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A renovação espiritual e religiosa

A profunda crise da cristandade ocidental que se assistiu, no início do século XVI, resulta de um
conjunto de episódios que foram enfraquecendo a autoridade da Igreja Católica. O Cisma do Ocidente
(1378-1417) foi um desses episódios de rutura política e religiosa. Durante 39 anos, a Europa esteve
dividida entre a obediência ao papa de Roma e ao papa de Avinhão.

- As críticas a igreja católica:

Na segunda metade do século XV vivia-se um clima de insatisfação e de críticas severas à

instituição papal:

→ os pontífices demitiam-se da sua função espiritual;


→ a degradação moral que atravessava toda a hierarquia eclesiástica;
→ as práticas financeiras imorais, como a venda de indulgências ou a simonia, venda de
benefícios eclesiásticos.

Em virtude destes comportamentos da hierarquia eclesiástica, tão distintos da mensagem do


Evangelho e de Jesus Cristo, surgiram abundantes apelos à Reforma.

No período medieval surgiram, pela Europa, movimentos heréticos, como os cátaros, os valdenses,
que desafiaram a Igreja e foram violentamente reprimidos durante o papado de

Inocêncio III, por exemplo. Para combater estas heresias foi criada a Inquisição, no século XIII.

Na Inglaterra, no século XIV, John Wyclif, teólogo e professor de Oxford:

• censurou o culto dos santos e relíquias;


• traduziu a Bíblia para inglês, que devia ser lida e interpretada de forma livre pelos fiéis;
• defendeu que a instituição eclesiástica não devia ser detentora de propriedades;
• e o retorno da Igreja à humildade primitiva do Cristianismo.

Estas ideias contestam a autoridade do papa.

Na Boémia, o reitor da universidade de Praga, Jan Hus, também criticou os abusos do clero, tendo
defendido:

• a comunhão sob as duas espécies (pão e vinho);


• o sacerdócio universal;
• o regresso a uma Igreja humilde e às verdades da Bíblia.

Acabou por ser excomungado, preso e por fim condenado à fogueira pelas suas ideias.

No século XV, na Península Itálica, o dominicano florentino, Jerónimo Savonarola:

• denunciou os prazeres mundanos do seu tempo;


• criticou a corrupção e abusos da Igreja, atacando o papa Alexandre VI;
• defendeu o retorno ao cristianismo primitivo;
• considerava as Escrituras como a única fonte de verdade.

Foi excomungado, preso e condenado à morte na fogueira sob acusação de heresia.


Ao longo dos séculos XV, assiste-se ao surgimento de movimentos marcados por um individualismo
religioso.

No norte da Europa, sob o impacto do Cisma do Ocidente, nascia a Devotio Moderna («Devoção

Moderna») que preconizava o individualismo religioso e uma piedade mais interiorista.

Por exemplo, A Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis, torna-se um guia para para a prática
religiosa individual dos fiéis.

No século XVI, as críticas à Igreja acentuam-se. Humanistas, como Erasmo de Roterdão, continuam a
denunciar a corrupção da Igreja e defender a necessidade do regresso ao Cristianismo primitivo.
Caminhava-se para a Reforma Protestante, que vai ter como centros:

- a Alemanha;
- a Suíça;
- a Inglaterra.
O momento de verdadeira rutura teológica vai acontecer, no início do século XVI, na Alemanha, e
liderado pelo monge agostinho, Martinho Lutero. Inicialmente, Lutero não pretendia um cisma com a
Igreja Católica, mas antes debater a questão das Indulgências. Lutero vivia angustiado pela salvação
da alma e acreditava que esta era garantida pela fé.
A venda de indulgências, permitida pela bula papal de Leão X, prometia aos crentes a libertação dos
pecados, assim que o dinheiro entrasse nos cofres da Igreja.
São estes abusos que levam à indignação de Lutero que redige e afixa as 95 Teses Contra as
Indulgências (1517) na catedral de Wittenberg, na Saxónia.
Lutero acusava o papa de fazer comércio com a salvação dos crentes, quando era Deus, na sua infinita
misericórdia, que concedia ao ser humano o dom da fé, que seria suficiente para a sua salvação.
As suas críticas foram disseminadas rapidamente e mal recebidas pela Igreja Católica, tendo sido
exigida a retração de Lutero, que recusa. Acaba por ser excomungado pela bula Decet Romanum
Pontificem (1521).

- O luteranismo:
Excomungado pela Igreja Católica, expulso do Império Alemão por Carlos V e considerado herege,
Lutero recebeu a proteção de príncipes alemães e sistematizou a doutrina luterana alicerçada:
 na salvação pela fé;
 no sacerdócio universal;
 na recusa do primado do papa;
 na Bíblia como a única fonte de fé;
 no culto em língua alemão;
 apenas em dois sacramentos – Batismo e Eucaristia.

- O calvinismo:
Com o precedente aberto pelo luteranismo, surgiram outros movimentos reformistas, onde se destacou
o calvinismo.
João Calvino nasceu em França, onde assistiu à crescente divisão entre católicos e protestantes.
Converteu-se ao luteranismo, sendo obrigado a refugiar-se em Genebra, na Suíça.
Em 1536, publica Institutio christianae religionis, onde apresentou a sua doutrina, dando origem à
Igreja Calvinista.

A doutrina calvinista caracterizou-se pela imposição da autoridade religiosa, pautada por uma
profunda reforma moral e litúrgica, e defende:

 a predestinação absoluta;
 a salvação pela fé;
 as Escrituras como única fonte de fé;
 o sacerdócio universal;
 a autoridade da Igreja em detrimento do poder temporal;
 a recusa do culto dos santos, imagens e relíquias;
 a existência de apenas dois sacramentos – Batismo e Eucaristia.

- O anglicalismo:
A reforma protestante inglesa começou com uma contenda entre o rei Henrique VIII e o papa
Clemente VII. O monarca inglês pretendia anular o casamento com Catarina de Aragão, de
modo a concretizar o matrimónio com Ana Bolena. Clemente VII recusou a pretensão do
monarca e isso acelerou a cisão.
A rutura com Roma tornou-se oficial com a aprovação no Parlamento inglês do Ato de
Supremacia, em 1534. O rei tornou-se o chefe supremo da Igreja de Inglaterra, cortando os
laços com a Igreja Católica. No entanto, apenas no reinado de Isabel I se assistiu à
consolidação do anglicanismo. Isabel I procurou o compromisso entre a doutrina católica e a
doutrina calvinista.
A Declaração dos Trinta e Nove Artigos (1563) vai definir a doutrina anglicana baseada:

 na justificação pela fé:


 na primazia das Escrituras;
 na abolição do celibato;
 no sacerdócio universal;
 na existência de dois sacramentos, Batismo e Eucaristia;
 na autoridade régia sobre a Igreja;
 na abolição do culto de santos, imagens e relíquias.
 no culto celebrado unicamente em inglês.

Face à expansão das igrejas reformistas, no norte e centro da Europa, a Igreja Católica vai dar
respostas, num movimento conhecido por Reforma Católica e Contrarreforma. A Reforma
Católica vai procurar responder às questões doutrinárias. A Contrarreforma vai combater a
expansão do protestantismo. Um dos primeiros passos foi a convocação do Concílio de
Trento (1545-1563), a reunião de todos os bispos, para debaterem a reforma da religião
católica.

- A reforma católica:
No ano de 1545, tinha início a mais longa reunião conciliar da cristandade, em Trento.
Duraria até 1563 e onde se condenaram as heresias e se promoveu a reforma da Igreja. O
Concílio de Trento, no domínio doutrinário, reafirmou os dogmas do catolicismo e as formas
de culto que tinham sido postos em causa pelo protestantismo e fixou a ortodoxia romana.

- Decisoes do Consilio de Trento:


* reafirmação do valor das indulgências;
* recusa da teoria da predestinação, com o reconhecimento que a salvação seria possível
pela fé e pelas boas obras;
* manutenção da Bíblia na versão latina, a Vulgata, assim como o uso do latim nas
cerimónias religiosas;
* reafirmação da Tradição católica e das obras dos Padres da Igreja;
* reafirmação da existência do Purgatório;
* confirmação dos sete sacramentos – Batismo, Crisma, Eucaristia, Matrimónio,
Confissão, Ordem e Extrema-Unção.

A Reforma Católica também se preocupou com a formação e a conduta do clero, que eram
alvo de críticas desde a época medieval. Deu-se início a uma profunda reforma disciplinar do
clero que passou por:

* a proibição de acumulação dos cargos eclesiásticos;


* a residência obrigatória dos bispos nas suas dioceses, e dos padres nas paróquias;
* as visitas pastorais dos bispos às paroquias;
* a criação dos seminários;
* a ordenação de sacerdotes apenas a partir dos 25 e 30 anos, respetivamente
* a publicação do catecismo, síntese dos princípios tridentinos.

- Contrarreforma:

A Igreja Católica, para além de uma reforma interna, empreendeu um combate contra o
protestantismo, usando um conjunto de instrumentos para controlar a contaminação das novas
«heresias».

Um desses instrumentos foi o Tribunal do Santo Ofício ou Inquisição. Fundada no século


XIII, vai ser reformulada para dar resposta às novas ameaças.

A Inquisição era um tribunal eclesiástico com amplos poderes para perseguir os hereges,
porém dependia do poder secular para executar as sentenças de sangue.

- A inquisição:
Após efetuada a denúncia, eram movidos processos inquisitoriais a acusados que sujeitavam
a interrogatórios, torturas, prisões e, eventualmente, à morte em auto-da-fé, pena executada
pelo poder secular, nas principais praças das cidades.

Inicialmente usada para o combate ao protestantismo, vai progressivamente estendo a sua


área de ação, chegando mesmo a interferir no conhecimento científico, como no processo
movido contra Galileu Galilei, pela defesa da teoria heliocêntrica de Copérnico.

- O index:

O Index atuava como censura preventiva através da publicação periódica de listas de autores
e obras proibidas. Funcionava ainda como uma censura repressiva através do controlo das
alfândegas e portos, mas também das livrarias públicas ou privadas. Controlando a circulação
dos livros, controlava também a circulação das ideias.

- A companhia de Jesus:

O outro instrumento usado para combater o avanço do protestantismo foi a Companhia de


Jesus. Fundada por Inácio de Loyola em 1534, foi aprovada pelo papa Paulo III em 1540.
Para além de preciosa no combate à Reforma Protestante, foi também importante na
formação de teólogos e padres que corporizaram o carácter exemplar e profundamente
disciplinado que a Reforma Católica pretendia conferir ao clero.

- A contrarreforma em Portugal:
A Reforma Católica teve um forte impacto em Portugal e rapidamente se procurou
implementar as medidas do sínodo:
➢ na reforma do clero secular;
➢ na criação de seminários;
➢ e na realização de visitas pastorais.
A Inquisição foi estabelecida em 1536 por solicitação de D. João III, com o objetivo de
combater as heresias, mas tornou-se sobretudo num tribunal para perseguir os cristãos-novos.
Sobre esta comunidade pendia grande desconfiança e segregação por parte dos cristãos-
velhos. A conduta pública e privada dos conversos era constante motivo de escrutínio e de
vigilância, por se suspeitar que mantinham as práticas judaicas.
A Companhia de Jesus estabeleceu-se em Portugal, também por ação do rei D. João III, no
ano de 1540. Cresceu de forma rápida, com a criação de instituições de ensino, como colégios
e a Universidade de Évora. Desempenhou ainda uma forte ação missionária, nos territórios
coloniais portugueses, sendo reconhecido o trabalho apostólico dos jesuítas portugueses no
Brasil e no Oriente.
Também no ano de 1540 foi instituída a censura. A vigilância censória estendeu-se aos
livreiros, particulares, mosteiros, alfândegas, de Portugal continental e das ilhas Atlânticas.
Autores nacionais como Damião de Góis e Gil Vicente, ou estrangeiros como Erasmo, foram
censurados pelo Index.

- Conceitos importantes:

Reforma: movimento religioso, desencadeado no início do seculo XVI, que defendeu uma
profunda transformação no âmbito das instituições, doutrina e praticas da igreja católica. Este
movimento protagonizado pelos protestantes (luterano, calvinistas, anglicanos e outros)
provocou uma cisão com Roma no seio da cristandade que permanece até aos dias de hoje. O
movimento reformista religioso assentou no estabelecimento de uma relação individual e
espiritual com o divino, na interpretação pessoal das Sagradas Escrituras, na simplificação da
liturgia e na quase abolição da classe eclesiástica.
Heresia: erro reiterado da fé, isto e, escolha de uma interpretação religiosa que foi condenada
pelas autoridades da Igreja. No caso da Igreja católica, considerando-se, desde o seculo IV,
herdeira da verdade absoluta em matéria religiosa, combatia os que desviavam da ortodoxia.
Os que fundavam uma heresia eram designados de “heresiarcas” e os seus seguidores de
“hereges”.
Dogma: princípio teológico ou proposições doutrinárias consideradas como incontestáveis e
indiscutíveis.
Predestinação: doutrina segundo a qual Deus escolhe entre os homens aqueles que irão
salvar-se e aqueles que vão ser condenados, retirando ao homem qualquer possibilidade de
rejeitar ou aceitar livremente a graça divina.

Sacramento: ato religioso sagrado ou ritual que fortalece a relação com Deus e para o qual e
necessária a intermediação do clero. Eram essenciais para a obtenção da salvação. A igreja
católica reconhece sete sacramentos e os movimentos religiosos protestantes apenas aceitam
os dois que constam no Novo Testamento (batismo e eucaristia).

Rito: é o conjunto de práticas consagradas por tradições, costumes ou normas, que devem ser
observadas de forma invariável em determinadas cerimónias. E um processo continuado de
atividades organizadas que envolvem cultos, doutrinas e seitas, encontrados na vida religiosa.

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