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RESUMO EXPANDIDO E TRABALHO COMPLETO - GT 12 - OUTROS

OLHARES SOBRE O TURISMO: RESISTÊNCIAS POSSÍVEIS A PRÁTICAS


HEGEMÔNICAS

EDUCAÇÃO TURÍSTICA NA EDUCAÇÃO POPULAR: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA A PARTIR DO REFORÇO ESCOLAR DA FAVELA DA
CHÁCARA, NITERÓI - RJ

Dionisio De Almeida Brazo (dionisioalmeida@id.uff.br)

Leonardo Da Silva Vidal (leonardov@id.uff.br)

Introdução

O Reforço Escolar da Favela da Chácara é uma unidade do Movimento de


Educação Popular +Nós situada no Centro da cidade de Niterói (RJ), sendo a
primeira unidade voltada para o ensino básico. O projeto surgiu em 2019, em
conjunto com militantes do coletivo Juventude Anticapitalista_RUA, a partir da
demanda de moradores e parceiros locais por projetos com perspectiva
educacional voltados para as crianças da comunidade.

O reforço, neste sentido, estruturou-se, inicialmente, apenas com a área de


português e matemática, tendo outros saberes trabalhados de forma
secundária. Contudo, a partir do entendimento da necessidade de uma maior
interdisciplinaridade e ações que pudessem romper com um modelo de
educação hegemônico que não aborda outros saberes e espaços de
construção simbólica, dá-se a formação de áreas como aprendizagem social e
emocional e educação turística.
Este texto justifica a sua relevância por tratar os temas da educação e turismo
dentro do contexto de um reforço escolar popular, algo inédito até então, que
pode contribuir para o desenvolvimento de novas formas de um saber-fazer da
área e também de novos olhares para a prática turística dos educandos. Nesse
sentido, este texto objetiva relatar a experiência da prática de educação
turística no reforço escolar, apontando-a como uma forma de sensibilização
dos educandos para a reflexão sobre o seu território, o patrimônio artístico e
cultural da cidade e suas subjetividades. Da perspectiva metodológica, este
texto caracteriza-se enquanto exploratório, de abordagem qualitativa,
pautando-se em um relato de experiência dos autores, enquanto educadores e
coordenadores da unidade, a partir da construção da área de educação
turística no contexto da pandemia da Covid-19.

1. Fundamentação Teórica

Educar é um processo contínuo de construção crítica de conhecimento que


envolve diferentes saberes e espaços de construções simbólicas para além da
educação formal. Neste sentido, a concepção de educação popular (FREIRE,
1987; 2019) torna-se o ponto de partida para a construção de um outro olhar
sobre a prática educativa. A partir da teoria freireana destacamos alguns
pontos importantes, como a humanização, a dialogicidade, a práxis, a
autonomia e a emancipação. Tomar a educação, portanto, como uma prática
da liberdade possibilita que a relação educando-educador seja para além de
transferência de conhecimentos, mas sim, de fato, a construção de sujeitos
históricos com liberdade de pensamento, autonomia de seus processos e
construções de seus saberes.

Nessa perspectiva, Fonseca Filho (2007) discute sobre a relação entre a


educação e o turismo, focando na educação turística que “[...] pode ser
compreendida como um processo educativo cuja finalidade é de difundir
conhecimentos sobre a atividade turística em cidades turísticas ou com
potencial turístico” (FONSECA FILHO, 2007, p. 19). Ainda segundo o autor, a
educação turística pode ser tratada - em qualquer âmbito da educação, seja
formal, não-formal ou informal - como um tema transversal ou como disciplina
própria, mas alerta para os perigos que a disciplinarização traz para a liberdade
e imaginação dos educandos, o que nos leva a utilizar o termo “área” para
designá-la no reforço escolar, pois evidencia o diálogo com os outros campos
do saber, como história, português, matemática, sociologia, artes, ecologia,
entre outros. A ideia é desenvolver nos educandos uma consciência crítica a
respeito da realidade em que vivem, a partir da/e valorização do patrimônio
cultural, histórico, artístico e natural da cidade, instigando a curiosidade e o
pertencimento local.

Por se tratar de um projeto localizado em uma favela, com uma população


preta e pobre, a autoestima dos educandos e a valorização do local são
fundamentais no processo de construção do saber. A partir disso, dialogamos
com os estudos decoloniais que buscam romper com modelos de
conhecimento universais os quais ignoram experiências locais e são seguidos
e legitimados pelo sistema de educação (QUINTERO; FIGUEIRA; ELIZALDE,
2019). Essa forma de colonialidade do conhecimento, que é uma das
ramificações da colonialidade do poder, contribui para a estruturação de uma
relação de poder assimétrica, contribuindo para a posição de subalternidade do
educando.

O turismo, neste sentido, carrega questões importantes na localização da


produção de seu conhecimento. Moesch (2008) aponta a necessidade de
ultrapassar uma perspectiva mercadológica do “fazer turismo” que impede o
saber turístico de relativizar modelos hegemônicos capitalistas impostos na
construção e interpretação desse fenômeno. A autora aponta também que
romper essas barreiras condicionadas pela lógica de mercado permite a
autonomia do campo do saber turístico. E é neste contexto que entendemos
um caminho de construção de um saber-fazer turístico mais humanizado e
emancipatório permitindo que nós, enquanto pesquisadores e educadores
popular, possamos nos apropriar e ressignificar, junto aos educandos, essa
mercantilização do saber turístico.

2. Resultados alcançados

Seguindo Moesch (2008) e Freire (1987; 2019), mencionados anteriormente,


buscamos desenvolver um trabalho de educação turística que leve em
consideração o saber produzido no território em que as crianças vivem,
construindo uma participação ativa em torno dos assuntos tratados. Nesse
sentido, o processo de ensino-aprendizagem que estabelecemos coletivamente
entre os participantes do projeto consiste em três abordagens: 1) construção de
um caderno de atividades; 2) encontros mediados por plataformas digitais e; 3)
ligações telefônicas para tirar dúvidas gerais.

A elaboração do caderno de atividades segue a orientação de desenvolver as


competências relacionadas ao português e matemática. Já os encontros
virtuais foram pensados para tirar dúvidas sobre as atividades, conhecer os
educandos e trazer mais exemplos aprofundando o assunto. Esses dois pontos
são pensados e repensados a partir do diálogo com as crianças. A área de
educação turística, sendo assim, elaborou até o momento três cadernos de
atividades em que tratamos sobre História da Arte (1), Patrimônio cultural,
artístico e histórico da cidade (2) e a relação do lazer e esporte (3).

Tendo como base o primeiro tema de trabalho, pensamos em fazer atividades


introdutórias com questões sobre arte, que serviram de base tanto para o
primeiro caderno quanto para o segundo, abordando também a relevância de
Oscar Niemeyer para a cidade. No entanto, de acordo com nossos encontros
virtuais, os educandos nos relataram ter pouco conhecimento não somente
sobre a relação das obras com o arquiteto, mas também sobre outros
patrimônios da cidade. Por exemplo, em frente a uma das entradas da favela
da Chácara, onde se situa a escola das crianças, existe um conjunto
arquitetônico, conhecido como Praça da República, com alguns prédios
históricos abertos à visitação, como a Biblioteca Parque, contudo disseram não
conhecer o local.

Já quando falamos de outras formas de arte, como pintura, um insight


interessante surgiu e vimos na prática a realidade opressora e sua força de
imersão das consciências (FREIRE, 1987). Tentando dar exemplos de pintores
e pinturas famosas para materializar o que falávamos, percebemos que
estávamos muito presos à colonialidade do saber (QUINTERO; FIGUEIRA;
ELIZALDE, 2019), já que sempre estavam em torno de representações
eurocêntricas desconectadas da realidade das crianças.

Percebemos, então, que uma das crianças estava sentada em frente a uma
parede que tinha uma pichação. Aquele momento foi uma oportunidade para
conversarmos sobre o tema do encontro usando o grafite e a pichação para
pensar a sua presença nos muros da cidade. Ficou perceptível a facilidade dos
educandos em refletir sobre o conteúdo do encontro, já que quando
perguntados se conhecem algum artista, um deles aponta a sua colega de
classe porque “ela desenha muito”.
Ressaltamos também a importância dessa abordagem para a formação dos
educadores durante este processo. Em uma atividade interna de formação
político-pedagógica dos educadores, descobrimos que o território da favela foi
um quilombo. Neste sentido, a perspectiva freireana de formação do educador
e do educando (FREIRE, 2019) nesse processo nos abrange de forma latente.

Conclusões

Este texto objetivou apresentar brevemente a experiência em torno da


aplicação da educação turística em um reforço escolar popular que, ainda que
os resultados aqui demonstrados não possam ser mensurados, acreditamos
ser importante a sua socialização em busca de apresentar uma alternativa
contra-hegemônica para o ensino do turismo que leve em consideração o
saber-fazer, a decolonialidade e a educação popular.

Referências Bibliográficas

FONSECA FILHO, Ari da Silva. Educação e Turismo: Reflexões para


Elaboração de uma Educação Turística. Revista Brasileira de Pesquisa em
Turismo, São Paulo, v. 1, n.1, p. 5-33, set. 2007. Disponível em:
https://www.rbtur.org.br/rbtur/article/view/77. Acesso em: 03 out. 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. 58. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.

MOESCH, Marutschka. O fazer-saber turístico: possibilidades de superação e


limites. In: GASTAL, S. Turismo: 9 propostas para um saber-fazer. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2008.

QUINTERO, Pablo; FIGUEIRA, Patricia; ELIZALDE, Paz Concha. Uma breve


história dos estudos decoloniais. 2019. Disponível em: https://masp.org.br/arte-
e-descolonizacao. Acesso em: 2 out. 2021.

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