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O gato de botas

Charles Perrault

O GATO DE BOTAS
Um moleiro não deixou para ostrabalhara
Um lavrador trêsmuito,
filhos
durantenada
a vida toda,além
ganhando de seu

moinho, de seu burro e de seu gato. Imediatamente fez-se a


sempre o suficiente para o sustento da família. Quando
faleceu, deixou sua herança para os filhos: um sítio, um
partilha dos bens, sem ser preciso
burrinho e um gato. chamar o advogado e o
Ao filho mais velho coube o sítio; ao segundo, o
tabelião, que logo teriamburrinho;
devorado todo
e o caçula ficou o pobre patrimônio. O mais
com o gato.

velho ficou com o Este último, nada satisfeito com o que lhe coubera,
resmungou: “Meus irmãos sobreviverão honestamente. Mas,
moinho e o segundo com o burro, restando ao mais novo apenas o
e eu? O que vou fazer? Talvez possa jantar o gato e com o
couro fazer um tamborim. Mas, e depois?”
gato. O gato logo endireitou as orelhas, querendo ouvir
melhor um assunto de tamanho interesse. Então, percebendo

Este último, incapaz de se consolar com a modesta parte que lhe


que precisava agir, foi dizendo:
— Não se desespere, patrãozinho, pois eu tenho um
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coubera, dizia: plano. Consiga-me um par de botas e um saco de pano, e

– Os meus irmãos, trabalhando juntos, poderão ganhar a vida


deixe o resto comigo.
O jovem achou que valeria a pena tentar; afinal, o gato

honestamente; mas eu, parecia inteligente e astuto. Deu-lhe então um saco e um par
de botas, desejou-lhe muito boa sorte, e deixou-o partir.
depois que tiver comido o meu gato e fizer com o pelo dele um
O gato dirigiu-se a uma mata na qual sabia que viviam
coelhos de carne deliciosa. Mas eram bichos difíceis de
rolinho para esquentar as apanhar. O esperto bichano enfiou no saco um punhado de

mãos, irei morrer de fome.


farelo e outro de capim. Deixou o saco no chão e ficou bem
pertinho, imóvel, à espera de que algum coelho jovem e
inexperiente caísse na arapuca.
O gato, ouvindo bem essas palavras, mas sem demonstrar que
Nosso gato esperou pacientemente. Por fim, viu suas

ouvia, disse-lhe então,


esperanças se tornarem realidade: um coelhinho se enfiou no
saco, atraído pelo cheiro do farelo, e começou a comer
com ar ponderado e sério: tranqüila e gostosamente.
Rápido como um relâmpago, o felino passou um
– Não fique aflito, mestre, basta você me dar um saco e mandar fazer
cordão na abertura do saco e prendeu o coelho. Com a caça

para mim um par


nas costas, dirigiu-se ao palácio real.
— Quero falar com o rei — disse aos guardas, com

de botas para eu entrar nos matagais, e logo verá que não se saiu
ares de muita importância.
Foi conduzido à presença real. Afinal, não era sempre
tão mal assim na partilha que um gato aparecia pedindo audiência.

como pensa.
Na presença do soberano, o gato se curvou em
respeitoso cumprimento.
— Majestade! Meu patrão, o marquês de Sacobotas, me
Embora não confiasse muito nisso, o dono do gato já o tinha visto
encarregou de oferecer-lhe este coelho, caçado nas matas de

fazer tantas proezas


propriedade dele.

para pegar ratos e camundongos, como se dependurar pelas


patas ou se esconder na farinha
bancando o morto, que manteve esperança de poder ser ajudado em seu
desamparo.
Depois de conseguir tudo o que havia pedido, o gato calçou as botas, todo
prosa,
pendurou o saco no pescoço, puxando os cordões com as duas patas da
frente, e foi para um
matagal onde havia coelhos comem grande quantidade. Botou no saco um
O rei, que apreciava muito carne de coelho, se alegrou
o presente:

pouco de farelo com verdura e, esticando-se como duasse


— Diga a seu patrão que agradeço muito a gentileza.
Alguns dias depois, o gato apanhou estivesse morto,
grandes
esperou que algum coelho rolinhas
novo, numaainda
emboscada, num campo de milho. Guardou as
aves no saco e foi logo levá-las ao rei.
pouco iniciado nas espertezasOdo mundo,
rei aceitou viesse
com todo prazer seoferta,
essa segunda enfiar
pois no saco para
comer o que ele tinha adorava carne de rolinha!
Nos meses seguintes, o gato continuou indo à corte
posto lá. para levar caças ao rei, sempre agradando muito ao paladar
do soberano. A cada novo presente, afirmava que as carnes
Mal se espichou no chão, ovinham
Gato dedeBotas
das terras seu patrão, ose encheu
marquês de Sacobotas. de alegria; um
coelhinho estouvado
Um dia, quando estava saindo do palácio, escutou a
conversa de dois criados:
entrou no saco e ele logo odopegou, puxou na mesma hora os cordões e o
— Amanhã o rei passará de carruagem pelas margens
rio, junto com sua filha, a mais bela moça de todo o reino.
matou sem piedade. O gato correu logo ao patrão, dizendo:

Todo orgulhoso de sua presa, foinobre


atée feliz.
o palácio do rei e pediu para lhe falar.
— Patrãozinho, se seguir meus conselhos poderá se
tornar rico,

Ao subir — E o que deverei fazer? — perguntou o jovem patrão,


confiante no gato que herdara.
para o apartamento de Sua Majestade,— Amanhã você deverá onde lhe
ir ao rio fezbanho
e tomar uma no grande

reverência, assim que entrou No dia seguinte, enquanto se banhava nas águas do
lugar exato em que eu indicar. O resto, deixe comigo.

disse ao rei: rio, o rapaz viu se aproximar o rei, acompanhado pela princesa
e por alguns nobres. O gato, que lá estava à espera, saiu de
– Majestade, trago este coelho
trás de uma do mato
moita e começouque o
a gritar, senhor
com todo o fôlego:
— Socorro! Socorro! Ajudem o marquês de Sacobotas,
marquês de Carabás
– (foi o ele está se afogando no rio! Ajudem! 33

nome que lhe deu na veneta atribuir adeliciosas.


seu dono) – deume encarregou de lhe
O rei escutou os gritos e reconheceu o gato que tantas
vezes lhe levara carnes Imediatamente ordem
oferecer de sua aos guardas para que corressem e acudissem o marquês de
Sacobotas.
parte. Enquanto o jovem estava sendo retirado do rio, nosso gato

– Diga a seu dono – respondeu


do mundo: o rei – que eu o agradeço pelo prazer que
se aproximou da carruagem real dizendo, com o ar mais entristecido

me causou. — Majestade, meu patrão estava tomando banho no


rio e chegaram uns ladrões, que levaram toda a roupa dele. E
agora, como ele poderá se apresentar a Vossa Majestade,
inteiramente nu?
Na verdade, o gato, muito vivo, havia escondido os
trapos do moço embaixo de umas pedras… Mas o rei,
De outra vez, ele se escondeu numa plantação de trigo, tendo sempre seu
saco aberto;
assim que duas perdizes entraram, ele puxou
penalizado, ordenou a um de seusos cordões
guardas e pegou as duas.
que corresse ao
Foi em seguida palácio e pegasse umas roupas para o pobre marquês
espoliado.
oferecê-las ao rei, como tinha feito com
A roupa o eracoelho
trazida esplêndida.do
Com mato.
ela, o falsoO rei recebeu com

igual prazer as
marquês, que aliás era um jovem bem bonito, ficou com ótima
aparência. Logo a princesa se apaixonou pelo jovem, e o rei
duas perdizes e mandou que convidou-o
lhe
passeio.
dessem uma gratificação.
a subir na carruagem, para juntos continuarem o

De tempos em tempos, por dois ou Mas, etrês


o gato? meses, o gato continuou levando para

o rei
O gato, contente com o sucesso inicial de seu projeto,
correu na frente da carruagem, que avançava lentamente.
alguma caça proveniente de seu dono. No dia em que soube que o rei deveria
Um pouco adiante, viu um grupo de lavradores
capinando. O gato fez uma careta bem feia e gritou com um
ir passear de vozeirão ameaçador:

carruagem pela beira do rio, em companhia daaofilha,


marquês deaSacobotas,
princesa mais bonita do
— Atenção! O rei passará aqui já, já! Se vocês não
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disserem que esse campo pertence

mundo, o gato serão todos demitidos!


Assustadíssimos, os coitados juraram que
disse a seu dono: obedeceriam. Quando o rei, curioso, perguntou aos lavradores

– Se quiser aceitar o meu conselho,


uma só voz: sua fortuna já está garantida; tudo o que
a quem pertencia aquele belo campo, estes responderam a

você tem — Ao senhor marquês de Sacobotas!


E o rei parabenizou seu convidado pela beleza e
de fazer é ir tomar um banho fertilidade
no rio, num lugar que vou lhe mostrar, e deixe o
de suas terras.
Enquanto isso, nosso gato, sempre bem à frente da
resto por minha comitiva real, parou num canavial em que camponeses

conta.
ceifavam.
— Atenção! Daqui a pouco o rei passará por aqui.
O marquês de Carabás fez o Vocês
que o gato lhe aconselhou, mesmo sem saber
vão dizer a ele que este canavial pertence ao marquês
de Sacobotas. Se não disserem, serão todos presos.
para queserviria aquilo. O rei, então, passou
Assustados, porde lá
os cortadores canaenquanto
prometeram ele se banhava,
e o gato começou a
obedecer.
E assim fizeram também os criadores de porcos, os

gritar com toda a força que tinha:


vaqueiros, os cultivadores de uvas e tantos mais que o gato
encontrou em seu caminho.
– Socorro! Socorro! O marquês de TudoCarabás está
pertencia ao marquês se afogando!
de Sacobotas! E a estima
do rei pelo novo nobre crescia a cada quilômetro percorrido.
Sempre à frente, o gato, chegou a um castelo no qual
vivia um terrível mago, muito rico. A ele pertenciam todas
as terras que o esperto gato atribuíra ao marquês de Sacobotas!
O gato sem dúvida precisava, com urgência, de uma
nova idéia brilhante. Como idéias não lhe faltavam, pensou
A esse grito, o rei pôs a cabeça pela portinhola e, reconhecendo o gato
que tantas vezes
tinha lhe levado animais caçados, ordenou a seus guardas que a toda
pressa fossem socorrer
o marquês de Carabás.
Enquanto tiravam o pobre marquês do rio, o gato se aproximou da
um pouquinho e pediu para ser levado à presença do mago.
carruagem e disse ao Assim que chegou ao salão, curvou-se respeitosamente

rei que, no momento em que— Eu seuestavadono banhava-se no rio, chegaram


e começou a fazer elogios:
passando por estas bandas, meu senhor,

uns ladrões e levaram a edaachei que era meu dever homenagear o mais poderoso mago
região. Ouvi falar que o senhor pode se transformar em
roupa dele, apesar de elequalquer
ter— animal.
gritado bem
Mas eu duvido quealto:
isto seja “Pega
verdade.
Quer ver? — respondeu o mago, irritado com a
ladrão!”; e o gato
pilantra a escondera provocação.

debaixo de uma pedrona.rugindo, com sua grande boca aberta. O gato levou tamanho
Em um instante, no lugar do mago estava um leão

susto que por pouco não caiu para trás!


— E agora, está convencido, seu gato?
— Bem, senhor, até certo ponto… Não deve ter sido tão
Imediatamente o rei mandou que os encarregados de sua rouparia fossem
difícil, grandalhão como é, se transformar em um animal enorme.

buscar um de
Eu só queria ver se conseguia se transformar em um animal
pequeno, como um ratinho, por exemplo. Que tal? Consegue?

seus trajes mais belos para o senhor marquês de Carabás. O rei


— Eu consigo me transformar em qualquer animal,
ouviu bem? — gritou o mago.
desmanchou-se em E logo ele virou um ratinho, que começou a correr
veloz pela sala toda. Com toda sua astúcia, o gato devorou-o
gentilezas com ele e, como as roupas bonitas que trouxeram tinham
numa só bocada.

realçado a boa aparência A carruagem real já estava chegando ao castelo. O rei,


curioso, quis visitá-lo.
do jovem (pois ele, além de bonito, era benfeito de corpo), a filha do rei
O marquês de Sacobotas nem sabia o que fazer. Por
sorte, o gato logo apareceu, cumprimentando:
achou-o muito a seu — Bem-vinda, majestade, ao castelo do marquês de

gosto; e foi só o conde de Carabás


Sacobotas.
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O rei ficou admirado.
1 — Oh! Não me diga, marquês, que também este belo
castelo lhe pertence? E não falava nada, heim?
lançar-lhe uns dois ou três olhares dos mais respeitosos,
O rei entrou no castelo, acompanhado pelo marquês e
pela princesa. No salão principal do luxuoso castelo havia
uma comprida mesa, na qual já estava servido um verdadeiro

porém um pouco calorosos, para ela se apaixonar loucamente por ele.


banquete. Os recém-chegados, inclusive o gato, comeram e
beberam a fartar, satisfazendo a fome após tão longo passeio.
O rei convidou-o a subir em sua carruagem para participar do passeio. O
No final da refeição, o rei, que já estava percebendo

gato,
os olhares apaixonados da filha para o jovem marquês, tão
rico e tão belo, disse:

entusiasmado ao ver que o plano já começava a dar certo, saiu na frente


— Meu caro marquês, vejo que minha filha tem por você
muita simpatia. Se sentir o mesmo por ela, então ofereço-lhe
e, ao encontrar sua mão.

alguns camponeses a roçar um pasto, disse a eles:


– Olá, gente boa, olá ceifadores, se vocês não disserem ao rei que este
pasto que estão
roçando pertence ao senhor marquês de Carabás, todos serão feitos em
pedacinhos como
carne para patê.
O rei não deixou de perguntar aos ceifadores de quem era o pasto que
eles roçavam.
– É do senhor marquês de Carabás – todos disseram juntos, pois temiam
a ameaça do
gato.
– Que bela herança você tem aí, hein? – disse o rei ao marquês de
Carabás.
– Pois é, Majestade – respondeu o marquês –, é um pasto que não para
Não cabendo em si de felicidade, o jovem logo respondeu
que sim.
de render, todos os anos,filho
bons lucros.
Naquele mesmo dia foram celebradas as bodas, e o
do lavrador se tornou príncipe.
E o gato, autor de tanta fortuna? Ele se tornou um
O Gato de Botas, andando sempre na frente, encontrou trabalhadores
senhor… E, se de vez em quando caçava algum rato, era por

colhendo trigo e
pura diversão.

lhes disse:
– Olá, gente boa, olá, colhedores, se vocês RAPUNZELnão disserem ao rei que todas
essas Era uma vez um casal que há muito tempo desejava

plantações de trigo pertencem ao senhor marquês de que Carabás, todos serão


inutilmente ter um filho. Os anos se passavam, e seu sonho
não se realizava. Afinal, um belo dia, a mulher percebeu
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feitos em Deus ouvira suas preces. Ela ia ter uma criança!
Por uma janelinha que havia na parte dos fundos da
pedacinhos como carne para patê.
casa deles, era possível ver, no quintal vizinho, um magnífico

O rei, passando por ali no momento seguinte,


de tudo se erguiaquis
um muro saber
altíssimo, de quem eram as
jardim cheio das mais lindas flores e das mais viçosas
hortaliças. Mas em torno

plantações que ninguém se atrevia a escalar. Afinal, era a propriedade


de uma feiticeira muito temida e poderosa.
que ele via. Um dia, espiando pela janelinha, a mulher se admirou

– São do senhor marquês de jamaisCarabás – responderam os trabalhadores, e o


ao ver um canteiro cheio dos mais belos pés de rabanete que
imaginara. As folhas eram tão verdes e fresquinhas

rei ficou que abriram seu apetite. E ela sentiu um enorme desejo de
provar os rabanetes.
ainda mais satisfeito com oquemarquês. O
A cada dia seu desejo gato,
aumentavaque ia
mais. Mas elaadiante
sabia
não havia jeito de conseguir o que queria e por isso foi
da carruagem,
dizia sempre a ficando triste, abatida e com um aspecto doentio, até que um

mesma coisa a todos que encontrava; e o rei muito


querida?se admirava com os
dia o marido se assustou e perguntou:
— O que está acontecendo contigo,
grandes bens do — Ah! — respondeu ela. — Se não comer um rabanete
do jardim da feiticeira, vou morrer logo, logo!
senhor marquês de Carabás. O marido, que a amava muito, pensou: “Não posso
deixar minha mulher morrer… Tenho que conseguir esses

O Gato de Botas chegou, enfim, a um belo castelo cujo dono era um ogro,
rabanetes, custe o que custar!”
Ao anoitecer, ele encostou uma escada no muro, pulou
o castelo mais para o quintal vizinho, arrancou apressadamente um punhado
de rabanetes e levou para a mulher. Mais que depressa, ela
rico que já se tinha visto, pois todas as terras pelas quais o rei havia
preparou uma salada que comeu imediatamente, deliciada.

passado estavam em
Ela achou o sabor da salada tão bom, mas tão bom,

seus domínios. O gato, que tivera o cuidado de se informar sobre quem era
esse ogro e o que
ele sabia fazer, pediu para falar com ele, pois não podia passar tão perto
de seu castelo sem
ter a honra de cumprimentá-lo.
O ogro, recebendo-o com toda a polidez de que é capaz um ogro,
convidou-o a sentar- O gato de botas
se.

– Garantiram-me – disse Charles o gato –, quePerrault o senhor teria o dom de se


transformar em
qualquer espécie de animal; que poderia, O GATO DE BOTAS
por exemplo, transformar-se
numUmleão,
moleironumnão deixou para Um lavradorostrabalhara
trêsmuito,filhos durantenada
a vida toda,além
ganhando de seu
elefante?
moinho, de seu burro e de seu gato. Imediatamente fez-se a
sempre o suficiente para o sustento da família. Quando
faleceu, deixou sua herança para os filhos: um sítio, um
– partilha
É verdade dos– bens,
respondeu
sem serbruscamente
preciso
burrinho e um gato. chamar o ogroo –, e, para lhe
advogado e omostrar,
você vai ver eu me
Ao filho mais velho coube o sítio; ao segundo, o
tabelião, que logo teriamburrinho;devorado todo
e o caçula ficou o pobre patrimônio. O mais
com o gato.

tornar
velhoum leão.
ficou com o Este último, nada satisfeito com o que lhe coubera,
resmungou: “Meus irmãos sobreviverão honestamente. Mas,
moinho
O gato ficouetãoo segundo
apavorado com aoofazer
burro,
ter umpela restando
tamborim. frente um aoleão maisque
e eu? O que vou fazer? Talvez possa jantar o gato e com o
couro Mas, e depois?”
novona apenas
mesma o
horagato.
foi se agarrar O gato logo endireitou as orelhas, querendo ouvir
melhor um assunto de tamanho interesse. Então, percebendo
às calhas, não sem
Este último, dificuldade,
incapaz de se e com
consolar
que precisava perigo,
com
agir, foi dizendo:
a por causaparte
modesta de suas
que botas,
lhe
quecoubera,
não lhe serviam
— Não se desespere, patrãozinho, pois eu tenho um
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dizia: plano. Consiga-me um par de botas e um saco de pano, e

de nada para andar no telhado.


– Os meus irmãos, trabalhando O jovem juntos,
deixe o resto comigo.
achou que valeria poderão ganhar
a pena tentar; afinal, o gato a vida
Algum tempo depois,
honestamente; mas aoeu,
verparecia
o ogro abandonar
inteligente e astuto. Deu-lhe então a umforma assumida antes,
saco e um par
de botas, desejou-lhe muito boa sorte, e deixou-o partir.
o gato desceu
depois que etiver comido coelhos
o meu gato e fizer com o pelo dele um
O gato dirigiu-se a uma mata na qual sabia que viviam

confessou ter sentido muitoas medo.


de carne deliciosa. Mas eram bichos difíceis de
rolinho para esquentar apanhar. O esperto bichano enfiou no saco um punhado de
– Garantiram-me
mãos, irei morrer ainda
de –fome.
disse o gato –, mas nisto eu não acredito
farelo e outro de capim. Deixou o saco no chão e ficou bem
pertinho, imóvel, à espera de que algum coelho jovem e
mesmo, que o inexperiente caísse na arapuca.
O gato, ouvindo bem essas Nosso palavras, mas sem demonstrar que
senhor também teria o poder de assumir a forma de um animal bem
gato esperou pacientemente. Por fim, viu suas

ouvia, disse-lhe então, saco, atraído pelo cheiro do farelo, e começou a comer
esperanças se tornarem realidade: um coelhinho se enfiou no

pequeno, de se
com ar ponderado e sério: tranqüila e gostosamente.
transformar num rato, por exemplo, Rápido como ouumnum camundongo.
relâmpago, o felino passou um Confesso que
– Não fique aflito, mestre, basta vocêdo sacome dar umCom sacoa caça e mandar fazer
considero isso
cordão na abertura e prendeu o coelho.

para mim um par


nas costas, dirigiu-se ao palácio real.

totalmente impossível. — Quero falar com o rei — disse aos guardas, com

de botas para eu entrar nos matagais, e logo verá que não se saiu
ares de muita importância.
– Impossível? – replicou o ogro. – aparecia
Poispedindo então você vai ver. – E no
Foi conduzido à presença real. Afinal, não era sempre
tão mal assim na partilha que um gato audiência.
mesmo instante ele
como pensa.
Na presença do soberano, o gato se curvou em

se transformou num camundongo queMeu saiu


patrão, a correr pelomeassoalho. O
respeitoso cumprimento.
— Majestade! o marquês de Sacobotas,
Embora
gato, assimnão queconfiasse
o notou, muito nisso,
encarregou o dono
de oferecer-lhe do
este coelho, gato
caçado jádeo tinha visto
nas matas

fazer tantas proezas


propriedade dele.
atirou-se sobre ele e o comeu.
para pegar ratos e camundongos, como se dependurar pelas
Enquanto isso, o rei, ao passar pelo belo castelo do ogro, teve vontade de
patas ou se esconder na farinha
entrar. O
gato, ouvindo o barulho da carruagem, que já atravessava a ponte levadiça,
foi correndo
encontrá-los e disse ao rei:
– Que Vossa Majestade seja bem-vinda ao castelo do senhor marquês de
Carabás. o morto, que manteve esperança de poder ser ajudado em seu
bancando
– Como, senhor marquês! – exclamou o rei. – Então este castelo também é
desamparo.
seu! Não
Depois dehá conseguir tudo o que havia pedido, o gato calçou as botas, todo
nada mais bonito que este pátio com todas as construções que o rodeiam;
prosa,
deixe-me o
pendurou ver o no pescoço, puxando os cordões com as duas patas da
saco
interior,e por
frente, favor.um
foi para
O marquês deu a mão
matagal onde havia coelhos à jovem
comem princesa
grande quantidade. e, seguindoBotou o rei, que
O rei, que apreciava muito carne de coelho, se alegrou
o presente: subia
no saco à
um
frente,de
pouco entraram
farelo com verdura e, esticando-se
Alguns dias depois, o gato apanhoucomo duasse
— Diga a seu patrão que agradeço muito a gentileza.
estivesse morto,
grandes
numa grande
esperou sala onde
que algum coelhoencontraram
novo,
rolinhas numaainda
emboscada,uma refeição
num campo magnífica,
de milho. Guardou as preparada a
mando do ogro para os amigos reidele, que deveriam vir visitá-lo nesse
aves no saco e foi logo levá-las ao rei.
pouco iniciado nas espertezasOdo mundo,
aceitou com viesse
todo prazer seoferta,
essa segunda enfiar
pois no saco para
mesmoo dia,
comer que mas não ousaram
ele tinha entrar
adorava carne de rolinha!
Nos meses seguintes, o gato continuou indo à corte
quando
posto lá.souberam da presença do aorei.
para levar caças O rei,
rei, sempre encantado
agradando muito ao paladar com as

propriedades do no
senhor
do soberano. A cada novo presente, afirmava que as carnes
Mal se espichou chão, ovinhamGato dedeBotas
das terras seu patrão, ose marquêsencheu de alegria; um
de Sacobotas.

marquês de
coelhinho Carabás, assim
estouvado como sua filha, que estava louca por ele, e
Um dia, quando estava saindo do palácio, escutou a
conversa de dois criados:
vendo no
entrou os grandes
saco e ele logo odopegou, puxou na mesma hora os cordões e o
— Amanhã o rei passará de carruagem pelas margens

bens que sempossuía,


piedade.disse-lhe, após terlogobebido cinco ou seis copos de vinho:
rio, junto com sua filha, a mais bela moça de todo o reino.
matou O gato correu ao patrão, dizendo:

– Só depende do senhor,
Todo orgulhoso de sua presa, caro marquês,
foi atée feliz.
o palácioquererdo serei
— Patrãozinho, se seguir meus conselhos poderá se
tornar rico, nobre tornar
e pediumeuparagenro.
lhe falar.
Ao subir — E o que deverei fazer? — perguntou o jovem patrão,
confiante no gato que herdara.
O marquês,
para fazendode
o apartamento grandes
Sua Majestade,reverências,
— Amanhã você deverá onde iraceitou
lhe
ao rio fezabanho
e tomar honra
uma que o rei lhe
no grande

concedia; casou-
reverência, assim que entrou No dia seguinte, enquanto se banhava nas águas do
lugar exato em que eu indicar. O resto, deixe comigo.

se noao
disse mesmo
rei: dia com a princesa. O gato tornou-se um grão-senhor e nunca
rio, o rapaz viu se aproximar o rei, acompanhado pela princesa
e por alguns nobres. O gato, que lá estava à espera, saiu de
–mais correu atrás de
Majestade, trago esteratos,
coelho adenão
trás umado ser
mato
moita para
e começou que seocom
a gritar, divertir.
senhor marquês de Carabás
todo o fôlego:
— Socorro! Socorro! Ajudem o marquês de Sacobotas,
– (foi o ele está se afogando no rio! Ajudem! 33

nome que lhe deu na veneta atribuir adeliciosas.


seu dono) – deu
me encarregou de lhe
O rei escutou os gritos e reconheceu o gato que tantas
MORAL vezes lhe levara carnes Imediatamente ordem
oferecer de sua aos guardas para que corressem e acudissem o marquês de
Sacobotas.
parte.
Por maior que seja a bonança Enquanto o jovem estava sendo retirado do rio, nosso gato

– Diga a seu dono – respondeu


De gozar de uma grande herança
do mundo: o rei – que eu o agradeço pelo prazer que
se aproximou da carruagem real dizendo, com o ar mais entristecido

Que aos filhos vem dos próprios pais, — Majestade, meu patrão estava tomando banho no
mePra causou.
quem é jovem, geralmente, rio e chegaram uns ladrões, que levaram toda a roupa dele. E
Ser só capaz e diligente agora, como ele poderá se apresentar a Vossa Majestade,

Vale mais que os bens ancestrais. inteiramente nu?


Na verdade, o gato, muito vivo, havia escondido os
trapos do moço embaixo de umas pedras… Mas o rei,

OUTRA MORAL
Se o filho de um moleiro, assim tão depressa,
Ganha um coração de princesa
E da mesma recebe olhares tão ardentes,
É que a roupa, a juventude e a figura,
Para inspirar tanta ternura,
Não serão meios para sempre indiferentes.

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