Você está na página 1de 264

ISSN 1981-9390

Lumen
Veritatis
Vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016

REVISTA DE INSPIRAÇÃO TOMISTA

Instituto Filosófico Aristotélico Tomista – Instituto Teológico São Tomás de Aquino


ISSN 1981-9390

Lumen
Veritatis
Vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016

R EVISTA DE INSPIRAÇÃO TOMISTA

Revista trimestral de filosofia e teologia editada pelo

Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT)


e
Instituto Teológico São Tomás de Aquino (ITTA)
 ISSN 1981-9390
Lumen Veritatis
Revista Científica de Filosofia e Teologia
•  Fundadores / Founders: •  Diretor / Director:
Dom Benedito Beni dos Santos Joshua Alexander Sequeira, EP (ITTA)
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP •  Editor / Editor-in-chief:
Felipe de Azevedo Ramos, EP (IFAT)
•  Conselho Editorial / Editorial Board:
Anna Cristina Andrade de Moraes, EP (IFAT)
Bruno Esposito, OP (Pontificia Università San Tommaso d’Aquino, Angelicum)
Carlos Alberto Serpa de Oliveira (Presidente da Academia Brasileira de Educação)
Carlos Antônio da Silva (Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico)
Carlos Arboleda Mora (Universidad Pontificia Bolivariana)
Carlos Javier Werner Benjumea, EP (Roma)
Giulia Lombardi (Pont. Univ. San Tommaso d’Aquino – Pont. Univ. Urbaniana, Roma)
Gonzalo Soto Posada (Universidad Pontificia Bolivariana)
Javier González Camargo (Universidad Sergio Arboleda)
José Adriano (ITTA)
Mauro Mantovani, SDB (Università Pontificia Salesiana, Roma)
Pedro Rafael Morazzani Arráiz, EP (ITTA)
Wim Verbaal (Universiteit Gent, Bélgica)

•  Revista trimestral publicada por / Quarterly Journal published by:


© Instituto Lumen Sapientiae (todos os direitos reservados) - CNPJ: 05.905.795/0010-91

•  Correspondência e assinaturas / Correspondence and subscriptions:


Revista Lumen Veritatis
Caixa Postal 257 - CEP 07600-000 - Mairiporã - São Paulo - Brasil
Fone/Fax: (11) 4419-2311 / (11) 2971-9040
E-mail: editor@lumenveritatis.org
Website: www.lumenveritatis.org - Assinaturas online: revistaacademica.arautos.org
Aceitamos permuta com revistas congêneres

•  Assinatura anual / Annual subscription:


Brasil: R$ 78 / Exterior: US$ 76 / € 62 (via aérea)

•  Projeto gráfico / Graphic design:


Equipe de artes gráficas dos Arautos do Evangelho

L957 Lumen Veritatis / Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT) /


Instituto Teológico São Tomás de Aquino (ITTA). – vol. (ano) 1, n. 1 (out.-dez.
2007). – Mairiporã-SP: Lumen Sapientiae, 2007.
Trimestral.
ISSN: 1981-9390
1. Tomismo – Periódicos. 2. Filosofia – Periódicos. 3. Teologia – Periódicos.
I. Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT). II. Instituto Teológico São
Tomás de Aquino (ITTA)
CDU 141.30
Sumário

Artigos
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP .................................................. 259

O desejo de Deus sob a perspectiva tomista da metafísica da participação


Felipe de Azevedo Ramos, EP ............................................................. 313

Notas sobre la tesis de la luz primordial según Plinio Corrêa de Oliveira


Antonio Jakosch Ilija, EP .................................................................. 389

L’intention apologétique de Maurice Blondel


François Bandet, EP ....................................................................... 425

Traduções
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum”
S. Tomás de Aquino ........................................................................ 457

A beleza que não se apaga


Card. Zenon Grocholewski ................................................................. 475

Resenhas
Porro, Pasquale. Tommaso d’Aquino. Un profilo storico-filosofico. (Felipe de Aze-
................................................................................... 487
vedo Ramos, EP)

Lima, Maria de Lourdes Corrêa. Mensageiros de Deus: Profetas e Profecias no


Antigo Israel. (Alejandro Javier de Saint Amant)........................................... 503

Aletti, Jean-Noël. New Approaches for Interpreting the Letters of Saint Paul.
(Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP)........................................................ 506


Normas para colaboradores


Lumen Veritatis é uma revista trimestral e temática. Publica artigos origi-
nais e inéditos na área de Filosofia e Teologia, preferencialmente em português.
São também aceitos os seguintes idiomas: alemão, espanhol, francês, inglês,
italiano e latim. Os artigos devem ter entre quatro mil e oito mil palavras, um
resumo e uma respectiva tradução para o inglês de cerca de 100 palavras e 3 a 5
palavras-chave. As resenhas devem ter no máximo duas mil palavras. As refe-
rências bibliográficas e as notas de rodapé seguem as normas da ABNT, ou da
metodologia vigente no país do autor.
Os artigos devem ser enviados à Revista em CD ou anexo de e-mail, junta-
mente com uma breve apresentação acadêmica do autor, afiliação, endereço
postal e eletrônico. Todas as contribuições são analisadas anonimamente por
dois juízes especializados (double-blind review), que dão o parecer através do
Editor. Caso o artigo seja publicado, o autor receberá três exemplares da revis-
ta.
A partir da publicação, o autor cede os direitos do artigo à Lumen Veritatis,
pelo que a sua republicação, integral ou parcial, requer autorização por escrito da
direção da Revista. Como norma geral, a utilização de qualquer artigo segue as
normas de copyright em vigor.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores.

Endereço para envio de artigos:


Revista Lumen Veritatis
Caixa Postal 257 – CEP: 07600-000 – Mairiporã - São Paulo - Brasil
E-mail: editor@lumenveritatis.org


Editorial

Neste ano, a equipe editorial desta revista decidiu publicar extratos de algu-
mas teses de doutorado ou mestrado de alguns de seus colaboradores, com
pequenas alterações ou atualizações. Para tal objetivo, foram reunidos dois
fascículos (ou números) numa mesma publicação, a fim de obter uma quan-
tidade mínima de autores e artigos, pois estes resultaram, em geral, numa
dimensão superior à habitual. Contudo, o volume manterá o número habitual
de 500 a 600 páginas anuais.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 257 257
Artigos
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3;
Flp 4, 4-7  1

An Exegetical Analysis of Phil 4:(1) 2-3; Phil 4:4-7


Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP 2
Resumen
Este estudio de Flp 4,1; 4,2-3; 4,4-7 aborda cuatro importantes aspectos. Prime-
ro, confirma desde el punto de vista sintáctico, retórico y literario la función con-
clusiva de Flp 4,1. Segundo, analiza la función retórica que el binomio στέφανος /
χαρά, desempeña dentro de los objetivos didácticos paulinos: situar la mentalidad
de los filipenses en una perspectiva escatológica. Tercero, el estudio de la exhorta-
ción para la armonía comunitaria y la referencia al “Libro de la Vida” presente en
Flp 4,2-3, corrobora la importancia que Pablo le asigna a esta perspectiva: el discí-
pulo de Cristo debe alcanzar la meta de la vida eterna. Finalmente el análisis exegé-
tico de Flp 4,4-7, permitió constatar la inspiración temática y doctrinal de Pablo: su
experiencia vivencial, el Salmo 34 (33) e Isaías 40,13, siempre leídos desde la Sep-
tuaginta. En síntesis, estos aspectos revelan la novedosa y admirable διδασκαλία
que Pablo impartió a sus discípulos filipenses.
Palabras clave: retórica paulina, didaskalia paulina, inspiración temática y doctri-
nal paulina.

Abstract
This study of Phil 4:1; 4:2-3; 4:4-7 deals with four important aspects. First, it
confirms from the syntactic, rhetorical and literary point of view the conclusive
function of Phil 4:1. Second, it analyzes the rhetorical function that the binomi-
al στέφανος / χαρά plays within the Pauline didactic objectives: to place the men-
tality of the Philippians in an eschatological perspective. Thirdly, the study of the
exhortation for community harmony and the reference to the “Book of Life” pres-
ent in Phil 4:2-3 corroborates the importance that Paul assigns to this perspective:
the disciple of Christ must reach the goal of eternal life. Finally, the exegetical anal-
ysis of Phil 4:4-7 helps to verify Paul’s thematic and doctrinal inspiration: his life
experience, Psalm 34 (33) and Isaiah 40:13, always read from the Septuagint. In
sum, these aspects reveal the new and admirable διδασκαλία that Paul imparted to
his Philippian disciples.
Keywords: Pauline rhetoric, Pauline didaskalia, Pauline thematic and doctrinal
inspiration.

1)  El presente texto es una adaptación del capítulo IV de la tesis doctoral La didaskalia paulina en la pers-
pectiva de la unidad e integridad de la Carta a los Filipenses.
2)  Doctor en Teología por la Pontificia Università San Tommaso d’Aquino (Angelicum), Roma y profe-
sor en el ITTA.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 259
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Introducción
El estudio de Flp 4, 1; 4, 2-7 que a continuación presentamos, permitirá
determinar dos aspectos esenciales dentro de los objetivos propuestos en este
trabajo. En primer lugar, detectar los vínculos temáticos y conceptuales más
significativos que Pablo estableció entre estas unidades textuales y el resto de
la trama dialógica. Este procedimiento exegético corresponde, en otros tér-
minos, a una clave hermenéutica que permite determinar la integridad y la
cohesión de esta Carta a los Filipenses. En segundo lugar, se podrán cons-
tatar algunas novedosas facetas del background teológico-doctrinal paulino.
Efectivamente, el análisis de Flp 4, 4-7 revelará las fuentes de inspiración,
poco estudiadas y por ello desconocidas, que llevaron a Pablo a impartir su
admirable διδασκαλία. 3 Al mismo tiempo, las consideraciones que expondre-
mos a propósito de Flp 4, 2-3 explicitarán el objetivo magisterial que Pablo
se ha propuesto articulando estos dos versículos. El Apóstol y Maestro de los
filipenses desea que todos ellos, en concordia y armonía, adopten una nue-
va mentalidad y en consecuencia abracen la causa del Evangelio con amor.
El motivante que Pablo invocará presenta notables resonancias escatológicas
que asimiló en sus estudios y meditaciones leyendo el texto bíblico desde la
Septuaginta, como lo intentaremos demostrar.
Comenzamos exponiendo un análisis de Flp 4, 1, versículo que ha suscita-
do profundos desacuerdos interpretativos entre los estudiosos.

1. La discrepancia en torno a Flp 4, 1


Los académicos favorables a la unidad e integridad de Filipenses se divi-
den a propósito de la función que este versículo desempeña dentro de la trama
epistolar. Para unos, con Flp 4, 1 se concluye la sección 3, 17-21; para otros,
con este versículo se inicia una nueva unidad textual:

3)  Edart, Jean-Baptiste. L’Épître aux Philippiens, rhétorique et composition stylistique. Paris: Gabalda,
2002, p. 303. Sobre esta singularidad de Flp 4, 4-7 afirma: “(…) particulièrement les versets 4-7, sont
difficiles d’interprétation. Leur construction surprend toujours le lecteur. Le lien existant entre les diffé-
rents versets transparait difficilement”.

260 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

En el primer grupo de académicos se encuentra Pitta quien afirma que Flp


4, 1 viene a clausurar la sección precedente 3, 17-21, una vez que el sintagma
ὥστε, ἀδελφοί μου siempre es utilizado en otros textos paulinos con una fun-
ción conclusiva (1Cor 11, 33; 14, 39; 15, 58; Rm 7, 4); y nunca dando apertura
a una unidad textual. El citado comentarista, en apoyo de su propuesta afir-
ma: “l’imperativo stēkete si collega all’iniziale skopeite del v. 17; e l’interpe-
llante adelphoi crea un’inclusione con Fil 3, 17”. 4
En esta misma línea exegética se insiere la opinión de Fabris, quien sostie-
ne que con Flp 4, 1 se cierra la unidad 3, 1-21 estableciendo así la segmenta-
ción 3, 1-4, 1. 5 Coincide con este último, Bianchini, quien identifica Flp 4, 1
como un versículo integrante de la cornice Flp 3, 1-4, 1, pues argumenta que
el imperativo στήκετε no introduce una nueva exhortación, sino que es un
apelo final ligado a la expresión ἐν κυρίῳ del v. 3, 1. 6
Por su parte, Bitassi, que también opta por establecer la delimitación 4, 2-9,
afirma que Flp 4, 1 “fa da ‘ponte’ tra l’invito all’imitazione dell’exemplum
paulino e le esortazioni che toccano più direttamente la vita comunitaria del-
la sezione che segue”. 7
En este panorama, la propuesta de Aletti, quien afirma que Flp 4, 1 corres-
ponde al punto final de la serie de exhortaciones que Pablo ha formulado des-
de 3, 17 a 3, 21; 8 aporta un significativo antecedente para comprender la pro-
blemática que se debate. Para Aletti la conjunción ὥστε, que sin duda hace de
la exhortación contenida en 4, 1 una consecuencia y una aplicación de lo que
precede, no implica que este versículo se encuentre aislado de los que siguen
adelante. 9
Ahora bien, es justamente esta peculiaridad exhortativa de este versículo
que lleva a un segundo grupo de académicos a defender una tesis contrapues-
ta: con Flp 4, 1 Pablo inicia una nueva unidad textual. 10 Por tal motivo pasan

4)  Pitta, Antonio. Lettera ai Filippesi. Milano: Paoline, 2010, p. 270.


5)  Cf. Fabris, Rinaldo. Lettera ai Filippesi. Lettera a Filemone. Bologna: Dehoniane, 2000, p. 229.
6)  Cf. Bianchini, Francesco. L’elogio di sé in Cristo: L’utilizzo della periautologia nel contesto di Filip-
pesi 3, 1-4, 1. Roma: Pontificio Istituto Biblico, 2006, p. 206.
7)  Bittasi, Stefano. Gli esempi necessari per discernere: Il significato argomentativo della struttura della
lettera di Paolo ai Filippesi. Roma: Pontificio Istituto Biblico, 2003, p. 139.
8)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Saint Paul. Épître aux Philippiens. Paris: Gabalda, 2005, p. 279.
9)  Cf. ibid.
10)  Entre otros, cf. Watson, Duane F. A Rhetorical Analysis of Philippians and its Implications for the
Unity Question. Novum Testamentum, v. 30, 1988, p. 57-88; Geoffrion, Timothy C. The Rhetorical
Purpose and the Political and Military Character of Philippians: a Call to Stand Firm. Lewiston: Mel-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 261
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

a integrar Flp 4, 1 a la sección 4, 2-9 estableciendo así las delimitaciones 3,


1-21/4, 1-9. Entre este grupo de académicos se destaca Edart, quien defien-
de la cohesión temática de los vv. 4, 1-3, como una unidad textual integrante
de la sección 4, 1-9. En apoyo de su propuesta argumenta que 3, 17-21 corres-
pondería a una perícopa diferente pues su conclusión se establece en el v. 21
con una temática escatológica, conforme a una práctica habitual utilizada por
Pablo en sus conclusiones (Flp 1, 11; 2, 16). 11 Edart agrega que las palabras
cargadas de afecto de 4, 1 prepararían los discursos más personales de Flp 4,
2-3; 12 afirmando que en Flp 4, 1-3 “reprennent le vocabulaire de l’unité pré-
sent en 1, 27-30 (στήκετε développé par τὸ αὐτὸ φρονεῖν, et les composés for-
més avec le préfixe συν-), vocabulaire absent de Ph 3, 17-21 (qui ne reprenait
que la métaphore politique)”. 13
Desde el ámbito anglo-americano también defienden la segmentación 4,
1-9, Hawthorne y Martin, quienes afirman que 4, 1 es un “transitional verse”,
ya que, con el uso del adverbio οὕτως (de esta manera, así, del mismo modo),
Pablo indicaría la idea de un seguir hacia adelante, enfocando la argumenta-
ción hacia la serie de imperativos que pasará a exponer. 14
Como una excepción, Fee integra 4, 1 a 4, 1-3 15 indicando así que las
exhortaciones de estos versículos cierran 3, 1-21, estableciendo la sección que
va desde Flp 3, 1 a Flp 4, 3. 16
El presente elenco de propuestas pone en evidencia las dificultades que Flp
4, 1 plantea a los académicos que estudian Filipenses. 17 Dicha dificultad se
refleja de una manera paradigmática en el trabajo de O’Brien, quien no obs-

len Biblical Press, 1993. Black, D. A. The Discourse Structure of Philippians. A Study in Texlinguis-
tics. Novum Testamentum, v. 47, 1995, p. 16-49.
11)  Cf. Edart, Jean-Baptiste. Op. cit., p. 277.
12)  Cf. ibid.
13)  Cf. ibid.
14)  Cf. Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P. Philippians. Nashville: Thomas Nelson, 2004, p. 239.
15)  Fee, Gordon D. Paul’s letter to the Philippians. Grand Rapids: Eerdmans, 1995, p. 385: “Final appeals
to steadfastness and unity: 4: 1-3”.
16)  Cf. ibid. Otros autores que siguen esta delimitación son Witherington, Ben III. Friendship and Fi-
nances in Philippi: The Letter of Paul to the Philippians. Harrisburg: Trinity Press International, 1994;
Kopersky, Veronica. Feminist Concern and the Authorial Readers in Philippians. Louvain Studies, v.
17, 1992, p. 269-292.
17)  Ver en Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 185, nota 2 un elenco con las diversas delimitaciones desde 1957
al 2000.

262 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

tante haya afirmado que el v. 4, 1 es la conclusión de la sección 3, 17-21, 18 al


exponer las delimitaciones textuales de la carta, presenta Flp 4, 1 inexplica-
blemente integrando la unidad 4, 1-9; 19 no excluyendo la posibilidad de que 4,
1 cumpla una función de “puente” o “versículo transicional”. 20

2.  Las funciones retóricas, literarias y sintácticas de Flp 4, 1


Las diferencias arriba expuestas entre los seguidores de la unidad e integri-
dad de la Carta a los Filipenses, nos llevan a exponer las siguientes observa-
ciones de orden sintáctico y retórico-literario.

2.1.  Filipenses 4, 1 una exhortación que reasume Flp 3, 17


La conjunción consecutiva ὥστε (así que, de tal manera, por consiguiente),
con la que se inicia Flp 4, 1, como ha señalado Balz, introduce dos tipos de
oraciones consecutivas: las subordinadas y las independientes. Con respec-
to a las oraciones consecutivas subordinadas, ellas se presentan en el NT bajo
dos variantes. De un lado, ὥστε con el significado “de tal manera que” sólo
va seguida por el modo indicativo en Gal 2,13 y Jn 3,16 (οὕτως ... ὥστε, “de tal
manera” ... “que”). De otro lado, la conjunción ὥστε con un mayor número de
entradas va acompañada por el infinitivo con sujeto en acusativo o también
por el simple infinitivo. Con respecto a las oraciones consecutivas indepen-
dientes, continúa Balz, la misma conjunción ὥστε con el significado de “por
tanto” o “por consiguiente”, se presenta seguida por el verbo bajo tres modos
gramaticales:
a) Modo Indicativo: Mt 12, 12; 19, 6; 23, 31 (sin verbo); 2Cor 5, 17.
b) Modo Subjuntivo Exhortativo: 1Cor 5, 8.

18)  O’Brien, Peter Thomas. The Epistle to the Philippians: a Commentary on the Greek Text. Grand Rap-
ids: Eerdmans, 1991, p. 473: “v. 1, with its introductory conjunction ὥστε that functions as an inferen-
tial particle followed by the imperative, draws the conclusion from the preceding paragraph (i.e., 3: 17-
21) as Paul encourages his readers to stand firm in the light of what he has written”.
19)  Ibid.: “VII. Final Exhortation 4:1-9”. Lapsus observado por Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 279, no-
ta 213.
20)  Ibid., p. 474: “The admonition to ‘stand fast in the Lord’ is linked by the adverb οὕτως (‘in this man-
ner, thus, so’) to the preceding paragraph (3: 17-21). At the same time a forward reference is not exclud-
ed, for the verse clearly has a bridging or transitional function”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 263
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

c) Modo Imperativo: siguiendo un enunciado precedente, como se verifi-


ca en Flp 4, 1, pero además en otros siete pasajes de las Cartas de Pablo (1Cor
3, 21; 4, 5; 11, 33; 14, 39; 15, 58; Flp 2, 12; 1Tes 4, 18) y una vez en 1Pe 4, 19. 21
El análisis sintáctico de estas últimas nueve oraciones consecutivas inde-
pendientes pone de relieve el siguiente aspecto gramatical. Estas oraciones, al
ser construidas con la conjunción ὥστε, seguida por una forma verbal impe-
rativa, desempeñan una función coordinante con un carácter conclusivo. En
otros términos, las oraciones consecutivas independientes establecen un nexo
con los enunciados y las temáticas que han precedido y vienen a clausurar una
etapa dialógica. En consecuencia, estas oraciones nunca dan inicio a una nue-
va unidad textual. En nuestro debatido versículo Flp 4, 1, la conjunción ὥστε,
al presentarse acompañada por la forma verbal imperativa στήκετε (estad fir-
mes vosotros), ratifica esta peculiaridad sintáctica. Se trata efectivamente de
una función de clausura, cuya confirmación se constata analizando las otras
ocho oraciones consecutivas independientes que constan en el NT. Como fue
indicado, una se encuentra en la Primera Carta de Pedro y las otras siete fue-
ron construidas por el propio Pablo con el objetivo incontestable de clausurar
una etapa discursiva:

21)  Balz, Horst Robert. “ὥστε” In: Balz, Horst Robert; Schneider, Gerhard (ed.). Diccionario exegéti-
co del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996-1998, v. 2, 2210.

264 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 265
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Como se puede comprobar, se confirma que Pablo habiendo dictado en Flp


4, 1 una oración gramatical consecutiva independiente con base en la cons-
trucción, ὥστε + forma verbal imperativa, ha clausurado una etapa argu-
mentativa precedente.
Estos principios de la sintaxis griega que explican la función de las oracio-
nes consecutivas independientes, aquí expuestos, también pueden ser estu-
diados en las obras del griego antiguo. A este propósito, cabe destacar el tra-
bajo de la filóloga de latín y griego clásico, Ana María González Martín. Su
aporte académico consistió en analizar desde el punto de vista semántico y
sintáctico las conjunciones finales y las conjunciones consecutivas existen-
tes en los tratados hipocráticos. De este modo, la autora estableció impor-
tantes conclusiones al respecto de las oraciones en las que ὥστε se desempe-
ña como conjunción de coordinación conclusiva, acompañada por la escala
imperativa en oraciones principales independientes. 22 González Martín con-

22)  González Martín, Ana María. Estudio de ὅπως / ὅκως, ἵνα, ὥστε y ὡς (final-completivo y consecuti-
vo) en el Corpus Hipocrático. Madrid: Universidad Complutense, 2008, p. 490-494.505.511.

266 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

firmó además que este tipo de oraciones se presentan en seis ocasiones jun-
to con otras tres más tardías dentro de todo el Corpus hippocraticum. 23 Los
rasgos apuntados en el mencionado estudio para ὥστε no subordinado confir-
man el valor de coordinante conclusivo de Flp 4, 1. Por brevedad, menciona-
mos sólo dos de ellos. En primer lugar, ὥστε como introductor de una oración
principal, es decir, no subordinada, presenta como rasgo esencial el modo
imperativo (Imperativo en tres tratados tardíos / χρή + Infinitivo en cuatro
tratados / Infinitivo imperativo en dos tratados). Efectivamente, es este crite-
rio el que permite determinar la diferencia con ὥστε subordinado, ya que una
oración subordinada de una oración consecutiva nunca admite la modalidad
imperativa. 24 En segundo lugar, estas oraciones principales independientes se
utilizan la mayoría de las veces para finalizar un capítulo, un párrafo o intro-
ducir la conclusión de aquello que se ha expresado. 25 Al mismo tiempo, pre-
sentan “por oposición al valor de ὥστε como conjunción subordinante, la pre-
sencia de elementos anafóricos que reenvían al contexto anterior (no sólo a la
oración inmediatamente precedente, sino a la información dada a lo largo de
un párrafo o capítulo)”. 26
Expuestos estos antecedentes sintácticos que demuestran la función con-
clusiva de Flp 4, 1 pasamos ahora a estudiar, dentro de esta misma línea inter-
pretativa, la propuesta de Aletti. El comentarista sostiene que este versícu-
lo corresponde a una “exhortación conclusiva” y opta por esta decisión indi-
cando que Flp 4, 1 corresponde a una “reprise de l’exhortation” de Flp 3, 17. 27
Además agrega que esta “reprise” obedece a un patrón argumentativo con-
céntrico que se reitera en otras dos unidades dentro de la Carta a los Filipen-
ses: 28

23)  Ibid., p. 490.


24)  Ibid., p. 498-500.
25)  Ibid., p. 499.
26)  Ibid., p. 511.
27)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 279.
28)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 23.265. En esta misma perspectiva académica, estudiando 1 Corin-
tios, Pereira Delgado analiza este importante patrón compositivo paulino destacando que su peculia-
ridad consiste en el uso de las conjunciones ὥστε/διό/οὖν seguidas de un verbo en imperativo. El cita-
do autor explica que Pablo en una primera etapa enuncia una temática exhortando por la forma verbal
imperativa; luego pasa a motivar a los oyentes y finalmente con un nuevo imperativo retoma lo exhor-
tado. Un ejemplo característico se observa en 1Cor 3, 18-23. De este modo, al inicio, 3, 18-19 (impera-
tivo); en el centro, 3, 20 (prueba de la escritura) y al finalizar 3, 21-23 (ὥστε + imperativo). Cf. Perei-
ra Delgado, Álvaro. De apóstol a esclavo: El exemplum de Pablo en 1 Corintios 9. Roma: Gregorian
& Biblical Press, 2010, p. 45.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 267
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Esta singularidad estilístico-argumentativa paulina, como puso de relieve


el mismo Aletti, también se observa en Gal 5, 16-25. En efecto, el académi-
co ha demostrado que estamos en presencia de una técnica por la cual Pablo
exhorta y motiva a sus discípulos a adherir a la teología que imparte. 29
A propósito de esta técnica, Pablo en el v. 3, 17 habiéndose servido del ver-
bo en modo imperativo γίνομαι seguido del sustantivo συμμιμητής y del pro-
nombre μου, junto a un segundo verbo en imperativo (σκοπέω) exhortaba a
los filipenses para que adoptasen un patrón de vida. Inmediatamente después
(3, 18-19/20-21) pasaba a exponer un conjunto de motivaciones con el propó-
sito de persuadirlos. De esta manera en Flp 3, 18-19 les indicaba las conduc-
tas negativas de aquellos que se comportan como “enemigos de la cruz de
Cristo”, cuyo destino sería la perdición. Además, apuntaba hacia aquellos que
tienen su ciudadanía en el cielo (Flp 3, 20-21), es decir, el propio Pablo, sus
seguidores y los filipenses. Finalmente en el v. 4, 1, por medio de la conjun-
ción ὥστε, como una consecuencia de lo expresado, retomaba el modo ver-
bal imperativo volviendo a exhortar en el sentido de “estar firmes” (στήκετε).
Esta última exhortación al ser determinada por el adverbio οὕτως, (así, de
esta manera) indicaba el modo como se debía ejecutar la referida mímesis —
fuese la del modelo paulino, o la de aquellos discípulos que siguen sus pasos
— esto es, ἐν κυρίῳ (en el Señor):

29)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Paul’s Exhortations in Gal 5, 16-25 from the Apostle’s Techniques to his The-
ology. Biblica, v. 94, 2013, p. 399. El autor señala que la unidad textual Gal 5, 16-25 obedece a la téc-
nica de composición concéntrica:
a1 = 5, 16 exhortation announcing the theme
b = 5, 17-24 motivations or reasons
a2 = 5, 25 repetition of the exhortation.

268 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Por este “patrón compositivo” 30 (3, 17 ñ 3, 18-19/20-21á 4, 1) se compren-


de por qué la virtuosa actitud de “estar firmes en el Señor” (4, 1) tiene por
modelo y guía principal a Pablo, y de modo concomitante a quienes son sus
seguidores (3, 17). Pablo justifica su discurso demostrando que los modelos
negativos deben ser rechazados pues su fin será la perdición (3, 18-19), y los
modelos positivos imitados pues aspiran a su salvación dentro de la perspec-
tiva escatológica (3, 20-21). Por consiguiente, el discípulo de Pablo que desee
“estar firme en el Señor” (4, 1), y así alcanzar “la ciudadanía celestial” obte-
nida por los méritos de Jesucristo, ha recibido de su Padre, Apóstol y Maes-
tro la pista certera por la cual debe trazar su carrera y así alcanzar la meta de
la salvación eterna.
En síntesis, esta meta se centra en aspirar a ser como el propio Pablo, imi-
tando su persona y su estilo de vida. Disposición que se revigorizará por la
observación atenta de la conducta de aquellos que están siguiendo su mismo
camino apostólico (3, 17b). Esta perspectiva mimética, esbozada por Pablo en
1, 12-26 y enunciada en 1, 30, la hará explícita con suma claridad en cuanto
conducta y estilo de vida en 4, 9. Con fundamento en este patrón estilístico-
-argumentativo, “reprise de l’exhortation” o “patrón compositivo”, también
queda demostrada la función conclusiva del v. 4, 1, no obstante la trama tex-
tual permita distinguir otros antecedentes que la confirman, como se expon-
drá a continuación.

2.2.  Filipenses 4, 1 y su función retórica amiticiae


Desde una perspectiva retórica-literaria, Flp 4, 1, revela la mayor confluen-
cia de elementos lingüísticos amicales de toda la carta; y aún más de todo
el epistolario paulino. La ubicación de seis apelativos — enfatizando afec-
to y cariño — sea al inicio, al centro, como al final de la secuencia literaria
demuestran la predilección de Pablo por esta comunidad de Macedonia: 31

30)  Expresión de Pereira Delgado, Álvaro. Op. cit., p. 45.


31)  Pitta, Antonio. Op. cit., p. 270, señala que la comunidad de Filipos no es una entre otras sino la que
ha demostrado la mayor fidelidad a Pablo. El contraste con algunas expresiones que dirige a los Gála-
tas (1, 6-10; 3, 1-5; 4, 8-10) o a los Corintios (1Cor 4, 21; 11, 17-33; 2 Cor 12, 11-21) son ilustrativas.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 269
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Pablo se dirige por el cordial apelativo ἀδελφοί μου 32 que unido a los calu-
rosos adjetivos verbales en vocativo ἀγαπητοί y ἐπιπόθητοι, se intensifica por
la reiteración del ἀγαπητοί que clausura el versículo. 33 Además en Flp 4, 1 el
uso de ἐπιπόθητοι, un hapax bíblico derivado del verbo ἐπιποθέω (tener vivo
deseo, anhelar), revela las ansias de Pablo por expresar su aprecio. 34 De este
modo, el Apóstol revive la atmosphaera amicitiae que introdujo en el exordio
de la carta 1, 3-11, y más especialmente en 1, 7-8, donde manifestó su gran
aprecio por sus discípulos filipenses.
Ahora bien, en 4, 1 esta reiteración de manifestaciones afectivas tiene
su culminación en la pareja de sustantivos χαρά y στέφανος. Los filipen-
ses verdaderamente son para Pablo su “alegría y (su) mi corona” (χαρὰ καὶ
στέφανός μου).
A este propósito se debe destacar que los sustantivos χαρά y στέφανος,
presentes también en 1Ts 2, 19, vienen conectados con el tópico escatológico.

32)  Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 229 señala el tenor afectuoso destacando que Pablo por cuarta vez en la
unidad 3, 1-4, 1 utiliza este apelativo y por quinta vez en toda la carta.
33)  El aparato crítico NA28 presenta dos variantes textuales para esta lección. La más importante excluye
el segundo vocativo ἀγαπητοί que clausura este versículo. Es probable, que la omisión haya sido para
corregir la redundancia que algún copista creyó existir. Dan testimonio de esta variante el uncial D 06
(Claromontanus, siglo VI) caracterizado por ser un díglota griego-latín y considerado tradicionalmente
dentro de la categoría “Occidental”. Lo acompañan otros pocos manuscritos, las versiones antiguas en
latín: ar (siglo IX) y b (siglos VIII-IX), como algunos manuscritos de la Vulgata. No obstante, esta va-
riante difiere de los mejores y más antiguos manuscritos: î16 (siglos III-IV), î46 (año 200), î61 (año 700),
los unciales a 01 (Sinaiticus, siglo IV), A 02 (Alexandrinus, siglo V), B 03 (Vaticanus, siglo IV), C 04
(Ephraem Rescriptus, siglo V) y el I 016 (Freerianus, siglo V), testimonios textuales que confirman la
presencia de este efusivo ἀγαπητοί cerrando Flp 4,1. En consecuencia, sea en términos de edad, fami-
lias textuales y mayor número de testimonios esta última variante lleva una ventaja decisiva sobre aqué-
lla que lo omite.
34)  Cabe notar que el verbo ἐπιποθέ está ausente en la versión de la LXX. En el NT con excepción de
Sant 4, 5; 1Pe 2, 2 es de uso paulino. Collins, Raymond F. The Power of Images in Paul. Collegeville:
Liturgical Press, 2008, p. 41, nota 2, confirma que “among New Testament authors it is principally Paul
who employs the verb and its cognates, the verb in Rom 1:11; 2 Cor 5:2; 9:14; Phil 1:8; 2:26; 4:1; 1
Thess 3:6; the noun ‘longing’ (epipothesis) in 2 Cor 7:7,11; the noun ‘desire’ (epipothia) in Rom 15:23”.

270 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Pablo en un afectuoso diálogo con los tesalonicenses les declara: 35 “porque,


¿quien es nuestra esperanza, alegría o corona, motivo de orgullo ante Nues-
tro Señor Jesucristo en su parusía, sino vosotros?”. La presencia de χαρά /
στέφανος en la trama textual de esta Carta a los Filipenses, pese a que Pablo
no lo afirme explícitamente, revela que su utilización obedece a esta misma
perspectiva escatológica. Más aún, siendo este tópico uno de los elementos
retóricos que guía la trama epistolar, constituye una de las claves que permite
detectar la unidad y coherencia de la exposición formativa paulina en los tres
capítulos de esta carta. Esta particularidad retórico-literaria paulina será ana-
lizada a seguir.

2.3.  Filipenses 4, 1 y la función sintetizadora de στέφανος / χαρά


El sustantivo “corona” (στέφανος), mencionado en Flp 4, 1 por primera y
única vez en la carta, corresponde a la guirnalda de laureles, floral o metáli-
ca, con la que en el mundo greco-romano se circundaba la cabeza de los cam-
peones, sea en las competiciones deportivas, como a los guerreros victoriosos
en los combates. 36 Su mención en el resto del corpus paulino adquiere inva-
riablemente un mismo sentido para expresar trascendentales eventos escato-
lógicos. Como fue indicado, la esperanza de la gloria futura ante la venida de
Jesucristo (1Ts 2, 19) o el premio de la salvación eterna (1Cor 9, 25; 2Tm 4, 8).
En este sentido, Pablo dirigiéndose a los corintios (1Cor 9, 24-27) menciona-
rá a los atletas y púgiles que se entrenan y se abstienen de todo “para alcanzar
una corona corruptible” (1Cor 9, 25). 37 Él, por el contrario, declara con vehe-
mencia que no corre sin tener una meta definida, como tampoco propina gol-
pes al aire (1Cor 9, 26). Su objetivo lo tiene firmemente centrado en alcan-

35)  1Ts 2.19: Τίς γὰρ ἡμῶν ἐλπὶς ἢ χαρὰ ἢ στέφανος καυχήσεως; Ἢ οὐχὶ καὶ ὑμεῖς, ἔμπροσθεν τοῦ
κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ ἐν τῇ αὐτοῦ παρουσίᾳ.
36)  Cf. Kraft, H., «στέφανος». In: Balz, Horst Robert; Schneider, Gerhard (ed.). Diccionario exegético
del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996-1998, v. 2, 1496; cf. Krentz, E. Paul, Games, and
the Military. In: Sampley, J. Paul. (ed.) Paul in the Greco-Roman World: a Handbook. Harrisburg: Trin-
ity Press International, 2003, p. 362.
37)  Estudian las metáforas atléticas paulinas Oropeza, B. J. Running in vain, but not as an athlete (Ga-
latians 2:2): the impact of Habakkuk 2:2-4 on Paul’s apostolic commission. In: Dunn, James D. G. et
al. Jesus and Paul: Global Perspectives in Honor of James D. G. Dunn for his 70th birthday. London:
T & T Clark, 2009, p. 147-148. Evans, C. A. Paul and the Pagans. In: Porter, Stanley E. (ed.), Paul:
Jew, Greek, and Roman. Leiden: Brill, 2008, p. 130-134, describe el contexto deportivo greco-romano
y otras materias afines. Evans recurre al método epistográfico y lo aplica a determinados discursos de
Pablo, ciertas narraciones de Hechos y pasajes escogidos de Rm, 1Cor, 2Cor, Gal, Ef, Flp, Col, 1Tes,
1Tm, 2Tm, Tt, Flm, indicando los paralelismos que observa con un elenco de autores greco-romanos.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 271
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

zar la salvación eterna junto a Cristo Jesús, su Señor, idea que sintetiza en “su
corona” (στέφανος) que es “imperecedera” (ἄφθαρτον) (1Cor 9,25).
Este horizonte de luchas y combates espirituales de un Pablo Apóstol que,
sin arredrarse frente a las contrariedades, se lanza animoso a una contienda
espiritual aspirando alcanzar su premio de gloria escatológica, constituye la
clave para interpretar el uso que le asigna al sustantivo στέφανος. Por consi-
guiente, Pablo al mencionarlo en Flp 4, 1 no lo hace con el propósito de tejer
una referencia elogiosa y simplemente cordial hacia sus discípulos. El Após-
tol, como Padre y διδάσκαλος de la comunidad, tiene en mente un objeti-
vo mucho más alto. Pablo al concluir esta etapa de su progresión didáctica y
argumentativa desea asentar en la mentalidad de los filipenses un principio
trascendental. Se trata de un principio formativo y apostólico que ha ido rei-
terando a lo largo de los tres capítulos de la trama epistolar: el panorama de la
lucha es un acontecimiento inseparable de la vida de todo discípulo de Jesu-
cristo, pues engloba consecuencias de orden soteriológico como escatológico.
Los filipenses en esta etapa de la proclamación de esta carta, con toda
seguridad así ya lo deben haber comprendido. Pablo en dos momentos de su
exposición tejió sendas metáforas deportivas presentándose como atleta en
función de este panorama escatológico (2, 16; 3, 14). En otras tres oportunida-
des apuntó hacia la perspectiva de la “salvación” (σωτηρία) (1, 19.28; 2, 12),
como dos veces a su antítesis, la “condenación” (ἀπώλεια) (1, 28; 3, 19). Ade-
más no dejó de indicar desde el comienzo de esta carta, como un grandioso
telón de fondo, la necesidad de estar preparados para el advenimiento del “día
de Cristo Jesús” (ἡμέρας Χριστοῦ Ἰησοῦ) (1, 6) o “para el día de Cristo” (εἰς
ἡμέραν Χριστοῦ) (1, 10); tópico que reiterará en 2, 16b (εἰς ἡμέραν Χριστοῦ)
como motivante exhortativo dentro de su primera metáfora deportiva ya men-
cionada.
La visión retrospectiva que expondremos a continuación, destacando estos
tópicos concatenados bajo el horizonte escatológico, ofrece la oportunidad de
constatar dos aspectos esenciales de la διδασκαλία paulina. En primer lugar,
la estrategia didáctica que Pablo ha desarrollado en este punto específico a lo
largo de la progresión argumentativa; y en segundo término, cómo dicha pro-
gresión confluye sintéticamente en este estratégico versículo de Flp 4, 1. En
suma, ambos aspectos se presentan como un argumento sólido a favor de la
unidad y la integridad de la trama textual de Filipenses. Por tal motivo, ais-
lar Flp 4, 1 de la trama epistolar para establecer las suturas (3, 1b-4, 1 + 4,
8-9); (3, 1b-4, 1 + 4, 7-9); (3, 2-4, 3 + 4, 8-9); (3, 2-4, 1 + 4, 8-9); (3, 2-4, 1),

272 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

como han propuesto los académicos favorables a la fragmentación de cartas,


no hace sino desvirtuar el proceso dialógico paulino.

2.3.1  La escatología en la coyuntura vivencial de Pablo


Pablo en la sección narrativa 1,12-26, da a conocer su testimonio carcelario
y enunciando la existencia de vicios y virtudes encarnados en tipos humanos.
Al mismo tiempo, con su enseñanza a propósito de una existencia gloriosa
post-mortem junto a Cristo Jesús, comenzaba por asentar en la mentalidad de
los filipenses la perspectiva escatológica dentro de la cual él constantemente
vive. En suma, en la “psiquis” de la comunidad quedaba explícito que éste y
no otro es el “eje” en torno al cual giran todos los pensamientos, sentimientos
y anhelos de Pablo en su actual existencia terrena.
Tratándose de una etapa inicial de su carta, Pablo con gran tino didáctico
aún no exhortaba de un modo explícito para adoptar un patrón de vida. Para
tal propósito se hacía necesario introducir algunos importantes presupuestos.
Así, concluida esta sección narrativa, con sus alusiones implícitas a su ejem-
plo personal, Pablo pasaba a la sección 1, 27-30, donde enunciaba los prime-
ros principios de su exhortación apostólica.

2.3.2  Σωτηρία / ἀπώλεια: motivantes para


adherir a un patrón de vida
Recordemos que la admonición que Pablo dirigió a los filipenses en 1,
27-30 tocaba en un punto neurálgico. Ellos debían ser “ciudadanos del Evan-
gelio de Cristo” (τοῦ εὐαγγελίου τοῦ Χριστοῦ πολιτεύεσθε) (1, 27a); y estar
“firmes en un mismo espíritu, combatiendo juntos y acordes por la fe del
Evangelio” (στήκετε ἐν ἑνὶ πνεύματι, μιᾷ ψυχῇ συναθλοῦντες τῇ πίστει τοῦ
εὐαγγελίου) (1, 27e). Pablo acrecentaba además esta juiciosa advertencia: “y
sin dejarse amedrentar ante los adversarios” (καὶ μὴ πτυρόμενοι ἐν μηδενὶ
ὑπὸ τῶν ἀντικειμένων) (1, 28a). El uso de συναθλέω y πτύρομαι en estos dos
últimos versículos, siendo verbos vinculados al léxico militar, acrecentaba
una significativa nota metafórica. Su función retórica era la de actuar sobre
la mentalidad de los filipenses, subrayando la imperiosa necesidad de trabar
una lucha o un combate por la causa del Evangelio. La consolidación de estas
exhortaciones, fue concluida por Pablo volviendo una vez más sobre el tópi-
co escatológico. De esta manera revelaba un aspecto esencial de su enseñan-
za apostólica: la conducta de los “adversarios” era para éstos “una señal de

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 273
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

condenación” (ἔνδειξις ἀπωλείας) (1, 28b); por el contrario, para los filipen-
ses su perseverancia era señal “de salvación” (σωτηρίας) (1, 28c). Pablo daba
autoridad a sus palabras subrayando: “y esto procede de Dios” (καὶ τοῦτο ἀπὸ
θεοῦ) (1, 28d).
Finalmente los vv. 29-30 dejaban en evidencia otro aspecto fundamental
de su διδασκαλία. El Apóstol como Padre de la comunidad estaba persuadido
de que sus exhortaciones adquirirían todo el impulso para ser efectivamen-
te puestas en práctica, desde que los filipenses tuviesen como puntos referen-
ciales de conducta, modelos y tipos humanos concretos para seguir. Por este
motivo por primera vez mencionaba explícitamente su ejemplo personal (1,
30).

2.3.3  Filipenses 2,16c, Pablo no corre en vano tras su meta


Recordemos también que la primera metáfora atlética en función del pano-
rama escatológico, fue sugerida por Pablo en la sección 2, 12-18. En ella
instaba a los filipenses, con una nota sobrecogedora a “trabajar con temor
y temblor por su salvación” (μετὰ φόβου καὶ τρόμου τὴν ἑαυτῶν σωτηρίαν
κατεργάζεσθε) (2, 12d). 38 A los filipenses — pese a vivir “en medio de una
generación depravada y perversa” (μέσον γενεᾶς σκολιᾶς καὶ διεστραμμένης)
(2, 15c) — Pablo les decía, “brilláis como astros en el mundo” (φαίνεσθε ὡς
φωστῆρες ἐν κόσμῳ) (2, 15d), “manteniendo con firmeza la palabra de vida”
(λόγον ζωῆς ἐπέχοντες) (2, 16a). 39 Pablo al concluir esta parénesis estimula-
ba a los filipenses: εἰς καύχημα ἐμοὶ εἰς ἡμέραν Χριστοῦ, ὅτι οὐκ εἰς κενὸν
ἔδραμον οὐδὲ εἰς κενὸν ἐκοπίασα (para que yo pueda gloriarme en el día de
Cristo, de que no he corrido en vano, ni en vano me he cansado) (2, 16c). 40

38)  Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 149, recuerda que μετὰ φόβου καὶ τρόμου corresponde a una fraseolo-
gía de matriz bíblica que describe el miedo y el terror de los enemigos ante la intervención poderosa de
Dios. En el corpus paulino se presenta en 1Cor 2, 3; 2Cor 7, 15 y Ef 6, 5.
39)  Aletti, Jean-Noel. Saint Paul. Épître aux Philippiens. Op. cit., p. 184, como muchos otros comenta-
ristas, señala que el sintagma γενεᾶς σκολιᾶς καὶ διεστραμμένης tiene como fuente referencial Dt 32,5
que describe el comportamiento infiel de los israelitas en tiempos del Éxodo. Los autores se dividen a
propósito de quiénes serían los personajes a los cuales Pablo alude. Ellos podrían ser los hebreos o los
paganos, como también, ambos.
40)  Hay una probable influencia de DnLXX 12, 3 sobre Flp 2, 15c; este pasaje (Flp 2, 16) es otro lugar ilus-
trativo del juego armónico que Pablo establece entre su formación bíblica y la Weltanschauung greco-
-romana de sus oyentes. Brändl, Martin. Der agon bei Paulus: Herkunft und Profil paulinischer Agon-
metaphorik. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008, p. 254, nota 37 presenta un status quaestionis a propósito
de la expresión εἰς κενὸν ἐκοπίασα (Flp 2, 16) que tiene su Hintergrund en Isaías cuando en el Segundo
Canto se lee que lamenta sus fatigas y esfuerzos vanos κενῶς ἐκοπίασα (Is 49, 4).

274 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Las construcciones gramaticales de 2, 15c-16 mostraban a Pablo estab-


leciendo un singular juego metafórico y dialéctico a través de un “yo” y un
“vosotros” cuyo objetivo era el de excitar las buenas disposiciones de sus dis-
cípulos. Pablo, auténtico “atleta de Cristo” y quien realmente posee todos los
títulos para afirmar que efectivamente es él quien “mantiene firme la palabra
de vida”, animaba a los filipenses destacando en ellos (vosotros) esta encomia-
ble conducta. Al mismo tiempo, en la perspectiva escatológica, los estimula-
ba al declarar que la constancia de ellos (vosotros), brillante como la luz de
los astros en este mundo — otra eminente cualidad de Pablo —, era un antici-
po de la gloria que se verificaría “en el día de Cristo”. En consecuencia, tan-
to para los filipenses en su calidad de discípulos, como para Pablo en cuanto
Padre y Maestro, dicha gloria esplendorosa lo sería por toda la eternidad.

2.3.4  Filipenses 3, 14 Pablo se lanza en pos de su premio


La segunda alusión atlética, inseparable de la perspectiva escatológica,
Pablo la articuló dentro de su periautología 3, 4-16. Pablo explicaba a los fili-
penses en 3, 12-14 que él aún no había alcanzado su perfección espiritual,
sino que se lanzaba en pos de la meta y del triunfo: κατὰ σκοπὸν διώκω ἐπὶ τὸ
βραβεῖον τῆς ἄνω κλήσεως τοῦ θεοῦ ἐν χριστῷ Ἰησοῦ (3, 14).
Pablo puntualizaba además que tanto él como sus discípulos partici-
paban de la misma justa en la cual debían esforzarse para alcanzar el “pre-
mio” (βραβεῖον), es decir, la gloria de la salvación. 41 De este modo, Pablo no
dejaba de poner de relieve la nota escatológica al declarar que dicho galardón
se alcanzaría en plenitud con el advenimiento de “la resurrección de entre los
muertos” (τὴν ἐξανάστασιν τὴν ἐκ νεκρῶν) (Flp 3, 11b).
Se constata pues que Pablo al articular estas dos metáforas deportivas tuvo
un objetivo didáctico muy definido. La explicitación en la mentalidad de sus
discípulos de un trascendental aspecto de su διδασκαλία. La fidelidad de los
filipenses a su llamada vocacional, entendida como un certamen o justa espi-
ritual a favor de Cristo y su Evangelio, constituía para Pablo, en su calidad de
Apóstol y Maestro, su gloria y premio futuro. En otras palabras, Pablo había
ido esclareciendo paso a paso en la inteligencia de los filipenses que el factor
de la lucha era un componente inseparable de la grandiosa perspectiva esca-

41)  El sustantivo βραβεῖον en Flp 3,14 se presenta estrechamente conectado con 1Cor 9,24, siendo las
únicas veces que se presenta en la Escritura. Su significado corresponde a la corona otorgada al vencedor
de una competición atlética. Cf. Stenger, W. “βραβεῖον”. In: Balz, Horst Robert; Schneider, Gerhard
(ed.). Diccionario exegético del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996-1998, v. 1, 679-680.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 275
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

tológica. Perspectiva, dentro de la cual él, los filipenses, sus adversarios y la


humanidad constantemente viven.

2.3.5  Los desenlaces escatológicos de los typos y los anti-typos


Filipenses 3, 18-21 fueron los versículos donde Pablo, luego de haber avan-
zado en su progresión instructiva, enunció una vez más la temática que aquí
se analiza.
La mención de los sustantivos πολίτευμα y ἀπώλεια definían nociones
escatológicas esenciales. De un lado la pertenencia a “la ciudadanía en el cie-
lo” (τὸ πολίτευμα ἐν οὐρανοῖς) (3, 20); y de otro “el final de perdición” (τὸ
τέλος ἀπώλεια) (3, 19a), acontecimiento que aguardaba a quienes vivían en
las antípodas de las exhortaciones paulinas.
Ahora bien, este trasfondo de tensión escatológica marcado por la lucha,
queda explicitado con claridad en Flp 4, 1 al converger todos sus elemen-
tos lingüísticos amicales (ἀδελφοί μου... ἀγαπητοὶ... ἐπιπόθητοι... χαρὰ καὶ
στέφανός μου... ἀγαπητοί) en la forma verbal imperativa στήκετε. 42 Esta con-
jugación verbal rememoraba las importantes exhortaciones de Flp 1, 27, ver-
sículo clave, pues Pablo indicaba que lo primordial era ser “ciudadanos dig-
nos del Evangelio” y “estar firmes en un solo espíritu, luchando a una por
la fe del Evangelio”. De tal manera, el verbo στήκω (estar firme), sea en el
v. 1, 27, utilizado en indicativo y voz activa (στήκετε), como en el v. 4, 1 en
imperativo y también en voz activa (στήκετε), lleva a la conclusión de que
Pablo con sus exhortaciones no deseaba otra disposición espiritual por par-
te de sus discípulos sino que perseveraran “firmes en el Señor” (στήκετε ἐν
κυρίῳ) (4, 1), luchando con tenacidad según el modelo que podían observar
en él (1, 30; 3, 17) y en el de todos aquellos que seguían su mismo camino
apostólico (3, 17). Esta visión retrospectiva de la trama didáctico-argumenta-
tiva paulina permite colegir la siguiente particularidad. La temática escatoló-
gica que Pablo ha puesto de relieve mencionando los conceptos de la σωτηρία

42)  El verbo στήκω (estar, quedar, estar firme) es formado a partir de ἕστηκα, el perfecto de ἴστημι (cf.
Liddell, Henry George; Scott, Robert; Stuart, Jones Henry. “στήκω”. In: ibid. Greek-English Lexi-
con. Oxford: Clarendon Press, 2006, 1643). Se presenta diez veces en el NT de las cuales siete corres-
ponden a Pablo. Su aparición en imperativo en segunda persona plural (στήκετε) indica la exhortación
para permanecer con constancia, ya sea en la fe (1Cor 16, 13); en la libertad obtenida por Cristo (Gal
5, 1); en las tradiciones recibidas (2Ts 2, 15) o en el Señor (Flp 4, 1). Cuando Pablo lo utiliza en modo
indicativo presente, voz activa, es para constatar de manera elogiosa la perseverancia en el Señor (1Ts
3, 8); para aludir a la perseverancia en la fe (Rm 14, 4) o a permanecer en un mismo espíritu, luchando
unánimes por el Evangelio (Flp 1, 27).

276 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

y de la ἀπώλεια, como las dos metáforas deportivas que articuló, revelan la


importancia que esta temática desempeña dentro de sus objetivos didácticos
y magisteriales. La expresión χαρὰ καὶ στέφανός μου (mi alegría y mi coro-
na), unifica así una faceta de la progresión didáctico-argumentativa que Pablo
ha seguido en los tres primeros capítulos de la carta. En otros términos, Pablo
de manera afectuosa está expresando en 4, 1 que llegando el “día de Cris-
to” (1, 6c.10c; 2, 16b), él no se presentará con sus manos vacías. En efecto, la
“buena obra” (1, 6b), los “frutos de justicia” (1, 11a), los laureles que confor-
man su “corona” de gloria (4, 1c) por causa de su lucha (1, 30a), su carrera y
su cansancio (2, 16c) tras el premio supremo (3, 14b) son enhorabuena los fili-
penses. Pablo les declara que todos ellos manteniéndose fieles y perseveran-
tes, es decir, “firmes en el Señor” (1, 27e; 4, 1d), siendo “ciudadanos dignos
del Evangelio de Cristo” (1, 27a), “combatiendo a una” (1, 27e), “no dejándo-
se amedrentar por los adversarios” (1, 28a), siendo especialmente “queridos
y añorados” (1, 8b; 4, 1b) y estando “en su corazón” (1, 7b), son en el actual
momento histórico “su (mi) alegría” (4, 1c); y a fortiori con vistas a la “ciuda-
danía celestial” (3, 20a), lo serán junto a Cristo Jesús (1, 26b; 2, 5c; 3, 3c. 14c)
por toda la eternidad.

3.  La estructura de Filipenses 4, 2-9


Siguiendo la trama argumental que Pablo tejió en esta carta, se observa que
en la unidad 4, 2-9 se estructuran tres secciones temáticas claramente dife-
renciadas: 4, 2-3; 4, 4-7; 4, 8-9, que se caracterizan por presentar un conjun-
to de exhortaciones conclusivas. De modo muy particular la que reitera en 4,
9 la mímesis paulina, como un instrumento clave de su didáctica formativa.
Es importante observar que concomitante a la atmosphaera amicitiae creada
por el v. 4, 1, no se debe descartar, como observa Edart, que Pablo haya que-
rido servirse de los afectuosos epítetos allí presentes teniendo en vista los dis-
cursos más personales que expresará en los vv. 2-3. 43 Si lo anterior es cor-
recto se puede conjeturar que Pablo revelaría aquí otra de sus genialidades
didáctico-persuasivas. Efectivamente, sin abandonar su función correctiva
con relación a los suyos, sirviéndose de esta configuración lingüístico-afec-
tuosa, mitigaría de modo paterno el impacto que provocará la censura públi-
ca relativa al comportamiento poco ejemplar de Evodia y Síntique (Flp 4, 2).

43)  Cf. Edart, Jean-Baptiste. Op. cit., p. 277.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 277
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

En otros términos, Pablo como un “cirujano” que deberá intervenir, habría


establecido una consonancia afectiva, preparando el campo para su interven-
ción psico-quirúrgica. Ésta, como destacan algunos autores, excluyendo 2,
19-30, es la única actuación directa relativa a la vida comunitaria presente en
la carta. 44

3.1. Un pedido para vivir en unidad y armonía


Pablo al dirigirse a las dos mencionadas integrantes de la comunidad,
como observa Fabris, establece una duplicación verbal citándolas nominal-
mente. Se trata de una “perfetta simetria […] che non vuole sbilanciarsi a
favore dell’una o dall’altra”. 45 De este modo, Pablo intensifica su finalidad
apelativa y le otorga al enunciado un carácter personal desvinculado de cual-
quier favoritismo:

Como ya tuvimos ocasión de observar, es en este versículo donde por pri-


mera y única vez en la Carta a los Filipenses se presenta παρακαλέω. El uso
de este verbo en el corpus paulino en modo indicativo y primera persona sin-
gular: παρακαλῶ, 46 siempre muestra al Apóstol estableciendo un singular
estilo dialogal con sus discípulos y seguidores. 47
De un lado, dentro de las problemáticas tensionales que Pablo invaria-
blemente expone, ruega o suplica a sus destinatarios que adopten una recta
conducta moral. De otro, sea con antecedencia o con posterioridad a la emi-
sión de su demanda, nunca utiliza la categoría verbal imperativa; pero invo-
ca diversos motivadores teológicos que adquieren preeminencia en el discur-
so: “la misericordia de Dios”, “Nuestro Señor Jesucristo”, “el Señor”, “Cris-
to” o “Cristo Jesús”. Pablo recurriendo a estos tópicos estimula a sus interlo-
cutores para que actúen en puntos neurálgicos atinentes a sus objetivos apos-

44)  Cf. Bittasi, Stefano. Op. cit., p. 141.


45)  Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 245.
46)  Modo indicativo, tiempo presente, voz activa, primera persona singular.
47)  Thomas, J. “παρακαλέω” In: Balz, Horst Robert; Schneider, Gerhard (ed.). Diccionario exegético
del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996-1998, v. 2, 738 observa que Pablo utiliza este verbo
cuarenta y cuatro veces, predominando el sentido de petición, el de animar invitando, como también el
de exhortación y consolación.

278 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

tólicos. Se está pues en presencia de una constante didáctico-persuasiva, veri-


ficable aquí en Flp 4, 2, como en las otras doce ocasiones en que la forma ver-
bal παρακαλῶ se presenta en el corpus paulino (Rm 12, 1; 15, 30; 16, 17-18;
1Cor 1, 10; 4, 15-16; 16, 15; 2Cor 2, 8; 10, 1; Flm 1, 9-10; 1Tm 2, 1-3; Ef 4, 1). 48
Por consiguiente, Pablo ruega a Evodia y a Síntique,

Como se puede comprobar, Pablo exhortando para una acción que se fija
dentro de la esfera de las facultades psicológicas, revela el tonus al cual obe-
decerá el conjunto de exhortaciones que pasará a exponer en la unidad 4, 2-9.

3.2. Una nueva mentalidad, un nuevo modo de sentir


Pablo con este pedido dirigido a Evodia y Síntique anhela que se disuel-
va todo amor propio, espíritu de rivalidad y vanagloria. Además, sin men-
cionarlo de un modo explícito, sintetiza todas sus exhortaciones en el senti-
do de lograr una unidad de criterios, deseos, aspiraciones y pensamientos. Se
trata de una señal inequívoca del cambio de mentalidad que ha propiciado en
los diversos momentos de esta carta. Pablo apuntando hacia referentes de un
orden superior tiene por objetivo la cohesión comunitaria. Efectivamente, la
unión entre los seres humanos solamente es efectiva con fundamento en prin-
cipios que trascienden los intereses meramente personales. En otros térmi-
nos, para que haya unidad de mentes y corazones es necesario que entre los
miembros de la comunidad exista amor de ἀγάπη.
Pablo consciente de esta realidad en su sabia διδασκαλία ha propues-
to algunos puntos de referencia teológicos, capaces de concitar una sólida y
auténtica unidad: el Señor (4, 2); Cristo Jesús (2, 2.5) y Dios (3, 15):

48)  Una vista panorámica de esta constante exhortativa permite detectar el común denominador de los
motivadores teológicos que Pablo introduce luego de utilizar la conjugación en primera persona singu-
lar, παρακαλῶ: (Rm 12, 1) “por la misericordia de Dios”; (Rm 15, 30) “por Nuestro Señor Jesucristo y
por el amor del Espíritu”); (Rm 16, 17-18) “porque no sirven a Cristo Nuestro Señor”; (1Cor 1, 10) “por
el nombre de Nuestro Señor Jesucristo”; (1Cor 4, 15) “porque soy yo quien los ha engendrado en Cris-
to Jesús y su Evangelio”. En 2Cor 2, 8-9 declara: si algo perdono, lo hago por vosotros “en presencia de
Cristo” (2Cor 2, 10). En 2Cor 10, 1 Pablo pide por “la mansedumbre y bondad de Cristo”. En Flm 1, 9
declara que “ahora [es] prisionero de Cristo Jesús”. Y a seguir, (Flm 1, 10), intercede en favor de “su hi-
jo” Onésimo, a quien presenta como siendo “engendrado entre cadenas”. Así, Pablo en su argumenta-
ción reitera su condición de “encarcelado de Cristo”.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 279
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Pablo establece con claridad su deseo de que entre sus discípulos se opere
una transformación de mentalidad. En otros términos, que asuman un modo

280 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

de ser, un estilo de actuar conforme al modelo y centro de su propia existen-


cia: ὁ κύριος Ἰησοῦς Χριστός (Flp 1, 2; 3, 20; 4, 23).

3.3. La lucha por el Evangelio y una vez más el plano escatológico


La reconvención que Evodia y Síntique recibieron es simultáneamente sua-
vizada y reforzada en Flp 4, 3. ¿Cómo logra Pablo este efecto aparentemen-
te contradictorio?

El Apóstol se dirige a un personaje desconocido, que designa como su


“auténtico compañero” (γνήσιε σύζυγε) 49 y le ruega su ayuda en favor de
ambas integrantes de la comunidad. El motivo argüido se convierte en un
elogio estimulante hacia Evodia y Síntique. En efecto, Pablo enfatizando en
ellas su condición de “combatientes”, aplica un lenitivo a la amonestación que
anteriormente les ha dirigido. De esta manera, sin tornarse fastidioso, logra
volver el foco de la atención de los filipenses hacia la enseñanza que le intere-
sa fijar: la armonía comunitaria es la vía certera para llevar adelante una exi-
tosa propagación del Evangelio; y como corolario alcanzar la vida eterna.
Pablo en síntesis, indica cuáles son las disposiciones para ser un verdade-
ro discípulo de Jesucristo. Estas disposiciones consisten en un actuar cohesio-
nado, es decir, en una lucha llevada a cabo bajo una misma mentalidad, con
un mismo modo de ser y un mismo sentir (φρονεῖν), “en el Señor” (ἐν κυρίῳ).
En el caso concreto, y como Pablo ya lo ha enunciado, tales predicados se
cifran en su estilo de vida, en cuanto figura mediadora, modelo y ejemplo de

49)  La identidad de este discípulo es incierta. Pitta, Antonio. Op. cit., p. 278, nota 20, se inclina más bien
por Epafrodito. Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 286, sin optar por ningún nombre específico menciona
la hipótesis de Epafrodito e inclusive la del evangelista Lucas; Silva, Moisés. Philippians. 2. ed. Grand
Rapids: Baker Academic, 2005, p. 193, al presentar un elenco de las principales propuestas, susten-
ta que Pablo estaría exhortando de un modo genérico a “various members of the church to prove them-
selves loyal partners in the work of the gospel”.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 281
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

la comunidad (1, 30; 3, 17); y al mismo tiempo, según explícitamente aquí lo


señala: en “sus (mis) colaboradores” (συνεργῶν μου) (4, 3c).
Es necesario recordar que los filipenses en esta etapa de la exposición,
ya han tomado conocimiento de los sendos elogios a Timoteo y Epafrodito.
Estos dos personajes, identificados en este trabajo como “los modelos cola-
terales de influencia discipular” (2, 19-24/2, 25-30), son piezas claves dentro
del mosaico didáctico paulino. Pablo al haberlos mencionado, ciertamente ha
logrado su propósito formativo de hacer penetrar en la “psiquis” de la comu-
nidad a estos dos paradigmas del discípulo cristiano. Timoteo y Epafrodito,
en su calidad de poseedores del φρονεῖν al cual debe aspirar todo seguidor del
Señor, son modelos que caminan por la misma senda paulina:

 50

3.4. Un nuevo concepto de alto valor soteriológico


Pablo con el objetivo de estimular estos vínculos espirituales entre él y la
comunidad, al clausurar el v. 4, 3 proferirá una sentencia con un marcado
tonus escatológico. Ella engloba a todos los que son sus co-partícipes en el
“combate” a favor del Evangelio. Así, Pablo declara:

50) Pablo ha expresado entre líneas (Flp 2, 22c-d) que si bien ser su “compañero de lucha” es magnífico,
existe un vínculo superior: el ser su “hijo espiritual”. Así, Pablo sin expresarlo de un modo formal in-
dica como punto de mira esta importante perspectiva. Él siendo discípulo de Cristo Jesús es mediador,
modelo y guía, pero ante todo padre de la comunidad. Sobre esta temática ver Pellegrino, Carmelo.
Paolo, servo di Cristo e padre dei Corinzi: analisi retorico-letteraria di 1Cor 4. Roma: Pontificia Uni-
versità Gregoriana, 2006.

282 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

El “Libro de la Vida”, referido por Pablo únicamente en Filipenses, perte-


nece al ámbito apocalíptico y escatológico del AT. 51 Sirviéndose de este tópi-
co ha querido consignar de modo solemne que, el entregarse a “combatir” por
la expansión del Evangelio conlleva benéficas consecuencias en el plano de la
salvación eterna. En efecto, con el nombre “Libro de la Vida” se indica la ins-
cripción de todos los predestinados a la gloria celestial. 52 En otros términos,
como Pablo indirectamente ya lo expresó, estar inscrito en este “libro” equi-
vale a ser un ciudadano de “la patria [que está] en los cielos” (τὸ πολίτευμα ἐν
οὐρανοῖς) (3, 20a). Lugar “desde donde también esperamos — como declaró
— al Salvador, al Señor Jesucristo” (ἐξ οὗ καὶ σωτῆρα ἀπεκδεχόμεθα κύριον
Ἰησοῦν Χριστόν) (3, 20b). 53
Es preciso observar que dentro de la didáctica persuasiva que Pablo ha arti-
culado, el contraste que en estas unidades textuales se establece con aquellos
personajes denominados como “los enemigos de la cruz de Cristo” (3, 18d),
“cuyo fin [será] la perdición” (ὧν τὸ τέλος ἀπώλεια) (3, 19a), no deja de ser
impactante. Por tal motivo no se puede dejar de conjeturar que en esta etapa

51)  El “libro de la vida” forma parte del patrimonio teológico del pueblo de Israel (cf. Sal 139, 16; Sal
69, 29; Ez 13, 9 [libro de la casa de Israel]; Ex 32, 32-33; 1Sm 25, 29; Dn 12, 1). En la literatura inter-
testamentaria sus referencias también aparecen: “Ten ánimo, Asenet, porque tu nombre está escrito en
el libro de la vida y no será borrado jamás”. (15, 3). Martínez Fernández, R.; Piñero Sáenz, A. Jo-
sé y Asenet. In: Díez Macho, Alejandro. Apócrifos del Antiguo Testamento. Madrid: Cristiandad, v.
3, 1982, p. 224. Además ver Libro de Jubileos 30, 22; 36, 10; 4Esdras 6, 20; 1Enoc 47, 3; 104, 1. Para
una referencia de textos qumrámicos, ver Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 288, nota 18. Esta imagen del
“libro de la vida” pasa al NT en Ap 3, 5; 13, 8; 17, 8; 20, 15; 21, 27 y de modo indirecto en Lc 10, 20.
52)  Santo Tomás enseña esta realidad. S. Th., I, q. 24, a. 1, co: “la inscripción de los predestinados es lla-
mada libro de la vida”. S. Th., I, q. 24, a. 2, co: “El fin sobrenatural es la vida de la gloria, como ya se
dijo (q. 12 a. 4; q. 23 a. 1). Por lo tanto, propiamente el libro de la vida contempla la vida de la gloria.”.
S. Th., I, q. 24, a. 3, co: “Pues el libro de la vida es la inscripción de los ordenados a la vida eterna. A di-
cha vida se está ordenado por dos motivos: por predestinación divina, que nunca falla; y por gracia. To-
do el que tiene gracia, por eso mismo es digno de la vida eterna. A veces falla, porque hay quienes han
sido ordenados a la vida eterna, pero no la alcanzan por tener pecado mortal”.
53)  Este vínculo temático entre 4, 3 y 3, 20 con fundamento en el referido “libro de la vida” queda esta-
blecido con un razonable grado de plausibilidad. Ahora bien, ¿es posible, como planteó Bittasi, identifi-
car una relación al menos fonética entre los enunciados “libro de la vida” (Flp 4, 3) y la “palabra de vi-
da” que Pablo menciona en Flp 2, 16? Cf. Bittasi, Stefano. Op. cit., p. 144, nota 149. Desde que se acep-
te que Pablo en Flp 2, 15c-16a se ha inspirado en DnLXX 12, 1-3, la relación no sólo es fonética sino que
presenta analogías y dependencias manifiestas. En efecto, en DnLXX 12, 1 se habla que entre los miem-
bros el pueblo de Israel se salvarán aquellos cuyos nombres “estén escritos en el libro” (γεγραμμένος ἐν
τῇ βίβλῳ). ¿Qué libro? El único libro donde se escriben los nombres de aquellos que obtendrán la salva-
ción eterna. Así, en el v. 2 se dice que muchos de los que duermen despertarán “para la vida eterna” (εἰς
ζωὴν αἰώνιον) y otros para la ignominia eterna. Y en el v. 3 se profetiza que los sabios brillarán como as-
tros del cielo “y los que guardaron firme mi palabra” (καὶ οἱ κατισχύοντες τοὺς λόγους μου) como las
estrellas del cielo por los siglos de los siglos”. Por consiguiente, la relación temática entre “el libro”, “la
vida eterna” y la fidelidad a “la palabra” dentro de un horizonte escatológico no admite dudas.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 283
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

de la progresión didáctico-argumentativa, por una asociación de ideas, tales


conceptos vuelvan a la mente de quienes asisten a la lectura de estas palabras
de Pablo. De modo análogo, dentro de esta perspectiva de la salvación esca-
tológica, puesta aquí de relieve especialmente por la alusión al “Libro de la
Vida”, se debe señalar que ella viene a ser reforzada por el vínculo que Pablo
establece entre este v. 4, 3 y el v. 1, 27 al utilizar de modo concomitante el
verbo συναθλέω, según se puede comprobar en el siguiente cuadro:

Pablo, anunciando la manifestación de una futura gloria escatológica,


declara su convicción de un triunfo total. En efecto, teniendo en vista la sal-
vación eterna por causa de su unión en Cristo Jesús, ¿pueden existir motivos
para estar desanimados o angustiados frente a las persecuciones y contrarie-
dades de la hora presente? ¿No es en realidad la vida eterna a lo que realmen-
te se debe aspirar? ¿No es éste un motivo para estar profundamente gozosos?

284 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

4. Filipenses 4, 4-7: el miedo como “psicopatología”

4.1. ¡La alegría en el Señor! Filipenses 4, 4


Pablo pasando al v. 4, 4 se dirige con un doble χαίρετε que corresponde a
uno de los hilos conductores de la carta: χαρά (Flp 1, 4b.25c; 2, 2a.29b; 4, 1c);
χαίρειν (Flp 1, 18d.18e; 2, 17c.18b.28c; 3, 1a; 4, 10a); y señala que el referen-
te de esa alegría se encuentra “en el Señor” (ἐν κυρίῳ), expresión que la repi-
te por una octava y penúltima vez en la carta (1, 14b; 2, 19a.24a.29a; 3, 1a; 4,
1d.2c.10a):

Cabe destacar que, considerando el corpus paulino, la exhortación χαίρετε


ἐν κυρίῳ, sólo se presenta en este v. 4, 4 como además en Flp 3, 1a.
El análisis de la sección 4, 4-7 presenta, como demostró Fee, cuatro aspec-
tos relacionados con los rasgos formales de los himnos sálmicos. 54
En primer lugar, la piedad, que se desdobla en un segundo aspecto carac-
terizado por una triple manifestación: a) el regocijarse en el Señor; b) la ora-
ción; c) la acción de gracias. 55 En tercer lugar, la presencia del gozo y la paz;
y por último la conjunción entre la piedad individual y la comunitaria pues-
to que Pablo insta a manifestarse públicamente. 56 Estas singularidades, que
denotan una clave sálmica en la estructuración de Flp 4, 4-7, serán abordadas
en el análisis que se presentará a seguir. Este análisis dará ocasión para aden-
trarnos en una de las más enigmáticas enseñanzas que Pablo propone en esta
Carta a los Filipenses.

4.2. Ὁ κύριος ἐγγύς: ¿sentido existencial o sentido escatológico?


La exhortación iterativa del v. 4, 4 para estar alegres corresponde a un
estado de espíritu que predispone para la práctica de la virtud. Esta alegría se

54)  Cf. Fee, Gordon D. Op. cit., p. 402-403.


55)  a) Sal 64 (63), 11: El justo se alegrará en el Señor; Sal 97 (96), 12: Justos, alegraos en el Señor; b) Sal
95 (94), 2: con acciones de gracias vayamos ante él, aclamémosle con salmos; Sal 100 (99), 4: ¡Entrad
en sus pórticos con acciones de gracias, con alabanzas en sus atrios, dadle gracias, bendecid su nom-
bre!; c) Sal 61 (60), 1-4; 84 (83), 1-8: La oración en el santuario en presencia del Señor.
56)  Cf. Fee, Gordon D. Op. cit., p. 403.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 285
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

hermana con la “amabilidad” o la “benignidad” (ἐπιεικής), predicado moral


que los filipenses son llamados a practicar puesto que se opone a la irrita-
bilidad y la dureza de trato. 57 Pablo percibe que en la actual coyuntura es
necesario estimular la práctica de esta virtud y así actuar en dos planos muy
definidos: ad intra et ad extra de la comunidad. Con relación al primer pla-
no, Pablo ya ha intervenido con maestría al estimular un armónico relaciona-
miento entre los filipenses, único garante de la cohesión comunitaria (Flp 2,
1-5/Flp 4, 2-3); y corolario de la κοινονία que ellos han establecido con Pablo
y el Evangelio. Con respecto al segundo plano, Pablo no deja de indicar que
delante de los hombres es necesario conquistar influencia para Cristo y el
Evangelio. Se debe dar un testimonio público de la práctica de esta virtud y
por ende de las demás virtudes.
En síntesis, para Pablo la ἐπιεικής constituye un valioso instrumento de
apostolado:

 58

Ahora bien, como se puede concluir leyendo la trama argumental que


Pablo ha trazado en los tres primeros capítulos de esta carta, uno de los obstá-
culos para la concretización plena de esta acción apostólica ad extra, son los
temores y las angustias que asolan a la comunidad de Filipos. Pablo al conti-
nuar adelante con su progresión didáctico-argumentativa intentará desarticu-
lar este estado psicológico anidado en los corazones y mentes de los filipen-
ses. Por consiguiente, comienza formulando un pensamiento que suscita una
gozosa esperanza:

57)  Giesen. “ἐπιεικής”. In: Balz, Horst Robert; Schneider, Gerhard (ed.). Diccionario exegético del
Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996-1998, v. 1, 1498-1499 explica que este adjetivo en el
NT se presenta cinco veces y siempre en la literatura epistolar (1Tm 3, 3; Tt 3, 2; 1Pd 2, 18; Sant 3, 17).
El sustantivo aparece dos veces (Hch 24, 4; 2Cor 10, 1). Este vocablo en la LXX designa la benignidad
y la clemencia de Dios (1Sam 12, 22; Sal 85, 5; Sab 12, 18; Bar 2, 27; Dn 3, 42; 4, 27: 8, 12; 2Mac 2,
22; 10, 4); la de un soberano (Est 3, 13; 8.12; 2Mac 11, 27; 3Mac 3, 15; 7, 6) y la de un profeta (2Re 6, 3).
58) Spicq, «evpieikh,j», LTNT, 548, traduce: “que votre sympathique équilibre soit connu de tous les hom-
mes”. De este modo pone de relieve el valor estético de evpieikh,j al contemplar su significado de “justa
mesura”, “proporcionado”, “conveniente”.

286 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Los comentaristas de Filipenses manifiestan su indecisión al momento de


interpretar esta última declaración paulina. Para algunos ella es sorprenden-
te, desconcertante y oscura. 59 Para otros no es enteramente clara, puesto que
ofrece dos perspectivas exegéticas: ὁ κύριος ἐγγύς puede leerse con un senti-
do “espacial” (existencial) como también con otro “temporal” (escatológico). 60
El primer sentido alude a una intervención próxima del Señor para quien
lo invoca. 61 El segundo encuentra paralelos en algunos libros proféticos, en
los cuales la expresión ἐγγὺς ἡμέρα κυρίου revela una perspectiva escatoló-
gica anunciando una próxima intervención de Dios. Es el Señor que castigará
la idolatría y la infidelidad. 62 ¿Cuál de los dos sentidos Pablo habría tenido en
mente al formular esta expresión? 63
Fabris, señala que un sentido no excluye al otro, “dal momento che in rap-
porto all’azione di Dio il linguaggio temporale o spaziale è sempre metafori-
co. Quello che conta è la fiducia nell’intervento del Signore, atteso dal cielo
come salvatore (Fil 2, 20)”. 64 Por su parte Pitta afirma taxativo que utilizando
la expresión ὁ κύριος ἐγγύς, que se introduce en el texto

59)  Bockmuehl, Markus N. A. A Commentary on Epistle to the Philippians. London: Continuum, 1997,
p. 245: “At first sight, this compact phrase (ho kurios engus) seems perplexing and obscure”. Fee, Gor-
don D. Op. cit., p. 407: “The sudden appearance of an indicative (‘the Lord is near’) is surprising as its
intent is obscure”.
60)  O’brien, Peter Thomas. Op. cit., p. 488: “Its meaning is not entirely clear because of the ambiguity of
the adverb ἐγγύς (is it to be understood spatially or temporally?), while its function within the surround-
ing imperatives (4:4-7), because of a lack of any grammatical connection, is disputed”.
61)  Cf. Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 250, nota 24 indica tres salmos: 34 (33), 19 ἐγγὺς κύριος τοῖς
συντετριμμένοις; 145 (144), 18: ἐγγὺς κύριος πᾶσιν τοῖς ἐπικαλουμένοις αὐτόν; 119 (118), 151 ἐγγὺς
εἶ σύ, κύριε.
62)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 289, nota 28, cita ocho pasajes de la LXX: Jl 1, 15: οἴμμοι οἴμμοι
οἴμμοι εἰς ἡμέραν ὅτι ἐγγὺς ἡμέρα κυρίου (Ay, ay, ay de ese día, porque cerca está el día del Señor);
Jl 2,1: πάρεστιν ἡμέρα κυρίου ὅτι ἐγγύς (viene el día del Señor porque está cerca); Jl 4, 14: ὅτι ἐγγὺς
ἡμέρα κυρίου (porque cerca está el día del Señor); Sof 1, 7: διότι ἐγγὺς ἡ ἡμέρα τοῦ κυρίου (porque
cerca está el día del Señor); Sof 1,14: ὅτι ἐγγὺς ἡ ἡμέρα κυρίου ἡ μεγάλη ἐγγὺς… (porque cerca está el
gran día del Señor, cerca…); Ab: 1, 15 διότι ἐγγὺς ἡμέρα κυρίου (porque próximo está el día del Señor);
Is 13, 6 ὀλολύζετε ἐγγὺς γὰρ ἡ ἡμέρα κυρίου (gemid, porque cerca está el día del Señor); Ez 30,3: ὅτι
ἐγγὺς ἡ ἡμέρα τοῦ κυρίου (porque cerca está el día del Señor).
63)  Snyman, A.H. Philippians 4:1-9 from a Rhetorical Perspective. Verbum et Ecclesia, v. 28, 2007, p. 234,
a este propósito presenta el siguiente elenco: “Most exegetes understand it as temporal, in the sense
of His imminent parousia (Vincent 1961:133-4; Hendriksen 1962:194; Lightfoot 1970:160; Müller
1973:195; Loh and Nida 1977:128, and others). Lohmeyer (1974:169) on the other hand, thinks it is an
instance of intertextuality, echoing Psalms 119:151 and 145:18 (the Lord is near all who call upon Him)
and should thus be understood as spatially”.
64)  Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 250.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 287
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

senza alcuna relazione sintattica, Paolo aggiunge la professione di fede sul-


la seconda venuta di Cristo. A causa della carenza di colegamenti con il
contesto, la formula sulla parusia di Cristo, può essere relazionata all’affa-
bilittà verso tutti e alla succesiva preoccupazione dei destinatari. 65

A su vez Aletti, sin definir su opción ni por el sentido existencial, ni por


el sentido escatológico, se restringe a esbozar las líneas interpretativas que
favorecen a cada una de las dos orientaciones. Por el sentido temporal (esca-
tológico) observa que si bien es verdad que ἐγγύς “n’est jamais rattaché à une
personne, mais à un nom désignant un événement (salut, jugement, malheur)
ou une période (jour, etc.); cette lecture est néanmoins possible”. 66 Por el sen-
tido espacial (existencial) observa la necesidad de establecer la relación de
ὁ κύριος ἐγγύς con las exhortaciones que están en su entorno. 67 Siendo así,
¿con cuál de ellas establecer dicha relación? ¿Con la exhortación que antecede
(v. 5a) 68 o con la que precede (v. 6)? 69 Aletti señala que la opción más lógica
parece ser el enlazamiento con el v. 4, 6 pues si “el Señor está cerca” (Flp 4,
5b) de aquellos que lo invocan — como declara el salmista en el Sal 145 (144),
18 — se comprendería el motivo por el cual Pablo insta a los filipenses para
que eleven sus súplicas al Señor (Flp 4, 6). 70
La consideración de esta última hipótesis lleva a concluir que ella posee
coherencia y plausibilidad. No obstante, siguiendo su mismo sentido existen-
cial, la presente investigación transitará por otra vía exegética.
Pablo al utilizar la expresión ὁ κύριος ἐγγύς (Flp 4, 5b), tendría en men-
te no tanto el Sal 145 (144), 18, sino más bien el Sal 34 (33), el que utilizaría
como fuente de inspiración. Su propósito sería el de instruir, orientar y ani-
mar espiritualmente a sus discípulos.

4.3.  El Salmo 34 (33) y Filipenses 4, 4-7


Como se sabe, los versos del Sal 34 (33) se encuadran en el drama sufri-
do por David cuando se fingió demente delante de “Abimelec”. Gracias a este

65)  Pitta, Antonio. Op. cit., p. 282.


66)  Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 289-290.
67)  Cf. ibid., p. 289.
68)  Flp 4, 5a: “Que vuestra amabilidad se manifieste a todos los hombres”.
69)  Flp 4, 6: “Por nada estéis angustiados; sino más bien en todo [tiempo] por la oración y la súplica con
acción de gracias vuestros pedidos sean hechos delante de Dios”.
70)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 290.

288 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

subterfugio éste lo expulsó y David pudo marcharse salvando su vida (Sal


34 [33], 1). 71 Por consiguiente, el orante entona su cántico de acción de gra-
cias: “Yo me glorío del Señor: que lo escuchen los humildes y se alegren” (Sal
34 [33], 3). 72 Al mismo tiempo proclama un aspecto esencial de su experien-
cia religiosa: el salmista fue beneficiado con una portentosa intervención del
Señor (vv. 5.7.18.20). 73 Todos los que claman al Señor son escuchados y libe-
rados de sus angustias. De modo específico, el salmista proclama en el v. 19a
que estos “afligidos” y “quebrantados” nada deben temer puesto que de ellos
“cerca está el Señor”. 74
En síntesis, la gozosa acción de gracias por la liberación de un estado psi-
cológico de aflicciones motivadas por la persecución inicua de adversarios es
la clave didáctica de este salmo. 75
Sin considerar el sólido paralelismo que se verifica entre Flp 4, 5b (ὁ
κύριος ἐγγύς) y el SalLXX 33, 19a, (ἐγγὺς κύριος), la temática que expone el

71)  Según algunos académicos el salmista habría cometido un error pues los hechos se verificaron en pre-
sencia de Aquis, rey de Gat (1Sm 21, 12-15). Para Santo Tomás de Aquino, por el contrario, no exis-
te error. Aquis, rey de Gat, podría tener dos nombres; el suyo o el de Abimélec por ser su descendiente:
“Nec est inconveniens, vel quia binomius fuit, vel quia Achis nomine, sed de genere Abimelech” (Super
Psalmo 33 n. 1), en Thomas Aquinas, Opera Omnia, volume 14. Bourke, Vernon Joseph. (ed.) New
York: Musurgia Publishers, 1948, p. 265. Con fundamento en esta observación, parece obvio que el sal-
mista nombró al rey Aquis con el título de “Abimélec” para indicar la dinastía filistea de la cual des-
ciende. De modo análogo a quien dice el “César” pudiendo ser Tiberio, Nerón, o Calígula. En efecto, el
Génesis menciona a un primer Abimélec rey de los filisteos y contemporáneo de Abraham (cf. Gn 20,
1-18; 26, 1-11). Por lo tanto este “Abimélec-Aquis” no tiene relación alguna con el sacerdote Abimé-
lec (1Cro 18, 16; 24, 6), que generoso proporcionó alimento a David y su hombres huyendo de Saúl. No
obstante este “error” supino que algunos académicos ven en el salmista, la discrepancia no modifica el
trasfondo psicológico de aflicciones, como las enseñanzas y las acciones de gracias que el orante gozo-
so expresa en su canto sálmico.
72)  Traducción Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Salmos. Estella: Verbo Divino, v. 1, 1992, p. 512.
73)  El salmista proclama: (v. 5) “Consulté al Señor y me respondió librándome de todas mis ansias”; (v. 7)
“Este pobre clamó y el Señor le escuchó, lo salvó de todos sus peligros”; conceptos que reitera en el v.
18: “Si gritan, el Señor escucha y los libra de todos los peligros”; para finalmente en el v. 20 exclamar:
“Por muchos males que sufra el justo, de todos lo libra el Señor” (cf. Alonso Schökel, Luis; Carniti,
Cecilia. Op. cit., p. 512-513).
74)  Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 512, traducen desde el TM: “Cerca está el Señor
para los quebrantados de corazón y salva a los abatidos de espíritu”.
75)  Kraus, Hans Joachim. Los salmos: Salmos 1-59. Salamanca: Sígueme, 1993, p. 587, comenta sobre el
Salmo 34 (33): “El cántico de acción de gracias de la persona que ha sido salvada ‘se gloría’ en Yahvé,
pero constituye al mismo tiempo un testimonio y un mensaje dirigido a los ~ywn[ [`ánäwîm] ‘oprimi-
dos’ (…). Los oprimidos y necesitados de ayuda deben cobrar ánimo y regocijarse por las experiencias
de salvación que ha tenido el salmista. Con ello el salmo entero adquiere una orientación kerigmática
hacia una meta que debe tenerse en cuenta cuidadosamente en los pasajes de carácter didáctico. En to-
dos los versos del cántico hay que ensalzar y glorificar el nombre de Yahvé. Los ~ywn[ deben entonar es-
ta alabanza. Hay que dar testimonio de la incomparable eficacia de la presencia (~v) reveladora y sal-
vadora de Yahvé”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 289
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

orante en su gozoso canto está en plena consonancia con el trasfondo psicoló-


gico de angustias que padecen los filipenses, a las cuales naturalmente, pode-
mos agregar las aflicciones del propio Pablo encarcelado. Este trasfondo de
tribulaciones, el Apóstol lo pondrá en evidencia con su exhortación: μηδὲν
μεριμνᾶτε (por nada estéis preocupados) (Flp 4, 6a). Como se analizará, estos
paralelismos se refuerzan al constatar las exhortaciones que Pablo formula-
rá en Flp 4, 6bc incentivando a la oración con acción de gracias y súplicas
dirigidas en presencia del Señor. 76 Los frutos de estos actos de piedad, como
declarará Pablo en Flp 4, 7, redundarán en que “la paz de Dios” “guardará
los corazones y los pensamientos” de los filipenses. La constatación de estas
analogías existenciales permitirá establecer un importante principio. Pablo es
un hombre de oración (Flp 1, 4.9), quien, sin expresarlo de un modo formal,
asigna una acentuada preeminencia a las prácticas de piedad para enfrentar la
disposición de la angustia. En suma, Pablo en esta etapa de sus exhortaciones
comunica ánimo e intenta desintoxicar la psico-infección de la intranquilidad
que conmueve a los filipenses.

4.4. El Salmo 34 (33), 19: quebranto y abatimiento


Pasando a demostrar las deducciones esbozadas, se constata la existencia
de una primera analogía entre el contexto de aflicción que padece la comu-
nidad de Filipos con la que expone el Sal 34 (33), 19a. Este último versícu-
lo, sea desde el TM o la LXX, muestra al orante proclamando: “cerca [está
el] Señor” de los que padecen el “quebranto”. El TM y la LXX indican que la
sede de dicho quebranto psicológico es el corazón:

 77

El versículo concluye estableciendo una simetría entre el mencionado


“quebrantamiento” y el “espíritu abatido” de aquellos que sufren persecucio-
nes puesto que el salmista proclama con regocijo:

76)  Estas llamadas para alabar y darle gracias al Señor el salmista las expresa en 34 (33), 1.4.5.6.7.9.11.18.
77) El TM presenta rb;v (niphal participio plural), que se traduce por “ser quebrados”. La LXX lo traduce
por suntetrimme,noij (participio perfecto pasivo en dativo, masculino y plural de suntri,bw: quebrantar).

290 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

 78

En suma, el orante proclama gozoso: “el Señor está cerca” y salva a todos
los que su “corazón” sufre “quebranto” y su “espíritu” está “abatido”. 79 Esta
sabia enseñanza, exhortando a volverse hacia el Señor en su calidad de libera-
dor de la angustia provocada por el proceder inicuo de adversarios (vv. 17.22), 80
se presenta como un Leitmotiv (vv. 5.7.18.20).
Con fundamento en estas similitudes y resonancias, la presente hipótesis a
favor del sentido espacial (existencial) del enunciado ὁ κύριος ἐγγύς, donde
Pablo tendría como fuente de inspiración el Sal 34 (33), y particularmente el
v. 19 (desde la LXX), adquieren ciertos visos de probabilidad. Como se ha
podido constatar, la cuestión estriba en esclarecer cuáles son las problemáti-
cas que Pablo intenta neutralizar y en función de cuál perspectiva — sea la
existencial o la escatológica — escribe para instruir a sus discípulos. Entre el
cúmulo de argumentos con el propósito de interpretar esta expresión ὁ κύριος
ἐγγύς (el Señor [está] cerca), presente en Flp 4, 5b se destaca la deducción de
Pitta. Dicha deducción se opone al sentido existencial que en este trabajo se
intenta demostrar, pues, como fue indicado, el comentarista defiende el senti-
do temporal (escatológico) de este sintagma:

la forma ellittica dell’ espressione [ὁ κύριος ἐγγύς], in cui bisogna suplire il


verbo eimi alla III persona singolare, dimostra che la breve sentenza è for-
ze mutuata dall’attesa escatologica delle prime comunità cristiane. In prati-

78) Algunas versiones traducen el Sal 34(33),19b con un sentido penitencial. (SRV) (RVA): “salvará a
los contritos de espíritu”. (R60) (R95): “y salva a los contritos de espíritu” (las cursivas son nuestras).
Alonso Schökel, en Alonso Schökel – Carniti, Salmos, I, 518-519, objeta la imprecisión de estas
traducciones: “la secuencia leb-rúh, nsbr-dk’(dkh) [en el Sal 33(34),19] nos lleva irremediablemen-
te al Sal 51,19, o sea, de lo sapiencial a lo penitencial. En términos genéricos: si por el pecado el hom-
bre se aleja de Dios, por la penitencia lo encuentra cerca. Con todo, las expresiones no significan nece-
sariamente arrepentimiento, como muestran Is 61,1; Jr 23,9”. Esta observación lleva a Alonso Schökel
y Carniti a traducir el pasaje con mayor propiedad: “y salva a los de espíritu abatido” (las cursivas son
nuestras).
79)  Este “abatimiento” el salmista lo expresa por medio del adjetivo plural aK’D; que apunta al concepto de
“aplastados”, “triturados” o “quebrados”. La LXX lo traduce por medio del adjetivo en acusativo plural
ταπεινοὺς (humillados, abajados) de ταπεινός.
80)  Traducciones de Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 512-513: “v. 17. El Señor se
enfrenta con los que obran mal, para extirpar de la tierra su memoria”. “v. 22. La maldad da muerte al
malvado; los que odian al justo lo pagarán”.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 291
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

ca riproduce la formula prepaolina ‘marana tha’ (1Cor 16, 22; in seguito cf.
Ap 22, 17.20). 81

El argumento nos parece un tanto forzado. Una vez que la expresión pauli-
na ὁ κύριος ἐγγύς revela un vínculo con la fraseología utilizada por el orante
en los salmos (ἐγγὺς κύριος), la explicación de esta presencia elíptica del ver-
bo εἰμί se debería indagar más bien desde una perspectiva estilístico-grama-
tical. En efecto, el amanuense de la LXX dispuso en dos ocasiones de “forma
elíptica” el verbo εἰμί al transcribir su traducción, ἐγγὺς κύριος. Primero en
el SalLXX 33, 19a: ἐγγὺς κύριος τοῖς συντετριμμένοις τὴν καρδίαν (cerca [está
el] Señor de los quebrantados de corazón); y luego en el SalLXX 144, 18a: ἐγγὺς
κύριος πᾶσιν τοῖς ἐπικαλουμένοις. (cerca [está el] Señor de todos los que lo
invocan). ¿Cuál podría ser el motivo de estas dos recurrencias elípticas del
verbo εἰμί en estos versículos? La respuesta a esta interrogante se encuentra en
el propio TM pues así, de forma elíptica, consta en la versión hebrea original:

 82

La ausencia del verbo que aquí se observa en el texto original obedece a la


construcción sintáctica frecuente en hebreo y otras lenguas semíticas: la ora-
ción nominal. 83 Esta construcción, que según Joüon y Muraoka “has been on
of the most hotly debated topics in Biblical Hebrew”, 84 presenta numerosos
ejemplos, 85 entre los que destacamos:

81)  Pitta, Antonio. Op. cit., p. 282.


82) En estas traducciones se ha destacado la forma verbal “está” cuya presencia elíptica en español haría
incomprensible el enunciado.
83)  La oración nominal se establece por la yuxtaposición de un sujeto gramatical (sea un sustantivo o un
pronombre) y de un predicado (otro sustantivo, un adjetivo o un participio). Cf. Joüon, Paul; Muraoka,
T. A Grammar of Biblical Hebrew. 3. ed. Roma: Gregorian & Biblical Press, 2011, p. 528-529.
84)  Cf. Joüon, Paul; Muraoka, T. Op. cit., p. 528, nota 1, presentan un status quaestionis desde 1969 a
1999.
85)  Cf. Waltke, Bruce K; O’Connor, Michael Patrick. An Introduction to Biblical Hebrew Syntax. Wi-
nona Lake: Eisenbrauns, 1990, p. 125-135; Gesenius, Wilhelm; Kautzsch, Emil; Cowley, Arthur Er-
nest. Gesenius’ Hebrew Grammar: as Edited and Enlarged by the late E. Kautzsch. 17. ed. Oxford: Cla-
rendon Press, 1983, p. 451-455.

292 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

 86

De acuerdo con Cynthia L. Miller los autores establecen básicamente tres


estrategias para la identificación del sujeto y el predicado en las oraciones
nominales. 87 En nuestros dos versos sálmicos (34, 19a; 145, 18a) dicha identi-
ficación no ofrece dificultades. El sustantivo hwhy, siendo el nombre propio
de Dios entre los israelitas, expresa claramente un grado de definición supe-
rior que el adjetivo hebreo bArq' (cercano), por tanto hwhy es el sujeto de
estas dos oraciones gramaticales. 88
Las presentes apreciaciones permiten comprobar que el traductor de la
LXX en estos dos versículos sálmicos, dejando de forma elíptica el verbo
εἰμί, y obviando el artículo definido para el sujeto gramatical Κύριος, no ha
hecho sino traducir fielmente estas dos oraciones nominales hebraicas. Ilus-
tra este deseo de fidelidad por parte del traductor de la LXX, la excepción
que se observa en el Sal 119 (118), 151a cuando el salmista intercala a la refe-
rida expresión hw”hy< bArq’ (cerca [está el] Señor), el pronombre en segunda
;
persona singular hT'a; (tú). Literalmente: “cerca tú Señor”. Traducido:

86) La BJ para dar coherencia a su traducción debe introducir el verbo “ser” y la conjunción “y” (transcri-
tas aquí en cursivas y negritas). Esta oración nominal traducida literalmente reza: “tierno Yahvé justo”.
87)  Cf. Miller, Cynthia L. Pivotal Issues in Analyzing the Verbless Clause. In: Miller, Cynthia L. (ed.)
The Verbless Clause in Biblical Hebrew: Linguistic Approaches. Winona Lake: Eisenbrauns, 1999, p.
11-13. La primera estrategia se refiere a la identificación de las categorías léxicas o las características
morfológicas correlacionadas con las funciones de sujeto y predicado. Miller señala como ejemplos las
frases preposicionales y las adjetivales indeterminadas que deben ser identificadas como predicados, y
los nombres propios (generalmente) como sujetos. La segunda estrategia se relaciona con los rasgos se-
mánticos y/o pragmáticos de los constituyentes de la oración gramatical. En este caso se considera la di-
ferencia en el grado de definición. Por ejemplo, cuando un sintagma nominal es determinado por el ar-
tículo definido y aparece yuxtapuesto a un segundo sintagma nominal sin el artículo definido, el prime-
ro se considera con un mayor grado de definición, luego es el sujeto, mientras que el segundo sintagma
corresponde al predicado. La tercera estrategia se refiere al orden lineal de los componentes, sujeto y
predicado. Como recuerda Miller, esta última estrategia es rechazada por algunos autores.
88)  La gramática de Gesenius presenta entre los ejemplos de un sustantivo (con función de sujeto) y un
adjetivo (con la de predicado) el ilustrativo pasaje Gn 2, 12 (cf. Gesenius, Wilhelm; Kautzsch, Emil;
Cowley, Arthur Ernest. Op. cit., p. 451).
‫ טוֹב‬,‫וּזְהַ ב הָ אָ ֶרץ הַ הִ וא‬: Gn 2, 12a.
GnGesenius 2, 12a: and the gold of that land is good.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 293
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Esta disposición obligó al traductor de la LXX, por motivos sintácticos


inherentes al griego, a transcribir una oración verbal señalando de modo
explícito el verbo εἰμί en segunda persona singular (εἶ). 89 Esta conjugación
junto al sujeto gramatical “Señor” (que debe ser transcrito ahora en caso
vocativo) y determinado por el pronombre σύ (tú) conforma la siguiente ora-
ción verbal:

A la luz de estas consideraciones de orden sintáctico parecerían explicarse


las razones que motivan la presencia elíptica del verbo εἰμί en Flp 4, 5. Pablo,
un hebreo piadoso que conoce ampliamente el salterio, 90 al escribir a los fili-
penses tendría en mente la aludida expresión del orante: el “Señor” interviene
pues “cerca” (es/está) de quien lo invoca en las angustias y peligros. Pablo por
razones estilísticas, no obstante haya mantenido de un modo elíptico el ver-
bo εἰμί, habría reestructurado esta expresión haciéndola más explícita. Así,
introdujo el artículo definido e invirtió el orden de los elementos gramaticales
según la configuración natural:

89)  En modo indicativo, presente, voz activa.


90)  Es lo que se infiere observando las numerosas citas que Pablo introduce en sus cartas, sea desde la
LXX o desde el TM. Silva, M. Old Testament in Paul. In: Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P;
Reid, Daniel G. (eds.) Dictionary of Paul and his Letters. Downers Grove: InterVarsity Press, 1993, p.
631, presenta un elenco de ellas: Rm 2, 6/Sal 62, 13; Rm 3, 4/Sal 51, 6; Rm 3, 13a/Sal 5, 10; Rm 3, 13b/
Sal 140, 4; Rm 3, 18/Sal 36, 2; Rm 3, 14/Sal 10, 7 (LXX 9, 28); Rm 4, 7-8/Sal 32, 1-2; Rm 8, 36/Sal
44, 23; Rm 10, 18/Sal 19, 5; Rm 15, 3/Sal 69, 10; Rm 15, 9/ Sal 18, 50 (Cf. 2Sm 22, 50); Rm 15, 11/Sal
117, 1; 1Cor 3, 20/Sal 94, 11; 1Cor 10, 26/Sal 24, 1; 1Cor 15, 27/Sal 8, 7; 2Cor 4, 13/Sal 116, 10 (LXX
115, 1); 2Cor 9, 9/Sal 112, 9. Silva señala además los tres pasajes en los cuales Pablo da preferencia al
texto de la LXX: Rm 3, 14/Sal 10, 7 (LXX 9, 28); Rm 4, 7-8/Sal 32, 1-2; Rm 10, 18/Sal 19, 5; como
además difiere del TM y de la LXX, ya sea que estos dos concuerden o no: Rm 3, 10-12/Sal 14, 1-3 (cf.
Sal 53, 2); Rm 11, 9-10/Sal 69, 23-24; Ef 4, 8/Sal 68, 19. Finalmente destaca las referencias problemá-
ticas puesto que la fuente de citación es discutida: Rm 3, 20/Sal 143, 2; Rm 11, 1-2/Sal 94, 14; 1Cor 15,
25/Sal 110, 1; Gal 2, 16/Sal 143, 2.

294 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Estos argumentos, que nos llevan a discrepar en buena paz con la propues-
ta escatológica de Pitta, terminan por adquirir una nueva confirmación pro-
porcionada por el mismo comentarista. Se trata de un antecedente incontro-
vertible: “Paolo non utilizza mai l’avverbio eggys in contesto escatológico
(cf. Rm 10, 8; Ef 2, 13.17)”. 91
En vista de este importante antecedente, si Pablo efectivamente “non uti-
lizza mai” el adverbio ἐγγύς en un contexto escatológico; y si al mismo tiem-
po la “forma elíptica” del verbo εἰμί, como se ha intentado demostrar, no obe-
dece a que “è forse mutuata dall’attesa escatologica delle prime comunità
cristiane”; 92 sino que sería de naturaleza estilistico-gramatical pues respeta
las características sintácticas del texto hebraico, se diría que arribamos a una
propuesta con visos de credibilidad. En efecto, la utilización por Pablo de la
expresión ὁ κύριος ἐγγύς, al igual que el orante de los salmos, no obedecería
al sentido escatológico sino que al existencial.
En otros términos, Pablo en el auge de su cautiverio, y en la incertidumbre
al respecto de su futuro, está expresando que se debe rezar y confiar plena-
mente en una próxima intervención del Señor. En efecto, el Señor que es cer-
cano nunca abandona a los suyos y especialmente a quien lo invoca con con-
fianza. 93
La hipótesis favorable a una inspiración paulina “existencial” con funda-
mento en el Sal 34 (33) parecerá confirmarse con un grado razonable de pro-
babilidad al ser analizada, en su momento, la importante enseñanza que Pablo
imparte al concluir la sección Flp 4, 4-7.

4.5.  La alerta contra un estado psicológico: ¡nada de angustias!


Dando una visión retrospectiva a la trama textual que Pablo ha expuesto
en los tres capítulos de esta carta, se puede inferir la presencia de un pronun-
ciado ambiente psicológico de tensiones internas y externas con relación a la
comunidad filipense.
En primer lugar es incuestionable que en Filipos un grupo de adversarios
actúa contra esta comunidad cristiana. Pablo no ha necesitado especificar

91)  Pitta, Antonio. Op. cit., p. 282, nota 37.


92)  Idem.
93)  El comentario de Santo Tomás de Aquino a esta expresión (Flp 4, 5b): “Dominus enim prope est” per-
mite inferir que el Aquinate interpretó este pasaje desde una perspectiva existencial y no escatológica.
Las citas bíblicas que aduce desde la Vulgata así lo indican: Hch 17, 27; Ef 2, 13; Sant 4, 8; SalVg 144,
18; IsVg 14, 1 (cf. Super Philip., c. 4, l. 1, 154).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 295
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

la extracción étnica, social y religiosa de estos individuos, pues obviamen-


te son conocidos por todos. No obstante, al recurrir al inusitado hapax bíbli-
co πτύρομαι (1, 28a) — verbo calificado en este trabajo como “zoo-psíqui-
co” por expresar el pánico que invade a los caballos en batallas campales —
proporciona un antecedente incontestable. Pablo subraya que la actuación de
estos adversarios provoca “miedo”, “pavor” o “angustia”, factores ante los
cuales los filipenses no deben dejarse doblegar (1, 28a). 94
Más adelante este contexto de hostilidades se reitera en el Capítulo 3 cuan-
do el Apóstol introduce su vehemente alerta: “¡cuidado con los perros”… los
“malos operarios”… y “la mutilación”! (3, 2). Pablo, exhortando a la alegría
y articulando recursos didácticos de corte mélico serio-burlescos, no haría
sino ironizar tal escenario de adversidades. Luego, denunciando a los anti-
-modelos del discípulo, “los enemigos de la cruz de Cristo” (3, 18), ponía una
vez más en evidencia la existencia de fricciones y embates. Si a estos antece-
dentes se suman las manifestaciones de ambición y la vanagloria (2, 3), cuyas
secuelas son las murmuraciones y las contiendas (2, 14) explicitadas en 4, 2
con los nombres de Evodia y Síntique, el cuadro psicológico tensional inter-
no y externo parecería estar completo. Parecería… pues generalmente no se
le da el debido valor a un factor obvio. El impacto que con toda seguridad
provocó entre los filipenses la noticia del encarcelamiento de Pablo, no debe
haber sido de poca trascendencia.
¿En qué circunstancias arrestaron al Apóstol? ¿A qué asechanzas
recurrieron sus adversarios? ¿Lo apedrearon? ¿Lo golpearon? ¿Lo hirieron?
¿Cuál es su actual estado de salud? ¿Está sufriendo hambre, frío? ¿Dispone
de medios económicos en el caso que se le permita pagar una fianza judicial?
¿Tiene derecho a una reclusión domiciliaria o yace en una mazmorra oscura,
húmeda e insalubre? A este aflictivo panorama se debe acrecentar otro ante-
cedente, no menos grave: la gran incertidumbre que reina entre los filipen-
ses a propósito de la eventual sentencia que lo puede condenar a muerte (1,
22-23). ¿Qué sucederá con la comunidad si Pablo es sentenciado con la pena
capital?
En suma, todos estos factores convergen para la conformación de un
background psicológico adverso que agobia a estos discípulos. 95 Este back-

94)  Pablo en la parte narrativa de la carta (Flp 1, 12-26) de un modo tangencial aludía a la existencia de
este “miedo”. El Apóstol relató como gran parte de los hermanos cobraban bríos “sin miedo” (ἀφόβως)
para anunciar el Evangelio viendo su ejemplo personal (Flp 1, 14).
95)  La consideración de estos aspectos explicitan con mayor claridad el envío de ayuda financiera por
parte de la comunidad para ir en socorro de Pablo.

296 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
ArtigoS

ground pese a ser contrarrestado por Pablo manifestando de modo tangen-


cial sus agradecimientos por los dones recibidos (1, 3-11; 2, 25-30); el caluro-
so afecto que les ha manifestado (1, 3-8), sus alusiones al gozo y la alegría (1,
4b.18d.18e.25c; 2, 2a.17c.28c.29b; 4, 1), como además sus efusivas exhortacio-
nes para estar alegres (2, 18b; 3, 1a; 4, 4 [x2]), no han surtido el decisivo efec-
to deseado. El Apóstol, al dictar esta carta, muy probablemente es conscien-
te por su propia experiencia de persecuciones y sufrimientos que un tal estado
psicológico de angustias sólo puede ser “exorcizado” por la acción poderosa
de la gracia de Dios. 96 Se comprende así que Pablo en esta etapa final de sus
enseñanzas exhortativas, apelando a este medio sobrenatural, desee darle un
golpe certero a estas preocupaciones difundidas entre sus discípulos. Por con-
siguiente, de un modo directo introduce la temática en cuestión:

La forma verbal imperativa μεριμνᾶτε al ser conjugada en tiempo presen-


te y voz activa demuestra que Pablo está poniendo de relieve tratarse de una
acción que posee continuidad en el tiempo. En otros términos, deja en evi-
dencia en la mente de los filipenses que este estado psíquico los agobia de un
modo constante. La exhortación para extinguir dicho estado anímico, Pablo
la expresa por el pronombre μηδείς que contempla la idea de una no-existen-
cia. 97
En síntesis, por este enunciado concebido como un imperativo negativo de
lo negativo, Pablo se presenta como médico espiritual que insta a realizar un
proceso positivo de modo a suprimir la psicopatología que ha diagnosticado. 98
¿A qué recursos el Apóstol apelará?

96)  Según el relato de Lucas (Hch 18, 9-10): “El Señor dijo a Pablo de noche en una visión: ‘No tengas
miedo, sino habla y no calles; porque yo estoy contigo y nadie te inflingirá maltratos, pues tengo un
pueblo numeroso en esta ciudad [de Corinto]’”.
97)  Rocci, Lorenzo. “μηδείς”. In: idem. Vocabolario greco-italiano. Roma: Soc. ed. Dante Alighieri,
2011: “nessuno; niuno, niente”. Pablo en esta Carta a los Filipenses, siempre se vale de este pronombre
como un giro lingüístico para exhortar en un sentido positivo: “no amedrentarse en nada ante los ad-
versarios” (μὴ πτυρόμενοι ἐν μηδενὶ ὑπὸ τῶν ἀντικειμένων) (1, 28); y “no hacer nada por rivalidad ni
vana gloria” μηδὲν κατ᾿ ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν (2, 3).
98)  Santo Tomás de Aquino en su comentario exegético destaca la lozanía y la salud inherentes a la ale-
gría: “Necessarium est enim cuilibet volenti proficere, quod habeat spirituale gaudium. Prov. XVII, 22:
animus gaudens aetatem floridam facit [spiritus tristis exsiccat ossa]”. Cf. Super Philip., c. 4, l. 1, 153.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 297
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

4.6.  Los “fármacos” paulinos y sus efectos psíquicos

Pablo introduce una cláusula utilizando la conjunción adversativa ἀλλά


(sino, antes bien, por el contrario) acompañada por la preposición ἐν (en) y el
adjetivo neutro en caso dativo παντὶ (todo). Inmediatamente, pasando a dictar
las palabras: τῇ προσευχῇ καὶ τῇ δεήσει μετὰ εὐχαριστίας τὰ αἰτήματα ὑμῶν
γνωριζέσθω πρὸς τὸν θεόν (por la oración y la súplica con acción de gracias
vuestros pedidos sean hechos delante de Dios); Pablo concita notables diver-
gencias entre los comentaristas y los traductores.
Aletti traduce ἐν παντὶ por “en toute occasion, par la prière et la suppli-
cation” 99; Fabris por “in ogni circostanza mediante la preghiera e la sup-
plica” 100; Hawthorne — Martin por “in every situation make your requests
to God” 101; Bockmuehl por “but in every situation let your requets” 102 Silva
por “in every circumstance, by prayer and entreaty” 103; Fee por “in every-
thing, by prayer and petition” 104; O’ Brien por “‘in all things’ o ‘in every sit-
uation’”. 105 Otros académicos como Penna, prefieren traducir: “ma in ogni
preghiera e supplica”; 106 la Biblia EUNSA traduce como “en toda oración
y súplica”; la Biblia EMN “en toda oración y plegaria”. Finalmente, Pitta le
otorga un carácter totalizante: “Non preoccupatevi di nulla, ma in tutto con
preghiera, suplica e con ringrazamienti le vostre richieste siano fatte cono-
scere presso Dio”. 107
Como podemos comprobar para la primera corriente de académicos ἐν
παντὶ se refiere a un “todo circunstancial”, para la segunda a un “todo” que
engloba “la oración y la súplica”. ¿Cuál es la postura correcta? Con fun-
damento en las deducciones que hasta ahora hemos expuesto a favor de la
influencia del Sal 34 (33) sobre Flp 4, 5, seguimos otro itinerario. Inferimos
que Pablo al transcribir en Flp 4, 6b la expresión ἐν παντὶ, tiene en mente una
totalidad con relación al tiempo cronológico. ¿Cuál es el fundamento de esta

99)  Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 283.


100)  Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 235.
101)  Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P. Op. cit., p. 237.
102)  Bockmuehl, Markus N. A. Op. cit., p. 243.
103)  Silva, Moisés. Op. cit., p. 191.
104)  Fee, Gordon D. Op. cit., p. 402.
105)  O’brien, Peter Thomas. Op. cit., p. 492.
106)  Penna, Romano. Lettera ai Filippesi. Lettera a Filemone. Roma: Città Nuova, 2002, p. 124.
107)  Pitta, Antonio. Op. cit., p. 274.

298 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

deducción? Pablo estaría enseñando a los filipenses que “la oración y la súpli-
ca”, al igual como ha proclamado el orante en el Sal 34 (33), 2, deben elevarse
a Dios “en todo tiempo”, es decir, de modo “continuo”, es decir, “sin cesar”.
Esta disposición, unida a las acciones de gracias es la forma más perfecta de
presentar las súplicas ante el Señor. Esta nueva resonancia que aquí observa-
mos entre Flp 4, 6 y el Sal 34 (33), 2 quedará confirmada con un grado muy
razonable de plausibilidad cuando intentemos determinar el origen de la mis-
teriosa metáfora militar que Pablo presenta en Flp 4, 7. Por ahora veamos la
presencia de ἐν παντὶ en el SalLXX 33, 2:

Por consiguiente nuestra propuesta de traducción para Flp 4, 6 que articula


ἐν παντὶ unido al “tiempo” (καιρῷ) tiene plena coherencia con todo el enun-
ciado:

Como observó Santo Tomás de Aquino, los términos de esta admonición


presentan los cuatro requisitos de una oración perfectamente concebida. 108 Y
manifiestan la postura espiritual del salmista que se vuelve pleno de confian-
za hacia el Señor. Efectivamente, como fue referido, Fee demostró que Pablo
enuncia sus enseñanzas exhortativas de Flp 4, 4-7 con una marcada nota de

108)  En su comentario indica que en primer lugar la oración consiste en una elevación de la mente a Dios.
En segundo, ella debe hacerse con humildad, depositando la confianza de alcanzar lo pedido en la mise-
ricordia de Dios. Quien pide debe alegar en su favor la gracia y la santidad de Dios. En tercer lugar, un
importante requisito es manifestar la acción de gracias: el ingrato no merece que se le hagan nuevos fa-
vores. Finalmente, la oración contempla la petición propiamente dicha. Cf. Super Philip., c. 4, l. 1, 157.

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 299
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

religiosidad, siguiendo los usos y costumbres de la piedad hebraica. 109 Este


sello distintivo queda patentizado por las promesas de paz (4, 7c), la exhorta-
ción reiterativa de Pablo para estar alegres (4, 4a) 110 y de modo particular por
la invitación para presentar oraciones y súplicas delante del Señor con acción
de gracias. El Apóstol, piadoso hombre de fe, habiendo sugerido estos “fár-
macos”, anuncia los saludables efectos psíquicos que ellos producirán: 111

La conjunción καί con la que se inicia este versículo presenta un matiz con-
secutivo, 112 e introduciendo la expresión “la paz de Dios” (ἡ εἰρήνη τοῦ θεοῦ)
muestra a Pablo subrayando un punto importante de su διδασκαλία. No es
cualquier “paz” a la que está aludiendo. 113 Es la propia “paz de Dios” que se
hará manifiesta — y en un grado supereminente — al rebasar aquello que el
hombre posee de más noble como es su capacidad de raciocinio. 114

109)  Cf. Fee, Gordon D. Op. cit., p. 402-403. A propósito de la relación entre la oración sálmica y Pablo
ver Hunter, W.B. «prayer». In: Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P; Reid, Daniel G. Op. cit.,
p. 725.
110)  Desde que se acepte la influencia del Sal 34 (33) sobre Flp 4, 4-7, el v. 4, 4 tendría su paralelo con
SalLXX 33, 2. En este pasaje la septuaginta traduce el verbo en qal xm;f’ por εὐφραίνω (alegrarse), conju-
gado en modo imperativo, aoristo pasivo (que se alegren). Favorece esta deducción considerar que Pa-
blo en 2Cor 2, 2-3 utiliza tanto εὐφραίνω como χαίρω para expresar la alegría.
111)  San Juan Crisóstomo comentando Flp 4, 4-7 comparó la oración a una “medicina” de cualidades
eminentes para curar tristezas, angustias y consolar. Johannes Chrysostomus. In epistolam ad Philip-
penses commentarius, Homilia XIV, C. 4, 4-7, 1 (PG 62, 283): Ἰδού καὶ ἄλλη παραμυθία, καὶ λύπης καὶ
περιστάσεως καὶ πάντων τῶν ἀνιαρῶν λυτήριον φάρμακον. Ποῖον δὴ τοῦτο; Τὸ εὔχεσθαι, τὸ ἐν παντί
εὐχαριστεῖν.
112)  Cf. O’brien, Peter Thomas. Op. cit., p. 495.
113)  Esta expresión es única en toda la Biblia. No obstante, en el epistolario paulino “el Dios de la paz” se
presenta en Rm 15, 33; 16, 20; 1Cor 14, 33; 2Cor 13, 11; 1Ts 5, 23 y Flp 4, 9.
114)  Santo Tomás explica que la razón, la mente, la inteligencia o como se la quiera denominar es la po-
tencia del alma por la cual el ser humano aventaja a los animales (cf. S. Th., I, q. 79, a. 8, s.c). Al mismo
tiempo, esta potencia cognoscitiva no es de un género diferente de la que poseen los ángeles (cf. S. Th.,
I, q. 79, a. 8, ad 3). No obstante, el conocimiento intelectivo de estos últimos seres sea eminentemente
intuitivo y el de los hombres discursivo.

300 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

Como se analizará a seguir, Pablo en la conclusión del v. 4, 7, al formular


una metáfora de índole militar, ha provocado incógnitas y perplejidades entre
los académicos que estudian esta Carta a los Filipenses.

4.7.  Una clave hermenéutica: la enigmática


metáfora militar paulina
La aparición del verbo φρουρέω en Flp 4, 7 expresa el emplazamiento de
una guarnición militar, cuyo objetivo es el de custodiar un enclave estratégi-
co. Dicha custodia en tiempos de Pablo se ejercía principalmente sobre las
entradas y las salidas de una ciudad. 115 El Apóstol utiliza este verbo para des-
cribir metafóricamente la “custodia” que ejercerá la “paz de Dios” sobre “los
corazones y los pensamientos” de los filipenses. Este hecho, como observó
Lighfoot, no deja de ser paradójico. 116 En efecto, ¿por qué motivo Pablo habría
recurrido a φρουρέω, verbo del léxico militar, para componer una metáfora
de estas características literarias? ¿Cuál sería su fuente de inspiración?
Reumann sostuvo que ella podría haber sido sugerida por la presencia de
los guardias que vigilan a Pablo en su actual reclusión. 117 O’Brien conside-
ra que dado el acantonamiento de legiones romanas en la ciudad de Filipos,
la imagen podría ser tal vez “easily understood and appreciated by the rea-
ders”. 118 Hawthorne y Martin opinan algo semejante al afirmar que “thus the
metaphor would have been easily understood and appreciated by the Philip-
pians Christians”. 119 Stephen Fowl, siguiendo el parecer de Fee y Bockmue-
hl, considera que “the notion of guarding would have resonated with the Phi-
lippians because the garrison stationed there was charged with guarding the
interests of the empire”. 120 Para Fabris el uso de φρουρέω podría tener una

115)  El BDAG “φρουρέω”, 1066: “to maintain, a watch, guard (compare Jdth 3:6 ἐφρούρωσε τὰς πόλεις
= put garrisons in the cities”; LEH “φρουρέω”, 653: “ to set garrison in, to keep (a city)” (Esd 4, 56). En
2Cor 11, 32 Pablo refiere la guardia de vigilancia que el gobernador del rey Aretas puso en la ciudad de
Damasco con el propósito de prenderlo: ἐφρούρει τὴν πόλιν Δαμασκηνῶν πιάσαι με.
116)  Lightfoot, J. B. Saint Paul Epistle to the Philippians. 8. ed. London: Macmillan Co, 1885, p. 161,
escribió: “φρουρήσει. A verbal paradox, for φρουρεῖν is a warrior’s duty”.
117)  Cf. Reumann, John Henry Paul. Philippians: A New Traslation with Introduction and Commentary.
New Haven: Yale University Press, 2008, p. 637.
118)  O’brien, Peter Thomas. Op. cit., p. 498. A propósito de la expresión: “appreciated by the readers”,
Witherington, Ben III. Op. cit., p. 248, objeta: “or better said, the hearers of this discourse”.
119)  Cf. Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P. Op. cit., p. 247.
120)  Fowl, Stephen E. Philippians. Grand Rapids: Eerdmans, 2005, p. 184. En la nota 8 cita las opi-
niones de los referidos comentaristas: Fee, Gordon D. Op. cit., p. 411, nota 58 y Bockmuehl, Markus
N. A. Op. cit., p. 248.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 301
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

particular repercusión en la colonia militar de Filipos. La paz de Dios, que se


contrapone a la del César, “può realmente proteggere e garantire quelli che
vi si affidano contro ogni attaco distruttivo”. 121 Por su parte Aletti se restrin-
gió a señalar la connotación militar de φρουρέω citando la veintena de pasa-
jes donde este verbo aparece en la obra de Flavio Josefo, Bellum Judaicum. 122
Finalmente Pitta destacó lo significativo que resultaba esta prosopopeya apli-
cada a la “virtud” de la paz que opera como un militar destacado para custo-
diar los corazones y los pensamientos de los filipenses. 123
La consideración de estas opiniones demuestra lo enigmático que para
todos los comentaristas se presenta esta metáfora paulina. Siendo así, la inte-
rrogante continúa sin una respuesta satisfactoria. ¿Por qué motivo Pablo
habría dispuesto una figura de estas características literarias? ¿Qué temáti-
ca lo habría inspirado?
Opinamos que el origen de esta disposición metafórica se clarifica, y con
un razonable grado de probabilidad, desde que se acepte como plausible el
paralelismo que en este trabajo se ha intentado demostrar entre Flp 4, 4-7 y
el Sal 34 (33). Como fue analizado, el orante de este salmo, dando gracias a
Dios por la liberación de sus aflicciones, exclamaba en el v. 7: “Este pobre
clamó y el Señor le escuchó, lo salvó de todos sus peligros”. 124 Estas palabras,
que a primera vista no revelan ningún antecedente esclarecedor, no obstante,
introducen una importante clave hermenéutica. En el v. 8 el orante da a cono-
cer a sus oyentes lo que concretamente ha sucedido con su persona: “El ángel
del Señor acampa en torno a sus fieles protegiéndolos”. 125
Alonso Schökel comentando este versículo destacó que en la Biblia hebrai-
ca la correlación campamento-ángel siempre se establece en escenarios béli-
cos. 126 Siendo así, no sorprende que el verbo hnx
(acampar), utilizado por

121)  Cf. Fabris, Rinaldo. Op. cit., p. 252.


122)  Cf. Aletti, Jean-Noel. Op. cit., p. 292 (B.J. I: 10, 141, 175, 253, 539, 660; B.J. II: 19, 75, 478, 485,
507, 550, 632; B.J. III: 12, 180, 311, 343, 398, 430, 455, 504, etc).
123)  Cf. Pitta, Antonio. Op. cit., p. 284, nota 48.
124)  Cf. Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 512.
125)  Traducción desde el TM de Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 512 (las negritas
son nuestras).
126)  Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 516: “El verbo Hnn = acampar pertenece al ám-
bito militar, y atraído por él Hlc también gravita hacia la misma esfera: Nif (Nm 31, 3; 32, 17.20). El
‘campamento’ unido al ‘ángel del Señor’ nos orientan hacia los relatos del éxodo propios de Ex y Nm:
en ellos, el ángel es guía y la tienda del encuentro se sitúa en medio del campamento. Para ‘acampar en
torno’, el ángel, como un capitán, tiene que disponer de un escuadrón”.

302 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

el salmista en qal participio ( hn<xo


) sea traducido en la versión de la LXX
justamente por medio de un tecnicismo del léxico militar. Este tecnicismo,
παρεμβάλλω, expresa las maniobras de un cuerpo de infantería que circunda
o asedia un objetivo militar, por ejemplo una ciudad (cf. Lc 19, 43), levantan-
do fortificaciones, trincheras o empalizadas en su entorno. 127 Evidentemente
en nuestro salmo esta acción bélica-metafórica adquiere un sentido altamen-
te benéfico. Es el Señor quien a través de uno de sus mensajeros de la milicia
celestial acude para “emplazarse”, “acampar” o “atrincherarse” en torno a los
fieles atribulados con el objetivo de “salvarlos”.
A la luz de esta peculiaridad literaria que presenta el v. 8 del salmo 34
(33), ¿no es precisamente éste el sentido benéfico que Pablo ha deseado trans-
mitir a los filipenses al utilizar metafóricamente el verbo del léxico militar
φρουρέω? ¿No es este “emplazamiento” del “ángel del Señor” descrito por el
salmista análogo a la “custodia” o la “guardia” que ejercerá la “paz de Dios”
como un centinela vigilante apostado sobre los corazones y los pensamientos
de los filipenses? Si estamos en lo correcto esta identidad semántica o sino-
nímica entre Flp 4,7 (φρουρήσει) y el Sal 34 (33), 8 (παρεμβαλεῖ) ofrece una
llave hermenéutica coherente para elucidar el background que orienta esta
enigmática metáfora militar paulina. 128 En suma, esta llave hemenéutica lle-
va a confirmar el influjo que este salmo ejerció sobre el arte metafórico pau-
lino. Las resonancias o las reminiscencias sálmicas que aquí se constatan, se
explicarían porque Pablo posee una marcada formación bíblica, ciertamen-
te adquirida en la escuela de Gamaliel y sublimada por la acción del Espíritu
Santo de quien recibe su inspiración. El Apóstol todo lo contempla desde una
óptica sobrenatural. En otros términos, se trata de la perspectiva teocéntrica,
fundamento de la διδασκαλία paulina por medio de la cual desea modelar la
mentalidad de sus discípulos. 129

127)  BDAG, “παρεμβάλλω”, 775: “The word is used frequently (even in the LXX) as a military termi-
nus technicus (compare παρεμβολή), but with various meanings depending on tactics used”; ANLEX,
“παρεμβάλλω”, 300: “as a military technical term expressing preparations to besiege a city throw up a
rampart of earthworks, surround with barricades”.
128)  La Septuaginta modificó las categorías gramaticales del verbo que ejecuta el “ángel del Señor”. El
salmista utilizó el verbo hnx (acampar) en qal participio hn<xo, conjugación traducida por παρεμβαλεῖ
(modo indicativo, tiempo futuro, voz activa y tercera persona singular). Como se puede observar, estas
categorías gramaticales, en las que se destaca el tiempo futuro, son exactamente las mismas que ha se-
guido Pablo al emplear la forma verbal φρουρήσει.
129)  Hunter, W.B. “Prayer”. In: Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P; Reid, Daniel G. Op. cit., p.
730: “Since ‘from him and through him and to him are all things’ (Rom 11:36), it was impossible for
the apostle to conceive of any human activity apart from God: ‘For in him we live and move and have

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 303
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

4.8.  Filipenses 4, 4-7: ¿Ecos de Hechos 16, 25?

El conjunto de antecedentes que se han indicado con el propósito de demos-


trar la influencia que habría ejercido el Sal 34 (33) en las enseñanzas doctri-
nales de Pablo (Flp 4, 4-7), parecen haberse confirmado con un grado razona-
ble de plausibilidad. En otros términos, el Apóstol al dictar 4, 4-7 se inspira-
ría en el testimonio y las enseñanzas del salmista, que habiendo sufrido gran-
des tribulaciones infringidas por sus adversarios invocó al Señor y fue libera-
do de sus angustias. Por tal motivo manifiesta gozoso sus acciones de gracias
al Señor. A este propósito es oportuno destacar que Alonso Schökel detec-
tó ecos y reminiscencias de este salmo en cuatro cartas de Pablo. El Sal 34
(33), 3 y su alusión para “gloriarse del Señor” y no de los valores humanos,
se refleja en Rm 5, 11, 1Cor 1, 31, 2Cor 10, 17 y Flp 3, 3. Además el desarro-
llo midrasico de 2Cor 3, 7-18, según su opinión, se enriquece leído a la luz del
Sal 34 (33), 6: “contempladlo y quedareis radiantes”. 130
Pero, ¿será sólo esto? ¿Por qué motivo Pablo — si estamos en lo correcto
— se habría inspirado precisamente en este salmo 34 (33)? En otros términos,
¿qué tendrían estos versos sálmicos de tan particular en la relación afectuosa
que Pablo como Padre y Maestro ha establecido con su comunidad filipense?
No deja de ser sugestivo constatar que la descripción del salmista, dando a
conocer su vivencia personal, guarda mucha analogía con la conturbadísima
experiencia sufrida por Pablo en su primera visita a la ciudad de Filipos.
Como es sabido, en la etapa fundacional de esta comunidad — según las
sintéticas pero expresivas palabras que Pablo dirigió a los tesalonicenses —
padeció “sufrimientos e injurias en Filipos” (προπαθόντες καὶ ὑβρισθέντες
(…) ἐν Φιλίπποις) (1Ts 2, 2). 131 La descripción de Lucas, más detallada,
narra que el Apóstol junto a Silas fueron inicuamente denunciados a las
autoridades romanas, recibieron insultos en plaza pública, y por orden
de los pretores numerosos azotes con varas (Hch 16, 22-23). Luego fueron
encerrados εἰς τὴν ἐσωτέραν φυλακήν (en el calabozo interior) (Hch 16, 24),
es decir, el más profundo de la mazmorra. Para mayores sufrimientos, el
carcelero, habiendo recibido la orden de ἀσφαλῶς τηρεῖν αὐτούς (vigilarlos

our being’ (Acts 17:28). This totally theocentric worldview fundamentally shaped Paul’s spiritual life
and prayer”.
130)  Cf. Alonso Schökel, Luis; Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 520-521.
131)  El hecho fue ampliamente conocido entre los Tesalonicenses puesto que Pablo declaró en este mis-
mo versículo: καθὼς οἴδατε (como sabéis) (1Ts 2, 2).

304 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

con seguridad) (Hch 16, 23), aprisionó sus pies εἰς τὸ ξύλον (en el cepo)
(Hch 16, 24). Abrumados por este instrumento de tortura, sufriendo el dolor
de las varadas que les fueron infringidas, fastidiados por el escozor de las
heridas que evidentemente debían supurar, probablemente con hambre y
sobre todo contundidos psicológicamente por los vejámenes de la conturbada
jornada, no obstante, fueron asombrosamente liberados de estas angustias
y tormentos. ¿Qué ocurrió? A media noche un violento terremoto hizo
retemblar los cimientos de la cárcel haciendo caer las cadenas y abriendo
todas las puertas del recinto (Hch 16, 26). Este fenómeno sísmico liberador
acaeció precisamente cuando Pablo y Silas προσευχόμενοι ὕμνουν τὸν θεόν
estaban (puestos en oración cantando himnos a Dios) (!) (Hch 16, 25). Parece
importante destacar el testimonio público de este acto de piedad puesto que
Lucas puso de relieve: ἐπηκροῶντο δὲ αὐτῶν οἱ δέσμιοι (los escuchaban los
presos) (Hch 16, 25c).
Ahora bien, una vez que el Apóstol es un hebreo piadoso y como demues-
tra su epistolario conocía ampliamente el salterio de ciento cincuenta salmos
surgen algunas interrogantes. ¿Cuál himno Pablo y Silas cantaban en aquel
momento que se produjo este terremoto liberador? ¿Un cántico de Isaías? ¿De
Habacuc u otro profeta? ¿Alguno de los salmos como el 35 (36) que alude a
las persecuciones injustas clamando por el auxilio divino? ¿El Sal 86 (85), que
describe al orante en el fondo de una fosa agobiado por las angustias pidien-
do la protección del Señor? Parece imposible saberlo ya que Lucas no pro-
porcionó más antecedentes. Con todo, ¿es admisible conjeturar que Pablo y
Silas, una vez operado este prodigioso acontecimiento liberador, hayan mani-
festado sus acciones de gracias según se expresa el orante del Sal 34 (33) ple-
no de alegría? Las similitudes entre las aflicciones del salmista, las tribula-
ciones sufridas por el Apóstol y su compañero de viaje, como su asombrosa
liberación, testimonian fuertemente a favor de esta hipótesis. En efecto, una
reconstrucción de este acontecimiento carcelario-paulino dentro de esta pers-
pectiva exegética cuenta a su favor, como se ha intentado demostrar, con los
paralelismos y las resonancias que subyacen entre Flp 4, 5b-7 y los vv. 8.19
del referido salmo 34 (33). Estos antecedentes parecen ser claves. En efec-
to, si el conjunto de deducciones, conjeturas y pruebas que hasta aquí han
sido expuestas son correctas, el Apóstol al dirigirse a sus discípulos filipen-
ses estaría utilizando un argumento de gran fuerza persuasiva. En términos
más precisos, Pablo aludiría a su experiencia religiosa-existencial sufrida en
la cárcel de Filipos cuando entonando himnos en alta voz invocó el socorro
del Señor. Esta portentosa intervención, que efectivamente demostró que “el

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 305
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

Señor (es/está) cerca” de quien lo invoca — no se puede dejar de conjeturar


— es conocida por todos los filipenses de la comunidad y con certeza abso-
luta por todos los que participaron de esa primera hora fundacional. 132 Pablo
haciendo mención al no enteramente claro y ambiguo ὁ κύριος ἐγγύς (4, 5b), 133
estaría recordando el evento princeps que marcó profundamente el inicio
de la comunidad de Filipos y con toda seguridad su propia vida espiritual. 134
Este acontecimiento, que probablemente Pablo por delicadeza y humildad no
lo refiere explícitamente, es imprescindible que sea recordado para incremen-
tar la alegría y la esperanza entre los filipenses. En suma, las grandes aflic-
ciones carcelarias que Pablo sufrió en su primera visita a Filipos, pero de
las cuales junto a Silas fue providencialmente liberado, se explican porque el
“Señor (es/está) cerca” de quien lo invoca.
Con fundamento en este cuadro de fondo, una διδασκαλία viva y vivifi-
cante, vinculada íntimamente al ejemplo personal de Pablo, la exhortación
reiterativa para estar alegres (4, 4), 135 y naturalmente el “perplexing and ob-
scure” ὁ κύριος ἐγγύς (4, 5b) 136 — introducido en la trama epistolar “senza
alcuna relazione sintattica” 137 — parecen explicarse y adquirir nuevas luces
para ser leídos. Es más, con fundamento en esta clave se comprende el porqué
de la vehemente instrucción de Pablo para “no estar preocupados con nada”
(4, 6). E igualmente la necesidad de invocar al Señor en “todo tiempo” rezan-
do y suplicando con acciones de gracias delante del Señor (4, 6).
Se comprueba así que la experiencia carcelaria sufrida por Pablo en su pri-
mera visita a Filipos, de la cual fue prodigiosamente salvado, demuestra que
unas fisonomías angustiadas o deprimidas entre la comunidad filipense no se

132)  Testigo ocular es el carcelero quien a consecuencia del acontecimiento y profundamente impactado,
pidió el bautismo junto a toda su familia (cf. Hch 16, 29.30.33). Conocedores de esta intervención por-
tentosa del Señor son Lidia y los “demás hermanos” (cf. Hch 16, 40). Más aún, testigos son los otros en-
carcelados que también se les soltaron las cadenas (cf. Hch 16, 26); como además los alarmados preto-
res que ante el inusitado acontecimiento, al día siguiente de mañana, enviaron alguaciles para liberar a
Silas y Pablo. Según Lucas, el Apóstol utilizó fuertes expresiones para recriminarlos, exigiendo que se
presentaran personalmente ante ellos para formalizar la excarcelación (cf. Hch 16, 37).
133)  Cf. O’Brien, Peter Thomas. Op. cit., p. 488: “Its meaning is not entirely clear because of the ambi-
guity of the adverb ἐγγύς (…)”.
134)  Como fue enunciado Pablo alude directamente al hecho en 1Ts 2, 2; y probablemente lo incluye den-
tro del elenco de tribulaciones que formuló en 2Cor 11, 23.
135)  Como fue indicado. Esta llamada paulina a la alegría tiene su paralelo con el Sal 34 (33), 3: “Yo me
glorío en el Señor que lo escuchen los humildes y se alegren!”. Traducción Alonso Schökel, Luis;
Carniti, Cecilia. Op. cit., p. 512.
136)  Bockmuehl, Markus N. A. Op. cit., p. 245.
137)  Pitta, Antonio. Op. cit., p. 282.

306 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

justifican. Solamente se trata de rezar con plena confianza al Señor para que
su luz se refleje en los rostros de quienes lo invoquen (Sal 34 [33], 6). Con-
fiando en su infalible auxilio, su paz custodiará los corazones y las mentes de
todos (4, 7).
En síntesis, hay que estar alegres y muy alegres — Pablo ve que es necesa-
rio insistir (4, 4) — y recordar este gran acontecimiento manifestando la afa-
bilidad a todos los hombres (4, 5a). El discípulo de Cristo siempre está y esta-
rá bajo la protección del Señor. ¿Puede existir alguna duda de que Él con su
divino poder está cerca para auxiliar a quien lo invoca con fervor y piedad?
Las deducciones que han sido expuestas apuntando hacia el background
doctrinal paulino, y así intentar demostrar las dependencias Flp 4, 4-7 y Sal
34 (33), no están del todo completas. Aún resta abordar otro aspecto no menos
relevante al interior de Flp 4, 7. Intentemos desentrañarlo.

5. Corazones-espíritus (Sal) / corazones-pensamientos (Flp)


Una vez indicado el paralelismo entre Flp 4, 7 (φρουρήσει) y el Sal 34 (33),
8 (παρεμβαλεῖ), que elucidaría el origen de la referida y enigmática metáfora
militar paulina, parece necesario volver sobre las palabras de Pablo cuando
declara que los “corazones” y los “pensamientos” de los filipenses serán, por
así decir, el teatro de operaciones donde la “paz de Dios” ejercerá el rol de
centinela (Flp 4, 7).
A este propósito vale la pena recordar que el salmista en el v. 19 declaraba
que “el Señor está cerca” ( / ἐγγὺς κύριος) “de los quebrantados de
corazón” ( / τοῖς συντετριμμένοις τὴν καρδίαν) (Sal 34 (33), 19a)
y “salva a los abatidos de espíritu” / καὶ τοὺς ταπεινοὺς
τῷ πνεύματι σώσει) (Sal 34 [33], 19b). En estos dos segmentos textuales es
importante observar que el amanuense de la LXX sigue fielmente el TM,
pues traduce los conceptos “corazón” ( ) y “espíritu” ( ) utilizando
respectivamente καρδία y πνεῦμα. Por consiguiente, el empeño por demos-
trar un paralelismo Flp 4, 7/Sal 34 (33), 19 con fundamento en la similitud que
se establece entre los “corazones” de los filipenses y los “corazones” atribula-
dos descritos por el salmista, no presenta mayores dificultades. La disparidad
conceptual se presenta al querer equiparar los “pensamientos” (νοήματα) de
los filipenses (Flp 4, 7c), como un producto del “entendimiento” (νοῦς) (Flp
4, 7b), con los “espíritus” (πνεύματα) abatidos que menciona el orante (Sal 34
[33], 19). Siendo así, ¿cómo conciliar esta supuesta correlación Flp 4, 7/Sal 34
(33) 19? ¿Esta discrepancia πνεύματα / νοήματα no constituye un obstáculo

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 307
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

para confirmar la conjetura de un Pablo Apóstol inspirado en el referido sal-


mo 34 (33)?
Como será estudiado, las respuestas a estas interrogantes se esclarecen
analizando el propio estilo didáctico paulino. Más aún, este estilo da pábulo
para confirmar una vez más la hipótesis que aquí se ha intentado demostrar.

5.1. Una praxis paulina que sigue la versión Septuaginta


Entrando en materia es necesario señalar un hecho que no deja de ser inu-
sitado. Pablo al citar dos veces en su epistolario (1Cor 2, 16; Rm 11, 34) el
pasaje de Isaías 40, 13, adopta el mismo criterio interpretativo de traducción
seguido por el amanuense de la LXX. ¿A qué nos referimos? El menciona-
do amanuense de modo inesperado en vez de traducir desde el texto hebreo
( ), “el espíritu del Señor” (Is 40,13), utilizando los sustantivos
πνεῦμα κυρίου, lo hizo recurriendo al sustantivo νοῦς, es decir, “la mente”
o “el pensamiento” “del Señor”: νοῦν κυρίου 138. En otros términos, el ama-
nuense de la LXX concibió una traducción interpretativa por la cual descar-
tó πνεῦμα y equiparó el rûªH hebraico al nous griego. En síntesis, esta traduc-
ción fue adoptada por Pablo quien la citó en los referidos pasajes de Romanos
y la Primera a los Corintios:

Por lo tanto se constata que Pablo en su rol de διδάσκαλος, dirigiéndose


a sus asambleas de discípulos, fuesen griegos, romanos o hebreo-cristia-
nos, tanto en 1Cor 2, 16 como en Rm 11, 34 corrobora que en la perspectiva

138)  Is 40, 13: τίς ἔγνω νοῦν κυρίου καὶ τίς αὐτοῦ σύμβουλος ἐγένετο ὃς συμβιβᾷ αὐτόν.

308 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

de Isaías (40, 13), “el espíritu del Señor” (versión del TM) es equivalente a
“su mentalidad” o “su pensamiento” (versión de la LXX). Esta singularidad
interpretativa no ha dejado de llamar la atención a los diversos comentaris-
tas quienes en sus trabajos académicos, de modo particular en Romanos, se
ven restringidos a simplemente constatar el hecho sin entrar en interpreta-
ciones. 139 Por lo demás esta praxis de obviar en algunos casos el TM para
dar preferencia a la LXX no es algo inusual en Pablo. En efecto, esta pra-
xis integra el arsenal de recursos didácticos que el Apóstol utilizó con cier-
ta prodigalidad. 140
A este propósito, ¿qué relación podría existir entre el rûªH hebraico y la
facultad del nous griego? ¿Por qué Pablo adoptó esta traducción de la LXX
integrándola en su background doctrinal? Moisés Silva señala que aquí no
interesa indagar a propósito de la técnica de traducción utilizada por el ama-
nuense de la LXX. En efecto, Pablo perfectamente podría haber modificado
el nous para Pneuma y de este modo seguir fielmente el texto hebraico. Para
Silva, las citaciones de 1Cor 2, 16 y Rm 11, 34 indican que la preferencia de
Pablo por nous “was probably intentional”. 141 ¿Probably? Sigamos adelante
con este análisis.

5.2.  El νοῦς Κυρίου: “espiritualización” y “cambio de mentalidad”


Los presupuestos exegéticos y deducciones que hemos establecido, permi-
ten confirmar con un razonable grado de certeza que las enseñanzas impar-
tidas por Pablo en Flp 4, 4-7, tendrían como fuente de inspiración las alaban-
zas del orante del Sal 34 (33). Pablo, adoptando al interior de su backgrou-
nd doctrinal la traducción de la Septuaginta (Is 40, 13/1Cor 2, 16; Rm 11,
34), enseña que el concepto del νοῦς atribuido a Dios, posee la capacidad de
influir sobre el “entendimiento” o la “mentalidad” del hombre para “espiri-

139)  Dunn, James D. G. Romans 9-16. Dallas: Word Books, 1988, p. 701; Byrne, Brendan. Romans.
Collegeville: The Liturgical Press, 1996, p. 360; Moo, Douglas J. The Epistle to the Romans. Grand
Rapids-Cambridge: Eerdmans, 1996, p. 742; Penna, Romano. Lettera ai Romani. 4. ed. Bologna:
Dehoniane, 2010, p. 793; Pitta, Antonio. Op. cit., p. 401-402.
140)  El Apóstol en sus referencias bíblicas da preferencia a la Septuaginta en: Rm 2, 24/Is 52, 5; Rm 3,
14/Sal 10, 7 (LXX 9, 28); Rm 4, 3 (9, 22)/Gn 15, 6; Rm 4, 7-8/Sal 32, 1-2 (LXX 31, 1-2); Rm 9, 29/Is
1, 9; Rm 10, 16/Is 53, 1; Rm 10, 18/Sal 19, 5 (LXX 18, 5); Rm 10, 20-21/Is 65, 1-2; Rm 11, 34/Is 40,
13; Rm 12, 20/Prov 25, 21-22; Rm 14, 11/Is 45, 23 (+ 49, 18?); Rm 15, 10/Dt 32, 43; Rm 15, 12/Is 11,
10; 1Cor 2, 16/Is 40, 13; 1Cor 6, 16/Gn 2, 24; 2Cor 13, 1/Dt 19, 15; Gal 3, 6/Gn 15, 6; Gal 4, 27/Is 54,
1 (cf. Silva, M. “Old Testament in Paul”. In: Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P; Reid, Daniel G.
Op. cit., p. 631).
141)  Silva, M. “Old Testament in Paul”. In: Hawthorne, Gerald F; Martin, Ralph P; Reid, Daniel G.
Op. cit., p. 633.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 309
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

tualizarlo” o para ser más exactos “renovarlo mentalmente”. 142 Por lo tanto,


el discípulo que se deja imbuir por ese espíritu-mente del Señor pasa a parti-
cipar de la propia sabiduría divina, concibiendo la existencia terrena y extra-
-terrena según la mentalidad del mismo Dios. De este modo, el hombre “espi-
ritualizado” — (según el Isaías del TM) o “renovado mentalmente” (según el
Isaías traducido por la LXX y adoptado por Pablo) —, considera con particu-
lar preeminencia un conjunto de ideas, principios y verdades que tienen por
centro referencial a Dios, el Señor todopoderoso y eterno.
Si estas deducciones son correctas, a modo de síntesis, se puede conjeturar
que Pablo al dirigirse a los filipenses para declararles: “y la paz de Dios que
excede todo entendimiento guardará vuestros corazones (τὰς καρδίας ὑμῶν)
y vuestros pensamientos (τὰ νοήματα ὑμῶν) en Cristo Jesús” (Flp 4, 7), ten-
dría como trasfondo o inspiración las siguientes referencias doctrinales.
En primer lugar, como fue señalado, el libro del profeta Isaías que proclama
la capacidad todopoderosa (Is 40, 12.14-17) e inabarcable del hw”hy< x;Wr-ta,
“espíritu del Señor” (Is 40,13), es decir, de su νοῦς κυρίου “entendimien-
to del Señor”, según la traducción de la LXX adoptada por Pablo (IsLXX 40,
13/1Cor 2, 16; Rm 11, 34). Por consiguiente el Apóstol impartiría una enseñan-

142)  Esta deducción es favorecida por los criterios externos de la crítica textual puesto que solamen-
te dos códices occidentales: F 010 (Augiensis, siglo IX) y G 012 (Boernerianus, siglo IX); y dos de la
Vetus Latina: ar (Ardmachanus, siglo IX) y d (Claromontanus siglo VI), reemplazan en este versícu-
lo νοήματα por σώματα. No obstante, la variante textual νοήματα es atestiguada por el resto de testimo-
nios entre los cuales figuran los más importantes y confiables (cf. NA28). En consecuencia, sea desde
el punto de vista genealógico, geográfico, edad y número de testimonios se verifica a favor de νοήματα
contra σώματα el principio de atestación múltiple. Al mismo tiempo se debe señalar que dos de los cua-
tro códices arriba indicados acusan una contradicción que le resta fuerza a la variante σώματα que testi-
monian. El uncial F 010 cuyas características técnicas corresponden a un díglota, en la columna con la
versión latina da testimonio de: “custodiat corda vestra et intellegentias vestra”; contrariamente en la
columna adyacente con el texto griego da testimonio de: φρουρήσει τάς καρδίας υμών καϊ τά νοήματα
υμών (cf. Scrivener, Frederick Henry Ambrose. (ed.) An Exact Transcript of the Codex Augiensis:
a Graeco-Latin manuscript of S. Paul’s Epistles, deposited in the Library of Trinity College. Cam-
bridge-London: Deighton-Bell, 1859, p. 184-185. Esta contradicción se observa también, en el códice
d 06, díglota que en su versión griega presenta νοήματα: ΤΑΣ ΚΑΡΔΙΑΣ ΥΜΩΝ ΚΑΙ ΤΑ ΝΟΗΜΑΤΑ ΥΜΩΝ; sin
embargo para el texto en latín presenta la variante: CVSTODIAT CORDA VESTRA ET CORPORA
VESTRA (cf. Tischendorf, Constantin von. (ed.) Codex Claromontanus, sive, Epistulae Pauli omnes
Graece et Latine: ex codice Parisiensi celeberrimo nomine Claromontani plerumque dicto, sexti ut vi-
detur post Christum saeculi. Lipsiae: F.A. Brockhaus, 1852, p. 369). El tercer códice citado, el interlin-
eal griego-latín G 012, coincide en su testimonio al presentar la variante: τὰ νοήματα ὑμῶν / et corpora
vestra (cf. Reichardt, Alexander. (ed.) Der Codex Boernerianus der Briefe des Apostels Paulus (Msc.
dresd. A 145b) in Lichtdruck nachgebildet. Leipzig: Hiersemann, 1909, p. 73). El último códice cita-
do, el latino ar (Ardmachanus), presenta la variante: corpora vestra (cf. Gwynn, John. (ed.) Liber Ar-
dmachanus: the book of Armagh. Dublin-London: Hodges, Figgis & Co-Williams & Norgate, 1913, p.
262). Finalmente el aparato crítico NA28 indica que el î16 presenta la variante: καὶ τὰ νοήματα καὶ τὰ
σώματα. En este caso, pese la antigüedad y el valor de este papiro (P. Oxy. 1009, siglos III-IV) su lectu-
ra no se puede determinar con total seguridad (î16vid).

310 Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP

za muy valiosa. Este “entendimiento del Señor”, glosado para instrucción de


estos afligidos discípulos filipenses, como “la paz de Dios que excede todo
entendimiento” (Flp 4, 7a), efectivamente es superior a toda capacidad intelec-
tual humana. En segundo lugar — como se ha intentado demostrar — Pablo
seguiría al orante del Sal 34 (33) con sus exhortaciones al gozo y la alegría, 143
y sabias instrucciones a propósito de su experiencia de angustias provocadas
por las persecuciones que quebrantan los corazones y atribulan los espíri-
tus. No obstante, “el Señor siempre está cerca” de cualquiera que lo invo-
que para recibir su protección. En consecuencia, Pablo para dar aliento espi-
ritual a los filipenses les enseñaría que es el propio Dios, que haciendo uso
de su eminente poder, pasaría a actuar de un modo decisivo. Él mismo, por
medio de su “paz” en Cristo Jesús (Flp 4, 7), se apostaría como un centine-
la protector sobre los “corazones” y los “pensamientos” de todos ellos. De
este modo, el Señor por medio de este “emplazamiento” les otorgaría un sen-
tir opuesto al miedo y la ansiedad como además una nueva criteriología. Es
decir, una renovación de sus mentes por la cual pasarían a utilizar con sabi-
duría su facultad del νοῦς. Este emplazamiento del espíritu-mente del Señor
en los “corazones” y los “pensamientos” de los filipenses, incrementaría en
ellos su capacidad de percibir las realidades bajo una nueva óptica, es decir,
pasarían a elaborar otros juicios, otras consideraciones y otras valoraciones
morales. Pablo no lo afirma explícitamente, pero entre líneas sugiere que los
filipenses siendo asumidos íntegramente por esta mentalidad divina serían
hombres “espirituales” (πνευματικός) (1Cor 2, 15) y no “hombres naturalis-
tas” (ψυχικὸς δὲ ἄνθρωπος) (1Cor 2, 14). Es decir, estarían bajo la custodia del
espíritu (πνεύμα) y no bajo el dominio de las facultades naturales o del alma
(ψυχή,). En síntesis, estos apreciados discípulos de Macedonia adquirirían la
“mente-pensamiento de Cristo” (νοῦν Χριστοῦ) (1Cor 2, 16), que correspon-
de a lo que Pablo ya les ha indicado a los filipenses y que anhelante desea que
todos ellos lo posean unánimes y cohesionados:

¿Puede existir una διδασκαλία más consoladora que ésta para los
integrantes de una comunidad cuyos corazones y espíritus-mentes se

143)  En SalLXX 33, 2, la septuaginta traduce xm;f’ (´¹maµ) “regocijarse”, “alegrarse” por el verbo
εὐφραίνω en modo imperativo, aoristo pasivo (que se alegren).

Lumen Veritatis - vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312 311
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7

encuentran atribulados por dificultades internas y externas? Pablo de un


modo exitoso ha logrado transmitir ánimo y esperanzas a la comunidad de
Filipos.

Conclusiones
Se pudo comprobar desde el punto de vista sintáctico, retórico y literario la
función conclusiva que Flp 4, 1 desempeña dentro de la trama textual. Al ana-
lizar este debatido versículo, mereció un especial atención la función que el
binomio στέφανος / χαρά desempeña dentro de los objetivos didácticos pau-
linos. El significado escatológico que Pablo les otorgó, sugería, para forma-
ción espiritual de los filipenses, la noción del juicio venidero y la necesidad
de seguir la vía de la salvación eterna. Las dos metáforas deportivas tejidas
por Pablo (Flp 2, 16; 3, 14) como sus menciones a la “salvación” (σωτηρία) (1,
19.28; 2, 12) y la “condenación” (ἀπώλεια) (1, 28; 3, 19) confirmaban la pre-
sencia de este tópico escatológico. El estudio de Flp 4, 2-3 con su exhortación
a la armonía comunitaria y la referencia al “Libro de la Vida” permitió com-
probar un aspecto primordial. La importancia que Pablo le asignó al mencio-
nado tópico con el propósito de formar la mentalidad de los filipenses, a par-
tir del libro de Daniel leído desde la Septuaginta. Finalmente, el análisis exe-
gético de Flp 4, 4-7, permitió constatar que la inspiración temática y doctri-
nal de estos versículos se encuentra en la experiencia vivencial de Pablo y
en la contemplación de los salmos e Isaías, leídos una vez más desde la Sep-
tuaginta. Pablo logrará con éxito en Flp 4, 8-9 su cometido de solidificar su
διδασκαλία en Cristo Jesús, para el progreso y el bien espiritual de sus discí-
pulos filipenses.

312 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 259-312
O desejo de Deus sob a perspectiva
tomista da metafísica da participação
The Desire for God, from the Thomistic Perspective of
the Metaphysic of Participation
Felipe de Azevedo Ramos, EP 1
Resumo
Nosso objetivo com este trabalho é estabelecer uma relação entre o desiderium
naturale videnti Deum com a Metafísica da Participação. Começaremos por fazer
algumas considerações metafísicas como fundamento de nosso trabalho. Em segui-
da, faremos algumas reflexões sobre o desejo natural em si e suas consequências
antropológicas. Por fim, analisaremos nosso tema sob a perspectiva da Metafísica
da Participação e de como esta nos ajuda a evitar possíveis más interpretações des-
te assunto, ainda tão discutido em nossos dias.
Palavras-chave: Desejo de Deus, desiderium naturale¸ metafísica, participação.

Abstract
The objective of the present work is to establish a relation between the desideri-
um naturale videnti Deum and the Metaphysics of Participation. We begin by mak-
ing some metaphysical considerations as the basis of our work. Following this, we
reflect on natural desire in itself and its anthropological consequences. Finally, we
analyse the theme from the perspective of the Metaphysics of Participation, and
how this serves as an aid in avoiding possible misinterpretations of this subject,
which is so much discussed even in our days.
Keywords: Desire for God, desiderium naturale, metaphysics, participation.

Introdução geral

O homem, por natureza, procura da verdade. 2 Não há nada mais fundamen-


tal e essencial do ponto de vista epistemológico do que o desejo de conhecer.
Mesmo que se defenda o puro ceticismo ― como pretenderam algumas esco-
las de pensamento ―, acaba-se por cair numa intrínseca contradição, isto é, a
simples afirmação de que não existe verdade já seria de si uma verdade.

1)  Doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino (Angelicum), Roma e pro-
fessor no IFAT.
2)  Cf. Aristóteles. Met. I, 1, 980a22.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 313
O Desejo de Deus

Ora, quando São Tomás distingue o objeto das diversas ciências, esta-
belece uma primeira divisão entre as ciências ditas “especulativas” e aque-
las “práticas”. 3 O objetivo da filosofia especulativa ou teorética (sobretudo a
metafísica) é propriamente a busca da verdade. 4
Por outro lado, sabemos que o homem, por sua faculdade apetitiva, deseja
por natureza o fim último, que consiste na bem-aventurança. 5 Ora, o fim últi-
mo só pode ser alcançado por intermédio da faculdade mais alta de um deter-
minado ser, ou seja, por aquilo que o distingue dos demais. Logo, no caso do
ser humano, este exercício ocorre por um ato do intelecto, através do qual a
vontade se perfaz de gozo por acompanhar a felicidade. 6
Sabemos por experiência que a partir de algumas reflexões o homem pode
passar a ulteriores indagações a respeito da felicidade (beatitudo). Assim, ao
refletir sobre nossos atos mais simples, como, por exemplo, a inclinação à
conservação da própria vida, o ser humano se predispõe, num plano supe-
rior, a indagar sobre as realidades sensíveis e, por último, a buscar como fim a
apreensão da verdade universal. 7 Desta maneira, e de modo progressivo, per-
guntamo-nos sobre nós mesmos, acerca de nossa origem e existência, nosso
fim e sobre o nosso destino nesta terra...
Ora, tais aprofundamentos nada mais são que inquirições consequentes de
nossa própria condição humana, a qual, para alcançar a perfeição, procura de
modo instintivo a verdade das coisas. 8 Nota-se, portanto, um elemento cons-
tante na natureza humana: a busca da verdade e o que dela decorre.
Dessa inata busca da verdade, percebe-se como o homem busca natural-
mente o Ser absoluto. Em seguida, este desejo será especificado, bem como
suas razões, sobretudo no que tange à contemplação dos efeitos de Deus na
criação. Num segundo momento, passa-se a discussão para o plano psicológi-

3)  Cf. Super De Trinitate, III, q. 5, a. 1, co. 1: “Philosophus [...] in II Metaphysicae dicitur quod finis spe-
culativae est veritas, sed finis operativae scientiae est actio”. Nota: as obras de São Tomás serão citadas
doravante segundo a edição do Corpus Thomisticum realizada por Roberto Busa.
4)  Cf. ibid.: “[T]heoricus sive speculativus intellectus in hoc proprie ab operativo sive practico distingui-
tur quod speculativus habet pro fine veritatem quam considerat”.
5)  Cf. S. Th., I-II, q. 1, a. 7, co.; S. Th., I-II, q. 5, a. 8, s.c. et co.
6)  Cf. S. Th., I-II, q. 3, a. 4, co. Aqui São Tomás procura defender que a felicidade não é um simples ato da
vontade. E afirma, neste ponto, com S. Agostinho (cf. Conf., X, 23, 33): “beatitudo est gaudium de veri-
tate”. Cf. etiam: S. Th., I-II, q. 3, a. 4, co.
7)  Cf. In De caelo, II, l. 18, n. 4: “Ad beatitudinem praeexigitur primo conservatio vitae, deinde cognitio
sensibilium, et ultimo apprehensio universalis veritatis, in qua consistit finalis beatitudo”.
8)  Cf. SCG, I, cap. 1, n. 4: “Oportet igitur veritatem esse ultimum finem totius universi; et circa eius con-
siderationem principaliter sapientiam insistere”.

314 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

co: uma vez que Deus é conhecido pelo homem, este anseia ao mesmo tempo
encontrar certa segurança e estabilidade, como fundamentos para satisfazer
a sua exigência natural de encontrar um sentido para a própria vida; 9 outros-
sim, a real aspiração transcendente em relação àquele que reconhece como
Sumo Bem, enquanto razão apetecível e, em última instância, à Causa das
causas. 10
Enquadrando o tema nessa perspectiva, o objetivo deste estudo é o de situ-
ar a argumentação tomista no âmbito filosófico sobre o desejo de Deus, com
o auxílio da metafísica da participação, sobretudo sob a focalização da razão
de similitude entre Deus e o homem. Tal proposta, como sabemos, é bastante
complexa. A dificuldade se acrescenta graças à aparente contradição encon-
trada nas próprias obras de São Tomás. Por vezes parece ele confirmar a exis-
tência desse desejo e por vezes parece negá-lo. 11
Pois bem, como se não bastasse, a presente problemática, em tempos mais
recentes, não só tem sido vista sob diversos ângulos e opiniões, mas também
com manifestas objeções. Ora, estas se têm concretizado nas interpretações
de alguns ateus contemporâneos; entre eles, cabe destacar o filósofo fran-
cês André Comte-Sponville. A contrario sensu, este autor pretende provar
a necessidade do ateísmo precisamente pela existência do desejo natural de
Deus. 12 Nesse sentido, podemos entrever que a doutrina acerca do desejo de
Deus tem dado lugar em alguns escritos à defesa do desejo de ser Deus. 13 São

9)  Cf. Fides et Ratio, introd.


10)  S. Th., I, q. 5, a. 2, ad 1: “Bonum autem, cum habeat rationem appetibilis, importat habitudinem cau-
sae finalis, cuius causalitas prima est, quia agens non agit nisi propter finem, et ab agente materia move-
tur ad formam, unde dicitur quod finis est causa causarum”.
11)  Cf. e.g.: S. Th., I-II, q. 114, a. 2, co: “Vita autem aeterna est quoddam bonum excedens proportionem
naturae creatae, quia etiam excedit cognitionem et desiderium eius”. Cf. etiam: SCG, III, cap. 57, n. 4:
“omnis intellectus naturaliter desiderat divinae substantiae visionem. Naturale autem desiderium non
potest esse inane”. Cf. etiam: O’Connor, William Richard. The Natural Desire for God in St. Thomas.
New Scholasticism, vol. 14, 1940, p. 214-216.
12)  Cf. Comte-Sponville, André. L’esprit de l’athéisme. Introduction à une spiritualité sans Dieu. Pa-
ris: Albin Michel, 2006, p. 136: “Pourquoi préférerais-je que Dieu existe? Parce qu’il correspond à mes
désirs les plus forts. Cela suffirait, si j’étais porté à croire, à m’en dissuader: une croyance qui corres-
pond à ce point à nos désirs [...]. Dieu est trop désirable pour être vrai; la religion, trop réconfortante
pour être crédible”.
13)  Cf. Bruaire, Claude. Athéisme et philosophie. In: ed. Girardi, Giulio; Six, Jean François (ed.).
L’athéisme dans la philosophie contemporaine. Paris: Desclée et Cie, 1970, p. 11.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 315
O Desejo de Deus

Tomás já prognosticava em seu tempo a existência de uma infirmitas deside-


rii, ou seja, uma incapacidade de desejar oriunda do pecado. 14
É inegável que, sobretudo a partir do século passado, as vagas do ceticis-
mo, do racionalismo e do materialismo têm levado o homem para uma espé-
cie de caos psicológico: seus anseios já não são mais verticais — e nem sequer
horizontais! —, pois são quase que única e exclusivamente voltados para si
mesmo. A metafísica foi destronada para dar lugar ao que podemos chamar
de egotismo, ou seja, o amor desordenado a si mesmo ou ainda as mais varia-
das formas de culto ao “ego”. 15 Em outras palavras, a humanidade se encami-
nha para viver como se Deus não existisse.
Essa mentalidade ateia recente possui raízes em diversos movimentos
revolucionários desencadeados ao longo do século passado, de modo parti-
cular através da revolução de maio de 68. Ora, é possível notar que se propa-
ga tal doutrina também no campo filosófico stricto sensu. 16 Todavia, não bas-
ta apenas haver ideias corretas, é preciso aplicá-las à vida. Com muita razão e
eloquência estabelecia Paul Bourget: “Cumpre viver como se pensa, sob pena
de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”. 17 O pro-
blema é que nem sempre nos defrontamos de modo honesto com nossa pró-
pria vida. Com um olhar crítico e franco, constata-se que as mentes humanas
estão cada vez mais assoladas pela mediocridade, o narcisismo e o utilitaris-
mo, levando a crer na inexistência da transcendentalidade.
No entanto, é curioso notar como o homem, mesmo após tantos giros his-
tóricos provenientes de revoluções sócio-político-econômicas, continua, em
sua mais profunda essência, o mesmo. E analisando friamente a situação
antropológica nos tempos hodiernos, vemos um profundo choque de menta-

14)  Cf. In De divinis nominibus, cap. 4, l. 23. Cf. etiam: Stancato, Gianmarco. Le concept de désir dans
l’œuvre de Thomas d’Aquin: analyse lexicographique et conceptuelle du desiderium. Paris: Librairie
Philosophique J. Vrin, 2011, p. 110.
15)  Cf. Ritter, Joachim; Gründer, Karlfried; Eisler, Rudolf (ed.). Historisches Wörterbuch der Phi-
losophie. Basel: Schwabe, 1995: s.v. “Egotismus, Egoismus, Egomismus”, p. 4540 (cf. vol. 2, p. 317):
“Anfang des 20. Jh. erfolgt eine zweite Welle oft national beschränkter Begriffsbildungen mit dem Prä-
fix ego-: franz. égocentrisme (Egozentrik); ital./span. egolatria (Idiolatrie; B. Croce); ital. egosolismo
(Solipsismus; L. Klima); ital. egoteismo (Egotismus); engl. egotropism (übermäßige Erweiterung des
Ich; auch frz. und dtsch.); engl. egoscopie (Selbstanalyse); engl. egodefensiveness (Ichabwehr); engl.
ego-altruism (Synthese von individuellem und gesellschaftlichem Glücksstreben; St. Mill, Spencer);
ital. egocòsmico (Ich als Zentrum des Universums)”.
16)  Cf. Ramos, Felipe de Azevedo. A crítica à religião no paganismo pós-moderno de Lyotard e nos slo-
gans de Maio de 68. Lumen Veritatis, vol. 7, n. 26, 2014, p. 77-108.
17)  Bourget, Paul. Le Démon du Midi, Paris: Plon, 1914, vol. 2, p. 375: “Il faut vivre comme on pense,
sinon, tôt ou tard, on finit par penser comme on a vécu”.

316 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

lidades, um mundo globalizado, se bem que desunido, tenso e desorientado.


Procuramos tanto a paz, mas quão distante ela parece estar situada.
Eis a seguir uma proposta sob a focalização filosófica aparentemente sim-
plória, mas que na realidade não o é.
Propõe-se com esta investigação analisar os próprios fundamentos antro-
pológicos da mencionada dimensão transcendental, sempre de modo natural,
estabelecendo a própria essência do homem, no plano metafísico, em relação
a este desejo rumo ao Esse per essentiam. Esse retorno ao Ser Supremo ocor-
re de modo natural pela própria constituição ontológica do homem que rece-
be o ser de Deus, Ipsum Esse. Assim, em conformidade com o conhecido
princípio neoplatônico de exitus/reditus, o homem é reconduzido naturalmen-
te ao Criador, cuja enunciação genérica se encontra no Comentário de São
Tomás às Sentenças de Pedro Lombardo: “Oportet universitatis multitudinem
ad unum principium entium primum reduci, quod est Deus”. 18 Por fim, com o
auxílio — a nosso ver imprescindível — da metafísica da participação, tenta-
remos deitar novas luzes sobre o presente problema.
Cumpre observar desde o início que o objetivo deste escrito não é discorrer
sobre o assunto como vem sendo tratado com mais frequência, isto é, em sede
teológica, como se nota através da numerosa bibliografia publicada, sobretu-
do entre as décadas de 1920-1960. 19 Concentrar-se-á aqui no âmbito filosófi-
co, sem contudo desligar-se da contribuição da Revelação bíblica. Antes, pre-
tende-se que os fundamentos racionais possam servir de auxílio para a Teolo-
gia de modo adequado.
Este artigo é dividido da seguinte forma:
No primeiro capítulo serão oferecidos alguns parâmetros históricos e teóri-
cos acerca do desejo de Deus como introdução ao pensamento tomista.
O segundo trata algumas questões prévias para compreender os fundamen-
tos metafísicos do desejo natural de Deus. Entre estes, é analisada a ques-
tão da formação dos primeiros princípios e a causalidade, seguindo de per-
to os escritos de Fr. Garrigou-Lagrange, OP (1877-1964) e Pe. Cornelio Fabro
(1911-1995).

18)  In Sent., I, d. 2, q. 1, a. 1, co.


19)  Entre os mais conhecidos podemos citar os seguintes escritos: Lubac, Henri de. Surnaturel. Paris: Au-
bier-Montaigne, 1946; idem. Le mystère du surnaturel. Lyon: Montaigne, 1965; Garrigou-Lagrange,
Réginald. Le désir naturel du bonheur prouve-t-il l’existence de Dieu? Angelicum, vol. 8, 1931, p. 129-
148; idem. Le sens du mystère et le clair-obscur intellectuel: nature et surnaturel. Paris: Desclée de
Brouwer, 1934; Rahner, Karl. Natur und Gnade. Schriften zur Theologie, vol. 4, 1960, p. 209-236;
Blondel, Maurice. L’Action. Paris: F. Alcan, 1893; etc.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 317
O Desejo de Deus

Já o terceiro capítulo é dedicado a abordar ao eixo de nossa discussão. Em


primeiro lugar, será feita uma análise antropológica e gnosiológica do tema,
com uma delimitação daquilo que é propriamente natural e daquilo que é
sobrenatural. Serão também analisados alguns textos de São Tomás com foco
em duas correntes interpretativas: a do cardeal Caetano (1469-1534), de um
lado, e a indicada por Henri de Lubac, SJ (1896-1991), de outro. Por fim, con-
frontaremos estas propostas com a mais recente, apresentada pelo cardeal
Georges Cottier, OP (1926-2016).
Finalmente, no quarto capítulo, far-se-á a convergência entre a metafísica
da participação e o desiderium naturale. Veremos como a doutrina da parti-
cipação servirá de auxílio para compreender mais a fundo a riqueza da dou-
trina sobre o desejo natural, evitando assim futuros escolhos provenientes de
uma interpretação pouco cuidadosa do Doutor Angélico.

1.  Alguns antecedentes históricos do desejo de Deus

1.1.  Introdução
Nesta primeira parte se evidenciará o quanto a doutrina do desejo de Deus
não é específica da Teologia. Entre os autores pagãos da Antiguidade, encon-
tramos inúmeros trechos que comprovam historicamente a existência deste
desejo, utilizando-se apenas da razão para prová-la. Antes de tratar da meta-
física antropológica e sua dimensão e relação com Deus, convém tratar aqui
de uma questão presente em toda a história, isto é, a da dimensão transcen-
dental do homem.
Cumpre advertir que o presente tema não será enfocado no campo da
filosofia da religião. O nosso simples intento é o de fornecer apenas alguns
aspectos do desejo de Deus entre certos autores antigos, sem qualquer preten-
são de exaurir o assunto, com vistas a ilustrar nossa ulterior proposta, sempre
em consonância com a própria perspectiva do Aquinate.

1.2.  Algumas razões antropológicas


A definição aristotélica do homem é realizada, como sabemos, a partir da
distinção lógica através do gênero (animal), acrescida da correspondente dife-
rença específica (racional). Sob um aspecto ainda mais particular ligado ao

318 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

predicável “próprio”, 20 o Estagirita definira o ser humano, outrossim, como


animal político, 21 ou seja, um ser essencialmente social e relacionável, e ao
mesmo tempo condicionado a viver numa polis. 22 Enquanto os animais se
unem entre si pelo instinto gregário, os homens, em contrapartida, são condi-
cionados a viver em comunidade. 23 Com muita propriedade atestava o Filóso-
fo: o homem que basta a si mesmo ou é um deus ou uma besta. 24
Dessa forma, quando analisamos o ser humano de acordo com as suas
características mais simples, como a sua dimensão físico-espacial, percebe-
mos essa contingência pela sociabilidade no plano horizontal. Com efeito,
essa dependência se dilata ainda mais quando o analisamos em seu panorama
metafísico. Assim, para ressaltar esse aspecto, São Tomás, baseado nos textos
bíblicos e patrísticos, relaciona o homem intimamente com Deus através da
destacada teoria da imago Dei, por uma espécie de imitação. 25
Pois bem, assim como o homem não é autossuficiente e necessita referir-
-se a um eixo horizontal para o seu próprio ser, assim também está ele à pro-
cura do Ser por essência em sua dimensão vertical. Da mesma forma que
pode encontrar certas felicidades no âmbito físico, tende também a transcen-
der para o fim último, buscando a felicidade perfeita, isto é, não apenas pas-
sageira e contingente.
Ao considerar, como mencionamos, que a essência da beatitude seja um
ato do intelecto, 26 e que seu fim consiste na posse completa da perfeição que
lhe é própria, a qual somente pode ser alcançada por intermédio daquele que
é a causa de tal perfeição, isto é, na própria visão de Deus e sua consequente

20)  Isto se explica segundo a divisão clássica da lógica. Cf. Porphyrius. Isagoge et in Aristotelis Cate-
gorias commentarium. Commentaria in Aristotelem Graeca IV/1. (Ed. Busse, Berlim: 1887), 1a3-4.
21)  Cf. Política I, 1253a: ὁ ἄνθρωπος φύσει πολιτικὸν ζῷον.
22)  Cf. Rosler, Andrés. Political Authority and Obligation in Aristotle. Oxford: Clarendon Press, 2005,
p. 69.
23)  Seneca. Epistulae Morales, XLVIII, 2: “Alteri vivas oportet, si vis tibi vivere”.
24)  Cf. Política I, 2.
25)  S. Th., I, q. 93, a. 3, co.: “Potest considerari imago Dei in homine, [...] prout scilicet in homine inveni-
tur quaedam Dei imitatio”.
26)  Cf. S. Th., I-II, q. 3, a. 4, co. Cfr. etiam: In Sent., IV, d. 49 q. 1 a. 1 qc. 3 ad 1: “[P]erfectissima beatitu-
do in intellectu speculativo consistit”; SCG, I, cap. 102, n. 5: “Beatitudo in perfecta operatione intellec-
tus consistit, ut ostensum est. Nulla autem alia intellectualis operatio eius operationi comparari potest”,
De ver., q. 8, a. 1, co.: “Constat enim quod cuiuslibet intellectualis creaturae beatitudo consistit in sua
perfectissima operatione. Illud autem quod est supremum in qualibet creatura rationali, est intellectus”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 319
O Desejo de Deus

fruição ( fruitio) por parte do homem; 27 conclui-se, assim, que a felicidade se


alcança através de certa semelhança com a bondade divina (que é impossível,
como sabemos, ser alcançada de modo abarcativo nesta vida). 28 Por esta sim-
ples razão é que apenas Deus pode ser o fundamento e fim último do homem
que por natureza O deseja. 29
É notório que a experiência religiosa ou o problema teológico estão presen-
tes de modo intenso em toda a história, se bem que de modo assaz variegado. 30
Essa problemática poderia ser sintetizada, em seu ponto fundamental, pela
questão da existência de Deus, causa, ordenador e fim de todo o universo.
Tendo em vista esse aspecto da filosofia, percebe-se que a natureza huma-
na deseja naturalmente uma verticalidade que a faz transcender os limites da
simples materialidade. Essa transcendência pode ser discernida por interces-
são da consideração dos graus de perfeição nas coisas até atingir o Maxime
Ens, causa eficiente das perfeições participadas. Sobre essa base, São Tomás
prova, como sabemos, a existência de Deus por intermédio da quarta via. 31
A seguir, far-se-á uma breve abordagem acerca da doutrina platônica do
desejo de Deus, na qual se inspira a doutrina da participação, noção de suma
importância para o presente tema, como veremos mais adiante.

1.3.  O Desejo de Deus em Platão e nos neoplatônicos


Já em Platão é possível encontrar a descrição dessa dimensionalidade. Nes-
se sentido, este filósofo argumentava acerca da sede transcendental em rela-

27)  SCG, IV, cap. 54, n. 2: “[P]erfecta beatitudo hominis in immediata Dei visione consistit”; SCG, IV,
cap. 54, n. 3: “[N]ihil homine existit altius nisi solus Deus, in quo solo perfecta hominis beatitudo con-
sistit”; SCG, cap. 54, n. 5: “[B]eatitudo hominis perfecta in divina fruitione consistat, oportuit affectum
hominis ad desiderium divinae fruitionis disponi: sicut videmus homini beatitudinis desiderium natura-
liter inesse. Desiderium autem fruitionis alicuius rei ex amore illius rei causatur”; S. Th., I-II, q. 3, a. 8,
co. S. Th., I-II, q. 3, a. 8, co.: “Respondeo dicendum quod ultima et perfecta beatitudo non potest esse
nisi in visione divinae essentiae”; S. Th., I-II, q. 3, a. 8, co.: “Ad perfectam igitur beatitudinem requiri-
tur quod intellectus pertingat ad ipsam essentiam primae causae”; S. Th., I-II, q. 4, a. 5, co.; S. Th., I-II,
q. 4, a. 8, co.: “Sed si loquamur de perfecta beatitudine quae erit in patria, non requiritur societas ami-
corum de necessitate ad beatitudinem, quia homo habet totam plenitudinem suae perfectionis in Deo”.
28)  Cf. S. Th., I, q. 44, a. 4, co.; S. Th., q. 3 a. 2 ad 4: “Et propter hoc in statu praesentis vitae, perfecta bea-
titudo ab homine haberi non potest. Unde philosophus, in I Ethic. ponens beatitudinem hominis in hac
vita, dicit eam imperfectam, post multa concludens, beatos autem dicimus ut homines”.
29)  S. Th., I, q. 62, a. 1, co.
30)  Cf. Tertullianus, Ad nationes 2, 2, 1.
31)  Cf. S. Th., I, q. 2, a, 3 co.

320 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

ção a uma realidade, que é a Beleza (ou Belo) por essência. Assim, o homem,
quando a partir das coisas belas

começa a contemplar aquele Belo, quase que estaria a atingir o ponto final.
Eis, com efeito em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do
amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em
vista daquele Belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um
só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para as
belas atividades humanas, e das atividades humanas para os belos conheci-
mentos até que dos conhecimentos acabe naquele conhecimento, que nada
mais é que o próprio Belo, e conheça enfim o que, em si, é belo. 32

Neste trecho, o fundador da Academia trata de maneira original a metafí-


sica da participação no âmbito do desejo e do amor. Como sabemos, é muito
discutida a noção de divindade neste filósofo, bem como neste contexto em
particular, porém, é possível reconhecer que esta inquirição é a expressão de
certa tendência a um princípio metafísico que é causa de todas as perfeições.
Em suma, isto significa que existe uma dependência superior (pelo princípio
da participação) da natureza humana (e de toda a criação) ao Ser por essência.
Em trecho anterior, Platão já havia discutido sobre o ἔρως, enquanto dese-
jo das coisas belas e boas (é a sua própria propulsão, por assim dizer). 33 Em
outra parte, classifica o homem como um “caçador da sabedoria” 34 e que
por sua “natureza mortal busca, na medida do possível, ser sempre e de ser
imortal”. 35 Ademais, ao ser guiado pela verdade, sob pena de não partici-
par da verdadeira filosofia, 36 propõe o ideal o qual a alma persegue, finali-
zando toda a sua ação no Bem, 37 a ponto de que “assim que, em verdade, o

32)  Symposium, XXIX, 211 b-c: ἄρχηται καθορᾶν, σχεδὸν ἄν τι ἅπτοιτο τοῦ τέλους. τοῦτο γὰρ δή ἐστι
τὸ ὀρθῶς ἐπὶ [211c] τὰ ἐρωτικὰ ἰέναι ἢ ὑπ᾽ ἄλλου ἄγεσθαι, ἀρχόμενον ἀπὸ τῶνδε τῶν καλῶν ἐκείνου
ἕνεκα τοῦ καλοῦ ἀεὶ ἐπανιέναι, ὥσπερ ἐπαναβαθμοῖς χρώμενον, ἀπὸ ἑνὸς ἐπὶ δύο καὶ ἀπὸ δυοῖν ἐπὶ
πάντα τὰ καλὰ σώματα, καὶ ἀπὸ τῶν καλῶν σωμάτων ἐπὶ τὰ καλὰ ἐπιτηδεύματα, καὶ ἀπὸ τῶν καλῶν
ἐπιτηδευμάτων ἐπὶ τὰ καλὰ μαθήματα, καὶ ἀπὸ τῶν μαθημάτων ἐπ᾽ ἐκεῖνο τὸ μάθημα τελευτῆσῃ, ὅ
ἐστιν οὐκ ἄλλου ἢ αὐτοῦ ἐκείνου τοῦ καλοῦ μάθημα, καὶ γνῷ αὐτὸ τελευτῶν ὃ ἔστι. (Tradução da cole-
ção Os Pensadores, com pequenas adaptações).
33)  Cf. Symposium, XXII, 202d.
34)  Symposium, XXIII, 203d: Φιλοσοφῶν διὰ παντὸς τοῦ βίου.
35)  Symposium, XXVI, 207d: ἡ θνητὴ φύσις ζητεῖ κατὰ τὸ δυνατὸν ἀεί τε εἶναι καὶ ἀθάνατος.
36)  Cf. Respublica, VI, 490a: ἐσόμενον. ἡγεῖτο δ᾽ αὐτῷ, εἰ νῷ ἔχεις, πρῶτον μὲν ἀλήθεια, ἣν διώκειν
αὐτὸν πάντως καὶ πάντῃ ἔδει ἢ ἀλαζόνι ὄντι μηδαμῇ μετεῖναι φιλοσοφίας ἀληθινῆς.
37)  Cf. Respublica, XVII, 505d-e: ὃ δὴ διώκει μὲν ἅπασα ψυχὴ καὶ τούτου ἕνεκα πάντα πράττει.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 321
O Desejo de Deus

que os homens amam não é senão o Bem”. 38 Nesses termos, depois de tomar
em consideração as “imagens divinas reflexas” nas coisas, eleva-se “a parte
superior da alma à visão da parte suprema do ser”. 39 Finalmente, “o homem
foge daqui para o alto o mais depressa possível; e fuga é tornar-se semelhan-
te a Deus”. 40 Isso se aplica de modo ainda mais evidente quando transpo-
mos esse tema no âmbito teológico stricto sensu, em particular no que tange
à vida religiosa (monástica em particular). Ou seja, a fuga mundi dos religio-
sos ocorre para melhor se encontrar com Deus; e o próprio mundo, em con-
trapartida, é beneficiário da santidade e da perfeição adquiridas pelo preço de
tal distanciamento. 41
Por todos esses trechos se conclui que, ainda quando se considera uma
noção débil da divindade em Platão, fica patente que, segundo ele, existe sem
dúvida um desejo natural de transcendência e uma atração à forma do Bem. 42
Todavia, como sabemos, a filosofia platônica teve ulteriores desenvolvi-
mentos, seja quando era interpretada, seja quando apenas servia de inspi-
ração. Plotino, 43 renomado discípulo de Platão, propõe, séculos depois uma
doutrina paralela:

É necessário, pois, voltar a subir até o Bem, que é objeto dos desejos de toda
alma. [...] É desejável, com efeito, por ser bom, e o desejo aponta ao Bem
[...] até que, continuando na subida tudo quanto seja alheio a Deus, possa se
ver por si mesmo a ele só, simples, único e puro, de quem todas as coisas
dependem, a quem todas olham, por quem existem, vivem e pensam, pois é
causa da vida, da inteligência e do ser. 44

38)  Symposium, XXIV, 205e-206a: ὡς οὐδέν γε ἄλλο ἐστὶν οὗ [206a] ἐρῶσιν ἅνθρωποι ἢ τοῦ ἀγαθοῦ.
Comenta Demos que “The Good does not constitute a separate realm of values. It is the universal ob-
ject of desire. [...] The soul, by its own nature, loves the Good. And the Good is what men seek. Now
what men seek is something real, not a projection of their own desires. The Good is desired because it is
good; it is not good because it is desired. So Plato designates the Good as the desirable (Phil. 6ra)” In:
Demos, Raphael. Plato’s Idea of the Good. The Philosophical Review, vol. 46, 1937, p. 245-275.
39)  Respublica, XVII, 532c: ἐν ψυχῇ πρὸς τὴν τοῦ ἀρίστου ἐν τοῖς οὖσι θέαν.
40)  Theaetetus, XXIV, 175b: ἐκεῖσε φεύγειν ὅτι τάχιστα. φυγὴ δὲ ὁμοίωσις θεῷ κατὰ τὸ δυνατόν.
41)  Verneaux, Roger. “Asemejarse a Dios”: libre comentario de Platón. Anuario Filosófico, 11, 1978,
p. 167.
42)  Cf. O’Connor, William Richard. The Natural Desire for God. Milwaukee: Marquette University
Press, 1948, p. 6.
43)  Cf. Arnou, René. Le désir de Dieu dans la philosophie de Plotin. Paris: Alcan, 1921, s.p.
44)  Enneidas, I, 6, 7, 1-10.

322 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Comentando Plotino, O’Connor é da opinião de que o “Um, ou o Bem, é o


termo do desejo natural universal, mas é de qualquer forma equivocado falar
disso como um desejo natural de Deus. [...] O próprio Plotino assegura que
tudo o que podemos falar sobre o Um é que não é algo”. 45 Entretanto, ainda
considerada essa hermenêutica, não há como negar a existência ao menos de
certo desejo metafísico no homem em direção à beatitude.
No século V, Proclo também ofereceu novos aportes. Afirmava em seu
comentário ao Parmênides de Platão, que “omnia enim entia primissimam
causam desiderant et habent quandam secundum circa ipsam”. E mais adian-
te, sempre na linha henológica, dizia: “omnia autem habent per se naturalem
circa unum ὠδίνα”. 46
Em outra conhecida passagem diz: “Si autem non frustra, neque in alio ali-
quo qui secundum naturam appetitus et sortientem quandoque veritate, si
non dicere quod et substantiam divine anime ab aethere defluere inconve-
niens — si oportet impossibile inconveniens dicere”. 47
Em sua famosa Elementatio Theologica (Στοιχείωσις θεολογική) afirma
na 31ª. Proposição (sempre na tradução latina de Guilherme de Moerbeke):

Omne procedens ab aliquo secundum essentiam convertitur ad illud a quo


procedit. Si enim proveniat quidem, non convertatur autem ad causam pro-
cessus huius, non utique appetet causam; omne enim appetens conversum
est ad appetibile. At vero omne appetit bonum, et illius ordo per proximam
causam singulis; appetunt ergo et suam causam singula. Per quod enim
esse unicuique, per hoc et ipsum bene; per quod autem ipsum bene, ad hoc
appetitus primo; ad quod autem primo appetitus, ad hoc conversio. 48

45)  O’Connor, William Richard. The Natural Desire for God. Milwaukee: Marquette University Press,
1948, p. 8: “[T]he One, or the Good, is the term of universal natural desire, but it is likewise misleading
to speak of this as a natural desire for God. [...] Plotinus himself assures us that all we can say about the
One is that it is not anything”.
46)  Proclus. Procli in Platonis Parmenidem commentaria. Tomus III. (ed. Carlos G. Steel). Oxonii [Ox-
ford, England]: E Typographeo Clarendoniano, 2009, p. 315-316.
47)  Proclus. De Providentia, 42, 1-5 (Tria opuscula de providentia <Trois études sur la Providence>.
Paris: Les Belles Lettres, 1979, p. 43). O original grego utliza a expressão ἡ κατὰ φúσιν ὄρεξις para
indicar este apetite.
48)  Proclus. Elementatio Theologica, prop. 31 (ed. Helmut Boese. Leuven: University Press, 1987, p.
20).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 323
O Desejo de Deus

1.4.  O desejo de Deus em Aristóteles

Aristóteles não oferece uma explicação detalhada sobre o presente tema


num trecho longo e específico, ao mesmo tempo em que confirma, em linhas
gerais, a interpretação platônica. Citemos por exemplo alguns trechos: o
homem “tende naturalmente a ele [divino, bom e desejável] e o deseja de
acordo com sua própria natureza”. 49 Talvez a doutrina central de seu discur-
so seja aquela que enuncia que o “bem é aquilo a que todas as coisas tendem”. 50
Ademais, centra a causa formal da felicidade num aspecto intelectual quando
defende que a “sabedoria [filosófica] produz a felicidade”, 51 doutrina da qual
hauriu o Aquinate, como veremos.
Um ponto de originalidade no Estagirita é a questão da atração humana em
relação ao divino, pelo princípio da potência e do ato e da causalidade, pelo
que a criatura chega à sua plenitude em Deus, pelo princípio de que “aque-
le que é o Primeiro e plenamente em ato [ἐντελέχεια] é Causa de tudo”. 52 E,
para Aristóteles, o mais alto entre os objetos de intelecção é o mais alto entre
os objetos de desejo (que pressupõe o conhecimento). 53 Nesse sentido, comen-
ta Berti:

Daí ele acrescenta que esse princípio deve ser em ato, isto é, deve estar
efetivamente movendo, pois, se fosse apenas em potência, poderia também
não mover, e então o movimento poderia também não existir, o que contra-
diz sua eternidade (1071 b 12-17). 54

Outro elemento importante que encontramos na obra aristotélica é que a


dinâmica desta busca não se cifra no puro entendimento humano, antes, resi-
de numa inteligência desejosa ou desejo inteligente (ou seja, no fundo, se per-
faz através do amor). Em suma, a explicação é que a inteligência de si não
busca nada, mas a inteligência cheia de desejos, sim. 55

49)  Phys., I, 9, 192a.


50)  EN, I, 1, 1094a3: ἀγαθοῦ τινὸς ἐφίεσθαι δοκεῖ: διὸ καλῶς ἀπεφήναντο τἀγαθόν, οὗ πάντ᾽ ἐφίεται. Cf.
etiam: De an., III, 10, 433a27-28.
51)  EN, VI, 12, 1144a5: ἡ σοφία εὐδαιμονίαν.
52)  Met., XII, 6, 1071a35-36: αἴτια ὡς αἴτια πάντων, ὅτι ἀναιρεῖται ἀναιρουμένων· ἔτι τὸ πρῶτον
ἐντελεχείᾳ.
53)  Berti, Enrico. Aristotele: dalla dialettica alla filosofia prima. Padova: Cedam, 1977, p. 500.
54)  Idem. As razões de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2002, 109.
55)  Cf. EN, VI, 2, 1139b 4-6.

324 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Por fim, é possível dizer que, devido a sua peculiar concepção física da
ordem do universo, acreditava que os corpos celestes eram dotados de vida e,
por isso, também dotados de um desejo de Deus. 56 Tal doutrina influenciou
ao Doutor Angélico, pois ele concebia que todos os seres (inclusive os despro-
vidos de inteligência) possuíam certa tendência a Deus por sua própria natu-
reza.

1.5.  Enquadramento histórico de São Tomás


Até aqui se pôde comprovar como o desejo de Deus é confirmado, em
linhas gerais, pela filosofia clássica. Desse modo, fica evidenciado que o pre-
sente tema fora abordado mesmo no âmbito estritamente filosófico.
Considerando que São Tomás tratou de modo harmônico a relação entre
a teologia e a filosofia, pode-se então presumir que também assim procedeu
em nosso tema.
Primeiramente, constata-se que o Aquinate sempre tratou acerca do dese-
jo natural de Deus. Já nos deparamos com a problemática, por exemplo, no
Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, ou seja, uma de suas obras ini-
ciais e a primeira entre as de maior envergadura. 57
Os contextos filosóficos que se articulam com o nosso tema são os mais
variados: o conhecimento de Deus e a felicidade, 58 o problema da possibili-
dade da visão de Deus 59 e o da própria intelecção das substâncias separadas 60
contra as teorias averroístas que, segundo o Aquinate, deturpam a letra aris-
totélica. 61 São Tomás desenvolve esses temas de diversos modos. O resultado

56)  Cf. De caelo, 285a29, 292a20 in Lear, Jonathan. Aristotle: The Desire to Understand. Cambridge:
Cambridge University Press, 1988, s.p.
57)  Cf. e.g.: In Sent., IV, d. 49, q. 1, a. 2, qc. 1, co.: “Unde ultimum desideratum ab omnibus est esse per-
fectum, secundum quod est possibile in natura illa”.
58)  Cf. Maimonides. Guia dos perplexos, <Dalālatul ḥā’irīn>, parte III, cap. 51.
59)  Claramente contra as teses de filósofos árabes e judeus do séc. XIII, São Tomás se opõe a Avicena,
por exemplo, a este respeito, no Comentário às Sentenças (IV, d. 49, q. 2, a. 1, co.): “Et ideo alius mo-
dus intelligendi substantias separatas ponitur ab Avicenna in sua Metaph., scilicet quod substantiae se-
paratae intelliguntur a nobis per intentiones suarum quidditatum, quae sunt quaedam eorum similitudi-
nes non abstractae ab eis, quia ipsaemet sunt immateriales, sed impressae ab eis in animabus nostris.
Sed hic modus etiam non videtur nobis sufficere ad visionem divinam quam quaerimus”.
60)  Cf. Torrell, Jean-Pierre. La vision de Dieu “per essentiam” selon Saint Thomas d’Aquin. In: Re-
cherches thomasiennes: études revues et augmentées. Paris: Vrin, 2000, p. 190.
61)  Cf. SCG, III, cap. 45, n. 7: “Propter quod et Aristoteles congruo exemplo usus est: nam oculus vesper-
tilionis nunquam potest videre lucem solis. Quamvis Averroes hoc exemplum depravare nitatur, dicens

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 325
O Desejo de Deus

mais importante seria talvez a sua posição no sentido que no cume do movi-
mento ascensional do conhecimento intelectual se conclui que a felicidade
perfeita, que acompanha a vontade, é a visão da própria essência divina e seu
consequente deleite (delectatio). 62
Por outro lado, a respeito do desejo natural, São Tomás veio em oposição
à tradição de cunho agostiniano, muito tendente à centralização da vontade.
Desde o falecimento do Doutor Angélico (1274), e sobretudo após o adven-
to da filosofia de Duns Scotus (1266-1308), uma boa parte da doutrina sobre
o desejo natural passou a ter a marca escotista ou nominalista, com uma níti-
da centralização na vontade. Para o filósofo franciscano existe propriamente
uma voluntas naturalis sem a necessidade de qualquer relação com o conhe-
cimento. 63 Ainda quando o Aquinate era interpretado a partir de suas pró-
prias fontes, não era raro que os autores seguissem de certa forma a posição
do Doctor Subtilis. A consequência é que o conceito de natureza passou a ser
interpretado cada vez mais destacado de sua orientação teológica. 64
No meio de variadas opiniões, São Tomás de Aquino fez a sua análise no
campo filosófico, considerando as tradições platônica e aristotélica. Como
raiz profundíssima de sua opinião sobre o desiderium naturale, cabe citar
um trecho em que já se vislumbra a constituição metafísica desse desejo, e
no qual o Aquinate nos faz crer que até os seres inanimados possuem cer-
to “desejo” (neste caso fala do amor, mas mais adiante veremos a intrínseca
relação com o desejo):

Em virtude deste amor natural, não somente o homem, na integridade da


sua natureza, ama a Deus sobre todas as coisas e mais que a si mesmo, mas
ainda toda criatura ama a Deus à sua maneira, isto é: ou por amor intelec-
tual, ou racional, ou animal ou pelo menos natural como as pedras e os

quod simile non est de intellectu nostro ad substantias separatas, et oculo vespertilionis ad lucem solis,
quantum ad impossibilitatem, sed solum quantum ad difficultatem”.
62)  Cf. S. Th., I-II, q. 4, a. 2, co. Cf. etiam: Ghisalberti, Alessandro. Il compimento della felicità in Tom-
maso d’Aquino. Quaestio, vol. 15, 2015, p. 536.
63)  Cf. Feingold, Lawrence. The Natural Desire to See God According to St. Thomas and His Interpret-
ers. Ave Maria, FL: Sapientia, 2010, p. 62.
64)  Cf. Dupré, Louis. Philosophy and The Natural Desire for God: An Historical Reflection. International
Philosophical Quaterly, 40, 2000, p. 142: “The concept of nature thereby became detached from its
original, theological orientation. But the problem did not become acute until he relation of nature with
its transcendent basis came to be viewed exclusively in terms of efficient causality and thus deprived
of its intrinsic union with God. Fifteenth-century nominalist theology occasionaed this move, which
affected the entire philosophical theology of the 17th and 18th centuries”. Cf. etiam: Wolter, Allan.
Duns Scotus on the Natural Desire for the Supernatural. The New Scholasticism, 23, 1949, p. 281-317.

326 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

demais privados de conhecimento. Porque a parte ama mais naturalmente o


bem comum do todo que o bem particular próprio.  65

Em sua opinião, portanto, até os seres irracionais possuem certa tendência


em direção a Deus, por uma espécie de “continuação”. 66 É o que se sintetiza
na palavra cunhada para este propósito: “teotropismo”, 67 ou seja, mudança de
direção (τροπή) em relação a Deus (Θεός).
O homem, porém, tende naturalmente a Deus não somente por sua consti-
tuição metafísica, mas também (como vimos) pelo seu desejo de conhecimen-
to da verdade, próprio de sua natureza racional. Ora, ao ser humano perten-
ce em específico a faculdade intelectiva e, portanto, é através desta determi-
nação que busca a Deus de modo mais nobre e elevado que os seres desprovi-
dos de inteligência. Desse modo, considerando a potencialidade do intelecto
segundo a expressão de Aristóteles, i.e. “quodammodo omnia”, 68 e na refle-
xão tomista “esse in potentia ad omnia”, 69 devemos supor que essa abertura
se prolonga como meta em direção ao Ser por essência.
Ademais, os homens, por sua própria natureza, são direcionados “a alcan-
çar o bem perfeito segundo a virtude”. 70 Ou seja, contêm em potência (in
semina) todas as virtudes de modo que buscam exceder-se em vista de um
bem perfeito (absoluto). 71 Em outras palavras, “o homem compendia em si
o universo das realidades materiais e das realidades transcendentes”, 72 mas
encontra seu repouso somente no Sumo Bem. Com base nessa análise, se
verifica a possibilidade dessa dinamicidade transcendental em sua amplitude.

65)  S. Th., I-II, q. 26, a. 3, co.: “Amor naturalis, quo non solum homo in suae integritate naturae super om-
nia diligit Deum et plus quam seipsum, sed etiam quaelibet creatura suo modo, idest vel intellectuali vel
rationali vel animali, vel saltem naturali amore, sicut lapides et alia quae cognitione carent, quia una-
quaeque pars naturaliter plus amat commune bonum totius quam particulare bonum proprium”.
66)  Cf. Super Io., cap. 14, l. 2: “Nam terminus huius viae finis est desiderii humani, homo autem duo
praecipue desiderat: primo quidem veritatis cognitionem, quae est sibi propria; secundo sui esse conti-
nuationem, quod est commune omnibus rebus”.
67)  Cf. Clá Dias, João Scognamiglio. Pode-se servir a Deus e às riquezas? Arautos do Evangelho, n. 77,
2008, p. 13.
68)  Cf. De Anima, III, 8, 431b21s.
69)  In De anima, q. 2, ad resp.
70)  De Virt., q. 1, a. 8, ad 10: “pervenire ad perfectum bonum secundum virtutem”.
71)  Cf. Girau Reverter, Jordi. Homo quodammodo omnia según Santo Tomás de Aquino. Toledo: Estu-
dio Teológico de San Ildefonso, 1995, p. 182.
72)  Lobato, Abelardo. L’anima nell’antropologia di S. Tommaso d’Aquino: atti del Congresso della so-
cietà internazionale S. Tommaso d’Aquino (SITA), Roma, 2-5 gennaio 1986. Studia Universitatis S.
Thomae in Urbe, 28. Milano: Massimo, 1987, 540.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 327
O Desejo de Deus

1.6.  Conclusão

É manifesto, pelo que expusemos até agora, que a história comprova, ao


menos em parte, a dimensão transcendental humana em direção a Deus. Pla-
tão deitou as bases da doutrina da participação; os neoplatônicos, a unidade
do princípio primeiro; Aristóteles salientou o princípio de ato e potência.
Por outro lado, a tese do desejo de Deus teve diversas correntes interpreta-
tivas no período medieval anterior a São Tomás; no entanto, este conseguiu
sintetizá-la e enaltecê-la, configurando-a ao mesmo tempo a seu modo, e até
mesmo objetando ante litteram os nocivos erros do nominalismo.
Mas não basta uma análise histórica para provar racionalmente a existên-
cia de um desejo natural de Deus. A seguir, se investigará como a fundamen-
tação tomista para sustentar esta doutrina se cifra nas sólidas bases da Meta-
física e como esta é indispensável para a boa compreensão e certeza da vali-
dade de tal desejo.

2.  A fundamentação metafísica do desejo de Deus

2.1.  Introdução
Veremos a seguir como a metafísica é indispensável não apenas para o dis-
curso filosófico em si (o qual é comprovado pela história da filosofia), mas
também para a melhor compreensão do desejo de Deus.
De início, convém frisar a importância do senso do ser na vida do homem,
para depois indicar como este senso ocorre em relação ao Ser Absoluto. Assim,
é de suma importância tratar dos primeiros princípios (evidentes e certíssimos
segundo a expressão de São Tomás) e do princípio de causalidade. Dessa for-
ma, é possível chegar com segurança a novos raciocínios e conclusões.
Por fim, trataremos da intrínseca relação entre o conhecimento das reali-
dades naturais, a partir do senso do ser, para chegar ao conhecimento do Ser
absoluto.

2.2.  Preâmbulos metafísicos


Um simples olhar para o mundo exterior nos faz perceber que ele está em
constante mudança. Umas estrelas nascem, outras se esvaem, novas espécies
de animais são descobertas, a ciência evolui, etc.

328 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

A filosofia também tem as suas novas intuições. Contributos para uma


melhor compreensão da relação homem-mundo e da relação homem-Deus
são constantes na história da filosofia. Assim, surgem sempre novas indaga-
ções, novas objeções são colocadas, novas respostas são oferecidas e ainda
novas conclusões são propostas, sempre com novos aportes.
Uma verdade inerente ao discurso filosófico, e a qual não se pode negar
sem cair em contradição, é que o ser é a primeira noção por nós alcançada e a
partir dela se ruma para todas as outras verdades. 73 Ao mesmo tempo em que
o ser é o que há de mais fundamental, é também o mais genérico e indetermi-
nado, o primeiro que se colhe no processo intelectual e pelo qual se perfazem
os demais conceitos. A esse respeito, afirma o Santo Doutor numa conhecida
passagem: “aquilo, pois, que o intelecto concebe primeiramente como o mais
evidente e no qual reduz todos os conceitos é o ens”. 74
No plano lógico ou no psicológico dá-se algo análogo. Quando afirmo ou
nego algo, utilizo-me do princípio de que aquilo é ou não é falso, o que é pró-
prio do segundo ato do conhecimento intelectual, ou seja, do juízo 75 (pelo
qual se dá a união ou separação de um sujeito e um predicado). É nesta parte
do processo do conhecimento (na separatio) em que ocorre a chamada intui-
ção metafísica. 76 Tal doutrina é original na história da filosofia. 77
Nesse sentido, também afirma o Aquinate que o ser é aquilo que ocorre
de modo primário no intelecto, permitindo que as coisas tenham significado. 78

73)  Cf. In Sent., I, d. 8, q. 1, a. 3, s.c. 2: “[I]llud quod est ultimum in resolutione, est primum in esse. Sed
ens, ultimum est in resolutione intellectus: quia remotis omnibus aliis, ultimo remanet ens”.
74)  De ver., q. 1, a. 1, co.: “Illud autem quod primo intellectus concipit quasi notissimum, et in quod con-
ceptiones omnes resolvit, est ens”; Cf. De ver., q. 21, a. 1, co.; S. Th., I, q. 5, a. 2, co.; S. Th., I, q. 16, a.
4, ad 2; S. Th., I-II, q. 94, a. 2, co.
75)  Cf. De veritate, q. 14, a. 1, co.: “Operatio intellectus est secundum quam componit et dividit, affir-
mando vel negando: et in hac iam invenitur verum et falsum, sicut et in voce complexa, quae est eius
signum”. Cf. etiam: Sent. Met., VI, l. 2, n. 1; S. Th., q. 48, a. 2, ad 2: “Alio modo dicitur ens, idem quod
verum propositionis; quo respondetur ad quaestionem an est”.
76)  Cf. Super De Trinitate, III q. 5, a. 3, co. 5: “Sic ergo in operatione intellectus triplex distinctio inveni-
tur. Una secundum operationem intellectus componentis et dividentis, quae separatio dicitur proprie; et
haec competit scientiae divinae sive metaphysicae”.
77)  Cf. Weisheipl, James A. Friar Thomas d’Aquino: His Life, Thought, and Work. New York: Double-
day & Company, 1974, p. 136.
78)  Expositio Peryermeneias, lib. 1, l. 5, n. 22: “Ideo autem dicit quod hoc verbum est consignificat com-
positionem, quia non eam principaliter significat, sed ex consequenti; significat enim primo illud quod
cadit in intellectu per modum actualitatis absolute: nam est, simpliciter dictum, significat in actu esse;
et ideo significat per modum verbi”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 329
O Desejo de Deus

Tal é a preeminência do senso do ser que, se ele fosse negado, seria impos-
sível qualquer tipo de comunicação entre os homens. Um filósofo antigo não
poderia ser compreendido por um moderno e este por um contemporâneo.
Seríamos como seres sem sentido e sem possibilidades, como que jogados no
mundo; não poderíamos nos relacionar nem com o mundo nem sequer conos-
co mesmos. Em outras palavras, qualquer conhecimento seria impossível,
pois este deriva sempre de algo que acontece hic et nunc. 79 Ou seja, na pers-
pectiva tomista, quando temos a ideia de algo, abstraímos, em primeiro lugar,
a quidditas rei materialis das coisas concretas. 80 Com efeito, através dos sen-
tidos externos, tomamos um primeiro contato com as coisas, seguindo a abs-
tração e o conhecimento universal delas. Formamos a partir daí o esse com-
mune, existente apenas no intelecto. 81
Ora, a metafísica é a ciência que tem como objeto o ser enquanto ser (ens in
quantum ens ou ens commune), ou seja, enquanto é comum a todas as coisas,
sem considerar este ou aquele aspecto do ser, mas tratando per se do próprio
ser (sem evidentemente cair nos erros de uma mera tautologia). Dessa forma,
é especificada como ciência que busca a causa do ser. 82 Ademais, sob esta
ótica, Étienne Gilson sustenta que o homem bem poderia ser definido como
“animal metafísico”. 83 Logo, a metafísica é própria ao homem; pertence-lhe
de modo inerente. Talvez esta fosse a intenção de Martin Heidegger quando
assinalava que pertence ao homem guardar a Verdade do ser (Wahrheit des
Seins). 84 No próprio plano do objeto, este mesmo filósofo tratou também do
ser enquanto manifestando a verdade do ser (ἀλήθεια) e de seu aspecto ilumi-
nativo (Lichtung). 85
Cumpre notar que a filosofia sempre procurou dar a explicação para a pro-
blemática da metafísica, ainda quando sua intenção era voltada a pondera-
ções críticas. Dois filósofos divergentes na questão do ato e potência estão na

79)  Cf. Sentencia De sensu, tr. 2, l. 2, n. 4: “Phantasma autem oportet quod sit cum continuo et tempore,
eo quod est similitudo rei singularis, quae est hic et nunc”.
80)  Cf. S. Th., I, q. 85, a. 5, ad 3. Cf. etiam: S. Th., I, q. 85, a. 8, co.; S. Th., I, q. 86, a. 2, co.; S. Th., I, q.
88, a. 3, co. 
81)  Cf. SCG, lib. 1, cap. 26, n. 5.
82)  É neste sentido que, de acordo com o Aquinate, a Metafísica não tem como objeto exclusivo o que
se conclui da própria etimologia da palavra “metafísica” (o que está além física), mas do próprio ser.
83)  Gilson, Étienne. The Unity of Philosophical Experience. New York: Scribner, 1937, p. 307.
84)  Heidegger, Martin. Über den Humanismus. Frankfurt am Main: Klostermann, 2000, 24-25.
85)  Idem. Sein und Zeit. Frankfurt am Main: Klostermann, 1977, 226: “Die Erschlossenheit des In-Seins
die Lichtung des Daseins genannt”.

330 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

origem das primeiras indagações sobre o ser. De uma parte, Parmênides com
a sua consideração do movimento (devir), segundo a qual, este seria inexis-
tente: em outras palavras a sua teoria procurava “deter” o universo; de outra,
Heráclito, para quem a admissão da existência do movimento deveria ser de
capital importância para a doutrina do ser, a tal ponto que o ser se identifica-
ria como próprio movimento. Assim, é possível qualificar que a sua tese, na
prática, “niilificava” o universo. 86
Platão se aferrou à tese de que a coisa não coincide com a ideia; contudo,
tem a forma daquela. 87 Ademais buscava distinguir o que era simples aparên-
cia (sem ser) daquilo que seria propriamente falso. 88
Aristóteles fez sua reflexão, em grande parte graças a sua análise meta-
física, sobre o ser enquanto ser, nos dois primeiros capítulos do quarto livro
da Metafísica. Enquanto outras ciências tratam de atributos ou gêneros do
ser (como a zoologia, que trata dos animais, e a matemática, dos números),
a “Filosofia Primeira” trata do ὂν ᾗ ὂν (ser enquanto ser). 89 E entre todos
os significados de “ser”, o Estagirita considera que o seu primeiro significa-
do é o da essência (que indica a substância, prioridade sobre todas as outras
categorias). 90
Como sabemos, a distinção entre ser em potência (δυνάμει ὄν) e ser em ato
(ἐνεργείᾳ ὄν) foi de capital importância para a filosofia aristotélica. 91 Resol-
vendo a questão do ato e potência, lançou ele a definição clássica de movi-
mento na Física: “Motus est actus entis in potentia secundum quod in poten-
tia”. 92 A partir da análise desse mesmo livro encontramos a formulação

86)  Cf. Kaulbach, F. Bewegung. In: Historisches Wörterbuch der Philosophie. I. Basel: Schwabe, 1970,
p. 864-865.
87)  Cf. Phaedus, LII, 103e: ἔστιν ἄρα, ἦ δ᾽ ὅς, περὶ ἔνια τῶν τοιούτων, ὥστε μὴ μόνον αὐτὸ τὸ εἶδος
ἀξιοῦσθαι τοῦ αὑτοῦ ὀνόματος εἰς τὸν ἀεὶ χρόνον, ἀλλὰ καὶ ἄλλο τι ὃ ἔστι μὲν οὐκ ἐκεῖνο, ἔχει δὲ τὴν
ἐκείνου μορφὴν ἀεί, ὅτανπερ ᾖ. ἔτι δὲ ἐν τῷδε ἴσως ἔσται σαφέστερον ὃ λέγω.
88)  Cf. Sophista, 233c, 236ce; Phaedus, 65d-e.
89)  Cf. Met., IV, 1, 1003a21-22. Cf. etiam: Reale, Giovanni. Il concetto di “filosofia prima” e l’unità del-
la metafisica di Aristotele: con due saggi sui concetti di potenza-atto e di essere. Milano: Vita e Pensie-
ro, 1994, p. 99-142.
90)  Cf. Met., VII, 1, 1028a13-15.
91)  Cf. Met., IX, 8, 1049b24-25.
92)  Cf. Phys., III, 1, 201a10-11: ἡ τοῦ δυνάμει ὄντος ἐντελέχεια, ᾗ τοιοῦτον, κίνησίς ἐστιν. Fórmula lati-
na apud: Hamesse, Jacqueline (ed.). Les Auctoritates Aristotelis. Un florilège médiéval. Louvain; Paris:
Publications Universitaires; Béatrice-Nauwelaerts, 1974, p. 148).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 331
O Desejo de Deus

tomista mais frequente que daí se deriva: “motus est actus existentis in poten-
tia”. 93
É inegável que São Tomás possui uma noção muito forte do ser. Isso pode
ser comprovado pela análise da filosofia de Cornelio Fabro, no que diz respei-
to à sua teoria do esse intensivo como perfeição absoluta. 94 A noção tomis-
ta do ser, enriquecida pela teoria metafísica e bíblica da criação do mundo,
exprime-se em toda a sua radicalidade com a questão da contingência. 95 Por
outro lado, como esclarece Mondin, 96 é possível notar variedade quanto ao
posto que ocupa a metafísica para diversos filósofos. Podemos considerar: a
metafísica das ideias (Platão), a metafísica das formas e da substância (Aris-
tóteles), do Uno (Plotino), da Verdade (Santo Agostinho), do Bem (Pseudo-
-Dionísio). Já São Tomás pode ser considerado um verdadeiro metafísico gra-
ças à sua vigorosa defesa do esse ut actus (como actus essendi). 97 Portanto,
é possível desde logo notar que para o Aquinate o ser é ato, 98 a atualidade de
toda forma ou natureza, 99 o que é mais formal em todas as coisas, 100 ou atua-
lidade de todos os atos e perfeição de todas as perfeições. 101
Também esta busca do ser foi tema de discussão na filosofia moderna.
Assim o pai da reviravolta filosófica pós-medieval, René Descartes (1596-
1650) apesar de uma interpretação diversa em relação à metafísica, na qual
enfatizava a intuição em detrimento da abstração, e as naturezas simples
em comparação com a universalidade, considerava a seu modo a existência
da metafísica e inclusive sua importância: “Assim toda a filosofia é como
uma árvore, cujas raízes são a Metafísica, o tronco é a Física, e os ramos que

93)  Cf. e.g. SCG, I, cap. 13, n. 9; S. Th., I, q. 53, a. 1, ad 2.


94)  Cf. Fabro, Cornelio. La problematica dello “esse” tomistico. In: Idem. Tomismo e pensiero moderno.
Roma: Pontificia Università Lateranense, 1969, p. 108.
95)  Cf. e.g. SCG, II, cap. 53, n. 5: “Ipsum igitur esse comparatur ad omnes substantias creatas sicut actus
earum. Ex quo relinquitur quod in qualibet substantia creata sit compositio actus et potentiae”.
96)  Cf. Mondin, Battista. “Essere”. In: idem. Dizionario enciclopedico del pensiero di San Tommaso
d’Aquino. Bologna: ESD, 1991, p. 260.
97)  Cf. SCG, II, cap. 54, n. 5. Cf. etiam: S. Th., I, q. 3, a. 4, co.: “Oportet igitur quod ipsum esse com-
paretur ad essentiam quae est aliud ab ipso, sicut actus ad potentiam”; S. Th., I, q. 5, a. 3, co.: “Omne
enim ens, inquantum est ens, est in actu, et quodammodo perfectum, quia omnis actus perfectio quae-
dam est”.
98)  Cf. S. Th., I, q. 50, a. 2, ad 3.
99)  Cf. S. Th., I, q. 3, a. 4, co.: “Esse est actualitas omnis formae vel naturae”.
100)  Cf. S. Th., I, q. 7, a. 1, co.: “Illud autem quod est maxime formale omnium”.
101)  Cf. De pot., q. 7, a. 2, ad 9: “Esse est actualitas omnium actuum, et propter hoc est perfectio omnium
perfectionum”.

332 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

saem deste tronco são todas as outras ciências”. 102 Contudo, na prática, atra-
vés de sua metodologia baseada na dúvida metódica, acabou por subestimar
a transcendência.
Mesmo Kant (1724-1804), embora defendendo a impossibilidade da meta-
física (dogmática, como ele entendia), ou seja, racionalista e realista — sobre-
tudo a partir de sua análise da filosofia sob o pondo de vista de Christian
Wolff (1679-1754) —, aceitava-a de alguma forma em sua filosofia, buscando
conhecer com “independência de toda experiência, as realidades metafísicas”. 103
De modo que, conforme Verneaux, sua “intenção não era fechar a porta para
a metafísica; ao contrário, sua intenção era sempre fundar uma metafísica
científica”. 104 Em contrapartida, queria pretender que fosse possível fundar
uma metafísica como ciência, na linha da utilização da metodologia aplicada
à matemática ou à física moderna. Ao comparar estas duas ciências (a mate-
mática e a física) — as quais segundo ele são provadas pela sua realidade
(denn daß sie möglich sein müssen, wird durch ihre Wirklichkeit bewiesen) —
queria fazer notar que não havia lugar para a metafísica, por opinar que houve
nela um progresso defeituoso (schlechter Fortgang). 105
Malgrado, ao mesmo tempo, defender que deveria haver na humanidade
uma espécie de metafísica natural (Naturanlage) 106 que se baseia na utilização
da razão, pela qual permitia a existência da metafísica, que perdurará
enquanto existirem os homens e sua capacidade especulativa. 107 Todavia,
reitera-se que para ele a metafísica não pode ser considerada uma ciência
propriamente dita porque (nas palavras de Verneaux): “não alcança seu
objetivo, não progride e não é capaz de se pôr de acordo com os espíritos”. 108
Dessa forma, a peculiaridade para Kant seria que o objeto dessa ciência seria

102)  Descartes, René. Les principes de la philosophie (première partie) [Principia Philosophiae]. Ed.
Durandin. Paris: J. Vrin, 1950, p. 36: “Ainsi toute la philosophie est comme un arbre, dont les racines
sont la Métaphysique, le tronc est la Physique, et les branches que sortent de ce tronc sont toutes les
autres sciences”.
103)  Verneaux, Roger. Crítica de la “Crítica de la razón pura”. Madrid: Rialp, 1978, p. 16.
104)  Ibid., p. 29.
105)  Kant, Immanuel. Kritik der reinen Vernunft: 2. Auflage 1787. Kants Werke Bd. 3. Berlin: De Gruy-
ter, 1968, p. 40.
106)  Ibid., p. 40.
107)  Ibid.: “…und so ist wirklich in allen Menschen, so bald Vernunft sich in ihnen bis zur Spekulation
erweitert, irgend eine Metaphysik zu aller Zeit gewesen, und wird auch immer darin bleiben”.
108)  Verneaux, Roger. Crítica de la “crítica de la razón pura”. Madrid: Rialp, 1978, p. 33 (tradução nos-
sa).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 333
O Desejo de Deus

mais bem as formas a priori de nosso intelecto e o objetivo da ontologia seria


estudar tais categorias. 109 Com isso, aliando-se a outras teses, o filósofo de
Königsberg se distanciou do realismo de matriz tomista.
Já Martin Heidegger (1889-1976) interpelava a questão do ser (“Frage nach
dem Sein eines Seienden”) 110 com toda a veemência em um de seus escritos:
“Por que o ser e não, antes, o nada?” 111 É inegável que o filósofo bávaro teve o
mérito de demonstrar a abertura fenomenológica do homem numa superação
de si mesmo. Em sua obra magna Ser e Tempo (Sein und Zeit) indicava que o
ser do homem (Dasein) consiste justamente neste ir além (sich vorweg sein) e
em uma abertura ou desvelamento (Erschlossenheit). 112 Tal abertura é confir-
mada, aliás, pela encíclica Fides et ratio. 113
Nessa clave, vale enfatizar que está na natureza humana não só satisfazer
seus apetites de ordem orgânica (non in solo pane vivit homo), 114 mas fazer uma
reflexão metafísica sobre o mundo exterior, interiorizando-o e analisando-o.
Ao contrário dos animais, que tendem apenas a uma objetividade instintiva,
o homem é capaz de subjetividade, de intencionalidade (em sentido estrito) e
até mesmo de “ensimesmação”, 115 para usar a expressão de Ortega y Gasset.
Ou seja, o homem pode ultrapassar os limites concretos e dirigir-se para além.
Em outras palavras, o homem possui uma faculdade espiritual e é graças,
portanto, à alma intelectiva que ele pode conhecer todos os corpos, 116 é capaz

109)  Cf. Elders, Leo. La metafisica dell’essere di San Tommaso d’Aquino in una prospettiva storica. Cit-
tà del Vaticano: LEV, 1995, vol. 1, p. 14.
110)  Heidegger, Martin. Kant und das Problem der Metaphysik. Frankfurt am Main: Klostermann, 1998,
p. 230.
111)  Idem. Was ist Metaphysik?. Frankfurt am Main: Klostermann, 1998, p. 24: “Warum ist überhaupt
Seiendes und nicht vielmehr Nichts?”
112)  Cf. idem. Sein und Zeit, I, § 44; II, § 56 (ed. Klostermann, 1977). Heidegger emprega diversos outros
termos para indicar esta abertura: Unverborgenheit, Enthülltheit, Offenbarkeit. Cf. Inwood, Michael J.
A Heidegger Dictionary. Malden, Mass.: Blackwell Publishers, 1999, p. 237-239.
113)  Cf. Fides et ratio, n. 75: “De fato, o trabalho filosófico, como busca da verdade no âmbito natural,
pelo menos implicitamente permanece aberto ao sobrenatural”.
114)  Mt. 4, 4.
115)  Cf. Ortega y Gasset, José. Obras completas. 5ª. ed. Madrid: Revista de Occidente, 1983, vol. 5, p.
301.
116)  Q. d. de anima, a. 14 co.: “Intellectus vero quo intelligimus est cognoscitivus omnium sensibilium
naturarum”.

334 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

de um conhecimento universal 117 e de autoconhecimento por uma reflexão


completa. 118
Assim, pois, a natureza humana não só está propensa a satisfazer seus ape-
tites sensitivos, mas também (e sobretudo) está destinada a satisfazer a mais
alta faculdade humana, ou seja, a de ordem intelectual. Assim, para realizar
tais anseios busca a verdade, ama a sabedoria e remonta às causas mais ele-
vadas.
Em contrapartida, poder-se-ia objetar que são muito poucos aqueles que
se preocupam com a metafísica. Ou ainda, como provar que o homem de fato
tende às causas mais elevadas? Como conciliar a metafísica teológica com
um contexto de verdadeiro pluralismo filosófico e religioso?
Vale notar, como é óbvio, que o homem de per se não nasce com o dese-
jo de estudar com afinco a metafísica. Entretanto, não é preciso uma análise
pormenorizada para perceber que há no homem um desejo natural de conhe-
cer, independente de sua formação cultural e intelectual. Ora, assim como
em outras ciências há aqueles que se destacam como gênios: um Mozart pela
música, um Camões pela poesia épica ou um Einstein pela física moderna,
assim também existem aqueles que buscam com método as causas superiores
das coisas: e estes são os metafísicos, entre os quais desponta São Tomás de
Aquino, autor a quem nos dedicamos neste texto.
Dessa maneira, defende-se que, apesar da formação, índole ou tempera-
mento de um indivíduo, este não poderá deixar de desejar conhecer e, por
conseguinte, fazer metafísica, ainda que de modo não intencional. Portanto,
assim como para viver não poderá deixar de comer, assim também, de manei-
ra análoga, não poderá deixar de buscar o conhecimento, pois faz parte da
própria finalidade do homem.
Pois bem, isso é provado pelo Aquinate em seu comentário à Metafísica de
Aristóteles, fornecendo três razões:
1) O intelecto é aquilo pelo qual o homem é o que é (a quo homo est id
quod est). 119

117)  Ibid.: “Quod declaratur ex hoc quod intellectus est universalium, quae considerantur in abstractione
a materia et a materialibus conditionibus”.
118)  Sent. De anima, III, l. 9, n. 5: “Non enim cognoscimus intellectum nostrum nisi per hoc, quod inte-
lligimus nos intelligere”. Cf. Putallaz, François-Xavier. Le sens de la réflexion chez Thomas d’Aquin.
Paris: Vrin, 1991, p. 66. Note-se que é basicamente através destes argumentos que São Tomás prova ra-
cionalmente a imortalidade da alma.
119)  Sent. Met., I, lectio 1, n. 2.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 335
O Desejo de Deus

2) Ora, qualquer coisa tem uma inclinação natural à sua própria operação
(quaelibet res naturalem inclinationem habet ad suam propriam operatio-
nem). Portanto: o desejo do homem está inclinado naturalmente a conhecer
(naturaliter desiderium hominis inclinatur ad intelligendum). 120
3) Por fim, qualquer coisa deseja alcançar seu fim, no qual consiste sua
perfeição (“quia unicuique rei desiderabile est, ut suo principio coniunga-
tur; in hoc enim uniuscuiusque perfectio consistit”). E um desejo natural não
pode ser em vão (cum naturale desiderium vanum esse non possit). 121
Esses fundamentos tomistas são de capital importância, como se verá.
Com base neles é possível construir uma sólida estrutura metafísica para a
dedução de ulteriores verdades. De fato, seguindo a linha tomista confirma-
da por diversos outros filósofos, esta busca do ser, reitere-se, é tão natural no
homem que ainda que passem os séculos, as circunstâncias culturais, sócio-
-políticas ou antropológicas ― e mesmo considerando-se a situação pesso-
al de cada um (psicológica inclusive) ―, essa verdade poderá ser provada de
modo incontestável.
Nesses termos, é necessário deixar claro desde logo que “o desejo de
conhecer é uma característica comum a todos os homens”. 122 Podemos inven-
tar, criar e modificar relativamente o ambiente em torno de nós, mas jamais
poderemos apagar o desejo natural de conhecer, próprio à constituição huma-
na.

2.3.  Os primeiros princípios e a busca do Ser absoluto


Através dessa inicial análise metafísica pretende-se compreender melhor
o que adiante trataremos: o senso do ser. Ora, pelo que foi dito, nota-se que o
homem naturalmente busca o ser, porque conhecer — que é próprio de nossa
essência — é conhecer o ser. Para todo e qualquer ofício por nós exercido faz-
-se necessário o conhecimento. Por exemplo, o médico necessita conhecer a
anatomia; o marceneiro, a arte de entalhar bem a madeira, etc.
Pois bem, o senso do ser se transpõe perfeitamente para o senso do Ser
Absoluto. De fato, São Tomás recorda por diversas vezes 123 a passagem da
Epístola aos Romanos (1, 20) que sintetiza esta busca do Ser Supremo por

120)  Sent. Met., I, lectio 1, n. 3.


121)  Sent. Met., I, lectio 1, n. 4.
122)  Fides et Ratio, n. 16.
123)  Cf. e.g. S. Th., I, q. 2, a. 2, s.c.

336 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

meio da criação: “Sua realidade invisível — seu eterno poder e sua divindade
— tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de
sorte que [os homens] não têm desculpa [de desconhecer a Deus]”.
É necessário acrescentar, outrossim, que existe uma universalidade e trans-
cendência do problema teológico, ou ainda, que esta é uma questão — como
afirma Eucken — do homem por completo (des ganzen Menschen). 124
Neste sentido, Garrigou-Lagrange, baseado no realismo tomista, prova
pela teoria do primeiro olhar da inteligência (le premier regard de l’intelli-
gence) que o homem vai à busca do ser a partir das realidades experimen-
tais que o circundam. Desse modo, através dos sensíveis externos, isto é, das
cores, dos sons, dos gostos, etc., a criança, já nos seus primeiros lampejos da
razão, enceta sua investigação sobre o ser e o verdadeiro (se bem que não de
modo muito explícito). 125 Ao contrário do que se pode pensar, a psicologia
hodierna atesta cada vez mais que os bebês já exercem “algumas das mais
sofisticadas e filosoficamente profundas capacidades da natureza humana”. 126
De onde vão se formando os primeiros princípios universais e necessários
na mente infantil. Quando a criança experimenta pelos sentidos, por exemplo,
uma esfera azul, percebe instintivamente que esta bola é individual (unum) e
que não é tal outra vermelha (aliquid). Ao perscrutar cada uma das realidades
externas, dá-se conta do senso do ser e de sua própria existência. Assim, con-
siderando todo o fundo de quadro desses primeiros contatos com a realidade,
notamos também que os princípios de não-contradição e de identidade jogam
um papel fundamental.
De posse dessas primícias, o pequeno aprendiz procura não somente o que
é cada coisa (quid), mas também, num segundo momento, as razões das coi-
sas (cur), do movimento, etc. Trata-se da peculiar fase dos porquês: — “Por
que quando se clica no interruptor, a luz se acende?” “E por que se apaga
quando se clica novamente?” Em suma, até chegar, de proche en proche, a
inferências cada vez mais elaboradas.

124)  Eucken, R. Hauptprobleme der Religionsphilosophie der Gegenwart. Berlin 1912, p. 5 apud: Fa-
bro, Cornelio. Dio introduzione al problema teologico. Opere Complete 10. Segni: EDIVI, 2007, p. 14.
125)  Cf. Garrigou-Lagrange, Réginald. Le Sens Commun, la philosophie de l’être et les formules dog-
matiques. Paris: Desclée de Brouwer, 1936, p. 400-401.
126)  Gopnik, Alison. The Philosophical Baby: What Children’s Minds Tell Us about Truth, Love, and the
Meaning of Life. New York: Picador, 2010, p. 53: “[Babies exercise] some of the most sophisticated and
philosophically profound capacities of human nature”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 337
O Desejo de Deus

Com esta primeira análise e seguindo o Doutor Angélico, é possível entre-


ver que os primeiros princípios são conhecidos naturalmente, 127 são de cer-
ta forma inatos (incoativos), encontrando-se em nós à maneira de “scientia-
rum semina”. 128 Ou seja, no contato com a realidade, tais sementes ínsitas são
“regadas” pela experiência sensorial. Aqui se deduz, desde logo, a importân-
cia do conhecimento sensível na gnosiologia tomista. 129
Passemos agora para a questão de índole mais especificamente teológica.
Como é evidente, será muito difícil que a criança tenha uma ideia de Deus
utilizando-se apenas de raciocínios abstratos; para esse fim, se nutrirá, por
certo, das realidades concretas. Neste sentido, para lhe facultar de modo pal-
pável e com facilidade a ideia do Ser Supremo, a criança o representará, por
exemplo, como um ancião de barbas brancas, envolto em nuvens, à manei-
ra das pinturas de Deus Pai, tão comuns na iconografia cristã. Para espíri-
tos céticos pode ser difícil crer na existência e na possibilidade de uma “teo-
logia infantil”; entretanto, na opinião de Cornelio Fabro, essa realidade exis-
te apesar do paradoxo, a ponto de o filósofo italiano chegar a defender que a
criança é mais sensível à ideia do Sumo Bem, perfeição pura, que aqueles que
se encontram numa idade mais madura. Trata-se de uma aspiração que par-
te dessa primeiríssima tendência pueril em direção à verdade suprema. 130 No
entanto, alerta Garrigou-Lagrange, aqui não se trata simplesmente de uma
ideia presente no espírito (tampouco recebida de modo inato), 131 mas de algo
nutrido na mais profunda realidade das coisas.
Acompanhando ainda o pensamento fabriano, nota-se que a concretiza-
ção da ideia de Deus na alma infantil ocorre de sólito com o auxílio de um
terceiro, e com muita frequência através das próprias mães, que incitam os

127)  Cf. In Sent., II, d. 39, q. 2, a. 2, ad 4: “Ex virtute primorum principiorum, quae sunt naturaliter cog-
nita, habet ut veritatem cognoscat”.
128)  De ver., q. 11, a. 1, co.: “Quod praeexistunt in nobis quaedam scientiarum semina, scilicet primae
conceptiones intellectus, quae statim lumine intellectus agentis cognoscuntur per species a sensibili-
bus abstractas”.
129)  In Sent., III, d. 21, q. 2, a. 3, co.: “Cognitio autem nostra naturaliter ex sensu oritur, et per principia
rationis procedit”.
130)  Fabro, Cornelio. Dio. Introduzione al problema teologico. Opere Complete 10. Segni: EDIVI, 2007,
p. 17.
131)  Garrigou-Lagrange, Réginald. Le réalisme du principe de finalité. Paris: Desclée de Brouwer,
1932, p. 272: “Tout d’abord ce bien, auquel tend notre désir naturel, n’est pas seulement une idée de
notre esprit, car comme l’a dit plusieurs fois Aristote tandis que le vrai est formellement dans l’esprit
qui juge, le bien est formellement dans les choses. Lorsque nous désirons la nourriture, il ne suffit pas
d’en avoir l’idée”.

338 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

filhos a refletir sobre o transcendente (através da oração, por exemplo) como


um modo de contato com o infinito e o invisível. Ou, então, as metáforas
e fábulas que suscitam o espírito do maravilhoso e do fascinante na mente
em desenvolvimento, jogando um papel decisivo na formação espiritual des-
sa fase pueril.
Ademais, as crianças, em geral, creem em Deus e O veem como Alguém
com quem se pode entrar em contato com facilidade, o que se opõe de lon-
ge, por exemplo, ao deísmo típico do século XVIII e sua famosa e deturpa-
da representação do “Deus relojoeiro”. Em contrapartida, Fabro continua a
explicar que a criança — ao contrário de certas teorias comuns na filosofia da
religião — não abraça a ideia de Deus simplesmente pelo medo ou algum sen-
timento análogo. Segundo ele, a criança O segue por uma espécie de caminho
direto, do positivo (finito) ao positivo (infinito), sem se prender a divagações
dialéticas e sem a intromissão indevida e desviante das más paixões ou das
objeções, mais próprias à idade madura. 132
Podemos resumir algumas teses principais com a doutrina do próprio
Aquinate. Afirmava ele que para alcançar a felicidade (ou a bem-aventuran-
ça) se exige como pressuposto a conservação da vida; em seguida, o conhe-
cimento dos sensíveis; e, por último, a apreensão da verdade universal, na
qual consiste a felicidade final. 133 Donde se conclui que é necessário admitir
certos pressupostos naturais — de modo instrumental, como sabemos 134 —
que visam favorecer a busca do fim último do homem, isto é, a contempla-
ção da absoluta Verdade, única capaz de aplacar os nossos desejos naturais. 135

132)  Fabro, Cornelio. Dio. Introduzione al problema teologico. Opere Complete 10. Segni: EDIVI, 2007,
p. 18-19: “E quel ch’è importante, e che potrebbe far giustizia delle teorie razionaliste sulla religione,
tale nozione non è affatto sostenuta o provocata nel bambino da paura e neppure dal concetto della mor-
te che viene molto dopo per la mentalità infantile. Si potrebbe dire che l’illazione di Dio nel bambino
segue il tragitto diretto, dal positivo (finito) al positivo (infinito) senza passare attraverso il momento
dialettico del negativo, della conoscenza riflessa dell’insufficienza e contingenza del finito, come fa l’a-
dulto e specialmente la filosofia. Dio entra a far parte del mondo del bambino senza incontrare difficol-
tà od opposizioni come un momento od un elemento indispensabile di questo stesso mondo”. Ver tam-
bém livro citado por Fabro: Clavier, Henri. L’idée de Dieu chez l’enfant: essai de psychologie appli-
quée à l’éducation. Montauban: Imprimerie coopérative, 1913.
133)  In De caelo, II, l. 18, n. 4: “Ad beatitudinem praeexigitur primo conservatio vitae, deinde cognitio
sensibilium, et ultimo apprehensio universalis veritatis, in qua consistit finalis beatitudo”.
134)  Cf. S. Th., I-II, q. 4, a. 7, co.
135)  De regno, I, cap. 9, co.: “Nihil enim permanens invenitur in rebus terrenis, nihil igitur terrenum est
quod quietare desiderium possit”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 339
O Desejo de Deus

Segundo Ramírez, esta busca seria a razão própria da metafísica e conse-


quentemente a razão última e o senso mais profundo de toda a filosofia. 136
Dessa forma, deparamo-nos, pois, com a ordem natural das coisas: antes
de tudo, partimos da premissa básica de que todos os homens são dotados de
razão; ora, a sua inteligência tende à busca do ser e à perfeição de sua ope-
ração, portanto, a partir desses primeiros princípios, “quasi via ad inquiren-
dum veritatem”, 137 e do desejo natural de conhecer as coisas, tendemos à bus-
ca do ser absoluto. Em outras palavras, “sua pesquisa aponta para uma verda-
de superior, que seja capaz de explicar o sentido da vida; trata-se, por conse-
guinte, de algo que não pode desembocar senão no absoluto”. 138
Nesse sentido, comenta C. S. Lewis que:

As criaturas não nascem com desejos que não podem ser satisfeitos. Um
bebê sente fome: então, existe o alimento. [...] Se encontro em mim um
desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação
mais provável é que fui criado para um outro mundo. Se nenhum dos pra-
zeres terrenos satisfaz tal desejo, isso não prova que o universo é uma frau-
de. Provavelmente, os prazeres terrenos não existem para satisfazer esse
desejo, mas só para despertá-lo e sugerir a verdadeira satisfação. 139

Vale ressaltar que essa tendência, de si, não é — ao menos na reflexão de


São Tomás — uma prova direta da existência de Deus (o chamado “argument
from desire”, reproposto recentemente pelo apologista Peter Kreeft). Na visão
tomista, somente as demonstrações a posteriori são estritamente válidas para
a demonstração da existência de Deus. Por isso, apenas argumentos quia são
utilizados para as cinco vias, isto é, partindo dos efeitos e remontando à cau-

136)  Ramírez, Santiago María. De ipsa philosophia in universum. I. Opera Omnia, 1. Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, Inst. de Filosofía “Luis Vives”, 1970, p. 385: “Nam proprius et
summus actus sapientiae naturalis sive Metaphysicae est demonstrative cognoscere Deum ut primam
causam et ultimum finem totius universi, ac specialiter ipsius animae rationalis qua homo; quod est cer-
to attingere ac firmiter assequi beatitudinem naturalem obiectivam. Haec est ratio propria et specifica
Metaphysicae et consequenter ratio ultima ac sensus profundus totius Philosophiae”.
137)  S. Th., I-II, q. 32, a. 8, arg. 2.
138)  Fides et Ratio, n. 33.
139)  Lewis, C. S. Mere Christianity. London: Fount Books, 1997, p. 113: “Creatures are not born with de-
sires unless satisfaction for those desires exists. A baby feels hunger: well, there is such a thing as food.
[…] If I find in myself a desire which no experience in this world can satisfy, the most probable ex-
planation is that I was made for another world. If none of my earthly pleasures satisfy it, that does not
prove that the universe is a fraud. Probably earthly pleasures were never meant to satisfy it, but only to
arouse it, to suggest the real thing”.

340 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

sa. 140 Como sabemos, esse tipo de argumentação é imposto sempre que a cau-
sa é menos evidente que os efeitos quoad nos.
A questão da existência de Deus é muito comentada na modernidade.
Entretanto, algo de não menos importância, que tem sido algumas vezes
deixado de lado pela própria filosofia de inspiração tomista, é a questão da
dimensão transcendental do homem.
Vale ressaltar, contudo, que, embora a teoria do desejo de Deus não seja
per se um argumento para provar a existência de Deus, ela colabora para vin-
car mais profundamente tal convicção explorada pelas cinco vias. A razão é
que estas falam muito mais à inteligência do que à vontade, enquanto que no
caso do desiderium naturale há uma grande ênfase no papel desta, contri-
buindo por certo a uma adesão mais profunda às verdades divinas. Ora, isso
pode ser bastante útil para a apologética. Deitando um olhar crítico, o ateís-
mo ocorre muito mais por um não querer crer na existência de Deus do que
por não compreendê-la. Ademais, nota-se que deste modo o ateísmo se vinca
numa barreira ainda mais sólida, ao impedir o homem in radice de se elevar
a Deus e até mesmo de procurar a felicidade nos desejos sensíveis. Trata-se
aqui de um profundo amesquinhamento da vontade e embotamento da inteli-
gência que o impede de exercer qualquer tipo de transcendência. Analisare-
mos este ponto mais adiante.
Por agora, compete-nos estudar o princípio de causalidade, o qual nos
auxilia a compreender bem esta intrínseca relação humana com o Absoluto.

2.4.  O princípio de causalidade


Sabemos que, ao buscar o ser, o homem busca a causa das coisas. É um
fato evidente que tudo tem uma razão de ser, uma causa. Como vimos, confi-
gura-se de modo progressivo na alma infantil não só que este ou aquele ente
é, mas também a pergunta “por que é?”. Ora, isso se comprova pela experi-
ência, pois a criança, no desdobrar de sua luz da razão, inquire naturalmen-
te sobre as razões dos acontecimentos. Com efeito, quando Aristóteles abre a
sua Metaphysica com a proposição categórica: “Todos os homens por nature-
za desejam conhecer”, 141 faz-nos divisar a metafísica com grande ênfase na
causalidade.

140)  Cf. S. Th., I, q. 2, a. 2, ad 2: “Demonstrando Deum esse per effectum, accipere possumus pro medio
quid significet hoc nomen Deus”.
141)  Met., I, 1, 980a.: Πάντες ἄνθρωποι τοῦ εἰδέναι ὀρέγονται φúσει.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 341
O Desejo de Deus

Para muitos pais, a repetição e a insistência das perguntas dos jovens ino-
centes pode até causar fastio. “Por que isso?” “Mas por que não o contrário?”
Por que... Por certo, através deste simples vocábulo questionador, a criança
estabelece ab ovo a chave de ignição do conhecimento. Sem embargo, trata-
-se aqui simplesmente do método filosófico transposto para o âmbito da vida
comum: ou seja, o porquê das coisas é a questão precípua da filosofia, sobre-
tudo a de ordem metafísica, quando visa a causa enquanto tal como objeto de
estudo. A este respeito, afirma o Doutor Angélico: “Compete ao filósofo pri-
meiro a consideração das causas enquanto tais; de fato, a causa enquanto é
causa não depende da matéria para existir, porque se encontra a razão de cau-
sa também nas coisas que são separadas da matéria”.  142
Aqui entramos na questão da causalidade. Assim como é evidente que o
homem está à procura do ser, assim também encontramos nele a intrínse-
ca tendência de partir dos efeitos e remontar às causas, pois é manifesto que
tudo o que começa possui uma causa. 143 Com efeito, esse espírito de inquiri-
ção é inerente na natureza humana. Todavia, essa predisposição não repousa
enquanto não encontra a causa primeira em sua essência, 144 sua fundamenta-
ção e a própria razão de ser das coisas. 145
Nesse sentido, podemos dar um exemplo histórico para ilustrar a presen-
te argumentação. Para esta finalidade, ninguém melhor que o próprio Aqui-
nate para nos auxiliar. Quando ainda muito jovem, Tomás foi oblato da pujan-
te Ordem Beneditina. No mosteiro, se destacava por disparar perguntas aos
monges. Entre elas, encontramos aquela sobre a qual pautou toda a sua lumi-
nosa existência, isto é: “Quem é Deus?” 146 Ou seja, era a simples formulação
da inquirição inocente, à busca do conhecimento do Absoluto, causa do ser de

142)  In Physic., II, l. 5, n. 1: “Considerare de causis inquantum huiusmodi, proprium est philosophi primi:
nam causa in eo quod causa est non dependet a materia secundum esse, eo quod in his etiam quae a ma-
teria sunt separata, invenitur ratio causae”.
143)  Cf. S. Th., I-II, q. 75, a. 1, s.c.: “Omne quod fit, habet causam”.
144)  Cf. C. Th., I, cap. 104: “Non igitur naturale desiderium sciendi potest quietari in nobis, quousque pri-
mam causam cognoscamus, non quocumque modo, sed per eius essentiam”.
145)  Cf. Owens, Joseph. Metaphysics: The fulfillment of a Natural Desire. Modern Schoolman, vol. 65,
1987, p. 2.
146)  Sertillanges glosa muito bem a respeito deste desejo de Deus em São Tomás: “Ce qu’il faut bien se
dire, ici surtout où nous cherchons les traces d’un «grand cœur», c’est que la puissance de construction
manifestée dans l’œuvre thomiste, en apparence si impersonnelle et si froide, est fille d’un grand désir.
Désir d’acquisition personnelle : «Qu’est-ce que Dieu?» et désir d’expansion de son trésor, vu que pour
lui «communiquer aux autres l’effet de sa contemplation» c’est l’idéal de l’activité humaine, et d’abord
le sien”. (Sertillanges, A. G. Saint Thomas d’Aquin. Paris: E. Flammarion, 1931, p. 36).

342 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

todas as coisas. De modo análogo, confirma-se que o desejo de conhecer tem


como fim último o conhecimento divino. 147 Nesse sentido, cabe aqui recordar
o quanto a admiração joga um papel precípuo, enquanto primeira chispa para
o início do filosofar (principium philosophandi). 148 É assentado sobre esses
fundamentos que o Doutor Angélico sustenta a existência de um desejo natu-
ral de conhecer as causas através dos efeitos. 149
Através deste método inquisitivo, a configuração da própria razão vai se
estabelecendo. Iniciando pela mera consideração experimental do mundo cir-
cundante, procedemos a elaborar ulteriores perguntas tais como: De onde
venho? Quem sou? Para onde vou? Ora, são estas talvez algumas das inquiri-
ções mais básicas da filosofia, firmadas no fundamento do princípio de não-
-contradição, 150 além de fundamentar-se no próprio ser, como vimos mais
acima. Com base nestes primeiros alicerces, constrói-se gradualmente todo o
nosso edifício filosófico.
Por conseguinte, é importante salientar que não é possível, neste atual esta-
do de homo viator, remontar à Causa Primeira sem a consideração das cria-
turas que nos fornecem de modo acessível as simples concepções do ser pri-
mum cognitum e fundamentum fundans. Como mencionamos, o raciocínio
passa justo por uma via de inquirição pela qual o intelecto procede de pro-
che en proche a partir dos primeiros princípios até chegar ao juízo onde os
resolve; em seguida, remonta às conclusões a estes mesmos princípios. 151 Por
esta razão, como aliás confirma o Estagirita, apenas quando o homem alcan-
ça os princípios, causas e elementos primários, é que se pode dizer com pro-

147)  Cf. Aertsen, Jan A. Aquinas and the Human Desire for Knowledge. American Catholic Philosophi-
cal Quarterly, vol. 79, 2005, p. 411.
148)  Cf. Met., I, 1, 932b. Cf. etiam: Stancato, Gianmarco. Le concept de désir dans l’œuvre de Thomas
d’Aquin: analyse lexicographique et conceptuelle du desiderium. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin,
2011, p. 93-94.
149)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 1, co,: “Inest enim homini naturale desiderium cognoscendi causam, cum in-
tuetur effectum; et ex hoc admiratio in hominibus consurgit”. Cf. etiam: Super Evangelium s. Matthaei,
cap. 5, l. 2: “Naturale autem desiderium est, quod homo videns effectus inquirat de causa: unde etiam
admiratio philosophorum fuit origo philosophiae”; SCG, III, cap. 25, n. 11: “Naturaliter inest omni-
bus hominibus desiderium cognoscendi causas eorum quae videntur: unde propter admirationem eo-
rum quae videbantur, quorum causae latebant, homines primo philosophari coeperunt, invenientes au-
tem causam quiescebant. Nec sistit inquisitio quousque perveniatur ad primam causam: et tunc perfecte
nos scire arbitramur quando primam causam cognoscimus”.
150)  Met., IV, 3, 1005b19-20: Τὸ γὰρ αὐτὸ ἅμα ὑπάρχειν τε καὶ μὴ ὑπάρχειν ἀδύνατον τῷ αὐτῷ καὶ κατὰ
τὸ αὐτό.
151)  Cf. S. Th., I, q. 79, a. 8, co.: “Inde est quod ratiocinatio humana, secundum viam inquisitionis vel in-
ventionis, procedit a quibusdam simpliciter intellectis, quae sunt prima principia; et rursus, in via iudi-
cii, resolvendo redit ad prima principia, ad quae inventa examinat”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 343
O Desejo de Deus

priedade que tomou posse da verdade. 152 Porquanto, apesar de nunca afirmar


de maneira direta a transcendência de Deus nas suas obras, atribuía Aristóte-
les ao “Motor imóvel as prerrogativas e uma direção lógica, ontológica e ética
que conduz a uma postura distintamente teísta”. 153 Nessa perspectiva, é pos-
sível comprovar como se pode abraçar a ideia de uma causa de todas as coi-
sas 154 até mesmo por intermédio da pura filosofia, como aquela de Platão ou
de Aristóteles e seus sequazes. 155
De qualquer forma, vale ressaltar que o Aquinate retoma a doutrina peripa-
tética da causalidade, revestindo-a de matizes de originalidade (por exemplo,
cumula-a de elementos da metafísica da participação de matriz platônica). 156
Ademais, percebe-se que o Doutor Angélico teve em consideração o neopla-
tonismo de Proclo, o qual estava nas raízes inspiradoras do livro de origem
árabe De Causis. Esse conjunto de proposições, comentado por São Tomás,
refere-se até mesmo ao influxo e a intensidade da causa segunda nos efeitos,
em comparação com a primeira. 157 Atrativo e útil neste sentido é o conceito
neoplatônico de hierarquia. 158
A dependência ontológica é outra clave demonstrada por nosso autor a res-
peito do principio de causalidade, sobretudo quando se considera a causali-
dade eficiente e a criação, além do conceito de movimento (devir), no senti-
do de passar do absoluto não-ser ao ser e a própria conservação no ser. 159 Em
outras palavras, ele introduz o conceito entitativo ao princípio aristotélico de
que “tudo que se move é movido por um outro” (“omne quod movetur ab alio

152)  Cf. Phys., I, 1, 248, 23. In: Muñoz Alonso, Adolfo. La trascendencia de Dios en la filosofía griega.
Murcia: Tip. Suc. de Nogues, 1947, p. 270.
153)  Ibid., p. 278 (tradução pessoal).
154)  In Symbolum Apostolorum, a. 1.: “Deus autem est universalis causa omnium rerum”.
155)  Cf. De pot., q. 3, a. 5, co.: “Posteriores vero Philosophi, ut Plato, Aristoteles et eorum sequaces, per-
venerunt ad considerationem ipsius esse universalis; et ideo ipsi soli posuerunt aliquam universalem
causam rerum, a qua omnia alia in esse prodirent, ut patet per Augustinum”.
156)  Cf. SCG, III, cap. 66, n. 7: “Quod est per essentiam tale, est propria causa eius quod est per partici-
pationem tale”.
157)  Cf. Super librum de causis expositio, prop. 1ª, apud Thomas de Aquino. Super librum de causis ex-
positio [avant-propos et introduction : H.-D. Saffrey] Paris: J. Vrin, 2002, p. 7.
158)  Cf. te Velde, Rudi A. Participation and Substantiality in Thomas Aquinas. Studien und Texte zur
Geistesgeschichte des Mittelalters, 46. Leiden: Brill, 1995, p. 169.
159)  Cf. Quodlibet IX, q. 1, a. 1: “Causa essendi rem, et conservans rem in esse”.

344 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

movetur”), ao aplicar o movetur a todas as coisas que venham a ser, inclusive


à substância completa, seja de ordem material ou espiritual. 160
Outro princípio importante, que nos servirá em nossa argumentação, é
que, para o Aquinate, todo ente participado é causado pelo Ens per essentiam,
imparticipado e participante sem qualquer mescla de potencialidade. Explica
ele na Suma Teológica: “Deve-se dizer que, se bem que a relação à causa não
entre na definição de um ente causado, é contudo uma consequência daquilo
que é de sua razão, porque pelo fato de que algo é um ente por participação,
segue-se que seja causado por outro”. 161
A partir dessa noção primeira, baseada no princípio de não-contradição, 162
chegamos por fim à “causa universal do ser de todas as coisas e este ser é o
que há de mais íntimo nelas, segue-se que Deus age intimamente em todas as
coisas”. 163 Eis aqui uma vez mais a doutrina da participação pela qual o ser
das criaturas é recebido de forma participativa de uma potência (essência)
que limita este ato 164 e que faz com que o efeito seja de algum modo seme-
lhante à causa (princípio de similitude). 165 Tais princípios também serão fun-
damentais para a nossa argumentação ulterior.
Nesses termos, é possível concluir que o nosso desejo natural não pode ser
saciado senão nesta causa primeira que age em nós no mais íntimo de nosso
ser. Considerando que tal desejo tende sempre ao bem mais perfeito 166 (desde
que se encontre o afeto bem disposto), o repouso consequente só poderá ser

160)  Cf. Weisheipl, James A. The Principle Omne quod movetur ab alio movetur in Medieval Physics.
Isis, vol. 56, 1965, p. 26-45.
161)  S. Th., I, q. 44, a. 1, ad 1: “licet habitudo ad causam non intret definitionem entis quod est causatum,
tamen sequitur ad ea qua sunt de eius ratione, quia ex hoc quod aliquid per participationem est ens, se-
quitur quod sit causatum ab alio”.
162)  Por ser talvez um princípio universalmente reconhecido na Idade Média, São Tomás não inquiriu so-
bre o princípio de causalidade como princípio primeiro, mas certamente o ligaria como fruto do princí-
pio de não-contradição.
163)  S. Th., I, q. 105, a. 5, co.: “...causa ipsius esse universalis in rebus omnibus, quod inter omnia est ma-
gis intimum rebus; sequitur quod Deus in omnibus intime operetur”.
164)  Cf. González, Ángel Luis. Ser y participación: estudio sobre la cuarta vía de Tomás de Aquino.
Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1979, p. 217.
165)  Cf. SCG, lib. 1, cap. 49, n. 3: “Omnis effectus in sua causa aliqualiter praeexistit similitudo”. Es-
te princípio de similitude não é um princípio per se notum, segundo Wippel, mas é necessário em filo-
sofia fazer recurso à perfeição de Deus. Cf. Wippel, John F. Metaphysical Themes in Thomas Aquinas.
II. Studies in philosophy and the history of philosophy, 47, Washington, D.C.: Catholic University of
America Press, 2007, p. 170-171.
166)  Cf. S. Th., I-II, q. 1, a. 1, co.; C. Th., I, cap. 104: “Unde semper remanet naturale desiderium respec-
tu perfectioris cognitionis”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 345
O Desejo de Deus

encontrado no Ser Perfeito, Maxime Ens, precisamente porque o desejo sem-


pre tende a uma perfeição maior. 167 Assim o desejo natural de conhecer as
causas encontra seu máximo cumprimento na metafísica. 168
Paradoxalmente, quanto mais conhecemos a causa causarum, mais dela
necessitamos, sob certo ponto de vista. Ora, isso ocorre sobretudo graças à
crescente compreensão do sentido de nossa própria contingência, 169 ao expe-
rimentar a necessidade de remontar ao Criador em todas as coisas. Sob outro
aspecto, no plano ontológico, tal contingência nos leva a procurar sempre a
razão das coisas neste Ser Supremo, tornando-nos ainda mais conformes a
Ele. Vale aqui recordar a célebre experiência vivida por Santo Agostinho em
Óstia, quando, ao contemplar a natureza, concluiu que ela clamava por Aque-
le que a fez e nos fez desde toda a eternidade. 170
Em outras palavras, a contingência, num primeiro momento, nos faz ver
nossa indigência para conduzir a intuir a inteira dependência dos seres cria-
dos (entia per aliud) à Aseitas (ens per seipsum), ou seja, a Deus. 171 Nes-
te cenário, afirmou Garrigou-Lagrange: “Quanto mais constatamos nos-
sos limites, os de nossa sabedoria e de nossa bondade, mais devemos pensar
n’Aquele que é a própria Sabedoria e Bondade”. 172
A tese da contingência é talvez a mais original no pensamento medieval,
em comparação à filosofia grega: permite-nos perceber com nitidez a teoria
da criação ex nihilo, desconhecida do pensamento helênico antigo. 173

167)  Cf. S. Th., I, q. 2, a. 3, co.: “Quod autem dicitur maxime tale in aliquo genere, est causa omnium quae
sunt illius generis”.
168)  Cf. Owens, Joseph. Metaphysics — The Fulfillment of a Natural Desire. Modern Schoolman, vol.
65, 1987, p. 2.
169)  Cf. S. Th., I, q. 86, a. 3.
170)  Cf. Augustinus Hipponensis, Confessiones, IX, 10, 25 (CCSL, 27, 148, l. 34-39): “Dicebamus er-
go: Si cui sileat tumultus carnis, sileant phantasiae terrae et aquarum et aeris, sileant et poli et ipsa sibi
anima sileat et transeat se non se cogitando, sileant somnia et imaginariae revelationes, omnis lingua et
omne signum et quidquid transeundo fit si cui sileat omnino — quoniam si quis audiat, dicunt haec om-
nia: ‘non ipsa nos fecimus, sed fecit nos qui manet in aeternum’”.
171)  Cf. Anselmus Cantuarensis. Monologion, cap. 6 (ed. Schmitt, vol. 1, p. 18, l. 23-24): “Et quoniam
id quod est per seipsum, et id quod est per aliud”. Ou ainda as formas ens ab alio (abalietas) ou ens a
se (Aseitas).
172)  Garrigou-Lagrange, Réginald. Le désir naturel du bonheur prouve-t-il l’existence de Dieu? Ange-
licum, vol. 8, 1931, p. 130: “plus nous constatons nos limites, celles de notre sagesse et de notre bonté,
plus nous devons penser à Celui que est la Sagesse et la Bonté même”.
173)  Cf. de Rijk, L.M., Middeleeuwse wijsbegeerte, 92. In: Aertsen, Jan. Nature and Creature: Thom-
as Aquinas’s Way of Thought. Studien und Texte zur Geistesgeschichte des Mittelalters, Bd. 21. Lei-
den: E.J. Brill, 1988, 240. O δημιουργός de Platão não é aquele que cria as coisas do nada, mas aquele
que ordena a matéria confusa. Cf. Timaeus, 30a. Inclusive Aristóteles não viu este conceito (ao menos

346 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Passemos a considerar, pois, como da causa chegamos ao conhecimento de


Deus.

2.5.  O conhecimento do Ser Absoluto


Uma vez realizado o percurso de ascensão natural até Deus, o homem pode
de fato conhecê-Lo an sit. Com efeito, São Tomás, na Summa Theologiae,
afronta diversos argumentos contra a possibilidade de conhecer a Deus pelo
intelecto criado. Entre as objeções, enumera: Deus não pode ser visto em sua
essência; Deus enquanto infinito não pode ser conhecido; Deus estaria aci-
ma da existência e, portanto, não seria acessível ao homem, e a tese segundo
a qual entre o conhecedor e o conhecido não há proporção. 174
O Angélico Doutor responde às objeções no corpo do artigo, atestando que
esta desproporcionalidade existe efetivamente, mas não é per se probatória da
tese contrária à possibilidade de ver a essência de Deus. Por outro lado, sabe-
mos que o desejo de felicidade somente poderá encontrar o seu repouso em
Deus, fim último e Sumo Bem, após remontar à causa como efeito deste mes-
mo desejo natural. 175 Por fim, o artigo se desfecha com a resposta à última
objeção acima mencionada, que de alguma forma dá a clave da argumenta-
ção tomista: “Pode haver proporção entre a criatura e Deus, pois ela se encon-
tra com Ele na relação do efeito à causa e da potência ao ato. Nesse sentido, o
intelecto criado pode assim estar proporcionado a conhecer a Deus”. 176 Ade-
mais, o homem não só tem a propensão de conhecer a Deus enquanto sua
existência (an sit), mas também de sua própria essência (quid sit) por outro
princípio, explicitado também na Summa Theologiae: “Por isso, naturalmente
permanece no homem, ao conhecer o efeito, o desejo de saber que este efeito
tem uma causa e de saber o que é a causa”. 177

na amplitude da filosofia cristã). Em seu livro da Física diz que nada pode vir a ser senão de “algo” que
já é. Cf. Physica, 187a33-35. De qualquer forma não se pode excluir a tendência natural da criatura,
pois diz Reale: “Essa limitação do Deus aristotélico deriva do fato de que ele não criou o mundo, mas
foi muito mais o mundo que, em certo sentido, se produziu tendendo para Deus, atraído pela perfeição”.
(Reale, Giovanni; Antiseri, Dario. História da filosofia. I. São Paulo: Paulus, 1991).
174)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 1, arg. 1, 2, 3 e 4 respectivamente.
175)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 1, co.
176)  Ibid., q. 12 a. 1 ad 4: “Et sic potest esse proportio creaturae ad Deum, inquantum se habet ad ipsum
ut effectus ad causam, et ut potentia ad actum. Et secundum hoc, intellectus creatus proportionatus es-
se potest ad cognoscendum Deum”.
177)  S. Th., I-II, q. 3, a. 8, co.: “Et ideo remanet naturaliter homini desiderium, cum cognoscit effectum, et
scit eum habere causam, ut etiam sciat de causa quid est”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 347
O Desejo de Deus

De fato, como vimos, o homem tem um desejo natural de um conhecimen-


to perfeito, o qual só pode ser satisfeito em Deus, infinito ser, fundamento
último da verdade. Mas se Deus não possui limites, como é possível conhe-
cê-Lo, considerando a intrínseca finitude de nossa inteligência? Sem dúvi-
da, é impossível ao homem chegar a um conhecimento cabal do ser de máxi-
ma perfeição. Como é óbvio, não é possível às criaturas abarcar a Deus pelo
conhecimento (comprehendere Deum). 178
Em contrapartida, vale ressaltar que encontramos no Corpus thomisti-
cum não somente a possibilidade de o homem conhecer a existência de Deus
empregando apenas o reto uso da razão, mas também algo de sua própria
quididade. Ou seja, não só a sua existência, mas também seus atributos (sua
simplicidade e unicidade, por exemplo). Ademais, segundo o Aquinate, não
só podemos, mas tendemos naturalmente a esse conhecimento, pois, sendo
a faculdade intelectual aquilo que distingue o homem dos animais é através
desta que ele é capaz de alcançar seu fim. “Todos aqueles que julgaram reta-
mente consideraram que o fim da vida humana é a contemplação de Deus”. 179
Ora, tal contemplação parte do simples desejo de conhecer, que não pode
ser saciada de modo perfeito nesta vida, pois a visão da essência divina e
sua consequente bem-aventurança última não podem ser alcançados de modo
meramente natural (sem embargo, apenas de certo modo; pela analogia, por
exemplo). 180 Daí que, fazendo uso da teologia revelada, deve-se dizer que tal
conhecimento ultimado ocorre conforme a citação do Salmo (35, 10): “Em
tua luz veremos a luz”, ou seja, através de um reforço cognoscitivo (lumen
gloriae) que faculta aos bem-aventurados a capacidade de contemplar a Deus
face a face. 181 Portanto, o desejo de Deus, nesta perspectiva, é como uma
semente da visão beatífica.

2.6.  Conclusão
Chegamos ao fim desta parte essencial. É possível vislumbrar como São
Tomás parte de fundamentos metafísicos evidentes para construir o edifício
da doutrina do desejo natural de ver a Deus. Não basta enquadrar o absoluto

178)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 7.


179)  In Sent., I, q. 1, a. 1, co.: “Omnes qui recte senserunt posuerunt finem humanae vitae Dei contem-
plationem”.
180)  S. Th., I-II, q. 5, a. 5, s.c. et co.
181)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 5-6.

348 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

— como queria Hegel — sem uma base clara e objetiva na realidade. Ora, ao
tomar a doutrina do desejo natural de Deus como uma decorrência da própria
metafísica, chega-se com facilidade e sem erro às conclusões gerais dessa
teoria no pensamento tomista. Em contrapartida, a recíproca também é ver-
dadeira, de acordo com as palavras do mesmo Aquinate: “Um pequeno erro
no princípio torna-se grande no fim”. 182

3.  Análise metafísica do Desiderium naturale videnti Deum

3.1.  Introdução
Atingimos agora o cerne de nossa temática. Uma vez que já foram deitadas
as premissas metafísicas, adentra-se a seguir em algumas questões de ordem
mais especificamente antropológicas.
Neste contexto, para bem compreender a humana possibilidade de alcan-
çar a Deus, recorremos sobretudo à teoria do homem como ser capax Dei. De
sorte que se desejamos a Deus, e tal desejo não pode ser em vão, devemos,
por conseguinte, possuir uma intrínseca capacidade de nos elevar a Ele. Don-
de é mister aqui examinar não só o conhecimento da causa, mas também o
retorno à causa. Em seguida, se tratará sobre a ação das faculdades intelecti-
vas e volitivas quando ocorre tal desejo.
Por fim, exige-se ponderar a distinção entre o plano natural e o sobrenatu-
ral. Eis que ocorre versar, ainda que brevemente, do problema da graça para
delimitar os campos teológico e filosófico. Para isso, é mister avaliar o des-
dobramento deste conceito após a morte do Doutor Angélico. Em resumo,
as correntes de interpretação poderiam ser enquadradas em duas vertentes:
de um lado, a posição extrinsecista e, de outro, a posição imanentista. Nos-
so ponto de vista tomará como base as recentes explicitações de Feingold e do
cardeal Cottier sobre a presente questão.

182)  De ente et essentia, pr.: “parvus error in principio magnus est in fine”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 349
O Desejo de Deus

3.2.  Premissas ontológico-antropológicas


da teoria do desejo de Deus

Conforme Barzaghi, a escolástica dominicana é normalmente “caracteri-


zada pelo primado da ordem intelectiva sobre aquela afetiva”. 183 Ao analisar-
mos o presente tema no Corpus thomisticum notamos que, de fato, para São
Tomás a “essência da bem-aventurança consiste num ato da inteligência. Per-
tence, porém, à vontade o prazer consequente à bem-aventurança”. 184
Nessa perspectiva, a orientação tomista tende mais a sustentar o “desejo
natural de ver a Deus” — “ver” se refere ao ato do intelecto — do que a linha
de pensamento do Mestre Eckhart, que prefere colocar o primado no abando-
no (i.e. no deixar-se) nas mãos de Deus. 185
Destarte, sintetiza Barzaghi sobre as consequências de tais aproximações
filosóficas:

Desejo e abandono são dois métodos existenciais diametralmente opostos,


porque são sintomas de um modo oposto de conceber a natureza da alma e
suas operações. E aqui entramos na tese que pretendo sustentar analisan-
do estas duas posições. A posição tomista sublinha a ordem psicológica
da consideração do fundamento; a posição eckhartiana, em contrapartida,
sublinha a ordem espiritual da mesma consideração. 186

Nesses termos, verifica-se que a metafísica de índole psicológica tende a


uma busca do Absoluto que se concretiza em uma “determinação conceitu-
al diante da dúvida a resolver” (portanto, inquisitiva), enquanto que a metafí-
sica de índole espiritual tende ao abandono e ao mesmo tempo a uma supera-
ção dos conceitos. 187

183)  Barzaghi, Giuseppe. “Desiderio e abbandono. Tommaso d’Aquino e Maestro Eckhart: le due fac-
ce di un’unica metafisica”. In: Ciancio, Claudio, ed. Metafisica del desiderio. Milano: Vita e Pensie-
ro, 2003, p. 173.
184)  S. Th. I-II, q, 3, a. 4, co.: “[E]ssentia beatitudinis in actu intellectus consistit, sed ad voluntatem per-
tinet delectatio beatitudinem consequens”.
185)  Cf. Barzaghi, Giuseppe. Op. cit., p. 173.
186)  Ibid, p. 174: “Desiderio e abbandono sono due approcci esistenziali diametralmente opposti, perché
sono sintomo di un modo opposto di concepire la natura dell’anima e delle sue operazioni. E qui entria-
mo nella tesi che intendo sostenere, analizzando queste due posizioni. La posizione tomista sottolinea
l’ordine psicologico della considerazione del fondamento; la posizione eckhartiana, invece, sottolinea
l’ordine spirituale della stessa considerazione”.
187)  Cf. ibid.

350 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Disso se segue que a estruturação do desejo natural, na perspectiva tomis-


ta, se baseia em fundamentos ontológicos com ênfase na dimensão intelectiva
do homem e sua dinamicidade. Neste aspecto, entra em jogo também a dou-
trina da analogia e da participação como veremos mais adiante.
A respeito da doutrina do desejo de Deus no Aquinate, podemos tomar
como premissa a lúcida síntese do cardeal Cottier em seu principal livro sobre
o assunto: “O desejo natural indica uma tendência ontológica inscrita na natu-
reza da inteligência. Toda inteligência criada tende ao conhecimento perfeito,
no qual consiste a bem-aventurança”. 188 Em outras palavras, este desejo natu-
ral de ver a Deus revela-se a partir desta fundamentação do destino natural
que visa o fim último (que é a própria perfeição); na realidade, a própria bem-
-aventurança é o fim da natureza intelectiva. 189 Mais ainda, a própria tendên-
cia inicial para o ser que se desdobra no desejo de Deus e se realiza em con-
creto no amor a Ele, nos é infundida pelo próprio Deus. 190
Tomemos também como premissa a teoria aristotélica segundo a qual a
maior felicidade que o homem pode alcançar nesta vida é a contemplação
divina (a suo modo). 191 Segundo a glosa de São Tomás, por ser ainda natural,
esta se chama somente de alguma maneira beatitude ou felicidade (quodam-
modo beatitudo vel felicitas). Portanto:

Daí dizer Aristóteles que a felicidade última do homem é a contempla-


ção perfeitíssima em conhecer nesta vida o que de mais excelente se pode
conhecer, isto é, Deus. Mas acima dessa felicidade há outra felicidade, que
esperamos no futuro, pela qual “veremos a Deus como Ele é”.  192

188)  Cf. Cottier, Georges. Le désir de Dieu: sur les traces de saint Thomas. Paris: Parole et silence,
2002, p. 190: “Le désir naturel désigne donc une tendance ontologique inscrite dans la nature de l’in-
telligence. Toute intelligence créée tend vers la connaissance parfaite, en quoi consiste la béatitude”.
189)  S. Th., I, q. 62, a. 1, co.
190)  Cf. In Sent., III, d. 26, q. 2, a. 3, qc. 2, co.
191)  Cf. EN, X, 7, 1177a12-18: “Se a felicidade é atividade conforme à virtude, será razoável que ela este-
ja também em concordância com a mais alta virtude; e essa será a do que existe de melhor em nós. Quer
seja a razão, quer alguma outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e guia natural,
tornando a seu cargo as coisas nobres e divinas, e quer seja ele mesmo divino, quer apenas o elemento
mais divino que existe em nós, sua atividade conforme à virtude que lhe é própria será a perfeita felici-
dade. Que essa atividade é contemplativa, já o dissemos anteriormente”. (tradução: Vallandro, Lean-
dro. In: Coleção Os pensadores: Aristóteles, vol. 2, São Paulo: Ed. Victor Civita, p. 228).
192)  S. Th., I, q. 62, a. 1, co.: “Unde et Aristoteles perfectissimam hominis contemplationem, qua opti-
mum intelligibile, quod est Deus, contemplari potest in hac vita, dicit esse ultimam hominis felicita-
tem. Sed super hanc felicitatem est alia felicitas, quam in futuro expectamus, qua videbimus Deum si-
cuti est”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 351
O Desejo de Deus

Já aqui podemos enquadrar a doutrina tomista segundo a qual o homem é


capaz de Deus (capax Dei) por sua própria natureza. 193 Esta conaturalidade
com o divino é de tal maneira intrínseca no homem, que nem sequer os maus
atos morais podem destruí-la. 194 Entretanto, convém salientar com Pincka-
ers que esta estrutura não é estática à maneira um “espelho que reflete uma
face”, mas é essencialmente dinâmica, pelo qual tende a uma conformidade
cada vez maior. 195 Ou ainda, segundo uma deiformidade sempre maior.
Nessa ótica, é possível fazer uma análise sintética de nossa constituição
ontológica com o auxílio da metafísica da participação e do princípio de cau-
salidade. São Tomás evidencia o princípio segundo o qual aquilo que é úni-
co e encontrado em muitos possui apenas uma causa, pois “a diversidade das
causas produz efeitos diversos”, pois “algo que se encontra participado por
muitos em diversas maneiras, é necessário que naquele no qual se encontra
de modo perfeitíssimo, seja atribuído a todos aqueles nos quais se encontra
de modo imperfeito”. 196 Pode-se, desde logo, distinguir as raízes da profun-
da dinamicidade da relação criador-criatura que lançam algumas bases para a
compreensão do desejo natural de Deus.
Comenta ainda Cottier:

Portanto, a expressão aplicada à inteligência criada de capax Dei não suge-


re a ideia de uma capacidade de conquista da natureza suprema por suas
próprias forças; quer dizer o seguinte: pela sua própria intelectualidade e
enquanto criada, a inteligência humana é capaz de receber uma participa-
ção do conhecimento perfeito que é próprio de Deus, participação nova

193)  S. Th., III, q. 9, a. 2, ad 3: “inquantum scilicet per naturam suam est capax eius, prout scilicet ad ima-
ginem Dei facta est”.
194)  Aa. Vv. Communion and Stewardship: Human Persons Created in the Image of God in International
Theological Commission. Ignatius Pr, 2009, 334 (ed. Sharkey, Michael; Weinandy, Thomas): “Catho-
lic and Protestant exegetes today agree that the imago Dei cannot he totally destroyed by sin since it de-
fines the whole structure of human nature. For its part, Catholic tradition has always insisted that, while
the imago Dei is impaired or disfigured, it cannot be destroyed by sin. The dialogical or relational struc-
ture of the image of God cannot be lost but, under the reign of sin, it is disrupted in its orientation to-
wards its christological realization. Furthermore, the ontological structure of the image, while affected
in its historicity by sin, remains despite the reality of sinful actions” (grifo nosso).
195)  Cf. Pinckaers, Servais. The Pinckaers Reader: Renewing Thomistic Moral Theology. Washington,
D.C.: Catholic University of America Press, 2005, p. 140.
196)  De potentia, q. 3, a. 5, co.: “[C]um aliquid invenitur a pluribus diversimode participatum oportet
quod ab eo in quo perfectissime invenitur, attribuatur omnibus illis in quibus imperfectius invenitur”.

352 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

que ultrapassa infinitamente os recursos inscritos em sua própria nature-


za [humana]. 197

Nesta mesma linha, Heinen defende que a mais íntima ligação com Deus
se dá através d’Ele mesmo, enquanto perfeito regente (perfectus in regendo)
de todas as coisas, ao infundir, a partir desta mesma conexão, o fundamento
do desejo natural. 198
Em conformidade com isso, através da metafísica da participação, pode-
mos fazer uma análise da constituição metafísica humana, pela qual se com-
preende mais claramente a teoria da participação em relação ao desiderium
naturale videndi Deum, tanto pela inerente semelhança do homem com Deus,
quanto pela própria constituição ontológica. 199 Como sabemos, esse princípio
é consonante com a doutrina neoplatônica (em especial Pseudo-Dionísio), a
qual afirma que a sabedoria divina une “os fins dos primeiros aos princípios
dos segundos”. 200 Como sabemos, num plano posterior, a natureza pode se
aperfeiçoar por sua própria operação sempre de modo participativo e segundo
o princípio tomista “agere sequitur ad esse in actu”. 201
É clássica a doutrina tomista de que a natureza humana, à diferença da
angélica, tem como objeto próprio a essência das coisas materiais. Contu-
do, ao refletir sobre a sua própria alma — a qual não é de nenhuma maneira
material —, não se utiliza de um órgão sensível, mas é capaz de colher o uni-
versal, além de estar em potência a todo o inteligível (enquanto que em Deus

197)  Cottier, Georges. Philosophie, Religion, et Philosophie de la Religion. Studia-Philosophica Jahr-


buch der Schweizerischen Philosophischen Gesellschaft, vol. 47, 1988, p. 65: “Dès lors l’expression
appliquée à l’intelligence créée de capax Dei ne suggère pas l’idée d’une capacité de conquête de la
connaissance suprême par ses propres forces, elle veut dire ceci: de par son intellectualité même et en
tant que créée, l’intelligence humaine est capable de recevoir une participation à la connaissance par-
faite qui est le propre de Dieu, participation nouvelle qui va infiniment au-delà des ressources inscrites
dans sa propre nature”.
198)  Heinen, Wilhelm. Die erkenntnistheoretische Bedeutung des desiderium naturale bei Thomas von
Aquin. Bonn: Scheur, 1927, p. 34: “[E]s besteht die innigste Verbindung dem, was Gott als der perfectus
in regendo will, mit dem was das Geschöpf auf Grund der natürlichen Inklination erstrebt”.
199)  Cf. In Sent., lib. 1, d. 8, q. 3, a. 1, ad 1: “ipsa divina sapientia secundum similitudinem suam efficitur
in creatura. In duobus autem deficit a ratione motus: primo quia non est idem numero quod est in hoc et
in illo; sed similitudo ejus; secundo, quia non est ibi ordo temporis, secundum quod procedit in diver-
sas creaturas, sed tantum ordo naturae: quia per prius naturaliter sunt in participatione divinae bonita-
tis creaturae nobiliores”.
200)  Cf. S. Th., I, q. 110, a. 3, co.: “Dionysius dicit VII cap. de Div. Nom. divina sapientia coniungit fi-
nes primorum principiis secundorum, ex quo patet quod natura inferior in sui supremo attingitur a na-
tura superiori”.
201)  SCG, III, cap. 69, n. 20.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 353
O Desejo de Deus

conhece tudo em ato) e seu entendimento se dá em si mesmo (e não de modo


exterior) segundo a tradicional fórmula hic homo intelligit. 202
Assim é pela força de uma potência e através do princípio de analogia que
o homem pode chegar à perfeição como ente finito. Aqui poderíamos enqua-
drar o princípio de participação, segundo o qual a natureza tende a um fim
diverso de seu ser. Enquanto que em Deus a sua perfeição é a sua própria
essência (perfectio simpliciter), e o seu operar coincide com o seu ser, na cria-
tura, ocorre de modo diverso: a perfeição é também fundada ontologicamente
em Deus (perfectio prima); contudo a atividade humana (perfectio secunda)
se distingue de seu ser pelo mesmo princípio de agere sequitur esse ou ain-
da: “nenhuma coisa pode obter conhecimento perfeito a não ser que se conhe-
ça a sua operação”. 203
Acrescenta Heinen:

A perfectio in essendo significa a absoluta transcendência de Deus, a autos-


suficiência no mais profundo de seu ser metafísico, sua total independên-
cia do mundo em seu Ser e em sua perfeição. O Deus perfeito em seu Ser e
em sua criação é da mesma forma perfeito no governo do mundo; o mundo
encontra n’Ele o seu último fim. Deus perfectus in essendo et causando est
etiam perfectus in regendo. 204

Ora, a perfeição nas criaturas ocorre segundo o princípio de continuidade


metafísica ou da graduação das criaturas na ordem da participação. Deus é o
termo de todos os desejos de todos os seres dotados de inteligência:

O primeiro Ser goza da soberana posse da plenitude de si e não pode se con-


taminar com o contato com os seres inferiores e se a sua ação chega até
estes, isso acontece não segundo o modo que estes seres se misturam nele,

202)  S. Th., I, q. 76, a. 1, co.


203)  SCG, lib. 2, cap. 1, n. 2: “Rei cuiuslibet perfecta cognitio haberi non potest nisi eius operatio cog-
noscatur”.
204)  Heinen, Wilhelm. Die erkenntnistheoretische Bedeutung des desiderium naturale bei Thomas von
Aquin. Bonn: Scheur, 1927, p. 31: “Die perfectio in essendo bedeutet die absolute Jenseitigkeit Gottes,
das sichselbstgentigen in der Fülle seines metaphysischen Seins, seine totale Unabhängigkeit von der
Welt in seinem Sein und seiner Vollkommenheit. Der in seinem Sein und Erschaffen vollkommene Gott
ist ebenso vollkommen in der Regierung der Welt; die Welt findet in ihm ihr letztes Ziel. Deus perfectus
in essendo et causando est etiam perfectus in regendo”.

354 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

mas pela atração que exerce sobre eles, como objeto infinitamente amável,
e termo último de todo desejo. 205

Sobre esta continuidade metafísica nos explica Pietrosanti, sob a perspecti-


va da ordem e da totalidade:

Por outro lado, é a mesma diversa participação dos entes ao esse que lhes
permite se ligarem segundo uma continuidade metafísica e, portanto, de os
apreender como um todo ordenado, seja considerados em seu conjunto seja
tomados individualmente. Tudo isso requer necessariamente uma interven-
ção cognoscitiva: não somente o ser, mas também o conhecer nas criatu-
ras é por participação. E isso deve ser compreendido no sentido de que as
criaturas não conhecem pela essência como Deus, absolutamente imaterial,
mas através de uma certa participação em relação a Ele. 206

Pois bem, a partir do princípio de participação e de continuidade meta-


física deduzimos que tal desejo é inato (ou natural) no homem, porque está
intrinsecamente radicado em sua natureza ab initio como potência teleológi-
ca em direção a Deus. Sem embargo, este desejo possui uma dimensão elíci-
ta, porque se desdobra a partir dos atos humanos, sobretudo quando remonta
à Causa pelos efeitos da criação. Desta maneira, no plano ontológico o dese-
jo é absoluto, ou seja, neste sentido não há como não desejar a Deus. Porém,
num segundo momento (operativo), tal desejo se torna condicionado pelas
ações humanas (em especial, pelo reto uso da liberdade). 207
Tendo considerado a perspectiva ontológica do desiderium, bem como a
causalidade como busca de Deus, seria indispensável tratar do retorno à cau-
sa, no panorama desta elevação em direção ao Ser por essência.

205)  Fabro, Cornelio. La nozione metafisica di partecipazione secondo S. Tommaso d’Aquino. Segni
(Roma): EDIVI, 2005, p. 70: “Il primo Essere gode nella sovrana possessione la pienezza di sé e non
può contaminarsi con il contatto degli esseri inferiori e se la sua azione arriva fino ad essi, ciò non av-
viene secondo il modo di questi esseri mescolandosi ad essi, ma per attrazione che su di essi esercita,
come oggetto infinitamente amabile, e termine ultimo di ogni desiderio”.
206)  Pietrosanti, Romano. L’anima umana nei testi di S. Tommaso: partecipazione. Spiritualità. Immor-
talità. Collana Philosophia, 24. Bologna: Studio Domenicano, 1996, p. 16: “D’altro canto è proprio la
diversa partecipazione degli enti all’esse a consentire di legarli secondo una continuità metafisica e per-
ciò di coglierli come un tutto ordinato, sia considerati nel loro insieme che presi singolarmente. Tutto
ciò richiede necessariamente un intervento conoscitivo: non solo l’essere, ma anche il conoscere nel-
le creature è per partecipazione. E questo va inteso nel senso che le creature conoscono non per essenza
come Dio, assolutamente immateriale, ma mediante una qualche partecipazione rispetto a Lui”.
207)  Cf. Pariente, Pietro. “Desiderio naturale di Dio”. In: Enciclopedia cattolica. Città del Vaticano:
L’Enciclopedia Cattolica, 1950, vol. 4, p. 1482.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 355
O Desejo de Deus

3.3.  Desejo de Deus como retorno à causa

Para São Tomás, não há nos entes criados a coincidência entre esse e essen-
tia, mas sim uma composição de ambos. Ou ainda: Deus é o Ser por essência
enquanto os demais o são por participação. Sobre esta base se sustenta a tese
de que a relação entre a criação e Deus é por participação.
Como já mencionamos, um princípio correlato a esta ideia é o da conti-
nuidade metafísica, por intermédio do qual São Tomás explica a gradualida-
de dos seres e a causalidade. Inspira-se ele principalmente em elementos filo-
sóficos dos neoplatônicos (em particular Proclo e Pseudo-Dionísio). Quanto a
este último, é possível sintetizar numa frase esta teoria expressa no comentá-
rio tomista ao De divinis nominibus: “É próprio, pois, ao efeito que se conver-
ta pelo desejo à sua causa”. 208 Daí que uma das definições de desejo é preci-
samente a seguinte: “O desejo nada mais é que a inclinação inerente às coisas
por disposição do primeiro motor, que não pode ser supérflua”. 209
Tais premissas se completam com a teoria segundo a qual o que é imperfei-
to se aperfeiçoa pela ação do mais perfeito, assim como a potência se comple-
ta pelo ato. Além disso, vale recordar outro princípio importante para o nos-
so tema, isto é, qualquer causa segunda influi menos nos efeitos que a pró-
pria causa primeira. 210 Exemplo deste princípio é a teoria da forma dat esse.
Ou seja, a forma que dá o ser participa da causalidade divina a fim de que
este esse ut actus possa se atualizar e determinar o esse in actu, como exigên-
cia última do ato aristotélico, 211 sempre pelo poder da mesma causa primeira.
Tudo isso considerado, sustenta São Tomás que o ato primeiro é a forma,
e o ato segundo seria a operação que é ordenada pela própria forma. 212 Tal

208)  In De divinis nominibus, cap. 3: “Proprium autem est effectus ut convertatur per desiderium in suam
causam”.
209)  S. Eth., I, l. 2, n. 3: “[D]esiderium nihil aliud est quam inclinatio inhaerens rebus ex ordinatione pri-
mi moventis, quae non potest esse supervacua”.
210)  Super librum de causis expositio, prop. 5, lect. 5; prop. 1ª, lect. 1 [ed. H.-D. Saffrey]. Deriva-se aqui
o primeiro axioma do Liber de Causis §1, 2-3: “Omnis causa primaria plus est influens super suum cau-
satum quam causa universalis secunda” (Bardenhewer, Otto. Die pseudo-aristotelische Schrift über
das reine Gute bekannt unter dem Namen Liber de causis. Freiburg im Breisgau: Herdersche Verla-
gshandlung, 1882, p. 163). Cf. etiam: De malo, q. 4, a. 6, ad 15: “causa secunda non agit nisi ex virtu-
te causae primae”.
211)  Cf. Fabro, Cornelio. Partecipazione e causalità secondo S. Tommaso d’Aquino. Torino: Soc. Editri-
ce Internazionale, 1960, p. 58.
212)  Cf. e.g.: In Sent., II, d. 35, q. 1, a. 1, co.: “Actus primus est ipsa prima forma; actus secundus est ope-
ratio”.

356 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

operação é proveniente de uma inclinação que tende em direção ao alto, de


maneira análoga ao movimento do fogo, 213 por sua própria perfeição e fim. 214
Se o agir segue o ser, conclui-se que o retorno ao princípio é proporcional ao
grau de participação da criatura em relação a Deus. 215 Adiante, este aspecto
será mais detalhado.
A fim de fundamentar melhor a doutrina do desiderium, São Tomás se uti-
liza do princípio de finalidade, pela doutrina da participação, em particular de
acordo com a tese de que o participado encontra sua plenitude no participan-
te por uma tendência da própria criatura. 216 Este importante elemento pode
ser sintetizado com as próprias palavras do Angélico: “Tudo o que provém
de Deus, como o efeito da causa, se dirige a Ele pelo desejo, como sua pró-
pria causa; isso não aconteceria, a não ser que todas as coisas tivessem uma
certa semelhança com Deus. De fato, cada uma [das criaturas] ama e dese-
ja aquilo que lhe é semelhante”. 217 Ressalte-se que esta observação de São
Tomás vem à lume num comentário a Pseudo-Dionísio. 218 Pois bem, sabemos
que esta ideia de similitude é muito cara à filosofia platônica e neoplatônica.
A opinião de Platão é que o homem pode, em sua busca pelo bem e na eleva-
ção às coisas do alto, se assemelhar a Deus, como próprio fim. Vale notar que
esta noção de semelhança era denominada na expressão grega ὁμοίωσις θεῷ. 219
Em Plotino, essa concepção desemboca na ideia do uno, com o conceito de

213)  Cf. Sent. De anima, II, l. 5, n. 8: “Ex unaquaque autem forma sequitur aliqua inclinatio, et ex incli-
natione operatio; sicut ex forma naturali ignis, sequitur inclinatio ad locum qui est sursum, secundum
quam ignis dicitur levis; et ex hac inclinatione sequitur operatio, scilicet motus qui est sursum”.
214)  Cf. In De caelo, II, l. 4, n. 5.
215)  Cf. SCG, III, cap. 25, n. 1: “Cum autem omnes creaturae, etiam intellectu carentes, ordinentur in
Deum sicut in finem ultimum; ad hunc autem finem pertingunt omnia inquantum de similitudine eius
aliquid participant”.
216)  Cf. In Sent., II, d. 1, q. 2, a. 2, co. “Sed aliqua similitudo ejus quae est in participatione alicujus bo-
nitatis; et ideo omnis appetitus naturae vel voluntatis tendit in assimilationem divinae bonitatis, et in ip-
sammet tenderet, si esset possibilis haberi ut perfectio essentialis, quae est forma rei”.
217)  In De divinis nominibus, cap. 9, l. 3: “Quod omnia quae proveniunt a Deo, sicut effectus a causa,
convertuntur per desiderium ad ipsum, sicut ad propriam causam; quod non esset, nisi omnia haberent
aliquam similitudinem ad Deum: unumquodque enim amat et desiderat simile sibi”.
218)  Para um maior aprofundamento sobre tal teoria em Dionísio veja o livro: Rico Pavés, José. Semejan-
za a Dios y divinización en el Corpus Dionysiacum: platonismo y cristianismo en Dionisio el Areopagi-
ta. Toledo: Estudio Teológico de San Ildefonso, 2001.
219)  Cf. Theaetetus, 176b. Cf. etiam: Phaedrus, 253ab; Timaeus, 90d (noção de similitude e fim); Respu-
blica, 613a-b; Leges, 716c.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 357
O Desejo de Deus

ἕνωσις 220 do homem com Deus. E, por fim, essa união, no pensamento dioni-
siano, é envolta de elementos da filosofia cristã. 221
No comentário de São Tomás de Aquino ao Liber de Causis, inspirado na
Elementatio Theologica de Proclo, o ordenamento de finalidade do deside-
rium se converte na redução à causalidade eficiente. 222
Por tudo isso, constata-se que a tese do retorno da criatura à causa é clara-
mente baseada na doutrina platônica e na de seus seguidores. Mas ao princí-
pio de semelhança e de finalidade São Tomás acrescenta o princípio de “assi-
milação”, por intermédio do qual tende toda criatura a unir-se a Deus. Ideia
que também está presente na filosofia de Avicena. 223
Ademais, como já foi visto, São Tomás se utiliza do princípio da reduc-
tio, pelo qual todas as criaturas naturalmente retornam a Deus pela similitu-
de e assimilação. Ora, como é evidente, a similitude ocorre no plano da ana-
logia, pois há entre Deus e a criatura uma infinita diferença, isto é, conforme
as expressões ens per essentiam e entia per participationem. 224
Entre os seres por participação se encontra o homem, o qual possui a sua
diferença específica na racionalidade. Fundamentando-nos nos princípios
de São Tomás, podemos afirmar que cada um dos homens se dirige a Deus,
unum commune, precisamente por aquilo que o diferencia. 225 Tudo somado, e
evitando o emanatismo dos neoplatônicos — que considerava, por exemplo,
que todos os seres, enquanto perfeitos, produzem-se ex necessitate 226 —, o

220)  Cf. Enneidas, IV, 5, 8.


221)  Cf. De Divinis nominibus, I, 1.
222)  Super librum de causis expositio, prop. 1, lect. 1. [ed. H.-D. Saffrey, p. 9, l. 18-25]. “In causis etiam
finalibus manifestum est verificari omnia praedicta, nam propter ultimum finem, qui est universalis, alii
fines appetuntur, quorum appetitus advenit post appetitum ultimi finis et ante ipsum cessat; sed et huius
ordinis ratio ad genus causae efficientis reducitur, nam finis in tantum est causa in quantum movet effi-
cientem ad agendum, et sic, prout habet rationem moventis, pertinet quodammodo ad causae efficien-
tis genus”.
223)  Avicenna. Liber de Philosophia Prima sive scientia divina. trat. VI, cap. 4 (ed. Simone Van Riet,
Gérard Verbeke. Louvain: Peeters; Leiden: Brill: 1980, p. 325, l. 46-48): “Ex finibus etiam est assimila-
ri alii rei, quae res inquantum desideratur finis est, et ipsa etiam assimilatio finis est”.
224)  S. Th., I, q. 4, a. 3, ad 3: “Deus est ens per essentiam, et alia per participationem”.
225)  Cf. Sent. Met., XI, l. 3, n. 5. “Deinde cum dicit quoniam autem ostendit quod reductio omnium con-
trarietatum fit ad unam primam. Quia enim omnium entium fit reductio ad aliquid unum commune,
contrarietates autem entium, quae sunt oppositae differentiae, per se consequuntur entia, necesse est
quod contrarietates reducantur ad aliquam primam contrarietatem quaecumque sit illa; sive pluralitas et
unum, sive similitudo et dissimilitudo, sive quaecumque aliae sint primae differentiae entis”.
226)  Cf. Enneidas, V, 1, 6. Mas ao mesmo tempo São Tomás admite a palavra emanatio em oposição à
mutatio. Cf. In Phys., VIII, l. 2, n. 4.: “Productio universalis entis a Deo non sit motus nec mutatio, sed
sit quaedam simplex emanatio”. Cf. etiam: Kremer, Klaus. Die neuplatonische Seinsphilosophie und

358 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Aquinate interpreta que a criação se realiza por completo ex nihilo em todo e


qualquer ser criado, sem qualquer mutação (ou interferência) em seu próprio
ser, 227 por um ato de inteira liberdade divina. 228
Vale notar que, apesar de a teoria acima considerar certa semelhança
intrínseca da criatura em relação ao Criador, também é necessário recordar
que, sob certo ponto de vista, há uma máxima dissimilitude subjacente entre
eles. 229 Ao mesmo tempo que a criatura se revela intimamente ligada ao Cria-
dor se manifesta também, por outra, a sua contingência. Não é preciso nos
determos sobre o quanto tais noções são de suma importância para a com-
preensão dos fundamentos do desiderium naturale.
Voltando à questão da finalidade e do binômio participador-participado,
seria de capital importância tratar de modo específico da teleologia do desi-
derium naturale. Em primeiro lugar, será estudada a faculdade pela qual esse
desejo finalístico se fundamenta no homem: o intelecto, bem como a função
da vontade.

3.4.  A faculdade intelectual e a faculdade


volitiva no plano do desejo de Deus
A questão da contingência e da reductio da criatura ao Criador se revelam
de modo eminente para o homem no plano intelectual. Devido a esta facul-
dade superior, sente ele o desejo de plenitude, numa perspectiva bem diferen-
te dos seres privados da razão, cujo desejo se dirige apenas para o ser e o bem
“aqui e agora” (hic et nunc). 230

ihre Wirkung auf Thomas von Aquin. I. Studien zur Problemgeschichte der antiken und mittelalterlichen
Philosophie. Leiden: Brill, 1966, p. 421-422.
227)  Cf. SCG, II, cap. 16.
228)  Cf. De pot., q. 7, a. 10, co. “Nec iterum aliquod bonum accrescit creatori ex creaturae productione,
unde sua actio est maxime liberalis, ut Avicenna dicit”.
229)  Cf. De ver., q. 1, a. 10, ad s.c. 1: “Creaturae autem, quamvis aliquam Dei similitudinem gerant in
seipsis, tamen maxima dissimilitudo subest, ut non nisi ex magna insipientia contingat quod ex tali si-
militudine mens decipiatur”.
230)  Cf. De immortalitate animae, co. 5: “In his vero quae cognitionem habent desiderium sive appetitum
consequitur cognitionem, sicut dirigentem. Unde oportet, quod secundum modum cognitionis sit et
desiderii modus. Animalia autem bruta, quae tantum cognitionem sensitivam habent, non cognoscunt
esse et bonum, nisi ut hic et nunc. Unde nec aliter fertur eorum desiderium ad esse et bonum nisi ad hic
et nunc”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 359
O Desejo de Deus

Ademais, a criatura é mais ou menos perfeita na medida de sua maior ou


menor relação ao fim. 231 Vejamos como este princípio pode ser aplicado no
plano do desiderium. Para explicar isso, tomemos a definição geral de desejo
dada por São Tomás:
Primeiro, o define como ato pelo qual a vontade tende a algo por não o pos-
suir: “Est enim desiderium secundum quod voluntas tendit in id quod nondum
habet”. 232
Em um segundo momento, especifica que tal desejo é algo pelo qual a
inclinação da vontade que se dirige para consecução do bem. “Desiderium est
inclinatio voluntatis in aliquod bonum consequendum”. 233
Constatamos, pois, que em ambas as proposições a vontade é o eixo pelo
qual o desejo se perfaz. Ora, isso considerado, conclui-se que São Tomás
seria, ao contrário do que foi referido, um “voluntarista”?
Como já foi mencionado, o intelecto detém um papel precípuo no pensa-
mento tomista em comparação com a vontade. Vejamos, pois, como resolve
São Tomás este problema.
Para compreender a relação entre a vontade e o intelecto, vale a pena refe-
rir-se a alguns textos do próprio Aquinate. Segundo ele, numa primeira apro-
ximação, podemos observar como o intelecto move a vontade ordenando
todas as ações humanas a partir das partes superiores até o movimento do
apetite sensitivo. 234
Mas de tal maneira a vontade e o intelecto estão em uma intrínseca rela-
ção na alma humana que a própria vontade move o intelecto quanto ao exer-
cício do ato sub universali bono, ao mesmo tempo que, enquanto determina-
ção desse ato, é o intelecto que move a vontade sub universale ratione veri. 235

231)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 1 co.: “Ultima perfectio rationalis creaturae, quia est ei principium essendi, in-
tantum enim unumquodque perfectum est, inquantum ad suum principium attingit. Similiter etiam est
praeter rationem”.
232)  SCG, III, cap. 26, n. 12.
233)  SCG, III, cap. 26, n. 15.
234)  Cf. SCG, III, cap. 25, n. 10: “Inter omnes autem hominis partes, intellectus invenitur superior motor:
nam intellectus movet appetitum, proponendo ei suum obiectum; appetitus autem intellectivus, qui est
voluntas, movet appetitus sensitivos, qui sunt irascibilis et concupiscibilis, unde et concupiscentiae non
obedimus nisi voluntatis imperium adsit; appetitus autem sensitivus, adveniente consensu voluntatis,
movet iam corpus. Finis igitur intellectus est finis omnium actionum humanarum”.
235)  Cf. S. Th., I-II, q. 9, a. 1, ad 3: “Voluntas movet intellectum quantum ad exercitium actus, quia et ip-
sum verum, quod est perfectio intellectus, continetur sub universali bono ut quoddam bonum particula-
re. Sed quantum ad determinationem actus, quae est ex parte obiecti, intellectus movet voluntatem, quia
et ipsum bonum apprehenditur secundum quandam specialem rationem comprehensam sub universa-
li ratione veri”.

360 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Assim como o primeiro princípio é o ente como verdadeiro, devemos concor-


dar que o intelecto deve vir anteriormente como movente, apresentando-lhe
seu objeto. 236 Em contraposição a esta tese, o nominalismo difundirá a sepa-
ração entre o intelecto e a vontade na determinação dos atos humanos.
Dessa forma, a vontade se ordena ao fim último, que começa na simples
apreensão do ser. Contudo, esse movimento não pode se aquietar enquanto
não encontra o objeto primeiro movido pelo desejo. Portanto, o repouso não
pode ser alcançado senão no Ser, que é bem supremo para nós. Após esta ope-
ração, há o que chamamos de delectatio, que consiste no repouso da vontade. 237
Daí se notar uma como que circularidade entre intelecto e vontade na compo-
sição do desejo de Deus.
Apenas Deus pode mover a vontade como agente propriamente, pois esta
só pode ser movida por sua causa. 238 Aqui, de modo algum se exclui a exis-
tência do livre arbítrio, pois o domínio de nossos atos não elimina a influên-
cia da causa primeira num nível superior. 239 A escola franciscana medieval,
por outro lado, tende a defender, em geral, uma independência da vontade
em relação ao intelecto. 240 Esta interpretação se repetirá a seu modo na filo-
sofia platônica dos humanistas, em especial em Marcilio Ficino (1433-1499). 241

236)  Cf. S. Th., I-II, q. 9, a. 1, co: “Primum autem principium formale est ens et verum universale, quod
est obiectum intellectus. Et ideo isto modo motionis intellectus movet voluntatem, sicut praesentans ei
obiectum suum”.
237)  Cf. S. Th., I-II, q. 4, a. 2, co.
238)  Cf. SCG, III, cap. 88, n. 3: “In solo autem bono divino quietatur desiderium voluntatis sicut in ulti-
mo fine, ut ex supra dictis patet. Solus igitur Deus potest movere voluntatem per modum agentis”. S.
Th., I-II, q. 9, a. 6, co.: “motus voluntarius eius sit ab aliquo principio extrinseco quod non est causa vo-
luntatis, est impossibile”.
239)  Cf. De pot., q. 3, a. 7, ad 13: “Voluntas dicitur habere dominium sui actus non per exclusionem cau-
sae primae, sed quia causa prima non ita agit in voluntate ut eam de necessitate ad unum determinet si-
cut determinat naturam; et ideo determinatio actus relinquitur in potestate rationis et voluntatis”.
240)  Cf. e.g. Kent, Bonnie. Virtues of the Will: The Transformation of Ethics in the Late Thirteenth Cen-
tury. Washington, DC: Catholic Univ. of America Press, 1995, p. 128: “William [de la Mare] thinks that
if ‘reason itself or reason’s apprehension’ moved the will, sin would lie more in the ignorance of the in-
tellect than in the perversity of the will. William himself holds, as Walter [de Brügge] does, that an ob-
ject is apprehended as good because the will wills it, not vice versa. He accordingly argues that the pre-
sentation of the object by the intellect is merely a cause sine qua non of action by the will. In the tradi-
tion of Bernard, intellect is made the handmaid of the will. William retains the moved mover formula,
but, like Walter, he places a thoroughly voluntarist interpretation on Aristotle’s words”.
241)  Cf. Ficino, Marsilio. Theologia Platonica, XIV, II, 2: “Non possumus autem deo per intellectum
similes effici nisi deum intellegendo, quippe cum quibuslibet aliis rebus intellectus tunc fiat similis,
quando eas intelligendo se in earum imagines transfigurat. [...]. Finis ergo noster est per intellectum
Deum videre, per voluntatem viso Deo frui” (In: Platonic Theology, IV. Books 12-14. <ed. Michael J.
B. Allen, John Warden, James Hankins, and William Roy Bowen>. Cambridge, Mass: Harvard Univer-
sity Press, 2004, p. 226-228).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 361
O Desejo de Deus

Porém, na questão do desejo propriamente dito, Ficino parece seguir mais


a teologia da Summa contra Gentiles que o Platonismo do qual ele se fez
sequaz. 242
Retornando ao eixo da discussão, podemos sintetizar o pensamento de São
Tomás da seguinte maneira: se não existisse o objeto, seria impossível dese-
já-lo como fim e, portanto, tampouco haveria a ulterior delectatio ou fruitio
da vontade.
Mas, se é assim, como explicar que um ateu consiga sinceramente negar a
Deus tendo em si mesmo o desejo de Deus em primeira ordem (no plano onto-
lógico)? Ou ainda, nas palavras de Roland-Gosselin: “De que um homem ou
vários tenham um dia desejado ver a Deus, conclui-se a possibilidade desta
visão? O que concluir, a não ser talvez que estes homens estejam delirando e
desejando o impossível?” 243
O próprio São Tomás responde a esta aguda inquirição ao afirmar que
“nosso intelecto, embora tenha sido feito para ver a Deus, contudo não é fei-
to para poder ver a Deus com a sua virtude natural, mas através da luz da gló-
ria nele infundida”. 244 Portanto, o desejo da visão continua natural e aberto a
todos os homens, embora seja completado somente na glória.
Com efeito, isso ocorre da seguinte maneira: uma vez conhecido Deus
como Causa Primeira, a partir do mero desejo de conhecer, o intelecto reco-
nhece esta causa como o Sumo Inteligível, através do próprio ato do conheci-
mento. Em seguida, a própria vontade se conforma ao objeto conhecido, dese-
jando-o e movendo o intelecto para que o alcance sub ratione veri. Por fim,

242)  Cf. Collins, Ardis B. Love and Natural Desire in Ficino’s Platonic Theology. Journal of the History
of Philosophy, vol. 9, 1971, p. 435-436. Em realidade, Cornelio Fabro faz notar através de diversas pro-
vas que Ficino não pode ser considerado como um puro neoplatônico, mas como alguém que leu e as-
similou a síntese tomista, embora sempre fiel a Platão (cf. Fabro, Cornelio. Partecipazione e causalità
secondo S. Tommaso d’Aquino. Torino: Società Editrice Internazionale, 1960, p. 567-580).
243)  Roland-Gosselin, Marie Dominique. Béatitude et désir naturel. Revue des sciences philosophi-
ques et théologiques. vol. 18, 1929, p. 193-222 : “Qu’un homme ou que plusieurs aient un jour souhai-
té de voir Dieu, que conclure sur la possibilité de cette vision? Que conclure, sinon, peut-être que ces
hommes étaient hors de leurs sens et voulaient l’impossible?”
244)  De ver., q. 10, a. 11, ad 7: “[I]ntellectus noster quamvis sit factus ad videndum Deum, non tamen ut
naturali sua virtute Deum videre possit, sed per lumen gloriae sibi infusum”. N.B.: a questão da não ne-
cessidade da elevação do intelecto para a visão de Deus pelo lumen gloriae foi condenada pelo Concílio
de Viena, em 1311 (cf. DS, n. 895). Cf. etiam: SCG, III, cap. 57, n. 4: “omnis intellectus naturaliter desi-
derat divinae substantiae visionem”. Esta tese se opõe a certos comentadores árabes, que defendiam que
esta não era uma capacidade receptiva de todas as inteligências. Cf. Rousselot, Pierre. The Intellectu-
alism of Saint Thomas. (Trad. James E. O’Mahony). New York: Sheed & Ward, 1935. Cf. etiam: Do-
ckx, Stanislas. Du désir naturel de voir l’essence divine selon Saint Thomas d’Aquin. Archives de Phi-
losophie, vol. 27, 1964, p. 53.

362 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

a vontade repousa e obtém o gáudio ou gozo de possuir a verdade. Assim, há


uma grande imbricação entre as faculdades intelectiva e volitiva para perfa-
zer o desejo de Deus.
Tal complementaridade é muito bem explicitada por de Finance: nunca há
— explica — a realização deste desejo sem que haja necessidade de uma atua-
lização perfeita. Ora, na vida presente, como sabemos, a vontade não pode se
dirigir à Suma Perfeição de modo cabal. Assim, enquanto a vontade continue
a se movimentar, não há bem-aventurança. 245 Logo, a beatitude só poderá ser
definitiva após a morte, 246 quando essa dinamicidade se aquieta.
Conclui, afinal, que a inteligência encontra unicamente seu fim em Deus.
Pois está claro que todos os demais objetos do conhecimento humano são
apenas imperfeitos e participados:

O desejo da visão de Deus significa negativamente que a inteligência não


pode encontrar seu fim e seu repouso nem nenhum lugar a não ser em Deus.
É necessário sobretudo sublinhar o caráter hipotético do raciocínio: se há
um fim, se há uma bem-aventurança da criatura intelectual, esta só pode
ser a visão da essência divina, pois qualquer outro objeto suscitaria somen-
te uma bem-aventurança imperfeita e participada. 247

Por conseguinte, todo e qualquer objeto contingente saciará somente de


modo parcial esse desejo e mesmo assim na medida em que tais objetos se
referem por participação a Deus.
Uma objeção ainda pode ser proposta: como saber se o desejo se dirige
especificamente a Deus e que não se trata, portanto, apenas de uma confu-
são entre a vontade e a inteligência, em vista de um bem meramente subjetivo
e pessoal? Sabemos que o homem tem o livre-arbítrio, mas podemos afirmar
que este ruma sempre em direção a Deus?
Parte da resposta é oferecida por Lonergan. Segundo o teólogo canadense,
para que a vontade seja de fato boa, deve estar em conformidade com a inteli-

245)  Cf. de Finance, Joseph. Ricerca del fondamento della moralità. Sapienza, vol. 28, 1975, p. 309:
“Nous retrouvons la complémentarité intelligence/volonté que nous avons étudiée plus haut: tant qu’il
n’y a pas actuation parfaite dans la présence intelligible la volonté ne cessera de chercher. Et tant qu’il y
a mouvement de la volonté, il n’y a pas béatitude”.
246)  Cf. SCG, III, cap. 46, 12.
247)  de Finance, Joseph. Ricerca del fondamento della moralità. Sapienza, vol. 28, 1975, p. 309: “Le dé-
sir de la vision de Dieu signifie négativement que l’intelligence ne peut trouver sa fin et son repos nulle
part ailleurs qu’en Dieu. Il faut surtout bien remarquer le caractère hypothétique du raisonnement: s’il y
a une fin, s’il y a une béatitude de la créature intellectuelle, ce ne peut être que la vision de l’essence di-
vine, car tout autre objet ne saurait susciter qu’une béatitude imparfaite et participée”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 363
O Desejo de Deus

gência (no sentido de que deve estar de acordo com a natureza). Ora, sem esta
profunda união e ordenação, a vontade tende ao ofuscamento. 248 Contudo, o
desejar a Deus não se circunscreve à pura compreensão humana, pois o dese-
jo puro da mente consiste num amor que nos eleva às dimensões do mistério
divino, que supera toda e qualquer possibilidade de compreensão humana.
Assim, na raiz, a má vontade não é apenas uma incoerência contra a própria
consciência, mas é também um pecado contra o próprio Deus. 249
No plano gnosiológico, podemos definir o que foi dito até agora com as
palavras de Nardone: “O desejo de ver a essência divina é o desejo do fim
último, por obra da vontade, enquanto e de modo que o objeto deste fim (a
essência divina) foi determinado pelo intelecto como possível de se alcançar
somente em virtude de um ato próprio (visão)”. 250 Com isso, há de se concluir
que — seguindo ainda a reflexão tomista — o intelecto é superior à vontade
para alcançar a Deus, porém, está sempre em união intrínseca com a vontade. 251
A própria essência da felicidade encontra-se num ato do intelecto, mas toca à
vontade a delectatio proveniente dessa consecução. 252 Portanto, cabe à vonta-
de o movimento em direção à felicidade e o gaudium proveniente da consu-
mação da beatitude.

248)  Cf. Lonergan, Bernard Joseph Francis. Insight: A Study of Human Understanding. New York: Phil-
osophical Library, 1967, p. 691-692: “Will is good by its conformity to intelligence. It is good in the
measure that antecedently and without persuasion it matches the pure desire both in its detachment
from the sensitive subject and in its incessant dedication to complete intelligibility. A will less good is
less than genuine; it is ready for the obnubilation that takes flight from self-knowledge; it is inclined to
the rationalization that makes out wrong to be right; it is infected with the renunciation that approves
the good yet knows itself to be evil. In brief, as man’s intelligence has to be developed, so also must his
will”.
249)  Ibid.: “There is a deeper level to the problem. In an earlier paragraph it was concluded that the pu-
re desire of the mind is a desire of God, that the goodness of man’s will consists in a consuming love
of God, that the world of sense is, more than all else, a mystery that signifies God as we know him and
symbolizes the further depths that lie beyond our comprehension. There is a theological dimension that
must be added to our detached analysis of the compounding of man’s progress with man’s decline. Bad
will is not the merely inconsistency of rational self-consciousness; it is also sin against God”.
250)  Nardone, Marco. Il problema del ‘Desiderium naturale videndi Deum’ nell’ottica tomista della par-
tecipazione secondo la prospettiva di Cornelio Fabro. Sapienza, vol. 50, 1997, p. 202: “Il desiderio di
vedere l’essenza divina è desiderio del fine ultimo ad opera della volontà in quanto e nel modo in cui
l’oggetto di questo fine (l’essenza divina) è stato determinato dall’intelletto come possibile da conse-
guire solo in virtù di un atto proprio (visione)”.
251)  Cf. De malo, q. 16, a. 6, ad 6: “Beatitudo activa consistit in intellectu, ad quem pertinet visio Dei,
magis quam in voluntate, ad quam pertinet delectatio: quia delectatio consequitur operationem sicut
causam, et adiungitur ei sicut quaedam superveniens perfectio”.
252)  Cf. S. Th., I-II, q. 3, a. 4, co.: “Sic igitur essentia beatitudinis in actu intellectus consistit, sed ad vo-
luntatem pertinet delectatio beatitudinem consequens”.

364 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Outro resultado que se segue é que não só o intelecto tem a capacidade


de infinito, mas também a vontade. É óbvio que esta abertura ocorre no pla-
no objetivo, não no subjetivo. Por isso, se o homem por sua alma intelectiva
é eterno, também o é na medida em que está ordenado pela vontade ao bem
supremo e à beatitude perpétua. Ora, isso se dá porque quem deseja não é a
inteligência nem a vontade, mas é a pessoa in toto. É o homem em concreto
quem deseja (homo desiderat). 253 Logo, independentemente do primado que
damos a uma ou outra faculdade, o desejo de Deus e a sua consequente felici-
dade têm como sujeito o próprio indivíduo. Quem deseja é o homem por meio
de suas faculdades. Quem é feliz é o homem quando alcança seu fim.

3.5.  Desejo de Deus: natural ou sobrenatural?


Não é preciso examinar mais o indiscutível fato de que o desejo de Deus
está presente na vida humana de modo natural. Convém, contudo, distingui-
-lo do plano sobrenatural para compreendê-lo ainda melhor.
Não é o objetivo dessa investigação, como se indicou na introdução, resol-
ver a questão no âmbito da teologia dogmática, mas sim com ênfase no pro-
blema filosófico. A meta que se tem ao tratar sobre a graça é tão-somente
delimitar os campos. Isso é de fundamental importância para nos atermos às
bases filosóficas do desiderium naturale, e deitar assim novas luzes sobre o
tema, quase sempre tratado sob a ótica teológica e a problemática da graça.
Isto posto, vale considerar em primeiro lugar um dos eixos centrais da
ambivalência natural/sobrenatural, a saber: se este desejo é inato ou se é elíci-
to (aliciado) e condicional. De qualquer forma vale a pena também perguntar:
por que tantos autores se põem este problema?
Essa constante indagação se deve a uma aparente contradição encontrada
nos próprios textos do Aquinate: por um lado, recorda ele que Deus é o fim de
toda a substância inteligente e que há, de fato, um desejo natural, 254 e que este
não pode ser em vão porque o próprio Deus criou este desejo. 255 Por outro
lado, parece que aqui se trata de uma perspectiva transcendente e sobrenatu-

253)  Cf. e.g.: S. Th., I-II, q. 5, a. 4, co.


254)  Cf. SCG, III, 25; S. Th., I-II, q. 3, a. 8.
255)  Cf. S. Th., I, q. 75, a. 6; C. Th., cap. 104; SCG, III, cap. 95, n. 10: “Similiter autem ex hoc quod Deus
ad desiderandum movet, ostensum est conveniens esse quod desideria implead”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 365
O Desejo de Deus

ral estreitamente (e estritamente) ligada à graça. 256 Em síntese, sob estas duas


configurações doutrinárias sucederam-se inúmeros debates após a morte do
Angélico Doutor.
Ora, tomando como base a síntese fornecida por Occhipinti, 257 é possível
distinguir três grandes fases históricas na interpretação do desejo natural de
Deus. Segundo este autor, os primeiros discípulos de São Tomás (E. Roma-
no, H. Natale, Paludano) não encontraram dificuldade diante dessa aparente
contradição. Já no período da Reforma Protestante, a interpretação dos tex-
tos do Aquinate tomou novos ares. Isto se deve, em especial, à hermenêutica
de Caetano, quem prefere falar num desejo aliciado, não inato, supondo um
conhecimento de Deus a posteriori que a natureza, com suas próprias forças,
não poderia alcançar. Por isso a sua leitura nos faz crer que na natureza há um
desejo em direção à visão divina, mas esta não pode ser alcançada senão com
o lumen gloriae. 258
Tal explicação encontrou “grande adesão na maioria dos teólogos, sobre-
tudo depois da condenação de algumas proposições de Baio (cf. DS 1901-
1989)”. 259 Esta tese tornou-se também clássica entre os Salmanticenses, bem
como em João de São Tomás, Gonet e Billuart. 260 Bañez também adotou esta
interpretação, porém, se bem que apoiasse seus contemporâneos, tinha uma
posição mais aberta à ideia de que o desejo se origina na natureza, embo-
ra podendo ser culminado na ordem da graça. Segundo Rosenthal esta seria

256)  Cf. S. Th., I, q. 12, a. 4, s.c.: “Ergo videre Dei essentiam convenit intellectui creato per gratiam, et
non per naturam”. S. Th., I, q. 12, a. 5 co.: “Cum igitur virtus naturalis intellectus creati non sufficiat ad
Dei essentiam videndam, ut ostensum est, oportet quod ex divina gratia superaccrescat ei virtus intelli-
genti”. Cf. etiam: S. Th., I-II, q. 5, a. 5, s.c.
257)  Occhipinti, Garcia. “Desiderium naturale visionis Dei”. In: Aa. Vv. Lexicon. Dicionário Teológico
Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003, p. 184.
258)  Cf. Caietanus. Commentaria in prima parte S. Theol., q. 12, a. 1, n. 9. In: Opera omnia Sancti Tho-
mae Aquinatis iussu impensaque Leonis XIII edita. t. 4: Pars prima Summae theologiae. Roma: Typo-
graphia Polyglotta S. C. de Propaganda Fide, 1888, p. 116: “Primum est simpliciter et ad hominem.
Non enim videtur verum quod intellectus creatus naturaliter desideret videro Deum: quoniam natura
non largitur inclinationem ad aliquid ad quod tota vis naturae perducere nequit. Cuius signum est, quod
organa natura dedit cuilibet potentiae quam intus in anima posuit. Et in II Caeli dicitur quod, si astra
haberent vim progressivum, natura dedisset eis organa opportuna. Implicare igitur videtur, quod natura
det desiderium visioni divinae, et quod non possit dare requisita ad visionem illam, pura lumen gloriae.
Apud s. Thomae quoque doctrinam, ut dictum est in primo articulo huius operis, homo non naturaliter,
sed obedientialiter ordinatur in felicitatem illam”.
259)  Occhipinti, Garcia. Op. cit., p. 184.
260)  Cf. Borde, Marie-Bruno. Le désir naturel de voir Dieu, chez les Salmanticenses. Revue thomiste,
vol. 101, 2001, p. 282.

366 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

a interpretação mais coerente com o pensamento de São Tomás. 261 Contudo,


Turiel García o critica por sua posição acerca da natureza pura. 262 E O’Con-
nor o vê como um que, por se preocupar demasiadamente com o sobrenatural,
foi o que mais minimizou a doutrina de São Tomás sobre o desejo de Deus. 263
Segundo Dockx, o medo dessa condenação a Baio 264 — quem interpre-
tava o desejo natural de ver a essência divina como uma obrigação da par-
te de Deus de conferir ao homem esta perfeição última — levou certos auto-
res a rejeitar a tendência inata em direção à visão de Deus. 265 Nesse sentido,
acrescenta Occhipinti: “A exagerada insistência na separação entre natural e
sobrenatural para preservar a gratuidade deste último levará a teologia a uma
concepção extrinsecista desse desejo: ‘a visio Dei’ é algo acrescentado exte-
riormente à natureza humana”. 266
Uma nova era sobre a problemática da graça no desiderium naturale nas-
ce no séc. XX, derivada, em particular, da corrente de pensamento denomi-
nada Nouvelle Théologie. Sua intenção era retornar ao pensamento de São
Tomás, reinterpretando-o, de modo a contrapor-se a assim denominada cor-
rente “extrinsecista”. Por outro lado, infelizmente, a tendência foi cair no exa-
gero oposto, ou seja, no imanentismo.
A questão da gratuidade da graça em oposição à posição extrinsecista foi
tratada de modo notório por Henri de Lubac, SJ, em seu livro Surnaturel. 267
Apesar de sua valiosa contribuição, sobretudo histórica, sobre a questão do
sobrenatural e sua importância, sua posição foi criticada no que diz respeito à
conceitualização do estado natural do homem.

261)  Cf. Rosenthal, Alexander S. The Problem of the Desiderium Naturale in the Thomistic Tradition.
Verbum, vol. 6, 2004, p. 344.
262)  Turiel García, Quintín. Fundamentación desde el hombre de la cultura cristiana. Sapientia, vol. 51,
1996, p. 124.
263)  O’Connor, William Richard. The Eternal Quest. New York: Longnmans, Green, 1947, p. 31. Cf.
etiam: Feingold, Lawrence. The Natural Desire to See God According to St. Thomas and His Inter-
preters. Ave Maria, FL: Sapientia, 2010, p. 270-272.
264)  Cf. Denzinger-Schönmetzer, 1901-1980.
265)  Dockx, Stanislas. Du désir naturel de voir l’essence divine selon Saint Thomas d’Aquin. Archives de
Philosophie, vol. 27, 1964, p. 50-51.
266)  Occhipinti, Garcia. Op. cit., p. 184.
267)  de Lubac, Henri. Surnaturel: études historiques. Paris: Aubier, 1946, p. 154: “Tenant, les uns que le
surnaturel n’est gratuit que par rapport à nous pécheurs, les autres qu’il l’était déjà par rapport à Adam,
partisans et adversaires de Baius s’entendaient trop souvent pour ne définir ce surnaturel que d’une fa-
çon extrinsèque et relative, par son caractère d’inaccessibilité ou de gratuité, sans remonter à la raison
dernière de cette gratuité, qui le rend innaturalisable en toute hypothèse et pour quelque nature que ce
soit, c’est-à-dire à son caractère intrinsèquement divin”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 367
O Desejo de Deus

Já antes dele, e como seu influenciador, Maurice Blondel definia o sobre-


natural como: “Absolutamente necessário e absolutamente impossível ao
homem é propriamente a noção de sobrenatural: a ação do homem transcen-
de o homem; e todo o esforço de sua razão é o de ver que ele não pode se cir-
cunscrever a ela”. 268
Ora, esta corrente foi censurada de forma indireta por Pio XII na encícli-
ca Humani generis (n. 26) por sua tendência a “desvirtuar o conceito de gra-
tuidade da ordem sobrenatural, sustentando que Deus não pode criar seres
inteligentes sem ordená-los e chamá-los à visão beatífica”. 269 Tal condena-
ção, feita em união com outras de cunho filosófico — como a possibilidade
da demonstração racional da existência de Deus —, vinha de encontro à gra-
tuidade da elevação à ordem sobrenatural. E essa era precisamente a posição
que se difundia nas obras de muitos teólogos do séc. XX.
Por outra parte, vale notar que a posição comum no séc. XVI não impli-
ca numa necessária situação de autonomia e autossuficiência por parte do
homem (sobretudo no que diz respeito à teoria da natureza pura). Como sabe-
mos, a graça aperfeiçoa a natureza (gratia naturam perficit) 270 e não era for-
çosa a sua criação por parte de Deus, segundo se pode interpretar das pala-
vras do próprio São Tomás: “A necessidade se opõe à vontade gratuita. Mas
Deus quer a salvação dos homens com vontade gratuita. Portanto, não a quer
necessariamente”. 271 Em outras palavras: “É claro, portanto, baseando-se no
que foi dito, que tudo o que Deus quer em si mesmo o quer por necessidade;
mas tudo o quer em relação às criaturas não o quer por necessidade”. 272 Em
suma, o fato de este desejo não poder ser em vão não provoca de nenhum
modo a obrigação da parte de Deus no que diz respeito à obrigação da cria-
ção da graça.

268)  Blondel, Maurice. L’Action. Paris: F. Alcan, 1893, n. 388: “Absolument nécessaire et absolument
impossible à l’homme, c’est là proprement la notion du surnaturel: l’action de l’homme passe l’homme;
et tout l’effort de sa raison, c’est de voir qu’il ne peut, qu’il ne doit pas s’y tenir”.
269)  Denzinger-Schönmetzer, n. 3891: “Alii veram ‘gratuitatem’ ordinis supernaturalis corrumpunt,
cum autument Deum entia intellectu praedita condere non posse, quin eadem ad beatificam visionem
ordinet et vocet”.
270)  De malo, q. 2, a. 11, co. Em outro lugar diz que a graça é “participatio divinae naturae” (S. Th. I-II,
q. 112, a. 1, co).
271)  De ver., q. 23, a. 4, s.c. 2: “Necessitas opponitur gratuitae voluntati. Sed Deus vult salutem hominum
ex gratuita voluntate. Ergo non vult ex necessitate”.
272)  De ver., q. 23, a. 4, co.: “Patet igitur ex dictis, quod quidquid Deus vult in seipso, de necessitate vult;
quidquid autem vult circa creaturam, non de necessitate vult”.

368 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Passemos agora aos pormenores e a uma tentativa de confronto entre as


duas opiniões.
Já no tempo de Henri de Lubac diversos autores se opuseram às suas teses.
Entre eles podermos mencionar De Broglie 273 e Boyer. 274
De literatura mais recente, convém destacar, pela precisão de seus argu-
mentos:
1o) Lawrence Feingold demonstra que o desejo natural não pode ser con-
cebido como queria de Lubac, ou seja, a partir da elevação do homem para
um destino sobrenatural, tampouco pela possibilidade de tal perfeição (Duns
Scotus), nem pela revelação dos efeitos sobrenaturais de Deus (solução de
Caetano na Prima Pars, q. 12, supracitada). A sua interpretação seria de acor-
do com uma suposta emendatio do Cardeal de Gaeta no comentário à Suma
Teológica, I-II, q. 3, a. 8. 275 Comenta ainda Feingold:

No comentário de Caetano à ST I-II, q. 3, a. 8, por outro lado, o desejo natu-


ral de ver a Deus não vem diretamente da elevação do homem ao destino
sobrenatural (como era para de Lubac), ou da possibilidade que tal perfei-
ção (Scotus), ou pela revelação dos efeitos sobrenaturais de Deus. Deduz-se
simplesmente que, havendo uma natureza inteligente, há também o dese-
jo natural de conhecer a essência, tendo visto o seu efeito. Isso produz um
desejo natural de ver a Deus naquele que considera que deve haver uma
primeira causa de todos os desejos naturais. Esta visão é a única que está
em harmonia com os textos de São Tomás. 276

273)  de Broglie, Guy. De fine ultimo humanae vitae. Paris: Beauchesne, 1948.
274)  Boyer, Charles. Nature pure et surnaturel dans le ‘Surnaturel’ du Père De Lubac. Gregorianum, vol.
28, 1947, p. 379-395.
275)  Caietanus. Commentaria in prima secundae parte S. Theol., q. 3, a. 8, n. 1 in Opera omnia Sanc-
ti Thomae Aquinatis iussu impensaque Leonis XIII edita. t. 6: Pars prima secundae Summae theologiae.
Roma: Typographia Polyglotta S. C. de Propaganda Fide, 1891, p. 36: “Specialiter tamen ad hanc huius
articuli materiam descendendo, dici potest quod intellectus humanus sciens an est de Deo et communia,
desiderat naturaliter scire de Deo quid est, inquantum sub numero causarum comprehenditur: et non ab-
solute, nisi per quandam consequentiam. Et hoc est verum : quia inditum est naturaliter ut, viso effectu,
desideremus nosse quid est causa, quidquid sit illa”.
276)  Feingold, Lawrence. The Natural Desire to See God According to St. Thomas and His Interpreters.
Ave Maria, FL: Sapientia, 2010, p. 180: “In Cajetan’s commentary on ST I-II, q. 3, a. 8, on the other
hand, the natural desire to see God does not come directly from man’s elevation to a supernatural desti-
ny (as for de Lubac), or from the possibility of such a perfection (Scotus), or from the revelation of su-
pernatural effects of God. It comes simply from having an intellectual nature with a natural desire to
know the essence of a cause, having seen its effect. This produces a natural desire to see God in anyone
who considers that there must be a first cause of all natural effects. This view is the only one that is in
harmony with the texts of St. Thomas”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 369
O Desejo de Deus

O desejo natural se refere à base natural (comum a toda e qualquer cria-


tura), mas se destina a ser elícito pela própria experiência do desejo (indivi-
dual e subjetiva). Para Feingold, um apetite inconsciente seria inútil. 277 Com
efeito, o desejo elícito se acopla ao natural por sua própria base ontológica
(note-se que se trata de um mesmo desejo). O problema do teólogo jesuíta
foi justamente interpretar que esta dimensão inata ou incondicional fecha-
ria o homem dentro de uma ordem natural autossuficiente. Contudo, a esco-
la tomista genuína sempre procurou defender que a criatura espiritual possui
uma específica potência obediencial (vincada na própria natureza espiritual)
ao lado de um natural e elícito desejo de ver a Deus. 278
2o) A perspicaz e luminosa análise de Georges Cottier pode ser sintetizada
em alguns pontos principais: 279
A. O desejo natural de ver a Deus reflete a estrutura do espírito criado,
na linha de sua própria perfeição. O sobrenatural não justapõe o natural de
modo heterogêneo e incompreensível. É um desejo inscrito no próprio dina-
mismo ontológico participado.
B. Deus é inteiramente livre de comunicar a vida divina. O fato de haver
criado o homem não O obriga que Ele o eleve à visão beatífica.
C. Um desejo não satisfeito não mutilaria a natureza espiritual porque as
fontes para realizar tal desejo não lhe pertencem propriamente. São Tomás
fala, ademais, de uma beatitude imperfeita.
D. Sobre o fundamento da estrutura específica do espírito se apresenta
uma exigência, um dever, que é de natureza ética. Esta abertura, esta remi-
se de si mesmo, é vista como uma exigência na definição do espírito humano
como capax Dei. 280

277)  Ibid., p. 398.


278)  Ibid., p. 403.
279)  Cf. Cottier, Georges. Le désir de Dieu: sur les traces de saint Thomas. Paris: Parole et Silence,
2002, p. 228-232. (Os pontos seguintes foram sintetizados e traduzidos a partir desta obra).
280)  Cf. etiam: Dockx, Stanislas. Du désir naturel de voir l’essence divine selon Saint Thomas d’Aquin.
Archives de Philosophie, vol. 27, 1964, p. 83: “La difficulté éprouvée par plusieurs commentateurs
d’expliquer les textes, à première vue contradictoires de saint Thomas, provient précisément du fait
qu’ils limitent leurs considérations aux seul ordres de la causalité efficiente et finale de l’agir humain,
alors que saint Thomas considère, de plus la proportion de la nature à la perfection qui lui correspond
et qui est la fin pour laquelle elle a été faite par l’auteur de la nature. C’est pourquoi saint Thomas dit à
bon droit, que l’homme est ordonné à la science des bienheureux en tant qu’il est fait à image de Dieu.
L’image de Dieu sont il s’agit ici n’est pas la ressemblance surnaturelle conférée à l’homme par la grâce
sanctifiante, mais la ressemblance que l’homme possède de par sa nature, en tant que créature ration-
nelle”.

370 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

E. O espírito tende a fazer uma dupla descoberta: sua orientação em dire-


ção à essência divina, como o fim que o satisfaz, e o dever de se abandonar à
vontade divina.
F. Henri de Lubac fez da negação da ideia de “natureza pura” (a propósi-
to do pecado dos anjos) o seu cavalo de batalha. Com razão protestou contra
a naturalização ou materialização do espírito; a ideia de natureza pura como
“natureza fechada em si mesma”. No entanto, as suas noções não se confun-
dem. Antes, é necessário afirmar a radical possibilidade da natureza pura. 281
G. Por fim, oferecemos a sua conclusão, citada na íntegra:

É necessário dissipar aqui um equívoco. “A defesa da noção de natureza


pura — diz-nos P. Le Guillou — possui uma dupla valência: ela ressalta a
estrutura criada do espírito e insiste intensamente sobre a separação cria-
do-incriado; ela nos permite dar-nos conta da gratuidade do plano atual de
Deus sobre nosso mundo”. Pois é a gratuidade atual do plano de Deus — e
não a do plano hipotético — que temos necessidade de compreender.
O plano atual de Deus é o verdadeiro objeto de contemplação do teólogo e
podemos dizer com J. Maritain, que citamos: “De fato, Ele (Deus) não teria
criado a natureza se Ele não a tivesse ordenado para a graça”.
Compreende-se também, por outro lado, porque é infeliz falar, com o P. de
Lubac, “de um desejo natural de sobrenatural”. A doutrina do desejo natu-
ral de ver Deus elucida de uma só vez o dinamismo intrínseco do espírito
criado e a gratuidade do dom da visão beatífica. 282

Nessa perspectiva, necessita-se equilíbrio e ponderação para a corre-


ta interpretação dos planos da imanência e da transcendência aplicados ao
homem. Por um lado, podemos dizer que há nele, em seu estado atual, um
desejo radicado em sua própria natureza como potência ou capacidade, mas

281)  Veja também. Long, Steven A. Natura Pura: On the Recovery of Nature in the Doctrine of Grace.
New York: Fordham University Press, 2010, p. 204-207. Este autor critica a perda da noção de nature-
za, filosofia da natureza e metafísica no método teológico. Isto traz a exigência de um método genuíno
do tomismo clássico em oposição ao que ele chama de “tomismo analítico” e “meta-filosofia”.
282)  Cottier, Georges. Le désir de Dieu: sur les traces de saint Thomas. Paris: Parole et Silence, 2002, p.
232: Il convient ici de dissiper une équivoque. “Le maintien de la notion de nature pure, nous dit le P.
Le Guillou, a une double valeur: elle met en valeur la structure créée de l’esprit et insiste fortement sur
le clivage créé-incréé; elle nous permet de rendre compte de la gratuité du plan actuel de Dieu sur no-
tre monde”. Car c’est la gratuité actuelle du plan de Dieu, et non celle d’un plan hypothétique, que nous
avons besoin de comprendre. C’est le plan actuel de Dieu qui est le véritable objet de contemplation du
théologien et nous pouvons dire avec J. Maritain, ici cité: “de fait, il (Dieu) n’aurait pas créée la natu-
re s’il ne l’avait pas ordonnée à la grâce”. On comprend aussi à l’inverse pourquoi il est malheureux de
parler avec le P. de Lubac, “d’un désir naturel du surnaturel”. La doctrine du désir naturel de voir Dieu
met en lumière tout ensemble le dynamisme intrinsèque de l’esprit créé et la gratuité du don de la vi-
sion béatifique.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 371
O Desejo de Deus

que é propriamente elícito e acompanhado do conhecimento. Ora, este nasce


da visão de qualquer efeito de Deus, desenvolvendo-se no plano psicológico
como real tendência em direção a Deus. 283

3.6.  Conclusão
As palavras do cardeal Cottier falam por si. Existe uma fundamentação do
desejo de Deus que é intrínseca na natureza humana, ou seja, reside em sua
própria estrutura. Por outro lado, é necessário distinguir com nitidez os pla-
nos natural e sobrenatural para compreender os diversos comprimentos de
onda de nossa transcendentalidade em relação a Deus. Esta perspectiva final
ficará ainda mais clara quando considerarmos a metafísica da participação e
suas diversas implicações.

4.  Desejo natural e a metafísica da participação

4.1.  Introdução
Entremos agora no ponto mais original de nossa pesquisa.
No início se enquadra o nosso tema na vexata quaestio da teoria da partici-
pação em São Tomás.
Dentro da concepção tomista da participação podemos entrever que há
uma distinção, nas substâncias espirituais, entre participação por similitude
(comum a todos os entes segundo a participação maior ou menor), e por ope-
ração, a qual detém dois comprimentos de onda: um, através de uma vida
virtuosa, sobretudo pela virtude da caridade; e outro, no plano propriamente
sobrenatural. Por fim, caberá uma breve consideração sobre a relação da ética
e do amor a Deus com este tema.

4.2.  Teoria da participação


Pelo que até agora se analisou, é evidente que o desejo natural de Deus
não pode ser algo simplesmente radicado na natureza, sem qualquer relação
transcendente. Por outra parte, percebe-se que a participação nada mais é que

283)  Cf. Pariente, Pietro. Desiderio naturale di Dio. In: Enciclopedia cattolica, IV. Città del Vaticano:
L’Enciclopedia Cattolica, 1950, p. 1482.

372 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

essa relação ontológica entre Criador e criatura. Ou seja, recebemos o ser do


próprio Deus e o temos (bem como todas as relações transcendentais) apenas
de modo imperfeito, enquanto que em Deus se encontra a perfeição substan-
cial. Como se sabe, em Deus a essência não delimita seu Ser, Ele é o próprio
Ser por essência.
No caso do desejo de Deus, também se faz necessária a aplicação da teoria
da participação, segundo o nosso parecer. Isto ocorre especialmente porque
Ele é o primeiro movente e fim da vontade que tende a Ele mesmo, “porque
a vontade — pontua São Tomás — está ordenada ao bem universal. Daí que
nenhuma outra coisa pode ser a causa da vontade senão o próprio Deus, que
é o bem universal. Todos os outros bens são bens por participação e são bens
particulares. Ora, a causa particular não produz uma inclinação universal”. 284
Sendo o ente causado participante do ser, é através da semelhança com
Deus que se radica a sua própria perfeição. Assim, para evitar um “monismo”
do apetite natural ante toda a multiplicidade da criação, devemos recorrer ao
conceito de participação e, dentro deste, ao plano da similitude. A razão mais
profunda é que a natureza humana não termina num infinito abstrato, mas
sim no próprio Deus, em virtude da semelhança. 285

4.3.  A participação como similitude e operação:


analogia do natural e do sobrenatural

4.3.1  Participação como similitude


Para enquadrar esta nova temática, recapitulemos alguns pontos já comen-
tados. Em primeiro lugar, sabemos que o desejo de Deus, conforme o Aqui-
nate, nasce da própria tendência do ente finito em direção à sua causa pelo
princípio: “É próprio ao efeito que se converta pelo desejo à sua causa”. 286
Pois bem, partindo do grau mais inferior deste princípio, o Doutor Angéli-
co sustenta que inclusive as criaturas privadas de razão possuem um “dese-

284)  S. Th., I-II, q. 9, a. 6, co.: “Unde nihil aliud potest esse voluntatis causa, nisi ipse Deus, qui est uni-
versale bonum. Omne autem aliud bonum per participationem dicitur, et est quoddam particulare bo-
num, particularis autem causa non dat inclinationem universalem”.
285)  Cf. S. Th., I, q. 44, a. 4, co.: “Unaquaeque creatura intendit consequi suam perfectionem, quae est si-
militudo perfectionis et bonitatis divinae”.
286)  In De divinis nominibus, cap. 3: “Proprium autem est effectus ut convertatur per desiderium in suam
causam”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 373
O Desejo de Deus

jo” de Deus. Ora, se tais seres não possuem inteligência, torna-se evidente
que aqui se trata de algo puramente natural, segundo a metafísica da partici-
pação. Todavia, sendo o homem animal racional, tal desejo de Deus ocorrerá
segundo suas potências intelectivas e volitivas e, portanto, de modo conscien-
te (embora também de modo inconsciente, isto é, na radicalidade de ser cria-
tura e, mais ainda, imagem de Deus). Com efeito, quando se fala de imagem,
se espera que esta reflita de maneira fiel o seu objeto, ou seja, o próprio Deus.
Cumpre agora aplicar os princípios da metafísica da participação a este
desejo. Assim compreendido, há dois planos de desejo no homem: um natu-
ral, que é consequência da “re-ductio” da criatura em direção à Primeira Cau-
sa, fenômeno que se dá de modo eminente no caso do homem por sua facul-
dade intelectual. Neste primeiro aspecto, e seguindo de perto Cornelio Fabro,
dar-se-ia um “atingir” a Deus per similitudinem. Ou seja, conforme a partici-
pação inerente à própria constituição ontológica proveniente da própria cria-
ção de Deus como Causa Primeira. Como é evidente, esta ocorre em todas as
criaturas de acordo com a semelhança maior ou menor com Deus. 287
Num plano ulterior e sempre seguindo Fabro, há também o que chama-
mos de participação sobrenatural. Esta, por sua parte, ocorre per operatio-
nem, ou seja, pela atuação de uma potencialidade na criatura racional, sobre-
tudo através da virtude da caridade, nesta terra, e pelo lumen gloriae, na futu-
ra in Patria. 288
Vejamos como São Tomás sintetiza essa perspectiva. Inspira-se uma vez
mais no neoplatonismo dionisiano:

Nada é definitivamente perfeito, se não atinge o seu princípio a seu modo.


E digo isto porque ao princípio, que é Deus, se atinge de dois modos. Um
modo é pela semelhança (per similitudinem), que é comum a toda criatu-
ra, a qual possui tanta perfeição à medida que a obtém da divina semelhan-
ça. Outro modo é por operação (per operationem): [...] Digo, pois, pela ope-
ração, enquanto a criatura racional conhece e ama a Deus. E porque a alma
é feita de forma imediata por Deus, assim não será bem-aventurada se não
vir a Deus imediatamente, ou seja, sem um meio que seja uma semelhan-

287)  Cf. S. Th., I, q. 15, a. 2, co.: “Unaquaeque autem creatura habet propriam speciem, secundum quod
aliquo modo participat divinae essentiae similitudinem”.
288)  Garrigou-Lagrange divide (se bem que sem utilizar a linguagem da participação) em sobrenatural
enquanto substância (segundo a causa formal): o lumen gloriae; e sobrenatural segundo o modo (ou pe-
la finalidade): a caridade (ato natural ordenado à vida eterna). Cf. Garrigou-Lagrange, Réginald. Le
sens du mystère et le clair-obscur intellectuel: nature et surnaturel. Paris: Desclée de Brouwer, 1934, p.
243-244.

374 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

ça da coisa conhecida, como a species visível está na pupila ou no espelho,


mas não sem um meio que é luz que reforça o intelecto, isto é, luz da gló-
ria, da qual diz o Salmo (35, 10): Na tua luz veremos a luz; ora, isso é ver a
Deus por essência. 289

Portanto, sendo Deus causa e fim de todas as coisas, há intrinsecamen-


te nelas uma participação por similitude em graus diversos (secundum magis
et minus) como nos ilustra a quarta via para a demonstração da existência de
Deus. 290 Por outro ângulo, em virtude da capacidade humana em relação ao
conhecer e ao amar a Deus, essa similitude se eleva à qualidade de operação,
por meio da qual o homem, num plano ainda natural, tende a Deus pela cari-
dade e, a posteriori, na bem-aventurança, pela luz da glória, que lhe permite
ver a Deus face a face.
Em outro texto, muito relacionado com o anterior, São Tomás faz uma
importante distinção:

Deve-se dizer que de duas maneiras a natureza inferior atinge a superior.


Primeiro, de acordo com o grau da potência de quem participa, e, assim, a
última perfeição do homem estará naquilo que o homem atinge para con-
templar como contemplam os anjos. Segundo, como o objeto é recebido
pela potência. Assim, a última perfeição de qualquer potência está em atin-
gir aquilo em que plenamente se encontra a razão de seu objeto. 291

A partir desses trechos, podemos sintetizar, com Cornelio Fabro, dois


níveis de participação:

Este duplo modo de “atingir” é ilustrado por São Tomás com uma outra
terminologia, que esclarece e especifica a precedente: “attingere per simi-

289)  Quodlibet, X, q. 8, co.: “Nihil autem est finaliter perfectum, nisi attingat ad suum principium secun-
dum modum suum. Quod ideo dico, quia ad principium, quod est Deus, attingit aliquid dupliciter. Uno
modo per similitudinem, quod est commune omni creaturae; quae tantum habet de perfectione, quan-
tum consequitur de divina similitudine. Alio modo per operationem: [...] Dico autem per operationem,
in quantum rationalis creatura cognoscit et amat Deum. Et quia anima immediate facta est a Deo, ideo
beata esse non poterit nisi immediate videat Deum, scilicet absque medio quod sit similitudo rei cogni-
tae, sicut species visibilis in pupilla vel in speculo; non autem absque medio quod est lumen confortans
intellectum, quod est lumen gloriae, de quo in Psalm. XXXV, 10, dicitur: in lumine tuo videbimus lu-
men. Hoc autem est per essentiam Deum videre”.
290)  Cf. S. Th., I, q. 2, a. 3, co.
291)  S. Th., I-II, q. 3, a. 7, ad 3: “Attingi superiorem naturam ab inferiori contingit dupliciter. Uno modo,
secundum gradum potentiae participantis, et sic ultima perfectio hominis erit in hoc quod homo attinget
ad contemplandum sicut Angeli contemplantur. Alio modo, sicut obiectum attingitur a potentia, et hoc
modo ultima perfectio cuiuslibet potentiae est ut attingat ad id in quo plene invenitur ratio sui obiecti”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 375
O Desejo de Deus

litudinem” e “attingere per operationem”, onde o primeiro termo assina-


la o ápice da participação natural, enquanto o segundo indica o ápice das
sobrenaturais. 292

Além disso, essa tese pode ser melhor visualizada com um esquema ofere-
cido pelo próprio Fabro em sua consagrada obra sobre a noção de participa-
ção segundo São Tomás de Aquino: 293

Com esse arrière-fond, percebe-se que o desejo natural de ver a Deus


segundo a metafísica da participação é dividido em dois níveis distintos,
embora unidos no plano ontológico.
Como se afirmou, não é possível que exista no intelecto criado uma “ideia”
inata de desejo de Deus, nem tampouco um desejo inato no sentido “ontolo-
gista” 294 ou imanentista, mas tão somente uma dinamicidade ontológica par-
ticipada da criatura. No caso do homem, por ser imago Dei, tal dimensão
se sublima e se desdobra inclusive per similitudinem, pois “omnia intendunt
assimilari Deo”. 295
Duas distinções são necessárias nesta altura.
1) A dinamicidade ontológica de que nos fala Cottier 296 é completamen-
te diversa daquela proposta por Maurice Blondel, segundo seu método de
imanência, que tanto influenciou a Nouvelle Théologie. Ao fazer suas con-
siderações tomando o homem na sua ação e dinamismo, pretendia chegar a

292)  Fabro, Cornelio. La nozione metafisica di partecipazione secondo S. Tommaso d’Aquino. Segni
(Roma): EDIVI, 2005, p. 313: “Questo doppio modo di “attingere” è illustrato da S. Tommaso con
un’altra terminologia, che chiarisce e specifica la precedente: “attingere per similitudinem”, e “attinge-
re per operationem”, ove il primo termine segna l’apice della partecipazione naturale, mentre il secon-
do indica l’apice di quelle soprannaturali”.
293)  Cf. ibid., p. 315.
294)  Considerando particularmente o erro de Malebranche. Recherche de la verité, III; e Rosmini, o
qual foi condenado explicitamente pelo Santo Ofício em 1887 (cf. especialmente DS 3201-3202).
295)  SCG, III, cap. 19.
296)  Cottier, Georges. Le désir de Dieu: sur les traces de saint Thomas. Paris: Parole et Silence, 2002,
p. 228.

376 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

uma síntese entre pensamento, ação e vontade. Seu problema está justamen-
te em suspender a perspectiva ontológica para dar lugar apenas aos fenôme-
nos. Este defeito provém do fato de subestimar a aplicação da dependência e
da causalidade. 297 Sua preocupação com a dinamicidade talvez o tenha leva-
do a se esquecer de que esta provém propriamente da estaticidade (da poten-
cialidade), que no plano do attingere ocorre de modo específico na participa-
ção per similitudinem.
2) Ademais, não se deve entender a concepção de natura pura, como um
estado em que Deus não exerceria em absoluto sua ação sobre o homem. Isso
é manifestamente impossível e até contraditório: Deus poderia não ter reali-
zado a criação, mas uma vez que a fez, é inevitável que seja a causa primeira
de todas as coisas, imprimindo, agora sim, ex necessitate a sua marca sobre
cada uma delas; contudo, disso não se conclui que seja intrinsecamente obri-
gatório da parte de Deus a elevação do homem pela graça, como se compro-
vou mais acima.
De resto, convém reiterar que a possibilidade de atingir a Deus não é mera-
mente teórica ou uma mera não contradição, mas ocorre de fato na realidade. 298

4.3.2  Participação como operação


Há, por outro lado, o desejo de Deus no plano sobrenatural da graça que se
dá per operationem, primeiramente de modo imperfeito pelo mero exercício
da vida virtuosa por meio da graça habitual nutrida sobretudo pela virtude da
caridade. Como vimos, o modo perfeito ocorre pelo lumen gloriae.
Segundo Fabro, “nas participações sobrenaturais, e em particular na visão
beatífica, não existe propriamente um ‘participare similitudinem’, o qual se

297)  Cf. de Tonquédec, Joseph. Deux Études sur ‘La pensée’ de M. Maurice Blondel. Paris: G.
Beauchesne et ses fils, 1936, p. 73: “L’auteur de La Pensée confond sans cesse dans son ouvrage divers
modes de dépendance et, par exemple, le rapport causal avec le rapport d’inhérence. La substance créée
est un absolu en ce sens qu’elle ne dépend, pour exister, d’aucun sujet d’inhérence ; elle ne l’est pas en
ce sens qu’elle dépend de ses causes et d’abord de la Cause première : elle existe en elle-même (ens in
se) et non par elle-même (ens a se). M. Blondel commet ici la même confusion qui a conduit Spinoza
au panthéisme (ce qui montre que des esprits puissants et éminemment philosophiques peuvent passer,
sans les voir, sur des distinctions élémentaires); mais il en tire la conclusion inverse qui est de refuser
aux êtres finis toute consistance propre”.
298)  Cf. Dockx, Stanislas. Du désir naturel de voir l’essence divine selon Saint Thomas d’Aquin. Archi-
ves de Philosophie. vol. 27, 1964, p. 86.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 377
O Desejo de Deus

verifica nas participações naturais, mas é na própria Divindade, tal qual é,


que termina o ato da criatura”. 299
É possível individuar que este princípio de participação segundo a
operação, como nível ulterior, foi nutrido por São Tomás a partir da leitura do
Pseudo-Dionísio. 300 Com Boécio, podemos ainda entrever sob outra ótica: a
participação por similitude descreve como os princípios internos nos prepa-
ram para o conhecimento das substâncias separadas. E o plano da operação
nos é oferecido pela graça para alcançar o nosso fim último, graças à sua emi-
nência. 301
Outro ângulo oferecido pela filosofia neoplatônica é proveniente do comen-
tário de São Tomás ao Liber de Causis, no qual se encontra uma vasta con-
sideração de causas em um movimento vertical. É possível inferir nesta obra
tanto a constituição ontológica quanto a causal no plano operativo. Por fim,
explica que os seres finitos podem subir até Deus per modum creationis (ou
seja, em sua constituição ontológica), mas também per modum informationis
nos outros níveis de causalidade e consequentes participações. A esse respei-
to, comenta Cornelio Fabro:

Sabemos já pela prop. I que a eficácia de qualquer causa é dependente da


influência da Causa Primeira: ora, na descida vertical do ser se verifica
entre os graus contínuos uma relação semelhante àquela entre a Primei-
ra Causa e as outras causas que ela cria e sustenta no ser e na ação: é nesta
solidariedade dinâmica que se atua e se compreende melhor o princípio de
contiguidade. Na terminologia tomista o ato de união entre o grau inferior
e o superior é chamado “attingere”, segundo o qual se realiza a forma mais
alta ou ainda o modo mais íntimo da participação. 302

299)  Fabro, Cornelio. La nozione metafisica di partecipazione secondo S. Tommaso d’Aquino. Segni
(Roma): EDIVI, 2005, p. 313: “[N]elle partecipazioni soprannaturali, ed in particolare nella visione be-
ata, non si ha propriamente un ‘participare similitudinem’, quale si verifica nelle partecipazioni natura-
li, ma è alla stessa Divinità, quale è in sé, che termina l’atto della creatura”.
300)  Cf. In Sent., III, d. 26, q. 1, a. 2, co.: “Quia autem, ut dicit Dionysius, 7 capit. de Divin. Nomin. di-
vina sapientia conjungit fines primorum principiis secundorum, quia omnis natura inferior in sui supre-
mo attingit ad infimum naturae superioris, secundum quod participat aliquid de natura superioris, qua-
mvis deficienter”.
301)  Cf. Super De Trinitate, III, q. 6, a. 4, ad 5: “Nobis sunt indita principia, quibus nos possimus prae-
parare ad illam cognitionem perfectam substantiarum separatarum, non autem quibus ad eam possimus
pertingere. Quamvis enim homo naturaliter inclinetur in finem ultimum, non tamen potest naturaliter
illum consequi, sed solum per gratiam, et hoc est propter eminentiam illius finis”.
302)  Fabro, Cornelio. Partecipazione e causalità secondo S. Tommaso d’Aquino. Torino: Società Editrice
Internazionale, 1960, p. 267-268: “Sappiamo già dalla prop. I che l’efficacia di qualsiasi causa è sospe-
sa all’influsso della Causa Prima: ora nella discesa verticale dell’essere si verifica fra i gradi continui un

378 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

Ademais, essa participação é ainda mais elevada quanto maior for a ordem
da operação, e assim aproxima-se ainda mais da causa prima. 303 Vale recordar
que, do ponto de vista ôntico, o inteligir (intelligere) é superior ao ser (esse).
Tendo isso em consideração, podemos dizer que o homem através dessa ope-
ração “atinge” de modo mais perfeito a Deus, já como prenúncio participati-
vo (pela contemplação) da futura vida beata. 304 Seja como for, a mais perfei-
ta participação consiste na própria visão de sua essência, 305 onde a semelhan-
ça e a operação se fundem.
Comenta ainda Cornelio Fabro:

Este termo “atingir”, θιγγάνειν, é distintamente platônico e agostiniano,


mas também é conhecido por Aristóteles. Caracteriza o modo mais perfeito
de “participar”; ele indica como de fato se efetua aquele vínculo metafísico
que ordena e conecta, sejam os seres entre si, sejam algumas criaturas pri-
vilegiadas, as intelectuais, diretamente a Deus. 306

Através da metafísica da participação tornam-se ainda mais claros e preci-


sos os planos natural e sobrenatural na teoria do desiderium naturale viden-
di Deum. O homem, à diferença dos seres desprovidos de razão, possui a par-
ticipação no plano da similitude de modo eminente (sobretudo no âmbito da

rapporto simile a quello fra la Causa Prima e le altre cause ch’essa crea e sorregge nell’essere e nell’a-
zione: è in questa solidarietà dinamica che si attua e si comprende meglio il principio di contiguità. Nel-
la terminologia tomistica l’atto della saldatura del grado inferiore nel superiore è detto “attingere”, se-
condo il quale si compie la forma più alta ovvero il modo più intimo della partecipazione”.
303)  Cf. Super De causis, l. 9: “Quia vero causa prima est maxime una, quanto aliqua res fuerit magis
simplex et una, tanto magis appropinquat ad causam primam et magis participat propriam operationem
ipsius”.
304)  S. Th., I-II, q. 3, a. 6, co.: “[C]onsideratio scientiarum speculativarum est quaedam participatio verae
et perfectae beatitudinis”. Cf. etiam: SCG¸ III, cap. 63, n. 2: “Est enim quoddam desiderium hominis
inquantum intellectualis est, de cognitione veritatis: quod quidem desiderium homines prosequuntur
per studium contemplativae vitae”.
305)  Cf. In Sent., III, d. 19, q. 1, a. 5, qc. 1, co. “Ultima autem et completissima participatio suae bonita-
tis consistit in visione essentiae ipsius, secundum quam ei convivimus socialiter, quasi amici, cum in ea
suavitate beatitudo consistat”.
306)  Fabro, Cornelio. La nozione metafisica di partecipazione secondo S. Tommaso d’Aquino. Segni
(Roma): EDIVI, 2005, p. 313: “Questo termine ‘attingere’, θιγγάνειν che è squisitamente platonico e
agostiniano, ma che è noto anche ad Aristotele, caratterizza il modo più perfetto di ‘partecipare’; esso
indica come di fatto si effettui quel ‘vinculum’ metafisico che ordina e connette sia gli esseri fra di loro,
sia alcune creature privilegiate, quelle intellettuali, direttamente a Dio”. Ver também: Metaphysica, IX,
10, 1051b, 17-28. N.B.: Há uma discussão sobre tradução desta palavra em Aristóteles. Reale prefere a
palavra “intuir”. E. Berti (in Melchiorre, Virgilio. I luoghi del comprendere. Milano: Vita e Pensiero,
2000, p. 11) prefere a palavra “atingir” (do latim tangere) mais própria à metáfora do “tocar” segundo
Aristóteles. Tricot é também consoante com Berti (cf. La métaphysique. Paris: J. Vrin, 1986, p. 856).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 379
O Desejo de Deus

doutrina bíblico-patrística da imago Dei), que se pode sintetizar como a apti-


dão natural de conhecer e amar a Deus. Já no segundo modo, o homem se ele-
va no conhecimento e no amor a Deus pela operação, atualizando assim a sua
inata “capacidade de Deus”. São Tomás acrescenta ainda outra maneira pela
qual o homem conhece e ama a Deus, isto é, secundum similitudinem gloriae. 307
Também se dá pelo movimento de reductio, através da participação, numa
vida virtuosa na caridade e mais ainda pelo lumen gratiae, pelo qual partici-
pamos da própria natureza divina. 308
Tudo somado, deduzimos a intrínseca relação entre a teoria do desejo natu-
ral de ver a Deus, a participação e o homem como imagem de Deus.
Cabe agora, como um movimento decorrente, uma sucinta consideração
sobre a participação e a ética, e sua relação com o desejo natural.

4.4.  Participação, desejo, amor e ética


“O bem é o que todas as coisas desejam”, citava constantemente São
Tomás a Aristóteles, a partir de sua leitura da Ética a Nicômaco. 309 Ora, a éti-
ca não é senão a ciência que tem como objetivo de fazer, através do livre-arbí-
trio, com que o homem seja bom. 310 Os atos humanos são bons na medida da
conformidade com as regras morais; e estas, com vistas ao fim último. Sendo
este o próprio Deus, há de ser também alcançado pela participação na bonda-
de d’Ele.
Aqui também podemos aplicar os dois planos expostos acima:
Em primeiro lugar, há no homem, como imago Dei, a estrutura ontológi-
ca do desejo de Deus, a qual se completa, num segundo momento, através da
operação. Pois bem, tal movimento, como vimos, ocorre de modo eminente
pela virtude da caridade, participação na própria bondade divina. 311 Por isso,
a operação se aperfeiçoa neste plano, de modo que no amante há por nature-

307)  Cf. S. Th., I, q. 93, a. 4, co.: “Unde imago Dei tripliciter potest considerari in homine. Uno quidem
modo, secundum quod homo habet aptitudinem naturalem ad intelligendum et amandum Deum, et haec
aptitudo consistit in ipsa natura mentis, quae est communis omnibus hominibus. Alio modo, secundum
quod homo actu vel habitu Deum cognoscit et amat, sed tamen imperfecte, et haec est imago per con-
formitatem gratiae. Tertio modo, secundum quod homo Deum actu cognoscit et amat perfecte, et sic at-
tenditur imago secundum similitudinem gloriae”.
308)  S. Th., I-II, q. 110, a. 3, co.: “Lumen gratiae, quod est participatio divinae naturae”.
309)  Cf. e.g.: S. Th., I, q. 5, a. 1, co.: “Bonum est quod omnia appetunt”. Cf. EN, III, 6, 1113a21.
310)  Cf. Ethica Nichomachea, II, 2, 1103b, 26ss.
311)  In Sent., I, d. 17, q. 2, a. 2, s.c. 2.

380 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

za o desejo de se unir ao amado, na medida de suas possibilidades. 312 Assim,


São Tomás utiliza explicitamente a expressão amor naturalis para designar
este ato humano em direção a Deus. E aqui notamos a estreita relação entre o
amor natural e o desejo natural. Laporta esclarece:

Ouvimos Tomás afirmar que a visão beatífica constitui o único fim últi-
mo da natureza intelectual: omnis intellectus naturaliter desiderat divinae
substantiae visionem. Poder-se-ia também afirmar: omnis intellectus natu-
raliter amat visionem beatificam. Bem entendido, tratar-se-ia, portanto,
não da atividade da vontade, mas do amor natural tal qual existe em todo
ser: sua finalidade, o simples destino de sua natureza. 313

Por esta razão, da mesma forma que o desejo de Deus se fundamenta na


constituição ontológica do homem e sob esta perspectiva é inato, e que a
partir do conhecimento das criaturas tende a remontar ao conhecimento de
Deus, assim também ocorre no caso do amor natural: “O amor de Deus é
fundado na comunhão dos bens naturais e, portanto, existe naturalmente em
todos”. 314 Ou seja, ao contemplar a natureza e sua bondade por participação,
ama a Deus. No entanto, como o Sumo Bem a ser amado não é manifesto em
relação a nós (quoad nos), faz-se necessário o concurso das criaturas para
amá-Lo de modo natural. Trata-se, pois, da contemplação indireta de Deus. A
própria prática da metafísica já é parte do cumprimento de uma vida digna,
possuindo de si o ideal ético. 315
Num outro trecho, São Tomás distingue que não só os homens e os anjos
possuem esse amor natural, mas todas as criaturas (por participação): “Amar

312)  Cf. SCG, III, cap. 153, n. 3.


313)  Laporta, Jorge. Pour trouver le sens exact des termes appetitus naturalis, desiderium naturale, amor
naturalis, etc. chez Thomas d’Aquin. Archives d’histoire doctrinale et littéraire du moyen âge, vol. 40,
1973, p. 86: “Nous avons entendu Thomas affirmer que la vision béatifique constitue l’unique fin ul-
time d’une nature intellectuelle: omnis intellectus naturaliter desiderat divinae substantiae visionem.
On pourrait tout aussi bien affirmer: omnis intellectus naturaliter amat visionem beatificam. Bien enten-
du il s’agirait alors, non pas de l’activité de la volonté, mais de l’amour naturel tel qu’il existe en tout
être: sa finalité, la simple destinée de sa nature”.
314)  S. Th., II-II, q. 24, a. 2, ad 1: “Dilectione Dei quae fundatur super communicatione naturalium bono-
rum, et ideo naturaliter omnibus inest”. É interessante citar outro trecho que se relaciona com o que foi
dito e com o desejo natural: “Desiderium autem naturale non potest esse nisi rei quae naturaliter haberi
potest; unde desiderium naturale summi boni inest nobis secundum naturam, inquantum summum bo-
num participabile est a nobis per effectus naturales. Similiter amor ex similitudine causatur; unde natu-
raliter diligitur summum bonum super omnia, inquantum habemus similitudinem ad ipsum per bona na-
turalia”. (In Sent., III, d. 27, q. 2, a. 2, ad 4).
315)  Cf. Hibbs, Thomas S. Aquinas, Ethics, and Philosophy of Religion: Metaphysics and Practice.
Bloomington: Indiana Univ. Press, 2007, p. 81.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 381
O Desejo de Deus

a Deus sobre todas as coisas mais do que a si mesmo é natural não somente ao
anjo ou ao homem, mas também a qualquer criatura, segundo a possibilidade
de amar, seja sensivelmente seja naturalmente”. 316 Ora, isso ocorre de modo
análogo à participação per similitudinem. E, no caso do homem, como ima-
go Dei, esta se verifica de modo especialíssimo por sua intrínseca semelhan-
ça com o Criador. Além disso, o homem possui razão e livre arbítrio, poden-
do superar as capacidades dos seres desprovidos de racionalidade: “De fato,
as inclinações naturais podem ser maximamente conhecidas nas coisas que
agem naturalmente sem a deliberação da razão; assim, de fato, todas as coisas
agem na natureza segundo as suas disposições naturais”. 317
Nesse âmbito, São Tomás passa para o plano da participação per operatio-
nem. Desse modo, o homem não só é imago Dei pela semelhança, mas tam-
bém é capax Dei, pois é capaz de conhecer e amar a Deus de modo voluntá-
rio: “Somente a criatura racional é capaz de Deus, porque somente esta pode
conhecê-lo e amá-lo explicitamente; mas também as outras criaturas parti-
cipam da semelhança divina, e assim desejam o próprio Deus”. 318 Portan-
to, o último fim consiste no conhecer e amar a Deus (per operationem), à
diferença das criaturas irracionais: “O homem e as outras criaturas racionais
conseguem o último fim conhecendo e amando a Deus. Mas isto não cabe às
outras criaturas, que conseguem o último fim enquanto participam de algu-
ma semelhança de Deus, enquanto são, ou vivem, ou também conhecem”. 319
Ao analisarmos a doutrina de que o homem é capax Dei, através de suas
inclinações naturais em direção à verdade, podemos também considerar o
ponto de vista da beatitude como atualização de tal capacidade, por intermé-
dio da caridade e da graça, mas também pelo princípio mais fundante (o de

316)  Quodlibet I, q. 4, a. 3, co.: “Diligere Deum super omnia plus quam seipsum, est naturale non solum
angelo et homini, sed etiam cuilibet creaturae, secundum quod potest amare aut sensibiliter aut natu-
raliter”.
317)  Quodlibet I, q. 4, a. 3, co.: “Inclinationes enim naturales maxime cognosci possunt in his quae
naturaliter aguntur absque rationis deliberatione; sic enim agit unumquodque in natura, sicut aptum
natum est agi”.
318)  De ver., q. 22, a. 2, ad 5: “[S]ola creatura rationalis est capax Dei, quia ipsa sola potest ipsum
cognoscere et amare explicite; sed aliae creaturae participant divinam similitudinem, et sic ipsum
Deum appetunt”.
319)  S. Th., I-II, q. 1, a. 8, co.: “Homo et aliae rationales creaturae consequuntur ultimum finem cognos-
cendo et amando Deum, quod non competit aliis creaturis, quae adipiscuntur ultimum finem inquantum
participant aliquam similitudinem Dei, secundum quod sunt, vel vivunt, vel etiam cognoscunt”.

382 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

similitude), pelo qual nos tornamos semelhantes ao próprio Deus. 320 Ou seja,


aqui se dá um movimento característico de retorno ao princípio. Em outras
palavras, pelo próprio fundamento metafísico nos unimos como seres seme-
lhantes a Deus, pela causalidade exemplar.
Deus é a suma perfeição e o sumo desiderável como perfeição e fim. 321
Ora, cada homem deseja naturalmente a sua última perfeição 322 pelo mesmo
princípio de participação de Deus. 323 Dessa forma, podemos concluir que o
desejo de Deus tem o seu cume e perfeição no amor; e este, quando perfeito,
recolhe todas as energias pela única realidade amada e capaz de o mover, em
seguida, em sua direção. 324
Por fim, pelo nexo existente entre a causalidade, o desejo, a participação e
a finalidade, se revela um verdadeiro mistério: por um lado, notamos a con-
tingência do homem diante de Deus e, por outro, sua grandeza, por sua pró-
pria constituição ontológica fixada pelo Criador, princípio e fim, e sua íntima
relação com ele.
Em suma, o homem procura a Deus não somente na Criação, mas tam-
bém — e diria sobretudo — por suas ações morais, de modo a elevar ainda a
outros nesta ascensão rumo ao Absoluto. Deus nos proveu com a liberdade e
a responsabilidade, dons inestimáveis. Quando bem utilizados, são reflexos
maravilhosos da Providência Divina. Cabe a cada um ser, portanto, modelo
deificante neste mundo sedento de Deus. O homem é por natureza imago Dei
e capax Dei. Mas isso não basta: deve ser também locus Dei, ou seja, local,
templo onde Deus se manifesta, colaborando nesta sublime, embora sempre
humana, busca de Deus.

320)  Cf. In Sent., III, d. 27, q. 1, a. 1, ad 3: “amoris radix, per se loquendo, est similitudo amati ad aman-
tem”; S. Th., I, q. 27, a. 4, ad 2: “similitudo est principium amandi”; S. Th., I-II, q. 27, a. 3, co.: “simili-
tudo, proprie loquendo, est causa amoris”.
321)  Cf. C. Th., I, cap. 117, co.
322)  S. Th., I, q. 62, a. 1, co.: “Quia unumquodque naturaliter desiderat suam ultimam perfectionem”.
323)  S. Th., I-II, q. 3, a. 6, ad 2: “Naturaliter desideratur non solum perfecta beatitudo, sed etiam qualis-
cumque similitudo vel participatio ipsius”.
324)  Cf. Super Psalmo 26, n. 3: “Desiderii ergo qualitas in duobus consistit: scilicet in unitate et solici-
tudine: et utrumque pertinet ad perfectionem desiderii. Perfectio enim desiderii dependet ex perfectio-
ne causae suae, scilicet amoris, qui quando est perfectus, primo congregat in unum omnes vires, et mo-
vet eas in amatum”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 383
O Desejo de Deus

4.5.  Conclusão

Após analisar o plano da teoria da participação sob a perspectiva tomista,


aclara-se ainda mais a teoria do desejo natural de Deus em nosso autor. Ade-
mais, graças a esta base metafísica, tal doutrina se torna ainda mais convin-
cente, evitando os escolhos de uma interpretação desfocalizada.
A dinamicidade proveniente da participação pela similitude se sublima na
operação seja ela natural ou sobrenatural. O importante é notar que, indepen-
dente do nível em que colocamos o desejo de Deus, será sempre o próprio
homem quem deseja. Portanto, esta atividade deve ser radicada na própria
natureza humana. Mas ela não pode ser vista de modo ambíguo. Tal efeito se
dá pela relação de semelhança participada do homem com Deus, pelos pró-
prios fundamentos metafísicos.
Por fim, a partir dessa ascensão metafísica podemos ainda nos utilizar da
dimensão ética e da questão do amor para guiar a outros, pelo exemplo, em
seu caminho de maior perfeição, para a qual o desejo de Deus é fundamental.

Conclusão geral
Ao final deste estudo cabe tecer ainda algumas breves considerações.
Como ilustração, vale recordar um caso ocorrido na Itália no início da
década de 90 com uma jovem universitária de nome Francesca, filha de um
casal de grandes posses materiais. Aconteceu que ela se suicidou numa esta-
ção de metrô em Roma. O fato teve ampla difusão na mídia daquele país, pois
foi bastante chocante e surpreendente. Contudo, por outro lado, poder-se-ia
objetar: hoje em dia este é mais um destes fatos tão comuns, que quase não se
explicaria tal alarde...
Entretanto, algo marcou este caso notoriamente: a suicida havia deixado
junto de si um bilhete dirigido a seus pais. Nele estava escrito: “Vocês me
deram todo o necessário, deram-me inclusive o supérfluo, mas não me deram
o indispensável”. Ora, o que seria este indispensável que a inconformada
estudante clamava em sua derradeira mensagem? Dias depois, descobriram
entre suas anotações a pungente frase: “Só o Absoluto é indispensável”.
De fato, esse acontecimento faz eco aos sublimes anseios de Santo Agosti-
nho, refletindo perfeitamente a situação não só desta “pobre jovem rica”, mas

384 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

de todos aqueles que procuram a Deus de reto coração: “Fizestes-nos para


Vós e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Vós”. 325
A natureza humana tem sede de Deus. Mais ainda: podemos dizer que
o homem contemporâneo tem saudades de Deus, porque neste mundo se
encontra uma profunda crise de afeto. Ora, este fenômeno não se dá somente
no âmbito do relacionamento entre as pessoas, mas, também — talvez sobre-
tudo — com tudo o que é transcendental, com Deus. O absoluto, o indispen-
sável, que bradava interiormente Francesca, foi sendo deixado de lado para
dar lugar ao oportuno, em seguida ao supérfluo... para não mencionar o nii-
lismo, um autêntico cemitério das verdades. Com estes pressupostos, qua-
se que poderíamos chegar a uma conclusão diversa: o desejo de Deus não
é natural ou talvez o fosse em outros tempos, como aquele da Escolástica,
quando o mundo era muito diferente do hodierno.
Todavia, aqui encontramos o paradoxo: a natureza humana, em sua essên-
cia, foi sempre a mesma e continua sendo nos dias de hoje. O desejo de Deus
existe de fato no homem e é confirmado pela metafísica da participação de
modo ainda mais cogente, superando a simples e incompleta divisão entre
natural e sobrenatural. Bem, mas então como conciliar todo este cabedal de
informações com a atmosfera contemporânea de indiferença, de mediocri-
dade, de hedonismo, de apatia, de egoísmo, em suma, de ateísmo que assola
muitíssimas pessoas pelo mundo inteiro?
A clave da resposta pode ser sintetizada pelas palavras de Bento XVI:
“Neste deserto de Deus, a nova geração sente uma grande sede de transcen-
dência”. 326
Esta frase pode conter o cerne do paradoxo, mas na realidade não o con-
tém. A explicação é simples. Tomemos um conceito tão comentado nos dias
de hoje e que se relaciona muitíssimo com nossa pesquisa: a paz. Quando é
que pensamos na paz? Quando a possuímos ou quando a aspiramos? Cer-
tamente quando a aspiramos. Não desejamos a paz se já a possuímos. A
paz, como sabemos, é definida como a tranquilidade da ordem. 327 Ora, se
há ordem na tranquilidade, não há porque nos preocuparmos. Por exemplo,
se minha mão está saudável, não estarei continuamente pensando nela, mas

325)  Augustinus Hipponensis. Confessiones, I, 1, 1 (CCSL 27, 1, l. 6-7): “Fecisti nos ad te et inquietum
est cor nostrum, donec requiescat in te”.
326)  Bento XVI. Discurso aos bispos das regionais Oeste 1 e 2 da CNBB, Brasil (7/9/2009). Arautos do
Evangelho, vol. 95, 2009, p. 7.
327)  Cf. Augustinus Hipponensis. De civitate Dei, XIX, 13, 1 (CCSL 48, 679, l. 10-11): “Pax omnium
rerum tranquillitas ordinis”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 385
O Desejo de Deus

se ela está gangrenando ou ferida, com toda a probabilidade procurarei um


remédio, um médico, terei vontade de curar-me, etc.
De modo análogo se explica a vida das pessoas no mundo hodierno. Por
acontecer que frequentemente não conseguem encontrar a paz, sobretudo a
paz interior proveniente de uma vida virtuosa, são assim colocadas como que
num efeito rebote, tornando-se ansiosas de algo que dê razão para as suas
próprias vidas. Isto explica o fato de muitas pessoas procurarem alhures
saciar o desejo de Deus (como em bruxarias, vodus, new age, etc.). Ou ain-
da, é possível testemunhar o quanto as pessoas procuram satisfazer tal dese-
jo pela “hipertrofia dos sentidos e da imaginação”, como efeito deturpado da
aversão ao esforço intelectual em suas variadas modalidades. 328 Ora, vimos
como São Tomás ressaltava a importância da faculdade intelectual no plano
do desejo de Deus. Como, então, aplicar este princípio para os dias de hoje?
Se estamos num deserto — nas palavras de Bento XVI —, é propriamente
neste contexto que a sede se faz mais presente. Contudo, ainda persiste o pro-
blema: como saciar esta sede?
Muito complexa poderia ser a resposta oferecida. Mas, sob o ponto de vis-
ta filosófico, podemos entrevê-la baseando-nos no que foi dito neste estudo.
Em suma, ao analisar a tradição filosófica, percebe-se como o desiderium
naturale leva o homem, por natureza, a Deus. Já entre os pagãos, passando
pelos neoplatônicos e Padres da Igreja, e chegando a São Tomás, se confirma
a dimensão ontológica de tal transcendentalidade.
Constatamos também como este desejo se dá profundamente na alma
humana, desde os primeiros lampejos da razão, de modo progressivo, até for-
mulações mais elaboradas. O princípio de causalidade nos revela ab initio a
grande relação que temos com o Criador e de como, através da natureza e da
ordem do universo, é possível conhecer e amar a Deus com maior perfeição.
Em contrapartida, parece que Deus se faz escondido à humanidade e qua-
se não podemos encontrá-lo. Glosando Santo Agostinho diríamos que ele está
secretissime, mas ao mesmo tempo praesentissime. 329
A tese do desejo de Deus é muito rica e auxilia enormemente a compreen-
der os fundamentos metafísicos de nossa procura do absoluto. Mas tal doutri-

328)  Cf. Corrêa de Oliveira, Plinio. Revolução e Contra Revolução. 5ª. ed. São Paulo: Retornarei,
2002, p. 189: “A aversão ao esforço intelectual, notadamente à abstração, à teorização, ao pensamento
doutrinário, só pode induzir, em última análise, a uma hipertrofia dos sentidos e da imaginação, a essa
‘civilização da imagem’ para a qual Paulo VI julgou dever advertir a humanidade”.
329)  Cf. Augustinus Hipponensis. Confessiones¸ I, 4. (CCSL 27, 2, l. 4).

386 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Felipe de Azevedo Ramos, EP

na toma uma nova configuração quando consideramos a metafísica da parti-


cipação.
Nesta perspectiva, percebemos efetivamente como Deus imprimiu em nos-
sas almas, no mais íntimo de nosso ser, o caráter de ente participado. No âma-
go de nossa natureza encontramos a participação por similitude, por meio da
qual fomos formados como imagem de Deus. Tornamo-nos ainda mais seme-
lhantes a Ele pela virtude da caridade e posteriormente pelo lumen gloriae,
como condição para a visão beatífica. Pois bem, apoiados nestes fundamentos
metafísicos — ou seja, nos quais deve se fundamentar a filosofia, sob pena
de cair em diversos erros —, é possível indagar: o mundo não seria outro se
cada um dos homens soubesse o quanto é amado por Deus? E, ao mesmo
tempo, o quanto devemos nos voltar para ele? Pois, sendo criados e adotados
como filhos, 330 é natural que ocorra tal retribuição. Poderíamos bem imagi-
nar como o orbe seria diverso, se todos simplesmente canalizassem o desejo
de Deus em direção àquilo que deve apontar, ou seja, a Ele mesmo.
Ademais, isso demonstra que Deus não é o Deus otiosus do deísmo ilumi-
nista, mas sim um Deus que quis e amou a nossa existência, e também anseia
que façamos o movimento de correspondência a Ele segundo os graus de par-
ticipação (sabemos que Ele quis a multiplicidade das coisas por querer e amar
a sua própria essência e perfeição). 331
Por essa razão, o desejo de Deus, que é natural e, segundo a similitude,
inerente à natureza humana, pode também ser educado e levado a seu ple-
no cumprimento, que implica a sua difusão — bonum diffusivum sui, como
diziam os escolásticos.
Talvez a proposta possa parecer utópica a certas mentalidades, pois é preci-
samente esta procura do absoluto uma das propriedades mais diametralmente
opostas ao mundo desviado em que vivemos. Contudo, como o erro se com-
bate com a verdade, o vício somente pela virtude, assim também nada melhor
que a virtude da caridade como busca de Deus por operação, para saciar a
nossa sede do absoluto.
É nosso papel, pois, reavivar esta chama do desejo de Deus nos homens de
modo a conduzi-los à perfeita bem-aventurança, procurando a perfeição nos
mínimos aspectos de nossa vida diária, num constante exercício de transcen-

330)  Cf. Super I Cor., cap. 1, l. 1.


331)  Cf. SCG, I, cap. 75, n. 3: “Ipse autem Deus essentiam suam propter seipsam vult et amat. Non autem
secundum se augmentabilis et multiplicabilis est, ut ex supra dictis est manifestum: sed solum multipli-
cabilis est secundum suam similitudinem, quae a multis participatur. Vult igitur Deus rerum multitudi-
nem ex hoc quod suam essentiam et perfectionem vult et amat”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388 387
O Desejo de Deus

dência, a fim de culminar no divino preceito de Jesus Cristo: “Sede perfeitos,


assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). Zelemos, pois, pela per-
feição deste desejo de Deus, sabendo que Ele nos desejou desde toda a eter-
nidade.

388 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 313-388
Notas sobre la tesis de la luz primordial
según Plinio Corrêa de Oliveira
Notes on the Theory of Primordial Light according to
Plinio Corrêa de Oliveira
Antonio Jakosch Ilija, EP 1
Resumen
Plinio Corrêa de Oliveira explicitó, a lo largo de su vida, un aspecto inédito del con-
cepto de luz primordial. Para el, la luz primordial sería un llamado particular e irre-
petible que Dios concede a cada persona, siendo el vicio capital el aspecto del alma
que más atracción ejerce sobre el mismo hombre para llevarlo al pecado y alejar-
lo de Dios.
La particularidad irrepetible de éste llamado se basa en el principio de Santo Tomás
de Aquino sobre la necesidad que Dios tiene de crear en la diversidad, con la fina-
lidad de representar atributos divinos adecuadamente (cf. Summa Theologiae, I, q.
47). A partir de ese principio, se van delineando las características de ambos con-
ceptos utilizando argumentos teológicos, filosóficos, antropológicos, sociológicos
y psicológicos.
En este artículo —parte de la Tesis De una Mística Teológica a un Proyecto Pasto-
ral a la luz de los conceptos “Luz Primordial” y “Vicio Capital” en la Obra de Pli-
nio Corrêa de Oliveira”— desarrollaremos, aunque de modo resumido, las expli-
citaciones del Prof. Oliveira sobre ambos temas, bien como la fundamentación de
estas explicitaciones en Santo Tomás y otros autores.
Palabras clave: Plinio Corrêa de Oliveira, Luz Primordial, Personalidad.

Abstract
In the course of his life, Plinio Corrêa de Oliveira explained a novel concept: the
‘primordial light’, which, according to him, is the specific and unique vocation
that every person receives from God [to represent Himself in some manner], and is
opposed to the ‘capital vice’ — that aspect of the soul that exerts the greatest attrac-
tion on the same person leading him to sin and so shun God.
The uniqueness of this divine call stems from the principle, pointed out by St.
Thomas Aquinas, of the necessity that God create a diversity of beings in order to
adequately mirror His divine attributes (cf. Summa Theologiae, I, q. 47). Starting
out with this principle, both concepts are then chalked out, using theological, philo-
sophical, anthropological, sociological and psychological arguments. In this article,
which is a part of the thesis entitled From a Mystical Theology to a Pastoral Plan:
in the Light of the Concepts of ‘Primordial Light’ and ‘Capital Vice’ in the Work of
Plinio Corrêa de Oliveira, we shall study, albeit briefly, the explanations of Pro-

1)  Doctor en Teología por la Universidad Pontificia Bolivariana y profesor en el ITTA.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 389
Notas sobre la tesis de la luz primordial

fessor Oliveira on both subjects, as well as the basis for these explanations in St.
Thomas Aquinas and other authors.
Keywords: Plinio Corrêa de Oliveira, Primordial Light, Personality.

Santo Tomás de Aquino afirma que cada ser fue creado para reflejar un
atributo divino. Este principio, válido para las criaturas más simples como
los minerales, se aplica a los animales y a los vegetales, pero se da de modo
eminente en las criaturas racionales. Según Santo Tomás, Dios no podría
haber creado una única criatura para representarse adecuadamente; y crean-
do varias, éstas deberían ser necesariamente diferentes. Existe entonces una
necesidad ontológica de irrepetible diversidad en la Creación, pues de lo con-
trario, Dios como que tartamudearía. Esta inmensa variedad tiene una fina-
lidad escatológica, y bajo el punto de vista humano, teniendo la mirada en el
plano salvífico de Dios, no puede ésta ser reducida apenas a una concatena-
ción de factores biológicos, sin nexo con lo sobrenatural. Según las palabras
del Aquinate:

Dios creó las cosas en el ser para comunicar su bondad a las criaturas, bon-
dad ésta que ellas deben reflejar. Como una única criatura sería incapaz de
representarlo suficientemente, Él produjo muchas y diversas criaturas, a fin
de que lo que falte a una para representar la bondad divina, sea completa-
do por otra. 2

El enunciado está allí, pero una vez hecho, hay la posibilidad de hacer un
desdoblamiento muy grande a partir de esa formulación. Existiendo un nexo
de representatividad del ser en relación a Dios, hay también un nexo y una
finalidad necesariamente teológica. Siendo el alma la parte más noble del
hombre, es en ella que esta finalidad se percibe de forma particularmente
feliz. De hecho, el Verbo se encarnó para salvar al hombre porque éste tiene
alma y si el ser humano no tuviera la capacidad de entender, Dios no se habría
encarnado.
Así como el cuerpo, para fines didácticos, es separado en miembros, órga-
nos o sistemas, pero continúa siendo una unidad llamada cuerpo, así tam-
bién podemos considerar el alma en cuanto su constituyente psicológico, para
fines de este trabajo, puesto que, es cuando hablamos de las psicologías en
el sentido natural, de las virtudes en el sentido moral, o de las gracias en el

2)  Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, q. 47, a. 1: “Produxit enim res in esse propter suam bonita-
tem communicandam creaturis, et per eas repraesentandam. Et quia per unam creaturam sufficienter re-
praesentari non potest, produxit multas creaturas et diversas, ut quod deest uni ad repraesentandam di-
vinam bonitatem, suppleatur ex alia”.

390 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

sobrenatural, que encontramos los mejores elementos de semejanza con Dios,


al mismo tiempo constatamos el principio tomista recién enunciado sobre la
diversidad. En ese sentido, es sorprendente la enorme variedad de personali-
dades humanas.
La personalidad, o en sentido más reducido, el temperamento y el carácter,
son el conjunto de rasgos o manifestaciones palpables a través de las cuales
podemos ver el alma de la persona. Para efectos de este trabajo, considerare-
mos los términos personalidad, carácter y temperamento en lo que ellos tie-
nen en común, según son empleados en diversas disciplinas, a menos que
se diga otra cosa, al querer estudiar características específicas de cada uno.
Para dejar constatado un concepto, recurrimos a la definición de carácter de
Fr. Royo Marín: “[Es] la resultante habitual de las múltiples tendencias que
se disputan la vida del hombre. Es como la síntesis de nuestros hábitos. Es la
manera de ser habitual de un hombre, que le distingue de todos los demás y le
da una personalidad moral propia”. 3
Consideremos, por otra parte, que además de su definición meramente
científica, existe una necesidad y una posibilidad de considerar la psicolo-
gía humana bajo un aspecto sobrenatural, y teológico en relación con la gra-
cia, consideración fundamental para el tema que está siendo tratado: “La psi-
cología cristiana es una psicología de la gracia y la gracia no es un dato estáti-
co, así como el Eterno es el Dios vivo. La gracia es el movimiento divino que
establece la alianza y cumple las promesas”. 4
Fue dicho que Santo Tomás dejó apenas enunciado el principio de la diver-
sidad de los seres. Para proponer alguno de sus múltiples posibles desdobla-
mientos, podemos recurrir al tema de la “luz primordial” según el análisis
de Plinio Corrêa de Oliveira. No habiendo dejado una definición de diccio-
nario, sin embargo, de todos sus comentarios se desprende con claridad que
la luz primordial se encaja dentro del siguiente enunciado: ella es el conjun-
to de características del alma para responder a un llamado o un designio úni-
co e irrepetible de Dios para cada persona humana, con la finalidad de refle-
jar de una forma propia, única e inconfundible alguna perfección de Dios, y
así conocerlo, servirlo y amarlo. La capacidad de responder a ese llamado, a

3)  Royo Marín, Antonio. Teología de la perfección cristiana. Madrid: B.A.C., 1998, p. 760.
4)  Buscarlet, Jean-Marc. Chemins intérieurs. Psychologie de la grâce. Neuchâtel: Delachaux et Nestlé,
1965, p. 66: “La psychologie chrétienne est une psychologie de la grâce et la grâce n’est pas une don-
née statique, de même que l’Éternel est le Dieu vivant. La grâce est le mouvement divin qui établit l’al-
liance et accomplit les promesses”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 391
Notas sobre la tesis de la luz primordial

esa vocación, abarca todos los aspectos del alma y se exterioriza en todas las
posibles manifestaciones de la personalidad.

No se puede decir que la luz primordial de una persona es apenas una per-
fección, como la fortaleza, o la justicia, o cualquier otra virtud: la luz pri-
mordial constituye, antes que nada, una determinada jerarquización de per-
fecciones. Por ejemplo, la persona admira, antes que cualquier otra virtud,
la fortaleza; después, la justicia; después la prudencia, etc. O admira prime-
ro la honra, después el coraje, después la humildad, etc. Es necesario, entre-
tanto, observar que la perfección dominante da a las secundarias una cierta
tonalidad, de tal modo que todas las otras tienen un tono de la principal. Es
lo que Santa Teresita decía, cuando observaba que para ella, incluso la jus-
ticia de Dios, (perfecciones secundarias) estaba embebida de amor (luz pri-
mordial o perfección principal). 5
Es decir, la forma como son practicadas las virtudes está supeditada a esa
influencia de la luz primordial, que es concedida por Dios a cada alma, y en
la cual ella está presente de forma tan real como lo están los principios sinde-
réticos. De allí, ser comprensible que la luz primordial da un cierto tonus para
la comprensión del universo y de Dios. Y es admirable que Dios haya dis-
puesto las cosas de tal forma que de esta multifacética capacidad de interpre-
tación no nazca el caos, pero por el contrario, la variedad en la unidad. Es lo
que se constata incluso en la vida mística cuando se trata de explicar sus fenó-
menos en función de

una ley general: más el investigador considera los procesos de la experien-


cia mística, más le llama la atención su parentesco y propende a discernir
una convergencia fundamental; pero por otra parte, mientras más él es sen-
sible al contexto objetivo e ideológico en el cual se desarrolla, más él nota
las diferencias. 6

5)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 10/8/1975: “Não se pode dizer que a luz primordial de
uma pessoa é apenas uma perfeição: a fortaleza, ou a justiça, ou qualquer outra: a luz primordial cons-
titui, antes de mais nada, uma determinada hierarquização de perfeições: por exemplo, a pessoa admi-
ra, antes de qualquer outra virtude, a fortaleza; depois, a justiça; depois a prudência, etc. Ou admira pri-
meiro a honra, depois a coragem, depois a humildade, etc. É preciso entretanto, observar que a perfei-
ção dominante dá às secundárias uma certa tonalidade, de tal modo que todas as outras têm um tom da
principal. É o que Santa Terezinha dizia, quando observava que para ela, até a justiça de Deus (perfei-
ções secundárias) estava embebida de amor (luz primordial ou perfeição principal)”.
6)  Bernard, Charles André. Théologie Mystique. Paris: Les Éditions du Cerf, 2005, p. 60-61: “...une loi
générale: plus le chercheur considère les processus de l’expérience mystique, plus aussi il est frappé de
leur parenté et enclin à discerner une convergence fondamentale; en revanche, plus il est sensible au
contexte objectif et idéologique dans lequel elle se déroule, plus aussi il note les différences”.

392 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

Y algo más adelante, el mismo autor concluye afirmando que “la vía místi-
ca necesariamente coloca cuestiones antropológicas generales”. 7
Es necesario tomar en consideración que a pesar de haber leyes universa-
les que puedan regir la especulación sobre la mística, existen aspectos antro-
pológicos particulares que caen en el mundo de la casuística: “En efecto, no
se puede separar la inclinación subjetiva de la vida mística de su inclinación
objetiva, culturalmente preexistente”. 8 Notemos que si bien aquí se habla en
mística, la formulación puede ser aplicada a cualquier acto intelectivo, y por
ende, al operar de la luz primordial.
Enunciado el tema, el lector perspicaz percibe que habría un mundo de
consideraciones para hacer sobre la luz primordial y su relación con temas
como la psicología, la sindéresis de la razón, los primeros principios, el sen-
tido del ser, las potencias del alma, las virtudes, los dones y los carismas,
sólo por mencionar algunos aspectos. Esto lamentablemente no es posible en
los límites de este trabajo, donde se trata de exponer los elementos necesa-
rios para enfocarlo en la línea pastoral y además, se asume que los principios
enunciados son verdaderos para efectos de elucubración teórica, sin pretender
darles un carácter dogmático.

1.  Luz primordial objetiva y luz primordial


La luz primordial tiene como característica una jerarquización de valores.
El Dr. Plinio describe en ella dos aspectos, dentro de los cuales esos valo-
res se desenvuelven: uno objetivo y otro subjetivo, relacionando aspectos
sobrenaturales y antropológicos de la misma. Como fue visto, en los fenó-
menos místicos interviene un aspecto subjetivo extrínseco al mensaje místi-
co, dependiendo del ambiente en el cual el místico vive, y otro objetivo, que
es el mensaje o la manifestación mística en sí. De forma semejante, se puede
generalizar esta idea a muchas formas de percepción del Universo, en el sen-
tido que normalmente hay un factor esencialmente humano personalísimo, el
cual interviene de manera necesaria en el acto cognitivo. A continuación se
describirá, cómo la luz primordial, en su aspecto objetivo, es la capacidad que
Dios coloca en el alma para responder al llamado que Él nos da; y cómo el

7)  Ibid., p. 64: “... la vie mystique pose nécessairement des questions anthropologiques générales”.
8)  Ibid., p. 78-79: “On ne peut en effet séparer le versant subjectif de la vie mystique de son versant objec-
tif, culturellement préexistant”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 393
Notas sobre la tesis de la luz primordial

aspecto subjetivo de la luz primordial, se refiere a las formas que adoptará el


libre albedrío de la persona para corresponder a ese llamado.
Efectivamente, la luz primordial, en la mística de Plinio Corrêa de Olivei-
ra, tiene estos dos componentes o aspectos, y es en función de la interacción
de estos dos componentes que es posible distinguir innumerables posibilida-
des de tomar posición ante una determinada situación. Estos dos componen-
tes son indisociables y están en una continua interacción en el alma de cada
ser humano, teniendo su papel en el comportamiento y en el pensamiento.

Objetivamente, luz primordial es el conjunto de perfecciones de Dios, cor-


respondiente al más ardiente punto de aplicación de la inteligencia y de la
voluntad de cada hombre. Subjetivamente, es el conjunto de virtudes nece-
sarias para satisfacer el dinamismo jerarquizado de sus mejores apetencias
y comprensiones. Si él es virtuoso, la mayor y mejor curiosidad de la inte-
ligencia, la mayor y mejor apetencia de la voluntad se aplican con todas sus
fuerzas para el conocimiento de esos puntos. 9

El hecho que el alma nace con una inclinación propia para ver con mayor
interés y nitidez ciertas virtudes o cualidades, más que otras, se puede expli-
car en el hecho que Dios tiene un designio para cada persona humana, y para
realizarlo convenientemente, el hombre toma los elementos necesarios de la
luz primordial para que ese designio se cumpla.

El alma nace con una propensión por una capacidad para determinada luz
primordial. Además de la capacidad que el alma tiene de contemplar, la luz
primordial es un conjunto de absolutos [...], esa capacidad existe de modo
genérico en el alma y va a delinearse después por una porción de circuns-
tancias concretas dentro de las cuales el alma vive. De manera que no se
puede decir que una persona, igualmente fiel a su luz primordial en dos
hipótesis [diferentes], llegue a tener exactamente la misma personalidad en
todos los puntos. 10

9)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 10/8/1957: “Objetivamente, luz primordial é o conjun-
to de perfeições de Deus correspondente ao mais ardente ponto de aplicação da inteligência e da von-
tade de cada homem. Subjetivamente, é o conjunto de virtudes necessárias para satisfazer o dinamismo
hierarquizado de suas melhores apetências e compreensões. Se ele é virtuoso, a maior e melhor curio-
sidade da inteligência, a maior e melhor apetência da vontade, aplicam-se com todas as suas forças pa-
ra o conhecimento desses pontos”.
10)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [Pastas MNF 01-10]: “A alma nasce com uma propensão de
uma capacidade para uma determinada luz primordial. Além da capacidade que a alma tem de contem-
plar, a luz primordial é um conjunto de absolutos, [...], essa capacidade existe de modo genérico na al-
ma e vai se determinar depois por uma porção de circunstâncias concretas dentro das quais a alma vive.

394 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

En otras palabras, hay un designio divino (luz primordial objetiva) el cual


representa una sed de absoluto presente en el alma, que siempre lleva hacia
lo Absoluto, es decir, Dios, y se desenvolverá en un proceso de conocimien-
to, según la respuesta de la persona a las circunstancias (luz primordial sub-
jetiva). Esto explica porque la misma virtud puede ser practicada de formas
muy diversas por personas diferentes en circunstancias distintas. Si tomamos
el caso de la inocencia, vemos que ella es un trazo común en todo ser huma-
no, pero una es la manifestación de la inocencia en un italiano o un español,
otra es, en un japonés o un sudanés. Pues bien, ese estilo propio de ser ino-
cente vendría definido por la luz primordial.
En las obras de San Agustín podemos encontrar algunos elementos que
explican mejor este mecanismo del alma. Él muestra que, para conocer, el
hombre parte de ciertas nociones y conceptos innatos en función de los cuales
hace una idea peculiar de Dios. 11 Tanto en el De Trinitate cuanto en el Contra
Faustum se pueden deducir los elementos esenciales de este proceso de cono-
cimiento, que parecen tener íntima relación con la luz primordial objetiva,
influenciando la luz primordial subjetiva.
Como la luz primordial se orienta hacia Dios, es con una intención pura
que ésta puede ser discernida con mayor facilidad, pero sin excluir que por
medio de la observación y la investigación naturales, aun fuera del estado de
gracia, pueda llegarse a conocerla. Como lo diría San Agustín, la mirada del
alma es la razón: “pero de aquí no se deduce que todo el que mira, ve; la mira-
da recta y perfecta que sigue a la visión, se llama virtud”. 12
San Agustín considera dos aspectos en el proceso cognitivo, que él llama
de iluminación: el hecho y el modo. Las diversas interpretaciones de los teó-
logos y filósofos se aplican en el modo; sobre el hecho ya existe consenso. Es
echando mano a una de las posibles interpretaciones del primero que se argu-
mentará a continuación. A priori eliminamos una interpretación ajena a San
Agustín, que consiste en la pasividad de la mente. Por otra parte, a pesar de la
persona ejercer una actividad intelectual propia, no se excluye una ilumina-
ción de Dios: hay una continua interacción entre el acto intelectivo y la acción
divina. El Hiponense trata del proceso cognitivo igualmente en sus Solilo-

De maneira que não se pode dizer que uma pessoa, igualmente fiel à sua luz primordial em duas hipóte-
ses [...], chegue a ter exatamente a mesma personalidade em todos os pontos”.
11)  Cf. Agustín. Confesiones. In: Obras de San Agustín. 7. ed. Madrid: BAC, vol. 2, 2005.
12)  Idem. Soliloquia. In: Obras de San Agustín. Madrid: BAC, 1946, vol. 1, p. 494: “Adspectus animae
ratio est: sed quia non sequitur ut omnis qui adspicit videat, adspectus rectus atque perfectus, id est,
quem visio sequitur, virtus vocatur”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 395
Notas sobre la tesis de la luz primordial

quia, sin llegar a delimitar hasta qué punto llega la iluminación divina y hasta
qué punto llega el papel de la criatura racional y de las causas segundas. 13 En
todo caso, ésta incógnita queda fuera de nuestro tema.
Considerando que la luz primordial objetiva está presente en el alma
humana como un germen, concedida por Dios al hombre desde su concep-
ción, veremos cómo Dios la supedita a factores hereditarios, lo que es admi-
rable tanto como admisible y comprensible. La luz primordial subjetiva,
como ya vimos, depende de la interacción de la persona con el mundo en el
cual vive, siempre en función de su última finalidad, que es conocer, amar y
servir a Dios.

Es un hecho que hay determinada perfección de Dios que, en última y


suprema instancia, es objeto del amor especialmente tierno, ardiente e
intenso del hombre. Pero sucede que cuando el hombre ama las perfeccio-
nes de Dios, no podemos decir que él ama en Dios apenas una perfección.
Todas las perfecciones de Dios son aspectos de una misma perfección. Por-
que Dios no tiene varias perfecciones, sino que Él es la propia perfección. Y
cuando el hombre ama una perfección, él naturalmente debe amar todas las
otras; de lo contrario él no ama aquélla. Y la perfección de Dios que está en
la luz primordial es sólo el pórtico para el hombre entrar después en el amor
de todas las perfecciones de Dios. 14
Siendo puestos los presupuestos de ese mecanismo de amor admirativo, se
puede ir a ciertos pormenores personales, imaginando la luz primordial en
cierta forma como la estrella que llevó los Magos a Belén. Cada hombre tie-
ne su propia estrella, su propia luz, y si la sigue llegará infaliblemente a Jesús
y a María.

Sucede que si yo amo una determinada perfección, yo amo, por un siste-


ma de constelaciones, las varias otras que son como que corolarios o aspec-
tos más próximos de ésta. Y después, otras y otras, a manera de grupos de
constelaciones jerarquizadas entre sí. De suerte que concretamente puede

13)  Cf. Ibid.


14)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 15/11/1957: “É fato que há uma determinada perfeição
de Deus que, em última análise, ou melhor, em última e supremíssima instância, é objeto do amor espe-
cialmente terno, ardente e intenso do homem. Mas acontece que quando o homem ama as perfeições de
Deus, não podemos dizer que ele ama em Deus apenas uma perfeição. Porque Deus não tem várias per-
feições, mas Ele é a própria perfeição. Todas as perfeições de Deus são aspectos de uma mesma perfei-
ção. E quando o homem ama uma perfeição, ele naturalmente deve amar todas as outras, senão ele não
ama aquela. E a perfeição de Deus que está na luz primordial é só o pórtico para o homem entrar depois
no amor de todas as perfeições de Deus”.

396 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

darse que una persona no haya todavía concientizado enteramente su luz


primordial. Ella entonces nota en si varias apetencias que pueden incluso
parecer dispares entre sí y que se unen por un hilo de oro, que está en el
subconsciente y que se trata de desenterrar para saber cuál es el punto del
cual proceden esos hilos. Entonces, allí se encontraría esa especie de cosa
suprema que la persona busca. Pero la luz primordial en sí misma, termi-
na siendo una, a pesar de brillar en aspectos secundarios bien diversos, en
cierta fase del desenvolvimiento de la persona. 15
Existiendo el aspecto subjetivo de la luz primordial, se puede preguntar
¿cuál sería la relación entre luz primordial y las condiciones de existencia de
la persona, del medio social en que vive? Según la mística pliniana, es nece-
sario tomar en consideración que el medio no determina de forma absoluta el
desenvolvimiento de la luz primordial objetiva, la cual es concedida por Dios
y cuyo germen permanece invariable. Su desdoblamiento y manifestación
dependerán de la luz primordial subjetiva, formándose, de la conjunción y de
las manifestaciones exteriores de las dos, lo que podemos llamar de caracte-
rísticas únicas del individuo, o en otras palabras, su personalidad.
Para utilizar una imagen del mundo vegetal, la luz primordial objetiva
sería la semilla de un pino. La luz primordial subjetiva sería la forma como
esa semilla crece: Si brota en una región de dunas al borde del mar, las raí-
ces serán amplias para ganar estabilidad, el tronco será bajo y retorcido por
las tempestades, las ramas seguirán la dirección del viento. Si la semilla se
desenvuelve en un bosque, el tronco será recto y buscará cuanto antes sobre-
pujar a los otros árboles para salir de la sombra y poder beneficiarse de la luz.
Si la semilla nace aislada, las ramas se ensancharán apenas el tallo brote del
suelo. Si la planta tuviese alma, su “luz primordial objetiva” sería ser pino. Su
“luz primordial subjetiva” sería la forma como ese pino crece. “La [luz pri-
mordial] objetiva consiste en perfecciones de Dios analógicamente expresa-
das en la Creación y en la Iglesia, y que constituyen el objeto propio de la ape-

15)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 15/11/1957: “Acontece que se eu amo uma determina-
da perfeição, eu amo, por um sistema de constelação, as várias outras que são como que corolários ou
aspectos mais próximos desta. E depois, mais outras e mais outras, à maneira de grupos de constelações
hierarquizadas. De maneira que concretamente pode dar-se que uma pessoa não tenha ainda trazido ao
consciente sua luz primordial inteira. Ela então nota em si várias apetências que, até mesmo, podem pa-
recer um tanto díspares entre si e que se ligam por um fio de ouro, que está no subconsciente, e que se
trata de desenterrar para saber qual é o ponto do qual esses fios procedem. Então, aí se encontraria a es-
pécie de coisa suprema que a pessoa procura. Mas a luz primordial em si mesma acaba sendo una, em-
bora brilhe em aspectos secundários bem diversos, em certa fase do desenvolvimento da pessoa”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 397
Notas sobre la tesis de la luz primordial

tencia. Por eso, para cada persona, sea la luz primordial subjetiva, sea la obje-
tiva, son personalísimas”. 16
Por otro lado, la luz primordial subjetiva puede ser favorecida o atacada
por el medio, haciendo que el desenvolvimiento de la luz primordial sea más
o menos difícil. Esto traerá la posibilidad de desarrollar métodos pastorales
de gran eficacia para la formación tanto de personas cuanto de conjuntos. El
medio favorecerá de modo más perfecto la luz primordial, en la medida en
que éste coloque a la persona en la actividad más armónica con su luz primor-
dial.

Subjetivamente hablando, la luz primordial es aquello que es necesario al


hombre para que el dinamismo jerarquizado de sus mejores apetencias y de
sus mejores comprensiones encuentre satisfacción. De manera que la mayor
o mejor curiosidad intelectual, la mayor o mejor apetencia de la voluntad se
aplican con todas sus fuerzas, cuando el hombre es virtuoso, para el conoci-
miento de esos puntos [relacionados con su luz primordial]. 17

La luz primordial objetiva dará solidez y constituirá la base para un desen-


volvimiento adecuado de la luz primordial subjetiva, funcionando a manera
de un farol, haciendo que la fidelidad a la luz primordial objetiva sea, en últi-
mo análisis, la fidelidad a Dios y sobre todo a lo que Él espera de cada hom-
bre.

Hay en ella [el alma] un núcleo estático que son las tendencias innatas y que
es el plan divino en relación a aquella persona. Pero hay un aspecto dinámi-
co: influencia del ambiente, etc. Así como el ambiente influye en la luz pri-
mordial [...], la luz primordial influye sobre el ambiente, moldeándolo. Hay
una reversibilidad entre esos elementos. 18

16)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 10/1957: “A objetiva são as perfeições de Deus ana-
logicamente expressas na Criação e na Igreja que constituem o objeto [próprio] da apetência. Portanto,
para cada pessoa, quer a luz primordial subjetiva, quer a objetiva são personalíssimas”.
17)  Idem. Reunião [MNF], 15/11/1957: “Subjetivamente falando, a luz primordial é aquilo que é necessá-
rio para o homem, para que o dinamismo hierarquizado de suas melhores apetências e de suas melhores
compreensões, encontrem satisfação. De maneira que a maior e melhor curiosidade intelectual, a maior
e melhor apetência da vontade aplicam-se com todas as suas forças, quando o homem é virtuoso, para o
conhecimento desses pontos”.
18)  Idem. Reunião [MNF], 08/10/1957: “Há nela um núcleo estático que são as tendências inatas, e que é
o plano divino em relação àquela pessoa. Mas há um aspecto dinâmico: influência do ambiente, etc. As-
sim como o ambiente influi sobre a luz primordial, [...], a luz primordial influi sobre o ambiente, mol-
dando-o. Há uma reversibilidade entre todos esses elementos”.

398 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

Es claro que las circunstancias de la vida pueden disociar las aspiraciones


que el alma tiene en función de su luz primordial objetiva, y la realidad que
va a modelar la luz primordial subjetiva. Imaginemos una persona que haya
nacido para ser gobernante, en una familia con larga tradición diplomática,
habituada al contacto con altas personalidades. Si por una razón, ella, siendo
bebé, queda huérfana y es adoptada, por un carpintero, crecerá en un medio
distinto del que normalmente se esperaría para ella. Esa persona podrá ser
de una fidelidad completa a su luz primordial objetiva, presente en su bagaje
hereditario, pero su luz primordial subjetiva será condicionada por el medio
social en el cual ella se mueve, y con eso su carácter y su temperamento for-
marán una riqueza de personalidad diferente de la que tendría, de no haber
quedado huérfana y adoptada. Esto porque “la luz primordial subjetiva es una
apetencia” 19 que va a ser saciada al sabor del desenvolvimiento de la vida de
la persona.
Aquí no hay nada de determinismo ni de eugenismo. Esto sería contra-
rio al Magisterio de la Iglesia, sin contar que las doctrinas deterministas tie-
nen un cariz de simplicidad pueril; más seria parece la teoría cuántica que
ha desenvuelto el concepto, mucho más sensato y próximo de nuestro traba-
jo, de amplitud de probabilidades. No existe en la luz primordial nada pare-
cido a una predestinación a la cual el hombre se deba someter de manera ine-
xorable, y a merced de la cual, por causa de unas reglas misteriosas coloca-
das por la Providencia como trampas en su camino, él en cualquier momento
puede caer en un precipicio y desviarse de su ruta sin saber cómo se desvió o
cómo volver a ella. Cada persona va a tener constantemente a su disposición
los medios para corresponder a la gracia de su luz primordial y a su llamado.
Estamos muy lejos de lo que podría ser una abominación que en nues-
tros días adquirió el título de determinismo biológico, utilizado por algu-
nos pueblos para proclamar una supuesta supremacía racial. Ni siquiera el
Determinismo Teológico Restringido (restricted theological determinism) de
Linwood Urban, tratando de conciliar los temas predestinación y libre arbi-
trio en San Agustín, es compatible con la luz primordial. En este trabajo se
parte del presupuesto de una libertad de conciencia, de decisión y de arbitrio
tan radical en el hombre, que el propio Dios la respeta. Dios no viola la con-
ciencia de ser humano alguno, y la Iglesia se hace eco de ese respeto cuan-
do afirma que de internis nec Ecclesia. Con mucha más razón, el hombre no

19)  Idem. Reunião [MNF], 10/1957: “A luz primordial subjetiva é uma apetência”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 399
Notas sobre la tesis de la luz primordial

puede manipular la conciencia de otro hombre, ni lo conseguiría aunque qui-


siese. Existe apenas la posibilidad de influenciar.
Como la luz primordial subjetiva se desenvuelve ad extra, por los estímu-
los que el alma recibe desde su entorno, se hace necesario estudiar el ambien-
te en el cual vive la persona, no olvidando que el hombre crea el ambiente,
pero éste, por su parte, tiene influencia sobre el hombre. Desde el punto de
vista personal, vale la pena dejar sentado que:

La luz primordial subjetiva es verdadera luz, porque además de ejercer


la función visual —comparable a la función del ojo que apenas ve sin ser
luz— es ella también la que ilumina las cosas haciéndolas comprensibles
para aquella persona. Un campesino, por ejemplo, puesto ante una obra de
arte, ve la misma cosa que un hombre culto; pero las perfecciones de la cul-
tura que existen en aquella obra le son incomprensibles y su luz primordial
subjetiva necesitaría antes iluminar aquella obra para después poder com-
prenderla. 20

La persona contemplará, natural o sobrenaturalmente, en función de las


apetencias presentes en su luz primordial. La cosa contemplada por causa
de esa apetencia, muy probablemente tendrá afinidades profundas con la luz
primordial de quien contempla, y por el hecho de amar, de alguna manera el
amante se asemeja al objeto, adquiriendo las cualidades morales que el mis-
mo representa. Si el hombre crece en un ambiente lleno de esas cosas afines,
encontrará posibilidades enormes de enriquecer su alma y desenvolverse en
la práctica de las virtudes.
Sintetizando. Podría concluirse haciendo un enunciado de luz primor-
dial que abarcase su sentido unívoco, su carácter jerarquizante, y los senti-
dos diversos de su división objetiva-subjetiva. De esta manera, diríamos que
la luz primordial es el principio rector de las tendencias de las potencias del
alma de una persona, conforme la vocación a que está llamada por Dios, y la
respuesta dada por ella, desenvolviendo su libertad en el contexto diverso y
específico de las acciones concretas.

20)  Idem. Reunião [MNF], 10/1957: “A luz primordial subjetiva é verdadeira luz, porque além de exer-
cer a função visual — comparável à função do olho que apenas vê e, portanto, não é luz — é também
ela que ilumina as coisas tornando-as compreensíveis para aquela pessoa. Um caipira, por exemplo, co-
locado diante de uma obra de arte, vê o mesmo que um homem culto; mas as perfeições da cultura que
existem naquela obra são incompreensíveis para ele, a sua luz primordial subjetiva precisaria antes ilu-
minar aquela obra para depois ele a poder compreender”.

400 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

2.  Luz primordial y su relación con la personalidad y los ambientes

Si bien la luz primordial puede no ser explicitada por cada persona, y en


la vida concreta no lo es por la mayoría de los hombres, eso no significa que
ella no esté continuamente presente en el alma humana, dando un matiz pro-
pio al raciocinio. Las criaturas sirven para elevarse a las cosas sobrenaturales
y divinas, y la realidad sobrenatural sirve, a su vez, para ayudar a comprender
mejor las naturales, en un proceso reversible donde cada categoría sustenta la
otra en lo que tiene de mejor:

Así como el hombre tiene una luz primordial y una forma de ser de su espí-
ritu muy acentuados, en la medida en que él se aproxima del Dios revelado
y de las verdades de carácter sobrenatural, cuanto más él sube en el orden
sobrenatural, tanto más él ama y comprende mejor esas verdades natura-
les para cuyo amor su espíritu fue creado. Imaginemos un metafísico que
se vuelva hacia la consideración de las verdades naturales, de los datos filo-
sóficos de la religión, por propensión de su espíritu. Cuanto más piadoso él
sea y más él suba en la fe, tanto más aquellas verdades naturales se ilumi-
nan, y tanto mejor metafísico él será. En sentido opuesto, podemos imagi-
nar cómo funcionaría en relación al desorden. El individuo podría recha-
zar su luz primordial, o rechazaría su forma de ser, para adoptar una otra, lo
que ya es una manera de rechazar la luz primordial. 21
En la contemplación de esas verdades en el orden natural o sobrenatural
en función de la luz primordial, entra una reversible conjunción de gracia y
naturaleza que se manifiesta en la personalidad, de suerte que “la luz primor-
dial es en sí un fenómeno, un hecho natural, pero completamente vuelto hacia
lo sobrenatural y que nunca existe sin lo sobrenatural”, 22 de tal manera que
la luz primordial en cuanto a su aspecto natural se refiere, al estar relaciona-
da con la personalidad, tiene unas características biológicas y genéticas sobre

21)  Idem. Reunião [MNF], 17/06/1958: “Assim como o homem tem uma luz primordial e um feitio de
espírito muito marcados, na medida em que ele se aproxima de Deus revelado e das verdades de ca-
ráter sobrenatural, quanto mais ele sobe na ordem sobrenatural, tanto mais ele ama e compreende me-
lhor essas verdades naturais para cujo amor seu espírito foi criado. Suponhamos um metafísico que se
volta para a consideração das verdades naturais, dos dados filosóficos da religião, por feitio de espíri-
to. Quanto mais ele fica piedoso e sobe na fé, tanto mais aquelas verdades naturais para ele se iluminam
e tanto mais esplêndido metafísico ele vai ficar. Em sentido oposto podemos imaginar como funciona-
riam as desordens. O indivíduo ou recusaria a sua luz primordial, ou recusaria o seu feitio de espírito
para adotar um diferente, o que já é uma maneira de recusa da luz primordial”.
22)  Idem. Reunião [MNF], 18/04/1974: “A luz primordial é de si um fenômeno, um fato natural, mas todo
voltado para o sobrenatural e que nunca existe sem o sobrenatural”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 401
Notas sobre la tesis de la luz primordial

las cuales nos detendremos. San Agustín afirma que las criaturas racionales
se forman ideas peculiares, (nosotros diríamos según personalidades diferen-
tes, o más precisamente, bajo el prisma de luces primordiales diversas), pero
sin destruir la unidad esencial de la Verdad inmutable y eterna, dando como
resultado una gran diversidad de ideas sobre Dios, aprehendidas por inteli-
gencias diferentes. 23
Conviene resaltar en el aspecto epistemológico del desarrollo de la luz pri-
mordial que se está estudiando, que hay siempre una conjugación entre lo
natural (alma, espíritu, personalidad, carácter, temperamento, circunstancias
históricas o sociales) y lo sobrenatural (gracia). El lado natural, el lado huma-
no, puede estar muy deteriorado, pero siempre habrá algo que cintila en la
persona y es un reflejo divino innegable, a partir del cual se puede restablecer
la llama que todavía humea y se puede recomponer la vara quebrada (cf. Mt
12, 20). En este sentido, observando en una iglesia a un pobre hombre, digno
de piedad, el Dr. Plinio comentaba:

Vi pasar delante de mí un hombre que era la última cosa que se puede decir
en materia de hombre; no se podía ser menos [...] veo que no estoy con-
siguiendo explicar toda la pobreza, toda la nulidad de esa pobre criatura
humana. Era visiblemente un bautizado. Se movía en el ambiente de la igle-
sia con una cierta naturalidad [...]. Ese hombre existe y por lo tanto, a su
modo, es una obra prima de Dios, desfigurado por los efectos del peca-
do original, por los efectos de los pecados próximos, de los ancestros de él
y otras cosas. Por defectos de él probablemente también, pero él, en el fon-
do, es una maravilla. Esa maravilla yo la encontraría y le prestaría homena-
je, porque hay en él una cintilación de Dios, que Dios había puesto en él y
en más nadie en toda la historia, y que, ni antes ni después, puso ni pondrá.
Cada hombre es por así decir un momento único de la historia de Dios. Y en
aquel pobre detrito había esto, que es necesario mirar y encontrar [...]. Fijé
mi mirada en él para descubrir qué forma de maravilla luciría allí e hice un
acto de fe: ¡Señor, él es hombre! ¡Tú te encarnaste hijo de Adán y eres Hom-
bre también! ¡Él es, por lo tanto, de la naturaleza humana que Vos asumis-
teis! ¡En él hay una maravilla! ¡Yo te respeto! 24

En la cita anterior, se describe la situación de una persona la cual proba-


blemente se desvió de los caminos que su luz primordial objetiva le señalaba,

23)  Cf. Alesanco Reinares, Tirso. Filosofía de San Agustín. Síntesis de su pensamiento. Madrid: Augus-
tinus, 2004, p.108-111.
24)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [Santo do Dia], 23/10/1985.

402 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

y las mil vicisitudes de la vida hicieron que no desenvolviese su luz primor-


dial subjetiva. La influencia de la luz primordial sobre el individuo, y la rela-
ción objetiva-subjetiva puede ser explicada, incluso para finalidades pasto-
rales, por la ciencia moderna.
La persona puede ser influenciada por los ambientes creados por ella mis-
ma. A título ilustrativo, cuando Talleyrand representó en el Congreso de
Viena una nación vencida, consiguió sorprendentes beneficios para su país.
Cuando el Rey Luis XVIII le escribió dando consejos sobre cómo dirigir la
diplomacia ante los representantes de las naciones vencedoras, Talleyrand
le respondió pidiendo apenas que le enviasen cocineros excelentes y mucho
queso Brie de primera calidad. Con la creación de ambientes ideales en tor-
no a la mesa, Talleyrand se responsabilizaba por el resto, y el resto lo resolvió
sorprendentemente bien. Y estamos hablando de hombres sumamente cultos,
intelectuales, diplomáticos y políticos. 25 Hoy en día no existen especialistas
en marketing y opinión pública que no reconozcan la ventaja de la creación
de ambientes para favorecer la transmisión de un mensaje (o la venta de algún
producto). Si el hombre aprovecha esos recursos en honra de Mamon, ¿por
qué no utilizarlos para honrar a Dios?
Como ya vimos, la luz primordial da un cierto tono, o si se quiere el esti-
lo, con el cual las otras virtudes serán practicadas, y que de alguna forma se
reflejará en todos los actos humanos. Así sucede con la personalidad, la cual
puede ser percibida en los menores gestos externos de la persona, tales como
el movimiento de manos, la forma de caminar, la postura o el tono de voz. Al
hablar de virtud nos referimos a ella lato sensu, no apenas como a una virtud
teologal o cardinal, pero sí, a todas las cualidades, características y compor-
tamientos morales que constituyen el conjunto de la personalidad, a tal pun-
to que:

La luz primordial es siempre un complejo de virtudes, como la caballero-


sidad, por ejemplo, que no consiste apenas en la justicia o en la fortaleza,
pero encierra otras virtudes: es un determinado modo de prudencia, de jus-
ticia, etc. La luz primordial es un complejo de virtudes ordenadas y coordi-
nadas entre sí, conforme a un principio fundamental. 26

25)  Pichot, Amédée. Souvenirs intimes sur M. de Talleyrand. Paris: Dentu, 1870, p. 329.
26)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 1957: “A luz primordial é sempre um complexo de
virtudes, como o cavalheirismo, por exemplo, que não consiste apenas na justiça ou na fortaleza, mas
compreende as outras virtudes: é um determinado modo de prudência, de justiça, etc. A ‘luz primordial’
é um complexo de virtudes ordenadas e coordenadas entre si, conforme um princípio fundamental”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 403
Notas sobre la tesis de la luz primordial

3.  Formas de expresión del alma

Las diferencias entre cada ser humano comienzan ya por el lenguaje y su


forma de describir el mundo exterior, así como su propio mundo interior. La
variedad de lenguajes sólo es una expresión de la diversidad de las mentes
que lo produjeron, donde la diversidad se da por factores innatos y culturales,
los cuales, a su vez, modelan las personalidades y los temperamentos, siendo
éstos influenciados por las características específicas de los ambientes don-
de la persona vive. Esta variedad, lejos de crear un mundo caótico, forma un
caleidoscopio armonioso donde unos se apoyan en los otros, puesto que “el
hombre como criatura racional puede ser considerado en su esencia (específi-
ca, claro está) como pensamiento o palabra. Ahora bien, siendo un ser racio-
nal, es un ser libre” 27 y es justamente en esta posibilidad de manifestarse que
un hombre consigue comunicarse con otro hombre.
No es ajeno al común de las personas que cada idioma posee riquezas de
expresión no encontrados en los otros; esas expresiones, así como todo tipo
de lenguaje en general, son manifestaciones de la estructura psicológica de
quien las creó. Así, sería difícil imaginar una nación como China, hablan-
do alemán, o Japón hablando francés, u obligar a Alemania a hablar italia-
no: habría algo en la constitución y en la estructura psicológica de esos pue-
blos que no encajaría. De modo análogo se puede extender el número de com-
paraciones para el lenguaje presente en la indumentaria, lo arquitectónico, lo
musical, etc.
La luz primordial lleva a la persona a comprender a Dios de forma —val-
ga la redundancia— comprensible y adaptada a su propia inteligencia y per-
sonalidad, a su propia forma de ser, a sus apetencias, a sus aspiraciones, a sus
proyectos de vida, e incluso a la forma en que enfrenta la caída en algún peca-
do y su forma de pedir perdón. La luz primordial, por causa de sus aspectos
dinámicos y personalísimos, hace que una infinitud de personas colocadas en
una situación hipotética exactamente igual para todas, reaccionen de formas
diferentes.

En nuestro concepto de luz primordial está envuelto algo que es el punto de


encuentro entre la inteligencia y la voluntad. La luz primordial no es apenas
aquello que el hombre comprende mejor, sino aquello por donde la voluntad

27)  Trstenjak, Anton. Dobro je biti človek. Ljubljana: Tiskarna Novo Mesto, 1988, p. 120: “Človek kot
umno bitje je po svojem bistvu (specifičnem seveda) res misel ali beseda sama. Toda kot umno bitje je
obenem svobodno bitje”.

404 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

es más movible: hay una especie de apetencia de aquello, que está en el fon-
do del ser, y que hace que la voluntad, en cuanto voluntad, sea más movi-
ble por aquello. De tal manera que, si un hombre fuese obligado a estudiar
muchas cosas ajenas a su luz primordial —por ejemplo, para no morir de
hambre—y conociese poco de su luz primordial, su voluntad sería continu-
amente solicitada más hacia lo que él conoce poco, de que para aquello que
él conoce mucho. Hay una especie de apetencia radical del ser que es armó-
nica con esta radical capacidad de comprender. 28

3.1.  Luz primordial: argumentos científicos y filosófico-teológicos

Hay una luz primordial en germen en la persona humana que con la con-
templación de Dios va a desenvolverse; esta capacidad contemplativa, en el
sentido de ver, comprender, asimilar o rechazar, la amplía el intelecto. Ya
vimos algunos aspectos que relacionan la luz primordial con la teoría del
conocimiento de San Agustín y no estaría de más agregar algunas considera-
ciones en ese sentido, mostrando, por otra parte, la congruencia de esa teoría
con la psicología moderna.
El proceso humano para conocer a Dios se desdobla en función de esta
fuerza motriz que es la luz primordial, la cual inspira la inteligencia, con base
en ciertos principios innatos. El aumento de esos conocimientos será orienta-
do y condicionado por la percepción de los reflejos divinos en la Creación, o
sea, en la realidad extrínseca que rodea a la persona. Este aumento parece no
diferenciarse del enunciado por San Agustín, al describir en De Trinitate el
proceso de conocimiento de la Verdad, o sea, de Dios:

Como pude, traté de explicar que esto no sucede cara a cara [con Dios],
pero sí por imágenes, por más débiles que sean, las cuales colocamos en la
conjunción de la memoria y la inteligencia de nuestra mente [...] Pero hay
una profundidad más secreta de nuestra memoria, donde encontramos esto
antes de pensarlo, donde es generado el verbo íntimo, que no pertenece a

28)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 8/5/1959: “No nosso conceito de luz primordial está
envolvido algo em que há um ponto de encontro entre a inteligência e a vontade. A luz primordial não
é apenas aquilo que o homem compreende melhor, mas é aquilo por onde a vontade é mais movível: há
uma espécie de apetência daquilo, que está no fundo do ser, e que faz com que a vontade, enquanto von-
tade seja mais movível por aquilo. De tal maneira que, se um homem fosse obrigado a estudar muitas
coisas alheias à sua luz primordial — por exemplo, para não morrer de fome — e conhecesse pouco de
sua luz primordial, sua vontade seria continuamente solicitada mais para o que ele conhece pouco do
que por aquilo que ele conhece muito. Há uma espécie de apetência radical do ser que é harmônica com
esta radical capacidade de compreender”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 405
Notas sobre la tesis de la luz primordial

ningún idioma, como si fuese una ciencia aprendida, [...] y que estaba laten-
te. 29

Parece no haber contradicción entre estas dos profundidades de la inteli-


gencia y los conceptos de luz primordial objetiva y subjetiva, según los cuales
la verdad se descubre y va tomando forma y colorido a través del racioci-
nio en el contacto con el mundo externo. Este descubrimiento de la verdad
va siendo iluminado por la gracia, pero teniendo una base innata, en la cual
podría descubrirse esa profundidad del intelecto que no fue aprehendida. El
raciocinio hecho permanece en la memoria, conviviendo con los principios
sinderéticos y desde el punto de vista natural, es lógico pensar que aquí esté
concernida la psicología de la persona, su forma de ser y su estilo de pensar;
siendo todo este conjunto iluminado por la gracia, la cual, a su vez, no hace
parte de ningún lenguaje convencional.
Para llegar a la Verdad, se pasa por un acervo intelectual acumulativo que
va siendo conservado por la memoria, habiendo una conjugación de intelecto
desenvuelto y favorecido por la gracia. 30 Al encuentro de este planteamiento
van las recientes propuestas de la teología genética estructuradas por Fernan-
do Rielo, según las cuales sólo la concepción genética del principio de rela-
ción puede fundamentar una teoría del conocimiento. 31
Siendo lo natural tan importante en cuanto apoyo para lo sobrenatural,
huelga decir, que incluso la medicina ortomolecular, a través de estudios de
la constitución genética del paciente, consigue descubrir no apenas patologías
que el paciente tuvo en su juventud, o malestares de sus antepasados, pero
también características psicológicas propias y las de sus ancestros. 32 Estas
consideraciones parece necesario tenerlas en cuenta para poder comprender
el alcance moral y teológico del tema.

29)  Agustín. De Trinitate. In: Œuvres complètes de Saint Augustin. Paris: Vivès, 1871, v. 27, p. 547:
“Quemadmodum potui, non ut illud iam facie ad faciem, sed per hanc similitudinem in aenigmate
quantulumcumque coniciendo videretur in memoria et intellegentia mentis nostrae, significare curavi:
[...] Sed illa est abstrusior profunditas nostrae memoriae, ubi hoc etiam primum cum cogitaremus inve-
nimus, et gignitur intimum verbum, quod nullius linguae sit, tamquam scientia de scientia, [...] sed la-
tebat”.
30)  Cf. Oroz Reta, Jose; Galindo, Rodrigo. El pensamiento de san Agustín para el hombre de hoy. I. La
filosofía agustiniana. Valencia: Edicep, 1998, p. 430-431.
31)  Cf. Rielo, Fernando. Rielo: poeta y filósofo. Madrid: Fundación Fernando Rielo, 1991, p. 270.
32)  Cf. Runge, Marshall Stevens; Patterson, Cam. Principles of Molecular Medicine. Totowa: Humana
Press, 2006; Bennett, Robin L. The Practical Guide to the Genetic Family History. New Jersey: John
Wiley and Sons, 1999, p. 251.

406 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

La psicología moderna admite sin reparos haber aspectos heredados de


la personalidad, independientes de la voluntad del individuo, los cuales se
van desenvolviendo a medida que el hombre tiene contacto con el mundo, los
cuales van a dar matices innumerables a las diferentes manifestaciones de la
luz primordial y que actúan dejando impronta.

Los genes influyen en la forma como nosotros respondemos al medio que


nos rodea, pero ellos no construyen un organismo insensible a las presio-
nes externas. [...] Inicialmente, el desenvolvimiento de la personalidad será
gobernado principalmente por la estructura del genoma del individuo. [...]
Un gran dogma de la ciencia social en este siglo fue que la naturaleza del
hombre consiste en no tener naturaleza [...]. La evidencia acumulada duran-
te la década precedente muestra que esa opinión es empíricamente insus-
tentable. 33

Se infiere de aquí la existencia de una relación estrecha entre factores como


personalidad, cultura y conocimiento. La ciencia moderna acude en apoyo de
éstos postulados, pues, es unánime la opinión de los científicos sobre la rela-
ción e interdependencia del desenvolvimiento de la personalidad y el medio
en el cual vive el individuo. Existe también una interacción entre cultura y
personalidad, la cual es explicada en un estudio exhaustivo de psicología reu-
niendo la opinión de psicólogos de vanguardia, afirmando que

las personas tienen un plano diseñado para las partes básicas de sí mismo,
pero el sí mismo es construido a través de la interacción con el medio con
el cual se tiene contacto. [...] Se da forma a la personalidad a través de los
factores genéticos y de los factores del medio; entre los más importantes
de éste último, están las influencias culturales [...]. La cultura consiste en
compartir sistemas de significados que proveen las referencias para perci-
bir, creer, evaluar, comunicar y actuar entre aquellos que comparten un len-
guaje, un período histórico y una situación geográfica. La cultura [...] tra-
ta especialmente con los valores y las normas que gobiernan y organizan un
grupo humano [...], definiendo características y comportamientos que son

33)  Deary, Ian J. Foundations of Personality. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1993, p. 5; 157;
176: “Genes influence the way we respond to the environment, but they do not construct an organism
that is insensitive to outside pressures. [...] As a result, behavior is seen as an ongoing stream of per-
son-situation transactions, affected by characteristics of the person and the situation. [...] Initially, per-
sonality development will be governed mainly by the genotypic structures of the individual. [...] A
long-standing dogma in this century’s social science has been that the nature of humans is that they
have no nature [...] Evidence has been accumulating over the past decade that this view is untenable
empirically”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 407
Notas sobre la tesis de la luz primordial

interpretados apropiada o inapropiadamente para un grupo organizado [...].


La cultura también especifica el contexto y el medio (es decir, lugares espe-
cíficos, tiempo y estímulos) en el cual existe la etnicidad. 34

Esto es bajo el punto de vista natural. Sobre todo es interesante la expre-


sión que define la cultura como “compartir sistemas de significados”. Si esto
se da ya para las relaciones meramente naturales, ¿por qué no utilizar esta
herramienta cultural para extenderla al mundo de la gracia? San Agustín con-
sidera que Dios actúa de dos formas en el alma. Una primera que podríamos
llamar pasiva (sobre la cual reposaría la luz primordial objetiva), formada por
elementos naturales, prenociones innatas, por los principios sinderéticos y, en
función de la psicología moderna, con todo el bagaje hereditario de la perso-
na.
Hay una segunda forma, por medio de la cual Dios se hace presente con-
tinuamente a través de una acción extrínseca al hombre, y en nuestro caso
estaría relacionada con la luz primordial subjetiva: es la acción de la gra-
cia a través de los símbolos que vemos en la Creación y nos permite compa-
rar las cosas que se ven, con las matrices que cada hombre tiene en el alma.
Detallando aquello con las propias palabras de San Agustín:

Nosotros percibimos que otros seres viven por causa del movimiento de
los cuerpos, porque los conocemos por analogía con nosotros, siendo que
es gracias a la vida que nosotros también movemos nuestro cuerpo, como
vemos que se mueven los otros. Ahora bien, con el movimiento de un cuer-
po viviente, no se nos abren de ninguna manera los ojos para ver el alma, la
cual no puede ser vista con los ojos, pero sentimos haber algo en esa masa
que está también dentro de nosotros y que se mueve de forma semejante, es
decir, la vida y el alma [...]. Los ojos ven apenas los cuerpos: pero es el alma
la que puede ser justa en el hombre, y cuando decimos que alguien es jus-
to, nos referimos al alma, no al cuerpo. Hay pues una belleza del alma jus-
ta que hace bellos a los hombres, aunque muchos puedan tener defectos y

34)  John, Oliver P.; Robins, Richard W.; Pervin, Lawrence A. Handbook of Personality: Theory and Re-
search. Nueva York: The Guilford Press, 2008, p. 437; 542: “... people have a genetic blueprint for the
basic parts of the self, but the self is assembled through interaction with the current environment [...]
Personality is shaped by both genetic and environmental factors; among the most important of the lat-
ter are cultural influences [...] Culture consists of shared meaning systems that provide the standards for
perceiving, believing, evaluating, communicating, and acting among those who share a language, a his-
toric period, and a geographic location. Culture [...] deals specifically with the values and norms that
govern and organize a group of people [...], defining characteristics and behaviors that are deemed ap-
propriate or inappropriate for an organized group. [...] Culture also specifies the context and environ-
ment (i.e., specific place, time, and stimuli) in which ethnicity exists”.

408 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

deformaciones físicas. [...] Pero lo que deja estupefacto es que veamos en el


alma cosas que no vimos en otra parte, y que lo veamos verdaderamente. 35

Si la teoría y el vocabulario de la luz primordial la hubiese conocido San


Agustín, hubiese tal vez podido decir sin dificultad, que la frase anterior
explicita la aplicación de la inteligencia a la consideración de la Creación y de
Dios, de acuerdo con la luz primordial subjetiva a partir de los presupuestos
que le da la luz primordial objetiva. De forma semejante, algunos siglos más
tarde, Santo Tomás, hablando sobre las aptitudes, parece afirmar que éstas
dependen también de una parte innata y de otra extrínseca al hombre: “Pero
otros dijeron que en lo que se refiere a las aptitudes, las ciencias y las virtudes
están en nosotros por naturaleza, pero no en cuanto perfección, como dice el
Filósofo en II Ética. Ésta es la mejor opinión”. 36
En otras palabras, hay una matriz a partir de la cual la inteligencia de la
persona humana se desenvuelve, en vez de partir de una tabula rasa abso-
luta como algunas teorías psicológicas caducas afirmaban (el conductismo,
por ejemplo) y que actualmente han perdido autoridad en el mundo académi-
co. Y es que la luz primordial es una aptitud, como ya se dijo, así como vimos
que la luz primordial objetiva depende de factores naturales. Esto parece con-
firmarse cuando Santo Tomás, sin utilizar un lenguaje científico contempo-
ráneo, subordinaría las aptitudes a un factor genético “lo que es natural al
hombre por parte del cuerpo según la especie, de alguna manera se refiere
al alma, en cuanto que determinado cuerpo es proporcionado a determina-
da alma”. 37
La luz primordial, dado su vínculo con la personalidad, estará interactuan-
do continuamente en armonía con las aptitudes que Dios le concedió. Para

35)  Agustín. De Trinitate. In: Œuvres complètes de Saint Augustin. v. 27, Paris: Vivès, 1871, p. 351:
“Nam et motus corporum, quibus praeter nos alios vivere sentimus, ex nostra similitudine agnoscimus;
quia et nos ita movemus corpus vivendo, sicut illa corpora moveri advertimus. Neque enim cum cor-
pus vivum movetur, aperitur ut ulla via oculis nostris ad videndum animum, rem quae oculis videri non
potest; sed illi moli aliquid inesse sentimus, quale nobis inest ad movendam similiter molem nostram,
quod est vita et anima. [...] At oculis non vidit nisi corpora; iustus autem in homine non est nisi animus,
et cum homo iustus dicitur, ex animo dicitur, non ex corpore. Est enim quaedam pulchritudo animi ius-
titia, qua pulchri sunt homines, plerique etiam qui corpore distorti atque deformes sunt. [...] Illud mi-
rabile ut apud se animus videat quod alibi nusquam vidit, et verum videat, et ipsum verum iustum ani-
mum videat”.
36)  Tomás de Aquino. Summa Theologiae, I-II, q. 63, a. 1, co.: “Alii vero dixerunt quod secundum apti-
tudinem scientiae et virtutes sunt in nobis a natura, non autem secundum perfectionem: ut Philosophus
dicit, in Ethic. Et hoc verius est”.
37)  Ibid.: “Quod enim est naturale homini ex parte corporis secundum speciem, quodammodo refertur ad
animam: inquantum scilicet tale corpus est tali animae proportionatum”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 409
Notas sobre la tesis de la luz primordial

especificar un poco más lo expuesto, en la misma cuestión 63, Santo Tomás


afirma que:

En la razón del hombre están presentes naturalmente ciertos principios,


naturalmente conocidos sea en el orden del saber, sea en el orden del actu-
ar, los cuales son semillas de las virtudes intelectuales y morales. [...] Según
esto, un hombre tiene aptitud natural para la ciencia, otro a la fortaleza,
otro a la temperancia. Y de esta forma, las virtudes intelectuales y las vir-
tudes morales, en cuanto cierto principio de aptitud, existen naturalmente
en nosotros. 38

De lo expuesto se infiere que se puede relacionar sin problema la luz pri-


mordial con la explicación de San Agustín, sobre la capacidad intelectual del
hombre para conocer la verdad, si está debidamente iluminado por Dios, en
una conjunción de factores naturales y sobrenaturales. 39 También vimos los
trazos comunes encontrados entre esos postulados y la teoría del conocimien-
to en Santo Tomás. Nunca está de más resaltar que el intelecto puede ayudar
a las virtudes, que son lógicamente siempre ordenadas hacia Dios, y son ellas,
las virtudes naturales y las sobrenaturales, en unión con los dones, gracias
actuales, etc., las que ayudan al hombre a completar su caminar en esta tierra
hasta llegar a ver la luz que ilumina todas las luces primordiales.

3.2.  Los caracteres hereditarios y carácter social de la luz primordial


Para llevar los argumentos presentes hacia un enfoque pastoral, nos exten-
deremos sobre los aspectos de la luz primordial que inciden más específica-
mente sobre su aspecto subjetivo, dada su relación con los factores heredi-
tario y cultural en la formación de la personalidad, y por ende, su carácter
social. Esto tiene su aplicación evidente en la espiritualidad, pues, es en los
actos humanos que se perciben las posturas morales.
Si bien la psicología prescinde del significado teológico de la persona, son
sus actitudes las que externarán sus virtudes o sus pecados. Y, si bien el tema
de la personalidad es tan delicado que no existe todavía una definición uni-

38)  Ibid.: “In ratione hominis insunt naturaliter quaedam principia naturaliter cognita tam scibilium quam
agendorum, quae sunt quaedam seminalia intellectualium virtutum et moralium. [...] Et secundum hoc,
unus homo habet naturalem aptitudinem ad scientiam, alius ad fortitudinem, alius ad temperantiam. Et
his modis tam virtutes intelectuales quam morales, secundum quandam aptitudinis inchoationem, sunt
in nobis a natura”.
39)  Cf. Pegueroles, Juan. Pensamiento filosófico de San Agustín. Barcelona: Labor, 1972, p. 39-40.

410 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

versalmente adoptada sobre la misma, hay elementos muy útiles en la psico-


logía moderna para estudiar el comportamiento moral. Esta indefinición no
afecta la elaboración del trabajo, puesto que nos interesa apenas mostrar la
unanimidad de las diversas escuelas sobre la formación de la personalidad, y
no necesariamente sobre su concepto.

Si las escuelas europeas acentúan más las disposiciones heredadas y las


americanas y anglosajonas, por el contrario, insisten más en las adquiridas,
hoy se está de acuerdo sobre el hecho de que las cualidades adquiridas sólo
se dan sobre la base de las disposiciones innatas y éstas sólo existen trans-
formadas por el entorno. 40

Para profundizar algo más en el concepto de luz primordial en cuanto se


refiere a un fenómeno natural íntimamente relacionado con la personalidad,
las escuelas de psicología dan pleno respaldo a la teoría de la diversidad de las
luces primordiales en función del carácter hereditario. El estudio de la per-
sonalidad permite incluso, proyectar una acción pastoral en función de ésta,
pues es ella la “que permite hacer una predicción de lo que haría una persona
en una situación dada”. 41 Esta predicción, no está de más repetirlo, nada tie-
ne en relación con el determinismo, pero hay una serie de plausibilidades que
pueden ser consideradas, y en ese sentido se pueden tener elementos más sóli-
dos al momento de elaborar un plan pastoral. Se podría hablar incluso de un
ritmo fundamental o principal relacionado con el sentido del ser, y condicio-
nado por la luz primordial, el cual

tiene su punto de partida en lo orgánico, porque eso es lo más extraordina-


rio y que constituye el sello fundamental del hombre que desemboca en su
luz primordial, porque el alma unida a un cuerpo que tiene esos predicados,
es marcada por esos predicados y de allí viene la luz primordial, y desea
absolutos que están en conexión con eso [...] De suerte que, por más incre-
íble que sea, el punto de partida de la luz primordial es el cuerpo. Ahora,
ese ritmo fundamental, a su vez es una consecuencia de un elemento ante-
rior común a todo cuerpo, y ese elemento es el punto de partida de la luz
primordial. 42

40)  Brugger, Walter. Diccionario de filosofía. Barcelona: Herder, 1983, p. 425-426.


41)  Cattell, Raymond. Intelligence: Its Structure, Growth and Action. Amsterdam: Elsevier Science
Publishers, 1991, p. 2: “... that which permits a prediction of what a person will do in a given situation”.
42)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 11/06/1973: “...tem seu ponto de partida no orgânico,
porque isso é o mais extraordinário e que constitui impronta fundamental do homem que dá na sua luz
primordial, porque a alma ligada a um corpo que tem esses predicados, ela é marcada por esses predi-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 411
Notas sobre la tesis de la luz primordial

Apenas para precisar en función de posibles explicaciones del tema, es


bueno clarificar que dentro de los componentes de la personalidad, el carácter
es la parte del alma más estrechamente relacionada con la luz primordial. La
personalidad vendrá a ser construida con base en el carácter y en el desenvol-
vimiento de la luz primordial subjetiva. Del punto de vista psicológico tene-
mos:

El carácter viene dado, en parte, genéticamente, y es directamente influen-


ciado por factores psicológicos y sociales. La personalidad, en cambio, es
expresión de la libertad humana frente a éste. La persona es así libre —o
puede serlo— ante el carácter: decide acerca de él, decide sobre sí mismo, y
también, para la personalidad: para ser de una manera o de otra. 43

Investigadores y científicos de diversas corrientes, como Cloninger,


Zuckerman, Amelang, Bartussek, Eysenck, Gray, Marwitz, Stemmler y
Davidson agrupan incluso las personalidades en contextos étnicos y cultu-
rales. 44 Si bien, que basados en teorías diversas para explicar el fenómeno, las
divergencias de los científicos son más en cuanto a matices y no propiamente
a los fundamentos. Resumiendo:

Así pues, hay claros indicios acerca de una influencia genética sobre la per-
sonalidad; esa influencia se hace visible por diferencias individuales en el
sistema biológico (y de allí seguramente en las funciones del cerebro). Los
descubrimientos en relación con muchas de las características de la per-
sonalidad mencionados en este capítulo demuestran que los individuos se
diferencian en sus reacciones biológicamente determinadas y que esas dife-
rencias tienen efectos en el comportamiento social. Por eso, una compren-
sión total de las diferencias de personalidad sin recurrir a conceptos biopsi-
cológicos no es posible. 45

cados e daí vem a luz primordial, e quer absolutos que estão em conexão com isso. [...] De maneira que
por mais incrível que seja, o ponto de partida da luz primordial é o corpo. Agora, esse ritmo fundamen-
tal, por sua vez é uma decorrência de um elemento anterior comum a todo o corpo, o qual elemento é o
ponto de partida da luz primordial”.
43)  Vial Mena, Wenceslao. La antropología de Viktor Frankl. Santiago de Chile: Universitaria, 2000, p.
124.
44)  Cf. Amelang, Manfred; Bartussek, Dieter; Stemmler, Gerhard; Hagemann, Dirk. Differentielle
Psychologie und Persönlichkeitsforschung. 6.ed. Stuttgart: Kohlhammer, 2006, p. 338-339.
45)  Ibid.: “So gibt es beispielsweise klare Belege für einen genetischen Einfluss auf die Persönlichkeit;
dieser Einfluss muss durch individuelle Unterschiede in den biologischen Systemen (und damit sicher-
lich auch in den Funktionen des Gehirns) vermittelt werden. Die Befunde im Zusammenhang mit vie-
len der in diesem Kapitel angesprochenen Persönlichkeitsmerkmale zeigen ja, dass sich Individuen in

412 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

Las diversas características de las personas dependen en buena medida de


disposiciones hereditarias que serán modeladas por el esfuerzo y la influencia
del entorno social y cultural, entorno que nunca podrá remplazar esas carac-
terísticas enteramente. 46 Dada la unicidad de la persona, por algún aspec-
to, ella será insuperable, y es por donde el principio de Santo Tomás sobre la
diversidad de los seres alcanza su significado más profundo. En relación con
esto se puede mencionar el aporte de Cattell, el cual relata que “Spearman, en
la reunión de la British Association en 1928 [...] dio una conferencia resaltan-
do la probabilidad de que cada individuo es en algo, un genio”, 47 y en el mis-
mo libro se extiende sobre la relación entre posibles manifestaciones de habi-
lidades geniales en ese sentido de unicidad, con etnia y cultura. 48

3.3.  Alma y naturaleza en relación con la luz primordial


A pesar de la aproximación estrictamente científica en relación a los fenó-
menos intelectuales, la psicología necesariamente acepta la existencia de un
factor llamado espíritu, pero en términos teológicos frecuentemente se refie-
re al alma, y es un factor que escapa a cualquier tentativa de reducción a prin-
cipios científicos, de algún modo, aunque indirecto, las ciencias positivas lo
mencionan. Interpretando los trabajos de Frankl y Scheler, autores recientes,
se afirma que:

También la referencia al “espíritu” no es al acaso: ya para Scheler la “deter-


minación personal” está íntimamente relacionada con la dimensión intelec-
tual del hombre; [el espíritu] es el “responsable [...] por la personalidad inte-
lectual en nosotros”. El entorno y el destino, por el contrario, están relacio-
nados originalmente con las camadas vitales y psíquicas del hombre. 49

ihren biologisch determinierten Reaktionen unterscheiden und dass diese Unterschiede Auswirkungen
auf das soziale Verhalten haben. Deshalb wird ein volles Verständnis von Persönlichkeitsunterschieden
ohne Rückgriff auf biopsychologische Konzepte nicht möglich sein”.
46)  Cf. Kretschmer, Ernst. Geniale Menschen. Berlin: Springer, 1958, p. 59.
47)  Cattell, Raymond. Intelligence: Its Structure, Growth and Action. Amsterdam: Elsevier Science
Publishers, 1991, p. 31: “Spearman, at a meeting of the British Association in 1928 [...] delivered a lec-
ture pointing out the likelihood that every individual is a genius at something”.
48)  Cf. Ibid., p. 355-365
49)  Batthyány, Dominik; Zsok, Otto. Viktor Frankl und die Philosophie. Viena: Springer, 2005, p. 138:
“Und auch die Rede von‚ ‘Geist’ kommt nicht von ungefähr: Schon für Scheler ist die ‘individuelle Be-
stimmung’ aufs engste mit der geistigen Dimension des Menschen verknüpft, ja sie ‘besteht [...] nur für
die geistige Persönlichkeit in uns’. Umwelt und Schicksal hingegen hängen ursprünglich mit den vita-
len und psychischen Schichten des Menschen zusammen”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 413
Notas sobre la tesis de la luz primordial

Esta afirmación podría ser completada añadiendo lo sobrenatural en la


vida humana. La dinámica del alma se desenvuelve a partir de analogados
primarios que sirven de modelo moral, pues la moral no se hace al sabor de
las circunstancias ni de las épocas. Ese proceso moralizante se puede explicar
en otros términos, en cuanto a la formación de valores según la observación y
desenvueltos con base a procesos intuitivos:

Los trascendentales que reflejan esos modos de perfección no son el pro-


ducto ni de un procedimiento a priori-deductivo, ni de un procedimiento a
posteriori-inductivo; es decir, no son ni deducidos ni inducidos, pero más
bien, reflejan otras intuiciones, o sea, percepciones inmediatas dentro del
carácter del ser en cuanto esse [...]. A este darse cuenta son añadidas otras
intuiciones inmediatas, tales como percibir que la verdad y la bondad del
ser no es su esencia propiamente dicha, puesto que implican limitaciones. 50

El tonus que adoptará el individuo, eso sí dependerá de su luz primordial,


subordinado a la fidelidad a la gracia, sin negar la substancia del principio. La
formación moral de la persona, la elaboración de principios y los juicios de
valor, dependen en buena medida de las observaciones que ésta tenga opor-
tunidad de hacer al convivir en un cierto ambiente. Es de imaginar que mien-
tras más el ambiente sea afín con las características de la persona, mayor será
su influencia sobre ésta:

Comulgar significa dar informaciones sobre un mundo mentalmen-


te proyectado. Esto puede —dependiendo de las capacidades humanas—
suceder cuando las informaciones se refieren a constitutivos del mundo.
Una “información total” sobre el mundo no es posible al hombre. Pero por
otra parte, como ya fue mencionado, es posible una categorización articu-
lada conceptual del mundo, que encuentre su reflejo en el lenguaje hablado.
La categorización se da primariamente desde el aspecto ingenuo-antropo-
céntrico, es decir, de la perspectiva de la existencia filogenética condicio-
nada del hombre. 51

50)  Badillo, Robert P. The Emancipative Theory of Jürgen Habermas and Metaphysics. Washington:
George McLean, 1991, p. 132: “The transcendental that reflect these modes of perfection are not the
product of either a priori/deductive or a posteriori/inductive procedure; i.e., they are neither deduced
nor induced from, but, rather, reflect further intuitions, i.e., immediate insights, into the character of be-
ing as esse [...]. With this realization are added other immediate intuitions, such that the truth and good-
ness of being is not its essence properly speaking, since this implies limitations”.
51)  Jachnow, Helmut; Dönninghas, Sabine. Personalität und Person. Wiesbaden: Harrossowitz, 1999,
p. 7: “Kommunizieren bedeutet, Informationen über mental projizierte Welt zu geben. Dies kann — den
menschlichen Fähigkeiten entsprechend — nur geschehen, wenn die Informationen sich auf Konstitu-

414 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

Estas últimas referencias explican el proceso psicológico y natural que


se da para la formación de convicciones morales y para adoptar posturas de
aceptación o rechazo a vicios o virtudes, teniendo siempre como fundamen-
to los principios primeros. Al mismo tiempo, justifican la necesidad de con-
vivencia del ser humano con sus semejantes. No es sin razón, que la Iglesia
es comunidad, y la Eucaristía un ágape: Dios coloca en el hombre el instin-
to gregario, podemos conjeturar, principalmente para ese fin, antes que para
fines meramente biológicos, como la sobrevivencia o la perpetuación de la
especie. Aquí encontramos una de las aplicaciones, tal vez de las más signi-
ficativas y profundas del principio de Santo Tomás, en el cual él expone la
necesidad de que los seres se sustenten en sus deficiencias con las cualidades
de sus semejantes.
La formación de las convicciones, igualmente como la interpretación de
principios, tienen su reflejo en la concepción moral y religiosa del individuo,
y en último análisis, hasta en la investigación teológica, pues en las matiza-
das descripciones de algún tema, hechas por psicologías diversas, frecuente-
mente se encuentra el camino para novedosos descubrimientos: “En esa fun-
ción crítica, la teología puede asumir fisionomías diferentes, dependiendo de
la plausibilidad cultural en vigor”. 52 Es decir, que “la diferencia de las inter-
pretaciones se sitúa al nivel cultural y teológico”. 53 A conclusiones semejan-
tes en el campo social llegan los trabajos de Budi Kleden, Ch. A. Bernard,
y sobre todo los estudios sobre la relación alma-cuerpo en la concepción de
Viktor Frankl. 54
Para finalidades teológicas, es posible encontrar en los estudios psicoló-
gicos elementos para mostrar que el hombre no es modificado pasivamente
por el ambiente, pero tiene un amplio margen de decisión, 55 siendo siempre
ayudado por la gracia; lo denominado en teología simplemente de libre albe-

enten von Welt beziehen. Eine ‘total Information’ über die Welt ist dem Menschen nicht möglich. Hin-
gegen ist, wie bereits erwähnt, eine gliedernde konzeptuelle Kategorisierung der Welt möglich, die ih-
rer Reflex im Sprachlichen finde kann. Die Kategorisierung erfolgt primär aus naiv-anthropozentri-
scher Sicht, d.h. aus der Perspektive der phylogenetisch bedingten Existenz des Menschen”.
52)  Budi Kleden, Paulus. Christologie in Fragmenten. Münster: LIT Verlag, 2001, p. 400: “In dieser kri-
tische Funktion kann die Theologie verschiedene Gestalten annehmen, je nachdem, welche kulturelle
und herrschende Plausibilität sie vor sich hat”.
53)  Bernard, Charles André. Théologie Mystique. Paris: Les Éditions du Cerf, 2005, p. 184: “La diffé-
rence des interprétations se situe au niveau culturel et théologique”.
54)  Cf. Villanueva, J. Intorno al body-mind problem. Acta Philosophica, 3, 1994, p. 135-143.
55)  Cf. Frankl, Victor. Die Psychotherapie in der Praxis. In: Gesammelte Werke 3. Viena: Böhlau, 2008,
p. 386.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 415
Notas sobre la tesis de la luz primordial

drío. En relación con eso, el papel preponderante que ejerce la luz primordial
en los actos de intelección humana, en la capacidad de escogerlos libremente,
así como en los criterios de selección, en la aplicación de su voluntad y en la
manifestación de su sensibilidad viene regido por un principio:

El punto de partida de esta idea es lo siguiente: que las cosas congéneres


se influyen mutuamente; y cuando el hombre tiene una virtud dominante,
esta virtud es dominante no apenas porque domina al hombre, pero sobre-
todo porque en la parte buena del hombre, ella ejerce un dominio eminente,
y todo cuanto hay de bueno en el hombre es impelido por esa virtud domi-
nante. Es la luz primordial de él, en nuestro caso. Ahora, cuando el hombre
se entrega a un pecado que es un pecado supereminente, todo cuanto hay
de malo en él es contagiado por ese pecado supereminente, por la natural
intercomunicación que hay entre los congéneres. Ahora, el pecado es afín
al pecado y la virtud es afín a la virtud. De allí que en los respectivos géne-
ros, lo más eminente debe dominar. 56
La relación de la luz primordial con las potencias del alma es fundamen-
tal, puesto que, si la luz primordial es de alguna forma el farol que ilumina la
inteligencia, es porque a la luz de ese farol las cosas serán mejor comprendi-
das; pero de aquí también se deduce que esa comprensión posibilita la mejor
forma de amar. Es decir, habría como un punto de procedencia, un incentivo
muy fuerte para la inteligencia y la voluntad para actuar, y que termina for-
mando la personalidad, interpretando los movimientos de alma y orientando
la sensibilidad de acuerdo con principios morales.

Se nota que, conforme el enunciado de las cuestiones, la luz primordial pri-


mero modela la mentalidad y después la mentalidad modela los hábitos,
instintos, etc. ¿Por qué? ¿Por qué no decimos directamente que la luz pri-
mordial modela los hábitos, los instintos, etc.? Dado que la inteligencia es el
elemento más noble del espíritu humano, sobre todo si la consideramos en
cuanto sede de la sabiduría, es evidente que cualquier acción profunda que

56)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [Santo do Dia], 17/10/1980: “O ponto de partida desta ideia é
o seguinte: que as coisas congêneres se influenciam mutuamente; e quando o homem tem uma virtu-
de dominante, esta virtude é dominante não só porque domina o homem, mas sobretudo porque na par-
te boa do homem ela exerce um domínio eminente, e tudo quanto há de bom no homem é impulsiona-
do por essa virtude dominante. É a luz primordial do homem, no nosso caso. Agora, quando o homem
se entrega a um pecado que é um pecado supereminente, tudo quanto há de ruim nele é contagiado por
esse pecado supereminente, pela natural intercomunicação que há entre os congêneres. Ora, o pecado
é congênere do pecado e a virtude é congênere da virtude. Logo, nos respectivos gêneros, o mais emi-
nente deve dominar”.

416 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

se ejerza sobre el hombre debe comenzar por dominar su inteligencia y sólo


después es que pasará a sus demás facultades. 57

No es despreciable el papel de la luz primordial en la espiritualidad del


hombre. Ésta es guiada por aquella, iluminada, inspirada, impregnada, de tal
forma que no hay virtud practicada por el hombre ajena a su luz primordial.
En el estudio de la personalidad, las escuelas de psicología “buscan los fac-
tores que actúan dejando impronta (raza, cultura, espíritu de la época, cla-
se, zona de residencia, familia, escuela, confesión, estilo de educación, etc.)”. 58
En éste sentido, el carácter personalísimo de la luz primordial, la unicidad
que resulta de la diversidad irrepetible, dignifica enormemente a la persona
humana, pues ella es, desde este punto de vista, un reflejo intransferible de la
divinidad.
La diversidad no debe asustar. Un educador, un director espiritual, un cris-
tiano con alguna función pastoral puede contar, para comenzar, con su gracia
de estado para el discernimiento de cada luz primordial, y esta se manifies-
ta frecuentemente en los más mínimos detalles, y actitudes, haciendo que una
persona al desarrollar un poco su sentido psicológico pueda percibir mani-
festaciones de la luz primordial, las cuales frecuentemente vemos pero no
explicitamos apenas por no aplicar la atención. Para ilustrar lo anterior, basta
pensar en la utilidad de la investigación del lenguaje de gestos y expresiones
fisionómicas, en su relación con estados psicológicos, creando la especialidad
que estudia el body language, eso porque la ciencia ya ha descubierto innu-
merables vínculos entre la personalidad y la forma de manifestarla.

Y la menor de las cosas, ya es indicativa. En ciertas personas, no en todas:


la forma de parpadear... ¿Por qué? Porque ese modo de parpadear traduce
algo del elemento fundamental primero; tiene relación con ciertas pulsacio-
nes, con ciertas cosas del alma. Mucho más indicativo que la forma de par-
padear es el movimiento del conjunto de músculos que constituyen la boca.

57)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 12/11/1957: “Note-se que, conforme o enunciado das
questões a luz primordial primeiro modela a mentalidade, e depois a mentalidade modela os hábitos,
instintos, etc. Por que isso? Por que não dizemos, diretamente, que a luz primordial modela os hábitos,
instintos, etc.? Dado que a inteligência é o elemento mais nobre do espírito humano, sobretudo se a con-
siderarmos enquanto sede da sabedoria, é evidente que qualquer ação profunda que se exerça sobre o
homem deve começar por dominar a sua inteligência; só depois é que passará as suas demais faculda-
des, modelando-se”.
58)  Brugger, Walter. Diccionario de filosofía. Barcelona: Herder, 1983, p. 423-424.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 417
Notas sobre la tesis de la luz primordial

¿Por qué? Porque indican una matriz biológica que uno percibe que proyec-
ta su efecto sobre toda la vida espiritual. 59

Vale la pena constatar que no solo desde el punto de vista teológico, sino
también comunitario, es indispensable considerar al ser humano como emi-
nentemente sociable. Una formulación particularmente adaptada al presen-
te estudio, vista bajo el prisma científico, la presenta H. Wheeler Robinson,
quien desenvuelve un concepto que puede ser asociado sin dificultad a la
necesidad de manifestación de la luz primordial en conjuntos sociales: Per-
sonalidad corporativa, así como sus cuatro componentes: identificación (los
individuos deben ser considerados dentro de su contexto social), extensión
(el estudio de las fronteras personales debe ser ampliado hasta abarcar otros
individuos de un mismo grupo social, siendo que las fronteras pueden ser
atemporales, abarcando ascendencia y descendencia), realismo (la relación
entre el individuo y su sociedad es real) y oscilación (hay una relación varia-
ble y no petrificada entre individuo y sociedad). 60
Parece que hasta aquí se ha dado una visión de conjunto suficientemente
satisfactoria que armoniza el concepto de luz primordial objetiva y subjetiva,
junto con elementos que la viabilizan tanto social como teológicamente, todo
esto en función de la necesidad que Dios tiene de crear seres diversos. Desde
una perspectiva estrictamente teológica también habría algunas consideracio-
nes a ser hechas.

3.4.  Relación entre luz primordial y carisma


De acuerdo con lo escrito hasta este punto, podríamos preguntarnos si es
posible considerar la luz primordial como un carisma. De allí, vendrían apli-
caciones para la dirección espiritual de personas o conjuntos en una perspec-
tiva nueva, así como se podría pensar en una forma particular de estudio de la
luz primordial. Al mismo tiempo encontraremos aquí argumentos para fun-
damentar la luz primordial en los conjuntos.

59)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Reunião [MNF], 11/06/1973: “E a menor das coisas, entretanto é indica-
tiva. Em certas pessoas, não em todas: o modo de piscar... Em última análise por quê? Porque esse mo-
do de piscar traduz algo do elemento fundamental primeiro; tem relação com certas pulsações, com cer-
tas coisas assim. Muito mais indicativo do que o modo de piscar, é o movimento desse feixe de múscu-
los, que constituem a boca. Por quê? Porque indica uma matriz biológica que a gente percebe que proje-
ta seu efeito sobre toda a vida espiritual”.
60)  Cf. Robinson, H. Wheeler. Corporate Personality in Ancient Israel. Edinburgh: T. & T. Clark, 1981.

418 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

Cada vez más los teólogos aceptan la posibilidad de una vocación univer-
sal de todos los hombres para llevar una vida mística, sólidamente fundados
en trabajos de grandes teólogos como Arintero, Garrigou-Lagrange, Illanes.
A esto se puede añadir que la ciencia teológica sobre los carismas no los con-
sidera exclusivamente como refiriéndose a un fenómeno puntual extraordina-
rio: el término carisma no tiene un sentido exclusivamente técnico y extraor-
dinario en las cartas de San Pablo como frecuentemente se le atribuye. 61 Esto
tiene su importancia, porque es básicamente a partir de sus epístolas que se
desarrolló la teología de los carismas. U. Brockhaus y K.S. Hemphill demues-
tran en sus eruditos estudios que por más de dos siglos el término carisma
no tuvo en ellas el sentido técnico que más tarde adoptó: “Ellos examinan la
palabra χάρισμα y acentúan que en Pablo no es todavía un término especiali-
zado ni hace parte de los conceptos centrales de la teología paulina [...] lo que
no se modifica [...] en los Padres hasta más o menos el año 200”. 62
El Cardenal Vanhoye concuerda con Brockhaus y de Hemphill, así como
numerosos estudiosos contemporáneos, de suerte que el terminus technicus
de lo que su significado original podría haber sido [...]. El término no implica
nada de anormal o irregular. Es [...] un don de Dios que Él concede de acuer-
do con Su propia soberana decisión”. 63
Según esto, se puede pensar en la posibilidad de proponer la luz primor-
dial en función de la teología de los carismas. En el sentido estricto, clásico,
de una gracia extraordinaria, digamos que maior, la luz primordial sin duda
no es un carisma, pero si en un sentido minor, porque la evolución pneuma-
tológica del concepto se ha ampliado enormemente, a tal punto que es posib-
le aproximar las nociones de luz primordial y carisma, dadas sus característi-
cas comunes, en cuanto a la finalidad, a los efectos y a su presencia universal
en todos los hombres.

61)  Cf. Vanhoye, Albert. L’Apôtre Paul, personnalité, style et conception du ministère. Leuven: Univer-
sity Press, 1986, p. 474.
62)  Baumert, Norbert. Charisma und Amt bei Paulus. In: Vanhoye, Albert. L‘Apôtre Paul, personnali-
té, style et conception du ministère. University Press: Leuven, 1986, p. 474: “Sie untersuchen das Wort
χάρισμα und betonen, daß es bei Paulus noch kein Fachausdruck sei und auch nicht zu den zentralen
Begriffen der paulinischen Theologie gehört ... und die ändert sich auch nicht ... bei den Vätern bis um
200”.
63)  Ibid.: “Auch C. Piepcorn sucht den späteren terminus technicus abzuheben von dem, ‘what their orig-
inal meaning may have been: ... The term does not imply anything that is abnormal or irregular. It is ... a
gift of God which He bestows in accordance with His own sovereign decision’”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 419
Notas sobre la tesis de la luz primordial

El Espíritu da a cada hombre su carisma propio, no sólo a los cristianos.


Una teología realmente pneumática ha de descubrir la acción del Espíri-
tu en todo hombre. Existe aquí un inmenso trabajo a realizar, para asumir
cuánto hay de pneumático [...] en todo hombre de buena voluntad: filósofos,
poetas, artistas, escritores, pensadores, gente del pueblo... 64

En nuestro contexto la expresión “carisma propio” podría ser substituida


por la expresión luz primordial y aparentemente no perdería el sentido ori-
ginal de la frase. En consonancia con esto, el Dr. Plinio solía explicar que
la Divina Providencia llama a cada hombre a vivir de forma diferente una
espiritualidad peculiar (lo que parece ya suficientemente explicado) en vis-
ta a una finalidad última para la cual Dios lo creó, teniendo cada hombre una
especie de nombre propio, provisto de significado, una orientación axiológi-
ca y una luz o un mensaje divino a ser transmitido a través de una forma de
alabanza y testimonio personal, su luz primordial: “Esa alabanza se hace por
la contemplación de ciertas verdades, virtudes y perfecciones divinas. La luz
primordial es la aspiración existente en el alma de cada persona para contem-
plar a Dios de modo propio”. 65
En el contexto eclesiológico actual, ésta afirmación debe aplicarse al carác-
ter comunitario de la Iglesia, fuera de la cual la plena participación en el mis-
terio Pascual no es posible, ya que la luz primordial, por su naturaleza, se
muestra y sucede en la convivencia, y tiene un aspecto que no visa apenas el
bien y la santificación personal: hay un testimonio particular e indispensable
a ser dado. Una vez más, consideremos que incluso en el caso de los carismas
Dios respeta la personalidad, y así los primeros no modifican la segunda. No
deja de llamar la atención lo que parece estar subyacente aquí, que en cierto
sentido la gracia carismática es incluso creada en función de la personalidad:
“[La gracia carismática] se dirige a la personalidad y, sin modificarla sustan-
cialmente, se adueña de ella momentáneamente y orienta su actividad hacia
un bien espiritual inmediato en orden al bien del Cuerpo Místico”. 66
Si bien que la referencia alude nítidamente a una gracia en el sentido maior,
esto no excluye que en un sentido minor pueda suceder algo semejante.

64)  Codina, Victor. Teología y mundo contemporáneo: homenaje a K. Rahner. Madrid: Vargas-Machu-
ca, 1975, p. 122.
65)  Corrêa de Oliveira, Plinio. Luz primordial e discernimento. Dr. Plinio, n. 54, p. 4: “Esse louvor se
faz pela contemplação de certas verdades, virtudes e perfeições divinas. A luz primordial é a aspiração
existente na alma de cada pessoa para contemplar a Deus de um modo próprio”.
66)  Fosbery, Anibal. El carisma de Fasta. Mar del Plata: Universidad Fasta, 2010, p. 18.

420 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

Desarrollando las ideas de Congar y de Rahner, afirma Lakeland que “en


virtud de su bautismo y confirmación, los laicos ejercen papeles en la Iglesia
sacramental y apostólicamente”. 67 Lakeland identifica en el pensamiento de
Congar que “el laico está llamado para vivir en el mundo, mostrando respeto
por la verdadera interioridad de las cosas, y además refiriéndolas a Dios” 68 y
que sus vidas de testimonio laico “tienen un papel sacerdotal. Mientras que el
ministerio jerárquico es un sacerdocio de orden diferente del sacerdocio lai-
co, entretanto, el sacerdocio laico es real en sí mismo”. 69
Siempre en función de la idea más actualizada de carisma y según su fun-
ción eclesial, podemos considerar la luz primordial bajo una dimensión caris-
mática, siempre y cuando se le pueda atribuir una posibilidad particular de
loor a Dios adaptada, y por ende, en entera consonancia con las aspiracio-
nes de la persona. La teología moderna, en virtud de la amplitud que adqui-
rió el término carisma, no duda en recurrir, para explicarlo, a autores como
el historiador y jurista R. Sohm, el historiador K. Holl o M. Weber, el cual le
da ciudadanía al término en la moderna sociología de la religión, generalizán-
dolo posteriormente en la expresión Amtscharisma, que podríamos traducir
como carisma de estado, 70 donde el estado es considerado en toda su ampli-
tud: religioso o social, sean en el ejercicio de un trabajo, oficio o profesión,
o de alguna obligación de estado como el matrimonio o el sacerdocio. No es
difícil percibir aquí la analogía entre Amtscharisma y luz primordial.
Desde una perspectiva antropológica y social, el término carisma tiene
amplia ciudadanía en nuestros días, y aunque probablemente sin intención,
muy próximo del sentido semántico paulino descrito por Congar, Rahner y
Lakeland: “La autoridad carismática, independientemente de normativas, tie-
ne su fundamento en las características psicológicas y un sujeto de valor cua-
litativo”. 71

67)  Lakeland, Paul. The Liberation of the Laity: In Search of an Accountable Church. New York: Con-
tinuum, 2004, p. 53: “In virtue of their baptism and confirmation, laypeople exercise roles within the
church both sacramentally and apostolically”.
68)  Ibid., p. 55: “The layperson is called to life in the world, showing respect for the true inwardness of
things, though referring them to God”.
69)  Ibid., p. 53: “... are priestly roles. While the hierarchical ministry is a priesthood of a different order
from that of the priesthood of the laity, lay priesthood is real in itself”.
70)  Cf. Weber, Max; Winckelmann, Johannes. Wirtschaft und Gesellschaft: Grundriß der Verstehenden
Soziologie. Tübingen: Mohr Siebeck, 1980, p. 896.
71)  Konfisakhor, Alexander Grigorievich. Психология власти. 2.ed. San Petersburgo: Питер, 2004, p.
234: “Харизматическая власть в отличие от нормативной в своей основе, имеет психологические
особенности и качества субъекта”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 421
Notas sobre la tesis de la luz primordial

Parece inclusive que las elaboraciones teológicas a partir del Concilio Vati-
cano II sobre la noción de carisma permiten hacer una aproximación entre
ésta y la luz primordial en cuanto a contener aspectos nítidamente carismá-
ticos. La idea que tiende a imponerse hoy en día, es la existencia de caris-
mas extraordinarios y comunes. En todo caso, los postulados de luz primor-
dial y los nuevos aportes a la pneumatología pueden enriquecer el concepto
de carisma en el ámbito eclesiológico.

Los carismas no son dones del Espíritu solamente extraordinarios y raros.


El Espíritu da de hecho carismas que son especialísimos y carismas más
simples y muy difundidos. Esta concepción diversa de carisma se impuso
sólo después de larga discusión y después fue mantenida. 72

En el mismo texto, y en función de esta definición amplia de carisma, se


concluye que “el actuar humano puede ser por lo tanto, definido como acción
sacramental”. 73 Siendo así, no es de extrañar que la dimensión social del
carisma haya generalizado la definición del término, al punto de poder repre-
sentar en modo genérico cualidades concedidas por Dios, particulares para
cada individuo, en más de treinta acepciones diferentes. 74 Y no apenas eso, la
propia vida del hombre llega a tener una dimensión litúrgica, y en ese senti-
do, carismática: “Pero más todavía que la perspectiva de volver al paraíso, es
importante para Don Stolz el carácter sacramental y litúrgico de la vida cris-
tiana”. 75 El catecismo actualmente vigente en la Iglesia presenta una defini-
ción que abarca la acepción clásica y la de las nuevas corrientes teológicas,
dando un matiz que enriquece el estudio del tema: “Extraordinarios o sen-
cillos y humildes, los carismas son gracias del Espíritu Santo, que tienen,
directa o indirectamente, una utilidad eclesial; los carismas están ordenados
a la edificación de la Iglesia, al bien de los hombres y a las necesidades del
mundo”. 76

72)  Hegge, Christoph; Ghirlanda, Gianfranco. Il Vaticano II e i movimenti ecclesiali: Una recezione ca-
rismatica. Roma: Città Nuova, 2001, p. 55: “I carismi non sono doni dello Spirito solamente straordi-
nari e rari. Lo Spirito dona infatti carismi che sono ‘clarissima’ e carismi ‘simpliciora et altius diffu-
sa’. Questa diversa concezione dei carismi si impose solo dopo lunga discussioni e fu poi mantenuta”.
73)  Ibid., p. 56: “L’agire umano può essere quindi definite come azione sacramentale”.
74)  Cf. Baumert, Norbert. Charisma. Würzburg: Echter, 2000, vol. 1, p. 20-28.
75)  Bernard, Charles André. Théologie Mystique. Paris: Les Éditions du Cerf, 2005, p. 145: “Mais plus
encore que la perspective du retour au paradis, est importante pour dom Stolz le caractère sacramentel
et liturgique de la vie chrétienne”. Cf. Stolz, Anselm. Theologie der Mystik. Regensburg: Pustet, 1936.
76)  Catecismo de la Iglesia Católica. Bogotá: San Pablo, 2000, p. 283.

422 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
Antonio Jakosch Ilija, EP

En ese sentido, hay una particular concordancia entre la dimensión social


de la luz primordial y la utilidad eclesial del carisma, y si bien el carisma
extraordinario consiste en una gracia dada en beneficio de terceros, eso no
quiere decir que quien recibe el carisma sea necesariamente excluido del
beneficio. Por el contrario, se diría que Dios en su infinita bondad termina, de
alguna forma, beneficiando a todos.

La gracia es, ante todo y principalmente, el don del Espíritu Santo que nos
justifica y nos santifica. Pero la gracia comprende también los dones que el
Espíritu Santo nos concede para asociarnos a su obra, para hacernos capa-
ces de colaborar en la salvación de los otros y en el crecimiento del Cuer-
po de Cristo, que es la Iglesia. Estas son las gracias sacramentales, dones
propios de los distintos sacramentos. Son además las gracias especiales,
llamadas también “carismas” según el término griego empleado por san
Pablo, y que significa favor, don gratuito, beneficio (cf. LG 12). Cualquie-
ra que sea su carácter, a veces extraordinario, como el don de milagros o de
lenguas, los carismas están ordenados a la gracia santificante y tienen por
fin el bien común de la Iglesia. Están al servicio de la caridad, que edifica
la Iglesia. 77
La constitución dogmática Lumen gentium llega a extender el munus pro-
fético a todo el Pueblo de Dios, siendo todos los cristianos beneficiados por
el mismo, en virtud de la unción de Jesús Cristo (cf. I Jn 2, 20.27), 78 y el Papa
Juan Pablo II afirma que querer separar como dos entes diversos la noción de
Iglesia carismática e institucional es “lamentable y nocivo”. 79
Es así que la familiaridad o parentesco conceptual con lo carismático pare-
ce ineludible. Tarea que extrapola los límites de éste estudio será establecer la
naturaleza exacta de la relación entre luz primordial y carisma. Se diría que
la luz primordial fuese un tipo de carisma presente en todas las personas, con
el carácter específico de ser ordenadora de las potencias naturales y sobrena-
turales de toda criatura humana. Esta naturaleza jerarquizante, específica de
la luz primordial, tal vez la haga distinta por su especie, frente a la posibili-
dad total de la gama de carismas que parecen no tener que ser, en principio y
necesariamente, ordenadores, sino que, antes bien, pueden estar subordina-
dos a otras potencialidades del alma.

77)  Ibid.
78)  Cf. Concílio Vaticano II. Lumen Gentium, n. 12 (AAS 52).
79)  Cf. Juan Pablo II. Discurso a los participantes en el II Coloquio internacional de los movimientos
eclesiales, 2 de marzo de 1987, n. 4. s.l.: L’Osservatore Romano, p. 24.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424 423
Notas sobre la tesis de la luz primordial

Parece claro, según los textos expuestos, que la luz primordial tiene una
dimensión social y carismática en lo que al individuo se refiere. En efecto,
no se entiende ella a no ser en función de una convivencia fraterna. Aquí está
su pleno significado eclesial, pues la Iglesia es una comunidad. Finalmen-
te, si bien hay base para mostrar la congruencia entre la moderna teología de
los carismas y la luz primordial, hay que hacer el resalvo que el Dr. Plinio no
entró en este tema y queda abierta una propuesta para el diálogo teológico.

424 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 389-424
L’intention apologétique de Maurice
Blondel
Maurice Blondel’s Apologetical Intention
François Bandet, EP 1
Résumé
L’auteur étudie la proposition philosophique de Maurice Blondel à propos du sens
de la vie en opposition à celle d’Emmanuel Kant. Le problème de la non-croyance
et de la mentalité positiviste portant l’homme à ne croire qu’à ce qu’il peut calcu-
ler ou mesurer est mis en contraste avec la possibilité de l’existence du surnaturel
dans la vie de l’homme. La notion du surnaturelle comme quelque chose d’impos-
sible, mais s’avérant toutefois absolument nécessaire et indispensable à l’homme.
En partant de l’expérience générale de la vie, la catégorie de l’action y est intro-
duite comme un déterminisme qui réunit plus de choses et d’éléments dans la vie
de l’homme que la science et la raison. L’action de l’homme est présentée telle une
expression de la vie humaine constamment secouée entre l’inquiétude religieuse et
son désir illimité. Le sens de la vie ne se trouve pas dans l’action de l’homme, mais
nous croyons que l’action est une forme de connaissance qui peut contribuer à sa
découverte. Y a-t-il au-delà de l’ordre humain un ordre transcendant? L’homme
peut-il vivre sans la possibilité du surnaturel? Dans ce contexte, le dialogue entre
la foi et la raison dans le cadre de l’étude du sens de la vie de l’homme possède un
rôle indispensable.
Mots-clés: Sens de la vie, Action, Surnaturel, Apologétique, Croyance, Foi et rai-
son.

Abstract
The author studies the philosophical proposal of Maurice Blondel with regards to
the meaning of life in opposition to that of Emmanuel Kant. The problem of unbe-
lief and of the positivistic mentality bringing man to only believing that which he
can calculate or measure is put into contrast with the possibility of the existence of
the supernatural dimension in man’s life. This supernatural notion, which appears
to be impossible to man, is absolutely necessary and indispensable to him. Begin-
ning from the general experience of life, the category of the action of man is intro-
duced as a contingency of his life that unites more things and elements in his exis-
tence than science and reason. The action of man is presented as an expression of
his life constantly shaken between his religious inquietude and his infinite desires.
The meaning of life does not find itself in the action of man, but we believe that his
action is a form of knowledge that can help him find it. Is there something beyond
the human order that we can call a transcendental order? Can man live without
the possibility of the supernatural dimension? It is in this context that the dialogue

1)  L’auteur a obtenu sa licence (2009) et son doctorat (2015) en théologie à l’Université pontificale gré-
gorienne (Rome – Italie).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 425
L’intention apologétique de Maurice Blondel

between faith and reason, under the prism of the study of the meaning of life, has
an indispensable role.
Keywords: Meaning of life, Action, Supernatural, Apologetics, Belief, Faith and
reason.

Introduction

Dans un monde où domine la fragmentation de la vie par la spécialisa-


tion technique et scientifique de son activité, l’homme peut éventuellement
perdre le sens de son existence s’il perd la vision globale de celle-ci. En sépa-
rant et en opposant l’une à l’autre la science et la croyance, Emmanuel Kant
a réussi à objectiver la dimension morale de l’homme pour ainsi la séparer de
la foi religieuse. Cette dichotomie entre la foi et la raison nous semble être la
racine de la non-croyance contemporaine. C’est pour cela que nous voulons
ici présenter quelqu’un qui a œuvrer à répondre effectivement à la philoso-
phie réductive de Kant: Maurice Blondel.
C’est par l’analyse et l’approfondissement de l’homme, toujours ouvert à ce
qui le dépasse, toujours en mouvement et en action, que ce philosophe fran-
çais répond et réfute le philosophe allemand.
L’homme est un être qui agit, qui pense et qui calcule. Il ne faut toutefois
pas le réduire à l’état de machine technique sans cœur et sans âme, car il y a
chez l’homme plus que de simples facultés d’agir et de penser.
L’existence elle-même et toutes les composantes organiques et psychiques
de la vie de l’homme mettent à l’évidence sa grande complexité. Afin de tenter
de le comprendre, il faut nécessairement prendre en considération sa réalité
entière en étudiant son unité et non pas seulement ses particularités. C’est-à-
dire que l’homme n’est pas uniquement constitué d’une faculté de penser et
de raisonner, il possède aussi celle d’agir et de vouloir ainsi que celle d’aimer
et de respecter. En plus de l’intelligence, nous y retrouvons aussi le cœur. La
raison provenant du cerveau ne doit pas être disloquée de la foi de l’amour,
ni les preuves rationnelles séparées de l’expérience religieuse. La vie est une
énigme que seule la globalité de l’action peut illuminer et orienter. 2 Selon
Blondel, l’homme en mouvement c’est-à-dire l’homme d’action est un “labo-
ratoire” ouvert sur lui-même et sur tout l’univers. 3 L’individu est constam-

2)  Cf. Blondel, Maurice. L’Action – Essai d’une critique de la vie et d’une science de la pratique. In:
Œuvres complètes. Paris: PUF, 1995, v. 1, p. 149, 350, 352, 423, 474. Voir aussi: Carnets intimes I,
1883-1894. Paris: Cerf, 1961, v. 1, p. 85, note du 10 octobre 1886.
3)  L’Action, p. XII; Carnets intimes I, p. 315, note du 27 janvier 1890.

426 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

ment testé et provoqué pour aller au-delà de sa vie et de lui-même vers ce qui
est infini. L’homme découvre, par sa vie et par son action, qu’il y a plus que
ce qu’il voit et ce qu’il pense. Il est ouvert, mais incomplet, et il semble ne
jamais pouvoir s’égaler à lui-même, puisqu’il y a toujours en lui un plus qui le
hante et le poursuit. 4
La science peut être utile pour instruire et illuminer l’homme sur les consé-
quences de son action, mais il y a dans l’action beaucoup plus qu’une simple
faculté rationnelle. Sous ce qui peut être objectivement calculé et mesuré, se
retrouve une réalité organique de la vie subjective de confiance et de crois-
sance entre les créatures et les objets. Agir, selon notre auteur, c’est se confier
à l’univers, et l’action réunit plus de choses et d’éléments que la science et la
raison.
En deux mots, Blondel nous présente l’action comme le fil conducteur de
l’homme cheminant et vivant dans la vie du réel et du concret. Il voit dans
l’action le seul moyen de passer de la réalité phénoménologique à l’être onto-
logique. 5 Son œuvre est une étude anthropologique de l’homme considérant
aussi les dimensions phénoménologiques et transcendantes de la réalité glo-
bale de la vie. Ce n’est pas une anthropologie inédite que Blondel cherche à
nous présenter, mais bien l’anthropologie de la Bible, des Évangiles et des
Pères de l’Église — comme par exemple saint Augustin ou saint Bernard —
où les principes fondamentaux de l’homme sont présentés sous les auspices
de l’Incarnation de Notre Seigneur Jésus-Christ. Si Dieu s’est fait homme
par l’Incarnation du Verbe, alors il ne peut y avoir de séparation entre la foi
et la raison, entre le corps et l’esprit. L’idée chrétienne de l’Incarnation pro-
vient d’un médiateur envoyé par Dieu qui est “venu parmi nous” (Jn 1, 14). Ce
médiateur est le Christ Jésus, Fils de Dieu.
Pour le Christianisme, il n’y a pas de distance infranchissable entre
l’homme et Dieu, car Dieu infini est entré dans notre monde fini pour se faire
connaître et aimer. Dieu est donc présent et actif dans l’univers et dans le
monde. Saint Paul nous dit qu’“In Deo vivimus, movemur et sumus”. 6 C’est-
à-dire que Dieu n’est pas seulement présent dans le saint mystère de l’Eucha-
ristie, mais aussi dans l’univers entier et donc aussi dans l’homme. Contrai-
rement à la pensée antique où le corps se voyait séparé de l’âme, Blondel

4)  Cf. L’Action, p. 148, 305, 328.


5)  Cf. L’Action, p. 42, 427. Voir aussi Saint-Sernin, B. Blondel, un univers chrétien. Paris: Vrin, 2009,
p. 172.
6)  Ac 17, 28: “Car c’est en lui que nous avons la vie, le mouvement et l’être”.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 427
L’intention apologétique de Maurice Blondel

reprend la notion chrétienne de l’union entre l’esprit et le corps; c’est l’In-


carnation de Dieu dans la création et dans l’univers tout entier. Notre auteur
en tire donc la conclusion anthropologique que le corps et l’esprit sont unis
et inséparables. Cette conclusion est confirmée quant à elle par l’expérience
de l’action et de la vie humaine qui est toujours en devenir. L’homme est un
tout avec lui-même et avec l’univers en mouvement. Ce mouvement ouvert et
créatif entre l’homme et l’univers dépasse l’homme dans ce qu’il a de limité
et lui fait désirer autre chose que lui-même.
L’anthropologie biblique nous présente donc l’homme comme un individu
qui n’est pas seul dans le monde de la vie et du réel. Ce n’est pas un être iso-
lé des autres et des choses. L’homme est lié et associé aux autres êtres et ain-
si à tout l’univers. 7 La pensée évangélique, une fois sécularisée et transfor-
mée pour ainsi participer à la vie sociale ou même politique d’une commu-
nauté ou d’une nation est la source des idées de solidarité et d’entraide com-
munautaire. Derrière ces principes communautaires se trouvent les notions
de “communion des saints” et de “corps mystique” de l’Église et de la Bible. 8
L’homme est constamment influencé par lui-même, par les éléments, les
choses et les êtres qui l’entourent. Certains sont accueillis et d’autres sont
rejetés. Parfois nous accueillons ceux qui nous viennent du dehors — tel que
l’enseignement d’un professeur ou la propagande d’une publicité — et parfois
nous rejetons ceux qui semblent venir de nous-mêmes — comme la volon-
té de faire une bonne œuvre ou l’inspiration d’écrire une critique. De là pro-
vient la nécessité de l’homme à faire des choix et prendre des décisions inlas-
sablement afin de définir sa personnalité: c’est-à-dire ce qu’il veut et ce qu’il
désire. Or, est-ce que l’identité et la personnalité d’un individu sont fixes ou
en devenir? Selon le professeur Blondel, l’univers en général, et la person-
nalité de l’homme, en particulier, sont constamment en devenir et c’est pour
cela qu’il affirme que l’anthropologie conduit tout naturellement à la cosmo-
logie. 9 C’est le devenir de l’homme qui ouvre son esprit à considérer le deve-

7)  L’Action, p. 196: “Tout acte est, à son origine, une unité indivisible en laquelle se rencontrent l’initia-
tive humaine et la contribution de l’univers”.
8)  Cf. L’Action, p. 187-188. Voir aussi: Saint-Sernin, B. Blondel, Un univers chrétien. Paris: Vrin, 2009,
p. 173.
9)  Blondel. M. Manuscrit 57. Centre d’archives Maurice Blondel à Louvain-la-Neuve, Belgique: “Seule
l’action [dit Blondel] est capable de porter la nature dans l’ordre surnaturel, parce que d’abord elle a ap-
porté le divin dans le monde; seule elle tient unis, dans une synthèse volontaire, l’univers, l’homme et
Dieu”. Voir aussi: L’Action, p. 99, 153, 200, 206-207, 326, 332, 345-346, 413, 455, 488; Blondel, M;
Valensin, A. Correspondance. Paris: Aubier-Montaigne, 1957, v. 1, p. 43-48 (note très documentée).

428 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

nir de l’univers. Puisque l’homme vit et fait parti de l’univers, il y a, selon


notre auteur, un “lien substantiel” entre lui et toute l’existence qui l’entoure, et
ce lien c’est “l’action”. 10 Dans la perspective chrétienne et blondélienne, l’an-
thropologie est inséparable de la cosmologie: le corps et l’âme, la matière et
l’esprit sont intimement liés et unis, d’une telle manière qu’ils ne font qu’un,
avec le tout. 11
Or, y a-t-il au-dessus de l’ordre humain un ordre transcendant? Voilà l’une
des questions que Blondel désire affronter pour ainsi découvrir le sens de la
vie de l’homme. Ceci parce que le sens de la vie de l’homme se trouve dans
la réalité intégrale de l’homme. Selon notre auteur, l’homme est une énigme
envers lui-même et c’est pour cela qu’il tombe si facilement en crise d’identité
dû au manque d’une vision globale de son être. Cette crise de l’homme, selon
le professeur Blondel, est une crise du sens de la vie. 12 C’est en s’ouvrant au
monde du surnaturel et de la révélation du Christ que l’homme découvrira
la raison de la vie et de son existence. Blondel invite l’homme à s’ouvrir et
à se dépasser pour ainsi se préparer à découvrir le monde surnaturel discrè-
tement présent en lui et en dehors de lui. C’est en étant ouvert au surnaturel
que l’homme découvrira la réponse à son questionnement sur le sens. Sans
posséder une ouverture envers ce qui le dépasse et le déborde, l’homme ne
peut se compléter et donc s’expliquer. Blondel nous invite à saisir la réalité de
l’ordre humain — dans toute sa complexité et dans toute son autosuffisance
— où l’homme ne peut pas se fermer sur lui-même, mais doit toujours demeu-
rer ouvert à quelque chose de plus que le moi personnel et égoïste pour ainsi
devenir toujours plus homme.

1.  Bref introduction à la vie de Blondel


Passons maintenant à introduire un peu la vie et l’œuvre du professeur
Maurice Blondel (1861-1949).

10)  Cf. L’Action, p. 187.


11)  Cf. L’Action, 180. Voir aussi: Saint-Sernin, B. Blondel, Un univers chrétien. Paris: Vrin, 2009, p.
175.
12)  L’angle sous lequel l’auteur aborde le problème du sens de la vie c’est le conflit de l’autonomie et de
l’hétéronomie dans notre existence. Blondel dit que “l’action est une nécessité; j’agirai. L’action m’ap-
paraît souvent comme une obligation; j’obéirai” (L’Action, p. XII). Ou encore, “Il y a toujours entre ce
que je sais, ce que je veux et ce que je fais une disproportion inexplicable et déconcertante. Mes déci-
sions vont souvent au-delà de mes pensées, et mes actes, au-delà de mes intentions” (L’Action, p. IX).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 429
L’intention apologétique de Maurice Blondel

Nous croyons que l’étude de sa vie nous aidera à mieux saisir sa pensée et
plus spécifiquement la notion qu’il conçoit du rapport entre la philosophie et
la religion chrétienne. Selon plusieurs auteurs, la vie et l’œuvre de Blondel,
pour avoir été vécues avec sincérité et intégrité, sont indissociables. 13
Blondel fut d’abord un homme profondément religieux et spirituel, mais
également très rationnel et scientifique. Sa vie active et professionnelle fut
toujours cohérente avec sa vie intérieure et méditative. C’est du fond de son
être et de son esprit que sont nées sa pensée et son œuvre, telle une fleur
s’épanouissant grâce à la sève de ses racines.
Il fut d’abord un chrétien de grande foi et en particulier un catholique pro-
fondément croyant, convaincu et pratiquant. 14 Nous pourrions même avancer
qu’il fut un catholique de foi et de pratique traditionnelle parce que pieux, reli-
gieux, tout en étant un grand adepte de la fréquentation des sacrements. 15 Il
fut encouragé maintes fois dans son œuvre philosophique par plusieurs philo-
sophes et théologiens catholiques. Sa personne et son œuvre ont même reçu le
soutien de plusieurs papes, dont Léon XIII, Pie X, Pie XI, Pie XII, et un éloge
de Jean-Paul II. 16 À un certain moment de sa vie, il en vint même à considé-
rer la prêtrise et pendant plusieurs années, il fut déchiré entre la vocation sacer-
dotale et la vocation de laïc chrétien engagé dans l’apostolat. 17 Blondel, catho-
lique convaincu et surtout apostolique, désirait servir l’Église et être utile à
Dieu du mieux qu’il put. Ses doutes par rapport à sa vocation émanaient surtout

13)  Voir en particulier: Virgoulay, R. Philosophie et Théologie chez Maurice Blondel. Paris: Cerf, 2002,
p. 16-17; Leclerc, M. Il destino umano nella luce di Blondel. Assisi: Cittadella, 2000, p. 125.
14)  Voyez ce qu’en dit ces auteurs par rapport à la foi de Blondel: Bagnard, G. “‘L’inquiétude du cher-
cheur sous la sérénité du croyant’ Les ‘Carnets intimes’ de Blondel”. Revue Philosophique de la Fran-
ce et de L’Étranger, v. 177, 1987, p. 22; Morado, G. J. También nosotros creemos porque amamos.
Tres concepciones del acto de fe: Newman, Blondel, Garrigou-Lagrange. Estudio comparativo desde
la perspectiva teológico-fundamental. TG/Teol. 66. Roma: PUG, 2000, p. 154; Saint-Sernin, B. Blon-
del, Un univers chrétien. Paris: Vrin, 2009, p. 9; Virgoulay, R. Philosophie et théologie chez Maurice
Blondel. Paris: Cerf, 2002, p. 17; Guitton, J. Le don de piété chez Blondel. Teoresi, v. 5, 1950, p. 61-
66.
15)  Cf. Carnets intimes I, p. 71, note du 9 janvier 1886. Voir aussi: Henrici, P. Les “Carnets intimes” de
Maurice Blondel. Gregorianum, v. 43, 1962, p. 770.
16)  Cf. Jean-Paul II. Lettre de sa sainteté Jean-Paul II. Une Dialectique du Salut, p. 411; Saint-Ser-
nin, B. Blondel, Un univers chrétien. Paris: Vrin, 2009, p. 8; Guitton, J. Le don de piété chez Blondel.
Teoresi, v. 5, 1950, p. 66.
17)  Carnets intimes I, p. 23, note du 15 décembre 1883: “Le Christ est là, mais à qui le donner? où le por-
ter? Se dévouer, c’est la règle commune à tous comme le christianisme est le remède universel, mais
comment, comment? Est-ce par la lutte de l’esprit et dans la mêlée des idées? Je finirais par me faire
prêtre. Est-ce par les combats corps à corps, dans la guerre politique, sociale? La soutane est un épou-
vantail. Elle compromet et on la compromet. L’action personnelle en est gênée et amoindrie”.

430 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

du conflit entre l’assimilation concrète et distincte de l’état sacerdotal comme


prêtre et l’esprit du charisme sacerdotal comme laïc. 18 Éventuellement, l’ap-
pel de Dieu se confirmera et il consacrera alors son apostolat et sa vocation en
tant que laïc chrétien engagé pour ainsi servir plus librement l’Église dans la
sphère temporelle et académique. 19 Cette heureuse décision fut peut-être aus-
si influencée par la crainte de perdre, comme prêtre voué à l’obéissance envers
son évêque, la liberté de philosopher librement. Il semble que notre auteur envi-
sageait déjà une certaine incompréhension d’une partie du monde ecclésias-
tique face à ses idées et ses écrits philosophiques très originaux pour l’époque. 20

2.  L’apologétique blondélienne


Blondel est avant tout un homme heureux parce qu’en paix avec lui-même
et avec sa famille au service de son Dieu et de son Église. 21 Il se sent accom-
pli et sûr de pouvoir œuvrer au service des autres par l’amour et le zèle de sa
charité évangélique. Il désire transmettre ce bonheur et cette satisfaction de
se sentir aimé et voulu par Dieu aux personnes de son entourage par ce don
de philosophie dont il a bénéficié. 22 Cette intention apostolique de chercher
à faire du bien aux autres, en les invitant à s’ouvrir à ce qui les dépasse pour
ainsi pouvoir y faire une expérience de Dieu, fera de lui un homme d’action
apologétique. Blondel veut transmettre aux autres la crédibilité de sa foi chré-
tienne.
Ce désir apostolique de faire connaître sa foi aux incroyants sera perçu par
certains catholiques comme une activité apologétique sur le terrain psycholo-

18)  Cf. Antonelli, M. L’Eucaristia nell’“Action” (1893) di Blondel: La chiave di volta di un’apologe-
tica filosofica. Milano: PUG, 1993, p. 25-26; Henrici, P. Les “Carnets intimes” de Maurice Blondel.
Gregorianum, v. 43, 1962, p. 771.
19)  Cf. Carnets intimes II, p. 19, note du 20 janvier 1885.
20)  Lettre du 28 décembre 1903, à son ami, l’abbé Wehrlé, à qui il demandait: “Si Dieu par des voies que
vous connaissez mieux que personne, m’a détourné du sanctuaire, n’est-ce point pour me permettre cer-
taines initiatives qui eussent été impossibles à un prêtre menacé d’interdit, et astreint à une obéissance,
à une réserve particulières?” (Marlé, R. Au cœur de la crise moderniste. Paris: Montaigne, 1960, p.
174).
21)  Maurice Blondel se mariera avec Rose Royer le 12 décembre 1894 avec qui il aura trois enfants, Char-
les, Elisabeth et André (Carnets intimes II, p. 13-14, 55, note du 17 octobre 1895; p. 64, note du 12 no-
vembre 1898).
22)  Cf. Carnets intimes I, p. 494, note du 22 septembre 1893; Carnets intimes II, p. 40, note du 9 mai
1895; p. 43, note du 10 juin 1895; p. 63, note du 14 septembre 1898; p. 134, note du 4 juillet 1909; p.
171.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 431
L’intention apologétique de Maurice Blondel

gique pour ainsi “prendre l’âme par ses besoins intimes”. 23 Or, Blondel s’en
défendra vivement. Il se défendra effectivement, à plusieurs reprises, d’avoir
voulu faire une œuvre d’apologiste pour ainsi préserver le caractère philoso-
phique de sa thèse qu’il veut rationnel et scientifique. Il écrira, par exemple,
une lettre à M. l’abbé Denis en 1895, où il affirmera qu’il n’est pas “un apo-
logiste au sens où on l’a entendu”, mais bien un philosophe utilisant une
méthode originale pour ainsi renouveler la question du surnaturel présente
dans la vie de l’homme. 24 Le professeur Blondel considère d’ailleurs qu’il y a
certaines formes d’apologétiques qui s’avèrent insuffisantes et doivent donc
être suppléées par quelque chose de nouveau et d’inédit; c’est l’étude du “fait
de la révélation” divine qui doit être remplacée par l’étude du “sens de la révé-
lation” divine. 25 Le but de Blondel est de créer les conditions afin d’aborder
philosophiquement le problème de la révélation surnaturelle dans le monde
contemporain. Il veut mettre en accord sa foi et sa raison pour considérer le
problème religieux qui, à son époque, était en crise.
Les temps ont changé. Le monde religieux à l’époque du philosophe dijon-
nais n’est plus en paix. Nous ne sommes plus à une époque où la civilisation
chrétienne dominait toutes les sphères de la société comme ce fut le cas aux
temps heureux du Moyen Âge. 26 Nous sommes, à l’époque de Maurice Blon-
del, dans une France rationaliste et intellectuellement réfractaire à la foi chré-
tienne et à l’existence du surnaturel. C’est le positivisme de la fin du XIXe
siècle. Une époque où les dogmes, la tradition et la foi catholique sont consi-
dérés obscurantistes et intolérants par plus d’un. Le monde majoritairement
chrétien et catholique de l’époque de saint Anselme de Cantorbéry est bien
différent de celui des rationalistes et des libres-penseurs antireligieux issus
de la philosophie et de la pensée pragmatique d’Emmanuel Kant (1724-1804).
Le grand préjugé de ces nouveaux maîtres de la philosophie moderne est
la croyance que la philosophie doit être séparée de la religion pour être libre

23)  Blondel, M. Lettre de M. Blondel à l’abbé Denis. In: Œuvres complètes. Paris: PUF, 1997, v. 2, p.
94.
24)  Blondel, M. Lettre de M. Blondel à l’abbé Denis. In: Œuvres complètes, v. 2, 1895, p. 94.
25)  Cf. Blondel, M. Lettre sur les exigences de la pensée contemporaine en matière d’apologétique
et sur la méthode de la philosophie dans l’étude du problème religieux [= Lettre sur l’apologétique].
Saint-Dizier: J. Thevenot, 1896, p. 108. Voir aussi: Bouillard, H. L’intention fondamentale de Mau-
rice Blondel et la théologie. Recherches de Science Religieuses, v. 36, 1949, p. 401; ainsi que: Idem.
Blondel et le christianisme. Paris: Seuil, 1961, p. 44; Capelle, P. (ed.). Philosophie et Apologétique,
Maurice Blondel cent ans après. Paris: Cerf, 1999, p. 67.
26)  Cf. Léon XIII. Immortale Dei (ASS 18, 1885, p. 169).

432 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

et autonome dans sa recherche de la vérité. Une mentalité, selon Blondel, plu-


tôt fragmentaire du savoir, parce que détournée de la réalité globale et unitaire
de l’homme. 27 Cette séparation indique que la philosophie ne doit pas considé-
rer l’étude de la religion pour être libre et autonome de pouvoir philosopher. Il
y a là une incohérence de taille, car on étudie volontiers dans nos universités
modernes les superstitions mystiques des religions et les cultes étrangers sans
même se soucier ou s’intéresser à celle qui a façonné la civilisation occidentale:
l’Église catholique. C’est pourquoi Blondel affirme qu’“il serait étrange qu’il
fût scientifique d’étudier la lettre et l’esprit de tous les cultes sauf d’un”. 28 Notre
auteur propose alors de porter plus d’attentions à nos origines afin de consi-
dérer aussi la proposition chrétienne tout comme il se fait dans les universités
lorsqu’ils considèrent les coutumes et la spiritualité orientale. Voici ce qu’en dit
Blondel:

L’acceptation [des dogmes chrétiens], à titre d’hypothèses, comme font les


géomètres en supposant le problème résolu et en vérifiant la solution fictive
par voie d’analyse, est légitime. [...] Il faut bien en interpréter l’esprit [des
dogmes chrétiens] avec le même soin qu’on apporterait à l’étude d’un texte
sanscrit ou d’une coutume mongole. 29

Blondel conteste donc la séparation qui existe entre la philosophie et la reli-


gion dans le monde académique en exposant dans son œuvre L’Action, com-
ment la question religieuse se pose au philosophe en tant que tel. Ne pou-
vant aborder philosophiquement la question de la religion et de la révélation
divine par une approche directe et immédiate, il a donc choisi l’approche indi-
recte en préparant le terrain pour légitimer son approche philosophique vers
la question religieuse. Pour ce faire, Blondel cherche à prouver la nécessité de
l’homme à s’ouvrir à la possibilité de la révélation divine. Seul moyen, selon
lui, pour l’homme de trouver le vrai sens de sa vie. Il emploiera dans son
œuvre L’Action un parcours de quatre chapitres où la philosophie sera por-
tée à contempler la finitude et la limite de l’homme. Ce sera une invitation à

27)  Cf. L’Action, p. 480-481; Blondel, M. L’Être et les êtres. Paris: Félix Alcan, 1935, p. 427-428. Il est
intéressant de noter que l’encyclique Fides et ratio (n. 81) aborde ce même thème (AAS 91, 1999, p.
68).
28)  L’Action, p. 391.
29)  L’Action, p. 391.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 433
L’intention apologétique de Maurice Blondel

la philosophie pour s’ouvrir à ce qui la dépasse, car selon Blondel, “pour res-
ter infiniment ouverte, la raison philosophique doit reconnaître ses limites”. 30
C’est pour cela que l’étude de la religion et de la foi humaine dans L’Ac-
tion ne surviendra qu’au cinquième et dernier chapitre de sa thèse. Sans vou-
loir faire le théologien, Blondel abordera la question religieuse du point de
vue philosophique. Il entreprendra ce parcours par une approche scientifique
en considérant comment l’action est en réalité une nécessité universelle pour
tous les hommes. La méthode qu’il emploiera sera négative et indirecte en
passant de l’intention subjective apologétique à une science admissible par
tous. Il commencera par examiner les positions les plus éloignées, négatives
et contraires à la religion, pour ensuite en dégager ce qu’il appellera “l’unique
nécessaire”. 31
Selon notre auteur, il y a dans l’homme un désir et une aspiration pour l’in-
fini qui ne semblent jamais comblés. La machine, qui propulse et actionne
cette recherche de l’infini est, selon Blondel, la volonté. Voyons exactement
ce qu’il en dit:

La pensée de Dieu en nous dépend doublement de notre action. D’une part,


c’est parce qu’en agissant [ainsi] nous trouvons une infinie disproportion
en nous-mêmes que nous sommes contraints à chercher l’équation de notre
propre action à l’infini. 32

Blondel continue dans la même pensée en affirmant que: “on n’acquiert pas
l’infini comme une chose; on ne lui donne accès en soi que par le vide et la
mortification”. 33 Et encore que: “la foi n’est possible que sous l’espèce d’une
lettre déterminée et par l’efficacité d’une soumission pratique, et le véritable
infini ne saurait être immanent que dans l’action”. 34

30)  Blondel, M. La Philosophie et L’Esprit Chrétien. Paris: PUF, 1944, v. 1, p. 209.


31)  Cf. L’Action, p. 339-356.
32)  L’Action, p. 351.
33)  L’Action, p. 383.
34)  L’Action, p. 415. Voir aussi à ce sujet: Virgoulay, R. Finitude de l’homme et infini de la volonté dans
L’Action. Revista Portuguesa de Filosofia, v. 49/3, 1993, p. 371-383; Idem. Philosophie et Théologie
chez Maurice Blondel. Paris: Cerf, 2002, p. 31.

434 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

2.1.  Le rôle de la volonté

Or, quel est le rôle de la volonté? La volonté personnelle et libre du sujet


n’est pas facile à concevoir, car elle naît du je veux comme en témoigne l’expé-
rience morale du quotidien. Le vouloir, quant à lui, se heurte constamment à
une opposition qui tient l’homme ontologiquement en échec. Cette opposition
qui est l’ontologie du vouloir, n’est jamais satisfaite avec ce que l’homme a ou
avec ce que l’homme fait, mais veut toujours ce qui est. Cette tension entre le
vouloir et le pouvoir se transforme alors en un grand dilemme pour l’homme
face au désir infini. Subséquemment, vouloir, mais ne pas vraiment vouloir
ce que je veux, car je veux toujours plus ou mieux, c’est là la grande tension
quotidienne de l’homme. Cette réalité de la tension existante dans la nature
humaine est décrite dans une pensée de saint Paul aux Romains: “Vraiment,
ce que je fais, je ne le comprends pas: et, je ne fais pas ce que je veux, mais
je fais ce que je hais” (Rm 7, 15). Blondel reprend ici, dès le début de sa thèse
de L’Action, cette même pensée de saint Paul et la modifie pour affimer: “il y
a toujours entre ce que je sais, ce que je veux et ce que je fais une dispropor-
tion inexplicable et déconcertante” 35. Il s’agit là d’une réalité ontologique du
sujet humain toujours insatisfait. Il ne réussit jamais à faire et à vouloir tout
ce qu’il veut. Cette réalité est confirmée par le prédicateur et le propagateur
par excellence de l’Évangile. Ce paradoxe conduira Blondel à considérer que
l’homme à une “volonté voulante” et une “volonté voulue” ou, si l’on veut,
une “volonté profonde” et une “volonté déclarée”. 36 Cette expression, retenue
par Blondel, sert à mieux éclairer et saisir la réalité du désir incomplet et infi-
ni de l’homme. Il est intéressant de considérer que Blondel emprunte peut-
être cette formule du binôme populaire au Moyen Âge de “natura naturans –
natura naturata”, que Spinoza a rendu célèbre au dix-septième siècle. 37 Dieu
est la nature naturante (natura naturans) et les phénomènes forment la nature
naturée (natura naturata).
Dans le Vocabulaire de Lalande, sous l’article de la volonté, Blondel fait
l’observation suivante:

35)  L’Action, p. IX.


36)  L’Action, p. 42, 132, 154, 334.
37)  Cf. Virgoulay, R. L’Action de Maurice Blondel (1893). Relecture pour un centenaire. Paris:
Beauchesne, 1992, p. 58.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 435
L’intention apologétique de Maurice Blondel

Il y a un sens antérieur à l’action, qui maintient la tradition antique et médié-


vale d’une voluntas ut natura, appétit intellectuel, “volonté voulante”, incli-
nation fondamentale qui détermine nécessairement l’aspiration, l’inquié-
tude, l’élan humain vers sa fin suprême. C’est ce mouvement congénital de
la “volonté voulante” que spécifient la réflexion, la “volonté voulue vers”,
les fins partielles et successives qui s’offrent à nous comme les moyens ou
les occasions d’accomplir notre destinée, dont tout le sens est d’aboutir à
mettre en équation ces deux volontés, initiales et finales. 38
Ces deux volontés (l’une initiale et l’autre finale) ne sont donc pas une
simple distinction verbale, mais bien une dualité existentielle et instable dont
seule l’action peut en expliciter le contenu. Afin de sortir du cercle vicieux de
l’action du moi, les deux volontés ont besoin de phénomènes qui déploieront
tout le sens de l’être. Voici comment l’explique Blondel: “La nature entière
des choses m’est apparue comme la série des moyens que je dois vouloir, que
je veux en effet, pour accomplir ma destinée”. 39 Ce sont les déterminismes
phénoménologiques qui obligeront l’homme, malgré lui, à se dépasser et à
sortir de lui-même pour aller jusqu’au bout. Le vouloir et l’action seront donc
pour l’homme son instrument de liaison et d’union, car “la nature entière des
choses m’est apparue comme la série des moyens que je dois vouloir, que je
veux en effet, pour accomplir ma destinée”. 40 La difficulté n’est donc non
seulement pratique et humainement maîtrisable, mais bien subjective et inté-
rieure à la personne objectivement incapable de saisir la difficulté profonde
de sa propre réalité. 41
Selon Blondel, la volonté voulante possède un dynamisme inépuisable tou-
jours en dualité avec la volonté voulue limitée et insatisfaite. Cette tension
entre — ce qui est voulu en nous — et — ce qui est voulu par nous — n’est
jamais entièrement comblée. C’est un mouvement ou une inclination fonda-
mentale de l’homme qui détermine forcément son action vers une fin ou un
être suprême. L’homme semble avoir en lui la possibilité d’aller toujours plus
loin. En réalité, c’est une invitation pour se décentraliser de lui-même pour
s’ouvrir envers l’autre. L’action est donc un rejet perpétuel du cercle fermé

38)  Blondel, M. Collaboration au “Vocabulaire” de Lalande, art. Volonté (1906). Bulletin de la société
française de philosophie, v. 25, 1922, p. 82-83.
39)  L’Action, p. 430.
40)  L’Action, p. 430.
41)  Cf. Virgoulay, R. L’Action de Maurice Blondel (1893). Relecture pour un centenaire. Paris:
Beauchesne, 1992, p. 56.

436 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

d’une vie et d’une personnalité égoïste et elle est limitée par l’aventure tou-
jours ouverte et dynamique de l’agir infini. 42
Dans sa thèse, Blondel nous introduit à la vraie vie de l’action qui engage
nécessairement le renoncement de soi-même. Une décentralisation de la
volonté propre pour être remplacée par la volonté vraie. Car l’homme doit
convenir qu’il ne peut être entièrement et complètement homme que s’il
s’ouvre à ce qui le dépasse afin de pouvoir saisir tout ce qu’il est. Cette action
d’ouverture implique un renoncement que Blondel qualifie de mortification
parce que, selon lui, la “mortification est […] la véritable expérimentation
métaphysique”. 43

2.2.  La notion du surnaturel


Afin d’expliquer la notion de l’homme ouvert à ce qui le dépasse,
contrairement à l’homme fermé à ce qui le limite, Blondel utilise des expres-
sions et des pensées provenant des Pères de l’Église. Cette façon de procéder
a pour but la volonté de poursuivre un dialogue constructif avec la modernité
en récupérant les accords qui ont existé de par le passé entre la métaphysique
et le mystique. 44 Prenons l’exemple de cette expression dérivant certainement
de saint Augustin, et possédant une caractéristique quelconque du langage de
saint Ignace et de saint Bernard: 45

En un sens, l’action doit être toute de l’homme, mais il faut d’abord qu’elle
soit voulue comme toute de Dieu. Dans cette parfaite synthèse de l’un avec
l’autre, on ne peut dire que la première part de l’acte vient de l’un et que la
seconde vient de l’autre: non, chacun doit agir pour le tout; il n’y a commu-
nion de deux volontés qu’à cette condition: l’une ne peut rien sans l’autre. Et
l’action, œuvre commune, procède pourtant tout entière de chacune. 46

Comment pouvons-nous alors comprendre la relation entre la pensée et


l’action dans la philosophie de Blondel? La pensée n’est pas dissociée de

42)  Cf. L’Action, p. 422. Voir aussi cette même idée dans Virgoulay, R. Philosophie et Théologie chez
Maurice Blondel: Philosophie & Théologie. Paris: Cerf, 2002, p. 31.
43)  L’Action, p. 383.
44)  Cf. Leclercq, J. Maurice Blondel lecteur de Bernard de Clairvaux. Bruxelles: Lessius, 2001, p. 130.
45)  Voir les observations à ce sujet de: Leclercq, J. Maurice Blondel lecteur de Bernard de Clairvaux.
Bruxelles: Lessius, 2001, p. 138; Virgoulay, R. Philosophie et Théologie chez Maurice Blondel. Pa-
ris: Cerf, 2002, p. 33.
46)  L’Action, p. 385.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 437
L’intention apologétique de Maurice Blondel

l’action et l’action n’est pas dissociée de la pensée, mais bien au contraire,


elles sont intimement unies et s’épaulent pour mieux saisir la réalité totale
de l’homme. Il y a une “logique de l’action” où l’intelligence et l’action sont
contenues dans un même mouvement, c’est la “logique générale”. 47 L’idée est
à la fois un début et une conclusion, car elle peut naître de l’action comme elle
peut faire naître l’action. Voilà pourquoi Blondel peut parler d’une “action
nécessaire de l’idée de Dieu”, car l’action n’est pas irrationnelle, mais elle
éclaire et se fait éclairer. 48 Pour bien comprendre la philosophie de Blondel,
il est important de bien saisir la cohérence qui existe entre la pensée et l’ac-
tion. Loin de lui est la définition pragmatique et concrète de la pensée anglo-
saxonne de l’action dans le sens que l’action fait des choses. L’action n’est pas
strictement faire, mais surtout vivre, car nous agissons pour connaître et non
pour subsister.
C’est alors que Blondel, dans le cinquième et dernier chapitre de L’Action,
introduit la notion du surnaturel. 49 Le surnaturel est nécessaire à l’homme,
parce que sollicité par la dimension infinie de sa pensée et de son action. Et
pour mieux expliquer ce rapport entre la pensée et l’action de l’homme, Blondel
introduira ce qu’il appelle la “logique de l’action”. 50 Une discipline qui analy-
sera les conditions profondes de la volonté humaine pour en faire ressortir tout
le sens de l’action et de la vie humaine. Ceci parce que la logique de l’action —
ce rapport pensée/action — nous ouvre inévitablement à la question du rap-
port entre la philosophie et la religion. C’est l’action qui porte la philosophie à
la limite de sa pensée pour ainsi aborder la religion comme un élément légiti-
mement envisageable. Sans perdre son autonomie, la philosophie peut et même
doit, selon Blondel, considérer et discerner ce qui la dépasse. 51 Et pour abor-
der philosophiquement la question religieuse, Blondel utilise la notion du sur-
naturel. Pour introduire cette notion, Blondel explique cette grande contradic-
tion (qu’il nomme une “antibolie”) qui existe dans l’homme où “ce qui veut et

47)  L’Action, p. 470, 471, 473, 474, 477, 478.


48)  L’Action, p. 351-354. Voir aussi Troisfontaines, C. La pensée efficace de Dieu: Une Dialectique du
Salut. In: Coutagne, M.-J. (ed.). L’action. Une dialectique du salut. Paris: Beauchesne, p. 167-184;
ainsi que dans: Virgoulay, R. Philosophie et Théologie chez Maurice Blondel. Paris: Cerf, 2002, p. 33.
49)  L’Action, p. 388-389.
50)  L’Action, p. 471.
51)  Cf. Lettre sur l’apologétique, p. 148. Voir aussi le commentaire de la notice qui introduit la Lettre sur
l’apologétique, p. 98.

438 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

ce qui agit demeurent toujours supérieurs à ce qui est voulu et fait”. 52 C’est-à-
dire, puisque l’homme est naturellement limité dans son action et dans sa pen-
sée — car ni l’une ni l’autre ne le complète et ne le satisfait — il doit y avoir une
autre dimension qui puisse le combler. Cette dimension, selon Blondel, c’est le
surnaturel. Cependant, comme l’homme cherche fréquemment à échapper aux
périls de sa pensée, plus féconde que celle de son activité, l’homme se dépense
déraisonnablement dans l’action parce qu’il ne peut arrêter le temps ni le mou-
vement de sa vie. Les phénomènes constituent alors une sorte d’échappatoire à
l’action de l’homme qui le rend chaque fois plus matérialiste et pragmatique. Il
s’agit là d’une véritable atrophie de son être et de sa grandeur qui le frustre et
le décourage en limitant son ouverture naturelle et épanouissante d’être avec
une dimension infinie. “L’homme prétendait s’arranger tout seul, [dit Blondel]
et trouver dans l’ordre naturel sa suffisance et son tout: il n’y réussit pas; il
ne réussit ni à s’arrêter ni à passer outre”. 53 Le surnaturel devient alors néces-
saire à l’homme pour qu’il puisse passer au-delà des enlacements des phéno-
mènes. Ainsi, l’ordre surnaturel est introduit comme une possibilité qui doit
être sérieusement considérée par l’homme s’il veut vraiment s’épanouir et avoir
les coudées franches avec lui-même, comme l’explique Blondel:

Absolument impossible et absolument nécessaire à l’homme, c’est là pro-


prement la notion du surnaturel: l’action de l’homme passe l’homme; et
tout l’effort de sa raison, c’est de voir qu’il ne peut, qu’il ne doit pas s’y
tenir. Attente cordiale du messie inconnu; baptême de désir, que la science
humaine est impuissante à provoquer, parce que ce besoin même est un
don. Elle en peut montrer la nécessité, elle ne peut le faire naître. S’il faut
en effet fonder une société réelle et coopérer avec Dieu, comment présume-
rait-on d’y réussir, sans reconnaître que Dieu reste souverain maître de son
don et de son opération? 54

2.3.  La notion de vérité


La notion de vérité est alors introduite dans l’apologétique de Blondel
parce qu’essentielle au développement intérieur et complet de la vie. La vérité
éclaire et agit même au sein de l’erreur, qui n’est jamais capable de se complé-

52)  L’Action, p. 323: “Ce mot antibolie, qui signifie si l’on peut dire “entre-choc”, exprime ici le mouve-
ment en apparence double et inconciliable de la volonté humaine”.
53)  L’Action, p. 323-324.
54)  L’Action, p. 388.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 439
L’intention apologétique de Maurice Blondel

ter parce que limitée par ses demi-vérités. Pour Blondel, être fidèle à la véri-
té est d’abord une conversion de soi comme il l’explique si bien dans les der-
nières pages de la Lettre sur l’apologétique.

Car, la philosophie étant telle qu’on l’a définie, la difficulté qu’elle rencontre
dans le problème de l’apologétique est de nature à intéresser les croyants
au même titre que les incrédules: il ne s’agit pas en effet d’une adhésion
théorique de l’esprit à un dogme extérieur à nous, mais de l’introduction
pratique d’une vérité vivifiante dans notre cœur et dans notre conduite —
d’une vérité qui, mieux pratiquée, est mieux connue, et qui, mieux connue,
est plus exigeante à mesure qu’elle devient plus libérale et plus secou-
rable. Lorsqu’il faut découvrir en quoi consiste la conversion intérieure et
où résident les obstacles à surmonter, c’est donc de nous-mêmes qu’il est
d’abord question. 55
Il faut d’abord dégager la vérité des exigences de la vie afin qu’elle soit
nécessaire et voulue et non pas imposée et soumise. Le progrès légitime,
néanmoins limité, de la volonté doit contraindre l’homme à admettre son
insuffisance et son besoin de s’ouvrir au baptême du désir. Ce serait une
“touche secrète de Dieu”, tel un sacrement intérieur et immanent à l’homme,
de constater la nécessité du surnaturel. 56 L’homme a tout ce qu’il faut pour
s’ouvrir et s’épanouir, car “si notre nature n’est pas chez elle dans le surnatu-
rel, le surnaturel est chez lui dans notre nature”. 57 Toutefois, seule la pratique
effective de la vie peut trancher dans l’homme la vraie notion du surnaturel
parce que, selon Blondel, “la pratique précède et prépare la croyance”. 58 La
vérité, selon notre auteur, doit naître du besoin de la vie en nous afin qu’elle
soit éclairante et non seulement éclairée. 59 La vérité est assurément effective
à la transformation et la conversion, vu son lien avec l’amour du surnaturel. 60

55)  Lettre sur l’apologétique, p. 163. Voir aussi: Marty, F. La question de la vérité dans la Lettre sur
l’apologétique. In: Coutagne, M. J. Maurice Blondel et la quête du sens. Paris: Beauchesne, 1998, p.
106.
56)  Lettre sur l’apologétique, p. 132.
57)  Lettre sur l’apologétique, p. 133.
58)  L’Action, p. 408.
59)  Voici plus précisément ce qu’il en dit: “En parlant du progrès de la conscience religieuse, j’entends
qu’en nous certaines vérités s’éclairent, non en elles; et c’est même parce qu’en elles, elles sont immo-
biles que l’humanité, comme un tireur toujours en marche devant une mire fixe, ne peut les viser que
par un continuel mouvement” (Lettre sur l’apologétique, p. 139).
60)  Selon l’affirmation de Blondel que “la véritable philosophie est la sainteté de la raison” (L’Action, p.
442). Et cette autre affirmation où il dit: “qu’après avoir d’abord écarté, pour définir la notion du sur-
naturel, toutes les questions de fait ou de personne, nous serions amenés enfin, par cette voie unique et

440 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

Cette conversion de soi est en fait une ouverture et une sensibilité courageuse
envers toutes inspirations qui transforment la vie vers sa dimension surnatu-
relle.

2.4.  Le point de départ intérieur


De cette ouverture à la vérité dans son intégrité naîtra le mouvement fonda-
mental de l’être pour découvrir le sens de sa vie; pour découvrir Celui (Jésus-
Christ) qui en est la source. Une nouvelle forme d’apologétique subjective où
les vérités divines se fondent incarnées dans la pensée et l’action humaine
par une préparation de l’être et de l’esprit. Un progrès plus pénétrant de la foi
catholique pour revaloriser et souligner le depositum fidei qui se trouve dans
le cœur de chaque homme de bonne volonté.
Car la foi, selon Blondel, est un “don gratuit”, de dimension surnaturelle,
qui est “possible” et qu’il faut sérieusement considérer pour ainsi saisir tout
le sens de la vie. 61 La foi est un fait aussi universel que la raison pour demeu-
rer — même parfois tout à fait dissimulée — derrière chaque activité. 62 Il n’y a
pas chez l’homme que la pure nature, car même lorsque le surnaturel est absent
de notre connaissance et de notre volonté, il n’est jamais absent de notre pen-
sée et de notre vie réelle. La vie, il faut l’avouer, est un état surnaturel, car tou-
jours en contact avec la vérité. 63 Ce n’est pas que le surnaturel soit perceptible
en lui-même ut est, mais qu’il soit perceptible dans ses effets internes ut agit. Il

d’une manière à la fois discrète et impérieuse, à susciter, sous sa forme la plus précise, le besoin de la
réalité concrète du Verbe, à préparer en ce point seul que seul le philosophe peut toucher l’insertion de
l’apologétique historique, et à justifier la nécessité pour l’homme d’étudier, d’admettre, de faire vivre
en soi un fait entre tous les autres, le fait divin du christianisme. Et ainsi ce postulat sublime de la rai-
son philosophique concorderait, sans confusion des rôles, avec la plus humaine des sciences, avec l’his-
toire, comme avec le plus haut enseignement de la théologie” (Lettre sur l’apologétique, p. 169). Voir
aussi à ce sujet: Gabellieri, S. Blondel, S. Weil et le panchristisme. Vers une “métaxologie”. In: Cou-
tagne, M. J. Maurice Blondel et la quête du sens. Paris: Beauchesne, 1998, p. 65.
61)  L’Action, p. 390, 392, 400-404, 408.
62)  Cf. Mallet, F. [= M. Blondel]. “L’œuvre du Cardinal Dechamps et la méthode de l’apologétique”.
Annales de philosophie chrétienne, v. 151, 1905, p. 74.
63)  Il est important de bien saisir que Blondel parle du surnaturel comme vivre en présence de Dieu et non
pas comme un sacrement. Voici ce qu’il en dit: “Qu’on veuille bien ne pas m’attribuer ici une confusion
entre la vie surnaturelle, telle que le baptême et la grâce habituelle la constituent en nous, et l’état sur-
naturel où l’homme est placé avant et afin de pouvoir réaliser cette vie de grâce” (Blondel, M. Histoire
et dogme. Les lacunes philosophiques de l’exégèse moderne (1904). Œuvres complètes, v. 2, 1997, p.
449, note).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 441
L’intention apologétique de Maurice Blondel

ne doit pas être défini ou catalogué, mais accueilli et reçu. 64 Le surnaturel est
d’abord présenté à l’homme tel un fait de conscience pouvant initialement être
vu au-dehors et qui doit être accueilli en dedans pour être distingué comme tel.
C’est de l’intérieur de l’homme que surgissent la voix et la lumière qui font dési-
rer profondément le surnaturel en réponse à la quête du sens de la vie. Il s’agit
d’une force intérieure qui désire accueillir et se faire embraser par l’amour qui
vient au-devant d’elle. Le surnaturel est surtout une œuvre d’amour car elle
est l’âme invisible de l’Église. Parce que le salut, selon le professeur dijonnais,
qui à son tour cite saint Thomas, dépend beaucoup moins d’une connaissance
objective de la vérité que d’une correspondance pratique aux inspirations inté-
rieures du désir d’être fidèle à la vérité. 65 Si les vérités théologiques sont ain-
si facilement et naturellement acceptées par les âmes, c’est parce que les âmes
sont heureusement plus théologiques qu’on ne le croit. C’est le sensus fidei de
tous les baptisés qui participent ainsi intérieurement à la mission prophétique
du Christ et de son Église.
Ce don, le sensus fidei, consiste en une sorte d’instinct surnaturel qui attri-
bue aux croyants une “intelligence intérieure qu’ils éprouvent des réalités spi-
rituelles”. 66 Une vie et une existence profondément unies avec l’objet de la
foi pour ainsi avoir “la pensée du Christ” (1 Co 2, 16), et l’“intelligence spi-
rituelle” (Col 1, 9), qui “éclaire les yeux du cœur” (Ep 1, 18; Jn 14, 17; 16, 13;
Ph 1, 9) et donne un sens à la vie (Ps 138, 8; Jr 1, 5; Mt 6, 33; Mc 12, 30-31;
Rm 12, 2; 8, 28; 1 Co 6, 19-20; Ep 1, 11; Ap 4, 11). C’est un critère surnaturel
qui donne au croyant un sens profond de la foi permettant ainsi de discerner si
une vérité fait partie du dépôt de la Tradition Apostolique ou non. Ce n’est pas
dans le sens que le croyant par lui-même ne peut se tromper en matière de foi
— ce serait une fausse interprétation du sensus fidei —, mais qu’il lui donne
un instinct surnaturel de discernement et de connaissance surnaturelle. 67 Ce
discernement, de la “collectivité des fidèles” participant à la vie de l’Église et

64)  Cf. Mallet, F. [= M. Blondel]. “L’œuvre du Cardinal Dechamps et les progrès récents de
l’apologétique”. Annales de philosophie chrétienne, v. 153, 1907, p. 582.
65)  Voici la citation de saint Thomas rapporté par Blondel: “les conditions du salut, ea quae sunt neces-
saria ad salutem [en ce qui concerne les choses nécessaires au salut], comme dit S. Thomas [...], dé-
pendent bien moins de connaissances objectives que d’une correspondance pratique aux attraits d’une
grâce indiscernée” (Mallet, F. [= M. Blondel]. “L’œuvre du Cardinal Dechamps et les progrès ré-
cents de l’apologétique”. Annales de philosophie chrétienne, v. 153, 1907, p. 582). Blondel s’inspire
probablement en partie de: Summa Theologiae, II-II, q. 8, a. 4.
66)  Dei Verbum, n. 8 (AAS 58, 1966, p. 821).
67)  Voir à ce sujet le Discours de Benoît XVI à la Commission Théologique International du 7 décembre
2012 (AAS 104, 2012).

442 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

uni d’une façon responsable au magistère de l’Église, ne peut se tromper en


matière de foi. 68 Le Sensus fidei, donc, n’est pas une sorte d’opinion publique
de l’Église, mais bien un don surnaturel d’un profond sens de la foi guidée et
inspirée par le Saint Esprit pour participer à la plénitude de la vie du Christ
avec toute l’Église. 69 Suivant la Tradition et les Pères de l’Église, le Concile
Vatican II a consacré l’usage et la définition de la notion sensus fidei, dans
plusieurs de ses documents conciliaires. 70
N’utilisant jamais cette expression du sensus fidei qui, pour notre philo-
sophe, serait trop théologique, Blondel fera l’usage d’autres expressions plus
philosophiquement acceptables pour attribuer à l’homme le besoin de s’ouvrir
à Dieu et de connaître sa révélation. Ce besoin du surnaturel sera exprimé
dans L’Action comme un “cri de la nature” qui exprime un “vœu secret” d’une
“prière naturelle de la volonté humaine” pour connaître Dieu. 71
Donc, notre auteur juge que l’expression “méthode d’immanence” est le
point philosophique du problème religieux qui postule le surnaturel. 72 C’est

68)  Lumen Gentium, n. 12 (AAS 57, 1965, p. 16).


69)  Voir à ce sujet: Dillenschneider, C. Le sens de la foi et le progrès dogmatique du mystère marial.
Romae: Academia Mariana Internationalis, 1954, p. 353-360.
70)  Surtout Lumen Gentium, n. 12 (AAS 57, 1965, p. 16), où il est dit que: “La collectivité des fidèles,
ayant l’onction qui vient du Saint (cf. 1 Jn 2, 20.27), ne peut se tromper dans la foi; ce don particulier
qu’elle possède, elle le manifeste moyennant le sens surnaturel de foi qui est celui du peuple tout entier,
lorsque, “des évêques jusqu’aux derniers des fidèles laïcs”, elle apporte aux vérités concernant la foi
et les mœurs un consentement universel. Grâce en effet à ce sens de la foi qui est éveillé et soutenu par
l’Esprit de vérité, et sous la conduite du magistère sacré, pourvu qu’il lui obéisse fidèlement, le Peuple
de Dieu reçoit non plus une parole humaine, mais véritablement la Parole de Dieu (cf. 1 Th 2, 13), il
s’attache indéfectiblement à la foi transmise aux saints une fois pour toutes (cf. Jude 3), il y pénètre plus
profondément par un jugement droit et la met plus parfaitement en œuvre dans sa vie”. Nous trouvons
aussi quelques occurrences proches de sensus fidei dans Presbyterorum Ordinis, n. 9 (AAS 58, 1965);
sensus catholicus dans Apostolicam Actuositatem, n. 30 (AAS 58, 1966); sensus christianus dans Gau-
dium et Spes, n. 52 (AAS 58, 1966); sensus religiosus dans Nostra Aetate, n. 2 (AAS 58, 1966), Digni-
tatis Humanae, n. 4 (AAS 58, 1966), Gaudium et Spes, n. 59 (AAS 58, 1966); sensus Dei dans Dei Ver-
bum, n. 15 (AAS 58, 1966) et Gaudium et Spes, n. 7 (AAS 58, 1966); et finalement sensus Christi et Ec-
clesiae dans Ad Gentes, n. 19 (AAS 58, 1966).
71)  L’Action, p. 406-407.
72)  Voyez exactement ce qu’il en dit: “En quoi donc consistera la méthode d’immanence, sinon à met-
tre en équation, dans la conscience même, ce que nous paraissons penser et vouloir et faire, avec ce
que nous faisons, nous voulons et nous pensons en réalité: de telle sorte que dans les négations factices
ou les fins artificiellement voulues se retrouveront encore les affirmations profondes et les besoins in-
coercibles qu’elles impliquent” (Lettre sur l’apologétique, p. 128). Voir aussi cette autre affirmation de
Blondel: “Même ambiguïté à éviter touchant le mot immanence: ce terme ne doit pas être interprété en
fonction des notions de subjectivité ou d’objectivité, comme si nous restions sur le terrain de la connais-
sance intellectuelle ou représentative, de la connaissance “fin en soi”; il doit être rapporté au problème
de l’inhérence, de l’acceptation, de la pénétration de la réalité en nous; et en parlant de la méthode d’im-
manence j’ai voulu dire seulement que le transcendant même est employé, assimilé et, à certains égards,

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 443
L’intention apologétique de Maurice Blondel

une expression, en fait, qui aurait la même signification, selon certains


auteurs, que la logique de l’action. 73 Le mot “immanence” chez Blondel sera
considéré un fait intérieur désirant découvrir le “point d’insertion” du “bap-
tême de désir” à la recherche du “messie inconnu” qui se trouve dans le cœur
de l’homme et se manifeste dans la vie de l’Église. 74

2.5.  La méthode philosophique et l’apologétique


On reconnaît dans la philosophie de Blondel son intention profonde de dia-
loguer avec l’incroyant qui est, vis-à-vis le croyant, plus démuni et gêné face
au problème existentiel du sens de la vie. Pour le philosophe d’Aix, “l’impor-
tant est, non de parler pour les âmes qui croient, mais de dire quelque chose
qui compte pour les esprits qui ne croient pas”. 75
C’est dans le double but de respecter le non-croyant et de lui dire quelque
chose qui ne lui semble pas insignifiant que Blondel dégage l’apologétique de
toute attache théologique. Il cherche ainsi à construire une méthode apologé-
tique qui prépare l’acte de foi ou, du moins, qui conduit vers celui-ci. Blondel
croit que par l’action jaillira la foi qui illuminera l’homme face à sa destinée
et lui donnera ainsi un sens à sa vie. 76
Sa méthode s’avérera strictement rationnelle et immanente à la pensée et à
l’action humaine. Contrairement à l’apologétique de la théologie des manuels
qui construisait une argumentation à partir de l’extérieur de la personne cher-
chant l’objet de la foi en se basant sur les vérités de la révélation, Blondel
propose une apologétique philosophique ayant pour objectif le sujet de la foi
construite sur l’édifice humain de la vie naturelle, rationnelle et palpable. Il
veut donc établir le problème apologétique en utilisant un langage nettement
philosophique sectionné de toute attache formelle avec la théologie. Voilà la
différence entre une philosophie apologétique et une apologétique philoso-
phique. C’est-à-dire que Blondel préfère la philosophie apologétique, ou la
philosophie libre de toute instrumentation au service du sujet pour l’ouvrir

connu e défini du dedans, non comme représenté sous un aspect empirique ou logique, mais comme
présent et actif intimement” (Lettre au P. Valensin, le 24 mai 1907. In: Blondel, M., Lettres Philoso-
phiques. Aubier: Montaigne, Paris, 1961 p. 203).
73)  Cf. Bouillard, H. Blondel et le christianisme. Paris: Seuil, 1961, p. 221.
74)  Lettre sur l’apologétique, p. 132-133. Voir aussi: L’Action, p. 388.
75)  Lettre sur l’apologétique, p. 102.
76)  Cf. L’Action, p. 403-404, 408.

444 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

et l’initier à ce qui le dépasse, plutôt que l’apologétique philosophique où la


philosophie est utilisée, et parfois même manipulée, par la théologie pour
prouver rationnellement un argument ou une preuve de foi. 77 La philosophie
n’est pas une philosophie si elle devient un instrument ou un moyen de faire
avancer une seconde intention qui n’est celle de simplement rechercher la
vérité. La philosophie doit rester purement rationnelle si elle se veut crédible
et efficace. Blondel croit que la philosophie peut, sans compromis, introduire
l’homme aux mystères de la dimension surnaturel parce qu’“à mesure que
l’humanité grandit, le Christ se lève”. 78 Voici ce qu’il en dit:

J’expliquerai pourquoi la philosophie apologétique, dans l’intérêt même des


conclusions qu’elle prépare ou permet, ne doit pas devenir une apologie phi-
losophique: n’est philosophique, à vrai dire, rien de ce qui est simplement
un instrument ou un moyen. 79

En réalité, Blondel aspire à une apologétique intégrale qui unit l’apologé-


tique extérieure — objective — avec l’apologétique intérieure — subjective
— par l’intégration des deux réalités pour produire une “synthèse organique
de preuves”. 80 Tel que mentionné plus haut, l’apologétique des théologiens
utilise, en général, la philosophie comme un instrument pour arriver à prou-
ver leurs arguments en faveur de la foi. 81 C’est l’apologétique philosophique
qui part de la foi et n’est pas immanent à l’homme. Elle ne considère pas le
problème de l’homme dans sa vie intime et active, car elle “philosophe déjà
à l’intérieur de la foi”. 82 Cette méthode d’apologétique dite — théologique —

77)  Cf. Lettre sur l’apologétique, p. 136. Voir aussi: Virgoulay, R. “La philosophie de l’action et la théo-
logie fondamentale”. Recherches de Science Religieuses, v. 81/3, 1993, p. 391-392.
78)  Lettre à Victor Delbos, le 6 mai 1889. In: Lettres Philosophiques, p. 18.
79)  Blondel, M. Lettre au directeur des “Annales de philosophie chrétienne” (1895). In: Œuvres com-
plètes, v. 2, p. 94.
80)  Blondel affirme, dans sa Lettre sur l’apologétique, que: “En ce temps de confusion et surtout d’igno-
rance religieuse, la première tâche de l’apologiste c’est d’exposer, dans son unité définie et dans sa
riche simplicité, la synthèse logique du dogme catholique”, et plus loin il dit: “Qu’il ne supprime, qu’il
n’ignore pas le naturel du surnaturel même. Autant donc il est nécessaire de ne pas mêler les rôles et les
compétences, autant il est urgent de briser les prétendues cloisons étanches qui sépareraient faussement
le chrétien, de l’homme et du citoyen, et l’homme de Dieu, des progrès du monde” (Lettre sur l’apolo-
gétique, p. 157). Voir aussi: Mallet, F. [= M. Blondel]. “Un entretien avec M. Blondel”. Revue du Cler-
gé Français, v. 27, 1901, p. 632; Virgoulay, R. Philosophie et Théologie chez Maurice Blondel. Paris:
Cerf, 2002, p. 45-46.
81)  Lettre sur l’apologétique, p. 135-136.
82)  Dans le deuxième article de la Lettre sur l’apologétique, Blondel parle de l’insuffisance philoso-
phique d’une apologétique fondée uniquement sur les vérités de la foi chrétienne et dit: “quand on a la

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 445
L’intention apologétique de Maurice Blondel

peut être bénéfique, mais seulement pour ceux qui ont déjà reçu ou ont déjà
fait l’expérience de la foi. C’est une méthode qui présuppose la foi pour ain-
si l’approfondir et l’éclairer en utilisant des arguments philosophiques pour
mieux approfondir les mystères de la réalité théologique.
La philosophie apologétique, au contraire, ne tire pas son origine de la foi,
mais de l’homme, et de sa capacité de raisonner. C’est pour cela qu’elle est
considérée, proprement dite, philosophique. Elle ne possède pas de liens for-
mels avec la foi, mais elle cherche à aboutir vers la foi en réponse au sens de
la vie. Sa méthode est immanente, car elle surgit de l’intérieur de l’homme
par sa pensée et son action pour ensuite converger au-delà de l’homme. Elle
considère l’homme dans sa vie et dans son action pour ensuite considérer la
nécessité qu’a l’homme de s’ouvrir et d’accueillir la foi. “La tâche perpétuelle
de la philosophie et de l’apologétique [selon Blondel], (pour moi, n’est-ce pas,
au fond, tout un?) c’est de découvrir que lui [le Christ], il est [le] plus grand et
incomparable”. 83 C’est parce qu’il y a dans l’homme une ouverture, un “point
d’insertion préparé” que la philosophie peut découvrir par elle-même (sans
être un instrument de la théologie), en étudiant les limites de la raison et de la
réalité humaine. 84
Cependant, ayant examiné et donné la primauté à l’élément subjectif, et
non à l’objectif, l’apologétique blondélienne a souvent été considérée une nou-
veauté dangereuse. Est-ce donc une approche relativiste que de se baser sur le
sujet et non sur l’objet? Blondel va s’expliquer et souligner la différence entre
subjectivité et subjectivisme.
D’une part, il y a chez l’individu des éléments variables, éphémères et incons-
tants comme la vie morale et sensible de l’homme. D’autre part, il y a aus-
si chez l’individu des éléments réglés et stables, sujets à des lois et à des règles
bien déterminées qui peuvent être l’objet de la science et de l’étude comme, par
exemple, sa logique intellectuelle. Selon Blondel, il n’y a pas de pensées abs-
traites qui puissent être dissociées de la vie et de l’action concrète de l’homme,

foi, quand on pratique ce qu’on croit, et quand on recouvre, par la réflexion, tout le sens de sa croyance
et de son action, le cercle est clos, il n’y a point de place au doute, la preuve est faite. Mais, pour cela, il
faut partir du fait d’une vie chrétienne; tandis que le grand besoin de l’apologétique aujourd’hui c’est de
partir du fait d’une incrédulité théorique et pratique. Il faut, par une hypothèse qui excède absolument le
domaine de la philosophie, supposer le surnaturel présent dans la vie, pour en retrouver l’expression re-
flétée dans la pensée; tandis qu’il faudrait supposer le surnaturel absent de la vie pour montrer qu’il est
postulé par la pensée et l’action” (Lettre sur l’apologétique, p. 113). Voir aussi: Capelle, P. Philosophie
et Apologétique, Maurice Blondel cent ans après. Paris: Cerf, 1999, p. 40.
83)  Lettre à Victor Delbos, le 6 mai 1889. In: Lettres Philosophiques, p. 18-19.
84)  Lettre sur l’apologétique, p. 133.

446 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

car, malgré ces deux dimensions apparemment contradictoires, l’homme est


une entité homogène. 85 Une apologétique considérant uniquement l’objet de la
foi, sans considérer l’expérience subjective de celle-ci, est définitivement une
apologétique limitée et fort probablement très inefficace.
Selon Blondel, la vie intérieure du sujet est ce qui importe, car c’est là que
se déroule la logique de la vie et la morale sociale par une préparation humaine
de l’expansion féconde et continuelle de l’action intégrale de l’homme. “La vie
intérieure [dit Blondel] ne subsiste que par une expansion et une fécondité per-
pétuelles”. 86 D’après lui, il faut avoir “une logique réelle qui contienne ce que la
logique formelle exclut”, car le chaos initial de la vie organique et morale tend
nécessairement à l’ordre. 87
Selon le professeur d’Aix, c’est le sujet qu’il est important d’étudier, car
c’est lui qui, en fin de compte, accepte ou rejette l’invitation à accueillir ou à
recevoir le don de la foi qui sera la clé de l’existence de sa vie. Il faut envisa-
ger une préparation du sujet en parlant dans son for intérieur afin de susciter
chez lui d’abord l’intérêt puis le désir d’accéder à la foi. La philosophie apolo-
gétique proposée par Blondel est immanente parce qu’intérieure et subjective.
Il considère le sujet plutôt que l’objet. Ce n’est pas la révélation ou le surnatu-
rel réel et historique qu’il faut présenter, mais bien le sujet humain concrète-
ment capable de connaître et d’agir qu’il faut préparer. Voyons ce qu’il en dit:

Ne nous épuisons pas à ressasser des arguments connus, à offrir un objet,


alors que c’est le sujet qui n’est pas disposé. Ce n’est jamais du côté de la
vérité divine, c’est du côté de la préparation humaine qu’il y a défaut et que
l’effort de la démonstration doit porter. Et ce n’est point la simple affaire
d’adaptation ou pur expédient temporaire; car ce rôle de préparation sub-
jective est de première importance, il est essentiel et permanent, s’il est vrai
que l’action de l’homme coopère, dans toute son étendue, à celle de Dieu. 88

Cette préparation subjective doit chercher à provoquer l’homme afin de


l’inviter à entrer profondément en lui-même pour ainsi y trouver la nécessi-
té du surnaturel. Une pensée inspirée certainement de l’enseignement de saint
Augustin qui invite l’homme à s’intérioriser et à se sacrifier pour ensuite pou-

85)  Cf. L’Action, p. 95.


86)  L’Action, p. 142. Voir aussi: Virgoulay, R. Philosophie et Théologie chez Maurice Blondel: Philoso-
phie & Théologie. Paris: Cerf, 2002, p. 45.
87)  Blondel, M. Logique de la vie morale. In: Œuvres complètes, v. 2, p. 380.
88)  Lettre sur l’apologétique, p. 119, (dans le tiré à part à la page 28).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 447
L’intention apologétique de Maurice Blondel

voir s’élever vers le transcendant. 89 En s’intériorisant, l’homme s’ouvre, car


il y découvre le déterminisme phénoménal du sujet pensant et voulant. Cette
découverte du surnaturel n’est pas la découverte d’un objet extérieur d’un sur-
naturel visible ou historique, mais bien du surnaturel intérieur, présent dans
l’homme qui pense, raisonne et agit. 90
Pour être crédible et intègre, la philosophie ne doit pas chercher à sortir
du sujet pour ainsi se porter vers un surnaturel extérieur — car ceci est du
domaine de la foi —, mais elle doit chercher à découvrir par où le surnaturel
peut entrer et par conséquent compléter le sujet. Donc, pour Blondel, l’apolo-
gétique doit orienter les recherches sur les raisons qui portent le sujet à adhé-
rer au surnaturel et pour quelle raison. 91 L’important, afin que l’apologétique
soit authentique et efficace, n’est pas de prouver l’existence de la révélation
en tant que réalité extérieure du sujet, mais bien de montrer que le sujet est
nécessairement et naturellement ouvert et a besoin du surnaturel, parce qu’in-
térieurement réel et présent, même si le surnaturel peut initialement lui sem-
bler confus et imprécis.
Pour que la méthode d’immanence envisagée par Blondel dans sa Lettre
sur l’apologétique soit significative, il ne peut pas considérer le surnaturel
réel sous sa forme historique ou hypothétique et facultative, mais “indispen-
sable en même temps inaccessible à l’homme”. 92
L’apologétique intégrale envisage donc un surnaturel vécu (inspiration
intérieure) et un surnaturel connu (par l’annonce extérieure). L’aspect trans-
cendant et infini de la révélation objective produit dans l’intelligence et la
volonté de l’homme l’inquiétude religieuse qui creuse le vide de l’inachève-
ment ontologique. L’aspect immanent du surnaturel et de la révélation subjec-
tive produit un témoignage intime qui éclaire et complémente la révélation
objective. C’est en partant du “témoignage de Dieu en nous” que nous pou-

89)  Voyez, par exemple, ce texte de saint Augustin: “Sache donc où est l’accord parfait, mais ne va pas
au dehors, cherche en toi-même; la vérité réside dans l’homme intérieur; et si ta nature te paraît trop in-
constante, élève-toi plus haut” (Augustin. De la vraie religion, XXXIX, 72). Voir aussi à ce sujet: Au-
gustin. Discours sur le Psaume LV, 3.
90)  Cf. Lettre sur l’apologétique, p. 132. Voir aussi les pages 28 et 43, de la Lettre sur l’apologétique, et
ce qu’en dit Philo et Apologétique, p. 42-43.
91)  Cf. Blondel, M. L’apologétique et l’esprit chrétien, 2 août 1901, inédit, cité dans: Virgoulay, R.
Blondel et le modernisme. Paris: Cerf, 1980, p. 326-329.
92)  Cf. Lettre sur l’apologétique, p. 131, (tiré à part à la page 42-43).

448 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

vons ainsi nous ouvrir au “témoignage de Dieu envers nous”. 93 C’est parce
que le premier témoignage de Dieu crée un vide que le second témoignage
de Dieu peut être reçu et accepté dans sa plénitude. Il n’y a pas alors de jux-
taposition entre la transcendance et l’immanence, mais plutôt une intégration
totale et harmonique d’où l’un prépare et éclaire l’arrivée de l’autre.
Le philosophe d’Aix exprime leur complémentarité par l’image du libretto
utilisé dans les présentations musicales ou liturgiques. 94 Dans celui-ci, vous
retrouvez les paroles écrites de la musique chantée. Les paroles, ainsi repro-
duites dans le libretto, sont facilement captées, comprises et assimilées par
l’auditeur. L’auditeur peut ainsi intégrer harmonieusement la musique avec
les paroles et recevoir l’intégralité du message musical. Ceci serait impossible
sans le libretto, car la musique chantée, sans l’accompagnement des paroles
écrites et reproduites dans un libretto, n’est pas déchiffrable par la seule facul-
té de l’ouïe. Le témoignage extérieur (surnaturel connu par la révélation) per-
met de discerner et de déchiffrer le témoignage intérieur qui, sans cela, ne
pourrait être clairement distingué.
Il survient alors une question. Blondel, n’aurait-il pas franchi la ligne en consi-
dérant et en présentant l’homme ouvert et capable de surnaturel et d’entrer en dis-
cussion avec les rationalistes dans le domaine de la théologie? C’est ce que plu-
sieurs de ses détracteurs ont voulu croire et c’est d’ailleurs pour cela, comme nous
l’avons mentionné plus tôt, que ses plus grands adversaires furent certains théo-
logiens qui le qualifièrent de “pire pour l’Église que Luther” et d’autres, comme
“moderniste” ou “quasiment un hérétique”. 95 Ce fut une grande et douloureuse
surprise pour Blondel, car il s’attendait à une opposition du monde de la philoso-
phie, mais non pas de ses coreligionnaires catholiques. 96 À l’époque de Blondel,
le monde universitaire français était séparé en deux réalités bien distinctes: l’une
était ecclésiastique et l’autre laïque. L’Église Catholique avait ses universités et
l’État français avait les siennes. Très peu de contacts ou d’échanges intellectuels

93)  Cf. L’Action p. 351-353, 491-492; Mallet, F. [= M. Blondel]. “Un entretien avec M. Blondel”. Revue
du Clergé Français, v. 27, 1901, p. 634.
94)  Cf. Mallet, F. [= M. Blondel]. “Un entretien avec M. Blondel”, p. 634.
95)  Itinéraire philosophiques, p. 102. Voyez aussi à ce sujet: Aubert, R. Le problème de l’acte de foi, don-
nées traditionnelles et résultats des controverses récentes. Louvain: Nauwelaerts, 1969, p. 368; Vir-
goulay, R. Blondel et le modernisme. La philosophie de l’action et les sciences religieuses (1896-
1913). Paris: Cerf, 1980, p. 215-309; Leclercq, J. Maurice Blondel lecteur de Bernard de Clairvaux.
Bruxelles: Lessius, 2001, p. 31; Troisfontaines, C. “Le phénoménisme dans la Lettre de 1896”. Re-
cherches de Science Religieuses, v. 86, 1998, p. 517.
96)  Virgoulay, R. La “Lettre” (1896) de Maurice Blondel. Philo et Apologétique, p. 19.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 449
L’intention apologétique de Maurice Blondel

circulaient entre ces deux mondes séparés. L’ambiance de la formation des


néoscolastiques dans les universités catholiques était complètement différente de
celle qu’avait reçue le philosophe d’Aix. Ceux-ci connaissaient très bien Aristote,
saint Augustin, saint Thomas d’Aquin, mais connaissaient très mal Emmanuel
Kant, Georg W. F. Hegel, Arthur Schopenhauer, etc. Ils les percevaient comme
une terrible menace pour la foi chrétienne. 97 D’ailleurs, ils l’étaient vraiment
jusqu’au jour où ils auront été compris, démasqués et réfutés.
Nous sommes à une époque bien antérieure de celle où l’Église a étudié et
compris le rôle de la philosophie moderne. Nous étions donc à une époque où
une menace existait vraiment. Voilà alors Blondel, utilisant un langage uni-
versitaire — qui était le sien — pour parler aux universitaires laïcs de la pos-
sibilité du surnaturel, suscitant l’incompréhension et la critique de la part des
néoscolastiques qui le traitent de “néo-kantien”. 98 Ils le considèrent comme un
traître parce qu’il parlait le même langage que celui de leurs adversaires. C’est
alors que le philosophe d’Aix s’aperçoit qu’il lui faudra, après avoir travaillé à
la conversion des mécréants, s’occuper aussi de l’éclaircissement des universi-
taires ecclésiastique. 99 C’est-à-dire, œuvrer à faire comprendre aux théologiens
qu’il se devait nécessairement d’utiliser le langage de Kant pour se faire com-
prendre des kantiens. Définitivement, pour Blondel, la lutte était ardue, car en
plus d’œuvrer à tenter de convertir les mécréants, il devait maintenant travailler
à changer la mentalité des néoscolastiques. 100
Il faut se rappeler qu’à la fin du dix-neuvième siècle et au début du ving-
tième, la philosophie de Kant exerçait une influence considérable en France.
Un penseur, désirant se faire écouter et étudier par les contemporains, devait
à tout prix utiliser le langage de l’époque. 101 Même s’il n’acceptait pas les
conclusions étroites du kantisme, il devait tout de même et nécessairement

97)  Cf. Virgoulay, R. Blondel et le modernisme. La philosophie de l’action et les sciences religieuses
(1896-1913). Paris: Cerf, 1980, p. 181-204.
98)  Blondel, M. Esquisse d’une reprise de “L’Action”. In: Paliard, J.; Archambault, P. (ed.). Études
Blondéliennes. PUF: Paris, 1951, v. 1, p. 23. Voir aussi: Virgoulay, R. Blondel et le modernisme. La
philosophie de l’action et les sciences religieuses (1896-1913). Paris: Cerf, 1980, p. 67.
99)  Cf. Lettre sur l’apologétique, p. 104.
100)  Cf. Virgoulay, R. Blondel et le modernisme. La philosophie de l’action et les sciences religieuses
(1896-1913). Paris: Cerf, 1980, p. 186.
101)  Voyez ce qu’en disait un auteur par rapport aux idées philosophiques en France de cette époque: “Les
esprits qui pensent, écrivait A. Sabatier [protestant] en 1897, se peuvent aujourd’hui diviser en deux
classes: ceux qui datent d’avant Kant, et ceux qui ont reçu l’initiative philosophique et comme le bap-
tême philosophique de sa critique” (Aubert, R. Le problème de l’acte de foi, données traditionnelles et
résultats des controverses récentes. Louvain: Nauwelaerts, 1969, p. 267).

450 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

faire usage de son vocabulaire pour être digne de note et compris. Blondel
voulait, par son œuvre L’Action, dépasser les propositions de Kant, comme
l’avait fait son maître de l’École Normale, et plus tard son grand ami, M. Léon
Ollé-Laprune. Tout en rejetant ces erreurs non productives, Blondel utilisa
quelques-unes des découvertes du kantisme en réponse aux chimères que
celui-ci soulevait. 102 C’est ce que plusieurs personnes, et surtout quelques
théologiens, ne comprirent pas. Blondel devait répondre au kantisme en uti-
lisant, en quelque sorte, le langage de Kant. C’est ce qu’il fit dans L’Action.
Il démontra que Kant avait eu d’abord quelques bonnes intuitions et même
fait quelques bonnes découvertes pour ensuite dénoncer la création par Kant
d’une dualité entre la raison pure et la raison pratique, entre la sensibilité et
l’entendement. 103 Blondel montra ensuite que l’action est la synthèse “de vou-
loir, de connaître et de l’être” qui renoue le lien entre la métaphysique et la
science, car l’idée n’est jamais exclue de l’activité de l’homme. 104
Pour le professeur Blondel, le fait d’avoir soulevé contre l’apologétique tra-
ditionnelle maintes objections et critiques et présenté l’acte de foi comme une
option libre en insistant sur le rôle de l’action intérieure de l’homme, pour s’ou-
vrir au surnaturel et à l’action de Dieu, sembla pour certains théologiens, une
influence incontestable de la philosophie de Kant dans celle de Blondel. 105 Tou-
tefois, Blondel n’avait pas l’intention de provoquer des hostilités envers les
théologiens néoscolastiques. Ce qu’il critiquait, était une certaine méthode
de l’apologétique d’alors, trop rationaliste et excessivement centrée sur l’ob-
jet de la foi comme objet, pensé, voulu, aimé, en oubliant de le voir comme
sujet qui invite et propose de croire en Lui. 106 Éventuellement, nous dit Hen-
ri Bouillard, Blondel s’excusera auprès des théologiens néoscolastiques de son
manque de nuances dans ses critiques contre eux. 107 L’Apologétique pour Blon-
del est nécessaire, mais ne doit pas être seulement philosophique et exclusive-

102)  Cf. Aubert, R. Le problème de l’acte de foi, données traditionnelles et résultats des controverses ré-
centes. Louvain: Nauwelaerts, 1969, p. 268.
103)  L’Action, p. 451-452.
104)  Cf. L’Action, p. 27-28, 451-453, 457.
105)  Cf. Virgoulay, R. Blondel et le modernisme. La philosophie de l’action et les sciences religieuses
(1896-1913). Paris: Cerf, 1980, p. 193.
106)  Cf. Mallet, F. (= Blondel, M.). “La Foi et la Science”. Revue du clergé français, v. 47, 1906, p.
459.
107)  Cf. Bouillard, H. Blondel et le christianisme. Paris: Seuil, 1961, p. 33. Voir aussi: Neufeld, K.
L’apologétique dans le monde germanophone. Philo et Apologétique, p. 149.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 451
L’intention apologétique de Maurice Blondel

ment rationnelle. 108 Bien des critiques soulevées par les néoscolastiques contre
Blondel étaient, généralement, dues à des incompréhensions et des erreurs d’in-
terprétation. Ce qui connut le plus de retentissement à la critique de Blondel
furent, sans aucun doute, les articles du père Schwalm et de l’abbé Gayraud. 109
Ces critiques contre lui manifestaient plus souvent qu’autrement une notion
simpliste du kantisme et une erreur d’entendement de la phénoménologie blon-
délienne de l’action.
Selon le philosophe d’Aix, la philosophie part du bas pour aller vers le haut
— vers le surnaturel — et la théologie part du haut pour descendre vers le bas
en partant du surnaturel. 110 Or, à un moment donné, les deux mouvements
doivent se rejoindre s’ils sont sur le même passage bas/haut — haut/bas. C’est
ainsi que la philosophie touche la théologie et la théologie touche la philo-
sophie. Josef Pieper (1904-1997), philosophe catholique allemand, affirme
lui aussi dans la présentation de son livre Liebe, Hoffen, Glauben que, mal-
gré l’évidence pour la philosophie de la nécessité de maintenir une séparation
salutaire avec la théologie — pour le bien et l’indépendance de chacun — il
demeure cependant convaincu qu’ils ne peuvent être complètement dissociés
l’un de l’autre. 111 L’important, est de rester tout un chacun dans son domaine
spécifique. Blondel l’indiquera lui aussi, mais brièvement, dans son œuvre
L’Action:

108)  Cf. Virgoulay, R. Blondel et le modernisme. La philosophie de l’action et les sciences religieuses
(1896-1913). Paris: Cerf, 1980, p. 66.
109)  Voici le titre de ces articles: Schwalm, P. M.-B. “Les Illusions de l’idéalisme et leurs dangers
pour la foi”. Revue thomiste, v. 4, 1896, p. 413-441; Gayraud, H. “Une nouvelle apologétique chré-
tienne”. Annales de philosophie chrétienne. décembre 1896 et janvier 1897. Il est à noter que beaucoup
plus tard, après que la polémique s’était finalement apaiser, le père Joseph de Tonquédec, jésuite, la
réanima en publiant son livre: Immanence. Essai critique sur la doctrine de M. Maurice Blondel. Paris:
Beauchesne, 1913. Il serait juste de rappeler ici que certains de ceux qui ont si durement critiqué Blon-
del se sont par la suite excusés auprès de lui. Voir aussi: Itinéraire philosophiques, p. 104.
110)  En réponse au cardinal Henri De Lubac qui lui demanda un commentaire sur un écrit qui deviendra
plus tard son œuvre maîtresse Surnaturel, Blondel lui répondit: “J’ajoute maintenant qu’il ne m’appar-
tient pas de ‘faire le théologien’, ainsi que vos desiderata semblent l’impliquer. Veuillez en effet son-
ger que le surnaturel étant inconscient, je ne pouvais nullement l’observer et spéculer en philosophe
sur l’antécédence finaliste du dessein surnaturalisant et sur le contenu du plan surnaturel de Dieu ou
de l’état transnaturel de l’homme. Mon rôle, mon but ne comportaient pas un regard de haut en bas, je
ne pouvais que regarder de bas en haut sans percer la nue où le Dieu à révéler s’enveloppe” (Lettre du
5 avril 1932, citée dans Lubac, H. de. Mémoire sur l’occasion de mes écrits. Namur: Culture et Véri-
té, 1989, p. 190).
111)  Pieper, J. Lieben, Hoffen, Glauben. Munich: Kösel-Verlag GmbH & Co., 1986, tr. an., Faith, Hope,
Love. San Francisco: Ignatius Press, 1997, p. 11.

452 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

On veut que la philosophie ait son domaine propre et indépendant: la thé-


ologie le veut avec elle et pour elle. L’une et l’autre exigent une séparation
des compétences; elles restent distinctes l’une de l’autre, mais distinctes en
vue d’un concours effectif; non adjutrix nisi libera; non libera nisi adjutrix
philosophia. La plénitude de la philosophie consiste, non pas en une pré-
somptueuse suffisance, mais dans l’étude de ses propres impuissances et
des moyens qui, d’ailleurs, lui sont offerts pour y pourvoir. 112
Pour Blondel, l’action humaine postule le surnaturel, qui ouvre l’homme au
sens de sa vie, et c’est pour cela qu’il entreprend l’étude approfondie de la phi-
losophie apologétique. Il veut se placer au niveau de ses interlocuteurs en pre-
nant au sérieux les exigences de la raison humaine en considérant leurs cri-
tiques et leurs objections. Entre les années 1893 et 1913, notre auteur écrit
beaucoup sur ce sujet, mais, malheureusement, il publia très peu d’ouvrages
sous son vrai nom. 113 Ceci parce qu’il y avait toujours une grande polémique
contre lui de la part des néoscolastiques. On l’accuse d’être moderniste. Donc,
pour ne pas envenimer la discussion, notre auteur s’abstint de tout publier. Il
produira tout de même plusieurs articles, essais et inédits qui sont aujourd’hui
disponibles au Centre d’archives Maurice Blondel. 114 Malgré toutes ces dif-
ficultés, Blondel publiera plusieurs articles en utilisant des pseudonymes
et quelques articles que l’on pourrait désigner de philosophie propre. Par
exemple, L’illusion idéaliste (1898), Le principe élémentaire de la vie morale
(1903), Le point de départ de la recherche philosophique (1906), ainsi qu’une
certaine collaboration avec la Société française de philosophie en participant
en tant que correspondant à la rédaction d’articles pour le Vocabulaire tech-
nique et critique de la philosophie (1902 à 1922) appelé couramment le Voca-
bulaire de Lalande.

Conclusion
Blondel est un philosophe qui soustrait les notions de sa philosophie de
sa vie spirituelle et de son zèle apostolique. C’est un grand croyant désirant
transmettre sa foi en évangélisant le non-croyant. Le problème de la non-
croyance du temps de Blondel est surtout dû à la mentalité positiviste qui
porte l’homme à croire seulement à ce qu’il peut objectivement calculer ou

112) L’Action, p. 393. Voir aussi la p. 389.


113)  Cf. Saint-Jean, R. L’Apologétique philosophique. Blondel 1893-1913. Paris: Aubier, 1966, p. 16.
114)  Cf. ibid. Les documents inédits de Blondel se trouve aujourd’hui dans le Centre d’archives Maurice
Blondel à Louvain-la-Neuve.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 453
L’intention apologétique de Maurice Blondel

mesurer en rejetant la possibilité de l’existence du surnaturel et de Dieu. L’in-


tuition personnelle de Blondel est que le problème de la non-croyance se situe
surtout au niveau du sujet une fois que l’objet de la croyance est formellement
rejeté.
Blondel se demande donc si la vie a un sens. C’est une interrogation qu’il
fait cherchant à provoquer le non-croyant à se questionner sur son exis-
tence. En partant de l’expérience de sa propre vie, Blondel présentera au non-
croyant quelques réflexions de la réalité de l’existence de l’humanité. La pre-
mière réflexion consiste en ce que l’homme ne peut vivre sans agir. L’action
de l’homme, selon l’expérience de Blondel, est une exigence de la vie qui ne
peut être désavouée. C’est-à-dire que l’action est une nécessité et une obliga-
tion pour vivre et pour s’épanouir. L’homme agit et se développe même mal-
gré lui. L’action est un déterminisme de la vie de l’homme. Ceci parce que,
selon lui, l’action est la synthèse de l’homme entre le vouloir, le connaître et
l’être.
La catégorie centrale de la philosophie de Blondel est l’action. Cette caté-
gorie naît, semble-t-il, d’une vision blondélienne de la vie incarnée. Selon lui,
c’est l’assimilation humaine par l’Incarnation du Verbe qui a donné une vie
surnaturelle à la réalité humaine. Blondel conçoit l’action de l’homme comme
une expression de la vie humaine constamment ébranlé entre l’inquiétude
religieuse et son désir illimité.
De ce principe, Blondel élabore une philosophie apologétique originale qui
partira de l’homme en action. C’est l’étude du sujet qui analyse, plutôt que
l’objet qui se fait analyser. Comme le sujet, selon notre auteur, ne fait pas seu-
lement que penser pour rester dans le monde de l’abstraction, mais agit, crée,
et se développe, pour participer dans le monde concrètement, c’est dans le
sujet en action que doit nécessairement se trouver la réponse au sens de la vie.
Le sens de la vie ne se trouve pas dans l’action, mais l’action est une forme
de connaissance qui peut aider l’homme à le découvrir. Une connaissance
implicite, mais nécessaire, afin de saisir entièrement la réalité implicite et
explicite de la vie humaine. L’homme ne peut s’enfermer dans sa pensée. Il a
besoin de s’ouvrir et de sortir de lui-même pour entrer en action et faire des
expériences avec son existence.
Blondel croit fermement que la pratique religieuse précède la croyance.
L’homme en action s’aperçoit qu’il y a un vide en lui qu’il ne peut combler
en s’appuyant uniquement sur sa pensée. L’action fait découvrir à l’homme la
dimension infinie de son vouloir.

454 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455
François Bandet, EP

Blondel observe que la volonté postule l’action. Or, dans la volonté il y a


toujours une contradiction entre le vouloir et le pouvoir. Le vouloir semble
infini et le pouvoir est toujours limité. Cette contradiction, selon Blondel, est
la preuve qu’il y a chez l’homme un besoin pour l’infini qu’il ne peut pas com-
bler par lui-même. Cette tension apparemment inexplicable sera la base de la
philosophie de Blondel. La dimension infinie du vouloir humain sera l’argu-
ment favorable à l’existence du surnaturel. Blondel ne cherche pas ici à prou-
ver que le surnaturel existe, mais il veut montrer que l’homme ne peut pas
vivre sans la possibilité du surnaturel. Si l’homme ne peut vivre sans la pos-
sibilité du surnaturel, alors la réponse au sens de sa vie doit se trouver dans le
monde du surnaturel.
Blondel conteste aussi la séparation qui existe dans le monde académique
de son temps entre la philosophie et la religion. Selon Blondel, sans que la
philosophie se prononce nécessairement sur le contenu de la religion, elle doit
tout de même considérer l’idée que la religion puisse faire partie de la vie de
l’homme. Selon Blondel, c’est dans le surnaturel, et en particulier dans la foi
en Jésus-Christ, que l’homme trouvera le sens de sa vie.
En relation avec le contexte théologique où surgit sa réflexion philoso-
phique sur la question de la foi comme réponse à la quête du sens, la posi-
tion de Blondel est en grande partie très polémique. Polémique chez les philo-
sophes, mais aussi chez les théologiens. Son insatisfaction vis-à-vis la théolo-
gie des néoscolastiques centrée sur l’étude de la foi comme un objet, contrai-
rement à sa perspective de l’étude de la foi du point de vue du sujet, le porte-
ra à contester les présuppositions épistémologiques qui rehaussent la mentali-
té positiviste de la théologie d’alors. Blondel essayera de contraster le rationa-
lisme de Kant en dénonçant celui des néoscolastiques.
S’il est juste de dire que l’homme est capable de penser et de calculer, il est
aussi valable d’affirmer qu’il est capable d’aimer et de se sacrifier. Y aurait-il
une dimension chez l’homme allant au-delà de l’homme qui donnerait peut-
être un sens complet à sa vie?

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 425-455 455
Traduções
Sermão para o dia de Pentecostes:
“Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu
Espírito
S. Tomás de Aquino 1
“Envia o teu Espírito e tudo será criado e renovarás a face da terra”
(Sl 103, 30).

Introdução
É necessário falar sobre Aquele sem o qual nada se pode falar retamente e
é Aquele que pode fazer ou faz falar abundantemente. De fato, sem Ele não
podemos falar retamente. Não é de se admirar o que é dito no livro da Sabe-
doria (cf. 9, 17): “Quem poderá conhecer o sentido da verdade de Deus, a não
ser que o seu Espírito a envie do mais alto?” Sem o sentido da verdade nin-
guém pode falar a verdade. Assim, o Espírito Santo faz a todos falar abun-
dantemente, conforme o que diz Gregório: “Àqueles que Ele cumula, fá-los
sábios”. 2 Hoje se manifesta o dia no qual os Apóstolos “ficaram cheios do
Espírito Santo e começaram a falar em diversas línguas” (At 2, 4). Rezemos a
Ele, pois, para que faça falar abundantemente até mesmo o mudo (cf. Is 35, 6)
e que me faça falar, etc.

Sermão
“Envia o teu Espírito e tudo será criado”, etc.
Hoje a Santa Madre Igreja celebra solenemente o envio do Espírito San-
to aos Apóstolos, o qual o Profeta, pelo espírito profético rogava, dizendo:
“Envia o teu Espírito e tudo será criado”, etc. A partir dessas palavras pode-
mos considerar quatro coisas, a saber: [1.] A propriedade do Espírito Santo;
[2.] a sua missão; [3.] a força deste Enviado e [4.] a matéria receptiva desta

1)  Tradução, subtítulos e notas: Felipe de Azevedo Ramos, EP, a partir da versão latina em Thomas de
Aquino. Emitte Spiritum tuum (ed. Leonina, 44.1, p. 150-174). Cotejou-se as traduções para o francês
e para o inglês (em particular para a elaboração das notas): Thomas d’Aquin. Sermons. Tr. Jean-Pierre
Torrell. Paris: Cerf, 2014, p. 173-188; Thomas Aquinas. The Academic Sermons. Tr. Mark-Robin Hoo-
land. Washington: Catholic University of America Press, 2010, p. 138-158.
2)  Gregório Magno. Hom. in Evang., XXX, 5 (CCL 141, 261: 135-136; PL 76, 1223B). Cf. etiam: idem.
Epist. I, 24 (CCL 140, 26:163; PL 77, 473A; idem. Regula pastoralis, II, 4 (SC 381, 190:45-46; PL 77,
31A).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 457
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

força. Ele diz então: Envia, eis a missão; o teu Espírito, eis a pessoa enviada;
e tudo será criado e renovarás, eis o efeito do Enviado; a face da terra, eis a
matéria receptiva deste efeito. 3

1.  As propriedades do Espírito Santo


Digo, primeiramente, que se distingue a propriedade do Espírito Santo ao
dizer teu Espírito. É necessário aqui notar que a palavra “espírito” parece se
referir a quatro coisas: [1.] à sutileza da substância, [2.] à perfeição da vida,
[3.] ao impulso do movimento e [4.] à sua origem oculta.
[1.] Em primeiro lugar, digo que a palavra “espírito” parece se referir à
sutileza da substância. De fato, temos o costume de chamar as substâncias
incorpóreas de “espírito”. De modo semelhante chamamos “espírito” aos cor-
pos subtis como o ar ou o fogo. Daí dizer no último capítulo de Lucas (24, 39):
“Tocai e vede: um espírito não tem nem carne nem osso”. E assim, o espíri-
to se distingue das coisas que possuem uma matéria consistente, as quais são
compostas de carne e de corpo. 4
[2.] Em segundo lugar, parece que a palavra “espírito” se refira à perfei-
ção da vida. De fato, os animais vivem enquanto possuem espírito e mor-
rem quando perdem o espírito. Diz o Salmista: “Retiras o espírito deles e eles
expiram” (Sl 103, 29), e o Gênesis (cf. 6, 17; 7, 15) chamou toda a carne de
espírito de vida.
[3.] Em terceiro lugar, a palavra “espírito” parece se referir ao impulso do
movimento. Assim, pois, chamamos os ventos de espírito (sopro). 5 Daí dizer
o Salmo (Sl 106, 25; 10, 7): “Ele diz e se levantou um espírito (vento) tempes-
tuoso. O espírito das tempestades é a parte de seu cálice”. Diz-se também que
os homens agem no espírito quando realizam algo com entusiasmo: “O espí-
rito dos poderosos é como uma tempestade que se abate contra o muro” (Is
25, 4).
[4.] Em quarto lugar, a palavra “espírito” costuma denominar uma origem
oculta, como é o caso de se atribuir a um espírito quando alguém está sendo

3)  Note-se que a estrutura do sermão se remente às quatro causas de Aristóteles (cf. Metafísica, V, 2), res-
pectivamente: final, formal, eficiente e material.
4)  Cf. In I Sent., d. 10, q. 1, a. 4, sol.; ibid., d. 18, exp. textus; SCG, IV, c. 23; S. Th., I, q. 36, a. 1, ad 1; De
subst. sep., c. 19.
5)  Cf. SCG, IV, c. 23; S. Th., I, q. 27, a. 4, co.; ibid., q. 36, a. 1, co.; In Ioh., 15, 26; In Epist. II ad Tim., 1, 7.

458 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

atormentado e se desconhece a causa do tormento: “O espírito (vento) sopra


onde quer e ouves a sua voz mas não sabes [de onde vem]” (Jo 3, 8).
Conforme estas quatro propriedades do Espírito Santo investigaremos,
procedendo em ordem inversa: diz-se que o Espírito Santo é “espírito” por
sua origem oculta, pelo impulso do movimento, pela santidade de vida e pela
sutileza da substância.

1.1.  A origem oculta


[ad 4] Digo, em primeiro lugar, que a propriedade do Espírito Santo é a sua
origem oculta. 6 A fé nos ensina e a razão nos persuade que todo o visível e
mutável possui uma causa oculta (cf. Hb 11, 3). Qual é ela? Tal causa é Deus.
Daí dizer o Apóstolo: “Aquele que criou todas as coisas é Deus” (Hb 3, 4). É
certo que tudo aquilo que é diverso de Deus foi criado por Deus.
Mas como Deus criou todas as coisas? Digo que isso não se deu por uma
necessidade natural, à maneira da combustão do fogo, mas que Ele produ-
ziu todas as coisas por sua própria vontade: “Fez todas as coisas que quis”
(Sl 113, 3). Um artífice constrói uma casa por sua própria vontade, mas tam-
bém por necessidade ou utilidade premente, como, por exemplo, para ganhar
dinheiro ou para lá morar. Deus, em verdade, não fez o mundo porque que-
ria lucrar algo, pois Ele não tem necessidade de nossos bens (cf. Sl 15, 2). Por
que razão então Ele fez o mundo? Certamente pela vontade de amor e não
pela vontade de cobiça. Nós temos um exemplo disso: um artífice que quises-
se imaginar uma casa [para construir] não por necessidade, mas por amor à
beleza da casa, seria o amor do artífice que produziria a casa no ser.
Mas qual é a causa e a raiz da produção das coisas ocultas? Certamente o
amor, conforme diz o livro da Sabedoria (Vg. 11, 25): “Tu amas todos os seres
e não odeias nada daquilo que fizeste”. Diz também o bem-aventurado Dioní-
sio: “O amor divino não se difunde sem germinar”. 7 O amor é o Espírito San-
to. 8 Daí que se diz no início da Criação (Gn 1, 2): “O Espírito de Deus pairava
sobre as águas”, ou seja, para criar a matéria e para produzir as coisas no ser. 9

6)  Cf. In Ioh., 3, 8


7)  Pseudo-Dionísio. De div. nom., c. 4, 10 (CD, I, p. 155: 16-19; PG 3, 708B).
8)  Cf. S. Th., I, q. 37, a. 1.
9)  Cf. SCG, IV, c. 20.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 459
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

Celebramos hoje a festa do Espírito Santo, que é o princípio do ser em


todas as coisas. O Espírito Santo possui, pois, uma origem oculta cuja pro-
priedade é o amor.

1.2.  O impulso do movimento


[ad 3.] Em segundo lugar, o Espírito Santo comporta o impulso do movi-
mento. De fato, percebemos diversos movimentos no mundo, isto é, os natu-
rais e os voluntários, nos homens e nos anjos. De onde provêm estes diver-
sos movimentos? É necessário que eles sejam provenientes de certo primeiro
motor, a saber, de Deus: “Muda-as e serão mudadas” (Sl 101, 27). Ora, Deus
move pela vontade.
Mas quem é o primeiro motor da vontade? Certamente é o amor. 10 Mas
qual é a operação do amor? Digo o seguinte: aquele que é movido pelo amor
se alegra pelo amor da coisa amada e se entristece pelo contrário. Daí dizer
Ezequiel no primeiro capítulo (v. 12): “Eles se moviam para onde os condu-
zia o espírito”, isto é, a inclinação do amor divino. É a justo título que todas
as coisas que estão no mundo são movidas pelo Espírito Santo, cuja explica-
ção fala o livro de Ester (13, 9): “Não há quem possa resistir à sua vontade”.
Este Espírito Santo, cuja festa hoje comemoramos, é o princípio de movimen-
to de todas as coisas. 11
Por outra parte, algumas coisas no mundo se movem por si mesmas, outras
coisas por outras. As que se movem por si mesmo são aquelas que possuem
a vida, as que se movem por outras são aquelas que carecem de vida. O prin-
cípio de movimento de todas as coisas é vivo, ou melhor, é a própria vida. 12
Portanto, o Espírito Santo, enquanto princípio de movimento de todas as coi-
sas, é vida: “Em Ti está a fonte da vida” (Sl 35, 10). E porque Ele é vida, que
Ele vivifica.
Grande é, pois, o Espírito Santo por meio do qual todas as coisas são, se
movem e vivem. Daí se dizer nos Atos dos Apóstolos (17, 28): “N’Ele vive-
mos, nos movemos e somos”. Portanto, todas as coisas têm o movimento e o
ser graças ao Espírito Santo.

10)  Cf. S. Th., I, q. 20, a. 1; ibid., I-II, 25, 2.


11)  Cf. S. Th., I-II, q. 109, a. 9, ad 2; ibid., II-II, q. 1, a. 8, ad 5.
12)  Cf. S. Th., I, q. 10, a. 1; ibid., q. 18, a. 3-4.

460 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

1.3.  A sutileza da substância

[ad 1.] Em terceiro lugar, se considerarmos no Espírito Santo a sutileza da


substância, veremos que o Espírito Santo é amor. Mas a quem? Àquilo que é
de Deus e àquele que ama a Deus. É em razão do amor que o Espírito Santo
tem a sutileza da substância.
Do ponto de vista do amado, Ele é o amor pelo qual Deus ama a Deus, pelo
qual o Pai ama o Filho. 13 Daí que se lê no livro da Sabedoria (7, 22): “Há nela
— isto é, na sabedoria de Deus — o espírito de inteligência”, que torna os
homens capazes de compreender. 14
Em grego a palavra “santo” significa pureza. 15 É verdade que o amor por
meio do qual o homem ama as coisas corporais é impuro. Com efeito, o aman-
te se une à coisa amada pelo amor, e quanto mais o amante se mescla com
esta coisa amada, tanto mais contrai a impureza. Portanto, assim como a pra-
ta que ao se misturar com algo impuro contrai a impureza, assim também o
teu espírito contrai a impureza, se se mistura às coisas inferiores através do
amor. Contudo, quando se une à suma realidade, então se diz que se trata de
um amor santo. 16
Há aqueles que querem se entregar a Deus, mas negligenciam a salvação
do próximo. Mas o Espírito Santo não é assim (cf. Sb 7, 23). O Apóstolo Pau-
lo era solícito pela salvação do próximo, conforme disse: “Tornei-me tudo em
todos a fim de conquistar a todos” (I Cor 9, 22).
Ademais, alguns são múltiplos (cf. Sb 7, 22; Jó 11, 6), mas enganadores.
Mas o Espírito Santo não é assim. Ele, embora único, é também multíplice ao
se oferecer a vários seres. Ademais, Ele é sutil (Sb 7, 22), porque faz o homem
se destacar das coisas grosseiras e unir-se a Deus, conforme diz o Salmista:
“Uma coisa pedi ao Senhor” (Sl 26, 4); e em outro lugar: “Eis que unir-me a
Deus é o meu bem” (Sl 72, 28).

13)  Cf. S. Th., I, q. 28.


14)  Cf. S. Th., I, q. 14, a. 4.
15)  Esta etimologia para a palavra grega para santo “ἅγιος” como pureza é provavelmente encontrada por
primeira vez em Orígenes (Hom. in Leviticum, 11, 1).
16)  Cf. S. Th., I, q. 13, a. 5-6.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 461
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

1.4.  A perfeição da vida

[ad 2.] Em quarto lugar, este Espírito Santo não somente dá o ser, o viver e
o mover, mas, mais ainda, torna-nos santos. Daí dizer o Apóstolo aos Roma-
nos (1, 4): “[O Filho de] Deus é predestinado ao poder segundo o Espírito de
santidade”. Ninguém é santo sem que o Espírito Santo o santifique. 17
Mas de que modo Ele o santifica? Digo que Ele faz aparecer naqueles que
santifica cada uma das coisas que foram ditas. Porque àqueles que santifica
torna sutis e cheios de desprezo pelas coisas temporais, conforme se diz em
João: “Não ameis o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo,
não está nele o amor do Pai” (I Jo 2, 15).
Ademais, Ele concede a vida espiritual àqueles que santifica, conforme diz
Ezequiel (37, 5): “Eis que farei com que sejais penetrados pelo espírito e vive-
reis”. A vida espiritual vem do Espírito Santo. Diz o Apóstolo (Gl 5, 25): “Se
viveis pelo Espírito, sejais também conduzidos pelo Espírito”.
Além disso, o Espírito Santo que santifica com o seu impulso, move para
agir bem: “Ele virá como um rio impetuoso conduzido pelo espírito do
Senhor” (Is 59, 19). Alguns são preguiçosos e parece que estes não são impe-
lidos pelo Espírito do Senhor. A este respeito diz os Atos dos Apóstolos (2, 2):
“De repente, veio do céu um ruído [como o agitar-se de um vendaval impe-
tuoso]”. Sobre isso diz a Glosa: “A graça do Espírito Santo desconhece len-
tos esforços”. 18
Também o Espírito Santo reconduz aqueles que santifica à origem oculta
pela qual nos unimos a Deus: “O Espírito do Senhor te transportará” (I Rs 18,
12) para um lugar que ignoras, isto é, à herança celeste. Diz o Salmista: “Que
teu bom Espírito me conduza [por uma terra aplanada]” (Sl 142, 10).
Fica então claro que a propriedade do Espírito Santo é ser a origem da
vida, do ser e do movimento (cf. At 17, 28).

2.  A missão do Espírito Santo


Vejamos agora o segundo ponto, a saber sobre a missão do Espírito San-
to, que é admirável e por nós desconhecida, pois o Espírito Santo foi enviado:

17)  Cf. S. Th., I, q. 36, a. 1, ad 1; ibid.; q. 43, a. 3; III, q. 2, a. 10; ibid., q. 62, a. 6, ad 2.
18)  Glosa interl., in Act. 2, 2 (ed. Strasb., 1480/81, t. IV, p. 455a).

462 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

[2.1] sem ser-lhe necessário, [2.2] sem mudança de sua parte, [2.3] sem sujei-
ção e [2.4] sem separação. 19

2.1.  Enviado sem ser-lhe necessário


Primeiramente digo que o Espírito Santo foi enviado sem que lhe fosse
necessário. Quando alguém é enviado a certo lugar para fazer algo que não
possa ser realizado a não ser devido à condição de enviado, tal missão vem de
uma necessidade. Mas este não é o caso da missão do Espírito Santo, segundo
o que diz o livro da Sabedoria (7, 23): “Ele pode tudo, perscruta tudo”.
Qual é a razão, pois, da missão do Espírito Santo? Respondo: a nossa indi-
gência. E existe a necessidade desta indigência em parte graças à dignidade
da natureza humana, e em parte por sua deficiência. De fato, a criatura racio-
nal supera as demais criaturas porque pode alcançar a fruição de Deus, a qual
nenhuma outra criatura é capaz. 20 Daí dizer o livro das Lamentações (3, 24):
“Tu és minha parte, diz o Senhor”, da minha alma. Alguns buscam a sua par-
te neste mundo, tais como a honra e o prestígio. Contudo, diz o Salmo: “unir-
-me a Deus é o meu bem” (Sl 72, 28).
Deveis considerar que para tudo o que se move para um fim, é necessário
que tenha um motor em direção a tal fim. Para que as coisas se movam a um
fim natural, tem de ser movidos por um motor na natureza. Já para aqueles
que são movidos ao fim sobrenatural, a saber, a fruição de Deus, é necessário
que haja um motor sobrenatural. 21 Ora, nada pode nos conduzir a isso a não
ser duas coisas — pois é por estas duas que alguém é conduzido a este fim —,
a saber: o conhecimento e o amor.
Tal modo de conhecimento é sobrenatural, donde dizer a Primeira Epísto-
la aos Coríntios (2, 9): “Os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o
coração do homem se elevou [ao que Deus preparou para os que o amam]”; e
Isaías (64, 4): “Nunca ouviram, nem os ouvidos perceberam, nem o olho viu,
a não ser o que tu, ó Deus, preparou para aqueles que em Ti esperam”. Qual-
quer coisa que o homem conhece, ele conhece ou por descoberta ou pelo ensi-
no. 22 A visão se destina à descoberta e a audição à instrução. Por isso que se
diz que o “olho não viu, nem os ouvidos ouviram”, mostrando que isso trans-

19)  N.T.: Missão tem aqui também o sentido de “envio”.


20)  Cf. S. Th., q. 38, a. 1, co.
21)  Cf. S. Th., I-II, q. 5, a. 5; ibid., q. 112, a. 1.
22)  Cf. De ver., q. 11, a. 1, co.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 463
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

cende o conhecimento humano. 23 Mas também ultrapassa o desejo humano, e


por este motivo se diz: “nem o coração do homem se elevou”.
De que modo, então, o homem é conduzido a este conhecimento? Era
necessário que os segredos celestes fossem revelados ao homem, ou seja, a
fim de que o Espírito Santo fosse enviado visivelmente, para assim mover o
afeto do homem para tender àquele fim. É por isso que diz: “O olho não viu”.
De que modo, então, sabemos? “A nós Deus o revelou pelo seu Espírito. Pois
o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus” (I Cor
2, 10). Daí que se diz no livro da Sabedoria (9, 17): “Quem poderá conhecer
a tua vontade, se não lhe deste a Sabedoria e não enviaste do alto o Espírito
Santo?”
Portanto, o envio do Espírito Santo não ocorre devido à necessidade de sua
parte, mas devido à nossa utilidade.

2.2.  Enviado sem mudança de sua parte


Igualmente [a missão ocorre] sem mudança de sua parte. Quando um men-
sageiro é enviado de um lugar para outro, isso ocorre com uma mudança. O
Espírito Santo, contudo, é enviado sem mudança de lugar, pois Ele é o verda-
deiro Deus imutável, 24 conforme diz o Livro da Sabedoria (7, 27): “Permane-
cendo em si mesmo renova todas as coisas”.
De que modo, então, Ele é enviado? Ele nos atrai a si, e diz-se que é envia-
do apenas no sentido que o sol é enviado a alguém que participa da clarida-
de do sol. 25 Assim ocorre com o Espírito Santo, segundo o dizer da sabedo-
ria incriada no livro da Sabedoria (9, 10): “Envia-a dos céus e do trono de tua
glória para que esteja comigo”. E na Epístola aos Gálatas (4, 6): “Envia seu
espírito que clama: Abba, Pai”.
Estas missões também se difundem em todas as nações e entram nas almas
santas (cf. Sb 7, 27). Quando chegar a “plenitude dos tempos” (Gl 4, 4), 26 o
Filho de Deus será enviado na carne, e então convém que também seja envia-
do visivelmente, sem, contudo, ser assumido na unidade da Pessoa como o
Filho na natureza humana.

23)  Cf. In Epist. I ad Cor., 2, 9.


24)  Cf. S. Th., I, q. 9.
25)  Cf. In Ioh., 15, 26. Cf. etiam: S. Th., I, q. 43, a. 1, ad 3.
26)  Cf. S. Th., I, q. 43, a. 5.

464 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

2.3.  Enviado sem sujeição

Ademais, o Espírito Santo é enviado sem sujeição de sua parte. 27 Os escra-


vos são enviados a seus senhores porque a estes lhes são sujeitos. Daí que cer-
tos hereges criam que o Filho e o Espírito Santo seriam menores que o Pai,
porque são enviados pelo Pai. Isto, contudo, não é verdade. O Espírito Santo
nos faz livres (cf. Gl 4, 5); portanto, ele não é escravo (cf. II Cor 3, 17). Ele é
enviado por sua própria vontade porque o “Espírito sopra onde quer” (Jo 3, 8),
e se diz que “é enviado” somente porque o Pai é a fonte (auctoritas).
Encontramos lugares nos quais às vezes o Espírito Santo é enviado pelo
Pai e às vezes pelo Filho. 28 Mas a este respeito os gregos se opõem fortemen-
te, pois dizem que o Espírito Santo procede somente do Pai, não do Filho, e
permanecem rudemente [em sua opinião]. Nos lugares, pois, onde o Filho fala
da missão do Espírito Santo, conecta o Filho ao Pai ou o Pai ao Filho. Ele diz,
pois, num lugar: “O Paráclito que enviará o Pai em meu nome” (Jo 14, 26), e
em outro: “Quando vier o Paráclito que vos enviarei de junto do Pai” (Jo 15,
26). Portanto, a autoridade da fonte vem do Pai. 29

2.4.  Enviado sem separação


Ademais, o Espírito Santo é enviado sem separação [das duas outras Pes-
soas], pois o Espírito da unidade é contrário à separação. 30 Daí dizer o Após-
tolo: “Solícitos conservai a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,
3). O Espírito Santo congrega conforme diz a Epístola aos Efésios. Por isso
diz também João (17, 21-22): “A fim de que todos sejam um”, pela unidade do
Espírito Santo, “como nós somos um”.
Esta união começa no presente pela graça e se consumará no futuro pela
glória, à qual Ele nos conduz, etc.

Collacio in sero
“Envie o teu Espírito”, etc.

27)  Cf. S. Th., I, q. 43, a. 1, ad 1.


28)  Cf. In Ioh., 14, 16; ibid., 15, 26
29)  Cf. S. Th., I, q. 32, a. 3; ibid., q. 33, a. 1; ibid., q. 36, a. 2-4.
30)  Cf. S. Th., I, q. 43, a. 1, ad 2.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 465
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

Hoje de manhã dissemos algumas coisas, na medida de nosso entendimen-


to, sobre a propriedade do Espírito Santo e de sua missão. Agora resta falar a
respeito dos [3.] efeitos do Espírito Santo e [4.] a quem ou a que compete rece-
ber esses efeitos.

3.  Os efeitos do Espírito Santo


Segundo o teor das palavras citadas acima, é-nos dado a conhecer que há
um duplo efeito do Espírito Santo, a saber, [3.1] a criação e [3.2] a renovação,
pois diz: “e tudo será criado e renovarás”.

3.1.  A criação
Se nós quisermos tomar a acepção dessas palavras no sentido que a cria-
ção diz respeito à produção das coisas em seu ser de natureza, o Espírito San-
to é sim o Criador de todas as coisas, como sugere o livro de Judith (16, 17):
“Enviaste o teu espírito e foram criados”.
Mas falemos agora de outra criação. Conserva-se hoje o hábito de se dizer
daqueles que são promovidos a um estado mais elevado, como ao episcopa-
do ou a outra dignidade, que cada um foi “criado”. Do mesmo modo, daqueles
que foram promovidos e feitos filhos de Deus, se diz que foram criados, como
se eles fossem promovidos, conforme diz São Tiago (1, 18): “A fim de sermos
como primícias de suas criaturas”. O Senhor quis estabelecer uma nova cria-
tura, como se lê também no Livro da Sabedoria (1, 14): Deus “criou todas as
coisas para que sejam”, isto é, no ser da natureza, e as quis recriar para que
estejam no ser da graça. Os Apóstolos foram as primícias dessa recriação, e
é desta criação que fala a Epístola aos Gálatas (Vg. 6, 15): “Em Cristo Jesus
nem a circuncisão nem a incircuncisão tem algum valor, mas a nova criatu-
ra”. O que isso quer dizer? Antes havia os gentios, e por isso diz “incircunci-
são”. Depois os judeus foram circuncidados, mas assim mesmo tal condição
de nada valia, a não ser quando fossem recriados pela graça de Cristo. Esta
recriação é um efeito do Espírito Santo.
Deveis saber que esta recriação comporta graus: [3.1.1] primeiro, enquan-
to graça de caridade; [3.1.2] segundo, enquanto se estende à sabedoria do
conhecimento; [3.1.3] terceiro, enquanto concórdia para a paz; e [3.1.4] quar-
to, enquanto constância da firmeza.

466 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

3.1.1.  A graça de caridade

Como podeis perceber, quando os homens são introduzidos no ser, a pri-


meira coisa que eles obtêm é que eles vivam; assim também deve ser no ser
da graça. Mas o que faz com o que o homem viva no ser da graça? Certa-
mente é a caridade, conforme diz João (I Jo 3, 14): “Nós sabemos que passa-
mos da morte para a vida, porque amamos os irmãos”. Aquele que não ama
o irmão — quaisquer que sejam as boas obras que faça — está morto (cf.
I Cor 13, 1-3). A caridade dá vida à alma. Com efeito, assim como o corpo
vive através da alma, assim a alma vive através de Deus, e Deus habita em
nós através da caridade. Por isso diz João (I Jo 4, 16): “Aquele que permane-
ce na caridade permanece em Deus”. No Evangelho de hoje [escutamos]: “Se
alguém me ama, [guardará minha palavra e meu Pai o amará e a ele viremos
e nele estabeleceremos morada]” (Jo 14, 23). Mas quem não faz a vontade de
Deus não ama perfeitamente a Deus (cf. Jo 14, 24), pois “é próprio dos amigos
a identidade do querer e do não-querer”. 31
Diz Gregório na Homilia de hoje [de Pentecostes]: “A prova do amor está
na manifestação das obras”. 32 Mas dirás: “Não posso cumprir os mandamen-
tos de Deus”. Respondo que não podes cumprir por forças próprias, mas bem
o podes pela graça de Deus. Por isso, [o Filho] acrescenta: “meu Pai o amará”,
portanto não falhará, “e a ele viremos” (Jo 14, 23), isto é, estaremos presentes
nele e lhe daremos as forças para cumprir os mandamentos de Deus. É sobre
esta caridade para cumprir os mandamentos que fala a Epístola aos Efésios
(2, 10): “Somos criaturas dele, criados em Cristo Jesus para as obras boas”.
De onde vem esta caridade em nós? Do Espírito Santo, conforme diz o
Apóstolo: “A caridade de Deus foi derramada nos corações pelo Espírito San-
to que nos foi dado” (Rm 5, 5). Quem partilha da luz, tem-na do sol. Da mes-
ma forma, aquele que tem a caridade, tem-na do Espírito Santo. Por conse-
guinte, “envia o teu Espírito e tudo será criado”, ou seja, no ser da vida da
graça pela caridade.

31)  Cf. Salústio. A conjuração de Catilina [Bellum catilinarium], XX, n. 4: “nam idem velle atque idem
nolle, ea demum firma amicitia est”. Cf. etiam: De ver., q. 23, a. 8, s.c. 2.
32)  Gregório Magno. Hom. in Evang., XXX, 1 (CCL 141, p. 256: 14-15; PL 76, 1220C).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 467
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

3.1.2.  Sabedoria do conhecimento

Vede os homens: quanto mais se tornam amantes de Deus, mais conhe-


cem a vontade de Deus. Por isso, diz o provérbio: “É próprio dos amigos que
tenham um só coração”, 33 e Deus revela os seus segredos a seus amigos (cf. I
Jo 3, 2). 34 Este é o segundo grau de criação, que é do Espírito Santo, a saber,
que através da sabedoria venha a conhecer a Deus. Donde dizer João (15, 15):
“Mas vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi [de meu Pai vos dei a conhe-
cer]”. Por isso, também o conhecimento da verdade vem do Espírito Santo.
[Diz o Filho] no Evangelho: “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai envia-
rá [em meu nome, vos ensinará tudo]” (Jo 14, 26). Ora, ainda que seja grande
aquilo que o homem ensine para o exterior, de nada vale se a graça do Espíri-
to Santo não estiver presente em seu interior. 35 Daí dizer o Evangelho [na rea-
lidade: I Jo 2, 27]: “A unção vos ensinará tudo”. Não somente vos ensina, mas,
mais ainda, vos incita. Eu posso vos ensinar, mas podeis não me crer ou colo-
cá-lo em prática. Contudo, quem vos faz crer e cumprir o que ouvis é Aquele
que vos incita. Isto é o que faz o Espírito Santo, porque Ele inclina o coração
a crer e levar adiante o que ouve. 36 Daí que diz o Senhor: “Todo aquele que
escuta o ensinamento do Pai e dele aprende, vem a Mim” (Jo 6, 45).

3.1.3.  A concórdia da paz


O terceiro grau da criação consiste na concórdia da paz. Tiago distingue
em sua epístola canônica entre sabedoria terrena e sabedoria superna. Ao
atribuir a propriedade da sabedoria superna diz: “A sabedoria que vem do alto
é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta, conciliadora”, etc. (Tg 3, 17).
Contudo, a sabedoria terrena não é pura, porque corrompe o afeto através
do amor às coisas terrenas, pelo que se diz na epístola canônica [de Judas, 10]:
“Eles estão corrompidos em tudo aquilo que conheceram”. Ademais, ela tor-
na os homens divididos e briguentos, enquanto que a sabedoria que vem do
alto consiste naquilo que nos atrai a Deus, pois é “pacífica, modesta”, etc.

33)  Cf. Cícero. De officiis, I, 16, 51. Cf. etiam: At 4, 32; In Ioh., 15, 15.
34)  Cf. SCG, IV, c. 21. Cf. etiam: In Ioh., 15, 15.
35)  Cf. Gregório Magno. Hom. in Evang., XXX, 3 (CCL 141, p. 258: 71-75; PL 76, 1222A). Cf. etiam:
Cat. in Ioh., 14, 26; In Ioh., 14, 26.
36)  Cf. In Ioh., 14, 26; Cat. in Ioh., 14, 26.

468 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

As querelas surgem de três formas. Em primeiro lugar, quando alguém não


é modesto. Por isso diz os Provérbios (28, 25): “Quem se jacta e se infla”
sobre os outros “provoca disputas”. Do mesmo modo, alguns são pertinazes
em suas próprias opiniões, a ponto de não se deixar persuadir a não ser naqui-
lo que esteja em sua cabeça. 37 Em contrapartida, esta sabedoria [superna] é
“conciliadora”. Além disso, a sabedoria do mundo não permite a seus sábios
estar de acordo com os outros, enquanto que esta sabedoria concorda com
aqueles que são bons e é, por este motivo, “pacífica”.
Mas quem realiza a paz? O Espírito Santo, pois “Ele não é um Deus de
desordem, mas de paz” (I Cor 14, 33). Daí dizer a Epístola aos Efésios (4, 3):
“Procurando conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. O Senhor
exorta a conservar esta paz no Evangelho: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos
dou; não vo-la dou como o mundo dá” (Jo 14, 27).
A paz se divide em duas: uma no tempo presente, no qual vivemos pacifi-
camente, sem evitar, entretanto, que combatamos contra os nossos vícios. É
essa paz que Deus nos deixa (cf. Jo 14, 27a). A outra é aquela que existirá no
futuro, sem luta. E Ele diz a respeito dela: “não vo-la dou como o mundo dá,
Eu vos dou” (Jo 14, 27). 38 Alguns querem ter paz a fim de gozar de seus bens,
conforme diz o livro da Sabedoria (14, 22): “Vivendo na grande guerra da
ignorância, a tantos males consideram paz!” 39
Mas qual é a paz verdadeira? Diz Agostinho: “A paz é a segurança da men-
te, a tranquilidade da alma, a simplicidade do coração, o vínculo do amor e
o consórcio da caridade”. 40 A paz é tríplice, ou seja, para consigo mesmo,
para com o próximo e para com Deus. Quanto à paz para consigo mesmo, ela
é requerida a fim de que a razão não esteja infectada de erros ou ofuscada
pelas paixões. Nesse sentido que diz: “A paz é a segurança da mente”. Tam-
bém deve haver tranquilidade no afeto, e nesse sentido diz: “tranquilidade da
alma”. Assim também deve haver a simplicidade na intenção, e nesse senti-
do diz: “simplicidade do coração”. A paz para com o próximo é o “vínculo do
amor” e a paz que temos em relação a Deus é o “consórcio da caridade”.
Acaso a paz é muito necessária para nós? Certamente sim. O Senhor fez
a aliança de paz e aqueles que não quiserem conservar a aliança não podem

37)  Cf. S. Th., II-II, q. 112, a. 2, ad 1.


38)  Cf. In Ioh., 14, 27; Cat. in Ioh., 14, 27.
39)  Cf. ibid. Cf. etiam: S. Th., II-II, q. 29, 2.
40)  Pseudo-Agostinho. Sermo XCVII, tomado de De verbis domini, 57 (PL 39, 1931). Cf. etiam: In Ioh.,
14, 27; Cat. in Ioh., 14, 27.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 469
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

receber a herança. Da mesma maneira, aqueles que não querem conservar a


paz não podem alcançar a herança celeste. Mas alguém dirá: “Quero ter paz
com Deus, mas não com o próximo”. Mas isso não pode acontecer, conforme
certo santo diz: “Não pode ter paz com Cristo quem está em desacordo com
o cristão”. 41
Portanto, o terceiro grau da criação é a concórdia da paz, conforme diz Isa-
ías (57, 19): “Criei a paz como fruto de minhas palavras”.

3.1.4.  A constância da firmeza


O quarto grau é a constância da firmeza. Esta também vem do Espírito
Santo, conforme diz o Apóstolo aos Efésios (3, 16): “Para que vos conceda,
pelo Espírito Santo, o poder de serdes fortalecidos”, etc. Lemos também em
Ezequiel (2, 2): “Entrou em mim o espírito e me pôs de pé”; no Evangelho:
“Não se perturbe nem se intimide vosso coração”, etc. (Jo 14, 27); e no livro
da Sabedoria (2, 23): “Deus criou o homem para a incorruptibilidade”.
Portanto, o primeiro efeito do Espírito Santo é que Ele cria.

3.2.  A renovação
O segundo [efeito] é a renovação, a qual consiste em quatro vias, a saber:
conforme [3.2.1] a graça purificante, conforme [3.2.2] a justiça progressiva,
conforme [3.2.3] a sabedoria iluminativa e conforme [3.2.4] a glória que se
consuma.

3.2.1.  Conforme a graça purificadora


Em primeiro lugar, digo no que consiste a renovação pelo Espírito San-
to segundo a graça purificadora. O pecado é uma certa velharia da alma e o
homem não se livra desta velharia a não ser pela graça justificante, pela qual
o homem é lavado do pecado. 42 Daí dizer o Apóstolo: “Como Cristo foi res-
suscitado dentre os mortos, assim também caminhemos na novidade da vida”
(Rm 6, 4). De onde vem esta novidade? Do Espírito Santo, conforme afirma o
Apóstolo a Tito (3, 5): “Não por causa dos atos justos que houvéssemos prati-

41)  Pseudo-Agostinho. Sermão XCVII, tomado de De verbis domini, 57 (PL 39, 1931). Cf. etiam: In
Epist. ad Ephesios, 2, 16; In Ioh., 14, 27; Cat. in Ioh., 14, 27.
42)  Cf. In Epist. ad Rom., 6, 4; ibid. 6, 6; In Epist. II ad Cor., 4, 16. Cf. etiam: S. Th., I-II, q. 113, a. 1-2.

470 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

cado, mas porque, por sua misericórdia, fomos salvos pelo banho regenerador
e renovador [do Espírito Santo]”. Por este banho todos os pecados são perdoa-
dos e assim o homem é renovado.

3.2.2.  Conforme a justiça progressiva


Em segundo lugar, esta renovação consiste na justiça progressiva. Se
alguém caminha, fica cansado e fraco, mas se depois descansa, as suas for-
ças parecem que são renovadas. E quando o homem trabalha duramente, ele
é renovado quando retoma as forças para seguir trabalhando. Desta renova-
ção diz Jó (29, 20): “Minha glória se renovará sempre e em minha mão o meu
arco retomará força”. A glória dos santos é o testemunho da consciência. O
homem é renovado quando está pronto a lutar contra os vícios: “Tomarão asas
como as águias, voarão e não se cansarão” (Is 40, 31), ou seja, correrão “na
via dos mandamentos de Deus” (Sl 118, 32). Mas quem faz esta corrida? O
Espírito Santo, conforme diz Isaías (63, 13-14): “Conduziu-nos pelos abismos
como o cavalo no deserto sem tropeçar; o Espírito do Senhor foi o seu guia”.

3.2.3.  Conforme a sabedoria iluminativa


Em terceiro lugar, a renovação se dá pela sabedoria iluminativa. Quan-
do o homem conhece cada vez mais as coisas boas de Deus, ele é renovado.
A Epístola aos Colossenses [na realidade: Ef 4, 24; cf. Col. 3, 10] fala sobre
esta renovação: “Revesti-vos do Homem Novo, que foi criado segundo Deus”.
Cristo é chamado “Homem Novo”, porque foi nova a sua concepção: “sem a
semente do homem”, etc. 43 O seu nascimento é novo porque sua mãe perma-
neceu virgem depois do parto; 44 sua paixão é nova porque não teve culpa; 45
sua ressurreição é nova porque foi rápida e renovadora; 46 a sua ascensão
foi nova porque Ele ascendeu por sua própria força, e não por forças alheias
como no caso de Enoc e Elias. 47 Por isso, diz o Eclesiástico (36, 6): “Reno-
va os sinais e faze novos milagres”. E porque por Cristo todas as coisas são
renovadas, nós usamos vestes novas na Igreja durante as solenidades, a fim

43)  Cf. Ambrósio. Hymnus 5, Intende qui regis Israel, v. 9. Cf. etiam: In Epist. ad Ephesios, 4, 24
44)  Cf. S. Th., III, q. 28, a. 2-3.
45)  Cf. S. Th., III, q. 47.
46)  Cf. S. Th., III, q. 54, a. 2.
47)  Cf. S. Th., III, q. 57, a. 3. Cf. etiam: Gn 5, 24; II Rs 2, 11.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 471
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

de que “cantemos um cântico novo ao Senhor” (Sl 32, 3; 95, 1; 97, 1; 143, 9;
149, 1) — como se dissesse que alguém se renova através da veste pela limpe-
za exterior, renova pela graça a mente interior. Diz o Apóstolo aos Colossen-
ses (3, 9-10): “Despojai-vos do homem velho”, isto é, do hábito dos pecadores
“com suas práticas e revesti-vos” com o hábito da virtude — que não é priva-
do de práticas — “do Homem Novo”, isto é, da mente racional. Este homem
novo “é renovado pelo conhecimento de Deus”, etc. Ele continua: “Revesti-
-vos do Homem Novo”, como disse acima. Diz a Epístola aos Romanos (13,
14): “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”.
E de onde vem esta sabedoria? Do Espírito Santo, conforme Jó (32, 8):
“Para que eu veja, o Espírito está nos homens e a inspiração do Onipotente
que dá [inteligência]”. 48

3.2.4.  Conforme a glória que se consuma


Em quarto lugar, a renovação se dá pela glória que se consuma, ou seja,
quando o corpo for renovado da antiga pena e da antiga culpa, da qual se fala
em Isaías (65, 17): “Eis que crio novos céus e nova terra”. E de onde vem esta
renovação? Do Espírito Santo. Ele mesmo é o penhor de nossa herança e nos
conduz à herança celeste.
Quem necessita ser criado e ser renovado, obtê-lo-á do Espírito Santo.

4.  Os beneficiários dos efeitos do Espírito Santo


Mas quem recebe esta renovação? “A face da terra” (Sl 103, 30), isto é, todo
o mundo que fora outrora cheio de idolatria. Mas hoje o Senhor concedeu aos
Apóstolos os “dons dos carismas”. 49 Diz Isaías (27, 6): “Eles entrarão com
impulso” do Espírito Santo “encherão a face da terra com a semente de Jacó”.
A face da terra é também a mente humana, porque assim como vemos corpo-
ralmente pela face, assim também pela mente vemos espiritualmente. Por isso
diz o Gênesis (2, 7): Criou “Deus o homem com argila da terra e insuflou em
sua face o hálito da vida”.

48)  Cf. S. Th., II-II, q. 171, a. 1, ad 4


49)  Trata-se aqui de um trecho do Responsório III para as Matinas do Domingo de Pentecostes, recitado
pela Ordem dos Pregadores.

472 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
S. Tomás de Aquino

Entretanto, a fim de que a mente humana receba esta renovação, deve pos-
suir quatro [características]. Deve, pois, estar: [4.1] pura, [4.2] descoberta,
[4.3] direcionada, [4.4] estável e firme.

4.1.  A mente deve estar pura


Sobre a primeira [característica] fala-nos Mateus (6, 17): “Tu, porém, quan-
do jejuares, unge tua cabeça e lava tua face”, ou seja, com as lágrimas da
compunção, e então poderás receber a renovação do Espírito Santo. Diz o
Salmista (Sl 50, 12): “Cria em mim um coração puro, Deus”, etc.

4.2.  A mente deve estar descoberta


Quanto à segunda: a face da mente deve ser desvelada e descoberta. Diz o
Profeta: “A sua face estava coberta de graxa” (Jó 15, 27). 50 Alguns têm a face
da mente coberta pela escuridão da ignorância: “Não cobriu a minha face
com a escuridão” (Jó 23, 17). Diz o Apóstolo: “Todos nós com a face desco-
berta”, ou seja, isenta do afeto terreno, “refletimos como num espelho a gló-
ria do Senhor, somos transformados nessa mesma imagem, de claridade [em
claridade pelo Espírito do Senhor]” (II Cor 3, 18).

4.3.  A mente deve estar direcionada


Quanto à terceira: a face da mente deve estar direcionada a Deus, confor-
me diz Tobias (3, 14): Agora “volto minha face a ti e os meus olhos a ti se diri-
gem”. Como voltamos nossa face para Deus? Pela reta intenção, e assim obte-
mos a renovação do Espírito Santo, conforme diz o Evangelho de Lucas (11,
13): “[O Pai do Céu] dará o Espírito Santo aos que o pedirem”. Ademais, se
vos voltardes [a Ele] pela obediência, Ele dará o Espírito Santo àqueles que
lhe obedecem (cf. At 5, 32). Assim também devemos voltar a face ao próxi-
mo, conforme diz Tobias (4, 7): “Não afastes a tua face” de teu próximo. Por
isso que os Apóstolos, porque estavam juntos, receberam o Espírito Santo (cf.
At 2, 1-4).

50)  Cf. Comm. in Iob (ed. Leon., t. 26, p. 99: 263-264).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474 473
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” – Envia o teu Espírito

4.4.  A mente deve estar firme

Quanto à quarta: a face da mente deve estar firme. Lê-se sobre Ana, mãe
de Samuel: “A sua face não mudava mais para diversas direções” (I Sm 1, 18).
E por isso ela recebeu o Espírito Santo. Diz Jó (11, 15): “Poderás então levan-
tar a tua face”. A estes o Espírito Santo é dado, conforme diz o Evangelho [na
realidade: At 1, 4; cf. Lc 24, 49]: “No decurso de uma refeição com eles, orde-
nou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que aguardassem a pro-
messa [do Pai]”. Se tivessem partido, não receberiam o Espírito Santo, con-
forme diz Mateus (10, 22; 24, 13): “Quem perseverar [até o fim] será salvo”.
Quanto a nós, rogamos ao Senhor, etc.

474 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 457-474
Card. Zenon Grocholewski

A beleza que não se apaga


Card. Zenon Grocholewski 1

Introdução

Sinto-me muito honrado pelo convite do Grão-Chanceler, o Senhor Car-


deal Lluís Martínez Sistach, e pelas Autoridades das Faculdades de Filoso-
fia e Teologia da Catalunha, para presidir o ato com o qual é inaugurado o
ano acadêmico 2014-2015. É necessário sublinhar que este é um ano acadê-
mico muito especial pois, pela bênção de Deus, esta bela terra da Catalunha
terá uma nova Faculdade Eclesiástica dedicada à História, à Arqueologia e à
Arte cristãs. Por isso, agradeço de coração por permitir-me partilhar convos-
co todos esses acontecimentos; que o Senhor, fonte de todo o dom, lhes pre-
meie e lhes bendiga.
Gostaria então de enquadrar este breve discurso recordando o Bispo de
Hipona e a sua conversão. Após ter vivido todo o gênero de experiências, ele
mesmo escreve nas suas reconhecidas Confissões: “Tarde vos amei, ó beleza
tão antiga e tão nova, tarde vos amei! […] e disforme como era, precipitava-
-me sobre as belezas das vossas criaturas. Vós estáveis comigo, […] exalaste a
vossa fragrância e respirei, e agora suspiro por vós; saboreei-vos, e agora sin-
to fome e sede de vós; tocaste-me e agora desejo ardentemente tua paz”. 2 São
significativas as palavras de Santo Agostinho ao definir Deus como beleza
tão antiga e tão nova; como essa beleza que não se apaga.
Por conseguinte, motivado por tão bela afirmação, tratarei de fazer uma
aproximação, com humildade e sem presunção, ao tema da beleza, enfocan-
do-o como esse caminho pelo qual também aqueles que estudam Filosofia,
Teologia ou outra ciência eclesiástica poderão, nas palavras do Papa Francis-
co: “mostrar que crer [em Cristo] e segui-Lo não é somente algo verdadei-
ro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida de um novo esplendor
e de uma alegria profunda, mesmo em meio às provações”. 3 A este propósi-
to, um poeta da minha terra natal escreveu: “A beleza serve para entusiasmar

1)  Prefeito emérito da Congregação para a Educação Católica. Discurso durante o Ato de inauguração do
ano acadêmico 2014-2015 das Faculdades de Filosofia e Teologia da Catalunha. Barcelona, 2 de outu-
bro de 2014. Tradução do original espanhol: Jorge Filipe N. S. Teixeira Lopes, EP.
2)  Agostinho, Santo. Confissões, livro X, XXVII, 38.
3)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 167.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486 475
A beleza que não se apaga

para o trabalho, o trabalho serve para ressurgir”. 4 Hoje, mais do que nunca,
quem estuda as ciências sagradas é chamado a trabalhar pelo ressurgimento
da sociedade em Cristo. Considero que a beleza é um caminho para alcançá-
-lo.

1.  Beleza, Verdade e Bem: união e crise


O Concílio Vaticano II relacionou a missão da Igreja com a verdade, o bem
e a beleza. Diz textualmente: “Aderindo fielmente ao Evangelho e realizando
a sua missão no mundo, a Igreja — a quem pertence fomentar e elevar tudo
o que de verdadeiro, bom e belo se encontra na comunidade dos homens —
consolida, para glória de Deus, a paz entre os homens”. 5 Por conseguinte, os
padres conciliares não somente recordaram o sentido evangélico desses três
valores absolutos, mas também enquadraram neles toda a missão eclesial.
Essa afirmação explica-se porque toda sociedade, toda cultura, todo
homem está orientado perenemente à “busca da verdade, da beleza e do
bem”. 6 É uma tríade que acompanha o nosso ser. São João Paulo II dizia-nos:

A verdade, a beleza e o bem, como a liberdade, são valores absolutos e que,


como tais, não dependem da adesão a eles de um número mais ou menos
grande de pessoas. Não são o resultado da decisão de uma maioria, mas,
pelo contrário, todas as decisões, sejam individuais ou assumidas pela cole-
tividade, devem estar inspiradas nestes valores supremos e imutáveis. 7

Por isso, para que a verdade seja autêntica e verdadeira, é necessário que
esteja unida à beleza e ao bem. Como nos recordou o Papa Francisco na sua
recente Exortação Apostólica Evangelii gaudium: “a verdade anda de mãos
dadas com a beleza e o bem” (n. 142). Por conseguinte, “o homem só se com-
preende a si mesmo em relação a Deus, que é plenitude de verdade, de bele-
za e de bondade”. 8 “Deus o criou como um ‘explorador’ (cf. Ecl 1, 13), cuja
missão é não deixar nada sem tentar, não obstante a contínua chantagem da

4)  Norwid, Cyprian. Promtehidion: Bogumil, vv. 185-186. Vol. 2. Varsavia: Pisma wybrane, 1968, p. 216.
Citado por João Paulo II, Carta aos artistas, 4 de abril de 1999, n.3; Idem., Discurso ao grupo folcló-
rico da Universidade de Silésia, 30 de julho de 1982.
5)  Concílio Vaticano II. Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 76.
6)  João Paulo II. Carta Encíclica Centesimus annus, 1 de maio de 1991, n. 36.
7)  João Paulo II. Discurso aos representantes do mundo da cultura argentina, 12 de abril de 1987, n. 5.
8)  João Paulo II. Discurso aos participantes do Congresso UNIV 2003, 14 de abril de 2003, n. 3.

476 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486
Card. Zenon Grocholewski

dúvida. Apoiando-se em Deus, o crente permanece, em todo o lado e sempre,


inclinado para o que é belo, bom e verdadeiro”. 9
Lamentavelmente, como afirmava o Documento final da Assembleia do
Pontifício Conselho para a Cultura de 2006: “a verdade ressentiu-se pelo fato
de ter sido instrumentalizada pela ideologia e a bondade de ter sofrido a ‘hori-
zontalidade’, reduzida a ser unicamente um ato social […] o belo [foi] redu-
zido a um simples prazer dos sentidos, [sendo-lhe negado] ter plena consci-
ência de sua universalidade, de seu valor supremo, altamente transcendente”. 10
Os três valores supremos e imutáveis vivem hoje em dia as consequências de
uma sociedade débil, o fim de uma época, a crise do novo início.
Aproximemo-nos, então, de cada um desses valores. Primeiro, recorren-
do às palavras dos nossos últimos pontífices — falarei brevemente da verda-
de em si mesma e na sua relação com a beleza; do bem em si mesmo e na sua
relação com a beleza —; em seguida, numa segunda parte, deter-me-ei mais
amplamente para dissertar sobre a beleza em si mesma e sobre suas diversas
manifestações.

1.1.  A verdade em si mesma e na sua relação com a beleza


A meu ver, e sem querer excluir ninguém, os dois últimos documentos pon-
tifícios que se aprofundaram sobre o tema da verdade foram Veritatis splen-
dor e Fides et ratio. Ambos os documentos de São João Paulo II analisaram
o tema da verdade do ponto de vista filosófico e teológico. Não pretendo ser
exaustivo em explicações, mas me limito apenas a dar certa definição e a
recordar a relação entre verdade e beleza.
A verdade — diz a Carta Encíclica Veritatis splendor — “ilumina a inteli-
gência e modela a liberdade do homem, que, deste modo, é levado a conhecer
e a amar o Senhor” (cf. Saudação inicial). Ela então está intimamente unida à
razão e exerce a sua ação sobre a liberdade. De fato, à luz da razão natural —
“reflexo no homem do esplendor da face de Deus” — “o homem deve poder
distinguir o bem do mal”. 11 Refiro-me a essa razão que “consegue intuir e
formular os princípios primeiros e universais do ser, e deles deduzir corre-
ta e coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica, então pode-se

9)  João Paulo II. Carta Encíclica Fides et ratio, 14 de setembro de 1998, n. 21.
10)  Pontifício Conselho para a Cultura. A Via pulchritudinis, caminho privilegiado de evangelização
e de diálogo. Documento final da Assembleia Plenária, 28 de março de 2005, n. II, 1.
11)  João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 42.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486 477
A beleza que não se apaga

considerar uma razão reta, ou, como era chamada pelos antigos, orthòs logos,
recta ratio”. 12
Quanto à liberdade, reconhecemos que ela depende fundamentalmente da
verdade. Dependência que foi expressa do modo mais claro e autorizado pelas
palavras de Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres”
(Jo 8, 32)”. 13 Afirmava São João Paulo II: “Segundo a fé cristã e a doutrina
da Igreja, ‘somente a liberdade que se submete à Verdade, conduz a pessoa
humana ao seu verdadeiro bem. O bem da pessoa é estar na Verdade e prati-
car a Verdade’”. 14
Por isso, negar ou absolutizar a liberdade ou a razão produz imediatamen-
te um prejuízo à verdade.
Que fazer então para que a verdade seja vivida na sua plenitude? A situ-
ação se apresenta para nós desafiante, pois, para chegar a viver a verdade,
é-nos pedido iniciar um iter formativo que tenha como objetivo alargar a
razão, onde o transcendental, a fé, encontre seu espaço justo e equilibrado.
Um caminho que busque ampliar os horizontes da razão para que a verdade
retome seu carácter exclusivo.
A partir dessa vivência da verdade, a beleza encontra sua realização ple-
na, pois, como escreveu o Papa emérito Bento XVI, “uma função essencial
da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao
homem um ‘sobressalto’ saudável, que o faz sair de si mesmo, o arranca à
resignação ao conformar-se com o quotidiano, fá-lo também sofrer, como
uma seta que o fere, mas precisamente desta forma o ‘desperta’ abrindo-lhe
de novo os olhos do coração e da mente, pondo-lhe asas, elevando-o”. 15

1.2.  O bem em si mesmo e na sua relação com a beleza


Nos textos que temos citado da Veritatis splendor, São João Paulo II cons-
tata: “O bem da pessoa é estar na Verdade e praticar a Verdade”. 16 Com isso

12)  João Paulo II. Carta Encíclica Fides et ratio, 14 de setembro de 1998, n. 4.
13)  João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 34.
14)  João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 84. Citação tomada tam-
bém de Discurso aos participantes no Congresso internacional de teologia moral, 10 de abril de 1986,
n. 1. Original em italiano.
15)  Bento XVI. Discurso aos artistas, 21 de novembro de 2009.
16)  João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 84. Citação tomada tam-
bém de Discurso aos participantes no Congresso internacional de teologia moral, 10 de abril de 1986,
n. 1. Original em italiano.

478 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486
Card. Zenon Grocholewski

sublinha que o verdadeiro bem é aquele com o qual, graças à luz da razão
natural, “o homem deve poder distinguir o bem do mal”. 17 De fato, segun-
do a doutrina da Igreja, o bem, tal como a verdade, não é algo subjetivo. Não
nos corresponde a nós determinar que coisa é boa ou que coisa é má. O bem
é algo objetivo, radicado na verdade objetiva. Tem, por conseguinte, um valor
universal. Corresponde à razão natural descobrir que coisa é boa ou que coi-
sa é má.
Infelizmente,

perdida a ideia de uma verdade universal sobre o bem, cognoscível pela


razão humana, mudou também inevitavelmente a concepção da consciên-
cia: esta deixa de ser considera-da na sua realidade original, ou seja, como
um ato da inteligência da pessoa, a quem cabe aplicar o conhecimento uni-
versal do bem numa determinada situação e exprimir assim um juízo sobre
a conduta justa a eleger, aqui e agora; tende-se a conceder à consciência do
indivíduo o privilégio de estabelecer autonomamente os critérios do bem e
do mal e agir em consequência. 18

Quando a verdade não está presente, o bem converte-se, ou em sentimen-


talismo, ou em fideísmo, ou em individualismo, de modo que nem a pessoa
nem a sociedade crescem na verdade. 19 Isso traz como consequência uma pre-
judicial atitude individual e social de bonachões onde tudo é permitido, tudo
é aceito, não se julga nada e, tudo isto, em nome do bem. O bem necessita da
autêntica verdade — não relativa — para ser vivido como um valor absoluto.
Que devemos fazer a esse respeito? Quem estuda alguma das ciências
sagradas está consciente que, para entender o verdadeiro bem, devemos nos
dirigir a Deus. Disse-nos São João Paulo II:

Só Deus pode responder à questão sobre o bem, porque Ele é o Bem. Inter-
rogar-se sobre o bem, com efeito, significa dirigir-se em última análise a
Deus, plenitude da bondade. Jesus mostra que […] a bondade que atrai e
simultaneamente vincula o homem, tem a sua fonte em Deus, mais, é o pró-
prio Deus, o único que é digno de ser amado “com todo o coração, com toda
a alma e com toda a mente” (Mt 22, 37). 20

17)  João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 42.
18) João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 32.
19)  Cf. Bento XVI. Carta Encíclica Caritas in veritate, 29 de junho de 2009, n 3-5.
20)  João Paulo II. Carta Encíclica Veritatis splendor, 6 de agosto de 1993, n. 9.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486 479
A beleza que não se apaga

Por isso, o bem, vivido na verdade, une-se à beleza e converte-se num ato
de comunicação real. De fato, o Papa Francisco escreveu:

O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de ver-


dade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pes-
soa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às
necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desen-
volve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não
tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. 21

Quem experimenta a verdade comunica-a, quem experimenta o bem


comunica-o, quem experimenta a beleza comunica-a. Estamos feitos para
darmo-nos, e estes três valores ampliam os nossos horizontes até a sua máxi-
ma expressão.

2.  A beleza em si mesma


No ato de encerramento do Concílio Vaticano II, ao dirigir-se aos artistas,
Paulo VI disse: “A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos
homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gera-
ções e as faz comungar na admiração”. 22 Donde que a beleza seja considerada
como uma via pela qual se comunica com o próximo e com Deus. Na tradição
da Igreja este caminho recebeu o nome de Via pulchritudinis.
Ora, a Via pulchritudinis pode ser considerada, em primeiro lugar, como
uma Via veritatis. Com efeito, diz o documento do Pontifício Conselho para a
Cultura que citei anteriormente, que é uma via da verdade uma vez que nela
o homem empenha-se em descobrir a bondade do Deus do amor, fonte de
toda a beleza, de toda a verdade e de toda a bondade. Afirma o documento:
“O belo diz ainda mais que o verdadeiro ou que o bom. Dizer de um ser que
é belo não significa somente reconhecer nele uma inteligibilidade que o tor-
na amável. Quer dizer, ao mesmo tempo, que especificando nosso conheci-
mento, o belo nos atrai, mais ainda, ele nos prende por meio de uma influên-
cia capaz de suscitar maravilhamento”. 23

21)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 9.


22)  Paulo VI. Mensagem aos artistas, 8 de dezembro de 1965.
23)  Pontifício Conselho para a Cultura. A Via pulchritudinis, caminho privilegiado de evangelização
e de diálogo. Documento final da Assembleia Plenária, 28 de março de 2005, n. II, 2.

480 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486
Card. Zenon Grocholewski

A respeito disso, Platão no seu diálogo O Banquete, descreveu um iter pelo


qual se relacionam diretamente a via da beleza com a via da verdade. Diz:

Começando pelas coisas belas daqui e servindo-se delas como de degraus


para ir ascendendo continuamente, em base daquela beleza, indo de um só
corpo a dois e de dois a todos os corpos belos e destes às belas normas
de conduta, e destas aos belos conhecimentos, e partindo destes terminar
naquele conhecimento que não é conhecimento de outra coisa senão daque-
la beleza absoluta, chegando a conhecer por último o que é a beleza em si. 24

Por outro lado, a Via pulchritudinis pode ser considerada como uma Via
pastoral. Com isso afirmamos que mediante a beleza a evangelização é pos-
sível e pode alcançar suas mais altas e sublimes expressões. Afirma o Papa
emérito:

A autêntica beleza abre o coração humano à nostalgia, ao desejo profundo


de conhecer, de amar, de ir para o Alto, para o Além de si. Se aceitamos que
a beleza nos toque intimamente, nos fira, nos abra os olhos, então redesco-
brimos a alegria da visão, da capacidade de colher o sentido profundo do
nosso existir, o Mistério do qual somos parte e do qual podemos haurir a
plenitude, a felicidade, a paixão do compromisso quotidiano. 25

Para entender ainda mais esta via pastoral, daí se deduz que, segundo as
palavras do Papa Francisco:

Todas as expressões de verdadeira beleza podem ser reconhecidas como


uma senda que ajuda a encontrar-se com o Senhor Jesus. Não se trata de
fomentar um relativismo estético, que pode obscurecer o vínculo indivisí-
vel entre verdade, bondade e beleza, mas de recuperar a estima da beleza
para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade
e a bondade do Ressuscitado. 26

Então são dois os motivos que unem quem estuda filosofia ou teologia com
o caminho da beleza: o caminho da verdade e o caminho da pastoral. Ambos
estes caminhos estão presentes entre os objetivos principais das Faculdades
Eclesiásticas. Afirma a Constituição Apostólica Sapientia christiana que as
Faculdades Eclesiásticas devem: “alcançar um autêntico progresso no conhe-

24)  Platão. Banquete, 211c. Vol. 3. Madrid: Gredos, 1988, p. 264.


25)  Bento XVI. Discurso aos artistas, 21 de novembro de 2009.
26)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 167.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486 481
A beleza que não se apaga

cimento e na compreensão da verdade divina” e “procurar harmonizar, com


diligência, as exigências científicas com as necessidades pastorais do Povo
de Deus”. 27 Verdade e Pastoral são a chave para aprofundar e viver a beleza
autêntica.
Vale a pena que vejamos, ainda que brevemente, as diferentes formas pelas
quais poderemos percorrer a Via pulchritudinis.

2.1.  A beleza da criação


Não é necessário recorrer a grandes pensadores para descobrir a beleza da
criação. Cada um de nós já disfrutou de um entardecer; já contemplou o desa-
brochar das plantas e o nascimento dos animais; já sentiu a maravilha que é
ver uma nova vida humana, etc. Tudo isto, e muitas outras coisas, nos fala da
beleza que está presente na criação. Como nos refere a Sagrada Escritura: “O
céu proclama a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos;
o dia transmite ao outro esta mensagem e a noite a dá a conhecer à outra noi-
te” (Sl 19, 2-3).
Por isso, quem estuda as ciências sagradas, chamado a oferecer soluções
aos problemas da humanidade com uma “visão cristã do mundo, do homem
e de Deus”, 28 sabe que a beleza da criação — tão louvada nos cânticos da
Sagrada Escritura — pode, sem dúvida alguma, orientar o homem para que
possa alcançar a verdade e o bem. “Conceber a criação como dádiva de Deus
à humanidade ajuda-nos a compreender a vocação e o valor do homem […]
Contemplar a beleza da criação é um estímulo para reconhecer o amor do
Criador”. 29 Portanto,

é necessário promover um maior cuidado com a criação e com a sua beleza,


seja na formação humana como na formação cristã, evitando reduzi-la a um
simples ecologismo ou, o que é pior, a uma visão panteísta […] Cumpre pro-
mover o ensino de uma autêntica filosofia da natureza e de uma bela teolo-
gia da criação numa cultura na qual o diálogo entre fé e ciência é de parti-
cular importância. 30

27)  João Paulo II. Constituição Apostólica Sapientia christiana, 15 de abril de 1979, Segunda Parte,
Normas comuns, Art. 39 §§ 1.1; 2.
28)  João Paulo II. Constituição Apostólica Sapientia christiana, 15 de abril de 1979, Segunda Parte,
Normas especiais, Art. 79 § 1.
29)  Bento XVI. Mensagem pela XLIII Jornada mundial da paz, 1 de janeiro de 2010, n. 2.
30)  Pontifício Conselho para a Cultura. A Via pulchritudinis, caminho privilegiado de evangelização e
de diálogo. Documento final da Assembleia Plenária, 28 de março de 2005, n. III, 1; Propostas pastorais.

482 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486
Card. Zenon Grocholewski

Neste sentido, é valiosíssimo o contributo que pode oferecer, além das


Faculdades de Filosofia e de Teologia, o Instituto de Teologia Fundamental
dos Padres Jesuítas.
Como acrescentou o Papa emérito, a respeito de nossa relação com a criação:

Torna-se indispensável uma real mudança de mentalidade que induza a


todos a adoptarem novos estilos de vida, “nos quais a busca do verdadeiro,
do belo e do bom e a comunhão com os outros homens, em ordem ao cresci-
mento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo,
da poupança e do investimento”. […] Todos somos responsáveis pela prote-
ção e cuidado da criação. 31

2.2.  A beleza das artes

Escreveu Santa Teresa de Jesus na sua autobiografia:

Entrando eu um dia no oratório, vi uma imagem, que para ali trouxeram a


guardar; tinham-na ido buscar para certa festa que se fazia na casa. Era de
Cristo muito chagado, e tão devota estava que, ao pôr nela os olhos, toda eu
me perturbei por vê-Lo assim, porque representava bem o que passou por
nós. Foi tanto o que senti por tão mal Lhe terem agradecido aquelas cha-
gas, que ocoração parecia-me partir e arrojei-me junto d’Ele com grandíssi-
mo derramamento de lágrimas, suplicando-Lhe que me fortalecesse de uma
vez para sempre, para não O ofender. 32

Pois bem, não só Santa Teresa mas também muitíssimas pessoas ao longo
de todos os séculos encontraram a Verdade, o verdadeiro Deus, através das
artes. Alguns lendo uma poesia; outros contemplando uma pintura; muitos
outros graças aos vitrais de uma igreja, etc. Sabemos, por exemplo, como a
arte religiosa de Roma, particularmente a paleocristã, contribuiu para a con-
versão de Thomas Merton (1915-1968). Recebi pessoalmente o testemunho do
pintor alemão Heinrich G. Bücker (1922-2008), o qual me mostrou uma carta
de um homem que, contemplando a sua majestosa e impressionante via crucis
no Santuário de Telgte (Alemanha), converteu-se de sua vida cheia de vícios.
Aqui, em Barcelona, temos a estupenda Basílica da Sagrada Família do Ser-
vo de Deus Antoni Gaudí, consagrada em 2010 pelo Papa Bento XVI; espe-

31)  Bento XVI. Mensagem pela XLIII Jornada mundial da paz, 1 de janeiro de 2010, n. 11.
32)  Teresa de Ávila. Autobiografía. Capítulo 9, n. 1.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486 483
A beleza que não se apaga

remos que este belo templo possa elevar a mente dos visitantes até Deus. Por
isso, corresponde à próxima Faculdade de História, Arte e Arqueologia cris-
tãs, entre outras coisas, dizer ao homem que as artes, cheias da mais sublime
beleza e com um forte sentido teológico, são manifestações ou esplendores da
Verdade; nelas se possibilita contemplar a beleza de Deus.
A esse propósito, afirma a Gaudium et spes, falando da sã cultura, que
“dedicando-se às várias disciplinas da história, filosofia, ciências matemá-
ticas e naturais, e cultivando as artes, pode o homem ajudar muito a famí-
lia humana a elevar-se a concepções mais sublimes da verdade, do bem e da
beleza e a um juízo de valor universal, e ser assim luminosamente esclarecida
por aquela admirável sabedoria” (n. 57).
Por esta razão, “a Igreja, perita em humanidade, sempre defendeu e pro-
moveu as artes como um bem que enobrece os homens, porque conseguem
comunicar algo que é uma realidade inefável”. 33 Como disse o Documento do
Pontifício Conselho para a Cultura: “Cada obra de arte cristã tem um sentido:
ela é, por natureza, um ‘símbolo’, uma realidade que reenvia para algo além
de si mesma, que ajuda a avançar no caminho que revela o sentido, a origem
e a meta do nosso caminho terreno. Sua beleza caracteriza-se por uma capa-
cidade de mover interiormente do ‘por si mesmo’ para o ‘maior que si mes-
mo’” (n. III, 2).
Por conseguinte, o estudo das artes, da arqueologia, da filosofia, da teolo-
gia, etc., deve suscitar um afã em promover a beleza das artes. Como nos dis-
se recentemente o Papa Francisco:

É desejável que cada Igreja particular incentive o uso das artes na sua obra
evangelizadora, em continuidade com a riqueza do passado, mas também
na vastidão das suas múltiplas expressões atuais, a fim de transmitir a fé
numa nova “linguagem parabólica”. É preciso ter a coragem de encon-
trar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a transmis-
são da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em dife-
rentes âmbitos culturais, incluindo aquelas modalidades não convencionais
de beleza que podem ser pouco significativas para os evangelizadores, mas
tornaram-se particularmente atraentes para os outros. 34

33)  João Paulo II. Discurso às autoridades acadêmicas, professores e alunos da Universidade Católica
Dámaso Antonio Larrañaga, 7 de maio de 1988, n. 7.
34)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 167.

484 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486
Card. Zenon Grocholewski

2.3.  A beleza de Cristo


Santo Agostinho, comentando o Salmo 44, apresenta-nos uma excelente
teologia de Cristo belo. Diz que Cristo é pulcher Deus, esclarecendo que na
tradução castelhana se preferiu escrever “formoso” em lugar de “belo”. Afir-
ma o Bispo de Hipona:

Formoso por ser Deus, a Palavra com Deus; formoso no seio da Virgem,
onde não perdeu sua divindade e tomou a humanidade; formoso como a
Palavra recém-nascida, porque apesar de ser uma criança sem palavras, ao
mamar, ao ser levado nos braços, os céus falaram, os anjos cantaram louvo-
res, uma estrela guiou os Magos, foi adorado no presépio e foi o manjar dos
mansos. É, pois, formoso no céu, formoso na terra, formoso no seio mater-
no, formoso nos braços de seus pais; formoso nos seus milagres, formoso
em seus açoites; formoso ao convidar à vida, formoso não se preocupan-
do com a morte; formoso entregando a sua vida, formoso ao recuperá-la;
formoso na cruz, formoso no sepulcro, formoso no céu. Escutai este cânti-
co para entendê-lo, e que a debilidade da carne não afaste vossos olhos do
esplendor da sua formosura. A suprema e autêntica formosura é a justiça;
não verás ninguém formoso se o encontras malvado; se for totalmente jus-
to, será também belo (n. 3).

Daqui se compreende que aqueles que estudam nas Faculdades Eclesiás-


ticas são chamados a apresentar, com novos estilos e novos ardores, a bele-
za de Cristo. A Boa Nova, a evangelização não pode ser vista exclusivamente
como um curso de aulas. O Evangelho “é capaz de penetrar todas as culturas
de tal forma que as ilumina com a luz da divina Revelação, purifica os cos-
tumes dos homens e os restaura em Cristo”. 35 “O Filho feito homem, revela-
ção da beleza infinita, é sumamente amável e atrai-nos para Si com laços de
amor. Por isso, torna-se necessário que a formação na via pulchritudinis este-
ja inserida na transmissão da fé”. 36
Neste ponto é importante recordar que a beleza de Cristo se manifesta,
entre outras coisas, na liturgia, na qual Ele mesmo está presente. Afirma a
Sacrosanctum Concilium:

Cristo está sempre presente na sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas
[…] Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdo-
tal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira,

35)  João Paulo II. Constituição Apostólica Sapientia christiana, 15 de abril de 1979, Proêmio.
36)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 167.

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486 485
A beleza que não se apaga

realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo


— cabeça e membros — presta a Deus o culto público integral (n. 7).

Por isso, essa presença de Cristo goza também de particular beleza. Don-
de que, “a Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é
também celebração da atividade evangelizadora e fonte dum renovado impul-
so para se dar”. 37 Graças à Providência, a Catalunha conta com um Instituto
Superior de Liturgia, o qual é chamado a ajudar “o povo santo de Deus a viver
a liturgia como expressão da Igreja em oração, como presença de Cristo entre
os homens e como atualidade constitutiva da história da salvação”. 38 Cristo é
belo na ação litúrgica da Igreja.

Conclusão
Para finalizar, gostaria de recordar que também a Igreja é bela e, como
afirmaram nossos Sumos Pontífices, ela não se cansa de nos mostrar a bele-
za de seu rosto pluriforme. Como asseverou o Papa Francisco: “através das
manifestações cristãs dum povo evangelizado, o Espírito Santo embeleza a
Igreja, mostrando-lhe novos aspectos da Revelação e presenteando-a com um
novo rosto. Pela inculturação, a Igreja ‘introduz os povos com as suas cultu-
ras na sua própria comunidade’, porque ‘cada cultura oferece formas e valo-
res positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado,
compreendido e vivido’. Assim, ‘a Igreja, assumindo os valores das diversas
culturas, torna-se sponsa ornata monilibus suis, a noiva que se adorna com
suas joias (cf. Is 61, 10)’”. 39
Imploro então a Deus que este novo ano acadêmico seja repleto de inúme-
ras bênçãos e de um frutuoso trabalho investigativo. Que a força do Espírito
Santo vos acompanhe sempre e que todos vós sejais “mensageiros alegres de
propostas altas, guardiões do bem e da beleza que resplandecem numa vida
fiel ao Evangelho”. 40 Como suplicou o Papa Francisco, peçamos ao Senhor
que nos dê “santa ousadia de buscar novos caminhos para que chegue a todos
o dom da beleza que não se apaga”. 41 Assim seja!

37)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 24.


38)  Bento XVI. Discurso ao Instituto Litúrgico Pontifício Santo Anselmo, 6 de maio de 2011.
39)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 116. Cf. João Pau-
lo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 6 de janeiro de 2011, n. 40.
40)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, n. 168.
41)  Francisco. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 24 de novembro de 2013, Oração final.

486 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 475-486
Resenhas
PORRO, Pasquale. Tommaso d’Aquino. Un profilo storico-filosofico. Roma:
Carocci, 2012, 535p. ISBN: 978-88-430-6534-9.

A presente monografia é certamente liar estilo, esta resenha merece trata-


o melhor estudo da atualidade acerca da mento bem mais amplo que o normal.
obra de São Tomás de Aquino do pon- Já nas premissas de Tommaso d’Aqui-
to vista histórico-filosófico. Como obra no, o professor italiano assinala que seu
de introdução ao pensamento tomista, autor não se julgava um filósofo stricto
compete em valor — não obstante com sensu, embora se utilizasse com frequ-
foco bem distinto — com a famosa Ini- ência da filosofia (por vezes com assi-
tiation à saint Thomas d’Aquin do Fr. duidade) em suas obras teológicas, reco-
Jean-Pierre Torrell, OP. De fato, o pro- nhecendo a sua especial importância (p.
fessor italiano Pasquale Porro, atual- 13-14). Aos olhos de um incauto críti-
mente detentor da Cátedra de História co pós-moderno, as obras do Aquinate
da Filosofia Medieval da Universidade poderiam parecer desprovidas de utili-
de Sorbonne, Paris, tem se consagrado dade concreta. No entanto, o Autor res-
como um dos maiores especialistas na salta um dado assaz relevante: quase um
obra do Aquinate. terço de seus escritos foram encomenda-
A sua abordagem literária é desa- dos (p. 22), e outros muitos se destina-
fiante: segue um percurso diacrônico vam a resolver questões bastante espe-
(doutrinário-cronológico), como indi- cíficas e práticas, discutidas em seu con-
ca o próprio título. Em outras palavras, texto. Tal enfoque ocorria por vezes
o Autor, com grande maestria, intro- através de feroz polêmica, sempre no
duz as ideias filosóficas da Opera omnia contexto medieval da disputatio. O mes-
tomista à medida que foram aparecen- tre dominicano estava bem longe de ser
do em cada contexto histórico. A leitu- um autor quimérico!
ra é agradável — embora em certas par- Além disso, Porro ilustra com muita
tes se torne cansativa, seja pela comple- sabedoria analítica o quanto o Comen-
xidade do tema em questão, seja pela tário às Sentenças já antecipa algu-
própria articulação do texto —, porém, mas questões tratadas na Suma Teoló-
sem jamais perder a seriedade acadê- gica. Por exemplo, a questão da evidên-
mica. É também louvável que Porro cite cia da existência de Deus (p. 66). A res-
constantemente as próprias palavras de posta já está aqui delineada: Deus é per
Tomás, corrigindo por vezes as tradu- se sumamente evidente (ao seu próprio
ções já existentes. intelecto), mas não em relação a nós
A obra se divide em seis capítulos, (quoad nos). Neste contexto se encaixa
correspondentes a cada uma das fases o argumento anselmiano (dito “ontoló-
da vida acadêmica do mestre dominica- gico”), como eventual prova da existên-
no. Dada a sua importância e seu pecu- cia de Deus. O Autor evidencia que este

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 487
Resenhas

pretenso argumento seria antes de mais os dominicanos e franciscanos passam a


nada uma petitio principii. Em outros alcançar o predomínio das cátedras da
termos, o argumento pressupõe a exis- universidade parisiense. Nesse sentido,
tência do id quo maius cogitari nequit, é possível perceber logo nas primeiras
ao invés de se tratar de uma simples pas- páginas desta parte o grande conheci-
sagem indevida do mental para o real, mento de Porro sobre o contexto medie-
como habitualmente se crê (p. 67). val, mesmo em pormenores. Exemplo
O Autor justifica a inexistência da disso é a pitoresca descrição de como as
filosofia cristã para Tomás pelo simples discussões ideológicas podiam culminar
fato que ele mesmo não quis se conside- até no embate físico: numa ocasião os
rar um filósofo. Trata-se, é claro, de um dominicanos foram vítimas de pedradas
argumento débil. por discussões teóricas e, certa vez, Luís
Como salienta Porro, já se delineia IX chegou a enviar escolta armada para
nos primeiros anos da atividade do Dou- proteger uma aula inaugural de um novo
tor Angélico alguns de seus principais mestre dominicano contra o assédio de
temas filosóficos, tais como: a negação seus inimigos doutrinais (p. 78-79). Nes-
do hilemorfismo universal, a redução da se período Tomás se tornou magister
matéria prima à pura potencialidade, etc. (primavera de 1256) e escreveu sua pri-
(p. 72), sem mencionar as linhas mestras meira obra polemista, isto é, o Contra
do juvenil opúsculo De ente et essentia. impugnantes Dei cultum et religionem
Em contrapartida, é possível encontrar (p. 79-80). Ainda no âmbito dos ataques
mudanças de opinião em algumas teses desferidos contra os membros das nas-
nas obras sucessivas (p. 72-73). centes ordens mendicantes, recorda-se
Outro dado interessante indica- que eram chamados pelos seculares de
do pelo Autor: até o tempo de Capreo- “falsos apóstolos” e até mesmo de “pre-
lo (séc. XV) o Scriptum super Sententiis cursores do Anticristo”.
era mais lido e comentado que a própria Durante essa primeira estadia em
Summa Theologiae. Ou seja, esta última Paris, o Aquinate redige as Quaestiones
obra não foi sempre considerada a “prin- disputatae de Veritate, a sua primeira
cipal”. Ademais, diga-se de passagem, obra do gênero. Quanto à questão da ver-
restringir-se a qualquer uma delas para dade propriamente dita, o Autor enfatiza
uma interpretação global de Tomás seria que para Tomás ela existe em primeiro
desvirtuar o seu próprio pensamento. lugar no intelecto e secundariamente nas
O capítulo segundo se circunscreve à coisas, e ainda ousa dizer que “se por
primeira regência de Paris (1256-1259). absurdo não existisse nenhum intelecto,
Este período é marcado pela crescente humano ou divino, e as coisas perma-
oposição entre seculares e mendicantes, necessem, não existiria nada de verda-
perdurando por fases sucessivas, quando deiro, porque, como foi dito, um ente é

488 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

verdadeiro apenas em relação a um inte- de outro modo: a impossibilidade parte


lecto (prático ou especulativo)” (p. 87). do objeto e não da capacidade do sujei-
Sem embargo, essa interpretação pode- to. Tal impossibilidade inclui a tese de
ria suscitar perplexidades no leitor, jus- que em Deus não há sequer ideias con-
tamente pela aplicação do segundo sen- traditórias (p. 103), como, por exemplo,
tido do verdadeiro. Dito de outro modo: um “círculo quadrado”. A síntese con-
as coisas, no caso hipotético em ques- tida nas páginas sucessivas acerca das
tão, teriam ainda a capacidade de serem “sementes de ciência” é esclarecedora,
conhecidas mesmo que não existissem sobretudo no que tange ao papel do mes-
intelectos para conhecê-las (a verdade se tre na formação das ideias em seus dis-
encontra de fato nas coisas como afirma cípulos. E aqui é útil a comparação com
a própria citação da p. 89, assim como a função do médico, o qual apenas auxi-
o bem, como transcendental, é intrínse- lia o paciente a se curar, pois quem cura
co às criaturas). Há talvez um matiz não propriamente é este último (p. 106). Ou
claro no conjunto da interpretação de seja, mutatis mutandis, quem conhe-
Porro. De qualquer forma é importan- ce é o próprio aluno; o professor só ofe-
te que ele tenha salientado que a falsi- rece os meios externos para favorecer o
dade só existe no intelecto (que compõe conhecimento.
e divide). Em contrapartida, quando o Porro esclarece, outrossim, o quan-
intelecto opera por uma redução aos pri- to a luz natural do intelecto agente não
meiros princípios, não é possível enga- possa ser identificada com Deus, embo-
nar-se. Interessante é a definição ofere- ra possua origem divina (Deus é o nosso
cida: “conhecer é conter em si a perfei- mestre interior na tradição agostiniana)
ção das outras coisas” (p. 93). (p. 107). Ressalta ainda a circularida-
Ainda abordando o De veritate, con- de de intelecto e vontade, refletida pela
tinua o livro: “O fantasma é como uma clássica relação entre causa final e causa
imagem da coisa refletida num espe- agente (ou eficiente) (p. 111).
lho e o nosso intelecto se dirige à coisa No que diz respeito às questões quod-
que é refletida mais que à própria ima- libetales, de debate público, o livro assi-
gem” (p. 97). O conhecimento de Deus nala que poderiam ser propostas por
abraça todas as coisas, inclusive as não- qualquer participante e sobre qualquer
-existentes (o que é impossível, é claro, argumento (p. 112). Não é do estilo do
para o intelecto criado) (p. 98). Recor- Aquinate — prevalentemente conciso,
da ainda que a própria onipotência divi- como sabemos — se estender demasia-
na está vinculada ao princípio de não damente por intermédio desse tipo de
contradição, simplesmente porque aqui- argumentação, como fora a preferência,
lo que é “impossível não pode ser reali- por exemplo, do mestre secular flamen-
zado por nenhum agente” (p. 99). Dito go Henrique de Gand (p. 114).

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 489
Resenhas

Neste capítulo, Porro também res- ca do Capítulo dos frades pregadores


salta a importância da contextualiza- em Valenciennes (1259) e o regresso do
ção do pensamento tomasiano, a fim de Aquinate à Itália. Revela-se a importân-
se evitar o que denominou de “etiquetas cia que os dominicanos passaram a dar
vazias”, ao aplicar ao Aquinate o rótulo a uma adequada formação filosófica (p.
de ser um simples adepto do Aristotelis- 148), em sentido contrário aos reparos
mo ou do Neoplatonismo em certos pon- relativos à filosofia, em capítulos ante-
tos (p. 118). riores. De fato, Porro cita a já famo-
Sobre a questão da possibilidade de sa referência de Santo Alberto Mag-
criar o infinito em ato, explica que nada no contra aqueles “ignorantes que que-
impede que uma criatura possua o infi- rem combater o uso da filosofia”. Para
nito sob certo aspecto, jamais se equipa- o mestre de São Tomás, estes são como
rando com a infinidade do Criador, cuja “animais brutos que blasfemam contra
essência coincide com o ser (p. 123). aquilo que não conhecem” (p. 151). De
Sobre os comentários de São Tomás a fato, os dominicanos podiam ser bem
Boécio, Porro relembra a perda de popu- mordazes... Nada mais condizente e pre-
laridade deste filósofo romano em torno ciso em relação à etimologia da palavra
ao século XIII. Nesse sentido, o Aqui- que os distinguia: “Domini canes”, isto
nate representa notável exceção por seu é, “cães do Senhor”.
interesse nas obras boecianas (p. 125). Em seguida são dedicadas mais de
No comentário ao De Trinitate são trata- setenta páginas a uma das obras mag-
dos temas muito importantes, a saber: a nas do Aquinate, isto é, a Suma con-
cognoscibilidade de Deus, fé e razão, e a tra os gentios. Foi provavelmente enco-
divisão das ciências especulativas, base- mendada por seu confrade Raimundo de
ada na maior ou menor mobilidade e Peñafort, quem necessitava de um bom
materialidade do objeto de cada ciência. manual para refutar os muçulmanos de
Quanto ao primeiro tema, relembra que Espanha sob o ponto de vista doutriná-
podemos conhecer a Deus somente atra- rio, ou melhor, recorrendo à pura razão
vés de seus efeitos, pois estes revelam a natural (p. 153-154). Ressalta que Aver-
sua eficácia causal. Quanto ao segun- róis não era de nenhum modo alvo do
do assunto, evidencia que tanto a luz da escrito, como se poderia pensar. O obje-
razão quanto a luz da fé nos são infundi- tivo da obra não era propriamente pole-
das por Deus e, portanto, não podem se mizar (ser contra algo, apesar do título),
contradizer. Ocupa-se também do esta- mas sim intencionava servir de “medita-
tuto científico da teologia e da metafí- ção” acerca da verdade e de sua busca,
sica. ou seja, a sabedoria (p. 155).
O terceiro capítulo inicia-se com Um dos pontos fundamentais ressal-
uma valiosa introdução histórica acer- tados por Porro a respeito dessa obra é

490 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

a relação entre fé e razão. Em síntese, essência coincide com o seu próprio ser.
é possível dizer que sem a fé: a) poucos Contudo, a razão humana não está capa-
homens alcançariam o conhecimento de citada para vislumbrar tal coincidência
Deus; b) além de isto ocorrer com muita (p. 163). Interessante e clara é a explica-
dificuldade e através de tirocínio; c) por ção sobre o porquê o Verbum se aplica
fim, poucos seriam imunes a dúvidas e apenas ao Filho e, em paralelo, o motivo
falsidades. Já a razão pode prestar à fé de sua aplicação ao conhecimento inte-
os seguintes auxílios: a) para demons- lectual (p. 179-180).
trar os preâmbulos da fé; b) para esclare- Em outro subtítulo o professor ita-
cer algumas verdades de fé; c) para refu- liano discute a “existência de criaturas
tar aqueles que se opõem à fé (apologéti- formalmente necessárias”. Aqui tam-
ca) (p. 157-159). bém a sua explicação tem grande valor.
A obra segue o esquema neoplatôni- A distinção oferecida no início é funda-
co da imanência (livro I, que considera mental: Deus conhece necessariamen-
Deus em si mesmo); da processão (livro te todas as coisas, mas isso não signi-
II, sobre a derivação das criaturas a par- fica que as quer necessariamente (em
tir de Deus) e do retorno (livro III, acer- outras palavras, Deus é onisciente, mas
ca da tendência das criaturas em direção não é “onivolente”). A vontade de Deus,
a Deus como fim). Quanto a este último, embora imutável, preserva a contingên-
se aplica às verdades também alcançá- cia das coisas (movidas, aliás, por cau-
veis com o mero uso da razão. Já o livro sas segundas também contingentes).
IV e último versa sobre as verdades de Aqui se aplica o exemplo clássico: se
fé que transcendem a razão (p. 161). Sócrates corre, é necessário que ele cor-
Enquanto a Summa Theologiae possui ra; todavia, isso não significa que é per
um caráter mais estritamente teológico, se necessário que ele corra. E conclui:
a Summa contra gentiles possui um esti- “assim, se e somente se Deus quer uma
lo híbrido, isto é, teológico e filosófico coisa, ela acontecerá necessariamente,
(p. 162). sem que isso comprometa a contingên-
Seguindo esse plano, Tomás se con- cia intrínseca das coisas” (p. 182).
fronta naturalmente com o tema da exis- Considerando as criaturas do ponto
tência de Deus, através de um primeiro de vista do filósofo e do teólogo, enfati-
esboço das cinco vias. Neste particular za que o primeiro trata-as como são em
é interessante que o Autor recorde que o si mesmas e o segundo como são orde-
argumento anselmiano não tinha inten- nadas a Deus. Ademais, um dos pontos
ção de provar a existência de Deus, mas relevantes apontados nesse sentido é o
sim revelar a sua evidência (p. 163). Ora, fato de que a Summa contra gentiles já
como sabemos, para o Aquinate, Deus defenda a impossibilidade de se provar
é evidente em si mesmo porque a sua pela razão a criação do mundo no tempo

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 491
Resenhas

(ao contrário do que pensavam os fran- intelecto agente tampouco é uma subs-
ciscanos). Ademais, o tema do intrínse- tância separada; 9) a alma é criada junto
co imperativo da incorruptibilidade das com o corpo (p. 198-199).
substâncias separadas leva à negação do Ademais, no subtítulo “felicida-
hilemorfismo universal (p. 192). Encon- de filosófica e beatitude ultraterrena”,
tramos, por outra parte, a estrutura onto- Porro revela que seu autor defende que
lógica já enunciada no De ente: a) num a felicidade pertence principalmente à
nível inferior, nas substâncias corpóreas, esfera intelectiva (o amor para o Aqui-
existe uma dupla composição de potên- nate deriva necessariamente do conheci-
cia e ato: uma entre forma e matéria, que mento): “a felicidade última do homem
constitui a essência, e outra entre a pró- consiste na contemplação da verda-
pria essência e o ser; num nível superior, de” (p. 205). Ora, esta verdade consis-
as substâncias separadas admitem ape- te no conhecimento de Deus por essên-
nas uma composição, isto é, entre forma cia e, portanto, inalcançável nesta vida
(neste caso a essência) e o ser; c) Deus é (p. 210).
o único Ser que não possui qualquer tipo Este capítulo se encerra com a abor-
de composição (nem potencialidade) (p. dagem de outros escritos do perío-
195). Em seguida menciona a “impossi- do de estadia em Orvieto (1261-1265).
bilidade de uma multiplicidade numé- Para tomar uma obra como exemplo: o
rica de anjos de uma mesma espécie”, Comentário a Jó é “inteiramente dedi-
lamentando-se não poder se estender na cado a mostrar com raciocínios prová-
“extremamente fascinante” angelologia veis que os eventos humanos são guia-
tomista (p. 196). dos pela providência divina” (p. 214).
No subtítulo “alma e formação do Também nesta época compõe a famosa
embrião” é interessante notar o quan- Catena aurea, exposição contínua sobre
to algumas teses de antropologia e psi- os quatro Evangelhos, segundo o sis-
cologia já estão delineadas ex professo tema de glosa. O Autor revela um dado
no início da carreira acadêmica do Dou- impressionante para um escritor medie-
tro Angélico: 1) a unidade da alma; 2) a val: nesta obra são citados nada menos
alma é a forma substancial do composto que 57 padres gregos e 22 latinos, entre
humano; 3) não existe um intelecto pos- os quais alguns até então desconheci-
sível separado da alma; 4) tese esta con- dos no Ocidente. Outros escritos des-
trária às intenções do próprio Aristóte- te período são: Expositio super primam
les; 5) refuta teses “organicísticas” (de et secundam decretalem, De emptione et
Alessandro de Afrodísia e Galeno); 6) o venditione ad tempus, De articulis fidei
intelecto possível não é único para todos et ecclesiae sacramentis, Contra errores
os homens; 7) é inegável a admissibili- Graecorum e o De rationibus fidei.
dade de uma memória intelectual; 8) o

492 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

O quarto capítulo percorre os anos O Compêndio de Teologia é outro


sucessivos em Roma, durante os quais texto importante dos anos de docên-
elaborou a sua obra mais ilustre, a Sum- cia na Cidade Eterna. Esta síntese pode
ma Theologiae (1265-1268). No studium ser muito útil para acessar rapidamente
do Convento de Santa Sabina, o Aquina- as posições teológicas de São Tomás (p.
te ensinou praticamente sozinho (ou pelo 250).
menos não há notícia de outros mestres, As Questões disputadas sobre a
leitores ou bacharéis) (p. 224). Ao com- potência (De potentia) foram compos-
por o seu opus magnum para seus alu- tas verossimilmente em preparação para
nos, é provável que tivesse em vista cor- a redação da Summa. Porro salienta que
rigir a formação casuística, prevalente o poder do Sumo Ente apenas pode se
até então. dirigir ao ente (a tudo o que pertence
De grande relevância filosófica é o à ratio entis e não para aquilo que não
comentário ao De divinis nominibus pode ser ou o impossível). Nesse âmbi-
de Dionísio, composto também duran- to fica excluída a contradição: “portan-
te este período romano. Trata-se da pri- to, não pode fazer que a afirmação e a
meira obra significativa na qual o Aqui- negação sejam ao mesmo tempo verda-
nate dialoga diretamente com a tradição deiras, nem fazer que este tipo de impos-
platônica. De particular interesse e ori- sibilidade seja aplicado a algo” (q. 1, a. 3
ginalidade é o comentário sobre a beleza cit. in p. 252). Como já foi mencionado,
enquanto nome divino. Recorda os ele- não é que Deus não possa fazer certas
mentos fundamentais do belo, isto é, a coisas, mas que certas coisas simples-
consonantia e a claritas (neste caso, a mente não podem ser feitas em absolu-
integritas fica subentendida). Em com- to (defeito da potência passiva). Em sín-
paração com o bem, o belo “acrescen- tese, “a onipotência divina tem sempre
ta uma referência à faculdade cognos- como seu limite o princípio de não con-
citiva que diz respeito ao seu ser” (par. tradição” (p. 252). Nesse sentido, Porro
356, cit. in p. 247). Porro questiona a relembra que para Tomás há uma intrín-
razão pela qual o belo não seria mais seca impossibilidade de modificar o
aparentado com o verdadeiro (recorde- passado (ao contrário da tese de Pedro
-se que o belo é definido como id cuius Damião).
ipsa apprehensio placet). Esta questão Neste escrito também se encontram
foi omitida pelo Aquinate em razão de alguns princípios de grande valor para
ser alheia ao próprio pensamento dioni- a metafísica: “produzir algo do abso-
siano. Além disso, enfatiza um aspecto luto não ente pode ser possível somen-
interessante: o bem diz mais respeito à te pela sua potência infinita [de Deus]”;
causa final e o belo à causa formal (p. “o próprio ser é o mais comum, primei-
245-248). ro e mais íntimo de todos os outros efei-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 493
Resenhas

tos”; “no dizer ‘ser’ se compreende a sabe, todas elas partem dos efeitos para
atualidade de todos os atos e a perfeição remontar à Causa (ou seja, são argumen-
de todas as perfeições”; “no dizer ‘ser’ tos a posteriori). É sedutor o argumen-
compreendo a perfeição máxima”, etc. to de Porro: a segunda via não é senão
Em seguida, Porro dedica algumas uma reproposta da primeira, substituin-
páginas à Prima pars da Summa Theo- do a ideia do motor imóvel por aquela da
logiae. Cita o lúcido prólogo, no qual causalidade eficiente, com provável ins-
transcreve a forma literária pretendida piração de Avicena, pois Aristóteles pre-
por Tomás nesta obra: uma síntese cla- feria não separar a causa motriz da efi-
ra, breve e ordenada e não repetitiva. ciente (p. 272). Mais clara ainda é ins-
Menciona também o público a quem se piração do autor persa na terceira via.
dirige, a saber, os principiantes na teolo- Além disso, vale notar o surpreenden-
gia. De fato, como reitera o Autor, pare- te silêncio do Autor acerca da indiscu-
ce que o Aquinate estava desconten- tível inspiração neoplatônica na quar-
te com os manuais de seu tempo, muito ta via, sem a qual é impossível compre-
concentrados na casuística (p. 265-266). endê-la. Por outro lado, é mister concor-
Trata-se, pois, de uma simples introdu- dar com ele no sentido de que a quin-
ção à teologia. Mas uma introdução que ta via é a mais simples e a mais intui-
contém nada menos que 512 questões tiva (embora, como sabemos, para São
e 2.669 artigos...! No entanto, confor- Tomás esses títulos seriam reservados à
me pondera o Autor, o opus magnum do primeira via).
Aquinate jamais deve ser considerado Em prevenção a críticas, Porro recor-
“abstrato”. Antes, verifica-se nele uma da ainda que as provas das vias são
redação bastante compreensível, alia- gerais e não conduzem a Deus tal como
da a uma límpida linguagem. A Summa Ele é em si mesmo (na amplitude revela-
Theologiae também segue o menciona- da pela Sagrada Bíblia, por exemplo). A
do modelo tripartido de inspiração neo- passagem do Deus dos filósofos para o
platônica (exitus-reditus) nos moldes da Deus da Revelação deve incluir um pas-
Summa contra gentiles: trata inicial- so ulterior não contido, como é óbvio,
mente da ordem de Deus e sua criação no texto das cinco vias. Por isso, con-
(Prima pars), em seguida do movimen- clui: “As cinco vias (enquanto demons-
to da criatura em direção a Ele (Secunda trações quia) não têm a ambição de pro-
pars) e, por fim, sobre a via que recon- var diretamente, apesar das aparências,
duz a Deus, isto é, o próprio Cristo (Ter- que Deus é, o ser de Deus, mas somente
tia pars). o fato de que (a partir dos efeitos) exis-
De grande destaque são as famo- te uma causa primeira que podemos de
sas cinco vias da segunda questão da qualquer modo identificar com Deus”
primeira parte da Summa. Como se (p. 276).

494 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

Inserem-se na Prima pars as ques- niano com a teoria aviceniana do dator


tões sobre o conhecimento humano. De formarum, feito para coincidir propria-
grande utilidade é a síntese oferecida mente com Deus” (p. 294). De resto, tra-
nesta monografia a respeito do tão fala- ta do hilemorfismo, da diferenciação
do “realismo” tomista, diferenciando-o entre a alma humana e os anjos, além de
daquilo que se denominou “representa- questões fundamentais sobre o modo em
cionismo”. que ocorre a união da alma com o corpo
Outro livro que contém elementos (sem nenhuma forma intermédia) e da
filosóficos é o Sobre o reino, dedicado unicidade da alma (existe apenas uma
a um rei (até hoje desconhecido) de Chi- alma humana que é ao mesmo tempo
pre. Entre os temas tratados encontramos: racional, animal e vegetativa)
a dimensão intrinsecamente política do O professor italiano destaca ainda a
homem graças à faculdade de se utilizar questão 12, que pergunta se a alma coin-
da linguagem, os diferentes regimes polí- cide com suas potências; a questão 14,
ticos possíveis, a questão do tiranicídio e sobre o problema da imortalidade da
as condições naturais para a instituição alma, provada de modo filosófico gra-
de um reino (por exemplo: a disponibili- ças a suas propriedades; e a questão 16,
dade dos meios de subsistência). referente ao longo debate sobre a possi-
Já as Quaestiones de anima recons- bilidade de a alma, enquanto unida ao
troem alguns pontos fundamentais da corpo, conhecer as substâncias sepa-
antropologia do Aquinate (p. 290). Para radas. Menos problemática é a seguin-
Porro, revela-se que “é difícil encon- te questão, isto é, se as almas separadas
trar no pensamento ocidental um pen- podem conhecer as substâncias separa-
sador mais radicalmente antidualista das. Já a última se volta a uma intricada
que Tomás” (idem). Ou seja, na essência controvérsia, muito debatida no Medie-
do homem encontra-se a união de cor- vo: como é possível que a alma sepa-
po e alma, e a possibilidade da subsis- rada, privada do corpo e das potências
tência desta se funda em sua capacida- sensitivas, padeça das chamas do infer-
de de operar sem o concurso do corpo no? A solução, como faz notar o Autor,
(p. 292). Nesse sentido, também discor- é genial: “O fogo infernal não exerce o
re sobre a natureza do intelecto possível seu papel punitivo enquanto queima ou
e do agente, bem como acerca da ques- esquenta a alma, mas sim enquanto a
tão de sua unicidade, universalidade e ‘detém’, enquanto serve de algum modo
separabilidade. Nesse contexto se inse- de cárcere, contrastando o seu dese-
re ainda uma versão — mais frequen- jo natural: em suma, a alma sofre pelo
te entre os franciscanos — do chama- fato de estar subordinada a algo infe-
do “agostinismo platonizante”, isto é, “a rior a si, enquanto corpóreo, sendo, em
combinação do iluminacionismo agosti- contrapartida, destinada a estar uni-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 495
Resenhas

da a Deus na fruição beatífica. Desse que caracteriza o conhecimento como


modo, Tomás exclui toda forma de dor autêntica perfeição da alma, foi ocasião
física na alma por obra do fogo, substi- para um confronto mais explícito com a
tuindo-a pela tristeza interior que afli- psicologia averroísta. Como evidencia
ge a alma por estar retida contra a sua o Autor, o conceito do Doutor Angéli-
vontade, conservando ao mesmo tempo, co a respeito de Averróis se degradou da
em prol da ortodoxia, que o fogo infer- reputação de bom comentarista de Aris-
nal seja efetivamente corpóreo e a sua tóteles (como na Summa contra genti-
ação real” (p. 305). A doutrina tomis- les) a deturpador de sua doutrina, como
ta, que objetivava fugir da simples inter- se percebe pelas críticas em seus últi-
pretação metafórica do fogo do inferno, mos escritos, em particular no De unita-
foi duramente criticada e condenada por te intellectus.
seus adversários, inclusive por Tempier, O período da segunda regência de
Bispo de Paris (em duas ocasiões). Con- Paris (1268-1272) foi certamente o mais
tudo, os dominicanos não deixaram de profícuo da vida do mestre dominicano,
contra-atacá-los à altura. mas também o que mais envolveu con-
As Questões sobre as criaturas espi- trovérsias, sobretudo pelas constantes
rituais, disputadas na Itália entre novem- querelas entre o clero secular e as novas
bro de 1267 e setembro de 1268, tratam e pujantes ordens mendicantes. Basta
de alguns temas conexos às Quaestiones recordar os polêmicos De perfectione
De anima. De particular importância é a spiritualis vitae e o Contra doctrinam
oitava questão, que retoma a tese segun- retrahentium. Vale notar que mesmo
do a qual os anjos se diferenciam entre si no contexto teológico-exegético encon-
segundo a espécie, em virtude da ausên- tram-se elementos importantes para a
cia de matéria (princípio de individua- filosofia, como no Comentário ao Evan-
ção). Aqui também antecipa algumas das gelho de João, considerado uma “nova
demandas mais complexas tratadas pos- reorganização dos modos de alcançar o
teriormente de modo pormenorizado no conhecimento de Deus” (p. 315).
De unitate intellectus. As Questões disputadas sobre o mal
O comentário ao De anima abre um constituem um conjunto impressionante
novo gênero de escritos para Tomás, isto de 101 artigos para um tema bem deli-
é, os comentários a Aristóteles, preva- mitado. O mal é aqui interpretado em
lentes na segunda regência parisiense e base neoplatônica, isto é, como privação
nos últimos anos de sua vida acadêmica do bem. O mal sequer pertence à ordem
em Nápoles. Esta nova realidade foi pos- do ser, embora esteja sempre radicado
sibilitada graças às traduções do grego em um sujeito (jamais no Bem absolu-
para o latim realizadas por seu confra- to). O mal não possui de si a causa no
de Guilherme de Moerbeke. O escrito, bem, mas somente em modo aciden-

496 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

tal. Importante distinção é aquela entre diabo. De fato, a questão 16 é considera-


malum culpae e malum poenae. Eis a da um verdadeiro tratado de demonolo-
oportuna síntese do professor italiano: gia. Destaca-se ainda o tema do pecado
“Culpa e pena se diferenciam, portan- dos demônios e da sua influência sobre
to, em três aspectos. A culpa é o próprio os homens.
mal da ação, a pena um mal do agente; Insere-se também no segundo perí-
a culpa depende da vontade, a pena se odo de estadia em Paris a redação da
opõe a ela; a culpa está no agir, a pena extensa segunda parte da Suma Teológi-
está no padecer” (p. 322). Em seguida, ca. Porro põe em foco a faculdade ape-
Tomás examina o pecado (individual e titiva, “que torna o homem, enquan-
original). Para o Aquinate a imortalida- to livre, senhor de seus atos” (p. 335).
de é natural no homem, ao passo que a Dedica algumas páginas às paixões
morte e a corrupção lhe são contrárias, humanas e à sua distinção. Cabe res-
como consequência da culpa dos pri- saltar que o Autor recorda que, para
meiros pais. Esse tema conduz à abor- Tomás, “as paixões em si não possuem
dagem da responsabilidade humana nos ainda uma dimensão moral” (p. 340) e
atos, em particular sobre a escolha (elec- a importância que este dá ao amor, pois
tio), intrinsecamente relacionada com a “não há nenhuma outra paixão na alma
relação entre vontade e intelecto, bem que não pressuponha o amor” (I-II, q.
como a questão de qual deles seria supe- 27, a. 4, cit. in p. 341). Seguem as ques-
rior. Após pormenorizada explicação, o tões relativas aos princípios intrínsecos
Autor sintetiza: “O intelecto, como bus- do agir humano, em particular no que
ca pelo verdadeiro, é movido pela von- tange à prudência (no sentido da phró-
tade (e isso corresponde perfeitamen- nesis aristotélica). Nas palavras do pro-
te à liberdade de exercício); mas os bens fessor italiano, esta virtude é “o verda-
particulares, escolhidos pelo intelecto, deiro e próprio motor do raciocínio prá-
se encaixam no verdadeiro, e são, por- tico: ela busca aplicar os princípios uni-
tanto, subordinados, ao menos em par- versais pré-conhecidos (os fins) aos
te, ao processo cognoscitivo próprio do casos particulares e contingentes, deter-
intelecto. Em outros termos, se a vonta- minando o que se deve fazer, em vis-
de é aquilo que move o intelecto a ope- ta daqueles fins, em toda circunstância
rar, é também verdadeiro que a apreen- determinada” (p. 345). Também recorda
são do bem — um ato do intelecto — a sua natureza “híbrida”, pois é intelec-
precede a escolha volitiva. Se ainda se tual e moral (especulativa e prática).
quisesse atribuir um rótulo, se deve- A seguir trata sobre as virtudes
ria dizer que Tomás é um intelectualista morais in genere. O livro sublinha que
muito moderado” (p. 330-331). O escrito estas não são possíveis sem as virtu-
aborda em seguida os vícios capitais e o des intelectuais (ao menos o intelec-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 497
Resenhas

to e a prudência), enquanto que o con- tética não somente para redigir o pró-
trário não ocorre (à exceção da própria prio comentário a esta obra, mas tam-
prudência). Parte importante da Summa bém com vistas à elaboração da Secun-
para a filosofia é o tratado sobre a lei, da Secundae, como se pode perceber
como princípio externo do agir humano pelos temas conexos: “racionalidade do
(do ponto de vista estritamente sobrena- agir humano, papel moralmente neu-
tural encontra-se a graça). De particular tro das paixões, construção de uma éti-
valor é a precípua contribuição do Aqui- ca fundada sobre as virtudes como hábi-
nate à teoria da lei natural. Contudo, não tos ou disposições que inclinam a deter-
podemos concordar com Porro no senti- minados atos” (p. 363).
do de que, “por causa de possíveis impe- De menor importância são as ques-
dimentos oriundos das disposições natu- tões disputadas Sobre a virtude e Sobre
rais”, a lei natural se “registra na maior a união do Verbo encarnado, a respei-
parte e não na totalidade dos casos” (p. to das quais Porro dedica apenas duas
353-354). A razão de nossa opinião é for- páginas.
necida pelo próprio Aquinate: tais prin- As questões Quodlibeta I-VI e XII
cípios inatos (do ponto de vista especu- abarcam também o período da segun-
lativo ou prático) sempre existem, embo- da estadia em Paris. Os temas são bas-
ra, às vezes, simplesmente não podem tante variados, o que desfavorece na
passar ao ato (cf. S. Th., I, q. 84, a. 7, realização de uma abordagem unitá-
co.). Tomás segue, sem dúvida, o axio- ria. Contudo, Porro consegue ainda ofe-
ma aristotélico: “principia semper opor- recer alguns pontos fundamentais de
tet manere” (Phys. I, 6, 189a19-20). intercâmbio de temas, tais como o agir
A segunda parte da segunda parte da humano e a angelologia (em particular,
Summa é especialmente extensa, pois a operação dos anjos). O Quodlibet I (q.
trata de uma análise minuciosa de casos 7, a. 2) excogita uma pergunta peculiar:
particulares de virtudes e vícios, cujo “Se alguém deveria abandonar o estudo
exame detalhado seria impossível para a da teologia, mesmo sendo capaz de ensi-
presente resenha. Entre os temas desta- nar aos outros, para se dedicar à salva-
cados pelo Autor está o direito, a justiça, ção das almas”. A resposta se baseia no
a guerra justa e o primado da vida con- princípio segundo o qual aqueles que
templativa. dirigem ou guiam um trabalho possuem
É plausível que o Aquinate tenha um papel superior na ordem das coi-
decidido comentar a Ética a Nicômaco sas do que os que operam manualmen-
de Aristóteles neste período para se te (como o arquiteto em comparação ao
aprofundar no campo da moral. Por- pedreiro). De modo análogo, “no edi-
ro sintetiza o quanto o Doutor Angéli- fício espiritual — defende São Tomás
co se nutriu da filosofia prática peripa- — é melhor ensinar a sagrada doutrina

498 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

(sacra docrina), e mais meritório, se se Já no campo da filosofia racional,


age com boa intenção, do que dedicar-se Tomás comenta diversos tratados aris-
em particular à salvação deste ou daque- totélicos, seguindo a clássica divisão
le” (cit. in p. 368). tripartida dos atos do intelecto. Tam-
A seguinte secção deste capítu- bém aqui Porro é compelido a sinte-
lo quinto trata sobre os demais comen- tizar o tema. Vale notar que o Aquina-
tários aos livros aristotélicos. É notável te, no comentário ao De interpretatio-
nestes textos o quanto Tomás revela os ne, se pergunte por que a verdade se
seus dotes de comentarista, com gran- encontra propriamente no segundo ato
de respeito à intentio auctoris, embo- do intelecto. Mais uma vez segue a Aris-
ra jamais despreze a veritas (i.e. como tóteles quanto à dupla perspectiva do
são as coisas de fato), por intermédio “ser”, isto é, em sentido existencial (p.
de uma insigne seriedade científica (p. ex.: “Sócrates é”), ou aquele predica-
372-373.379). Os comentários se divi- mental ou de cópula (p. ex.: “Sócrates
dem em duas modalidades: as senten- é branco”). Ademais, trata da questão
tiae (de matriz literal e pouco analíti- dos futuros contingentes, tema comple-
ca) e aquelas em forma de expositio ou xo que o Autor revela dominar. Quanto
quaestiones, que indicam precisamente ao comentário aos Analytica posteriora,
o contrário. É provável que a preocupa- interessante é o que sugere Porro a res-
ção dominante nestes comentários fosse peito dos princípios evidentes.
tornar o Estagirita acessível aos latinos, Ademais, o livro alerta acerca da
seguindo as trilhas de seu mestre Alber- impossibilidade de uma pormenoriza-
to Magno. De particular interesse na ção da meticulosa análise do Aquina-
obra é a sinalização das passagens em te a propósito da Metafísica aristotéli-
que o Aquinate segue o Commentator ca. O problema do sujeito (subiectum)
por antonomásia (Averróis) e nas quais, da metafísica é discutido sobretudo no
em realidade, se distancia (em especial prólogo, de modo paralelo ao exposto no
no comentário à Física). Comentário ao De Trinitate de Boécio.
Quanto à Física: trata do ente em Enquanto todas as demais ciências pos-
movimento in genere e os demais livros suem um sujeito determinado, a metafí-
de filosofia natural tratarão de alguns sica é a única que trata do ens commu-
setores deste âmbito. Digno de nota ne. Também recorda que todas as ciên-
é o fato de que Tomás insira o De ani- cias e artes são ordenadas a um úni-
ma — como o faz, aliás, Aristóteles — co fim, isto é, a felicidade (beatitudo)
no âmbito específico da filosofia natu- e o papel do sábio é propriamente orde-
ral, embora a psicologia possua, é claro, nar (sapientis est ordinare). Esta ciên-
relações com a ética e a metafísica. cia também é chamada de: “ciência divi-
na”, por se dedicar às substâncias sepa-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 499
Resenhas

radas; “metafísica”, por se dirigir às coi- do a Aristóteles. Note-se que o Aqui-


sas que sucedem além da realidade físi- nate segue a sua doutrina da causalida-
ca; e “filosofia primeira”, porque se vol- de, com reinterpretações, em particu-
ta às causas primeiras do ser. Utilíssima lar quanto à proposição 4 (prima rerum
é a focalização do tema da predestina- creatarum est esse) e à proposição 9
ção a partir da teoria do triplex gradus (causae primae non est yliathim). O
causarum. outro livro em questão é o Comentário
O Comentário à Política — infeliz- ao De ebdomadibus de Boécio, redigido
mente bastante incompleto — não ofe- à maneira de exposição literal. O pon-
rece uma perspectiva cabal sobre a teo- to auge da análise tomista é certamen-
ria política tomista, certamente melhor te a distinção entre esse (ser) e id quod
reconstruída a partir de obras como o est (aquilo que é), embora a obra boecia-
De regno e a própria Summa. Ademais, na se dedicar em específico a apurar se
não pode ser considerado um escrito as coisas boas finitas são boas em base à
com marcantes traços de originalida- sua própria substância ou por participa-
de. Tomás é fiel a Aristóteles quanto à ção. Tomás, por sua parte, se inspira em
premissa de que o homem é um animal Aristóteles para interpretar este particu-
político e que a vida social ocorre por lar desta obra neoplatônica.
intermédio da linguagem. A Carta à duquesa de Flandres ver-
Como já se registrou, alguns dos sa em específico acerca da assim cha-
comentários às obras do Estagiri- mada “questão hebraica”, no sentido da
ta tinham como provável objetivo, ain- maneira adequada de tratar os hebreus
da que secundário, auxiliar na redação na sociedade. É lamentável que esta obra
de obras teológicas. Por certo, na óti- já tivera a injusta e anacrônica pecha de
ca tomista, o bom teólogo também deve ser “antissemita”... Na realidade, Porro
ser versado nas ciências profanas para evidencia que Tomás é contra, por exem-
a adequada realização de seu ofício (p. plo, o batismo forçado de crianças filhas
402-403). de pais hebreus, não só pelo perigo para
O Doutor Angélico também comen- a fé, mas porque esta ação seria inclusive
tou outras duas importantes obras não contrária à própria justiça social.
aristotélicas em sua segunda estadia em Além dessas obras, registra o Autor:
Paris. A primeira foi o Liber de causis, “Durante os últimos anos de seu ensino,
de autoria desconhecida, embora cir- entre Paris e Nápoles, Tomás compôs
cunscrita ao âmbito da filosofia de lín- diversos outros opúsculos em respos-
gua árabe do círculo de al-Kindi (795- ta às solicitações provenientes dos con-
865ca.). Tomás foi o primeiro a reco- frades, amigos e outros interlocutores,
nhecer a herança procliana deste escri- sobre temas os mais díspares” (p. 421).
to, antes equivocadamente credita- O Doutor Comum se revela não somen-

500 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

te como autoridade em matéria teológi- favor da filosofia, mas ainda mais pelo
ca, mas também na esfera filosófica e interesse da própria fé” (p. 438).
científica, ao responder, por exemplo, a Além disso, Tomás tomou parte em
um “cavaleiro ou soldado transalpino” polêmicas distintamente filosóficas
sobre “As operações ocultas da nature- (sem evitar conexões teológicas), como
za”. Sobre o insólito tema da influência se testemunha pelos opúsculos De uni-
dos corpos celestes nos acontecimentos tate intellectus e De aeternitate mun-
sublunares, encontra-se outro opúsculo, di. Dois aspectos relevantes apontados
a saber: A consulta dos astros. Paralelo pelo Autor em ambos escritos: em pri-
a este tema é o De sortibus, sem dúvida meiro lugar, a denúncia de erros que con-
um dos mais singulares da opera omnia trastam com a intenção de Aristóteles e,
tomista, pois pretende responder acer- em segundo lugar, a rejeição à pretensão
ca da licitude de tirar a sorte com vistas de se demonstrar o indemonstrável. Isso
a auxiliar numa determinada escolha. se verifica na impossibilidade de provar
Outros dois pequenos escritos de menor filosoficamente a criação temporal do
relevância são o De mixtione elemento- mundo, ou ainda, pelo abandono de cer-
rum e o De motu cordis. tas teses, por parecem à primeira vista
O mestre dominicano também ofere- absurdas (revela-se aqui, ademais, a sua
ce pareceres e respostas de natureza teo- honestidade intelectual).
lógica com fundo filosófico: um pare- O objeto de discussão do primeiro
cer sobre a fórmula de absolvição e as escrito polemista é a unidade do intelec-
ditas respostas a 36 artigos e a 43 arti- to possível, tema já discutido anterior-
gos. Para compreender o seu valor, bas- mente. Certas passagens chegam a pos-
ta citar a conclusão do professor italia- suir tons “duros e até mesmo violentos”
no: “Longe de serem textos para a oca- (p. 440). A prova oferecida se concentra
sião, de importância marginal, as Res- em demonstrar que a doutrina averroís-
ponsiones repropõem assim com grande ta — na realidade o que interpretavam
clareza dois aspectos essenciais do pen- certos autores a respeito dela — se opõe
samento tomasiano: a grande confiança neste particular à própria letra aristoté-
no curso ordenado da natureza, que liga lica. O Aquinate não hesita em apodar
Tomás à tradição peripatética greco-ára- Averróis de “depravador” de Aristóteles
be e deixa pouco espaço para aquilo que e investir contra o mestre secular Sigieri
as substâncias separadas poderiam fazer de Brabante, por este nem sequer conhe-
além desse próprio curso, e a reinvin- cer a doutrina e a tradição peripatéti-
dicação da plena e rigorosa autonomia cas. A síntese da argumentação tomis-
entre a doutrina da fé e a filosofia — ta é oferecida no livro, baseando-se em
autonomia a preservar não somente em três argumentos principais: 1) mostran-
do que a união do intelecto ao homem

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 501
Resenhas

ocorre pela própria natureza de animal O último capítulo se dedica ao pos-


racional, e não pela sensibilidade ou por tremo período acadêmico, em Nápo-
um suposto intelecto separado; 2) pensar les, acrescido de alguns elementos sobre
em ato significa apenas que o intelecto o legado do Doutor Angélico. De volta
possível é informado pela species inte- à Itália, dedica-se à redação da tercei-
ligível (enquanto pensada), ao passo que ra parte da Summa e completa outros
o fantasma se encontra apenas no âmbi- comentários a Aristóteles. Trata-se, sem
to da potência; 3) a species tampouco dúvida, de um período menos profícuo
é aquilo que se pensa, mas o meio pelo do ponto de vista literário. Isso ainda é
qual se conhece, conquanto o intelecto é mais manifesto após o fim de 1273, perí-
aquilo que conhece. Por fim, vale subli- odo durante o qual se presume que tenha
nhar que a identidade de conteúdos das experimentado um rapto místico, após o
coisas conhecidas não requer a unicida- qual exprimiu: “Tudo o que escrevi me
de dos intelectos pensantes. No segun- parece palha”. Depois de contemplar
do opúsculo (Sobre a eternidade do realidades tão sublimes, não fazia mais
mundo) o Aquinate levanta a questão da sentido ao Santo Doutor continuar a ela-
não contradição de pensar que o mun- borar novos escritos, embora talvez não
do tenha sido criado desde toda a eter- o pudesse evitar (certamente com ain-
nidade, embora reconhecendo que, pela da mais inspiração!), como foi o caso do
Revelação, isso ocorreu no tempo. célebre hino Adoro te devote, cuja reda-
Outro escrito importante desse perí- ção teria sido realizada do próprio lei-
odo é o De substantiis separatis. Nele to de morte em Fossanova, onde veio a
se revela a grande maturidade da obra falecer a 7 de março de 1274.
de Tomás, em particular por sua sábia Após seu transcurso terreno, Tomás
reflexão a respeito das diversas escolas continuou a ser objeto de duros ataques,
de pensamento. O Doutor Angélico cri- sobretudo por parte de teólogos fran-
tica tanto o platonismo pela admissão de ciscanos, mas também de seus confra-
universais separados, mas também não des (como Roberto Kilwardby, bispo de
se exime em condenar o aristotelismo Cantuária), além do próprio Tempier,
pela substancial negação da existência bispo de Paris. A resposta dominica-
dos demônios, além de postular a estri- na não tardou em chegar — e com vee-
ta ligação entre o número de substân- mência —, através de um original gêne-
cias separadas e os movimentos celes- ro literário: as ditas “correções da cor-
tes. Ademais, aponta as doutrinas em rupção” (correctoria corruptorii). Nesse
que Platão e Aristóteles estão de acor- sentido, os primeiros tomistas poderiam
do no assunto das substâncias separadas bem ser definidos como “defensores de
como, por exemplo, o erro em defender Tomás”. Por outro lado, vale mencionar
a sua criação ab aeterno. que as obras do Aquinate encontraram

502 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

adeptos até mesmo no mundo hebraico Em suma, a abordagem de Tomma-


e bizantino (poucas evidências entre os so d’Aquino facilita perceber a evolu-
maometanos). Três fatores consolidaram ção do pensamento do Aquinate ao lon-
sua fama no mundo católico em perío- go dos anos de produção literária. De
dos distintos: sua canonização em 1323, fato, a intenção de Porro é descortinar
a proclamação como Doutor da Igreja um horizonte vasto, embora sem preten-
em 1567 e, por fim, a encíclica Aeterni sões exaurientes, mas sempre proporcio-
Patris de 1879. nal à envergadura do autor tratado. Ao
O livro também é nutrido por uma mesmo tempo não se limita a seguir um
ótima bibliografia e uma cronologia sin- sistema estanque e infértil. De fato, a sis-
tética da vida e da obra de São Tomás. tematização da obra de um autor numa
É desfechado por um índice de nomes, monografia há de ser utilizada em favor
o qual poderia ser combinado com um da verdade, jamais para servir a ideolo-
eventual e bastante útil índice de temas. gias preconcebidas. E isso Porro o reali-
Pode-se afirmar, sem hesitação, que zou com maestria ímpar.
esta erudita e ao mesmo tempo acessí-
vel obra é recomendada tanto para lei- Felipe de Azevedo Ramos, EP
tores neófitos quanto para os mais avan- (Professor – IFAT)
çados. Não seria exagerado afirmar que
ela seria quase indispensável para o estu-
do da filosofia do mestre dominicano na
atualidade.
LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Mensageiros de Deus: Profetas e Profecias no
Antigo Israel. Rio de Janeiro: Reflexão, 2012, 156p. ISBN: 978-85-61859-52-7.

A fim de enriquecer o vasto estu- Sagrada Escritura da PUC-Rio e do Insti-


do teológico das Sagradas Escrituras, a tuto Superior de Teologia da Arquidioce-
PUC-Rio traz a lume mais uma preciosa se do Rio de Janeiro.
obra. Visa ela, de modo claro e objetivo, Os escritos proféticos do Antigo
oferecer noções básicas sobre as pessoas Israel foram muito estudados e apro-
que serviram de instrumento de Deus fundados por diversos autores, entre os
para levar a mensagem de Salvação ao quais os Padres da Igreja, além de serem
povo de Israel. A obra é de proveito a lei- amplamente citados pelo Magistério. A
tores interessados nos escritos proféticos. Autora analisa os livros proféticos do
A Autora é licenciada em Educa- Cânon Bíblico Católico do ponto de vis-
ção pela PUC-Rio e Doutora em Teolo- ta teológico e espiritual.
gia Bíblica pela Pontifícia Universidade No capítulo inicial aborda alguns
Gregoriana de Roma, além de docente da assuntos esclarecedores para a com-

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 503
Resenhas

preensão do tema. Com efeito, entendi- gado por volta de 315 vezes. Esclarece
dos os conceitos de Profecia, Profeta e também o significado do termo hebrai-
Livro Profético, já se delineia o percurso co nabi, utilizado de diversos modos, tais
pretendido pela Autora. como “nomear ou chamar” ou comportar-
Sob o ponto de vista etimológico, é -se como profeta, embora o sentido básico
possível entrever as riquezas da missão seja o de atuar em modo profético. Diver-
profética. Lê-se na página 13: “O vocá- sos outros termos são atribuídos à voca-
bulo [profeta] provém do grego προφήτης ção do profeta: ‫( חזה‬Hozeh) visionário;
(prophétes), composto pela raiz do verbo ‫( ראה‬Roeh) vidente; ‫‘( אלה׳ם(ה) איש‬Is (ha)
φημί (phemí: falar, declarar) e pelo pre- ’elohim) homem de Deus; ‫( קסם‬Qosem)
fixo προ- (pro). A partir dos significa- adivinho.
dos deste último, ‘profetizar’, em si, pode A análise de cada escrito profético nos
significar: -falar antes de, vaticinar, pre- ajuda a conhecer o seu particular contex-
dizer, interpretando προ- no sentido de to histórico, bem como a razão de seus
anterioridade temporal; -falar diante de oráculos. Assim, a Autora recolhe vários
alguém, com προ- considerado em seu documentos sobre os profetas, decom-
sentido espacial; -falar em lugar de, em pondo-os seja em forma de tabela ou tex-
nome de alguém (terceira possibilidade to corrido, de modo claro e acessível.
de sentido do prefixo)”. Lima também esclarece que a maioria
Após elucidar os conceitos basila- dos profetas clássicos da Bíblia não per-
res, o capítulo segundo se dedica a reve- tenceram a uma instituição profética, pois
lar como o fenômeno profético não se res- foram chamados individualmente por
tringia somente a Israel, pois se estendia Deus e por ele enviados. Mesmo assim
também às nações vizinhas no Oriente foram pilares fundamentais da socieda-
próximo. Com base em exemplos, como de israelita.
o do estrangeiro Balaão, demonstra sua O profeta é chamado por Deus em
posição com diversos textos das Sagradas situações as mais variadas, e dotado por
Escrituras, bem como seus comentários. Ele do dom de profecia para guiar o povo.
Contudo, o profetismo em Israel adquiriu Verdadeiros pilares da nação, foram res-
um simbolismo sem precedentes. ponsáveis pela fidelidade dos israelitas ao
O capítulo seguinte focaliza o fenôme- Senhor.
no profético em Israel. Todos os aconteci- O capítulo quinto versa sobre a parte
mentos daquele então estavam direciona- literária dos textos proféticos, bem como
dos por um profeta. Também aborda cer- a formação dos livros. Como eles atra-
tas características específicas de alguns vessaram mais de dois milênios e chega-
profetas. ram até nós? Só pode ser explicado por
Como evidencia a Autora, o termo um profundo interesse do povo de Israel
profeta no Antigo Testamento é empre- em custodiar tal preciosidade. Com efei-

504 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

to, guerras e catástrofes não foram capa- O último capítulo aborda a “Mensa-
zes de apagar as diretrizes de Deus para gem de Salvação na profecia Bíblica”.
com a sua Nação Santa. Dando à palavra “salvação” um cará-
Um pequeno quadro da página 96 nos ter fundamental não só nos escritos pro-
esclarece acerca da formação dos livros féticos, mas também em toda a Sagrada
proféticos: Profeta → Palavra concreta Escritura, assim se expressa: “Neste con-
→ Discípulos: recordação da palavra texto, chama a atenção que, no início do
ouvida → transmissão oral e escrita século II a. C., ao sintetizar a história de
→ colocação por escrito em pequenas Israel, o livro do Sirácida refira-se aos
coleções → reelaborações → formação profetas como anunciadores de consola-
de coleções maiores → reelaborações ção: Isaías, ‘com o poder do espírito, viu
maiores → escrito final. o fim dos tempos, consolou os aflitos de
Para um bom estudo exegético-bíblico Sião’ (Sir 48, 24); Ezequiel ‘favoreceu os
é importante o conhecimento dos gêneros que seguiam o caminho reto’ (Sir 49, 8);
literários respectivos. Nesse sentido, eis os doze profetas ‘consolaram Jacó, res-
alguns esquemas oferecidos pela Autora: gataram-no na fé e na esperança’ (Sir 49,
Gêneros oraculares → Oráculos de juízo 10b) e mesmo Jeremias foi consagrado
→ Oráculos de salvação → Exortações e por Deus não só ‘para erradicar, destruir
admoestações. Ou ainda: Gêneros narra- e arruinar, mas também para construir e
tivos → Relatos de visão → Relatos bio- plantar’ (Sir 49,7; cf. Jr 1, 10)” (p. 136).
gráficos → Relatos de ações simbólicas. Construir e plantar o quê? Trata-se
O tema do Juízo ocupa papel relevan- aqui de uma restauração. Esta ocorreria
te no profetismo bíblico, pois se trata de tanto na ordem física quanto espiritual,
uma expressão da justiça divina. O sex- ou seja, restauração da terra, das institui-
to capítulo oferece uma explanação sobre ções, das nações estrangeiras.
este tema. Recorda como o texto bíbli- Embora seja frequente, em diferen-
co se utiliza de recursos proféticos para tes períodos, a infidelidade do povo de
simbolizar a justiça de Deus, através de Israel — por culto a ídolos ou aposta-
elementos da natureza como “tempesta- sia, por exemplo —, a misericórdia do
de, furacão, chuva e granizo, terremoto, Senhor sempre se fez presente. Ele nun-
fogo” (p. 115). A maioria dos impropérios ca perdeu a esperança naquela nação elei-
divinos, se assim o podemos chamar, é ta. Ora, este tema foi reforçado pelos pró-
invocada sobre o povo de Israel. Note-se, prios profetas ao predizer que os oráculos
por fim, que Deus advertia o povo trans- se cumpririam no Messias. De fato, sabe-
viado a retornar ao bom caminho, servin- mos que todos os profetas possuem este
do-se de misericórdia mesmo na realiza- denominador comum em suas profecias:
ção do castigo. a Salvação de Israel e a Restauração do

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 505
Resenhas

Reino. Eis um tema que poderia ser mais fim, Zacarias prevê a entrada do Justo
explorado pela Autora. em Jerusalém montado em cima de um
Não é sem razão que muitos profetas simples potro, e Miquéias, que da cidade
foram prefiguras do próprio Messias em de Belém viria o Salvador.
determinados momentos de sua vida. A obra é repleta de exemplos e de lei-
Jeremias se assemelhou a Cristo de tura agradável. Para um estudo exegéti-
modo particular por seus sofrimentos co-bíblico possui, ao contrário de outros
devido à acirrada perseguição por parte mais especializados, um vocabulário
dos membros do sinédrio. Ora, isso se acessível, objetivo e claro. Serve muito
acentuou de tal maneira que quase o bem, pois, como introdução aos profetas
mataram no interior do próprio Templo. do Antigo Testamento.
Já o cântico de Isaías sobre o Servo de
Javé testemunha diversos passos da Alejandro Javier de Saint Amant
Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por (Professor – ITTA)

ALETTI, Jean-Noël. New Approaches for Interpreting the Letters of Saint Paul.
Trad. Peggy Manning Meyer. Rome: Gregorian & Biblical Press, 2012. 403p.
ISBN: 978-88-7653-660-1.

La obra del jesuita Jean-Nöel Aletti, En cuanto al estilo, muchas par-


profesor de exégesis del Pontificio Insti- tes presentan características de un aula
tuto Bíblico de Roma, se basa en diver- universitaria, pues, lejos de ser un tex-
sos ensayos de otros autores relevan- to meramente informativo, el autor reve-
tes para desenvolver una amplia exége- la una marcada preocupación por hacer-
sis de las cartas de San Pablo, resaltan- se didáctico, exponiendo las materias de
do sus aspectos retóricos, soteriológi- manera puntual y sin divagaciones inne-
cos, cristológicos y eclesiológicos. Se cesarias. Este carácter expositivo, dialo-
trata de una publicación de gran utili- gado e interpersonal, es sin duda lo que
dad por ofrecernos una visión moderna muchos estudiantes de teología buscan
del estudio del Nuevo Testamento; una con frecuencia, razón por la cual, consi-
compilación de artículos o capítulos de dero su lectura muy provechosa.
libros escritos ahora traducidos al inglés La metodología utilizada es también
por solicitación de sus alumnos. La obra algo digno de nota. Es frecuente el uso
busca presentar de manera sintética el de esquemas, tablas y anotaciones que
pensamiento epistolar paulino, pero sin ayudan a mantener la secuencia lógica
dejar de ser analítico, siempre con nue- en los debates y confrontes que son pre-
vos emprendimientos en el campo de la sentados en el texto. En algunos casos,
exégesis bíblica. son inseridas también frases completas

506 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

en el original, a fin de convidar al lec- amados”, “queridos”, “mis niños”, “mis


tor a comprender mejor las palabras del pequeños” o diciéndoles que los “lleva a
Apóstol según el significado inicial que todos en el corazón” (p. 12).
él mismo quiso darles. A diferencia de algunos comentaris-
En cuanto al contenido, la obra está tas que afirman que el Apóstol se dirigía
formada por quince capítulos en los ora inspirado por la mentalidad judía ora
cuales son analizadas diversas cartas de por la griega, Aletti enfatiza que ambas
San Pablo, específicamente, a los Roma- mentalidades operaban en él al mismo
nos, Gálatas, Corintios, Colosenses y tiempo. También por más que el judaís-
Efesios, dando especial interés en cada mo de aquel entonces estuviese altamen-
una de ellas a algún pasaje específico, te influenciado por la cultura helénica,
la mayoría de las veces controversial o los comentarios paulinos siempre busca-
aparentemente ambiguo. Cabe resaltar ban integrar “ambos mundos”, citando
que el autor ofrece no sólo un análisis autores que no eran específicos de una
exegético de las cartas del Apóstol, sino literatura en concreto — clásica o judía
también lingüístico, tomando en consi- — haciéndose comprensible por creyen-
deración los diversos recursos estilísti- tes de diversos orígenes (p. 21).
cos que pueden vislumbrarse en ellas, Uno de los aportes más sobresalien-
tales como metáforas, hipérboles y otras tes de la retórica de San Pablo es, según
expresiones de carácter parenético. lo indica el Autor, el de haber inverti-
En el primer capítulo, tal vez el más do sus leyes convencionales. En contra-
importante, Aletti desenvuelve la dispo- posición al modelo habitual de oratoria,
sitio de las cartas del Apóstol, es decir, esto es, de decir aquello que los oyentes
las técnicas retóricas aplicadas en sus esperan oír, San Pablo introdujo un nue-
misivas en función de sus diferentes vo criterio, modificando de esta mane-
destinatarios. Nos presentan ellas un ra las reglas del “juego retórico” (p. 35).
carácter bien variado y flexible: algunas Lo esencial es predicar la verdad por
son breves mientras que otras son más entero, tal cual ella es, independien-
extensas, el lenguaje en unas es suave temente de si agrada o no. Actitud que
mientras que en otras es más rígido, etc. implica en muchos casos, ser mal visto
En líneas generales, pueden ser agrupa- o hasta incluso rechazado. Aún así, San
das en dos bloques: las que buscan atraer Pablo, que tenía muy presente la necesi-
la atención del lector y las que visan dad de anunciar a Jesucristo a todos los
hacer comprender mejor la argumenta- pueblos, continuó su acción misionera
ción presentada en el texto. Ejemplos de divulgando aquello que para los judíos
técnicas persuasivas pueden ser encon- o griegos pudiese parecer necedad e
trados en algunas expresiones referen- insensatez (cf. 1Co 23-25).
tes a sus destinatarios, tales como: “bien

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 507
Resenhas

En el segundo capítulo, el autor resal- no identificó explícitamente quiénes


ta la importancia de la Gezerah shawah son los “fuertes” y los “débiles”, nada
en los escritos de San Pablo, es decir, de hay que impida a los exegetas de inter-
uno de los treinta métodos clásicos del pretar de diversos modos estas designa-
Midrash que consiste en tomar dos ver- ciones (p. 178). Algunos defienden que
sos de la Escritura y comparar las pala- estas palabras hacen alusión a la socie-
bras de ambos para aclarar una posible dad jerárquica romana, otros, por el con-
ambigüedad, especialmente de carácter trario, se inclinan a interpretar ambas
legal. Aletti hace referencia al paralelis- palabras como modos de designar a los
mo que San Pablo establece en Rom 4 judíos y cristianos, entre los cuales rei-
entre Gen 17, 9-14 y el Salmo 32 en los naba un clima de mucha tensión. Lue-
que aparentemente hay una contradic- go de varias explicaciones, el Autor con-
ción, pues, mientras que en el Génesis cluye que no es posible restringir el sig-
se ordena la práctica de la circuncisión nificado de ambas palabras a un pro-
en señal de fidelidad a la Alianza esta- blema concreto de aquel entonces, sino
blecida con Abrahán, en el Salmo 32 se más bien, que lo que San Pablo busca-
deja entender que lo que realmente une ba era presentar un ejemplo que pudie-
al hombre con Dios no es la Ley en sí se ser aplicado a todos los tiempos, de
misma sino la justificación por la fe (cf. modo que inclusive en los días de hoy,
Rm 5, 1-2). El Autor concluye este capí- dicho pasaje pudiese ser aprovechado.
tulo mostrando que el uso de la Gezerah Así, pues, lo que el Apóstol quería era
shawah en las cartas paulinas, si bien no exhortar a los fieles a mantener la uni-
pueda considerarse la técnica exegética dad eliminando las barreras que separan
más utilizada por él, le ayudó, eso sí, a unos de otros (p. 190).
desmentir elegantemente muchas obje- El capítulo VIII trata de una de las
ciones de los judaizantes, como esta que grandes paradojas de los escritos pauli-
acabamos de ver (p. 60). nos, o sea, el versículo de la carta a los
Los capítulos III a VII continúan a Corintios en la cual dice Cristo “se hizo
tratar de la epístola a los Romanos. En pecado” (2Cor 5,21). Los capítulos IX
el último de ellos, el autor analiza un y X versan sobre la epístola a los Gála-
pasaje de esta carta (14,1-15,6) en el que tas. Ya los dos siguientes tratan respec-
San Pablo trata a respecto de la relación tivamente del estatuto de la iglesia y de
entre los “fuertes” y “débiles”, a fin de la sabiduría y misterio en los escritos en
señalar cómo es posible extraer más de general.
una interpretación incluso de pasajes Los capítulos XIII y XIV se cen-
que han sido objeto de numerosas inter- tran en la epístola a los Colosenses. En
pretaciones unilaterales como este. Ale- específico, este último pone en realce el
tti explica que una vez que San Pablo carácter cristocéntrico de la predicación

508 Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509
Resenhas

paulina. Este aspecto es ilustrado por la exégesis paulina. Además, sus comen-
la metáfora del cuerpo humano, la cual tarios toman en consideración el status
partiendo del principio de que así como quaestionis de cada uno de los temas
la cabeza no puede separarse del cuerpo, en diálogo con las novedosas teorías de
los cristianos también deben mantener- autores contemporáneos (más de ciento
se unidos por ser todos ellos miembros cincuenta, lo cual constituye una exce-
del Cuerpo Místico de Cristo. Median- lente bibliografía). No sin motivo el títu-
te este ejemplo, San Pablo establece las lo de la obra es “New Approaches” es
bases del relacionamiento intraeclesial, decir, “nuevas contribuciones” o “nue-
fundamentado exclusivamente en la per- vos enfoques”.
sona de Cristo (p. 349).
Es digna de nota la gran coheren- Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP
cia de los temas y organización gene- (Professor – ITTA)
ral de la obra, a pesar de ser una com-
pilación de textos. Aletti demuestra en
todos capítulos un excelente dominio de

Lumen Veritatis  -  vol. 9 (3-4) - n. 36-37 - Julho a Dezembro - 2016, p. 487-509 509
Índice Geral - vol. 9 - 2016

Editoriais
n. 1 ............................................................................................. 5
n. 2 ......................................................................................... 257

Artigos
Aranda, ep, Leonardo Miguel Barraza. Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3;
Flp 4, 4-7............................................................................259-312
Araújo, ep, Marcos Faes de. O gozo estético e seu contributo ao aperfeiçoamento
moral do homem, na perspectiva de São Tomás de Aquino.................7-86
Bandet, ep, François. L’intention apologétique de Maurice Blondel.......425-455
Campos, ep, Juliane Vasconcelos Almeida. O sensus pulchrum: chave da rela-
ção com o Absoluto...............................................................87-123
Jakosch Ilija, ep, Antonio. Notas sobre la tesis de la luz primordial según
Plinio Corrêa de Oliveira........................................................389-424
Ramos, ep, Felipe de Azevedo. O desejo de Deus sob a perspectiva tomista da
metafísica da participação......................................................313-388

Werner Benjumea, ep, Carlos Javier. El seguimiento de Cristo Resplandor de


la gloria de Dios, clave moral para interpretar el carisma de los Heraldos del
Evangelio ............................................................................125-226

Traduções
Garrigou-Lagrange, op, Réginald. A Via da Infância Espiritual......227-231

Grocholewski, Card. Zenon. A beleza que não se apaga..................475-486


S. Tomás de Aquino. Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum
tuum”.................................................................................457-474
Resenhas
Aletti, Jean-Noël. New Approaches for Interpreting the Letters of Saint Paul.
(Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP).................................................506-509

Amenta, Piero. Os processos administrativos em matéria de matrimônio canôni-


co: história, legislação e práxis. (José Manuel Jiménez Aleixandre)....246-250

Gagliardi, Mauro. “In memoria di me”: Il sacerdote fa l’Eucaristia e


l’Eucaristia fa il sacerdote. (Rodrigo Alonso Solera Lacayo, EP)........233-236

Lima, Maria de Lourdes Corrêa. Mensageiros de Deus: Profetas e Profecias no


Antigo Israel. (Alejandro Javier de Saint Amant).................................503-506

Matter, E. Ann; Smith, Lesley (ed.). From Knowledge to Beatitude: St Victor,


Twelfth-Century Scholars, and Beyond. (Jorge F. Teixeira Lopes, EP)..... 236-
239

Nougué, Carlos. Suma Gramatical da Língua Portuguesa: gramática geral e


avançada. (Felipe de Azevedo Ramos, EP).............................................243-246

Osborne, Thomas M., Jr. Human Action in Thomas Aquinas, John Duns Sco-
tus & William of Ockham. (Kyla MacDonald, EP)...........................239-243

Porro, Pasquale. Tommaso d’Aquino. Un profilo storico-filosofico. (Felipe de Aze-


vedo Ramos, EP) ..................................................................................487-503
ARTIGOS
Un análisis exegético de Flp 4 (1) 2-3; Flp 4, 4-7 - Leonardo Miguel
Barraza Aranda, EP

O desejo de Deus sob a perspectiva tomista da metafísica da


participação - Felipe de Azevedo Ramos, EP
Notas sobre la tesis de la luz primordial según Plinio Corrêa de
Oliveira - Antonio Jakosch Ilija, EP
L’intention apologétique de Maurice Blondel - François Bandet, EP

TRADUÇÕES
Sermão para o dia de Pentecostes: “Emitte Spiritum tuum” - S. Tomás de
Aquino

A beleza que não se apaga - Card. Zenon Grocholewski

RESENHAS
PORRO, Pasquale. Tommaso d’Aquino. Un profilo storico-filosofico. (Felipe
de Azevedo Ramos, EP)

LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Mensageiros de Deus: Profetas e Profe-


cias no Antigo Israel. (Alejandro Javier de Saint Amant)

ALETTI, Jean-Noël. New Approaches for Interpreting the Letters of


Saint Paul. (Leonardo Miguel Barraza Aranda, EP)

Lumen Veritatis é uma revista de publicação trimestral que pretende ser um


instrumento de divulgação do pensamento de São Tomás de Aquino e de incremen-
to da cultura cristã, promovendo um diálogo crítico entre o pensamento escolástico
e as demais correntes filosóficas.

Você também pode gostar