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INEXISTÊNCIA E

INVALIDADE DO
CASAMENTO

Ireneu Matamba
INEXISTÊNCIA E INVALIDADE DO
CASAMENTO – INTRODUÇÃO
■ I. O casamento enquanto acto é um negócio jurídico instituidor da família. Une
marido e mulher de forma duradoura (estado de casados). A família é nos termos
da Constituição o núcleo fundamental da organização da sociedade e por isso é
objecto de protecção especial por parte do Estado (35.º, n.º 1 da CRA) .
■ Como qualquer outro negócio jurídico pode padecer de algumas vicissitudes. No
entanto, a aplicação pura e simples do regime da ineficácia (lato sensu, abarcando
a inexistência, a nulidade e a anulabilidade) dos negócios jurídicos ao casamento
poderia implicar prejuízos irreparáveis para uma família constituída.
■ Assim tratar da ineficácia do casamento deve ser feito à luz dos princípios do Direito
da Família e da Criança e com um granus salis para que se evite efeitos nefastos e
indesejáveis.
■ Existem sistemas em que se distingue entre a inexistência, nulidade (nulidade
absoluta) e anulabilidade (nulidade relativa) do casamento (vide artigos 406.º,
424.º a 430 e 386.º do código civil e comercial argentino) e outros onde se
distingue apenas a inexistência e a anulabilidade do casamento (artigos 1627.º a
1646.º do código civil português).
I. A INEXISTÊNCIA DO CASAMENTO
■ O Código não tem uma norma que consagra de forma expressa o regime da inexistência.
■ No entanto ela decorre da análise e interpretação das normas do Código.
■ 1. Assim, do artigo 20.º decorre, a contrário sensu, ser inexistente o casamento
celebrado entre pessoas do mesmo sexo (falta de diversidade de sexo que o artigo em
causa exige).
■ 2. Já do artigo 35.º, n.º 1 decorre, também a contrário sensu, que o casamento em que
não se tenha verificado 2 declarações de vontade, isto é, em que um dos nubentes não
manifestou expressamente a sua vontade de casar, é inexistente. Isto decorre da
natureza do casamento (é um acto de vontades ou que assenta essencialmente na
vontade dos nubentes).
■ 3. Do artigo 34.º, al. b. resulta, a contrário sensu, que o casamento não celebrado pelo
Conservador do Registo Civil ou pelo seu substituto legal é inexistente. O casamento não
pode ser celebrado senão pelo Conservador do Registo Civil ou o seu substituto legal.
A INEXISTÊNCIA DO CASAMENTO

■ 4. O Casamento urgente não homologado é igualmente


inexistente
■ 5. O casamento contraído por procurador:
– depois de terem cessados os efeitos da procuração
– Quando não tenha sido outorgada por quem nela conste como
constituinte
– Quando a procuração seja nula :
por falta de concessão de poderes especiais para o acto
Por falta de designação expressa do outro nubente
II. A NULIDADE DO CASAMENTO

■ O Código da Família não consagrou nulidades do casamento.


■ Não o fez em virtude de vigorar o princípio do favor matrimonii
(conservação do matrimónio). Entendeu-se que o regime jurídico
da nulidade não permitiria a aplicação deste princípio na maioria
dos casos, pois a legitimidade para arguir a nulidade é mais
alargada do que para a anulabilidade, pode ser a todo o tempo,
podendo inclusive ser invocada oficiosamente pelo tribunal.
■ Em termos de direito a discutir pode-se discutir se vícios
resultantes do parentesco na linha recta ou no segundo grau da
linha colateral, por exemplo, não deveriam gerar nulidade, por se
afigurarem muito graves?
■ Mas de jure constituendo, reitera-se, o CF não consagrou o regime
de nulidades para o casamento.
III. A ANULABILIDADE DO CASAMENTO
■ O CF, como já referimos, consagrou expressamente apenas a
anulabilidade do casamento (65.º)
■ O regime da anulabilidade é o mais consentâneo com a
observância do princípio da conservação do matrimónio (favor
matrimonii):
– Enquanto não for declarada a anulabilidade do casamento
por sentença transitada em julgado, não pode ser invocada
para efeito algum (66.º);
– Apenas as pessoas indicadas por lei podem arguir a
anulabilidade (67.º);
– A arguição deve ocorrer dentro do prazo peremptoriamente
fixado (70.º);
– Não se observando o atrás referido o casamento convalida-se;
A ANULABILIDADE DO CASAMENTO

O casamento é anulável (65.º):


a) Quando celebrado por quem não tenha idade núbil (24.º, n.º 1);
b) Quando celebrado por quem sendo menor núbil não seja autorizado
pelos pais, tutores ou quem o tiver a seu cargo (24.º, n.º 2 e n.º 3, in fine);
c) Quando celebrado por quem sendo menor núbil sem que a falta de
autorização dos pais seja suprida pelo tribunal (24.º, n.º 3, 2ª parte);
d) Quando se verifique algum impedimento matrimonial (25.º e 26.º)
e) Quando celebrado com falta ou vício da vontade e com simulação
c) Quando celebrado sem a intervenção das testemunhas.
A ANULABILIDADE DO CASAMENTO -
LEGITIMIDADE
■ Em caso de incapacidade matrimonial (falta de idade
núbil ou demência):
➢ Qualquer dos cônjuges;
➢ O Ministério Público;
➢ Os pais, adoptantes ou tutores nos casos de menoridade e
interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;
➢ Outra pessoa cujo interesse na anulação seja juridicamente
protegido (herdeiro legítimo)
A ANULABILIDADE DO CASAMENTO -
LEGITIMIDADE
■ Em caso de incapacidade matrimonial (incesto):
➢ Qualquer dos cônjuges;
➢ O Ministério Público;
➢ Outra pessoa cujo interesse na anulação seja juridicamente
protegido (interesse moral – pôr fim ao escândalo – ou
patrimonial, como no caso do herdeiro legítimo)
A ANULABILIDADE DO CASAMENTO -
LEGITIMIDADE
■ Em caso de incapacidade matrimonial (bigamia ou
conjugicídio):
➢ Qualquer dos cônjuges;
➢ O Ministério Público;
➢ O cônjuge do anterior casamento (bigamia e conjugicídio não
consumado)
➢ Os herdeiros do cônjuge falecido em caso de conjugicídio
consumado
➢ Outra pessoa cujo interesse na anulação seja juridicamente
protegido
A ANULABILIDADE DO CASAMENTO -
LEGITIMIDADE
■ Em caso de falta ou vício da vontade: art.º 68.º/1
– O cônjuge cuja vontade faltou ou que foi vítima de erro ou
coacção;
■ Em caso de simulação: : art.º 68.º/2
– O Ministério Público;
– As pessoas prejudicadas com o casamento;
■ Em caso de falta de testemunhas:
– O Ministério Público;
A ANULABILIDADE DO CASAMENTO –
PRAZOS
■ Nos casos de incapacidade, por falta de idade núbil, por interdição ou
inabilitação por anomalia psíquica ou demência notória, quando proposta
pelo próprio incapaz, até um ano após ter atingido a maioridade ou lhe ter
sido levantada a interdição ou inabilitação; Quando proposta por outra
pessoa, dentro até dois anos após a celebração do casamento mas nunca
depois de atingida a maioridade ou do levantamento da interdição ou da
inabilitação.
■ Nos casos de falta ou vícios da vontade, condenação por homicídio do
cônjuge de um dos nubentes ou de falta de formalidades essenciais, até dois
ano depois da celebração do casamento.
■ Nos casos de parentesco em linha recta ou no segundo grau da linha
colateral e bigamia, a todo o tempo.
IV. CONVALIDAÇÃO DO CASAMENTO
■ Por força do princípio do favor matrimonii e visando a
salvaguarda e estabilidade da família assente no
casamento (mesmo que anulável), o casamento eivado de
vício pode ser convalidado (73.º).
■ A convalidação permite ao casamento eivado de vício
ressurgir na sua plenitude, passando a ser considerado
válido desde a data da celebração.
■ N.B. A convalidação deve ocorrer antes de transitada em
julgado a sentença que decrete a anulação.
CAUSAS DE CONVALIDAÇÃO
1. CONFIRMAÇÃO na presença do funcionário do Registo Civil e na
presença de 2 testemunhas
❑ Pelo então menor, depois de atingida a maioridade
❑ Pelo então interdito depois de levantada a interdição
❑ Pelo inabilitado depois de ter sido levantada a inabilitação
❑ Pelo demente depois de verificada judicialmente a sua
sanidade mental
2. ANULAÇÃO DO ANTERIOR CASAMENTO BÍGAMO
3. RECONHECIMENTO PELO MINISTRO DA JUSTIÇA de que a falta de
requisitos formais é devida a circunstâncias atendíveis, desde que
haja certeza sobre a realização do acto.
V. EFEITOS DA ANULAÇÃO - REGRA

❖ Transitando em julgado a sentença que decrete a anulação, o


casamento deixa de produzir efeitos jurídicos.

❖ A decretação da anulação produz efeitos retroativos à data da


celebração do casamento.

❖ No entanto ficam ressalvados os direitos dos filhos nascidos e


concebidos durante a sua vigência (71.º, n.º 3).
EFEITOS DA ANULAÇÃO – EXCEPÇÃO
(O CASAMENTO PUTATIVO)
■ No ponto anterior dissemos que a anulação do casamento produz
efeitos retroativos à data da celebração.
■ No entanto se houver boa-fé de 1 ou de ambos os nubentes a
anulação do casamento não produzirá efeitos retroativos mas
apenas efeitos ex nunc.
■ Estará de boa-fé o cônjuge que tiver contraído o casamento na
ignorância desculpável do vício causador da anulabilidade.
■ Estará igualmente de boa-fé o cônjuge cuja declaração tenha sido
extorquida por coação física ou moral.
■ A boa-fé se presume, cabendo a quem pretender provar o contrário
fazer a prova da má-fé do(s) cônjuge(s).
EFEITOS DA ANULAÇÃO – EXCEPÇÃO
(O CASAMENTO PUTATIVO)
■ Fala-se, assim, em casamento putativo (aparente).
■ O casamento putativo é aquele passível de anulação mas que
produz os seus efeitos jurídicos até ao trânsito em julgado da
sentença que decrete a anulação, desde que os cônjuges ou pelo
menos um deles esteja de boa-fé.
■ O casamento putativo produz efeitos entre os cônjuges e também
nas suas relações com terceiros.
■ No entanto se apenas um dos nubentes estiver de boa-fé só este
poderá arrogar-se dos benefícios do casamento putativo e opô-los a
terceiros.
A TERMINAR
■ Para a consolidação desta parte da matéria recomenda-se
a leitura, dentre outros, de:
■ artigos do Código da Família: 65.º, a 73.º; 23.º a 35.º
■ artigos do Código Civil sobre a invalidade dos negócios
■ Maria do Carmo Medina, Direito da Família, 2ª Edição,
Escolar Editora.
■ Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV,
2ª Edição revista e actualizada, reimpressão, Coimbra
Editora, pág. 147 e seguintes.

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