sobre a PL que estava tramitando, e não necessariamente de consulta para saber
não conhecia, eu não tinha ideia e muito menos conhecimento do projeto da ilha ser um parque... Então a opinião da comunidade. Considerando ainda que na maioria a população tem baixo conhecimento sobre a existência
assim, pegou nós de contrapé. Ninguém conhecia isso (Presidente da colônia z4 de pescadores artesanais
de Matinhos - transcrição ipsis litteris) de unidades de conservação e as regras que elas trazem5, o estabelecimento do PARNA Currais foi um processo definido
essencialmente por tomares de decisão.
A falta de participação social, ou pelo menos o convite para dialogar com as instâncias públicas sobre a criação Antes mesmo da instituição do SNUC – grande marco para a garantia da participação social nas UC - Arruda
da UC, resultou para esses pescadores num conflito. Além disso, o processo como se deu a criação do parque tem acirrado (1999) já alertava para o caráter conflituoso do estabelecimento das áreas protegidas. Segundo o autor as unidades de
os conflitos latentes entre eles e a fiscalização ambiental, bem como traz o sentimento de que falta consulta pública em conservação são sujeitas a um regime de proteção externo, com território definido pelo Estado, cujas autoridades de-
relação ao estabelecimento de leis que regulam o uso e acesso aos recursos pesqueiros e que estes são criados sobretudo cidiam as áreas a serem colocadas sob proteção e sob que modalidade e, independentemente, formulam e executam as
de maneira top-down, ou seja, de cima para baixo. 5 Ao analisar a percepção de comunidades pesqueiras de Guaraqueçaba, também litoral paranaense, Faraco (2012) conclui que as co-
Para um analista do ICMBio, responsável até o momento4 pelas questões ligadas ao parque: munidades têm baixo conhecimento sobre as unidades de conservação situadas ao seu entorno. Segundo o autor, isso indica que é importante
trabalhar por maior mobilização, informação e esclarecimento dessas populações sobre a existência das unidades de conservação, as regras que
elas trazem, e as possibilidades reais de participar na sua gestão e de influenciar as regras de maneira a acomodar usos que sejam identificados
4 Até o momento não existe um chefe para o PARNA Marinho das Ilhas dos Currais. como importantes para as populações locais.

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ações. As pessoas que vivem no interior ou no entorno das áreas não participam em nada destas decisões. Mais que isso, prática nas Ilhas dos Currais. Nesse sentido, o conflito que se instalou é também simbólico, uma vez que expressa o desejo
as decisões costumam ser mantidas em sigilo até sua transformação em lei, justamente para evitar movimentações sociais de autonomia e, sobretudo a garantia de continuidade de suas práticas:
que possam criar embaraços para os planejadores oficiais.
Gerou um impacto social sim porque nós não podemos mais pesca lá, e nós temos isso como uma área de
De acordo com Bensusan e Prates (2014) muitas unidades de conservação ainda são criadas de forma autoritária, pesca durante alguns meses forte da economia do município. Enfim isso vai prejudicar a economia. Tanto
sem uma proximidade com as pessoas que habitam o seu interior ou as suas circunvizinhanças. Nessa perspectiva, o como o social, econômica, e cultural. Na verdade porque nós temos aquela ilha do pessoal, dos ancestrais
(Pescador P1 – 49 anos - transcrição ipsis litteris).
próprio ICMBio questiona o processo participação social no estabelecimento do PARNA Currais:

É louvável que o Congresso Nacional queira criar áreas pra preservação da natureza, só que assim, existem Na percepção do autor do projeto de lei o que está havendo, na verdade, é “um pouquinho de falta de interpre-
formas de fazer o negócio. E nesse aspecto o Congresso Nacional, mas especificamente ele (o autor do tação do que está acontecendo”. De acordo com este ator, o convívio de populações tradicionais com a categoria parque
projeto de lei), acabaram pulando muito dessas etapas né!? E aí por que a questão da consulta? A gente é uma garantia da lei, previsto no SNUC. Dessa forma o conflito relatado pelos pescadores seria resolvido na medida em
ouve falar que não precisa de consulta pública, porque passou pela Casa do Povo, que é o Congresso Na-
cional. A gente sabe que no Brasil que não é exatamente assim, não é? As coisas estão acontecendo e as que o ICMBio, no plano de manejo do parque, colocasse que as atividades por pescadores artesanais são liberadas:
discussões nos bastidores do Congresso Nacional não estão abertas pro povo de um modo geral (ICMBio,
transcrição ipsis litteris). Eu quero alertar pra vocês, que o convívio de vocês, da pesca artesanal, e não industrial, é uma garantia
da lei. Na regulamentação do parque basta dentro da lei o ICMBio colocar que a atividade por pescadores
artesanais devidamente cadastrados é liberada dentro de .. e ai as condições que eles vão estabelecer. Então
quanto a isso eu não me preocupo em hipótese alguma (Parlamentar, transcrição ipsis litteris).
Para Loureiro e Cunha (2008) a não participação das populações locais em questões relacionadas a criação,
implantação e gestão das UC acarreta uma série de problemas, dificultando, por exemplo, o sentimento de pertencimento
Partindo dessa perspectiva, o parlamentar acredita que categoria Parque Nacional é a melhor categoria para a re-
que auxiliaria na criação de um espaço de tomada de decisões, onde seria necessária a confiança na obediência das nor-
gião e para conciliar todos os interesses, considerando os interesses da pesca artesanal, turismo e da pesquisa. Entretanto,
mas estabelecidas e acordadas no grupo.
ICMBio tem outra percepção da lei. O órgão reconhece o conflito pelo uso e acesso aos recursos pesqueiros, pois entende
Assim, a não participação dos pescadores em consultas para o entendimento dos objetivos da criação da unidade
que:
e para dialogar com as instâncias públicas sobre a garantia da continuidade das práticas de pesca desencadeou num con-
flito pelo uso e acesso aos recursos pesqueiros. Esse conflito começou quando a fiscalização abordou-os e os informou Uma vez criado o Parque Nacional e aí a gente vai ter que remeter a todas as leis né!? Então, é um Parque
de que não poderiam mais praticar a pesca na região pois se tratava de um Parque Nacional: Nacional, uma unidade de proteção integral, a rigor não deveria ter nenhum tipo de retirada de recursos,
nem o uso de recursos direto. Então com a criação de lei em junho de 2013, todos os pescadores foram
jogados na clandestinidade, na ilegalidade (ICMBio, transcrição ipsis litteris).
(...) de repente chegam e falam simplesmente: ó pessoal, hoje vocês não podem mais pesca na Ilha dos
Currais. E não deram nenhum motivo pra gente né, não chegaram, não conversaram, não explicaram pra
nois, simplesmente falaram: ó vai virar parque e acabou (Pescador P4, 44 anos - transcrição ipsis litteris). Apesar de estar explicito que os parques pertencem ao grupo de proteção integral e que portanto, o uso direto dos
recursos naturais não é permitido, existe a possibilidade das comunidades tradicionais continuarem utilizando de maneira
Os limites que compreendem o parque são um dos pontos de pesca mais utilizados pelos pescadores do litoral sustentável os recursos naturais contidos na UC.
paranaense e principalmente pela comunidade de Matinhos. Os pescadores ressaltam que os peixes capturados nestes A fim de compatibilizar a presença humana com os objetivos das UC têm sido celebrados entre órgão ambiental e
limites serviam não só para a sobrevivência da comunidade, como também geravam impactos positivos sobre a cidade, as comunidades tradicionais termos de compromisso (TC). Esses termos são instrumentos destinados a regular o uso de
já que a pesca é uma das atividades principais e mais tradicionais do município. Quando a pesca vai mal, segundo eles, recursos naturais e as condições de permanência de comunidades tradicionais em UC de proteção integral, ou neste caso,
toda a cidade vai mal, inclusive suas relações sociais. o uso dos recursos naturais existentes no interior das UC por comunidades tradicionais não residentes mas usuárias desses
Dessa maneira, a proibição do usufruto dos pescados na região é um risco para a segurança econômica da comu- recursos (SANTILLI, 2014).
nidade. Muitos pescadores, por exemplo, argumentaram que acessaram os recursos do Programa Nacional de Fortaleci- É o caso da Reserva Biológica do Lago Piratuba no Amapá, primeiro termo de compromisso celebrado pelo
mento da Agricultura Familiar (Pronaf) para a aquisição de apetrechos de pesca, renovação e/ou reforma de suas canoas, ICMBio com uma comunidade tradicional de pescadores. Com a criação da reserva os lagos utilizados por pescadores
e com a restrição muitos não conseguirão honrar com o pagamento destes empréstimos. passaram a pertencer à UC, e esses passaram a sofrer restrições em suas atividades tradicionais. Apesar de morar fora da
Entretanto, o conflito que se observa não é apenas pela garantia de sobrevivência material, com a venda do pes- reserva, a comunidade do Sucuriju reivindicou o direito de continuar a pescar nos lagos localizados no interior da reserva,
cado. O conflito é também pela continuidade da cultura da comunidade. Mais do que os benefícios econômicos, são os visto que tal atividade tradicional é de fundamental importância para a sua segurança alimentar (SANTILLI, 2014).
conhecimentos tradicionais e as representações não materiais que mantêm o desejo dos pescadores continuarem com a De fato essa é uma possibilidade e é entendida pelo responsável pelo parque como uma alternativa viável para

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constar no Plano de Manejo: “a ideia é a gente acertar, arrumar esse acordo para que os pescadores tenham o direito de nidade de pesca de Matinhos poderiam não existir se os pescadores fossem consultados e se houvesse o envolvimento
fazer a pesca tradicional, como faziam anteriormente”6. Entretanto é da percepção do órgão gestor que esse acordo não dos tomares de decisão com o órgão gestor.
será por tempo indeterminado, pelo contrário, a pesca nos Currais cessaria na medida em que os pescadores se aposen-
tassem, pois: “se continuar um Parque Nacional, em algum momento a pesca nessa área especificamente ela vai acabar. Agradecimentos
Vai virar um santuário.” À comunidade de pesca artesanal de Matinhos pela oportunidade dada para construção conjunta da pesquisa, pelo seu
Entretanto, a pesca no perímetro do parque representa 90% do pescado capturado nos meses de inverno. Esse tipo envolvimento e participação em todo o processo, e aos demais atores sociais pelo espaço de diálogo e socialização.
de pescaria é considerado para a comunidade uma tradição, isto é, tem sido passado de geração em geração. Posto isto se
em algum momento as atividades de pesca no parque cessarem, corre-se o risco da tradição acabar. Referencias

ARRUDA, Rinaldo. Populações tradicionais e a proteção dos recursos naturais em Unidades de Conservação. Ambien-
Considerações finais te & Sociedade. Ano 2, n. 5, p. 79-82, 1999.
A luz do que foi exposto, podemos dizer que os pescadores artesanais são hoje o grupo social mais afetado pela BENSUSAN, Nurit.; PRATES, Ana Paula. A diversidade cabe na unidade? In: BENSUSAN, Nutri; PRATES, Ana Paula
criação do PARNA das Ilhas dos Currais. A não participação desses atores no processo de criação do parque, para que (Orgs). A diversidade cabe na unidade? Áreas protegidas no Brasil. 1a.ed.Brasília: IEB, 2014. p. 19-26.
FARACO, Luiz Fernando Ditzel. Vulnerabilidade de pescadores paranaense às mudanças climáticas e os fatores que
estes pudessem entender de fato as consequências da criação de uma unidade de proteção integral, bem como dialogar
influenciam suas estratégias de adaptação. 2012. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) – Programa
com as instâncias públicas os limites da UC e a categoria a ser adotada, causou além do sentimento de que falta consulta de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, UFPR, Curitiba, Paraná.
pública em relação ao estabelecimento de leis ambientais, um conflito pelo uso e acesso aos recursos pesqueiros – essen- GIANOTTEN, Vera; WITT. Ton de. Pesquisa participante em um contexto de economia camponesa. In: BRAN-
ciais para a reprodução material e simbólica da comunidade. DÃO, Carlos Rodrigues(Org.). Repensando a pesquisa participante.3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 158-188.
LITTLE, Paul Eliot. Os Conflitos Socioambientais: um campo de estudo e de ação política. In: BURSZTYN, Marcel
No que diz respeito a participação dos pescadores, o formulador do projeto de lei entende que houve legalidade
(Org). A Difícil Sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais.Rio de Janeiro: Ed. Garamond Ltda.
no processo de criação do parque, pois as reuniões que ocorriam no Congresso Nacional podem ser consideradas con- 2001. p. 107-122.
sultas públicas. Além disso, jornais estaduais divulgaram que estava tramitando no congresso o referido projeto de lei. ________. Ecologia política como etnografia: Um guia teórico e metodológico. Horizontes Antropológicos, Porto
Este ator também entende que o conflito relatado pelos pescadores pelo uso e acesso aos pesqueiros pode ser facilmente Alegre, ano 12, n. 25, p. 85-103, jan./jun. 2006.
LOUREIRO, Carlos; CUNHA, Cláudia. Educação ambiental e gestão participativa de unidades de conservação: ele-
solucionado mediante a liberação do órgão gestor da unidade.
mentos para se pensar a sustentabilidade democrática. Ambiente e Sociedade, v. XI, n. 2, p. 237- 253, jul/dez. 2008.
Diferentemente, o ICMBio questiona a participação social legitimada pelo parlamentar e reconhece os conflitos MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Avaliação e identificação de áreas e ações prioritárias para a conserva-
relatados pelos pescadores. Entretanto, na percepção do órgão a categoria parque, pelos seus objetivos inscritos na lei, ção, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade nos biomas brasileiros. Brasília: Ministé-
implica na restrição do uso direto dos recursos naturais, isto é, na proibição do acesso e uso dos peixes de curso. Porém rio do Meio Ambiente/SBF, 2002. 
PLATIAU, A. F. B; SAYAGO,D. A. V; NASCIMENTO, E. P; MOTA, J. A; DRUMMOND, J. A; MOURÃO, L. DUAR-
nesse primeiro momento de diálogo com os pescadores, o ICMBio se mostrou interessado em contornar os conflitos e
TE, L. M. G; WEHRMANN, E. de S. F; BURSZTYN, M. BURSZTYN, M. A. LITTLE, P. E; THEODORO, S. H). Uma
intentando resolver a questão do acesso aos pesqueiros a equipe do PARNA tem trabalhado na tentativa de elaboração Crise Anunciada. In: THEODORO, S. H. (Org). Mediação de Conflitos Socioambientais. Rio de Janeiro: Garamond,
de uma proposta de acordo de pesca, o qual, por tempo determinado, conciliaria a atividade tradicional dos pescadores 2005.
com os objetivos da unidade. SANTILLI, Juliana. Áreas protegidas e direitos de povos e comunidades tradicionais. In: BENSUSA, Nutit; PRATES,
Ana Paula (Orgs). A diversidade cabe na unidade? Áreas protegidas no Brasil. 1ed. Brasília: Editora IEB, 2014, p.
As divergências de percepções entre os atores sociais são os motivos para os conflitos. Posto isto, acreditamos na
398-435.
necessidade do envolvimento entre formuladores e órgãos ambientais e alertamos para que a criação de unidades de con-
servação, principalmente as de proteção integral, contem com a participação das comunidades que vivem no seu interior
ou que utilizam os recursos naturais.
É imprescindível que as populações possam entender de maneira clara as consequências positivas e negativas das
áreas protegidas e possam, de fato, participar na tomada de decisão, sobretudo na categoria a ser adotada, uma vez que
esta implicará nos seus modos de vida. Temos razões para crer que muitos dos problemas que são vistos hoje na comu-

6 Intentando resolver o conflito latente, ficou acordado na reunião entre pescadores e ICMBio que enquanto o instituto não nomear um
chefe para o parque (para dar início a elaboração do Plano de Manejo e o Termo de Compromisso) o órgão liberaria na temporada de 2015 a pesca
dos peixes de curso no perímetro do arquipélago dos Currais. Este acordo foi firmado pelo oficio curricular no. 001/2015 PARNA Marinho dos
Currais/ICMBio de 21 de maio de 2015.

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VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O CASO INTRODUÇÃO
DO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ
A expansão urbana sobre áreas protegidas tem sido observada em diversas cidades no Brasil, principalmente
nas regiões metropolitanas e periferias das grandes cidades, como demonstram os estudos de Teles e Bellato-Nogueira
Fernanda de Souza Sezerino1; Liliani Marília Tiepolo
(2013), Mello-Théry et al. (2010), Gama et al. (2005), Gomes et al. (2004), onde a abertura de novas vias de acesso são
consideradas os principais vetores de expansão. O crescimento populacional e o déficit habitacional contribuem para o
RESUMO fenômeno da periferização do entorno das Unidades de Conservação, áreas com baixa valorização imobiliária, devido
suas características naturais, abrigando bolsões de pobreza em suas zonas de amortecimento.
A dinâmica de ocupação do município de Paranaguá, no Litoral do Paraná, sempre esteve ligada ao porto e seus acessos. No Litoral do Paraná, o crescimento populacional e a expansão urbana sobre as áreas protegidas têm sido
Com o aumento da zona portuária, os bairros residenciais têm sido impulsionados para onde estão localizadas duas
observados em diversos municípios, destacando-se em Paranaguá, cuja dinâmica de ocupação urbana foi bastante
Unidades de Conservação (UC) do município. Essa região é estabelecida para expansão urbana pelo Plano Diretor,
apesar de ser protegida por diversas legislações federais, por ser considerada prioritária para a conservação pelo acelerada nas últimas décadas. Com o aumento da área portuária, a expansão urbana tem sido impulsionada para a região
Ministério do Meio Ambiente. Muitas famílias residentes na Zona de Interesse Portuária e em outros locais considerados onde estão localizadas as Unidades de Conservação: a Floresta Estadual do Palmito e a Estação Ecológica de Guaraguaçu
áreas de risco e/ou irregulares (áreas alagáveis e manguezais) estão sendo relocadas para o bairro Porto Seguro, no (SEZERINO, 2013).
entorno imediato das UC, porém, essa região é fragilizada sob o aspecto ecológico e também é considerada área de risco.
O crescimento desordenado, estimulado pelas atividades econômicas e os novos empreendimentos instalados
Assim, as famílias que já sofriam inúmeras injustiças ambientais em seus locais de origem permanecem em situações de
vulnerabilidade socioambiental com a relocação, marcadas pelas desigualdades e exclusão social. Esta pesquisa analisou na região, somados à ausência de políticas públicas adequadas a população residente na zona de amortecimento das
a vulnerabilidade socioambiental no entorno da Floresta Estadual do Palmito, UC de Uso Sustentável, e da Estação Unidades de Conservação, pode levar a uma situação de vulnerabilidade socioambiental, influenciando na qualidade de
Ecológica de Guaraguaçu, UC de Proteção Integral. Pode-se observar que essa região, planejada para expansão urbana, vida dos moradores, assim como na qualidade ambiental das UC. Cabe ressaltar que a região é considerada prioritária para
apresenta situações de vulnerabilidade ambiental, devido, principalmente, a malha hídrica rica, o que a caracteriza como
a conservação pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2007), porém, foram estabelecidas como zonas de expansão
área sujeita à inundação. Somado a isso, as famílias que estão sendo relocadas possuem diversas fragilidades sociais, o
que traduz a situação da vulnerabilidade socioambiental das famílias residentes no entorno das UC. urbana pelo Plano Diretor do município de Paranaguá.
Esta situação pode ser observada no bairro Porto Seguro, localizado a cerca de 400 metros dos limites da Floresta
Palavras-chave: Áreas Protegidas; Justiça Ambiental; Políticas Públicas; Risco. Estadual do Palmito. O bairro é formado por diversos conjuntos habitacionais, construídos com recursos do Governo
Federal, principalmente por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa Habitacional “Minha
ABSTRAT Casa, Minha Vida” (PMCMV), e do Governo Estadual, por meio da Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR).
Os conjuntos habitacionais estão sendo construídos para relocar moradores que residem em outras regiões do município,
The dynamics of occupation of the municipality of Paranaguá, in the Coastal Plain of Paraná State, has always been consideradas áreas de risco, como é o caso da zona portuária e das áreas alagáveis e de manguezais. Essas populações já
connected to the port and their access. With increasing port area, residential neighborhoods have been driven to where
they are located two Conservation Unit (UC) in the city. This region is set for urban expansion by the Master Plan, sofriam uma série de injustiças ambientais em seus locais de origem, porém, com a relocação, passam a enfrentar outras
despite being protected by various federal legislation, to be considered a priority for conservation by the Environment situações injustas, marcadas pelas desigualdades e exclusão social.
Ministry. Many families living in Port Interest Zone and other places considered risk areas and / or irregular (wetland and Desta forma, este estudo teve como objetivo analisar a vulnerabilidade socioambiental das populações dos
mangrove areas) are being relocated to the Porto Seguro neighborhood in the immediate surroundings of UC, but, this entornos das UC localizadas nas zonas de expansão urbana estabelecidas pelo Plano Diretor de Paranaguá, com foco
region is fragile from the point ecological and is also considered a risk area. Thus, families who have suffered numerous
environmental injustices in their places of origin remain in environmental vulnerabilities with the relocation, marked na situação do bairro Porto Seguro. Assim, o presente estudo pretende contribuir na formulação de agendas regionais
by inequalities and social exclusion. This research analyzes the social and environmental vulnerability surrounding the prioritárias para as populações vulnerabilizadas e para a gestão das UC, com programas de manejo, planos e ações
Palmito State Forest and Ecological Guaraguaçu Station. It can be observed that this region, planned for urban expansion, específicas para seu entorno que auxiliem na garantia da sua integridade e na conservação da biodiversidade. Além disso,
presents situations of environmental vulnerability, due mainly to the rich water network, which characterizes it as an area poderá auxiliar como embasamento científico para a revisão dos instrumentos de gestão e ordenamento territorial na
subject to flooding. Added to this, the families being relocated have many social weaknesses, reflecting the situation of
social and environmental vulnerability of households in the vicinity of UC. região litorânea, como os Planos Diretores, com vistas ao desenvolvimento territorial sustentável.

Keywords: Protected Areas; Environmental Justice; Public Policy; Risk. ÁREA DE ESTUDO

O município de Paranaguá destaca-se no cenário litorâneo pela maior população da região, com cerca de 140
mil habitantes, sendo 96% urbana. A área territorial do município é de 826 km², a densidade é de aproximadamente 170
1 Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR - f.sezerino@gmail.com

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habitantes/km² (IBGE, 2010). O município também se destaca no cenário estadual em função do seu elevado Produto Paranaguá. Nos últimos quatro anos, cinco conjuntos habitacionais foram construídos com recursos do Governo Federal,
Interno Bruto (PIB), um dos maiores do Estado do Paraná, ocupando a 6ª posição no ranking do Estado, com R$ principalmente por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa Habitacional “Minha Casa,
10.007.402 arrecadados em 2012. A economia que movimenta esse PIB deve-se, em grande parte, à presença do Porto Minha Vida” (PMCMV), e do Governo Estadual, por meio da Companhia de Habitação Paranaense (COHAPAR). O
de Paranaguá, de grande destaque na América Latina pelo escoamento da produção de grãos e farelos. Se comparado maior deles abriga 232 famílias que residiam no bairro Vila Becker, na zona portuária, considerada área de risco de
com os demais municípios do Litoral do Paraná, o PIB per capita é cerca de sete vezes maior do que Guaraqueçaba, contaminação por produtos perigosos, visto que é cercado por granéis líquidos que armazenam produtos inflamáveis.
por exemplo, que possui o menor PIB per capita da região (IBGE, 2012a). No entanto, não há compatibilidade entre Outros conjuntos habitacionais foram construídos para relocar 50 famílias desabrigadas pelos deslizamentos de solo na
o montante arrecadado pelo município e as condições sociais da população. Isso pode ser observado pelo Índice de área rural em 2011,42 famílias do Canal da Anhaia (também na zona portuária) e 39 famílias do Parque Agari, residentes
Desenvolvimento Humano dos sete municípios do Litoral e pelo Índice de Pobreza, apresentado pelo último Mapa de em áreas irregulares, alagáveis e/ou de manguezais.
Pobreza e Desigualdade dos municípios brasileiros, divulgado pelo IBGE, em 2003. O bairro fica no entorno imediato das Unidades de Conservação do município: Floresta Estadual do Palmito,
Apesar de Paranaguá possuir o IDH considerado alto, 0,750, acima da média nacional de 0,727, há uma disparidade de Uso Sustentável, criada em 1998 com 530 hectares inseridos na zona urbana, a cerca de 400 metros do bairro Porto
entre os outros municípios da região. Como exemplo, observamos tanto Morretes e Antonina, que apresentam um índice Seguro; e a Estação Ecológica de Guaraguaçu, de Proteção Integral, criada em 1992 com 1.150 hectares, inserida na zona
médio, quanto em Guaraqueçaba, com um índice baixo, 0,587, ambos abaixo da média do país (PNUD, 2013). Além rural. Estas UC estão distantes cerca de quatro quilômetros entre si e possuem acesso pela rodovia PR-407, considerada
disso, as desigualdades sociais dentro dos municípios são significativas. O Índice de Pobreza em Paranaguá é de 46,29%, vetor de expansão urbana (Figura 1).
abaixo apenas de Antonina e Guaraqueçaba, com 50,22 e 46,47, respectivamente (IBGE, 2003).
Toda a região do Litoral do Paraná está inteiramente inserida nos remanescentes do bioma Mata Atlântica, um
dos 25 hotspots reconhecido no mundo, sendo um dos mais ameaçados, com apenas 8% da sua cobertura original. Os
hotspots são áreas que perderam pelo menos 70% de sua cobertura vegetal original, mas que, juntas, abrigam mais de
60% de todas as espécies terrestres do planeta. Contudo, a pressão antrópica é intensificada nesses locais, onde vivem
mais de 1,1 bilhão de pessoas, sejam em áreas urbanas ou rurais, sendo que cerca de um quarto delas vive em extrema
pobreza (GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005).
Sendo assim, esta região possui prioridade “extremamente alta” (maior nível na escala) para a conservação,
uso sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade (MMA, 2007). São áreas nativas de Floresta Ombrófila
Densa de Terras Baixas (florestas de planície) e de Formações Pioneiras de Influência Marinha (restingas) (IBGE,
2012b), devido a sua fragilidade ecossistêmica. Esses ambientes naturais são extremamente importantes na promoção de
inúmeros serviços ambientais, como a regulação do regime hídrico, prevenção de assoreamentos e enchentes, regulação
do microclima, entre outros, e por isso, são protegidos por diversas legislações ambientais federais, dentre elas, o Código
Florestal (Lei Federal Nº 12651/2012), a Lei da Mata Atlântica (Lei Federal Nº 11428/2006 e Decreto Nº 6660/2008) e
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal Nº 9985/2000 e Decreto Nº 4340/2002).
Apesar de grande parte da área do litoral paranaense estar contemplado nos limites de algum tipo de categoria
de UC, principalmente aquelas de uso sustentável, que não são consideradas efetivas para a proteção e conservação,
todo o sistema de unidades de conservação regional é caracterizado pela precária gestão e pela política do abandono
(TIEPOLO et al., 2012; SEZERINO, 2013). Somado a isso, o entorno das UC tem sofrido graves impactos ambientais
devido à instalação de grandes empreendimentos e construção de obras de infraestrutura, principalmente relacionados Figura 1: Localização das Unidades de Conservação, da Zona de Interesse Portuária e do bairro Porto Seguro em
Paranaguá. Elaboração: Fernanda Sezerino, 2015.
às atividades portuárias. Com o aumento dos limites da zona portuária, as populações residentes nessa região estão
sendo pressionadas e relocadas para um novo bairro, o Porto Seguro, construído como estratégia para diminuir o déficit METODOLOGIA
habitacional do município e para relocar famílias residentes em áreas de risco e/ou irregulares em Áreas de Proteção
Foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre as temáticas da expansão urbana sobre áreas protegidas, risco,
Permanente (APP), como manguezais e áreas alagáveis, no entorno de cursos hídricos.
vulnerabilidade socioambiental e justiça ambiental. Também foram pesquisados estudos de caso envolvendo expansão
O bairro Porto Seguro está localizado em uma zona de expansão urbana, prevista pelo Plano Diretor de
urbana sobre áreas protegidas. Foi analisado o histórico das políticas habitacionais no país, no contexto socioambiental,

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para compreender as dinâmicas dos programas atuais, como o “Minha Casa, Minha Vida”, que tem financiado a construção
de novos conjuntos habitacionais no local de estudo. Os dados sobre o PMCMV foram consultados na Caixa Econômica
Federal, Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR) e na Prefeitura Municipal.
Para a caracterização do local de estudo, foram realizadas pesquisas bibliográficas e levantamento documental,
dentre eles o relatório técnico do diagnóstico para elaboração do Plano Diretor do Município, vinculados a Secretaria de
Desenvolvimento Urbano do Paraná (SEDU). Além disso, foram consultados os portais eletrônicos oficiais do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do Meio Ambiental (MMA), Instituto de Terras, Cartografias e
Geociências (ITCG), Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), Instituto Ambiental do
Paraná (IAP), Prefeitura Municipal de Paranaguá, incluindo as consultas às legislações e instrumentos de gestão.
As análises da vulnerabilidade socioambiental foram realizadas a partir de informações sobre a população,
principalmente por meio dos dados do IBGE sobre de renda, densidade populacional, entre outros, dados de áreas de
risco da Defesa Civil, Prefeitura Municipal e do relatório técnico “Mapeamento geológico-geotécnico da porção leste da Figura 2: Localização dos granéis líquidos (1) e da Vila Becker (2) e Canal da Anhaia (3) em Paranaguá. Imagem:
Serra do Mar do Estado do Paraná” da MINEROPAR (2011). Os dados foram trabalhados e espacializados no software SEMMA (2009).
de geoprocessamento ArcGis 10.0.

POPULAÇÕES VULNERABILIZADAS NO ENTORNO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM


ÁREAS DE EXPANSÃO URBANA EM PARANAGUÁ

O histórico de ocupação e crescimento populacional do município tem forte ligação com o porto de Paranaguá
e seus acessos, via ferrovia e rodovias (SEZERINO; TIEPOLO, 2013). Com a expansão portuária, diversos bairros
ficaram inseridos na Zona de Interesse Portuária (ZIP), estabelecida pelo Plano Diretor e pelo Plano de Desenvolvimento
e Zoneamento do Porto Organizado de Paranaguá (PDZPO), que segundo a Lei Complementar Nº 62/2007, “caracteriza-
se pelo uso prioritário e preponderante de atividades portuárias e correlatas, com potencial de impacto ambiental e
urbano significativos” e tem como objetivos “dar condições de desenvolvimento e incrementar as atividades portuárias;
concentrar atividades incômodas ao uso residencial; e concentrar atividades de risco ambiental de forma controlada”.
Como a própria lei caracteriza, essa zona é de risco ambiental, por abrigar empreendimentos de significativo
impacto, como os armazéns de produtos inflamáveis próximos ao bairro Vila Becker (Figura 2). A Defesa Civil do Paraná
também estabelece, não só essa região, mas como grande parte do município de Paranaguá, como áreas de risco por Figura 3: Áreas de risco de contaminação por produtos perigosos no Paraná; destaque região de Paranaguá. Fonte:
contaminação por produtos perigosos (Figura 3). Além disso, o bairro Vila Becker também é enquadrado com risco de Defesa Civil (2011).
alagamentos, segundo o Plano de Contingência Municipal de Proteção e Defesa Civil de Paranaguá (2015). A situação de
risco pode ser compreendida como “a probabilidade de que um evento – esperado ou não esperado – se torne realidade” Nesse sentido, pode-se observar que as populações residentes na região da ZIP foram, historicamente, expostas
(DAGNINO; JUNIOR, 2007, p. 52). Os autores complementam que “o risco se apresenta em situações ou áreas em a diversas situações de vulnerabilidade. Para Cartier et al. (2009, p. 2696) a vulnerabilidade socioambiental pode ser
que existe a probabilidade, susceptibilidade, vulnerabilidade, acaso ou azar de ocorrer algum tipo de ameaça, perigo, entendida como uma “coexistência ou sobreposição espacial entre grupos populacionais pobres, discriminados e com alta
problema, impacto ou desastre” (p. 57), como o Plano Diretor de Paranaguá indica para a ZIP. privação (vulnerabilidade social), que vivem ou circulam em áreas de risco ou de degradação ambiental (vulnerabilidade
Os riscos ambientais modernos decorrem, como explica Porto (2012), dos “modelos de desenvolvimento ambiental)”. Nessa mesma linha, Maior e Cândido (2014) explicam que “a vulnerabilidade está vinculada aos fenômenos
econômico e industrial vigentes, pautados no individualismo consumista, no ‘crescimentismo’ econômico, no poder de adensamento populacional, à segregação espacial urbana, aos processos de exclusão social e às injustiças ambientais,
das grandes corporações e nas análises científicas e ações institucionais fragmentadas”. Este é o caso observado nas processos ligados diretamente ao aumento demográfico e à falta de políticas públicas” (p. 242). Dagnino e Junior (2007,
atividades portuárias. p. 69) também complementam que a vulnerabilidade é “condicionada pela capacidade de defesa ou resposta da população
frente aos eventos que constituem o risco”.

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Os problemas ambientais, nestes contextos vulneráveis, podem se tornar mais complexos, devido, principalmente, principalmente por meio dos programas PAC e PMCMV.
a assimetria de poder e pelas elevadas incertezas em jogo (PORTO, 2012), como é o caso dos interesses envolvendo a Os moradores das áreas de risco ou irregulares, os quais estão sendo relocados para o bairro Porto Seguro, possuem
ZIP. Os riscos e os processos de vulnerabilidade aos quais as famílias residentes nessa região estão expostas revelam uma um histórico de exclusão social e desigualdades, que os impediu de residir na “cidade formal” e levou a ocuparem essas
situação de injustiça ambiental, que, segundo a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (2001), áreas. O quadro de vulnerabilidade é agravado com a expansão portuária e a instalação de novos empreendimentos de
[...] resultam da lógica perversa de um sistema de produção, de ocupação do solo, de destruição de grandes impactos socioambientais. Para regularizar a situação dessas famílias, o poder público estabelece uma política
ecossistemas, de alocação espacial de processos poluentes, que penaliza as condições de saúde da população
trabalhadora, moradora de bairros pobres e excluída pelos grandes projetos de desenvolvimento. de ocupação de novas áreas, por meio da construção de conjuntos habitacionais com recursos públicos, ignorando os
aparatos jurídicos de proteção desses remanescentes e seus respectivos serviços ambientais.
Para Herculano (2002), as injustiças ambientais são entendidas como
O mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do Além das políticas de proteção e instrumentos de gestão ambiental já existentes, soma-se um novo relatório
desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais técnico, produzido pela Minerais do Paraná S/A (MINEROPAR), sociedade de economia mista, após os desastres naturais
discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis (p. 2). provocados pelo excesso de chuvas que ocorreram em março de 2011 no Litoral do Paraná. Foram mapeadas as áreas de
Esta situação de injustiça ambiental pode ser compreendida com o exemplo de um dos acidentes que atingiram risco por eventos naturais, dentre elas, as áreas sujeitas à inundação em regiões ocupadas. Os dados revelam que o bairro
a população do bairro Vila Becker, em julho de 2009, quando houve um vazamento de álcool do Terminal Público de Porto Seguro está inserido em uma área de risco, sujeita à inundação (Figura 4). Ressalta-se que grande parte do local de
Álcool do Porto de Paranaguá, obrigando várias famílias a deixar suas residências. O histórico de pressão pela atividade estudo são áreas naturais de inundação, além das mapeadas pela Mineropar, como é o caso da própria Estação Ecológica
portuária, diversos acidentes e falta de políticas públicas deu origem a um conflito ambiental, envolvendo os moradores, de Guaraguaçu. Porém, é notável que os remanescentes da Mata Atlântica estão sendo drasticamente substituídos pela
o poder público municipal, a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA), e as indústrias da região. Como construção de grandes empreendimentos, conjuntos habitacionais, entre outros, o que sugere que as áreas de risco são
medida de resolução do conflito territorial, após esse e outros graves acidentes que colocaram em riscos a saúde e a vida maiores do que as mencionadas pelo relatório técnico.
da população local, o poder público municipal em conjunto com a APPA e em parceria com a Companhia de Habitação
do Paraná (COHAPAR) iniciou o processo de relocação das famílias para um novo bairro residencial, chamado Porto
Seguro.
O bairro está inserido na Zona de Consolidação e Qualificação Urbana 2 (ZCQU-2), que se caracteriza por
possuir “áreas consolidadas regulares e irregulares, áreas passíveis de ocupação e proximidade com área de proteção e
conservação ambiental”. Dentre os objetivos da ZCQU-2 estão: promover a ocupação ordenada do território; implantar
novos usos e atividades, principalmente o habitacional; ampliar a oferta de infraestrutura, de forma a possibilitar a
ocupação do território; e garantir a integridade do entorno, ambientalmente frágil.
Como o próprio Plano Diretor reconhece, essa região é fragilizada, sob o aspecto ecológico, e é limítrofe à Zona
de Restrição à Ocupação (ZRO), onde está inserida a Floresta Estadual do Palmito. A ZRO é caracterizada pela existência
de áreas com características naturais que exigem tratamento especial devido a seu potencial paisagístico e ambiental
(PDDI, 2007). A ZRO tem como objetivos: impedir a ocupação de forma a assegurar a qualidade de vida da população;
preservar os manguezais, as margens e as nascentes dos canais de drenagem; possibilitar o uso e coleta dos recursos
naturais de forma planejada em compatibilidade com a conservação da natureza, seguindo as diretrizes e os objetivos do
desenvolvimento sustentável, dentre outros.
A ampliação da zona portuária contribuiu para o impulsionamento da malha urbana para essa região, onde estão
localizadas as UC, apesar de ser protegida por diversas legislações devido as suas características naturais, como citado
anteriormente. Contudo, todo esse aparato jurídico não tem garantido a conservação dos remanescentes florestais,
visto que as legislações ambientais e de ordenamento territorial, como o Plano Diretor, por exemplo, são alteradas e/ou Figura 4: Áreas sujeitas à inundação nas zonas de expansão urbana do município de Paranaguá. Dados: MINEROPAR
(2011); elaboração: Fernanda Sezerino (2015).
flexibilizadas, permitindo o licenciamento do desmatamento, loteamento e implantação de diversos empreendimentos
em grandes áreas nativas, como é o caso da construção do bairro Porto Seguro. Assim, os loteamentos são licenciados e Pode-se observar a contradição das políticas públicas, pois ora definem essa região como expansão urbana e local
regularizados pelos órgãos públicos e a construção dos conjuntos habitacionais recebem recursos do Governo Federal, para relocação de famílias residentes em área de risco por contaminação de produtos perigosos, ora definem também

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como área de risco natural e prioritária para a conservação. Essa dubiedade do Estado, como relatam Zhouri e Laschetski Somado à isso, a política de relocação, como a principal alternativa dos problemas socioambientais, não dá voz às famílias
(2010), só agrava a situação das populações vulnerabilizadas, acirrando os conflitos socioambientais. Trata-se da lógica vulnerabilizadas, impedindo outras formas de minimizar as injustiças ambientais, ou, ao menos, de pensarem juntos com
do absurdo instaurada para viabilizar a expansão industrial portuária, que não mede esforços para retirar inúmeras famílias os órgãos públicos e instituições envolvidas no novo local de moradia.
de uma área de risco industrial realocando-as para áreas de risco de inundações.
REFERÊNCIAS
Nesse contexto, o movimento por Justiça Ambiental busca assegurar, dentre outras coisas, que “nenhum grupo
social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas CARTIER, Ruy; BARCELLOS, Christovam; HÜBNER, Cristiane; PORTO, Marcelo Firpo. Vulnerabilidade social e
de operações econômicas, de decisões políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência risco ambiental: uma abordagem metodológica para a avaliação de injustiça ambiental. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, 25 (12), 2009, p. 2695-2704.
ou omissão de tais políticas” (RBJA, 2001). É então, a partir da inserção de diversas variáveis sociais, econômicas,
demográficas, ambientais, entre outras, nos estudos de vulnerabilidade socioambiental que o movimento é fortalecido, DAGNINO, Ricardo Sampaio; JUNIOR, Salvador. Carpi. Risco Ambiental: Conceitos e aplicações. Climatologia e
Estudos da Paisagem, Rio Claro, v. 2, n. 2, 2007, p. 50-87.
“uma vez que ampliam e territorializam as relações entre risco ambiental, vulnerabilidade, direitos e cidadania”, conforme
defendem Cartier et al. (2009, p. 2702). DEFESA CIVIL DO PARANÁ. Plano de Contingência Municipal de Proteção e Defesa Civil de Paranaguá. 2015.

Assim, a diminuição da vulnerabilidade é vista como crucial para o aumento da sustentabilidade local GALINDO-LEAL, Carlos; CÂMARA, Ibsen de Gusmão. Status do hotspot Mata Atlântica: uma síntese. In: GALINDO-
LEAL, C.; CÂMARA, I. G. (Ed.). Mata Atlântica: biodiversidade, ameaças e perspectivas. Tradução de Edma Reis
(MARANDOLA JR.; HOGAN, 2005). Os autores acreditam que dotar as populações da capacidade de resposta às
Lamas. São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica – Belo Horizonte: Conservação Internacional, 2005. 472 p.
situações adversas à que são expostas (riscos socioambientais) resultará na melhoria da qualidade de vida e da sua
inserção social. E, para isso, as alternativas existentes não são somente ligadas à situação socioeconômica da população, GAMA, Sônia; DUTRA, Flávia; XAVIER, Thaís. Os vetores de pressão em Unidade de Conservação Urbana: A
problemática ambiental da APA e do Parque do Mendanha – Zona Oeste do Rio de Janeiro (RMRJ). In: Anais do X
mas encontram força nas redes de solidariedade e nos sistemas de proteção comunitários e familiares.
Encontro de Geógrafos da América Latina. Universidade de São Paulo, 2005. p. 5711-5729.
CONSIDERAÇÕES FINAIS GOMES, Laura Jane; CARMO, Maristela. Simões.; SANTOS, Rozely. Ferreira. Conflitos de Interesses em Unidades de
Conservação do município de Parati, Estado do Rio de Janeiro. Informações Econômicas, São Paulo. v. 34, n.6, 2004.
Pode-se perceber que o projeto governamental de desenvolvimento do Litoral do Paraná está pautado no setor p. 17-26.
portuário e de prestação de serviços, onde estão sendo licenciados diversos empreendimentos de relevante impacto
HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. In:
socioambiental, atraindo novos trabalhadores. Porém, estes trabalhadores encontram dificuldades para se instalar próximo
Anais do I Encontro da ANPPAS, 2002, Indaiatuba, SP, p. 1-15.
aos centros urbanos e polos de trabalho. Assim, pode-se observar que o entorno das Unidades de Conservação e de
outras áreas naturais protegidas estão sendo procurados devido a baixa valorização imobiliária, agravando o problema do IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades@: Paranaguá, Paraná: Censo Demográfico 2010.
2010.
adensamento populacional e da pressão antrópica sobre essas áreas.
Ocorre que existe um descompasso temporal e um grande vazio entre as políticas de desenvolvimento e de IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades@: Paranaguá, Paraná: Incidência de Pobreza.
instalação dos empreendimentos em relação às obras de infraestrutura urbana e as políticas públicas dos diversos 2003.
setores para a população residente nas zonas de amortecimento das UC, que deveria possuir formas de uso e ocupação IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades@: Paranaguá, Paraná: PIB per capita a preços
diferenciadas, de acordo com as especificidades e restrições das legislações ambientais. correntes. 2012a.
Apesar das áreas de expansão urbana fazerem parte do planejamento urbano do município, contido no principal IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. 2ª edição. 2012b.
instrumento de ordenamento territorial, o Plano Diretor, diversas políticas de conservação e instrumentos de gestão
ambiental anteriores à elaboração do plano já ressaltam a fragilidade ecossistêmica dessa região. MAIOR, Mônica Maria Souto; CÂNDIDO, Gesinaldo Ataíde. Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade
socioambiental como decorrência da problemática urbana no Brasil. Cad. Metrop., São Paulo, v.16, n.31, 2014, p. 241-
Portanto, esse modelo de planejamento, que prioriza o setor privado relacionado às atividades portuárias de 264.
exportação de commdities, no lugar de diminuir as vulnerabilidades socioambientais daqueles que já sofriam injustiças
MARANDOLA JR, Eduardo; HOGAN, Daniel. Vulnerabilidade e riscos: entre a geografia e a demografia. Revista
ambientais pelos riscos às quais estavam expostos na zona portuária, agrava a situação ao ignorar as políticas de
Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo, v. 22, n. 1, 2005, p. 29-53.
conservação e os instrumentos de gestão existentes. Isso também ocorre com as políticas públicas de outros setores,
como no caso da habitação e das grandes obras de infraestrutura (PAC), pois, ao não considerar efetivamente as políticas MELLO-THÉRY, Neli Aparecida; LANDY, Frédéric; ZÉRAH, Marie-Héléne. Políticas ambientais comparadas entre
países do Sul: pressão antrópica em Áreas de Proteção Ambiental Urbanas. Mercator, Fortaleza, v. 9, n. 20, 2010, p.
ambientais, também contribuem para intensificar a exclusão social, as desigualdades e as vulnerabilidades dessas famílias.
197-215.

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MINEROPAR. Minerais do Paraná S/A. Mapeamento Geológico-Geotécnico da porção leste da Serra do Mar do AS RELAÇÕES ENTRE DESASTRE E TERRITÓRIO COMO EXPRESSÃO DOS CONFLITOS SO-
Estado do Paraná. 2011. CIOAMBIENTAIS: AS DIMENSÕES TERRITORIAIS DOS DESASTRES NO VALE DO ITAJAÍ/SC

MMA. Ministério do Meio Ambiente. Portaria Nº. 9, de 23 de Janeiro de 2007, reconhece áreas prioritárias para
conservação. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/images/ stories/portaria_mma_092007.pdf>. Acesso em
09/06/2015. Maria Roseli Rossi Avila1; Marcos Antonio Mattedi2

PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013.

PORTO, Marcelo Firpo. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção RESUMO
da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2ª edição, 2012. 270 p. Em novembro de 2008 o Vale do Itajaí/SC foi atingido por um desastre socioambiental sem precedentes na história. Um
RBJA. Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Manifesto de lançamento. 2001. misto de enchente com deslizamentos e escorregamentos transformou a região, conhecida como Vale Europeu, num
campo de destruição. Blumenau foi uma das cidades mais atingidas. O impacto do desastre sobre a população eviden-
SEZERINO, Fernanda. As problemáticas e os desafios das Unidades de Conservação: estudo de caso na Floresta ciou sua vulnerabilidade. Para entender o processo de produção da vulnerabilidade é preciso conhecer sua origem e evo-
Estadual do Palmito no Litoral do Paraná. Trabalho de Conclusão (Gestão Ambiental). Universidade Federal do lução no contexto histórico e territorial. Neste sentido, este estudo, de revisão bibliográfica, tem como objetivo estudar
Paraná, 2013. as dimensões territoriais dos desastres no Vale do Itajaí/SC e a relação entre desastre e território. Além da Introdução e
das Considerações Finais, o mesmo está dividido em três partes principais: a) A relação entre desastre e território; b) A
TELES, Reinaldo Miranda de Sá; BELLATO-NOGUEIRA, Silvia Maria. Novos arranjos espaciais da oferta turística produção e reprodução do território do desastre; e c) território do desastre: o caso do Vale do Itajaí/SC.
associados às unidades de conservação presentes em espaços metropolitanos: O caso das áreas de expansão urbana da
metrópole paulista no entorno do Parque Estadual do Jaraguá (SP). El Periplo Sustentable, n. 25, 2013. p. 177-192. Palavras-chave: desenvolvimento regional, desastres socioambientais, território, Vale do Itajaí/SC.

TIEPOLO, Liliani; SPINELLI, Michele; CAMARGO, Letícia. Unidades de Conservação Estaduais no Litoral do Paraná:
A Política do Abandono e os Conflitos Socioambientais. In: Anais do V Seminário sobre Áreas Protegidas e Inclusão
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Social, Manaus, 2012.
RONMENTAL CONFLICTS: THE TERRITORIAL DIMENSIONS OF DISASTER IN THE ITAJAÍ VAL-
ZHOURI, Andréa; LASCHETSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais: um novo campo de investigação. LEY / SC
In: ZHOURI, A. e LASCHETSKI, K. (Org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
p.11-31.

SUMMARY
In November 2008 the Itajaí Valley/SC was hit by an unprecedented environmental disaster in history. A flood mixed
with mudslides and landslides turned the region known as the European Valley into a destruction field. Blumenau was
one of the hardest hit cities. The impact of the disaster on the population showed its vulnerability. To understand the pro-
cess of vulnerability production it is necessary to know its origin and evolution in the historical and territorial context.
Thus, this study, of literature review, aims to analyze the territorial dimensions of the disaster in the Itajaí Valley/SC.
In addition to the Introduction and Concluding Remarks, the article is divided into three main parts: a) The relationship
between disaster and territory; b) The production and reproduction of disaster territory; c) disaster territory: the case of
the Itajaí Valley/SC.
Keywords: Regional Development. Disasters. Territory. The Itajaí Valley/SC

1 AVILA, M. R. R. Assistente Social. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Univer-
sidade Regional de Blumenau (FURB). Bolsista do PROGRAMA UNIEDU PÓS-GRADUAÇÃO . E-mail: mariaroselirossiavila@yahoo.
com.br

2 MATTEDI, M. A. Sociólogo. Mestre em Sociologia Política. Doutor em Ciências Sociais com estágio pós-doutoral no Centre de
Sociologie de L´innovation - ENMP/Paris. Professor do PPGDR da FURB. E-mail: mattediblu@gmail.com

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1 Introdução urbano. As primeiras indústrias do Vale foram instaladas ao longo dos cursos d’água e propiciaram a construção de pe-
quenas povoações nos arredores. Ao longo do tempo, a região desenvolveu-se, e urbanizou seu território. Para Mattedi
Os Desastres decorrem da construção social do risco. Resultam da interação entre ameaças naturais e sociais,
(2014), o território (Figura 1) é, portanto, resultado do desenvolvimento (mudança no tempo) em uma determinada região
condições de vulnerabilidade e insuficiente capacidade para reduzir as consequências negativas do risco na sociedade. A
(espaço ou lugar). Ou seja:
importância na agenda política, econômica e social e nas formas de caracterização e interpretação do fenômeno determi-
narão a forma de resposta e a vulnerabilidade da população. O impacto dos desastres sobre uma população é que determi- FIGURA 1 – Desenvolvimento – Região = Território
na sua vulnerabilidade. O Vale do Itajaí/SC, conhecido como “Vale Europeu” é constantemente atingido por enchentes.
Em 2008 a região foi devastada pelo impacto do desastre socioambiental ocorrido em novembro daquele ano. Mesmo a
região sofrendo constantemente com a ocorrência de desastres os mesmos são relegados ao esquecimento, gerando assim,
uma falsa sensação de segurança.

Justifica-se, portanto, a necessidade de estudos sobre a temática. O mesmo aborda a relação entre desastre e terri-
tório e objetiva estudar as dimensões territoriais dos desastres no Vale do Itajaí/SC. As discussões aqui apresentadas são
um desdobramento de nossa pesquisa A percepção e a gestão dos desastres em Blumenau/SC no período de 2008 a 2015.
A mesma se encontra em fase de desenvolvimento da pesquisa empírica e, após conclusão, resultará em nossa dissertação
de mestrado em Desenvolvimento Regional no PPGDR da FURB, Blumenau/SC. Fonte: Elaboração dos autores (2015)

A mudança no tempo possui um ritmo e este pode ser rápido ou lento. Já a região tem uma dimensão, que tanto
pode ser ampla como restrita. Para Mattedi (2014), quanto mais equilibrado o ritmo da mudança, mais equilibrado o de-
1.1 Metodologia senvolvimento. Para o autor, é a dinâmica existente entre o ritmo da mudança no tempo (desenvolvimento) num determi-
nado local, espaço (região) que resulta na construção dimensional e de identidade do território. Para Mattedi (2015, 97)
Para entender o processo de produção da vulnerabilidade é preciso conhecer sua origem e evolução no contexto
“ao relacionarmos desenvolvimento e região, fixamos um território”.
histórico, político e territorial. No Vale do Itajaí/SC, a vulnerabilidade da população diante do impacto, a insuficiente
ação governamental e a resposta somente em situações de crises, evidenciam a urgência de estudos na área. Portanto, Portanto, o território é resultado da relação entre essas duas variáveis: mudança no tempo (desenvolvimento) num
este trabalho de revisão bibliográfica, discute o modelo de ocupação (colonização) da região e a forma de utilização dos determinado espaço ou lugar (região). A Figura 2 explicita a dinâmica deste conceito.
recursos. Os mesmos são fatores determinantes para o desenvolvimento urbano e regional das cidades do Vale. A forma
de ocupação e utilização dos recursos e da produção do espaço geográfico transforma a relação sociedade-natureza. E tem FIGURA 2 – Desenvolvimento X Região = Território
suas consequências: faz surgir os primeiros registros de situação de emergência no Vale do Itajaí e estimula a produção
da vulnerabilidade na região.

No entanto, apesar da destruição, os desastres são oportunidades para o aprendizado, mudanças de paradigmas e
desenvolvimento. Portanto, em nossas considerações finais, elencamos indicativos que possam subsidiar o debate sobre
desastres na região e a gestão dos desastres no Vale do Itajaí/SC. Além da Introdução e das Considerações Finais, o artigo
divide-se em três seções: a) A relação entre desastre e território como expressão dos conflitos socioambientais; b) A pro-
dução e reprodução do território do desastre; e c) território do desastre: o caso do Vale do Itajaí/SC.

2 A relação entre desastre e território

A relação entre desastre e território passa pelo desenvolvimento socioeconômico e territorial da região. O desen-
volvimento socioeconômico da região do Vale do Itajaí/SC tem relação com a indústria têxtil e a produção do território
Fonte: Elaboração dos autores (2015).

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A partir deste conceito, o desenvolvimento de uma região “pode ser definido como um processo de mudança sociedade. Portanto,
social. Indica um processo contínuo e cumulativo de transformação do contexto social. Assim, ao mesmo tempo em que Desastres são vistos como problemas sociais não rotineiros produzidos pelo grau de exposição ao risco. [...] De-
o desenvolvimento descreve a mudança social, acaba também afetando o desenvolvimento da própria mudança social” sastres (D) podem ser definidos como uma função do processo de construção social do risco. Isto é resultado da
combinação do risco de ocorrência de um fenômeno (r), e as condições de vulnerabilidade da população (v). D =
(MATTEDI, 2015, p. 89). Segundo o autor, o conceito de desenvolvimento se associa às “ideias de crescimento, evo- r (natural) + v (social). [...] Os desastres compreendem o processo de dissolução das redes sociotécnicas que ligam
lução, maturação”. Empregamos a palavra para falar dos “processos contraditórios como [...] crescimento econômico, simbolicamente e materialmente o mundo social ao mundo natural (MATTEDI, et al, 2012, p. 25).

satisfação de necessidades básicas e também sustentabilidade ambiental” de uma região (MATTEDI, 2014, p. 28).
A partir deste conceito é possível entender o caos e a destruição causados pelo impacto dos desastres. Também
De forma simplista vemos região como um espaço localizado geograficamente. O autor amplia o conceito e a que o paradigma da vulnerabilidade comprova o princípio da continuidade entre o Tempo 1 (pré-impacto) e o Tempo 2
apresenta como sendo uma “relação entre a centralização do poder em um local, e a sua extensão sobre uma área de (pós-impacto) dos desastres. E que não há como separar a situação pré-desastre da situação pós-desastre. As explicações
grande diversidade cultural, social e espacial” (MATTEDI, 2014, p. 29). Neste sentido, podemos entender os diversos do pós-impacto são dadas pelas condições sociais pré-impacto (DRABECK, 1986, p. 2-3). Essas condições se traduzem
aspectos (a diversidade cultural, social e econômica e ambiental) do processo de ocupação e desenvolvimento da região pela vulnerabilidade de uma população no Tempo 1 e o grau de destruição no Tempo 2. Quanto maior a vulnerabilidade,
do Vale do Itajaí/SC, objeto de nosso estudo. Também a relação entre desastres e território. maior a destruição causada à população e seu território.

Os desastres são sempre territorializados e o agravamento das situações de emergência geradas pelo evento não Vimos que, quanto mais equilibrado o ritmo da mudança, mais equilibrado o desenvolvimento. Quanto mais
pode ser analisado apenas sob um ponto de vista. Há que se considerar, nesta análise, que os desastres são construídos a desequilibrado o desenvolvimento, maior a vulnerabilidade. A vulnerabilidade a desastres se caracteriza pela percepção
partir das variáveis sociais e naturais e possuem um caráter muldimensional, conforme a Figura 3: parcial, inadequada do problema e pela incapacidade de agir sobre o mesmo. As respostas inadequadas na gestão dos de-
sastres “aumentam a intensidade do impacto da problemática sobre as regiões atingidas [...] produzindo e reproduzindo
o território de desastre” (MATTEDI, 1999).
FIGURA 3 – Desastres: caráter multidimensional
3 A produção e reprodução do território do desastre

O processo de ocupação do Vale do Itajaí iniciou no século XIX com a chegada de imigrantes europeus. Os imi-
grantes estabeleceram-se no ‘vazio demográfico’ existente entre o Litoral e o Planalto do Estado. O Litoral foi ocupado,
no século XVII, por bandeirantes vicentistas e açorianos. Através da ‘concessão de sesmarias’, os militares recebiam
glebas de terra para o estabelecimento de atividades agrícolas. Já o Planalto foi ocupado, no século XVIII, por paulistas.
Para estabelecer uma ligação entre as duas regiões (Litoral e Planalto), no século XIX, o povoamento do vazio demo-
gráfico (Vale do Itajaí – Vale Europeu) entre ambas foi estimulado (MATTEDI, 1999, p. 101). Era o início dos conflitos
socioambientais na região. De um lado as terras já possuem donos. De outro, os imigrantes estavam autorizados à posse.
Fonte: MATTEDI et al (2012, p. 24)

Quando os colonizadores chegaram à região, a mesma já era habitada por índios Xoklegns, Botocudos e Kaigan-
.
gs. No entanto os colonos chegaram através de companhias privadas que estabeleciam um contrato entre eles e o gover-
Na dimensão natural dos desastres são dois os fatores que influem na formação das situações de emergência: 1) no. Ofertava-se “[...] uma vida livre e próspera, liberdade de pensamento e aquisição de um lote de terra” (SAMAGAIA,
os fatores fisiológicos como relevo, vegetação e hidrografia; 2) os fatores meteorológicos – precipitações. Na dimensão 2010, p. 78). As companhias de colonização recebiam subsídios do governo de acordo com o número de colonos que
social há que se considerar outros dois fatores desencadeadores de situações de emergência, a saber: 1) o processo de eram inseridos no núcleo colonial. “O povoamento do Vale do Itajaí tomou impulso, a partir de 1850, com a Colônia
ocupação do espaço geográfico; e 2) o padrão de utilização dos recursos (MATTEDI, 1999, p. 129). Blumenau, fundada por Hermann Bruno Otto Blumenau” (SIEBERT, 2000, p. 188).

Em se considerando o caráter multidimensional dos desastres e a construção social dos mesmos (variáveis natu- O local escolhido para a instalação da colônia foi o último trecho navegável do Rio Itajaí-Açu. A lógica de dis-
rais e sociais), duas interpretações são possíveis: o paradigma dos hazards e o paradigma da vulnerabilidade. Conforme tribuição do território estabelecia a sede da colônia próxima à confluência dos rios, em áreas de várzea, suscetíveis a
Mattedi et al (2012), o primeiro caracteriza os desastres como um problema para a sociedade. Ou seja, desastres são transbordamentos. A localização das propriedades, com lotes perpendiculares ao leito secundário do rio, seguia o modelo
vistos como fenômenos exteriores à sociedade. Os desastres seriam, portanto, efeitos dos fenômenos físicos (chuvas, de colonização alemã do final da Idade Média, denominado Waldhufendorf3 (linha de floresta). Essa lógica de ocupação
ventos, tremores de terras, etc.). O segundo (paradigma da vulnerabilidade), caracteriza os desastres como problemas da 3 Waldhufendorf : “Wald significa floresta, Dorf quer dizer vila e Hufe se refere à faixa comprida e estreita de terra que foi entregue a
cada colono” (WAIBEL, 1949, p. 197).

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do espaço, a partir de um modelo de colonização estrangeiro, faz surgir as primeiras situações de emergência na região. na Alemanha de pequenas fiações para duas indústrias têxteis, em 1912 e 1914, o processo de industrialização ampliou
Os lotes de terra eram distribuídos de forma paralela nos dois lados dos rios e ribeirões. O objetivo do modelo Waldhufen, suas atividades. A segunda fase da industrialização ocorreu no período de 1880 - 1914. Nesta fase, produtos artesanais
com os lotes partindo do leito dos rios e expandindo-se em direção a região montanhosa, era que todos os terrenos tives- alimentares, como banha e carne de porco, passaram a ser valorizados e as indústrias existentes em Blumenau expandiram
sem acesso aos cursos d’água. Garantia-se, assim, a comunicação via navegação e asseguravam-se os insumos básicos suas atividades. No entanto, foi só a partir da ocorrência da guerra de 1914-1918 que o processo de industrialização foi
para a subsistência dos colonos: terra fértil, água e comunicação (MATTEDI, 1999, p. 105). consolidado e iniciou a terceira fase da industrialização.

O Waldhufen era o modelo para as áreas rurais. Para as áreas urbanas era usado o modelo Stadplatz (linha da ci- Vê-se, portanto, que o desenvolvimento econômico de Blumenau está atrelado ao processo de utilização dos
dade). Neste modelo, “as famílias residiam na sede da Colônia, deslocando-se diariamente até sua gleba para o trabalho recursos, à economia de subsistência, às formas de ocupação do espaço geográfico e ao processo de industrialização. É
na lavoura” (SIEBERT, 2000, p. 190). As vantagens desse modelo era evitar conflito com os até então donos da terra, ou o crescimento da indústria que determina a dinâmica de reprodução espacial e a urbanização de Blumenau (MATTEDI,
seja, objetiva-se a segurança contra “as ameaças” dos índios e animais selvagens e os serviços de apoio aos colonos. Com 1999, p. 124). “A urbanização baseada no modelo Stadtplatz-Strassendorf sobrecarrega a capacidade assimilativa do am-
o crescimento da colônia esse modelo tornou-se inviável. Não havia mais áreas livres ao longo do leito dos rios forçando biente natural ao concentrar as atividades produtivas e, consequentemente, a população em áreas de risco” (MATTEDI,
a demarcação dos novos lotes urbanos e rurais ao longo das picadas já existentes. Assim foram se “formando as ‘linhas’ 2000, p. 234). Com o declínio da colônia agrícola e o surgimento das indústrias a população foi se estabelecendo ao redor
coloniais, e os colonos passaram a dirigir-se à sede apenas nos finais de semana” (SIEBERT, 2000, p. 190). dos núcleos industriais. Surge também a separação de classes, consequência decorrente do capitalismo que polariza a
sociedade em classes sociais e acentua as desigualdades sociais. A população abastada da cidade concentrou moradia nas
Para conceber os espaços rurais foi utilizado o modelo padrão Minimale Ackerbabrung. Neste modelo, cada uni-
áreas planas e áreas de várzea do rio. Com a saturação destas, à população pobre não restou alternativa senão ocupar as
dade familiar recebia uma quantia mínima de terra necessária apenas à subsistência e a reprodução socioeconômica. Os
áreas de encostas e morros. Ambas (área de várzea e de encostas) são consideradas áreas de risco. A primeira submetida
lotes eram demarcados com a frente para “a linha fluvial, e um fundo alongado em direção às encostas4” (MATTEDI,
às constantes cheias do rio. A segunda, suscetível a deslizamentos e escorregamentos.
1999, p. 108). Os lotes, vendidos pelas empresas colonizadoras, eram pequenos para que fosse possível a demarcação
de mais áreas e maior número de imigrantes assentados. “Quanto menor fossem os lotes, maior o número de imigrantes O fato do capitalismo, a partir do seu regime de propriedade, polarizar a sociedade em classes sociais, significa que
assentados e maior o retorno com a comercialização dos lotes” (MATTEDI, 1999, p. 108). Estava instalado, no Médio há acentuada desigualdade na distribuição da riqueza. As características urbanas, as formas de construção e os locais de
Vale do Itajaí, o padrão minifundiário de comercialização de terras. ocupação do espaço urbano são consequências dessa estrutura que se manifesta também no problema das desigualdades
sociais: quanto mais pobre, mais vulnerável.
Para sustentar a família e pagar os lotes de terra, os colonos precisavam manter a terra em constante produtivida-
de. Plantavam exaustivamente permitindo um descanso do solo após o seu desgaste. Muitos escolhiam aumentar a área À intensificação do processo de urbanização segue-se a dupla concentração espacial. “De um lado, a população
destinada para o cultivo, fato que resultava em nova derrubada de florestas. O desmatamento era necessário para ampliar dirige-se para as maiores cidades da região, junto ao eixo principal de colonização que segue do litoral para o interior. De
a área de plantio e fazia parte do contrato de posse da terra firmado entre o colono imigrante e o governo. Os colonos outro, essa população estabelece-se nas várzeas dos rios que são áreas consideradas de risco” (MATTEDI, 1999, p. 130).
produziam o máximo em suas terras e ficavam com um mínimo para a subsistência visando poupar para adquirir novas A dupla concentração espacial estimula a ampliação do nível de risco e aumenta a vulnerabilidade da população. Com
propriedades. Com este propósito passaram a desenvolver atividades domésticas (Hausindustrie) que visavam à transfor- a produção do espaço e ocupação das áreas de risco aumenta o número de pessoas expostas aos impactos das enchentes
mação dos produtos agrícolas. Assim foram surgindo pequenas indústrias locais. e escorregamentos. Eventos considerados de baixa magnitude passam a ter poder destrutivo maior na medida em que
aumenta a vulnerabilidade da população às situações de emergência. Comprova-se que a forma de ocupação do espaço
As atividades domésticas que propiciaram o surgimento das pequenas indústrias locais eram desenvolvidas em
e utilização dos recursos aumenta a frequência e a intensidade do impacto das situações de emergência evidenciando a
engenhos de açúcar e cachaça; na produção do fubá e da farinha de mandioca; na manufatura de charutos; na produção
existência de um processo de construção social do risco e do território do desastre.
de derivados de leite e na fabricação de doces caseiros (HERING, 1987, p. 35). A primeira fase do processo de indus-
trialização da colônia denominava-se Fase Agrícola ou Colonial e iniciou com a colonização em 1950 perdurando até a
década de 1880.
4 Território do desastre: o caso do Vale do Itajaí/SC.
Quanto às indústrias têxteis, segundo Mamigonian (1966, p. 394), as mesmas começaram de forma modesta e
A região do Vale do Itajaí é formada pela bacia hidrográfica do Rio Itajaí que está distribuída num território de
vendiam seus produtos em Blumenau e vizinhanças. O maquinário usado na produção era importado da Alemanha, bem
15.000 km2, composto por 51 municípios e com uma população estimada em 1.150.000 habitantes. A área corresponde a
como o fio de algodão utilizado para o fabrico local. É importante destacar que nesta primeira fase do processo de in-
16,15% do território de Santa Catarina. Os limites geográficos da bacia estão “[...] estabelecidos pela Serra Geral e Serra
dustrialização de Blumenau (1850 - 1880) ainda não existia eletricidade. Com o advento desta, em 1909, e a aquisição
dos Espigões a oeste, das serras da Boa Vista, dos Faxinais e do Tijucas ao Sul, e das serras da Moema e do Jaraguá ao
4 Segundo o modelo Waldhufen.

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norte” (AUMOND et al, 2009, p. 24). A região é montanhosa e cortada por diversos rios e ribeirões, sendo que 80% de pela concepção e implantação de políticas públicas eficazes de gestão dos desastres. Faz-se necessário uma mudança
sua área é composta por floresta pluvial, ou seja, área de Mata Atlântica (FRANKE, 2003, p. 15). A presença de monta- de paradigma na gestão dos desastres. Calibrar políticas de ocupação de espaço e utilização de recursos; capilarizar as
nhas e vales na área colonizada deu origem ao nome “Vale do Itajaí”. O mesmo é dividido em três microrregiões: 1) a ações; descentralizar a política e o poder decisório; integrar as políticas de gestão de risco e proteção do meio ambiente;
região do Alto Vale; 2) a região do Médio Vale; e 3) a região do Baixo Vale. promover a interface das políticas de gestão dos desastres em todos os níveis da estrutura governamental, a comunidade
científica com o seu conhecimento, e a população; implantar políticas públicas que deem ênfase ao território, à dinâmica
Em novembro de 2008 o Vale do Itajaí recebeu os mais altos índices de chuva já ocorridos na região. Em poucos
local e à organização comunitária e participativa. Lideranças comunitárias podem exercer força política e pressão frente
dias, chuva, inundação, enxurradas, escorregamentos e movimentos de massas transformaram o Vale em campo de guer-
ao Estado e influenciar no processo de tomada de decisão sobre os desastres.
ra. Foram “mais de 1,5 milhão de catarinenses, dos quais 135 mortos e cerca de 80.000 desabrigados ou desalojados”
(QUEIROZ, 2009, p. 9). Conforme Mattedi et al (2009, p. 14), “as chuvas intensas [...] provocando escorregamentos, A abordagem participativa envolve a população impactada, as comunidades e os grupos de interesse que auxiliam
enxurradas e inundações, obrigaram 14 municípios a decretar estado de calamidade pública e 63 a decretar situação de na redução efetiva do risco. As decisões políticas têm efeitos sobre o impacto causado por desastres. Portanto, é necessária
emergência, o que demonstra a extensão do desastre.” a descentralização do processo decisório para garantir efetividade. Ações (centradas no coletivo e não no índividuo) des-
centralizadas, participativas e pró-ativas, com ênfase na prevenção e na mudança de paradigmas. Ações que considerem
A relação sociedade/natureza é dialética. A sociedade, ao estabelecer o processo de ocupação e desenvolvimento
as capacidades e as vulnerabilidades da população, bem como os saberes e conhecimentos locais. Os esforços devem ser
da cidade, modifica a natureza. E a natureza alterada afeta o desenvolvimento da cidade (MATTEDI & BUTZKE, 2001).
focados para ensinar a população a conviver com o problema. Não acomodar-se diante da questão, mas reconhecer a im-
O desastre de 2008 se constituiu de uma combinação de variáreis naturais e sociais. As variáveis naturais foram: a intensa
possibilidade de suprimir os fatores geradores de desastres no território e elaborar estratégias de enfrentamento.
precipitação, o relevo acidentado, o solo frágil dependente da proteção de cobertura vegetal. Já as variáveis sociais tive-
ram suas causas na “derrubada da floresta, na ocupação das margens dos rios e das encostas para habitação e instalação Para além das considerações já efetuadas, não podemos negligenciar também o caráter estrutural da questão dos
de indústrias, na retificação e canalização dos ribeirões” (MATTEDI et al, 2009, p. 16). As variáveis naturais combinadas desastres. O fato do capitalismo, a partir do seu regime de propriedade, polarizar a sociedade em classes sociais, significa
com as variáveis sociais geraram o território dos desastres. que há acentuada desigualdade na distribuição da riqueza. As características urbanas, as formas de construção e os locais
de ocupação do espaço urbano são consequências dessa estrutura que se manifesta também no problema das desigual-
Vimos que a forma das respostas à problemática pode aumentar a magnitude do impacto dos desastres sobre a
dades sociais e dos conflitos socioambientais: quanto mais pobre, mais vulnerável. Logo, a mudança de paradigmas na
população atingida, produzindo e reproduzindo o território do desastre. A severidade do impacto dos desastres sobre
gestão do risco de desastres pressupõem superar ou, no mínimo, minimizar as desigualdades sociais.
uma população é determinada pelas condições sociais de vulnerabilidade desta. As condições de vulnerabilidade são
determinadas por diversos fatores (físico, social, econômico, ambiental, etc.). Estes aumentam a susceptibilidade de uma
comunidade ao impacto dos desastres, mas permitem repensar a sociedade e atuar de forma ativa e organizada na gestão
Referências
política dos mesmos. Teoricamente, ameaças naturais tais como, secas, terremotos, furacões e etc. podem afetar todo o
mundo. No entanto, na prática, atingem mais aqueles que vivem em lugares de maior densidade populacional, com menor AUMOND, Juarês et al. Condições naturais que tornam o vale do Itajaí sujeito aos desastres. In: FRANK, Beate. SE-
poder aquisitivo e em moradias e lugares de risco. Comumente, essas são áreas que menos recebem a atenção do Estado VEGNANI, Lúcia (Orgs.). Desastre de 2008 no Vale do Itajaí: água, gente e política. Blumenau: Agência de Água
do Vale do Itajaí, 2009. p. 22-37.
e as mais esquecidas pelas políticas públicas eficazes.
DRABECK, T. E. Human system responses to disaster: an inventory of sociological findings. New York: Springer-Verlag,
1986.

Considerações Finais FRANKE, Beate. Uma história das enchentes e seus ensinamentos. In: FRANKE, Beate. PINHEIRO, Adilson. (org).
Enchentes na Bacia do Rio Itajaí: 20 anos de experiências. Edifurb. Blumenau, 2003. 237 p.
As tragédias se transformaram em tragédias anunciadas em função da incompatibilidade existente entre os meios
HERING, Maria Luíza Renaux. Colonização e indústria no Vale do Itajaí: o modelo catarinense de desenvolvimento.
e os fins empregados no tratamento do problema. As medidas implantadas até agora intervêm apenas nos fatores naturais Blumenau: Editora FURB, 1987. 328 p.
e desconsideram os fatores sociais do problema. O tipo de resposta governamental defende o desenvolvimento econômi-
MAMIGONIAN, Armen. Estudo geográfico das indústrias de Blumenau. Conselho Nacional de Geografia. Instituto Bra-
co da região, gera uma falsa sensação de segurança e estimula a ocupação de áreas de risco. Neste sentido, evidencia-se
sileiro de Geografia e Estatística. Separata da Revista Brasileira de Geografia, no 3, Ano XXVII, Rio de Janeiro. p. 389-
uma relação entre território e desastre e entre crescimento econômico e a intensidade do impacto dos desastres. 481, [jul/set 1965]. 1966.

A mudança na forma de tratamento da temática passa pela política em geral, no seu nível societário, bem como MATTEDI, Marcos. Antonio.. As enchentes como tragédias anunciadas: impacto da problemática ambiental nas si-
tuações de emergência em Santa Catarina. Tese (Doutorado Ciências Sociais). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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UNICAMP. Campinas/SP. 1999. MUDANÇAS NO CLIMA E NA NATUREZA: A PERCEPÇÃO DOS PESCADORES DA VILA SÃO PEDRO
EM NAVEGANTES/SC.
_________ . Pensando com o Desenvolvimento Regional: subsídios para um programa forte em Desenvolvimento Re-
gional. Revista Brasileira de Desenvolvimento Regional, PPGDR/Universidade Regional de Blumenau. 2 (2), P. 59-
105, PRIMAVERA DE 2015. DOI: 10.7867/2317-5443.2014V2N2P059-105. 2015.

_________ FRANK, B. SEVEGNANI L. BOHN, N. O desastre se tornou rotina... In: FRANK, B.; SEVEGNANI, L. Maria Roseli Rossi Avila1; Arlete Longhi Weber2; Cristiane Mansur de Morais Souza3; Juarês José Aumond4; Gilberto
(Orgs.). Desastre de 2008 no Vale do Itajaí: água, gente e política. Blumenau: Agência de Água do Vale do Itajaí. 2009. Friedenreich dos Santos5
192 p.

_________. (2014) Pensando com o Desenvolvimento Regional: subsídios para um programa forte em Desenvolvi-
mento Regional. 43 p. Não publicado. RESUMO
_________. BUTZKE, Ivani. C. A relação entre o social e o natural nas abordagens de hazards e de desastres. Revista Este estudo teve como objetivo analisar a visão e percepção (não científica) de pescadores de uma região litorânea de
Ambiente & Sociedade - Ano IV – N° 9 – 2° Semestre de 2001. Santa Catarina sobre as mudanças climáticas e compará-las com os diagnósticos e prognósticos apresentados por pes-
quisadores e cientistas no quinto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas AR5 - IPCC (2014).
_________. et al. Climate Changes: Past, Present and Future; Trends Variability and Impacts Bilateral ird-cnpq and Para tanto, foram entrevistados pescadores da Vila São Pedro em Navegantes/SC. O estudo caracteriza-se como pesquisa
Tripartite France-Brazil-Africa Meeting Cooperative Projects. October 10-12, 2012 Agadir Morocco. transdisciplinar, de cunho qualitativo, teórico-empírica e exploratória. É um estudo de caso e busca evidenciar o olhar dos
pescadores locais sobre as mudanças no clima e na natureza ocorridas ao longo dos últimos anos naquela região.
_________. et al. O desastre se tornou rotina... In: FRANK, Beate. SEVEGNANI, Lúcia (Orgs.). Desastre de 2008 no
Vale do Itajaí: água, gente e política. Blumenau: Agência de Água do Vale do Itajaí, 2009. p. 12-21.

QUEIROZ, Antônio Diomário de. Prefácio. In: FRANK, Beate. SEVEGNANI, Lúcia. (org). Desastre de 2008 no Vale Palavras-chave: mudanças climáticas e da natureza, relatório do IPCC, pescadores, Vila São Pedro/Navegantes/SC.
do Itajaí: água, gente e política. Blumenau, Agência de Água do Vale do Itajaí, 2009.

SAMAGAIA, Jacqueline. Globalização e Cidade: reconfigurações dos espaços de pobreza em Blumenau/SC. Florianó-
polis, 2010. 263 f. Tese de doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina. CHANGES IN CLIMATE AND IN NATURE: THE PERCEPTION OF THE FISHERMEN OF VILA SÃO PE-
SIEBERT, Claudia. (Des)controle urbano no vale do Itajaí. In: FRANK, Beate. SEVEGNANI, Lúcia (Orgs.). Desastre DRO IN NAVEGANTES / SC.
de 2008 no Vale do Itajaí: água, gente e política. Blumenau: Agência de Água do Vale do Itajaí, 2009.
ABSTRACT
WAIBEL, Leo. A Teoria de Von Thünen sobre a influência da distância do mercado relativamente à utilização da terra:
This study aimed to analyze the vision and perception (unscientific) of fishermen in a coastal region of Santa Catarina on
sua aplicação à Costa Rica. Revista Brasileira de Geografia, v 10, n. 1, p. 3-40, 1948.
climate changes and compare them with the diagnosis and prognosis presented by researchers and scientists in the fifth
Report of Intergovernmental Panel on Climate Change AR5 - IPCC (2014). For this purpose, fishermen of Vila São Pedro
in Navegantes/SC were interviewed. The study is characterized as transdisciplinary, qualitative, theoretical-empirical and
exploratory research. It is a case study and seeks to show the look of the local fishermen about changes in climate and in
nature that have occurred over the past few years in the region.
Keywords: Climate Changes. IPCC Report. Fishermen. Vila São Pedro/Navegantes/SC.

1 AVILA, M.R.R. Bacharel em Serviço Social. Mestranda em Desenvolvimento Regional no PPGDR da FURB. Bolsista do PROGRAMA
UNIEDU PÓS-GRADUAÇÃO . E-mail: mariaroselirossiavila@yahoo.com.br
2 WEBER, A. L. Bacharel em Administração. Mestranda em Desenvolvimento Regional pela FURB. E-mail: arletelonghi@hotmail.com
3 MANSUR, de M. S., C. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Mestrado e Especia-
lização em Urban Design Ma. Oxford. Professora do PPGDR da FURB. E-mail: arqcmansur@gmail.com
4 AUMOND, J. J. Bacharel em Geologia, Mestrado em Geografia. Doutorado em Engenharia Civil. Professor do PPGDR da FURB.
E-mail: Juares.aumond@gmail.com
5 SANTOS, Gilberto Friedenreich dos. Bacharel em Geografia. Doutorado e mestrado em Geografia. Professor do PPGDR da FURB.
E-mail: gilbertofrieden@gmail.com

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1 Introdução 2. Síntese do relatório IPCC 2014

Para investigar e discutir mudanças climáticas e da natureza, faz-se necessário considerar a interação entre os Mudanças bruscas de temperatura e de clima nunca antes vistas e percebidas até pela população não científica
diversos níveis de conhecimento (científico, local, tradicional), visto a temática necessitar de uma abordagem transdis- são uma constância. O quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas AR5 (IPCC/2014) afirma
ciplinar. Para Pineau (2010), uma investigação é transdisciplinar quando, em primeiro lugar, aborda problemas sociais categoricamente que o maior responsável pelas mudanças climáticas é o homem. “Vivemos numa era de mudanças cli-
e cognitivos que perpassem os níveis tradicionais de discussão das universidades. Ou seja, quando o objeto de máticas provocadas pelo homem”, afirma Vicente Barros, copresidente do Grupo de Trabalho II do IPCC.
investigação vai “‘para além’ das disciplinas, incorporando o saber popular e os problemas sociais da sociedade,
De acordo com o IPCC (2014), os impactos das mudanças climáticas são observáveis em todo o mundo afetando
mas também têm uma dimensão disciplinar” (PINEAU, 2010, p.5, grifo no original). Para o autor,
a agricultura, a saúde humana, ecossistemas terrestres e marinhos, abastecimento de água e a vida das pessoas de forma
Falamos de multidisciplinar quando existe apenas uma justaposição entre as disciplinas, não existe interação.
geral. Apesar do cenário pessimista, o relatório apresenta sugestões para amenizar os efeitos catastróficos das mudanças
Quando existe a interação podemos falar sobre interdisciplinaridade. Mas quando existem relações mútuas podemos
utilizar o prefixo ‘trans’ que significa dentro, através e para além (PINEAU, 2010, p. 1, grifo no original). climáticas. Dentre as principais medidas sugeridas pelos pesquisadores está a suspensão do uso de combustíveis fósseis
até o ano de 2100 e o aumento na utilização de combustíveis renováveis em 80% até o ano de 2050. À continuação, apre-

sentam-se os principais diagnósticos publicados pelo relatório, bem como as medidas para a mitigação do efeito estufa
Neste sentido, o objeto de nosso estudo foi a população de pescadores da Vila São Pedro em Navegantes, região e das mudanças climáticas.
litorânea do estado de Santa Catarina/Brasil. O município de Navegantes localiza-se na Mesorregião do Vale do Itajaí e
na Microrregião da cidade de Itajaí/SC. 2.1 IPCC 2014: diagnóstico e previsões

No seu quinto relatório (2014) sobre alterações no clima e seus efeitos, o IPCC apresenta dados alarmantes. O mesmo
1.2 Metodologia afirma que há mais de 95% de chance de que o homem seja o responsável por mais da metade da elevação média da tempera-
tura registrada entre os anos 1951 e 2010. Segundo os dados, a temperatura já aumentou 0,85°C entre os anos de 1880 e 2012
Do ponto de vista analítico o estudo relaciona dois fenômenos: desenvolvimento regional sustentável e mudanças
e a previsão dos pesquisadores é de que ainda aumente entre 2,6°C e 4,8°C até o ano de 2100. Esta elevação tem como princi-
climáticas e da natureza. Trata-se de considerar como o padrão de desenvolvimento socioeconômico predominante na
pal causa o aumento do efeito estufa, causado pela maior concentração de gás carbônico, metano e outros gases na atmosfera
região provocou mudanças climáticas e da natureza que colocam em discussão a sustentabilidade local e regional. O
terrestre. Segundo o relatório, nos últimos anos o aumento na concentração destes gases foi sem precedentes e estas emissões
trabalho faz parte das atividades de campo da disciplina de Planejamento Urbano do PPGDR da FURB de Blumenau/
cresceram mais rapidamente entre os anos 2000 e 2010. Conforme dados do relatório, as concentrações de dióxido de carbo-
SC. Trata-se de um estudo de caso, de cunho qualitativo, teórico-empírico e exploratório, pois investigamos a realidade
no, metano e óxido nitroso aumentaram 40%, 150% e 20%, respectivamente, desde os anos 1750. Para os pesquisadores, um
de um grupo específico, evidenciando suas percepções, identidade e saberes próprios. Entrevistamos pescadores da Vila
aumento de 1°C a 2°C na temperatura apresenta um risco considerável, já um aumento de 4°C representa severos riscos tanto
São Pedro com o objetivo de analisar suas percepções sobre as mudanças climáticas ocorridas na localidade ao longo do
para a extinção de espécies como para a segurança alimentar mundial. Se os padrões atuais persistirem, a perspectiva é que a
tempo. Bem como, comparar a percepção dos mesmos com o diagnóstico e prognósticos apresentados por pesquisadores
temperatura aumente pelo menos 4°C até o fim do século, aponta o relatório.
e cientistas no quinto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas AR5 - IPCC (2014). Os critérios
para a seleção da amostra de pesquisa foram: idade (pescadores com mais idade) e residir na localidade ou próxima dela.
A elevação da temperatura também provoca consequências nos oceanos tais como o aumento da acidez da água e no
Optamos pela abordagem com perguntas abertas (não diretas) por permitirem ao entrevistado falar sem interrupções.
nível do mar. Segundo o AR5 do IPCC (2014) os oceanos estão 26% mais ácidos e as geleiras seguem derretendo em todo o
Desta forma, garantimos que o mesmo respondesse as perguntas a partir de suas percepções e em sua própria lingua-
planeta provocando extinção de algumas espécies, modificação nas atividades migratórias em outras e um aumento no nível do
gem (não científica). Foram entrevistados três pescadores locais, contatados no dia de nossa ida à campo. As entrevistas
mar de 19 cm entre os anos de 1991 e 2010. Note-se que este aumento no nível do mar ocorreu num período de apenas 19 anos.
foram gravadas, transcritas e analisadas e os resultados incorporam o corpo deste trabalho. Para fins de preservação de
Se as projeções climáticas para a metade do século XXI e posterior se confirmarem a biodiversidade marinha e a atividade pes-
identidade, os sujeitos pesquisados estão identificados como E. 1 (Entrevistado 1), E. 2 (Entrevistado 2) e E. 3 (En-
queira nas regiões de latitude tropical serão fortemente comprometidas. Moluscos, equinodermos e corais são mais sensíveis à
trevistado 3). Os pescadores entrevistados assinaram Termo de Livre Consentimento liberando o uso das informações
acidez marinha do que crustáceos e peixes e isso poderá trazer consequências para a pesca e os meios de subsistência, pois afeta
concedidas. Além da Introdução e das Considerações Finais, o trabalho divide-se em três seções: a) o Relatório do IPCC
a fisiologia, o comportamento e a dinâmica das populações marinhas (IPCC, 2014). Segundo o relatório, devido ao aumento
2014; b) mudanças climáticas: o diagnóstico dos pescadores; e c) pontos de convergência e discordância entre o olhar
do nível do mar, em breve aumentará a quantidade de pessoas expostas a inundações e perda de terras costeiras.
científico e o não científico.

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Recursos de água doce também sofrem consequências com o aquecimento global. Dentro das projeções climáticas para Para diminuir a emissão de CO2, investimentos em fontes renováveis de energia deverão triplicar ou quadruplicar
o século XXI, o relatório do IPCC (2014) indica redução considerável das reservas de água doce, tanto superficiais como sub- até 2050. A integração das diversas formas de conhecimento (indígena, local, tradicional), se usados de forma coerente,
terrâneas, principalmente nas regiões secas subtropicais. Muitas espécies que possuem como habitat a água doce também estão são recursos fundamentais para a adaptação às mudanças climáticas (IPCC, 2014b). Instrumentos econômicos já existen-
sujeitas a extinção. A falta de água, indispensável à vida, poderá aumentar as tensões e os conflitos na busca por esse recurso. tes como associações de financiamento público-privado, pagamento por serviços ambientais, mecanismos de reparação
Segundo AR5 do IPCC (2014), o aumento na concentração de gases de efeito estufa provoca aumento nas variações climáticas, e transferência de risco, normas e regulamentações podem fomentar a adaptação e amortizar os impactos das mudanças
reduzindo de forma significativa a disponibilidade de água doce. climáticas (IPCC, 2014b).

Conforme o IPCC (2014), trajetórias de desenvolvimento sustentável combinam estratégias de adaptação e miti-
O efeito estufa e as mudanças climáticas interferem na segurança alimentar e nos sistemas produtivos. O AR5 do IPCC
gação na tentativa de reduzir as mudanças climáticas e seus impactos compreendendo processos interativos que garantam
(2014) alerta que todos os aspectos da segurança alimentar estão em perigo, desde o acesso aos alimentos e seu uso, até a esta-
a implantação e manutenção da gestão eficaz do risco. A mitigação reduz as taxas de aumento das mudanças climáticas
bilidade dos preços destes.
permitindo maior prazo para adaptação, desde que as mudanças não ultrapassem um nível particular, que segundo o re-
As áreas urbanas são consideradas as mais afetadas pelas mudanças climáticas, pois estão mais vulneráveis a latório é de no máximo 2°C. Conforme Rajendra Pachauri (apud BBC, 2014) diretor do IPCC, os cientistas fizeram sua
eventos como chuvas extremas, inundações, deslizamentos de terra, seca, poluição do ar, escassez de água (IPCC, 2014). parte, agora cabe aos políticos e a comunidade colocar ações em prática visto que ainda se tem esperança e “[...] felizmen-
Conforme o relatório, todos estes fatores incorrem em riscos para os seres humanos, economia, bens e ecossistemas. Até te nós temos os meios para limitar a mudança climática e construir um futuro mais próspero e sustentável” (PACHAURI,
meados do século XXI, se as projeções climáticas se confirmarem, aumentarão os riscos à saúde humana, pois problemas 2014 apud BBC, 2014).
já existentes como desnutrição poderão se agravar e outros poderão surgir de forma mais intensa devido a ondas de calor
e queimadas (IPCC, 2014). Populações mais pobres são as que mais sofrerão, sendo que o relatório aponta ainda que a
diminuição da pobreza será cada vez mais difícil (diminuição da produção de alimentos, desaceleração do crescimento
3. Mudanças climáticas: diagnóstico dos pescadores da Vila São Pedro/Navegantes/SC
econômico e perda da capacidade de trabalho são alguns dos fatores que acarretarão esse aumento das dificuldades).
O relatório do IPCC (2014) apresenta um quadro dramático de previsões sobre as mudanças climáticas no mundo.
Apesar dos prognósticos alarmantes, o IPCC (2014) apresenta sugestões para a mitigação dos riscos e adaptação
As mesmas já são evidentes ao olhar dos pescadores da Vila São Pedro, localizada no município de Navegantes/SC. A Vila
às mudanças climáticas dentro da projeção de aumento de 2°C na temperatura. Mas, conforme o relatório, a mudança é
São Pedro localiza-se no Arraial do Pontal. O local é reduto de pescadores da pesca artesanal (sujeitos de nossa pesquisa)
urgente. Segundo a brasileira Suzana Kahn Ribeiro (apud Carvalho, 2014), vice-presidente do grupo de mitigação do IPCC e
que mantém ali o cais para seus barcos além de serviços de carpintaria para o conserto de barcos.
uma das autoras do capítulo três do relatório IPCC (2014), “se não tiver uma atitude drástica, não tem a menor chance de limitar
em 2ºC até o final do século”. Segundo o AR5, cessadas as emissões de gás carbônico, mais de 20% deste gás permanecerá O E. 1 tinha 66 anos e apesar de não ter nascido na Vila, vive ali há mais de 20 anos. Filho de pescadores relatou
na atmosfera por mais de mil anos. que foi “criado sem pai, sem mãe, sem oportunidade de vida, de emprego” (E. 1, 2014). Para comer, pescava siri desde
os 10 anos. Casou-se aos 21 anos. Pescava “embarcado”6 em grandes barcos. Foram 22 anos de pesca industrial, embora
aposentou-se como pescador artesanal. Nunca teve outra profissão.
2.2 IPCC 2014: mitigação e adaptação
E. 2 tinha 60 anos e reside na Ponta da Balsa/Vila São Pedro. É aposentado e viveu 22 anos da pesca artesanal7.
De acordo com o AR5 do IPCC (2014) os riscos provocados pelo impacto das mudanças climáticas podem ser Pescava com sua própria batera. Segundo seu relato, eram “sete hora de viagem daqui até lá. Chegava lá, pescava a noi-
reduzidos se forem limitadas suas causas. Se as medidas de redução na emissão dos gases do efeito estufa forem tomadas te” e voltava à terra firme pela manhã.
de forma extrema e relevante, este impacto pode ser reduzido. A velocidade e a magnitude das ações e decisões econômi-
E. 3 tem 80 anos, quatro filhos e nasceu na Vila São Pedro. Aposentado, é filho e neto de marinheiros. Viveu 34
cas, sociais, tecnológicas e políticas podem permitir caminhos de resiliência em relação às mudanças climáticas (IPCC,
anos da pesca artesanal e mais quinze anos como operador do Ferry Boat8.
2014).
Sobre a comunidade E. 3 relatou que no passado “Era tudo mato, tudo mato cirvuado. Cirva. Tinha um bequinho
Segundo o relatório, as estratégias de redução dos riscos e adaptação dependem muito da vulnerabilidade e ex-
6 A expressão “embarcado” é usada pelos pescadores para a pesca industrial em grandes barcos de pesca, ou ainda, para explicar o trabalho
posição de cada região/lugar. Não existe fórmula única para todas as situações. As medidas de planejamento e realização dos marinheiros que passam a maior parte de sua vida embarcados em navios.
para mitigação e adaptação devem ser melhoradas e complementadas em todos os níveis, do pessoal ao governamental 7 Segundo depoimento dos pescadores a pesca artesanal utiliza instrumentos como rede, “tarrafa”, espinhel e é realizada em pequenos
(IPCC, 2014). botes, “traineras” ou “bateras”, segundo o linguajar local.
8 Embarcação que faz a travessia Navegantes/Itajaí/SC.

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pra passá. [...] Tinha umas cinco ou seis casa” (E. 3, 2014). O “bequinho” a que se referiu, era uma trilha na vegetação As mudanças ocorridas ao longo do tempo também afetaram a migração e a cadeia alimentar dos animais que
(que ele denominou “cirvuado”) existente entre o mar e a Vila. Essa vegetação praticamente não existe mais. As mora- vivem na natureza. E. 3 afirmou que muitos tipos de aves desapareceram do local. E. 1 (2014) afirmou que a alimentação
dias estão localizadas bem próximas a areia ou até invadem a área marítima. A área, composta de inúmeras palafitas, é para as aves está difícil. Segundo ele, “o biguá quando jogava a sujeira da pesca na água (antigamente) ele juntava só
de moradia de pescadores. Conforme E. 1 (2014), “antigamente tu via uma casinha aqui, outra lá [...] agora já foram o peixinho, não comia camarão. A garça, hoje, se o pescador deixar o cesto aberto no barco, ela pega o camarão, coisa
invadindo, aquilo ali não pode fazer” disse, referindo-se as palafitas dos pescadores. que antes não acontecia porque tinha fartura”. Ele falou de dois tipos de fome para relatar a escassez de alimento para
as aves: comer por fome - quando come qualquer coisa (não estando estragado), e comer por vício ou por exigência do
Além das mudanças na paisagem, os pescadores percebem mudanças na forma de pescar, na água e na variedade
horário - fica mais seletivo. “E assim era o biguá,” disse ele, “selecionava o que comia. Hoje não”, afirmou. “Hoje o biguá
dos peixes e aves que hoje frequentam a região. Relataram que a variedade de peixes era muito maior no passado. Segun-
chega a fazer cerco nos barco (igual bandido) pra pegar comida”. E citou outra mudança ocorrida ao longo dos tempos:
do afirmaram “é que agora é assim, uma semana dá, outra semana não dá. Tá difícil...” (E. 2, 2014). E. 1 emocionou-se
a presença, há cerca de três anos, de uma ave (de cor negra), até então desconhecida na região.
e a voz embargou. Fez-se um profundo silêncio e o mesmo fixou seus olhos em direção aos barcos que pairavam sobre
as águas. Segundo o pescador, essa ave, denominada “Maçarico-preto,” se alimenta de insetos e larvas encontrados na lama
e veio em busca do alimento que não encontra mais em sua região de origem9. O fato de a mesma encontrar alimento ali
Hoje alguns peixes já estão em extinção, afirmaram. E a pesca está cada vez pior. “Antigamente além do camarão
não é um bom sinal, afirmou. Significa que o local se transformou num lodaçal. E. 2 também fez referência à lama no
pescava [...] tudo que é tipo de peixe, hoje não tem mais nada disso - muita gente pescando, e a falta de respeito pela
local. Conforme ele, “[...] Não, não era assim, não. Isso aqui, quando a lama tá seca, tu não sai nem de batera aqui. Fica
natureza” (E. 1, 2014). E. 2 também se referiu à escassez e a pesca predatória. Para ele, antigamente tinha bastante peixe
aquele miolinho só no meio dessa lagoa aí. Daqui a pouco não vai dar mais pra aportá aqui. Porque a lama tá comendo
e os “aparelhos” dos novos barcos pesqueiros acabaram com a produção, [...] era uma fartura de peixe... Agora não se
tudo” (E. 2, 2014). A situação era realmente preocupante. O dia estava nublado e quente e o sol sobre o lamaçal acentuava
vê mais nada aí.. é que diminuiu... [...] esses aparelho aí acabaro com tudo... (E.1, 2014). E. 3 também fez referência à
o mau cheiro. “A poluição está acabando com o mundo,” afirmou E. 1 preocupado. “Há falta de respeito, onde tem falta
pesca predatória. Segundo ele, “Acabô o pescador que pescava de espinhel, assim, deixava o espinhel lá fora, ia vê o que
de respeito não tem amor” continuou.
caia dentro... cabô. Os barco de pesca que trabaia aí... cabô com tudo. [...] Mas não foi os pescador que acabaro com a
pesca. Quem acabô foi os barco. É, é pescador tamém...” (E. 3, 2014). Outra preocupação dos pescadores é o clima. Segundo afirmam, a temperatura aumentou muito nos últimos anos,
os ventos mudaram, a temperatura da água mudou, afetando a pesca.
Na percepção dos pescadores a pesca predatória está provocando o fim da pesca artesanal. Ao explicitar os moti-
[...] o clima tá cada vez pior, tá tudo mudado. [...] há 40, 50 anos pedia pro pescador de mais idade o que vai dar de
vos de hoje ser tão difícil viver da pesca, E. 1 (2014) foi enfático: “vou te responder com toda a sinceridade, a coisa mais
tempo amanhã, ele sabia, olhava o céu e sabia, se dizia que ia chover, podia esperar que chovia. Hoje o pescador velho
certa que existe no mundo, a GANÂNCIA”. Grifamos a palavra ganância para tentar transmitir a emoção e a ênfase com não sabe o que vai acontecer com o tempo. Mudou a data dos clima (E. 1, 2014).
ele a pronunciou. Enquanto falava, seus olhos ficaram marejados. E continuou: “acontecem crimes dentro da pesca que tá
longe de vocês imaginar”. Existe “pesca de camarão na época da criação e quando chega a época do camarão grande
reclamam”. Novamente percebia-se muita emoção, voz embargada e lágrimas no canto dos olhos. Ele falou da concor- Na percepção dos pescadores até o vento e as estações do ano mudaram. O pescador de hoje tem dificuldade em
rência: “pescar mais que o amigo para diminuir a produção do outro – olho grande e ganância,” concluiu emocionado. identificar o tempo e as marés porque o clima mudou, afirmam:
E. 1 fez duras críticas à categoria. Segundo ele, “pescador é a raça de gente mais desunida que existe... pescador não Quando eu era guri, os pescador velho diziam: ‘tá chegando o mês da lestada’ - vento Leste. Mês da lestada era o mês
tem organização nem respeito pelo outro colega - pega ‘botezinho’ do outro para fazer serviço seu. E. 2 (2014) também de setembro. Dava vento lestada de 10, 12, 15 dias, ninguém podia sair pro mar. [...] Hoje em dia não existe mais
isso. [...] o Terrau, o Rapa Canela. O Rapa Canela é o vento Oeste, do inverno [...] era três dias de vento, depois ele
foi categórico ao falar do pescador: é “cada um por si e Deus por todos”, afirmou. A desunião da categoria se reflete na acalmava. Hoje não tem mais Rapa Canela. Os ‘beiço’ da gente chegava abrir tudo. Era frio. Chamava Rapa Canela
falta de um sindicato forte que os represente. E a diminuição da produção estimula a concorrência que é cada vez maior, porque criava uma cinza branca na canela. [...] O clima mudou muito. Antigamente os três meses de inverno eram
inverno (E. 1, 2014).
segundo nossos entrevistados.

Na percepção dos pescadores, comparando a pesca de antigamente com a de agora, houve mudanças drásticas.
Ah, mudô. Agora qualquer ventinho que dá a maré puxa pro Sul. Antes puxava pro Norte. Quando puxa pra terra a
Conforme E. 1 , até o sabor do peixe mudou. água, aí dá mar grosso. Aí começa a ficá grosso. Aí vem o vento contra, contra a maré... aí dá mar grosso. [...] De
primeiro era Terralão né, agora é [...] Lestada.. Ah! Lestada era aquele Leste, Leste de alto mar... Ainda dá. De prime-
Hoje tem outro sabor, devido ao crescimento da população, a poluição que destrói. O ser humano não está nem aí, é ro era 3, 4 dia. Agora não, dá um dia e já acaba. A maré, né. A maré muda (E. 3, 2014).
lixo e lixo - não é todo mundo, mas a maioria-, é luxo e lixo e o luxo vira lixo – hoje não pega um siri que presta (E.
1, 2014).
9 Conforme informações da Epagri (2014), o Maçarico-preto se alimenta nos lodaçais. A dieta da ave “inclui caranguejos, pitus e outros
crustáceos, caramujos, bivalves e outros moluscos, minhocas e outros vermes, insetos e inclusive matéria vegetal (sementes e folhas). A ave vive
em bandos, em brejos, margens de rios, banhados e campos recentemente arados”.

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Mudou o tempo e a temperatura. Segundo afirmaram nossos entrevistados, hoje está muito mais quente do que no que vão desafogar? Me diz!.”
passado: “Ah, o calor. Mudou bastante o calor aí. Mudou bastante. Pra mim tá muito mais quente que antigamente, né.
Eles tão desmatando tudo, né?” (E. 2, 2014). O E. 3 (2014) também acredita que o calor aumentou em relação ao passado:
“Ah, quente né. Esse ano é quente. Já começô o mês passado. É quente. E vai dá mais quente ainda.” 4 Pontos de convergência e divergência entre o olhar científico e o não científico
Vimos que há pontos de convergências e divergências entre as falas dos pescadores entrevistados e desses com
Na percepção dos pescadores até o cheiro, a cor (em épocas de chuva) e a densidade da água não são mais iguais.
o Relatório do IPCC 2014.
Conforme E. 3 (2014), “O mar tá que é uma lama. O barro escurece a água”.
O ponto de divergência entre os pescadores está na percepção do E. 1 de que não existem alterações nas marés e
Quanto ao nível do mar, para o E. 1 (2014) não existem alterações, no entanto, afirmou que no passado foram
no nível do mar. Apesar de sua opinião, ele reconhece que houve um estudo no passado que apontava que o mar estava
realizadas pesquisas na área e que as mesmas comprovaram que o mar estava comendo (avançando) o “combro” da praia
avançando em direção a terra, ou seja, alcançava o “combo” da praia destruindo-o. Já para o E. 3, hoje as marés estão
(restinga). Segundo ele, a mais ou menos 20 anos, logo que ele foi morar na localidade “já aconteceu da parte do rio estar
mais baixas do que antigamente, influenciando o nível do mar, a temperatura da água, aumentando a faixa de areia que
tudo seco na maré baixa”. Para este pescador, “se fosse água parada ninguém aguentava aqui. O cheiro da água é forte”
está mais larga do que antigamente. No entanto, também falou sobre o mar comer o “combo” da praia.
(E. 1, 2014). Para E. 3, hoje a maré está mais baixa, mas ambos os pescadores também afirmaram que o local onde nos
encontrávamos não tinha essa lama no passado. Pelo Relatório do IPCC (2014), o nível do mar aumentou 19 cm entre os anos de 1991 e 2010, os oceanos estão
26% mais ácidos devido à concentração de gás carbônico e o derretimento das geleiras segue ocorrendo. Fatores estes
Quanto às exigências, regras e leis, todos os pescadores entrevistados fizeram críticas. A lei chegou tarde, não há
que provocam extinção de algumas espécies, modificação de atividades migratórias e comprometendo as atividades pes-
quase mais peixes para proteger. Conforme o E. 1 (2014), “antigamente não tinha muita regra, agora depois que acaba-
queiras, fatos relatados pelos pescadores.
ram com tudo, destruíram tudo, é que estão botando regra. Cação anjo, cação viola, os barcos começaram a pegar de
arrasto, aí veio a lei que está proibido pegar. Mas agora já acabou”. Para o E. 3 (2014) a lei ajuda, mas também atrapalha, De acordo com o AR5 (IPCC, 2014), o homem é o maior responsável pelas mudanças climáticas. Cientistas e es-
porque “agora é proibido matá [...]. Proibido matá. A IBAMA10 proibiu né... [...] tudo proibido.” Para os pescadores, o tudiosos há tempos estão alertando sobre a emissão exagerada dos gases que provocam o “aquecimento global”. Segundo
futuro da pesca está comprometido. Segundo o E. 1 (2014) as previsões são negativas, “cada vez pior,” afirma. Para o E. este último relatório IPCC (2014) entre os anos de 2000 e 2010 as emissões de gases aumentaram em média 2,2% ao ano.
3 (2014) a pesca na região “não tem mais futuro, pra cá não ganha mais. Pra fazê um futuro tem de trabalhá lá no Rio de
Como ponto de convergência, comprova-se que os pescadores também tem consciência da participação humana
Janeiro, nos barco de lá”.
nas mudanças climáticas e da natureza. Para exemplificar suas percepções, citaram a existência da ganância, o uso in-
E até a tecnologia contribuiu para o fim da pesca, segundo eles. Conforme disseram, “a tecnologia é bom, é... mas discriminado de equipamentos de pesca em grande escala, o desrespeito com as épocas de desova, a mudança nos ven-
na área da pesca prejudicou mais. Antes os barcos eram pequenos, com rede puxada à mão, era no olho, agora tem o tos e na vegetação costeira, a dificuldade em se fazer previsões de tempo (possível antigamente). Essa constatação fica
sonar que acusa onde tem peixe, ele explica até o tamanho do peixe, a quantidade de peixe, não fica nada” (E. 1, 2014). palpável diante da analogia do E. 1. Ele faz uma relação da natureza exaurida, congestionada, sufocada, saturada com
a construção e duplicação de estradas. Diz que mesmo que dupliquemos inúmeras vezes as pistas, as duplicações não
Para nossos entrevistados, chegamos à beira de um colapso. Nesse momento, podíamos perceber a emoção nos
darão conta do aumento indiscriminado de automóveis. Diante das impossibilidades que vislumbra do homem diante da
olhos do E. 1. As lágrimas brotavam das pálpebras do pescador ao dizer que “o ser humano está cavando a sepultura
problemática o E. 1 questiona: “como que vão desafogar?”.
dele, o ser humano no mundo inteiro, não tem mais como voltar.” E. 1 usou de uma metáfora, uma analogia dos proble-
mas que temos hoje no trânsito, para explicar nossa relação com a natureza e para denunciar que a mesma está saturada,
congestionada:
Considerações Finais
A estrada começou com uma pista, 20 carros passam... 100 carros... Foi aumentando... 200... Vamos fazer mais uma
pista... 500 carros... Agora sim vai desafogar o trânsito, mais uma pista, 500 carros... Aí vem as firmas de carro - que A pergunta e a emoção do E. 1 (quase um réquiem pela natureza) apontam na direção do Relatório do IPCC
não são do Brasil - colocam mais 2000 carros na rua...” (E. 1, 2014).
(2014). O relatório traz propostas de mitigação e adaptação que podem contribuir para esse “desafogar” do planeta terra.
Dentre as principais propostas do IPCC (2014) se encontra a redução no nível de emissão dos gases que provocam o efei-
Enquanto falava o E. 1, emocionado, desenhava as vias na lajota do chão. E encerrando ele mesmo a entrevista, to estufa, diminuindo consideravelmente o uso de combustíveis fósseis. Segundo o IPCC, as estratégias para mitigação
voltou seus olhos cheios de lágrimas para o horizonte do mar como se dele esperasse uma resposta à pergunta: “Como e adaptação dos riscos dependem da vulnerabilidade e exposição de cada região e as melhorias devem ser planejadas e
implementadas em todos os níveis desde o pessoal até o governamental. Para o IPCC (2014) outro importante recurso
10 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.

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consiste na integração das diversas formas de conhecimento (científico, local, indígena, tradicional). PACHAURI, Rajendra. In: BBC BRASIL. Dano causado por aquecimento global pode ser ‘irreversível’, diz IPCC.
02/11/2014. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141102_ipcc_relatorio_fn Acesso em:
Neste sentido, é importante a transdiciplinaridade das ações. A universidade, através de seus programas de ensi- 04 fev. 2015.
no, pesquisa e extensão, tem um importante papel no debate sobre a temática. Principalmente, na integração dos diversos
níveis do conhecimento, na relação com a comunidade e na produção científica que subsidie as discussões e a implan-
tação de políticas públicas na área. Bem como, a criação e implantação de propostas que considerem as especificidades
territoriais de cada região, com políticas públicas adequadas, estratégias e ações criadas a partir da inter-relação homem
e natureza.

Vimos que as mudanças climáticas e da natureza citadas pelo Relatório do IPCC (2014) se fazem acontecer e
já são perceptíveis ao olhar dos pescadores da Vila São Pedro em Navegantes/SC. Também que estamos à beira de um
“colapso” de proporções gigantescas. Se não ocorrerem mudanças drásticas para alterar o curso da situação e se a área
ambiental continuar a ser tratada com descaso, estaremos colocando em risco a existência da biosfera e a do próprio ser
humano no planeta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CARVALHO, Eduardo. Relatório da ONU vê ações contra mudança climática como insuficientes. 2014. Disponível
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SAPOS EM ÁGUA FERVENTE?: PERCEPÇÕES DOS MORADORES DO BAIRRO SÃO PEDRO, INTRODUÇÃO
NAVEGANTES (SC) SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS ADVINDAS DA DENSIFICAÇÃO
Cenários de catástrofes naturais recorrentes ligados às mudanças climáticas estão longe de ser apenas um devaneio
URBANA E DO FENÔMENO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
ou fruto da criatividade de grandes produções cinematográficas que preveem a extinção da espécie humana no planeta.
Essa preocupação é mais que atestada pela comunidade epistemológica e deveras difundida não só no meio científico,
mas também se tornou questão de segurança pública nas agendas políticas, doméstica e internacional nas diversas nações.
Anderson de Miranda Gomes1; Gisele Odebrecht Noll; Cristiane Mansur Moraes de Souza; Juarês José Aumond.
A divulgação do quinto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2014 traz uma
contundente relação entre as condicionantes naturais do fenômeno e a responsabilidade catalisadora da ação antrópica.
Apesar dessa significante constatação referente à contribuição do homem na influência da dinâmica planetária das mudanças
RESUMO climáticas, permanecem ainda incertezas quanto às reais consequências do aquecimento global, sendo as previsões mais
A pesquisa foi realizada na Foz do Rio Itajaí-Açu no Bairro São Pedro, Navegantes (SC). A área de estudo foi escolhida otimistas bem perturbadoras frente ao futuro das populações e ao planejamento urbano.
devido à vulnerabilidade da população local, ocasionada pelo fraco planejamento urbano em relação aos impactos
ambientais advindos da densificação urbana e as mudanças climáticas. O objetivo do mesmo é verificar a percepção dos Nos últimos dois milhões de anos já ocorreram aproximadamente 16 alternâncias entre períodos de efeito estufa,
moradores do bairro sobre como as mudanças climáticas e a ação antrópica influenciam nas transformações do ambiente. ou interglaciais, os quais duram em média 10.000 anos, e glaciares, que são períodos muito mais perversos do ponto de
A pesquisa exploratória utilizou-se de trabalho de campo com coleta de dados primários (entrevistas) e incursões
guiadas por um geólogo, uma arquiteta e um geógrafo. Buscou-se traçar um paralelo entre os pontos convergentes e vista da sobrevivência da espécie humana, com duração em média de 100.000 anos. Já se passaram mais 10.000 anos da
divergentes das entrevistas numa socialização no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) presente era interglacial, sendo que já dever-se-ia ter entrado na era glacial2.
da Universidade Regional de Blumenau (FURB), trazendo uma ampliação da análise comparativa dos dados coletados
com os demais grupos de pesquisadores da área. Também foi utilizada pesquisa bibliográfica para fundamentação teórica Este momento na história da humanidade é deveras delicado, pois se vive um período em que os riscos são auto
e contextualização do objeto de estudo. Os resultados encontrados identificam que há uma percepção fragmentada dos gerados e difíceis de serem superados (AZKARRAGA et all, 2011). O recorte escolhido neste trabalho foi a foz do Rio
moradores do Bairro São Pedro sobre as transformações do ambiente, um desconhecimento sobre os impactos das
mudanças climáticas e do processo de densificação urbana na localidade. Itajaí, que separa os municípios de Itajaí e Navegantes. A escolha se deu porque nas fozes dos rios é que se veem os
impactos mais fortes do ponto de vista urbano na dinâmica socioespacial, econômica e ambiental da população. Ou seja,
grande parte da população urbana está localizada na orla, sendo que a densidade de ocupação humana urbana é cinco
Palavras-chave: Mudanças Climáticas; Urbanização; Planejamento Urbano; Navegantes. vezes maior que no interior (ACOT, 2003). Optou-se ainda pelo bairro São Pedro em Navegantes, devido às características
populacionais na área, em que há ainda uma população associada à pesca artesanal, dependendo direta ou indiretamente
da mesma. Essa população estaria habituada e diretamente envolvida no processo das mudanças ambientais ocorridas no
ABSTRACT processo de densificação, da instalação do terminal de contêineres (PORTONAV) e das alterações climáticas.
The survey was conducted at the mouth of the Itajaí-Açu River in São Pedro Neighbourhood, Navegantes (SC). The
Entretanto, estaria essa população ciente das transformações que ocorrem dentro do território em que habitam e
study area was chosen because of the vulnerability of the local population, caused by poor urban planning in relation
to environmental impacts from urban densification and climate change. The purpose of it is to check the perception decorrem suas dinâmicas socioeconômicas? Ou seja, os entrevistados percebem as transformações no Bairro São Pedro,
of neighborhood residents on how climate change and human activities affect the environment changes. Exploratory Navegantes (SC) ocasionadas pela densificação urbana (com pouco planejamento) e pelos efeitos das mudanças climáticas?
research was used in fieldwork with primary data collection (interviews) and excursions guided by a geologist, an architect
and geographer. It was attempted to draw a parallel between the convergent and divergent points of the interviews in A partir das entrevistas feitas aos moradores do Bairro São Pedro, constatou-se que os mesmos teriam uma
socialization at the Graduate Program in Regional Development (PPGDR) of the Regional University of Blumenau
consciência fragmentada a respeito das transformações socioeconômicas advindas de um planejamento urbano que não se
(FURB), bringing an expansion of the comparative analysis of data collected with the other groups of researchers. It
was also used literature to theoretical foundation and context of the subject matter. The results identify that there is a ateve à perspectiva de crescente densificação urbana e das transformações ocasionadas pelas mudanças climáticas. Em
fragmented perception of the residents of São Pedro Neighborhood on environmental transformations, partial ignorance uma analogia feita pelo Professor Aumond, em que sapos estariam sendo aquecidos em uma panela até a morte sem notar
about the impacts of climate change and the urban densification process in the locality. o que está acontecendo, verifica-se que há uma incorporação por parte dos moradores de situações que passam a ser vistas
como normais, como alagamentos, tempestades devastadoras, perda da fauna marinha, ondas de frio atípicas, sendo que
eles não se dão conta que todos esses eventos seriam respostas ao momento de inflexão e de imprevisibilidade climática
Keywords: Climate Change; urbanization; Urban Planning; Navegantes.
do momento de transição de uma era interglacial para a próxima era glacial.
1 Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB - andlestat@
hotmail.com 2 Informações retiradas da aula ministrada pelo Professor Juarês Aumond em 12 de dezembro de 2014.

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Assim, este trabalho está dividido em cinco partes: uma delimitação do marco teórico que versa sobre a questão carbono (CO₂), Metano (CH4), Óxido Nitroso (N2), Ozônio (O3), Clorofluorcarbonos (CFCs), entre outros por queima de
das mudanças climáticas, a exposição da metodologia e dos procedimentos realizados para a pesquisa, a delimitação da combustíveis fósseis, industrialização de grande escala, queimada de biomassa, desmatamento das florestas, combustão
área estudada (Bairro São Pedro, Navegantes-SC), os pontos convergentes e divergentes das entrevistas realizadas aos dos carros, flatulência do gado, práticas agrícolas inadequadas, densificação desenfreada urbana entre outras ações
moradores do Bairro São Pedro e finalmente algumas considerações. antrópicas. Ou seja, a espécie humana é responsável por esse ponto de inflexão, que tem protelado a entrada na próxima
era glacial.

As mudanças climáticas: Período de inflexão que urge por medidas preventivas e efetivas de planejamento urbano Nos últimos 600.000 mil anos a quantidade de CO2 na atmosfera estava abaixo de 190 PPM (partes por milhão).
Com o advento da espécie humana e do processo industrial e demais dinâmicas supracitadas, em novembro de 2014 atingiu-
se pela primeira vez 400 PPM, sendo que atualmente oscila-se de 395 a 405 PPM nos últimos oito meses. E por estar-se
Conforme dito anteriormente, o planeta passa por uma série de transformações, muitas delas com aparente nesse ponto de inflexão das mudanças climáticas, uma imprevisibilidade sem precedentes recai sobre as populações,
imprevisibilidade frente aos ciclos naturais já conhecidos. São entre um desses fenômenos em situação deturpada sendo sentidas principalmente por aquelas de mais frágeis condições. Enquanto o globo todo está aquecendo, têm-se
enumeradas por Conti (2005) o degelo das calotas polares, a redução da cobertura de neve das altas montanhas em várias desorganizadas e curtas ondas de frio, chuvas torrenciais em determinado ponto e há 200 km de distância uma estiagem
latitudes, a elevação do nível do oceano, verões extremamente quentes. Segundo o autor, antes mesmo de ser publicado brutal. Isto se dá porque se atingiu um ponto de desequilíbrio do clima em que a natureza encontra-se desordenada3.
o Relatório do IPCC de 2014, que não se pode negar a ação do homem sobre as transformações no clima, no entanto é
Deve-se enfatizar com veemência que essas mudanças climáticas sempre aconteceram e que não é porque o ser
necessário lembrar que as mudanças climáticas seguem uma lógica natural, cíclica e de complexidade macro:
humano encontra-se presente, que o fenômeno irá deixar de ocorrer. E a entrada numa era glacial, como dito antes, será
A elevação da temperatura global vem efetivamente ocorrendo, mas é indispensável avaliar com base numa ainda mais perversa do que diz respeito a adaptabilidade das populações, sendo que se a humanidade sobreviver a essa
investigação mais abrangente, que leve em conta a ação antrópica, representada pela liberação intensa de gases
de efeito estufa, derrubada de florestas tropicais, superexploração da natureza desconsiderando os princípios da próxima etapa das mudanças climáticas será uma população reduzida habitando próximo a faixa do equador.
sustentabilidade, mas também os processos naturais de macro-escala, incluindo os da esfera geológica e astronômica
(CONTI, 2005, p. 72). Após discorrer sucintamente sobre alguns pontos sobre as mudanças climáticas, passa-se a discutir um ponto de
inquietude principalmente quando se pensa o planejamento urbano, a transgressão marinha advinda da subida do nível
do mar. Como mencionado na introdução do trabalho, trabalhar-se-á com a previsão mais otimista dos dados do IPCC
Assim, deve-se considerar a passagem dos períodos interglaciares para os glaciares como sendo naturais e
sobre a questão da eustasia, a qual revela que o nível dos oceanos irá subir 55 cm da cota atual do nível do mar na vertical
dependendo de fatores relacionados aos movimentos orbitais da terra, sendo que suas inclinações ocasionariam maior ou
até o final do século. É interessante salientar que quando o oceano sobe um centímetro na vertical ele pode avançar
menor exposição à radiação do sol. No entanto, ainda há aqueles cientistas que afirmam que esses não seriam os fatores
quilômetros adentro do continente, isso dependendo da morfologia e do tipo de rocha da localidade.
suficientes para transposição desses períodos (NETNATURE, 2012).
Ao se afirmar que a população residente no litoral está muito mais suscetível aos problemas gerados pela eustasia
Nas eras interglaciais, ou de efeito estufa, a qual presencia-se na atualidade, são características, o período de
está se analisando os impactos socioeconômicos no ponto de vista mais imediato do fenômeno. Isso não quer dizer que
constantes chuvas e de intenso calor, em que com o degelo das calotas polares e do alto das cordilheiras, além da
as demais áreas no interior do continente não irão sofrer por essa dinâmica da natureza. O caso de Joinville (SC) ilustra
expansão das moléculas de água no estado líquido faz com que se eleve o nível do mar. Como dito por Conti (2005) é
bem essa situação: o município está assentado em um mangue, sendo que o esgotamento das águas pluviais, do esgoto
importante lembrar que sem o período de efeito estufa , a temperatura da Terra que em média é de 15º C, passaria para
é uma coisa complicadíssima hoje, na localidade. Quando se fala que o nível do oceano irá subir 55 cm na vertical
-18º C, tornando inviável a permanência da biosfera tal como hoje se conhece. O fenômeno se origina da radiação solar
até o final do século, esse impacto não ocasionará distorções somente na costa, porque o nível freático no interior do
incidindo sobre as superfícies líquidas, transformando-as em vapor, sendo que em baixas latitudes (inferiores a 30º C)
continente, da área urbana também irá subir 55 cm. Joinville terá que repensar todo o sistema de esgotamento das águas.
recebe cinco vezes mais energia solar, enquanto em latitudes superiores a 60º C esse calor apesar de inferior se concentra
nos oceanos, intensificando a evaporação da água, cuja dinâmica geral da atmosfera encarrega-se de distribuir o vapor Para as localidades litorâneas como as cidades catarinenses de Itajaí e Navegantes, esse problema se antecipa e
por todo planeta e alimentando o efeito estufa natural global. com as suas áreas urbanas densificando em termos de ocupação na orla por várias razões como a valorização dos imóveis,
a instalação e expansão das áreas portuárias, a migração crescente do interior para a costa, tem-se uma preocupação
Nas eras glaciares, por sua vez, o clima é frio, ventoso, as florestas se contraem, chove pouco, sendo que
ainda mais urgente.
quando há precipitação, essa é em grandes quantidades, caracterizando um processo erosivo muito forte. A rigor já
dever-se-ia ter entrado numa era glacial, sendo que essa passagem não aconteceu devido ao índice de garantia de 95% do Ao se analisar de forma mais abrangente, numa perspectiva macro, estas cidades caracterizam em primeiro
relatório do IPCC 2014 de que a espécie humana seria responsável pelas emissões dos gases de efeito estufa: Dióxido de 3 Informações retiradas da aula ministrada pelo Professor Juarês Aumond durante a incursão do dia 12 de dezembro de 2014.

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plano uma planície com cerca de 1 metro acima do nível do mar e algumas ondulações entre três e quatro metros acima um geólogo, um geógrafo e uma arquiteta (professores da disciplina Planejamento Urbano), os quais, num olhar mais
da cota de planície. Esses dois níveis altimétricos de cotas representam uma planície de área de inundação permanente, abrangente do ponto de vista dos impactos das mudanças climáticas no planejamento urbano do bairro e município,
sendo que quando há alagamentos nas cidades com Blumenau (SC), pode-se afirmar certamente que Navegantes e Itajaí chamaram a atenção para as distorções da percepção dos moradores para a realidade apresentada. Nesta oportunidade o
também sofrem com esse processo. Professor Juarês Aumond comparou o resultado das entrevistas à realidade e das projeções sobre a transgressão marinha
e demais efeitos do momento de inflexão atual das mudanças climáticas, realçando o pouco conhecimento e a falta de
As ondulações que se elevam acima da cota de primeiro plano são formações de idade correspondente entre dez a
importância dos moradores sobre o tema do aquecimento global e a eustasia. Também foi utilizada pesquisa bibliográfica
15 mil anos, formadas de material arenoso, siltoso e argila. Há 5.500 AC o nível do mar estava cerca de três metros acima
para fundamentação teórica e contextualização do objeto de estudo, a qual será disponibilizada para os trabalhos vindouros
da cota atual do nível do mar, sendo que toda essa planície estava submersa, sendo evidenciado por meio dos sambaquis
de dissertações e teses dos mestrandos e doutorandos.
encontrados a 15 km de distância do mar na área de Gaspar (SC) que se depositou areia num mesmo nível. A subida dos
três metros acima e sua retomada a cota atual do nível do mar se deu num período de 200 anos. Nesse período não se tinha
revolução industrial, o europeu não se encontrava neste território, ou seja, trata-se de uma evidência que já se teve picos
Delimitação da área de pesquisa
de elevação do mar muito maiores do que os atuais presentes nessa era de aquecimento, de degelo e de aquecimento da
água do mar. Houve um processo que tende a se repetir em relação a transgressão da água do mar para o continente, antes A área escolhida para a análise do trabalho corresponde ao Bairro São Pedro, no município de Navegantes,
mesmo de entrar-se novamente numa nova glaciar. Santa Catarina. A historiadora Mafra (2015) explica que a região era uma planície pouco povoada, situada à margem
esquerda do Rio Itajaí Açu, denominada de Pontal da Areia por possuir um extenso banco de areia entre o rio e o mar.
Para o homem moderno trata-se da primeira experiência, sendo que o aquecimento está sendo lento, gradual e
Esta característica torna a região menos alagadiça que as terras da margem direita (atual Itajaí) proporcionando condições
contínuo. Por sua vez a humanidade não se dá conta que esta está suscetível aos problemas causados pelas distorções e
propícias para os imigrantes portugueses, vindos de São Francisco, atracarem. As primeiras famílias que povoaram a
desequilíbrios do ponto de inflexão do momento. Está se incorporando os desastres ambientais tais como movimentos de
região residiam à margem do rio e próximo à praia (hoje bairro São Pedro) e tinham como principais subsídios a pesca
massa, inundações, estiagem, nevascas curtas e violentas mesmo quando o mundo está aquecendo.
artesanal, presente ainda hoje no local, e a agricultura de subsistência. No Pontal moravam famílias de lavradores, sendo
Tendo esse olhar de que as mudanças climáticas são processos naturais e que o homem é um agente que altera estas as terras mais férteis e também havia engenhos de farinha para beneficiamento do que era colhido.
as estruturas desse fenômeno, é necessário que se projete cenários para o que irá acontecer na área urbana das cidades
Atualmente, o bairro é predominantemente residencial, sendo em sua maioria pescadores e pessoas que vivem de
litorâneas como Navegantes, que com a certeza de 95% (numa visão otimista da comunidade epistemológica) em 70 anos
pequenos empreendimentos. Há uma heterogeneidade em relação à infraestrutura das moradias, refletindo a condição de
no máximo estará enfrentando graves problemas referentes à transgressão marinha. O que vai acontecer em Navegantes?
renda de seus moradores. As ruas no geral, não possuem calçadas, ou pelo menos não nos padrões de segurança, forçando
Quais os impactos econômicos, sociais e ambientais na localidade? A população está preparada para essas mudanças, ou
os pedestres disputar espaço com os veículos automotores.
melhor, estão cientes do que está para acontecer num futuro próximo?
Durante o reconhecimento do bairro pôde-se observar sua característica residencial, assim como o vínculo entre

seus moradores com o rio e o mar, os quais deram sua origem. Alguns terrenos baldios dão acesso direto da rua ao rio,
Metodologia e Procedimentos percebe-se o desrespeito da Área de Preservação Permanente, na margem do rio, lugar de as construções avançam até
o último metro de terra, algumas inclusive sobre o rio construindo atracadores para pequenas embarcações particulares.
O trabalho representa uma pesquisa exploratória, na qual se realizou duas visitas de campo no bairro São Pedro
em Navegantes (SC), sendo a primeira no dia 21 de novembro de 2014 com a coleta de dados primários (entrevistas), Próximo à foz do Rio Itajaí Açu, no lugar da Área de Preservação Permanente, encontra-se entulho e lixo
mapeamento da localidade, observação de suas potencialidades como bairro e estudo de como as mudanças climáticas depositado pelos moradores. Esta não é habitada e os terrenos formam pequenas praias de rio, grande potencial para
eram percebidas pelos moradores antigos na foz do Rio Itajaí Açu. Para atingir os objetivos da visita, foram realizadas mais uma área de lazer e recreação para a população, se revitalizada. A sua circulação é restrita e fiscalizada por ser o
anotações de campo e fotos de diversos pontos do bairro, para assim registrar as características típicas do local, além de local de aproximação de grandes embarcações em direção ao porto. Observa-se ainda, que nas praias do rio há pouca
entrevistas com os moradores mais antigos. Posteriormente, houve uma socialização das entrevistas e das observações vegetação de restinga.
entre os mestrandos, doutorandos e professores do PPGDR com o intuito de ampliar a análise comparativa dos dados
coletados.
Pontos convergentes e divergentes nas entrevistas os moradores do Bairro São Pedro
A segunda visita de campo ocorreu em 12 de dezembro de 2014 e configurou-se numa incursão guiada por

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Para este trabalho foram realizadas entrevistas semiestruturadas com diferentes moradores do Bairro São Pedro. O aparatos urbanos; e a influência do porto nas transformações urbanas no bairro.
questionário das entrevistas foi dividido em cinco partes, procurando abranger diversas questões de aspectos climáticos,
Na parte IV, referente às questões climáticas, constituída por cinco perguntas, nenhuma das questões convergiu,
socioeconômicos e políticos: (I) Informações gerais dos entrevistados: foram recolhidos dados sobre o modo de vida
deixando clara a falta de percepção por parte dos moradores sobre as mudanças climáticas e suas consequências. Dentre
dos moradores; (II) História da comunidade: para visualizar qual o grau de conhecimento da história do bairro por
as perguntas não respondidas estão a condição climática (ressacas, temporais, alagamentos, entre outros) quando os
seus moradores; (III) Urbanização e planejamento: objetivando obter a percepção dos moradores do bairro sobre seus
mesmos vieram residir na comunidade; qual é a condição climática atualmente; a percepção de alguma alteração no nível
aspectos positivos e negativos quanto à qualidade dos serviços prestados pela prefeitura; (IV) Questões climáticas, atuais
do mar; alterações na cor da água do mar nos últimos anos; e as mudanças na comunidade em decorrência das mudanças
e históricas: percepções sobre as alterações na região da foz do Rio Itajaí Açu; (V) Condições naturais e contextuais:
climáticas.
compreender a percepção dos moradores de como os fatores naturais influenciam sobre a sua qualidade de vida. Ao total
foram 72 perguntas, sendo destas, nove (12,5%) não respondidas pela maioria dos entrevistados, 36 respostas (50%) A última parte (V) da entrevista trata as questões naturais e contextuais do bairro. Na ocasião foram realizadas
divergiram entre os entrevistados e apenas 37,5% (27 respostas) tiveram seus pontos de vista convergentes. 15 perguntas, das quais quatro convergiram, duas divergiram e nove perguntas, a maioria dos entrevistados preferiram
não responder. A maioria dos entrevistados afirma que o clima está esquentando, porém de forma agradável; o bairro não
Na primeira parte da entrevista perguntou-se sobre as informações gerais dos entrevistados. Entre as convergências
possui fontes de poluição do ar e sonoras (apesar de observar-se intensa movimentação de grandes embarcações ao sul
observa-se que todos os entrevistados são casados ou possuem seus respectivos cônjuges; em suas residências habitam
do bairro e fluxo moderado de aviões ao norte). Divergiram as questões relacionadas às estações do ano, periodicidade e
apenas os membros da própria família (filhos e cônjuge), sendo que os mesmos não continuaram os estudos, não
intensidade do verão e inverno; e a qualidade do ar (os quais não observaram significativas mudanças, mas atribuíram tais
ultrapassando o grau de instrução referente ao ensino médio. Todos os entrevistados possuem residência própria e
transformações à condicionantes externas ao bairro. Dentre as perguntas não respondidas estão: Como era a vegetação
atualmente trabalham. Em ralação às divergências, nota-se que as suas origens e de seus familiares são diversificadas;
da área quando o sr. (sra.) se instalou na comunidade?; Quais as principais alterações na vegetação no período que o
o grau de instrução dos mesmos é divergente no grupo, porém todos não ultrapassando o ensino médio; o número de
senhor (a) percebeu durante o tempo em que mora na comunidade?; Há rios ou lagos na comunidade?; Havia rios ou
pessoas que residem nas habitações, a diferença de renda e também a obtenção de benefícios cedidos pelo governo traz
outros recursos hídricos que desapareceram com o tempo no bairro?; Quais foram as principais alterações no relevo nos
a ideia de heterogeneidade neste quesito a esta população.
últimos anos?; Qual a origem destes ruídos (natureza, atividades econômicas, poder público)?; Quais as alternativas que
Na parte II, as perguntas foram direcionadas à história da comunidade São Pedro e das 11 perguntas apenas poderiam ser adotadas para a preservação da vegetação e recursos naturais na comunidade?; Estas alternativas já foram
seis convergiram. Todos entrevistados tem ciência de que foram pescadores que deram origem ao bairro; que o Bairro apresentadas ao poder público?; e há consulta aos moradores da comunidade quando ocorre uma obra ou alteração que
vem crescendo devido ao grande número de oportunidades de trabalho que o porto oferece; que devido a diversidade modifique a paisagem local?
populacional o bairro perdeu sua característica estritamente pesqueira; que o bairro São Pedro deixa de ser visto de forma
negativa pelos moradores dos demais bairros de Navegantes, passando a ser um local atrativo e pacífico. As questões
divergentes da parte II estão relacionadas à origem do nome do bairro; a origem dos primeiros pescadores; a ciência Considerações Finais
sobre a representação política no bairro em relação a vereadores no passado e no presente, comissões e associações de
bairro e suas atuações na comunidade. Houve um grande desencontro de informações, as quais mostram que apesar de Pode-se com esse estudo prévio, por meio de uma análise dos relatórios do IPCC e das observações feitas em
inseridos no bairro, os moradores não conhecem sua história. loco no Bairro São Pedro, apresentar algumas prévias conclusões: Essa comunidade será bastante afetada em relação
aos setores econômicos, sociais e ambientais, sendo que a medida em que há a subida do nível do mar, haverá mudanças
A parte III da entrevista refere-se à urbanização e planejamento do bairro, sendo que foram realizadas 27 significativas no padrão de distribuição da fauna fluvial e marinha; deslocamento de pessoas, as quais ficarão desalojadas;
perguntas, das quais apenas 13 convergiram. Analisando as questões convergentes, percebe-se que na visão dos moradores interferência na dinâmica econômica devido à importância do porto e sua posição em área de submersão, não somente
o bairro é bem estruturado no que diz respeito a postos de saúde, escolas e creches; as ruas são bem iluminadas; os serviços para a população do bairro São Pedro, do município de Navegantes, mas para todo o Estado de Santa Catarina, que
de limpeza e coleta de lixo são suficientes e todas as residências têm acesso à rede de água tratada e energia elétrica; depende deste importante empreendimento de escoamento de produção e importação de produtos.
sempre que algum serviço público é alterado os entrevistados afirmaram que a população é chamada para discussão
e debate, sendo consultada; e que em contra partida, as calçadas são ruins e de baixa acessibilidade. Os entrevistados O padrão de vida no bairro não é muito bom. A maior perda está na cultura do povo que vivia muito mais
divergiram sobre os seguintes pontos: não conseguiram elencar três pontos positivos e negativos de se viver no bairro; contemplativo com a natureza, a cultura ligada ao mar que vai se perdendo, dando lugar à cultura da rotina da cidade do
a presença de transporte público e sua eficiência no atendimento a população; o valor das tarifas de transporte público; ferro e do concreto e do emprego de carteira assinada. Apesar de ser uma situação irreversível, é papel da Universidade
presença de delegacias e de segurança pública no bairro; periodicidade da coleta de lixo; condições das ruas, calçadas e em entender essa mudança cultural e buscar alternativas de preservar os modos de vida e da cultura por meio de relatos
e documentos que pelo menos salve a memória destes povos que ali vivem. Com as mudanças climáticas as condições

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dessas pessoas ainda tendem a piorar, sendo que os mais pobres serão os que sentirão mais profundamente as marcas UMA ANÁLISE DAS OCORRÊNCIAS E DOS AFETADOS POR DESASTRES NO LITORAL DO PARANÁ
destas mudanças. COM BASE NO SISTEMA INTEGRADO DE DEFESA CIVIL

Sobre a percepção dos moradores sobre o planejamento urbano e as transformações ambientais advindas das Lindsey Souza Cruz de Camargo; Liliani Marília Tiepolo
mudanças climáticas têm-se as seguintes considerações: Devido ao processo da elevação do nível do mar ser lento e
gradual, a percepção dos moradores não se atém a subida do nível do mar, acreditando que o mesmo tem abaixado, RESUMO
não correspondendo a realidade, conforme verificado nos diversos relatórios do IPCC. A incorporação dos problemas
O litoral do Paraná é uma região que comporta sete municípios: Guaraqueçaba, Antonina, Morretes, Paranaguá, Pontal
causados pela crescente urbanização e o processo de densificação no bairro pelos moradores são tidas como sendo um do Paraná, Matinhos e Guaratuba e possui 6.058.043Km² de área total, com população total de 265.392 habitantes.
processo natural e em devida ordem, não representando distorções no seu modo de vida e no ambiente a sua volta. Trata- A partir deste recorte geográfico, analisamos os dados do Sistema Integrado de Defesa Civil do Estado no período de
se da analogia do sapo dentro de um vasilhame com água que aos poucos vai aquecendo sem que o mesmo perceba, até 2008 a 2013 com o objetivo de analisar a vulnerabilidade territorial em relação a ocorrência de desastres e número de
pessoas afetadas. Nossos resultados revelam que os dados apresentados pela Defesa Civil são muito discrepantes entre
sua morte. si, deixando muitas dúvidas em relação à confiabilidade. Considerando o Relatório de 2014 (baixado no dia 7 de maio de
2014), podemos concluir que o litoral do Paraná é uma região de extrema vulnerabilidade territorial com destaque para os
Por fim, os fenômenos naturais, em sua maioria, se constituem em sistemas dinâmicos complexos que apresentam desastres de inundação, enxurrada e alagamentos. Também se destaca os desastres provocados por atividades industriais,
uma dinâmica evolutiva determinada pela sua estrutura e pelos fatores externos (AUMOND et al, 2009). Sendo assim, especialmente relacionados as atividades portuárias diretas e indiretas. Os municípios que apresentaram o maior número
devido a complexidade dos conflitos gerados pelas mudanças climáticas, deve-se estar atento a não embarcar num de pessoas afetadas foram Matinhos, seguido de Guaratuba e Morretes, com 51.260, 44.408 e 19.043 pessoas afetadas.
Já o maior número de ocorrências foi concentrado em Paranaguá com 56 notificações, seguido de Guaratuba com 44 e
discurso social fácil de que tudo irá se resolver por si só. As mudanças climáticas representam um processo irreversível,
Guaraqueçaba com 24. Podemos considerar que são necessárias a implementação urgente de políticas de defesa civil
o qual se há necessidade de avaliar as diversas propostas de planejamento, inclusive as mais exóticas com todas as para prevenir e preparar a região em relação a desastres, que prevalecem durante os meses de verão, período que merece
potencialidades positivas e negativas. Faz-se necessário um planejamento que leve em consideração essas ocorrências, muita atenção por parte dos gestores.
de maneira preventiva e de longo prazo.
Palavras-chave: Defesa Civil; Litoral do Paraná; Desastres; Vulnerabilidade.

Referências Bibliográficas
ABSTRACT
ACOT, P. Histoire du Climat. Paris, Editions Perrin, 2003, 309 p.
The coast of Paraná State is a region which includes seven counties: Guaraqueçaba, Antonina, Morretes, Paranaguá,
ADGER , N.; BROO ks, N.; BENTHAM, G.; AGNEW, M.; ERIKSEN, S. New indicators of vulnerability and adaptive Pontal do Paraná, Matinhos and Guaratuba, with 6.058.043Km² of total area and a total population of 265.392 inhabitants.
capacity. Norwich: Tyndall Centre for Climate Change Research TechnicalReport, n. 7, 2004. From this geographical focus, we analyzed the data of the Integrated System of Civil Defense of the State between the
AUMOND, J. J.; SEVEGNANI, S.; BACCA, L. E. Condições naturais que tornam o vale do Itajaí sujeitos aos years 2008-2013 with the objective of analyzing the territorial vulnerability to disaster occurrence and number of people
desastres. In: Frank B.; Sevegnani, L. (Org.) Desastre de 2008 no vale do Itajaí: Água, Gente e Política. Blumenau: CEF, affected. Our results reveal that the data presented by the Civil Defense are very discrepant from each other, leaving
2009. doubt regarding the reliability. Considering the Report of 2014 (lowered 7 of may of 2014) we can conclude that the
coast of Paraná is a region of extreme territorial vulnerability to disasters especially flood and waterlogging. Also stands
AZKARRAGA, J., MAX-NEEF, M., FUDERS, F., ALTUNA, L. Evolución sostenible: apuntes para uma salida razonable. out the disasters caused by industrial activities, especially related direct and indirect port activities. The counties that
Eskoriatza: Instituto de Estudios Cooperativo de la Universidad de Mondragón (Lanki), 2011. had the largest number of people affected were Matinhos, followed by Guaratuba and Morretes, with 51,260, 44,408
CONTI, J.B. Considerações sobre as mudanças climáticas globais. (USP), v. 16, p. 70-75, 2005. and 19,043 people affected. The highest number of cases was concentrated in Paranaguá with 56 notifications, followed
by Guaratuba with Guaraquecaba with 44 and 24. We can be considered that the urgent implementation of civil defense
MAFRA, V. R. História. Disponível em: < http://www.navegantes.sc.gov.br/c/historia > Acesso em: 10 Fev. 2015 policies are needed to prevent and prepare the region in relation to disasters due to, which prevail during the summer
months, a period that deserves close attention by managers.
NETNATURE. O Intenso Fenômeno Climatológico Denominado Glaciação. Acesso em 27 de Fevereiro de 2015.
Disponível em: < https://netnature.wordpress.com/2012/09/19/o-intenso-fenomeno-climatologico-denominado-
glaciacao/> desde 19 de Setembro de 2012. Keywords: Civil Defense; Coast of Paraná; disasters; vulnerability.

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INTRODUÇÃO e o entendimento sobre os desastres ocorridos no Estado do Paraná, deixando muitas dúvidas sobre a confiabilidade
A Defesa Civil é o órgão responsável pelo conjunto de medidas permanentes que visam evitar, prevenir ou minimizar da informação, visto que apresentam informações diferentes nos seus bancos de dados. Por exemplo: o Relatório
as consequências dos eventos desastrosos e a socorrer, assistir as populações atingidas, limitando os riscos de perdas 2013 contém informações adicionais como o número do decreto, o número de desalojados, desabrigados, deslocados,
materiais e restabelecendo o bem-estar social. Adotando medidas preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas, desaparecidos, mortos, enfermos, levemente feridos, gravemente feridos, afetados, casas danificadas, casas destruídas,
tanto em situação de normalidade, quanto de anormalidade, situação de emergência ou estado de calamidade pública. total de municípios afetados e o total de ocorrências. Ao passo que o Relatório de 2014 baixado em 7 de maio de 2014
não apresenta estas informações, possuindo apenas o total de municípios atingidos, total de ocorrências e total de pessoas
No dia 24 de agosto de 2012, surgiu a instrução normativa Nº1 do Ministério de Integração Nacional, que
afetadas, além da data, o tipo de desastre. Para efeitos de análises dos resultados aqui apresentados, utilizaremos as
estabelece procedimentos e critérios a decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública pelos
informações do Relatório de 2014.
municípios, Estados e Distritos Federais para o reconhecimento Federal das situações de anormalidades decretadas pelo
O litoral paranaense é formado por Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e
ente federativo e das outras providencias.
Pontal do Paraná, com 265.392 habitantes no total. No período de 2008 a 2013, os municípios que se destacam com
O capítulo I da instrução normativa trata dos critérios para decretação de situação de emergência e estado de maior número de pessoas afetadas por desastres foram: município de Matinhos, com 51.260 pessoas afetadas em três
calamidade pública, definindo os termos desastres, situação de emergência, estado de calamidade pública e também notificações de ocorrências, o município de Guaratuba com 44.408 pessoas afetadas em 44 ocorrências e o município
menciona a quem cabe o ato de decretação de situação de emergência e estado de calamidade pública. de Morretes, com 19.043 pessoas afetadas e com 22 notificações de ocorrências. Foi possível identificar que o verão é a
Para os efeitos desta normativa, define-se situação de emergência como situação de alteração intensa e grave época mais preocupante em relação à ocorrência de desastres no Litoral do Paraná, com 115.207 pessoas afetadas em 77
das condições de normalidade em um determinado município, estado ou região, decretada em razão de desastre, notificações de ocorrências, o que corresponde a 80% dos habitantes no total de afetados ao longo do ano.
comprometendo parcialmente sua capacidade de resposta; estado de calamidade pública como situação 101 de alteração Tabela 1: Número total de afetados no litoral do Paraná de acordo com as estações do ano, no período de 2008 a 2013,
intensa e grave das condições de normalidade em um determinado município, estado ou região, decretada em razão de decorrentes de desastres segundo dados do Sistema Integrado de Defesa Civil, compilados pela autora.
desastre, comprometendo substancialmente sua capacidade de resposta (Instrução Normativa Nº1 do Ministério de
Estação 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Total
Integração Nacional). Verão 1.485 3.800 58.966 46.402 1.848 2.706 115.207
Com base no exposto, o objetivo central deste trabalho é analisar as ocorrências e afetados por desastres no litoral Primavera 470 122 362 951 1.180 16.217 19.302
Outono 600 0 829 120 1.733 19 3.301
do Paraná, com base nos dados disponibilizados pelo Sistema Integrado de Defesa Civil.
Inverno 136 1.534 33 2.253 33 1.755 5.744
Total 2.691 5.456 60.190 49.726 4.794 20.697 143.554

METODOLOGIA
Este estudo foi realizado a partir dos dados oficiais do Governo do Estado do Paraná, no período compreendido Constamos que os meses de Janeiro, Março, Fevereiro e Dezembro são os que concentram 80% do número de
entre janeiro de 2008 até dezembro de 2013, tendo como foco de interesse os sete municípios do Litoral do Paraná, com afetados por desastres no litoral do Paraná. O mês de setembro também merece destaque, com 6.655 pessoas afetadas.
suas respectivas populações em ordem decrescente, segundo IBGE (2010): Paranaguá (140.469 habitantes), Guaratuba Os desastres do mês de Janeiro afetaram 57.751 pessoas com 19 notificações de ocorrência, seguido do mês de fevereiro
(32.095 habitantes), Matinhos (29.428 habitantes), Pontal do Paraná (20.920 habitantes), Antonina (18.891 habitantes), com 19.384 afetados com 31 notificações. Os municípios do litoral paranaense com o maior número de pessoas afetadas
Morretes (15.718 habitantes) e Guaraqueçaba (7.871 habitantes). por desastre são: município de Matinhos sendo o tipo de desastre inundação que afetou 35.000 pessoas, Guaratuba com
Para a obtenção das informações foram pesquisados documentos e dados secundários de sítios oficiais da internet alagamento afetando 21.417 pessoas e Morretes com o desastre enxurrada afetando 18.399 pessoas.
dos seguintes órgãos: Casa Militar, Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil do Governo do Estado do Paraná No período analisado (2008 a 2013) foi constatado no relatório (2014) que no litoral do Paraná o número total de
(CEDEC) (http://www.defesacivil.pr.gov.br/), em especial o relatório de ocorrências da Defesa Civil do Sistema de Controle ocorrências de desastres notificados pela Defesa Civil foram 163, que correspondente a 6.3% das ocorrências do Estado
da Defesa Civil (SISDC). Utilizamos nas análises dois relatórios distintos, um deles o Relatório de 2013, baixado em 6 do Paraná. Estas ocorrências deixaram 7.652.545 pessoas afetadas no Estado do Paraná por meio de 2.581 ocorrências,
de junho de 2013 e o Relatório de 2014, baixado em 7 de maio de 2014. sendo que é relevante o fato de que no litoral do Paraná 143.554 pessoas foram afetadas, correspondente a 54% da
população regional, segundo os dados populacionais divulgados pelo IBGE (2010).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo os dados do Relatório de 2014, no ano de 2012, os desastres tiveram um impacto significativo para os
Os relatórios disponíveis para consulta no endereço eletrônico da Defesa Civil do Paraná, analisados e nominados
paranaenses. No Estado do Paraná, oficialmente foram registradas 485 ocorrências de desastres que afetaram 2.803.332
neste trabalho como Relatório 2013 e Relatório 2014, apresentam dados distintos e discrepantes, dificultando a análise

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pessoas. Tabela 2: Tipos de desastres, total de afetados e número de ocorrências no Litoral do Paraná, segundo dados do Sistema
Integrado de Defesa Civil, período de 2008 a 2013.
A proporção de ocorrências de desastres no período de 2008 a 2013 no litoral do Paraná foram: no município
de Paranaguá é o que congrega o maior número de ocorrências com 56 ocorrências, seguido de Guaratuba com 44 Desastre Afetados Ocorrência
Alagamentos 39.566 28
ocorrências, Guaraqueçaba com 24 ocorrências, já os municípios de Matinhos com somente 3 ocorrências, e Pontal do Inundações 36.821 5
Paraná com 6 e Antonina com 8 ocorrências. Enxurradas 33.058 18
Tempestade Local/ Convectiva- Vendaval 14.035 36
Quando analisamos os dados levando em consideração o número de afetados, os resultados evidenciam que o Transporte de Produtos Perigosos Rodoviários 5.020 30
Liberação de Produtos Químicos para Atmosfera Causada por Explosão ou
3.622 1
Município de Matinhos, embora com o menor número de ocorrências apresenta o maior número de pessoas afetadas, Incêndio
Transporte de Passageiros e Cargas Não- Perigosos Rodoviário 3.304 7
seguido de Guaratuba e Morretes. A situação se inverte em relação ao município de Paranaguá, que apresentou o maior Tempestade Local/ Convectiva-Granizo 3.273 8
número de ocorrências e, no entanto, baixo número de afetados. Deslizamentos 2.280 5
Derramamento de Produtos Químicos em Ambientes Lacustre, Fluvial, Marinho
1.760 3
Neste período todo o litoral do Paraná foi afetado, sendo o município de Matinhos o 1º colocado com 51.260 e Aquíferos
Incêndio em Plantas e Distritos Industriais, Parques e Depósitos 439 4
pessoas afetadas, 2º Guaratuba com 44.408, seguido de Morretes com 19.053, Antonina com 11.053, Guaraqueçaba com Subsidência e Colapsos 136 1
9.517, Paranaguá com 7.282 e por ultimo Pontal do Paraná com 991 pessoas afetadas. Em 2013 o litoral Corridas de Massa- Rocha/ Detrito 120 1
do Paraná foi atingido em todos os sete municípios com 143.554 pessoas afetadas em 163 ocorrências. Colapso de Edificações 98 14
Rompimento/ Colapso de Barragens 12 1
Ao longo dos seis anos analisados foi possível estabelecer um ranking com os municípios que mais registraram Liberação de Produtos Químicos nos Sistemas de Água Potável 10 1
afetados por desastres no Estado do Paraná, sendo os cinco primeiros: Cascavel com 774.197, Maringá com 492.805, Foz Total 143.554 163
do Iguaçu 475.050, Curitiba com 434.616 e Londrina com 376.295 pessoas afetadas. Em relação ao litoral do Paraná,
neste ranking o município de Matinhos aparece em 26º lugar sendo afetados 51.260 pessoas e o município de Guaratuba
Os dados analisados indicam que dos 16 tipos de desastres ocorridos no período no litoral do Paraná, cinco
aparece como 29º colocado com 44.408 pessoas afetadas.
deles se referem à atividade industrial (Tabela 3), como por exemplo, transporte de produtos perigosos rodoviários;
Se considerarmos apenas os municípios do litoral do Paraná, o ranking é liderado por Matinhos com o total liberação de produtos químicos para atmosfera causada por explosão ou incêndio; derramamento de produtos químicos
de 51.260 pessoas afetadas em três ocorrências, seguido por Guaratuba com 44.408 afetados e com 44 notificações de em ambiente lacustre, fluvial, marinho e aquíferos; incêndio em plantas e distritos industriais, parques e depósitos; e
ocorrências, por Morretes com 19.043 afetados e 22 ocorrências, Antonina com 11.053 afetados com 8 ocorrências, liberação de produtos químicos nos sistemas de água potável. Ao total foram relatadas 10.851 pessoas afetadas por
Guaraqueçaba com 9.517 afetados e 24 ocorrências, Paranaguá com 7.282 em 56 ocorrência e Pontal do Paraná 991 estes tipos de desastres, o que corresponde a 7,5% dos desastres ocorridos. Tais ocorrências podem ser consideradas de
afetados em 6 ocorrências. grave magnitude e revelam a alta probabilidade de ocorrências de riscos causados pela atividade industrial, notável em
E já o ranking de ocorrências registradas no Paraná sendo os 30 municípios do Estado do Paraná com o maior Paranaguá, devido a sua condição de cidade Portuária.
número de ocorrências no período de 2008 a 2013, primeiros colocados foram: Curitiba com 80 ocorrências, seguido por Os desastres reconhecidamente considerados como naturais afetaram 129.153 pessoas ao longo destes seis anos,
Araucária com 71 ocorrências, 3º colocado é Paranaguá com 56 ocorrências, 4º colocado Maringá com 46 ocorrências, e correspondem a 89.9% do total. São eles: alagamentos, inundações, enxurradas, tempestade local/convectiva-vendaval,
o 5º colocado Guaratuba com 44 ocorrências. Foi observado que quatro municípios do Litoral paranaense estão entre os tempestade local/convectiva-granizo, deslizamentos e corridas de massa-rocha/detrito. Porém, há que se considerar que
30, sendo os municípios de Paranaguá, Guaratuba, Guaraqueçaba e Morretes. Em 3º colocado é o município de Paranaguá estes podem estar relacionados ao modo de uso e ocupação do solo, como por exemplo, a ocupação irregular em áreas de
com 56 notificações de ocorrências, 5º colocado o município de Guaratuba com 44 ocorrências, Guaraqueçaba em 17º risco, todavia não é possível a partir dos dados do Sistema Integrado de Defesa Civil afirmar se estas ocorrências estão
com 24 ocorrências e Morretes em 24º com 22 ocorrências. de fato relacionadas a ação antrópica.
Observou-se que no litoral do Paraná o tipo de desastre mais frequente foi o alagamento, que afetou 39.566 No litoral paranaense os desastres registrados mais freqüentes são: tempestade local/convectiva-vendaval com
pessoas, seguido de inundação com 36.821 pessoas afetadas, (Tabela 2). E já no Estado do Paraná os três desastres que 36 ocorrências e 14.035 pessoas afetadas neste período, em seguida o transporte de produtos perigosos rodoviários com
mais afetou pessoas foram: Tempestade local/ convectiva- vendaval com 2.628.165 em 690 notificações de ocorrências, 30 ocorrências sendo afetadas 5.020 pessoas, e o alagamento com 39.566 pessoas afetadas em 28 notificações, sendo
seguido de Estiagem afetando 1.855.434 pessoas em 240 ocorrências e enxurrada com 1.065.434 em 428 registros de atingidos a maioria dos municípios (Tabela 2). Nota-se que o município 1º colocado com o maior número de pessoas
ocorrências. afetadas por um tipo de desastre é Matinhos com o desastre inundação que afetou 35.000 pessoas, o 2º colocado é o

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município de Guaratuba sendo afetadas 21.417 pessoas com alagamento e o 3º colocado é Morretes com enxurradas com Analisando a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, Dias (2010) afirma que a Defesa Civil bem como a cultura
18.393 pessoas afetadas no período de 2008 a 2013. prevencionista, ainda não são intrínsecas, quiçá dos gestores e atores sociais implementadores das ações de Defesa
Civil. Desta forma, tem-se um Sistema com uma estrutura precária, débil, impotente. No que tange à boa utilização dos
Chama a atenção que em seis anos houve três ocorrências no município de Paranaguá com o desastre derramamento
recursos (financeiros, materiais e humanos) em relação às atividades e resultados atingidos, ou seja, a eficiência da PNDC
de produtos químicos em ambientes lacustre, fluvial, marinho e aqüíferos, sendo atingidas 1.760 pessoas e também o
nos Estados, em situação de normalidade, percebe-se que raros são os investimentos na prevenção e na preparação,
evento de incêndio em plantas e distritos industriais, parques e depósitos, que neste período foram quatro ocorrências
com incidência de atividades e recursos praticamente na resposta aos desastres. Isto implica conseqüentemente, em
sendo afetadas 439 pessoas no município de Paranaguá. O litoral paranaense foi que mais afetou pessoas com desastres
sua eficácia e sua efetividade, pois se não houve o investimento substancial na prevenção e na preparação, não se tem
de transporte de passageiros e produtos não perigosos rodoviários sendo equivalente a 59% de pessoas afetadas por este
como observar se as ações permitiram alcançar os resultados previstos (eficácia), muito menos examinar em que medida
tipo de desastre do Estado do Paraná.
seus resultados, em termos de benefícios ou mudanças geradas, estão incorporados de modo permanente à realidade da
população atingida (efetividade). Corroboramos da mesma opinião, pois os dados que apresentamos demonstram que
sequer são confiáveis, devido a grande discrepância que apresentam em seus relatórios, gerando confusão, o que nos leva
DISCUSSÕES
a questionar a sua aplicação para fins de atendimento, prevenção e preparação antes, durante e pós-eventos.
Para Bullard (1993), a vulnerabilidade socioambiental pode ser conceituada como uma coexistência ou Nota-se a importância de se realizar o perfil dos desastres ocorridos, uma vez que a construção do conhecimento de riscos
sobreposição espacial, entre grupos populacionais pobres, discriminado e com alta privação (vulnerabilidade social), desses desastres é essencial para se trabalhar com a prevenção e a redução dos riscos para a população.

que vivem ou circulam em áreas de risco ou de gradação ambiental (vulnerabilidade ambiental), esta população acaba
morando nestas áreas por não ter escolha, assim são obrigadas a morar em “zonas de sacrifícios”. No litoral do Paraná,
os dados do Governo do Estado indicam que mais de 65 mil pessoas moram em áreas de risco e que existem 84 pontos CONCLUSÕES
vulneráveis a deslizamentos, enchentes e alagamentos (Defesa Civil do Paraná e Mineropar, 2012). Ao analisar o Sistema Integrado de Defesa Civil do Estado do Paraná foi possível concluir que:
Cartier et al, (2009) destaca a importância de se criar metodologias de urbanismos ligadas ao Sistema de Os dados disponibilizados na forma de relatórios apresentam números discrepantes, tomando por base os relatórios
Informação Geográfica (SIG), utilizado para avaliação das possíveis disparidades socioeconômicas em áreas de risco, de 2013 e 2014 as informações chegaram a apresentar grandes diferenças, dificultando qualquer análise e mais que isso
ou seja, o SIG passa a ser uma ferramenta de utilidade socioambiental. Revela ainda que há divergências no processo de não permitindo trabalhar no nível de confiança da informação. Esta discrepância pode trazer graves consequências para a
planejamento urbano nas áreas metropolitanas, sendo que no Brasil implanta-se fábricas perigosas em áreas já povoadas e gestão pública como um todo, seja o âmbito municipal, como no estadual e federal, pois são a partir destas informações
posteriormente intensifica políticas públicas na região. Este é notavelmente o caso do município de Paranaguá, que possui que se podem tomar decisões e criar programas de prevenção ou políticas públicas voltadas para a defesa civil.
intensa atividade industrial portuária, devido ao Porto de Paranaguá ser um dos maiores da América Latina, concentrando Também percebemos que os municípios do litoral paraense que apresentaram o maior número de afetados ao longo
inúmeras indústrias que geram expressivos impactos ambientais, pouco ou quase nada avaliados e em alguns casos até dos últimos seis anos (2008 a 2013) foram Matinhos, Guaratuba e Morretes. Uma característica que estes municípios
omitidos. têm em comum é a proximidade da Serra do Mar nos seus territórios, o que aumenta a chance de chuvas prolongadas
Neste sentido, observamos que de acordo com a Lei Nº 466 de outubro de 1981, referente a distrito industrial, que transformarem-se em desastres do tipo enchentes, enxurradas, inundações e alagamentos.
este obrigatoriamente, por suas características, deve estar localizado em uma área estritamente industrial, sendo assim No litoral do Paraná a Defesa Civil deveria manter-se permanentemente em alerta durante todos os meses do
estas áreas de distritos industriais, não devem ter áreas de moradias nas proximidades nestes distritos industriais. verão, uma vez que nossos resultados revelaram que estes são os meses que concentram significativamente o maior
Para Camargo, L.S.C (2014) 7,5% dos desastres ocorridos no litoral do Paraná têm relação direta com atividades número de pessoas afetadas e ocorrências de desastres, com cerca de 80% dos afetados do ano, nesta época foram
industriais. Isso porque na região está situado o Porto de Paranaguá e com ele, todo polo industrial portuário e suas atingidos os 7 municípios do litoral.
atividades. No município de Paranaguá, que concentra a maior população da região, não se verifica a existência de algum O Município de Paranaguá foi o que concentrou o maior número de ocorrências de desastres entre os municípios
tipo de planejamento urbano relativo a estas atividades e, apenas em 2009, o Plano Diretor do Município foi aprovado, do litoral paranaense nos últimos 6 anos, sendo 50% desastre naturais e 21% de desastre devido a atividade portuária e
apresentando um zoneamento para a cidade. Também verificamos que o maior número de ocorrências de desastres se industrial. Podemos considerar que o município de Paranaguá deve possuir um sistema de defesa civil permanentemente
deu neste município, indicando sua alta vulnerabilidade ambiental, que se potencializa com as atividades industriais em alerta devido ao alto risco de acidentes que este tipo de atividades possui. O segundo município com o maior número
portuárias. Notamos que esta atividade incide também para além dos limites de Paranaguá, deixando também o município de ocorrências é Guaratuba com 31.8% de desastres naturais e 43% de desastres ligados à atividade portuária e industrial,
de Guaratuba com um grande número de ocorrências devido atividade portuária, uma vez que o município concentra o trazendo a evidência de que a atividade portuária causa desastres muito além de suas fronteiras.
maior número de ocorrências com desastres relativos ao transporte de produtos perigosos rodoviários. Observamos que no litoral do Paraná o tipo de desastre que mais afetou a população foi o alagamento sendo

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39.566 pessoas afetadas que é equivalente a 27.5% dos desastres ocorridos no litoral nos últimos 6 anos, seguido de do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. 146p.
inundação com 36.821 pessoas afetadas e 25.6%. Governo Federal, disponível em <http://www.brasil.gov.br/>. Acesso em 12-09-2013.
Com a análise nota-se que no litoral paranaense os desastres mais freqüente foram: a tempestade local/convectiva- IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em 28-05-2014.
Vendaval com 22% das ocorrências, seguido de transporte de produtos perigosos rodoviários com 18% e alagamento McTaggart-Cowan, R., Bosart, L. F., Davis, C. A., Atallah, E. H., Gyakum, J. R., and Emanuel, K. A. 2006. Analysis of
com 17% de ocorrência. Hurricane Catarina (2004). Monthly Weather Review 134 (11): 3029–53.
Nos últimos seis anos constamos que os meses com o maior número de pessoas afetadas no litoral do Paraná foram Sistema Integrado de Defesa Civil, disponível em:<http://www.defesacivil.pr.gov.br/>. Acesso em 30-05-2014.
janeiro com 57.751, seguido de março com 33.257 e fevereiro com 19.384 pessoas afetadas, sendo que os municípios que
tiveram o maior número de afetados nestes meses foram Matinhos no mês de janeiro com 60.6% das pessoas afetadas e
também no mês de fevereiro com 77% das pessoas afetadas e já no mês de março foi o município de Morretes 49.6% de
pessoas afetadas.
Este estudo demonstrou a vulnerabilidade do Litoral do Paraná em relação a desastres e o quanto é importante e
de extrema relevância que os municípios do litoral paranaense possuam programas e políticas públicas voltadas à defesa
civil e meio ambiente de forma integrada, para gerar ações de prevenção e preparação de desastres levando a iniciativas
com levantamentos de dados para identificar as áreas mais vulneráveis, para a criação de políticas com o intuito de
minimizar os danos materiais e imateriais e promover a segurança do território.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Cartier, R., Barcellos, C.; Hubner, C.; Porto, M. F. 2009. Vulnerabilidade social e risco ambiental: uma abordagem
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GRUPO DE TRABALHO X
Conflitos Socioambientais e Justtiça Ambiental

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A PROPOSTA DA GESTÃO TERRITORIAL DE TERRAS INDÍGENAS COMO MEIO DE SE AL- INTRODUÇÃO GT - 10
CANÇAR A SUSTENTABILIDADE
O amadurecimento conceitual do desenvolvimento sustentável trouxe maior clareza quanto aos seus objetivos e
também maior transparência da sua contraditoriedade. O discurso sobre a necessidade de medidas corretivas e emergen-
ciais que reduzissem os impactos ambientais se mostrou em muitos casos, uma medida de reproduzir o sistema capitalis-
Angélica de Siqueira1; Roberto Dias2
ta de produção e não alterar a base de produção que por sua vez é a raiz de boa parte dos problemas sociais e ambientais.

No meio dessa polissemia, identificamos a proposta do modo sustentável de vida abordado por Leonardo Boff
RESUMO (2015, p. 107) que define sustentabilidade como sendo toda ação destinada a manter as condições que sustentam todos
os seres e a Terra viva “visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das futuras, de
Considerando a atual problemática mundialmente discutida em relação ao desenvolvimento sustentável e os modelos
sustentáveis de sociedade, percebe-se a necessidade de contribuir no sentido de apontar direções e metodologias para tal forma que os bens e serviços naturais sejam mantidos e enriquecidos em sua capacidade de regeneração, reprodução e
alcançar a sustentabilidade. O presente estudo tem por objetivo sugerir que se utilize o modelo de gestão territorial de coevolução”. Bem como pautamos nossa noção de desenvolvimento como aquela que garanta a liberdade e a autonomia
terras indígenas para articular estratégias e promover as potencialidades materiais e imateriais de um território, seguindo dos indivíduos.
princípios sustentáveis para constituir a práxis do modo de vida sustentável. Uma vez que as terras indígenas apresentam
características como delimitação geográfica, princípios comunitários de se manter em equilíbrio com a natureza, institui- Visando contribuir com os teóricos que acreditam que sustentabilidade é possível de ser concretizada, percebe-se
ções de apoio, entre outras que possibilitam servirem de modelo de sociedades sustentáveis. A proposta foi levantada a
partir de revisão teórica de conceitos e práticas que propiciam embasamento para discussão do desenvolvimento territo- a necessidade de apontar direções e metodologias para alcançar o modo de vida sustentável. Uma vez que gestão terri-
rial sustentável. Conclui-se então que projetos de gestão territorial que respeitem a autonomia e permitem a participação torial é um termo que ganhou espaço nos debates sobre desenvolvimento e conservação territorial de terras indígenas,
dos indígenas considerando sua cultura de sustentabilidade do território, servem de modelo para promover o desenvolvi- devido às características como delimitação geográfica, o desejo comunitário de manter-se em equilíbrio com a natureza,
mento de uma sociedade sustentável.
a presença de diversas instituições com o objetivo de desenvolver esses territórios, entre outros, acredita-se que as terras
indígenas têm grandes possibilidades de se constituírem dentro do território brasileiro como sociedades sustentáveis, isto
Palavras-chave: Sociedades sustentáveis, gestão, territórios, indígenas. é, pequenos territórios baseados nos princípios da sustentabilidade de acordo com o estabelecido por cada sociedade,
como proposto por Diegues (2003).

Assim sugere-se neste estudo, que se utilize a noção de gestão territorial de terras indígenas para articular di-
ABSTRACT
versos conceitos e estratégias para a promoção das potencialidades materiais e imateriais de um território, e seguindo
Considering the current problem, discussed around the world, about the sustainable development and sustainable models princípios sustentáveis para constituir a práxis do modo de vida sustentável.
of society, it is clear the necessity of contribute pointing directions and methodologies to reach this sustainability. The
research aims to suggest the utilization of the territorial management model of Indians lands to articulate strategies and
promote the material and immaterial potentialities of a territory, according sustainable principles to build the praxis of
the sustainable mode of life. Once the Indians lands have characteristics as geographical delimitation, communitarian A GESTÃO TERRITORIAL DE TERRAS INDÍGENAS COMO MEIO DE SE ALCANÇAR A SUSTENTABI-
principles to maintain a balance with nature, support institutions, among others that enable be models to a sustainable
society. The proposal was raised from theoretical review of concepts and practices that provide base to discussion of LIDADE
sustainable territorial development. It was concluded that projects of territorial management which respect the autonomy
and the participation of Indians considering their culture of sustainable territory, can be used as a model to promote the Sustentabilidade é um termo que demanda sempre a articulação de mais de um tema, geralmente baseando-se no
development of a sustainable society. tripé: economia, meio ambiente e sociedade, podendo vir também a somar-se a várias outras dimensões, entretanto de-
vem necessariamente ser pensadas em conjunto e em harmonia. Portanto necessita-se de uma abordagem que seja capaz
de responder por múltiplos interesses, e esta é o território.
Key-words: sustainable societies, management, territories, indians.
Acredita-se ser possível alcançar o desenvolvimento sustentável no modelo conceitual proposto anteriormente,
partindo da noção de gestão territorial de terras indígenas. Uma vez que as ações realizadas com base nesse conceito vão
de encontro com nossa concepção de desenvolvimento sustentável, pois preza pela participação dos indivíduos perten-
1 Universidade Estadual do Oeste do Paraná - e-mail: angelicacdi@yahoo.com.br; centes ao território na construção do desenvolvimento territorial, valorizando a participação democrática da sociedade,
2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná - e-mail: rd_dias@yahoo.com.br isto é buscando autonomia e empoderamento para os indivíduos seguirem com seus projetos de futuro.

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O território é um conceito que pode ser definido como uma parcela do espaço apropriada no qual indivíduos ou Percebe-se então que o desenvolvimento territorial é um conceito que pode contribuir para o desenvolvimento de
instituições exercem o poder (RAFFESTIN, 1993), é um conceito bastante amplo, sendo abordado como base para o terras indígenas através da valorização do potencial humano e da compreensão do território indígena como um sistema
estudo de outras diversas dimensões do conhecimento (HAESBAERT, 2006). Tais características o tornam adequado integrado e complexo, concepção que vai de encontro com a proposta do modo de vida sustentável.
para pensar ações que demandem conhecimentos diversificados e a compreensão das relações de poder que se anulam,
O foco no desenvolvimento e na gestão territorial prevê a articulação entre as populações locais e demais escalas
articulam ou competem em um espaço delimitado.
de poder e gestão, como o Estado, em torno de um projeto de desenvolvimento voltado ao que definem como seu terri-
Dessa forma o território torna-se categoria adequada a se pensar, principalmente aliando-o ao recorte para terras tório (RAMBO; RUCKERT, 2008, p. 97-98). Devido à tamanha diversidade territorial, social, econômica, e ambiental,
indígenas, que se constituem de territórios onde se confrontam e articulam relações de poder vindas de culturas, políticas, as necessidades, os gestores e os atores se apresentam com diferentes interesses e objetivos para cada Terra Indígena.
organizações e instituições diversas que visam a conservação da biodiversidade e dos aspectos culturais ali presentes. Assim através de projetos de gestão territorial em terras indígenas são articulados os interesses de diferentes órgãos que
planejam suas ações para as terras indígenas como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgãos envolvidos com a
Dentro deste enfoque o termo que tem mais visibilidade é o de gestão territorial em terras indígenas, o qual não
saúde como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), outros que possuem interesse na conservação ambiental e
possui uma definição rígida, mas se configura num mote (SOU|ZA e ALMEIDA, 2013, p. 39) ou uma “lona de proteção”
segurança alimentar como o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),
sob a qual diversos assuntos são debatidos em prol da sustentabilidade das terras indígenas (GTZ, 2009, p. 19). Pode-se
inúmeras Ongs indigenistas nacionais e internacionais e, sobretudo os interesses das organizações e sociedades indígenas
então a partir deste, planejar ações, criar ferramentas e articular poderes em prol do desenvolvimento do modo de vida
entre outras instituições parceiras.
sustentável.
A presença e as ações de diferentes escalas de gestores do território, isto é, organizações indígenas, órgãos pú-
Antes de prosseguir cabe esclarecer a estreita relação de gestão territorial e desenvolvimento territorial, pois há
blicos, organizações não governamentais entre outros podem ser mais bem percebidos através da utilização do método
diversas semelhanças e diferenças sutis. Ambas as abordagens buscam o equilíbrio da utilização dos recursos, a melhoria
de escalas de poder e gestão aplicada ao conceito de desenvolvimento territorial. Este é um procedimento que auxilia a
de qualidade de vida, o desenvolvimento e satisfação das necessidades locais.
compreensão da dinâmica territorial do desenvolvimento, revelando como os gestores econômico-ecológico articulam
A gestão territorial apresenta experiências mais concretizadas, principalmente em relação aos povos indígenas entre si e as demais escalas de poder e gestão, visando a promoção do desenvolvimento territorial (RAMBO; RUCKERT,
como também a criação e utilização de ferramentas metodológicas como etnomapeamentos e etnozoneamentos que 2008, p. 100).
auxiliam no diagnóstico das potencialidades do território, ademais a escolha do conceito “gestão territorial” para Terras
A utilização deste método possui a premissa que a partir da definição de uma escala os problemas podem ser mais
Indígenas se da em função da importância que a terra e o território apresentam para os povos indígenas significando meio
facilmente destacados e por consequência as soluções também podem ser mais facilmente identificadas. Conjuntamente
fundamental para a reprodução social e cultural e pelo entendimento de “gestão territorial” ser mais amplo que outras for-
há a maior facilidade em destacar as potencialidades locais “e de forma coletiva, realizar ações concretas promovendo
mas de gestão, como a ambiental, por exemplo, atendendo o interesse de diferentes atores e instituições que convergem
processos de desenvolvimento” (RAMBO; RUCKERT, 2008, p.101). Identificar essas escalas possibilita que as organi-
diferentes objetivos em um só (GTZ, 2009).
zações indígenas compreendam e cobrem os direitos e os deveres dos gestores do desenvolvimento.
Enquanto o “desenvolvimento territorial” mesmo que seguindo premissas de cooperação e solidariedade, preza
Como as terras indígenas já estão delimitadas há um recorte escalar preexistente, entretanto pode ser realizada
pela presença de atividades econômicas no território que se diferenciem do sistema econômico hegemônico (RAMBO
uma nova definição de escalas devido a extensão de alguns territórios, focando especificamente a uma etnia ou grupo, de
e RUCKERT, 2008). Assim pode ser adequado o seu uso em algumas situações de terras indígenas que apresentem a
forma com que sejam identificados os problemas e as soluções, bem como as forças externas e internas que agem sobre
necessidade de geração de renda, mas não é possível que este conceito responda teoricamente para todos os territórios
esse novo recorte.
indígenas.
A PRESENÇA DE PRINCÍPIOS ÉTICOS E VALORES SUSTENTÁVEIS EM TERRAS INDÍGENAS
Segundo Boisier et al (1995, p. 01) o desenvolvimento territorial inclui o desenvolvimento em micro localidades,
como comunidades, e meso localidades, como regiões. Ainda segundo o autor o objetivo do desenvolvimento territorial é Considera-se aqui que para a realização do desenvolvimento do modo sustentável de vida, as ações devem ser
triplo: 1) o aperfeiçoamento do território entendido não como um mero recipiente e suporte físico dos elementos naturais, baseadas nos valores existentes na sociedade que ocupa o território, e estes valores vão definir o peso que terá cada di-
mas como um sistema físico e social estruturalmente complexo, dinâmico e delimitado. 2) o aperfeiçoamento da socie- mensão do desenvolvimento.
dade ou comunidade que habita o território e que tem este como referência de identidade e cultura. 3) o aperfeiçoamento
Sendo assim, é de suma importância o reconhecimento que os povos indígenas possuem uma relação espiritual
de cada pessoa que habita este território.
com o meio ambiente, e “apesar de uma grande variedade em seus modos de vida, na maior parte de seus modelos de

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sustentabilidade há uma relação de profunda interdependência entre povos indígenas, seu território e recursos naturais” na definição dos objetivos com base em valores comunitários, no planejamento e implementação de metodologias, na
(SOUZA e ALMEIDA, 2012, p.28). Seus valores, portanto se diferem da sociedade não indígena, que não enxergam a distribuição dos resultados e na continuidade das atividades.
relação homem e meio com o mesmo peso.
Ainda estrategicamente, o capital social também se dispõe como um banco de dados que em muitos territórios
Segundo Smith e Guimarães (2010, p. 05) ao fim de 1990, o fator ambiental passa a ser considerado no processo tradicionais possui milhares de anos de conhecimento armazenados sobre os recursos humanos e naturais do território.
de identificação de terras indígenas e aliado à demanda das organizações indígenas por melhores formas de gestão, “me- Atividades de gestão e desenvolvimento tem de levar em conta esse capital e se planejar a partir dele, criar tecnologias
didas de proteção e conservação ambiental começaram a ser vistas pelos indígenas e seus parceiros como oportunidade adequadas a determinado ecossistema e que respondam a determinadas características culturais, e não transferir métodos
de conseguir apoio para a realização de atividades sustentáveis numa perspectiva mais ampla de gestão dos territórios”. criados a partir de outras realidades. Quanto maior a interação da comunidade e do seu respectivo ecossistema e o respeito
por essa relação, maior será a possibilidade do desenvolvimento sustentável se tornar viável (BOFF, 2015, p.138 - 139).
Nesse sentido percebe-se que as atividades tradicionais de gestão foram estrategicamente absorvidas pelos indí-
genas como forma de atrair recursos e parceiros para a realização de seus projetos, entretanto não quer dizer que deixa- Para que o desenvolvimento garanta sua sustentabilidade em longo prazo é necessário que haja participação políti-
ram de se importar com a conservação ambiental e dar a gestão territorial um sentido menos harmônico e abrangente, ca da comunidade em todas as etapas do processo de desenvolvimento, fazendo com que seja uma realização democrática
constata-se isso pelo apelo a projetos sustentáveis e pela adoção por algumas sociedades indígenas do termo “Planos de e que as mudanças geradas sejam internalizadas pela comunidade através do sentimento de cooperativismo, garantindo
Vida” o qual “parece refletir de forma mais legítima e real o tipo de gestão que os índios almejam em seus territórios maior durabilidade das transformações (BUARQUE, 1999).
(SMITH e GUIMARÃES, 2010, p. 09)”.
A participação indígena é elemento necessário para a realização do desenvolvimento territorial sustentável, pois
Acredita-se então ser necessário estimular ações que atendam os desejos da sociedade presente no território em eles são os principais protagonistas das ações de gestão e desenvolvimento. Como também a participação foi um direito
prol do que esta considera com maior valor. Tomemos como exemplo o caso do “bom viver” Guarani e de alguns outros conquistado e é garantido pela Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho a qual o Brasil é signatário
povos indígenas da América Latina onde a concepção de boa qualidade de vida é sinônimo de segurança territorial, ou e a Declaração Internacional dos Povos Indígenas da ONU entre outras. Porém o direito de consulta prévia e informação
como os Guarani afirmam: Sem tekohá (lugar para ser) não há teko (ser)”, isto é, sem a materialidade da terra não há de políticas públicas de seu interesse estabelecido nestes documentos por vezes são ignorados, principalmente pelo Esta-
como existir. (DEPRÀ, 2007, p. 25). Não faz sentido em investir em produção e crescimento econômico, tão valorizados do. Não há como construir um desenvolvimento com sustentabilidade ambiental, econômica e social sem a participação
na sociedade não-indígena, sem garantir os elementos que a cultura determina como fundamental para a existência. coletiva, principalmente para Terras Indígenas que são de uso exclusivo para o coletivo.

Em função do respeito ao meio ambiente ser geralmente construído em longo prazo através da educação escolar, Destaca-se positivamente que o esforço de construir estratégias de gestão territorial muitas vezes parte dos pró-
a existência de valores sustentáveis transmitidos de geração em geração otimiza o tempo e o orçamento da instituição prios índios, “às vezes com a ajuda de organizações parceiras, instituições públicas responsáveis por atender suas de-
planejadora, assim resta às políticas públicas atenderem as demandas materiais e de capacitação bem como o estímulo a mandas e pelas próprias associações indígenas” (RCA, 2013, p.19). Bem como a participação é considerada por parte
mobilização da coletividade, como também a sustentabilidade não se torna um imperativo externo à comunidade. das instituições parceiras como imprescindível para a realização da gestão e desenvolvimento sustentável do território.

O desenvolvimento territorial e a gestão territorial dependem em grande parte da articulação da coletividade, os Souza e Almeida (2012) concluem que:
trabalhos podem até ser iniciados com o impulso de gestores externos, como o Estado, iniciativa privada, e Ongs, mas a
continuidade do projeto tem que ser mantida pela comunidade. A descontinuidade de projetos é um dos principais fatores É importante ressaltar, contudo, que a lógica de projetos pensados e elaborados “de dentro” tem
muitas vantagens em relação aos projetos que tradicionalmente eram trazidos pelo Estado brasileiro e
de muitos projetos não terem os resultados previstos, além de causar desânimo e descrédito das instituições. (SOUZA e
impostos às sociedades indígenas que, em tempos passados, eram consideradas transitórias e em processo
ALMEIDA, 2012; RCA, 2013). de aculturação. Deste modo, com todos os problemas acima apontados, nos casos em que o protagonismo
indígena está garantido – sendo o projeto desenvolvido segundo as aspirações da comunidade, ao invés de
Dessa maneira é fundamental a presença de forte capital humano e social presente no território. Sendo o primeiro resultado do que pensa a burocracia estatal – os projetos sociais têm um papel muito importante na viabi-
o capital que atua no campo individual “determinado pelos graus de nutrição, saúde, educação cultura e segurança da lização da gestão territorial Indígena, visto que refletem um planejamento interno (SOUZA e ALMEIDA,
2012, p.195).
população” (BOFF, 2015, p.133), enquanto o capital social é resultado de um processo histórico e construído a partir das
relações sociais da comunidade como normas, valores, grau de confiança, cooperação e solidariedade que propiciam o
desenvolvimento e a participação democrática dos indivíduos (BOFF, 2015; FREY, 2003).
Além da participação coletiva, o que fará diferença na transformação social em longo prazo é a conscientização
O capital social é um elemento estratégico e que perpassa todo o processo de desenvolvimento, estando presente da necessidade do trabalho em conjunto, dos impactos gerados pela intensa exploração do meio ambiente e também das

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reais necessidades materiais da sociedade, evitando o consumo excessivo. Pois se necessita, não apenas de transformação gem do mercado, criando redes de produção e troca, não baseada na moeda oficial nem comandada pelo lucro (MON-
no modo de produção, mas, sobretudo de um princípio ético que compreenda que uma produção predatória é prejudicial TIBELLER-FILHO, 2007, p.85)”. Tais organizações sociais se inscrevem no espaço através de associações, grupos
ao ambiente e ao ser humano, e somente uma experiência coletiva de respeito ao meio ambiente faz possível manter por informais, cooperativas entre outros. Estão presentes em 53% dos municípios brasileiros, distribuídos 54,9% em áreas
longa duração uma sociedade sustentável. É preciso construir e viver a sustentabilidade. rurais, 34,8% em áreas urbanas, e 10,4 % simultaneamente nas duas áreas (GAIGER, 2014). Embora ainda representem
um número inferior nos empreendimentos, há um aumento expressivo de estabelecimentos de economia solidária nos
O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EM TERRAS INDÍGENAS COM VISTA A SUSTENTABILIDADE
últimos anos (ANTEAG, 2009).
Acredita-se que para estabelecer uma comunidade sustentável os valores econômicos não devem estar acima dos
Porém sem ética, sem estímulo ao capital humano e social e sem a consciência da necessidade de novas formas de
valores de solidariedade, cooperativismo e de bem estar, assim para implementação de um planejamento de desenvol-
produção, tais empreendimentos são enfraquecidos com as dificuldades e vão sendo abandonados pelos membros junta-
vimento sustentável é preciso redefinir ou reforçar a estrutura da organização econômica local com base nesses valores,
mente com os princípios que levaram à solidariedade em função do sucesso da iniciativa (SINGER, 2002).
caso contrário, estará sendo estimulada a lógica da reprodução capitalista em escala local. Considera-se que não seja
possível conceber como desenvolvimento sustentável um desenvolvimento que vise amenizar as mazelas sociais como Portanto sugere-se que a produção, comercialização e distribuição sigam os princípios da economia solidária3 “em
a fome e a pobreza “como resultado secundário de um processo de crescimento econômico, ainda que local” (MANCE, razão dos seus benefícios sociais e ecológicos, por sua capacidade de geração de trabalho e renda, distribuição de riqueza
2004, p.62). e promoção do bem-viver das pessoas” (MANCE, 2004, p. 68).

Embora, não se coloque aqui o desenvolvimento econômico em altares como é feito em diversas outras aborda- A economia solidária em terras indígenas pode ser realizada por redes de trocas de alimentos, sementes, mudas
gens, não se descarta o papel importante desta dimensão no planejamento da gestão territorial. Abdicá-la é tomar uma e insumos entre comunidades tradicionais ou inseridas em mercados locais e regionais, como também estabelecendo
posição contraditória, pois se estaria retirando a autonomia da sociedade de definir seu futuro. Como também é impor- parcerias com outras organizações de mesma essência. O que se considera aqui como de suma importância é que o de-
tante notar que devido ao processo histórico que inferiu fortemente sobre os territórios indígenas desestruturando seus senvolvimento em terra indígena não perca suas características coletivas.
sistemas produtivos, fez aumentar a dependência desses povos aos órgãos de assistência e da geração de renda (SOUZA
Algumas atividades já estão sendo realizadas, desde a produção de mel, a arte gráfica4 onde produtos indígenas
e ALMEIDA, 2012, p. 180).
são comercializados e possuem maior valorização devido a sua indicação geográfica, um instrumento jurídico e econômi-
Assim, considera-se que a dimensão econômica não deve ser deixada de lado, uma vez que possibilita criar es- co previsto na Lei 9.279/96, a qual tem o objetivo de agregar valor a produtos associando estes a determinados territórios.
tratégias de mercado que podem influenciar positivamente na comunidade, porém a produção econômica na lógica capi-
TERRAS INDÍGENAS: MODELOS DE SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS
talista com suas características individualistas também não deve nortear as ações. A sustentabilidade deve ser condição
determinante do modo de produção e não elemento inserido após a produção estabelecida. Atualmente existem 585 Terras Indígenas em todos os biomas brasileiros, constituindo-se em territórios delimi-
tados dentro do país que possuem certa autonomia de gestão, como também características territoriais, culturais e sociais
Para Souza e Almeida (2012, p. 195) a dimensão econômica de gestão territorial de terras indígenas deve estar
diversificadas.
sustentada por 3 bases de aproveitamento das características materiais e imateriais do território. São elas: 1) planeja-
mento das atividades de acordo com as características culturais do território, 2) investimento em atividades tradicionais Como é demonstrado no documento “Gestão Ambiental e/ou Territorial de/em Terras Indígenas” (2008)
dominadas pelas populações locais mesmo que utilizando técnicas externas, 3) possibilidade de implementação de novas
atividades, com técnicas não tradicionais, porém que sejam economicamente viáveis e que respeitem as características Há quase que uma unanimidade no reconhecimento de que a conjuntura atual dos povos e terras
socioculturais e ambientais. indígenas assume nuances distintas nas diferentes regiões do país. Isso se deve a pelo menos cinco fatores:
(i) diversidade de culturas, histórias de contatos e processos de territorialização dos povos indígenas, (ii)
Seguindo essas bases, as ações alternativas ao modo de produção hegemônica podem ser incentivadas através diferentes contextos regionais, étnicos e socioeconômicos, (iii) natureza variada das ameaças que aí pesam
sobre povos e terras indígenas, (iv) distintas alianças e correlações de forças entre atores regionais, e (v)
de assistência técnica de órgãos governamentais, privados ou ONGs, profissionalizando os indígenas e dando o suporte múltiplas demandas e capacidades de acompanhamento, gerenciamento e articulação das próprias comu-
necessário para aumentar a produção e a qualidade dos alimentos, bem como estimular novos tipos de produção como nidades e organizações indígenas (IEB; GTZ, 2009, p.3).
agroflorestas e a otimização da agricultura consorciada.
3 A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito
Algumas destas ações atualmente estão se materializando no Brasil através de organizações populares que se à liberdade individual (SINGER: 2002a, p. 10).
apresentam como uma “outra economia”. “Muitos produtores assim organizados estruturam um tipo de economia à mar- 4 Mais informações podem ser encontradas no site Povos Indígenas no Brasil mantido pelo Instituto Sócio Ambiental – ISA,
instituição de referência em assuntos indígenas.

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Devido a estas múltiplas características não é possível conceber um modelo homogêneo de desenvolvimento de sustentabilidade, assim devem ser estimulados a maior presença de capital social e humano, com vista a participação,
sustentável para Terras Indígenas, portanto percebe-se a importância de retomar a ideia proposta por Diegues (1992) de autonomia dos projetos desenvolvidos, para que estes sigam independente da presença de agentes externos.
sociedades sustentáveis, ou seja, resgatar a importância de que “cada sociedade se estruture em termos de sustentabilida-
Compreende-se que a presença dos princípios éticos e sustentáveis possibilita a estas sociedades construir ações
des próprias, segundo suas tradições culturais, seus parâmetros próprios e sua composição étnica específica” (DIEGUES,
que visem retorno direto em qualidade de vida. Neste sentido ações que envolvem a dimensão econômica devem buscar
2003, p. 09).
iniciativas baseadas em valores de solidariedade, cooperação e coletividade. A existência de valores de sustentabilidade
Esta proposta permite que tais comunidades possam “definir seus padrões de produção e consumo, bem como intrínsecos a cultura atua como fator de união em prol da harmonia entre as atividades humanas e o meio ambiente, forta-
o de bem-estar a partir de sua cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural” (DIEGUES, 1992, lecendo a continuidade do projeto de acordo com os objetivos inicialmente definidos.
p.28). Portanto não prevê um único tipo de sociedade padrão, mas visa no horizonte à existência de diversas comunidades
Acredita-se que através das ações de gestão territorial as qualidades específicas das terras indígenas possam ser
sustentáveis pautadas nos princípios básicos da sustentabilidade ambiental, econômica e social.
exaltadas, os desafios superados e estas possam se constituir em sociedades sustentáveis territorialmente diversificadas as
Em nossa abordagem “sociedades sustentáveis” é um processo de desenvolvimento que compreende alguma for- quais definem seu futuro a seu modo, reforçando cada vez mais a integração entre o homem e meio ambiente como parte
ma de planejamento e gestão através do empreendimento de ações de gestores econômico-ecológicos, como o Estado, a de um só sistema.
iniciativa privada e/ou organizações não governamentais em articulação com a sociedade pertencente ao território que
resultará em uma relação pautada nas bases da sustentabilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acredita-se que através de um processo de gestão territorial diversificado que possa levantar as necessidades e
encontrar as soluções para os problemas existentes em cada Terra Indígena estas possam seguir caminhos diversificados ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Org). Atlas da
Economia Solidária no Brasil: 2005-2007. São Paulo. Todos os Bichos. 2009.
objetivando chegar a um objetivo comum, constituindo-se em modelos reais de sociedades sustentáveis.
BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: O que é – O que não é. Petrópolis. Editora Vozes. 4° Ed. 2015.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BOISIER, Sergio. et al. Sociedad civil, atores sociales y desarrollo regional. Santiago do Chile: Ilpes/Cepal, 1995.
Diante das diversas proposições de desenvolvimento sustentável e da percepção que sua formulação pode servir
BUARQUE, Sergio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável: Material
a propósitos contrários ao que seu discurso faz parecer, surge a necessidade de se adotar uma proposta que responda por para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Brasília. 1999.
harmonia e amplitude em diferentes dimensões das relações humanas, portanto adotou-se o conceito de modo de vida
DEPRÁ, Giseli. O lago de Itaipu e a luta dos Avá-Guarani pela terra: representações na imprensa do Oeste do Paraná
sustentável proposto por Leonardo Boff (2015) que corrobora com a perspectiva de desenvolvimento como liberdade
(1976-2000). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2006.
aqui presente.
DIEGUES, Antônio Carlos. Desenvolvimento Sustentável ou Sociedades Sustentáveis: da crítica do modelo aos novos
Neste sentido observa-se que as terras indígenas se constituem em diversos territórios com certa autonomia e paradigmas. In: São Paulo em Perspectiva, v.06. p. 22-29. Jan/jun. 1992.
diferenças culturais, ambientais, econômicas, territoriais e sociais marcantes. Sobretudo possuem o desejo de manter a ______________________. Desenvolvimento Sustentável ou Sociedades Sustentáveis: da crítica do modelo aos no-
sustentabilidade de seus territórios e contam com o apoio de diversos outros gestores com propósitos semelhantes. vos paradigmas. Disponível em: < http://www.ppgcasa.ufam.edu.br/pdf/Diegues_sustentabilidade.pdf>. Acesso em: Jul.
2003.
Para alcançar seus objetivos garantindo a melhor forma de viverem segundo seus próprios padrões, os povos in-
FREY, Klaus. Capital social, comunidade e democracia. In: Política & Sociedade. V. 02. Abr. 2003.
dígenas recorrem à gestão territorial, um conceito amplo que agrega outros conceitos como gestão ambiental e desenvol-
vimento territorial, utilizando também de múltiplas metodologias como etnomapeamento, etnozoneamentos e escalas de GAIGER, Luiz Inácio. G (Coord.) A Economia Solidária no Brasil: uma análise de dados nacionais. São Leopoido.
Oikos. 2014
poder e gestão, identificando potencialidades e fragilidades do território, bem como agregando diversas ações que prezam
pela conservação ambiental e territorial, sustentabilidade e autonomia social, individual e territorial. Através destes meios GTZ - Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit. Gestão Ambiental e/ou Territorial de/em Terras In-
estas sociedades articulam diversos interesses juntamente com instituições governamentais e não governamentais entre dígenas: Subsídios para a construção da Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas conforme Portaria
Interministerial nº 276/2008. Brasília. 2009.
outros gestores que visam o desenvolvimento sustentável.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritoralidade. Bertrand Brasil.
Identifica-se que o compromisso em primeiro lugar com a vida, isto é a existência de princípios éticos baseados Rio de Janeiro - RJ. 6° ed. 2006.
na vida coletiva e no cuidado com o meio ambiente, são características facilitadoras para a implementação de um projeto

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MANCE, Euclides André. Fome Zero e Economia Solidária: O desenvolvimento sustentável e a transformação estru- A RESSIGNIFICAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO ENFRENTAMENTO A UM CONFLITO TER-
tural do Brasil. IFiL-Editora Popular. Curitiba. 2004. RITORIAL NO LITORAL DO PARANÁ
MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. Crescimento econômico e sustentabilidade. In: Sociedade & Natureza, Uberlândia,
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RAMBO, Anelise. Graciele; RUCKERT, Aldomar Arnaldo. Desenvolvimento territorial e escalas geográficas de poder e
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RESUMO
RCA - Rede de Cooperação Alternativa -, Gestão territorial e ambiental em terras indígenas na Amazônia brasileira:
os percursos da Rede de Cooperação Alternativa. São Paulo. 2013. O objetivo deste artigo é elucidar como metodologias ditas participativas têm sido aplicadas no decorrer da elaboração
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. SP: Fundação Perseu Abramo, 2002. do Plano de Manejo do Parque Nacional do Superagui. Além das abordagens e formas de validação aplicadas pela equipe
gestora da referida Unidade de Conservação prima-se pelo posicionamento das comunidades tradicionais de pescado-
SMITH, Maíra; GUIMARÃES, Marco A. Gestão ambiental e territorial de Terras Indígenas: reflexões sobre a construção res(as) artesanais e caiçaras atingidos pelas metodologias supostamente participativas. Os procedimentos de participação
de uma nova política indigenista. Florianópolis. In: Anais do Encontro da Associação de Pesquisa e Pós - Graduação a partir dos olhares destes diferentes agentes permite uma visão do desenrolar do conflito territorial vivido na região bem
em Ambiente e Sociedade. 2010. como permite refletir acerca a apropriação do discurso sobre a participação social em políticas públicas. Enquanto me-
todologia o artigo faz uma análise e uma revisão bibliográfica dos documentos de embasamento ao Plano de Manejo da
SOUZA, Cássio; ALMEIDA, Fábio. Gestão territorial em terras indígenas no Brasil. Brasília. Ministério da Educa- referida Unidade de Conservação, além de pesquisa com nuances etnográficas acerca o processo de autodemarcação do
ção, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Unesco. Coleção educação para todos,
território tradicional elaborado pelas comunidades tradicionais pertencentes ao Movimento dos Pescadores e Pescadoras
v. 39. Série vias dos saberes. n. 6. 2012.
Artesanais do Litoral do Paraná – MOPEAR.

Palavras chave: participação social, conflitos territoriais.

ABSTRACT

This paper aims to report how participatory methodologies has been applied during the formulation of the Superagui
National Park Management Plan. The purpose is to show the different approaches and validation strategies applied by
park managers but also the opinion of traditional communities affected by the participatory methodologies. The point of
view of these different agents and how they act about this kind of conflicts allow us to reflect about how participatory
methodologies are being implemented in public policy. The methodology of this paper is based on ethnographic method,
an analysis of documents about the Park Management Plan and bibliography. We also use the territory self-demarcation
of the tradicional communities affected by this National Park as a source of information.

key words: participatory methodologies, territorial conflicts.

1 Universidade Federal do Paraná; Universidade Federal do Paraná; Instituto Federal do Paraná, leticia27duarte@gmail.com; mvarella@
hotmail.com; roberto.souza@ifpr.edu.br

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Introdução cupação acerca os sentidos, as práticas e, sobretudo, os efeitos da participação na vida das comunidades. Enquanto uma
proposta de cima para baixo, o modelo de participação do ICMBio não aceita as prerrogativas básicas da Convenção
O objetivo deste artigo é relatar como vem sendo pensada e construída uma contra-proposta de metodologia par-
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como a consulta prévia livre e esclarecida, o direito ao território e
ticipativa para a construção de um planejamento territorial por parte dos sujeitos mobilizados e objetivados na identidade
a autodeterminação. Este artigo tenta corroborar com a elucidação de uma proposta já em construção que nega o modelo
coletiva de pescadoras(es) artesanais e caiçaras organizados no Movimento dos pescadores(as) artesanais do litoral do
corrente e que coloca à luz a contra-proposta do MOPEAR, que pode ser compreendida como bottom-up, ou seja, de
Paraná – MOPEAR. Tal contra-proposta tem como motivação principal o enfrentamento às metodologias participativas
baixo para cima (Souza, 2003). Ainda que o processo de construção dessa proposta esteja em curso, alguns aprendiza-
que vem sendo aplicadas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) para a construção do Plano de Ma-
dos já podem ser ressaltados - nesse intuito, o presente artigo divide-se nos seguintes verbetes: Entre conceitos e no-
nejo do Parque Nacional do Superagui (PNS) em Guaraqueçaba, Paraná. Vale ressaltar que a criação deste Parque, em
ções operacionais: por uma subversão epistemológica da participação (tratando acerca a metodologia e um referencial
1989, deu-se sem a participação social – e, desde então, isto vem acarretando uma série de conflitos territoriais, dado que
teórico-temático); Lutas e cartografias na terra e no mar: o relato da contra-proposta de um movimento de pescadores
o Parque invadiu o território tradicionalmente ocupado por esses grupos. De toda forma, a partir de 2002, em um novo
(contendo a sistematização dos aprendizados obtidos até então, além de uma breve discussão sobre o processo); por fim,
contexto político e social, a partir da Portaria IBAMA n.45/2006, a participação social torna-se fundamento básico do
as considerações finais.
modus operandi da gestão do Parque Nacional do Superagui. Neste novo cenário os conflitos não findam, sobretudo se
acirram e se atualizam e uma análise da operacionalização do conceito de participação pode contribuir para a compreen-
são e resolução do conflito aqui relatado.
Entre conceitos e noções operacionais: por uma subversão epistemológica da participação
O ICMBio operacionaliza o conceito de participação a partir do seu Roteiro Metodológico de Elaboração de
Planos de Manejo (Galante et al.,2002), que preconiza que
Baseando-nos em nuances do método etnográfico passamos a apoiar, desde agosto de 2013 até o presente mo-
A metodologia aqui estabelecida busca o envolvimento da sociedade no planejamento e em ações espe-
cíficas na UC e no seu entorno, tornando-a partícipe e comprometida com as estratégias estabelecidas. mento, o processo de autodemarcação do território tradicional promovido pelo MOPEAR. Nesse sentido, contribuímos
Trata-se de uma oportunidade para se obter o reconhecimento da importância da Unidade de Conserva- no processo de formação de agentes de pesquisa locais em Cartografia Social e Gestão do Território – curso este de-
ção e de sua contribuição para a sociedade, sendo a sua proteção um ato de cidadania. (GALANTE et al, mandado, planejado e controlado pelo Movimento. Assim, sem pautarmos em pressupostos de neutralidade cientifica,
2002, p.25)
munimo-nos dos conceitos de estar lá, no dia a dia, com os sujeitos de carne e osso (TORNQUIST, 2003). Graças a essa
A partir do que se denota acima, pode-se dizer que a participação será operacionalizada conforme os objetivos da proximidade se criou uma relação de confiança que permitiu que os sujeitos construíssem uma pesquisa cuja participa-
Unidade de Conservação (UC): significa que as normativas do PNS se sobressaem aos direitos das comunidades tradi- ção consideram como apropriada e de boa fé. Sobre este contexto socioespacial é que foram colhidas informações para
cionais que tiveram seu território invadido. Para Souza (2003) esse é um tipo de planejamento participativo Top-down, este artigo: utilizamos entrevistas semi-estruturadas e livres (realizadas tanto pelos pesquisadores quanto pelos próprios
ou, de cima para baixo, onde o poder de condução e decisão da proposta está sob o controle de uma instituição externa sujeitos), revisão bibliográfica, bem como análise documental de dispositivos jurídicos e dos 6 tomos do documento
à comunidade afetada. denominado “Relatórios das reuniões (curso) participativas nas comunidades, sobre o Plano de Manejo do Parque Na-
Em 6 de dezembro de 2013 ocorre uma ruptura histórica: surge um novo poder em cena, que passa a questionar cional do Superagui”.
e ressignificar as normas participativas impostas pelo ICMBio. As comunidades tradicionais organizam um espaço de O desejo ou a obrigatoriedade da participação social em processos de efetivação de políticas públicas, como na
diálogo e denúncia denominado Encontro sobre Violação de Direitos Humanos provocados pelo Parque Nacional de da criação de UCs e, nesse caso, na produção de um Plano de Manejo, desperta a necessidade da reflexão sobre a ope-
Superagui – neste momento esses sujeitos passam a exigir direitos até então negados e silenciados pelo órgão ambien- racionalização do conceito de participação. Para Almeida (2008) há de distinguir um conceito de uma noção operacio-
tal. Se por um lado o ICMBio afirmou neste evento que tinha segurança em dizer que se tratava de um dos Planos de nal. Enquanto o primeiro está passível à discussões e cujo significado mantem-se aberto, o segundo frigorifica, reifica,
Manejo mais participativos que vinha sendo construido no Brasil, por outro, as comunidades contestavam e criticavam congela e de certa forma limita ao enquadrar um conceito em algo fechado, inflexível, para fins práticos, instrumentais
as metodologias aplicadas pelo órgão - como as do Sr. Adnã: “Até agora participação é a deles, pra faze valer o que e operacionais. Sobre a utilização do léxico participação Almeida (2013) destaca que:
eles querem. Pra nós, pescadores, sobrou esse plano de manejo que nem sabemo do que se trata” (Sr. Adnã Chagas, 43,
Associação de Moradores de Tibicanga). Há um conjunto de termos e expressões, designativos de medidas derivadas de políticas oficiais de inter-
venção, que devem ser repensados criticamente, porquanto refletem as novas formas de que se reveste
Entre as reivindicações do MOPEAR e das comunidades de maneira geral está a ressignificação do conceito de o discurso da dominação. Expressões como “participação comunitária”, “comunidade solidária”, “gestão
participativa”, “ação solidária” e “parceria” podem ser encontradas como pré-requisitos tanto nas inicia-
participação social. A discussão, nesse sentido, não se dá apenas a partir do léxico, da escrita em si; trata-se de uma preo- tivas de planejamento governamentais, quanto naquelas das agências multilaterais. [...] Elas compõe um

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léxico próprio imposto pelos aparatos de poder para explicitar o que classificam como medidas de “desen- meios e fins da pesquisa.
volvimento local [...]. (ALMEIDA, 2013, p.97)

Logo, mais do que operacionalizar importa entender quem aciona a participação? A que ela serve? De que forma
ela legitima posicionamentos? Se participar se tornou requisito básico de validação cabe aqui compreender que não se Lutas e cartografias na terra e no mar: o relato da contra-proposta de um movimento de pescadores
trata de um conceito livre de disputa, fazendo sentido apenas quando lançamos o olhar para os contextos específicos em
A fim de diminuir a assimetria de poderes, adotamos como dinâmica de pesquisa a democratização da ciência,
que ela é acionada. Não frigorificar o conceito de participação, assim, vem a ser um fundamento para se poder respeitar
onde nos importamos com “os grupos cujos interesses são afetados por qualquer atividade científica [de forma a garantir
o principio da autodeterminação.
que] estejam bem representados nos processos de tomada de decisão” (SANTOS, 2005, p.75). Se neste artigo denomina-
Se a noção de participação permanece sob o controle do ICMBio, a política de desenvolvimento territorial mos de contra-proposta os aprendizados obtidos até agora com a experiência do MOPEAR, isto se deve ao fato de que
continuará sendo top-down e, portanto, as práticas institucionais manter-se-ão ilegais e violarão os direitos dos po- já há uma proposta original e, alias, já executada pelo ICMBio - a partir de preceitos científicos, onde o saber técnico
vos e comunidades tradicionais, contrariando, inclusive, a Decisão Judicial da Ação Civil Pública (ACP - Autos n° impôs-se sobre o saber tradicional, silenciando e invisibilizando as demandas das comunidades, bem como impedindo a
50007428820154047008) de maio de 20152. construção de um planejamento promovido de “baixo-para cima”.

Nesse sentido, se a participação já esta operacionalizada pelo ICMBio conforme os preceitos do órgão então resta Além disso, se denominamos de “contra” é pra ressaltar a divisão que há entre a proposta do órgão e a proposta
reconceituá-la, subvertendo a ordem imposta pela noção de participação e utilizando-a a favor das comunidades afetadas ainda em construção da comunidade: não se pode simplesmente equivaler os preceitos da OIT 169 às noções aplicadas
– é isto que Ceceña (2006) denomina como subversão epistemológica. Para a autora, são novas formas de olhar a vida, na operacionalização da “participação” do Plano de Manejo. Esta ruptura aponta não apenas para divergências, mas,
abarcar o pensamento, (re) criando conceitos e metodologias para que se transformem os “sentido cósmico y el sentido também, para proposições que podem contribuir para a construção de um Plano democrático e respaldado em princípios
común que [...]se construyen en la interacción colectiva, haciendo e rehaciendo socialidad” (CECEÑA, 2006, p.14). À jurídicos de respeito à diversidade e às territorialidades.
medida que os sujeitos subvertem a ordem a seu favor, assumem o rimo da própria história – e como afirma Foucault
Os indícios desta ruptura que presenciamos até o momento são vários e fundamentais. Desde os princípios da
(2014) “O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, de quem tomar lugar daqueles que as utilizam,
execução do Plano de Manejo, ou seja, desde a fase em que as partes se reúnem para planejar as ações práticas do estu-
de quem se disfarçar para pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto” (FOU-
do, o processo foi anti-democrático: na reunião que aconteceu no dia 02/02/2012 em Curitiba, participaram apenas duas
CAULT, 2014, p.69). A fim de escreverem sua própria história, de controlarem suas próprias vidas, de se autodetermina-
representantes da ONG que venceu a licitação para realizar os estudos e uma representante da gestão do PNS – a reunião
rem conforme sua identidade coletiva, o MOPEAR passou a mobilizar-se para produzir a autodemarcação do território
deu-se na sede da ONG3. Nesta reunião foram definidas as datas, os períodos e as comunidades que seriam ouvidas na
tradicional de uma maneira cuja participação fosse condizente as suas especificidades culturais e territoriais.
elaboração do Plano. Sem ouvir as comunidades, foi estabelecido um cronograma falho que não respeitou as especi-
Enquanto apoiadores do Movimento e detentores de um conhecimento técnico necessário para a elaboração de ficidades territoriais das comunidades: Vila Fátima, Saco da Rita, Varadouro e Abacateiro não participaram do estudo
mapas, encontramos como desafio a assimetria de poderes já instaurada em uma sociedade onde quem detém saber, de- pois, segundo os registros do ICMBio, no único dia previsto para a atividade a maré estava baixa (ICMBio, 2012, p.1).
tém poder – e é neste cenário assimétrico em que a participação foi/está sendo construída. Demo (2009) nos lembra que Além disso, a última oficina realizada pelos consultores deu-se no dia 17/08/2012, na Barra do Superagui, envolvendo,
“não há educação ou planejamento que não imponham alguma coisa. A questão não é, pois, não impor, pura e simples- novamente, apenas a equipe de planejamento (sem nenhum comunitário e serviu para se fazer a “avaliação das oficinas
mente, mas impor menos. Impor menos significa assumir a tendência impositiva e, a partir daí, tratar de abrir espaços de apresentação dos consultores”).
crescentes e nunca terminados de participação” (DEMO, 2009, p.20). Logo, qualquer processo dito participativo precisa
A experiência do MOPEAR, construída e controlada pelos próprios participantes demonstra a necessidade de
encarar o poder de frente e partir dele, para, assim, construir os espaços e os meios de se fazer a participação. A partici-
se fazer encontros em dias e locais que permitam e facilitem o acesso das comunidades. Desde o inicio da produção da
pação deve ser desejada, nunca imposta, doada ou concedida - é por isso que Demo (2009) enfatiza que participação é
autodemarcação os moradores apresentaram as demandas e decidiram sobre os encaminhamentos, locais, datas, dura-
conquista, ou seja, é um processo infindável, um constante vir-a-ser. No próximo verbete trataremos de relatar o processo
ção dos encontros, metodologias, bem como a construção dos saberes junto às comunidades. Além disso, não se pode
de mobilização do MOPEAR em que se vai delineando uma contra-proposta às metodologias e a prática de participa-
culpabilizar a existência da maré à falta de participação de uma comunidade em um plano de tamanha importância: o
ção concedida/imposta pelo ICMBio. Nesse sentido apontaremos aos aspectos da cartografia social em que os sujeitos
fato da criação do cronograma ter sido baseada apenas nas demandas do órgão/pesquisadores, sem levar em conta a pe-
pesquisados eram ao mesmo tempo agentes de pesquisa e colocavam-se efetivamente como detentores do controle, dos
riodicidade rotineira e normal das marés, algo fundamental para trabalhar com os pescadores da região, é que impediu
2 A decisão judicial exigiu que o réu, ICMBio, disponibilize todos os documentos e estudos que se referem ao Plano de Manejo às De-
fensorias Públicas da União e do Estado do Paraná, bem como aos pescadores; que garanta a participação efetiva do MOPEAR na elaboração do 3 Souza (2006) afirma que a “justiça espacial” é um quesito indispensável de se pensar na realização de um Planejamento participativo:
Plano de Manejo e, por fim; que o Plano de Manejo siga os parâmetros da Convenção 169 da OIT em seus estudos e mecanismos de consulta. o local da reunião, portanto, pode limitar ou facilitar a participação dos sujeitos.

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a participação. Não se trata, enfim, de um acidente natural, mas de uma falha de planejamento. Se isto não foi avaliado Em relação aos efeitos da participação o MOPEAR vem delineando uma proposta cujos efeitos sob a comunidade
pelos pesquisadores e pelo órgão gestor dá-se pelo fato que, outra vez, a comunidade foi excluída dos processos de pla- são, justamente, a mobilização e a criação de acordos coletivos para a gestão do território. Isto, por sua vez, consiste em
nejamento e de avaliação da eficácia dos estudos. um projeto próprio dos sujeitos e que diz respeito a um desenvolvimento econômico, social e cultural específicos, tal qual
está previsto na Convenção 169 da OIT em seu artigo 7º e que deve ser respeitado e garantido.
Outro importante aspecto refere-se a forma como a participação deu-se nos processos de mapeamento. A proposta
do órgão teve como objetivo “visualizar a utilização dos recursos por parte de cada comunidade, bem como identificar o
que dá “orgulho” para eles e quais as questões que eles gostariam que fossem solucionadas” (ICMBio, 2012, p.9). Para
Considerações finais
atingir esse objetivo a metodologia empregada consistiu na aplicação de um mapa mudo cuja finalidade era colher dados
pertinentes ao órgão e aos pesquisadores. A “participação” não pode ser tratada enquanto um mecanismo universal, cuja pratica teria o efeito automático
de democratizar a ciência e o território. Permeado de relações de poder assimétricas, sua prática por meio dos estudos
Na contra-proposta o processo deu-se de maneira totalmente distinta. As comunidades escolheram coletivamente
do Plano de Manejo do PNS revoltou os moradores, justamente por seu modus operandi: imposto desde as estruturas
a partir de debates e abaixo-assinados os moradores que se formariam enquanto “agentes de pesquisa”. Os objetivos dos
superiores de poder, os estudos tiveram muitos momentos em que não houve uma construção coletiva (escolha dos pes-
mapas foram traçados coletivamente a partir de cada comunidade e as representações geográficas, igualmente, obede-
quisadores, das temáticas a serem abordadas, do cronograma a ser cumprido, dos locais a serem feitas as reuniões, das
ciam ao controle e a demanda social: só representando no mapa aquilo que os sujeitos consideravam pertinente.
metodologias a serem utilizadas, no controle sobre os instrumentos e usos da pesquisa) do processo. Tal abordagem,
O controle sobre os conteúdos do mapa, aliás, é outro ponto que marca a oposição das propostas. Podemos con- além de não respeitar as comunidades tradicionais conforme os dispositivos legais vigentes, ainda perde a oportunidade
cluir que “mapear” ao mesmo tempo que significa etimologicamente localizar um objeto no espaço por um meio gráfico, de resolver o conflito territorial que se desenvolve há anos no lugar – as comunidades, oras, não são contra a proteção da
também pode significar a listagem de um determinado atributo/objeto. Logo o que não se quer mapear é o que não se quer natureza, mas exigem que seus direitos sejam respeitados. Dada a importância do Plano de Manejo e as suas implicações,
que seja listado, explicitado. Quebrar essa barreira é retirar o controle que uma comunidade tem sobre o próprio saber não se pode secundarizar a questão da participação: ela precisa ser sempre debatida e cada vez mais aprofundada. E, por
do seu território, é uma violação à sua autodeterminação e seu direito ao território. Destarte, trata-se de uma violência a fim, se queremos que ela sirva para diminuir a assimetria de poderes existente nos processos participativos, precisamos
constante afirmação utilizada pelos pesquisadores para concluir os relatos das reuniões nas comunidades assumindo que: inverter o modus operandi do Plano de Manejo, de maneira a fazê-lo funcionar de “baixo - para cima”: a partir e para a
“algumas das informações relatadas pelos comunitários não foram indicadas/localizadas por eles nos mapas. No entanto, comunidade afetada, nada além do que os dispositivos jurídicos nacionais e internacionais asseguram.
optou-se por deixa-las na legenda, uma vez que eles a registraram” (ICMBio, 2012, p.11,25, 32, 41, 45).

Outro fato importante que já foi relatado em diversos trabalhos acadêmicos4 diz respeito às violências físicas,
Referências bibliográficas
simbólicas e materiais decorrentes da aplicação das políticas públicas ambientais de UCs. Neste sentido não se pode
deixar de ressaltar que o órgão responsável por tais violências acompanhou os pesquisadores em praticamente todos os ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Antropologia dos Archivos da Amazônia, Rio de Janeiro: Casa 8 / Fundação
momentos de realização dos estudos em campo. Por isso não é de se estranhar que os pesquisadores tenham afirmado que Universidade do Amazonas, 2008.
“a maioria das comunidades sentiram-se retraídos e não quiseram desenhar diretamente nos mapas” (ICMBio, 2012, p.9) ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. (et. al.). Consulta e Participação: a crítica à metáfora da teia de aranha.
Manaus: UEA Edições, 2013.
é nesta relação sempre tensa e com histórico profundamente marcado pelo conflito entre a gestão do Parque e as comu-
nidades é que se operacionalizou a participação dos sujeitos nas pesquisas: arredios ficam aqueles que tem medo de se BAZZO, Juliane. Mato que vira mar, mar que vira mato: o território em movimento na vila dos pescadores da Barra do
Ararapira (Ilha do Superagüi, Guaraqueçaba, Paraná). Dissertação de Mestrado – PPGAS / UFPR. Curitiba: 2010.
autodenunciarem, de serem punidos injustamente pelas suas práticas tradicionais, punições essas conhecidas e relatadas
por moradores de todas as comunidades atingidas pelo Parque. BRASIL. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.
BRASIL. Portaria IBAMA nº 45, de 22 de junho de 2006.
A relação de pesquisa construída pelo MOPEAR, como já foi afirmado, buscou respeitar os “tempos” das co-
CECEÑA, Ana Esther. Subjetivando el objeto de estúdio, o de la subversión epistemológica como emancipación. In CE-
munidades (o tempo comunidade e o tempo escola) além das demandas e dos objetivos do grupo, assim, tendo controle CEÑA, Ana Esther. Los desafio de las emancipaciones em um contexto militarizado. Ciudad Autónoma de Buenos
sobre o cronograma e o planejamento do curso em si, foi estabelecida uma relação de confiança que fez com que, em Aires: CLACSO, 2006. Pp13-43.
momento algum, os sujeitos ficassem arredios à participação, ao contrário ela era programada, desejada e assiduamente DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. Editora Cortez: São Paulo, 2009.
frequentada pelos sujeitos interessados e afetados pelo mapeamento. DUARTE, Letícia Ayumi. Argonautas do Superagui: identidade, território e conflito em um parque nacional bra-
sileiro. Dissertação de mestrado - MPPT / FAED / UDESC. Florianópolis, 2013.
4 A lista é extensa e não é intenção deste trabalho sistematiza-la ou problematiza-la, mas para um revisão da literatura pode-se consul-
tar Bazzo (2010) e Duarte (2013).

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FOUCAULT, M. Nietzsche, a genealogia e a história. In: MACHADO, Roberto (org.). Microfísica do poder. 2 ed. Rio AVALIAÇÃO DAS REDES SOCIOAMBIENTAIS DE MEDIAÇÃO DA POLÍTICA DO TERRITÓRIO DA
de Janeiro: Paz e Terra, 2014. CIDADANIA DO BAIXO TOCANTINS-PA 1
GALANTE, Maria Luiza Vicente. (et. al.) Roteiro Metodologico de Planejamento - Parque Nacional, Reserva Bio-
lógica e Estação Ecológica, 2002
ICMBio. Relatórios das Reuniões (curso) Participativas nas Comunidades, sobre o Plano de Manejo do Parque Lúcia Daiane Copetti, Cíntia Letícia Monteiro do Carmo, Francinei Bentes Tavares, Miquéias Freitas Calvi 
Nacional de Superagui, Guaraqueçaba, 2012.
RESUMO
SANTOS, Boaventura de Souza. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos ri-
vais. Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2005.
O objetivo desse trabalho consiste em contribuir com a reflexão acerca da problemática envolvendo as redes de mediação
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de em torno das questões socioambientais da agricultura familiar na região do Baixo Tocantins, de forma a discutir o alcance
Janeiro: Editara Bertrand, 2003. dessas redes e sobre os possíveis caminhos que se colocam para a agricultura familiar regional. Assim, tais redes se
SOUZA, Marcelo Lopes de. A Prisão e a Ágora: reflexões críticas em torno da democratização do planejamento e constituem a partir da junção de atores sociais em torno dos aspectos socioambientais, e por isso é importante analisar
da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. as dificuldades que geram o baixo acesso e das organizações de populações agroextrativistas a uma política pública
específica, o Programa de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Biodiversidade – PGPM-Bio, implementado
TORNQUIST, Carmem Susana. Salvar o dito, honrar a dádiva – dilemas éticos do encontro e da escuta etnográfica. Re- pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) no Território do Baixo Tocantins – Pará. A metodologia adotada
vista Impulso, Piracicaba, vol 14, n 35, Pp 63 – 72. set/dez 2003. consistiu na realização de entrevistas com os gestores da política em âmbito nacional e com os representantes das
organizações dos extrativistas da região. Os resultados mostram que o PGPM-Bio ainda é pouco difundido entre as
organizações representativas dos extrativistas nesse Território, sendo que os preços estabelecidos para subvenção ainda
são muito baixos, o que inviabiliza as organizações em acessarem a política. Porém, para produtos como a borracha
natural, a subvenção estimula os extrativistas a produzirem, tendo em vista que o preço de mercado é baixo e não
estimula a produção sem o pagamento da subvenção. Mesmo assim, considera-se que, embora as redes socioambientais
em torno dessas políticas sejam instáveis, elas podem ensejar propostas de desenvolvimento de tipos de agricultura e de
relação com a natureza que sejam menos impactantes sobre os recursos naturais.

Palavras-chave: Sociobiodiversidade, Políticas Públicas, Garantia de preços mínimos.

ABSTRACT

The aim of this study is to contribute to the discussion about the issue involving the mediation networks around
environmental issues of family farming in the Baixo Tocantins region in order to discuss the scope of these networks and
possible paths that lay ahead for the regional family farms. Thus, such networks are constituted from the junction of social
actors around the social and environmental aspects, and so it is important to analyze the difficulties that generate low
access and organizations agroextractivist populations to a specific public policy, the Price Guarantee Program minimum
for Biodiversity Products (Programa de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Biodiversidade) – PGPM-Bio,
implemented by the National Supply Company (Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB) in the Territory
of the Baixo Tocantins - Pará. The methodology consisted of interviews with managers of politics at the national level
and with representatives of the organizations extraction of the region. The results show that the PGPM-Bio is still not
widespread among the organizations representing the extractive this Territory, and the prices established for grant are still
very low, which prevents organizations in accessing politics. However, for products such as natural rubber, the subsidy
encourages the extractive produce, considering that the market price is low and does not stimulate production without
payment of the grant. Still, it is considered that, although the environmental networks around these policies are unstable,
they can give rise to development of proposed types of agriculture and relationship with nature that are less impactful on
the natural resources.

Keywords: Sociobiodiversity, Public Policy, Price Guarantee Minimum.

1 Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC/PRODOUTOR 2014 e do Projeto de Extensão intitulado “Monitoramento e
avaliação de políticas públicas para gestão de territórios na Amazônia Paraense” (MDA / CNPq).

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INTRODUÇÃO o desenvolvimento rural (SILVA, 2010), e a partir dela outras discussões importantes têm ganhado espaço na região
amazônica.
A Amazônia possui grande diversidade de flora, fauna, reservas minerais, além de diferentes grupos sociais,
como por exemplo, as populações indígenas. Essas características chamam a atenção mundial e geram os interesses mais Desse modo, o principal objetivo desse trabalho de pesquisa consiste em contribuir com a reflexão acerca da
variados, principalmente os de natureza econômica (STEFANELLO; DANTAS, 2006). problemática envolvendo as redes de mediação em torno das questões socioambientais da agricultura familiar na região
do Baixo Tocantins, de forma a discutir o alcance dessas redes, sua incidência sobre as práticas dos agricultores em suas
A exploração dos benefícios contidos no conhecimento tradicional dos moradores locais, associado ao grande
unidades de produção e sobre os possíveis caminhos que se colocam para a agricultura familiar regional.
patrimônio genético da floresta amazônica, provocam profundas transformações na região, sendo o Baixo Tocantins uma
dessas regiões que enfrentam essa problemática ambiental, o que consequentemente traz a necessidade de proteção da Assim, essas redes se constituem a partir da junção de atores sociais em torno dos aspectos socioambientais, e por
sociobiodiversidade amazônica, como por exemplo por meio de políticas públicas. isso é importante analisar as dificuldades que geram o baixo acesso e das organizações de populações agroextrativistas
a uma política pública específica, a PGPM-Bio, implementado pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB),
Do ponto de vista sociológico, essas políticas significam que se constroem “redes sociais”, envolvendo atores (os humanos) já que não houve chamadas da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na linha da Agroecologia e
e seres não-humanos (os elementos da natureza), que conformam ações de apoio e proteção à sociobiodiversidade da Sustentabilidade no Território do Baixo Tocantins, e por isso tal política pública não será abordada no âmbito desse
(LATOUR, 2004). Com a superação da distinção entre sociedade e natureza, conforme destacado por este autor, estaria trabalho.
aberto um novo caminho a ser trilhado, em que as associações constituídas de humanos e não-humanos (organizadas
Este estudo faz parte do projeto de extensão universitária intitulado “Monitoramento e avaliação de políticas
em redes que as ligariam), seriam coletadas por uma nova construção analítica, um “mundo comum” envolvendo os
públicas para gestão de territórios na Amazônia Paraense”, que busca entender a gestão e a aplicação das políticas no
humanos, além dos não-humanos em sua materialidade.
Território da Cidadania do Baixo Tocantins, dentre outros territórios no estado do Pará (CALVI, 2014). O referido projeto
Entre as políticas públicas voltadas para a agricultura familiar relacionadas à preservação da sociobiodiversidade faz parte de uma ação mais ampla da Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento
na região do Baixo Tocantins que podem ser destacadas estão a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos Agrário (SDT / MDA), que constituiu, a partir de 2014, os chamados Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial
da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), e as Políticas Públicas de Assistência Técnica e Extensão Rural (nas chamadas (NEDET), no âmbito da política territorial que vem sendo adotada nacionalmente desde 2003.
temáticas de Agroecologia e Sustentabilidade).
A principal instância de funcionamento desta política é o Colegiado de Desenvolvimento Territorial (CODETER).
A PGPM-Bio é resultado do Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade, o qual Este Colegiado é composto por representantes institucionais dos setores regionais rurais e urbanos, e busca planejar
estabeleceu a estruturação e o fortalecimento de mercados, capacitação dos agentes das cadeias produtivas, ampliação ações de desenvolvimento sustentável e de integração de políticas públicas no âmbito dos onze municípios constituintes
das linhas de crédito para comercialização, ampliação do acesso aos mercados, divulgação e promoção desses produtos, do Território do Baixo Tocantins, por meio do Programa Territórios da Cidadania, do Governo Federal.
desenvolvimento e implantação de mecanismos de avaliação de conformidade e adequação do marco regulatório às
especificidades dos produtos (MDA; MMA; MDS, 2009). Além disso, o estudo também procura descrever sucintamente os debates problematizados no âmbito das questões
socioambientais em fóruns de discussão pública envolvendo a agricultura familiar existentes na região (no caso, o
O Governo Federal paga um subsídio aos agricultores familiares por unidade produzida igual à diferença entre o CODETER), além de caracterizar, por meio de procedimentos descritivos, algumas das redes constituídas em torno desse
preço de suporte designado e o preço pelo qual o produto é efetivamente vendido no mercado. Os produtos enquadrados tipo de problemática e o seu alcance.
nessa política são, babaçu (amêndoa), castanha-do-brasil, umbu, açaí (fruto), borracha natural, baru, carnaúba (pó cerífero
e cera), pequi (fruto), mangaba, piaçava (fibra).
METODOLOGIA
Já em relação à Assistência Técnica e Extensão Rural, Caporal e Ramos (2006) descrevem que a Extensão Rural (em
suas vertentes que promovem a agroecologia e a sustentabilidade) deve contribuir para a promoção do desenvolvimento O estudo foi realizado no período de agosto de 2014 a maio de 2015, no Território da Cidadania do Baixo
rural sustentável, com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno, adotando-se uma abordagem sistêmica e Tocantins-PA, que é caracterizada pela vasta área banhada por rios, entre eles o rio Tocantins, onde se predomina a
multidisciplinar, mediante a utilização de métodos participativos e de um paradigma tecnológico baseado nos princípios cobertura vegetal de floresta tropical equatorial densa e um diversificado ecossistema (NOGUEIRA et al., 2009).
da Agroecologia.
Para este estudo, foi utilizada a pesquisa qualitativa, entendida como um processo de construção de conhecimento
A sustentabilidade, através do incentivo à diversificação das atividades produtivas e do incentivo a práticas que busca, através de uma investigação rigorosa e fundamentada, produzir um novo conhecimento. Para o estudo e
alternativas de manejo e exploração do meio natural, é hoje um dos principais temas na agenda de discussão sobre análise da experiência da PGPM-Bio foi empregado o método de estudo de caso desta política pública, no âmbito

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da Estratégia de Gestão Territorial do Plano Safra (MDA/SDT, 2014), levantando-se as principais potencialidades e
limitações da implementação desta política, visando aprofundar a reflexão e construir um repertório de conhecimentos
locais que possam ser mobilizados no debate sobre a sustentabilidade agroambiental.

Assim, para subsidiar essas escolhas metodológicas, está se adotando algumas técnicas específicas para a
realização das atividades de pesquisa, entre as quais podem ser destacadas as seguintes:

a) Pesquisa documental: com o uso dessa técnica, se estudou alguns documentos que forneceram subsídios
importantes para a pesquisa, como: artigos acadêmicos, relatórios técnicos, mapas e apresentações fornecidos pela
CONAB, etc.;

b) Entrevistas abertas: em um evento ocorrido em 21 de outubro de 2014, no município de Vigia-PA, promovido


pela executora desta política, também se realizou entrevistas com os gestores e executores da PGPM-Bio, no caso com o
gerente de produtos da sociobiodiversidade da CONAB nacional e um técnico da Superintendência Regional (SUREG)
do Pará, e também se coletou os dados junto a cinco instituições do território representativas das populações extrativistas,
considerados pertinentes para a consecução dos objetivos em relação à política, como por exemplo a entrevista semi-
estruturada realizada com o presidente da Associação dos Moradores Assentados da Ilha Conceição de Mocajuba-PA
(única entidade que acessa a referida política no Território do Baixo Tocantins atualmente); e
FIGURA 1. Municípios que acessaram a PGPM-Bio em 2013.
c) Diário de campo: essa foi uma ferramenta de pesquisa imprescindível, utilizado no decorrer das entrevistas,
Fonte: CONAB (2014).
que permitiu a análise de dados importantes para o estudo.

Porém, vários outros produtos tiveram seus preços de venda subvencionados pelo Governo Federal a partir dessa
RESULTADOS E DISCUSSÃO
política para os anos de 2014 e 2015 no país, incluindo, especificamente para o Bioma amazônico, produtos provindos
Em relação aos resultados alcançados, no que se refere às políticas de cunho socioambiental discutidas no do extrativismo, como o açaí (Euterpe oleracea), e a andiroba (Carapa guianensis), entre outros (TABELA 1).
âmbito do CODETER do Baixo Tocantins, a PGPM-Bio é a principal política pública em torno da biodiversidade e da
sustentabilidade, que leva em conta as questões socioambientais locais. TABELA 1. Produtos subvencionados em 2014/2015 e valores da subvenção

Participaram do Painel sobre o PGPM-Bio para a Andiroba (ocorrido em 21 de outubro de 2014), cooperativas
e associações de diversos municípios do Baixo Tocantins, interessadas em participar da execução dessa política, como
PRODUTOS REGIÕES / ESTADOS PREÇO MÍNIMO LIMITE DE
a COFRUTA (Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba-PA), a CAEPIM (Cooperativa dos Agroextrativistas e
AMPARADOS (R$) SAFRA SUBVENÇÃO POR
Produtores de Igarapé-Miri-PA), a CART (Cooperativa Agrícola Resistência Tocantins de Cametá-PA), a Associação 2014/15 SAFRA (R$)
de Produtores Extrativistas do Município de Moju-PA e a Associação dos Moradores Assentados da Ilha Conceição do Açaí (fruto) Norte e Nordeste 1,11 1.000,00
Andiroba (semente) Norte e Nordeste 1,29 1.000,00
Município de Mocajuba-PA. Babaçu (amêndoa) Norte, Nordeste e MT 2,49 3.000,00
Baru (fruto) Bioma Cerrado 0,25 1.000,00
Borracha extrativista (cernambi) Bioma amazônico 4,90 3.000,00
Cacau extrativo (amêndoa) Norte 5,54 2.000,00
Todavia, no Território do Baixo Tocantins, apenas esta última Associação acessou a PGPM-Bio para Borracha Carnaúba Cera Tipo 4 Nordeste 8,12 2.000,00
Pó Cerífero Nordeste 4,97 1.000,00
(látex natural da seringueira – Hevea brasiliensis) em 2013 (FIGURA 1), o que demonstra que o alcance das redes em
Tipo B
torno das políticas públicas de conservação e valorização da sociobiodiversidade ainda é muito pequeno nessa região. Castanha do Brasil (com casca) Norte e MT 1,18 2.000,00
PRODUTOS REGIÕES / ESTADOS PREÇO MÍNIMO LIMITE DE
AMPARADOS (R$) SAFRA SUBVENÇÃO POR
2014/15 SAFRA (R$)

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Juçara (fruto) Sul e Sudeste 1,87 2.000,00 receio de novamente não receberem a subvenção ao fim da safra (janeiro de 2015). Além disso, como o preço praticado
Nordeste 1,11 1.000,00
Macaúba (fruto) MG, CE, MG 0,45 2.000,00 no mercado não era interessante e atrativo para os extrativistas, portanto acabaram desistindo de extrair a borracha e
Mangaba (fruto) Nordeste 2,53 1.000,00
Sudeste e Centro-Oeste 1,20 1.000,00 praticamente perderam a safra de 2014.
Pequi (fruto) Norte e Nordeste 0,43 2.000,00
Sudeste e Centro-Oeste 0,51 2.000,00
Piaçava (fibra bruta) Norte e BA 1,70 3.000,00 Como possíveis soluções para os problemas identificados com a execução dessa política pública específica, as
Pinhão (amêndoa) Sul, SP e MG 2,26 1.000,00
Umbu (fruto) Nordeste e MG 0,53 1.000,00 organizações e os representantes da CONAB apontaram as seguintes medidas: maior divulgação do Programa; estabelecer
Fonte: CONAB (2014).
preço mínimo para o produto “seco” e para outros municípios cujo sistema de coleta/produção seja diferente; buscar
maior formalização do processo (contratos); viabilizar a emissão de Nota Fiscal junto à Secretaria Estadual da Fazenda;
viabilizar a emissão de DAP e de outros documentos necessários; buscar a isenção dos impostos cobrados; fortalecer
Os entrevistados apontaram como problemas para acessar este programa, especificamente para o produto andiroba as organizações dos produtores; qualificar a estrutura de armazenamento e secagem; procurar garantir a inserção dessas
(que possui uma grande produção na região), os seguintes pontos: pouca divulgação do Programa (desconhecimento de instituições no sistema bancário; buscar capacitação junto a instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e
como acessar); preço mínimo somente para produto “molhado” e para um único município/realidade; impostos cobrados; Pequena Empresa (SEBRAE) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), entre outras (CONAB, 2014).
informalidade da venda e presença de atravessadores (sem Nota Fiscal, contratos, etc.); “fragilidade” das organizações;
falta de documentação – como a Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP); falta de conta corrente das organizações, e De acordo com a entrevista realizada, o representante da CONAB, levando em conta as reivindicações dos atores
a perda de produtos (falta de estrutura de armazenamento), etc. (CONAB, 2014). sociais locais, assumiu quatro compromissos:

De acordo com os dados coletados, os principais problemas enfrentados pela Associação de Mocajuba - PA frente 1) Dar maior divulgação do PGPM-BIO para que um maior número de extrativistas possa acessar esta política;
ao acesso à PGPM-BIO para borracha em 2014 foram:
2) Estabelecer também um preço mínimo para a andiroba seca, tendo em vista que o preço mínimo atual é apenas para a
- Falta de comunicação com a CONAB: Os extrativistas tiveram problemas para receber a subvenção, pois apesar andiroba “molhada”, bem como realizar novos levantamentos dos custos de produção da andiroba em outros municípios,
dos agricultores terem realizado um acervo fotográfico de todo o processo de produção até a entrega do produto e das procurando abranger realidades diferentes de coleta;
regras do PGPM-BIO, informaram que a fiscalização seria realizada por amostragem ou em caso de alguma denúncia,
3) Ver a possibilidade de executar o pagamento do PGPM-BIO por meio dos correios (através do Banco Postal), tendo
a Superintendência Regional da CONAB no Pará exige que instituições parceiras (como a EMATER) acompanhem a
em vista as dificuldades de alguns territórios, como é o caso do Marajó;
retirada da borracha e a comercialização do produto e emitam pareceres confirmando a veracidade das informações sobre
essa comercialização. No entanto, os extrativistas não receberam a fiscalização da EMATER; 4) Por fim, a CONAB se comprometeu em buscar meios para isentar a cobranças do imposto federal sobre a subvenção
do PGPM-BIO, que está em torno de 6% (PIS, COFINS, etc.). A equipe da CONAB informou que não acha justo que
- Demora para receber o pagamento da subvenção: Esse foi o principal fator de diminuição da participação dos extrativistas
seja cobrado esse imposto em cima de uma subvenção e por isso se comprometeram a buscar uma forma de se isentar
na rede de mediação socioambiental em torno da política, como será discutido mais detalhadamente adiante. Segundo
esta cobrança.
os mesmos informaram, eles encaminharam a documentação para a SUREG da CONAB em Belém, em fevereiro de
2014, mas só conseguiram receber a subvenção no final de agosto de 2014. Além disso, a subvenção teve um desconto Já em relação ao PGPM-BIO para a Borracha, a Associação dos Moradores Assentados da Ilha Conceição, no
de quase 6% de imposto federal (chegando a quase R$ 10.000,00 de desconto). Os extrativistas questionam a legalidade município de Mocajuba-PA, informou que acessa este programa desde 2010. Em 2013, estes extrativistas venderam
deste desconto e reivindicam a isenção deste imposto, tendo em vista que o recurso se trata de uma subvenção e por isso mais de 70 toneladas de borracha natural, totalizando aproximadamente R$ 250.000,00 para a empresa multinacional
não deveria ter cobrança de taxas. Já a CONAB informou que a demora no pagamento da subvenção se deu porque os Michelin, que possui um entreposto de comercialização em Marituba-PA. Conforme definido no contrato, a Michelin
extrativistas não informaram à Superintendência antecipadamente sobre a comercialização e entrega do produto, por isso comprou a borracha dos extrativistas pelo preço de R$ 1,20/kg. A subvenção do Governo Federal, por meio da CONAB,
não foi possível acionar a EMATER para acompanharem essa transação e emitirem pareceres. Com isso, a CONAB-PA complementou o valor de R$ 2,30, perfazendo o indicativo do PGPM para a borracha: R$ 3,50.
encaminhou a situação para a CONAB em Brasília para avaliar se a subvenção poderia ser paga;
Os extrativistas informaram que sem o pagamento da subvenção dificilmente iriam trabalhar na extração da
- Perda da safra da borracha em 2014: Como a safra da borracha em área de várzea (predominante na área de extração borracha. Isso pode ser demonstrado pela situação dessa produção no ano de 2014, quando a quantidade produzida caiu
da borracha em Mocajuba) vai de 01 de julho a 15 de janeiro, outro problema causado pelo atraso no recebimento da de 69.168 kg de látex em 2013 (produzido por 120 agricultores filiados a essa Associação), para apenas 3.211 kg, com
subvenção foi o da perda de confiança dos extrativistas no PGPM-BIO e em consequência, a perda da safra de 2014, apenas 08 produtores acessando a política. Esses números representam diminuição de mais de 95% na produção e de
pois como demorou muito para os extrativistas receberem a subvenção, eles decidiram não arriscar a produção com o 94% do número de associados que comercializaram no ano anterior. Uma das razões está na demora no pagamento pela

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CONAB, que inviabilizou a coleta extrativista da borracha pelos valores de mercado (R$ 1,50 pagos pela Michelin em elas permitem ensejar ações que podem contribuir para uma melhor relação entre o meio urbano e o rural, por meio do
2014). Ou seja, a subvenção financeira é essencial para manter a atividade e a política alcançar o objetivo de garantir a fortalecimento da agricultura familiar e do aumento da renda desse setor, para a conservação do meio ambiente por meio
proteção da sociobiodiversidade. do apoio ao estabelecimento de mercados para os produtos da sociobiodiversidade, preservando ainda os conhecimentos
tradicionais das populações amazônicas.
Os dados informados pelo presidente da Associação dos Moradores Assentados da Ilha Conceição de Mocajuba
mostram então que a rede de atores sociais envolvidos em torno dessa ação tende a diminuir se não houver algum tipo Assim, busca-se como consequência a melhoria da qualidade de vida, visando o fortalecimento da cidadania e
de estímulo (nesse caso, basicamente na dimensão econômica e de renda, devido à demora nos pagamentos pelos órgãos para a produção de alimentos de forma sustentável, por meio do desenvolvimento de tipos de agricultura e de relação
governamentais responsáveis, atraindo a desconfiança dos extrativistas). com a natureza que sejam menos impactantes sobre os recursos naturais.

Os representantes das cooperativas e associações de extrativistas relataram que outros produtos também podem
ser alvo da PGPM-Bio, como a andiroba e o cacau. No entanto, esses produtos não foram alvo da política, pois o AGRADECIMENTOS:
preço subvencionado era considerado bom (R$ 1,20/kg no caso da semente seca de andiroba), porém os extrativistas À UFPA – Universidade Federal do Pará, que por meio da bolsa de pesquisa PIBIC / PRODOUTOR permitiu a
não conseguiram compradores para pagar o preço de mercado pelo produto na região, e assim não foi possível para o realização deste trabalho; ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à Secretaria
Governo conceder a subvenção. de Desenvolvimento Territorial / Ministério do Desenvolvimento Agrário, que possibilitaram o financiamento deste
estudo no âmbito do NEDET do Território do Baixo Tocantins-PA; e ao CODETER do Território, pelo apoio ao trabalho
Todavia, quando perguntado sobre os aspectos positivos da referida política, o representante da Associação de realizado.
Mocajuba, a única que acessa o PGPM-Bio, destacou que para os extrativistas que receberam os recursos a situação
financeira “melhorou muito”, e a Associação também se fortaleceu. Além disso, a renda das famílias e do próprio
município teria melhorado, pois desde 2010 já haveria circulado na economia local cerca de R$ 600.000,00, beneficiando REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
aproximadamente 120 famílias. Por fim, com essa política funcionando a contento, os extrativistas voltaram a produzir
o látex da borracha, o que não era realizado há pelo menos 20 anos na região, quando a crise de mercado desse produto CALVI, Miquéias. Monitoramento e avaliação de políticas públicas para gestão de territórios na Amazônia
desestimulou o extrativismo. Paraense. Altamira-PA: UFPA, 2013. 21 p.

CAPORAL, Francisco Ramos; RAMOS, Ladjane de Fátima. Da Extensão Rural Convencional à Extensão Rural Para
o Desenvolvimento Sustentável: Enfrentar Desafios Para Romper a Inércia. Brasília, setembro de 2006. Disponível em:
CONSIDERAÇÕES FINAIS <https://www.socla.co/wp-content/uploads/2014/Da-Extenso-Rural-Convencional-Extenso-Rural-para.pdf>. Acesso
em: 22 maio 2015.
Os resultados alcançados mostram que o PGPM-Bio ainda é pouco difundido entre as organizações representativas
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. PGPM-Bio – Política de Garantia de Preços
dos extrativistas no Território do Baixo Tocantins, sendo que os preços estabelecidos para subvenção ainda são muito Mínimos para Produtos da Biodiversidade. Vigia-PA: CONAB, 2014. 33 p.
baixos, o que inviabiliza estas organizações em acessarem a política. Porém, para alguns produtos, como a borracha
LATOUR, Bruno. Políticas da Natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: EDUSC, 2004. 422 p.
natural, o preço da subvenção estimula os extrativistas a produzirem, tendo em vista que o mercado ainda é pouco
desenvolvido para esse tipo de produto. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA;
MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME – MDS. Plano Nacional de Promoção
Por outro lado, as redes de mediação socioambientais em torno dessas políticas são muito instáveis, podendo
de Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade. Plano de ação 2009. Brasília: MDA; MMA; MDS; CONAB, 2009.
aumentar ou diminuir tendo em vista a dinâmica de funcionamento dessas atividades, como foi demonstrada pela grande
queda de produção da borracha e do número de extrativistas envolvidos com esse produto entre 2013 e 2014 na Associação MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA / SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL – SDT. Gestão Territorial do Plano Safra: Estratégia de efetivação de políticas públicas de
dos Moradores Assentados da Ilha Conceição de Mocajuba. Esses aspectos reforçam que essas redes de mediação ainda desenvolvimento rural. Brasília: MDA / SDT, 2014. 27 p.
são frágeis, principalmente porque, aparentemente, os espaços e fóruns públicos de deliberação como o CODETER não
NOGUEIRA, Antônio Carlos Nunes et al. Diagnóstico rural de comunidades de agricultores familiares: o caso de
exercem influência em instituições governamentais como a CONAB.
Ajó, Cametá-Pará. Belém: UFPA / NEAF, 2009. 53 p.
Mesmo assim, considera-se que, embora as redes socioambientais em torno dessas políticas sejam inconstantes, STEFANELLO, Alaim Giovani Fortes; DANTAS, Fernando Antônio de Carvalho. A Proteção Jurídica da

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Sociobiodiversidade Amazônica. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS DA BARRAGEM NORTE NO MUNICÍPIO DE JOSÉ BOITEUX – SC
E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, 15., 2006, Manaus. Anais... Manaus: CONPEDI / UEA, 2006. p. 4096-4117.
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/alaim_giovani_fortes_stefanello.pdf>. Acesso Marcia Fusinato Barbosa Athayde1; Pedro Martins1
em: 22 maio 2015.

SILVA, Leonardo Xavier (Org.). Estado e Políticas Públicas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. 70 p. RESUMO

A construção de barragens é realizada com diferentes fins, gerar energia, controlar enchentes ou inundações, constituir
reservatórios para irrigação e abastecimento de áreas com escassez de água. De qualquer forma, influenciam as
comunidades por elas atingidas. Com base nesta visão, este artigo apresenta parte de uma proposta de pesquisa que
tem como objetivo, identificar os efeitos socioambientais da implantação da Barragem Norte para as comunidades do
município de José Boiteux – SC, destacando o uso dos saberes locais como caminho paraa reorganização socioespacial
e para o desenvolvimento territorial sustentável. Esta barragem foi construída no último quartel do século XX, está
localizada nas proximidades da Terra Indígena Lãklanõ2 e integra o complexo de barragens de contenção de enchentes
que compõe o conjunto de medidas estruturais adotadas para amenizar o histórico problema das enchentes no Vale do
Itajaí, em Santa Catarina, Sul do Brasil. A metodologia utilizada é a pesquisa qualitativa desenvolvida mediante o uso
de fontes documentais. O universo de pesquisa corresponde ao município e o estudo compreende o período entre 1976 e
2015. Os resultados obtidos com a execução do estudo revelam que os efeitos do emprendimento realizado, influenciaram
e influenciam as comunidades locais, causando-lhe a necessidade de readaptação constante frente aos cenários e situações
que surgem em cada momento histórico.

Palavras-chave: Barragem Norte; Vale do Itajaí; Comunidades atingidas; Saberes locais.

ABSTRACT

The construction of dams is carried out with different purposes, to generate energy, control floods, build reservoirs for
irrigation and supply areas with water shortages and other purposes. Anyway, they influence communities they can reach.
Thus, this article presents, through a brief literature review, part of a research proposal that aims to identify the influences
of the implantation of a dam, called Barragem Norte, for the communities in the municipality of José Boiteux - SC. This
dam was built in the last quarter of the twentieth century, it is located near the Indigenous Land - Laklanõ-Xokleng and
integrates the complex flood containment dams that make up the set of structural measures adopted to mitigate the historic
problem of flooding at Vale do Itajaí in Santa Catarina, southern Brazil. The methodology used is qualitative research
developed through the use of documentary sources. The research base corresponds to the municipality and the study covers
the period between 1976 and 2015. The results of the study execution reveal that the effects of held venture, influenced
and influence local communities , causing you to need constant readjustment forward to scenarios and situations that arise
in each historical moment.

Key-words: Dam North (Barragem Norte); Vale do Itajaí ; Affected communities; local knowledge.

1 UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina - mfsecret@hotmail.com – weltermartins@yahoo.com.br

2 Nova denominação dada à Terra Indígena de Ibirama - SC. Terra onde vive o povo Xokleng do Alto Vale do Itajaí - SC. Essa denominação
decorre de um processo de re-denominação baseado no resgate histórico das origens desse grupo indígena a partir de questionamentos feitos na
comunidade, com o intuito de redefinir a identidade, recuperar histórias e resgatar aquele que consideram o verdadeiro nome e que os identifica
como povo. (GAGKRAN, 2005, p. 12 - 14).

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INTRODUÇÃO Também o conceito de região surge como necessário para esta pesquisa, pois se considera a inserção do lugar no
O município de José Boiteux localiza-se no Alto Vale do Itajaí SC. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro contexto da região que se constitui como espaço caracterizado por aspectos naturais e/ou histórico-sociais comuns, mas
de Geografia e Estatística (2010), abriga população de 4717 habitantes. Inclui povos indígenas dos grupos Xokleng, com interesses antagônicos. Para Santos (1994), A região enquanto conceito essencial ao estudo do espaço geográfico,
Kaingang e Guarani, um grupo social de origem afrodescendente que se identifica e é identificado como Comunidade passa por diferentes formas de definição, evoluiu com os avanços da ciência geográfica e mesmo sendo aplicado
Cafuza e descendentes de imigrantes europeus, principalmente de origem italiana, alemã e açoriana. Destes, os grupos diferentemente em relação à localização ou extensão de fenômenos ou em relação à dimensões espaciais que podem ir do
indígenas (Povo Laklanõ) e cafuzos (Comunidade Cafuza), que podem ser considerados povos detentores e disseminadores local ao global e, a região relaciona-se com a diferenciação de áreas, sendo concebida como espaço socialmente criado.
de saberes locais específicos. Transportado esse pensamento para o que acontece num espaço maior envolvendo os micro espaços a ele
É nesta pequena cidade que foi construída a Barragem Norte, integrante do complexo de barragens de contenção de relacionados, visualiza-se o lugar a que se refere este estudo, como parte de uma região, a região do Vale do Itajaí, que
enchentes do Vale do Itajaí. Obra construída para auxiliar no controle de enchentes que historicamente atingem cidades do abrange diferentes esferas espaciais, cada uma com suas particularidades e modo de produrir seu espaço, mas totolmente
Médio e Baixo do Itajaí, em especial Blumenau, que desde o início da colonização sofre consequências desses fenômenos. interligadas no tempo e no espaço.
Sobre esta realidade socioespacial, estrutura-se a presente abordagem, desenvolvida através de levantamento Os conceitos de território, identidade e cultura também tornam-se relevantes para esta abordagem. O território,
bibliográfico e reflexões possíveis. O problema de pesquisa define-se pela indagação: Quais são os efeitos socioambientais para Santos (2006, p.14) “ não é apenas um conjunto de sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território
decorrentes da implantação da Barragem Norte nas comunidades do Município de José Boiteux? Tem-se como objetivo tem que ser entendido como território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade”
central: Identificar os efeitos socioambientais causados pela implantação Barragem Norte na vida das comunidades por Percebido nesta ótica, o território é o lugar de todas as relações. Santos também nos diz que “A identidade é o sentimento
ela atingidas destacando o uso dos saberes locais como caminho para a reorganização socioespacial e desenvolvimento de pertencer aquilo que nos pertence e que o território é o fundamento do trabalho, o lugar da resistência, das trocas
territorial sustentável. materiais e espirituais e do exercício da vida”.
A pesquisa sobre o tema justifica-se em função da relevância social que surge das contribuições que pode oferecer Na busca de complementar o que vem a ser a identidade, recorre-se a Castells (1999, p.23), o qual esclarece
no sentido de subsidiar o planejamento e gestão do desenvolvimento local. No âmbito científico, pelas contribuições que que “a construção de identidades vale-se da matéria prima fornecida pela história, geografia, biologia, pelas instiuições
o estudo pode oferecer na produção de conhecimentos úteis à compreensão das particularidades do modo de evolução produtivas e reprodutivas, ou ainda, pela memória coletiva e fantasias pessoais e pelos aparatos de poder e de cunho
e organização social, política e econômica de comunidades marcadas por intervenções que as influenciam positiva ou religioso”. Na visão do autor, esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos e sociedades que reorganizam seu
negativamente. significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua
O estudo enquadra-se no campo das pesquisas sociais. É desenvolvido mediante a pesquisa qualitativa, que segundo visão de tempo e espaço.
Minayio (2004), favorece as investigações voltadas para a identificação e compreensão do significado das ações e relações Esta é uma concepção notável nas comunidades que compõem o universo populacional em estudo, o Povo
das humanas entre si e com seu ambiente de vida. A obtenção de dados respalda-se na pesquisa documental e busca Laklãnõ, a Comunidade Cafusa e Comunidade de Barra do Rio Dollmann, sem desconsiderar as demais que formam a
compreender e expressar de que modo as comunidades atingidas pela Barragem Norte reagiram aos efeitos imediatos e população de José Boiteux. A busca por elementos que contribuem bara o resgate de aspectos da identidade e cultura das
de médio e longo prazo ocasionados pelo empreendimento. Bem como, busca visualizar a implantação da barragem como comunidades locais é constante.
obra e acontecimento que de alguma forma influenciou a vida de todas as comunidades que formam a população local e O conceito de cultura também ganha relevância quando se afirma que a cultura é a representação do movimento
como obra e acontecimento que influenciou diferentes comunidades em âmbito regional. de uma certa comunidade, gerado por necessidades ou pelo contato com outro grupo, modificando seu modo de agir,
2. O VALE DO ITAJAÍ, O TERRITÓRIO, OS POVOS E A QUESTÃO DAS ENCHENTES. pensar e se organizar. Para Laraia (2009, p. 63), “a compreensão exata do conceito de cultura implica na compreensão da
própria cultura humana que por sua vez, é dinâmica, pois a vida é naturalmente dinâmica e as sociedades relacionam-se
Toma-se como ponto de partida para a abordagem, a compreensão do conceito de formação socioespacial dado com outras de alguma forma, assim difundem seu modo de vida, suas crenças e costumes”.
por Santos (1979), para quem “nenhum enfoque que deixe de lado a noção de totalidade permitirá uma correta noção da O que se percebe nas análises que se pode fazer das mudanças que se processam nas comunidades relacionadas
realidade”. Para Santos a formação socioespacial de um lugar, “está condicionada pela organização do espaço” (2008, p. ao espaço em estudo, expressa claramente esse movimento da cultura de cada uma dessas comunidades, pois o lugar de
27) , e esta, é resultado do movimento de relações que as sociedades estabelecem entre si e com seu espaço de vida. morar já não é o mesmo, as relações sociais e de produção foram alterados, os recursos naturais reduzidos a ponto de se
O lugar neste contexto é uma construção social e de acordo com Santos (1994) tudo o que existe nele está em tornarem insuficientes, o modo de comer e vestir e os rituais foram profundamente alterados.
relação com outros elementos que dele fazem parte. Assim, “o que define o lugar é exatamente uma teia de objetos e ações Todos esses aspectos se tornam objeto de reflexão e análise, mediante o olhar que se pode lançar sobre o que as
com causa e efeito, que forma um contexto e atinge todas as variáveis já existentes, internas; e as novas, que se vão internalizar fontes literárias utilizadas nos textos que seguem nos fornecem como subsídios para compreender o constante movimento
(SANTOS, 1994, p. 97). das comunidades envolvidas no processo luta pela conquista de direitos, reorganização social e estratégias de sobrevivência

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compatíveis com a dinâmica de vida gerada pela implantação da Barragem norte no lugar. imediatos sobre as comunidades. Sociedade, instituições e poder público organizaram-se para resolver a questão. Assim,
Cabe ainda nesta abordagem, a explanação do conceito de atingidos, que na situação, se representam pelos na década de 1960 foi colocada em prática a proposta da construção de barragens em diferentes pontos da Bacia do
atingidos por barragens, e neste caso mais especificamente, as comunidades atingidas pela barragem Norte. Itajaí, mas a escolha dos lugares para instalar as obras levou em conta os aspectos políticos e não o posicionamento das
Vainer (2008, p. 40), ao tratar do conceito no contexto dos projetos de construção de barragens hidrelétricas comunidades em que os empreendimentos foram realizados.
explica que “ Sendo essencialmente uma categoria social em disputa, a noção de atingido varia no tempo e no espaço, As barragens citadas foram destinadas ao Alto Vale, pois se compreendia-se que a dinâmica das enchentes
conforme os contextos políticos e culturais”. O autor esclarece que o conceito de atingido diz respeito ao reconhecimento relacionava-se com os índices pluviométricos regionais, Foram efetuados três empreendimentos sendo: em Ituporanga
de direitos, sendo necessário compreender que quando se afirma que um grupo, família ou indivíduo é ou foi atingido (Barragem Sul), Taió (Barragem Oeste) e José Boiteux (Barragem Norte). É em relação a esta última barragem que versa
por um determinado empreendimento, significa reconhecer como legítimo, e em alguns casos, como legal, o direito de este trabalho.
ressarcimento ou indenização, reabilitação ou reparação não pecuniária, por perdas materiais ou imateriais decorrentes De acordo com Fraga (1996), a construção da Barragem Norte foi iniciada em 1976 e finalizada em 1992. Durante
desse empreendimento. boa parte desse processo José Boiteux constituia parte do município de Ibirama, por isso a literatura facilmente trata a
Assim, representadas por seus cidadãos, as comunidades atingidas pela Barragem Norte, incluem agricultores Barragem Norte como Barragem de Ibirama e a Terra Indígena Laklãnõ, como Terra Indígena de Ibirama.
que detinham título de propriedade de terras, indígenas que tinham para a sobrevivência as terras da Reserva Indígena Destaca-se que muitos estudos já foram efetuados para investigar as consequências dessa obra para as comunidades
destinada a coletividade e os cafuzos, que também habitavam o mesmo território, entre outros que possam vir a ser atingidas, Portanto, o que se faz aqui, é buscar na literatura já produzida, a base para lançar um olhar sobre a totalidade
incluídos no contexto. das influências de uma obra construída com o intuito de mitigar efeitos das enchentes para comunidades localizadas a sua
jusante, em detrimento das comunidades locais.

2.1 O Vale do Itajaí e as enchentes


A Bacia Hidrográfica do Itajaí compõe a Vertente Atlântica em Santa Catarina. As características geológicas e 2.2 A Barragem Norte no Município de José Boiteux
geomorfológicas da área em que se insere permitiu, para fins de identificação de áreas e estudos, sua divisão em: O Baixo A discussão realizada em torno da questão da implantação da Barragem Norte no Município de José Boiteux
Vale, caracterizado por relevo pouco acentuado e ocupação humana relativamente alta em relação às outras áreas do Vale, requer atenção acerca do modo como foi conduzido o projeto que apresentou a proposta às comunidades locais. Requer o
compreende entre outras, a cidade de Blumenau, históricamente atingida por enchentes; Médio Vale, com relevo mais questionamento sobre o modo como se procedeu a decisão relativa à escolha do lugar para sua implantação e sobre a real
acentuado em relação ao Baixo Vale, ocupação humana menos intensa e uso dos solos alternado por atividades diversas; finalidade dessa obra.
Alto Vale, onde se situa José Boiteux (município sede da Barragem Norte), apresenta relevo mais acentuado, solos Convém lembrar que a área onde foi construída a barragem correspondia a uma área coberta por densa floresta no
utilizados basicamente para atividades agrárias e apresenta menores índices de ocupação humana em relação às demais alto curso do Rio Itajaí do Norte, próxima da Terra Lãklanõ, que abriga indios aldeados no início do século XX com o
áreas do Vale. propósito de viabilizar a ocupação das terras por colonos.
Para tornar mais clara a situação em estudo, explica-se que desde o início do processo de ocupação dessa região Para abordar o assunto, retoma-se aspectos da problemática das enchentes no Vale do Itajaí e do modo de condução
catarinense, as populações que se fixaram nas cidades que se formaram ao longo do Vale do Itajaí, principalmente nas das medidas mitigadoras dos seus efeitos, e discute-se os estudos que se preocuparam em identificar consequências da
áreas de planícies de inundação, tiveram que conviver com enchentes periódicas que ocorrem nesses espaços da bacia implantação da obra sobre as populações locais.
hidrográfica. Descreveu-se anteriormente que a Barragem Norte integra o conjunto de medidas estruturais destinadas ao controle
Sobre o histórico de enchentes que atinge a área catarinense, Frank (2003) realizou registro das datas de cheias de enchentes no Vale do Itajaí. Assim, constituiu-se como estratégia de proteção das comunidades atingidas por enchentes.
em Blumenau e elencou as propostas de minimização do problema desde o início da colonização. Segundo a autora, entre Isso, criou uma situação inversa, se antes as populações das cidades do Médio e Baixo Vale sofriam o risco de enchentes,
1852 e 2011 aconteceram 72 enchentes no Vale do Itajaí, atingindo mais intensamente Blumenau e nos anos seguintes a realização da obra, colocou em risco e vulnerabilidade, mesmo que em outras condições, a comunidade que sediou o
aconteceram outros eventos chuvosos colocando em alerta as populações das cidades do Médio e Baixo Vale. empreendimento e aquelas que se encontram a jusante do local de Barramento das águas.
Das medidas mitigadoras para o problema, Frank (2003), afirma que desde 1911, ano segunda grande enchente A barragem edificada na Barra do Rio Dollmann, em José Boiteux, ainda não confirmou sua eficiência quanto
após a instalação da Colônia Blumenau, passaram a ser sugeridas medidas de mitigação. A ocupação da cidade de a finalidade para a qual foi construída. Isso ainda permanece como incógnita, mas uma coisa é certa, as comunidades
Blumenau e de outras do Vale intensificou-se e com o passar do tempo o problema das enchentes agravou-se. Com isso as que foram atingidas pela sua implantação sofreram transformações determinantes, sendo forçadas a encontrar novas
sociedades mais atingidas passaram a cobrar das autoridades a adoção de ações mais eficientes para amenizar o problema. alternativas de sobrevivência.
Segundo Frank (2003), na segunda metade da década de 1950, novas enchentes ocorreram e seus reflexos foram Santos (1987), ao reportar-se aos impactos da barragem sobre os povos indígenas que viviam no espaço inundável

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pelo barramento das águas nos períodos chuvosos. Para o autor os prejuízos materiais e imateriais para os povos locais da totalidade dos efeitos da obra, reiteram que
são muitos. Neste sentido afirma: A obra causou enorme desgaste econômico, político, ambiental e social, inserindo a comunidade indígena num alto
contexto de tensões, que passou pelos anos de 1980, 1990, 2000 e continuarão por muitas décadas, ainda neste
A desorganização social é intensa. A miscigenação entre brancos e índios, ou entre índios e século [...], a pobreza a que foram introduzidos e sua dependência em relação à sociedade regional –, mas, acima
“mestiços”, é rotina. [...]. O individualismo manifesta-se de maneira exacerbada e totalmente de tudo, até ser possível evitar a irracional exploração das riquezas naturais da Reserva (FRAGA; GOULART, 2000,
alheio às tradições tribais. Comete-se assim, em Ibirama, com a conivência clara e objetiva da p. 15-16).
FUNAI, o etnocídio (SANTOS, 1987, p. 45).
Fraga e Goulart (2000) mencionam as influências da obra na vida dos agricultores que habitavam a Barra do Rio
Na mesma linha, Müller (1987) destaca as ações de depredação dos recursos naturai existentes na área e afirma: Dollmann. Muitos tiveram a total ou parcial indenização das terras, mas ao migrar para áreas urbanas e se adaptar ao novo
A exploração dos recursos florestais disponíveis na área indígena foi uma consequência imediata. Primeiro, modo de vida sofreram impactos irreversíveis.
os indígenas foram estimulados para comercializar o palmito, atendendo às ofertas das empresas dedicadas à
fabricação de conservas. Depois, [...] as madeiras nobres começaram a ser objeto de diferentes negociações, na Em outra abordagem Fraga (2002) discorre sobre o jogo de forças que se estabelece no meio empresarial e político
maioria das vezes nada honestas... (MÜLLER, 1987, p. 60). local e regional em virtude de recursos destinados às obras de contenção e prevenção de enchentes no Vale do Itajaí.
Nesta esfera, a problemática das enchentes provoca o que ele define como ciclo vicioso que perdura em torno da busca
Ainda sobre as consequências mais imediatas dessa obra,Müller
(1987) e Santos (1997) destacam as mudanças advindas
de recursos e do discurso da resolução dos problemas que afetam as populações atingidas e populações protegidas pela
do deslocamento das habitações indígenas das áreas de várzea para as encostas, tornando-se impossível manter alguns
barragem
hábitos culturais até então preservados.
Entre autores que se reportam à questão da Barragem Norte mais recentemente, encontra-se Patté (2015), jovem
Em relação a questão da madeira, também Martins (1995) explica que a extração madeireira, já realizada em
indígena que busca na voz do seu povo identificar e analisar as consequências socioambientais da obra para a sua
tempos anteriores ao grande projeto de construção da barragem, intensificou-se com a deflagração da obra:
comunidade. Ela afirma que entre outras mudanças, a barragem causou a divisão espacial de um povo que vivia em um só grupo.
A extração dessa madeira já vinha ocorrendo[...], mas acontecia em ritmo lento, em virtude da A respeito dessa divisão reorganização da grande comunidade em diferentes aldeias, Patté (2015, p.14) assevera que:
ausência de estradas de acesso à floresta, não chegando a comprometer o equilíbrio ecológico
da Área. As árvores retiradas eram cortadas a machado e transportadas para fora da àrea com Atualmente a Terra dos Laklãnõ (Xokleng) se encontra dividida politicamente em oito (08)
o auxílio de tração animal – o que impedia a devastação. A partir de 1974, com o início da aldeias por linhas imaginárias determinada pelos caciques regionais que são responsáveis pelos
construção da Barragem Norte, essa situação começou a mudar (MARTINS, 1995, p. 98). desmembramento de aldeias, conforme prevê o Regimento Interno Laklãnõ que é a lei interna que
regula a política e a organização da liderança interna do povo. Todas aldeias são independentes
Na colocação do autor fica evidente que as relações de exploração de recursos florestais realizada no lugar até entre si, mantendo unidade através do Cacique Presidente (Geral) que representa toda a Terra
Indígena perante as instituições e órgãos com os quais mantem relações políticas.
aquele momento não causava grandes impactos ao ecossistema, pois era realizada sem grandes agressões ao ambiente.
Martins (1995) evidencia as consequências desse processo para o povo cafuzo que viveu em terras indígenas
A citação destacada evidencia as influências da barragem no modo de organização social e política do grupo, que
desde meados da década de 1940 até fins da década de 1980. Dos efeitos da obra e das mudanças estruturais e culturais
acabou por desenvolver uma política interna de organização social bem diferenciada em relação ao período anterior à
enfrentadas pelos cafuzos com a implantação da Barragem Norte, destaca o drama decorrente da desapropriação do
construção da barragem.
espaço que seria tomado pelo lago de inundação e pela abertura da estrada de contorno da obra. Afirma que “com a
Sobre os impactos ambientais, Patté (2011, p. 11) afirma que “as enchentes acabaram com todo solo fértil e
desapropriação de terras exigida pela implantação do lago da barragem, a área até então disponível para os cafuzos –
a mata ciliar, além de muitas espécies de peixes e outros animais que habitavam as regiões alagadas”. Isso forçou as
cerca de mil hectares – ficou reduzida a menos de dois terços” (MARTINS, 1995, p. 99).
comunidades a mudar suas práticas estratégias de sobrevivência.
Para Martins (1995, p 101) “a redução do território fez com que xokleng e cafuzos passassem a disputar o mesmo
O que se compreende das argumentações aqui reunidas, é que a implantação de uma barragem voltada para a
espaço, e os xokleng, como proprietários da área, tinham a primazia da escolha”. A necessidade de remover as famílias
proteção de populações residentes à sua jusante, alteraram profundamente o modo de vida, a organização social, econômica
xokleng e reinstalar aparatos públicos instalados na área desapropriada suprimiu espaços antes disponíveis aos cafuzos
e política das comunidades locais, exigindo a sua readaptação local, ou adaptação à novos espaços e atividades até então
gerando conflitos entre os dois grupos, dificultando a sobrevivência dos cafuzos, forçando grande parte do grupo a migrar.
incomuns a elas.
Também Fraga (1996), afirma que a construção dessa barragem incidiu profundamente no modo de vida das
comunidades residentes nas terras indígenas e da comunidade residente na localidade de Barra Dollmann, causando
grandes impactos socioambientais negativos.
2.3 Barragem Norte e mudanças sociais, políticas e econômicas no lugar
No mesmo sentido, Fraga e Goulart (2000) mencionam inclusive, as mudanças nas relações entre brancos e índios
O estudo realizado expressa que a análise possível sobre as influências da Barragem Norte nas comunidades por
e entre estes e cafuzos a partir de quando se deu a supressão das terras aráveis ocupadas pelos indígenas na área. Em torno

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ela atingidas, precisa considerar os diferentes aspectos que envolvem a sua sobrevivência e todas as novas etapas e/ou permeada por dificuldades até encontrar relativa estabilidade no território indígena, a construção da barragem foi fator
eventos enfrentados por elas em razão da implantação da obra. Incluem-se no processo, os colonos da comunidade que decisivo para uma nova fase de insegurança.
cedeu espaço ao empreendimento, as comunidades indígenas e a comunidade cafuza. Sobre este grupo social Santos (2005), em entrevista declara que “eles são vítimas diretas da barragem”. Para
É preciso também levar em conta a indissociabilidade existente entre todos os aspectos da vida em comunidade. o autor, mesmo que eles tenham chegado à conquista da terra para reassentamento em local próprio, nada os impede de
Considera-se neste sentido, os aspectos ambientais, sociais, econômicos e políticos, que por sua vez estão relacionados a terem uma discussão jurídica sobre os direitos que eles realmente tinham enquanto comunidade atingida.
uma determinada cultura. Convém ainda destacar que, de todos os grupos sociais mencionados neste estudo, os Cafuzos, atualmente
Para a comunidade de Barra do Rio Dollmann, formada por colonos habituados a vida do campo, as mudanças assentados na localidade de Alto Rio Laeiz, José Boiteux - SC, em função de saberes locais específicos, e em função da
foram drásticas. A edificação da barragem destinada à proteção de populações contra enchentes, tomou-lhe o espaço condição valorização do modo de vida em coletividade, encontraram no cultivo da erva-mate e em outras atividades,
produtivo e as próprias moradias. Sem o direito de escolha viram-se obrigados a aceitar uma indenização nada compatível alternativas de sobrevivência que consideram o desenvolvimento territorial sustentável.
com as perdas que tiveram. Observa-se de qualquer forma, que as comunidades aqui citadas como atingidas pela construção da Barragem
De um espaço produtivo e organizado segundo a cultura da produtividade para a sobrevivência e comercialização Norte, buscam constantemente novas formas de lidar com as influências dessa obra em suas vidas. Buscam nos saberes
de excedentes em favor do desenvolvimento local, restaram as terras em desuso e sujeitas a inundações ou com as marcas locais a possibilidade de pensar e atuar no enfrentamento dos desafios que surgem a cada novo momento.
da erosão em decorrência da remoção das coberturas vegetais.
Mensurar as consequências da obra para essa comunidade talvez seja impossível. Em curto espaço de tempo,
famílias foram forçados a migrar do campo para a cidade. Da vida tranquila no campo e do uso de saberes locais para a 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
produção de bens à sobrevivência, tiveram que se ajustar ao ritmo de vida operária. Poucos tiveram como adquirir novas Ao propor a presente abordagem, destacou-se a necessidade de atenção ao modo como foi conduzido o projeto de
propriedades agrícolas em substituição às que tiveram que deixar por força da desapripriação e em favor da implantação construção da Barragem Norte e a forma como se deu a escolha do lugar localização. Verificou-se que não houve consulta
da barragem. às comunidades locais. A decisão pela implantação da obra levou em conta interesse políticos, desconsiderando as reais
As comunidades indígenas da Terra Lãklanõ, habituadas a vida coletiva e em relaçõies harmoniosas com a natureza. implicações que esta causaria para as comunidades em suas imediações e à montante do lugar onde foi construída.
Tiveram que adotar novos hábitos. O que fez com que adotassem novos costumes foi o contato com as comunidades Compreende-se que a edificação da obra contribuiu para o agravamento das históricas situações de contlitos
não indígenas habituadas ao modo de vida capitalista. Mas no caso em questão, ainda que se pudesse levar em conta que interétnicos entre os grupos que formam a população do município de José Boiteux. A própria condução do processo
essas comunidades já vivenciavam novos hábitos de vida mesmo antes da construção da barragem, foi a partir da sua de ocupação e desenvolvimento local favoreceu a ocorrência desses conflitos, mas a construção da Barragem Norte
construção que se desencadearam mudanças irreversíveis nas suas relações socioambientais. potencializou situações de instabilidade e conflitos entre grupos com diferentes interesses.
Nas constatações de Müller (1987) e Santos (1997), o primeiro grande aspecto de mudança no modo de vida As comunidades indígenas passaram por mudanças drásticas no modo de organização social, política e econômica.
dessas comunidades representa-se pelo súbito deslocamento das famílias das áreas de várzea às margens do rio onde Nos dias atuais, lutam incansavelmente em busca da autoafirmação enquanto grupo social, na tentativa de resgatar a
viviam em relações harmoniosas com o ambiente. A relocalização e a motivação ou necessidade de recorrer às trocas própria história e identidade e na busca da valorização dos saberes locais a serviço do desenvolvimento socioambiental.
comerciais para suprir a falta de produtos até então encontrados facilmente em seu habitat, foram impulsionadores de A Comunidade Cafuza, com um modo próprio de organização social, espírito de coletividade e apoio institucional,
muitas outras mudanças. Ao retomar a afirmação de Santos (1987, p. 45) quando diz que “a desorganização social é conquistou espaço para reassentamento e reconhece ter encontrado condições de reorganização social e estabilidade
intensa” [...] “O individualismo manifesta-se de maneira exacerbada e totalmente alheio às tradições tribais”, ficam mais depois de longo período de lutas em favor do direito a terra e da reconstrução de uma identidade. Este é um grupo social
evidentes algumas das mudanças relativas ao seu sistema de vida. que persiste na luta em favor do desenvolvimento comunitário baseado nos saberes locais aliados à criação de novas e
Outras situações tornam perceptíveis as mudanças no modo de organização social, política e econômica dos povos criativas estratégias de sobrevivência, mas está longe de ter ressarcidas suas perdas materiais e imateriais
da Terra Lãklanõ. Inclusive aquelas vivenciadas por pessoas acostumadas a jornada do sol e passaram a ter uma jornada A comunidade de Barra do Rio Dollmann, simplesmente não é mais “a comunidade”. O lugar está lá, mas poucos
de trabalho comandada por patrões que os empregam, muitas vezes em troca de baixos salários. A divisão da única aldeia moradores permaneceram. Nascentes desapareceram devido aos cortes e dinamitagem de rochas durante as obras. Terras
em várias, destacada por Patté (2015), e até a forma de escolha das lideranças locais segue padrões nada compatíveis agricultáveis deram lugar ao maciço de barramento das águas e para dar lugar aos sulcos causados pela erosão dos solos,
com o modo tradicional de organização social. As constantes manifestações da comunidade indígena na luta por Direitos, ou para dar lugar às casas e barracos levantados para abrigar famílias indígenas que se obrigam a buscar local mais
publicadas nos meios de comunicação. Tudo isso é influencia da implantação da barragem. proximo do emprego fugindo do isolamento causado pelo alagamento das estradas de acesso às aldeias.
Constam ainda, as observações de Martins (1995) sobre a convivência entre xokleng e cafuzos. A falta de espaço Acrescenta-se que as considerações aqui elaboradas, não conseguem dar conta de identificar em totalidade as
e a necessidade de reorganização territorial geraram conflitos interétnicos. Para o povo cafuzo, que viveu trajetória influências da implantação da Barragem Norte sobre as comunidades por ela atingidas. O que se pode dizer, é que a cada

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momento estas deparam-se com novos cenários, novas situações, novos medos e incertezas. IMPLICAÇÕES DE POLÍTICAS PARA A PESCA ARTESANAL COSTEIRA NA TRAJETÓRIA DE DESEN-
Para lidar com tais situações, essas comunidades precisam perceber seus territórios como espaço constituído pelo VOLVIMENTO DA BAÍA DA ILHA GRANDE (RIO DE JANEIRO)
conjunto formados por eles enquanto indivíduos de cultura e identidade própria e pelos recursos que estão ao seu alcance,
bem como precisam perceber, que através do uso de seus saberes aliados a criação de estratégias criativas e inteligentes
Rodrigo Rodrigues de Freitas, Cristiana Simão Seixas, Sônia Regina da Cal Seixas
o desenvolvimento territorial sustentável se torna possível.

REFERÊNCIAS RESUMO

FRAGA, Nilson C. Obras Por Mais de Uma Década - Estudos do processo de construção da Barragem Norte no município O caráter setorial e fragmentado das políticas de conservação da biodiversidade e de desenvolvimento vêm contribuindo
de José Boiteux/SC (1974-1992). Florianópolis: EDEME, 1996. para aumentar os problemas enfrentados pelos pescadores artesanais. No Brasil, o decreto-lei no 221 de 1967 inaugurou
uma série de políticas de proteção e estímulo ao desenvolvimento de uma indústria pesqueira voltada para exploração
FRAGA, Nilson C. As enchentes do Vale do Itajaí-Açu, SC: das Obras de Contenção à Industria da Enchente. (Dissertação
intensiva da zona costeira. Nós utilizamos a abordagem da trajetória de desenvolvimento para analisar as implicações
de Mestrado em Geografia), Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000, 354p.
das políticas de desenvolvimento e conservação da biodiversidade para a pesca artesanal da Baía da Ilha Grande (Estado
GOULART, Maria do Carmo Ramos Krieger.; FRAGA, Nilson Cesar. Vale dos índios, Vale dos imigrantes. Blumenau: do Rio de Janeiro) nos últimos cinquenta anos. Durante as décadas de 1970 e 1980 com o aumento da frota pesqueira
Cultura em Movimento, 2000, 241 p. industrial, novas tecnologias de pesca e abertura de mercado, os pescadores-agricultores se profissionalizaram na pesca.
SANTA CATARINA – IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Censo 2010. Disponível em: www.censo2010. Em meados da década de 1980, teve inicio uma crise no sistema pesqueiro e os pescadores artesanais passaram a atuar
ibge.gov.br. Acesso em 21de Maio de 2015. em atividades relacionadas ao turismo. Em meados da década de 2000, a implementação das políticas de conservação da
biodiversidade existentes foi vinculada ao desenvolvimento de um novo ciclo de atividades industriais. O conjunto de
MARTINS, Pedro. Anjos de Cara Suja: Etnografia da Comunidade Cafuza. Petrópolis: Vozes, 1995, 309 p. políticas apresentadas na trajetória de desenvolvimento contribuíram para reforçar as interações entre a pobreza e pesca.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.) Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 18 ed. - Petrópolis: Vozes, Sugerimos que este modelo pode ser superado através da valorização de recursos ancorados e exclusivos do território.
2004.
MÜLLER, Sálvio A. Opressão e Depredação. Blumenau: Editora da Furb, 1987, v 1, 89 p.
Palavras-chave: Políticas, Pesca Artesanal, Baía da Ilha Grande, Trajetória de Desenvolvimento.
PATTÉ, Ana Roberta Uglõ. Barragem Norte na Terra Indígena Laklãnõ. (Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena do Sul Mata Atlântica na Terminalidade Humanidades com Ênfase em Direito Indígena).
Florianópolis: UFSC, 2015, 34 p.
ABSTRACT
SANTOS, Milton. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979.
Sectorial and fragmented policies regarding both biological conservation and development have contributed to increase
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. 3º ed. São Paulo: Hucitec, 1994.
problems faced by small-scale fisheries. In Brazil, the decree 221 of 1967 started a series of policies related the protection
SANTOS, Milton. Da Totalidade ao Lugar. – São Paulo: Edusp., 2006. and stimulus of a fisheries industry focused in the intensive exploitation of coastal zone We analyzed the implications of
SANTOS, Silvio C. Nova História de Santa Catarina. 4 ed. Florianópolis:Terceiro Milênio,1987. development and biodiversity conservation policies for small-scale fisheries in Ilha Grande Bay (Rio de Janeiro State)
over the last fifty years through the development trajectory approach. During the 1970´s and 1980´s with the growing of
fishery industrial fleet, new technologies and market opening, the until then fishers-farmers became professional fishers. In
mid-1980´s, a crisis in the fishing system initiated and the small-scale fishers started to act in tourism-oriented activities. In
mid-2000´s, the implementations of existing biodiversity conservation policies was linked with the development of a new
cycle of industrial activities. The set of policies showed in the development trajectory contributed to reinforce the interac-
tions between poverty and small-scale fisheries. We suggest that this model may be overcome through the valorization of
anchored and exclusive resources in the territory.

Keywords: Policy, Small-scale fisheries, Ilha Grande Bay, Development Trajectory.

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Introdução ca”, “Populações Tradicionais” e “Conservação da Biodiversidade”. Essas categorias foram derivadas de análises prévias
sobre a legislação pesqueira no Município de Paraty (VIEIRA, SEIXAS e SANTOS, submetido).
O estudo da trajetória de desenvolvimento é um pré-requisito para repensar o fenômeno do desenvolvimento
na sua configuração territorial (VIEIRA e CAZELLA, 2006; VIEIRA, 2006). A trajetória de desenvolvimento foi anali- A Baía da Ilha Grande, está localizada no sul do Estado do Rio de Janeiro (22°50´- 23°20´S, 44°00´ - 44°45´W),
sada no contexto de sistemas agrários (SABOURIN, SILVA; CARON, 1996; SABOURIN; 2001), assim como a maior litoral costeiro dos municípios de Angra dos Reis e Paraty. Em função das suas características biológicas peculiares, a
parte das pesquisas sobre desenvolvimento territorial (e.g., PECQUEUR, 2006). Existe uma evidente lacuna na literatura Baía da Ilha Grande possui prioridade de ação para a conservação (MMA, 2002; Portaria MMA no 09 de 2007) e abriga a
sobre desenvolvimento territorial sustentável no tratamento dado aos territórios marinho-costeiros de países em desen- maior quantidade de áreas protegidas do Estado do Rio de Janeiro (CREED, PIRES, FIGUEIREDO, 2007).
volvimento, com exceções encontradas em Vieira et al. (2009), Cerdan et al. (2011) e Rios (2011).
As populações de Angra dos Reis e Paraty estão concentradas na zona urbana. Segundo censo do Instituto
A pesca artesanal costeira, em especial, é uma das atividades mais impactadas pelo estilo de desenvolvimento Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), em 2010 a população total de Paraty era de 37.533 habitantes (27.689
(SACHS, 1983) baseado no crescimento econômico promovido por meio do modo de vida industrial (ILLICH, 1973). urbana e 9.844 rural) e a de Angra dos Reis, 169.511 habitantes (163.290 urbana e 6.221 rural). A incidência da pobre-
Argumentamos que o caráter setorial e fragmentado das políticas de conservação da biodiversidade e desenvolvimento za absoluta1 em Paraty é da ordem de 34,45% em contraposição com 29,08% de Angra dos Reis. O setor de serviços é
contribui para potencializar os problemas enfrentados pela pesca artesanal. Com base na teoria do desenvolvimento terri- responsável por 60% do Produto Interno Bruto (PIB) de Paraty, cujas principais atividades econômicas são: turismo,
torial sustentável (PECQUEUR, 2006; VIEIRA, 2006), sugerimos que este modelo pode ser superado através da valori- pesca artesanal e recreativa, comércio, indústria (aguardente), artesanato e agricultura (PLANO DIRETOR DE PARATY,
zação de recursos ancorados (MOLLARD, 2006) e exclusivos do território. A abordagem do desenvolvimento territorial 2010). Em Angra dos Reis a economia é movimentada pela indústria náutica, empregos nos condomínios fechados e
sustentável fornece novas perspectivas para a gestão pesqueira, que podem oxigenar um debate que vem sendo centrado casas de veranistas, pesca industrial de sardinha (BEGOSSI et al., 2009) e turismo nas ilhas.
em parâmetros técnicos para o aumento da produtividade.

Nosso objetivo foi compreender as implicações para a pesca artesanal da Baía da Ilha Grande (litoral sul do Resultados
Rio de Janeiro), das políticas de conservação da biodiversidade e de desenvolvimento, criadas desde a década de 1960 até
A trajetória de desenvolvimento da Baía da Ilha Grande foi dividida em quatro períodos2. Os nomes e marcos
2012. Inicialmente, apresentamos os métodos de coleta e análise dos dados e a área de estudo. Posteriormente, a trajetória
temporais foram definidos a partir dos vetores de mudança na pesca artesanal: (i) até o final da década de 1960: o mundo
de desenvolvimento da Baía da Ilha Grande é comparada com as mudanças nas políticas de desenvolvimento e conser-
da tradição; (ii) início da década de 1970 até meados da década de 1980: a profissionalização da pesca e os grandes em-
vação da biodiversidade. Por fim, são discutidas estratégias territoriais de desenvolvimento para superação do cenário de
preendimentos; (iii) meados da década de 1980 até meados da década de 2000: o desenvolvimento do turismo e a crise
pobreza existente na pesca artesanal.
no sistema pesqueiro e (iv) meados da década de 2000 até o presente: a expansão do setor energético e a implementação
das unidades de conservação.
Metodologia
Em 1962 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), expressando um entendi-
O trabalho de campo foi realizado ao longo de 154 dias (fevereiro de 2011 a setembro de 2013). Os métodos mento da pesca como fonte potencial de riquezas pelo governo federal, lógica até então presente em iniciativas isoladas,
de pesquisa incluíram: (i) análise das fontes documentais; (ii) observação direta em arenas de tomada de decisão; (iii) ob- como a criação de colônias cooperativas pela Marinha em 1923 (ABDALLAH, 1998). A intenção era transformar o setor
servação participante em pescarias; (iv) entrevistas semiestruturadas (39) e (v) entrevistas abertas com 110 atores sociais. pesqueiro, baseado na pesca artesanal, em uma pesca moderna, tendo por base a industrialização (DIEGUES, 1983) e
No nível local, foram estudadas duas comunidades, uma de cada município que compõe a Baía da Ilha Grande: Tarituba a empresa pesqueira (DIEGUES, 1995). No final do primeiro período, existiam projetos de desenvolvimento diferentes
(município de Paraty) e Mambucaba (município de Angra dos Reis). para Paraty e Angra dos Reis, elaborados na esfera estadual e federal (Figura 01). Paraty, desde a década de 1970, era
vista por um grupo seleto, como área potencial para o desenvolvimento do turismo. Por meio de decretos, o município
Nós estudamos a trajetória de desenvolvimento pela identificação dos vetores de mudança durante a fase de
se tornou área prioritária para exploração turística (GOMES, CARMO, SANTOS, 2004). Angra dos Reis mantinha uma
análise dos dados. Os vetores de mudança constituem um conjunto de variáveis independentes que são considerados em
identidade industrial e historicamente ligada aos grandes ciclos econômicos do país por existir um sistema produtivo local
contraste com o tipo específico de mudança ambiental (YOUNG, 2002). Na análise das fontes documentais, levantamos
associado ao sistema global (ABREU, 2005).
os diplomas legais e políticas públicas pesqueiras e ambientais existentes desde 1960 nos níveis nacional, estadual e
municipal (Paraty e Angra dos Reis). A pesquisa foi baseada em fontes secundárias e primárias de dados. O marco tem-
poral de análise foi o Decreto Lei no 221 de 1967, que representa o início de uma fase de mudança estrutural na política 1 A perspectiva de pobreza absoluta considera “pobre” as famílias e indivíduos com Renda Domiciliar Per Capta (RDPC) abaixo de
R$140, e extremamente pobres, com RDPC até R$70 (IBGE, 2011).
pesqueira (BORGES, 2008). Os 225 diplomas legais levantados foram classificados em três categorias: “Gestão da Pes- 2 Para informações sobre mudanças ocorridas no nível local nestes períodos consultar De Freitas e Seixas (2014).

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nismos fraudulentos para comprovação da titularidade de posse da terra historicamente utilizada pelas populações locais
Final da (GUANZIROLI, 1983).
Início da Aumento frota ditadura Lei do
ditadura pesqueira militar IBAMA Defeso DPA SEAP ICMBio MPA
(1989) (1998) (2003) (2007) (2008)
militar (1964) (déc. 1970-80) (1985) (1991)
Em 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA),
(1)
um órgão que centralizou a execução de toda a política ambiental brasileira. Segundo Silva et al. (2003), a criação do
SUDEPE Decreto Lei SEMA PNMA/ Constituição MMA Lei Crimes
(1962) 221/67 (1973) CONAMA (1981) (1988) (1992) Ambientais (1998)
CONAMA
371 (2006)
Lei 11.959
(2009)
IBAMA representou uma mudança na ideologia de governança da pesca, movendo-se da produção de alimento e de-
senvolvimento para a proteção ambiental. A partir da década de 1990, o IBAMA proibiu a captura de sardinhas juvenis
Paraty Início das Operação Portaria Fecha
Financiamento Monumento
fábricas sardinha Nacional
obras de
PNSB Angra I BR 101
Angra I SUDEPE presídio da Operação Mosaico pelos pescadores artesanais, obrigou os barcos atuneiros a capturarem sua própria isca (Portaria IBAMA n° 2.286, de
(1987) N 35(1988) Ilha Grande Angra 2 Bocaina Fiscalização
e traineiras (déc.
1960)
(1966) (1971) (1972) (1974) (1994) (2000) (2006) IBAMA (2007) 1990) e estabeleceu sucessivos defesos. Desde 2002 as traineiras interrompem sua atividade de pesca seis meses por ano
(2) (IN MMA n° 07 de 2003), visando recuperar o estoque da sardinha. A Lei de Crimes Ambientais, aprovada em 1998,
Estaleiro de Angra Área Cooperativa Estrutura para ESEC Implementação Pré-sal, Angra III e
Angra e Via Dutra de Segurança PROPESCAR Operação do turismo Tamoios (1990) PNSB e ESEC Gpesca (2007-09) conferiu maior clareza sobre a responsabilidade criminal e previsão de penas alternativas à prisão (ABDALLAH, 1998).
(déc. 1950) Nacional (1969) (déc. 1960) TEBIG (1977) (Déc. 1980) Tamoios (2005)
Além disso, gradativamente, espécies ameaçadas de peixes ou aquelas em moratória passaram a dispor de penalidades
Enchentes e assoreamento do Rio
diferenciadas (HOSTIM-SILVA et al., 2005).
Eletricidade e Mambucaba (1984-86) Conflitos com
Mudança no curso do Rio Plebicito Agarradores em agências
Mambucaba (déc. 1960)
fábrica de gelo de Pesca de lula e cercos-
Tarituba (déc. 1980) flutuantes (déc. 1980) (1995) Mambucaba (2004) ambientais (2007) A indústria pesqueira reagiu a essas medidas com a criação do Departamento de Pesca e Aquicultura (DPA)
(3) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em 1998 (SILVA et al., 2013). Segundo Azevedo
(2012), a principal resposta do MMA à divisão de competências foi manter sob seu controle a maior parte das espécies
Introdução do nylon seda, Hotel do Nylon multifilamento e Intensificação das obras no
rede de espera e barco a Bosque equipamento para pesca de Perequê (A partir de 2000) capturadas pela pesca artesanal, decretando-as sobre exploradas ou ameaçadas de sobre-exploração (instrução normativa
motor (déc. 1960) (1980) mergulho (déc. 1980)
MMA no 05/04). No entanto, medidas que visam a sustentabilidade da pesca, começaram a aparecer de forma integrada
entre o setor produtivo e o ambiental, como a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, lei no
9.985, de 2000) e o V Plano Setorial para os Recursos do Mar (PRATES et al., 2007). A Secretaria Extraordinária de
Figura 01 – Principais vetores de mudança com implicações para a pesca artesanal da Baía da Ilha Grande em três níveis:(1) Federal; (2) Baía
da Ilha Grande e (3) Microrregional (Tarituba e Mambucaba). Legenda: CONAMA: Conselho Nacional de Meio Ambiente; DPA: Departa- Aquicultura e Pesca (SEAP) foi criada em 2003, herdando as funções do extinto DPA (pesca oceânica e aquicultura),
mento de Pesca e Aquicultura; ESEC: Estação Ecológica; GPesca: Desenvolvimento e Gerenciamento de Sistemas de Gestão da Aquicultura e além de novas atribuições com respeito à legislação ambiental. Segundo Perez et al. (2003), impulsionado pelo setor da
Pesca na Baía da Ilha Grande; IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; ICMBio: Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade; MMA: Ministério do Meio Ambiente; MPA: Ministério da Pesca e Aquicultura; PNMA: Política pesca industrial e visando reduzir o esforço de pesca nas áreas costeiras exauridas, a SEAP passou a promover a pesca
Nacional de Meio Ambiente; PNSB: Parque Nacional da Serra da Bocaina; SEAP: Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca; SEMA: Secreta- em águas profundas (200 e 500m).
ria de Meio Ambiente; SUDEPE: Superintendência de Desenvolvimento da Pesca.
A descoberta das reservas de óleo e gás do pré-sal em 2007 e a construção da Usina Nuclear Angra 3 em
2008, inauguram um novo ciclo de atividades industriais em Angra dos Reis. Em 2008 foi editada a Resolução CONA-
Durante as décadas de 1970 e 1980 foram construídas grandes obras de infraestrutura e incremento das in- MA no 371, que prevê recursos para as UCs da ordem de 0,5%, oriundos da instalação de empreendimentos como forma
dústrias pesqueiras (TEIXEIRA, 2006), o que gerou migração de milhares de pessoas para a Baía da Ilha Grande. Com de compensação ambiental. As UCs da Baía da Ilha Grande e litoral norte de São Paulo iniciaram uma articulação regio-
aumento da pesca industrial na Baía da Ilha Grande, novas tecnologias de pesca e abertura de mercado, os pescadores nal, criando o Mosaico Bocaina (2006). Até o final da nossa análise, essa organização passou a documentar manifesta-
-agricultores começaram a se profissionalizar na pesca, exercendo a atividade em tempo integral. A produção nacional ções coletivas e, através de operações de fiscalização conjuntas, contribuir para que ocorresse uma restrição de facto da
de pescados passou de 220.000 toneladas em 1960 para 750.000 toneladas em 1984, apresentando tendência de baixa a pesca em diversos locais da Baía da Ilha Grande. Nas comunidades analisadas, a implementação da Estação Ecológica
partir de 1986 até 1990 (ABDALLAH e BACHA, 1999). Os estoques da sardinha acompanharam esse padrão nacional de Tamoios gerou severas restrições à pesca artesanal.
(DIAS-NETO, 2003) e mundial (DIEGUES, 2008), com declínio nas capturas a partir da década de 1980.

Ao longo da década de 1980 a infraestrutura para atender o turismo foi ampliada (CARVALHO, 2009) e muitas
comunidades passaram a dispor de energia elétrica, possibilitando a conservação do pescado. Nesse período também Discussão
ocorreram conflitos fundiários em toda a Baía da Ilha Grande (ABREU, 2005; MENDONÇA, 2010; ROSA, 2005), de- Segundo Hilborn (2007), há um amplo consenso de que as pescarias devem diminuir o esforço de pesca,
correntes da especulação imobiliária criada com o aumento do turismo. Os conflitos foram marcados pelo uso de meca- aumentar a abundância dos estoques, diminuir o impacto sobre os ecossistemas marinhos, aumentar seus lucros e serem

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mais sustentáveis socialmente. Apesar de não haver um acordo sobre como atingir esses objetivos, análises históricas mações institucionais requeridos para políticas mais inclusivas e pró-pobres de desenvolvimento territorial sustentável
sobre as políticas federais de desenvolvimento do setor pesqueiro brasileiro indicam que existe um déficit a ser superado necessitam ir além da criação de espaços para representação da sociedade civil junto ao Estado (SCHATTAN e FAVARE-
em termos de: baixo nível de organização dos atores e conflitos entre os diversos tipos de pescarias (CASTELLO, 2010); TO, 2008). O entendimento do comportamento multifuncional (MOLLARD, 2006) do pescador nas relações entre pesca
necessidade de abastecimento de matérias primas para as indústrias (GIULIETTI e ASSUMPÇÃO, 1995); concessão e turismo e a reinvenção deste vínculo, são pré-requisitos na formulação de novas estratégias para o desenvolvimento de
indiscriminada de crédito (ABDALLAH, 1998); super dimensionamento de frotas (DIAS-NETO, 2003); uso inadequado sistemas produtivos baseados na valorização das singularidades ambientais e culturais do território (PECQUEUR, 2009).
de subsídios e otimismo em relação à abundância pesqueira (ABDALLAH e SUMALIA, 2007) e disputas por competên-
As organizações pesqueiras da Baía da Ilha Grande apresentam interesse em viabilizar economicamente a
cia administrativa na esfera federal (DIAS-NETO, 2010).
situação marginal dos pescadores (GPESCA, 2012), contrastando com as posições normativas e de resistência aos mer-
Além destes défices, certas políticas de conservação da biodiversidade têm o foco na restrição permanente cados dos movimentos sociais da América Latina (BEBBINGTON, ABRAMOVAY e CHIRIBOGA, 2008). Essa posição
ao uso dos recursos naturais, podendo ser entendidas, por alguns autores (e.g. GOMES et al., 2004), como opostas às do setor pesqueiro pode estar associada ao fato do valor do pescado ser fixado no CEASA em função da abundância
políticas de desenvolvimento em seus propósitos. Entendemos que as políticas de conservação da biodiversidade não são do produto, independentemente da procedência (pesca extrativa ou cativeiro). A Indicação de Procedência da cachaça
contraditórias com o desenvolvimento stricto sensu (crescimento econômico) se os interesses sociais forem contempla- de Paraty (De SOUZA, 2009) pode ser uma referência para a construção institucional do território, onde seus produtos
dos (DIETZ e ADGER, 2003; KAIMOWITZ e SHEIL, 2007). No entanto, o caráter setorial e fragmentado das políticas estão associados à paisagem da Baía da Ilha Grande. Além disso, Paraty é considerada um modelo de Turismo Cultural
nacionais e estaduais analisadas contribuíram para formar um quadro de pobreza na pesca artesanal que diminuiu a capa- pelo Ministério do Turismo (CARVALHO, 2009) e existe um corredor de turismo étnico de base comunitária. Assim, um
cidade dos atores locais de responder às mudanças ocorridas no território. debate criativo sobre a associação do pescado de origem artesanal à qualidade da paisagem, poderia favorecer o desen-
volvimento de estratégias para fugir do modelo de produtividade em curso no sistema pesqueiro.
É amplamente aceito que a perda da biodiversidade e a pobreza são problemas necessariamente relacionados
e que devem ser enfrentados em conjunto (ADAMS et al., 2004). O estilo de desenvolvimento promovido na Baía da Ilha
Grande conjugou restrições ambientais com níveis altíssimos de desigualdade social (MIGUELETTO, 2011). O cresci- Considerações Finais
mento desordenado dos centros urbanos poluiu e modificou o curso de rios e manguezais (ABREU, 2005). O saneamento
As políticas pesqueiras não vêm acompanhando os avanços nas pesquisas sobre o fenômeno territorial do de-
básico, incluindo o tratamento adequado dos resíduos sólidos (MOUTINHO, HACON, BRUNO,2009), está entre as
senvolvimento. A trajetória de desenvolvimento da Baía da Ilha Grande evidenciou a predominância histórica de políticas
principais reivindicações dos pescadores artesanais da Baía da Ilha Grande (BEGOSSI et al., 2009). A pobreza na pesca
de caráter setorial e fragmentado que expressam a tensão existente no nível federal entre o setor produtivo e ambientalis-
artesanal também está associada à dependência do atravessador. Nos centros urbanos e em outras comunidades da Baía
ta. Este modelo contribuiu para potencializar os problemas dos pescadores artesanais. O turismo de base comunitária e a
da Ilha Grande, o preço que o pescador recebe do atravessador pelo pescado depende do valor negociado nas Centrais de
vinculação do pescado de origem artesanal oferecido ao turista com a qualidade da paisagem representam estratégias de
Abastecimento (CEASA) de São Paulo e Rio de Janeiro3. Durante os governos militares, os pescadores artesanais foram
desenvolvimento que valorizam os recursos do território.
excluídos das políticas de crédito (VASCONCELOS, DIEGUES, SALES, 2007) e o financiamento informal da pesca
artesanal por meio de atravessadores foi desenvolvido para compensar a ausência de crédito oficial.

Superar o modelo de desenvolvimento em curso na Baía da Ilha Grande, pressupõe adotar políticas ancoradas Agradecimentos
nos recursos do território. O desenvolvimento territorial busca construir e catalisar relações virtuosas entre a mudança Somos gratos a CAPES-Ciências do Mar e as revisões de Ana Carolina Dias e Mariana Policarpo.
produtiva e institucional, sem focalizar exclusivamente na economia agrícola como um veículo para a superação da po-
breza e exclusão social (SCHEJTMAN e BERDEGUÉ, 2004). A forma setorizada como as políticas vêm sendo criadas
não permite responder à complexidade das relações existente entre a pesca e o turismo. No litoral de Santa Catarina (Bra- Referências bibliográficas
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OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A JUSTIÇA AMBIENTAL: O CASO DO MOVIMENTO INTERESTADUAL Introdução
DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU
A modernidade e seus processos de modernização tem sofrido resistência por diversos grupos que se mobilizam
como forma de enfrentamento para conservar seus bens simbólicos e materiais. Os novos movimentos sociais têm
caracterizado uma luta emergente para cultivar identidades, modos de vida, saberes e a conservação da natureza. A
Nathalia de Jesus Sibuya1; Ana Paula Debastiani Vasco
identidade, considerada neste estudo remete-se a um elemento que incorpora os significados e imaginário de um grupo
social e que constitui um território. A ação coletiva dos movimentos sociais traz em sua pauta a luta contra as injustiças
que se manifestam na distribuição assimétrica dos recursos, na exposição aos riscos ambientais, fragilizando ainda mais
RESUMO
as populações em vulnerabilidade. A temática da justiça ambiental torna-se emergente à medida que levanta o debate
O presente artigo traz evidências teóricas e contextuais que permitem apontar os movimentos sociais como uma contra a segregação socioterritorial e a desigualdade ambiental, sobre a garantia de direitos das comunidades tradicionais
proposta que pode promover a justiça ambiental, o desenvolvimento mais justo e equitativo, garantindo a manutenção e o acesso aos recursos ambientais em grande parte apropriados pelos interesses econômicos.
da biodiversidade sem riscos desiguais, o empoderamento e emancipação dos atores sociais. Ele é resultado de uma
reflexão coletiva construída por meio das aulas do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, É nessa perspectiva que este trabalho foi construído, é fruto de uma reflexão realizada no Módulo III do Programa
da Universidade Federal do Paraná. A metodologia adotada na sua construção foi à pesquisa documental e bibliográfica,
de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMADE), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a
utilizando como categoria de análise os novos movimentos sociais e a justiça ambiental. No intuito de contextualizar a
relação dos movimentos sociais com a luta pela justiça ambiental, foi empregado como exemplo o caso do Movimento partir das temáticas específicas abordadas nos submódulos I e II: Conflitos e Movimentos Sociais, e Justiça Ambiental.
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu nos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. Assim, a compreensão
em torno da temática nos possibilita concluir que o fortalecimento e a manutenção dos movimentos sociais no território, O presente artigo busca discutir as categorias de movimentos sociais e justiça ambiental, como uma alternativa de
são fundamentais na criação de estratégias de enfrentamento frente às situações de injustiças ambientais, causadas pelo enfrentamento ao acesso desigual dos recursos naturais. Para tanto, foi adotado a técnica de pesquisa documental que é
modelo de ‘desenvolvimento’ econômico vigente baseado apenas no crescimento e progresso. o estudo sistemático por intermédio de documentos conservados em órgãos públicos e privados; a pesquisa bibliográfica
em livros, artigos e sites eletrônicos. Também foi definido como categorias de análise os movimentos sociais e a justiça
ambiental, com a finalidade de elucidar os conceitos explanados foram escolhidos pelas autoras um caso ilustrativo. O
Palavras chaves: Movimentos Sociais; Justiça Ambiental; Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu.
caso se reporta a uma experiência de contexto mais nacional, que é o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco
Babaçu nos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. As quebradeiras de coco são mulheres que se organizaram
ABSTRACT através de um movimento social para gerir seus espaços produtivos: entre a caatinga e o cerrado, o extrativismo do babaçu
nas palmeiras brasileiras. Elas conservam e combinam a preservação ambiental, seus saberes locais, a autogestão dos seus
This article provides theoretical and contextual evidence may point out the social movements as a proposal that can
processos produtivos e trazem uma identidade coletiva através do patrimônio que compartilham.
promote environmental justice, fairer and equitable development, ensuring the maintenance of biodiversity without
unequal risks, empowerment and emancipation of social actors. It is the result of a collective reflection built through
Ficou evidente a partir deste trabalho que o fortalecimento e manutenção dos movimentos sociais no território, são
the Graduate Program classes in Environment and Development, Federal University of Parana. The methodology used
in its construction was the documentary and bibliographical research, using as an analytical category the new social fundamentais no enfrentamento contra as situações de injustiças ambientais causadas pelo modelo econômico vigente.
movements and environmental justice. In order to contextualize the relationship of social movements with the struggle
for environmental justice, he used the example of the Interstate Movement of Babassu breakers in the states of Maranhão,
Piauí, Tocantins and Pará. Thus, understanding around the theme in It allows to conclude that the strengthening and Movimentos sociais, identidade e territorialidade
maintenance of social movements in the territory, are key in creating front coping strategies to situations of environmental
Os processos de luta e mobilização da sociedade civil manifestam-se como uma força de resistência e intervenção
injustice caused by the ‘development’ based only on current economic growth and progress model.
para a mudança do modelo ou paradigma vigente. Geralmente caracterizados por um saber que é intrínseco a formação
da identidade, os movimentos sociais mobilizam-se a partir de uma demanda comum a um determinado grupo que tende
Key words: Social Movements; Environmental justice; Interstate Movement of Babassu breakers. a serem aqueles que questionam a ordem vigente, advinda da modernidade e seus processos modernizadores. Movimento
social são ações coletivas que podem transformar valores ou instituições da sociedade, não importando se o resultado é de
sucesso ou fracasso. Sob esse ponto de vista não há movimentos sociais bons ou maus, pois, não segue uma linearidade,
ao contrário, “são reflexo do que somos” e o que somos é dinâmico, hora construímos paraísos, hora não (CASTELLS,
1942).
1 Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento - UFPR; nathsibuya@gmail.com

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A teorização dos movimentos sociais nas Ciências Sociais tem uma abordagem que se modifica considerando seu atributos culturais que prevalecem sobre outras fontes de significado. Identidade é uma autoconstrução, pois passa por um
histórico. Pode-se dizer que a interpretação das Ciências Sociais diferenciam os movimentos sociais numa abordagem processo de individualização/interiorização na medida em que indivíduos identificam-se com simbolismos de um grupo e
da luta de classes e aqueles compreendidos mais sob a perspectiva cultural e identitária. O primeiro caracteriza-se por passam a internaliza-los construindo significados. Essa é a diferença entre os dois: os papéis são atribuídos pela sociedade,
uma abordagem marxista em que o âmago da questão é capital-trabalho. Ele não se designa somente pelo movimento e a identidade passa pela autoconstrução.
operário, mas, numa perspectiva marxista tem a preocupação com a ação política no sentido “contribuir para a práxis
A identidade, enquanto elemento que incorpora os significados e imaginário de um grupo social é também
revolucionária” e orientar a ideologia do movimento. Este movimento tem a expectativa da mudança, da transição para
aquela que constitui um território (HAESBART, 1997; RAFFESTIN, 1970; SACHET, 2007). Contrapondo a visão
o socialismo. Parte dessa perspectiva as diversas conquistas trabalhistas, pensadas a partir de uma organização política,
mais conservadora que considera o território como um espaço areal delimitado por fronteiras e definido pelo Estado, a
pode-se citar como exemplo o caso dos sindicatos (GUIMARÃES e GUERRA, 2013; SHERER-WARREN, 2010). É
concepção sob o viés culturalista, como conceituou Haesbaert (1997), compreende o território como uma apropriação
importante ressaltar que a característica desse movimento não foi subjulgada. Mas, as iniciativas nesse movimento mais
feita por determinado grupo através do seu imaginário e de sua identidade social, priorizando a dimensão simbólica.
ortodoxo ainda encontra espaço atualmente. O segundo, denominada acionalista-culturalista esclarece como os chamados
novos movimentos sociais e sua abordagem é Européia, conforme explicitou Gohn (2000). A abordagem acionalista- Conforme define Sachet (2009), o território caracteriza-se pelos seguintes componentes: “a) as relações de poder; b)
culturalista pode ser interpretada como um movimento que não apresenta interesses classistas, todavia o foco está nos as redes de circulação e comunicação; c) as identidades; d) a natureza”. Pode ser considerado como um espaço construído
indivíduos. Dessa forma, a movimento é revelado como uma forma de pressão, mais do que transformação societária por meio das relações políticas, da cultura, das relações sociais e da apropriação de um grupo.
(TOURAINE, 1981). Conforme teóricos dessa perspectiva, as pessoas que se envolvem nesse movimento geralmente se
A identificação de um território por intermédio do contexto das relações do homem e da natureza é o que impulsiona
engajam por questões subjetivas, tal como a identificação com o grupo.
grupos a se mobilizarem em favor daquele território. A luta do camponês para permanecer na terra é a luta pelo sentido
Os movimentos sociais no passado comportavam-se como personagens épicas, como heróis de cantigas de gesta
de pertencimento, pela sua relação com a terra, com a natureza, pela relação que este mantém com sua comunidade,
ou de tragédias, cantados em tom mágico por seus dirigentes e ideólogos. Nos movimentos sociais, hoje, em formação, o
com a igreja local, etc. Os ditos novos movimentos sociais são esses que se mobilizam da conexão com o simbólico, o
tom passa da extrema excitação e da denúncia à explicação que procura muito mais reforçar a convicção do que provar a
imaginário, os sentidos, de valores que não são passíveis de quantificação ou monetarização apenas. O indígena luta pela
mobilização (TOURAINE, 1981).
conservação do seu saber, pela significação do seu território, pelo seu modo de vida, para além de um espaço constituído
As diferentes abordagens dos movimentos sociais referenciam-se na questão da modernidade e da modernização, somente por fronteiras físicas.
com seus legados, na maioria dos casos, eurocêntricos. Gohn (2000) discute sobre um paradigma latino-americano no
E no debate dos movimentos sociais, na sua pressão por manter territórios, conservar sua cultura, preservar seu
contexto dos movimentos sociais. Da mesma forma Scherer-Warren (2010) demonstra como os estudos pós-coloniais
modo de vida, a temática da Justiça Ambiental está presente. É ela que se apresenta como possibilidade de ocupação e uso
podem contribuir para repensar os movimentos sociais na América Latina que incorporam, de certa forma, a teoria
de recursos naturais pelos mais diversos grupos, permitido que grupos em situação de vulnerabilidade tenham esse acesso
de classes e que são possibilidades de pensar formas de combater a exclusão social a partir do movimento subalterno
democrático e que mantenham a sua relação, que tende a ser mais híbrida, com a natureza. Como ressalta Leff (2009),
(SANTOS, 2009).
para que seja possível uma postura adequada de conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, é necessária uma
Quando se remete aos novos movimentos sociais, pensa-se na articulação a partir de uma identidade que deve gestão participativa no seu manejo produtivo, nas formas de contaminação e controle da degradação ambiental, os quais
ser defendida, que une seus membros, define suas ações e fronteiras. Identidade esta que, no caso dos países do Sul - estão ligados à distribuição social dos custos ecológicos.
denominados assim para referir-se a relação de dominação epistemológica dos países do Norte, notadamente Europeus
sobre os países do Sul (SANTOS, 2009) – subvertem o olhar eurocêntrico sobre sua cultura e modo de vida.
Justiça Ambiental
Identidade é compreendida como uma fonte de significados e experiências que se manifestam em um determinado
grupo. Além disso, há nesse grupo o partilhar de um patrimônio comum, tal como seus costumes, língua, sua religião, etc. O Movimento de Justiça Ambiental surge nos Estados Unidos, e se atribui na luta contra a distribuição
Como a vida e a própria sociedade, este não pode ser delimitado como um conceito estático, contudo, vai modificando-se desproporcional dos recursos, da exposição aos riscos ambientais, verificando um predomínio nas áreas de populações
e modificando seus ambientes numa relação dialética de construção e desconstrução. mais desfavorecidas (ACSELRAD, 2010; ALIER, 2014). Suas origens se dão na década de 60 no movimento pelos
direitos civis, todavia é no ano de 1982 que sua constituição é afirmada devido ao caso de luta na Carolina do Norte –
Castells (1942) estabelece uma diferenciação entre papéis e identidades. O primeiro é definido pela estrutura das
onde seria implantado um aterro para resíduos de policlorobifenilos (PCBs) numa área composta em grande parte por
instituições e organizações da sociedade, portanto o que seria o status profissional/pessoal, por exemplo, dona de casa,
afro-americanos em situação de pobreza.
empresário, pastor, padre, sindicalista, jogador, etc. Já a segunda é construída a partir de significados concernentes a

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Para Alier (2014) o movimento de justiça ambiental é consubstanciado na noção urbana estadunidense, adotando O enfrentamento deste modelo requer que se desfaça a obscuridade e o silêncio que são lançados sobre a
como foco central o racismo ambiental; e está em consonância com o seu conceito de ecologismo dos pobres no meio distribuição desigual dos riscos ambientais. A denúncia do mesmo, por outro lado, implica em desenvolver
articuladamente as lutas ambientais e sociais: não se trata de buscar o deslocamento espacial das práticas
rural, que associava os movimentos camponeses de resistência e a crítica ecológica para o enfrentamento da modernização danosas para áreas onde a sociedade esteja menos organizada, mas sim de democratizar todas as decisões
agrícola, contudo mais difuso e desdobrado em nível mundial. O autor salienta que existem muitas denominações relativas à localização e às implicações ambientais e sanitárias das práticas produtivas e dos grandes
projetos econômicos e de infraestrutura (MMA, 2014).
para um mesmo fenômeno, mas que a essência em si é que esses movimentos podem conduzir a sociedade rumo à
sustentabilidade, a formas de reapropriação social da natureza mais justas respeitando as identidades, a territorialidade,
os modos de ser e fazer.
Segundo Acselrad (2010) denotou, “a Justiça Ambiental exprime um movimento de ressignificação da questão
Na última década tem se intensificado na América Latina uma nova ordem política e ideológica denominada de ambiental”, bem como Leff (2009) coloca que “o princípio da equidade é indissociável dos objetivos do desenvolvimento
neoextrativismo, que tem como base à expansão de megaprojetos propensos ao controle, extração e exportação de bens sustentável”.
naturais (SVAMPA, 2012). O modelo de ‘desenvolvimento’ econômico global e nacional vigente, baseado somente no
crescimento e progresso, evidencia um formato gerador de conflitos e injustiças ambientais. Cabe salientar, que o Movimento de Justiça Ambiental no Brasil adquiriu uma conotação mais ampla que nos
Estados Unidos, não teve como foco central o racismo ambiental. Neste sentido, Acselrad (2010) elucida que:
No Brasil, já houve diversas lutas e movimentos que constituíam conflitos por justiça ambiental. Dentre estas lutas
As lutas por justiça ambiental combinam: a defesa dos direitos a ambientes culturalmente específicos -
e movimentos, destaca-se o Movimento dos Seringueiros liderados pelo Chico Mendes e o Movimento dos Atingidos por comunidades tradicionais situadas na fronteira da expansão das atividades capitalistas e de mercado; a
Barragens (MAB) ambos iniciados em meados da década de 70, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) defesa dos direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial e a desigualdade
ambiental, promovidas pelo mercado; a defesa dos direitos de acesso equânime aos recursos ambientais,
na década de 80, e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) em 1995.
contra a concentração das terras férteis, das águas e do solo seguro nas mãos dos interesses econômicos
fortes no mercado (ACSELRAD, 2010).
É no ano de 1998 que começou a se delinear no contexto nacional, o denominado Movimento de Justiça Ambiental,
com a vinda de representantes de algumas redes deste movimento nos Estados Unidos, cujo intuito era buscar relações
para fortalecer alianças na resistência aos processos de “exportação da injustiça ambiental” (ACSELRAD, 2010).
O debate dos conflitos e injustiças ambientais e de que modo às populações atingidas tem resistido a lógica
Posterior, realizou-se a construção de um material de discussão, três volumes da série intitulada: Sindicalismo e dominante, é um debate contemporâneo que a cada dia adquire maior âmbito seja nos espaços de cunho acadêmico ou
justiça ambiental, produzido e publicado pela ONG Ibase, da representação da Comissão de Meio Ambiente da Central não, neste sentido dois projetos tem se destacado: no cenário global o EJOLT - Environmental Justice Organizations,
Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio de Janeiro e dos grupos de pesquisa do Instituto de Pesquisa e Planejamento Liabilities and Trade coordenado pela Universidade Autônoma de Barcelona e outras organizações envolvidas com a
Urbano e Regional (IPPUR- UFRJ) no ano de 2000. Este instrumento foi pouco circulado, mas colaborou para fomentar Justiça Ambiental; e no cenário nacional o Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil resultado da
o debate da justiça ambiental entre diferentes organizações (ACSELRAD, 2010; RBJA, 2014). cooperação entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Federação dos Òrgãos para a Assistência Social e Educacional
(Fase), com o apoio do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, do Ministério da Saúde
No ano seguinte, em 2001, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) foi criada no Colóquio Internacional
(PORTO et al 2013; EJOLT, 2015).
sobre Justiça Ambiental, Trabalho, e Cidadania, realizado na Universidade Federal Fluminense em Niterói. A conquista
é resultado de esforços coletivos dos movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, ONGs, entidades ambientalistas,
ecologistas, organizações de afrodescendentes e indígenas, pesquisadores e universitários. Havia a necessidade de se
O caso do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
consolidar um espaço estratégico de discussão, articulação, e denúncias referente à enorme concentração dos recursos
naturais – injustiças ambientais (RBJA, 2014; MMA, 2014). “Ei, não derrube essas palmeiras. Ei, não devore os palmeirais. Tu não sabes que não pode derrubar,
precisamos preservar as riquezas naturais”.
O estabelecimento da RBJA marca um avanço na estruturação de pautas coletivas, na solidarização e fortalecimento
dos princípios de Justiça Ambiental, movendo seus membros a resistir à lógica do capital hegemônico. O documento do
Manifesto de Lançamento da RBJA expressa esses anseios: Muito comum entre as quebradeiras de coco o costume de cantarolar enquanto trabalham, e nas canções reportam-
se ao valor da terra e da natureza, uma forma bastante interessante de reprodução do conhecimento. As mulheres e seus
“maridos”, assim chamados seus instrumentos de trabalho, o machado – formam, juntamente com os recursos naturais
que acessam, uma combinação importante para se discutir a justiça ambiental. Este verso acima é o refrão de um dos

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hinos cantados. Todo esse histórico de acontecimentos, demonstra a série de conflitos por justiça ambiental, e a necessidade de
articulação por meio de um movimento social que impulsione a resistência para que haja processos de mudança social e
As quebradeiras de coco são mulheres que se organizaram através de um movimento social (MIQCB -
possa alavancar a transformação da norma estabelecida pelo sistema de regulação jurídica da sociedade (LEFF, 2009).
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu) para gerir seus espaços produtivos: entre a caatinga e o
Neste âmbito, constata-se que a luta dos movimentos sociais em prol a justiça ambiental, revela como os direitos se
cerrado, o extrativismo do babaçu nas palmeiras brasileiras. Elas conservam e combinam a preservação ambiental, seus
ampliam a estas comunidades de povos tradicionais.
saberes locais, a autogestão dos seus processos produtivos e trazem uma identidade coletiva através do patrimônio que
compartilham.

Os principais estados produtores de babaçu são o Maranhão, com 70% da produção do país, e Piauí que soma mais Considerações Finais
de 20% conforme o Ministério do Desenvolvimento Agrário (Figura 1). O coco babaçu é composto por partes que
A compreensão dos novos movimentos sociais, enquanto grupos formados a partir de uma identificação comum
apresentam potencial produtivo, são elas: a amêndoa representa 7% do volume do coco, o mesocarpo 23%, o endocarpo
conduzem ao debate da luta de territórios apropriados e ressignificados por determinado grupo que se mobiliza em
59% e o picarpo (casca) 23%. Todas essas partes são aproveitadas, a casca serve para fazer o fogo no fogão feito de barro
favor dos aspectos materiais e simbólicos. E nessa abordagem, a justiça ambiental, enquanto temática que articula as
e madeira; o mesocarpo servirá na alimentação, pois, é possível fazer farinha a partir dele e; da amêndoa é extraído o
questões do meio ambiente e do debate sociopolítico, apresenta-se como uma possibilidade de diálogo e enfrentamento
babaçu que pode seu comercializado para ser usado como óleo de cozinha e para produção de sabão (TEIXEIRA, 2002).
das desigualdades e assimetrias da sociedade no campo ambiental.
Na metade de 1980, as mulheres organizaram-se em luta pela conservação do seu espaço como uma resposta
O Movimento de Justiça Ambiental marca uma nova concepção no debate ecológico, que anteriormente estava
ao desmatamento indevido praticado para aumentar as áreas dedicadas à pecuária e outras atividades. É a partir desse
muito ligado ao movimento conservacionista, e passa a incluir a noção de justiça social. Colocando um princípio da
período que, no Norte e Nordeste do país, incentivados por políticas públicas, expandem-se as atividades agrícolas
equidade na diversidade.
de grandes proprietários de terra e empresas agrícolas que se apropriaram indevidamente de parte dos espaços das
quebradeiras de coco. Então, elas articularam-se e estabeleceram estratégias como uma forma de resistência para garantir No estudo de caso apresentado, é evidente que o fortalecimento e manutenção dos movimentos sociais no território,
o controle das áreas com babaçu. são fundamentais no enfrentamento contra as situações de injustiças ambientais causadas pelo modelo econômico vigente.
São por meio dos grupos organizados socialmente, que se visualizam possibilidades de mudanças sociais aliadas ao avanço
Como elementos da mobilização das quebradeiras, na década de 1990 foram organizados encontros chamados:
de um desenvolvimento sustentável. Geralmente, essas mudanças são expressas numa modificação da normatização do
Encontro Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu que ocorreram em Maranhão e Piauí. Em 1995 foi criado o
sistema jurídico, que procura legitimar a lógica do modo de vida e da reprodução cultural desses grupos. Como ocorreu
MIQCB em que se vinculam mulheres dos estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará.
no Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu com a conquista do direito de livre acesso e uso comum
A territorialização das mulheres quebradeiras de coco de babaçu representa uma valorização ecológico-sócio- dos babaçuais e imposição de restrições à derrubada de árvores. No entanto, mesmo sendo o primeiro passo para que os
cultural. Na realidade dessas mulheres está presente além dos processos produtivos e econômicos do babaçu, os saberes, grupos saiam do muro da invisibilidade, a garantia jurídica não é suficiente, nem sempre a norma possui aplicabilidade
a valorização da natureza e a reprodução dos seus conhecimentos as novas gerações. A esse respeito Leff (2009) afirma: plena e isso não resolve o cerne da problemática. Para Leff (2009) os movimentos sociais da América Latina são detentores
Esses movimentos não são simplesmente de resistência, mas de r-existência, posto que não só lutam para de uma enorme criatividade e estão sempre se reinventando, de modo a fazer com que seus saberes sejam reconhecidos
resistir contra o desmatamento e a degradação de seus ecossistemas como também através da legitimação e revalorizados mesmo na modernidade na qual nos encontramos.
de seus novos direitos culturais propugnam por um novo modo de ser, um determinado modo de vida e
produção, por formas diferenciadas de pensar, sentir e agir (LEFF, 2009).

Dessa forma, a luta pelo espaço da natureza, pela dimensão ambiental se dá a partir das questões sociais e
culturais. É também a luta pelo seu modo de vida, pela superação da pobreza e da miséria (LEFF, 2009). Por isso, o autor
afirma que movimentos podem ser mais do que uma resistência, mas uma R-existência. Uma reinvenção dos seus modos
de vida que se desfazem, refazem e reproduzem em seu contexto social. Tal como afirma Porto-Gonçalvez (2001) “mais
do que resistência, o que se tem é R-Existência posto que não se reage, simplesmente a ação alheia, mas, sim, que algo
pré-existe e é a partir dessa existência que se R-Existe. Existo, logo resisto. R-Existo”.

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PESCADORES TRADICIONAIS DA VILA DA BARRA DO SUPERAGUI: DESAFIOS E CONFLITOS. Introdução
O presente estudo buscou diagnosticar os conflitos ambientais e sociais que supostamente impendem à organização
Raoni Kriegel, Cláudio José Bertazzo, Frederico Fonseca da Silva dos atores e a promoção do desenvolvimento rural. A comunidade estudada foi a dos pescadores tradicionais no Parque
Nacional (PARNA) do Superagui localizado no litoral norte do estado do Paraná, fazendo divisa com o litoral sul do
estado de São Paulo.
RESUMO Esse PARNA foi criado em 25 de abril de 1989, por meio do Decreto Nº 97.688 e ampliado em 20 de novembro
de 1997 pela Lei Nº 9.513, abrangendo, atualmente, uma área de 33.988 ha. Localiza-se inteiramente no Município de
O estudo buscou diagnosticar os conflitos que os atores do Parque Nacional do Superagui vem enfrentando. No trabalho
de campo foram utilizadas metodologias de pesquisas quantitativas e qualitativas na busca de identificar os problemas Guaraqueçaba (PR)1. O PARNA está inserido na Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba, que possui uma das
que entravam a promoção do desenvolvimento local e a preservação ambiental. Os resultados obtidos nessa pesquisa maiores áreas contíguas de Floresta Ombrófila Densa no Brasil.
trazem a falta de integração entre os atores envolvidos e a falta de mecanismos que consigam promover a interação entre A Comunidade em estudo é a mais numerosa na ilha, com aproximadamente 800 pessoas. A qual depende
o próprio grupo de pescadores impossibilitando o desenvolvimento regional.
diretamente da pesca do camarão e atualmente do turismo2. Esses pescadores se adaptaram às novas ruralidades para
Palavras-chaves: Agroecologia; atores sociais; Parque Nacional. continuar a reproduzir sua cultura, devida a novas configurações territoriais, a criação do PARNA em 1989 é um dos
fatores relevantes nessas mudanças (ICMBIO 2014).
Na pesquisa de campo foram utilizadas duas metodologias, na fase exploratória baseou-se em Quivy e Campenhoudt
(1992), e posteriormente foram utilizados os métodos de pesquisa social da Minayo (2000), para coleta de dados, entrevistas,
ABSTRACT
questionários semiestruturados.
The present research sought to diagnose the conflicts the Superagui National Park actors have been facing. It was utilized Um fato que aumenta a complexidade dos conflitos é devido à região em estudo estar localizada em um mosaico
both quantitative and qualitative research methodologists on the fieldwork in order to identify the problems related to de unidades de conservação, onde diferentes instituições são responsáveis por esse território.
the local development promotion and environmental preservation. The results obtained on this research show the lack of
integration among the Superagui National Park actors as well as the lack of tools which could promote integration among
the fisher group itself exposing hard difficulties to the regional development. Discussão sobre impactos nos ambientes marinhos e costeiros
A importância de estudos socioambientais nas zonas costeiras e oceanos são devido ao aumento de exploração dos
Keys words: Agroecology; social actors. National Park. recursos naturais e da ocupação humana, que cresceu nas últimas décadas. Outros impactos provêm da pesca em grande
escala praticada pelos barcos industriais, da extração de petróleo, do derramamento de dejetos de esgoto, do crescimento
.
desordenado das cidades, do turismo sem planejamento, dos agrotóxicos que escoam para os rios, lixo residencial/
industrial, deste modo os oceanos e zonas costeiras se tornaram a lata de lixo do mundo, onde os impactos acumulativos
influenciam todo o planeta (DREW, 2005a).
Esses ecossistemas são frágeis ao acúmulo de substâncias sólidas e líquidas ao longo dos tempos. Estima-se que
seis milhões de toneladas de hidrocarbonetos de petróleo chegam aos oceanos anualmente sendo 90% provocada pela ação
do homem (DREW, 2005b).
Dentro da exploração dos recursos naturais marinhos, a pesca é uma das atividades mais antigas da sociedade.
Existem registros de 4.700 anos A.C. em templos sumérios, listas de embarcações e peixes capturados. Também existem
registros no Egito, simbolizando a pesca como presente de deuses e o temor pelos seus mistérios e perigos (DIEGUES,
2004). No contexto global, os esforços para proteção dos ambientes marinhos estão defasados, em relação aos ambientes
terrestres, considerando que a maior parte da biota mundial encontra-se no mar, uma vez que, 32 dos 33 filos conhecidos

1 Segundo dados da prefeitura Guaraqueçaba foi considerado, como uns dos municípios com menor índice de Desenvolvimento Humano
no Brasil.

2 A alta temporada na ilha serve como segunda opção para geração de renda seja na hospedagem, alimentação, ou serviços indiretos. A alta
temporada acontece de Dezembro a Março.

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possuem representantes marinhos, 15 desses filos, ocorrem exclusivamente no mar (TOWNSEND, BEGON e HARPER, o território a gerações.
2006a). Dentro desse emaranhado de conexões socioambientais, o estudo dos atores e de sua organização social, torna-
Atualmente existem espécies que estão extinguindo devidos os números de indivíduo ser baixa, assim muitas se absolutamente fundamental, para entender os processos internos e locais, entender o território como um todo, se
espécies não conseguem mais se reproduzir. Desta forma, sempre que uma população natural é explorada, existe um conectando entre os setores sociais institucionais e ecossistêmicos.
risco de sobre-exploração. A captura de peixes marinhos cresceu cinco vezes entre 1950 e 1989 (TOWNSEND, BEGON
e HARPER, 2006b). Ferramentas e aspectos metodológicos
Foi realizada revisão bibliográfica dos principais autores e estudos sobre a região. Essa revisão contou também
Descrição da região de estudo com documentos e relatórios do Instituto Chico Mendes de conservação da Biodiversidade e da associação de Moradores
Outros fatores de extrema relevância sobre o território em estudo é o fato de ser um mosaico de Unidades de do Superagui, a fim de aprofundar o entendimento.
Conservação3 que forma um extenso corredor ecológico que passa pelo sul do litoral do Estado de São Paulo, pelo A fase exploratória baseou-se em Quivy e Campenhoudt (1992), em que se buscou compreender a situação e
complexo estuarino lagunar Iguape-Ilha comprida-Cananeia. Esse território se estende pela Área de Proteção Ambiental definir a problemática da pesquisa, através da observação das suas práticas e do convívio diário com os pescadores,
de Guaratuba (PR), se conectando no Parque Nacional do Superagui (Figura 1). buscando relatos dos moradores mais velhos, lideranças e profissionais responsáveis pelas instituições públicas.
Foram utilizados também os métodos das pesquisas sociais da Minayo (2000), para coleta de dados, entrevistas,
questionários semiestruturados, com perguntas abertas e fechadas, buscando diagnosticar como era a vida dos pescadores
antes da instituição do PARNA, como é atualmente e como eles enxergam o futuro.
O primeiro contato com a comunidade foi em maio 2012, logo em seguida, realizou se uma vivência de noves
meses junto à comunidade. Neste período buscou-se observar as práticas agrícolas, pesqueiras e sua organização social,
sem interferir em suas práticas rotineiras, como observam Quivy e Campenhoudt (1992).

As entrevistas com pescadores foram divididas em duas categorias: a entrevista geral em forma de reunião, que
consiste numa conversa em grupo, onde o grupo discutia e buscando contribuir com a temática da reunião, isso se dava
através de uma lembrança, fato ou opinião; e, posteriormente, foram aplicadas, em 2014, as entrevistas centradas sobre
temas específicos ou focused interview (entrevista focada, em tradução livre) para compreender segundo uma lógica
dedutiva e abstracta (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992).

Esse tipo de abordagem, através de entrevista livre e conversas com informantes de confiança, como moradores
mais velhos ou lideranças teve objetivo de compreender as práticas agrícolas e pesqueiras desses atores sociais da Barra
do Superagui, focalizando sob tempos diferentes, passado e presente.

O tempo aproximado de envolvimento dos entrevistados em atividades relacionadas à pesca variou entre 20 e 65
Fonte: IBGE 2011. Adaptada.
minutos. As entrevistas semiestruturadas foram conduzidas de maneira livre, sem intervenções.

Nesse mosaico existem diversas comunidades tradicionais rurais, que vivem do extrativismo, da pesca, do O procedimento da observação e acompanhamento foi realizado em reuniões, em eventos, nas salas de aulas,
manejo agrícola, artesanato e turismo. A comunidade de pescadores tradicionais da Barra do Superagui vem manejando conversas informais, buscando entender e melhorar os valores analíticos da comunidade. Foi considerado não anotar em
alguns momentos evitando constranger o informante ou inibir seus relatos, conduzindo como uma conversa informal,
3 A APA de Guaratuba foi criada pelo decreto Estadual n.1234 possui aproximadamente 200 mil Hectares, se estendendo por seis
municípios do Paraná: Matinhos, Guaratuba, Morretes, Paranaguá, São José dos Pinhais e Tijucas do Sul. Dentro da APA ainda existe três áreas buscando seguir o roteiro semiestruturado. Assim, informações eram redigidas posteriormente no alojamento, salvo em
de Proteção integral nas três esferas institucionais de responsabilidade Governamental que são: O Parque Municipal Natural Lagoa do Parado, alguma ocasião onde havia uma proximidade com interlocutor, eram realizadas anotações na integra.
o Parque Estadual do Boguaçu e o Parque Nacional Sant-Hilaire Lange. O Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange foi criado pela Lei 10.227
(23/05/2001), tem uma área de aproximadamente 24.500 ha, Abrangendo os municípios de Matinhos, Guaratuba, Morretes e Paranaguá. Essa
Poucas intervenções foram necessárias para o esclarecimento de dúvidas, sendo estas anotadas e questionadas
U.C. Abrange a Serra da Prata tendo uma diferença hipsométrica de praticamente 1500 metros, possuindo uma grande diversidade de fauna e
flora, recursos abióticos (ICMBIO 2014). posteriormente. Foram feitas visitas tanto aos moradores mais antigos como aos mais novos, para obter um amplo de

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informações e identificar como eles se enxergam no mundo e como percebem seu território. acabam capturando peixes pequenos.
Antigamente a pesca com cerco era muito utilizada. Sendo esta prática considerada artesanal, a que consiste de
Também foram realizadas visitas para acompanhar a pesca de camarão realizada nos barcos de arrasto, caminhada
uma amarração de madeiras onde se forma um círculo e fica enfiada na areia nas margens do canal. O peixe entra no
na mata, participação de datas festivas, assim como a baixa e alta temporada, onde o fluxo de turistas varia conforme a
cerco, mais não consegue sair. Hoje essa prática é proibida no estado do Paraná. Contudo, no estado de São Paulo é
época do ano.
tolerada por ser considerada uma prática tradicional5.
Devido a uma política defasada e desestruturada, os limites geográficos impedem práticas tradicionais dos manejos
Resultados florestais, bem como a agricultura dentro da área limite estudada, deixando os sujeitos pesquisados impossibilitados de
reproduzir sua cultura e manejos, ficando dependentes de insumos externos, como alimentos industrializados, em geral,
Conflitos e dificuldades da Pesca no PARNA Superagui afetando a saúde dos pescadores.
A grande preocupação de se delimitar ou zonear áreas para o extrativismo se dá principalmente pela falta de Entende-se, que esses limites devam ser restruturados, bem como as leis reguladoras de atividades em unidades
fiscalização em fronteiras remotas. O PARNA tem uma grande faixa territorial, tornando difícil fiscalizar todos os limites. de conservação, buscando-se equalizar a conservação ambiental com a necessidade de manutenção das comunidades
O problema mais relatado nas conversas informais e nos questionários semiestruturados, está relacionado com a tradicionais, podendo inaugurar uma nova fase para a realidade socioambiental no Brasil (VIEIRA, 2005a).
ameaça à manutenção ambiental dos pescados, afetando assim, a atividade da pesca artesanal. Dentre outras práticas, os pescadores tradicionais sempre realizaram o manejo agrícola, mesmo sendo de
Inúmeros elementos vêm contribuindo para esse desequilíbrio no ecossistema marinho prejudicando o pescado. subsistência. Cultivou-se muito nesse território espécies como: a mandioca (a casa de farinha existe até hoje, mas está
Um dos problemas indicados pelos pescadores é a impossibilidade da realização da pesca em grande parte da região desativada devido à falta de matéria prima), arroz, abóbora, entre outras plantas, usuais à comunidade. Atualmente, o
historicamente utilizada, situada dentro dos limites da primeira milha náutica4. manejo florestal é proibido pela legislação vigente nas Unidades de Conservação de categoria Federal (SNUC, Lei n.
Segundo os pescadores entrevistados, esta região não pode mais ser utilizada para pesca, na forma que ela vem 9985 de Julho de 2002).
sendo praticada. Entretanto as instituições fiscalizadoras não conseguem impedir que as grandes embarcações pesqueiras O SNUC define os planos de manejo como documentos técnicos, como nos objetivos gerais de uma unidade de
viessem a praticar a pesca de arrasto dentro dos limites da primeira milha e, muitas vezes, bem próximo a praia onde, conservação, nos quais se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos
ainda segundo os próprios moradores da localidade estudada, na maioria das vezes são barcos de outros estados e até, de recursos naturais e de Agroecossistemas.
outros Países. Tanto a fauna quanto a flora do PARNA, possuem uma proteção especial recebida pela existência da UC e
A entrada de Navios de outros lugares é recorrente, sendo raras as vezes que se tenha identificado alguma recebem tutela do ordenamento jurídico nacional através da Constituição Federal (art. 225, VII), da Lei 9.605/1998 (que
fiscalização sobre estes barcos (devida a ausência de uma fiscalização mais atuante do litoral paranaense, a começar dispõe sobre as sanções penais e administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente), da Lei 12.651/2012
pela força verde da policia ambiental e do Instituto Ambiental do Paraná – IAP - responsável pela fiscalização da região, (que instituiu o Código Florestal) e da Lei de Proteção à Fauna 5.197/1967.
estando na maioria das vezes ausente). Após mais de 25 anos de criação do PARNA Superagui, o Plano de manejo não foi implantado, aguardando
Existe um grande conflito entre os pescadores tradicionais, os pescadores industriais e o órgão fiscalizador. Os os términos dos estudos prévios.Nesses 25 anos de criação do PARNA apesar das restrições, os pescadores da Barra
tradicionais não possuem os equipamentos capazes de realizar/aferir a localização das milhas náuticas, que delimita sua do Superagui, ainda conservam um cotidiano do ambiente pesqueiro. Essas práticas podem ser consideras inativas ou
área de pesca; assim, quando são pegos pela fiscalização suas redes são confiscadas, ficando sem poder exercer a pesca em decadência para muitos pesquisadores e gestores, devido ao número de praticantes que vem diminuindo, um fator
durante um período de 60 a 90 dias, que é o tempo necessário para confeccionar novas redes, sem contar os custos dos decorrente à falta de politicas de incentivo e de capacitação dos atores, impossibilitando o desenvolvimento de práticas
materiais. tradicionais.
Esses grandes barcos da pesca industrial chegam passar até 20 dias no mar, utilizando equipamentos para Atualmente muitos pescadores que não tem escolaridade ficam expostos à falta de informação e, por este motivo,
identificação de cardumes e tecnologias de pesca por satélite, ultrapassando 10 vezes o que a comunidade pode pescar. deixam de engajar-se nos papeis requisitados para organização do grupo. Um dos problemas relatados é a burocracia
O grande volume capturado na pesca industrial influencia diretamente na redução da disponibilidade de pesca ao para conseguirem o seguro defeso.
pescador artesanal. Os barcos chegam a devolver para o mar 15 toneladas de peixes indesejáveis considerados de baixo Para terem direito ao seguro, necessitam provar suas condições de pescadores, tendo que apresentar o registro
valor comercial. Segundo relatos dos pescadores, os peixes fogem quando encontram outros peixes mortos. obtido junto ao Ministério da Pesca. Atualmente, o Ministério vem cadastrando lentamente as comunidades locais,
Outros moradores relatam que no defeso, muitos pescadores continuam a fazer o arrasto utilizando malha seis ou deixando muitos pescadores desse território à margem do benefício pago durante o defeso.
até mesmo malha cinco essa numeração se dá ao tamanho dos buracos nas costuras da rede, dependendo do tamanho que 5 Os pescadores relatam que gostavam de ter seu Cerco para garantir algum pescado e no Estado de São Paulo é considerado uma prática
tradicional e com pouco impacto Ambiental.
4 Uma Milha Náutica corresponde a 1852 m e conta-se a partir da linha de praia (ICMBio, 2014).

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O seguro-defeso, no valor de um salário-mínimo, é pago cara cada pescador cadastrado, durante o período de Tanto nas conversas informais, como nas entrevistas, problemas relacionados com a gestão do PARNA Superagui.
defeso, pois eles ficam proibidos de realizar o arrasto por três meses na região, para que os camarões possam desovar nas A questão central é a impossibilidade de acesso e uso do território do PARNA para práticas tradicionais antes realizadas.
baías, e aumentar sua população; Existe um grupo que reivindica ainda essa questão, porém a maioria dos moradores quer investimentos no turismo para
No entanto, segundo os pescadores, são crescentes as exigências para poderem habilitar-se ao recebimento do ter pousadas ou camping.
benefício. Além de todos os documentos pessoais, estão sendo requeridos mapas de bordo e a comprovação da existência O turismo de base comunitária foi apontado como uma alternativa real para comunidade, faltando capacitação e
do Sistema de posicionamento global (GPS sigla em inglês) e outros equipamentos náuticos, para serem considerados infraestrutura para ser desenvolvido. Dentro das entrevistas quantitativas, 95% apontam a vontade de ter uma pousada,
pescadores dentro das diretrizes estipuladas. Ou seja, são ações legais, governamentais, que limitam, dificultam e ‘matam’ ou de trabalhar em alguma atividade relacionada ao turismo.
a continuidade e sobrevivência legal das comunidades tradicionais litorâneas. Foi contatado que capacidade de água potável é insuficiente para sua demanda. No verão, quando o fluxo de turista
Como na Barra do Superagui os pescadores são tradicionais, eles não têm esses equipamentos. Sem o seguro- é maior, falta água na ilha, pois a captação da água provém de uma pequena cachoeira que possui uma vazão limitada.
defeso, muitos pescadores acabam buscando outras fontes de renda, fora da sua realidade ou da sua ambiência. Com relação aos jovens entrevistados, as perspectivas são constatadas nos questionários quantitativos, onde 98%
De acordo com os pescadores, e fundamentado também em outras pesquisas, alguns desses atores acabam se dos jovens entrevistados se reconhece como filho e neto de pescador, reconhecendo sua identidade no território e muitos
transformando em quinhoneiros6 de barcos menores (ANDRIGUETTO FILHO, 1999). Essas limitações fazem com que ainda vêm desempenhando o trabalho de pescador tradicional.
os pescadores busquem alternativas para geração de renda deixando suas praticas tradicionais. Entretanto, todos os entrevistados esperam que seus filhos não sejam pescadores e que tenha outras oportunidades
Além dos problemas relacionados à pesca, existem outros entraves com relação ao manejo das espécies florestais e de trabalho e de estudo. Em sua grande maioria descrevem o trabalho da pesca e da agricultura como atrasado, devido à
de culturas como a mandioca, uso da samambaia, musgo para fabricação de artesanato e construções, palmito, espinafre falta de pescado nos últimos anos e a impossibilidade do manejo das roças no PARNA.
da praia muito utilizada na alimentação tradicional.
Dessa forma, eles ficam impossibilitados de realizarem tais cultivos e manejos, justamente pela legislação vigente Discussão
do Parque e do entorno, sendo que não podem cortar nem uma madeira para fazer escoras ou utilizar em suas práticas de Dentro da legislação de uma U.C. Federal existe o impedimento de manejar roças, de realizar coleta de madeira
trabalho. para a construção de ranchos, estivas ou redes e da coleta de samambaia (Blechnum serrulatum). Entretanto, a vila da
Essas práticas estão citadas de forma legal no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2002), Barra do Superagui está localizada no entorno do PARNA, exatamente na divisa dos limites estipulados pelo ICMBIO.
devendo ser aplicada na gestão e constar no plano de manejo do Parque em sua devida categoria. O plano de manejo Ali haveria condições de desenvolver manejos controlados, para espécies de subsistência ou de extrativismo.
ainda se encontra em construção depois de diversas etapas de diagnósticos, reuniões e planejamento, mas estudos foram A legislação brasileira por muito tempo teve dificuldades de conceituar e estipular normas de conservação e
realizados entre o ano de 2012 e 2013 pelo ICMBIO, buscando construir o plano de manejo do PARNA Superagui de realizar delimitações territoriais, propor os zoneamentos das áreas adequadas, assim como conciliar os stakeholders
forma participativa. (atores sociais, gestores, sociedade) envolvidos e as Unidades de Conservação (JENTOFT, 2003).
Durante todo acompanhamento dos trabalhos, ficou evidente o esforço do ICMBIO em buscar metodologias Aparentemente, ainda de acordo com os dados obtidos, os problemas e conflitos da atividade pesqueira se refletem
participativas, como reuniões, entrevistas, trabalhos coletivos. No entanto os esforços se mostraram pouco eficazes, pois na proposição de práticas já não tão comuns como alternativas de renda ou subsistência, tais como a coleta de samambaia
nas reuniões, o numero de participantes era bem reduzido, muitos alegavam que sempre era a mesma conversa, que ou musgo, ou a ainda a produção de roças, que também fizeram parte do modo de vida dos pescadores artesanais, mas
comparecer, não mudaria nada. que os jovens já não se interessam mais. Assim as gerações vêm perdendo sua identidade, devido às dificuldades de
Essa postura de indiferença demonstra a fragilidade das relação, sem confiança ou coletividade, formando atores permanecer no território.
imparciais, dificultando o processo de integração na Gestão. Além desses conflitos diagnosticados no estudo, possui divergências em sua organização e não pensam e não
A maioria apontou que, para serem pescadores como seus avôs, precisam reproduzir sua cultura e manejos exercem ações que promovam a coletividade e movimentos estratégicos. Existem subgrupos com objetivos distintos, fato
tradicionais, como retirar madeiras especificas na floresta, para construção dos barcos, dos remos, do leme, onde cada que contribui para perda de voz da comunidade perante as instituições responsáveis.
peça é uma madeira diferente. Avaliando o contexto politico das Unidades de conservação, a maioria tem consciência das FLIGSTEIN, (1997) fala da importância de acionar as habilidades sociais, que simplesmente são mecanismos
restrições ambientais, no entanto não entende a diferenças das categorias das Unidades. internos capazes de induzir, de obter a cooperação alheia. É com base nessa capacidade que se constroem ordens locais
Nesta situação, é importante notar que, para os pescadores tradicionais, o impacto de uma multa ou apreensão que serão decisivas no funcionamento das organizações e, em particular, dos mercados e objetivos em comum.
de materiais pode refletir, definitivamente, na exclusão da condição de pescador artesanal, por não terem condições Putnam (1996) coloca a experiência do crédito rotativo e sua organização econômica, superação dos dilemas na
econômicas de comprar ou fazer novos instrumentos. ação coletiva dos atores na Itália. Essa teoria se evidencia nas ordens de organização social, criada a base de confiança e
6 Ou seja, trabalhando não mais como pescadores artesanais, mas como ajudantes de sistemas de pesca mais próximos à pesca coletividade, na busca de alianças e metas conjuntas.
industrial, recebendo parte (quinhão) do volume pescado.

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No caso em estudo, os atores muitas vezes não entram em acordo em suas reivindicações, por falta de organização, acordo com a realidade local do território e de sua identidade.
de representatividade nas reuniões e a falta de confiança entre componentes do próprio grupo, elemento básico para
acionar o capital social e seus benéficos. Por meio das visitas de campo foi observado que o território rural ultrapassa os Conclusão
aspectos de paisagem, pois ele exerce diferentes funções em níveis socioeconômicos e ambientais. Finalmente, o estudo confirma a necessidade de intervenção das instituições responsáveis e da aplicação de leis
Por exemplo, um pescador artesanal, pesca camarão, retira um produto de meio ambiente, um recurso natural. apropriadas à realidade local, considerando o mosaico de unidades de conservação e suas comunidades com parte única
Em determinada época do ano, geralmente em maio, eles precisam realizar o manejo do território de maneira adequada, do ecossistema. Portanto, a gestão deve ser integrada, participativa e compartilhada ultrapassando fronteiras geográficas e
respeitando o ciclo de desova e procriação. Nessa época, o trabalhador rural não pode exercer a pesca, pois a lei obriga a institucionais dos munícipios e Estados. As ações deveriam convergir na formação e capacitação dos atores, devido à falta
respeitar o período de defeso, previsto na legislação. de engajamento entre os subgrupos da comunidade. Essas ações uma vez iniciadas podem colaborar para a construção de
No entanto os pescadores cadastrados recebem do governo um salário mínimo por mês parado, o que muitas novos paradigmas, contemplando o tripé social, ambiental e econômico, estruturas fundamentais para o desenvolvimento
vezes não é suficiente, o que os leva a procurar alternativas para complementar à renda. rural.
No caso dos pescadores da Barra do Superagui a maioria dos moradores na temporada de verão se dedica ao
turismo, trabalhando nas pousadas de forma direta ou indiretamente, beneficiando o turismo de base comunitária. REFERÊNCIAS:
Avaliando o caso dos pescadores, na visão do reconhecimento das multifuncionalidades do território, segundo
ANDRIGUETTO FILHO J.M. 1999, Sistemas técnicos de pesca e suas dinâmicas de transformação no litoral do
Jean e La Fontaine (2005a), existem algumas funções que devem ser exercidas para o desenvolvimento regional rural
Paraná, Brasil. Curitiba. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do Paraná.
ser promovido. No caso da comunidade em estudo, em que se alternam as atividades em seu território, eles contemplam 242p.
a função de produção, pois fornecem produtos e serviços para os visitantes e para outros municípios, trazendo geração
Desenvolvimento territorial sustentável no Brasil: Subsidio para uma politica de fomento / Paulo Freire Vieira... [et al.]
de renda para comunidade. Fica evidente no estudo que os atores vêm se readaptando aos novos cenários, buscando no
organizadores- 488,Grafs, Florianópolis: APED: Secco.2010.
turismo local trabalho, exercendo sua resiliência social, complementando sua renda nessa atividade.
Seguindo a linha de Jean e La Fontaine (2005b), outra função identificada na comunidade foi à função territorial DIEGUES, A.C.S.A. “A pesca construindo a sociedades: Leitura da antropologia marítima e pesqueira”. Núcleo de apoio
que, por muitas vezes, foi realizada pelo gerenciamento/manejo de forma adequada nos ecossistemas, preservando as à pesquisa sobre a população humana e áreas úmidas Brasileiras-USP, 2004.
paisagens e as espécies que ali habitam sendo realizada aos moldes tradicionais. Fica evidente para os atores que a grande DREW, D. Processos interativos homem-meio ambiente. Tradução de João Alves dos Santos. Revisão de Suely Bastos,
alternativa para geração de renda pode estar na valorização e conservação da paisagem, no fortalecendo a identidade Coordenação editorial de Antônio Chistofoletti. - 6ª ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
local, e no ecoturismo. Interagindo com as funções sócioambientais7.
FAVARETO, A.F.A. Políticas de desenvolvimento territorial rural no Brasil: avanços e desafios / Arilson Favareto... [et
O conhecimento sobre comunidades pesqueiras por muito tempo foi relatado ou pesquisado com abordagens al] - Brasília: IICA, 2010 (Série Desenvolvimento Rural Sustentável; v.12).
geográficas ou históricas sendo analisadas de forma superficial. Nas últimas décadas a etnociência, etnoecologia ganharam FLIGSTEIN, Neil. Fields, Power, and Social Skill: A Critical Analysis of The New Institutionalisms. Berkeley: University
espaço e voz nos campos da ciência, assim como a agroecologia na busca de alternativas para o desenvolvimento local of California Press, 1997. Disponível em: http://www.irle.berkeley.edu/culture/papers/Fligstein3.pdf . Acesso em: 07/2014.
e rural.
GRAZIANO, J.; MARC, J.B. Núcleo de Estudos Agrários e desenvolvimento debatem O Brasil Rural precisa de uma
Dentro desses fundamentos e possibilidade, as práticas agroecológicas se adaptam nas restrições das unidades,
Estratégia de Desenvolvimento. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário /Conselho Nacional de desenvolvimento
onde o manejo dos agroecossistemas é realizado de forma consciente e sustentável, promovendo a manutenção Rural Sustentável / Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2001.
ambiental. Essas interdependências tecidas entre os elementos do sistema analisado, bem como entre outros sistemas que
o englobam, tornam-se uma dimensão privilegiada das análises voltadas para a recriação institucional e a aprendizagem GARRISON, T. 1942: Essentials of oceanography. Tradução da quarta edição “norte Americana” Fundamentos de
Oceanografia / Tom Garrison –-- São Paulo: Cengage Learning, 2010.
social transformadora (VIEIRA, 2005b).
Nesse caso, é necessário acionar a organização dos atores, resgatando essas práticas, organizando cursos de ICMBIO – INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Unidades de conservação:
capacitação, envolvendo os atores sociais no processo integrado e participativo, para aflorar a autovalorização da sua planos de manejos / decretos de criação. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br Acesso em:12 de Agosto de 2014.
identidade territorial (GRAZIANO, 2001). JEAN. B.; LAFONTAINE, D. (Eds) Territoires et fonctions. Tome 2: Des pratiques aux paradigmes: les systems
FAVARETO, (2010) coloca que a promoção do desenvolvimento local rural, depende da interação entre as escalas régionaux et dynamiques d’innovation en débats.Rimouski: Éditions du GRIDEQ et Éditions du CRDT, 2005.
politicas, municipais, estaduais e nacionais, para que aconteçam esforços conjuntos na direção de ações que sejam de
JENTOFT, S. Co-management – The way forward. In: Wilson, D.C., Nielsen, J.R e Degnbol, P. (eds.). The fisheries co-
7 “Formas ou manejos que a identidade se refere à gestão do espaço geográfico ou territorial, trazendo benefícios econômicos sociais e management experience: Accomplishments,challenges and prospects. Dordrecht: Kluwer Academic Publisher. 2003.
ambientais, para o desenvolvimento local” (JEAN e LAFONTAINE, 2005c).

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MINAYO, Maria C. de S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, Maria C.de S. (org) Pesquisa
social: teoria, método e criatividade. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2000b. p. 09 – 29.

PUTNAM, R.D. Capital social e desempenho institucional. In Comunidades e democracia a experiência da Itália moderna.
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QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L.V. Manual de investigações em ciências sociais. Lisboa: Ed. Gradiva, 1992.

SNUC - Sistema Nacional de Unidades de conservação: texto da Lei 9.985 de 18 de julho de 2000 e vetos da presidência
da República ao PL aprovado pelo congresso Nacional. - São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica, 2002. 2ª edição ampliada.

TOWNSEND, C.R.; BEGON, M.; HARPER, J.L. Fundamentos em ecologia Tradução Gilson Rudinei Pires Moreira…
[et al.]. - 2ª. ed.- Porto Alegre: Artmed, 2006. 592 p;

VIEIRA, P.H.F. 2005. Gestão de recursos comuns para o ecodesenvolvimento. In: Vieira, P.H.F., Seixas, C.S. e Berkes,
F. (orgs.). Gestão Integrada e Participativa de recursos naturais. Florianópolis: APED. p. 333-377.

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GRUPO DE TRABALHO XI
Recursos Naturais, Biotcnologia e Serviços Ecossistêmicos

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GT - 11
ADOÇÃO DE INOVAÇÃO EM PARQUES TECNOLÓGICOS: COMPUTAÇÃO EM NUVEM E A REDUÇÃO 1.Introdução
DOS IMPACTOS AMBIENTAIS A criação de Parques Tecnológicos (PqTs) vai ao encontro dos desafios da sociedade em criar um ambiente
favorável ao avanço da economia e do conhecimento de forma sustentável. Os PqTs são considerados elementos
Solange Fachin1; Leonel Cesar Rodrigues2; Rodrigo Santolini Soares3; Luciano da Costa Barzotto4; Paulo Cesar importantes de um Sistema Nacionalde Inovação (SNI), (BORRÁS, 2004). Estes empreendimentos são estruturados
Schotten5; Neiva Maria Alves6 de forma a estabelecer mecanismos formais para o desenvolvimento e gerenciamento de inovações no âmbito
empresariais que assegurem a sustentabilidade financeira e ambiental de uma localidade ou região.
Os PqTs são considerados habitat de inovação e desenvolvem um processo de gestão para adoção de inovações,
em especial com relação as inovações de tecnologias de informação (TI), onde a computação em nuvem ou (cloud
RESUMO computing) é uma ferramenta nova que pode impactar esses processos de gestão. Nessa perspectiva, surge como fio
condutor às analises deste artigo com o seguinte problema de pesquisa: A adoção da inovação (computação em nuvem)
A sociedade Brasileira tem percebido a importância da inovação para o desenvolvimento econômico sustentável, onde
os investimentos em habitat´s de inovação a exemplos dos Parques Tecnologicos, que tem demonstrado excepcional pelos PqTs pode gerar facilidades ou inibidores na difusão desta nova tecnologia de informação?
capacidade de transformar ciência e tecnologia em inovação, de forma sustentável, surgiu a questão de pesquisa deste estudo, Frente a relevância das inovações no processo de mudanças organizacinais, é fundamental compreender o
que visa identificar quais são os facilitadores e inibidoras na difusão de uma nova tecnologia, neste caso, a “computação papel que o fenômeno da difusão dessas inovações tem, e os impactos causados na sociedade. Para muitos autores,
em nuvem”. Através de um estudo qualitativo, foram entrevistados os gestores de Tecnologia da Informação (TI) dos
como Metcalfe (1988), Perez (2003) e Hall e Khan (2003), a difusão é encarada como o núcleo do processo de avanço
Parques Tecnologicos já consolidados no Brasil, com o objetivo de avaliar atributos de percepção da inovação, segundo
modelo proposto por Rogers (2003) que possibilita mensurar a formação de atitudes que influenciam o comportamento tecnológico por se tratar de um fenômeno social que transforma a estrutura de mercado onde esta acontece.
de adoção da inovação. Identificou-se como facilitador da difusão da inovação o fato que a “computação em nuvens” Na busca de respostas ao problema de pesquisa, elaborou-se os seguintes objetivos: a) identificar os PqTs
ser percebida como um elemento estratégico capaz de transformar a TI, direcionando-a para a obtenção de um ambiente consolidados, que adotaram a computação em nuvem; b) identificar os processos mais afetados com a adoção da T.I.; c)
economicamente e ecologicamente sustentável, e nas questões relacionadas a segurança estão os fatores inibidores da
difusão da inovação. avaliá-los com base nos atributos de parcepção de inovação, proposto por Rogers (2003) e complementados por Moore e
Benbasat (1991) que contemplam os facilitadores e inibidores da adoção da inovação nos PqTs; d) qual a percepção dos
Palavras-chave: Inovação, Parques Tecnologicos, Computação em Nuvem e Sustentabilidade gestores em relação aos fatores ambientais.
Considerando que pra Oh (2009, p. 17) “na economia do conhecimento, os PqTs são considerados como uma
ABSTRAT
estratégia crucial para o Sistema Nacional de Inovação”, bem como são considerados habitats de inovação que geram
The Brazilian company has realized the importance of innovation for sustainable economic development, where atividades econômicas sustentáveis baseadas na comercialização de produtos e serviços desenvolvidos a partir de
investments in innovation habitat’s examples of technology parks that have demonstrated exceptional ability to turn conhecimento novo. Está percepção da relevância dos PqTs na economia baseada no conhecimento, é confirmada
science and technology innovation in a sustainable manner, the question arose research of this study, which aims to identify por Luz (2014, p. 2) ao destacar que “a capacidade de um país gerar riqueza está diretamente relacionada com sua
what are the facilitators and inhibiting the diffusion of new technology, in this case, the “cloud computing.” Through a
qualitative study, we interviewed managers of Information Technology (IT) technology parks already consolidated in capacidade de transformar ciência e tecnologia em inovação, de forma sustentável”.
Brazil, aiming to evaluate attributes of perception of innovation, according to the model proposed by Rogers (2003) that
measures the formation of attitudes that influence the behavior of adoption of innovation. It was identified as a facilitator
of diffusion of innovation the fact that “cloud computing” to be perceived as a strategic element able to transform IT, 2. Referencial Teórico
directing it to obtain an economically and ecologically sustainable environment, and the safety issues are the factors that
inhibit diffusion of innovation. 2.1 DIFUSÃO DE INOVAÇÕES

Key Words: Innovation, technology parks, Cloud Computing and Sustainability


A Teoria da Difusão da Inovação trata sobre a formação de atitudes que influenciam o comportamento de adoção
da inovação, para (ROGERS 2003), difusão é o processo pelo qual uma inovação é comunicada através de certos
canais de comunicação durante certo tempo para os membros de um sistema social. Assim, nesta definição, ele propõe
1 (UFMS/UNINOVE) sofachin@yahoo.com.br; quatro principais elementos para a compreensão do processo de propagação de uma nova ideia: a inovação, canais de
2 (UNINOVE) lcrodrigues@gmail.com;
3 (UFMS/UNIOESTE) admsantolini@hotmail.com;
comunicação, tempo e um sistema social.
4 (UTFPR) lcbarzotto@yahoo.com.br; Os canais de comunicação são o “meio pelo qual as mensagens vão de um indivíduo para outro” (ROGERS,
5 (UFMS) paulo.schotten@ufms.br;
6 (UFMS) neiva.ivi@hotmail.com.
2003). O tempo seria o período necessário para a adoção de uma inovação pelos membros de um sistema social. Para o

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autor, três tempos distintos compõem o processo de difusão: a velocidade na difusão da inovação individual; o tempo Embasado no processo proposto por Rogers (2003), a fase de conhecimento tem início quando o indivíduo, ou
envolvido na adoção prévia ou tardia de um usuário ou grupo; e o tempo em que a inovação é adotada pelo sistema social unidade decisória, toma consciência da inovação e obtém o entendimento de como ela funciona. Nesta fase, os canais de
como um todo. comunicação são importantes para a exposição ou percepção do indivíduo à inovação. Três estágios de conhecimento são
Tratando-se especificamente da difusão de inovações tecnológicas, Saenz e Capote (2002) a definem como o identificados nesta fase: o conhecimento sobre a existência da inovação e suas características básicas; o conhecimento
processo de generalização da inovação tecnológica. Conforme defendem os autores, o êxito do processo de difusão se sobre como utilizar a inovação de forma proveitosa e o conhecimento sobre como, de fato, a inovação funciona em sua
dá quando a inovação satisfaz as necessidades dos usuários; se transferível; e se os usuários da tecnologia têm recursos essência.
humanos, materiais e financeiros adequados e suficientes para a sua efetiva exploração. Na fase de persuasão o indivíduo irá construir uma atitude favorável ou desfavorável com relação à inovação. O
O processo de difusão de inovações tecnológicas, de acordo com Dosi et al (1994), é condicionado por fatores conceito de persuasão, conforme Rogers (2003), é a formação de atitude e mudança decorrente do envolvimento com a
tais como a heterogeneidade dos agentes envolvidos; a infra-estrutura necessária para a assimilação da tecnologia; e o inovação e, diferentemente da concepção usual, não significa a indução do comportamento pelos canais de comunicação.
tempo necessário para cada empresa dominar a nova tecnologia e desenvolver as habilidades necessárias para a empregar, A busca de informação sobre a inovação tem início na fase de conhecimento e intensifica-se na fase de persuasão, quando
adaptar e aprimorar. Com base no autor, pode-se afirmar que a difusão constitui-se uma das etapas finais do processo de o indivíduo busca diminuir a incerteza e construir sua opinião sobre a nova idéia.
inovação, já que viabiliza a adoção, incorporação e utilização do novo método ou artefato por agentes de determinado A fase de decisão ocorre quando o indivíduo (ou a unidade decisória) desenvolve ações específicas que irão culminar
sistema produtivo ou social, e consequentemente a concretização de resultados econômicos. na decisão de adotar ou rejeitar uma inovação. A adoção significa “a decisão de fazer uso completo de uma inovação
Rogers (2003) destaca também a relevância da dimensão temporal no processo de difusão. Esta dimensão, segundo como o melhor curso de ação disponível” (ROGERS, 2003). Já a rejeição significa a decisão de não adotar a inovação.
o autor, envolve (1) o processo de decisão-inovação, através da qual um indivíduo passa desde o primeiro conhecimento As decisões sobre inovação são influenciadas pelos atributos da inovação, como a vantagem relativa, compatibilidade,
de uma inovação até a sua aprovação ou rejeição; (2) a precocidade relativa ou atraso com que uma inovação é adotada complexidade, experimentabilidade e observabilidade, mediados pelas características culturais dos adotantes, conforme
por um indivíduo ou outra unidade, em comparação com outros membros de um sistema; e (3) a taxa de adoção de apresntado no quadro 1, com base na teoria de Moore e Benbasat (1991).
inovação de um sistema, normalmente medida como o número de membros do sistema que adotam a inovação em um
Quadro 1- Atributos percebidos da inovação
determinado período de tempo.
Assim, o processo de decisão-inovação, ou seja, de aceitação e adoção da inovação por parte dos usuários, é Dimensão Conceito
essencialmente uma atividade de procura de informação e de processamento de informações em que um indivíduo está Voluntariedade O quanto o uso da inovação é percebida como voluntário e motivado por vontade
própria
motivado a reduzir a incerteza sobre as vantagens e desvantagens da inovação. A figura a seguir ilustra o processo de Vantagem Relativa O quanto a inovação é percebida como sendo melhor do que aquele que está
difusão como um processo de busca e processamento de informação e decisão de inovação. substituindo.
Compatibilidade O quanto a inovação é percebida como sendo consistente com os valores existentes,
necessidades e experiência passada dos adotantes potenciais.
Figura 2: O Processo de Difusão de Inovações
Imagem O quanto que o uso da inovação é percebido como positivo para a imagem ou
status do indivíduo em seu sistema social.
Facilidade de uso O quanto a inovação é percebida como sendo difícil de usar.
Demonstrabilidade dos O quanto os resultados do uso da inovação são tangíveis e fáceis de serem
resultados comunicados e observados.
Visibilidade O quanto é possível observar outros adotantes utilizando a inovação.
Testabilidade O quanto é possível experimentar o uso da inovação.

Fonte: Moore e Benbasat (1991)

A fase de implementação ocorre após a decisão de adoção e implica no uso efetivo da inovação, com a mobilização
de recursos e esforços para colocar em prática a nova idéia. Durante a fase de implementação, processos de adaptação e
mudança podem ser necessários para adaptar a situação existente à inovação. Quando as mudanças e adaptações ocorrem
na inovação ou na sua forma de uso temos a re-invenção. Rogers (2003) encontrou evidências que relacionam a re-
invenção à uma melhor aceitação, difusão e sustentação da inovação. Isto ocorre porque as condições iniciais da fase de
Fonte: Rogers (2003) implementação tendem a serem dinâmicas e mudarem continuamente. Desta forma, sendo a inovação flexível o bastante

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para ser adaptada as diferentes realidades e contextos de seus adotantes, sua adoção e uso continuado são facilitados. de equipamentos e softwares nas organizações corporativas, assim como a redução dos impactos ambientais, com a
Finalmente, a fase confirmação ocorre após a decisão de uso e implantação da inovação e o adotante busca redução do lixo eletrônico, e a comodidade ao facilitar o dia a dia do usuário final, por meio da portabilidade e acesso as
reforça reduzir a dissonância da escolha anteriormente feita. A dissonância é um estado de desequilíbrio onde existe uma informações.
diferença entre as crenças e expectativas do indivíduo e o estado real percebido. O adotante pode buscar reconhecer os O grande desafio para os gestores é mensurar suas próprias necessidades, ponderar vantagens e riscos, e determinar
benefícios de estar usando a inovação, integrá-la nas rotinas e promover a nova idéia a outros Atores. a melhor solução a ser adotada entre a computação em nuvem ou pelo tradicional sistema de Centros de Processamento
de Dados in company. Diante das inúmeras oportunidades que atualmente representam a computação em nuvem e com os
2.2 Parques Tecnológicos constantes aperfeiçoamentos tecnológicos na área de segurança da informação, é provavel que próximos anos uma parte
relevante de empresas tenderá a optar por esta nova solução para o provimento de recursos tecnológicos.
A definição de parques tecnológicos mais difundida internacionalmente é apresentada pela Associação Internacional
de Parques Cientificos e Tecnologicos (International Association of Science Parks - IASP 2009). Sua definição conceitua
2.3.1 Desenvolvimento Sustentável da Computação em Nuvem
parque tecnológico como uma organização que é administrada por profissionais especializados e que tem a finalidade
Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada em 1983 pela Assembleia das
de desenvolver a riqueza de sua comunidade, promovendo a cultura da inovação e da competitividade das empresas e
Nações Unidas, desenvolvimento sustentável é um conceito sistêmico que se traduz num modelo de desenvolvimento
instituições baseadas no conhecimento que lhe estão associadas. Para este trabalho, essa é a definição que será utilizada.
global capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das
IASP (2009), defende que o objetivo geral de um parque tecnológico é contribuir para o desenvolvimento
futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.
tecnológico da região, por meio de três grandes linhas de ação: a) o estímulo da transferência de tecnologia e a interação
A computação em nuvem contribui para a redução do impacto ambiental gerado pelo setor de TI. A implantação
entre universidades, empresas, mercados, institutos de P&D, e o governo; b) o estímulo a novas empresas e instituições
de um modelo na nuvem inclui procedimentos que são essenciais para a garantia de sustentabilidade tanto no âmbito
tecnológicas, atraves da incubação e processos de spin-of; c) Fornecer espaço e servicos de apoio de elevada qualidade
econômico, visando redução de custos com energia elétrica consumida pelos equipamentos e na climatização dos data
para atração de atividades e projetos de pesquisas das empresas.
centers, custos com equipe e taxas com licenças de hardware, quanto na preocupação com o meio ambiente, fazendo uso
No contexto nacional, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias
de tecnologias “politicamente corretas” que sejam ecológicas e consumam menos energia, diminuindo assim a emissão
Avançadas (ANPROTEC, 2004) define um PCT como:
de gás carbônico na atmosfera. (BOLSONI et al 2009)
a) Um complexo industrial de base científico-tecnológica planejado, de caráter formal, concentrado e cooperativo,
Os novos centros de dados que suportam o modelo de nuvem são infraestruturas otimizadas de última geração,
que agrega empresas cuja produção se baseia em pesquisa desenvolvida em centros de P&D vinculados ao Parque.
suportando a chamada sustentabilidade, com redução nos gastos com energia, refrigeração, uso de virtualização e outros
b) Um empreendimento promotor da cultura da inovação, da competitividade, e do aumento da capacitação
procedimentos e certificações internacionais.
empresarial, fundamentado na transferência de conhecimento e tecnologia, com o objetivo de incrementar a produção
de riqueza.
3. Metodologia
O panorama Brasileiro dados do MCTI e CDT/UnB (2014, p. 22), identificaram que o Brasil contava em 2013
Por meio de uma pesquisa bibliográfica, identificou-se os conceitos e os modelos teóricos que explicam a Teoria
com 94 iniciativas de PqTs, distribuídos em 30 PqTs em operação, 22 PqTs em implantação e 42 PqTs em planejamento.
da Difusão de Inovações, sendo o modelo proposto por Rogers (2003) e adaptado por Moore e Benbasat (1991) o que
Sendo que as regiões Sul e Sudeste concentram o maior número de iniciativas de PqTs, fator esse atribuído à concentração
possibilita mensurar a formação de atitudes que influenciam o comportamento de adoção da inovação.
de produção industrial, técnico e cientifica naquelas regiões.
Com base neste, foi realizada uma pesquisa empírica por meio de entrevista, para detalhamento e caracterização
das instituições pesquisadas e posterior aplicação de um questionário estruturado composto por questões fechadas de
2.3 Computação em Nuvem
múltipla escolha, condizentes com os atributos de percepção da inovações e o processo decisório de adoção da inovação
Computação em Nuvem ou cloud computing é uma tecnologia que permite acesso remoto a programas (softwares),
citados no modelo proposto por Rogers (2003). A figura 04 demonstra as dimensões abordadas no instrumento de coleta
arquivos (documentos, músicas, jogos, fotos, vídeos) e serviços por meio da internet. Segundo (Motahari-Nezhad, 2009), as
de dados, adaptação do Modelo de Rogers para avaliar os “atributos de percepção da inovação”
características da Computação em Nuvens são: economia de recursos, flexibilidade e rapidez no desenvolvimento.
A tendência é que os computadores, equipamentos e programas, terão preços mais acessíveis, se comparados com Dimensão Conceito
Voluntariedade O quanto o uso da inovação é percebida como voluntário e motivado
os atuais, visto que serão produzidos de forma mais simplificada, já que boa parte de seus dados poderão ser armazenados por vontade própria
Vantagem Relativa O quanto a inovação é percebida como sendo melhor do que aquele que
fora do hardware. Com destaque para os mini laptops e celulares, pois podem ser facilmente carregados, possuem baixo
está substituindo.
consumo de energia e são bem mais baratos. (MARTINEZ, 2010).
A Computação nas Nuvens surge com o propósito de reduzir os altos custos que se têm com a manutenção

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Compatibilidade O quanto a inovação é percebida como sendo consistente com os Necessidade de ser percebido como pioneiro;
valores existentes, necessidades e experiência passada dos adotantes Imagem A mídia duvulgou amplamente nossas ações, o status foi importante;
potenciais. Adotar significa acreditar no que oferecemos para os parceiros,
Imagem O quanto que o uso da inovação é percebido como positivo para a Sermos vistos como modelos a serem seguidos.
imagem ou status do indivíduo em seu sistema social. Não foram relacionadas dificuldades de uso, e sim a necessidade de
Facilidade de uso O quanto a inovação é percebida como sendo difícil de usar. Facilidade de uso adequação e migração para a nova tecnologia, que momentaneamente
Demonstrabilidade O quanto os resultados do uso da inovação são tangíveis e fáceis de
dos resultados serem comunicados e observados. limitou as atividades.
Visibilidade O quanto é possível observar outros adotantes utilizando a inovação. Economia percebida em todos os setores, desde máquinas e programas,
Testabilidade O quanto é possível experimentar o uso da inovação. a pessoas e encargos trabalhistas;
Demonstrabilidade dos Nossa área tem uma depreciação muito rápida, com a computação em
Fonte: Moore e Benbasat (1991)
resultados nuvem esse prejuízo não ocorre;
A velocidade e capacidade de acesso simultâneos são a maior vantagem
A população desta pesquisa trata-se dos gestores dos PqTs, participantes da Associação Nacional de Entidades desta tecnologia;
Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (ANPROTEC) e classificados segundo taxonomia proposta A armazenagem segura dos dados é indiscutível;
Muitas empresas tem dificuldade de transferir a segurança dos seus
pela Anprotec no eixo Base de Ciência e Tecnologia (C&T) e com escala de graduação da importância cadastrados datos a terceiros (armazenagem dos dados de forma segura é uma
como Parque Tecnológico Consolidado, totalizando um universo de 12 PqTs. lacuna ainda em discução)
A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas via skipe, previamente agendadas com os gestores de T.I. dos É notório o crescimento e adesão de outros segmentos a nova tecnologia;
Começou como uma tendência internacional e para grandes organizações
PqTs no período de 16/11 a 10/12 de 2014. Os dados coletados estão organizados e apresentados nos resultados a seguir.
Visibilidade e está se popularizando;
O desenvolvimento de novos equipamentos a preços acessíveis data a
4. Analise dos resultados limitação da capacidade de hardware.
Compreender a importância da computação em nuvem para saber lidar com essa tendência é um dos grandes Evidencia-se nas atividades diárias;
desafios para o mundo corporativo. Utilizar essa tecnologia tem se mostrado atraente para as empresas, especialmente, em Melhoras na perfornance do setor de TI;
Testabilidade O pagamento da taxa de armazenagem é infinatamente menor que os
razão da potencial de economia, flexibilidade e sustentabilidade que pode proporcionar. No entanto, há também questões, investimentos necesários para operacionalizar tecnologias já defasadas;
em especial relacionadas a segurança, que devem ser ponderadas com cuidado antes de se dar um passo definitivo rumo
à “computação em nuvem”. Considerando as características dos PqTs já consolidados, o discurso dos entrevistados apresenta concordância,
De acordo com os gestores de TI dos PqTs pesquisados, uma das dúvidas mais recorrentes relacionadas ao mundo visto que a adesão a tecnologia da computação em nuvem está ocorrendo de forma gradativa e demonstrando que
da tecnologia é se a adoção da computação em nuvem é mais vantajosa para os negócios, quando comparada com o a grande vantagem está na economicidade e na sustentabilidade. Algumas das vantagens do sistema computação em
modelo tradicional de gestão tecnológica. É evidente que cada empresa necessita avaliar com muito cuidado as eventuais nuvem, detectadas inicialmente são:
vantagens que terá no caso de adotar a computação em nuvem, especialmente para saber se esse modelo é de fato viável. a) Disponibilidade – O usuário pode acessar aplicações e dados de qualquer lugar e a qualquer hora.
Com base na percepção dos gestores, elaborou-se um demosntrativos da percepção de facilitadores e inibidores da difusão b) Escalabilidade  – O usuário pode a qualquer momento aumentar ou diminuir os recursos alocados (memória,
da nova tecnologia, apontados nas estrevistas: processamento e espaço de armazenamento) de acordo com suas necessidades.
c) Economia – O usuário diminuirá seus gastos como por exemplo: com infra-estrutura, equipamentos, licenças de
Dimensão Motivação para difusão da inovação
Necessidade aplicativos proprietários, energia elétrica e manutenção de equipamentos.
Ação planejada de modernização TI; d) Sustentabilidade - diminuição do impacto ambiental com a com redução nos gastos com energia, refrigeração,
Voluntariedade Obrigatoriedade pela característica do PqT que estamos atuando;
A opção não foi voluntária, e sim uma obrigação; substituição de equipamentos, e etc.
Adoção foi uma exigência para capacitar os acadêmicos e incubados. Com relação a desvantagens, os entrevistaram relataram que sendo a computação em nuvem uma forma de
Mais adequada para atender a demanda atual;
Vantagem Relativa Tendência mundial; que gera vantagens econômicas; centralizar aplicações e armazenar dados, há uma grande preocupação no que diz respeito à segurança e privacidade. Ao
Vantagem competitiva; utilizar o sistema, o usuário entrega seus dados e informações importantes aos cuidados de outra empresa, o que para
Marketing social.
Esse atributi foi desconsiderado, dada as características do setor muitos é uma questão bastante complicada, causa uma sensação de vulnerabilidade; ao contrário de hoje que estes dados
Compatibilidade pesquisado e informações são bem guardadas por seus proprietários.
A computação em nuvens também promove ganhos consideráveis sobre o TCO – Total Cost of Ownership,
cálculo que contempla todos os custos envolvidos ao longo do ciclo de vida de uma solução de TI, incluindo: custos

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do hardware e das licenças de software, manutenção, upgrades, suporte técnico, tempo ocioso por falhas, segurança, BELL, M.; PAVITT, K. Technological accumulation and industrial growth: contrast between developed and developing
treinamento, administração, tempo de operação. countries. Industrial and Corporate Change, v. 2, n. 2, p. 157-211, 1993.
Pode-se perceber que atualmente existe uma grande preocupação com a preservação do meio ambiente, e isto tem BOLSONI, E. P.; CARDOSO, C.; SOUZA,C. H. M. Computação ubíqua, cloud computing e PLC para continuidade
mobilizado principalmente as empresas a repensarem seus processos, adotando práticas sustentáveis aos seus negócios comunicacional diante de desastres. Anais eletrônicos V Seminário Internacional de Defesa Civil – DEFENCIL, 2009.
com o compromisso de agredir menos o meio ambiente. A computação em nuvens é, portanto, um elemento estratégico Disponível em:. Acesso em: 25 Set.2014.
para a aquisição de sustentabilidade econômica e ecológica no contexto de TI atual. BORRÁS, S. System of innovation theory and the European Union. Science and Public Policy. Vol. 31, n. 6, p. 425-
433, Beech Tree Publishing, Inglaterra, 2004.
5. Conclusão DOSI, G.; FREEMAN, C.; FABIANI, S. The Process of Economic Development: introducing some stylized facts and
Ao estudar a adoção e difusão da inovação nos PqTs contribue-se para acelerar o uso do conhecimento de maneira theories on technologies, firms and institutions. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, 1994.
eficiente, confiável e ambientalmente correta. Diante dos objetivos propostos pode-se considerar que a economicidade IASP – International Association of Science Parks. Disponível em http://www.iasp.ws acessado em 02 de nov de 2012.
que fundamenta a difusão da computação em nuvem é essencial para se compreender as transformações pelas quais a MARTINEZ, Marina. Computação em Nuvem - Cloud Computing. Disponível em HTTP://www.infoescola.com ›
indústria de TI passará num futuro próximo. Informática. Acesso em 11/10/2014
O debate de hoje sobre a computação nuvem se concentra numa grande quantidade de complexidades técnicas que
METCALFE, J. S. The Diffusion of Innovations: an Interpretative Survey. In: DOSI, G. et.al., (eds), Technical Change
dificultam a sua adoção pelas empresas. Apesar de se reconhecer que estas questões existam, são importantes e devam ser
and Economic Theory. London: Pinter, 1988.
objeto de preocupações específicas, são apresentadas diversas configurações possíveis para sua adoção em larga escala.
Motahari-Nezhad, H.R., Stephenson, B. and Singhal, S. (2009) “Outsourcing Business to Cloud Computing Services :
A mudança de mentalidade das empresas tem sido gradual no que tange a adoção e difusão da nova tecnologia. Há
Opportunities and Challenges”, HP Laboratories, HPL 23.
quem prefira começar com apenas alguns módulos ou pequenas aplicações, como aprovação de pedidos ou consultas de
ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. New York: The Free Press. 2003.
relatórios. “A nuvem ainda não está completamente difundida. A maior dificuldade é convencer as pessoas a confiarem
MOORE, G. C. and I. BENBASAT. Development of an instrument to measure the perceptions of adopting an
seus dados, e agreditar que esses não serão repassados a ninguém”.
information technology innovation. Information Systems Research Vol 2 No 3 (1991) pp 173-191.
Entre os profissionais de TI, a quem diga que até 2020 a maioria das pessoas terá acesso a aplicativos de software
SAENZ, Tirso W.; CAPOTE, Emílio Garcia. Ciência, inovação e gestão tecnológica. Brasília:
online e compartilhará informações através de redes remotas, ao invés de depender principalmente de ferramentas e
IEL, ABIPTI e SENAI, 2002.
informações alojadas em seus dispositivos ou computadores pessoais. A computação em nuvem,” dizem os especialistas”,
STEINER, J.E.; CASSIM, M.B.; Robazzi, A.C. Parques Tecnológicos: Ambientes de Inovação. Revista IEA. USP. São
será mais dominante do que a própria área física de trabalho na próxima década.
Paulo. disponível em <http://www.iea.usp.br/iea/artigos>. Acesso em 15 nov. 2012.
Através do estudo da difusão da inovação “computação em nuvens” e a forma como a sua implementação pode
contribuir para a adoção de práticas sustentáveis, pode-se concluir que a computação em nuvens surge como um elemento
estratégico capaz de transformar a TI, direcionando-a para a obtenção de um ambiente economicamente e ecologicamente
sustentável. Fato que condiz com a teoria de Luz (2014, p. 2) ao destacar que “a capacidade de um país gerar riqueza está
diretamente relacionada com sua capacidade de transformar ciência e tecnologia em inovação de forma sustemtável”.

6. Referencial

ABDI; ANPROTEC. Parques tecnológicos no Brasil: estudo, análise e proposições. Ministério da Ciência e Tecnologia.
2008.
AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL; ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS DE TECNOLOGIAS
AVANÇADAS. Parques Tecnológicos no Brasil - Estudo, Análise e Proposições. Versão para distribuição no
Seminário Nacional de Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas. ABDI - ANPROTEC, Foz do Iguaçu 2012.
ANPROTEC. Portfólio de parques tecnológicos no Brasil. Disponível em http://www.anprotec.org.br. Dezembro de
2008. Acesso em novembro de 2012.

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CAPTAÇÃO DE ÁGUA DA CHUVA VIABILIDADE ECONOMICA EM ESTABELECIMENTO 1.INTRODUÇÃO
COMERCIAL – ILHA DO MEL ESTUDO DE CASO
Nos últimos anos, a preocupação com a escassez dos recursos hídricos tem feito com que a população mundial
conscientize-se em relação ao uso deste recurso natural. O crescimento acelerado da população é um dos principais
fatores que influenciam o aumento do consumo da água.
Márcio Rosário Do Carmo, Francisco Xavier da Silva de Souza, Tássia Maria dos Santos, Luiz Everson da Silva Dentro deste contexto, faz-se necessário ampliar nossos conhecimentos referentes à conservação de água,
para que esse recurso possa ser preservado de forma que no futuro próximo não venha a se extinguir. Uma forma de
reaproveitar a água é utilizar a água da chuva para o consumo não potável em edificações.
RESUMO
Nesta pesquisa objetiva-se demonstrar a importância do sistema de captação de água da chuva, a fim de
maximizar sua coleta e minimizar os impactos proporcionados ao meio ambiente.
A ampla utilização da água potável para fins não potáveis tem sido uma grande preocupação na quantidade e qualidade
desta em locais onde este recurso é escasso. O presente estudo tem como objetivo analisar a viabilidade da água de chuva Com a instalação desse sistema para a utilização em pequenas e médias edificações, importante no âmbito social
no consumo não potável, possibilitando uma redução no consumo da água potável tratada. O trabalho foi realizado na e econômico é necessário que o uso da água de chuva para o consumo não potável seja incentivado de forma que não
Pousada Plâncton onde foi implantado o sistema de uso da água de chuva para fim não potável, sendo que esta pousada
encontra-se na Ilha do Mel, município de Paranaguá, onde a água necessita ser tratada para consumo humano. Sabe-se, proporcione riscos à saúde de seus usuários e que o mesmo intensifique a conservação de água potável.
que na Ilha do Mel há problemas de escassez hídrica nos períodos de média e alta temporada, devido a sua localização e o Em suma, o trabalho tem como objetivo analisar a viabilidade da água de chuva no consumo não potável,
seu alto consumo. Para elucidar o problema, revisões literárias foram realizadas. Em seguida, fez-se a pesquisa de campo,
possibilitando uma redução no consumo da água potável tratada na Ilha do Mel, localizada no Município de Paranaguá
através da visita na Ilha do Mel, a fim de verificar o custo benefício do sistema. Identificou-se que 12 estabelecimentos
comerciais utilizavam-se do sistema alternativo de captação da água de chuva, porém não atendiam a norma 13969/97, – PR, com a implantação do sistema de uso da água de chuva para fim não potável na Pousada Plâncton.
que trata sobre o Sistema de Tratamento Complementar e Disposição Final de Efluentes. Esses estabelecimentos tinham
somente as calhas e algumas cisternas, sem nenhum tipo de material filtrante e cuidados com a limpeza e qualidade da
água, comprometendo assim a sua qualidade. Detectado isso, foi proporcionado aos comerciantes um curso de capacitação 2.REFERENCIAL TEÓRICO
com a duração de 40 horas, promovido pelos coordenadores do projeto Clima Urbano, a fim de conscientizá-los sobre a
necessidade e importância de readequar o sistema as normas e para que estes estabelecimentos se tornassem sustentáveis. 2.1 APROVEITAMENTO DE ÁGUA DA CHUVA
Quando avaliado o retorno de se implantar esse sistema na pousada em estudo, evidenciou – se retorno em cerca de dois
anos, entretanto, sua utilização é de dez anos, fato que torna o sistema vantajoso. A água é considerada um dos principais recurso natural, sendo indispensável para o desenvolvimento dos seres
vivos e de inúmeras atividades humanas como:, agrícolas, industriais, comerciais e culturais. Em contrapartida, essas
Palavras-chave: Água da chuva; Captação de água; Tratamentos; Viabilidade; atividades tem tornado a água inadequada, gerando crise no abastecimento, (MAY, 2004).

Há milhares de anos a água é armazenada pelo homem para seus mais variados usos. Dados da Índia indicam
estrutura de captação de água de cerca de 3000 anos. A água fora coletada a partir de telhados e outras superfícies a
armazenada em cisternas subterrâneas e reservatórios, (MANO, 2004).

A coleta da água da chuva e sua posterior reutilização tem se tornado essencial tanto para uso agrícola como
doméstico ou ainda industrial e é sem dúvidas uma forma simples e barata para reduzir perdas e aproveitar de forma
consciente a água (MAY, 2004).

Segundo Pnuma (2001), países europeus têm intensificado o aproveitamento do uso da água. O Fórum Mundial
da Água, que ocorreu em 2000 na Holanda, organizado pelo Conselho Mundial da Água, debateu a metodologia usada
há anos na Europa, principalmente em países como Alemanha e Japão.

Segundo Thomas (2001) as águas da superfície são reduzidas sendo que as condições geológicas desfavorecem
o desenvolvimento dos recursos hídricos subterrâneos. Sendo assim, no semiárido brasileiro, o transporte de água potável

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por carros pipas é característico, sendo que a captação da água da chuva é uma forma para o fornecimento de água a fim municipal de ensino, incentivando novos hábitos e divulgando novos métodos de conservação e uso
racional da água, bem como de captação e uso.
de resolver os problemas de abastecimento neste ambiente.

Algumas tecnologias têm sido apontadas para reverter e prevenir o problema de disponibilidade hídrica, tentando
reverter à escassez de água com vistas ao desenvolvimento sustentável, buscando técnicas como a transposição de bacias 2.2 INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DO SISTEMA DE COLETA E APROVEITAMENTO DE ÁGUA DA CHUVA
hidrográficas e técnica de purificação de águas em grande quantidade reutilização de água, (SANTOS, 2011).
Segundo Leal (2000), o sistema de aproveitamento de água de chuva funciona da seguinte maneira: a água
A transposição de bacias consiste no processo de transportar a água de uma localidade para outra. A transposição é coletada de áreas impermeáveis, normalmente telhados; em seguida, é filtrada e armazenada em reservatório(s) de
de bacias hidrográficas, por sua vez, não é um processo simples, além dos altos custos das obras, faz-se necessário fazer acumulação, que pode ser apoiado, enterrado ou elevado e ser construído de diferentes materiais como: concreto armado,
um estudo de impacto ambiental - EIA/RIMA - para analisar a viabilidade do processo e prever a ocorrência de problemas blocos de concreto, alvenaria de tijolos, aço, plástico, poliéster, polietileno e outros.
que a transposição possa acarretar (HESPANHOL; 2003)
Thomaz (2001) explica que residências, indústrias e outros estabelecimentos que tem água potável encanada,
A água é um recurso renovável através do ciclo hidrológico. Quando reciclada por sistemas
podem ter um sistema duplo de distribuição de água, sendo um para o uso de água potável e outro para o uso não potável,
naturais, é limpa e segura sendo deteriorada a níveis diferentes de poluição por meio da atividade
antrópica. Entretanto, uma vez poluída, a água pode ser recuperada e reusada para benefícios sendo que a água de uso não potável (resultante da captação) será destinada diretamente para o uso em banheiros, limpeza
diversos (HESPANHOL; 2003, p. 41). de roupas, pisos entre outros fins onde essa água possa ser usada sem cloração.

De acordo com Rebouças (2003) a Organização Mundial de Saúde estabelece os seguintes tipos de reuso, o qual A captação da água de chuva pode ser feita por meio de calhas podendo as mesmas ser de materiais metálicos
pode ser indireto ou direto, planejado ou não planejado e a reciclagem: ou em PVC, avaliando qual o material mais adequado para o sistema em si e também a questão do custo beneficio para o
local a ser implantado. Quando ocorre a primeira chuva, a sujeira proveniente do telhado vai junto com a água para o local
Reuso da água indireta ou não planejada: quando a água previamente usada e descartada na forma
onde será coletada, mas que a mesma pode ser removida antes mesmo de chegar às cisternas, evitando a contaminação por
de esgoto nos rios e outros corpos d’água, é utilizada novamente, de forma diluída, principalmente.
[...] Reuso da água direto ou planejado: quando se tem o reuso deliberado de esgoto doméstico ou esses materiais, sendo que pode ser removido por meio de dispositivos de auto limpeza ou utilizar tubulações para desviar
industrial tratado em atividades especifica como irrigação, alimentação de torres de resfriamento os mesmos dos reservatórios (TOMAZ, 2003).
de indústrias, lavagem de pátios com águas de menor qualidade, descargas de bacia sanitárias,
por exemplo.
[...] Reciclagem: quando o reuso da água se verifica internamente na mesma empresa, com
objetivo de economizar água (usuário/pagador) e reduzir os custos do controle da poluição de 3 METODOLOGIA
rios e do ambiente em geral (poluidor/pagador). [...] (REBOUÇAS; 2003; P. 274, 279)

Alguns municípios brasileiros, preocupados com a escassez da água, instituíram leis com o objetivo de orientá- O estudo de caso que foi realizado na Pousada Plâncton, localizada na Ilha do Mel no município de Paranaguá
los para as corretas ações de conservação e utilização de fontes alternativas para captação e reutilização de água. Esses – PR., pólo turístico e que sofre de escassez hídrica no período de média e alta temporada em função da sua localização
programas propõem ações que minimizem o desperdício de água. Como exemplo desses programas, existe no Paraná a e alto consumo.
Lei 10.785 de 18 de setembro de 2003, da autoria do Vereador João Cláudio Derroso, que cria no município de Curitiba
Para a implantação desse projeto, foi realizado primeiramente análises e pesquisas sobre o clima e qualidade da
o Programa de conservação e Uso Racional da Água nas Edificações – PURAE (SILVA, 2008).
água de chuva em Paranaguá, por se ter um resultado satisfatório se deu inicio a pesquisa de campo na Ilha de Mel para
No Município do Paranaguá Estado do Paraná podemos citar a Lei 405/2010 de autoria do Vereador Benedito levantamento de dados a fim de identificar os estabelecimentos que possuem o sistema alternativo de captação de água
Nagel, que “Cria o programa de uso racional da água no Município de Paranaguá e dá outras providencias”. da chuva.
Art.7º. A utilização de fontes alternativas compreende as seguintes ações: I – Captação, armazenamento Foram instalados na saída dos reservatórios hidrômetros, modelo multi-jato com saída de 3/4, peneira para
e utilização de águas das chuvas; II – Captação, armazenamento e utilização de águas servidas. Art. 8º.
Para obtenção de licença de construção, as novas edificações deverão apresentar projetos de construção evitar entrada de resíduos, inscritos no numero de serie A 10S 798949 e A 10S 798925, sendo um deles instalado em um
de reservatório para captação e armazenamento de água das chuvas e de águas servidas, a serem utilizadas reservatório de 5.000L e outro instalado na saída dos (02) dois reservatórios conjugados com capacidade de 10.000L, num
em atividades que não requeiram uso de água tratada. Art. 12º. O Poder Executivo fica ainda autorizado
a promover a conscientização da população no combate ao desperdício de água e às enchentes, através total de 15.000L. A leitura dos hidrômetros é feita mensalmente, em todo dia 30 de cada mês.
de campanhas educativas nos meios de comunicação e abordagem do tema nas escolas da rede pública

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4. resultados e discussÕes
Gráfico Volume de precipitação 2010
4.1 DADOS METEOROLÓGICOS DO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ
500
As precipitações anuais do município de Paranaguá segundo Souza (2011) estão na média de 2.400mm, e são 429,2
450 394,5 411,1
400 402,8
parâmetros utilizados para dimensionar a quantidade de água a ser coletada. A Figura 01 mostra o volume de precipitações 345,8
350
dos últimos dez anos. Observa-se que no ano de 2008 o volume de precipitação no município foi de 2.889mm e em 2010 300
3.004mm. Comparando os resultados, verificou-se que em 2010 o volume de precipitação ficou acima da média, considerado 250 205,5 210
181,9
200 138,7
normal, tendo em vista as influências dos fenômenos El-Niño e La-Niña. 150 100,4 114,8
100 69,6
50
0
Gráfico volume de precipitação de 2000 a 2010

ez ro
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Fe ro

ço

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ro
il

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Paranaguá Paraná

Ju

em
A

go

em
em
Ju
ve

ut
Ja

ov
O
et

N
S

D
3500
2889 3004
3000 2661 FIGURA 02: Volume de precipitação mensal no município de Paranaguá – PR ano de 2010
2523 2413
2232 2342 2354
2500 2175
2000
1885 1928 Fonte: Francisco Xavier – ISULPAR, 2010
1500
1000
Média Anual da Direção dos Ventos
500
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 40
34,97
Ano 35

30

Figura 01: Volume de Precipitação no Município de Paranaguá – Paraná de 2000 a 2010 23,82

Valores em %
25 22,02
19,62 19,58 2009
20
Fonte: Francisco Xavier – ISULPAR, 2010 18,83
2010
15
11,15
10 8,13 8,57 8
Segundo Bigarella et al. (1978, p. 45), o clima de Paranaguá é do tipo Cfa, ou seja, subtropical úmido mesotérmico, 6,1 1,45
6,72
4,79 3,81
com mês mais frio apresentando temperatura média inferior a 18ºC, atingindo 17ºC no mês de julho, e superior a 22 ºC 5
1,46 0,36 0,62
no mês mais quente, atingindo 24,9 ºC. 0
N E S SE NW NE W SW Calmo
No entanto para Souza (2007), em Paranaguá todos os meses do ano são úmidos e não ocorre período de seca Direção dos Ventos
prolongada. A Figura 02 mostra que ocorrem precipitações em todos os meses do ano, sendo bem distribuídas.
A composição da água da chuva varia de acordo com a localização geográfica do ponto de amostragem. Próximo FIGURA 03: Direção dos ventos do Município de Paranaguá Fonte: Francisco Xavier – ISULPAR, 2010
ao oceano a água de chuva apresenta em sua composição elementos químicos em concentrações proporcionais às
A Figura 03 mostra que 59,46% dos ventos que ocorrem no município de Paranaguá são Sul (S), Sudeste (SE),
encontradas na água do mar.
Leste (E), e de acordo com a localização geográfica do município, são ventos que vem do oceano, com velocidade média
de 2,2m/s e com umidade relativa do Ar na média de 90%.
De acordo com Thomaz (2001) o pH da água de chuva está em torno de 5,4 a 5,6, no entanto observa-se na Figura
04 que os valores de pH da água da chuva obtidos no período de setembro de 2009 a dezembro de 2010 apresentam valores
entre 6,31 e 6,64 mais próximos do pH neutro, porém as amostras de água de chuva foram coletadas sem ter passado pelos

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telhados, em pluviômetros instalados nos pontos de coletas. Isso é uma evidencia de que no município de Paranaguá não Para atingir os resultados esperados no projeto e não comprometer a qualidade da água são feitas limpezas
está ocorrendo a formação da chuva ácida e, de acordo com a NBR 13.969 (1997) pode ser utilizada para fins não potáveis. periódicas a cada 15 dias nos telhados, nas calhas e nas peneiras, sempre que ocorrem as precipitações.

Gráfico pH água de chuva Setembro de 2009 a Na media e alta temporada a concessionária CAGEPAR fez um levantamento e concluiu que uma pessoa na ilha
dezembro 2010 do mel gasta em media 356L/d, sendo o dobro de consumo da área urbana, tendo em vista que a Ilha possui belas praias,
justificando assim, o consumo de água elevado.
6,7
6,64
6,6 Segundo dados da concessionária, para consumo em m3 de 31.000L a 60.000L o custo é R$ 7,43 por m3, já para
6,5
6,45
valores acima de 60.000L este valor é de R$ 8,35 para cada m3. Sendo que todos os valores no quadro acima estão abaixo
6,4 de 60.000L, foi considerado no cálculo em 2010 o valor de R$ 7,43 por m3 e 2011 o valor de R$ 8,32 por m³.
6,3 6,31 6,32
6,23
6,2 A economia da água de chuva na Pousada em 2010 foi R$ 2.191,85 e 2011 R$ 2.704,00 (ver na Tabela 02), visto
6,1 que para uma pousada que tem grande movimento apenas no período de novembro a março, conseguir ter economia
6 mensal média em torno de R$ 203,99 é um valor considerável nas despesas mensais, tendo em vista, redução nos custos
EMP E.R.Melo Col.Isulpar R.F.Machado C.E.P.Seguro
fixo.

FIGURA 04: pH da água da chuva Fonte: Francisco Xavier – ISULPAR, 2010 TABELA 02: Economia na utilização da água da chuva na Pousada.
4.2 POUSADA PLANCTON
Mês 2010 em m³ 2011 em m³ Em R$ 2010 Em R$ 2011 Total R$
A Pousada e a Lanchonete são abastecidas com água da concessionária possuindo fonte alternativa de captação Janeiro 40 50 297,2 416 713,2
de água de chuva, tendo três reservatórios apoiados, sendo que destes dois conjugados com capacidade para 5.000L cada, Fevereiro 16 34 118,88 282,88 401,76
Março 18 15 133,74 124,8 258,54
totalizando capacidade de 15.000L, mas que não estão atendendo a demanda, sendo necessário ampliar os reservatórios.
Abril 23 21 170,89 174,72 345,61
A área de captação hoje é de 220m², porém possui área disponível para captação de 400m², e pretende-se coletar Maio 17 17 126,31 141,44 267,75
Junho 27 17 200,61 141,44 342,05
60% de água de chuva, que serão utilizados para fins não potáveis, de acordo com a Legislação vigente (NBR 15527/2007).
Julho 23 18 170,89 149,76 320,65
Os custos relacionados à implantação do sistema foram orçados no valor total de R$ 12.310,00 (doze mil e Agosto 15 10 111,45 83,2 194,65
Setembro 9 8 66,87 66,56 133,43
trezentos e dez reais) como mostra a Tabela 01. A pousada já tinha as calhas instaladas, fez-se uma adaptação no sistema,
Outubro 33 38 245,19 316,16 561,35
visando separar o sistema de água potável tratada, e foi gasto R$ 5.110,00 (cinco mil cento e dez reais), visto que neste
Novembro 43 46 319,49 382,72 702,21
valor não estão inclusos os gastos com a implantação das calhas, pois foram reaproveitadas as existentes no local. Dezembro 31 51 230,33 424,32 654,65
Total m³ 295 325 0 0 0
A Pousada utiliza a água de chuva para uso geral, sempre que tem os reservatórios abastecidos. Para o preparo de Total em R$     2191,85 2704 4895,85
alimentos e consumo utiliza água potável tratada e água mineral. Foi feita manutenção para substituição da tubulação dos Fonte: Orlando Schetino - 2011
reservatórios de captação de água da chuva e tubulação das calhas para aumentar a capacidade de captação.
Analisando o custo da implantação que foi de R$ 5.110,00 (cinco mil cento e dez reais) e a economia em
TABELA 01: Custos com a implantação do sistema de coleta de água da chuva. 2010/2011 em torno de R$ 4.895,85, porém, no período de alta temporada estes valores representam R$ 374,40, mês.
Material Valor Sendo assim, verificou-se que o retorno sobre este investimento na pousada será de aproximadamente 25 (Vinte e cinco
Calhas de Alumínio e instalação R$ 7.200,00
03 Caixa de água 5000lts R$ 2.800,00 meses), porém, a vantagem da implantação desse sistema é por ser durável e com vida útil superior a 10 (dez) anos, com
Canos de PVC 50mm e conexões R$ 890,00
02 Caixa de PVC 100lts R$ 390,00 manutenção de baixo custo, sendo necessária limpeza de calhas e caixas d’água com maior freqüência conforme figura 5.
01 Caixa de distribuição R$ 250,00
Eletricista para instalação R$ 180,00
Mão de obra R$ 600,00
TOTAL R$ 12.310,00
Fonte: Orlando Schetino - 2011

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outros, utilizando a água potável tratada fornecida pela concessionária para fins mais nobres, tais como cozinha (preparo
de alimentos) e chuveiros.

Foram identificados 12 (doze) estabelecimentos comerciais que já possuíam o sistema alternativo de captação
da água de chuva, porém os mesmos não atendiam a norma NBR 13969/97 (dispõe sobre o Sistema de Tratamento
Complementar e Disposição Final de Efluentes). Tendo esses estabelecimentos somente as calhas e algumas cisternas,
não tendo nenhum tipo de material filtrante e cuidados com a limpeza e qualidade da água. Que segundo a NBR 13969/97
podem ser de areia ou de pedra, garantindo a qualidade da água para fins não potáveis.

Após realizar esta pesquisa ofertou-se um curso de capacitação em educação ambiental e implantação da agenda
FIGURA 05: Reservatórios e hidrômetro para medição da água de chuva Fonte: Tácia Santos, 2011. 21 teórica e prática para implantação do projeto “Reutilização da água de chuva para fins não potáveis” de 40 horas aos
proprietários e funcionários dos estabelecimentos para adequação às normas técnicas e legislação brasileira, referente ao
Alem da diminuição de custos, a Pousada também leva em conta o fator ambiental, utilizando água da
reuso da água.
concessionária apenas para fins potáveis, pois no processo de tratamento da água são utilizados vários produtos químicos,
que contribuem para a degradação do meio ambiente, e a reutilização da água contribui para a redução dos impactos ao Sabendo da importância dos fatores climáticos e qualidade da água, foram obtidos dados de Souza (2011), sobre
meio ambiente, o clima como precipitações, direção dos ventos, umidade do ar e temperatura, os quais foram coletados na Estação
Meteorológica do Município de Paranaguá.
Sendo assim, a implantação do sistema de captação de água da chuva para fins não potáveis na Pousada Plâncton,
foco deste trabalho, foi realizada conforme modelo apresentado na Figura 06, visando diminuir o consumo de água
potável tratada, pois sabe-se que a Ilha do Mel sofre de escassez hídrica, causando transtornos ao comércio e dificultado 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
o desenvolvimento do turismo local.
Com esse estudo fica claro a importância do reuso da água de chuva para essa pousada e para a população em
geral que vem se conscientizando cada vez mais a questão da preservação da água que é um recurso finito, passando a
desenvolver tecnologias sustentáveis para minimizar a degradação do meio ambiental e proteger cada vez mais esse bem
tão precioso que é o meio ambiente.

Promover o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental deve ser utilizado para uma conscientização da
importância da reutilização da água da chuva, evitando a escassez da água potável no planeta.

Porém um dos grandes desafios é sensibilizar a comunidade da importância do desenvolvimento sustentável,


fazendo uso racional dos nossos recursos naturais, evitando desperdícios em geral.

Os objetivos deste estudo foram atingidos já que foi comprovada a quantidade coletada de água de chuva nos
reservatórios, sendo ainda necessário implantar mais reservatórios para que possa a pousada ser abastecida 100% com a
água de chuva.
FIGURA 06 Layout do sistema para reuso de água da chuva. Fonte: Francisco Xavier, 2011
A limpeza nos telhados, nas calhas e nas peneiras são realizadas periodicamente a cada 15 dias e sempre que
O sistema de captação de água da chuva será ampliado para 25.000L, para atender a demanda do proprietário,
ocorrem as precipitações para atingir os resultados esperados no projeto e não comprometer a qualidade da água coletada.
pois as calhas oferecem condições de aumentar a capacidade de captação e o proprietário possui mais dois reservatórios
com capacidade de 5.000L cada que no momento não estão sendo utilizados. O custo benefício do sistema quanto ao aproveitamento da água de chuva para o consumo não potável prova ser
sustentável, fica evidente a economia na água tratada com a implantação do sistema.
Diante da necessidade da Pousada Plâncton em ampliar o sistema, serão adquiridos mais dois reservatórios,
com capacidade de 5000L cada para atender a demanda com banheiros (bacia sanitária), lavagem de roupas, pisos e

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS EMPREGO DE DESREGULADORES ENDÓCRINOS NA CRIAÇÃO E REPRODUÇÃO DE ANIMAIS
PARA CONSUMO HUMANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), NBR 13969; Tanques sépticos; Unidades de
tratamento complementar e disposição final de efluentes líquidos: Projeto construção e operação: Procedimento. Rio de
Janeiro, 1997. Gabriela Reichert1; Jhonatas Antonelli2; Steffany Katherine Baudisch3; Leandro Stival4

BIGARELLA, J.J. et al., A serra do mar e a porção oriental do estado do Paraná. Curitiba: Associação de Defesa e RESUMO
Educação Ambiental, 1978.
A criação de animais para consumo é uma das principais atividades econômicas no Brasil. Os criadores, visando a
HESPANHOL, I. Potencial de reuso de água no Brasil: agricultura, indústria, município e recarga de aqüíferos. In: otimização da produção, utilizam determinadas substâncias que permitem um aumento na eficiência dos seus processos
MANCUSO, Pedro Caetano Sanches; SANTOS, Hilton Felício (Ed.). Reuso de Água. São Paulo: Manole, 2003. produtivos. Entre estas estão os desregulares endócrinos (EDCs) que tem como função na suinocultura o controle da
ovulação das fêmeas e a imunocastração dos machos, e na piscicultura como controle de população devido à priorização
LEAL, U. Ciclo da água na edificação. Téchene, v. 9, n. 48, p, 45-6, set/out.2000
da criação de machos pela reversão sexual das fêmeas. Após sua utilização, parte destas substâncias pode ser descartada
MANO, R. S. A captação residencial de água da chuva para fins potáveis em Porto Alegre: aspectos básicos da no meio ambiente juntamente com os resíduos de alimentos e do meio em que vivem, causando efeitos adversos nos
viabilidade e benefícios do sistema. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de animais e, até mesmo, nos humanos. Alguns efeitos da dispersão destes compostos no ambiente são deformidades em
engenharia. Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil. Porto Alegre, BR-RS, 2004. órgãos reprodutores, tumores, infertilidade e alterações hormonais. No entanto, o real impacto dos EDCs nas mais
diversas formas de vida ainda não é bem conhecido, sendo necessários estudos mais aprofundados para determinar as
MAY, S. Estudo da viabilidade do aproveitamento de água de chuva para o consumo não potável em edificações. consequências de sua utilização e formas de mitigação de seus efeitos.
(Dissertação de Mestrado em Engenharia) Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004.

REBOUÇAS, A. C. Proteção dos Recursos Hídricos. In: Antonio Herman Benjamin (Org.). Direito, Água e Vida. São
Paulo: Imprensa Oficial, 2003, p. 278-279. Palavras-chave: Desreguladores endócrinos, compostos emergentes, criação animal
SILVA, A. L. da. Implantação de sistema de aproveitamento de água pluvial, estudo de caso na cidade de Foz
do Iguaçu. Trabalho de Conclusão de Curso de Engenharia Civil da Faculdade Dinâmica de Cataratas - UDC. Foz do
Iguaçu, 2008.
USE OF ENDOCRINE DISRUPTING COMPOUNDS IN ANIMAL HUSBANDRY AND ANIMAL
SOUZA, Francisco Xavier da Silva de. As mudanças microclimáticas devido à ação antrópica. In: Anais do III Fórum REPRODUCTION FOR HUMAN COMSUMPTION AND ITS CONSEQUENCES
Acadêmico do Instituto Superior do Litoral do Paraná – ISULPAR, 2007, Paranaguá Paraná.
ABSTRACT
___. As constantes inundações no bairro Ponta do Caju –Paranaguá. Trabalho de Conclusão de Curso, licenciatura
Plena em Geografia, Instituto Superior do Litoral do Paraná- ISULPAR, 2008, Paranaguá – Paraná. Animal husbandry is one of the main economic activities in Brazil. Aiming production optimization, breeders apply
substances that provide an efficiency increase in productive processes. Among these substances are the endocrines
SOUZA, F. X. S. REUTILIZAÇÃO DE ÁGUA DA CHUVA PARA FINS NÃO POTÁVEIS, Exposição de disrupting compounds (EDCs), which provide female ovulation control and immunocastration in swine husbandry, and
Experiências Municipais em Saneamento, Campinas – SP, 2011. population control in fish farming, due to prioritization in male conception by female sexual reversal. After employment, a
percentage of these substances can be disposed in the environment along with waste material, causing detrimental effects
SANTOS, A. P. M. dos. Gestão racional dos recursos hídricos. Disponível no site: www.amigosdanatureza.org.br/
in animals and even in human beings. Some effects caused by the dispersion of these compounds in the environment
noticias/306/.../173.GESTAORH.doc. Visitado em 02 de junho de 2011.
are deformities in reproductive organs, tumors, infertility and hormonal alterations. However, EDCs real impact in the
numerous life forms is still not well acknowledged. Further studies to determine the consequences of its application and
THOMAS, T. Escolha de cisterna para Captação de água de Chuva no Sertão. In: 3º. Simpósio Brasileiro de Captação
the development of new treatment and mitigation procedures are required.
de Água de Chuva, 2001, Campina Grande, Anais... Campina Grande; ABCMAC; EMBRAPA; IRPAA; Universidade
Estadual da Bahia, 2001.

TOMAZ, P. Aproveitamento de água de chuva. 2 ed; São Paulo: Navegar, 2003 Key-words: Endocrine disrupters, emergent compounds, animal husbandry

1 Mestranda em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental- Universidade Federal do Paraná; gabrielareichertamb@gmail.com

2 Doutorando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental -Universidade Federal do Paraná; jonatas-a@hotmail.com

3 Mestranda em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental- Universidade Federal do Paraná; steffany.bau@gmail.com

4 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental -Universidade Federal do Paraná; leandrostival@gmail.com

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INTRODUÇÃO exógeno que interfere com síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônio natural no corpo,
que é responsável pela manutenção, reprodução, desenvolvimento e/ou comportamento dos organismos. Os EDCs
A revolução industrial aliada à evolução econômica, social e cultural resultou em um aumento da população e
podem ser considerados uma categoria recente de poluentes ambientais, podendo ser encontrados no meio ambiente
melhora na qualidade de vida. O aumento das atividades humanas como a agricultura, indústria e o comércio ocasiona, na
em concentração muito baixas, na ordem de µg L-1 e ng L-1, como por exemplo, substâncias sintéticas (alquilfenóis,
maioria das vezes, prejuízos ao meio ambiente, resultando na contaminação ambiental por vários elementos e substâncias
pesticidas, ftalatos, policlorados de bifenilas (PCD), bisfenol A, substâncias farmacêuticas, hormônios, entre outras) e
antropogênicas. Algumas dessas substâncias podem influenciar na variabilidade genética, com consequente redução da
substâncias naturais (estrogênios naturais e fitoestrogênios) (Bila e Dezotti, 2007). Existem pesquisas que indicam que
biodiversidade e, em casos extremos, extinção de espécies (Bickham, 2000).
alguns compostos xenobióticos quando ministrados em doses suficientes, podem interagir com uma série de sistemas
A criação de animais para consumo é um dos setores mais importantes no Brasil, sendo necessário que se busque a endócrinos, alterando suas funções normais (Reys, 2001).
otimização na produção. Algumas substâncias como antibióticos e desreguladores endócrinos são utilizadas para aumentar
Os EDCs atuam nos organismos conforme a sua natureza, a concentração e tipo de interação. Parâmetros como
a eficiência da atividade e facilitar o manejo dos animais. Estas substâncias, denominadas contaminantes emergentes,
o tempo de exposição, os fatores genéticos, a especificidade dos tecidos, a idade e o sexo, também são importantes. A
em alguns casos não são totalmente assimilados pelo organismo do animal, podendo uma parcela desses produtos ser
alteração ou desregulação da função endócrina pode estar associada a interferências na síntese, secreção, transporte,
eliminada pela urina ou fezes, em sua forma original ou metabolizada, ocasionando contaminação do solo ou corpos
ligação e ação ou eliminação de hormônios naturais do organismo, o que conduz a uma nova resposta hormonal, fraca
hídricos.
ou forte, que resulta em um sinal inexato para o organismo (Forstmeier, 2005; Araújo, 2006).
Os contaminantes emergentes podem causar efeitos deletérios ao meio, mesmo em quantidades muito pequenas.
Os EDCs podem causar vários prejuízos na fauna, tanto terrestre como aquática. Entre alguns efeitos citados
Os contaminantes emergentes de maior preocupação são os defensivos agrícolas, antibióticos e desreguladores
na literatura estão: diminuição na eclosão de ovos de pássaros, peixes e tartarugas, feminização de peixes machos,
endócrinos. Esses contaminantes foram recentemente descobertos devido ao surgimento de instrumentos suficientemente
problemas no sistema reprodutivo em peixes, répteis, pássaros e mamíferos e alterações no sistema imunológico de
sensíveis, permitindo a detecção de quantidades ínfimas de tais substâncias. Com a detecção desses poluentes, projetos
mamíferos marinhos. Em alguns casos esses efeitos podem conduzir ao declínio da população. Em seres humanos esses
de monitoramento estão sendo desenvolvidos e, a partir dos resultados obtidos, foram descobertos seus efeitos no meio.
efeitos incluem a redução da quantidade de esperma, o aumento da incidência de câncer de mama, de testículo e de
Os desreguladores endócrinos (EDCs, sigla em inglês), sintéticos ou naturais, podem comprometer órgãos próstata e a endometriose (Bila e Dezotti, 2007).
responsáveis pela manutenção da vida e órgãos envolvidos na reprodução sexual, contribuindo para o aumento na taxa
Um grande agravante da poluição dos desreguladores endócrinos é a fácil dispersão por meio aquoso e a
de infertilidade e o aparecimento de tumores nos órgãos reprodutores.
capacidade de causar alterações mesmo em quantidades muito pequenas. Os EDCs, em sua maioria, atingem os corpos
Esse artigo tem como objetivo fazer uma breve revisão sobre os EDCs e as consequências do seu uso indiscriminado, hídricos por meio do deságue do esgoto doméstico tratado e não tratado.
principalmente na criação de animais, para a biodiversidade do meio, bem como sugerir ações que diminuam a sua
dispersão.
PRINCIPAIS USOS DOS EDCs

A pecuária é um dos setores que mais crescem no Brasil, sendo responsável por uma parte considerável do
DESREGULADORES ENDÓCRINOS
produto interno bruto (PIB) do país. De acordo com Kureski et al., (2012) no Paraná o agronegócio foi responsável
O sistema endócrino regula os processos hormonais que ocorrem no corpo. Desequilíbrios nesses processos por mais de 34% do PIB no ano de 2006, representado por mais de 40 bilhões de reais, deste montante a agropecuária
podem afetar a saúde, o crescimento e a reprodução de seres humanos e animais, o que gera interesse na sociedade representa mais de 25%.
científica em estudar a presença destas substâncias químicas no meio ambiente (Bila e Dezotti, 2007). Desreguladores
No ano de 2013 o Paraná foi responsável por abater mais de 357 mil cabeças de bovinos, 6,9 milhões de cabeças
endócrinos são caracterizados por serem substâncias químicas capazes de interferir no funcionamento natural do sistema
de suínos e mais de 1,5 bilhões de cabeças de frango, isso representa respectivamente 6,15, 19 e 27% da produção
endócrino de espécies animais, incluindo os seres humanos (Ghiselli, 2006). European (2001) classifica os desreguladores
nacional (IBGE, 2014). Em 2010 o Brasil registrou uma produção de 394.340 toneladas de peixes oriunda da piscicultura
endócrinos como substâncias que podem danificar ou alterar diretamente um órgão endócrino, interagir com um receptor
continental, 15% mais do que o valor registrado no ano anterior, sendo o Paraná responsável por 35.811 toneladas,
de hormônios ou alterar o metabolismo de um hormônio em um órgão endócrino.
aproximadamente 9,3% da produção nacional (MPA, 2010). Buscando aumentar a produção e diminuir custos esse setor
A agência de proteção ambiental (EPA) dos Estados Unidos classifica desregulador endócrino como um agente da economia mantém-se atualizado em novas tecnologias, substâncias químicas e técnicas que auxiliem neste processo.

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Entre as substâncias químicas mais utilizadas estão os antibióticos e os desreguladores endócrinos. Os análogos de GnRH possuem um efeito sobre o LH e/ou FSH dependendo do composto utilizado, podendo
estimular a secreção pré-ovulatória de LH (Brüssow et al., 2009). Geralmente são administrados em um protocolo de
As unidades produtoras de suínos utilizam grandes quantidades de desreguladores endócrinos com a finalidade
tratamento com prostaglandinas e/ou progestágenos, sem afetar o desempenho subsequente das matrizes (Fries et al.,
de facilitar e aumentar a produção. Nas fêmeas estas substâncias são aplicadas para controle da ovulação e aumento das
2010). As gonadotrofinas podem então ser utilizadas depois do desmame com o objetivo de estimular o desenvolvimento
chances de concepção. Nos machos os desreguladores endócrinos são utilizados a fim de diminuir a concentração de
folicular e obter um efeito melhor sincronização (Brüssow et al.,2009).
alguns hormônios que causam forte odor na carne, este processo é chamado de imunocastração.
Ao sincronizar processos reprodutivos na produção animal, existe um melhor manejo de espaço, recursos e
A criação de alevinos prioriza a produção de machos, pois assim é possível o controle da população. Com essa
medicamentos. Isto também permite que os produtores escolham os animais que irão se reproduzir, aprimorando os genes
finalidade os produtores adicionam hormônios nos alimentos, que causam a reversão sexual das fêmeas. A troca da água
e a raça (Sarmah et al., 2006).
dos reservatórios utilizados na criação dos alevinos é constante, portanto é provável que os corpos hídricos receptores
fiquem contaminados com estas substancias e seus metabolitos.

Outro uso em larga escala de desreguladores endócrinos são as pílulas contraceptivas destinadas à regularização Uso de desreguladores endócrinos na piscicultura.
do ciclo hormonal e tratamento de problemas hormonais. As substâncias sintéticas presentes nesses medicamentos, como
Os desreguladores endócrinos são utilizados na piscicultura com a finalidade de funcionar como um aditivo para
por exemplo, o 17-α-etinilestradiol, têm como finalidade simular estrogênios naturais, como bifenilos policlorados,
produzir populações predominantemente masculinas. A eficiência de produção em peixes é superior quando a população
alquilfenóis, ésteres de ftalato (Thomas et al., 2004).
masculina é maior. A ausência de fêmeas impede desova precoce e elimina comportamentos que limitam o crescimento
dos peixes (Beardmore et al., 2001).

Utilização de desreguladores endócrinos na suinocultura. O hormônio mais utilizado na conversão sexual de peixes é o 17-alfa-metil-testosterona. Esse hormônio é
normalmente adicionado na alimentação dos peixes, sendo o modo mais fácil e conveniente de reversão sexual induzida
Os EDCs são utilizados na suinocultura para o controle do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH). Nos
por hormônio (Marwah et al., 2005). O sucesso obtido na reversão sexual das fêmeas é de aproximadamente 90% (Wendt,
machos os desreguladores GnRH são utilizados para diminuir a produção hormonal de testosterona, técnica conhecida
2013).
como imunocastração (Schneider et al., 1998).
O 17-α-metil-testosterona é um composto sintético, exógeno, andrógeno e potente agonista do receptor de
A imunocastração começou a ser utilizada em grande escala no ano de 2007, sendo atualmente utilizada pela
androgênio (Selzsam et al., 2005). É um derivado metilado da testosterona, esteróide, anabolizante e antineoplásico,
maioria dos produtores em suínos na fase de terminação (Heck, 2011). Esta técnica consiste na aplicação de vacinas que
usado na medicina para suprir a deficiência de testosterona e tratar os sintomas da andropausa nos homens (Bejma et al.,
possuem GnRH modificado conjugado a uma proteína que induz a formação de anticorpos direcionados contra o GnRH
2005). Além disso, é amplamente utilizado como produto químico de referência na piscicultura para induzir reversão
(Zamaratskaia et al., 2008).
sexual, produzindo monossexo macho (Pandian e Sheela, 1995).
A carne de suínos que não passam pelo processo de castração ou imunocastração libera um forte odor causado pela
A forma mais comum de aplicação do 17-α-metil-testosterona é através da sua incorporação como aditivo na ração
produção de dois compostos, a androstenona e o escatol, que se acumulam no tecido adiposo (Babol et al., 1996). Quando
destinada a pisciculturas. Essa substância pode contaminar o meio através da troca da água que, na maioria das vezes,
a carne apresenta concentrações superiores a 1,0 µg/g de androstenona e 0,20 g/g de escatol em gordura subcutânea,
ocorre constantemente na piscicultura, sendo os corpos hídricos o seu destino final (Homklin et al., 2011).
reações adversas podem ocorrem após o consumo (Walstra et al., 1999).

A androstenona é produzida nas células de Leydig e a sua produção está sob o controle do hormônio luteinizante
(LH). A síntese e liberação dos hormônios LH e folículo-estimulante (FSH) é controlada pelo GnRH. A injeção de uma CONSEQUÊNCIAS DA CONTAMINAÇÃO DE DESREGULADORES ENDÓCRINOS EM CORPOS HÍDRICOS
forma modificada de GnRH conjugada com uma proteína induz a formação de anticorpos contra a GnRH, que quando
A exposição de algumas espécies de seres vivos a um ou mais compostos químicos estrogênicos é capaz de induzir
ligada à GnRH endógena impede o GnRH de estimular a secreção de LH e FSH pela glândula pituitária. Isto reduz a
o aparecimento de vários efeitos adversos, como câncer, diminuição da quantidade de espermatozoide, deformidade das
secreção de esteróides testiculares, incluindo androstenona. (Zamaratskaia et al., 2008).
genitálias e alterações hormonais (Witorsch, 2002).
Nas fêmeas, análogos de GnRH são aplicados com a finalidade de sincronização da ovulação (Knox, 2005) e no
Os maiores problemas da presença de desreguladores endócrinos nas águas superficiais são os efeitos que podem
momento da inseminação artificial a fim de aumentar os índices de concepção (Fries et al., 2010).

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causar às populações de peixes, como a intersexualidade, resultando no surgimento de características sexuais femininas Nos últimos anos os desreguladores endócrinos têm sido utilizados em grande escala na criação de animais para
no trato reprodutivo de peixes machos ou a inversão sexual. Em algumas espécies de invertebrados a exposição em consumo humano, focando a ampliação da produção e ganhos econômicos. O aumento do consumo destas substâncias
ambientes contaminados pode resultar na masculinização da fêmea (Eertmans, et al., 2003; Matthiessen et al., 2002) tem gerado grande preocupação no meio cientifico, tornando este poluente alvo de diversas investigações sob diferentes
aspectos.

No Brasil os desreguladores endócrinos são utilizados principalmente na suinocultura e piscicultura. Na


Invertebrados
suinocultura os desreguladores endócrinos são aplicados com a finalidade de sincronizar a ovulação das fêmeas e de
O exemplo mais representativo de desregulação endócrina em ambientes aquáticos são os moluscos. Em imunocastração nos machos. Na piscicultura são aplicados com o intuito de reversão sexual das fêmeas.
consequência à exposição de desreguladores endócrinos as fêmeas de algumas espécies desenvolveram órgãos sexuais
A suinocultura e a piscicultura são atividades que geram grandes quantidades de efluentes. Estes efluentes
masculinos. Essa anomalia é denominada imposex, o que gerou falhas de reprodução, esterilidade e a extinção de algumas
podem, em alguns casos, estar contaminados com desreguladores endócrinos e seus metabolitos. Estes efluentes são de
espécies (Sumpter, 2005). Outra espécie de invertebrados que apresentou reações adversas a EDCs foi a de crustáceos
difícil tratamento e exigem processos oxidativos não convencionais, que exigem grandes investimentos, inviabilizando
Eucypris virens, que apresentou aumento na mortalidade após a exposição em água contaminada (Vandekerkove et al.,
economicamente o procedimento.
2007).
Quando o meio ambiente é exposto a estas substâncias, os seres vivos podem sofrer prejuízos. Os principais
Apesar de alterações como estas provocarem preocupação no meio científico, poucas pesquisas com outros
problemas causados são o aparecimento de efeitos adversos, como câncer, diminuição da quantidade de espermatozoide,
grupos de invertebrados estão sendo realizadas. Organismos invertebrados aquáticos possuem muitos grupos e espécies
deformidade das genitálias, alteração hormonal, inversão sexual e aparecimento de características do sexo oposto.
distintas e seu metabolismo possui diferenças em relação aos vertebrados, o que dificulta a pesquisa nesta área.
Desta forma, devido às graves consequências causadas pelos EDCs mais pesquisas devem ser realizadas com a
finalidade de buscar alternativas para o tratamento ou mitigação dos seus efeitos causados ao meio ambiente.
Vertebrados

A feminização de peixes é uma das alterações mais evidentes. Isto pode ser causado pelos altos níveis de
REFERÊNCIAS
hormônios estrogênios em corpos hídricos. O primeiro relato ocorreu na Inglaterra, onde peixes hermafroditos foram
encontrados em lagoas de estabilização de uma Estação de Tratamento de Efluentes (Purdom et al., 1994). Pesquisadores Araújo, J. C. (2006). Estudo da eficiência do tratamento de efluentes domésticos da cidade de Araraquara–SP na
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que é utilizada como um biomarcador específico para a presença de estrógenos (Sumpter, 1995). São Carlos.
A principal consequência da caracterização hermafrodita é a redução da produção e da qualidade de gametas
Babel, J., Squires, E. J., & Gullettb, E. A. (1996). Investigation of factors responsible for the development of boar taint,
femininos e masculinos, o que pode gerar seres malformados e também diminuir a taxa de reprodução da espécie
28(6), 573–581.
(Jobling et al., 2002).
Beardmore, J. A., Mair, G. C., & Lewis, R. I. (2001). Monosex male production in finfish as exemplified by tilapia :
Além de peixes, anfíbios e répteis apresentam sensibilidade à contaminação de EDCs. Um exemplo é a espécie
applications , problems , and prospects, 283–301.
africana de sapos (Xenopus laevis) que foi identificada com hermafroditismo, oogênese testicular, redução de volume
testicular e de células germinativas (Hayes et al., 2002). Bejma, J. P., Walsh, D., Kendirci, M., & Hellstrom, W. J. (2005). Controversies regarding testosterone supplementation
in the prostate cancer patient. Current Sexual Health Reports, 2(1), 41-44.
Outro fator de grande preocupação é a possibilidade da bioacumulação, podendo causar a contaminação em
outros níveis tróficos da cadeia alimentar (Bila e Dezotti, 2007). Pesquisas mais aprofundadas são necessárias para Bickham, J. W. (2000). Effects of chemical contaminants on genetic diversity in natural populations : implications for
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doi:10.1016/j.anireprosci.2007.07.001
Leandro José Lemes Stival1; Cybelli Gonçalves Gregório Barbosa2; Jhonatas Antonelli3; Gabriela Reichert4; Steffany
Katherine Baudisch5

RESUMO

A questão hídrica é de vital importância para o desenvolvimento do país, o gerenciamento adequado dos recursos é com-
plexo e torna-se mais evidente quando cursos d’água são transfronteiriços, a implementação de uma matriz global para
o gerenciamento pode mitigar os conflitos potenciais, abrindo assim a oportunidade de uma cooperação internacional,
beneficiando o uso igualitário dos recursos. Tal princípio ganha importância no contexto brasileiro quando avaliadas as
fronteiras do país. A Amazônia, além de possuir enorme disponibilidade hídrica, ainda possui fronteiras com oito países.
O objetivo deste trabalho é analisar a questão do gerenciamento conjunto de recursos hídricos nas fronteiras Bolívia,
Brasil e Peru, considerando projetos de governança conjunta entre os países, enfatizando o caso da sub-bacia do rio Acre,
quais possuem problemas políticos, ambientais e estruturais na sua fronteira, apresentando cidades que compartilham
recursos naturais que são as linhas divisórias. Especificamente o caso da Brasiléia, fronteira Brasil e Bolívia, a qual sofre
um processo de erosão nas margens do rio Acre e que futuramente pode vir a ser território envolvido por terras bolivia-
nas, tornando-se uma ilha. Estratégias de mitigação de impactos e recuperação da área deveriam ser estabelecidas pelos
órgãos responsáveis para fortalecimento da cooperação internacional entre os dois países.

Palavras-Chave: rio Acre, fronteira Brasil-Peru-Bolívia, bacia Amazônica.

CROSS-BORDER WATER RESOURCES MANAGEMENT: THE ACRE RIVER CASE AND


THE IMPACT ON THE BRAZIL – BOLIVIA BORDER

ABSTRACT

The water issue is vital to the development of each country, the proper resources management is complex and becomes
evident when the rivers stream are cross-border, the implementation of a global matrix for the management may miti-
gate potential conflicts, becoming a opportunity for international cooperation, allowing the equitable resources usabil-
ity. Such principle is important in the Brazilian context when the country’s borders are evaluated. The Amazon basin,
besides its huge water availability, also has borders with eight countries. The aim of this study is to analyze the issue
of the cooperation management of the water resources at the borders among Bolivia, Brazil and Peru, considering the
conjunct governance projects among those countries, emphasizing the case of the sub-basin of the Acre river, which
have political, environmental and structural problems on its border, with cities that share natural resources that are the
frontier lines. Specifically, the Brasileia’s case, between Brazil and Bolivia, which undergoes an erosion process on the
Acre river and might eventually become an island surrounded by a Bolivian territory. Mitigation and recovery strategies

1 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; leandrostival@gmail.com

2 Doutoranda em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; cybelli.barbosa@gmail.com

3 Doutorando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; jonatas-a@hotmail.com

4 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; gabrielareichertamb@gmail.com

5 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; steffany.bau@gmail.com

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of the impacts in the area should be established by the responsible departments for the strengthening of international co- O presente trabalho visa analisar a questão hídrica transfronteiriça como tema de cooperação internacional entre
operation between both countries. os países da região Amazônica, exemplificando a situação transfronteiriça na bacia hidrográfica do rio Acre, comparti-
lhada entre Bolívia, Brasil e Peru, apresentando uma breve revisão da gestão conjunta da bacia realizada pela OTCA,
das legislações e instituições nacionais encarregadas da gestão dos recursos hídricos nesses três países. É analisado,
Keywords: Acre river, the Brasil-Peru-Bolívia border, Amazon basin.
então, o plano de gestão da bacia do rio Acre proposto por uma parceria entre as organizações da sociedade civil, orga-
nizações não governamentais e governos municipais, estaduais e federais dos países envolvidos.

TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA


INTRODUÇÃO
A percepção de recursos naturais como bens finitos, esgotáveis, foi designada e compreendida nas últimas décadas.
O planejamento inicial da OTCA tinha como meta o desenvolvimento de percepção conjunta com relação à bacia,
O controle sobre o curso de rios e lagos já foi o estopim de guerras, uniu e dividiu povos e conduziu diversas disputas
posteriormente a organização visou a elaboração de uma proposta apenas com foco na eficiência institucional (Sant’an-
diplomáticas. O gerenciamento dos recursos hídricos, além de ser essencial ao desenvolvimento, encaixa-se no mérito
na, 2007). O gerenciamento da OTCA é avaliado em termos internacionais de gestão compartilhada, como a GEF
das relações entre os países, uma vez que pode minimizar conflitos potenciais e abrir amplas possibilidades à cooperação
(Global Environment Facility), PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e OEA (Organização
internacional, visando o uso igualitário (ANA, 2009; MT, 2008).
dos Estados Americanos), em parceria com instituições nacionais de cada pais. Um comparativo entre as instituições é
É discutido na literatura a utilização de uma matriz global de gerenciamento aos impactos da degradação dos recur-
realizado visando analisar a gestão nacional de cada uma em seu território (SAE, 2013).
sos hídricos e seus efeitos sociais. O que parece ser consenso é que a governança da água tem um caráter multi-nível e
A capacidade da instituição sofreu uma serie de divergências entre os membros que acarretou numa paralização
multi-escalar, e que, portanto, os arranjos e mecanismos globais devem ser incorporados para complementar os arranjos
da OTCA. Porém, outros acordos poderiam ser elaborados e cumpridos entre os três países para regulamentação das
e instrumentos existentes nos demais níveis e escalas (Pahl-Wost, 2008; Moss e Newig, 2010).
ações provenientes ao uso dos recursos hídricos regionais. A enfatização das fragilidades da OTCA e sua capacidade
Na área da geografia o termo fronteira é possivelmente utilizado desde o século XI para designar barreira ou obs-
institucional é recorrente, como o reduzido orçamento que depende do recolhimento de quotas dos países membros ou
táculo perene como montanhas e rios. A fronteira ou limite territorial, que é parte do processo de construção humana, foi
a dificuldade de encontrar interesses comuns em meio à diversidade de interesses (Costa-Filho, 2003).
historicamente delimitada a partir de barreiras geográficas naturais de modo a segregar espacialmente as nações (Ferrari,
Mesmo enfrentando tantos percalços, a OTCA exerce uma função distinta dos estados como organização regional,
2011).
favorecendo a comunicação internacional e priorizando a cooperação para uma gestão adequada. Ao longo de sua ativi-
Várias discussões acerca do conceito de fronteira, intimamente atrelado a uma abordagem política, social, econô-
dade como gestora, a organização tem possibilitado debates entre os países para elaboração de politicas que são baseadas
mica e cultural, não consensam sobre uma delimitação espacial imutável relacionada às barreiras físicas (Ferretti, 2014).
na solução das disfunções comuns na bacia amazônica. Entretanto, a cooperação e gestão descentralizada encara suas
Além das disputas militares e estratégicas envolvendo áreas de estados (Vesentini, 1992), ao longo do tempo, como o
dificuldades na questão do poder dos Estados, resultando em atraso do curso esperado do processo (Sant’anna, 2014).
aprimoramento das informações cartográficas, foi possível observar a variabilidade da paisagem como consequência do
O planejamento inicial teve como principal resultado a composição de uma mesma perspectiva do gerenciamento
intemperismo, alterações climáticas e ação antrópica.
conjunto e eficiente da bacia amazônica. Tal perspectiva de cooperação e conjuntura apresenta-se como um processo
A questão transfronteiriça torna-se importantíssima, no contexto brasileiro, quando se analisa que, além dos mi-
gradual e de formação não linear que pode ser adequado à autonomia de cada país.
lhares de quilômetros de fronteiras terrestres e divisas com 10 outras nações, cerca de 60% do território nacional estão
inseridos em bacias hidrográficas que se estendem pelos territórios vizinhos. Segundo dados da Agência Nacional de
Águas, estas bacias reúnem 83 rios fronteiriços ou transfronteiriços. ÁREA DE ESTUDO – O RIO ACRE

A Amazônia possui uma grande disponibilidade hídrica, dentre os oito países envolvidos, portanto, o melhor geren-
ciamento hídrico possível é de vital importância para o uso dos recursos disponíveis. Para tratar da cooperação entre os Bolívia, Brasil e Peru possuem juntos cerca de 87% da área total da bacia Amazônica e compartilham vários rios
países amazônicos foi criado em 1978 o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) que entrou em vigor em 1980. O TCA transfronteiriços. A sub-bacia do rio Acre tem em seu território ocupação do Departamento de Madre de Dios (Peru), do
tem como objetivo o desenvolvimento da região amazônica aliada à preservação ambiental. A valorização institucional estado do Acre (Brasil) e do Departamento de Pando (Bolívia) numa área de aproximadamente 300 km² com aproxima-
do tratado para o fortalecimento da cooperação ocorreu em 1998, quando os países amazônicos assinaram um Protocolo damente 800 mil habitantes (Brown, 2005). O rio Acre tem nascente no Brasil, na margem direita do rio Purus, junto à
de Emenda criando a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em vigor desde 2002. cidade de Boca do Acre, possui um fluxo no sentido Sudoeste-Nordeste atuando como fronteira entre o Brasil e o Peru, e

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em seguida, entre o Brasil e a Bolívia até a cidade de Brasiléia, conforme Figura 1, seguindo então em território brasileiro rio. Relembrando que meandros são partes de um rio que tem grande possibilidade de alterações no curso do mesmo,
até desaguar no rio Purus. O rio percorre mais de 1.190 km de sua nascente até a foz (Duarte, 2007). devido a fenômenos naturais ou ações antrópicas (Fellet, 2014).
Um episódio de cheia em 2012 no rio Acre intensificou o processo erosivo na área do meandro que une um bairro
à cidade de Brasiléia. Na área de aproximadamente 67 hectares, várias casas já foram destruídas por enchentes, e a faixa
de ligação do bairro com a cidade, detalhada na Figura 2, fica cada vez mais estreita devido ao contínuo processo erosivo
e a cada ano com os crescentes episódios de cheias, o impacto é agravado (Marcel, 2013).
O processo natural de alteração do meandro que separa Brasiléia de Cobija foi intensificado pela pressão antró-
pica de ocupação irregular das margens do rio, sem a devida preservação da mata ciliar. O fenômeno de erosão no rio
Acre pode produzir o desligamento terrestre com o restante do município, transformando parte do território em uma
ilha envolvida pela Bolívia. O que inicialmente poderia ser caracterizado como um problema de ordem social, devido à
ocupação irregular das margens, alcança a magnitude de uma questão diplomática por ação natural de variação no perfil
do rio, sendo que neste processo nenhum dos governos se manifestou sobre as alterações que estão ocorrendo na região
nos últimos anos (Fellet, 2014).
Segundo um estudo de Oscar Sória, o trecho que liga os bairros ao resto dos municípios perdeu 15 metros de
Figura 1 – Localização do rio Acre, na fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia. largura entre 1997 e 2008. Em 2013, a faixa média de 20 metros de largura, e em 2014 atingindo 18 metros, segundo a
Fonte: Geo Eye (adaptado). prefeitura da Brasiléia. (GEA, 2012).
A possibilidade da reivindicação desta área pela Bolívia traz a tona questões histórica entre ambos os países. A área
Em relação aos limites da região Amazônica, área estratégica em relação ao acesso aos recursos, de acordo com o do estado do Acre já pertenceu ao país vizinho até o ano de 1899, período quando trabalhadores rurais que habitavam
tratado de 1867, assinado por Brasil e Bolívia, a região do Acre pertenceria à Bolívia, mas já haviam muitos brasileiros a terra começaram uma revolta contra as autoridades bolivianas. Após a revolução chegaram a declarar uma república
na área que se rebelaram contra a decisão (UNESP, 2012). Sendo assim, o rio Acre foi selecionado como divisor de fron- independente, até que, em 1903, o Barão do Rio Branco assinou o Tratado de Petrópolis, qual definiu o território ao
teira e a região foi se desenvolvendo em torno do seu traçado sinuoso, ficando o estado do Acre em território brasileiro. Brasil (Machado, 2013). Porém segundo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, a fronteira entre ambos não será
Como visualizado na Figura 1, o rio Acre apresenta um traçado irregular com inúmeros meandros entre Brasil e passível de aplicação de variações relacionadas ao curso do rio Acre.
Peru e Brasil e Bolívia. De acordo com as pressões exercidas sobre o rio, resistência do leito e vazão podem surgir alte- Além deste caso no município da Brasiléia, existem mais pontos no rio Acre, fazendo fronteiras Brasil/Peru e
rações nos processos de erosão, transporte de sedimentos e deposição, culminando em alteração na morfologia do canal. Brasil/Bolívia, que são passíveis de sofrerem o mesmo processo de erosão ou outras situações ocasionadas por eventos
Nesse contexto os meandros apresentam uma peculiaridade de erosão na margem côncava e deposição na margem con- climáticos extremos em conjunto com atividade antrópica.
vexa, com contínua migração das curvas características (Zancopé et al., 2009). Assim, fronteiras delimitadas por canais
meandrantes não retificados sofrem continua variação de posicionamento no seu eixo, devido às alterações hidráulicas.
Ou seja, tal peculiaridade do rio Acre incorre numa alta probabilidade de contínua modificação na delimitação de frontei-
ra devido à alteração do eixo do rio.

ESTUDO DE CASO - CIDADE DE BRASILÉIA


As cidades de Brasiléia (Brasil) e Cobija (Bolívia) são consideradas cidades gêmeas pela mutua dependência eco-
nômica (Sant’anna, 2009), separadas apenas pelo rio Acre, Figura 2. As fronteiras entre o Brasil e Bolívia foram estabe-
lecidas há mais de um século, porém pelo fenômeno natural de erosão em um meandro do rio Acre, uma fração da cidade
de Brasiléia (Acre, Brasil) pode se separar do restante do território.
Os bairros habitados por aproximadamente 3000 pessoas, são parte de um terreno de meandro, trecho sinuoso do

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consequências drásticas. Para tais soluções, serão necessários estudos aprofundados da situação que demonstrem as cau-
sas pontuais dos fenômenos naturais, assim como os riscos envolvidos.
Ações ambientais que viabilizem a mitigação dos impactos necessitam ser implementadas em locais de risco. O
exemplo de Brasiléia é apenas um dos casos de risco na bacia do rio Acre. Sendo assim, nos tratados internacionais de-
veriam ser previstas ações prioritárias de intervenção nos casos de alteração da posição da linha de fronteira.

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à carência de saneamento básico, assim como o fato do rio ser a linha divisória entre os países, que por estar em constante
FERRARI, M. (2011). Interações Transfronteiriças na Zona de Fronteira Brasil-Argentina: O Extremo Oeste de Santa
mudança de curso nos meandros pode ocasionar problemas para as cidades gêmeas. Contudo, questões de ordem territo-
Catarina e Paraná e a Província De Misiones (Século XX E XIX). Tese de Doutorado em Geografia. Universidade Fede-
rial relacionando a mobilidade física de fronteiras, devido à alta atividade meandrante de muitos rios do estado do Acre,
ral de Santa Catarina. Florianópolis.
apresentam também alguns aspectos que estão relacionados aos cursos d’água, assim como ao uso dos recursos hídricos.
As análises teóricas do tema são determinantes para o entendimento territorial da Amazônia, assim como as políti- FERRETTI, F. (2014). As Origens da Noção de “Fronteiras Móveis”. Revista Continentes, UFRRJ, (3-4), pp. 48-65.
cas ambientais e consideração territorial. O grande desafio da gestão transfronteiriça em parceria com diferentes países é
GEA-Governo Estadual do Acre. (2012). Plano Estadual de Recursos Hídricos de 2012. Disponível em: <http://d3neh-
a peculiaridade da região amazônica, bem como as diferentes formas de gestão institucional de cada país.
c6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/plano_estadual_recursos_hidricos_acre.pdf>. Acesso em: abril, 2015.
A gestão dos recursos hídricos é demasiadamente importante para a Amazônia, mas possui restrições devido à
questão política envolvida entre os países amazônicos. O desenvolvimento institucional da OTCA prevaleceu inicial- MACHADO, A. (2013). Estado Independente do Acre. Aventuras na História, (119), pp. 38-43. Rio Branco: Editora
mente de maneira lenta, porém buscando uma visão conjunta dos países que compartilham a gestão da bacia. A coope- Abril.
ração internacional é de vital importância na formulação de soluções para problemas comuns.
MARCEL, Y. (2013). Brasil pode perder parte do território do Acre para a Bolívia. G1, 24 mar. 2013. Disponível em:
Em relação ao estudo de caso do rio Acre apresentado nesse trabalho, a complexidade na questão de gerenciamento
<http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2013/03/brasil-pode-perder-parte-do-territorio-do-acre-para-bolivia.html> Acesso
dos recursos reafirma conflitos políticos históricos entre as fronteiras da bacia amazônica. Isto é claramente exemplifica-
em: abril, 2015.
do na região da Basiléia, onde não há um gerenciamento adequado dos problemas ambientais e políticos que envolvem
regiões meandrantes do município, situação que poderia ser agravada não fosse a não reivindicação boliviana sobre o MOSS, T.; NEWIG, J. (2010). Multilevel Water Governance and problems of scale: setting the stage for a broader de-
local. Isto posto, estratégias de médio e longo prazo devem ser avaliadas para solucionar problemas existentes e evitar bate. Environmental Management. V. 46, p. 1-6.

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RESUMO
SANT’ANNA, F. M. (2007). O Papel da Cooperação Amazônica para a Gestão dos Recursos Hídricos Transfronteiriços.
Pesquisas sobre percepção ambiental possibilitam compreender as opiniões, sentimentos, atitudes, preferências e valo-
I Simpósio em Relações Internacionais do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas
res dos sujeitos em relação aos recursos naturais e ao ambiente que os cerca. Neste estudo, buscou-se avaliar por meio
(UNESP, UNICAMP e PUC-SP). da realização de entrevistas semiestruturadas a percepção ambiental de um grupo de produtores rurais do município de
Dionísio (MG), destacando o entendimento que esses indivíduos têm acerca das funções e serviços ecossistêmicos pro-
SANT’ANNA, F. M. (2009). Cooperação Internacional e Gestão Transfronteiriça de Água na Amazônia. Dissertação de vidos pelo bioma Mata Atlântica e pelas ações de recuperação de nascentes desenvolvidas na região. De modo geral, os
Mestrado em Geografia Humana. USP, São Paulo, 197 p. resultados apontam que os produtores rurais reconhecem mais facilmente os serviços ecossistêmicos que influenciam
diretamente suas atividades cotidianas ou as ações que proporcionam benefícios tangíveis. Observou-se ainda que o
SANT’ANNA, F. M.; VILLAR, P. C. (2014). A Governança dos Recursos Hídricos nas Áreas de Fronteira: Integração contato direto com as Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal das propriedades rurais possibilita o reconheci-
mento de uma maior variedade de serviços ecossistêmicos de regulação e de provisão relacionados a essas áreas, o que
e Ordenamento Territorial, VI Congresso Iberoamericano de Estudios Simpósio Territoriales y Ambientales, São Paulo,
enfatiza a necessidade de ações voltadas ao ambiente natural do entorno imediato dos produtores rurais. Os resultados
pp. 1091-1113. deste estudo podem subsidiar a proposta e desenvolvimento de atividades de Educação Ambiental que, ao mesmo tempo
que valorizem a percepção ambiental dos sujeitos, também fortaleçam as ações de recuperação e conservação ambientais
UNESP, Universidade Estadual Paulista. (2012). Geografia do Brasil: formação territorial e padrões espaciais. Curso de de caráter mais genérico e que não estejam voltadas apenas para os benefícios imediatos e tangíveis que o homem obtém
especialização para o quadro do Magistério. Rede São Paulo de Formação Docente, fascículo d05. dos ecossistemas.

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ABSTRACT

Researches on environmental perception make it possible to understand opinions, feelings, attitudes, preferences and val-
ues ​​of people in relation to natural resources and environment. This study aimed at evaluating, by conducting semi-struc-
tured interviews, the environmental perception of a group of farmers in the municipality of Dionísio (MG), highlighting
the comprehension that these individuals have on the ecosystem functions and services provided by the Atlantic Forest
biome and by the recovery of springs in the region. The results indicate that farmers recognize more easily ecosystem
services that impact directly on their daily activities or actions which provide tangible benefits. It was also observed
that the direct contact with the Permanent Preservation Areas and Legal Reserves in rural properties enables recognition
of a wider range of regulating and provisioning services related to these areas, which emphasizes the need for actions
concerning the natural environment of the immediate surroundings of farmers. The results of this study may help the de-
velopment of Environmental Education activities that valorize individuals’ environmental perception, but also strengthen
environmental recovery and conservation actions that are not just geared to immediate and tangible benefits that human
beings get from ecosystems.

Keywords: Environmental Perception, Ecosystem Services.

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INTRODUÇÃO ao sul do PERD, que ocupa uma área de 2,6% do município.

Os indivíduos apresentam vínculos cognitivos e afetivos com determinados lugares e constroem ideias sobre eles A operacionalização da pesquisa seguiu as recomendações de Whyte (1977) para trabalhos de campo em per-
que refletem, por sua vez, em seus padrões de conduta e nas formas de interação da pessoa com seu ambiente (HIGU- cepção ambiental, tendo como base a combinação de três procedimentos complementares: observando, perguntando e
CHI; CALEGARE, 2013). Nesse sentido, as atitudes e opiniões atribuídas pelas pessoas ao seu ambiente podem revelar ouvindo.
a importância concedida a esse, sendo esse o principal objeto dos estudos sobre percepção ambiental. A investigação da
As visitas de campo consistiram em um estudo exploratório preliminar da comunidade rural. Nessa fase, para
percepção das relações do ser humano com o ambiente contribui para uma utilização apropriada dos recursos naturais,
atender ao procedimento “observando”, foi utilizada a técnica de observação indireta para verificar as formas de utiliza-
possibilitando uma melhor interação dos conhecimentos tradicionalmente construídos com aqueles de caráter científico
ção dos recursos naturais pelos produtores rurais. No âmbito da percepção ambiental, essa técnica utiliza como indicado-
e evidenciando, ainda, a relevância do tema para ações de planejamento ambiental.
res de comportamento os efeitos produzidos pela ação humana no ambiente.
O Parque Estadual do Rio Doce (PERD), situado na porção leste de Minas Gerais, é uma Unidade de Conser-
Posteriormente, para atender às abordagens “perguntando” e “ouvindo”, foram feitas entrevistas semiestruturadas
vação de Proteção Integral que possui uma área de 35.976 hectares, abrigando o maior remanescente contínuo de Mata
com 42 produtores, com o objetivo de se obter informações sobre a percepção ambiental de uma maneira geral e, adicio-
Atlântica do estado. Além de ser considerado o 3° maior sistema de áreas úmidas do país, o parque apresenta uma alta
nalmente, enfocando o entendimento que tais proprietários têm acerca das funções e serviços ecossistêmicos providos
diversidade biológica, com várias espécies ameaçadas de extinção e/ou endêmicas (INSTITUTO ESTADUAL DE FLO-
pela recuperação de nascentes e dos ecossistemas do PERD.
RESTAS, 2002).
Com base nas informações obtidas, os dados quantitativos foram convertidos em análises simples (porcentagens).
No intuito de promover a conservação da biodiversidade local e conectar fragmentos florestais de propriedades
Para a análise qualitativa, as informações foram classificadas em categorias formadas de acordo com as respostas obtidas,
rurais do entorno do parque, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), responsável pela gerência do PERD, vem desen-
e a partir delas, foram realizadas inferências e interpretações relacionadas aos dados. Ademais, como forma de compreen-
volvendo junto aos produtores rurais do município de Dionísio a recuperação de áreas degradadas. Nesse município,
der melhor a percepção ambiental dos entrevistados, alguns discursos foram incluídos na análise.
que abrange cerca de 3% da área do parque, a recuperação das áreas degradadas faz parte do Projeto de Conservação e
Recuperação da Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, o qual foi iniciado no final de 2013 e conta com a participação de
proprietários rurais, beneficiando mais de 120 nascentes. Sendo popularmente conhecida no município como Projeto de
Recuperação de Nascentes, essa iniciativa tem como objetivo geral a conservação e recuperação dos biomas do estado RESULTADOS E DISCUSSÃO
de forma a garantir a proteção à biodiversidade e às paisagens naturais (MINAS GERAIS, 2011). Dos 42 produtores rurais entrevistados, 21 apresentavam Ensino Fundamental Incompleto, cinco Ensino Funda-
A importância da conservação e recuperação de áreas verdes está diretamente relacionada com a manutenção de mental Completo, 14 Ensino Médio Completo e apenas dois haviam cursado o Ensino Superior. Grande parte dos produ-
funções e serviços ecossistêmicos. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo analisar a percepção ambiental tores (95,2%) cria gado seja para leite e/ou corte, enquanto apenas 4,8% produtores não trabalham diretamente com essa
dos produtores rurais do município de Dionísio, focalizando seus conhecimentos acerca dos serviços ecossistêmicos atividade, utilizando suas terras para arrendamento. Em algumas propriedades, além da criação de gado, existem áreas
providos pelo bioma Mata Atlântica e pelas práticas de recuperação de nascentes. O estudo da subjetividade, através da destinadas à agricultura e à silvicultura do eucalipto. A maioria dos produtores (78%) trabalha com a pecuária há mais de
percepção ambiental, permitirá compreender os comportamentos sociais, a relação dos indivíduos com os recursos am- cinco anos, sendo que desses, 59,3% têm entre cinco e 30 anos de experiência no ramo. A maioria das propriedades tem
bientais, bem como suas expectativas, satisfações, julgamentos e condutas, possibilitando o desenvolvimento de ações até 40 ha (58,5%), 19,5% estão entre 41 e 80 ha e 22% das propriedades rurais apresentam mais de 81 ha.
que visem a reduzir conflitos e aumentar a eficácia das atividades que envolvam um determinado público-alvo (MIRAN- A pergunta “Você já esteve no PERD?” buscou avaliar a relação que os produtores rurais estabelecem com o
DA; SOUZA, 2011; HIGUCHI; CALEGARE, 2013). parque. Ainda que 83,3% dos produtores afirmem já ter estado no PERD, pode-se perceber que, mesmo considerando a
proximidade entre o município e a unidade de conservação (UC), além do fato da entrada no parque ser gratuita para as
comunidades do entorno, a visitação se restringe basicamente a um evento comemorativo anual realizado no parque no
METODOLOGIA mês de julho.

O município de Dionísio está situado na porção leste de Minas Gerais, na mesorregião do Vale do Rio Doce, onde Quando indagados sobre os objetivos de criação do PERD, 66,6% dos produtores alegaram não saber quais eram.
se encontram grandes empresas siderúrgicas e vastas áreas de monocultura de eucalipto. A economia local é baseada na Dentre os 33,4% de produtores que declararam conhecer os objetivos de criação, 85,7% afirmaram ser para “Preservação
agropecuária, destacando-se a criação de gado de corte e leite, além da área de prestação de serviços. Dionísio situa-se Ambiental”, enquanto as categorias “Recuperação de Nascentes e Lagoas” e “Lazer” foram igualmente citadas (7,1%

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cada). Esse resultado pode indicar certo desinteresse em saber sua real razão de existência ou, por outro lado, a neces- trole de enchentes, purificação da água e do ar, polinização, sequestro de CO2, entre outros. Quanto aos serviços culturais,
sidade do desenvolvimento de mais ações pelo PERD, visando o estreitamento de relações com essas comunidades. A incluem-se os benefícios intangíveis proporcionados pelos ecossistemas, sejam eles de ordem recreativa, educacional,
devida apropriação do parque pela população do entorno pode promover sua valorização como área protegida e estimular simbólica, espiritual, religiosa ou estética (MEA, 2005).
o conhecimento de seus principais aspectos naturais, problemas e potencialidades.

Mesmo havendo uma parcela significativa de produtores rurais que desconhecem a finalidade pela qual o parque
Tabela 1: Influências do Parque Estadual do Rio Doce sobre a vida dos produtores rurais de Dionísio (MG), meio ambien-
foi criado, todos avaliam positivamente sua criação. Entre os aspectos positivos relacionados à presença do PERD na
te e atividade econômica desenvolvida.
região, foram citados: preservação de flora e fauna, inclusive de espécies ameaçadas de extinção; proteção em prol do
bem-estar humano; existência de lagoas; desenvolvimento do turismo local; ar puro; entre outros. Representações posi- Tipo Número de
citações
tivas do PERD também estão presentes no trabalho de Melo (2001), no qual a maioria dos produtores rurais pesquisados de influência
apresentavam expectativas favoráveis em termos de preservação do meio ambiente, criação de empregos e aumento da Materiais para cercamento de nascentes 9
renda por meio do ICMS Ecológico. Auxílio à comunidade em questões ambientais 7

A pergunta “O que é meio ambiente para você?” buscou compreender as ideias que os indivíduos criam acerca Referencial de ações conservacionistas * 7

desse conceito, assim como o grau de pertencimento em relação ao ambiente que os cerca. Em algumas respostas, per- Projeto de Recuperação de Nascentes 6
cebe-se uma visão ecológica do meio ambiente: “Meio ambiente são as árvores, são água, o ar (...)”; “Nós que somos Ar puro** 5
do campo, meio ambiente é o lugar com árvores, com bicho (...)”. Em outras definições, ficou evidente a relação entre
Proteção de fauna e flora 4
meio ambiente e preservação/conservação: “Preservação das florestas, dos rios, dos lagos (...)”; “Eu acho que o meio
Presença de animais 4
ambiente é para conservação do solo, da natureza”; “É manter nascente recuperado e não destruir”. Outras definições
apresentam ideias mais holísticas: “Meio ambiente é onde nós vivemos, é o recinto que nos moramos, o ar que nós res- Policiamento/Fiscalização local 3
piramos, tudo faz parte do meio ambiente (...)”; “É o ambiente que eu vivo nele, o planeta”. Formação de chuva local** 3

O contato com a natureza propiciado pela vida na zona rural pode influenciar sobremaneira a percepção que os Amenização de temperatura local** 3

indivíduos têm do ambiente, refletindo inclusive no significado dado ao termo, o qual muitas vezes expressa a visão Promoção de reconhecimento regional* 3
ecológica dos sujeitos. As definições que correlacionam meio ambiente-preservação/conservação podem estar funda- Turismo* 2
mentadas na relação que os entrevistados fazem entre o projeto no qual estão envolvidos e o foco deste estudo, assim
Presença de lagoas 1
como na crescente veiculação nos meios midiáticos da nossa responsabilidade com o meio ambiente. Embora apenas
Lazer* 1
as definições mais holísticas aparentassem incluir o homem no meio ambiente, não foi possível detectar claramente que
os entrevistados se consideram parte integrante da natureza e em mesmo grau de valor aos outros seres vivos. Esses re- Combate de incêndios 1
sultados podem reforçar a ideia do homem como mero expectador dos processos que ocorrem na natureza, tais como os *Serviços ecossistêmicos culturais.
serviços ecossistêmicos.
**Serviços ecossistêmicos de regulação.

Quando questionados se havia influência do PERD e do Projeto de Recuperação de Nascentes sobre suas vidas,
meio ambiente e atividade econômica que desenvolvem, 88,1% responderam positivamente com relação ao PERD e
97,6% em relação ao projeto. Tomando como base a categorização presente no relatório da Avaliação Ecossistêmica do
Milênio, algumas das influências citadas pelos entrevistados podem ser classificadas como funções e serviços ambientais
providos pelos ecossistemas do PERD e pela recuperação de nascentes (Tabelas 1 e 2). Segundo esse relatório, os servi-
ços ecossistêmicos são: serviços de provisão ou de abastecimento; serviços de regulação; serviços culturais; e serviços de
suporte. Dentre essas quatro classes, 45,4% das influências mencionadas podem ser definidas como serviços culturais ou
de regulação. Os serviços de regulação se relacionam às características regulatórias dos processos ambientais como con-

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Tabela 2: Influências do Projeto de Recuperação de Nascentes sobre a vida dos produtores rurais de Dionísio (MG), meio ambien- Com base nesses resultados, parece existir certa inconsistência, entre o público participante desta pesquisa, em
te e atividade econômica desenvolvida. reconhecer mais amplamente outros serviços ambientais cujos benefícios não são facilmente observáveis (ex.: serviços
de suporte) ou que pelo menos pareçam não ter uma repercussão direta sobre suas vidas e atividades econômicas (ex.:
polinização). Ainda que certas influências tais como “Proteção de fauna e flora”, “Presença de animais” e “Criação de
Tipo Número de área de preservação ambiental” gerem serviços ambientais, parece não ser muito clara, para os produtores, a noção entre
citações
de influência causa-efeito.
Recuperação/conservação florestal e de nascentes 30
Os produtores rurais também foram questionados sobre a existência de Reserva Legal (RL) e Área de Preservação
Aprendizagem sobre preservação ambiental* 8
Permanente (APP) em suas propriedades e, se presentes, porque eles conservam essas áreas. O principal argumento apre-
Materiais para cercamento de nascentes 4
sentado pelos produtores se baseia no fato de que a manutenção dessas áreas possibilita a conservação de nascentes. Em-
Valorização/Revitalização da propriedade 3 bora com menor representatividade, a importância para a conservação de outros processos ecológicos e da biodiversidade
Amenização de temperatura local** 4 assim como a imposição legal da manutenção dessas áreas foram igualmente citados. Verifica-se que, dada a relevância
Criação de área de preservação ambiental 1
dos recursos hídricos, tanto do ponto de vista da sobrevivência humana quanto para a dessedentação dos animais criados
pelos produtores, a produção de água se constitui como o serviço ecossistêmico mais facilmente reconhecível.
Retorno de peixes 1

Aumento de matéria orgânica no solo** 1 Mesmo que prepondere a visão das consequências negativas sob a conservação da água, quando indagados sobre
Melhoria das condições de trabalho* 1
a(s) possível(eis) implicação(ões) de uma eventual retirada parcial ou total das APPs e RL das propriedades, os produto-
res enumeraram outros aspectos relacionados à alteração dos serviços ambientais oferecidos por essas áreas: erosão, fim/
*Serviços ecossistêmicos culturais.
prejuízo da atividade rural, diminuição/prejuízos para a vida silvestre, aumento da temperatura local, queda na qualidade
**Serviços ecossistêmicos de regulação. do ar, diminuição dos recursos naturais, aumento das enchentes e desertificação. Comparando essas respostas com aque-
las referentes às influências do PERD, observa-se que o contato direto com as APPs e RL das propriedades possibilita o
reconhecimento de uma maior variedade de serviços ecossistêmicos de regulação e de provisão.
Além da maioria das influências listadas serem ações, benefícios tangíveis ou desdobramentos das iniciativas
promovidas por pessoas envolvidas com as atividades do parque ou do Projeto de Recuperação de Nascentes, consta- Como forma de correlacionar as observações de campo com as respostas dadas pelos produtores, foi feita a se-
ta-se que elas foram muito mais citadas que os serviços ecossistêmicos culturais ou de regulação. Não foram relatadas guinte pergunta: “Existe algum tipo de problema ambiental na sua propriedade?”. Dos 42 entrevistados, 54,8% respon-
influências que se enquadrariam como serviços de suporte (ex.: ciclagem de nutrientes, produção primária, formação de deram “Sim”, sendo os problemas mais mencionados: erosão, secagem das nascentes e áreas desmatadas. Esses relatos
solo) ou de provisão (ex.: alimentos, água, lenha). Uma justificativa para que serviços de provisão não fossem mencio- corroboram os principais problemas observados em campo. Entretanto, seja por uma fragilidade de percepção ambiental
nados se baseia no fato da UC ser de proteção integral, permitindo apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. No ou por receio de expor os problemas ambientais das propriedades, notou-se em alguns momentos, que as respostas negati-
entanto, tampouco foram considerados os produtos obtidos da natureza que podem advir da conservação e recuperação vas (45,2%) não correspondiam à realidade. Essa situação aponta a existência de certa incoerência entre o engajamento de
das áreas de nascentes. De acordo com Tuan (2012), ao se adaptarem ao ambiente onde vivem, é difícil conhecer as parte dos produtores rurais em práticas conservacionistas e suas ações cotidianas que repercutem sobre o meio ambiente,
atitudes ambientais das pessoas, uma vez que perdem a ânsia de fazer comparações e comentários sobre o local. Desse prejudicando, portanto, a manutenção das funções e serviços ecossistêmicos.
modo, podem-se tornar escassas as oportunidades em que os valores ambientais são expressos, estando eles implícitos
nas atividades econômicas, comportamento e estilo de vida dos sujeitos (TUAN, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esses resultados se assemelham àqueles obtidos no trabalho realizado pelo Projeto Doces Matas denominado
“O trabalho com comunidades rurais no entorno de unidades de conservação”, no qual foi demonstrado que embora O entendimento dos produtores rurais participantes deste estudo sobre as influências do PERD e do Projeto de
os agricultores tenham-se identificado com as causas ambientais em geral, eles não souberam precisar a importância da Recuperação de Nascentes não abarca a diversidade de serviços oferecidos pelos ecossistemas. A dificuldade de se perce-
conservação das UCs, se restringindo ao papel dessas áreas na preservação dos cursos d’água e da vegetação como filtro ber os ecosserviços intangíveis e reguladores de vários processos ecológicos pode estar relacionada tanto com a baixa es-
da poluição do ar (FUNDAÇÃO BIODIVERSITAS, 2001). colaridade dos sujeitos, quanto à ausência de programas de Educação Ambiental destinados a esse público e que abordem
temas relacionados aos serviços ambientais, buscando extrapolar uma visão reducionista, utilitarista e antropocêntrica

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391
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da natureza. Além disso, tendo em vista que os produtores percebem com mais perspicácia o ambiente do seu entorno TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ÓLEO ESSENCIAL DE Baccharis milleflora (Leess.) A.P. De (Astera-
imediato, ou seja, suas propriedades rurais, as ações de recuperação de nascentes nesses locais devem ser pautadas numa ceae) NOS CAMPOS GERAIS DA FLORESTA ATLÂNTICA DO ESTADO DO PARANÁ.
perspectiva de trabalho que fortaleça de maneira contínua a ideia de “pensar globalmente e agir localmente”.

Espera-se que os resultados desta pesquisa forneçam subsídios para o planejamento, pelos órgãos competentes,
Wanderlei do Amaral1 Cícero Deschamps1; Humberto R. Bizzo2; Marco Antonio S. Pinto3; Luiz Everson da Silva4;
de atividades de Educação Ambiental partindo da realidade dos sujeitos da pesquisa em percepção ambiental e que forta-
Luiz A. Biasi1.
leçam as ações de recuperação e conservação ambientais, as quais devem enfatizar não somente os benefícios imediatos
e tangíveis que o homem obtém dos ecossistemas, mas também sua importância para outros seres vivos. Para tanto, os RESUMO
saberes das comunidades rurais aliados ao conhecimento científico podem indicar caminhos mais adequados e eficazes
Os óleos essenciais possui ampla utilização na indústria de alimento, perfumaria, alimentícia e farmacêutica. Nas plantas
para o uso sustentável dos recursos naturais, uma melhor gestão ambiental e um modo de ocupação mais racional do estão relacionados com funções ecológicas de defesa e atração de polinizadores entre outras, sofrem variação quanti-
espaço, com vistas à manutenção da diversidade biológica e dos serviços ambientais. tativa e qualitativa em resposta ao ambiente. Este trabalho visou avaliar o teor e composição química do óleo essencial
de Baccharis milleflora nos Campos Gerais da Floresta Atlântica do Estado do Paraná. A obtenção do óleo essencial foi
por hidrodestilação e os compostos voláteis foram caracterizados por GC/MS. B. milleflora apresenta na composição
química de seu óleo essencial predominantemente sesquiterpenos e tem como componente majoritário o viridiflorol.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A secagem afeta o teor e a composição química do óleo essencial da espécie. Sendo necessários futuros trabalhos para
caracterização anatômica das estruturas celulares lisígenas da espécie, bem como estudos mais aprofundados e desen-
FUNDAÇÃO BIODIVERSITAS. O trabalho com comunidades rurais no entorno de unidades de conservação. Projeto volvimento de um protocolo de secagem da espécie.
Doces Matas – Minas Gerais. Belo Horizonte, 2001. 62 p. Palavras-chaves: Plantas medicinais e aromáticas, terpenos, Mata Atlântica, Carqueija
HIGUCHI, Maria I. G.; CALEGARE; Marcelo G. A. Percepções sobre a floresta amazônica, áreas verdes e manejo
florestal. IN: HIGUCHI, Maria I. G.; FREITAS, C. C. de; HIGUCHI, Niro. Morar e Viver em Unidades de Conservação ESSENTIAL OIL YIELD AND COMPOSITION OF Baccharis milleflora (Leess.) A.P. De (ASTERACEAE)
no Amazonas: Considerações Socioambientais para os Planos de Manejo. Manaus: [s.n.], 2013. 268 p. GROWING IN CAMPOS GERAIS REGION - PARANÁ STATE - SOUTHERN BRAZIL

INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS (MG). Plano de Manejo do Parque Estadual do Rio Doce. 2002. ABSTRACT

MEA - MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. 2005. Ecosystem and Human Well-Being: Synthesis. Washing- Essential oils have wide use in the food, perfumery, food and pharmaceutical industry since their constituents are related
to ecological functions of defense and attraction of pollinators as well as they suffer quantitative and qualitative change
ton DC. 155 p.
in response to the environment variation. In this work, essential oil of leaf from Baccharis milleflora growing in Campos
Gerais region in Paraná State - Southern Brazil were obtained by hydrodistillation and the volatile compounds were
MELO, Deyse L. de M. O Parque Estadual do Rio Doce/MG e a qualidade de vida da população de seu entorno. 2001.
characterized by GC- MS. B. milleflora presents the chemical composition of its essential oil predominantly sesquiter-
128f. Dissertação (Mestrado em Economia Doméstica). Universidade Federal de Viçosa, Programa de Pós-Graduação penes and its major component is the viridiflorol. On the other hand, drying process affect the content and the chemical
em Economia Doméstica, Viçosa. composition of the essential oil. It is required further work to characterize the anatomical lysigenous cellular structures
of the species, as well as further study and development of a drying protocol of the species.
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão. Plano Plurianual de Ação Governamental 2012-
Key-words: Medicinal and aromatic plants, terpenes, Atlantic Forest, Carqueija
2015. Belo Horizonte: 2011. 563 p.

MIRANDA, Nascimento M. de; SOUZA, L. B. e. Percepção Ambiental em propriedades rurais: Palmas (TO), Brasil.
Mercator, Fortaleza, v. 10, n. 23, p. 171-186, set./dez. 2011.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Londrina: Eduel, 2012. 1 Universidade Federal do Paraná – Departamento de Fitotecnia e Fitossanitarismo - CEP: 81.531.990, Curitiba – Paraná – Brasil. Email:
wdoamaral@hotmail.com
WHYTE, Anne V. T. Guidelines for field studies in environmental perception. France: Union Typografique, 1977. 2 Embrapa Agroindústria de Alimentos, CEP: 23020-470 Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

3 Embrapa Gado de Leite, 36038-330 Juiz de Fora, MG, Brasil.

4 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral – CEP: 83260-000, Matinhos – Paraná – Brasil

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1 INTRODUÇÃO Trabalhos anteriores avaliaram espécies do gênero Baccharis nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo,
identificando mono e sesquiterpenos na composição química do óleo essencial (AGOSTINI et al., 2005; LAGO et al.,
A família Asteraceae, com cerca de 250 gêneros e 2.000 espécies (DI STASI, 2002; SOUZA e LORENZI, 2008),
2008). Apesar de existirem diversos estudos florísticos e estruturais para o Estado do Paraná, a flora aromática da Floresta
é uma das mais importantes como fonte de espécies vegetais de valor medicinal (CRAVEIRO et al., 1981). Várias es-
Atlântica ainda é pouco conhecida.
pécies de Asteraceae são produtoras de óleo essencial de importância comercial. O gênero Baccharis é representado por
mais de 500 espécies, distribuídas predominantemente na América do Sul (VERDI et al., 2005). No Brasil estão descritas A bioprospecção de espécies aromáticas na formação Campos Gerais pode contribuir para a identificação de
120 espécies, distribuídas em maior concentração na Região Sul do país (BARROSO, 1976; VERDI et al., 2005). Este óleos essenciais produzidos pelas espécies em interação com o ambiente podendo ter aplicação em diferentes setores da
gênero produz muitos metabólitos secundários, e de modo geral, os compostos que mais se destacam são os flavonóides indústria. Assim, neste trabalho avaliou-se o teor e composição química do óleo essencial de amostras de folhas frescas e
e os terpenóides, com destaque para os monoterpenos, sesquiterpenos, diterpenos e triterpenos (MOREIRA et al., 2003; secas de Baccharis milleflora nos Campos Gerais da Floresta Atlântica do Estado do Paraná no intuito de contribuir para
DAVIES, 2004; VERDI et al., 2005). Este gênero também é fonte de óleos essenciais. Nas plantas estes óleos estão re- o conhecimento da flora aromática do Paraná e identificar potenciais espécies para cultivo e propagação.
lacionados com funções ecológicas de defesa e atração de polinizadores, e sofrem variação quantitativa e qualitativa em
2 MATERIAL E MÉTODOS
resposta ao ambiente (TAIZ e ZEIGER, 2010, SIMÕES et al., 2007; SÁNCHEZ et al., 2006; DICKE and BALDWIN,
2010; BEDOYAPEREZ et al., 2014 ). Por serem misturas complexas de substâncias voláteis, lipofílicas, geralmente 2.1 Coleta material botânico
odoríferas e líquidas (SIMÕES et al., 2007), são amplamente utilizados na indústria alimentícia, farmacêutica e de cos-
méticos (BURT, 2004; SACCHETTI et al., 2005; GOBBO-NETTO e LOPES, 2007; BIASI e DESCHAMPS, 2009; As coletas dos ramos terminais com cladódios para a extração do óleo essencial foram realizadas na Reserva Parti-
YUNES et al, 2012). Trabalhos recentes demonstram diversas atividades biológicas dos óleos essenciais do gênero Bac- cular do Patrimônio Natural (RPPN) Butuguara, no município de Palmeira, PR, com formações de Campos Gerais, com
charis, como por exemplo, leishmanicida e trapanocida (GRECCO et al., 2010a; GRECCO et al., 2010b; GRECCO et altitudes que variam de 985 a 1.145m, localizada a 25º 20.884’ S e 049º 47.258’ W, com solos predominantemente das
al., 2012; PASSERO et al., 2011), esquisostomicida (OLIVEIRA et al., 2012), antioxidante (QUIMARÃES et al., 2012), classes Litossolo e Cambissolo (EMBRAPA, 2006). Conforme classificação de Köppen o clima da região é tipo Cfb, tem-
inseticida e antifúngica (KURDELAS et al., 2012), antinociceptiva e atua em processos inflamatórios (SANTOS et al., perado, com verão ameno, temperaturas médias anuais em torno de 17ºC, com geadas severas e frequentes e pluviosidade
2010). média de 1.200mm ano (WONS, 1994).

A produção de óleos essenciais no Brasil não atende a demanda, além disto, o mercado nacional e internacional A coleta e transporte do material vegetal na reserva foram realizados mediante licença pelo Instituto Ambiental do
vem demonstrando interesse por novas essências (BIZZO et al., 2009; SOUZA et al., 2010). Segundo Bandoni et al., Paraná nº 284/11.
(2008) estima-se que aproximadamente 65% do mercado de essências provêm de espécies cultivadas e 1% de espécies As amostras, formadas por um 1 Kg de ramos terminais com cladódios, foram compostas de no mínimo 50 exempla-
silvestres. Yunes et al., (2012), defende a ideia de se intensificar os estudos da flora Brasileira, de forma interdisciplinar, res da espécie, sendo efetuado o georeferenciamento no ponto médio da coleta e para identificação foram feitas exsicatas
visando à identificação de espécies promissoras para a produção de óleos voláteis, utilização como insumos na obtenção e registro fotográfico. As exsicatas foram transportadas até o Herbário das Faculdades Integradas Espírita (HFIE), onde
de ativos a serem incluídos em novos medicamentos à disposição do sistema de saúde nacional. foram herborizadas (LAWRENCE, 1951; IBGE, 1992) sendo tombadas no acervo do Herbário HFIE (Tabela 1). As dupli-
Detentor da maior biodiversidade do mundo com mais 40.000 espécies vegetais descritas (FERRO et al., 2006; catas foram enviadas ao Herbário do Museu Botânico Municipal (MBM) e Herbário da Universidade Federal do Paraná,
BRANDÃO et al., 2006; FORZZA et al., 2012). Segundo Forzza et al. (2012) o Brasil está em primeiro lugar entre os Ciências Biológicas (UPCB).
países megadiversos, com 56% das espécies de plantas endêmicas, sendo o Bioma Floresta Atlântica o que apresenta Tabela 1. Dados gerais de Baccharis milleflora coletado para extração de óleo essencial, Palmeira, PR, 2011.
maior número de espécies vegetais entre os biomas brasileiros, com mais de 19.000 espécies, destas mais de 7.600 es- Parte utilizada
Nome Científico *N°. Herbário **Localização Data de coleta
pécies endêmica. Os Campos Gerais são considerados “hot spots” de biodiversidade, (BILENCA e MIÑARRO, 2004, para extração
RIBEIRO et al., 2011), possuem uma estrutura, função e dinâmica muito particular e que representam ecossistemas Latitude Longitude
B. milleflora ramos terminais 8.920 27/11/11
altamente interativos (IBGE, 1992), com sua existência condicionada por fatores abióticos, pela ação antrópica e por (Leess.) A.P. De com cladódios
S 25º 19.980’ W 049º 48.285’
perturbações ditas naturais, como geadas, estiagem e especialmente o fogo (PILLAR, 2006). Neste sentido, fatores
pós-colheita, como a secagem e variações nos fatores ambientais influenciam no metabolismo secundário das espécies
* Número do exemplar referente à exsicata identificada, conforme se encontra no Herbário HFIE das FIES em Curitiba, PR.
vegetais afetando a produção e composição dos óleos essenciais (SANGWAN et al., 2001, GOBBO-NETTO e LOPES,
** Coordenadas do ponto médio de coleta da espécie, esta apresenta erro médio de 15 m de distancia ao entorno do ponto.
2007; BEZERRA et al., 2008; MORAIS, 2009; PRINS et al., 2010).

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2.2 Extração do óleo essencial Beta (SILVA, 2011).

O óleo foi extraído por hidrodestilação durante 4 horas e 30’ em aparelho graduado “Clevenger” utilizando-se
100g de material fresco e 50g seco em 1L de água destilada, com três repetições (WASICKY, 1963). Os ramos terminais
3 RESULTADOS E DISCUÇÃO
com cladódios e inflorescências foram separados para a extração com material seco e foram submetidos à secagem em
secador elétrico modelo FANEM - Mod. 320 SE com circulação de ar, a 40º C por 24 horas. 3.1 Rendimentos dos óleos essenciais

Para determinação do teor de umidade dos cladódios, ramos terminais com folhas e ou inflorescências no mo- As amostras de folhas de Baccharis milleflora apresentaram rendimento de óleo essencial de 0,16 % e 0,44 %
mento da extração foram coletadas amostras de 20g, em triplicatas, submetidas à secagem em secador elétrico modelo frescas e secas respectivamente (Tabela 2). A secagem afetou positivamente o rendimento do óleo essencial aumentando
FANEM - Mod. 320 SE com circulação de ar, a 65ºC até massa constante. em 275 % após a secagem, fato que pode estar relacionado às estruturas internas de armazenamento de óleo essencial no
tecido dos cladódios, conforme observado em outras espécies aromáticas. Futuros trabalhos para caracterização anatômi-
Após a extração, as amostras foram coletadas com micropipeta de precisão, acondicionadas em microtubos de 2ml
ca da estrutura de armazenamento do óleo essencial nesta espécie poderão elucidar esta questão.
e centrifugadas a 5.000 rpm por 2 minutos. Também determinou-se a massa total do óleo para o cálculo do rendimento
em balança analítica de precisão
Tabela 2 – Teores de óleos essenciais (%) das amostras frescas e secas de Baccharis milleflora nos Campos Gerais da Floresta
Atlântica do Estado do Paraná.
2.3 Identificações da composição química do óleo essencial Espécie Teor médio de Teor médio de
óleo óleo
A identificação dos constituintes químicos do óleo essencial foi realizada por cromatografia em fase gasosa acoplada
(amostras fres- (amostras se-
a espectrometria de massas (CG/EM). Os óleos essenciais foram diluídos em diclorometano na proporção de 1 % e 1,0 cas) cas)
µL da solução foi injetada, com divisão de fluxo de 1:20 em um cromatógrafo Agilent 6890 (Palo Alto, CA) acoplado a
detector seletivo de massas Agilent 5973N. O injetor foi mantido a 250 °C. A separação dos constituintes foi obtida em B. milleflora (Leess.) A.P. De 0,16 b 0,44 a
coluna capilar HP-5MS (5%-fenil-95%-dimetilpolissiloxano, 30 m x 0,25 mm x 0,25 μm) e utilizando hélio como gás
carreador (1,0 mL min-1). A temperatura do forno foi programada de 60 a 240 °C a uma taxa de 3 °C min-1. O detector CV % 27,03
de massas foi operado no modo ionização eletrônica (70 eV), a uma taxa de 3,15 varreduras min e faixa de massas de
-1
*As médias seguidas pela mesma letra minúsculas na linha não diferem estatisticamente entre si pelo teste de Scott-Knott ao nível de 5% de
40 a 450 u. A linha de transferência foi mantida a 260 ºC, a fonte de íons a 230 ºC e o analisador (quadrupolo) a 150 ºC. probabilidade.

Para a quantificação, as amostras diluídas foram injetadas em cromatógrafo Agilent 7890A equipado com detector
de ionização por chama (DIC), operado a 280 ºC. Foram empregadas as mesmas coluna e condições analíticas descritas Para a espécie B. milleflora no Rio Grande do Sul, Agostini et al. (2005) forma encontrados teores médios de óleo
acima, exceto pelo gás carreador usado, que foi o hidrogênio, a uma vazão de 1,5 mL min-1. A composição percentual essencial de 0,1% em amostras secas, porém menores que o encontrado neste trabalho nos Campos Gerais Paranaense.
foi obtida pela integração eletrônica do sinal do DIC pela divisão da área de cada componente pela área total (área %). Futuros trabalhos poderão caracterizar melhor o processo de secagem, com desenvolvimento de um protocolo de seca-
A identificação dos constituintes químicos foi obtida por comparação de seus espectros de massas com aqueles das gem para a espécie.
bibliotecas (WILEY, 1994; NIST, 2013) e também dos seus índices de retenção linear, calculados a partir da injeção de
uma série homóloga de hidrocarbonetos (C7-C26) e comparados com dados da literatura (ADAMS, 2007).
3.2 Composição química dos óleos essenciais

Foi identificado um total de 20 e 25 compostos químicos na composição do óleo essencial das amostras frescas
2.4 Análises dos dados e secas da espécie, em um total de 49,7 e 63,2 % de compostos identificados, respectivamente (Tabela 3). Avaliando
As variâncias foram testadas quanto à homogeneidade pelo teste de Bartlett e as médias foram comparadas pelo diferentes amostras de B. milleflora no Rio Grande do Sul, Agostini e colaboradores (2005) conseguiram em média
teste de Scott-Knott ao nível de 5% de probabilidade. Para isso utilizou-se o programa estatístico ASSISTAT versão 7.6 identificar 51,8 % dos compostos do óleo essencial da espécie. Por outro lado, Lago e colaboradores (2008), avaliando

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óleos essenciais de seis espécies do gênero Baccharis na Mata Atlântica Paulista identificaram 67 compostos químicos β-pineno 979 --- 0,4
nos óleos essenciais de amostras frescas. Agostini e colaboradores (2005), analisando os óleos essenciais de seis espécies
974
do gênero Baccharis no Rio Grande do Sul, identificaram 36 compostos químicos nas amostras secas, entre as espécies
Mirceno 991 988 0,9 2,9
estudadas. Especificamente em Baccharis milleflora foram identificados uma média de 13 compostos nas amostras de
β-felandreno 1031 1075 0,2 2,9
óleo essencial. (E)-beta-ocimeno 1050 1044 0,8 1,9
Linalol 1100 1095 --- 0,2
Em nosso estudo, verificou-se que as amostras de B. milleflora avaliadas apresentaram predominantemente ses- β-elemeno 1389 1389 0,2 0,3
quiterpenos (45,3 e 48,8%) entre folhas frescas e secas respectivamente, apresentando uma baixa concentração de mo- (E)-beta-cariofileno 1416 1417 2,8 5,6
noterpenos oxigenados (0,2 %) após a secagem. Em amostras da espécie coletadas no Rio Grande do Sul encontraram- α-humuleno 1450 1452 0,8 2,2
se, na composição química média identificada, predominantemente sesquiterpenos (34,73 %), também com uma baixa Sesquisabineno 1457 1443 0,9 1,3
γ-muuroleno 1478 1478 3,0 3,8
concentração de monoterpenos oxigenados em média menos de 0,1 % (Agostini et al., 2005).
Biciclogermacreno 1492 1494 4,7 4,4
α-muuroleno 1496 1500 --- 0,2
A espécie B. milleflora nos Campos Gerais Paranaense apresentou como componente majoritário o viridiflorol
β-bisaboleno 1505 1505 0,5 1,0
(18,6 e 16.8 %) nas amostras secas e frescas respectivamente, enquanto que nas análise do óleo conduzida no Rio Grande
Cubebol 1511 1514 0,8 0,7
do Sul verificou-se como componente majoritário na composição média das amostras o espatulenol (17,4 %) (Agostini δ-cadineno 1520 1522 2,1 2,4
et al., 2005). Espatulenol 1574 1577 0,7 2,4
Óxido de cariofi- 1578 1582 3,1 4,5
Variações na composição e teor do óleo essencial para as espécies avaliadas em diferentes regiões podem estar leno
relacionadas com as condições ambientais, quimiotipos, fases do ciclo vegetativo, teores de nutrientes no solo, horário Viridiflorol 1586 1592 18,6 16,8
e época de colheita, entre outros fatores (SANGWAN et al., 2001; GOBBO-NETTO e LOPES, 2007; SIMÕES et al., Rosifoliol 1602 1600 1,8 1,1
2007; MORAIS, 2009; PRINS et al., 2010). 1-epi-cubenol 1623 1627 1,2 1,8
Eremoligenol 1629 1629 --- 1,9
A secagem influenciou na composição do óleo essencial da espécie B. milleflora (Tabela 3), apresentando como Epi-α-muurolol 1639 1640 3,3 1,7
componentes principais: alfa-pineno, beta-pineno, linalol, alfa-muuroleno e eremoligenol. Após a secagem, houve um β-eudesmol 1645 1649 1,7 1,8
α-cadinol 1650 1652 1,6 1,8
aumento na porcentagem principalmente de mirceno, beta-felandreno, (E)-beta-cariofileno, alfa-humuleno e óxido de
Monoterpenos hi- 1,7 6,8
cariofileno na composição do óleo essencial da espécie, também houve um decréscimo no teor de viridiflorol e epi-alfa-
drocarbonetos (%)
muurolol após a secagem (Tabela 3). Monoterpenos oxi- --- 0,2
genados (%)
Acredita-se que as alterações na composição do óleo essencial após a secagem devem-se aos processos de oxida-
Sesquiterpenos hi- 15,1 20,4
ção e volatilização, e consequentemente formação de outros compostos (YUNES et al., 2012), alterando assim a compo-
drocarbonetos (%)
sição e as concentrações dos constituintes do óleo essencial. Sesquiterpenos oxi- 30,2 28,4

Tabela 3. Porcentual relativo dos componentes químicos do óleo essencial das amostras frescas e secas de Baccharis milleflora nos genados (%)
Campos Gerais da Floresta Atlântica do Estado do Paraná, 2012. Outros 2,7 7,4
Total de compostos 49,7 63,2
Compostos IRa IRb Amostra Fresca Amostra identificados (%)

Seca a
IR = Índice de retenção calculado; b IR= Índice de retenção da literatura

α-pineno 937 932 ---


1,6

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4 CONCLUSÕES nativas. Publicação Técnica do Instituto Nacional de Investigacion Agropecuária (INIA), Projeto FPTA 137, Uruguai,
2004.
B. milleflora apresenta na composição química de seu óleo essencial predominantemente sesquiterpenos e tem como
DICKE M, BALDWIN I.T. The evolutionary context for herbivoreinduced plant volatiles: beyond the ‘cry for help’.
componente majoritário o viridiflorol. Trends Plant Sci, v.15, 167–175, 2010.
A secagem afeta o teor e a composição química do óleo essencial da espécie. Sendo necessários futuros trabalhos para DI STASI L. C, HIRUMA-LIMA C. A, SANTOS C. M, GUIMARÃES. E. M. Asterales medicinais. In: Di Stasi L. C.
caracterização anatômica das estruturas celulares lisígenas da espécie, bem como estudos mais aprofundados e desenvol- Plantas medicinais na amazônia e na mata atlântica. UNESP. São Paulo, 2002.
vimento de um protocolo de secagem da espécie. EMBRAPA – Empresa Brasileira De Pesquisa Agropecuária. Sistema brasileiro de classificação de solos. 2. ed. Brasí-
lia: Embrapa/Centro Nacional de Pesquisa de Solos e Embrapa/Produção de Informação/Rio de Janeiro: Embrapa Solos,
2006.
REFERENCIAS
FERRO, A.F.P.; BONACELLI, M.B.M.; ASSAD, A.L.D. Oportunidades tecnológicas e estratégias concorrenciais de
gestão ambiental: o uso sustentável da biodiversidade brasileira. Gestão & Produção, v. 13, n. 3, p. 489-501, 2006.

ADAMS, R.P. Identification of essential oil components by gas chromatography/mass spectroscopy. Allured Pub- FORZZA, R. C.; BAUMGRATZ, J. F. A.; BICUDO, C. E. M.; CANHOS, D. A. L.; JUNIOR CARVALHO, A. A.; COE-
lishing Corporation: Carol Stream, 2007. LHO, M. A. N.; COSTA, A. F.; COSTA D. P.; HOPKINS, P. M.; LOHMANN, L. G.; LUGHADHA, E. N.; MAIA, L.
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TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DOS COMPOSTOS VOLÁTEIS DE FOLHAS DE Varronia curassavica 1 INTRODUÇÃO
Vell. (Boraginaceae) SUBMETIDAS A DIFERENTES MÉTODOS DE SECAGEM O Brasil é um dos países com a maior biodiversidade do mundo, com mais de 40 mil espécies vegetais descritas, o
que corresponde a 22% do total mundial (Brandão et al., 2006; Ferro et al., 2006; Forzza, et al. 2012). A espécie Varronia
Wanderlei do Amaral1; Marília Pereira Machado1; Lilian Cristina Côcco2; Luiz Antonio Biasi1; Luiz Everson da Silva3; curassavica Vell., pertencente à família Boraginaceae, tem como sinonímia Cordia verbenacea, é um arbusto perene
Cícero Deschamps1 que ocorre espontaneamente no litoral do Brasil, desde o Espírito Santo até Santa Catarina. Popularmente é conhecida
como erva baleeira, sendo utilizada como antiinflamatório, anti-úlcera e cicatrizante (Lorenzi e Matos, 2008), também é
empregada no tratamento de artrite, reumatismo, tendinite, dores musculares e contusões (Carvalho et al., 2004; Sertié et
RESUMO al., 2005; Ticli et al., 2005).
O óleo essencial de V. curassavica, composto por monoterpenos, sesquiterpenos (Carvalho et al., 2004), triterpenos
O objetivo do presente trabalho foi avaliar diferentes métodos de secagem no rendimento e composição química dos
compostos voláteis de folhas de V. curassavica, utilizando-se a técnica de hidrodestilação para a extração do óleo (Velde et al., 1982) e flavonas (Lins et al., 1990), é armazenado em tricomas glandulares (Ventrella e Marinho, 2008).
essencial. Os compostos voláteis foram caracterizados por GC-MS. Os componentes majoritários foram alfa-pineno, Entre os constituintes presentes no óleo pode-se citar o α-pineno, o allo-aromadendreno, o trans-cariofileno, o β-gurjuneno
allo-aromadendreno e trans-cariofileno. Os métodos de secagem influenciaram no teor e na composição do óleo. e o α-humuleno (Carvalho et al., 2004).
Existe um grande interesse da indústria farmacêutica na obtenção de óleo essencial de V. curassavica, como
Palavras-chaves: Cordia verbenacea, terpenos, óleos essenciais, plantas medicinais e aromáticas. matéria-prima para a fabricação de medicamentos. Após o isolamento da molécula α-humuleno, presente no óleo
essencial de V. curassavica, grandes progressos foram feitos no sentido de se comprovar a eficácia da espécie em
YIELD AND CHEMICAL COMPOSITION OF VOLATILE COMPOUNDS FROM Varronia curassavica Vell. processos inflamatórios (Pianowski, 2005). Ao isolar os sesquiterpenos α-humuleno e trans-cariofileno verificou-se que,
(BORAGINACEAE) LEAVES UNDER DRYING CONDITIONS nos modelos experimentais usados, estes dois compostos possuíam efeito marcante como anti-inflamatório, quando
administrados via oral e concluíram que estas duas moléculas representam importantes entidades químicas no tratamento
ABSTRACT de processos inflamatórios (Fernandes et al., 2007).
Por outro lado, grandes esforços têm sido empregados na busca de maximizar a quantidade de óleo essencial
The objective of this study was to evaluate different drying methods on the yield and chemical composition of the produzido por plantas sem a perda de sua qualidade, ou seja, mantendo a concentração original de seus constituintes
volatile compounds of V. curassavica sheets, using the hydrodistillation technique for essential oil extraction. The volatile químicos, podendo, dessa forma, otimizar a produção de fármacos, melhorando a qualidade do produto sem acarretar
compounds were characterized by GC- MS. The major components were alpha- pinene, allo-aromadendrene and trans-
custos adicionais ao processo produtivo (Silva, 2005).
caryophyllene. The drying methods influence on the amount and composition of the oil.
Neste contexto, a secagem é fundamental para evitar a fermentação ou degradação dos princípios ativos. A secagem
Key-words: Cordia verbenacea, terpenes, essential oil, medicinal aromatic plants. deve ser realizada de maneira adequada para preservar as características do óleo essencial (Brasil, 2006). O excesso de
umidade em matérias-primas vegetais permite a ação de enzimas, podendo levar à degradação de constituintes químicos,
além de permitir o desenvolvimento de fungos e bactérias (Farias, 2003). além disso, os processos de secagem podem
afetar o teor e a composição do óleo essencial devido à volatilização dos constituintes mais instáveis (Von Hertwig, 1991).
A secagem de plantas medicinais pode ser realizada de forma natural ou artificial. O processo é comumente
realizado da seguinte forma: ao ar livre e ao sol, à sombra, e por meio de ar aquecido em secadores ou estufas (Alonso,
1998).
Devido à importância da secagem na obtenção do óleo essencial de plantas aromáticas e medicinais, o presente
trabalho teve por objetivo avaliar diferentes métodos de secagem no rendimento e composição química do óleo essencial
de V. curassavica.
1 Universidade Federal do Paraná – Departamento de Fitotecnia e Fitossanitarismo - CEP: 81.531.990, Curitiba – Paraná – Brasil. Email:
wdoamaral@hotmail.com
2 MATERIAL E MÉTODOS
2 Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico, CEP: 81530-990, Curitiba, Paraná – Brasil O material vegetal foi coletado de exemplares de V. curassavica com três anos de idade, no Município de Piraquara
– PR (25º32’ S; 49º03’ W; altitude média de 950 m). A identificação botânica da espécie foi realizada no Herbário HFIE
3 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral – CEP: 83260-000, Matinhos – Paraná – Brasil

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das FIES, Curitiba, PR, tombada no acervo sob nº. 9.122 (Lawrence, 1951; IBGE, 1992). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O solo da área experimental em análise química prévia possuía: pH CaCl2=5,40; Al+3=0,00 cmolc dm-3; H++Al+3=4,60 Os resultados obtidos para o rendimento do óleo essencial extraído de folhas de V. curassavica, submetidas a
cmolc dm-3; Ca+2=5,40 cmolc dm-3; Mg+2=3,40 cmolc dm-3; K+=0,30 cmolc dm-3; P=4,60 mg dm-3; C=30,5 g dm-3; saturação diferentes métodos de secagem, estão apresentados na Tabela 1, podendo ser observadas diferenças significativas entre os
por bases=66%. tratamentos realizados para a secagem das folhas. O material vegetal seco à temperatura ambiente durante um período de
O material vegetal foi coletado no período da manhã e levado imediatamente para o laboratório de Ecofisiologia 28 dias apresentou maior rendimento de óleo essencial (1,8%), sendo que a secagem das folhas em estufa à 65ºC durante
(UFPR) para pesagem e preparo. A secagem foi realizada utilizando os seguintes métodos: folhas frescas; sete dias 48 h apresentou um rendimento de óleo essencial muito inferior (0,05%), demonstrando que esta condição de secagem
de secagem à temperatura ambiente; 14 dias de secagem à temperatura ambiente; 21 dias de secagem à temperatura é inviável para a obtenção dos compostos voláteis de V. curassavica. O baixo rendimento de óleo essencial extraído de
ambiente; 28 dias de secagem à temperatura ambiente; secagem em secador elétrico (modelo FANEM - Mod. 320 SE) folhas secas à 65ºC pode ter ocorrido devido à provável volatilização do óleo quando o material vegetal foi exposto à alta
com circulação de ar, a 45 ºC e 65ºC por 48 h. A extração do óleo essencial das folhas frescas, realizada no mesmo dia da temperatura, aliado ao tempo de secagem (48 h), reduzindo o teor de umidade da biomassa para 7,95%. A secagem deve
coleta do material, foi utilizada como testemunha. A secagem em temperatura ambiente apresentou temperatura média de ser realizada até que a planta atinja 8% a 12% de umidade, conforme a espécie e parte da planta (Passos et al., 2007). O
21°C e umidade relativa do ar média de 72%, durante a realização do experimento. presente estudo demonstrou que para V. curassavica com teor de umidade próximo de 20%, alcançado com a secagem à
A extração do óleo essencial foi realizada por hidrodestilação durante quatro horas em aparelho graduado tipo sombra por 28 dias, foi mais apropriado entre os tratamentos realizados, por ter elevado o teor de óleo essencial (Tabela
Clevenger (Wasicky, 1963), utilizando-se 100 g de folhas frescas e 50 g folhas secas. Para determinação do teor de 1).
umidade subamostras de 20g de cada repetição foram submetidas a secagem em secador elétrico (modelo FANEM – O rendimento do óleo essencial extraído de folhas frescas e secas à 45ºC por 48 h não tiveram diferença significativa,
Mod. 320 SE) com circulação de ar, à temperatura de 65ºC até massa constante. Após a extração, as amostras foram apresentando rendimentos de 0,6% e 0,7%, respectivamente. Demonstrando que tanto um alto teor de umidade (58,52%)
coletadas com pipeta de precisão, acondicionadas em tubos Eppendorf® de 2 ml, centrifugadas em microcentrífica a 5.000 quanto um baixo teor de umidade (8,03%), não foram satisfatórios para a obtenção do óleo essencial (Tabela 1). Em outro
rpm por 2 minutos, para separar resíduo de água das amostras. Também se determinou em balança analítica de precisão estudo também foi observado baixo teor de óleo essencial (0,37%) de V. curassavica a partir de folhas frescas (Passos et
a massa total do óleo para o cálculo do rendimento. al., 2007). Porém, a secagem das folhas influenciou positivamente o teor do óleo essencial extraído de V. curassavica,
sendo obtido um teor de 0,47% de óleo essencial a partir de folhas frescas, e o teor de óleo essencial das folhas secas à
A análise para quantificação dos constituintes do óleo essencial foram realizadas utilizando um cromatógrafo a gás
60ºC até massa constante foi de 1,92% (Rodrigues et al., 2011). Contudo, para a mesma espécie resultados controversos
Varian GC-450 equipado com detector de ionização de chama, usando uma coluna capilar CP-SIL 8 CB (30 m x 0,25
foram apresentados em estudo anterior, no qual avaliou-se a orientação geográfica e o dossel das plantas na produção
mm). O injetor foi mantido aquecido a 250 ºC, com Split 1:200. As amostras dissolvidas em etanol, foram injetadas com
do óleo essencial, sendo alcançado um teor de 1,0% de óleo essencial de folhas frescas das plantas colhidas as 18 h na
volume de 1,0 µL, usando o hélio como gás de arraste a um fluxo de 1mL/min. A programação de temperatura do forno
orientação geográfica e dossel norte e sul basal (Souza et al., 2011).
foi: início de 60ºC por 1 minuto, com elevação de temperatura a 240 ºC, na razão de 3 ºC min-1. A temperatura do detector
manteve-se a 300 ºC e os picos obtidos foram utilizados para quantificação relativa de todos os constituintes presentes.
Tabela 1. Teor de umidade (%) e teor de óleo essencial (%) de folhas de Varronia curassavica submetidas a diferentes
Para a identificação dos constituintes, uma análise por cromatografia acoplada a espectrometria de massas foi temperaturas de secagem.
Teor de umidade (%) Teor de óleo essencial
realizada, usando-se um cromatógrafo Varian CP 3800/Saturn 2000 com impacto de elétrons. As mesmas condições Métodos de secagem
(%)
analíticas usadas na quantificação foram aplicadas neste caso, excetuando-se as condições do detector, ajustado para Folhas frescas 58,52 0,6 c
Sombra 7 dias 29,74 1,1 b
varredura de massa de 30 a 500 m/z e tempo de scan 0,4 s/scan-1. As temperaturas do manifold, transfer line e trap foram Sombra 14 dias 23,63 1,2 b
Sombra 21 dias 21,22 1,3 b
100 ºC, 200 ºC e 150 ºC, respectivamente. Um padrão com série homóloga de n-alcanos (C6-C20) foi injetado nas mesmas Sombra 28 dias 20,60 1,8 a
Secador à 45ºC 48 horas 8,03 0,7 c
condições analíticas para calcular o índice de retenção linear de cada constituinte. O espectro de massas e o índice de Secador à 65ºC 48 horas 7,95 -
C.V. (%) 19,84
retenção linear foram comparados aos reportados em literatura para identificação segura (Adams, 2007). Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem significativamente pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com três repetições. Os dados foram submetidos à
análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade. Dados em porcentagem Devido ao baixo teor de óleo essencial obtido a partir das folhas secas em estufa à 65ºC, apresentado anteriormente,
foram transformados em arco-seno √x/100. Os dados referentes aos teores de óleo essencial e os teores dos constituintes não foi possível realizar a análise dos constituintes químicos das amostras desse tratamento.
majoritários foram submetidos à análise de regressão. Nas amostras analisadas foram identificados 28 constituintes do óleo essencial de V. curassavica, que corresponderam
por 93,83% - 95,90% do total do óleo, nos diferentes tratamentos. Os óleos são ricos em monoterpenos hidrocarbônicos
(22,32% - 43,92%) e sesquiterpenos hidrocarbônicos (47,08% - 64,84%). Os constituintes majoritários foram: α-pineno,

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allo-aromadendreno e trans-cariofileno, em todos os experimentos realizados (Tabela 2). atividade anticarcinogênica e antiinflamatória (Zheng et al., 1992).
Folhas frescas e secas à sombra por 28 dias apresentaram óleo essencial com maior porcentagem de α-pineno O teor de α-humuleno em folhas frescas foi 2,82% e, em folhas secas a 45 ºC em estufa por 48 h foi 4,56% (Tabela
(40,87% e 40,01%, respectivamente), sendo que a secagem das folhas à 45ºC em estufa por 48 h reduziu a porcentagem 2, Figura 1). O constituinte α-humuleno é o princípio ativo presente no óleo essencial de V. curassavica considerado
de α-pineno do óleo para 20,72% (Tabela 2). responsável pelo efeito anti-inflamatório. Em produto comercial de uso tópico, o óleo é padronizado em 2,3 – 2,9% de
Observou-se que a porcentagem do constituinte allo-aromadendreno não apresentou diferença significativa nos α-humuleno, sendo o tratamento de secagem à sombra por 28 dias o que levou ao teor mais aproximado de 3,06%, não
óleos essenciais extraídos das folhas submetidas aos diferentes tratamentos, variando de 21,99% (folhas frescas) a 27,91% diferindo estatisticamente da secagem à sombra por 7, 14 e 21 dias (Tabela 2).
(folhas secas a 45ºC em estufa por 48 h) (Tabela 2). 20

18

Teor de óleo essencial (µL g-1ms)


16

Tabela 2. Componentes químicos do óleo essencial de folhas de V. curassavica, submetidas a diferentes métodos de
14

12

secagem. 10

Método de secagem 8

Temperatura ambiente à sombra Estufa 6

2
45ºC
Folhas
0

45
Componentes IR1 IR2 7 dias 14 dias 21 dias 28 dias 48 h 40

frescas 35
α-Pineno 932 932 40,87 a 33,84 c 32,49 c 36,84 b 40,01 a 20,72 d 30
α-Fencheno 947 945 0,32 b 0,28 c 0,40 a 0,43 a 0,30 b 0,17 d

α-Pineno (%)
Canfeno 949 946 0,17 b 0,19 a 0,15 b 0,19 a 0,20 a 0,09 c 25

Sabineno 971 969 0,17 b 0,18 b 0,12 c 0,14 c 0,20 a 0,09 d 20


Mirceno 987 988 0,17 b 0,19 a 0,13 c 0,16 b 0,22 a 0,10 d
Limoneno 1028 1024 0,43 a 0,44 a 0,31 b 0,37 b 0,46 a 0,23 c 15

β-Felandreno 1030 1025 1,30 a 1,15 a 0,99 b 1,11 a 1,21a 0,75 c 10


Cis-β-ocimeno 1043 1032 0,33 a 0,31 a 0,20 b 0,26 b 0,29 b 0,09 c
Terpinoleno 1085 1088 0,16 a 0,15 a 0,19 a 0,16 a 0,13 a 0,08 b 5

n-nonanal 1105 1100 0,12 a 0,08 a 0,12 a 0,11a 0,12 a 0,11a 0


Acetato de isobornila 1284 1283 0,49 a 0,44 a 0,42 a 0,45 a 0,46 a 0,51 a 20
Acetato de citronelila 1348 1350 0,66 a 0,65 a 0,54 a 0,61 a 0,62 a 0,69 a
Ciclosativeno 1367 1369 0,40 a 0,47 a 0,56 a 0,43 a 0,41 a 0,51 a 18

α-Copaeno 1374 1374 0,26 a 0,28 a 0,40 a 0,30 a 0,26 a 0,28 a 16


β-bouboneno 1382 1387 0,15 a 0,16 a 0,19 a 0,15 a 0,14 a 0,19 a 14

Trans-cariofileno (%)
β-Cubebeno 1385 1387 0,16 c 0,36 a 0,15 c 0,19 c 0,25 b 0,33 a 12

Trans-cariofileno 1417 1417 11,61b 14,21b 14,18 b 13,26 b 12,66 b 18,51ª 10


β-Gurjuneno 1428 1431 2,16 a 2,43 a 2,74 a 2,40 a 2,23 a 2,83 a 8
Gama elemeno 1432 1434 0,44 a 0,51 a 0,56 a 0,51 a 0,47 a 0,59 a
α-Humuleno 1453 1452 2,82 c 3,40 b 3,30 b 3,19 b 3,06 b 4,56 a 6

Allo aromadendreno 1458 1458 21,99 a 25,37 a 26,39 a 23,69 a 22,78 a 27,91 a 4
Gama muuroleno 1479 1478 2,69 a 3,05 a 2,98 a 2,76 a 2,65 a 3,51 a
Biciclogermacreno 1493 1500 3,37 a 3,61 a 2,91 a 3,20 a 3,18 a 4,27 a 2

Germacreno A 1505 1508 0,42 a 0,36 a 0,45 a 0,43 a 0,36 a 0,51 a 0


Delta amorfeno 1516 1511 0,61 b 0,63 b 0,58 b 0,65 b 0,59 b 0,84 a 5
Espatulenol 1576 1577 1,59 a 1,56 a 1,67 a 1,87 a 1,63 a 2,54 a 4,5
Óxido de cariofileno 1581 1582 0,90 b 0,91 b 1,17 b 1,09 b 0,89 b 1,59 a 4
Ledol 1604 1602 0,97 b 0,95 b 0,95 b 0,95 b 0,87 b 1,23 a
Monoterpenos oxigenados 1,27 1,17 1,08 1,17 1,2 1,31
3,5

α-Humuleno (%)
3

Monoterpenos hidrocarbonetos 43,92 36,73 34,98 39,66 43,02 22,32 2,5


2
1,5
Sesquiterpenos oxigenados 3,46 3,42 3,79 3,91 3,39 5,36 1
0,5

Sesquiterpenos hidrocarbonetos 47,08 54,84 55,39 51,16 49,04 64,84 0


Folhas Ambiente 7 Ambiente 14 Ambiente 21 Ambiente 28 Secagem à
1. frescas dias dias dias dias 45°C

Total Identificado 95,73 96,16 95,24 95,90 96,65 93,83


Figura 1. Teor de óleo essencial e análise dos principais componentes do óleo essencial de V. curassavica em relação à
1
IR = Índices de Retenção Calculados. 2IR = Índices de Retenção da Literatura. Médias seguidas pela mesma letra na linha não diferem
diferentes métodos de secagem.
estatisticamente pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade.

A maior porcentagem de trans-cariofileno (18,51%) foi encontrada no óleo extraído das folhas secas em estufa a
45ºC durante 48 h, nos demais tratamentos as porcentagens variaram de 11,61% a 14,21% (Tabela 2, Figura 1). Estudos
anteriores comprovam que o Trans-cariofileno, um sesquiterpeno presente no óleo essencial de V. curassavica, apresenta

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


400
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4 CONCLUSÃO Passos, G. F.; Fernades, E. S.; Cunha, F. M.; Ferreira, J.; Pianowski, L. F.; Campos, M. M.; Calixto, J. B.; Anti-
A secagem das folhas de erva-baleeira realizada à sombra durante 28 dias foi o método que proporcionou maior inflammatory and anti-allergic properties of the essential oil and active compounds from Cordia verbenacea. Journal of
teor de óleo essencial. Independente do método de secagem os constituintes majoritários foram alfa-pineno, allo- Ethnopharmacology, v.110, 323-333, 2007.
aromadendreno e trans-cariofileno. Porém, a secagem das folhas em estufa a 45ºC durante 48 h, proporcionou aumento Pianowski, L.; Primeiro fitomedicamento baseado em planta Brasileira é um antiinflamatório. Jornal Phytomédica, v.1,
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
UTILIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA IRRIGAÇÃO INTRODUÇÃO.

A escassez de água potável é um dos problemas global, sendo um dos mais preocupantes deste século. A água
potável é um recurso finito e cada vez mais escasso. O Brasil apesar de possuir a maior reserva de água doce do mundo
Jhonatas Antonelli1; Gabriela Reichert2; Steffany Katherine Baudisch3; Juliana Leithold; Leandro José Lemes Stival4; também possui problemas com a disponibilidade deste recurso. O aumento do uso de água para irrigação nos últimos anos
RESUMO vem causando grande preocupação para as autoridades, pois os estados que mais utilizam água para este fim possuem
grande densidade demográfica.
A água é um recurso finito e deve ser utilizada de maneira consciente, sempre priorizando o consumo humano, a fim de
evitar conflitos. No Brasil grande parte do consumo de água é destinado na agricultura com a finalidade de irrigação, A água utilizada para a irrigação na agricultura é o volume desse recurso que não é suprido naturalmente por meio
resultando nos principais problemas e conflitos provenientes da falta e do uso inadequado deste recurso. A produção agrí- de chuva, sendo necessário à aplicação artificial, de forma a aperfeiçoar o desenvolvimento biológico das cultivares
cola no Brasil é um dos setores que mais cresce sendo o processo de irrigação um dos responsáveis por este crescimento.
(FERNANDEZ & GARRIDO, 2002).
No Brasil nos últimos anos ocorreu expansão média de 4,6% na área irrigada, atingindo mais de 5 milhões de hectares,
no qual o consumo de água chegou a 1841m3.s-1. Algumas técnicas como a modernização dos equipamentos podem ser De acordo com BERNARDI (2003), Por meio da irrigação, pode-se intensificar a produção agrícola, regularizando
utilizadas a fim de minimizar o desperdício de água neste setor. Outras técnicas como a utilização de águas residuais,
ao longo do ano as disponibilidades e os estoques de cultivares, uma vez que esta prática permite uma produção na contra
poderia resultar na diminuição de mais de 17% do uso da água potável na irrigação. A diminuição do desperdício de água
pela irrigação poderia amenizar grande parte dos problemas resultantes de conflitos por recursos hídricos. A aplicação de estação. Além disso a agricultura irrigada reduz as incertezas, prevenindo o agente econômico contra a irregularidade das
técnicas para diminuição do desperdício de água na irrigação exige grandes investimentos tanto no setor público quanto chuvas.
no privado, sendo este o maior entrave na viabilização destas praticas.
Este trabalho tem por objetivo apresentar o panorama nacional do uso da água para irrigação e seus possíveis con-
Palavras Chave: Irrigação; Conflitos por água; Desperdício de água.
flitos, apresentando e discutindo os aspectos mais relevantes sobre a adoção desta prática.

USE OF WATER RESOURCE IN IRRIGATION CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

ABSTRACT O Brasil é um país em desenvolvimento com uma população aproximada de 202 milhões de habitantes dos quais
85% estão concentrados nas áreas urbanas, com densidade demográfica de 23hab/km2 (IBGE de 2010). O produto interno
Water is a finite resource and should be used consciously, always giving priority to human consumption in order to avoid
conflicts. This paper presents and discusses the main aspects related to use of water for irrigation, the main problem and bruto (PIB) do Brasil mais que triplicou do ano 2000 até ao ano 2012, resultando em uma taxa de crescimento médio de
conflicts arising from failure and inappropriate use of water resource. Initially were shown data on the evolution of agri- 10,5% ao ano (FMI, 2013). A agropecuária é um dos setores que mais contribuiu para o crescimento da economia, sendo
cultural production in Brazil and the importance of irrigation for this sector. In the last five years it occurred an average responsável por mais de 22% do PIB do Brasil, alcançando o valor corrente de R$ 284,6 bilhões (IBGE de 2015).
expansion of 4.6% in the irrigated area, reaching more than 5 million irrigated hectares, where the water consumption
reached 1841 m3/s. Techniques have been presented that can be applied in order to reduce the waste of water for irriga- De acordo com o IBGE (2006), o Brasil possui uma extensão territorial de mais de 851 milhões de hectares, destes
tion. Another way to save water resources would be the reuse of waste water, this practice could result in a decrease of apenas 68 milhões são cultivados, menos de 8% de todo o território. Nos últimos anos a área cultivada aumentou em mé-
more than 17% of water use in irrigation. The decrease water wastage by irrigation could alleviate most of the problems
dia 4% ao ano, aliado a este crescimento ocorre um aumento na área irrigada.
arising from conflicts over water resources. The application of techniques to decrease the waste of water in irrigation,
requires large investments in both the public and the private sector, which is the biggest obstacle to the viability of these ANA (2015) relata que ouve crescimento em mais de 32% da área agrícola irrigada do ano de 2006 até 2013 resul-
practices.
tando em média de expansão de 4,6% ao ano. Em 2009 a área irrigada no Brasil era de 4,6 milhões de hectares podendo
Keywords: Irrigation; Conflicts for water; Waste water. ter ultrapassando os 5,0 milhões de hectares em 2014. A forma mais comum de irrigação é por pivô central, sendo os
estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, os que mais utilizam desta técnica para irrigação.

De acordo com a Tabela 1 o Brasil possui aproximadamente 12% da produção hídrica mundial, sendo a maior reser-
1 Doutorando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; jonatas-a@hotmail.com var de água doce do mundo. ANA (2015) relata que de toda água consumida no Brasil aproximadamente 72% é destinada
para irrigação, sendo que em 2006 foi estimado que foram retidos mais de 1841m3/s de água, destes mais de 47% foi
2 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; gabrielareichertamb@gmail.com
utilizado para a irrigação.
3 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; steffany.bau@gmail.com

4 Mestrando em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental - Universidade Federal do Paraná; leandrostival@gmail.com

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402
29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
Tabela 1. Produção Hídrica no Brasil e no Mundo ção, custos ambientais além do comprometimento da disponibilidade e da qualidade dos recursos hídricos, estes fatores
têm ocorrido em muitos projetos de irrigação, em todo o mundo (OLIVEIRA, 2006). Com isso a irrigação pode se tornar
Dados Valores
insustentável, causando grandes prejuízos ao meio ambiental, ao setor econômico e a sociedade.
Produção hídrica no Brasil (m3/s) 168.790
Produçao hídrica per capta no Brasil (m3.hab/ano) 30.801 A irrigação em excesso também pode causar prejuízos ao desenvolvimento e rendimento das culturas, devido a de-
Produção hídrica mundial (m3/s) 1.448.000 ficiência de oxigênio nas raízes, redução da atividade metabólica, aumento da resistência ao movimento de água através
Relação produção hídrica no Brasil por produção hídrica no mundo (%) 12 das raízes, acumulação de compostos tóxicos e perdas de nutrientes por lixiviação. (GODEFROY et al., 1975; SILVEIRA
Fonte - BEEKMAN, 1995 e STONE, 2001).

O manejo adequado da irrigação pode diminuir o consumo de água e energia acarretando na melhora dos ganhos
econômicos do produtor. De acordo com Valiati (2006), baseada na evapotranspiração da cultura (ETc) de feijão, com
IMPORTÂNCIA DA IRRIGAÇÃO manejo adequado da lâmina de água na irrigada por pivô seria possível economizar aproximadamente 58,6% na utiliza-
A irrigação e a drenagem dos campos são atividades utilizadas com a finalidade de compensar os efeitos negativos ção da água.
da má distribuição, espacial e temporal, das águas de precipitação (BERNARDI, 2003). Embora a agricultura irrigada
seja geralmente associada a um elevado nível tecnológico, é consenso que a irrigação no Brasil é ainda praticada de forma
CONFLITO POR ÁGUA
inadequada, resultando em grande desperdício (MAROUELLI, 2008).
Conflitos por água são cada vez mais frequentes se tornando comum no Brasil, podendo ser em diversas escalas e
A utilização da irrigação na agricultura é uma atividade que vem ganhando grande espaço no Brasil nos últimos
sobre os mais diversos propósitos, porém, estes conflitos quase sempre representam uma forma de dominação e disputa
anos, se tornando uma atividade econômica de grande importância, já que cobre mais de 7% da área cultivada (BER-
do desenvolvimento do território (CUNHA et al., 2012).
NARDI, 2003).
O Nordeste brasileiro é a região com mais disputas por recursos hídricos no Brasil, esta condição é devido princi-
A irrigação se tornou uma alternativa para contornar o déficit hídrico, evitando assim prejuízos ao desenvolvimento
palmente ao regime de chuvas na região, que vai de janeiro a julho e à topografia do local. Os confrontos em alguns casos
das plantas. De acordo com CARMO et al, (2003) a água é um dos fatores essenciais para a expansão celular das plantas,
podem resultar em morte e exploração da miséria. Em algumas regiões mais arridas ocorre à formação de rios intermi-
sua limitação implica menor crescimento de células e tecidos, menor incremento em altura da planta, número de folhas,
tentes, não garantindo o abastecimento de água em épocas de seca, no qual o abastecimento é oriundo principalmente de
área foliar e por consequência menor produção.
reservatório e de poucos poços (PINHEIRO et al., 2004).
De acordo com ANA (2006) estimasse que a área agrícola irrigada no Brasil poderia chegar a aproximadamente 5
Conflitos pelo uso da água estão acontecendo em varias regiões do Brasil, porém o semiárido do nordeste é a região
milhões de hectares no ano de 2014, representando mais de 7,3% de todo área cultivada. Sendo assim a irrigação repre-
mais atingida. Na Paraíba o principal motivo por conflitos por água é entre o abastecimento publico e a irrigação, neste
senta um fator de grande importância para o desenvolvimento econômico social e cultural no Brasil.
estado em época de escassez hídrica o uso da água para irrigação em determinados mananciais se torna proibida, porém
ainda ocorrem ligações clandestinas que prejudicam a disponibilidade de água para uso humano (CUNHA et al., 2012).
USO INSUSTENTÁVEL DA IRRIGAÇÃO A região sudoeste é a região econômica mais importante para o Brasil, sendo São Paulo e Rio de Janeiro os estados
O uso inadequado da irrigação acarreta em elevação dos custos de produção, consumo de água e de energia. Devido com maior renda per capta e densidade demográfica do Brasil (IBGE, 2010). Estes dois estados estão atualmente envol-
ao aumento dos custos aliado à queda de produtividade e qualidade dos produtos agrícolas, pode haver redução do retorno vidos no conflito por água para abastecimento de maior magnitude do Brasil. O estado de São Paulo é um dos estados
econômico do produtor, (LUENENBERG et al., 2009). que mais utiliza água para irrigação, sendo este fato apontado como um dos causadores da crise de água no ano de 2014
(ANA, 2015).
Para que o desperdício de água pela irrigação seja minimizado é necessário que se aplique critérios técnicos ade-
quados, sendo que estes devem ocorrer tanto na fase de dimensionamento quanto durante a operação dos sistemas de Na região do Sul do Brasil a agricultura irrigada é uma das principais causadoras de conflitos sobre o uso da água.
irrigação. A escassez de informações completas sobre parâmetros de manejo de irrigação e falta de sistematização das Sendo a pratica da orizicultura irrigada a fontes de discussão sobre o suo de recursos hídricos na agricultura (ANA, 2009).
informações existentes, pode causar controle inadequado da irrigação, resultando em desperdícios de água (MAROUEL- Como respostas ao surgimento de vários conflitos pelo seu uso da água, foram criadas normas para o gerenciamento
LI et al., 2011). dos recursos hídricos, estas normas trazem muitos avanços para este setor, como o reconhecimento da água como bem
A falta de qualidade da irrigação causa grandes desperdícios de água o que resulta no aumento dos custos de produ- natural dotado de valor econômico e criação dos conceitos de usuário pagador e poluidor pagador (Lei n° 9.433, 1997).

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
USO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO Tabela 2. Áreas potenciais para irrigação com esgotos sanitários
A sustentabilidade ocorre quando a base dos recursos naturais e do meio ambiente seja usada de maneira cons- Volume Potencial de Esgoto (m3/
Área potencial para Irrigação (ha)
ciente, de modo que a produtividade da terra possa pelo se manter e se possível possa se crescer ao longo do tempo. Região ano)
Sendo assim o uso deste recurso não deve exceder sua capacidade de renovação (CIRILO, 2008)social and economic Norte 45.873 443.012,60
characteristics in the Brazilian semi-arid region require specific technologies of water resources uses and conservation. Nordeste 92.101 1.508.697,20
So, many alternatives for clean water acquisition must be analyzed. In opposition to the traditional way of accumulating Sudeste 540.968 5.831.854,50
water in small surface reservoirs and perforation of wells in crystalline terrains, alternatives have been looking like great Sul 97.336 1.115.193,40
depth wells in sedimentary areas, methodologies for evaporation reduction and salinization control, destination and use Centro-oeste 72.545 576.077,90
Brasil (soma) 848.823 9.476.858,90
of effluents. Finally, works for river basins integration and water transport over long distances are starting to be built in
Fonte - (MIERZWA, 2002)
Northeast region. The approach in those water policies for the Brazilian semi-arid region is the purpose of this paper.”,
“author” : [ { “dropping-particle” : “”, “family” : “Cirilo”, “given” : “Jos\u00e9 Almir”, “non-dropping-particle” : “”,
“parse-names” : false, “suffix” : “” } ], “container-title” : “Estudos Avan\u00e7ados”, “id” : “ITEM-1”, “issue” : “63”,
“issued” : { “date-parts” : [ [ “2008” ] ] }, “page” : “61-82”, “title” : “Pol\u00edticas p\u00fablicas de recursos h\u00e- De acordo com a ONU, de toda água doce disponível no planeta em média 70% é utilizada para irrigação, 20% no
ddricos para o semi-\u00e1rido”, “type” : “article-journal”, “volume” : “22” }, “uris” : [ “http://www.mendeley.com/do- setor industrial e 10% uso domestico, no qual a economia de 10% do consumo de água na irrigação seria suficiente para
cuments/?uuid=700520aa-0101-4b24-b6ac-87945b9ba033” ] } ], “mendeley” : { “formattedCitation” : “(CIRILO, 2008. garantir o abastecimento deste recurso para toda a população mundial.

Em geral a irrigação é uma técnica que deve ser adotada quando existe uma deficiência na disponibilidade natural
de água para a planta, quando a falta de água causa decréscimo acentuado nas atividades fisiológicas e consequentemente CONCLUSÃO
afeta o seu desenvolvimento e a sua produtividade (MAROUELLI et al., 2011).
escente demanda por alimente aliado ao aumento da população e ao consumo de água está exercendo grande pres-
Para que se possa obter melhor a eficiência no uso de água na agricultura irrigada, é necessário que se invista em
são sobre os recursos hídricos, resultando no surgimento de conflitos envolvendo a distribuição e uso da água.
melhorias técnicas, com a adoção de sistemas de irrigação mais avançados, como a aspersão e principalmente o goteja-
mento e a microaspersão, aliado ao uso conjunto de águas superficiais e subterrâneas, além do uso de estratégias para o Conflitos envolvendo a distribuição de água é uma realidade no Brasil, porém esta se agravando, devido ao au-
monitoramento da demanda de água pelas plantas (ROSEGRANT et al,. 2002). mento da população e aumento do consumo de água no setor agrícola.

O Reuso da água é uma pratica utilizada como uma resposta à escassez crescente dos recursos hídricos, sob o ponto A pratica agrícola é muito importante para a economia brasileira, este setor vem crescendo muito nos últimos ano,
de vista estritamente econômico. Porém cabe ressaltar que esta pratica é muito importante no âmbito ambiental, resultan- sua área expande em média 4% ao ano e junto com ela a área irrigada que cresce mais de 4,3% ao ano, exigindo maior
do no desenvolvimento mais sustentável. Esse mecanismo pode ser considerado a melhor resposta que a sociedade pode demanda por água, sendo a pratica humana com maior impacto sobre este recurso, chegando a consumir 72% de toda
oferecer para a questão da escassez da água (BERNARDI, 2003). água disponível no Brasil.

A utilização da água residual oriunda da criação de animais, também conhecida como fertirrigação pode trazer A utilização de praticas mais adequadas, investimento em tecnologia e em pesquisa, são procedimentos que pode-
vários benefícios ao setor agrícola, sendo está uma prática de reuso de água no meio agrícola, que além de suprir a neces- riam sozinho diminuir drasticamente o uso de água na irrigação.
sidade hídrica, disponibiliza nutrientes no solo, amplia a produção agrícola, auxilia a recarga do lençol freático e serve O reaproveitamento de águas residual proveniente da criação de animais e de efluente domésticos é uma alterna-
como destinação adequada da água residual da criação de animais (BREGA FILHO e MANCUSO, 2002). tiva viável ao uso de água potável, podendo amenizar conflitos por recursos hídricos.
Outra pratica que esta sendo levado em consideração é a utilização do esgoto sanitário. Este é um recurso viável
para utilização na irrigação, no qual de acordo com a tabela 2, possui potencial para irrigar uma área de aproximadamente
849 mil hectares, representando 17% da área irrigada atualmente no Brasil, podendo resultar na economia de mais de 10 REFERÊNCIAS
bilhões de m3 de água por ano.
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valoração dos recursos naturais em Pontal do Paraná1 1 Introdução

A principal fonte dos benefícios naturais à sociedade é o capital natural, entendido como o estoque de recursos
naturais que pode contribuir para o bem-estar humano (Costanza et al., 1997; De Groot et al., 2002; MEA, 2005).
Junior Ruiz Garcia2; Silvana de Andrade3; Dailey Fischer4 Cabe destacar que a sociedade não conhece todos os componentes do capital natural, nem a inter-relação entre seus
componentes e destes com o subsistema socioeconômico. Desse modo, a contribuição plena do capital natural para o
bem-estar humano não pode ser definida e nem medida, o que por si só já justificaria que a sociedade preservasse o capital
RESUMO natural (Garcia, 2012).

Os serviços ecossistêmicos (SE’s) contribuem para o bem-estar humano. Mas eles têm sido ignorados na tomada de de- Neste contexto, a valoração dos recursos naturais pode auxiliar no reconhecimento da importância, pela socieda-
cisão econômica, porque a maioria é bem público. A valoração dos recursos naturais tenta suprir essa lacuna, revelando de, do capital natural e dos serviços ecossistêmicos (SE’s), da sua incorporação na tomada de decisão e na formulação
sua importância para o bem-estar. Assim, o objetivo deste trabalho é realizar um estudo de valoração em Pontal do Para-
de políticas públicas. Em função do dilema que a sociedade vivencia entre aumentar a produção e a renda econômica e
ná, onde há a previsão de instalação de vários empreendimentos que podem afetar o provimento de SE’s. Os resultados
revelam que parcela dos SE’s está contribuindo com um fluxo anual equivalente a R$ 20,94 milhões. preservar o capital natural, este estudo tem por objetivo identificar e valorar alguns SE’s providos na região de Pontal do
Paraná.

Palavras-chave: serviços ecossistêmicos; conflitos socioambientais; política ambiental; educação ambiental.


2 Material e Métodos

2.1 área de estudo: Pontal do Paraná5


ABSTRACT
A criação de Pontal do Paraná resulta do desmembramento de Paranaguá, Lei Estadual n. 11.252, de 20 de dezem-
Ecosystem services contribute to human well-being. But they have been ignored in economic decision-making, because
they are public good. The valuation of natural resources tries to fill this lack, revealing their importance for human bro de 1995, localizado no litoral do Paraná (Mapa 1). Essa região é caracterizada por um relevo suave e de baixa altitude,
well-being. The main goal of this work is to carry out a valuation study in Pontal do Paraná, where it is planned to install encontrado nas áreas de restinga. O município possui área territorial de 202,16 km², e sua orla marítima alcança 23 km
several logistics projects that could affect the provision of ecosystem services. The results reveal that share of ecosystem distribuídos em 48 balneários.
services are contributing annually with R$ 20.94 million.
Mapa 1 – Localização de Pontal do Paraná

Keywords: ecosystem services; environmental conflicts; environmental policy and education.

1 Este trabalho é resultado da preparação do estudo de avaliação dos serviços ecossistêmicos, em Pontal do Paraná, desenvolvido pelo
Observatório de Conservação Costeira do Paraná – OC2: http://www.observatoriocosteiro.org/.

2 Professor do Departamento de Economia, Universidade Federal do Paraná. Membro do Observatório de Conservação Costeira do Pa- Fonte: preparado pelo autor com base em IBGE (2015).
raná – OC2. jrgarcia1989@gmail.com
5 As informações desta seção foram retiradas do Portal do Município de Pontal do Paraná (2015), Ipardes (2015) (Instituto Paranaense
3 Membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná – OC2. observatorio.costeiro@gmail.com de Desenvolvimento Econômico e Social), da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Sidra – Sistema IBGE de Recupe-
ração Automática) (2015), do Atlas Brasil (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil) e do IpeaData (Base de dados do Instituto de Pesquisa
4 Membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná – OC2. observatorio.costeiro@gmail.com Econômica Aplicada).

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Em 2010, a população de Pontal do Paraná foi estimada em 20.920 pessoas, densidade demográfica de 104,7 2.2 Avaliação e Valoração dos Recursos Naturais
hab./km², superior à nacional (22 hab./km²) e do Paraná (55 hab./km²) (IBGE, 2015). A taxa de urbanização era de 99%
O ambiente natural contribui direta e indiretamente para a qualidade de vida das pessoas seja como fonte de ali-
(população urbana 20.743 pessoas), apenas 177 pessoas residiam na área rural em 2010. Entre 2000 e 2010 a população
mentos, água pura, ar limpo e paisagens naturais seja para a geração de emprego e renda econômica (Costanza et al.,
de Pontal do Paraná aumentou 46%, embora a paranaense e brasileira tenham aumentado 9% e 12%, respectivamente. A
1997; De Groot et al., 2002; MEA, 2005). No entanto, para que o ambiente natural possa manter sua contribuição
ativação do estaleiro da empresa Techint, entre os anos de 2005 e 2006, contribuiu com esse aumento uma vez que foram
para o bem-estar humano, é preciso que seus componentes estejam “saudáveis” com a presença de florestas, água e bio-
empregadas em torno de 1, 5 mil de trabalhadores (GUIMARÃES FILHO, 2011).
diversidade (Andrade, 2010; Garcia, 2012). Intervenções na dinâmica dos ecossistemas podem alterar negativa ou
Em 2012, o Produto Interno Bruto a preços correntes (PIBpm) de Pontal do Paraná foi estimado pelo IBGE (2015) positivamente o fluxo de benefícios naturais para a sociedade, denominados bens e serviços ecossistêmicos (MEA, 2005).
em R$ 277 milhões, PIBpm per capita de R$ 12,6 mil. O PIBpm pela ótica do Valor Adicionado Bruto (VAB) estava Apesar da importância do ambiente natural para o bem-estar humano, a maioria dos SE’s aportados à sociedade não tem
distribuído em: R$ 208,3 milhões no setor de serviços (80%); R$ 43,2 milhões no setor industrial (17%); R$ 8,1 milhões preço ou valor econômico, porque são bens públicos, levando a sobre-utilização, tal como ilustrado na Tragédia dos Co-
no setor agropecuário (3%), incluso o pesqueiro. Os números relacionados ao setor de serviços apontam a relevância do muns (Hardin, 1968). Desse modo, a identificação dos SE’s e, quando possível, sua tradução em valores monetários,
turismo para o município. Na Tabela 1 são apresentados alguns indicadores socioeconômicos de Pontal do Paraná e do podem auxiliar na adequada gestão ambiental, de forma a gerar impactos positivos em toda a sociedade, além do retorno
estado do Paraná. financeiro.

A valoração compreende a realização de uma Avaliação Ecossistêmica, a qual permite a identificação e mensura-
ção biofísica – quando possível – dos SE’s (Garcia, 2012). Por sua vez, essas informações podem auxiliar na tradução
Tabela 1 – Indicadores Socioeconômicos de Pontal do Paraná e do estado do Paraná: 2000-2010
da importância de tais serviços para o bem-estar humano na métrica monetária – quando possível. Isso é factível porque
Paraná Pontal do Paraná estes serviços têm valor positivo para a sociedade, mas nem sempre monetário, por exemplo, valores sociais, ecológicos
Variáveis
2000 2010 2000 2010 e históricos, além do econômico6.
IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano 0,65 0,75 0,62 0,74
IDHM Renda 0,70 0,76 0,68 0,74
IDHM Longevidade 0,75 0,83 0,79 0,83
3 Resultados
IDHM Educação 0,52 0,67 0,45 0,66
Taxa de analfabetismo - 15 anos ou mais 9,53 6,28 7,10 4,83 3.1 Bens e Serviços Ecossistêmicos em Pontal do Paraná
Taxa de analfabetismo - 18 anos ou mais 10,25 6,69 7,62 5,12
Taxa de analfabetismo - 25 anos ou mais 12,28 7,86 8,61 5,74 Em Pontal do Paraná é possível encontrar os quatro grupos de SE’s indicados pela MEA (2005). O conjunto de
Expectativa de anos de estudo 10,11 10,43 9,82 10,64 quadros a seguir apresenta uma síntese dos SE’s que podem ser identificados no município, e seus possíveis indicadores
% de extremamente pobres 6,08 1,96 4,53 1,46 ou parâmetros que podem auxiliar na avaliação biofísica, sociocultural e econômica.
% de pobres 18,90 6,46 17,41 5,98
% de vulneráveis à pobreza 41,24 19,70 40,56 22,49
Índice de Gini 0,60 0,53 0,54 0,51 Quadro 1 – Serviços de Suporte em Pontal do Paraná e Indicadores/Parâmetros para sua Mensuração
Fonte: preparado pelo autor com base em Atlas Brasil (2015).
Serviços de Suporte Indicadores e/ou parâmetros
1. Habitat Área de habitat; número/densidade de espécies e indivíduos.
2. Diversidade genética Riqueza de espécies, índice de biodiversidade.
Em síntese, Pontal do Paraná apresenta um panorama socioeconômico que poderia indicar que a sua população 3. Produção primária Quantidade bruta ou líquida.
desfruta de uma condição de vida relativamente boa (Tabela 1), embora sejam reconhecidas as carências e precariedades 4. Ciclagem de nutrientes Fluxo de nutrientes.
não reveladas pelas estatísticas oficiais. No entanto, qual a contribuição dos ecossistemas para o bem-estar da população 5. Ciclo hidrológico Dados pluviométricos e fluviométricos.
local? Quais serviços ecossistêmicos são providos pelo ambiente natural à população local? Qual o valor econômico Fonte: preparado pelo Grupo de Trabalho de Valoração dos Serviços Ecossistêmicos do OC2.
desses serviços?

6 Sobre os valores dos SE’s e o processo de valoração dos recursos naturais ver Garcia (2012).

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Quadro 2 – Serviços de Regulação em Pontal do Paraná e Indicadores/Parâmetros para sua Mensuração 7. Inspiração religiosa e espiritual Uso religioso; informações locais.
8. Desenvolvimento cognitivo Excursões de educação ambiental.
Serviços de Regulação Indicadores e/ou parâmetros
9. Uso científico Pesquisa realizadas na região.
1. Qualidade do ar Cobertura vegetal.
2. Qualidade da água Coliformes fecais; retenção de nutrientes; contaminantes. Fonte: preparado pelo Grupo de Trabalho de Valoração dos Serviços Ecossistêmicos do OC2.
3. Regulação do clima Cobertura vegetal; estoque de carbono.
4. Prevenção de eventos extremos Cobertura vegetal.
5. Regulação do fluxo d’água Escoamento superficial; infiltração; cobertura vegetal.
6. Prevenção contra erosão do solo Cobertura vegetal.
As informações apresentadas nos quadros de 1 a 4 revelam que o ambiente natural de Pontal do Paraná é respon-
7. Prevenção contra erosão costeira Cobertura vegetal. sável pelo provimento de mais de duas dezenas de SE’s, que ultrapassam a fronteira local, alcançando a escala regional,
8. Qualidade do solo Fertilidade ou aptidão agrícola. nacional e mesmo global. Agora, qual a sua contribuição econômica?
9. Manutenção dos nutrientes no mar Exportação de nutrientes do mangue (área costeira).
10. Polinização Número/densidade de espécies e/ou indivíduos.
11. Controle de pragas e doenças Número/intensidade de ocorrências.
3.2 Valoração Econômica dos Serviços Ecossistêmicos
Fonte: preparado pelo Grupo de Trabalho de Valoração dos Serviços Ecossistêmicos do OC2.
a) Serviços de provisão agropecuária: a valoração econômica dos serviços de provisão agropecuá-
ria, silvícola e aquícola foi realizada com base nos dados de produção publicados pelo IBGE (2015), em
Quadro 3 – Serviços de Provisão em Pontal do Paraná e Indicadores/Parâmetros para sua Mensuração 2013. Os resultados indicam um provimento de R$ 915 mil em 2013, distribuídos em: origem animal R$
84 mil; madeireira R$ 3 mil; aquícola R$ 160 mil; agrícola R$ 668 mil.
Serviços de Regulação Indicadores e/ou parâmetros
1. Pescado Volume de produção. b) Exploração mineral: a região é fonte para extração de recursos minerais, responsável pela gera-
2. Frutos do mar Volume de produção. ção de uma compensação financeira da ordem de R$ 2.558,91 em 2013, resultado da extração de minerais
3. Extrativo vegetal Volume de extração.
não-metálicos no valor de R$ 227,4 mil (Ipardes, 2015). No entanto, esse benefício é resultado de de-
4. Agrícola Volume de produção.
5. Pecuário Volume de produção.
pleção do estoque mineral, portanto, deve ser usado com prudência.
6. Madeira Volume de produção.
c) Recursos hídricos (água): os ecossistemas contribuem para o provimento de água potável, distri-
7. Recursos hídricos Disponibilidade hídrica.
buída pela Companhia Paranaense de Saneamento (Sanepar) para mais de 26 mil unidades consumidoras,
8. Recursos genéticos Índice de biodiversidade.
9. Recursos medicinais Informações sobre usos medicinais. totalizando 2.017.362 m³ em 2013, mas o volume faturado pela Sanepar foi de 3.714.770 m³ (Ipardes,
10. Modelos e organismos de ensaio Informações sobre pesquisas realizadas. 2015). O Índice de Perdas do Sistema é de 28,7% (perdas na distribuição e lineares) (SNIS, 2015), logo,
11. Recursos ornamentais Volume de produção. o volume “tratado” é de 2.596.344 m³. A receita operacional direta referente apenas aos serviços presta-
12. Energia Potencial energético. dos (captação, tratamento e distribuição) foi de R$ 8.841.996,56 em 2012 (SNIS, 2015)7. A captação da
Fonte: preparado pelo Grupo de Trabalho de Valoração dos Serviços Ecossistêmicos do OC2. água no ecossistema não é remunerada em Pontal do Paraná, portanto, a água natural é um bem gratuito
entregue pelo ambiente natural à população. Supondo ausência de provimento local de água, a população
teria que buscar um substituto, que poderia ser a “produção artificial” de água potável a partir da dessali-
Quadro 4 – Serviços Socioculturais em Pontal do Paraná e Indicadores/Parâmetros para sua Mensuração nização água do mar (Ambiente Brasil, 2015). Essa alternativa tem sido considerada no Brasil como
Serviços de Regulação Indicadores e/ou parâmetros substituta da água natural em função da recente crise hídrica (Venceslau; Chapola, 2015; Ro-
1. Beleza cênica Número de paisagens conhecidas; fluxo de turistas. drigues; Brenha, 2014), e usada em muitos países como substituta à agua natural (Revista em
2. Apreciação estética Número de paisagens conhecidas; fluxo de turistas. Discussão, 2014). O Professor Kepler Borges França, coordenador do Laboratório de Referência em
3. Tranquilidade Turismo de casais ou individual. Dessalinização (Labdes), estima que o custo para dessalinizar a água mar esteja entre R$ 1,50 e R$ 2,00
4. Recreação e turismo Fluxo de turistas; gastos com turismo. no Brasil (Revista em Discussão, 2014). Assim, considerando o custo médio de R$ 1,75 (média
5. Patrimônio cultural Revisão da literatura e informações locais.
entre R$ 1,50 e R$ 2,00), sem os custos de distribuição e de implantação das unidades de produção de
6. Inspiração artística Obras artísticas.
7 Não inclui os custos dos investimentos na construção das Estações de Tratamento de Água – ETA’s.

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água, o valor total da água potável natural provida pelo ambiente natural seria de R$ 6.500.847,50 para o anual).
volume faturado, de R$ 3.530.383,50 para o medido e de R$ 4.543.603,56 para o “produzido” em valores
g) Turismo: o ecossistema também é fonte de lazer, recreação e turismo, que compreende os servi-
de 2013.
ços culturais ou informacionais. O setor de turismo em Pontal do Paraná é composto por 130 estabeleci-
d) Esgotamento sanitário: a capacidade de assimilação de rejeitos ou resíduos é outro serviço pro- mentos, empregando 429 pessoas, rendimento mensal médio de R$ 1.048,30 (Ipardes, 2015). O rendi-
vido gratuitamente pelo ecossistema. A população de Pontal do Paraná tem-se beneficiado desse serviço mento nominal total (massa salarial) do setor de turismo (RAIS) – total10 foi estimado em R$ 449.721 por
ao lançar esgotamento sanitário direto no ambiente natural. Embora 26.049 unidades sejam atendidas mês em 2013 (Ipardes, 2015), ou R$ 5.396.652 por ano, não inclui os efeitos multiplicadores da renda
pelo abastecimento de água da Sanepar, apenas 6.761 eram atendidas pelo sistema de esgotamento sani- na economia local.
tário em 2013, déficit de 19.288 (Ipardes, 2015), Índice de Coleta de Esgoto de 23,81% (SNIS, 2015).
Em síntese, os resultados mostram que apenas os SE’s identificados e valorados, aportam à população de Pontal
Desse modo, o ambiente natural estaria recebendo o esgoto de quase 20 mil unidades (SNIS, 2015). Os
do Paraná o montante de R$ 20,94 milhões/ano e um estoque de carbono de R$ 49,51 milhões (Tabela 27).
dados SNIS (2015) informam que a população atendida é da ordem de 18.760 pessoas, gerando um vo-
lume coletado e tratado de 472.650 m³/ano, o faturado é de 932.490 m³/ano, ao custo médio8 de R$ 1,90/
m³. Considerando o volume médio anual coletado e faturado de esgoto sanitário estimados em 69,91 m³
Tabela 2 – Síntese da Valoração dos SE’s em Pontal do Paraná (valores de 2013)
e 137,92 m³, respectivamente, e o número de unidades não atendidas pelo sistema é possível estimar o
volume de esgoto lançado no ambiente natural em 1.348.391 m³/ano e em 2.660.238 m³/ano o faturado. Serviços Ecossistêmicos – SE’s Valor
Como o custo médio é R$ 1,90/m³, o serviço de assimilação seria de R$ 2.561.943 para o tratado e de R$ Produção de origem animal (mil R$) 84,00
Aquicultura (mil R$) 160,00
5.054.452 para o faturado, não incluso o custo de implantação de novas ETE’s.
Lavouras agrícolas permanentes (mil R$) 178,00
e) Resíduos Sólidos Urbanos: o ecossistema também fornece o serviço de assimilação para os re- Lavouras agrícolas temporárias (mil R$) 490,00
Exploração mineral (mil R$) 227,40
síduos sólidos. Estima-se que 7.075 domicílios tenham acesso ao serviço de coleta dos resíduos sólidos,
Recursos hídricos (milhões R$) 4,54
déficit de 20.261 (Ipardes, 2015). O volume coletado é de 10.536 t/ano, média de 1,49 t/domicílio/ano
Esgotamento sanitário (milhões R$) 2,56
(SNIS, 2015; Ipardes, 2015). O custo anual total de coleta é estimado em R$ 2.379.000, representa a Resíduos sólidos urbanos (milhões R$) 6,81
despesa total com serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos (RSU) referente à população urbana Estoque de carbono (milhões R$)¹ 49,51
(SNIS, 2015), custo médio anual por domicílio de R$ 336, não inclui o custo de implantação do aterro Captura de carbono (mil R$)¹ 495,10
sanitário. Assim, considerando o custo médio anual por domicílio e o déficit de domicílios não atendidos Turismo (milhões R$) 5,40
tem-se o valor do serviço de assimilação natural estimado em R$ 6.812.851 por ano, não incluso os custos Total do fluxo anual (milhões R$) 20,94
Total do estoque (milhões R$) 49,51
de implantação de novos aterros sanitários.
Total geral (estoque + fluxo anual) (milhões R$) 70,45
f) Estoque de carbono na biomassa: o ecossistema também provê o serviço de captura e arma- Fonte: preparado pelos autores com base nos resultados.
zenagem (sequestro) de carbono na biomassa vegetal e no solo. Com auxílio do Carbon Model do In-
Nota: 1) taxa de câmbio comercial para compra Real (R$) / Dólar Americano (US$) – média 2013 (IpeaData, 2015).
VEST (Natural Capital Project, 2015), do mapa de uso e ocupação das terras (ITCG, 2015; SOS Mata
Atlântica, 2015) e das estimativas do estoque de carbono por tipo de uso das terras9 foi possível
estimar o estoque de carbono na biomassa e no solo em 4.699.612 toneladas de carbono. Ao considerar
Ressalta-se que a parcela dos SE’s providos pelo ambiente natural de Pontal do Paraná, à sua população, repre-
uma taxa líquida média anual de captura e armazenagem de carbono de 1% ao ano (Britez et al., 2006;
sentava, em 2013, o equivalente a 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Cabe destacar que existem os valores não-mone-
Cardoso et al., prelo; Brevilieri; Dieckow, prelo) sob manejo sustentável da cobertura vegetal,
tários, o que elevaria a importância do ambiente natural ao bem-estar humano. Contudo, essa avaliação não é realizada
tem-se que o volume capturado e armazenado de carbono é da ordem de 46.996 t/ano. Com base no preço
neste trabalho.
médio de 2013 da tonelada de carbono equivalente (tCO2e) no mercado voluntário de US$ 4,9 (Ecosys-
tem Marketplace, 2015) têm-se um valor de US$ 23.028.100,47 (estoque) e US$ 230.281 (captura
8 Não inclui os custos dos investimentos na construção das Estações de Tratamento de Esgotos – ETE’s. 10 Resultado do produto entre a remuneração média dos empregados em dezembro e o número de empregos existentes no dia 31 do mes-
9 Socher et al. (2008), Damasceno (2012); Britez et al. (2006), Dias et al. (2006), Pires et al. (2006), Sharp et al. (2015). mo mês (Ipardes, 2015).

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4 Discussão políticas de desenvolvimento regional ou mesmo nacional e ambientais mais adequadas à realidade da população local,
que considerem na devida medida as dimensões sociais, ecológicas e econômicas envolvidas nas decisões dos agentes
A valoração dos serviços prestados pela natureza pode subsidiar a tomada de decisão ao revelar a importância
econômicos e seus respectivos custos e benefícios.
ecológica, social e econômica dos ecossistemas para o bem-estar humano, em termos monetários ou não. Como o fluxo
de SE’s depende de ecossistemas saudáveis (Garcia, 2012), mudanças no uso do solo podem afetar positiva e nega-
tivamente esse fluxo (Howarth; Farber, 2002). Neste sentido, a valoração pode fornecer um indicativo do ganho
5 Considerações Finais
ou da perda, em valores monetários ou não, resultantes das mudanças ambientais induzidas pela decisão dos agentes
econômicos. Esses valores representariam o custo de oportunidade de mudanças no uso do solo – tomada de decisão –, O reconhecimento da importância do ambiente natural na qualidade de vida das pessoas tem aumentado no perío-
elevando assim o grau de prudência nas decisões dos agentes, revelando informação negligenciada pela sociedade, como do recente, em função dos conceitos de serviços ecossistêmicos e ambientais e do capital natural. Esses conceitos podem
o custo do crescimento econômico (Andrade, 2010; Garcia, 2012). Desse modo, a valoração permite incluir na auxiliar em revelar o grau de interdependência entre o subsistema socioeconômico e o sistema natural. Sob essas bases,
tomada de decisão custos antes ignorados, como os sociais e ecológicos, que afetam de maneira significativa os seres o presente estudo tem a intenção de contribuir para a avaliação dos impactos sociais, ecológicos e econômicos dos em-
humanos. preendimentos logísticos e industriais previstos para a região de Pontal do Paraná. O debate em torno da realização des-
ses empreendimentos tem ignorado o papel do ecossistema no provimento de bem-estar humano, e mesmo econômico.
Para Pontal do Paraná, município foco deste estudo, está previsto um conjunto de empreendimentos portuários
(Góes, 2014) que podem afetar de maneira significativa e de forma irreversível, a dinâmica socioeconômica e ambiental Desse modo, estimativas do valor monetário dos serviços ecossistêmicos providos em escala regional, como o
da região. Contudo, ainda não houve uma mensuração dos impactos sinérgicos desses empreendimentos e das suas con- realizado neste trabalho, podem contribuir para elevar o grau de informação dos agentes econômicos, especialmente da
sequências sociais e em termos do provimento de serviços ecossistêmicos para a população local. O que, em princípio, comunidade local, em termos da contribuição do ambiente natural para seu bem-estar. Este estudo estimou que parcela
seria considerado como um ganho econômico de curto prazo pode resultar, no longo prazo, em perdas irreversíveis dos dos serviços ecossistêmicos providos localmente podem representar 25% do PIB de Pontal do Paraná, em 2013. Neste
serviços providos pelos ecossistemas existentes nesta região, caso o conjunto de empreendimentos previsto seja instala- sentido, qualquer alteração na dinâmica ecológica dos ecossistemas pode afetar negativamente o grau de bem-estar da
do. Isto posto, sabe-se que o estabelecimento dos empreendimentos impõe um custo social e ecológico à população do comunidade, fortemente dependente dos recursos naturais.
município, assim, a questão que se coloca é: para a comunidade de Pontal do Paraná, esse custo é maior que o potencial
Entretanto, outros estudos relacionados à valoração devem ser realizados com objetivo de agregar informações e
benefício econômico gerado pelos empreendimentos?
contribuir para responder as seguintes questões: Quais os impactos no bem-estar humano causados pela degradação de
Além disso, existe um elevado número de domicílios residenciais em Pontal do Paraná destinados ao uso oca- áreas naturais no fluxo dos SE’s? Os benefícios de um empreendimento econômico são superiores aos seus custos ecoló-
sional, provavelmente para atividades de lazer e recreativas relacionadas com as características naturais dessa região. gicos e sociais? São questões complexas e que devem ser avaliadas levando em conta as riquezas do patrimônio natural
Em 2010, existiam 27.336 domicílios (IBGE, 2015), mas apenas 7.099 estavam ocupados, significa que 20.237 estavam da região, seus aspectos culturais e a manutenção dos SE’s.
desocupados, deste total, 17.695 eram destinados ao uso ocasional. Dessa maneira, a degradação do ambiente natural
não afetaria essa característica de local de veraneio da região? Como a degradação ambiental afetaria a qualidade de
vida da população? Contudo, a preservação dos remanescentes naturais pelo poder público e pela população local não 6 Referências Bibliográficas
representaria a prestação de serviços ambientais à sociedade? O que aconteceria com o potencial turístico do município, Ambiente Brasil. Dessalinização da água do mar. Disponível em: <http://goo.gl/bXQOWm>. Acesso em:
oferecido pelos seus 23 km de praia, por seus atributos naturais em bom estado de conservação e pela boa qualidade 04/06/2015.
da água para o banho, pouco aproveitado até o momento? Além disso, Pontal do Paraná é circundado por unidades de
conservação (UC’s) estaduais, o Parque e a Estação Ecológica da Ilha do Mel e a Estação Ecológica do Guaraguaçu, e Andrade, D. C. Modelagem e Valoração de Serviços Ecossistêmicos: Uma Contribuição da Economia Ecológica.
por uma UC federal, o Parque Nacional Marinho de Currais, que, à exceção da Ilha do Mel, não são promovidos como Campinas, 2010, 268 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico Espaço e Meio Ambiente) – Programa de
destinos turísticos e que poderiam, também, contribuir para o desenvolvimento regional. Doutorado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

Neste sentido, os resultados deste estudo podem revelar à população de Pontal do Paraná, e a toda a sociedade, o Atlas Brasil – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Consulta. Disponível em: <http://goo.gl/OkK6Hf>.
papel dos ecossistemas para seu bem-estar. Além disso, as informações podem ser usadas para avaliar os potenciais efei- Acesso em: 16/06/2015.
tos das decisões econômicas sobre o fluxo de SE’s a partir da criação de cenários – simulação para fins de mediação de
Brevilieri, R. C.; Dieckpw, J. Mitigação de emissões de gases de efeito estufa em solos agrícolas e florestais como
conflitos socioambientais e mesmo para educação ambiental. Por fim, esses resultados podem subsidiar a formulação de
indicador de serviços ambientais. In: Parron, L. M.; Garcia, J. R.; Oliveira, E. B. de; Brown, G. G.; Pra-

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GRUPO DE TRABALHO XII
Zona Costeira, Crescimento Urbano e Ordenamento Territorial

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VELHAS REVOLTAS, NOVAS MÁQUINAS: ORDENAMENTO TERRITORIAL E DIREITO À CIDADE NO Introdução – o contexto socioespacial do conflito GT - 12
TERRITÓRIO DO BAIRRO JARDIM JACARANDÁ II – PARANAGUÁ – PR.
Este artigo visa relatar práticas que estão sendo utilizadas na produção da cartografia social do bairro Jardim Ja-
Marcelo Cunha Varella1; Letícia Ayumi Duarte2; Roberto Martins de Souza3 carandá II, em Paranaguá-PR. Mais que apresentar a totalidade do conflito em sua complexidade, a ideia, aqui, é relatar o
uso de ferramentas computacionais de propriedade livre (softwares de geoprocessamento sem custo de aquisição, modi-
ficação, estudo, distribuição e uso) que vêm permitindo aos moradores não só traçar estratégias de luta e de mobilização,
RESUMO como, também, de proposição aos órgãos públicos. Daí o jogo de palavras “a revolta e a máquina4” – o geoprocessamento
(a “nova máquina”) entra em cena para instrumentalizar as “velhas revoltas” que os moradores sentem há tempos, por
O objetivo deste trabalho é relatar e analisar o conflito territorial que se desenrola no bairro Jardim Jacarandá II, locali-
zado na periferia de Paranaguá-PR. Neste sentido, além de caracterizar o contexto socioespacial do conflito, a revolta e viverem na atual situação: são tratados midiática e publicamente como invasores, pelo fato da prefeitura não ter ainda
as ações sociais de resistência dos moradores, a intenção é demonstrar como o geoprocessamento (a máquina) pode ser regularizado o bairro. Neste cenário, os sujeitos se vêm obrigados a criar e manter um sistema próprio de abastecimento
usado tanto para a dominação (o Ordenamento Territorial) quanto pode ser “subvertido” e servir de instrumento à luta dos de água e de luz, mantido e gerido pela Associação de Moradores. Relatar os usos destas ferramentas computacionais a
movimentos sociais (servindo, neste caso, para buscar o direito à cidade). Para tanto, trataremos de relatar, embasados em
partir deste conflito pode não só elucidar o caso, como também pode impulsionar novos trabalhos de cartografia social (e,
nuances e técnicas da etnografia, a subversão que a “máquina” vem sofrendo a partir da construção de uma cartografia
social no bairro: a ideia, aqui, é apresentar como o geoprocessamento vem servindo em prol do direito à cidade para os quando tratamos disso, referimo-nos à criação de mais espaços e processos de mobilização social e de enfrentamento às
moradores – serve, portanto, para instrumentalizar a “revolta” que sentem estes sujeitos. Na conclusão, ponderamos sobre condições inadequadas de vida).
os efeitos dos mapas na vida dos moradores, e consideramos estratégias de mapeamento baseadas em software livre, de
maneira que possam ser produzidos contra-mapas aos movimentos sociais do litoral do Paraná, sem custos e sob o con- Um bairro pobre, de periferia e esquecido pelo poder público – a história do bairro Jacarandá é marcada por revol-
trole social daqueles que são mapeados: contribuindo, assim, para a democratização da ciência e da cidade. tas e resistências diárias: nada de muito diferente da situação de grande parte dos moradores de Paranaguá – no Caderno
de Diagnósticos Nº 1 do Plano Diretor da cidade lê-se que
A situação fundiária no município de Paranaguá é considerada o maior desafio da administração municipal.
Palavras chave: cartografia social, softwares livres
Segundo dados estimados pela Prefeitura Municipal de Paranaguá, as áreas irregulares concentram quase
metade da população urbana, o equivalente a aproximadamente 60 mil habitantes, e ocupam uma extensão
de 7 Km², 26% da área urbana (PARANAGUÁ, 2007: 131).
ABSTRACT
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Paranaguá – PDDI (Lei Complementar nº 60/2007) responde à
lei maior, o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), e tem como objetivo promover a democratização da cidade e do
This paper aims to report and analyze the territorial conflict in Jardim Jacarandá II neighborhood, in Paranaguá. Besides poder de decisão e planejamento municipais, entre outras coisas. Ao prever tal democratização e por ter surgido, entre ou-
showing the characteristics of the social and territorial context of the conflict, the revolt and ways of resistance of the tros motivos, por pressão social, o Estatuto da Cidade também é visto como instrumento de promoção do direito à cidade:
neighborhood residents, we also intend to show how geoprocessing can be used either for domination as can be “subvert- a viver no centro, a ter acesso à moradia, lazer, educação, saúde, transporte entre outras demandas sociais. Em Paranaguá,
ed” and serve as a tool for the struggle of the social movements. The methodology of this paper is based on ethnographic
method, analysis of documents and bibliography. In conclusion, we consider about the effects of the maps in the lives of isso se deve dar em um cenário reconhecidamente caótico: quase 50% da população carece de regularização fundiária – e,
neighborhood residents and how mapping strategies based on open source softwares can be produced for free and con- conseguintemente, de benfeitorias básicas da prefeitura. Aqui surge o geoprocessamento: no PDDI, esta “nova máquina”
trolled by the social movements of the coast of Paraná and help them to solve their territorial conflicts contributing to the aparece como instrumento fundamental ao Ordenamento Territorial da cidade.
democratization of science and the city.
Acontece que a “nova máquina”, munida de algoritmos matemáticos e da precisão implícita na engenharia car-
tográfica, carece de um sujeito para operacionalizar e interpretar seus resultados: e se este sujeito não se envolve com as
key words: Social cartography, open source softwares. “velhas revoltas”, que já existem na cidade, então o resultado pode ser diferente daquele ansiado pelo Estatuto da Cidade
– e, ao invés de termos a democratização da cidade, podemos ter a reprodução da lógica excludente, que mantém os cida-
dãos à margem da lei e sem acesso à cidadania.
1 Universidade Federal do Paraná - mvarella@hotmail.com; 4 A “revolta e a máquina”, em boa verdade, é o título principal da obra da antropóloga Alba Zaluar, publicada em 1985. Aqui, ainda que
façamos referencia direta ao trabalho, não nos inspiramos completamente nele: tratamos conceitualmente a ideia de “revolta” tal qual a autora o
2 Universidade Federal do Paraná - leticia27duarte@gmail.com; faz; no entanto, ressignificamos conscientemente a ideia de “máquina” – ainda que fosse um tema importante para se interpretar a realidade que
aqui se estuda, não tivemos, neste artigo, pretensão de analisar a construção estrutural das hierarquias sociais. “Máquina”, como já afirmamos, aqui
3 Instituto Federal do Paraná,;; roberto.souza@ifpr.edu.br. se refere literalmente ao uso do computador e de softwares livres na construção de cartografias sociais.

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A “nova máquina”, enfim, pode ser usada de diferentes formas: oras em prol da instrumentalização da revolta, que a realidade empírica em si serve apenas para contextualizar a pesquisa, não servindo para embasar os Planejamentos
servindo à resistência; oras enquanto instrumento de dominação, servindo ao Ordenamento Territorial. Aparece, aqui, um – assim, distante da realidade (e dos sujeitos) produz argumentos que condizem apenas aos interesses dos pesquisadores,
combate explícito, em que forças distintas entram em cena para definir e produzir a cidade: para demarcar os lugares e as sem haver preocupação com os efeitos na vida das pessoas.
pessoas que fazem (e que não fazem) parte da cidade.
Uma maneira bastante clara de se perceber este descompromisso com as consequências cartográficas, aparen-
Este artigo é dividido, para além desta introdução, em três partes: a primeira parte operacionaliza alguns conceitos temente derivada da crença na neutralidade e objetividade dos mapas, obtidas a partir da aplicação do distanciamento
importantes para este estudo – aqui, tratamos de apresentar os materiais, os métodos e os conceitos teóricos utilizados implícito em estudo apriorístico, é observar sequencialmente alguns mapas, e perceber a conclusão que eles induzem a se
para analisar o Ordenamento Territorial atual do município; a segunda descreve o conflito territorial do contexto sócioes- pensar/praticar: o Mapa Municipal 13 (Vegetação Municipal) representa o bairro enquanto “área de vegetação”; no Mapa
pacial estudado, pondo à luz a subversão epistemológica que a “nova máquina” vêm passando para democratizar a cidade Municipal 03 (Evolução da ocupação) o bairro sequer é representado: apenas metade de sua rua principal aparece e todo o
e a ciência – em suma, relatamos o uso de softwares livres na produção da cartografia social do bairro; na última parte, bairro é classificado como área não ocupada; em outro mapa, o de número 04 (Densidade urbana), o Jardim Jacarandá II
traçamos algumas conclusões sobre os temas abordados. aparece classificado como tendo as menores densidades da cidade – e, aqui, a rua principal está representada na plenitude
de sua extensão; o mapa 02 (Arruamento e Bairros do perímetro urbano) realiza novamente o efeito da invisibilização: o
bairro não é representado, sendo denominado apenas de “perímetro urbano”.
Os efeitos da “nova máquina”: o geoprocessamento e sua operacionalização diante do conflito territorial do bairro.
Este conjunto de mapas não só torna o bairro invisível aos olhos do poder público, como, ainda, cria outro efeito,
Antes de poder relatar o uso do geoprocessamento, devemos esclarecer nosso modus operandi de pesquisa, uti- talvez até mais perigoso aos moradores: trata-se do Mapa 11 (Ocupações irregulares), em que o bairro aparece classifi-
lizado durante o apoio à cartografia social que vem sendo produzida no Bairro. Ressaltamos que nossa dinâmica condiz cado como “área irregular”. A soma destes mapas com outros estudos formam o diagnóstico da cidade, e serve para que a
com aquilo que Santos (2005) denomina de “democratização da ciência”: temos como preocupação maior não centralizar prefeitura promova, a seus critérios, aquilo que Souza (2003) denomina de Planejamento de Prioridades: o poder público,
o controle sobre os meios e os fins da pesquisa cartográfica. O produto final (o mapa em si) não nos é o fundamental: então, classifica, de forma subjetiva, áreas do município que serão consideradas como Zonas de Especial Interesse Social
importa-nos que sirva para algum processo de mobilização e luta social – queremos entender, enfim, como os moradores (ZEIS)7 e, portanto, que serão alvo de regularização fundiária; e aquelas que serão classificadas com outras denominações
podem utilizar a cartografia social para enfrentarem as condições de vida a qual passam. Iniciamos, assim, em maio de e, assim, podendo ser objeto de realocação. E, neste sentido, o mapa número 06 (Áreas prioritárias para a implantação de
2013, a partir de um pedido formal do grupo, uma relação de proximidade com os moradores, a tal ponto que ganhamos ZEIS) esclarece o fato: o bairro não é uma ZEIS. Ainda que seja considerado como irregular em sua totalidade, está divi-
sua confiança – assim, metodologicamente embasamo-nos em nuances da etnografia, tendo como objetivo principal in- dido em duas zonas distintas: a porção sul do bairro é classificada como uma área que pode ser ocupada (trata-se de uma
terpretar de maneira subjetiva a vida social da comunidade, de forma a tentar “aproximar-se melhor de como pensam os Zona de Consolidação e Qualificação Urbana II – ZCQU 2); já a porção mais ao norte é classificada como uma área de
nativos” (TORNQUIST, 2003: 67). Para tanto, utilizamos os preceitos de “estar lá”, constantemente em campo, com as preservação ambiental (Zona de Restrita Ocupação – ZRO). Em suma, para a Prefeitura, o Bairro não existe; e, se existe,
pessoas de “carne e osso”. Para TORNQUIST, a etnografia é um tipo de pesquisa fundamentada no é um fardo ao desenvolvimento cidade.

encontro com outras pessoas, diferentes entre si, e com as quais o antropólogo terá de necessariamente O momento histórico da sociedade brasileira aponta para novos paradigmas no que diz respeito ao ordenamento
envolver-se, dialogar, estabelecer relações intersubjetivas suficientemente densas para que se possa com- territorial: e, a partir dele, territorializa-se o poder do Estado – e, neste caso mais especificamente, a prefeitura. Ressalta-se
preender a forma como os nativos pensam (TORNQUIST, 2003: 69).
que “territorializar” é um conceito que tem a ver com o ato de controlar os movimentos (de objetos, pessoas e informações)
A história das produções cartográficas do PDDI não obedece a esta premissa: não tentou compreender o que os que acontecem no espaço - assim, portanto, dá-se a dominação e o controle espacial. Pode-se, então, concluir que “ter-
nativos pensavam, nem se baseou na intersubjetividade – baseado na distância entre os pesquisadores e os pesquisados5 ritorializar” é o mesmo que “ordenar”: mas isto é muito simplista. Na mesma medida em que não há ordem sem desor-
e na objetividade da técnica6 teoricamente implícitos à “nova máquina”, os estudos do Plano Diretor de Paranaguá ba- dem, não há territorialização sem desterritorialização – em outras palavras, “precisamos destruir ou deixar um território
searam-se excessivamente na representação cartográfica. Souza (2003: 202) denomina de “apriorístico” os estudos em para construir ou ingressar em um outro” (HAESBARTH, 2006: 120). Estamos falando, portanto, que o ordenamento
5 Aqui estamos nos referindo especificamente às produções cartográficas: inferimos que os processos são feitos à distância, em laborató- territorial consiste em promover um processo concomitante de des-re-territorialização. À medida que a prefeitura se ter-
rios de geoprocessamento, à parte da população – esta, aliás, tem apenas o papel de confirmar os dados, quando estes lhe são mostrados.
6 Lembramos, aqui, sobre o distanciamento, a neutralidade e a objetividade científicas a afirmação de Velho: [o distanciamento é uma das] ritorializa a partir de seu Planejamento Territorial, assim, pode desterritorializar os moradores do bairro – e, se o forem
mais tradicionais premissas das ciências sociais (...) [No âmago disto está a intenção de garantir] ao investigador condições de objetividade em desterritorializados, os moradores terão necessariamente que se reterritorializar em um outro lugar.
seu trabalho (...) [lançando] olhos imparciais à realidade, evitando envolvimentos que possam obscurecer ou deformar seus julgamentos e con-
clusões (...) [faz-se, assim, automaticamente, uma] valorização dos métodos quantitativos que seriam ‘por natureza’ mais neutros e científicos” 7 Uma ZEIS serve aos Planejamentos Territoriais brasileiros como zona prioritária para uma intervenção social e espacial: pode ir desde
(Velho, 2004: 123). a regularização fundiária até ao fomento de infraestrutura urbana, visando diminuir as desigualdades socioespaciais: sua aplicação, enfim, é regu-
lada pelo Estatuto da Cidade, mas cada município tem a autonomia para identificar tais zonas em seu território.

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Assim, exige-se que o planejador/pesquisador elimine as concepções estanques/euclidianas de território, que o processo de produção cartográfica do Bairro não contou com nenhum apoio financeiro, tampouco de uma estrutura física,
percebem enquanto área homogênea e com limites bem definidos. Deve-se ter em mente que o “espaço geográfico é mol- como um laboratório de geoprocessamento ou um sinal de internet.
dado ao mesmo tempo por forças econômicas, políticas, culturais ou simbólicas e “naturais” que se conjugam de formar
Assim, a subversão epistemológica do Ordenamento Territorial exigiu uma mudança de instrumentos – mas não
profundamente diferenciadas em cada local” (HAESBARTH, 2006: 121).
só, pois “no hay subversión posible si no abarca el pensamiento, si no inventa nuevos nombres y nuevas metodologias”
De toda a sorte, a história atual da cidade de Paranaguá não é marcada por regularidades, por homogeneidades e (Ceceña, 2006: 14). Destarte, a intenção do próximo sub-capítulo tem justamente este objetivo: relatar o uso da “nova
por linearidades constantes: ela é marcada por fissuras, por rupturas e descontinuidades – enfim, por revoltas. Ao procurar máquina” de maneira a ser subvertida à luta, bem como analisar algumas as possibilidades de produzir novos mapas que
a história destas revoltas pelo método genealógico, dispomo-nos a agitar a história parnanguara que atualmente parece possam servir para diminuir a “revolta” dos moradores. Trata-se de tentar cooperar para produção de uma proposta de pla-
imóvel, bem como fragmentá-la. Como afirma Foucault (2014: 64), a ideia aqui é mostrar a “heterogeneidade do que se nejamento territorial que possua um modus operandi diferente, condizente com as demandas locais do município. A pre-
imaginava em conformidade consigo mesmo”. tensão, enfim, é iluminar outras possibilidades de se fazer um planejamento territorial – aqui, destacar-se-á uma proposta
de mapeamento bottom-up - de baixo para cima (SOUZA, 2003), que vem sendo feita pelo Bairro Jardim Jacarandá II.
Neste sentido, afirmamos que não existe apenas o processo de ordenamento territorial da prefeitura (marcado pela
análises macroestruturalistas e, portanto, homogeneizadoras da realidade) – há os processos de territorialização que
acontecem em pequena escala, nos diferentes lugares da cidade (Ribeiro, 2009: 148). Aqui, a preocupação com o lugar
Velhas revoltas e a subversão epistemológica do geoprocessamento: aprendizados da cartografia social.
significa registrar o contexto socioespacial em que se dão as ações sociais: cartografá-las, assim, seria uma das missões
atuais mais importantes na agenda dos pesquisadores das ciências sociais. Que os mapa invisibilizam o bairro, isto já foi falado. Entre os motivos que levam a isto, devemos destacar a pró-
pria metodologia dos mapeamentos: sem confirmação das informações em campo e sem a presença dos sujeitos afetados,
A ação social do Bairro Jardim Jacarandá II se dá com diferentes instrumentos e táticas. Há mais de 25 anos os
o resultado dista da realidade. Na cartografia social, tanto os lugares como os dias das reuniões foram designados pelos
moradores moram no bairro; há pelo menos dez anos existe a associação de moradores. Esta veio para formalizar e ob-
sujeitos – isto, por sua vez, garantia que eles mantivessem o controle sobre a produção dos mapas. E, à medida que este
jetivar a luta social do dia a dia: foi criada para tentar regularizar a situação do bairro. Sem sucesso, passou a servir de
vem sendo produzido, a comunidade se organiza – discute seus limites territoriais, suas peculiaridades, suas estratégias de
instância mediadora das situações internas: encarrega-se, pelo voluntariado dos moradores, em fornecer luz e água para o
luta e de resistência. A cartografia torna-se, pois, meio de luta – e não um fim em si.
bairro. Desta forma, instrumentalizou uma resistência quotidiana, silenciosa e invisível aos olhos da Prefeitura. O poder
público, de modo geral, não é totalmente ausente: pelo braço da repressão, ou seja, pela polícia (civil, municipal e am- Antes do relato sobre o uso das “novas máquinas”, apresentaremos um dos mapas que foram produzidos junto aos
biental), o estado se fez presente em muitas ocasiões no Bairro. moradores, e que gera, ainda hoje, muita discussão entre eles:

A definição da categoria “ordenamento territorial”, segundo Vargas (2011:30), teria surgido na década de 1970:
tratar-se-ia do conjunto de ações que visam dispor ordem na população, bem como suas atividades, construções, meios
de comunicação e equipamentos, em uma determinada extensão territorial. Ou seja, o objetivo é transformar de maneira
ótima o espaço, eliminando o que é classificado como “desordenado” – atualmente, estes trabalhos realizam-se, pela com-
plexidade, em sistemas computacionais, a partir do geoprocessamento (ou seja, do uso de um conjunto de aparatos téc-
nicos e de tecnologias que incluem softwares, computadores, pessoas, GPSs, satélites e radares, entre outros (VARELLA
et al, 2013), bastante utilizados na cartografia computacional atual. É extremamente hodierno no ordenamento territorial
de Paranaguá – e, por isso, denominamos neste artigo de “nova máquina”.

O geoprocessamento passa a ser subvertido pelo bairro apenas em 2013, quando uma cartografia social é solicita-
da pela Associação de Moradores para um grupo de pesquisadores, ao qual estamos inclusos. Ao conhecer a realidade do
bairro, compreendemos logo que as estratégias de mapeamento teriam que adaptar-se à realidade do movimento social,
de maneira que utilizar softwares livre nos era algo fundamental: ao contrário do Projeto Nova Cartografia Social8, o
8 Durante o III Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais: diálogos do sul”, realizado em Paranaguá no mês de maio de 2015,
o professor Alfredo Wagner Berno de Almeida, coordenador do Projeto Nova Cartografia Social afirmou que o projeto é refém dos softwares
proprietários de geoprocessamento, de maneira que tiveram que pagar pelo menos 50 mil reais para conseguir algumas licenças, para alguns
computadores específicos.

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norte-americanas) e, além disso, ainda são gratuitos e possuí uma comunidade de usuários (espalhada em redes sociais e
sítios da internet) que prontamente publica informações e trabalhos (como manuais escritos e vídeos) novos, bem como
responde às duvidas levantadas.

O QGIS possui tradução para o português do Brasil, e já é usado e aprimorado por alguns órgãos brasileiros – à
título de exemplo citamos o Exército Brasileiro, que a partir de seu Departamento de Serviços Geográficos passou a utilizar o softwa-
re, bem como a contribuir no aperfeiçoamento deste: no sitio http://www.dsg.eb.mil.br pode-se baixar um plugin para o
QGIS que permite visualizar as Cartas Topográficas do Brasil (em escala de 1:100.000 até 1:25.000) já georreferenciadas
de diversas regiões do país.

Os plugins (ou “complementos”, como o software denomina) são, alias, uma das principais atrações do QGIS. Na
cartografia social do bairro, utilizamos intensamente o complemento OpenLayers Plugin: com ele, tínhamos acesso a uma
série de imagens de satélite de alta resolução (como os fornecidos pelas empresas Google, Bing e Arcgis) diretamente da
internet. Com base nestas imagens, munidos de técnicas de fotointerpretação e do conhecimento dos moradores, podíamos
interpretar a imagem e mapeá-la: os moradores puderam definir os limites do bairro, bem como localizar suas ações sociais
e suas moradias.

Além disso, muitas informações foram registradas em um GPS Garmin Etrex e, posteriormente, transmitidas dire-
tamente para o QGIS. De forma nativa, o software possui ferramentas que permitem não só carregar informações no GPS
como, também, permite descarregá-las e manipulá-las. Assim, ruas, usos e ocupações foram cadastrados e posteriormente
tratados no programa.

Fonte: Marcelo Varella, 2014 Algumas etapas deram-se no próprio bairro, e não tivemos acesso à internet. Assim, precisávamos adaptar os
instrumentos à situação – e, sem internet, o QGIS não pode utilizar o plugin OpenLayers. Para suprir esta falta, utilizamos
O mapa acima foi produzido para representar e sintetizar a complicada situação do bairro Jardim Jacarandá II
outro software, também sem custo e livre: o SASPlanet, disponível no sítio oficial: http://sasgis.ru/ . Sua versão estável é a
(demarcado pela linha tracejada em vermelho), apresentando de certa forma o que já foi analisado anteriormente, sobre
1.42 e, de certo modo, o software russo tem mais serventia às ações de SIG (Sistema de Informações Geográficas) que de
os mapas do PDDI: a rua principal do bairro simplesmente some no mapa, não a apresentando em sua extensão real; o
geoprocessamento: ou seja, mais que manipular as informações, este software é versátil para visualizar, sobrepor e criar
bairro aparece dividido em duas zonas diferentes (verde, mais ao norte e que corresponde à ZRO; e marrom, mais ao sul,
informações espaciais. Ele não possui ferramentas de análise espacial como o QGIS – e, neste sentido, mostra-se muito
equivalente à ZCQU II). Some-se a estas informações, como já dito, o fato do bairro ser classificado em toda sua extensão
limitado.
como “irregular”. Este é o contexto socioespacial das lutas atuais dos moradores.
A vantagem do SASPlanet consiste justamente na sua capacidade de criar bancos de dados offlines (sem internet)
Para este mapa, utilizamos basicamente dois softwares de geoprocessamento: o norteamericano QGIS (2.8.2 –
das imagens de alta resolução de algumas empresas (como a Google, a Bing e a Yahoo), criando projetos rápidos, com
Wien) e o russo SASPlanet. As oficinas da cartografia social ocorreram em dois lugares, basicamente: no Instituto Federal
imagens georreferenciadas de alta resolução, e ainda por cima em um ambiente de fácil manuseio. Enquanto software de
do Paraná (Câmpus Paranaguá) e na casa dos moradores, no próprio bairro. Quando as oficinas ocorriam no Instituto,
SIG (e não de analises de geoprocessamento), o SASPlanet tem uma biblioteca limitada, de forma que não aceita qualquer
tínhamos acesso à internet – e, com isto, optávamos por usar o QGIS; já quando aconteciam no bairro, não tínhamos sinal
formato de dado: trabalha basicamente com os KML e KMZ da empresa Google. Sua interface com GPSs Garmin é ótima:
de internet – e aí o SASPlanet mostrou-se essencial.
além de comunicar-se bem com o software (podendo carregar e descarregar dados), possui a capacidade de fazer o rastreio
O QGIS é software livre que pode ser baixado no seu sítio oficial: http://www.qgis.org/en/site/. Atualmente, sua em tempo real quando o GPS está conectado ao computador.
versão estável é a 2.8 – Wien, mas a comunidade já está disponibilizando a versão 2.10 – Pisa. O programa possui as
Tão logo as informações eram mapeadas por interpretação dos moradores no software SASPlanet, eram salvas e
principais funções presentes nos softwares pagos de geoprocessamento (inclusive podendo produzir e manusear os prin-
transpostas para o QGIS, onde inseríamos os ícones e as cores das legendas, bem como selecionávamos as informações
cipais formatos de arquivos utilizados por estes, como o Shape File da empresa Esri e o KML da empresa Google, ambas
pertinentes para a produção de mapas específicos: o QGIS possui um módulo denominado Compositor de Impressão que

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está muito a frente de outros softwares de geoprocessamento livre9. se deve à pouca disseminação dessas ferramentas e da falta de formação de pesquisadores e movimentos sociais em seu
uso. A cartografia social, enfim, mescla conhecimento popular e técnica cartográfica, podendo, ainda, contribuir para co-
A combinação dos dois softwares mostra-se passível à subversão do grupo, uma vez que consegue, ao mesmo,
locar em um mesmo patamar as “velhas revoltas” e as “novas máquinas”- e isto, por sua vez, pode contribuir para uma
vencer as barreiras colocadas pela falta de infraestrutura (como laboratórios com computadores e internet) e de recursos
ampliação das tomadas de decisão por parte dos cidadãos em um processo de planejamento e gestão democráticos, bem
(para aquisição de equipamentos e software). Além de garantirmos a acurácia técnica exigida e utilizada pelo poder pú-
como em outras políticas públicas de ordenamento territorial.
blico, ainda pudemos respaldar o seu uso a partir de uma demanda concreta, dando aos sujeitos o controle da produção e
da utilização dos mapas. A democratização da cidade, pela cartografia social, passa pelo mapa: e, ao contrário do Orde-
namento Territorial que excluía, os mapas agora colocam em cena um poder que enfrenta as dificuldades, representando Referências bibliográficas
um território em movimento e já ordenado: mostra um bairro onde os moradores mobilizam-se para serem reconhecidos
cidadãos, e seu bairro como parte da cidade. CECEÑA, Ana Esther. Subjetivando el objeto de estúdio, o de la subversión epistemológica como emancipación. In CE-
CEÑA, Ana Esther. Los desafio de las emancipaciones em um contexto militarizado. Ciudad Autónoma de Buenos
Aires: CLACSO, 2006. Pp13-43.
FOUCAULT, M. Nietzsche, a genealogia e a história. In: MACHADO, Roberto (org.). Microfísica do poder. 2 ed. Rio
Considerações finais de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

Os mapas não são consensuais e universais: por mais que visem objetivar e precisar o mundo, ainda são meras HAESBARTH, Rogério. Ordenamento Territorial. Boletim Goiano de Geografia, n. 1, (26): 117-124, 2006.
representações da realidade. De toda a forma, quando são utilizados em uma prática de Ordenamento Territorial, funcio- PARANAGUÁ, Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI): Análises Temáticas e Diagnósticos, Volume I,
2007.
nam como base para um processo controle espacial, gerando concomitante uma des-re-territorialização. Logo, os mapas
podem afetar diretamente a vida dos cidadãos de uma cidade: no caso do Jardim Jacarandá II, os moradores vêm vivendo RIBEIRO, Ana Clara Torres. Cartografia da ação social - região latino-americana e novo desenvolvimento urbano. In. PO-
GGIESE, Héctor; EGLER, Tamara Tania Cohen (comp.). Otro desarrollo urbano : ciudad incluyente, justicia social y
há 25 anos sem regularização fundiária e sem os equipamentos públicos de uso coletivo básicos (como água e luz) – e os
gestión democrática. 1a ed. Buenos Aires : Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO, 2009.
mapas do Plano Diretor (o ordenamento territorial municipal) tendem a só acirrar esta situação.
SANTOS, Boaventura de Souza. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais.
Se já existem mapas oficiais que não dão conta de representar a realidade social, cabe, então, subverte-los: utilizá Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2005.
-los em prol de outra ordem. A ideia é democratizar a cidade (qual se descreve enquanto objetivo do Estatuto da Cidade e SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro:
Editara Bertrand, 2003.
do PDDI) e, para tanto, deve-se produzir mapas que consigam corrigir as falhas geradas nos mapas oficiais. Outros mapas,
que representem uma outra ordem, construída de baixo-para cima. TORNQUIST, Carmen Susana. Salvar o dito, honrar a dádiva – dilemas éticos do encontro e da escuta etnográfica. Re-
vista Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 35, 63-72, set./dez., 2003.
Mais que a técnica computacional em si, vale a democratização da cidade – e isto exige uma democratização da VARELLA, Marcelo et al. “Cartografias sociais e a representação de territorialidades específicas: uma discussão espa-
ciência. A participação e o controle sobre os meios e os fins do mapa por aqueles que são mapeados é essencial para tanto. cial”. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2013. Pp. 172 - 184.
Os estudos apriorísticos acabam impedindo uma discussão baseada nas realidades concretas da cidade e, assim, impossi- VARGAS, Ramos Montalvo. Sistemas de Información Territorial (SIT). México: Fomix-Puebla, 2011.
bilitam diálogo, essencial para a produção de uma cidade democrática. VELHO, Gilberto. “Observando o Familiar” in: Individualismos e cultura: notas para uma antropologia da sociedade
contemporânea. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Pp. 121-132, 2004.
Os softwares livres abrem portas até então fechadas: outrora, há pouco tempo atrás, apenas o governo, ONGs e
ZALUAR, Alba. O Antropologo e os pobres: introdução metodológica e afetiva. In: A máquina e a revolta: as organiza-
empresas dispunham da possibilidade de produzir mapas; hoje, com qualidade e sem custos, pode-se produzir mapas,
ções populares e o significado da pobreza. Ed. Brasiliense: São Paulo, 1985.
inclusive, fotointerpretados a partir dos conhecimentos locais, baseando-se apenas em software livres. Aqui, tratamos do
QGIS (norte-americano) e do SASPlanet (russo): combinados, permitiram que nos tornássemos independentes, na produ-
ção de mapas, de licenças, recursos tecnológicos (como um laboratório de informática e internet), bem como de recursos
financeiros. Ainda não existem trabalhos no litoral combinando diferentes softwares livres de geoprocessamento – e isto
9 Apenas como nota, tome-se como exemplo o gvSIG, software espanhol muito popular no mundo do geoprocessamento. Mesmo com
uma comunidade ativa e bastante extensa, e possuindo fundos da União Europeia, há alguns anos que o software não sai de sua versão 2.0 – e
desta para as versões anteriores, poucas mudanças foram implementadas. Enquanto software de geoprocessamento, ainda hoje o gvSIG peca na
conclusão do mapa: seus produtos não geram as grades de coordenadas, elemento cartográfico fundamental para garantir a acurácia técnica de um
mapa com referencias geográficas.

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CONSEQUÊNCIAS DA OCUPAÇÃO EM ÁREAS LITORÂNEAS: ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE 1 INTRODUÇÃO
NAVEGANTES – SANTA CATARINA
Em se tratando de planejamento urbano, diversos fatores atuam na organização do espaço. Dentre esses fatores
pode-se citar a especulação imobiliária, diferentes tipos de usos em uma mesma área, ocupação de áreas impróprias,
Felipe Augusto Hoeflich Damaso de Oliveira1; Vanessa Fernanda Schmitt2; Cristiane Mansur de Moraes e Souza3; entre outros. Observa-se então, a partir de pesquisa bibliográfica e de verificações in loco uma dificuldade na ocupação
ordenada do município de Navegantes – Santa Catarina, mas especificamente no Bairro São Pedro e nas proximidades
do porto presente no mesmo município.
RESUMO
Assim, o seguinte artigo tem como objetivo geral apresentar a discussão sobre a ocupação urbana em zonas li-
O artigo tem como objetivo apresentar a discussão sobre as consequências da ocupação urbana em áreas litorâneas e a torâneas, mais especificamente no município de Navegantes – Santa Catarina. Nesse contexto, o bairro São Pedro foi
questão do aumento do nível do mar causado pelas mudanças climáticas. O município estudado é o de Navegantes –
Santa Catarina, tendo uma ênfase em um bairro central denominado São Pedro. Com o intuito de realizar essa discussão utilizado como local para visitação em decorrência da sua proximidade com o porto desse município.
serão apresentadas as características socioeconômicas do município (localização, população, IDHM, emprego, pobreza,
entre outros). O próximo tema exposto é a ocupação de áreas revestidas por manguezais e restingas, e as consequências Além do objetivo geral exposto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: (i) caracterização do muni-
dessa ocupação para os ecossistemas e as populações. Também a questão relacionada às consequências das mudanças cípio; (ii) zoneamento costeiro (iii) discussão sobre alterações nos ecossistemas costeiros; (iv) discussão sobre as conse-
climáticas nas áreas litorâneas será abordada. Quanto à questão metodológica, a pesquisa é caracterizada como um es- quências das mudanças climáticas em áreas litorâneas.
tudo descritivo de abordagem qualitativa, realizada através de busca bibliográfica e de visitas a área pesquisada. Como
resultado, observam-se os problemas causados pela ocupação de áreas litorâneas, principalmente onde originalmente se Como metodologia para a concepção do presente artigo utilizou-se a pesquisa bibliográfica pelo método descriti-
encontravam os ecossistemas de restinga e manguezal. Também como resultado apresenta-se a discussão dos problemas vo e qualitativo para levantar e conceituar os temas propostos nos objetivos específicos i e ii, além da própria observação
que as mudanças climáticas podem trazer ao local.
dos pesquisadores in loco e entrevistas com residentes na área.
Palavras-chave: Ocupação de áreas litorâneas. Navegantes. Mudanças climáticas. Restinga. Manguezal.
Mediante o exposto em primeiro lugar o artigo abordará as características do município. A partir desse ponto
serão apresentadas a discussão sobre a ocupação de áreas litorâneas; seguida pela discussão das consequências das mu-
ABSTRACT danças climáticas em áreas litorâneas.

The article aims to present the discussion on the consequences of urban settlements in coastal areas and the issue of rising
sea levels caused by climate change. The city studied is Navegantes / SC, with an emphasis on a central neighborhood
called São Pedro. In order to accomplish this discussion will be presented the municipality’s socioeconomic character- 2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO
istics (location, population, IDHM, employment, poverty, etc.). The next topic is the occupation exposed areas covered
with mangroves and restinga, and the consequences of occupation for ecosystems and populations. Also the issue related A ocupação do território onde hoje está inserido o município de Navegantes é ligada à colonização de agricultores
to the consequences of climate change on coastal areas will be addressed. As for the methodological issue, the research e pescadores de origem açoriana. Esses, nos idos de 1700, já habitavam a localidade. A cidade fez parte de Itajaí até se
is characterized as a descriptive study of qualitative approach, carried out through literature search and visits to area sur-
tornar independente em maio de 1962 (Prefeitura Municipal de Navegantes, 2014).
veyed. As a result, we observe the problems caused by the occupation of coastal areas, especially where originally were
the ecosystems of mangroves and restinga. Also as a result it presents the discussion of the problems that climate change
O município faz divisa ao norte com Penha e Balneário Piçarras, a oeste com Ilhota e Luiz Alves, ao leste com o
can bring to the site.
Oceano Atlântico e ao sul com Itajaí, como pode ser observado na figura abaixo:
Keywords: Occupation of coastal areas. Climate changes. Restinga. Mangrove.

1 Mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau - felipe.ahdo@gmail.com

2 Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau - alakina10@gmail.com

3 Professora Doutora do PPGDR e Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional de Blumenau - arqcmansur@gmail.com

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metros de extensão de linha da costa, com 2.288.63m2 de área de marinha e, 103.487m2 de área construída em área de
marinha (ABATI, 2005).

2.1 BAIRRO SÃO PEDRO

O bairro São Pedro está localizado na porção sul do município e está inserido na região central da cidade. A figura
a seguir apresenta a localização do bairro São Pedro (em vermelho) e o porto, denominado Portonave (em azul), no mu-
nicípio.

Figura 1: Localização do município de Navegantes no Estado de Santa Catarina.


Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Navegantes#mediaviewer/File:SantaCatarina_Municip_Navegantes.svg>. Acesso em:
03fev. 2015.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015) a população do município de Nave-
gantes no ano de 2014 atingiu a marca de 70.565 habitantes, sendo que no ano de 2010 a mesma apresentava o número de
60.556 habitantes, demonstrando um grande aumento populacional em um curto período de tempo.

O IDHM – índice de Desenvolvimento Humano Municipal do município no ano de 2010 alcançou a marca de
0,736, menor do que o atingido no ano 2000, demonstrando assim uma queda na qualidade de vida da população, de
acordo com esse indicador (IBGE, 2015). Vale ressaltar que o IDHM segue os princípios do Índice de Desenvolvimento Figura 2: Localização do bairro São Pedro e do Portonave.
Humano (IDH), o qual baseia-se em três dimensões básicas do desenvolvimento humano, quais sejam: a renda, a educa-
Fonte: Google Maps, 2015. Adaptado pelos autores.
ção e a saúde, sendo uma medida resumida do progresso a longo prazo (PNUD, 2015).

Segundo dados do IBGE relacionados ao Mapa de Pobreza e Desigualdade dos Municípios Brasileiros - 2003, a
incidência de pobreza em Navegantes atinge 38,2% da população do município. A pobreza absoluta é medida a partir de A área de estudo conta com a presença do porto de Navegantes, chamado de Portonave. O mesmo está locali-
critérios definidos por especialistas que analisam a capacidade de consumo das pessoas, sendo considerada pobre aquela zado na margem esquerda do Rio Itajaí-Açu em área anteriormente ocupada por manguezais. O porto de Navegantes
pessoa que não consegue ter acesso a uma cesta alimentar e a bens mínimos necessários a sua sobrevivência (SEBRAE, é um empreendimento privado, idealizado e administrado pela Portonave S.A. – Terminais Portuários de Navegantes.
2010). A implantação do porto começou em 1998, com a compra dos terrenos na Ponta da Divinéia, em Navegantes. Após os
licenciamentos, a construção teve início em outubro de 2005 e conclusão em agosto de 2007. Sendo atualmente um dos
Em relação aos empregos, de acordo com o SEBRAE (2010) no que se refere ao recorte setorial, o segmento do alavancadores de empregos diretos e indiretos na renda da região.
comércio é o mais representativo em número de empresas. No entanto, a indústria é o setor que mais gera empregos no
município, 41,2% dos postos de trabalho.

Ainda, como o foco desse artigo encontra-se na área costeira do município, cabe relatar que este apresenta 11.180

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3 ZONEAMENTO COSTEIRO Ainda neste entendimento, verifica-se que as cidades litorâneas que concentram grande parte da população brasi-
leira, vem avançando sobre áreas de mangues, restingas, dunas etc. Os mangues, conhecidos como maternidades e ber-
Para regulamentar a ocupação das zonas ambientais, incluindo-se as costeiras em território nacional, o Decreto
çários dos mares, pela reprodução de várias espécies de peixes e crustáceos, abastecem oceanos e mares de vida. O fato
nº 4.297, de 10 de julho de 2002 (BRASIL, 2002), instituiu o zoneamento ambiental, legalmente amparado na Política
é que, com a necessidade de expansão das cidades, estas avançam sobre estes importantes ecossistemas, seja aterrando
Nacional de Meio Ambiente, Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (BRASIL, 1981), artigo 9º, inciso II.
para a construção de loteamentos, shopping centers, indústrias, portos etc., ou, quando não são destruídos pelo aterra-
Este tem como objetivo dar amparo legal para o ordenamento do uso do território, estabelecendo a demarcação mento, estão sendo poluídos com esgoto doméstico, dejetos industriais, lixo urbano, ou mesmo ocupados por populações
das zonas ambientais, respeitando suas restrições e explorando de forma sustentável os recursos naturais e demais poten- de baixa renda que constroem suas casas sobre palafitas (BONAMENTE; SOUZA, 2012).
cialidades, sem afetar o equilíbrio dos ecossistemas. No caso da área de estudo, são encontrados os ecossistemas de man-
Segundo Bastos (1995), os manguezais protegem o litoral da erosão e das consequências de ventanias e tem-
guezal e restinga. Nesta vertente, o zoneamento ambiental visa estabelecer, de forma geográfica, as áreas do território que
pestades, além de reter os sedimentos evitando assim o assoreamento das águas adjacentes. Sua vegetação enriquece e
devem obrigatoriamente seguir um regime especial de usufruto. tal fato significa que o proprietário continua exercendo
mantém a produtividade das águas costeiras próximas, sendo também uma importante fonte de madeira, muito usadas na
seu direito legal à propriedade, com o uso da mesma devendo estar de acordo com a regulamentação do zoneamento e
construção de casas, barcos, cercas e postes, bem como para lenha e carvão. As casca e folhas contêm tanino, um pode-
demais leis ambientais vigentes no país (BONAMENTE; SOUZA, 2012).
roso adstringente, usado na curtição de couro, no tingimento de velas de embarcações e como remédios para disenterias
Dentro deste óbice, o zoneamento costeiro foi incluído na Política Nacional do Meio Ambiente por conter muitos e hemorragias.
ecossistemas frágeis, como dunas, mangues, restingas, lagoas e estuários. Esta inclusão considerou a intensa ocupação
No caso das restingas, cerca de 5.000 quilômetros do litoral brasileiro é ocupado por esse tipo de vegetação. Esses
destas áreas, tendo em vista que a maior parte da população brasileira concentra-se na faixa litorânea, exercendo enorme
sistemas, localizados na interface entre os ambientes marinho e continental, possuem uma fragilidade intrínseca. Ao se
pressão sobre os 7.367 km da costa brasileira, como ocorre na área de estudo (BONAMENTE; SOUZA, 2012).
constituírem como ambientes de transição oceano/continente, as zonas costeiras são constantemente afetadas por proces-
sos naturais de deposição marinha (ação eólica e marinha) e de drenagem fluvial, desenvolvendo aspectos sedimentares
simultâneos em termos da predominância de um ou de outro fator ecológico (HOLZER; CRICHYNO, PIRES, 2004).
4 OCUPAÇÃO DE RESTINGAS E MANGUEZAIS
Por isso, quando ocupados causam grandes transtornos para as populações ali inseridas.
A multiplicidade cultural humana, de ecossistemas, de milhares de espécies de animais, plantas e micro-organis-
De acordo com Holzer, Crichyno, Pires (2004), as restingas de hoje já não possuem a exuberância descrita pelos
mos presentes em nosso estado é nosso maior patrimônio, pois as riquezas econômicas e ecológicas propiciam bem estar
naturalistas e cronistas que aqui estiveram entre os séculos XVI e XIX. Atualmente a vegetação de restinga está reduzida,
humano, o que se traduz em Santa Catarina como um dos melhores possuidores de condições ambientais e sociais do
e confinada, a pequenas manchas remanescentes e a situação de sua fauna se configura ainda mais crítica. Entretanto,
Brasil (SEVEGNANI; LAPS; SCHROEDER, 2013).
em diversos locais, essas manchas de vegetação se constituem em ambientes bastante diversificados, que merecem ser
Dentro dessa riqueza, temos a ocupação de ecossistemas costeiros é uma questão corriqueira no Brasil e em Santa preservados e recuperados, mas que estão altamente ameaçados pela expansão urbana, principalmente a voltada para a
Catarina, tendo em vista que mais da metade da população nacional vive a uma distância de até 200 quilômetros do li- especulação imobiliária, como pode ser observado na figura abaixo, onde a área na cor verde escura indica o remanes-
toral. Dessa forma, os assentamentos humanos ocupam áreas de ecossistemas frágeis e de grande importância ecológica cente de restinga e as áreas na cor azul os remanescentes de mangue.
como a restinga e os manguezais.

As causas da degradação nos manguezais em áreas urbanas estão essencialmente relacionados à ocupação hu-
mana e ao uso inadequado do solo. Desmatamentos e aterros são realizados pela população de baixa renda e por espe-
culadores imobiliários, como alternativa para o problema de moradia. Dentro desse panorama, é comum o lançamento
de efluentes domésticos e industriais sem tratamento, e a deposição de resíduos sólidos no ambiente estuarino (FIDEL-
MAN, 1999). Essa degradação compromete o desempenho das funções ecológicas dos manguezais, como a de berçário
de espécies marinhas. São nas áreas de manguezais onde inúmeras espécies de peixes, crustáceos e aves se reproduzem,
e o desequilíbrio dessas áreas pode levar a sérios problemas na produção do pescado, necessário para a sobrevivência
dos pescadores da região.

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século XX, ocorreu o aumento de 0,6º C na temperatura média global, que se pronunciou na década de 1990. Em relação
à precipitação, o incremento foi de 0,2 a 0,3% na região tropical (PMBC, 2014).

As possíveis causas dessas alterações podem ter causa de ordem natural, ou devida a atividades humanas – an-
trópicas – ou resultados da soma das duas. Com o aquecimento global, espera–se para futuro próximo, de forma geral,
cenários de climas mais extremos, com secas, inundações e ondas de calor mais frequentes. A elevação na temperatura
do ar aumenta sua capacidade de reter vapor d’água e, dessa forma, a demanda hídrica. Em resposta a essas alterações,
os ecossistemas de plantas poderão expandir sua biodiversidade ou sofrer influências negativas. Impactos como elevação
de nível dos oceanos e furacões mais intensos e frequentes também poderão ser sentidos (PMBC, 2014).

Com relação ao regime de chuvas, são identificadas tendências positivas de aumento pluviométrico sistemático
e de extremo na Região Sul do Brasil. De acordo com o primeiro relatório de avaliação nacional, produzido pelo PBMC
(painel brasileiro de mudanças climáticas) do ano de 2014, na Região Sul do Brasil, o aumento das chuvas no período
1950-2000 pode também ser observado nos registros hidrológicos, como por exemplo a vazão do Rio Iguaçu e do alto
Paraná. Também foram observadas nesse período tendências positivas nas vazões dos Rios Paraguai, Uruguai e Paraná,
no seu trecho inferior, e no Rio Paraná, em Corrientes. Foram observados incrementos da chuva em partes da bacia do
Figura 3: Remanescentes de restinga e manguezais na área de estudo. Paraná/Prata, de cerca de 6% para o período de 1971 a 1990 em relação a 1930-1970. Também foram observados o au-
mento de vazão na Bacia do Paraná/Prata entre os períodos 1900-1970 e 1971-1998.
Fonte: Google Earth, 2015. Adaptado pelos autores.
No que se refere aos estudos das temperaturas, no Sul do Brasil, durante o período de 1960 a 2002, foi constata-
do um aquecimento sistemático da Região, sendo detectadas tendências positivas nas máximas e nas mínimas anuais e
No caso das restingas ainda, pode haver a diminuição do próprio valor econômico do empreendimento imobi- sazonais. A amplitude térmica apresentou fortes propensões inversas neste período, sugerindo que os índices térmicos
liário, pois a ausência de vegetação causa desestabilização do solo (essencialmente arenoso), provocando bloqueio de mínimos são mais intensos que os máximos, especialmente no verão (PMBC, 2014).
estradas, invasão das habitações por areia, além de assoreamento e obstrução de lagoas e cursos d’água. Também as
Nas investigações das tendências de temperatura mínima e máxima e na amplitude térmica diurna nos estados
construções à beira-mar ficam diretamente expostas ao vento e à maresia, e em alguns casos à ação direta das marés. A
do Sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) entre os anos de 1960 e 2000, foi verificado que a maior
cobertura vegetal, por outro lado, contribui para manter a permeabilidade do solo, que permite a alimentação dos lençóis
parte das estações meteorológicas mostra um acentuado aumento nas temperaturas noturnas comparativamente a um li-
freáticos, garantindo a estabilidade em seu nível e, consequentemente, o fornecimento de água potável na região (HOL-
geiro aumento das temperaturas diurnas durante todo o ano. As tendências de aquecimento foram mais fortes no inverno
ZER; CRICHYNO, PIRES, 2004).
comparativamente com o verão. Também é importante frisar o fato de que a frequência maior de eventos El Niño durante
os últimos 20 anos da análise (1982-2002) comparativamente ao período anterior (1960-1980) poderia ter exercido um
papel não desprezível na ocorrência de temperaturas mais altas e na tendência de extremos no Sul do Brasil. Esse estudo
4 AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O SUL DO BRASIL E SANTA CATARINA
mostrou que a frequência de dias considerados quentes, aumentou durante o verão e inverno, especialmente durante as
Tendo em vista as alterações causadas pela ação humana no clima do planeta, a apresentação de quais são as duas últimas décadas analisadas (PMBC, 2014).
consequências dessa nova dinâmica na área de estudo se faz necessária. De acordo com Campos, Braga, Alves (2006),
Essa alteração climática faz com que ocorram, em maior quantidade, eventos extremos de precipitação. Esses são
segundo o IPCC (Painel Internacional de Mudanças Climáticas) a temperatura média global já sofreu um acréscimo de
relacionados com inundações, enchentes, deslizamento de morros, que causam destruição em cidades e lavouras, perdas
0,6 ºC até 0,2ºC desde o final do século XIX. Como consequência dessa variação, o ritmo do aumento do nível do mar
de vidas, afetando vários setores da sociedade. Em uma escala de tempo maior (mensal ou sazonal), as secas ou excesso
variou de 10 a 20 centímetros no último século, sendo que esse aumento tem sido mais amplo no século XX do que foi
de precipitação também afetam a sociedade e a economia do país, pelas perdas agrícolas ou pela redução de recursos
no século XIX.
hídricos (PMBC, 2014).
Com relação às mudanças climáticas, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças no Clima, durante o
Como um exemplo de fenômenos climáticos extremos e de indício de mudança climática sem precedentes, ainda

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que no curto tempo de registro meteorológico da Região Sul, ocorreu no dia 7 de março de 2004. Nesse dia, uma tem- Um outro fator importante a ser destacado é a falta de planejamento das autoridades competentes no que diz res-
pestade inicialmente classificada como ciclone extratropical atingiu a costa sul do Brasil, com chuvas fortes e ventos peito as mudanças climáticas e suas consequências em áreas costeiras. Utilizando-se das últimas previsões do IPCC, o
estimados em cerca de 150 km/h. O resultado foi a morte de 11 pessoas no continente e no oceano, e a destruição em aumento do nível dos oceanos acarretará em um grande problema social e econômico para o município. Social, pois com
dezenas de municípios. O fenômeno recebeu o nome de Catarina pelo CIRAM da EPAGRI de Santa Catarina, por este as águas subindo, se tem uma grande quantidade de pessoas sendo atingidas por esse fenômeno, assim sendo obrigadas
ter sido o estado mais atingido pelo primeiro furacão ocorrido no País. Estudos indicaram que o aumento na temperatura a deixar suas residências. E econômico, pois um dos maiores responsáveis pela geração de emprego e renda da área de
das águas oceânicas estaria tornando mais intensos esses fenômenos (PMBC, 2014). estudo (o terminal portuário) também estará sujeito a essas novas condições.

Além da ocorrência do Catarina, também destacam–se os de enchentes e alagamentos, com grandes volumes de O fato é que países industrializados dependem de importações provenientes do sul (inclui-se aqui o nosso país)
precipitação pluviométrica em curto espaço de tempo. Essa quantidade de chuvas pode ser responsável por uma provável para atender parcela crescente e cada vez maior de suas demandas por matérias primas e bens de consumo, ou seja, o
quebra de produção de alimentos, um desafio para a Região Sul são as cidades localizadas próximas aos rios. Novamente resultado global é a que a fronteira do petróleo e do gás, a fronteira do alumínio, cobre, eucalipto, enfim, todos avançam
no estado de Santa Catarina, em novembro de 2008, ocorreu um evento de precipitação intensa. Aproximadamente 700 na direção de novos territórios.
mm de chuva em curtíssimo período devastaram parte do Vale do Itajaí. O Centro de Operações de Defesa Civil de Santa
Nessa linha, o terminal portuário tem papel importante pois é uma ação de transito de produtos manufaturados
Catarina estimou que 1,5 milhão de pessoas foram afetadas, com 135 mortes. Aliado ao volume pluviométrico anômalo,
importados e exportados, que só transitam nesse local (Navegantes), com o maior impacto, seja positivo ou negativo,
a vulnerabilidade dos municípios da região contribuiu para a gravidade do evento (PMBC, 2014).
estendendo-se para onde as cargas serão destinadas. Assim, importante se faz não focar apenas no local, pois essa questão
Os eventos geoclimáticos catarinenses de novembro de 2008 foram relacionados às chuvas torrenciais que cul- é muito mais complexa e ampla. Para Aumond e Bacca (2012), entender o passado é a chave para compreender o presente
minaram em uma movimentação de massas nunca antes vista, causadas por redução dos parâmetros de resistência por e planejar o futuro, fenômenos que ocorreram no passado e deixaram suas marcas na morfologia da paisagem podem ser
intemperismo, a erosão progressiva e o rebaixamento rápido do lençol freático, além de obras de terraplanagem, cortes e de fundamental importância para compreender fenômenos futuros. E, ao compreender os fenômenos futuros, podemos
aterros, drenagens inadequadas, desmatamentos e cultivos impróprios. Constata-se portanto, que as ações antrópicas, es- nos resguardar e planejar ações para que este futuro não seja uma grande tragédia geoclimática novamente.
pecialmente o desflorestamento das encostas, estão sobrepondo, na presente fase interglacial, dois fenômenos distintos: a
Diante do exposto, percebe-se que obras estruturais que se fazem nas orlas não resolvem os problemas, mas sim
intensa precipitação que caracteriza a fase pluvial e o fenômeno morfogenético da erosão intensa, característicos de fases
também criam outros problemas. Há um processo de retroalimentação positiva e quanto mais obras pior fica a situação.
glaciares. Na verdade os movimentos de massa de 2008 foram tão intensos que chegaram a modelar a paisagem do Vale
Alteram completamente nosso meio ambiente, com consequências a longo prazo. A visão é de que a engenharia dá jeito
do Itajaí, fato que ainda é acompanhado por muitos estudiosos da área e que gerou toda uma remodelação dos sistemas
em tudo, porém, é visível que esta é uma afirmativa equivocada.
públicos de defesa civil (AUMOND; BACCA, 2012).
Quando intervimos no perfil da natureza, construindo portos, prédios, barreiras etc., estamos interferindo em um
processo que está a milhões de anos em seu processo, a natureza não “obedece” as previsões utilizadas para as nossas
5 CONSIDERAÇÕES FINAS obras de engenharia, dessa forma aumentado a possibilidade de perdas, tanto para a sociedade, tanto para a natureza.

A partir do exposto observa-se que a ocupação das áreas litorâneas, particularmente em se tratando da área de
estudo, causam diversos problemas ambientais, que se transformam em problemas sociais. No caso da eliminação dos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ecossistemas, a mesma é acompanhada do empobrecimento da biodiversidade, com a possível extinção das espécies. Tais
cidades cresceram desordenadamente, procurando seu espaço para expandir-se, como já mencionado, sobre florestas, ABATI, Samuel. Experiências com geoprocessamento aplicado ao Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro
restingas, mangues; sem nenhum tipo de preocupação ou respeito com a natureza à sua volta. de Santa Catarina – GERCO – SC. 2005. 54f. Trabalho final de estágio (Graduação em Geografia) – Centro de Ciên-
cias da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.
Além das questões relacionadas à natureza, a ocupação das áreas litorâneas de maneira desordenada também AUMOND, J. J.; BACCA, L. E. A tragédia geoclimática catarinense: a paisagem como fundamento para a gestão pública.
causa diversos problemas sociais. Como as áreas ocupadas são em sua maioria inadequadas, as condições de vida das In: Gestão de natureza pública e sustentabilidade (Org. PHIIPPI, Jr.; SAMPAIO, C.A.C., FERNANDES, V.). São
populações ali presentes são precárias, muitas vezes apresentando deficiência na infraestrutura urbana, saneamento e de- Paulo, Manole, 2012.
mais serviços públicos. Na área de estudo, é possível observar essas carências por meio de uma volta pelas ruas do bairro BASTOS, Maria de Nazaré do Carmo. A importância das formações vegetais da restinga e do manguezal para as
São Pedro. Em sua porção interior, verifica-se falta de ordenamento nas ruas, falta de calçadas, bem como córregos de comunidades pesqueiras. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Série Antropologia, Belém, v. 11, n.1, 1995, p.
dejetos que desaguam diretamente no Rio Itajaí-Açu. 41-56.

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Considerações sobre crescimento capitalista e meio ambiente: uma 1. Introdução
contradição anunciada1 Não parece novidade que o avanço das forças produtivas capitalistas tem íntima relação com a degradação do
meio ambiente. À medida que o crescimento econômico ganha força, também cresce a destruição da natureza, afinal,
Daniel Rodrigo Strelow2; Ivo Marcos Theis3; Luciana Butzke4; Luciano F. Florit5; Tatiane Thaís Lasta6; Luis Claudio esta se configura como recurso produtivo necessário ao processo de acumulação. Somado a isso, poder-se-ia citar a
Krajevski7 exploração das pessoas. O fato é que a acumulação de capital, a desacumulação do meio ambiente e a exploração das
pessoas são faces da mesma moeda. Neste sentido, o objetivo deste artigo é lançar breve discussão acerca da contradição
RESUMO entre crescimento capitalista e meio ambiente, baseado nas concepções hegemônicas do ecologismo, como a noção
A acumulação de capital é dependente da degradação da natureza e da exploração das pessoas. O objetivo central deste convencional de desenvolvimento sustentável. Como contraponto, são apresentados sinteticamente conceitos relacionados
artigo é discutir a contradição entre crescimento capitalista e meio ambiente considerando as concepções hegemônicas
do ecologismo, como a noção convencional de desenvolvimento sustentável. Parece pouco provável a possibilidade aos conflitos ambientais e a justiça ambiental. É intenção ainda ressaltar exemplos da contradição entre acumulação de
de aliar crescimento econômico capitalista com respeito à natureza, já que o processo de acumulação tem como base capital e meio ambiente. Assim, alguns casos de conflitos ambientais presentes no Estado catarinense são analisados.
a exploração intensa do meio ambiente. Sendo assim, as concepções convencionais do desenvolvimento sustentável Este artigo foi elaborado a partir de uma revisão de literatura sobre ecologismo e de uma coleta de dados sobre
também não parecem ser muito satisfatórias. Os pressupostos da justiça ambiental e dos conflitos ambientais são um conflitos ambientais em Santa Catarina, a partir mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil, da
contraponto a visão hegemônica e apontam caminhos no entendimento de algumas contradições do capitalismo. O Estado
de Santa Catarina também é palco de contradições e os conflitos ambientais aparecem como exemplo. Estes acabam se Fiocruz/Fase. Para dar conta da proposta, está dividido em três seções, incluindo esta introdutória. Na segunda seção,
configurando como casos de injustiça ambiental, além de serem produto de uma acumulação por espoliação, na medida são discutidas algumas contradições entre crescimento capitalista e meio ambiente, ademais, é descrita brevemente
em que espoliam pessoas e natureza. Sugerem-se mais estudos acerca da temática, bem como, que se construa uma a visão hegemônica sobre o ecologismo. Na terceira seção são apresentados, de forma breve, alguns pressupostos da
verdadeira democracia, capaz de permitir uma maior participação dos atores envolvidos no processo. Esta democracia, justiça ambiental e dos conflitos ambientais, analisados como contraponto a visão hegemônica do desenvolvimento
num sentido amplo, deverá ser capaz de dar voz as populações que sofrem as implicações dos conflitos ambientais, bem
como, levar em conta os direitos da natureza e não unicamente as razões utilitaristas do mercado. sustentável. Há ainda, uma subseção com análise de um quadro de conflitos ambientais no Estado de Santa Catarina. Por
fim, apresentam-se as conclusões.
Palavras-chave: Crescimento capitalista; meio ambiente; conflitos ambientais; Santa Catarina.
2. O paradoxo entre crescimento econômico e meio ambiente
ABSTRACT A visão hegemônica sobre desenvolvimento o associa ao crescimento econômico. O aumento da taxa do
The accumulation of capital is dependent on the degradation of nature and exploitation of people. The main objective
of this article is to discuss the contradiction between capitalist growth and the environment, considering the hegemonic Produto Interno Bruto – PIB (principal indicador de crescimento econômico), da produção das mercadorias e a economia
conceptions of environmentalism, as the conventional notion of sustainable development. It seems unlikely the possibility aquecida são parâmetros para uma sociedade desenvolvida. Não raro, se credita a este mesmo crescimento a capacidade
of combining capitalist economic growth with respect for nature, because the accumulation process is based on the de resolução dos problemas, tanto sociais como ambientais. A própria (ir)racionalidade do mainstream econômico é
intensive exploration of the environment. Therefore, conventional concepts of sustainable development do not seem contraditória: relega a si a tarefa de pensar como satisfazer as ilimitadas necessidades humanas com os recursos escassos
to be very satisfactory. The assumptions of environmental justice and environmental conflicts are a counterpoint to the
hegemonic vision and indicate paths for understanding some contradictions of capitalism. The state of Santa Catarina disponíveis no globo. Se por um lado reconhece a escassez, por outro, parece esquecer que um modelo baseado em
is also of contradictions stage and the environmental conflicts appear as example. These end up shaping up as cases of infinitas necessidades está fadado ao colapso.
environmental injustice, and are the product of an accumulation by dispossession, products are, insofar as they despoil O fato é que a dinâmica do crescimento infinito está exercendo sérias ameaças ao planeta. Mesmo para aqueles
the people and the nature. The suggestion are more studies on the subject, which build a true democracy, able to allow que não consideram importante a preocupação com os ecossistemas, vale lembrar que, no fim das contas, a predação
greater participation of the actors involved in the process. This democracy, in a broad sense, should be able to voice the
people who suffer the implications of environmental conflicts, as well as take into account the rights of nature and not causada pela acumulação de capital torna-se uma grande ameaça ao próprio ser humano. Crescimento capitalista de um
merely the utilitarian reasons the market. lado significa desacumulação de meio ambiente de outro. Samohil (1982) utiliza algumas leis da termodinâmica, como a
lei da entropia, para exemplificar algumas contradições do sistema econômico baseado no capitalismo.
Key words: Capitalist growth; environment; environmental conflicts; Santa Catarina. Grosso modo, a entropia é a medida do grau de desordem da natureza. É a quantidade de energia transformada
(consumida para determinado fim) que não é mais capaz de realizar o mesmo processo de antes. Esse grau de desordem,
1 Este artigo é produto final da disciplina “Natureza e Política”, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da FURB. ou melhor, de entropia, tende sempre a crescer no universo. Quando há aumento do processo entrópico, há decréscimo
2 FURB, e-mail: danistrelow@gmail.com;
3 FURB, email: theis@furb.br; na quantidade de energia disponível. Portanto, quando se pensa no uso de energia para gerar trabalho, se conclui que ela
4 FURB, e-mail: luemtese@gmail.com; está continuamente em processo de degradação. Tanto nos processos realizados pelas pessoas como na natureza, existe
5 FURB, e-mail: lucianoflorit@gmail.com;
6 FURB, e-mail: tatilasta@gmail.com; a transformação de energia disponível em energia não disponível. Grande parte desta última se acumula no ambiente,
7 FURB, e-mail:luisclaudio@uffs.edu.br.

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tomando a forma de poluição e de degradação ambiental (MERICO, 2002). ser muito satisfatória, principalmente quando observada em seu conjunto.  Estão aí os indícios das mudanças climáticas,
A acumulação de capital é dependente da degradação do meio ambiente e se utiliza massivamente da natureza, o aumento na emissão de gases, a extinção de espécies, a poluição das águas, entre tantos outros exemplos que parecem
a quem preferir, de “recursos renováveis e não renováveis”. Portanto, de energia de baixa entropia, que é transformando corroborar com esta ideia (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010).
em energia de alta entropia, dissipada no meio ambiente. Mas como esta energia de alta entropia não serve para gerar Löwy (2011) considera que as concepções ecologistas defensoras de um “capitalismo limpo” ou “verde”
trabalho (pois não gera calor concentrado para fazer uma máquina funcionar, por exemplo), não pode ser reutilizada. Eis apresentam equívocos, justamente por desconsiderarem a conexão entre o produtivismo e o capitalismo. Sua crítica é
uma contradição do modelo hegemônico de reprodução material: acelera os processos entrópicos da natureza, reduzindo enfática, ao ponto de enxergar os pressupostos destas correntes como uma “manobra publicitária, uma “etiqueta/rótulo”
a energia disponível para produção no futuro. para vender mais mercadorias e no melhor dos casos, “uma iniciativa local equivalente a uma gota de água no árido
Este processo é ainda mais complexo quando comparamos os “recursos naturais não renováveis” com os solo do deserto capitalista” (p.31, 2011). O próprio sentido daquilo que se entende por desenvolvimento sustentável
“renováveis”. Em mais de duzentos anos de desenvolvimento capitalista, a maior parte dos avanços tecnológicos se deu foi apropriado pelos grupos dominantes. Tanto é que incorporou preceitos capazes de conciliar seus interesses, numa
com base em recursos naturais não renováveis. Estes últimos utilizam-se da energia solar para transformarem-se em espécie de “casamento feliz entre a economia e a ecologia” (ZHOURI; LASCHEFSKI, p.14, 2010). Se por um lado as
baixa entropia em curto período de tempo. Já com os primeiros é diferente, sua renovação pode nunca mais acontecer, a práticas voltadas à eficiência energética e às novas mercadorias “sustentáveis” ganham destaque, por outro, a oposição
não ser durante um período longo (milhares de anos). Essa dificuldade de renovação transforma-os em “rejeitos de alta as atividades predatórias do meio ambiente deixam de ser importantes. A noção de sustentabilidade do ponto de vista
entropia”, dissipados no meio e sem nenhuma utilidade. E esta característica do processo produtivo não tende a mudar, hegemônico não pretende “mexer” no modo de produção, muito menos ser uma contraposição aos interesses dos grandes
pois, desde a ótica das relações capitalistas, não representam maior rentabilidade (SAMOHIL, 1982). grupos econômicos.
Além disso, as relações capitalistas parecem “naturalizar” a máxima das ilimitadas necessidades humanas. Não é novidade que a atualidade está recheada de formas “globocêntricas” de ver e de interpretar o mundo. A
Mesmo que um número pequeno de produtos seja necessário à vida das pessoas, isso é incompatível com o processo de concepção usual de desenvolvimento sustentável se insere neste contexto, figurando como uma categoria homogeneizadora
acumulação de capital. Sua continuidade depende da crescente produção de artigos supérfluos e não apenas daqueles de interpretação da problemática ambiental, sem espaço para as particularidades e contradições (ZHOURI; LASCHEFSKI,
destinados ao atendimento de necessidades primárias. Para tanto, se trabalha com a ideia que determinados produtos são 2010). Um contraponto a isto é considerar a categoria da justiça ambiental e dos conflitos ambientais, que parecem
imprescindíveis ao indivíduo, gerando a impressão que certo produto, supérfluo, torna-se essencial. Além de maiores permitir análises mais próximas do objeto de discussão desta seção, ou seja, da contradição entre desenvolvimento
quantidades, as mercadorias tendem a ser menos duradouras, permitindo sua substituição rápida. Isso acaba elevando a capitalista e o cuidado com o meio ambiente.
utilização recursos da natureza, logo, mais entropia.
Algumas características do processo produtivo baseado no capitalismo intensificam os processos entrópicos da 3. Os pressupostos da justiça ambiental e os conflitos ambientais como contraponto a visão hegemônica do
natureza. Uma primeira, e talvez a mais importante, refere-se ao fato de que o tomador de decisões econômicas não sofre “ecologismo”
com os custos reais de sua ação sobre a utilização dos recursos, ao contrário, retira muitos benefícios disso. Uma segunda Os pressupostos relacionados à (in) justiça ambiental são comumente utilizados para designar o “fenômeno
está ligada a alienação do trabalhador, pois este geralmente se encontra distante das fontes de energia, da matéria prima e de imposição desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e
de como ocorreu sua extração. Outra ainda tem a ver com os consumidores, pois os produtos adquiridos não exprimem os institucionais” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 9). Daí se deduz seu contraponto, ou seja, o termo justiça
reais custos ambientais e sociais da sua produção. Logo, o consumidor não tem noção da destruição e poluição presentes ambiental, que representa um “quadro de vida futura” de superação de tal injustiça. A imposição desproporcional/
em suas confecção (SAMOHIL, 1982). desigual dos riscos é resultado de uma lógica da acumulação de riquezas, que se realiza na “penalização ambiental” das
Essas características apontadas podem ser analisadas como um problema de democracia, “resultado de uma populações mais vulneráveis (ACSELRAD, 2010).
distribuição desigual dos custos e benefícios econômicos e ecológicos do sistema capitalista” (SAMOHIL, p.121, 1982).
Esta visão acerca do meio ambiente sustenta que a degradação ambiental e os problemas sociais têm intrínseca
A falta de uma democracia econômica é uma das causas da degradação ambiental. Assim como não há como negar a
relação. Surge a partir dos grupos sociais envolvidos na luta por justiça social e seus pressupostos procuram levar em
existência de um grupo hegemônico que se beneficia da degradação ambiental, enquanto outro apenas sofre com suas
consideração o modo e o local onde as pessoas vivem, além do fato de que é sobre as pessoas mais pobres que recaem de
implicações.
forma desproporcional a maior parte dos riscos ambientais socialmente produzidos. Neste sentido, difere da concepção
Diante do exposto, o que se evidencia é uma contradição, pois o processo econômico capitalista acelera a alta
dominante, centrada no “senso comum ambiental”, responsável por difundir a ideia de que todos igualmente são vítimas
entropia, sobrecarregando os ecossistemas e pondo em risco sua capacidade de suporte. A acumulação de capital e a
e causadores da crise ambiental, tão recorrente nos discursos oficiais (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009).
destruição da natureza aparecem como duas faces de uma mesma moeda. Neste sentido, parece improvável a possibilidade
de aliar crescimento com respeito ao meio ambiente. Apesar dos conceitos hegemônicos relacionados ao meio ambiente, O ressurgimento do tema dos conflitos ambientais nos últimos anos tem ampla relação com os grandes projetos
como o de “crescimento sustentável”, sugerirem tal possibilidade, a tentativa de tornar o capitalismo “verde” não parece de infraestrutura (em especial, os pertencentes ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, tais como hidrelétricas,

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portos, entre outros). Frutos “das distintas práticas de apropriação técnica, social e cultural do mundo material”, tais elevação da atividade econômica, com exceção apenas no ano de 2009. O crescimento econômico do Estado catarinense
projetos acabam exprimindo algumas “contradições do agenciamento espacial de atividades e formas sociais de uso superou o crescimento médio brasileiro em dois períodos (2004 e 2011), ainda que no ano 2009 o impacto da redução da
e apropriação dos recursos territorializados” (ZHOURI; LASCHEFSKI, p.17, 2010). Vistos como processos sociais, atividade econômica em Santa Catarina foi inferior à média brasileira (retração de 0,10, ante 0,30 da retração nacional)
econômicos e ambientais globais, os conflitos ambientais podem ser entendidos como conflitos ecológicos distributivos (Ipeadata; SEF/SC; Souza, 2013).
“relacionados à apropriação material, territorial, econômica e simbólica dos diversos recursos naturais” (FIRPO PORTO, Isso só corrobora com o discurso oficial e hegemônico, que apresenta Santa Catarina como um Estado privilegiado
2013, p. 87). ante os demais entes da Federação e, até mesmo, um modelo a ser seguido. Porém, um exame mais aprofundado revelará
Na maioria das vezes, são as populações desprovidas de poder político e econômico – como as populações que, mesmo se “destacando” em alguns indicadores (poderíamos citar outros ainda, mas não é objeto deste trabalho)
tradicionais – que estão envolvidas nas disputas que se configuram como conflitos ambientais8. A maioria destes conflitos Santa Catarina também é palco de desigualdades e contradições. Inicialmente, poderiam ser citadas as grandes assimetrias
tem na “questão territorial ou espacial” seu centro. Zhouri & Laschefski (2010) diferenciam três tipos de conflitos: 1) decorrentes do próprio crescimento econômico desigual entre as regiões, além de suas consequências ambientais distintas.
os distributivos, ou seja, indicam “graves desigualdades sociais” no acesso e uso dos recursos naturais; 2) os espaciais, O território catarinense se insere dentro de uma lógica de acumulação de capital, no caso brasileiro, do capitalismo
entendidos como resultado de disputas territoriais entre grupos sociais distintos (no modo como se apropriam do território); periférico.
3) os territoriais, que envolvem uma situação em que existe “sobreposição de reivindicações” de grupos sociais distintos Se por um lado, a acumulação de riquezas em Santa Catarina vem se destacando, não há como negar as inúmeras
sobre um determinado território. Apesar da simplificação, estas três categorias nem sempre se materializam separadamente. contradições geradas por este processo. Um bom exemplo são os conflitos ambientais, cada vez mais freqüentes no
Existe uma “dinâmica dialética” entre elas, pois coexistem e os desdobramentos podem ser tanto de cunho distributivo, Estado. Frutos de processos econômicos concretos configuram-se como casos de espoliação das pessoas e da natureza.
como também espacial e territorial. Alguns dados levantados junto ao mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil, da Fiocruz/Fase
Ao considerar a existência de conflitos alguns elementos merecem atenção, como a ação dos movimentos sociais, denotam tal realidade. A figura a seguir apresenta um quadro de conflitos por mesorregião9.
a territorialidade e a necessidade do pensamento crítico. Outra importante consideração, principalmente no que tange a
resistência dos atingidos, remete a necessidade de se pensar “estatuto do lugar” em meio ao contexto da globalização Figura 1: Conflitos ambientais em Santa Catarina – dados do mapa de conflitos da Fiocruz/Fase (2015).

neoliberal. A importância de uma resistência centrada no sentindo de pertença a um “lugar” figura como um “contraponto”
as formas “globocêntricas” de interpretar o mundo (ZHOURI; OLIVEIRA, p. 442, 2010). No sentido dos conflitos, a
resistência centrada nos lugares/nos processos locais significa dar ênfase ao sentimento de pertencimento a um grupo Norte 3
social e/ou a um lugar. Remete ao valor dado as próprias “raízes”, a possibilidade em optar por continuar com seu modo
Oeste
de vida, em um determinado território. 3
Vale do Itajaí
Dada esta discussão, parece que estes conceitos trazem importantes elementos no entendimento das contradições
4
entre crescimento capitalista e meio ambiente. Afinal de contas, a crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico 3
toma corpo em seus pressupostos. Muitos exemplos poderiam ser trazidos fim de exemplificar este quadro. Neste artigo, Grande
Serrana Florianópolis
no entanto, optou-se por trazer à tona alguns casos de injustiça ambiental e de conflitos ambientais, localizados em Santa
Catarina. Assim, na próxima seção seguem alguns dados levantados junto ao mapa de conflitos envolvendo injustiça
ambiental e saúde no Brasil, da Fiocruz/Fase. São alguns exemplos das contradições geradas pela expansão do capital, no Sul

caso específico, no território catarinense.


5

3.1 Algumas contradições do desenvolvimento em Santa Catarina


'
Recordando o debate anterior, viu-se que as relações capitalistas de produção pressupõem o constante crescimento. Fonte: Fiocruz; Fase, 2015.

Comumente se utiliza o indicador do PIB para avaliar a evolução do crescimento econômico. Neste quesito, o Estado
de Santa Catarina vem apresentando contínuo crescimento nos últimos anos. Entre 2002 e 2012, por exemplo, houve
8 Os conflitos ambientais não surgem apenas a partir de casos de apropriação material já em curso, mas também a partir de ações ainda 9 É bom lembrar que estes casos não exprimem a totalidade dos problemas relacionados aos conflitos ambientais em Santa Catarina.
em fase de planejando (como exemplo, um projeto para a construção de uma barragem, que implicará na retirada de uma população de pequenos Muitos são os que ainda não aparecem nos relatórios. Os casos citados são apenas alguns exemplos das contradições geradas pela expansão do
agricultores de suas terras). capital no território catarinense.

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Na tabela 1 é possível observar melhor os grupos sociais envolvidos nos conflitos. políticas de proteção ambiental. No caso da mesorregião Sul, sofrem a pressão dos madeireiros e na Serrana, reivindicam
o uso de uma área considerada de proteção ambiental.
Tabela 1: populações atingidas pelos conflitos ambientais - mapa de conflitos Fiocruz/Fase (2015) Os pescadores artesanais estão envolvidos em quatro casos citados (e em quatro mesorregiões diferentes). Os
Mesorregião Cidades População atingida
Moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais; pescadores artesanais;
conflitos da mesorregião Serrana e Oeste têm a ver com hidrelétricas e é claro, tem intrínseca relação com as grandes
Baguaçu
Maricultores. empreiteiras e com o Estado. Já o localizado na região Norte tem relação com o derramamento de óleo. Vale dizer, é o
Grande Palhoça Povos indígenas.
Florianópolis Santo Amaro do Agricultores familiares; empresários e trabalhadores ligados ao setor turístico.
mesmo caso dos maricultores, marisqueiras e catadores de caranguejo. Na Grande Florianópolis relaciona-se com um
Imperatriz projeto de estaleiro. Moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais são citados em cinco casos. No Sul tem
Anitápolis Agricultores familiares; moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais.
Santa Terezinha Agricultores familiares.
relação com a indústria do carvão. Na grande Florianópolis com o projeto de estaleiro e mineração de fosfato, no Norte,
Norte Joinville
Moradores de aterros e/ou terrenos contaminados; moradores de bairros atingidos com areia contaminada. Os moradores de aterros aparecem em quatro casos e a maioria está relacionada com a mineração
por acidentes ambientais.
São Francisco
Marisqueiras; pescadores artesanais; outros; catadores de caranguejo; maricultores. carbonífera (já que três deles localizam-se no Sul). Estes problemas são os mesmos dos operários e mineiros.
do Sul
Itapiranga Agricultores familiares; pescadores artesanais. Todos estes conflitos acabam gerando muitos problemas às populações envolvidas. Na pesquisa realizada
Oeste Cunha Porã Povos indígenas. pela Fiocruz/Fase (2015), o mais freqüente é a “piora na qualidade de vida”. Os problemas relacionados a “doenças”
Abelardo Luz Povos indígenas. também são citados em muitos casos e tem grande incidência naqueles conflitos relacionados à mineração carbonífera.
Campos Novos Agricultores familiares; pescadores artesanais.
A “violência” também aparece e tem relação com os conflitos que envolvem a demarcação de terras e grandes projetos.
Serrana Campos Novos Quilombolas.
Envolvem vários grupos sociais, mas tem maior incidência junto às populações quilombolas e aos povos originários. A
Abdon Batista Agricultores familiares.
Imbituba
Moradores de aterros e/ou terrenos contaminados; moradores de bairros atingidos insegurança alimentar também é ressaltada, bem como acidentes, contaminação de solo, de água, destruição ambiental e
por acidentes ambientais; operários.
Agricultores familiares; moradores de aterros e/ou terrenos contaminados; muitos outros.
Treviso
operários; mineiros.
Sul Agricultores familiares; moradores de aterros e/ou terrenos contaminados; Como se vê, também em Santa Catarina as contradições da acumulação capitalista estão presentes. Primeiramente,
Criciúma
moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais. não há como negar que os riscos e danos ambientais socialmente produzidos (no caso dos conflitos) recaem de forma
Içara Agricultores familiares.
Praia Grande Quilombolas. desproporcional sobre as populações menos favorecidas (a tabela 1 ressalta isso). Nesse sentido, configuram-se como casos
Fonte: elaborado com base em Fiocruz; Fase (2015). de injustiça ambiental. Em segundo lugar, os conflitos ambientais refletem a própria expansão do capital no território. Em
acordo com a discussão acima, são um exemplo de como acumulação de capital se expressa em termos de desacumulação
Através deste pequeno recorte, evidenciou-se a existência de dezoito conflitos ambientais, distribuídos em cinco do meio ambiente e espoliação das pessoas. São resultados de processos econômicos concretos e assim, decorrência de
mesorregiões catarinenses. Os municípios “palco” destes são: Biguaçú, Palhoça, Santo Amaro do Imperatriz, Anitápolis, uma acumulação por espoliação10, que age no território se ocupando de espaços até então fora do circuito do capital e
Santa Terezinha, Joinville, São Francisco do Sul, Itapiranga, Cunha Porã, Abelardo Luz, Campos Novos (2 conflitos), também se reutilizando de espaços antes já ocupados/utilizados, como forma de gerar oportunidades de negócio mais
Abdon Batista, Imbituba, Treviso, Criciúma, Içara, Praia Grande. Evidente, muitos problemas gerados por eles não se lucrativas aos grupos econômicos dominantes (HARVEY, 2004).
restringem apenas ao município palco, estendendo-se por outros. Pensar formas de enfrentamento desta realidade não é algo tão simples e careceria muito mais do que uma
Conforme os dados anteriores, tornam-se explícitas as várias categorias sociais envolvidas nos conflitos. seção neste artigo. Porém, duas pistas merecem destaque. Uma no sentido de se pensar a resistência centrada nos lugares
Inclusive, em um mesmo conflito. Os agricultores familiares são os que mais aparecem, ou seja, em nove conflitos (50% (ZHOURI; OLIVEIRA, 2010), principalmente para aqueles conflitos que envolvem questões territoriais e espaciais.
dos casos). Vários são os “agentes causadores” dos problemas que se relacionam aos agricultores. Os concentrados na Um trabalho com as populações atingidas através destes pressupostos poderia contribuir em seus processos de luta ante
região Sul catarinense têm relação com mineração carbonífera. Na região Serrana e Oeste se vinculam aos projetos de as implicações dos projetos impostos pelas elites econômicas e pelo Estado. A outra envolveria a construção de uma
instalação de barragem e de usina hidrelétrica. Existem ainda problemas relacionados às madeireiras e ação grileiros no
10 O conceito de acumulação por espoliação (accumulation by dispossession, no original) foi cunhado por David Harvey e tem suas origens
Norte e com PCH e mineração de fosfato na Grande Florianópolis. nos pressupostos da acumulação primitiva, de Karl Marx (o conceito de acumulação primitiva remonta aos mecanismos que possibilitaram a
Os conflitos que envolvem os povos originários são três e tem como grande vetor a falta de demarcação de terras. “gênese” do capital - atos de violência, roubo, super exploração das pessoas, destruição da natureza são exemplos). O termo acumulação por
espoliação quer demonstrar que os mecanismos da acumulação primitiva não desapareceram, pelo contrário, continuam presentes na geografia
Evidente que existem muitos “atores” neste processo, desde as instituições do Estado, como das forças econômicas e seus do capitalismo. Assim, se refere aos processos de expropriação de espaços já inseridos na órbita do capital, os (re) utilizando de forma a gerar
projetos. As instituições do Estado assumem uma posição dúbia, ou seja, ora se colocam ao lado dos povos originários, oportunidades de negócios mais lucrativas. Seriam novas formas de exploração das pessoas e da natureza (sob espaços já utilizados), de forma a
garantir a reprodução do capital. Por exemplo, o avanço do agronegócio sobre a agricultura familiar; a implementação de grandes projetos (como
ora engrossam a pressão sobre estes, em favor dos grupos econômicos hegemônicos. A população quilombola é citada uma hidrelétrica) em terras ocupadas por pequenos agricultores, agricultores familiares; o avanço da especulação imobiliária; privatização da
em dois casos, tanto na região Sul como na Serrana e também tem relação com a falta de regularização fundiária, além de água; entre tantas outras.

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“verdadeira democracia”, capaz de dar voz as populações que têm os seus direitos violados. E mais do que isso, que Avançados, 24 (68), 2010. (p.103 – 119).
levasse em conta os direitos da natureza. Sendo assim, um processo de “radicalização democrática” dos processos
decisórios (FIRPO PORTO, 2013), capaz de questionar os falsos consensos e as formas globocêntricas de encarar o FIOCRUZ; FASE. Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. LIS/ICIT/FIOCRUZ, 2015.
mundo se faz necessário. Se a ideia é “desenvolver” determinada região, que se faça de forma participativa, levando em Disponível em: <http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/>. Acesso em: 15 maio de 2015.
conta o que tem a dizer as pessoas que nela vivem e seus modos específicos de vida. E é claro, que se leve em conta os
FIRPO PORTO, Marcelo. Ecologia, economia e política: contradições, conflitos e alternativas do des-envolvimento. In:
direitos dos demais seres, da natureza. RANDOLPH, Rainer; MAGALHÃES, Hermes (Orgs.). Política e planejamento regional. Uma coletânea. Brasília:
Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Desenvolvimento Regional, 2013.
Considerações Finais
HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.
O intuito central deste artigo foi discutir a contradição entre o crescimento capitalista e meio ambiente. Parece
pouco provável a possibilidade de aliar crescimento capitalista com respeito à natureza. Afinal, como se viu, o processo
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Séries históricas – produção. Disponível em: www.ipeadatagov.
de acumulação é dependente do uso massivo dos “recursos naturais”. Crescimento capitalista de um lado, significa br Acesso em 30 de julho de 2015.
desacumulação de meio ambiente de outro (SAMOHIL, 1982). Neste sentido, as concepções hegemônicas do ecologismo,
como a noção convencional de desenvolvimento sustentável não parecem ser muito satisfatórias, tanto na interpretação
como na resolução deste impasse. LÖWY, Michael. Ecossocialismo: la alternativa radical a la catástrofe ecológica capitalista. Buenos Aires: El
Os pressupostos da justiça ambiental e dos conflitos ambientais são um contraponto a esta visão hegemônica Colectivo. 2011 [Cap.1 e 2 (p.25-57)].
e parecem contribuir melhor no entendimento de algumas contradições geradas pela reprodução do capital no território.
MERICO, Luiz Fernando Krieger. Introdução à economia ecológica. 2 ed. Blumenau: Edifurb. 2002. [Cap. 2 a 5 (p.25-
Contribuem ainda, no apontamento de caminhos. Isso, pois seu discurso está centrado na crítica ao modelo de crescimento 56)].
capitalista e é claro, na forma como são enxergados, tanto a natureza como as pessoas.
O Estado de Santa Catarina, inserido no contexto do capitalismo global, também é palco de contradições. Os SAMOHYL, R. Acumulação de capital e desacumulação do meio ambiente. In: Economia & Desenvolvimento, São
Paulo: Cortez, 1 (2), p. 95-127, 1982.
conflitos ambientais aparecem como exemplo. Por um lado, muitos têm intrínseca relação com grandes projetos e se
revestem de modernidade. Por outro, se configuram como casos de injustiça ambiental, à medida que suas implicações
recaem de forma desproporcional sobre as populações menos favorecidas. Além do mais, figuram como produto de um SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA DE SANTA CATARINA. Indicadores Econômicos e Fiscais. Jun/2015.
Disponível em: http://www.sef.sc.gov.br/sites/default/files/1.4%20Produto%20Interno%20Bruto-PIB%202015.pdf Acesso em 30 de
processo de acumulação por espoliação, que age no território de modo a criar novos e rentáveis espaços a acumulação. julho de 2015.
E assim, espoliam pessoas e natureza, tratadas apenas como “fatores de produção”.
O que se sugere são mais estudos acerca destes temas. E, obviamente, que se dê maior evidência a luta dos
grupos sociais e movimentos populares envolvidos nos conflitos ambientais. Além disso, que se possa construir um SOUZA, Lucas C. de. Tendência do Crescimento Econômico: PIB Catarinense 2011-2012. Monografia de Ciências
processo realmente democrático, onde as pessoas possam de fato decidir sobre o tipo de desenvolvimento que querem, Econômicas. Florianópolis: UFSC, 2013. Disponível em: http://necat.ufsc.br/files/2011/10/Lucas-Correa-de-Souza.pdf
Acesso em 20 de julho de 2015.
a partir de seu modo de vida. Importante também levar em consideração os direitos da natureza, dos demais seres. Que
a luta seja para “fazer do ambiente um espaço de construção da justiça e não apenas de realização da razão utilitária do
mercado” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). ZHOURI, Andréa; OLIVEIRA, Raquel. Quando o lugar resiste ao espaço: colonialidade, modernidade e processos de
territorialização. In: ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens (Orgs.). Desenvolvimento e conflitos ambientais.
Belo Horizonte: editora UFMG, 2010. (p.439-462)

Referências bibliográficas
ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais: um novo campo de investigação.
ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília; BEZERRA, Gustavo. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, In: ZHOURI, Andréa; LASCHFKI, Klemens (Orgs.). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: editora
2009. UFMG, 2010. (p.11-31).

ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. In: Estudos

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LEGISLAÇÃO AMBIENTAL e urbanística brasileira: O caso il campanário villaggio Introdução
RESORT em Jurerê Internacional - Florianópolis/sc O objetivo geral desta pesquisa é analisar a  efetividade da legislação ambiental e urbanística ante os
interesses econômicos, utilizando o caso do Il Campanário Villagio Resort como objeto de estudo. A legislação ambiental
muitas vezes não é respeitada, evidenciando a influência do poder econômico sobre o poder político. Para assegurar o
Gabriel Bertimes Di Bernardi Lopes1 desenvolvimento do empreendimento, leis são alteradas, beneficiando determinados grupos econômicos.
O presente artigo identifica, na primeira seção, a urbanização e o surgimento dos grandes empreendimentos
turísticos em Florianópolis são descritos na terceira seção. E, por fim, na segunda seção, há um estudo sucinto sobre
RESUMO
Ação Civil Pública (ACP) que envolve o Il Campanário Villaggio Resort, empreendimento este localizado na praia de
Este trabalho analisa a dinâmica geográfica e econômica instaurada no processo de apropriação de capital e domínio do Jurerê Internacional no norte da ilha de Santa Catarina. Atualmente, grandes empresas ditam a organização do mercado
espaço, efetivada por parte dos grandes empreendimentos turísticos em Florianópolis, utilizando o caso do Il Campanário
hoteleiro em Florianópolis, em consonância com a desenfreada busca da elevação dos lucros em detrimento da qualidade
Villaggio Resort como objeto de estudo. Portanto, o estudo aqui proposto requer um referencial teórico e um método
que possibilite a compreensão das múltiplas determinações responsáveis pelas políticas públicas, que vão determinar a de vida do cidadão florianopolitano.
garantia ou não da preservação e distribuição equitativa dos recursos naturais para as próximas gerações. Desta forma, O estudo aqui proposto apoia-se em um referencial teórico-metodológico, que possibilita a compreensão das
será utilizado como instrumento de análise a categoria de formação socioespacial (Santos, 1977). A hipótese é que existe
uma tendência à efetivação dos interesses dos grandes empreendimentos turísticos em Florianópolis, como é o caso múltiplas determinações (Marx) — políticas, econômicas, culturais, naturais. Dessa forma, utilizar-se-á como instrumento
do Il Campanário Villaggio Resort, afrontando princípios do direito ambiental, as legislações ambiental e urbanística, de análise a categoria axial ao marxismo de formação socioespacial (SANTOS, 1977). Essa categoria foi elaborada
impactando de forma irreversível o meio ambiente, descaracterizando as comunidades tradicionais e acentuando a por Marx e Engels (O Capital, Ideologia Alemã, entre outras obras) e desenvolvida por Lenin (Desenvolvimento do
segregação socioespacial com a legitimação do Poder Público. Logo, é preciso equilibrar a relação entre a utilização dos
Capitalismo na Rússia). Coube a M. Santos, no artigo intitulado “Sociedade e espaço: formação social como teoria e como
recursos naturais e o desenvolvimento econômico, para que as próximas gerações não paguem pelos erros decorrentes do
mau uso de tais recursos. método”, realçar a relevância de seu uso na geografia. Segundo o autor, “a história não se escreve fora do espaço e não há
sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo é social”. Logo, demonstra a impossibilidade de dissociar a dimensão espacial
dessa categoria, configurando-se em perspectiva teórica essencial nos estudos geográficos. Essa categoria envolve as
Palavras-chave: Política Nacional do Meio Ambiente; Lei da Ação Civil Pública; Estatuto da Cidade; Impactos noções de desenvolvimento desigual e da sobrevivência de estruturas capitalistas das formações anteriores.
Socioambientais.
A hipótese desta pesquisa é que existe uma tendência à efetivação dos interesses dos grandes empreendimentos
turísticos em Florianópolis, como é o caso do Il Campanário Villaggio, afrontando princípios do direito ambiental, as
ABSTRACT legislações ambiental e urbanística, impactando de forma irreversível o meio ambiente, descaracterizando as comunidades
This paper analyzes the geographical and economic dynamics established in the process of capital ownership and control tradicionais e acentuando a segregação socioespacial com a legitimação do Poder Público.
of outer space, carried by large tourism developments in Florianópolis, using the case of Il Campanário Villagio Resort as A responsabilidade social foi determinante na escolha do tema analisado nesta pesquisa, além do conhecimento
object of study. Therefore, the study proposed here requires a theoretical framework in which to understand the multiple
empírico adquirido através da participação em uma série de movimentos sociais ligados às questões urbanas e ambientais
determinations, policy makers, which will determine the warranty or not the preservation and equitable distribution
of natural resources for future generations. The hypothesis is that there is a tendency to effectuation the interests of em Florianópolis.
large tourism developments in Florianópolis, as in the case of Il Campanário Villaggio Resort, affronting principles of Santos (2008) salienta que, temos diante de nós uma escolha que se impõe de forma clara. É preciso distinguir
environmental law, environmental and town planning laws, irreversibly impacting the environment, mischaracterizing
traditional communities and emphasizing the socio-spatial segregation with the legitimacy of the government. So, we a geografia moral da geografia entreguista. A geografia entreguista vai contra os homens, contra os pobres, contra o
must balance the relationship between the use of natural resources and economic development, so that future generations futuro. É uma geografia abortiva e genocida.
do not pay for the mistakes resulting from the misuse of such resources.
Desta forma, desvendar as relações existentes entre Poder Público e grandes empreendimentos do setor
Keywords: National Environmental Policy; Law on Public Civil Action; Statute of the City; Social and Environmental turístico na Ilha de Santa Catarina e compreender os mecanismos usados por eles para execução de seus projetos, que
Impacts. muitas vezes afrontam as leis e promovem danos ambientais irreversíveis, enquadra-se como prática a bem da luta pela
preservação do meio ambiente em nossa região.

1 Universidade do Estado de Santa Catarina - gabrieldibernardi@hotmail.com

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1 A URBANIZAÇÃO DE FLORIANÓPOLIS E O SURGIMENTO DOS GRANDES EMPREENDIMENTOS com a desenfreada busca da elevação dos lucros em detrimento da qualidade de vida do cidadão florianopolitano. O
TURÍSTICOS grupo Habitasul enquadra-se como representação dessa realidade estudada; além de outros empreendimentos, como a
É de suma importância destacar as três fases de urbanização, divididas por Bastos (2000), ocorridas em Marina Porto da Barra; empreendimento do grupo Portobello, situado na Barra da Lagoa (parte leste insular); shopping
Florianópolis. Salienta o autor que é vinculado ao processo de ascensão e decadência da pequena produção mercantil centers, como o Iguatemi (parte central insular) e o Floripa Shopping (parte norte insular); o que tem causado, em
açoriana e à divisão territorial e social do trabalho, impulsionada pelo desenvolvimento industrial no Brasil. As fases sua maioria e de forma irreversível, impactos socioambientais sobre a região e comunidades em que são instalados e
de urbanização são as seguintes: 1ª fase — vinculada à condição de praça exportadora (século XVIII até 1875); 2ª fase atuam, afrontando a legislação ambiental, ou utilizando influência política para mudar a legislação, impondo um modelo
— vinculada à condição de praça importadora (1875 até 1960); 3ª fase — vinculada à inserção no contexto capitalista segregador e impactante.
industrial brasileiro (1960 aos dias atuais), no caso da capital, referente à expansão do aparelho de Estado, comércio. No processo de liberação dos shoppings centers citados, o Ministério Público e a Polícia Federal participaram
Ainda nessa fase, ocorre a expansão do turismo, em particular, como nova forma de acumulação da circulação do capital, do que se chamou de “Operação Moeda Verde”, que acabou indiciando, e até aprisionando, políticos de influência e
com o surgimento de megaprojetos de alto impacto ambiental, com investimento privado nacional e internacional. técnicos da prefeitura envolvidos em tráfico de influência.
A primeira fase compreende a ascensão da pequena produção mercantil açoriana que, beneficiada pela Villaça (1997) analisa a segregação urbana. Para o autor, a produção se dá a partir das relações de capital
localização geográfica (entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires), na virada do século XVIII para o XIX, tornou-se em escala regional; já o consumo que é o enfoque do presente artigo, ocorre no espaço intraurbano. Isso é facilmente
exportadora de gêneros alimentícios (farinha de mandioca, peixe salgado, óleo de baleia, etc.). Essa fase relaciona-se verificado nas relações dos grandes empreendimentos do setor turístico da capital catarinense com o poder público
também ao estabelecimento de milícias portuguesas no Brasil meridional, para a defesa do território e a organização da e as comunidades, onde estão localizados tais empreendimentos. Acessos facilitados a empréstimos e alterações no
função administrativa. Plano Diretor representam exemplos de facilitação do poder público que beneficia os grandes empreendedores do setor
Já na segunda fase, Florianópolis volta-se à condição de praça importadora, destinada ao atendimento turístico. Essas relações se dão a partir da escala regional. Já os impactos socioambientais se dão a partir da escala do
das colônias de alemães e italianos instalados nos vales atlânticos catarinenses. Essa fase de urbanização significou espaço intraurbano.
a substituição dos comerciantes açorianos pelos alemães, Hoepcke, Mayer, Born, Muller, entre outros; processo que Além de ter acesso ao capital e a terra, temos verificado que os grandes empreendimentos turísticos e
levou à ampliação das relações comerciais, sobretudo com a Europa, repercutindo na modernização do comércio e do comerciais têm mantido um relacionamento com o poder público, muitas vezes de forma não transparente e até sob
porto. Não obstante, 55 anos após a instalação dessa fase, ocorre a perda de vitalidade econômica de Florianópolis no corrupção, como citamos no caso da Operação Moeda Verde, aviltando a legislação ambiental.
contexto regional e nacional. Situação impulsionada pelo processo de industrialização de outras regiões do Estado e Sugai (2002) salienta que, inicialmente a segregação urbana não estava presente na capital catarinense. A
o estabelecimento do novo pacto de poder no cenário nacional, com desdobramentos regionais, desencadeado com a ocupação inicial ocorreu no entorno da Praça XV de Novembro, principalmente pela localização do principal olho
Revolução de 1930, entre os latifundiários coloniais (e não “feudais”) e a burguesia industrial, derrubando do poder os d’água a leste da praça. Nesse momento, tanto o comércio quanto as habitações residenciais encontravam-se no mesmo
comerciantes de importação e exportação, aos quais os capitais comerciais florianopolitanos estavam ligados. núcleo, não havendo distinção entre o local das habitações dos ricos e dos pobres.
E, por fim, a terceira fase de urbanização refere-se à inserção de Florianópolis no contexto capitalista brasileiro, Com a apropriação das terras comunais, característica esta presente na estrutura espacial açoriana, as áreas
mesmo havendo forte resistência por parte dos capitais comerciais locais, principais beneficiados nas fases precedentes. localizadas ao norte da Ilha de Santa Catarina, que hoje constituem os balneários de Canasvieiras e Jurerê, tornaram-se os
Nas fases mencionadas, os capitais comerciais tradicionais foram substituídos por capitais comerciais nacionais, a exemplo balneários mais valorizados da Ilha, mesmo com uma rede viária incipiente, até porque o transporte predominante entre
de Colombo, Arapuã, Pão de Açúcar e Ponto Frio, bem como regionais, como Cassol, Imperatriz e Casas da Água. Os as freguesias açorianas (Rio Vermelho, Lagoa da Conceição, Sambaqui, etc.) era marítimo.
desdobramentos da fase fazem-se sentir em: atividade pesqueira (incentivos à pesca industrial via Sudepe); processo de
O Estado passou a promover obras de implantação de grandes equipamentos urbanos a partir da década de 50
balnearização de Florianópolis; modernização das instituições públicas por meio da instalação das universidades públicas
do século anterior, passando a efetuar constantes alterações na legislação de uso e ocupação do solo.
- Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade para o Desenvolvimento de Santa Catarina (UDESC),
O primeiro Plano Diretor de Florianópolis, aprovado na Câmara Municipal como a Lei n. 246/55, propôs uma
Eletrosul, Celesc, Besc, Telesc, DNOS, DNER, etc.; bem como obras de infraestrutura, a exemplo da construção da BR
avenida na orla norte com trinta metros de largura e edificações com gabarito de até oito andares. Na década de 60, foi
101, dos aterros da baía sul e do Saco dos Limões, das pontes Colombo Sales e Pedro Ivo Campos e de diversas outras
implantada a Avenida Beira-Mar Norte, sendo essa a intervenção viária precursora da atual Via de Contorno Norte-Ilha.
obras, cujo montante de investimentos públicos per capita foi um dos mais elevados do país no período militar. Foi na
terceira fase de urbanização que se iniciou a expansão imobiliária, e seu consequente processo especulativo, voltada ao Nas décadas de 50 e 60, enquanto se discutia a localização do campus universitário, por acreditar que este
turismo em Florianópolis. Isso se dá a partir da década de 1970 e se intensifica na década de 1990. seria o principal atrativo econômico da cidade, o Estado promovia uma série de investimentos em equipamentos públicos,
como o Palácio do Governo, o Distrito Naval e o Hospital Celso Ramos, no sentido norte da península central. Nesse
Atualmente, grandes empresas ditam a organização do mercado imobiliário em Florianópolis, em consonância

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cenário, famílias como Ramos e Bornhausen orientam a conjuntura política local, beneficiando-se com a valorização das A Ação Civil Pública (ACP) de n. 2006.72.00.009533-0, que trata do caso em análise, buscou a condenação
terras ao norte e nordeste da cidade, através da construção da Universidade Federal de Santa Catarina na região do bairro solidária dos Réus na recuperação da área degradada, em função da construção do Empreendimento denominado “Il
Trindade, que consolida a Via de Contorno Norte-Ilha. Campanário”, localizado na Quadra cinco do Loteamento Jurerê Internacional, em Florianópolis, incluindo a demolição
O Plano Diretor de 1976 previa a construção de uma via expressa ligando o aterro da baía sul a Universidade das edificações porventura erguidas, retirada de entulhos e equipamentos, além da apresentação de Projeto Técnico de
Federal de Santa Catarina, passando por um túnel no bairro Prainha. Dessa forma, a expansão na ocupação do solo Restauração Ambiental, bem como a adoção de outras medidas reparadoras que venham a ser indicadas por perícia
pelas camadas de alta renda se daria no sentido sul da Ilha. Graças aos interesses das oligarquias locais, essa obra não se técnica.
concretizou nesse momento. Na análise da ACP, fica evidente que o empreendimento apresenta alguns problemas: a falta de divulgação
Um Estudo de Tráfego, elaborado pela empresa COPAVEL S/A em 1976, definiu que a área que mais crescia dos laudos e dados correspondentes à sociedade; a falta de participação das comunidades resistentes e da opinião pública
e mais necessitava de obras de expansão era aquela onde estava localizada a população de alta renda, ou seja, ao longo crítica.
da Avenida Beira-Mar Norte e arredores, embora os acessos à universidade pelo sul fossem mais utilizados. Assim Postulou-se, ainda, a condenação específica do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
privilegia-se a construção do trecho que liga a Avenida Beira-Mar Norte a Universidade Federal de Santa Catarina em Naturais Renováveis) e da FATMA (Fundação do Meio Ambiente) em obrigações de não fazer consistentes na abstenção,
detrimento da construção dessa conexão pela via expressa sul. quanto à outorga de licenças nos ambientes de restinga da Ilha de Santa Catarina, além da condenação da municipalidade
Os balneários, as áreas de interesse turístico e as partes adjacentes à zona urbana passam a ser privilegiados para vistoriar todos os imóveis com pedidos de alvará, certificando-se da ocorrência, ou não, de áreas de preservação
pela Lei n. 1.570/78, que alterou o Plano Diretor de 1976. permanente.

De acordo com o Projeto Final de Engenharia, a obra da Via de contorno Norte-Ilha tinha como objetivo Conforme Ação Civil Pública destacada anteriormente, em 2004, após o recebimento de informações do
possibilitar o acesso rápido aos pontos turísticos situados ao Norte e ao Leste da Ilha, e à Universidade Federal de Santa IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre a pretensão do Grupo Habitasul
Catarina. de construir um empreendimento hoteleiro em Jurerê Internacional, foi instaurado um procedimento administrativo junto
à Procuradoria da República/SC, com envios de ofícios aos órgãos competentes, para obter mais dados sobre a obra em
Durante a década de 80, o estado manteve o processo de transferência de empresas estatais, como ACARESC,
tela e bem assim a cópia do respectivo processo de licenciamento, oportunidade em que a FATMA (Fundação do Meio
PRODASC, CIASC, CIDASC, CERTI, ASTEL e CELEC, para as regiões próximas à Trindade e ao Itacorubi; assim
Ambiente) foi advertida sobre a exigência inafastável de estudo de impacto ambiental (EIA) e de impacto de vizinhança
como investimentos em infraestrutura, equipamentos e serviços. Dessa forma, a região atrairia investimentos do setor
(EIV), sob pena de responsabilização.
privado, como empreendimentos imobiliários, estabelecimentos comerciais, escolas, bancos e clubes.
Segundo constatado: a) não foi exigido ou apresentado EIA (Lei n. 6.938/1981 – Política Nacional do Meio
A concentração dos investimentos estatais e privados, na direção norte e leste da ilha, foi influenciada
Ambiente), mas somente diagnóstico ambiental simplificado da área pretendida; b) o empreendedor juntou parecer
diretamente pela construção da Via de Contorno Norte-Ilha, gerando um modelo segregador e promotor de impactos
jurídico particular sobre a desnecessidade de anuência do IBAMA - mesmo em se tratando de área de entorno da estação
socioambientais na estrutura urbana de Florianópolis.
Ecológica de Carijós, Unidade de Conservação Federal - ao argumento que o IBDF já havia anuído com a implantação
Ouriques (2006) destaca que, empreendimentos turísticos de alta renda, localizados no norte na ilha de Santa do empreendimento nos anos 1980; c) não obstante as considerações feitas pelo IBAMA que ressaltavam as áreas de
Catarina, como o Il Campanário Villaggio Resort e o Costão do Santinho Resort, empregam baixíssima mão de obra preservação permanentes existentes no local (planície de restinga localizada a menos de 300 metros da linha preamar
local, o que desmente o discurso desses empreendimentos que gerarão empregos na região. Os impactos ambientais que máxima e a existência de curso d’água que desemboca no mar), e o parecer à AGU (Advocacia Geral da União) sobre
geram são muito maiores que a compensação econômica e social de reversão local. a anuência do órgão federal, a FATMA com lastro nas informações do empreendedor enfocou apenas nos aspectos
A seguir, o estudo de caso do Il Campanário Villaggio Resort é um exemplo que o Ministério Público, a geológicos do ecossistema estudado, deferindo a Licença Ambiental Prévia (LAP) com prazo de 6 (seis) meses, seguida
opinião crítica e os Movimentos Ambientalistas não conseguiram sustar. Como? Ver-se-á na análise a seguir. da Licença de Instalação (LAI) com validade de 42 meses (Lei n. 6.938/1981 – Política Nacional do Meio Ambiente).
Na esfera municipal, alega-se que não se exigiu a realização de Estudo de Impacto de Vizinhança (Lei n.
2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE ENVOLVE O IL CAMPANÁRIO VILLAGGIO RESORT 10.257/2001 - Estatuto da Cidade), deixando-se de aplicar os dispositivos da Lei n. 4.711/65, no que tange à adequação
do zoneamento para fins de uso e ocupação do solo.
Muitas alterações no Plano Diretor da capital beneficiaram diretamente grandes empreendimentos turísticos.
Um bom exemplo é a mudança, em 2006, da lei municipal de Florianópolis, que regulamenta o setor da hotelaria. Tal Em seguida, o MPF (Ministério Público Federal) oficiou à FATMA, à Vigilância Sanitária e à Secretaria de
alteração foi investigada pela Polícia Federal, deflagrando a Operação Moeda Verde, no ano de 2007, quando muitos Urbanismo e Serviços Públicos (SUSP) um questionamento das irregularidades, acima expostas, bem como da existência
empresários se beneficiaram com a nova lei. ou não de projeto de prevenção contra incêndio e viabilidade do sistema sanitário, já que o empreendedor responsável

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por ele não incluiu qualquer dado sobre o número de pessoas atendidas. A FATMA, sem sua resposta, não enfrentou CoNSIDERAÇÕES FINAIS
a necessidade de licença pelo IBAMA, limitando-se a argumentar a inocorrência de área de restinga e de nascentes Historicamente os recursos naturais sempre estiveram ligados ao desenvolvimento econômico global, servindo
no terreno. Alegou que, em condições normais de crescimento, o sistema de esgoto projetado será suficiente para o de combustível para sustentar esse crescimento. É preciso equilibrar a relação entre a utilização dos recursos naturais e o
empreendimento, devendo-se apenas monitorar novas ligações para evitar a saturação da rede. desenvolvimento econômico, para que as próximas gerações não paguem, até mesmo com a vida, pelos erros decorrentes
A Vigilância Sanitária, sem embasar suas afirmações em dados técnicos, respondeu que o sistema de tratamento do mau uso de tais recursos.
(fossa séptica e canais de ligação à Estação de Tratamento da Habitasul) não teria influências negativas para o lençol Muitas alterações no Plano Diretor de Florianópolis beneficiaram diretamente grandes empreendimentos
freático. turísticos. O empreendimento em questão mostra que a efetivação da legislação ambiental muitas vezes não acontece. A
Nessa linha, O MFP ressalta que, em setembro de 2005, foi firmado Termo de Ajustamento de Condutas fiscalização realizada pelos órgãos competentes geralmente é falha, necessitando de que se discutam os pontos falhos na
(TAC) entre os interessados, onde estava incluso o Processo Administrativo que deu origem à Ação Civil Pública, quando fiscalização da aplicação de nossa legislação ambiental, para que crimes contra o meio ambiente não ocorram.
concordou com a implantação do empreendimento Il Campanário, mediante “a expressa ressalva quanto à legalidade do No caso em questão, é nítida a falta de fiscalização do Plano Diretor Municipal, adequando-se a interesses do
alvará e das licenças e anuências dos órgãos públicos competentes”, conforme a Ação Civil Pública. empreendimento e alterando o zoneamento em detrimento do capital privado. Os Planos Diretores acabam muitas vezes
Posteriormente, em 08/02/06, a 4ª Câmara de Coordenação e revisão do MPF alterou sua decisão homologatória, não garantindo a preservação dos recursos naturais.
excluindo da mesma área objeto da ação. O motivo para a referida mudança de rumo deve-se ao parecer técnico elaborado Além da falha de fiscalização, algumas leis são pouco eficazes, como a Lei de Crimes Ambientais, que obriga a
pelo geólogo professor doutor Jorge Cravo, acompanhado pelos técnicos do IBAMA, que, após trabalho de campo e reparação dos danos ambientais cometidos e estabelece punições para os degradadores. Os danos ambientais irreversíveis;
análise documental, apresentou algumas conclusões importantes acerca do empreendimento. e as punições previstas são multas que representam um percentual irrisório frente o capital do empreendedor, além de
Frente a esse contexto e informado sobre os preparativos para o início das obras, assevera o MPF ter contatado penas leves que dificilmente se concretizam.
com a FATMA e com o IBAMA para a adoção das providências cabíveis. O órgão ambiental estadual, após vistoria Fica evidenciada uma contradição entre a apropriação do capital e o domínio do espaço, em relação à
realizada em 08 de junho de 2006, concluiu pela manutenção das licenças expedidas, aduzindo o IBAMA que, com base preservação do meio ambiente e o desenvolvimento socioeconômico da população local, explorada ainda como mão
no citado acordo firmado e homologado na Ação Civil Pública n. 99.00.08090-4, não poderia adotar qualquer providência de obra barata. Tal contradição leva a questões como a impossibilidade de conciliar temas como o desenvolvimento
no sentido de paralisar a obra. sustentável, que é um princípio do direito ambiental, com o desenvolvimento econômico orientado por fundamentos
Por fim, relata que, conforme vistoria feita pela Assessoria Técnica da 4ª CCR do MPF, em junho de 2006, liberais e capitalistas.
quando a obra estava no início da escavação/terraplanagem para a fundação, a fonte que alimentava o curso d’água Assim pode-se concluir que, existe uma tendência à efetivação dos interesses dos grandes empreendimentos
que alimentava a Quadra cinco também secou, sendo que a principal causa, segundo os técnicos, do rebaixamento do turísticos na capital catarinense, como é o caso do Il Campanário Villaggio, afrontando princípios do direito ambiental, as
nível das águas e da secagem da drenagem superficial, é o bombeamento relacionado às obras de engenharia civil do legislações ambiental e urbanística, impactando de forma irreversível o meio ambiente, descaracterizando as comunidades
empreendimento “Il Campanário”. Pugna, assim, pelo pronto deferimento da liminar postulada, ante a gravidade dos tradicionais e acentuando a segregação socioespacial com a legitimação do Poder Público.
danos causados ao meio ambiente pela obra em foco.
Contudo, realçou-se que, desvendar as ações danosas ao meio ambiente, provocadas pela falta de precaução e
Frustrada a hipótese de conciliação, foi concedido ao empreendedor, no caso réu, o prazo de 15 dias para que prevenção por parte dos grandes empreendimentos turísticos e do poder público, não é suficiente se esses dados não forem
comprovasse o cumprimento dos acordos firmados no âmbito da ACP n. 99.00.08090-4, em que se analisará no breve divulgados e discutidos junto à sociedade. Isso, para que, pela participação e pelo controle das comunidades, aglutinem-se
estudo do caso em questão. forças para exigir responsabilidade do poder público na criação e cumprimento das leis, que irão garantir a qualidade de
Como o Terno de Ajustamento de Conduta indicado pelo Ministério Público Federal não foi cumprido, a vida da população. Pretende-se com a pesquisa contribuir com os debates sobre os rumos socioambientais de uma cidade
Ação Civil Pública contra o empreendimento tramita na Justiça Federal. Atualmente o Il Campanário Villaggio opera de em uma ilha.
forma irregular. Pretende-se, com o esta pesquisa, contribuir com os debates sobre os rumos socioambientais da ocupação
Fica evidenciada uma contradição entre a apropriação do capital e o domínio do espaço, em relação à territorial de uma cidade como Florianópolis, em uma ilha como a de Santa Catarina, exemplo típico do atual modo de
preservação do meio ambiente e o desenvolvimento socioeconômico da população local. Tal contradição leva a questões urbanização do litoral brasileiro.
de impossibilidade de conciliar temas como o desenvolvimento sustentável, que é um princípio do direito ambiental, com
o desenvolvimento econômico orientado por fundamentos liberais e capitalistas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NEM SÓ DE AÇORIANOS SE DEU A COLONIZAÇÃO DO LITORAL DE SANTA CATARINA
BASTOS, José Messias. Urbanização, comércio e pequena produção mercantil pesqueira na Ilha de Santa Catarina.
Santos, Maurício Aurélio. Ensaios sobre a Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2000.
Adriana Aparecida Schimiguel1; Vera Lúcia Nehls Dias2; Pedro Martins3
LENIN, Vladimir Ilitch. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Centauro, 2000.
MARX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Moraes, 1984.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Difel, 1984. RESUMO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Ação Civil Pública nº2006. 72.00.009533-0, movida pelo Ministério Público
Este artigo busca reunir os principais aspectos da colonização do litoral de Santa Catarina, mais especificamente na lo-
Federal contra Habitasul Empreendimentos Imobiliários LTDA, 2006. calidade onde hoje encontramos Porto Belo e municípios próximos. Em sua abordagem apresenta o primeiro grande em-
OURIQUES, Helton Ricardo. A produção do turismo: fetichismo e dependência. 1ª ed. Campinas: Alínea, 2005. preendimento pesqueiro do Brasil, a Colônia de Nova Ericeira. Através da perspectiva de formação sócio-espacial funda-
mentada no referencial teórico de Milton Santos, que nos permite levar em conta os múltiplos aspectos determinantes da
SANTOS, Milton. Sociedade e espaço: a formação social como categoria e como método. São Paulo, Boletim Paulista nova realidade, onde o espaço natural se destaca como fundamental, para o desenvolvimento das atividades econômicas
de Geografia, 1977. locais. A temática justifica-se por seu caráter geográfico e de aprofundamento de analises e debates sobre a gênese, a evo-
lução e as transformações que vem afetando de forma acelerada os núcleos urbanos e comunidades pesqueiras do litoral
SANTOS, Milton. A responsabilidade social dos geógrafos. Espaço geográfico em análise. UFP: Curitiba, 2008.
catarinense. Essa organização sócio-espacial original passa por transformações, onde o espaço natural é gradativamente
SUGAI, Maria Inês. Segregação Silenciosa. São Paulo: FAU-USP, Programa de Pós-Graduação. Tese de Doutorado, artificializado, passando das atividades pesqueiras ao grande mercado imobiliário. Portanto, a pesquisa pretende demons-
2002. trar a realidade local, na perspectiva de uma realidade específica.

VILLAÇA, Flávio. Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1997.
Palavras Chaves: Colonização do litoral de Santa Catarina, Nova Ericeira, Formação Sócio-espacial.

ABSTRACT

This article seeks to bring together the main aspects of the colonization of the Santa Catarina coast, more specifically in
the locality where today we find Porto Belo and nearby municipalities. In his approach presents the first major fishing
enterprise of Brazil, the New colony Ericeira. Through the perspective of socio-spatial formation based on the theoretical
framework of Milton Santos, which allows us to take into account the multiple aspects of the determinants new reality,
where the countryside stands out as fundamental to the development of local economic activities. The theme is justified
by its geographic character and deepening of analysis and debates on the Genesis, evolution and the transformations that
come form the accelerated affecting urban and fishing communities of the coast of Santa Catarina. This original socio-spa-
tial organization goes through transformations, where the countryside is gradually artificializado, passing the fishing ac-
tivities to the great real estate market. Therefore, the research aims to demonstrate the local reality, from the perspective
of a specific reality.

Key words: colonization of the coast of Santa Catarina, New Ericeira, socio-spatial Formation.

1 Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado Profissional em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental (UDESC),
intitulada: O Desenvolvimento Imobiliário no município de Itapema: avanços e contradições - drikamppt@gmail.com.

2 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação (PPGPLAN), coautora e Orientadora da Dissertação - veraludias@gmail.com

3 Professor Titular do Programa de Pós-Graduação (PPGPLAN) e coautor do artigo - weltermartins@yahoo.com.br

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Introdução Com esse referencial teórico buscou-se estudar a organização desse pequeno espaço costeiro de Santa Catarina.
Buscou-se outros referenciais teóricos que auxiliaram na compreensão do processo histórico da região. Esse aporte foi
Este trabalho objetivou analisar os aspectos referentes a colonização dos municípios que integram atualmente a
encontrado nas obras de Pereira (2003), Monteiro (2000) e Kohl (2001).
Costa Esmeralda4, relacionando com a atual configuração sócio-espacial.
A pesquisa é de caráter qualitativo, uma vez que seu principal enfoque era a gênese e a evolução de uma determi-
Para que possamos compreender as transformações ocorridas na região, faz-se necessário considerar de que
nada formação sócio-espacial, bem como os elementos responsáveis pelas transformações e por sua configuração atual.
forma os aspectos físicos influenciam diretamente no modo de vida das pessoas e refletem na ocupação do espaço e nas
Os procedimentos metodológicos adotados para a pesquisa são caracterizados num primeiro momento, pelo levantamento
relações sociais ao longo do tempo. A região que outrora era conhecida como Enseada das Garoupas, já era habitada
do material teórico, onde adotou-se a pesquisa bibliográfica em livros, artigos teses e dissertações. Num segundo momen-
originalmente por tribos semi-nômades conhecidas como Carijós, mas os primeiros colonizadores que se aventuraram
to análise documental em imagens que possibilitavam verificar a evolução local, seguido de verificação in loco.
por aqui foram pequenos grupos de açorianos, na primeira metade do século XVII. Isolados pela dificuldade de acesso
e distância da sede administrativa da Capitania, estavam a sucumbir em meio a pobreza. Muitos já haviam migrado para A questão- problema motivadora desta pesquisa foi: O litoral catarinense teria sido colonizado apenas por por-
outras localidades, onde desenvolviam algum tipo de atividade econômica. tugueses açorianos? Diante desse problema, foi traçado o objetivo geral desse trabalho de pesquisa, que visa, identificar
os fatores externos (nacionais-regionais) responsáveis pela formação do litoral de Santa Catarina, buscar informações
Foi no início do século XVIII, que D. João VI, preocupado com a povoação das terras ao sul, decidiu montar na
sobre as origens, sua gênese e evolução histórica e econômica da região e avaliar os reflexos da atividade econômica na
região um empreendimento pesqueiro, aos moldes de Ericeira, uma pequena vila de pescadores no litoral de Portugal. A
formação sócio-espacial.
localidade foi planejada com lotes amplos e bem recortados e distribuídas aos novos povoadores.

Todo esse processo de colonização, em ambas as fases, se expressou no espaço, definindo formas distintas de
ocupação do território. Ainda é possível identificar traços do passado que ainda apresentam funções no presente, porém A FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DA ENSEADA DAS GAROUPAS, À NOVA ERICEIRA PORTUGUESA
percebe-se as tendências e perspectivas do capitalismo financeiro, expressos no mercado imobiliário aliado ao turismo
Os aspectos físicos influenciam diretamente no modo de vida das pessoas. Determinam a ocupação do espaço,
crescente na região.
definindo direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, as relações da vida humana. É preciso interpretar as cidades
A pesquisa embora tenha sido sobre uma localidade especifica, procurou interpretá-la num contexto mais amplo como um espaço humano, como um fato histórico, pois somente a história da sociedade local pode servir como funda-
(local-regional), buscando identificar os fatores exógenos e endógenos responsáveis pelas transformações vividas nas mento para a compreensão espacial. (Santos 1977).
últimas décadas. Dando um destaque para a sua gênese e para a evolução das atividades econômicas, pois qualquer estudo
Partimos da gênese da formação sócio espacial de Santa Catarina, definindo o processo histórico responsável por
que tome como fundamental a categoria de formação sócio-espacial segundo Santos (1982), tem que iniciar com essa
sua forma atual, ou seja, a materialidade concreta expressa no espaço. Segundo Santos (1985), a dinâmica de um espaço
abordagem, pois elas definem o processo histórico responsável pela forma atual.
geográfico qualquer precisa ser compreendida à luz dos processos sociais que a engendraram, considerando as caracte-
Ao se fundamentar teoricamente sob o paradigma de formação sócio-espacial, manifestou-se uma preocupação rísticas naturais que serviram de base para o desenvolvimento local, definindo em maior ou menor grau, a construção da
com uma visão globalizante dos fatos e do reconhecimento dos vários níveis na construção de diferentes realidades, sen- sociedade.
do o primeiro deles o quadro natural, como definidor em menor ou maior grau da vida humana. Segundo Santos (1998,
Diante disto, para interpretar a realidade sócio espacial de uma localidade precisamos conhecer integralmente as
p.51) “sendo a totalidade um conceito abrangente, torna-se necessário fragmentá-la em suas partes constituintes para um
forças que atuam sobre ele. Para tanto, é imprescindível considerar a “forma, função, estrutura e processo que devem
exame mais restrito e concreto”.
ser estudados concomitantemente e vistos na maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo”,
A consideração de um aspecto é vital para a apreensão da totalidade das forças que atuam sobre ele, razão pela segundo Santos (1986, p.52).
qual “forma, função, estrutura e processos devem ser estudados devem ser estudados concomitantemente e vistos na ...forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um
maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo”, esse conceito muito bem abordado por Santos contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limita-
das do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica
(1998, p.52), nos permite compreender como se estrutura o espaço. e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade.

No caso da ocupação do litoral Sul do Brasil, como no resto do país, a dimensão geográfica favorável foi deter-
4 Costa Esmeralda: Formada pelas Municípios de Itapema, Porto Belo e Bombinhas, o nome dessa região do litoral norte de Santa Cata-
rina, se deve a cor verde-esmeralda da água do mar. minante para a construção do histórico de colonização e formação sócio espacial. É preciso buscar dados da dimensão

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histórica e geográfica, a fim de analisar a gênese, as evoluções e transformações que vem ocorrendo em cidades litorâneas a coroa portuguesa, mas não foi muito expressiva para o capitalismo, vindo logo as crises e o empobrecimento da região.
do estado de Santa Catarina. Os entraves ao desenvolvimento da pequena produção mercantil açoriana estão relacionados a um con-
junto de fatores, entre os quais cita-se o papel concentrador dos comerciantes e aristocratizante dos capi-
Registros da colonização das áreas que correspondem ao litoral catarinense indicam que ela teve seu início na tais mercantis; o artesanato açoriano que com sua excessiva diversificação não permitia a especialização
segunda metade do século XVII, quando Portugal e Espanha atravessavam uma fase conflituosa, relacionada com a defi- do artesão num único ofício e, consequentemente, não possuía o vigor indispensável para dar o impulso
necessário ao surgimento de unidades industriais, tal como aconteceu nas colônias de imigração. Há
nição dos limites dos territórios coloniais.
que se lembrar também dos elementos característicos da formação sócio espacial açoriana próprios de
relações pré-capitalistas: a fragmentação excessiva dos pequenos lotes por herança, a redução da mão-
Simultaneamente, como sugerem os registros históricos, Portugal tinha um grande interesse em ocupar as terras ao de-obra produtiva provocada pelo recrutamento dos açorianos para as milícias, o esgotamento do solo
sul, que vinham sendo disputadas com a Espanha. Além disso experimentava problemas com seus territórios no Arquipé- arenoso, bem como o espírito de camaradagem existente entre agricultores, pescadores e artesãos, men-
lago dos Açores, que vinha sofrendo constantes perturbações naturais, como abalos sísmicos e atividades vulcânicas, que talidade tipicamente pré-capitalista” (PEREIRA, 2003).
somadas ao precário desenvolvimento econômico, que formava uma massa de miseráveis sem terra para produzir, o que
desencadeou tendências migratórias de parte de seus moradores (Reis, 2002).
As terras nem sempre ofereceram o esperado pelos colonos, pois muitas culturas desenvolvidas na região dos
Diante desse contexto surge o interesse de Portugal pelo quadro natural, o solo fértil e o clima temperado do Sul açores não tiveram sucesso aqui. Aqueles que insistiram em continuar trabalhando na terra aderiram ao cultivo da man-
do Brasil, além do quadro humano, representado pelo vazio demográfico relativo, pois não podemos deixar de citar os dioca e, mais tarde, resultariam nos engenhos. Há os que optaram por buscar seu sustento junto ao mar, através da pesca
inúmeros indígenas de tribos nômades e seminômades que habitavam a região. Atraídos pela beleza e abundância de re- ou das armações de baleia que interessavam muito à coroa portuguesa.
cursos naturais, que facilitavam a sobrevivência, estabeleceram-se na região até a chegada dos europeus no século XVII.
O inglês John Mawe6, que passou por garoupas em 1807, descreveu em um de seus relatos a geografia local e a
Os índios Carijós eram tribos seminômades e formavam várias aldeias ao longo do litoral. Deslocavam-se sem- atividade econômica que famílias açorianas desenvolviam.
pre que a caça e a pesca eram comprometidas, quando ocorriam ataques a tribos, epidemias ou ocorrência de variações
O clima é ótimo, o solo produz tudo quanto é semeado ou plantado e tornou-se conhecido por suas de-
climáticas, eram motivos para mudança. Suas casas eram feitas de pau-a-pique, barreadas e cobertas com folhas de liciosas frutas. O algodão, com que fabricam suas roupas é por eles plantado, fiado e tecido; constroem
palmeira. Mas podemos encontrar algumas formações de casqueiros de frutos do mar, conhecidos como sambaquis, que suas próprias casas e canoas, manejando estas com grande destreza e preferindo-as aos botes. Pode-se
comprovam a existência dessas comunidades na região. Com a chegada dos colonizadores, parte desses índios migraram dizer, em verdade, que todo homem é mais ou menos um artesão, mas notei com pesar, que dão prefe-
rência aos trabalhos leves...esta baia, tanto quanto pude observar, durante a minha ligeira permanência,
para outras localidades, os que insistiram em permanecer mais tarde seriam subjugados ou exterminados (Rangel, 1993). apresenta à vista maior variedade de montes, vales e planícies do que a anterior. Ambos são considerados
ótimos pontos de pesca, na estação de pesca da baleia, que vai de dezembro a junho (Kohl, 1987, p.73).
Inicialmente a coroa portuguesa consolidava o seu domínio através dos vicentistas, que fundavam núcleos de
apoio à política expansionista, um deles fora fundado inicialmente com o nome de Vila de Santo Antônio de Lisboa, que A caça da baleia foi uma das atividades econômicas que impulsionou a Capitania de Santa Catarina, foram cons-
mais tarde se chamaria Tapera. Tempos mais tarde se somariam a esses grupos os colonizadores açorianos (Anjos, 1996). truídas numerosas armações destinadas ao preparo do óleo de baleia, que era usado para iluminação. A caça da baleia no
Brasil, constituiu um monopólio de concessão aos ricos comerciantes. Só se extinguiu em meados de 1801, em função
O intermediador na ocasião, era o governador da Capitania, Manuel Escudeiro Ferreira de Souza, que fez doações
do afastamento doa animais da costa catarinense. A Enseada das Garoupas contou com uma armação para o preparo do
de lotes de terras para os novos colonos, tanto na ilha quanto no continente próximo. Direcionando para a região, grupos
óleo da baleia, que abastecia a região até Tijucas, mesmo em período de decadência da pesca, registros constam que
de migrantes do arquipélago dos açores5, que incorporaram aos vilarejos suas características culturais, através da pesca
chegaram a abater cerca de 1000 baleias por estação (Kohl, 1987).
artesanal e a policultura. Aos homens mais fortes foi resguardado o serviço militar, nas fortalezas construídas para prote-
ger a região, Farias (1999). Contudo uma decisão de D.João VI, mudaria muito as coisas por aqui. Ele decide transferir a Corte Portuguesa
para sua colônia na América no final de 1807, fixando-se primeiro em Salvador na Bahia e seguindo logo após para o
A emigração açoriana para esses territórios foi incentivada para promover o povoamento e, como tal, a posse efeti-
Rio de Janeiro.
va da região. Mesmo sob o domínio da coroa portuguesa, esses pequenos núcleos de produção familiar que se instalaram
no Sul se diferenciaram dos demais povoados que emergiam no litoral brasileiro, segundo Mamigonian (1986). Dez anos se passaram, a preocupação com as fronteiras brasileiras era grande, foi então que ordenou uma expe-
dição que indicasse um local apropriado ao sul do Brasil, para que ele fundasse uma colônia de povoadores, nos moldes
A produção pesqueira artesanal e a policultura das pequenas produções familiares garantiam a posse da terra para
das vilas de pescadores que existiam em Portugal. Quando a expedição voltou para o Rio de Janeiro, indicaram um local
5 Segundo Farias (1999), os Açores é um arquipélago no meio do Oceano Atlântico, a 8000 quilômetros de Santa Catarina, formado por 6 John Mawe foi um mineralogista inglês que aqui permaneceu entre os anos de 1807 e 1811, viajando pelo interior do Brasil, vivencian-
um conjunto de nove ilhas: ilhas de São Miguel, Santa Maria, Terceira, Faial, São Jorge, Pico, Graciosa, Flores e Corvo. do os hábitos e a vida da população brasileira.

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que consideraram tranquilo, de águas abrigadas e de fácil ancoradouro, que se chamada Enseada das Garoupas, hoje mu- Havia uma dificuldade em formarem-se grandes vilarejos, pois a geografia local formada por grandes planícies se-
nicípio de Porto Belo, Estado de Santa Catarina (Monteiro, 2000). paradas por costões, favorecia a formação de pequenos núcleos distantes entre si. Contudo de um modo geral a população
aumentava, em 1818 já contavam com duzentos e dezesseis povoadores na Colônia Nova Ericeira, que somados aos que
Iniciou-se o estudo para a implantação da nova povoação que recebeu o nome de Colônia de Nova Ericeira, seus
já ocupavam a Enseada das Garoupas quando ali se estabeleceram, formavam uma soma total de mil e seiscentas pessoas
povoadores deveriam vir de Ericeira7, uma freguesia situada no litoral de Portugal. A localidade foi planejada, havia o lo-
(Kohl, 2014).
cal para a paróquia, que após construída receberia o nome de Capela Bom Jesus dos Aflitos, o cemitério e a casa do padre.
Em 1817 a Galera Conde de Peniche trazia a primeira leva de povoadores. Cento e uma famílias e homens Em 1822, com a proclamação da Independência do Brasil e o movimento de romper com qualquer lembrança de
solteiros vindos de Ericeira, o pároco e o botica...até 1822 chegaram à Colônia de Nova Ericeira outros Portugal, o nome Colônia de Nova Ericeira, é substituído por Porto Belo e não se tem registros de novos imigrantes por-
povoadores, todos vindos de Ericeira (Monteiro,2008, p.111). tugueses a partir desta data.
Podemos afirmar que a instalação da Colônia Nova Ericeira, obedeceu a um planejamento urbano. Os lotes foram Após a consolidação da Independência do Brasil, foram criados os Conselhos Gerais das Províncias em 1924 e
definidos em áreas regulares e sorteados entre os povoadores, coube ao Governador da Capitania8 a entrega dos títulos a povoação das Garoupas passou a ser freguesia em dezembro do mesmo ano. Tempos depois era o maior núcleo de po-
de doações. As famílias receberam os lotes na proximidade do local onde seria construída a igreja, já aos solteiros foram voação entre São Miguel e São Francisco, sendo elevado em 1832 a categoria de Vila de Porto Belo. Já em 1833, Porto
destinados os lotes mais distantes, próximos ao rio Camboriú. Belo era o primeiro município a se originar de São Francisco do Sul na primeira metade do século XIX. Na ocasião seus
A população que chegava e se instalava-se nos arredores, nas áreas da faixa de areia próximo à praia e no entorno limites foram alterados, sendo o limite ao norte com o rio Gravatá (divisa com o município de Sã Francisco), pelo Sul o
da capela, chamava-se de arraial. Havia uma inter-relação entre a ocupação espacial, a cultura e a história, pois ao rela- rio Tijucas Grande (divisa com o município de São Miguel), ao leste o Oceano Atlântico e a oeste com o município de
cionar-se diretamente com a natureza, essas comunidades, como tantas outras, foram construindo sua trajetória. Segundo Lages na Serra Geral (Kohl, 2014).
Oliveira (2006, p.63), “a economia e a cultura dependiam do território, a linguagem era uma emanação do uso do territó- Porto Belo, continuaria sendo o centro administrativo por muito tempo. Eram vastas as terras sob seu domínio, elas
rio pela economia e pela cultura, e a política estava intimamente relacionada”. compreendiam uma área, onde hoje estão os municípios de Porto Belo, Tijucas, Governador Celso Ramos, Bombinhas,
Essa proximidade entre os membros de uma sociedade e dela com o meio natural no qual se insere, dá-nos a noção Itapema Camboriú e Balneário Camboriú.
exata da territorialidade sobre a qual Santos (2000, p.62) tratava: Mas, com a era do Brasil Independente, iniciaria uma nova fase de expansão e ocupação no sul. O século XIX foi
Havia, por conseguinte, uma territorialidade absoluta, no sentido de que, em todas as manifestações essen- marcado por deslocamentos populacionais internacionais de mão-de-obra livre, incentivados por políticas de imigração
ciais de sua existência, os moradores pertenciam àquilo que lhes pertencia, isto é, o território. Isso criava europeia.
um sentido de identidade entre as pessoas e seu espaço geográfico, que lhes atribuía, em função da produ-
ção necessária à sobrevivência do grupo, uma noção particular de limites, acarretando, paralelamente, uma
Essa massa populacional era composta por portugueses, alemães, suíços, italianos, entre outras nacionalidades.
compartimentação do espaço, o que também produzia uma ideia de domínio. Para manter a identidade e
os limites, era preciso ter clara essa ideia de domínio, de poder. A política do território tinha as mesmas Entre os séculos XVIII e XIX estima-se que entraram no Brasil cerca de 350 mil estrangeiros, marcando a fase pré-ca-
bases que a política da economia, da cultura, da linguagem, formando um conjunto indissociável. Criava- pitalista, num país que passava de uma economia extrativista, para uma economia agrário-exportadora (Oliveira, 2006).
se, paralelamente, a ideia de comunidade, um contexto limitado no espaço.
Esses imigrantes partiam dos vales fluviais litorâneos para o interior. Atraídos pelas florestas ainda intactas foram
abrindo caminho para o desenvolvimento de várias regiões do interior catarinense. Assim surgiram os pequenos povoados
Dessa forma a freguesia progrediu lentamente, as primeiras atividades foram as construções de casas e embar- que davam suporte à pequena produção mercantil, voltada para a subsistência local e que, mais tarde se configuram no
cações, visando a atividade pesqueira, assim como desenvolviam em Ericeira. Houve um descontentamento em relação espaço das cidades (Bastos, 2000). A exemplo desses colonizadores podemos citar o dr. Hermann Blumenau, que para ins-
a distribuição de terras, pois devido a atividade pesqueira, muitos colonos queriam glebas próximas ao mar e acabavam talar a colônia alemã no interior do vale, teve que solicitar autorização à Câmara de Porto Belo9, que além de ser o centro
trocando as terras recebidas por lotes menores. Outros abandonaram as terras, ou trocaram por quinquilharias (Monteiro, administrativo da região, tinha a posse das terras do vale do Rio Itajaí.
2000).
Com o desenvolvimento da colônia alemã de Blumenau, há um crescimento em Itajaí e localidades vizinhas, pois
7 MONTEIRO (2011). “Ericeira é uma cidade litorânea localizada aproximadamente a 50 km de Lisboa e a 8 km de Mafra, portanto,
próxima ao Convento de Mafra, local preferido por D.João, na época de seu governo como príncipe de Portugal. A cidade de Ericeira tem uma utilizavam o porto do rio Itajaí, que é navegável, para escoamento de mercadorias e transporte de pessoas. A economia
história muito antiga, datada do tempo dos Fenícios...a Vila de Ericeira foi Concelho desde 1229 até 1885, data em que foi extinta a Vila e integra- começa a se concentrar nessas localidades e Porto Belo começa a decair, voltando a ser freguesia. Só recupera a categoria
da ao Concelho de Mafra. Com a extinção do Concelho de Ericeira, a vila que desfrutava de considerável importância como alfândega marítima,
entrou numa fase de esquecimento. Até hoje seus moradores batalham pela emancipação”. 9 Depoimento obtido no Cartório de Porto Belo, SC, Brasil. A colônia Alemã desenvolveu-se, tornando-se o município de Blumenau, de
8 João Vieira Tovar de Albuquerque, governador de Santa Catarina. projeção nacional (Arlete Assumpção Monteiro).

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de município com a Proclamação da República. Com a conclusão da BR-101 essa procura tornou-se mais intensa, as cidades litorâneas passaram a receber um
número cada vez maior de visitantes pois, com a construção da rodovia, tornou-se rota obrigatória para quem quisesse
As políticas nacionais de desenvolvimento após a década de 1950, que visavam investimentos voltados à in-
chegar às localidades mais ao sul. Diante disso, moradores das cidades próximas promoveram a instalação de comércios
dustrialização pesada, baseada no modelo de produção fordista, que demandavam um expressivo contingente de mão-
locais e de prestação de serviços nas cidades litorâneas, visando atender a nova demanda populacional.
de-obra e impulsionavam a migração interna. Período este, em que a agricultura fica subordinada à indústria, acentuando
o êxodo rural. Que o mercado assistia à integração econômica das regiões brasileiras e as migrações produziam novos O número de casas de veraneio, ou segunda residência, aumentou consideravelmente. Seguiam, basicamente, o
espaços no território nacional, há uma intensificação do processo de urbanização do país, representando o auge da ex- mesmo padrão arquitetônico, ocupando terrenos amplos sem vias transversais, com a frente das casas voltadas para a praia
plosão urbana, (Oliveira, 2006). o que, em termos de classe social, os diferenciava notadamente dos moradores nativos em suas pequenas casas, construí-
das próximas umas das outras e que tinham os fundos das residências voltados para a praia, (Pereira,2003).
Todas estas transformações econômicas foram acompanhadas, obviamente, por outras tantas transformações so-
ciais. Este processo de urbanização geraria mais tarde, como sabemos, o inchaço das cidades, acarretando em problemas Registros antigos revelam essa procura dos imigrantes do vale, pelas terras litorâneas. A exemplo de Itapema, o
sociais que até hoje são enfrentados pelo Estado, como falta de moradia, assistência social de transporte coletivo de qua- primeiro grande proprietário de terras à beira mar na década de 1920. Foi um industrial de Brusque, Edgar Von Buettner,
lidade, isso sem falar dos níveis de desemprego. proprietário da indústria Buettner10.

Não podemos de fato negar que os anos de 1950 sejam de fato um divisor de águas para compreensão de nossa Ali construiu sua moradia de veraneio, logo seguido por outras famílias de Brusque, Itajaí e Blumenau, promoven-
história, de nossa sociedade. Os rumos tomados pela nação neste período não apenas se diferenciavam do passado como do uma nova configuração espacial.
certamente refletiriam na construção do futuro.
A medida que as cidades foram se desenvolvendo economicamente, foram se emancipando. A Colônia Nova Eri-
Nesta fase, uma série de infraestruturas começam a acontecer país afora, impulsionando a urbanização, processo ceira que, posteriormente foi nomeada Porto Belo e que detinha a maior parte das terras litorâneas, foi se desmembrando
que ocorre também em Santa Catarina. A malha viária da formação sócio espacial catarinense, encontrava-se em debili- em outros pequenos municípios, como é o caso de Itajaí, Balneário Camboriú, Camboriú, Itapema, Tijucas e Bombinhas
dade, promovendo um relativo isolamento inter-regional (Vieira, 1997). que foi o último deles. Com isso, Porto Belo é hoje um dos menores municípios catarinenses.

Devido à dificuldade de acesso, a região que ficou praticamente isolada se abriria para o mundo com a constru- As cidades que se emanciparam de Porto belo estão se desenvolvendo a olhos vistos. Atualmente a região repre-
ção da BR-101. Uma rodovia federal, que acompanha o traçado da costa litorânea no sentido norte-sul, ligou o litoral senta um forte polo turístico e de investimentos imobiliários. E tem atraído a atenção pelo rápido crescimento urbano,
catarinense aos estados vizinhos, do Rio Grande do Sul e Paraná, se configurando como um marco no desenvolvimento impulsionado pelo capitalismo financeiro, que vem promovendo uma nova configuração do espaço.
e integração regional do sul do país.
A grande expansão da construção civil e os investimentos ligados ao setor imobiliário num intervalo muito curto
Iniciada em 1953 e concluída em 1971, a BR-101 deixou à vista as belezas do litoral catarinense e tornou- de tempo, tem alterando totalmente a paisagem original. Onde atualmente a população local constitui uma minoria, que
se o caminho de um número crescente de veículos nacionais e estrangeiros que chegam ao litoral de Santa
Catarina para o veraneio. No período de 1965 a 1970, a extensão das estradas federais pavimentadas em não participam do processo de transformações, pois essas decisões vão sempre ao encontro de uma classe que domina a
território catarinense passou de 369km para 907km, o que representa uma ampliação de 146%. Já a rede produção da cidade. Dessa forma há um comprometimento da identidade da população, sendo necessário um trabalho de
de rodovias estaduais pavimentadas, entre 1965 e 1970, cresceu de 446km para 1054km, (Pereira, 2003,
resgate e preservação da histórica local.
p.115).
As novas modalidades de movimentos populacionais poderiam ser vistas como uma das faces do modo
A construção da rodovia estimulou o turismo que, cada vez mais, se popularizava. Os municípios da orla catari- como se desenvolvem os movimentos migratórios, expressando relações entre os espaços que foram so-
nense tornavam-se centros de atração turística, com ritmos de crescimento diferenciados. cialmente construídos, ao mesmo tempo expressão de uma nova sociedade, que experimenta a mudança
no seu regime de acumulação e de todas as demais implicações sociais, políticas e culturais que daí advém
Diante de uma nova fase próspera do desenvolvimento capitalista, houve uma procura pelo litoral, que passava a (Oliveira, 2006, p.68).

ser visto como local de lazer. Inicialmente, a procura se deu por parte da burguesia industrial das áreas de imigração que
residiam nos vales fluviais costeiros ainda no início do século passado, onde se localizavam os municípios de Brusque, 10 Em Itapema, município vizinho do Balneário Camboriú, o industrial Edgar von Büettner, proprietário da Indústria Têxtil Büettner,
de Brusque, já vislumbrando um futuro promissor, foi adquirindo terras situadas à beira-mar a partir da década de 1920. Apenas numa compra
Blumenau, entre outros. Esses burgueses, atraídos pela beleza da orla marítima, adquiriam terrenos para a construção da realizada em 1935, o Sr. Büettner comprou de 14 moradores nativos 55.530 m2 de terras situadas na área localizada entre a orla marítima e a antiga
segunda residência, ou casa de veraneio, como popularmente era chamada. Inicialmente essa procura se deu no município estrada geral que ligava Camboriú a Tijucas. No inventário aberto por ocasião da morte de sua esposa, em 1936, constata-se que as duas filhas do
casal herdaram da mãe o correspondente a 661.181 m2 no então distrito de Itapema, o que permite concluir que a família detinha a propriedade
de Balneário Camboriú, estendendo para os municípios vizinhos. de 1.322.362 m2, ou seja, 132,24 ha na orla marítima de Itapema, já que todos os terrenos faziam frente para as terras de marinha (Pereira, 2003,
p.117).

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Toda essa mudança no quadro econômico tem impulsionado outras correntes migratórias, estampado novos valo- MONTEIRO, Arlete Assumpção. A imigração Portuguesa Planejada para o Sul do Brasil. Seminário Internacional “A
res, formando novos espaços sociais. Imigração Portuguesa para o Brasil”, Rio de Janeiro, 2005.

MONTEIRO, Arlete Assumpção. Patrimônios Culturais em Extinção: Povos Litorâneos da Costa Brasileira. XI Con-
Considerações Finais
gresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais. Universidade Federal da Bahia (UFBA), p 1-16, Salvador, 2011.
De um modo geral a pesquisa nos leva a concluir que nem todas as comunidades pesqueiras do litoral catarinense OLIVEIRA, Rachel Aparecida. Desenvolvimento Turístico e Transformações sócio-espaciais: o caso de Itapema/SC.
são descendentes de povoadores oriundo do arquipélago de Açores, como demonstram muitos inscritos que tratam da Tese de Mestrado em Turismo e Hotelaria. Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI, 2000.
colonização do sul do Brasil.
OLIVEIRA.A.T. Dos movimentos populacionais à pendularidade: Uma revisão do fenômeno migratório no Brasil. Mi-
nas Gerais: ABEP, 2006.
Há também nesta história que reconhecer entre eles, aqueles oriundos da região de Ericeira, localizada a 50km
ao norte de Lisboa, que chegaram ao Brasil a partir de 1818, numa política de povoamento implantada por D. João VI, PEREIRA, Raquel Maria Fontes do Amaral. Formação sócio espacial do litoral de Santa Catarina: gênese e transfor-
planejada a partir da mudança da corte portuguesa para o Brasil, com o objetivo de garantir as fronteiras no sul do país. mações recentes, v.18, n.35, p.98-129.Geosul, 2003.

PEREIRA, Raquel Maria Fontes do Amaral. OLIVEIRA, Rachel Aparecida. O turismo e a Dinâmica Sócio-Espacial do
Porém cabe ressaltar que a iniciativa de estabelecer os colonos ericeiros na Enseada das Garoupas não deu os fru-
Município de Itapema. Turismo Visão e Ação (PIPG) – ano 4 –p.61-74, 2002.
tos desejados. Os recursos financeiros e o aumento populacional não foram suficientes para mudar o panorama do lugar.
Uma grande maioria se dispersou ou abandonou a região, uma vez que as características geográficas do local, facilitava RANGEL, Inácio. No artigo “500 anos de desenvolvimento da América e do Brasil”, ano VIII, 1º sem. p.7-12. Geosul.
Florianópolis: EDUFSC, 1993.
a formação de núcleos habitacionais distantes entre si, estes resultariam em tempos mais tarde nos municípios que foram
gradativamente se desmembrando e emancipando da atual Porto Belo. REIS, Almir F. Permanências e Transformações no Espaço Costeiro: formas e processos de crescimento urbano-turísti-
co na Ilha de Santa Catarina. Brasília: UNB-DF: Tese de Doutorado, 2002.
Além do que com a chegada dos imigrantes que ocupariam os vales e em pouco tempo prosperariam, haveria toda
SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana.3 eds.,1, reimpressão Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
uma nova configuração econômica do espaço, fazendo com que a região que se encontrava longe desses novos centros 2012.
industrias, ficasse isolada economicamente.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. 2ed. São Paulo: Hucitec, 1980.
Diante disso, podemos constatar que as transformações sócio-espaciais do litoral catarinense têm a marca da co-
SANTOS, Milton. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. Boletim Paulista de Geografia,
lonização portuguesa, mas foi a classe burguesa, que se desenvolvia vertiginosamente com base na produção mercantil, n.54,1977.
oriunda dos núcleos urbanos situados no interior dos vales, que apresentavam um crescimento econômico expressivo,
VIEIRA, Maria Graciana Espellet de Deus, e PEREIRA, Raquel Maria Fontes do Amaral. Formações sócio-espaciais
que impulsionou o crescimento da região costeira catarinense. Implementando atividades turísticas de lazer e abrindo
catarinenses: notas preliminares. Anais do Congresso de História e Geografia de Santa Catarina. Florianópolis: CAPES/
espaço para a atuação dos agentes imobiliários e da construção civil, mudando gradativamente o quadro natural da região. MEC,1997.

Referências Bibliográficas

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KOHL, Dieter Hans Bruno. Porto Belo: sua história, sua gente.2.ed. Blumenau: Odorizzi, 2001.

MAMIGONIAN, Armem. Vida Regional em Santa Catarina. São Paulo: Or.n.2, 1986.

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O ESPAÇO EM MOVIMENTO: ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DA ILHA DOS VALADARES NO LITORAL Introdução
DO PARANÁ - PR
A Ilha dos Valadares está situada no município de Paranaguá, no litoral do estado do Paraná - PR. É uma ilha
fluvial, dentro da baía de Paranaguá, fazendo parte do Complexo Estuarino de Paranaguá - CEP. Valadares transformou-
Janelize Nascimento Felisbino1; Cinthia M. de Sena Abrahão2 se em um bairro de Paranaguá, considerado um dos maiores em número populacional, foi dividido em três sub-bairros,
não oficial, pela população local: Itiberê, Vila Bela e Sete de Setembro, conforme se vê na Figura 01.

RESUMO

O artigo apresenta uma síntese dos resultados de uma pesquisa realizada na Ilha dos Valadares, situada no município de
Paranaguá, litoral do estado do Paraná - PR. O objetivo da pesquisa foi compreender o processo histórico e geográfico
da ocupação da Ilha dos Valadares-PR e seu adensamento recente; a partir da análise socioambiental. O recorte temporal
retrata o período de 1980 a maio de 2015, justificando que foi neste tempo que estiveram concentrados os processos
mais expressivos de transformação da paisagem e de adensamento da ocupação. Do ponto de vista metodológico a
pesquisa se classifica como estudo de caso, mesclando instrumentais qualitativos e quantitativos. Para sua execução foram
utilizados: observação participante, análise documental e de dados secundários do Censo Censitário IBGE, registros
fotográficos, análise do solo, entrevistas com moradores mais antigos. Em relação aos resultados, compreendeu-se que a
transformação do espaço se deu devido ao processo de ocupação acelerado, degradador, refletindo em diversos problemas
socioambientais analisados nessa pesquisa.

Palavras-chave: Análise socioambiental; adensamento urbano; impactos da ocupação; Ilha dos Valadares.

ABSTRACT

The paper summarizes the results of a research conducted in the Ilha dos Valadares, in the city of Paranaguá, state
of Paraná. The objective of the research was to understand the historical and geographical process of occupation of A Ilha está há aproximadamente 290 metros do continente, quando calculado pelas extremidades da passarela. De
the Ilha dos Valadares-PR and its recent consolidation; through the environmental analysis. The period of analyze was
between 1980 and May 2015, explaining that it was at this time that were concentrated the most significant processes of forma alongada, possui aproximadamente 4,2 km de comprimento e sua largura varia de 0,5 km a 2 km, considerando as
transformation of the landscape and density of occupation. In a methodological point of view, the research is classified áreas de manguezal. Está rodeada por dois rios, Itiberê e dos Correias (FELISBINO, 2015).
how a case study, combining qualitative and quantitative instruments. For its implementation were used participant
observation, document analysis and secondary data from the Census IBGE Census, photographic records, soil analysis, O processo de ocupação antrópica da Ilha dos Valadares remonta ao século XIX, mas, até a década de 1980 era
interviews with older residents. Regarding the results, it was possible do understand that the transformation of the space um lugar pacato, com poucas habitações, sem infraestrutura e serviços públicos. Sua ligação com a parte continental do
was due to the accelerated process of occupation, degrading, resulting in various environmental problems analyzed in município de Paranaguá se dava através de pequenas embarcações pelo Rio Itiberê. Os ilhéus enfrentavam a dificuldade
this research.
de mobilidade para ir ao continente, já que neste período não havia um pequeno comércio na Ilha para abastecer a
comunidade que ali residia. Os habitantes eram pessoas vindas de outras ilhas da baía de Paranaguá, outros municípios do
Key words: environmental analysis; urban density; occupation impacts; Ilha dos Valadares. litoral do PR, áreas rurais e de outros estados (CONSTANTINO, 1982). A população foi crescendo, cada um que chegava,
pegava seu pedaço de terra, suprimia a vegetação e construía sua moradia. Ressalta-se que as terras da Ilha dos Valadares
pertenceram a União até 2010, repassada ao Município a título de aforamento, que até então, não tinha aparatos legais
para realizar o planejamento e urbanização efetiva no lugar (CONSTANTINO, 1982; FELISBINO, 2015).
1 Graduanda em Gestão Ambiental (UFPR setor litoral), Bolsista PET Litoral Social - janelize.nasc@gmail.com;
Esse artigo procura sintetiza o processo histórico e geográfico da ocupação da Ilha dos Valadares-PR e seu
2 Professora da UFPR setor litoral. Graduada em Ciências Econômicas, Mestre em História Econômica, Doutora em Geografia - cisena@ adensamento recente, desde 1980, com foco nos impactos socioambientais. Trata-se de uma compilação dos resultados
terra.com.br
da pesquisa realizada entre os anos de 2011 a maio/2015. A metodologia escolhida, para atender ao objetivo da pesquisa,

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foi o Estudo de Caso, com a utilização de 06 (seis) instrumentos de pesquisa: observação; análise documental, históricos No que tange a análise documental, toda documentação levantada teve caráter histórico e da história recente. A
e recentes; análise de dados secundários; registros fotográficos; análise do solo; e entrevistas com oito moradores antigos. documentação histórica refere-se a textos de cronistas que retrataram o ambiente, história, costumes dos ilhéus, dentre
os quais se destaca o trabalho de Nascimento Júnior (1980). Fatos recentes foram coletados em periódicos locais e
Diante do exposto, este artigo apresentará, além desta introdução, o detalhamento dos procedimentos metodológicos
sistematizados entre os anos de 2014 a 2015. Além de estudos sobre a Ilha dos Valadares realizado por Floréz (2005) e
da investigação no item subsequente, seguido de uma síntese dos resultados da pesquisa, e por fim, as considerações
Hindi (2003) que compuseram parte substancial da revisão bibliográfica.
finais.
Para complementar as informações foram utilizados dados secundários por setor censitário do Censo Demográfico
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes aos anos de 1991, 2000 e 2010. Os dados censitários
Procedimentos metodológicos da investigação de 1980 não puderam ser disponibilizados pelo IBGE, já os que se referem ao Censo de 1991 foram fornecidos pela
coordenação do IBGE Paranaguá. Os demais, referentes aos Censos de 2000 e 2010 foram coletados diretamente no site
Para realizar a pesquisa, houve a preocupação em encontrar uma metodologia que fornecesse maior flexibilidade IBGE.
e liberdade na busca e análise dos dados e materiais, associando o qualitativo com apoio do quantitativo, Triviños (2006,
p.118) ressalta que “toda pesquisa pode ser, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa”. A análise dos impactos e caracterização do solo para este estudo se deu através da observação, atrelada com
estudos geomorfológicos e literatura sobre o assunto.
Na pesquisa qualitativa a “informação coletada pelo pesquisador não é expressa em números, ou então os números
e as conclusões neles baseadas representam um papel menor na análise” (DALFOVO, LANA, SILVEIRA, 2008, p. 9), O público entrevistado da presente pesquisa estava entre a faixa etária de 64 (sessenta e quatro) a 91 (noventa e um)
ou seja, dá-se mais importância a outros instrumentos de pesquisa, como à observação, fotografias antigas, documentos, anos e residindo há mais de 30 (trinta) anos na Ilha dos Valadares. No final deste processo, foram realizadas 08 entrevistas
relatos de vida. O inverso ocorre na pesquisa quantitativa, na qual os números são usados para analisar uma determinada com os moradores antigos. O número de entrevistas seguiu o critério de saturação, que conforme Deslandes (2013,
realidade. Dalfovo, Lana e Silveira (2008, p.9) explicam que na pesquisa quantitativa “a coleta de dados geralmente é p.48) ocorre “quando as concepções, explicações e sentidos atribuídos pelos sujeitos começam a ter uma regularidade
realizada nestes estudos por questionários e entrevistas que apresentam variáveis distintas e relevantes para pesquisa, que de apresentação”, ou seja, quando as narrativas ficam repetitivas, não apresentando mais progresso. Com o objetivo de
em análise é geralmente apresentado por tabelas e gráficos”. preservar a identidade dos respondentes utilizou-se a identificação numérica no desenvolvimento do texto.

A combinação dos instrumentos qualitativos e quantitativos foi possibilitada pela escolha do estudo de caso
como linha mestra da pesquisa. Gil (2009) observa que o Estudo de Caso permite que a pesquisa não fique circunscrita à
Apresentação e discussão dos resultados da Pesquisa
estatística ou à subjetividade, utilizam-se estes dois meios de coleta de dados como forma de detalhar e refletir o processo
da transformação do espaço, de modo a atingir profundidade na análise. Analisando a história e o cenário atual da Ilha dos Valadares, o crescimento populacional e a ocupação foram
acelerados a partir da década de 1980, gerando uma diversidade de problemas ambientais, alguns já aparentemente sem
Para atender ao objetivo da pesquisa definiram-se alguns instrumentos de pesquisa para a coleta de dados, dentre
remediação, como o desaparecimento de pequenos rios.
os quais estiveram a observação e vivência de moradia local (observação participante); análise documental; análise de
dados secundários; registros fotográficos; análise do solo; e entrevistas com moradores antigos. Para cada procedimento Segundo relatos de duas entrevistadas, que chegaram para habitar na Ilha dos Valadares antes do evento acelerado
de coleta de dados utilizou-se diferentes formas de abordagem. da ocupação, na parte interna da Ilha havia pequenos rios (FELISBINO, 2015): “Nós morava ali né [Itiberê]? Daquele
lado lá era só coisa verde, e nós morava ali perto desse riozinho, era só mato aqui, só mato... ele passava aqui e corria pra
A observação direta na área de pesquisa se deu no período aproximado de três anos (2011-mai/2015), coletando
cá... era larguinho assim sabe? Acabou tudo, secou tudo”. (ENTREVISTADA 04). Outra entrevistada 07 mencionou que
informações de forma sistemática, mas combinando-a à perspectiva do expectador. A observação participante ocorreu na
atrás da sua residência que fica no começo do bairro Sete de Setembro passava um rio “Mas tinha antes, aqui era um rio
vivência de moradia no local teve o período de 85 dias (dez./2014- fev./2015), com o objetivo de conhecer e vivenciar o
que tinha aqui, passava canoa até a dentro, agora não tem mais, foi aterrado, agora colocaram manilha e fizeram casa já,
cotidiano da população da Ilha dos Valadares, já que a percepção sobre o espaço de um morador (nativo) é diferente de
tá tudo cheio de casa já”.
um visitante (TUAN, 1980).
Consequentemente, com o crescimento acelerado do número de domicílios, os impactos ambientais negativos
Todas as idas para a Ilha dos Valadares foram fotografadas. O acervo próprio reuniu mais de 500 registros
tornaram-se mais evidentes e preocupantes na Ilha dos Valadares. O processo de ocupação e degradação foi tão rápido na
fotográficos. As imagens retratam o cotidiano da população, os aspectos ambientais e urbanísticos, utilizadas para análise
Ilha que a entrevistada 04 narrou “Tinha um morro aí menina, um morro alto. E a gente nem percebeu quando sumiu”.
e interpretação.

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Como visto, através dos relatos, o espaço geográfico vive em constante transformação, no espaço-tempo, pela ação estão relacionadas às intervenções físicas do homem no meio, para seu conforto, bem-estar e proteção de sua salubridade,
antrópica, que opera sobre ele. O homem é quem dá vida ao espaço geográfico (SANTOS, 2012), através da construção e vão evoluindo à medida que as civilizações tornam-se mais complexas”. O saneamento básico é um dos indicadores
material, e também, simbólica. Neste processo transforma o lugar conforme sua realidade social, cultural e econômica, mais importantes, senão o mais importante, para análise e avaliação de impacto ambiental e social no ambiente, dessa
como cita Santos (2014, p.42) “o fenômeno humano é dinâmico, e uma das formas de revelação desse dinamismo está, forma, na Ilha analisou-se o abastecimento de água potável, limpeza urbana e esgotamento sanitário, fatores considerados
exatamente, na transformação qualitativa e quantitativa do espaço habitado”, todavia, sendo o resultado da classe social de responsabilidade pública, ou seja, são serviços públicos, administrados pelo órgão municipal.
que o habita, que o transforma.
A rede geral de distribuição de água na Ilha foi inaugurada no ano de 1977, anterior a este período, eram utilizados
A população da Ilha dos Valadares teve crescimento significativo entre o período de 1980 a 2010. Em 1980, a poços. Entretanto, em 1982 havia aproximadamente 500 ligações de água na rede geral (CONSENTINO, 1982). No
população era de 4.340 pessoas, de acordo com Consentino (1982). No ano de 1991, a população passou a 7.619 pessoas ano de 1991 (IBGE, 1991), 1.442 domicílios eram atendidos, e, em 2000 (IBGE), o número atingiu o patamar de 1.948
(IBGE, 1991). No início do século XXI, o Censo do IBGE registrou 11.471 habitantes (IBGE, 2000). Logo no Censo domicílios. Passada uma década o serviço expandiu, foram calculados 3.021 domicílios ligados à rede geral em 2010
de 2010, a Ilha era um bairro de morada para 13.798 pessoas (IBGE, 2010). Em que pese o crescimento identificado (IBGE), ou seja, 81, 96%3 dos domicílios.
pelo órgão oficial da demografia brasileira, a Prefeitura do município de Paranaguá alega que há uma subestimação da
No Censo Demográfico de 2010, verificou-se que 16,85% dos domicílios utilizavam água retirada de poço (IBGE,
população residente na ilha. Para confirmar sua contagem utiliza-se dos dados do Plano Local de Habitação de Interesse
2010). A qualidade da água dos poços na Ilha pode sofrer contaminação pela proximidade com as fossas rudimentares e
Social - PLHLIS, estimando uma população de 25 mil habitantes em 2010. Somente utilizando os dados de 2010, calcula-
a influência da água da baía, que tende a ser salobra.
se pelos dados do IBGE a densidade demográfica de 3.285,23 (hab/km²), e pelos dados PLHLIS, 5.952,38 (hab/km²),
distribuídos de forma heterogênea, observando que tem áreas que a população está mais concentrada. Somente pela Em pesquisa de Hindi et al. (2003) sobre o sistema aquífero da Ilha dos Valadares, realizando análise em 12 poços,
densidade demográfica é possível ter uma ideia dos problemas ambientais da Ilha, como a supressão da vegetação, foi constatado que muitos poços-ponteira4 apresentam “contaminação por coliformes fecais e totais, causada por efluentes
ocorrido em todo o seu interior e nas encostas, exceto em uma pequena extensão, lado norte da Ilha, conhecida como o domésticos. Os poços situados nas margens mais baixas e de declive suave captam águas com indícios de contaminação
Canal do Cidrão. por intrusão salina” (2003, p. 20).

Floréz (2005, p. 15) calculou que “cerca de 90% da vegetação natural da parte emersa foi destruída pelo processo Hindi et al. (2003, p. 30), chegaram a conclusão que:
de ocupação da Ilha”. O entrevistado 07 descreveu como era a Ilha dos Valadares no lugar denominado Sete de Setembro,
no lado sul:
O processo desordenado de ocupação urbana da ilha, com o parcelamento do terreno em lotes pouco
maiores que as dimensões das residências, concentração populacional elevada, sistema de saneamento
básico inexistente e a disposição dos efluentes líquidos diretamente no terreno, somados à permeabilidade
[...] ali pra cima era lotado de araçá, nós pegava cestada de araçá pra vender no mercado. Hoje você vai pra
do solo, são os principais fatores de degradação da qualidade da água subterrânea na ilha.
lá não tem um pé de araçá mais, cortaram tudo. [...] agora não tem mais caju aqui, mas antigamente[...].
Era só roça. Minha mãe chegou a roçar aqui, minha mãe aposentou-se na lavoura, ela fazia farinha. [...]
agora acabou porque roçaram tudo, tá tudo cheio de casa (FELISBINO, 2015).
Também no processo de observação realizado no local, provou-se da água de um poço localizado próximo ao Mar de Lá
(Rio dos Correias), sendo possível constatar a água salobra. Tornando-se desagradável bebê-la.
Nascimento Junior (1980, p.113-114) menciona que a vegetação na Ilha dos Valadares apresentava um verde
Em análise dos dados do IBGE sobre o esgotamento sanitário da Ilha dos Valadares, verificou-se que em 1991 não
vivo, exuberante que se alastrava por toda sua extensão. Já a vegetação remanescente é constituída por espécies frutíferas
havia ligação de rede geral de esgoto nos domicílios. Em contrapartida, em 2000, 22,45% dos entrevistados responderam
(goiabeiras, araçazeiros, jaqueiras, cajueiros, abacateiro), eucalipto (só há uma área com esta espécie), figueira, sete-
ter ligação com a rede geral de esgoto e em 2010, 54,83% já acreditava ter o domicílio ligado à rede de esgoto. Talvez
copas. Também pela presença de vegetação de mangue e restinga. Em processo de observação, verificou-se que as árvores
por falta de conhecimento, alguns moradores responderam ter esgotamento sanitário, o que não é realidade, já que na Ilha
frutíferas são cultivadas nos terrenos dos moradores, mas é uma iniciativa rarefeita atualmente. “Todo ano eu planto caju
ainda não há estação de tratamento de esgoto, somente a tubulação foi instalada, o resíduo permanece sendo despejado
aí, tem uns pezinho ali ó” (ENTREVISTADO 06).
3 Em 1991, O IBGE contabilizou na Ilha, 1.692 domicílios, no ano de 2000, 2.872 domicílios e em 2010, 3686 domicílios particulares
O processo de ocupação irregular, além dos impactos negativos relacionados a supressão vegetação, tem rebatimento permanentes.
sobre a questão do saneamento básico, principalmente o esgotamento sanitário que polui o solo, lençol freático, e os rios 4 “Os poços ponteiros são feitos de tela de cone metálico que permite a perfuração, por meio de golpes, em formações arenosas onde
não há problemas de entupimento da tela” (KONRAD et al., 2003, s/p.). A água dos poços ponteiros pode ser retirada com bomba de sucção.
de forma direta, como é o caso da Ilha dos Valadares. Rezende e Heller (2008, p. 86) indicam que as ações de saneamento

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nos rios e solo. Muitas residências encontravam-se ligadas à rede geral de drenagem, com escoamento do esgoto direto copo descartáveis, embalagens de bala, embalagens de salgadinho, papel, garrafa pet, chinelo, sacolas, roupa, dentro
nos rios (Figuras 02). Isso fica evidenciado quando se observa o esgotamento a céu aberto no rio dos Correias, conforme outros variados objetos, que vão se espalhando, poluindo o visual da Ilha.
explicitado na Figura 03.
Outro indicador relevante para análise do processo de ocupação está na verificação das condições do próprio solo.
O solo “é um recurso natural renovável de importância semelhante à da água, componente do planeta Terra, e com base
de um ciclo orgânico é pré-requisito para a existência da vida” (ROCHA, 2005, p. 486).

Na Ilha dos Valadares, o processo de erosão é visível nas encostas, principalmente nas partes mais altas, como no
Canal do Cidrão (Figura 04). Em outras partes da Ilha é possível verificar estas erosões sendo ocasionadas principalmente
pelos abrigos de barcos e construções de casas (Figura 05). Todo o material inconsolidado5 vai direto para os rios,
provocando o processo de assoreamento dos rios.

Figura 02. Manilha da drenagem desaguando no rio Figura 03. Esgoto a céu aberto no Rio dos Correias.
Itiberê. Fonte: Pesquisa em campo. Ano: Mai./2012. Fonte: Pesquisa em campo. Ano: Abr./2013.

A entrevistada 08, quando perguntada sobre o esgotamento sanitário apontou o seguinte: “eu não tenho, vai
direto, tem uma manilha daqui, desde daqui até lá em baixo, lá no rio [...], lá nesse rio, fidido que tá ui” (FELISBINO,
2015). O esgoto de sua residência era despejado no rio dos Correias. Ainda sobre o tema, no que se refere ao andamento
da estruturação do sistema de esgoto, o entrevistado 06 falou que “fizeram esgoto aí ó, fizeram só o encanamento, mas,
esgoto que é bom... E tá sendo despejado lá no mar” (FELISBINO, 2015). Figura 04. Erosão no Barranco no Canal do Cidrão. Figura 05. Abrigo de barcos, Rio dos Correias. Fonte:
Fonte: Pesquisa em campo. Ano: Mar./2013 Pesquisa em campo. Ano: Mai./2013.
O serviço público de saneamento básico que mais teve expansão de atendimento significativo foi a coleta de lixo.
Em 1991, o serviço de limpeza atendia a minoria da população do Valadares, 4,67% (IBGE, 1991). Uma década depois,
O entrevistado 05 relata sua percepção sobre a degradação das encostas dos rios ocasionada pelos abrigos das
43,05% (IBGE, 2000) dos domicílios estavam sendo beneficiados, chegando em 2010, atendendo a 99,08% (IBGE,
embarcações:
2010) dos domicílios. Com a expansão do atendimento da coleta de lixo, diminuiu o despejo inadequado de lixo nos rios,
o enterramento no solo e a queima, procedimentos primários adotados pela população, conforme se constata nos dados
disponibilizados pelo Censo Demográfico de 1991.
Hoje tá acabado tudo. Arruma um lugarzinho para colocar embarcação, então acaba com o meio ambiente
[...] Agora que tem mais embarcação, antigamente tinha pouco né, [...] hoje tem muito, quem trabalha
Atualmente, o lixo coletado pelo caminhão é transportado por balsa para ser destinado ao aterro sanitário no por aí quer ter para ter o seu lazer né. A maioria pra sustento.
continente. Na Ilha existia um Lixão que foi desativado há aproximadamente 20 anos devido aos impactos ambientais
que causava, mas quando a balsa apresenta problemas mecânicos, o lixo recolhido da população fica neste antigo lixão,
e quando normalizada a situação, é levado para o aterro público que fica no continente. Por fim, outro aspecto analisado na Ilha dos Valadares foi à existência de uma área destinada para sepultamento,
cemitério público municipal “São Francisco de Assis”, que funciona desde a década de 1990. A área do cemitério foi
Em visita a área do antigo Lixão, constatou-se a presença de lixo e odor provenientes da decomposição do
desapropriada pela prefeitura em 1963 (Lei 477/63), e, continua sendo utilizado para o sepultamento da população local.
material orgânico. Tal material é tecnicamente conhecido como chorume, absorvido pelo solo, desta forma, poluente
(MINEROPAR s/d).
5 De acordo com a definição da MINEROPAR (s/data) materiais inconsolidados “são considerados todos os materiais que estão entre o
topo do substrato rochoso e a superfície, independente de serem residuais ou retrabalhados. São produtos das ações dos processos secundários
No geral, nas ruas da Ilha dos Valadares observa-se lixo acumulados nas esquinas e muito lixo pelas ruas como
sobre as rochas. São dinâmicos e sofrem mudanças com a continuidade dos processos secundários e devido as atividades antrópicas”.

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Atualmente, observa-se que é emergencial a revisão da condição do cemitério da Ilha, o que fica mais evidente CONSTANTINO, André et al. Ilha dos Valadares (baia de Paranaguá). Curitiba, Imprensa da UCP, 1982. Trabalho
em função de ter sido verificado que existem túmulos de alvenaria e covas abertas diretamente no solo. Funcionários do efetuado por um grupo de alunos do Curso de Administração de Empresas da UFPR.
cemitério explicam que os caixões eram enterrados a sete palmos da terra (no caso das covas), ou seja, entre 1,5 metros a
DALFOVO, Michael Samir; LANA, Rogério Adilson; SILVEIRA, Amélia. Métodos quantitativos e qualitativos: um
2 metros de profundidade. Contudo, não se pode afirmar, sem estudos químicos, em que medida estas sepulturas estariam
resgate teórico. Revista Interdisciplinar Científica Aplicada, Blumenau, v.2, n.4, p.01-13, Sem II. 2008 – ISSN 1980-
causando contaminação da água armazenada no lençol freático.
7031.
O sepultamento, realizado diretamente em solo com alta permeabilidade, exemplo o espodossolo, como é o
DESLANDES, Suely Ferreira. O projeto de pesquisa como exercício científico e artesanato intelectual. In: Pesquisa
caso da Ilha dos Valadares, causa a contaminação pelo excesso de necrochorume, provocado por diversas substâncias
Social: teoria, método e criatividade. Maria Cecília de Souza Minayo (organizadora). 33º ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
orgânicas, inorgânicas e micro-organismos patogênicos (SILVA E MALAGUTTI FILHO, 2009). Sabe-se, no entanto,
2013.
que desde 2003, conforme está disposto na Resolução CONAMA nº 335, existe a obrigatoriedade do licenciamento
ambiental para esta atividade (para os novos e antigos cemitérios em atividade), medida para evitar a degradação do solo FLÓREZ, William Vargas. Caracterização Hidrogeológica da Ilha dos Valadares Paranaguá –PR. Dissertação de
e do lençol freático com a utilização de procedimentos adequados para o sepultamento. Mestrado, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2005.

GIL, Antônio Carlos. Estudo de caso: fundamentação científica- subsídios para coleta e análise de dados- como redigir
o relatório. São Paulo: Atlas, 2009.
Considerações finais
HINDI, E.C. et al. Caracterização hidrogeológicas do aquífero costeiro da Ilha dos Valadares, PR (Brasil) e sua utilização
Na Ilha dos Valadares, os diversos problemas ambientais e sociais, são reflexos do processo da ocupação, forma
para abastecimento público. Revista Latino- Americana de Hidrogeologia, n.3, p.19-31, 2003.
de apropriação do espaço, transformação sociocultural, e, das pequenas e inexistentes ações públicas. Problemas nada
peculiares quando observado os cenários das periferias sociais brasileiras, onde cada lugar tem suas especificidades, o IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados agregados por setores censitários 2000/2010. Disponível
que os torna únicos, e ao mesmo tempo, parecidos com as demais realidades locais. em: <http://www.ibge.gov.br> acesso em 20 de fev.2012.

Quando realizada a análise ambiental na Ilha dos Valadares, evidenciou-se que o solo é um dos elementos naturais KONRAD, Carlos Gilberto et al. Estudo e avaliação da vulnerabilidade das águas subterrâneas no município de
que mais sofre a degradação em decorrência do processo de transformação do espaço, uso e ocupação antrópica, seja pelo não-me-toque-RS. Disponível em <http://www.cibergeo.org/XSBGFA/eixo3/3.3/221/221.htm> acessado em maio de
processo de erosão, contaminação pelo esgotamento sanitário, necrochorume, chorume, lixo despejado inadequadamente, 2015. NASCIMENTO JÚNIOR, Vicente. História, Crônicas e Lendas. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá,
densidade populacional, fatores estes, analisados nesta pesquisa. 1980.

Muitas mudanças ainda ocorrerão na Ilha dos Valadares, uma vez que após a finalização desta pesquisa, outros MINEROPAR. Glossário. Materiais Inconsolidados. Disponível em <http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/
impactos ambientais e sociais aparecerão e/ ou acentuarão devido o adensamento do solo e crescimento populacional, glossario/conteudo.php?conteudo=M> acesso em 30 de julho de 2015.
tanto do ponto de vista positivo quanto negativo. Portanto, não se deve deixar de considerar que o espaço vivido está em
____________. Glossário. Chorume. Disponível em <http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/glossario/conteudo.
constante transformação pela sociedade, ou seja, analisasse apenas um estágio do processo da mudança, que irá continuar.
php?conteudo=C> acesso em 30 de julho de 2015.

MUNICÍPIO. LEI Nº 477/63 Desapropria área de terras na Ilha dos Valadares para nela ser construído um
Referências bibliográficas cemitério, e dá outras providências.. Disponível em <https://www.leismunicipais.com.br/a/pr/p/paranagua/lei-
ordinaria/1963/48/477/lei-ordinaria-n-477-1963-desapropria-area-de-terras-na-ilha-dos-valadares-para-nela-ser-
BRASIL. Resolução CONAMA n° 335, de 28 de maio de 2003 – Licenciamento ambiental de cemitérios. Disponível
construido-um-cemiterio-e-da-outras-providencia> acesso em 30 de julho de 2015.
em < http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=359 > acessado em julho de 2015.
REZENDE, Sonaly Cristina, HELLER, Léo. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. 2.ed.rev. e ampl. Belo
COELHO, Maria Célia Nunes. Impactos ambientais em áreas urbanas – teorias, conceitos e métodos de pesquisa. In:
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GRUPO DE TRABALHO XIII
Arte e Cultura

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EMPODERAMENTO E CAPACITAÇÃO PARA AS MULHERES DO “ARTESANATO ESTAÇÃO” NA CI- INTRODUÇÃO GT - 13
DADE DE ANTONINA – PARANÁ – BRASIL
O artigo parte da descrição do local que ‘demandou’ por meio de seus indicadores sociais e econômicos a
execução de um Projeto de Extensão que fora elaborado pela Universidade Federal do Paraná – UFPR a fim de intervir
na comunidade para a inclusão social e produtiva de artesãos. O empoderamento das mulheres artesãs é observado. A
Luís Fernando da Costa Júnior1; Mayra Taiza Sulzbach2
solidariedade é o resultado deste processo que se denomina de empoderamento, pois é a inserção social deste grupo em
Resumo outros grupos que é constatado. O acompanhamento do grupo no apoio a capacitação também permitem relatar que o
grupo não tem uma gestão como definida nos conhecimentos científicos ou que se constitui através das normas. Estes
O presente trabalho é resultado do Programa de Extensão “Inclusão social e produtiva nos municípios do Litoral do Pa-
raná”, teve início em março de 2013 objetivando o estudo de cinco áreas temáticas: artesanato, idosos, jovens, trabalho resultados são acompanhados de uma reflexão sobre o conhecimento científico e o saber local, e estes, no contexto de
e renda; ainda em andamento. A área do artesanato é a base deste estudo de caso, tendo como pesquisa as experiências uma sociedade que tem a moeda como meio de troca.
das artesãs do município de Antonina, que fica situado no Litoral do Paraná, região Sul do Brasil; as artesãs organizaram
um ateliê em um espaço cedido pela Prefeitura Municipal em uma sala dentro da antiga Estação Ferroviária construída Antonina é um pequeno município que compõem com outros seis a faixa litorânea do Estado do Paraná, cober-
em 1916. O Projeto proporciona cursos de capacitação visando o fomento da atividade do artesanato e renda para essas ta pela Mata Atlântica preservada, com 6.333 km² está situada na região Sul do Brasil. Segundo o Censo Demográfico
mulheres. Durante a execução do Projeto pode se perceber que a organização das artesãs era precária, não detinham realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2014), tinha uma população de 18.891
força como um grupo representativo, não possuíam voz ativa perante os entes da administração pública local; embora
tivessem o espaço disponível, careciam de estrutura material e física para que pudessem, efetivamente, desenvolver suas habitantes, com uma População Economicamente Ativa (PEA) de 7.584 pessoas (40% dos habitantes), com grau de ur-
atividades de criação e confecção do artesanato. A necessidade de empoderamento estava latente, com base nas demandas banização de 85,03% (IBGE, 2014). O Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDH-M) correspondente a
do cotidiano elas iniciaram um processo de crescimento social abrindo caminho para pensamentos e ações críticas para 0,687, considerado médio segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNAD] (2010).
a efetividade do trabalho de artesanato – estudo em andamento. Conclui-se, ainda que parcialmente, que a organização
desse grupo depende em muito das suas próprias ações e interesses para o estabelecimento concreto como um grupo so- Antonina é uma cidade que possui mais de 300 anos e em decorrência do estado de conservação de sua arquite-
cial-cultural de representatividade perante a sociedade organizada. tura foi a terceira do estado do Paraná a ser tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN
Palavras-chave: Artesanato, Mulheres, Empoderamento, Capacitação. no ano de 2012 (BRASIL, 2014). No início do século XX, o Município vivenciou seu auge econômico, permitido pela
construção e funcionamento da Estrada de Ferro Paraná de 1892, do Porto Barão de Teffé que se tornou um dos princi-
pais do Brasil à época e elevou a produtividade agrícola. A falta de investimentos e a expansão dos centros industriais da
ABSTRACT década de 1930 promoveram uma redução da utilização da mão de obra local pelo Porto, consequentemente, trazendo a
estagnação econômica para o município (BRASIL, 2014).
This work is result of the Extension Program “Social and productive inclusion in the counties of the Coast of Paraná”
initiate in March 2013 aimed at the study of five thematic areas: crafts, elderly, youth, employment and income; still in
Nos anos 2000 a gastronomia e as festividades promovidas no local, entre elas, o carnaval e as festas religiosas
course. The craft area is the basis of this case study researching the experiences of the craftswomen in city of Antonina,
located in the Coast of Paraná, south of Brazil; the craftswomen organized a studio in a space ceded by town hall in a foram (e são) determinantes na vida do antoninense como geração de renda. Os gestores públicos locais buscavam inserir
room inside the old Train Station built in 1916. The project provides training courses aiming the promotion of craft activ- o Município na nova atividade produtiva em voga no mundo inteiro e possível de ser ativada pela oferta de recursos –
ity and income for these women. During the execution of the Project, it can be seen that the organization of craftswomen possíveis de tornarem-se ativos, com base em Pecqueur (2005). Um dos principias atrativos turísticos seguia seu rumo
was poor, did not hold power as a representative group, did not have a say before the entities of the local public admin-
com a exploração da rota de trem passageiro pela linha férrea que funcionava entre 2003 a 2006 fazendo o transporte da
istration; although they had available space, they lacked physical structure and material so that they could effectively
develop their creation and production of craft activities. The need for empowerment was latent, based on the everyday Capital do Estado atravessando a Serra do Mar (Mata Atlântica) até chegar à cidade.
demands they started a process of social growth giving way to thoughts and actions critical to the effectiveness of craft
work – ongoing study. Even partially concludes that organization this group depends largely on their own actions and
interests to the concrete establishment as a social-cultural group representation before the organized society.
DESENVOLVIMENTO
Keywords: Crafts, Women, Empowerment, Training.
Por meio das atividades de Extensão que a UFPR estava desenvolvendo no Litoral do Paraná houve a tentativa
de resgate turístico junto a Prefeitura Municipal, a parceria propiciou o apoio ao artesanato local. Antonina é um dos
1 Instituto Federal do Paraná - E-mail: fer@ufpr.br; municípios, que no modelo de produção capitalista aclama observações.
2 Universidade Federal do Paraná - E-mail: mayrats@ufpr.br.
“Muitas conquistas e ações foram desenvolvidas junto aos artesãos do local desde então” (SULZBACH, 2013).

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No inicio de 2013 novas propostas se iniciavam em conjunto com as mulheres artesãs do ‘Artesanato Estação’, o ponto de A Universidade, como coordenação institucional do Projeto de Extensão buscava na essência apoiar a organiza-
partida era o local onde elas se reuniram semanalmente e desenvolveram algumas de suas atividades em conjunto, entre ção social para a manutenção e disseminação do saber fazer com princípios cooperativos e resolução de problemas cole-
elas uma loja para a venda de produtos artesanais que ficava situada em uma sala na antiga Estação Ferroviária (patrimô- tivos. Apoiava financeiramente, mediava conflitos, fazia interlocuções. O desenvolvimento existente de solidariedade do
nio tombado) desativada operacionalmente, um local compartilhado com escritórios administrativos: Administração pú- grupo com relação a outros grupos revelava que as detentoras do saber fazer (cinco artesãs) mesmo dependentes da renda
blica local, Defesa Civil Estadual e o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade do Governo Federal. O local era amplo, (três dependiam do artesanato como principal fonte de renda) entendessem que a existência de outros que faziam o mesmo
porém carecia de reformas, mas foi o espaço fornecido pela administração pública para que as ‘mulheres do artesanato’ trabalho que elas, não eram concorrentes e sim encontravam apoio mútuo para ampliarem seus saberes, a permanência nos
pudessem se instalar e fixar um ateliê, também utilizado para exposição e venda dos produtos. espaços coletivos e contribuírem na luta da existência do lugar onde vivem.

Através da inserção no Município, para o desenvolvimento das atividades com as artesãs novas demandas foram A participação solidária que as artesãs promoviam externamente não decorreu de tomadas de decisões de espa-
vivenciadas e como a extensão é um eixo de aprendizado forte na Universidade, este poderia ser um espaço de atuação. ços democráticos. No grupo também não haviam: atas de reuniões, livro caixas que se podiam confiar, uso do espaço de
De maneira geral, o apoio seria destinado a ‘inclusão’, tal como havia ocorrido com as artesãs, mas agora destinado a produção igualitário, cumprimento do cronograma por parte dos responsáveis para abertura da loja. Esta desorganização
outros grupos que se encontravam ‘vulneráveis’. talvez esteja colaborando para as conquistas sociais emancipatórias de todas do grupo, o que vem em contra às inúmeras
correntes teóricas construídas no campo científico, que estabelecem princípios para eficiência e eficácia de trabalhos em
Aprovou-se um Programa de Extensão ‘Inclusão social e produtiva nos municípios do Litoral do Paraná’, ini-
grupo, bem como vem em contra às normas que estabelecem os formatos de organizações com representação para atuação
ciado em março de 2013 objetivando o estudo de cinco grupos sociais ‘vulneráveis’: os artesãos, os idosos, os jovens, as
no mercado.
crianças e adolescentes e os responsáveis pelo recebimento do Programa Bolsa Família (PBF). O Projeto deu origem a
todos os outros: o do grupo de artesãs e outros que, de uma forma ou outra, estavam ligados a este como: o dos responsá- A desorganização é por outro lado, um risco ao apoio institucional da própria Universidade, do SENAR, do in-
veis pelo recebimento do benefício do PBF. A forte ligação decorria do empoderamento das artesãs como detentoras do gresso de novos participantes e até mesmo frente às autoridades municipais para atendimento das reivindicações.
conhecimento para repassá-los ao outro grupo, que ao ‘nosso entender’ era ainda mais vulnerável.
Segundo Culti (2002, p. 15), fazendo referência à importância da representatividade sintetiza afirmando que:
As atividades para a área do artesanato objetivavam interação e pesquisa voltadas para a melhoria dos trabalhos
(...) o processo de cooperação produtiva é um dos caminhos a ser trilhado. Ele pode transformar o
das artesãs, buscando a valorização do saber fazer e o acesso a novos saberes por intermédio da capacitação em diversas ambiente social, quer queira ou não, no entanto é um processo de conquista gradual. Pode fortale-
áreas das artes manuais. As novas técnicas artísticas-culturais deveriam contribuir para o desenvolvimento sustentável do cer a democracia e a solidariedade ou apenas estagnar dentro dos limites das relações comerciais
local, através da valorização da identidade local, pelo uso dos recursos disponíveis no meio ambiente natural, bem como e capitalistas dominantes.
não deveriam intervir nas rotinas familiares, de forma mais ampla, e sociais das mulheres artesãs. O Projeto teve como
principais ações contribuir para a melhoria da qualidade de vida e propiciar um empoderamento em busca de consolidar
as bases para o trabalho artesão. A produção do conhecimento científico frente ao saber local para a inclusão: As configurações socioeconômicas
e ambientais estão em constantes transformações em decorrência da capacidade humana de acumular, processar e disse-
Condicionantes empíricas das relações sociais envolvendo as mulheres e seus talentos cognitivos artísticos: A minar os conhecimentos. As configurações se manifestam nos territórios onde as pessoas vivem, bem como em outros
mobilização se concentra, principalmente, em cinco mulheres (existindo outras, que produziam), que com os entes admi- territórios que estão receptíveis a mudanças. No Brasil, o século XX é marcado por intensas mudanças que demandam
nistrativos públicos locais garantiam a permanência no espaço – sala na Estação Ferroviária –, elas também ocupavam reflexões sobre o futuro. Contudo estas reflexões não só apontadas pela academia brasileira, mas em todo o mundo. Pre-
a liderança em outros espaços associativos como a Liga de Combate a Tuberculose – associação sem fins lucrativos que servar para o futuro tem sido tema de debate em todas as áreas de conhecimento científico, sociedade civil, Estados, Igreja
também congregava ações de cunho social e a Associação dos Moradores do Portinho – um dos bairros mais populosos entre outros. O meio ambiente passa a ser conteúdo obrigatório a ser tratado como tema transversal em todos os níveis
que não contava com infraestruturas sanitárias e de saúde, elas intermediavam com uma instituição parceira por nome escolares, inclusive na escola primária, no envolto ‘educação ambiental’. Enquanto a ciência não dá resposta para o futuro
SENAR, cursos de capacitação a serem desenvolvidos nestes espaços de representação social para desenvolver novos da humanidade – porque a ciência é promovida por homens que possuem racionalidade limitada e suas hipóteses precisam
saberes a outros/as. ser testadas e mesmo assim, continuarão sendo probabilidades – grande número de pesquisadores se debruçam na promo-
Se [o] Estado não consegue concentrar esforços nos problemas locais, dado a extensão de locais [terri- ção de alternativas de configurações territoriais sustentáveis. Alternativas estas que encontram limites em decorrência de
tório] e a sua restrição orçamentária, as universidades e instituições de pesquisa, sejam elas públicas ou fatores construídos nas relações que se estabelecem entre os homens, entre os fatores naturais e entre estes.
privadas, conseguem articular, envolver e sensibilizar a comunidade global com a ampliação do conheci-
mento (SULZBACH, 2013, p. 57).
Não é possível negar que a ‘evolução do homem’ decorre da busca de soluções a problemas enfrentados, levando

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em consideração os conhecimentos acumulados. Neste sentido, todas as configurações que se estabelecem no meio decor- respostas seriam inúmeras, mas para contextualizar é possível lançar três questões que merecem ser objetivos de investi-
reram de movimentos que se fizeram necessários em um determinado momento para a resolução do problema, porém sem gação futura.
considerar as externalidades das soluções propostas em outros campos do saber. O reconhecimento de externalidades nas
A primeira pressupõe incluir aqueles que sabem fazer e não usam seu saber fazer nas relações de troca mercantis;
soluções propostas de um grupo social seja ele da sociedade civil, da sociedade política, da sociedade acadêmica, enfim
são aqueles que sabem e fazem algo, com um saber específico, o qual ainda não foi apropriado pelo conhecimento cien-
de todos os grupos, somente ocorre quando outro grupo o reconhece como problema no seu campo de saber. O objetivo
tífico e adequando ao mercado. É o sujeito que possui um saber, que nos limites das inovações e aprendizagem do século
do homem poderia ser simplesmente viver, viver sem a sociedade ou/e viver sem o seu meio.
XXI, precisa ser apropriado pelo mercado. É a de incluir o sujeito que sabe.
A imersão do pesquisador na complexidade dos saberes (conhecimentos) permite-lhes observar sua participação
Uma segunda abordagem poderia ser a de incluir um grupo, o qual os idealizadores de políticas públicas ou de
neste contexto. Os pesquisadores ao interagirem os conhecimentos através da interdisciplinaridade possuem a oportuni-
conhecimentos científicos o enxergam como um problema pelo fato do seu produto não ser contabilizado e o sujeito pos-
dade de promover respostas aos problemas da sustentabilidade ou ao sentido da vida, já que o ser humano e o meio têm
suir os direitos e participar, sem contribuir (não da mesma forma que outros que o querem incluir) da divisão social da
uma relação de dependência para suas perpetuações.
produção e distribuição.
A imersão em territórios denominados por algumas áreas do conhecimento científico de ‘em desenvolvimento’
E uma terceira possibilidade seria a da necessidade de incluir aqueles que encontram satisfeitos pela sua própria
ou ‘subdesenvolvidos’, talvez sejam uma alternativa para a construção de um novo saber, um saber que não é reconhecido
produção ou pela promoção de satisfação do outro sem recorrer ao mercado; uma necessidade de ampliar o mercado
como capaz de promover o ‘desenvolvimento’, um saber que permita o homem a liberdade de negar a ciência e talvez a
consumidor.
norma. Sem precisar entrar em detalhamentos maiores: O que justifica a imersão nestes territórios é o fato da educação ser
um indicador, além da renda e longevidade, necessários para o território ser considerado desenvolvido. Atrelado a isso, a Breves respostas não podem ser conclusivas, mas sim reflexivas. Neste sentido a resposta ao segundo questio-
tese de que a educação é o regulador ou problema a permitir a inclusão social. namento, tem-se que a materialização das ideias através do saber específico em ‘produto’ derivado do artesão, e este o
coloca como um sujeito incluído socialmente e pertencente à divisão social do trabalho, só não é da sociedade de trocas
Esta imersão em um território com a denominação de em desenvolvimento, cujos indicadores de desenvolvi-
por moeda, mas uma sociedade de trocas simbólicas. A necessidade de incluir através da formalização, contribuindo com
mento humano (IDH) são baixos, demanda o reconhecimento exploratório deste território, que pode ocorrer através da
previdência e tributos, ‘socialmente justo’, seria a justificação pela inclusão. O terceiro questionamento também remete
base em dados secundários disponíveis em institutos de pesquisas. A ampliação de dados se faz necessária para apontar
a uma necessidade de incluir para o mercado, porém pela via do consumo. A inclusão produtiva é uma via de uma mão,
onde ocorrem as fragilidades para inclusão neste modelo. Por outro lado, há de se tomar atenção com o uso e escolha
não há mais como retornar se não na contra mão. A inercia demonstra o estado de satisfação do artesão que não esta no
dos indicadores, mesmo que sejam tomados em números absolutos, estes foram levantados pautados em metodologias
mercado. A sua produção destinada às trocas simbólicas, sem a moeda, não promove a circulação de moeda, a inserção
específicas que buscaram responder as necessidades de seu saber específico que não o do objeto de análise.
da produção no mercado, por outro lado, promove as trocas monetárias e consequentemente o aumento da circulação da
A compreensão do contexto territorial merece aproximação. Para esta a proposta metodológica é a da pesquisa moeda e até mesmo sua velocidade. A materialização trocada por moeda cria algo novo para o artesão, ‘o direito’ a uma
ação, pela imersão do pesquisador no território, já que esta permite observar como a sociedade responde ao modelo que nova troca a ser paga em moeda. Portanto, uma moeda que serve a outro mercado e não ao do artesão ‘excluído’. O pri-
tenta ser homogêneo, o modelo de desenvolvimento capitalista. A inserção do pesquisador junto aos atores, aqueles de- meiro e o terceiro questionamentos demonstram que a inclusão do artesão que se busca não é nem social, nem produtiva
nominados excluídos, busca, entre outros, observar o quanto estes reconhecem sua exclusão, num modelo construído pela e sim no mercado e através da moeda.
ciência, incorporando as instituições, as quais promovem a regulação.
As reflexões sobre qual a inclusão que se busca, a exemplo dos grupos de artesãos, somente foram possíveis pela
O grupo de excluídos, a quem o interesse desta pesquisa esta dedicada, ‘a menina dos olhos’, para não deno- imersão em grupos, com apoio de instituições e políticas públicas que acreditam na necessidade de incluir, mas incluir
minar de objeto de pesquisa é o de artesãs. O recorte territorial do grupo tão logo irá se apresentar, em decorrência da sem refletir: Sobre a própria inclusão, sobre os grupos definidos para a inclusão, enfim o que as políticas têm são indi-
urgência da reflexão sobre este grupo de excluídos. cadores que demonstram que os locais não respondem por si só as transformações necessárias para serem designados de
desenvolvidos.
Artesão, fora de um grupo, é um sujeito com capacidade de materializar o que imagina utilizando o conheci-
mento acumulado; incorpora o conhecimento materializado do outro. Neste sentido, quase todos os seres humanos são
artesãos, já que quase todos os homens são detentores da capacidade de materializar o que tem em mente com base nos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
conhecimentos acumulados, a qualquer tempo. É esta definição que convida para a reflexão sobre a necessidade de in-
clusão deste grupo no modelo de produção e distribuição capitalista. Quem de fato é o artesão que se busca incluir? As Esta produção de conhecimento (exercício de organizar as ideias), no formato de artigo (disseminação), decorre

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de outros exercícios de aprendizagem (extensão e pesquisa) que teve como objetivo relatar o empoderamento e a capa- OIKOS DA AMAZÔNIA: O ESTUDO FOTOETNOGRÁFICO COMO FORMA DE ENTENDER AS RELA-
citação de mulheres que produzem artesanato no município de Antonina. Seus resultados, no que tange às observações ÇÕES CULTURAIS MATERIALIZADAS NO ESPAÇO
empíricas, são conclusivos e podem afirmar que as instituições têm papel fundamental no aumento da participação social,
desde que estes sejam objetivados como princípios de solidariedade. No que se refere à problemática de pensar o proces-
so de inclusão e os saberes em uma sociedade de trocas monetárias esta foi um ensaio inicial, mas que permite levantar Andreia Cristina da Silva1; Neli Ap. de Mello-Théry2
algumas considerações sobre a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre saberes e apropriação destes.

Há uma propensão acentuada, por parte das artesãs, a manterem estagnação em relação ao desprendimento para
RESUMO
uma melhor exposição dos seus trabalhos, tendo em vista que na ‘Estação’ o espaço não tem expressividade turística, há
O objetivo da presente pesquisa é analisar as potencialidades de se entender as relações culturais históricas impressas no
pouco estímulo por parte da administração pública local em fazer dela um atrativo turístico relevante, bem estruturado
ambiente construído a partir do estudo do perfil da habitação da comunidade flutuante do Catalão em Iranduba - AM. Os
para a recepção dos poucos turistas que ora transitam na cidade; embora a Estação Ferroviária se localize em uma região resultados da pesquisa de campo demonstram as potencialidades e lacunas do método fotoetnográfico, foi possível ob-
central na cidade, ainda assim está longe do núcleo turístico que fica mais próximo ao comércio e a orla marítima. servar transformações desta comunidade a partir da habitação, uso de novas técnicas construtivas e perfis de acordo com
a literatura. Considera-se que os objetivos específicos do presente trabalho foram alcançados. O método fotoetnográfico
Conclui-se, ainda que parcialmente, que a organização desse grupo depende e muito das suas próprias ações proporciona em si possibilidades de interpretação, porém o uso do método na comunicação científica está intimamente
e interesses para o estabelecimento concreto como um grupo social-cultural de representatividade perante a sociedade relacionado ao olhar do pesquisador e os contatos/referências realizadas para ampliar este olhar.
organizada.

Palavra-Chave: Antropologia Visual, Etnografia do habitat, dinâmicas habitacionais, Amazônia.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, 2014. Dispo- ABSTRACT
nível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=18213&retorno=paginaIphan>. Acesso em: The purpose of this research is to analyze the potential to understand the historical cultural relations printed in the built
21/11/2014. environment from the study of Catalão community housing profile in Iranduba - AM. Field survey results demonstrate the
potential and shortcomings of photoethnographic method, we observed changes in this community, it was observed new
CULTI, M. N. El Cooperativismo Popular en Brasil: Importancia y Representatividad. In: Tercer Congreso Europeo de construction techniques and profiles according to the literature. It is considered that the specific objectives of this study
Latinoamericanistas, 2002. Amsterdam – Holanda. Disponível em: <http://www.unitrabalho.org.br/IMG/pdf/el-coopera- were achieved. The photoethnographic method provides itself possibilities of interpretation, but the use of the method in
tivismo-popular-en-brasil.pdf>. Acesso em: 31/10/2014. scientific communication is closely related to the researcher’s perspective and contacts / references made to enlarge this
look.
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mico e Social – IPARDES. Cadernos Municipais, 2014. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCa-
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PECQUEUR, B. O Desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimento para as econo- Keyword: Visual Anthropology, Ethnography habitat, housing dynamics, Amazon.
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pios>. Acesso em: 20/11/2014.

SULZBACH, M. T. Externalidades em projetos de extensão: o caso do Projeto artesanato com identidade territorial do
Litoral do Paraná. In SULZBACH, M. T. & DENARDIN, V. F. (Orgs). A inclusão, a inserção, a interação, a investiga-
ção...: Os in(s) da extensão no Litoral do Paraná. Matinhos: Universidade Federal do Paraná, 2013. p. 29-58.
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da UFPR - andreia.silva@ufpr.br
2 Docente do curso de Gestão Ambiental da EACH-USP e pesquisadora associada Centre National de la Recherche Scientifique na França
- namello@usp.br

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INTRODUÇÃO rios da região (Negro e Solimões). Segundo Fonseca & Batista (2010) as duas estações do ano verão (cheia) e inverno
(época da seca), estão ligados ao regime hídrico da região, o clima é quente durante o ano todo, porém o calor é mais
O estudo da habitação ribeirinha permite discutir o histórico de ocupação da Amazônia. Para entender a cidade
severo na época da seca.
hoje, é necessário um resgate dos processos que dão conformação à complexidade da organização das comunidades, ou
seja, o ambiente que observamos hoje é fruto das transformações que ocorreram ao longo do tempo (SPÓSITO, 1988 O levantamento e análise de dados fotoetnográficos foi baseado na linha de investigação da antropologia visual etno-
apud DIAS, 2007). gráfica de Spini (1982) com foco na leitura dos elementos constantes na habitação como espaço de produção e sociabili-
dade. O período da coleta de informações ocorreu nos meses de Junho e Julho de 2011 (de 29/06 à 21/07).
A arquitetura ribeirinha na Amazônia, enquanto comunicação, informação, mediação, proporcionam um resgate
histórico, onde os significados da relação do homem - ambiente deixam marcas evidentes em sua produção. De acordo
com Oliveira Jr. (2009), a importância de se entender a cidade a partir da produção da moradia: RESULTADOS E DISCUSSÃO
é que ela possibilita unificar os vários campos de análise urbana, especialmente quando se observa que os
atuais problemas da sociedade parecem ser cada vez mais articulados como problemas de natureza espa- Segundo Fraxe (2000) a Amazônia tem sido conquistada lentamente por mais de quatro séculos e ainda continua.
cial, visto que eles são explicitados pelas desigualdades sócio-espaciais (OLIVEIRA & COSTA, 2007, p. Vários mecanismos promoveram o crescimento acelerado de ocupação do território Amazônico, marcado por políticas de
02).
integração (em várias escalas: regional, nacional e internacional) e aberturas de estradas (MELLO, 2006), que direta ou
A relação descrita acima evidencia o caráter dinâmico da habitação que são construídos de acordo com relações indiretamente contribuíram com programas de colonização. Estes processos se configuram em um complexo cenário de
culturais sendo uma característica presente no espaço vivido e fruto das relações sociais que permanece em constante ocupação da Amazônia, alterando a configuração social, econômica e ambiental da região.
processo de: produção, destruição e reprodução (LEFEBVRE, 1991).
A união das culturas: indígena, nordestina e europeia, deu origem a formação cultural do caboclo ribeirinho. Se-
Segundo Marinho (2007) a técnica fotoetnografia consiste na construção de uma etnografia utilizando-se a foto- gundo (FRAXE, 2004 p. 105) o caboclo é um “ser forjado por influências culturais indígenas e sociais do meio urbano.
grafia como uma narrativa imagética sobre as sociedades humanas. É comum o uso de imagens em pesquisas, porém o Principalmente, como reflexo da interferência da religião católica, neste contexto, estão inseridos índios destribalizados,
uso da fotoetnografia é um método pouco explorado nas pesquisas científicas (BONI & MORESCHI, 2007). nordestinos e portugueses, como produto da miscigenação do índio com o branco”. O cariboca é o termo utilizado para
designar aqueles descendentes de índios e europeus (FRAXE, 2004).
O presente trabalho exalta a importância da imagem como recurso visual e discursivo, imbuído de limitações e
potencialidades que devem ser estudados e testados de forma a contribuir para a consolidação do uso da técnica nas pes- As primeiras construções ribeirinhas “nas épocas do boom da borracha eram apenas formadas de tablados suspen-
quisas acadêmicas. sos do solo e cobertos por uma camada de folhas, o chamado Tapiri, consistindo numa unidade básica de sobrevivência
na selva” (OLIVEIRA JR, 2009 p. 117).
O registro fotoetnográfico a partir do olhar científico sobre estas moradias e suas influências históricas, apoia em
certa medida sua salvaguarda, uma vez que este modo de viver pode ser perdido ao longo do tempo, assim como a “cidade As habitações eram construídas próximo ao rio pela facilidade de locomoção (por barcos ou canoas), já que as
flutuante” de Manaus, observadas entre à década de 20 até a década de 70 (SOUZA, 2010). trilhas em meio à mata nativa dificultavam muito o transporte, a caça e a pesca (OLIVEIRA JR, 2009).

O objetivo geral da pesquisa é discutir as transformações da comunidade do Catalão a partir dos elementos ma- As influências indígenas na habitação do caboclo estão presentes no uso de materiais construtivos retirados da
teriais da paisagem, através do referencial teórico e da fotoetnografia como instrumento de levantamento de dados. Para floresta, como cipós (que servem para a fixação e diversos tipos palhas utilizadas para fechamentos) e uso da madeira
tanto tem-se como objetivos específicos: Observar as influências de construção e trocas culturais das habitações ribeiri- para a estrutura.
nhas da comunidade do Lago do Catalão à luz do referencial teórico; e discutir as potencialidades e lacunas do método
O conhecimento indígena sobre as características naturais do ambiente foram muito úteis para a cultura ribeiri-
fotoetnográfico como forma de compreender suas inter-relações culturais.
nha. Como é o caso da árvore “Hura crepitans” vulgarmente chamada de assacú, que é uma madeira de baixa densidade
que ocorre na região Amazônica em beira de rios e várzeas inundáveis e são a base das habitações flutuantes (adaptação
construtiva do meio de locomoção indígena) (FRAXE, 2000). A organização espacial circular das habitações na aldeia
indígena com casas voltadas para o centro da vila demonstra uma simbologia que não foi incorporada pelos ribeirinhos,
METODOLOGIA
de casas viradas para o rio ou ruas (FRAXE, 2000).
O Estado do Amazonas é entremeado por uma extensa rede de cursos d’água que se ligam através dos principais
As influências da cultura nordestina na habitação são observadas no formato retangular, nas varandas que con-

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tornam a casa, no formato da janela (verticalmente alongado) e normalmente duas folhas, e nas casas posicionadas de Segundo Fonseca e Batista (2010) não há registros do início da comunidade, e atualmente existem 96 casas com o
forma paralela ou perpendicular a via (no caso das habitações nordestinas) e alinhadas às margens dos rios ou igapós nas total de 331 moradores. A figura 01 mostra a imagem de satélite da localização da comunidade catalão e organização das
habitações ribeirinhas flutuantes e palafíticas (CARDOSO, 2008). habitações no período da cheia e da seca.

A casa ribeirinha comum é formada basicamente por quatro ambientes, (sala, cozinha e dois dormitórios) de modo
a acomodar a família (FRAXE, 2004; OLIVEIRA JR, 2009). Em algumas comunidades é possível observar a presença Figura 01: Comunidade do Lado do Catalão – Organização das habitações no período de cheia (esquerda) e seca (direita)
de casarões com divisão interna, tamanho e forma arquitetônica que divergem consideravelmente das casas dos caboclos
Amazônicos e demonstram influências do estilo europeu (FRAXE, 2004).

Existem três tipos de habitação ribeirinha: as casas de palafita encontradas nas encostas dos rios; flutuantes (emer-
sas no rio) que permite uma grande flexibilidade do morador ribeirinho quanto ao local de implantação (OLIVEIRA JR,
2009), e de terra firme que são habitações próximas da área de várzea e com contato maior com o interior da floresta.

A habitação ribeirinha demonstra que a população tem “sua vida conectada com o espaço da várzea, com o ciclo
hidrológico anual, hora água, hora terra” (OLIVEIRA JR, 2009 p. 73), onde o rio se mostra como um espaço que propicia
lazer (nadar na cheia e jogar futebol na seca), sustento (pesca e agricultura) e renda (venda de excedente).

Para Araújo (1974) a paisagem social dos “flutuantes” era das mais originais feições de aglomerados humanos. Fonte: Adaptado de google Earth, 2011.
Segundo o autor “é o flutuante, um dos aspectos da economia da água que dirige grande parte da vida amazônica. A en-
chente, a seca, o repiquete (retorno incomum das águas durante a vazante, quando ocorrem as grandes cheias), o inverno, A época do ano (cheia ou seca) é importante para entender a organização da comunidade. Segundo Leite ; Silva
a praia, o lago, a várzea comandam, em meia simbiose, a vida do povo” (ARAÚJO, 1974 p. 178) e Freitas, (2006):
como a maioria dos lagos de várzea amazônicos, o Lago Catalão aumenta ou diminui de tamanho de acor-
Se considerarmos a habitação ribeirinha um patrimônio material e suas técnicas construtivas um conhecimento do com o nível dos rios adjacentes. O Lago Catalão normalmente conecta-se ao rio Solimões através de
adquirido e transformado ao longo do tempo e transmitido de geração em geração estamos falando da produção de obje- um curto carnal, após os primeiros meses de subida das águas. Por outro lago, raramente fica totalmente
desconectado do rio Negro (LEITE ; SILVA E FREITAS, 2006: 558)
tos culturais que “é indissociável da produção de sujeitos sociais” (GALLOIS, 2007 p.99).
As imagens a seguir nos permitem observar a época do ano em que a visita foi realizada (época da cheia).
Segundo Zanirato e Ribeiro (2007) a natureza imaterial do conhecimento tradicional os torna extremamente vul-
neráveis às transformações da humanidade. Desta maneira em um mesmo tempo existem “práticas tradicionais configu-
rando sujeitos novos, práticas novas fazendo re-emergir sujeitos tradicionais, enfim, uma intrincada rede de possibilida- Figura 02: Comunidade do Lago do Catalão vista parcial das habitações flutuantes
des, que não pode ser abordada, jamais, a partir de uma simples oposição entre o “tradicional” e o “novo”” (GALLOIS,
Rua principal (lado direito)
2007 p.03).

A edificação assume um papel necessariamente multiuso de seu espaço que é adaptado a realidade sistêmica da
floresta. Os hábitos da comunidade são alternados a partir do ciclo hidrológico caracterizando um tipo social que Fraxe
(2000) chama de “Homens Anfíbios”.

COMUNIDADE RIBEIRINHA FLUTUANTE DO LAGO DO CATALÃO

Embora apresentem uma flexibilidade de localização as habitações da comunidade ficam sobre o Lago Catalão. O
Lago está localizado próximo ao município de Iranduba e da confluência dos rios Solimões e Negro (a 3º 09’ 47”S e 059º
54’ 29” W), com distância aproximada de 3 km do porto da CEASA, em Manaus (LEITE; SILVA e  FREITAS, 2006). Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011).

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Todas as casas ficam próximas da copa das árvores, pois é necessário amarrar a casa em várias árvores para que Figura 04: Comunidade do Lago do Catalão – Igreja evangélica.
ela não fique à deriva ou solte. Observamos que a varanda “frente da casa” está virada para o rio e no fundo da casa ob-
servamos o jardim, também flutuante.

Figura 03: Comunidade do Lago do Catalão – Escola

Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011).

Figura 05: Comunidade do Lago do Catalão – Casa flutuante.

Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011).

Figura 04: Comunidade do Lago do Catalão – Elementos da habitação flutuante:

a casa de animais e o jardim flutuante.

Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011).

Assim como relatado por Oliveira Jr. (2009) notamos o banheiro na parte de trás e separada do imóvel. A quanti-
dade de ambientes na casa sugere o padrão mencionado na literatura.
Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011). Na maioria das unidades habitacionais flutuantes, o banheiro é uma construção independente, também
flutuante, normalmente localizada na parte posterior da casa, de modo que o ribeirinho estabelece uma
relação espacial definindo a frente e a parte de trás de sua moradia (OLIVEIRA JR, 2009 p. 114).

É possível observar um galão preto na casa esquerda. Como a comunidade não tem sistema de captação de água
esta é uma adaptação presente em várias moradias da comunidade para armazenar utilizar a água na casa.

O morador Sr. Edilson Alves Viana, ao falar das características de sua comunidade relatou que todos os moradores
têm que ir buscar água para beber no poço próximo ao porto do CEASA em Manaus (3 km de distância conforme Leite;
Silva e Freitas, 2006).

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Figura 06: Comunidade do Lago do Catalão – Habitação com Madeira reutilizada (esquerda). Figura 08: Comunidade do Lago do Catalão – Casa no centro com parte do telhado de palha.

Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011).


Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011).
Esta foi a única casa observada com telhado de palha (mesmo que em parte). Algumas casas nesta imagem estão
conectadas por passarelas, indicando proximidade entre os moradores (afetivas ou parentesco).
A cor diferente da pintura das madeiras e os “fechamentos” sem pintar (estruturas de encaixe de duas pranchas
de madeira) na casa do lado esquerdo demonstram que a madeira já teve outros usos.
POTENCIALIDADES E LACUNAS DO MÉTODO FOTOETNOGRÁFICO
Na figura 07 é possível observar como as árvores do jardim flutuante já estão bem desenvolvidas se assemelhando
com a floresta no fundo. Quando tratamos do modo de vida ribeirinho uma das marcas mais evidentes deste tipo de cultura é sua relação
com a água. Neste contexto o pesquisador deve visitar a comunidade estudada em diferentes períodos (dia, semana e ano)
Figura 07: Comunidade do Lago do Catalão – Casa com quintal flutuante na frente. para poder observar as relações estabelecidas entre os indivíduos e entre ele e seu ambiente.

Para esta pesquisa de cinco meses (CNPq processo n° 105419/2011-7) não foi possível fazer duas viagens que
contemplassem a época de cheia e seca. Neste contexto, torna-se que outros trabalhos façam este tipo de observação.

O método fotoetnográfico tem o potencial de transportar o leitor para o ambiente, o “lugar” da pesquisa, e em
muitas vezes conectando-o ao objeto em estudo, possibilitando um número infinito de leituras sobre o mesmo território
e sobre as paisagens identificadas.

Cabe ressaltar que as análises apresentadas só foram possíveis associando o método fotoetnografico, com as
informações de moradores, pesquisadores e os dados disponíveis na literatura. Segundo Lacoste (2006), a pesquisa de
campo é uma etapa fundamental e eficaz na formação dos pesquisadores, mas, sozinhas não são suficientes, para uma
compreensão maior dos fenômenos, é necessário, portanto, articular a observação de campo com a pesquisa teórica.

Foto: Acervo do autor (Silva A. C., 2011). Observe que neste contexto o material e o ambiente seriam o mesmo, mas a imagem só faz sentido a partir da
percepção de algum observador. Este fato é, ao mesmo tempo, um potencial e uma lacuna do método fotoetnográfico.

A partir das imagens pudemos observar que as principais mudanças na construção de habitações ribeirinhas flu-
tuantes da comunidade do Catalão, se referem ao telhado pois a maioria das casas agora são cobertas com telhas (metá-
licas, de amianto ou zinco) e não mais com palha (OLIVEIRA JR, 2009).

Os telhados de amianto, zinco ou metal não representam uma melhora na qualidade de vida, pois estas estruturas
esquentam mais o ambiente interno da casa, do que as estratégias anteriores (palha). Oliveira Jr, (2009) aponta que estas

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mudanças podem estar relacionadas a um símbolo de status que o morador adquire, pois na comunidade aqueles que têm Um dos legados históricos da cultura ribeirinha se refere a esta capacidade de reunir adaptar técnicas de diferentes
o menor poder aquisitivo são os que constroem suas casas com materiais retirados da própria floresta. culturas e transformá-las a partir das riquezas disponíveis no ambiente. Porém, nota-se gradualmente a perda desta carac-
terística. Na habitação o caboclo ribeirinho está esquecendo boas “soluções bioclimáticas, desenvolvidas durante muito
Nas habitações flutuantes foram registradas alteração nas construções das plataformas (base metálica). De acordo
tempo por populações indígenas por meio da observação da natureza” (OLIVEIRA JR, 2009:152).
com os relatos de Oliveira Jr. (2009) representa mais uma adaptação tecnológica moderna da habitação ribeirinha para
outros usos (infraestrutura) do que uma mudança no tipo de construção ribeirinho. Estas plataformas são usadas para Considera-se que os objetivos específicos do presente trabalho foram alcançados. O método fotoetnográfico pro-
(instalação de postos de combustível, escolas flutuantes itinerantes, habitações provisórias de viajantes, pesquisadores e porciona em si possibilidades de interpretação da cultura, porém o uso do método na comunicação científica está intima-
trabalhadores com grande necessidade de locomoção). mente relacionado ao olhar do pesquisador e os contatos/referências realizadas para ampliar este olhar.

Além das transformações atuais da habitação ribeirinha, citados nas pesquisas de Fraxe, (2000), Fraxe (2004) e
Oliveira Jr., (2009), observamos outros exemplos como: AGRADECIMENTOS
• A incorporação da transmissão de tv paga no cotidiano ribeirinho intensificando o fenômeno de transcul- Á minha orientadora, pela coragem, generosidade e paciência. Pela pesquisadora e Gestora Ambiental que é, que
turalidade relatados por Fraxe (2004). mesmo realizando e fazendo coisas mais que qualquer mulher que eu conheça, dá oportunidades e dedica seu tempo em
• “Fixação” das habitações flutuantes nos mesmos locais em cada época do ano para ficar próximo do ponto apoiar jovens e pequenos pesquisadores como eu.
de energia elétrica de cada casa. Aos pesquisadores Edinaldo Nelson Santos-Silva do INPA, Duarcides Ferreira Mariosa da PUC de Campinas,
• “casinhas flutuantes” para abrigar animais domésticos utilizados para consumo (porcos, galinhas), fazem Selma Paula Maciel Batista da UEA pelas orientações, indicações e carinho, cujas informações e contato enriqueceram e
parte do “quintal” das habitações ribeirinhas junto com as hortas flutuantes. viabilizaram esta pesquisa.

Ás professoras Cristiane Barroncas Maciel Costa Novo  da UEA e Veridiana Vizoni Scudeller da UFAM pelas
O contato com as áreas de estudo e a possibilidade de conversar com moradores embasaram o olhar crítico da
indicações e atenção.
seguinte afirmação feita por Oliveira Jr. (2009):
encontramos também as casas flutuantes, livres da relação com a terra. Ela permite uma grande flexibili- Ao novo amigo Gabriel Augusto Martins de Melo da UFAM, pelas dicas, orientação e informações e acima de tudo
dade do morador ribeirinho quanto ao local de implantação, de modo que sua casa tenha acesso a outras pela coragem e generosidade no apoio fundamental na minha estadia em Manaus.
regiões ou mesmo adaptando-se à flutuação do nível da água nas épocas de cheia e vazante. (OLIVEIRA
JR. 2009 p.109, grifo nosso). Aos amazonenses Dulcineia do Nascimento, José Araújo de Oliveira, Ester Teixeira Serrão e Maria Teixeira Serrão,
Ademir e Abrahão, Erica Nascimento Viana e Edilson Alves Viana, Moises Marco de Oliveira Neto, Maria Januário de
Souza, Maria Leonilia Ferreira da Silva, por contar suas histórias de vida e me apresentarem sua comunidade, à Dona
As habitações flutuantes embora notoriamente forneçam mais flexibilidade do que as habitações palafíticas ou de Francisca, ao barqueiro Jalmir, e Heitor Santiago Cruz Lóris, pelas informações e apoio fornecidos
terra firme, não estão dissociadas da relação de pertencimento com o espaço (“fixação” da habitação no sentido abstrato).
Além disso, todas as habitações se localizam próximo a copa das árvores para manter a casa amarrada aquele ambiente Em especial a amazonense Goreth (Yanayra-índia Yanomami), por ser mais que uma guia, uma amiga, que junto
demonstrando uma relação da habitação que não é direta, mas é necessária, com a terra (“fixação” da habitação no sentido comigo foi conhecendo novos lugares e olhares da cidade de Manaus.
prático).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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O estado do Amazonas possui uma diversidade cultural e ambiental proporcional ao tamanho dos seus rios, porém, BONI, P.C.; MORESCHI, B. M. Fotoetnografia: a importância da fotografia para o resgate etnográfico. Doc On-Line, n.
nota-se a necessidade de valorizar e estudar essa diversidade. Em vários níveis, foi um desafio encontrar publicações de 03. Dez. 2007. Pp. 137-157. Artigo disponível em: <http://www.doc.ubi.pt/03/artigo_paulo_cesar_boni.pdf>. Acesso em
25 mar. 2011.
estudos científicos sobre a comunidade estudada. Entender estas culturas, bem como suas trocas dinâmicas (construção e
reconstrução de práticas e valores), é pertinente até mesmo para a compreensão das transformações atuais da sociedade. CARDOSO, Daniel R. Desenho de uma poiesis: comunicação de um processo coletivo de criação na arquitetura. 2008.

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APÊNDICE DE SUPLEMENTOS

Resumos

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CARACTERIZAÇÃO QUIMICOAMBIENTAL DOS SOLOS DO ENTORNO DO PORTO DE PARANAGUÁ, PAISAGEM SUSTENTADA: ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS PARA PLANEJAMENTO E CONSTRU-
PR ÇÃO SUSTENTÁVEL NO BRASIL

Ana Christina Duarte Pires, Lauriane Guidolin Guedes, Danilo Martins, Edmilson Cezar Paglia  Richard Lins Nogueira, Carlos Hardt, Letícia Peret Antunes Hardt, Regina Maria Martins de Araujo, Saulo Ribeiro dos
Santos, Andréa Carolina Zapp, Carolina Laurindo Basso, Rebeca Alves Botelho

Os solos do litoral do Paraná são considerados de baixa fertilidade, pois são originados de sedimentos argilosos do
desgaste de rochas de granito e gnaisses das montanhas da Serra do Mar e de sedimentos arenosos de origem marinha. A sustentabilidade se apresenta como grande norteador das políticas públicas nos diversos países do mundo. Sendo a
Essa baixa fertilidade natural é agravada pela lixiviação da maioria dos nutrientes minerais desses solos que comumente paisagem um conjunto de significados e sobreposições de fases históricas, originadas de ideias e construções, a presente
ocorre em solos de textura mais arenosa. Além disso, elementos que a planta necessita em grande quantidade, como o pesquisa busca discutir os princípios de planejamento, construção e tecnologias sustentáveis no Brasil, comparando-os
fósforo, podem ter sua disponibilidade ainda mais reduzida por causa da forte interação com constituintes do solo, como com a situação na Alemanha, e sua relação com a composição da paisagem, com vistas à estruturação de fundamentos
os óxidos de Al e Fe, em que a complexação em formas orgânicas e a taxa de difusão na solução do solo são lentas. Porém, para o processo de gestão de paisagens sustentadas. Mediante método exploratório e descritivo, possibilitado por pes-
sistemas que promovem a melhoria estrutural do solo, como a utilização de composto orgânico, favorecem o acesso aos quisa bibliográfica e documental, o projeto destina-se, conclusivamente, à análise integrada dos resultados e eventual
nutrientes do solo pelas plantas. Por esta mesma área estar localizada em uma região portuária é possível identificar comparação. Para a análise, avaliou-se casos de planejamento urbanos bem sucedidos no Brasil, conforme metodologia
pontos de desperdício de fertilizantes e de grãos, potenciais fontes de nutrientes para as plantas. Esses desperdícios própria e trabalhou-se numa análise FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) do cenário brasileiro. Reali-
provêm do transporte rodoviário de produtos agrícolas e minerais para exportação e de insumos para a cadeia produtiva zou-se uma análise comparativa entre o Brasil e a Alemanha no que se refere ao sistema nacional de geração de energia
de grande escala por importação. As perdas geram prejuízos econômicos e socioambientais, os quais, em função da elétrica. Concluiu-se que o Brasil não adotou a sustentabilidade como princípio base para suas diretrizes governamentais,
falta de pesquisa na área, não são muito discutidos pela ciência. Desta forma, os municípios do litoral do Paraná, pela diferente do panorama alemão, porém, ainda assim, o Brasil mantém uma situação energética favorável quanto às tec-
falta de maiores pesquisas e conhecimento, enfrentam a situação de maneira isolada e com pouco investimento, em nologias sustentáveis, casualidade advinda de sua condicionante hidrológica, além de possuir um imenso potencial para
função da grande demanda de recursos e, consequentemente, da baixa eficiência em ações de mitigação. Esse projeto implementação de energias realmente limpas.
visa estudar as particularidades físicas, químicas, biológicas e socioeconômicas dos acessos e do entorno do Porto
Dom Pedro II em Paranaguá-PR, buscando verificar os níveis de contaminação do solo exposto ao depósito de grãos e
fertilizantes que caem dos caminhões, calculando o desperdício de Nitrogênio, Fósforo e Potássio, todos considerados Palavras-chave: Paisagem, Sustentabilidade, Tecnologia, Energias Renováveis, Brasil.
macronutrientes para as plantas. O método da pesquisa foi desenvolvido em etapas. Começou pela caracterização da
área e dos elementos a serem estudados. Após, foi feita a construção e demarcação dos limites geográficos pela divisão
em blocos, residencial, intermediária, industrial e como ambiente ou zona natural, para servir de controle ou testemunha.
Foram retiradas amostras de solo de todas essas áreas. Por fim, após a determinação dos níveis de contaminação ou não
contaminação de solo, por meio de análises laboratoriais de digestão total, feitas na UFPR, nos Setores Litoral e Ciências
Agrárias, os teores de macronutrientes estão sendo determinados com a finalidade de verificar se há contaminação do
solo por esses elementos. Também está sendo verificada a possibilidade de construção de uma composteira comunitária
com esses resíduos, a fim de promover o acesso dos produtores da região às técnicas agroecológicas que favoreçam
o enriquecimento da fertilidade do solo, diminuindo os custos de produção, melhorando a estrutura e favorecendo a
manutenção e conservação desses recursos.

Palavras-chave: solos, litoral, poluição, fertilizantes.

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PAISAGEM SUSTENTADA: PRINCÍPIOS DE PLANEJAMENTO E CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL NO VILA CEPILHO: UMA EXPERIÊNCIA DE TERRITORIALIZAÇÃO NA GRADUAÇÃO EM
BRASIL ENFERMAGEM

Carolina Laurindo Basso, Carlos Hardt, Letícia Peret Antunes Hardt, Regina Maria Martins de Araujo, Saulo Ribeiro
dos Santos, Andréa Carolina Zapp, Richard Lins Nogueira, Rebeca Alves Botelho Ivandro Ribeiro Santos Castro

Este trabalho é resultado de uma atividade didático-pedagógica realizada por docentes e discentes da Disciplina “Saúde,
Ao longo do tempo, o homem estabeleceu diferentes relações com o local onde habita, as quais foram modificando o Sociedade e Meio Ambiente”, da área de Saúde Coletiva do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná.
planeta e, portanto, suas paisagens. O cruzamento desse histórico com o preceito de desenvolvimento sustentável torna-se A territorialização no campo da saúde se constitui em ferramenta para a organização dos processos de trabalho e práticas
imprescindível para a compreensão da situação atual do Brasil. Na contemporaneidade, conceitos como sustentabilidade, em saúde. Com o objetivo de realizar um diagnóstico da condição de saúde de uma microárea adscrita ao território da
paisagem e planejamento são cada vez mais comuns na vida urbana, bem como o aperfeiçoamento da legislação e de ini- Unidade de Saúde Vila Guaíra, do município de Curitiba, utilizou-se a metodologia da pesquisa descritiva, de estimativa
ciativas nesse sentido perante a cidade e os cidadãos. O estudo em questão tem como objetivo principal analisar os prin- rápida, sendo os dados coletados pelos próprios discentes, diretamente com os moradores, utilizando como instrumento
cípios de planejamento e construção sustentável no caso brasileiro, estando atrelado ao projeto central – vinculado a dois um questionário sobre condições de vida e de saúde, além de entrevistas com algumas lideranças da microárea. O
trabalhos de iniciação científica e dois de iniciação tecnológica – que possuem o objetivo de comparar as experiências na critério de exclusão foi a recusa do indivíduo em responder o questionário ou sua ausência no domicílio. A atividade foi
Alemanha e no Brasil. Assim, os objetivos do presente trabalho são: sistematizar a visão da academia acerca das princi- complementada pela elaboração do mapa do território em questão. O número total de respondentes foi 51. Observou-se
pais características de princípios teóricos e de experiências práticas de sustentabilidade nos processos de planejamento e que a maioria das mulheres são chefes de família. A distribuição de faixa etária da população mostrou predominância nas
construção no Brasil e diagnosticar suas deficiências e potencialidades, inter-relacionando-as com os mesmos aspectos seguintes faixas: 10 a 14 anos (25), 30 a 34 anos (25) e 5 a 9 anos (18), caracterizando uma população jovem. Com relação
identificados para a Alemanha. Com estrutura investigativa de múltiplos métodos (exploratórios, descritivos e analíticos), às condições de moradia, constatou-se que 94% das habitações são de alvenaria (48 domicílios); todas são oriundas de
o trabalho inicia com a fundamentação teórica, vislumbrando o panorama do desenvolvimento sustentável brasileiro. Na projeto da Cohab e estão em processo de regularização. Quanto à caracterização da condição de saúde, o principal agravo
segunda fase, para a busca de um modelo específico de análise, foi selecionada a cidade de Curitiba como estudo de caso referido foi a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), seguida pelo Diabetes Mellitus (DM). A maioria dos moradores
a partir de critérios do Sistema de Índices de Sustentabilidade Urbana, baseado no Índice de Sustentabilidade Ambiental. declarou utilizar o serviço público de atenção à saúde (SUS). Quanto às percepções, 51% dos entrevistados afirmaram
Na etapa seguinte, com vistas ao diagnóstico comparativo dos panoramas brasileiro e alemão, foi realizada a análise de existir segurança pública na área, enquanto 49% relataram que a mesma existe. As famílias que recebem suporte social do
forças e fraquezas do ambiente interno e de oportunidades e ameaças do ambiente externo, com destaque para energias governo totalizaram 15, sendo que o programa com maior incidência foi o Bolsa Família. A concentração de indivíduos
renováveis, componentes relevantes no caso alemão.  Pelo diagnóstico realizado são evidenciados resultados sobre o foi maior nas ocupações de pedreiros (11) e comércio (21), enquanto alguns (10) se declararam autônomos (em sua maior
desenvolvimento sustentável no Brasil, os quais, apesar de seus relevantes aspectos positivos, ainda se mostram distintos parte “carrinheiros”). Os equipamentos de lazer citados como os mais utilizados foram praças e academia ao ar livre;
dos da Alemanha. A primeira diferença primordial é o tratamento da questão sustentável como princípio orientador, porém, 55% afirmaram não as utilizar, e destes, nove (9) famílias afirmaram não ter tempo. O presente trabalho se mostrou
decisão tardiamente adotada pela administração pública brasileira, diferentemente do posicionamento do Governo Na- útil no conhecimento das reais condições de vida da população local e ficou patente a materialização das desigualdades
cional Alemão. Essa cisão entre o pensamento e o atraso do lado brasileiro resulta, hoje, nos distintos tratamentos legais sociais, servindo a experiência para imprimir maior compreensão aos conteúdos teóricos tratados em sala de aula, em
e fiscalizatórios. Ao passo que no Brasil, em âmbito federal, as leis são voltadas, em sua maioria, para a preservação de especial a “determinação social do processo saúde-doença”.
recursos naturais, na Alemanha, também no cenário nacional, a legislação desse setor compreende incentivos às políticas
públicas, cabendo ênfase à eficiência energética.
Palavras-Chave: Territorialização; Graduação em Enfermagem; Saúde Coletiva.
Palavras-chave: Paisagem. Sustentabilidade. Planejamento. Energias renováveis. Brasil.

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TAQUARUÇU: DESAFIOS PARA A ARQUITETURA VERNACULAR EM SUA PAISAGEM POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TERRITORIAL: DINÂMICAS TERRITORIAIS
COMPLEMENTARES OU PARALELAS? ESTUDO DE CASO NO ESTADO DO PARANÁ

Mateus dos Santos Batista, Matheus Moura Martins


Marcia Luiza Felippini, Janete Stoffel, Anelise Graciele Rambo

A arquitetura de terra foi amplamente utilizada no Brasil com a chegada dos portugueses que, devido à falta de recursos
disponíveis e à impossibilidade de trazer instrumentos diretamente de Portugal, construíram por aqui casas de pau-a-pi- Este estudo advém de um projeto que foi aprovado no edital 134/UFFS/2014- PIBIC/CNPq. O objetivo geral se embasa
que, pois eram rápidas de se fazer e atendiam as exigências naquele momento. A arquitetura de terra surge, então, em em averiguar até que ponto as políticas de desenvolvimento regional e as políticas territoriais – inseridas no mesmo es-
terras brasileiras, em virtude da necessidade de construir. No entanto, com o passar do tempo, com os avanços tecno- paço geográfico - interagem e abrangem os atores locais na promoção de desenvolvimento no Estado do Paraná. Assim,
lógicos, novas técnicas de construção foram surgindo e modificando a paisagem. Assim, esse trabalho pretende estudar os objetivos específicos são: a) caracterizar as políticas regionais e territoriais quanto aos seus objetivos, ações, recursos
a arquitetura popular de terra e o desenvolvimento de uma paisagem natural e urbanística, ao mesmo tempo em que o aplicados e atores envolvidos no âmbito do estado paranaense, a partir de 2003; b) verificar se existe interação entre as
homem, por meio do saber-fazer, produziu uma imagem urbana carregada de significados. Também busca compreender políticas na sua concepção, objetivos previstos, ações implantadas e a dinâmica de envolvimento dos atores locais; c) ana-
como a técnica construtiva com adobe influenciou a paisagem do distrito de Taquaruçu, Palmas- TO. Para tanto, foram lisar em que medida as políticas atendem as demandas dos atores locais e da região na qual são implementadas, realizando
realizadas leituras bibliográficas das técnicas de construção com terra no Brasil, com intuito de observar as principais estudo de caso em um recorte regional selecionado. Em termos metodológicos, inicialmente, foi realizado um estudo
potencialidades na execução dessas construções, abordando o valor histórico e cultural. Além disso, foram realizadas bibliográfico sobre políticas regionais e territoriais, caracterizando região, território, objetivos, critérios para a definição
visitas técnicas ao Taquaruçu para fazer um levantamento das construções de terra ali presentes, a fim de mapeá-las e dos recortes regionais alvo das políticas, recursos aplicados e atores envolvidos no território selecionado. Verificou-se
mostrar a influência que elas exercem na paisagem local. Com o uso da arquitetura popular de terra percebe-se uma qual o território da Cidadania mais propício para o levantamento primário, ressaltando que no Paraná há quatro desses
identidade no distrito relacionada com a construção de casas contemporâneas de adobe, que direcionam ao (re)equilíbrio territórios: Cantuquiriguaçu e Vale do Ribeira, constituídos em 2008; Norte Pioneiro e Paraná Centro, constituídos em
da paisagem, ao passo que existe também um processo de intervenções urbanas desconexas com o entorno, fomentado 2010. A escolha do estudo de caso recaiu sobre o Território Cantuquiriguaçu pelas seguintes justificativas: a) foi um dos
pela especulação imobiliária e atração de turistas. Dessa forma, este trabalho procura expor como a técnica do adobe primeiros constituídos; b) facilidade para dialogar com os atores que atuam na gestão social do território; c) o volume de
contribui para o (re)equilíbrio e preservação da paisagem de Taquaruçu. De acordo com os estudos bibliográficos e recursos recebidos pelo território está entre os maiores dentre os quatro territórios. O estudo junto ao Território da Cida-
análise da realidade histórica e cultural foi possível detectar que não há entendimento da paisagem de Taquaruçu sem as dania Cantuquiriguaçu busca verificar se as políticas de desenvolvimento regional e territorial sobrepostas neste espaço
construções de adobe, visto que esta arquitetura faz parte da tradição local, além do seu caráter sustentável que dialoga são paralelas ou complementares. Constata-se que estas têm em comum a busca da redução de desigualdades regionais ou
com a natureza em seu entorno. territoriais. Contudo, o estudo bibliográfico e a pesquisa de campo permitem apontar que estas políticas se caracterizam
pela atuação paralela, não havendo complementariedade de ações entre si, pois muitas políticas são de governo e não de
Estado e acabam sendo abandonadas quando governos são substituídos e a participação da população local ainda é muito
Palavra-chave: Taquaruçu, arquitetura vernacular, paisagem. baixa. Essas políticas também sofrem consequências de um problema estrutural encontrado na história brasileira sobre
desenvolvimento que é a falta de continuidade nas ações de planejamento e nas políticas com o objetivo reduzir as desi-
gualdades e promover o desenvolvimento.

Palavras-Chave: Políticas Públicas. Região. Território.

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Perspectivas de Potencial Geoturístico do Astroblema de Cabeça de Sapo-MA AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO(TIC) NOS CURSOS SUPERIORES DE
ADMINISTRAÇÃO OFERTADOS NA MODALIDADE PRESENCIAL E A DISTÂNCIA NA CIDADE DE
Andreia de Oliveira, Jussara Martins Nogueira SANTA MARIA/RS.

O geoturismo, com criação de geoparques ou geosítios objetivando atividades de educação e lazer instrutivo, se estabelece Angeluce Comoretto Parcianello
como potencialidade sustentável para crateras de impacto. Segundo a definição da UNESCO, um geoparque é “um
território de limites bem definidos com uma área suficientemente grande para servir de apoio ao desenvolvimento sócio
econômico local” (CPRM, 2010). Crateras meteoríticas apresentam estas características e são historicamente muito
Este trabalho é fruto de uma pesquisa qualitativa exploratória que tem como objetivo principal identificar o uso das Tecnologias de
especiais por terem exercido importante papel na promoção da geodiversidade. O domo de Araguainha, entre os estados Informação e Comunicação (TICs) no curso de Administração em instituições, da cidade de Santa Maria - RS, nas modalidades de
de Goiás e Mato Grosso, é o primeiro geoparque brasileiro na categoria de astroblema (termo usado em Geologia para ensino presencial e a distância, na percepção dos professores e dos alunos. O estudo desta temática justifica-se pela importância de
designar uma estrutura provocada por impacto de meteorito, cometa ou outro corpo maciço), proposta feita pelo Dr. obter informações, através de entrevista e questionários, de como é o uso das tecnologias e quais ferramentas são oferecidas, quais
Álvaro Crósta (2005), publicada pela comissão brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), vinculada são usadas pelos professores e pelos alunos. Essas tecnologias permitem discutir dúvidas no curso presencial de administração,
à UNESCO. O presente trabalho tem por objetivo analisar os fatores socioeconômicos da região da cratera de Cabeça bem como fazer a interação entre alunos e professores no ensino a distância. As TICs têm surgido numa velocidade e rotatividade
de Sapo que a classificam com potencial parque geoturístico, tendo como pano de fundo a sustentabilidade do bem a altíssima, proporcionando um ensino a distância de qualidade através das tecnologias e seus dispositivos de informação virtual,
ser protegida consoante com a permanência da população residente, esta com capacitação voltada para atividades do servem de facilitadoras para o ensino presencial. Ao analisar o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas modalidades
geoparque. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) vem incentivando o geoturismo para disseminar o conhecimento não do ensino presencial e a distância no curso de nível superior de Administração, tanto os alunos como os professores que foram en-
só geológico, mas também geoambiental, geo-histórico e sua expressão geomorfológica, esta última por ser a expressão trevistados citam o papel dessas ferramentas como propulsor da integração entre o professor-aluno. Isso faz com que o aluno tenha
visual perceptível nos casos de astroblemas. Os projetos em geoturismo devem contemplar a criação de roteiros de segurança. É interessante também que são utilizados os telefones celulares como meio mais rápido e eficiente de comunicação entre
os alunos e os professores.
visitação que utilizam parâmetros e metodologia do turismo, além de todos os conteúdos geológicos, geomorfológicos,
paisagísticos, biológicos e histórico-culturais, à proteção. O projeto deve contemplar também a proteção sob a tutela
da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), que garante os parâmetros estabelecidos Palavras-chave: Tecnologias Sociais. Ensino Presencial. EaD.Curso de Administração.
pela Convenção do Patrimônio Mundial da UNESCO. O reconhecimento da Comissão garante que o sítio proposto
como geoparque, levando em consideração seu valor universal e de excepcional interesse, o que o torna um bem de
responsabilidade de toda a humanidade, portanto protegido. A primeira experiência nascida sob o incentivo do CPRM
foi o Geoparque do Araripe que, em 2006, foi o primeiro das Américas a integrar-se à Rede Global de Geoparques
(Global Geoparks Network, em inglês) 25 países que já possuem 77 geoparques. Outras duas iniciativas cadastradas são
o do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, e o da Bodoquena-Pantanal, no Mato Grosso do Sul. A cratera Cabeça de
Sapo fica localizada no município de Fortaleza dos Nogueiras/MA (seguindo BR 226 fica a 859 km da capital São Luís).
A fertilidade do solo e a diversidade das espécies vegetais atraíram os primeiros habitantes no início do século XIX,
sendo, até 1950, parte do território do município de Riachão. Os atuais 12.413 habitantes estão instalados em uma área
de 1.664.329 km2, com clima tropical e bioma de cerrado (IBGE, 2015). Os habitantes não sabem que possuem uma
estrutura rara: a cratera de impacto Cabeça de Sapo. Assim, é importante que a população residente se aproprie desse
bem para desenvolver-se (a partir dele) de forma sustentável. O sugestivo nome desta cratera foi dado pelo professor
e pesquisador Sergio Brenha, responsável pela sua caracterização, em 2013, e foi inspirado no nome de um povoado
bem perto da sua localização. Ela está situada nas coordenadas 7° 07’ 38. 09” Sul e 46° 05’ 36. 35” Oeste, no município
de Fortaleza dos Nogueiras, no Estado do Maranhão. Ela “ainda não está catalogada, mas já praticamente confirmada
pelo mapeamento com a estrutura de impacto e não mais como provável astroblema como sugerido no mapa do IBGE”
(BRENHA, 2013). Na área em que está situada a cratera há a cachoeira de Macapá alimentada pelos rios Mosquito
e Macapá. A Cratera de Cabeça de Sapo é composta por uma várzea central, circundada por colinas recobertas de
vegetação de grande porte, em todas as bordas da depressão. Apresenta 6,03 km de diâmetro e uma camada de sedimentos
de 508 metros de profundidade, que guardam elementos do clima, da fauna e da flora, de períodos muito antigos da
região. Sua paisagem atual é composta de remanescentes de floresta nativa, propriedades agrícolas e um núcleo rural,
conhecido como Cerrinha. Este estudo pretende definir uma proposta de geoparque e geoturismo no astroblema Cabeça
de Sapo a partir das análises socioeconômicas para contemplar os objetivos propostos pela UNESCO, comentados por
Brilha (2005), sobre como educar e ensinar o grande público sobre temas geológicos e ambientais assegurando um
desenvolvimento sustentável através do geoturismo, bem como reforçando a identificação dos moradores da região com
o lugar, promovendo respeito ao meio ambiente e estimulando atividades socioeconômicas e criação de empreendimentos
como pequenos negócios diversificados e hospedagem gerando novos empregos e fonte de renda.

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MANEJO AGROECOLÓGICO DO SOLO INDICADORES PARTICIPATIVOS LOCAIS DE SAÚDE EM COMUNIDADES DO ENTORNO DA MICRO-
BACIA DO RIO SAGRADO NA FLORESTA ATLÂNTICA DO BRASIL: UM OLHAR PARA A SUSTENTABI-
LIDADE
Vanderlei Marinheski

Mônica Weiler Ceccato, Raíssa Corrêa Schmitz 


O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a importância do manejo agroecológico do solo. Para isso, recorreu-se a revi-
são literária em obras e trabalhos que contemplassem essas informações científicas. Juntamente com o ar, a água e a luz
solar, o solo é um dos quatro elementos essenciais para a existência da vida no planeta, e a principal fonte de alimentos Neste trabalho objetiva-se relatar indicadores participativos locais de saúde em comunidades do entorno da Microbacia
para humanidade. Para que o solo se torne produtivo é necessária a ação dos agentes de intemperismo sobre as rochas, do Rio Sagrado na Floresta Atlântica do Brasil. Trata-se de uma atividade educativa de investigação e ação social para
que são decompostas e transformadas em camadas. A natureza leva milhares de anos para formar camadas de solos que
promover saúde e qualidade de vida. Valeu-se de oficinas de educação comunitária e questionários. A amostra correspon-
propiciem um bom desenvolvimento dos vegetais, mas que podem ser destruídas em poucos anos com práticas inadequa-
de a 56 pessoas moradoras no Rio Sagrado, município de Morretes - PR, Brasil. O Rio Sagrado é rural e pertence à Área
das de cultivo. A erosão acelerada é o processo que mais degrada as terras cultivadas. Solos incrementados de produtos
de Preservação Ambiental (APA) de Guaratuba. É Zona de Educação para o Ecodesenvolvimento (ZEE). Este estudo é
químicos vão parar nos leitos dos rios, assoreando e contaminando as águas, destruindo ecossistemas e gerando impactos
ambientais. Em contrapartida, aparecem alternativas técnicas eficazes no combate da erosão e da degradação das terras um relato parcial da pesquisa Sipex/Furb 567/2014, Parecer do Comitê de Ética 699.704/2014, intitulada “Promoção de
produtivas. O plantio direto sob a palhada, adubação verde e agroecologia são alternativas que se incrementadas aos Saúde e Qualidade de Vida para o Desenvolvimento Territorial Sustentável, baseado nos Critérios Públicos Città’slow”.
sistemas de cultivo controlam a erosão e melhoram a fertilidade dos solos. O plantio direto é um método de semeadura, A coleta de dados aconteceu, entre agosto a dezembro de 2014 e a amostra foi composta por agricultores (61%), aposen-
no qual as sementes são colocadas diretamente no solo, sem o revolvimento total da terra plantada, usam-se máquinas tados (23%), comerciantes (7%), donas de casa e agentes comunitárias de saúde (9%). 77,21% das pessoas disseram que
especiais para o plantio, em que somente é aberto um pequeno sulco de profundidade e largura suficientes para garantir qualidade de vida é fundamental para se ter saúde e 80,86 % reconheceram que o meio ambiente em que vivem possui
uma boa cobertura e contato da semente com o solo. Esse sistema tem o mínimo de revolvimento da camada superficial elementos essenciais e promotores de saúde e qualidade de vida, sendo vistos como indicadores de saúde: ar puro, água
do solo plantado. Adubação verde complementa o sistema de plantio direto, fornecendo a palhada que recobre a parte de boa qualidade e biodiversidade da floresta. 69,85% das pessoas reconheceram que alguns hábitos e atitudes, mesmo
superficial do terreno e protege o solo do contato direto das gotas da chuva, diminuindo também a velocidade de escoa- que mínimos, de seus modos de vida, interferem na saúde humana e no meio ambiente, como: uso de agrotóxicos, ina-
mento das águas, o que ameniza a desagregação e o transporte de partículas do solo. O emprego da adubação orgânica dequada reciclagem do lixo, consumo de alimentos industrializados, poucos vegetais e frutas nas dietas, poucas hortas,
em sistemas de cultivo melhora a produção agrícola com menos gastos econômicos em adubação do solo. Com a agroe- sal e açúcar em excesso na alimentação, uso de álcool e estresses laborais. Tais características estão relacionadas com as
cologia, as plantas, além de integrarem a biodiversidade das espécies na Terra, desempenham a função de indicadores sintomatologias das doenças crônicas da saúde pública brasileira e mundial, como: hipertensão arterial sistêmica, diabe-
biológicos quanto à natureza física e mineralógica do solo. Em cultivos convencionais as plantas são vistas como ervas tes, depressão, cânceres e dores crônicas. As doenças crônicas são entendidas como patologias sociais multifatoriais pelo
invasoras e não como um recurso natural de análise do solo. O manejo correto do solo deve ser praticado sob a análise Modelo de Promoção de Saúde de Lalonde. Para a análise dos dados utilizou-se a análise do discurso e comparação com
das espécies vegetais que compõem o ambiente cultivado, de outro modo, com a erradicação das plantas perdem-se pre- os Critérios Públicos Città’slow, que são: política ambiental, política de infra-estrutura, qualidade urbana, valorização dos
ciosas informações de manejo do solo. Desta forma, com esse trabalho foi possível evidenciar que existem métodos de produtos regionais, hospitalidade e consciência. Esta certificação corresponde a um modo de vida de desenvolvimento
manejo que ajudam a conservar o solo e melhorar sua fertilidade e que a eficácia dessas técnicas depende da integração urbano alternativo, com uso consciente do tempo e princípios da Ecossocioeconomia. Sobre os critérios analisados, se
das práticas elencadas nesse trabalho. entende que o critério consciência é o mais relevante para a comunidade local, pois se relaciona com a educação de base
comunitária, também se entende que a partir dele os outros critérios podem ser alcançados. Na construção participativa de
indicadores de saúde nesta comunidade, as pessoas valorizam modos de vida locais e percebem hábitos e atitudes que se
Palavras-chave: Solo. Manejo. Agroecológico. Conservação. relacionam diretamente com o meio ambiente em que vivem, produzindo mais ou menos saúde, o bom-viver e a preser-
vação dos indicadores ar puro, água de boa qualidade e a biodiversidade da floresta.

Palavras-Chaves: Indicadores de Saúde. Modos de Vida. Meio Ambiente. Slow Cities.

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OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DOS REJEITOS ORGÂNICOS SÓLIDOS DO MERCADO DE A EXPERIÊNCIA DA ROMARIA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO
PESCADOS MANOEL MACHADO - MATINHOS/PARANÁ DE SAÚDE NA COMUNIDADE DA BARRA DO ARARAPIRA/ LITORAL NORTE DO PARANÁ –2015

Adriana Carvalho Souza, Luiz Everson da Silva, Neri Conceição da Costa


Natália dos Santos Esteves, Marisete Terezinha Hoffmann Horochovski

Neste projeto elaborou-se uma pesquisa sobre os resíduos sólidos orgânicos do Mercado de Pescados Manoel Machado,
localizado no centro do Município de Matinhos - Paraná. Esta pesquisa compõe um projeto guarda-chuva que tem como
O trabalho é fruto de um relato de experiência que compõe o projeto de aprendizagem da discente, no curso de Saúde Co-
cerne a elaboração de indicadores ambientais e gestão costeira.Verifica-se que existem inúmeros fatores que causam o
letiva da UFPR Setor Litoral, denominado Saberes dos Antigos. A experiência tem como cenário a trajetória da Romaria
impacto socioambiental dos resíduos sólidos orgânicos das carcaças de peixes e crustáceos em geral. Propomos neste
do Divino Espírito Santo, tradição do catolicismo popular que ocorreu no mês de abril de 2015, na comunidade da Barra
primeiro momento a transformação dos resíduos sólidos em adubo orgânico, para a reutilização desses rejeitos orgânicos
do Ararapira, que está localizada no litoral norte do Estado do Paraná, pertencente ao município de Guaraqueçaba, mais
que ficam expostos em uma caçamba nos fundos do mercado municipal, ao lado das bancadas onde os pescadores
precisamente situada no extremo norte da Ilha de Superagui. O recorte tem como objetivo pensar a experiência da romaria
manipulam os pescados. O objetivo desta pesquisa é contribuir para o desenvolvimento de ações relacionadas à Educação
enquanto um saber antigo, transmitido de geração em geração, e sua potência de gerar e promover saúde na comunida-
Ambiental formal e não-formal; contribuir para uma melhor qualidade de vida dos pescadores e das pescadoras artesanais,
de, como também evidenciar a estreita relação entre as tradições e as Políticas Públicas e as diversas possibilidades que
dos moradores que moram próximo e dos turistas que visitam e compram os frutos do mar no Mercado Municipal de
emergem deste diálogo. A metodologia utilizada é a observação participante, tendo em vista que neste instrumento o pes-
Pescados. Por meio de estudos realizados na universidade e projeto feito em escolas, criou-se um processo em que as
quisador é sujeito e objeto ao mesmo tempo, sendo um elo com a comunidade, cumprindo o papel de transmitir a infor-
carcaças foram moídas e desidratadas em alta temperatura, resultando em adubo orgânico que pode ser utilizado em hortas
mação. O trabalho se desenvolve através da atmosfera divina na comunidade da Barra, que revela a estreita relação entre
e jardins. Ainda, dentro desse mesmo processo, houve ênfase para a Educação Ambiental, feita através da discussão e
os saberes tradicionais, estes que geralmente são representados pelos mais velhos. O cunho religioso e devoto contido
debates com alunos das séries finais do ensino fundamental. Efetuou-se o manejo do adubo para uma escola de educação
nestes saberes e fazeres e o modo como são transmitidos, sendo a narrativa e a própria experiência os elementos essenciais
básica da região para ser usado no plantio de mudas de espécies nativas da região. Sabendo da natureza arenosa do solo
para o processo ensino-aprendizagem, geram um diálogo entre tradição e fé, cujos conceitos acerca do envelhecimento,
da região litorânea, o tema foi tratado em conjunto com o professor de ciências das séries finais do ensino fundamental.
do processo saúde-doença, bem como aqueles referentes à oralidade e à memória coletiva são discutidos, expressando o
Ações educativas permitiram reflexões à comunidade pesqueira artesanal sobre a grande quantidade de resíduos sólidos
papel que as tradições exercem na comunidade. Os principais resultados referem-se em como as tradições populares, em
orgânicos de pescados encaminhados em um aterro sanitário, localizado em Pontal do Paraná, e sobre a viabilidade do
especial a tradição religiosa, demonstram ser um saber que necessita ser fortalecido pelas diversas potencialidades que
uso desses rejeitos sólidos orgânicos para serem trabalhados pelos pescadores e pescadoras de uma maneira sustentável,
possui e, principalmente, por ser responsável em manter viva a memória dos mais velhos, podendo inclusive resignificar
ampliando as suas rendas e, com isso, formando uma cooperativa na própria colônia artesanal para desenvolver de forma
o processo de envelhecimento em âmbito social. Ressalta-se também que as tradições exercem papel significativo en-
sustentável e econômica a transformação dos resíduos sólidos orgânicos na comunidade de pesca artesanal. Buscou-se,
quanto promotoras de Saúde, uma vez que reorganizam a vida das pessoas, incluindo seus valores e prioridades, tratando
por meio desse trabalho, demonstrar que é possível desenvolver ações relacionadas à Educação Ambiental formal e não-
de suas fragilidades de forma acolhedora e sensível, provocando sentimentos de conforto e esperança, que estão, neces-
formal.
sariamente, conectados ao processo saúde-doença. Considerando também a capacidade de transformação e força de gerar
autonomia que possui as tradições, bem como a necessidade e urgência de estarem cada vez mais atreladas e em diálogo
com as Políticas Públicas.
Palavras-chave: Mercado de Pescados Manoel Machado. Resíduos sólidos orgânicos. Impacto socioambiental. Educação
Ambiental.

Palavras-chave: Romaria do Divino, Saberes antigos, Promoção de Saúde.

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IDENTIDADE AMBIENTAL NA PÓS-MODERNIDADE: O DILEMA DO EDUCADOR/CONSUMIDOR ANÁLISE COMPARATIVA DE INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DE CIDADES BALNEÁRIAS COM
ELEVADO POTENCIAL PORTUÁRIO: O CASO DE ITAPOÁ-SC E PONTAL DO PARANÁ-PR

Fernando Rodrigo de Araujo Berni

Alexandre Hofart Arins, Valdir Frigo Denardin


O redimensionamento das relações que o homem produz com o meio natural em que se encontra inserido se apresenta como
um dos paradigmas mais complexos da pós-modernidade. A busca pela construção de uma sociedade ambientalmente
responsável e consciente de sua totalidade enquanto espécie biologicamente constituída vem ocupando o centro de uma
O município de Pontal de Paraná, localizado no litoral do estado do Paraná, é um município que tem como destaque
série de debates e ações nas mais diversas esferas da nova “aldeia global”. Estados, comunidade científica, sociedade
econômico o setor de serviços, caracterizado por suas praias e balneários, assim como Itapoá, localizado cerca de 35
civil e agentes sociais têm, na questão ambiental, um ponto de convergência no que diz respeito à necessidade urgente
quilômetros, no estado de Santa Catarina. Além disso, ambos estão próximos dos acessos às baías, respectivamente as
de se produzir novos modelos de uso e aproveitamento dos recursos naturais de forma a garantir a sobrevivência do
baías de Paranaguá e da Babitonga. Esta geografia relativamente semelhante acarreta em um terceiro fator em comum, o
planeta e, consequentemente, da humanidade. Nesse contexto, a Educação Ambiental surge como um instrumento
potencial para a implantação de instalações portuárias. Em Itapoá já se encontra em operação, desde junho de 2011, um
investido de grande potencial para a universalização dos saberes ambientais e de conceitos como o de sustentabilidade
terminal de contêineres privado, semelhante aos projetos a serem implantados em Pontal do Paraná. Assim como ocor-
e ecologia. O presente trabalho tem, na figura do Educador Ambiental, seu principal objeto de análise; este, a quem foi
reu com outros grandes empreendimentos que existiram no município, esses projetos têm um grande potencial de trazer
designada a responsabilidade de transmitir tais saberes, tem em seu trabalho duas dimensões: a objetiva, que consiste
impactos positivos e negativos durante os processos de construção e operação. O objetivo geral deste trabalho é realizar
na operacionalização do trabalho pedagógico, que por si só já se constitui em tarefa extremamente árdua, em especial
uma breve análise comparativa de indicadores socioeconômicos dos dois municípios balneários com elevado potencial
no tratamento de um tema como a questão ambiental; e sua dimensão subjetiva, é nessa dimensão do sujeito educador,
portuário, considerando um município que já possui um terminal privado (Itapoá-SC) e outro que possui projetos a se-
que se encontra o foco desse trabalho: a pós-modernidade se caracteriza pela diluição e deslocamento das identidades,
rem implantados (Pontal do Paraná-PR). Foram analisados dados secundários de catorze indicadores socioeconômicos
buscando a homogeneização das individualidades em torno de uma identidade “global”, pautada no reconhecimento de si
tradicionais de diversas fontes (IBGE, DATASUS, IPEADATA). A escala temporal estudada foi de 2006 a 2012, que se
e do outro como consumidores, contribuindo para o surgimento de um conflito entre o educador (a quem, no exercício da
justifica pelo ano de início das obras do referido “Porto de Itapoá” (2007). Para alguns indicadores não havia dados nesta
função, cabe confrontar tal identidade) e o sujeito/consumidor (social e historicamente inserido na identidade que busca
exata escala, nesses casos foram utilizados os dados dos anos mais próximos. Em relação ao crescimento populacional,
confrontar). Esse cenário nos apresenta a possibilidade de analisar dialeticamente o campo da Educação Ambiental, em
constatou-se que percentualmente Itapoá (41%) teve quase o dobro de crescimento de Pontal do Paraná (26%). No PIB
seu âmbito concreto, como arena de disputa entre dois discursos contrários (o da manutenção da estrutura e o da mudança
o crescimento de Itapoá (139%) foi mais que o dobro de Pontal (62%). Embora o PIB per Capita tenha aumentado con-
de paradigma) quanto no âmbito das identidades dos sujeitos que reproduzem a Educação Ambiental, vista aqui também
sideravelmente em Itapoá com relação a Pontal (89% contra 39%), a Renda Domiciliar per Capita teve um aumento
como um espaço de luta. Como referenciais teórico-metodológicos temos as contribuições do materialismo histórico,
mais considerável em Pontal (46% de Pontal contra 30% de Itapoá). O salário médio mensal por trabalhador de Pontal
presentes na corrente da Educação Ambiental Crítico-Transformadora e as discussões realizadas pelos teóricos da pós-
diminuiu em 7%, enquanto o de Itapoá teve um aumento de quase 100%. Em termos de pessoal ocupado, percentual de
modernidade, que tratam da questão da identidade.
pessoas ocupadas e percentual de pessoas assalariadas ambos os municípios tiveram aumento considerável e com pouca
variação. Na Receita Tributária Itapoá teve uma taxa de crescimento bem maior (117%) em relação a Pontal (45%). Para
o número de homicídios e taxa de homicídios, ambos tiveram números pouco expressivos e muito variáveis com o passar
Palavras-Chave: Educação Ambiental, Identidade, Dialética, Pós-Modernidade. dos anos, mas Pontal apresentou uma taxa por habitante 15% maior no total dos oito anos. Na taxa de mortes por habitante
no trânsito, a incidência foi 23% maior no total dos oito anos em Itapoá. Em geral, Itapoá obteve um desempenho melhor
nos indicadores econômicos com relação a Pontal. Isso não significa, necessariamente, uma melhora na qualidade de vida
geral de Itapoá, uma vez que a maioria dos indicadores estudados não levam em conta diversos fatores qualitativos. Essa
análise também não levou em conta indicadores ambientais, que normalmente destacam grandes impactos negativos de
empreendimentos portuários.

Palavras-chave: indicadores socioeconômicos, grandes empreendimentos, cidades portuárias, conflitos socioambientais.


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O TURISMO RURAL COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A VALORIZAÇÃO DO POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: ANÁLISE DO PRONAF NO LITORAL DO PA-
PATRIMÔNIO RURAL NO MUNICÍPIO DE PALMEIRA/PR RANÁ

Everton Miranda, Silvana Kloster


Cleonice Schull da Cruz, Elaine Paduch, Liliani Marília Tiepolo, Valdir Frigo Denardin

O espaço rural do sul do Brasil foi receptáculo da cultura e tradição vinda dos imigrantes, como no Município de Palmeira/
PR. O turismo rural busca valorizar e preservar o patrimônio cultural rural, que é o conjunto de registros materiais
e imateriais decorrentes das práticas, dos costumes e das iniciativas produtivas que se estabelecem historicamente e A região do Litoral do Paraná tem sua base econômica voltada para as atividades portuária, agropecuária e para o turismo.
territorialmente no ambiente rural. O patrimônio cultural rural se expressa no espaço de vivência do indivíduo, mais Abrange sete municípios (Antonina, Guaraqueçaba, Matinhos, Morretes, Guaratuba, Paranaguá e Pontal do Paraná) e
precisamente na paisagem, devido à relação indivíduo-campo. Esta pesquisa tem por objetivo compreender o turismo possui grande parte de seu território inserido em Unidades de Conservação de diversas categorias. As Unidades de Con-
rural como agente de valorização e preservação da paisagem e do patrimônio rural de Palmeira/PR. Assim, buscamos a servação são vistas como empecilhos ao desenvolvimento do litoral, isso se deve aos constantes conflitos ambientais com
leitura sistemática de obras sobre o turismo rural, patrimônio rural e paisagem; e estudo de caso in loco de dois exemplos diversos atores, entre os quais os agricultores familiares, pois estes desconhecem as leis que regulamentam o uso do solo
de turismo rural e de preservação do patrimônio cultural rural, o Sítio Minguinho e o restaurante Bauernhaus. O Sítio e dos recursos naturais do território ao passo que a gestão das UC geralmente não se mostra amigável aos agricultores
Minguinho é um museu com um amplo acervo de imóveis, objetos e utensílios criados ou trazidos pelos imigrantes de em apoiar a promoção do desenvolvimento local, um dos objetivos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
várias etnias, principalmente pelos alemães do Volga. O Bauernhaus é um restaurante rural que pertence aos imigrantes (SNUC). Para amenizar as dificuldades enfrentadas, agricultores têm buscado se fortalecer por meio de políticas públicas
alemães que colonizaram a região e oferece comida típica e produtos artesanais locais e possui um pequeno museu onde há como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), criado em 1995, que visa financiar, a
a prática do turismo rural pedagógico com ênfase à educação ambiental e cultural. Ambos recebem visitantes do próprio juros acessíveis, atividades relacionadas ao custeio, investimento e comercialização desenvolvidos em estabelecimentos
Município, da região dos Campos Gerais e da Capital paranaense, os quais buscam conhecer os modos de vida rural e a individuais e comunitários. Com o intuito de compreender como o PRONAF tem contribuído para o desenvolvimento da
história dos antepassados. Percebemos que esses dois exemplos estão pautados na essência do campo (paisagem) e do agricultura familiar na região do Litoral do Paraná, este estudo buscou analisar informações sobre recursos demandados
mundo vivido (linguagem patrimonial) de seus sujeitos viventes, levando em consideração o modo de vida e a identidade e número de contratos efetivados, ao longo do período de 2000-2014, nas linhas de créditos de custeio, investimento e
rural. Nesse arranjo, os moradores do campo, ao transmitirem suas vivências e experiências, sentem-se valorizados. comercialização. Trata-se de pesquisa quantitativa que utiliza base de dados secundários disponíveis em bancos de dados,
A valorização do patrimônio rural está expressa e carregada de símbolos e linguagens. Assim, os sujeitos criam uma portais oficiais de transparência do Programa e nos Ministérios. No Litoral do Paraná o número total de contratos para
identidade rural por causa da relação paisagem-indivíduo que é estabelecida. Vemos que a paisagem é um componente o período analisado foi de 5.015 e o montante repassado foi na ordem de R$ 169.495.304,16 de reais. Tomando como
do sujeito em que temos as memórias, os valores e as vivências sendo construídas de dentro para fora, em que a própria base a distribuição espacial de contratos por município é interessante observar que: em primeiro lugar está Morretes
paisagem se manifesta e se transforma a partir das relações sociais entre as pessoas. O turismo rural utiliza símbolos da com 29% dos contratos, em segundo Guaratuba com 28%, seguido de Paranaguá e Guaraqueçaba com 12%, Matinhos
paisagem rural e da memória coletiva resgatando o patrimônio cultural (material/imaterial) rural, valorizando os recursos com 9%, Antonina com 6% e por último Pontal do Paraná com 5%. Em relação às diferentes modalidades, observou-se
naturais e as raízes do campo. O turismo rural apresenta o meio rural a partir das percepções, corroborando as questões que o custeio representou 56% dos contratos, tendo pouca discrepância ao longo do período analisado. Na modalidade
identitárias e abarcando os produtos, modo de produção e a própria paisagem, como vimos nos dois exemplos citados. investimento notou-se um comportamento distinto, visto que para os anos 2008 a 2009 o número de contratos cresceu e
Portanto, o meio rural é formado de espaços vividos implicados de memórias e interações conjuntas. Nele, os indivíduos a partir do ano 2010 apresentou queda expressiva, contudo, ainda representou 44% dos contratos efetivados. Por fim, a
vivenciam e representam os elementos de suas paisagens, através de suas experiências e vivências, sejam elas construídas, modalidade comercialização apresentou apenas 0,3% dos contratos, indicando a baixa adesão a essa modalidade. Como
armazenadas ou redefinidas pelas linguagens patrimoniais e nesse processo o turismo rural contribui para a divulgação e conclusão pode-se observar que o PRONAF foi mais acessado nos municípios de Morretes e Guaratuba, por apresenta-
preservação de suas identidades. rem uma atividade agrícola mais intensa. Além disso, esperava-se que Guaraqueçaba e Antonina tivessem maior procura
pelo PRONAF, por apresentarem atividades agrícola e pecuária, porém em ambos os municípios os agricultores ainda não
estão fazendo uso deste importante instrumento de fortalecimento da agricultura familiar, uma vez que os recursos deste
Palavras-chave: Patrimônio. Rural. Turismo. Paisagem Programa são acessados principalmente pelos pequenos agricultores.

Palavras-Chave: Litoral Paranaense. Agricultura Familiar. Políticas Públicas.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ÉTICA: O MEIO AMBIENTE EM CRISE “CATRAIAS” DO RIO OIAPOQUE E DINÂMICA TERRITORIAL TRANSFRONTEIRIÇA FRANCO-BRA-
SILEIRA

Angeluce Comoretto Parcianello


Emmanuel Santos, Lana Patrícia de Matos dos Santos

A Educação Ambiental, conforme os autores Pelicioni e Philippi Jr (2002), é um processo de educação política que possi-
bilita a aquisição de conhecimentos e habilidades, bem como a formação de atitudes que se transformam necessariamente
Na Amazônia, global e local, os índios da etnia Palituk, por exemplo, produzem territórios e territorialidades bem parti-
em práticas de cidadania que garantem uma sociedade e um meio ambiente sustentável. Em razão da complexidade da
culares (consumindo Heineken apoiados em seus carros Renault ou Peugeot, enquanto cidadãos franceses recebem ajuda
questão ambiental, surge a necessidade de que os processos educativos proporcionem condições para as pessoas adqui-
financeira do governo para seus filhos). Na Guiana Francesa, em Saint Georges d l´Oyapock, os Palikur estão deixando
rirem conhecimentos, habilidades e desenvolverem atitudes para poder intervir de forma participativa nos processos
de realizar atividades econômicas tradicionais, como a produção da farinha e a pesca. Já os Palikur que vivem do lado
decisórios. A educação ambiental, no seu aspecto de educação política, visa à participação do cidadão na busca de alter-
brasileiro continuam suas atividades de pesca e de plantio de mandioca, inclusive visando excedente, para que possam
nativas e soluções aos graves problemas ambientais locais, regionais e globais. Ela não deve perder de vista os inúmeros e
vender em euro para os ‘parentes’ mais abastados do lado francês e comercializar na cidade de Oiapoque. O limite inter-
complexos desafios políticos, ecológicos, sociais, econômicos e culturais que tem pela frente, seja no momento presente,
nacional do Brasil com a França é feito em grande parte pelo curso do rio Oiapoque. É ainda a principal via de transporte
sejam no futuro, sob uma visão de médio e longo prazo. O aspecto político da educação ambiental envolve o campo da
de pessoas e cargas na região e articulação entre os dois principais núcleos urbanos, a cidade de Oiapoque, no estado do
autonomia, da cidadania e de justiça social, estas, por causa da importância que exercem, são transformadas em metas
Amapá, e Saint-Georges de l’Oyapock, na Guiana Francesa. Esse transporte é feito, sobretudo, por embarcações com
que não podem ser conquistadas num futuro distante, mas devem ser construídas no cotidiano das relações afetivas,
motor de popa denominadas de catraias e conduzidas pelos catraieiros que se organizam em cooperativas. Esses agentes
educacionais e sociais (Reigota 1997). Não há dúvida que a visão de futuro é responsabilidade de todos na busca pela
locais, nos últimos anos, vivem a incerteza de sua reprodução socioeconômica diante da inauguração da ponte sobre o rio
sustentabilidade e a preocupação com o meio ambiente para não comprometer gerações vindouras (YAMAWAKI, YUMI,
Oiapoque e buscam criar mecanismos e estratégias de permanências e variações de suas atividades. O objetivo principal
2011). Mas não bastam bons planejadores com visão de futuro, são necessários instrumentos de conscientização que per-
desse estudo é compreender o desenvolvimento territorial da fronteira Franco-brasileira através da circulação no vale do
mitam a aplicação desse ideal, principalmente nas áreas temáticas das políticas públicas de natureza social, nas áreas da
Rio Oiapoque, caracterizando seus principais fluxos e sua relação para o desenvolvimento territorial sustentável nessa
saúde, educação, meio ambiente, entre outros. Dessa forma, o planejamento urbano é um instrumento importante para a
faixa da fronteira amazônica. A análise sobre a dinâmica desse território recorre à compreensão das redes enquanto força
implementação dos direitos fundamentais. Sociedade justa é aquela que garante direitos iguais a todos os seus cidadãos,
produtiva, nesse caso em específico, as redes de proximidade territorial (LENCIONI, 2006) para ajudar na compreensão
independentemente do local em que eles estejam situados, tanto em relação ao espaço urbano como na hierarquia social.
da estruturação da relação entre a cidade e a região, sob uma perspectiva dialética. As técnicas de pesquisas utilizadas
Tratam-se aqui de valores, bens e direitos que procuram consubstanciar a condição da vida em cidadania.
foram: o levantamento de referenciais teóricos e específicos sobre a área de estudo; trabalhos de campo para registro de
imagens; anotações empíricas e aplicação de entrevistas semiestruturadas junto aos presidentes das cooperativas das ca-
traias da cidade de Oiapoque - BR e Saint Georges d L´Oyapock - FR, representantes indígenas, comerciantes e usuários
Palavras-chaves: Políticas Públicas. Saúde coletiva. Planejamento Estratégico do transporte fluvial das catraias. Destaca-se que a circulação na calha do rio Oiapoque representa um importante nó de
uma região em rede (HAESBAERT, 2010), na qual se insere a rota migratória de brasileiros com destino as cidades de
Caiena e Kourou, na Guiana Francesa (deslocamento feito, na maioria das vezes, de forma clandestina). O fluxo de pes-
soas e as redes sociais estabelecidas entre as cidades de Macapá, Oiapoque e Caiena e vice-versa é muito intenso, pois se
estima que hoje morem mais de 30 mil brasileiros em Caiena. Políticas públicas exógenas, como a construção da ponte
sobre o rio Oiapoque, a fim de atender os objetivos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Ame-
ricana/IIRSA, ou a criação de extensas áreas de conservação ambiental, não dialogam com a base local desse território,
provocando grandes impactos para a sua sustentabilidade.

Palavras-chave: Fronteira, Amazônia, Redes de Proximidade Territorial, rio Oiapoque.

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(IN)VISIBILIDADE DE PRÁTICAS AMBIENTAIS NA PRODUÇÃO DA Maranta arundinacea L. ARARUTA A FEIRA LIVRE COMO CANAL DE COMERCIALIZAÇÃO E “LÓCUS” DE RELAÇÕES IDENTITÁRIAS:
NO MUNICÍPIO DE SÃO FELIPE – BA O CASO DA MATINFEIRA – PR

Leila Maria Lemos, Camilo Castro Oliveira, Delnice Cardoso Veiga, Andréa Jaqueira Borges Patricia Aparecida Model, Valdir Frigo Denardin

As feiras livres são canais de comercialização de produtos da agricultura familiar, porém ainda não recebem a atenção
A Maranta arundinacea L.(Araruta) possui diversas qualidades, tanto medicinais quanto culinárias. No território
necessária por parte das políticas públicas e os programas de desenvolvimento rural ou, quando recebem, há forte caráter
brasileiro o seu cultivo teve significativo declínio com a produção de amidos de outras culturas, como a mandioca,
produtivista, em que a análise das categorias sociológicas envolvidas na atividade é deixada em segundo plano. No litoral
por exemplo. Porém, no Recôncavo Baiano, especificamente nos municípios de Conceição do Almeida e São Felipe, a
do Paraná, a questão da agricultura familiar e também das feiras livres possui especificidades, por causa da sazonalidade
araruta tem tido representatividade significativa na produção agrícola. Nesse contexto, reconhecendo a importância de
local, relacionada à alta e baixa temporada. O território possui uma área física de 6.057 Km2 (relativamente pequena), dis-
um manejo mais sustentável no sistema produtivo da araruta, torna-se relevante a adoção de práticas que sejam mais
tribuída em sete municípios e aproximadamente 82% de sua área é coberta por unidades de conservação, que se dividem
harmônicas com a exploração e uso dos recursos naturais, evitando-se danos significativos ao meio ambiente. Nesse
em: APP (Área de Preservação Permanente) e APA (área de proteção ambiental). Nesse contexto, há um quadro paradoxal
sentido, o objetivo da pesquisa será analisar, a partir da visão do agricultor, o sistema produtivo da Araruta (Maranta
de subdesenvolvimento e conservação ambiental, no qual a agricultura familiar apresenta fragilidades socioeconômicas.
arundinacea L), em municípios do Recôncavo Baiano, quanto à visibilidade e/ou invisibilidades de práticas ambientais.
O objetivo deste estudo foi analisar as formas de comercialização de produtos através dos circuitos curtos de comerciali-
A pesquisa será de natureza descritiva, de abordagem qualitativa, em que terá os agricultores familiares, produtores da
zação, refletindo sobre impactos da temporada de verão e da sazonalidade. O objeto de análise foi a feira livre, “Matinfei-
araruta, como participantes do estudo, e em que será utilizada a técnica da bola de neve e o critério de saturação para a
ra”, que está inserida no município de Matinhos, estado do Paraná, considerando as especificidades e desafios existentes
seleção dos participantes. A coleta de dados será por meio da entrevista semiestruturada e observação direta, com roteiro
entre os locais envolvidos. A metodologia adotada para construção deste trabalho foi constituída de revisão bibliográfica
contendo, inicialmente, oito perguntas e um bloco de notas para subsidiar o processo de observação. Para a análise
e pesquisa de campo, com observação local. Para levantamento de dados foi aplicado de janeiro a março, de 2014, um
dos dados será utilizado o método da análise de conteúdo temática, segundo Minayo. Assim, espera-se que a pesquisa
questionário aos feirantes, que foi tabulado e analisado, na busca de compreender a complexidade ali existente. No caso
favoreça a reavaliação de práticas agrícolas prejudiciais ao meio ambiente, favorecendo a minimização de prejuízos
“Matinfeira”, foi possível observar a satisfação dos feirantes com a atividade, pois a comercialização direta com o consu-
ambientais, descontruindo atitudes e ações ambientalmente incorretas quanto ao manejo dos dejetos resultantes dos
midor cria um vínculo de amizade e confiança entre os próprios feirantes e entre estes e sua clientela, possibilitando trocas
cultivos, viabilizando uma produção mais sustentável, com benefícios para os agricultores e para o meio ambiente.
não mercantis. Acerca da sazonalidade verificou-se que a população local aumenta até 10 vezes seu volume no período
de verão, mesmo com um fluxo maior de pessoas transitando no espaço da feira o volume de vendas dentro da feira não
oscila; 72% dos feirantes entrevistados veem como negativo o fluxo de venda neste período. Uma particularidade da “Ma-
Palavras chave: Preservação ambiental. Cultivo. Agricultura familiar. Práticas sustentáveis.
tinfeira” é sua dependência de um grupo de menos de duzentas pessoas/consumidores, média verificada entre os meses
de verão, que consomem ou circulam entre as barracas da feira. Fato que reforça que o volume de vendas dentro da feira
não oscila, especialmente com 57% dos feirantes considerando ruim a participação neste período. Observa-se ainda que
os frequentadores assíduos da “Matinfeira” são majoritariamente alunos e servidores da UFPR (Universidade Federal do
Paraná), mas também há pessoas que não possuem vínculo com a universidade, porém em número bem reduzido. A baixa
adesão por parte da comunidade local faz refletir sobre o desconhecimento da mesma sobre assuntos tão importantes que
vão desde o capital social de uma localidade, as trocas identitárias existentes neste ambiente, a importância de fortalecer
essa troca de saberes, até o consumo consciente de produtos sustentáveis, além do fomento e fortalecimento da agricultura
familiar de nossa região, sendo esta de extrema importância cultural e social.

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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
ASSEMBLEIA DE AVES EM POLEIROS ARTIFICIAIS UTILIZADOS NA RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA O ENSINO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADO A MATA DE CAZUZINHA, UM RESQUÍCIO DE
DE HÁBITATS ALTERADOS NO CERRADO E MATA ATLÂNTICA NO BRASIL MATA ATLÂNTICA DO MUNICÍPIO DE CRUZ DAS ALMAS - BA

Leila Maria Lemos, Camilo Castro Oliveira, Delnice Cardoso Veiga, Eliete Serra Rodrigues
Huilquer Francisco Vogel, Jairo José Zocche

As questões ambientais tornaram-se uma preocupação mundial desde a primeira Conferência das Nações Unidas, rea-
lizada em Estocolmo (1972). No Brasil, conquistas e avanços importantes foram dados após a Conferência das Nações
Diversas abordagens de restauração ecológica estão baseadas na criação de núcleos de vegetação por um conjunto de Unidas sobre o Meio Ambiente e o desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro. Com a implantação da Política
técnicas denominadas nucleação. Dentre as técnicas de nucleação é muito difundida a utilização de poleiros artificiais Nacional de Educação Ambiental, em 1999, ficou determinado o desenvolvimento da temática meio ambiente nas escolas
que, ao atrair aves, atuam promovendo a restauração de espécies de plantas por meio do aumento do aporte de semen- ao longo do ano letivo nas diferentes disciplinas ofertadas. No entanto, a Mata de Cazuzinha, um remanescente de Mata
tes com síndrome de dispersão zoocórica. Contudo, a principal hipótese propõe que em habitats degradados existe uma Atlântica, localizada na cidade de Cruz das Almas, na Bahia, possui requisitos importantes para a realização de ativida-
deficiência de dispersores especializados. Dentre os biomas Brasileiros mais afetados pelo desmatamento está a Mata des voltadas para a Educação Ambiental, além de ser um patrimônio que precisa ser preservado. Destaca-se que grande
Atlântica e Cerrado. Desse modo, o objetivo deste trabalho foi avaliar quais espécies de aves são mais frequentes na uti- parte da população local desconhece a importância da preservação desta área, sendo necessário que o ambiente escolar
lização de poleiros artificiais destinados à restauração ecológica em habitats degradados do Cerrado e Mata Atlântica. A proporcione a conscientização por meio da educação ambiental. Nesse contexto, o objetivo da pesquisa é elaborar um
pesquisa foi realizada utilizando a opção de busca avançada do software Publish or Perish para encontrar listas de aves plano de ação em educação ambiental, no qual os professores serão os multiplicadores, para os estudantes da 1ª série do
que utilizaram poleiros em relatórios de pesquisa, monografias, teses, dissertações e artigos científicos desenvolvidos nos Ensino Médio, utilizando a Mata de Cazuzinha. Além disso, incluir ações de conscientização dos alunos acerca das suas
biomas estudados. Com base nos estudos encontrados, foi obtida uma matriz de presença e ausência. Para cada uma das responsabilidades com o meio ambiente, empregando as diferentes disciplinas do ano letivo; e fomentar o sentimento de
espécies foi calculada a frequência de ocorrência (FO%), este índice consiste na frequência de incidência de cada espécie pertencimento com uso das principais redes sociais e tecnologias de comunicação. A pesquisa será descritiva, com abor-
para o total de amostras (neste caso, cada estudo utilizando poleiros artificiais). A proposta de categorias utilizada para dagem qualitativa, e os participantes do estudo serão todos os alunos matriculados na 1ª série do Ensino Médio da escola
agrupamento em classes de frequência foi: (a) constante (percentual igual ou acima 50%); (b) acessória (entre 25% a Montessori em Cruz das Almas – BA e também os professores. A coleta de dados ocorrerá por meio de entrevista semies-
50%) e acidental (abaixo de 25%). As proporções de aves dentro de cada categoria foram comparadas utilizando o teste truturada, contando, inicialmente, com 12 questões. Mediante a pesquisa, espera-se que haja uma importante contribuição
Qui-quadrado (χ²). Ao total, foram encontrados 13 estudos (23% deles no Cerrado). Foi obtido um total de 121±8,06DP na formação de um indivíduo crítico e consciente de suas responsabilidades com o meio ambiente, apto a defender a Mata
espécies, das quais n = 92 ou 76,03% foram consideradas acidentais. Esta classe também foi a que obteve maior propor- de Cazuzinha para que as gerações futuras também possam ter acesso aos seus benefícios. Além disso, fomentar a discus-
ção de aves em comparação com as demais categorias (χ² = 102,06; 2 GL, P = 0,00). Espécies com frequência acessória são do tema nas escolas e na comunidade.
totalizaram n = 22 (18,18%), enquanto apenas sete (5,78%) foram consideradas na categoria constante. As espécies
com maior frequência de ocorrência foram: Tyrannus melancholicus e Pitangus sulphuratus, ambas com FO= 75%,
Mimus saturninus, com FO= 66,66%, enquanto Columbina talpacoti, Furnarius rufus, Turdus rufiventris, Tyrannus
savana e Zonotrichia capensis obtiveram FO = 50%. Estes dados apontam que um pequeno número de espécies possui Palavras Chave: Política Educacional. Didática. Conscientização Ambiental. Tecnologias Comunicacionais.
elevada intensidade na utilização de poleiros artificiais para a restauração da Mata Atlântica e Cerrado. Estas espécies
são características de bordas de florestas e ambientes abertos. Fica claro que aves generalistas são fundamentais para
aumentar o aporte de sementes em ambientes degradados, corroborando a hipótese de que espécies frugívoras são
ocasionais ou acidentais em ambientes alterados. Desse modo, mais ênfase deve ser dada para insetívoros generalis-
tas que possuem capacidades de dispersar sementes. Por fim, deve-se compreender melhor a forma de utilização dos
poleiros por aves granívoras, bem como possíveis serviços ecossistêmicos prestados.

Palavras chave: nucleação, dispersão, recuperação de áreas degradadas.

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, AGENTES COMUNITÁRIOS DE A REATIVAÇÃO DA BASE OPERACIONAL DA TECHINT EM PONTAL DO PARANÁ: ANÁLISE DO
SAÚDE E REDES DE ATENDIMENTO A SAÚDE DE PARANAGUÁ/PR  PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Tieme Carvalho Nishiyama, Marcos Claudio Signorelli Ariane Maria Basilio Pigosso, Eduardo Vedor de Paula

O processo administrativo conhecido como Licenciamento Ambiental se configura como importante instrumento de
A violência doméstica praticada em suas diversas formas atinge, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade, gestão do território pertencente à Política Nacional do Meio Ambiente, responsável por regular a instalação e operação
como mulheres, idosos, crianças e, particularmente, pessoas com deficiência (PcD). Além de prejuízos à vítima e à família, de atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente. O presente estudo analisou o processo de
os efeitos da violência afetam também a comunidade, o sistema de saúde e, por implicação, acarretam desafiadora agenda Licenciamento Ambiental da reativação do canteiro de obras da Techint S.A, em Pontal do Paraná /PR. Em 2003, a empresa
no campo da saúde coletiva e das Políticas Públicas. Com intuito de identificar e analisar o funcionamento das redes responsável pela construção de plataformas continentais necessitou reativar seu canteiro de obras para o recebimento
de atendimento à saúde do município de Paranaguá/PR, no que diz respeito a esta temática, a partir da ótica de agentes de novos contratos. O canteiro havia operado por alguns anos, durante a década de 1980, quando foi implantado e
comunitários de saúde, a presente pesquisa objetivou mapear as percepções de agentes comunitários de saúde (ACS) do permanecia inativo até então. Para reativá-lo foi necessário passar pelo processo de Licenciamento Ambiental, que ainda
Município sobre a questão da violência doméstica contra PcD, buscando sistematizar casos identificados por eles em não existia quando da primeira instalação da empresa no local. Através da análise da documentação processual junto
usuários adscritos às suas respectivas áreas, bem como encaminhamentos prestados. A partir de aprofundamento teórico ao órgão licenciador, foi possível traçar uma linha do tempo das emissões das licenças e elencar quais estudos e quais
nas questões de gênero, deficiência, violência e saúde coletiva, elaborou-se um instrumento de pesquisa quali-quantitativo, medidas compensatórias e mitigadoras foram requeridos para a emissão dessas licenças. Entendeu-se que o processo
com 21 questões. O instrumento foi aplicado a 111 dos 150 ACS de Paranaguá, que responderam voluntariamente, ocorreu de forma fragmentada e simplificada, de maneira que cada objeto de licenciamento parecesse único e sem que
durante a concretização de 5 oficinas de formação, realizadas nas Unidades Básicas de Saúde do Município, sobre a fossem contemplados aspectos relevantes da localidade, como a vocação turística e os remanescentes de Mata Atlântica,
Política Nacional de Saúde das PcD. Do total de questionários aplicados (111), 87,3% foram respondidos por ACS hotspots de biodiversidade, prioritários para conservação.
mulheres. Cerca de 30% dos entrevistados já tiveram conhecimento de casos de violência doméstica contra PcD em seus
territórios de atuação, incluindo desde o relato da vítima ou da família/cuidadores, percebendo os sinais (sem relatos) até
presenciando casos. As mulheres foram as principais vítimas (64,5%); os homens, os mais apontados como perpetradores Palavras-chave: Licenciamento Ambiental; Reativação de Empreendimento; Pontal do Paraná/PR.
da violência (62,5%). Em relação às violências, as de maior destaque foram: violência física (57,5%), psicológica (48,4%)
e verbal (42,4%). As vítimas possuíam, principalmente, deficiência intelectual (42,4%) ou motora (30,3%). 36,3% dos
casos não tiveram nenhum encaminhamento, enquanto 84,8% dos entrevistados revelaram dificuldades para lidar com
o problema. Após contato com os ACS durante as oficinas, aplicação de questionários e análises dos dados coletados,
tornou-se evidente a dificuldade que estes profissionais possuem em lidar com tais acontecimentos, encontrando diversos
entraves no decorrer do processo de atendimento, cuidado e amparo da PcD. Um exemplo citado por eles durante as
aplicações dos questionários foi a falta de profissionais capacitados para atender a casos de violência doméstica contra
PcD, a dificuldade em dar continuidade nos processos devido às falhas entre as redes de atendimento à saúde, bem como
a insegurança que eles mesmos encontram para tratar esses casos. Diante do exposto, considera-se que a temática da
violência doméstica, mais especificamente neste estudo a que recai sobre PcD, se configura em um tema extremamente
complexo de ser abordado na prática, uma vez que, além das dificuldades de atendimento, diálogo e suporte existentes
entre as redes atenção à saúde, esta problemática se encontra permeada por questões de gênero e relações de poder, por
outro lado, destaca-se no Município importante potencialidade na recente criação do Núcleo municipal de prevenção da
violência e promoção da Cultura da Paz.

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A distribuição do CRÉDITO RURAL NO TERRITÓRIO DA PRODUÇÃO nos anos de 2013 e 2014 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL CONFLITANTE: A INSTALAÇÃO DA UTE PORTO DO ITAQUI
DE SÃO LUÍS - MA E A COMUNIDADE REASSENTADA VILA RESIDENCIAL NOVA CANAÃ DE PAÇO
DO LUMIAR - MA
Luana dos Santos Hanauer, Olívio Alberto Teixeira

Maria Cláudia Cardoso Corrêa, Ana Rosa Marques


O processo de financiamento da agropecuária brasileira atravessou diferentes padrões ao longo da história, sendo a cria-
ção do Sistema Nacional de Crédito Rural, em 1965, um marco de institucionalização nesta trajetória. Neste período o
governo tentou integrar a atividade agropecuária ao processo de modernização da economia nacional, incentivando o
consumo de insumos modernos e a sua mecanização. Posteriormente, as sucessivas crises econômicas levaram a insta- A visão imediatista de explorar sem a preocupação de recompor os diversos ecossistemas tem deixado amplos e, por
bilidade no sistema que somente foi reformado no final dos anos noventa, com a criação do PRONAF, especificamente vezes, irreversíveis impactos ambientais para as futuras gerações. Desde o final da década de 1970, na porção sudoeste
para a agricultura familiar. Neste trabalho procura-se avaliar seu alcance, nos anos de 2013 e 2014, nos municípios que da Ilha do Maranhão, foram implantados grandes empreendimentos a margem da rodovia BR-135 que liga a Ilha do Ma-
compõem o território rural da produção, na região do noroeste gaúcho. Depois de uma breve caracterização deste territó- ranhão às outras regiões do país, constituindo-se em um dos principais corredores de exportação do Brasil, a Estrada de
rio rural, pesquisa-se como o crédito rural se distribuiu entre os sistemas agrícolas e pecuários; quais são os municípios Ferro Carajás; o Complexo Portuário de São Luís (formado pelos Portos do Itaqui e da Ponta da Madeira, pertencente à
que têm uma agricultura voltada aos sistemas familiares ou aos sistemas de monocultivo; e como os créditos obtidos se VALE); o Consórcio de Alumínio do Maranhão - ALUMAR que, devido à proximidade com estes projetos urbano-indus-
distribuíram em atividades de custeio, de comercialização ou de investimento. Assim, em 2010, a população do Território triais, tornou-se uma área bastante cobiçada para a continuidade das grandes obras econômicas e de infraestrutura, como
Rural da Produção era de 336.385 habitantes, sendo 89,23% urbana e 10,77% rural. Observa-se que em apenas sete mu- a Usina Termelétrica – UTE do Porto do Itaqui, pertencente à ENEVA. Para facilitar a instalação da UTE o Plano Diretor
nicípios do Território a população rural é maior do que a população urbana. Os municípios que possuem o maior número da cidade recebeu uma alteração que possibilitou a conversão de 1.064 hectares de Zona Rural II para Zona Industrial
de agricultores familiares do Território da Produção são Chapada e Palmeira das Missões. Em 2013 e 2014, no Território (Lei Municipal nº 4.548, de 09 de dezembro de 2005). Sendo assim, o objetivo desta pesquisa é constatar a geração de
Rural da Produção houve um total de 15.030 contratos entre pecuária e agrícola, em que se destacam os municípios com inúmeras problemáticas socioambientais e as consequências diretas e indiretas da comunidade reassentada, no municí-
maior número de contratos: Chapada, com 15,08% dos contratos, Rondinha, com 13,41%, Sarandi, com 11,14%, e Ronda pio de Paço do Lumiar – MA, cerca de 30 km da capital São Luís. A discussão iniciou-se pelas categorias do território
Alta, com 9,97%. Com menor número de contratos destacam-se os municípios de Coxilha, com 1,98% dos contratos, (Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização) e a estrutura da gestão territorial, as quais demonstram ser
Carazinho, com 2,14%, e Mato Castelhano, com 2,28%. Os valores acessados ao PRONAF pecuária nestes dois anos o Estado o agente que tem domínio nas relações de poder, assumindo posições estratégicas e executando interesses dos
representam 1,36% de todos os créditos e o PRONAF agrícola reproduz 7,08% dos valores acessado. Analisando o valor agentes dominantes. Apontaram-se nessa temática os autores Rogério Haesbaert (2009) e Marcos Aurélio Saquet (2011).
médio dos contratos comparando PRONAF e os demais créditos observa-se que na maioria dos municípios o PRONAF Como referencial teórico sobre a implantação dos grandes projetos de desenvolvimento e seus conflitos territoriais na
tem pouca representatividade. De fato, o valor obtido com o crédito rural via PRONAF é muito menor se comparado aos Amazônia Legal Brasileira, do final da década de 1960, abrangendo o estado do Maranhão até as políticas de desenvol-
demais tipos de créditos. Somente nos municípios de Barra Funda, Novo Barreiro e Rondinha o PRONAF tem maior vimento do período atual, com destaque para a política energética do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
notabilidade. Ao considerar o valor dos contratos em termos de sua destinação, observa-se que o número de contratos de perpassando a questão ambiental e os conflitos socioambientais, enfatizou-se os autores Henri Acserald (2004), Carlos
comercialização é escasso. Quanto ao valor dos contratos de custeio no PRONAF destaca-se o município de Chapada, Walter Porto-Gonçalves (2005) e Bertha Becker (2009). A metodologia evidenciou-se por meio de entrevistas semiestru-
com 18,2 % dos valores do contrato. Para os demais tipos de crédito sobressaem os municípios de Sarandi, 33,4%, e Pas- turadas, sob uma perspectiva empírico-analítica em que os fatos são trabalhados através das técnicas de revisão da litera-
so Fundo, 16,66%. Para os valores dos contratos de investimento do PRONAF destacam-se Rondinha, com 15,03% dos tura, entrevistas, observações, coleta de dados, buscando a percepção dos moradores da comunidade estudada. Apoiadas
valores dos contratos, e Ronda Alta, 14,8%. Com relação aos contratos de investimento para demais créditos destaca-se pelo método dialético e pesquisa quanti-qualitativa, com viés para as abordagens geográficas da percepção e cultural. A
o município de Santo Antônio do Planalto, com 25% dos valores dos contratos. comunidade reassentada Vila Residencial Nova Canaã é constituída por famílias de agricultores e pescadores, que sobre-
vivem à lógica econômica dominante, vivenciam falsas promessas de empregabilidade e de abandono econômico, social
e cultural. A nova estrutura da produção capitalista e de tecnologia tem produzido novas formas de territorialização, pro-
movendo a desterritorialização de um lado e a reterritorialização de outro, provocando ausência de participação social e
Palavras-Chave: agricultura familiar / crédito rural / desenvolvimento territorial sustentável desarmonias no território concebido, vivido e imaginário, haja vista que no novo território as pessoas não encontram os
valores simbólicos que tinham antes e, ao mesmo tempo, não encontram outros, ao menos de imediato, para a construção
de novos referenciais.

Palavras-chave: Projetos de Desenvolvimento; Gestão Territorial; Participação social.

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PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICA TERRITORIAL NUMA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA: UM OLHARES DO GRUPO FISIOTERAPÊUTICO NO RIO SAGRADO, MORRETES - PR
ESTUDO SOBRE O MUNICÍPIO DE SÃO LUIS GONZAGA DO MARANHÃO

Mônica Weiler Ceccato, Raíssa Corrêa Schmitz


Antonia Sueli Silva Sousa

O objetivo deste trabalho é relatar os indicadores participativos de saúde mental do grupo fisioterapêutico em uma co-
Este trabalho faz uma discussão acerca da dinâmica territorial e das implicações socioespaciais no município de São Luis munidade na Floresta Atlântica do Brasil. Para tanto, foi utilizada a atividade educativa e participativa de investigação e
Gonzaga do Maranhão, sob a ressalva destas se tratarem de questões de políticas territoriais. O município localiza-se na ação social, com oficinas de educação e questionários aplicados aos moradores no entorno da Microbacia do Rio Sagra-
Mesorregião do Centro Maranhense e na Microrregião do médio Mearim, tendo como polo de desenvolvimento a cidade do, em Morretes - PR, Brasil. O local possui características rurais e pertence à Área de Preservação Ambiental (APA)
de Bacabal. Já, segundo a divisão em zonas ecológicas, o município localiza-se na zona dos cocais. Esta pesquisa abor- de Guaratuba. A experiência fez parte da coleta de dados, entre agosto e dezembro de 2014, da pesquisa “Promoção de
dou especificamente os desmembramentos e emancipações dos principais municípios limítrofes do mesmo, municípios Saúde e Qualidade de Vida para o Desenvolvimento Territorial Sustentável, baseado nos critérios públicos Città’slow”,
estes que outrora fizeram parte de seu território. Diante da constatação de uma analogia de interdependência econômica composta por 56 pessoas, sendo: agricultores (61%), aposentados (2%), comerciantes (7%), donas de casa e agentes
e comercial do respectivo município junto aos municípios circunvizinhos, considerou-se pertinente a elaboração de um comunitárias de saúde (9%). As principais queixas delas eram: dores crônicas musculares na cintura escapular e ao
estudo que fizesse uma inter-relação entre a estagnação política, os entraves rodoviários e a dinâmica de ocupação territo- longo da coluna vertebral; estados depressivos e ansiosos. Foram desenvolvidas dinâmicas de acolhimento, exercícios
rial; numa perspectiva que explicasse a transição e o processo pelo qual São Luis Gonzaga passa para condição de muni- psicomotores e posturais, rodas de conversa sobre relações entre saúde, cultura local e meio ambiente. O encontro para
cípio. A pesquisa fundamentou-se no método dialético com viés para a Geografia de percepção. Os procedimentos foram: a realização dessas atividades aconteceu uma vez ao mês. Os principais resultados obtidos destacaram os indicadores
análise bibliográfica e trabalhos de campo. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados procedimentos como: de saúde mental, que são: a participação dos membros do grupo na escolha dos exercícios; a valorização da diversidade
entrevistas em órgãos públicos e análise documental de ações que visassem o “planejamento urbano” da área em estudo, cultural e ambiental; o relacionar-se com as pessoas; a identidade de cada membro do grupo sendo preservada; e a soli-
buscando uma ponderação entre o discurso oficial e a efetivação das políticas públicas. Objetivando contribuir na análise dariedade. Todas as pessoas da amostra referiram diminuição das dores crônicas e diminuição dos estados de ansiedade
sobre o território, no contexto da política de desenvolvimento territorial, em especial, refletir de que maneira as políti- e depressão. Os indicadores de saúde mental mapeados neste estudo ampliam as possibilidades de promoção das huma-
cas públicas estão sendo pensadas e encaminhadas regionalmente no Estado do Maranhão. Haja vista, que o município nidades no grupo fisioterapêutico, pois interferem na subjetividade e intersubjetividade das pessoas, contribuindo para
em estudo emancipou-se (1939) sendo a priori habitado por indígenas e posteriormente por portugueses. Este território o desenvolvimento sustentável.
sofreu sucessivas modificações que deram lugar à criação de outros municípios. Para tanto, constatou-se que, embora
o município tenha sido o precursor dos municípios adjacentes a ele, sua configuração socioespacial em termos “desen-
volvimentistas” apresenta-se em posição inferior aos demais. O que sugere também inferir que a raiz do problema no
município é um reflexo da ineficácia de políticas, de modo que o território estudado apresenta diferenças significativas no Palavras-Chaves: Grupo Fisioterapêutico, Saúde Mental, Desenvolvimento Sustentável. Meio Ambiente.
que diz respeito à aplicação das mesmas. Desta maneira fez-se necessário refletir sobre os desdobramentos do desenvol-
vimento territorial nas diferentes realidades encontradas nestas regiões. Dentre as povoações que pertenciam ao antigo
município de São Luis Gonzaga, destaca-se Bacabal, hoje um dos mais importantes municípios do interior maranhense.
Ao lado de Bacabal, o município de Pedreiras constitui-se como um dos mais “desenvolvidos”, dentre tantos outros que
têm São Luis Gonzaga como “município-mãe”. Nesse sentido, entende-se que as demandas e necessidades são diversi-
ficadas e desta maneira é interessante repensar o sentido das políticas públicas de planejamento e desenvolvimento de
acordo com as carências de cada lugar.

Palavras chaves: Políticas Públicas, Desdobramentos, Território.

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O TURISMO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL DA TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ÓLEO ESSENCIAL DE ESPÉCIES NATIVAS DA FAMÍLIA LAMIA-
COMUNIDADE FAXINALENSE TAQUARI DOS RIBEIROS EM RIO AZUL-PR. CEAE NA FLORESTA ATLÂNTICA DO SUL DO BRASIL

Mariely De Andrade Coelho, Paula Grechinski Demczuk Bruna Garcia, Cícero Deschamps, Humberto Ribeiro Bizzo, Marco Antonio Pinto, Luiz Antonio biasi, Luiz Everson da
Silva, wanderlei do Amaral

O trabalho que aqui se apresenta tem como objetivo principal estudar o turismo enquanto instrumento de desenvolvimen-
to territorial sustentável de uma comunidade faxinalense. Os faxinalenses são grupos sociais que compõem territórios Os óleos essenciais são misturas complexas de substâncias voláteis, amplamente utilizadas pela indústria farmacêutica,
específicos da região Centro e Centro-Sul do Estado do Paraná, desde o início do século XVIII. De acordo com a Lei alimentícia e de cosméticos. Nas espécies vegetais desempenham funções ecológicas de defesa e atração de polinizadores
15.673, de 13/11/2007, Art. 1º, o Estado do Paraná reconhece os faxinais e sua territorialidade específica e peculiar do e têm sua produção regulada pelas condições do ambiente. Este trabalho visou avaliar o teor e composição química do
estado do Paraná, que tem como traço marcante o uso comum da terra para produção animal e a conservação dos recursos óleo essencial das folhas frescas e secas das espécies Salvia aliciae E.P dos Santos, Hyptis suaveolens (L.) Poit e Hyptis
naturais. O objeto de estudo desta pesquisa é Faxinal Taquari dos Ribeiros, instituído no ano de 1900 e situado cerca de brevipes Poit, família Lamiaceae, nativas da Floresta Atlântica do Estado do Paraná. As coletas das amostras para a ex-
20 km da sede do município de Rio Azul-PR. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa são de caráter tração do óleo essencial, a fotografia e as exsicatas para a identificação botânica das espécies foram realizadas na Reserva
exploratório e cunho qualitativo. Após reflexão teórica, realizou-se a pesquisa de campo, a fim de identificar as carac- Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Butuguara, no município de Palmeiras - PR, com formações de Campos Gerais.
terísticas da comunidade com potencial turístico, utilizando-se das técnicas de entrevista e observação para a coleta de A identificação e tombamento das espécies foram feitos no Herbário HFIE. A secagem das amostras para extração com
dados. Como resultado é possível afirmar que Faxinal Taquari dos Ribeiros conta com potencias turísticos, sendo eles: material seco, foram submetidas à secagem em secador elétrico modelo FANEM - Mod. 320 SE, com circulação de ar a
modos de vida tradicionais (incluindo o uso e ocupação do território e utilização dos recursos naturais), aspectos culturais 40º C por 24 horas. A extração do óleo essencial foi realizada por hidrodestilação das amostras frescas e secas em aparelho
específicos (como o uso comum da terra, criadouros comunitários e transmissão do conhecimento entre gerações) e a graduado tipo Clevenger. A composição química foi analisada por meio de cromatografia em fase gasosa acoplada ao
paisagem natural. Destaca-se nesta pesquisa a atividade turística como uma contribuição para a conservação do modo de espectrômetro de massa (GC/MS). A espécie Salvia aliciae não apresentou óleo essencial, enquanto que a espécie Hyptis
vida faxinalense e o desenvolvimento sustentável desta comunidade. Com base nessa consideração é válido afirmar que brevipes só apresentou óleo essencial após a secagem (0,09 %), com beta-pineno (55,5%) e alfa-pineno (12,8%) como
o turismo pode sim figurar-se como uma atividade capaz de contribuir para o desenvolvimento territorial sustentável da constituintes majoritários no seu óleo essencial. Hyptis suaveolens apresentou 0,18% e 0,31% de óleo essencial nas amos-
comunidade faxinalense. Observa-se que Faxinal Taquari dos Ribeiros conta com recursos turísticos de caráter natural e tras fresca e seca, respectivamente, tendo como componentes majoritários em seu óleo essencial nas amostras frescas
cultural, onde vários segmentos turísticos poderiam ser desenvolvidos, como turismo rural, histórico, cultural, de aven- alfa-pineno (18,6 %) e isodauceno (15%), e nas amostras secas apresentou um acréscimo no alfa-pineno (25,7%), uma
tura, entre outros, visando sempre à permanência e bem estar dos moradores locais e contribuindo para a conservação redução na concentração de isodauceno para 0,4% e um acréscimo de na concentração de biciclogermacreno de 0,4% para
do modo de vida particular dos povos faxinalenses. Quando a atividade turística ocorre de forma planejada é possível 10,3% após a secagem.
contribuir de modo significativo para a comunidade local e seus modos de vida, valorizando os sabes e costumes locais e
possibilitando o desenvolvimento territorial sustentável.
Palavras chaves: plantas medicinais e aromáticas, metabólitos secundários, terpenos.

Palavras-chave: Desenvolvimento territorial, Faxinal, Potencial Turístico, Turismo

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USO DE FOTOGRAFIAS NA RECONSTRUÇÃO GEOHISTÓRICA DA PAISAGEM URBANA/RURAL DO METODOLOGIA PARA A ELABORAÇÃO DE UM CIRCUITO CICLOVIÁRIO: O CASO DO MUNICÍPIO
MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO-PR DE MATINHOS – PARANÁ

Jonathan Santos Pericinoto, Ana Paula Colavite Luiz Fernando Zelinski da Silva

O presente resumo configura um recorte do projeto de Iniciação Científica, intitulado “Transformações da paisagem na A Mobilidade Urbana é crucial para o desenvolvimento das cidades. A integração entre a bicicleta e os modos de transpor-
interface urbano/rural na cidade de Campo Mourão-PR: 1960-1980”, desenvolvido na Unespar – Campus de Campo te motorizados constitui um desafio no planejamento do transporte urbano atual e para os gestores públicos encontrarem
Mourão. Nesse momento, buscou-se abordar o uso de fotografias históricas para análise das transformações da paisagem, soluções que favoreçam essa Mobilidade. O recorte escolhido para responder o problema de pesquisa foi o município de
especialmente no tocante à interface urbano-rural. O município de Campo Mourão obteve intensas mudanças em sua Matinhos, localizado no litoral do Paraná, pois este apresenta características socioeconômicas e geográficas que tornam
paisagem entre as décadas de 1960 e 1980, subsequentes do crescimento do urbano sobre o espaço rural, promovido a bicicleta meio de transporte viável aos moradores por causa do baixo custo e do fácil deslocamento. O crescimento
pela saída do homem do campo e sua instalação na cidade. Objetivou-se compreender a dinâmica das modificações que do espaço físico urbano não planejado, o aumento da frota de automóveis e a ausência de infraestrutura cicloviária ade-
se processaram de forma ágil no espaço geográfico do município, analisando o processo de expansão urbana sobre os quada põem em risco a segurança de pedestres, ciclistas e motoristas. Este trabalho teve por objetivo aplicar e adaptar
elementos naturais e a área rural, bem como os reflexos interpostos à paisagem. A pesquisa desenvolveu-se respaldada instrumentos para diagnosticar conflitos intermodais em ambientes urbanos a fim de elaborar propostas para a criação
nas seguintes etapas: leitura de textos, que focam a análise da paisagem cultural (SAUER, 1925; BERTRAND, 1972 e de circuitos cicloviários. Neste trabalho são analisados os planos do governo e identificadas as ferramentas que contri-
2009; CORRÊA, ROSENDAHL, 2007; COSGROVE, 2007); visita ao Museu Municipal Deolindo Mendes Pereira de buem para responder o problema de pesquisa proposto, a saber, métodos para a elaboração de um circuito cicloviário: o
Campo Mourão, com levantamento de fotografias e demais dados históricos; busca na Secretaria de Planejamento de caso do município de Matinhos – Paraná. São aplicados métodos de contagem de fluxo e questionário socioeconômico,
Campo Mourão por produtos cartográficos e fotografias aéreas; trabalho de campo para visualização dos aspectos ainda adequados para identificar e propor, de forma eficiente, um circuito cicloviário que venha a atender as demandas locais.
preservados na paisagem e quais alterações a mesma sofreu; e atividades laboratoriais para sistematização dos dados As ferramentas desenvolvidas e aplicadas neste trabalho mostraram-se capazes de contribuir para a elaboração de um cir-
coletados e sua análise. Resultados preliminares indicam que desde o início do processo de ocupação do município de cuito cicloviário. No primeiro momento, com identificação dos locais de maiores conflitos entre os modos de transporte
Campo Mourão (início do século XX) até a atualidade houve grandes mudanças no cenário paisagístico local, com amplo que evidenciam a falta de infraestrutura adequada, capaz promover mobilidade e segurança aos usuários. No segundo
desenvolvimento dos aspectos urbanos, em detrimento da natureza e posteriormente da área rural, áreas de floresta foram momento, cumpre seu objetivo de traçar o perfil do ciclista de Matinhos, propondo-se conhecer o público a ser beneficia-
derrubadas para extração da madeira e implantação da cidade. Nesse processo, não apenas as espécies vegetais foram do por essa infraestrutura, assim como suas características socioeconômicas e de uso da bicicleta para deslocamentos no
devastadas, mas também a fauna foi perdida. Algumas das construções antigas ainda permanecem com rugosidades na Município. Ao analisar os resultados das metodologias aplicadas é possível propor um circuito de ciclovias e ciclofaixas
paisagem, marcas de um tempo passado com suas características próprias que retratam como o espaço começou a ser para o município de Matinhos.
construído e a paisagem alterada.

Palavras Chaves: Análise da Paisagem; Desenvolvimento urbano; Modernização da agricultura.

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TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ (BRASIL): CARACTERIZAÇÃO DO USO TURÍSTICO DO PROJETO RADIAL NO SUL DE PORTUGAL E NO LITORAL DO PARANÁ: MOVIMENTOS LITORÂ-
PARQUE NACIONAL SAINT HILAIRE/LANGE NEOS EM PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO

Sidney Vincent De Paul Vikou, Cinthia Maria De Sena Abrahao, Marcelo Chemin, Fernanda Hidalgo Nicoluzzi Patricia Aparecida Model, Valdir Frigo Denardin, Liliani Maria Tiepolo

O presente trabalho é fruto de uma pesquisa de Iniciação Científica (PRPPG/UFPR) vinculada ao Projeto “Dinâmicas e Estudos sobre o crescimento de um país não conseguem avaliar seu real desenvolvimento, pois observam somente o
configurações do turismo no Litoral do Paraná”, que objetiva analisar o quadro de desenvolvimento socioeconômico e capital gerado. Trabalhos solidários ou voluntários podem ser pensados como formas de confrontar essa realidade “ca-
de organização espacial da atividade turística, com a finalidade de constituição de base de dados e subsídios analíticos e pitalista”, tentando perceber oportunidades onde muitos só veem limitações. Este trabalho descreve o projeto Rede de
propositivos para elaboração e implementação de políticas públicas. O litoral do Paraná é uma região que dispõe, com Apoio para o Desenvolvimento Integrado do Algarve – Radial, implementado no interior rural do sul de Portugal; e busca
base nos seus atrativos naturais e culturais, de forte potencial para o desenvolvimento de múltiplos segmentos da atividade conhecer suas formas de organização e intervenções como fomentador no desenvolvimento rural local. A metodologia
turística. Ele se destaca dentro das regiões do Estado tanto do ponto de vista ambiental como turístico. Ambientalmente, se deu através de pesquisa bibliográfica acerca do projeto Radial e também se buscou similaridades com comunidades do
a região representa um dos últimos remanescentes ainda bem preservados do bioma da Mata Atlântica, com um total Litoral do Paraná. O projeto Radial iniciou suas atividades em 1985 a partir de Alberto Melo, por meio de um plano de
de 32 diferentes tipologias de Unidades de Conservação (federais e estaduais), dentro das quais estão 12 parques que ação integrado objetivando gerar desenvolvimento local na Serra do Caldeirão a partir das potencialidades da comunida-
atendem ao objetivo de preservação da biodiversidade. Já no que se refere ao turismo, ela representa uma das 14 regiões de. Comunidade onde os moradores tinham cultura de subsistência, mesmo sendo uma região pouco fértil. Este território,
turísticas do Estado e tem na Ilha do Mel um de seus principais polos de projeção e visitação. Mesmo assim, observa-se vítima da marginalização provocada pela economia moderna mundial, tinha uma população com baixa estima e que não
um tímido desenvolvimento da atividade turística, com predominância do segmento de turismo de sol e praia, que se acreditava mais na sua capacidade de resistir ao seu próprio desaparecimento. A princípio, o projeto foi financiado pela
restringe aos meses de alta temporada de verão. Tal segmento mobiliza apenas 23% dos atrativos do Litoral. Isso posto, Fundação holandesa Bernard van Leer. Sua atuação se deu em formato de gestão participativa com reuniões que origina-
buscou-se analisar o potencial e as dificuldades das Unidades de Conservação (Parques Nacionais e Estaduais) da região, ram decisões e trabalhos desenvolvidos coletivamente com envolvimento da população, a fim de terem iniciativa e não
numa perspectiva de sustentabilidade e desempenho turístico. Nesta ocasião comunicam-se resultados parciais relativos somente uma abordagem top-down. O projeto iniciou-se com três centros para ações: formação de centros infantis, for-
ao Parque Nacional Saint Hilaire/ Lange, que possui uma área de 25.000 ha, distribuída nos municípios de Guaratuba, mação para o auto-emprego e apoio às associações. Sua implantação inicial foi aprovada em quatro comunidades locais
Matinhos, Morretes e Paranaguá. Por meio de pesquisa exploratória, bibliográfica e documental foram coletados dados e ampliou-se gradativamente. Percebe-se que, quando a escala de produção local é pequena ela é inviável, mas quando é
primários, via entrevista com o gestor do parque; e dados secundários, através de acesso à base de dados de órgãos da ampliada, então deixa de ser caseira e manual. Isso levou a comunidade a combinar qualidade e raridade, formando “pro-
esfera administrativa. Por fim, procedeu-se a uma análise quali-quantitativa dos resultados obtidos. Dentre os principais dutos culturais” que tornaram o território atraente e a comunidade sentiu-se encorajada a buscar alternativas de geração de
resultados, foi identificado que, no que tange à estrutura de funcionamento do Parque, ele está aberto à visitação, apesar renda, como pelo turismo rural, gerido pela população local. Trazendo esta realidade para o Litoral do Paraná, observamos
de não ter uma infraestrutura específica para esta finalidade. Das opções que estimulam à visitação, o passeio, a aventura alguns movimentos que promovem o desenvolvimento local ou buscam promovê-lo de forma semelhante apresentado
e a pesquisa se destacaram como os principais. O perfil dos turistas da unidade engloba os veranistas e os montanhistas, no projeto Radial. Nesse sentido, destaca-se um projeto realizado pela Universidade Federal do Paraná com as artesãs de
que visitam a unidade em diferentes períodos do ano. Apesar da potencialidade expressa por um total de 23 atividades Antonina que trabalham com matéria-prima regional e/ou elementos de sua identidade, “vão desde os trabalhos manuais
realizáveis em áreas naturais, poucas são as atividades turísticas efetivamente desenvolvidas pelo parque. Atualmente, as a partir de matérias-primas manufaturadas – bordados, pinturas, crochê etc. - até artigos elaborados artesanalmente com
atividades de caminhada, escalada, observação e trilhas são as exploradas no parque. Em termos de potencialidade, um matérias-primas regionais - conchas, couro de peixe, fibras vegetais, barro, bambu, entre outros. Percebeu-se que mesmo
conjunto adicional de onze novas atividades turísticas pode ser desenvolvido. Portanto, para um efetivo uso turístico do com apoio institucional, ainda existem conflitos e muitas vezes os trabalhos são individualistas” (Sulzbach et al 2011).
Parque Nacional Saint Hilaire/ Lange é preciso investir na sua infraestrutura de recepção e visitação, além de trabalhar A partir do exposto, podemos perceber que é possível desenvolver, mesmo com dificuldades, novas formas de trabalho e
a visibilidade de seus atrativos. renda sustentável, com base nas potencialidades dos atores locais e, de forma participativa, ter projetos em comum. O lo-
cal é o nível mais próximo em que podemos atuar para transformar uma região. É necessário o combate à uniformização,
Palavras-chave: Turismo, Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, Uso público, Litoral do Paraná. pois ela não enxerga as singularidades de cada local em especial e limita seu desenvolvimento humano e social.

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AGROTÓXICOS EM ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DAS POPULAÇÕES DO CAMPO E DA FLORESTA: UM
SOCIOAMBIENTAIS NO LITORAL DO PARANÁ. OLHAR TEÓRICO DAS INIQUIDADES EM SAÚDE

Erica Vicente Onofre, Pedro Sarkis Simoes de Oliveira, Liliani Marília Tiepolo Elisama Dias

O Litoral do Paraná abrange os municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Desde a sua colonização a economia brasileira esteve diretamente ligada às atividades rurais e hoje não é diferente, cerca
Pontal do Paraná, onde são comuns as práticas agropecuárias, desde subsistência, familiares até industriais. Observa- de 23% do Produto Interno Bruto (PIB) vem do agronegócio. Mas o processo de construção do espaço rural brasileiro
se que o produtor, ao decidir as formas de produção e o seu rendimento, utiliza-se de manuseios que inibem, em longo é marcado pela valorização dos mais favorecidos, fazendo com que os pequenos produtores e um número crescente de
prazo, os atrasos na produção, lançando mão de agentes denominados de agrotóxico, insumos químicos que aumentam a trabalhadores rurais, excluídos do acesso a terra, convivam com o interesse do grande latifúndio. Essa exclusão tem
produtividade. Em contraponto, a reação pelo seu constante uso determina a contaminação do solo, do ar, das águas e da refletido negativamente sobre a vida dessas comunidades, pois, mesmo com a melhoria significativa nas estatísticas de
biodiversidade por materiais contaminantes de diversos espectros e níveis de toxicidades. Este trabalho objetivou obter saúde dos últimos 50 anos, o Brasil apresenta iniquidades na distribuição de riquezas, deixando muitos sem acesso às
informações localizadas no litoral do Paraná sobre o uso destes insumos a partir de fontes secundárias de informações, mínimas condições e aos bens essenciais à saúde. Segundo a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do
especialmente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De forma secundária buscou-se conhecer o Campo e da Floresta (PNSIPCF - PORTARIA Nº 2.866, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2011), a pobreza não está ligada
posicionamento de instituições voltadas à saúde pública e coletiva e do meio ambiente, por meio de revisão bibliográfica apenas ao não acesso aos bens de consumo, porém à falta dos determinantes sociais da saúde, elementos que influenciam
e documental. Os resultados apontam, de acordo com o censo de 2006 do IBGE, que existem 2.298 estabelecimentos diretamente na saúde das comunidades, como: moradia digna, alimentação adequada, emprego, educação, saneamento
agropecuários nos municípios do Litoral do Paraná e que todos estes estabelecimentos utilizam agrotóxicos de diversos básico, oportunidade de participação na construção das políticas públicas e ainda na “ausência de resolução de conflitos,
espectros químicos. A aquicultura totalizou 166 estabelecimentos e a pesca 52 estabelecimentos existentes. O uso de o que agrava mais ainda a violência no campo, assim como na precariedade de relações ambientais sustentáveis”. Para
agrotóxicos tem amplas consequências tóxicas no meio ambiente, são produtos químicos sintéticos usados para matar melhorar essa situação esta Política Pública foi criada, tendo como objetivo garantir o direito e o acesso à saúde, por
organismos no ambiente rural e urbano e o modelo de cultivo com o intensivo uso de agrotóxicos gera grandes malefícios, meio do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando seus princípios fundamentais de universalidade, integralidade e
como poluição ambiental e intoxicação de trabalhadores e da população em geral, segundo o posicionamento do Instituto equidade. A finalidade geral deste trabalho é analisar indicadores para auxiliar a compreensão da saúde na população do
Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Já o Ministério do Meio Ambiente (MMA) declarou que, campo e da floresta. Os dados apresentados foram retirados de levantamentos realizados pelo IBGE, ANVISA, INCRA,
quando utilizado um agrotóxico, independente do modo de aplicação, este possui grande potencial de atingir o solo e as SINAN, e MTE tendo como base o artigo do Observatório Saúde do Campo, Floresta e Água, que aponta os seguintes
águas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) declarou que dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras resultados: as precárias condições de água e esgoto são responsáveis pelas elevadas taxas de parasitoses intestinais, como
do Brasil, 22 são proibidos na União Europeia, classificando o país como o maior consumidor de agrotóxicos já banidos diarréias, cólera, leptospirose, teníase, esquistossomose entre outras. No período de 2009 a 2011 foram registrados 2.952
por outros países. Recentemente, o dossiê publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) alertou casos de sífilis em gestantes, nessa mesma época foram confirmados 169 casos de Doença de Chagas Aguda, 23.339
sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana, mesmo que estes venham a ser classificados como medianamente casos de Esquistossomose, 23 de febre amarela, alarmantes 20.500 casos de hanseníase, 174 de Hantaviroses, 38.997
ou pouco tóxicos não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses ou anos após a exposição casos de Leishmaniose Tegumentar Americana (que ocasionou 19 óbitos), 2.000 casos de leptospirose e 503 casos de
e consumo dos produtos, manifestando-se em várias doenças, como cânceres, más-formações congênitas, distúrbios malária. No período de 2010 a 2012 foram registrados 20.022 casos de violência no campo, sendo que 63,5% destes fo-
endócrinos, neurológicos e mentais. Observa-se que o produtor tem se integrado na produção agropecuária para manter- ram contra mulheres. As doenças relacionadas ao trabalho tiveram presença certa nessas populações, entre 2007 a 2012
se em um mercado que busca por perfis de rápida produtividade, na intenção de lucro imediato. Isso proporciona a foram registrados 269 casos de câncer relacionados ao trabalho, tendo como principal causador a exposição ao sol e ao
manutenção de uma visão de curto e médio prazo para os impactos socioambientais que são gerados com a aplicação agrotóxico que em 2013 intoxicou 7.702 pessoas; acidentes com animais peçonhentos, típicos dessas regiões, registrando
dos agrotóxicos, o que vai gerar, futuramente, territórios insustentáveis para produção, devido à transformação dos ciclos 381.992 casos, entre 2009 a 2011. Por fim, é “fundamental a participação das populações contempladas pela política, nos
naturais sob intervenção química, além dos já referidos danos irreversíveis à saúde humana e aos ecossistemas. conselhos de saúde e nas demais instâncias de participação e controle social do SUS, conferindo força política junto aos
respectivos gestores e responsáveis pela sua implementação”.

Palavras-chave: Litoral do Paraná; Agrotóxicos; Agropecuária; Insustentabilidade.


Palavras-chave: populações do campo e da floresta, construção do espaço rural brasileiro e iniquidades em saúde.

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ANÁLISE POPULACIONAL NO PERÍODO 1970 – 2010: O ÊXODO RURAL NO LITORAL PARANAENSE, A PERCEPÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES ENVOLVIDOS
PARANÁ E BRASIL NUM PROJETO CIENTÍFICO DESENVOLVIDO PELA UFPR LITORAL

Diogo Camargo Pires, Liliani Marillia Tiepolo, Valdir Frigo Denardin Khetlin Vitoria Dias, Emerson Joucoski, Bruno Gurgatz, Felipe Foroni, Rodrigo Arantes Reis

A formação docente não se desenvolve apenas nos anos de formação inicial, vai além, desenvolve-se no espaço de
Fenômeno social presente desde o início da revolução industrial, o êxodo rural acompanha a formação da sociedade atuação escolar, onde se adquire outros tipos de saberes. Saberes da prática, das experiências e do “coleguismo”, que os
moderna. Enquadrando tal fenômeno em um contexto regional, o presente trabalho tem como objetivo trazer informações docentes adquirem ao longo da prática cotidiana da profissão e são por ela validados, não têm origem nas instituições de
sobre a população do litoral paranaense que habitava áreas rurais entre as décadas de 1970 a 2010, traçando um panorama formação e nem nos currículos, nem estão sistematizados em regras ou teorias, são saberes práticos (e não da prática) que
do esvaziamento do campo ocorrido nos últimos quarenta anos dentro deste território; e comparar os dados em nível orientam a prática cotidiana do docente em todas as suas dimensões. É a cultura docente em ação. Apesar disso, essas
estadual e nacional. Para tanto, foram utilizados dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), práticas não impedem que o professor continue buscando ampliar o saber específico, ampliando o aprendizado de novos
referentes aos censos populacionais de 1970 a 2010, dos sete municípios que compõem o litoral do Paraná (Antonina, conhecimentos. Nesse sentido, o LabMóvel, em parceria com o Núcleo Regional de Educação de Paranaguá, vem reali-
Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do Paraná) e também do Paraná e Brasil. Os resultados zando o projeto de pesquisa “Qualidade do Ar”, que trás saberes específicos aos docentes das escolas públicas da região.
apontam, de acordo com o censo de 1970, que a região contava com uma população de 112.310 habitantes, sendo que Saberes que estão relacionados à poluição atmosférica. No projeto são medidas as concentrações de diversos contami-
destes 34.524 (31%) habitavam no campo. Já a população urbana consistia em 77.786 habitantes (69% do total). No nantes atmosféricos, que por sua vez são indiretamente medidos através de alguns indicadores biológicos. A proposta trás
estado do Paraná, o mesmo censo aponta um total de 6.929.821 habitantes, sendo que destes 4.425.568 (64%) eram os aos docentes envolvidos a possibilidade de atualização de alguns conhecimentos das suas áreas de atuação, através do
habitantes rurais. Nacionalmente, a contagem apontava 93.134.846 de habitantes, sendo que 41.037.586 (41%) viviam aprendizado pela realidade local e que busca tornar a Ciência mais significativa. Outro ponto forte do projeto é a aproxi-
em ambientes rurais. Destaca-se que nesta época se dá início da “modernização” da agricultura brasileira, com o aumento mação da universidade com as escolas. Os docentes das escolas mediam os processos de realização das ações do projeto;
da mecanização e uso de insumos químicos, o que acarretou intensos movimentos de êxodo rural devido à diminuição o LabMóvel realiza capacitações para que os professores compreendam os métodos utilizados para o monitoramento da
dos postos de trabalho no campo. Já em 2010, os resultados apontam que a população total do litoral passa para 265.395 qualidade do ar e, em seguida, esses métodos são transpostos didaticamente aos alunos. Os alunos, de posse dos conhe-
habitantes, porém a população rural cai sensivelmente para 25.225 habitantes (9,5%). No Paraná, o total de habitantes cimentos assimilados, realizam atividades “mão na massa”, participando da coleta dos dados e auxiliando no projeto de
sobe para 10.444.526, porém o campo tem uma diminuição significativa, passando para 1.531.834 habitantes, ou seja, ciência em rede. Acredita-se que o professor pode ser um agente mediador e estimulador de mudanças na escola e na
14% do total. No Brasil temos quase 200 milhões de habitantes (190.755.799) e também há uma diminuição da população sociedade, a partir dessas atividades desenvolvidas. Além disso, há a possibilidade dos professores, trabalharem dentro e
rural, caindo para 29.829.995 (16%) os habitantes do campo. Em 1970, apesar dos habitantes do campo no litoral do fora da sala de aula, realizando e desenvolvendo ações planejadas com base no princípio da ação-reflexão-ação, de forma
Paraná não constituírem a maior parte da população, eles representavam quase um terço do total, situação bastante a favorecer o processo de construção e descoberta de novos conhecimentos em todos os sujeitos envolvidos.
diferente da encontrada atualmente, quando representam apenas 9%. Devido às condições bióticas e abióticas regionais
do litoral paranaense, como: relevo, cobertura vegetacional, rede hídrica e clima; também devido às questões políticas
e socioeconômicas, a modernização agrícola não acarretou grandes mudanças no modo de produção rural, salvo raras
exceções. Após 40 anos, a população no litoral quase triplicou, porém o campo perdeu 9.269 habitantes, passando a Palavras chave: Qualidade do ar; Formação continuada; Saberes profissionais.
representar menos de 10% do total. A queda na população rural foi de aproximadamente 27% no litoral, 64% no estado do
Paraná e 28 % no Brasil. Os números estaduais e nacionais apontam a mesma tendência, porém a média da parcela rural
da população fica em torno de 15%. Se comparados os números há uma queda bastante brusca no cenário macro regional,
maior que a registrada localmente. Reflexo da intensificação no êxodo rural em diversas partes do estado e do país.

Palavras chave: população rural, êxodo rural, litoral paranaense

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O CONCURSO DE DESENHO “PATRIMÔNIOS DO LITORAL DO PARANÁ” COMO AÇÃO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE DE
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL APOIO À REDE DE SAÚDE MATERNO-INFANTIL DE UM MUNICÍPIO DO LITORAL DO PARANÁ

Natali Calderari, Maria Carolina Gonçalves, Marcelo Chemin Wagner Rodrigo Weinert, Aline Sieczko, Maritza Silva, Luciana Vieira Castilho Weinert, Tainara Piontkoski Maldaner,
Bruna Letícia dos Santos

O Litoral do Paraná é reconhecido e projetado como uma região distinta em termos de acervo patrimonial, com diversidade
de bens naturais e culturais. Em seu território está delineado um mosaico de mais de 30 unidades de conservação, além A elaboração de políticas públicas é um processo constante na esfera da administração pública. Gestores precisam,
de centros históricos, monumentos, arquitetura colonial, manifestações culturais, caminhos e estradas históricas. Embora frequentemente, elaborar projetos que serão ou não executados, conforme conjunturas políticas, econômicas e sociais,
a imagem patrimonial dessa região seja consolidada externamente, condição evidenciada na mídia e no mercado do nas esferas municipais, estaduais e federais. A elaboração de um projeto requer fundamentação que o justifique. Um
turismo, no cotidiano local são escassas as iniciativas de difusão dos significados e valores deste acervo patrimonial. subsídio fundamental para este processo é a informação. Quanto mais informação se possui a respeito de um determinado
Diante disso, a educação patrimonial configura instrumento potencial para a valorização desses patrimônios, uma vez que cenário, maior é a chance de se articularem ações para se estabelecer uma rede de atores capazes de transformar esta
consiste, segundo o IPHAN (2014), em ações educativas formais e não formais que têm como foco o reconhecimento, realidade. Nesse contexto, este trabalho propõe o desenvolvimento de um software para a gestão da informação sobre
valorização e preservação do patrimônio cultural como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências Saúde Materno Infantil, no que diz respeito às relações entre as condições socioeconômicas familiares, a saúde e os
culturais. Nesse contexto, o projeto de extensão “Caminhos” (UFPR/PROEC – 804/13), desenvolve ações de educação hábitos maternos no período gestacional e o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, no seu primeiro ano de
patrimonial no ensino fundamental e médio dos municípios da região. O concurso de desenho “Patrimônios do Litoral vida. Inicialmente este software apoiará o trabalho desenvolvido por fisioterapeutas no Centro de Saúde da Mulher e
do Paraná”, realizado em Antonina, no ano de 2014, constituiu-se como a principal ação realizada pelo Projeto em 18 da Criança no município de Pontal do Paraná-PR e, consequentemente, auxiliará também o trabalho de gestores de
meses de atuação. Esta ação objetivou a sensibilização dos estudantes acerca dos patrimônios do Litoral do Paraná, bem saúde deste município. Diante desse cenário, este projeto prevê o desenvolvimento de um trabalho integrado entre as
como uma introdução formal do tema do patrimônio nas atividades escolares. Para tanto, o município de Antonina, que áreas de informática, saúde coletiva e fisioterapia, onde objetiva-se desenvolver uma ferramenta de software capaz de
teve seu centro histórico tombado pelo IPHAN em 2012, foi escolhido para desenvolvimento da ação. O primeiro passo minimizar os problemas de sistematização e inferência sobre grandes quantidades de informação. A proposta consiste
consistiu em contato com professores de artes e história e pedagogos das escolas para discussão e ajustes da proposta. do desenvolvimento de uma base de dados centralizada sobre medidas antropométricas, motricidade, vitalidade ao
Ação complementar a esta fase se efetivou com a distribuição de material didático para as escolas parceiras, sob forma nascimento, condições gestacionais e situação socioeconômica de bebês entre 1 e 12 meses de idade. Também contempla
de CD, contendo arquivos e conteúdos, organizados no âmbito do Projeto, sobre a história, cultura e bens tombados o desenvolvimento de softwares clientes baseados em tecnologia desktop e de desenvolvimento para dispositivos móveis.
A princípio, pretende-se utilizar a linguagem de programação JAVA e o sistema gerenciador de banco de dados MySQL.
da região. Na sequência elaborou-se a versão final do regulamento, o que permitiu a divulgação final do Concurso,
A metodologia de desenvolvimento basear-se-á nos modelos clássicos de engenharia de software voltados para UML e
realizada diretamente nas salas de aula. Cabia aos estudantes ilustrar em papel um bem tombado pertencente a um dos sete
modelos de banco de dados relacionais. O sistema desenvolvido também fornecerá subsídios para realizar análises que
municípios do litoral paranaense. Uma Comissão julgadora, composta por estudantes membros do Projeto, presidida pela
levem em consideração a região em estudo, por meio de relatórios georreferenciados. Até o presente momento todo
Prof. Dra. Luciana Ferreira (Curso de Licenciatura em Artes/ UFPR) foi constituída para avaliação. No total, participaram processo de registro das avaliações e análise das mesmas é realizado manualmente, através de fichas e planilhas eletrônicas.
5 escolas, que abrangem cerca de mil alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. A Comissão recebeu 30 desenhos Este modelo de coleta de dados é ineficiente por diversos aspectos: redundância, dificuldade de recuperação, de análise,
e destes selecionou 10 vencedores, com atribuição adicional de uma menção honrosa. A premiação ocorreu durante o e de obtenção de dados estatísticos que certamente poderiam ser utilizados como argumentos para o desenvolvimento
24º Festival de Inverno da UFPR, em Antonina, juntamente com exposição via projeção digital em telão dos desenhos de políticas públicas voltadas para a rede de atenção à saúde materno infantil. Atualmente, existem mais de 500 crianças
vencedores. A experiência do concurso permitiu o primeiro contato efetivo do Projeto com a comunidade escolar, além avaliadas, porém poucas deduções foram realizadas sobre os dados coletados devido à dificuldade de manejo de grandes
do retorno positivo de professores e estudantes sobre o material didático fornecido, bem como o apoio para futuras quantidades de dados que precisam ser acessados manualmente em fichas de registro e planilhas compiladas. Como
ações. Avalia-se como essencial incentivar, através da educação patrimonial, uma postura educativa das instituições de produto final espera-se um software de fácil usabilidade e acessibilidade para profissionais das áreas da saúde e, em longo
ensino frente a diversidade cultural da região, visando a interação do ambiente escolar com o reconhecimento dos bens prazo, a composição de uma base de dados suficientemente grande para análises baseadas em técnicas de mineração de
patrimoniais que estão inseridos no espaço de vida da população. dados, importantíssimas para processos de apoio à tomada de decisão e formulação de políticas públicas em saúde.

Palavras-chave: Educação Patrimonial; Concurso de Desenho; Litoral do Paraná; Antonina. Palavras-chave: Políticas Públicas, Saúde Materno Infantil, Desenvolvimento de Software.

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A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL EDIFICADO COMO ELEMENTO DO DESENVOL- MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO: PERCEPÇÕES EM COMUNIDADES RURAIS DA MATA ATLÂN-
VIMENTO REGIONAL E DO TURÍSTICO LOCAL NO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR TICA DO LITORAL DO PARANÁ

Natália Carolina de Oliveira Vaz Dginane Linhares, Liliani Marília Tiepolo, Valdir Frigo Denardin

A presente pesquisa visa analisar a relação existente entre o patrimônio material e o turismo local, no que tange o desen- Um fator intimamente relacionado à perda da biodiversidade na Mata Atlântica refere-se ao descumprimento da legisla-
volvimento do município de Morretes/PR. A questão central destaca a relevância da preservação do patrimônio material ção ambiental, como as questões que envolvem as áreas de preservação permanente (APP): as matas ciliares na margem
no município de Morretes/PR para a promoção do desenvolvimento turístico. Assim, busca-se analisar o grau de inter- de rios, lagos e reservatórios e as encostas íngremes, que são suscetíveis a inundações e escorregamentos e se tornam ter-
dependência entre ambos, tendo por foco contribuir com o desenvolvimento turístico, com a preservação do patrimônio renos com alto potencial de risco quando ocupados. Não obstante, o manejo inadequado do solo contribui para o crescente
material edificado; e disseminar a conscientização de sua importância para o desenvolvimento turístico regional. Além aumento da degradação do solo, comprometendo sua fertilidade e, consequentemente, a produtividade do sistema, o que
deste objetivo mais amplo, este trabalho também visa caracterizar o patrimônio material edificado, identificar elementos gera perdas incalculáveis que afetam tanto o meio físico e biológico quanto a economia dos municípios, estado e país. No
que estabeleçam a relação entre a preservação do patrimônio material e desenvolvimento turístico e analisar sistemati- Estado do Paraná, com 6 milhões de hectares de área agrícola, a perda de solo é de 10 toneladas de hectares por ano. O valor
camente a sua influência para o município. Atualmente, há quatro edificações na relação estadual de bens tombados no dos principais nutrientes perdidos por erosão é da ordem de US$ 121 milhões por ano. A partir dessa problemática, esta
município de Morretes, quais sejam: a Casa Rocha Pombo, a Igreja de São Benedito - Morretes, a Igreja de São Sebastião pesquisa objetiva perceber alguns aspectos relacionados ao uso e manejo do solo praticado pelos agricultores familiares
do Porto de Cima e a Residência em Alvenaria - Porto de Cima. As informações angariadas em decorrência deste trabalho do município de Morretes, localizada no litoral do Paraná, na Mata Atlântica paranaense, considerada hotspots de biodi-
poderão contribuir com a promoção turística e a preservação do patrimônio material edificado para o desenvolvimento versidade e onde grande parte da população vive em áreas rurais e depende exclusivamente das atividades agropecuárias.
turístico sustentável do município de Morretes/PR. A metodologia qualitativa foi utilizada na pesquisa para que fosse Para entender as relações entre o ser humano e a utilização sustentável da terra no local de estudo, utilizou-se métodos
possível analisar o fenômeno turístico, possibilitando um maior contato do pesquisador com seu o objeto. Parcialmente qualitativos, por meio de visitas, observação e conversas informais com pequenos agricultores locais. Os resultados ainda
se concluiu que as junções do patrimônio imaterial e do patrimônio natural formam o patrimônio material, porque através
são preliminares, mas já evidenciam as fortes relações dos agricultores com a dimensão ambiental, onde são notáveis as
de técnicas e conhecimentos adquiridos e transmitidos de geração em geração no decorrer do tempo, juntamente com a
características físicas do município, as quais influenciam na localização, nos hábitos e nas atividades das comunidades
utilização do espaço geográfico e recursos naturais, é possível que se materialize o imaterial e transforme o natural em
rurais. Em especial chama a atenção as redes hidrográficas, o clima e as formas do relevo na região e que os agricultores
patrimônio material. Não se pretende apartar o patrimônio imaterial, o patrimônio natural e o patrimônio material, inclu-
sive porque o último é a junção dos dois primeiros. No entanto, o enfoque será direcionado para o patrimônio material, se adaptam com muita facilidade a estas dificuldades, muitos utilizando as áreas de APP (aluviões) para seu cultivo, por
em razão da necessidade de limitação do tema e da preservação das edificações existentes no perímetro do urbano do causa da melhor qualidade do solo. Ressalta-se que os agricultores têm a percepção de que o manejo inadequado pode
município de Morretes/PR. Espera-se que a pesquisa contribua socialmente, demonstrando as correlações entre preser- acarretar problemas graves para a produtividade e que o clima e os tipos de solo também interferem no plantio e no mane-
vação do patrimônio material edificado para a promoção e desenvolvimento turístico regional de Morretes/PR, visando jo da terra, sendo necessário amenizar os impactos gerados pelas atividades desempenhadas. É daí que surgem práticas de
conjuntamente à conscientização da sua preservação. No campo acadêmico ainda não se identificaram estudos específi- conservação que visam à manutenção das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. Este estudo ainda buscará
cos da localidade estritamente sobre esse tema, assim espera-se que este estudo também contribua com um novo olhar entender que práticas de conservação são utilizadas pelas comunidades rurais de Morretes e se os agricultores possuem
acerca de tais questões. tecnologias próprias para a recuperação de solos degradados. Espera-se que este estudo possa contribuir para ampliar o
conhecimento sobre as práticas locais, uma vez que os solos em atividade podem ser utilizados por mais tempo de forma
sustentável quando as práticas são adequadas, poupando os solos intactos, sem a necessidade de desbravar novas terras ou
destruir sua vegetação para a implantação de atividades econômicas.
Palavras-chave: Patrimônio Material. Turismo Local. Desenvolvimento Regional. Município de Morretes/PR

Palavras-chave: solos; agricultura; Morretes; Mata Atlântica

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A VISIBILIDADE E O POTENCIAL DOS PRODUTOS ORGÂNICOS NO/DO LITORAL DO PARANÁ: UMA NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E GOVERNANÇA TERRITORIAL: O CASO DA
QUESTÃO SOCIOECONÔMICA AMBIENTAL BAÍA DA ILHA GRANDE E SUAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Andressa da Luz Borges, Liliani Marília Tiepolo, Valdir Frigo Denardin Gabriel Pires Gomes Nonato Alves

Tratamos nesta pesquisa da produção e da comercialização de alimentos orgânicos, definidos pelo sistema de produção A Zona Costeira brasileira possui uma série de recursos que necessitam de uma gestão eficiente. Abarcando 17 unidades
específico, o qual otimiza o uso dos recursos naturais, o não uso de insumos químicos e valoriza a cultura das comunida- da federação, importantes ecossistemas e fontes de recursos, uma grande concentração populacional e um processo
des rurais, maximizando, desta forma, os aspectos socioambientais, conforme a Lei nº 10.831/03. No Brasil, conforme acentuado de desenvolvimento de atividades industriais e serviços, se faz necessário um ordenamento, permitindo a gestão
o Censo Agropecuário do IBGE (2009), os estabelecimentos produtores de orgânicos representam 1,8% e o Paraná está sustentável desses recursos e práticas, minimizando impactos socioambientais e econômicos. O setor costeiro da Baía da
entre os quatro maiores estados produtores, tendo 7.527 estabelecimentos, de acordo com os dados de 2011, da Secre- Ilha Grande corresponde aos municípios de Angra dos Reis e Paraty e parte dos municípios de Conceição de Jacareí e
taria da Agricultura e do Abastecimento. O litoral do Paraná tem destaque na produção de frutas orgânicas, entretanto, Mangaratiba, sendo 72% do seu espaço constituído por Unidades de Conservação, abrigando diversas formações florestais
a produção geral desta região está associada à Mesorregião Metropolitana de Curitiba, o que dificulta a inferência es- e patrimônio natural, patrimônio histórico, atividades turísticas e industriais, polos de desenvolvimento e urbanização e de
pecífica. O litoral paranaense é caracterizado por possuir o maior remanescente da Mata Atlântica, mas vinculam-se, ocupação humana (Diagnóstico do Setor Costeiro da Baía Da Ilha Grande, 2015). Essas condições tornam a Baía da Ilha
frequentemente, a este fator os baixos índices socioeconômicos e os conflitos socioambientais, sendo estes associados, Grande lócus de uma série de impactos e conflitos, decorrentes dos usos competitivos de recursos e do espaço, a começar
em sua maioria, às restrições ao uso do solo. As condicionantes do litoral paranaense viabilizam a produção de orgânicos. pela grande quantidade de Unidades de Conservação no local. A estratégia de estabelecimento de áreas destinadas à
O objetivo desta pesquisa é unir informações referentes à produção e à comercialização dos orgânicos no litoral. Con- proteção da natureza é sistematizada no Brasil nos anos 2000, por meio do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
seguindo-se alcançar o objetivo principal, tem-se como meta diagnosticar o porquê do litoral não estar num panorama (SNUC). A proteção dos ecossistemas objetivada por essas unidades implica condicionamentos e/ou privações no uso
mais abrangente no contexto paranaense; e possibilitar o acesso aos órgãos e instituições com as informações pertinentes dos recursos naturais. Em ambos os contextos, da proibição ou da exploração dos recursos naturais, surgem conflitos
ao litoral. Partimos de fundamentos epistemológicos vinculados ao pensamento complexo, tendo-se como base a visão socioambientais que necessitam de mediação. Sendo assim, se faz presente a temática da Governança Territorial, voltada
e consciência holística, analisando-se a produção dos orgânicos por meio de um amplo espectro, como indica Borsatto para a intermediação das questões e conflitos socioambientais e entendida como “(...) uma permanente negociação de
(2007, p 41), em “Agroecologia: um caminho multidimensional para o desenvolvimento agrário do litoral paranaense”. interesses em conflito (efetivo ou potencial), constituindo-se num contínuo processo de diálogo-aprendizado entre os
A metodologia se dá a partir da revisão bibliográfica e de bases secundárias (IBGE, IPARDES) e entrevistas realizadas agentes envolvidos” (Gusmão, 2014, p.165). O presente trabalho pretende, primeiramente, especular sobre a negociação
com instituições e pesquisadores que atuam na área e na região. As entrevistas serão feitas a partir da gravação de áudio e resolução de conflitos sob a ótica da Governança Territorial. Mais especificamente, pretende-se analisar as negociações
e anotações. Pretende-se aplicar estes métodos em três meses. Os resultados preliminares indicam dissertações e proje- de conflitos socioambientais envolvendo as Unidades de Conservação da Baía da Ilha Grande e a pertinência dos aspectos
tos de pesquisa desenvolvidos sobre/no litoral paranaense (quatro), sendo estes utilizados como fonte de dados, assim da negociação e resolução de conflitos em outros recortes. Sendo assim, será feita uma revisão bibliográfica e documental
como referências para base de instituições vinculadas à produção agrofamiliar/orgânicos da região. Dentre os trabalhos acerca da área e dos objetos de estudo e um trabalho de campo para obtenção e confirmação de dados, elegendo uma
encontrados até o momento (onze), a maioria é composta por resumos (sete) e não há detalhes do processo. Outro resul- Unidade de Conservação para estudo de caso, levando em consideração as escalas, o número de conflitos e de atores
tado obtido aponta que o Polo de Agroecologia do litoral desenvolveu o Diagnóstico Rural Participativo (DRP) em cinco neles envolvidos, e a efetividade dos fóruns de Governança Territorial, no sentido da resolução dos conflitos existentes.
municípios, com exceção de Matinhos e Morretes, diagnóstico este que permite obter informações das propriedades e do Em seguida, a elaboração de um relatório com os resultados e possibilidades de melhoria na gestão e na negociação dos
perfil dos produtores familiares (ressaltando que Morretes ainda não realizou seu DRP, mesmo sendo um município que conflitos na Unidade em questão e em outros espaços. Até o presente momento foram identificados conflitos acerca da
se destaca em relação à agricultura local). Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, espera-se conseguir informações competição pelo uso do espaço e dos seus recursos, ocupação desordenada, degradação ambiental, de patrimônio histórico
mais específicas e consistentes, principalmente quanto aos resultados já alcançados, ao andamento dos projetos e quais e cultural, envolvendo alguns atores como pescadores artesanais e industriais, populações tradicionais, promotores
instituições continuam vinculadas. Espera-se também ter uma lista com as instituições atuantes, acervos de base de dados imobiliários, profissionais do turismo, industriais, residentes, turistas e agentes públicos governamentais.
e um panorama geral da realidade da produção de orgânicos no litoral paranaense.

Palavras-chave: Governança Territorial; Zona Costeira; Unidades de Conservação; Negociação de Conflitos.


Palavras-chave: Produção de orgânicos; Litoral paranaense;

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ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO LITORAL DO PARANÁ: UMA QUESTÃO DE O PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO TERRITORIAL
DESENVOLVIMENTO, PODER E JUSTIÇA

Igor Alexandre Pinheiro Monteiro, Fellype Ramom Rodrigues Furtado, Ana Paula Brudnicki Barbosa
Mirna Carriel Cleto, Marcos Claudio Signorelli, Nadia Terezinha Covolan

O presente trabalho versa sobre o Protocolo Comunitário do Bailique, construído com o apoio do Grupo de Trabalhos
A concepção de Desenvolvimento Humano implica em expansão das capacidades e das possibilidades de ser e de fazer Amazônicos, durante outubro de 2013 e dezembro de 2014. O Protocolo Comunitário, da maneira como é previsto no
das pessoas, especialmente das mulheres. Em que pese à pobreza ser fator indiscutível de enfraquecimento da cidadania artigo 12 do Protocolo de Nagoia, tem o condão de determinar as regras que serão obedecidas nos casos de acesso e re-
e impedir que as mulheres ajam para modificar suas condições, os fatores da desigualdade extrapolam a questão da partição de benefícios. Entretanto, o Protocolo Comunitário do Bailique vai além desse conceito e abrange temas como
renda e entram em campos mais sutis da subordinação feminina. Um efetivo desenvolvimento humano, com maior identidade, regras de convivência, valores das comunidades, tomada de decisões, consulta prévia e uso dos recursos
justiça e equidade, exige assegurar o acesso não apenas aos recursos, oportunidades e serviços públicos básicos, mas naturais, além de prever temas a serem discutidos posteriormente e adicionados ao documento por demanda das comu-
principalmente a uma maior expressão das vontades e valores das mulheres. O tema desta pesquisa, o acolhimento nidades. O instrumento em estudo, de maneira sistemática e participativa, extrai dos comunitários as regras construídas
institucional, aborda as mulheres/mães com histórias de violência, abandono e submetidas a um estado de completa por eles mesmos ao longo do processo cultural, natural e dinâmico de suas comunidades e organiza em um documento
vulneração social, tendo como recorte geográfico os municípios do litoral paranaense. Nesse contexto, a proposta para servir de molde nas relações com agentes externos, além de corrigir determinados modos de agir incompatíveis com
perpassa pela questão de gênero e pelas relações de poder por ele significadas, considerando gênero como principal o desenvolvimento sustentável e preservação do território que ocupam. A Gestão Territorial ganha força no instrumento
elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos. Nesse sentido, propõe-se quando a própria comunidade identifica os pontos positivos e negativos de sua relação com o território, revisita as regras
uma abordagem metodológica baseada na pesquisa-ação, junto à rede de atenção e com a participação de mulheres deste já existentes e traça novas diretrizes para um desenvolvimento igualitário e sustentável de seu território. O escopo do
território. Um dos reflexos das desigualdades de gênero evidenciados no litoral paranaense está na carência de ações trabalho é demonstrar a possibilidade de empoderar as comunidades de conhecimento necessário para a construção de um
afirmativas e políticas públicas para o enfrentamento da violência – doméstica e institucional - contra as mulheres e as Protocolo Comunitário que tenha fim para eles próprios e inverta a habitual lógica “cima-baixo” de imposição de regras
suas crianças, e que também promovam sua maior emancipação e autonomia, condição imprescindível para a superação e diretrizes que estão submetidos, na maioria das vezes. Este instrumento os capacita a dialogar em paridade de posições
da realidade iníqua a qual estão resignadas. Através da compilação de dados junto às instituições responsáveis por com os agentes externos e firma o direito consuetudinário em um documento a fim de expô-los para os agentes externos.
coordenar e fortalecer a articulação dos serviços com a rede de assistência social e demais políticas públicas, bem como Deste modo, propõe-se uma forma de democracia ambiental que inclua os povos e comunidades tradicionais no centro
pelo atendimento, cuidado e prestação de serviços de média e alta complexidade às crianças, adolescentes e suas famílias, do debate, opinando e deliberando nos processos de tomada de decisões que os atinjam direta ou indiretamente. Como
almeja-se aprofundar o (re)conhecimento e interpretação da realidade destas famílias e das instituições de acolhimento do metodologia para o trabalho foi feita uma pesquisa de campo no período em que ocorreu o IV Encontrão das comunidades
litoral paranaense. O mapeamento das instituições possibilita a obtenção de dados sobre acolhimento, adoções, violências do arquipélago, que deu início ao Ano 2 do projeto, bem como análise material do Protocolo Comunitário e bibliografia
doméstica e institucional e demais fatores relacionados ao tema. Os dados encontrados podem subsidiar a construção de acerca do tema com o objetivo de traçar pontos em comum com outros Protocolos pelo mundo e inovações. Com a con-
estratégias que permitam transformações e melhora das condições de vida dessas mães e crianças, consequentemente, clusão da análise de campo e bibliográfica, pôde-se compreender a aplicação fática dos princípios da informação - com
para o desenvolvimento humano e sustentável da região. Com base neste estudo, pretende-se apresentar subsídios para a a capacitação dos comunitários em entender temas diversos que os envolvem - e participação ambiental – com a inte-
proposição de novas ações pró ativas e afirmativas, a formação e a articulação de redes de apoio que atendam as demandas riorização, pelos comunitários, das funções no desenvolvimento do Protocolo Comunitário e a discussão das melhores
destas instituições. Destacamos que a reprodução das violências, a massificação nas resoluções, a falta de preparo e soluções. Além disso, chegamos à conclusão de que, apesar de ser um trabalho minucioso a ser feito com milhares de
dos preceitos do cuidado e da humanização nas instituições de acolhimento são algumas das questões nevrálgicas que comunidades por todo o território nacional, faz-se urgente e necessário capacitar e criar mecanismos de proteção a esses
nos motivam a buscar identificar os limites e potencialidades de garantia dos preceitos de atenção integral, mediante povos e comunidades, posto que a gestão territorial não pode ser decidida pelos agentes externos, mas, tão somente, pelos
aplicação de medidas de prevenção e de proteção. Por fim, espera-se visibilizar as estratégias e medidas efetivas de apoio próprios comunitários.
ao enfrentamento das violências tomadas em favor destas mulheres/mães, objetivando o fortalecimento da autonomia e
possibilidade de fortalecimento de vínculos entre mães e filhos/as.

Palavras-chave: Gênero e Saúde; Políticas Públicas; Acolhimento; Violência contra a Mulher.

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ZONAS RURAIS: ESTUDO DE CASO NO TERRITÓRIO MEIO ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO VALE DO RIBEI-
OESTE CONTESTADO EM SANTA CATARINA RA PAULISTA

Diogo Neves Melo, Ademir Antonio Cazella, Monique Medeiros Joaquim Alves Silva Jr, Luiz Carlos Beduschi Filho

A regularização fundiária em zonas rurais brasileiras consiste numa ação sociopolítica de garantia da segurança jurídica Os arranjos territoriais surgiram nos anos 2000 com o intuito de promover a complexidade sociocultural, a valorização
do título de propriedade, sobretudo, para agricultores familiares. Entendendo que tal ação contribui tanto para a das amenidades, a produção de bens não-agrícolas específicos, a construção social da cooperação e dos círculos virtuosos
permanência de agricultores familiares no campo quanto para seu acesso às políticas públicas, o objetivo desta pesquisa de desenvolvimento para o meio rural. Tais dimensões compõem o enfoque territorial, fundamentado na potencialização
é identificar e caracterizar o perfil socioeconômico das famílias de agricultores ocupantes e passíveis de regularização dos atributos de reprodução sociocultural e dinamização econômica a partir do planejamento estratégico moldado num
das suas terras ou parte delas e das organizações que atuam nas ações de regularização fundiária no Território Meio entorno determinado, ou seja, no território. Assim, a abordagem dos territórios se tornou um fundamento para a regula-
Oeste Contestado, em Santa Catarina. As informações que constituem esse trabalho foram obtidas em campo por meio ção e execução de políticas públicas no meio rural. Entretanto, as experiências territoriais da última década mostram um
de entrevistas semiestruturadas e questionários fechados para o levantamento do perfil dos agricultores familiares e da quadro de pouca efetividade de implementação. Esta pesquisa analisou os alcances e desafios do Programa Nacional de
situação dos estabelecimentos agropecuários, no que se refere à regularização. Também foram realizadas entrevistadas Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT) e do Programa Territórios da Cidadania (PTC) imple-
semiestruturadas sobre a política no Território, direcionadas aos representantes de organizações rurais. Os dados analisados mentados no território Vale do Ribeira paulista. Elaborou-se um estudo de caso a partir da participação em reuniões no
à luz dos preceitos da micro-história apontam para a existência na região de expressiva quantidade de agricultores Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local do Vale do Ribeira (CONSAD), da realização de entrevis-
ocupantes, majoritariamente de origem cabocla, com problemas de acesso às políticas fundiárias e de desenvolvimento tas semiestruturadas, da análise documental, complementado pela análise contextual do território. Os resultados mostram
agrícola, baixa condição financeira, além de pouco acesso ao sistema de ensino e idade avançada. Seus estabelecimentos que o processo de territorialização do PRONAT ocorreu com relevante participação popular e focou na construção do
agropecuários foram obtidos pela posse, herança e compra, mas raramente passaram pela regularização. Essa situação chamado Projeto Vale do Ribeira Sustentável (PVRS). O projeto possuía metas como a mobilização do poder público
está associada aos desdobramentos históricos decorrentes da Guerra do Contestado, em especial, da luta pela terra pelos local e atores sociais, a construção de projetos direcionados às comunidades locais, o apoio e capacitação para elaboração
caboclos e do processo de colonização por imigrantes de origem europeia na região. Questões da historicidade dos de projetos, o fortalecimento de entidades locais/regionais de agricultores familiares e de comunidades tradicionais, pau-
acontecimentos de acesso a terra e sua regularização no país, estado e Território também foram contemplados pela tando-se, em especial, na elaboração do plano territorial de desenvolvimento sustentável. Os limites do PRONAT foram
pesquisa. No que se refere às organizações, buscou-se caracterizar como essas fomentam ações de regularização nos a baixa complementaridade entre os diversos ministérios, ações e projetos, além da participação simbólica dos gestores
municípios analisados. Verifica-se que inexiste no Território uma organização que centralize as ações fundiárias e que públicos órgãos regionais, atestando baixa capacidade de institucionalização destes para a construção do planejamento
diferentes organizações atuam de forma fragmentada na promoção dessa política pública. A persistência de um público territorial. Mas também o PTC surgiu com objetivos de estruturar a inclusão social e o desenvolvimento territorial sus-
potencial para o acesso à política pública de regularização fundiária permite afirmar que ações dessa natureza devem ser tentável, operacionalizado segundo o princípio da intersetorialidade, que, entretanto, não foram alcançados. O PVRS não
fomentadas pelas organizações rurais de forma permanente. Persiste assim uma carência de estudos que caracterizem de foi executado, pela ausência de articulação entre os atores públicos e privados. O CONSAD foi desmobilizado devido
forma detalhada o perfil socioeconômico desses agricultores familiares e de seus estabelecimentos agropecuários. à baixa capacidade de convergir o cardápio de ações do PTC com as demandas e projetos do público participante, além
do surgimento de imbróglios burocráticos que acabaram por bloquear as atividades do colegiado junto ao Tribunal de
Palavras-chave: Políticas Públicas, Agricultura Familiar, Micro-história e Guerra do Contestado. Contas do Estado de São Paulo, evidenciando a baixa estrutura institucional da gestão do PTC. No atual momento, o PTC
foi repassado ao convênio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) com universidades públicas, enquanto o
arranjo do CONSAD foi substituído pelo Colegiado de Desenvolvimento Territorial (CODETER), visando ascender um
novo ciclo da política territorial. O principal desafio passa pela superação do histórico de conflitos políticos partidários
e o seu reflexo na gestão pública local. No contexto político institucional atual, a abordagem territorial das políticas pú-
blicas perdeu força na agenda do governo.

Palavras-chave: Desenvolvimento Rural, Território Vale do Ribeira, Políticas Públicas, Sustentabilidade.

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PLANTAS INDICADORAS DE SOLO: ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DE PLANTAS ESPONTÂNEAS AS RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE O PARQUE NACIONAL DE SAINT-HILAIRE/LANGE E SUA ZONA RU-
EM ÁREAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA. RAL DE ENTORNO (FACE LESTE – PR 508)

Natalia Schmeiske Salussoglia, Edmilson Cezar Paglia, Carlos Eduardo Seaone Larissa Aparecida de Paula Campos, Ana Paula Pereira Adriano

Este estudo discute a mudança do paradigma de plantas invasoras para indicadoras do estado nutricional do solo. Este As áreas naturais protegidas foram originadas com o intuito de promover a proteção dos locais de relevante beleza cênica.
novo olhar possibilita uma análise mais contextualizada, observando cada planta da parcela da área de produção agrí- Com o passar dos tempos, as atenções se voltaram para a conservação da biodiversidade frente à degradação ambiental
cola. O objetivo foi identificar e caracterizar as plantas espontâneas na área analisada em Morretes, no Paraná, em uma provocada pelas atividades antrópicas. Nesse âmbito, as Unidades de Conservação (UC) realizam o papel do conservar e
propriedade da agricultura familiar orgânica; utilizando o diagnóstico e o conhecimento do agricultor sobre a sua área, proteger o ambiente para as gerações atuais e futuras. Assim, houve a necessidade se de desenvolver um diagnóstico com
no sentido de contribuir para o aprimoramento de metodologias de análises de solo ecológicas dos sistemas de produção, base na análise das relações entre o Parque Nacional de Saint- Hilaire / Lange (PNSHL), localizado no litoral do Estado do
ficando clara a condição que o solo se encontra e seu estágio de recuperação. Contribuindo na escolha de um manejo Paraná, e sua zona de entorno (ZE), situada na face leste, trabalhando com os residentes das Colônias rurais e conselheiros
ecológico mais adequado têm-se as plantas espontâneas, que desempenham funções essenciais à recuperação da vida. representantes das mesmas no Conselho Consultivo do PNSHL. Objetivou-se compreender tanto o nível de consciência
Dentre estas funções, há a participação no controle de pragas e doenças, a indicação de carências e desequilíbrios nos ecológica que os atores sociais detêm sobre meio ambiente quanto quais as perspectivas sobre a criação/gestão da UC. Os
solos e o transporte de nutrientes para o solo. Muitas dessas plantas são comestíveis e a maioria têm ações fitoterápicas, procedimentos adotados consistiram na aplicação de entrevistas por meio de questionários semi-estruturados, divididos
atuando como promotoras da biodiversidade. No contexto de buscar o aperfeiçoamento de metodologias de pesquisa de em “dados gerais”, “concepção” e “relação”. Para a tabulação destes foi utilizada a metodologia da Análise de Conteúdo
base ecológica, entende-se a necessidade tanto de estudos que sistematizem conhecimentos mais conscientes sobre as de Laurence Bardin. Concluiu-se que a concepção predominante em torno do Parque Nacional é estritamente ambiental,
plantas espontâneas, que possam subsidiar uma proposta de intervenção para melhoria do solo mais adequada para cada sendo feitas poucas referências aos benefícios que este proporciona para a sociedade como um todo. Verificou-se que tanto
situação dentro da produção de base ecológica, quanto da certificação de que o conhecimento empírico do agricultor os gestores do Parque como os residentes em seu entorno demonstraram interesse em fornecer e obter esclarecimentos no
pode ser uma ferramenta na avaliação do solo. Assim, este trabalho teve como objetivo averiguar a adequação do uso de que tange a unidade e as limitações incumbidas àquela área. Portanto, visualizamos um espaço propício para que ações
plantas espontâneas e a perspectiva de gerar um processo de reflexão e debate com o agricultor sobre a condição do solo de educação ambiental e gestão participativa sejam aplicadas, atuando sob a perspectiva da conservação ambiental, parti-
e ferramentas para a indicação do estado nutricional do solo. A identificação do estado nutricional do solo foi realizada cipação social, esta considerada instrumento de desenvolvimento regional da zona de entorno da unidade, e uso racional
por meio de uma análise de rotina. A coleta foi feita utilizando amostragem composta e a análise foi feita no laboratório dos recursos naturais.
de fertilidade de solos da Universidade Federal do Paraná. Foram identificadas 10 plantas por meio de fotografias, utili-
zando o conhecimento sobre o nome popular destas pelo agricultor e também utilizando o Manual de Plantas Daninhas
(LORENZI, 2000). As plantas identificadas são: Eupatorium pauciflorium (mentrasto), Vernonia westiniana (assa-pei- Palavras-Chave: Gestão de Unidades de Conservação. Relações Sociais. Gestão participativa. Parque Nacional de Saint
xe), Desmodium uncinatum (carrapicho), Buddeleja brasiliensis (barbasco), Imperata brasiliensis (capim-sapé), Sida Hilaire/Lange.
glaziovii (guanxuma-branca), Centella asiatica (pé-de-cavalo, corcel), Stachytarpheta cayennensis (gervão), Tibouchina
clinopodifolia sp (quaresmeira) e Hypoxis decumbens (falsa-tiririca). Com a pesquisa realizada foi possível notar que as
plantas identificadas na área de estudo indicam, sincronicamente com a análise laboratorial, carências no estado nutricio-
nal do solo. As plantas identificadas são indicadoras importantes do ambiente e podem contribuir com a melhoria do solo,
no sentido de serem precursoras, bem como serem utilizadas como um instrumento metodológico de avaliação nutricio-
nal de solos em áreas de produção agrícola. Ao invés de tratá-las como “daninhas” deve-se tratá-las como indicadoras
mudando o paradigma que foi criado pela agricultura convencional que não as valoriza no contexto.

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O ENSINO DE CIÊNCIAS NAS ESCOLAS E O OLHAR DO ALUNO CAIÇARA SOBRE O LITORAL PROGRAMA AQUISIÇÃO DE ALIMENTO: O ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE PONTE
SERRADA-SC.

Brenna de Souza Orrico de Azevedo, Daniel da Silva Sampaio, Luiz Everson Everson da Silva
Idiane Mânica Radaelli

Para compreender uma comunidade é preciso estudar sua cultura, seus costumes e histórias contadas; e o ensino de
Ciências na escola contribuí para que a compreensão sobre a comunidade ocorra, quando trata de assuntos do contexto O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) volta-se para a produção de alimento na agricultura familiar, que po-
local, pois quando esses assuntos são trabalhados em sala de aula é certo que eles perpetuarão na vida dos alunos e da tencializa as unidades de produção para produzir e gerar renda na unidade de produção. O PAA foi instituído pela
comunidade. Nesse contexto, surge a proposta de criar um debate sobre o que os alunos entendem sobre o porto que será Lei 10.696, de 2 de julho de 2003, como uma ação estrutural do Programa Fome Zero, que tem como objetivo central
construído em Pontal do Paraná e quais os benefícios e malefícios desta obra pra quem vive no Litoral. Já que é possível garantir o atendimento de populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão so-
verificar que a construção do porto de Pontal do Paraná é uma obra que acarretará em muitas mudanças na paisagem, cial no campo, fortalecendo a agricultura familiar. A realização da pesquisa na cidade de Ponte Serrada – SC buscou
na economia, no contexto social e no modo de preservação e cuidados com o meio ambiente. Para muitos alunos essa compreender como ocorre o PAA neste município. Em Ponte Serrada a parceria é realizada através da Cooperativa de
realidade é distante e alguns nunca foram ao município de Pontal do Paraná. Então, a partir das imagens coletadas, é que Pequenos Empreendimentos Familiares de Ponte Serrada, a COPERFAPS. No município há 554 estabelecimentos agro-
foram propostas as discussões sobre os impactos e as relações estabelecidas com a comunidade e seu entorno, na tentativa pecuários, sendo que 80 destes estabelecimentos são de famílias associadas à cooperativa COOPERFAPS. A COOPER-
de tecer, de modo interdisciplinar, laços com o ensino de ciências. O trabalho se estruturou de forma lúdica e depois de FAPS foi organizada pelos pequenos agricultores da cidade junto com a EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e
explanação do tema, num processo dialógico de muita interação entre os alunos. Como resultado há a produção textual Extensão Rural de Santa Catarina) e a Secretária Municipal de Agricultura, em que os objetivos da cooperativa devem
e gráfica do olhar destes alunos, interpretando o lugar onde vivem, as influências do porto e as mudanças ocorridas na ser os mesmos do PAA, pois este é o quesito básico para a obtenção de verba do governo. E em 28 de julho de 2006, a
vida de cada um, na paisagem e biodiversidade como um todo. O projeto foi desenvolvido nas séries finais do ensino COOPERFAPS foi oficializada como cooperativa distribuidora de alimentos. Desde a oficialização da cooperativa,
fundamental com alunos do sexto e sétimo ano. A proposta final foi fazer uma pequena mostra dos desenhos através de em 2006, até o ano de 2010, a COOPERFAPS passou por um período de estruturação (organização e cadastramento
banner, relatando o olhar do aluno caiçara em relação à criação do Porto de Pontal do Sul. dos agricultores, construção da sede, compra de veículo para a distribuição de alimentos). A partir de 2010, associou-
se à Cooperativa Central Sabor Colonial de Chapecó-SC - cooperativa responsável pelas chamadas públicas realizadas
pelo governo, que aproveita os excedentes dos municípios para comercialização destes produtos em outras regiões; e
quem são beneficiados com os alimentos do programa são as escolas, os asilos, as creches, as APAEs. Uma preferência
peculiar do governo é que no projeto a maioria dos sócios sejam mulheres, como uma forma de valorizar a mulher no
campo tornando-a protagonista na agricultura. São 80 famílias associadas e cada uma delas entrega no mínimo um
produto à cooperativa, e esta vem proporcionando várias vantagens aos associados, como valorização das pessoas
que trabalham na agricultura, garantia de venda dos produtos e geração de renda.

Palavras-Chave: Programa de Aquisição de Alimentos, Cooperação, Políticas Públicas.

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PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ATRAVÉS DA RECICLAGEM PARA PRESER- LEVANTAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO MANGUE-VERMELHO (Rizophora mangle) COMO MEDICA-
VAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: O CASO DA SECRETARIA AMBIENTAL DA PREFEITURA DE PARANA- MENTO FITOTERÁPICO PARA O TRATAMENTO DE ENFERMIDADE CUTÂNEA DE PESCADORES DO
GUÁ MERCADO DO PEIXE DE MATINHOS-PR

Luciane Silva Franco, Antonio Carlos Franco Alexandre Hofart Arins, Ruth Kellen Catão, Marcos de Vasconcellos Gernet

Existe um inadequado modo de pensar sobre os problemas decorrentes dos resíduos que a sociedade está produzindo. Os O mangue-vermelho (Rizophora mangle) é uma planta pioneira que ocupa regiões de transição, entre ambientes marinhos
avanços da tecnologia não têm solucionado, pois esbarram no processo político, resultando na medida mais conhecida: e estuarinos, em solos lodosos e ricos em matéria orgânica. Trata-se de uma espécie nativa no Brasil, mas que também
“empurrar para frente” os problemas que hoje estão se apresentando. As questões da reciclagem de lixo não fogem desta é encontrada em outras partes do mundo como a Europa e América Central. Essa planta é rica em tanino (utilizado para
lógica simplista. A Prefeitura de Paranaguá apresenta um descompromisso com os aspectos que envolvem reciclagem. A tingir roupas ou como medicamento). Algumas comunidades do litoral paranaense possuem conhecimentos empíricos
gestão ambiental precisa dar atenção especial para ações voltadas ao desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, esta relevantes sobre a utilização desta planta como medicamento fitoterápico. Há diversos relatos da utilização em forma de
pesquisa apresenta o seguinte problema: o descompromisso da Prefeitura de Paranaguá com a separação do lixo e poste- banho ou emplasto de suas folhas para o tratamento de algumas enfermidades como bicho geográfico, frieiras e Erisipela.
riormente com a reciclagem influencia no crescimento da cidade? O problema abordado diz respeito à falta de compro- A Erisipela é infecção cutânea causada geralmente pela bactéria Streptcoccus pyogenes do grupo A, mas pode também
metimento da Prefeitura de Paranaguá com os moradores em um modo de processo produtivo que privilegia o ponto de ser causada por Haemophilus influenzae tipo B, que penetram através de um pequeno ferimento (picada de inseto, frieiras,
vista econômico e valoriza apenas a “produtividade” e o “consumo”. O objetivo do estudo é incentivar a sustentabilidade micoses de unha, etc.) na pele ou na mucosa, disseminam-se pelos vasos linfáticos e podem atingir o tecido subcutâneo e
ambiental em Paranaguá, promovendo a importância da separação do lixo para contribuição da reciclagem. Os objetivos o gorduroso. O objetivo deste estudo é identificar a utilização do mangue-vermelho e outros medicamentos fitoterápicos
específicos são: retratar a importância da separação do lixo para a reciclagem na cidade; avaliar quais os aspectos da ci- no tratamento de enfermidades; e a consciência sobre a Erisipela, dos pescadores que atuam no centro de Matinhos-PR.
dade que podem ser influenciados com o descompromisso da gestão ambiental; destacar qual a visão dos gestores sobre Foram aplicados 104 questionários, estruturados com três perguntas, no período de um dia, no mercado municipal de
a reciclagem como fator essencial no desenvolvimento sustentável. A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória, Matinhos e na Colônia de pescadores da proximidade. Além das três perguntas, também foram levantados dados como:
que envolve estudo de caso e pesquisa bibliográfica. Com uma abordagem quantitativa, pois tem interesse em obter da- idade e sexo dos entrevistados. No total, 94 pessoas optaram por identificarem-se nas entrevistas. A média de idade dos
dos procurando compreender a percepção dos gestores, o estudo de caso foi realizado com a aplicação de questionário entrevistados foi de 37 anos, destes, 88% foram homens e 12% mulheres. A maioria (65%) dos pescadores respondeu que
estruturado com oito perguntas, que foi aplicado aos gestores da Secretaria do Meio Ambiente, todos responderam a conhecia a enfermidade Erisipela, também chamada de Zipra. Além disso, a maioria (76%) deles já utilizou algum tipo de
pesquisa totalizando oito gestores. Os resultados foram analisados por meio de estatística. Segundo a pesquisa, 87,5% medicamento fitoterápico. Quanto à utilização do mangue-vermelho como medicamento, 39% afirmaram já ter utilizado
dos gestores responderam que a prefeitura apresenta programas de reciclagem; 75% responderam que falta investimen- a planta, enquanto 61% negaram. Das 12 mulheres entrevistadas, apenas uma afirmou ter utilizado o mangue vermelho
to; 87,5% acreditavam que promover ações sustentáveis é importante para o desenvolvimento da cidade; e 62,5% dos como medicamento. A média de idade dos pescadores que responderam sim e não para a pergunta do mangue vermelho
gestores que concordaram que a má gestão ambiental pode prejudicar a cidade. De acordo com 75% dos entrevistados, o é similar (41 e 43 anos). Considera-se que a maioria dos pescadores da região central, embora se utilizem regularmente
acúmulo de lixo pode ocasionar inundações e poluição, gerando doenças para a população e, consequentemente, trazendo de medicamentos fitoterápicos, não utilizam tanto a folha do mangue-vermelho. Isto se deve, segundo os entrevistados,
uma imagem negativa para a cidade; e 62,5% disseram que o nível de urgência de investimento em práticas sustentáveis a distância que teriam que percorrer até a baía de Guaratuba para obter folhas que eles consideram mais “limpas”, pois,
é escalonado como “muito grave”. Os gestores concordaram, por unanimidade, que o avanço da tecnologia e a falta de supostamente, a poluição dos rios da cidade faria com que a planta fosse menos eficiente no combate às doenças. Consi-
infraestrutura em recursos ambientais sempre geram problemas quanto ao crescimento da cidade. Segundo a pesquisa, derando isso, e o risco da Erisipela evoluir para inflamação, trombose, necrose e amputação de membros, inclusive com
87,5% dos entrevistados acreditavam que a falta de infraestrutura vai se agravar rapidamente. Conclui-se que os gestores casos registrados da comunidade estudada, vê-se a importância de se pesquisar a efetividade do mangue-vermelho no
da Secretaria Ambiental acreditam que este tipo de investimento é importante e compreendem os fatores agravantes que tratamento da Erisipela e orientar os pescadores a buscarem assistência médica moderna em caso do tratamento tradicio-
o descompromisso pode gerar para a cidade, porém existe falta de recursos para o que o trabalho ocorra de forma eficaz. nal não surtir efeito.
Este problema poderia ser sanado com a redução de custos desnecessários por parte da Prefeitura de Paranaguá, sendo
encaminhados recursos de investimento para a Secretaria Ambiental destinar às práticas de desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: plantas medicinais, saberes empíricos, Erisipela

Palavras-chave: Reciclagem. Políticas Públicas. Sustentabilidade.

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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
RESULTADOS PRELIMINARES DE ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS PARA INVESTIGAÇÃO FORMAÇÃO CONTINUADA DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE A RESPEITO DAS
DA DINÂMICA DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM PARANAGUÁ – PR DEFICIENCIAS: UMA EXPERIÊNCIA DE REDES NA UNIDADE DE SAÚDE SERRARIA DO ROCHA

Bruno Martins Gurgatz, Felipe Foroni Cota Souza, Édipo Vinicius dos Santos Tagliatella, Emerson Joucoski, Carleno Micaela Gois Boechat Boaventura, Jandaiana Bucker Albino, Taina Ribas Melo, Melissa Sayuri Hoshino, Luciana
Alcides Amorim Quintino, Rodrigo Arantes Reis Castilho Weinert, Marcos Claudio Signorelli

Apesar de existirem leis e campanhas sobre as pessoas com deficiência (PcD), muitas vezes a equipe de saúde e até
A poluição atmosférica é considerada o maior risco ambiental para a saúde humana atualmente, principalmente pelo seu
mesmo as PcD não têm todas as informações de como acessar o SUS, ficando desassistidas de seus direitos. O Agente
impacto e abrangência. Devido à sua natureza extremamente fluida, a investigação sobre a poluição atmosférica é um
Comunitário de Saúde é o profissional essencial no diálogo entre o SUS e seus usuários; e por isso deve ser capacitado para
campo de estudo complexo e amplo. A investigação sobre as possíveis fontes, impactos e dispersões depende de estudos
reunir informações de saúde sobre um território, estimulando a melhoria de vida da população, orientando a comunidade
de séries temporais que incluam dados dos poluentes estudados, atividades poluidoras, além de condições meteorológicas.
para utilização adequada dos serviços, potencializando assim rede de atenção à saúde. A intenção do Programa de
Um dos poluentes mais proeminentes é o material particulado, caracterizado não pela sua origem química, mas consistindo
Educação pelo Trabalho (PET) Redes de Atenção às PcD é fomentar a rede de atenção. Ao longo de 2 anos, teve como
em diversos compostos classificados por características físicas. São comumente divididas em Partículas Totais em
um dos desdobramentos o intuito de fortalecer a integração, na figura do ACS, colaborando para um olhar crítico diante
Suspensão (PTS), menores ou igual a 10 µm de diâmetro (PM10) e menores ou iguais a 2.5 µm de diâmetro (PM2.5),
da realidade encontrada em sua prática diária na comunidade. Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é descrever e
emitido principalmente pela frota veicular. O porto de Paranaguá é o maior porto graneleiro do Brasil e recebe a maior
refletir sobre a experiência de formação continuada de ACS sobre PcD, na Unidade Básica de Saúde (UBS) Serraria
parte de suas mercadorias através de caminhões de grande porte, que se mostram como um importante potencial emissor
do Rocha, Paranaguá/PR. Para tanto, foi realizado um estudo quali-quantitativo, elaborado após apontamentos iniciais
de materiais particulados para a atmosfera. Visando compreender a relação entre a poluição, suas fontes e a influência
do projeto PET, realizado na UBS Serraria do Rocha. Foram realizadas palestras pelas acadêmicas de Saúde Coletiva
dos fatores meteorológicos foi realizada uma Análise de Componentes Principais (Principal Component Analysis -
e fisioterapia, integrantes do projeto, a respeito dos seguintes temas: direitos das pessoas com deficiência, identificação
PCA), que busca identificar possíveis relações entre fatores que devem ser foco de uma investigação mais aprofundada.
das principais deficiências, tipos de deficiência (física, visual, auditiva, intelectual e múltipla), formas de abordagem
Inventado por Karl Pearson, em 1901, a PCA é usada comumente como uma ferramenta de análise exploratória dos
das PcD, orientação de familiares das PcD. As palestras foram conduzidas em encontros que ocorriam uma vez por
dados e para fazer modelos preditivos. Os resultados da PCA são, geralmente, discutidos em termos das pontuações
semana, com abordagem expositiva e dialogada, dinâmicas interativas, vivências, exemplificações, rodas de conversas e
dos fatores, também chamados de componentes - daí o seu nome - de uma forma que melhor explique a variância nos
estudos de caso. Houve um encontro final com gincana para análise dos conhecimentos adquiridos. Também eram citados
dados. Além disso, a PCA é uma das mais simples análises multivariadas e o seu uso pode revelar a estrutura interna dos
exemplos dos mecanismos disponíveis pelo município para atender essa população (cursos para (re)integrar pessoas
dados. Considerando que os fatores formam um conjunto de dados multivariados num espaço multidimensional, a PCA
cegas na sociedade, desenvolvendo sua autonomia e mobilidade urbana; escola para surdos e mudos; centro de triagem e
pode ser usada para se visualizar em dimensões menores esses dados projetados. Nessa projeção são visualizados os
outros). Como resultados quantitativos pode-se observar uma busca mais ativa e identificação das PcD (antes das palestras
fatores que mais se aglomeram, possibilitando a identificação de agrupamentos que podem dar indícios para as análises
eram 21 PcD identificadas na unidade Serraria do Rocha, atualmente esse número é de 55). Pode-se perceber também que
fatoriais mais pontuais. Para o presente trabalho foram utilizados os fatores Direção, Intensidade do Vento, Pressão,
a retenção dos temas foi elevada, fato comprovado pelos 100% de acertos na gincana realizada ao final, a qual abordou
Temperatura, Umidade, Veículos de grande porte que passaram pelo pedágio no dia, Black Carbon, Material Particulado
temas relacionados às deficiências. Houve um envolvimento dos ACS para melhoria dos dados epidemiológicos, os quais,
Total e um fator que cruza esses últimos dois fatores. Todos os dados foram coletados entre 2013 e 2014. Para o estudo
com as palestras, puderam compreender, de maneira simples, questões de herança genética, gestação sem cuidado, entre
foi utilizado o software livre R com o pacote FactoMiner para execução das análises. Os resultados apontam que existem
outras situações que podem levar uma pessoa a ter ou adquirir uma deficiência. Os ACS também compreenderam melhor
agrupamentos ou relações inversas de Black Carbon com os fatores climáticos como preciptação e temperatura. Como
como lidar com essas situações, pois, ao fim das palestras, os ACS estavam mais atentos às situações e ao modo como
a PCA é exploratória, quantitativamente pouco pode ser usada para além de nos apresentar a disposição espacial dos
poderiam lidar e orientar familiares sobre os direitos e tratos com a PcD, tendo em vista a promoção e prevenção da saúde.
fatores, o próximo passo será utilizar esses agrupamentos em análises fatoriais para se perceber quais são relevantes para
Observou-se que as capacitações favoreceram o vínculo da equipe e que a estratégia de formação continuada é uma das
a modelagem dos fenômenos envolvidos.
possibilidades de atuação, potencializando a rede com foco na atenção primária, fomentada pelos profissionais da saúde
coletiva (sanitaristas) e fisioterapeutas.
Palavras-chave: Paranaguá, Saúde Ambiental, Poluição Atmosférica

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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
EDUCAÇÃO EM SAÚDE SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA PARA AGENTES COMUNITÁRIOS DE GESTÃO COMPARTILHADA INTERNACIONAL DO AQUÍFERO GUARANI EM BUSCA DO DESEN-
SAÚDE DA ILHA DO VALADARES: UMA EXPERIÊNCIA TERRITORIAL EM SAÚDE VOLVIMENTO HUMANO E SUSTENTÁVEL

Micaela Gois Boechat Boaventura, Jandaiana Bucker Albino, Nara Regina Velloso, Monara Garanito, Taina Ribas Eduardo Dias de Freitas
Melo, Melissa Sayuri Hoshino, Luciana Castilho Weinert, Marcos Claudio Signorelli

A escassez e a contaminação de água em muitas localidades do planeta torna urgente a intensificação do debate
A Ilha do Valadares no município de Paranaguá está situada na margem esquerda do  Rio Itiberê. É habitada sobre a gestão deste recurso natural. As questões que envolvem a gestão das águas mobilizam governos, organismos
por pescadores que se dedicam à pesca artesanal e cultuam tradições como a de ser o palco do fandango paranaense, não governamentais (ONGs) e sociedade civil em torno desta problemática. Tendo em vista que este recurso é indis-
única  dança  típica litorânea. Tendo o acesso através de uma ponte precária e balsa para carros, suas peculiaridades pensável à vida humana, à manutenção da biodiversidade e às atividades econômicas do homem, à vida de todos os
territoriais dificultam a vida da população, de aproximadamente 30 mil habitantes, em especial das pessoas com deficiência seres, torna-se fundamental a criação de mecanismos que garantam o s eu uso sustentável. A gestão de um recurso
(PcD), por causa de maior vulnerabilidade. No início de maio de 2015, inaugurou-se a segunda UBS, localizada no natural vital, aliada a modelos alternativos de desenvolvimento, pode contribuir para a minimização dos impactos
bairro mais distante da ponte, facilitando o acesso a uma população constituída, em sua maioria, por pessoas pobres, da ação antrópica no planeta. Assim, o desenvolvimento sustentável de Ignacy Sachs ganha relevância, segundo o
que muitas vezes ficavam desassistidas de cuidados, por causa da distância da primeira UBS. O Agente Comunitário de qual o desenvolvimento passa a levar em consideração o aspecto econômico, social e ambiental, buscando promover
Saúde (ACS) tem como objetivo fortalecer elos entre a comunidade e os serviços de saúde, fomentando a rede de atenção uma solidariedade entre as gerações. Apesar de não ter como cerne a relação do desenvolvimento com o meio ambien-
à saúde. A intenção do Programa de Educação pelo Trabalho (PET) Redes de Atenção às PcD foi de colaborar para que te, o desenvolvimento como liberdade de Amartya Sen traz a noção de que a liberdade, a autonomia para se viver
ACS pudessem ter um olhar crítico diante da realidade encontrada pela PcD na comunidade. O objetivo desta pesquisa a vida que se deseja, é o objetivo central do desenvolvimento e nessa perspectiva a economia funciona como meio de
foi analisar a situação local e fomentar a educação em saúde para ACS, levando mais informações e conhecimento obtenção das liberdades substantivas, e não como fim. A água, neste caso, é o recurso básico para a sobrevivência do
de como prevenir e identificar situações de risco às PcD. Foi realizado um estudo quali-quantitativo, elaborado após homem. Assim, o acesso a este recurso pode garantir que o indivíduo tenha possibilidade de alcançar suas liberdades.
apontamentos iniciais do projeto PET - Rede de Atenção às PcD. Foram realizadas oficinas com os ACS, com discussão A partir da relação do desenvolvimento com a gestão dos recursos hídricos, a respectiva pesquisa teve por objetivo
de assuntos sobre o cotidiano dos mesmos, em que foram consideradas suas dificuldades e houve o esclarecendo de estudar a gestão compartilhada do Aquífero Guarani e seu vínculo com o desenvolvimento humano sustentável nos
dúvidas sobre a prevenção e identificação de cada tipo de deficiência (física, intelectual, visual, auditiva e múltipla). Além municípios fronteiriços de Santana do Livramento – RS (Brasil) e Rivera (Uruguai), que são abastecidos por um dos
disso, associado às questões da deficiência, observou-se a necessidade de capacitar os ACS sobre como prevenir possíveis maiores reservatórios de água doce do planeta, o Aquífero Guarani. A relação da gestão da água com o desenvol-
deficiências e agravos em caso de patologias crônicas, como na diabetes e hipertensão, ao se considerar o elevado índice de vimento humano é realizada através de uma análise da contribuição das ferramentas da administração para a gestão de
pacientes com essas patologias na ilha. Notou-se que foram esclarecidas as dúvidas pertinentes do cotidiano de trabalho, um recurso natural. Para isso, faz-se uma análise sobre a gestão compartilhada do aquífero binacional. Deste modo,
principalmente em associar o risco de diabéticos e hipertensos à maior propensão às deficiências, já que a prevalência de foi realizado um estudo de caso, de caráter qualitativo, com entrevistas semiestruturadas, em instituições responsáveis
amputação e acidente vascular encefálico, que podem ocasionar deficiências, está relacionada a estas condições. Outro pelo gerenciamento de recursos hídricos dos municípios. Através da pesquisa verificou-se que o atual modelo de gestão
ponto positivo foi a melhor compreensão das deficiências, haja vista, por exemplo, que um dos ACS acreditava, até o compartilhada da água do Aquífero Guarani entre os municípios de Santana do Livramento Brasil e Rivera no Uruguai,
momento, que “todas as pessoas que nasciam com deficiência eram devido a uma tentativa de aborto”. Após essa vivência que é concebido a partir das legislações ambientais nacionais, não respeita os preceitos do desenvolvimento humano
e compartilhamento de conhecimentos, pode-se observar melhor domínio do tema e sentimento de maior segurança ao sustentável. O atual modelo de gestão apresenta-se ineficiente na promoção do desenvolvimento sustentável da região
realizar as visitas domiciliares. Com isso ficou nítida a importância de investir mais em cursos de capacitação para que e, futuramente, pode colocar em risco a própria expansão das liberdades das populações viverem, de forma digna, a
ACS possam executar sua função com mais segurança, garantindo eficiência no atendimento, principalmente por ser a vida que desejam. Identificou-se a necessidade de implantação de um modelo próprio de gestão compartilhada do
Ilha dos Valadares uma região vulnerável e de território extenso, com condições precárias de difícil acesso à informação Aquífero Guarani, que leve em consideração as especificidades da região em direção a um modelo de desenvolvimento
à saúde e que agora começa a ser assistido, mas que ainda tem muito a melhorar. humano sustentável.

Palavras-chave: Gestão compartilhada internacional de recursos hídricos; Desenvolvimento humano sustentável; Aquí-
Palavras-chave: educação em saúde, pessoas com deficiência, agentes comunitários de saúde.
fero Guarani.

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
CONCEPÇÕES DE PROFISSIONAIS DA EDUAÇÃO DIANTE DA VIOLÊNCIA NAS MÍDIAS RESULTADOS PRELIMINARES DO USO DA TÉCNICA FUZZY E ANÁLISE ELEMENTAR DE CASCAS
DE ÁRVORE PARA ELABORAÇÃO DE MAPAS DE RISCO

Marilia Ferreira Murata, Micaela Gois Boechat Boaventura Bruno Martins Gurgatz, Sidney Vincent de Paul VIKOU, Emerson Joucoski, Daniel Canavese De Oliveira, Regiani
Carvalho De Oliveira, Paulo Hilário Nascimento Saldiva, Rodrigo Arantes Reis

A influência das mídias é notável, tendo em vista que elas determinam tendências, comportamentos, tanto agressivos
quanto educativos. É fundamental saber usá-las para a promoção da educação. Nesse contexto, este trabalho tem como A poluição atmosférica é o maior risco ambiental à saúde humana, matando cerca de 7 milhões de pessoas por ano,
objetivo analisar como os professores do ensino fundamental do 1º ciclo lidam com a influência das mídias no cotidiano principalmente em municípios densamente urbanizados e polos industriais. A qualidade do ar também está ligada a
escolar. Para tanto, foi realizada pesquisa qualitativa com vinte dois profissionais da educação, entre orientadores, pe- características socioeconômicas. Sabe-se que condições de baixa renda tornam as pessoas mais propensas a sofrerem
dagogos e diretores, além de palestra sobre a “Influência das mídias no comportamento das crianças”, no município de os impactos dos poluentes, pois consomem comida de baixa qualidade, possuem menor acesso aos cuidados médicos e
Paranaguá. Os participantes concordaram de modo unânime que as mídias influenciam no comportamento das crianças consomem substâncias alcoólicas e cigarro (fenômenos que podem aumentar a possibilidade de sofrer os impactos da
e dos jovens, os quais demostram em suas relações interpessoais exemplos de agressividade, pois quando assistem, por poluição atmosférica na saúde); além das residências próximas as vias de tráfego, construídas com custo reduzido, e
exemplo, a um desenho de ação, a reação é imitar o personagem heroico; outra questão abordada foi o uso precoce das que podem elevar a exposição aos poluentes. Desta forma, a investigação acerca dos poluentes atmosféricos é um tema
redes sociais e de como esse uso tem disseminado um fenômeno “comum” entre crianças jovens, o cyberbulliyng (pro- emergente para a criação de políticas públicas que visem à justiça ambiental. Mapas de risco ambiental são ferramentas
vocações nas redes sociais). Um dos questionamentos durante a entrevista foi sobre o papel da escola e dos profissionais fundamentais para o ordenamento urbano e planejamento de políticas públicas eficientes. Eles proporcionam a identificação
que trabalham nela para lidar com este fenômeno. Entre os entrevistados de diversas escolas, realidades distintas e ida- de áreas que devem ser foco de investimentos, assim como a responsabilização por danos produzidos ao longo do tempo
des, foi possível constatar que alguns não sabiam o que era cyberbulliyng ou como lidar com tal situação, o que destaca por possíveis instituições poluidoras, através de indicadores referentes à temática de interesse. Devido à multiplicidade
a importância de preparo dos profissionais da educação para saberem lidar com as mídias, podendo utilizá-las para a de poluentes atmosféricos, uma alternativa para a produção de indicadores é a análise elementar de cascas de árvore,
educação; de modo que esses profissionais possam atuar como colaboradores da família na orientação das crianças e dos que incorporam ao longo do tempo os poluentes em sua crosta. Através de análise de Fluorescência de Raios X, em
jovens sobre os riscos que as redes sociais podem trazer, especialmente dos transtornos e sofrimentos que são causados parceria com o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Escola de Saúde Pública da USP, foram análisadas
quando há exposição. as cascas de árvore da espécie Terminalia catappa, encontradas próximas às escolas públicas de Paranaguá. Tal espécie
foi escolhida porque se distribui por toda a cidade, devido ao seu uso na arborização urbana, e a escolha das escolas como
ponto de análise foi tomada porque as mesmas acompanham os agrupamentos populacionais. Alguns pontos estratégicos
Palavras chave: educação, redes sociais, violência, mídias. próximos aos armazéns e fábricas também foram utilizados. Para a elaboração do indicador de risco ambiental foram
utilizados os elementos Bário, Estrôncio, Alumínio, Zinco (indicadores de tráfego), Ferro (atividade ferroviária), Potássio
(fertilizantes) e o método estatístico Fuzzy, capaz de lidar com a incerteza e imprecisão de dados, criando graus de
pertinência para as categorias desejadas. Tais dados foram sobrepostos aos do Censo 2010 do IBGE, utilizando a variável
Renda do responsável pelo domicílio. Os resultados obtidos sugerem que o risco ambiental é mais proeminente próximo
aos grandes armazéns de fertilizantes e aos cruzamentos das vias de acesso, assim como na área portuária. O cruzamento
com a variável renda mostrou que tais áreas também apresentam valores baixos de renda. Um fenômeno interessante se
deu na Ilha de Valadares, que apresenta baixa renda e baixo risco ambiental, tal fato, provavelmente, se dá por causa da
proibição de fluxo de veículos neste espaço, o que exalta a responsabilidade da frota veicular para a poluição atmosférica.

Palavras-chave: Paranaguá, Saúde Ambiental, Poluição Atmosférica

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CONCENTRAÇÃO ATMOSFÉRICA DE DIÓXIDO DE NITROGÊNIO (NO2) NO MUNICÍPIO DE PARA- EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA APA DE GUARAQUEÇABA, UMA ANÁLISE DA GESTÃO PARTICI-
NAGUÁ - PR PATIVA

Gustavo A. S. Elste, Bruno Gurgatz, Edipo V. S. Tagliatella, Felipe F. C. Souza, Ketlin Dias, Luiz F. C. Lautert, Rodri- Steffany Katherine Baudisch, Larissa Regina Pinto, Gabriela Reichert
go A. Reis

É cada vez mais reconhecido que a saída para a crise ambiental pela qual atravessa a sociedade moderna não pode estar
Paranaguá é um dos sete municípios do litoral paranaense, com uma população de 149.467 habitantes e Índice de Desen- associada exclusivamente ao desenvolvimento e aplicação de novos avanços tecnológicos. Neste contexto, se faz impor-
volvimento Humano Municipal estimado em 0,75. Definido como de caráter portuário, Paranaguá merece destaque por tante a Educação Ambiental (EA) que, de acordo com a Lei 9795/1999, é o processo pelo qual o indivíduo e a coletividade
causa da sua representatividade no cenário mundial, por se tratar do maior porto exportador de grãos da América Latina. constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio am-
Baseado em algumas bibliografias pode-se perceber que a atividade portuária é responsável por uma série de impactos biente e do bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. A preocupação com a
ambientais e impactos à saúde e à economia. As possíveis fontes de impactos ambientais gerados pela atividade portuá- temática ambiental deve estar inserida em todos os segmentos da sociedade, a qual deve exercer sua participação e apoio
ria, provenientes de fontes poluidoras, são: tráfego de caminhões, tráfego de navios comerciais, equipamentos de manejo na criação, manutenção, conservação e valorização das unidades de conservação, visando contribuir para a melhoria da
de carga e as atividades industriais instaladas. Um exemplo prático destes passivos é o porto de Kaohsiung, em Taiwan, qualidade de vida. Este trabalho tem como objetivo relatar o atual status da EA na Área de Proteção Ambiental (APA) de
que tem um custo ambiental anual estimado em 123 milhões de dólares. Vale ressaltar que a atividade econômica é de Guaraqueçaba. A APA de Guaraqueçaba contempla em seu plano de manejo um programa de EA que visa buscar apoio
muita importância para a economia nacional e regional, porém vem acompanhada de significativos passivos ambientais para a APA junto à população local, ao público em geral, visitante ou não, e à comunidade científica. De acordo com o
e para a saúde coletiva. Em Paranaguá não é diferente, pois, além do tráfego intenso de caminhões e navios movidos plano de manejo, as comunidades locais devem estar envolvidas no processo de gestão ambiental de forma efetiva e como
a diesel, há um agravante que são as empresas onde se armazenam, produzem e misturam fertilizantes no entorno do parte da instância de decisão da mesma. Para que isso ocorra é essencial o desenvolvimento de processos de informação
porto. Logo se mostra pertinente o estudo do impacto causado pela atividade portuária em Paranaguá e para isso tivemos e comunicação. Tendo em vista a importância do conhecimento e participação das comunidades residentes e vizinhas
como objetivo quantificar o poluente dióxido de nitrogênio na atmosfera do município e realizar a comparação das con- de Unidades de Conservação, percebe-se a falta de informação, integração e participação nas tomadas de decisão sobre
centrações obtidas com os valores limites do artigo terceiro, inciso sétimo, da Resolução CONAMA 03/90. As coletas questões voltadas à preservação e conservação das áreas; e políticas públicas falhas no quesito educação ambiental para
foram realizadas no Colégio Estadual Estados Unidos da América, localizado na Av. Gabriel de Lara, 1377, no Bairro as pessoas que utilizam a unidade para visitação. As comunidades residentes e vizinhas de áreas de proteção detêm um
Industrial, de Paranaguá, Paraná. Escolhido pela sua localização, pois se encontra em meio ao complexo portuário e pró- conhecimento do ambiente em questão que a academia não apresenta, no entanto, os pesquisadores e gestores dispõem
ximo às empresas de fertilizantes.  O período de amostragem ocorreu entre julho de 2013 e outubro de 2014 (16 meses), do conhecimento de educação ambiental para os residentes e usuários do ambiente protegido. Esta associação entre mo-
totalizando 61 amostras de NO2. Para a coleta foi utilizado o equipamento Amostrador de Pequeno Volume para coleta radores, pesquisadores e educadores pode ser extremamente benéfica para a APA. A visitação na APA é permitida, sendo
de até três gases (APV TRIGAS), o equipamento contém frascos borbulhadores, em que um deles borbulhou o ar da at- esta uma atividade recreativa antiga, concretizada através da prática de passeios ao ar livre. Muitas vezes a importância
mosfera durante 24 horas por amostra em 50 ml do reagente. Para análise de dióxido de nitrogênio foi utilizado o método ambiental de uma Unidade de Conservação fica evidenciada para os seus visitantes, que antes desconheciam seu papel
de arsenito de sódio e para determinar sua concentração foi utilizado o espectrofotômetro calibrado em 540nm. Dentre ecológico. As Unidades de Conservação são tratadas como um dos melhores meios de valorizar as áreas silvestres, já que
as amostras coletadas 46 ultrapassaram o padrão secundário (CONAMA 03/90), que delimita 190 mg/m3, caracterizando são as áreas procuradas para estas atividades. A recreação planejada vem sendo apresentada em nível mundial como uma
um número significativo, pois valores acima desse índice podem trazer danos à saúde coletiva, à fauna, à flora e ao meio opção de grande potencial para se alcançar a conservação dos recursos naturais. Atualmente, a APA de Guaraqueçaba
ambiente em geral. Já o padrão primário, que delimita 320 mg/m3, mostra resultados ainda mais preocupantes, pois ul- conta com poucas atividades de EA, fazendo-se necessários mais esforços para que a população local, o órgão gestor e a
trapassou 13 vezes durante o mesmo período. Esses resultados comprovam que a poluição está presente na atmosfera de comunidade científica possam interagir.
Paranaguá e mostra a importância de aprofundar os estudos naquela região.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba; Unidades de Conservação


Palavra-chave: Paranaguá, Porto, Poluição Atmosférica, Dióxido de Nitrogênio.

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A AGROECOLOGIA APROXIMANDO SUJEITOS, DIREITOS E NATUREZA: RELATO DA EXPERIÊNCIA DO MINHOCUÇU AO PEQUI: O USO DE RECURSOS NATURAIS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA
EXTENSIONISTA E SUA IMPORTÂNCIA NA TRANSFORMAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO AGRÁRIO DA PONTINHA – MG

Alessandra Jacobovski, Katya Regina Isaguirre, Heloísa Wahrhaftig, Jefferson Lemes, Matheus Bolsi, Rafael de Jesus, Raquel Hosken Pereira da Silva, Lorena Cristina Lana Pinto, Irla Paula Stopa Rodrigues, Maria Auxiliadora Drumond,
Paola Duarte Adriana Assunção de Carvalho

O presente trabalho se vale da experiência do projeto de extensão “Políticas Públicas para a Agricultura Familiar A comunidade quilombola da Pontinha, localizada na região central de Minas Gerais, é extrativista de minhocuçus, da
Agroecológica”, desenvolvido no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, com o intuito de demonstrar espécie Rhinodrilus alatus, endêmica dessa região do Cerrado e comercializada como isca para pesca há aproximadamente
como a prática extensionista voltada para os agricultores familiares agroecológicos pode contribuir para a efetivação 80 anos, apesar da atividade não ser regulamentada. O Projeto Minhocuçu visa minimizar os conflitos socioambientais
da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). O Projeto teve início no ano de 2012, tendo relacionados ao uso do minhocuçu e propõe o co-manejo participativo dessa espécie baseado na participação social
como entidade parceira a Associação para o desenvolvimento da Agroecologia (AOPA). Seu principal objetivo é o de como componente substancial da tomada de decisões, pois o saber local sobre o minhocuçu, acumulado durante
identificar quais as dificuldades enfrentadas pelos agricultores no tocante a participação nos programas governamentais décadas, traz informações importantes sobre a história de vida, comportamento e distribuição da espécie e impactos
voltados à agricultura familiar, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de socioambientais dessa prática. Uma proposta do plano de manejo é a oferta de fontes alternativas de renda para os
Alimentação Escolar), e fomentar o debate sobre temas relevantes. Para isso, valendo-se metodologicamente da observação extratores e comerciantes de minhocuçu, principalmente durante a reprodução (estação chuvosa). Guimarães (2007)
participante, com a presença dos extensionistas nas reuniões bimestrais da Associação, foram realizadas oficinas de cita diferentes frutos do Cerrado utilizados pelos moradores de Pontinha, indicando aparente abundância e possibilidade
direitos que tinham por objetivo dialogar sobre diversos temas jurídicos que impactam o universo agroecológico, tais de comercialização de algumas espécies. Pequi, araticum, pêssego-do-cerrado, mangaba, araçá, goiaba, ananás e
como a contaminação genética da produção, o direito humano à alimentação adequada, transgênicos, etc. No decorrer pitango estão entre esses frutos. Pensando em uma alternativa de renda, o pequi (Caryocar brasiliense), que frutifica na
das atividades a Associação manifestou interesse em conhecer mais o tema do cooperativismo e assim, durante os anos mesma época que a reprodução do minhocuçu, poderia favorecer a alternância dessas atividades em períodos distintos.
de 2013 e 2014, os extensionistas conjuntamente com os agricultores e agricultoras efetuaram estudos para a criação de Assim, foi criado o Projeto Pequi, que visa avaliar o potencial de uso desse fruto como possível fonte de renda para
uma cooperativa, a qual foi formalizada no final de 2014. A prática extensionista ainda aproximou os alunos do curso de a comunidade. O objetivo desse trabalho foi avaliar como essas atividades de uso de recursos naturais estão inseridas
Direito da diversidade das agriculturas do país, estimulando-os a estudar um campo pouco explorado na cultura jurídica. A socioeconomicamente no Quilombo de Pontinha, apontando aspectos positivos e negativos para o manejo sustentável
continuidade das atividades atualmente concentra-se no debate dos impactos da nova lei florestal brasileira e seus efeitos desses recursos em longo prazo. Desde 2004 foram realizadas mais de 200 entrevistas com os diferentes atores sociais,
na institucionalização da PNAPO. Conclui-se que a atuação dos projetos de extensão são instrumentos facilitadores da reuniões, trabalhos de campo, vídeo-documentários e visitas aos comerciantes e extratores. Observa-se que a extração
visibilidade de estratégias de resistência ao modelo de agricultura dominante, estimulando debates sobre gênero, soberania de minhocuçu e de pequi representam boas oportunidades como fonte de trabalho e renda, pois estão presentes dentro
e segurança alimentar, sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, etc. Ademais, o do território quilombola, permitem a participação de jovens, homens e mulheres, além da valorização do Cerrado como
projeto estimula o repensar do ensino jurídico do direito agrário, a fim de reconhecer a presença dos diferentes sujeitos recurso importante para a comunidade, bioma que tem se tornado cada vez mais escasso devido à forte presença de
que escolhem o campo para viver e produzir. Presença essa “que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, pastagens e eucaliptais no entorno. A técnica de extração e a cadeia produtiva do minhocuçu já são bem estabelecidas,
que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que porém a atividade ainda não é regulamentada, gerando conflitos. O extrativismo de pequi é incentivado por políticas
rompe” (FREIRE, 1996 [1970], p. 18). Dessa forma, os resultados dessa extensão demonstram que a realidade social é públicas e é comercializado o ano todo, porém os comunitários ainda não têm experiência com o seu uso, não detêm a
muito mais vasta, complexa e problemática do que aquela que o espaço de sala de aula se propõe a enxergar. O direito prática para beneficiamento de produtos nem há uma cadeia produtiva estabelecida. O isolamento do quilombo e a falta
conhecido como “agrário” não pode ser visto como um espaço socialmente vazio, como bem pretendem os manuais. A de organização social, infraestrutura e incentivo de órgãos públicos locais são os maiores entraves para o estabelecimento
atuação no campo permite retirar os véus que encobrem a diversidade cultural das agriculturas, dos povos e experiências do extrativismo de pequi. O Projeto Pequi visa dar subsídios à comunidade para preencherem essas lacunas, promovendo:
que reproduzem outros modelos de apropriação da natureza e estratégias de solidariedade diferentes do sistema latifúndio. estudos ecológicos; caracterização de mercados da região; materiais para divulgação científica; atividades educativas
Busca-se, assim, transformar o direito agrário para que seu ensino absorva a pluralidade de sujeitos, práticas socioculturais valorizando o Cerrado; experimentos com mudas de pequi; e oficinas de capacitação em beneficiamento do fruto e em
e suas lutas na busca de um projeto sociopolítico de maior justiça social e equidade ambiental. formas de organização comunitária. Assim, espera-se que a comunidade se aproprie dessa nova forma de extrativismo,
sendo mais uma fonte de renda advinda do Cerrado associada à sua conservação.

Palavras-chave: extensão, políticas públicas, agroecologia.


Palavras-chave: Comunidades tradicionais, Cerrado, Conflitos socioambientais, Socioeconomia.

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VALORIZAÇÃO DAS CULTURAS TRADICIONAIS: ROMPENDO OS PRECONCEITOS, UMA OLHAR POPULAÇÕES TRADICIONAIS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO CAMPO TEÓRICO DA SOBRE-
DESDE A SOCIOLINGUÍSTICA POSIÇÃO TERRITORIAL

Jandaira dos Santos Moscal


Edison Alexi Maureira, Marcia Regina Ferreira

O berço da nossa pátria amada é a diversidade, exemplo disso, encontramos tanto na natureza como na sociedade: a Mata A garantia aos direitos territoriais de povos tradicionais no Brasil é tema de discussões atuais em diferentes ações go-
Atlântica e sua biodiversidade de um lado, de outro, as mais de 300 etnias e 274 idiomas segundo IBGE, são expressões vernamentais e em eventos de organização popular e acadêmicos. Transversalmente, a sobreposição dos territórios tra-
desta diversidade. Como lidamos com essa realidade na educação familiar e na educação formal? O presente ensaio dicionais por unidades de conservação e consequente desterritorialização dos grupamentos sociais, a partir da criação
teórico, em poucas palavras, busca discutir os saberes locais das comunidades tradicionais, os esforços do pensamento dessas áreas protegidas, é debate indispensável, sobretudo, na contribuição para a implantação de políticas públicas
científico engajados na compreensão destes grupos sociais, mostrando, por fim, um exemplo concreto desta valorização agrárias, ambientais e sociais integradas. O padrão mundial de demarcação de áreas naturais protegidas historicamente
na UFPR Setor Litoral. Sendo assim, diremos que desde a sociolinguística se tem dado grandes avanços para terminar caracterizada pela conservação sem a presença humana, hoje busca um modelo capaz de incluir as (re) configurações
com o preconceito que sofrem os setores populares da sociedade e às comunidades tradicionais, acusadas, muitas vezes, sociais definidas a partir da criação dessas áreas nas políticas de desenvolvimento territorial e de proteção da natureza.
de “falar tudo errado”. Nesse sentido, destacamos a Marcos Bagno que dá luz sobre os mitos que acabam elitizando Em paralelo, a negação dos direitos de uso dos recursos naturais, sofrida pelas populações que vivem em unidades de
a língua de uns e desprestigiando a de outros. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), por sua vez, diz que a conservação, impulsiona o processo de inclusão sociopolítica dos povos tradicionais para discutir o papel das popula-
escola tem que reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza ções humanas na proteção da natureza. O escopo deste resumo é referir as abordagens teórico-conceituais, no campo da
representada por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro. Da mesma forma, diz pesquisa geográfica, acerca da problemática da sobreposição de territórios de populações tradicionais e unidades de con-
que a escola tem que ensinar a língua portuguesa padrão, mas livre de mitos, tais como que a fala de uma região é melhor servação, além de destacar o arcabouço legal que introduz essas comunidades nas políticas de conservação de natureza.
do que a de outras, o de que a fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita […] Essas crenças insustentáveis Para tal, foram analisadas fontes bibliográficas que discutem o conceito de território em sua totalidade e multiplicidade,
produziram uma prática de mutilação cultural que [...] desvaloriza a fala que identifica o aluno a sua comunidade. Dessa permeado pelas dimensões política, socioambiental, cultural e econômica. Evidencia-se autores como Carlos Walter
forma, a UFPR Setor Litoral, através do tripé ensino-pesquisa-extensão, publica, no ano 2013, Minha Triste e Alegre Porto-Gonçalves, Marcos Aurélio Saquet e Bernardo Mançano Fernandes. Os principais marcos jurídicos que tratam da
história de vida, do professor e representante da comunidade quilombola de Guaraqueçaba, Ilton Gonçalves, que, desde interface entre unidades de conservação e territórios étnicos, tais como: o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
seus conhecimentos locais e saberes vivenciais, descreve sua experiência num dos gêneros literários mais apreciados e a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, foram ressalvados através
mundialmente: a poesia. Em seus versos podemos ler principalmente questões sobre racismo, agricultura, vida familiar da perspectiva antropológica realizada por José Mauricio Arruti e Paul Little. As investigações das produções científicas
e educação. Podemos concluir que o ensino da língua portuguesa nas escolas tem que atualizar suas metodologias, uma proporcionaram um paralelo entre a visão ecocêntrica e mercadológica da natureza e a perspectiva de indissociabilidade
vez que o ensino de velhas fórmulas gramaticais que não garante o domínio da língua em sua norma culta, e sim fomenta de territórios naturais e sociais. Destaca-se a tese de que o uso e gestão dos recursos naturais no Brasil deva transpassar
o preconceito. A língua é qualquer manifestação oral ou escrita de um ser humano, não existe língua “certa” ou “errada”, a lógica da criação de unidades de conservação como um território cercado, “território parque”; e ser reafirmado também
existem sim contextos diferentes onde se deve utilizar a variedade culta ou informal, segundo seja o caso, como bem como território vivido. Este, palco de manifestações, configurado por disputas de poderes, etnoconhecimentos, enfim, um
apontam os PCN’s. Assim mesmo, esperamos e desejamos que o ensino da língua portuguesa seja construído a partir território instituído por sujeitos e grupos sociais que se afirmam por meio dele. Para delimitar uma fração territorial há de
das experiências das comunidades tradicionais. Essa visibilidade é importante para dar a palavra aos que historicamente se compreender a interdependência e inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza e o seu uso e as ações
foram e ainda são calados. Assim como ser diferente não é sinônimo de inferioridade, as diferentes formas da língua desenvolvidas pelo homem para suprir suas necessidades. Porém, a construção dessa teoria no campo geográfico, embora
falada também não devem ser. A variedade linguística no Brasil é tão exuberante como a nossa floresta. A nossa relação avance gradativamente na discussão na temática da sobreposição territorial, se apresenta mais descritiva do que dialógica,
há de ser de respeito e valorização. com trânsito moderado entre o contexto socioterritorial e a gestão de unidades de conservação. Não obstante, a constitui-
ção dessa análise proporciona um panorama abrangente dos enfoques teóricos das pesquisas correlatas, apontando opções
metodológicas para o desenvolvimento de estudos empíricos com maior consistência teórica.

Palavras-chave: Conflitos socioterritoriais, comunidades tradicionais, áreas protegidas.

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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
EVOLUÇÃO SOCIECONÔMICA DO ESTADO DE RONDÔNIA DE 2002 A 2014: ANTES E DURANTE A O LIXO E OS IMPACTOS AMBIENTAIS
CONSTRUÇÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS DE JIRAU E SANTO ANTÔNIO

Angeluce Comoretto Parcianello, Ana Beatriz Ludovig, Ana Paula Rauber, Ana Carolina Kurz, Jamilly Gomes de
Elivaldo Bandeira Diniz Junior, Filipe Teles Eller, Neima Quele Almeida da Silva Almeida, Caroline Scherer, Karoline Oesterreich

Este trabalho tem por objetivo mostrar a preocupação com os impactos ambientais causados pelo lixo. Se começássemos
O escopo do presente trabalho é apresentar um quadro geral da evolução socioeconômica do estado de Rondônia, a modificar em nossa casa o destino dos restos de comida, reaproveitando-os de maneira produtiva para a família,
relacionando-o com a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio no período compreendido entre 2002 reduziríamos os custos no nosso orçamento doméstico e aumentaríamos os valores nutritivos para a nossa a saúde,
e 2014, buscando apontar as prováveis externalidades oriundas desse empreendimento. A abordagem utilizada para esta diminuindo assim o lixo. Pois os impactos ambientais causados pelo descuido com o lixo, o qual é colocado na lixeira
pesquisa é qualitativa com revisão bibliográfica a partir de dados formais conseguidos com as instituições governamentais da rua de maneira incorreta, são, muitas vezes, irreversíveis, quando resultam, por exemplo, em enchentes, erosões
(IBGE, SEPOG-RO, PNUD, MTE). No tratamento dos dados e nas análises comparativas foi utilizado o programa ou os desmoronamentos das barrancas dos rios, e até em perda de casas e morte das pessoas atingidas. Os impactos
computacional Excel. Nesse contexto, são apresentadas as principais teorias do Desenvolvimento Regional e se utiliza a ambientais causados preocupam muito. Até os oceanos já foram atingidos pelo lixo produzido nas cidades. Nesse
pesquisa aplicada a partir de dados referentes aos índices e indicadores: PIB, PIB per capita, Índice de Desenvolvimento contexto, conscientização e a sensibilização para que se diminua o consumo desordenado e destrutivo são importantes,
Humano (IDH), Índice de GINI, população, nível de emprego formal (NEF) e nível de desemprego formal (NDF). A especialmente nas escolas, uma vez que os alunos serão os futuros professores, médicos, empresários, entre outros. A
partir da análise dos dados e hipóteses levantadas é possível afirmar que o início da construção das usinas impactou conscientização e a sensibilização são importantes para que esses alunos compreendam quais serão seus compromissos
positivamente a população, o emprego, o PIB e PIB per capita rondonienses. O IDH e o Índice de GINI, por seu caráter perante as perspectivas apresentadas pela ONU e já comecem a intervir na comunidade, enfatizando os danos que o lixo
de aferição decenal, devem ser levados em conta para explicar somente o bom desempenho do PIB e do PIB per capita pode causar ao meio ambiente quando não tem a destinação correta. Diante dessa preocupação, é possível destacar que
no intervalo anterior a 2010. Portanto, não se constituem em medidas confiáveis dos impactos causados pelas obras das já existem alunos que estão sensibilizando a comunidade local para que se faça a destinação correta do lixo e para que
hidrelétricas. É importante ressaltar que os dados e hipóteses apresentados não devem levar a conclusões definitivas e se tenha consciência dos perigos e danos que os impactos ambientais podem causar para os indivíduos, para a sociedade
precipitadas, mormente quando se considera o pequeno afastamento temporal do início da construção das usinas de Santo local e para a saúde.
Antônio e Jirau. Muitos dos impactos positivos e negativos para o desenvolvimento regional só poderão ser estudados com
afinco daqui a décadas. Este escrito não tem, portanto, a pretensão de ser estudo definitivo dos impactos socioeconômicos
das usinas hidrelétricas no estado de Rondônia, mas ser uma das muitas contribuições acadêmicas que ainda se realizarão.
Palavras-Chave: conflitos socioambientais, políticas ambientais, educação ambiental, lixo.

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Evolução Socioeconômica.

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QUALIDADE DO AR: MATERIAL PARTICULADO EM SUSPENSÃO NA ATMOSFERA DO MUNI- A CADEIA DE VALOR NA PESCA ARTESANAL DO CAMARÃO- ROSA NA LAGOA DOS PATOS: UM ES-
CÍPIO DE PARANAGUÁ. TUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL

Rodrigo Arantes Reis, Luis Fernando de Carli Lautert, Edipo Vinicius Tagliatella, Bruno Gurgatz, Khetlin Dias, Gusta- Ivanilda Foster Almeida
vo Santos Elste

A economia da pesca é uma atividade pouco estudada no Brasil e a falta de informação da cadeia de valor do pescado é
relevante para explicar as distorções nos preços destes, fato esse que se manifesta, quase sempre, em prejuízo econômico
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a poluição atmosférica é o maior risco ambiental à saúde humana,
ao pescador artesanal, ao realizar sua primeira comercialização. Esta afirmativa é presente no município de São Lourenço
sendo responsável por uma a cada oito mortes. Somente no ano de 2012 foi estimado que a poluição do ar foi responsável
do Sul – RS, onde a pesca é uma atividade tradicional e relevante, não só economicamente, como em sua dimensão social
por sete milhões de óbitos. Através de análise de estudos relacionados ao efeito da poluição atmosférica na saúde humana
e cultural. Com esta preocupação em melhorar o setor, este estudo busca mapear a “cadeia de valor” da pesca do cama-
foi concluído que concentrações de poluentes atmosféricos podem acarretar afecções agudas e crônicas no trato respira-
rão-rosa, realizada na região da Lagoa dos Patos, por pescadores artesanais do município de São Lourenço do Sul – RS,
tório, mesmo em concentrações abaixo dos padrões de qualidade do ar determinados pelo CONAMA. As partículas em
e analisar, sob a dimensão econômica, as etapas dos segmentos produtivos que constituem esta cadeia. A base metodoló-
suspensão no ar incluem uma mistura de sólidos e gotículas líquidas que podem ser classificadas quanto ao seu tamanho,
gica a ser utilizada é descrita por Hellin e Meijer (2006), onde os autores apresentam uma estrutura conceitual, indicam
entre outros parâmetros. As partículas inferiores a 10 μm (diâmetro aerodinâmico menor ou igual a 10 μm - MP10) são
o mapeamento do mercado como conteúdo básico para a montagem da cadeia de valor. Serão combinadas ferramentas
consideradas inaláveis, pois podem atingir as vias respiratórias; o grupo de partículas inferiores a 2,5 μm (diâmetro ae-
metodológicas da pesquisa qualitativa com quantitativa, ressaltando também, o uso de entrevistas semiestruturadas para
rodinâmico menor ou igual a 2,5 μm - MP2,5) recebe especial atenção, pois pode atingir as porções mais inferiores do
a coleta de dados.
trato respiratório, transportando consigo gases e/ou metais adsorvidos em sua superfície. Além das características físicas
(tamanho) e químicas (composição elementar) do material particulado (MP), as variáveis climática e meteorológica são
de extrema importância no transporte dessas partículas a nível local, regional, e inclusive intercontinental. Em geral,
quanto menor o fragmento em suspensão, maiores as possibilidades de aglomeração, coagulação, condensação de gases Palavras chave: Pesca artesanal; Cadeia de valor; Camarão-rosa; São Lourenço do Sul- RS.
na superfície ou formação de novas partículas com elementos “aprisionados” em seu interior. MP em suspensão, jun-
tamente com os demais poluentes atmosféricos gasosos, tem sido objeto de estudo de diversas pesquisas devido ao seu
potencial impacto no ambiente, tal como: redução de visibilidade, deterioração de superfícies de monumentos e edifica-
ções, formação de núcleos de condensação de nuvens, absorção e dispersão de radiação, sendo um importante agente de
alterações climáticas, acidificação de corpos d’água e alteração do balanço de nutrientes com esgotamento de nutrientes
no solo e alteração da estrutura das folhas de florestas e culturas agrícolas afetando os mecanismos de fotossíntese.
Além disso, há indiscutíveis evidências da relação causa-consequência entre a poluição do ar e o aumento dos índices de
morbidade e mortalidade da população mundial. O município de Paranaguá possuí o maior porto graneleiro da América
Latina. A atividade portuária está diretamente ligada a inúmeros impactos sociais e ambientais. O objetivo da pesquisa
é quantificar o material particulado em suspensão na atmosfera de Paranaguá com o equipamento AGV PTS/CVV (Hi-
vol), método validado pelo CONAMA. A pesquisa foi iniciada em junho de 2015 e até o momento foram coletadas 18
amostras. Das 18 amostras coletadas, nenhuma passou o limite primário estabelecido pelo CONAMA de 240 μg/m³ e
apenas duas passaram o padrão secundário de 180 μg/m³.

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MODELAGEM DIGITAL DO TERRENO APLICADO AO NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO: RESULTADOS PRELIMINARES DE UMA PROPOSTA DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR NO
UM ESTUDO DE CASO DO PARÂMETRO declividade ASSENTAMENTO NHUNDIAQUARA, MORRETES - PR

Ezequiel Antonio de Moura, Luiz Everson da Silva


Marcos Roberto Ribeiro Dos Santos, Gisele Neuman, Claudinei Taborda Da Silveira

Este trabalho visa compartilhar a experiência de uma proposta de pesquisa interdisciplinar iniciada através do Programa
As Áreas de Proteção Permanente (APPs) constituem áreas recobertas ou não por cobertura vegetal, prioritárias a de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Setor Litoral.
preservação dos recursos naturais, assegurando, consequentemente, o bem-estar da sociedade, a qual é legislado, a partir A fase inicial deste processo consistiu basicamente na identificação de problemáticas de pesquisa em um Assentamento
da Lei Federal 12.651, de 2012(Novo Código Florestal brasileiro). A declividade das encostas é utilizada como parâmetro de Reforma Agrária. O processo foi subsidiado por pressupostos da pesquisa-ação, que ofereceu importantes elementos
na delimitação de algumas destas áreas. O mesmo código define as áreas de Uso Restrito, as quais são destinadas de como realizar trabalhos acadêmicos em comunidades a partir de demandas locais. Os estudantes da primeira turma do
à manutenção de atividades agrosilvipastoris, manejo florestal sustentável e infraestruturas voltadas às atividades mestrado foram envolvidos em um diagnóstico que já estava sendo conduzido no Assentamento Nhundiaquara por meio
preexistentes na data de 22 de julho de 2008, em acordo com as boas práticas agronômicas, não sendo permitida a conversão da Cooperativa responsável pela assistência técnica. Os dados apresentados neste trabalho foram resultados de atividades
de novas áreas para essas atividades, salvo sob as prerrogativas de interesse social e de utilidade pública. Demonstra-se de campo em uma das Glebas do Assentamento, conhecida como Pantanal. O Assentamento Nhundiaquara foi criado em
que a declividade é um importante elemento na paisagem, definindo inúmeras ações de ocupação e de preservação. Seu 1984, porém a Gleba Pantanal foi constituída posteriormente, após 20 anos de sua criação, a partir de uma ação de algumas
mapeamento geralmente é realizado em meio digital, devido ao maior acesso às bases de dados cartográficos. Porém, a famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que ocuparam, em 2005, uma área do Assentamento
realização destes mapeamentos de forma digital depende de diversos fatores técnicos, como a escala da base de dados, que não havia sido dividida em lotes até então. Apesar de ser a Gleba mais recente do Assentamento, a comunidade do
a forma de obtenção e os interpoladores utilizados. Este trabalho tem como objetivo analisar estas diferenças em dois Pantanal tem as mais importantes experiências agroecológicas e agroflorestais do município, com a atuação de diversas
mapas de declividade gerados a partir de duas bases cartográficas distintas: (i) dados oriundos da missão espacial Shuttle instituições de ensino, pesquisa, assessoria, assistência técnica e comercialização. Durante a realização deste trabalho
Radar Topography Mission (SRTM), modelo de elevação disponível para todo o globo com escala de utilização de foram identificadas aproximadamente 15 instituições (públicas, privadas, comunitárias) com escalas de atuação diversas
1:100.000, utilizando pixel de 90 metros; (ii) base disponibilizada pelo Instituto das Águas do Paraná e Instituto de (federal, estadual, regional, local), que de alguma forma atuam ou influenciam a Gleba Pantanal em ações de Agroecologia
Terras e Catografia e Geociências, em formato vetorial na escala1:10.000, utilizado-se pixel de 10 metros. Como área e Agrofloresta. Estes e outros dados foram organizados em tabelas, gráficos, quadros sinópticos, mapas mentais que
de estudo adotou-se a bacia hidrográfica do rio Miringuava, em São José dos Pinhais/PR, os mapas de declividade permitem visualizar tanto situações concretas do público estudado quanto a relação estabelecida entre a Universidade e
foram gerados através do software ArGIS 10.1, através da equação proposta por Horn (1981). A base cartográfica com os sujeitos envolvidos na dinâmica do Assentamento. Conforme os procedimentos da pesquisa-ação predominantemente
pixel de 90 metros (SRTM) não apresentou declividades superiores a 45º, ou seja, não apresentou nenhuma APP na existencial, o processo iniciou com a identificação de uma “situação problemática” do Assentamento e seguiu com o
Bacia do Rio Miringuava. O mapa gerado a partir dos dados vetoriais com pixel de 10 metros apresentou as três classes “pedido de ajuda do sujeito” quando apresentaram as demandas locais, neste caso, a proposta de envolvimento dos
de declividade, porém demandou mais tempo e maior capacidade de hardware por parte do computador utilizado. O estudantes do mestrado em um diagnóstico que já vinha sendo realizado pela assistência técnica no Assentamento. Dali
mapa gerado através dos dados SRTM promoveu uma excessiva generalização das feições do relevo, diferente do mapa em diante foram realizadas várias atividades de “vivência” e “escuta sensível”, contudo, sem cumprir integralmente uma
gerado através da base em escala de maior detalhe, o qual apresentou resultados mais coerentes com as formas do etapa anterior que na pesquisa-ação predominantemente existencial é chamada de “constituição do pesquisador coletivo”.
relevo local, permitindo melhores resultados na delimitação das áreas de Uso Restrito previstas na legislação ambiental Isso acarretou, por consequência, uma delimitação não muito clara do grupo-alvo da pesquisa, houve problemas na
brasileira. Deve-se ressaltar que a resolução espacial, se alterada, tende a gerar diferentes resultados no modelo. Apesar negociação da intervenção desejada no Assentamento e acabou não levando a construção de uma problemática de pesquisa
dos resultados obtidos demonstrarem maior generalização no modelo obtido dos dados SRTM, sua principal vantagem é interdisciplinar conforme proposta inicialmente. Apesar do processo não ter finalizado, ele proporcionou importantes
a gratuita disponibilidade de dados para todo o território brasileiro. aprendizados práticos sobre como construir uma problemática de pesquisa interdisciplinar e desencadeou reflexões
teóricas a respeito de como conduzir um processo de pesquisa-ação.

Palavras-chave: Declividade, Legislação, Modelos digitais.

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ADMINISTRAÇÃO VERDE E ECONOMIA VERDE: UM MOVIMENTO DE SENSIBILIZAÇÃO SOCIAL COLETA SELETIVA: FERRAMENTA DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS E ATITUDES

Thalles Santos Simões, Rosely Yavorski, Marci Aparecida Lemes, Anderson Freitas Toregeani, Andressa Peron de Bi- Andressa Peron de Bitencourt Lopes, Marci Aparecida Lemes, Rosely Yavorski, Vivaldo Lessa Moreira, Ander-
tencourt Lopes son Freitas Toregeani, Thalles Santos Simões

O mundo está à procura de soluções globais que sensibilizem as pessoas e as empresas para conciliarem desenvolvimento Pela sua importância a reciclagem de resíduos sólidos gerados nas residências e nos comércios das cidades deve fazer par-
econômico, inclusão social e preservação ambiental, já que na contemporaneidade os avanços podem também importar te do plano de desenvolvimento e expansão das municipalidades, recebendo do setor responsável por sua implantação e
em prejuízos ambientais. A partir de 1992, as questões ambientais passaram a ter impactos sobre a competitividade das gestão mais atenção do ponto de vista técnico e administrativo. Em correspondência, a sociedade civil deve estar disposta
empresas. As ações para conscientização, organização de políticas públicas e ecológicas em favor do meio ambiente vêm a contribuir com a administração pública para o alcance de uma gestão plena desses resíduos sólidos. Assim, o objetivo
se efetivando cada vez mais, e a maneira como uma empresa administra as suas variáveis de impactos ambientais a coloca geral desta pesquisa é verificar como o município de Roncador - PR e a sociedade civil vêm atuando na gestão desses
em dimensão diferenciada das demais. O estudo tem como objetivo divulgar as várias formas de desenvolvimento econô- resíduos sólidos recicláveis. A metodologia utilizada será dividida em duas etapas: revisão da literatura e pesquisa de cam-
mico e a necessidade das empresas se preocuparem, independente de sua área de atuação, com a preservação ambiental po. A revisão da literatura se pautará em estudos realizados no campo da coleta seletiva e reciclagem de resíduos sólidos
e a inclusão social. A literatura mostra a importância da participação das empresas na economia verde e, um exemplo, é gerados em residências e comércios e na legislação pertinente. A pesquisa de campo se dividirá na análise da estrutura
a política ecológica de plantio de árvores, que neutraliza o CO2, emitido durante os processos produtivos. O estudo em governamental, no estudo da percepção da sociedade civil sobre o tema, através de entrevistas, e no levantamento quanti-
seus resultados preliminares demonstra a necessidade de serem encontradas soluções compartilhadas para os problemas tativo (2014/2015) da coleta seletiva e da reciclagem no município de Roncador (PR), através de coleta de dados. Assim,
ambientais planetários, evidenciando que: a melhora da qualidade de vida é resultado de mudanças que podem partir de pressupõe-se que a coleta seletiva e a reciclagem devem ser feitas de forma planejada. O estudo possibilitará a análise:
forma individual de cada cidadão e que somadas as eventualmente efetivadas pelas organizações governamentais, não da estrutura governamental ligada à coleta seletiva urbana de resíduos sólidos gerados nas residências e nos comércios;
governamentais e terceiro setor, podem ensejar a criação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável, se essa estrutura governamental é adequada ou não, e se possui condições estruturais e técnicas para efetuar uma gestão
resultando na opção pela economia verde. Trata-se de um estudo básico bibliográfico, com a finalidade de gerar informa- eficaz da coleta dos resíduos sólidos no município; se está ocorrendo ou não o cumprimento da legislação pertinente tanto
ções para a conscientização e esclarecimento dos leitores. pela administração pública como pelos munícipes; se está ocorrendo ou não a fiscalização do cumprir das normas; se os
residentes entendem a importância da coleta seletiva e da reciclagem de resíduos sólidos urbanos e se estão dispostos a
colaborar para a melhora da gestão desses resíduos por meio de ações em conjunto com a administração pública; e se a
coleta seletiva e a reciclagem estão contribuindo para a melhora dos níveis satisfatórios de qualidade de vida da população
Palavras chave: Administração verde. Economia verde. Meio ambiente. Qualidade de vida. do município de Roncador - PR.

Palavras chave: Coleta seletiva e reciclagem. Resíduos sólidos urbanos. Percepção ambiental. Gestão pública.

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RECICLAR É PRECISO: BRINQUEDOS PEDAGÓGICOS QUE CONSCIENTIZAM A IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DOS ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS DO LICENCIAMENTO AM-
BIENTAL COMO UMA FERRAMENTA DE GESTÃO TERRITORIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA
POPULAÇÃO LOCAL
Rosely Yavorski, Marci Aparecida Lemes, Anderson Freitas Toregeani, Andressa Peron de Bitencourt Lopes, Thalles
Santos Simões Gregorio Carlos De Simone, Rafael Burlani Neves

O processo de crescimento desordenado e sem planejamento das cidades brasileiras trouxe consequências desastrosas
O estudo destaca a importância de brinquedos pedagógicos confeccionados com material reciclado, utilizados pelo pro-
sobre o espaço urbano e a qualidade de vida da população, além de provocar profundas modificações nos ambientes, en-
fessor no processo de ensino-aprendizagem; e a busca de alternativa para um desenvolvimento pedagógico, embasado em
fraquecendo continuamente os sistemas naturais que asseguram a vida no planeta. Com a criação da Política Nacional do
soluções inovadoras e de baixo custo, procurando melhorar a qualidade de vida e do ensino. A ideia de trabalhar com o
Meio Ambiente surgiram as propostas de planejamento ambiental como forma de orientação para o ordenamento territo-
aluno na confecção de seu material pedagógico, a partir de reciclados, enfatiza uma mudança na forma de conscientiza-
rial. Deste modo, foi estabelecido que toda atividade modificadora do meio ambiente dependerá da elaboração de estudo
ção deste aluno para os problemas ambientais. O estudo propõe a utilização de materiais recicláveis e reutilizáveis como
de impacto ambiental a ser submetido ao órgão competente como subsídios para a obtenção do licenciamento ambiental.
forma de conscientizar a população escolar da importância de conservar o ambiente em que se vive e, ao mesmo tempo,
A qualidade desses estudos ambientais deve ter extrema importância nos processos de licenciamento, pois são esses
ressaltar a importância em reutilizar determinados materiais como objeto de aprendizagem. Observa-se que a reciclagem
documentos que deveriam subsidiar as tomadas de decisões sobre o empreendimento e a gestão territorial local. Dentro
e a reutilização de materiais são maneiras eficazes de redução da quantidade de lixo que é jogada no meio ambiente. Me-
desse contexto, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar como os estudos socioeconômicos oriundos do pro-
nos lixo representa uma economia significativa dos recursos naturais combatendo, inclusive, o problema do desperdício
cedimento do licenciamento ambiental podem ser utilizados como uma ferramenta de gestão para melhoria à população
energético. O estudo iniciou-se a partir de um evento realizado no município de Roncador-PR, no qual ocorreu a reali-
impactada direta e/ou indiretamente pelo empreendimento. A respeito disso é realizada uma leitura da Política Nacional
zação de uma oficina para a confecção de brinquedos, onde os participantes mostraram um grande interesse e discutiram
de Meio Ambiente, seu histórico e as legislações pertinentes ao tema. A partir da realidade do Estado de Santa Catarina é
a possibilidade de se traçar novas estratégias pedagógicas de intervenção e conscientização tratando o conteúdo exigido
avaliado como os estudos socioeconômicos podem interferir no objeto do licenciamento e para a população local. Objeti-
pelos Planos de Ensino de forma divertida. Pesquisas revelam que o plástico descartado de forma inadequada na natureza
va-se ainda analisar qualitativamente a percepção da população frente aos impactos de caráter socioeconômico. Na falta
mata pela ingestão ou estrangulamento milhões de animais, entre aves, peixes, tartarugas, focas e golfinhos. O descarte
de um planejamento integrado, desloca-se o âmbito da decisão política sobre as obras prioritárias ao desenvolvimento
ecologicamente correto dos materiais recicláveis e reutilizáveis possibilita a utilização na confecção de brinquedos que
sustentável para o processo de licenciamento ambiental. Com isso, perde-se a visão sistêmica dos investimentos em in-
podem ser usados em sala de aula ou na formação de brinquedotecas abertas à comunidade. Conclui-se que, a educação
fraestrutura e do impacto sobre o meio ambiente, deixando-se de aproveitar oportunidades em que a população poderia
é um instrumento importante, pois forma opiniões, promove inovações, viabiliza implantações de projetos que podem
ter realmente um ganho socioeconômico mais expressivo e abrangente. Para se alcançar os objetivos propostos da pes-
contribuir para a melhora da qualidade de vida dos alunos e da população em geral funcionando como verdadeiro agente
quisa são analisadas a Política Nacional de Meio Ambiente, legislações estaduais ambientais, referências bibliográficas,
de mudança. A conscientização pode partir de pequenas ações locais que, através da disseminação pela educação, podem
experiência profissional adquirida no decorrer dos anos na área do licenciamento ambiental e entrevistas de caráter qua-
se tornar grandes e abrangentes.
litativo direcionada a um grupo específico da população que foi impactada por um empreendimento de grande porte. O
resultado final, como contribuição científica deste trabalho, é de demonstrar que os estudos socioeconômicos realizados
no âmbito do procedimento do licenciamento ambiental são vitais para a gestão territorial e para o desenvolvimento local
Palavras chave: Reciclagem. Brinquedos pedagógicos. Conscientização. Ensino-aprendizagem. das populações afetadas.

Palavras-Chave: Estudos Socioeconômicos; Licenciamento Ambiental; Gestão Territorial; Política Nacional de Meio
Ambiente.

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APÊNDICE DE SUPLEMENTOS

Projetos de Pesquisa

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PRÁTICAS DE GESTÃO DE RECURSOS COMUNS E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS: APOIO À TOMADA 1 INTRODUÇÃO
DE DECISÕES NA CONSERVAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO LITORAL DO PARANÁ
A pesca no litoral do Paraná desenvolve-se em uma pequena extensão de aproximadamente 602 km2, incluindo
o interior das baías de Guaratuba e o Complexo Estuarino de Paranaguá (NOERNBERG et al., 2008). De modo geral,
a pesca paranaense é caracterizada como de pequena escala, ou seja, artesanal, com grande diversidade de modos
de pesca e de modos de vida, delineados mais recentemente por Andriguetto Filho (1999; 2002). De acordo com os
Manuela Dreyer Da Silva
dados do Relatório Técnico sobre o Censo Estrutural da Pesca Artesanal Marítima e Estuarina nos estados do Espírito
Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, fruto do convênio entre SEAP, IBAMA e PROZEE
(PROZEE, 2005), existiam 5.307 pescadores registrados no estado em 2004. Atualmente, segundo dados do MPA (2010),
há 5.688 pescadores registrados. Contudo, há grande quantidade de pescadores não registrados e, segundo estimativas
de Andriguetto Filho et al. (2006), pelo menos 11.000 pessoas dependem direta ou indiretamente da pesca no Paraná.
Esses pescadores estão distribuídos em sete municípios, com cerca de 60 comunidades caracterizadas como pesqueiras
(ANDRIGUETTO FILHO et al., 2006); e em 192 localidades e bairros, conforme dados da Emater/Fundação Terra
(2005).

Segundo o Ipardes (1981), a pesca artesanal no litoral do Paraná apareceu na região ligada à subsistência, de
início articulada à produção rural, como uma renda complementar. Com o aparecimento de mercados locais, a pesca
transformou-se em uma atividade autônoma, com importância regional, mas não com projeção nacional, o que não retira
a importância de se conhecer seus processos de gerenciamento. Em 2001, acima de 70% da população das comunidades
tradicionais litorâneas tinham na pesca sua ocupação principal e/ou secundária (CORRÊA et al., 2001). Em 2004, as
principais atividades econômicas nessas localidades eram a pesca artesanal, aquicultura, turismo ambiental e agricultura
de subsistência (PROZEE, 2005).

Além das características acima comentadas, outro aspecto importante nesta breve contextualização, e que influen-
cia diretamente a dinâmica territorial local (NOERNBERG et al., 2008), é a existência de áreas legalmente protegidas no
Projeto de pesquisa para a tese de doutoramento do Programa de Pós-Graduação em Tecno- litoral do Paraná. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) (2015), o território
logia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Orientador Prof. Dr. Décio Estevão do conta com 31 unidades de conservação, das quais 15 são unidades de proteção integral (duas Estações Ecológicas Esta-
Nascimento. duais, uma Federal, dois Parques Municipais, uma Reserva Biológica Federal, sete Parques Estaduais e quatro Nacio-
nais); 5 são de uso sustentável (duas Florestas Estaduais, duas Áreas de Proteção Ambiental Estaduais e uma Federal)
e 9 são Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Como consequência, aproximadamente 67% da linha de
costa paranaense encontra-se no interior de unidades de conservação (NOERNBERG et al., 2008), fator importante para
se pensar a gestão dos recursos pesqueiros, seja pela própria existência de leis e decretos de proteção; ou pelo cenário
heterogêneo de normas jurídicas e uso de recursos comuns por populações locais.

1.1 PROBLEMAS E PREMISSAS

Os modelos atuais de gestão da atividade pesqueira, os quais embasam fortemente suas diretrizes em fatores
econômicos e modelos centralizadores, muitas vezes desconsideram variáveis sociais em seus sistemas, o que parece
comprometer as condições atuais da pesca artesanal (SEIXAS et al., 2011). Segundo a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (2015), essa descaracterização da atividade se agrava porque esses modelos de gestão
não discutem as tecnologias aplicadas à pesca e as modificações populacionais, políticas e econômicas que ocorrem
nas áreas ocupadas por comunidades pesqueiras. A perda da biodiversidade e a sobrexploração de estoques pesqueiros,
impactos negativos atribuídos ao manejo inadequado da pesca, tendem a piorar na falta de processos de gestão integrada,
de ordenamento do uso dos recursos naturais e de participação social (ABDALLAH; SUMAILA, 2007).

Para analisar o processo acima descrito, propõe-se considerar a pesca na perspectiva de uso de recursos comuns,

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perspectiva essa que apresenta outros modelos de gestão, embasados na complexa teoria de Elinor Ostrom (OSTROM, nas políticas nacionais e internacionais, e desenvolver a capacidade de investigação e de governança para enfrentar os
1999). É nesse contexto que o presente projeto envolverá o estudo de práticas de gestão de recursos comuns e suas desafios globais da pesca. As publicações e as informações divulgadas por essa rede sinalizam que as experiências de
ferramentas, discutindo possíveis abordagens para a problemática acima apresentada. Vislumbra-se, a partir dos resultados governança da pesca geram, comumente, uma sensação de decepção e/ou fracasso em quem estuda esses processos, ou
da pesquisa, contribuir com a melhoria do processo de tomada de decisões na conservação socioambiental do litoral do mesmo nos gestores que conduzem os processos (JENTOFT; CHUENPAGDEE, 2013). Isso porque, apesar dos esforços,
Paraná. não há muitas evidências de metas realizáveis ​​para uma pesca sustentável. Jentoft e Chuenpagdee (2013), nesse contexto,
lançam algumas perguntas para reflexão: será que os esforços dos trabalhos até hoje conduzidos não têm a determinação
Em relação às alianças estratégicas (que é tratada na teoria de Ostrom como um fator de cooperação), espera-se necessária, ou pode ser que os sistemas de pesca são inerentemente complexos e difíceis de governar? Ou é por que as
discutir a governança no contexto de governança interativa (KOOIMAN et al., 2008) e da teoria ator-rede, a partir das instituições que regem esses sistemas simplesmente não estão à altura da tarefa? Em outras palavras, admitindo que a
descrições de Bruno Latour e Michel Callon (CALLON, 1996; BENNERTZ, 2011). ambição positiva de governar exista, o que inibe a aplicação dos modelos? O problema seria uma falta de compreensão de
Neste contexto, a pergunta que anima esta pesquisa é: Como pode ser aperfeiçoada a tomada de decisão acerca como os sistemas de pesca estão constituídos? Será que é necessário haver mais conhecimento sobre quais são os limites
da conservação socioambiental, no contexto da pesca artesanal? e formatos para a governança? (JENTOFT; CHUENPAGDEE, 2013).

A premissa principal é que a tomada de decisões acerca da conservação socioambiental de um dado território Nesse sentido, Medeiros et al. (2014) citam que, apesar da reconhecida importância da pesca artesanal, tanto para
pesqueiro pode ser incrementada por meio de modelos de gestão de recursos comuns e alianças estratégicas (confiança e a diversidade de modos de vida dos pescadores, como também para segurança alimentar, precisa-se compreender melhor
cooperação) no contexto da governança interativa em redes. os sistemas socioecológicos1. O trabalho de Medeiros et al. (2014) aponta que para a gestão dos sistemas socioecológicos
há necessidades de novas perspectivas de gestão da pesca artesanal; uma perspectiva mais abrangente sobre gestores e
atores da gestão; e um ambiente institucional apropriado a partir de parcerias, formação de redes, comunicação e ação
coletiva. É nesse contexto, portanto, que o presente projeto de pesquisa se respalda, já que pretende contribuir com os
1.2 OBJETIVOS processos colaborativos de geração e interpretação de dados sobre as redes, governança e formatos de gestão dos recursos
pesqueiros artesanais.

Sob a ótica de Tecnologia e Desenvolvimento (linha de pesquisa na qual o projeto está inserido), a justificativa
1.2.1 Objetivo Geral
para realização desse estudo vem da concepção de que as discussões à cerca da pesca artesanal, tratada aqui como sistema
Propor um modelo de tomada de decisão acerca da conservação socioambiental em território pesqueiro baseado socioecológico e também como sistema sociotécnico, trazem contribuições para se pensar os desafios e as oportunidades
na gestão de recursos comuns e alianças estratégicas no contexto da governança interativa em redes. de se estabelecer novos formatos de desenvolvimento. Para Jacobi (1999), há necessidade de transformações no “modus
operandi” da gestão das temáticas ambientais, com o fortalecimento de práticas inclusivas e participativas; e esta partici-
pação é vista como meio de institucionalizar relações mais transparentes.

1.2.2 Objetivos Específicos 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


− Analisar as práticas de gestão pesqueira (pesca artesanal) no litoral do Paraná, à luz da abordagem teórica de Considerando os distintos critérios para classificação de pesquisas propostos por Gil (2010), pode-se dizer que em
gestão dos recursos comuns, considerando os desafios socioambientais e as possibilidades colaborativas de gestão relação a sua finalidade a pesquisa será aplicada, de propósito descritivo e explicativo, relacionada à área de conhecimento
para esse território. multidisciplinar.
− Mapear e analisar a(s) rede(s) social(is) formadas, considerando as alianças estratégicas estabelecidas para Quanto ao método empregado, trabalhará com pesquisa quantitativa e qualitativa, portanto a pesquisa utilizará
tomadas de decisão socioambiental, a partir do conceito de governança interativa (confiança e cooperação). métodos mistos de análise. Conforme Creswell (2010), os métodos mistos são apropriados aos problemas de pesquisa
em que uma fonte de dados específica não os solucionam. A escolha pelo método misto, no caso da presente pesquisa,
− Analisar, considerando a(s) rede(s) descrita(s), os formatos (facilidades e dificuldades) de participação dos atores
buscará uma análise mais abrangente dos problemas aqui apresentados. Para isso, está prevista uma fase inicial de análise
do sistema pesqueiro nos processos de tomada de decisão acerca da conservação socioambiental do litoral do
dos sistemas de gestão de pesca, à luz dos critérios pertencentes à teoria de recursos comuns e dos fatores associados,
Paraná.
considerando também as demais teorias de base citadas neste projeto de pesquisa.

A fase seguinte compreenderá o mapeamento e análise da(s) rede(s) social(is) (relacionadas ao sistema pesqueiro
1.3 JUSTIFICATIVAS do litoral do Paraná), por meio de uma fase de campo, na qual deverão ser aplicados questionários e conduzidas entre-
vistas. Os dados coletados por esses instrumentos serão tabulados em planilha eletrônica da ferramenta Microsoft Excel,
Há, atualmente, uma rede denominada TBTI (Too Big To Ignore), que configura uma parceria internacional de sendo previsto, ainda, a utilização do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para análise da normalidade
pesquisa e mobilização de conhecimento, formada por 15 instituições parceiras, 62 pesquisadores de 27 países (TBTI, da distribuição dos dados e as correlações existentes.
2015). Essa rede trabalha tendo como foco de estudos a pequena pesca, denominada internacionalmente de small-scale
fisheries (SSF), ou de pesca artesanal. A proposta é ter argumentos e subsídios contra a marginalização da atividade 1 Os sistemas socioecológicos foram caracterizados por diferentes autores, entre eles Adger (2006).

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Além dessa análise, pretende-se trabalhar os dados por meio de categorias de análise. As categorias serão criadas níveis de gestão de recursos comuns, descrevendo a(s) rede(s) formada(s) para tomadas de decisão socioambiental no
para descrever a(s) rede(s) identificada(s) em campo. Primeiramente, estas categorias deverão ser definidas com base litoral do Paraná.
nas teorias de base trabalhadas e por meio da pesquisa bibliográfica advinda dessas teorias. Após essa etapa, os dados
serão organizados e tabulados (em planilha Excel), para, posteriormente, gerar matrizes. Essas matrizes poderão ser,
então, analisadas por meio de teste estatístico multivariado, que poderá indicar a distância entre agrupamentos, isto é,
as categorias de análise criadas para o trabalho poderão indicar semelhanças (menores distâncias) e diferenças (maiores 3 REFERENCIAL TEÓRICO
distâncias) entre as variáveis analisadas. A representação desses resultados poderá identificar e qualificar a(s) rede(s) do
sistema socioecológico da pesca artesanal no litoral do Paraná. Essa análise deverá apontar desafios socioambientais e as A presente pesquisa utilizará como referencial teórico os autores e temas descritos nessa seção.
possibilidades colaborativas de gestão para esse território.
A teoria dos recursos comuns (ou Teoria dos Comuns) foi descrita na obra de Elinor Ostrom (e de demais autores
Para facilitar a visualização dos passos que a presente pesquisa pretende seguir, a figura 1 apresenta um diagrama
simplificado dessas etapas. seguidores) como sendo uma alternativa de abordagem para a gestão de bens comuns, considerando variáveis institucio-
nais no modelo de ação coletiva, apresentando a cooperação como um ponto de equilíbrio no uso destes bens (OSTROM,
2002). A Teoria dos Comuns se desenvolveu em um contexto de reação em relação aos argumentos de Garret Hardin e o
Figura 1- Diagrama das etapas de pesquisa enunciados da Tragédia dos Comuns, proposto em Hardin (1968). Vale contextualizar que o recurso comum é qualquer
recurso natural, ou mesmo desenvolvido pelo homem, que é ou pode vir a ser apropriado e usado de forma partilhada
(OSTROM, 1999). Ostrom (1999) cita casos de manejo exercido pela comunidade (community-based management),
mostrando que processos de cooperação e o uso de regras (reguladas coletivamente) surgem em situações em que há uma
alta dependência do recurso, ou quando este é limitado. Algumas vezes, ainda, a natureza do problema exige soluções
comunitárias e de alta adesão por parte dos membros (Berkes et al. 2006).

Assim como Ostrom (2002), Berkes (2006) trabalhou diferentes formas de acesso aos recursos, definindo regimes
de propriedade, entre eles o common property. As caracterizações desses sistemas de comuns envolvem conceitos como
cooperação e governança, os quais o presente projeto de pesquisa pretende trabalhar. Para Ostrom (2002), os seguintes
atributos, relacionados aos recursos (por isso a letra “R” na numeração que se segue), aumentam a probabilidade de coo-
perações para a governança: (R1) melhoria viável: condições dos recursos não estão em um ponto de deterioração tal que
seja inútil se organizar; (R2) indicadores: há indicadores viáveis ​​e válidos da condição do sistema de recursos disponíveis
(a um custo relativamente baixo); (R3) previsibilidade: o sistema de recursos é relativamente previsível; e (R4) espaciali-
dade: o sistema de recursos é suficientemente pequeno, dada a tecnologia de comunicação em uso e transporte, o que pode
Fonte: Autoria própria
desenvolver conhecimento das fronteiras externas e dos microambientes internos. Além disso, a mesma obra (OSTROM,
2002) relaciona os atributos relacionados aos atores usuários desse sistema (por isso a letra “A”): (A1) saliência (impor-
Conforme a figura 1, portanto, a pesquisa conterá: (1) detalhamento da pesquisa bibliométrica (detalhamento dos tância): os usuários são dependentes, em grande parte, do sistema de recurso para sua subsistência; (A2) entendimento
descritores mais indicados); (2) pesquisa bibliográfica das teorias de referência utilizadas e de trabalhos atuais correlatos, comum: os usuários têm uma imagem compartilhada de como o sistema de recursos opera e como suas ações afetam uns
considerando a descrição de processos históricos de gestão de bens comuns, caso haja necessidade; (3) análise documen- aos outros e ao sistema; (A3) taxa de uso: os usuários utilizam os recursos em uma taxa suficientemente baixa em relação
tal das informações sobre gestão pesqueira disponíveis no território do litoral do Paraná: relatórios técnicos de institui- aos benefícios futuros a serem alcançados a partir desse recurso; (A4) confiança e reciprocidade: confiança mútua para
ções relacionadas com a gestão de recursos comuns, a serem identificadas (como órgãos gestores – federal e estadual; cumprir os acordos, com reciprocidade; (A5) autonomia: usuários são capazes de determinar o acesso e uso sem controle
conselhos gestores das unidades de conservação; relatórios técnicos de organizações não governamentais); (4) definição externo; e (A6) experiência de organização prévia e liderança local: usuários aprenderam habilidades mínimas de organi-
de categorias de análise (tais como: confiança, informações, políticas envolvidas, atores); (5) levantamento de campo: zação e liderança.
identificação e descrição dos atores da(s) rede(s) que compõe(m) a gestão dos recursos comuns no litoral do Paraná e das Entre os princípios de governança, Ostrom (2002) também relaciona tópicos como sanções, mecanismos de re-
características dessa rede. Utilização de questionários e entrevistas com atores da rede; (6) análise e interpretação dos solução de conflitos, monitoramento, escolhas coletivas e estabelecimento de redes. Estes tópicos se aproximam da ideia
dados, discutindo os dados coletados nas categorias desenvolvidas. Os dados serão tratados e discutidos nos diferentes de governança interativa, pela qual Kooiman et al. (2008) estabelece o conceito assumindo um conjunto de interações

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assumidas para resolver problemas dentro da sociedade, viabilizando arranjos institucionais estabelecidos entre os atores estuarina do Brasil no início do século XXI: recursos, tecnologias, aspectos socioeconômicos e institucionais. Projeto
da governança. Nesse sentido, para Frey (2007), tomadores de decisão não deveriam apenas se preocupar com a solução RECOS: Uso e apropriação dos recursos costeiros. Grupo temático: Modelo gerencial da pesca. Belém: UFPA, 2006.
p.117-140.
de problemas específicos, mas também com o desafio de governar interações para manter os arranjos e pontes de enten-
dimentos. BENNERTZ, Rafael. Constituting human and non-human collectivities: ordering the world. História, Ciências, Saude-
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 949-954, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
Outra teoria de base a ser utilizada na construção da tese será a Teoria Ator-Rede (TAR), trabalhada a partir da arttext&pid=S0104-59702011000300023&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 Junho 2015.
obra de Michel Callon e Bruno Latour. De maneira sintetizada, pode-se dizer que a teoria trabalha a abordagem rela-
Berkes, Fikret. From community-based resource management to complex systems. Ecology and Society, v. 11, n. 1, p.
cional de atores humanos e não-humanos, conectados entre si por meio de diferentes processos de tradução (LATOUR, 45, 2006. Disponível em: <http://www.ecologyandsociety.org/vol11/iss1/art45/>. Acesso em: 22 abril 2015.
2005). As relações de poder, a conformação das redes e das conexões tornam-se foco de atenção da teoria, em atentos
CALLON, Michael. Some Elements of a Sociology of Translation: Domestication of the Scallops and the Fishermen
trabalhos tanto de caráter etnográfico, como de natureza teórica (SCHMITT, 2011). No entanto, a noção de rede vem of Saint Brieuc Bay. 1986. In J. Law (Ed.) Power, Action and Belief: a new Sociology of Knowledge? Sociological
sendo utilizada de diversas maneiras, o que as vezes dificulta precisar a real contribuição dos estudos de rede como fer- Review Monograph. London, Routledge and Kegan Paul. 32: 196-233. Disponível em: < https://bscw.uni-wuppertal.de/
ramenta de análise (SCHMITT, 2011). pub/nj_bscw.cgi/d8022008/Callon_SociologyTranslation.pdf>. Acesso em: 03 Junho 2015.

Para a presente pesquisa, portanto, a TAR será abordada considerando algumas definições da teoria de base, como CORRÊA, Marco Fábio M. Ictiofauna demersal da Baía de Guaraqueçaba (Paraná, Brasil). Composição, estrutura,
distribuição espacial, variabilidade temporal e importância como recurso. 2001. 160p. Tese (Doutorado em Zoologia),
a tradução. A tradução, para Do Nascimento e Souza (2011) “tem como desafio a criação de compatibilidades, o desenho Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001.
das interações das relações e o estabelecimento da comunicação entre os diferentes atores, sendo importante na coor-
CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
denação da rede”. Para Callon (1986), a tradução é o mecanismo pelo qual os mundos sociais e naturais tomam forma.
2010.
Nesse sentido, para essa pesquisa, entender o que define as relações entre os atores do sistema de pesca artesanal significa
descrever a maneira pela qual esses atores são definidos, se associam e permanecem na(s) rede(s) de tomadas de decisão. DO NASCIMENTO, Décio E.; SOUZA, Marília. Dinâmicas do Modelo Rede na Coordenação de Relações
Socioeconômicas: Mobilização, Coordenação e Tradução. Revista Tecnologia e Sociedade (Online), v. 12, p. 1-15,
Além das teorias mencionadas, vale salientar que a pesquisa irá procurar desenvolver categorias de análise que 2011.
podem mesclar outras variáveis, talvez não tratadas diretamente por essas teorias, mas consideradas importantes para EMATER; FUNDAÇÃO TERRA. Dados de levantamento de Campo. Curitiba, 2005. Arquivos em CD- ROM.
abordar os objetivos propostos.
FREY, Klaus. Governança urbana e participação pública. RAC-Eletrônica, v. 1, n. 1, p.136-150, 2007.

GIL, Antonio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
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Introdução transescalar e sistêmica dessas iniciativas em redes solidárias cada vez mais abrangentes. Por outro lado, pode evidenciar
experiências pontuais, fragmentadas, efêmeras e elitistas, o que caracteriza os riscos e desvios que demandam atenção
A zona costeira tem passado por intensas transformações na sua estrutura dos ecossistemas e dos sistemas sociais.
(CAZELLA, 2006, TONNEAU; VIEIRA, 2006; PEREIRA, 2013).
Aproximadamente 45% da população mundial vive em regiões costeiras, concentrando 75% do total das metrópoles
A construção de estratégias de monitoramento orientadas para o desenvolvimento territorial sustentável permite
com mais de 10 milhões de habitantes (MMA, 2006). Apesar dos esforços empreendidos para diminuição da condição
explorar aspectos que transcendem os indicadores biológicos de sustentabilidade dos recursos explotados. Oferece um
de degradação, a redução dos serviços ecossistêmicos e a perda da biodiversidade tem sido observados (MILLENNIUM
olhar sobre aspectos relacionados à inclusão social, segurança alimentar e participação (SHORTALL, 2008), a resiliência
ECOSYSTEM ASSESMENT, 2005). Da mesma forma, a desestruturação intensiva dos sistemas de pesca artesanal
socioecológica e capacidade adaptativa (MALDONADO; MORENO-SÁNCHEZ, 2014; SMIT; WANDEL, 2006) e à
(VIEIRA et al., 2010) e de diversos modos de vida tem levado à condições de vulnerabilidade social (HUGUES et al.,
sustentabilidade do território
2012) Tais transformações tem efeito direto sobre os grupos sociais que dependem da zona costeira para sobreviver,
(FROEHLICH; ALVES, 2007; SCHNEIDER; TARTARUGA, 2004; VIEIRA, 2006).
exigindo aos gestores incorporar estratégias de promoção da segurança alimentar e combate à pobreza como princípios
Expectativas tem sido criadas em torno da criação de áreas marinhas protegidas (AMP), enquanto estratégias
de gestão (BELTON; THILSTED, 2014; MCCONNEY; COX; PARSRAM, 2014; WENG et al., 2014).
efetivas para a conservação da sociobiodiversidade (BENNETT; DEARDEN, 2014; REITHE; ARMSTRONG; FLAATEN,
Na esteira destes argumentos há um consenso em relação à necessidade de um olhar mais amplo para abordagens
2014). Apesar dos resultados efetivos, a criação e gestão de AMPs muitas vezes é fonte de conflitos (CHUENPAGDEE;
e soluções, não limitado aos recursos e questões ambientais, mas também em direção a uma imensa gama de problemas
JENTOFT, 2007; DIEGUES, 2008). Criar mecanismos para avaliar o desempenho do processo de criação e gestão de
sociais (BERKES; FOLKE, 1998) Uma grande mudança na ciência nas últimas décadas foi o reconhecimento que a
AMPs torna-se tarefa importante na busca da sustentabilidade territorial da zona costeira (FOPPA, 2009).
natureza raramente é linear e previsível. Processos em ecologia, economia e muitas outras áreas são dominados por
Diante do exposto, a proposta de doutorado se insere no Programa SocMon - Global Socioeconomic Monitoring
fenômenos não lineares e uma inerente qualidade de incerteza. Estas observações levaram à noção de complexidade
Initiative for Coastal Management (SocMon). O SocMon envolve uma rede de pesquisadores e instituições em 30 países,
(BERKES; FOLKE, 1998; Vieira, 2005; MORIN, 2006) e segundo Prigogine e Stengers (1996) ao fim das certezas.
com o objetivo de estruturar uma abordagem de monitoramento socioambiental participativo orientado para a gestão
Desta forma, não-linearidade, incerteza, emergência, escala e auto-organização são características inerentes ao sistema
costeira. O nó brasileiro da rede – SocMon Brasil – foi estruturado em 2014, enfatizando organizar uma proposta de
e devem ser parte do entendimento, e não descartados da análise (GUNDERSON; HOLLING, 2002; OSTROM, 2005).
monitoramento para avaliar a gestão de áreas marinhas protegidas no Brasil. A área de estudo contemplada neste projeto
Com base nesta perspectiva, assume-se a necessidade de repensar as abordagens, como forma de superar a crise evidente.
está inserida parcialmente nos limites da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, que recentemente iniciou as
Propõe-se adotar um “pensamento criativo, o que significa superar os limites dos pensamentos disciplinares e abordagens
articulações para a elaboração do seu plano de manejo.
de rotina” (KOOIMAN; BAVINCK, 2005).
A vertente do desenvolvimento tem sido explorada a partir da integração com a iniciativa do Observatório do
A qualidade da gestão é afetada, entre outros motivos, pela morosidade dos processos associados para a sua
Litoral Catarinense - OLC. O OLC constitui um esforço de dinamizar as interfaces que o Ministério Público Federal
execução, a desconexão entre geração de informações e tomada de decisão, e pela falta de estratégias de monitoramento
mantém com o sistema de gestão integrada e compartilhada previstos no PNGC. Face ao cenário de reprodução dos
e gestão, mais envolventes e inclusivas (WILLIAMS; BROWN, 2014). Estratégias de monitoramento participativo
casos de violação ostensiva da legislação ambiental e também de fragmentação e fragilidade organizacional da sociedade
(MAINE; CAM; DAVIS-CASE, 1996; MOLLER; BERKES; LYVER, 2004) contribuem para o maior engajamento dos
civil, trata-se de fazer com que o Sistema de Monitoramento Ambiental da Zona Costeira (SMA-ZC), voltado para o
usuários na gestão e dão suporte para maior cumprimento das medidas adotadas (WIBER, 2004).
acompanhamento dos indicadores de qualidade socioambiental da zona costeira catarinense, possa finalmente sair do
Na tentativa de abranger de forma mais consistente a dinâmica dos sistemas socioecológicos e suas transformações
papel. Da mesma forma, vem se tornando imprescindível subsidiar o Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro
associadas, torna-se pertinente estabelecer uma conexão entre gestão e desenvolvimento. Propõe-se explorar o enfoque
(SIGERCO), em busca de eficiência crescente na organização e sistematização dos dados obtidos mediante as ações de
de Desenvolvimento Territorial Sustentável - DTS. Ele se caracteriza por ser um esforço de maturação e complexificação
monitoramento”.
do enfoque de ecodesenvolvimento cunhado na década de 1970. Consiste em uma articulação das categorias de
Desta forma, as contribuições do projeto possuem um caráter empírico e metodológico. No primeiro, como uma
sustentabilidade e territorialidade a partir de uma representação sistêmico-complexa da problemática socioecológica
forma de oferecer subsídios para a elaboração do referido plano de manejo, de forma a qualificar as informações sobre
global (VIEIRA, CAZELLA; CERDAN, 2006; VIEIRA et al., 2010; ANDION, SERVA; LÉVESQUE, 2006). Podemos
a dinâmica socioecológica de um território de relevância para a gestão da unidade de conservação. Do ponto de vista
resumi-lo na forma de um novo estilo de desenvolvimento, na qual agrega-se a tomada de consciência das diferentes
metodológico, pretende construir um enfoque analítico que permita uma análise mais integrada de aspectos relativos à
percepções e dos conflitos de interesse relativos aos modos de apropriação e uso do patrimônio natural e cultural; bem
gestão participativa e o desenvolvimento territorial em unidades de conservação.
como da complexidade envolvida nas inter-relações entre os seres humanos e o meio ambiente biofísico e construído
(Vieira, Cazella; Cerdan, 2006).
De um ponto de vista positivo o conceito de DTS consiste na valorização da endogeneidade dos processos de
dinamização socioeconômica, sociocultural e sociopolítica, bem como numa preocupação permanente pela integração

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Objetivos ção da biodiversidade, uma vez que realizam a transição ecológica entre os sistemas costeiros e marinhos (MMA, 2007).

Igualmente o estado de Santa Catarina dispõe de uma faixa litorânea que se estende por 560 km e abriga cerca de
Objetivo Geral 40% da população. E tem por característica singular a dinâmica de colonização que consolidou uma economia de subsis-
Desenvolver um modelo analítico (framework) para a estruturação de monitoramento socioambiental participativo tência baseada no binômio pesca e agricultura familiar – a primeira com perfil sazonal, centrada nas armações baleeiras,
orientado para a promoção do desenvolvimento territorial sustentável, e aplicá-lo em um sistema lagunar localizado no e a segunda obedecendo a um calendário anual, predominando a cultura da mandioca processada nos engenhos de farinha
litoral centro-sul do Estado de Santa Catarina. (POLICARPO, 2009; SOCIOAMBIENTAL, 2005; VIVACQUA, 2012).

Neste sentido que Cerdan et al. (2011) caracterizam a zona costeira catarinense como um novo mundo rural,
Objetivos específicos como um rural periurbano, ou mesmo – em termos metafóricos – como “jardim das cidades”. Em estudo realizado por
● Desenvolver indicadores de monitoramento participativo com base nos enfoque da estes autores foi evidenciado a ocorrência de três dinâmicas de desenvolvimento local. Sendo a predominante a de ur-
cogestão adaptativa e desenvolvimento territorial sustentável. banização intensiva e de turismo de massa, seguindo o modelo vigente de desenvolvimento capitalista. E contrastando
● Construir uma avaliação participativa da dinâmica socioecológica do sistema Lagunar com uma dinâmica de ecologização do território, frente a criação de áreas protegidas formando mosaicos de unidades
“Lagoa do Ribeirão”, localizado no município de Paulo Lopes. de conservação. E ainda uma terceira dinâmica ligada a presença de comunidades de pescadores artesanais, agricultores
● Realizar uma análise prospectiva dos potenciais e obstáculos à promoção do desenvolvimento familiares, maricultores e artesãos envolvidos em práticas de autoconsumo e pluriatividade. Da integração destas duas
territorial sustentável no sistema Lagunar “Lagoa do Ribeirão”, localizado no município de Paulo Lopes. últimas dinâmicas têm emergido o que os autores consideram ser um embrião de um processo de DTS. Com iniciativas
● Avaliar os potenciais e obstáculos das Áreas Marinhas Protegidas como arcabouços voltadas para valorização do patrimônio cultural das comunidades de pescadores artesanais e agricultores familiares me-
institucionais promotores do desenvolvimento territorial sustentável. diante a formação de sistemas produtivos localizados, práticas de cultivo agroecológico, articulação de circuitos curtos
de comercialização e adensamento de relações econômicas baseadas no princípio da reciprocidade.

O estudo será realizado na Lagoa do Ribeirão, localizada na Bacia do Rio da Madre entre os municípios de Palho-
Hipóteses ça e Paulo Lopes, litoral centro-sul de Santa Catarina. A Lagoa do Ribeirão possui um 1Km2 de extensão, onde algumas
Hipótese 1: Por não haver um arcabouço metodológico para o monitoramento contínuo e participativo, ou quando comunidades rurais-pesqueiras desenvolvem seus modos de vida seguindo a dinâmica deste ecossistema. O modo de
presentes - limitados ao uso dos recursos naturais; as mudanças gradativas em curso não tem sido absorvidas pelas vida tradicional é marcado pela pesca de subsistência, lazer no estuário e atividades agrícolas familiares no seu entorno,
estratégias de gestão e desenvolvimento, gerando perda da resiliência socioecológica, ocorrendo de forma mais evidente somado ao assalariamento em outros municípios vizinhos. Da década de 1970 em diante o estuário vem sofrendo com
em sistemas costeiros de pequeno porte, como lagunas. inúmeros processos de degradação soceoecológica, marcados pela duplicação da BR101, plantios crescentes de arroz
Hipótese 2: O monitoramento socioambiental participativo orientado pelo desenvolvimento territorial sustentável irrigado com intensificado uso de agroquímicos, e a ainda a perda do conhecimento ecológico tradicional associado as
oferece uma percepção de cenários desejáveis e de condições de crise a serem incorporadas nos instrumentos de regras de uso e manutenção do modo de vida (PRUDÊNCIO, 2012).
planejamento e gestão ambiental na zona costeira, mas que é condicionada a presença de arranjos institucionais que A região possuí também uma forte relação com Unidades de Conservação. Desde 1975 a Lagoa estava inserida
favoreçam tal concepção. Áreas Marinhas Protegidas configuram-se como espaços potenciais quando o conjunto de na área do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Cujos limites foram alterados em 2009, e hoje a Lagoa esta nas pro-
ações consiga incorporar elementos tais como modos de vida, segurança alimentar e redução da pobreza, para além da ximidades da Área de Proteção Ambiental do Entorno Costeiro. Ainda, a linha de costa que contorna a desembocadura
gestão da biodiversidade. está inserida na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca. Outras mudanças institucionais como a alteração do plano
diretor em 2010 e o próprio plano estadual de gerenciamento costeiro, tem sido fonte de novos conflitos. Tais alterações
criaram um cenário futuro de transformação na forma de urbanização do entorno da Lagoa (PRUDÊNCIO, 2012; PE-
Breve descrição da área de estudo REIRA, 2013; PRUDENCIO; VIEIRA; FONSECA, 2014).

A área de estudo está inserida em um mosaico de ecossistemas de alta relevância ambiental, a exemplo de res-
tingas, mangues, campos de dunas, baías e estuários, lagunas e banhados, praias e costões, áreas de vegetação e floresta.
Favorece o desenvolvimento de um amplo leque de atividades produtivas – turísticas, industriais, energéticas e portuárias
– contribuindo com cerca de 70% do volume total do PIB nacional. São áreas consideradas prioritárias para a conserva-

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Materiais e métodos Referências

Como primeira etapa será realizada uma revisão da literatura sobre cogestão adaptativa e desenvolvimento ALLISON, E. H.; HOREMANS, B. Putting the principle sof the Sustainable Livelihoods Approach into fisheries devel-
territorial sustentável. Esta revisão servirá de base para a construção dos indicadores e de uma proposta metodológica opment policy and practice. Marine Policy, v. 30, n. 6, p. 757–766, nov. 2006.
para a sua aplicação na zona costeira. A revisão levará em conta aspectos teóricos que definem a abordagem teórica
ANDION, C.; SERVA, M.; LÉVESQUE, B. O debate sobre a economia plural e sua contribuição para o estudo das dinâ-
dos conceitos tratados no projeto, bem como uma análise de experiências onde aspectos da cogestão adaptativa e do
micas de desenvolvimento territorial sustentável. Eisforia. v. 4, 2006, p.199-221.
desenvolvimento territorial sustentável foram abordados.
Para avaliação participativa da dinâmica socioecológica os dados serão coletados por meio de entrevistas abertas BELTON, B.; THILSTED, S. H. Fisheries in transition: Food and nutrition security implications for the global South.
com informantes chave; entrevistas tipo survey por meio de questionários realizados com comunitários; Observação Global Food Security, v. 3, n. 1, p. 59–66, 1 fev. 2014.
participantes - incluindo o acompanhamento das atividades produtivas, oficinas de avaliação participativa, pesquisa
BENNETT, N. J.; DEARDEN, P. Frommeasuringoutcomestoproviding inputs: Governance, management, and local de-
documental de dados secundários. A construção da metodologia será realizada com base nas orientações propostas pelo
velopment for more effective marine protectedareas. Marine Policy, v. 50, n. PA, p. 96–110, 1 dez. 2014.
SocMon (BUNCE et al., 2000)we can’t process your request right now.&lt;/p&gt;&lt;/div&gt;&lt;div style=”margin-
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O foco de análise irá recair principalmente sob três comunidades: Gamboa, Guarda do Embaú e Ribeirão Grande. Fishworkers, maio 2008.
Essas comunidades agregam os grupos sociais cujos modos de vida dependem diretamente da dinâmica do sistema
lagunar. Além disso, estão localizadas em partes distintas do sistema lagunar, possibilitando uma visão mais abrangente FOPPA, C. C. Comunidades pesqueiras e construção de territórios sustentáveis na zona costeira - uma leitura da Área de
das percepções sobre a dinâmica local. Proteção Ambiental da Costa Brava em Balneário Camboriú. Florianópolis: Universidade Estadual de Santa Catarina.
A partir da análise dos dados, serão explorados teoricamente dois aspectos. Primeiramente, analisar se e como a Programa de Mestrado Profissional em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, fev. 2009.
proposta do desenvolvimento territorial sustentável pode ser atingida para o sistema lagunar estudado. Em segunda ordem, FROEHLICH, J. M.; ALVES, H. F. I. Novas identidades, novos territórios – mobilizando os recursos culturais para o
a partir de um esforço de generalização, busca-se analisar em que medida as Áreas Marinhas Protegidas se constituem em desenvolvimento territorial. Revista Extensão Rural, v. 14, p. 65–90, 2007.
espaço institucional apropriado para a promoção do desenvolvimento territorial sustentável. Em última análise, avalia-se
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O PADDD BRASILEIRO: ESTUDO COMPARATIVO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AFETA- 1. INTRODUÇÃO
DAS PELOS COMPLEXOS HIDRELÉTRICOS DO MADEIRA E DO TAPAJÓS.

1.1. Problema de pesquisa

Letícia Nascimento Vimeney O presente projeto constitui-se em um estudo de caso de um processo mais amplo, observado em diversas regiões do
mundo. Denominado de Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazettement (PADDD) por Mascia e Pailler (2010),
esse processo refere-se ao fenômeno de redução, recategorização e/ou extinção de áreas protegidas. No Brasil, esse fe-
nômeno incide sobretudo no bioma Amazônico, que não apenas concentra a maior parte das áreas protegidas brasileiras
(aqui denominadas Unidades de Conservação - UCs), mas também configura-se como fronteira de expansão econômica
do país, alvo de diversos projetos de desenvolvimento de infraestrutura – como estradas, usinas hidrelétricas e redes de
transmissão de energia. Assim, a pressão para utilização dos recursos naturais protegidos pelas UCs vem colocando em
risco a existência delas e a manutenção de seus objetivos de conservação.

Nesse contexto, destacamos dois casos de PADDD emblemáticos desse processo, ambos associados aos grandes
projetos de Usinas Hidrelétricas, em estágios diferentes de implantação. Em Rondônia, treze Unidades de Conservação
tiveram seus limites alterados ou foram revogadas em 2010 em função do estabelecimento do Complexo Hidrelétrico do
Rio Madeira, parcialmente em operação (usinas Jirau e Santo Antônio). No Pará, cinco Unidades de Conservação foram
reduzidas em área em 2012 devido ao plano de construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós Pretendemos analisar
os dois processos de maneira a buscar possíveis similaridades e diferenças entre eles ou, ainda, aspectos do primeiro caso
que possam apontar possibilidades para o segundo.

1.2. Objetivos

Programa de Pós Graduação em Geografia - UFRJ O objetivo geral da pesquisa é analisar os padrões, as tendências e os efeitos do processo de PADDD no Brasil
através do estudo comparativo de dois casos em andamento no bioma amazônico, um motivado pelo estabeleci-
Orientação: Profa. Dra. Rebeca Steiman
mento do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira no estado de Rondônia e o outro pela implantação do Complexo
Hidrelétrico planejado para a Bacia de Tapajós no estado do Pará.

Os objetivos específicos são:

• Caracterizar e analisar o processo de estabelecimento do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira quan-


to aos: a) aspectos gerais das Usinas (área inundada pelas barragens, capacidade de geração de energia, custos
logísticos de implantação); b) aspectos institucionais envolvidos em sua implantação (fundos de financiamento,
planos de governo em que se inserem, demais atores envolvidos no processo); c) impactos sociais e ambientais
gerados (populações afetadas pelas barragens, alterações no ecossistema e Unidades de Conservação cujos limites
ou categoria foram afetados). O mesmo será feito para o Complexo Hidrelétrico de Tapajós, com as adaptações
necessárias ao fato de que as Usinas ainda estão sendo planejadas.

• Caracterizar as Unidades de Conservação que sofreram alterações em função do estabelecimento do Com-


plexo Hidrelétrico do Rio Madeira, tanto em relação às condições anteriores à implantação (características biogeo-
gráficas, institucionais e socioambientais) quanto aos aspectos relativos às alterações (redução da área, recategori-
zação ou extinção), atores envolvidos e efeitos sociais e ambientais. O mesmo será feito para as unidades afetadas
pelo Complexo Hidrelétrico do Tapajós, considerando adicionalmente aquelas estão sob ameaça.

Os objetivos foram estruturados visando responder alguns questionamentos. Como os grandes projetos de infraes-
trutura na bacia do rio Madeira e na bacia do rio Tapajós afetaram as Unidades de Conservação daquelas regiões? Que me-
canismos sociais e/ou políticos são mobilizados para modificar os aspectos institucionais das Unidades de Conservação

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até então consolidadas? O grau de efetividade de gestão de uma unidade de conservação influencia sua vulnerabilidade a talistas, buscando uma conscientização sobre os riscos à natureza oferecidos pelo intenso desenvolvimento industrial.
essas modificações? Quais são os agentes que atuam nesse processo e quais são os que sofrem seus impactos? Quais são Castro Júnior et al. (2009) destacam ainda que, na década de 80, essa preocupação se intensifica com a ampliação dos
as consequências ecológicas e sociais do PADDD para tais unidades de conservação? conhecimentos científicos sobre a elevação das taxas de extinção de espécies. Nesse contexto, a questão ambiental ganha
dimensões globais, sendo incorporada às agendas políticas internacionais.
E ainda, em termos comparativos, que mecanismos e agentes estão presentes nas duas regiões? É possível que os
efeitos observados no caso do Complexo do Rio Madeira, já em operação, se repitam no caso do Complexo do Tapajós, Os conceitos que passam a nortear as discussões relativas à questão ambiental são objeto de diversos debates in-
ainda em fase de planejamento? ternacionais que tinham por objetivo a criação de mecanismos e instrumentos de cooperação que visassem à proteção da
natureza (Medeiros, 2003). Diegues (1996) nos traz um levantamento desses eventos, destacando a evolução dos concei-
tos de áreas protegidas desde a realização em 1962 da 1ª Conferência Mundial sobre Parques Nacionais até a Convenção
1.3. Justificativa sobre a Diversidade Biológica (CDB) em 1992, passando pela elaboração do Relatório Brundtland em 1987; fóruns em
que se discute uma alteração nos modelos de desenvolvimento como estratégia primordial para as iniciativas de proteção
A criação de áreas protegidas dedicadas à conservação da natureza intensificou-se ao longo do século XX à da natureza: consagra-se, assim, a expressão “desenvolvimento sustentável”1. Bayliss-Smith e Owens (1996), ao abor-
medida que uma gama de questões ambientais cresceu em importância nas pautas internacionais e na agenda nacio- darem as diferentes visões existentes dentro do movimento ambientalista, destacam que o conceito de desenvolvimento
nal. Ao redor do mundo, tornou-se comum a definição de áreas destinadas à proteção da natureza. Diversos encontros sustentável contribuiu para diminuir a dicotomia existente entre as noções de crescimento econômico e proteção do meio
e conferências foram organizados para tratar do tema, assim como foram assinados acordos internacionais de relativa ambiente, mas que ainda preserva uma visão utilitarista da natureza.
importância. Nesse contexto, muitos países implantaram nas últimas décadas sistemas nacionais de áreas protegidas.
O documento assinado pelos países participantes nessa Convenção define também o conceito de “biodiversidade”,
Apesar desse movimento na direção da criação de áreas protegidas observa-se em anos recentes a tendência in- que vai passar a figurar dentre os debates ambientais tanto a partir de um ponto de vista ecológico (aumento da percepção
versa de redução de tamanho, reclassificação e mesmo a extinção de tais áreas a partir de pressões pela utilização dos da importância de se preservarem as diferentes formas de vida) quanto pelo ponto de vista da diversidade como “recurso”
recursos naturais protegidos por seus limites. A despeito de sua ocorrência recorrente e espacialmente dispersa pelo (aplicações industriais principalmente no ramo da biotecnologia) (Albagli, 1998).
mundo, Mascia e Pailler (2010) ressaltam que trata-se de um fenômeno ainda pouco estudado nos meios científicos.
Em um dos poucos estudos brasileiros sobre o tema, Bernard et. al. (2014) realizaram um levantamento dos eventos Nesse contexto, a estratégia de conservação da natureza via criação de áreas protegidas adquire especial relevân-
de PADDD ocorridos no Brasil no período de 1981 a 2012, concluindo que a frequência desses eventos aumentou ao cia (Steiman, 2008). A Convenção sobre Diversidade Biológica define a “conservação in situ” como a “conservação de
ecossistemas e hábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso
longo do período e que a maioria dos eventos incidiu na zona de contato do bioma amazônico com outros biomas. Além
de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características”.
disso, 21 dos 93 eventos PADDD estavam associados à construção de usinas hidrelétricas e/ou à passagem de linhas de
transmissão de eletricidade (Bernard et. al, 2014). O mesmo artigo igualmente estabelece que os países signatários estabeleçam um sistema nacional de áreas prote-
gidas. Foi significativa a contribuição da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) para a normatiza-
Esses dados refletem as políticas mais recentes do governo brasileiro no que se refere à demanda por geração
ção das características dos sistemas de áreas protegidas: em seu documento “Guideline for Protected Areas Management
de energia no país. Como alertam Araújo et. al (2012), segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, 85% da
Categories” (1994) foi elaborado o sistema mais recente de categorias de áreas protegidas que servem de referência para
expansão hidrelétrica prevista vai ocorrer na Amazônia e 16 das usinas planejadas incidem sobre UCs. Assim, tais planos
criação de outros sistemas nacionais, visando facilitar a cooperação entre os Estados e organizações (Steiman, 2008).
ameaçam a existência dessas unidades, representando um retrocesso nas políticas de proteção ambiental. Esperamos que
o estudo mais aprofundado dos eventos ocorridos na Bacia do rio Madeira e em andamento na do Tapajós possa contribuir Segundo a IUCN, áreas protegidas são “áreas do espaço terrestre e/ou marítimo especialmente dedicadas à proteção e
para a compreensão desse processo em escala regional, apontando para possíveis efeitos destes e dos próximos eventos manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais a ela associados, manejadas por meios oficiais ou outros
PADDD. meios efetivos” (IUCN, 1994, p. 7). Por meio dessa iniciativa, o termo ganha destaque, referindo-se à abordagem mais ge-
neralizante quando tratamos de porções do território delimitadas com objetivos de proteção da natureza. Diversos países,
entretanto, desenvolveram seus sistemas nacionais de áreas protegidas utilizando finalidades distintas. No Brasil usa-se
o termo “Unidades de Conservação” (UCs) tal como definida pela Lei nº 9.985/2000 para denominar o “espaço territorial
e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam ga-
rantias adequadas de proteção”. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação divide essas áreas em doze categorias,
A história da proteção da natureza no mundo é retomada por diversos autores (Araujo,2007; Davenport & Rao,2002; separadas em dois grupos (Proteção Integral e Uso Sustentável), cujos objetivos de conservação e diretrizes de manejo se
Diegues,1996; Medeiros,2003), mostrando que a preocupação ambiental existiu desde a Antiguidade e que a delimitação diferenciam entre si2.
de áreas destinadas à proteção da natureza não é uma estratégia inédita das últimas décadas. Entretanto, a relevância que
a questão ambiental assumiu a partir da segunda metade do século XX pode estar associada à emergência de um novo O tema da criação de áreas protegidas é bastante trabalhado pela bibliografia existente. Também são diversos
paradigma em que a proteção da natureza passa a incorporar a proteção das “gerações futuras” frente à um possível esgo- os estudos que tratam da gestão e manejo das Unidades de Conservação brasileiras e demais áreas protegidas (Araujo,
tamento dos recursos naturais (Medeiros, 2003). Albagli (1998) aponta que essa situação advém do aumento da pressão 1 A discussão das distintas visões sobre esse conceito, cuja definição ainda não é consensual, é feita por Albagli (1998).
sobre os recursos a partir da expansão econômica do pós-2ª Guerra Mundial. Medeiros (2003), por sua vez, destaca que o 2 Cabe ressaltar que, no Brasil, utiliza-se o termo “áreas protegidas” para englobar tanto as Unidades de Conservação quanto os territórios
indígenas e as comunidades quilombolas – como observado por meio do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Decreto nº 5.758, de 13
desenvolvimento científico e tecnológico exige uma maior proteção da diversidade de espécies para garantir novas formas
de abril de 2006). Nesse trabalho, entretanto, utilizamos o termo “áreas protegidas” para nos referir aos diferentes sistemas de proteção da natureza
de exploração dos recursos naturais; além disso, há uma pressão maior por parte dos movimentos e organizações ambien- adotados pelos países.

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2007; Castro Júnior et.al, 2009; Ibama, 2007; Orth e Debetir, 2007; Terborgh et al., 2002). Porém, Mascia e Pailler (2010) das questões ambientais que necessitam de uma abordagem transdisciplinar. Mais do que as abordagens especiali-
apontam uma lacuna referente a estudos que tratem do processo de extinção ou redução de tamanho pelo qual diversas zadas dadas por outras disciplinas, é fundamental a contribuição da Geografia para a análise ambiental levando-se
áreas protegidas ao redor do mundo vêm passando desde o início do século XX. Eles ressaltam que apesar do movimento em conta aspectos mais holísticos (Bayler-Smith e Owens, 1996).
de expansão em número e área de áreas protegidas ao redor do mundo, ocorre também da tendência inversa, a qual de-
nominaram PADDD - sigla em inglês para a expressão “protected areas downgrading, downsizing and degazettement”,
que engloba: rebaixamento de categorias de áreas protegidas, buscando condições menos restritivas em relação aos usos
permitidos dos recursos dentro daquela área (downgrading); de diminuição dos seus limites (downsizing); ou ainda de
revogação da sua existência, ou seja, a extinção daquela área (degazettement). 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os eventos desse tipo não são inéditos. No Brasil, há o exemplo do Parque de Sete Quedas, criado em 1961 e A primeira etapa da pesquisa prevê uma etapa de levantamento e de revisão bibliográfica. Ao longo de minha
extinto em 1981 para dar lugar à hidrelétrica de Itaipu. No entanto, o termo PADDD permite agregar ao mesmo processo pesquisa de Iniciação Científica (IC), pude investir nos temas ligados à conservação da natureza e da criação e gestão de
ao mesmo tempo três tipos de eventos que de outra maneira seriam tratados isoladamente, ainda que sua ocorrência no áreas protegidas. Será, portanto, importante investir na bibliografia mais ampla sobre grandes projetos.
tempo e no espaço seja simultânea e sua contribuição final similar: o enfraquecimento do processo de conservação in situ.
A partir de estudos existentes sobre áreas protegidas na Índia e na América do Sul, Mascia e Pailler (2010) destacam que Na etapa seguinte de coleta de dados pretendo dar continuidade ao trabalho de levantamento de dados iniciada na
algumas áreas sofrem repetidas tentativas de alterações nos seus limites e que, apesar de as causas do PADDD variarem Pesquisa de IC, incorporando elementos das metodologias propostas por Martins et. al (2012) e por Bernard et. al. (2014)
bastante, podem ser reunidas em três grandes grupos: desenvolvimento de infraestrutura, disputa de terras e assentamento em seus estudos sobre o PADDD na Amazônia e no Brasil, respectivamente, que preveem: i) definição das Unidades de
de populações, sendo que na maioria das vezes estão ligadas à demanda pelo acesso e pelo uso dos recursos naturais que Conservação nas áreas de influência das Usinas Hidrelétricas, baseado no critério de 40km adotado por Martins et. al.
se encontram protegidos3. (2012); ii) levantamento dos eventos de PADDD ocorridos nas UCs definidas, por meio da bibliografia existente e le-
vantamento de notícias em periódicos locais e nacionais de grande circulação; iii) levantamento de projetos de PADDD
Nesse sentido, os autores destacam que muitas questões em torno do fenômeno do PADDD permanecem não re- às UCs definidas, a partir de propostas legais que estejam em andamento através de consulta aos websites dos órgãos
solvidas, especialmente suas consequências ecológicas e sociais. Faz parte dessa agenda de pesquisa conhecer a frequên- legislativos brasileiros (Câmara dos Deputados, Senado Federal, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Superior Tribu-
cia com a qual tem ocorrido eventos PADDD; quanto da situação das áreas protegidas tem sido afetado e quanto estas nal de Justiça, Superior Tribunal Federal); iv) construção de base de dados com informações relativas às UCs definidas
seriam afetadas pelas propostas de PADDD existentes; quais são os padrões espaciais e temporais nos quais o PADDD na área de influência. Esta etapa teve início durante a Iniciação Científica quando reuní um conjunto de informações de
se manifesta e através de que mecanismos sociais ele ocorre. Os estudos podem apontar a necessidade de elaboração de variáveis selecionadas e as agrupei em três dimensões – biogeográfica, institucional e socioambiental. Esses dados foram
estratégias mais efetivas para a conservação da natureza ou mesmo para áreas protegidas mais vulneráveis a estes eventos levantados no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) e nos bancos de dados do Instituto Chico Mendes
que demandem maior atenção e investimento. de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Socioambiental (ISA), de órgãos gestores estaduais e notícias
de periódicos locais e informações de ONGs. Parte significativa das unidades de conservação propostas nesse projeto já
No Brasil, o PADDD foi estudado por Bernard et. al (2014), tentando identificar a extensão do fenômeno nas UCs constam das bases previamente elaboradas.
do país e suas causas, além de investigar se os padrões refletem uma mudança da política ambiental. No período de 1981 a
2012, 39 dos 93 eventos ocorreram no bioma Amazônico; 21 dos quais associados à geração e transmissão de eletricidade. Caberá ainda levantar dados e documentos relativos aos aspectos gerais e institucionais das usinas, bem como
Apesar de esse ter sido o primeiro estudo que segue a nomenclatura PADDD para os eventos no Brasil, Araújo e Barreto seus impactos sociais e ambientais gerados, tal como mencionado nos objetivos, tanto a partir da bibliografia existente,
(2010) já haviam se dedicado ao levantamento de ameaças formais às UCs e Terras Indígenas na Amazônia Legal, sendo como em documentos oficiais como os Planos Decenais de Energia publicados pelo Ministério de Minas e Energia e pela
46% dos eventos ligados à implantação de grandes obras de infraestrutura (como construções de estradas e de centrais Empresa de Pesquisa Energética.
hidrelétricas). Um estudo posterior também identifica 17 áreas protegidas que estão na área de influência de usinas hi-
drelétricas planejadas e que, baseado em casos anteriores de PADDD por conta da instalação de centrais de geração de
energia, são consideradas ameaçadas (Martins et. al, 2012).
4. BIBLIOGRAFIA
Dessa maneira, percebe-se a influência dos projetos hidrelétricos nos eventos de PADDD ocorridos no Brasil e
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especialmente na Amazônia. Araújo et al (2012) realizaram uma avaliação dos riscos da redução de UCs nessa região
devido a projetos hidrelétricos, baseado no caso da Bacia do rio Tapajós. É vasta a bibliografia que trata dos efeitos de ARAUJO, M. A. R. Unidades de Conservação no Brasil: da república à gestão de classe mundial. Belo Horizonte:
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debate.
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A temática ambiental tem interessado a diferentes ciências, tanto às naturais quanto às sociais. Nesse sen-
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ciedade, espaço e ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
25) − ou seja, abarcar conhecimentos ligados à natureza e à sociedade, evidencia sua importância no tratamento
3 Mascia e Pailler (2010) ressaltam que o estudo do PADDD não deve partir de uma pressuposição inicial de que o fenômeno tenha ape- BERNARD, E.; PENNA, L. A. O.; ARAÚJO, E. Downgrading, Downsizing, Degazettement, and Reclassification of
nas consequências “negativas”, pois pode também representar uma atenção à demanda social de populações locais cuja subsistência tenha sido Protected Areas in Brazil. Conservation Biology. 28: 939–950 p. 2014.
impactada pela criação de uma área protegida.

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BRASIL. Lei nº 9985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Fede- AVALIAÇÃO DO MANEJO SUSTENTÁVEL DO FRUTO DA PALMEIRA JUÇARA (EUTERPE EDULIS
ral, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. MARTIUS) NA MATA ATLÂNTICA: UM ESTUDO DE CASO COM AGRICULTORES FAMILIARES DA
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INTRODUÇÃO Para tanto tem-se os objetivos específicos: 1) Avaliar o retorno social a partir de aspectos como: etnoconheci-
mento associado a palmeira; diversificação na dieta (consumo local - contribuição para segurança alimentar); 2) Avaliar
O desafio do desenvolvimento cunhado com o adjetivo “sustentável” é conciliar interesses sociais, ambientais os benefícios ambientais através da taxa de aumento de produção de novas mudas (reflorestamento) oriundo do manejo
e econômicos (SACHS, 2004). O modelo de desenvolvimento pautado na ideia de progresso econômico, gerou uma dos frutos; 3) Avaliar benefícios econômicos através do custo; produção; consumo e retornos financeiros obtidos com a
grande quantidade impactos ambientais negativos, afetando e fragmentando em várias escalas todo o ecossistema, não se venda da polpa do fruto da palmeira Juçara.
mostrando um modelo durável e muito menos capaz de garantir o bem estar das populações (CAVALCANTI, 2012). Por
outro lado iniciativas conservacionistas como a criação de unidades de conservação de proteção integral que privilegia
aspectos ambientais, contribuiu para o aumento da pobreza no seu entorno (SCHERL et al., 2006).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Dentro deste contexto surgem diferentes práticas que buscam resgatar e\ou promover técnicas que estejam pau-
tados em um real processo de desenvolvimento. Para Amartya Sen (2008) o desenvolvimento deve contribuir para a ex- A agroecologia pode ser considerada como um referencial teórico geral, que acaba orientando várias vertentes
pansão da liberdade dos indivíduos, liberdade de caráter multidimencional e que envolve tanto o acesso a oportunidades de agriculturas alternativas que envolve princípios ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis
como a recursos naturais (SEN, 2008), ou seja, envolve práticas que conciliem processos e produtos saudáveis, de forma (GLIESSMAN, 1998). A agroecologia tem como unidade de estudo o agroecossistema onde os ciclos ecológicos e as re-
a não comprometer o acesso às futuras gerações, que devem acontecer dentro de um processo engajado que envolve lações socioeconômicas são analisadas em conjunto. Busca uma otimização do agroecossistema o que implica na análise
todos os atores no processo. e interpretação das interações complexas existentes no mesmo (CAPORAL, COSTABEBER, 2001 apud FRANCELINO
et al. 2008).
Vários trabalhos apontam para o potencial e a importância do manejo agroecológico da palmeira Juçara (Euterpe
edulis Martius) como alternativa de renda e utilização de sementes para reflorestamento (MAC FADDEN, 2005; ZANA- Boa parte do que a agroecologia propõe não é novo, é uma retomada de conceitos utilizados há milênios pelos
TTA et al., 2009; BARROSO et al., 2010). agricultores e agora pensados também sob a ótica da ciência moderna, que pode contribuir de diversas formas. Essa fusão
do conhecimento técnico moderno com os conhecimentos tradicionais acaba dando resultados vantajosos, inclusive do
A palmeira Juçara (Euterpe edulis Martius) foi por muitos anos explorada no mercado informal de venda do seu ponto de vista ético, pois todo conhecimento é respeitado e valorizado. O agricultor não é visto apenas como um mero
palmito que é proibido, atualmente está na lista de espécies ameaçadas de extinção (MMA, 2008). É considerada uma executor que deve simplesmente acatar a opinião da ciência, sem questionamentos (CANUTO, 1998).
espécie-chave para a manutenção da diversidade biológica da Mata Atlântica. (BARROSO et al., 2010), não é cultivada
através da monocultura pois não tolera a radiação solar direta em seus estágios iniciais de crescimento (CARVALHO, O conceito de agricultura de cunho familiar se enquadra nesse ponto justamente por ser mais adequada a um
2013). modelo que preza a questão social, ao contrário do modelo convencional que costuma se relacionar com concentrações
fundiárias e monoculturas de grandes extensões (VEIGA, 1996).
A extração ilegal do palmito em unidade de conservação é um dos principais conflitos entre as comunidades e
unidades. No PNSHL é registrada a ocorrência de retirada ilegal do palmito e segundo Denes (2006) é necessário a in- É nesta perspectiva que a agroecologia não só repensa, resgata e inova em técnicas de cultivo trabalhando com
serção de projetos que difundam o reflorestamento da palmeira Juçara “para que os palmiteiros possam sair da clandes- elementos naturais do ambiente, ao valorizar as várias formas de saber a agroecologia contribui para o empoderamento
tinidade e se firmem de forma responsável dentro da cadeia produtiva” (DENES, 2006 p.103). dos agricultores. Dallabrida (2006) considera que o desenvolvimento tem duas dimensões, a tangível que pode ser men-
surada através de indicadores e a intangível, que se refere a capacidade coletiva para realizar ações de interesse socie-
Vários trabalhos apontam o potencial de manejo agroecológico da palmeira Juçara na Mata Atlântica (BAR- tário. Desta maneira o autor considera que o desenvolvimento territorial pode ser entendido como “estágio do processo
ROSO et al., 2010; MAC FADDEN, 2005; ZANATTA et al., 2009), um estudo realizado pelo Instituto Agronômico do de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos
Paraná (IAPAR) em quatro regiões agroecológicas do estado (Litoral, Alto Ribeira, Noroeste e Oeste) demonstrou que capitais e recursos (materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à melhoria da qualidade de vida de sua popu-
o cultivo da palmeira (Bactris gasipaes Kunth) pode representar ganhos econômicos e ambientais (CHAIMSOHN et al. lação” (DALLABRIDA, 2006 p. 88).
2002), acredita-se que os mesmos ganhos podem ser relacionados a palmeira (Euterpe edulis Martius), uma experiência
de sensibilização sobre a despolpa do açaí na baía de Guaratuba – PR, realizada durante o ano de 2009, demonstrou que Segundo Abramovay (1998) “é em torno dos territórios que poderão ser descobertas novas configurações entre
alguns moradores já tinham conhecimento sobre a despolpa do fruto da Juçara e a troca de conhecimentos promovida cidade e campo, capazes de propiciar oportunidades” (Abramovay, 1998 p.18). A agricultura familiar tem possibilidades
pelos atores ampliou o conhecimento sobre a diversidade de usos do fruto (ZANATTA et al., 2009). contribuir para uma distribuição de renda equitativa e também à adaptação a técnicas mais consistentes com a necessi-
dade ambiental. Faz-se necessário contudo que as práticas que busquem motivar o surgimento local e regional de novas
Nesta pesquisa o olhar integrado busca identificar se o manejo agroecológico do fruto da palmeira Juçara é capaz oportunidades levem em consideração a necessidade de aproximar os produtores da cadeia consumidora.
de promover todos os eixos do tripé da sustentabilidade (social, ambiental e econômica)? A análise será realizada a partir
de um estudo de caso com produtores familiares que utilizam técnicas agroecológicas ao longo da Pr-508 - Alexandra - Abramovay (2012) argumenta que, três fatores são importantes para o processo de desenvolvimento: a primeira
Matinhos, zona de amortecimento do Parque Nacional Saint Hilaire - Lange (PNSHL), litoral do Paraná. sendo a base delas a relação sociedade-natureza cujo sentido não pode ser a idéia de crescimento, sendo necessário
reconhecer o limite dos ecossistemas, e assim promover a inovação de forma a “melhorar como se obtém e transforma
O objetivo deste estudo é avaliar o manejo agroecológico do fruto da palmeira Juçara realizado por produtores energia, os materiais e a própria biodiversidade em produtos mais úteis para a sociedade” (ABRAMOVAY, 2012 p.18).
familiares situados na Pr-508, zona de amortecimento do Parque Nacional Saint Hilaire - Lange, litoral do Paraná, de
forma a identificar a contribuição e obstáculos deste manejo, para o alcance da sustentabilidade (social, ambiental e eco- Veiga (1996) reforça os conflitos sociais engendram inovações, segundo o autor é justamente a relação dialética
nômica). que os conflitos que refletem os interesses divergentes que permitem o surgimento das inovações. Segundo Dallabrida
(2006) a inovação territorial que surge a partir de aprendizagens coletivas e a organização socioterritorial que são ferra-

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Introdução Estudos realizados sobre a produção de leite bovino pelos agricultores assentados de Santana do Livramento tem
se dedicado a uma perspectiva organizacional do APL Leite e da caracterização dos agricultores em termos demográficos
Os processos que acarretaram na implantação de assentamentos rurais no Brasil estão fortemente relacionados e produtivos (PATIAS et al., 2015; COSTA et al., 2012). A proposta de pesquisa que aqui se apresenta tem o intuito de
com a disputa entre agentes sociais pelo direito à posse e uso da terra, em torno do que é entendido como o campo dos analisar em que condições os agricultores assentados no município de Santana do Livramento/RS colocaram em prática a
conflitos agrários. Por consequência das relações nesse espaço de lutas se deu a implementação de políticas agrárias produção de leite bovino como parte de suas estratégias produtivas, e como esta opção se relaciona com as possibilidades
em todo o país, tendo como mais representativo resultado a política de assentamentos (DA ROS, 2006). Com isso, são de reprodução social. Considera-se que a abordagem proposta nesse trabalho ainda não foi apresentada para o contexto
implantados desde a década de 1960, através de desapropriações e compras de terras particulares, além de cedência de analisado. Se busca compreender as disposições sociais mais profundas em torno da produção leiteira, considerando-a
áreas públicas, os assentamentos rurais, áreas onde são destinadas porções de terras para os chamados assentados ou para além de uma estratégia produtiva por si só, como um resultado de trajetórias e relações na estrutura social.
agricultores assentados, uma categoria de beneficiários com trajetórias sociais e culturais bastante heterogêneas: filhos
de pequenos agricultores empobrecidos, parceiros, atingidos por barragens, assalariados rurais, moradores das periferias Esta orientação geral leva em conta outras questões específicas, relacionadas tanto com a teoria como com o objeto
urbanas, entre outros (LEITE et al., 2004). em sua dimensão empírica: quais as origens e como tomou forma a produção leiteira dentro dos repertórios socioculturais
destes agricultores assentados e no contexto do território em análise? Quais são as diferentes formas de inserção da pro-
Com isso, parte-se do entendimento de que a luta em torno do direito à posse e uso da terra passa por diferentes dução leiteira no conjunto de estratégias produtivas dos agricultores assentados e como esta interage com os elementos
momentos históricos e intervenções políticas, que tendem a condicionar as áreas destinadas para implantação de assenta- objetivos e subjetivos condicionantes da reprodução social? Como se manifestam os condicionantes da mercantilização
mentos rurais. É como resultado dessa dinâmica de relações entre agentes em posições sociais diferenciadas que os assen- da agricultura e os fatores restritivos da cadeia produtiva na organização das estratégias produtivas que incluem a pro-
tamentos rurais do município de Santana do Livramento, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul (RS), são implantados dução leiteira? Como os agricultores assentados tem reagido às restrições objetivas e subjetivas com que se deparam na
a partir da década de 1990. construção de suas estratégias produtivas e quais são suas margens de ação e decisão?
O município de Santana do Livramento/RS tem uma população de 82.464 habitantes conforme o último Censo
(2010). Sua extensão territorial é de 6.950,354 km², a segunda maior do RS (IBGE, 2010). O espaço agrário do município
é marcado pelas tendências hegemônicas de desenvolvimento econômico do espaço social estancieiro, entre elas a pro- Objetivo geral
dução pastoril, com a criação de gado de forma extensiva desde o século XVIII, e a intensificação de cultivos agrícolas a
partir de investidas na ‘revolução verde’ ao longo do século XX, principalmente no avanço da produção de soja sobre a - Analisar os condicionantes da escolha da produção de leite bovino como parte das estratégias produtivas na re-
cobertura vegetal de campos do bioma Pampa (AGUIAR; MEDEIROS, 2010). produção social dos agricultores assentados no município de Santana do Livramento/RS.

Nos 31 assentamentos rurais implantados neste município, entre o período de 1994 e 2010, se estabeleceu uma ca-
pacidade para assentar aproximadamente mil famílias1 em uma área total de 26.300 hectares. A produção de leite bovino Objetivos específicos
nos assentamentos do município é expressiva no decorrer da década de 2000. Tem como marco referencial a iniciativa da
Cooperativa Regional dos Assentados da Fronteira Oeste Ltda (Coperforte), fundada em outubro de 2002, com o objetivo - Analisar as origens socioculturais dos agricultores assentados e as interações com a produção de leite bovino,
de organizar a coleta e comercialização do leite. Inicialmente, foram 35 sócios que se organizaram, com uma produção considerando possíveis relações dessa escolha produtiva com as trajetórias sociais;
média total de 35 mil litros mensais. Com a expansão da atividade, a quantidade de membros se aproximava de 600 as-
sociados em 2012 (APL LEITE, 2012). - Analisar as origens e desdobramentos da produção de leite no município de Santana do Livramento e sua relação
com os agravantes gerais da cadeia produtiva entre as décadas de 1990 e 2000 para as produções em pequena escala;
Desde o ano de 2005, um conjunto de instituições que estão situadas em torno da produção leiteira no município
unem esforços para elaboração de projetos e atividades conjuntas. Em 2007, um grupo de 15 instituições passou a se - Analisar os estilos de agricultura dos agricultores assentados produtores de leite de Santana do Livramento a
reunir em torno do que veio a se constituir como o Arranjo Produtivo Local do Leite de Santana do Livramento/RS (APL partir dos diferentes padrões tecnológicos, organização do trabalho e da produção e inserção nos mercados;
Leite). Entre os anos de 2006 e 2011 a produção anual de leite na bacia leiteira do município se expandiu de 6 milhões de
- Analisar o modelo de pecuária leiteira que está sendo proposto pelas instituições locais em torno da APL Leite na
litros para 20 milhões de litros (APL LEITE, 2012).
sua relação com escala, intensidade e origem dos recursos, discutindo também a adaptação com o bioma Pampa;
No entanto, apesar desta notável expansão da produção leiteira no município no período, as décadas de 1990
- Analisar origens e condicionantes de diferenciação socioeconômica entre produtores de leite nos assentamentos
e 2000 representaram, também, um aumento de restrições para os agricultores familiares envolvidos com esta cadeia
rurais. Relacionar esta diferenciação com os repertórios socioculturais e com a representação em espaços políticos como
produtiva. Destaca-se a rigidez na regulamentação sanitária, a redução da regulamentação governamental de preços
a APL Leite.
tabelados e a entrada de novas empresas no mercado, o que, em geral, pressionou para os investimentos em tendências
empresariais dos agricultores na especialização e aumento de escala, por questões de qualidade e de concorrência, o que
dificultou as possibilidades de reprodução de pequenas produções, que diminuíram em número (BREITENBACH, 2012).
Apesar de se constatar uma pluralidade de sistemas produtivos de leite, o que se observou emergindo com este conjunto Referencial teórico básico
de restrições foi, nos extremos, a tendência do modelo intensivo e a tendência da redução de custos (NORDER, 2006
As questões teóricas entendidas como ‘pano de fundo’ deste trabalho estão relacionadas, de um modo geral, com
apud BREITENBACH, 2012).
estudos acerca das possibilidades de reprodução social dos camponeses no contexto dos processos de mercantilização da
1 O contingente de famílias assentadas em lotes de terra nos assentamentos rurais de todo o RS, até 2012, era de aproxima-
agricultura. De um modo específico, com as condições existentes na construção de estratégias produtivas dos agricultores
damente treze mil famílias (INCRA, 2013).

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assentados no âmbito do território em que os assentamentos rurais de Santana do Livramento/RS estão inseridos. pesquisa. De forma sintética, entende-se a condição camponesa como uma posição vivenciada na estrutura social que, em
A questão geral é uma discussão de longa data, acerca das tendências globais de os processos de modernização da sua formação particular, aqui estudada, de agricultores assentados, está relacionada com a estruturação de estratégias de
agricultura capitalista levarem ou não ao fim uma agricultura com princípios camponeses. Diferente do que é apontado em reprodução social, onde a produção leiteira é inserida nas estratégias produtivas dos agricultores assentados conforme
diversas tendências do meio científico e político, os camponeses não são entendidos nesse trabalho como uma categoria diferentes lógicas de conduta que são apreendidas analiticamente através de estilos de agricultura.
social na agricultura em vias de extinção (LONG; PLOEG, 2011).
Ao estudar as estratégias de reprodução social dos camponeses em diferentes partes do mundo, Jan Douwe van
der Ploeg (2008) afirma que estes agentes sociais são portadores de uma condição (condição camponesa) e de um modo Procedimentos metodológicos
de fazer agricultura (modo camponês), onde persistem em constante busca por autonomia, ao criar formas de administrar
diferentes restrições para sua reprodução socioeconômica. Quanto às informações a serem analisadas para alcance dos objetivos deste trabalho, a intenção é utilizar de abor-
Para o autor, as tendências hegemônicas capitalistas na agricultura representam um cenário de mercantilização dagens qualitativas e quantitativas, visando sempre as interações benéficas de um uso integrado de ambas.
crescente dos elementos componentes de toda relação entre camponeses e mercados. Os agricultores integrados em moldes
empresariais de produção tendem a aumentar gradualmente sua dependência de insumos externos e da comercialização Entretanto, também faz parte da pesquisa a qualidade de observá-la como um “artesanato intelectual” (MILLS,
em mercados globais, onde a subordinação se estabelece pela limitada possibilidade de intervenção. Os camponeses 1982). Nesse sentido, alguns procedimentos podem ser adotados para que a relação se torne mais cotidiana e prazerosa,
coexistem com a mercantilização da agricultura em contínua interação com tais condições. Porém, como reitera Ploeg, sem que haja uma separação dicotômica entre “vida” e “trabalho”:
para além de processos unívocos de subordinação e dependência, os camponeses tendem a construir uma heterogeneidade
- Primeiramente, um conjunto de análises bibliográficas ainda são necessárias para alcançar uma maior compreen-
de estratégias e formas de resistência, galgando espaços de manobra para construção de autonomia em diferentes níveis.
são sobre o objeto de estudo e da abordagem teórica a ser utilizada. Os principais temas que atualmente se apresentam
Considera-se que esta forma de compreender a permanência dos camponeses no século XXI (PLOEG, 2008) está
para aprofundamento são: teorias acerca da reprodução social, informações sobre o mercado do leite em nível local e
fortemente relacionada com os estudos de Pierre Bourdieu, em torno da problemática da reprodução social. Para Bour-
externo, história social do campesinato brasileiro, gênese do espaço social estancieiro, campo dos conflitos agrários no
dieu (2008) as práticas dos agentes sociais dependem de um conjunto de condições objetivas e subjetivas vivenciadas em
RS. Também serão incorporadas as leituras que não tem um cunho científico, mas que podem auxiliar na compreensão de
termos de posições na estrutura social e da configuração e reconfiguração do conjunto de capitais e poder entre grupos
aspectos vivenciados pelo campesinato no espaço social, como na literatura brasileira.
sociais em relações de disputa. Nesse sentido, o rol de possibilidades para contornar situações de privação e configurar
modos de agir depende também de condições de inserção social e expectativas de existência no contexto da condição - Para obter mais informações e qualificar as questões acerca do objeto de pesquisa, duas frentes principais de
camponesa. Portanto, uma perspectiva relacional é tomada neste trabalho, em que se visualiza os assentamentos como ações serão utilizadas. A primeira é a aproximação dos espaços de diálogo proporcionados pelas reuniões dos Articula-
espaços socialmente construídos, onde os camponeses colocam em prática estratégias orientadas para sua reprodução dores Técnico-Pedagógicos (ATPs) do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES)2 na Universidade
social dentro de uma estrutura de relações, capitais e poder (BOURDIEU, 1989). Federal de Santa Maria. Nesse meio tempo, poderão ser articuladas visitas ao núcleo operacional de ATES de Santana do
Livramento. A segunda é uma análise exploratória dos dados estatísticos do Sistema Integrado de Gestão Rural de ATES
Na análise da reprodução social no espaço de assentamentos rurais, considera-se também o modelo teórico estu-
(SIGRA), do programa de ATES, que contém informações específicas acerca das famílias assentadas e dos seus sistemas
dado por Piccin (2011). Para compreender as estratégias produtivas adotadas por agricultores assentados, o autor orientou
produtivos. Esta etapa também envolverá algumas entrevistas orientadas principalmente para agentes relacionados às
sua investigação para as diferentes lógicas de conduta, ou racionalidades, entendendo-as como um conjunto de referên-
instituições: assessoria técnica, Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), cooperativas, prefeitura, lideranças
cias que dão sentido às ações. As diferenças entre as escolhas dos agricultores assentados foram analisadas a partir dos
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, empresa beneficiadora de leite, agropecuárias, universidades, etc.
repertórios socioculturais nas trajetórias de vida, suas pretensões e motivações, e a interação com as condições subjetivas
Também é considerada a possibilidade de participação no Seminário da Bacia Leiteira que é promovido anualmente pelo
e objetivas do novo espaço onde passaram a viver, o assentamento rural.
APL Leite.
Nesse sentido, é necessário investigar elementos da história social camponesa que marcam as trajetórias dos agri-
As atividades de aproximação do objeto de estudo antecederão a obtenção de dados qualitativos e quantitativos no
cultores assentados em sua inserção como agentes sociais no campo dos conflitos agrários e na construção de estratégias
espaço empírico, que se darão através de técnicas mais refinadas a serem construídas somente através do amadurecimento
de reprodução social nos assentamentos rurais.
teórico. Entretanto, alguns apontamentos desde já podem ser traçados acerca das técnicas da pesquisa:
A heterogeneidade de estratégias de reprodução do campesinato é analisada, também, sob a perspectiva dos estilos
- Pretende-se realizar uma análise quantitativa para classificar os estilos de agricultura com base nas diferentes
de agricultura (PLOEG, 2008). Esta abordagem representa a tentativa de analisar “uma diversidade de padrões tecnoló-
formas de introdução da atividade leiteira nas estratégias produtivas e reprodução social. Pretende-se realizar esta análise
gicos, institucionais de organização do trabalho e da produção, de inserção nos mercados e de representação ideológica”
direcionada para um assentamento rural do município, tomando como critério a maior diversidade de situações (estilos)
(NIEDERLE et al., 2014, p. 209). Essa perspectiva tende a contribuir com o trabalho ao considerar que, a partir da con-
daquele caso (assentamento) frente à atividade pecuária. Para esta etapa será utilizada estatística multivariada.
dição de agência dos camponeses, de sua gênese sociocultural e das restrições objetivas e subjetivas do contexto onde
vivem, colocam em prática diferentes estilos de agricultura, alocando diferentemente seus recursos nas relações com o - Serão realizadas entrevistas com as famílias assentadas, direcionadas para estabelecer diálogos conforme os dife-
mercado. Portanto, a produção de leite como componente das estratégias produtivas não é entendida de modo homogêneo rentes estilos de agricultura classificados. Essa etapa será de confronto qualitativo frente aos dados quantitativos (colocar
entre os agricultores assentados, mas como uma diversidade de estilos possíveis de produção leiteira nas diferentes formas
de alocação dos recursos locais e externos, de inserção nos mercados, intensidade e escala de produção, utilização de força em questão a metodologia utilizada para classificar os estilos), de modo a enriquecer as análises. A aproximação do assen-
de trabalho, técnicas de produção, interdependência entre assentados, representação política, etc. tamento se dará através da equipe de ATES local, ou de outro agente que viabilize o acesso mais isento de atribuição de

Estes trabalhos e perspectivas teóricas contribuem com as categorias analíticas para compreensão do objeto desta
2 O Programa de ATES é responsável pela execução da política de extensão rural pública nos assentamentos rurais.

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valor possível3. A atenção nessas entrevistas será dada para três fases das trajetórias sociais: (a) as origens que antecedem Em determinados momentos será necessária uma posição com a devida medida de distanciamento e “frieza” (BEAUD;
ao assentamento, (b) a passagem pelos acampamentos ou outros momentos que antecederam a chegada aos lotes, e (c) as WEBER, 2007). Este posicionamento será ativado na medida em que encontrarei famílias assentadas com quem com-
estratégias e expectativas que se desenrolaram no assentamento. Além disso, a intenção é observar mais do que as pala- partilho parcialmente de uma trajetória de vida, nas restrições e lutas características da condição camponesa. Isso será
vras no ato das entrevistas, considerando, se pertinente, os silêncios e as agitações, bem como o ambiente da casa ou do necessário quando me deparar com situações parecidas com as que já encontrei em boa parte da minha juventude de
local da entrevista, se possível acompanhado e auxiliado por outro (a) pesquisador (a). A quantidade de entrevistas a ser origem rural, especialmente quando estudar o trabalho relacionado com a pecuária leiteira e os costumes dos camponeses
realizada será estabelecida pela quantidade de estilos de agricultura resultantes da classificação e ao critério de ‘saturação originários da região das ‘colônias’ do RS. Também julgo importante mencionar que durante minha graduação e iniciação
de ideias’, onde se interrompe as entrevistas na medida em que há uma compreensão de que o universo de representações científica estive em contato com pesquisa acerca dos assentamentos rurais do RS, o que também me impõe a necessidade
já foi amplamente explorado (MINAYO, 2000). de uma posição de distanciamento de algumas noções, principalmente de cunho acadêmico, que foram se construindo.
Procurarei utilizar desta condição para extrair ‘pistas’ de pesquisa da experiência, o que se torna uma relação favorável.
- Além das entrevistas, a intenção é também de utilizar-se de espaços menos ‘artificializados’ que a condição de
entrevista em certos casos pode causar. Exemplo de ambientes ricos em interconhecimento e relações podem ser os even-
tos comunitários e encontros entre diferentes assentamentos, como o torneio de futebol da reforma agrária que ocorre
anualmente em Santana do Livramento. Por ser a pesquisa direcionada para análise de atividades relacionadas à pecuária Referências bibliográficas
leiteira e, considerando a experiência pessoal com elas, não se descarta a possibilidade de participar em mutirões da pre- AGUIAR, Julia Saldanha; MEDEIROS, Rosa Maria Vieira. Reforma agrária em Santana do Livramento/RS: uma abor-
paração de silagem, ou de acompanhar a atividade cotidiana de ordenha, o que dependerá das questões mais específicas a dagem através dos sistemas agrários. Campo-Território: Revista de Geografia Agrária, v.5, n.10, p. 226-258, ago. 2010.
serem abordadas e dos meios necessários para inserção nestes espaços. Será utilizada caderneta de campo (uma ou mais)
no sentido de inserir informações referentes aos contatos estabelecidos, aos pensamentos e informações espontâneas e às APL LEITE. Arranjo Produtivo Local do Leite de Santana do Livramento-RS. 2012. Disponível em: <http://www.agdi.
análises com reflexão. rs.gov.br>. Acesso em: 30 jun. 2015.
BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Escolher um tema e um campo. In: BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia
- Para a análise dos resultados, algumas considerações são fundamentais. Sobre os resultados da análise estatística,
para a Pesquisa de Campo. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 21-43
manter sempre uma vigilância fazendo um uso relacional, com os questionamentos necessários. Quanto aos relatos das
trajetórias sociais, procurar obter a maior quantidade de informações para confrontar e questionar as declarações, descon- BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008. 556 p.
fiar e problematizar para não assumi-las de qualquer maneira. Observar sempre a posição social dos agentes entrevistados, BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 314 p.
no sentido de compreender qual sua relação e seu discurso na construção do campo de relações no espaço social.
BREITENBACH, Raquel. Estrutura, conduta e governança na cadeia produtiva do leite: um estudo multicaso no Rio
- Para a etapa de redação do texto, a maior preocupação é articular o trabalho de campo com a construção do texto. Grande do Sul. Santa Maria, 2012. Tese (Doutorado em Extensão Rural) – PPGExR/UFSM, 2012. 272 f.
Espera-se que a elucidação de questões teóricas através de uma riqueza de detalhes observados a campo possa qualificar
COSTA, Ana Monteiro; PATIAS, Tiago Zardin; MARCO, Daiana de. Arranjos produtivos locais e o desenvolvimento
a produção do texto.
ousando mudar as estruturas estabelecidas: uma análise seniana do APL Leite e dos assentamentos em Santana do Livra-
mento/RS. In: II Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento. Anais... Universidade Regional do
Cariri-URCA, Crato, CE.
Uma breve auto-análise 4
DA ROS, César Augusto. As Políticas Agrárias Durante o Governo Olívio Dutra e os Embates Sociais em Torno da
Questão Agrária Gaúcha (1999-2002). Rio de Janeiro, 2006. Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento
Agricultura e Sociedade) – CPDA/UFRRJ, 2006. 477 f.
Apresento aqui alguns aspectos do posicionamento que procurarei estabelecer na execução desta pesquisa. A in-
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.
tenção é tomar consciência das influências, ambições e temores que podem acarretar em atitudes favoráveis ou desfavo-
br/home/>. Acesso em: 30 jun. 2015.
ráveis para a relação entre o objeto estudado e aquele que o estuda (BOURDIEU, 1989).
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. 2010. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/>.
Ao considerar os assentamentos rurais como um espaço social que está fora de meu cotidiano, considero que será Acesso em: 30 jun. 2015.
necessária uma posição de desambientação (BEAUD; WEBER, 2007). Essa situação se apresenta porque partirei do
ambiente acadêmico para interagir com o objeto de estudo. É uma condição que provoca um desconhecimento de muitos LEITE, Sérgio Pereira et. al., (Coord.) Impactos dos Assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. São Paulo:
aspectos do cotidiano, ou seja, na medida em que estudarei a realidade de assentamentos rurais, suas dinâmicas próprias Editora Unesp, 2004.
e específicas, além da paisagem pampeana (bioma Pampa) e das condições do espaço social estancieiro, necessito me LONG, Norman; PLOEG, Jan Douwe van der. Heterogeneidade, ator e estrutura: para a reconstituição do conceito de
aproximar de um universo desconhecido e compreender sua racionalidade. estrutura. In: SCHNEIDER, S. GAZOLLA, M. (Orgs.) Os atores do desenvolvimento rural: perspectivas teóricas e
práticas sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. 328 p.
Entretanto, me colocar em uma posição “curiosa e benevolente” não será a única medida para o rigor da pesquisa.
MILLS, C. Wright. Do Artesanato Intelectual. In: MILLS, C. Wright. A Imaginação
3 Não se descarta a possibilidade de uma maior imersão no campo, como em residir temporariamente no assentamento rural. Isso acarre-
Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 211-243
taria em algumas diferenças no desenho metodológico, e sua viabilidade será reavaliada conforme o andamento da pesquisa.
4 O tempo verbal da escrita desta sessão foi modificado em função da intenção subjacente a uma ‘auto-análise’, de expressar com maior MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, Maria Cecília de
clareza, até para si mesmo, a condição em que se realiza a pesquisa (BEAUD; WEBER, 2007).

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1. INTRODUÇÃO ou maior vulnerabilidade dos pescadores artesanais quando impactados por empreendimentos costeiros; iii)
O presente trabalho consiste em uma pesquisa de dissertação de mestrado do Programa de Pós Graduação em Proposição de parâmetros e critérios que devem constar na caracterização da componente socioeconômica
Gerenciamento Costeiro – PPGC, inserida na linha “Políticas Públicas e Governança Marinha e Costeira”, e tem como do EIA, subsidiando a avaliação de impactos.
temática a Avaliação de Impacto Ambiental - AIA, em especial sua componente socioeconômica, no contexto do Para tal, a pesquisa fará uso de um estudo de caso, contemplando uma comunidade pesqueira artesanal impactada pela
licenciamento de empreendimentos costeiros, que fazem uso de seu espaço e/ou recursos, com consequentes impactos expansão de atividades portuárias, ou seja, na presente proposta a análise ocorrerá considerando os impactos de atividades
sobre tal área e às comunidades de pescadores artesanais, que comumente utilizam o mesmo ambiente. portuárias enquanto empreendimento costeiro. Logo, em geral faz-se uso, de um referencial teórico que contempla: os
Parte-se da definição de empreendimentos costeiros, como àqueles localizados na zona costeira brasileira, esta impactos das atividades portuárias sobre a pesca artesanal, de forma a se compreender a relevância do tema; debates sobre
estabelecida pela Lei nº 7.661/88 como “espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus a vulnerabilidade dos pescadores artesanais impactados por tais empreendimentos; bem como, referencial sobre a AIA
recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano.”. Tais enquanto processo que subsidia a tomada de decisão do licenciamento, e a dimensão social da avaliação de impacto, etc.
empreendimentos, ao fazer uso do espaço marítimo e terrestre da zona costeira, apresenta grande potencial de impactos SILVA (2014) identificou a baixa organização sociopolítica de uma comunidade impactada por determinado
ao ambiente natural e à população que o habita. empreendimento costeiro, como um dos fatores que culminou em sua maior vulnerabilidade aos impactos. Além disso, a
No âmbito dos impactos ambientais e sociais, vale destacar que para WALTER & ANELLO (2012), SERRÃO et autora expressa que o processo de licenciamento se mostra deficiente no que tange a componente socioeconômica, seja
al. (2009), WALTER & MENDONÇA (2007), WALTER et al. (2004), os pescadores artesanais são os mais vulneráveis em relação aos procedimentos de coleta de dados, à caracterização e à mensuração dos impactos. Logo, compreende-se a
aos impactos de empreendimentos costeiros como atividades marítimas de exploração e produção de petróleo, por relevância de se investigar a AIA como instrumento do licenciamento, propiciando a definição dos principais fatores que
sofrerem o encadeamento dos impactos em terra e no meio aquático. Esse contexto é comumente verificado dentre os promovem a vulnerabilidade ambiental, bem como, o estabelecimento de procedimentos de coleta de dados adequados à
empreendimentos costeiros, como por exemplo, as atividades portuárias, o que justifica a busca por maior compreensão análise socioeconômica.
sobre a vulnerabilidade ambiental de tal grupo – pescadores artesanais - também quando a luz de outros empreendimentos Diversos autores, dentre eles, UTSUNOMIYA (2010; 2014), e CALDARELLI (2012) apresentam estudos em
costeiros, como por exemplo, portos, indústria naval, etc. que apontam lacunas, deficiências nos processos, abordagens metodológicas, bem como, identificam a necessidade de
Para análise dos impactos, no processo de licenciamento ambiental faz-se necessária basicamente a compreensão: aprimoramento de estudos na dimensão social da AIA tanto no Brasil como no mundo. Contudo, embora se tenha esforços
i) dos grupos sociais impactados, ii) dos impactos positivos e negativos que incidem sobre eles e, também, iii) de como de pesquisadores para que se aprimore a Avaliação de Impactos sobre diversas perspectivas não foram encontrados até o
os impactos sobre o meio físico e biótico resultam em consequências negativas à população local. Para tal, são definidas momento registros de estudos na abordagem proposta no projeto, o que demonstra, o caráter inovador e a relevância do
metodologias de coleta de dados e análises socioeconômicas específicas, estabelecidas previamente pelo órgão ambiental projeto para contribuições com a gestão ambiental.
em Termos de Referência que destinam-se à elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA. Os EIAS, por sua Cabe ressaltar também a relevância da abordagem de tal temática, devido ao fato de que a pesca artesanal, é uma
vez, são estruturados a partir de um diagnóstico, cujos parâmetros, portanto, são pré-estabelecidos pelo órgão ambiental atividade relevante, tanto pela produção de alimento, quanto por se tratar de atividade tradicional, com significativa
conforme Resolução CONAMA 001/86. importância para a conservação do ambiente natural e costeiro através da relação comunidades tradicionais/natureza, bem
Contudo, salvo o licenciamento ambiental de atividades marítimas de exploração e produção de petróleo, no como, para a preservação do patrimônio cultural.
contexto, de demais empreendimentos costeiros, em geral os diagnósticos socioeconômicos e as avaliações de impactos,
não contemplam as comunidades de pescadores artesanais, vulneráveis a tais empreendimentos. Logo, configura-se de
2. REFERENCIAL TEÓRICO
extrema importância que sejam analisadas tais situações e propostas melhorias no processo de avaliação de impactos,
uma vez que, basicamente o diagnóstico resultará na qualidade da avaliação de impactos, e está por sua vez, pode garantir 2.1. EMPREENDIMENTOS COSTEIROS E OS IMPACTOS SOBRE A PESCA ARTESANAL: O CASO DAS
a necessidade de criação de projetos que envolvam a comunidade trazendo benefícios a esta e garantindo qualidade de ATIVIDADES PORTUÁRIAS.
vida, controle social, etc. A abordagem da pesquisa ocorre sobre empreendimentos costeiros, por se tratar de empreendimentos que se localizam
Nesse âmbito, a pesquisa tem como perspectiva responder as seguintes questões: em uma zona de transição entre ambiente marítimo e terrestre requerendo partes de ambos para o seu desenvolvimento, e
corroborando em impactos tanto sobre o ambiente natural quanto o social. Dentre esses empreendimentos estão atividades
• Quais os parâmetros sociais, ambientais e/ou culturais designam a vulnerabilidade ambiental dos pescadores
portuárias, exploração e produção de petróleo e gás, indústria de construção naval, etc.
artesanais à luz dos empreendimentos costeiros?
Com o enfoque da pesquisa sobre os impactos das atividades portuárias, cabe destacar que conforme PORTO
• Na avaliação de impacto ambiental, quais parâmetros socioeconômicos são relevantes para compreensão da
& TEIXEIRA (2002 apud SOUZA & OLIVEIRA, 2010) as atividades portuárias são consideradas essenciais para as
vulnerabilidade dos pescadores artesanais impactados por tais empreendimentos?
relações de comércio exterior, contudo, sua implantação implica inevitáveis modificações do ambiente, como alterações
Tendo enquanto objetivos: da morfologia de costa, supressão de vida animal e vegetal, aparecimento de outras vidas animais estranhas no ambiente,
• Objetivo geral: análise da AIA no que tange a sua componente social, tendo como enfoque a compreensão poluição, dentre outras.. Geralmente as áreas destinadas à exploração portuária se localizam próximas a estuários e
dos fatores que consubstanciam a vulnerabilidade ambiental dos pescadores artesanais quando impactados zonas litorâneas, áreas essas que comumente abrigam comunidades que dependem da prática da pesca artesanal para sua
por empreendimentos costeiros, com vistas a subsidiar a melhoria do processo de avaliação de impactos. sobrevivência (SOUZA & OLIVEIRA, 2010). Logo, uma vez que atividades portuárias modificam a dinâmica marinha na
área do empreendimento, acaba-se também afetando a atividade de pesca nestas regiões.
• Objetivos específicos: i) Análise crítica da AIA quanto a componente socioeconômica dos Estudos de
Impacto Ambiental de empreendimentos costeiros; ii) Compreensão dos fatores que implicam em menor Pode-se compreender que os principais impactos que atividades portuárias causam sobre a pesca artesanal dizem

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ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – Rima, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual empreendimento do estudo de caso, nesse âmbito, os pescadores artesanais. Além disso, nessa etapa, o presente projeto,
competente, e do Ibama em caráter supletivo o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente.”. Entre prevê a realização de entrevistas com analistas e/ou técnicos da Coordenação-Geral de Petróleo e Gás – CGPEG do
estas atividades encontram-se: ferrovias; portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; complexo e IBAMA, responsáveis por análises da componente socioeconômica de EIA’s nos processos de licenciamento ambiental.
unidades industriais e agroindustriais; etc. (CONAMA, 1986). Considerando a determinação de tal resolução, como parte Tal estratégia, faz-se necessária, devido a experiência de tal setor em análises relacionados a impactos de empreendimentos
do processo de licenciamento, deve-se realizar uma Avaliação de Impacto Ambiental - AIA que tenha como objetivo a de exploração e produção de petróleo e gás sobre as comunidades pesqueiras artesanais, bem como, do reconhecimento
realização de um prognóstico de impactos relacionados à implementação de atividade potencialmente poluidora, como de que tais comunidades são vulneráveis a tais empreendimentos, o que contribuirá de forma significativa para uma
um conjunto de procedimentos destinados à tomada de decisão a seu respeito. maior aporte de questões teóricas e práticas da avaliação de impacto, da vulnerabilidade, bem como, na formulação de
protocolos de coleta de dados.
A AIA como etapa do processo de Licenciamento Ambiental, conforme SÁNCHEZ (2006) envolve: i)
conhecimento sobre as características da atividade potencialmente poluidora; ii) diagnóstico sobre os meios físico, Por fim, é importante ressaltar que todos dados obtidos durante a pesquisa serão analisados por meio de método
biótico e socioeconômico da área em que a atividade deseja ser implementada contemplando a abrangência dos impactos; que permita sua triangulação. Uma vez que como aborda DUARTE (2009) “Na “triangulação”, são utilizados múltiplos
iii) um prognóstico de impactos envolvendo alternativas locacionais e tecnológicas; iv) a tomada de decisão sobre sua métodos para estudar um determinado problema de investigação.”, de forma a permitir que o processo e as várias fontes
viabilidade ambiental; v) a definição de medidas de monitoramento dos impactos, mitigadoras e compensatórias; vi) o sejam analisados, e verificar a coerência das informações de modo que nenhuma informação ou entrevista se sobreponha
monitoramento das atividades após autorização sobre sua implementação e; vii) a participação social, que pode se dar em à outra.
todo o processo ou em parte dele.
Todavia, em grande parte dos casos, EIA’s são elaborados com significativa ênfase no diagnóstico dos meios natural, 3.2. Aplicação de um Estudo de Caso.
social, cultural, etc., mas no momento da AIA, os impactos discorridos ali geralmente não contemplam as peculiaridades
do local, tampouco se enfatiza a vulnerabilidade das comunidades impactadas. ZHOURI (2008), em suas pesquisas sobre O estudo de caso, será realizado no âmbito do município de São José do Norte, localizado no extremo sul do Estado
hidrelétricas, confirma a ausência de detalhamento sobre os diversos grupos sociais, destacando sua heterogeneidade, o do Rio Grande do Sul (Figura 1) entre o Oceano Atlântico e a Laguna dos Patos, com uma área total de 1.118, 104 km² e
que estabelece vulnerabilidade distinta aos impactos de um empreendimento. população de 25.503 habitantes de acordo com IBGE (2010).

3. METODOLOGIA
3.1. Procedimentos de pesquisa
Os procedimentos de pesquisa adotados envolvem basicamente: i) revisão bibliográfica; ii) análise documental; iii)
realização de estudo de caso; iv) entrevistas com os atores sociais envolvidos no estudo de caso.
A primeira já em andamento diz respeito à realização de revisão bibliográfica sobre aspectos relativos à AIA
com ênfase nos impactos sociais e a vulnerabilidade dos pescadores artesanais atingidos pela implementação de
empreendimentos costeiros, principalmente no âmbito de atividades portuárias, abordando conceitos como: avaliação de
impacto ambiental, justiça e vulnerabilidade ambiental, com vista a compreende-los à luz dos princípios que orientam o
licenciamento ambiental. Conforme prerrogativa da Pesquisa Social Qualitativa, em que se apoia este projeto, tal revisão Figura 1 - Localização do Município de São José do Norte. Fonte: http://simeieducampo.blogspot.com.br/
estabelece o nexo e a capacidade do cientista em construir as questões e categorias que orientam-nos as demais etapas
da pesquisa (MINAYO, 2013). Com dinâmica produtiva baseada principalmente na produção de cebola e na atividade pesqueira, o município
de São José do Norte possuía um total de 2.685 pescadores artesanais cadastrados no Registro Geral de Pesca em 2011
Além disso, nessa etapa de revisão bibliográfica, tem-se realizado o aprofundamento em leituras sobre a Ecologia (MPA, 2012), representando o município com o maior número de pescadores entre os situados no Estuário da Lagoa dos
Política, teoria na qual a presente pesquisa se pauta para reflexões acerca da vulnerabilidade dos pescadores artesanais, Patos. KALIKOSKI & VASCONCELLOS (2013) em relação à produção pesqueira, apontam São José do Norte como
bem como, para compreensões de questões econômicas e ambientais que norteiam o tema. município de maior ênfase na formação do Produto Interno Bruto (PIB) dentre os municípios às margens da Lagoa dos
Também encontra-se em desenvolvimento, a segunda etapa dos procedimentos, que consiste em análise Patos, apresentando o maior resultado econômico na produção pesqueira com R$16,1 milhões. Em percentuais, a pesca
documental à processos, documentos e relatórios relativos à mensuração dos impactos sociais de atividades relacionadas artesanal em uma boa safra contribui com 12.9% a 25.7% do PIB Agrícola do município, e de 4.17% a 8.29% do PIB
a empreendimentos portuários no processo de licenciamento ambiental. O acesso aos documentos tem-se dado por meio municipal, segundo KALIKOSKI & VASCONCELLOS (2013).
eletrônico, através de pesquisas aos processos de licenciamento no site do órgão responsável, bem como, por contato com Contudo, além da atividade pesqueira no município de São José do Norte, o mesmo também se caracteriza como
o responsável técnico pela elaboração dos referidos estudos. importante área de expansão do Porto Organizado de Rio Grande, tendo sido instalado recentemente um empreendimento
A terceira etapa caracteriza-se como a realização de um estudo de caso, que contempla uma comunidade pesqueira da EBR - Estaleiros do Brasil S.A, o que corrobora em diversos impactos socioambientais às comunidades de pescadores
atingida pela implantação de um empreendimento portuário. A descrição do estudo de caso é feito no item “3.2. Aplicação artesanais locais devido as atividades portuárias.
de um estudo de caso”. Exemplos de tais impactos sofridos pela comunidade de pescadores de São José do Norte, diante do empreendimento
A quarta etapa consiste na aplicação das entrevistas com os atores sociais impactados pela implantação do citado, são a perda de território pesqueiro; realocação de famílias de pescadores artesanais; entre outros. (SILVA, 2014).

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Além disso, conforme SILVA (2014) a avaliação de impactos que consta no EIA do empreendimento (estaleiro) “não MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA (MPA). Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura – Brasil 2010. Brasília,
condiz com a totalidade dos impactos negativos à pesca artesanal em decorrência da instalação do empreendimento.”. 219p, 2012.
Logo, considerando que São José do Norte, possui o cenário necessário a análise proposta pela pesquisa (atividades PAZ, M.O.C; BARROS, R.F. Modernização e Usos do Território: Impactos no cotidiano dos pescadores artesanais da
portuárias com impactos sobre comunidades pesqueiras vulneráveis, e ineficácia da AIA), utiliza-se de tal para o estudo Ilha da Madeira (RJ). 2013. In IIº SEMINÁRIO NACIONAL ESPAÇOS COSTEIROS. 03 a 06 de junho de 2013. Eixo
de caso, propiciando assim, análises que permitam o aprimoramento da Avaliação de Impacto Ambiental –AIA, em Temático 3 – Indústria e Infraestrutura no litoral: contextos e conflitos.
especial no que tange sua componente socioeconômica, no contexto do licenciamento ambiental de empreendimentos SÁNCHEZ, L. E. Avaliação de Impacto Ambiental: Conceitos e Métodos. 1. ed. São Paulo: Oficina de Textos, v. 1. 496
com grande potencial de impacto nas zona costeiras e, sobretudo nas comunidades pesqueiras artesanais. p, 2006.
SERRÃO, M.A; WALTER, T.; VICENTE, A. de S. Educação Ambiental no Licenciamento – duas experiências no litoral
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS baiano. In: LOUREIRO, C.F. (ORG). Educação Ambiental no Contexto de Medidas Mitigadoras e Compensatórias de
Impactos Ambientais: A Perspectiva do Licenciamento. Centro de Recursos Ambientais – CRA – BA, Série Educação
Por fim, cabe ressaltar a relevância de tal proposta, visto que, busca contribuir com o aperfeiçoamento do processo
Ambiental, Vol.5, 105-146, 2009.
de licenciamento e gestão ambiental pública, destacando a necessidade de esforços direcionados a avaliação de impactos
sociais sobre comunidades pesqueiras artesanais comumente consideradas também populações tradicionais, visando SILVA, R.H. Avaliação de Impacto Ambiental: Uma análise crítica da componente social por meio de um estudo de caso
garantir a esses atores direitos fundamentais, como acesso à qualidade de vida e ao meio ambiente equilibrado do qual se em uma comunidade pesqueira em São José do Norte – RS. Trabalho de Conclusão de Curso – Oceanologia/FURG. Rio
utilizam para sua reprodução social. Grande. Fevereiro de 2014
SOUZA, T.N; OLIVEIRA, V.P.S. Conflito socioambiental entre atividades de pesca artesanal marinha e implantação de
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possível. Ao entender o contexto da apropriação dos territórios, que se faz presente no processo de desenvolvimento do mu-
nicípio de Rio Grande, sendo oriundo da expansão portuária sobre os territórios da pesca artesanal, vislumbramos com-
O litoral brasileiro possui um grande desafio na gestão de suas áreas, e a ampla gama de atividades que se encontram preender os efeitos de políticas centralizadas no desenvolvimento econômico, que por vezes são promotoras de injustiças
nas zonas costeiras disputando um território em comum. Com aproximadamente 300 municípios situados no ambiente sociais e ambientais. Espera-se assim, um resgate da memória de quem viveu todo o processo de desenvolvimento por
costeiro, e todos eles contam com a atividade de pesca artesanal como um dos pilares do processo de desenvolvimento meio de uma visão de seu cotidiano enquanto pescador. Aquele que historicamente esteve como mais ninguém atrelado
histórico. Sem exceções, a pesca foi e sempre será uma atividade de base, que constrói modos de apropriação de território, aos portos e ao desenvolvimento da atividade de navegação, provendo alimento e desbravando o Estuário da Lagoa do
intrinsecamente relacionado à sua reprodução social. Patos.

Na zona costeira, diversas atividades econômicas vêm se apropriando dos territórios pesqueiros, ameaçando os Assim, soma-se ao objetivo principal do projeto a geração de conhecimento através da sabedoria dos pescadores
pescadores em relação a sua reprodução social. Para Walter & Anello (2012), os pescadores artesanais são os mais vul- artesanais e do conhecimento tradicional obtido com o passar das gerações. Como afirmam Diegues e Arruda (2001), o
neráveis aos impactos de empreendimentos costeiros de grande porte, por sofrerem os encadeamentos de seus impactos conhecimento tradicional é composto pelo “conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatu-
em terra e mar. ral, transmitido oralmente, de geração em geração”. No pescador se encontra o conhecimento tradicional, orientador da
integração entre o homem e seu ambiente natural. No recordar para reconstruir a história de vida destes homens que en-
frentam quaisquer condições para prover alimento, reproduzindo através da atividade de pesca artesanal uma construção
Assim, gradativamente os territórios pesqueiros são ameaçados por processos de ocupação oriundos de outras ati-
de territórios que são muito importantes para a manutenção da qualidade ambiental da nossa zona costeira. Tal pesquisa
vidades econômicas. Especificamente no estuário da Lagoa dos Patos, sistema lagunar que conta com múltiplas atividades
encontra-se contextualizada na linha de pesquisa “Caracterização e Diagnóstico de Sistemas Marinhos e Costeiros” do
em seu entorno (Tagliani & Asmus, 2011), é relevante o processo de expansão portuária, cujos ciclos de desenvolvimento
Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento Costeiro e, conforme detalhado posteriormente, será realizada por meio
exógeno são preponderantes na organização do território, conforme exposto por Carvalho et al. (2012).
de um Estudo de Caso envolvendo as comunidades pesqueiras da Vila Mangueirinha e da Ilha da Torotama, sendo a pri-
meira limítrofe ao Porto Organizado do Rio Grande. Já a segunda, mais distante.
Para Monié & Vidal (2006), a dinâmica portuária reflete a reorganização dos espaços produtivos globais, prepon-
derando a organização do território em detrimento de outros usos:
Tem-se como hipótese da pesquisa que os portos organizados em seu processo de expansão têm gerado perda de
territórios pesqueiros, tanto daqueles situados em terra (local utilizado paraas fainas da pesca, como confecção e reparo
Reafirma-se que a dinâmica portuária e as mudanças nos métodos das operações portuárias sempre esti-
veram associadas à reorganização mundial dos espaços produtivos e ao surgimento de dinâmicas comer- de petrechos, de acampamento, beneficiamento do pescado e realização de festas) quanto do território aquático (áreas de
ciais específicas. Com a globalização, novas demandas foram colocadas sobre os portos, o que resultou captura, de instalação de andainas), ameaçando a manutenção dos pescadores artesanais.
em mudanças no sistema portuário mundial e nas cidades com portos. Em relação ao porto, destaca-se
que o mesmo não pode ser pensado apenas do ponto de vista técnico e operacional. Ele não é apenas um
corredor, ele é mais: um instrumento a serviço de um projeto de desenvolvimento expresso (Monié & Vidal, A presente pesquisa volta-se a compreender a relação da atividade pesqueira artesanal com a atividade portuária,
2006, p.977).
por meio da concepção de território pesqueiro.

Conforme se expandem as cadeias globais, há de se repensar o contexto dos portos contemporâneos em relação ao
Como objetivos específicos, têm-se:
seu entorno:

O alargamento da cadeia produtiva impõe às cidades portuárias enfrentamentos complexos que vão desde i) Analisar a expansão portuária em Rio Grande, a partir da instalação do Super Porto na década de 1970, e ve-
questões estruturais e instrumentais do próprio cais, até o embate com questões socioeconômicas e am- rificar como a mesma reflete na perda de territórios dos pescadores artesanais da Ilha da Torotama e da Vila
bientais, antes tratadas isoladamente e desconsideradas da cadeia produtiva, bem como a definição de
políticas e instrumentos necessários à gestão do porto e da cidade (Monié, & Vidal, 2006; p. 978). Manguerinha;

É neste contexto que se insere o presente projeto de pesquisa. Volta-se a compreender como o processo de expansão ii) Elaborar uma linha do tempo de forma a compreender os ciclos de expansão e retração portuária, de forma a
portuária ameaça a existência dos pescadores artesanais ao apropriar-se de seus territórios. associar os fenômenos vivenciados no município à memória de pescadores antigos, de ambas as comunidades
pesqueiras;

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iii) Caracterizar os pescadores tradicionais da Ilha Torotama e da Vila Mangueirinha;

iv) Dar voz aos pescadores artesanais, por meio de sua memória, relatando as transformações vivenciadas a partir
da instalação do Super Porto e em dois ciclos de expansão portuária (Super Porto e Pólo Naval).

1. Procedimentos de Pesquisa

1.1 – Área de Estudo: o Estuário da Lagoa dos Patos e o Porto Organizado do Rio Grande

A Lagoa dos Patos (Figura 1) é a maior laguna costeira estrangulada do mundo, tendo 10.300 km2. Recebe o apor-
te de água doce dos rios da parte norte da planície costeira do Rio Grande do Sul e dos rios afluentes da Lagoa Mirim,
constituindo um escoadouro natural da bacia hidrográfica, com aproximadamente 200.000 km2, para o oceano (Möller
& Fernandes, 2010). O estuário da Lagoa dos Patos apresenta 971 km2 (Calliari, 1980), limitado ao norte por uma linha
imaginária que liga a ponta da Feitoria à ponta dos Lençóis a ao sul pela Barra de Rio Grande (Vieira & Rangel, 1988).
Segundo pesquisa empreendida por Kasanoski (2012), os pescadores artesanais do estuário dividem a Lagoa em duas
porções: o quadro da Lagoa, compreendido pelo estuário e a Lagoa, cujo ambiente predominante é límnico. Tal divisão
sobrepõe àquela definida pelos pesquisadores, a partir das características hidrodinâmicas da laguna.

Möller & Fernandes (2010) reiteram a existência de uma linha imaginária que limita a porção estuarina, tendo como Figura 1 - Localização do Estuário da Lagoa dos Patos. Em destaque definição dada pelos pescadores –
perspectiva os padrões de circulação de água salgada, sendo este limite médio, ainda que possa se estender até a porção Quadro da Lagoa (estuário) e Lagoa, onde o ambiente límnico torna-se predominante. A linha que delimi-
norte da laguna ou ficar restrita à desembocadura da Barra de Rio Grande. Os autores destacam que o afunilamento natural ta “imaginária” fica na ponta da Ilha da Feitoria. Imagem LANDSAT (2007). Fonte: Kasanoski (2013)
do estuário em direção ao mar é decisivo na circulação por intensificar as correntes de vazante, enquanto o efeito da maré
na região é de importância secundária. A hidrodinâmica da laguna depende principalmente das relações entre a descarga O porto do Rio Grande é o mais importante entre os portos organizados do estado, pois é o único porto marítimo
fluvial e a ação dos ventos. Estuários são zonas de transição entre as zonas límnica e a oceânica. Fato que espécies de que apresenta características naturais privilegiadas, um dos únicos que possui condições de aprofundamento do canal de
peixes superam seus limites, gerando uma inter-conectividade natural entre as zonas límnica, estuarial e oceânica adja- acesso por ser dragável, e está inserido no ecossistema estuarino lagunar da Lagoa dos Patos onde se encontram ambientes
cente (Vieira et al., 2010). Trata-se assim, de um ambiente rico em biodiversidade, relevante para o desenvolvimento da naturais de alta fragilidade (enseadas, ilhas e praias), com ligação ao Oceano Atlântico.
pesca artesanal.
A infraestrutura da zona portuária de Rio Grande é muito ampla, dividida em quatro zonas, a saber: Porto Velho: que
atualmente é inoperante e destinado a atividades pesqueiras e turísticas; Porto Novo: local do cais público do porto, com
movimentação de mercadorias; Superporto: local dos terminais privados e; São José do Norte, área de expansão, com a
instalação do Estaleiro EBR. Toda esta infraestrutura conta ainda com a presença dos molhes, que garante o canal para a
entrada dos navios na região do canal do estuário (Figura 2).

Inserido em meio a zona do baixo estuário, temos inúmeras comunidades de pesca artesanal, que necessitam da ma-
nutenção de seu território para sua reprodução social; entre elas, em Rio Grande, temos a 4ª Secção da Barra, Santa Tereza,
Getúlio Vargas, Mangueira, Vila São Miguel, Parque Coelho, Ilha dos Marinheiros e Ilha da Torotama. Suas diferenças
envolvem principalmente a urbanidade, em que se encontram as comunidades situadas nas áreas centrais do município,

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distintas daquelas situadas nas ilhas, predominantemente rurais. Não obstante, outra diferença é a proximidade do Porto A História Oral é um caminho para a produção de conhecimento histórico, remete à época enfocada pelo depoimen-
Organizado do Rio Grande, cujas atividades ao longo do tempo, vêm estrangulando parte dessas comunidades e colocan- to, o que já passou, e à época enfocada no depoimento, o presente. Trata do cruzamento de subjetividades para a constru-
do em risco sua existência. Assim, para a presente pesquisa, optou-se por analisar uma comunidade lindeira ao Porto – a ção de um documento que contém um valor fidedigno a realidade observada, e contada. O tempo e a história estão intrin-
Vila Mangueira ou Vila Mangueirinha, e outra, com características rurais e distante do mesmo, a Ilha da Torotama. Tal secamente interligados a memória, mas a memória ultrapassa o tempo do indivíduo, pois está carregada com lembranças
proposição volta-se a compreender os elementos que consubstanciam na perda de territórios por parte dos pescadores de família, tradições, filmes, e outras histórias registradas e escutadas, importante assim, pois transmite experiências de
artesanais. temporalidades diferentes.

A memória, principal fonte dos depoimentos orais, é um cabedal infinito, onde múltiplas
variáveis – temporais, topográficas, individuais, coletivas – dialogam entre si, muitas vezes
revelando lembranças, algumas vezes de forma explicita, outras vezes de forma velada,
chegando em alguns casos a oculta-las pela camada protetora que o próprio ser humano
cria ao supor, inconscientemente, que assim está se protegendo das dores, dos traumas e
das emoções que marcaram a sua vida. (DELGADO, 2010).

A história oral é um procedimento que privilegia a realização de entrevistas e depoimentos com pessoas que par-
ticiparam da construção de processos históricos ou testemunharam acontecimentos. Para esta pesquisa, buscaremos nos
pescadores artesanais mais antigos da Vila Mangueira e da Ilha da Torotama, o depoimento sobre as áreas de pesca que
foram e são utilizadas, buscando na narrativa a construção do processo histórico de ocupação do território, pois, ao re-
meter as memórias existe estimulo ao narrar, contar e relembrar, a fala, a escuta, a troca de olhares e toda uma dinâmica
sobre esta forma de sabedoria. Para Eduardo Galeano (1991), a memória é o melhor porto de partida para navegantes com
desejo de vento e profundidade, e de fato, quando na busca de construções de identidades, os sujeitos individuais e sociais
mergulham na profundidade de suas histórias e processam longa viajem através de uma dinâmica que pode apontar um
Figura 2 – Zoneamento do Porto de Rio Grande. Fonte: Autoridade Portuária; Elaborado por LabTrans. caráter espontâneo ou direcionado.
(2013)
Para análise, será realizada a triangulação de métodos quantitativos e qualitativos, pela necessidade de agregar
2.2 - Procedimentos de Pesquisa dados do processo de expansão da cidade de Rio Grande, e verificar os atores envolvidos na expansão da zona portuária,
pois segundo (MINAYO, 2013) a triangulação de métodos permite a avaliação de uma situação especifica, utilizando de
Para realização da pesquisa, faremos uso do referencial da Pesquisa Social Qualitativa, com foco na metodologia várias áreas de conhecimento para recolher subsídios para a mudança necessária em uma determinada realidade social,
de História Oral, por ela reconstruir referências concretas aos acontecimentos relacionados à experiência dos pescadores utilizando de metodologias qualitativas e quantitativas.
artesanais:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Uma característica fundamental da metodologia qualitativa é sua singularidade e a não compatibi-
lidade com generalizações. A história oral inscreve-se entre os diferentes procedimentos do método ABRAMOVAY, R. (2003). O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
qualitativo, principalmente nas áreas de conhecimento, histórico, antropológico e sociológico, situa
se no terreno do contra generalização e contribui para relativizar conceitos e pressupostos que ten-
CALIARI, L., J. (1980). Aspectos sedimentológicos e ambientais da região sul da Lagoa dos Patos. Universidade Fede-
dem a universalizar e generalizar as experiências humanas. Para Paul Thompson a singularidade é
ral do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
profunda lição da história oral e de cada história de vida, também considera que a história oral ao
se dedicar a recolher depoimentos pessoais, que se referem a processos históricos e sociais, apre-
senta inúmeras potencialidades metodológicas e cognitivas. (DELGADO, 2010). CARVALHO, D. S.; CARVALHO, A.B.; DOMINGUES, M. V. L. R.  (2012). Polo Naval e desenvolvimento regional

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Introdução diálogo e aprendizagem entre pescadores, gestores, pesquisadores e extensionistas para a adoção de artes de pesca sus-
tentáveis no litoral sul brasileiro
O rejeito da pesca ou bycatch é a captura correspondente ao conjunto de organismos de espécies não-alvo que
são capturados juntamente com a espécie-alvo, sendo muitas vezes descartados ao mar por não atingirem um tamanho À partir disso, serão elaborados cenários prospectivos com base nas simulações e nos objetivos de gestão pes-
mínimo para a comercialização (FAO, 2014). O bycatch derivado da captura das espécies de peixes e de invertebrados queira, orientados pelo Enfoque Ecossistêmico Aplicado à Pesca (FAO, 2005). Ainda, será considerado uma área de
é um dos principais problemas de manejo pesqueiro, gerado por uma diversidade de técnicas de captura, sendo o arrasto estudo para exploração dos cenários com os atores. Neste sentido, serão realizadas oficinas de análises de cenários com
uma das mais impactantes, tendo em vista a baixa seletividade e a alta proporção de bycatch em relação à espécie alvo gestores, pescadores e, demais atores associados às AMPs.
(Kelleher, 2005).

A pesca artesanal de arrasto de camarões, como um exemplo dessas pescarias, é a principal atividade na região
da Reserva Biológica do Arvoredo e Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim, ambas localizadas no estado de San- Referências
ta Catarina. E, considerando estas serem uma das áreas principais do Projeto Rede Viva1; o qual visa desenvolver ações
para a adoção de artes de pesca mais seletivas na frota artesanal, responsável por grande volume de descarte de peixes e Eayrs, S. 2007. A Guide to Bycatch Reduction in Tropical Shrimp-Trawl Fisheries. Revised edition. Rome, FAO, 108p.
outras espécies marinhas, as duas Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) referidas, foram escolhidas pois está em curso a
FAO. 2005. Putting into practice the ecosystem approach to fisheries. Rome. Christensen, V, P. D. (1993). On steady-state
elaboração de um Plano de Gestão Pesqueira associada à elas.
modelling of ecosystems. In Trophic models of aquatic ecosystems (pp. 14–19).
Contemplam também a manutenção da qualidade de vida das famílias dos pescadores. A proposta visa construir FAO, 2014. The State of World Fisheries and Aquaculture (Opportunities and challenges). Food and Agriculture Organi-
uma rede de diálogo e aprendizagem com pescadores artesanais da frota de arrasto de portas, a fim de estimular a ado- zation of the United Nations. Rome. 223p.
ção voluntária de dispositivos tecnológicos para a redução da fauna acompanhante (BRD – do inglês Bycatch Reduction HART, P. J. B., & J. D. REYNOLDS. 2002. Handbook of fish biology and fisheries, v. 2. Blackwell. Scientific Publica-
Device). Há, portanto, a necessidade de abordagens de gestão pesqueira para reduzir o impacto sobre os ecossistemas
tions, Malden, Massachusetts.
(Pauly et al., 2002; Eayrs, 2007).
Kelleher, K. 2005. Discards in the world´s marine fisheries. Rome: FAO Fisheries Technical Paper, v.470. 131p.
Neste contexto, a modelagem ecológica será utilizada como ferramenta para subsidiar a tomada de decisões. Pauly, D; Christensen, V; Guenette, S. 2002. Towards sustainability in world fisheries. Nature v.418. p.689–695.
Concomitante, numa abordagem integrada e participativa de pesquisa-ação, serão conduzidas ações de planejamento
participativo e formação de parcerias; realização de oficinas de diálogo com devolutivas a respeito da redução da fauna
acompanhante por meio de dispositivos tecnológicos. Desta premissa, o objetivo do trabalho é analisar os dados gerados
pelo projeto à partir do uso da modelagem ecológica.

Procedimentos metodológicos

Serão utilizados dados do cadastro socioeconômico e levantamento de embarcações e redes de arrasto de pesca,
além de dados secundários de desembarque, informações sobre as espécies capturadas, bem como informações gerais
necessárias para a geração dos modelos ecológicos segundo o EwE. Esta abordagem de modelagem contempla três com-
ponentes: Ecopath – uma análise estática do balanço de massas do sistema; Ecosim – uma simulação do comportamento
do sistema para exploração de estratégias de gestão; e Ecospace – um módulo de análise espaço-temporal para avaliação
do impacto e planejamento (espacial) de medidas de gestão (Christensen, 1993).

A modelagem consistirá em trabalhar sobre duas perspectivas principais: 1) explorar tendências de evolução
tecnológica da pesca de arrasto e suas implicações para o ecossistema e comunidades pesqueira, e; 2) explorar impactos
socioeconômicos e ecológico da adoção de medidas tecnológicas para a redução do impacto da ambiental da pesca de
arrasto, por meio de dispositivos para redução do bycatch.

Adicionalmente, serão realizadas entrevistas com pescadores artesanais para obter informações do campo da
etnoecologia como forma de complementar informações sobre a dinâmica ecológica da pesca de camarões. O sistema a
ser construído e cujas estimativas e explorações serão realizadas por meio de modelo será o “sistema pesqueiro artesanal
da pesca de camarões”. As atividades serão realizadas em comunidades selecionadas e, espera-se construir uma rede de

1 Projeto Rede Viva: construção participativa e adoção voluntária de artes de pesca sustentáveis na frota de arrasto de camarões do lito-
ral do Paraná e Santa Catarina.

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ANÁLISE DO PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ E SEUS DES- INTRODUÇÃO
DOBRAMENTOS. O presente projeto pretende lançar um olhar sobre a história da formação do município de Pontal do Paraná, loca-
lizado no litoral paranaense. Interessa entender o processo político que culminou na sua emancipação e no consequente
desmembramento da cidade de Paranaguá, a quem pertencia oficialmente até o ano de 1997. Para tanto, pretende identi-
ficar os agentes principais de tal processo e ouvir suas vozes, visando realizar uma escuta das suas compreensões, pontos
Ana Elisa Penha
de vistas, sentimentos e análises, bem como dos materiais documentais relacionados, de modo a transformar em matéria
física esse conhecimento oral.
Com isto, os dados obtidos servirão de base para o cruzamento entre os estudos relacionados à democracia, partici-
pação e políticas públicas municipais (sempre sob a perspectiva das mudanças ocorridas a partir da Constituição Federal
de 1988). Em seguida, serão realizadas reflexões sobre os modos de funcionamento das estruturas das redes que se rela-
cionam com o propósito de transformação de um território. O objetivo é produzir conhecimento sobre essa engrenagem
social e com isto apresentar pistas de como se apresentam as ações coletivas que tem como requisito ação de base a mu-
danças nas diversas políticas públicas e, consequentemente, transformações no âmbito social, econômico, educacional,
cultural, etc.
Com o intuito de apresentar um quadro comparativo, junto aos atores citados será buscado o panorama do território
no momento em que o processo de emancipação ocorreu, bem como os entendimentos e expectativas existentes referentes
às questões ligadas ao desenvolvimento.
Para se compreender o funcionamento de um lugar e suas características, é clareador lançar luz à sua formação, ao
seu nascimento. Para haver o ser, subtende-se uma origem, uma história. A partir da maneira como esta ocorre, sua rever-
beração apresenta sinais para o modo como serão formados os acontecimentos posteriores. Ao se tratar da formação de
um município, acaba-se buscando a compreensão das relações que se estabelecem quando se almeja uma mudança social,
o que, neste caso, culminaria em seu processo de emancipação política, para então serem verificados os sentidos dessa
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral Programa de Pós- Graduação Mestrado em Desenvolvi- ação e resultados no território.
mento Territorial Sustentável - Orientadora: Profª Dra. Marisete T. Hofmann-Horochovski.
Tal transformação possivelmente eclode a partir da eminência de um novo desejo, uma nova necessidade. Com isto,
surge o questionamento sobre quais os motivos que impulsionam um grupo a agir e criar novas possibilidades, novos
contornos, e de que forma estes se configuram. A hipótese gerada é a de que os estudos entrelaçados possibilitarão a visua-
lização da situação política do município em questão, bem como o modo como a emancipação foi vivenciada e construída.
Concomitantemente, surgirá espaço para avaliação das motivações às atividades de cunho coletivo.
O valor documental do material a ser levantado pretende proporcionar o reconhecimento do território e com isto
criar dispositivos capazes de potencializarem processos de desenvolvimento do sentimento de pertença e identidade e de
permitir o acesso a questões históricas e culturais.
No caso do processo de emancipação política, visualiza-se que o produto de tais manifestações poderá fazer surgir
os entendimentos e sentidos atribuídos ao processo, poderá tornar-se material histórico, além de vir a desvendar os modos
de organização comunitária para uma prática de exercício de cidadania e de construção da realidade. A apresentação do
arcabouço dos discursos que atravessam o processo que se origina na tomada de consciência da necessidade de mudança
e os modos de subjetivação pertinentes serão também passíveis de análise, dado a possível riqueza de seus conteúdos.
Esse percurso encontra temáticas intrinsicamente relacionadas e que serão refletidas no presente projeto: as perspec-
tivas de vida no território, os anseios e dificuldades, as configurações criadas pelos agentes construtores de uma cidade, as
relações estabelecidas para o propósito em questão e a forma como se apresentam, o sentido e a vivência da democracia,
da participação e suas motivações, do processo de organização comunitária com vistas a culminar em plebiscito e, portan-
to as questões eleitorais relacionadas.
Com isto, tem-se como objetivo geral: realizar o levantamento e a análise das complexidades condizentes com o
processo de formação à emancipação do município de Pontal do Paraná.

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Como objetivos específicos, por sua vez, estabeleceu-se: colher relatos dos atores do movimento precedente à eman- assim que “emancipação refere-se à liberdade ou independência alcançada em relação ao domínio do outro”. Para escla-
cipação do município de Pontal do Paraná e transmitir as informações pertinentes à história do município, aos discursos recer, utiliza o exemplo de que em 1822 o Brasil emancipou-se de Portugal e que em 1888 os escravos brasileiros foram
e questões subjetivas relacionadas e ao modo de formação da rede estruturada para tal ação; coletar material fotográfico e emancipados e que em ambos os casos, emancipação designa uma liberdade em relação a uma tutela exercida há tempos
documentos condizentes com a formação da cidade de Pontal do Paraná e ao processo de emancipação; apresentar estudos e que assim está intimamente relacionado à conquista de autonomia.
referentes a desenvolvimento, redes, poder, território, democracia, participação, municipalização e cruzar tais temáticas
com o material levantado. Sobre este último termo, por seu caráter revolucionário e criador de probabilidades para um autogerenciamento e
desenvolvimento, cabe destacarmos:

Etimologicamente autonomia significa o poder de dar a si a própria lei, autós (por si mesmo)
REFERENCIAL TEÓRICO BÁSICO e nomos (lei). Não se entende este poder como algo absoluto e ilimitado, também não se
entende como sinônimo de auto-suficiência. Indica uma esfera particular cuja existência é
garantida dentro dos próprios limites que a distinguem do poder dos outros e do poder em
A investigação em questão possui como perspectiva a ideia de desenvolvimento territorial no âmbito das políticas geral, mas apesar de ser distinta, não é incompatível com as outras leis (ZATTI, 2007).
públicas e redes sociais.
Buscando ilustrar tal processo, vale considerarmos a história do estado a que pertence o município em questão. Prio-
Diferenciando-se de crescimento, ao envolver e considerar o capital, a noção de desenvolvimento apresenta um
ri (2012) relata que anteriormente, o estado do Paraná pertencia a São Paulo e tal conjuntura gerava grande insatisfação:
desenho não linear, mas circular e ramificado. O termo encontra-se calcado na interdisciplinaridade e, logo, considera e
não havia estrutura para as exigências administrativas, não havia professores e escolas suficientes para a população, a
discute os aspectos sociais, ambientais, econômicos e demais fatores que interferem e são resultado dos modos de produ-
segurança era péssima, a justiça lenta, os serviços públicos eram precários e verbas eram desviadas. No caso do município
ção e troca em uma perspectiva que considera as condições possíveis (e não impraticáveis) de uso dos recursos naturais
de Pontal do Paraná, visualiza-se a importância de se conhecer como se apresentavam tais condições e deste modo quais
atrelado a um funcionamento social capaz de gerar condições de vida adequadas (sustentável). O termo territorial, segun-
foram os impulsos para tal ação.
do Saquet (2011), faz menção ao espaço pluridimensional em que ocorrem as relações de forças que determinam a ação
e a estrutura dos relacionamentos (redes) dos quais resultam tais aspectos. Leff (2000) aponta que a sociedade atual, civilização do conhecimento, apresenta a contradição de ser na realidade a
Por políticas públicas, compreende-se a ação do Estado, ou segundo Oliveira (2013, p15) “o Estado em ação” que sociedade da alienação, do desconhecimento, da deserotização do saber, já que não se viu tamanha proliferação do desco-
acontece a partir de suas esferas, os governos federal, estadual e municipal em suas responsabilidades e competências nhecimento e “exclusão dos processos que e decisões que determinam suas condições de existência”. No sentido contrário
legalmente constituídas. A ação das políticas públicas enquanto “ferramenta das decisões do governo” interfere de forma à perda da condução de suas vidas e do sentido de suas existências, a participação em projeto de construção de novo lugar
direta na vida dos cidadãos de acordo com Souza (2006, p.22), razão pela qual a consideração sobre essa problemática e a seguir, em um processo emancipação, visa transformar a própria realidade e a de seu coletivo. Com o resultado, o pró-
está atrelada a perspectiva de um desenvolvimento territorial sustentável. No caso da emancipação de um território, as prio ambiente sofre modificações e sua configuração torna-se outra. Nesse sentido, pode-se desenhar uma nova realidade,
políticas públicas aparecem como possíveis causas (justificativas) e intenções de tal processo, cabendo ainda a reflexão que passa a merecer diferentes atenções, inclusive pelo olhar das políticas federais e estaduais.
de que a perspectiva de desenvolvimento pode vir a basear, ou não, tais ações. Ao descrever a origem do município no Brasil, Favero (2004) aponta que este foi implantado com a mesma estrutura
Como se pretende a reflexão sobre a constituição de um município, na busca por esta construção, é possível debru- (organização e atribuição política, administrativa e judicial) apresentada no Reino português. Porém, ao ser transportado,
çar-se sobre a obra de Hollanda (1997) para ser visualizada a possibilidade de que um levantamento histórico sobre a si- o nome dado ao território governado pelo Conselho (caracterização de Portugal) passou a se chamar município (derivação
tuação apresentada em determinado tempo e circunstância é capaz de gerar material sobre o processo de formação cultural das antigas comunas romanas). A partir da Lei de 28 de outubro de 1828 o termo município foi oficializado. Antes, tais
de uma dada sociedade. No caso da obra citada, a sociedade brasileira e o legado colonialista na formação indentitária e locais eram denominados cidades, vilas ou parochias.
suas consequências sociais.
O município era assim formado pelos seguintes membros: alcaide (exercia as funções administrativas e judiciais e
Sendo tal entendimento verificado através das relações estabelecidas, cabe salientar a noção de territorialidade, esta representava o poder central); juízes ordinários (escolhidos entre os “homens bons”, deliberavam e julgavam juntamente
como uma consequência da constituição da consciência do território. Conforme afirma Freitas (2008), por demonstrar com o alcaide); vereadores; almotáceis (exerciam o policiamento e aferiam questões de tributos); juízes de fora (represen-
suas raízes, apresenta-se como um sistema espacial importante para a cultura de seus habitantes e emerge como resultado tantes da Coroa nos Conselhos, exerciam funções de almotaceis e homens bons); procurador (homens bons que represen-
das interações de um grupo humano. tavam o Conselho junto à coroa) e os homens bons (órgão consultivo do conselho – homens experientes livres e idôneos
radicados no local). Os homens bons escolhiam, pelo voto, os juízes e vereadores, que formavam a câmara do conselho e
Vislumbra-se aqui a relevância de se considerar o surgimento de um município para então fundamentar a análise de se responsabilizavam pelo governo econômico (FAVERO, 2004).
suas possibilidades de desenvolvimento. Sobre tal aspecto, cabe considerarmos a noção de tal termo, que não se resume
a questões ligadas unicamente ao aspecto econômico, mas que se faz possível através de um “projeto social subjacente” O autor observa que a organização municipal no período desempenhou um papel de apoio à colonização e que a
(VEIGA, 2008). Ora, ao falarmos da formação de um município e, mais além, de seu processo de emancipação, é sobre independência refletia na autonomia dos colonos. Apresenta como ilustração o fato de que em 1549, através da promoção
um projeto que se está tratando. Pode-se, com isto, ponderar tratar-se, ou não, de bases ligadas à noção de desenvolvi- do governo português, houve a criação e fundação da cidade de Salvador com o intuito de dar maior impulso ao processo
mento sustentável. Segundo Veiga (2008) para que este exista é necessário que se apresente “socialmente includente, de colonização. Tendo como objetivo expulsar os competidores franceses, essas ações foram seguidas, em 1567, pela
ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo”. fundação de uma segunda cidade, o Rio de Janeiro. Nesse sentido, a coroa era responsável pelos encargos de fiscalização,
ficando as responsabilidades judiciarias, militares e mesmo fazendárias transferidas à governança local. A arrecadação dos
Ao realizar o estudo do processo de emancipação do estado do Paraná, Priori (2012) apresenta tal conceito. Define

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tributos era de responsabilidade dos donatários das capitanias, sujeitos reconhecidos nas cidades ou vilas e denominados vernos locais, como a destinação a esses da quarta parte do imposto estadual sobre o ICMS (imposto sobre circulação de
capitão, estando sujeitos ao capitão-mor. mercadorias). Nesse aspecto, apontam a discussão de que o aumento do número de tais municípios de pequeno porte é
capaz de gerar incapacidade de sustentação financeira, dado o baixo índice de geração de renda e capacidade de expansão
Aos vereadores cabia o papel político. Estes, os juízes ordinários e o procurador eram eleitos de forma indireta por que apresentam o que demanda alta necessidade de recursos provenientes dos demais âmbitos (estaduais e federais) e tem
um colégio eleitoral de seis membros escolhidos pelo povo. Tais membros deveriam ser escolhidos entre os homens-bons, como resultado grande dependência financeira dos entes federados.
sendo excluídos os oficiais mecânicos, os judeus, os degradados e estrangeiros.
Por outro lado, a descentralização poderia oferecer maior capacidade de alocação eficaz dos recursos públicos, já
Reunidos em Câmara, os vereadores deveriam administrar as obras do conselho, decretar cobrança de taxas e etc. que ao ocorrer no nível local, possibilita a territorialização das demandas, contribuiu para a participação e direciona nesse
Em tal momento, os governos em geral estavam submetidos ao poder central e por isso não possuíam autonomia. Favero sentido a formulação de políticas públicas.
(2004) destaca ainda o fato de que no Brasil o município precedeu o Estado e que a organização do território sempre
esteve pautada nos três níveis de entidades político-administrativa (nacional, estadual ou provincial – que sucedeu as Os autores apontam ainda o fato de que o significativo aumento dos processos emancipatórios nos períodos entre
capitanias – e o municipal). Observa que os municípios brasileiros possuíam vasta área e traz como exemplo a cidade de 1988 e 2009 apresentam os seguintes motivos: em razão da arrecadação com vistas ao compartilhamento dos fundos
Curitiba, que no século XVIII pertencia à Comarca de Itu – SP. E acrescenta: de participação e por razões políticas, como a emergência de lideranças locais e o arranjo de grupos adversários. Já a
argumentação de prefeitos para a emancipação se daria pelas seguintes razões: “descaso por parte da administração do
município de origem; existência de forte atividade econômica local; grande extensão territorial do município de origem;
No período colonial a expansão municipalista foi restringida pela ação centralizadora das e aumento da população local” (BREMAEKER, 1993, Apud REIS; COSTA; SILVEIRA 2013, p.67).
Capitanias Hereditárias e dos Governadores Gerais. No entanto, as municipalidades de en-
tão tiveram inegável influência na organização política que se ensaiava no Brasil. Deste Tomio (2002) aponta a década de 1980 como palco da redemocratização do país ao transformar o ambiente político
modo, nos povoados que se fundavam, as municipalidades realizavam obras públicas, es-
tabeleciam posturas, fixavam taxas e distribuíam a justiça (BIRKHOLZ, 1979 apud FEVE- institucional, possibilitar a liberação política, a ampliação da competição eleitoral e a melhoria das liberdades civis. Rea-
RO, 2002). firma que a Constituição de 1988 é o principal marco de tal momento ao apresentar um novo desenho jurídico e democrá-
tico e uma nova ordem no pacto federativo ao ampliar a atuação dos Estados e municípios, além do novo arranjo fiscal e
O mesmo autor relata que a intervenção da coroa portuguesa agia fortemente na organização territorial, como as
tributário decorrente. Observa que chega-se nesse ponto a mais ampla autonomia da história republicana não identificável
capitanias que se constituíam e eram concedidas por cartas de doação. Os capitães-mores eram delegados e não proprie-
em outras mais conhecidas organizações federativas. Faz-se necessário salientar que o regime político ditatorial inibiu a
tários e exerciam o poder de conceder terras e criar vilas.
criação de municípios.
Segundo Santos e Andrade (2015), a forte influencia de Portugal enquanto centro político tornava as capitanias
O autor pontua que o novo arranjo fragmentado não tem recebido a atenção devida dado o fato de que de 1988 a
hereditárias, essa primeira organização político-administrativa do Brasil, expressão da ação dos senhores de terra e dos
2000, 25% dos atuais municípios foram gerados (sendo que nos últimos cinquenta anos o número de municípios quadri-
costumes locais e por isso não apresentavam uma consciência provincial e nacional. A vigilância portuguesa se utilizava
plicou), além da questão de que tal fenômeno é muitas vezes abordado pelo caráter normativo e não em razão de suas
do municipalismo para conter divergências políticas e agia de modo a construir um Estado único e centralizador. Mas
causas (aspecto que se debruça a discutir). Assim, procura identificar o arranjo dos mecanismos institucionais a partir
a presença de movimentos de rebeldia buscavam o Federalismo e, portanto, a descentralização e a autonomia das pro-
da interação dos atores políticos, das mudanças decorrentes das regulamentações e das interferências da esfera estadual.
víncias. Tal condição pôde ser buscada a partir do ato adicional de 1834 que desempenhou a função de descentralização
Salienta que os processos emancipatórios não seguem uma lógica socioeconômica, uma vez que ocorrem em estados com
e impulsionou a Constituição de 1891. Cabe lembrar que esta foi a primeira constituição da República, proclamada no
índices distintos.
Brasil em 1889.
Tomio (2002) diz ainda que o fato de a referida Constituição acarretar autonomia aos Estados na regulamentação e
Os autores apontam que ao ser instituída, tal Constituição apresentava três apelos ideológicos: “o liberalismo inglês,
decisão política resulta em um dos aspectos determinantes na criação dos novos municípios. E é justamente a interferên-
a democracia francesa e o federalismo americano” (SANTOS; ANDRADE, p. 12). Entretanto, observam que tais ideais
cia do executivo estadual um dos principais aspectos que procura discutir. Sem a ação das lideranças locais não haveria
não encontraram reverberação de fato em razão das condições sociais apresentadas. Porém, os autores descrevem que
emancipações, porém a apreciação do processo se restringe à decisão política estadual.
a Constituição de 1891 oferece três modificações significativas na estrutura do Estado: a mudança da forma de governo
monárquica para a republicana, do sistema parlamentarista para o presidencialista e quanto a forma de Estado, de unitário Nesse sentido, Tomio (2002) sugere que no caso dos deputados estaduais participantes dos processos (que possuíam
a Federal. vários instrumentos de controle legislativo das emancipações), não haveriam interesses significativos envolvidos, a não
ser a continuidade da carreira política. No caso das lideranças locais, o motivo se daria em razão da ampliação do atendi-
Ao longo do século XX outras constituições foram elaboradas, mas é a última, promulgada em 1988, que fornece
mento de seus interesses (reeleição, aumento da oferta de recursos fiscais, incremento ou melhora das políticas públicas),
material para pensar o objetivo deste projeto. Reis, Costa e Silveira (2013) apontam que a Constituição de 1988, em con-
fato que se repetiria no caso dos eleitores que passassem a interagir no processo. Outro pressuposto apontado pelo autor
formidade com a reforma do estado e a redemocratização do país, estabelece a descentralização política, administrativa e
refere-se às instituições políticas, que determinam as escolhas individuais moldando a forma como o processo ocorre.
fiscal o que resulta em transferência de poder, recursos e atribuições para os governos locais de modo a visar a melhoria
na prestação de serviços, o aumento na eficiência dos gastos públicos e com isto a elevação da qualidade de vida da po- Tomio (2002) descreve os tipos de intuições presentes nos processos emancipatórios: delimitadores (federais, esta-
pulação. Assim, as possibilidades advindas de tais mudanças teriam servido de alavanca para o aumento expressivo do duais e municipais que definem as localidades passiveis de serem emancipadas); estimuladoras (legislações que regula-
número de municípios emancipados durante os anos 1988 a 1997 (período em que se realiza o estudo em questão). mentam as transferências de recursos); processuais (legislações que determinam a forma como deve ocorrer o processo).
O autor reafirma também o fato de que a carga tributaria própria dos municípios seria incapaz de sustentar seu funciona-
Os mesmos autores apresentam a discussão sobre as mudanças em relação à disponibilização de recursos aos go-
mento e aponta: “criar um novo município continua sendo um grande negócio para as localidades do interior” (TOMIO,

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2002 p.11). Confirma ainda que o arranjo de tais processos oferece um papel central ao legislativo estadual em razão do Seguindo tal premissa, cabe complementar:
veto atribuído aos deputados estaduais.

Em relação ao território em questão, cabe destacar que atualmente, de acordo com o Instituto Paranaense de Desen- O ideal de um livro seria expor toda coisa sobre um tal plano de exterioridade, sobre uma
volvimento Social (IPARDES 2015), o município de Pontal do Paraná possui uma área territorial de 202,159 km² e uma única página, sobre uma mesma paragem: acontecimentos vividos, determinações históri-
cas, conceitos pensados, indivíduos, grupos e formações sociais. (DELEUZE e GUATTARI,
população estimada de 23.816 (vinte e três mil oitocentos e dezesseis) habitantes. Possui ainda densidade demografia 1995, p. 16).
de 103,48 habitantes por km², com taxa de crescimento populacional de 3,86%. O Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) é de 0, 788 e Produto Interno Bruto PIB per capta de R$12.638.

REFERÊNCIAS

METODOLOGIA DELEUZE, G; FELIX, G. Mil platôs. Vol. 1. São Paulo: Editora 34, 1995.
FAVERO, E. Desmembramento territorial: o processo de criação de municípios – avaliação a partir de indicadores
econômicos e sociais. 2004. 278 p. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento
Como dito, o presente projeto pretende encontrar os atores participantes do processo de emancipação de Pontal do de Engenharia de Construção Civil – São Paulo.
Paraná e ouvir os relatos referentes a tal processo, suas intenções, pensamentos, pontos de vistas e sentimentos sobre tal
acontecimento. Ao mesmo tempo, buscará levantar as memórias da situação em que o município se encontrava na fase FREITAS, C. G. de. Desenvolvimento local e sentimento de pertença na comunidade de Cruzeiro do Sul – Acre.
anterior e as perspectivas em relação ao futuro daquele momento. Pretende ainda realizar a coleta de imagens e documen- Campo Grande, MS: [s.n.], 2008.
tos relacionados. Dessa forma, objetiva desvendar a estruturação da rede formada para tal fim. HOFFMANN-HOROCHOVSKI. M. T. Memórias de morte e outras memórias: lembranças de velhos. Curitiba: UFPR,
2008. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós –Graduação em Sociologia, Setor de Ciências Humanas, Letras
Para tanto, as metodologias utilizadas deverão, em um primeiro momento, pautar-se na história oral. Segundo Silva e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008.
(1998), citado por Hoffmann-Horochovski (2008, p. 7): “Método qualitativo de coleta e análise dos dados, a História
Oral confere centralidade ao que os agentes sociais comunicam, compreendendo estes elementos como fundamentais HOLLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
para a reconstrução, compreensão e explicação de processos sociohistóricos”. Conforme a mesma autora, dentro deste INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. IPARDES. Caderno Estatístico de
universo, a história de vida, forma mais conhecida da história oral, se dirige a uma trajetória individual em um dado con- Pontal do Paraná. Curitiba, 2015.
texto social o oferece a possibilidade de que as experiências vividas sejam reconstruídas. Isto, pois considera ser aquele
que narra guardião do conhecimento sobre um dado acontecimento. Hoffmann-Horochovski (2008) complementa que http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=83255&btOk=ok
a emergência de questões subjetivas, fator participante dos fatos coletivos, torna indissociável o fato e a versão, o que MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São
legitima o estudo a partir de tal perspectiva. Ao mesmo tempo em que se atualiza o passado ao reconstruí-lo pela fala, Paulo: Palas Athena, 2007.
esta não se encontra dissociada da memória da coletividade, o que oferece possibilidade de análise dos acontecimentos
que emergem por tal via. OLIVEIRA, Vanessa E. As fases do processo de políticas públicas. In: MARCHETTI, V. (Org). Políticas Públicas em
debate. São Bernardo do Campo: ABCD Maior, UFABC, 2013.
Ao ser dar através da análise qualitativa, tal método vai ao encontro da Psicossociologia. Esta metodologia pro- PRIORI, A., et al. História do Paraná: séculos XIX e XX [online]. Maringá: Eduem, 2012.
cura construir uma teoria-prática desnaturalizadora, pautada nas críticas e questionamentos das experiências instituídas,
impondo um olhar transdisciplinar, implicando inúmeros fenômenos da realidade, tanto no plano macropolítico (fatos e http://books.scielo.org
modos de vida em sua exterioridade formal, sociológica), quanto micropolítico (forças que agitam a realidade, dissolven-
PHILIPPI JR., A. (Org.). Interdisciplinaridade em ciências ambientais. São Paulo: Signus, 2000.
do suas formas e engendrando outras, num processo que envolve o desejo e a subjetividade).
///C:/Users/Windows/Downloads/Olhar%20de%20professor%20(1).pdf
Lourau (1995), afirma que a Psicossociologia nasceu na encruzilhada de várias disciplinas já formadas ou em via
de formação, como a psicologia social, a psicanálise, a psicopedagogia, a terapêutica, a sociologia das organizações, etc: REIS, P.R C.; COSTA, T.M.T.; SILVEIRA, S.F.R. Receita pública e bem estar social nos municípios mineiros emancipa-
dos no período de 1988 a 199. Revista Eletrônica de Administração.Porto Alegre – Edição 74 - N° 1 – jan/abr 2013 – p.
61-82.
A partir dos anos 50, os psicossociólogos criaram a intervenção psicossociológica, relação
de colaboração na qual os problemas são prioritários com relação aos métodos. Em conse-
quência, abandonaram totalmente uma certa prática de pesquisa-ação que estudava grupos SANTOS, R. A.; ANDRADE. P. L. A evolução histórica do federalismo brasileiro: Uma análise histórico-sociológica a
artificiais e igualmente, excluíram os métodos nos quais as decisões eram tomadas de ma- partir das Constituições Federais.
neira unilateral pelo pesquisador. Passaram a se preocupar, em especial, com as instâncias
de mudança, nas quais o psicossociólogo tinha o papel de um pesquisador- interventor,
respondendo a uma demanda e adotando uma posição de analista. Por meio desta aborda- Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=a424ed4bd3a7d6ae. Acesso em 12 ago. 2015.
gem, o pesquisador-prático, por sua presença, fez aparecerem certos problemas, permitiu
que um novo tipo de discurso fosse enunciado, que condutas, até então desconhecidas, se
revelassem. (MACHADO e ROEDEL, 2001, p. 09). SAQUET, M. A. Por uma Geografia das territorialidades e das temporalidades: uma concepção multidimensional

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voltada para a cooperação e para o desenvolvimento territorial. 1. ed. São Paulo: Outras Expressões, 2011. POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL NO LITORAL PARANAENSE: POSSIBILIDADE DE
SERPA, A., org. Espaços culturais: vivências, imaginações e representações [online]. Salvador: EDUFBA, 2008. AMPLIAÇÃO DA RESOLUTIVIDADE DE SUAS AÇÕES
Disponível em: http://books.scielo.org/id/bk/pdf/serpa-9788523209162-18.pdf
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. Arianne Staszko
20-45.
TOMIO, F. R. L. A criação dos municípios após a Constituição de 1988. Revista brasileira de Ciências Sociais. São
Paulo – volume 17 – número 48 -2002.
VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. Disponível
em: file:///C:/Users/Windows/Downloads/DESENVOLVIMENTO%20sustentavel.pdf
ZATTI, V. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2007. Disponível
em:
http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/introducao.html

Projeto apresentado ao Curso de Mestrado em Desenvolvimento Territorial Sustentável – PPGDTS,


Linha de Pesquisa Redes Sociais e Políticas Públicas, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Setor
Litoral. Orientadora: Marisete T. Hoffman Horochovski

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Introdução modificadas a fim de tornar mais resolutiva a aplicação da Política de Saúde Mental na Atenção Primária em Saúde.
Os objetivos específicos consistem em:
Em minha trajetória profissional através da Psicologia Social Comunitária, da Psicologia Clínica e da Clínica - Explorar teoricamente os conceitos de Redes, Sustentabilidade e Saúde Mental para compreensão das relações de poder
Hospitalar, da Psicologia Educacional e da licenciatura em nível técnico na área de saúde debrucei-me na questão da estabelecidas e da conceituação de território explicitada dentro da Política de Saúde Mental.
Saúde Mental por diferentes perspectivas. Conheci e explorei em boa medida a Política e legislação em Saúde Mental - Identificar quais as instituições envolvidas diretamente na política de Saúde Mental na Atenção Primária e qual a
e fui questionando-me sobre os motivos que interferem na eficácia desta política frente aos seus usuários. Em diversos definição do papel de cada uma delas na execução das ações coletivas.
momentos percebi dificuldades da equipe de saúde em compreender os elos desta Política, até mesmo com outras políticas, - Compreender como se dá o matriciamento na Assistencia Primária em Saúde Mental e onde estão as fragilidades dessas
e certo desinteresse por este público provavelmente por efeito de estigmação. Redes tanto a nível micro como macrossocial.
Para a Organização Mundial da Saúde - OMS (2001) saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e - Realizar análise documental, observação direta e indireta e questionários para fazer uma leitura da dinâmica de Atenção
social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Em outras palavras, saúde mental é um estado de bem-estar Primária em Saúde Mental, na cidade de Paranaguá/PR.
biopsicossocial e espiritual no qual um indivíduo tem percepção do seu potencial, consegue lidar com o stress do dia-a- - Estabelecer quais as novas ações coletivas possíveis de serem implementadas nos territórios de forma a efetivar a
dia, trabalhar de forma produtiva, interagir de forma equilibrada com outras pessoas e contribuir para a sua comunidade. aplicação do que prevê as Leis de Saúde Mental e melhorar a qualidade de atenção aos usuários desta política.
Para garantir a saúde mental é necessário que o indivíduo sinta-se bem com ele mesmo e na relação com os outros, ser
capaz de lidar positivamente com as adversidades, ter confiança em si e não temer o futuro.
O ideal de homem psiquicamente saudável é aquele que teve uma base afetiva e cognitiva na infância, teve um
relativo equilíbrio entre limites e autonomia na infância e adolescência e teve possibilidades de, na vida adulta, viver
o seu dia a dia com qualidade de vida. Como cada um desses públicos, em momento de questões de desequilíbrio Breve revisão da literatura
relacionado à sua Saúde Mental, é recebido e encaminhado dentro da Rede de Atenção Primária? O matriciamento é “O mundo só será sustentado se cada um de nós segurar um pedacinho...”
efetivamente a melhor estratégia na Prevenção em Saúde Mental? O atendimento que os usuários recebem favorece seu Eugenio Scannavino
equilíbrio psíquico e comunica-se com outras políticas sempre que necessário?
Assim, o objeto de estudo é a Politica de Saúde Mental, sua aplicação e as relações estabelecidas por ela no litoral A formação de identidade se dá num processo contínuo e dinamico de interação e esta última sofre influencia
do Paraná com um recorte específico na Atenção Primária no Município de Paranaguá. Estudar o quanto ela torna-se ou mútua das alterações que ela mesma provoca no contexto em que se faz inserir. Ou seja, somos como diz a música de
não efetiva em relação às Políticas Primárias de Atenção em Saúde e a consequencia destas na saúde do ser humano. Em Raul Seixa uma “metaformose ambulante” produzimos e somos produzidos enquanto sujeitos nas nossas interações
síntese, o objetivo é o de analisar a articulação das ações de saúde mental entre as equipes da Estratégia Saúde da Família como afirma Ciampa:“(...) a subjetividade do indivíduo é vista sempre articulada com a objetividade da natureza, a
e demais unidades integrantes da Política de Saúde Mental pelo processo de matriciamento com ênfase na integralidade normatividade da sociedade e a intersubjetividade da linguagem (2005, p. 07). Em outras palavras, a Para Vygotsky
do cuidado e resolubilidade assistencial no espaço territorial do litoral do paraná. (1994) a psique humana forma-se em um meio cultural repleto de significações sociais e historicamente produzidas,
Socialmente construído o conceito de Saúde Mental e de Loucura iniciou com uma postura higienista como definidas e codificadas, que são constantemente ressignificadas e apropriadas pelos sujeitos em relação, constituindo-se,
descrito em “A História da Saúde Mental” de Thomaz Szasz e em “A História da Loucura” de Foucault. Passou pelo assim, em motores do desenvolvimento humano. Assim, segundo a Psicologia Sócio-Histórica, a psique humana ou o
modelo biomédico e abre-se cada vez mais a intervenções diversificadas e interdisciplinares. A elaboração da Política de processo de constituição do sujeito é essencialmente social e sempre mediado de significado em um contexto de ação e
Saúde Mental passou por grande transformação no final do século XX através do Movimento da Luta Antimanicomial. reação influenciado pelas ações do coletivo, pela cultura e pelos valores estabelecidos.
Considera-se que Políticas Públicas referem-se ao “conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos A sustentabilidade no tempo das civilizações humanas vai depender da sua capacidade de se submeter aos preceitos
direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. de prudência no bom uso da natureza e nas relações interpessoais estabelecidas tanto no contexto micro quanto no macro
Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público” (GUARESCHI, socioeconômico. A formação de redes, representa arcabouço de relações entre sujeitos que estão conectados por laços
COMUNELLO, NARDINI & HOENISCH, 2004, pág. 180). As primeiras reflexões a serem feitas dizem respeito afetivos e fluxos de poder, nos quais ocorrem trocas subjetivas e objetivas e, assim, são produto de um determinado
a influencia do conceito de Saúde Mental da OMS na formulação das Politicas de Saúde Mental atual; sobre qual o contexto, podendo ser ele social, econômico, político e cultural. Como afirma Ricardo Paes de Barros (2007, p.18): “Só
real objetivo desta política; sobre como se dá seu processo de legitimação desta frente aos seus gestores, executores e seremos menos desiguais quando nossas riquezas estiverem nas crianças”. Neste sentido traz-se o papel do Estado com
população/usuários; e, se não dispor de saúde mental representa ou não algum tipo de punição para o sujeito doente e se a participação dos diferentes setores como educação, saúde, justiça e social que podem e devem estar articulados a fim de
esta representação impacta, de alguma forma, na maneira como ele será tratado na sociedade. favorecer um desenvolvimento sustentável.
Também é preciso esclarecer a dinâmica de Rede e Poder nesta Política Pública. “Uma andorinha só não faz O conceito de redes é parte integrante da discussão de uma Política Pública uma vez que a atuação depende
verão” é um provérbio válido neste sentido. Ele deriva de uma frase do filósofo grego Aristóteles no livro “Ética a de diferentes atores e, muitas vezes, de diferentes áreas de atuação. Neste sentido, Mendes afirma (2011, pág.79) que:
Nicômano”, “uma andorinha só não faz primavera”. Com uma interpretação um pouco diferente este saber popular usado “As redes não são, simplesmente, um arranjo poliárquico entre diferentes atores dotados de certa autonomia, mas um
no Brasil fortalece a afirmação de que uma pessoa sozinha não consegue mudar algo que supõe errado e de que o todo sistema que busca, deliberadamente, no plano de sua institucionalidade, aprofundar e estabelecer padrões estáveis de
é mais significativo que a soma das partes. A coletividade e a compreensão de como se dão as ações coletivas costuram inter-relações”. O matriciamento como estratégia de Política de Saúde torna-se relevante neste caso.
a idéia de formação de redes em um determinado território. Mas quais são as direções destes fluxos? Quem realmente Por matriciamento em Saúde Mental entende-se a articulação de diversos profissionais com objetivo de clinicamente
estes fluxos favorecem? ampliar a Estratégia Saúde da Família e impulsionar a lógica de co-responsabilização entre as equipe de Saúde da Família
Nesse sentido, o presente projeto apresenta como objetivo geral: Compreender e explicitar as dinâmicas de Rede e a equipe de Saúde Mental e todos os profissionais integrantes da rede em um determinado território:
na área de Saúde Mental já estabelecidas na cidade de Paranaguá, como funcionam e qual a necessidade de serem
Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, arranjos organizacionais e uma metodologia para a gestão

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do trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica CREAS (Centro de Referencia Especializado de Assistencia Social), unidade de acolhimento/ serviço de atenção em
entre distintas especialidades e profissões. A composição da equipe de referência e a criação de especialidades em regime residencial, centro de especialidade, hospital geral, hospital especializado em psiquiatria, pronto atendimento,
apoio matricial buscam criar possibilidades para operar-se com uma ampliação do trabalho clínico e do sanitário,
já que se considera que nenhum especialista, de modo isolado, poderá assegurar uma abordagem integral. Essa
serviço residencial terapêutico e SIMPR (Serviço Integrado de Saúde Mental).
metodologia pretende assegurar maior eficácia e eficiência ao trabalho em saúde, mas também investir na construção
de autonomia dos usuários. (CAMPOS E DOMITTI, 2007, pág.400). Diante de tudo isto se tem uma rede ampliada capaz de influenciar a saúde de uma coletividade através de impactos
no psiquismo individual e coletivo. Uma rede, de fluxos complexos, que engloba não apenas equipamentos públicos, mas
A globalização trouxe de volta a valorização do território e muitos são os desafios postos diante dessa necessidade também privados e a instituição família. Assim, há de serem acompanhadas também as mudanças ao longo do tempo da
de reorganização das ações. Quanto as consequências do capitalismo para a saúde humana Eugênio Scannavino (2007, concepção e importância da família: “Em compensação, o que se constitui nesse momento é a família como elemento no
p.84) afirma: “Quantas dessas enfermidades se originaram nas duras condições de vida, moradia, alimentação e também interior da população e como instrumento fundamental” (FOUCAULT, 1979, pág.288). Como se dá a governança das
de sofrimento afetivo e emocional pelo individualismo e competição insana de nosso modelo de vida? Que tipo de Políticas de Saúde Mental? Se existem efetivamente ações de Promoção de Saúde na Saúde Mental? Qual a importancia e
sociedade estamos construindo para nós mesmos?” atenção dada à instituição família enquanto estratégia de Promoção em Saúde Mental? Como e o quanto o fortalecimento
da instituição família interferiria na Promoção em Saúde Mental?
Assim, é necessário considerar os processos de continuidade e descontinuidade na questão de território e também a
pluralidade dos sujeitos delimitando o que podemos chamar de fronteiras de uma “subrede”. Dentro destas características
tem-se a possibilidade de dominar sem presença física, a subordinação de poderes legitimados ao movimento do capital
e de um tempo de fluxo contínuo ou transtemporalidade. Em outras palavras, entende-se que a concepção de território
é o somatório de um grupo articulado através de fluxos em uma rede em um determinado espaço como afirma Saquet e
Dematteis (2007, pág.163): “o território é resultado e condição da reprodução da relação social-natural. [...] Produzimos Metodologia e fontes
o (s) território (s) e territorialidade (s)”.
O reconhecimento do potencial da rede social atualmente é uma crescente, à medida que se entende o poder da Num primeiro momento fazer uma vasta revisão de literatura a respeito dos conceitos chaves desta pesquisa:
cooperação como atitude que destaca pontos comuns em um grupo para gerar solidariedade e apoio. “Desenvolver-se Desenvolvimento Sustentável, Saúde Mental e Rede Social. Estabelecer claramente os elos entre estes conceitos e como
de modo sustentável, pelo contrário, é possível. Isso é o que acontece com o ser humano e todos os organismos vivos: a atuação nesta área pode favorecer a coletividade dentro do território.
crescem; param de crescer; e nunca deixam de desenvolver-se (sustentavelmente) – até o fim inevitável” (CAVALCANTI, Num segundo momento será realizada uma análise sobre saúde bem como sobre as possíveis formações de redes,
2012, pág. 38). Um indivíduo pode representar sua rede social de apoio nas diversas situações da vida cotidiana, na ou seja, quais os fluxos e nós que compõem esta rede. Para tal podem ser coletadas informações junto as Secretarias
família, comunidade e na sociedade. Ao identificar a rede, pode utilizar-se da mesma como um recurso do cuidado. Nesta Municipais de Saúde e de Assistencia Social de Paranaguá, profissionais atuantes nas mesmas, alguns usuários dos
relação é permitido entender o sujeito com tudo aquilo com o qual interage, com todos os seus vínculos no micro e macro serviços destas secretarias e outras instituições de representação coletiva e/ou comunitárias afins. Como instrumentos
espaço (LAVALL et al., 2009 apud DEZOTI, 2013, pág. 35). para a coleta de pesquisa serão utilizados: observação participante, entrevistas em profundidade, análise documental,
entre outros. A metodologia é qualitativa, embora utilizará dados secundários quantitativos para aprofundar a análise.
Nacionalmente, a rede de atenção à saúde mental é parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), rede organizada
Além de compreender o matriciamento das instituições nesta fase será importante verificar dados estatísticos das
de ações e serviços públicos de saúde, que foi instituída pelas Leis Federais 8080/1990 e 8142/90. Desde então, leis,
ações coletivas que impactam na efetivação da política de Saúde Mental: a compreensão das fases da vida (pré-natal,
Portarias e Resoluções do Ministério da Saúde priorizam o atendimento ao portador de transtorno mental em sistema
infância, adolescência e velhice), as questões de gênero, o contexto familiar, os estudos de prevalência de transtornos
comunitário e vem incentivando a estruturação das Redes de Atenção em Saúde Mental e a implantação de equipamentos
mentais comuns e em comorbidade com outras doenças crônicas, a avaliação de risco para transtornos mentais, a adesão
extra hospitalares. Pelos estudos e experiências profissionais que tenho até o momento (vivencia profissional em Hospital
ao tratamento de doenças crônicas, as queixas inespecíficas, a qualidade de vida e as estratégias terapêuticas comunitárias
Geral – direcionado a Políticas de Saúde Mental, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Assistencia
implementadas, as questões do uso e abuso de sustâncias psicoativas, o suicídio, as somatizações, o acesso à medicação,
Social – em CAPS e Serviço de Convivencia e Fortalecimento de Vínculos, atuação clínica em Psicologia, docência
a saúde mental do trabalhador, a capacitação para o diagnóstico em saúde mental, o fluxo de atendimento, a busca ativa
em Saúde – incluindo as disciplinas de Promoção de Saúde e Saúde Mental - e voluntariado em grupo de apoio a
e sistema de informações.
comportamento de dependência – incluindo adictos) desta Rede têm-se equipamentos de atenção primária, secundária
Num terceiro momento essas informações devem ser compiladas e analisadas perante a literatura de
e terciária. Na atenção primária em saúde mental estão as Unidades Básicas em Saúde (UBS) – Postos de Saúde com
Desenvolvimento Territorial Sustentável e as diversas legislações na área de políticas públicas.
o Programa Saúde da Família (PSF) conjuntamente com os CRAS (Centro de Referencia em Assistencia Social) com
Com toda material compilado buscar modelos de Redes adequados que possam inspirar novos modelos de Redes
seu Programa de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF); na atenção secundária tem-se os Ambulatórios de
que sejam adequados a realidade local. Após divulgar e verificar se há modificações ou aprimoramentos que possam ser
Saúde Mental, os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Leitos Psiquiátricos em Hospitais Gerais que podem atuar
realizados na perspectiva de maior articulação da Rede de Saúde Mental e efetivação e resolutividade no atendimento aos
em conjunto com os CREAS (Centro Referencia Especializado em Assistencia Social) e os Serviços de Convivencia
usuários desta política.
e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) vinculados direta ou indiretamente aos CRAS; na atenção terciária tem-se as
unidades de unidades de internamento psiquiátrico. No Estado do Paraná, a divisão dos níveis de atenção em Saúde
Mental e dos equipamentos que fazem parte deste processo também é ampliada, não se restringindo aos equipamentos de
saúde, conforme disposto no site da Secretaria de Saúde do Estado (SESA). A Atenção Primária engloba domicílio, grupo
de ajuda mútua, consultório na rua, unidade de atenção primária, núcleo de apoio à saúde da família, academia da saúde,
escola, CRAS (Centro de Referencia em Assistencia Social) e associações, ONGs (Organizações Não Governamentais),
centros de convivência e espaços religiosos. Na atenção secundária estão: CAPS (Centro de Atenção Psicossocial),

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Cronograma detalhado Referências bibliográficas

BARROS, R. P. de. Desigualdade no Brasil. IN: Da Série Leituras do Brasil. A vida que a gente quer depende do que
Objetivos Específicos / Ações a gente faz - Proposta de Sustentabilidade para o planeta. Instituto Ecofuturo, 2007, p.48 – 57;

10º

12º

13º

14º

15º

16º

17º

18º

19º

20º

21º

22º

23º

24º
11º



CAMPOS, G.W.S. & DOMITTI, A.C. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do
Explorar materiais atualizados trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 23, n. 2, p.399-407, fev. 2007.
a respeito dos conceitos de
Redes, Sustentabilidade e X X X
CAVALCANTI, C. Sustentabilidade: mantra ou escolha moral? Uma abordagem ecológico-econômica. São Paulo:
Saúde Mental.
Estudos Avançados, v. 26, n. 74, p. 35-50, 2012.
Explorar a idéia de
desenvolvimento territorial CHIAVERINI, D. H. (Organizadora) ... [et al.]. Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília, DF:
sustentável no que tange a Ministério da Saúde: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva, 2011.
formação de Redes entre as
X X X
principais políticas públicas e CIAMPA, A. C. A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de Psicologia Social. São Paulo:
instituições não governamentais Brasiliense, 2005.
do litoral paranaense.
DEZOTI, A. P. Influencia da rede social de apoio às famílias na promoção do desenvolvimento da criança com
Mapear as Redes estabelecidas
paralisia cerebral. 2013, 97fl. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
entre as diversas instituições
presentes em cada uma das
2013.
X X X X
sete cidades que representam o
litoral paranaense. LAVALL, E.; OLSCHOWSKY A.; KANTORSKI, L. P. Avaliação de família: rede de apoio social na atenção em
saúde mental. Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 30, n. 2, p. 198-205, jun. 2009.
Compreender onde estão as
fragilidades dessas Redes MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.
tanto a nível micro como X X X
macrossocial. SCANNAVINO, E. Saúde na Modernidade. IN: Da Série Leituras do Brasil. A vida que a gente quer depende do que
Buscar outros modelos de a gente faz - Proposta de Sustentabilidade para o planeta. Instituto Ecofuturo, 2007, p.82 – 89.
Redes pelo Brasil que possam
ser trazidos como exemplos SAQUET, M. A.; DEMATTEIS, G. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Editora Expressão Popular,
X X X
e inspiração para o território 2007. [Introdução, p.13-26; Cap. 8: Construindo uma proposta de abordagem territorial (i)material, p. 157-177]
local.
SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ. Rede de Atenção em Saúde Mental. Curitiba, 2015.
Síntese e feedaback dos estudos
Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=3026. Acesso em: 15 jul. 2015.
realizados e publicações
iniciais a respeito da temática X X X
SZASZ, T. S. A Fabricação da Loucura: um estudo comparativo entre a inquisição e o movimento de saúde
estudada.
mental. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
Debates significativos com as
instituições a fim de apontar VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
as possíveis soluções para o
X X X X
aprimoramento das Ações em
Saúde Mental no território.

* Em paralelo a todas as atividades a partir do 4º mês já será possível dar início a elaboração da Dissertação de Mestrado.
Nos dois últimos meses fica uma dedicação exclusiva à finalização da Dissertação.

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ANÁLISE DO PADRÃO DE COBERTURA DO SOLO NO MUNICÍPIO DE TEFÉ-AM POR MEIO DE DA- JUSTIFICATIVA E PROBLEMA DE PESQUISA
DOS DE SENSORIAMENTO REMOTO ORBITAL ÓPTICO
As florestas tropicais são reconhecidas como o principal repositório de biodiversidade do mundo, cerca de um
terço de todos os remanescentes florestais tropicais do planeta está no Brasil, distribuído em sua maior parte na Amazônia
Luiz Fernando G. Schwartzman (Ayres et al 2005). A Amazônia brasileira tem aproximadamente 4,1 milhões de quilômetros quadrados, e desempenha um
papel fundamental na regulação climática do continente sul-americano.(Nobre, 2014)
Do começo do século XVI, início da ocupação portuguesa na Amazônia, até a década de 1960, estopim da ditadura
militar no Brasil, a região passou por diferentes ciclos de exploração. Segundo Loureiro (2002) os principais ciclos
exploratórios foram castanha, cacau, tabaco, frutos exóticos e peles de animais que tinham grande valor comercial no
mercado europeu até metade do século XIX, além da borracha que abasteceu esse mesmo mercado.
Apesar de ter passados por esses ciclos de exploração que abasteceram os principais mercados do mundo durante
séculos, nenhum desses ciclos desmatou tanto quando as políticas de desenvolvimento que tiveram inicio no período da
ditadura militar. Segundo Nobre (2014), nos últimos 40 anos foi desmatada uma área de 762.979 km², equivalente à três
estados de São Paulo.
A expansão dos centros urbanos e a intensificação de atividades do setor agropecuário e de mineração na região
criou uma situação de vulnerabilidade para a maior floresta tropical do planeta (Barreto et al. 2006, Magalhães et al.
2014). Dados do projeto Prodes de monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam um aumento de 26% na taxa de desmatamento no período de
agosto de 2012 a julho de 2013.
Programa de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto - CEPSRE - UFRGS - Orientadora: Dejanira Com o propósito de reduzir e prevenir os impactos gerados por atividades antrópicas nesses ambientes o
Luderitz Saldanha Ministério do Meio Ambiente no âmbito do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais deu inicio em 1997
a construção do Projeto Corredores Ecológicos. Nesse contexto Corredores Ecológicos são entendidos como áreas que
contém ecossistemas florestais biologicamente prioritários e viáveis para a conservação da biodiversidade, compostos por
um conjunto de áreas protegidas e seus interstícios (IBAMA, 2007).
Foram estabelecidos dois projetos de Corredor Ecológico, um na Mata Atlântica (Corredor Central da Mata
Atlântica) e um na Amazônia (Corredor Central da Amazônia). O Corredor Central da Amazônia (CCA) conta com
grande parte da sua área incluída no projeto de Reservas da Biosfera do Programa Homem e a Biosfera da UNESCO que
visa à conservação de porções estratégicas de cobertura florestal, de imensa biodiversidade.
Ocupando uma área de mais de 52 milhões de hectares o CCA recobre cerca de um terço do estado do Amazonas.
Seu elevado grau de importância socioambiental pode ser compreendido pelo elevado número de programas e projetos
nacionais e internacionais que visam de diferentes formas fomentar sua conservação. Porem as crescentes demandas por
territórios e recursos naturais de setores como mineração,agronegócio e infraestrutura tem se mostrado como o principal
fator de supressão vegetal e conversão de uso do solo na Amazônia brasileira (Barreto et al. 2006).
Inserido nesse contexto complexo que é constituído por diferentes atores, interesses e instituições está o município
de Tefé - AM. Como consta na constituição do estado do Amazonas o município faz parte da 2.ª Sub-Região - Região
do Triângulo Jutaí/Solimões/Juruá - compreendendo as áreas dos Municípios: Alvarães, Fonte Boa, Japurá, Juruá, Jutaí,
Maraã, Tefé e Uarini.
Localizada na região central do estado Tefé desempenha papel fundamental na articulação econômica e social

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na região do médio Solimões desde o século XVIII. A presença das forças armadas, bancos, universidade e outros observado pelo sensor (feições na superfície terrestre) com a energia eletromagnética emitida por uma fonte radiante
equipamentos públicos ajudou o município a se consolidar como principal centro urbano da região.(Rodriges, 2001) (Sol) (Jensen, 2009; Novo, 2008; Menezes et al. 2012). O resultado dessa interação é único para cada feição, sendo assim
Compreender a distribuição e a configuração das atividades antrópicas e suas relações com o ambiente se mostra chamado de assinatura espectral
fundamental para a preservação da floresta tropical no CCA. Mapear o uso do solo no principal núcleo urbano do médio As assinaturas espectrais captadas pelos sensores abordo de um satélite contem alguns erros provocados por
Solimões e identificar se o padrão atual de uso e as atividades desenvolvidas na região estão caminhando na contramão diferentes fontes como: sensores descalibrados, condições atmosféricas na data de aquisição e o próprio movimento do
das políticas de conservação é o primeiro passo para verificar a efetividade dessas políticas. Essas informações são de planeta (Menezes et al. 2012).
fundamental importância para se realizar um diagnostico da situação atual da CCA além de auxiliar na definição de O processo de interpretação desses dados necessita a realização de alguns processos de correção para que se possa
políticas públicas para mitigar impactos e ordenar o uso e ocupação do solo na região. iniciar a análise. Cada fonte de erro tem técnicas especificas para a sua correção e a soma dessas técnicas é dado o nome
de pré-processamento de imagens digitais. As técnicas de pré-processamento são variadas e podem ser divididas em
Objetivo: três grupos de correção: radiométrica, atmosférica e geométrica (Menezes et al. 2012). Um grande número de trabalhos
Identificar e analisar o padrão de cobertura do solo do município de Tefé - AM por meio dados de sensoriamento (Vermote et al, 2002; Liang et al, 2001; Kardoulas et al, 1996; Volgelmann 2001; Pons & Solé-Sugrañes, 1994, Chaves,
remoto orbital. 1996) descreve a aplicação dessas correções para diferentes sensores orbitais.
Objetivos específicos: Os dados de sensoriamento remoto orbital ótico permitem análises que resultam da interação de cada alvo
-Identificar quais os tipos de atividade antrópica estão atualmente sendo desenvolvidas no município. da superfície terrestre com a energia eletromagnética em seus diferentes comprimentos de onda e permite ao analista
-Verificar se a distribuição espacial das atividades antrópicas está exercendo pressão sobre áreas protegidas. identificar, diferenciar e obter informações sobre o alvo observado pelo sensor (Novo, 2008; Jensen, 2009).
São variadas as técnicas utilizadas para se extrair e interpretar os dados contido em uma imagem de satélite. Entre
essas, os índices como o Normalized Diference Vegetation Index (NDVI) e o Normalized Diference Water Index (NDWI)
RFERENCIAL TEÓRICO são usados para a obtenção de parâmetros biofísicos do alvo observado. Já os algoritmos de classificação são usados para
identificar as feições presentes nas imagens como padrões hidrológicos e de geomorfologia, taxas de sedimentação e de
A gestão de áreas protegidas é um grande desafio e na Amazônia brasileira esse desafio se torna ainda maior. conversão de uso do solo (Mertes et al, 1995; Mertes, 1994; Soares et al, 2001; Achard et al, 2002). O uso individual ou
No contexto amazônico grande parte das áreas protegidas enfrentam problemas como desmatamento para variados fins, em conjunto dessas e de outras técnicas dá ao analista a possibilidade de a partir de uma imagem obter uma vasta gama
pesca, caça, agricultura, mineração, invasão de terras e problemas de titulação (Ayres et al, 2005). Existem ainda aquelas de informações sobre a região de estudo. Entretanto quando dados de campo são adicionados às análises realizadas é
que estão localizadas em áreas remotas e inacessíveis para a agência governamental responsável. O número reduzido das possível expandir ainda mais o volume de dados extraídos como mostram Rosendo & Rosa (2011) e Cassol (2013) na
equipes de gestão dessas áreas, aproximadamente uma pessoa para cada 15.000km², também se mostra um obstáculo para quantificação de estoques de carbono em áreas de vegetação.
o cumprimento dos objetivos de preservação e conservação (Ayres et al,2005).
Administrar unidades territoriais e administrativas que se estendem por milhares de km² com poucos recursos
humanos, financeiros e uma infraestrutura reduzida não tem se mostrado uma tarefa simples. Entretanto com os avanços METODOLOGIA
tecnológicos experimentados pela humanidade nas ultimas décadas como o desenvolvimento de diferentes tipos de Área de estudo:
sensores e computadores com melhor capacidade de processamento (Câmara et al, 1996), algumas ferramentas tem A área de estudo (Figura 1) abrange o município de Tefé - AM. Localizado na região central do estado do Amazonas
mostrado grande potencial em auxiliar essa tarefa árdua. o município tem uma área aproximada de 23.704 km² e população de aproximadamente 62.000 habitantes.(IBGE 2010).
O uso de dados de sensoriamento remoto orbital tem se mostrado frequente na caracterização, no mapeamento e no Tefé apresenta uma configuração heterogênea do uso de seu território que conta com pequenas áreas de produção agrícola,
monitoramento de áreas com grandes extensões. Alguns trabalhos (Adams et al, 1995; Braswell et al, 2003; Bartholomé áreas militares, áreas protegidas (2 unidades de conservação de uso sustentável e uma terra indígena) e um adensado
& Belwar, 2005; Saatchi et al, 2000; Soares et al, 2011) mostram o uso de dados de diferentes sensores orbitais no núcleo urbano.
mapeamento de tipos de cobertura do solo e na identificação de alterações em sua cobertura na região amazônica. A
frequente utilização desses dados nesse tipo de trabalho pode ser explicada segundo Jensen (2009) pela possibilidade de
extrair diversas características de grandes extensões da superfície terrestre de forma regular e a um baixo custo quando
comparado com levantamentos de campo.
No caso dos dados de sensores orbitais óticos essas características são obtidas por meio da interação do alvo

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É grande o número de algoritmos que realizam a identificação de classes de cobertura da terra em imagens de
sensores orbitais sendo difícil apontar o mais apropriado para identificar as características das classes de cobertura em
uma determinada área de estudo. No estudo realizado por Lu et al (2004), a comparação entre quatro diferentes métodos
de classificação de cobertura de solo na Amazônia brasileira indica que o Extration and Classification of Homogeneous
Objects (ECHO) e o Decision-Tree Classifier Based on Linear Spectral Mixture Analysis (DTC-LSMA) obtiveram bons
resustados ao identificar 7 classes apresentando exatidão global de 83% e 86% com coeficiente Kappa de 0.79 e 0.82
respectivamente.
Considera-se então a seleção de cenas do Landsat 8 que recubram a área de estudo, capturadas preferencialmente
durante o período da seca que apresenta menor cobertura de nuvens e posteriormente realizar as etapas de pré-processamento
das cenas. Em seguida pretende-se utilizar o algoritmo ISODATA (Ball & Hall, 1965) para obter uma classificação sem
dados de treinamento. Esse tipo de classificação, apesar de geralmente englobar diferentes tipos de cobertura na mesma
classe, é uma excelente ferramenta para diferenciar de maneira rápida classes de grande contraste espectral como água e
vegetação.
Posteriormente em um ambiente de sistemas de informação geográfica (SIG) sobrepor dados secundário (obtidos
com as instituições atuantes na região) com as classes de uso e cobertura que foram identificadas pelo algoritmo ISODATA.
Com base nas análises realizadas em ambiente SIG, ir a campo para validar as classes e suas respectivas regiões que
possam ser utilizadas como dados de treinamento para a aplicação de classificadores mais robustos.
Definidas as áreas que servirão de dados de treinamento, aplicar os classificadores ECHO (Ketting & Landgrebe,
Figura 1: Localização do muncípio de Tefé - AM e cobertura do solo no município. Fonte: CESNIPAM(2005) 1976) e DTC-LSMA (Adams, et, al. 1995). Depois de realizada as classificações, em ambiente SIG sobrepor e relacionar
as classes com os dados secundários (áreas militares, setores censitários, áreas protegidas, corte raso e queimadas),
O clima na região segundo a classificação de Köpen é Am(equatorial) quente com temperatura média anual
objetivando compreender a configuração e o padrão de distribuição dessas classes. O calculo do percentual representativo
variando entre 25°C e 27°C e pluviosidade médias de 1.500 a 2.500mm/ano, apresenta uma estação seca (período entre
de cada classe e sua distribuição ajudarão a melhor compreender a atual situação das atividades antrópicas na região do
os meses de Junho a Outubro). Os solos, de alta diversidade são encharcados e lixiviados, resultado de grandes áreas da
médio Solimões e sua relação com as áreas protegidas.
superfície terrestre tectonica e geomorfologicamente estáveis (Sombroek, 1966).
A região compreende um complexo mosaico de florestas, planícies alagadas e áreas de transição, sendo essa região
em grande parte diversificada, em que as sub-regiões com diferentes taxas de mudança coexistem, devido à diversidade
REFERENCIAS
de condições ecológicas, políticas e socioeconômicas (Becker, 2001).

ACHARD, F, et al. (2002). Determination of Deforestation of the World`s Humid Tropical Forests. Science. 297, 999-
Materiais e Métodos:
1002.
ADAMS, J,B, et al. (1995). Classification of multispectral images based on fractions of endmembers: Application to land-
Para analisar a distribuição e identificar os tipos de atividades antrópicas desenvolvidas na área de estudo,
cover change in the Brazilian Amazon. Remote Sensing of Environment. 52, 137-154.
pretende-se utilizar, imagens do satélite Landsat 8 e dados secundários disponibilizados por instituições que desenvolvem
ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. (2013). PNUD, IPEA, Fundação João Pinheiro. Rio de
trabalhos na região como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), INPE, Instituto de Pesquisas
Janeiro.
Amazônicas (INPA) entre outros. Além das imagens e dos dados secundário a coleta de dados em campo também se
AYRES, J.M, et al. (2005). Os corredores ecológicos das florestas tropicais do Brasil. Belém, Pará. Sociedade Civil
mostra necessária para auxiliar na identificação das classes de uso e cobertura do solo.
Mamirauá, 2005, 256p.
A escolha das imagens do sensor OLI do satélite Landsat 8 lançado recentemente (11 de fevereiro de 2013) sugere
BALL, G.H; HALL, D.J. (1965). Isodata: a method of data analysis and pattern classification. Office of Naval Research.
um baixo grau de degradação da qualidade dos dados. Outros fatores relevantes na sua escolha foram: o incremento em
Stanford Research Institute, Menlo Park, U.S.
sua resolução radiométrica (16 bits) em relação ao Landsat 7 (8 bits), a disponibilidade de imagens recentes para a área
BARRETO, P, et al. (2006). Human Pressure on the Brazilian Amazon Forest. World Resources Institute, Belém, Pará,
de estudo e o acesso gratuito.

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Brasil. PONS, X; SOLÉ-SUGRAÑES, L. (1994). A simple radiometric correction model to improve automatic mapping of
BARTHOLOMÉ, E.; BELWARD, A.S. (2005). GLC2000: a new approach to global land cover mapping from Earth vegetation from multispectral satellite data. Remote Sensing of Environment. 48, 191-204.
observation data. International Journal of Remote Sensing. 26, 1959-1977. Rodrigues, E. A. “REDE URBANA DO AMAZONAS: TEFÉ COMO CIDADE MÉDIA DE RESPONSABILIDADE
BECKER, B. K. (2001). “Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar TERRITORIAL NA CALHA DO MÉDIO SOLIMÕES”.(2002). Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-
cenários?” Parcerias Estrategicas 12: 135-159. Graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas.
BRASWELL, et al. (2003). A multivariable approach for mapping sub-pixel land cover distributions using MISR an ROSENDO, J.S; ROSA, R. (2011). Estoque de carbono em solos sob vegetação nativa e uso antrópico na bacia do Rio
MODIS: Application in the Brazilian Amazon region. Remote Sensing of Environment. 87, 243-256. Araguari-MG. Anáis XV SBSR, Curitiba, PR. p 9173-9180.
CÂMARA, G, et al. (1996). Anatomia de Sistemas de Informação Geográfica. Escola de Computação, SBC, 1996. SAATCHI, S.S, et al. (2000). Mapping land cover types in the Amazon Basin using 1km JERS-1 mosaic. International
CASSOL, H.L.G. (2013). Estimativa de biomassa e estoque de carbono em um fragmento de floresta ombrófila mista Journal of Remote Sensing. 21, 1201-1234.
com uso de dados ópticos de sensores remotos. 143f. Dissertação de Mestrado – Universidade federal do Rio Grande do SOARES, S. C, et al. (2011). Mapeamento e análise multitemporal do uso e cobertura do solo em região do município de
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I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL


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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR

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