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José Barreto

O exílio do Bispo do Porto e a diplomacia da Santa Sé

Palestra proferida na celebração dos 50 anos do regresso do exílio de D. António Ferreira Gomes.
Porto, Auditório do Paço Episcopal, 18 de outubro de 2019.

Comemoramos os cinquenta anos do regresso à sua diocese, após um exílio de dez anos
no estrangeiro, dessa grande figura da Igreja e da história portuguesa da segunda metade
do século XX que foi D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto. Passam hoje
exactamente sessenta anos sobre a data, 18 de outubro de 1959, em que lhe foi barrada a
reentrada no país, no termo de umas alegadas férias. Como historiador, a minha
homenagem a D. António consistirá em procurar fazer aqui um relato fiel do seu desterro,
isto é, do modo como o bispo do Porto foi conduzido para fora do país, de como umas
férias se transformaram em exílio imposto e das razões por que este se prolongou até
1969, conservando, todavia, o título da diocese do Porto por vontade da Santa Sé. Não
podendo fazer aqui um historial de todos os antecedentes, bastante conhecidos, vou
centrar-me em alguns aspectos fulcrais do processo diplomático do desterro, baseando-
me em dados que são na sua maioria do domínio público.
Quem quis, promoveu e conseguiu o longo exílio do bispo do Porto foi o ditador Salazar.
À época isso apenas se sabia ou intuía privadamente, pois o assunto era tabu. Durante
uma década, a censura portuguesa cortou toda a informação sobre o caso, excepto os
conhecidos ataques públicos à pessoa do bispo, promovidos ou consentidos pelo governo.
Todo o processo de desterro do bispo decorreu na confidencialidade dos canais
diplomáticos, a coberto de um duplo segredo, governamental e eclesiástico. A isto acresce
que durante os dez anos em que esteve exilado, D. António cumpriu as instruções de
Roma para manter a discrição: não publicou quaisquer escritos sobre o seu caso, não deu
entrevistas nem prestou declarações, apesar de ter sido repetidamente assediado para o
fazer pela imprensa internacional, inclusive a católica.
A verdade histórica do desterro do bispo do Porto, que no último quarto de século se foi
extraindo de documentos de arquivos, testemunhos pessoais, etc., revelou-se bastante
mais complexa do que teria sido uma simples decisão unilateral do autocrata e
prontamente executada. Salazar não tinha condições para levar por diante tão facilmente
os seus intentos, nem a expulsão do bispo do país nem a sua destituição. No processo, que
foi tudo menos linear e expedito, estiveram envolvidas muitas entidades e vontades, não
raro em choque entre si. Os protagonistas da história foram naturalmente o ditador e o
bispo do Porto, mas há que apontar outros intervenientes destacados: primeiramente, a
Santa Sé, isto é, o papa, a Cúria romana e as nunciaturas em Lisboa e Madrid; depois, o
episcopado português da metrópole, liderado pelo cardeal Cerejeira; enfim, a comunidade
católica do Porto, isto é, o clero e o laicado da diocese.
Foram já realizados importantes estudos sobre o caso do bispo do Porto, publicados
principalmente nos anos em torno da viragem do milénio. Em 1986, no seu livro Cartas
ao Papa, já o próprio D. António tinha feito algumas revelações sobre o seu exílio, mas
com os factos relatados sumariamente, pois recusava o papel de historiador do seu próprio
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caso. A nova situação do país após a revolução de 1974 também não o motivava muito a
olhar para esse passado ainda recente, pois outros problemas e desafios à Igreja
começaram a surgir no panorama nacional. D. António não escreveu memórias, mas
deixou um arquivo pessoal de correspondência e escritos diversos, indispensáveis para a
história do seu caso, parte dos quais reunidos no volume Provas, publicado pela Fundação
Spes em 2008, que veio completar a documentação já acessível nos arquivos do Estado
desde os anos 1990. Outros arquivos, como o Arquivo Secreto do Vaticano e o Arquivo
Histórico do Patriarcado de Lisboa, contêm certamente ainda informação muito relevante.
É uma história que será preciso ir fazendo e refazendo.
Graças aos estudos já publicados, ficou-se com uma noção muito mais clara de como o
exílio de D. António realmente se processou, dos problemas com que o governo de
Salazar se defrontou no seu propósito de conseguir a remoção canónica do bispo, dos
aliados que o governo angariou para a sua causa nas fileiras da Igreja, das figuras da
mesma Igreja que se opuseram aos desígnios do ditador e, ainda, das múltiplas
circunstâncias que condicionaram o processo decisório da Santa Sé neste caso, em que
intervieram pessoalmente dois papas, João XXIII e Paulo VI.
Uma particularidade das negociações entre Portugal e a Santa Sé sobre o caso do Porto
residia no facto de que enquanto o Estado português se regia unicamente pela vontade
inequívoca de uma só pessoa, o ditador, do lado de Roma a situação era bastante mais
complexa, apesar de ter no seu vértice o sumo pontífice. Comparada com a autocracia
então reinante em Portugal, a Santa Sé, cabeça da Igreja, era muito menos monolítica,
menos imobilista (lembro a convocação do Concílio em 1959), mais colegial e mais
propensa ao diálogo, reflectindo também em tudo isso a diversidade da Igreja universal.
Nos dicastérios da Cúria romana, cada qual com as suas preocupações específicas, e no
colégio de cardeais existia uma pluralidade de sensibilidades religiosas e políticas.
Diferentes correntes de opinião eram representadas, também, pelos vários episcopados
nacionais, como se pôde observar durante o Concílio. Os núncios, embora submetidos à
orientação de Roma, imprimiam por vezes uma forte marca pessoal à sua acção. A
diplomacia portuguesa de então procurava explorar em seu proveito todas essas
circunstâncias. Conseguiu, por exemplo, mobilizar o influente cardeal Alfredo Ottaviani
(secretário da então chamada Congregação do Santo Ofício), que interveio a favor do
governo português num momento crítico do caso do bispo do Porto, em setembro de 1959.
Ottaviani viria a ser considerado o chefe de fila dos cardeais conservadores que no
conclave de 1963 tentaram impedir a eleição de Paulo VI e também liderou a oposição a
vários documentos aprovados pelo Concílio, nomeadamente sobre liberdade religiosa.
Nos debates conciliares, Ottaviani confrontou-se nomeadamente com o cardeal Josef
Frings, presidente da Conferência Episcopal Alemã e arcebispo de Colónia, o qual entre
1964 e 1966 acolheria na sua diocese o exilado bispo do Porto.
Outra particularidade das relações do regime português com a Santa Sé era o facto de elas
terem sido excelentes nos trinta anos anteriores e de Roma continuar então a ser
percepcionada como uma aliada. Mesmo quando o governo de Lisboa tentava
teimosamente impor determinada solução para o caso do bispo do Porto, e a Santa Sé, na
pessoa do cardeal secretário de Estado Domenico Tardini, lhe resistia tenazmente, Roma
não deixava de afirmar que Salazar prestara relevantes “serviços à religião” (sic) e que
continuava apostada em manter o “amigável espírito de colaboração” selado pela
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Concordata e Acordo Missionário de 1940. Isto apesar das divergências entre o


colonialismo português e certo anticolonialismo de Roma, diferenças que vinham de trás,
mas que, na década de 1950 e seguintes deram lugar a crescentes atritos. No caso do bispo
do Porto, apesar da chantagem feita por Salazar a partir de setembro de 1958, no segredo
do canal diplomático – com ameaças à existência da Acção Católica Portuguesa, à
Concordata e ao futuro das relações entre o seu regime e a Igreja caso o bispo não fosse
removido –, o governo de Lisboa cuidou sempre de evitar uma ruptura com a Santa Sé,
como se existisse uma linha vermelha que Salazar não podia ultrapassar, sobretudo pelo
receio de que o apoio católico ao seu regime, no plano nacional e internacional, pudesse
ser seriamente afectado. As repetidas ameaças de Salazar tinham muito de bluff, pois a
serem levadas à prática, ele sabia que o principal prejudicado seria o seu próprio regime.
Por detrás dessa aparente chantagem, mais parecia, por vezes, vislumbrar-se um
desesperado pedido de ajuda à Santa Sé.
Outra particularidade que importa considerar a propósito das relações entre o governo de
Salazar e a Santa Sé residia na aceitação da democracia e das liberdades pela Igreja de
Roma desde o final da II guerra mundial. Aceitação não quer forçosamente dizer adesão
nem promoção activa, mas sobretudo adaptação aos novos tempos. O sinal de partida fora
dado por Pio XII na mensagem de Natal de 1944, ao declarar que a experiência da guerra
fizera “acordar os povos de um longo torpor”, povos que agora exigiam “democracia e
melhor democracia”. A Santa Sé, que sofreu de perto a experiência do fascismo, achou-
se no pós-guerra exposta à influência do meio em que se inseria, uma democracia liberal
governada por um partido democrata-cristão que o próprio Vaticano e o episcopado
italiano activamente promoveram e apoiaram, com o objectivo de congregar uma
alternativa vitoriosa ao comunismo ascendente em Itália. Posições-chave da Secretaria de
Estado da Santa Sé tinham sido ocupadas desde os anos 1930 por personalidades
sinceramente adversas ao fascismo, como Giovanni Montini e Domenico Tardini. O
primeiro, Montini, futuro Paulo VI, foi um dos principais inspiradores da criação da
democracia cristã italiana no final da guerra, sendo por alguns historiadores considerado
seu “cofundador”, juntamente com Alcide De Gasperi. O segundo, Tardini, nomeado
cardeal secretário de Estado por João XXIII em 1958, tinha sido um dos principais
artífices da diplomacia do Vaticano antes, durante e depois da guerra. Era tido por
conservador, mas foi ele que fez frente a Salazar no caso do bispo do Porto, certamente
com o aval do papa.
Além disto, a Santa Sé preocupava-se muito mais com o seu prestígio no mundo do que
o governo de Salazar, que contemplava “orgulhosamente só” o panorama internacional.
Quando o ditador, nos finais de 1958, começou a exigir de Roma a remoção do bispo do
Porto sob diversas acusações políticas, não se deu conta que elas não podiam ser aceites
pela Igreja. Salazar esperava que esses argumentos e as boas relações com a Santa Sé
fossem suficientes para conseguir rapidamente o afastamento do bispo. Ora a última coisa
que o antigo diplomata João XXIII e o chefe da diplomacia cardeal Tardini desejavam
era ser acusados de ter destituído um bispo crítico de uma ditadura a pedido do respectivo
ditador. Salazar não queria compreender isso, que julgava ser uma nova atitude de Roma
em relação a Portugal, porque, como então disse, “o regime é o mesmo que fez a
Concordata e que em trinta anos vem aumentando as possibilidades de a Igreja católica
fazer a recristianização do país, com dar-lhe [à Igreja] inteira liberdade, prestígio e apoio
financeiro”. O ditador não entendia porque se tornara agora tão importante para Roma
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que não houvesse “liberdade de crítica” em Portugal, a ponto de o cardeal Tardini e o


próprio papa João XXIII terem mencionado isso mesmo em audiências ao embaixador
português. Esse diplomata, Vasco Pereira da Cunha, tido por muito católico, chegou a
queixar-se a Salazar de quão penoso lhe era ter de discutir essas questões com o “vigário
de Cristo na terra”, o que lhe valeu uma espécie de responso da parte do ditador, que o
instou a defender com todo o vigor as posições do seu governo.
Na verdade, independentemente da sensibilidade política dos sucessivos papas, Roma
nunca condenou publicamente a ditadura portuguesa nem a falta de liberdades no país.
Dir-se-á que não lhe competia fazê-lo, porque não estaria então em causa a liberdade da
Igreja católica em Portugal, mas nos pratos da balança pesavam outras considerações.
Atitude idêntica à de Roma se verificou, aliás, no relacionamento dos Estados
democráticos do mundo ocidental com Portugal durante a guerra fria, até 1974. O que a
Santa Sé nos anos 1950-60 especificamente recusava era aparecer comprometida com o
governo português na destituição de um bispo por razões políticas. Nisso, Roma não era
movida por simpatias ou antipatias ideológicas, mas por um rígido princípio de
independência da Igreja. Roma recusava a criação de um grave precedente; receava o
efeito de tal destituição sobre o prestígio do papa e da Santa Sé; antevia as críticas que
essa decisão poderia desencadear no seio da Igreja universal e na portuguesa em
particular, inclusive na diocese do Porto. Numa audiência ao embaixador português, João
XXIII chegou a afirmar-lhe – certamente com algum exagero retórico – que o episcopado
português estava “muito dividido” sobre o caso do bispo do Porto e que este era apoiado
por vários dos seus colegas, dificultando uma solução do conflito a contento do governo
português. Não em último lugar, Roma receava a possível reacção do próprio bispo do
Porto à sua eventual destituição a pedido do governo. Não havendo razão para supor que
D. António não se conformaria com a sua remoção, é também certo que o bispo exilado
não prescindiria da liberdade de manifestar depois publicamente a sua consciência, como
mais tarde disse ao próprio papa Paulo VI numa carta a que adiante voltarei. O governo
português demorou muito tempo a entender estas condicionantes da gestão do caso pela
Santa Sé. No final de 1959, o embaixador no Vaticano ainda tentava explicar a Salazar a
atitude de Roma perante o governo português culpando os “complexos pró-democracia e
anticolonialistas” da Cúria romana, dominada, segundo ele, por italianos. Salazar, por seu
lado, culpava a alegada atitude frouxa do novo papa perante o progressismo católico que,
para o ditador, mal se distinguia do comunismo.
No essencial, Roma apoiou o bispo do Porto no seu longo braço de ferro com o governo
português, como o prova, entre outros, o facto de o prelado ter conservado a titularidade
da sua diocese. Não se pode, todavia, dizer que a diplomacia da Igreja tenha deixado uma
impressão muito positiva em D. António. Dão disso testemunho alguns comentários,
serenos e contidos, deixados no seu livro Cartas ao Papa, no capítulo dedicado à
diplomacia eclesiástica. Certas reflexões sobre esse tema e também sobre o colégio dos
cardeais e os núncios, já feitas por D. António no próprio Concílio do Vaticano II e por
alguns julgadas demasiado “proféticas”, foram até certo ponto produto da sua experiência
pessoal, de cujo ensinamentos quis deixar um testemunho útil para a vida futura da Igreja.
Nas Cartas ao Papa, D. António afirmava que não ficava bem à Igreja a acentuação do
carácter diplomático na sua acção, porque “a diplomacia dos Estados se baseia na astúcia
– arte de ocultar o seu pensamento – ou na ameaça, aberta ou velada”. Ora, acrescentava
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ele, a Igreja “não pode situar-se à vontade nesse mundo”, tão contrário à “transparência
evangélica”. E formulava o voto de que na vida da Igreja houvesse apenas a diplomacia
estritamente necessária ou útil, ou seja, segundo dizia, “tão pouca quanto possível”. D.
António referia-se aí também ao papel dos núncios, bispos apenas de título, desligados da
acção pastoral e preocupados principalmente com a sua carreira, o seu cursus honorum.
Por diversas razões, os núncios com quem D. António teve de lidar durante o seu caso
deixaram-lhe, em geral, uma fraca impressão, especialmente negativa no caso de mons.
Giovanni Panico, núncio em Lisboa de 1959 a 1962, que se revelou um desinibido
defensor da política de Salazar e um resoluto adversário pessoal do bispo do Porto, como
o provam vários documentos do Arquivo Diplomático.
Julgo que, apesar de D. António ter tido um bom conhecimento do modo como o governo
português, o episcopado e a diplomacia da Santa Sé trataram o seu caso, ter-lhe-ão
escapado certos aspectos que só depois da sua morte foram revelados, alguns dos quais
ultrapassariam até a sua capacidade de imaginação. Um deles relaciona-se com o papel
desempenhado no seu desterro pelo arcebispo resignatário de Goa, D. José da Costa
Nunes, que desde 1953 vivia em Roma com funções honoríficas junto da Cúria. Costa
Nunes nutria pelo ditador português e pela sua política uma ilimitada admiração, patente
nas cartas que lhe escreveu. Desde 1946 que Salazar desejava vê-lo elevado ao
cardinalato, o que só foi conseguido tardiamente, em 1962, quando Costa Nunes já
completara 82 anos. Residia em instalações do Estado português em Roma e usufruía de
outras benesses estatais. O Arquivo Diplomático mostra como Costa Nunes colaborou
assiduamente com a embaixada de Portugal no Vaticano durante a gestão do caso do bispo
do Porto, prestando informações confidenciais sobre a Cúria e exercendo nela diversas
pressões, inclusive junto do papa. D. António tinha conhecimento disto e também do
papel que Costa Nunes desempenhou no processo do seu desterro, enquanto visitador
apostólico nomeado por João XXIII para realizar um inquérito à diocese do Porto. O que
D. António possivelmente não conseguiu imaginar foi o grau de sintonia e cumplicidade
entre Costa Nunes e Salazar no planeamento do seu exílio. Salazar escreveu do seu punho
um conhecido relatório do encontro que teve com Costa Nunes em 18 de junho de 1959,
durante o qual lhe sublinhou três pontos, para que os transmitisse a Roma: 1) o governo
não tinha objecção a que a Santa Sé nomeasse D. António para qualquer função, excepto
a de bispo de uma diocese portuguesa; 2) o governo só considerava solucionado o caso
do bispo do Porto quando o bispo deixasse de o ser; 3) o governo desejava que a Santa
Sé não tivesse dúvidas de que quer o bispo do Porto saísse do país “em passeio de licença,
chamado a Roma ou por qualquer outra forma”, tinha de pôr-se inteiramente de lado a
sua reentrada no país. Costa Nunes mostrou o seu acordo com estes pontos, acrescentando
(segundo o dito relatório) que “não convinha de modo nenhum ao governo português a
presença do senhor bispo no nosso território, mesmo sem jurisdição episcopal”. Não
obstante, Costa Nunes sustentou depois reiteradamente, inclusive perante D. António, que
desconhecia a intenção de Salazar de impedir o regresso do bispo ao país.
O modus faciendi usado no desterro do bispo teve desde o início o conhecimento e, até
certo ponto, a aquiescência da Santa Sé, que com muita antecipação tinha sido avisada da
intenção do governo de impedir o seu regresso. A sugestão da saída do bispo do país para
umas “longas férias” – com o fim de desanuviar o ambiente criado em Portugal pela
divulgação do pró-memória a Salazar – tinha sido feita pela primeira vez em fevereiro de
1959 ao ministro dos Negócios Estrangeiros Marcelo Mathias pelo núncio Fernando
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Cento, quando este, já purpurado, estava de partida de Portugal. O ministro retorquiu-lhe


que a solução das longas férias do bispo “poderia ser a fórmula inicial a adoptar, desde
que fosse seguida da sua resignação posterior”. Um mês depois, em março de 1959, o
ministro advertiu expressamente o encarregado de negócios da Santa Sé, mons. Brini, de
que, caso o bispo saísse do país em férias, não haveria regresso.
Aqui é necessário recuar um pouco. Em janeiro de 1959, a conselho de Roma, tinha sido
publicada uma carta pastoral colectiva subscrita pelos bispos da metrópole, procurando
esclarecer as questões das relações do Estado e da Igreja – questões suscitadas, como
ficava apenas implícito, pelo pró-memória do bispo do Porto e por um irritado discurso
de Salazar proferido em dezembro de 1958, em que fizera críticas e imposições à Igreja.
Todavia, a pastoral colectiva, também subscrita por D. António, não satisfez o ditador,
que desejava uma clara desautorização pública do prelado portuense pelos seus colegas,
que o levasse a resignar. Frustrado nesse propósito, o governo declarou então
formalmente a Roma que a presença do bispo à frente da diocese do Porto se tornara uma
situação anómala, “gravemente perturbadora da paz dos espíritos” e incompatível com o
Estado e a Constituição portuguesa, por o bispo ter alegadamente defendido no seu pró-
memória o direito de greve e a criação de um partido político. A resposta que Tardini deu
ao embaixador, com alegados “modos bruscos”, foi que a Santa Sé não destituía bispos a
pedido de governos.
Neste aparente impasse, e enquanto Salazar insistia pelo canal diplomático na remoção
do bispo, deu-se entre fins de fevereiro e meados de maio de 1959 uma importante troca
de cartas entre o cardeal secretário de Estado Tardini e o cardeal Cerejeira. Estas cartas,
cuja existência só é conhecida desde 2008, acham-se no Arquivo Histórico do Patriarcado
de Lisboa e foram sumariadas por D. Carlos Moreira Azevedo na Introdução ao volume
Provas. Tardini começara por queixar-se a Cerejeira de que a carta pastoral do episcopado
não satisfizera Salazar e pedia ajuda ao cardeal patriarca para conjurar o conflito que se
perfilava. Dias depois, Tardini enviou a Cerejeira uma cópia do memorando da Santa Sé
ao governo português com a recusa da destituição do bispo. A 9 de março, Cerejeira
respondeu às cartas de Tardini. O patriarca de Lisboa concordava com a inconveniência
da remoção do bispo do Porto, a qual, “neste momento, tomaria perante a opinião pública
um aspeto político, podendo o prestígio da Igreja sofrer com isso”. Cerejeira acrescentava,
todavia, que o bispo do Porto “é muito inteligente, mas carece de prudência e
objectividade nos seus juízos e na sua acção”, além de ter “dividido o clero da sua
diocese” e “criado uma situação delicada para o prestígio dos outros bispos”. Tudo isso,
segundo Cerejeira, configurava “um caso não só político como eclesiástico”. Esta análise
e as graves acusações nela contidas surtiram aparentemente efeito em Roma. Tardini
respondeu a 27 de março, lamentando a “penosa divisão dos espíritos” alegadamente
causada pelo bispo. O secretário de Estado da Santa Sé dizia estar a pensar numa visita
apostólica à diocese do Porto, adiantava o nome de D. José da Costa Nunes para visitador,
pedindo a opinião de Cerejeira. A 7 de abril, o patriarca respondeu a Tardini, concordando
com o plano da visita apostólica e dizendo que, desse modo, “a solução aparecerá como
aconselhada por motivos religiosos”. Cerejeira acrescentava que a escolha de Costa
Nunes para visitador era boa para ganhar a confiança do governo (sic) e que a estima de
Costa Nunes por Salazar era atestada por um artigo por ele recentemente publicado. No
dia imediato, nova carta de Cerejeira para Tardini, apenas para precisar que o elogio de
Salazar por Costa Nunes fora prudentemente publicado sob pseudónimo. Por fim, a 13 de
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maio de 1959, o cardeal Tardini informou Cerejeira do decreto da Congregação


Consistorial (actual Congregação dos Bispos) que ordenava a visita apostólica de Costa
Nunes à diocese do Porto, a realizar de imediato e rodeada da maior discrição. Costa
Nunes deslocou-se então a Portugal, com o objectivo ostensivo de assistir à inauguração
do Monumento a Cristo Rei, mas, de facto, encarregado do seu inquérito secreto.
As sete cartas trocadas entre Tardini e Cerejeira são de suma importância para a história
do exílio de D. António, dado que: 1) assinalam uma aparente disposição de cedência por
parte do secretário de Estado da Santa Sé, 2) desvendam o papel do cardeal Cerejeira na
origem dessa nova atitude e da decisão do papa de ordenar a visita apostólica, 3) deixam
entrever o critério político que presidiu à escolha do nome do visitador encarregado de
um inquérito supostamente de carácter “religioso” e 4) marcam, enfim, o momento em
que o “caso político” do bispo do Porto começou a ser transformado em “caso
eclesiástico”. Ora um “caso eclesiástico” já poderia ter por parte da Santa Sé um
tratamento diferente de um “caso político”. A diplomacia de Salazar iria futuramente
aproveitar a deixa para passar a sustentar que o caso do bispo era de carácter
“exclusivamente religioso” (sic). Enquanto este diálogo se processava entre Tardini e
Cerejeira, a Santa Sé nunca comunicou com o bispo do Porto nem lhe pediu informações
sobre a situação da sua diocese. Não obstante, em carta-ofício a D. António de 16 de maio
de 1959, Tardini justificou a visita apostólica alegando que havia um mal-estar na diocese
do Porto e que o bispo não fornecera a Roma informações sobre essa situação.
Após a visita apostólica à diocese do Porto e o já referido encontro de Costa Nunes com
Salazar em Lisboa, o visitador voltou a Roma e entregou o seu relatório para João XXIII,
preconizando a saída de D. António do país “em gozo de férias”. Como também se sabe,
Costa Nunes revelou ao embaixador português no Vaticano o conteúdo do seu relatório
confidencial para o papa, que fora traduzido para italiano pelos serviços da embaixada
portuguesa. Costa Nunes declarou então ao diplomata que “a melhor solução [teria sido]
a imediata exoneração do bispo do Porto”, que a Santa Sé recusava, mas estava
convencido de que a solução proposta, ainda que mais demorada, conduziria “ao mesmo
resultado”. Por esses dias, Costa Nunes escreveu também ao cardeal Cerejeira, dizendo-
lhe que a solução por ele proposta ao papa passaria por várias etapas, sendo a primeira a
saída do bispo do país, esperando que “o resultado final coincida com os desejos do
governo, sem parecer imposição política, mas necessidade de ordem eclesiástica”. Não
podia ter sido mais claro.
D. António saiu do país a 24 de julho de 1959. Não tinha recebido instruções directas da
Santa Sé para o fazer, mas apenas uma curiosa carta de Costa Nunes, de Roma, com o
timbre do Comité Permanente para a Promoção dos Congressos Eucarísticos
Internacionais, declarando a D. António que o cardeal Tardini, com quem se tinha
encontrado, concordava com as férias e recomendava que saísse do país “pacatamente”,
sem dar azo a reacções que criassem dificuldades. Esta saída doce do país era aquilo que
o governo de Salazar considerava apenas o “começo da solução”. Em agosto,
intensificaram-se as pressões do governo sobre a Santa Sé, agora na pessoa de mons.
Samorè, colaborador imediato de Tardini, para que se passasse à “solução definitiva”, a
substituição do bispo. O embaixador português recordou a Samorè que o seu governo há
muito tinha informado a Santa Sé de que “a viagem do senhor bispo do Porto não tinha
regresso”. Acrescentou mesmo que ia apresentar à Santa Sé uma declaração formal de
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que o bispo “não seria autorizado a regressar à sua diocese”. Alarmado, Samorè
dissuadiu-o, dizendo que essa declaração formal seria “a pior coisa”, pois posta a questão
nesses termos, nunca a Santa Sé poderia aceitá-la e “teríamos perdido o trabalho até agora
feito com tanta paciência e boa vontade”. Em suma, Samorè pedia ao embaixador que
não quebrasse o sigilo diplomático nem pusesse em causa a ignorância oficial de Roma
acerca da posição do governo português, caso contrário a Santa Sé seria obrigada a
declarar inaceitável a proibição de regresso do bispo. Mantendo-se numa posição oficial
de ignorância, a diplomacia vaticana não tinha de se opor ao que oficialmente
desconhecia, não tinha de avisar o bispo do Porto da proibição de regresso, como de facto
não avisou, e tentava ganhar tempo para procurar outra solução doce, sem alarmar o bispo
em férias, que não precisaria de saber da proibição de regressar.
O episódio da tentativa gorada de regresso de D. António a Portugal a 18 outubro de 1959
não está ainda esclarecido em vários dos seus aspectos. D. António deixou-nos um relato
quase telegráfico do sucedido. Não é bem conhecido o papel do cardeal Ottaviani nem o
dos núncios em Lisboa, mons. Panico, e em Madrid, mons. Antoniutti, todos eles
simpatizantes dos regimes autoritários ibéricos e hostis ao bispo do Porto. O que se sabe
é que a Santa Sé foi alertada pelo governo português e pelo núncio Panico para a intenção
do bispo de regressar ao país no termo das suas férias, com base numa alegada informação
secreta. Em 23 de setembro, o ministro Marcelo Mathias enviou uma mensagem urgente
ao papa declarando que se o bispo se apresentasse na fronteira e tivesse de ser repelido, o
governo português tornaria público que “a Santa Sé fora advertida a tempo” da posição
do governo. Era de novo a chantagem, com a ameaça de quebrar o sigilo diplomático e
expor à luz do dia a actuação de Roma. Não conseguindo contactar D. António para lhe
ordenar que não tentasse regressar, a Santa Sé decidiu a 6 de outubro nomear um
administrador apostólico para a diocese do Porto, solicitando do governo de Salazar que
a notícia da nomeação fosse publicada em Portugal sem comentários (sem comentários
do governo, obviamente, porque dos outros encarregava-se a censura). A nomeação do
administrador da diocese, tomada sem o bispo ter sido ouvido, só dias depois lhe foi
comunicada pela nunciatura em Madrid, juntamente com a instrução de Roma para não
regressar a Portugal. Isto foi um duro golpe para D. António, que até aí se tinha submetido
às orientações superiores. Desgostoso com a decisão da Santa Sé, D. António dirigiu-se
para Vigo, de onde a 18 de outubro partiu para a fronteira de Tui-Valença, defrontando-
se ali com a recusa da PIDE em o deixar entrar no país. Declarou então que voltaria no
dia seguinte e que não se importava de ser preso, mas o núncio em Madrid, mons.
Antoniutti, imediatamente alertado por Lisboa, ordenou-lhe que o não fizesse. Apesar das
lacunas que persistem na história deste episódio, parece claro que, com a sua tentativa de
reentrar em Portugal, o bispo colocou o governo português, mas também a Santa Sé,
perante as suas responsabilidades, pois até aí tudo se passara no segredo dos bastidores,
com recurso a habilidades diplomáticas, inverdades e omissões. Se D. António não tivesse
tentado regressar, não poderia afirmar que fora efectivamente desterrado.
Nem o governo de Salazar nem a Santa Sé estavam nada interessados em que a saída de
Portugal do bispo fosse vista publicamente como um desterro, que seria uma “violência
contra uma figura da Igreja”. O governo queria o bispo fora do país e destituído por Roma,
mas evitando a todo o custo conceder-lhe o que chamava uma “auréola de mártir”. A
Santa Sé, por sua vez, não queria ser acusada de ter afastado um bispo por cedência a um
governo ditatorial, como já começava a dizer-se na imprensa italiana e europeia. Perante
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as contínuas pressões de Salazar e a posição do cardeal Cerejeira, segundo a qual a


questão do bispo do Porto se tornara num grave problema eclesiástico diocesano e
nacional, Roma tinha optado por proceder através de uma sucessão de pequenos passos,
tentando ganhar tempo e preservando sempre a confidencialidade, para que, se finalmente
fizesse alguma cedência ao governo português, pudesse salvaguardar a aparência de uma
decisão tomada no estrito domínio eclesiástico, sem interferência política. Perante este
quadro, D. António forçou uma clarificação. O governo de Salazar teve mesmo de barrar-
lhe a entrada na fronteira. O receio de ter de o fazer novamente e de que isso se soubesse
era tal, que o governo pediu às autoridades espanholas que não permitissem que D.
António se aproximasse da fronteira terrestre ou tomasse um avião ou um navio com
destino a Portugal. O regime de Franco ajudou sempre Salazar, tanto na vigilância policial
exercida em Espanha sobre D. António como na sua transferência da Galiza para
Valência, bem longe do Porto, também a pedido do governo português.
O governo de Salazar continuou a insistir na destituição, apesar de avisado pelo cardeal
Tardini de que a Santa Sé não tomaria mais nenhuma decisão sobre o bispo após a
nomeação do administrador apostólico. Tardini manteve honradamente essa posição até
à sua morte, em 1961. Em 1962, sempre com a colaboração activa de Costa Nunes (já
cardeal) e de Cerejeira, foram reiniciadas as pressões sobre a Cúria e sobre o bispo do
Porto para que este resignasse. O argumento invocado era já só um: a situação anormal
de prolongada ausência do bispo da diocese. Mas, para que pudesse ser nomeado um novo
prelado, era necessário que D. António resignasse, pois Roma mantinha a posição de não
o destituir. O Anuário Pontifício continuava a indicar o nome do bispo do Porto com a
menção sede impedita, que a irritada diplomacia de Salazar não conseguiu que fosse
retirada. Em 1963, nos meses finais do pontificado de João XXIII, os núncios em Lisboa
e Madrid fizeram novamente ofertas de cargos e títulos a D. António que implicavam a
sua resignação como bispo do Porto, mas que foram por ele rejeitadas. O novo papa,
Paulo VI, em carta autógrafa de agosto de 1963, voltou a pedir a D. António que aceitasse
as ditas ofertas. O papa dizia compreender bem a sua amargura, mas, quaisquer que
tivessem sido as causas primeiras do seu exílio, era preciso acudir agora às necessidades
espirituais de uma diocese com um milhão e meio de fiéis, um “problema exclusiva e
eminentemente religioso”. Paulo VI apelava expressamente à “docilidade” e
“condescendência” do destinatário, pedindo-lhe esse “sacrifício”. D. António teve
dificuldade em discernir se se tratava de uma proposta ou de um facto consumado, mas
continuava a pensar que a sua eventual resignação seria fatalmente interpretada como
uma desonrosa cedência da Igreja ao governo português e como o abandono dos
diocesanos pelo seu bispo.
Após meses de meditação e sofrimento, durante os quais não lhe faltou apoio vindo do
Porto (por exemplo, do Dr. Domingos Pinho Brandão, que lhe escreveu então uma
importante carta de apoio), o bispo respondeu enfim a Paulo VI, em carta escrita já em
Roma, onde prosseguia o Concílio. D. António penitenciava-se pela grave falta da
resposta tardia. Relatava a alegria e a esperança com que recebera a eleição do novo papa.
Acentuava ter estado sempre com a maioria dos padres conciliares nas decisões até então
aprovadas no Concílio. Evocava depois as perseguições que os bispos do Porto sofreram
ao longo dos tempos por parte do poder político. Ao assunto da carta do papa, respondia
que, por sua responsabilidade e de acordo com a sua consciência, não podia abandonar o
clero e laicado da sua diocese, que lhe tinham feito sentir no exílio “a grandeza e a beleza
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de ser bispo”. Em suma, não resignaria de livre vontade, mas declarava conformar-se com
qualquer decisão, pois não desejava ser estorvo aos planos do papa. Naturalmente,
acrescentava, não lhe seria depois proibido manifestar a sua consciência, de modo a
salvaguardar a sua responsabilidade e a poder justificar-se perante os seus diocesanos.
Sabe-se que foi portador desta notável carta Don Rafael González Moralejo, bispo
auxiliar de Valência e amigo de D. António, que o tinha ajudado na redacção (a “polir o
tom”) e que assumiu depois o papel de intermediário junto da Secretaria de Estado da
Santa Sé. Diga-se que Don Rafael se destacou no Concílio, de entre os oitenta bispos
espanhóis que nele participaram, por ter feito uma notada intervenção a favor da livre
nomeação dos bispos sem intervenção estatal – uma posição corajosa, pois ia contra o que
estipulava a própria Concordata espanhola de 1953. Pode constatar-se que a escolha de
Valência como local de exílio do bispo do Porto se revelou pouco auspiciosa para os
interesses de quem a impôs.
A resposta de D. António a Paulo VI não teve má recepção na Cúria, segundo o
testemunho do próprio Don Rafael, a quem mons. Samorè assegurou, emocionado, com
lágrimas nos olhos, que nunca tinha sido intenção da Santa Sé impor uma solução a D.
António e que sempre o apoiara contra toda a espécie de pressões. Apesar das continuadas
diligências da diplomacia portuguesa, sempre secundadas em Roma pelo cardeal Costa
Nunes, para que fosse nomeado um novo bispo do Porto, Paulo VI não voltou a tocar no
assunto nos seis anos seguintes, até à audiência que concedeu a D. António em fevereiro
de 1969, dando-lhe finalmente liberdade para regressar à sua diocese.
Pode concluir-se que, no essencial, a Santa Sé não abandonou D. António, antes defendeu
até ao fim a sua dignidade episcopal, salvaguardando com isso o prestígio do papa e a
independência da Igreja. É certo que a diplomacia da Igreja mostrou sempre abertura a
uma solução doce que satisfizesse o governo de Salazar, mas com a condição
imprescindível de que D. António a aceitasse, o que nunca se verificou. Não obstante,
Roma também recorreu às tais astúcias diplomáticas de que fala o livro Cartas ao Papa
e que julgo ter aqui descrito com algum detalhe. A Santa Sé cedeu ao validar tacitamente
o estratagema utilizado para que o bispo saísse do país, depois de advertida de que não
haveria regresso. Foi, por isso, obrigada a ceder novamente à chantagem do governo
português, ao ter de ordenar a D. António que não regressasse a Portugal, perante a
ameaça de quebra de sigilo diplomático feita pelo governo português. Na origem dessas
cedências de Roma terá também estado a intenção de evitar males maiores, inclusive para
a pessoa do bispo. Há que considerar, sobretudo, que a Santa Sé foi condicionada na sua
gestão do caso pela posição da maioria dos bispos portugueses e pela estratégia do cardeal
Cerejeira de apresentar o caso do Porto como um grave “caso eclesiástico”, a carecer de
uma solução por Roma. A este respeito, dá que pensar que a “solução definitiva” do
problema tenha realmente sido não a destituição de D. António, mas sim o afastamento
de Salazar da governação. Afinal, a raiz do alegado “caso eclesiástico” era política.
D. António patenteou ao longo do seu exílio, a par de uma notável contenção, uma
excepcional capacidade de resistência e de superação das adversidades. No infortúnio do
desterro, soube dilatar os seus horizontes e tirar proveito da sua maior liberdade. Essa
longa e dura experiência também não teria sido concebível sem uma grande confiança e
esperança na Igreja – a qual, de facto, lhe retribuiu. Se não pôde contar com a
solidariedade da maioria do episcopado português, encontrou apoios decisivos na
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comunidade católica do Porto, em alguns bispos da metrópole e do ultramar, na Igreja


valenciana e na Igreja universal.

FONTES UTILIZADAS

Arquivos
Arquivo Histórico Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Arquivo Oliveira Salazar, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Arquivo PIDE/DGS, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

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