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HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I

AULA 7: A IGREJA NO INÍCIO DA MODERNIDADE:


REFORMA CATÓLIA E ESCOLATICISMO PROTESTANTE

APRESENTAÇÃO
Nesta aula você compreenderá como a Igreja Católica responde aos impactos da Reforma
Protestante e os aspectos históricos e teológicos da pós-reforma protestante, cujo período foi
marcado pela tentativa de fundamentação filosófica e lógica da teologia protestante.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
• Compreender os movimentos contra-reforma da Igreja Católica
• Definir em que consistiu o escolasticismo protestante e os principais aspectos
históricos e teológicos deste período.

META
Apresentar os eventos e contexto que caracterizam o início da Modernidade na história do
cristianismo.
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1 A REFORMA CATÓLICA OU CONTRARREFORMA

A Contrarreforma foi um movimento de reação ao protestantismo e de renovação


administrativa da Igreja Católica, ameaçada pela Reforma, pela perda de fiéis e de boa parte
de seus bens no norte da Alemanha, Inglaterra, Holanda, Suíça, Escócia, Suécia, Dinamarca
e Noruega. Foi a reação da Igreja Católica à Reforma Protestante e às pressões internas por
renovação das práticas e da atuação política do clero, durante os séculos XVI e XVII.
Embora o movimento pelas reformas na Igreja Católica tenha começado quase ao
mesmo tempo em que o protestantismo, somente na metade do século XVI é atendido pelo
alto clero. Em 1545, o Papa Paulo III convoca o Concílio de Trento e torna-se o primeiro Papa
da Contrarreforma.

1.1 O CONCÍLIO DE TRENTO (1545 – 1563)

Um Concílio Geral foi convocado após diversas negociações entre o Imperador e o


Papa. Por fim, foi convocado para celebrar-se em Trento, em 1545 e se reuniu várias vezes
entre 1545 e 1563, para assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica. Confirma a
presença de Cristo na eucaristia e combate a doutrina protestante a respeito dos
sacramentos. Regula as obrigações do clero, proibindo bispos de se ausentarem das
dioceses, a contratação de parentes para os escritórios da igreja, os excessos de luxo na vida
dos religiosos; são criados seminários para formação sacerdotal e estabelecidos os Tribunais
da Inquisição.
É instituído o índice de livros proibidos (Index Librorum Prohibitorum), com as obras
que os católicos não poderiam ler, sob pena de excomunhão (expulsão da Igreja). O órgão
encarregado da repressão às heresias e aplicação das medidas da Contrarreforma é o
Tribunal da Santa Inquisição. Para efetivar as mudanças, a Igreja cria ou reorganiza ordens
religiosas, como a dos teatinos, capuchinhos, ursulinas, oratorianos e jesuítas.
A ordem religiosa mais importante da Contrarreforma é a Companhia de Jesus, que se
destacou no processo de renovação da igreja católica. Criada em 1534 por Inácio de Loyola,
com uma organização militar e disciplina rígida. Combateu os opositores do catolicismo com
violência e atuou na evangelização da Ásia e das Américas.

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A Contrarreforma recorreu, além de diversos fatores políticos e eclesiásticos, com a


“Santa Inquisição” ou “Tribunal do Santo Ofício”. Criada durante a Idade Média para combater
heresias, a Inquisição agiu de forma impiedosa sobre aqueles considerados “hereges”,
principalmente na Itália, em Portugal e na Espanha, onde o rei Filipe II, descrito como um
homem fanático, mesquinho e cruel, incentivava a tortura e morte na fogueira dos “hereges
protestantes” e dos judeus. Ele se mostrou um incansável defensor do catolicismo.
Às vezes a Contrarreforma chega a ser descrita como um movimento espanhol. Dois
dos três destacados instrumentos da Contrarreforma eram originários da Espanha: a
Sociedade de Jesus e a Inquisição. Em 1480 a Inquisição se organizou como um órgão de
extermínio dos hereges, sob a liderança de Tomás de Torquemada, na Espanha.
Nos tribunais do Santo Ofício, julgava-se crime grave contra a fé católica: O judaísmo;
O luteranismo; as blasfêmias e críticas aos dogmas católicos. Os crimes contra a moral e os
costumes recebiam penas mais leves: A bigamia; A feitiçaria.
Denúncias anônimas, delações e simples indícios eram suficientes para a prisão, a
tortura, a condenação e a queima na fogueira do réu, que não tinha o direito de defesa e
muitas vezes nem sabia o motivo de sua prisão. Ao serem condenados à morte, os hereges
eram entregues às autoridades civis para serem executados, o que era feito em solenes
cerimônias públicas, denominadas “autos de fé”. Conforme assevera Lindberg:

A força impressionante da Inquisição se assentava na exploração pública e


autoritária do medo de vergonha pública profundamente incrustado na
sociedade. (...) O propósito último do auto [de fé] público geral era claramente
instilar um medo salutar” tanto pela proclamação da sentença quanto pela
imposição dos sanbenitos, um traje penitencial. Após a expiração da sentença
ou após a morte do herege, esse traje era pendurado na principal cidade do
herege, como um lembrete permanente da heresia dele para a comunidade
(LINDBERG, 2001, p. 407).

Na Itália, o Santo Ofício contou, entre suas vítimas, os cientistas Giordano Bruno
(queimado na fogueira) e Galileu Galilei, que se livrou da morte porque aceitou negar
publicamente a sua teoria heliocêntrica, na época contrária aos ensinamentos da igreja.
Na Península Ibérica a Inquisição esteve ligada ao processo de centralização das
monarquias e foi usada pelos reis como meio de submissão dos súditos. Sua ação estendeu-
se também às terras da América Espanhola e Portuguesa. As ações do Santo Ofício
provocaram a migração em massa de homens de negócios para as regiões mais livres do

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norte da Europa, trazendo êxodo de capitais e empobrecimento econômico aos países


católicos.

1.2 A GUERRA DO TRINTA ANOS (1618 – 1648)

Conforme já perfilamos, uma reação à Reforma da parte dos Jesuítas foi a tentativa de
extinguir a heresia e reconquistar os protestantes para Roma e para isto, utilizaram-se de
influência política e educação eficaz. No entanto, é preciso frisar que as missões católicas em
países pagãos se iniciaram séculos antes das missões protestantes, o que gerou a conquista
de inúmeros membros e, consequentemente, grande poder para a igreja romana.
Como resultado inevitável surgiram rivalidades políticas e religiosas, visto que os
interesses e propósitos dos estados da Reforma e católicos eram contrários na Alemanha.
Iniciou-se então uma guerra no ano 1618, ou seja, um século após a Reforma e nela
envolveu-se quase todas as nações europeias. Champlin assevera:

Toda essa guerra ocorreu como uma das consequências da Reforma


Protestante. A Paz de Augsburg, assinada em 1555, deixara muitas questões
sem solução. Com a passagem dos decênios, os católicos romanos
reconquistaram muito do que haviam perdido, com a sua contrarreforma. Além
das questões religiosas, houve rivalidades nacionais e políticas, que também
foram causas, motivos políticos e religiosos estavam entretecidos entre si. (...)
Nos estágios finais dos intermináveis conflitos, as questões políticas já eram
consideradas muito mais importantes do que as questões religiosas
(CHAMPLIN, 1991, p 990).

A defenestração de Praga no ano de 1618 foi o estopim que deflagrou a Guerra dos
Trinta Anos. O imperador Ferdinando escolhido em 1617 para suceder a Mathias, tornara-se
imperador da boêmia em 1619. No entanto em 1618, alguns protestantes lançaram os
representantes de Ferdinando da janela de um castelo em Praga, em uma poça de lama. Por
ocasião do falecimento de Mathias, os boêmios elegeram a Frederico, protestante e
imperador do Palatinado para ser o imperador da Boêmia.
Iniciou-se então uma Guerra que teve quatro fases. O período boêmio de 1618 a 1633
envolvendo Ferdinando e Maximiliano da Baviera contra Frederico e os boêmios. Nos
arredores de Praga em 1620 houve A Batalha da Colina Branca, e Tilly infringiu uma derrota
temporária do protestantismo na Alemanha. De 1625 a 1629 ocorre à fase dinamarquesa da

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Guerra, na tentativa de evitar que os estados protestantes do norte da Alemanha sofressem


destino semelhante da Boêmia. Houve, no entanto, a derrota de Cristiano IV da Dinamarca
pelas forças do Imperador Ferdinando II.
Com o Edito da Restituição em 1629, houve a determinação por parte do imperador, de
que todas as terras da Igreja Romana que foram tomadas pelos protestantes desde 1522
fossem restituídas, os protestantes deveriam ser expulsos das áreas cujo governo era de
príncipes católicos e somente os luteranos fossem reconhecidos e tolerados.
A fase sueca da guerra aconteceu entre 1630 e 1634 e embora a Suécia conseguisse o
território que almejava às margens do Báltico, o norte da Alemanha ficou livre da dominação
dos católicos romanos, no entanto, no Sul a conquista não foi definitiva. A fase final da guerra,
que compreende entre 1635 e 1648 envolveu a França católica romana, do lado dos
protestantes. O motivo dos franceses estarem ao lado dos protestantes se deve a Richelieu,
em sua tentativa de humilhar o imperador Habsburgo da Espanha e do Sacro Império
Romano e estender os domínios de territórios para a França. A partir daí começa surgir o
moderno sistema europeu de nações.
Porém, em meio a todos estes sangrentos embates, a luta se estendeu até 1648, ou
seja, durante quase uma geração, e toda a Alemanha sofreu seus efeitos catastróficos. A
população da Alemanha foi reduzida a um terço devido à morte de milhões de pessoas e as
propriedades foram destruídas e saqueadas durante as inúmeras batalhas. Somente com a
assinatura do tratado de paz de Westfália em 1648 é que “A Guerra dos Trinta Anos” terminou
e foram fixados os limites dos estados católicos e protestantes que perduram até hoje.
O calvinismo, o catolicismo romano e o luteranismo tornaram-se alternativas
reconhecidas para as pessoas religiosas seguirem. No entanto, passaram-se várias décadas
para que a nação alemã pudesse se recuperar da perda das inúmeras vidas, da devastação
da terra e do colapso da moral resultantes desta Guerra. Alguns estudiosos consideram que o
período da Reforma pode ser considerado com tendo seu término a esse ponto.

2 ESCOLASTICISMO PROTESTANTE

Neste tópico estudaremos alguns importantes aspectos históricos e teológicos da pós-


reforma protestante. Veremos que a segunda geração que fez parte da fé reformada

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empreendeu uma série de disputas e discussões; muitas delas no intuito de formular uma
teologia protestante fundada em princípios filosóficos e lógicos.

2.1 A ERA DAS QUERELAS TEOLÓGICAS

Depois da morte dos principais reformadores, a próxima geração de teólogos deu uma
abordagem escolástica à teologia, ou seja, o uso da filosofia e da lógica na elaboração da
teologia. Esses teólogos queriam defender a doutrina protestante das críticas da igreja
católica. Era preciso demonstrar ser a teologia protestante intelectualmente respeitável, por
isso foram chamados de escolásticos protestantes.
Um dos principais nomes desse período foi Teodoro Beza (1519-1605). Com a morte de
Calvino, Beza se tornou líder do movimento reformado, tanto em Genebra como em toda a
Suíça. Seus antecessores, Zwínglio e Calvino, acreditavam que tudo o que acontece é
determinado por Deus; isso inclui a queda de Adão. Por conseguinte, nada acontece por
acaso, mas todos os acontecimentos, desde o mais simples até o mais complexo, têm a “mão
da divindade”. Deus decreta os acontecimentos, de modo que tudo é predestinado de acordo
com o plano divino.
Os teólogos reformados, entre eles Beza, passaram a interessar-se pelos decretos de
Deus; por exemplo, por que Deus criou o mundo? Deus decretou a criação do mundo antes
de predestinar as pessoas à salvação? Ou Deus decretou primeiro a predestinação das
pessoas e depois elaborou o decreto da criação do mundo? Eram perguntas recorrentes para
essa geração de teólogos. Eles buscavam respostas intelectualmente compreensíveis. No
entanto, eles concordaram que todos os decretos de Deus são simultâneos; Deus não faz um
decreto e, espera o resultado para ver se vai dar certo ou errado. Todos os decretos de Deus
foram feitos na eternidade e ao mesmo tempo. Eles abandonaram a ideia de uma ordem
cronológica dos decretos e pensavam mais em uma ordem lógica.
Tanto Beza como outros teólogos reformados deram grande ênfase à doutrina da
predestinação, muito mais que o próprio João Calvino. Esses teólogos ensinavam a doutrina
da expiação limitada de Cristo, ou seja, Jesus morreu na cruz apenas para os eleitos e não
para aqueles reprovados por Deus.

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Cabe destacar que Calvino não ensinou a predestinação dessa forma, os calvinistas,
como ficaram conhecidos esses teólogos, desenvolveram a teoria do supralapsarianismo. A
expressão supra significa “algo que antecede”, enquanto lapsarianismo é uma referência à
queda de Adão no Éden. Consequentemente, supralapsarianismo significa algo que ocorreu
antes da queda. O supralapsarianismo acredita que os decretos de Deus foram assim:
1) O decreto de Deus de predestinar algumas pessoas para a salvação e vida eterna e
outras para a condenação e morte eterna.
2) O decreto de Deus a respeito da criação.
3) O decreto de Deus de permitir o pecado de Adão.
4) O decreto de Deus do plano da salvação por intermédio de Cristo.
5) O decreto de Deus de aplicar a salvação aos eleitos.

Para o supralapsarianismo, o propósito principal de Deus na execução de seu projeto


de salvar uns e condenar outros é visando glorificação divina. Observe que no primeiro
decreto há menção da dupla predestinação, antecedendo até mesmo a encarnação de Cristo.
Observando essa lógica, Deus predestinou uns para salvação e outros para condenação
mesmo antes de ter criado o mundo.
Na visão desses calvinistas supralapsarianos, essa era uma ordem lógica para os
decretos de Deus. Havia outro grupo de calvinistas os quais ensinavam o infralapsarianismo.
Para esse grupo, o propósito eterno de Deus não é glorificar a si mesmo através da salvação
de uns e condenação de outros, porém glorificar a si mesmo pela criação. Por conta disso,
eles propuseram uma ordem diferente para os decretos de Deus:
1- O decreto de Deus de criar o mundo e a humanidade.
2- O decreto de Deus de permitir a queda de Adão.
3- O decreto de Deus de predestinar algumas pessoas para a salvação e vida eterna e
outras para a condenação e morte eterna.
4- O decreto de Deus do plano da salvação por intermédio de Cristo.
5- O decreto de Deus de aplicar a salvação aos eleitos e deixar os condenados seguirem
seu próprio destino.

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Tanto o supralapsarianismo como o infralapsarianismo concordavam que o projeto final


de Deus era sua própria glorificação, e, que não caberia aos seres humanos questionar os
mistérios por trás dos decretos. Tudo está sob o governo e controle de Deus, de modo que
Ele faz com que todas as coisas aconteçam. Isso não significa que Deus é responsável pelo
mal e pelo pecado, mas que até mesmo os atos de maldade contribuíam para a concretização
do projeto divino de glorificar a si mesmo. Esses dois grupos calvinistas também
desenvolveram cinco pontos fundamentais de sua doutrina.
No intuito de facilitar o aprendizado dessas doutrinas, posteriormente foi criado o
acrônimo TULIP, ou seja, cada letra corresponde à inicial de uma frase como veremos a
seguir:
T - Total depravação – os homens estão mortos em seus próprios pecados, o que
levou a Deus a iniciativa de regenerá-los e salvá-los. Essa salvação não ocorre pelo mérito
humano, pois a humanidade está totalmente corrompida pelo pecado.
E - Eleição Incondicional - Deus escolhe algumas pessoas para serem salvas, antes
delas mesmas tomarem essa decisão.
L - Limitação da graça – Jesus morreu apenas para os eleitos, ao passo que seu
sangue não fora derramado para expiar os pecados de toda a humanidade.
I - Irresistível graça – Os eleitos não podem resistir à graça salvadora, por isso todos
eles serão salvos.
P - Perseverança dos santos – Não há como perder a salvação, ao passo que os
eleitos permaneceram sempre salvos.

Todavia, nem todos concordavam com essas doutrinas, e o principal deles foi Jacó
Armínio (1560-1609). Ele era holandês e sua formação teológica aconteceu na Universidade
de Genebra, na Suíça. Embora ele concordasse com os ensinos de João Calvino, achava que
o supralapsarianismo possuía algumas ideias extremadas a respeito da predestinação.
Armínio iniciou seu ministério pastoral em 1588 na igreja reformada de Amsterdã, na
Holanda, aos 29 anos de idade. Devido a seu trabalho como pastor e pregador se tornou um
dos homens mais influentes da Holanda, contudo, não concordava com a doutrina da
predestinação dos calvinistas. Ele não aceitava o ensino do supralapsarianismo a respeito da
eleição incondicional e da graça irresistível.

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A graça, então, não é irresistível [...] Isso, em contrapartida, implica em que


Cristo morreu por toda a raça humana, e que a doutrina da expiação da
limitada deve ser rejeitada. Finalmente, Armínio argumentou que, precisamente
porque a graça não é irresistível, é possível decair da graça, ou, como ele
colocaria, que é certo que o regenerado por vezes perde a graça do Espírito
Santo (GONZALES, 2004, p. 284,285).

Não demorou muito para que Armínio fosse acusado pelos calvinistas tradicionais de
abandonar os princípios da teologia reformada. Com efeito, Armínio argumentou que
preservava da Reforma Protestante a crença na autoridade suprema das Escrituras e a
salvação pela graça mediante a fé. No intuito de se defender das acusações, escreveu um
documento chamado Declaração de Sentimentos em que reafirma de que a justificação é pela
fé.
Pelo presente, abreviadamente, direi apenas que creio que os pecadores são
considerados justos unicamente pela obediência de Cristo e que a justiça de
Cristo é a única causa meritória pela qual Deus perdoa os pecados dos que
creem e os considera tão justos como tivessem cumprido com perfeição a lei.
Mas como Deus não imputa a justiça de Cristo a ninguém, a não ser aos que
creem, concluo que, já que se pode dizer com segurança, àquele que crê, a fé
é imputada pela graça como justiça – porque Deus apresentou seu Filho Jesus
Cristo para ser uma propiciação, um trono de graça [ou misericórdia] pela fé em
seu sangue –, seja qual for a interpretação aplicada a essas expressões,
nenhum de nossos ministros culpa Calvino nem o considera heterodoxo nessa
questão; a minha opinião, porém, não diverge tanto da dele a ponto de me
impedir de colocar de próprio punho minha assinatura em tudo o que ele
ensinou a respeito do assunto, no terceiro livro de suas Institutas; isso estou
disposto a fazer a qualquer momento, além de expressar a minha aprovação
total (ARMÍNIO apud OLSON, 2001, p. 476, 477).

Observe que Armínio reafirmou a doutrina protestante de que a salvação não é pelas
obras, mas sim por intermédio da graça de Cristo. Entretanto, Armínio ensinava que o ser
humano não é passivo nesse processo, conferindo ao homem o ator de escolher se quer ou
não a salvação oferecida por Deus através de Cristo. De fato, Armínio não aceita a eleição
incondicional e a graça irresistível, conforme ensinadas pelos calvinistas tradicionais. Ele
acreditava que a escolha arbitrária de Deus feriria o princípio da decisão humana.
Armínio também argumentava que Deus não pode ser considerado como o agente
causador do mal e do pecado, como o exemplo da queda de Adão. Ele também citou João
3.16 para destacar que Deus amou o mundo, de modo que a morte de Cristo na Cruz teve um

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efeito universal; Ele morreu por toda a humanidade e não apenas para alguns. Tanto o
supralapsarianismo como o infralapsarianismo foram alvos das críticas de Armínio.
Armínio compreendia a doutrina da predestinação de maneira diferente dos calvinistas;
se esses últimos ensinavam que desde a eternidade Deus predestinou alguns para a
salvação, Armínio dizia que a predestinação é o resultado do pré-conhecimento divino a
respeito daqueles que creriam e aceitariam a Cristo. Deus, antes mesmo de criar o mundo e a
raça humana, já tinha ciência dos que seriam salvos e dos que seriam condenados, tendo em
vista não estar Deus limitado ao tempo.
Quanto à queda de Adão no Éden, Armínio também rejeitou a ideia de que ela
aconteceu por um decreto de Deus, no entanto o pecado foi fruto da escolha humana e da
permissão divina. No seu decreto, Deus permitiu que Adão cometesse o pecado, de modo que
ele não foi induzido ao erro. Ao passo que o homem foi dotado de livre-arbítrio, logo Deus não
poderia impedir a queda adâmica. Então, Deus sabia com antecedência que a humanidade
cairia, porém não decretou esse fato.
Depois da queda de Adão, Deus decretou que Jesus Cristo salvaria a humanidade,
mediante sua morte expiatória na cruz. Essa salvação seria a todos que escolhessem a Cristo
e os que rejeitassem seriam condenados. Observe que a doutrina arminianista é totalmente
contrária ao calvinismo. Em conformidade com Armínio, compete ao homem decidir se quer
ou não receber a salvação, contrariando a ideia calvinista da eleição incondicional.
Armínio procurou esclarecer que não estaria colocando apenas no livre arbítrio do
homem a condição para que houvesse a salvação. Para ele, a graça atua na mente do
indivíduo a fim de iluminála para que possa compreender o chamado divino à salvação. Além
disso, a graça é fundamental no processo da regeneração. Armínio chamou isso de “graça
preveniente”, a qual é colocada nos homens por Deus, todavia, de acordo com Armínio, essa
graça pode ser rejeitada. Dessa maneira, a graça e a vontade humana cooperam no processo
de salvação.
Em razão dessas disputas, em 1577 os luteranos elaboraram a Fórmula da Concórdia.
Ela foi um instrumento onde estava descrita a ortodoxia luterana. Nela também, o calvinismo
foi condenado, principalmente no ponto da predestinação. O debate acerca do arminianismo e
calvinismo perdura até os dias hodiernos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta aula você pôde compreender como a Igreja Católica se posicionou após a Reforma,
buscando reverter a perda de fiéis e recuperar-se da perda de seus bens em algumas regiões.
Vimos também que, no período pós-reforma, os teólogos buscavam sustentar e defender a
teologia reformada frente as acusações do cléro, mostrando uma teologia intelectual,
fundamentada na filosofia e na lógica.

REFERÊNCIAS

CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. São


Paulo: Candeia, 1991.

GONZÁLEZ. Justo L. Uma história do pensamento cristão: do início até o concílio de


calcedônia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

OLSON, Roger. História da teologia cristã. São Paulo: Vida, 2001.

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