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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Ivanio Dickmann
[Organizador]
NOTA: Dado o caráter interdisciplinar desta coletânea, os textos publicados respeitam as normas e
técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor. A responsabilidade pelo conteúdo dos textos desta
obra é dos respectivos autores e autoras, não significando a concordância dos organizadores e da ins-
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Ivanio Dickmann
[Organizador]

EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM


Volume I

Diálogo Freiriano
Veranópolis - RS
2020
CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Martinho Condini - Brasil
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth - Brasil

EXPEDIENTE

Editor Chefe: Ivanio Dickmann


Financeiro: Maria Aparecida Nilen
Diagramação: Renan Fischer

FICHA CATALOGRÁFICA

E244 Educar é um ato de coragem 1 / Ivanio Dickmann (organizador). 1.ed. – Veranópolis:


Diálogo Freiriano, 2020. (v. 1)

ISBN 978-65-87199-31-3

1. Educação. I. Dickmann, Ivanio. II. Serie.


370.1 (Edição 23)

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


[CNPJ 20.173.422/0001-76]
Av. Osvaldo Aranha, 610 - Sala 10 - Centro
CEP 95.330-000 - Veranópolis - RS
dialogar.contato@gmail.com
www.dialogofreiriano.com.br
Whatsapp: [54] 98447.1280
SUMÁRIO
OS PILARES DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA: CORAGEM, AMOR E
DIÁLOGO!
Ivanio Dickmann .................................................................................................................................. 9
VERDADE, CORAGEM E EDUCAÇÃO POLÍTICA
Afrânio Tenório da Silva .................................................................................................................... 11
SALA DE AULA INVERTIDA COMO FACILITADOR PARA RESOLUÇÃO
DE PROBLEMAS NO ENSINO DE MATEMÁTICA
Aldair Martins do Nascimento .........................................................................................................29
ENSAIO: DA INCLUSÃO DIGITAL À INCLUSÃO SOCIAL - A
IMPORTÂNCIA DAS TIC PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Aldenei Moura Barros, Maria João Gomes, Anabela Cruz Santos................................................. 43
TRABALHO DE CONSCIÊNCIA NEGRA DA ESCOLA ESTADUAL MONTE
SINAI – A FORMAÇÃO IDENTITÁRIA E O EMPODERAMENTO DOS
ESTUDANTES POR MEIO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS AFRO-
AFIRMATIVAS
Alessandra Assis de Oliveira Soares ................................................................................................. 53
CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO
FILME “A MISSÃO”
Alexandre dos Santos, Maria Regina Johann ................................................................................... 67
PERSONALIZAÇÃO DO ENSINO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
Ana Carolina Rosendo G. C. Baptista ............................................................................................... 85
PEDAGOGIA SOCIAL E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA:
REFLEXÕES FREIREANAS
André Luiz Rodrigues, Juliana Santos Graciani ............................................................................. 97
O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NA SALA DE
AULA: DISCURSOS POSTOS E AS REPRESENTAÇÕES VELADAS
Andréa da Silva Rosa ........................................................................................................................ 115
O BANDEIRANTE NOS CURRÍCULOS ESCOLARES: UMA
CONSTRUÇÃO POLÍTICA E HISTÓRICA
Andressa da Silva Gonçalves ........................................................................................................... 127
COMPETÊNCIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONTRIBUIÇÕES
DA NEUROPSICOPEDAGOGIA EM CONTEXTOS DE
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

VULNERABILIDADE SOCIAL
Artur Pires de Camargos Júnior...................................................................................................... 149
UMA PERSPECTIVA PARTICIPATIVA E DEMOCRÁTICA DO FAZER
EDUCACIONAL
Benedito Antônio Nonato Pinheiro ................................................................................................. 165
UM ESTUDO SOBRE AS CONSTRIBUIÇÕES DA INTERAÇÃO DAS
DIMENSÕES DA GESTÃO ESCOLAR AO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM
Caetano Roberto Sousa de Freitas .................................................................................................. 185
FORMAÇÃO DOCENTE NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO DIALÓGICA
FREIREANA: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA
DIDÁTICA
Camilla Rocha da Silva.................................................................................................................... 199
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM RELATOS DE EXPERIÊNCIAS A
PARTIR DOS SUJEITOS QUE FAZEM ESSA MODALIDADE: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
Carlos Roberto de Sousa, Robson Monteiro Barroso Braga .......................................................... 211
A ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO DE LUTAS SOCIAIS ATRAVÉS DAS
AÇÕES PEDAGÓGICAS
Cícera Maria Mamede Santos, Francione Charapa Alves, Lídia Karla Rodrigues Araújo, Maria
Socorro Lucena Lima ....................................................................................................................... 221
A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR NA PEDAGOGIA FREIRIANA
Clenio Vianei Mazzonetto, Patrícia Signor.................................................................................... 241
CURRÍCULO, GEOGRAFIA E CIDADANIA TERRITORIAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL NA BAIXADA FLUMINENSE
Clézio dos Santos.............................................................................................................................. 251
A IMPORTÂNCIA DA TECNOLOGIA ASSISTIVA NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DE ZONA RURAL
Creice de Moura do Nascimento, Dioenison Ferreira Maciel .......................................................275
A RELEVÂNCIA DA AVALIAÇÃO DENTRO DO CONTEXTO ESCOLAR:
UMA ANÁLISE NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
Denise da Costa Dias Scheffer, Dieison Prestes da Silveira, Etyane Goulart Soares, Thalia Nunes
Ferreira Feistler ...............................................................................................................................283
EXPERIÊNCIAS E LEGISLAÇÃO PARA O TEMPO INTEGRAL ESCOLAR
NO BRASIL
Diego dos Santos Verri ................................................................................................................... 295

6
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO ESCOLAR NO PROCESSO DE INCLUSÃO


DE ALUNOS COM NECESSSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS
Dioenison Ferreira Maciel, Maria Sueli Lima dos Santos ............................................................ 315
FILOSOFIA EDUCACIONAL ADVENTISTA APLICADA
Eduardo Cavalcante Oliveira Santos .............................................................................................325
PARA ALÉM DO ATO DE CORAGEM: SABERES MATEMÁTICOS
MOBILIZADOS EM PRÁTICAS DE AUXÍLIO NO ENSINO REMOTO POR
MULHERES-MÃES EM ISOLAMENTO SOCIAL
Klinger Teodoro Ciríaco, Brenda Cristina Antunes, Francieli Aparecida Prates dos Santos .... 341
ÍNDICE REMISSIVO .............................................................................................................. 361

7
OS PILARES DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA:
CORAGEM, AMOR E DIÁLOGO!
Olá amigos e amigas.
Educadores e Educadoras.
Mais uma coletânea da nossa editora Diálogo Freiriano se coloca a sua
disposição para leitura, estudo e aprofundamento. São mais artigos que diversos
professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras se dedicaram a preparar
a partir de seus estudos no campo da educação, especialmente vinculada e direci-
onada a educação crítica, ou se preferir, à crítica da educação.
Este trabalho de escrita não é fácil, tampouco, simples.
Ele exige ousadia e determinação, mais ainda, exige compromisso com
uma educação baseada na conscientização. Na crença inabalável de que a educa-
ção é um dos pilares da construção do mundo que queremos mais justo e fraterno,
mais solidário. Essencialmente, esta postura pedagógica crítica, está balizada na
coragem.
Por isso, nossa coletânea se intitula “Educar é um ato de coragem”. Este
título tem dupla função nesta obra que tem em mãos. Primeiro, ele sinalizava que
tipo – ou estilo – de artigo buscávamos quando abrimos a chamada para a coletâ-
nea. Não aceitaríamos qualquer tipo de artigo escrito sobre educação. Tanto é que
alguns artigos foram rejeitados. Segundo, o nome do livro sintetiza a coragem e
ousadia de seus autores e autoras de se posicionarem e de refletirem sobre a edu-
cação com proposições firmes e sem medo.
Paulo Freire, que sempre nos inspira nestas jornadas, já nos alertava:
Porque é ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso dos homens.
Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se
com sua causa. A causa da libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso,
é dialógico.

Perceba, querido leitor, querida leitora, coragem e amor andam juntos.


Então, não podemos dicotomizar a coragem e o amor. O que eu quero dizer, que
se você visualiza um ato de coragem, está na verdade vendo um ato de amor. Da
mesma forma quando visualiza um ato de amor, está presenciando um ato de co-
ragem. Amar é um ato de coragem e ser corajoso é um ato de amor. Neste sentido
ambos são a expressão do comprometimento dos educadores e educadoras com a
educação libertadora.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

O que sustenta esta postura política e pedagógica é o diálogo. E nunca é


demais recordar que diálogo em Paulo Freire é uma categoria teórica e não uma
conversa entre pessoas. Dialogar para Freire é pronunciar um novo mundo no qual
cremos e que queremos ver concretizado, mais justo, mais solidário para todos.
Um mundo sem opressão, sem oprimidos e sem opressores. A educação tem um
papel social fundamental na construção deste novo mundo.
Sendo assim, nossos escritos, que estão neste livro são marcados por estas
perspectivas, da coragem, do amor e do diálogo. Cada um e cada uma, à sua ma-
neira, expressam em suas linhas o desejo comprometido de abrir um diálogo com
o leitor e a leitora sobre estas problematizações e suas intenções de transformação.
É um chamado a dialogar e a pronunciar este mundo novo que a educação liberta-
dora luta por ajudar a construir. Se você está neste mesmo caminho, será um pra-
zer ter você conosco. Vem!
Vejam, querides, que este livro é mais que um simples registro de artigos
agrupados para serem publicados. É um manifesto de nosso compromisso com a
causa da educação libertadora. Com a causa de um novo mundo, por conseguinte.
Ou seja, o que tem em mãos é um pronunciamento de nossa perspectiva de como
a educação pode – e vai – mudar o nosso mundo para nós vivermos em sociedade
sem tanta opressão. Como já anunciou Paulo Freire:
É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos, educadores e
povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação.

Esperamos, sinceramente, que nossas coletâneas sejam estopim de diá-


logo transformador. Que cada linha inspire nossos interlocutores e interlocutoras
a agir e refletir em seus espaços pedagógicos inserindo gradativamente o que a-
prenderam neste livro e possamos, assim, agir coletivamente, fazendo de nossos
lugares o ponto de partida da mudança.
Com nosso compromisso e nossa coragem!
Um grande abraço e boa leitura!
Ivanio Dickmann
Organizador

10
VERDADE, CORAGEM E EDUCAÇÃO POLÍTICA

Afrânio Tenório da Silva 1

“A essência do simples e do auto-evidente é que constitui o


lugar propriamente dito para o caráter abismal do mundo. E
esse abismo só se abre se filosofamos, mas não se acreditamos já
saber do que estamos falando”.
(Heidegger, 2009, p. 53).

Introdução
Conforme o empreendimento de Foucault em seus três últimos cursos
proferidos no Collège de France (A hermenêutica do sujeito; O governo de si e dos outros; A
coragem da verdade), podemos tomar toda a História da Filosofia tendo como fio con-
dutor o conceito de parresia. Parresia, é o dizer verdadeiro de um político na as-
sembleia ou o dizer verdadeiro do filósofo enquanto conselheiro de um governante.
A verdade opera o encontro entre política e filosofia, uma vez que é tarefa da filo-
sofia a clarificação dos conceitos e tarefa da política ter na verdade as suas bases.
Tradicionalmente a verdade tem sido buscada e localizada no objeto co-
nhecido ou no sujeito que conhece, ou ainda na relação entre ambos, mas sempre
nessa dicotomia. O conceito de parresia permite-nos sair desse modelo cristali-
zado pela Teoria do Conhecimento e circunscrever a verdade no jogo das práticas
que possibilitam o governo dos homens, isto é, na ação política. Por isso faz-se
necessária a distinção entre essas duas vertentes de pensamento acerca da ver-
dade, a saber, a que vem de Aristóteles passando pela Escolástica e a que Foucault
identifica como verdade parresiástica.
Pela reflexão dessa longa história das ideias e das práticas, estendendo o
alcance do conceito de parresia – ao modo da parresia na relação de mestria, tão
bem desenvolvida por Foucault na Hermenêutica do Sujeito – à atividade docente, é
possível que lancemos luz sobre a ação daqueles que governam e daqueles que e-
ducam. Qualquer um que se habilite aos cuidados dos outros homens está a prati-
car ação política, seja pelo governo, seja pela educação, porquanto se deparará
sempre com questões sobre o como fazer e o porquê fazer de tal modo. Certamente
uma noção sobre o que é o próprio ser humano subjaz à prática do governo2.

1
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP
2
O termo governo empregado por Foucault no contexto de seus últimos cursos no Collège de France,
nem sempre se refere ao governo político. Pode-se, por exemplo, ser aplicado a outras relações, como
o governo de si, ou “cuidado de si”. Esse trânsito do termo da ética à política e vice-versa é uma
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

É nesse sentido que o itinerário proposto aqui pretende, modestamente,


tocar na ação do docente enquanto indivíduo político inserido numa coletividade
política e corresponsável pela educação de muitos. Sugere-se a pergunta sobre
uma possível prática da parresia docente no contexto do atual Estado Democrá-
tico de Direito. E para a elucidação da questão, o diálogo de Foucault com os anti-
gos e os modernos – Heidegger e Kant, por exemplo – parece-nos de grande
importância. Os deslocamentos provocados por esse debate, uma vez realocados
no interior de algumas das tradicionais áreas da filosofia – Teoria do Conheci-
mento, Ética, Política, Antropologia Filosófica – constituem-se numa fonte de ins-
piração para um possível programa de Filosofia da Educação.

A parresia política nas democracias e autocracias


Dentro da genealogia desenhada por Foucault nos referidos cursos, des-
taca-se o uso do termo parresia no contexto político da democracia ateniense, po-
dendo ser definido como “o exercício de uma palavra que persuada os que são
comandados e que num jogo agonístico dê liberdade aos outros que também que-
rem comandar é, a meu ver, o que constitui a parresia”. FOUCAULT, Michel. O
governo de si e dos outros. 2010. p.98
Nesse sentido a parresia coloca que aquele governa numa relação direta
com os que são governados, ao mesmo tempo em que acolhe os que não governam,
mas que desejam fazê-lo. Este triângulo – oponentes e assembleia – nos dá a ima-
gem geográfica e também geométrica dessa arena perigosa que constitui o exercí-
cio do poder. É nesse espaço da persuasão dos comandados pelo desmonte dos
argumentos do oponente que se movem os governantes. Tem-se, na democracia,
portanto, um poder cambiante e tão maleável quanto o arranjo das forças políticas,
de maneira que nunca se pode possuí-lo totalmente, mas somente exercê-lo por
uma espécie de direito advindo de uma luta que está sempre por ser retomada e
jamais acabada definitivamente.
É assim que o fracasso da democracia ateniense – no entendimento de
Platão – se motivou por uma característica inerente à essência democrática, a sa-
ber, a assunção de discursos contrários a sua própria existência. Esse fracasso
plasmado no emblemático caso da morte de Sócrates nos dirá que a democracia
ateniense não foi capaz de alocar os elementos da parresia numa forma de gover-
nabilidade capaz de reconhecer a verdade ao invés de eliminá-la. De fato, Sócrates
amava as mesmas leis que possibilitaram a sua condenação. Na Apologia, vemos sua
obediência religiosa ao ordenamento legal da cidade. Se morreu legalmente, mas

constante. O governo dos outros, ou “cuidado dos outros” é um termo genérico que permite a
Foucault ir além dos limites da Teoria Política tradicional. É assim que, no cristianismo, por
exemplo, é possível a Foucault enxergar o “cuidado de si” nas práticas ascéticas e o “cuidado dos
outros” na pastoral cristã.

12
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

não justamente é porque o problema da democracia não são essencialmente as leis,


mas a possibilidade de que seus atores possam dar, pelo discurso, ao falso a apa-
rência do verdadeiro.
A parresia, conforme a definição de Foucault, é a palavra pública, corajosa
e verdadeira do orador dirigida à assembleia dos cidadãos. É no entanto, uma pa-
lavra que concorre com outras formas de discurso. O discurso lisonjeiro se apre-
senta, na democracia ateniense, como uma ameaça ao discurso parresiástico.
Enquanto o primeiro serve a propósitos demagógicos, o segundo obedece a crité-
rios bem delimitados e seu funcionamento se condiciona ao ajuste fino entre os
quarto seguintes aspectos apresentados por Foucault:
Condição formal: democracia. Condição de fato: a ascendência e a superioridade
de alguns. Condição de verdade: a necessidade de um logos sensato. E, em fim,
condição moral: a coragem, a coragem na luta. É esse retângulo com um vértice
constitucional, o vértice do jogo político, o vértice da verdade, o vértice da cora-
gem, creio, que constitui a parresia (FOUCAULT, 2010, p. 160).

A condição constitucional ou formal em Atenas era garantida pelo direito


legal da isonomia – igualdade dos cidadãos diante da lei – e isegoria – direito de falar
na assembleia. Foucault alerta para o fato de que existem diferenças entre os ho-
mens que escapam ao campo restrito da lei. No jogo político alguns ganham as-
cendência sobre outros, seja pelo discurso verdadeiro, seja pelo caráter moral que
se encerra em atitude corajosa como condição mesma da parresia. Fica claro que é
a parresia um adicional aos direitos adquiridos por lei. Nem todos os cidadãos que
podem usar a palavra pública a usarão, assim como nem todos que fazem esse uso
o fazem de forma parresiástica. Desse modo, a parresia é o elemento que distingue
o governante do governado. Assim como, pela via negativa, é a falta da parresia que
distinguirá o governante inautêntico. De todo modo, a parresia se insere no jogo
agonístico da política e, a priori, sua vitória não está garantida.
As atividades de Platão na Academia e as de Aristóteles no Liceu destoam
dos afazeres de um Sócrates de Atenas. De fato, Platão e Aristóteles se distanciam
de Sócrates mais pelo receio de perderem suas vidas, do que pela coragem de fala-
rem a verdade. Embora não tenham se insurgido diretamente contra os políticos
de seu tempo, os dois filósofos não renunciaram ao que venha a ser, nas palavras
de Foucault, o real da filosofia, isto é, sua influência efetiva na política: Platão
como conselheiro de Dion rei de Siracusa, e Aristóteles como preceptor de Ale-
xandre, o Grande.
Podemos notar certo deslocamento dos filósofos em relação aos políticos
no jogo mesmo da política. Isso foge do que preconiza Platão em sua República, a sa-
ber, a teoria do rei-filósofo que estabelece a identificação entre governante e filósofo.
Mesmo Sócrates, o mais direto e combativo filósofo ateniense, nunca desejou exer-
cer cargo público. É na Carta VII que esse deslocamento fica bastante evidente.

13
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Platão parece deixar de lado a idealização de uma cidade perfeita e passa a tratar da
realidade da política através da formação de Dion. Assim, na antiguidade temos as
figuras dos filósofos conselheiros de governantes autocráticos e dos filósofos que –
como Sócrates – atuam junto à opinião pública nos governos democráticos.
A função da parresia do filósofo assume um duplo sentido: nas democra-
cias ela marca a diferenciação3 entre o discurso verdadeiro e o discurso demagógico.
Nos governos autocráticos, do tipo que se seguiram à polis grega como o Império
Alexandrino e o Império Romano, a parresia do filósofo funcionará como psicago-
gia, isto é, como formação da alma do governante. Se o filósofo instala os discursos
de verdade (logoi) na alma do governante, por esse trabalho atingirá a prática po-
lítica (pragmata), uma vez que um governante justo governa justamente. É por meio
dessas tarefas, seja como conselheiro, seja como formador da opinião pública, que
o filósofo faz o encontro entre verdade e política. O discurso de veridicção próprio
da filosofia se objetificará nas práticas políticas.
Até aqui destacou-se o uso e a importância da parresia para uma econo-
mia do poder em governos democráticos e autocráticos. Notemos que não está em
discussão a preferência por uma das duas formas de governo, malgrado o desprezo
de Platão pela democracia. O que importa a Foucault, é nos apresentar o funcio-
namento da parresia em ambas as formas de distribuição do poder. O termo auto-
cracia está sendo empregado apenas para indicar o governo de um só, isto é, o
governo de um rei ou imperador.

A parresia no contexto de algumas áreas da filosofia


A Antropologia Filosófica nos coloca frente a duas tradições fundamen-
tais na História da Filosofia Ocidental. Estas duas correntes buscam responder a
pergunta: o que é o ser humano? A primeira e mais antiga ganha corpo no plato-
nismo e pode ser condensada da seguinte maneira: o homem é a sua alma. Portanto
existe uma natureza humana, uma essência a priori. Trata-se de uma tradição es-
sencialista fundamentada numa Metafísica socrático-platônica que estabeleceu
uma teoria da alma apartada do corpo físico. A outra tradição concorrente nos
chega, dentre outras filosofias, pelo Existencialismo e afirma que o ser humano
deve ser entendido como um projeto em condições de ser alcançado. Isto significa
dizer que, sendo passível de ser, mas ainda não sendo, o homem pode se perder no
caminho da passagem da existência à constituição de sua essência. De fato o filó-
sofo francês Jean-Paul Sartre, pai do Existencialismo, sedimenta os termos de sua

3
Adiante esse conceito será apresentado como condição, segundo Foucault, para a irrupção da
verdade. Tal diferença não é referente ao discurso condensado em proposições, acordando com a
Lógica. A diferença é do próprio sujeito frente ao outro. Como portador do discurso parresiástico, o
sujeito falante se identifica com sua fala e não pode se desvincular dela.

14
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Antropologia Filosófica mais como método do que como teoria, uma vez que seria
mais produtivo para nós hoje, tomarmos o ser humano em sua condição de ser i-
nacabado ao invés de concebê-lo enquanto alma detentora da verdade. Uma outra
alternativa ao Existencialismo é justamente a teoria foucaultiana do sujeito e a no-
ção de parresia.
Foucault lança luz sobre essa dicotomia natureza humana versus condição
humana. Ao tomarmos o conceito de “cuidado de si”, amplamente discutido no
conjunto de aulas proferidas no Collège de France e intituladas A Hermenêutica do
Sujeito, podemos colher algumas pistas.
O que é este “si mesmo”? Foucault coloca a questão nos seguintes termos:
não se trata de entender este “si” como uma natureza humana, as paixões, alma ou
as capacidades, mas, de saber sobre a relação entre o “si” conhecido que é o mesmo
“si” que conhece. Sujeito do cuidado e, ao mesmo, objeto do cuidado, o que é este
elemento idêntico? A Alma. Porém, a noção de alma no Alcibíades – dialogo platô-
nico amplamente trabalhado no referido curso de Foucault – não coincide com a
de outros textos platônicos.
A alma, no Alcibíades, é o sujeito por trás das ações corporais, instrumen-
tais e da linguagem, pois se serve do corpo, da linguagem e dos instrumentos. O
servir-se de algo não designa apenas tomar a coisa como instrumento, mas signi-
fica também uma atitude, um comportamento. A alma que se serve é o “sujeito em
relação ao que o rodeia, aos objetos de que dispõe” (FOUCAULT, M. A hermenêu-
tica do sujeito. Curso no Collège de France 1981-1982. São Paulo: Martins Fontes,
2004, p. 53). Trata-se mais de uma alma sujeito do que de uma alma substância.
A noção de sujeito como liberdade ganha força frente à noção de alma
como destino. Importa para nós essa noção de alma, na medida em que sujeitos
livres, sejam governantes ou governados, docente ou discente, travarão no jogo a-
gonístico da parresia a luta pela constituição de suas subjetividades e, com isto,
atendem ao “cuidado de si”.
Notadamente o “cuidado de si” não se realiza sem o “conhecimento de si”.
É nesse sentido que a Antropologia Filosófica deverá propor o conhecimento do
ser humano e realocar os elementos constituintes da alma até que esta reste livre
e apta ao cuidado de si mesma.

***
A Teoria do Conhecimento, por meio da herança grega, faz chegar até nós
o conceito de verdade como adequação entre o que se diz sobre as coisas e o que
realmente as coisas são, portanto um conceito de verdade carente de uma Metafí-
sica e de uma linguagem que abrigue a essência. Confrontemos a tradição grega

15
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

com o poderoso pensamento de Martin Heidegger4 a fim de mostrar o desloca-


mento da verdade proposicional para a verdade como desvelamento. Em seguida,
a parresia, conforme Foucault, será apresentada como verdade positiva em oposi-
ção à verdade tradicional condicionada ao esquema sujeito-objeto.
No seu curso Introdução À Filosofia, investigando a verdade a fim de apre-
ender sua essência, Heidegger recorre à tradição filosófica e empreende um verda-
deiro inventário do conceito em questão. A recorrência à tradição seria
desnecessária se o filósofo quisesse, arbitrariamente, expor suas reflexões por as-
sim dizer atualizadas. Porém, pensamos que se não procede assim é porque exis-
tem pelo menos duas razões: primeiro porque suas ideias, embora sejam originais,
têm um quê de ligação com a tradição, assim, a recorrência aos antigos representa
um ponto de partida, o retorno a um trabalho que Heidegger pretende também ele
levar a cabo. Em segundo lugar porque faz parte de seu estilo tomar os conceitos
já cristalizados e já tidos como evidentes para problematizá-los. De que outra ma-
neira pode um filósofo trabalhar, a não ser, por um lado respeitando a tradição, e
por outro lutando contra esta mesma? O paradoxo resulta do fato de ser a tradição
uma referência nem sempre afinada com as novas formas de pensamento. Cabe ao
filósofo, então, refazer o caminho apontando em que ponto se encontra e em que
medida está na hora de abrir novas veredas. Esse trato pedagógico, portanto, não
falta a Heidegger.
O ponto de partida de Heidegger estabelece que o conceito tradicional de
verdade não toca a essência da verdade, isto é, não constitui aquilo que ela tem de
mais originário.
Recorrendo aos antigos é possível constatar que a verdade reside em li-
gações de representações. Estas ligações são expressas nos juízos. Destarte, a ver-
dade sempre foi tomada como verdade da proposição, do enunciado. Aristóteles
no De interpretationes e De anima, apresenta-nos uma teoria do discurso que corro-
bora com esta ideia que atravessará os séculos. Segundo ele, todo discurso tem
significado, porém nem todo discurso é “mostrador”, isto é, nem todo discurso
pretende mostrar que algo é falso ou verdadeiro. Todavia, é o discurso do tipo mos-
trador – logos – que é próprio da apresentação da verdade por meio da sínteses
entre um sujeito e um predicado. A verdade, portanto, é proposicional. Porém, a
proposição é uma ligação de representações, não de entes/objetos.
Estabeleceu-se, que a verdade é verdade da proposição. Se a ligação entre
as representações estão corretas, então o enunciado é verdadeiro. Assim, a verdade
é a adequação existente entre as representações que estão conectadas a saber, o

4
Por se tratar de um texto introdutório aos temas propostos, evitaremos utilizar o arcabouço de
jargões heideggerianos. A aventura de ler Heidegger implica em aprender um novo idioma, e não
estou falando do alemão!

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sujeito e o predicado. A verdade está na convergência, correspondência e implica-


ção do sujeito e predicado.
Heidegger começa a problematizar esta relação – sujeito-objeto – tida
como óbvia. Por exemplo, o que decide que uma representação seja ligada a outra
no interior de uma proposição – este giz é branco – uma vez que o giz do enunci-
ado é uma representação, diversa do giz sobre o qual enunciamos algo? Nas pala-
vras de Heidegger:
A implicação recíproca de S e P só subsiste porque como tal ela é “dependente”,
como que já está submetida a uma outra e, com efeito, ao giz branco sobre o qual
enunciamos algo. Assim vem à tona que a proposição “o giz é branco” apresenta
inicialmente uma relação de S e P. Toda essa relação proposicional, porém, en-
contra-se ainda em uma relação com o que já se acha diante de nós, a saber, o giz
branco. (HEIDEGGER, M. Introdução à filosofia. Tradução de Marco Antônio
Casanova. 2ed. São Paulo: Martins Fontes. 2009. P. 55).

Ora, admitir que a verdade resida na proposição implica perder de vista


este aspecto fundamental: as representações estão fundadas nas coisas sobre as
quais enunciamos algo. Esta coisa sobre a qual enunciamos algo acaba por deter-
minar todo o enunciado e possibilitá-lo. Somente podemos enunciar algo em vista
daquilo que se encontra diante de nós. Está claro, pois, que o giz da enunciação é
diverso do giz que se acha a nossa frente.
Há, pois, neste caso uma verdade derivada e uma verdade originária. A
verdade da proposição somente pode ser entendida como verdade se num sentido
de derivação, uma vez que o enunciado deve a sua condição de possibilidade àquilo
sobre o que se enuncia algo. Para ilustrar esta questão temos a fórmula escolástica
da verdade “adaequatio intellectus et rei” como medida que estabelece a verdade a par-
tir da correspondência entre o sujeito e o predicado – relação predicativa. Por ou-
tro lado, Heidegger está chamando atenção para outra relação, a que tem o
enunciado com o “sobre-o-quê” do enunciado –relação veritativa. A essência da
verdade é melhor alcançada pela relação veritativa do que pela relação predicativa.
Segundo Heidegger, há muito mais entre a relação sujeito e objeto, é como
se partindo apenas destes polos, negligenciássemos o todo que existe entre eles.
Dessa maneira, o problema da verdade não deve ser posto a partir da proposição
como têm feito a Lógica e a Teoria do Conhecimento. A situação é: existe um todo
estrutural que fundamenta o “sobre-o-quê” do enunciado.
Quando enunciamos algo sobre um dado objeto, como “o giz é branco”,
para além de qualquer relação, já antes nos encontramos junto a este objeto. O
sujeito, portanto, se relaciona diretamente com a coisa, sem contexto confuso al-
gum pelo caminho, mas apenas o fato de estar junto a... Condição sem a qual seria
impossível a própria enunciação. A enunciação transforma o objeto a nossa frente
num “sobre-o-quê” da proposição. Não é, pois, no enunciado que aparece a relação
entre sujeito e objeto, mas o enunciado por sua vez, faz uso desta relação, pois “o

17
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

enunciar sobre... já se movimenta no interior e, de certo modo, sobre a via de nossa


permanência junto ao giz”. (HEIDEGGER, M. Introdução à filosofia. Tradução de
Marco Antônio Casanova. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. 2009. P. 70).
O fato simples desta permanência junto ao “sobre-o-quê” é o que permite
que a proposição consiga enunciar algo sobre a coisa. Nota-se que não é a propo-
sição, mas este modo de ser do enunciador que toca mais de perto a essência da ver-
dade. Deve-se, pois, demorar nesta questão aparentemente auto-evidente,
porquanto ela implica o como é possível à alma relacionar-se com as coisas. É pre-
ciso reter o fenômeno que se mostra ao invés de apenas descrevê-lo.
Para Heidegger, existe uma diferença entre o modo de ser dos homens e
o modo de ser dos objetos. Embora os objetos não compartilhem do mesmo modo
de ser dos homens, estão junto aos homens. Mas não estão com os homens. O modo
de ser próprio do homem é estar com, ao passo que o modo de ser próprio dos ob-
jetos é estar junto. Assim os homens existem com outros homens, e estão junto às
coisas. Simplesmente as coisas que estão junto a nós, nos vêm ao encontro. Para
evitar que entendamos este modo de ser como o entendem os empiristas ou Kant,
Heidegger afirma que “em meio a esse deixar-vir-ao-encontro não há nem a im-
pressão de algo de fora nem um sair de dentro para fora a partir de nós mesmos”.
(HEIDEGGER, M. Introdução à filosofia. Tradução de Marco Antônio Casanova.
2ed. São Paulo: Martins Fontes. 2009. P. 78). O que há é uma receptividade pecu-
liar sendo desperta, na qual as coisas se mostram como são. Trata-se de uma es-
pontaneidade originária de aceitar as coisas, de acolhê-las, de recebê-las.
O ato de conhecer, para os gregos, traz um conflito fundamental: quando
conhecemos, retiramos o ente do velamento e este se torna verdadeiro porque não
mais velado; constitui-se um roubo o ato de conhecer, na medida em que o ob-
jeto/ente, envolto no velamento, seria por nós arrancado dessa condição5.
Diferente dos gregos, Heidegger estabelece que a verdade é a recepção do
objeto pela alma do sujeito humano. É bom relembrar, ao estilo de Heidegger, que
a proposição, sendo o anúncio público da verdade, passou a abrigar a verdade que
mais originariamente reside no objeto que é desvelado, privado do velamento, não
velado. O obscurecimento do real sentido da palavra alethéia faz a proposição figu-
rar como lugar da verdade; quando na realidade a verdade é o desvelamento do ob-
jeto pelo sujeito e esse fenômeno acontece antes mesmo de qualquer enunciação.
Se no desvelamento dos objetos, não lhes retiramos nem lhes acrescenta-
mos nada, mas os entregamos a eles mesmos, então o desvelamento não é uma pro-
priedade dos objetos, como sua cor, tamanho, peso, posição.

5
Heidegger aponta (Ser e Tempo I, p. 212-30) como referência dessa problemática da essência da
verdade como privação e roubo.

18
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Ficamos no meio do dilema sobre se a verdade que advém ao objeto, e que


o homem compartilha no desvelamento é inerente ao objeto ou ao próprio homem;
ou ainda, se a verdade como desvelamento, se dá “entre” o homem e o objeto; ou se
devemos procurar noutro lugar, uma vez que a proposição já foi descartada, ao
menos como lugar originário, pois se admite agora que ela expresse a verdade, po-
rém por derivação, “se o enunciado pode se atestar, se confirmar como verdadeiro,
é porque mostra o ente tal e qual ele mesmo se mostra” (DUBOIS, C. Heidegger:
Introdução a uma leitura. Tradução de Bernardo Barros Coelho de Oliveira. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004. P. 46).
Existe uma determinação elementar que nos possibilita dizer que o des-
velamento/verdade pertence essencialmente ao homem. Ao objeto não lhe é deter-
minado desvelar-se, pode ocorrer ou não. Mas, ao homem, mesmo que esteja
solitário, isto é, sem os outros, ocorre que seja junto aos objetos e isto basta para
que estes objetos se lhes manifestem. Portanto, a verdade pertence ao sujeito sem
que isto torne a verdade subjetiva.
O conceito tradicional de verdade impede, portanto, que o objeto seja
descoberto do modo como Heidegger propõe. Em resumo, a verdade existe no ho-
mem que é descobridor, desvelador, dos objetos. E esse desvelamento não depende
de uma aplicação ou interesse sobre as coisas, mas pertence ao modo de ser pró-
prio do homem que consiste em receber as coisas na alma assim como elas são.
As noções grega e heideggeriana da verdade diferem da noção de parresia
apresentada por Foucault. Aristóteles abriga a verdade no seio discurso lógico, ao
passo que Heidegger aloja a verdade a alma do sujeito humano. Porém, para Hei-
degger advém no sujeito por uma constituição originária, ao passo que a parresia
só pode se manifestar por uma determinação do sujeito, visto que ele pode ou não
usar o discurso parresiástico. É por este último aspecto que vemos se revelar o
caráter positivo da verdade enquanto parresia.
Temos essa tradição revisitada que nos apresenta a verdade como desve-
lamento, seja como violência e roubo, para os gregos, seja como o encaixe perfeito
da essência do objeto sendo acolhida pelo espírito humano, em Heidegger. E, por
outro lado, temos a parresia, conceito também muito antigo, remontando às tra-
gédias gregas, trazido por Foucault como uma positividade, uma verdade que é
fruto de um comportamento.
A verdade parresiástica, não se identifica com a verdade em seu sentido
tradicional. A parresia é um tipo de verdade aplicada à filosofia prática. É na Ética
e na Política que a parresia ganha vida e seu estatuto de verdade origina-se da i-
dentificação do sujeito falante com o conteúdo de sua fala. É por meio dessa iden-
tificação que podemos apontar um discurso como verdadeiro. Mas a condição para
que esse tipo de verdade irrompa é a alteridade, a diferenciação marcada pelos su-
jeitos. E a finalidade é o governo de si – ética – quando se busca a parresia de um

19
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

mestre, por exemplo, ou o governo dos outros – politica – quando se fala para uma
assembleia.
O editor dos últimos cursos de Foucault no Collège de France, Frèdèric
Gros, destaca esse caráter próprio da parresia como verdade que advém a partir da
diferença.
Compreende-se por que, quando havia coligido os diferentes “significados” ou
“valores’ da verdade, Foucault, depois de estabelecer os temas do não oculto, do
puro, do reto e do soberano, abandona, riscando-o no manuscrito, o tema do “i-
dêntico” ou do “mesmo”, que havia consignado como uma das grandes significa-
ções tradicionais da verdade – que se encontra no cerne da nossa cultura
filosófica. Mas ele pretende precisamente salientar, em 1984, que a marca do ver-
dadeiro é a alteridade: o que faz a diferença no mundo e as opiniões dos homens,
o que obriga a transformar seu modo de ser, aquilo cuja diferença6 abre a pers-
pectiva de um mundo outro a construí, a sonhar. (GROS. 2010. P 316 In
FOUCAULT, M. A coragem da verdade: O governo de si e dos outros II : Curso
no Collège de France 1983-1984. Tradução de Eduardo Brandão. Editora: WMF
Martins Fontes. São Paulo. 2010).

Nota-se que discutir as teorias sobre o que é o sujeito humano incorre em


consequências sobre discutir o que é a verdade. Como visto, a verdade enquanto
parresia entende o sujeito humano como parte de um jogo pelo qual ele se sujeita
a si mesmo pelo discurso do outro e, pelo seu discurso, sujeita os outros. Trata-se
de um caráter positivo da verdade, uma atitude, um comportamento. Não é o dis-
curso aristotélico de tipo mostrador do objeto. A parresia mostra o sujeito, ele está
inteiro em sua fala. A parresia também não é verdade que brota no interior da alma
como em Heidegger, é verdade que somente tem existência quando externada
numa atitude corajosa de lançar-se como diferença diante da alteridade.

***
Para a Ética, a pergunta fundamental aqui é justamente acerca dos valores
necessários ao ser humano entendido nos termos da Antropologia Filosófica. As
descobertas de Foucault sobre a Ética do “cuidado de si”, mostram que o objeto do
conhecimento, o “si”, é a alma, mas a finalidade do cuidado é outra coisa e se refere
à cidade. Mas, além do Alcibíades, que trata do ambiente democrático, na idade de
ouro imperial, no âmbito do governo autocrático, o cuidado de si põe o “eu” como
objeto e finalidade do cuidado, sem referências à cidade. Desde os exercícios mili-
tares e de ginástica gregos até os exercícios ascéticos cristãos, pode-se retirar o
sentido da atitude, do gesto positivo que está contido na noção de “cuidado de si”.
Temos, pois outras duas tradições: uma que conecta a finalidade do cuidado da
alma ao bem da cidade, e outra, mormente praticada no Helenismo, que apregoa a
finalidade do cuidado concernente à salvação da alma.

6
Grifo meu

20
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Quais valores ensinar e como defendê-los no âmbito da democracia? A


parresia docente se mostra fundamental para o resguardo dos valores democráti-
cos. Deve existir uma correlação entre os valores pessoais e os valores democráti-
cos. Esse círculo põe em movimento um tipo de educação dos indivíduos que
fortalece a coletividade, e um tipo de consciência coletiva que aprimora o indiví-
duo, nada impedindo a coexistência de práticas ascéticas individualizadas no âm-
bito da economia da salvação. As sociedades modernas têm preconizado o Estado
laico e a secularização das filosofias e das leis. A leitura foucaultiana de Kant –
sobre o opúsculo O que é o esclarecimento – responde bem à questão sobre a alocação
da religião nas sociedades civis modernas.
A Ética deve ser o âmbito da avaliação dos valores. E essa empreitada de-
manda bastante esforço intelectual. Os valores e as leis devem corroborar para a
consolidação do Estado Democrático de Direito, mas os atribuidores de valor não
devem se furtar do fato de que a democracia e suas leis são ordenamentos formais
e estáticos, ao passo que as ações humanas são materiais e móveis. É da confusão
sobre a alocação dos elementos móveis sobre os elementos estáticos que nascem
toda sorte de injustiças. O caso de Sócrates, como dito, é assaz eloquente.
Portanto, a parresia vem a ser um adicional às leis e ao ordenamento civil
que, por si mesmos, não bastam. É necessário que ante o formalismo da lei ou do
currículo, por exemplo, haja espaço para o discurso de veridicção, isto é, aquele
tipo de palavra na qual o sujeito que fala se identifica com o conteúdo do que diz
e assume a responsabilidade pelo dito.
De fato, a parresia docente é um adicional necessário ao trabalho docente.
O exercício do discurso de veridicção deve conectar o indivíduo dado com as con-
dições de possibilidade para o surgimento do indivíduo democrático. Nesse sen-
tido, a boa parresia7 exige uma espécie de pacto parresiástico pelo qual o
parresiásta se compromete com o que fala e busca compromisso equivalente da-
quele que escuta.

***
Com relação à Teoria Política contemplar-se-á, aqui, a leitura de Kant
feita por Foucault tendo como contexto a Modernidade e a marca da Aufklärung
(esclarecimento)8.

7
No curso de 1984, A Coragem da Verdade, em sua primeira aula, Foucault marca a diferença entre a boa
e a má parresia. O sentido pejorativo consiste na crítica presente em alguns autores como
Aristófanes, Isócrates e Platão, cujo núcleo avaliativo decorre do teor tagarelesco daqueles que
confundem o direito de dizer tudo com a imprudência de dizer qualquer coisa sem pensar. A boa
parresia, por sua vez, é a fala franca e não dissimulada, pela qual o parresiásta indexa sua fala à
verdade e seus critérios de racionalidade e razoabilidade.

8
No brasil é comum o uso da tradução de Aufklärung por Iluminismo ou Ilustração.

21
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

De acordo com Foucault, Kant inaugura duas tradições filosóficas, a sa-


ber: uma que trata da analítica da verdade, isto é, das condições de possibilidade
da verdade e dos limites do conhecimento. Por essa vertente, estabelecida na ma-
gistral obra A Crítica da Razão Pura, temos a filosofia funcionando como um tribunal
da razão. A outra tradição vista por Foucault no pensamento kantiano é a ontologia
do presente. Trata-se do diagnóstico da atualidade a fim de que a filosofia possa re-
velar o que somos. O filósofo é sujeito do pensamento e ao mesmo tempo é objeto
do pensamento, não podendo se desvincular. Ao tentar responder o que é o pre-
sente não poderá, o filósofo, se retirar do presente para olhá-lo de fora.
Assim, pela primeira tradição, Kant contempla a racionalidade moderna
e chama atenção para a importância de se conhecer os limites da razão. Adverte
que o desdém aos saberes metafísicos não garante que as questões metafísicas a-
bandonem o espírito humano. Nas palavras de Kant
É vão, com efeito, afectar indiferença perante semelhantes investigações, cujo
objeto não pode ser indiferente à natureza humana. Esses pretensos indiferen-
tistas, por mais que busquem tornar-se irreconhecíveis, substituindo a termino-
logia da Escola por uma linguagem popular, não são capazes de pensar qualquer
coisa sem recair, inevitavelmente, em afirmações metafísicas, porém, esta indife-
rença, que se produz no meio do florescimento de todas as ciências e ataca pre-
cisamente aquela, a cujos conhecimentos, se pudéssemos adquiri-los,
renunciaríamos com menos facilidade do que a qualquer outro, é um fenômeno
digno de atenção e de reflexão. Evidentemente que não é efeito de leviandade,
mas do juízo amadurecido da época, que já não se deixa seduzir por um saber
aparente. (KANT, I. Crítica da razão pura. Fundação Calouste Gulbenkian. Lis-
boa: Terceira edição. 1994. p. 5).

A segunda tradição, que norteia os trabalhos de Foucault, abre espaço


para a parresia, que será realocada na economia do pensamento moderno. Note-
mos que Aristóteles, a primeira tradição kantiana de que nos fala Foucault e Hei-
degger, fazem figurar a verdade no âmbito da Lógica e da Teoria do Conhecimento.
Mas a segunda tradição kantiana faz a verdade, enquanto parresia, figurar na po-
lítica. Em textos menores, fora das três Críticas escritas por Kant, vemos se delinear
algumas pistas para o exercício da parresia política na Modernidade.
Segundo Kant, a Revolução Francesa constitui, para a Modernidade, a
expressão de um processo que ultrapassa o próprio fato histórico da Revolução e
se apresenta como acontecimento irreversível. Em 1798, no texto O conflito das fa-
culdades, ele aponta a Revolução como a realização de um progresso na história da
humanidade que consiste na possibilidade, a partir de então, de se escolher a forma
de regime político e dispor esse regime de dispositivos capazes de evitar guerras.
Por trás do entusiasmo pela Revolução, Kant enxerga uma disposição nos
homens, inclusive naqueles que não participaram diretamente dela, de escolher
sua própria constituição política e eliminar as possibilidades de conflitos. De a-
cordo com Foucault, é bem sabido que são igualmente estes dois elementos [...], e

22
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

é também isso que é o próprio processo da Aufklärung, isto é, de fato a Revolução é


o que remata e continua o próprio processo da Aufklärung. (FOUCAULT, M. O
governo de si e dos outros: Curso no Collège de France 1982-1983. Tradução de
Eduardo Brandão. Editora: WMF Martins Fontes. São Paulo, 2010. p. 19).
Mas o que é a Aufklärung? Kant procura definir esse termo em seu texto O
que é o Esclarecimento? Para o filósofo alemão, Aufklärung é a saída do homem de seu
estado de menoridade. E esta saída se constitui pela capacidade do homem de pen-
sar por si mesmo. Nesse sentido todos os homens seriam convidados a abandona-
rem seu estado de tutelados.
É importante perceber que o convite à coragem de pensar por si mesmo
só pode ser realizado na medida em já se tenha em mãos os instrumentos para se
pensar corretamente. Assim a analítica da verdade inaugurada na Crítica da Razão
Pura estabelece as bases do pensamento, enquanto o diagnóstico do presente requisita
um adicional que é a ousadia e a coragem, e nisto Foucault verá o retorno da par-
resia na cena moderna.
Essas duas tradições ensejadas pelo pensamento kantiano abrem o cami-
nho para a constituição dos regimes democráticos em nossa Modernidade. A Te-
oria Política tradicional que tanto debateu sobre o poder do soberano, agora pode
abrigar reflexões sobre os homens que escolhem o regime político sob o qual de-
sejam ser governados. É nesse sentido que chamamos de déspotas esclarecidos os
soberanos que não tutelam os súditos. É por esta razão que Kant, no texto O que é
o Esclarecimento? Tece elogios a Frederico da Prússia. Segundo Kant
Um Príncipe que não acha indigno de si dizer que tem por dever nada prescrever
aos homens em matéria de religião, mas deixar-lhes aí a plena liberdade, que, por
conseguinte, recusa o arrogante nome de tolerância, é efectivamente esclarecido
e merece ser encomiado pelo mundo grato e pela posteridade como aquele que,
pela primeira vez, libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por
parte do governo, e deu a cada qual a liberdade de se servir da própria razão em
tudo o que é assunto de consciência. (KANT. I. “Resposta à pergunta: que é o
Iluminismo”. In: KANT, I. A paz perpétua e outros opúsculos. 1995. p. 17)

De acordo com Kant, Frederico foi capaz de equilibrar o par raciocínio/o-


bediência. Para obedecer, não necessariamente se precisa cessar a atividade de ra-
ciocinar. Assim como o livre raciocínio não resulta necessariamente na
desobediência cível. Alocando-se as condições para o funcionamento perfeito
desse par, o súbito alçaria cada vez mais a condição de cidadão. O cidadão é aquele
corresponsável pala cidade, e a parresia é o elemento que lhe dará condições de
efetivamente participar da vida pública. Qualquer modelo de educação que não se
atenha a essas considerações falhará.
Kant nos oferece uma saída para o falso impasse de que quanto mais se
pensa, menos se obedece. Em regimes democráticos, esse impasse pode ser

23
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

dissolvido pelas atitudes de cada um dos atores – sociedade civil e governo – sem
que um não afete o funcionamento do outro.
Assim, Kant lançará mão de outro par: uso privado da razão/uso público
da razão para harmonizar as forças políticas no seio social. Por uso privado das
nossas faculdades racionais ele entende o modo como utilizamos nossa razão no
interior das instituições, em atividades profissionais e outras funções públicas.
Kant denomina uso privado, porque o sujeito assume uma posição particular em
suas considerações e tomadas de decisão. Sua atividade pode ser pública, mas sua
fala é restrita, porquanto se dirige a uma comunidade específica.
Respectivamente, o uso público da razão refere-se a uma posição do su-
jeito que se estende universalmente. No uso público da razão não se fala a um
grupo restrito, mas ao conjunto de seres racionais. Na leitura de Foucault, Kant
estaria se referindo à relação entre um erudito e seu público letrado9. A esse pú-
blico corresponde a esfera no pensamento livre, ao passo que ao público constitu-
ído pelo uso privado da razão corresponde a obediência.
É dessa maneira que não se abandona a obediência nem o raciocínio livre.
Tomando como exemplo a atividade docente, podemos ter funcionando ao mesmo
tempo a obediência – quando se executa o currículo diluído no plano de aula – e o
livre uso do raciocínio – quando docentes reunidos num congresso, por exemplo,
questionam a validade do currículo que aplicam.
Na visão de Kant a constituição desses dois públicos, a saber o público
movido pelo uso privado da razão e o público movido pelo uso público da razão
é o que constituirá o equilíbrio entre governo e sociedade civil. Foucault enxerga
aí o campo para o uso da parresia, especialmente no espaço do uso público do
entendimento.
Estendendo o alcance o pensamento kantiano, podemos dizer a Educação
é a condição para o bom funcionamento da Democracia. Os homens e mulheres
precisam ser educados para reconhecerem e se reconhecerem em cada esfera. Seja
no espaço físico das instituições, seja no espaço simbólico do público letrado.
Num país como o Brasil, no qual o acesso ao ensino de qualidade é tão limitado,
logo percebemos que a construção dos públicos, se acha prejudicada. Tanto o

9
“Nem sempre se tem o direito de concluir, da palavra universitas, a existência de uma universidade
organizada num lugar determinado, basta que se tenha tido a necessidade de se dirigir ao conjunto
dos professores e estudantes residentes no mesmo lugar para que a expressão tenha sido
naturalmente empregada”. (GILSON. E. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes. 1995.
P. 483). Como se vê, professores e alunos são o público que faz uso da razão em sentido universal, e
é esse caráter que constitui o sentido do termo universitas. Nesse público a circulação de ideias é
fomentada, ao passo que no interior das instituições as ideias novas são vistas como perigosas,
porquanto põem em risco a estrutura mesma do funcionamento dessas instituições. O termo público
letrado utilizado por Foucault, é ainda mais extensivo do que o termo universitas, pois aqueles que já
não frequentam a universidade se sentem ainda pertencentes ao público universitário. Nota-se que
importa menos o local, e mais a coparticipação no mesmo universo do letramento.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

alcance da voz de um erudito não tem penetração num grande número de indiví-
duos como o funcionamento das instituições precariza-se com o empobrecimento
do capital humano. Não se quer dizer aqui que todos os indivíduos devam tornar-
se eruditos, ou tornarem-se especialista em qualquer que seja a área técnica, mas
que recebam uma educação que lhes possibilitem serem conscientes de seu papel
transformador e de sua importância na sociedade.

Conclusão
Foucault trata longamente da parresia na relação de mestria – mestre e
discípulo – no curso A Hermenêutica do Sujeito. O dizer franco do mestre ao discípulo
não o impede de estabelecer consigo mesmo uma relação autônoma. “O objetivo
da parresia é fazer com que, em um dado momento, aquele a quem se endereça a
fala se encontre em uma situação tal que não necessite mais do discurso do outro”
(Foucault, M. A hermenêutica do sujeito. Curso no Collège de France 1981-1982.
São Paulo: Martins Fontes, 2004. P. 340). Trata-se de uma transmissão da verdade
que, malgrada sua condição persuasiva, não mantém familiaridade com a erística,
porquanto o objetivo nesse caso não é a destruição de um adversário discursivo. O
objetivo é a edificação do discípulo. Assim, a parresia lançada pelo mestre, logo é
subjetivada, preservando a autonomia do outro, uma vez que o conteúdo transmi-
tido não constitui uma contradição; o que há realmente é o encontro entre verdade
e sujeito pela parresia na relação de mestria.
Temos, pois, de um lado a parresia política, que, na democracia, se dá no
âmbito erístico do combate à retórica e ao discurso de lisonja. E de outro, a parre-
sia na relação de mestria cujo sentido modifica diametralmente a função da escuta
e a intenção dos atores. Os oponentes políticos se escutam a fim recolher as fragi-
lidades do discurso e apresentá-las ao público. A parresia política desmantela esse
jogo sofístico por meio de uma verdade que irrompe a cena adicionando ao jogo da
linguagem desprovida de sentido moral um componente subjetivo, irredutível às
frias regras da Lógica. As intenções dos atores preservam, no entanto, o caráter
agonístico do jogo político.
Por sua vez, a parresia do mestre atende ao desejo de conhecimento que,
em termos foucaultianos, equivale ao “conhecimento de si” para o “governo de si”
como condição para o “governo dos outros”. Nesse caso, escuta e intenções não
guardam o caráter agonístico do jogo político. Notadamente a parresia na relação
de mestria é tomada como condição para uma governabilidade fundada na ver-
dade. E essa governabilidade passa pelo gerenciamento da cidade enquanto corpo
social, mas também pelo gerenciamento da própria vida. A conexão entre Ética e
Política consiste na formação dos educandos pelo mestre educador, sendo a fina-
lidade dessa formação a implantação da verdade no espaço democrático. Como

25
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

pressuposto dessa importante tarefa, todo docente, deve, pelo uso privado da ra-
zão, obedecer e ensinar obediência às leis, mas, por outro lado, pelo uso público
do entendimento, deve avaliar democraticamente o valor das leis a fim de aperfei-
çoa-las e ajustá-las ao propósito da coexistência democrática e pacífica entre ho-
mens e mulheres.
Têm-se trabalhos atuais realocando o uso da parresia em áreas como Di-
reito, Psicologia, Pedagogia e outras atividades humanas que envolvem distribui-
ção de poder. Esse novo olhar remete a trabalhos anteriores de Foucault nos quais
o filósofo afirma que a constituição desses saberes modernos emanam do exercício
de certos poderes. A importância de tais estudos consiste na imposição de uma
vitória do poder que cuida em detrimento do poder que domina. Quanto mais
conscientes, menos dominados.
Foi nesse sentido, que procurou-se aqui reunir elementos para uma refle-
xão sobre a verdade como pano de fundo da Política, da Filosofia, da Educação, da
História da Filosofia na figura de suas áreas tradicionais. E essa verdade é a parre-
sia. Não é a verdade do desvelamento das coisas dadas – alethéia – mas é a verdade
como acontecimento que irrompe no tempo fazendo coisas desaparecerem e ou-
tras novas surgirem. A parresia é a verdade criadora e transformadora do mundo.
Cabe ao homem democrático ampliar e aprimorar os espaços de aparição desse
tipo de palavra. Diretamente proporcional é o sufocamento da verdade em relação
ao assombro da dominação, seja qual for a relação de poder: assistente/assistido,
educador/educando, médico/paciente, clérigos/leigos, governantes/governados.
Como se pode ver, o poder sem a verdade é dominação, ao passo que o poder atre-
lado à verdade é cuidado, e esse cuidado é dever da comunidade humana.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
DUBOIS, C. Heidegger: Introdução a uma leitura. Tradução de Bernardo Barros
Coelho de Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004.
FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. Curso no Collège de France 1981-
1982. Tradução de Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
_______________. A coragem da verdade: O governo de si e dos outros II : Curso no
Collège de France 1983-1984. Tradução de Eduardo Brandão. Editora: WMF
Martins Fontes. São Paulo. 2010.
_______________. O governo de si e dos outros: Curso no Collège de France 1982-
1983. Tradução de Eduardo Brandão. Editora: WMF Martins Fontes. São Paulo,
2010.
GILSON. E. A Filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes. 1995.
HEIDEGGER, M. Introdução à filosofia. Tradução de Marco Antônio Casanova.
2ed. São Paulo: Martins Fontes. 2009.
KANT, I. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: Terceira
edição. 1994.
_______________. “Resposta à pergunta: que é o Iluminismo”. In: KANT, I. A paz
perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70. 1995.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

SALA DE AULA INVERTIDA COMO FACILITADOR


PARA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
NO ENSINO DE MATEMÁTICA

Aldair Martins do Nascimento

1. BREVE HISTÓRICO DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL


Nas últimas décadas, o ensino público brasileiro, tem passado por muitas
transformações, promovidas primordialmente pelo menos no âmbito teórico, por
documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e mais recente-
mente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Estes dois documentos apon-
tam para a necessidade de renovação do ensino escolar em âmbito nacional,
considerando aspectos como a formação de professores, estrutura e materiais di-
dáticos e uma renovação no currículo escolar, que atenda às necessidades emer-
gentes no mercado de trabalho.
Por outro lado, cada vez mais têm aparecido nestes documentos, orienta-
ções que apontam para a formação do ser humano de maneira integral. Tal pers-
pectiva considera não só o desenvolvimento de competências técnicas, mas
também dá mais ênfase na consolidação de competências socioemocionais, neces-
sárias para formar um cidadão mais consciente de si e das relações que desempe-
nha com os outros.
As formas de ensinar sempre estiveram passando por transformações, no
entanto, há uma demanda por parte do mercado de trabalho e da sociedade como
um todo que essas transformações ocorram de maneira mais acelerada. Neste con-
texto, o ensino de matemática também deve se modernizar, principalmente no que
se refere aos métodos de ensino.
Antes de elencar algumas metodologias contemporâneas no ensino de
matemática, torna-se pertinente realizarmos uma breve retrospectiva histórica,
formando assim uma visão ampla de como as metodologias, e as concepções do
ensino de matemática foram sendo construidas ao longo do tempo.
Iniciando pelo Brasil colônia, período entre 1500 a 1822, marcado pela in-
fluência dos grupos jesuítas. Os jesuítas foram os responsáveis por criar as primei-
ras escolas elementares nas vilas do Brasil, segundo Gomes (2012):
O primeiro grupo de jesuítas chegou ao Brasil em 1549, junto com o primeiro
governador-geral, Tomé de Souza. Esses seis padres, liderados pelo padre Ma-
nuel da Nóbrega, foram os responsáveis pela criação da primeira escola elemen-
tar, na cidade de Salvador. A rede de educação jesuíta ampliou-se com a fundação

29
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

de outras escolas elementares (em Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito
Santo e São Paulo de Piratininga) e dos colégios, gradualmente estabelecidos na
Bahia (1556), no Rio de Janeiro (1567), em Olinda (1568), no Maranhão (1622),
em São Paulo (1631) e, posteriormente, também em outras regiões. (GOMES,
2012, p. 14)

O grande objetivo dos jesuítas era levar a palavra de Deus para os índios,
que eram divididos em muitas tribos ao longo do Brasil e tinham uma cultura bem
distinta dos Europeus. Para os portugueses era necessário ensinar ao povo indí-
gena sobre a visão de mundo cristã imposta pela Igreja Católica, para que suas
almas fossem salvas da condenação eterna. Sobre essas missões Aranha (2006) sa-
lienta que:
Desde o século XVI e durante o XVII, o modelo de catequese dos índios alterava-
se, com o confinamento dos indígenas nas reduções ou missões, povoamentos
com organização bem complexa, que incluía conversão religiosa, educação e tra-
balho. As que mais se destacaram foram as missões da Amazônia e, ao Sul, as da
região do Rio da Prata. Na Amazônia, as missões dos carmelitas e dos francisca-
nos instalaram-se na margemesquerda do rio Amazonas, e na margem direita,
para o sul, acomodaram-se os jesuítas. Dentre estes, destacou-se a atuação do
Padre Antônio Vieira, que ficou na história devido à sua eloquência e aos Ser-
mões, considerados verdadeiras peças literárias. Mas a luta de Vieira contra os
colonos que escravizaram indígenas foi cheia de percalços, desde a primeira vez
em que esse missionário, conselheiro do rei português D. João IV, chegou ao Bra-
sil, em 1653. Sua tarefa era evangelizar erguer igrejas e realizar missões entre os
índios do Maranhão. Vencido pelos colonos, por duas vezes precisou se retirar,
retornando em 1680, ao recuperar seu prestígio. A essa altura, as missões jesuíti-
cas já eram bastante ativas, com criação de gado e plantações de cana, algodão e
cacau. (ARANHA, 2006, p. 167)

Nas primeiras escolas construídas pelos jesuítas, além de ensinar a ler e


escrever, a língua portuguesa e os preceitos bíblicos, já ensinavam conteúdos ma-
temáticos básicos. Porém, como esclarece Gomes (2012), o ensino de matemática
não era prioridade nessa época, o que contribuiu para um estudo superficial dessa
disciplina nas escolas elementares do Brasil colônia.
[...] no quediz respeito aos conhecimentos matemáticos, contemplava-se o en-
sino da escrita dos números no sistema de numeração decimal e o estudo das
operações de adição, subtração, multiplicação e divisão de números naturais.
Nos colégios, o ensino ministrado era de nível secundário, e privilegiava uma
formação em que o lugar principal era destinado às humanidades clássicas. Ha-
via pouco espaço para os conhecimentos matemáticos e grande destaque para o
aprendizado do latim. Sobre o ensino desses conhecimentos, conhece-se pouco:
por exemplo, sabe-se que a biblioteca do colégio dos jesuítas no Rio de Janeiro
possuía muitos livros de Matemática. No entanto, estudos realizados por muitos
pesquisadores conduzem à ideia geral de que os estudos matemáticos eram re-
almente pouco desenvolvidos no ambiente jesuíta. (GOMES, 2012. p.14)

Nesse sentido,pode-se concluir o relato de Gomes (2012), no começo do


Brasil colonial, as poucas instituições que tinham a prerrogativa de ensinar, esta-
vam preocupadas em evangelizar ao contrário de trabalhar com um conhecimento
mais científico, a exemplo da matemática. No ano de 1759, um acontecimento

30
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

modificou esta dinâmica de ensino brasileiro, neste ano, os jesuítas foram expulsos
peloentãoprimeiro-ministro de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo, o
marquês de Pombal.
Quando o marquês ordenou a expulsão de todos os padres jesuítas do
Brasil, os 17 colégios que haviam na época ficam sem administração por um curto
período, visto que os padres jesuítas eram os principais responsáveis por tais ins-
tituições. De acordo com Gomes (2012) a situação foi um pouco atenuada quando
o Marquês de Pombal, em 1772, publicou um alvará criando as chamadas as “aulas
régias”, que eram efetivadas de maneira isolada, “primeiramente a gramática, o la-
tim, o grego, a filosofia e a retórica, posteriormente, as disciplinas matemáticas:
aritmética, álgebra e geometria. Eram aulas avulsas, em relação aos conhecimentos
matemáticos, há indícios de que haviam poucos alunos e, também, que era difícil
conseguir professores.”
Em resumo, o que se conhece dessa fase é que o número de aulas de Matemática
era pequeno e essas aulas tinham baixa frequência. Uma ocorrência importante,
no Brasil do fim do século XVIII, no que diz respeito ao destaque à Matemática
e às ciências, foi a criação do Seminário de Olinda pelo bispo de Pernambuco,
Dom Azeredo Coutinho, em 1798. Essa instituição, que funcionou a partir de
1800 e não formava somente padres, tornou-se uma das melhores escolas secun-
dárias do Brasil2. Ela conferiu importância ao ensino dos temas matemáticos e
científicos, e era estruturada em termos de sequenciamento dos conteúdos, du-
ração dos cursos, reunião dos estudantes em classes e trabalho de acordo com
um planejamento prévio. (GOMES, 2012 p. 15)

As aulas régias criadas pelo Marquês de Pombal possibilitou o acréscimo


de disciplinas aos colégios que antes serviam principalmente para estudos relaci-
onados a Bíblia. O enfoque no estudo de conteúdos matemáticos não eram priori-
dade, mas em relação a lista de conteúdos matemáticos depois do alvará de
Pombal, observa-se que houve um avanço, mesmo que ainda tímido. Durante todo
o período do Brasil colônia e em boa parte do Brasil Império, segundo Gomes
(2012) a educação brasileira se resumia às “aulas avulsas, havia seminários e colé-
gios mantidos por ordens religiosas, escolas e professores particulares, e os cha-
mados Liceus nos atuais estados do Rio Grande do Norte, da Bahia e da Paraíba”.
Entretando uma modificação mais radical no ensino e no meio cultural ocorre com
a chegada de D. João VI e da corte portuguesa ao Brasil, em 1808.

1.1 A educação no Brasil Império (1822-1889)


Incentivado por muitos atritos com a corte portuguesa, Dom João VI de-
cide vir para o Brasil com toda a corte portuguesa e se instalar no Rio de Janeiro.
Essa mudança provocou transformações estruturais e culturais, a cidade do Rio
de Janeiro teve que se adaptar com às necessidades do Rei e sua corte, junto com
várias decisões administrativas, promoveram uma enorme transformação social.

31
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A partir desse momento foram criadas várias instituições culturais até


então inexistentes nas colônias, dentre elas podemos destacar a Academia Real da
Marinha (1808) e a Academia Real Militar (1810), ambas localizadas no Rio de Ja-
neiro, esta última foi criada com o intuito de formar engenheiros civis e militares;
cursos de cirurgia, agricultura e química, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios
(1816), o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, entre outras.Sobre este período his-
tórico brasileiro Aranha (2006) aponta que:
Medidas econômicas adotadas beneficiava a aristocracia rural, que, no entanto,
seachavaexcluídadasdecisões políticas, esferaemqueosricoscomerciantes portu-
gueses tinham melhor trânsito. A tensão entre esses dois segmentos da socie-
dade, a alta taxação de impostos e as ideias iluministas contra o absolutismo real
criaram um clima de animosidade que preparou a Independência do Brasil.De-
vido a turbulências em Portugal, D. João VI retorna à metrópole, deixando aqui
o príncipe, que proclamou a Independência em 1822, assumindo o nome de D.
Pedro I. Esse movimento significou a vitória do partido brasileiro, dos modera-
dos, constituído pelosgrandesproprietários de terra, defensores da manutenção
do escravismo, bem como de liberais conservadores. Assim, enquanto na Europa
o liberalismo caminhava a passos largos para a industrialização, no Brasil a re-
forma política não propiciou mudanças econômicas e sociais significativas.Em
1831, D. Pedro I abdicou (para assumir a Coroa em Portugal, como Pedro IV),e,
devido à menoridade de seu filho, o Brasil foi governado por regentes desde a-
quela data até 1840, quando começou o Segundo Império, com D. Pedro II [...]. O
trabalho assalariado de milhares de imigrantes também já se tornara significa-
tivo na década de 1870, substituindo aos poucos a mão de obra escrava. A atua-
ção do barão de Mauá imprimiu pequeno surto industrial com a produção de
navios a vapor, construção de estradas de ferro, instalação de telégrafo e abertura
de bancos. Embora o processo de industrialização não tenha sido levado a bom
termo, devido às falências, às cidades cresceram e a sociedade tornou-se mais
complexa com o aumento dos quadros da pequena burguesia urbana.
(ARANHA, 2006, p. 231)

É inegável que todos esses acontecimentos descritos por Aranha (2006)


desencadearam mudanças também na educação. Agora a sociedade brasileira pos-
suía uma aristocracia que necessitava de instituições educacionais, no entanto,
pode-se notar o cerne da desigualdade social tão presente no Brasil até os dias a-
tuais. A constituição de 1824 preconizava a gratuidade da instrução primária para
todos os brasileiros e em 1827 foi criada a primeira lei de instrução pública nacio-
nal no Império, de acordo com esta lei, deveria existir uma escola em cada vila,
cidade e locais populosos. A lei estabelecia escolas separadas para meninos e me-
ninas além de estabelecer os conteúdos que deveriam ser ensinados, Gomes (2012)
esclarece que:
No ensino das primeiras letras, a Matemática estava presente: “primeiras letras”
significavam, afinal, “ler, escrever e contar”. É interessante notar que a lei de ou-
tubro de 1827 diferenciava a educação para meninos e meninas, prevendo escolas
separadas para os dois sexos. O currículo para as escolas de meninos envolvia
“ler, escrever, as quatro operações aritméticas, prática de quebrados, decimais e
proporções, noções gerais de geometria, gramática da língua nacional, moral
cristã e doutrina católica”. As escolas para meninas existiriam nas localidades
mais populosas, seriam dirigidas por professoras e em seu currículo eliminava-

32
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

se a geometria e a prática de quebrados, incluindo-se o ensino de práticas im-


portantes para a economia doméstica. (GOMES, 2012, p. 16)

Estas instituições escolares praticavam uma estratificação de gênero fun-


damental que envolvia o ensino de matemática: ela seria destinada apenas para os
meninos. Tal ideia é justificável pelo momento histórico que limitava a ação social
das mulheres, o espaço feminino era relacionado ao casamento e ao cuidado com
os filhos, neste contexto seria “desnecessário” ensinar matemática para as meni-
nas. Seria mais coerente ensinar-lhes economia doméstica pois eram o contexto
social destinado para as mulheres. Contudo esta lei é importante, pois coloca a
educação como um direito social embora neste momento não fosse possível cons-
tituir um sistema de educação nacionalque chegasse a todos. Umoutro aspecto
importante que se deve ter em mente é que os índios e escravos negros não estavam
contemplados nesta lei como um público alvo dessa educação, Gomes (2012) de-
fende que:
No que concerne ao ensino secundário, no início do século XIX, os colégios, li-
ceus, ginásios, ateneus, cursos preparatórios anexos às faculdades e seminários
religiosos tinham como objetivo a preparação dos estudantes para os exames de
acesso às academias militares e poucas escolas superiores existentes no país. A
partir da metade do século, cresceu o número de colégios particulares em quase
todas as províncias, que também passaram a oferecer ensino público no nível
secundário. O currículo não era uniforme, mas as disciplinas priorizadas eram o
latim, o grego, a retórica, a poética, a filosofia e as línguas modernas. No Rio de
Janeiro, o Município da Corte, em 1837, o ministro Bernardo Pereira de Vascon-
celos, inspirado na organização dos colégios franceses, criou o Imperial Colégio
de Pedro II, concebido para funcionar como internato e externato. O Colégio
dava o grau de bacharel em letras aos alunos aprovados em todas as disciplinas
durante os sete anos do curso e os alunos concluintes eram dispensados dos e-
xames de ingresso aos cursos superiores. (GOMES, 2012, p. 20)

Devemos notar que o público desse ensino era bem específico, destinado à
elite econômica masculina do país, que deveria ser preparada para ocupar cargos
político-administrativos e/ou para ingressar em cursos superiores, nas poucas uni-
versidades que existia no Brasil. Também era comum os filhos do sexo masculino da
elite irem até Portugal para fazerem cursos universitário. A educação das mulheres
da classe privilegiadas consistia de uma educação para o lar, geralmente ensinavam
a ler, aprendiam a tocar piano e falar francês e outras prendas femininas. Estas mu-
lheres sabiam pouco ou quase nada de matemática, neste momento histórico nacio-
nal os conhecimentos matemáticos não faziam parte do universo feminino.

1.2 O Ensino de Matemática no Brasil República (a partir de 1889)


De acordo com Romanelli (2001) no período da proclamação da república
a taxa de analfabetismo da população brasileira era de cerca de 85%. Tal ambiente
representava um desafio para o primeiro ministro titular do Ministério da Instru-
ção, Correios e Telégrafos, Benjamin que deveria promover uma reforma no

33
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sentido de modernizar o sistema de ensino na então capital brasileira, Rio de Ja-


neiro. E foi o que ele fez por meio do Decreto 981 que institui a instrução pública
de nível primário e secundário no Distrito Federal. Sobre esta lei Gomes (2012)
apresenta:
A lei buscava romper com a tradição humanista e literária do ensino secundário
pela adoção de um currículo que privilegiava as disciplinas científicas e mate-
máticas. A Matemática era tida como a mais importante das ciências no ideário
positivista do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), ao qual aderiram Ben-
jamin Constant e o grupo de militares brasileiros que liderou a proclamação da
República. Assim, essa disciplina adquire grande relevância na proposta da Re-
forma Benjamim Constant, particularmente nos sete anos que compunham a e-
ducação secundária. (GOMES, 2012, p. 17)

Este foi um momento de profundas transformações no ensino brasileiro,


pois foi aqui que se construiu as bases do sistema educacional, que vigora com
algumas modificações até hoje. De acordo com Gomes (2012):
[...] o início da República foi o momento da implantação de um novo modelo de
organização, o dos grupos escolares, e o estado pioneiro nessa medida foi São
Paulo, em 1893. Esse modelo, que logo se difundiu pelos outros estados, reunia
as classes em séries, estruturadas progressivamente, com cada série numa sala,
com um professor, e grupos de quatro ou cinco séries reunidos em um mesmo
prédio. Em Minas Gerais, os grupos escolares foram estabelecidos em 1906, du-
rante o governo de João Pinheiro, e se organizavam em quatro séries. Na década
de 1920, num contexto de profundas mudanças políticas, econômicas e sociais,
realizaram-se, em diversos estados brasileiros e no Distrito Federal, reformas no
sistema de ensino relativas à educação primária e à formação de professores para
esse nível. As mudanças efetivadas pelas legislações estaduais e do Distrito Fe-
deral vinculavam-se ao movimento pedagógico conhecido, entre outras denomi-
nações, como Escola Nova ou Escola Ativa. (GOMES, 2012. p. 25)

Em 1931, de Acordo com Saviani (2007) havia um conflito entre pensado-


res católicos e liberais. Para os católicos o sistema educacional deveria está vincu-
lado à Igreja e a moral cristã, já os pensadores liberais defendiam que o ensino
deveria se pautar nos conhecimentos advindo das ciências, principalmente exatas
e humanas. Foi com este espírito de renovação que em 1932 durante a IV Confe-
rência Nacional de Educação foi publicado O Manifesto de Educação Nova, esta-
belecendo de vez uma ruptura entre o pensamento católico e o pensamento mais
liberal. Para Saviani (200) este manifesto construiu uma base política na “moder-
nidade que alicerçaria a educação e a sociedade brasileira até a atualidade. Nos
primeiros parágrafos do documento “saltam” do papel a primazia da administra-
ção escolar estabelecida como fator fundamental para a solução dos problemas e-
ducacionais agravados no regime republicano”. Para Luna (2019):
O Movimento da Escola Nova surgiu em resposta à uma sociedade tecnológica e
industrial, nutrindo-se de uma ideologia progressista e democrática, sendo John
Dewey 12 Um dos principais nomes desse movimento. As Ideias educacionais de
Dewey Auxiliaram Uma conjuntura de mudanças trazendo industrialização,
modernidade e democratização da sociedade. (LUNA, 2019, p. 35)

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Dentro do texto do manifesto é possível encontrar diversas menções ao


ensino mais científico ligado à matemática e as demais ciências, não só no ensino
primário e secundário, mas também nas universidades. No trecho abaixo desta-
cado do manifesto podemos perceber bem tal tendência.
A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das pro-
fissões “liberais” (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente eri-
gir-se à altura de uma educação universitária,sem alargar para horizontes
científicos e culturais sua finalidade estritamente profissional e sem abrir seus
quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos ci-
entíficos, elevando-as todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de
sua organização, acessível a todos. Ao lado das faculdades profissionais existen-
tes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou sucessiva,
em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de
ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras, que, atendendo à
variedade de tipos mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universi-
dades que se criarem ou se reorganizar em um campo cada vez mais vasto de
investigações científicas.(AZEVEDO, 2010. p. 55)

Além de pregar uma educação completamente baseada no conhecimento


científico, o manifesto aponta para a necessidade das universidades oferecerem
uma educação que contemplem não só as habilidades técnicas, necessárias ao de-
sempenho de profissões mais laborais. A universidade também deve formar indi-
víduos pesquisadores que possam ampliar o conhecimento científico e contribuir
para sua popularização, Azevedo (2010) destaca:
A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita,
como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e téc-
nica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em
todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira
que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora
de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência
feita) e de vulgarizador e popularizador, pelas instituições de extensão univer-
sitária, das ciências e das artes. (AZEVEDO, 2010, p. 55)

Por tudo o que foi exposto até aqui, torna-se notável que o Manifesto da
Escola Nova foi um divisor de águas no que se refere a importância dada ao ensino
da matemática e das demais ciências nos contexto escolares, tanto do ensino pri-
mário e secundário, bem como também das universidades. Neste sentido tivemos
posteriormente, a elaboração de dois documentos que trouxeram ainda mais con-
tribuições. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e os Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCNs).

1.3 A LDB e os PCNs


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) tem a função de definir e
regulamentar toda a educação no território nacional. Portanto ela é uma lei de fun-
damental importância para se compreender como a educação se configura. Ela não

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

só apresenta as regras de organização, mas também estabelece as concepções teó-


ricas e filosóficas que sustentam um sistema de ensino.
Ao todo o Brasil teve três LDBs, a primeira versão foi publicada em 20 de
dezembro de 1961 pelo presidente João Goulart, seguida por outra versão em 1971,
em pleno regime militar, que vigorou até a promulgação da mais recente em 1996.
As LDBs de 1961 e 1971 ignoraram a importância das línguas estrangeiras ao deixa-
rem de incluí-las dentre as disciplinas obrigatórias: Português, Matemática, Geo-
grafia, História e Ciências. As duas primeiras versões da LDBs deixaram a cargo
dos Conselhos Estaduais decidir sobre o ensino de línguas. Desde então observou-
se uma explosão de cursos particulares de inglês, com a intensificação do senso
comum de que não se aprende língua estrangeira nas escolas regulares. Portanto a
inclusão do estudo de uma língua estrangeira é tido como um avanço em relação
ao que se tinha anteriormente.
Já a LDB 9394/96 reafirma o direito a educação, garantido pela Constitui-
ção Federal no qual estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado.
Além disso, estabelece qual é a relação que o poder público deve ter com a educa-
ção pública escolar, definindo as responsabilidades em regime de colaboração en-
tre a União, os Estados, o Distrito Federal e Municípios. Em seu artigo 1º esta LDB
define a educação como “Art. 1º A educação abrange os processos formativos que
se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas institui-
ções de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais”.
Em seu artigo 2º a LDB além de demonstrar quais são os agentes respon-
sáveis pela educação, ela estabelece a finalidade da educação, oferecendo uma jus-
tificativa para a existência do próprio sistema de ensino: “Art. 2º A educação, dever
da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de soli-
dariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Ao analisar o Artigo 2 da LDB percebemos que a educação não deve estar
pautada apenas na transmissão de conteúdos desconectados da realidade dos alu-
nos. O Que se ensina e o Como se ensinar deve, necessariamente, contribuir para
que os discentes tornem-se indivíduos capazes de compreender e exercer efetiva-
mente a cidadania, bem como estarem preparados para o mercado de trabalho em
crescente evolução.
Outro documento relevante para a educação são os Parâmetros Curricu-
lares Nacionais (PCNs). Criados nos anos de 1997 e 1998 e tinham como objetivo
de o estabelecimento dos parâmetros para orientação dos professores na constru-
ção de seus planos e aulas e metodologias de trabalho, por meio da normatização
de alguns fatores fundamentais que disciplina demandava. Esses parâmetros

36
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

abrangem tanto a rede pública, como a rede privada de ensino, conforme o nível
de escolaridade dos alunos.
A grande meta dos PCNs é garantir aos educandos o direito de usufruir
dos conhecimentos necessários para o exercício da cidadania. Embora não sejam
obrigatórios, os PCNs servem como norteadores para professores, coordenadores
e diretores, que podem adaptá-los às peculiaridades locais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais referente ao ensino fundamental da dis-
ciplina de matemática A Matemática caracteriza-se como uma forma de com-
preender e atuar no mundo e o conhecimento gerado nessa ·relação do saber
como um fruto da construção humana na sua interação constante com o con-
texto natural, social e cultural.Está visto que aquela presente na maioria da so-
ciedade e na escola que considera a Matemática como um corpo de
conhecimento imutável e verdadeiro, que deve ser assimilado pelo aluno. A Ma-
temática é uma ciência viva, não apenas no cotidiano dos cidadãos, mas também
nas universidades e centros de pesquisas, onde se verifica, hoje,uma impressio-
nante produção de novos conhecimentos que, a par de seu valor intrÌnseco,de
natureza única, ̇úteis na solução de problemas científicos e tecnológicos da
maior importância. (PCN de Matemática)

Nesse sentido, os PCNs de matemática apontam para a construção do


entendimento de que a matemática é uma área de conhecimento presente no con-
texto social. Cabe ao professor de matemática a utilização de ferramentas didáti-
cas que possibilite aos alunos perceberem esta matemática viva no meio social e
aplicar os conhecimento matemática na resolução de problemas do cotidiano.
Em outro trecho, o documento fala do modo como os conteúdos matemá-
ticos são apresentados aos alunos e traz sugestões valiosas para o ensino de con-
ceitos matemáticos mais complexos.
A prática mais frequente consiste em ensinar um conceito, procedimento ou téc-
nica e depois apresentar um problema para avaliar se os alunos são capazes de
empregar o que lhes foi ensinado. Para a grande maioria dos alunos, resolver um
problema significa fazer cálculos com os n úmeros do enunciado ou aplicar algo
que aprenderam nas aulas. Desse Modo, o que o professor explora na atividade
matemática não é mais a atividade, ela mesma, mas seus resultados, definições,
técnicas e demonstrações. [...] A resolução de problemas, na perspectiva indi-
cada pelos educadores matemáticos, possibilita aos alunos mobilizar conheci-
mentos e desenvolver a capacidade para gerenciadoras informações que está ao
seu alcance. Assim, os alunos terão oportunidade de ampliar seus conhecimen-
tos acerca de conceitos e procedimentos matemáticos bem como de ampliar a
visão que têm dos problemas, da Matemática, do mundo em geral e desenvolver
sua autoconfiança. (PCN matemática, p. 40)

Nesta perspectiva, o ensino de matemática deve ser direcionado, em


parte, para a resolução de problemas, sejam eles concretos ou idealizados. Os con-
ceitos matemáticos não podem serem vistos como meras abstrações. Pelo contrá-
rio, ao estudar matemática, os discentes devem ser capazes de, a partir, de
conceitos abstratos, pensar em soluções para problemas práticos que envolvam o
uso de algum conhecimento matemático.

37
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Para atingir tal objetivo, o professor pode usar diversas técnicas e metodolo-
gias de ensino para potencializar suas aulas. Dentre elas, as aulas invertidas, que po-
dem ser usadas para estimular os alunos a resolverem problemas usando a matemática.

2. A SALA DE AULA INVERTIDA E A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


Ao falar em sala de aula invertida pode se pensar primeiramente: mas afi-
nal o que se inverte? Para entendermos melhor o conceito de sala de aula invertida,
devemos pensar na aula como um momento do dia que os alunos estão em contato
com o professor, durante um certo período de tempo. Neste período de tempo o
professor deve mostrar aos alunos os conceitos relativos a um determinado conte-
údo, fazer indagações, instigar a curiosidade, fazer uma introdução ao conteúdo,
explicar tal conteúdo, tirar dúvidas, fazer atividades.
Nesse exercício de pensamento, a aula é o momento propício, se não o
momento principal, onde o professor por meio da proposição de várias situações
didáticas, ajuda os alunos a compreenderem um determinado conteúdo. O con-
ceito de sala de Aula Invertida remete a ideia de se “inverter” o que tradicional-
mente é feito em sala de aula, possa ser executado em casa, e o que é realizado
como atividade para casa, possa ser realizado em sala de aula.
Esta metodologia parte da premissa de que o processo de aprendizagem
é realizado em dois momentos: um momento seria em sala de aula, o outro seria
quando o aluno não está na sala, neste caso estaria em casa ou outro ambiente.
Em seu Livro Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem
BERMANN & SAMS (2018) explicam como utilizaram a metodologia de sala de
aula invertida para mudar a dinâmica de sala de aula, favorecendo o aprendizado
dos alunos.
Frequentemente nos perguntam como é a rotina da sala de aula invertida. Em
Essência, começamos cada aula com alguns minutos de discussão sobre o vídeo
que foi visto em casa. Um dos inconvenientes do modelo invertido é o de que os
alunos não podem fazer de imediato as perguntas que lhes vêm à mente, como
teria sido o caso numa aula ao vivo. Para enfrentar essa questão, gastamos, no
começo do ano, um bom tempo treinando os alunos a assistirem ao vídeo de ma-
neira eficaz. Nós os incentivamos a desligar os telefones e outras distrações en-
quanto assistem ao vídeo. Sugerimos que “pausem” e “retrocedam” o professor,
encorajando-os a usarem sem parcimônia o botão de “pausa” para que possam
anotar pontos importantes da lição. Além disso, também orientamos os alunos a
adotarem o método Cornell de anotações, em que transcrevem os pontos impor-
tantes, registram quaisquer dúvidas que lhes ocorram e resumem o conteúdo a-
prendido. Os alunos que praticam esse modelo de anotação geralmente levam
para a sala de aula questões pertinentes que nos ajudam a abordar controvérsias
e equívocos comuns. Também aproveitamos essas perguntas para avaliar a efi-
cácia de nossos vídeos. Se muitos alunos apresentarem dúvidas semelhantes,
fica, assim, evidente a maneira inadequada da abordagem do tópico, e fazemos
anotações para a correção e melhoria do vídeo. Depois de respondermos às per-
guntas, passamos aos alunos as tarefas do dia a serem executadas na sala de aula.
Pode ser experiência em laboratório, atividade de pesquisa, solução de

38
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

problemas ou teste. Como a duração do bloco é de 95 minutos, os alunos, em


geral, realizam mais de uma dessas atividades em qualquer uma das sessões.
Continuamos a avaliar os trabalhos, as experiências em laboratório, e os testes,
da mesma maneira como o fazíamos sob o modelo tradicional. Mas o papel do
professor em sala de aula mudou radicalmente. Deixamos de ser meros transmis-
sores de informações; em vez disso, assumimos funções mais orientadoras e tu-
toriais. (BERMANN & SAMS, 2018 p. 33-34)

A metodologia de sala de aula invertida além de tornar o processo de a-


prendizagem mais dinâmico, uma vez que quebra o paradigma da “aula tradicio-
nal”, estimula o protagonismo dos estudantes, promove o engajamento dos alunos,
além de oferecer aos professores mais elementos de avaliação durante todo o pro-
cesso. A metodologia de sala de aula também é fundamental para tornar processo
de ensino mais personalizável, uma vez que os professores têm mais informações
e elementos para identificar quais alunos estão com mais dificuldades e em quais
conteúdos.
A inversão da sala de aula estabelece um referencial que oferece aos estudantes
uma educação personalizada, ajustada sob medida às suas necessidades indivi-
duais. O movimento para a personalização tem muito mérito, mas, para um ú-
nico professor, personalizar o ensino de 150 estudantes é tarefa difícil e que não
funciona no contexto tradicional. O atual modelo de educação reflete a era em
que foi concebido: a revolução industrial. Os alunos são educados como em linha
de montagem, para tornar eficiente a educação padronizada. Sentam-se em filei-
ras de carteiras bem arrumadas, devem ouvir um”especialista” na exposição de
um tema e ainda precisam se lembrar das informações recebidas em um teste
avaliativo. De alguma maneira, nesse ambiente, todos os alunos devem receber
uma mesma educação. A debilidade do método tradicional é a de que nem todos
os alunos chegam à sala de aula preparados para aprender. (BERMANN &
SAMS, 2018, p.25-26)

A metodologia de ensino da Sala de aula invertida pode ser usada o estudo


de qualquer conteúdo matemática, porém ela tem um potencial muito forte para
ser usada como facilitador de resolução de problemas. A sala de aula invertida
pode tornar o trabalho com a resolução de problemas mais efetivas, nas aulas de
matemática. Ensinar matemática usando resolução de problemas é fundamental,
uma vez que, segundo Guérios & Junior:
A resolução de problema é preconizada por pesquisadores de diferentes tendên-
cias educativas como estratégia para o ensino de matemática na educação básica,
estratégia essa que possibilita, em tese, aprendizagem conceitual dos conteúdos
curriculares provendo-os de significabilidade. (Guérios & Junior)

Ainda sobre a importância de se trabalhar com resolução de problemas


nas aulas de matemática, Pozo (1998) acrescenta:
Os problemas matemáticos têm uma e somente uma resposta correta. Existe so-
mente uma forma correta de resolver um problema matemático e, normalmente,
o correto é seguir a última regra demonstrada em aula pelo professor. Os estu-
dantes ‘normais’ não são capazes de entender Matemática; somente podem es-
perar memorizá-la e aplicar mecanicamente aquilo que aprenderam sem
entender. Os estudantes que entenderam Matemática devem ser capazes de

39
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

resolver qualquer problema em cinco minutos ou menos. A Matemática ensi-


nada na escola não tem nada a ver com o mundo real. As regras formais da Ma-
temática são irrelevantes para os processos de descobrimento e de invenção.
(POZO, 1998, p. 46)

Anteriormente foi destacado que o professor de matemática pode utilizar


a Sala de Aula Invertida para personalizar o ensino, tal como antecipar conteúdos
e verificar o nível de entendimento sobre um conteúdo específico. Isto se dá por
meio de ferramentas com ajuda de ferramentas on-line que pudessem mostrar aos
alunos, conteúdos das aulas antecipadamente ou até mesmo apresentar exercícios
para serem feitos pelos discentes antes ou depois das aulas.
Em um exemplo de uma aula sobre frações, o professor após realizar tes-
tes para verificar se os alunos têm um conhecimento sólido dos números naturais
e operações básicas, ele poderá planejar suas aulas sobre frações de uma maneira
mais segura. Após os diagnósticos, é comum o docente se deparar com alunos que
estão em estágios distintos de compreensão. Estes alunos não podem ser negligen-
ciados pelo professor, mas ele também deve apresentar o conteúdo de fração para
os que têm uma base maior para haver uma devida compreensão do assunto.
Figura 1: Telas do Aplicativo Khan Academy mostrando parte dos conteúdos e
recursos relacionado ao tema Fração.

Através disso, o docente pode utilizar a plataforma Khan Academy para


personalizar o ensino levando em consideração o que cada aluno sabe, a plata-
forma pode ser usada em aplicação dos exercícios de diagnósticos, apresentação

40
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

vídeos sobre o tema ou até mesmo ser usada como exercício de verificação da a-
prendizagem. A plataforma Khan Academy é um site e um aplicativo, que pode ser
baixado em smartfones e tablets, onde o professor cadastra todos os alunos de uma
turma, seleciona conteúdos e direciona a cada aluno. O aplicativo aborda diversos
assuntos matemáticas separados por ano/série e por nível de dificuldade.
No exemplo da aula de fração, depois de realizar um exercício de diag-
nóstico, o professor escolheria os recursos do conteúdo de fração que fossem mais
adequados para o nível de conhecimento de cada aluno. Há possibilidade inclusive
de criar grupos para competir por “medalhas” virtuais.
No Khan Academy o conteúdo de fração é abordado com diferentes re-
cursos incluindo: vídeos explicativos, textos, jogos, desafios e exercícios dinâmi-
cos. Todas estas ferramentas podem ser acessadas com ou sem o sinal de internet,
uma vez que o aplicativo tem a opção de fazer o download de conteúdos para ver
off-line.
Como o Khan Academy oferece conteúdos segmentados por série, o pro-
fessor não teria dificuldades em selecionar recursos sobre o tema abordado a cada
ano do ensino fundamental II. Esta plataforma funciona como um facilitador da
personalização do ensino, bem como um incremento para a sala de aula invertida,
a critério do docente pode ser usada como elemento avaliativo da aprendizagem.

41
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

REFERÊNCIAS
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/ SEF, 1998. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2018.
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ativa de aprendizagem. 1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2018.
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inovadora: Uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
GRANJA, Carlos Eduardo; PASTORE, José Luiz. Atividades experimentais de
Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental. São Paulo: Edições SM,
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BASSALOBRE, Janete. Ética, Responsabilidade Social e Formação de
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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral
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SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
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AZEVEDO, Fernando de... [et al.]. Manifestos dos pioneiros da Educação Nova
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LUNA, Heljer Renato Junho de. Movimento da Escola Nova e Movimento da
Matemática Moderna: dois cadernos de professoras do ensino primário de Minas
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LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. – Brasília: Senado Federal,
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BRASIL. Secretaria de Educação. Fundamental.Par‚metros curriculares nacionais:
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Guérios, Ettiène. Junior, Roberto José Medeiros. Resolução de problema e
matemática no ensino fundamental: uma perspectiva didática.
POZO, J. I. (Org.). A Solução de Problemas - Aprender a resolver, resolver para
aprender. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.

42
ENSAIO: DA INCLUSÃO DIGITAL À INCLUSÃO SOCIAL -
A IMPORTÂNCIA DAS TIC PARA
UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Aldenei Moura Barros 1


Maria João Gomes 2
Anabela Cruz Santos 3

Introdução
Estamos vivendo numa era em que praticamente todas as esferas da soci-
edade vêm sendo transformadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC). A educação como um todo, e a educação especial em particular, também
têm sido impactadas e transformadas pelas TIC. O surgimento de variadas formas
de inclusão educacional e digital proporcionadas aos alunos com necessidades e-
ducacionais especiais pelo emprego das TIC, implica na urgência de estender as
práticas de utilização das mesmas por parte dos professores. Este é um desafio que
se coloca aos professores, a juntar a outros de que nos fala Pierre Lévy em seu livro
“Cibercultura”, a partir do qual podemos perspectivar novos rumos e papeis que a
prática docente exige, muito mais além do papel de difundir o conhecimento, uma
vez que, como assevera Levy, isso pode ser feito de forma mais eficaz por outros
meios. Partindo desta perspectiva, a competência do professor não reside mais em
acumular e transmitir conhecimentos, mas, no dizer de Levy, incentivar a apren-
dizagem e o pensamento. É neste sentido que o professor se tornará um animador
da inteligência coletiva dos grupos ao seu encargo e também um gestor das apren-
dizagens de seus alunos, num contexto de cibercultura.

Da cibercultura à necessidade da info-inclusão


Enquanto alguns denominam os professores e pais de geração “x” e os a-
lunos e filhos de geração “y”, ou no dizer do ex Ministro da Educação (do Brasil)
Aloysio Mercadante, “nós somos analógicos” (pais, professores e adultos em geral)
e “eles são digitais” (alunos, filhos e jovens em geral), o fato é que grande parte dos
educadores não percebe ou entende como as tecnologias de informação e comuni-
cação digitais e em rede mudaram a forma como o jovem de hoje aprende, constrói
e socializa o conhecimento. Por isso é importante que os educadores do século
1
Mestre em Educação Especial/ Universidade do Minho.
2
Instituto da Educação /CIEd - Universidade do Minho
3
Instituto da Educação /CIEd - Universidade do Minho
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

XXI entendam e compreendam o papel das TIC na formação daquilo que conhe-
cemos hoje como cibercultura.
Segundo Lemos cibercultura:
(...) é o conjunto tecnocultural emergente no final do século XX impulsionado
pela sociabilidade pós-moderna em sinergia com a microinformática e o surgi-
mento das redes telemáticas mundiais; uma forma sociocultural que modifica há-
bitos sociais, práticas de consumo cultural, ritmos de produção e distribuição da
informação, criando novas relações no trabalho e no lazer, novas formas de socia-
bilidade e de comunicação social. (LEMOS citado em LEMOS, 2010, p. 21-22).

Em plena era digital é importante que os professores, bem como os edu-


cadores em geral, entendam o estágio atual de desenvolvimento da cibercultura,
pois enquanto tentamos entender e nos adequar a esta ordem estabelecida pelo
atual desenvolvimento tecnológico, os estudantes são praticamente jogados neste
mundo ao nascer. É por isso necessário que os professores da rede pública de en-
sino se apropriem da cultura digital, tendo presente que, como Leite aponta
“(…) existe a profunda necessidade de adquirir uma nova visão da realidade e do
mundo em que estamos inseridos, tendo como base o ciberconhecimento, uma
visão que possibilite assim, a ciberaprendizagem” (LEITE apud MORAES & DE
BASTIANI, 2011; p. 6).

Num contexto de cibercultura a escola não pode dissociar-se da sua res-


ponsabilidade de incorporar as TIC nos contextos e práticas de aprendizagem dos
alunos, de TODOS os alunos. Garantir o acesso às TIC às pessoas com necessida-
des especiais, especialmente alunos com Necessidades Educacionais Especiais
(NEE), significa não apenas salvá-las da exclusão digital, como também salvá-las
da exclusão econômica e social. Importa também considerar que, de acordo com a
UNESCO, existem aproximadamente 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de
deficiência no Brasil, correspondendo a um porcentual de 14,5% da população na-
cional (UNESCO, 2007).

Tecnologias de informação e comunicação e inclusão digital


Denominamos TIC “aos procedimentos, métodos e equipamentos para
processar informação e comunicar que surgiram no contexto da Revolução Infor-
mática, Revolução Telemática ou Terceira Revolução Industrial, desenvolvidos
gradualmente desde a segunda metade da década de 1970 e, principalmente, nos
anos 90 do mesmo século” (RAMOS, p. 5, 2008).
As TIC digitais transformaram a sociedade do século XXI numa socie-
dade dominada pela cultura digital. A cultura digital permeia o processo de comu-
nicação e exige a necessidade urgente de se promover a inclusão digital dos
indivíduos que a compõem. Meregalli ressalta a importância da inclusão digital
nos seguintes termos:

44
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

“À medida que aumenta a necessidade social da Inclusão Digital como forma de


comunicação, a mesma torna-se mais abrangente, democrática e popular, facili-
tando sua incursão no processo de inclusão social” (MEREGALLI, 2010, p. 2).

Promover a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais


na sociedade passa, forçosamente, pela educação, e num contexto de sociedade da
informação (e comunicação) implica criar condições de acesso e uso das TIC desde
a infância. Percorrer este caminho exige que o papel do professor quanto ao em-
prego das TIC seja repensado, pois no entender da UNESCO, “intervenções base-
adas em TIC também precisam se encaixar em outros contextos do ambiente de
aprendizagem, incluindo o papel do professor” (UNESCO, p.26, 2013). Capacitar
o professor para a utilização das TIC no contexto educativo é uma premissa im-
portante neste processo.
De acordo com Santarosa (1997), o emprego das TIC em apoio a pessoas
com necessidades educacionais especiais ocorre em duas dimensões. Na primeira,
elas podem ser utilizadas como meios de apoio à comunicação (por exemplo, no
apoio às dificuldades ao nível da linguagem) e à aprendizagem, constituindo-se
como elementos de suporte aos processos de inclusão de alunos com NEE, tanto a
nível social quanto educacional, neste caso funcionando como tecnologias assisti-
vas ou constituindo-se como objeto de aprendizagem, quando o objetivo é que os
alunos aprendam a utilizar as tecnologias, de forma a promover a sua inclusão di-
gital. Assim, as TIC podem ser elementos potenciadores da inclusão social das
pessoas com necessidades especiais, quer evitando que estas fiquem excluídas do
acesso aos recursos e potencialidades associados às TIC, quer dotando-as de com-
petências de uso das TIC que lhes permitam ultrapassar algumas das suas limita-
ções, facilitando a sua inclusão social.
Dentro desta perspectiva, as práticas pedagógicas contemporâneas de-
vem promover a inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais atra-
vés do uso das tecnologias de informação e comunicação, facilitando o
desenvolvimento da aprendizagem e ampliando seus direitos de cidadania através
da inclusão digital.
Costa e Moreira (2010) defendem a perspectiva de que é preciso haver
um engajamento por parte de todos os setores da sociedade no sentido de envidar
esforços para que a utilização das TIC no processo ensino-aprendizagem se torne
uma realidade. Realidade esta que precisa ser construída por todos os agentes res-
ponsáveis pela educação. Pelos pais, em especial os que têm filhos com NEE, atra-
vés de associações que militem pela implementação imediata de vias que
permitam a acessibilidade na infraestrutura das escolas públicas. Pelos professo-
res e entidades de classe que os representem, ao cobrar das Secretarias Municipais
e Estaduais de Educação a implantação de projetos de formação continuada que
contemplem as TIC e seu contributo na educação de alunos com NEE. Por parte

45
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

do Ministério Público, ao cobrar das autoridades o cumprimento do Estatuto da


Criança e do Adolescente (ECA), bem como da Constituição Federal e do Estatuto
da Pessoa com Deficiência, no sentido de criar e executar políticas públicas edu-
cativas de apoio à alunos com NEE. Importa assumir, como assume Costa e Mo-
reira (2010) a necessidade da inclusão de recursos TIC no currículo de alunos com
NEE, de forma a torná-los acessíveis através dos agentes que possam com efeito
implementá-los em contexto de ensino-aprendizagem destes referidos alunos.

Tecnologias de informação e comunicação e práticas docentes


A questão da formação inicial e continuada dos profissionais da educação
no Brasil encontra seu amparo legal na Constituição Federal de 1988, que em seu
artigo Art. 206, inciso V estabelece a “valorização dos profissionais da educação escolar,
garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso pú-
blico de provas e títulos” (BRASIL, 1998).
Em 1997, através da Portaria nº 522, o Ministério da Educação e do Des-
porto (MEC), instituiu o Programa Nacional de Informática na Educação
(Proinfo) que em seu Art. 1.º tem como finalidade “disseminar o uso pedagógico das tec-
nologias de informática e telecomunicações nas escolas públicas de ensino fundamental e médio
pertencentes às redes estadual e municipal” (BRASIl, 1997). A partir de 2007, o Proinfo
passou a ser conhecido como Programa Nacional de Tecnologia Educacional, cri-
ado pelo Decreto nº 6300 de 12 de dezembro de 2007, que entre outras coisas in-
corporou a redação do Art. 1.º da Portaria n.º 522 constando no seu Art. 1º. Em seu
Parágrafo único, inciso I, como um dos objetivos “promover o uso pedagógico das tecno-
logias de informação e comunicação nas escolas de educação básica das redes públicas de ensino
urbanas e rurais” (BRASIL, 2007). No inciso II reza “fomentar a melhoria do processo de
ensino e aprendizagem com o uso das tecnologias de informação e comunicação” (IBID,
IBIDEM). Também consta no inciso III “promover a capacitação dos agentes educacio-
nais envolvidos nas ações do Programa” (IBID, IBIDEM). Em seu Art. 3.º, inciso II, ca-
berá ao MEC “promover com os Estados, Distrito Federal e Municípios, programa de
capacitação para os agentes educacionais envolvidos e de conexão dos ambientes tecnológicos à
rede mundial de computadores” (BRASIL, 2007). No Art. 4.º, inciso II, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios que aderirem ao Proinfo se responsabilizarão por
“viabilizar e incentivar a capacitação de professores e outros agentes educacionais para utiliza-
ção pedagógica das tecnologias da informação e comunicação”.
Em 25 de junho de 2014 foi aprovada a Lei n.º 13005, que institui o Plano
Nacional de Educação. Neste importante documento estão fixadas as estratégias
que nortearão as políticas públicas educacionais para os próximos dez anos. Neste
documento estão garantidas pela primeira vez a formação inicial e continuada de

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

professores para o emprego das TIC no contexto escolar. Em seu Anexo contendo
as Metas e Estratégias, n.º 5.6 reza “promover e estimular a formação inicial e continuada
de professores (as) para a alfabetização de crianças, com o conhecimento de novas tecnologias
educacionais e práticas pedagógicas inovadoras, estimulando a articulação entre programas de
pós-graduação stricto sensu e ações de formação continuada de professores(as) para a alfabeti-
zação” (BRASIL, 2014). Entre as estratégias para garantir a execução da Meta 4,
universalizar o atendimento educacional especializado para a população de 4 a 17
anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades
ou sobredotação, a de nº 4.3 diz “implantar, ao longo deste PNE, salas de recursos multi-
funcionais e fomentar a formação continuada de professores e professoras para o atendimento
educacional especializado nas escolas urbanas, do campo, indígenas e de comunidades quilom-
bolas” (BRASIL, 2014).
Apesar do cenário promissor garantido pelo avanço da legislação educaci-
onal, que não apenas reconhece a importância da formação inicial e continuada em
TIC e em TIC para o atendimento escolar especializado (AEE), o quadro atual é
bastante desanimador, como salienta Campos, para quem a formação inicial de pro-
fessores ensaia passos na caminhada de implementação das diretrizes curriculares,
e a formação continuada é ainda muito tímida, faltando a definição de programas
que atendam às carências dos professores da escola real (CAMPOS, 2010, p. 87).
À medida que tomam posse do domínio das tecnologias, os professores
inauguram novos horizontes, não apenas na disciplina em que atuam, como em
toda a comunidade escolar na qual estão inseridos. Prado e Valente (2002) enfati-
zam a urgência dos professores aprenderem a usar práticas pedagógicas mediadas
por recursos tecnológicos em seus cursos de graduação. A formação deve propor-
cionar as condições para que possam construir conhecimento sobre os aspectos
computacionais e tecnológicos, compreender as perspectivas educacionais subja-
centes às diferentes aplicações do computador e entender de forma crítica porquê
e como integrar com esses recursos na prática pedagógica, proporcionando ao pro-
fessor as bases para que possa superar barreiras de ordem administrativa e peda-
gógica, possibilitando a transição de um sistema fragmentado de ensino para uma
abordagem integradora de conteúdo e voltada para a elaboração de projetos temá-
ticos do interesse de cada aluno, criando assim condições para que o professor
saiba recontextualizar o aprendizado e a experiência vivida durante sua formação
para sua realidade de sala de aula, compatibilizando as necessidades de seus alu-
nos e os objetivos pedagógicos que se dispõe a atingir (PRADO & VALENTE, ci-
tado em MORAES & DE BASTIANI, 2012, pp. 5 e 6). Através de práticas
pedagógicas mediadas por recursos tecnológicos, o professor disporá de meios
para promover a superação do ensino fragmentário e implementar uma educação
inclusiva, de forma a desenvolver as plenas potencialidades de seus alunos.

47
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Entretanto, o uso das TIC por si só não irá garantir o sucesso de uma prática pe-
dagógica inclusiva se os profissionais da educação que atuam na rede pública de
ensino não estiverem preparados para romperem com práticas centenárias de e-
ducar que praticamente não sofreram alterações desde a descoberta da imprensa
de tipos móveis no século XVI.
Morellato et al (2006) entende que uma das contribuições para que haja
esta ruptura na prática pedagógica está justamente no emprego das TIC, sobre-
tudo na aprendizagem de alunos com NEE, pois seu emprego permitirá a constru-
ção de práticas pedagógicas que concebem os alunos como “sujeitos socioculturais
com experiências e necessidades diversas” (MORELATTO, p.5, 2006).
Em relação à info-exclusão e à igualdade de oportunidades de alunos com
NEE, Ribeiro (2012) entende que o emprego das TIC é fundamental para garantir
o direito à inclusão digital a estes alunos, de forma a proporcionar-lhes condições
plenas de cidadania.
Mas e quanto aos professores? A grande maioria dos educadores demons-
tra certo receio ou até mesmo ignora o papel que as TIC podem oferecer à educa-
ção de alunos com NEE. Ribeiro enfatiza este aspecto quando fala sobre equidade
educativa, ao considerar o papel inclusivo das TIC na educação de alunos com
NEE e chama atenção para o preparo profissional que os educadores precisam ao
lidar com as TIC no dia-a-dia da sala de aula.
Todavia, a implementação das TIC como suporte aos alunos com NEE,
desconstruindo e permitindo a transposição de barreiras e dificuldades, seja como
Tecnologia de Apoio/Produtos de Apoio ou como instrumento pedagógico, neces-
sitam de profissionais cientes das potencialidades e limitações inerentes e, sobre-
tudo, instruídos e dinâmicos, para que uma ferramenta que se pretende de
inclusão não se torne fator de exclusão (RIBEIRO, 2012, pp. 102-103). Assim, a
adequada preparação dos profissionais da educação para lidarem com as TIC no
fazer pedagógico reveste-se de um caráter emergencial.
Ribeiro (2012) reconhece que a utilização das TIC com as NEE é um pro-
cesso complexo, pois não apenas percorre a via da inclusão como também passa
efetivamente pelo trilhar de um novo caminho no preparo eficiente de profissio-
nais que estejam em sintonia com as nuances da era digital, pois na atual conjun-
tura em que as TIC dominam nosso cotidiano e tornam-se parte integrante da vida
das novas gerações é inconcebível que os educadores continuem reproduzindo ve-
lhas práticas que contribuem para perpetuidade de uma sociedade excludente em
sala de aula.
Freitas pondera que um planejamento adequado para que as TIC sejam
incorporadas ao processo de ensino-aprendizagem com eficácia passa pela prepa-
ração adequada dos professores, que precisam romper com velhas práticas do en-
sino tradicional e se adaptar às exigências que os novos tempos da era digital

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

impõem. Assim como no ensino regular, também no ensino especial é de salientar


que a tecnologia por si só não chega, é necessária a preparação do professor para
transmitir os conhecimentos. Uma utilização educativa correta das TIC depende
muito da formação dos professores e da sua capacidade de se adaptar aos diferen-
tes estilos de aprendizagem dos alunos com NEE (FREITAS, 2002/2003, p. 52).
Em síntese, as TIC são hoje fatores determinantes na inclusão de qualquer
cidadão pois proporcionam condições alargadas de acesso à informação e conheci-
mento bem como de interação, comunicação e expressão alargada com base nas re-
des digitais como a Internet. No caso dos cidadãos com necessidades especiais, o
acesso e literacia digital com base nas TIC são um recurso inestimável, não só en-
quanto tecnologias assistivas que os podem ajudar a ultrapassar as suas limitações
específicas, mas também enquanto forma de evitar que venham a integrar um novo
grupo de população objeto de formas de exclusão, no caso a info-exclusão.

Considerações finais
Um aspecto importante a ser compreendido na utilização das TIC na e-
ducação de alunos com NEE é o papel que esta ocupará nas políticas públicas de
formação de professores, uma vez que a simples inserção das TIC na grade curri-
cular dos cursos de licenciatura e pedagogia existentes no país não irá garantir
uma prática pedagógica inclusiva de qualidade. Torna-se necessário desenhar e
implementar programas que contenham disciplinas de TIC e que garantam a qua-
lidade dos processos de ensino-aprendizagem para todos os alunos, nomeada-
mente no que concerne aos alunos com NEE. A formação continua e especializada
permitirá consolidar o uso das ferramentas digitais na educação de alunos com e
sem NEE, e no contributo que elas trarão à aprendizagem destes alunos
(BORTOLOZZO, 2008).
A partir desta perspectiva compreende-se que o emprego das TIC’s como
prática pedagógica possibilita aos alunos com NEE participar do processo educa-
tivo de forma inclusiva, o que em outras situações não seria possível, privando desta
forma estes alunos do direito à educação inclusiva, sem barreiras de nenhuma or-
dem, sejam elas físicas ou conceituais. No entender de Alba (2006), tais barreiras
são utilizadas quando “se planeja a educação para alunos “normais”, sem entender que o nor-
mal é que exista a diversidade; que a normalidade inclui diferentes formas de participar, comuni-
car-se e aprender, mesmo que essas formas sejam eventuais”. (ALBA, 2006, p. 131).
A busca pela implementação de um currículo que contemple a formação
de profissionais da educação que abandonem práticas educativas segregadoras
que teimam em se perpetuar em nossas escolas, deve ser uma preocupação cons-
tante de todas os administradores das diferentes esferas da educação (o MEC, as
secretarias estaduais e municipais de educação) bem como de todos os setores da

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sociedade civil organizada, pois a bandeira da educação inclusiva tem que ser em-
punhada e erguida por todos aqueles que desejam uma educação de qualidade e
igualitária para todos os nossos alunos, sejam eles deficientes ou não.

Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo CIEd - Centro de Investigação em Edu-
cação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, projetos UIDB/01661/2020
e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.

50
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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52
TRABALHO DE CONSCIÊNCIA NEGRA DA ESCOLA
ESTADUAL MONTE SINAI – A FORMAÇÃO IDENTITÁRIA
E O EMPODERAMENTO DOS ESTUDANTES POR MEIO
DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS AFRO-AFIRMATIVAS

Alessandra Assis de Oliveira Soares 1

Esse artigo é a respeito do trabalho desenvolvido na Semana de Consci-


ência Negra da Escola Estadual Monte Sinai, localizada na cidade de Esmeraldas,
região metropolitana de Belo Horizonte – Minas Gerais onde são realizados refle-
xões, debates, exposições e diálogos a respeito do negro, sua identidade e africa-
nidade e papel na sociedade brasileira. Seu objetivo é compreender de que forma
as ações desenvolvidas contribuíram para o empoderamento identitário negro e
autoestima dos alunos afrodescendentes, assim como a desconstrução do precon-
ceito enraizado.
Procuramos ao longo dos anos letivos e com culminância na Semana da
Consciência Negra celebrada em novembro quando se comemora o Dia Nacional
da Consciência Negra, abordar algumas questões presentes de forma recorrente
em nosso cotidiano escolar e nas aulas de história e que podem nos ajudar a com-
preender algumas reações, atitudes e relações estabelecidas no cotidiano escolar.
A Escola Estadual Monte Sinai se localiza no bairro Novo Retiro da ci-
dade de Esmeraldas, região metropolitana da capital mineira Belo Horizonte. O
bairro é uma extensão natural da região de Nova Contagem, da cidade industrial
de Contagem. A região se caracteriza por ser um bairro dormitório, sem grandes
comércios, empresas e cresceu, e ainda cresce, de forma desordenada nos últimos
trinta anos como consequência natural da cidade de Contagem. Exatamente por
isso, seus moradores têm uma identificação e relação muito maior com Contagem
do que com a própria cidade, visto que está há mais de vinte quilômetros do centro
comercial e administrativo de Esmeraldas e com grande escassez de transporte
público até lá.
Assim como a maioria dos bairros periféricos e dormitórios da região me-
tropolitana, a região de Novo Retiro é composta por famílias de classe média baixa
e classe baixa. Em sua grande maioria são famílias de trabalhadores nas fábricas,
indústrias e comércio de Belo Horizonte, Betim e Contagem e sem grande qualifi-
cação profissional e escolaridade.

1
Bacharel e Licenciada em História Professora da Educação Básica – Seduc /MT
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A escola foi inaugurada em dezoito de fevereiro do ano de 2013 e foi fruto


de muita luta dos moradores dos bairros de Monte Sinai, Novo Retiro e Recanto
Verde e Serra Verde desde o inicio do século atual. A construção de uma escola
estava previsto no Plano de Atendimento e Expansão da Rede Estadual de Educa-
ção de Minas Gerais desde o ano de 2004, uma vez que, os alunos da região eram
obrigados a frequentar as escolas existentes no município, no entanto, a mais pró-
xima ficava há uma distância de doze quilômetros da região do Novo Retiro e la-
mentavelmente não possuía infraestrutura para atender todos os alunos, com isso
muitos faziam uma viagem diária de mais de vinte cinco quilômetros por trecho
para poderem estudar. A demanda era tão grande que, desde o ano de 2004 tran-
sitavam pelas rodovias da região quatro escolares no turno matutino, quatro no
turno vespertino e três no turno noturno. Além de gerar um custo altíssimo para
o município, responsável pelo transporte escolar, também significava um grande
risco, já que o trânsito ocorria em uma rodovia estadual extremamente curvilínea
e por isso mesmo, perigosa, como também sem iluminação, acostamento ade-
quado. Em 2009, após reinterados pedidos da comunidade e prefeitura o Governo
de Minas coloca a construção da escola como uma prioridade, porém, ainda era
necessário um terreno para tal construção, ao que a prefeitura na gestão do então
prefeito Flávio Leroy doou o terreno que na época era um campo de futebol para
que fosse finalmente construída uma Escola Estadual de Ensino Médio que aten-
desse à demanda da região.
Tão logo foi inaugurada, a escola naturalmente passou a ocupar um lugar
de destaque na vida dos moradores. Não apenas por ser a única escola de ensino
médio da região, mas também por seu, seu prédio, o único prédio público com in-
fraestrutura mínima para que a comunidade pudesse usufruir e, em pouco tempo
tornou-se um equipamento de ensino, lazer e cultura de toda comunidade. Em
suas dependências passaram ocorrer campeonatos, celebrações religiosas, festas
comunitárias, noivados, chás de bebê, casamento entre outros eventos.
Para este trabalho utilizamos como metodologia a análise de artigos e
textos sobre a temática que nos proporcionou o embasamento teórico necessário,
nossos registros diários da prática docente desenvolvida ao longo dos anos, entre-
vistas semiestruturada com toda a comunidade escolar, a saber: alunos/as/, ex-a-
lunos/as, professores/as e gestores e pais. Cabe salientar que todas as entrevistas
foram realizadas por adesão daqueles que prontamente se disponibilizaram em
responder as perguntas e consentiram o seu uso em nosso estudo. Fizemos a lei-
tura das entrevistas, analisando o significado das falas e fazendo uma relação entre
as mesmas, a bibliografia utilizada e nossas próprias observações com o objetivo
de abranger ao máximo a análise e compreensão do assunto estudado.

54
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A questão da identidade racial no Brasil


O Brasil possui uma das maiores sociedades multirraciais do mundo. De
acordo com o censo de 2016 o país tem um total de 205,5 milhões de habitantes.
Desses 90,9 milhões de brasileiros se autodenominam brancos (44,2%), 16,8 mi-
lhões como pretos (8,2%) 95,9%milhões como pardos (46,7%), 965 mil como a-
marelos (0,47%) e 780 mil como indígenas (0,38%). Isso significa que, do ponto de
vista étnico-racial 54,9% da população brasileira apresenta ascendência negra e
africana que se expressa em sua cultura e∕ou na construção de sua identidade. A-
creditamos que a identidade negra é uma construção pessoal e social e é elaborada
individual e socialmente de forma diversa.
A identidade negra se constrói em um movimento que envolve inúmeras
variáveis, uma vez que é uma construção social, histórica e cultural onde o sujeito
se reconhece na conjunção do grupo étnico-racial, a partir da sua história, cultura
e relações estabelecidas com o outro.
A construção do conceito de identidade está associada ao meio e baseia-
se em fatores culturais, econômicos, étnicos, políticos e geográficos. Munanga
(1994), ao falar de identidade afirma:
[...]a identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades huma-
nas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre selecio-
nou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição
ao alheio. A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade
atribuída) tem funções conhecidas: a defesa da unidade de grupo, a proteção do
território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses
econômicos, políticos, psicológicos, etc. (MUNANGA, 1994. p. 17).

Logo, o conceito de identidade pode ser entendido como um conjunto de


aspectos individuais que caracterizam uma pessoa, mas também um aspecto plu-
ral, constituído a partir das relações que são permanentemente mutáveis como
bem destaca Gomes (2005):
A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os
outros. É um fator importante na criação das redes de relações e de referencias
culturais dos grupos sociais. Indica traços culturais que se expressam através de
práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares, tradições
populares e referencias civilizatórias que marcam a condição humana (GOMES,
2005. p. 41).

Quando falamos de identidade, não podemos nos furtar de falar em dife-


rença, visto que algumas relações estabelecidas entre o eu e o outro são conflituo-
sas e, por mais que se fale sobre igualdade, a nossa sociedade ainda hoje se
estabelece baseada em estereótipos que tem como padrão ideal de identidade o
homem BRANCO, de pele clara, CABELOS LISOS e CRISTÃO. E todos que se
afastam desse padrão vão adquirindo ares de inferioridade.
Apesar de o censo revelar a presença significativa de afrodescendentes e
a autodefinição ter crescido nos últimos censos, é um grande desafio construir

55
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

uma identidade negra positiva em uma sociedade que insiste em pregar∕viver no


mito da democracia racial, negando a desigualdade entre brancos e negros como
fruto do racismo e que em contra partida nos ensina que para sermos aceitos é
preciso nos afastar de nossas raízes e incorporar os valores eurocêntricos.
O negro recebe uma carga de preconceitos e discriminações maiores que
outros povos e grupos, pois além do histórico de escravidão, teve suas caracterís-
ticas físicas e culturais vinculadas a aspectos pejorativos na constituição da soci-
edade brasileira. É o que podemos perceber na fala de algumas das entrevistadas:
Durante anos eu tentava esconder meu cabelo caheado por vergonha e medo dos
olhares maldosos, fiz isso porque desde pequena eu sofri com apelidos como
“bombril” “bucha” dentre outros... Com o cabelo liso eu me sentia menos negra
entende? Parecia que só assim eu estava adequada para os lugares. (Giovana Mo-
reira, 17 anos, autodeclarada negra, formanda 2019)
Durante toda a minha vida ignorei meu cabelo cacheado, sempre escovava e ali-
sava ele tentando me encaixar no que eu via na TV e na internet. (Suely Alves. 19
anos, autodeclarada negra, formanda 2018)
No questionário de uma prova eu coloquei branca porque achava que era “clari-
nha” e que negra é uma palavra forte demais. (Suelem Alves, 20 anos, autodecla-
rada negra, Formanda 2017)
Meu cabelo não era natural, eu me camuflei assim porque o bonito era ter cabelos
lisos, mas hoje estou com os cabelos naturais e muito feliz comigo e minha cor. (Ju-
liana Martins, 19 anos, autodeclarada negra, estudou até o segundo ano em 2016)

Fica evidente a partir dos relatos que as relações étnico-raciais que en-
volvem o negro não são baseadas apenas na pele negra, mas em tudo que a cor da
pele representa na sociedade e que foi construída social e culturalmente.

O Papel da escola na formação da sociedade


Acreditamos que se a educação e por consequência, a escola não é a solu-
ção de tosos os males, pelo menos ocupa um importante lugar na produção de co-
nhecimento, sendo responsável por uma importante parcela da educação dos
cidadãos e, por isso mesmo, deve se posicionar contra todo e qualquer forma de
discriminação, como Gomes (1996) afirma:
A escola não é um campo neutro onde, após entrarmos os conflitos sociais e ra-
ciais permanecem do lado de fora. A escola é um espaço sociocultural onde con-
vivem os conflitos e as contradições. O racismo e a discriminação racial e de
gênero, que fazem parte da cultura e da estrutura da sociedade brasileira, estão
presentes nas relações entre educadores∕as e educandos∕as. [...] Sendo assim, per-
cebe-se na escola a presença da ideologia do branqueamento, que se revela atra-
vés da tentativa de suavizar o pertencimento racial dos∕as alunos∕as e professores
negros∕as. ( GOMES, 1996. p. 56).

Portanto, a escola é um lugar privilegiado na construção da identidade. Os


diferentes sujeitos envolvidos, professores∕as alunos∕as, responsáveis, funcionários e
comunidade escolar constroem diferentes identidades ao longo de sua história de

56
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

vida e a escola como um espaço de aprendizagem e socialização tem grande impor-


tância nisso uma vez que é a instituição responsável pela educação formal dos cida-
dãos e por isso mesmo é mister que ela se posicione politicamente contra toda e
qualquer forma de discriminação, Reconhecer e valorizar outras culturas como a ne-
gra e a indígena são elementos importantes nas relações sociais na escola, no sentido
que ela permite que a comunidade escolar possa perceber a importância das diferen-
ças étnico-raciais na formação e na riqueza cultural de nossa sociedade.
É o que percebemos nas observações feitas pelos alunos quando questio-
nados sobre a importância de se trabalhar as questões étnico-raciais na escola:
“Trabalhar a questão étnico-racial nas escolas, na minha visão é essencial para
aguçar o sentimento de pertencimento e admiração à cultura negra e acima de
tudo, contribui na busca pelo pleno respeito.” (Suely Alves, 19 anos, formanda
2018, autodeclarada parda).
“Na minha opinião é um assunto que deve ser abordado sempre, pois amplia o
conhecimento e a mente de alunos que discriminam outras culturas.” (Brenda da
Cruz, 22 anos, formanda em 2015, autodeclarada negra).
“Eu amo porque assim aprendemos mais sobre outros costumes e culturas e ve-
mos que temos mais semelhanças que diferenças.” (Tayná Santiago, 20anos, for-
manda em 2017, autodeclarada branca).

Como pode-se perceber a escola é um ambiente privilegiado que favorece


trocas culturais e de vivencias de indivíduos oriundos de diferentes grupos étnico-
raciais que compartilham e adquirem não só conteúdos e saberes escolares, mas
compartilham valores, representações e crenças relativos à raça, gênero, classe so-
cial que lhes permitem interpretar significativamente as ações e o mundo que os
cercam. Esse deve ser o principal papel da escola, de desconstruções de conceitos
construídos historicamente e que, quase sempre, levam ao reforço de estereótipos
e representações negativas do que é ser negro(a). Como afirma Gomes (2003, p.77)
“A escola revela-se como um dos espaços em que as representações negativas sobre
todos negros são difundidas. E por isso mesmo, ela também é um importante local
onde estas podem ser superadas”.
Lamentavelmente, as teorias (e práticas) racistas presentes no cotidiano
escolar e na sociedade acabam legitimando o racismo presente no imaginário so-
cial e na prática social escolar. Perceber que ainda existe a ideologia racista no
cotidiano escolar muitas vezes gera desconforto nas relações de trabalho. Um sim-
ples passeio com o olhar mais atento no pátio da escola durante o intervalo, na sala
de professores e os “famosos” Conselhos de Classe podem ser reveladores de como
o racismo se faz presente e se organiza no espaço escolar. Apenas para exemplifi-
car atitudes racistas por parte de profissionais da educação, relato dois fatos ocor-
ridos na referida escola. Em 2016 na Semana de Consciência Negra, durante a
correria para deixar tudo organizado para o início das atividades um professor
simplesmente disse: “Eu vou para biblioteca somar notas porque não gosto dessas

57
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

coisas de preto não”. Em outra situação, em 2018 durante uma de suas aulas em uma
turma do primeiro ano do Ensino Médio, uma professora afirmou que era contrária
ao Dia da Consciência Negra celebrado em vinte de novembro, data em que Zumbi
dos Palmares – símbolo da resistência negra – foi morto, porque não havia o dia da
consciência branca. Ao indagar o professor de filosofia da escola sobre a existência
ou não de um racismo institucionalizado nas escolas, o mesmo respondeu:
Infelizmente sim. Apesar de vermos avanços nessa direção, ainda percebemos
uma certa associação e comportamento relacionado à cor. Na Escola Monte Si-
nai, colhemos os frutos de um trabalho sistemático em relação a tal associação
racista e preconceituosa. Mas ainda escutamos piadas nessa direção e associa-
ções “veladas” por um discurso aparentemente pedagógico, por parte de alguns
educadores. Enquanto professor, vejo uma diminuição nesse “assombramento”
em relação a um professor negro trabalhando na escola. Creio eu, devido a polí-
ticas públicas e a conscientização de parte da população em relação à questão
do negro e os espaços sociais a serem ocupados. Ainda ouço coisas como: Só pode
ser professor de Educação Física e percebo que há um estranhamento por parte
da sociedade em relacionar Professor versus Negro versus Filosofia. Para muitos,
o espaço do negro é em atividade mais corporais e não intelectuais. Até na edu-
cação, muitos associam o professor negro como apenas professor de educação
física. (Wemerson Geraldo, professor de Filosofia há mais de 16 anos)

Tais situações nos fazem indagar como a discriminação e os preconceitos


raciais presentes na dinâmica das relações sociais estão intimamente associadas à
conformação de identidades subalternas no interior das escolas e como estas in-
terferem nos desempenhos e nas trajetórias de escolarização dos alunos.
Infelizmente a escola AINDA é pensada e orientada a partir de valores
machistas da cultura ocidental hegemônica e não valoriza outras culturas, o que
torna um ambiente homogeneizador de corpos e pensamentos e não do exercício
da diversidade. Arroyo (1995, p.25) deixa claro o porquê não devemos ignorar a
questão racial: “Ignorar e reprimir o pertencimento racial do educando é obrigá-lo
a construir um projeto identitário ambíguo. A autoimagem é estruturante do perfil
de nossa identidade social e cultural”.
Muitas vezes o racismo não aparece de forma explícita como foram rela-
tado e, por isso mesmo, as escolas negam sua existência. O racismo como ideologia
é mais difícil de perceber e requer a compreensão de processos históricos como a
escravidão, a segregação, a discriminação e o preconceito, assim como, a compre-
ensão das diferentes heranças culturais. E por isso mesmo é tão importante à prá-
tica do combate a toda e qualquer forma de discriminação nas escolas, seja racial,
de gênero, sexual, dentre outras.
O estudante negro se constitui onde sua cultura não é valorizada, por ser
negro, por ser jovem. Além disso, seu pertencimento étnico-racial sendo ou não
percebido proporciona uma série de situações de constrangimento, discriminação
e outras formas de violência que influenciam decisivamente a sua formação. O ra-
cismo nas escolas leva os estudantes a projetarem suas identidades em conflito

58
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

com a realidade do seu corpo e sua trajetória étnica. Ao serem questionados se


vivenciaram situações de preconceito e/ou discriminação durante a trajetória es-
colar por colegas ou professores, vários alunos se manifestaram:
“Sim, fui muito humilhada por causa dos meus traços fortes, principalmente a
boca. Recebia apelidos de mau gosto que me deixaram muito mal”. (Brenda da
Cruz, 22 anos, formanda em 2015).
“Sim, uma colega de turma fez o seguinte comentário: - Como uma pessoa vem
com o cabelo desse jeito para a escola?”. (Giovanna Moreira, 17 anos, atual ter-
ceiranista).
“Me lembro que em uma edição da Semana da Consciência Negra da escola, um
professor de física optou por ficar na biblioteca para não assistir o evento. Se não
me falha a memória, o professor chegou a fazer pouco caso das atividades da Se-
mana, alegando ser besteira ou algo desnecessário. Considero que o comporta-
mento do professor, por tratar com descaso a Semana da Consciência Negra, seja
um ato de preconceito e discriminação, justamente por não reconhecer a impor-
tância da discussão que o evento proporciona para toda a comunidade acerca
das questões étnico-raciais.”. (Leonardo Vitalino, formando 2016, 20 anos auto-
declarado negro).
“Já passei por algumas situações, como por exemplo, meu cabelo não ser liso e
até mesmo por eu ser negra”. (Juliana Martins Rodrigues, 19anos, estudou na
escola até segundo ano do ensino médio em 2016).

Nesse sentido, é essencial o debate educacional, visto que a escola é im-


portante lócus de enfrentamento e combate ao racismo. Se a escola não proporci-
onar conhecimentos que abordem a diversidade étnico-racial do país, que
problematizem as posições sociais construídas por cada grupo social e na oferecer
elementos que positivem a imagem do negro, muitos ainda serão estigmatizados e
carregarão ressentimentos sobre sua própria identidade.

A prática docente e o combate ao racismo


Leis como 10639/20032 e 11.645/20083 sancionadas pelo ex-presidente
Lula trouxeram novas perspectivas à educação e exigiu um repensar das relações
étnico-raciais no ambiente escolar. Como Gomes (2011) afirma:
A sanção de tal legislação significa uma mudança não só nas práticas e nas políticas,
mas também no imaginário pedagógico e na sua relação com o diverso, aqui, neste
caso, representado pelo segmento negro da população. (GOMES, 2011. p. 1)

Infelizmente, a publicação de leis não significa a efetiva prática nas esco-


las, uma vez que:

2
A Lei nº 10.639/03 altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas
e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.
3
A Lei 11.645/2008 altera a LDB 9.394/1996, modificada pela Lei 10.639/2003, a qual estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira e indígena”.

59
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A lei e as diretrizes entram em confronto com as práticas e com o imaginário


racial presentes na estrutura e no funcionamento da educação brasileira, tais
como o mito da democracia racial, o racismo ambíguo, a ideologia do branquea-
mento e a naturalização das desigualdades raciais. (GOMES, 2011. p. 116)

No entanto, apesar o imaginário conservador em relação à diversidade e


a questão racial que muitos docentes ainda abordam, - e que com profundo pesar
assistimos uma retroalimentação e crescimento nos últimos três anos – muitas es-
colas, principalmente as públicas, vem desenvolvendo práticas pedagógicas volta-
das para a diversidade étnico-racial, com projetos interdisciplinares,
comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra, entre outros. Algo que con-
tribuiu muito para o sucesso das ações e projetos que desenvolvemos foi a oportu-
nidade de continuidade do trabalho, que muitas vezes, os profissionais não têm
visto que em boa parte da carreira de um professor ele não possui uma estabilidade
profissional que permite um prosseguimento do trabalho. Começamos a trabalhar
na escola no ano da sua inauguração e neste mesmo ano tivemos a felicidade de
sermos nomeadas como servidora efetiva do Estado de Minas Gerais na referida
escola. Assim, desde o primeiro ano começamos a desenvolver nossas atividades e
mais que isso, buscamos imprimir no currículo oculto4 da Escola e em sua Cultura,
atividades que de fato fizessem com que a Escola Estadual Monte Sinai fosse in-
clusiva e militante e atuante em busca de uma sociedade mais justa, solidária e
contrária a toda e qualquer forma de discriminação e racismo. A manutenção da
Semana ano a pós ano, não apenas imprimiu como queríamos o caráter combativo
na cultura escolar como também é percebida pelos profissionais que lá trabalham:
“A escola estadual monte sinai se destaca e é referência no projeto da consciência
negra, uma vez que há uma preocupação em valorizar o “ser humano”. Como
profissional da educação, não estive e desconheço escolas que fazem esse traba-
lho de valorização do negro como a escola estadual monte sinai. Percebe-se um
grande envolvimento entre o corpo docente e discente e assim, consequente-
mente, é notória a satisfação e alegria de todos os alunos envolvidos, principal-
mente dos alunos da raça negra”. (Beatriz Campolina, Professora de Língua
Portuguesa há 17 anos)
“Estou há dezesseis anos trabalhando em Escolas Públicas, percebo claramente
a importância de uma constância em projetos dessa natureza. Já presenciei mui-
tos trabalhos positivos dessa natureza em outras escolas. No entanto, se perdiam
por não haver continuidade, na Escola Monte Sinai é visível a importância da
constância da discussão de tais temas. Vemos muitos jovens se descobrindo in-
dividualmente, socialmente se situando dentro de sua história e da sociedade”.
(Wemerson Geraldo, Professor de Filosofia, autodeclarado negro)

4
Segundo Silva (2011, p.78) “O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente
escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explicito, contribuem, de forma implícita, para
aprendizagens sociais relevantes”. Entendemos que, sua transmissão ocorre implicitamente, mas
poderoso o bastante para provocar lutas ideológicas e políticas que proporcione mudanças sociais

60
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

As práticas pedagógicas no que concerne as questões étnico-raciais, na


maioria das vezes, são iniciadas por uma atuação individual de docentes interes-
sados no tema e que a partir dessa “militância” conseguem inserir ações e projetos
no Projeto Político Pedagógico das escolas visto que há uma legislação que aponta
a obrigatoriedade de se trabalhar a temática. Essa obrigatoriedade tem levado a
adesão de docentes e gestores de forma que tais práticas tem se tornado cada vez
mais coletivas e articuladas dentro do espaço escolar, ainda que haja, como já re-
latado resistência por parte do corpo docente.
Na Escola Estadual Monte Sinai não foi muito diferente. Não apenas por
ser docente da disciplina de História, mas por ser alguém que desde criança con-
viveu com situações de discriminação racial e, por isso mesmo, com grande inte-
resse na temática. Buscamos desde o primeiro ano da escola e de nossa docência
na mesma, trabalhar e desenvolver discussões e um pensamento crítico-reflexivo
a respeito das desigualdades étnico-raciais, de gênero e sociais não apenas no mês
de novembro, quando ocorrem as atividades em virtude do Dia Nacional de Cons-
ciência Negra, como no decorrer de todo ano letivo.
Reconhecemos os/as alunos/as como sujeitos socioculturais em formação e
fruto das mais diversas experiências e por isso mesmo, buscamos abrir o espaço para
discussões em torno da diversidade e do combate a toda e qualquer forma de discri-
minação e preconceito, e não apenas o étnico-racial. Acreditamos e defendemos que
somente a EDUCAÇÃO é capaz de possibilitar a afirmação de uma identidade negra
de forma positiva e por consequência o empoderamento. Sabemos que esse percurso
de ensino e reconstrução identitária de nossos/as alunos/as está permeado por nos-
sas próprias vivências e, por meio delas, buscamos proporcionar o acesso à história
e cultura do povo negro, possibilitando-lhes perceberem a diversidade cultural
como uma construção a ser questionada, problematizada e debatidas sem versões
definitivas e nem verdades absolutas. Em nossas atividades sempre buscamos sair
do trivial da “capoeira e feijoada” enquanto herança cultural africana.
Por meio da História dos Grandes Reinos e Civilizações Africanos pro-
curamos apresentar não apenas a história que se apresenta nos livros didáticos do
primeiro ano de ensino médio, como apresentar escritores, músicos, poetas. Bus-
camos apresentar uma cultura rica, diversa de forma a despertar o orgulho nos/as
alunos/as por suas raízes e história. Permitindo assim, que não só os/as negros/as,
mas a todos/as a aquisição de conhecimentos calcados na tradição, memória e cul-
tura africana e, assim apresentar um contraponto a cultura eurocêntrica presente
na escola e livros didáticos, fazendo-os dialogarem com outras formas de ver e es-
tar no mundo.
As Semanas de Consciência Negra da Escola Estadual Monte Sinai são
repletas de apresentações, debates, exibições de documentários e filmes que pro-
curavam instigar a análise, debate e reflexão a respeito da condição do negro na

61
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sociedade brasileira, assim como a desigualdade social e de oportunidades presen-


tes na sociedade brasileira. Também com o objetivo de romper a visão estereoti-
pada que sempre foi atribuída aos negros no intuito de inferiorizá-lo e, buscando
contribuir para a (RE)construção do SER NEGRO e suas ressignificações, a cada
ano promovíamos desfiles, fotos, palestras com profissionais da área da beleza, mi-
litantes da causa negra e profissionais negros. Esses dias eram dias de festa para
toda escola, como os alunos e profissionais relatam:
“A Consciência Negra no Monte Sinai foi algo diferente pra mim. Kkk, nas esco-
las que estudei tinha o dia da Consciência Negra, mas nunca davam tanta im-
portância. Já no Monte Sinai foi diferente, teve feira, cartazes, apresentações da
beleza negra, teatros e coisas a mais. E não eram somente negros que participa-
vam, eu mesmo sendo branquelo participei da Semana. Foi algo diferente e legal
de se ver, independente da cor de pele você pode ter orgulho de outra etnia”.
(Bruno Andrade, 18 anos, formando em 2018 e autodeclarado branco)
“A partir do momento em que as disciplinas se voltam para uma atividade inter-
disciplinar como a Semana de Consciência Negra, a noção de conhecimento se
amplia. Conhecemos autores, literários, artistas e cientistas negros que até então
tiveram pouca visibilidade no espaço escolar. Os laços de identificação contri-
buiu na minha formação enquanto cidadão ativo e participativo, combatente à
qualquer tipo de discriminação, que reconhece o erro histórico do racismo e de-
fende políticas emergentes de reparação”. (Leonardo Vitalino, 20 anos formando
em 2016 e autodeclarado negro)

Além do sentimento festivo da semana, percebe-se o quanto as atividades


desenvolvidas foram significativas na vida e na postura dos alunos/as negros/as
como eles mesmos afirmam ao serem questionados como os trabalhos desenvolvi-
dos na escola contribuíram em suas vidas:
“Me mostrou que qualquer tipo de beleza é linda, principalmente a natural...hoje
em dia eu tento ao máximo deixar meu cabelo mais volumoso do que ele já é! Me
sinto linda de caichinhos(sic)! E sou extremamente grata a Monte Sinai por ter
contribuído com isso, hoje eu aceito como sou, sendo negra de verdade”. (Gio-
vanna Moreira, 17 anos, formanda em 2019, autodeclarada negra)
“Me ajudou muito a me reconhecer como mulher negra, me mostrou que tenho mi-
nha própria beleza, e a partir daí comecei a expressar minha personalidade e hoje a
onde vou sinto que sou notada (quase sempre com bom olhos, mas nem sempre)
sempre me elogiam a respeito do meu cabelo, do meu estilo e etc. Amo a forma
como me sinto hoje, amo como posso me expressar de todas as formas e estilos e
ainda assim ficar bonita. Amo o amor que desenvolvi por mim msm(sic), e isso se
deve principalmente por me reconhecer mulher negra e EMPODERADA”. (Suely
Alves, 19 anos, Formanda em 2018, autodeclarada negra)
“Me deixando mais confiante para assumir minha identidade de mulher negra”.
(Suelem Alves, 20 anos, Formanda em 2017, autodeclarada negra)

Os profissionais que trabalham na escola também relatam a mudança no


comportamento dos alunos/as
“Vi muitas alunas assumindo seu estilo natural, principalmente no cabelo. Na mai-
oria das vezes elas alisavam, passavam prancha, uma forma de se esconder. Assumir

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

isso e perceber que existe beleza no seu natural é lindo e senti orgulho disso”, (Ro-
naldo Queiroz, Professor de Matemática há 10 anos, autodeclarado pardo)
“Percebo um despertar de autoestima, posicionamento crítico aguçado dos/as
alunos/as em relação à questão racial dentro da sociedade”. (Wemerson Geraldo,
Professor de Filosofia há mais de 16 anos, autodeclarado negro)
“Percebemos uma maior conscientização e respeito entre os alunos. Recebemos
vários depoimentos pessoais de como esse trabalho trouxe uma valorização e
aumento da autoestima, bem como mudanças visíveis no próprio comporta-
mento dos alunos, no que tange a forma de vestir, nos cortes de cabelos e no uso
dos cachos como forma de reconhecer as múltiplas belezas do povo brasileiro”.
(Adriana Pedrosa, professora de Matemática e gestora da escola há 3 anos, auto-
declarada parda).

Considerações Finais
Ao longo do presente texto, consideramos relevante refletir sobre a prá-
tica docente no combate e enfrentamento ao racismo e toda forma de discrimina-
ção. Acreditamos que, se todo o processo educacional se entrecruzar
dialogicamente com práticas pedagógicas que levem em consideração os sujeitos
de aprendizagem (em especial aqueles que secularmente são discriminados), os
sistemas de ensino cumprirão seu papel social de ensinar em uma perspectiva de
equidade e qualidade.
Ao apresentar as práticas desenvolvidas entre os anos de 2013 a 2017 na
Escola Estadual Monte Sinai com a culminância na “Semana de Consciência Ne-
gra” e seu pensar nas possíveis contribuições que a execução e resultado de tal
projeto trouxe para a formação integral e humana dos/as estudantes, pretendemos
oferecer elementos que contribuam na reflexão sobre práticas pedagógicas que fa-
voreçam, de alguma forma, para a superação da discriminação racial e a reafirma-
ção das identidades de nossos alunos.
Compreendemos o desafio que é posto ao propor uma prática que envolva
a questão racial e o intuito de contribuir na construção identitária uma vez que,
sabemos ser ainda presente nas relações étnico-raciais no Brasil a ideia do “mito
da democracia racial” que objetiva inviabilizar o processo de aculturação emba-
sado no preconceito e na desvalorização da cultura afrodescendente na formação
da sociedade brasileira. Não obstante, consideramos fundamental o papel da es-
cola e da educação para a desconstrução de todo estigma referente ao negro. E, por
isso mesmo, um espaço privilegiado na formação identitária.
Destacamos a relevância do debate sobre as questões étnico-raciais no
contexto escolar, pois como foi evidenciado, os estudantes têm possibilidades im-
portantes de afirmação cultural e reflexão sobre as relações étnico-raciais, muito
mais do que em outros espaços escolares. O SER NEGRO/A é uma condição social
cultural que pesa no processo de formação identitária do ser humano, visto que, a
raça faz grande diferença na construção da sua autoimagem. Como apresentado,

63
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

essas noções são capazes de inferir no desenvolvimento da personalidade, autoes-


tima e autonomia do negro enquanto indivíduo. Isso porque as representações so-
ciais de raça reproduzem preconceitos e estereótipos negativos que são
internalizados desde a primeira infância por um tipo de educação, inclusive a es-
colar, que se sustenta em ideologias pautadas pelo racismo.
Acreditamos que essa realidade opressiva a que estão submetidos os afro-
brasileiros pode ser alterada mediante a educação e práticas pedagógicas que pos-
sibilitem a afirmação da identidade negra de forma positiva. As leis 10.639/03 e
11.645/08 são revolucionárias em seu propósito, no entanto são apenas portas a-
bertas. São as nossas iniciativas e práticas enquanto docente no cotidiano escolar
que podem universalizá-las e construir uma contra imagem no imaginário de nos-
sos/as alunos/as e sociedade a respeito de nossa herança cultural africana. É pre-
ciso nos aproximar de forma afetiva de nossas raízes africanas (e indígenas) e
romper com a estranheza que se alimenta do desconhecimento e nutre o medo, a
vergonha e o sentimento de inferioridade. São com intervenções e práticas peda-
gógicas fundamentadas e diárias que será possível desfazer as imagens negativas
sobre o negro, sua contribuição e herança cultural, colocando no lugar outras que
os façam ter orgulho de sua ancestralidade, de serem quem são, sua beleza e ver-
dadeira identidade.
Este foi nosso objetivo ao desenvolver as práticas já mencionadas e regis-
tramos, como forma, ainda que pretenciosa, de apontar caminhos, assim como
muitos outros, no sentido de contribuir no processo de transformação da socie-
dade. Como Paulo Freire (1996, p. 86) nos ensina “Não é a resignação, mas na re-
beldia diante das injustiças que nos reafirmamos. Como docentes e educadores
não podemos nos resignar, por isso, reforçamos o convite a cada um que deseja
lutar contra as intolerâncias, discriminações e racismos que se tem alimentado de
retrocessos e intolerâncias. Um sonho que se sonha só é só um sonho, mas um
sonho que se sonha junto...

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

REFERÊNCIAS
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Horizonte: Mazza Edições, 1995.
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65
CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA:
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FILME “A MISSÃO” 1

Alexandre dos Santos 2


Maria Regina Johann 3

1. Introdução
Em nosso cotidiano apreciamos obras literárias, músicas, pinturas, escul-
turas, poesias, entre outras produções artísticas que utilizam temas e contextos
históricos como inspirações. Cenários, figurinos, cores e ritmos, refletem o con-
texto social e cultural em que estão inseridos quando de sua criação, assim como
a sociedade absorve os valores estéticos e outras marcas deixadas por essas obras
artísticas.
Nos diversos recursos e metodologias existentes para a análise e o ensino
de História, encontramos a utilização de filmes, séries, novelas, campanhas publi-
citárias, entre outras formas de linguagem fílmica. Ao estudar este processo, e-
merge a interação entre a Historiografia e a Linguagem Cinematográfica e como
ambos complementam-se e se relacionam. Este artigo consiste em uma tematiza-
ção acerca do filme A Missão, e apresenta possibilidades para a abordagem do
mesmo na educação, nesse caso especificamente o Ensino de História.
Para isso, torna-se pertinente a discussão de alguns questionamentos a-
cerca dos acontecimentos históricos, o foco de algumas produções cinematográfi-
cas e como os filmes, nas suas mais diversificadas formas, podem ser usados como
intertextos para a pesquisa histórica.
Nosso objetivo neste texto é tematizar a obra fílmica em relação à bibli-
ografia do contexto histórico e social mencionado, reconhecer os elementos que
proporcionam ao filme possibilidades pedagógicas e verificar como os mesmos

1
Filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1986. Ficha técnica: Roteiro de Robert Bolt e
direção de Roland Joffé; trilha sonora de Ennio Morricone; fotografia de Chris Menges (vencedora
de Oscar). Elenco: Robert De Niro, Jeremy Irons, Liam Neeson, entre outros.
2
É graduado em História pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI –,
especialista em Game Design pela Universidade Positivo e Mestre em Educação nas Ciências pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí. Professor e pesquisador
na área de cinema, música, gamificação e novas abordagens metodológicas no Ensino de História.
3
Graduada em Educação Artística, Mestrado e Doutorado em Educação nas Ciências pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí. Professora do
Departamento de Humanidades e Educação da Unijuí. Participa dos grupos de pesquisa Teorias
Pedagógicas e Dimensões Éticas e Políticas da Educação e Mongaba, tematizando, respectivamente,
questões como linguagem, arte e educação, currículo, cultura digital na educação escolar e a Área
das Linguagens no Ensino Médio.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

permitem que o filme seja um recurso metodológico ao objeto do conhecimento


das Missões Jesuíticas, ao mesmo tempo em que observa alguns limites à luz da
Historiografia. Também nos ocupamos em destacar a dimensão formativa da lin-
guagem artística cinematográfica.

2. Cinema e Historiografia
A Historiografia contribui para o cinema, bem como os filmes passam a
ser considerados novas fontes de análise e interpretação. Assim, podemos relacio-
nar a produção historiográfica com as obras cinematográficas. A obra “A escrita
da História: novas perspectivas” (BURKE, 1992) enriqueceu com a ampliação de
sua temática. A busca de novas formas da narrativa dos acontecimentos históricos
foi adequada às novas abordagens dos historiadores. Estas abordagens incluem
diversos modos de narrativa, incluindo a análise de diferentes parâmetros, apre-
sentando os mesmos acontecimentos a partir de diversificados pontos de vista.
Peter Burke questiona as distintas formas de narrativa
O problema que eu gostaria de discutir aqui é aquele de se fazer uma narrativa
densa o bastante, para lidar não apenas com a sequência dos acontecimentos e
das intenções conscientes dos atores nesses acontecimentos, mas também com
as estruturas – instituições, modos de pensar etc., – e se elas atuam como um
freio ou um acelerador para os acontecimentos. Como seria uma narrativa desse
tipo? (BURKE, 1992, p. 339).

O documento fílmico, ao ser produzido, sofre um processo diferente do


documento escrito que possui a mesma origem (FERRO, 1992). O primeiro car-
rega as informações que vão contra as intenções daquele que filma, ou da empresa
que mandou filmar. Embora o documento escrito também possua lapsos e lacunas,
o filme sofre um processo diferente, porque nele existem lapsos a todo o momento.
O historiador tem por função primeira restituir à sociedade a História da qual
os aparelhos institucionais a despossuíram. Interrogar a sociedade, pôr-se à sua
escuta, esse é, em minha opinião, o primeiro dever do historiador. Em lugar de
se contentar com a utilização de arquivos, ele deveria antes de tudo criá-los e
contribuir para a sua constituição: filmar, interrogar, aqueles que jamais têm di-
reito à fala, que não podem dar seu testemunho (FERRO, 1992, p. 76).

Neste foco de historicidade, o historiador analisa o filme não somente se-


gundo a abordagem que se faz necessária, mas vale-se desses métodos, interroga a
essência e as bases que o formam e verifica quais as relações presentes em seus
componentes. Isso permite analisar na obra todos os seus componentes, inclusive
os aspectos externos a ela, ou seja, o conjunto de fatores que a produziu.4

4
A primeira vez que se utilizou o texto fílmico para documentação histórica foi na Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Os serviços de propaganda nos exércitos, ao cumprir o objetivo de registrar o
real, principalmente os armamentos pertencentes aos inimigos, foram os primeiros a desempenhar
historiograficamente esta tarefa.

68
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Nessas condições, não seria suficiente empreender a análise de filmes, de trechos


de filmes, de planos, de temas, levando em conta, segundo a necessidade, o saber
e a abordagem das diferentes ciências humanas. É preciso aplicar esses métodos
a cada um dos substratos do filme (imagens, imagens sonorizadas, não-sonori-
zadas), às relações entre os componentes desses substratos, analisar no filme
tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo
que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só
assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da reali-
dade que ela representa (FERRO, 1992, p. 87).

De acordo com Chartier (1990), a interpretação das imagens segue o


mesmo caminho que os historiadores percorreram até considerarem válidas as
fontes não escritas, ou seja, as fontes oriundas do folclore, das artes e das tradições
populares. Neste caminho, associou-se a cultura popular às fontes tradicionais,
até que foram encontradas suas relações de interdependência.
Por meio das obras cinematográficas nos transpomos a realidades, ima-
ginários e experiências diferentes, criadas pela absorção da linguagem, contri-
buindo, assim, para a nossa compreensão social. Jean-Claude Bernardet (2006,
p. 80) argumenta a respeito do processo de interação que se estabelece entre
filme e espectador:
É preciso não esquecer que um espectador cinematográfico nunca é exclusiva-
mente um espectador cinematográfico. O cinema entra na sua vida como um dos
elementos que compõe a sua relação com o mundo, [...] o espectador não é ne-
cessariamente passivo. No ato de ver assimilar um filme, o público transforma-
o, interpreta-o, em função de suas vivências, inquietações, aspirações, etc.

A linguagem cinematográfica possibilita que o cinema conte histórias,


adquirindo, assim, o caráter narrativo e discursivo. Essas consequências políticas,
ideológicas e estéticas da linguagem cinematográfica estão relacionadas com o
protagonismo cultural a que pertencem e com o caráter escolhido para a represen-
tação das identidades. Stuart Hall (2006) compreende que as identidades são
construídas a partir da absorção dos valores impostos por intermédio da cultura
global. Esses sentidos são compostos e exercem influências na concepção dos su-
jeitos, por meio da identificação, da memória coletiva e do imaginário construído.
Hall (2006, p. 51) menciona que
uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que in-
fluencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós
mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos
com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos
estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que co-
nectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas
(HALL, 2006, p. 51).

Nesse sentido, as obras cinematográficas (como as demais obras artísti-


cas) podem ser consideradas discursos que emergem de um contexto a partir de
reflexões sobre uma cultura vigente, muitas vezes elaboradas com determinadas
finalidades. Diante disso, é possível inferir que o cinema tem potencialidade de

69
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sustentar ideias ou apresentar perspectivas diversas acerca de fatos, temas e con-


textos, ou, pelo menos, reformular e questionar a imposição da estrutura social.
Para sustentar este ponto de vista, recorre-se à definição de cultura ela-
borada por Peter McLaren (1991, p. 32-33):
A cultura é formada fundamentalmente por rituais inter-relacionados e sistemas
de rituais, é um padrão historicamente transmitido de significados encarnados
em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbó-
licas, por meio dos quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e atitudes em relação à vida. A cultura é uma construção que per-
manece como uma realidade consistente e significativa através da organização
abrangente de rituais e sistemas simbólicos.

A cultura é, portanto, constituída de diversas manifestações e influências


e o cinema vem fazendo parte desse universo e, atualmente, tem ocupado cada vez
destaque na vida das pessoas. Entendê-lo como uma dimensão cultural, que forma
o gosto e produz opiniões, é um motivo relevante para entender a sua especifici-
dade e pensar em sua potencialidade na educação.

3. A dimensão artística e estética do cinema


A arte é uma linguagem do mundo humano e, por sua natureza ontoló-
gica, ela nos pertence desde sempre, uma vez que nasceu de nossa própria experi-
ência no mundo em nossa relação pré-reflexiva nele (o mundo). A arte é linguagem
porque pode ser compreendida (de modo universal), assim como nos possibilita
uma autocompreensão (JOHANN, 2015). Nesse horizonte podemos afirmar, ba-
seados em Gadamer (2010), que a essência da arte vem de sua natureza poética e
estética, e é nessa perspectiva que a arte nos diz algo ao seu modo.
Enquanto linguagem, a arte apresenta-nos uma verdade acerca do mundo
humano; verdade essa que é sempre provisória e referida ao encontro de horizon-
tes de sentidos históricos que se dá entre a obra artística e o intérprete. Desse
modo, a verdade que a arte nos possibilita é relativa à sua objetividade histórica, que
podemos definir como sendo seu construto, sua materialidade e os sentidos que a
obra carrega de sua própria tradição. Tal objetividade histórica – aquilo que co-
nhecemos acerca da obra – atualiza-se a cada vez que o intérprete realiza a sua
compreensão. Por conseguinte, podemos inferir que a arte tem uma verdade que é
referente à sua especificidade matérica e à sua forma de expressão, ao seu contexto
e aos sentidos dos sujeitos que a interpretam (JOHANN, 2015).
Esta gênese poética da arte confere-lhe uma certa autonomia em relação
ao artista e à própria “finalidade” da obra, ganhando, por assim dizer, amplitude a
partir da interpretação que cada pessoa faz dela. Nesse sentido é que as diversas
interpretações acerca de uma mesma obra são aceitáveis, embora não possamos

70
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

perder de vista a objetividade que ela possui: a materialidade, a composição, o


tema (quando for o caso) e os discursos já proferidos historicamente.5
Destarte, tais aspectos valem também para a linguagem cinematográfica,
sendo ela considerada uma arte. Neste sentido, a obra fílmica é aberta, assim como
as demais expressões artísticas. Isso significa afirmar que sobre ela são possíveis
diversas interpretações. Mediante esse aspecto, destaca-se que no filme A Missão
(JOFFÉ, 1986) alguns elementos ganham evidência e, assim, oportunizam a leitura
dos fatos históricos, mas num viés poético e esteticamente qualificado e envol-
vente; o que enriquece as possibilidades interpretativas.
Ao conjunto da obra merece destaque a fotografia que enaltece a natureza
e a criança, e, em cenas clássicas, permite constatar a passagem do tempo, os ciclos
da natureza e a inter-relação entre natureza e humanos, nesse caso os povos au-
tóctones da América do Sul, de modo mais próprio a comunidade dos Guaranis.
A redenção dos homens europeus à vida dos guaranis, especialmente os
padres Jesuítas, se dá de modo sutil e, por vezes, sugerindo uma comunidade de
iguais, embora os modos de aculturação sejam evidentes. Na história, um determi-
nado personagem paulatinamente destaca-se: é o caso de Rodrigo Mendonza (Ro-
bert De Niro) que, em várias cenas, é vinculado à figura histórica de Cristo. Isso é
possível constatar por sua vestimenta, seu cabelo e barba e o modo como sua ima-
gem é enfocada. A fotografia captura ângulos que valorizam a face do personagem
que, progressivamente, ganha destaque na história; o mesmo é alçado a herói no
momento em que Rodrigo é alvejado por um tiro: ele cai ao chão numa posição que
remete à crucificação de Cristo.
Os demais aspectos que destacamos diz respeito ao modo como a foto-
grafia do filme valoriza a criança e sua relação simbiótica com o meio, destacando,
inclusive, a sensibilidade infantil em observar e capturar nuances dos aconteci-
mentos, evidenciando, até mesmo, a fragilidade das novas gerações mediante um
processo violento de dominação, ao mesmo instante em que deposita nelas – as
crianças – o futuro daquela comunidade. Assim, finaliza-se a história em uma
cena exuberante e dramática, envolvida por uma trilha sonora épica que reposi-
ciona a natureza e a cultura como dimensões constitutivas do mundo humano. A
cena na qual os artefatos da cultura guaranítica e europeia flutuam sobre as águas
permite interpretar o encontro entre dois mundos, com a natureza como teste-
munha de um fato histórico. Ao recolher o violino e não o castiçal cristão, a me-
nina elege a arte como uma possibilidade de recomeço. Essa cena ocasiona pensar
na dimensão universal da arte e da cultura como consolidação da interculturali-
dade entre diferentes povos. A canoa põe-se nessa cena como a morada desses

5
Leva-se em consideração as diversas modalidades de expressão artísticas, tais como pintura,
desenho, fotografia, escultura, e, também, a música, a dança, o teatro e o próprio cinema.

71
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

pequenos que se embrenham na selva em busca de novas oportunidades de re-


constituição comunitária.
O filme realiza, de modo convincente, a inter-relação entre a trilha sonora
e a fotografia: os tambores, violinos e flautas, que se harmonizam e encaldam as ce-
nas, promovendo sensações de suspense, euforia, alegria comoção e tensão. Essa é
a especificidade da linguagem artística: os recursos comunicativos além da pala-
vra, que, em composição fílmica, produzem efeitos visuais e sonoros, oportunizam
a apreciação e a interpretação de imagens, sons, cenas e diálogos… A arte cinema-
tográfica, vale-se, portanto, de sons, imagens, cenas e diálogos para expressar uma
visão de mundo, uma interpretação possível dos fatos, mas, fundamentalmente,
convida-nos a atualizar os mesmos em nosso horizonte de sentidos históricos.
Por fim e, não menos importante, destacamos a cena final: a trilha sonora
seduz pela eloquência, e aos que contemplam a relação dos créditos à obra premia-
se com a cena final, que, talvez, diga muito sem dizer sequer uma palavra... O olhar
do emissário do papa sugere muitas interpretações e convida para que sigamos
pensando...

4. O cinema no horizonte da educação: potencialidades da linguagem fílmica


Selva Guimarães Fonseca (2003, p. 31) menciona que “educação, memória
e cultura se determinam, complementam-se, uma não pode ser pensada sem a ou-
tra e toda a reflexão sobre uma desemboca imediatamente na consideração da ou-
tra”. Destarte, o uso dos filmes na escola contribui para ampliar a compreensão de
algo, na medida em que permite contextualizar, ilustrar e elucidar os conteúdos e
objetos do conhecimento em questão. No ensino de História os filmes tornam-se
fontes históricas relevantes, pois oportunizam outras formas de análise e interpre-
tação. Nesse sentido, adquirem a importância da ilustração e da representação do
passado, tornando-se uma alternativa para a Historiografia, conforme observa
Ferraz (2006, p. 6): “O vídeo passa pelo sensorial, emocional, intuitivo e por fim o
racional, formando um elo entre o presente (momento da projeção), passado e fu-
turo (objetos de reflexão)”.
Na mesma medida em que as obras cinematográficas tornam as práticas
pedagógicas mais diversificadas, elas representam visões de mundo, pontos de vis-
tas de conteúdos sociopolítico e ideológicos. A construção e a absorção do conhe-
cimento acontecem pela interpretação do conjunto da cena/obra e pela percepção
sensorial que se dá por meio da iconografia, da reconstrução de cenários e da ela-
boração do enredo das obras inseridas em um recorte histórico.
Precisamos ter claros os limites próprios da linguagem, não a reduzindo a mera
ilustração, nem tampouco exigindo dela a transmissão objetiva e sistematizada
de determinado conteúdo. Em outras palavras, como manifestação, registro e lei-
tura de uma época, a obra cinematográfica deve ser lida de forma cautelosa e

72
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

criticamente, pois, assim como um texto de época, ela permite desvendar a rea-
lidade nos seus aspectos menos perceptíveis. Para tanto, exige uma articulação
com a vivência e a motivação de alunos e professores, com a bibliografia selecio-
nada, além de demandar uma adequação à temática em estudo (FONSECA,
2003, p. 180).

Fonseca (2003) complementa afirmando que “o filme, didaticamente, a-


presenta os conceitos por meio de um jogo de narração/imagens, deixando ao es-
pectador a possibilidade de cotejar, relacionar e articular as ideias transmitidas
oral e visualmente” (p. 181). Nesse horizonte de compreensão, entende-se que o
professor necessita apresentar para a turma os elementos históricos e as aproxi-
mações sobre o meio em que a obra surgiu (diretor, vivência e outras obras do di-
retor, comentário sobre os atores, ilustrações, fotografia, caracterização técnica,
curiosidades de produção e época de lançamento), pois, desse modo, ampliam-se
as oportunidades de entendimento do próprio estilo e da estética do diretor da
obra fílmica. Para Napolitano (2005, p. 16),
ao escolher um ou outro filme para incluir nas suas atividades escolares, o pro-
fessor deve levar em conta o problema da adequação e da abordagem por meio
da reflexão prévia sobre os seus objetivos gerais e específicos. Os fatores que cos-
tumam influir no desenvolvimento e na adequação das atividades são as possi-
bilidades técnicas e organizativas na exibição de um filme para a classe, a
articulação com o currículo e/ou conteúdo discutido, com as habilidades deseja-
das e com os conceitos discutidos e a adequação à faixa etária e etapa específica
da classe na relação ensino-aprendizagem.

Os filmes passam a ser vistos como estratégias metodológicas, partici-


pando do processo de ensino/aprendizagem e estabelecendo relações com os con-
teúdos desenvolvidos. O texto fílmico, encarado como documento, passa a
complementar o texto escrito. Kátia Maria Abud (2003, p. 189) comenta que estes
“filmes históricos” se equiparam ao valor didático de um livro de História:
O documentário e os filmes de época ou históricos têm, para a maior parte dos
professores que utilizam a filmografia em sala de aula, o mesmo valor didático de
um texto de um livro de História. O filme é mais utilizado como um substituto do
texto didático ou da aula expositiva, ou é ainda considerado uma ilustração que
dá credibilidade ao tema que se está estudando. Contudo, é certo que hoje se ad-
mite que a imagem não ilustra nem reproduz a realidade, ela a constrói a partir de
uma linguagem própria que é produzida num dado contexto histórico.

Neste momento, retemos duas interpretações do autor Marc Ferro


(1992) para as relações entre Cinema e História. A primeira é a leitura do filme
na direção do que foi produzido; a segunda é a leitura do filme enquanto um
discurso do passado, ou seja, a história lida pelo cinema. Para este autor, “[...]
leitura histórica do filme e a leitura cinematográfica da história: esses são os dois
eixos a serem seguidos para quem se interroga sobre a relação entre cinema e
história” (FERRO, 1992, p. 28).
Os filmes necessitam ser associados com o mundo que os produziram e
são considerados um produto desse mundo; esse produto está embalado,

73
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

etiquetado, valorizado nos moldes discursivos com os quais a obra dialoga e, ne-
cessariamente, trava contato. Conforme Morettin (2003, p. 40), é prudente a a-
tenção a certos aspectos da linguagem cinematográfica, especialmente àqueles de
cunho histórico:
Se não conseguirmos identificar, por meio da análise fílmica, o discurso que a
obra cinematográfica constrói sobre a sociedade na qual se insere, apontando
para suas ambiguidades, incertezas e tensões, o cinema perde a sua efetiva di-
mensão de fonte histórica.

O professor, ao analisar e utilizar as obras cinematográficas, necessita es-


tar atento à autenticidade dessa obra, sua identificação e procedência, permeando
a crítica do documento fílmico pelos seus objetivos, interesses e escolhas dos seus
autores, diretores e produtores, e incidir nessa crítica a análise de aspectos da so-
ciedade que o produz. Nessa visão, o cinema possibilita a ampliação de aspectos
que complementam um saber histórico já dado. “Os fundos de arquivos cinemato-
gráficos trazem para o historiador informações complementares, trazem um ma-
terial que refaz a ideia que se fazia de uma época ou de um acontecimento”
(MORETTIN, 2003, p. 27).
Documentação escrita e documentação histórica interagem numa relação
de complementação e determinação. Com isso, o documento fílmico adquire o po-
der de penetrar nas lacunas deixadas pela documentação tradicional. Para encarar
o cinema como uma nova forma de análise histórica, como nova maneira de abor-
dagem e/ou como novo objeto de estudo, o método de investigação consiste, sim-
plificadamente, em buscar os elementos da realidade por intermédio da ficção.
Para Luciana Pinto (2005),
O cinema pode e deve ser utilizado pelo historiador como fonte documental, esse
novo campo não se constitui como algo melhor ou pior que nenhuma outra fonte
existente e bem aceita entre os historiadores. É claro, assim como as demais fon-
tes, o cinema possui suas limitações e tem sua própria forma de verificação que
cabe ao historiador se inteirar, procurando conhecer suas regras para poder me-
lhor utilizá-lo (p. 7).

Para a articulação do discurso fílmico compete a habilidade do educador


em problematizar as verdades propostas pela película, contextualizando espaço,
tempo e os sujeitos sociais e históricos que estão postos, articulando o enredo re-
lacionado aos aspectos do passado com o discurso do filme, que, ainda que situa-
dos no passado, correspondem aos discursos existentes no presente. Luiz Oliveira
Motta Ferraz (2006, p. 5) argumenta que
O professor deve estar atento a essa questão para que o aluno não tome a proje-
ção como uma verdade absoluta, esquecendo de relativizar tempo, espaço e su-
jeito histórico. Os alunos podem estudar o filme como um testemunho da
história e das representações do passado, mas não limitar sua análise a esse do-
cumento, pois os enredos articulam mais sobre o presente ainda que seu discurso
esteja situado no passado.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Assim, os filmes passam a ocupar papel importante na construção histo-


riográfica das atuais práticas pedagógicas, pois são produzidos com uma finali-
dade definida, e, como resultado disso, auxiliam na manutenção ou na contestação
da estrutura social. Cabe aos historiadores lerem os seus contextos, analisarem
devidamente os seus significados e potencializarem a linguagem cinematográfica
de acordo com os objetivos de ensino.

5. O filme A Missão: dimensões da história e dos fatos


O roteiro do filme “A Missão” é baseado no contexto histórico correspon-
dente ao período da fundação das Missões Jesuíticas na América. Neste momento
do texto vamos elucidar os aspectos fundamentais da Historiografia do respectivo
período, o qual é fundamental para a compreensão de nossa análise da obra.
A Companhia de Jesus, ordem religiosa responsável pela fundação das re-
duções, foi fundada na Europa em 1534 por Ignácio de Loyola. A Europa vivenciava
os valores do Renascimento e suas consequências. No âmbito religioso, o Renas-
cimento6 trouxe os clamores da Reforma Protestante, e, em contrapartida, o cato-
licismo, por meio do Concílio de Trento,7 estabeleceu uma série de medidas para
a manutenção dos fiéis e a conquista de novos seguidores; tais medidas ficaram
conhecidas como Contrarreforma ou Reforma Católica.
As Missões existiram em dois ciclos: o primeiro – de caráter itinerante –
não teve sucesso em razão da falta de adaptação ao território. O segundo estabe-
leceu 30 povoados onde hoje situam-se o Paraguai, a Argentina e o Brasil. A origem
do nome “proveio do fato de que elas estavam assim convertidas em redutos à mar-
gem do mundo colonial” (BURDA, 2001, p. 16).
Os Jesuítas e seus diversos saberes foram fundamentais nesse processo.
Chamados de “soldados do catolicismo”, foram os responsáveis pela cativação e
atração dos indígenas; “suas armas: a persuasão, a eloquência, o conhecimento da
doutrina e uma fé inabalável” (BURDA, 2001, p. 15). Assim, conquistaram e

6
O Renascimento Cultural foi um movimento que se iniciou na Península Itálica no século 14 e se
estendeu por toda a Europa até o século 16. Os artistas e pensadores renascentistas expressavam em
suas obras a nova visão de mundo trazida com o Humanismo, contrapondo a visão teocêntrica
medieval e a revalorização da Antiguidade Clássica Greco-romana (SEVCENKO, 2003).
7
Concílio de Trento foi o 13° Concílio da Igreja Católica e era chamado de Concílio Ecumênico.
Ocorreu entre os anos de 1546 a 1563. Convocado pelo Papa Paulo III, em 1546, reuniu-se no Tirol
italiano na cidade de Trento. Também foi guiado por outros Papas – Júlio III, Paulo IV, Pio V,
Gregório XIII e Sisto V –, com a duração de 18 anos, concluindo seu trabalho somente em 1563. Como
naquele século 16 iniciou-se na Europa o movimento de renovação da Igreja cristã, denominado
Reforma Protestante de 1517, houve essa reação católica, chamada Contrarreforma, como esforço
teológico, político e militar de reorganização católica e de confronto ao protestantismo, quando
todas as suas doutrinas católicas foram discutidas para responder às críticas doutrinárias dos
protestantes (SEVCENKO, 2003).

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

converteram os povos primitivos da América à fé católica. Segundo Sandra Jatahy


Pesavento (2007, p. 72),
A Companhia de Jesus foi criada no contexto da Contra-Reforma em que a I-
greja Católica também utilizou a arquitetura, o urbanismo e as artes como ce-
nários e instrumentos para o processo de conversão. Foi em decorrência do
espírito do Barroco que as práticas sociais nas reduções, correspondendo ao
espírito cenográfico e teatral desse movimento, ganharam maior dinâmica e va-
lor de representação.

Durante o século 17 e o 18 o Brasil Colonial estava modificando o seu ca-


ráter econômico. A economia açucareira sedia espaço para as novas formas de ex-
ploração territorial: as Bandeiras, a Mineração e as Missões Jesuíticas. A
aculturação entre a cultura dos índios reduzidos e a cultura europeia tornou-se
uma das mais importantes marcas e constitui um grande legado aos povos do sul
do Brasil.
Apesar do abandono das origens tribais, os índios reduzidos encontra-
vam segurança contra a ameaça dos exploradores bandeirantes. O “índio ladino”
(QUEVEDO, 2006), assim chamado aquele que conhecia a religião católica, falava
português e trabalhava na agricultura ou serviços domésticos, era alvo prioritário
das bandeiras; “a redução, no momento histórico que foi criada, defendia o índio
reduzido. No âmago das Missões estava o “índio reduzido”, o guarani convertido
à fé católica e transformado em fiel cristão e vassalo do monarca espanhol”
(QUEVEDO, 2006, p. 103-106).
Os paulistas conhecidos também como “mamelucos” (mestiços luso-indígenas)
embrenhavam-se no sertão à procura de pedras preciosas ou a caça de índios
para o mercado de escravos. Acreditavam os jesuítas que os índios, reunidos nas
missões, seriam poupados. Ao contrário, eram os mais cobiçados por serem mão-
de-obra especial (BURDA, 2001, p. 23).

Na rotina de cada redução estavam presentes a missa diária, as aulas de


moral e a catequese. O labor, assimilado da herança indígena como a entrega espi-
ritual, foi adaptado à tecelagem, à cestaria e à produção de cerâmica. Os adultos
supriam as necessidades materiais e se dedicavam às artes manuais. As crianças
aprendiam a ler, escrever e contar.
Ao clarear o céu no horizonte, despertavam os índios ao repique dos sinos. Di-
ante da igreja, as crianças recitavam em dois coros o catecismo e as orações. De-
pois, junto com os adultos assistiam à Santa Missa. A doutrina cristã lhes era
explicada diariamente. A jornada de trabalho era de aproximadamente seis ho-
ras diárias com intervalo para almoço, com sesta, que variava de acordo com as
estações do ano. Os homens se ocupavam das roças, hortas, pomares, estâncias
e das oficinas. As mulheres ficavam em casa cuidando das crianças abaixo dos
sete anos, e executavam suas tarefas de fiação de lã e algodão. As crianças acima
dos sete anos iam para a escola, para as oficinas, para as roças e brincavam
(BURDA, 2001, p. 33).

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Entre as atividades e artes manuais fazia-se presente a fabricação das i-


magens dos santos católicos; “llama la atención la cantidad de imágenes religiosas
producidas en los talleres de las reducciones.” (MELIÁ; NAGEL, 1995, p. 170). Os
jesuítas ensinavam a arte e a cultura europeia aos indígenas, e estes reproduziam
a imaginária católica e os instrumentos musicais nas suas atividades cotidianas
das reduções. “A orientação profissional foi praticada nas Reduções duzentos anos
antes de se pensar nela na Europa. Eram os índios guarani de uma habilidade ex-
traordinária e natural. Eram exímios “copiadores”. Todo o objeto desconhecido era
examinado e logo reproduzido” (BURDA, 2001, p. 36).
A urbanização seguiu o modelo europeu e adaptou o estilo Barroco, a
ponto de lhe aprovar um termo original: “Barroco Missioneiro”. “Os ordenamentos
urbanos das reduções obedeciam a um mesmo princípio, verificando-se pequenas
variações na disposição dos elementos e nas peculiaridades das edificações e sis-
temas construtivos entre diferentes povoados” (PESAVENTO, 2007, p. 71).
Em torno das construções localizavam-se as plantações. Entre as culturas
mais cultivadas estavam o algodão, a erva-mate, o milho, a mandioca e as frutas
cítricas originárias da Europa. “O entorno rural (as lavouras, o erval, o curral, as
vacarias e as estâncias). As estâncias e parte das lavouras eram coletivas.”
(QUEVEDO, 2006, p. 123).
As mudanças dos hábitos tribais e a fé nos elementos naturais (água,
terra, fogo, vento) transformaram-se na fé católica.
A redução era a negação da política guarani e apresentava-se com o sentido de
reduzir, convencer e levar a vida tribal a uma comunidade cristã mais ampla. Da
vida nômade à vida sedentária. A preocupação com a moral cristã também se fez
presente, pois na redução o índio cristão era obrigado a usar roupas e ocultar o
corpo (QUEVEDO, 2006, p. 106).

Ainda na perspectiva da Educação presente nas reduções, Bartolomeu


Meliá menciona que “la alfabetización se hacía en guaraní, pero se sabe que se ejer-
citaban en ler guarani, en castellano y hasta en latín. La escuela preparaba sobre
todo a quienes estaban destinados a funciones especiales en la comunidad, desde
alcades y regidores hasta secretarios, músicos, sacristanes y médicos” (MELIÁ;
NAGEL, 1995, p. 166).
Nos costumes diários das reduções a música era sempre presente. A obra
“A música nas Missões Jesuíticas nos séculos XVII e XVIII”, de Jorge Hirt Preiss,
elabora uma coletânea de depoimentos dos jesuítas envolvidos na ação missioná-
ria. Segundo o Preiss (1988), os jesuítas não somente ensinavam a tocar os instru-
mentos como também construí-los. Nessa obra encontramos o seguinte trecho do
Pe. Montoya:
são notavelmente aficionados à música..., oficiam as missas com um aparato mu-
sical a dois e três coros; esmeram-se em tocar instrumentos como cornetas, dul-
cianas, harpas, cítolas, vihuelas, violas de arco e outros instrumentos que ajudam

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

muito a trazer os gentios e o desejo de levar-nos as suas terras. Peças escolhidas


da música francesa, italiana e espanhola eram executadas de um modo tão cui-
dado e artístico que, “se não tivessem à vista os músicos, acreditar-se-ia que as
melhores orquestras da Europa estavam de passagem pelas Índias”, no dizer de
testemunhas da época (MONTOYA apud PREISS, 1988, p. 27).

No segundo ciclo missioneiro foram fundados 30 povoados na Bacia do


Prata, região de posse da coroa espanhola, mas território extremamente disputado
por Portugal e Espanha. Segundo Júlio Quevedo, “o papel fronteiriço das Missões
como parte integrante da geopolítica espanhola, a monarquia concedeu maior au-
tonomia aos padres e seus índios cristãos para que defendessem os interesses da
Coroa na América” (QUEVEDO, 2006, p. 113). As Missões representam a “fronteira
que ultrapassa a territorialidade dos marcos nacionais. É paisagem de memória que
remete a registros no tempo, desde a imagem visual que se oferece ao olhar as ima-
gens mentais, que são partes sociais e herdadas” (PESAVENTO, 2007, p. 52).
O término dos povoados começa a se suceder a partir do Tratado de Ma-
drid, assinado por Portugal e Espanha no ano de 1750, com o objetivo de substituir
o Tratado de Tordesilhas (que não estava mais sendo respeitado na prática), definir
os limites entre as respectivas colônias sul-americanas e dar fim às disputas. Em
seu livro “A Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruí-
ram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul”, Tau Golin
(2004) traz uma coleção documental para explicar as disputas entre as duas coroas
e os indígenas que habitavam as reduções. Encontramos, na obra, sobre o tratado:
Art. II – ao mesmo tempo, entregarão os portugueses as ordens de Sua Majestade
Fidelíssima ao governador da Colônia de Sacramento, para que prepare a evacu-
ação desta Praça, seus portos e estabelecimentos no rio da Prata. E os espanhóis,
entregarão ao governador de Buenos Aires, ao provincial da Companhia de Jesus
da Província do Paraguai, e ao Superior das Missões, que têm nas margens do rio
Uruguai e Paraná, as ordens que se lhe dirigirão por parte de Sua Majestade Ca-
tólica, para que preparem a evacuação do território e dos povos da margem ori-
ental do rio Uruguai, com brevidade possível, procurando uns e outros tomar
antecipadas notícias do tempo, pouco mais ou pouco menos, em que poderá es-
tar preparada uma e outra evacuação, para ajustar depois o dia em que se hão de
fazer as mútuas entregas (GOLIN, 2004, p. 151).

Portugal cederia a Colônia do Sacramento (atual Uruguai) e as suas pre-


tensões ao estuário do Prata, e, em contrapartida, receberia o atual Estado do Rio
Grande do Sul, partes de Santa Catarina e Paraná (território das Missões Jesuíti-
cas espanholas), o atual Mato Grosso do Sul, a imensa zona compreendida entre
o Alto-Paraguai, o Guaporé e o Madeira, de um lado, e o Tapajós e Tocantins do
outro, regiões estas desabitadas e que não pertenceriam aos portugueses se não
fossem as negociações do tratado (GOLIN, 2004).
O Tratado de Madrid não foi aceito pelos Jesuítas e os índios Guaranis, o
que ocasionou a Guerra Guaranítica (1752-1756), que foi travada entre os habitan-
tes das Missões e as coroas luso-espanholas. “A comissão de demarcação

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

encontrou resistência armada, portugueses e espanhóis levaram guerra às Mis-


sões. Prepararam dois exércitos com mais de 2000 homens cada um” (BURDA,
2001, p. 48). Com a derrota na guerra e a posterior expulsão dos Jesuítas da Amé-
rica em 1768, acelerou-se o processo de decadência das Missões Jesuíticas. A ocu-
pação dos Sete Povos das Missões em solo brasileiro foi feita por colonizadores e
novos povoadores a partir do século 18.

6. Potencialidades da obra A Missão para o ensino de História


A obra “A Missão” traz vários aspectos que auxiliam nas práticas pedagó-
gicas e no ensino de História. Nas primeiras cenas do filme observamos o estra-
nhamento dos indígenas ao Jesuíta e o uso da flauta para encantamento dos
nativos. Os índios desconheciam a cultura europeia, o homem branco e outros as-
pectos que não fossem aqueles correspondentes à sua cultura primitiva pré-co-
lombiana. Os padres jesuítas cativavam os nativos pelas sensibilizações que se
fizessem significantes. A música foi reconhecida como um desses aspectos.
Segundo Meliá e Nagel (1995), “la música estuvo realmente presente en
la vida ordinaria de los guaranies, el gran número de músicos entre ellos y su afi-
ción al canto y la danza. No faltava la música en las celebraciones de misas y vís-
peras solemnes, procesiones e actos litúrgicos.” (p. 178)
O filme executa a reconstrução virtual das Reduções, principalmente os
aspectos da Igreja e da Urbanização, trazendo ao cenário as varandas, as casas dos
índios, a praça, entre outros vários elementos que compuseram a organização do
espaço reducional. Sandra Jatahy Pesavento (2007) menciona a importância dos
remanescentes arquitetônicos para a educação patrimonial. Ao se referir às ruínas,
presentes nos sítios históricos, ela destaca: “ela é sempre o atestado de uma ação
humana ocorrida em outro tempo. Ela deve comportar o antigo, ou seja, o tempo
acumulado. Ela é a exibição de uma obra, feita por outros homens, em outra é-
poca.” (p. 60). Hoje observamos as ruínas como fruto da cultura material deixada
pela intersecção entre o estilo arquitetônico Barroco europeu e a sua adaptação ao
contexto local e sua vinculação à filosofia reducional.
Outro elemento a ser trabalhado em sala de aula são as cenas que mos-
tram o Jesuíta escrevendo as correspondências para a coroa espanhola, as quais
são conhecidas na Historiografia como “Cartas Anuas”, e funcionavam como uma
mistura de registros documentais e diários dos padres, representando a aliança
Igreja e Estado, ou seja, uma das características mais marcantes dos Estados Ab-
solutistas da Idade Moderna.
Nem sempre o convívio entre os padres e os indígenas foi pacífico. Em uma
das cenas, um jesuíta é morto e crucificado para demonstrar a resistência, no pri-
meiro momento, do índio ao processo de catequização. O figurino do filme é um

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

elemento que também pode ser ressaltado. A representação dos Jesuítas e os indíge-
nas em “seu estado natural” (diálogo presente na obra), são fiéis ao período referido.
A película abrange os ataques dos bandeirantes, que era uma ameaça
constante ao bom andamento das reduções. De acordo com Meliá e Nagel (1995),
“las banderas de captura y apresamiento pertenenció el contexto de una economía
explotadora y cruel, de la cual los Guaraníes y sus pueblos fueron señaladas vícti-
mas” (MELIÁ, NAGEL, 1995, p. 114).
A todo momento a obra cinematográfica traz as cenas do Cristianismo e
da fé católica praticada nas reduções. São mostrados os santos, a cruz, as procis-
sões e as missas. Esses elementos fazem correspondência ao Barroco e à Arte Sacra
que era produzida pelos indígenas segundo os moldes trazidos da Europa.
Os índios reduzidos não tinham a menor dúvida de que fora Deus quem
lhes concedera a terra e era somente a sua interação divina que explicava os suces-
sos e os insucessos do cotidiano no povoado. Essa compreensão corroborava com
a prática da cristandade reformada, no qual o jesuíta tratou de executar o projeto
de missionar como soldados de Cristo, numa Igreja Católica militante, ou seja,
onde os cristãos constroem a cristandade (QUEVEDO, 2006, p. 104).
A música, o coral e a fabricação dos instrumentos também são mostrados
ao longo da película, bem como os hábitos desenvolvidos na redução, como a ces-
taria, a cerâmica e os demais fatores que caracterizaram a aculturação entre jesuí-
tas e índios.
Em um outro momento a coroa espanhola chega ao solo americano e co-
munica os jesuítas sobre a assinatura do Tratado de Madri. O mapa utilizado como
objeto cênico é muito fiel às representações cartográficas existentes na bibliogra-
fia historiográfica. Ao final acontecem as cenas da Guerra Guaranítica e o exter-
mínio dos povoados de São Carlos (redução em que se passa o enredo).

Considerações finais
Enriquecer a compreensão acerca de um determinado fato ou tema pode
ser um bom motivo para oportunizar aos alunos a apreciação de uma obra fílmica,
isso porque um filme amplia as possibilidades de ver, analisar, perceber e inter-
pretar um determinado assunto, contexto, época ou fato.
Neste horizonte de compreensão, destaca-se que a obra fílmica se inter-
põe em relação aos demais materiais didáticos, pois o filme pode ser considerado
mais um dos “textos visuais” que se inter-relacionam a outras modalidades textu-
ais, tais como a escrita, a fotografia e a pintura. A característica desses textos per-
mite uma visão própria e, ao mesmo tempo, ampla acerca de um determinado
tema; são encontros visuais que criam tensões e permitem confrontar perspectivas
e ideias e observar, inclusive, possíveis contradições. Nesse sentido, também con-
tribuem para enriquecer o olhar sobre um determinado assunto.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Um aspecto igualmente relevante é tomar a obra fílmica como uma opor-


tunidade, entre tantas outras, de aprender pelo viés da dimensão estética; nesse
caso, a linguagem cinematográfica mostra o mundo ao seu modo. As sutilezas e nu-
ances capturáveis pela estética são potencialmente formativas, uma vez que a es-
pecificidade da estética contempla a dimensão do poético, que se materializa na
obra mediante o estilo dado por um determinado diretor de cena e de fotografia.
Considerando o cinema uma linguagem artística, é possível afirmar que
um filme, embora também se valha de uma pesquisa histórica, diferentemente de
um documentário, não tem compromisso com a reprodução ou representação fi-
dedigna dos fatos. Isso se dá pela licença poética que a arte tem, que não lhe obriga
a expressar ou representar uma “determinada verdade”. A compreensão desse as-
pecto é significativa, uma vez que, a partir dele, é possível tensionar a obra fílmica
aos fatos históricos, constatando aspectos que enriquecem a compreensão.
Por conseguinte, toda vez que se potencializa a visão de mundo é o sujeito
que está sendo levado em consideração como alguém que tem o direito de acessar
diversas perspectivas acerca de um assunto ou conteúdo. Possibilitar o acesso ao
patrimônio material e imaterial da cultura humana é um dos compromissos da e-
ducação republicana e democrática que visa à liberdade e o compromisso com a
cidadania. Sendo assim, oportunizar a apreciação e a interpretação de obras fílmi-
cas com conteúdos e padrões estéticos qualificados, é um direito de aprendizagem
e um dever da escola em relação à formação da cultura juvenil, quando se pros-
pecta uma formação sensível, crítica e qualificada.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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83
PERSONALIZAÇÃO DO ENSINO
NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Ana Carolina Rosendo G. C. Baptista

A personalização do ensino já é uma realidade em muitos países, e no Bra-


sil tem sido implantada de forma gradativa inicialmente no ensino superior. É uma
proposta que fortalece o conceito de não padronizar a educação e de promover o
desenvolvimento do aprendiz de forma mais individualizada, valorizando seus co-
nhecimentos prévios, suas habilidades e acima de tudo seu ritmo de aprendizagem.
Quando nos deparamos com nomenclaturas novas temos a sensação de
que a metodologia estará muito distante da nossa realidade, impossível de ser a-
plicada e por vezes a ideia de mais uma vez ter que se reformular e se moldar a um
novo formato de ensino assusta o corpo docente, mas cá entre nós, você professor
alfabetizador já não personaliza suas aulas?
Vamos pensar juntos, analisar o conceito e sua aplicabilidade, e você
compreenderá que a personalização no processo de alfabetização já é uma reali-
dade em sua sala de aula.
O conceito de personalização percorre o caminho da compreensão de que
os alunos não aprendem da mesma maneira, de que o professor precisa direcionar
o ensino de maneira diversificada possibilitando reforçar as características pesso-
ais, interesses, conhecimentos prévios e culturas diferentes. Para que a educação
integral seja algo efetivo, a personalização necessita se fazer mais presente, mar-
cante e eficaz, precisa-se que os docentes compreendam o aprendiz em sua com-
plexidade e individualidade.
Com este olhar é possível se ter uma maior clareza dos benefícios de efe-
tivar a personalização do ensino no período de alfabetização, facilitando a apren-
dizagem e favorecendo o envolvimento, interesse e satisfação. Nessa etapa do
ensino a personalização não se trata de deixar o aprendiz livre para escolher o que
quiser aprender, mas, pelo contrário, se trata de fornecer diretrizes eficientes com
intencionalidade pedagógica que norteiem o aprendizado do aluno, disponibili-
zando recursos, metodologias e instrumentos variados, que possibilitem o contato
com o novo conteúdo, a pesquisa, o estudo e a revisão, conforme o tempo de a-
prendizado de cada criança.
Aquela criança que tem mais dificuldade terá a possibilidade de revisar
seus suportes constantemente até que desenvolva maior segurança, já aquela
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

que tem mais facilidade irá explorar os recursos e fazer suas próprias descober-
tas e pesquisas.
Perceba que essas são características especificas da fase de alfabetização,
na qual o objetivo principal é a leitura e escrita, e nesse sentido não há escolhas,
porém o caminho a ser percorrido poderá ser escolhido e elencado entre o docente
e o aprendiz, de forma personalizada.
Vamos então analisar uma sala de aula de alfabetização e fazer o paralelo
com as informações aqui apresentadas referentes a personalização de ensino.
Um professor alfabetizador segue seu planejamento direcionado comu-
mente por alguma diretriz maior, no qual ela sabe exatamente quais habilidades e
quais objetos de estudo seus alunos precisarão ter contato e desenvolver ao longo
daquele ano letivo, conforme a faixa etária dos mesmos. Ele tem claro quais são os
pontos que deverá trabalhar, e estabelece dentre eles quais são os essenciais, aqueles
indispensáveis e que darão o ponta pé inicial no processo educacional do aprendiz.
Certamente esse professor irá fazer algum tipo de sondagem para verifi-
cação do desempenho pedagógico dos aprendizes que está recebendo, para com
base nesses conhecimentos prévios poder definir os próximos passos. Porém, in-
dependente dessa sondagem, ela tem a clareza da necessidade de uma revisão dos
conteúdos essenciais que o aprendiz deveria ter trazido já da Educação Infantil, e
é aí que começa a efetivação da personalização. Perceba que foi citado apenas
nessa analogia rápida, o conhecimento prévio e a revisão, que fazem parte do con-
ceito de personalização.
O professor oferece um objeto de estudo de maneiras diversificadas para
poder observar as necessidades e dificuldades dos alunos, vamos usar como exemplo
o alfabeto. Se você é alfabetizador, ou já teve a possibilidade de entrar numa sala de
primeiro ano do Ensino Fundamental, com certeza irá identificar a cena a seguir...
Na lousa o alfabeto por escrito, acima dela cartazes com as letras em to-
das as suas formas de escrita, no equipamento eletrônico pode se ver um vídeo
pausado de uma música do alfabeto, nas mesas dos aprendizes letrinhas móveis e
tabelas com uma ilustração e a letra que se inicia, no cantinho da leitura livros
sobre o alfabeto, alfabeto dos animais, alfabeto das guloseimas, no cantinho dos
jogos mais alfabeto, e assim vai, recursos variados, ofertados aos alunos com in-
tencionalidade pedagógica.
Essa é a realidade diária de uma sala de aula da fase de alfabetização, pro-
fessores que se empenham na busca por instrumentos facilitadores da compreen-
são pedagógica do objeto de estudo.
Tendo em mente essa realidade é possível dizer que a personalização do
ensino na fase de alfabetização já existe, ocorre quase que de maneira natural, porém,
evidentemente não é algo que esteja sendo aplicado em todo território nacional, e
muito menos de maneira consciente em relação a essa proposta metodológica. Por

86
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

essa razão, é fundamental que o corpo docente, bem como as equipes gestoras se
apropriem de forma mais conceitual dos benefícios dessa metodologia.
Há tempos os docentes já compreenderam que as crianças aprendem de
forma diferenciada, e foi na pratica diária, na indignação, na frustração, na tenta-
tiva e erro, nos sorrisos, nas lágrimas, nos abraços que esses docentes desenvolve-
ram e desenvolvem diariamente estratégias para atingir a todos os aprendizes e
possibilitar que todos aprendam de maneira significativa e prazerosa.
Não existe mais espaço no ambiente escolar para comparações de qual
aluno sabe ou não sabe, de qual aluno atingiu ou não atingiu, o que existem são
saberes diferentes, caminhadas diferentes, desejos e duvidas diferentes, problemas
pessoais e sociais diferentes. Quantas vezes nos deparamos com aprendizes exce-
lentes em uma área e menos interessado em outra, essa magia da diversidade é o
que nos direcionou a um sistema educacional no qual não é mais permitido apenas
a transmissão de conteúdo.
O que se espera, e até já se vê em diversas salas de aulas, é que o professor
direcione e seja um mediador mostrando ao aluno o que ele precisa aprender, o-
ferte as ferramentas e instrumentos que o ajudarão nesse aprendizado, e permita
que o aluno faça suas próprias reflexões e pesquisas.
A intenção prioritária da presente discussão é tranquilizar você, profes-
sor, diante do termo personalização do ensino. Não é algo distante da sua reali-
dade, não é algo impossível na alfabetização, não é algo que irá mudar totalmente
a sua pratica diária.
O foco da personalização de ensino é possibilitar a valorização da singu-
laridade e autonomia, tanto do aprendiz quanto do docente. Chegamos a uma fase
social na qual a Educação está de portas abertas para a flexibilização, e não pode-
mos deixar essa fase passar despercebida, é a hora de nos fortalecermos e ampliar-
mos nossos conhecimentos a fim de efetivar mudanças que de fato sejam positivas
no cenário educacional.
Falar sobre personalização do ensino, portanto, não é inventar mais tra-
balho para o docente, e sim repensar a pratica que já funciona, dando diretrizes
conceituais a ela.
A personalização do ensino precisa ser desmistificada pelo corpo docente
apesar de parecer algo novo, temos que ter em mente que desde a educação infantil
nós já a realizamos, tendo em vista que a consciência da necessidade de adequação
de atividades, das necessidades específicas de cada aluno, das suas dificuldades, das
suas potencialidades, tudo isso já é priorizado em sala de aula pelo professor, tudo
isso já é estudado, planejado e tem sido estruturado de forma efetiva inclusive na
alfabetização, e porque não dizer principalmente na fase de alfabetização, onde os
professores tem plena consciência de que apesar de todos precisarem chegar a um

87
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

nível de hipótese de escrita adequado, apesar de todos precisarem atingir uma tran-
quilidade leitora, uma autonomia leitora cada um caminhará de forma diferenciada.
Ao entrar numa sala de alfabetização necessitamos ter recursos diferen-
ciados, ter atividades diferenciadas, objetivos diferenciados. Temos um aprendiz
com limitações físicas, temos um aprendiz com alguma síndrome, temos aquele
que veio de outra escola com metodologias diferentes, a criança já sabe ler, a cri-
ança que já está utilizando letra cursiva, aquele que se encontra na hipótese de
escrita com valor sonoro que só conhece as vogais, tem outro que tá começando a
entrar na hipótese silábica alfabética, todos eles, e cada um deles, inseridos em
uma sala de aula, estas são situações que o professor alfabetizador lida diaria-
mente, e inevitavelmente se faz necessário uma flexibilidade no ato de ensinar.
É compreensível que a maior parte das vezes em que ouvimos falar dessa
tendência, os comentários sejam centrados nos níveis acima da fase de alfabetiza-
ção, como ensino médio e superior, pois aparentemente vemos que essa prática, já
comum na fase inicial do período escolar, vai se perdendo e dando lugar a praticas
mais unificadas e tradicionais, deixando de lado o cuidado com as diferenças. Isso
vem ressaltar ainda mais quão valorosa é a pratica docente nas series iniciais.
Alguns autores vão trazer a reflexão de que a personalização do ensino é
diferente das adaptações de atividades, esse ponto de vista se dá diante da com-
preensão de que para se personalizar o ensino é necessário que você apresente op-
ções e que o próprio aprendiz tenha autonomia de decisão de qual caminho irá
percorrer, de quais conteúdos irá pesquisar.
“Personalizar o ensino significa que as atividades a serem desenvolvidas
devem considerar o que o aluno está aprendendo, suas necessidades, dificuldades
e evolução – ou seja, significa centrar o ensino no aprendiz” (BACICH; NETO;
TREVISANI, 2015, p. 69)
Porém quando transportamos essa tendência educacional para a fase de
alfabetização a grande inovação em personalizar é o ensinar o aprendiz a desen-
volver esta autonomia e prepará-lo então para quê lá nas fases posteriores ele con-
siga sentar com o seu mentor, com o seu professor e direcionar a sua
aprendizagem.
Na personalização do ensino a ênfase principal é o desenvolvimento da
autonomia do aprendiz, contribuindo para que este assuma um papel de protago-
nista na busca dos conhecimentos; no favorecimento das relações interpessoais
tendo em vista que a busca por este conhecimento se dá tanto de forma individu-
alizada quanto nas interações sociais.
A fase de alfabetização portanto, é o momento onde nós iremos implemen-
tar a questão da autonomia para a personalização do ensino, onde iremos disponi-
bilizar ao aprendiz recursos variados, instrumentos variados nos quais ele poderá
ter acesso ao objetivo de aprendizado que é a leitura, a escrita e a interpretação

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

textual, as atividades nunca serão as mesmas. Sabe aqueles cantinhos pedagógicos


que o professor faz na sala, o cantinho da leitura, cantinho dos jogos, o cantinho
das atividades em grupo, o cantinho tecnológico, são diversos, esses cantinhos onde
se disponibiliza os recursos de forma que o acesso se torna livre, porém a intencio-
nalidade pedagógica não é livre ela é sempre direcionada pelo professor, são nesses
cantinhos que nós iremos possibilitar que o aprendiz caminhe por recursos dife-
renciados com a intervenção pedagógica do professor, para que avance ou retome
objetos de conhecimentos conforme suas necessidades especificas.
Nesse sentido, serão expostas algumas práticas utilizadas nas aulas de
alfabetização, que foram testadas em diferentes ambientes e funcionaram de ma-
neira positiva, trazendo resultados bem satisfatórios e promovendo a aprendiza-
gem das crianças.
Uma grande aliada da personalização do ensino é a “gamificação” que
você já deve ter ouvido falar, é também uma nomenclatura que está surgindo no
ambiente educacional e não se pode deixar de lado essa ferramenta tão preciosa e
estimuladora. Estamos numa geração em que o aprendiz precisa de uma motivação
além da transmissão da informação, já sabemos que a informação tem chegado a
todos de maneira surpreendentemente rápida e eficaz, então cabe ao professor au-
xiliar o aprendiz no sentido de filtrar informações convenientes, informações não
convenientes, a responsabilidade autônoma no uso da tecnologia, entre outros as-
pectos específicos da utilização de tecnologias. E é nesse contexto que a gamifica-
ção tem o poder de unir a personalização do ensino com a utilização dos recursos
tecnológicos, são coisas diferentes que caminham juntas.
A gamificação no meio educacional parte do pressuposto de agir e pensar
como em um game, mas em contexto não game, através da mecânica, dinâmicas e
componentes advindos do ato de jogar, como meio para engajar e motivar os indi-
víduos com o objetivo central de promover a aprendizagem por meio da interação
entre as pessoas, com o meio e com as tecnologias (PIMENTEL, 2018).
O que acontece é que primeiro nós precisamos desenvolver tanto no pro-
fessor quanto no aprendiz e na família do aprendiz o conceito de personalização,
o hábito do estudo personalizado, para que só então se possa direcionar para uma
ação conjunta com o uso da tecnologia, quando nós atrelamos imediatamente a
tecnologia a personalização, acontece uma mistura e podemos correr o risco de
atrapalhar um pouco a compreensão dos benefícios da personalização do ensino.
Por essa razão, se faz necessário que os passos sejam dados de forma firme porém
gradativa, não se pode, de maneira nenhuma, chegar a um grupo de professores e
propor uma mudança radical no processo de ensino aprendizagem, ao fazer isso o
que se encontrará será uma resistência imensa.
E é pensando exatamente nessa possível resistência ao novo que se faz
necessário uma reflexão em conjunto, auto formação, formação continuada , bem

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

como apoio e incentivo das equipes gestoras para tranquilizar o corpo docente, o
professor alfabetizador já realiza a personalização de ensino na sua sala de aula e
precisa apenas identificar e mostrar que a sua prática está alinhada a esta nova
tendência, precisa se localizar como integrante desta tendência, para então com-
preender quais são os recursos utilizados na sua sala que se alinham com a pro-
posta estabelecida pela personalização do ensino.
Uma estratégia já utilizada por diversos professores e que é um excelente
norteador das possibilidades de se trilhar um caminho especifico para cada aluno
é a utilização de jogos pedagógicos, os quais podem abordar temas diversos, o pro-
fessor mostra as regras e disponibiliza os jogos para que sejam manipulados con-
forme o interesse de cada aprendiz.
O mais interessante dessa questão de personalização do ensino, é o pro-
cesso de busca, é possibilitar que o aprendiz pesquise, pois, a pesquisa é o que vai
direcionar o aprendizado.
Um exemplo que dá para compreendermos essa importância da pesquisa
utilizando recursos disponíveis na sala é de um aprendiz que descobriu as letras
minúsculas durante a tentativa de leitura de um livro, observou que as letras não
eram as que conhecia e questionou a professora “porque tem essas letras diferen-
tes?” Nesse momento entra o papel do professor, mostrando que as letras são as
mesmas e que tem diversas formas de escrita, “Veja tem a letrinha cursiva também,
qual que você acha mais legal?” A criança vai falar qual gostou e o professor poderá
direcionar o aprendizado de forma personalizada com aquilo que despertou o in-
teresse demonstrado.
Perceba como o caminho foi natural, é muito bonito, é um processo muito
legal, muito significativo e que com certeza trará grandes resultados, fazendo a
diferença na trajetória de ensino aprendizagem dessa criança.
Vamos analisar mais uma situação habitual. Quantas vezes você estava lá
dando aula e entrou um passarinho na sua sala, isso já aconteceu comigo diversas
vezes, o passarinho entrou eu estava lá falando sobre as famílias silábicas, da pra
manter a proposta? Não, esquece! Você não consegue numa sala de alfabetização
com criança de seis ou sete anos que estão extremamente abertas ao aprendizado,
curiosíssimas, cheias de vontade de conhecer tudo à volta delas, cheio de vontade
de comentar sobre o que está vendo e mostrar os resultados e mostrar também o
que sabes e poder chegar em casa contando que aprendeu. Esse é o momento que
o professor deve fazer as intervenções, mas deixar que o aprendizado ocorra de
forma natural, quando o passarinho aparece estimula os alunos a fazerem obser-
vações como olhar as cores do passarinho, como escreve a palavra passarinho,
quem sabe qual é esse passarinho, quem tem passarinho em casa, pode ter passa-
rinho em casa...entre outros questionamentos que estimulem a busca e, inclusive,
de repente vai achar ali um aprendiz que é apaixonado por pássaros e por aves e

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

que conhece muito mais do que você pode imaginar e que te dará nomes de aves,
cores de cada ave, que vai olhar para aquele passarinho e falar professora esse pas-
sarinho que entrou na nossa sala é tal, ele vive em tal lugar e até falar dos hábitos
do passarinho.
Estas oportunidades já são aproveitadas pelos professores e são de uma
riqueza indiscutível, a personalização do ensino pode ser percebida como um
grande conjunto dessas oportunidades, porem de forma estruturada e traçada com
planejamento adequado, atendendo as curiosidades do aprendiz, e também suas
dificuldades. A proposta é, portanto, mesclar as metas da alfabetização com as cu-
riosidades e necessidades especificas de cada aprendiz, abrindo o planejamento
para conhecimentos que os alunos já possuem, é um processo que o professor pre-
cisa fazer de forma tranquila, aos poucos, gradativamente e quando perceber vai
estar funcionando de forma ativa, significativa, natural e extremamente eficaz.
O avanço na área da educação tem sido cada vez mais rápido. Não pode-
mos mais falar em educação do futuro, pois o futuro é agora, chegamos nelee pre-
cisamos nos encontrar nele.
Não é mais aceitável aquela escola conteudista cheia de muita informação e
pouca transformação, o educar precisa ser amplo, integral, transformador e inovador.
A prioridade no momento é dar sentido à prática docente favorecendo a
metacognição, o pensar sobre o pensar, direcionar a aprendizagem para o porquê
de aprender aquilo, o que eu ganharei com esta aprendizagem, porque eu quero
pensar sobre isso, quais caminhos eu vou percorrer para chegar nesse resultado
que eu desejo, é nesse sentido que nós focamos na personalização do ensino É
nesse sentido que tem se falado dessa nova tendência.
Vale reforçar não é algo distante da sua prática diária pelo contrário é
uma nomenclatura carregada de significado e intencionalidade que irá valorizar a
sua prática diária em sala de aula.
A personalização do ensino, não apenas é possível, como já é aplicada e
por isso se faz necessário que o professor esteja aberto para olhar de forma natural
e de forma responsável para essa tendência.
É necessário que haja momentos de autoformação do professor, a busca
pelo próprio conhecer, a busca pelo próprio avaliar, sondar quais são os seus há-
bitos dentro da sala de aula quais se alinham com a personalização de ensino e
quais fogem dessa questão para poder então dar um maior significado e moldar a
sua prática.
Conteúdos passam a ser nada mais nada menos que o suporte das ações
de aprendizagem é possível que a aprendizagem seja manipulável e flexível para
atingir resultados concretos, os objetos de conhecimento são o meio para se atin-
gir a aprendizagem, mas não são a aprendizagem em si, eles servem como um veí-
culo para aquisição e para a melhoria das habilidades mentais dos aprendizes, na

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

personalização do ensino a seleção dos conteúdos é feita de forma diversificada,


porém sempre direcionada e intencional, o mais importante é a capacidade de pro-
mover momentos de pesquisa.
O ensino personalizado, portanto, vai além de apenas identificar necessi-
dades de um ou de outro individuo, o ensino personalizado é uma proposta meto-
dológica que parte do interesse do aprendiz e que se molda com base nas opiniões
trazidas pelo aprendiz bem como dos seus interesses. Se faz necessário, então que
a rotina escolar garanta espaços e situações nas quais o aprendiz possa expressar
seus interesses e necessidades, atuando como protagonista do contexto escolar.
A conceituação trazida pelo ensino personalizado, da mesma forma que
acontece com outras tendências pedagógicas, nos gera dúvidas, incertezas e a-
quela sensação de que em uma sala lotada e sem estrutura não será possível reali-
zar, diante desse sentimento de bloqueio se faz urgentemente necessário uma
revisão da pratica, dessa maneira certamente será possível encontrar estratégias já
utilizadas que se alinham com essa tendência.
Façamos, então, uma análise simplificada de práticas corriqueiras das au-
las de alfabetização que vem de encontro a proposta da personalização do ensino,
são elas:

Considerar os interesses do aprendiz:


Proporcionar momentos para que a criança possa expressar seus interes-
ses em relação ao processo de aprendizagem e considera-los durante a elaboração
do planejamento.

Aprendizado progressivo tendo o professor como orientador:


Compreender que o aprendizado é um caminho a ser percorrido, com e-
tapas a serem vencidas, de maneira progressiva, sem forçar o aprendiz. Que o pro-
fessor não tem mais o papel de transmitir conhecimentos, e sim de orientar nessa
caminhada, mostrando opções que contribuirão com o aprendizado.

Alinhar as escolhas de objetos de estudo com a realidade do aluno:


A preocupação de considerar a realidade pessoal do aprendiz, conhe-
cendo sua história de vida, as influências familiares, e as limitações.
Disponibilizar recursos e instrumentos diversificados:
Recursos que podem ser até elaborados pelos próprios alunos, que esti-
mulem o raciocínio e proporcionem a oportunidade de rever conteúdos e pesqui-
sar por novos.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Estratégias lúdicas:
Indispensável em qualquer faixa etária no processo de ensino e aprendi-
zagem, a ludicidade é o que torna o caminha mais leve, mais dinâmico, e divertido.

Interatividade:
A aprendizagem precisa ser dialética, com uma comunicação entre as
partes envolvidas e entre os objetos a serem estudados. Utilizar tecnologia, mídias
de comunicação, redes sociais, o que for preciso e viável dentro da realidade da
comunidade escolar, para que a comunicação e as informações cheguem a todos
de forma dinâmica.
Criar estratégias de ensino nas quais o uso da tecnologia seja mais do que
um instrumento para a transmissão de conhecimento, que seja uma interface ca-
paz de proporcionar a comunicação e a construção interativa do conhecimento.

Inclusão;
Ter um olhar atento a todos os tipos de aprendizes que fazem parte do
contexto escolar, adequando não apenas o ambiente físico, mas também as ferra-
mentas de avaliação e aquisição do conhecimento.

Valorização das pequenas conquistas;


Não precisamos esperar que o aprendiz atinja seu maior nível de conhe-
cimento para valorizar e incentivar, muito pelo contrário, cada pequena conquista
deve ser valorizada e comemorada, a fim de estimular a autoestima da criança e
proporcionar confiança para seguir seu percurso de descobertas.

- Estimulo do envolvimento da família e comunidade;


É muito importante que a família esteja inserida no contexto escolar de
forma a apoiar o aprendizado. Quando o aprendiz percebe que a escola não é algo
isolado de sua vida pessoal, que ela é um complemento, se sente acolhido e passa
a se dedicar de forma efetiva, pois consegue enxergar mais significado no processo
educacional.

- Utilização de critérios avaliativos, no lugar de avaliações padronizadas.


Muito se fala sobre mudanças nos sistemas avaliativos, e essa questão já
não pode mais ser deixada de lado, é necessário que as mudanças ocorram urgen-
temente, de forma efetiva, avaliações padronizadas não garantem resultados efeti-
vos. É necessária uma avaliação constante, gradual e baseada em critérios, não em
resultados e quantidades. Aquele momento em que o alfabetizador chama cada

93
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

aprendiz pra fazer uma leitura ou uma escrita de palavras, deve ser algo persona-
lizado e os dados colhidos nessas propostas precisam ser levados em consideração
no ato avaliativo. Em um processo de personalização não é possível estabelecer
notas de corte, o que queremos é que todos prossigam, então devemos avaliar o
aprendiz conforme seus próprios avanços.
Se analisarmos de forma detalhada os itens aqui citados poderemos ob-
servar que não faz sentido colocarmos obstáculos na execução do ensino persona-
lizado, pois apesar de não ser fácil este olhar diferenciado e atento já é utilizado
no contexto da alfabetização.
O ensino personalizado, garante a colaboração e comprometimento de
todos os envolvidos e traz resultados efetivos e significativos. Resistir ao novo é
como tentar ficar de pé na areia movediça, uma hora ou outra sua resistência não
servirá para te manter de pé, e a areia irá avançar, mas você continuará estagnado.
Portanto, a efetivação da personalização de ensino na fase de alfabetiza-
ção, depende muito mais de um posicionamento e uma revisão da pratica, do que
de uma grande e inovadora mudança. Precisa-se de professores que compreendam
que educar é um ato de coragem, é preciso quebrar barreiras, desenvolver confi-
ança, e concretizar objetivos.

94
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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PEDAGOGIA SOCIAL E OS DESAFIOS DA ESCOLA
PÚBLICA: REFLEXÕES FREIREANAS

André Luiz Rodrigues 1


Juliana Santos Graciani 2

Introdução
A escola apresenta em seu cotidiano muito mais do que conteúdos a se-
rem repassados de uma geração para a outra, ela trata do desenvolvimento de sen-
timentos. A educação afetiva e a alfabetização emocional vão sendo aprendidos e
apreendidos nas experiências familiares, escolares e na sociedade e podem ser
compreendidos como a consciência que o indivíduo constrói sobre si mesmo en-
quanto parte do processo de aprendizagem pessoal e social. Sentir-se parte, ver-
se como um humano inacabado, em eterno processo de tornar-se sujeito com di-
reitos e deveres, um exercício de ser cidadão local, global e planetário. Todo este
conjunto de sentidos e significados é fundamental para o crescimento e desenvol-
vimento da humanização.
Neste sentido, destaca Freire (2011) que:
É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como
processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em
que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e ho-
mens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educa-
bilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos
inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança.
(FREIRE, 2011, p. 24).

Nenhuma criança aprende se não se sentir humana e, com isto podemos


entender que para se sentir inclusa como membro da comunidade Homo Sapiens
Sapiens é necessário que suas necessidades possam ser ouvidas e atendidas. O que
ocorre quando um sujeito em fase peculiar de desenvolvimento infantil é violado
em seu ingresso, acesso, permanência e sucesso em suas múltiplas capacidades de
aprender numa educação formal e social, desenvolve-se um processo de desuma-
nização. Por vezes, culpa-se a criança e sua família por não ter êxito na escola, nas

1
André Luiz Rodrigues, Professor da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, Graduado em
Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.
2
Profa. Dra. Juliana Santos Graciani, Professora Graduação em Psicologia da Faculdades
Metropolitanas Unidas - FMU. Doutorado em Psicologia Social (PUC, 2015), Mestre Gerontologia
Social (PUC, 2009), Especialista em Arte e Desenvolvimento Humano (Faculdade Messiânica, 2015)
e Especialista em Psicologia Transpessoal (UNIPAZ, 2019). Educadora Social desde 2002 pelo
Núcleo de Trabalhos Comunitários da Pontifícia Universidade Católica – NTC-PUC-SP.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

atividades propostas (Silva Filho e Araújo, 2017). Este sentimento de culpa irá a-
companhar a criança por toda sua trajetória escolar e, fatalmente, será traduzida
na sensação de um adulto em exclusão da sociedade.
Os seres humanos necessitam ter o acesso a condições de dignidade exis-
tencial, seja numa perspectiva, social, cultural, econômica, política, artística, entre
outras. A humanização é construída dentro de um contexto onde todos possam se
sentir pertencentes ao ambiente e, dentro da coletividade, na experiência de com-
partilhar com os outros, onde possam contribuir para sua aprendizagem pessoal,
na do outro e do ambiente em que vivem, É preciso desenvolver o valor de uma
cidadania ativa, participativa, dialogada, permanente e de construção colaborativa
de uma cidade educadora, uma comunidade de paz e uma escola cidadã.
A exclusão social não é algo intrínseco na sociedade, não é natural e, não
pode ser vista como uma fatalidade. A invisibilidade, o preconceito, a discrimina-
ção, as violências estruturais, culturais e as diretas (sexual, física e psicológica),
desumanizam os sujeitos desde a mais tenra idade.
Vivemos em uma sociedade que preconiza a necessidade de ter e produzir
caso a pessoa não se enquadre em um destes dois quesitos, ela será posta a mar-
gem. E, mais, na grande maioria das vezes as pessoas serão em maior número sub-
jugadas a um pequeno grupo que detém o poder econômico e cultural.
Neste sentido, pensamos este trabalho como uma reflexão sobre uma saída
possível e possibilitadora de um novo modelo de sociedade, aquela em que a consci-
ência histórica construída na coletividade, faz provocar mudanças no status quo.
A Pedagogia Social (Graciani, 2012) com sua proposta educativa, reflete
e propaga a mudança social, afirmando que a Educação pode e deve ocorrer em
qualquer espaço e, não apenas nas escolas. Para tanto, lança-se no fortalecimento
da diversidade, do multiculturalismo, do conhecimento científico, da fala, da es-
cuta, da participação, da fraternidade, enfim, da possibilidade que todo sujeito
tem de ser mais.
Esta pesquisa teve por objetivo debruçar-se para os fundamentos da Pe-
dagogia Social e, após isto, voltar-se para a escola pública, na busca por encon-
trar práticas condizentes com este novo modelo de sociedade, mais humana e
humanizadora.
Refletir epistemologicamente sobre o papel pessoal e social da criança é
pensar o humano que nós queremos construir na sociedade. Repensar e ressigni-
ficar e, principalmente, possibilitar que ele ou ela possam ser felizes dentro de uma
propositura mais justa, solidária, equitativa e fraterna.
Para que pudéssemos trilhar este caminho, utilizamos como metodologia
a revisão bibliográfica e nossas experiências junto a escola pública que escolhemos
para realizar este trabalho de pesquisa.

98
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A conclusão foi o espaço escolhido para que as reflexões realizadas com


base nos fundamentos da Pedagogia Social e nas práticas cotidianas da escola pu-
dessem ser mais bem investigadas, esclarecidas e estimuladas como um novo mo-
delo de práxis pedagógica.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para o fortalecimento e
crescimento da Pedagogia Social no Brasil, assim como, nas pesquisas realizadas.
É interessante destacar que através desta pesquisa, professores(as) e e-
ducadores(as) sociais que desconheciam a Pedagogia Social, poderão ter contato
com suas concepções e conceitos, proporcionando um começo de mudança na
forma como olham suas práticas em sala de aula e nos projetos sociais.
Faz-se necessário que tenhamos a consciência de que para a transforma-
ção da sociedade, a escola deve ser e é, em sua essência, palco primordial para o
exercício da cidadania, da liberdade e da participação.
Palavras não libertam homens e mulheres, ações sim, e essas promovem o
exercício da emancipação, da governabilidade e do empoderamento, favorecendo
a superação das violações dos direitos e a elaboração de um novo Projeto de Vida
Pessoal e Social. Mas, quando as ações ainda não estão com força para romper o
barulho ensurdecedor que corrompe, manipula, exclui e marginaliza, são as pala-
vras debatidas e conversadas que fazem criar um espaço onde a utopia coloca-se
como um norte a ser buscado e o fôlego para o inicio da caminhada.

1. Escola aprendente e seus desafios


Andar pelas ruas de uma grande cidade como São Paulo é se maravilhar
com um movimento intenso e frenético de carros e pessoas. O tempo todo tudo e
todos estão com pressa, atrasados, cansados, estressados e, ao mesmo tempo,
rindo, comemorando, buscando, alcançando. Enfim, um misto de emoções e situ-
ações que ocorrem ao mesmo tempo e, são sinônimos da cidade que “nunca dorme”.
Há outra realidade que também se vive pelas ruas e bairros desta mesma
cidade. Quantas pessoas, ao andarem pelas ruas do centro velho de São Paulo, se
depararam com meninos e meninas (estas escondidas com bonés e toucas que lhes
preservam o corpo) na Praça da Sé ou homens, mulheres e velhos buscando abrigo
debaixo das marquises durante as madrugadas. Estes também são cidadãos desta
mesma cidade, porém, a estes o “nunca dorme” é um fato diário.
Toda esta realidade que, para alguns, ainda que com sacrifícios, têm uma
luz que lhes traz alguma esperança de que ao final do percurso terão seus méritos;
para outros, representa o que Darcy Ribeiro chamou de moinho brasileiro de gastar
gente (RIBEIRO, 2018, p.15), ou seja, a dura realidade de mais um dia que se está vivo
por sorte e, contando com esta será capaz de encontrar algo para suprir um pouco
da muita fome que se sente ao longo dos dias que se passou sem comer ou beber.

99
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Junto a essa situação, podemos acrescentar outras demandas desafiantes


tanto da Pedagogia Social, bem como da Educação Formal, abrangendo uma atu-
ação frente aos dependentes químicos que residem na Cracolândia, as adolescen-
tes que são exploradas em sua sexualidade, as crianças que precisam trabalhar no
farol na mendicância, os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducati-
vas, as famílias que estão vivendo a temática carcerária, as diversas aldeias indíge-
nas com suas aldeias e suas lutas pela preservação da cultura e de acesso as terras,
as populações Ribeirinhas, Quilombolas e as comunidades rurais, vários movi-
mentos sociais Sem Terra, Sem Teto, LGBTQIA+3, as Pastorais e as demandas das
violências sexuais, físicas e psicológicas.
Estas realidades suscitadas, por vezes emociona, às vezes agride e, muitas
vezes, nos causa justa indignação, serviu de pano de fundo para os estudos da Pe-
dagogia Social e suas interfaces com a educação formal.
A professora Dra. Maria Stela Santos Graciani em sua Pedagogia Social
de Rua, desenvolvida a partir do Núcleo de Trabalhos Comunitários na Pontifícia
Universidade Católica (1991-2020) é uma das obras que fundamenta esta pes-
quisa, juntamente com outras com o mesmo propósito de desvelar as teias que
marginalizam, excluem e tornam invisíveis os sujeitos que não se enquadram nesta
ideia de sociedade justa, fraterna e solidária.
Segundo Graciani (2009) duas palavras, à margem e marginal, apresen-
tam o sujeito de que trata a Pedagogia Social de Rua. Estar à margem e ser margi-
nalizado são a rotina de milhares de pessoas, seja nos grandes centros urbanos ou
nas periferias rurais. Esta situação de ser “de rua”, existir sem um lugar, reconhe-
cido pelo outro que vê, é um processo duro e cruel que foi e é instituído pelo sis-
tema econômico em que vivemos. Acrescenta, neste sentido Graciani (2009) apud
Gadotti (2009, p. 12):
[...] A “rualização” é consequência de um sistema econômico fundado na injus-
tiça que produz a marginalidade, a pobreza, o povo da rua das cidades e o traba-
lhador sem terra dos campos. É o sistema capitalista selvagem (grifos do autor) que
cria lixões nas periferias das grandes cidades, onde se amontoam urubus, aninais
e seres humanos, disputando as mesmas sobras do luxo das elites. (GRACIANI,
2009 apud GADOTTI, 2009, p. 12).

Esse processo de sentir-se estranho, a margem dos meios de inclusão e


ser marginalizado pelo outro, está marcado por um contexto de uma sociedade

3
LGBTQIA+: Está sigla reúne os diversos coletivos e grupos organizados, dando visibilidade à
orientação sexual dos indivíduos, podendo ser Lésbicas, Gays, Bissexuais e aos diferentes tipos de
gênero Transexuais, Travestis e Transgêneros, a cultura Queer, representando as pessoas que não se
identificam com os padrões impostos pela sociedade, Intersexuais (pessoas que apresentam
cromossomos que não permitem que a pessoa seja identificada como masculino ou feminino) e +
representando todas as outras pessoas e suas particularidades.

100
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

capitalista, onde a desigualdade de acesso as dimensões econômicas, sociais, polí-


ticas, culturais, educacionais, artísticas, entre outras estão presentes.
Para Giddens (2005, p.265) o conceito de exclusão social: “diz respeito às
formas pelas quais os indivíduos podem acabar isolados, sem envolvimento integral na sociedade
mais ampla”, sendo excluídos da terra, da educação e do convívio na vida com suas
múltiplas possibilidades. É preciso acolher, criar espaços de convívio pluralista,
criar a valorização da diversidade e da construção coletiva dos saberes, a fim de
que juntos possamos elaborar formas de superação das desigualdades.
Freire (2011) destaca que para produzirmos transformações em nossas
práticas de educadores sociais, temos que inicialmente mudarmos a nós mesmos,
ou seja, um ponto fundamental é estarmos presentes, como pessoa humana, nos
processos que vivemos em comunhão com os outros e com nós mesmos! Para tal,
é necessário desenvolvermos uma escuta aso sentimentos dos educandos, conhe-
cer o projeto de vida das pessoas, contar nossas histórias de superação de nossas
opressões, experimentar vivências de conscientização de nossos preconceitos e
discriminação, desenvolver ideias criativas e concretizar ações coletivas de solida-
riedade e fraternidade.
Neste sentido Freire (2011, p. 32) defende que:
Como educador preciso de ir “lendo” cada vez melhor a leitura do mundo que os
grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior
de que o seu é parte. O que quero dizer é o seguinte: não posso de maneira al-
guma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, des-
considerar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz
parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem expli-
citado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que precede
sempre a “leitura da palavra”.

Aprender a Ler o Mundo (Freire, 2011) é um exercício contínuo de


dialogar com as realidades, ouvir a pluralidade das subjetividades dos envolvidos
no processo de educar, sentir e compartilhar o risco de partilhar a vida em comum,
um convívio corporificado da presença vida de um docente com um discente
(Síveres, 2015), onde ambos são curiosamente aprendizes da arte de aprender
juntos sobre o passado, presente e idealizar um futuro, diante de um projeto
político, pedagógico, institucional societário e pessoal.
A educação Freireana, como eixo basilar da Pedagogia Social é perpassada
por uma teimosia diante da esperança de um porvir, através de um inédito viável de
novos olhares do via-a ser, permeados por uma esperança criativa e vivida no aqui
e agora, por meio da inclusão da assunção da identidade do grupo e de si mesmo,
expressada no diálogo na escola, com os amigos, na participação de reuniões de
construção de uma cidade educadora, tais como: o Plano Plurianual do Município,
as reuniões do orçamento participativo, as conferências municipais, estaduais e

101
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

nacionais, a votação nas eleições para o Conselho Tutelar e a participação nas


comissões e conselhos representativos da sociedade civil organizada.
A visão sobre o que é educação é um ponto fundamental para começar-
mos a compreender como muitas ações ou a falta destas se concretizam e são ca-
pazes de dar voz ou excluir. “[...] a violação dos direitos é também o resultado de um
processo distorcido de “educação” daquelas mesmas pessoas que deveriam resguardar esses di-
reitos”. (Graciani, 2009, p. 13).
Uma concepção de educação que não alcança a todos, mas apenas àqueles
que pertencem a um determinado grupo da esfera social, onde “[...] o outro não é
identificado como um ser comum, mas como um estranho que nada representa, senão mais um
número nas estatísticas”. (Graciani, 2014, p. 12). Neste sentido, atuar na prática edu-
cativa exige o desenvolvimento de uma visão crítica sobre a conjuntura histórica
de seu país e mundo, reflexiva frente seus atos e proativa individualmente e cole-
tivamente frente a problematização e suas diversas soluções de transformação.
Para Freire, (2011, p. 17) “ensinar exige risco, aceitar o novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação”.
O papel da escola na perspectiva da Pedagogia Social é criar espaços de-
mocráticos, participativos e solidários, onde se possa exercitar os saberes erudi-
tos, populares e de cultura de massa, problematizando-os ao longo da história da
humanidade, fomentar soluções para os problemas da realidade, incentivar o po-
tencial criativo e inovador de cada discente de forma individual, grupal, coletiva e
societária. Assim, a escola como uma instituição viva, errante e aprendente se
torna cidadã e colabora para a efetivação de uma cidade educadora, onde todos são
parte, tem voz e vez!
A escola tem como função, segundo Libâneo apud Mello (1994, p. 35) “[...]
a socialização daquela parcela do saber sistematizado que constitui o indispensá-
vel à formação e ao exercício da cidadania”. E, para além desta função formal a
escola alcança outras dimensões que visam à educação dos sentidos e olhares para
o mundo, onde a essa pode despertar a alegria de viver, a curiosidade, a imaginação
e a criação de sonhos individuais e projetos coletivos e societários. Ressalta Ru-
bem Alves (2011, p. 64):
[...] a primeira tarefa do professor é, à semelhança dos pregos, entortar a sua “dis-
ciplina” (grifo do autor) (ô palavra feia, imprópria para uma escola!) para trans-
formá-la num brinquedo que desafie a inteligência do aluno. Pois não é isso que
são a matemática, a física, a química, a biologia, a história, o português? Brinque-
dos, desafios à inteligência. Mas, para isso, é claro, é preciso que o professor saiba
brincar e tenha uma cara de criança, ao ensinar. (RUBEM ALVES, 2011, p. 64).

A expressão popular “cara de criança” nos convida a construir em nossos


pensamentos a imagem de uma infante correndo, sorrindo, brincando a todo o mo-
mento com tudo e com todos. Sujeito de direitos que inventa danças, completa

102
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

músicas, faz de uma massinha de modelar uma cobra gigante. Estes e tantos outros
pensamentos sobre a infância nos leva a sempre constatar que o lugar delas para
além da escola, são nos parques, na Casa de Cultura, na praia, nos locais públicos,
no teatro, no cinema, no convívio com os pais nas Conferências Públicas Munici-
pais, no convívio comunitário, com amigos, participando dos movimentos sociais
de sua cidade, onde poderá exercer sua cidadania, construir sua identidade pes-
soal e social.
A Pedagogia Social defende que é necessária uma nova concepção de es-
cola, onde está seja mais inclusiva, libertária, progressista, crítica, proativa, cola-
borativa e atuante nos avanços da sociedade. (Graciani, 2009; Freire, 2011,
Gadotti, 2001).
Em seu trabalho com a Pedagogia Social de Rua, professora Stela Graci-
ani (2009, p. 15) nos aponta por onde as ações devem começar: “a criança de rua sofre
no seu corpo e é pelo seu corpo que precisamos começar. Vamos ao encontro dela na rua. É possí-
vel fazer bem a elas apenas com a nossa presença”.
A Pedagogia da Presença é perpassada por uma corporificação do corpo e
da alma do educador social, onde por meio da articulação entre o sentir, pensar e ao
agir estão materializados nas práticas educativas, mergulhadas na arte do encontro
significativo, expressão de sentimentos, compartilhar de dúvidas, diálogos de supe-
ração das dores, engajamento nos incentivos de potenciais individuais e sociais.
Neste sentido, existe uma partilha de formas de viver o cotidiano exis-
tencial, marcado por uma expressão de amor ao educando, onde o maior desafio é
gostar de todos, acolhendo e valorizando positivamente as diferenças. “Ensinar e-
xige querer bem aos educandos! (Freire, 2011, p. 52).

2. Intersecção entre Pedagogia Social e suas perspectivas com a educa-


ção formal
“A Educação é uma atividade para a vida, que ocorre na família, na rua,
na igreja, no trabalho, na escola e em todos os espaços sociais”. (SILVA et al,
2014, p. 190).
Os múltiplos espaços que servem de possibilitadores para a aprendiza-
gem, vão além dos espaços escolares que por muitas vezes não se permitem olhar
para as diversas populações invisíveis, para a cultura popular e os saberes prévios
dos educandos. Graciani (2009, p.14) aponta que “a escola nunca pergunta o que
os alunos querem saber”, mas impõe um conjunto de conhecimentos preestabele-
cidos pelas diretrizes curriculares, é um planejamento destinado para os alunos e
não elaborados e validados com eles.
A Pedagogia Social defende a escolarização como um direito social asse-
gurado pela Constituição Federal (1988, art.227) e preconiza sobre a educação

103
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

para todos, contribui com uma nova reflexão que abarca a própria escola, porém,
não a privilegia como único espaço.
A Pedagogia Social idealiza e busca uma educação que não tem como consequência
de seu fazer cotidiano, a segregação e a exclusão. Na contracorrente de uma educa-
ção para alguns, para uma educação de todos para todos (SILVA et al, 2014, p. 10).

A Pedagogia Social, não é uma teoria ou prática que nega ou se contrapõe


a Educação Escolar. Mas, lança-se como uma perspectiva de possibilidades em
meio à perpetuação da negação do direito do sujeito, se colocando como uma pers-
pectiva de sua emancipação, governabilidade e responsabilização.
Quando ela se coloca enquanto estratégia contemporânea, não o faz impondo
seus preceitos e visões de mundo e de sujeito sob os outros tipos de pedagogia.
Mas, ao se propor enquanto uma possibilidade em face às amarguras da educação
brasileira, objetiva ampliar a visão de educação, repensando seus objetivos, meios
e processos, tendo como centro de toda a sua discussão e reflexão, o sujeito. (Silva
et al, 2014).
A Pedagogia Social é uma área em construção da Educação Social e tem
como força motriz repensar a sociedade, propor uma verdadeira revolução no
modo de problematizar, analisar a realidade e possíveis ações que poderão ser re-
alizadas para a transformação. Pois, reafirmar o modelo de sociedade que vivemos,
é continuar negando o direito de muitos em detrimento de poucos é desumano. A
relação entre o opressor x oprimido é uma das chaves para se repensar o formato
de sociedade que vivemos e, mais ainda, junto a Pedagogia Social, compreender
nesta relação, seu rompimento tendo como objetivo seu fim, o caminho para pro-
jetar uma nova sociedade, mais humana e justa para todos e todas e com todos e
todas. Neste sentido, acrescenta Souza Neto (2014, p. 79):
Mas a Pedagogia Social também tem uma forte atuação na escola, que é reescrever
uma outra pedagogia. Costumamos dizer que ela traz na sua entranha um projeto
de sociedade, um projeto de educação que valoriza os atributos e potencialidades
dos indivíduos, enquanto a Pedagogia Escolar e outras pedagogias sempre se a-
presentaram em cima do fracasso das pessoas. (SOUZA NETO, 2014, p. 79).

Para além da aprendizagem de conteúdos, que são muitas das vezes des-
conexos com a realidade, importa à Pedagogia Social a integralidade na aprendi-
zagem com sentidos, significados e contextualizados ao sujeito:
[...] A educabilidade do sujeito abrange uma constelação de fatores que deve pos-
sibilitar ao indivíduo saber-ser, saber-conviver, saber-cuidar e saber-aprender,
para dar sentido à sua existência (SILVA et al 2014, p. 10).

Estes conceitos que norteiam as práticas e visão da Pedagogia Social de-


monstram por si só o direcionamento revolucionário e progressista de sua práxis,
“[...] assumimos a Pedagogia Social em construção no Brasil como projeto societário dotado de
uma práxis libertadora da relação oprimido e opressor”. (SILVA et al 2014, p. 11). Essa

104
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

relação que se tem perpetuado e marginalizado aqueles que o sistema desconsi-


dera como sujeito de direitos, é fortemente contestada enquanto modelo único e
possível de sociedade.
O sujeito que tem consciência de si e do outro, que zela pelo mundo a sua
volta enquanto território que deve ser ocupado e preservado e, que compreende as
mais variadas formas de aprender, se liberta do cárcere de oprimido. Sem que, com
essa libertação torne-se um novo opressor e, na medida em que vai se constituindo
sua aprendizagem dentro desta perspectiva libertadora, a tomada de consciência
crítica se amplia e aprofunda. Para Freire (2011, p.33): “[...] a “expulsão” do opressor de
“dentro” do oprimido, enquanto sombra invasora. Sombra que, expulsa pelo oprimido, precisa
de ser substituída por sua autonomia e sua responsabilidade”.
A educação é pensada na perspectiva do Sistema de Garantia dos Direitos
(Guerra et al., 2014): efetivação dos direitos, defesa diante das violações, promo-
ção, prevenção e controle, monitoramento, fiscalização e avaliação desses. Direitos
esses que não se anulam em face de pobreza ou ao analfabetismo. Pelo contrário,
são nestas duas situações que a educação social se torna ainda mais necessárias.
O que vemos atualmente em 2020, é a negação do direito, seja de ser, con-
viver, fazer, aprender, sentir e expressar. A pessoa que está em situação de rua ou a
criança cuja família esteja como refugiada em determinado país, por exemplo, tem
seus direitos primordiais negados. Seja pelo não reconhecimento de que também
são sujeitos de direito, seja por ações, que muitas das vezes, sutilmente marginali-
zam e excluem. A Pedagogia Social defende uma articulação entre a ação pedagó-
gica e a prática social, voltada para a cidadania ativa, participativa e colaborativa.
[...] As práticas educacionais orientadas para a educação em cidadania, valores,
direitos humanos, participação política e protagonismo, têm o social como seu
locus preferencial de desenvolvimento e transformação das estruturas sociais, po-
líticas e de poder o seu leitmov (SILVA et al 2014, p. 18).

Portanto, a Pedagogia Social é necessária, urgente e capaz de romper com


a visão segregacionista e desigual que está constituída na sociedade atual, fazendo
frente aos desejos cruéis e excludentes dos grupos que detém o poder e o controle
dos mecanismos de garantias de direitos. Ela é fundamentada pela Constituição
Federal (1988, art.205) que versa sobre a obrigatoriedade do Estado e da família
na educação do sujeito, permeada pela sociedade, visando sua formação enquanto
pessoa e cidadão (ã), principalmente.
A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho (CF, 1988, art.205).

105
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A perspectiva Freireana e a Pedagogia Social, tendo a educação enquanto


ação que se constitui e realiza em todo e qualquer lugar, enfatizam a importância
do meio social para a riqueza de aprendizagens.
Art. 1º A Educação abrange os processos formativo que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pes-
quisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifes-
tações culturais. (LDBEN, 1996, art. 1).

Freire (2011, p. 29) defende que o ser humano está em eterna formação,
mediada por uma ética e estética, tem uma condição de inacabamento, onde a a-
prendizagem é desenvolvida pela presença, exemplaridade e é mediado por uma
teimosa práxis de que: “ensinar exige a convicção de que a mudança é possível”.
Para Trilla (2003, p. 53) a Pedagogia Social apresenta nos processos edu-
cativos pelo menos dois dos três atributos essenciais:
1. Dirigem-se prioritariamente ao desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos;
2. Têm como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de
conflito social; 3. têm lugar em contextos ou por meios educativos não-formais
(TRILLA, 2003, p. 53).

Neste sentido, temos um conceito de Educação que vai além dos muros
da escolarização, ou seja, ela não é limitada a escola, mas permeada pela socializa-
ção, pelas vivências do sujeito, pela história contextualizada do país e das correla-
ções de forças econômicas, políticas, sociais, culturais e artísticas.
Para Petrus et al. (2000), “a Educação é global, é social e se dá ao longo de toda a
vida”. Neste sentido, a escola não é a reserva natural da formalidade e do rigor peda-
gógico. As outras educações, chamadas de educação não formal ou informal, podem
ser tão formais ou mais que a própria escola. Existem muitos projetos sociais que
utilizam uma metodologia pedagógica tradicional, bancária, reprodutivista, alie-
nada e deslocada da realidade, repetindo o modelo da escola passiva e autoritarista.

3. Contribuições freireanas na emancipação pessoal e social


A Pedagogia do Oprimido preconizada por Freire (1968), também subsi-
dia os a construção da Pedagogia Social, enquanto propõe o desvelamento da rea-
lidade na escola, com seus métodos de aprendizagem bancários. A educação do
modelo atual marginaliza e aniquila o educando.
[...] a ideia de um sistema “bancário” de educação consiste em relações de oposi-
ção binária entre educador e educando. Na relação binária, o educador preenche
sistematicamente o espaço inverso a esta correlação, ou seja, o educador sabe, os
educandos não sabem (GRACIANI, 2009, p. 186).

Para Freire (2011, p.17) tanto docente, como o discente estão em comu-
nhão no ato de aprender e ensinar e em sua prática docente deve estimular a capa-
cidade crítica, o potencial da curiosidade e a insubmissão a educação bancária e

106
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

ressalta que: “[...] faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos mas também
ensinar a pensar certo. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movi-
mento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.
Na contracorrente desta educação bancária, o educador social vai ao en-
contro do sujeito, centro do conhecimento, e, através do olhar sensível e atento,
mediado pelo diálogo e escuta, inserido no mundo com sua realidade complexa; a-
prende, apreende, troca e compartilha. Desta forma, são nas vivencias práticas e nas
reflexões críticas teóricas, que a Pedagogia Social desenvolve seus fundamentos,
questionamentos e da voz e vez aos sujeitos. Para tal, Freire (2011, p.13) aponta que:
O necessário é que, subordinado, embora, o educando mantenha vivo em si o
gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade
de arriscar- se, de aventurar- se, de certa forma o “imuniza” contra o poder apas-
sivador do “bancarismo”. (FREIRE, 2011, p. 13).

O educador social vai ao encontro ao educando, as populações em vulne-


rabilidade e as pessoas em situação de risco pessoal e por meio da arte do encontro,
favorecendo-lhes a construção da consciência crítica da realidade circunstancial
que vivenciam. Nesta perspectiva, a Pedagogia Social, a partir de seus fundamen-
tos teóricos e, principalmente, práticos, é tida como um “[...] processo de construção de
conhecimentos simultaneamente individual e coletivo, com a crença na emancipalidade intrín-
seca”, inata ao potencial humano. (Graciani, 2009, p. 198).
O ser humano faz parte da condição de Homo Sapiens Sapiens, mas não
nasce humanizado. Ele torna-se, na medida em que se descobre dentro de um pro-
cesso de humanização e desumanização. Porém, “[...] não lhe é permitido humanizar-se,
vocação negada, mas também afirmada na própria negação. Vocação negada na injustiça, na ex-
ploração, na opressão, na violência dos opressores”. (Freire, 2014, p. 40).
Ambos, opressor e oprimido, não escapam da desumanização, pois, ao de-
sumanizar o outro, este, desumaniza-se a si mesmo. Porém, não é esta a razão de
ser ontológica do humano.
Imaginemos a seguinte situação, onde você está escolhendo um restau-
rante para comer uma refeição. Você para, observa, entra, escolhe, sacia sua fome.
Eis que um homem ou mulher se aproxima e pede um pouco ou as sobras para
poder alimentar-se. Imediatamente, o garçom do estabelecimento, vem e expulsa
este homem ou mulher, a mando de seu patrão. E, a vida segue.
Tanto aquele que coloca em prática seus direitos de ir e vir e de consumir,
quanto àquele que trabalha para um patrão que lhe manda tomar tal atitude; estão
tão desumanizados quanto aqueles que desencadearam a ação.
A lógica do capital quer que tais situações sejam vistas como naturais,
quando na verdade não são, essas fazem parte do processo de desumanização e da
naturalização da pobreza, violência e desigualdade. Freire (2014, p.41) afirma que:

107
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

“[...] a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas
resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos”.
Diante desta desumanização surge um movimento contrário que luta
pela humanização. “Porém, o oprimido não se transfigura no opressor, mas restaura a huma-
nidade em ambos”. (Freire, 2014, p. 41).
O ato de humanizar-se a si mesmo e ao seu opressor é árduo e complexo,
“constituindo-se na grande tarefa humanista dos oprimidos”. (Freire, 2014, p. 41). O o-
lhar do opressor não contempla seu estado de desumanizado, pelo contrário, acha-
se mais humanizado do que aquele a quem oprime. Portanto, a Pedagogia do O-
primido na visão de Freire (2014, p. 43):
É uma pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos
oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua liber-
tação, em que esta pedagogia que se fará e refará. (FREIRE, 2014, p. 43).

Pensar o processo de humanização para a Pedagogia do Oprimido é com-


plexo, pois, a pessoa para humanizar-se necessita primeiro, entender que muitas
vezes, que o opressor e sua lógica de dominação e alienação, habitam dentro de si,
“[...] o momento em que descubram hospedeiros do opressor poderão contribuir para o parteja-
mento de sua pedagogia libertadora”. (Freire, 2014, p. 43).
Porém, há de se refletir muito e com seriedade para que o, agora não mais,
oprimido, transforma-se em opressor, gerando assim, um círculo de opressão.
Onde o patrão oprime o empregado, este por sua vez, oprime o vendedor e, assim
por diante dentro de um processo de reprodução da opressão vivenciada. Ação
está justificada pelo pensamento de que naquela situação o oprimido tem o direito
dado por si de ser o opressor.
Podemos pensar em como o oprimido fará para ter liberdade para huma-
nizar-se. Certamente que está não será dada pelo opressor e, é neste ponto que a
Pedagogia do Oprimido faz elevar a ação de luta do oprimido. A conquista de sua
liberdade é necessária, porém, mais do que isso, “é condição indispensável ao movimento
de busca em que estão inscritos os homens como seres inconclusos”. (Freire, 2014, p. 46). A
liberdade nunca é dada ao homem, mas é o fruto de sua luta. Porém, ao mesmo
tempo em que se almeja ser livre, o oprimido teme sê-lo, “[...] querem ser, mas temem
ser. São eles ao mesmo tempo e são o outro introjetados nele, como consciência opressora
(Freire, 2014, p. 47).
A generosidade e a solidariedade para a Pedagogia do Oprimido assume um
caráter ético e verdadeiro, contrariando a lógica do opressor que se mostra solidário
ao mesmo tempo em que acorrenta ainda mais o oprimido, mantendo-o na mesma
situação de dependência e submissão, “[...] a solidariedade verdadeira com eles está em com
eles lutar para transformação da realidade objetiva que os faz ser “. (Freire, 2014, p. 49).

108
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Solidarizar-se com o oprimido é ir além e alcançar a concretude das ideias


que, verdadeiramente, libertam. Não basta dizer “estou com você” e não estar ao lado
nas lutas e reivindicações, “[...] dizer que os homens são pessoas e, como pessoas, são livres, e
nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa”. (Freire, 2014, p. 50).
A realidade que vivemos, onde os oprimidos tornam-se cada vez mais des-
personalizados, ou seja, a violência que busca mecanismos de perpetuar a capaci-
dade de invalidar o outro, ceifando sua participação na sociedade. Este contexto
não se constitui sozinho, ele é resultado de um conjunto de ações praticadas, esti-
muladas e perpetuadas pela própria comunidade que coabitam os territórios,
constituídos por homens e mulheres.
A criticidade é o caminho para que se possa desvelar a realidade opres-
sora. Desvelar no sentido de tirar o véu que cobre o olhar e não nos deixa ver as
atrocidades que manipulam, submetem e excluem o ser humano.
O modo para transformar esta realidade e, a que se propõe a Pedagogia
do Oprimido, é através da práxis, ou seja, da ação-reflexão-ação, [...] é reflexão e ação
dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor-oprimido (Freire, 2014, p. 52).
Ler o mundo é desvelá-lo e ao fazê-lo munido de criticidade, o sujeito se
refaz e se afirma; se empodera e se apodera da liberdade que lhe foi negada brutal-
mente. A mudança não irá ocorrer através de causas naturais no percurso da his-
tória, nenhuma realidade se transforma a si mesma (FREIRE apud Marx, 2014, p. 55).
A Pedagogia do Oprimido objetiva ser um exercício de transformação,
permeado por um processo de construir-se, fazer-se e modificar-se, “está pedagogia
de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”.
(Freire, 2014, p. 57). Ela se divide em dois momentos, o primeiro de humanização
e o segundo de libertação, ambos permeados pela práxis.
O marginalizado é fruto da sociedade, ele sempre esteve dentro dela, é
está que os transforma em seres “para o outro”. (Freire, 2014, p. 84). Neste sentido, as
medidas que visem integrá-lo ou incorporá-lo à sociedade, de nada valem, pois,
elas perpetuam este “estar para o outro”. Quando na verdade é necessário transfor-
mar está mesma sociedade para que aquele que foi por ela marginalizado, possa
“fazer-se seres para si”. (Freire, 2014, p. 85).
A escola também pratica esta marginalização e busca integrar aqueles que
diferem do comportamento normativo. A educação bancária engessa o educando
como um pote a ser preenchido e, o educador como aquele que irá preenchê-lo.
Para a Pedagogia do Oprimido não há essa dicotomia no aprender, o “eu
sei e você não”, ambos sabem e se educam entre si.
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é edu-
cado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.

109
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que


os argumentos de autoridade já não valem (FREIRE, 2014, p. 96).

Desta maneira não a que se sobrepor ao outro ou de tentar reduzi-lo a


mero expectador da vida, mas, de dar voz, vez e juntos transformar as realidades.

4. (Des)(Re)construção da Educação em momentos de Pandemia


A escola terá que se resignificar para atender ao seu objetivo frente a está
nova pandemia, marcada pela presença do vírus Covid 19 em escala mundial e tam-
bém presente no início do século XXI, no ano de 2020.
A escola pública tem como alicerce de suas práticas um modo de operar
que, ainda, se concentra no físico, no estar presente. A alma de uma escola está em
sua capacidade de interação real entre a equipe escolar e as crianças, adolescentes,
jovens, adultos, com a comunidade. a cidade e a região do país na qual está inserida.
A escolarização formal e a educação social no contexto da Pandemia, não
puderam exercer interações presenciais, sendo a educação focada no âmbito re-
moto, híbrido, de forma síncrona e assíncrona, por meio da ministração de web-
conferências, lives, storys e a realização de múltiplas atividades através das novas
tecnologias digitais, da comunicação, da informação e das redes sociais.
Como a escola conseguirá cumprir com seus vários papéis assumidos ao
longo de todos esses anos, seja com as mudanças que ocorreram na forma e no que
ensinar, ou pelas políticas públicas que encontram na escola seu multiplicador
privilegiado para que ocorram?
O Covid-19 transformou toda a sociedade global e suas formas de ação
cotidianas. Sejam os hábitos de consumo, de contato entre todos, interação com o
uso massivo da internet, relações entre as famílias e nas formas de vivências comu-
nitárias. Assim, hábitos cotidianos simples tornaram-se complexos.
Milhares de professoras e professores, equipes gestoras, equipes pedagó-
gicas, funcionários do quadro de apoio, enfim, todas as pessoas que fazem parte
dos grupos escolares e de projetos sociais, tiveram suas rotinas alteradas devido
ao Covid-19. Diante disso como agir? Como dar conta dos currículos? Como inte-
ragir com todos? Como atingir a todos, tendo em vista as desigualdades sociais,
econômicas, políticas, culturais e artísticas existentes? Enfim, como a escola e os
projetos sociais cumprirão com seus papéis e se reformularão para atender está
nova demanda de mudança global, local, social e pessoal?
Temos uma escola que ainda está centrada no giz, na lousa, nos livros di-
dáticos impressos, cadernos, nas fileiras, na transmissão de conhecimentos, na
presença real. A escola que conhecemos não mudou muito em seus aspectos físicos
ao longo dos últimos séculos.
O publico atendido, sejam elas as crianças da Educação Infantil, do Fun-
damental I e II, dos adolescentes e jovens do Ensino Médio ou os adultos da

110
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Educação de Jovens e Adultos-EJA ou os Universitários, são discentes e docentes


que utilizam tecnologias e internet em seu cotidiano, mas que, ainda, não o fazem
de forma tão interligada, didática e intensa no espaço escolar e nos projetos sociais.
Os professores das escolas públicas e privadas ainda que tenham algumas
poucas lousas digitais e plataformas de ensino virtual ao seu acesso, não tiveram
em suas formações de base (Graduação) preparo para fazer uso destas ferramentas
para cumprir com seu papel, função e execução didática e pedagógica.
A escola ainda tem como um de seus símbolos o giz. Então, como substi-
tuí-lo pela internet? Se, está substituição será provisória ou não, não sabemos
ainda. Mas, da escola e de todos que a compõe já está sendo cobrado que lance
mão de novos recursos para que se mantenha ativa, produtiva, atualizada e inova-
dora na sociedade.
Sendo assim, realizamos alguns questionamentos: A Pedagogia Social
pode proporcionar suporte teórico e prático para um novo modelo de escola, de
educação e do fazer escolar, num futuro pós-epidemia? Se sim, como a realizare-
mos? Com quais propósitos?
Sabemos que a Pedagogia Social volta seu olhar para o ser humano global,
integral, interdependente, marcado pela complexidade e pela busca de múltiplas
superações, ou seja, uma visão que constata e enfatiza que se um sujeito tem fome,
ele não terá as mesmas condições para aprender daquele que não tem, pois essa é
uma necessidade e preocupação vital. Ela defende que há um contexto social, po-
lítico, econômico, cultural e artístico, em que cada sujeito está inserido, e que, este
afeta todas as suas relações, seja com o conhecimento construído nas escolas, com
os professores, com os colegas, com seus sonhos, com seu projeto de vida, sua pro-
posta societária e sua vivência na própria comunidade.
A Pedagogia Social nasce de um contexto social de cuidar das populações
que haviam sofrido com as guerras e com a desestruturação das famílias e da soci-
edade, bem como para proporcionar a visibilidade as desigualdades, as vulnerabi-
lidades e as pessoas que sofrem preconceitos e discriminações. Ao estender seu
olhar para as exclusões, surgiu a necessidade de criar mecanismos que pudessem
atender as novas demandas e dar voz e vez para os sujeitos que acabaram por ser
marginalizados e/ou esquecidos pelo poder público em suas iniciativas.
Com esta visão centralizada no ser humano e todas as suas possibilida-
des, a Pedagogia Social e a Educação Freireana podem colaborar na construção de
novos rumos e formas de lidar com as problemáticas existentes. Não se esgotando
em si mesmas, mas abrindo um novo horizonte, para uma escola que se vê obrigada
a mudar seu jeito de agir e interagir da noite para o dia.

111
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Considerações Finais
Este artigo teve por objetivos refletir sobre a escola entendida como um
espaço significativo e significante de formação de todo e qualquer indivíduo e uma
instituição inacabada e também aprendente, articulando suas práticas educativas
com a Pedagogia Social e a as ideias preconizadas por Freire (2011, 2014).
A escola é um dos espaços onde o sujeito irá conviver, se relacionar e for-
mular hipóteses e apreender os conhecimentos construídos pela humanidade, que
irão se agregar aos saberes e vivências de si mesmo, permeadas pela historização e
influência social, política, econômica, cultural e social de seus valores interiorizados.
A Pedagogia Social em sua essência traz a consciência de que é necessário
haver a solidariedade humana, o compromisso e respeito para com cada criança,
adolescente, jovem adulto e idoso. Possui por propósito o resgate da cidadania, da
efetividade dos direitos fundamentais a vida humana e, também, pensa o meio am-
biente e a relação da humanidade com cada ser vivo, família, bairro, cidade e o Pla-
neta Terra.
Olhar as ações realizadas pela escola pública, mesmo em meio à sensação
de que tudo está caminhando ao contrário, torna-se um grande desafio. Está sen-
sação gerada quando constatamos a quantidade de crianças que ainda estão fora
da escola, às famílias que muitas vezes não tem como sobreviver, as duras realida-
des vividas por crianças desde a mais tenra idade, e tantas outras situações com-
plexas, produzem um convite a cidadania ativa em produzir formas de superar
esses contextos de formas de vida.
Esta percepção necessita transformar-se em impulsos para promover as
transformações tão necessárias. Mudanças que começam no modo pelo qual afe-
tamos o outro, como nos fazem sentir presentes. O outro é necessário para si
mesmo e para a própria pessoa em sua realização enquanto sujeito de direitos e
deveres, um cidadão planetário, que pensa globalmente e age localmente, colabo-
rando na construção de uma escola cidadã e uma cidade educadora.
O diálogo é a ponte de mediação dos conhecimentos e saberes que,
quando desprovido de preconceitos, estereótipos e marginalizações, possibilita,
ampliações de consciência e fortalecem as relações entre as pessoas.
Quando analisamos para a escola pública atual podemos logo pensar que
ela é excludente, cruel e desigual. Uma organização que é capaz de perpetuar as
desigualdades, onde o que se busca é minimizar o sujeito para que ele se limite a
ser mero expectador da realidade a sua volta. Porém, existe outra forma de refletir
e investigar a escola pública. E, pelo que pudemos perceber em nossa pesquisa, é
necessário que a prática educativa seja afetuosa, aguce a alfabetização das emo-
ções, promova a leitura de mundo, problematize a leitura das palavras e favoreça
o despertar em gostar de aprender, participar, criar, expressar e sonhar com o

112
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

novos projetos de vida e societários, se dispondo a fazer parte deles de forma indi-
vidual, grupal e coletiva.
Freire (2011) defende que para ser educador, é necessário gostar de correr
riscos, desenvolver a criticidade, gostar dos educandos, estar disponível em se
reinventar a si, a didáticas das aulas e simultaneamente proporcionar espaços de
ressignificação de histórias pessoais, da escola, dos projetos sociais, da sociedade
e do país. Para tal, é necessário participar de forma ativa, estar presente, aberto a
mudanças, ter esperança!
Para tanto a escola deve olhar para sua comunidade, seu bairro, na busca
por encontrar parceiros que através do diálogo e da coletividade, possam contri-
buir para o desenvolvimento de cada estudante da escola.
Quando o sujeito é visto como produto e produtor de sua história e da
história, é que ele assume o papel de transformador de realidades e, com isto, se
insere e é inserido em um movimento que transforma a si mesmo na medida em
que vai transformando o outro e o meio em que vive.
Os objetivos traçados foram alcançados com êxito, para a alegria daque-
les que pesquisam, pois, o resultado mostrou-se de profunda esperança para que a
escola possa contribuir ainda mais, aliando seus saberes Freireanos e em conso-
nância aos da Pedagogia Social, fortalecendo-se como um todo.

113
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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114
O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NA
SALA DE AULA: DISCURSOS POSTOS E AS
REPRESENTAÇÕES VELADAS

Andréa da Silva Rosa

Introdução
Falar sobre a sala de aula como lugar de tradução é, no mínimo, provoca-
tivo. Para mim, em especial, é ainda mais desafiador, por considerar o espaço da
sala de aula constitutivo do meu fazer profissional. Tenho atuado nesse espaço
acompanhando tanto crianças da educação infantil como adultos em formação
profissional no ensino superior.
Atuo como pedagoga bilíngue com crianças surdas (3 a 5 anos) em pro-
cesso de aquisição da língua de sinais, com pré-adolescentes surdos no desenvol-
vimento da leitura e escrita e com alfabetização de adultos surdos (18 a 35 anos)
que foram excluídos da escola quando crianças. Nesse contexto, sou a professora
que detém duas línguas e faz uso da língua de sinais para que os alunos surdos
possam adquirir a língua portuguesa na forma escrita. Tenho total liberdade para
escolher os textos a serem estudados, os recursos metodológicos e fazer as adap-
tações que julgar necessárias.
Como professora de Libras no ensino superior, ocupo, na sala de aula, um
lugar de formadora de novos pedagogos e futuros professores das diferentes licen-
ciaturas em que leciono a disciplina Língua Brasileira de Sinais. Na graduação, mi-
nha contribuição é no sentido de desmistificar a comunidade surda e a língua de
sinais por meio de ensinamentos da concepção socioantropológica da surdez.
Como tradutora e intérprete do ensino superior, já atuei em diferentes
espaços acadêmicos, inclusive na sala de aula do curso de aprimoramento, por um
período de um ano. E, ao ocupar esse lugar de intérprete, minha função é produzir,
na língua de chegada – a Libras –, um discurso equivalente ao que foi dito na língua
de partida, que, nesse caso, é o português.
Na situação de formação de tradutores e intérpretes de língua de sinais
(Tils) nos cursos de pós-graduação lato sensu, tenho a responsabilidade de ensinar
aos novos intérpretes conceitos acadêmicos sobre o fazer tradutório, atividade que
me instiga a continuar na pesquisa sobre tradução da língua de sinais.
A sala de aula é um lugar privilegiado em que se processam o ensino e a
aprendizagem, o confronto de ideias entre professor e aluno e entre alunos e
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

alunos (NOVASKI, 1998). E, no caso da sala de aula dita inclusiva, somam-se as


relações entre Tils e aluno surdo, aluno surdo e aluno ouvinte, aluno surdo e pro-
fessor ouvinte que desconhece sua condição linguística e Tils e professor ouvinte
– que, não raro, se sente desconfortável com a presença do intérprete.
Dentro da sala de aula, professor, alunos ouvintes, alunos surdos e intér-
prete vivenciam, em tempo parcial e determinado, a complexa trama da existência
humana, encaminhados que são por um tipo de fenômeno educativo: o escolar.
A sala de aula é um espaço privilegiado de trocas e aprendizagem, lugar
em que se compartilham ideologias, conhecimentos científicos, experiências de
vida etc.
Tendo isso em vista, a sala de aula é
um lugar dinâmico e contraditório de circulação do saber. Dinâmico, porque é
inerente ao discurso dialético ser assim, e também porque articula o político a
favor da maioria. E isso implica mudança, implica fazer o processo histórico con-
temporâneo guinar-se, tendo em vista outras paragens histórico-sociais, por e-
xemplo, que vislumbrem uma sociedade sem classes. É um lugar contraditório
porque, na atual conjuntura histórico-social, interessa eleger o que não permite
ser ela (a sala de aula) um lugar político por excelência, porque é o lugar da di-
visão social do trabalho. (LIMA JR., 1988, p. 43).

É um lugar que se abre para uma minoria linguística, mas igualando essa
língua à língua majoritária. Permite-se a língua de sinais para que os alunos surdos
compreendam o que é dito na língua portuguesa. Porém, pouca escuta é dada ao
aluno surdo, ainda que este tenha na sala o intérprete que, nesse caso específico, é
obrigatoriamente ouvinte, quer dizer, membro da comunidade falante da língua
majoritária. O que percebemos é que prevalece a escuta do grupo majoritário, que
parece ser o que tem sempre a ensinar. E o surdo, como grupo minoritário, é aquele
que só recebe, pois sua própria presença parece concessão desse grupo majoritário.
Sendo também lugar de realização de projetos humanos, a sala de aula
deve ser contemplada como
lugar de muita sutileza para a instauração e construção de uma axiologia educa-
cional que forje um novo mundo no interior do velho, porque corrompido pelas
contradições de classe. A sala de aula, como lugar privilegiado da vida pedagó-
gica, ela mesma deve ser capaz de gerar outra vida, porém, agora, político-peda-
gógica. (ARAUJO, 1988, p. 47).

“Dizem que educar, etimologicamente, significa ‘levar de um lugar para


outro’” (NOVASKI, 1988, p. 11).
Nessa direção, a sala de aula inclusiva, lugar em que o intérprete de lín-
gua de sinais está inserido, tem uma particularidade nova e desconhecida, pois se
o professor como educador é aquele que leva o aluno de um lugar para outro, o
intérprete é o tradutor que faz passar o conhecimento de uma língua para outra.
Para Esteves,

116
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Parece haver consenso no sentido de que a tradução tem como função primordial
trazer para determinada língua uma informação que está escrita em outra. Pode-
mos dizer, portanto, que a difusão de conhecimento depende, em grande medida,
da tradução. (2014, p. 75).

O professor que não domina a língua de seu aluno surdo só poderá levá-
lo a outro lugar mediado pelo intérprete, que construirá sentido na língua de sinais
do que for dito pelo professor, lembrando que o aluno surdo tem muita dificuldade
de compreensão da escrita do português. Logo, as duas formas de acesso ao conhe-
cimento serão mediadas pelo Tils, que, no momento da leitura de textos, realiza a
tradução da língua portuguesa na forma escrita para a língua de sinais.
A entrada da língua de sinais na sala de aula retira a ilusão de que ela é
um lugar homogêneo. Com a presença do Tils, essa ilusão se desfaz; o professor,
antes detentor de todo o saber e autoridade máxima e, por que não dizer, única na
sala de aula, agora se depara com uma situação concreta do não saber e, conse-
quentemente, não ser o único a ter o domínio e atenção de todos os seus alunos.
Ele, o professor, tem seu não saber denunciado por outro profissional que, até en-
tão, não pertencia à sala de aula e, não raro, não tem a mesma formação acadêmica
que ele – o que causa um incômodo maior, pois ele é “desautorizado” por alguém
sem as mesmas credenciais e isso causa desconforto para ambos.
Se, por um lado, temos o Tils ansioso para realizar seu trabalho e partici-
par na educação do aluno surdo, que não é seu e, sim, do professor ouvinte, por
outro temos o professor ouvinte, que não conhece seu aluno e tem consciência de
que sua fala não é compreendida por ele.
Aqui se instala uma relação de poder entre Tils, professor e aluno surdo,
que, por vezes, é às claras e, em outras situações, velada.
Nessa direção, a sala de aula constitui uma arena de lutas pelo poder. Não
raro, o Tils acredita que o ato de educar também faz parte de sua função de tradu-
tor e que lhe cabe ensinar ao professor como proceder com o aluno surdo. E esse
comportamento é, de certa forma, autorizado pelo código de ética dos intérpretes
de língua de sinais, com cujos princípios não comungo:
Parágrafo único: O intérprete deve esclarecer o público no que diz respeito ao
surdo sempre que possível, reconhecendo que muitos equívocos (má informa-
ção) têm surgido devido à falta de conhecimento do público sobre área da surdez
e a comunicação com o surdo. (QUADROS, 2004, p. 33).

Não creio ser essa função do intérprete, principalmente em sala de aula,


pois ele não é o professor que planeja a aula, não está envolvido com a construção do
projeto pedagógico da escola e, muitas vezes, não possui formação docente para a
intervenção pedagógica. Cabe ao professor buscar informações sobre seu aluno e sua
língua, embora isto não signifique que ele deva ter fluência na língua de sinais e mi-
nistrar aulas em português e em Libras, o que seria humanamente impossível. Am-
bos necessitam ter clareza de seus lugares na construção do espaço da sala de aula.

117
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

No que tange à sala de aula, podem acontecer trocas e combinações entre


o professor e o intérprete, porque ambos estão envolvidos na educação do surdo;
todavia, em momento algum esse aluno deve ser considerado responsabilidade ú-
nica do Tils. A educação dos surdos passa pelas mãos do intérprete, mas não está
somente em suas mãos.

Inclusão escolar
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação In-
clusiva (BRASIL, 2008) afirma que a Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002) reconhece a
língua brasileira de sinais como meio legal de comunicação e expressão, determi-
nando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difu-
são, bem como a inclusão da disciplina de Libras como parte integrante do
currículo nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia (BRASIL,
2008, p. 9).
Esse direito de os surdos comunicarem-se em sua língua natural foi regu-
lamentado pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005),
concedendo à criança surda o direito de ter uma educação baseada em uma pro-
posta bilíngue, na qual deve haver a valorização e o reconhecimento da língua que
o surdo tenha domínio. “A corrente do bilinguismo assume a língua de sinais como
primeira língua da criança surda, que deve ser aprendida o mais cedo possível;
como segunda língua está aquela utilizada pelo grupo social majoritário” (GOES,
2002, p. 43).
Para que o processo de inclusão do aluno surdo seja consolidado, é pre-
ciso criar um ambiente linguístico no qual ele possa desenvolver suas potenciali-
dades. No caso do aluno surdo, a presença do intérprete de língua de sinais é
imprescindível para mediar a comunicação entre o professor ouvinte e o aluno
surdo e entre o aluno ouvinte e o aluno surdo.
O papel da escola inclusiva direciona-se na busca de uma educação que
traga a todos os seus alunos o acesso ao ensino-aprendizado e a permanência na
escola, de modo que as necessidades e potencialidades de cada um sejam respeita-
das. No que diz respeito aos alunos surdos, deve ser levada em consideração sua
especificidade tanto linguística quanto cultural. É nesse contexto educacional
complexo que estão inseridos os tradutores e intérpretes de língua de sinais, su-
jeitos de minha pesquisa.
Neste trabalho, discuto o que significa ser intérprete de língua de sinais
na sala de aula no viés dos estudos da tradução. Considerei essencial dar escuta à voz
dos intérpretes sobre o tema porque tratar do assunto sem ouvi-los é, a meu ver,
reforçar a condição de invisibilidade do Tils.

118
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Os dados que compõem esse artigo referem-se às análises de um conjunto


de três entrevistas de tradutores e intérpretes de língua de sinais que atuam na
sala de aula junto a alunos surdos.
Os intérpretes foram entrevistados pela própria pesquisadora, bem como
a transcrição da entrevista. Minha opção por transcrever as entrevistas foi por
considerar esse momento uma experiência a mais e por permitir uma pré-análise
do material. Manzini aponta que,
Apesar de o objetivo da transcrição ser transpor as informações orais em infor-
mações escritas, nesse processo, ocorre um segundo momento de escuta, no qual
podem permear impressão e hipóteses que afloram intuitivamente durante o ato
de escutar e transcrever. (MANZINI, 2006, p. 364).

As entrevistas foram realizadas individualmente com cada sujeito, a


partir de um roteiro de cinco perguntas que possibilitaram desencadear o falar
livre dos entrevistados. No momento da entrevista, algumas perguntas foram a-
crescidas em razão das respostas dadas e houve boa interação entre entrevista-
dos e pesquisadora.
O Tils Jônatas não reside na mesma cidade da pesquisadora. Por ele resi-
dir em Araraquara e não ter sido encontrada agenda em comum para que a entre-
vista fosse realizada pessoalmente, pesquisadora e entrevistado optaram por usar
o aplicativo WhatsApp Messenger, que é um aplicativo gratuito para troca de
mensagens, fotos, vídeos e mensagens de voz, disponível para Android e outras
plataformas. Para fazer uso de tal aplicativo, é necessário estar conectado à inter-
net. Vale saber que a entrevista foi realizada em tempo real. Ao utilizar o aplica-
tivo, as mensagens de voz ficaram gravadas no celular e puderam ser recuperadas
posteriormente e salvas no computador.
Minha atenção durante as entrevistas presenciais estava voltada para as
formas pelas quais o intérprete reagia a cada pergunta que lhe era dirigida: foi dada
importância à expressão corporal tanto no momento de receber a pergunta quanto
na forma de responder. Considerando que o intérprete de língua de sinais é extre-
mamente visual e utiliza a expressão corporal como uma das formas de significar
na língua de sinais, é quase natural, durante as conversas, que ele faça uso de forma
mais acentuada da expressão corporal. Foi possível relacionar o que estava sendo
dito com as reações do entrevistado, uma vez que, além das informações orais, tive
acesso também a informações de natureza observacional (MANZINI, 2006, p. 362).
Os sujeitos que participaram da pesquisa foram três intérpretes, sendo um
do sexo feminino e dois do sexo masculino. Todos atuam profissionalmente como
intérpretes de língua de sinais em instituição de ensino de nível médio e superior.
Todos os Tils que responderam às entrevistas possuem formação supe-
rior. Aliás, essa foi uma condição inicial para incluí-los na pesquisa, para não cor-
rer o risco de obter alguma resposta baseada no não saber. Davi é licenciado em

119
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Filosofia e tem pós-graduação em Docência e Tradução e Interpretação da Língua


de Sinais; Rute é licenciada em Ciências Sociais; e Jônatas é pedagogo, com pós-
graduação em Docência e Tradução e Interpretação da Língua de Sinais pela
mesma faculdade de Davi.

Sala de aula: lugar de multiplicidade de línguas


São muitas as pesquisas. na área dos Estudos da Tradução e na educação
de surdos sobre o papel do Tils na sala de aula e não há um consenso sobre o assunto.
Nem mesmo a nomenclatura da função está definida. Nas escolas estadu-
ais do estado de São Paulo, os profissionais que exercem a função de tradutor são
nomeados como professor interlocutor. Este cargo foi criado pela Secretaria de
Estado da Educação, por meio da Resolução SE nº 38, de 2009 (SÃO PAULO,
2009), para garantir aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, matriculados
em salas de aula comuns, o acesso às informações e aos conhecimentos curricula-
res dos ensinos fundamental e médio.
De acordo com a Resolução SE nº 38, são admitidos para a função de pro-
fessor interlocutor docentes com qualificação na língua brasileira de sinais que
têm como atribuição viabilizar a comunicação entre o professor titular e os estu-
dantes surdos. Sua função é interpretar, por meio da Libras, as atividades didático-
pedagógicas e culturais desenvolvidas em sala de aula, permitindo o acesos aos
conteúdos curriculares.
Na vertente acadêmica, usa-se o termo “intérprete educacional” (IE) para
designar o profissional que atua na sala de aula. Nas palavras de Lacerda,
O termo “intérprete educacional” é usado em muitos países (EUA, Canadá, Aus-
trália, entre outros) para diferenciar o profissional intérprete (em geral) daquele
que atua na educação, em sala de aula. Em certos países ainda há a preocupação
em diferenciar, de forma mais saliente, atuação do ILS daquela dos profissionais
que atuam no espaço educacional (na Itália, por exemplo, o profissional que atua
no escolar não é chamado de intérprete, mas de assistente de comunicação) prin-
cipalmente porque trata-se de um profissional que deverá versar conteúdos da
língua majoritária para a língua de sinais do país e vice-versa, mas que também
se envolverá de alguma maneira com as práticas educacionais, constituindo as-
pectos singulares à sua forma de atuação. (LACERDA, 2009, p. 33).

Fato é que, diferentemente do professor, tanto o professor interlocutor


como o intérprete educacional possuem formação generalizada – quando têm gra-
duação –, lembrando que, para atuar como intérprete no ensino fundamental e
médio, não é exigida formação superior. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência, Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015),estabelece, no Ca-
pítulo IV, inciso XI, que: “I - os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na
educação básica devem, no mínimo, possuir ensino médio completo e certificado
de proficiência na Libras”.Portanto, há muitos intérpretes atuando na sala de aula

120
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

apenas com o ensino médio, sem qualquer formação específica. Enquanto o pro-
fessor dispõe de conhecimentos específicos sobre a disciplina lecionada, o Tils, na
maioria das vezes, tem contato com o conteúdo somente ao chegar na sala de aula.
Dificilmente haverá uma única formação adequada para o Tils que atua
em sala de aula. Pode-se ensinar sobre processos tradutórios, gramática da língua
de sinais, cultura surda, expressão corpórea, entretanto não há como dominar
todo o conteúdo aprendido pelo surdo em seu percurso escolar, visto que, princi-
palmente quando se trata dos ensinos fundamental e médio, não há garantia de
que o intérprete atuará na mesma escola ou no mesmo nível de ensino. A formação
é contínua.
Para a discussão dessa pesquisa, perguntei aos três intérpretes entrevis-
tados qual era a função do Tils na sala de aula. A seguir, analisarei seus relatos.
Sobre o Tils em na sala de aula, Davi diz:
Particularmente, essa é uma profissão [pela qual] me apaixonei logo de vista,
porque ela tem um fundo de questão social e humanista [com o que] sempre fui
envolvido […]. Mas a questão da profissionalização do intérprete me chama
muita atenção, porque a gente não pode parar nisso, embora tenha todo esse
fundo porque é um serviço de auxílio, de ajuda, mas, ao mesmo tempo, você pre-
cisa ter esse perfil profissional, precisa saber o limite, saber até onde ir. Para mim,
o profissional, o intérprete, tem que estar dentro da sala de aula para fazer a co-
municação, ser a ponte de comunicação entre o surdo e o ambiente linguístico
dos ouvintes, o português, [deve] auxiliar também na dificuldade do português,
em alguma dúvida de palavras, prestando todo esse auxílio, claro, dentro do âm-
bito acadêmico da escola, que foi sempre onde interpretei; estar nesse auxílio na
aquisição do conhecimento, na transmissão do conhecimento. (DAVI).

Davi marca sua história com valores da religião; sua opção de vida está
direcionada à humanidade. Ainda há, para ele, a relação intérprete e auxílio, po-
dendo ser compreendido tanto como um auxílio no campo da assistência como no
campo pedagógico: o intérprete como aquele que auxilia o professor titular da sala.
Nessa direção, diz Lacerda (2009):
[…] o ILS em sala de aula intermediando as relações entre professor/aluno surdo,
aluno ouvinte/aluno surdo nos processos de ensino/aprendizagem tem grande
responsabilidade. Além dos conhecimentos necessários para que sua interpreta-
ção evite omissões, acréscimos ou distorções de informações de conteúdo da-
quilo que é dito para a língua de sinais, ele deve estar atento às apreensões feitas
pelos alunos surdos e aos modos como eles efetivamente participam das aulas.
Muitas vezes, é a informação do IE sobre as dificuldades dos alunos no processo
de ensino-aprendizagem que norteia uma ação pedagógica mais adequada dos
professores. (LACERDA, 2009, p. 34).

A ausência de clareza sobre o papel do intérprete de língua de sinais na


sala de aula pode ser consequência da forma como os Tils foram inseridos na edu-
cação inclusiva. Primeiro, os surdos foram integrados na escola e depois se busca-
ram os meios para incluí-los.

121
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

No Brasil, pesquisas sobre intérprete de língua de sinais em sala de aula são es-
cassas, já que essa forma de atuação tem ainda caráter experimental em muitas
realidades e não é conhecida até agora por vários estados e municípios.
(LACERDA, 2009, p. 34).

Os primeiros intérpretes de LIBRAS foram sendo formados em serviço;


só atualmente é que estamos refletindo sobre sua atuação. Vale lembrar que o
mesmo ocorreu com os intérpretes de língua orais.
Contudo, até o século XX, os intérpretes tinham que aprender o seu trabalho
enquanto trabalhavam – pelo método dos acertos e erros ou, na melhor das hi-
póteses, por meio de programas especiais oferecidos pelos seus empregadores.
(DELISLE,WOODSWORTH, 2003).
O desconhecimento de sua função não é um privilégio somente dos intérpretes,
mas também dos professores, que, no início da inclusão, delegaram aos intérpre-
tes a função de educar o aluno surdo sob a alegação de não serem capacitados
para recebê-lo na sala de aula.
O modo como os surdos foram incluídos gerou diferentes condições de trabalho
para o intérprete. Como exemplo, podemos citar o professor/intérprete, função
que se desenvolveu em algumas regiões do Brasil pela necessidade de intérpretes
no ensino fundamental; entretanto, como não havia tais profissionais na rede de
ensino, os professores que tinham domínio da língua de sinais foram convocados
a exercer tal função, originando o professor/intérprete (LACERDA, 2009). Até
aquele momento, o profissional só conhecia a atividade de professor e, sem ter o
mínimo conhecimento sobre a atividade de traduzir, foi inserido na sala de aula
para traduzir ao aluno surdo as aulas daquele que até recentemente era seu co-
lega de trabalho.
Na resposta de Jônatas, ele explica as diferenças existentes na nomenclatura e
como isso influencia nas práticas e exigências feitas ao intérprete.
A função do intérprete educacional ou professor interlocutor – são nomes dife-
rentes – [depende] do lugar em que [se] trabalha [e a pessoa] é cobrad[a] de
formas diferentes.
[N]essa proximidade com o aluno, se ele [não estiver] entendendo, ele vai mos-
trar [isso]. Aí você precisa se fazer entender dando outros exemplos. No caso, eu
tenho o recurso visual, que é o tablete; eu puxo a imagem sem perder o foco no
professor na frente da sala de aula. Mas, nessa abertura, é importante não mis-
turar o profissional com o pessoal; há momentos em que a criança pede um apoio
e, às vezes, não é o profissional que está atuando como intérprete, e, sim, o pro-
fessor, organizando o material. [N]essa abertura, ele não é só o profissional que
está interpretando, mas o profissional que está ajudando a organizar todo aquele
universo por conta da surdez; [é uma situação em que] todos já fizeram e ele está
esperando [sua] ajuda. O intérprete educacional vai um pouquinho além da tra-
dução. Na literatura, eu sempre vejo a Cristina Lacerda acertar o aparelho [Jô-
natas refere-se ao aparelho auditivo do aluno]; já aconteceu comigo também.
Outras coisas acontecem dentro da sala de aula que, muitas vezes, a gente acaba
não abraçando porque não é nossa função, mas acabamos por remetê-la ao pro-
fessor regente. (JÔNATAS).

De todos os entrevistados, ele é o único que cita as diferentes nomencla-


turas, talvez por atuar em diferentes espaços educacionais e não somente nas es-
colas do estado.

122
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A história de constituição do Jônatas dá-se nos espaços educacionais,


principalmente nas escolas estaduais, por isso a familiaridade com os termos. Ao
dizer que, dependendo da forma como o intérprete é nomeado há expectativas de
atuação diferente, revela-nos que o contratante faz uma distinção com relação à
atividade do intérprete, caso seja denominado intérprete educacional ou professor lo-
cutor; sendo assim, não se pode usar as duas nomenclaturas como sinônimas.
Na fala do Tils Jônatas, ele deixa claro que há uma identificação com os
estudos realizados pela pesquisadora Cristina Lacerda no que se refere ao intér-
prete não se restringir a “somente traduzir”. Para essa autora, assim como para o
Tils entrevistado, cabe ao intérprete educacional envolver-se no processo de en-
sino-aprendizagem do aluno surdo.
Assim o trabalho do IE vai além de fazer escolhas ativas sobre o que deve tradu-
zir, envolvendo também modos de tornar conteúdos acessíveis para o aluno,
ainda que implique solicitar ao professor que reformule sua aula, pois uma tra-
dução correta do ponto de vista lingüístico nem sempre é a melhor opção edu-
cacional para propiciar o conhecimento, principalmente quando os alunos são
crianças ainda em fase de aquisição da Libras. (LACERDA, 2009, p. 35).

Nessa mesma direção, temos as diretrizes da Secretaria da Educação do


Estado de São Paulo quando diz que: “O professor-interlocutor não é um simples
tradutor, pois ele precisa ter uma metodologia própria para que o aluno possa a-
prender” (SECRETARIA CAPACITA…, 2011). Ao contrário do que se postula no
senso comum, a tarefa de traduzir e/ou interpretar não é simples! O ato interpre-
tativo requerconhecimento das línguas e das culturas envolvidas na tradução. Para
que a tradução e/ou interpretação seja eficaz, faz-se necessário considerar a esfera
cultural e social na qual o discurso está sendo anunciado. “Interpretar no es una
simple transcodificación del mensaje en una nueva lengua; el principal reto de un
intérprete consiste en transmitir el sentido del mensaje expresado originalmente,
en la lengua de destino” (PLAZAS, 2000, p. 131).
Ele ainda cita a aproximação que existe entre aluno surdo e Tils, e essa
relação não pode ser ignorada na sala de aula, pois, muitas vezes, o aluno surdo só
tem como interlocutor o intérprete, pois, sendo a maioria dos surdos filhos de pais
ouvintes, o conhecimento da família sobre a língua de sinais é restrito, quando não
inexistente. Como aponta-nos Lacerda,
Tendo em vista que as crianças surdas são, em grande maioria, filhas de pais ou-
vintes e que os programas de atendimento precoce à criança e à família conti-
nuam muito insatisfatórios, elas chegam à escola com um desenvolvimento
incipiente da linguagem e sem domínio de uma língua. É comum que só então
iniciem a aquisição da língua de sinais naturalmente se as experiências educaci-
onais permitirem. (LACERDA, 2009, p. 50).

Nesses casos, não raro a criança surda aprenderá a língua de sinais junto
ao intérprete na escola inclusiva. Em vista disso, o intérprete terá que primeiro

123
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

ensinar a língua para a criança e, somente depois, traduzir o conteúdo escolar. Du-
rante todo esse período em que a criança apropria-se da língua de sinais, o conte-
údo escolar continua sendo ensinado a todas as crianças ouvintes, pois elas já
dominam sua língua materna, o português.
Mesmo estando na escola e com a presença do intérprete, a criança não
domina sua própria língua, não sendo possível essa situação. A falta da língua o-
briga o intérprete a ensinar primeiro a Libras ao surdo, e isso pode prejudicar
muito ao aluno o acompanhamento do que está sendo ensinado pela professora da
sala – não por culpa do intérprete, mas pela situação em que ele se encontra de
proximidade maior com o aluno surdo.
Esse problema não se apresenta no ensino superior; ao contrário, o surdo
matriculado na graduação ou pós-graduação geralmente tem fluência na língua de
sinais. Essa diferença de ter contato com surdo fluente em Libras e com crianças
permite ao intérprete ter clareza de qual é sua função. É o que se pode verificar na
resposta de Rute.
Primeiramente, possibilitar o acesso às informações, de forma que o aluno tenha
a mesma condição de compreender [que] o aluno ouvinte. Basicamente é isso:
transformar aquele discurso oral em língua de sinais. (RUTE).

Essa foi a resposta mais sucinta que obtive. Essa entrevistada não discor-
reu muito sobre sua prática e tratou a função do tradutor sem romances ou senti-
mentalismos. Não romanceou a função e nem a descreveu com riqueza de detalhes,
como fizeram os intérpretes anteriores.
A resposta possibilita-me pensar que a intérprete acredita que a função é
clara, não se funde com a do professor. Não propõe responsabilidade e/ou envol-
vimento do Tils com a metodologia do ensino, com material pedagógico; a entre-
vistada não tem dúvidas sobre a função do tradutor: produzir significado na língua
de sinais do discurso dito na língua portuguesa.
Talvez essa clareza seja decorrência de sua entrada na área da surdez pe-
las mãos de surdos adultos. Quando a porta de entrada é pela comunidade surda,
com o contato exclusivo com adultos surdos, não há dúvidas de que a maior dife-
rença entre surdos e ouvintes é linguística. O contato com o surdo adulto não per-
mite dúvidas sobre sua capacidade de apropriar-se dos mesmos conhecimentos
dos ouvintes quando a língua de instrução é a Libras.
É importante notar que essa intérprete não teve contato com a educação
de crianças surdas. O adulto surdo tem clareza da função do intérprete, tem cons-
ciência de sua finalidade, ou seja, viabilizar a comunicação entre surdos e ouvintes.
A comunidade surda está ciente de qual é o papel do intérprete, logo, em sua for-
mação junto à comunidade, essa questão é posta de maneira muito simples.

124
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Outro fator importante é que sua atuação como intérprete na educação


iniciou-se na universidade, com pesquisadores surdos que já dominavam tanto a
Libras como o português como segunda língua.

Finalizando sem concluir…


Acredito que seja necessário estudar a função do intérprete de Libras na
sala de aula por níveis de ensino, e não de forma generalizada. No caso da criança
surda, ela não tem clareza do que seja ser um tradutor, mesmo porque, provavel-
mente, as crianças surdas de pais ouvintes aprenderão a língua de sinais com o
intérprete em sala de aula. Nesse caso, a confusão de papéis está instalada. Dife-
rentemente da criança surda filha de pais surdos que, por ter convivência com sur-
dos e ouvintes e por crescer bilíngue, talvez, consiga diferenciar a função do
professor e do intérprete desde a mais tenra idade.
A criança surda e o adulto surdo universitário têm um domínio diferente
da língua de sinais. No caso do adulto, ele provavelmente já esteja inserido na co-
munidade surda e tem sua identidade surda estabelecida. O mesmo não ocorre
com a criança, visto que, na maioria dos casos, só terá contato com a comunidade
surda na adolescência, quando os pais compreenderem que o filho pertence a uma
comunidade linguística diferente da sua.
Ainda que não se possa dizerque o tradutor-intérprete de Libras na sala
de aula seja um professor, ele certamente participa do processo de ensino-apren-
dizagem do aluno surdo, incluindo a alfabetização. A criança surda tem o direito
de ter umintérprete desde a educação infantil e a proposta da educação bilíngue é
propiciar-lhe o contato, o mais cedo possível, com sua língua natural, mesmo que
seja por meio desse profissional. Sendo assim, o trabalho do intérprete de Libras
na educação básica é completamente diferente daquele desenvolvido por um pro-
fissional que interpreta no ensino superior, exigindo um perfil profissional dife-
rente. Portanto, devem ser pesquisadosseparadamente, sem perder a percepção de
que ser tradutor não é o mesmo que ser professor, ainda que este atue na educação
dos surdos. Traduzir e/ou interpretar envolve habilidades diferentes daquelas e-
xigidas do professor.

125
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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SECRETARIA CAPACITA professores-interlocutores de Libras. Secretaria da Educação
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<http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/secretaria-capacita-professores-interlocutores-
de-libras>. Acesso em: 24 mar. 2016.

126
O BANDEIRANTE NOS CURRÍCULOS ESCOLARES: UMA
CONSTRUÇÃO POLÍTICA E HISTÓRICA

Andressa da Silva Gonçalves 1

Nesta oportunidade nos debruçamos sobre um importante elemento do


saber escolar, os currículos. Nossa tarefa se constitui em analisar a inserção da te-
mática bandeirante nestas prescrições escolares, para empreender tal estudo re-
corremos também a pesquisa bibliográfica para verificar os processos históricos
que foram fundamentais para que o tema das Entradas e Bandeiras ainda perma-
neça no currículo. O currículo escolar hoje em vigência, pode em muitas ocasiões
aparentar ser neutro e livre de interferências de interesses específicos, mas, sem-
pre é necessário colocar em pauta que tais prescrições estatais são resultados de
demandas e lutas sociais que aconteceram ao longo do tempo e que ainda conti-
nuam a acontecer. Como salienta Antônio Novoa:
É necessário reconhecer que o objectivo central da história do currículo não é
descrever como se estruturava o conhecimento escolar no passado, mas antes
compreender como é que uma determinada -construção social- foi trazida até ao
presente influenciando as nossas práticas e concepções do ensino (NOVOA,
1997, p. 10).

Assim, nossa análise não pretende determinar a fórmula dos currículos


no passado e sim como alguns momentos históricos foram importantes para que a
temática bandeirante ainda permaneça no ensino escolar, já que o currículo não é
neutro e sim influenciado por um ‘jogo dos objetivos’ de grupos sociais que bus-
cam que seus interesses sejam preservados e também sustentados pela prática es-
colar. A manutenção de uma sociedade de exclusão está na base da construção dos
currículos tradicionais2. Ivor Goodson (1997, p. 78), reflete que apenas podemos
entender a constituição de um currículo escolar, quando entendemos esse docu-
mento como uma pequena parte de um quadro social que demorou séculos para
ser construído:
Só aí poderemos começar a entender o papel da disciplina escolar no que diz
respeito a objetivos sociais mais amplos: objectivos esses que muitas vezes se
relacionam intimamente com os misteriosos «mecanismos de estabilidade e per-
sistência na sociedade» mencionados anteriormente. A disciplina escolar é,

1
Graduada em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA), atualmente está concluindo o
mestrado no programa de pós-graduação em História Social da Amazônia (PPHIST/UFPA). A
pesquisa em curso se debruça sobre as representações das Entradas e Bandeiras nas narrativas
didáticas. E-mail: andressa_g.m@hotmail.com.
2
De acordo com Goodson, o currículo tradicional abrange os conhecimentos que são normalmente
aceitos, legitimados e reforçados pela comunidade escolar e pela sociedade (GOODSON, 2007).
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

assim, um dos prismas através dos quais poderemos vislumbrar a estrutura do


ensino estatal. Parece, no entanto, um terreno particularmente valioso para a
pesquisa, uma vez que a disciplina se situa na intersecção das forças internas e
externas... (GOODSON, 1997, p. 31-32).

Como salienta Goodson, o currículo é formado por interesses pertencen-


tes a grupos e demandas sociais. O ensino, neste caso, se torna instrumento das
elites para promover a estabilidade de uma ordem social, que se sustenta pela re-
produção da perspectiva de mundo veiculada pela escola. Tal sistema é tão bem
construído e enraizado na sociedade que todas as tentativas de mudança apenas
aranham a superfície desse aparelho, tais mudanças são sufocadas pela ampla es-
trutura desse modelo de ensino, onde a ‘conservação e estabilidade’ sempre impe-
ram. Para Goodson, a manutenção desta estrutura acontece, pois, tentativas de
mudanças não levam em conta a origem e longa construção do currículo, sem tais
apreciações, uma inflexão que de fato seja eficaz é impossível (GOODSON, 1997).
Tendo em vista tal apreciação, pretendemos ressaltar momentos em que
a temática bandeirante foi colocada em relevo nos discursos políticos, fossem eles
oficiais ou contestadores, nossa intenção é verificar se a temática ainda está pre-
sente nos currículos atuais e se a tradição formada desde a República ainda se faz
presente nesses documentos.

A instrumentalização da figura bandeirante ao longo da história republicana


A proclamação da República foi fruto de interesses específicos das elites
regionais. As principais eram provenientes de São Paulo, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul. Como destaca, Murilo de Carvalho (1990, p. 24), um dos interesses
que se colocava em primeira pauta era o dos cafeicultores paulistas. Estes encon-
travam dificuldades em prosperar política e economicamente dentro do sistema
monárquico, logo, a aspiração a uma república federativa em que a autonomia da
região fosse resguardada se fazia presente, contando com o apoio da elite paulista.
Tal conjuntura, como afirma Luiza Volpato (1985, p. 19), foi fundamental para que
o setor cafeicultor paulista subisse ao poder. A autora explica que tal grupo não
apenas adquiriu protagonismo no novo regime, mas também, procurou justificar
tal posição e para isso era preciso que “o interesse de alguns se confundisse com
os interesses de todos”.
Nessa tarefa, a figura bandeirante foi fundamental, já que incluía heróis
paulistas no panteão nacional e, como ressalta Carvalho (1990, p. 55), no início do
sistema republicano se encontrou dificuldades em eleger heróis para o novo re-
gime. Ao contrário dos que se estabelecem na memória popular por meio das lutas
sociais, os mitos intencionalmente construídos exigem empenho das elites domi-
nantes e letradas para o estabelecimento significativo de determinada imagem

128
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

para a totalidade social. Com o símbolo bandeirante o processo de construção do


mito não foi diferente, de acordo com Vianna Moog (1985), para valorizar a figura
sertanista a elite paulista teve que ignorar que a riqueza do estado vinha do café e
da ascendente indústria e atribuí-la as bandeiras:
Se, para valorizar o símbolo que lhe é caro, fôr preciso atribuir ao bandeirante
atributos orgânicos, êle o atribuirá; se para magnificá-lo fôr preciso torcer a his-
tória, êle a torcerá. Embora tomando de empréstimo ao pioneiro, para dar ao
bandeirante, qualidades, intenções e preocupações que nunca êle teve, ainda é a
imagem idealizada do bandeirante a que paradoxalmente mais cultua o Estado
mais pioneiro do Brasil (MOOG, 1985, p. 236).

Como o autor aponta, há um esforço para que os contornos do persona-


gem se adequem aos anseios contemporâneos, sejam eles de São Paulo ou do resto
do país. Destaca-se também que há uma certa perversão da figura bandeirante, já
que se atribuiu a ele motivações políticas e morais que não faziam parte do seu
tempo e sim da necessidade de se criar uma imagem que servisse aos propósitos
do presente. Moog ainda ressalta que o símbolo bandeirante foi tão bem constru-
ído que outros sujeitos, como o senhor de engenho, não conseguiram se estabele-
cer no imaginário popular com tal apelo, sendo ainda talvez, segundo o autor, o
símbolo mais persistente e estimado na memória nacional.
Podemos então afirmar que o bandeirante fez parte uma tradição inven-
tada, que segundo Eric Hobsbawm (1990), são:
um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou aberta-
mente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar cer-
tos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que
possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropri-
ado (HOBSBAWM, 1997, p. 9).

Como salienta o autor, a invenção de uma tradição deve além de imbuir


no coletivo práticas simbólicas por meio da repetição, deve também estabelecer
relação com o passado. Essas semelhanças são ‘artificiais’, já que são respostas a
mudanças sociais e políticas, que para serem legitimadas buscam referência no
passado (HOBSBAWM, 1997). Tal processo aconteceu no estado de São Paulo,
que, para sustentar o poder adquirido na República pelo grupo oligárquico cafei-
cultor, precisou voltar ao passado colonial, e transformar a figura bandeirante num
símbolo paulista. A invenção do bandeirante foi feita pela intelectualidade pau-
lista, alguns nomes se destacam, como: Ellis Junior, Alcântara Machado, Afonso
Taunay e Basílio de Magalhães. Estes também integrantes das redes de poder do
estado, se empenharam no estudo de documentos e genealogias do século XVII
para comprovar a relação entre bandeirantes e paulistas.
A necessidade da elaboração de uma identidade regional paulista, como
aponta Danilo Ferretti (2004, p. 145), vinha da profunda insatisfação do grupo
paulista com o governo monárquico, daí o forte apelo e adesão ao movimento

129
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

republicano na região que tinha como principal reivindicação as vantagens econô-


micas que a província dava à coroa que, por sua vez, pouco investia no polo cafe-
eiro. Segundo Ferretti (2004, p. 146), foram os produtores do café que deram a
força necessária à contestação movida por São Paulo contra a monarquia. A opção
do estado pelo sistema republicano e, principalmente, pelo federalismo, daria a
liberdade tão desejada pelos altos círculos paulistas e repetidamente negada pela
nobreza bragantina.
As aspirações paulistas buscavam, assim como seus supostos antepassa-
dos, expandir as fronteiras sertão adentro, mas, diferente dos primeiros sertanis-
tas, a ocupação se daria com a construção de ferrovias que deveriam auxiliar o
povoamento de regiões ainda não alcançadas pela modernidade. Os planos das al-
tas esferas paulistas tinham como principal ideologia o americanismo, este baseou
todas as políticas e reivindicações lançadas pelo estado nos últimos anos da mo-
narquia e ainda persistiria na República (FERRETTI, 2004, p. 148-149).
No início da República, como ressalta Carvalho (1990, p. 30-33), a preo-
cupação geral não era com o bem-estar da população. O que prevalecia eram os
interesses particulares, especialmente “a mentalidade predatória, o espírito capi-
talista sem a ética protestante”. Em consonância com tal consideração, Ferretti
(2004, p. 208) também corrobora o clima de instabilidade que se instalou no país
depois da proclamação da República. Este continuou mesmo após a constituição
de 1891. O regime recém fundado apenas encontrou certo equilíbrio com a política
dos governadores firmada em 1898. Esta sem qualquer respaldo formal, se baseava
na alternância na presidência entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Em
tal conjuntura, a elite cafeeira paulista ganhou destaque na República, decidindo
os rumos do país.
A emergência de São Paulo nesse novo contexto também incutiu a neces-
sidade de legitimar, por meio do campo letrado e cultural, a posição que o Estado
ocupava. A primeira grande iniciativa foi a criação, em 1894, do Instituto Histórico
e Geográfico de São Paulo (IHGSP). Tal instituição teve forte incentivo governa-
mental tanto para sua criação quanto nas primeiras décadas de funcionamento,
sendo o núcleo de produção da história regional paulista assumiu um papel de re-
levo na contestação da história nacional carioca. Como aponta Ferretti:
Neste ponto, o desejo de transformar São Paulo em um pólo de saber não mais
simplesmente paralelo, mas francamente concorrente com o Rio de Janeiro, con-
feria originalidade à elite republicana paulista, diferenciando-a das elites mi-
neira e pernambucana (FERRETTI, 2004, p. 212).

Com relata o autor, a elite letrada e política paulista ambicionava trans-


formar o estado em um referencial de saber. O objetivo, como indica Antônio Celso
Ferreira (2002, p. 109), superava o desejo ter mais peso intelectual que outros es-
tados, como o Rio de Janeiro, que sediava o Instituto Histórico e Geográfico do

130
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Brasil (IHGB). O grupo de intelectuais do estado também aspirava “abalar a his-


tória da nacionalidade, até então construída pelo IHGB, ambicionando reescrevê-
la de ponta a ponta” (FERREIRA, 2002, p. 109). Desse modo, as aspirações paulis-
tas em nada eram modestas, buscavam mais do que um lugar ao sol, queriam o
protagonismo da cena nacional. Tal anseio se mostrava abertamente no primeiro
número da revista publicada pelo IHGSP que proclamava que “A história de São
Paulo é a própria história do Brasil” (IHGSP, 1895).
É necessário frisar que os esforços paulistas nesse sentido não foram re-
sumidos à criação do IHGSP. Ainda início da década de 1890, durante o mandato
do governador paulista Bernardino de Campos, foram implementadas diversas re-
formas educacionais e culturais; entre estas, houve:
Uma ampla reforma do ensino primário estadual que levou à abertura de vários
grupos escolares pelo interior; a criação do Ginásio do Estado; a reformulação da
Escola Normal, transferida para um imponente edifício na Praça da República; a
criação do Museu Paulista, instalado em outro palácio, o do Ipiranga e, por fim,
a inauguração da Escola Politécnica (FERRETTI, 2004, p. 213).

Como aponta Danilo Ferretti, as primeiras ações republicanas na cidade


de São Paulo, trouxeram grandes mudanças para o período. É importante ressaltar
que além do Museu Paulista também houve implementações educacionais, o que
indica que a esfera estatal acreditava que para a criação e consolidação da memória
regional, não era necessário apenas atuar no nível erudito e cultural, mas também
na educação básica. O projeto de protagonismo de São Paulo tinha intima relação
com a educação primária e secundária, assim como o provimento de professores
qualificados para o ensino dos futuros cidadãos paulistas.
Todas as iniciativas paulistas citadas convergiam para um objetivo maior:
colocar a região paulista como cerne de toda a vida nacional. O poder recém ad-
quirido deveria também ser refletido nos livros de história, para isso o uso da fi-
gura bandeirante foi central para demonstrar o pioneirismo da capital cafeeira
para a formação do Brasil. De acordo com Ferretti (2004, p. 216), além do bandei-
rante outros personagens seriam lembrados; no lugar de Dom Pedro II como o res-
ponsável pela independência em 1822, o personagem que teria conseguido tal feito
seria o regente Feijó, no período republicano o destaque seria para Campos Sales
e Prudentes de Morais.
Durante as três décadas que se seguiram, a produção intelectual e cultu-
ral foi vertiginosa. Para os fins pensados aqui, precisaremos avançar para 1932, ano
que acontece a revolução constitucionalista, e com esta também a ressignificação
de São Paulo e da memória bandeirante.
Luis Fernando Cerri (1996, p. 64) aponta que a produção do discurso o-
ficial é diretamente ligada a máquina institucional no poder, já a história tradici-
onal é proveniente da produção das elites intelectuais, também provenientes das

131
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

elites sociais e econômicas. Nas duas décadas que antecederam a revolução cons-
titucionalista o discurso estatal é “praticamente idêntico a história tradicional”,
ou seja, os interesses estatais se baseavam e eram legitimados pelos estudos da
classe letrada, esta também ocupante de cargos públicos. O que acontecia em ou-
tros estados, também acontecia em São Paulo, já que a oligarquia paulista tinha:
seus intelectuais, eram intelectuais orgânicos, que tinham por função primordial
a justificação de um sistema autoritário pelas suas aparências liberais, além cri-
arem subsídios teóricos para a subordinação do país ao interesse agrário-expor-
tador da cafeicultura (CERRI, 1996, p. 25).

Como o autor ressalta, os estudos históricos tinham uma função política:


justificar e reafirmar a posição de poder ocupada pela elite cafeeira. O ano de 1932,
segundo o autor, é quando essa produção teórica e cultural vai atingir o ápice, é
também no mesmo período que a aristocracia paulista vai se deparar com a pri-
meira crise no seu projeto ideológico republicano.
Com a Revolução de 1930, São Paulo perderá o poder que possuía desde
o início da República. Até aquele ano, quem ocupava a presidência do país era
Washington Luís que, além do lugar político e social de destaque, também foi um
importante historiador paulista. Com a tomada de poder por Getúlio Vargas, o
pacto político dos governadores tem fim e as oligarquias paulista e mineira per-
dem a centralidade no cenário brasileiro (FERREIRA; PINTO, 2006, p. 19). O go-
verno provisório instalado negou a nomeação de um interventor paulista para o
Estado de São Paulo, ao invés disso fora investido no cargo um militar pernambu-
cano, João Alberto, o que desagradou até mesmo os aliados paulistas do novo pre-
sidente (CAPELATO, 1981).
A imposição de um forasteiro para a direção do estado foi o estopim da
Revolução Constitucionalista, que, segundo Maria Helena Capelato (1981, p. 26-
31) reuniu diversos seguimentos da sociedade: burguesia, conservadores, estudan-
tes e até estrangeiros, aqueles não se engajaram na luta eram “considerados inimi-
gos de São Paulo”. Os detalhes do movimento que tinha como principal pauta o
restabelecimento da constituição não é o que nos interessa no momento, mas, sim,
como os discursos oficiais, um vindo do governo provisório e outro do estado de
São Paulo, usam a memória bandeirante na defesa dos seus interesses.
Os paulistas usam a memória construída nas décadas anteriores para dar
força ao movimento, inclusive associando os conceitos de civilização e constitui-
ção, propagandeando que a civilidade somente retornaria com a reconstituciona-
lização do país, tal tarefa seria responsabilidade do “povo bandeirante”, assim
como os seus antepassados fizeram séculos antes. Do outro lado do conflito, Ge-
túlio Vargas também usava a memória construída pelos paulistas, este pedia que
o povo paulista desse fim ao movimento e enfrentassem os líderes dos levantes,
estes os verdadeiros culpados pela situação, somente assim se evitaria que as

132
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

atuais gerações de bandeirantes fossem aleijadas. Assim, a retórica de Vargas ape-


lava para o peso da memória bandeirante que a cidade e seus habitantes tinham,
para argumentar a favor do fim do conflito (CERRI, 1996, p. 74-78).
É oportuno observar que a tradição bandeirante foi tão bem construída e
difundida nas décadas anteriores que não é apenas usada pelos paulistas, mas tam-
bém pelo governo central para fomentar seus discursos. Mesmo que os dois lados
do conflito utilizem tal memória com objetivos diferentes, os dois a reconhecem,
legitimam e aderem-na como subsídio retórico. Estes discursos também serão
transferidos à esfera escolar, como argumenta Fernando Cerri:
Sobre a questão da transmissão da ideologia no ambiente da escola e no ensino
de história, podemos afirmar que aquela é mediada antes de mais nada pela pro-
dução historiográfica dos intelectuais orgânicos ou tradicionais, e também pela
leitura que o próprio Estado regional desempenha sobre os temas caros à paulis-
tanidade (CERRI, 1996, p. 81).

Como o autor discorre, a escola não independe de outros campos, ao con-


trário, há uma íntima relação entre o campo educacional e os discursos e interesses
de diversos grupos sociais. Tal ligação poderá ser vista “nas festas cívicas, nos ma-
teriais didáticos utilizados em história e em diversas outras disciplinas” (CERRI,
1996, p. 81). Fernando Cerri (1996, p. 88), ao analisar materiais didáticos utilizados
nas escolas paulistas constata que o bandeirantismo e a revolução constituciona-
lista de 1932 são os dois assuntos ligados à paulistanidade que mais aparecem nos
manuais didáticos. O autor explica que depois do movimento de 1932, a oligarquia
paulista teve que se esforçar para cravar na história sua versão do evento e seus
ideais. Como as Entradas e Bandeiras eram um tema que não levantava tanta con-
troversa no período, este foi inserido com mais facilidade nas narrativas historio-
gráficas e escolares.
Depois da revolução constitucionalista, o governo de Vargas ainda sofreu
forte abalo com o movimento armado liderado por Luís Carlos Prestes em 1935. A
partir do incidente, o executivo procurou se fortalecer, culminando no Estado
Novo em 1937(AMORIM; BILHÃO, 2010). Como afirma Tiago Losso (2008, p. 96),
houve também, nesse contexto uma produção intelectual que visava contemplar
as mudanças políticas do período. Com a aprovação e incentivo do Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP), representado por Lourival Fontes, eruditos
como Cassiano Ricardo, Menotti del Picha e Cândido Motta Filho, se fizeram pre-
sentes para a construção de uma memória que pudesse ser apropriada ideologica-
mente pelo projeto de poder vigente. A maior parte da produção desses
intelectuais girava em torno da publicidade positiva do projeto de expansão para
o oeste promovido pelo Estado Novo (CARVALHO, 2018, p. 6).
George Coelho (2015) afirma que esse grupo intelectual tão atuante no
Estado Novo apenas amadureceu teses tecidas desde 1930 dentro do Movimento

133
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Bandeira, agrupamento formado depois da derrota paulista na revolução de 30. Este


tinha como base a memória bandeirante. Os heróis paulistas do passado eram con-
vidados a defender a nação das “ideologias forasteiras” (COELHO, 2014, p. 7). Se-
gundo Coelho, a derrota em 1930 e 1932 não significou o fim dos ideários paulistas,
já que estes tiveram efetiva participação na construção da constituição de 1934.
Aconteceu entre o início da década e o Estado Novo uma ressignificação que:
...diz respeito ao “espírito bandeirante” que inicialmente se referia apenas a São
Paulo, passando para um projeto que poderia ser seguido pelo todo da nação,
tendo o Estado Novo como o responsável pela retomada do “rastro dos bandei-
rantes”; por fim, a afirmação de que as bases históricas do Estado Novo, remon-
tam as Bandeiras históricas do século XVI e ao vigor econômico da produção
cafeeira (COELHO, 2014, p. 10).

Como o autor expõe, a memória bandeirante, longe de ser refutada pelo


novo regime, foi utilizada em favor deste. Para isso, contou com a ação de intelec-
tuais que já vinham elaborando narrativas que exaltavam a paulistanidade e o ban-
deirantismo. Tais eruditos apenas se adaptaram à lógica de poder vigente. Foi o
caso de Cassiano Ricardo, um dos intelectuais de destaque no Estado Novo, sua
obra Marcha para o oeste é vista como legitimadora intelectual da conquista de regi-
ões que iam do Centro Oeste até a Amazônia. O livro associa as primeiras bandei-
ras ao projeto civilizador de Vargas (CARVALHO, 2018).
Em contrapartida, Coelho (2014, p. 1-15) afirma que tal interpretação é
fruto de uma interpretação superficial do período, que desconsidera toda a produ-
ção anterior de Cassiano. Longe do autor deliberadamente contribuir ideologica-
mente para o regime estadonovista, sua obra foi apropriada pelo regime para
fundamentar a lógica vigente. Ainda segundo Coelho (2014, p. 4), as ideias esbo-
çadas por Ricardo, muito mais do que apoiarem a expansão para o oeste, faziam
parte de uma construção intelectual que vinha desde dos anos 30, projeto esse que
visava a proteção da independência paulista no contexto centralizador varguista.
Sendo a intenção ou não de Cassiano Ricardo, é incontestável que sua produção
ofereceu elementos para afirmação e legitimação do regime de Vargas. Isto posto,
precisamos destacar que o governo de Vargas, não apelou apenas à censura para
se manter no poder, este procurou também ter uma base teórica que o ligava aos
primeiros desbravadores e ao protagonismo destes.
Outro momento em que a imagem bandeirante foi excessivamente utili-
zada pelo estado foi durante a construção de Brasília. O atual Distrito Federal foi
fruto de diversas idealizações que vinham desde do século XVII, com a Inconfi-
dência Mineira e a Revolução Pernambucana. Um pouco antes da independência
em 1822, José Bonifácio também já refletia sobre a construção de uma cidade que
ficasse no coração do Brasil. O historiador Adolfo de Varnhagen também apontou
a necessidade da interiorização do poder, que asseguraria “segurança, fatores

134
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

geradores de riqueza, de unidade nacional, integração e civilização” (ALMINO,


2007, p. 300-301).
Assim sendo, Brasília não teve como único idealizador Juscelino Kubits-
check, antes foi resultado de infindáveis divagações de diversos sujeitos históricos.
Entretanto, o presidente da República entre 1956 e 1961 foi responsável por tirar
tal projeto do plano das ideias. Mais do que isso, também deu ao plano viabilidade
pública através da instrumentalização do discurso histórico e extensa propa-
ganda. A autora Viviane Ceballos (2005, p. 13) afirma que a tentativa de legitima-
ção da construção de Brasília começou antes mesmo do início do projeto. Da
mesma maneira, Luísa Videsott ressalta que houve uma intensa campanha publi-
citária em torno da cidade que se tornaria a capital do país:
De forma geral, o objetivo das narrativas da mídia foi atrair em direção à fron-
teira: tanto como exploração de novos horizontes geográficos, quanto como de-
safio dos limites criativos, quanto como lugar das inúmeras possibilidades de
trabalho e de uma vida melhor (VIDESOTT, 2009, p. 18).

Como a autora disserta, diversos recursos imagéticos e retóricos foram


utilizados não apenas para justificar a construção de uma nova capital, mas, prin-
cipalmente, para transformar essa ideação em uma aspiração nacional. Antes
mesmo de sua eleição, constata Georgete Rodrigues (1990, p. 1), Kubitscheck já
apresentava a intenção de realizar a ocupação do Oeste. Para o então candidato, a
crise brasileira estava na ocupação parcial do território, este ainda era em sua
maior parte inexplorado:
Somos realmente um País a conquistar ainda. Basta olhar do alto de um avião,
como o fiz tantas e tantas vezes (...) O Brasil ainda está por fazer e que possuímos
apenas uma pequena fatia deste imenso império que recebemos de nossos fun-
dadores maiores. Quero ser presidente da República para iniciar a marcha para
o Centro do Brasil, para ir ao encontro de nosso País... (KUBITSCHECK apud
RODRIGUES, 1990, p. 1).

Percebamos na retórica do futuro presidente que a solução para o pro-


blema brasileiro estava na falta de exploração e ocupação da totalidade do territó-
rio, este também cita os fundadores maiores, rol em que os bandeirantes fazem
parte, segundo referências futuras do próprio Juscelino. Em síntese, o carro chefe
do candidato era o desbravamento do Oeste, tarefa que ele daria curso nos anos
seguintes. Rodrigues (1990, p. 4) também aponta a intima relação entre a marcha
para o oeste empreendida por Vargas e a construção de Brasília. Para a autora há
uma retomada dos objetivos delineados por Vargas na década de 1930, além da
retórica de Kubitscheck se aproximar sobremaneira da de Vargas. Os dois discur-
sos, abordam exaustivamente, pontos, como: o “isolamento da região; a continui-
dade histórica entre a Marcha para Oeste e a epopeia dos Bandeirantes; a
necessidade de intervenção planejada do Estado na região Centro-Oeste e o reco-
nhecimento dos dois Brasis” (RODRIGUES, 1990, p. 2).

135
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

É interessante notar que tanto Getúlio Vargas quanto Juscelino Kubits-


check usam como argumento para a expansão do Oeste a mitologia bandeirante. Em
seus estudos sobre a comunicação visual voltada a construção de Brasília, Videsott
encontrou diversas propagandas que relacionavam a construção de Brasília e a saga
sertanista. Estes artigos buscavam despertar “sentimentos patrióticos” no seu pú-
blico. A autora ainda afirma que a mitologia bandeirante teve funções diferentes em
períodos distintos, na década de 1930 possuía a função de reafirmar a importância
de São Paulo frente ao resto do Brasil, na década de 1950 esta função muda:
...durante a construção da capital, o mito serviu, em nossa opinião, para a defini-
ção de outros lugares políticos: sustentou os poderes econômicos (a figura do
bandeirante já caracterizava os comerciais das revistas populares), amenizou as
reivindicações dos construtores da capital e até colaborou para a sobrevivência
política do próprio Juscelino Kubitscheck: nos comerciais e nas propagandas
presidenciais... (VIDESOTT, 2009, p. 49).

Como a autora constata, a mitologia bandeirante é utilizada para diver-


sos fins no governo de Juscelino, não apenas para legitimar a edificação de Brasília,
mas também como arcabouço para a imagem do então presidente. Nas propagan-
das, era comum associar a imagem do político com a do bandeirante, este, inclu-
sive, emprestava suas vestimentas tradicionais ao presidente desbravador.
Segundo Rodrigues (1990, p. 27), o uso da imagem bandeirante tinha como obje-
tivo transformar a construção de Brasília em uma conquista que seria fruto do es-
pírito bandeirante, além disso, o uso de tais heróis também serviu para associar o
presidente a tais figuras e o tornar também um mito. Não por acaso a cidade de
Brasília traz diversos símbolos voltados à memória de Juscelino Kubitscheck. As-
sim, podemos perceber que a década de 1950 foi um período em que a memória
bandeirante foi novamente instrumentalizada, voltada para representar o ideal de
desbravamento e progresso que o governo buscava transmitir para a população.
Em relação ao uso da imagem bandeirante pelo estado para objetivos es-
pecíficos, destacamos também a ditadura militar que também teve a memória ser-
tanista em seu aparato ideológico. Anna Maria Rahme afirma que “o mito
Bandeirante reaparece no fim dos anos 1960 e é trazido numa reatualização ingló-
ria, destinada a centralizar as investigações e o desmantelamento das organiza-
ções de esquerda foi criada a Operação Bandeirante (Oban), em julho de 1968”
(RAHME, 2018, p. 103). A operação bandeirante teve como sede a cidade de São
Paulo, assim como também foi apoiada financeiramente por empresários do es-
tado. Tal fato nos diz não apenas que o nome do mito paulista foi emprestado a
uma operação de caráter duramente repressivo, mas que, também, a elite do estado
participava e se beneficiava com o regime militar.
Rahme afirma que, durante a ditadura, São Paulo teve papel ativo e não
titubeou em liderar a ação repressiva que seria o “braço da tortura na ditadura”. A
operação bandeirante criada em São Paulo, serviria como modelo para que ações

136
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

semelhantes fossem instauradas no resto do país3. A autora constata que a ação da


elite regional paulista na época deixou de se relacionar com a representação lite-
rária, historiográfica e simbólica do bandeirante como tinha acontecido nas déca-
das anteriores. Na ditadura militar a cidade paulista associou a mitologia
bandeirante com a ação repressiva característica do período:
A ação da polícia política, abalizada pelo poder nacional, estadual e municipal,
e financiada pelo empresariado brasileiro e internacional, pode ser comparada
ao movimento das bandeiras, seja porque formada por algozes, seja pelo poder
de espraiar-se Brasil afora. Antes, os indesejados foram as populações indígenas,
na ditadura, foram os subversivos, e sempre, será todo aquele que se opuser à
escravização proposta (RAHME, 2018, p. 104).

É interessante notar aqui que a autora relaciona a Operação Bandeirante


(oban) e o bandeirantismo não apenas pela violência que os dois movimentos a-
presentaram, mas, também pela característica de se espalhar pelo território brasi-
leiro a partir de São Paulo. Outro aspecto em que o regime militar se associou à
saga bandeirante foi na “ideologia desenvolvimentista” adotada pelo governo
(SOUZA, 2007). Uma das regiões mais afetadas por esse ímpeto desenvolvimen-
tista foi a Amazônia. Durante todo o governo militar, se pensou em ações que pu-
dessem ocupar e desenvolver o espaço amazônico (BOMFIM, 2010, p. 13-33). Na
cruzada para integração dessa parte do país ao todo nacional, a ideologia bandei-
rante se fez presente.
Em sua tese, Amazônia: pensamento e presença militar, Adriana Marques
(2007) aponta como o mito bandeirante fez parte da mentalidade militar no ‘des-
bravamento’ da Amazônia. Embora o seu recorte temporal se concentre no período
posterior à ditadura militar, a autora faz algumas considerações interessantes so-
bre as associações entre a figura militar e a bandeirante. Marques (2007, p. 109)
destaca que “os militares brasileiros consideram-se os sucessores dos colonizado-
res portugueses”, vários meios são utilizados pelo grupo para se aproximar dos
antigos desbravadores, como nas canções militares em que são recorrentes as re-
ferências ao legado bandeirante, outro aspecto na cultura militar que remete aos
sertanistas é uma parte da vestimenta chamada de ‘chapéu bandeirante’ que lem-
bra os chapéus usados pelos primeiros paulistas. Como se pode perceber, a sim-
bologia militar está impregnada de referências à memória bandeirante, associação
ligada ao desbravamento e ocupação da Amazônia.
Nossa intenção até o momento foi discorrer sobre os principais momen-
tos desde a República em que a memória bandeirante foi extensivamente evocada,
foram destacados, a Proclamação da República em que a elite regional paulista
resgatou os laços com os antepassados bandeirantes para reivindicar a direção do

3
Nasce a oban, braço da tortura em SP. Memorial da democracia. Disponível em:
http://memorialdademocracia.com.br/card/nasce-a-oban-braco-da-tortura-em-sp. Acesso em: 24 de
jul. de 2019.

137
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

país, a Revolução Constitucionalista, em que a memória bandeirante foi mobili-


zada tanto pelo estado de São Paulo, quanto pelo regime varguista. Delineamos o
uso da memória bandeirante na Era Vargas, período em que houve uma intensa
produção intelectual voltada para associar o movimento bandeirante a marcha
para o oeste promovida pelo governo. Esboçamos em seguida, o uso da retórica
sertanista na construção de Brasília, neste momento o impulso desbravador ban-
deirante foi associado a expansão para oeste, simbolizada pela fundação de Brasí-
lia. Por último, analisamos a ditadura militar, que evocou a mitologia bandeirante
tanto no impulso desenvolvimentista voltado para a Amazônia, como na adesão
de elementos simbólicos bandeirantes na cultura militar. Nestes processos histó-
ricos, a memória bandeirante se fez presente para legitimar ideais e principal-
mente emprestar a essas intenções valores associados aos sertanistas paulistas,
entre estes se destaca a vocação desbravadora e civilizadora. Agora será interes-
sante discutir se a temática continua presente nos currículos escolares estaduais.

Os currículos escolares brasileiros e a memória bandeirante


Na primeira parte deste trabalho, destacamos momentos históricos em
que a mitologia bandeirante esteve presente de maneira substancial nos discursos
e representações de movimentos políticos e sociais. Nossa tarefa agora é identifi-
car a relevância da temática sertanista no presente, mais especificamente nos cur-
rículos escolares estaduais. O objetivo é perceber se a memória bandeirante tão
presente no decorrer do século XX em momentos históricos específicos se faz pre-
sente nos currículos atuais. Antes de mais nada, algumas considerações são im-
portantes. Os documentos curriculares que serão esboçados foram coletados4 em
plataformas online, logo os currículos de alguns estados não estavam disponíveis
para consulta e por isso não serão apresentados. Ao todo, trabalharemos com vinte
documentos, o que nos dará uma boa percepção quanto a presença ou não da te-
mática bandeirista nos currículos, e de outros aspectos que nos pareceu interes-
sante trazer para a discussão:

4
Acervo do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais
(GERA-UFPA)

138
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Tabela - A presença da temática bandeirante nos currículos estaduais


A temática
A educação étnico-ra- Colonização
Funcionalidade Livro didático bandeirante é
Estado cial é destacada? / brasileira/ Ser-
da história no currículo inserida? Qual
Qual a função desta? tanismo
a função dela?
“Despertar no e- “Divulgação e produ-
“Choque de
ducando a capaci- ção de conhecimentos,
Instrumento de culturas/ For- Sim. /
dade de buscar bem como atitudes,
auxílio no en- mação territo- Não há referên-
AMAPÁ informações atra- posturas e valores que
sino-aprendi- rial e cia a função da
vés da pesquisa” eduquem cidadãos temática.
zagem. identidade bra-
(p. 11) / constru- quanto a pluralidade
sileira”
ção da cidadania étnica.” (p. 7)

“Ampliar o leque de re-


“Busca de um co- “Diversidade e
ferências culturais [...]
nhecimento plu- contribuições
e contribuir para a mu- -Não há refe- -Não há refe-
BAHIA ral, intercultural e dos povos indí-
dança das suas concep- rência- rência-
multi rreferencia- genas / Identi-
ções de mundo” (p. 22)
lizado” (p. 147) dade nacional”

“Resgatar a memória
Os materiais di- “Degradação Sim. /
histórica da contribui-
“[...] ampliar a dáticos como ú- ambiental na e- Definir o papel
ção econômica, social,
compreensão de nicos conomia colo- das entradas e
DISTRITO política e cultural de
sujeito histórico e reguladores do nial do Brasil / bandeiras para
FEDERAL povos indígenas e afri-
crítico” (p. 112) ensino é visto Mineração e i- o alargamento
canos para a formação
como algo a ser dentidade naci- de fronteiras.
do Brasil.” (p. 112)
superado. onal” (p. 16)

“Construção de
uma consciência
“Responder às “A natureza
histórica e das
demandas advindas “Deve ser utili- para europeus e
possibilidades de
ESPÍRITO das especialidades, das zado de forma indígenas/ Eco- -Não há refe-
pensar historica-
SANTO pluralidades e da iden- problematiza- nomia aurífera rência-
mente
tidade brasileira” (p. dora”. (p. 121) e Guerra dos
sobre a realidade
42) emboabas.”
em que vivemos”
(p.121)
“Tende a pro-
mover a univer-
salização e a
Espera-se que os
perpetuação de “Administração
alunos “desenvol- A temática étnica-ra-
um saber [...] e política colo- Sim. /
vam uma reflexão cial é citada e inserida
portador de um nial / Ocupação Não há referên-
GOIÁS crítica sobre a so- na diretriz programá-
discurso sus- territorial e e- cia a função da
ciedade onde es- tica, mas não é discu-
tentado por conomia aurí- temática.
tão inseridos”. (p. tida.
uma “autori- fera.”
225)
dade” que se
impõe ao a-
luno.” (p. 267)
“Estimular nos “A colonização
“Valorizar a figura de
estudantes a per- da América
negros e negras, índios
cepção de que são com a percep-
e índias como sujeitos, -Não há refe- -Não há refe-
MARANHÃO sujeitos históri- ção das caracte-
que não só compõem a rência- rência-
cos, cientes de rísticas de cada
vida social, mas tam-
que suas atitudes região. / Ocupa-
bém contribuem para a
interferem na ção territorial.”

139
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

realidade e [...] dinamização da cul-


(res) significar a tura. “(p. 89-90)
sociedade.” (p.
67)
“A construção de
uma postura di-
O livro é visto -Não há refe-
ante do conheci- “Reconhecer e respei-
como um empe- rência-
mento, que tar os grupos sociais do
cilho para uma * O currículo
possibilite, ao es- Brasil como pluriétni-
escola de quali- do ensino fun-
tudante, reconhe- cos e multiculturais,
dade (“ser livre damental é es- -Não há refe-
MATO cer-se como um bem como compreen-
das grades cur- truturado por rência-
GROSSO ser social, político der as contribuições
riculares enges- três ciclos e dis-
e cultural através das diferentes culturas
sadas, livre da cutidos de
de sua participa- e etnias para a forma-
ditadura do li- forma interdis-
ção na ação cole- ção do povo brasileiro.”
vro didático” p. ciplinar e por
tiva de ensino e (p. 25)
56) eixos.
aprendizagem.”
(p. 38)
“...garantir a reflexão de
“[... ] colaborar no O livro didático “Administração
atitudes, valores e pos-
MATO processo de rein- é visto como colonial / Ocu- -Não há refe-
turas que se traduzam
GROSSO DO terpretação do instituidor de pação territo- rência-
em respeito às diferen-
SUL passado...” (p. um padrão ex- rial e
ças e às singularidades
305) cludente (p. 38) mineração”
de cada um...” (p.34)
O livro é visto Sim. “Ressaltar
como mais um a importância
“Formar o cida-
instrumento dos vaqueiros,
dão que [...] seja
entre muitos a “A colonização boiadeiros, je-
capaz de compre-
ser utilizado é abordada a suítas e bandei-
ender a história “...propõe rupturas
pelo professor. / partir do en- rantes que
MINAS do País e do com uma [...] história
Há também a contro de mun- contribuíram
GERAIS mundo como um centrada na cultura
percepção que a dos/ Mineração de forma defini-
conjunto de múl- branca europeia.” (p.9)
temática ét- e guerra dos tiva para a ex-
tiplas memórias e
nica-racial não emboabas” pansão
de experiências
é muito con- territorial do
humanas” (p. 9)
templada nes- Brasil [...].” (p.
sas obras. 29-30)
“Possibilitar
meios para que o “A formação de atitu- Materiais que
“A colonização
passado possa ser des, posturas e valores precisam se a-
e a resistência
compreendido e que eduquem cidadãos dequar a de- -Não há refe-
PARÁ indígena/ For-
relacionado ao orgulhosos de seu per- mandas de uma rência-
mação territo-
tempo presente tencimento educação ét-
rial”
por múltiplos ca- étnico-racial” (p. 561) nica-racial.
minhos.” (p. 396)
O livro traz
“A finalidade do para a escola as
ensino de Histó- normas dos do- *O currículo
ria é a formação Há referência a temá- cumentos le- trabalha com
-Não há refe-
de um pensa- tica e a obrigatoriedade gais / Apresenta eixos temáticos
PARANÁ rência-
mento histórico a desta, mas não há uma limitações, logo e não especifica
partir da produ- discussão sobre o tema. o professor os assuntos.
ção do conheci- deve contornar
mento.” (p. 47) estas dificulda-
des.

140
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

“Contribuir para
a formação da O livro didático
consciência his- “...propicia o respeito, a com o advento
tórica dos ho- valorização das dife- do PNLD e sua
*Não há assun-
mens; possibilita rentes culturas, sem distribuição na -Não há refe-
PERNAM- tos específicos,
a construção de i- distinguir, hierarqui- educação é rência-
BUCO e sim núcleos
dentidades; a elu- zar ou discriminar u- visto como um
temáticos.
cidação do vivido, mas como melhores do avanço para o
a análise e crítica que outras.” (p. 32) ensino de histó-
da realidade. (p. ria.
24)”
“Reconhecer os
fundamentos da -Não há refe-
cidadania e da de- rência-
“Promoção do respeito
mocracia, favore- (*São dados a-
à diferença e a demo- -Não há refe- -Não há refe-
PIAUÍ cendo uma penas seis tópi-
cratização do ambiente rência- rência-
atuação consci- cos de
escolar.” (p. 57)
ente do indivíduo conteúdos bási-
na sociedade...” cos)
(p.3)
*Se menciona a lei 10. Sugere-se que o
“O saber histórico 639 e a importância de professor não
“Conquista da
permite ao aluno incluir a ‘diversidade se restrinja ao
RIO DE América/ Povo- -Não há refe-
ter uma posição étnica e cultural’ no livro didático e
JANEIRO amento e colo- rência-
crítica frente ao currículo, mas não se o utilize com
nização”
mundo...” (p. 30) menciona os efeitos certos cuida-
dessa educação. dos...
“[...] os educan-
dos se instrumen-
talizam para agir “Contribuem para a *dispõe-se
no mundo de consciência de si e do competências e
RIO GRANDE forma consciente outro, estabelecendo as -Não há refe- habilidades, -Não há refe-
DO SUL e reflexiva, parti- relações sociais em di- rência- mas não exis- rência-
cipando de sua e- ferentes tempos e espa- tem conteúdos
laboração e ços.” (p. 41) específicos.
transformação.”
(p. 39-40)
Entre os diversos
objetivos aponta- “...contribuir para a “Natureza e dos
dos, se sobressai a construção da cidada- povos do Brasil
-Não há refe- -Não há refe-
RONDÔNIA formação de valo- nia na sociedade pluri- / Mineração, o-
rência- rência-
res, como: a cida- étnica e pluricultural.” cupação terri-
dania e tolerância. (p. 26) torial.”
(p. 254-255)
Se discorre so-
bre a visão eu-
“Busca-se, assim, Não há defini-
rocêntrica de
desenvolver a Compreender como as ção de conteú-
muitos LD de
conscientização identidades e as dife- dos,
história, a esco-
SANTA histórica, [...] que renças [...] determi- competências -Não há refe-
lha dessas o-
CATARINA torna possível aos nando a valorização de ou habilidades. rência-
bras deve ser
sujeitos o pensar uns e o desprestígio de
cuidadosa para
historicamente.” outros. (p.55)
se adequar a e-
(p. 145)
ducação étnica-
racial.

141
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Ressalta-se a
Segundo os PCN,
importância de
à História com- “Enfatizar a importân- “Sociedades in-
o professor não
pete “favorecer a cia da defesa e do res- dígenas e o con-
abandonar o Li-
formação do estu- peito aos direitos tato entre estes
vro didático, -Não há refe-
SÃO PAULO dante como cida- humanos e à diversi- e os portugue-
mesmo com os rência-
dão. (* O dade étnica e cultural ses/Ocupação
cadernos elabo-
currículo adota os que fundamentam a territorial e mi-
rados pelo Es-
referenciais dos vida social.” (p.81) neração”
tado [...] (p.32-
PCN) (p. 26)
36)
“Compreensão “A democracia que * Se menciona a
das diversas iden- tanto almejamos passa imposição do “Economia açu-
tidades consti- pelo reconhecimento ‘currículo tradi- careira/ Ocupa-
-Não há refe-
SERGIPE tuintes e da alteridade, consubs- cional’ através ção da América
rência-
formadoras da I- tanciada no universo dos LD no en- e revoltas nati-
dentidade nacio- das diferenças.” (p. sino da mate- vistas”
nal. “(p.229) 229- 230) mática. (p.175)
“Oportunidade de
Oferecer “condições
ampliar seu co- O livro didático
para que o educando “América antes
nhecimento de deve ser visto
compreenda sua reali- da chegada do
caráter científico como mais uma
dade e desenvolva no- europeu. / Ocu- -Não há refe-
TOCANTINS e reflexivo no pro- ferramenta dis-
ções de identidade, pação territo- rência-
cesso de constru- ponível ao pro-
alteridade, ruptura e rial e ciclos
ção da sua fessor, não a
continuidade...” (p. econômicos”
identidade so- única. (p. 93)
182)
cial.” (p. 182)

Optamos por organizar as informações selecionadas em tabela para melhor


visualização e praticidade. Como se pode ver fizemos alguns questionamentos para
os currículos analisados, não apenas sobre a temática bandeirante, mas também so-
bre a concepção de história adotada, sobre a educação étnico-racial e também sobre
a percepção desses documentos sobre os livros didáticos. Acreditamos que tais per-
guntas nos darão uma visão abrangente sobre os currículos estaduais.
O primeiro ponto a ser discutido é o entendimento esboçado sobre a dis-
ciplina de história nesses documentos. Se percebe que poucos estados tem como
objetivo o simples entendimento do conhecimento histórico. Apenas Minas Gerais,
Paraná e Santa Catarina tem como principal objetivo a formação do raciocínio his-
tórico, todos os outros estados analisados tem como objetivo do ensino de história
a formação do cidadão ou a formação de valores que poderão ser aplicados à reali-
dade vivida. É interessante perceber que a história, para a maioria dos currículos, é
uma ferramenta cuja função é despertar através do passado ensinamentos para o
presente, estes são referentes a formação da cidadania, criticidade, tolerância etc.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito à incorporação ou não da
educação étnico-racial nos currículos. Em todos os documentos analisados se ci-
tou a temática, embora em alguns poucos, como Goiás, Paraná e Rio de Janeiro
não haja uma discussão aprofundada quanto ao tema e seus objetivos para o en-
sino. O restante dos estados coloca como objetivo do tema, o estudo e reflexão
sobre assuntos que digam respeito aos povos indígenas e africanos e/ou a formação

142
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

de valores para o respeito e valorização das minorias étnicas. Acreditamos ser sig-
nificativo que a maioria dos currículos realizem a reflexão sobre as demandas de
uma educação voltada para a diversidade, mesmo se tratando de documentos cujas
as prescrições podem ou não ser adotadas pelas escolas, é de suma importância
que tais documentos se adequem e incorporem a legislação vigente.
Outro aspecto relevante diz respeito à visão que esses currículos têm do
livro didático. A maioria desses documentos expressam uma visão negativa do li-
vro didático, visto como portador de um discurso a ser superado. O currículo re-
ferente ao Mato Grosso do Sul, por exemplo, explana que a literatura didática é
portadora de um padrão “masculino, branco e heterossexual e todas as pessoas
que não se encaixam nele são o Outro” (Currículo do Mato Grosso do Sul, 2012, p.
38). Outros currículos também expressam a consideração de que o livro didático
não contempla a temática étnica-racial. Há também aqueles que expressam a ideia
de que o material didático é apenas mais uma das ferramentas disponíveis aos pro-
fessores, incentivando o docente a utilizar diversos instrumentos para as aulas.
O objetivo aqui não é analisar de forma pormenorizada as propostas cur-
riculares, mas pelo estudo feito, apesar da visão negativa da literatura didática,
não se indica de forma sistemática alternativas ao livro didático, o que há são men-
ções a ‘outros recursos didáticos’ e aos materiais produzidos em alguns estados.
Poucos currículos expressam uma visão positiva dessas obras, as exceções são os
documentos produzidos por Pernambuco e São Paulo. O primeiro expõe que o
PNLD e a distribuição de livros para a educação básica foram um avanço para a
história ensinada, já o currículo de São Paulo incentiva que os professores não a-
bandonem o livro didático, mesmo com os cadernos disponibilizados pelo Estado,
pois mesmo essas produções são baseadas nos livros didáticos. Se a perspectiva
negativa esboçada pela maioria dos currículos está certa, aqui isso não nos inte-
ressa, o importante é notar como um estigma negativo desses materiais está pre-
sente na concepção de um grande número de estados.
Analisamos também nos currículos a abordagem realizada sobre a colo-
nização brasileira, já que é neste tópico que normalmente se insere a temática ban-
deirante. É importante destacar que em seis desses documentos não estavam
dispostos os conteúdos específicos a serem trabalhados em sala de aula, nesses
casos o que está disposto são as competências, habilidades, expectativas de apren-
dizagem etc. No restante, a maioria destaca ao tratar da colonização os povos in-
dígenas, em currículos como do Amapá e Espírito Santo se recomenda um paralelo
entre aspectos da cultura europeia e a indígena, em outros documentos como da
Bahia, Pará, Rondônia, São Paulo e Tocantins se fala especificamente sobre as so-
ciedades indígenas. Em poucos programas se dispõe tópicos mais genéricos, como
Goiás e Mato Grosso do Sul, que falam sobre a administração colonial. É interes-
sante ressaltar que três dos currículos, Espírito Santo, Distrito Federal e

143
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Rondônia, introduzem o tema abordando a questão ambiental, tema explorado na


maioria dos currículos analisados.
O último ponto a ser discutido aqui, é a inserção da temática bandeirante
nesses currículos. Como pode ser observado na tabela disposta anteriormente, a-
penas quatro estados apresentam nominalmente em seus programas a temática
bandeirante e somente dois explicam a função do assunto no aprendizado histó-
rico. Nesse sentido, há uma observação importante a ser feita, apesar de apenas
alguns estados citarem diretamente a temática bandeirante, isso não quer dizer
que o restante não indique indiretamente o assunto, já que outros tópicos podem
também incluir o elemento sertanista, como é o caso da expansão territorial colo-
nial e a guerra dos emboabas. Assim, embora a maioria dos estados não citem pro-
priamente as Entradas e Bandeiras, ao longo da trama colonial o assunto
provavelmente será elencado.
Os currículos que citam diretamente a temática são quatro: Amapá, Dis-
trito Federal, Goiás e Minas Gerais. O estado do Amapá em seu programa apre-
senta vários tópicos sobre o tema bandeirista, embora não explane sobre o objetivo
da temática. O distrito Federal também enumera a matéria em seus conteúdos,
colocando como objetivo do tema o entendimento da expansão do território bra-
sileiro. O programa de Goiás também acrescenta o sertanismo nos tópicos de con-
teúdos básicos, mas não explica o objetivo deste. O último estado a elencar o tema
é Minas Gerais e coloca como função da temática das Entradas e Bandeiras ressal-
tar a importância dos bandeirantes para a expansão do território. Percebemos en-
tão que dentre os vinte currículos, quatro trabalham diretamente com a temática.
Como dito anteriormente há currículos que trabalham de forma indireta
com a questão bandeirante, enumerando assuntos que se relacionam com esta te-
mática. Entre os vinte currículos analisados, dez citam assuntos em que os ban-
deirantes certamente serão citados, estes estados são: Bahia, Espírito Santo,
Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo, Sergipe
e Tocantins. Entre os assuntos que provavelmente farão referência o bandeirante
e foram sugeridos nos currículos; temos: Formação e expansão territorial, identi-
dade nacional, mineração, missões jesuíticas, construção de heróis brasileiros e
guerra dos emboabas. É importante destacar que mesmo que tais documentos não
abordem diretamente a temática das Entradas e Bandeiras, se elencam conteúdos
que se relacionam diretamente com o tema e ao serem trabalhados o bandeirante
também será um elemento importante para a discussão. Portanto, consideramos
que tais currículos também disseminam a memória bandeirante.
Alguns currículos analisados não elencaram os conteúdos a serem traba-
lhados em sala de aula, dispuseram apenas eixos, habilidades e competências. Os
estados que escolheram tal formato, foram seis: Mato Grosso, Paraná, Pernam-
buco, Piauí, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Já que os conteúdos não foram

144
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

detalhados nesses programas, não temos como analisar se a temática bandeirante


vai ou não ser ministrada nas escolas. Podemos afirmar, que dos vinte currículos
analisados, 14 direta ou indiretamente se remetem ao tema das Entradas e Bandei-
ras. Portanto há uma considerável inserção deste conteúdo nas escolas, fazendo
eco a enorme adesão da temática na literatura didática. Tal temática, como se pode
perceber, pode ser encontrada em pontos chaves do período colonial, sendo um
tópico que muito dificilmente não será trabalhado em algum momento da vida es-
colar dos estudantes, constatamos então a persistência de uma memória que as-
cende ainda no século XIX.

Considerações finais
Neste trabalho, nos propomos a refletir sobre os currículos escolares e a
permanência da memória bandeirante nesses documentos. Para isso, revisitamos
processos históricos em que a memória bandeirante foi amplamente evocada em
discursos políticos. Destacamos alguns acontecimentos históricos que se destaca-
ram na utilização maciça do subsídio retórico bandeirante, esses foram a Procla-
mação da República, a Revolução Constitucionalista, o Governo Vargas, a
Construção de Brasília e a Ditadura Militar. Todos estes eventos têm em comum
a efetiva instrumentalização discursiva do movimento bandeirante para justificar
interesses e demandas específicas.
Além disso, analisamos se a mitologia tão utilizada para legitimar proje-
tos de poder permanece nos currículos escolares, para tanto, analisamos os currí-
culos de vinte estados. Percebemos que a temática sertanista se faz presente direta
ou indiretamente nestas prescrições escolares, nestes documentos mesmo que não
haja a referência explícita as Entradas e Bandeiras, se enumera conteúdos intima-
mente relacionados a temática bandeirante, como a expansão territorial e a guerra
dos emboabas. Logo, a presença desse tema é evidente nas formulações curricula-
res e revela a permanência de uma memória que veio sendo excessivamente ope-
racionada durante os séculos XIX e XX.

145
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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2013. (Distrito Federal)
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Paulo)
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2018. (Pará)
Nasce a oban, braço da tortura em SP. Memorial da democracia. Disponível em:
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Curriculares de História – Ensino Fundamental e Médio. 2013. (Pernambuco)
Plano curricular da educação básica do Estado do Amapá. 2009. (Amapá)
Proposta curricular de Santa Catarina: Estudos Temáticos. 2005. (Santa Catarina)
Proposta curricular de Santa Catarina: formação integral na educação básica.
2014. (Santa Catarina)
Orientações Curriculares: Área de Ciências Humanas: Educação Básica. 2012. (Mato
Grosso)
Orientações Curriculares: Diversidades Educacionais. 2012. (Mato Grosso)
Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul: Ensino
fundamental. 2012. (Mato Grosso do Sul)
Referencial Diretrizes Curriculares da Rede Pública Estadual de Ensino do Piauí,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. 2013. (Piauí)
Reorientação curricular – Livro III – Ciências Humanas. 2005. (Rio de Janeiro)
Referencial Curricular – Lições do Rio Grande – Ciências Humanas e suas
Tecnologias. 2009. (Rio Grande do Sul)

146
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Reestruturação curricular Ensino Fundamental e Médio: Documento Orientador.


2016.
Referencial curricular de Rondônia – Ensino Fundamental. 2013. (Rondônia)
Referencial curricular: Rede Estadual de Ensino de Sergipe. 2011. (Sergipe)
Referencial Curricular do Ensino Fundamental das escolas públicas do Estado do
Tocantins: Ensino Fundamental do 1º ao 9º ano. 2009. (Tocantins)
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Volume I, 1895.

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147
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

COELHO, George Leonardo Seabra. Das três opções nenhuma: os “novos


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VOLPATO, Luíza. Entradas e Bandeiras. São Paulo: Global, 1985.

148
COMPETÊNCIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
CONTRIBUIÇÕES DA NEUROPSICOPEDAGOGIA EM
CONTEXTOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL

Artur Pires de Camargos Júnior 1

Introdução
A vulnerabilidade social pode afetar negativamente a aprendizagem de
estudantes e o trabalho docente. Condições básicas de segurança, saúde, alimen-
tação e acesso ao conhecimento nem sempre estão presentes no contexto de mui-
tos brasileiros. A utilização de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC) para diversos fins ocorre de forma desigual entre a população, refletindo
outras formas de desigualdade no Brasil.
No âmbito da exclusão digital que afeta muitos brasileiros, este capí-
tulo aborda estratégias para o desenvolvimento de competências digitais na E-
ducação Básica sob uma perspectiva neuropsicopedagógica. Considera-se que a
escola pode ser um ambiente para promover a inclusão de estudantes e docentes
na cultura digital. A fundamentação neuropsicopedagógica contribui para uma
atuação profissional crítica e consciente no sentido de organizar situações favo-
ráveis ao desenvolvimento daquelas competências tanto por estudantes quanto
por professores.
O problema que norteou esta pesquisa foi: Quais estratégias poderiam
favorecer o desenvolvimento de competências digitais entre estudantes e profissi-
onais da Educação Básica em uma perspectiva neuropsicopedagógica? Para res-
ponder a essa questão, propôs-se o seguinte objetivo geral: identificar estratégias
com fundamentos neuropsicopedagógicos para o desenvolvimento de competên-
cias digitais de estudantes e profissionais da Educação Básica.
A abordagem do problema proposto justifica-se pela crescente necessi-
dade de utilização de TDIC em diversos espaços sociais e para diferentes finalida-
des. O contexto social brasileiro, no entanto, nem sempre oferece oportunidades
para que todos os cidadãos tenham acesso a essas tecnologias. Surge, assim, uma
desigualdade no nível de competência digital principalmente entre pessoas de
classes sociais diferentes.
1
Mestrando em Educação pela Universidad de la Empresa (UDE – Uruguay). Especialista em
Neuropsicopedagogia Clínica, Pedagogia Digital e Inovações Tecnológicas, Tecnologias em EaD e
em outras áreas. Graduado em Normal Superior e Pedagogia. Professor de Educação Básica (Anos
Iniciais do Ensino Fundamental) e de Ensino Superior. Orientador Educacional.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Consideraram-se duas situações hipotéticas que podem envolver estu-


dantes e profissionais em escolas de Educação Básica para identificar estratégias
de desenvolvimento de competências digitais. A primeira situação refere-se ao uso
do celular em sala de aula para a aprendizagem autônoma. Já a segunda envolve o
uso de TDIC em processos de gestão escolar.

Metodologia
A pesquisa que originou este texto apresenta características qualitativas.
Para Oliveira (2016), a abordagem qualitativa baseia-se na interpretação de fatos
contextualizados. O pesquisador deve, então, aprofundar-se neles para estabele-
cer relações com a teoria. Trata-se de um tipo de pesquisa no qual prevalece a
busca de sentidos e não a quantificação de dados.
Considera-se que o objetivo norteador deste estudo possui característi-
cas exploratório-descritivas. Buscou-se, então, conhecer o tema para formular i-
deias que permitiriam maior familiaridade com o problema (OLIVEIRA, 2016).
Foram essas ideias que favoreceram a identificação e a descrição de estratégias
com fundamentos neuropsicopedagógicos para o desenvolvimento de competên-
cias digitais de estudantes e profissionais de Educação Básica.
Optou-se pela busca de dados basicamente em publicações sobre Neu-
ropsicopedagogia e competências digitais. Oliveira (2016) classifica como biblio-
gráficas as pesquisas desenvolvidas com tais características. A principal vantagem
seria encontrar fundamentos para a proposição de ideias a partir de investigações
confiáveis, de forma a obter credibilidade para o estudo desenvolvido.

Neuropsicopedagogia: conceito, especificidade e relações com a


aprendizagem
A Neuropsicopedagogia (NPp) é uma área de estudo que envolve conhe-
cimentos da Neurociência (estrutura e funcionamento do cérebro), da Psicologia
(emoções, cognição, personalidade e comportamento humano) e da Pedagogia (te-
orias e metodologias de ensino). Segundo Fonseca (2014), o objeto de estudo da
NPp é composto pela aprendizagem e pelos processos que facilitam ou dificultam
a construção do conhecimento pela pessoa que aprende (aprendente). Essa pers-
pectiva transversal revela a complexidade do ato de aprender, que envolve mais do
que apenas um estímulo e uma resposta.
Em relação aos aspectos teóricos, Dresch (2018) esclareceu que a Neu-
ropsicopedagogia, segundo a SBNPp, originou-se da interseção entre a Neuroci-
ência, a Psicologia Cognitiva e a Pedagogia. A Neurociência estuda o
funcionamento do cérebro, o que permite compreender aspectos biológicos da a-
prendizagem, tais como a ação de neurotransmissores, o papel dos neurônios, as

150
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sinapses (regiões de contato entre neurônios) e a ativação de partes específicas


dos lobos cerebrais. A Psicologia Cognitiva aborda o funcionamento da mente, o
que inclui o estudo dos processos de captação de estímulos do ambiente, o pro-
cessamento desses estímulos e a produção de uma resposta que pode ser a apren-
dizagem. A Pedagogia estuda as metodologias de ensino e os recursos que podem
favorecer a construção do conhecimento pelo estudante.
A NPp não é uma especialização das três ciências supramencionadas,
pois se revela justamente como uma prática transdisciplinar que integra conheci-
mentos de cada uma delas. Dresch (2018) frisou esse aspecto como a principal dis-
tinção da NPp em relação à Neurociência, Psicologia Cognitiva e Pedagogia. A
NPp também não seria uma especialização da Psicopedagogia, pois esta baseia-se
na Psicanálise (vínculos entre aprendente, família, conhecimento, colegas de
turma e professor) enquanto a Neuropsicopedagogia, na Neurociência e na Psico-
logia Cognitiva. Compreende-se que uma prática não deprecia a outra, pois os pro-
blemas de aprendizagem possuem diversos aspectos e demandam, portanto,
diferentes abordagens.
Aspectos cognitivos (recepção de estímulos, processamento e resposta),
conativos (emocionais) e executivos (planejamento, execução e regulação de a-
ções) inter-relacionam-se na aprendizagem. A NPp encarrega-se, então, de preve-
nir prejuízos nos aspectos cognitivos e executivos, além de intervir quando
eventuais déficits já tiverem ocorrido. É nesse sentido que Fonseca (2014) argu-
menta que a NPp deve compor a formação docente inicial e continuada, pois ela
pode favorecer processos de ensino e intervenção pedagógica que auxiliem os es-
tudantes a aprenderem de forma ativa.
Os neuropsicopedagogos estudam as estruturas cerebrais e as complexas
relações entre elas para compreender a recepção e o processamento de estímulos.
Conhecer esses processos é fundamental para entender como o ser humano pro-
duz respostas adaptativas (FONSECA, 2014). Em linguagem pedagógica, essas
respostas são conhecidas como aprendizagem ou comportamento resultante da
ação de agregar novos conhecimentos aos saberes prévios.
A NPp considera que a aprendizagem ocorre em interação social, com a
mediação de uma pessoa mais experiente em determinado assunto (FONSECA,
2014). Essa é uma contribuição do socioconstrutivismo ou interacionismo vygots-
kiano, que considera a demanda de mediação do conhecimento para que a apren-
dizagem ocorra. A pessoa mais experiente atua no que se conhece como Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) da pessoa menos experiente. A ZDP seria a dis-
tância entre o que o aprendente consegue realizar com independência (desenvol-
vimento real) e o que ele poderia realizar com o auxílio de outra pessoa
(desenvolvimento potencial). Decorrida a aprendizagem, o desenvolvimento po-
tencial tornar-se-ia desenvolvimento real.

151
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Em relação aos aspectos práticos, Dresch (2018) menciona o que a SBNPp


determina como campos de atuação da NPp: o institucional e o clínico. A Neu-
ropsicopedagogia Institucional é responsável pela atuação em instituições de en-
sino na perspectiva da Educação Especial Inclusiva. Trata-se de uma atuação
coletiva, de modo a orientar os profissionais da Educação, a família e os estudantes
para agirem a favor da inclusão de alunos com necessidades educacionais especi-
ais. Observar os espaços escolares, as metodologias e estratégias de ensino, os re-
cursos didáticos, o currículo e o Projeto Político-Pedagógico são exemplos de
ações do Neuropsicopedagogo Institucional para promover as adaptações neces-
sárias à aprendizagem de todos os discentes.
Já a Neuropsicopedagogia Clínica refere-se ao trabalho individualizado
realizado com pessoa que apresente dificuldade ou transtorno de aprendizagem.
O espaço de atendimento é a clínica, onde ocorrerão a avaliação (aplicação de tes-
tes neuropsicológicos e outras estratégias de sondagem) e a intervenção neuropsi-
copedagógica. Avaliam-se as funções cognitivas, as funções executivas, o
comportamento motor e a influência das emoções e do comportamento social na
aprendizagem. A partir dos resultados obtidos na fase de diagnóstico, estabelecer-
se-á um plano de intervenção neuropsicopedagógico para estimular as funções que
apresentam algum déficit.
Dresch (2018) ressaltou que o trabalho em equipe multiprofissional au-
menta as oportunidades de desenvolvimento integral da pessoa com dificuldade ou
transtorno de aprendizagem. Considera-se que esse atendimento deve incluir os
profissionais que atuam na escola. É muito importante que eles forneçam informa-
ções sobre o estudante e discutam as hipóteses diagnósticas que surgirem nos con-
sultórios. Receber orientações dos profissionais clínicos favorece o atendimento ao
discente na escola, o que concretizará o direito universal à aprendizagem.
As abordagens preventiva e terapêutica da NPp encontram na ZDP o
campo de atuação para favorecer a plena capacidade de aprendizagem das pessoas.
Nessa perspectiva, Fonseca (2014, 2016) e Piccolo et al. (2016) argumentam que o
ser humano é dotado do potencial de aprendizagem, porém dificuldades podem
surgir e mascarar a capacidade individual de construção do conhecimento. O ato
de aprender evidencia, então, a neurodiversidade (FONSECA, 2014), ou seja, as
várias formas ou estilos de aprendizagem, que demandam diversidade de metodo-
logias de ensino para atender a todos os aprendentes no espaço escolar ou na clí-
nica neuropsicopedagógica.
De acordo com as bases conceituais da NPp, a aprendizagem envolve três
tipos de funções cerebrais: cognitivas, conativas e executivas (FONSECA, 2014).
Elas são inter-relacionadas e indivisíveis, de forma que problemas ou déficits em
uma podem afetar as demais. O modo como cada pessoa mobiliza aquelas funções
explica a neurodiversidade, que se relaciona também com a história de vida do

152
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

aprendente, o meio sociocultural em que vive ou viveu, a personalidade, eventuais


problemas de saúde e outros fatores.
Uehara et al. (2016) explica que as funções executivas permitem ao a-
prendente exercer controle cognitivo sobre o que se pretende conhecer. Elas são
recursos dos quais a mente dispõe para planejar (traçar metas e selecionar estra-
tégias/instrumentos), executar (implementar o plano, manter a atenção e monito-
rar os resultados parciais) e verificar os resultados finais das ações necessárias ao
aprendizado. Durante e/ou no final do processo, o aprendente pode exercer a fle-
xibilidade cognitiva e mudar as estratégias ou os recursos para alcançar a meta
original. Considera-se, então, que as funções executivas permitem ao discente au-
torregular-se para aprender.
As funções cognitivas envolvem, segundo Fonseca (2014), o input (recep-
ção ou captação de estímulos externos), o processamento (integração, retenção e
manipulação dos estímulos) e o output (a produção de uma resposta adaptativa
ou, como mencionado anteriormente, a aprendizagem externalizada) que per-
mite executar uma nova tarefa ou expressar uma ideia. Essas três funções cogni-
tivas dependem, então, das funções executivas para que possam acontecer. Para
a NPp, o exercício das funções executivas é uma poderosa estratégia para ampliar
o potencial de aprendizagem dos discentes. A recepção dos estímulos, o proces-
samento deles e a validação da aprendizagem são ações que demandam planeja-
mento e estratégias mentais, ou seja, exigem um nível satisfatório de autonomia
do aprendente.
O ser humano possui sentimentos e emoções que interferem no desem-
penho de tarefas cotidianas. Fonseca (2016) alerta, então, para o fato de que fun-
ções executivas e cognitivas sofrem o impacto de funções conativas (emoções,
motivação, temperamento e personalidade). Os estados emocionais despertam
a pessoa para determinados comportamentos, que podem ser de afeição ou re-
pulsa ao estímulo externo. As funções conativas podem, assim, facilitar ou difi-
cultar o acesso às funções cognitivas e executivas, pois predispõem o aprendente
a desejar ou não o esforço necessário para aprender. Depreende-se, assim, a im-
portância de estimular emoções positivas desde os primeiros momentos de vida
e a segurança necessária para que a criança supere os desafios que surgirão di-
ante do ato de aprender.
Em uma perspectiva neuropsicopedagógica, os níveis de aprendizagem
alcançados por uma pessoa dependem de como ela mobiliza as funções cognitivas,
executivas e conativas. Essa mobilização, no entanto, pode ser influenciada por
questões externas ao aprendente e que se referem ao espaço, ao meio que ele vive.
A neurodiversidade, mais uma vez, surge como característica humana que se ma-
nifesta diretamente na forma como cada pessoa aprende.

153
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Piccolo et al. (2016) destacam o nível socioeconômico como um fator que


interfere no desempenho neuropsicológico de adolescentes e crianças, prejudi-
cando ou beneficiando o potencial de aprendizagem. Esses autores indicam alguns
exemplos: as condições de higiene e nutrição, o clima familiar, a presença/ausência
dos pais, situações de abandono ou negligência, o acesso às manifestações cultu-
rais, a importância atribuída ao estudo, o nível de escolaridade dos pais, o acesso
a serviços de saúde, a qualidade da educação escolar e muitos outros elementos.
Em contextos de vulnerabilidade social, crianças e adolescentes podem
estar mais expostas a condições desfavoráveis que geram dificuldades, por exem-
plo, em manter a atenção. De maneira oposta, crianças e adolescentes que equili-
bradamente recebem atenção, carinho e cuidados essenciais tendem a desenvolver
melhor as funções conativas e, conforme Fonseca (2016), potencializam as cogni-
tivas e executivas.
Os níveis de aprendizagem também são influenciados pelo tempo, pois a
maturação neuronal é lenta. Segundo Capilla et al. (2003) apud Uehara et al.
(2016), as funções executivas, por exemplo, não se desenvolvem de forma linear.
Elas manifestam picos de desenvolvimento entre o nascimento e os dois primeiros
anos de idade, entre sete e nove anos e entre dezesseis e dezenove anos. Após cada
um desses picos, a maturidade neuronal permite ao aprendente alcançar níveis su-
periores de construção de conhecimento.
A NPp apresenta, portanto, contribuições aos processos de desenvolvi-
mento humano e aprendizagem que necessitam ser consideradas pelas famílias,
pelas escolas e pelos órgãos gestores da Educação. Destacam-se as relações entre
as funções cognitivas, executivas e conativas, que necessitam de estimulação e
treino para favorecerem a autonomia discente, ou seja, o aprender a aprender. De-
vido à relevância da NPp, percebe-se a necessidade de aprofundar-se nos estudos
já produzidos nessa área, bem como contribuir com outras perspectivas de aplica-
ção e desenvolvimento dos saberes neuropsicopedagógicos.
A NPp pode gerar impactos positivos na Educação muito além dos aten-
dimentos institucional e clínico. Professores e demais profissionais que atuam nas
instituições de ensino podem desenvolver práticas embasadas nos saberes oriun-
dos da transdisciplinaridade entre Neurociência, Psicologia Cognitiva e Pedago-
gia. O principal impacto da NPp indicado por Dresch (2018) refere-se à
capacidade universal que o ser humano possui para aprender. É a partir dessa con-
sideração que os demais impactos na Educação possuem significado concreto. To-
das as pessoas podem aprender porque o cérebro é capaz de se modificar para
responder a estímulos externos. Essa propriedade do cérebro humano recebe o
nome de neuroplasticidade, sendo responsável também pela diversidade de estilos
e ritmos de aprendizagem. Cada pessoa, então, recebe determinados estímulos ex-
ternos e os processa de forma individual.

154
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Outro impacto da NPp na Educação é o conhecimento de como o cérebro


e a mente do aluno funcionam durante o aprendizado (DRESCH, 2018). Evidên-
cias científicas (oriundas da Neurociência e da Psicologia Cognitiva) permitem,
então, selecionar metodologias, estratégias e recursos didáticos mais apropriados
aos diversos estilos e ritmos de aprendizagem que possam existir em uma turma.
A identificação de possíveis dificuldades e/ou transtornos no processo de constru-
ção do conhecimento também é favorecida, pois a NPp estuda as características
de cada um desses problemas que afetam o desempenho dos discentes.
A percepção do papel ativo do estudante na construção do saber e o re-
conhecimento do papel mediador do professor assumem outra perspectiva diante
da NPp. Dresch (2018) afirma que o ensino estimula as funções cognitivas (capta-
ção de estímulos, processamento mental e resposta) e executivas (planejamento,
execução e monitoramento de resultados) do aluno, o que subentende intencio-
nalidade docente. É necessário considerar que os professores devem conhecer o
funcionamento do cérebro e da mente durante a aprendizagem para selecionar es-
tímulos que possam desafiar a cognição dos estudantes. Obviamente essa estimu-
lação não é determinista, pois o objetivo principal seria favorecer a autonomia
intelectual do educando.
A perspectiva neuropsicopedagógica amplia a noção de inclusão, impac-
tando diretamente o trabalho das instituições de ensino. Segundo Dresch (2018),
estudantes com algum tipo de deficiência, dificuldades e/ou transtornos de apren-
dizagem devem ser incluídos com direito a adaptações conforme as necessidades
individuais. Considera-se que, mesmo sendo temporárias, as dificuldades apresen-
tadas pelos discentes devem ser alvo de intervenções pedagógicas. Esse trabalho
deveria envolver a ação conjunta entre os familiares do estudante, os profissionais
que atuam na escola, o próprio aluno, os profissionais de Saúde que o atendem e o
Neuropsicopedagogo.
Observar e atender os estudantes como seres únicos, com uma história de
vida, com emoções e estilos próprios de aprendizagem requer maturidade. A Neu-
ropsicopedagogia pode ser uma alternativa para desenvolver o olhar humano e ci-
entífico em relação aos discentes. O ideal seria, então, que a escola oferecesse todas
as oportunidades necessárias ao aprendizado. Devido ao excesso de demandas
com as quais os profissionais da Educação lidam cotidianamente, eles podem con-
tar também com a teoria e a prática da Neuropsicopedagogia.

Competências Digitais de Estudantes e Profissionais da Educação


O contexto de utilização de TDIC pode ser denominado como contexto
cibercultural, segundo Lévy (2014). Não se trata apenas de utilizar essas tecnolo-
gias no cotidiano do trabalho, dos estudos, do comércio, dos relacionamentos e em
outros aspectos da vida social. A cibercultura envolve modificações

155
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

comportamentais que acontecem na sociedade em função do uso de TDIC. A ação


humana mediada por Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação ao
mesmo tempo em que gera modificações em comportamentos dos grupos também
se modifica pelo uso de TDIC.
Para Santos e Sales (2017), as TDIC correspondem a recursos baseados
em Informática e Internet que funcionam com conexões sem fio. O formato virtual
permite a criação e o compartilhamento de arquivos com texto escrito, áudio e/ou
vídeo. Essas características permitem a utilização de tecnologias digitais para in-
formar e comunicar de forma síncrona ou assíncrona, além de favorecer o armaze-
namento e a recuperação de dados e informações. Nesse sentido, smartphones,
tablets, notebooks, smartwatches e smart TVs podem ser considerados exemplos
de TDIC.
A utilização dessas tecnologias em um contexto específico envolve conhe-
cimentos, habilidades e atitudes que se inter-relacionam. É importante considerar
que, em Educação, não basta apenas dominar os aspectos técnicos do uso de recur-
sos digitais. É importante desenvolver competências específicas, conhecidas como
competências digitais, para a utilização de TDIC como meios para ensinar e apren-
der. Nesse aspecto, a Comissão Europeia define a competência digital como o
interesse pelas tecnologias digitais e a sua utilização segura, crítica e responsável
para fins de aprendizagem, trabalho e participação na sociedade, incluindo a li-
teracia em matéria de informação e dados, a comunicação e a colaboração, a
criação de conteúdos digitais (incluindo a programação), a segurança (incluindo
o bem-estar digital e as competências associadas à cibersegurança) e a resolução
de problemas. (COMISSÃO EUROPEIA, 2018, s.p.).

O Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) atualizou em


2019 uma matriz com doze competências digitais de professores. Ela contém ele-
mentos que podem orientar o trabalho docente em tempos de cibercultura, con-
tribuindo para gerar maior segurança na utilização de TDIC como recursos de
ensino. O quadro a seguir apresenta essas competências digitais divididas em três
dimensões, conforme a natureza do trabalho dos professores.

156
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Quadro 1 – Competências Digitais de Professores (CIEB)


DIMENSÕES
PRÁTICA AVALIAÇÃO PERSONALIZA- CURADORIA E
PEDAGÓGICA ÇÃO CRIAÇÃO
Ser capaz de usar
PEDAGÓGICA

Ser capaz de tecnologias digitais Ser capaz de utilizar Ser capaz de


incorporar para acompanhar e a tecnologia para selecionar e criar
tecnologia às orientar o processo criar experiências de recursos digitais que
experiências de de aprendizagem e aprendizagem que contribuam
aprendizagem dos avaliar o atendam as para os processos de
alunos e nas suas desempenho dos necessidades de cada ensino-
estratégias de alunos. estudante. aprendizagem e
ensino. gestão de sala de aula.
CIDADANIA USO USO CRÍTICO INCLUSÃO
CIDADANIA DIGITAL

RESPONSÁVEL
Ser capaz de Ser capaz de fazer e Ser capaz de utilizar
utilizar TICs para Ser capaz de fazer e promover a recursos
incentivar a promover o uso interpretação crítica tecnológicos para
participação social responsável da das informações promover a inclusão
e cívica, tecnologia disponíveis em e a equidade
promovendo a (privacidade, rastro mídias digitais. educativa.
cidadania digital. digital e implicações
legais).
AUTODESEN- AUTOAVALIA- COMPARTILHA- COMUNICA-ÇÃO
DESENVOLVIMENTO

VOLVIMENTO ÇÃO MENTO


PROFISSIONAL

Ser capaz de utilizar


Ser capaz de usar Ser capaz de utilizar Ser capaz de usar a tecnologias para
TICs nas as TIC para avaliar a tecnologia para manter comunicação
atividades de sua prática docente promover e ativa, sistemática e
formação e implementar ações participar em eficiente com os
continuada e de para melhorias. comunidades de atores da
desenvolvimen-to aprendizagem e comunidade
profissional. trocas entre pares. educativa.
Fonte: Centro de Inovação para a Educação Brasileira (2019, p. 12).
Em relação aos estudantes, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
propõe a competência geral 5. Esta representa a concepção do Ministério da Edu-
cação sobre o que se espera dos discentes em relação ao uso de TDIC em diversas
dimensões da vida. É possível considerar, então, que a competência geral 5 da
BNCC corresponde a uma competência digital dos alunos. Assim ela consta no
documento:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação
de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (in-
cluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, pro-
duzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na
vida pessoal e coletiva. (BRASIL, 2017, p. 9).

Dado o caráter impositivo da BNCC, considera-se importante que a im-


plementação dela no cotidiano das salas de aula seja acompanhada de processos
de reflexão crítica. O objetivo seria evitar o apassivamento docente e discente ao
longo dos anos em que a BNCC for implementada. Nesse contexto, as

157
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

competências digitais podem contribuir para uma atuação docente e discente


mais autônoma em relação às TDIC. Camargos Júnior (2020, p. 121) ressalta, en-
tão, que
a utilização de nenhuma tecnologia pode prescindir da humanidade de quem a
usa. Um recurso tecnológico, nesse sentido, depende das intenções de quem o
manipula para gerar resultados. É justamente o caráter humano de professores e
estudantes que deve prevalecer em sala de aula, a fim de superar a utilização o-
pressora de TDIC e possibilitar a busca pelo ser mais que Paulo Freire propunha.

Como um processo de aprendizagem, o desenvolvimento de competên-


cias digitais envolve conhecimentos, habilidades e atitudes. Esses três elementos
constitutivos de uma competência relacionam-se, respectivamente, às funções
cognitivas, executivas e conativas (FONSECA, 2014). Entende-se, portanto, que é
possível compreender o desempenho de professores e estudantes em relação ao
uso de TDIC em uma perspectiva neuropsicopedagógica.

Estratégias para o Desenvolvimento de Competências Digitais: Celular e A-


prendizagem Autônoma na Sala de Aula
As competências digitais de estudantes podem contribuir para a apren-
dizagem autônoma no contexto cibercultural. Em salas de aula de Educação Bá-
sica, é possível perceber que muitos estudantes apresentam o interesse de utilizar
o celular para consultar temas abordados por professores. Há alunos que simples-
mente utilizam o dispositivo para acessar redes sociais e até mesmo fazer fotogra-
fias sem nexo com o conteúdo das aulas. Muitos discentes, no entanto, apenas
observavam essas atitudes porque não possuem telefone móvel.
Em contextos semelhantes ao supracitado, é possível encontrar pelo me-
nos três níveis de interação dos estudantes com o celular em sala de aula:
• Utilização para fins específicos de aprendizagem: grupo de alunos
que demonstra interesse em utilizar os celulares para pesquisar in-
formações sobre os conteúdos estudados;
• Utilização para interação nas redes sociais: grupo de alunos que uti-
liza o celular durante as aulas para acessar as redes sociais e/ou foto-
grafar, mas sem que essas ações se relacionem com os conteúdos
estudados;
• Exclusão devido à falta de acesso às TDIC: grupo de alunos que não
possui celular.

Muitos professores utilizam o celular na sala de aula para acesso à Inter-


net via rede de dados móveis ou conexão Wi-Fi. Realizar consultas a sites especi-
alizados em temas de estudo, acessar diários escolares digitais e exibir vídeos para
sanar dúvidas de grupos de estudantes são ações que contribuem para a mediação
dos conteúdos. O celular pode, então, ser um recurso a mais para facilitar o

158
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

trabalho docente e a aprendizagem pelos alunos, principalmente em contextos de


vulnerabilidade social.
É possível desenvolver competências digitais de estudantes e professores
a partir da interação entre eles na sala de aula. Docentes são especialistas em en-
sino e estudantes que convivem com TDIC podem apresentar muitas habilidades
de utilização do celular. Unir a visão didática dos professores com as habilidades
discentes para o uso de TDIC é uma boa estratégia para desenvolver competências
digitais. Recomenda-se que propostas desenvolvidas em sala de aula sejam con-
textualizadas para envolver professores e alunos.
Uma sugestão é planejar ações em sequência para motivar e envolver os
estudantes, além de permitir a atuação dos professores como articuladores da ação
discente. A seguir, apresentam-se atividades sequenciadas que podem ser desen-
volvidas na Educação Básica em duas aulas de 50 minutos cada. É importante sa-
lientar que essa sequência visa estimular funções cognitivas, executivas e
conativas (FONSECA, 2014) de professores e estudantes
• Storytelling (durante 5 minutos): a contação de história ativa as fun-
ções conativas (relacionadas à emoção) e auxilia no despertar da a-
tenção e das funções executivas, o que permite melhor desempenho
em funções cognitivas (FONSECA, 2014). Para emocionar os alunos,
o professor pode contar a própria história de vida no que se refere ao
uso de TDIC (iniciando, talvez, pela aprendizagem da datilografia,
progredindo para o uso do computador, passando pelos estudos em
nível de graduação, pela docência presencial e/ou on line e chegando
à pós-graduação, por exemplo).
• Roda de conversa (durante 15 minutos): organização da turma em
círculo de forma que o professor gere um clima de envolvimento dele
com os discentes. A conversa pode abordar a utilização real do celu-
lar a partir de breves relatos feitos pelos estudantes. O professor deve
também relatar como utiliza o dispositivo para fins de ensino, apren-
dizagem e na vida pessoal.
• Vídeo e breve debate (durante 10 minutos): apresentação do vídeo
“Põe na roda: celular em sala de aula” (produzido pelo Estadão e dis-
ponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sQWEaeq_gpc).
Para exibir o vídeo, recomenda-se a utilização de uma tela para pro-
jeção, data show, notebook, uma caixa acústica e extensões de rede
elétrica. Após a exibição, é necessário sondar as opiniões dos alunos
sobre a utilização do celular em sala de aula.
• Aprender a aprender (durante 15 minutos): exercício de atenção e
funções executivas (planejamento, execução e monitoramento de a-
ções), baseado em Fonseca (2014), para facilitar a flexibilidade cog-
nitiva necessária às próximas atividades. Recomenda-se a utilização
das duas primeiras sugestões que constam no vídeo “Funções execu-
tivas: como estimular a flexibilidade cognitiva” (produzidor por

159
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Movere e disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=


79qovQd1cyk). Os alunos devem receber os modelos impressos em
folhas de papel vergê.
• Apresentação da proposta de uso do celular para aprendizagem (du-
rante 5 minutos): proposição de um conteúdo de algum componente
curricular para estudo em sala de aula. Os alunos devem formar gru-
pos com 5 componentes, incluindo pelo menos um estudante que te-
nha trazido celular com acesso à Internet. Cada grupo deverá
pesquisar o tema utilizando o celular, debater sobre o conteúdo en-
contrado na pesquisa e escolher a melhor forma de apresentação para
a turma.
• Planejamento da ação (durante 5 minutos): organização de estraté-
gias de trabalho em grupo para viabilizar a pesquisa, análise e elabo-
ração de uma forma de apresentação. Essa atividade demanda o
emprego de funções executivas (FONSECA, 2014) em equipe, sa-
bendo que correções ao longo do processo poderão ser necessárias.
A flexibilidade cognitiva consiste exatamente em corrigir ou traçar
novas estratégias para alcançar os objetivos propostos pelo grupo.
• Pesquisa sobre o tema (durante 20 minutos): acesso a buscadores de
conteúdo, tais como a Pesquisa Google e registro das informações en-
contradas. Os estudantes devem também preparar um recurso para
apresentação do conteúdo, podendo ser, por exemplo, um esquema
construído em uma folha de caderno. O professor deve auxiliar os gru-
pos que solicitarem apoio e observar as ações de todas as equipes.
• Apresentação dos registros (durante 20 minutos): socialização dos
recursos elaborados pelas equipes para registrar as informações ob-
tidas com a pesquisa. Os grupos podem eleger um representante para
a apresentação ou contar com a participação de todos os membros.
• Encerramento (durante 5 minutos): avaliação dos resultados. O pro-
fessor deve destacar o papel assumido pelos discentes ao longo das
atividades, com exortação à autonomia que eles são capazes de vi-
venciar. É importante permitir que os estudantes manifestem as im-
pressões que tiverem principalmente no momento de pesquisa e
criação, o que permitirá verificar se a proposta foi significativa para
os discentes.

Estratégias para o Desenvolvimento de Competências Digitais: TDIC em


Processos de Gestão Escolar
A Gestão Escolar pode ser facilitada pela utilização de TDIC em proces-
sos pedagógicos e administrativos. É nesse sentido que se apresentam algumas su-
gestões para melhorar o desempenho de equipes gestoras em relação a essas
tecnologias. Essas propostas envolvem a estimulação de funções conativas
(FONSECA, 2014) dos profissionais que exercem a Gestão Escolar, a fim de esti-
mular a motivação e desenvolver a autoconfiança para o uso de TDIC. As sugestões

160
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

demandam, ainda, a mobilização de funções executivas para traçar metas, planejar


ações, executá-las e monitorá-las (FONSECA, 2014).
Diante de uma equipe gestora que demonstra habilidades básicas para
utilização de notebook, computador, Internet, data show e presenter, é impor-
tante refletir sobre como desenvolver competências digitais mais complexas. Es-
ses recursos tecnológicos devem ser armazenados em locais seguros e de fácil
acesso, a fim de facilitar a agilidade do trabalho.
Ao criar slides para reuniões, é comum recorrer a imagens oriundas da
Internet, porém é necessário citar as fontes e verificar se elas possuem direitos au-
torais. Arquivos de Word, Excel, Power Point e PDF devem ser salvos em pastas
protegidas por senhas e com cópias salvas em dispositivos seguros (tais como HD
externo armazenado em local seguro). Esses cuidados devem ser redobrados
quando os arquivos contiverem dados e informações sobre estudantes e profissio-
nais que atuam na escola.
A utilização do celular por estudantes durante os intervalos de recreio
pode ser uma estratégia utilizada pela equipe gestora para incentivar o uso cons-
ciente desse tipo de TDIC. É necessário obviamente planejar essa ação de forma a
envolver os alunos em um projeto coletivo de socialização de informações, por e-
xemplo. Um jornal virtual compartilhado durante o recreio poderia informar os
discentes sobre notícias locais, ações da escola, eventos programados e outros as-
suntos que permitam lidar com a vulnerabilidade social que afeta muitos estudan-
tes no Brasil.
Apresentam-se, então, as seguintes sugestões para melhorar o desempe-
nho de equipes gestoras em relação ao uso de TDIC.
• Utilização do Google Drive para salvar arquivos e gerenciá-los: algu-
mas redes de ensino oferecem aos profissionais de Educação o acesso
gratuito aos serviços Google. O Google Drive permite salvar e acessar
os arquivos em qualquer lugar em que haja conexão à Internet, além
de viabilizar a edição de textos, planilhas e slides por pessoas conec-
tadas ao mesmo arquivo.
• Utilização do Google Forms para criar questionários online: as vota-
ções e sondagem de opiniões podem ser automaticamente realizadas
e computadas utilizando formulários que poderão ser compartilha-
dos via e-mail ou grupos de WhatsApp da escola. Essa iniciativa e-
vita o descolamento de uma pessoa para consultar os servidores e
calcular os resultados.
• Citação das fontes de imagens selecionadas em pesquisas na Inter-
net: reconhecimento da autoria dessas imagens para evitar proble-
mas referentes a direitos autorais.
• Desafios virtuais aos alunos durante o recreio: propor desafios que
os alunos realizem durante o recreio, tais como quizzes sobre algum
tema contemporâneo ou algum conteúdo curricular. Pode-se

161
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

estabelecer uma tabela de pontuação individual ou por equipes para


promover competições.
• Registro de práticas exitosas de utilização de TDIC: registrar as expe-
riências dos profissionais que atuam na escola para criar repertório de
ações com TDIC, além de favorecer a reflexão crítica sobre esse uso.
• Campanha pelo uso do celular em sala de aula: incentivar entre pro-
fessores e discentes a utilização desse dispositivo como recurso para
o ensino e a aprendizagem no cotidiano das salas de aula.
• Elaboração de um plano de Gestão de Competências Digitais de Pro-
fessores de Educação Básica (GCDPEB): trata-se de uma metodolo-
gia para auxiliar o trabalho das equipes gestoras em relação ao
mapeamento de competências digitais de professores, identificação
de lacunas nessas competências e planejamento de ações para forma-
ção docente continuada. Recomenda-se o livro lançado em 2020 pelo
autor deste capítulo (Manual GCDPEB: Gestão de Competências
Digitais de Professores de Educação Básica, Editora Diálogo Freiri-
ano), pois ele contém orientações para executar a proposta.

Considerações Finais
Apresentaram-se algumas estratégias para o desenvolvimento de compe-
tências digitais de estudantes e profissionais da Educação Básica. Elas não são u-
niversais, ou seja, podem não se aplicar em todas as realidades. Muitas outras
propostas devem surgir a partir de contextos específicos. A intenção obviamente
não foi apontar soluções infalíveis, mas exemplificar ações que podem ocorrer no
cotidiano de escolas de Educação Básica.
Houve dificuldade para encontrar fontes de pesquisa bibliográfica que a-
bordassem o tema proposto. Diante do contexto cibercultural, considera-se im-
portante explorar o desenvolvimento de competências digitais de estudantes e
professores que convivem em contextos de vulnerabilidade social. A Neuropsico-
pedagogia pode contribuir com reflexões sobre o potencial humano de aprendiza-
gem, tornando mais significativo e cientificamente embasado o planejamento de
ações didático-pedagógicas.
Recomenda-se que novas pesquisas abordem o tema com outras metodo-
logias. A pesquisa-ação e a pesquisa participante são exemplos que permitem o
engajamento em torno do problema. Essas duas formas de investigação podem ge-
rar conhecimentos e soluções para desafios enfrentados no uso de TDIC por co-
munidades em situação de vulnerabilidade social. Recomenda-se, ainda, explorar
melhor os fundamentos neuropsicopedagógicos do desenvolvimento de compe-
tências digitais.
Essas competências podem ser um elemento de libertação de professores
e estudantes em uma sociedade na qual as relações humanas cada vez mais tendem

162
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

a ser mediadas por TDIC. Este estudo permitiu compreender, portanto, a necessi-
dade de dois atos de coragem freiriana na Educação Básica. O primeiro deles é su-
perar a desigualdade de acesso às Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação. O segundo é desenvolver competências para o uso crítico e autô-
nomo desses recursos, principalmente em comunidades socialmente vulneráveis.

163
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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164
UMA PERSPECTIVA PARTICIPATIVA E DEMOCRÁTICA
DO FAZER EDUCACIONAL

Benedito Antônio Nonato Pinheiro 1

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
A Gestão Democrática apresenta-se como uma temática relevante, haja
vista que, evidencia aspectos norteadores para a efetivação de relações entre pes-
soas de um determinado grupo social. Aspectos estes que visam contribuir para
que de maneira coletiva se alcance os objetivos traçados.
Sendo a educação um processo de extrema relevância na vida do sujeito,
compreende-se que para que seja ofertada com qualidade, em condições de favorecer
para o desenvolvimento não somente individual como social, requer de todos os a-
gentes envolvidos o comprometimento para que aconteça de ato de maneira exitosa.
Desta forma, nos dias atuais, onde pouco se observa por parte da maioria
dos governantes o devido interesse e compromisso para com a educação, deve-se
efetivar uma perspectiva participativa do fazer educacional, no sentido de mem-
bros da comunidade escolar, comunidade local e demais sujeitos impactados pela
educação, compreenderem e comprometerem-se em contribuir para que seja um
processo significativo, humanizador e transformador.
Isto porque, a educação evidencia-se como uma relevante mola propul-
sora para a transformação pessoal e social, no sentido de que ao ter acesso a infor-
mações o sujeito necessita transformá-las em conhecimento e desta forma, poderá
contribuir significativamente, para sua própria transformação, assim como para a
transformação dos que fazem parte do seu convívio.
A Educação Pública em especial não pode eximir-se dessa responsabili-
dade já que é financiada pelos impostos dos cidadãos, os quais precisam agrupar-
se e coletivamente envolverem-se e contribuírem para que a mesma não ocorra de
qualquer jeito. Mas, ao contrário, seja a melhor possível, no intuito de que as atuais
gerações preparem-se efetivamente para atuarem adequadamente na sociedade e

1
Mestre em Educação; Especialista em Psicopedagogia Institucional; Pedagogo; Vice-Diretor Eleito
em Unidade Escolar da Secretaria de Estado de Educação do Pará (2019-2021); Professor de Séries
Iniciais, Coordenador dos Conselhos Escolares (2009-2016), Técnico da Coordenação do Ensino
Fundamental – Anos Iniciais (2017-2020) da Secretaria Municipal de Educação de Abaetetuba/PA;
Membro da Equipe Técnica de Sistematização do Plano Municipal de Educação de Abaetetuba/PA
– PME (2015); Membro da Comissão Técnica Municipal para a Sistematização da Proposta
Curricular do Município de Abaetetuba/PA (2019). E-mail: bn.pinheiro@bol.com.br
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

assim contribuam para organizar uma sociedade democrática, participativa e que,


portanto, luta e continuará lutando por dias melhorias, a partir da concepção co-
letiva e de cooperação, onde se perceba que cada um necessita sentir-se e atuar
enquanto corresponsável, enquanto relevante para o processo de construção e
transformação social.
Assim, este estudo, busca evidenciar sobre o Fazer Educacional numa
Perspectiva Participativa e Democrática. Para tanto, lança mão da metodologia da
pesquisa bibliográfica por meio de aportes teóricos e legais com o intuito de traçar
um percurso no qual elucida tópicos relevantes, dentre os quais Conceituação, As-
pectos Históricos e Legais da gestão democrática, assim como realiza uma breve
reflexão acerca de alguns instrumentos que podem auxiliar em seu fortalecimento,
embasada em teóricos que discutem a referida Temática.

2. Conceituação, Aspectos Históricos e Legais da Gestão Democrática.


Percebe-se a necessidade da abertura de espaços para que no contexto
escolar os agentes envolvidos sejam realmente envolvidos nas discussões, execu-
ções e avaliações das ações, numa perspectiva de coletividade. Requerendo, desta
forma, uma gestão e um contexto escolar, que não somente vislumbrem, mas de
fato, empenhem-se em fazer acontecer uma educação a qual,
[...] como apropriação da cultura é direito universal e se apresenta como neces-
sidade intrínseca ao desenvolvimento da sociedade e ao fortalecimento da de-
mocracia. Como direito público, sua realização na escola básica, lugar por
excelência de seu provimento pelo Estado, deve pautar-se em princípios públi-
cos, ou seja, universalizantes e democráticos. [...] (PARO, 2018a, p. 63)

A escola pública por excelência, não pode eximir-se da tarefa de difundir


a democracia, no sentido de estimular a participação e o envolvimento dos agentes
envolvidos no processo ensino-aprendizagem, na perspectiva de que assim o fa-
çam posteriormente na vida em sociedade.
Para tanto, não basta somente estimular, difundir, a democracia e seus
princípios, faz-se necessário de fato oportunizar a realização de momentos no
contexto escolar por meio de ações não esporádicas, vez ou outra, nem tampouco,
que seja mero discurso, mas que de fato se conviva numa atmosfera democrática.
[...] A gestão democrática é, portanto, atitude e método. A atitude democrática
é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de métodos democráticos de efe-
tivo exercício da democracia. Ela também é um aprendizado, demanda tempo,
atenção e trabalho. (GADOTTI In GADOTTI; ROMÃO, 2013, p. 39-40)

Os autores, portanto, chamam atenção para a necessidade da compreen-


são de que pode demandar tempo, de que pode dar trabalho, mas que é extrema-
mente relevante evidenciar com atitudes, momentos e métodos, que de fato

166
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

pretende-se impregnar a atmosfera escolar com o efetivo exercício da democracia,


em especial tendo por ponto de partida a Gestão Democrática.
DOURADO (2006, p.62) argumenta que “na escola todos têm contribui-
ções e saberes para compartilhar e que todos os processos realizados nos espaços
da escola são vivências formativas e cidadãs”. Para tanto, deve ocorrer no contexto
escolar a evolução histórica do compartilhamento de decisões e responsabilidades.
De acordo com PARO (2018b) “a administração como é entendida e rea-
lizada hoje, é produto de uma longa evolução histórica e traz a marca das contra-
dições sociais e dos interesses políticos em jogo na sociedade” (p. 24); isto é, torna-
se resultado das lutas realizadas no seio da sociedade capitalista, onde se adminis-
tra de modo a atender os anseios dos detentores do poder.
Portanto, na contramão dessa concepção, precisa-se defini-la enquanto
construção coletiva. Chegando então de fato a gestão democrática, por meio da
qual se verifique o verdadeiro papel social da escola, se resgate sua função social,
onde todos possam compartilhar das tomadas de decisões, para que se construa
de fato a participação efetiva e a verdadeira Democracia. Tanto que DOURADO
In FERREIRA argumenta que
[...] a gestão democrática é entendida como processo de aprendizado e de luta
política que não se circunscreve aos limites da prática educativa mas vislumbra,
nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, a possibili-
dade de criação de canais de efetiva participação e de aprendizado do “jogo” de-
mocrático e, consequentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário
que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas. (2013,
p. 97-98)

Com o passar dos anos observou-se que o referido modelo não mais es-
tava sendo eficiente, posto que, ficou evidente o descontentamento daqueles que
vivenciavam algo distante da realidade e do que se acreditava ser relevante para a
educação local. Assim, passou-se a discutir e lutar pela implementação de uma
administração coletiva que realize ações condizentes com a realidade e seja pen-
sada pelos atores do processo, modificando-se para o que hoje se conhece por ges-
tão democrática.
Estamos considerando a participação como um exercício democrático, por meio
do qual aprendemos a eleger o poder, fiscalizar, desburocratizar e dividir res-
ponsabilidades, e que os vários canais dessa participação convergem para elabo-
rar condições favoráveis de surgimento dos cidadãos e suas formas de
organização. (ABRANCHES, 2006, p. 09).

Sendo que um dos canais mais apropriados para fomentar a participação


e o compromisso com a transformação social, é sem dúvida alguma a educação,
haja vista que, “[...] por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a
reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu
papel [...].” FREIRE (2014, p. 80)

167
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Todos os atores envolvidos na educação passam a ter uma visão de grupo,


onde juntos, unidos pelos mesmos objetivos, alcançarão melhores resultados, o
que indubitavelmente possibilitará ao alunado uma educação de qualidade, que
prime pela conquista da cidadania. CORTELLA (2014), acerca desta perspectiva
argumenta que,
o trabalho de Educação é coletivo, é ato com as pessoas. É esse ato coletivo que
nos coloca o imperativo de nos desenvolvermos coletivamente também. E, para
isso, é preciso acreditar em dois grandes princípios: Quem sabe reparte e quem
não sabe procura! Porque se aquele que sabe, não repartir, enfraquece aos outros
e a si mesmo. E se aquele que não sabe não procurar enfraquece a si mesmo e o
local onde está. [...] (p. 41-42)

Quando há a compreensão de que vários pensando juntos e fazendo acon-


tecer, tende-se a alcançar melhores resultados. Resultados estes que provavel-
mente contribuirão para o desenvolvimento de um quantitativo representativo de
pessoas e não de meros alguns poucos. Mas, obviamente, há de se criar meios para
que muitos de fato venham a aderir o processo ensino-aprendizagem, a educação
como mola propulsora para o avanço individual e social.
A Gestão Democrática implica na efetivação de novos processos de orga-
nização e gestão baseados em uma dinâmica que favoreça os processos coletivos e
participativos de decisão, como podemos exemplificar o Processo de Elaboração
do Plano Nacional de Educação, a partir do qual Estados e Municípios tiveram que
em 2015 elaborar e/ou adequar seus Planos de Educação.
Momento este que indubitavelmente proporcionou a preocupação em
garantir a participação para que de maneira coletiva fossem traçados os rumos que
a educação local deveria tomar, no sentido de que estavam assumindo a corres-
ponsabilidade, poder público e sociedade civil organizada, pelo empenho em efe-
tivamente fazer acontecer a melhor educação possível.
A gestão democrática é um princípio constitucional que tem como pressuposto
o respeito mútuo, a responsabilidade dos atores envolvidos e a efetiva participa-
ção nas decisões. Nesse contexto, é fundamental que o plano de educação seja
elaborado ou adequado com a participação de todos os atores envolvidos com as
questões educacionais. Quanto mais representativa for a participação na elabo-
ração do plano, mais favorecida será a corresponsabilidade nos processos de im-
plantação, execução, acompanhamento e avaliação. (BRASIL, 2014, p. 14)

O que nos remonta para a concepção de que com a Gestão Democrática,


tende a intensificar as lutas pelos direitos, haja vista que participando se tem mai-
ores condições de acompanhar e avaliar; mas por outro lado, aumentam as respon-
sabilidades. Vitor Paro, grande expoente brasileiro da Gestão Democrática,
observa que,
[...] o Estado democrático (sua própria existência) supõe a concordância de to-
dos com suas determinações. É por isso que ele não apenas estabelece direitos,
mas também impõe deveres. Direitos e deveres existem, supostamente, para o

168
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

bem de todos os integrantes da sociedade. Numa democracia, a razão de ser do


Estado, em princípio, é a garantia do bem público. [...] (2018a, p. 59)

O autor evidencia que garantir o bem público não pode e nem deve ser
preocupação exclusiva do Poder Público, até porque, a sociedade é quem será a
maior beneficiada se verdadeiramente, as ações realizadas pelas instituições pú-
blicas forem de boa qualidade, em especial a educação.
Confiando na proposta pedagógica e sentindo segurança os pais tendem
a aproximar-se mais e mais da escola, em especial quando vivenciam um diálogo
aberto, ou seja, percebem que há uma comunicação eficaz, onde de fato se tem in-
formações acerca do contexto escolar e se busca a partir dessa comunicação es-
treitar as relações entre os agentes envolvidos.
Desta forma, necessita-se romper com a gestão que centraliza, que faz uso
do domínio das informações para manipular, haja vista que, na perspectiva demo-
crática, quanto mais se socializa as informações mais pessoas passam a querer par-
ticipar, uma vez que a tendência é que ao conhecer melhor vai-se envolvendo e
envolvendo tende-se a buscar participar e participando procura-se não apenas es-
perar e sim também fazer aquilo que precisa ser feito. VEIGA (2013) ressalta que,
“A gestão democrática exige a compreensão em profundidade dos problemas pos-
tos pela prática pedagógica. Ela visa romper com a separação entre concepção e
execução, entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática. [...]” (p. 18)
Portanto, como bem argumenta a autora, quando a comunidade escolar e
do entorno, isto é, a comunidade local, conhece e consegue compreender os avan-
ços e os entraves vivenciados pela escola, tendem a somar esforços na busca pela
solução dos mesmos, uma vez que, percebem que também serão atingidos pelos
problemas e beneficiados pelas conquistas obtidas pelas ações educacionais. As-
sumindo, assim, o relevante papel de corresponsabilidade, não deixando somente
a cargo dos governantes ou dos profissionais da educação o compromisso com a
efetivação de uma educação de qualidade.
Para se conseguir a implementação deve-se assim lutar muito e não de-
sistir nos primeiros obstáculos, posto que, como bem ressalta PADILHA (2013),
A gestão democrática não é processo simples de curtíssimo prazo, mas também
não é processo tão complexo ou irrealizável, de prazo interminável. Significa di-
zer que ela se constituirá numa ação, numa prática a ser construída na escola.
Ela acontecerá se associada à elaboração do projeto político-pedagógico da es-
cola, à implantação de Conselhos Escolares de Escola que efetivamente influen-
ciam a gestão escolar como um todo e à medida que garantam a autonomia
administrativa, pedagógica e financeira da escola, sem eximir o Estado de suas
obrigações com o ensino público. (p. 113)

É difícil, mas não é impossível fazer acontecer no contexto escolar a ges-


tão democrática, a qual promoverá melhor efeito quando construída coletiva-
mente e garantir a autonomia em todos os aspectos, garantindo neste sentido o já

169
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

assegurado em lei, conforme enfatiza VEIGA (2013), “Gestão democrática é um


princípio consagrado pela Constituição e abrange as dimensões pedagógica, ad-
ministrativa e financeira. Ela exige uma ruptura histórica na prática administra-
tiva da escola, [...]” (p.17).
Diante da necessidade de mudanças significativas quanto à participação
e descentralização, o princípio da Gestão Democrática felizmente, pode-se assim
considerar assume papel de destaque nas Leis Nacionais, Estaduais e Municipais
(Constituição Federal/88, Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional - LDB
9.394/96, Plano Nacional de Educação – Lei 13.005/14 de 25 de junho de 2014,
Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais), cabendo é claro a preocu-
pação com a adequada aplicabilidade das mesmas. Até porque,
No âmbito do interior das escolas, é fundamental promover formas consensuais
de tomada de decisões, o que implica a participação dos sujeitos envolvidos,
como medida de prevenção de conflitos e resistências que possam obstruir a im-
plementação das medidas consideradas necessárias. (OLIVEIRA, 2013, p. 40)

A LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu Artigo 14,


por exemplo, destaca a Gestão Democrática, dando liberdade para que ela seja de-
finida por cada estado, cada município; porém aponta para 02 formas de partici-
pação: na elaboração do Projeto Político Pedagógico e em Conselhos Escolares.
Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e con-
forme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagó-
gico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou e-
quivalentes.

Percebe-se que não cabe somente ao Estado ofertar a educação básica,


mas os agentes envolvidos devem querer e poder participar, posto que,
CARNEIRO “[...] o estado deve garantir a educação obrigatória, mas a comuni-
dade deve se obrigar a operar (cooperar) a escola. [...]” (CARNEIRO, 2014, p. 172).
Acrescenta ainda, que atualmente devem-se levar em conta elementos
constitutivos para a adequada compreensão de gestão democrática escolar, como:
“a) governo escolar descentralizado e colegiado; b) autonomia financeira e peda-
gógica; c) participação de diferentes segmentos na escolha da direção [...]” (p. 172).
Para o referido autor, portanto, a concepção de gestão democrática do
ensino público vem evoluindo em especial em consonância com a evolução da
compreensão que as próprias comunidades passam a ter acerca da importância
da educação e do papel social que a escola deve assumir diante do contexto
social atual.

170
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

No entanto, historicamente a educação ofertada no Brasil não tem encon-


trado caminho fácil no desempenho do fomento de participação, de experiência
democrática. Acerca dessa dificuldade,
[...]. Realmente o Brasil cresceu dentro de condições negativas às experiências
democráticas. O sentido marcante de nossa colonização, fortemente predatória,
[...] não teria criado condições necessárias ao desenvolvimento de uma mentali-
dade permeável, flexível, características do clima cultural democrático, no ho-
mem brasileiro. (FREIRE, 2014, p. 90-91)

Mas, nas últimas décadas o Brasil vem vivenciando avanços significativos


no que tange a experiências democráticas, através das quais, a população ou uma
parcela significativa dela, passou a envolver-se mais, participar mais, questionar
mais e até mesmo intervir mais no contexto sócio-histórico.
O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente,
interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel
no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de que quem
intervém como sujeito igualmente. Não sou apenas objeto da história, mas seu
sujeito igualmente. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade
[...]. (FREIRE, 2018, p. 77)

Tendo a Escola Pública a função social de formar o cidadão, isto é, cons-


truir conhecimentos, atitudes e valores que tornem o sujeito solidário, crítico, é-
tico e participativo, deve tornar-se um espaço do exercício de uma autêntica
democracia almejando desta forma, a vivência da autonomia.
Assim, a Gestão Democrática implica na efetivação de novos processos
de organização e gestão baseados em uma dinâmica que favoreça os processos co-
letivos e participativos de decisão. Processos estes, que sem dúvida alguma neces-
sitam do aporte financeiro para se efetivarem, ao que se percebe certo esforço
realizado pelo Brasil, nos últimos anos, evidenciado no significativo aumento dos
recursos financeiros destinados à educação, demonstrados em duas políticas im-
portantes - a regulamentação do custo aluno mínimo por discente e criação de
fundos específicos de destinação dos recursos, mesmo ainda não dando conta de
corresponder às necessidades.
Para Ghiraldelli Jr. (2019),
A Democratização do país, a partir de 1985, implicou na eleição de uma Assem-
bleia Nacional Constituinte. Um novo Parlamento deveria fazer a nova Carta
Magna [...] E assim aconteceu. O nosso país ganhou uma nova Constituição em
1988 – mais generosa quanto a direitos sociais, se comparada com a Constitui-
ção, em todos os setores, houve debates, pressões, movimentos populares, movi-
mentos de bastidores das elites e grupos corporativos etc. [...] (p. 169)

Desta forma, sem dúvida alguma, a mesma trouxe grandes perspectivas


de que o povo brasileiro passaria a ser mais respeitado e valorizado, no sentido de
que teria a possibilidade de participar das decisões, como por exemplo, o

171
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

preconizado pelo Artigo 206, “O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei”.
Participação das decisões que está muito bem respaldada pela Legislação
Máxima do Ensino Público, posto que,
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional resultou de intensa luta par-
lamentar e extraparlamentar. Entidades da sociedade, com interesses diversos,
porém convergentes em relação à defesa do ensino público e gratuito, se reuni-
ram em vários momentos, criando versões de uma LDB de seu agrado. Todavia,
a LDB resultante não foi esta, mas uma mescla entre o projeto que ouviu os
setores da população e o projeto do Senador Darcy Ribeiro. [...]
(GHIRALDELLI Jr, p. 170, 2019)

Assim, diferentemente da Constituição Brasileira a LDB apesar de ter


passado por etapas coletivas de construção, não culminou de maneira tão espe-
rada, já que o texto final acabou por apresentar alterações que desconfiguraram
significativamente o elaborado de forma coletiva.
Não se pode negar que é fundamental termos legislações que norteiam
acerca de Gestão Democrática, haja vista que, de fato dá maior segurança para lu-
tar pela execução de ações voltadas para essa perspectiva a aqueles que realmente
lutam para ver acontecer algo que não pode e nem deve ficar só em documentos.
Conforme bem enfatizado por NASCENTE, VERGNA, MARCHETTI In LUIZ;
NASCENTE (2013),
A legislação tem sido fundamental na construção histórica da gestão democrá-
tica em nossas escolas e da garantia ao acesso de toda a população à educação
básica e sua permanência nela, que se concretizou por meio da árdua luta da so-
ciedade brasileira por uma educação pública, universalizada e de qualidade, fun-
damentada na democracia. (p. 60)

Confirmando assim, que temos respaldos legais que normatizam a Ges-


tão Democrática, mas que não pode ficar somente nas Leis, nos papéis ou nos dis-
cursos e sim deve ser vivenciada no dia-a-dia, ou seja, em cada ação planejada e
realizada no contexto educacional.
Pensar em uma escola democrática implica pensar em alunos que são sujeitos do
processo educacional. Uma escola democrática precisa ultrapassar os discursos
e ter efetivamente hábitos democráticos. [...] Uma educação para a democracia
não pode concretizar-se apenas em atos esporádicos de exercício do voto em de-
terminadas decisões; ela precisa fazer parte da vida das pessoas. A formação para
a democracia pressupõe ações efetivamente democráticas no cotidiano da es-
cola. (MENDES, 2009, p. 110)

O respaldo legal, sem dúvida alguma é relevante, porém mais relevante


ainda é lançar mãos da garantia legal e implementar ações que fomentem e eviden-
ciem um contexto democrático de fato, isto é, um contexto que estimule a parti-
cipação, o envolvimento, a cooperação e a autonomia.

172
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A participação na administração da escola está, pelo menos teoricamente, garan-


tida por meio do funcionamento do Conselho de Escola, cuja forma atual é re-
sultado de uma longa e dura luta política que data do início da década de 1980,
com o sentido de dotar a escola de autonomia para poder elaborar e executar seu
projeto educativo. (FERREIRA, 2013, p. 87)

Conselhos Escolares, outros Colegiados como do Conselho Municipal da


Educação, Conselho do FUNDEB, Conselho da Alimentação Escolar e outros Es-
paços Participativos caracterizam sim parte do empenho em democratizar as a-
ções, possibilitando a participação e a coletividade. Ao conseguir evidenciar algo
deliberado que tenha sido pensado pela maioria, terá bem mais possibilidades em
atrair para o interior da escola, os diferentes atores do processo ensino-aprendi-
zagem, pois atraídos para o contexto escolar tenderão a organizarem-se e organi-
zados passarão para criar os denominados de conselhos participativos.
Entretanto, não se pode pensar e querer lutar tão somente por melhorias
em nível de escola faz-se necessário que essa lutar possa ir além, no sentido de
alcançar um grupo bem maior, para que mais pessoas venham ser beneficiadas com
os bons resultados a serem obtidos.

3. Conselhos Participativos e de Acompanhamento


Com a Gestão Democrática todos os atores envolvidos na educação pas-
sam a ter uma visão de grupo, onde juntos, unidos pelos mesmos objetivos, alcan-
çarão melhores resultados, possibilitando ao alunado uma educação de qualidade,
que prime pela conquista da cidadania, convictos de que no cotidiano irão surgir
as respostas adequadas para lidar com pessoas diferentes e ideias divergentes,
posto que, na busca de soluções, combinam-se as contribuições e fortalece-se a
integração do grupo.
A proposta de conselhos com participação popular tem antecedentes históricos
que remontam, sobretudo, à década de 1970 quando ressurgiram os movimentos
sociais, com força organizativa e ideias de mudança, em meio à ditadura, ainda
constituída como forma de governo. [...] (FONSECA In LUIZ; NASCENTE,
2013, p. 212)

Atuar em conjunto é o caminho para enfrentar problemas e encaminhar


soluções na Escola.
[...] A escola como lócus de formação humana é espaço de diálogo, de trocas, de
vida. Portanto, é uma instituição diferente e que deve ser orientada a fim de que
se permita a vivência coletiva entre gestores, professores, funcionários, alunos e
a família, para que se fortaleça a interação entre os grupos e se faça uma organi-
zação autêntica, respeitando as singularidades na pluralidade dos sujeitos. [...]
(CAMPOS, 2014, p. 73)

Faz-se necessária a implementação de vários mecanismos de participa-


ção, tais como: o aprimoramento dos processos de provimento ao cargo de diretor,
a criação e consolidação de órgãos colegiados na escola (Conselho Escolar,

173
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Conselho de Classe, Associação de Pais e Mestres), o fortalecimento da participa-


ção estudantil (Grêmio Estudantil), a construção coletiva do Projeto Político-Pe-
dagógico da escola, a progressiva autonomia da escola, entre outros.
[...] para que os fundamentos do novo paradigma constitucional, que preconiza
uma educação democrática, emancipadora, cidadã, possam desfazer os do antigo
paradigma patrimonialista, é necessário que as “comunidades escolar e local” a-
dotem a estratégia de participar efetivamente nos conselhos, com autonomia
para exercer seu poder cidadão na gestão das instituições públicas de educação,
tendo como pressuposto que essas instituições pertencem à cidadania. [...]
(BORDIGNON, 2005, p. 06)

Atitudes estas que trazem à tona, mais do que nunca, o ressignificado da


denominação ora administração, ora gestão. Mas, não bastou somente a mudança
de nomenclatura, fez-se necessário fundamentalmente um novo olhar e mudança
de concepção acerca do direcionamento a ser dado ao meio educacional. Esse novo
olhar, então, possibilitou a descentralização e a democratização da gestão que vêm
ocorrendo de forma significativa, ou seja, agora os gestores não devem tomar suas
próprias decisões e nem gerenciar recursos sem seguir os princípios da transpa-
rência e coletividade.
Assumindo grande relevância, portanto, a implantação, o fortalecimento
e a atuação efetiva dos Conselhos de Acompanhamento e de Conselhos Escolares,
visto que, são importantes espaços no processo de democratização, na medida em
que reúnem diretores, professores funcionários, estudantes, pais e outros repre-
sentantes da comunidade para discutir, definir e acompanhar o desenvolvimento
das ações e aplicação dos recursos destinados ao contexto educacional ou de ma-
neira mais restrita ao contexto escolar.
Cabendo então aqui, inicialmente, ressaltar acerca dos Conselhos de E-
ducação, os quais apresentam uma maior abrangência, podendo vir a ser, Nacional,
Estadual ou Municipal.
[...] Experiências pioneiras, no Estado da Bahia e no Municipal do Rio de Janeiro,
remontam, respectivamente a 1842 e 1854, ainda no Império. No âmbito federal,
as propostas também surgiram ainda nos anos 1840, mas o funcionamento efe-
tivo de um Conselho de Educação ocorreu em 1911, permanecendo em funciona-
mento ininterrupto, com diversas reestruturações e mudanças de nome, até o
atual Conselho Nacional de Educação. Os Conselhos Estaduais de Educação ti-
veram algumas experiências estaduais nos anos de 1930 a 1960, mas passaram à
sua institucionalização plena a partir de 1962, fruto da primeira LDB (Lei nº
4.024/61). Os Conselhos Municipais tiveram experiências pioneiras nos anos de
1970 a 1990, mas sua efetiva institucionalização ocorreu a partir da Constituição
de 1988, [...]. (BORDIGNON, 2007, p. 17)

Percebe-se mais uma vez a grande contribuição dada pela Constituição


Federal de 1988 para a implementação de ações eficazes visando a efetivação da
gestão democrática, não deixando de fazer menção ao fato de que já se vinha dando
passos no que concerne a composição de conselhos de educação. Entretanto, se

174
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

tem informações de que nem sempre esses conselhos tiveram a intenção e contri-
buir com a sociedade, uma vez que para BORDIGNON (2007),
A principal função atribuída aos conselhos de educação, no âmbito nacional e
estadual, ao longo da história foi a de colaborar com os respectivos ministros ou
secretários de educação na definição das políticas educacionais, tarefa essenci-
almente consultiva. Gradativamente, foram assumindo mais fortemente a fun-
ção de elaborar normas para os respectivos sistemas de ensino, como estratégia
de efetivação das políticas. [...] (p. 43)

Políticas estas que devem surgir a partir de uma adequada relação de di-
álogo entre a sociedade e o poder público. Então,
os Conselhos Municipais de Educação concorrem para a democratização da e-
ducação, podendo se tornar espaço de articulação política, de organização e de
reflexão da sociedade civil no que concerne aos problemas educacionais no âm-
bito local, estadual e nacional. (ALVES; VIEGAS, 2019, p. 09)

Um mecanismo de mediação que em hipótese alguma pode deixar de rei-


vindicar em nome de toda uma sociedade, a qualidade almejada na educação esco-
lar, para que a mesma de fato contribua para o desenvolvimento dos sujeitos e, por
conseguinte de toda uma comunidade.
Proporcionando assim a existência de um círculo virtuoso, no sentido de
participar intervindo e de querer intervir participando. Aspecto este que remonta
a um contexto educacional, que estimula a criação, legalização e adequada atuação
de Conselhos Escolares, ou visa tão somente propagar que é democrático ou efeti-
vamente visa democratizar as decisões educacionais, uma vez que são fortes ins-
trumentos para que a gestão seja de fato colegiada, quando seus membros sabem
fazer uso da liberdade e responsabilidade para contribuir significativamente, rei-
vindicando melhorias sérias e necessárias para o avanço da qualidade da educação
a ser ofertada, avanço este que contribuirá ao crescimento dos cidadãos e, por con-
seguinte da sociedade.
Voltada para um processo de decisão baseado na participação e na deliberação
pública, a gestão democrática expressa um anseio de crescimento dos indivíduos
como cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática.
[...]. Afirma-se, pois, a escola como espaço de construção democrática, respei-
tado o caráter específico da instituição escolar como lugar de ensino/aprendiza-
gem. (CURY, 2005, p. 19)

Desta forma, a educação necessita promover momentos de efetiva parti-


cipação, para que os atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem se sin-
tam acolhidos e estimulados a contribuírem de alguma maneira para o êxito do
processo educacional. Acerca desta situação,
Interessou-nos sempre, e desde logo, a experiência democrática através da edu-
cação. Educação da criança e do adulto. Educação democrática que fosse, por-
tanto, um trabalho do homem com o homem e nunca um trabalho verticalmente
do homem sobre o homem ou assistencialistamente do homem para o homem,
sem ele. (FREIRE, 2012, p. 70)

175
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Não podendo deixar de mencionar que muito se exige do contexto edu-


cacional e algumas vezes pouco se oferece como auxílio, aumentando ainda mais
a responsabilidade daqueles que assumem papel relevante na condução das ações
educativas. Para PAZ In SCHEINVAR; ALGEBAILE (2005)
Quando falamos em conselhos (os vários que existem e os que existem por lei),
é importante estarmos atentos para três pontos. Os conselhos têm um tripé com-
posto pelos conceitos de democracia, cidadania e participação. Só tem sentido
falar em conselhos se levarmos em consideração esses três princípios, pois en-
tendemos a cidadania não apenas como nossos direitos individuais, mas a cida-
dania coletiva, da população, o direito desta se organizar e ter direito de lutar
por direitos. Democracia, no sentido mais amplo, articulada à ideia da participa-
ção nas esferas públicas, ou seja, onde se decide. A participação pensada a partir
dos conselhos é a ideia de podermos intervir na esfera do público. (p. 20)

Intervindo na esfera do público, no contexto escolar cria-se uma cultura,


a qual de fato estimula a democracia, a cidadania e a participação. Neste sentido,
ainda de acordo com a autora na mesma obra,
[...], falar dos conselhos na escola, com os alunos, com as mães, com os pais, [...] é
começar a criar uma nova cultura cidadã. E é nisso que nós, sociedade civil, temos
que investir: na formação de uma nova cultura. Talvez as nossas conquistas no
atendimento não venham a ser muito grandes, mas que a nossa grande preocupa-
ção seja a de a população tenha o direito de participar decidindo, não sendo ma-
nipulada, mas participante de gestão. Esse é o primeiro conteúdo que vem da
Constituinte: a ideia de que a gestão local, especialmente nos municípios, tem que
ser partilhada [...] é preciso que haja participação da sociedade civil equilibrada
com o poder público. (PAZ In SCHEINVAR; ALGEBAILE, 2005, p. 22)

É preciso então que a sociedade civil organizada perceba que deve sim
cobrar melhorias, mas que pode fazer muito mais quando se envolve, quando par-
ticipa efetivamente da elaboração das políticas públicas, quando se dispõe a com-
partilhar responsabilidades seja compondo os Conselhos de Acompanhamento,
Conselho Escolar, ou também quando busca fazer parte entre aqueles que se de-
bruçam sobre o propósito de elaborar as Metas, as Estratégias, as Políticas Públi-
cas Educacionais.
Isto é, faz-se extremamente necessário contribuir com a Elaboração dos
Planos de Educação, uma vez que são quem conhecem efetivamente os entraves e
não podem delegar a outros que algumas vezes não vivenciam o contexto educa-
cional, a tarefa de planejar a educação para os próximos anos.

4. Planos de Educação: uma Perspectiva Coletiva do Fazer Educacional


O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e es-
tratégias para a política educacional durante dez anos (2014-2024). Tendo sido
Aprovado através da Lei 13.005 de 25 de junho de 2014 e apresenta as seguintes
diretrizes:

176
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Art. 2o:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da ci-
dadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;
IV - melhoria da qualidade da educação;
V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e
éticos em que se fundamenta a sociedade;
VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às
necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;
IX - valorização dos (as) profissionais da educação;
X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à
sustentabilidade socioambiental.

Entre as diretrizes merecem destaque as que sinalizam preocupação para


com a melhoria da qualidade da educação e a promoção do princípio da gestão
democrática, sendo que ambas de fato se complementam no sentido de que
quando se estimula a gestão democrática, um grupo significativo tende a lutar e
implementar a melhoria necessária ao contexto educacional.
Melhoria esta que necessita ser constantemente avaliada e por falar em
avaliação o referido Plano em seu Artigo 5º sinaliza quanto aos responsáveis por
seu monitoramento.
Art. 5o A execução do PNE e o cumprimento de suas metas serão objeto de mo-
nitoramento contínuo e de avaliações periódicas, realizados pelas seguintes ins-
tâncias:
I - Ministério da Educação - MEC;
II - Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e Comissão de Educação,
Cultura e Esporte do Senado Federal;
III - Conselho Nacional de Educação - CNE;
IV - Fórum Nacional de Educação.

E por falar em órgãos responsáveis, o Artigo 8º alerta sobre o encaminha-


mento dado aos Estados, Distrito Federal e Municípios para que pudesse elaborar
ou adequar seus Planos de Educação tendo por referência o Plano Nacional.
Art. 8o - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus
correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei,
em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no
prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.

177
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

§ 1o Os entes federados estabelecerão nos respectivos planos de educação estra-


tégias que:
IV - promovam a articulação interfederativa na implementação das políticas e-
ducacionais.
§ 2o Os processos de elaboração e adequação dos planos de educação dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios, de que trata o caput deste artigo, se-
rão realizados com ampla participação de representantes da comunidade
educacional e da sociedade civil.

Portanto, esse processo de adequação ou construção dos Planos de Edu-


cação deve primar pela garantia da participação da sociedade civil e dos represen-
tantes da comunidade educacional, ou seja, não deve ocorrer sem ouvir as opiniões
e anseios dos mais interessados em ver acontecer efetivamente políticas públicas
educacionais exitosas.
Em sintonia com as normas e etapas traçadas a partir do Plano Nacional
de Educação os Estados foram gradativamente vivenciando a Construção do Plano
de Educação a nível estadual.
O Estado do Pará então, em 23 de junho de 2015, aprovou seu Plano Esta-
dual de Educação por meio da Lei nº 8.186 de 23 de junho de 2015. Lei esta que em
seu Artigo 1º preconiza que, “Fica aprovado o Plano Estadual de Educação - PEE,
com vigência por dez anos, a contar da publicação desta Lei, na forma do Anexo,
com vistas ao cumprimento do disposto no art. 8º da Lei Federal nº 13.005, de 24
de junho de 2014”.
Seu Artigo 2º evidencia que o referido Plano assumiu por diretrizes,
I-erradicação do analfabetismo;
II-universalização do atendimento escolar;
III- superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da ci-
dadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;
IV-melhoria da qualidade da educação;
V- formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e
éticos em que se fundamenta a sociedade;
VI- promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII- promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do Estado;
VIII- estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do Produto Interno Bruto – PIB, que assegure atendimento às
necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;
IX- valorização dos profissionais da educação;
X- promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à
sustentabilidade socioambiental.

Desta forma, foi reafirmado o compromisso coletivo em promover no âm-


bito estadual uma educação pública democrática e que contribua significativa-
mente para a construção de sujeitos autônomos e protagonistas de um contexto

178
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

social mais justo e igualitário. Situação esta, a qual também se observa no processo
de construção e sistematização dos Planos Municipais de Educação.
Nesse sentido, um plano municipal é mais coerente e mais forte quando
contempla as necessidades, os anseios e as propostas de todos os que conhecem
de perto a realidade de seu município. Para tanto, o contexto educacional munici-
pal, necessita vivenciar efetivamente um fazer educacional na perspectiva demo-
crática, para que assim se conquiste mais ‘força’ para lutar para que o mesmo
ocorra a nível estadual e nacional, contribuindo assim, de fato para a consolidação
do exercício da cidadania.
Cidadania esta exercida, por exemplo, também, quando se oportuniza a
vivência de outro instrumento democrático no contexto educacional, que é o Pro-
cesso Eleitoral para Escolha de Gestor (a) Escolar, por meio do qual a Comunidade
Escolar analisará criteriosamente, para posteriormente depositar confiança em al-
guém que deverá realizar satisfatoriamente a grande articulação da escola, com o
envolvimento de todos, ao delegar tarefas, distribuindo trabalho e responsabilida-
des, entre outros.
As políticas públicas educacionais, portanto, devem estar pautadas no
princípio básico de uma construção democrática, a participação popular, esse
princípio, pois quem vivencia o processo educacional em seu contexto mais con-
creto, que é a escola, sabe as necessidades e o que deve ser feito para melhorar.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O Contexto Educacional, por excelência, necessita ser um espaço de re-
lações, de instrumentos e mecanismos que evidenciem e fortaleçam a Gestão De-
mocrática, posto que a mesma deve ser o pilar da perspectiva participativa do fazer
educacional, no sentido de que ao se planejar, executar e avaliar o processo educa-
cional se precisa ter por parâmetro a coletividade, a participação e o comprometi-
mento se não de todos, mas da grande maioria dos atores envolvidos.
Desta forma, a tendência é a de que o alunado, a comunidade escolar, a
comunidade do entorno e quiçá, outras comunidades sejam impactados positiva-
mente por uma educação que não vise alcançar somente as Metas traçadas quanto
a quantitativo e resultados em Notas e Médias - Aprovação e Avaliações de Larga
Escala, mas também e principalmente, transformar as concepções e vidas daqueles
que por ela podem ser e são transformadas.
Com este estudo, portanto, buscou-se evidenciar acerca do Fazer Educa-
cional numa Perspectiva Participativa e Democrática. Destacando para tanto, as-
pectos e instrumentos, sinalizados por aportes teóricos e legais, que contribuem
efetivamente para o êxito do processo educacional, como Conselhos Participati-
vos e de Acompanhamento, enquanto grupos de pessoas que se preocupam com a
qualidade de determinada política pública relevante para a educação.

179
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Deu-se ainda destaque aos Planos de Educação por caracterizarem justa-


mente o que se pensa para a educação, para um período específico, bem como o
Processo de Escolha do (a) Gestor (a) Escolar oportunizando à própria comuni-
dade escolar deliberar pelo profissional que acredita ser o (a) que está em condi-
ções favoráveis de conduzir as ações a serem implementadas no contexto em
questão, sem com isso é claro deixar de realizar o devido acompanhamento e ob-
viamente assumindo de maneira compartilhada a gestão escolar.
Portanto, o Fazer Educacional se evidencia uma perspectiva participativa
e democrática quando consegue proporcionar aos seus atores a compreensão de
que não são apenas mais um e sim são sujeitos imprescindíveis enquanto corres-
ponsáveis pela efetivação de uma educação significativa, humanizadora e trans-
formadora, sendo valorizados e valorizando a cada um de seus pares, para que de
maneira coletiva atuem enquanto protagonistas do processo de construção de
uma exitosa história educacional.

180
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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182
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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183
UM ESTUDO SOBRE AS CONSTRIBUIÇÕES DA
INTERAÇÃO DAS DIMENSÕES DA GESTÃO ESCOLAR AO
PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Caetano Roberto Sousa de Freitas 1

Introdução
De antemão, convém informar que este estudo originou-se de um Traba-
lho de Conclusão de Curso, elaborado por esse autor, entregue à Faculdade Única
de Ipatinga (MG) para obtenção do título de Especialista em Gestão Escolar: Ad-
ministração, Supervisão e Orientação em fevereiro de 2020. Mediante a aprovação
pela referida Instituição de Ensino Superior, ajustou-se a pesquisa original, ade-
quando-a ao formato deste compêndio. Saiba-se que as alterações feitas não inter-
feriram na essência da obra inicial, o que desvirtuaria o propósito primeiro, o qual
consistia em dialogar sobre a relevância da gestão escolar integrativa para eficácia
do processo de ensino-aprendizagem.
Por conseguinte, tem-se observado que a educação vem assumindo com-
plexidade administrativa, a qual vai além dos aspectos educacionais como: o uso
do erário, a contratação de professores/colaboradores, a realização de licitações e
outras atividades similares desempenhadas no âmbito escolar. Nesse sentido, al-
guns elementos da administração de empresas foram sendo replicados na admi-
nistração das escolas. Conforme Paro (2002), além de visar à apropriação do saber
pelos educandos, dentre as finalidades das instituições de ensino incluam-se a a-
tividade ensino-aprendizagem e os serviços de coordenação pedagógica e de ori-
entação educacional, os quais se inserem no universo da gestão escolar.
Recentemente, a partir da década de 1980, com a abertura política ratifi-
cada pela Carta Magna de 1988, a escola brasileira vem se reafirmando como “um
sistema aberto com uma cultura e identidade próprias, capaz de reagir com eficá-
cia às solicitações dos contextos locais em que se inserem.” (MENEZES e
SANTOS, 2001). Portanto, é natural que ideias calcadas numa concepção demo-
crático-participativa ganhem força, a qual interfere na exequibilidade da adminis-
tração escolar. Frente a essa premissa, nesse artigo, busca-se promover a

1
Especialista em Metodologia do Ensino de Matemática e Física pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM). Especialista em Gestão Escolar: Administração, Supervisão e Orientação pela Faculdade
Única de Ipatinga (MG). Graduado em Ciências Contábeis e Licenciado em Matemática pela
Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador Escolar da Escola Estadual de Ensino Profis-
sional Salaberga Torquato Gomes de Matos. E-mail: caetano.roberto1970@gmail.com.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

apropriação dos conceitos que envolvem a gestão escolar, visando contribuir ao


desempenho consciente dessa atribuição nas escolas da rede pública, a qual se su-
põe influenciar na eficácia do processo de ensino-aprendizagem.
Por consequência, para se cumprir o plano almejado, no desenvolvimento
desse estudo, discorre-se sobre: gestão administrativa, gestão financeira, gestão de
recursos humanos, gestão de comunicação, gestão de tempo e eficiência dos pro-
cessos, e gestão pedagógica. Após essas etapas, direciona-se a atenção para o es-
tudo da gestão pedagógica e de algumas de suas subdivisões como: gestão de
currículo, gestão da ação docente e gestão de avaliação e resultados.
Para embasar o referencial teórico desse trabalho, empreendeu-se pes-
quisa bibliográfica na legislação educacional brasileira e nos estudos partilhados
por Libâneo (2005); Lück (2006); Paro (2008), Vasconcelos (2009) e Luckesi
(2011). Verificou-se que as concepções e nomenclaturas imprimem à direção esco-
lar uma acepção democrática, a qual deve estar centrada no projeto pedagógico da
instituição. Por isso, mediante a interatividade entre as dimensões da gestão esco-
lar, aumentam-se as chances de êxito no processo de ensino-aprendizagem.

Desenvolvimento
Gestão Escolar – assimilação de conceitos
Com intuito de possibilitar a apropriação de conceitos sobre “gestão es-
colar”, como tarefa primeira, surgiu a busca pela etimologia do vocábulo “gestão”,
algo que perpassa a análise dos significados encontrados nos dicionários. Por e-
xemplo, conforme Dicionário Aurélio (2007), o verbete “gestão” vem do latim ge-
nere, que corresponde ao ato de gerir e de administrar, ou ainda, ações correlatas
aos verbos “executar” e “produzir”. Todavia, no decorrer da pesquisa, alguns tra-
balhos correlatos pesquisados diferenças entre as expressões “gestão” e “adminis-
tração”, uma distinção que vem se consolidando com a abertura política acentuada
no Brasil a partir da década de 1980.
A respeito da gestão escolar, na década de 1960, Teixeira (1961, p. 45) sen-
tenciou que embora se empreguem recursos da administração de empresas no âm-
bito educacional, distintamente, nesse último, “a função de planejar é suprema e a
função de executar, mínima”. Essa afirmação reconhece a essência pedagógica da
escola, em que o desenvolvimento das atividades não visa à produção fabril, mas a
produção de saberes. Numa interpretação semelhante sobre o trabalho do gestor
escolar: gerir ideias e perspectivas, Alarcão (2003) destaca esse personagem como
um timoneiro na viagem da aprendizagem em direção ao conhecimento.
No mais, visando ampliar a compreensão dos termos supracitados, cor-
robora-se com Lück (2006) no seu entendimento da gestão como uma maneira
de representar novas propostas e estabelecer uma orientação transformadora,

186
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

presentes na rede de relações da instituição escolar. De forma análoga, Maia


(2004, p.147) argumenta que as ações desenvolvidas, nessa função, devem refor-
çar a “ruptura com a prática administrativa, tendo em vista que uma gestão ino-
vadora pressupõe uma administração mais participativa”. Partindo desse prisma,
amplia-se a relevância do enfoque democrático que deve ser dado à gestão esco-
lar, no qual se promova a participação dos entes da comunidade escolar na con-
dução do trabalho desenvolvido.
No que se refere à legislação brasileira, a Constituição Federal de 1988
prevê a gestão democrática como um dos princípios que devem nortear o ensino
público, (BRASIL, 1988). Similarmente, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN no 9394/1996) ampliou esse entendimento em seu artigo 3º: “O
ensino será ministrado com base nos seguintes princípios”, inciso “VIII. gestão de-
mocrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de
ensino”, (BRASIL, 1996). Diante dessas explanações, constata-se que a abertura
política iniciada na década de 1980 trouxe, inicialmente, alterações benéficas aos
principais dispositivos legais ligados à educação, reconhecendo, assim, o valor da
participação da escola no desenvolvimento da nação brasileira.
Seguindo essa característica democrática, em 2014, o Plano Nacional de
Educação (PNE) estabeleceu como uma das metas a ser cumprida até 2024, asse-
gurar condições para efetivar a gestão democrática na educação pública associ-
ada à consulta pública à comunidade escolar, (BRASIL, 2014). Essa meta
desdobra-se em estratégias a serem efetivadas com recursos e apoio técnico da
União, que são: repasse de verbas públicas, formação de conselhos escolares, re-
alização de fóruns e conferências municipais, constituição e fortalecimento de
grêmios estudantis, formulação dos projetos-pedagógicos das escolas, autonomia
pedagógica, administrativa e de gestão financeira nas instituições de ensino, e
formação de gestores escolares.
Em segunda análise, observa-se que a legislação educacional se encontra
em sintonia com a proposição democrático-participativa impressa à terminologia
“gestão escolar”. Com efeito, essa “[...] concepção sociocrítica implica processos
de participação, autonomia e divisão de poder, o que sugere corresponsabilidade,
divisão, descentralização, inclusive no campo político [...]”, SANTOS (2006, p. 6).
Contudo, Libâneo et al. (2007) alertam que, em alguns casos, prevalece uma visão
burocrática e tecnicista da escola, na qual a formalização documental, distante da
realidade, levaria o aspecto pedagógico a um quadro deficitário. Perante essa as-
sertiva, percebe-se que os dispositivos legais estariam sendo negligenciados por
resquícios antidemocráticos de períodos duros ocorridos na história brasileira.
De acordo com Gadotti (1994, p. 6), “a participação e a democratização
num sistema de ensino público é uma forma prática de formação para a cidadania”.
Diante do exposto, depreende-se que uma compreensão alargada dos conceitos da

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

gestão escolar não se efetiva apenas pela homologação de leis ou adoção de novos
termos, mas no seu efetivo exercício à luz de uma diretriz político-social da edu-
cação. Então, pode-se afirmar que a efetividade da administração escolar está sob
o jugo das transformações silenciosas que se processam na historicidade humana,
nas quais o cotidiano escolar se vê intricados.

Gestão Administrativa
Como qualquer outro estabelecimento com instalação predial, as insti-
tuições de ensino também necessitam da teoria da administração para manter o
espaço físico e o patrimônio, ainda mais, quando se tratam das escolas que abran-
jam bens públicos. Contudo, Lück (2007, p. 107) sinaliza que os “[...] recursos não
valem por si mesmos, mas pelo uso que deles se faz, a partir do significado a eles
atribuído pelas pessoas e a forma como são utilizados por elas na realização do
processo educacional”. Ademais, a oferta de ambientes funcionais, equipamentos
e materiais, além de estar prevista nos princípios da administração pública,
quando administrados com eficiência, podem despertar no educando uma cultura
de zelo e respeito ao bem público, consistindo numa forma paralela de educar o
cidadão.
No tocante à estrutura física, na rotina escolar, encontram-se a substitui-
ção de carteiras, a reposição de lâmpadas, a conservação das salas de aula, dos la-
boratórios, dos ambientes externos e dos outros recursos materiais que interferem,
direta e indiretamente, no processo de ensino-aprendizagem. Além do aporte ma-
terial, nesse ambiente, outras habilidades da gestão administrativa estão presentes
como: o registro das notas, a impressão dos históricos escolares e o controle do al-
moxarifado. Nesse universo, os gestores escolares, envoltos em atribuições não ad-
quiridas nos respectivos cursos de licenciatura, são impelidos a buscarem cursos
de pós-graduação e/ou formação continuada na área administrativa.
Vale ressaltar que além de seguir as normas educacionais expressas na
Constituição Federal 1988, LDBEN 9394, decretos e portarias das respectivas es-
feras governamentais, na escola pública, incluem-se instrumentos normativos in-
ternos como: Regimento Interno e Projeto Político Pedagógico. Sobre esses
documentos, saiba-se que o primeiro orienta os “[...] direitos e deveres dos mem-
bros da comunidade escolar”, PARANÁ (1999, p. 8), e o segundo, reveste-se de
“instrumento e processo de organização da escola” LIBÂNEO (2001a, p. 125), pois
diz respeito ao projeto pedagógico da escola. Vale ressaltar que estes dispositivos
devem ser periodicamente revisitados pelos componentes da comunidade escolar
caso contrário descaracterizam-se as características democráticas que devem
lhes constituir.

188
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Gestão Financeira
Em decorrência da emancipação democrática, no ensino público brasi-
leiro, a gestão financeira vem assumindo expressiva autonomia. Em conformi-
dade com artigo 15º da LDBEN: “os sistemas de ensino assegurarão às unidades
escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de au-
tonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira”, (BRASIL, 1996).
Embora seja gratuita, a escola pública lida com erário decorrente de dotações or-
çamentárias das esferas governamentais, uma realidade que requer aptidões de
administração de finanças por parte dos gestores escolares sob a observância da
responsabilidade fiscal.
Como consequência, tem-se o Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE), criado em 1995 pelo Governo Federal, que visa dar assistência financeira
às escolas públicas, “em caráter suplementar, a fim de contribuir para manutenção
e melhoria da infraestrutura física e pedagógica, com consequente elevação do de-
sempenho escolar”, (BRASIL, 1995). Seguindo o axioma da transparência admi-
nistrativa, as verbas do PDDE devem ser empregadas por uma unidade executora
constituída pelo conselho escolar o qual lida com a lei das licitações, Lei no.
8666/1993. Informe-se que essa entidade empresarial deve ter estatuto e registro
legal distintos daqueles que autorizam o funcionamento da escola, porém, são ad-
ministrados pelo diretor e outros membros da respectiva instituição de ensino.
Diante disso, verifica-se que a aquisição de material, a conservação do
complexo predial e os gastos com insumos pertencem à gestão administrativa e à
gestão financeira. Dessa forma, retoma-se a diretriz democrática preconizada na
participação dos órgãos colegiados e nas prerrogativas gestoras que interagem
com a área educacional, as quais incluem a busca pela melhoria do rendimento de
aprendizagem. Por esse motivo, os responsáveis pela destinação das verbas entre-
gues à gestão escolar devem zelar pelos princípios do direito público previstos na
CF/1988. Por exemplo, os princípios da publicidade e da legalidade.

Gestão de Recursos Humanos


Diferente das empresas comuns, nas entidades escolares, algumas pes-
soas que integram os recursos humanos não possuem relação trabalhista, por e-
xemplo: os alunos e os pais/responsáveis. Em outras instâncias, há colaboradores
que não estão presentes no cotidiano da escola, como fornecedores, prefeitura/es-
tado e empresas privadas, os quais interpõem interesses no funcionamento da se-
ara escolar. Consequentemente, o gestor desenvolve e delega tarefas correlatas à
gestão de recursos humanos, as quais exigem o exercício da liderança para lidar
com os professores, os coordenadores e os funcionários de forma harmoniosa.

189
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Sobre a liderança no ambiente escolar, Lück (2000) destaca que a eficácia


da escola está relacionada aos dirigentes que a empregam na forma com atuam,
visto que
[...] estimulam os professores e funcionários da escola, pais, alunos e comunidade
a utilizarem o seu potencial na promoção de um ambiente escolar educacional
positivo e no desenvolvimento de seu próprio potencial, orientado para a apren-
dizagem e construção do conhecimento, a serem criativos e proativos na resolu-
ção de problemas e enfrentamento de dificuldades. (LÜCK, 2000, p. 2).

Dessa maneira, infere-se que o verdadeiro líder aumenta as possibilidades


de êxitos à governabilidade de sua gestão, pois, ao permitir que a equipe crie o
microssistema educacional que pretende usufruir, promove o sentimento de per-
tença nos seus colaboradores. Nessa óptica, “[...] a liderança tem muito mais a ver
com criar ambientes onde as pessoas tenham condições de alcançar o sucesso do
que tomar decisões e agir por conta própria [...]”, TOPPING (2002, p.103). Em
função da existência desse tipo de política de funcionamento, é possível que sur-
jam novos líderes dentre os professores, os quais não se restrinjam ao caráter de
gestor, como também mudem para melhor atuação na práxis docente.

Gestão de Comunicação
Acrescente-se que além de conter caráter democrático, uma comunicação
eficiente perpassa pela gestão de recursos humanos, estreitando os laços de ami-
zades e a sinergia do grupo de profissionais, o que ajuda no desenvolvimento da
práxis educacional. Uma efetiva gestão de comunicação faz com que a equipe se
sinta mais valorizada pelas oportunidades ofertadas, pois assim, os profissionais
podem agregar valor, arriscar, errar e refletir sobre suas ações, (COSTA;
ALMEIDA, 2012). Com efeito, para que os professores possam atuar com asserti-
vidade, a correta gestão de comunicação permite que eles tomem ciência prévia
das ações a serem desenvolvidas e possam se planejar com antecedência, evitando
assim, o malogro na execução do projeto pedagógico da escola.
Por isso, o gestor escolar deve observar, claramente, “com quem”, “o que”
e “como deseja” comunicar-se, pois cada situação possui suas peculiaridades. Por
exemplo, quando envolver o processo de matrículas e entrega de boletins, será
conveniente a participação da secretaria da escola com auxílio dos professores que
possuam proximidade com os alunos e pais das diversas turmas. Em ocasiões
desse gênero, a comunicação direta seria a mais indicada, visando evitar ruídos ou
vazamento de informações sigilosas da vida estudantil. Em situações comuns, as
quais não possuam caráter sigiloso, podem ser usados recursos tradicionais, como
o quadro de aviso e cartazes para divulgação dos eventos, do horário escolar e do
calendário letivo.

190
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

No entanto, estando na era da informação, têm surgido outros canais de


comunicação, como as redes sociais, por meio dos grupos de whatsapps, email e face-
book. Sobre o uso das mídias que se interpõem no processo de ensino-aprendiza-
gem, Moran (1991) observa que esses meios podem ser empregados como
instrumento pedagógico, mediado pelo professor, permitindo o desenvolvimento
da visão crítica de sociedade pelo aluno. Para que tais mecanismos sejam implan-
tados, também para fins pedagógicos, vê-se a gestão de comunicação entrelaçada
às áreas administrativa, financeira e de recursos humanos.

Gestão de tempo e eficiência de processos


No ensino público, alguns princípios constitucionais como “o princípio
da eficiência”, impõem ao gestor escolar um grande número de atribuições ligadas
aos prazos dos dispositivos legais, em que a burocratização pode reduzir a aten-
ção aos aspectos educacionais, o que desvirtuar a finalidade pedagógica inerente
à escola. Daí, surgem as preocupações com o gerenciamento do tempo disponibi-
lizado à ministração das aulas e à apreensão dos conteúdos pelos estudantes,
tendo em vista que eles nem todos os indivíduos possuem o mesmo ritmo de a-
prendizagem. Essas limitações se acentuam, principalmente, quando as deman-
das advindas dos órgãos externos se chocam com o roteiro planejado pelo corpo
docente, mesmo sendo atribuições inerentes à rede de ensino a qual a escola per-
tença.
Sobre essa condição, Paro (2008) explicita que:
Envolvido, assim, com os inúmeros problemas da escola e enredado nas malhas
burocráticas das determinações formais emanadas dos órgãos superiores, o di-
retor se vê grandemente tolhido em sua função de educador, já que pouco tempo
lhe resta para dedicar-se às atividades mais diretamente ligadas aos problemas
pedagógicos no interior de sua escola (PARO, 2008, p.133).

Nesse contexto, na medida do possível, através da gestão do tempo e efi-


ciência dos processos, a gestão escolar deve buscar sincronismo no planejamento
das atividades internas com as atividades externas, mitigando assim, interseções
tempestivas que dificultem o trabalho pedagógico. Nesse caso, o desvelo com um
roteiro possibilitará a retomada do que fora planejado. Nesse ponto de vista, (Vas-
concelos, 2000, p.79) declara que “Planejar é antecipar mentalmente uma ação a
ser realizada e agir de acordo com o previsto [...]”. Em função disso, o planejamento
do gestor deve dialogar com o administrativo e o pedagógico que apoiem uma me-
lhor gestão do tempo e dos processos.
De mais a mais, “[...] uma vez tomada as decisões coletivamente, partici-
pativamente, é preciso pô-las em prática [...]” (LIBÂNEO, OLIVEIRA e TOSCHI,
2002, p. 331) para que sejam validadas as interações entre as áreas de conheci-
mento e entre os profissionais que as compõem. Sendo assim, como medida

191
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

preventiva, independente do porte da unidade de ensino, além de legitimar a ges-


tão democrática, o planejamento integrado fará com que os professores se ajudem
na construção coletiva dos saberes com os alunos. Além do mais, observe-se que a
possibilidade de concretizar um planejamento pensado coletivamente credencia a
escuta dos docentes, os quais se firmarão como coautores da formação discente.

Gestão Pedagógica
Dentre as competências atribuídas ao gestor escolar, em sua obra “Di-
mensões da gestão escolar e suas competências”, Heloísa Lück cita que na gestão
pedagógica, o diretor “Promove a visão abrangente do trabalho educacional e do
papel da escola, norteando suas ações para a promoção da aprendizagem e forma-
ção dos alunos”, (LÜCK, 2009, p.93). Nessa proposição, a atividade pedagógica é
configurada como foco principal da escola, não devendo ser relegada ao segundo
plano pela gestão escolar, seja pelo excesso de obrigações, seja por decisão do ges-
tor, que opte por práticas excessivamente administrativas.
Em consonância com esse entendimento, Libâneo afirma que:
A Pedagogia, mediante conhecimentos científicos, filosóficos e técnico-profissi-
onais, investiga a realidade educacional em transformação, para explicitar obje-
tivos e processos de intervenção metodológica e organizativa referentes à
transmissão/assimilação de saberes e modos de ação. Ela visa o entendimento,
global e intencionalmente dirigido, dos problemas educativos e, para isso, re-
corre aos aportes teóricos providos pelas demais ciências da educação.
(LIBÂNEO, 2001b, p. 10)

Nessa afirmação, identifica-se a Pedagogia com uma ciência que tres-


passa o campo teórico, por “investigar a realidade educacional em transformação”
para explicitar a resignificação do trabalho educacional. Em vista disso, a relevân-
cia capital da gestão pedagógica na dinâmica escolar facilita a percepção do todo,
haja vista que “[...] a análise e a compreensão do processo de produção do conhe-
cimento escolar ampliam a compreensão sobre as questões curriculares”, (VEIGA,
2002, p. 7). Por essa razão, aponta-se a necessidade da atuação conjunta do coor-
denador pedagógico e do diretor escolar, os quais configuram como multiplicado-
res do conhecimento pedagógico juntos aos demais educadores.
Segundo Franco (2008), no âmbito escolar, o ato de coordenar não é ta-
refa fácil, “[...] porque envolve clareza de posicionamentos políticos, pedagógicos,
pessoais e administrativos. Nesse paradoxo, confirma-se a legitimidade da articu-
lação entre os interesses individuais e coletivos dos integrantes do núcleo gestor.
Sem dúvidas, além de configurar uma qualidade indissociável da gestão democrá-
tico-participativa, a distribuição do comando aumenta as chances de êxito do
plano almejado pelo colegiado dos professores.
Naturalmente, na gestão pedagógica, enfrenta-se a tríade: “o que ensi-
nar?”, “como ensinar?” e “como avaliar?”, ações que urgem um gerenciamento

192
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

interconectado com as demais dimensões da gestão escolar. Esses apontamentos


suscitam a obrigação de aclarar os conceitos sobre currículo escolar, metodologia
de ensino e avaliação da aprendizagem. Por causa disso, dialogam, entre si, as ges-
tões dos currículos, da ação docente, da avaliação e dos resultados, as quais correm
o risco de não serem consumadas se não houver gestão compartilhada.

Gestão de currículos
Nesse aspecto, a BNCC propõe para a Educação Básica um projeto curri-
cular distribuído em áreas de conhecimento, (BRASIL, 2018). Essa proposta asse-
melha-se à integração curricular, no entanto, mais próxima de uma ideia de
interdisciplinaridade. Sobre essa linha de ação, Costa (2012) endossa que, por não
se resumir à questão pedagógica, a implementação dessa sistemática requer a su-
peração de desafios correlatos à gestão, às condições de ensino, às condições ma-
teriais e aos hábitos estabelecidos culturalmente, o que pode limitar a formação
integral dos alunos.
Sob ponto de vista semelhante, Pacheco (2001) afirma que o processo de
construção e desenvolvimento do currículo é interativo, trazendo unidade, conti-
nuidade e interdependência entre as decisões advindas do plano normativo e do
processo de ensino-aprendizagem. Apoiando-se nessa sentença, nota-se que a
construção do currículo escolar excede a simples descrição de conteúdos, visto
que “ [...] docentes e aprendizes têm a oportunidade de examinar de forma reno-
vada, aqueles significados da vida cotidiana que se acostumaram a ver como dados
naturais [...]”, (SILVA, 2004, p. 40). Desse modo, como as gerações modificam os
costumes no decorrer das eras, a revisitação ao currículo escolar deve ser feita com
frequência, alinhando as interações com os acontecimentos da história humana.

Gestão da ação docente


Em face desses desafios, a ação docente deve assentar-se em relação dia-
lógica, pois, embora os professores tenham graduação disciplinar, o ensino frag-
mentado dificulta a contextualização da realidade, uma capacidade natural do ser
humano, (MORIN, 2000). Em tempo, esclareça que nessa perspectiva interdisci-
plinar, não significa o desrespeito as especificidades das disciplinas, porém a
busca pela identificação e pelo uso dos pontos em comum. A guisa de exemplo,
pode-se citar as explicações que podem ser dadas pelos professores das disciplinas
de Biologia, Física e Química para a erupção de um vulcão ou a ocorrência de uma
queimada. Decerto, a gestão da ação docente deve conciliar os interesses diversos,
dado a existência de concepções arraigadas na disciplinaridade.
Analogamente, Gadotti (1995, p.31), explica que “[...] as relações dinâmi-
cas e dialéticas entre os conceitos [...]” faz com que “[...] o objeto a ser conhecido

193
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

revele-se gradativamente [...]”. Notadamente, esse debate construtivo entre as dis-


ciplinas, além de imprimir interatividade à ação docente, possivelmente, permitirá
que os alunos percebam numa disciplina os saberes já vistos em outra. Para asse-
gurar essa conquista, o caráter mediador é indispensável à gestão, fazendo da ins-
tituição um cerne educacional com interatividade entre os pares.

Gestão da avaliação e dos resultados


Durante a trajetória pedagógica, é imperativo que se faça o acompanha-
mento das ações empreendidas, que, no caso do ciclo educacional, a avaliação da
aprendizagem comporta esse ato. Sobre essa essencialidade, preocupado com o
tom classificatório que se atribui à avaliação da aprendizagem, Luckesi atesta que
avaliar: “É um ato de investigar a qualidade do seu objeto de estudo e, se necessá-
rio, intervir no processo da aprendizagem, tendo como suporte o ensino, na pers-
pectiva de construir os resultados desejados” (LUCKESI, 2011, p. 150). Destarte, a
gestão da avaliação e resultados, sejam internos ou externos, deve sobrepor-se aos
indicadores numéricos, caminhando com uma avaliação formativa dos alunos.
Nesse sentido, Luckesi (2008) critica que a avaliação da aprendizagem
presa à pedagogia do exame dificulta a melhoria da aprendizagem, afirmando,
ainda, que seu êxito percorre o processo de ensino-aprendizagem. Todavia, consi-
derando que as exigências externas interferem na ação pedagógica, a gestão esco-
lar deve subsidiar a análise, a interpretação, a tomada de decisões e a organização
do ensino, Silva (2002). De modo complementar, cite-se a polêmica em torno da
construção da BNCC que, embora não esteja no escopo desse artigo, revolve o tra-
balho dos professores e outros interesses educacionais.
Assim sendo, constata-se que as dimensões da gestão escolar conversam
complementarmente, visto que os recursos materiais a serem empreendidos recla-
mam aporte administrativo, financeiro e pessoal. Por exemplo, a impressão das
avaliações internas demanda aquisição de material, pagamento dos fornecedores,
planejamento dos professores e análise dos resultados qualitativos e quantitati-
vos. Em tempo, admite-se que, nessas explanações, não foram percorridas todas
as dimensões que consolidam a gestão escolar, pois é imaturidade medir um con-
junto pelo seu subconjunto.

Considerações finais
Após serem visitadas algumas características da administração empresa-
rial, o desenvolvimento dessa pesquisa mostrou que a gestão escolar está inserida
numa área de conhecimento cuja prática não deve se render ao personalismo.
Nessa condição, frente à validade das experiências que constituem e particulari-
zam a identidade de cada instituição escolar, a gestão do ensino público adentra

194
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

os campos científico e legal. Isso posto, essas vertentes impõem ao núcleo gestor a
habilidade de contemporizar administração e educação, buscando um equilíbrio
entre as destrezas existentes.
Durante esse trabalho, constatou-se que a natureza democrático-partici-
pativa contida na legislação brasileira e nas proposições dos estudiosos deve guiar
o caminho da gestão escolar para que haja exequibilidade do que se programa.
Porquanto, além de pertencer à conjuntura histórica em andamento, a gestão de-
mocrática está atrelada a governabilidade, tanto por buscar a cooperação da co-
munidade escolar quanto por permitir-lhe intervir no processo de ensino-
aprendizagem. Nada obstante, algumas decisões do gestor permanecem no campo
discricionário, como aquelas que digam respeito à delegação de tarefas que exijam
conhecimento específico ou sigilo.
No que se refere à análise das dimensões: gestão pedagógica, gestão
administrativa, gestão financeira, gestão de comunicação e gestão de tempo, veri-
ficou-se que elas fazem parte de uma intricada rede de conceitos que se intercep-
tam. Essas extensões gestoras funcionam como rotas que se entrecortam para
consubstanciar a transformação social da clientela estudantil. Em síntese, medi-
ante os desdobramentos estudados, além de viabilizar a eficácia da educação, a
descentralização de comando, concebe a escola como um organismo vivo.
Perante essas considerações, compreendendo que a temática educacional
é bastante extensa, nessa obra, valorizam-se as discussões concordantes ou con-
trárias aos conceitos. Além disso, na fundamentação teórica, constatou-se que as
prescrições legais, concepções ideológicas e questões semântica exigem tempo
para maturação dos significados. Dessa maneira, naturalmente, surgirão estudos
que refutem ou complementem as explanações aqui socializadas, as quais poderão
juntar-se ao conglomerado científico dos estudos sobre a educação e sobre a ges-
tão escolar.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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198
FORMAÇÃO DOCENTE NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
DIALÓGICA FREIREANA: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO E
A APRENDIZAGEM DA DIDÁTICA1

Camilla Rocha da Silva 2

Primeiras palavras
Desde o início da graduação em Pedagogia, percebi que queria de ser uma
professora “diferente”, mas, à época, não compreendia o que isso significava ou
como iria fazê-lo. Somente após encontrar-me com a proposta freireana de educa-
ção e refletir sobre os mecanismos que orientam a educação hegemônica tradicio-
nal foi que percebi que esse desejo surgia de uma percepção de que a escola não
estava cumprindo seu papel fundamental, que é o de formar pessoas críticas, cria-
tivas e capazes de atuar ativamente na sociedade.
Foi assim que, ao iniciar um estágio em Educação de Jovens e Adultos
(EJA), busquei aportes teóricos e metodológicos que me possibilitassem exercer
uma práxis docente transformadora e que fizesse sentido tanto para mim como
para os(as) educandos(as). E isto, encontrei na abordagem dialógica e libertadora
de Paulo Freire, quando me engajei em grupo de pesquisa para aprofundar os es-
tudos.
Desse modo, apresento este artigo com o objetivo de partilhar algumas ex-
periências, aprendizados e reflexões acerca da relação entre Didática e Dialogicidade
Freireana, que venho realizando ao longo da minha práxis docente, mais especifica-
mente nos semestres de 2017.2 e 2018.1 numa universidade pública federal.
Para tanto, irei, inicialmente, tratar, em linhas gerais, sobre como com-
preendo o campo da Didática, a partir da contribuição de autores(as) e estudio-
sos(as) da área. Em seguida, discorrerei sobre a minha compreensão e
interpretação do que venho denominando Educação Docente Dialógica Freireana.
Com esse embasamento, discorrerei sobre a prática de ensino que venho reali-
zando junto a estudantes dos cursos de Licenciaturas. Apresentarei como vem

1
Essa é uma versão do artigo Reflexões sobre o ensino e a aprendizagem da Didática na perspectiva
da Educação Dialógica Freireana, apresentado no painel Prática de ensino no magistério superior:
contribuições de Antonio Gramsci, Paulo Freire e Dermeval Saviani (RAFANTE; DIEB; SILVA et.
al.) no XIX Encontro de Didática e Práticas de Ensino (ENDIPE), realizado no período de 03 a 06 de
setembro de 2018, em Salvador-BA. Disponível em: <https://endipesalvador.ufba.br/>.
2
Professora da Universidade Federal do Ceará, no Departamento de Teoria e Prática do Ensino da
Faculdade de Educação. Pedagoga, Mestre em Educação e Doutora em Educação.
Contato: camilla.pedagoga@hotmail.com.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

acontecendo essa práxis e alguns exemplos sobre o entendimento dos(as) estu-


dantes participantes das disciplinas, nomeadamente a disciplina Didática I.

Compreensão acerca da Didática


A Didática é uma disciplina essencial na formação de professoras e pro-
fessores. Por meio dela, é possível compreender de que modo a educação se relaci-
ona com a construção da sociedade e, ao mesmo tempo, como aquela é influenciada
por esta. Também são objetos de estudo da Didática: a natureza do trabalho do-
cente; as concepções de ensino; a sala de aula e seus eventos; planejamento e gestão
do processo de ensino e de aprendizagem; a relação docente-discentes.
Portanto, a disciplina de Didática é o momento da formação inicial que
possibilita fazer a relação entre os conhecimentos teórico-científicos com a prá-
tica docente, ou seja, é uma disciplina teórico-prática, que contribui para que o
ensino aconteça de forma a alcançar seu principal objetivo – a aprendizagem. Por-
tanto, como se pode perceber, é um campo amplo e de fundamental importância
para a formação de professores(as), bem como para a atuação futura destes(as).
Entretanto, é bem comum os(as) estudantes chegarem à turma de Didá-
tica acreditando que ali irão simplesmente aprender a dar aula, ou a ser um(a)
bom(boa) professor(a), como se isso dependesse somente da aquisição de algu-
mas técnicas ou ferramentas (MOURA, 2015). Essa era a compreensão tradicional
da Didática, conforme postulada por Comenius no séc. XVII: “a arte de ensinar
tudo a todos” (LIBÂNEO, 1994).
No entanto, conforme defendido por alguns(mas) estudiosos(as) deste
campo, como Candau (2000), é necessária a superação dessa compreensão da di-
dática meramente instrumental, buscando-se o que a autora define como Didática
fundamental, que apresenta algumas características, como: empreender a multi-
dimensionalidade dos processos de ensino e de aprendizagem; a indissociabili-
dade entre a competência técnica e o compromisso político; partir da
problemática educacional concreta, como uma “didática vivida”.
Desse modo, a compreensão da Didática coaduna com a proposta da edu-
cação libertadora defendida por Paulo Freire, cada vez mais necessária e impor-
tante, a qual será apresentada a seguir.

A Formação Docente Dialógica Freireana


É entendimento comum entre estudiosos(as) e pesquisadores(as) da área
da educação que a mesma se apresenta intrinsecamente relacionada à forma como
se constitui a sociedade. No entanto, a manifestação concreta desta relação acon-
tece conforme os interesses ou ideais do tipo de sociedade que se deseja. Ou seja,
se o interesse é a manutenção da estrutura social baseada na divisão de classes, na

200
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

exploração e subalternização das classes menos favorecidas economicamente, a


educação irá corroborar com isto, portanto, se fundamentará em metodologias tra-
dicionais, “bancárias”, reprodutivistas.
Esse tipo de educação reprodutora é essencialmente colonializante
(LANDER, 2005; FIGUEIREDO, 2012) e, portanto, contribui para manter a estru-
tura social desigual e injusta, pois apresenta o(a) professor(a) como um ser supe-
rior ao(à) educando(a), como único possuidor do conhecimento que deve,
“generosamente”, dar aos(às) alunos(as), cabendo a estes(as) docilmente recebê-
lo, decorá-lo e repeti-lo, sem que estes conteúdos dialoguem ou reflitam a sua re-
alidade. Isto faz com que os(as) estudantes habituem-se a uma situação de opres-
são e passem a considerá-la natural – e ainda serem gratos(as) por isto –, papel
que possivelmente se repetirá quando estiverem na relação empregado-patrão.
Por outro lado, como esta situação não é natural, ela pode ser modificada
e, para isto, temos a proposta de educação libertadora defendida por Paulo Freire
(1992; 1996; 2005), uma Pedagogia do oprimido, que objetiva não a troca de papeis
entre oprimidos e opressores, mas a superação dessa relação dicotômica, na cons-
trução de um mundo melhor. Ao se reconhecer a não-naturalidade dessa situação,
ao desvelar a “capacidade ontológica de ser-mais”, a perspectiva freireana propor-
ciona a transformação desta estrutura opressora e a reconhece como construção
histórica datada e situada, pois resulta de um processo desumanizante, decorrente
da ação de exploração do humano pelo humano e, portanto, é possível de ser trans-
formada. “[...] Enquanto prática desveladora, gnosiológica, a educação sozinha [...]
não faz a transformação do mundo, mas esta a implica” (FREIRE, 1992, p. 32).
Percebe-se, cada vez mais, a urgência e a necessidade de os processos e-
ducativos como um todo se pautarem na libertação, na transformação, na constru-
ção de uma sociedade equânime e justa. Temos vivenciado crises em diversos
âmbitos no nosso país, como, por exemplo, os recentes ataques à democracia, au-
mento da violência e do abismo social, dentre outros. Para combater e superar esse
tipo de situação, é imprescindível uma educação que potencialize o desenvolvi-
mento crítico e criativo das pessoas, que as estimule a lutar pelos seus direitos e
atuar ativamente na sua comunidade, na sua cidade, no país.
É tão forte esse poder transformador da educação, que ele é reconhecido
– e temido – até por aqueles que querem a manutenção da sociedade desigual. Um
exemplo crucial disto é a recente tentativa de retirar de Paulo Freire o título de
patrono da educação brasileira, semelhante ao que foi feito na década de 1960,
no período da ditadura militar, quando este foi preso e exilado, por suas ideias
“subversivas”. Realmente, o que há de ameaçador nas ideias freireanas? É justa-
mente a potência de libertação, que é o que aqueles que querem se manter no po-
der e explorando a população devem tanto temer. Entretanto, temeroso é um
governo ilegítimo, que tira, da noite para o dia, através de acordos ilegais, os

201
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

direitos dos(as) cidadãos(ãs) conquistados com tanta luta, que aprofunda o a-


bismo social e aumenta o número dos que estão em situação de miséria.
A educação libertadora defendida por Paulo Freire é um caminho profí-
cuo para a superação destas calamidades e para a criação de um mundo melhor.
Esta educação se fundamenta essencialmente no diálogo e se baseia em princípios
que colocam os(as) educandos(as) como protagonistas dos processos de aquisição
e de construção do conhecimento, pois parte dos saberes que estes(as) já trazem
para a escola.
Portanto, a Educação Dialógica Freireana (EDF) não é um mero “método”
ou uma “fórmula” de ensino, mas sim uma concepção epistemo-metodológica,
que propõe um novo paradigma, uma nova “leitura de mundo” e, por isso, orienta
e fundamenta a ação pedagógica libertadora. Além disso, a EDF valoriza a relação
horizontal e amorosa entre educadores(as) e educandos(as), ao reconhecer que
ambos aprendem e ensinam e que só assim é possível uma aprendizagem verda-
deiramente significativa e a tão desejada e necessária libertação.
É importante esclarecer que Freire anuncia que este diálogo defendido
por ele
[...] não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem
tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permu-
tantes.
Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a
comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem buscar a verdade, mas impor a
sua. (FREIRE, 2005, p. 91, grifo do autor).

Assim sendo, Paulo Freire esclarece que o diálogo se fundamenta em


alguns princípios essenciais, que chamamos de fundamentos do diálogo. Eles
são a essência para que o verdadeiro diálogo, que é a base dessa educação, possa
verdadeiramente existir. Estes pressupostos do diálogo, que detalharemos em
seguida, são: o amor, a humildade, a fé nos seres humanos, a esperança e o
pensar crítico.
No livro Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire (2005) esclarece esses funda-
mentos, iniciando pelo amor. Entretanto, esse amor de que ele trata não é algo
piegas, nem se configura como atitude paternalista, pelo contrário, é um ato de
coragem, de compromisso com os seres humanos. Por meio do amor que gera o
diálogo autêntico, é possível que o(a) professor(a) efetivamente contribua com a
denúncia da realidade opressora em que nos encontramos e o anúncio da trans-
formação da história.
Aliás, a Educação Dialógica Freireana é encharcada de amor, afeto, ter-
nura, o que motiva a luta em favor da libertação, e nem por isso diminui a sua se-
riedade, o seu rigor, nem mesmo interfere no cumprimento ético do dever dos(as)
professores(as). “Deixe-me dizer [...] com o risco de parecer ridículo que o

202
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

verdadeiro revolucionário seja animado por sentimentos furtivos de amor. É im-


possível pensar em um autêntico revolucionário, sem essa qualidade”
(GUEVARA, 1967, p. 637-8 apud FREIRE, 2005, p. 92, tradução nossa).
Um segundo elemento fundamental apresentado por Freire é a humil-
dade, entendida aqui como a aceitação da capacidade de aprender com os(as) ou-
tros(as) e o reconhecimento de que o(a) educador(a) não é dono(a) da verdade e
do saber nem tampouco autossuficiente. Por isso, deve estar aberto(a) à contri-
buição dos(as) educandos(as) e ter a disponibilidade de escutá-los(as) aberta e
afetuosamente. Isto potencializa o respeito pelas ideias, crenças, concepções e i-
deologia diferentes da sua, criando-se, assim, um lugar de encontro, onde “[...] não
há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há [seres humanos] que, em comu-
nhão, buscam saber mais” (FREIRE, 2005, p. 93). Daí vem o compartilhamento de
saberes e a ampliação do saber de cada um(a).
Outro fundamento da Educação Dialógica que Freire apresenta é a fé nos
seres humanos, “[...] Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na
sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos [seres
humanos]” (FREIRE, 2005, p. 93). Entretanto, esta não é uma fé ingênua, ou seja,
sabe que o poder criador dos seres humanos pode ser minado pela exploração, mas
que pode, do mesmo modo, ser despertado novamente através da conscientização
e, portanto, renascer. Assim sendo, essa fé impulsiona a confiança na capacidade
criadora e transformadora.
Freire destaca, também, como um dos alicerces desta proposta educativa
libertadora, a esperança. Uma esperança que não é espera passiva, mas sim ação,
busca ativa, construção. É a esperança que mobiliza o agir na direção do que se
busca. Quanto a isso, ele esclarece: “Enquanto necessidade ontológica, a esperança
precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há espe-
rança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura,
que vira, assim, esperança vã” (FREIRE, 1992, p. 11).
Por fim, o pensar crítico, também chamado de pensar verdadeiro, que é
a oposição ao pensar ingênuo, à obediência, à manipulação. Assim, é possível re-
conhecer a realidade como processo histórico construído, portanto, em perma-
nente transformação. “Este é um pensar que percebe a realidade como processo,
que a capta em constante devenir e não como algo estático” (FREIRE, 2005, p. 96).
Além disso, ele destaca que é preciso que o conteúdo dessa educação se
inicie com o levantamento do “universo temático” e do conjunto dos “temas gera-
dores”, considerando-se, também, os saberes de experiência feito. Isto possibilita
o aprender e ensinar mútuo entre educadores(as) e educandos(as). Segundo Freire
(2005, p. 101), este momento de busca “[...] inaugura o diálogo da educação como
prática da liberdade”.

203
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Importa destacar que esta busca deve ser feita com os(as) educandos(as)
e não para eles(as). Deste modo, é imprescindível que esse conteúdo programático
brote da situação presente, existencial, concreta dos(as) educandos(as) e, além
disso, realmente reflita os vários níveis de percepção de si mesmos(as) e do mundo
em que e com que estão (SILVA, 2013).
Por todo o exposto, é que afirmo a importância de que os(as) estudantes
dos cursos de licenciatura, futuros professores(as), conheçam a proposta de edu-
cação dialógica apresentada por Paulo Freire. Contudo, o ideal é que eles(as) pos-
sam conhecer essa educação dialógica não só pelas leituras das obras de Paulo
Freire, mas também – e sobretudo – que possam vivenciá-la, praxicá-la na sua pró-
pria formação, através da abertura para o diálogo amoroso, verdadeiro, de enxer-
gar a humildade em seus(suas) professores(as), ao reconhecerem que não são
donos do saber; que vivenciem na sua formação a fé nos seres humanos, a espe-
rança na busca pela humanização; e que sejam incentivados(as) a desenvolver um
pensamento crítico, capaz de gerar o diálogo também crítico.
Enfim, que possam experienciar uma educação dialógica na sua forma-
ção, que possam conhecer novas formas de educar, contemplando uma relação ho-
rizontal entre educador(a) e educandos(as), para que possam experimentar uma
educação integral e crítica, e, assim, tenham ferramentas para se contrapor a este
modelo desumano de sociedade, na construção de uma educação que contemple
um saber parceiro (FIGUEIREDO, 2012), pois esta potencializa o reconhecimento
de nossa humanidade e capacidade de ser mais.
Paulo Freire insistentemente nos alerta para o fato de que o(a) profes-
sor(a) precisa ser autor(a) de seu processo formativo e de seus saberes docentes.
Podemos encontrar inúmeras afirmativas, nas várias obras freireanas, nas quais ele
sinaliza para isto. Desse modo, a práxis pedagógica assim entendida envolveria,
então, como ele nos orienta, a dialética entre conhecer e agir em busca da trans-
formação social desejada. Com essa diretiva, constatamos a pertinência de cons-
tante atualização dos(as) professores(as), com o intuito de acompanhar e
interagir devidamente com as mudanças sociais frequentes nos tempos voláteis e
ameaçadores da sociedade contemporânea.

Contextualização da prática de ensino dialógica na disciplina de Didática


A disciplina Didática I é uma das cinco disciplinas comuns e obrigatórias
aos cursos de licenciatura na universidade em que trabalho. Na maioria dos cursos,
ela acontece aproximadamente na metade do curso. As disciplinas obrigatórias
comuns aos cursos de licenciatura nessa universidade são: Psicologia do desenvol-
vimento e da aprendizagem na adolescência; Estudo sócio-histórico e cultural da
educação; Estrutura política e gestão educacional; Didática I; e Libras.

204
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Ao iniciar minha atuação na disciplina Didática I, supus que pudesse ha-


ver algumas dificuldades, já que se tratam de turmas bastante heterogêneas, com
estudantes de diversos cursos das variadas áreas em que são ofertadas licenciatu-
ras e por saber que alguns(mas) destes(as) estudantes poderiam estranhar a abor-
dagem metodológica das aulas, por estarem habituados(as) a aulas tradicionais,
expositivas, em que o(a) professor(a) se coloca numa posição de superioridade,
especialmente nos cursos das áreas exatas, conforme constatado em pesquisas an-
teriores (SILVA, 2013; 2017).
Por isso, antes de iniciar – e ainda durante o processo – eu me questio-
nava: é possível vivenciar a dialogicidade freireana nessas disciplinas de Didática?
Diante dessa heterogeneidade e das expectativas dos(as) estudantes... Recordo-
me de quando cursava a graduação e conversava com colegas de outros cursos e
ouvia deles que as disciplinas pedagógicas eram “enrolação”, justamente por (em
sua maioria) apresentarem uma abordagem docente diferente da tradicional a que
estavam habituados(as) – mesmo não sendo esta satisfatória para eles(as). Será
que os(as) estudantes pensariam isto das minhas aulas?
Por outro lado, eu considerava e considero essencial que esses(as) estu-
dantes tenham contato com outras abordagens docentes; que eles(as) possam per-
ceber que é possível, sim, aprender de outra forma, aprender de forma dialógica,
horizontal, parceira.
Assim, com essa compreensão e motivação, fui planejando as minhas au-
las para cada temática prevista, buscando construir o conhecimento conjunta-
mente. Claro que com embasamento teórico-científico, apresentando as teorias e
estudos relevantes da área, mas que fosse também um estudo que possibilitasse
uma construção (ao mesmo tempo individual e coletiva) do conhecimento, desse
modo, caracterizando-se também como educação popular.
Para tanto, pesquisei metodologias de aulas no ensino superior, inspirei-
me em aulas que tive como estudante da graduação, adaptei, criei, errei, corrigi...
Assim, estou aprendendo a ser uma professora dialógica, com suas bele-
zas e desafios, mas certa de que é um maravilhoso caminho e uma significativa
construção.
Recordo-me de uma fala de um estudante do curso de Matemática no se-
mestre 2017.2 que, ao final de uma aula em que estudamos sobre planejamento do
ensino relacionando os elementos do mesmo aos passos de uma viagem, relatou,
encantado: “Professora, eu nem imaginava que poderia aprender desse jeito”.
Uma das atividades realizadas foi a construção do próprio conceito de
Didática da turma3. Após estudarmos a definição dada por alguns(mas)

3
Estes trechos foram retirados da atividade realizada em duas turmas no semestre 2018.1. Nela, havia
estudantes dos seguintes cursos: Física, Química, Matemática, Filosofia e História.

205
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

autores(as) (LIBÂNEO, 1994; VEIGA, 1992; PIMENTA, 2015; MOURA, 2015),


os(as) estudantes, em equipes, após debate, conceberam a sua própria definição,
conforme apresentado a seguir:
DIDÁTICA: É uma prática pedagógica que visa o ato de ensinar de forma multi-
dimensional e multidisciplinar, levando em conta a eficiência do ensino e da a-
prendizagem. (Turma da Mônica4)
A Didática é a construção de uma ponte dinâmica, fluida e relativa entre ensino
e aprendizagem, a partir de uma reflexão da prática de ensino que considera con-
textos históricos, culturais, sociais, econômico e geográficos. (As Tartarugas
Ninja da neurociência)
DIDÁTICA: I. Amplo conjunto de meios; II. Docente; III. Repassar de forma efi-
ciente. (Turma do Chaves)
O que é Didática? Estuda os fundamentos, condições e modos de realização da
instrução e do ensino. Amplia nossa compreensão das demandas que as ativida-
des de ensinar produz, com base nos saberes acumulados sobre essa questão.
(Castelo Rá-Tim-Bum)
Didática -> ensino-aprendizagem. Ensino – contexto: social; político; histórico;
econômico. Aprendizagem – internalização; teoria-prática; aplicação no cotidi-
ano. (Turma do Bob Esponja)
O que é Didática? Didática é o processo pelo qual, mediante a reflexão do binô-
mio ensino-aprendizagem, ocorre a disseminação do conhecimento, tendo em
consideração fatores como: ambiente sociocultural; os meios de transmissão; a
finalidade; e o público a que pretende alcançar. (Turma do Harry Potter)
DIDÁTICA: Como disciplina, se coloca como possibilidade de contribuir para
que o ensino resulte nas aprendizagens necessárias à formação do sujeito! (Os
Cavaleiros do Zodíaco)

Portanto, a partir das respostas dos(as) estudantes, pode-se perceber que


os(as) mesmos conseguiram compreender os conceitos dos(as) principais estudi-
osos(as) da temática, mas, ao mesmo tempo (e a partir daí), gerar a sua própria
definição, o que certamente se configura como uma aprendizagem significativa e
um conhecimento que levarão para suas vidas, pois não foi algo que somente de-
coraram e reproduziram em uma prova.
Ainda, quase todo o processo de construção da disciplina é feito de forma
dialógica e democrática. Por exemplo, em relação à avaliação, no início do semes-
tre faço, junto aos(às) estudantes, um levantamento dos instrumentos avaliativos
que podem ser utilizados, ouvimos as sugestões de todos(as), debatemos sobre a
viabilidade e a legitimidade de cada um e, após esse estudo, elegemos democrati-
camente quais serão utilizados ao longo do semestre. Dessa forma, a avaliação se
configura como instância formativa, ou seja, intrinsecamente relacionada aos pro-
cessos de ensino e de aprendizagem. Assim, os(as) estudantes se dedicam bastante

4
Com o intuito de preservar a identidade dos(as) estudantes, utilizei codinomes, optando por nomeá-
los(as) por nomes de personagens de séries e desenhos infanto-juvenis. Alguns nomes foram
escolhidos pelos(as) estudantes e outros, por mim.

206
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

na aplicação destes instrumentos de avaliação, pois passam a compreender a im-


portância desta para a sua própria formação e crescimento.
Alguns dos instrumentos avaliativos mais utilizados nestes dois semes-
tres foram: seminários; memorial; autoavaliação; resumo crítico dos textos estu-
dados; participação em sala de aula; relato das aulas. Nesse movimento, não
somente os(as) estudantes são avaliados(as) e se avaliam, como também eu mesma
constantemente avalio a minha prática e me permito ser avaliada por eles(as).
Para finalizar, apresento alguns trechos dos relatos dos(as) estudantes
em seus memoriais. O memorial, da forma como proponho, trata-se de um traba-
lho que apresente uma descrição do que aconteceu na disciplina, em cada aula,
seguido de uma reflexão sobre a mesma, finalizando com uma reflexão sobre o
todo. Assim, se constitui como um instrumento de avaliação que é também forma-
tivo, pois vai sendo construído ao longo do processo e permite uma (auto)reflexão
sobre o aprendizado.
Assim, a maioria dos estudantes tem optado por apresentar trabalhos es-
critos, organizados de forma cronológica, mas há alguns(mas) que fazem de modo
mais “artístico”: desenhos; cartas; incluem fotografias; paródias; textos literários...
enfim, cada estudante escolhe a linguagem que considera mais adequada e confor-
tável para expressar o que aprendeu. Seguem, portanto, alguns destes relatos5:
[...] foi uma grande oportunidade de, pelo menos nesse período, poder adentrar
em um novo universo, que mostra que a educação vai além do que nosso atual
sistema educacional pede, e que, a partir da valorização de trabalhos que explo-
rem as capacidades verdadeiras de cada um, possa ser revolucionado. (Didi)
[...] possibilitou uma interação professor-aluno e ‘aluno-aluno’ muito grande, ou
seja, foi além da dinâmica do professor palestrante e do aluno espectador. [...]
atividades lúdicas, recreativas e mesmo criativas realizadas em sala. Para mim,
essas atividades serviram como pontos de fuga da tensão social, da pressão sen-
tida no ambiente acadêmico, e da própria dinâmica desse estilo de vida ‘tecno-
mercantil’ típico das grandes metrópoles [...]. Sem dúvida alguma, a tal teoria
dialógica que nos foi ministrada em uma de nossas aulas, se fez presente não
somente nessa em específico, todavia, norteou o desenvolvimento de cada aula e
do curso. Pois, como certeza, interação, comunicação e respeito, de forma hori-
zontal, sem autoritarismos e sem excessos, bem como pude ver na teoria, tam-
bém estiveram manifestas em cada aula. (Cebolinha)
[...] de forma tão leve aprendemos os ofícios de um professor, mas, além disso,
nos tornamos mais próximos, descobrimos a vida dos que estavam ao nosso re-
dor, o que nos enriqueceu muito como pessoas e como futuros professores, pois
teremos que lidar com todos os tipos de alunos e estar preparados para todos os
tipos de situação. Por isso, posso dizer que esta disciplina me deu lições como
paciência e perseverança em acreditar na profissão da docência, aprender que
ser professor é além de passar conteúdos, que podemos fazer nossa transforma-
ção no mundo dentro da nossa sala de aula de aula, o primeiro passo é a boa
vontade e o esforço, pois apesar de todas as dificuldades, como cansaço e falta
de reconhecimento, acredito que podemos mudar a vida das pessoas através da

5
Estes relatos foram extraídos dos memoriais da turma do curso de Ciências Sociais, no semestre
2017.2.

207
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

educação e descobrir isso durante as aulas de didática foi muito gratificante.


(Florzinha)
Na disciplina pude desenvolver um olhar mais crítico em relação ao modelo de
educação que é disponibilizado no país. [...] A disciplina foi de grande importân-
cia e, com ela, saio do curso com um pensamento e um método que nunca pode
se tornar imutável e estático, na educação precisamos entender o ambiente em
que estamos situados e sempre trazer uma tendência educacional propositiva,
que faça os educandos questionarem o lugar que está colocado e dado a eles.
Com uma metodologia que não usa de métodos estáticos, a possibilidade de for-
mar nos alunos móveis e atuantes é muito grande. (Mickey)
Aprendi muito sobre o ato de lecionar e pude me sentir confortável na sala de
aula. (Chiquinha)
Foi realmente uma experiência vivencial excelente poder desenvolver saberes ao
longo do caminho formativo desse semestre na disciplina de Didática 1. Uma di-
mensão importante foi a sociabilidade e o aprender a aprender com os outros.
(Minnie)
Eu tenho certeza que consegui absorver muito mais nessas aulas, em que não nos
sentimos tão pressionados, do que em qualquer outra. (Magali)

Pela análise dos depoimentos supracitados, pode-se reconhecer o quanto


a oportunidade de vivenciar a dialogicidade é importante e necessária para os(as)
estudantes em processo de formação da docência. Isto me mobiliza a continuar
aprendendo e construindo esse processo, através de uma formação docente dia-
lógica freireana.

Considerações finais
Neste breve texto, busquei apresentar algumas reflexões acerca da vivên-
cia da Educação Dialógica Freireana em sua relação com a Didática. Para tanto,
tomei como base a minha experiência docente nas turmas de Didática I nos cursos
de licenciatura, especificamente nos semestres 2017.2 e 2018.1. Apesar da convic-
ção da necessidade e importância de vivenciar a dialogicidade freireana, ao assu-
mir as turmas de Didática, formadas por estudantes de variados cursos, vi-me
diante do desafio de manifestar essa práxis de forma significativa, tanto para mim
como para os(as) discentes.
Com esse intento, no presente texto, dialoguei acerca da compreensão da
Didática numa perspectiva que supere o ensino de técnicas e instrumentos, mas
que se configure como uma Didática fundamentada da transformação das estru-
turas educacionais opressoras vigentes e, portanto, na consequente transformação
da sociedade, baseada na equanimidade e na justiça social. Para isto, me baseei nos
pressupostos da dialogicidade apresentados por Paulo Freire, este importante e-
ducador brasileiro, reconhecido mundialmente, que nos presenteou com uma a-
bordagem educativa capaz de promover a libertação e a superação da dicotomia
opressores-oprimidos.

208
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Deste modo, reconheço que esta é uma abordagem fecunda que propor-
ciona valiosos contributos para o campo da formação de professores(as), bem
como da Didática, com vistas à superação dos processos educativos opressores,
desumanos, colonializantes. Assim, quero registrar a importância deste trabalho
e de pesquisas como esta, cada vez mais necessários diante da situação política,
econômica e social pela qual passa atualmente o Brasil. Temos vividos tempos se-
melhantes ao em que Freire foi exilado por considerarem sua proposta educativa
subversiva, perigosa.
O estímulo à superação do pensar ingênuo possibilita movimentos de
descolonialidade, de retomada da humanização negada, roubada. Por isso, assusta
aos que estão no poder. E, por isso mesmo, é tão necessária! Paulo Freire salienta
que é tarefa dos(as) oprimidos(as) libertar a si mesmos(as) e aos(às) opressores,
pois estes(as), também, são vítimas desse processo de humanidade roubada. A na-
tureza humana é a solidariedade, é a partilha, é o amor, é o diálogo...
A apresentação desta prática de ensino é de fundamental importância,
pois comprova que é factível e desejável uma prática docente alicerçada nos prin-
cípios defendidos por Freire, como a amorosidade do ato educativo, a humildade,
a horizontalidade das relações docente-discentes, a presença do pensamento crí-
tico, a esperança no potencial transformador da educação.
Isto pôde ser comprovado pelos relatos dos(as) estudantes, que explici-
taram a importância desta prática para a ampliação do seu conhecimento sobre a
educação e para a consolidação de uma formação docente ampla e potencialmente
libertadora.
Com esse contributo, certamente, fica nossa cota de contribuição para
mantermos vivo o verbo esperançar... e dessa maneira, dialogicamente, partilhar-
mos experiências exitosas e instigarmos novos tempos...

209
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido. Notas: Ana Maria Araújo Freire. 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 49. reimp. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FIGUEIREDO, João B. A. Paulo Freire e a descolonialidade do saber e do ser. In:
FIGUEIREDO, J. B. A.; SILVA, M. E. H. (Org.) Formação Humana e Dialogicidade
III: encantos que se encontram nos diálogos que acompanham Freire. Fortaleza: UFC,
2012.
LANDER, E. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: LANDER, E.
(Org.). A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociais –
CLACSO, 2005.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
MOURA, Ingrid Louback de Castro. A Didática como campo teórico-prático:
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(doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de
Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2015.
PIMENTA, Selma Garrido. O protagonismo da Didática nos cursos de licenciatura: a
Didática como campo disciplinar. In: MARIN, Alda Junqueira; PIMENTA, Selma
Garrido (Org.). Didática: teoria e pesquisa. Araraquara: Junqueira & Marin, 2015.
SILVA, Camilla Rocha da. Educação dialógica freireana na trajetória de formação
de estudantes do curso de pedagogia da UFC: possibilidades e desafios. 2013. 119f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2013.
SILVA, Camilla Rocha da. Educação Dialógica Freireana nos cursos de licenciatura
na UFC / 2017. 148 f.: il. color. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará,
Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2017.
VEIGA, Ilma P. A. A prática pedagógica do professor de Didática. 2. ed. Campinas:
Papirus, 1992.
VEIGA, Ilma P. A. (Org.). Didática: o ensino e suas relações. Campinas: Papirus, 1996.

210
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM RELATOS DE
EXPERIÊNCIAS A PARTIR DOS SUJEITOS QUE FAZEM
ESSA MODALIDADE: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Carlos Roberto de Sousa 1


Robson Monteiro Barroso Braga 2

1. INTRODUÇÃO
Este artigo é uma atividade de pesquisa efetuada na disciplina Educação
de Jovens e Adultos - EJA, na Faculdade de Educação de Itapipoca (FACEDI) da
Universidade Estadual do Ceará (UECE) ministrada pelo professor Carlos Ro-
berto de Sousa, cuja temática central concerne compreender esse segmento da e-
ducação tão necessário e que, por muitas vezes, não possui uma visibilidade
adequada. Dessa forma, foi de suma importância o embasamento teórico de atores
que fundamentam este trabalho, assim como também, as leituras de livros, artigos,
revistas que comtemplam os assuntos dessa temática.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) proporciona o acesso aos estudos
para aquelas pessoas que não conseguiram terminar a escolaridade na idade ade-
quada, no qual permite voltar os estudos na perspectiva de contribuir com opor-
tunidades de adentrar no mercado de trabalho, obter estabilidade e assim, a
conclusão por meio da EJA possibilita uma formação de qualidade para esses jo-
vens e adutltos, bem como a possibilidade que esses jovens-adultos possam alma-
jear no sentido de exercer em determinados âmbitos, melhores condições de
trabalho, no intuito se sentirem, de fato, sujeitos importantes na sociedade.
O campo da EJA possui especificidades em áreas de pesquisa, de forma-
ção de educadores e até no próprio ensino pela não consolidação em determinado
âmbito e assim, por se diferenciar da educação regular. Nesse contexto o campo
da EJA carrega consigo desafios e problemáticas na contemporaneidade, ou seja, o
que se observa é a limitação da formação inicial e continuada para que os profes-
sores específicos nessa modalidade de ensino possam atender integralmente as re-
alidades enfrentadas por essas pessoas na sociedade e, contribuir em seu ensino-
aprendizagem. Um dos autores que fundamenta esse estudo e que compartilha
desse pensamento é Miguel González Arroyo, que muito contribui nesse campo
de estudo.

1
Professor em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, e-mail: carlos.roberto@uece.br
2
Graduando em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, e-mail: robson.monteiro
@aluno.uece.br
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Outro ponto importante a ser mencionado nessa vertente é a evasão es-


colar, que ingavelmente é um fator preocupante com relação às pessoas que fazem
parte da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pois se deparar com esses conteúdos
perdidos do ensino regular e enfrentar essa realidade podem ser difíceis. Tendo em
vista esse aspecto, a relação professor/aluno é fundamental para que possa ser
compreendido o contexto social em que essas pessoas estão.
Diante disso, percebe-se que algumas escolas não estão preparadas para
receber esses jovens-adultos com as diversas faixas etárias, porque eles vêm carre-
gados consigo as suas singularidades e seu conhecimento prévio, no qual, devem
ter um valorizamento por parte da escola e dos professores, para que este aluno
(a) se sinta motivado e encorajado a estudar. No entanto, muitos destes professo-
res não possuem uma formação específica na areá de EJA, assim, interferindo nesse
processo de aprendizagem, em vista, é necessário conhecer dessa profissão para
que possa possibilitar nesse educando uma educação significativa, ou seja, que
este aluno possa ser instigado, participativo, autonômo, reflexivo e crítico.
Conforme Arroyo (2011, p. 21) poderiam encontrar outros indicadores de
que estamos em um tempo propício para a reconfiguração da EJA:
Um dos mais promissores é a constituição de um corpo de profissionais educa-
dores (as) formados (as) com competências específicas para dar conta das espe-
cificidades do direito à educação na juventudade e na vida adulta. As faculdades
de Educação criam cursos específicos de formação para EJA. Por outro lado, hoje
é mais fácil de encontrar produção teórica e material didático específicos para
esses tempos educativos.

Dessa forma, é de suma importância a formação específica de profissio-


nais educadores (as) formados (as) nesse caminho para possibilitar uma educação
significativa, ou seja, colocar os alunos (as) numa perspectiva de compreender o
seu meio social, em que, eles possam se tornar participativo, refletivo, autônomo e
principalmente, crítico na sociedade. Nesse contexto, os alunos quando conhecem
os seus direitos a luta se tornam coletiva, porque todos irão buscar se conscienti-
zar e resistir numa sociedade, onde, a desigualdade social corrompe e prejudica as
classes desfavorecidas e tais consequências, como por exemplo: saneamento bá-
sico, escola precária, salários baixos, desiguldade racial e entre outros.
Consequentemente, determinamos alguns objetivos a serem compreen-
didos nesse trabalho, sendo eles: compreender concepções e adversidades da Edu-
cação de Jovens e Adultos - EJA; discutir o que é prática pedagógica e refletir o
papel que a escola e os professores desempenham na educação desses alunos.

212
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

2. CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
2.1 Educação de Jovens eAdultos - EJA: Concepções e Adversidades
A Educação de Jovens e Adultos – EJA que é uma modalidade de ensino,
com propósito para aquelas pessoas que tiveram de desistir do ensino regular por
razões de detrimento de um relacionamento, gravidez precoce, condições finan-
ceiras e entre outros. É perceptível que o mercado de trabalho só emprega para
aquelas pessoas que, de fato, detém de uma/várias formações específicas e acima
de tudo, quando se tem experiência na profissão que está almejando.
A escola e os professores no âmbito escolar tem o papel de desenvolver
uma educação que promove a aprendizagem nesses educandos, tornando-os como
sujeitos autonômos, pensantes, críticos, porque ao voltar ao ensino regular eles
vêm carregando consigo diversas adversidades que podem compromoter a sua
permanência na escola, como por exemplo: autoestima baixa, relacionamento, an-
gústia, apoio, condições financeiras etc.
Conforme Freire (1987, p. 20) destaca a pedagogia do oprimido como:
A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-
se na luta por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter, nos próprios o-
primidos que se saibam ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos
seus sujeitos.

Ressalta que a educação libertadora se concretiza quando os oprimidos


reconhecem e implica em libertar a si e aos opressores, em que, diante disso come-
çam a luta pela a transformação social por meio da luta de classe em reinvindição
de seus direitos. Os jovens e adultos se tornarão como pensantes, críticos, autonô-
mos, isto é, poderão surtir como efeito na conjuntura política ou na sociedade como
um todo, porque no momento que eles reconhecem tal opressão, sem dúvidas, terá
um processo de mobilização e engajamento de uma luta em favor de justiça.
A evasão escolar acontece quando o aluno (a) deixa de frequentar a es-
cola. No entanto, é de suma importância que a escola e os professores tenham uma
relação de proximidade com esses educandos, no sentido de ajudar e contribuir
em sua aprendizagem, ou seja, conhcer as suas dificuldades, conhecimento prévio
e sanar as suas dúvidas. Por isso, é necessário desempenhar em conjunto a comu-
nidade da escola uma parceria recíproca de união, respeito, solidariedade e, sobre-
tudo, a inclusão desses educandos para que eles possam sentir, de fato, que eles
são importantes e conseguirão conquistar todos os objetivos que almejam.
Além disso, a escola muitas das vezes não tem a estrutura adequada para
atender com uma educação de qualidade para esses jovens-adultos, em que, a es-
trutura precária, a desvalorização dos profissionais por não ter um salário digno,
materiais didáticos escassos etc., e isso acabam compromotendo no olhar em que
esses jovens e adultos observam ao adentrar nesse ambiente escolar, porque eles

213
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

carregam adversidades e ao se deparar com essa realidade acabam desmotivando


a frequentar.
Consequentemente, quando se fala em acesso a educação de qualidade é
algo totalmente diferente da realidade, mesmo que, sendo um direito assegurado
pela a Constituição Federal de 1988. Atualmente, muitas pessoas não têm oportu-
nidades iguais para exercer determinada função, salário e, principalmente, opor-
tunidades de trabalho, porque muitas das vezes é necessário da formação
específica e a exeperiência para exercer na função que está sendo ofertado. Ade-
mais, a desiguldade social acaba se tornando um grande problema no momento
em que a classe rica detém um capital financeiro alto, enquanto a classe dos tra-
balhadores não tem os mesmos direitos.

2.2 Desafios e Práticas Pedagógicas no Âmbito Escolar


A Educação de Jovens e Adultos – EJA, que tem como foco aos jovens e
adultos que abondonaram o ensino regular, mas em razão de suas necessidades
teve o ânimo e a coragem em retornar aos estudos, mesmo com os empecilhos,
principalmente, em buscar novas formações, mercado de trabalho, sonhos e entre
outros. O perfil desses jovens é variável e uma realidade totalmente distinta, no
qual, a escola e os professores (as) tem um papel de desenvolver e transformar o
contexto social.
As práticas pedagógicas inseridas no âmbito escolar tem o intuito de de-
senvolver uma aula proveitosa e de proximidade a realidades desses alunos (as),
em que, muitas das vezes ao adentrar na escola já vem carregado de uma bagagem
de probelmas externos, ou seja, é necessário que o professor (a) possa ter uma re-
lação firme, para que possar saber de seus anseios, empecilhos, conhecimento pré-
vio etc. Sendo assim, tornando esse momento participativo na aprendizagem
desses alunos, onde, eles possam ver que estudar é proveitoso e que senhos sonhos
possa ser concretizado.
De acordo Veiga (1988, p. 8).) define a prática pedagógica como:
Entendo a prática pedagógica como uma prática social orientada por objetivos,
finalidades e conhecimentos, é inserida no contexto da prática social. A prática
pedagógica é uma dimensão da prática social que pressupõe a relação teoria-prá-
tica, e é essencialmente nosso dever, como educadores, a busca de condições ne-
cessárias à sua realização.

Além disso, quando se fala sobre prática pedagógica, é importante salien-


tar é como o professor (a) poderá desenvolver uma ação que promove uma apren-
dizagem significativa para essses alunos (as) dentro da sala de aula, mas sempre
voltada ao contexto social de cada um. Dessa forma, o professor com todo o su-
porte necessário, materiais didáticos, planejamento, conteúdos etc., será um ponte

214
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

de apoio para a transformação da realidade desses educandos, pois por meio da


teoria e prática contribuirá nesse processo.
Portanto, é perceptível que a relação entre teoria e prática devem sempre
estar em consonância à necessidade de todos os jovens e adultos, pois as metodo-
logias de ensino inseridas no ambiente escolar devem sempre estar conectadas e
serem concretas em razão de suas singularidades, para que nesse processo possa
desenvolver uma participação ativa e de relação contínua entre o professor/aluno.
Em vista disso, o aluno (a) como centro e o professor (a) o mediador do conheci-
mento, em que, terá uma relação recíproca em que todos ajudam e aprendam.

3. METODOLOGIA
Neste estudo, a metodologia utilizada foi uma entrevista, com a utiliza-
ção de um roteiro para coleta de dados contendo 12 questões abertas de aborda-
gem qualitativa. Também foram realizadas pesquisas bibliográficas
fundamentadas nas seguintes obras: Diálogos na Educação de Jovens e Adultos,
de Arroyo (2005); Pedagogia do Oprimido, Freire (1987); Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Brasil (1987) e Diretrizes Curriculares Nacionais para a E-
ducação e Jovens e Adultos, BRASIL (2000), dentre outras direcionadas a pers-
percativa da EJA.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para Arroyo (2005), o campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
possui obstáculos para se configurar uma especificidade, isto é, as características
marcantes na EJA são a desprofissionalização docente e também as inervações
passageiras. Consequentemente, tornando- se um ambiente não consolidado nas
áreas de pesquisa, intervenções pedagógicas e de formação para esses profissio-
nais, assim, um campo propício para todos que podem participar, mas acaba não
tendo uma especificidade própria e com isso retrata um campo de improvisação e
de amadores, resultando em uma formação precária de vida não atender as expec-
tativas das diversas faixas etárias de pessoas que procuram ampliar seus conheci-
mentos e ter uma qualidade de vida melhor.
Dessa forma, o Arroyo (2011, p. 19-20) apresenta características do campo
do EJA e tentativas para configurar sua especificidade de configuração:
Um campo aberto a qualquer cultivo e semeadura será sempre indefinido e ex-
posto a intervenções passageiras. Pode-se tornar um campo desprofissionali-
zado. De amadores. De campanhas e de apelos à boa vontade e à improvisação.
Um olhar precipitado nos dirá que talvez tenha sido esta uma das marcas da
história da EJA: indefinição, voluntarismo, campanhas emergenciais, soluções
conjunturais.

215
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Nesse contexto, é necessário que existam dentro de universidades, cen-


tros de pesquisas e entre outros, disciplinas que abordem questões acerca do con-
texto no qual estão inseridos esses jovens-adultos para que possam ser
desenvolvidas pesquisas na construção significativa entre a relação teórica e a prá-
xis. Portanto, as práticas pedagógicas são de suma importância a serem inseridas
dentro da sala de aula e, por conseguinte adequar à educação de jovens e adultos
as modalidades de ensino no âmbito escolar. Ou seja, definir normas as exigências
de frequências e de cargas horárias, planejar os conteúdos a serem trabalhados nas
perspectivas de onde estão inseridos os mesmos.
Se direcionando agora a entrevista que ocorreu por meio do roteiro, esta
se realizou com uma jovem de 17 anos, cujo nome fictício é Adriana Santos Oli-
veira, aluna do CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos) Pe. Luiz Gonzaga
Xavier, da cidade de Itapipoca. A mesma enfatizou que é residente de uma cidade
vizinha: Tururu. Inicialmente, para que a entrevista fosse efetivada, se fez neces-
sário explicar o seu propósito que é conhecer sua vida cotidiana (da sujeita da
pesquisa), empecilhos, objetivos traçados e relatar as experiências desta na es-
cola regular, trazendo concepções sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA)
atualmente.
Posteriormente ocorreu um diálogo para que pudesse ser apresentada a
proposta da entrevista e que seria utilizado um roteiro, o qual abordaria perguntas
relacionadas a vários pontos referentes a temática abordada, como seu nome, i-
dade, trabalho, profissão, renda mensal, evasão escolar, motivação, formação e
principalmente seus sonhos ou expectativas a partir dos aprendizados na EJA. A
jovem permitiu fazer a entrevista sem nenhum receio e explanaram sobre suas ex-
periências, dificuldades, relatando ainda o momento da evasão escolar em razão
de estar demonstrando desânimo para frequentar as aulas e por esse motivo, aban-
donou o ensino (regular) em decorrência de um relacionamento.
Através da análise e coleta de dados contendo 12 perguntas abertas, per-
cebe-se que a questão da evasão escolar ainda perpassa na sociedade atual., pois
em decorrência de um relacionamento a interrogada evadiu da escola onde cursava
o 9° ano do ensino fundamental. A mesma afirmou não trabalhar e disse que se
sustenta com renda fixa do programa Bolsa Família e da pensão alimentícia que a
filha recebe do pai, por esse motivo tendo como renda bruta mais de 270 (duzentos
e setenta) reais mensais. O principal motivo que a fez voltar a estudar foi para
obter uma boa qualificação em sua formação, no intuíto de conseguir um emprego
que pudesse ajudar sua família e não depender totalmente dos benefícios.
A mesma relatou que mesmo com os empecilhos da vida, o que mais a mo-
tiva todos os dias à volta a sala de aula, é aprender algo que anteriormente sentia
ter dificuldade quando estava no seu ensino regular. Do mesmo modo, é narrado

216
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

que os conteúdos que eram expostos durante o ano inteiro na escola regular, ela
consegue aprender em poucas aulas no EJA (Educação de Jovens e Adultos).
O conteúdo que era repassado para aluna é o mesmo que ela está revendo
nos dias de hoje; desse modo, o que mudou foi à metodologia, ou seja, a maneira
que os professores aplicam o conteúdo tem total significância no que é aprendido,
retratando a importância da relação professor-aluno que estava na maioria das ve-
zes presente para ajudar em suas dúvidas, expondo a didática dinamizada inserida
na sala de aula integralmente, com a utilização de livros didáticos, projetos edu-
cacionais etc. que são de fundamental importância para o sucesso de ensino-a-
prendizagem. Tendo cursado o ensino fundamental completo, a mesma deixa
claro o que vem aprendendo durante esse período, destacando os conteúdos que
aprendeu na disciplina de matemática e reforçando que o EJA ajudou a aperfeiçoar
o que tinha aprendido naquele período de evasão escolar.
É ressaltado novamente que ela consegue compreender e aprender os
conteúdos e que a metodologia que os professores utilizam é bem clara e de fácil
entendimento, e que a aproximação destes com cada educando é bem mais próxi-
mas do que eram no seu ensino regular, sendo esta acolhida um aspeto bastante
relevante em sua aprendizagem cognitiva, intelectual e moral. Perguntando sobre
os aprendizados que teve em sua vida e se estes aprendizados adquiridos lhe aju-
davam de alguma maneira na escola, destacou- se que tudo que ela viu durante sua
vida ajuda de alguma maneira direta ou indiretamente em sua vida educacional,
evidenciando a importância do âmbito escolar, as práticas pedagógicas inseridas
pelos professores, sendo estas significativas na construção de saberes.
Dessa forma, ao ser questionado sobre os seus sonhos, acentuou fazer um
curso técnico de enfermagem, e também atendente de farmácia, para que tenha
uma qualidade de vida melhor, objetivando ampliar cada vez mais os seus conhe-
cimentos. Ressalta com orgulho que conseguiu concluir o 9° ano do ensino funda-
mental em cinco (5) meses. Atualmente ela está esperando completar os 18 anos
para concluir o ensino médio.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consequentemente, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um impor-
tante e necessário segmento educacional, não somente a nível nacional. Sabe-se
que a realidade de muitas pessoas influencia, muitas vezes, tanto com relação a um
bom rendimento escolar, como também o contrário. Dessa forma, são inúmeros os
casos de pessoas que não têm a oportunidade de concluir os estudos na chamada
“idade certa”; seja por conta de condição financeira, desmotivação, gravidez pre-
coce, dentre muitos outros motivos. Nesse sentido, possibilitar a esses jovens-a-
dultos uma retomada dos seus estudos e consequentemente uma melhoria de vida
é sem dúvidas um dever do Estado para com a sociedade.

217
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Por fim, juntamente a maiores investimentos, bem como uma maior es-
pecificidade a EJA, os diálogos com a sociedade e a troca de experiências para que
os professores possam aperfeiçoar sua prática pedagógica, principalmente, buscar
se profissionalizar mais ainda nesse segmento, em que, o professor será um su-
porte para que possa rever alguma dificuldade em que o aluno (a) possa estar en-
frentando, assim como também, conhecer as suas singularidades, conhecimento
prévio para que possa ser trabalhado em cima das dificuldades ou dos saberes que
já foram adquiridos. Nesse sentido, com materiais adequados, refletirá em suas
práticas e com isso poderá até mesmo ser feito projetos que vão de encontro ao
contexto social desses educandos (as).

218
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel Gonzáles. Um campo de direitos e de responsabilidade pública.
In: SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria Amélia Gomes de Castro; GOMES,
Nilma Lino. (Orgs.). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. 4. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2011, p. 19-50.
BRASIL. Lei nº 9394/96, de 20 de Dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de
Educação Básica. Parecer n. 11 de 10 de maio de 2000. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos, Brasília, 2000. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf>.
Acesso em: 1 jun. 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A prática pedagógica do professor de Didática.
1988. 286 f. Tese (Doutorado em Metodologia de Ensino) - Universidade Estadual
de Campinas, São Paulo, 1988. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/
jspui/bitstream/REPOSIP/251637/1/Veiga_IlmaPassosAlencast ro_D.pdf>. Acesso
em: 12 jul. 2020.

219
A ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO DE LUTAS SOCIAIS
ATRAVÉS DAS AÇÕES PEDAGÓGICAS

Cícera Maria Mamede Santos 1


Francione Charapa Alves 2
Lídia Karla Rodrigues Araújo 3
Maria Socorro Lucena Lima 4

1. INTRODUÇÃO
O ato educativo nos convida a olharmos para o espaço da escola, com to-
dos os seus aspectos, que vão além do ato de ensinar e aprender. Os atores sociais
que estão ali presentes se ampliam na sala de aula, lugar em que as diversas apren-
dizagens se apresentam e transformam. Este artigo apresenta reflexões à luz da

1
Mestranda em Educação na Universidade Federal do Cariri (URCA). Especialista em Educação
Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (IFCE).
Graduada em Pedagogia pela (URCA). Pedagoga, exercendo a função de chefia do Núcleo de Apoio
Pedagógico (NAP), na Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do Cariri
(PROGRAD/UFCA). Tem experiência na área de educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: estágio supervisionado, educação a distância e legislação educacional. E-mail:
cicera.mamede@ufca.edu.br
2
Professora Adjunta da Universidade Federal do Cariri — UFCA. Colaboradora do Programa de
Mestrado Profissional em Educação da Universidade Regional do Cariri — URCA. Pós-doutora em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará —
PPGE/UECE (2017). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará — UFC/CAPES-DS
(2012-2016), com Doutorado Sanduíche na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa —
UL, Portugal (2015-2016). Mestra em Educação pela Universidade Estadual do Ceará — UECE
(2009-2011). E-mail: francione.alves@ufca.edu.br
3
Possui graduação em Pedagogia e em Letras pela Universidade Regional do Cariri — URCA (2001,
2009). Tem especialização em Psicopedagogia Clínico-Institucional pela Faculdade Kurios e
especialização em Língua Portuguesa e Arte-Educação URCA. Mestra em Desenvolvimento
Regional Sustentável (UFCA). Possui vínculo efetivo no cargo de pedagoga na UFCA, campus Brejo
Santo. E-mail: lidia.karla@ufca.edu.br
4
Doutora em Educação na área de Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares pela Universidade
de São Paulo — USP (2001), com Pós-doutorado em Educação junto ao Departamento de
Metodologia de Ensino e Educação Comparada na Universidade de São Paulo — USP (2007), com
Estágio na Universidade do Minho — Portugal. Mestra em Educação Brasileira pela Universidade
Federal do Ceará — UFC (1995), graduada em Letras (1971) e em Pedagogia (1978) pela –
Universidade Regional do Cariri — URCA. Integra o quadro de pesquisadores do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará — PPGE/UECE, na linha Docência no
Ensino Superior e na Educação Básica. Foi Professora Visitante na Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira — Unilab (2017-2019). Pertence ao Grupo de Estudos e
Pesquisas em Formação de Educadores — GEPEFE, e Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a
Formação do Educador e ELOSS - Educação e Cooperação Su -Sul - Unilab. Tem experiência na área
de educação, com ênfase em didática e estágio curricular supervisionado, trabalho docente, práticas
escolares, docência no ensino superior e formação contínua e professores.E-mail: socorro_lucena
@uol.com.br
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

obra freiriana e demais referências que dialogam numa intenção crítica, liberta-
dora e de compreensão ampliada desse espaço singular de aprendizagens. O con-
vite ao pensamento que integra, liberta e transforma perpassa todo o texto.
Através das vivências no contexto educacional (educação básica e ensino supe-
rior), buscamos compartilhar ideias a partir do que já foi experienciado na traje-
tória acadêmica e profissional.
Trazer as ideias freirianas no contexto atual em que estamos vivenciando
é algo importante a ser pontuado. As experiências que este momento de pandemia
está oportunizando nos apontam para o olhar atencioso e zeloso para com a edu-
cação. É perceptível que as relações na sala de aula são imprescindíveis para o a-
vanço de estudos, pesquisas e, principalmente, para o crescimento pessoal e
interpessoal. Dessa forma, participar deste momento em que o ensino em todo o
país, através das diversas modalidades e etapas, apresenta-se de forma remota, faz-
nos perceber as lacunas que estão deixando, fazendo-nos pensar sobre a impor-
tância da presença, do agir olhando nos olhos, nas ações coletivas e dialógicas. Não
podemos negligenciar o que estamos percebendo nesse contexto, como também
devemos marcarmos presença reforçando nossas esperanças na educação de forma
crítica, consciente e que busca as transformações sociais.
O texto apresenta uma discussão em relação às práticas pedagógicas do
professor numa perspectiva de transformação social com base em Freire (FREIRE;
SHOR, 2000), bem como as discussões sobre a profissão docente com Charlot
(2013), Imbernon (2010), Libâneo (2013), dentre outros. Na metodologia, esboça-
mos os caminhos percorridos, através de pesquisa bibliográfica e atividades em
que nos organizamos para discussões realizadas virtualmente. Para nossas consi-
derações finais, a partir dos estudos realizados e discussões apresentadas, reitera-
mos a necessidade de se fazer cada vez mais presente o diálogo freiriano,
perpassando as ações e atitudes na sala de aula e na escola como um todo. Diálogo
que conduz a uma reflexão e ação, que nos impulsiona ao respeito, à solidariedade
e a espaços democráticos na escola e na sociedade.

2. METODOLOGIA
Este artigo apresenta reflexões acerca do professor e suas diversas ativi-
dades desenvolvidas na escola e na sala de aula em particular, a partir do diálogo
por meio de pesquisa bibliográfica. Discute as situações presentificadas, com to-
das as suas nuances, desafios e transformações. Assim, percebemos a escola como
espaço que congrega, que abre possibilidades de pertencimento e expansão dos
conhecimentos, sem deixar de refletir sobre as contradições que também se en-
contram nesse espaço.
Dessa forma, optamos por realizar uma pesquisa bibliográfica com auto-
res que inserissem na discussão as questões propostas, abrindo as possibilidades

222
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

de debate, reflexões e abrangência de olhares sob a temática da escola e sua função


formativa. De acordo com Gil (2008, p. 69), a pesquisa bibliográfica:
[…] é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente
de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido
algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusiva-
mente a partir de fontes bibliográficas. Parte dos estudos exploratórios podem
ser definidos como pesquisas bibliográficas, assim como certo número de pes-
quisas desenvolvidas a partir da técnica de análise de conteúdo.

As referências presentes neste estudo bibliográfico nos convidam, a par-


tir de uma visão freiriana, a dialogar constantemente com o espaço escolar, en-
quanto espaço formativo e viabilizador de discussões, em que o currículo, a
valorização do professor e o diálogo com a comunidade escolar e extraescolar pos-
sam estar presentes e sejam canais de abertura para o fazer pedagógico e sensível
às causas educativas. Realizamos fichamentos e discussões acerca dos temas aqui
tratados, e o levantamento bibliográfico considerou as obras que que pudessem
trazer as conceituações que subsidiariam as reflexões esboçadas.
As atividades de fichamento foram realizadas no período de março a maio
de 2020. As discussões foram realizadas através de momentos via diálogos utili-
zando ferramentas tecnológicas como o Google Meet e o WhatsApp. Há de se destacar
que atualmente estamos vivenciando uma pandemia jamais presenciada por essa
geração. Desse modo, seguindo as orientações dos órgãos de saúde, as atividades
presenciais, quando possível, devem ser realizadas de forma remota para que a dis-
seminação do vírus (Covid-19) seja atenuada.
Essa nova realidade nos chama a atenção para a adaptação de maneiras
de se realizar não somente pesquisa, mas também de vivência. É necessário ade-
quação ao momento presente. Diante de tantas incertezas e apreensões que ora
vivenciamos, este artigo é, também, a expressão de se marcar presença e deixar o
registro deste momento peculiar da história. Como diz a canção: “mas é preciso ter
força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre5“. Escrever no atual contexto é difícil
para todos nós brasileiros, mas é, também, uma marca de resistência, protesto e
indignação contra tantos ataques realizados contra a educação pública em nosso
país. Não podemos ficar calados, jamais. O protesto fica no registro de nossa in-
dignação, diante de tanta falta de compromisso político e respeito à vida.

5
Música: “Maria, Maria”. Letra e Música de Milton Nascimento e Fernando Brant. Disco: Clube da
Esquina 2 (1978). Produtor Fonográfico: EMI-ODEON.

223
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

3. As práticas pedagógicas do professor numa perspectiva de transforma-


ção social
Participar da docência é um ato de ousadia, rearranjos, conflitos, medos
e superações. De acordo com Freire (FREIRE; SHOR, 2000), ao adentrar nos es-
paços sociais da escola, e em particular da sala de aula, o aspecto da motivação é
algo que se realiza a partir das atividades que são realizadas. Cada momento inte-
grador auxilia para que o professor possa incentivar os alunos para situações em
que a motivação floresça. Isso ocorre em um ambiente dialógico, no qual as rela-
ções estabelecidas favorecem a interlocução e a ação para o aprender.
Esse aprendizado com sentido, com compreensão sobre a sua importân-
cia, faz com que os alunos se sintam motivados para a aprendizagem que, nesse
âmbito, não se dá de forma aleatória. Nessa perspectiva, as relações hierarquizadas
dão lugar às relações de respeito, de vontade pela ação de ensinar e também de
aprender. Há um crescimento dinâmico, regado por relações de solidariedade, res-
peito e cumprimento de deveres.
Existem muitas variáveis fora da escola que motivam os estudantes, seja
com relação ao consumo, seja referente a buscar alternativas em situações de vul-
nerabilidade. Desse modo, a escola precisa conhecer bem o seu estudante e o es-
paço do seu entorno, e buscar congregar a sociedade, favorecendo a comunicação
e integrando a comunidade extraescolar às ações desenvolvidas pela instituição.
Tal premissa de integração, quando ocorre na sala de aula, dá mais sentido ao cur-
rículo. Assim, conhecer a comunidade, conhecer os seus problemas sociais, perce-
ber como isso afeta os alunos na sala de aula, constitui-se, também, como pesquisa
diagnóstica. A partir dessa concepção e prática, é preciso buscar, em colaboração
com o núcleo gestor e demais colegas professores, ajustar o currículo, para se tra-
balhar em sala de aula, a partir de pesquisas prévias, promovendo motivação, in-
tegração e diálogo.
De acordo com Freire (FREIRE; SHOR, 2000, p. 21): “[...] o primeiro pes-
quisador, na sala de aula, é o professor que investiga seus próprios alunos”. Essa
concepção de pesquisa abrange diversas vertentes, e compreender o professor en-
quanto pesquisador de sua realidade tem benefícios no âmbito pessoal, profissio-
nal e educacional como um todo, pois faz do espaço da sala de aula, principalmente
da educação básica, o lócus para as reflexões necessárias que podem levar à expan-
são política.
É necessário enfatizar, também, que o professor, ao fazer da sala de aula
um ambiente propício para a pesquisa e a inserção de conhecimentos da realidade
dos alunos, expande suas percepções pedagógicas, e, ao compreendê-las de forma
crítica, também amadurece na sua formação. Deve realizar reflexões acerca de sua
didática, dos métodos utilizados em sala de aula, pois, ampliando esses conheci-
mentos, tem clareza de que alguns meios didáticos utilizados em sala de aula são

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

meras reproduções das situações de exploração e que fazem vítimas tantas crian-
ças, jovens e adultos no Brasil (CHARLOT, 2013).
De forma mais específica, a aula expositiva, quando inserida para “repas-
sar” o conhecimento, é algo que causa enfado, cansaço, falta de motivação, ini-
bindo a criatividade dos alunos. Claro que o professor pode se utilizar de um
momento para expor o conteúdo, mas que seja de forma participativa, que leve os
alunos a sentirem vontade de estudar, que desperte o interesse, a partir do que foi
explanado. E, principalmente, colocando esse momento não como o único, ou o
soberano das ideias, mas como um início de aprendizado, sob o assunto que será
estudado e compartilhado em sala de aula. Isso sim gera motivação, empolga, faz
com que a curiosidade seja aguçada, partindo-se do concreto vivenciado, para ir
além dele.
Esses assuntos abordados, cada um dentro de seus aspectos históricos e
buscando trazê-los para o mundo real dos estudantes, passa pela necessidade de
se valorizar, a cada dia, a leitura e a compreensão do que se está lendo. Ler é muito
mais que juntar sílabas, como nos alerta Freire (FREIRE; SHOR, 2000). Ler é um
ato que expande nossa consciência, que faz a mente se abrir para o conhecimento.
O ato de ler, abre muitas oportunidades de ampliação cognitiva para as demais
ciências (história, geografia, matemática, física, química, etc.). A Leitura engloba
todas as ciências que fazem parte do currículo escolar. É urgente a valorização
constante e fazer o elo entre o que se lê e o mundo em que o aluno está inserido.
Essa é uma leitura com sentido, que deve tentar fazer aproximações, indagar o a-
luno sobre o que essa leitura trás de novidade, de compreensão e de aprendizado.
O ato de ler precisa desse impulso, principalmente nas classes vítimas da
exploração neoliberal, em que o acesso a livros só acontece, muitas vezes, na es-
cola, por isso o desenvolvimento de práticas de leitura deve ser constante e valo-
rizado em toda instituição de ensino básico. É importante fazer uma observação,
não somente referente à leitura, mas às demais atividades realizadas em sala de
aula: quantidade não é sinônimo de qualidade. Quantos professores ficam aflitos
ao se aproximar do final do semestre, do ano letivo, e não conseguiram concluir o
que haviam planejado? Quantos professores selecionam fichas imensas sem fazer
a relação das motivações para essas leituras?
É preciso incentivar, claro que sim, mas o exagero não significa qualidade.
Por ser um ato que irá acompanhar o discente por uma longa jornada de estudos,
ato esse que estará sempre presente, dentro e fora da escola. Desse modo, o papel
do professor é o de incentivar os hábitos de leitura, tornando-os prazerosos, com
visitas contínuas à biblioteca escolar, com desejos de lançar à mente desafios de
novas leituras e aprendizados.
Além de ampliar a leitura na sala de aula, outro aspecto que merece des-
taque é a comunicação em seus espaços. Alunos em situações de vulnerabilidade

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

têm um vocabulário que é bastante diferente da norma padrão. Muitos deles se


sentem inibidos em dialogar abertamente com o professor, ou com os demais co-
legas, numa intervenção na sala de aula, devido à linguagem que utiliza em casa,
na comunidade em que frequenta, e ao chegarem à escola percebem que os profes-
sore se expressam de maneira muito diferente. “Os hábitos são tão antigos e tão
poderosos que, quando os alunos chegam ao colegial ou à universidade, é difícil
modificar o silêncio socializado e levar os estudantes a participar de prolongados
debates onde de fato exista a troca” (FREIRE; SHOR, 2000, p. 174).
Existe o temor de serem ridicularizados, de se sentirem humilhados, de
diminuírem, ainda mais, a estima, por isso, muitos ficam calados, apenas ouvindo.
O professor, precisa ampliar a sua visão de mundo, de linguagem, para poder man-
ter um ambiente aberto ao diálogo. Essa atitude precisa ser também comparti-
lhada através dos espaços de fala. O professor que monopoliza a fala, que não dá
espaço para o aluno se manifestar, ou, quando faz, retoma rapidamente a palavra,
centraliza o processo de ensino. Essa situação precisa ser percebida para que os
processos de comunicação em sala de aula também sejam democráticos, que haja
participação dos estudantes, sendo necessário que o professor estimule-os à fala,
pois, como já mencionado, quando se trata de falar a respeito do conhecimento, do
que está sendo estudado, muitos alunos se inibem, ficam silenciosos, barreira essa
que precisa ser superada.
Existe a norma padrão que é cobrada na sociedade, para se ascender so-
cialmente, para passar em concurso público, para realizar a prova do Enem, etc.
Essa linguagem é importante e precisa ser estudada ao mesmo tempo em que a
linguagem que o aluno traz também seja considerada, devido a sua importância,
uma vez que esta reflete sua vida, seus modos, suas vivências. Precisa ser ouvida,
compreendida pelos docentes, jamais ridicularizada ou sendo corrigida a todo
instante, pois causa medo de ser rejeitado ou humilhado. Nesse sentido, Freire
(FREIRE; SHOR, 2000, p. 89) nos adverte: “[...] a linguagem tem a ver com as
classes sociais, sendo que a identidade e o poder de cada classe se refletem na sua
linguagem”.
A palavra que cabe nessa relação que apresenta conflito é “respeito”.
Quando os alunos percebem que o professor respeita sua linguagem, que quer se
aproximar para, a partir desta linguagem, mostrar que o acesso a uma vida mais
digna passa por uma outra linguagem, que é dominada pela classe que domina,
isso demonstra maturidade e um desejo de fazer diferente na sala de aula. Com-
preender e se apropriar da norma padrão é um desafio, mas é um dever de profes-
sores e alunos.
Ao fazer esse trabalho educativo de se aproximar dos alunos através de
suas expressões linguísticas, o professor expande sua proposta pedagógica, supe-
rando uma pedagogia que usa de autoritarismo e totalitarismo que freiam o

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

potencial criador dos alunos, utilizando-se do currículo padrão como forma de


perpetuar a exclusão. “O currículo padrão, o currículo de transferência é uma
forma mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um programa, que
implica, acima de tudo, numa tremenda falta de confiança na criatividade dos es-
tudantes e na capacidade dos professores!” (FREIRE; SHOR, 2000, p. 97).
O currículo autoritário impacta negativamente na ação criadora entre
professores e alunos. O aluno, ao sentir segurança, a partir do acolhimento da fala,
da leitura, escrita e demais atividades propostas, sente-se mais confiante para o
diálogo, para a participação nas aulas, para a troca de saberes, tão necessárias ao
exercício da cidadania.
É preciso compreender que o currículo formal não está baseado na reali-
dade do aluno, uma vez que foi pensado fora de seu contexto, o que gera insegu-
rança. Situação essa bem diferente dos alunos de classes sociais mais favorecidas,
que percebem a escola como uma extensão de sua casa Cagliari (1995).
Para que essa sensação de acolhimento seja realmente acolhedora e soli-
dária, o trabalho desenvolvido pelos docentes deve ser pautado pelo respeito à é-
tica, ao bom senso e à valorização consciente dos progressos que são percebidos
na sala de aula. Temos consciência de que, por nossa condição de humanidade, de
falhas, de situações de cansaço físico e mental, ou por outras situações de dificul-
dade, o docente pode alterar sua maneira de se expressar, falando ou com mais
energia, como se estivesse com raiva, ou com pouca energia, como se não estivesse
naquele lugar, como se o mundo tivesse “parado”. Essas observações são impor-
tantes, pois quem lida diariamente com alunos em situação de exclusão social pre-
cisa compreender que a falta de tudo o que necessitam para viver já é uma
constante em suas vidas. De alimentos ao afeto, a falta é sentida e tem reflexos na
sala de aula.
Quando o docente muda o seu comportamento, tratando com hostilidade
aquele que busca alento na escola (mesmo sem ter tanta noção disso), cabe ao pro-
fessor falar sobre as dificuldades que também passa enquanto ser humano, suas
dores e angústias, para que o aluno compreenda que aquela situação é passageira
e que ele não é o problema. É preciso que as escolas tenham um momento para
planejar, não só didaticamente, mas pessoalmente, um momento com assistência
psicológica para que o docente tenha amparo quando precisar e não despeje suas
angústias em quem já é tão fragilizado e maltratado pela vida. Este é um sonho que
precisa de luta para ser atingido: ter nas escolas públicas apoio psicológico para
alunos e professores também. Desse modo, quando o docente passa por situações
conflituosas, deve-se utilizar uma linguagem clara, aberta e pedir desculpas se ti-
ver magoado os alunos ou tiver sido grosseiro. O diálogo é algo que faz crescer,
cria empatia e promove a criatividade.

227
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Essa comunicação abre espaços não à comiseração, ao conformismo das


situações vivenciadas pelo docente fora da escola, não é isso que estamos defen-
dendo, e sim a comunicação que faz o outro perceber a importância de se falar
sobre a vida, de se fazer entender sobre o porquê de mudanças, de situações que,
muitas vezes, passamos e não temos controle, de mostrar que o professor tem
necessidades.
Além dos desafios já mencionados, existem diversas situações na escola,
na sala de aula, que causam dificuldades para realizar diariamente sua função do-
cente. Salas de aula com um número excessivo de alunos, com carteiras quebradas,
quadro negro ou branco sem condições de uso, falta de material pedagógico, salá-
rios defasados, relações conflituosas com colegas professores e núcleo gestor, en-
tre outras situações. Essas e tantas outras adversidades demonstram que a
educação tem muitos obstáculos a serem superados.
Ter conhecimento dess mundo favorece, também, a tomada de decisão
para que as relações estabelecidas sejam sempre pautadas pela ética, pela solidari-
edade, pelo aprender colaborativamente. Isso implica outra forma de mostrar a re-
alidade aos alunos, pois quando eles percebem que os seus professores são afetados
por situações externas, quando dialogadas, abrem espaço para que eles compreen-
dam, também, as relações de exploração pelas quais sua família passa. Viver com
um salário mínimo, para se pagar aluguel, comprar alimentos, roupas, pagar água,
luz, e outras demandas, é desafiador, e muitos pais sofrem porque não conseguem
dar conta de tudo isso com tão poucos recursos. Sem falar no desemprego e/ou su-
bemprego que assolam o país. Todos esses desafios podem ser estudados, podem
fazer parte de um currículo que liberta. Sendo esse currículo abrangente, crítico e
desafiador, é também um currículo com uma concepção ampliada do ato político.
Educação e política estão imbricadas, pois a política está presente em
cada momento de nossa vida, em cada opção, em cada fala, mas também em situa-
ções desumanas que foram silenciadas. É papel de cada docente, como facilitador
dos processos dialógicos e includentes, deixar muito claro que existem opções po-
líticas que afetam a vida humana, que deixam pessoas em situações de miséria, que
afrontam a dignidade do ser humano. Esses questionamentos freirianos fazem
cada vez mais sentido: “Que tipo de política estou fazendo em classe?” Ou seja:
“Estou sendo um professor a favor de quem?”. Ao se perguntar a favor de quem
está educando, o professor também deve se perguntar contra quem está educando”
(FREIRE, SHOR, 2000, p. 60).
Ao colocar essas indagações e refleti-las, o educador, comprometido com
a transformação social, em parceria com os demais movimentos sociais, abrange
sua maneira de pensar o currículo, de vê-lo enquanto viés catalizador de cultura
dominante e que precisa ser ressignificado para fazer sentido, para ter seu papel
de condutor de novas aprendizagens pautadas pela democratização do ensino,

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

pela abertura ao diálogo e inserção social, principalmente pelos vitimados pela ex-
ploração neoliberal, patriarcal e escravocrata (FRIGOTTO, 2017).
Essa educação libertadora, propalada e sonhada por todos os educadores
respaldados nos ideários, que desoculta a realidade e mostra os crimes de exclusão
que uma grande parcela social vem enfrentando, deve ser vivida no contexto pre-
sente, observando os fatos ocorridos e vislumbrando um futuro com melhores con-
dições de vida. Por isso, esse sonho de vida digna deve ser iniciado na sala de aula,
desde as tarefas do cotidiano, mostrando a importância da participação de todos.
Realizar as atividades com os alunos, buscando sugestões, ouvindo, aprendendo e
ensinando, faz com que eles aprendam na ação a importância da participação na
tomada de decisões, o que também é um ato político, assim como se engajar nas
tarefas em que a escola busca a participação da comunidade extraescolar.
Como um docente pode divergir, opinar ou reclamar, se ao ser chamado
para colaborar na elaboração de instrumentos importantes para a escola, como o
Projeto Político Pedagógico (PPP), por exemplo, ele não comparece? Se nas reuni-
ões de pais, planejamento, abertura da escola à comunidade, ele não está presente?
É preciso compreender que os atos políticos também expressam nossos deveres.
Incentivar os alunos à participação na sala de aula e não participar das demais
ações da escola é algo incongruente.
Essa educação que colabora nos processos de libertação não é um mero
falatório, coisa de quem gosta de escrever “bonito”. É uma educação séria, com-
prometida com aspectos de importância social, e precisa que os educadores te-
nham essa compreensão ampliada de seu papel social. Apesar das condições
desfavoráveis ao trabalho docente, é necessário, segundo Freire, (FREIRE; SHOR,
2000, p. 144), “[...] reinventar os aspectos visuais e verbais da sala de aula são duas
formas de se opor às artes destrutivas da educação passiva.”
Através das ações de engajamento na comunidade escolar, dos trabalhos
realizados em sala de aula, utilizando o diálogo e o respeito à fala do estudante,
partindo de sua realidade para alcançar outros conhecimentos, faz-se com que a
esperança ressurja e a luta cresça. Desde a disposição das carteiras, ao espaço de
abertura para a fala dos alunos, a leitura de mundo se amplia e o projeto de socie-
dade também.
Portanto, é preciso união, engajamento político, força e vontade de so-
nhar para lutar no coletivo por melhores condições de vida em sociedade, por con-
dições de trabalho digno para todos. Temos consciência que através da Emenda
Constitucional n.º 95, de 15 de janeiro de 20166, os investimentos em saúde e edu-
cação estarão limitados pelos próximos 20 anos.

6
Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá
outras providências. Publicada no Diário Oficial da União, seção 1, página 241, sexta-feira, 16 de
dezembro de 2016. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/guest/inicio. Acesso em: 10 ago. 2020.

229
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Neste momento em que o texto está sendo pensado, refletido e escrito,


passamos pela pandemia da Covid-19, algo que nossa geração jamais havia presen-
ciado. A sociedade está percebendo que são necessários maiores investimentos em
saúde e educação públicas. Valorizar o público, valorizar os profissionais que de-
dicam 30 anos ou mais de sua vida para fazer chegar saúde e educação no país é
urgente. Essa vivência em período de pandemia também nos alerta para o perigo
do “Escola sem Partido” e suas reais intenções de perpetuação da classe dominante
(FRIGOTTO, 2017).
O educador ético, comprometido com sua formação e função social que
desempenha, tem sim o dever de falar abertamente sobre racismo, fascismo, LGB-
Tfobia, movimentos sociais, patriarcado, etc. Fazer isso não é impor ideais, como
foi tão divulgado via fake news (FRIGOTTO, 2017). Os alunos têm liberdade de se-
guirem suas vidas, suas escolhas, mas cabe ao educador consciente mostrar que
existem escolhas que, ao invés de colocá-los como protagonistas, podem deixá-los
à mercê da vida, em situação de vulnerabilidade, de exploração, seja social, psí-
quica, familiar, etc.
Essa educação libertadora é comprometida com a vida, com os processos
de sermos humanos e valorizados por tal condição. É uma educação que utiliza o
diálogo como forma de expressão criativa e integradora, que luta contra as formas
de opressão e diz “não” à morte prematura de jovens negros que moram nas favelas.
Que diz “não” à exploração sexual de menores que são abusadas sexualmente
desde a infância. Que diz “não” à LGBTfobia, que mata perversamente milhares de
pessoas, sem motivo, com um ódio que beira a loucura. Que diz “não” a um governo
de extrema direita que prega armas no lugar de livros. Avante, crescendo em co-
munidade, com alegria no coração e vontade de ver um mundo melhor, para todos
e todas.

4. A escola como espaço de construção da cidadania nas ações cotidianas


do fazer pedagógico
Refletir sobre a escola é discutir as ações que acontecem nesse ambiente
para propiciar vivências que gerem desenvolvimento e aprendizagem através das
relações que lá ocorrem. A instituição não pode ser considerada apenas um local
arquitetônico, estrutural e com normas, é preciso enxergá-la como comunidade
dotada de poder para agir em prol de mudanças, de lutas e de reflexões sobre o
papel dos sujeitos que interagem em busca de aprendizagem e de desenvolvi-
mento. O processo educativo se dá em um contexto social em que as práticas têm
influências das posições sociais que os educadores incorporam para exercer a pro-
fissão. Assim, é necessário indagar qual o tipo de sujeito que queremos formar,
desenvolver, instigar atitudes e quais competências são demandadas em um cená-
rio social educacional. Candau (2013, p. 14) enfatiza que:

230
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A escola está chamada a ser, nos próximos anos, mais do que um lócus de apro-
priação do conhecimento socialmente relevante, o científico, um espaço de diá-
logo entre diferentes saberes- científico, social, escolar etc. [...] é no cruzamento,
na interação, no reconhecimento da dimensão histórica e social do conheci-
mento que a escola está sendo chamada a se situar.

Rediscutir a escola é uma tarefa desafiadora à sociedade atual, e uma ne-


cessidade emergente de mudanças de práticas em prol de inserir ações que com-
ponham a diversidade cultural, os movimentos sociais, abertura ao diálogo e à
comunidade na qual está inserida. A escola, como espaço de vivências, precisar
exercer práticas no seu cotidiano que favoreçam a igualdade e as lutas sociais,
principalmente dos excluídos do massacre da desigualdade que cresce a cada dia
no nosso país. Saviani (1999) enfatiza que a escola é um espaço de luta social, do
qual os excluídos, marginalizados da sociedade vigente, precisam lutar contra i-
deologias dominantes. Freire (2011) aborda que é necessário refletir sobre si, sobre
estar no mundo e agir consciente nesse mundo histórico social de classes antagô-
nicas, e saber para qual classe estamos lutando.
Quando tratamos da educação, do ensino e da escola precisamos compre-
ender esse percurso e o que vem a caracterizar as ações educativas como não in-
tencionais e intencionais. Conforme com Libâneo (2013, p. 17):
A educação não intencional refere-se às influências do contexto social e do meio
ambiente sobre os indivíduos. Tais influências, também denominadas de educa-
ção informal. [...] A educação intencional refere-se a influências em que há inten-
ções e objetivos definidos conscientemente. [...] São muitas formas de educação
intencional [...] podemos falar de educação formal e não-formal.

A educação que abordamos se refere às práticas pedagógicas que aconte-


cem na escola, em seu contexto de cotidiano, que no ato de ser educador influencia
pessoas, um ato intencional de formar cidadãos e saber que esses educandos vêm
de um contexto social, que por existirem já têm ideologias, culturas e saberes, do-
tados de criticidades, e estão em formação para se desenvolverem e progredirem.
São os educadores de toda a comunidade escolar que poderão contribuir para uma
transformação no processo de ensino e aprendizagem no contexto escolar. Morin
(2011, p. 65) afirma que:
A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a
condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão. Um cidadão
é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em re-
lação a sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional.

As práticas do professor precisam mostrar em que lado da sociedade per-


manece suas lutas e ideologias. Iremos discutir numa perspectiva de educador que
assume o compromisso social de luta contra a desigualdade através das práticas
pedagógicas que ocorrem no cotidiano dentro das ações escolares. Percebendo a
escola como um grupo de pessoas em processo de desenvolvimento, a organização
das aulas, dos projetos, dos eventos, das falas, dos diálogos, a ambientação dos

231
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

objetos, sejam decorativos ou de uso coletivo, e os comportamentos têm que inse-


rir atitudes de mudança social.
O diálogo entre os professores deve existir para que essa troca de experi-
ências os ajude a perceber que juntos podem superar os desafios que a nossa soci-
edade desigual estabelece. Estar inserido em um ambiente em que todos os
servidores pensem e trabalhem com objetivos comuns faz com que toda a comu-
nidade desenvolva de forma construtiva e inclusiva. Toda essa vivência no ambi-
ente escolar precisa ser refletida em uma relação de teoria e prática, o que penso e
o que realmente faço. Para Roza (2008, p. 30):
Refletir sobre aquilo que foi vivido no ambiente concreto, na dinâmica do pro-
cesso, e buscar fundamentação teórica para essa prática permitem ao professor
e ao educando um movimento dialético de construção do conhecimento acerca
de si mesmo e de sua ação, que corrobora na elaboração de questionamentos e
de dúvidas que fertilizarão esse “novo fazer”, com um “novo olhar”.

A prática, quando ocorre de forma reflexiva, provoca no professor a refle-


xão de si e do outro, do educando em ação de indagações da sociedade da qual
pertence, de atitudes geradas no ambiente escolar para o favorecimento de um
processo inclusivo e de pertencimento. Um olhar para os excluídos, para um outro
sujeito, uma história omitida de grupos humanos, dos debates sociais e, muitas
vezes, das ações escolares, de uma diversidade cultural negada, que, na maioria dos
casos, a educação elitista não o fez perceber como sujeito de uma história, como
agente transformador, é esse outro que precisam ser debatidos, foram classes so-
ciais excluídas das discussões da sala de aula, das ações escolares, como enfoca
Arroyo (2012, p. 110): “Na medida em que os Outros se afirmam como sujeitos his-
tóricos, a diversidade cultural se afirma como constante histórica em nossa forma-
ção social, política, cultural e pedagógica”. Pensar de forma reflexiva sobre esses
sujeitos e praticar ações que visem às lutas sociais e que permitam perceber desde
o cotidiano escolar que a mudança é possível. Lopes e Torman (2008, p. 50) enfo-
cam que:
São várias as transformações que levaram ao surgimento da discussão sobre ex-
clusão social e que afetam diversos aspectos da vida social.- sejam eles culturais,
econômicos, sociais, políticos e psicológicos. Não é de espantar que os vários
conceitos de exclusão social sejam também multifacetados e pluridimensionais.

Os desafios para o professor e para toda a organização da prática peda-


gógica que envolve o contexto escolar vêm através de se contribuir para o desen-
volvimento do ser humano, do educando como um sujeito que reflete e age em prol
da mudança da sua própria história. É um fazer da educação um processo de en-
sino dialógico, que envolva os conhecimentos científicos e as demandas de lutas
sociais de forma interativa. A escola é um espaço de vida, de crescimento enquanto
cidadão, como enfatiza Imbernón (2010, p. 101).

232
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Sugerimos que se fale da escola não tanto como “um lugar”, e sim como uma ma-
nifestação de vida em toda sua complexidade, em toda sua rede de relações e
dispositivos com uma comunidade educativa, que tem um modo institucional de
conhecer e querer ser.

Pensar na escola como espaço de vivências é perceber que ações cotidia-


nas pedagógicas podem contribuir para a formação de cidadãos, na criticidade de
um ser em desenvolvendo que ali se integra nas suas diferentes culturas, opiniões,
ideologias, cores, religião e formas de ser gente, e que todos podem aprender, de-
senvolver, respeitar e serem felizes na diversidade existente na humanidade. De-
lors (2003, p. 11) aborda que a educação pode contribuir “[...] a um
desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer re-
cuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as guerras [...]”.
O poder da educação também é perceptível quando o educador reflete
sobre a sua própria história de vida e age em busca de contribuir no âmbito de suas
práticas pedagógicas para que os educandos percebam em si e reflitam sobre quem
são, em qual sociedade estão inseridos e a força de mudança através da educação
nos processos de ensino e de aprendizagem no contexto escolar.
Alarcão (2010, p. 92) nos diz que “[...] a escola, tem uma missão: educar.
Pensa-se e organizar-se para saber como desempenhar essa missão num dado con-
texto temporal e sociocultural. Quer saber se está no bom caminho e para isso
investigar-se e avalia-se a si própria”. Todos que pertencem à comunidade escolar
precisam refletir sobre suas ações e sobre o que essas ações estão estabelecendo e
proporcionando enquanto instituição que educa, que transforma e que pertence a
um meio social.
Compreender a importância da escola é entender que “[...] a educação es-
colar constitui-se num sistema de instrução e ensino com propósitos intencionais,
práticas sistematizadas e alto grau de organização, ligado intimamente às demais
práticas sociais” (LIBÂNEO 2013, p. 24). Quando relatamos intencionalidade or-
ganização e planejamento, isso não pode ser remetido à burocratização das ações
pedagógicas, e sim que para se desenvolver um perfil de cidadão crítico e atuante
na sociedade. Para tanto, é necessário ter objetivos específicos e trabalhar de forma
consciente em prol desses objetivos, qual a missão da escola, os valores e para qual
sociedade se está trabalhando, indagações essas que toda a comunidade escolar
precisa fazer.
Dessa forma, o educador precisa agir com intencionalidade, e toda a co-
munidade escolar deve assumir um compromisso de lutas sociais e de colocar as
práticas que ocorrem desse contexto com intencionalidade de desenvolver a criti-
cidade, habilidades, atitudes e competências para se viver em uma diversidade cul-
tural na sociedade em que está inserida. Conforme Ribeiro (2006, p. 166):

233
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A escola por si só não forma o cidadão. É função da escola dar as condições para
que ele possa se formar e se construir. Esta é uma instituição inserida num contexto
histórico, que recebe influências externas e pode influenciar naquilo que acontece
ao seu redor. Não deve ser uma instituição neutra ante ao contexto social.

A neutralidade não pode existir em um educador que visa contribuir com


o desenvolvimento dos seus educandos, pois existimos em uma sociedade injusta
e desigual, e estamos inseridos para mudar a realidade em prol de uma vida justa
e igualitária. Perceber que as classes dominantes detêm o poder de impor ideolo-
gias, comportamentos, ideias, formas de ser, de agir, de pensar e de ser no mundo,
favorece a quebra de paradigmas, pois, em um mundo tão diverso, não há como se
enquadrar em uma única forma de ser, somos todos diferentes e com direito de
exercer a cidadania, muitas vezes negada.
A luta faz parte para se romper e quebrar ditaduras de ser. Somos dota-
dos de diferenças que enriquecem as interações sociais, e a escola pode contri-
buir para as relações de empatia e de lutas por uma sociedade mais igualitária.
“A escola, como organização, tem de ser um sistema aberto, pensante e flexível.
Sistema aberto sobre si mesmo, e aberto à comunidade em que se insere”
(ALARCÃO, 2010, p. 17).
Perceber o cotidiano escolar nos coloca várias indagações. Muitas vezes,
escutamos, lemos, falamos e atuamos como se a escola perdesse a importância na
atualidade, diante de tantas problemáticas que envolve o processo educativo, seja
de forma institucional, política, econômica ou social. Estamos diante de questio-
namentos dos familiares, da sociedade e do próprio discente acerca do tema “para
que serve a escola?”. Constantemente, encontramos essas indagações, seja nos cor-
redores, na sala de aula, nas reuniões, nas falas de alguns representantes da socie-
dade. Nesse sentido, Charlot (2013, p. 21) afirma que:
[...] há cada vez mais alunos que vão à escola apenas para passar de ano e que
nunca encontraram o saber como sentido, como atividade intelectual, como pra-
zer. A ideia básica da teoria do capital humano, de que a educação é um capital
que traz benefícios para a vida profissional, não é apenas uma ideia dos capita-
listas, é também a ideia predominante na mente dos jornalistas, dos políticos,
quer de esquerda, quer de direita, dos pais e dos próprios alunos. Assim cresce o
descompasso entre o que a escola oferece e o que os alunos e os pais esperam
dela e, portanto, aumentam as dificuldades dos docentes.

Refletir sobre o papel da escola, o que pensam seus membros e a socie-


dade, nos permite perceber que precisamos inserir a comunidade externa, da qual
a escola faz parte, dentro do ambiente escolar, oportunizando que participe dos
planejamentos e das ações pedagógicas. Dessa forma, a instituição transborda os
muros escolares, questionando o contexto em que está inserida, quais grupos so-
ciais têm no bairro, quais ações acontecem, o que pensam os pais e os educandos,
como eles percebem a escola, a comunidade, a sociedade na qual está inserida na-
quela localidade e como as práticas pedagógicas dentro da escola podem fazer

234
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

ligações com o seu contexto social. Tudo isso precisa ser refletido para cultivar
nos educandos a percepção de si, a mudança que almejam enquanto inseridos na-
quela comunidade, enquanto um “eu” que age e a força da ação conjunta. É preciso
ter o sentimento de pertencimento, conforme afirma Morin (2011, p. 74):
Somos verdadeiros cidadãos, dissemos, quando nos sentimos solidários e res-
ponsáveis. Solidariedade e responsabilidade não podem advir de exortações pi-
egas nem de discursos cívicos, mas de um profundo sentimento de filiação
(affiliare, de filus, filho), sentimento matripatriótico que deveria ser cultivado de
modo concêntrico sobre o país, o continente, o planeta.

Estar inserido e ter sentimento de pertença a um ambiente social requer


conhecer a comunidade em que se está inserido, perceber-se como agente trans-
formador da sua própria realidade e compreender que pela união de todos, sejam
em grupos , associações ou outro tipo de junção, a coletividade tem o poder de
mudar e de fazer a diferença, transformando a sociedade através da ação conjunta.
É necessário que a escola envolva a comunidade a qual pertence, pois não cabe
mais ser um ambiente fechado, de reuniões burocráticas, planejamentos exausti-
vos, com alunos e alunas enfileirados dentro de uma sala de aula, copiando conte-
údos. É preciso que toda a organização institucional reflita sobre as ações que
ocorrem dentro desse ambiente, pensar se ele favorece a democratização e lutas
sociais ou se contribui para formar educandos omissos e passivos diante da sua
realidade pessoal e social. Nobre e Sulzart (2018, p. 02) afirmam que:
A escola tem como papel social a tarefa de, principalmente, encaminhar ações
por meio de processos educativos que venham despertar o compromisso social
dos indivíduos, das entidades e dos grupos sociais, objetivando fazer uma só a-
liança, capaz de promover mudanças e transformações no cumprimento do de-
ver educacional, da preparação e formação de alunos que sejam cidadãos
portadores de uma nova visão de mundo reinventado, através da criticidade e da
participação.

Perceber o que está dentro da escola e compreender que as ações podem


construir para mudanças sociais, é se envolver no todo educacional e se conscien-
tizar de que juntos podemos desenvolver uma aprendizagem crítica, reflexiva e
inclusiva. Freire (2011) enfatiza que a educação liberta, muda pessoas, contribui
para se pensar na própria existência, na própria história e, nessa reflexão de si,
transforma uma sociedade. Ter consciência da sua história, das dificuldades e dos
desejos de mudança faz a diferença quando partimos para a ação, e esse partir para
a ação requer uma reflexão sobre a ação e um desejo de mudança através das prá-
ticas cotidianas, sejam elas individuais ou coletivas. Reinventar a escola requer
lutar em prol de uma sociedade mais igualitária, na qual sejamos educadores em
busca dessa igualdade, através das nossas práticas pedagógicas.

235
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

5. Conclusão
A escola é o espaço de vivência em que o conhecimento é a base para as
vivências ali estabelecidas. Conhecer para se viver com mais dignidade. Os conhe-
cimentos presentes na instituição expandem os muros e se interconectam com as
vidas de cada um dos que estão constantemente nesse espaço. Ao percebê-lo com
sua força, grandeza, mas também com suas fragilidades, tornamo-nos mais cons-
cientes dos desafios.
Viver o espaço escolar é aprender diariamente a desenvolver o censo é-
tico, estético, político e pedagógico. Por estarmos inseridas numa comunidade e
sociedade firmada historicamente, nossos olhares para com o espaço escolar de-
vem permear as diversas realidades ali existentes. Ao trazermos questões que per-
passam o currículo, as relações professor-aluno e relações do cotidiano escolar,
expressamos, neste texto, o convite atento e solidário para as questões relevantes
contidas nesses contextos.
As opções por uma pedagogia que seja capaz de conduzir à transforma-
ção, luta e engajamento pela cidadania e condições mais dignas de vida, estão pre-
sentes nas afirmações freirianas de que é preciso diálogo formador e transformador
para que a escola tenha o reconhecimento enquanto espaço que agrega e congrega,
na diversidade, na busca pelo respeito ao outro, com suas diferenças e singulari-
dades no aprender, no ser e no fazer da sala de aula.
Viver para se ter coragem para anunciar e denunciar as situações que o-
primem, que não colaboram para o crescimento do ser humano, é também uma
realidade a ser encarada e praticada nas escolas. Os conhecimentos, quando colo-
cados à serviço da comunidade, devem levar em consideração os seus saberes pre-
sentes e que fazem parte do cotidiano daquele povo.
Respeitar os conhecimentos presentes dentro e fora da escola faz com
que o diálogo ocorra de forma leve, suave, sem imposições. Partir daquilo que está
posto, da realidade vivida, faz com que a assimilação aconteça de forma mais clara
e real. Quando imposto, o conhecimento, numa verticalidade que inibe a fala e a
participação dos alunos, é repressor. Ao invés de colaborar para a vida, para a par-
ticipação ativa, alegre e feliz, faz exatamente o contrário. Por isso, as reflexões ex-
postas nos convidam a percebermos as relações entre os conhecimentos, as
aprendizagens, as formas de relacionamento na sala de aula e os compromissos
assumidos com as ações pedagógicas, tudo isso impulsionando a vida escolar, com
vistas à participação ativa, solidária, ética e vivencial dos alunos, de seus familiares
e de todos que compõem a escola.
Cada um a seu modo, assumindo sua parcela de contribuição para que a
causa maior que está alicerçada nos conhecimentos seja apreendida a partir dos
seus saberes, os quais conduziram o sujeito para novos conhecimentos que

236
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

fortalecerão os laços afetivos e sociais, buscando as participações necessárias, o


engajamento preciso e vivaz. Dessa forma, a escola estará aberta para, em con-
junto, trilhar o caminho do “Ser Mais”, tão almejado por Paulo Freire, nas lutas e
vivências cotidianas.

237
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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238
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze
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1999.

239
A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
NA PEDAGOGIA FREIRIANA

Clenio Vianei Mazzonetto 1


Patrícia Signor 2

Para iniciar, reflexões sobre interdisciplinaridade


A discussão pretende abordar a teoria educacional racional moderna car-
tesiana com o intuito de aproximar um viés intersubjetivo, coletivo prático-moral.
A problematização do estudo, aborda o campo educacional pela racionalidade mo-
derna, apontando para uma potencialidade interdisciplinar como uma potenciali-
dade dialógica. A ótica da racionalidade moderna foi evidenciada como
insustentável nas suas promessas, deste modo, seria fundamental construir uma
nova possibilidade para construção do conhecimento.
Pensar uma educação em uma perspectiva holística e dialógica é uma pos-
sibilidade de compreender seus sujeitos, na subjetividade e integralidade com o
ambiente, sociedade e historicidade enquanto protagonistas de suas histórias.
Neste processo, torna-se necessário, é importante refletir as possibilidades de no-
vas perspectivas para a construção do conhecimento e a ressignificação do pro-
cesso educacional. Na ruptura com o paradigma cartesiano o olhar de Paulo Freire
para a educação, desperta possibilidades de humanização, dignificação dos sujei-
tos, olhares voltados ao outro e ao mundo, educando para a vida e para a cidadania.
Com o comprometimento ético do cuidado com o mundo, com o outro e
com a vida, pensar a educação em Freire é rigorosamente defender a justiça social
e uma educação que transforme a vida dos meninos e meninas, homens e mulheres,
com dignidade e esperança. Para tal, as práticas pedagógicas precisam ser pensa-
das na coletividade, na integralidade do conhecimento, na subjetividade dos sujei-
tos que a compõem. Educadores assumem o papel de mediadores da realidade,
para que esta, possa ser observada na construção do conhecimento. Pela interdis-
ciplinaridade, é que o conhecimento se torna significativo, intersubjetivo e capaz
de promover um conhecimento que transforma.

1
Doutor em Educação pela Universidade do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopoldo RS. Educador
em EAD pela Universidade Aberta do Brasil, Educador da rede pública do RS.
cleniomazzonetto@gmail.com
2
Doutoranda em Educação UFSM, LP1 – Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional Docente.
Educadora do CESURG (Centro de Ensino Superior Riograndense) de Sarandi no curso de
Pedagogia. E-mail: psignor89@gmail.com
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Os paradigmas constitutivos de uma educação entre razão e criticidade


Ao discutirmos aprendizagem, processos educativos é possível perceber
que nossos pares comumente fundamentam suas discussões, suas retóricas a par-
tir de valores historicamente construídos que também podem ser considerados
como estruturas paradigmáticas.
Iniciaremos nossas reflexões, tentando construir uma definição de para-
digma. Para isso, é mister tomar como base os estudos de Thomas Khun. A partir
de sua linguagem, paradigma pode ser compreendido como verdades indiscutí-
veis, como premissas verdadeiras sobre as quais é possível construir conhecimento
científico.
Então com base em Khun (2011) podemos afirmar que paradigma é um
conjunto de verdades e revelações, aceitas como indiscutíveis dentro de uma co-
munidade científica, para a partir destas verdades, se construir todo um arcabouço
que servirá como referencial para construção do conhecimento.
O conceito de ciência, de educação, formas de construir o conhecimento,
a definição de seu objeto, a seleção de seus problemas, a construção de respostas
compreendidas como “verdadeiras”, tudo é determinado em acordo com o para-
digma a ser seguido. O próprio Khun exemplificou a problemática afirmando “que
uma comunidade científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um
critério para escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito pode ser
considerado como dotado de uma solução possível (KHUN, 2011, p. 60).
Khun (1991) buscou compreender o funcionamento da ciência, seus me-
canismos internos, os fundamentos pelos quais os cientistas tomam suas decisões.
“(...) os paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas
que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência” (KHUN, 1991, p.13).
Em acordo com o filósofo, a ciência não se desenvolve por meio de acu-
mulação de conhecimentos individuais, mas sim dentro de esquemas conceituais,
por meio de evoluções ou revoluções paradigmáticas, ou seja, na transição suces-
siva de um paradigma para outro. O surgimento, a emergência de um novo para-
digma, afeta a estrutura do grupo que se sustenta deste paradigma, sendo
absorvido por este. Quando um indivíduo ou grupo produzem uma nova proposta,
tendo poder em atrair a maioria dos participantes da geração seguinte, o grupo
tradicional passa por um processo de desaparecimento gradual.
Thomas Khun nos adverte:
As divergências realmente desaparecem em grau considerável e então, aparente-
mente, de uma vez por todas. Além disso, em geral seu desaparecimento é causado
pelo triunfo de uma das escolas pré-paradigmáticas [...]. (KUHN, 2011, p. 37)

242
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Em suas justificativas, o autor lembra do paradigma aristotélico que foi


amplamente utilizado pela física por mais de dois mil anos. Outros exemplos de
paradigmas são a astronomia copernicana, a dinâmica newtoniana e a teoria da
relatividade construída por Einstein.
Desta forma, este escrito buscou, preliminarmente, o entendimento, a e-
lucidação da conceituação, da definição de paradigma, fundamentado em Khun,
para posteriormente auxiliar na compreensão e elucidação do paradigma racional
moderno na construção do conhecimento e consequentemente seu entrelaça-
mento com o processo educativo e, desta forma, argumentar a necessidade de
construir o conhecimento em outras possibilidades, especialmente no diálogo frei-
riano historicamente contextualizado.

Historicizando o paradigma racional moderno


O significado de racionalismo ou racionalidade, tem como indicador um
método específico de construção de conhecimento, atribuído a uma série de mu-
danças, sejam de ordem pessoal ou intelectual que se intensificaram a partir da me-
tade do século XVI, que teve sua continuação nos séculos seguintes, influenciou e
influencia de certa forma parcela dos educadores mesmo na contemporaneidade.
Para caracterizarmos o momento da filosofia conhecido como modernidade racio-
nal, pensamos ser importante elucidar alguns aspectos históricos.
A partir do século XV, ocorreu uma série de transformações histórico-
sociais na Europa que contribuíram decisivamente na construção de uma nova
mentalidade.
Em acordo com Cotrim (2004) essas grandes transformações podem ser
compreendidas como a passagem do Feudalismo para o Capitalismo, período em
que ocorreu um florescimento de rotas comerciais, e emergência da burguesia, o
movimento da reforma, que rompeu com a concepção passiva do homem entregue
unicamente aos desígnios divinos. A criação de novos métodos científicos, a partir
do desenvolvimento da ciência natural, processo que impulsionou o movimento
da razão humana, até então submissa aos dogmas do Cristianismo. A invenção da
imprensa que possibilitou a impressão e acesso aos textos clássicos gregos e ro-
manos, que foram fundamentais para a formação da mentalidade renascentista.
Como movimento cultural que também teve importante papel no desen-
volvimento da nova mentalidade, foi chamado de Renascimento ocorrido nos sé-
culos XV e XVI, inspirado no Humanismo, defendia o estudo da cultura greco-
romana e as ideias de exaltação nos atributos humanos como a razão e a liberdade.
Esta forma de pensar contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da men-
talidade racional.

243
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

O Renascimento, proporcionou maior disposição para que a humanidade


passasse a questionar os mistérios do mundo, aguçando o espírito de observação
do então considerado homem moderno.
A partir do século XVIII, o paradigma da razão, por meio do movimento
iluminista, coloca as leis do universo sob o princípio da razão. O século das luzes,
em que é retomado o ideal iluminista pelo exercício da razão esclarecida e crítica,
promete emancipar o ser humano das amarras das superstições e da tirania
(ROUNET, 1989).
No processo de construção do paradigma racional moderno, é preciso no-
mear importantes pensadores como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Francis
Bacon e o mais influente sem dúvidas René Descartes
Assim destacamos alguns aspectos que favoreceram o processo de cons-
trução da racionalidade moderna, a qual propõe a razão, caracterizada pela subje-
tividade como caminhos infalíveis para construção do conhecimento. Por meio da
racionalidade o ser humano foi capaz de eleger os pilares da ciência moderna, atri-
buindo ao conhecimento uma relação ôntica entre causa e efeito.

O cartesianismo e a construção do conhecimento


O advento da modernidade teve o seu ápice com pensador francês René
Descartes. O pensamento cartesiano utilizou como ponto de partida a dúvida,
Descartes considera tudo que é proveniente dos sentidos como fonte de informa-
ções duvidosas. “Tudo que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e
seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos; ora experimentei algumas vezes
que esses sentidos eram enganosos, e até de prudência nunca se fiar inteiramente
em quem já nos enganou uma vez (DESCARTES, 1979, p. 85-87).
O paradigma da racionalidade moderna, fundamenta-se na subjetividade,
na qual a razão se torna fator determinante na construção do conhecimento. Este
paradigma, exclui quaisquer condicionamentos da intersubjetividade. Assim, a res
cogitan e ela somente tornou-se o fator determinante na construção do conheci-
mento. Corroborando com esta forma de pensar, Flickinger (2011, p.29) observa
que; “Trata-se de uma concepção que forçaria a epistemologia pós-cartesiana a a-
ceitar, como conhecimento cientificamente legitimado, somente aquele cunhado
pelas condições impostas pela nossa razão”.
Este processo racional de construção do conhecimento, ficam eliminados
quaisquer possibilidades de influência da intersubjetividade, ou seja do objeto in-
terferir no processo do conhecimento. Em relação à isso, Flickinger (2011, p.29)
“para que essa possibilidade se torne possível, Kant, descobriria mais tarde, a es-
trutura da razão, em que esta cumpriria a tarefa de condicionar o conhecimento
objetivo.”

244
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Por certo com o filósofo Emmanuel Kant (1985) é provável que a raciona-
lidade moderna tenha construído por meio das condições apriorísticas, o ponto
mais crítico da relação sujeito x objeto. A Filosofia Kantiana centrou seus esforços
em investigar a razão e seus limites. De acordo com o filósofo, o conhecimento e as
experiências deveriam se adequar aos limites impostos pela razão, portanto, assim
desconhece o outro como possibilidade na construção do conhecimento. Assim,
Kant (1985) considera impossível conhecermos as coisas em si mesmas (o ser em
si), podemos somente conhecer as coisas tal como nossa razão percebe (o ser para
nós). A proporção da possibilidade de conhecer os objetos é definida pela capaci-
dade a priori do sujeito, ou seja, o conhecimento vai depender da competência de
experimentar e a competência de entendimento de cada sujeito.
Esta concepção tem continuidade na teoria hegeliana do conceito abso-
luto, em que também não há espaço para oposição entre subjetividade e objetivi-
dade, sendo a razão apresentada como unificadora na construção do
conhecimento. Através do movimento do ser em si, ser do outro e o retorno em si,
movidos pelo espírito absoluto.
A partir do século XX, ao paradigma racional como modelo de construção
do conhecimentos, passou a recebe ácidas críticas, sendo atribuídas à cientificidade
exacerbada grande parte dos males da humanidade e das barbáries humanas, como
os horrores das Guerras, o acelerado esgotamento dos recursos naturais, os dese-
quilíbrios ambientais, demonstram claros sinais do esgotamento deste paradigma.
Esta visão paradigmática se mostrou superada, devido a esta forma de
pensar fragmentada, e que por isso fragmenta o ser humano. Se mostrou questio-
nada em seu até então incontestável progresso sendo incapaz de produzir um fu-
turo melhor, tendo em vista alguns motivos já mencionados e a complexidade na
construção do conhecimento ser constituída de outros elementos.
Essa forma de construir o conhecimento, ainda podemos encontrar mar-
cas em nosso processo educativo, que necessitam serem superados. Aqui podemos
citar a disposição dos espaços escolares, o conhecimento fundado na memoriza-
ção, nos conteúdos, na repetição e na punição com relação ao que considera “erros”
e tentativas de liberdade de expressão.
Propomos assim ultrapassar esta forma de construção do conhecimento,
na perspectiva em romper este processo, disciplinar, fragmentado, subjetivo, ver-
balista. É preciso uma outra lógica para o conhecimento se construa por meio da
dialogicidade.

A interdisciplinaridade como possibilidade de pensar a educação


A partir do exposto vemos a interdisciplinaridade como possibilidade de
romper com os malefícios da especialização, como também superar o conheci-
mento racionalista subjetivo, para uma construção do conhecimento

245
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

intersubjetiva, em que tanto o conhecimento quanto a educação possa ser cons-


truída de forma inter-relacional, na medida que o sujeito possa ampliar sua forma-
ção com o outro. É preciso romper a lógica do conhecimento e por extensão
educacional na relação sujeito x objeto para uma proposta intersubjetiva, em que
o conhecimento ocorre em constante relação com o outro, o sujeito se constrói na
relação dialógica de igualdade.
Nesta perspectiva, de conhecimento, sujeito, no reconhecimento do ou-
tro como coautor do conhecimento, existe um processo dialógico, solidário, da pa-
lavra. Freire (1982) “Não há palavra verdadeira que não seja práxis, que transforme
o mundo”, pois a palavra se transforma em ativismo, em ação. A importância da
palavra se faz, pois, nossas relações verdadeiras se dão através do diálogo. “Não é
no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”
Freire (1982). A educação tradicional, trata o aluno como objeto, robotizado, alie-
nado, ao contrário do que propomos, o conhecimento não acontece por transfe-
rência. O conhecimento precisa ser libertador, consciente, participação livre e
crítica, onde se possa estabelecer verdadeiro sentido da troca.
A interdisciplinaridade como paradigma busca a construção de uma nova
racionalidade, superando a racionalidade moderna. Na contramão do niilismo de
Nietzsche, Freire propõe o diálogo como possibilidade, como construção do co-
nhecimento como relação de intersubjetividade, que possibilite a autonomia do
sujeito.
Para esta nova possibilidade, Zitkoski descreve.
Partindo da racionalidade crítica e emancipatória, ancorada em base epistemo-
lógica, políticas e éticas e renovadas e inovadoras, será possível às sociedades
contemporâneas construir caminhos de superação dos atuais processos político-
econômico dominantes, que subjuguem os povos do mundo todo, atrelando-os
à vontade onipotente de mais poder e controle do planeta a partir de uma visão
de mundo parcial e necrófila frente ao futuro da humanidade (ZITKOSKI, 2000,
p. 110).

Em Freire, o diálogo é condição ontológica para que seres humanos se


eduquem em comunhão. Para ele, o diálogo é fenômeno humano (2013) que se ma-
terializa pela palavra. Contudo, a palavra é mais do que apenas um meio para que
ele se faça. A palavra, impõe-nos elementos constitutivos em duas dimensões: a
ação e a reflexão, solidárias em uma interação radical. Como ele afirma, “não há
palavra verdadeira que não seja práxis” (2013, p. 107), daí dizer que a palavra ver-
dadeira seja transformar o mundo”.

O diálogo e a perspectiva global de compreensão humana na dimensão inter-


disciplinar
Em Freire, a educação é intimamente relacionada ao diálogo, “na medida
em que não é (a educação) a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos

246
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

interlocutores que buscam a significação dos significados” (1983, p. 46). Em uma


práxis educadora dialógica, como vivenciou Freire, “o diálogo e a problematização
não adormecem ninguém. Conscientizam” (1983, p. 36). Por uma base pedagógica
em que “tanto o educador como o educando, homens igualmente livres e críticos,
aprendem no trabalho comum de uma tomada de consciência da situação que vi-
vem” (2014, p. 38). O diálogo propõe a autorreflexão, que chega a um profundo
estado de tomada de consciência, retirando o homem e a mulher de uma condição
de espectadores, figurantes, mas inseridos em uma historicidade, da qual partici-
pam com autoria e consciência. “Estar com o mundo resulta de sua abertura à re-
alidade, que o faz ser o ente de relações que é” (2014, p. 55).
O diálogo é, para Freire, uma exigência existencial. “Ele é o encontro em
que se solidarizam o refletir o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado” (2013, p. 109). Tal dizer que demarca o diálogo como
não sendo um depósito de ideias de um sujeito a outro, tampouco, simples troca
de ideias. O aprofundamento do conceito com Paulo Freire transita por ser o pro-
nunciamento do caminho pelo qual os homens podem encontrar a significação de
sua própria humanização. No e com os outros. Homens e mulher humanizam-se
ao pronunciarem suas existências no e com o mundo pelo diálogo.
A abertura para uma postura dialógica pressupõe disponibilidade, res-
peito às diferenças e coerência entre o falar e o agir. O posicionamento que permite
o diálogo é ao mesmo tempo libertador, já que permite à pessoa seu posiciona-
mento, como também precede de segurança, a fim de que a palavra possa ser dita
em um ambiente de respeito, de construção de inéditos-viáveis, em que os envol-
vidos estejam em busca de caminhos e não de vencedores. Não há perdedores ou
vencedores, no diálogo todos ganham em humanização, oportunidade e conheci-
mento. Está claro que, todos conhecemos e desconhecemos algo, portanto, admitir
que não tem familiaridade com algum assunto, com algum tema, não pode ser pre-
dileção para não dizer sua palavra, para ser deixado de lado em um espaço de diá-
logo. Dialogar é enxergar o outro como um ser humano com iguais possibilidades
de escuta e fala.
Para Freire, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com
seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade,
como inconclusão em permanente movimento na história” (FREIRE, 2011, p. 133).
As relações criadas com o diálogo são permeadas pela amplitude do conhecimento
de mundo, o que o educador chama de saber teórico-prático da realidade concreta,
que deve ser trabalhado para aproximar, por exemplo, educadores e educandos,
em suas construções de aprendizagens dialógicas. Daí a percepção interdisciplinar
deste movimento.
É um desafio tornar a relação humana, educativa, em uma relação de pro-
fundo diálogo, mas é desta que brotam as condições de compreendermos o próprio

247
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

mundo, de aprendermos e de sermos capazes de enfrentar desafios. Abrindo-se às


diferentes realidades, enxergando o outro, meu próximo, mulheres e homens em
suas situações de singularidade, reduzem-se as distâncias, as negações de contex-
tos, a alienação. Optar por uma perspectiva dialógica de educação é uma decisão
ético-política e, por tal, histórica que nos leva à humanização.
Para Henz (2012),
por viverem num mundo multidimensional e complexo, com uma vida marcada
pela simultaneidade entre o particular e o plural, homens e mulheres começam
a sentir a necessidade de desenvolver uma razão-emoção capaz de dar unidade
às diferentes relações, lógicas e perspectivas da vida e do mundo. (HENZ, 2012,
p. 1).

A dimensões da humanização escapa à razão técnico-científica-instru-


mentalista, e isso se torna um desafio para pensar a educação de modo significa-
tivo a si mesmo e à realidade. É preciso resgatar na educação referências éticas e
estéticas, a razão afetivo-emocional, e com ela a imaginação, o encantamento e o
sonho de construir uma educação que ressignifique os sentidos do humano.
Pensamos em uma educação que transforme, que contribua para pensar
perspectivas de mudanças a nível local e global. De acordo com Boaventura (2010),
devemos buscar um “conhecimento prudente para uma vida decente”, e isso nos
torna sujeitos do processo de construção da aprendizagem.
Apostamos em uma educação interdisciplinar dialogal, levando-se em
conta a intersubjetividade, trazendo para a construção do conhecimento o outro,
compreender que o conhecimento ocorre de forma coletiva com respeito ao dife-
rente, e reconhecendo que este também me constrói. Acreditamos que a constru-
ção de forma dialética, humanizadora, com o outro, possamos construir uma
sociedade em que a utopia seja uma constante.

Considerações transitórias
Ao pensar nas possibilidades de concluir o presente escrito, a principal
delas é que este é apenas um estudo transitório. Na educação, na perspectiva crí-
tica, da modernidade, a consciência de sermos inconclusos, sempre em busca do
ser-mais é um alento para que prossigamos na trajetória de estudos, de descober-
tas e de diálogo com os semelhantes e também com os diferentes.
Ao nos propormos em problematizar pelo viés educacional, sob a ótica da
racionalidade moderna uma perspectiva interdisciplinar como possibilidade dia-
lógica, trabalhamos com as contribuições do pensamento freireano acerca do diá-
logo e das possibilidades de construção do conhecimento interdisciplinar. Por
dedicarmos a vida à educação, sabemos que todo e qualquer processo de transfor-
mação é lento, gradual, minucioso. Observamos a resistência de muitos paradig-
mas historicamente aceitáveis de séculos passados até a contemporaneidade, e da

248
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

dificuldade para a construção de caminhos que possibilitem a educação dos sen-


tidos, os olhares, das perguntas, das gentes.
A perspectiva cartesiana impera em muitos dos paradigmas educacionais
vigentes, com práticas aceitáveis por professores, gestores e pais. Legitimadas pela
disciplina, pela rigosoridade e pela não-palavra dos estudantes. Em Freire, a pala-
vra é quase que uma obsessão. É por meio dela que mulheres e homens se histori-
cizam no diálogo, na oportunidade de dizerem-na, materializa-se as
possibilidades de luta, transformação e viabilização de caminhos para ressignifi-
cações sociais, culturais, históricas de suas vidas no e com o mundo.
Fazer educação sob a perspectiva interdisciplinar é conhecer além dos
limites de seu campo de conhecimento, é educar para a realidade, para os contex-
tos singulares, para as pessoas, saber da vida que elas levam, saber quais suas difi-
culdades, saber do que elas mais precisam, pelo que elas lutam, quais são seus
sonhos, em qual mundo gostariam de viver? Isso só é possível na singeleza do o-
lhar, da escuta e da palavra que humaniza, que aproxima e cria vínculos que edu-
cam com amor.

249
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

REFERÊNCIAS
COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15 ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.
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formação. Revista Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 1, p. 7-12, jan./abr. 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 11ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
_______. Extensão ou comunicação. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
________. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
________. Pedagogia do oprimido. 55ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
________. Educação como prática da liberdade. 36ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
HENZ, Celso Ilgo. Dialogando sobre as cinco dimensões para humanizar a
educação.2012. Disponível em: https://gepffaccat.files.wordpress.com/2012/10/
dialogando-sobre-cinco-dimensc3b5es-para-rehumanizar-a-educac3a7c3a3o-
celso-ilgo-henz.pdf.
MARQUES, Mario Osório. Conhecimento e modernidade em construção. Ijuí. Ed.
UNIJUI, 1993.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1985.
KUHN, T.S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução: BOEIRA, B.V.;
BOEIRA, N. São Paulo: Perspectiva, 1991.
KUHN, T.S. A Estrutura das Revoluções científicas. 11ª Ed. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2011.
ROUANET, P.S. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia de Letras, 1989.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso sobre as Ciências. 12. ed. Porto:
Edições Afrontamento, 2001.
ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da reformulação em educação popular.
Frederico Westphalen, Ed. Uri, 2000.

250
CURRÍCULO, GEOGRAFIA E CIDADANIA TERRITORIAL
NO ENSINO FUNDAMENTAL NA BAIXADA FLUMINENSE

Clézio dos Santos 1

Introdução
A educação, atualmente, é considerada como um dos principais meios
para promover a transformação de realidades, em busca da renovação e do pro-
gresso. E não apenas isso, também pode fomentar uma efetiva cidadania territorial
local, numa perspectiva de governança, sustentabilidade e responsabilidade so-
cial. Diante desse contexto, uma parceria do Instituto Multidisciplinar da Univer-
sidade Federal Rural do Rio de Janeiro – campus Nova (IM/UFRRJ), com o
Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa
(IGOT/UL) e com o Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão no município de
Nova Iguaçu, foi desenvolvido o projeto da rede Nós Propomos com alunos do pri-
meiro ano do ensino médio denominado Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu, im-
plantado desde o início de 2018 (Veja figura 1).
Figura 01. Instituições envolvidas no Nós-Propomos UFRRJ Nova Iguaçu

Fonte: Santos, 2019.


A rede “Nós Propomos” começou em Portugal e hoje está presente na Es-
panha, Moçambique, Colômbia, Peru, México, além do Brasil, onde conta com a
parceria de diversas universidades e com instituições da educação básica.
O Projeto Nos Propomos UFRRJ Nova Iguaçu como um todo, tem como
finalidade contribuir para a inovação da educação geográfica por meio da constru-
ção da cidadania territorial. Adotamos o conceito de cidadania territorial segundo
Claudino (2014) ao de cidadania espacial utilizado por Gonzáles e Donert (2014),
entendemos e compactuamos que “o território está diretamente relacionado com

1
Professor Associado I de Ensino de Geografia do Instituto Multidisciplinar (IM) e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO/UFRRJ).
Pesquisador CNPq - Universal e Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE) da FAPERJ
cleziogeo@yahoo.com.br
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

a apropriação, transformação e identificação das comunidades com o território em


que habitam” (CLAUDINO, 2007 apud CLAUDINO, 2014, p. 5).
O Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu opta por associar o conceito de
cidadania ao de atuação e intervenção, como sucede na Declaração de Lucerne
(2007) sobre Educação Geográfica para o Desenvolvimento Sustentável, utilizado
pela maioria dos projetos da rede “Nós Propomos”.
Os alunos devem fazer parte do processo como sujeitos participantes na
construção do conhecimento da cidadania territorial, dessa forma, o processo de
ensino aprendizagem ganha um significado ímpar nos conteúdos que estão desen-
volvendo. De acordo com Claudino (2014) a inspiração construtivista do Projeto
Nós Propomos! cabendo aos alunos o protagonismo na definição dos problemas
locais e cidadã; a importância da discussão de propostas de ação como exercício
de cidadania. Além de suscitar também reflexões sobre a importância de aumentar
os intercâmbios entre os escolares e professores de outras dimensões, articulando
novas possibilidade de efetivação curricular por meio de projetos no ensino médio.
O presente trabalho é uma continuidade daquilo que já vem sendo reali-
zado ao desde 2018 no Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão no município de
Nova Iguaçu/RJ, porém nesse novo momento, o projeto desenvolvido no ano de
2019, buscou-se por trazer uma relação entre o processo de desenvolvimento in-
dustrial com a preservação do meio ambiente, visando uma melhor compreensão
das práticas que as indústrias estão tomando enquanto sujeitos ativos na constru-
ção e reconstrução de ações que visem menores danos ao meio ambiente.
O objetivo principal da pesquisa é analisar o projeto Nós Propomos
UFRRJ Nova Iguaçu na Baixada Fluminense e verificar como a cidadania territo-
rial pode ser efetivada. Já os objetivos específicos seguem os mesmo objetivos pre-
sentes no regulamento do Nós propomos que é o de promover uma ativa cidadania
territorial articulada com as restantes escalas, junto da comunidade escolar, valo-
rizar o estudo de caso como trabalho experimental sobre problemas da comuni-
dade, mobilizar alunos e professores para a utilização de tecnologias da
informação, em estudos em âmbito prático, aproximar o poder local das comuni-
dades através da participação de jovens e das suas escolas, contribuir para um de-
senvolvimento sustentável e dos municípios onde se desenvolvem e incentivar a
atividade de investigação em geografia.
No primeiro momento do trabalho foi necessário buscar a contextualiza-
ção do currículo de geografia em Nova Iguaçu, percorrendo o Currículo Mínimo
(CM) de Geografia para o ensino médio, ainda muito presente na rede pública flu-
minense, e a implantação da Base Nacional Comum Curricular de Geografia
(BNCC) com todas suas incertezas. Diante desse quadro de mudança curricular a
proposta de trabalho com projetos educacionais ganha destaque como o projeto
Nós-Propomos.

252
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Num segundo momento recorremos ao referencial bibliográfico que pu-


desse dar conta dos principais conceitos desenvolvidos nas atividades do projeto
Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu, tendo a cidadania territorial como principal
conceito e talvez o mais difícil devido a sua complexidade. O conceito cidadania
territorial precisa ser analisá-lo através de uma ótica contemporânea levando em
consideração os seus limites enquanto ferramenta de luta pelo direito à cidade,
tendo como referência os autores Lucerne (2007), Claudino (2014, 2018), Men-
donça e Claudino (2016), Bazolli (2017), Souza e Leite (2018), Lopes (2018), San-
tos (2019) e Araújo (2019) e referente ao currículo de geografia: Capel (1988),
Libâneo (2000), Cavalcanti (2005, 2011), Morin (1990, 2002), Fazenda (2005,
2008); Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), Santos (2013) e Farias (2013, 2014).
O desenvolvimento metodológico do projeto Nós Propomos UFRRJ
Nova Iguaçu percorreu momentos distintos que os descrevemos ao longo do texto,
especialmente no ano de 2019. Primeiro foi necessário reapresentar o projeto para
a turma a fim de deixá-los a par dos objetivos do projeto para o ano de 2019, bem
como fazer um balanço de como foi o projeto em 2018. O segundo momento con-
sistiu na discussão acerca das possíveis problemáticas que poderiam ser desenvol-
vidas. Após isso os estudantes iniciaram as pesquisas, a organização das atividades
em sala de aula, a organização e realização dos trabalhos de campo e a organização
do material estudado e vivenciado para serem apresentados na como produção dos
estudantes na Feira Cultural do Colégio Estadual Arêa Leão.
A pesquisa foi realizada com alunos do segundo ano do ensino médio do
Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão do professor de geografia Hugo Junior Al-
ves Pereira, que já havia trabalho no anterior como projeto. O colégio está locali-
zado no bairro da Posse na cidade de Nova Iguaçu/RJ. Trata-se de uma escola que
já possui uma longa parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ) com outros projetos fomentados pela Fundação de Apoio à Pesquisa
Carlos Chagas (FAPERJ), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
perior (CAPES).
Segundo dados de 2018 do site da Gestão Educacional da Secretaria de
Educação do estado do Rio de Janeiro (GEDU) o Colégio Estadual Engenheiro
Arêa Leão possui 1425 matrículas que abrange os anos finais do ensino fundamen-
tal, o ensino médio, a educação de jovens e adultos e educação especial. A escola
possui uma boa infraestrutura com biblioteca, sala de informática, laboratório de
ciência, quadra de esportes em suas dependências e além de contar com uma co-
ordenação e uma direção extremamente solicita e empolgada com novos projetos.

253
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Do Currículo Mínimo (CM) à Base Nacional Comum Curricular (BNCC): a


Geografia escolar no Estado do Rio de Janeiro e seus rumos incertos
Primeiramente é importante deixar claro aqui, que não se pretende tratar
de teoria do currículo, e sim apresentar elementos que orientam as relações de en-
sino-aprendizagem em Geografia na rede pública estadual do Rio de Janeiro.
Com base no Currículo Mínimo (CM) de Geografia (2010, 2012) organi-
zado pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) e a
Base Nacional Comum Curricular aprovada pelo Ministério da Educação em 2017,
pode-se afirmar que a Geografia na rede escolar estadual tem seus pilares funda-
mentados na Geografia Humanista e na Geografia Crítica. Porém, apenas os indi-
cativos dos pilares não confirmam a prática efetiva dos currículos de forma
humanista e crítica em nenhuma rede de ensino.
As análises críticas recentes sobre a formulação do currículo na Geografia
denuncia um consenso entre autores como Capel (1988), Rocha (1996), Costa e
Lopes (2012); e Farias (2013, 2014) afirmando que as significativas transformações
políticas, sociais e educacionais ocorridas nas décadas de 1970, 1980 e 1990 não
conseguiram firmar um currículo geográfico mais crítico e reflexivo, atento e rela-
cionando mais as questões físicas, sociais, políticas e econômicas.
A construção do Currículo Mínimo (CM) de Geografia para o estado do
Rio de Janeiro foi realizada em dois momentos, um que resultou na primeira ver-
são do Currículo Mínimo em 2010 organizado pela SEEDUC-RJ e sua reformula-
ção feita em 2012, realizado pela SEEDUC-RJ em parceria da Fundação CECIERJ
resultando na segunda versão do CM.
De acordo com a SEEDUC-RJ o Currículo Mínimo de Geografia é apre-
sentado da seguinte maneira:
Neste documento é apresentada uma revisão do Currículo Mínimo de Geografia
para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio Regular da
rede estadual do Rio de Janeiro, efetuada ao final do ano de 2011 e início de 2012,
com base nas análises críticas e sugestões apontadas em escutas presenciais e
virtuais, e apoiada em estudos realizados no campo do currículo e na Geografia
escolar. Nesta releitura do Currículo Mínimo aplicado em 2011, buscamos torná-
lo mais próximo da realidade escolar, considerando as várias questões que per-
passam a prática docente e a estrutura escolar (RIO DE JANEIRO - SEEDUC,
2012, p. 03).

A fala oficial deixa claro que mudanças foram incorporadas no CM de


Geografia seguindo as contribuições das críticas feiras pelos professores da rede
que utilizaram a primeira versão. Nesta segunda versão o CM tem como caracte-
rística uma estruturação que levou em conta as escutas presenciais e virtuais.
Essa concepção de um currículo em construção é denunciada na apresen-
tação do documento:

254
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Acreditamos que o processo de elaborar um currículo mínimo é permanente, e


se faz em espaços e tempos diversos, o que o torna extremamente desafiador. A
diversidade encontrada nas escolas do nosso Estado reforça a importância de um
currículo mínimo estruturado por habilidades e competências, bem como do tra-
balho interdisciplinar. (RIO DE JANEIRO - SEEDUC, 2012, p. 03).

Dois focos são destacados no documento um currículo mínimo estrutu-


rado por habilidades e competências; e por outro lado não contraditório prevê o
diálogo entre as habilidades e competências com o trabalho interdisciplinar.
O documento oficial não detalha sobre habilidades e competências, elas
são enunciadas, porém, não são articuladas. O mesmo ocorre com o denominado
trabalho interdisciplinar.
De acordo com Farias (2014, p. 96): Formular um currículo mínimo que
contenha os elementos essenciais da geografia para que a almejada construção crí-
tica ocorra é difícil e considerada por muitos impossíveis, devido as particularida-
des das regiões, escolas e indivíduos.
O trabalho de Faria (2014) detalha como foi a construção da segunda ver-
são do CM de Geografia no estado do Rio de Janeiro.
O Currículo Mínimo seria uma referência a todas as escolas do Estado, apresen-
tando as competências e habilidades que deveriam ser seguidas nos planos de
curso e nas aulas. Sua finalidade principal seria orientar os itens considerados
essenciais no processo de ensino-aprendizagem ano de escolaridade e bimestre
de modo a garantir uma essência básica comum, alinhada com as atuais necessi-
dades de ensino, identificadas não apenas nas legislações vigentes, Diretrizes e
Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também nas matrizes de referência dos
principais exames nacionais e estaduais. (FARIAS, 2013, p. 59)

De certa forma a organização do CM de Geografia como das demais dis-


ciplinas escolares compõem um conjunto de medidas para responder a baixa clas-
sificação do estado no cenário nacional em avaliações como o SAEB.
A concepção, redação, revisão e consolidação do CM de Geografia foram
conduzidas por equipes disciplinares de professores de Geografia da rede esta-
dual, coordenadas por professores de diversas universidades do Rio de Janeiro (Na
segunda versão, temos professores ligados à UFRJ, UERJ e PUC-Rio), que se reu-
niram em torno dessa tarefa, a fim de promover um documento que atendesse às
diversas necessidades do ensino na rede.
Segundo Farias (2013), durante as reuniões conjuntas na Secretaria de E-
ducação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ/CECIERJ) os professores eram orienta-
dos a estabelecer critérios bem definidos para a confecção dos currículos. Esses
critérios deveriam servir para orientar e definir os conteúdos e as habilidades e
competências imprescindíveis na sua área e que elas estivessem contempladas nas
especificidades e conteúdos programáticos das avaliações federais e estaduais. As
reuniões eram marcadas semanalmente em locais previamente combinados e de
acordo com as disponibilidades dos integrantes

255
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A questão que não fica muito clara nos textos de Farias (2013, 2014) sobre
a construção do CM de Geografia é tempo de duração dessas atividades presenciais.
De acordo com Farias (2014):
Após a análise de cada tema, separado por turmas e bimestres do ensino funda-
mental e médio, era iniciada uma discussão sobre as concepções e abordagens de
cada área temática definida e selecionada as consideradas necessárias para a su-
pressão, aglutinação ou melhora da redação da habilidade e competência já es-
tabelecida. Depois de cada alteração necessária o material seguia para a equipe
do CECIERJ fazer correções ortográficas e formatar dentro dos padrões de edi-
ção. (FARIAS, 2014, p. 89)

Dois recursos são destacados no processo de elaboração CM de Geografia


pela SEEDUC: a escuta presencial e a virtual.
Ao longo da realização do projeto eram programadas consultas virtuais e audi-
ências presenciais nas sedes das coordenadorias com divulgação pelo site da
SEEDUC e nas escolas, convidando os professores para discutir os modelos re-
feitos pela equipe de professores. Na maior parte delas a presença era baixa (em
média 30-40 indivíduos) se comparado com o quadro de professores da respec-
tiva coordenadoria. Esse fato possui muitas explicações entre elas, as reuniões
serem em dias de semana e algumas coordenadorias terem municípios muito dis-
tantes da sede. (FARIAS, 2014, p. 90).

Apesar da grande estrutura formada e dos grandes investimentos estadu-


ais na idealização e execução de projetos educacionais como o do CM, não pode-
mos deixar de constatar que a ação não priorizou as necessidades da educação
estadual do Rio de Janeiro carente de tantas outras reformas.
Iniciativas como a do estado do Rio de Janeiro reforça a ideia da criação
de sistemas educacionais compactos e eficazes para atender muitas vezes apenas
às necessidades políticas de governos e deixam de fora considerações e constata-
ções de décadas de discussão acadêmica, mesmo com a implantação recente da
BNCC (2017).
Apesar de não aprofundar a questão da interdisciplinaridade em seus de-
senhos curriculares, os documentos oficiais seja o CM (2010, 2012) ou a BNCC
(2017), reforçam nossas preocupações da necessidade de entender o uso da inter-
disciplinaridade no currículo de geografia. Dessa forma procuramos por meio de
projetos educacionais, entender um pouco mais como como podemos dinamizar o
ensino de geografia, especialmente no ensino médio. Acreditamos na implementa-
ção das práticas disciplinares e das interdisciplinares no cotidiano da escola pú-
blica. Dessa forma, a seguir analisaremos a experiência do Projeto Nós Propomos
UFRRJ Nova Iguaçu com uma possibilidade de prática curricular de geografia
rumo à construção da cidadania territorial pelos alunos e alunas.

256
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

O ensino de geografia como exercício da cidadania territorial.


Agora que já se discutiu todo esse arcabouço teórico é possível adentrar
no entendimento de como o ensino da geografia escolar pode contribuir de forma
efetiva para a formação cidadã. Primeiramente vamos olhar como esse assunto vem
sendo tratado dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pois é essa
base que norteará os currículos escolares.
Já no primeiro momento da BNCC (BRASIL, 2017 p. 15) é perceptível que
o sujeito estudante necessitará desenvolver competências dentro do âmbito esco-
lar que vão lhe possibilitar o pleno exercício da cidadania, bem como para resolver
demandas complexas da sociedade e do mundo do trabalho. Depreende-se então,
que para o pleno exercício da cidadania são necessárias competências que a base
vai definir como uma mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos),
habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores. O docu-
mento propõe inclusive que o exercício da cidadania envolva a condição de inte-
rar-se dos fatos do mundo e opinar sobre eles, de poder propor pautas de
discussões e soluções de problema.
Em relação as competências e habilidades propostas pela BNCC não e-
xiste um consenso de como pensar a Geografia. Para Mustafé (2019 p.97) a BNCC
demonstra grande coesão metodológica e rigor em relação às suas competências
específicas, vinculadas às outras competências do documento, assim como em
suas unidades temáticas, objetos de conhecimentos e habilidades, apesar de apre-
sentar uma superficialidade relacionada aos princípios do raciocínio geográfico e
a interdisciplinaridade proposta. Como foi visto anteriormente existe uma preo-
cupação da Base com a formação cidadã, porém talvez seja necessário um aprofun-
damento em relação a como essa formação cidadã deve ser feita.
De acordo com Araújo (2019, p. 11)
Será que o ensino da Geografia está preparado para isso? Que conceitos da geo-
grafia poderiam contribuir para o desenvolvimento dessas competências? Quais
práticas cognitivas e socioemocionais devem ser tomadas como formadoras de
cidadãos? Que atitudes e valores são esses capazes de tornar o sujeito apto ao
exercício da cidadania? Quais opiniões são essas que podem ser levadas a cabo?
Será que todos os sujeitos poderão propor soluções para os problemas? Perceba
que são muitas perguntas que em tese não teriam que ter respostas únicas até
por conta da complexidade e da diversidade que é a escola pública brasileira.
Como formar um cidadão a partir de um arcabouço teórico que não dá conta de
inúmeros fatores que se põem contrários a essa formação?

Toda a narrativa a seguir será delineada a partir dessas perguntas que


surgiram numa tentativa de entender como ensino da geografia pode contribuir
para uma formação cidadã, porém deixa-se claro que não há uma busca por res-
postas, mas uma reflexão acerca dessas perguntas que estão postas. Até porque
seria uma infelicidade tentar adentrar a um emaranhado de possibilidades que se
descortinariam.

257
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

É interessante pontuar que essa mobilização de conhecimentos mencio-


nada anteriormente necessita de um próprio processo de reconstrução e constru-
ção para que assim se constitua como uma ferramenta apta no que a formação
cidadã. Os conceitos e os conhecimentos geográficos não devem ser tomados com
algo estanque, mas como algo que passam ser apropriados pelos estudantes e ao
mesmo tempo possam ser ressignificados, reconstruídos, modificados e principal-
mente contextualizados. E isso é essencial, pois
O ensino da Geografia contribui para a formação da cidadania através da prática
de construção e reconstrução de conhecimentos, habilidades, valores que am-
pliam a capacidade de crianças e jovens compreenderem o mundo em que vivem,
numa escola organizada como um espaço aberto e vivo de culturas.
(CAVALCANTI, 1999, p. 41)

É inegável essa discussão a respeito dos conhecimentos geográficos, po-


rém pode-se ir mais além, já pensando numa aproximação deles com outros co-
nhecimentos. O estudante precisa entender a importância que existe de um
diálogo entre a ciência geográfica com as outras áreas do conhecimento que podem
ajudá-lo na construção e reconstrução do conhecimento. Até mesmo porque,
[...] acreditam que a geografia em si, já nasceu como um saber interdisciplinar, e
abandonou há algumas décadas a posição de construir uma ciência sintética, que
almejava explicar o mundo sozinha. Fazendo-se necessário ir além dos limites
conceituais, buscando interatividade com outras ciências, sem perder a sua i-
dentidade. Sendo assim, o ideal é que a geografia articule de forma interdiscipli-
nar com as demais ciências e incorporando conhecimento quando necessário.
(MORAES; SANTOS, 2014 p. 8 apud ARAÚJO, 2019, p. 14)

Creio que essas colocações não se esgotam aqui, pois seria muito preten-
sioso tentar resumir em dois parágrafos uma discussão requer um maior aprofun-
damento e um grande arcabouço teórico. A ideia é somente mostrar uma
indispensabilidade de reflexão acerca da mobilização de conceitos que vão reger o
ensino da geografia para uma formação cidadã. A próxima questão recairá sobre
as práticas cognitivas e socioemocionais, atitudes e valores já que os mesmos fa-
zem parte das práticas sociais e essas são dimensionas espacialmente e o espaço é
claramente um objeto de estudo da geografia. Para Cavalcanti (2011 p. 136) a geo-
grafia é um conhecimento da espacialidade. Seu papel é explicar a espacialidade
das práticas sociais. Toma-se aqui as práticas sociais cotidianas como práticas so-
cioespaciais, pois materializam-se em um espaço. Mas como entender essa espa-
cialidade sem ao mesmo ter uma compreensão dessas práticas?
Para não se estender muito, vamos apenas jogar um foco de luz sobre as
práticas socioemocionais que são importantes para a formação do cidadão, mas a
pergunta que fica é como o ensino da geográfica pode trazer para dentro do seu
arcabouço teórico as questões relacionadas a essas práticas? Até que ponto os pro-
fessores são preparados para lidar com essas questões, uma vez que, os cursos de
graduação do Brasil não estão preparados para tal? Novamente aparecem

258
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

perguntas que não são fáceis de serem respondidas e isso ocorre exatamente por-
que existe uma falha que tornam capengas as discussões referentes a políticas pú-
blicas. Não dar para pensar uma geografia cidadã para a educação básica sem antes
pensar na própria formação dos professores.
É claro que todos os elementos postos até o momento já estão no âmago
da geografia cidadã na educação básica, porém isso não esteja tão claro quanto
deveria de estar, mas pode se dizer que,
Ao refletir sobre a pluralidade cultural e social, sobre a diversidade ambiental,
sobre as dinâmicas climáticas e os processos existentes na natureza, sobre a in-
terferência das ações humanas nas diferentes paisagens, respeitando e reconhe-
cendo os direitos e deveres dos diversos povos e indivíduos na construção e
reconstrução da democracia, o aluno estará se comprometendo com o destino
das futuras gerações e conotando a referendada geografia cidadã que buscamos.
(BRAGA, 2018, p. 793)

O projeto Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu, compacta com a constru-


ção da geografia cidadã e entende o ensino da Geografia pode contribuir de forma
significativa para a formação de um cidadão pleno que esteja apto a ligar com as
adversidades que se desenrolam no espaço geográfico. O esquema mental do pro-
jeto em 2019 (Veja figura 02), explora o ensino de geografia como sendo capaz de
desenvolver competências que tornem os sujeitos críticos capazes de lutar pelos
seus direitos enquanto cidadãos, mesmo diante das dificuldades que enfrentam a
educação pública brasileira como já se viu anteriormente.
Figura 02: Mapa mental do Projeto Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu

Fonte: Araújo (2019)


Para entender a relevância que o Nós propomos (NP) ganhou nos últimos
anos foi preciso fazer uma pequena viajem pelos seus aspectos históricos, entender
um pouco sobre os seus objetivos centrais e específicos e trazer para a discussão as
experiências já realizadas no Brasil. É indispensável buscar também, por alguns
pontos principais como a regulamentação das atividades do projeto, o diálogo que

259
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

precisa existir entre diferentes esferas de poder, a transdisciplinaridade tão funda-


mental e o entendimento da participação social como uma das chaves principais.
O NP surgiu em Portugal na universidade de Lisboa, porém só recente-
mente que ele se espalhou para outros países, inclusive para o Brasil. Segundo
Claudino e Mendonça (2017, p. 103) esse projeto de extensão foi criado em
2011/2012, no âmbito do Instituto de Geografia e Ordenamento territorial da Uni-
versidade de Lisboa, porém somente alargou-se, em 2015, ao Brasil, e em 2016/17 à
Espanha. Essa adesão das suas ideias para além das suas fronteiras do seu país de
origem, mostra sua enorme importância enquanto projeto que visa a formação ci-
dadã em um contexto de grandes mudanças mundiais no que concerne a supressão
de direitos.
De acordo com Bruno (2018) o projeto foi implantado pela primeira vez
no Brasil no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) na cidade de Florianópolis por iniciativa da professora Sandra Mendonça
que, em 2011, realizava seu estágio doutoral no Centro de Estudos Geográficos do
Instituto de Geografia e Ordenamento Territorial-IGOT, da Universidade de Lis-
boa, tendo como orientador o professor Sérgio Claudino, idealizador do projeto.
A professora teve a oportunidade de presenciar o nascimento do projeto,
quando o professor Claudino ainda convidava escolas e professores para apresen-
tar a sua proposta pedagógica e os objetivos que ele pretendia alcançar com a sua
implementação.
De acordo com Lopes (2018, p. 28):
Ao retornar para o Brasil, em 2014, Sandra incorporou à metodologia já prati-
cada no CA-UFSC de estudos nos bairros e temas urbanos a proposição do Pro-
jeto Nós Propomos, fato que foi amplamente apoiado pela direção pedagógica
da escola. De acordo com a professora, em Portugal a adesão ao projeto é volun-
tária, enquanto no Aplicação a metodologia de pesquisa científica já fazia parte
do sistema de ensino utilizado pelo grupo de geografia do Colégio de Aplicação,
o que facilitou a inclusão do projeto no currículo e a efetivação da parceria com
o IGOT.

No dia 27 de novembro de 2014, na cidade de Lisboa, também foi assinado


o convênio entre o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Univer-
sidade de Lisboa -IGOT e a Universidade Federal do Tocantins -UFT, para o de-
senvolvimento do projeto. O professor João Aparecido Bazolli foi intermediário
desse acordo, na época fazia pós-doutorado na Universidade de Lisboa e hoje é o
coordenador estadual do projeto no Tocantins.
De acordo com Nunes e Espinosa (2017, p. 30-21):
O NP começou em 2014 no Tocantins e em 2015 foi firmada uma parceria entre
a UFT e a Seduc, começando os trabalhos de mobilização nas diretorias de en-
sino e nos centros de ensino médio (CEM) de Palmas, Araguaína e Gurupi, com
o intuito de ampliar a adesão das comunidades escolares.

260
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Nota-se que essas aproximações entre universidade, escola e secretaria de


educação é um dos pilares que compõem o NP no âmago do seu arcabouço estru-
tural. Essa aproximação é muito respeitável, porque os centros de produções de
conhecimentos possuem o dever de contribuir de forma efetiva na transformação
do seu entorno, uma vez que, esses centros são mantidos com os impostos do con-
tribuinte. Essas colocações ficam claras na fala de Bazolli (2017 p. 47) quando diz
que a instituições de ensino superior têm papel fundamental no comprometimento
institucional de provocar a transformação social no meio em que estão inseridas.
Essa proximidade da escola com à universidade é demasiadamente im-
portante, pois aproxima os estudantes da educação básica da ciência e é capaz de
despertar o interesse pela pesquisa científica que é algo extremamente importante
para o desenvolvimento econômico, social e político de todos os países. No Brasil
já existe algumas experiências como essas e é o caso das metodologias já aplicadas
no Colégio de Aplicação da UFSC onde,
[...] temos incorporado a educação dos estudantes o que denominamos de inici-
ação científica (IC). A referida proposta é desenvolvida junto aos estudantes do
já anos finais da educação fundamental, tendo como principal objetivo estimular
a problematização e o gosto pela pesquisa [...]. A pesquisa escolar na educação
básica constitui um campo ainda a ser explorado por apresentar amplas possi-
bilidades de desenvolver uma nova concepção formativa iniciada na educação
básica que se estende à educação universitária.” (MENDONÇA e CLAUDINO,
2016, p. 4)

Para além desse estímulo à pesquisa o projeto propõe também uma maior
participação social dos sujeitos envolvidos na sua efetivação, visto que requer des-
ses atores a construção de soluções se utilizando do método científico para um
dado problema urbano. Isso vai exatamente ao encontro daquilo que Bordenave
(2017 p. 70) considera como participação social, pois para ele é um processo de
intervenções realizado pelas pessoas nas atividades dinâmicas que compõem ou
modificam historicamente a sociedade.
O fato de existirem diversos atores dentro das escolas e dos centros uni-
versitários pensando em soluções para diversos problemas sociais já se configura
como uma participação social, porque para Montoro (2017, p. 70) ela representa a
atuação organizada e responsável dos múltiplos setores da sociedade, na solução
de problemas coletivos e na promoção do bem comum. Pensar nessas questões é
importante, dado que a solução de problemas é parte essencial do NP e faz parte
da sua constituição enquanto incentivador do exercício da cidadania.
Outro ponto interessante do projeto é a sua capacidade interdisciplinar
que possibilita um maior diálogo com as outras áreas do conhecimento, o que faz
dele algo bastante intrigante do ponto de vista educacional, já que existe uma di-
ficuldade em possibilitar esse diálogo entre as disciplinas. A Constituição Federal
(BRASIL, 1988 apud BAZOLLI, 2017 p. 12) brasileira diz que para garantir a função

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

social das cidades e a efetivação do direito à cidade é preciso uma integração do


saber popular e o conhecimento técnico e científico, de várias áreas de estudo,
dentro de um enfoque interdisciplinar e a partir da propositura de resoluções viá-
veis de problemas identificados na cidade.
Constata-se que a interdisciplinaridade é mais uma das ferramentas que
colaboram com a proposta do projeto, projeto esse que tem como objetivo segundo
o seu regulamento a promoção da ativa cidadania territorial junto à população es-
tudantil, uma aproximação do poder público local das comunidades através da
escola, a contribuição para o desenvolvimento sustentável das localidades e dos
municípios onde se desenvolvem a valorização do estudo de caso como trabalho
experimental sobre os problemas locais, a fomentação de redes de cooperação en-
tre atores locais, como universidade, escolas, poderes legislativos e executivos mu-
nicipais, associações locais e empresas e promover abordagens metodológicas
inovadoras no âmbito do ensino das disciplinas do ensino médio.
De acordo com Claudino e Mendonça (2017, p. 108):
[...] o projeto consiste em instigar o gosto pela pesquisa, fortalecendo a prática
educativa da escola alicerçada no debate, na investigação, no compromisso e na
conexão com a realidade.

A seguir analisamos como o NP tem se efetivado no município de Nova


Iguaçu na Baixada Fluminense.

O Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu: Geografia e Formação Cidadã na Es-


cola Pública da Baixada Fluminense - 2019.
O Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu vem sendo desenvolvido no colé-
gio Estadual Engenheiro Ârea Leão localizado na Avenida Henrique Duque Es-
trada Meyer no bairro da Posse no município de Nova Iguaçu desde 2018 até o
presente ano de 2020. Destacamos que o ano de 2020 está sendo atípico devido a
pandemia do Covid-19, onde exigiu a suspensão das aulas presenciais e dessa
forma o projeto Nós Propomos vem sendo reorganizado para acompanhar as ati-
vidades da escola de forma remota. Dessa foram vamos apresentar a descrição das
atividades do projeto nos anos de 2018 e 2019.
O Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão é uma escola urbana que pos-
sui um total de 109 funcionários e 1445 alunos distribuídos nos anos iniciais, finais,
no ensino médio e na educação de jovens e adultos. Em relação à infraestrutura à
escola possui biblioteca, laboratório de informática e de ciências, quadra de espor-
tes, além de possuir acesso à internet. Sendo uma escola de grande proporção e
fluxo de alunos, não apenas para o município de Nova Iguaçu, mas também para
outros municípios vizinhos da Baixada Fluminense como Belford Roxo, Queima-
dos e São João de Mireti. Esses municípios aproveitam a proximidade do Colégio
com a Rodovia Presidente Dutra e existência de inúmeras linhas de ônibus

262
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

intermunicipais que interligam esses municípios, tornando o Colégio Estadual A-


rêa Leão, uma instituição de fácil acesso no contexto da Baixada Fluminense.
Apresentamos e contextualizamos as principais atividades realizadas en-
tre no ano de 2019, as atividades podem ser consultados em detalhes em Santos
(2019) e Araújo (2019).
O Nós propomos Nova Iguaçu é um projeto de extensão que necessitou
de diversos encontros ao longo dos dois anos em que foi desenvolvido. Durante
esses dois anos foi possível notar bastante entusiasmo pelas atividades propostas
e isso foi muito importante para que o projeto conseguisse cumprir com os seus
objetivos.
Em 2019, o Nós propomos Nova Iguaçu seguiu por novos caminhos, po-
rém tentando buscar uma relação com aquilo que já foi desenvolvido em 2018.
Nesse novo momento buscou-se por trazer uma relação entre o processo de de-
senvolvimento industrial com a preservação do meio ambiente, visando uma me-
lhor compreensão das práticas que as indústrias estão tomando enquanto sujeitos
ativos na construção e reconstrução de ações que visem menores danos ao meio
ambiente. Novamente foi realizada uma apresentação do projeto, novos grupos
foram formados e a partir disso se começou a pensar em novas propostas de solu-
ções para a problemática ambiental, porém agora relacionada às indústrias.
Sabendo da importância de uma prática e ações concretas para a formação
cidadã o trabalho foi desenvolvido em quatro grandes momentos (Veja figura 03).
Figura 03. Sistematização do Projeto Nós-propomos 2019

Fonte: Araújo (2019)


No primeiro momento os estudantes foram divididos em 6 grupos, sendo
que três grupos ficaram responsáveis por uma pesquisa relacionada as indústrias

263
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

escolhidas pelo professor da turma e apenas um ficou encarregado pela organiza-


ção dos eventos e na assistência dos outros grupos.
O grupo do mapeamento ficou responsável pela análise de alguns dados
que já tinham sido levantados durante o desenvolvimento do projeto em 2018, po-
rém nesse novo estágio eles fizeram um mapeamento dos ecopontos, cooperativas
e CTR’s presentes no município de Nova Iguaçu.
Dois grupos ficaram responsáveis pela busca de informações a respeito
do processo de produção da fábrica da Coca-cola Andina que está localizada no
Bairro de Curicica em Jacarepaguá. A intenção era fazê-los perceber com a indús-
tria lida com os resíduos sólidos e orgânicos que sobram de todo processo produ-
tivo e dois grupos ficaram incumbidos de entender o processo de formação do
chocolate Orgânico usando como referência básica a fábrica de chocolate Chez Bon-
bon que está localizada em Petrópolis/RJ.
No segundo momento do projeto aconteceram rodas de discussões com
cada grupo para apresentação de um referencial teórico básico. Para o grupo do
mapeamento foi apresentado o primeiro capítulo do livro de Christopherson e Bi-
kerland (2012) Geossistemas: uma introdução à geografia física, pois esse capítulo trata
dos princípios básicos da Geografia e da Cartografia, já que aborda a definição de
latitude e longitude, de GPS (Sistema de Posicionamento Global), de linha inter-
nacional de mudança de data, de mapa, de escalas, de projeções, de Sensoriamento
remoto e SIG ( Sistema de Informação Geográfica). Para os outros grupos foi apre-
sentado o subcapítulo 4.4 do livro Evolução urbana do Rio de Janeiro de autoria
de Maurício de Abreu que trata do crescimento industrial e da formação da área
metropolitana do Rio. Essas discussões foram importantes, pois possibilitaram
uma aproximação do Estudante com os textos acadêmicos que é algo muito dis-
tante do cotidiano deles.
O terceiro momento do projeto consistiu na ida dos estudantes a campo,
mesmo diante de todas as dificuldades que existiram em relação aos agendamen-
tos. A preferência sempre foi por fábricas que estivessem localizadas no município
de Nova Iguaçu, porém não foi possível fazer a visitas, pois algumas não respon-
deram os e-mails, outras responderam dizendo que não possuem um programa de
visitação para estudantes e uma respondeu dizendo que não permite a entrada de
menores. Logo, não foi possível fazer o agendamento nas fábricas da Compactor
(Nova Iguaçu-RJ), da Nissam (Resende-RJ), da Peugeout (Porto Real-RJ), da Bo-
hemia (Petrópolis-RJ) e da Granfino (Nova Iguaçu-RJ), restando somente à fá-
brica da Coca-Cola em Curicica – Rio de Janeiro-RJ e da Chez Bonbon em
Petrópolis-RJ.
De acordo com Araújo (2019) para a realização do campo na fábrica da
Coca-cola foi necessário realizar um agendamento pelo site da empresa, onde de-
veriam constar informações básicas a respeitos dos estudantes e acompanhantes.

264
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A visita a fábrica teve início em uma sala personalizada onde os estudantes rece-
beram informações a respeito da empresa e da conduta necessária durante a visi-
tação, após isso os estudantes visitaram alguns ambientes personalizados com
elementos que remetem a história e o presente da empresa. Somente após visitar
essas salas que os estudantes tiveram a possibilidade de observar o chão de fábrica
através de um largo corredor que possui janelas de vidro totalmente vedadas. Após
observar como ocorre a produção dos produtos da Coca-Cola eles puderam aden-
trar a uma pequena sala de cinema onde é transmitido um curto vídeo utilizando
tecnologia 3D.
Os últimos momentos da visita consistiram em uma pausa para de diver-
são e para o lanche em uma sala equipada com jogos e por fim os estudantes visi-
taram uma pequena usina dentro da fábrica que é responsável pela reciclagem de
resíduos sólidos. (Figura 4).
Figura 04. Visita a Fábrica da Coca-Cola no bairro de Curicica no município do
Rio de Janeiro/RJ

Fonte: Araújo (2019)


A visita à fábrica de Chocolate Chez Bon Bom se deu de maneira um
pouco diferente, pois necessitou de um dia inteiro, uma vez que, os estudantes
precisaram ir ao município de Petrópolis localizado no estado do Rio de Janeiro.
Quando chegaram na fábrica os estudantes se espantaram, pois se depararam com
uma fábrica de pequeno porte, porém se encantaram com o modo de produção e
com a receptividade das pessoas que trabalham nela (Veja figura 5).

265
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Após conhecer o processo de produção do chocolate os estudantes visi-


taram o museu imperial em Petrópolis que é extremamente rico no que tange a
história de formação do país. (Figura 6).

Figura 5. Visita à fábrica Chez Bonbon no município de Petrópolis/RJ

Fonte: Araújo (2019)


Figura 6. Visita ao Museu Imperial de Petrópolis

Fonte: Araújo (2019)


O Quarto momento do projeto consistiu em encontros para pensar na or-
ganização, planejamento e confecções de tarefas visando à feira cultural que é re-
alizada todos os anos no Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão. Os encontros
foram realizados com o grupo da organização e o primeiro deles foi para pensar na
decoração da sala para o dia da feira e o segundo para começar a confeccionar os
elementos necessários para a decoração.
Nesse segundo dia foram feitas algumas engrenagens de papelão para se-
rem colocadas nas paredes, além dos canos de papel higiênico que serviriam para

266
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

simular as tubulações e encanamentos presentes nas indústrias, porém devido ao


curto período de tempo da atividade, foi necessário finalizar as engrenagens um
dia antes do evento com a ajuda da turma.
Por fim os estudantes deram conta de apresentar aquilo que desenvolve-
ram ao longo do ano na feira da cultura que ocorreu no mês de novembro (Figuras
7 e 8). Eles realizaram toda a ornamentação da sala onde foram expostos os traba-
lhos e ficaram responsáveis pela organização dos estudantes que visitaram a sala
durante o período da exposição.
Figura 7. Apresentação de um dos grupos do projeto Nós Propomos UFRRJ Nova
Iguaçu na Feira Cultural 2019 no Colégio Estadual Arêa Leão

Fonte: Araújo (2019)


Figura 8. Montagem da sala para a Feira Cultural 2019 pelo Projeto Nós Propomos
UFRRJ Nova Iguaçu

Fonte: Araújo (2019)

267
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

As atividades desenvolvidas pelo projeto Nós-Propomos Nova Iguaçu


foi apresentado em alguns eventos e gerado alguns trabalhos acadêmicos como
artigos, capítulos de livro e monografia de finalização de curso de graduação
em geografia.
Apresentação do trabalho “Nos Propomos UFRRJ Nova Iguaçu: o desafio
do aprender e ensinar geografia cidadã na Educação Básica” durante o segundo
encontro da Licenciatura da Geografia realizado Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro nos dias 4 e 5 de Abril de 2019; e a apresentação do trabalho “Nos
propomos UFRRJ Nova Iguaçu: Geografia e formação cidadã na escola pública da
Baixada Fluminense” durante a Semana Nacional de Ciências e Tecnologia
2019/Semana de Extensão 2019 – Apresentação dos Projetos Contemplados pelo
Edital n. 26/2018/PROEXT na UFRRJ no dia 25 de Outubro de 2019, na sessão
coordenada pela Profa. Fabíola às 9h10.
Além dos eventos, o registro textual do projeto Nós Propomos URRJ
Nova Iguaçu, foi realizado nos seguintes formatos: Publicação do capítulo de Clé-
zio dos Santos denominado Geografia e Cidadania na Educação Básica Brasileira em tem-
pos de crise, na obra Educação no Brasil, Volume IX da editora Livrologia.
Como artigo científico no prelo na Revista Giramundo de Geografia do
Colégio Pedro II de autoria de Clézio dos Santos, Glaúcio Fabilito Silva de Araújo
e Hugo Junior Alves Pereira denominado O uso da realidade virtual na formação
cidadã e aprendizagem significativa da geografia no ensino médio através do pro-
jeto Nós-Propomos UFRRJ Nova Iguaçu; e no formato de monografia, apresen-
tada no curso de Licenciatura em Geografia por Gláucio Fabilito Silva de Araújo
denominada Nós Propomos Nova Iguaçu: uma breve análise dos seus limites e potencialidades.

Considerações Finais
Ao longo do Projeto Nós Propomos UFRRJ Nova Iguaçu em 2019 pode-
se destacar o uso das novas tecnologias que possibilitaram uma mobilização de
professores de Geografia e estudantes em estudos em âmbito prático, uma vez que
ajudaram na confecção dos mapas e na busca por informações a respeito dos temas
desenvolvidos, materializados no material produzido para a informação sobre o
projeto nos locais de exposição como a feira de Ciências do Colégio Arêa Leão no
Município de Nova Iguaçu.
A participação do poder local também foi fundamental, visto que houve
a necessidade de um diálogo entre a secretária de meio ambiente e urbanismo para
a busca de dados a respeito dos ecopontos presentes na cidade de Nova Iguaçu. A
valorização do estudo de caso como trabalho experimental sobre problemas da
comunidade também foi cumprida, posto que, é extremamente importante uma
preocupação a respeito do descarte dos resíduos sólidos e líquidos de uma

268
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

empresa, bem como entender as medidas adotadas pelas empresas no que tangen-
cia a preservação e conservação do meio ambiente.
O presente trabalho conseguiu promover e contribuir para um desenvol-
vimento sustentável no que tange aos estudos de Geografia no âmbito do Colégio
Estadual Arêa Leão e na comunicação aos municípios envolvidos como o de Nova
Iguaçu, reafirmando as atividades que desenvolvem e incentivam a atividade de
investigação em geografia, dado que os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes
do ensino médio envolvidos no projeto caminharam pelas atividades: industrial,
sustentabilidade e descarte de resíduos sólidos e líquidos. Temas esses fundamen-
tais para a efetivação da cidadania territorial no ensino de geografia.
Dentre as dificuldades encontradas, destacamos as operacionais: Encon-
trou-se dificuldade no agendamento das visitas as fábricas, pois algumas não res-
ponderam os e-mails e outras responderam dizendo que não apresentavam um
plano de visitação para receber os estudantes.
Já as dificuldades acadêmicas, não encontramos nenhuma. A relação en-
tre a equipe do Colégio e do Projeto esteve em sintonia ao longo de todo o período
de realização as atividades do projeto.
As atividades realizadas ao longo do projeto possibilitaram a pesquisa
sobre diferentes práticas disciplinares e interdisciplinares presentes no ensino de
geografia, essas práticas devem estar presentes na discussão e na efetivação do
Currículo de Geografia na Escola Básica e acena para um diálogo desejado, porém
ainda pouco efetivado na escola pública.
As novas experiências para os Estudantes responsáveis pela elaboração
das pesquisas referentes aos eixos temáticos desenvolvidos ao longo do projeto.
Além disso o projeto colabora para a formação cidadã na contemporaneidade, já
que permite que os estudantes proponham soluções para os problemas presentes
no seu cotidiano e possibilita um diálogo entre universidade e escola.
O diálogo entre universidade e escola é fundamental diante da necessi-
dade de estimular desde cedo o gosto pela pesquisa científica, na medida em que
existe um abismo enorme entre a sociedade e a universidade. O projeto ainda vis-
lumbrou diversos desdobramento como a aproximação dos alunos e alunas do en-
sino médio da escola pública com futuros campos formativos, servindo para a
superação da barreira e de aproximação entre ambas as instituições.
A presença do projeto no Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão, em
Nova Iguaçu, também faz com que os professores desta unidade escolar se apro-
ximem mais da universidade, passando a frequentar mais suas atividades.

Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), pela Bolsa Universal e por meio do Programa Institucional

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). A Pró-Reitoria de Extensão da Univer-


sidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PROEXT/UFRRJ) por meio do Programa
de Bolsas Institucionais de Extensão (BIEXT). A Secretaria de Educação do Es-
tado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão.

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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potencialidades. Monografia apresentado ao curso de Licenciatura em Geografia do
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273
A IMPORTÂNCIA DA TECNOLOGIA ASSISTIVA NAS
ESCOLAS PÚBLICAS DE ZONA RURAL

Creice de Moura do Nascimento 1


Dioenison Ferreira Maciel 2

INTRODUÇÃO
Este artigo intitulado “A Importância da Tecnologia Assistiva nas Esco-
las Públicas de Zona Rural” tem como objetivo analisar a importância das tecno-
logias para o processo ensino aprendizagem das escolas públicas de zona rural,
buscando enfatizar a importância desse recurso que permite a interação das pes-
soas com deficiência, através da pesquisa bibliográfica.
Em muitas comunidades rurais a pedagogia de escolas multisseriadas é
utilizada como única forma para dar acesso à escolarização para a população do
campo. Conforme Petty, Tombim e Vera (1981, p.33):
A educação rural é compreendida por todos os sujeitos do campo que vivem das
atividades agrícolas, das quais a agricultura representa o seu sustento. São todos
aqueles que dependem economicamente do campo, desempenham suas ativida-
des através do meio rural.

Há muito tempo que essa nomenclatura, se é que se pode chamar assim,


tem ganhado espaço no contexto da escolar do campo mostrando sua importância
para a educação, mas, observa-se que as escolas do campo são carentes, portanto
o processo de ensino aprendizagem nas classes multisseriadas deve ser trabalhado
passo a passo, pois esses alunos necessitam de uma forma de ensino diferenciada
devido às junções de anos que dividem o mesmo espaço e principalmente para a-
lunos com deficiência.
As pessoas sempre procuram escolhas que propiciem uma melhor quali-
dade de vida, buscando espaços disponíveis e acessíveis. Com intuito de buscar
melhor comodidade, que visa facilitar sua autonomia e independência. Dessa
forma, existem diversas inovações tecnológicas que tornam a vida mais acessível,
possibilitando ações cotidianas que ajuda facilitar o desempenho para a realização
de atividades específicas, além de proporcionar mobilidade simultânea e a
1
Licenciada em Pedagogia pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá – IESAP. Pós-graduada em
Educação Especial Inclusiva Pela Faculdade de Tecnologia e Ciências Humanas – FATECH. E-mail:
mouracreice@gmail.com;
2
Licenciado em Pedagogia pela Faculdade Atual – FATUAL; Pós-graduado em Gestão, Supervisão e
Orientação Escolar e Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade Educamais. E-mail:
dioenison.maciel@hotmail.com.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

comunicação entre pessoas. Diante disso, é possível perceber o quanto a Tecnolo-


gia Assistiva é importante na vida de pessoas com deficiência, garantindo assim,
uma educação de qualidade e inclusão social. Que está longe de ser realidade na
vida das pessoas com deficiência e em especial o educando de escola pública na
zona rural, que não possuem assistência adequada do poder público, que deveria
garantir e promover uma vida independente e inclusiva.

1. TECNOLOGIA ASSISTIVA (TA)


Segundo Castro; Souza e Santos (2001), a TA é um termo ainda novo que
vem sendo revisado nos últimos anos, devido à sua necessidade para garantir a
inclusão da pessoa com deficiência. Para Galvão:
É uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba pro-
dutos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam
promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas
com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão social (GALVÃO FILHO et al.,
2009, p. 26).

Desse modo, essa denominação é dada ao conjunto de recursos usados


para ajudar pessoas com deficiência, tornando sua vida mais independente, pro-
movendo uma melhor qualidade de vida e inclusão social, ampliando a mobilidade,
a comunicação e as habilidades de aprendizagem, controle de seu ambiente e tra-
balho sendo esses as objetivas centrais da TA.

2. SURGIMENTO DA TECNOLOGIA ASSISTIVA


De acordo com Guimarães (2005) a TA surgiu no ano de 1988, nos Esta-
dos Unidos da América (EUA) em um contexto de leis que tem o intuito de regular
os direitos dos cidadãos com necessidades especiais, nos quais eles passaram a ter
direitos a serviços especializados e incluindo-se no contexto social.
Para Guimarães (2005), a relação entre a Tecnologia Assistiva (TA) e a
educação ainda é novo. Ainda para a autora, além das carências estruturais, falta
investimento em formação continuada e preparo dos profissionais da educação
que estão em contato direto com as pessoas com deficiência que farão uso da TA.
Na atualidade, o termo TA no Brasil é utilizado para identificar todo o
conjunto de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar ha-
bilidades funcionais de pessoas com deficiência e, consequentemente, promover
vida independente e inclusiva (COOK & HUSSEY, 1995, s/p apud CASTRO,
SOUZA & SANTOS, 2011, p. 150).
Já para Castro, Souza e Santos (2011), a Tecnologia Assistiva é defi-
nida como uma \gama de equipamentos, serviços, estratégias e práticas

276
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

concebidas e aplicadas para amenizar os problemas encontrados pelos indiví-


duos com deficiências.
Desta maneira, Galvão Filho e Damasceno (2006) corrobora enfatizando
que a TA se compõe de recursos e serviços para facilitar e possibilitar a acessibili-
dade e o direito da pessoa com deficiência de exercer a cidadania. Neste modo, são
considerados recursos de TA, desde artefatos simples, até sofisticados sistemas
computadorizados, utilizados com a finalidade de proporcionar uma maior inde-
pendência e autonomia à pessoa com deficiência. Desse modo, a TA deve ser então
compreendida como um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade
funcional visando pessoas com incapacidade ou mobilidade reduzida ou possibi-
litará a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstân-
cia da deficiência.

3. IMPORTÂNCIA DA TECNOLOGIA ASSISTIVA NO ENSINO


REGULAR NA ESCOLA DA ZONA RURAL
O propósito da educação hoje é o comprometimento com a qualidade de
ensino dos educandos, e a escola é entendida como um ambiente que proporciona
condições para a produção e aquisição de conhecimento e de habilidade, bem
como o desenvolvimento de atividades que visem à participação individual e cole-
tiva. Assim modificando e construindo paradigmas coerentes à realidade educaci-
onal na zona rural principalmente alunos com deficiência.
Nota-se que o processo de ensino aprendizagem nas classes multisseria-
das está fragmentado e para isso se fazem necessário pensar em estratégias que
possibilitem melhorias na educação do campo, não só para os alunos ditos “nor-
mais” como para os alunos com deficiência.
Essa prática de ensino, ou, porque não dizer essa necessidade de levar o
conhecimento ao setor rural, tem levado muitos profissionais da educação a bus-
carem recursos que favoreçam a educação formal dos educandos do campo. Com
intuito de tentar alcançar a tão almejada educação de qualidade.
Para Hage:
No caso da condução do processo pedagógico, os professores se sentem angusti-
ados quando assumir a visão de multissérie e tem a elaborar tantos planos e estra-
tégias de ensino e avaliação diferenciados quanto forem às séries reunidas na
turma, ação está fortalecida pelas secretarias de Educação quando definem enca-
minhamentos pedagógicos e administrativos padronizados (HAGE 2006, p. 04).

Os alunos que estudam em escolas rurais apresentam maior dificuldades


no ensino aprendizado. Mediante isto, as pessoas com deficiência necessitam uti-
lizar Tecnologia Assistiva, em especial no âmbito escolar, para que adquire auto-
nomia, independência para realização de atividades tanto na escola quanto fora,
para que assim, esse problema seja amenizado.

277
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Nas escolas públicas da zona rural é necessário que haja um profissional


especializado ou capacitado que entenda as especificidades das deficiências, com
objetivo de ajudar o educando na adaptação e utilização de instrumentos tecnoló-
gicos, como: a impressora Braille, libras, softwares (DOSVOX e Virtual Vision),
como também, na interação com os demais colegas em sala de aula. Já que a parte
de assistência técnica pedagógica nas escolas rurais é precária.
A matrícula de pessoas com deficiência na rede regular de ensino exige
que a escola se adapte as especificidades desse aluno com acompanhamento em
tempo integral, para isso, se faz necessário à preparação de todos os funcionários
que fazem parte da instituição escolar, evitando assim, qualquer tipo de discrimi-
nação, dentro do contexto escolar.
Desse modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu ar-
tigo 55, corrobora que é dever dos pais ou responsável “matricular seus filhos na
rede regular de ensino”. Assim, ao inserir alunos com deficiência em escola da rede
regular de ensino, se faz necessário que a mesma ofereça a este aluno o Atendi-
mento Educacional Especializado (AEE), incluindo a sala de recursos, pois, a
Constituição Federal em seu artigo 208 no inciso III afirma que o “Atendimento
Educacional Especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na
rede regular de ensino”.
Neste espaço, deverão ser oferecidos todos os instrumentos necessários
que o aluno com deficiência vier necessitar, como: o uso da Tecnologia Assistiva,
tida como recurso de suma importância para obter a permanência do aluno com
deficiência na escola. Entretanto, o atendimento do AEE nas escolas do campo é
inexistente principalmente na esfera Municipal.
O poder público deve possibilitar através de investimento em recursos
financeiro, físico, técnico pedagógico e formação continuada dos profissionais da
educação, com intuito de satisfazer as necessidades dos educandos para que as-
sim, possam progredir em seus estudos e consigam concluir os mesmos, pois, a
inclusão permite que o aluno com deficiência tenha a mesma qualidade de ensino
recebida por aqueles educandos “ditos normais”.

METODOLOGIA
Para a realização deste artigo foi utilizado à revisão bibliográfica, ou re-
visão de literatura, que é a análise crítica, minuciosa e ampla das publicações cor-
rentes em uma determinada área de conhecimento (TRENTINI & PAIN, 1999).
A pesquisa bibliográfica procura discutir e explicar um tema com base
em referências teóricas publicadas em livros, revistas, periódicos e outros. Busca
também, conhecer e analisar conteúdos científicos sobre determinado assunto
(MARTINS & PINTO, 2001).

278
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Assim, segundo os autores acima, a pesquisa bibliográfica não é apenas


uma mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre determinado assunto, mas
sim, promover um exame de um tema sobre novo enfoque ou abordagem, che-
gando a conclusões inovadoras. Dessa forma, Demo (2000), complementa dizendo
que a ideia da pesquisa é induzir o contato pessoal do aluno com as teorias, por
leitura, levando à interpretação própria.
Quanto à abordagem da pesquisa, caracteriza-se por ser qualitativa, isto
é, não se prende à representatividade numérica, ocupa-se de explicar o motivo, o
porquê das coisas, demonstrando o que convém ser feito, mas não enumerando ou
quantificando.
Neste sentido Minayo (2001) elucida que a pesquisa qualitativa trabalha
com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fe-
nômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
A pesquisa qualitativa caracteriza-se pela dinâmica que há entre o
mundo real e o sujeito, isto é, para a abordagem qualitativa existe um vínculo in-
dissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser
quantificado, enumerado ou traduzido em números. Desse modo, o que importa é
que ela seja capaz de produzir novas informações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho possibilitou um grande aprendizado, principalmente por
precisar de um olhar mais atencioso por se tratar de uma temática nova e impor-
tante na vida das pessoas, devido às particularidades de cada um. Pois a inclusão
de pessoas com deficiência no âmbito escolar exige uma adaptação contínua da
instituição, para que de fato possa atender a diversidade, onde todos os alunos
possam ter êxito no seu processo de aprendizagem.
A Tecnologia Assistiva vem se tronando uma importante ferramenta e-
ducacional, pois, cada vez mais serve como uma ponte para abertura de novos ca-
minhos para o processo de ensino aprendizagem e desenvolvimento de educandos
com deficiências.
Nesse processo de inclusão outro fator importante a ser destacado é que
a política de formação continuada seja oferecida para todos os profissionais da
escola, incluindo a equipe gestora, para que se apropriem do conhecimento so-
bre a TA e construam atitudes mais positivas em relação à inclusão de alunos
com deficiência.
Dessa forma, o uso das tecnologias Assistivas é muito importante para
que de fato aconteça a inclusão dentro de nossas escolas em especial de zona rural.
Assim, conhecer os recursos que garantem a independência e a autonomia de pes-
soas com deficiência é construir uma educação plena de qualidade, que

279
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

proporcione a formação de cidadãos com incapacidade ou mobilidade reduzida.


Assim, a TA seria um instrumento para o professor utilizar para facilitar de forma
concreta as barreiras causadas pela deficiência e possibilitar a inserção do edu-
cando no processo de construção do conhecimento, a fim de ter maior controle e
independência nas atividades tanto pedagógicas quanto da vida em sociedade.

280
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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TRENTINI, M. & PAIN, L. Pesquisa em enfermagem, uma modalidade
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281
A RELEVÂNCIA DA AVALIAÇÃO DENTRO DO CONTEXTO
ESCOLAR: UMA ANÁLISE NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

Denise da Costa Dias Scheffer 1


Dieison Prestes da Silveira 2
Etyane Goulart Soares 3
Thalia Nunes Ferreira Feistler 4

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os ambientes educacionais se apresentam como um importante espaço
para discussões e provocações, partindo da necessidade de uma investigação epis-
têmica quanto a diversidade de saberes, vivências e experiências tanto de alunos,
quanto de professores. Por este viés, vê-se necessário um diálogo permanente so-
bre a avaliação e seus possíveis reflexos na sociedade, haja vista que existe uma
diversidade de saberes no meio social.
Pode-se afirmar que existe uma ecologia de saberes, pautada nas singula-
ridades grupais e, esta diversidade de saberes apresenta-se como relevante. Por
meio da fusão de saberes, vivências e experiências, novos olhares e formas de atuar
em sociedade acabam surgindo. De maneira geral, a ecologia de saberes explicita
que todos os sujeitos apresentam conhecimentos, muitos destes são oriundos das
relações e interações dialógicas com outras pessoas. Pode-se considerar também
que dentro dos espaços educacionais, alunos e professores trocam conhecimentos
à medida que dialogam e socializam fatos/circunstâncias presentes na sociedade,
portanto, o campo educacional se apresenta como um ambiente fértil, capaz de
ressignificar e (des)construir conceitos (SANTOS, 2010).

1
Especialista em Formação Pedagógica para Docentes da Educação Técnica e Tecnológica pela
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade
Internacional Signorelli, Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade de Educação São Luís.
Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta. E-mail: dcdscheffer@gmail.com
2
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática pela
Universidade Federal do Paraná. Bolsista CAPES. Mestre em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social pela Universidade de Cruz Alta. Especialista em Meio Ambiente e
Sustentabilidade pela Faculdade Futura. Graduado em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal
Farroupilha. E-mail: dieisonprestes@gmail.com
3
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social
da Universidade de Cruz Alta. Especialização em andamento em Docência no Ensino Superior pela
Faculdade Futura. E-mail: etyanesoares@hotmail.com
4
Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade de Cruz Alta. E-mail: thaliafeistler@outlook.com
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Os conteúdos apresentados pelos professores dentro das escolas preci-


sam ter relação direta com as vivências dos alunos, caso contrário, pouco irá con-
tribuir com o processo de ensino de aprendizagem. Nesse sentido, o processo de
formação de um docente precisa ser contínuo, visto que diariamente novas desco-
bertas ocorrem e precisam ser socializadas nos mais variados espaços do saber.
Conforme alunos e professores trocam saberes, cria-se um ambiente de
aprendizagens que são fundamentais na contemporaneidade, pois ocorre a obten-
ção de novos conhecimentos. Da mesma forma, os alunos criam condições para
atuarem com responsabilidade no meio social, criticizando ideias hegemônicas e
refletindo sobre suas ações na sociedade. Adicionalmente, ocorre um (re)pensar
no processo formativo, bem como avaliativo do aluno, no tocante as habilidades e
dificuldades de cada sujeito.
Avaliar o aluno dentro do contexto escolar precisa levar em consideração
as habilidades, vivências e experiências, bem como as funções cognitivas de cada
sujeito. Ademais, precisa-se haver um acompanhamento dos professores para/com
o aluno, visando uma avaliação contínua, tendo sinônimo de feedback. Por este viés
o aluno deve ser avaliado de forma gradual e com métodos subjetivos, visto que
cada sujeito apresenta suas habilidades e dificuldades e o professor, nesse sentido,
precisa refletir sobre a sua ação docente e as condições criadas para o desenvolvi-
mento da criticidade e autonomia do aluno.
Em se tratando de avaliação é de se considerar a importância do uso de
metodologias e recursos didáticos-pedagógicos que permitam o desenvolvimento
das funções cognitivas e motoras dos discentes. Dessa forma, os alunos interagem
uns com os outros e criam condições para atuarem com responsabilidade na soci-
edade, tendo como eixo norteador, o diálogo e as interações socioculturais.
As escolas precisam pensar no processo de avaliação, tendo o aluno como
sujeito único, com habilidades que os distingue dos demais sujeitos. Enfatizando
os professores, estes precisam ser reflexivos e críticos na sua própria ação pedagó-
gica, criando aulas e momentos atrativos que despertem a atenção dos alunos.
As Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC’s consistem em
uma forma de despertar a atenção dos alunos - quando usadas de forma correta e
com supervisão dos docentes. Por meio do uso das TIC’s os alunos devem buscar
respostas as suas dúvidas, se tornando sujeitos autônomos no campo social e e-
ducacional. Cabe ao professor mediar o conhecimento e instruir os alunos a bus-
carem respostas aos seus anseios, dúvidas e provações de forma
problematizadora, a qual permite o desenvolvimento de habilidades e funções
cognitivas. Ainda, o uso do lúdico consiste em uma possibilidade de despertar o
interesse dos alunos, provocando a socialização de opiniões, bem como criando
expectativas de novas aprendizagens.

284
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Avaliar o aluno não é somente atribuir-lhe uma nota, mas (re)pensar a-


cerca das condições criadas para o desenvolvimento de um pensar crítico, refle-
xivo e autônomo. Os professores precisam desafiar os alunos a buscarem soluções
aos problemas cotidianos presentes nas comunidades e avaliar de forma contínua,
de maneira qualitativa e quantitativa os discentes, oportunizando a criação de i-
dentidades, bem como sujeitos reflexivos para atuarem na sociedade. Buscando
um debate contemporâneo e que insere a temática avaliação no contexto de pro-
blematização, o presente artigo busca analisar e discutir as formas de avaliar o a-
luno, provocando um (re)pensar no processo de avaliação, bem como no ensino e
aprendizagem.
A metodologia adotada para este estudo consiste em uma abordagem do
tipo qualitativa. Pode-se considerar que as pesquisas qualitativas são fundamen-
tais no campo das ciências sociais, pois permitem um estudo e um entendimento
aprofundado de assuntos e temáticas que relacionam sociedade, desenvolvimento,
cultura, meio ambiente e economia. Por meio das pesquisas qualitativas há um en-
foque nas questões que emergem na sociedade e necessitam e investigações cons-
tantes (MINAYO, 2012). Em se tratando da temática deste estudo, pode-se dizer
que a avaliação se constitui como um importante meio formativo dentro dos espa-
ços escolares, visto que se apresenta como um processo contínuo que possibilita
(trans)formações na sociedade.
A avaliação, por envolver sujeitos com realidades e pensamentos subjeti-
vos, insere-se em uma vertente de debate que vai além da sala de aula, pois ela
permite (trans)formações na sociedade. Ademais, ela reflete nas questões cultu-
rais, econômicas, ambientais, políticas, educacionais e tantas outras que perfazem
a formação dos sujeitos.
Ainda, sobre a questão metodológica, pode-se afirmar que foi utilizada
uma pesquisa essencialmente bibliográfica. De acordo com Gil (2011), as pesquisas
bibliográficas possibilitam a construção de um fichamento de dados acerca de
uma determinada temática. Por meio de estudo bibliográficos, ocorre uma atuali-
zação e informações, sendo de extrema importância para pesquisadores de áreas
semelhantes.

O PROCESSO FORMATIVO DE UM DOCENTE E A BUSCA POR NOVAS


VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS
O processo de formação de um docente requer diferentes práticas e ativi-
dades pedagógicas visando o processo reflexivo e crítico acerca da profissão. Por
este viés, os cursos de formação de professores precisam estimular a participação
em projetos de ensino, pesquisa e extensão, buscando encontrar respostas e/ou
provocar o pensar dos sujeitos no tocante aos desafios presentes no cotidiano de
um docente.

285
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Da mesma forma, participar de cursos, palestras, oficinas e estágios pro-


piciam vivências relevantes e que perfazem as trocas de saberes. De acordo com
Silveira e Golle (2019, p. 15):
Em um curso de formação inicial de professores, conhecer o ambiente escolar,
sua infraestrutura, o corpo docente, funcionários e alunos pode galgar a relação
de profissionalismo, bem como a afetividade entre todos os envolvidos na busca
por uma educação de qualidade.

Na mesma sequência Silveira e Golle (2019) comentam que os estágios


contribuem para uma formação sólida e com o despertar identitário dos estudan-
tes de licenciaturas, sendo capazes de atuarem com profissionalismo e responsa-
bilidade social. Ainda, pode-se dizer que a formação de professores é uma temática
que necessita de um olhar diferenciado, pois, por meio dela, ocorre a formação dos
sujeitos para as vivências em sociedade, pautando práticas e valores autônomos
no meio sociocultural.
Quando os licenciandos buscam o conhecimento por meio de cursos, e-
ventos, rodas de conversas, seminários, entre outros, eles estão aprimorando os
seus saberes e construindo uma bagagem de conhecimentos que é de extrema re-
levância para a contemporaneidade. Adicionalmente, eles desenvolvem habilida-
des para atuarem no dia a dia docente, tendo o aluno como sujeito único, com
habilidades a serem exploradas.
Reconhecer o aluno como foco da aprendizagem significa considerar que os pro-
fessores têm papel importante de auxílio em seu processo de aprendizagem, mas,
sobretudo, perceber que, para de fato poderem exercer esse papel, é preciso pen-
sar sobre quem é esse aluno (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007,
p. 125).

Dentro do contexto da educação, a avaliação do aluno, no seu processo


contínuo, precisa de uma atenção especial, pois os alunos são sujeitos com reali-
dades distintas e, por isso, precisam ser avaliados de forma subjetiva. O professor,
sendo um sujeito com autonomia, criticidade, empatia, responsabilidade e outros
tantos valores, precisa (re)conhecer as potencialidades dos seus alunos, criando
metodologias e atividades que forneçam subsídios para o desenvolvimento do ra-
ciocínio crítico e com reflexos na sociedade. Frente a isso é plausível afirmar, se-
gundo Demo (1996, p. 2), que:
O problema principal não está no aluno, mas na recuperação da competência do
professor, vítima de todas as mazelas do sistema, desde a precariedade na for-
mação original, a dificuldade de capacitação permanente adequada, até a desva-
lorização profissional externa, em particular na Educação Básica.

Esta conotação vem ao encontro do que Silveira e Golle (2019) comen-


tam, pois, para os autores, a formação de professores precisa centrar-se no pro-
cesso reflexivo da atuação docente, bem como no aluno como sujeito com
especificidades e realidades singulares. Da mesma forma, a formação de

286
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

professores precisa ser crítica sobre as ideias hegemônicas presentes na atuali-


dade. Ainda, sobre as questões econômicas, culturais, ambientais e sociais que ne-
cessitam de discussões.
Uma das diversas atividades presentes na profissão docente é avaliação
dos seus alunos. Esta temática requer um especial destaque, pois avaliar não é ape-
nas atribuir-lhe uma nota, mas refletir sobre os avanços e retrocessos dos alunos.
Ainda, avaliar significar questionar-se sobre o porquê dos retrocessos dos alunos
nas aulas. Quais são as dificuldades? O que foi feito para maximizar o processo de
ensino de aprendizagem? Os alunos estão sendo estimulados a pensarem? Os alu-
nos apresentam condições para a prática das atividades? Como é a realidade de cada
aluno? Estas e outras provocações precisam ser consideradas, visto que existe uma
ecologia de saberes, oriunda das vivências e experiências de grupos sociais.
Em se tratando da ecologia de saberes, Santos (2010) comenta que há uma
pluralidade de saberes e, é de extrema relevância a prática de investigação dos sa-
beres sociais. Dentro do campo da educação a ecologia de saberes é potencializada,
tendo como meio basilar, o diálogo e as interações sociais. O professor, sendo um
mediador do conhecimento, precisa criar condições de diálogo dentro da sala de
aula, instigando a socialização de fatos/circunstâncias vivenciadas pelos alunos
para, posteriormente, avaliá-los.
Pensando em meios para avaliar o desenvolvimento dos alunos, criar ati-
vidades diferenciadas demonstra-se como favorável para o processo de ensino e
aprendizagem. Oliveira e Alcântara (2013) comentam que o jogo é uma ferramenta
importante para a prática de atividades, pois os alunos interagem com o objeto e
se tornam sujeitos reflexivos. Ainda, eles criam condições para resolver problemas
e encontrar respostas a situações diversas.
Os jogos didáticos-pedagógicos compõem o uso da ludicidade dentro do
ambiente escolar e auxiliam no processo avaliativo dos alunos. De acordo com Ca-
macho (2012, p. 25):
[...] os materiais manipuláveis são objetos lúdicos, dinâmicos e intuitivos, com
aplicação no nosso dia-a-dia, que têm como finalidade auxiliar a construção e a
classificação de determinados conceitos que, conforme o seu nível de abstração,
necessitam de um apoio físico para orientar a compreensão, formalização e es-
truturação dos mesmos.

Dentro dos ambientes educacionais os alunos precisam trocar saberes,


vivências e experiências, visando o processo de ensino de aprendizagem. O pro-
fessor precisa problematizar o conhecimento e criar condições para o desenvolvi-
mento do pensar crítico e reflexivo dos seus alunos. Da mesma forma, o professor
precisa refletir sobre sua prática e avaliar os alunos de forma contínua, tendo como
base a participação dos discentes, a assiduidade, comprometimento, respeito e
empatia dentro da sala de aula. Para Kubata et al. (2011, p. 2):

287
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A postura do professor em sala de aula, bem como suas artimanhas em articular


o conteúdo teórico a ser ensinado com atividades mais dinâmicas e uma aborda-
gem moderna são, sem dúvidas, pontos de partida para a solução de problemas
em sala de aula, tanto no sentido disciplinar (comportamento do aluno) quanto
no índice de rendimento de conteúdos que serão aproveitados pelo estudante.

Diante do exposto acima, pode-se perceber que o professor precisa insti-


gar o pensar crítico e reflexivo nos seus alunos, visando um direcionando para a
sociedade. Ademais, a postura do professor e suas expectativas para/com o aluno
cria condições para que o aluno desenvolva a autonomia, a criticidade e a respon-
sabilidade social. Por este viés, o professor deve acompanhar o aluno e avaliar a
trajetória trilhada pelo discente. Mas para que ocorra a avaliação, é necessário o
uso de recursos e metodologias de ensino que despertem a atenção do aluno, como
por exemplo, o uso da ludicidade.

O LÚDICO DENTRO DO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO:


POSSIBILIDADES DE AVALIAÇÃO
Conforme a etimologia da palavra lúdico, do latim Ludus que significa em
português brincar. O lúdico vislumbra a promoção, bem como o desenvolvimento
de habilidades humanas, como por exemplo, a fala, escrita, coordenação motora e
o aprendizado, por meio da naturalidade do ato de divertir-se enquanto aprende.
Na atualidade, com especial destaque aos ambientes educacionais, o lúdico é visto
como atividade educativa de ensino que permite aos sujeitos um aprendizado di-
ferenciado, visto que se aprende por meio de interações com o objeto.
O lúdico é visto como uma metodologia didática utilizada principal-
mente na educação infantil, baseada na apresentação de elementos como brinque-
dos e jogos, contribuindo para a o aperfeiçoamento do aprendizado utilizando,
desta forma, o contato abstrato e individual do aluno com o ambiente escolar, vi-
sando a busca pelo processo de ensino e aprendizagem.
Os modelos didáticos deveriam merecer um espaço e um tempo maior na prática
pedagógica cotidiana dos professores. O modelo didático aplicado deveria con-
tribuir não apenas para a apropriação de conhecimentos, mas também para sen-
sibilizar os professores para a importância desses materiais, motivando o uso e
até mesmo incentivando a elaboração de metodologias alternativas
(MEDEIROS; RODRIGUES, 2012, p. 318).

Alunos e professores precisam vivenciar atividades lúdicas de ensino,


pois assim ocorre o gosto pelo conhecimento, imbricados no desvendar de fatos,
sendo o professor um sujeito problematizador do conhecimento. Os alunos ao
construírem seus jogos, dinâmicas e interações, eles acabam trocando saberes e
aperfeiçoando seus conhecimentos. O professor, nesse contexto, deve avaliar o de-
senvolvimento do aluno, permitindo um feedback no que tange o desenvolvimento
e as interações dos sujeitos. Assim, pode-se dizer que a avaliação em sala de aula

288
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

deve ser um processo contínuo, pautando no desenvolvimento psicossocial dos


alunos, criando oportunidades de formação identitária e cidadã. Enfatizando a im-
portância do uso de lúdico Fialho (2007, p. 17) afirma que:
A exploração do lúdico pode se tornar uma técnica facilitadora na elaboração de
conceitos, no reforço de conteúdos, na sociabilidade entre os alunos, na criativi-
dade e no espírito de competição e cooperação, tornando esse processo transpa-
rente, ao ponto que o domínio sobre os objetivos propostos na obra seja
assegurado.

Em se tratando da historicidade do uso do lúdico, o autor Vygotsky


(1998), comenta a importância do lúdico no contexto de aprendizagem, por meio
de suas pesquisas e estudos sobre o processo de desenvolvimento de novas apren-
dizagens, bem como a relevância para a formação dos alunos. Assim, para se com-
preender o desenvolvimento de uma criança, é importante considerar as
necessidades dela e os incentivos que são eficazes para colocá-las em ação. Diante
disso, pode-se observar que o lúdico, enquanto modalidade extensiva para nova
oportunidade de meio de aprender, é uma forma de experienciar diferentes formas
avaliativas, com enfoque na avaliação qualitativa em relação ao processo de apren-
dizagem do aluno.
Destacando a importância do lúdico no ensino, sendo um multiplicador
de saberes Vygotsky (1998, p. 126) comenta que “É no brinquedo que a criança
aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, de-
pendendo das motivações e tendências internas, e não pelo dos incentivos forne-
cidos pelos objetos externos”.
No período atual é possível visualizar a ludicidade no ambiente escolar,
nos mais variados níveis de ensino, tendo destaque na educação infantil, momento
em que há maior aplicabilidade, levando em consideração a formação da criança,
ocorrendo uma avaliação qualitativa (SOBRINHO, 2003). O trabalho lúdico se a-
presenta como uma importante ferramenta que desperta o imaginário dos alunos,
possibilitando reflexões e discussões acerca do objeto/jogo. Assim o sujeito se
torna crítico, com características para problematizar as ideias hegemônicas pre-
sentes na contemporaneidade.
Adentrando no contexto da trajetória de explanações e estudos sobre o
aprendizado por meio do uso da ludicidade, pode-se mencionar Teixeira (1999)
que foi um precursor e defensor da educação integral, social e gratuita, pautada na
democratização do ensino. Para o autor deve-se haver intensos debates e discus-
sões acerca da formação de professores, bem como na qualidade do ensino, insti-
gando um (re)pensar acerca das formas avaliativas e as metodologias de ensino
utilizadas durante as aulas.

289
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

QUESTÕES EMERGENTES NO CAMPO EDUCACIONAL: A AVALIAÇÃO


COMO CAMINHO FORMATIVO
Avaliar um sujeito deve ser vista como uma forma de explanar o que pre-
cisa melhorar e, enfatizar o que está sendo positivo. Avaliar não é apenas atribuir-
lhe uma nota, mas refletir sobre as potencialidades de cada indivíduo. No campo
da educação, sabe-se que a avaliação faz parte da atividade escolar do docente e
precisa ser vista como um componente importante para o processo formativo do
aluno. Ainda, a utilização correta do uso da avaliação permite aprimoramentos no
ensino e na aprendizagem, possibilitando identificar o papel de mediador e infor-
mante que o professor exerce na sociedade. Nesse sentido, avaliar o aluno não é
apenas atribuir-lhe uma nota, mas discutir os avanços e retrocessos envolvendo as
questões sociais, cognitivas, educacionais, éticas e tantas outras que são necessá-
rias para as vivências em sociedade.
A avaliação, como forma de acompanhamento dos avanços e retrocessos
dos sujeitos, deve ser vista como necessária, afim de aprimorar o processo de en-
sino e aprendizagem, possibilitando uma reflexão constante das habilidades e di-
ficuldades de cada aluno, bem como do papel do docente para as transformações
na sociedade, ou seja, avaliar requer um olhar diferenciado, visto que cada sujeito
apresenta suas subjetividades. O professor, sendo um mediador do conhecimento,
deve promover condições de aprendizagens no aluno, entrelaçando conhecimen-
tos históricos, culturais, econômicos e ambientais de uma forma crítica e emanci-
patória (FREIRE, 1987).
Cada educador apresenta a sua forma de mediar o conhecimento e avaliar
os seus alunos, entretanto, cabe ressaltar que a avaliação precisa ser contínua,
tendo caráter quantitativo e qualitativo. Ainda, a avaliação deve ser vista como um
feedback requerendo um acompanhamento no desenvolvimento de cada aluno. Dis-
cutindo o conceito de avaliação, Freire (1996, p. 166) afirma que:
A avaliação é a mediação entre o ensino do professor e as aprendizagens do pro-
fessor e as aprendizagens do aluno, é o fio da comunicação entre formas de ensi-
nar e formas de aprender. É preciso considerar que os alunos aprendem
diferentemente porque têm histórias de vida diferentes, são sujeitos históricos,
e isso condiciona sua relação com o mundo e influencia sua forma de aprender.

Para isso, vê-se obstante referenciar a aplicabilidade da avaliação na visão


de Luckesi (1988, p. 71), pois:
A avaliação da aprendizagem escolar adquire seu sentido na medida em que se
articula com um projeto pedagógico e com seu consequente projeto de ensino. A
avaliação, tanto no geral quanto no caso específico da aprendizagem, não possui
uma finalidade em si; ela subsidia um curso de ação que visa construir um resul-
tado previamente definido.

Em suma, a respeito da importância do ato avaliativo, há de citar-se Jus-


sara Hoffmann (2008, p. 17), pois para ela “Basta pensar que avaliar é agir com base

290
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

na compreensão do outro, para se entender que ela nutre de forma vigorosa todo
o trabalho educativo”. Portanto, a avaliação deve sujeitar-se ao compartilhamento
de saberes entre educador e educando, respeitando a diversidade do contexto es-
colar e evidenciando sua aplicação na busca pela integração do aprendizado.
Em se tratando da avaliação, pode-se dizer que é um procedimento con-
tínuo e que se forma por meio da disposição da coleta de informações que tragam
benefícios para os alunos, visto que cada discente apresenta suas especificidades
e, cabe ao professor exercer o processo de ação e reflexão da sua ação pedagógica.
Avaliar não é apenas atribuir números a cada aluno, mas também refletir acerca
do processo de ensino e aprendizagem e das condições estabelecidas a cada dis-
cente. Schön (2000) comenta que o professor que reflete sobre sua ação está a-
perfeiçoando a sua prática pedagógica. Noutras palavras, ele perfaz a ação-
reflexão-ação, ou seja, ele aplica uma atividade, reflete sobre sua ação pedagógica
e de seus alunos e, posteriormente, perfaz outra ação, visando uma melhora na
mediação do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre as diversas atividades presentes na formação de um professor, a
prática de avaliar os alunos é uma delas. A avaliação precisa ser contínua, visando
um acompanhamento no tocante as premissas de desenvolvimento crítico e refle-
xivo dos alunos. Dessa forma, pode-se dizer que a avaliação é um processo neces-
sário para a formação do aluno, visto que permite um feedback do desenvolvimento
do aluno e oportuniza, ao docente, uma reflexão acerca de seus saberes.
No campo da educação, a prática da avaliação demonstra-se como uma
importante vertente na busca do processo de ensino e aprendizagem, bem como
na qualidade da educação, pois avaliar não é somente atribuir uma nota ao aluno,
mas refletir acerca de suas condições de aprendizagens. Na atualidade é sabido
que cada sujeito apresenta suas habilidades e dificuldades e o docente precisa re-
fletir sobre sua ação pedagógica, visando despertar a atenção de seus alunos de
forma homogênea. Do mesmo modo, ele deve criar metodologias diferenciadas de
ensino, como por exemplo a ludicidade para promover o ensino e corroborar novas
práticas diferenciadas de mediar o conhecimento.
Preocupa-nos o cenário atual presente no campo da educação, visto que
há uma instabilidade, tanto política quanto social, ambiental e econômica e isso
reflete diretamente na formação geral do aluno, bem como na atuação do profes-
sor. Nesse contexto, discutir a avaliação permite um olhar condoreiro da realidade
da educação, uma vez que se deve observar o todo e não apenas o aluno e a nota
que lhe é atribuída. Adicionalmente, a avaliação precisa ser contínua, qualitativa

291
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

e quantitativa, oportunizando conhecer o aluno, bem como as suas condições de


aprendizagens.
Em se tratando de avaliação, cabe salientar a importância da formação de
professores de forma continuada, tendo o intuito de discutir constantemente o
ensino e a aprendizagem dos alunos. O diálogo e as interações entre os docentes
precisam ser rotineiros, afim de acompanhar o desenvolvimento do aluno para a
aplicabilidade de vivências e experiências sociais de forma crítica, reflexiva e e-
mancipatória, com condições para serem autônomos, mitigando assim, casos de
alienação social, cultural e ideológica.

292
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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ensino/aprendizagem da matemática. 2012, 102 p. Relatório de estágio
(Mestrado em ensino de Matemática) – Universidade da Madeira, Funchal, 2012.
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DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de ciências:
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FIALHO, N. N. Jogos de ensino de química e biologia. Curitiba: IBPEX, 2007.
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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisas. São Paulo: Atlas, 2011.
HOFFMANN, J. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre:
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KUBATA, L.; FRÓES, R. C.; FONTANEZI, R. M. M.; BERNABÉ, F. H. L. A
postura do professor em sala de aula: atitudes que promovem bons
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1-26, 2011.
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modelo didático para o ensino de citogenética. Estudos. Goiânia, v. 39, n. 3, p. 311-
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MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 32 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
OLIVEIRA, G. A.; ALCÂNTARA, A. F. A. Jogo didático como recurso no ensino
de química com turmas do ensino médio da Escola Estadual Dom Idílio José Soares
Ouricuri – PE. 53º Congresso Brasileiro de Química. Rio de Janeiro, de 14 a 18 de
outubro de 2013.
SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3ª ed.
São Paulo: Cortez, 2010.
SCHÖN, D. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e
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In: ZAINKO, Maria Amélia; GISI, Maria Lourdes (orgs.). Políticas e gestão da
educação superior. Florianópolis: Insular, 2003.

293
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

SILVEIRA, D. P. da; GOLLE, D. P. Confeccionando o seu relatório de estágio


para cursos de licenciaturas: um enfoque nas Ciências Biológicas. Curitiba:
Appris, 2019.
TEIXEIRA, A. Educação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998.

294
EXPERIÊNCIAS E LEGISLAÇÃO PARA O TEMPO
INTEGRAL ESCOLAR NO BRASIL

Diego dos Santos Verri 1

INTRODUÇÃO
O presente artigo está relacionado ao processo de minha constituição
como professor em escolas públicas. A caminhada como arte educador possibili-
tou uma visão diferenciada de educação, pensando em algo a mais que a escola
deveria oferecer. Ao encontrar a necessidade de pesquisar a ampliação do tempo
escolar e suas diversas especificidades busquei na minha própria vivência as bases
para a investigação, o que gerou a oportunidade de trazer a tona referenciais para
o debate acerca da educação escolar em tempo integral. O objetivo sempre foi dar
visibilidade para esta modalidade de educação e sua relevância na vida dos sujeitos
da escola. Desta forma, a pesquisa está intimamente vinculada aos anseios de uma
escola plural, integralizada e que oferte propostas e possibilidades de avançar na
educação pública de qualidade.
Neste sentido o objetivo geral deste estudo é analisar o contexto histórico
da educação integral no Brasil e a legislação para o estabelecimento desta modali-
dade. A partir do objetivo geral, estabelecemos os objetivos específicos da pes-
quisa que partem da análise do contexto histórico da implantação desta
modalidade de ensino no Brasil. O problema da pesquisa está em observar os mo-
dos de construção de propostas de educação em tempo integral escolar no Brasil
e a legislação atual para o estabelecimento da modalidade.
O percurso da pesquisa foi marcado pela busca constante de dados que
contribuíssem para a construção de conceitos capazes de ampliar o conhecimento
sobre a organização do tempo integral no Brasil e os grandes nomes por traz da
implantação desta. A pesquisa é um processo que supõe estratégias de produção
de dados. Neste sentido, utilizamos a fim de atingir os objetivos propostos, uma
forma básica de investigação: A Bibliográfica (jornais, livros, revistas, periódicos,
artigos e legislação referente ao tema)
A educação escolar em tempo integral necessita de propostas que possam
construir uma identidade, e que sejam vinculadas com as necessidades da escola
pública. Parece claro o ideário de muitos no que se refere ao estabelecimento de

1
Graduado em História pela Unijuí - Campus Ijuí - RS e Mestre em Educação pela mesma Univer-
sidade. Professor Estadual da área de Ciências Humanas. Pesquisador da área de Educação com
ênfase em Educação Escolar em Tempo Integral, Ampliação da Jornada e Educação Popular.
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

políticas públicas para a obtenção de efeitos positivos no campo educacional. O


Plano Nacional de Educação-PNE (2014-2024) prevê diretrizes educacionais a se-
rem seguidas para que haja mudanças significativas no que concerne à educação
brasileira. Em questões de avanços educacionais, estamos caminhando em passos
lentos, enquanto não se efetiva de forma plena o que o PNE propõe. As nossas es-
colas, frequentemente ainda ficam à mercê dos Estados e Municípios que, não de-
terminam a educação como prioridade, o que favorece a propagação de
desigualdades e a baixa qualidade na educação escolar.
Portanto, o tempo integral é uma modalidade de educação que merece ser
estudada e implementada para tanto, é necessário revisitar projetos já existentes,
ampliando saberes sobre as possibilidades de cada região, encontrando caminhos
para o debate entre escolas, comunidades e poder público, contribuindo para que
seja efetiva as metas de ampliação de carga horária escolar presentes na legislação.
Há ainda, a necessidade de revisão curricular tornando a escola em tempo integral
com um currículo integralizado o que favorece para a indução da educação integral.
A educação no Brasil sempre foi marcada por diferentes oportunidades, no
entanto, na maioria das vezes não atendeu a população em suas necessidades fun-
damentais. As diferentes experiências em propostas de educação escolar foram in-
suficientes, no sentido, de favorecer a constituição de uma educação de qualidade.
Assim, propomos uma análise das principais experiências no campo da
educação em tempo integral no Brasil. A primeira delas refere- se ao Centro Edu-
cacional Carneiro Ribeiro (CECR) e a segunda ao Centro Integrado de Educação
Pública (CIEP’s). Esses dois grandes projetos de educação com suas característi-
cas próprias transformaram as realidades sociais na época de suas implementa-
ções. Há por traz destes projetos de educação, dois grandes educadores brasileiros
que representam muito do desejo por uma educação pública de qualidade e que
ofereça possibilidades de aprendizagem relevantes, no sentido de ampliação dos
saberes e dos conhecimentos.
Em seguida a legislação para educação escolar em tempo integral no Bra-
sil, e a forma como está temática foi sendo estabelecida para promover o tempo
escolar integral.
Neste sentido, buscamos evidenciar a relevância do tempo integral atra-
vés de uma análise histórica da experiência proposta com o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro e os Centros Integrados de Educação Pública. As duas perspec-
tivas de educação estabelecidas, dizem respeito à ampliação da jornada e também
da reformulação do conceito de educação escolar em tempo integral buscando as-
sim, uma mudança nos processos conceituais de educação em tempo integral no
Brasil dos anos1950 e 1980.
Os anseios por uma escola diversificada e que a ação pedagógica priorize
a constituição de sujeitos realmente capazes de problematizar seu mundo, é um

296
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

modelo de educação almejado. Propostas governamentais fazem com que projetos,


muitas vezes, não se transformem em políticas efetivas ou políticas públicas. As
ideias e práticas já estabelecidas no país nos trazem através da história, apenas
recordações de curtos períodos em que foram estabelecidas, se não em momentos
definidos pelos próprios mandatos dos governantes, a que se propuseram estabe-
lecer, em novos formatos para a educação. Desta forma, o futuro reservou um des-
tino não muito interessante aos CIEPs que acabaram tendo suas destinações
iniciais revistas, ou mesmo, retomando as escolas em turnos. Algumas unidades
que não chegaram a ser finalizadas ficaram a se deteriorar com o tempo. Segundo
Pacheco (2018, p.02) “sucessivos desgovernos não deram continuidade ao projeto,
desvirtuando a sua principal característica: a educação integral.” Os CIEPs torna-
ram-se escolas comuns, com o ensino em turnos. Alguns, parcialmente concluídos,
foram abandonados.

ANÍSIO TEIXEIRA: A EDUCAÇÃO NOVA E O PROJETO DA ESCOLA


PARQUE.
Neste primeiro momento, nos propomos a buscar as bases de construção
de propostas de educação integral no Brasil. Tratamos de apontar aspectos his-
tóricos da obra de Anísio Teixeira e a sua contribuição para o rompimento entre
as bases da educação tradicional e o projeto de educação escola novista proposto
na década de 30. Abordamos as bases de construção do primeiro projeto de escola
com ampliação da jornada, para tanto, buscamos no Centro Educacional Car-
neiro Ribeiro o foco de nossa análise e como esta escola serviu de base para pro-
jetos posteriores.
Importante salientar que, Anísio Spindola Teixeira era filho de uma famí-
lia burguesa muito influente politicamente, o que lhe proporcionou estudo, em
uma época em que o acesso à educação era limitado para pessoas com poder aqui-
sitivo elevado. Sua educação inicia com padres jesuítas e é finalizada na Universi-
dade do Rio de Janeiro no ano de 1922 quando é graduado em Ciências Jurídicas.
No ano de 1924 entra para a educação, quando recebe o convite do governador da
Bahia para ocupar o cargo de inspetor de ensino. Portanto, é necessário reconhecer
que, a possibilidade de interferir nos processos de formação escolar, se deve, em
grande medida, a situação econômica e social de Anísio Teixeira.
O projeto de educação, que tínhamos no Brasil, era baseado na educação
tradicional, não democrática e limitado a uma parcela seleta (condições econômi-
cas), da sociedade que conseguia ter acesso. Em contraponto ao projeto de escola
tradicional assentada no professor como centro do processo pedagógico, surge o

297
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

progressivismo2, com foco no aluno que, a partir de projetos, experiências, apren-


dem fazendo. Havia a necessidade de uma nova escola que suprisse os avanços que
o país estava vivenciando. Assim destaca Nunes (2009, p. 122) acerca das mudan-
ças na democratização da educação e das novas perspectivas da economia da dé-
cada de 1920 que influenciaram nos processos educacionais brasileiros:
Na década de 20, quando se intentou democratiza-la, o recurso utilizado foi o da
redução da sua duração. Essa política de educação popular mínima que se esten-
dia a um público mais amplo e, simultaneamente, reduzia o tempo de escolari-
dade foi uma espécie de invenção do “industrial trainer” paulista, e que acabou
sendo seguida em outros Estados da Federação. De fato, os homens ligados à in-
dústria defendiam um programa mínimo de educação primária e a ênfase numa
educação vocacional e técnica para os níveis posteriores de escolaridade. Essa
ideia de treinamento para o trabalho – que, na segunda metade do século XX,
viria a se converter nos ginásios orientados para o trabalho, nos ginásios poliva-
lentes e similares –-, aliada à extensão do ensino a todos resultara, na prática, em
um programa de “menos” destinado a um maior número de alunos.

Estas mudanças na educação, na tentativa de democratização do ensino,


resultaram na instituição de uma escola preparatória para se atingir outros níveis
de educação que, segundo Nunes (2009) não se tornou uma educação de base, nem
conservou a sua antiga eficácia de escola preparatória ao acesso às escolas vocaci-
onais do nível médio, ficando suas bases voltadas à admissão para escolas médias
e secundárias favorecendo a evasão e reprovação de inúmeros candidatos.
Neste período conflituoso, Anísio Teixeira vai buscar bases para o desen-
volvimento de um novo projeto para a educação brasileira. Segundo Gouveia Neto
(1973), o marco de toda sua relação com a educação cria sentido real quando Anísio
Teixeira entra em contato com John Dewey, professor da Universidade de Colum-
bia, onde foi aluno durante um ano, isso fez com que suas bases filosóficas e sua
relação com a educação tivessem outro sentido ideológico, passando a defender a
crença no ser humano e de suas possibilidades quando instigado no campo da e-
ducação. Anísio Teixeira acreditava no poder transformador da educação, na vida
dos sujeitos e o quanto estes passam a ser agentes da sua própria transformação,
utilizando do conhecimento como impulso.
Nunes (2000) destaca que, o liberalismo deweyano forneceu a Anísio
Teixeira um guia teórico que combateu a improvisação e o autodidatismo, abrindo
a possibilidade de operacionalizar uma política e criar a pesquisa educacional no
país. Ressalta ainda que, Anísio Teixeira não assimilou Dewey incondicional-
mente, ao contrário de Dewey, que acreditava no êxito das reformas educativas
em países pouco desenvolvidos pela ausência de tradições culturais aí arraigadas,
Anísio Teixeira conhecia e denunciou criticamente a força dessas tradições na

2
Segundo Libanêo (1992) a tendência pedagógica renovada progressivista tem a escola com a
finalidade de adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de
forma a retratar, o quanto possível, a vida.

298
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

sociedade brasileira. Portanto, ao contrário de Dewey, que em nenhum momento


indicou, na sua vasta obra, quaisquer medidas de aferição de inteligência ou de
escolaridade, Anísio Teixeira aplicou-as nas escolas da rede pública, na década de
1930. Segundo Lima (1960, p. 132):
Pode-se dizer que Anísio acredita em educação porque acredita no homem, nas
suas possibilidades de mudar, de reconstruir, de refazer e de pensar. Traço igual-
mente representativo do seu pensamento educacional é que não há como ponto
prévio de partida, educações diferentes para homens diferentes. São os homens
mesmos que diferenciarão ou graduarão, pelos dons da própria personalidade, a
educação que é suscetível de receber.

A proposta de Anísio para a educação é compreendida no sentido de ser


ampla e com a finalidade de atingir a todos em sua igualdade até os 18 anos. O que
se almeja é a busca de democratização do ensino primário e secundário e que a pre-
paração estivesse disponibilizada para todas as classes escolares não favorecendo
apenas a elite com as atividades intelectuais, o que até então era vivenciado na edu-
cação brasileira. No campo da formação de profissionais, Nunes (2000, p. 17) re-
mete a criação de instituições e da defesa de Anísio pela universidade pública.
Do ponto de vista da formação dos intelectuais, o projeto de Anísio Teixeira
passa pela criação de instituições, universitárias ou não, que formulem intelec-
tualmente a cultura humana, seja capaz de incentivar (no caso de órgãos de fo-
mento à pesquisa ou ao aperfeiçoamento docente) e funcionar (no caso das
universidades ou dos centros de pesquisa) como polos de irradiação científica,
literária e filosófica, tenham a pesquisa como um valor e a vinculem à docência.
A trajetória de Anísio Teixeira em defesa da universidade pública e de institui-
ções públicas de pesquisa ou de financiamento a ela tem implícita a convicção
de que não há país capaz de sobrevivência digna sem instituições, sobretudo
como a universidade, capazes de produzir conhecimentos e propor soluções pró-
prias às questões que o afligem.

A educação em tempo integral era defendida por Teixeira, que baseada


na análise da educação americana, buscava a formação integral do sujeito. Esta e-
ducação ampla seria capaz de rever os conceitos no que diz respeito à educação da
época. Importante salientar que, Anísio Teixeira, constrói uma relação muito forte
entre a escola e a realidade do educando, onde este era confrontado com uma edu-
cação não condizente com sua realidade, fazendo deste um mero ouvinte, não par-
ticipativo, característica esta, fortemente alicerçada nos preceitos da pedagogia
tradicional. Este modelo de educação não contribui para que o sujeito se desen-
volva integralmente. Desta forma, destaca a importância da ampliação da educa-
ção para todas as classes sociais:
Porque a escola já não poderia ser a escola parcial de simples instrução dos fi-
lhos das famílias de classe média que ali iriam buscar a complementação a edu-
cação recebida em casa, em estreita afinidade com o programa escolar, nas
instituições destinadas a educar, no sentido mais lato da palavra... Já não pode-
ria ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer às ve-
zes da casa, da família, da classe social e por fim da escola propriamente dita
(TEIXEIRA, 1962, p. 24).

299
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Sua fala caracteriza as novas ideias, observando que a escola deveria sim
abrigar a classe trabalhadora e não apenas a classe dominante, os quais tinham
muitos privilégios. Em 19323, buscando a defesa da educação pública, assina jun-
tamente com mais 25 manifestantes, intelectuais brasileiros e estudiosos do as-
sunto, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O Manifesto propunha uma
nova proposta de educação baseada na reformulação do processo educativo e o
problema da inoperância do sistema educacional brasileiro na década de 30. O do-
cumento propunha uma abertura à sociedade ampla e a inter-relação entre insti-
tuições sociais, ou seja, a real necessidade de uma escola com preceitos sociais e
um afastamento da escola elitista e conservadora.
Por que a escola havia de permanecer entre nós, isolada do ambiente, como uma
instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando por
toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava
a escola, articulando-se com outras instituições sociais, para estender o seu raio
de influência e de ação? (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO
NOVA, 1932, p. 3).

No próprio Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Anísio Teixeira


defende a educação em tempo integral como sendo uma saída eficaz e coerente
para a implantação das novas políticas educacionais. O desenvolvimento integral
do educando está presente em muitas passagens do Manifesto, o que prevê a pre-
ocupação já na década de 30, com uma proposta que fizesse a diferença dentro dos
processos educacionais. A necessidade de uma real transformação no modelo de
educação vigente na época e o imperativo de que fosse assumida por todos como
meta de solução, para suprir as lacunas na educação básica, era imprescindível.
Assim podemos destacar que, a necessidade de respeitar as vivências dos educan-
dos fica expressa no Manifesto:
Toda a educação varia sempre em função de uma “concepção da vida”, refletindo,
em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela
estrutura da sociedade. É evidente que as diferentes camadas e grupos (classes)
de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a “con-
cepção do mundo”, que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é neces-
sário considerar como “qualidade socialmente útil”. O fim da educação não é
como bem observou G. Davy, “desenvolver de maneira anárquica as tendências
dominantes do educando; se o mestre intervém para transformar, isso implica
nele a representação de certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar os
jovens espíritos” (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA,
1932, p. 39).

Anísio e os demais manifestantes defendiam o acesso de todos à educação


integral e esta deveria ser ampla e voltada para o social como segue:
[...] mas do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logica-
mente para o Estado, que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a

3
Dados históricos retirados de Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4707.pdf

300
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social


eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas
as instituições sociais. [...] Assentado o princípio do direito biológico de cada
indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente ao Estado à organização
dos meios de o tornar efetivo (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA
EDUCAÇÃO NOVA, 1932, p. 5).

No entanto, podemos afirmar que o pensamento de Anísio Teixeira se


consolida na inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, conhecida
também como Escola Parque, com o intuito de preparar o sujeito para a vida social
e econômica na sociedade “hábitos de vida real”. Esta escola previa o ensino con-
vencional, porém com espaços para socialização e aprendizado de atividades vol-
tadas para o trabalho e a qualificação. Chamada de Universidade Mirim por Anísio
Teixeira (1950 s/p), a Escola Parque possuía um projeto inovador para a educação
brasileira. Nos anos 50 era uma manifestação em forma de proposta numa tenta-
tiva de recuperação da escola “pública primária” com uma ideia inicial de ampliar
a educação na cidade de Salvador no Bairro da Liberdade. Teixeira traz seus estu-
dos em educação para a prática efetiva contribuindo com a educação daquele Es-
tado. A proposta pedagógica tinha como principal diferencial a ampliação da
jornada escolar. Observa-se no estudo do discurso4 feito por Teixeira na inaugu-
ração de três prédios da Escola Classe, que mais tarde seriam complementados
pela própria Escola Parque, a ideia de mudança dos padrões educacionais vigentes
até então.
Desejamos dar, de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos
dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhe seu programa completo
de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes in-
dustriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a
escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, real-
mente, a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma
civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mu-
tação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à
criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em
que vive (TEIXEIRA, 1959, s/p).

O objetivo de ampliar a jornada escolar, e os anseios de desenvolver uma


educação integral, estava presente no projeto de educação proposto pelo Centro
Educacional Carneiro Ribeiro. A escola Classe dispunha de três prédios com ca-
pacidade para cerca de mil alunos cada e ministrava os estudos convencionais
(Matemática, Português, Estudos Sociais, Ciências, Francês e Religião). A Escola
Parque ficava responsável pelas práticas educativas.

4
Discurso proferido por Anísio Espindola Teixeira no dia 21 de outubro do ano de 1950 na
inauguração de três prédios da Escola Classe. Este discurso encontra- se registrado no livro
intitulado Uma experiência de Educação Integral (EBOLI, 1969, p. 13).

301
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

QUADRO 1 – FUNÇÃO DAS ESCOLAS CRIADAS POR ANISIO TEIXEIRA


Escola Classe Escola Parque
Português Artes Industriais
Matemática Atividades socializantes
Estudos Sociais Educação Física
Ciências Atividades Artísticas
Francês Atividades Culturais
Religião Biblioteca
Fonte: Quadro elaborado pelo pesquisador baseado em Eboli, 1969, p. 24.

A Escola Parque estava organizada a partir da ampliação da jornada es-


colar, com atividades diversificadas e direcionadas a aqueles que possuíssem o in-
teresse em determinada atividade ou agrupados por idade. Segundo Eboli (1969,
p. 20) as atividades estavam organizadas por setores que compreendiam:
Setor de trabalho: artes aplicadas, industriais e plásticas;
Setor de Educação Física e Recreação: jogos, recreação e ginástica;
Setor Artístico: música instrumental, canto, dança e teatro;
Setor de Extensão Cultural e Biblioteca: leitura, estudo e pesquisa.

O que se pretendia era trazer ao educando uma alternativa para se cons-


truir uma nova sociedade, pautada nos valores humanos e com relação social equi-
valente para a transformação necessária aos partícipes da escola pública de
periferia. Segundo Teixeira (1950, s/p) era importante que o educando estivesse
em contato com a diversidade a que sua comunidade oferecia a partir de sua pró-
pria experiência.
A organização da escola, pela forma desejada, daria ao aluno a oportunidade de
participar, como membro da comunidade escolar, de um conjunto rico e diversi-
ficado de experiências, em que se sentiria o estudante na escola-classe, o traba-
lhador, nas oficinas de atividades industriais, o cidadão, nas atividades sociais, o
esportista, no ginásio, o artista no teatro e nas demais atividades de arte, pois
todas essas atividades podiam e deviam ser desenvolvidos partindo experiência
atual das crianças, para os planejamentos elaborados com sua plena participação
e depois executados por elas próprias (TEIXEIRA, 1950, s/p).

Ainda nesta mesma perspectiva, Éboli (1969) salienta a organização do


Centro Educacional Carneiro Ribeiro que compreendia a Escola Classe e a Escola
Parque onde, o funcionamento acontecia nos dois turnos, e contavam com a assis-
tência de setor de currículos, Supervisão, Setor Médico- dentário. Os alunos ainda
contavam com alimentação, materiais didáticos e medicamentos. Os alunos esta-
vam organizados em grupos a partir de suas idades estavam agrupados da seguinte
forma: Turma A 7-8 anos; Turma B 8-9 anos; Turma C 10 anos; Turma D 11 anos;
Turma E 12 e 13 anos. Éboli (1969, p. 22) remete a organização dos grupos ao rela-
tar que, as classes eram organizadas a partir dos interesses comuns de cada idade
fazendo oposição aos projetos que até então levavam em consideração a capaci-
dade mental e os resultados de exames.

302
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Um projeto inovador com propostas diferenciadas em que o aluno era


visto como centro dos processos educacionais, esta era a Escola Parque. Para
tanto, novas estratégias foram utilizadas fazendo do Centro educacional Carneiro
Ribeiro (CECR) uma referência em educação para o Brasil. Desta forma, Éboli
(1969 p.22) lista as principais iniciativas do Centro:
a) abolir a “repetência” de consequências tão funestas para o aluno, a família, a
comunidade e para o Estado, do ponto de vista psicológico, social e econômico,
e estabelecer a promoção automática;
b) situar o aluno dentro de seu grupo etário, evitando-se situações de constran-
gimento, inibição, desânimo, desistência de estudo ou falsa superioridade;
c) garantir ao aluno matriculado a permanência na Escola durante 7 anos a que
tem direito, qualquer que seja seu aproveitamento, de acordo com suas possibi-
lidades;
d) regularizar a matrícula, com o início da frequência escolar aos 7-8 anos e tér-
mino aos 13.

Estas iniciativas colocariam o Centro (CECR), em diversas rodas de dis-


cussão quanto sua efetividade. Havia também a questão do professor, e as críticas
proferidas às condições de trabalho, salários baixos e a não valorização do magis-
tério. Nunes (2009) relata que, algumas críticas davam um tom sarcástico e con-
tundente às notícias. Chamavam Anísio de demagogo, o seu ar requintado “de
pseudo-intelectual”, seus “volteios de colibri” com relação às questões sociais em
seu discurso. Em certas declarações, Anísio Teixeira era taxado pelos críticos da
época como “uma espécie de Peter Pan” das classes dominantes, um “títere do im-
perialismo norte-americano”, “volúvel”, “demagogo”. Nunes (2009) remete ao fato
de suas experiências educacionais serem inovadoras e que Anísio apesar de ser um
liberal convicto, suas ideias eram interpretadas como, subversivas e esquerdistas
para a época.
Percebemos muitas vezes que, obras públicas podem ser utilizadas como
vitrine para projetos de governo, mas no caso do CECR é mais que uma demons-
tração de algum projeto governamental é de fato como diz Nunes (2009) a possi-
bilidade de intervir em uma escola pública e mudar sua qualidade. Esta mudança
é critério para o estudo das finalidades da educação e de como esta faz diferença
na sociedade. Os aspectos de projetos grandiosos como os que Anísio se envolveu,
sempre foram a fim de estabelecer bases para algo maior, amplo que era o sistema
de ensino e não apenas para determina escola ou governo como destaca Nunes
(2009, p. 130):
As propostas de Anísio Teixeira sempre tiveram a generosidade de uma visão de
conjunto. A sua política nunca foi para uma escola, mas para o sistema de ensino,
mesmo que os custos assustassem as autoridades e os grupos políticos com os
quais se aliava, mesmo que exigisse um recrutamento antes impensável de pro-
fissionais e sua preparação. É que, em sua concepção, cabe ao Estado tornar viá-
vel o que é necessário.

303
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Assim podemos observar que, as iniciativas inovadoras irão se confrontar


com as críticas e que suas bases devem ser significativas do ponto de vista de
transformação do que está posto. Desta forma, Anísio Teixeira e seus tantos pro-
jetos, em especial o Centro Educacional Carneiro Ribeiro que, nos serviu de aná-
lise para compreender uma educação escolar em tempo integral, é uma “matriz”
como dizia Anísio, deveria servir de base para as inovações que a educação de sua
época tanto almejava e podemos dizer ainda, que iniciativas executadas em tem-
pos passados contribuem para estudos e análises de projetos atuais a fim de bus-
carmos não propostas de governos, mas sim bases para políticas educacionais
efetivas e transformadoras.
A amplitude do projeto da Escola Classe aliado com a Escola Parque
transformaria os projetos de Anísio para a prática, contudo, a inauguração total
do projeto inicial (1964) que consistia em quatro Escolas Classe e uma Escola Par-
que comportando aproximadamente 6000 alunos, chegaria a um ambiente polí-
tico complexo ao que se refere ao golpe civil militar de 19645.
No momento do golpe de 1964, Anísio era Reitor da Universidade Naci-
onal de Brasília este, juntamente com muitos outros professores, foram afastados
de seus cargos, no caso de Anísio obteve uma aposentadoria compulsória. Desde
1950 Anísio estava envolvido em encaminhamentos importantes da educação bra-
sileira, no ato do golpe militar este estava atuante em três cargos simultâneos: Se-
cretário Geral da Capes; Diretor do Inep e Reitor da Universidade de Brasília.
Rocha (2018, p. 02) relatando a relação de Anísio com os Inquéritos proferidos a
ele durante o regime militar relata a forma como Anísio foi tratado pelos militares.
Submetido pelo regime de força a inquéritos policiais militares, um deles se re-
feria ao fato de ocupar três cargos públicos, pois a lei só permitia dois, no má-
ximo. Livrou-se imediatamente do processo, ao apresentar os comprovantes de
que depositava, religiosamente, na conta do Tesouro Nacional, ao fim de cada
mês, a quantia referente a um dos três salários recebidos! Também se livrou dos
demais processos, mas já havia se consumado o premeditado mal de afastá-lo,
criminosamente, aos 63 anos, na plenitude intelectual, de qualquer atuação na
educação brasileira.

Os laudos técnicos realizados colocam a ocorrência de determinadas


questões que não são condizentes com a versão dada pelos militares, depoimentos
desencontrados, relatos sem fontes claras o que se pode concluir de fato é que, sua
morte no fosso do elevador sob a forma de acidente nos traz muitas dúvidas e que
os laudos periciais executados na Comissão Nacional da Verdade (2012) demons-
tram que o corpo do educador estava em situações avessas ao relatado no laudo da
época. As evidências são claras e as formas de correção em períodos de repressão

5
O Golpe de 1964 foi um ato comandado por militares e população civil no então presidente da
República João Goulart com o preceito de defender o país das ações comunistas implantando assim
uma ditadura militar (1964-1985).

304
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

remontam aos métodos utilizados para a obtenção de dados dos torturados. Cabe
aos pesquisadores a análise real e a escrita historiográfica de acontecimentos em
períodos sombrios como o da ditadura no Brasil sob a égide da justiça.

DARCY RIBEIRO E A PROPOSTA DOS CENTROS INTEGRADOS DE


EDUCAÇÃO PÚBLICA.
A primeira atuação de Darcy Ribeiro no campo nacional está ligada na
construção da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4024
(BRASIL, 1961), e também na criação da Universidade Nacional de Brasília (UNB).
A consolidação das ideias quanto a UNB não duraria muito tempo uma vez que,
com o avanço da repressão dirigida pelos militares, assim como Anísio, Darcy tam-
bém seria perseguido e, mais tarde exilado, vivendo em diversos países da América
Latina atuando em universidades como a Universidade Oriental do Uruguai.
Ao retornar ao Brasil (1976) após ser anistiado se lança a vice-governador
do estado do Rio de Janeiro o que lhe rende a vitória e a oportunidade de colocar
em prática, mais uma vez, suas ideias educacionais e seu ideal de democratização
da educação. O grande projeto para educação proposto por Darcy Ribeiro, ao lado
do então governador Leonel Brizola, diz respeito aos Centros Integrados de Edu-
cação Pública (CIEPs) que marcaram fortemente a política de educação integral
da época e, continuam presentes até os dias de hoje em muitos estados brasileiros.
A origem destas escolas está nos governos brizolistas que as transforma-
ram em legado. Usando do projeto pedagógico de Darcy Ribeiro e do projeto ar-
quitetônico de Oscar Niemayer, os CIEPs, somente no estado do Rio de Janeiro,
chegaram a 500 unidades.
Os CIEPs foram idealizados em rede, com o objetivo de propor mudanças
no rumo da educação no estado do Rio de Janeiro. O projeto foi inovador e utili-
zou-se de ideias de Anísio Teixeira a partir de sua primeira experiência com o
tempo integral, entretanto, a proposta dos CIEPs propunha o tempo integral na
escola, diferenciando-se do projeto de Anísio que organizou sua proposta em dois
turnos. Acerca dos CIEP’s Darcy Ribeiro assevera:
Criar escolas de dia completo para alunos e professores, sobretudo nas áreas me-
tropolitanas onde se concentra a maior massa de crianças condenadas à margi-
nalidade porque sua escola efetiva é o lixo e o crime. O que chamamos de menor
abandonado e delinquente é tão-somente uma criança desescolarizada, ou que
só conta com uma escola de turnos (RIBEIRO, 1995, p. 13).

A ideia de uma educação em tempo integral é peça central dos CIEPs,


pois, eram escolas que ficavam abertas o dia todo. Esta escola completa é perme-
ada por um currículo amplo, onde o educando permanece durante toda a manhã e
toda à tarde com aulas práticas, com atividades esportivas e artísticas, com uma

305
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

frequência à biblioteca, fazendo assim um aprendizado significativo com uma di-


versidade curricular contínua.
Utilizando da educação como bandeira de governo, Leonel Brizola (1922-
2004) no início de seu mandato como governador do estado, cria a Comissão Co-
ordenadora de Educação e Cultura que tinha como objetivo principal reformular
a educação pública estadual e municipal observando que, participavam órgãos es-
taduais e municipais e também pelo Reitor da UFRJ, quem presidia era o vice-
governador Darcy Ribeiro. Tratando dos objetivos da comissão Ribeiro (1986, p.
20) destaca as definições da comissão:
Os trabalhos iniciais da comissão vincularam- se à definição de conteúdo para o
capítulo sobre educação no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do
Estado, que então, foi submetido à apreciação do Conselho Estadual de Educa-
ção e a Assembleia Legislativa, para que fossem fixadas as diretrizes de uma ação
renovadora do panorama educacional.

Os investimentos em educação no Estado do Rio de Janeiro somariam um


percentual de 30, 25% do orçamento do governo Ribeiro (1986, p. 24), com meta
de remodelar escolas, criar outras, subsidiar a merenda escolar e transporte, que
passa a ser garantido em lei a alunos uniformizados. Ao tratar dos CIEPs é inegá-
vel rememorar a forma como a chamada “Fábrica de Escolas” se desenvolveu e a
tamanha agilidade de organização desta proposta de governo que se estabeleceu
no Rio de Janeiro nos anos 80.
A necessidade de estruturação de um sistema rápido de fabricação de es-
truturas de argamassa armada para a construção em série, foi inspirado nos proje-
tos da União Soviética, como fator de racionalização das obras sociais e que, no
Brasil foi desenvolvida pelo arquiteto João Filgueiras Lima6. O projeto era com-
posto de quatro fases com uma fase inicial de construção de 60 escolas que até ao
final da proposta seriam entregues quinhentas unidades. Uma característica forte
na localização dos CIEPs é quanto à situação de vulnerabilidade social das comu-
nidades (Conforme Anexo 3) o que favorecia para que determinada comunidade
recebesse uma unidade dos CIEPs.
Toda esta reestruturação na educação do Estado do Rio de Janeiro estava
no Programa Especial de Educação (PEE) que previa através do diálogo entre di-
rigentes governamentais e educadores, a estruturação das propostas pedagógicas
e curriculares a serem implantadas nas escolas. O Programa Especial de Educação
possuía metas básicas, desde alimentação dos educandos até a previsão das cons-
truções a que o governo estava imbuído de realizar.

6
João da Gama Filgueiras Lima (Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1932 — Salvador, 21 de maio de 2014),
conhecido popularmente pela alcunha de Lelé, foi um arquiteto brasileiro cuja obra é reconhecida
especialmente pelo conjunto de projetos que desenvolveu junto à Rede Sarah de hospitais. A maior
parte das obras dele encontra-se fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo.

306
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

A conjugação das ideias das autoridades educacionais com as opiniões do pro-


fessorado deu origem ao Programa Especial de educação do Governo Brizola.
Para implanta-lo, apenas no ano de 1984, reserva-se para a educação um mon-
tante de inédito de dotações: Cr$ 110bilhões. A diretriz básica do Programa é a
recuperação da escola pública, melhorando –a e colocando – a efetivamente ao
alcance de todas as crianças e jovens do estado. O grande objetivo a ser cumprido
dentro do quadriênio do mandato governamental, é consolidar um ensino pú-
blico moderno, bem aparelhado e democrático, capaz de ensinar todas as crian-
ças a ler, escrever e contar, no tempo devido e com a correção desejável
(RIBEIRO, 1986, p. 35).

A proposta dos CIEPs teve como intenção a educação em tempo integral


com objetivo de uma educação integral mas não conseguiu efetivar esta modali-
dade de educação, pois as ações acabaram centrando-se na ideia do cuidar “lugar
para as comunidades carentes deixarem seus filhos” e, distanciaram-se da educa-
ção voltada para a emancipação do sujeito, da sua constituição humana e cidadã.
Os CIEPs assim tornaram-se instituições de turno e contra turno e não de educa-
ção integral.

LEGISLAÇÃO PARA O TEMPO INTEGRAL ESCOLAR NO BRASIL


O direito à educação está presente na Constituição Federal de 1988, es-
pecialmente, nos artigos. 6° e 205. Estes destacam a educação como sendo um di-
reito de todos, dever do estado, da família e da sociedade e, sua promoção e
incentivo como segue:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mo-
radia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à mater-
nidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será pro-
movida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desen-
volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

Podemos salientar que, a Constituição Federal de 1988 trouxe em âmbito


de cidadania, novos feitos à nova República, superando assim, um longo período
de ditadura civil – militar (1964-1985). Após sua promulgação surgem outras nor-
matizações associadas à educação, e que vão reforçar a educação integral. O Esta-
tuto da Criança e do Adolescente ECA (1990) traz em seu capítulo IV art. 53 o
direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer do sujeito, destacando assim:
Art. 53 A criança e ao adolescente têm direito à educação, visando ao pleno de-
senvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualifica-
ção para o trabalho;
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;

307
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias es-


colares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Os artigos seguintes reforçam a educação e o seu pleno desenvolvimento,


deixando ao Estado a incumbência de ações para que a educação seja efetiva, sali-
entando ainda a responsabilização da família e dos órgãos escolares.
As considerações apresentadas nos artigos do ECA(1990), no que com-
pete a educação, não são específicas sobre a educação em tempo integral porém,
existe o direcionamento no aspecto de desenvolvimento da pessoa e a participação
da União, Estados, Municípios e família como responsáveis pela articulação de a-
ções para o estabelecimento da educação que proporcionará ao sujeito a sua inte-
gralidade. Ainda segundo o ECA(1990), no seu art. 86, quando estabelece a
política de atendimento a educação, podemos observar que, busca um “conjunto
articulado de ações” onde estas são de cunho governamental ou não governamen-
tal para se atingir a forma de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
Na mesma perspectiva, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, Lei
9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional em seu art. 2º
traça por finalidade o pleno desenvolvimento do educando e no art.34 preconiza a
ampliação de permanência do educando na escola:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno de-
senvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro ho-
ras de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o pe-
ríodo de permanência na escola.

As evidências quanto ao tempo integral, ficam claras no que destaca o


art.87, parágrafo 5º onde estabelece a progressão das escolas da rede pública sob o
regime de escolas em tempo integral. Diante do exposto, referenciando o tempo
integral e sua importância para o estabelecimento de diretrizes claras e objetivas,
com o intuito de construir uma agenda de educação integral no Brasil, temos o
Plano Nacional de Educação (2014-2024), mais especificamente a meta seis. O
PNE estabelece diretrizes, metas e estratégias para educação em que municípios e
unidades da federação devem ter planos de educação aprovados em conformidade
com o PNE.
No que diz respeito à Educação em Tempo integral, o PNE (2014- 2024)
determina na meta de número seis, a oferta de “educação em tempo integral em,
no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos

308
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

alunos da educação básica”. Estabelece ainda, nove estratégias para se atingir as


porcentagens estabelecidas.
Estas estratégias estão expressas na Lei Nº 13.005/2014 meta seis. Em a-
nálise ao site do MEC7 podemos observar como está o andamento das metas do
PNE e em especial a meta seis da educação integral. O percentual de alunos em
tempo integral no Brasil que é estimado em 25% na meta seis está atualmente em
13,5 e o número de escolas brasileiras que tem como meta 50 % está em 44,2, mas
a descrição da legenda diz “Percentual de escolas públicas com ao menos um aluno
que permanece no mínimo 7 horas diárias em atividades escolares,” isso nos faz
entender e concluir que, nem todos os alunos estão em situação de integralidade.
Para tanto, optamos em analisar Observatório do PNE8 que é um projeto
de advocacy9. Assim a articulação entre a meta seis e o Programa Mais Educação é
visível, e também, o declínio desta meta no governo pós 2016.
Ao observarmos o gráfico1, na página seguinte, podemos comparar a edu-
cação integral no Brasil e na cidade de Ijuí – RS em dois momentos: em 2013
quando houve uma ampliação das ofertas de vagas na educação integral e, em 2017
quando temos o declínio das escolas em educação integral no Brasil e especifica-
mente em Ijuí. Em 2013 a porcentagem de escolas públicas com oferta de educação
integral em Ijuí era de 57,4% enquanto no Brasil era de 34,4% (Observatório PNE)
com um valor absoluto de 31 escolas em situação de ampliação da jornada na ci-
dade de Ijuí, já em 2017 este número passa a ser de 37% ou seja, saímos de uma
situação extremamente favorável ou acima da meta nacional para ocupar o lugar
abaixo dos 44,4 % referindo- se aos dados de 2017.

7
Disponível em http://simec.mec.gov.br/pde/grafico_pne.php
8
Lançado em 2013, o Observatório do PNE é uma plataforma de advocacia e monitoramento pelo
Plano Nacional de Educação (PNE) que tem como objetivo contribuir para que ele se mantenha vivo
e cumpra seu papel como agenda norteadora das políticas educacionais no País. Fonte Observatório
do PNE.
9
Advocacy é utilizado como sinônimo de defesa e argumentação em favor de uma causa. É um processo
de reivindicação de direitos que tem por objetivo influir na formulação e implementação de políticas
públicas que atendam às necessidades da população.

309
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Gráfico 1 – Porcentagem de Escolas Públicas da Educação Básica com matriculas


em Tempo Integral

Fonte: Observatório do PNE


Lembrando que, o PNE (2014-2024) prevê, a ampliação de escolas de
tempo integral atinja os 50% até o ano de 2024. Com a diminuição da oferta de
escolas com ampliação da jornada no Brasil as propostas de tempo integral ficam
novamente em segundo plano ou, de forma muito insatisfatória em localidades
pontuais.
A observância do declínio da educação de tempo ampliado no Brasil e o
comparativo feito com a cidade de Ijuí/RS, leva ao questionamento de quais as a-
ções pertinentes ao desenvolvimento e efetivação de projetos para a educação es-
colar em tempo integral. O que podemos concluir, além da redução e o não
estabelecimento das ações indutoras para a ampliação da jornada escolar, é a pro-
posta de valorização do ensino médio em tempo integral onde o foco da política
educacional, a partir de 2016, foi o de estabelecer uma agenda de ampliação da
jornada para este nível de ensino focando na ampliação do tempo. Segundo o site
do INEP (2017) o aumento da carga horária nas Escolas de Ensino Médio e Técnico
favoreceu para ampliação desta modalidade em tempo integral:

310
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Prova disto é o aumento de matrículas em escolas de tempo integral de ensino


médio, que subiram 22% em 2017, nas escolas públicas de todo o país. O percen-
tual de alunos matriculados nessa modalidade saltou, também na rede pública,
de 6,7%, em 2016, para 8,4%, no ano passado. Os dados são do Censo Escolar
2017, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais A-
nísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao MEC. O aumento é reflexo direto do
Programa de Fomento às Escolas de EMTI, que, entre 2017 e 2018, criou 905 no-
vas escolas para esse segmento da educação básica, em todo o Brasil.

Mesmo com a agenda voltada para a educação básica os números são ainda
insatisfatórios, porém, há um crescimento no ensino médio em relação aos outros
anos. Em um comparativo entre os anos de 2012- 2017, como podemos observar no
gráfico abaixo, houve aumento da oferta de educação integral no ensino médio.

No gráfico anterior, fazendo referência ao ensino médio e comparando


com a cidade de Ijuí/RS, podemos avaliar que, no ano de 2012 a quantidade de es-
colas que possuíam ensino integral no Brasil era de 2,7%, atendendo a meta de 50%.
Enquanto isso, em Ijuí era de 10% valores absolutos, ou seja, de 516 escolas no Brasil
e uma escola em Ijuí. No entanto, em 2017 podemos observar o aumento para 8,7%
e 20%, respectivamente, este aumento na oferta de educação em tempo integral se
deve a ampliação do tempo nas escolas de ensino médio. Uma breve passagem pelo
Programa Novo Mais Educação (Brasil, 2016), observamos a diminuição das possi-
bilidades que, o Mais Educação (2007) estabelecia, em suas diretrizes, o Novo Mais

311
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Educação vem favorecer o estudo em português e matemática, enquanto o Mais E-


ducação estabelecia macro campos e uma gama de atividades.
Art. 1º Fica instituído o Programa Novo Mais Educação com o objetivo de me-
lhorar a aprendizagem em língua portuguesa e matemática no ensino fundamen-
tal, por meio da ampliação da jornada escolar de crianças e adolescentes,
mediante a complementação da carga horária de cinco ou quinze horas semanais
no turno e contra turno escolar (BRASIL, 2016, 32).

Conforme o art. 1º da Portaria Nº 1.144 /2016 em que demonstra a dimi-


nuição das possibilidades extracurriculares quando comparado com o Programa
Mais Educação (2007-2016) trata-se de “mais do mesmo,” ou seja, mais português
e matemática e não uma ampliação do currículo escolar com atividades diversifi-
cadas. Assim a construção da identidade da escola e o desejo de efetivação daquilo
que se espera para a educação integral no Brasil fica, novamente, sem ser atendido.

ASPECTOS EM PROCESSO DE CONCLUSÃO


A presente pesquisa teve como objetivo analisar as propostas estabeleci-
das em âmbito nacional e a legislação presente no Brasil no que diz respeito à im-
plantação da educação escolar em tempo integral. Observamos os modos de
construção das propostas de educação em tempo integral.
As discussões sobre o tema, educação escolar em tempo integral, possi-
bilitam considerações significativas para a ampliação do debate acerca desta mo-
dalidade de ensino no Brasil. O recorte histórico baseado nas propostas do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro e nos Centros Integrados de Educação Pública bem
como a análise da legislação para a educação integral, remetem a importância do
presente estudo e demonstram as possibilidades pontuais a que temos nas escolas
públicas brasileiras.
Portanto, a pesquisa favoreceu para que pudéssemos avaliar formas dife-
renciadas de construção de propostas de educação escolar em tempo integral que
favoreçam e induzam a integralidade da educação do sujeito e que este amplie seus
conhecimentos e os transcenda para seu cotidiano o que contribuirá significativa-
mente para a constituição de cidadãos empenhados em construir uma sociedade
justa e democrática.

312
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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313
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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brasileira de estudos pedagógicos, Brasília, n. 87, v. 38, p. 21-33, 1962.

314
A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO ESCOLAR NO PROCESSO
DE INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Dioenison Ferreira Maciel 1


Maria Sueli Lima dos Santos 2

1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar a importância da Gestão Esco-
lar no Processo de Inclusão de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais,
bem como mostrar que o gestor escolar tem um papel importantíssimo neste con-
texto.
O interesse acerca do tema surgiu a partir de leituras sobre inclusão es-
colar, e também da seguinte indagação: Qual o papel do gestor escolar e sua im-
portância na perspectiva inclusiva?
Entende-se que a responsabilidade de alunos com necessidades educaci-
onais especiais não depende apenas do professor da sala de aula, mas também a
gestão escolar, que coordena todas as atividades da escola, pois é por meio de suas
ações que equipe se espelhará e fará acontecer de fato a inclusão desses alunos.
A metodologia utilizada para essa pesquisa foi à revisão bibliográfica, que
tem por objetivo uma construção contextualizada para um problema e a análise
na literatura consultada.
Quanto à abordagem dessa pesquisa, caracterizou-se por ser qualitativa,
isto é, não se prende a representatividade numérica, ocupa-se de explicar o mo-
tivo, o porquê das coisas, demonstrando o que convém ser feito, mas não é nume-
rando ou quantificando.
Assim, o presente trabalho aborda o papel do gestor e sua importância no
processo de inclusão no que se refere a inclusão de pessoas com necessidades edu-
cacionais especiais conceituando a inclusão escolar através de alguns estudiosos
da área, em seguida, vê-se fatos históricos da educação de alunos com necessidades
educacionais especiais no Brasil, passando pelo papel do gestor escolar e sua

1
Licenciado em Pedagogia pela Faculdade Atual – FATUAL; Pós-graduado em Gestão, Supervisão e
Orientação Escolar e Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade Educamais. E-mail:
dioenison.maciel@hotmail.com
2
Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Atual – FATUAL; Pós-graduada em Gestão, Supervisão e
Orientação Escolar e Educação Especial e Inclusiva pela faculdade Educamais. E-mail:
mslsantos36@gmail.com
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

importância no processo de inclusão. Por fim, nas considerações finais, em que se


retoma o tema frente do objetivo pretendido pelo estudo.
Neste trabalho aborda-se o conceito de inclusão escolar; um breve histó-
rico da educação de alunos com necessidades educacionais especiais no Brasil; o
papel do gestor escolar e sua importância no processo de inclusão, e para finalizar
a conclusão desta pesquisa.
Os principais autores na qual esta pesquisa foi embasada são: VEIGA
(1998), Pacheco (2007), Mantoan e Prieto (2006), Ferreira (2005), onde destacam
o papel da inclusão escolar e a importância da gestão da escola para incluir alunos
com Necessidades Educacionais Especiais. Mendes (2006), Dota e Alves (2007),
Lima (2006), Glat e Blanco (2007), Costa (2006) e Miranda (2003), também con-
tribuíram com o trabalho, onde abordam sobre o contexto histórico da educação
de pessoas com Necessidades Educacionais no Brasil.

2. METODOLOGIA
No primeiro momento, utilizou-se da revisão bibliográfica como base
para metodologia aplicada nesta pesquisa. Segundo Mazzoti (2002), tem como
intuito a construção de contextualização para o problema e análise das possibili-
dades presentes na literatura consultada para a concepção do referencial teórico
da pesquisa.
Na revisão bibliográfica o material é coletado através do levantamento
bibliográfico, é organizado com procedência, isto é, fontes científicas (artigos, te-
ses e dissertações) e fontes de divulgações de ideias (revistas, sites e vídeos). Neste
sentido, Lakatos & Markoni (1993) corroboram que:
Trata-se do levantamento, seleção e documentação de toda a bibliografia já pu-
blicada sobre o assunto que está sendo pesquisados, em livros, revistas, jornais,
boletins, teses, dissertações (…), com o objetivo de colocar o pesquisador em
contato direto com todo material já escrito sobre o mesmo.

Quanto à abordagem da pesquisa é de cunho qualitativo, pois, não era


propósito do presente trabalho enumerar nem tão pouco quantificar. Sendo assim,
Deslauriers (1991) afirma que o objetivo da amostra é produzir informações apro-
fundadas ou ilustrativas: seja ela pequena ou grande, o que importa é que ela seja
capaz de produzir novas informações.

3. INCLUSÃO ESCOLAR
O termo inclusão já traz implícita a ideia de exclusão, pois só é possível
incluir alguém que já foi excluído. A inclusão está respaldada na dialética inclusão/
exclusão, com a luta das minorias na defesa dos seus direitos.
É importante lembrarmos que quando se fala em inclusão escolar não es-
tamos tratando apenas de alunos com deficiência psicológica, mas também de

316
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

alunos com deficiência física. Portanto, se faz necessário que as escolas estejam
preparadas fisicamente para receber e assim proporcionar o melhor convívio pos-
sível para estes alunos.
Pacheco (2007) aborda que para que a inclusão total aconteça na educa-
ção, é indispensável o envolvimento das famílias, educadores, gestores e profissi-
onais da escola neste processo, assim como o ambiente de aprendizagem escolar
precisa oferecer condições adequadas para a aprendizagem de todos os educan-
dos, reconhecendo suas limitações e construindo novas vertentes para as práticas
pedagógicas.
Para que a escola seja considerada inclusiva não basta apenas aceitar as
crianças ou adolescentes com necessidades especiais é necessário que ela tenha
uma compreensão dos aspectos que possibilitam a integração do deficiente no co-
tidiano escolar. O ambiente de inclusão deve respeitar as diferenças, as pessoas
envolvidas precisam ser estimuladas e informadas para que o preconceito se dis-
solva, ou caso contrário, à inclusão não acontecerá.
Mantoan e Prieto (2006): comentam que existem muitos desafios a en-
frentar sobre a inclusão escolar, visando atingir a educação como direito de todos,
e um destes desafios é não deixar que esse direito seja simplesmente para cumprir
as leis de matricular e manter os educandos com necessidades educacionais espe-
ciais. O que seria, para o referido autor, apenas ter acesso à escola, ou nela perma-
necer, atendendo simplesmente uma exigência legal, sem que isso garanta o
reconhecimento de sua igualdade de direitos.
O avanço do paradigma da Educação Inclusiva tem trazido grandes desa-
fios à educação. A própria Educação Especial vem tendo que redimensionar o seu
papel, antes restrito ao atendimento direto dos educandos com necessidades espe-
ciais, para se constituir, cada vez mais, num sistema de suporte para a escola regular
que tenha alunos especiais incluídos. Isso significa que a Educação Especial é hoje
concebida como um conjunto de recursos que a escola regular deve ter à sua dispo-
sição para atender a diversidade de seus alunos. (GLAT; PLETSCH, 2004).
As instituições escolares de hoje, precisam se conscientizar que inclusão
das diversas diferenças não é sinônima de uma Educação Especial, entendendo que
o modelo tradicional não atende mais a sociedade atual, é preciso buscar caminhos
para efetivação da educação inclusiva como resposta às exclusões e que conduzam
a construção de uma escola de qualidade.
Na concepção de Ferreira (2005), a verdadeira inclusão escolar visa ga-
rantir o ingresso e a permanência do aluno na escola, mas a situação está adversa.
Os professores sentem-se incapazes de dar conta dessa nova clientela, muitas ve-
zes despreparados e impotentes frente a essa realidade apresentada que é agravada
pela falta de material adequado, de apoio administrativo e recursos financeiros.

317
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

4. BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM


NECESSIDADES EDUCACIOANAIS ESPECIAIS NO BRASIL
Iniciativas isoladas e precursoras de educação de pessoas com necessida-
des educacionais especiais no Brasil deram início já no século XIX, acompanhando
a tendência da época, em instituições residenciais e hospitais. Dessa forma, fora
do sistema de educação geral que aos poucos iria se estabelecendo no país.
(MENDES, 2006).
Segundo Dota e Alves (2007) as primeiras instituições de educação espe-
cial foram asilos e manicômios que retiravam e isolavam pessoas com deficiências
do convívio social, oferecendo um atendimento que não supria suas reais necessi-
dades. Essa forma de atendimento foi mudando aos poucos ao longo do tempo,
expandindo com a criação de novas instituições.
De acordo com o Ministério da educação:
No início do século XX é fundado o instituto Pestalozzi (1996), instituição es-
pecializada no atendimento as pessoas com deficiência mental; em 1945, é criado
o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação
na sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff. (BRASIL, 2007).

Miranda (2003) corrobora que foi a partir do ano de 1957, que o governo
federal assume claramente em âmbito nacional o atendimento educacional as pes-
soas que apresentavam deficiência criando campanha para este fim.
A educação inclusiva no Brasil começou a ganhar espaço a partir da dé-
cada de 1980 por meio da veiculação de dados surpreendentes sobre o fracasso e
evasão escolar e juntamente com a necessidade de criação de classes especiais.
Nesse mesmo período, as exigências das diferentes organizações da sociedade ci-
vil, e associações de pessoas com necessidades especiais contribuíram para que a
Constituição Federal de 1988 estabelecesse um modelo de educação para todos,
assim, as políticas educacionais passaram grandes transformações (LIMA, 2006,
apud LOURENÇO, 2010).
A discussão sobre a inclusão de pessoas com necessidades especiais no
contexto educacional teve maior ênfase na década de 1990, a partir da declaração
de Salamanca (1994), considerada um referencial sobre escolarização de alunos
com necessidades educacionais especiais.
Nessas discussões educacionais, a educação inclusiva tomou impulso legal
a partir da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/9.394). Essa lei
orientou as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial através da resolução nº
4 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (BRASIL, 2009).
A inclusão escolar para o atendimento efetivo dos alunos com necessida-
des educacionais especiais demanda de mudanças amplas e radicas nos sistemas
de ensino e em cada escola, que vão desde a gestão educacional até a formação de

318
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

professores. Além disso, é preciso adequação estrutural dos prédios a fim de faci-
litar a acessibilidade dos alunos (GLAT & BLANCO, 2007).
Dessa forma, acredita-se que a inserção de pessoas com necessidades e-
ducacionais especiais na rede regular de ensino exige que a escola adapte as espe-
cificidades deste aluno, para isso, se faz necessária adaptação estrutural e também
a preparação de todos os funcionários que compõe a instituição escolar, evitando
assim, qualquer tipo de discriminação, dentro do contexto escolar.
A educação de alunos com necessidades educacionais especiais resulta na
passagem de uma pedagogia terapêutica, que se centra nos déficits dos educandos,
para uma pedagogia criativamente ativa, ou seja, que visa o desenvolvimento do
aluno, que invista em suas possibilidades. Assim, em vez de centrar a atenção no
déficit que limita o desenvolvimento, a atenção é focada nas formas como ambien-
tes sociais e culturais podem mediar relações significativas para que alunos com
necessidades educacionais tenham acesso aprendizagem. (COSTA, 2006).

5. O PAPEL DO GESTOR ESCOLAR E SUA IMPORTÂNCIA NO


PROCESSO DE INCLUSÃO.
O gestor tem grande importância na escola sendo necessário que ele bus-
que sua atuação baseada na diversidade. Em consequência da liderança que e-
xerce, todos que compõem este ambiente estarão se espelhando em suas ações,
neste sentido deve ser o primeiro a ter consciência da importância da escola inclu-
siva implementando práticas que favoreçam este princípio, dando a escola uni-
dade, e não atribuir dois espaços: um de ensino regular e um de educação especial.
Concebendo-o como um todo e não compartimentado.
O gestor escolar que se propõe a atuar numa prática inclusiva envolve-se
na organização das reuniões pedagógicas, desenvolve ações relacionadas à acessi-
bilidade universal, identifica e realiza as adequações curriculares, tomando provi-
dência administrativa necessárias a implementação do projeto de educação
inclusiva.
Também (UNESCO) através da Declaração de Salamanca sinaliza:
Administradores locais e diretores de escolas podem ter um papel significativo
quanto ao fazer com que as escolas respondam mais as crianças com necessida-
des educacionais especiais desde que a eles sejam fornecidos a devida autonomia
e adequado treinamento para que possam fazê-lo (…) Uma administração esco-
lar bem sucedida depende de envolvimento ativo e reativo de professores do pes-
soal e desenvolvimento de cooperação efetiva de trabalho em grupo no sentido
de atender as necessidades dos estudantes.

Outra ação que o gestor deve levantar para a inclusão é a construção co-
letiva do Projeto Político-Pedagógico (PPP). Ele visa melhorar a qualidade do en-
sino oferecido pela escola, como a organização do trabalho pedagógico em sua
totalidade. De acordo com VEIGA (1998) “A escola e o lugar de concepção,

319
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

realização e avaliação de seu projeto educativo, uma vez que necessita organizar
seu trabalho pedagógico com base em seus alunos”.
O PPP deve ser pensado em um processo de democratização nas ações a
serem realizadas por todos, assim precisa de tempo para a sua reflexão e conse-
quentemente das avaliações que dele decorrem. Assim o papel do gestor é nortear
esse processo, uma vez que ele é corresponsável pelo estabelecimento de uma rede
de relações adequadas para que todos possam ter autonomia e participação.
Por isso, a particularidade da escola em construir a autonomia é um pro-
cesso delicado, pois a articulação das características de cada um, mais a coletivi-
dade, diante da proposta de cultura da colaboração e da participação nas unidades
escolares brasileiras, envolve um processo de mudança, e a dificuldade encontrada
por alguns gestores é que nem sempre encontra pessoas dispostas a mudanças.
Construir a escola inclusiva significa articular democracia, participação e autono-
mia. Sua implementação não será um processo fácil, pois o compromisso em aten-
der com qualidade e eficiência pedagógica a todos os alunos é um compromisso
com a melhoria da qualidade educacional para todos, o que somente será concre-
tizado com a consciência e a valorização dos fatos e das normas coletivas mediadas
pela responsabilidade social. Só assim a escola cumprirá seu papel de transforma-
ção social.
A educação inclusiva só se efetivará nas unidades escolares se medidas
administrativas e pedagógicas forem adotadas pela equipe escolar, amparada pela
opção política de construção de um sistema de educação inclusiva. A educação
escolar será melhor quando possibilitar ao homem o desenvolvimento de sua ca-
pacidade crítica e reflexiva, garantindo sua autonomia e independência.
MEC (2004) nos chama atenção quanto ao suporte necessário aos edu-
cadores e gestores em prol de uma escola inclusiva.
É importante que o procedimento de acesso ao sistema de suporte disponível
seja regulamentado pela escola, para evitar que o professor tenha que buscar a-
juda apenas por iniciativa pessoal. A busca por iniciativa pessoal sobrecarrega o
professor e deixa sem suporte o professor que não tem essa iniciativa. No pri-
meiro caso, se fortalece a cultura de que a busca de soluções para problemas no
ensino não é responsabilidade da gestão da escola, e quanto que no segundo, pe-
naliza o processo de aprendizagem e o alcance dos objetivos reais da educação.

Desta forma, é necessária a participação da gestão escolar no processo de


inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, pois, o professor que
trabalha com esses alunos necessita de um suporte técnico, de material didático
para construções de suas ferramentas para ensinar, salas adequadas, e outros a
qual for preciso.

320
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

6. CONCLUSÃO
Com base nas análises realizadas, acredita-se que o gestor escolar tem um
papel de suma importância no contexto educacional inclusivo, devido à função que
exerce, pois cabe a ele organizar e planejar a escola de forma que atenda as especi-
ficidades dos alunos com necessidades educacionais especiais que ali se encontram.
Entretanto, para que de fato essa realidade tão esperada aconteça, é pre-
ciso que o gestor realize seu trabalho pautado na gestão democrática, onde todos
os envolvidos no processo escolar realizem um trabalho de integração, objetivando
a transformação escolar, onde todos compreendam as necessidades especificas de
cada um.
Assim, considera-se que cabe ao gestor escolar: prover os recursos mate-
riais e humanos para o desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos
com necessidades educacionais especiais; Dar auxílio aos professores no desenvol-
vimento de metodologias e estratégias de ensino; Possibilitar momentos de refle-
xão com relação as práticas pedagógicas inclusivas, onde todos que participam
desse processo possam participar da definição dos objetivos, do planejamento, as-
sim como, na elaboração de propostas e planos de ação que possibilite a quebra
das barreiras que estejam impedindo o desenvolvimento da aprendizagem dos a-
lunos com necessidades educacionais especiais.

321
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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323
FILOSOFIA EDUCACIONAL ADVENTISTA APLICADA

Eduardo Cavalcante Oliveira Santos

Oberlin College e o sistema educacional adventista


“O sistema educacional neste Instituto se propõe a cuidar do corpo e co-
ração bem como do intelecto; pois visa a melhor educação do ser humano como
um todo”. Essa declaração, tão semelhante aos objetivos educacionais adventistas,
apareceu em 1833, muitos anos antes de os adventistas existirem, como propósito
do recém-estabelecido Instituto Oberlin, no nordeste do Estado de Ohio
(KNIGHT, 2004b, p. 01).
Um primeiro ponto em comum, entre o Instituto Oberlin e os princípios
educacionais adventistas, é que o Instituto Oberlin, em seus primórdios, era uma
instituição literária dedicada ao trabalho manual. O First Annual Report do Oberlin,
publicado em 1834, enfatizava que o trabalho manual era “considerado indispen-
sável a uma educação completa”. Pois, o trabalho manual iria “preservar a saúde
do estudante”, assim, os alunos de ambos os sexos deviam trabalhar várias horas
por dia. Além disso, “como existe uma íntima relação entre alma e corpo, o
trabalho deles promove [...] o pensamento claro e vigoroso com um temperamento
moral feliz”. Ademais, o sistema de trabalho manual assegurava vantagens finan-
ceiras: “Enquanto estiverem fazendo o exercício necessário à saúde, uma parte sig-
nificativa das despesas do estudante pode ser custeada”. Além do mais, o programa
ajudava a “formar hábitos de laborosidade e economia”. Finalmente, o sistema pro-
via familiaridade com as coisas comuns do cotidiano. Indo assim, ao encontro das
necessidades do ser humano como um ser complexo, prevenindo o desperdício tão
comum de dinheiro, tempo, saúde e vida (KNIGHT, 2004b, p. 01).
Outro ponto é que o Oberlin, também, advogava a reforma de saúde. No
acordo de Oberlin de 1833, os fundadores concordaram em comer somente alimen-
tos naturais e integrais e renunciar ao fumo e todas as bebidas fortes e estimulan-
tes, inclusive o chá preto e o café. Fisiologia era uma matéria obrigatória no
Instituto. John J. Shipherd, o fundador, considerava a instrução bíblica, a fisiologia
e o trabalho manual, como os departamentos mais importantes da escola: “Se esses
departamentos esvaeceram, a corrente da vida cessará e o coração de Oberlin mor-
rerá” (KNIGHT, 2004b, p. 02).
No início da década de 1840, a maioria das pessoas relacionadas ao Obe-
rlin seguiam os ensinamentos de saúde do reformador Sylvester Graham. Esses
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

ensinamentos incluíam: dieta vegetariana; evitar gorduras e molhos de qualquer


tipo; abster-se de vinho, sidra, cerveja, tabaco, chá preto, café e qualquer outro
estimulante; beber água pura; evitar massas ou doces que não sejam preparados
com mel ou melado; usar cereais integrais; cozimento natural; a proibição de con-
dimentos como pimenta, mostarda e vinagre; condenação da glutonaria e do comer
entre as refeições; ênfase na boa mastigação; evitar o uso de medicamentos; a prá-
tica regular de exercícios físicos ao ar livre; uso de roupas adequadas sem serem
demasiado apertadas; repouso adequado em quartos bem ventilados; e banhos fre-
quentes com água morna ou fria (KNIGHT, 2004b, p. 02).
Uma terceira semelhança, entre a visão educacional dos pioneiros do O-
berlin College com a dos adventistas do sétimo dia era a forte ênfase no aspecto
espiritual. Em 1851, Charles G. Finney relembrou à classe de formandos do Oberlin
que eles não foram educados somente, mas educados no colégio de Deus – um co-
légio conduzido por Deus e para Deus, pela fé, orações, esforços e pelos sacrifícios
do povo de Deus. Vocês não podem deixar de reconhecer que o único propósito
dos fundadores e mantenedores desta instituição tem sido educar aqui homens e
mulheres para Deus e para a causa de Deus (KNIGHT, 2004b, p. 02).
Novamente em 1859, Finney alerta sobre o declínio espiritual: “Não im-
porta para mim quanto dinheiro ou quanto alunos ou qualquer outra coisa que
eles tenham. Quanto mais disso possuirmos, pior será, se os líderes deixarem de
serem intencionalmente agressivos na direção do progresso espiritual” (KNIGHT,
2004b, p. 02).
Outro ponto, é que a atitude do Oberlin quanto aos clássicos literários foi
também semelhante à desenvolvida pelos reformadores da educação adventista na
década de 1890. O First Annual Report do Oberlin afirmava: “O Departamento do
Colegiado patrocinará um curso de instrução tão extensivo e completo como em
outras instituições; divergindo de algumas delas, substituindo os autores pagãos
mais objetáveis pelo Hebraico e pelos clássicos sagrados”. Em 1835, o Ohio Observer
noticiou que o presidente do Oberlin, Asa Mahan, ensinava que os clássicos pa-
gãos eram “mais adequados para educar os pagãos [...] do que os cristãos. Ele acre-
ditava que a mente também podia ser disciplinada pelo estudo das Escrituras
hebraicas e gregas” (KNIGHT, 2004b, p. 02, 03). Os reformadores do Oberlin uni-
ram sua condenação dos clássicos com o seu desejo de exaltar a Bíblia. Eles ex-
pressaram isso, certa ocasião, ao declararem que “a poesia dos profetas inspirados
por Deus é melhor para o coração e pelo menos tão boa para a mente quanto a
poesia dos pagãos” (KNIGHT, 2004b, p. 03).
A atitude do Oberlin com respeito à leitura de romances, também se tor-
naria outro ponto em comum com os adventistas. O conceito do Oberlin a esse
respeito foi expresso em 1848 nas seguintes linhas encontradas no The Advocate of

326
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Moral Reform: “DESCARTE AQUELE ROMANCE! Ele está roubando o seu tempo.
[...] DESCARTE AQUELE ROMANCE! Ele está pervertendo o seu gosto. [...]
DESCARTE AQUELE ROMANCE! Ele está pondo em risco os seus valores mo-
rais. [...] DESCARTE AQUELE ROMANCE! Ele está roubando o seu tempo. [...]
DESCARTE AQUELE ROMANCE! Ele arruinará a sua alma. [...]” (KNIGHT,
2004b, p. 03).
Outro ponto em comum entre o Oberlin e os ideais educacionais adven-
tistas diz respeito à localização rural das instituições educacionais. O Oberlin es-
tava localizado em uma área rural, com uma grande fazenda-escola de 800 acres.
Ao todo, a Colônia Oberlin, da qual o Instituto era apenas uma parte, possuía mais
de 5 mil acres. A localização rural foi escolhida por que era saudável, proporcio-
nava terras extensas para agricultura e indústrias, e “estava suficientemente dis-
tante dos vícios e tentações das cidades grandes” (KNIGHT, 2004b, p. 04).
A lista de interesses compartilhados pelo programa de reforma do Ober-
lin College e as reformas adventistas do final do século 19 vão bem além da educa-
ção, envolvendo áreas de abrangentes preocupações sociais. Ambos os grupos se
opunham à escravidão, à guerra, à dança, ao teatro e às diversões profanas; ambos
advogam a temperança, a reforma do vestuário e as missões evangelísticas. O Obe-
rlin foi pioneiro na reforma educacional e em outras reformas uma década ou mais
antes que os adventistas do sétimo dia buscassem apoiar essas mesmas reformas
(KNIGHT, 2004b, p. 04). O interesse em reformas e atividade no Oberlin College
se enquadram em um contexto mais amplo. Henry Steele Commager salientou que
o período de 1830 a 1860 foi uma era de reformas:
Era uma época de reformas universais – uma época em que quase todo homem
poderia tirar de seu bolso o plano para uma nova sociedade ou um novo governo;
uma época de infinita esperança e infinito descontentamento. Cada instituição
foi chamada para mostrar suas credenciais, e para justificar sua linha de conduta.
Em nossos dias, grande parte dos reformadores se contenta com uma simples
campanha, mas os reformadores dos “anos trinta” eram reformadores universais
(KNIGHT, 2004b, p. 05).

A Colônia Oberlin era uma das muitas sociedades reformadoras daquele


período. Defensores do trabalho manual na educação, por exemplo, sustentavam
uma Sociedade para Promoção do Trabalho Manual em Instituições Literárias,
com Theodore Dwight Weld como seu coordenador geral; porém, inúmeras outras
instituições acadêmicas dos Estados Unidos faziam experiências com o trabalho
manual durante as décadas de 1830 e 1840. A reforma de saúde também atraiu mi-
lhares de pessoas durante aquele período. O mesmo pode se dizer de cada uma
das reformas de Oberlin. Longe de ser um fenômeno isolado, Oberlin era uma
expressão típica do impulso reformador característico do nordeste dos Estados
Unidos antes da Guerra Civil (KNIGHT, 2004b, p. 05).

327
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Mas, à semelhança de outros grupos reformadores, Oberlin deixou de


prosseguir com muitas de suas reformas iniciais. Uma das primeiras reformas a
declinar foi a ênfase no trabalho manual e no estudo literário. Horace Greeley es-
creveu no New York Tribune em 1852 que “nós não admitimos que o Oberlin tenha
desistido do tranalho manual – longe disso – embora a adesão a ele tenha vacilado
um pouco, principalmente devido à impossibilidade de prover trabalho a todos os
seus alunos, especialmente numa diversidade adequada”. Mas, a proeminência i-
nicial dada ao trabalho manual como um auxílio à saúde e ao desenvolvimento
acadêmico tenha acabando sendo subordinada a uma ênfase nos resultados finan-
ceiros. Com um dos propósitos originais debilitados, a prática inevitavelmente co-
meçou a mudar (KNIGHT, 2004b, p. 05).
Outras reformas do Oberlin College também desvaneceram gradual-
mente. A ênfase na reforma de saúde estava em rápido recuo por volta de 1850 e a
luta contra os clássicos latinos e gregos no currículo foi finalmente perdida. Ro-
bert Samuel Fletcher, o mais importante historiador do período de Oberlin antes
da Guerra Civil, escreveu que “de 1840 a 1860 o currículo de Oberlin mudou gra-
dualmente de peculiaridade para a conformidade”. Outro historiador de Oberlin,
John Barnard, mencionou que, por volta de 1865, Oberlin “aproximou-se muito dos
padrões acadêmicos, morais e sociais que predominavam em outros colégios ame-
ricanos” (KNIGHT, 2004b, p. 05).
As marés de reformas diminuíam e aumentavam paralelamente tanto no
Oberlin College como na sociedade em geral. Algumas inovações sociais e educa-
conais empreendidas antes da Guerra Civil – como abolicionismo e educação ele-
mentar universal – prosseguiram até o seu êxito final. Outras declinaram, foram
negligenciadas por algum tempo, mas reapareceram de alguma forma ou outra na
última parte do século 19. O interesse pelo trabalho manual, por exemplo, encon-
trou nova vida em 1862 no Decreto de Morril, que proveu recursos financeiros para
a educação por meio da venda de terras federais. Outra expressão reavivada do
conceito trabalho/estudo foi o amplo debate estimulado por educadores america-
nos na década de 1880 que promoviam a educação vocacional nas escolas públi-
cas. A luta para libertar a educação americana dos clássicos gregos e latinos
foi renovada no final do século XIX com um apoio mais amplo, obtendo pleno su-
cesso. Nos últimos 25 anos daquele século, o movimento do Instituto Bíblico, li-
derado pelos cristãos fundamentalistas, renovou a pressão para inserir a Bíblia no
centro do currículo (KNIGHT, 2004b, p. 06).
De um modo geral, as reformas educacionais de Oberlin não morreram,
mas foram retomadas em décadas subseqüentes por outros, incluindo os adven-
tistas do sétimo dia. As ideias se desenvolveram durante o auge dos movimentos
de reforma e haviam permeado a cultura. Os adventistas estavam, portanto, nem à
frente nem atrás de seu tempo em termos de reforma. À semelhança de outros

328
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

reformadores, eles advogavam práticas não difundidas na época: nos últimos 25


anos do século 19, suas ideias educacionais eram o que haviam de melhor na cor-
rente principal das práticas educacionais (KNIGHT, 2004b, p. 06).
Além da herança comum de reformas, os adventistas acabaram tendo ou-
tros pontos de afinidade com Oberlin. Alguns afirmam, por exemplo, que vários
adventistas freqüentaram Oberlin e assim adquiriram ideias reformadoras expres-
sas mais tarde na educação adventista. Esse crédito foi dado postumamente para
Goodloe Harper Bell e George Amadon. No entanto, os extensos registros de O-
berlin não fornecem qualquer apoio a essas alegações. Para Knight, ou Bell e Ama-
don “estudaram, sem terem sido registrados, durante o curto período de inverno
(de alguma forma equivalente aos nossos cursos de verão) ou, mais provavelmente,
nem mesmo frequentaram Oberlin” (2004b, p. 06).Porém, segundo Lindsay
“mesmo não existindo registros da frequência de Bell ao Oberlin College, relatos
tradicionais dão conta de que ele o frequentou por um curto período de tempo”
(1983, p. 51).
Mas, entre os professores e administradores do Battle Creek College, es-
tavam Sydney Brown Berger e o próprio Goodloe Harper Bell, que anos antes, pelo
menos, moraram perto de Oberlin, onde funcionava o Oberlin College. Há, no en-
tanto, dois alunos de uma família adventista que frequentaram Oberlin durante o
ano escolar de 1852-1853: Merritt G. Kellogg e Albert J. Kellogg, meio-irmãos mais
velhos do doutor John Harvey Kellogg. Nem Merritt e nem Albert se tornaram
reformadores educacionais, mas Joh Harvey se tornaria um grande incentivador
das reformas educacionais durante seu longo cargo como membro da comissão
administrativa do Battle Creek College. Não há evidências de que suas ideias
reformadoras derivaram da permanência de seus irmãos no Oberlin durante um
ano. Mas, provavelmente, o jovem John Harvey absorveu ideias reformadoras de
sua família, cujas convicções eram suficientemente fortes para enviarem dois de
seus filhos para Oberlin (KNIGHT, 2004b, p. 06).
Para os adventistas do sétimo dia, a conexão mais concreta entre o colé-
gio de Oberlin e o adventismo veio por meio da divulgação de Oberlin por Edward
A. Sutherland, em sua obra intitulada Christian Education (1915), como um modelo
de reformas educacionais cristãs. Sutherland, o líder dos que promoviam uma
completa reforma educacional no adventismo durante o fim do século XIX e co-
meço do século XX, viu uma íntima relação entre os ideais das reformas adventista
e as reformas iniciais de Oberlin. Sutherland qualificou a experiência de Oberlin
como a “verdadeira ciência da educação”. Para Sutherland, Oberlin tinha essa filo-
sofia educacional restauradora, mas falhou em preservá-la. Os adventistas do sé-
timo dia, alegou ele, não deveriam cometer o mesmo erro. Eles devem entender e
implementar os ideais da verdadeira educação se desejam cumprir seu propósito
em um mundo que está morrendo (KNIGHT, 2004b, p. 07). Para Sutherland,

329
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Oberlin tornou-se uma lição objetiva tanto de possível sucesso como de fracasso
irreversível. Por meio dos escritos de Sutherland, o noime de Oberlin se tornou
mais proeminente entre os adventistas (KNIGHT, 2004b, p. 07). O que tudo isso
significa para os adventistas do século XXI?
Primeiramente, isso deveria nos ajudar a perceber mais amplamente a na-
tureza reformadora do adventismo. Isso teve um impulso reformador profundo em
suas raízes, um impulso que não pode ser negado sem alterar seriamente a natu-
reza do movimento em si. Em segundo lugar, revela que nossos pioneiros estavam
em contato com os temas sociais de seu tempo. O adventismo não pode permane-
cer socialmente preso ao século XIX, assim como os seguidores de Lutero, ao sé-
culo XVI, ou os discípulos de Wesley, ao século XVIII. A igreja é continuamente
desafiada a responder às questões do presente dentro da moldura de sua herança.
Caso negligenciasse ou ignorasse esse desafio, ela correria o risco de se tornar um
anacronismo (KNIGHT, 2004b, p. 08).

Battle Creek College, o primeiro colégio adventista


Durante a década de 1870, a despeito da ênfase em “A Devida Educação”,
havia uma falha na implementação do programa de reforma na única instituição
educacional da Igreja, o Battle Creek College. O ensino da Bíblia era considerado
opcional e apenas alguns dos estudantes frequentavam as aulas dessa disciplina.
O lado prática do educação era fraco e o trabalho manual não se desenvolveu
(STENCEL, 2004, p. 14). “Eram os prestigiosos clássicos que atraíam a atenção,
muito embora a vasta maioria dos alunos não estivesse qualificada para a admissão
no curso dos clássicos”. Knight afirma, ainda, que “foi uma traição devida, em
maior parte, à ignorância quanto às questões de educação cristã do que uma in-
tenção consciente” (KNIGHT, 1983, p. 30).
Houve muitas perguntas em relação ao currículo do Battle Creek College.
Todas aquelas inconsistências deveriam ser selecionadas. Por quase dez anos, El-
len White não escreveu nada sobre o currículo da escola adventista. Ela escreveu
muitos artigos sobre educação, mas nada sobre esse problema particular. Somente
em dezembro de 1881 que ela deu o próximo testemunho influente sobre educação
aos representantes da Associação Geral e os coordenadores da Review and Herald,
do sanatório e da faculdade (incluindo diretores e corpo docente). O testemunho
intitulava-se “Nosso Colégio”. No primeiro parágrafo ela afirmou: “Há risco de
nosso colégio ser desviado de seu original desígnio. O propósito de Deus foi dado
a conhecer, que nosso povo tenha a oportunidade de estudar as matérias correntes
de estudo, aprendendo ao mesmo tempo os reclamos de Sua Palavra. [...] o estudo
das Escrituras deve ter o primeiro lugar em nosso sistema de educação” (WHITE,
1994, p. 86). Diferente de seu primeiro testemunho sobre “A Devida Educação” de

330
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

1872, a mensagem de “Nosso Colégio” deu uma prioridade enfática ao papel do


estudo da Bíblia na educação cristã e também enfatizou a necessidade de colocar
a Bíblia como ponto principal no programa de estudos (STENCEL, 2004, p. 14,
15). Colocar a Bíblia no centro do currículo poderia trazer muitas reações negati-
vas. Antevendo essas possíveis reações, a senhora White alertou os educadores:
Caso uma influência mundana haja de dominar nossa escola, seja ela en-
tão vendida aos mundanods e tomem eles o inteiro controle; e os que depositaram
seus meios nessa instituição estabelecerão outra escla para ser dirigida, nào sob o
plano das escolas populares, nem segundo os desejos de diretores e professores,
mas sob o plano especificado por Deus. [...] Deus declarou seu Seu desejo possuir
na região, um colégio em que a Bíblia tenha seu devido lugar adequado na educa-
ção da juventude. Faremos nossa parte por cumprir esse desígnio? (WHITE, 1994,
p. 88, 89).
Os administradores do Battle Creek Colleg decidiram não falhar em ofe-
recer o máximo de coisas boas. Estimulados pelo dr. Kellogg, eles puseram-se a
introduzir cursos práticos de impressão, funilaria, manufatura de tendas e fabri-
cação de calçados e vassouras. As jovens poderiam aprender confecção ou venda
de chapéus, costura e culinária. Foram feitos planos para alugar terras em que os
alunos pudessem ser ensinados a cultivar frutas e legumes. Infelizmente, o entusi-
asmo dos administradores não era partilhado pela maior parte do corpo docente e
dos estudantes de Battle Creek. O diretor W. W. Prescott demonstrou-se um per-
sonagem central. Embora sinceramente quisessem seguir os conselhos de Ellen G.
White, prescott não era o tipo de pessoa que se sentisse atraído por trabalho ma-
nual. Ele acreditava na combinação de atividade física com o estudo, mas preferia
fazer isso no ginásio. Os alunos concordaram entusiasticamente. Um grande de-
bate que ocupou a maior parte de uma tarde de domingo demonstrou de modo
eficaz a oposição estudantil a se fazer das classes vocacionais uma parte integrante
do seu programa educacional (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 192).
Outros fatores estavam diminuindo o interesse de muitos indivíduos do
corpo administrativo pelo trabalho manual. Com a matrícula passando dos 500
alunos, as instalações vocacionais estavam seriamente sobrecarregadas. Sua ex-
pansão exigiria despesas substanciais. Portanto, muitos dos departamentos voca-
cionais pareciam sempre operar no vermelho, e o colégio já estava individado.
Somente uma indústria parecia dar lucro: a loja que vendia publicações. Mas não
estaria ela competindo com a Review and Herald Publishing Association? Assim pensa-
vam os administradores da Review, os quais se juntaram àqueles que desejavam por
de lado a educação vocacional e o trabalho manual (SCHWARZ; GREENLEAF,
2009, p. 192).
Por volta de 1889, com o possível fim do programa trabalho-estudo no
Battle Creek College, estudantes cheios de vida procuraram outros meios de

331
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

gastar suas energias. Beisebol, futebol americano, futebol e tênis tornaram-se po-
pulares. Logo se formaram as equipes e foram organizadas partidas competitivas.
Um jogo de futebol entre estudantes americanos e ingleses produziu uma agitação
incomum. Uma reportagem do jogo pela imprensa local atraiu a atenção de Ellen
G. White na distante Austrália. “Ela ficou horrorizada”, e logo dirigiu uma severa
reprovação ao diretor Prescott. Uma escola adventista do sétimo dia não deveria
ser um lugar para estudantes “se aperfeiçoarem em esporte”, escreveu Ellen G.
White. Isso seria seguir o plano mundano de recreação e divertimento e resultaria
“sempre em perda”. Prescott e o corpo docente viram o perigo; os jogos competiti-
vos foram proibidos (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 192).
Muitas crianças e jovens adventistas que desejavam uma educação deno-
minacional achavam difícil frequentar qualquer uma das três escolas existentes.
Isso era particularmente verdade para aqueles que viviam nas Grandes Planícies e
no noroeste do Pacífico. A despesa de viajar as longas distâncias envolvidas e o
pensamento de enviar estudantes mais jovens para tão longe do lar, fizeram com
que as associações locais organizassem suas próprias escolas. Por volta de 1888,
novas escolas haviam surgido em Minnesota, Kansas e Oregon (SCHWARZ;
GREENLEAF, 2009, p. 193).
Em 1901, o colégio de Battle Creek transferiu-se para Berrien Springs, Mi-
chigan, e reabriu em 30 de outubro daquele ano com 150 estudantes, sob o nome
de Emmanuel Missionary College (hoje Andrews University). Os alunos não mais
se hospedavam em casas de famílias vizinhas, mas viviam em regime de internato.
A escola situava-se na região rural, com regime alimentar saudável, pequenas in-
dústrias, currículo apropriado, enfim, tudo aquilo que já estava sendo praticado
na Austrália (GROSS, 2013, p. 61).

Healdsburg College, o primeiro internato adventista


Na primavera de 1882, a primeira escola oficialmente patrocinada pela
denominação, o Battle Creek College, parecia à beira do colapso. Simultanea-
mente, South Lancaster Academy e Healdsbrug College estavam lutando para co-
meçar. Ambos tiveram a oportunidade de aprender a partir de alguns erros
cometidos em Battle Creek. A falta de uma grande comunidade adventista do sé-
timo dia para a hospedagem dos estudantes, forçou Healdsburg a iniciar um lar-
escola ou dormitório. Tão bem foi esta experiência que o Battle Creek College em-
penhou-se no mesmo sistema logo após a sua reabertura em outono de 1883”
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 191).
Healdsburg foi também o pioneiro na implantação do conselho de Ellen
G. White no sentido de associar a atividade intelectual com um programa de tra-
balho manual. Todos os alunos passavam duas horas por dia letivo trabalhando
sob a supervisão direta de um professor. Essa inovação foi bem-sucedida enquanto

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

o corpo discente permaneceu relativamente pequeno. A história, porém, tornou-


se diferente quando a freqüência de alunos passou de 100. O campus limitado de
Heldsburg (sete acres ou 28,3 mil metros quadrados) impediu o desenvolvimento
de extensas indústrias autossustentáveis, o que afetou o programa trabalho-es-
tudo. O que deveria se tornar uma característica distintiva da educação adventista
sofria seu primeiro e difícil teste (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 191, 192).

Walla Walla College, a primeira instituição educacional com regime ovo-


lacto- vegetariano
Uma visita ao noroeste do Pacífico em 1890 convenceu Prescott de que
seria prudente consolidar os esforços educacionais dos membros da igreja também
naquela região. A essa altura havia três escolas secundárias adventistas do sétimo
dia operando em Oregon: em Coquile, litoral do Pacífico, em Portland e em Milton.
Os adventistas locais, à princípio se opuseram à consolidação, mas foram final-
mente convencidos quanto à idéia. A comissão de localização da escola decidiu
sobre um local a oeste de Walla Walla, Washington, onde um abastado cultivador
de frutas oferecia-lhes 40 acres [cerca de 162 mil metros quadrados] de terra
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 194).
As aulas no Walla Walla College iniciaram-se em dezembro de 1892. Em-
bora Prescott acumulasse a diretoria da nova escola àquelas que ele já mantinha
em Battle Creek e Union, a direção estava nas mãos do diretor E. A. Sutherland.
Como homem de fortes convicções, Sutherland reuniu seu corpo docente por uma
semana ou mais a fim de que seus membros pudessem estudar juntos os conselhos
de Ellen G. White sobre educação. Desde o início o Walla Walla College demons-
trou o seu compromisso com a reforma de saúde, servindo apenas uma dieta ovo-
lacto-vegetariana; foi a primeira escola adventista do sétimo dia a dar esse passo
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 194).

Harbor Springs, a primeira convenção educacional


O primeiro estímulo adveio da sessão da Conferência Geral de 1888,
tendo a sua ênfase na centralidade da salvação pela fé em Jesus. Apesar da ‘nova’
ênfase ter sido rejeitada pelos líderes presentes à sessão, ela passou a sem ampla-
mente aceita no início da década de 1890 devido ao ensino e pregação de A. T. Jo-
nes, E. J. Waggoner e Ellen White. Esses líderes pregaram e ensinaram no fim da
década de 1880 e início dos anos 1890 em campais, reuniões de obreiros e nas igre-
jas locais espalhadas pelo território dos Estados Unidos (KNIGHT, 2004a, p. 24).
No entanto foram determinantes para o futuro da educação adventista,
os intitutos ministeriais realizados durante os invernos posteriores a 1888, lidera-
dos por W. W. Prescott, líder da educação em nível de Associação Geral. Esses

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

institutos tinham como principal objetivo esclarecer a liderança eclesiástica da I-


greja sobre a centralidade da justificação pela fé no ensino e missão do adventismo
(KNIGHT, 2004a, p. 24).
No início de 1891, Prescott decidiu realizar um instituto semelhante para
os educadores adventistas. Esse encontro crucial ocorreu em Harbor Springs, Mi-
chigan, durante os meses de julho e agosto de 1891. W. C. White descreveu as reu-
niões em termos de um reavivamento espiritual, enfatizando os testemunhos
pessoais espontâneos. Ele mencionou que cada dia era iniciado com as exposições
de A. T. Jones sobre om livro de Romanos. A senhora White também falou sobre
tais assuntos, como a necessidade de um relacionamento pessoal com Cristo, de
um reavivamento espiritual entre os educadores participantes da convenção e so-
bre a centralidade da mensagem cristã para a educação (KNIGHT, 2004a, p. 25).
Prescott declarou na sessão da Conferência Geral de 1893 que Harbor
Springs foi o marco de transformação na educação adventista. Ele asseverou: “En-
quanto o propósito geral até ali tinha sido am presença do aspecto religioso em
nossas escolas, a partir daquele instituto, como nunca dantes, nosso trabalho pas-
sou a ter um caráter prático [em vez de teórico] sobre essa base, transparecendo
nos cursos e nos planos de trabalho” (PRESCOTT, 1893, p. 350).
Antes de Harbor Springs, o ensino da Bíblia tinha um papel secundário
na educação adventista. Entretanto, a convenção acatou uma recomendação soli-
citando quatro anos de estudo da Bíblia para os estudantes nas faculdades adven-
tistas. Especificamente, os delegados decidiram que ‘a Bíblia deveria ser estudada,
assim como os evangelhos de Cristo, como um todo, do primeiro ao último; e no
qual deveria transparecer que todas as doutrinas sustentadas pela Igreja Adven-
tista eram simplesmente o evangelho de Cristo corretamente compreendido’
(PRESCOTT, 1893, p. 350). A convenção recomendou também o ensino de Histó-
ria sob a perspectiva bíblica global (KNIGHT, 2004a, p. 25).
O reavivamento com enfoque cristocêntrico na teologia da Igreja condu-
ziu a um reavivamento espiritual no seu programa educacional, acompanhado de
uma visão mais clara de seu propósito. Como resultado direto, Prescott observou
que “durante os últimos dois anos tem havido um crescimento na obra educacional
maior do que nos últimos 17 anos que precederam este período” (PRESCOTT,
1893, p. 350).
O professor Prescott via as possibilidades de utilizar mais eficientemente
o grande número de adventistas do sétimo dia que lecionavam em escolas públi-
cas. Por que não reuni-los em um instituto especial de treinamento e inspirá-los a
ensinar nas escolas paroquiais locais? O plano poderia ter funcionado, mas a de-
nominação não tinha nenhum sistema de escolas paroquiais. Em substituição a
ele, Prescott organizou a primeira convenção educacional para professores dentro
das escolas adventistas do sétimo dia abrangendo toda a igreja. Reunido em

334
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Harbor Springs, Michigan, no verão de 1891, esse grupo passou seis semanas estu-
dando os princípios básicos da educação cristã e tentando decidir como a educa-
ção adventista deveria diferir daquela disponível fora da denominação
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 197).
Prescott, Ellen G. White e os pastores E. J. Waggoner e A. T. Jones lide-
raram as discussões de Harbor Springs. P. T. Magan, então lecionando história no
Battle Creek College, lembrou que a maior parte do tempo foi dedicada a discutir
‘a eliminação de autores pagãos e incrédulos de nossas escolas, o abandono de lon-
gos cursos dos clássicos latinos e gregos, e a substituição pelo ensino da Bíblia e
[...] história do ponto de vista das profecias’. Embora nenhuma grande mudança
curricular fosse imediatamente sugerida, foi feita logo em seguida uma tentativa
definida de incorporar mais estudo formal da Bíblia e de História, juntamente com
uma redução do tempo gasto nas línguas clássicas. O trabalho manual e as indús-
trias escolares, entretanto, parecem ter sido grandemente ignorados
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 197).

Avondale School for Christian Workers, o protótipo da educação adventista


Os fatos históricos ocorridos na Igreja Adventista do Sétimo Dia acom-
panharam a explosão missionária do protestantismo evangélico e sua expansão
educacional. Sinais de uma nova vida nas missões da Igreja Adventista começaram
a surgir em meados de 1880. Em 1886, foi publicado em Basel, Suiça, um livro inti-
tulado Historical Sketches of the Foreign Missions of the Seventh-day Adventists
(Resenhas Históricas das Missões Estrangeiras dos Adventistas do Sétimo Dia) –
obra que promoveu de modo significativo o espírito missionário entre os adven-
tistas (KNIGHT, 2004a, p. 27).
Três anos mais tarde, S. N. Haskell iniciou uma viagem de dois anos ao
redor do mundo, durante a qual ele pesquisou as possibilidades de abertura de
campos missionários em diversos lugares. Por volta de 1890, o cenário estava mon-
tado para o que Richard Schwarz denominou de a era do “Avanço Missionário” na
denominação adventista (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 214). Em 1880, os
adventistas tinham apenas oito campos missionários e cinco obreiros evangelistas
fora dos Estados Unidos. Em 1890, havia ainda oito campos, mas o número de mis-
sionários elevou-se para 56. Entretanto, por volta de 1900, o número de campos
missionários aumentou para 42 e o número de missionários no exterior foi para
481 (KNIGHT, 2004a, p. 28).
Na última década do século 19 iniciou-se um movimento acelerado em
relação às missões, que permaneceu imbatível durante as três primeiras décadas
do século 20. Por volta de 1930, a Igreja estava subsidiando 8.479 missionários fora
da américa do Norte, os quais representavam 270 missões. Essa expansão missio-
nário transformou o perfil do adventismo. A missão evangelística exerceu um

335
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

efeito direto sobre a expansão educacional da Igreja Adventista. A denominação


buscava nas escolas os obreiros necessário para sua rápida expansão em âmbito
mundial, do mesmo modo que o crescimento das missões evangelísticas tinha im-
pulsionado os institutos bíblicos e o movimento dos colégios missionário para
treinar um grande número de missionários em um curto período de tempo”
(KNIGHT, 2004a, p. 28).
John Harvey Kellogg, que aparentemente foi o adventista que esteve mais
em contato com os conceitos educacionais evangélicos, foi provavelmente o pri-
meiro a desenvolver uma escola missionária dentro da denominação. Em 1889, ele
estabeleceu o Sanitarium Training School for Medical Missionaries (Escola de Treina-
mento do Sanatório de Médicos Missionários), seguido pela American Medical Mis-
sionary College (Faculdade Americana Médico-Missionário), fundada em 1895.” O
crescimento dos campos missionário afetou a expansão educacional adventista em
pelo menos dois aspectos. Primeiro, fez crescer grandemente o número de escolas
e alunos na América do Norte, pois a maioria dos primeiros obreiros adventistas
saíram dos Estados Unidos, Segundo, os adventistas começaram a estabelecer es-
colas ao redor do mundo para que obreiros pudessem ser preparados em seu pró-
prio território. Assim, por volta de 1900, não somente as instituições educacionais
adventistas tinham expandido de modo significativo em número, mas o sistema se
tornara internacionalizado” (KNIGHT, 2004a, p. 28, 29).
A magnitude de todo esse processo foi o resultado de um desenvolvi-
mento institucional sem precedents durante a década de 1890. Além de igrejas e
escolas, os adventistas fundaram hospitais, casas publicadores, e, posteriormente
(numa escala menor), indústrias de alimentos saudáveis nos Estados Unidos e em
outros países. Dessa maneira, esperava-se que as escolas suprissem um número
cada vez maior de obreiros para as instituições adventistas, além dos obreiros para
evangelização (KNIGHT, 2004a, p. 29).
Precisamos reconhecer que, desde os seus primórdios, a educação adven-
tista do século 19 esteve intrinsecamente ligada às missões estrangeiras. Por exem-
plo, a abertura do primeiro colégio adventista e o envio de seu primeiro
missionário ocorreu em 1874. Este fato não foi uma mera coincidência. O propósito
do Battle Creek College era treinar obreiros para o serviço das missões dentro e
fora dos Estados Unidos. A primeira grande motivação para as ecolas adventistas
estava enraizada na missão evangelística. O mesmo se aplica, na década de 1890,
ao segundo grande avanço da educação adventista (KNIGHT, 2004a, p. 29).
Assim, a expansão da educação adventista durante a década de 1890 es-
teve diretamente relacionada com (1) o reavivamento espiritual da teologia e (2)
uma visão mais ampla da missão da igreja para com o mundo (KNIGHT, 2004a, p.
29). Ellen White embarcou para a Austrália três meses após o encerramento desse
instituto [Harbor Springs]. Ela levou consigo uma forte convicção das

336
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

possibilidades da educação cristã e das implicações do evangelho para a educação.


Naquele país, ela teve uma oportunidade inigualável de influenciar o desenvolvi-
mento do Avondale School for Christian Workers (Escola de Obreiros Cristãos
de Avondale), utilizando os princípios enunciados em Harbor Springs (KNIGHT,
2004a, p. 25).
A Austrália não possuía educadores adventistas conservadores como a-
queles dos Estados Unidos, que estavam tendo dificuldades em assumir um com-
pleto compromisso com os ideais estabelecidos em Harbor Springs. A escola
australiana, que enfatizava o aspecto espiritual e era orientada para o serviço cris-
tão, se desenvolveria para ser uma escola modelo sob a direção dos seus pioneiros
reformadores. A partir da experiência de Avondale, que pode ser vista como uma
extensão de Harbor Springs, originou-se um fluxo constante de cartas e artigos de
autoria de Ellen White abordando o tema da educação cristã. Esses escritos, jun-
tamente com a publicação do Christian Education (Educação Cristã), de 1893, e Spe-
cial Testemonies on Education (Testemunhos Especiais em Educação), em 1897,
ajudaram a guiar o desenvolvimento das escolas adventistas existentes e geraram
uma profunda conscientização entre os líderes e membros adventistas sobre a im-
portância da educação cristã” (KNIGHT 2004a, p. 26).
Os conselhos de Ellen White sobre as escolas fundamentais em meados
da década de 1890 foram particularmente importantes para a expansão da educa-
ção adventista. A frequência escolar era obrigatória na Austrália e por esse motivo,
ela escreveu para W. C. White em maio de 1897: ‘Neste país os pais são obrigados
por lei a mandar os filhos à escola. Nas localidades onde há igreja, devem-se esta-
belecer escolas mesmo que não haja mais de seis crianças para freqüentá-las’
(WHITE, 2005, p. 198-199). Conselhos como esse foram lidos por reformadores na
América, incluindo Edward Sutherland e Percy Magan, que começaram imediata-
mente a impulsionar um rápido desenvolvimento do sistema de escolas fundamen-
tais. Anos mais tarde, Sutherland, que tinha se convencido quanto à relevância dos
conselhos do Espírito de Profecia em Harbor Springs, relembrou com certo exa-
gero que ‘Magan, senhorita McGraw e eu mesmo saíamos praticamente a cada fim
de semana com um professor para estabelecer três novas escolas até segunda-feira
de manhã (KNIGHT, 2004a, p. 26).
“Residindo na própria escola, White conseguiu, com seus conselhos e sua
presença, introduzir em Avondale todos os princípios educacionais que advogava
e que seriam, anos mais tarde, datalhados nos livros Educação (1903) e Conselhos aos
pais, professores e estudantes (1913) (GROSS, 2013, p. 61). Mais do que qualquer outro
colégio adventista do sétimo dia, Avondale estava intimamente associado a Ellen
G. White; mantinha a mais clara impressão de sua filosofia educacional. Uma das
primeiras coisas que a sra. White fez ao chegar à Austrália em 1891 foi dizer aos

337
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

adventistas locais que Deus queria que eles iniciassem uma escola para sua juven-
tude. Era caro de mais enviar estudantes para a América a fim de obter um preparo;
mais importante: a sra. White estava certa de que nem mesmo a educação adven-
tista do sétimo dia americana proveria o melhor preparo para a obra pioneira que
precisava ser feita na Austráliae nas ilhas do Pacífico (SCHWARZ; GREENLEAF,
2009, p. 194, 195).
O Colégio de Avondale foi literalmente talhada na floresta à medida que
as árvores eram derrubadas e serradas para obtenção de madeira, os troncos eram
arrancados e árvores frutíferas eram plantadas. Alguns anos depois, os alunos cei-
faram uma abundante colheita de pêssegos, laranjas, limões, tangerinas e nectari-
nas. Com aração profunda e tratamento científico, a fazenda produziu muitos
tipos de legumes e cereais. Uma leiteria e uma fábrica de alimentos saudáveis fo-
ram abertas. Os professores uniram-se aos alunos em um programa de trabalho
aos domingos e às tardes (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 196).
Reconhecendo que muitos estudantes interessados não podiam frequen-
tar Avondale por falta de dinheiro, as associações australianas cedo desenvolveram
um bem-sucedido fundo de empréstimo estudantil para suplementar a obra nas
indústrias da escola. Por volta de 1899, um modesto hospital tinha sido aberto pró-
ximo à escola de Avondale. Ele não apenas servia à comunidade próxima, que an-
teriormente estivera em falta de tais instituições, mas também mantinha um
programa de educação sanitária e servia como um lugar onde os estudantes po-
diam aprender a ministrar tratamentos simples e cuidar dos enfermos
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 196, 197).
A Escola de Avondale para Obreiros Cristãos constituiu-se um exemplo
que influenciou decisivamente o desenvolvimento de futuras escolas adventistas do
sétimo dia. Entre outras coisas, ela demonstrou: (1) a praticabilidade e vantagens
de umcampus amplo, localizado em um ambiente rural; (2) a viabilidade de um só-
lido programa trabalho-estudo; (3) o valor das indústrias escolares como uma fonte
de trabalho estudantil e como um auxílio ao orçamento operacional da escola; (4)
a necessidade de fundos sistemáticos para ‘auxílio estudantil’; (5) o sucesso do en-
volvimento estudantil em atividades beneficentes e missionárias em lugar de ex-
tensos programas recreativos e esportivos; e (6) a praticabilidade dos conselhos de
Ellen G. White sobre a educação. Talvez o mais forte testemunho quanto ao valor
do tipo de educação iniciada em Avondale seja o de que durante as sete décadas que
se seguiram à sua fundação, mais de 80% dos seus graduados ingressaram no ser-
viço denominacional (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 197).

338
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

REFERÊNCIAS
GROSS, R. & GROSS, J. S. Filosofia da Educação Cristã: uma abordagem adventista.
Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2013.
KNIGHT, G. R. “A dinâmica da expansão educacional”. In: TIMM, A. R. [org.]. A
Educação Adventista no Brasil. III Simpósio da Memória Adventista. 1ª ed.
UNASPRESS. Engenheiro Coelho, SP, 2004a.
__________. Early adventists educators. Michigan: Andrews University Press, 1983.
____. Oberlin College e as reformas educacionais adventistas. In: TIMM,
A. R. [org.].A Educação Adventista no Brasil. III Simpósio da Memória Adventista.
Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2004b.
LINDSAY, A. G. Teacher. In: KNIGHT, G. R. Early adventists educators. Michigan:
Andrews University Press, 1983.
PRESCOTT, W. W. “Report of the Educational Secretary”, Daily Bulletin for the
Generl Conference. Washington: Central Conference, 23 de fevereiro de 1893.
SCHWARZ, R. W. & GREENLEAF, F. Portadores de luz. Engenheiro Coelho:
UNASPRESS, 2009.
STENCEL, R. Ellen White e a Filosofia Educacional Adventista. In: TIMM,
ALBERTO R. [org.]. A Educação Adventista no Brasil. III Simpósio da Memória
Adventista. Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2004.
WHITE, E. G. Conselhos aos pais, professores e estudantes. Tatuí: Casa Publicadora
Brasileira, 1994.

339
PARA ALÉM DO ATO DE CORAGEM: SABERES
MATEMÁTICOS MOBILIZADOS EM PRÁTICAS DE
AUXÍLIO NO ENSINO REMOTO POR MULHERES-MÃES
EM ISOLAMENTO SOCIAL

Klinger Teodoro Ciríaco 1


Brenda Cristina Antunes 2
Francieli Aparecida Prates dos Santos 3

INTRODUÇÃO
Então, isso aí ficou um pouco difícil... só agora mesmo que eu estou conseguindo.
De 15 dias para cá estou conseguindo dar uma organizada, porque ficou bastante
tarefa atrasada por eu trabalhar a noite, aí tem o bebê... Aí ficava com um lá e aí
o bebê quer mexer nas coisas... aí eu saia um pouco, aí eu voltava, aí atrasou bas-
tante as tarefas. A gente conseguiu essa semana dar uma adiantada nas tarefas
deles, mas no começo foi bem difícil, agora que a gente está conseguindo dar uma
adiantada, que eu estou mais em casa assim, acordo cedo e faço as coisas com
eles, mas no começo estava difícil. Então, não é todo dia, agora eu vou fazer eles
fazerem lição todo dia, porque o que ela der [a professora], fazer todo dia para
não ficar atrasado, mas antes eu estava, tipo assim, um dia sim e um dia não, tipo
um dia com um, um dia com outro, outro dia com outro, para não ficar um so-
brecarregado e o outro não. Então, assim eu estava dividindo um pouco M10
(Entrevista concedida em 08/06/2020).
Eu estou fazendo nos dias das minhas folgas, quando eu consigo uma folga na
semana a gente está organizando nesse sentido, tem que deixar a casa em ordem
e deixar também as tarefas dele [referindo ao filho] em ordem! Eu até expliquei
para professora que eu trabalho e que não estou conseguindo entregar as ativi-
dades no dia certo por conta disso M8 (Entrevista concedida em 04/06/2020).

1
Professor Adjunto do Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas (DTPP) da Universidade
Federal de São Carlos – UFSCar; Ph.D. em Psicologia da Educação Matemática pela Faculdade de
Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FC/UNESP, Bauru-SP;
Doutor e Mestre em Educação pela FCT/UNESP, Presidente Prudente-SP. Docente Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UFMS, Campo Grande-MS. Líder do
“MANCALA – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática, Cultura e Formação
Docente” (UFSCar/CNPq). E-mail: ciriacoklinger@gmail.com
2
Licencianda em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos-SP.
Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –
FAPESP. Integrante do “MANCALA – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática,
Cultura e Formação Docente” (CNPq/UFSCar). E-mail: bren_antunes@hotmail.com
3
Mestranda em Educação Matemática pelo Instituto de Matemática da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – INMA/UFMS, Campo Grande/MS – na linha de pesquisa “Formação de
Professores e Currículo” – Bolsista CAPES. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, Campus Naviraí. Integrante do “MANCALA – Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Matemática, Cultura e Formação Docente” (UFSCar/CNPq). E-mail:
francieli.prates.fp@gmail.com
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Eu organizo assim: na parte da tarde geralmente a gente fica duas a três horas e
meia fazendo as atividades porque a gente assiste a aula. Aí a gente faz atividades
que os professores mandam e as atividades são de acordo com as aulas que a
gente assistiu no dia do Centro de Mídia. Eu ajudo ele a resolver as atividades,
as perguntas... na maioria das vezes têm atividades de Artes, daí a gente faz, de-
pois eu tiro foto e mando para os professores e o de Educação Física... Semana
retrasada ele teve que fazer brincadeiras e a gente teve que filmar e mandar o
professor. Então, eu faço todos os dias porque, daí não acumula muito, por e-
xemplo, tem aula todos os dias. Nessa semana não tem porque é planejamento,
mas as aulas deles são de segunda a sexta, então, aí se eu deixar acumular ele fica
muito tempo e depois ele fica cansado, então, a gente separa no dia duas 3 horas
para fazer as atividades da escola M9 (Entrevista concedida em 05/06/2020).

As falas acima, que abrem esta seção introdutória do capítulo como epí-
grafes, expressam vivências de mães de crianças matriculadas no ciclo da alfabeti-
zação, as quais viram seus “mundos” e, consequentemente, suas rotinas de vida
diária modificadas drasticamente com os desafios e anseios postos frente ao isola-
mento social e o iminente processo de terem de assumir mais uma tarefa, para além
das atividades recorrentes em casa: o auxílio no ensino remoto.
Na leitura interpretativa que fazemos, acreditamos que estas mulheres-
mães estão a passar por momentos “para além do ato de coragem”, uma vez que
demonstram, frente aos afazeres domésticos e agora com a responsabilidade ainda
maior de acompanhamento direto em questões de ensino e aprendizagem de con-
ceitos escolares, terem uma leitura de mundo precedente a leitura da palavra, como
já nos dizia Paulo Freire. Nesta compreensão, reportando-nos aos conhecimentos
e saberes informais de sujeitos em uma sociedade letrada, grafocêntrica e quanti-
crata como a nossa, cujas as formas de organização, descrição e apreciação da aná-
lise de mundo, tal como destaca Fonseca (2014), são marcadas por processos e
recursos de quantificação, ordenação, mediação e organização dos espaços e modos
com os quais os grupos se desenvolvem, neste caso o grupo de mulheres que são
mães e têm de conviver e desenvolver estratégias de acompanhamento e ensino em
casa, somando mais um atributo definidor de suas ações diárias: a “mãe-professora”.
Dito isso, objetivamos relatar encaminhamentos e resultados parciais de
uma investigação, a qual conta com apoio de uma aluna que é mestranda pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – INMA/UFMS – e outra de iniciação científica que é licenci-
anda em Pedagogia na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, instituições
estas em que temos atuado diretamente na formação de pesquisadores em Educa-
ção e em Educação Matemática.
Trata-se de um estudo que visa compreender estratégias adotadas por fa-
mílias na resolução de problemas matemáticos e que necessitou, devido a pande-
mia decorrente da COVID-194, ter o direcionamento do itinerário de produção de

4
COVID significa COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto “19” se refere a 2019,
quando os primeiros casos em Wuhan, na China. Logo: COVID-19

342
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

dados “reinventado”. Espera-se contribuir com as discussões teórico-metodológi-


cas acerca dos processos da educação remota ao abrir canal de diálogo e, conse-
quente, divulgação de aspectos referente ao trabalho de campo que temos
empreendido na equipe de investigação, a qual conta com apoio financeiro, por
meio da concessão de bolsas de estudos, tanto da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP – Processo: 2019/10100-9) quanto da Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Quando do momento da escrita do presente capítulo, no tempo em que
vos dissertamos (agosto de 2020), passaram-se cerca de seis meses desde que
nosso país notificou o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus ou pela
COVID-19, registrado no Estado de São Paulo (capital) em 26 de fevereiro. De lá
para cá, somos [reconhecendo àqueles que perderam suas vidas] mais de 116.580
mil nomes, pessoas inumeráveis, que tiveram suas trajetórias truncadas e inter-
rompidas por uma dita “gripezinha” pelo ainda atual Presidente da República do
Brasil. Estamos no final da segunda quinzena de agosto e, segundo dados das Se-
cretarias Estaduais de Saúde, chegamos à margem de 3.669.995 casos notificados,
este número não para de subir/crescer.
Neste contexto, como alternativa de evitar a disseminação do vírus, decla-
rado ocorrer por transmissão comunitária, com um possível colapso no sistema de
saúde pública [o que aliás já estamos a passar nos últimos 2 meses], autoridades
governamentais resolveram instaurar, em seus municípios, medidas de prevenção e
conscientização da população, dentre as quais o isolamento/distanciamento social
tem sido o mecanismo e a “arma” mais protetiva para o momento, uma vez que es-
tudos no campo das Ciências da Saúde, ainda em curso, revelam que uma possível
vacina talvez se materialize no final do primeiro semestre de 2021, efetivamente.
Assim, perante o contexto de incertezas, a pandemia da COVID-19 aflo-
rou uma série de consequências para a vida em sociedade. Vivemos, atualmente, a
maior crise de saúde dos últimos tempos, como saldo dela são múltiplas as dimen-
sões afetadas. O trabalho, a família, o mercado, os sistemas de ensino, entre outros,
se viram em movimento de mudança, bruscamente. Àqueles e àquelas que pesqui-
sam e precisam, dadas especificidades do objeto e objetivo do trabalho, estar em
contato direto com as pessoas, viram-se também afetados e “convidados” para re-
direcionar suas ações.
Nesta direção, para se entender a investigação que será apresentada, jul-
gamos pertinente resgatar as bases teóricas e o contexto em que os dados são pro-
duzidos para, posteriormente, destacar as informações angariadas via entrevista
semiestruturada virtual realizada com um grupo de mães que se autodeclaram res-
ponsáveis pelas tarefas escolares das crianças no período de distanciamento que
estamos vivenciando desde a determinação, em 13 de março, pelo governador do

343
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Estado de São Paulo (SP), via Decreto Nº 64.862, da “[...] suspensão das aulas no
âmbito da Secretaria da Educação [...]” (SÃO PAULO, 2020, p. 1).

AS BASES TEÓRICAS E O CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO


Trabalhos anteriores como, por exemplo, os de Ciríaco e Souza (2011) re-
forçam o potencial de investigações que buscam conhecer contextos/práticas so-
cioculturais de letramento e letramento matemático inerentes às relações família-
escola, o que presumimos ocorrer no caso de nosso trabalho, também.
Os dados a que nos referimos no presente capítulo integra uma investi-
gação mais alargada, a qual como docente da Universidade Federal de São Carlos
- UFSCar - o primeiro autor coordena - e tem como colaboradoras diretas a se-
gunda e terceira autora em estudos de iniciação científica e mestrado, respectiva-
mente. Logo, refletir acerca das estratégias no auxílio remoto em tarefas
matemáticas pela família, na região de São Carlos-SP, durante o período de isola-
mento social no contexto da pandemia é nosso foco de interesse. Para tanto, apoi-
amo-nos na produção de dados do projeto de investigação intitulado “LÁ EM CASA
ENSINO ASSIM...”: ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ADOTADAS
POR FAMÍLIAS DE CRIANÇAS MATRICULADAS NO CICLO DA ALFABETIZAÇÃO,
o qual somos membros diretos da equipe executora.
No escopo central da presente pesquisa, intencionamos analisar três as-
pectos:
1. Sentido de número em situações de cálculo (MCINTOSH; REYS; REYS,
1992);
2. Práticas de numeramento das famílias e os contextos culturais de aprendizagem
matemática das crianças (CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN,
1988); e
3. Alfabetização matemática na perspectiva do letramento (ORTEGA;
PARISOTTO, 2016).
Sobre os aspectos mencionados, faz-se preciso esclarecer que o referen-
cial teórico para leitura e interpretação dos dados produzidos nos itinerários da
pesquisa visa auxiliar na percepção sobre a compreensão global e flexível das ope-
rações numéricas. O intuito é compreender as relações e o desenvolvimento de es-
tratégias eficazes e úteis, a forma como as pessoas se valem dos números para
exercício de determinadas atividades, a exemplo: no cotidiano, mundo do traba-
lho, exercício da cidadania, entre outros.
Por essa razão, “sentido de número” pode ser definido como um tipo de
compreensão dos sujeitos “[...] sobre os números e as operações, juntamente com
a capacidade e inclinação para usar essa compreensão de modo flexível, para fazer
juízos matemáticos e para desenvolver estratégias úteis para lidar com os números

344
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

e com as operações” (MACINTOSH; REYS; REYS, 1992, p. 3). É, portanto, um co-


nhecimento que pode ser adquirido ao longo da trajetória da vida, não unicamente
na escola, motivo pelo qual as famílias podem contribuir para sua formação. “In-
clui ainda a capacidade de compreender o facto de que os números podem ter di-
ferentes significados e podem ser usados em contextos muito diversificados”
(CASTRO; RODRIGUES, 2008, p. 11).
Desse modo, justamente por este poder se apresentar em diversos contex-
tos, o familiar, na leitura que fazemos, é um potencial espaço-tempo propício para
sua fundamentação. Conhecer as práticas de numeramento e/ou letramento mate-
mático dos sujeitos responsáveis pelo auxílio nas atividades em casa é princípio
basilar para caracterização dos contextos culturais da aprendizagem da criança.
Seguindo os pressupostos de Carraher, Carraher e Schliemann (1988), a-
creditamos que a possibilidade de se construir uma melhor relação entre família-
escola poderá auxiliar no desenvolvimento matemático dos educandos, isso por-
que temos acompanhado em resultados de pesquisas anteriores, como a destes au-
tores, que a Matemática escolar vem sendo excludente, o que distancia as práticas
culturais de aprendizagem matemática e de mobilização de conhecimentos da fa-
mília como sendo uma “Matemática” que possa contribuir com as crianças. A de-
fesa que fazemos é que a “Matemática” das famílias pode e exerce, acertadamente,
algum tipo de influência no sentido de número de seus filhos e precisa ser desve-
lada na tentativa de superação do estigma do “fracasso escolar”, o qual insiste em
dissociar “Matemática cotidiana” da “Matemática escolar” e, portanto, explicita
uma relação de poder da dita “acadêmica”. Consequentemente, em nossa pesquisa
buscamos legitimar todos os saberes matemáticos mobilizados pelas famílias no
momento do auxílio das tarefas matemáticas encaminhadas à casa no período de
quarentena, pois compreendemos que: “Não há saber mais, nem saber menos, há
saberes diferentes” (FREIRE, 1987, p. 68). Logo, transformando a Matemática em
mecanismo de libertação e não em algo excludente, que restringe o sujeito de par-
ticipação no mundo. Ao contrário, defendemos o posicionamento de que o “não-
saber” Matemática, do ponto de vista acadêmico, também é um “saber” Matemá-
tica, mas: qual Matemática? É essa que queremos “descortinar” ao tentar compre-
ender a leitura de mundo (matemático) das mulheres-mães que assumem o auxílio
no ensino remoto das crianças, tornando visíveis as estratégias e mecanismos que
adotam para desempenharem tal função.
Alfabetizar e letrar em Matemática significa ensinar a ler e escrever na
linguagem lógico-matemática em uma ampla relação com experiências de uso so-
cial de determinadas habilidades que envolvem relações quantitativas, de grande-
zas/medidas, geométricas e estatísticas, das mais variadas formas e gêneros
discursivos e escritos. Freire (1999), contribui nesse sentido demonstrando ser ne-
cessário que o contexto faça parte do ensino dos educandos, a alfabetização deve

345
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

estar ligada a cultura e atividades dos sujeitos, a qual entendemos ser, também,
àquelas ligadas a cultura matemática produzida nas interações entre mãe e filho
quando do momento das estratégias de ensino.
Em síntese, conhecer os modos operantes da mobilização de determina-
dos saberes matemáticos poderá contribuir ao processo da “alfabetização mate-
mática na perspectiva do letramento”, uma vez que de acordo com Ortega e
Parisotto (2016), esta representa instrumento de leitura do mundo. Portanto, po-
demos compreendê-la como uma perspectiva de abordagem da Matemática na es-
cola que supera a simples decodificação dos números e a resolução das quatro
operações básicas (ORTEGA; PARISOTTO, 2016). Para as autoras, “[...] a alfabe-
tização, na perspectiva do letramento, inclui as diferentes vivências dos indiví-
duos inseridos numa determinada cultura” (p. 56), uma vez que os indivíduos
estão envolvidos em um meio social e se constituem conforme o contexto vivido,
com o tempo esses sujeitos vão estabelecendo uma convivência por meio de com-
partilhamento de experiências significativas.
Em 1997, Paulo Freire afirmou que “A leitura do mundo precede a leitura
da palavra”, de lá para cá, cada vez mais, as experiências escolares e culturais de-
monstram-nos que isso é pressuposto basilar da ação que se quer ser educativa,
por isso educar é um ato de coragem. Coragem de percepção, de amorosidade, de
reconhecimento de nossas limitações no espaço-tempo dos itinerários da apren-
dizagem de uma “leitura de mundo” que precede o “ler a palavra”. No campo do
letramento matemático, podemos levar a assertiva de Freire como sendo algo fun-
damental aos estudos da área, uma vez que “letrar matematicamente” implica co-
nhecer e ler o mundo da Matemática em seus aspectos socais, dos modos de
produção que tais conhecimentos possibilitam na “palavramundo” dos conheci-
mentos matemáticos informais que precedem a linguagem matemática presente
no processo de escolarização.
Sendo assim, a “leitura” de mundo matemático das mães, em uma analo-
gia ao letramento matemático que estas representam ter e mobilizarem em suas
práticas de ensinar e aprender Matemática com seus filhos em casa, demonstram
atribuírem significados matemáticos em suas ações por meio da leitura de mundo.
O uso social e as interpretações matemáticas das famílias precedem a leitura da
matemática escolarizada, sendo assim podemos considerar este tipo de conheci-
mento como parte integrante do letramento matemático e/ou do numeramento.
O termo “numeramento” é empregado quando se refere às práticas sociais
em que se utilizam os conhecimentos matemáticos para se atender demandas “[...]
numa sociedade grafocêntrica e quanticrata: cujas práticas socialmente valorizadas
pautam-se pela cultura escrita e balizam-se por critérios quantitativos”
(FONSECA; RIBEIRO, 2010, p. 5, destaques das autoras). São situações que se
associam à vida cotidiana do indivíduo, por meio de eventos ou práticas que

346
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

necessitam dos códigos, termos e do próprio vocabulário matemático, fomentando


a produção de saberes nas ações diárias e que precisam ganhar espaço para ecoar
e possibilitar conexões com o que entendemos ser, então, a “realidade dos alunos”.
Toledo (2003, p. 55) conceitua numeramento “[...] um amplo conjunto de
habilidades, estratégias, crenças e disposições que o sujeito necessita para manejar
efetivamente e engajar-se autonomamente em situações que envolvem números e
dados quantitativos ou quantificáveis [...]”. Grando e Mendes (2007, p. 17)
enriquecem a discussão ao destacarem que “[...] essas práticas são altamente
valorizadas e legitimadas por determinados grupos sociais se tornando
hegemônicas na sociedade”.
Cabe ressaltar ainda que isso implica na capacidade do sujeito de colocar
e resolver problemas matemáticos em situações diversas, quando passa a exercer
uma relação direta entre práticas sociais e a Educação Matemática, de modo que
o conhecimento matemático não esteja apenas ligado ao contexto escolar, mas
antes relacionado aos usos específicos de um determinado grupo social como, por
exemplo, nas atividades de auxílio nas tarefas escolares das crianças (CIRÍACO;
SOUZA, 2011).
As habilidades matemáticas que fazem parte da conceituação deste
termo podem ser entendidas como:
[...] a capacidade de mobilização de conhecimentos associados à quantificação,
à ordenação, à orientação e às suas relações, operações e representações, na
realização de tarefas ou na resolução de situações-problema, tendo sempre como
referência tarefas e situações com as quais a maior parte da população brasileira
se depara cotidianamente (FONSECA, 2004, p. 13).

Fonseca (2004, p. 27), argumenta a adoção do termo letramento matemá-


tico em função de conceber as “[...] habilidades matemáticas como constituintes
das estratégias de leitura que precisam ser implementadas para uma compreensão
da diversidade de textos que a vida social nos apresenta com frequência e diversi-
ficação cada vez maiores”. A vivência e exploração do conhecimento fomentam o
indivíduo à tomada de decisões, aplicação de normas apropriadas e códigos, com-
preendendo o estabelecimento de regras e contribuindo para o desenvolvimento
matemático. Quando o educando aprende por meio da ação cultural, este incor-
pora os conhecimentos e é capaz de transformar suas ações práticas em eventos
de numeramento, por exemplo.
Ler o mundo pressupõe o entendimento de que a criança chega à escola
com conhecimentos matemáticos, embora não sistematizados, mas já em hipóte-
ses de formulação importantes para a construção de significados. Inicialmente,
tais significados são atribuídos a partir do contato com a família, nas práticas cul-
turais de aprendizagens informais e a partir da discussão referenciada até aqui
considera-se, em concordância com Szymanski (2007), ser uma questão ética

347
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

construir práticas de ensino com as famílias das camadas populares, tendo em


vista que estas podem desempenhar um papel significativo no processo de nume-
ramento.
Com os marcos teóricos destacados e demarcados para a ler o “mundo
matemático” das famílias, a pesquisa se projetara para o trabalho de campo.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO, CARACTERIZAÇÃO DAS


MULHERES-MÃES E OS ITINERÁRIOS DE PRODUÇÃO DE DADOS
Na intenção inicial, pretendíamos implementar uma ação extensionista
de apoio para produção de dados, na qual as famílias participantes do projeto, jun-
tamente com bolsistas de extensão e de iniciação científica, estariam em contato
presencial nas sessões que seriam organizadas no contexto de uma escola pública
estadual de um bairro da periferia do município, a qual vem fortalecendo a parce-
ria Universidade-Escola em ações anteriores já desenvolvidas por nós. Tínhamos
tudo direcionado para começar as reuniões no dia 17 de março de 2020, no horário
das 17h30min, momento este em que apresentaríamos a proposta e caracterizarí-
amos os grupos familiares que estivessem presentes a partir de um questionário
inicial, o qual objetivava levantar dados na perspectiva de identificar os interessa-
dos em estar conosco, quinzenalmente, na escola para resolver as tarefas de Mate-
mática encaminhadas à casa no “Projeto Hora da Tarefa” (atividade de extensão
planejada).
Diante do quadro do vírus se agravando no país e, particularmente, em
São Paulo, o Decreto Estadual Nº 64.881, de 22 de março de 2020, estipulou qua-
rentena em todo território paulista. Para este fim, considerando a Lei Federal nº
13.979, de 6 de Fevereiro de 2020, “[...] ao dispor sobre medidas para o enfrenta-
mento da citada emergência, inclui a quarentena (art. 2º, II), a qual abrange a res-
trição de atividades [...] de maneira a evitar possível contaminação ou propagação
do coronavírus” (SÃO PAULO, 2020, p. 1a).
O distanciamento social fortaleceu a #FiqueEmCasa. Sem dúvida, em
decorrência desta situação, as famílias, agora em casa com as crianças, passaram a
ter que reorganizar suas rotinas para o acompanhamento das aulas de forma re-
mota, que em São Paulo se vale de alguns canais de comunicação como, por exem-
plo, YouTube5 no canal do “Centro de Mídias-SP”, no Facebook6 na página “Centro
de Mídias Educação Infantil e Anos Iniciais”, bem como por meio de propostas de
atividades encaminhadas no Google Classroom e na TV aberta no canal da Universi-
dade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP).

5
<https://www.youtube.com/channel/UC4PxhhCLUs1ESKz5EwuepMw>.
6
<https://www.facebook.com/centrodemidiasp/>.

348
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Das professoras da escola, especificamente das que lecionam no ciclo da


alfabetização (1º ao 3º ano) do Ensino Fundamental (foco da investigação), ocor-
reu o contato inicial com as famílias. O convite fora encaminhado aos grupos de
WhatsApp nos quais as docentes dialogam com pais, mães e responsáveis pelas cri-
anças. Com o aceite em participar, de forma voluntária, após feito contato telefô-
nico e explicitação dos objetivos do estudo, de abordagem qualitativa (BOGDAN;
BIKLEN, 2004), como também a dinâmica de colaboração das mulheres-mães (i-
dentificadas como principais responsáveis), a produção de dados teve marco ini-
cial. Posteriormente, criou-se grupos individuais no aplicativo de comunicação
para diálogo em tempo real, bem como para que fosse possível de retirar dúvidas
e que se realizassem postagens de vídeos curtos pelas mães, os quais evidenciam
interações no momento do auxílio nas tarefas de Matemática.

349
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Quadro 1. Caracterização das famílias


Renda média familiar/Número de
Identifi- Quem auxilia no dever
Idade Escolaridade pessoas pertencentes ao grupo fa-
cação de casa de Matemática?
miliar

30 a- 2º Grau (En-
M1 1 a 2 salários mínimos/4 pessoas Mulher (mãe)
nos sino Médio)

2º Grau (En-
M2 35 anos 2 a 3 salários mínimos/4 pessoas Mulher (mãe)
sino Médio)

2º Grau (En-
M3 37 anos 2 a 3 salários mínimos/3 pessoas Homem (pai)
sino Médio)

29 a- 1º ano (En-
M4 1 a 2 salários mínimos/6 pessoas Mulher (prima)
nos sino Médio)

40 a- Superior
M5 2 a 3 salários mínimos/2 pessoas Mulher (mãe)
nos completo

2º Grau (En-
M6 37 anos 2 a 3 salários mínimos/5 pessoas Mulher (mãe)
sino Médio)

26 a- 2º Grau (En-
M7 2 a 3 salários mínimos/5 pessoas Mulher (madrasta)
nos sino Médio)

2º Grau (En-
M8 36 anos 3 a 4 salários mínimos/3 pessoas Mulher (mãe)
sino Médio)

29 a- Superior
M9 1 a 2 salários mínimos/4 pessoas Mulher (madrasta)
nos completo

2º Grau (En-
M 10 36 anos 2 a 3 salários mínimos/8 pessoas Mulher (mãe)
sino Médio)

Fonte: Os autores (2020).

Além deste aspecto, as bolsistas de iniciação científica e de mestrado re-


alizaram entrevistas virtuais em que se objetivou compreender melhor o cenário,
dados estes que serão explorados, em parte, neste capítulo. Do quantativo total
das famílias que acompanhamos na pesquisa, 90% das entrevistadas são mulheres,
declararam-se como responsáveis diretas pelo auxílio remoto de seus filhos, têm
entre 29 e 40 anos. O grau de instrução escolar das entrevistadas é de: 70% com
Ensino Médio completo; 20% possui Ensino Superior; e 10% em Ensino Médio in-
completo. Em relação à renda familiar, 30% apresenta de 1 a 2 salários mínimos;
60% de 2 a 3; e 10% de 3 a 4 salários mínimos mensais.
Dentre as 10 entrevistadas, quatro dedicavam-se, quando do momento da
entrevista, exclusivamente às atividades domésticas (M1, M2, M4 e M6) e seis
trabalhavam fora concomitante aos afazeres de casa (M3, M5, M7, M8, M9 e

350
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

M10). Estas mulheres-mães somam responsabilidades extras ao assumirem o pa-


pel de auxílio nas atividades remotas encaminhadas pela escola.
Ao conhecer suas jornadas, concordamos que a quarentena será, e está a
ser, difícil para as mulheres.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE DADOS


Dificuldades no acompanhamento das atividades remotas
Considerando as medidas protetivas, realizamos as entrevistas com as
mães das crianças de forma a manter o distanciamento social, ou seja, transcorre-
ram-se de modo virtual com apoio telefônico, sendo estas gravadas para posterior
transcrição. O roteiro de questões postas em apreciação quando da realização do
contato fora composto por 2 conjuntos de perguntas: o primeiro de caracterização
das famílias e sua relação com a Matemática; e o segundo no sentido de compre-
ensão do cenário frente ao novo coronavírus, reorganização da rotina em casa, au-
xílio nas tarefas escolares (dificuldades e perspectivas). Destacamos que, para o
momento, intencionamos compartilhar dados específicos das respostas que fize-
ram referência às dificuldades e estratégias de ensino remoto.
Desse modo, as mulheres-mães, quando questionadas sobre o acompa-
nhamento online das aulas e a compreensão das atividades matemáticas encami-
nhadas para casa, destacaram:
Não sinto dificuldades por enquanto, a não ser semana que vem que começa nos
livros, né?!... que eles trouxeram. São os livros que eles estavam trabalhando na escola e
agora vão trabalhar em casa, continuação da sala de aula. [...] Eu não entendi como era
para achar a resposta. Não sei, daí ela [a filha] ficou sem fazer. Eu não compre-
endi! M1 (Entrevista concedida em 08/05/2020).
Eu sentia dificuldade para acessar as atividades, mas daí... depois a professora
criou um grupo no WhatsApp com os pais da turma e, todos os dias, ela, a partir
do meio dia, manda o link com a aula que foi passada de manhã e a gente quando
entra, cai direto no YouTube, pra mim foi mais fácil porque às vezes não conseguia
acompanhar o que ele estava assistindo, então, quando ela manda esse link e você
entra lá no Facebook também pelo centro de mídias você consegue acessar a aula
que você perdeu de manhã. É que quando começou o centro de mídias, se você
perdesse aula, você não conseguia assistir novamente, ela não ficava gravada, en-
tão, eles melhoraram esse recurso, e essa parte da comunicação. A aula fica gra-
vada, então, você pode assistir depois, a professora, pra ajudar manda o link,
porque tinha muitos pais que precisam sair para trabalhar o dia inteiro né, então,
no meu caso eu não tenho computador da minha casa e o [filho] acompanha pelo
meu celular, se ele vai fazer alguma atividade é tudo pelo meu celular, se eu esti-
vesse trabalhando, ele só conseguiria ter acesso a noite e tem pais que está assim,
o pai, a mãe está trabalhando, só chega só no final da tarde é... [pensativa], então,
a hora que estava lá a aula de manhã a criança pode até ter assistido, mas não
consegue entender 100% para fazer, e os pais... assim, sem acesso não conseguia auxiliar,
mas agora ficou melhor ficar gravado, então, ela [A PROFESSORA] manda esse
link gravado consegue ter acesso a qualquer momento assisti e podem ajudar a
criança M2 (Entrevista concedida em 13/05/2020).

351
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

No começo eu tinha bastante porque até tive que trocar de celular porque o meu
instalava nada não pegava nada eu tive que trocar de celular, mas assim é tran-
quilo é só o centro de mídia que eu não consigo acessar. O centro de mídia eu fiz
acesso, mas eu não consigo daí eu pego pelo YouTube que tem essa opção é mais
pelo YouTube mesmo que eu consigo pegar que eu acesso, (...) mas eu estou dando
mais ênfase ao material que veio pela matérias do Classroom, no centro de mídia
bem pouco. Dificuldade. Só essa mesmo da calculadora e uma outra atividade é
de um número que professor estava adivinhando, mas, assim, pra você poder en-
tender eu tenho que te mandar a foto da atividade porque nem eu consigo expli-
car direito. É um jogo on-line que é a professora, tinha que pensar no número,
você tinha que adivinhar, é um vídeo, em vídeo explicando sobre M3 (Entrevista
concedida em 13/05/2020).
A gente “põe” na TV todos os dias e, às vezes, quando vou no sacolão, que lá tem
internet, eu fico vendo os vídeos com ela, que a professora me manda. (...) A
prima do meu esposo que acessa para mim, aí eu faço com minha filha M4 (En-
trevista concedida em 03/06/2020).
Muita, o site entra, o site sai, aí tem que pôr uma senha que nunca lembro, aí
cada hora um caminho diferente, não teve uma lógica, assim: “Oh... o canal vai
ser esse”, “Vou pôr a atividade essa hora”. As crianças fazem, eu assim não de-
volvi uma lição para a escola que ela fez, eu não sei nem o caminho que eu devolvo
essas lições, então, achei bem mal estruturado M5 (Entrevista concedida em
04/06/2020).
No começo sim, mas depois que a professora fez para mim o login e certinho a
senha, está tranquilo agora (...) Era de acessar o Google sala de aula, porque eu
não tinha um e-mail certo, a senha, então, não tinha como acessar lá direito, aí
tinha dificuldade M6 (Entrevista concedida em 05/06/2020).
Não, tem no YouTube, no site, no centro de mídias. Eu pego e jogo na televisão
que fica melhor. (...) Até agora não, porque quando eu assisto o vídeo com ela, eu
consigo entender a matéria e ensinar ela a fazer a atividade, então, até agora não,
porque as aulas estão sendo bem explicativas. (...) só de ensinar divisão e multi-
plicação, eu sei o que é, mas não sei explicar. Eu não consigo, não sei onde eu
erro. Não consigo explicar para ela que, por exemplo, “2 x 2” seria “4”, aí eu mos-
tro mas ela não consegue entender, eu não sei onde eu “tô” errando para ensinar
e ela entender, sabe?! M7 (Entrevista concedida em 05/06/2020).
Então, como eu estou perdendo o dia certo, às vezes teve uns dias... teve um ou
dois dias que não estava mais disponível a atividade no YouTube lá no canal, eu
acho que saiu tinha um tempo limite (...) agora está tudo certo, “tá” ok. Agora
estou conseguindo achar os vídeos estou conseguindo acessar, a professora co-
loca no WhatsApp, no grupo da escola mas às vezes eu não sei se expira ou algo
assim, só isso que aconteceu. (...) Está super tranquilo é mais a questão que eu
me organizar o meu tempo né é só isso M8 (Entrevista concedida em
04/06/2020).
Ela tá no comecinho assim ao acesso ao centro de mídias não porque a gente tem
acesso a internet aqui na TV, então, eu colocava na televisão para assistirmos,
mas no comecinho no grupo da sala de aula online eu fiquei com um pouco de
dificuldade porque era o Google Classroom, então, eu nunca tinha usado, aí eu não
estava conseguindo colocar e criar a senha para o [Nome do Filho], mas agora
“tá” tranquilo, a gente sempre acompanha as atividades que as professoras vão
postando e a gente assistir todas as aulas aqui na TV. (...) Então, eu falo para o
[Nome do Filho] para gente levar à sério porque depois que voltar. Se a gente
não levar à sério, pegar firme, porque eu sei que tem crianças que não estão as-
sistindo, não têm acesso, eles vão ter essa dificuldade na volta, porque se fica

352
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

muito tempo sem ir a leitura fica mais devagar, a escrita fica mais confundida eu
pego bem firme até antes de começar as aulas mesmo eu já estava dando ativi-
dade para o [Nome do Filho] e para minha filha para passar o tempo e para eles
também exercitarem M9 (Entrevista concedida em 05/06/2020).
Para mim assim... [pensativa] ...no meu pensar, tem coisa que é difícil, né?! Aqui
dentro de casa tem bastante distração! Em casa, “tá” em casa quer brincar, para
pegar eles e colocar em frente da TV para fazer eles prestar atenção é difícil! Por-
que assim, na sala de aula eles têm o entendimento, né?! Eu creio! O entendi-
mento de que é para estudar e aqui dentro de casa é difícil! É difícil pegar eles e
falar agora é hora de estudar: “Ah mãe, eu quero brincar” eles ficam! É bem difícil
pegar eles para estudar, mas tem que tentar, né?! No começo fiquei com um
pouco de dificuldade, aí eu liguei lá na escola porque não estava conseguindo
entrar nas tarefas, tanto é que do mais velho eu consegui entrar faz 10 dias nas
tarefas dele, do mais velho, porque eu colocava o R.A [registro acadêmico dos
alunos] dele e não conseguia, não ia! Aí entrei em contato com a escola, aí essa
semana que passou, retrasada, que eu consegui entrar em contato com a escola e
o professor me ajudou, aí eu consegui entrar na tarefa do meu filho e fazer. Agora
“tá” tranquilo assim entrar, assistir as aulas, “tá” tranquilo M10 (Entrevista con-
cedida em 08/06/2020).

A pandemia do novo coronavírus colocou inúmeras famílias brasileiras


em situações para as quais não se viam “preparadas”, a exemplo do trabalho de
ensinar Matemática em casa, ficando mais evidente os múltiplos papéis da figura
da mulher neste espaço-tempo, assumindo assim, mais uma tarefa. “As mulheres. A
quarentena será particularmente difícil para as mulheres e, nalguns casos, pode
mesmo ser perigosa. As mulheres são consideradas «as cuidadoras do mundo», do-
minam na prestação de cuidados dentro e fora das famílias” (SANTOS, 2020, p. 15,
destaques do autor). Além disso, o isolamento social e as formas de organização da
sociedade frente ao mundo pandêmico trouxeram visibilidade ao que já vivíamos:
as desigualdades sociais. Quando pensamos nas dificuldades de acesso à internet,
por exemplo, de M4 que precisa ir ao “sacolão” de São Carlos-SP para acessar as
atividades da filha e ainda depender, por mais que se tenha boa vontade, de tercei-
ros para solicitar visualização às tarefas, estamos a ver isso. Aparentemente, mui-
tos saberes e conhecimentos que consideramos comuns do cidadão do século XXI,
como estar conectado, ter e-mail, redes sociais, etc. não é uma realidade presente
em um país cuja desigualdade social abarca grande parte da população, como é o
caso brasileiro.
Conhecer as dificuldades das famílias torna-se crucial ao processo de
constituição da dinâmica do trabalho colaborativo que estamos a fazer com as
mães. Isso porque, na medida em que identificamos, via seus relatos iniciais, pro-
blemas ligados ao ensino, poderemos, coletivamente, tentar contribuir com o pro-
cesso de fortalecer relações entre família-escola a partir das interações, nos grupos
de WhatsApp criados para acompanhar as estratégias adotadas, como também para
se identificar as práticas de letramento matemático recorridas pelos adultos e seus
conhecimentos informais mobilizados em situações de cálculo, por exemplo.

353
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Como vimos, aparentemente, as dificuldades poderão se acentuar com a


organização sistematizada do conhecimento [pelo livro didático] e em termos da
apropriação dos recursos tecnológicos [plataformas digitais, uso da calculadora,
jogos online, etc.] para acesso aos conteúdos programáticos das aulas à distância.
As dificuldades narradas são cruciais para nossa pesquisa, pois possibili-
tam encaminhamentos futuros, compreender o processo de ensino remoto e forta-
lecer o vínculo entre família-escola. No caso específico da Educação Matemática,
no contexto do trabalho com as famílias, aqui representadas pelas mulheres-mães,
compreender como ensinam seus filhos em casa e os recursos recorrentes como
estratégias emergentes significa levantar indicadores das possibilidades de se par-
tir da realidade das crianças quando adentramos seus lares, mesmo que à distân-
cia, para fazer uso das informações compartilhadas, respeitosamente, na
perspectiva de caracterizar o contexto cultural em que a Matemática se faz pre-
sente, o que pode ser um caminho para articulação entre a “Matemática do cotidi-
ano” e a “Matemática escolar”, como saberes complementares.

As estratégias adotadas para o ensino em casa


Dada a natureza das respostas sobre esse aspecto, parece existir, ao que
os dados sinalizam, mobilização de mecanismos importantes, embora não reco-
nhecidos como tal, por parte dos sujeitos letrados [mulheres-mães], no momento
de contribuir para a resolução das tarefas matemáticas.

Olha, eu busco nos joguinhos, sabe?! Estes de ler e contar, no Play Store, eu baixo
e lá [referindo-se ao ambiente de interação com o aplicativo] ajuda muito nas
continhas, nas sílabas, ele é muito bom! M1 (Entrevista concedida em
08/05/2020).
Quando ele precisa fazer a continha dupla, né?! Em cima e embaixo, então, ele
vai somar, daí ele fala: “aaaaaaah... mãe e agora?” Um exemplo, você tem dois de-
dinhos, ele quer saber a conta “2 + 3”, daí eu falo: “você tem dois dedinhos e você vai
GANHAR mais três dedinhos”, então, eu ensino ele a contar nas mãozinhas, nos de-
dinhos ou fazer risquinhos de pauzinhos ali ele vai eliminando ou vai acrescen-
tando M2 (Entrevista concedida em 13/05/2020).
Para resolver... A gente vai mais com a cabeça mesmo, a gente não pega nenhum
recurso, nada mesmo, né?! É mais.... na cabecinha, explicação mesmo. Não uso
recurso, ela [a filha] mesmo já tem essa facilidade essa coisa de contar no dedo já
ir na mente é muito boa pra somar na cabeça, isso já é dela mesmo, ela mesmo
utiliza bem isso, eu reforço! M3 (Entrevista concedida em 13/05/2020).
Ensino ela [a filha] a contar nos dedinhos ou com palitinhos. Pego os matérias
dela e um caderno reserva e dou para ela fazer risquinhos, somar, diminuir, divi-
dir M4 (Entrevista concedida em 03/06/2020).
Leio com ela [a filha], eu faço ela pensar, falo: “Vamos pensar nisso aqui, Oh”. Aí
eu “ponho” o dedo, número, faço metáfora daquilo que ela precisa fazer, mas no

354
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

geral eu falo: “Vamos pensar!”, para ela. O livro, caderno... só. E tentei da fração
com o cubo que tinha em casa M5 (Entrevista concedida em 04/06/2020).
Assim, suponhamos, o menos, né?! Eu falo: “eu tenho tantas laranjas, se eu tirar
tanto eu fico com quanto?” Aí ela faz a soma ou no dedo, né?! “Aí eu tiro tanto
fico com quantos?” Aí fica assim. Uso palitinho de sorvete, se for menos lápis de
cor ou nos dedos mesmo, se for menor número M6 (Entrevista concedida em
05/06/2020).
De contar nos dedos, por exemplo, a subtração: “olha eu tenho 9. Tenho que tirar
4”. Aí ela [a filha] coloca o “9” e eu falo: “agora tira 4, quanto sobrou?” Aí ela fala:
“sobrou 5”, dessa forma. Na adição também: “eu tenho 7, com mais 3 (filha faz a
conta ao lado usando os dedos)”. Aí é no de contar nos dedos mesmo. Só uso os
dedinhos mesmo M7 (Entrevista concedida em 05/06/2020).
Ele [o filho] mesmo faz quando tem algum problema, ele mesmo faz o desenho,
por exemplo, se tem laranjas, ele vai e desenha, faz risquinhos. Se tem 30 laranjas
menos 20 laranjas, ele faz ou ele monta a conta ali também ou vai nos pauzinho
e, na maioria das vezes, ele nem usa isso, que na maioria das vezes ele faz de
cabeça, ele só olha para os dedos assim [fez um gesto com as mãos] e faz o resul-
tado. Não sei como que ele faz, mas ele só olha e chega no resultado, eu pergunto
para ele: “Mas, como você está fazendo essa conta?” Ele mesmo já vai responde:
“é assim” M8 (Entrevista concedida em 04/06/2020).
Geralmente, assim, quando é mais continha ou algum problema, a gente acaba
lendo. Eu peço para ele [o filho] ler e aí eu peço para ele me explicar o que ele
entendeu. Eu questiono: “o que você entendeu [Nome do Filho]?” Aí ele vai fa-
lando... Às vezes ele fala: “eu não entendi!” Aí eu tenho que explicar para ele de
uma forma que ele entenda. (...) Na maioria os dedos, eu sempre falo para ele, por
exemplo, se é uma conta de somar “8 + 6” eu falo para ele “guardar” 8 na cabeça
e contar nos dedinhos o restante, sabe?! Porque é mais fácil para ele guardar uma
parte e ir somando M9 (Entrevista concedida em 05/06/2020).
Cada exercício, tipo um exercício de ler, aí ele [o filho]: “Não... não entendi”. Aí
eu leio e explico com calma. Uso algum exemplo, sempre faço algum exemplo
assim: “Aí [Nome do Filho], você tem quantos carrinhos, aí vem um menino brin-
car com você, aí você tem que dividir essa quantidade com o menino”... Sempre
dou exemplos para ele. O [Nome do Filho] usa muito o cálculo mental, sabe?!
Então, não pego nenhum material ou objeto, seria bom pegar um objeto, mas não
pego não! Ele sempre faz na cabeça, ele faz a conta no caderno, mas usa o cálculo
mental, diferente do meu outro filho o [Nome do Filho], ele é mais difícil, tem
que fazer no caderno tudo, já o [Nome do Filho] não, ele já fala: “Aí mãe... é tanto”
M10 (Entrevista concedida em 08/06/2020).

Com o distanciamento social, as famílias precisaram reorganizar suas ro-


tinas, especificamente as mulheres-mães que compõem esta pesquisa. Ter os filhos
mais tempo em casa com elas implicou adequação de tempo em suas rotinas já
atarefadas, precisaram arrumar momentos situados específicos para as demandas
das atividades escolares das crianças, algumas vezes mais de uma e de anos esco-
lares diferentes. Sabemos que a quarentena exige de todos um esforço de ressigni-
ficação, mas de todos os grupos, podemos destacar as mulheres, que além de serem
esposas, mães, funcionárias, são neste período “professoras” de seus filhos em
tempo integral. É evidente pelas entrevistas que este peso recaí em sua maior pro-
porcionalidade nas mulheres-mães, cabe ressaltar que algumas delas prestam cui-
dados dentro e fora de seus lares, aumentando ainda mais suas demandas.

355
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Em relação às estratégias no auxílio nas tarefas, é possível verificar que as


mulheres entrevistadas procuram vários recursos para ajudar a estimular o desen-
volvimento referente ao cálculo das crianças. No ensino remoto [nas atividades
numéricas], percebe-se a adoção de estratégias pessoais: umas originam-se das ex-
periências empíricas das mães; outras apoiam-se na tecnologia.
Podemos dizer ainda que temos, na prática do ensinar em casa durante o
isolamento social, esquemas de ação (contar nos dedos e/ou usar palitinhos) e o
cálculo mental (fazer de cabeça), possibilidades de desenvolvimento ao sentido de
número que levam à visualização/experimentação, que tomam ora o corpo hu-
mano como referência para contagem (dedos das mãos), ora a abstração reflexiva
nos procedimentos aritméticos ligados às operações iniciais das estruturas aditi-
vas (adição e subtração), muito embora nem sempre reconhecidas como estraté-
gias quando umas das mulheres (M3) afirma “não” adotar recursos.
Os conhecimentos matemáticos mobilizados pelas famílias, particular as
mães, observados no momento do auxílio das tarefas dos filhos, indicam que estas
são letradas matematicamente, ou seja, compreendem características dos mais di-
versos enunciados matemáticos, a exemplo do trabalho com a resolução de
problemas em que recorrem à estratégias de pensamento inferencial com as
crianças. Realizam procedimentos de cálculos matemáticos a partir da
mobilização de saberes do uso cotidiano e compreendem a importância da
Matemática para a vida.
Na leitura interpretativa que temos feito, da realidade vivenciada agora
no isolamento social por este grupo de mulheres, corroboramos com Ciríaco e
Souza (2011, p. 53) “[...] as relações entre práticas e condições de letramento e a
mobilização de conceitos (...) parecem estabelecer um campo comum de ações que
as mães realizam na vida cotidiana, de cuja compreensão buscam se aproximar”.
Em suma, pelos relatos das famílias, identificamos algumas estratégias
mobilizadas pelas mães para facilitar a aprendizagem de seus filhos, nas atividades
de Matemática. Devido a COVID-19, com o isolamento social e suspensão das au-
las presenciais, acreditamos que “[...] a responsabilidade pela aprendizagem, ou
pelo menos, para uma aprendizagem mais satisfatória da leitura, da escrita e da
matemática, acaba ficando, grande parte das vezes, a cargo das famílias e do pró-
prio aprendiz” (ESPÍNDOLA; SOUZA, 2010, p. 71).

PERSPECTIVAS FUTURAS: “À GUISA DAS CONCLUSÕES”


Nesse momento de quarentena, em que é reiterado, aos quatro cantos do mundo,
o uníssono: “Fica em casa”, muitos debates vão sendo expostos e escancaram,
como nunca, as contradições presentes nas sociedades de classes do Capital
(CAMILO DOS SANTOS, 2020, p. 12).

356
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Ao longo do capítulo, propusemos levantar desafios e perspectivas pos-


tos à rotina de vida diária de um grupo de mulheres-mães, as quais tiveram de as-
sumir, frente o contexto pandêmico que estamos a passar, mais um afazer em casa:
acompanhar remotamente as atividades escolares de seus filhos matriculados no
ciclo da alfabetização (1º ao 3º ano do Ensino Fundamental). Torna-se evidente a
existência de um tipo de conhecimento matemático presente nas práticas mobili-
zadas para auxiliar os filhos. Contudo, é preciso caracterizar de forma mais deta-
lhada para se compreender em que sentido estas interferem no desenvolvimento
do sentido da aprendizagem das crianças. Afirmamos isso porque, na literatura
especializada no campo da Psicologia da Educação Matemática, mais especifica-
mente acerca das atitudes em relação à Matemática, é consensual que a família
exerce influência no processo de como ocorre a aprendizagem escolar dos alunos
(LOOS, 2003).
Diante das enunciações postas em apreciação ao leitor, podemos inferir
que os dados parciais do estudo nos direcionam para o pensamento de que será
preciso, ao longo da pesquisa de campo e exploração dos dados, problematizar
categorias analíticas futuras que se apresentaram em prenúncio da importância de
conhecer alguns pontos emergentes/latentes na entrevista inicial com as mulhe-
res-mães, a saber:
1. Conhecimento dos contextos culturais da aprendizagem das crianças;
2. Do fazer Matemática neste ambiente, o que implica reconhecer a e-
xistência de outras formas de representação do saber; e
3. Valorização do trabalho da escola, consequentemente, da figura do
professor pelas famílias e sociedade.
Desse modo, diante da propositura e do movimento que fizemos em “para
além do ato de coragem”, acreditamos que temos informações suficientes para
constituir corpus analítico futuro que poderá contribuir com avanço em estudos da
área de Educação Matemática, especificamente àqueles que se preocupam em com-
preender os contextos culturais de aprendizagem matemática de sujeitos letrados.

357
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

Referências
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358
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
FE/USP. São Paulo, 2003.

359
ÍNDICE REMISSIVO

A E
ação pedagógica, 105, 122, 196, 204, 286, educação básica, 53, 114, 148, 151, 152,
293, 299 160, 161, 164, 165, 183, 195, 221, 223,
alfabetização, 47, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 270, 275, 288, 313, 321, 325
91, 92, 94, 97, 113, 115, 125, 346, 350, Educação de Jovens e Adultos
353, 361 EJA, 111, 201, 213, 214, 215, 216, 217,
avaliação, 21, 39, 93, 105, 154, 162, 170, 218, 219, 200, 221, 223
179, 188, 195, 196, 199, 209, 279, 285, educação integral, 85, 206, 291, 297,
286, 287, 288, 289, 290, 291, 292, 293, 298, 299, 303, 308, 310, 311, 312, 314,
294, 295, 323 315, 316
educação libertadora, 9, 10, 202, 203,
C 204, 215, 231, 232
educação matemática, 345, 346, 351,
cidadania, 36, 37, 45, 48, 81, 98, 99, 102, 358, 361, 362
103, 105, 106, 112, 140, 142, 143, 144, ensino de história, 67, 72, 79, 82, 133,
159, 170, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 142, 144, 337
189, 229, 232, 236, 238, 240, 243, 253, ensino remoto, 346, 350, 355, 358, 360
254, 255, 258, 259, 260, 263, 264, 271, ensino-aprendizagem, 45, 48, 49, 73,
273, 274, 275, 279, 310, 311, 349 122, 123, 125, 140, 159, 168, 170, 175,
competências digitais, 151, 152, 158, 159, 177, 187, 188, 190, 193, 195, 196, 197,
160, 161, 163, 164, 165, 166 208, 213, 219, 256, 257
currículo escolar, 29, 127, 195, 227, 315 escola pública, 98, 110, 112, 113, 168, 184,
190, 191, 258, 259, 270, 271, 272, 278,
D 297, 305, 306, 310, 311, 352

democratização, 34, 142, 176, 177, 189,


F
231, 237, 291, 300, 301, 308, 323
dialogicidade, 201, 207, 210, 211, 212, 247 fazer educacional, 167, 181
didática, 42, 82, 111, 144, 145, 146, 161, formação docente, 117, 153, 164, 210, 211
202, 210, 212, 219, 223, 226, 290
EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

G P
gestão escolar, 152, 162, 171, 182, 183, 187, participação, 98, 99, 101, 105, 109, 134,
188, 189, 190, 191, 193, 194, 195, 196, 141, 158, 159, 162, 168, 169, 170, 172,
197, 198, 199, 318, 323 173, 175, 176, 177, 178, 180, 181, 183,
189, 191, 192, 209, 217, 228, 229, 231,
I 237, 238, 248, 254, 262, 263, 271, 278,
279, 287, 290, 305, 311, 323, 349
inclusão digital, 43, 44, 45, 48 Paulo Freire, 9, 10, 64, 114, 160, 201, 202,
inclusão escolar, 318, 319, 320, 322, 325 203, 204, 206, 211, 212, 239, 243, 249,
interdisciplinaridade, 195, 243, 244, 346, 350
248, 258, 259, 264 pedagogia social, 97, 98, 99, 100, 101,
102, 103, 104, 105, 106, 107, 111, 112, 113,
L 114
personalização, 39, 41, 85, 86, 87, 88, 89,
legislação, 47, 59, 61, 144, 174, 188, 189, 90, 91, 92, 94, 95
197, 223, 297, 298, 315
licenciaturas, 115, 207, 288, 296
R
Linguagem Cinematográfica, 67
racionalidade moderna, 22, 243, 246,
M 247, 248, 251

Missões Jesuíticas, 68, 75, 76, 77, 78, 79,


83
T
Tecnologia Assistiva, 277, 278, 279, 280,
N 281, 283
Tecnologias de Informação e
Necessidades Educacionais Especiais Comunicação
NEE, 44, 45, 48, 49, 51, 318, 319 TIC, 5, 43, 44, 45, 47, 48, 49, 51, 52,
159, 286

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EDUCAR É UM ATO DE CORAGEM

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