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Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

PJe - Processo Judicial Eletrônico

25/08/2023

Número: 0816007-55.2023.8.10.0040
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 2ª Vara Cível de Imperatriz
Última distribuição : 03/07/2023
Valor da causa: R$ 5.000,00
Assuntos: Seguro, Fornecimento de Energia Elétrica, Práticas Abusivas
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
MARIA BETANIA DA SILVA (AUTOR) LETICIA DA SILVA CAMPOS LIMA BARROSO (ADVOGADO)
EQUATORIAL MARANHÃO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA LUCIMARY GALVAO LEONARDO GARCES (ADVOGADO)
S/A (REU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
99653 22/08/2023 11:35 Sentença Sentença
521
SENTENÇA

Trata-se de demanda ajuizada por Maria Betânia da Silva em face da Equatorial Maranhão
Distribuidora de Energia Elétrica S.A, alegando, em síntese, que foi surpreendido com
cobranças indevidas embutidas em sua fatura de energia elétrica, que seriam decorrentes de de
um seguro chamado “Lar Protegido”.

Aparelhou a inicial com diversos documentos.

Citada, a requerida apresentou contestação sustentando o seguinte:

1. a contratação do seguro é válida;

2. não há amparo jurídico para a condenação em danos morais.

A parte autora apresentou réplica à contestação.

Intimadas as partes para especificarem provas, ambas postularam o julgamento antecipado da


demanda.

FUNDAMENTAÇÃO

Da alegação de ilegitimidade e interesse processual

Estabelecem os arts. 17 e 18 do Código de Processo que:

Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo
ordenamento jurídico.

Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente
litisconsorcial.

Como bem ensinam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “o
interesse de agir concerne à necessidade e à utilidade da tutela jurisdicional pedida pelo
demandante. A legitimidade para causa (ou legitimidade ad causam), que não se confunde com a
legitimidade para o processo (ou legitimatio ad processum, conhecida ainda como a capacidade
para estar em juízo), concerne à pertinência subjetiva da ação, atine à titularidade (ativa e
passiva) da ação. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” (Novo Código
de Processo Civil Comentado, 2ªed., pág. 172).

Na espécie, a alegação do réu se confunde com o mérito, pois a alegada ausência de


responsabilidade é matéria a ser apreciada quanto à procedência ou improcedência dos pedidos

Assim, afasto a preliminar de falta de legitimidade passiva.

A questão principal dos autos cinge-se sobre cobranças embutidas na fatura de energia elétrica
do autor a título de seguro “Lar Protegido” no valor de R$13,90 (treze reais e noventa centavos).

Citada, a parte ré rebateu os argumentos autorais, sustentando que o autor realizou a contratação
do seguro, uma vez que a demandante anuiu com a cobrança do prêmio, não existindo cobrança
ou contratação indevida.

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A previsão de cobrança de seguro na fatura de energia elétrica, desde que devidamente
contratado pelo consumidor, tem previsão na Resolução nº 581/2013 da ANEEL, cujo teor do art.
6º estabelece:

Art. 6º A cobrança de atividades acessórias ou atípicas pode ser viabilizada por meio da fatura de
energia elétrica.

§ 1º Os valores cobrados na fatura de energia elétrica devem ser identificados e discriminados.

§ 2º Deve-se incluir na rubrica correspondente às cobranças de produtos ou serviços o contato


telefônico do terceiro responsável.

No caso vertente, apesar de a contratação apontada pelo réu como existente ser sinalagmática,
ele deixou de comprovar a sua existência (art. 104, inciso I, do Código Civil), dado que inexistente
a condição subjetiva de validade do negócio jurídico.

Como ensinam Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:

Por negócio jurídico entende-se a declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos
voluntariamente perseguidos (Rechtesgeschäft) (...) é por meio da figura do negócio jurídico que
os sujeitos de direito expressam suas vontades e dão a elas existência, conteúdo e eficácia
jurídica. E o fazem na medida em que as referidas vontades são declaradas, momento em que
ganham feição jurídica. (Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, 1ª ed.,
pág. 210).

Na linha do pensamento de Anderson Schreiber, Flávio Tartuce, José Fernando Simão, Marco
Aurélio Bezerra de Melo e Mário Luiz Delgado, o negócio jurídico é delineado por elementos
essências:

a) um elemento voluntarístico, sempre externalizado por meio de uma declaração da vontade; e


b) a produção de efeitos ex voluntate, associados ao programa que o agente pretende realizar
com o cumprimento do ato (Código Civil Comentado, 1ª ed., 2019, pág. 69).

Sendo assim, alegado pela parte autora que não solicitou tal serviço, caberia ao demandado
provar o contrário, o que legitimaria a cobrança mensal. Entretanto, a ré, na sua obrigação de
provar o fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor, não juntou nenhum
documento que desconstituísse o alegado do demandante.

Com efeito, é incontroverso que a Equatorial, na qualidade de integrante da Administração


Pública Indireta, deve respeito aos princípios constitucionais-administrativos (legalidade,
impessoalidade, eficiência, publicidade e moralidade) e que seus atos gozam de imperatividade,
autoexecutoriedade e presunção de legitimidade.

Assim sendo, não é franqueado ao administrador público agir com abuso de poder ou fora dos
parâmetros legais e constitucionais, violando direitos dos administrados.

Logo, a reclamada agiu, no mínimo, com negligência, haja vista que, deixando de cumprir seu
dever leitura mensal do consumo de energia da residência do autor, onerou-o, gerando fatura
impagável.

Nesse diapasão, a parte autora não pode ser submetida à condição a qual não anuiu (ante a falta
de comprovação do negócio jurídico), mormente quando tal situação pode aumentar o valor de
sua fatura de energia elétrica. Há aí, por certo, uma ofensa ao art. 5°, inciso II, da Constituição
Federal, que estabelece que ninguém é obrigado a fazer o deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei (aplicação do termo em sentido amplo), devendo tal dispositivo ser aplicado às

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relações privadas em decorrência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Isso posto, deve-se concluir que os descontos realizados pelo demandado relativo a um suposto
contrato firmado com a parte autora não estão revestidos de legalidade, uma vez que sequer há
provas da existência da avença a dar supedâneo à cobrança impugnada, devendo-se concluir
que o(a) consumidor(a) não encontra-se obrigado por essa suposta contratação à falta de
demonstração de que ele(a) tomou prévio conhecimento de seu conteúdo.

DA DEVOLUÇÃO EM DOBRO DAS PARCELAS PAGAS

O parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será
submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito,
por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros
legais, salvo hipótese de engano justificável.

A devolução em dobro do valor pago pelo consumidor “independe a natureza do elemento volitivo
do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida
consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva” (STJ, EAREsp 676.608, DJe: 21.10.2020).

Assim, conforme novo entendimento firmado pelo STJ, a devolução em dobro do valor cobrado
indevidamente do consumidor não depende da comprovação de que o fornecedor do serviço agiu
com má-fé.

No entanto, é necessário, para o STJ, que a cobrança seja indevida, que haja pagamento em
excesso e inexistência de engano justificável.

No caso vertente, restou demonstrado alhures que a cobrança é indevida, uma vez que o seguro
foi realizado sem a anuência da autora; o pagamento é evidentemente em excesso, pois,
segundo consta nos autos, a requerente não firmou a avença, de modo que a(os) cobrança(s) se
deu(ram) sem qualquer contraprestação; e não há engano justificável, pois o demandado sequer
apontou eventual equívoco em sua contestação, limitando-se a afirmar que a contratação é
válida.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que em casos onde há cobrança sem a devida
contraprestação do serviço, a devolução do valor pago deverá ocorrer em dobro, pois “não
configura engano justificável a cobrança de tarifa referente a esgoto, se não foi prestado pela
concessionária o serviço público, razão pela qual os valores indevidamente cobrados ao usuário
devem ser restituídos em dobro” (AgRg no AREsp 62613/RJ, DJe 14/12/2011).

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

O Ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, conceitua dano moral como
“todo prejuízo que o sujeito de direito vem a sofrer por meio de violação a bem jurídico específico.
É toda ofensa aos valores da pessoa humana, capaz de atingir os componentes da personalidade
e do prestígio social” (REsp 1245550/MG).

Para o eminente Ministro, “o dano moral não se revela na dor, no padecimento, que são,
na verdade, sua consequência, seu resultado. O dano é fato que antecede os sentimentos de
aflição e angústia experimentados pela vítima, não estando necessariamente vinculado a alguma
reação psíquica da vítima” (REsp 1245550/MG).

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Como ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “o dano moral consiste na lesão
de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras
palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da
pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada,
honra, imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente” (Manual de Direito Civil, 1ªed.,
2017, pág. 907).

Na espécie, não restou demonstrado consequências de maior gravidade, de modo que não há
que se falar em incidência de danos morais.

Conforme já decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão sobre o tema,


“aborrecimentos ou contrariedades não podem ser levados à categoria e abalo moral passível de
indenização” (APL 049468/2015, Rel. Raimundo Barros).

Ademais, conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em relação aos danos
morais, “o simples descumprimento contratual, por si só, não é capaz de gerar danos morais. É
necessária a existência de uma consequência fática capaz de acarretar dor e sofrimento
indenizável por sua gravidade” (STJ, AgInt no REsp 1817480/SP, DJe 10/09/2019).

DISPOSITIVO

Isso posto, nos termos do art. 487, I, CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos
contidos na inicial para:

1. determinar o cancelamento do contrato de seguro impugnado nestes autos, caso ainda vigente,
no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária no valor de R$200,00 (duzentos reais),
limitada ao montante de R$10.000,00 (dez mil reais);

2. Condenar a ré ao pagamento em dobro das parcelas adimplidas pela parte demandante (art.
42, parágrafo único, do CDC), cujo valor deverá ser apresentado na fase de cumprimento de
sentença acompanhado de prova documental atestando o quantitativo de parcelas pagas. Sobre
o dano material deverão incidir juros de mora a partir do evento danoso (art. 398 do CC e Súmula
54 do STJ) e correção monetária a partir do efetivo prejuízo (realização dos descontos), pelo
INPC.

Havendo pagamento voluntário, expeça-se alvará em favor da parte autora.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro


em 10% sobre o valor da condenação.

Publique-se. Registre-se e intimem-se.

Havendo interposição de recurso, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões


no prazo legal. Após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do
Maranhão.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Serve como mandado.

Após o trânsito em julgado, certifique a secretaria e arquivem-se os autos com baixa na


distribuição.

Imperatriz (MA), 22 de agosto de 2023.

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Eilson Santos da Silva

Juiz de Direito Titular da 2ª Vara Cível

1Art. 22, CDC. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

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