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Eduardo Sambo — Manual de Direito Processual Penal Angolano _.SAPITULO 4 - NOGAO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL ‘Como em qualquer ciéncia, o estudo de direito processual penal exije que se estabelega previamente uma definig&o objectiva a partir da qual s¢a possivel o desenvolvimento dos nossos raciocinios. ‘A defini¢ao de direito processual penal integra no seu cee a nogio de direito penal, j4 estudada anteriormente. Destarte, de acordo com uma definicfo muito esclarecedaa formulada pelo Professor Vasco Grandéo Ramos, “o direito processual penal é o sistema de normas ou regras juridicas que discipliname regulam a aplicagao do direito penal aos comportamentos delituosis ... Submetidos 4 apreciacgao dos Tribunais”". Como-facilmente se intul, 0 direito processual penal constitui un instrumento de aplicag&o do direito penal. Recordemos que 0 direito penal é o sistema de normas ou regras qieé ~~definem os crimes, determinam as situagdes de perigosidade e estabelecen as correspondentes penas e medidas de seguranga. Estas penas e medidas de seguranga so aplicadas através do direto processual penal. Como nos elucida a Professora Tereza Pizarro Beleza?,é 0 direito processual penal que da vida ao direito penal. * RAMOS, Vasco Grandio ~ Direito Processval Pencl. S* EdigSo. Litbou: Escolar Editors. ISN 7789896690800. p.12. * BELEZA, Tereza Pizaro ~ Apontomentos de Direito Processwol Penal. AAFDL, 1992. Aulas tedris odes 0 5.* ano diumo, 1991/1992, 1° semeste, Eduardo Sambo = Manual de Direito Processus! Penal Angolano O direito processual penal constitui assim um dos ramos de direito mais marcantes e expressivos, uma vez que regula o funcionamento de Sujeitos € participantes processuais de elevada relevancia social, N&o existe quem, desde a sua infancia, nao se tenha fascinado com o carismatico papel do juiz, do tribunal, do procurador, do advogado ou do policia, Quem nunca se interrogou sobre os pressupostos da detencéio ou da prisdo, sobre os requisitos de um interrogatério a0 arguido ou sobre o ritualismo de um julgamento? Pois, todas estas matérias integram o direito processual penal. E Precisamente através dos aludidos actos processuais® (auto de noticia, instrugao preparatéria, acusacao, defesa, julgamento, sentenga etc.) que se realiza 0 direito processual penal e, consequentemente, se aplica o direito penal. O direito processual penal, como direito adjectivo ou instrumental, esta assim ao servigo do direito penal. Por esta razéo, consideramos o direito penal, um direito ‘substantivo ou material. Enquanto o direito substantivo ou material compreende ¢ titula bens juridicos, 0 direito adjectivo constitui um instrumento para aplicago do direito material, Como muito judiciosamente afirma o Professor Germano Marques da Silva, a expresso direito Processual penal como titulo n&o parece pacifica, bastaré atentarmos no art? 67.° da Constituigaio angolana atinente &s “garantias do processo criminal’. Apesar da dissonancia, tanto 0 Cédigo de Processo Penal quanto 0 Cédigo Penal da nossa disciplina 70s actos processuae 880 actos juriscos especiicas. Constituem, em conclusso, actos juriicos Paenncan a (0s 08 participates processus, sem excep, em order a instaurapao, pros eooss € dofinico do processo penal © & realizegao do seu fim, 9 Eduardo Sambo ~ Manual de Direilo Processual Penal Angoteno angolanos que contém o principal ‘corpus normativo" sobre crimes néo se designam de cédigos criminais. Importa recordar que qualquer um dos Cédigos a que nos referimos Fespeitam nao s6 as penas como também as medidas de seguranca aplicaveis aos crimes @ as situag6es de perigosidade criminal a luz dos artigos 39.° e seguintes do Cédigo Penal Angolano e dos artigos 54.° ¢ seguintes do Cédigo Penal de 1886 e ainda do art 1.° do Cédigo. de Proceso Penal Angolano, pelo que julgamos que se trate de uma questao meramente formal. 1.1. O DIREITO PROCESSUAL PENAL E 0 DIREITO PENAL Como assinalamos acima, 0 Direito processual penal traduz-se num sistema de normas ou regras juridicas que disciplinam e regulam a aplicagao do direito penal aos comportamentos delituosos submetidos & apreciacao dos Tribunais‘. Esta definigéio transporta consigo a incindivel retago entre o direito processual penal e o direito penal. O direito processual penal constitui instrumento de eleig&o para a aplicagdo ou coneretizacao do direito penal que, como constatamos acima, é um direito substantivo ou material. O direito penal € o direito processual penal conformam uma unidade juridica, porquanto o primeiro define os crimes, determina as situagdes de perigosidade criminal e estabelece as correspondentes penas e medidas de seguranga, enquanto o segundo constitui o tinico instrumento para a concreta aplicagéo das correspondentes penas e medidas de seguranca. “RAMOS, Vasto Grandlo ~ Direito Processual Penal. Edi. Lisboa: Escolar Raitora, ISBN 9789896690809. 12. Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angolano © direito processual penal disciplina as actividades de investigacao do crime, bem como as formas de aplicacdo das penas. O direito processual penal regula, nomeadamente, a organizagso e a competéncia jurisdicional penal, regula os direitos ¢ os deveres dos diversos intervenientes no processo, estabelece os actos processuais que devem ser praticados, bem como os efeitos das decis6es judiciais. Asrelagées entre 0 direito penal € 0 direito processual penal caracterizam-se pela sua complementaridade funcional. Esta complementaridade funcional radica néo apenas do caracter instrumental do direito processual penal face a0 direito penal, mas sobretudo da missao teleolégica® que ambos visam alcangar. Mais frente, veremos que o dirsito penal e o direito processual penal perseguem uma mesma finalidade mediata. Tem sido frequente confundir o interesse social da represséo de determinado tipo de crime com 0 menor interesse social da protecgao dos inocentes. Vem sendo recorrente a aprovacaio de leis penais especiais de grande severidade nas incriminagées € que as mesmas se facam acompanhar por um processo especial em que se restringem ao maximo as garantias do arguido. Paradoxalmente, quanto maior for a severidade do direito penal, mais evidente deverd sero interesse ptiblico em enveredar por um processo mais “garantistico”. 5 Teleologia é a tear que explica 0 fim para que os sees, objectos ou fenémenos foram destinedos, Ba cidneia das causes fina. Eduardo Sambo — Manuel de Dirsito Processual Penal Angolano O interesse da sociedade, e até do proprio arguido, clama por uma Justiga penal répida, mas certa. Frequentemente, se sacrificam os direitos de defesa em nome de uma maior celeridade processual. © processo penal é essencialmente uma garantia do arguido que visa assegurar, em maior medida, a certeza na represséio do que a celeridade processual. Pois, a celetidade n&o deve ser alcangada a qualquer prego. Porque @ morosidade processual resulta, ndo da escrupulosa observancia do Processo penal, mas da insuficiéncia de meios humanos postos ao servico da justica penal 1.1.1.0 Direito Penal Substantivo e Adjectivo O direito penel substantivo ou material, conforme acima assinalado, 6 0 Conjunto de normas ou regras que definem de modo geral e abstracto es factos que constituem crime, estabelecem as situagdes de perigosidade criminal e determinam as penas e medidas de seguranca correspondentes. As normas do direito penal (substantivo) apresentam na sua previséo (hipétese ou antecedente) a “tipificagéo” ou individualizacao objectiva do ilcito. Assim, o proceso penal actua entre a previsio e a estatuigdo. Ea ponte entre a hipdtese e a consequente reacedo criminal eventualmente aplicada’. Como observa o Dr. José da Costa Pimenta, o direito processual penal é um complexo de normas que visa, numa primeira fase, comprovar a notitia “ pois, Antropoogia, Direto, Economia ¢Ciéncia Politica 2, pags 534 © 535. PIMENTA, José da Costa ~Inroducdo eo Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1989. ISBN 9724005380, p24 Eduardo Sambo — Manual de Direito Processual Penal Angolano criminis? ¢ numa segunda, uma vez verificados os pressupostos, a aplicagéo de uma pena ou de uma medida de seguranga. Importa recordar que o direito penal e 0 direito processual penal compéem aquilo a que se tem designado de direito penal total®. A autonomia destas duas disciplinas ocorreu muito recentemente, razéo pela qual em muitos paises, os especialistas de processo penal séo simultaneamente importantes autoridades de direito penal substantivo. Como nos ensina o Professor Figueiredo Dias", o direito penal total cumpre uma fungdo especifica de protecgao dos bens fundamentais de uma comunidade que directamente se prendem com a livre realizagao da personalidade ética do homem e cuja violagao constitui crime. Igualmente, o Professor Vasco Grandéo Ramos considera o direito penal € © direito processual penal uma unidade juridica, dominada pelo fim Ultimo da protecgao e defesa dos valores fundamentais e da ordem que melhor corresponde aos seus interesses fundamentais. O Professor Jorge de Figueiredo Dias divisa na fun¢&o penal total trés sectores: 0 direito penal substantivo, o direito processual penal e 0 direito de execuc&o das penas". © direito penal substantivo define os crimes, determina as situacdes de perigosidade social"? e estabelece as penas e as medidas de seguranca. * Nott eximinis,informasto e dads sobre o crime. ° DIAS, Jorge de Figueiredo ~ Direfo Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974, ISBN 9789723212501. p24 © DIAS, Jorge de Figueiredo ~ Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Eéitora, 1974. ISBN 9789723212501. p24. 8 DIAS, Jorge de Fig 9789723212501. 9.27. "A perigosidade social & tipicos, Tal estado reclama a aplica teiredo ~ Direito Processual Pencl. Colma: Coimbra Editors, 1974, ISBN stad psiquioo que pode tomar 0 agente propenso & pitica de facto iicitos| o de medidas de seguranga que podem ser privatives ou nfo da liberdade Eduardo Sambo - Manual de Direito Processual Penal Angolano © direito processual penal constitu’ uma regulamentagdo complementar que disciplina a investigagdo e o esclarecimento do crime e& possibilita a aplicagao da reacgdo criminal adequada. Por esta raz&o, 0 Professor Figueiredo Dias designa a relagao entre 0 direito penal 0 direito processual penal de miitua complementaridade funcional", As-minimas alteragdes no direito penal substantivo comunicam-se 20 direito processual penal com forga potenciada. © direito processual penal tera, naturalmente, uma configuragao especifica consoante a sua adaptacdo a um direito penal retributivo (taliao), de prevengao geral (intimidativo) ou de defesa social (medidas terapéuticas de prevengao especial) A ctiag&o de tribunais de execugdo de penas é a consequéncia de um direito penal substantivo de perfil correccionalista™’. A inexisténcia de pena de morte determina uma estrutura de proceso penal com fins reabilitativos. © crime continuado € a punigéio do concurso de crimes determinam alteragées radicais nas regras processuais da competéncia e poder de cognigéio do tribunal. : Se a influ€ncia do direito penal no direito processual penal é indiscutivel, também parece clara uma influéncia do direito processual penal no direito penal (substantivo). Existem no direito substantivo evidéncias de uma influéncia do direito adjectivo. A titulo de exemplo, 0 movimento de nao intervengdo e a + tanto nas Ondenagdes como nn Consttuio Criminalis Ceroline, de Caclos V, bem como a gececslidade Ge tratamentos cientificos até 20 s6e. XIX, nfo distinguiam o dirito penal do diseito processual penal. DIAS, Jorge Figueiredo - Diretto Processual Penal. Coimbra: Coimbra Bator, 1974. ISBN 9789723212501. p.28, 1 4 scola Comreccionalista resulta de dostrina de prevensio especial de Grolman, Eduardo Sambo — Manual de Direilo Processusl Penal Angolano consequente descriminalizagao que vém fazendo carreira no sentido de que © direito penal apenas intervenha face a violagao de bens juridicos fundamentais da comunidade, assenta na necessidade processual de 0s tribunais criminais néo serem inundados com infracgées de duvidosa relevancia ético-social (diversdio ou desjudicializagéio)"®. A existéncia de um tipo legal tal como “participacéio em rixa”, art.° 169.° do CPA decorre das dificuldades processuais-probatérias que resultariam da adopeao dos tipos legais cléssicos (ofensas corporais e homicidio).. A absoluta impossibilidade processual de se provar a existéncia de um “poder agir de outra maneira’, acabou por influenciar um critério pessoal- objective de censurabilidade nos casos de “falta de consciéncia da itude"” Desta relag&o de mitua complementaridade funcional entre o direito penal e © direito processual penal resulta diversos institutos cuja ambiguidade nos cria a dificuldade de os classificar como substantivos ou adjectivos. E 0 caso da prescrigéo do procedimento criminal, a dentincia, a acusacao particular, etc. Este facto obriga-nos a criar uma terceira natureza para estes institutos que se mostram simultaneamente juridico-substantivos e juridico- adjectivos. Estes institutos tém natureza mista, °5 A diversfo ou desjudicalzago é um movimento de politica exnnnal que tem en vita resolver os conflitos Jusico-penas fora do sistema de eplicago de justiga penal canes da detetmineso da culebildade © Quem partcipar ex ria (uta) de das ou mais pessoas, sendo praticados actos violetos,é punide com pean de pristio de até 1 ano ox cam multa de até 120 das. Para que ae firme que o agente rom “conseiéne da cud contieya.a disposipto penal violada, apenas que comipeecnda que. seu compertament ¢violudor de urs bem juridic, Wo & nocesséro exigie a0 mesmo gus 15 Eduardo Sambo - Manual de Direito Processus! Penal Angolano 1.1.2. Autonomia do Direito processual penal Todavia, importa reter que o processo penal € auténomo relativamente ao direito penal. N&o podemos contestar a instrumentalidade do direito processual penal face ao direito penal no plano funcional, da mesma forma que qualquer ramo de direito € instrumental face ao direito constitucional”®. Esta instrumentalidade funcional, como afirma o Professor Figueiredo Dias, néo poderé pér em causa a autonomia teleolégica face ao direito ‘substantivo. Esta autonomia teleolégica distingue-se pela forma como nasce uma pretensdo juridico-substantiva e uma pretensdo juridico-processual. De acordo com o Professor Jorge de Figueiredo Dias, para o nascimento de uma pretenséo juridico-substantiva exige-se 0 cometimento de um tipo de crime, enquanto para o surgimento de uma pretens&0 juridico- adjectiva, basta a noticia (suspeita) da infraceao (art.°303.° do CPPA e art? 160.° ¢ seguintes do CPP 1929 e art.°7.° do Dec. Lei n.° 35007). O pressuposto para a extingZo das consequéncias juridicas de uma pretensao substantiva € a presctigao da pena (art. °133.° do CPA € art? 126.° § 3.° do CP de 1886), enquanto para a extingao de uma pretensdo adjectiva é a prescrigao do procedimento criminal (art. °129.° do CPA e art? 425.° §§ 2.° © 3.° do CP de 1886) Como afirmémos atrés, existem institutes a partir dos quais no se torna possivel distinguir 0 direito penal do direito processual penal. Nesta linha de raciocinio, destacamos a prescri¢&o, dentincia, acusagao particular, etc. DIAS, Jorge de 9789723212501. p33 uciredo ~ Direito Processwal Penal. Coitnbra: Coimbra Editors, 1974. ISBN 16 Eduardo Sambo = Manual de Direito Processual Penal Angolano © facto de a sua classificagao ser substantiva ou adjectiva tera naturalmente implicagées quanto a retroactividade da lei e a proibigao da sua aplicagao analégica (art. 18.° do CP e 1.° § Unico do CPP)19. Estes pressupostos tém natureza mista, uma vez que podem ser considerados adjectivos, quando so pressupostos processuais, tanto como substantivos, sempre que constituam pressupostos de punibilidade. 1.2. O PRINCIPIO DA JURISDIGAO COMO EXCLUSIVO DO ESTADO Importa recordar que © conesito de soberania pode ser analisado ou dissecado em trés vertentes®: Numa primeira ideia, a jurisdig&o constitu, numa perspectiva funcional, o poder do Estado de dirimir conflitos que surjam entre os particulares ou entre os particulares e o Estado. Neste ponto de vista, a jurisdi¢o constitui uma das trés funcées do Estado em contraposi¢&o com a fungdo legislativa e executiva. Estes trés poderes constituem e completam o direito de soberania do Estado. Numa perspectiva organica, a jurisdigo representa o poder dos tribunais, como érgao incumbido de dirimir os conflitos de interesses. Nesta acepedo, encontramos as expressdes jurisdicéio penal, civil, laboral, administrativa, etc. DIAS, Jorge de Figueiredo ~ Direito Processuel Pencl. Colnbra: Coimbra Editora, 1974, ISBN 9789723212501. p34 % PIMENTA, Jos6 ds Costa ~ introdugo ao Processo Pencl. Coimbe: Almedina, 1989, ISBN 9724005380, 0. Eduarco Sambo — Manual de Direito Processual Penal Angolano Por ultimo, designamos por jurisdigéo a actividade desenvolvida pelos tribunais na sua funcao de dirimir conflitos de interesses através da aplicagao da lei ‘Como afirmava o Professor Castanheira Neves, 0 processo € a forma juridicamente valida da jurisdigao. Processo e jurisdiga0 constituem dois momentos de uma mesma realidade ou duas faces de uma mesma moeda: © processo é 0 momento formal da jurisdi¢ao e a jurisdic o momento material do processo. © poder de julgar, isto 6, a jurisdig&io realiza-se através do processo. Nao pode existir jurisdigao penal sem processo penal Ultrapassadas as fases histéricas da comunidade primitiva, da vinganga e da justica privada, bem como as formagées socioeconémicas do esclavagismo e do feudalismo, actualmente, a justica constitui monopélio do Estado. E um direito e um dever do Estado. O Estado assegura a administragao da justiga como necessidade da vida comunitaria e com um minimo de qualidade” © Estado assume de forma exclusiva a tarefa de investigar, esclarecer, perseguir e sentenciar os crimes dentro da sua «jurisdig&o>. Isto traduz o principio da exclusdo da autodefesa ou do monopélio estadual da fungo jurisdicional, que constitui uma exigéncia irrenunciavel das sociedades modemas que se fundam em valores como os da realizagdo da justiga, da unidade do Estado e da paz. juridica e social”. O principio da jurisdigao ou do monopélio estadual da fungao jurisdicional constitui uma conquista da humanidade. Porém, ndo se trata de um principio com caracter absoluto, 21 PIMENTA, José da Costa Sntrodugdo ao Processo Penol. Coimbra: Livraria Almedina, 1989. ISBN 9724005380. p.10 2 DIAS, Jorge Figueiredo - Direto Processval Penal. Coimbra Editor. Pag. 25 Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angolano A autodefesa vem sendo excepcionalmente admitida e delimitada pela lei (art.° 336.° do CC, acgdo directa e art.° 337.° CC, legitima defesa e artigos 30.° @31.° do CPA). A luz do n° 2 do art® 174° da CRA, “no exercicio do poder jurisdicional, compete aos tribunais dirimir os conflitos de interesse puiblico ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente Protegidos, bem como os principios do acusatério e do contraditério € reprimir as violagées da legalidade democratica’. Este artigo consagra o monopélio estatal da actividade jurisdicional que representa a primeira vertente do principio da jurisdig&o, que significa que os crimes no podem ser reprimidos de forma particular ou por "maos préprias”. Entrementes, 0 principio da jurisdigéo patenteia uma segunda vertente: N&o se pode aplicar uma pena sem a mediagéo de um processo. N&o existe jurisdigéo sem proceso. Dai resulta 0 principio nulla poena sine judicio®*, No se podem aplicar penas ou medidas de seguranca através de medidas ad hoo. Decorre do art.° 1.° do Cédigo de Proceso Penal Angolano (que constitui uma inovag&o como consagragéo) que s6 podem ser aplicadas penas e medidas de seguranga através de um processo penal de um tribunal competente, nos termos de lei anterior a verificagéo dos respectivos pressupostos. A ideia que subjaz ao principio da jurisdigo radica numa triplice ordem de razées: oA defesa da unidade do Estado; © Walla poema sine judico, a pena nao pode ser aplicada sem processonaterior Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angotano 2) Assegurar a realizagéo da justica e¢ da paz social, 3) Garantir 0 respeito pelos direitos do arguido, pois a actividade processual implica limitacdo de direitos. Assim, 0 proceso constituira a magna carta” dos direitos do suposto criminoso. 4.3. IMPORTANCIA PRATICA DO PRINCIPIO DA JURISDICAO De acordo com José da Costa Pimenta, 0 principio da jurisdi¢éo reveste-se de inestimavel importancia pratica. Na sua acepeao nulla poena sine judicio, 0 principio da jurisdicéo constitui um autolimite da fungo punitiva do Estado. Face 4 pratica de determinado crime, o Estado nao pode reagir de modo cego, brutal ou ad hoc®. © Estado devera exercer a jurisdi¢go em consonaéncia com 0 formato estabelecido no processo penal. Na sua actuagao privada, o principio da jurisdigao constitui um incontornavel obstaculo a realizagao da justia pelas préprias m4os por parte dos ofendidos ou lesados. Estes tero de fazer recurso ao Estado para que este proceda 4 aplicacdo das normas do direito processual penal. Como agentes da pratica de crimes, no poderso os particulares prescindir do processo, “devendo sujeitar-se espontaneamente 4 pena ou medida de seguranga’. Como assevera 0 Dr. José da Costa Pimenta, 0 processo penal & indisponivel para o Estado e para os particulares. ‘A Magna Carta de 1215, ssinada polo rei inglés 40 Sem Terra, & cousiderada um dos documentos Judcos mats impomtotes da bistra, A erbitariedade de Joo Sem Tera levou os bates oganzarem-se para Fressionar 0 ti, pois no eoncordavam com seus actos. Foi enito que o sardeal Longton alguns dos bartes arerereram o teato da Magn Caria, cujo titulo completo 6 Magna Charta Libertatun. Esse documento previe a {Guantia de plenos dicts 2s “homens livres” da Inglter, por pate do re, que no deveriaabusar do seu poder se oe coagir Homens lives, naguel context, era os hemeas de poses, membres da nob Ad hoe significa “para sso", aetuasSo para um fim espeifice. Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angolano Existe um nexo de condicionalidade entre 0 processo penal e a aplicagao da reac¢ao criminal. Assim, 0 processo penal funciona como Condigaio para a aplicagao da pena ou da medida de seguranga. O proceso Penal tem a virtualidade de converter a punibilidade em punigdo. A punibilidade é entendida como um poder-dever do Estado de infligit uma pena ou medida de seguranga, enquanto a punigdo constitui a sujeigao do agente a uma pena ou medida de seguranga. Nem todos os ramos de direito substantivo exigem a presenga do Processo para a sua aplicag&o. Podemos indicar, a modo de exemplo, 0 direito civil, No direito civil os conflitos podem ser dirimidos sem a convocagao do direito processual civil O principio da jurisdigao nado admite nem tolera quaisquer limites ou excepgtes. Como afirma o Dr. José da Costa Pimenta, nao sao admissiveis factos privativos da jurisdigao no Ambito do direito criminal. © arquivamento do proceso, bem como a obtengdo de solugdes consensuais, previstos no art.° 325.° Cédigo de Processo Penal Angolano, constituem efectivamente um afloramento do principio da oportunidade, mas nao constituem uma excepcao ao principio da jurisdigao, porquanto, nestes casos, nenhuma reaccdo criminal é aplicada. A suspenséo do processo mediante injungdes e regras de conduta, quando 0 crime for punivel com pena néio superior a 5 anos de priséio ou com pena néo privativa da liberdade, prevista no artigo 326.° do Codigo de Processo Penal Angolano, também nao representa qualquer excepoéio ao aludido principio. As injung6es e as regras de conduta que o Ministério Publico impde no se consideram penas nem medidas de seguranga previstas na lei penal, mas simples medidas de natureza adjectiva, como condigéo de ndo demanda do poder judicial. Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angolano 1.4. A INDECLINALIDADE DA JURISDIGAO A luz do art? 29° da CRA, a todos é assegurado 0 acesso ao direito © @0s tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente Protegidos, néo poclendo a justica ser denegada por insuficiéncia dos meios econémicos. Este preceito estd projectado na sua plenitude no art. 8° n.° 1 e 2do Cédigo Civil em vigor, que estabelece que o tribunal ndo pode abster-se de Julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando diivida insanavel acerca dos factos em litigio. O dever de obediéncia a lei no pode ser afastado sob o pretexto de Ser injusto ou imoral 0 contetido do preceito legislative. Nos termos do art.® 12.° da Lei n.° 29/22 de 29 de Agosto, sobre a Organizago e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdigéo Comum, para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadaos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade ¢ Prioridade de modo a obter tutela efectiva e em tempo util contra ameagas ou violacdes desses direitos. Todos os cidadéios tém direito a que uma causa em que intervenham Sela objecto de deciséo em prazo razoavel e mediante processo equitativo (art? 29.° n.? 4 da CRA). Estas disposi¢6es impéem ao juiz ou ao tribunal, uma vez demandados, a obrigagao de proferirem a deciséo legalmente ajustada, Nao constitul excepgao a regra da indeclinabilidade do dever de julgar, @ faculdade do juiz de, verificades os respectivos pressupostos, se considerar impedido ou solicitar escusa. Trata-se de um principio cuja aplicagao pressupée a existéncia de um judex habilis 77. 2M PIMENTA, les 8 Coste Jno a Proceso Pen. Aledin, 1989. ISBN 9724005380. p15 7 Judex hails habilitago para julgar. Eduardo Sambo ~ Manual de Bireito Processuel Penal Angotano ___Q juiz que se abstenha de proferir uma deciséio por violagéo a0 Principio da jurisdicdo esta sujeito a responsabilidade processual penal, disciplinar e criminal. Destarte, uma pena ou medida de seguranca aplicada por 6rgaéo desprovido de jurisdig&o é pura e simplesmente inexistente. Incorrem em responsabilidade disciplinar os magistrados que, violando © principio de jurisdigao, se abstenham de julgar. Os magistrados judiciais que indevidamente se abstenham de proferir uma deciséo, violando o principio da jurisdi¢éo, incorrem em responsabilidade criminal pela pratica de denegacao de justica, previsto no art.° 286.° do Cédigo Penal de 1886 e no art.° 348.° do CPA. Enquanto © Cédigo Penal em vigor (1888) pune com uma pena de suspensdo das fungées, 0 CPA vai mais além, sancionando com pena de 2 anos de prisdo e multa de até 120 dias. 4.5. OQ AMBITO DO PROCESSO PENAL O processo penal constitu um sistema de normas e regras juridicas que disciplinam e_regulam a aplicagao_ do _direito penal aos comportamentos delituosos submetidos a apreciagao dos tribunais. A fungdo essencial do processo penal cumpre-se no conjunto de diligéncias que se desenvolvem com vista a constatar se se praticou ou nao determinado crime e também sobre as respectivas consequéncias da pratica ou do cometimento do crime. Quando nos referimos as consequéncias da pratica do crime estamos a referir-nos nao s6 a aplicagéo das penas, mas a sua execugao, isto é a execugao das penas e das medidas de seguranca. Eduardo Sambo — Manuel de Direilo Processual Penal Angolano © proceso penal conta com cinco fases fundamentais”, Uma 1? fase de investigacao ou de instrugéio preparatéria presidida pelo Ministério Pablico. A fase de instrugao pode ser eventualmente complementada por uma 2? fase de instrugao contraditéria presidida pelo Juiz de Garantias. A audiéncia de Julgamento constitui uma 3* fase dirigida pelo juiz da causa. A 4° fase 6 a da execugéo da pena cominada pela sentenga, dirigida | Jurisdicionalmente pelo juiz de execugao da pena e administrativamente pela Direcgaio dos Servigos Penitencidrio. A 5* e titima fase 6 a de Recurso dirigida pelo juiz ad quem. A primeira fase é de investigagao ou de recolha da prova em que se forma um juizo de suspeita que se levanta apés 0 auto de noticia. Caso a suspeita no se confirme, 0 processo fica a aguardar melhor prova ou & i arquivado, A deduzida da acusagao, forma-se um juizo de probabilidade de que \ efectivamente se tenha cometido um crime. Temos seguidamente a fase de instrugao contraditéria, a qual pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente e onde comega a formar-se uma estrutura visivelmente contraditoria. A fase de instrugéo contraditéria caracteriza-se pela realizagéo de novas dilig€ncias de natureza complementar j na base de uma estrutura contradit O juizo de probabilidade sobre a existéncia do crime (decorrente da acusago), com a prolacéio do despacho de prontincia pelo juiz de garantias cinco fases do processo pensl podem ser constatadas através dos seguintes atigos: 1 Fase de Instrusdo Preparatria ~ Artigos 12. alinea 9), 67.°n°1 linea g), 69% n.° e302. do CPPA; 22—Fase de instrugto Contradtorin— Antigos 450,91, 67n.°alineag), 141.°n.°3 alinea ¢) 392." do CPPA; * Fase de Julgamento ~ Artigos 12.atineasb) e ), 62. linea d), 196.°1.°2, 385. (Titulo) do CPRA; 4. Fase da Execugde da Pera ~ Artigo 565° 12 do CPPA; 5.2. Fase de Revurso ~ Astigo 43." 1 do CPPA, 24 Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angolano no fim da instrugée contraditéria, 6 convertido em confirmagao da probabilidade Note-se que 0 despacho pode ser de proniincia ou de nao prontincia. Com 0 despacho de prontincia inicia-se a fase de julgamento. O despacho de prontincia constitui a aceitagao pelo juiz dos factos da acusagao e tem por objective confirmar ou infirmar a probabilidade da pratica do crime e remeter 0 arguido a justica A terceira fase € a da audiéncia de julgamento, presidida pelo juiz e que termina com a sentenga ou acérddo que constitui aquilo que consideramos um juizo de certeza face ao cometimento do crime. A sentenga condenatoria exprime precisamente o juizo de que o crime foi efectivamente cometido. Depois da condenag&o do arguido, segue-se uma quarta fase de execugao da pena. Por ultimo, temos a fase de recurso que tem por objectivo a reapreciac&o da decisao do tribunal aquo pelo tribunal ad quem, De acordo com o que nos afirma o Professor Paulo de Sousa Mendes, © inguérito e o julgamento so fases obrigatérias do proceso comum portugués. Existe uma doutrina que prefere dividir 0 processo penal em cinco fases: 1- aquisicao da noticia do crime, 2- instrug&o preparatoria, 3- instrugéio contraditéria, 4- julgamento e 5- os recursos®®. Esta solugao n&o se compagina com 0 Cédigo de Processo Penal Angolano. © Professor Germano Marques da Silva™ identificou no processo penal cinco fases. Uma primeira fase, que ¢ a fase de investigagao que se segue a noticia do crime até a acusagéo; uma segunda fase, que é a de comprovacao da deciséo de acusar e que ele considerou a fase de instrugdo, @ qual nés chamaremos fase de instrugdo contraditéria; uma terceira fase, que € a de julgamento; uma quarta fase, que é a de execugao da sentenga condenat6ria e, por fim, uma quinta fase, que é a do recurso. , Paulo de Souse, Ligdes de Dinelto Processual Penal, Almedina, 20 Mi SUVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal J @ Baigso, Verbo, Pag. 35 €3 Eduardo Sambo - Manual de Direito Processual Penal Angolano Assim, a primeira fase inicia no art.° 302.° e seguintes do CPPA. A segunda fase inicia com a instrugdo contraditéria nos termos do art 332° e seguintes. A terceira fase do julgamento inicia no art.° 335.° e seguintes A quarta fase que € a fase de execucdo das penas e medidas de Seguranga que inicia no art.° 548.° e seguintes. A quinta fase que é a fase de recursos que inicia no art.° 459.° 6 seguintes (n.° 1 do art.°45.° do CPPA). A quarta fase, a qual conceme a execucdo de penas, nao se integra exclusivamente no Ambito do processo penal. O processo penal regula a intervengéo das autoridades judiciérias na execugéo das penas e das medidas de seguranga criminais e 0 direito penitenciario disciplina a intervengao das autoridades administrativas. Na execugao da sentenga intervém autoridades judiciarias ¢ autoridades administrativas. Entre as autoridades judiclarias contamos com o tribunal de primeira instancia em que © processo tramitou ou correu, o tribunal da execugao das penas ¢ 0 Ministério Pablico. Entre as autoridades administrativas, assinalamos os Servigos Penitenciarios integrados no Ministério do Interior. Importa aqui sublinhar Que esta parte administrativa da actividade penitenciéria esté regulada pela Lei n.° 8/2008, a qual é designada de Lei Penitenciaria. Nos termos do art.° §52.° do CPPA, compete ao juiz de direito do tribunal da execugao das penas decidir sobre todas as questées relativas ao inicio, duragao e execugdo das penas e medidas de seguranca: compete a este tribunal modificar ou substituir as Penas ou medidas de seguranga e declarar a extingao da responsabilidade Penal eas alteragdes ou a cessacdo da perigosidade criminal. A luz do art? 553° do CPPA, referente ao conhecimento superveniente de concurso de crimes, é competente o juiz do Tribunal da Ultima condenagao. Eduardo Sambo ~ Meiwual de Direito Processual Pena! Angolano De sed com 0 art §51.° do CPPA, a execugao das penas medidas de seguranca & promovida e processada nos proprios autos n° tribunal competente para a execugdo. Nos termos do art.” 550.°, compete ao Ministério Publico promover a execugao das penas e medidas de seguranga, assim como a execugao das custas, indemnizagdes e outras quantias devidas a0 Estado ou as pessoas que, por lei, estiver encarregado de patrocinar®'no processo, logo que transitar em julgado a deciséo condenatéria ou que fiver aplicado uma medida de seguranga. De consonancia com o art.’ 557°, 0 arguido condenado em pena de priséio d4 entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz da causa. Nos termos do art.’ 662.° do CPP, os directores dos estabelecimentos prisionais comunicam a0 Ministério Pablico junto ao Tribunal da execugao da pena o falecimento dos presos, 2 sua fuga & qualquer suspens4o, interrupgao ou causa de modificago ou extingao total ou parcial da pena de priséo, assim como a sua restituigde a liberdade. importa sublinhar também que 2 Direecéo Nacional dos Servigos Prisionais afecta a0 Ministério do Interiot € 0 érgéo do Estado ao qual compete a execugdo material e concreta das penas privativas de liberdade cominadas pela jurisdicdo penal, apresentando também um. caracter administrativo. Para muitos autores, a execugao das penas tem uma triplice natureza; 6 0 direito penal que define 0 contetido, finalidade e até mesmo 2 modificagéio das penas. Per outro ledo, @ forma como a jurisdigso actua pera der contetoo cenas, seja para agraver, para modificar ou para ‘as determinar, € reguia pelo direito processual penal. > ncumbe ao Ministre Pic, nos ros da sing a) do at" 185° exorenr 0 Patron incapezes, Eduardo Sambo ~ Manual de Direito Processual Penal Angolan © papel da Direg&o Nacional dos Servigos Prisionais, como orga0 40 Estado que responde pelas quest6es da execugao material, logistica € concreta das penas privativas de liberdade que 340 aplicadas pelos tribunais, apresenta ai um caracter administrative. Por isso, em conclusao, podemos afirmar que a ‘execugéio das penas possui uma natureza penal, processual e administrativa. Daf que se fale numa tripice natureza. ‘A competéncia distribui-se entre o tribunal da primeira instncia em que o processo tiver tramitado, o tribunal ou a sala de penas @ 0 Ministério Publico, sendo cometida a administragdo penitenciéria as quest6es relacionadas a parte administrativa e logistica da sentenca ou da decisdo. Assim, 0 processo penal regula a intervencao da autoridade judiciaria como 0 tribunal ea PGR na execugdo e medidas de seguranga criminais € 0 direito penitencidrio disciplina a intervencdo das autoridades administrativas™. A execugao das penas e medidas de seguranga criminais nao pode, de forma nenhuma, ser encarada como a fase mais indigente do Direito processual penal, uma vez que ela transporta consigo questées muito relevantes para o sistema penal. Pois, a realizacao dos fins das penas € das medidas de seguranga nao se pode divorciar nunca da forma, do espirito e do modo concreto da sua execugao™. Integram também 0 Ambito do processo penal as matérias referentes 4 responsabilidade civil por perdas e danos emergentes da pratica de crime, que no espitite do principio da adesdo é apreciada ¢ julgada no mesmo processo que @ matéria criminal A luz do ert? 175. do CPPA, 0 pedido de indemnizagao por danos resutantes da pratice de um crime 6 deduzido no processo penal correspondente, 6 podendo ser intentaclo em acgdo civel independente nos casos dectarados na lei**. SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal I, © Eizo, Verbo, Pag. 36, my 28 Eduardo Sambo ~ Manual de Direto Procesisual Penel Angolano _Como ja estava previsto no art. 34.° do CPP1929 e actualmente nos art. 89.° do CPPA, 0 juiz, sempre que nao se tiver deduzido o pedido civel de indemnizago, quer no processo penal, quer em separado, pode, em caso de condenagao, arbitrar a favor dos lesados uma quantia, a titulo de indemnizagdo, pelos prejuizos resultantes do crime cometido pelo condenado. Trata-se da chamada indemnizag&o oficiosa em caso de condenagao. 1.6. O OBJECTO DO PROCESSO PENAL A determinagéio do objecto do processo constitu um aspecto importante no direito processual penal. Sobretudo, no processo penal angolano de matriz acusatéria, onde a fungao de julgar é atribuida a uma entidade diferente daquela que tem a fungao de acusar. O objecto do processo é extremamente importante para a delimitagao do poder de cognicao do juiz. E através do objecto do processo que se resolvem as questées ligadas 4 litispendéncia, ao caso julgado, ao tema da prova, aos recursos e mesmo até a convolagdo%. Num processo de estrutura acusatéria, o poder de cognicao do juiz fica definido através da acusagao. A acusagéo vai servir de limite e vai delimitar a actividade do tribunal. E precisamente da definig&o do objecto do processo de onde resulta a garantia de que o acusado apenas seré julgado e ter-se-4 que se defender por determinada materia O problema da delimitagao do ‘objecto do processo nao se apresenta da mesma forma em todas as fases processuais. Esta delimitacdo nao se mostra tao definida durante a investigagao como no momento da acusagao, nem na pronincla como na sentenga. Desde a investigagdo & sentenga, os actos processuais vo se tornando cada vez mais definidos e objectivos. Por exemplo, a acusag&o vai conter a descridéo dos actos que resultaram da instrugao preparatéria ‘rso de Proceszo Penol 1,6" digo, Verbo, Pa. Eduardo Sambo - Manual de Direito Processual Pene! Ango!sn? A pronincia vai imitar-se substancialmente aos factos descritos na acusagao e @ sentenga nao pode, em regra geral, tomar em conta uma aiteragdo substancial dos factos descritos na acusagéo ou Ne pronancia para efeito de condenagao%®. Aiguns autores consideram que o objecto do proesso é @ relagéo juridica do direito processual. Havia quem assinalasse como objecto a relacdo juridica Estado/arguido. Para outros, 0 objecto do processo éojus puniendi, ou seja, 0 direito de punir. Mas, 0 objecto do processo so 0s factos em concreto cometidos Por alguém, factos tipicos, descritos de forma geral e abstrata pela lei a que correspondem penas. O objecto do proceso penal é o crime, assim como toda a autividade desde o seu conhecimento até @ sentenga e 8 execugso da pena” Quando afirmamos que o objecto do processo penal 6 crime, nos podemos iniciar um processo sem absolute carteza de que estejamos perante a prética de um crime, razéo pela qual o primeira julzo ave anima o primeiro impulso processual é um julzo de suspeita que posteriormente se converte em juizo de probabilidade & eventualmente em juizo de certeza. Neturalmente que s6 a sentenga ira confirriar defiitivamente existéncia de um crime. Para o Professor Vasco Grandao Ramos constitui objecto do processo penal, no apenas 0 facto criminoso, mas também a personalidade do delinquerte, © objecto de processo penal é assim 0 facto © isto 4, 0 crime @ a personalidade do delinguente. 0 crime que constitul hieoto do processe poral, tendo ern conta 9 facto do provesso irciar com ase num juizo de suspsita, € 0 crime suposte € néo ted que 9e° ai, SILVA, Germeno Marques, Cus de Proceso Penal, igh, Verb, Pag. 38 SULA, Germano Marques, Curse de Proceso Pena 1, Edigbo, Vero, Pag. 39. RAMOS, Vesco Grandi, Divito Processual Paral, NopBes Fundam ss, 2" Bag, Fog Eduardo Sambo - Manual de Direito Processual Penal Ango!ane 4.7. OS FINS DO PROCESSO PENAL $e quisermos encontrar uma resposta para a questéo dos fins ou funges do processo penal, poderemos, numa perspectiva juridica, indagar sobre a sua utllidade ou importancia. A resposta sera que direito processual penal tem como utilidade imediata a aplicagao da lei penal ‘aos casos concretos submetidos ao tribunal. O Direito processual penal tem um valor instrumental significativo e uma complementariedade. indefectivel. Esta solugéo tem o grande objectivo de fazer com que nenhum criminoso deixe de ser punido (impunitum non relinqui facinus®’ bem como nenhum inocente seja condenado (innocentum non condennari?)"*. Qualquer aluso @ stia fungdo instrumental transporta-nos @ sua finalidade de realizagdo da justiga que naturalmente tem como pressuposto a descoberta da verdade e 0 restabelecimento da paz juridica™”. Aforma como o restabelecimento da paz beneficia tanto a vitima como a0 arguido no plano individual quanto & comunidade no seu todo, conduz a que esta finalidade se associe @ importantes valores, tals como o da seguranga A realizagao da justica pressupée também ¢ descoberta da verdade. Porquanto, esta pressupée a sujeigéo do arguido & sangéo. A realizagao da justica nao constitui 0 fim dnico, dltimo e absoluto do processo penal. Por esta razdo 6 que @ verdade é varias vezes sacrificada por razdes de seguranga (inslituto do caso julgado) ¢ 86 pode ser procurada (a verdade) de modo processualmente vélido e admissivel ¢, portanto, com integral respeito aos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vém envolvidas® 0 crime ato deve fea “oin “31 20 de Processo Penal I, 6 B8ig%0, © SILVA, Cenmano Marques, Curso de Processo Penet I, * Gdigho, Verbo,

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