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ELEMENTOS NATURAIS DO

NEGÓCIO JURÍDICO

PROFA. DRA. SANDRA LIGIAN NERLING


KONRAD
MARÇO 2022
ELEMENTO NATURAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO
 Sentido jurídico: “sao as consequências que decorrem do próprio ato, sem
necessidade de expressa menção (Monteiro, 1977, v. 1:176). Na [...] compra e venda,
serão elementos naturais a garantia que presta o vendedor pelos vícios redibitórios
(art. 441) e pelos riscos da evicção (arts. 447 e 448).” (VENOSA, 2021, v. 1, p. 330)
 Esclarece Flávio Tartuce (2021, p. 258 e 260): “Um dos principais efeitos
relacionados com os contratos [onerosos, comutativos e bilaterais (sinalagmáticos)
– compra e venda, doação remuneratória e com encago (ou modal)] refere-se à
garantia legal existente quanto aos vícios contratuais (vícios redibitórios e vícios do
produto) e em relação à evicção, que é a perda da coisa diante de um fato
superveniente. [...] É interessante esclarecer que os vícios contratuais mencionados
atingem o objeto do negócio, não se confundindo com os vícios da vontade (erro,
dolo, coação, estado de perigo e lesão) ou com os vícios sociais do negócio jurídico
(simulação e fraude contra credores), que por razões óbvias também repercutem
nos contratos.” Em relação aos contratos “aleatórios, admite-se a alegação de vício
redibitório quanto aos seus elementos comutativos, predeterminados. Nesse
sentido, proposta aprovada na VII Jornada de Direito Civil, promovida pelo
Conselho da Justiça Federal em 2015 [...]: ’o art. 441 do Código Civil deve ser
interpretado no sentido de abranger também os contratos aleatórios, desde que não
abranja os elementos aleatórios do contrato’ (Enunciado n. 583).”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

CONCEITO: “[...] defeitos [ou vícios ocultos no momento da


aquisição ou transmissão] que desvalorizam a coisa ou a
tornam imprópria para uso [colimado no contrato]. A
matéria está tratada no Código Civil, entre os arts. 441 a 446,
sendo aplicável aos contratos civis.” Nos termos do art. 445 do
Código Civil, os vícios podem não ser ocultos, mas aparentes.
O dispositivo legal que acabamos de mencionar (CC, art. 445)
“diferencia os prazos nos casos em que os vícios podem ser
conhecidos de imediato ou mais tarde”, seguindo a orientação
inserida na Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor
- CDC), podendo ser observado um diálogo [do Código Civil]
“em relação à Lei Consumerista (diálogo das fontes)”.
(TARTUCE, 2021, p. 258 e 261; VENOSA, 2021, p. 192-193) 
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

A título de exemplo, o Código Civil será aplicado numa situação “em que
alguém compra um automóvel do vizinho, que não é profissional nessa
atividade de venda de veículos.” Como inexiste relação de consumo, se “o
carro seminovo apresenta problemas de funcionamento [e] o caso envolve
um vício redibitório”, deve ser aplicado o Código Civil. Sendo assim, o
adquirente terá a seu favor as opções e prazos previstos no art. 445 do
CC/2002.” (TARTUCE, 2021, p. 259) 
Observa Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 193): “Não é qualquer vício que
se traduz em redibitório, senão aquele que torna a coisa imprópria para o
uso colimado no contrato, ou diminua-lhe o valor. Quem compra um
cavalo de corridas portador de uma moléstia respiratória, que o impede de
correr, recebe o semovente com vício oculto que o torna impróprio para o
uso pretendido. Quem compra um animal para abate, por outro lado, não
pode ver nessa moléstia um vício redibitório. Este deve ser grave, de
acordo com o caso concreto, oculto e existente ao tempo da transmissão.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Ensina Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 195, grifo do autor) que “os defeitos aparentes
não dão margem à responsabilidade do alienante. Há necessidade de valoração prática
desse requisito em cada caso concreto. Há coisas que na vida social são conhecidas pela
sociedade em geral. Há coisas que dependem de maior ou menor conhecimento técnico,
para serem conhecidas. A noção de homem médio no caso dos vícios redibitórios tem
que ser avaliada dessa forma. Um mecânico ou um vendedor de automóveis não pode
ser tratado como um comprador comum na aquisição de um veículo, sob o prisma de
aferição de conhecimento do vício. O que se mostra como defeito notório para um
especialista não o será para o homem médio. Modernamente, quanto mais lidamos com
aparelhos cada vez mais sofisticados, maior deverá ser o cuidado do juiz no caso
concreto. Como menciona Guillermo Borda (1989:216), a reputação dos vícios ocultos é
uma questão sujeita à livre apreciação judicial. Como primeiro enfoque do problema,
podemos afirmar que os vícios ou defeitos ocultos são os que não poderiam ser
descobertos mediante exame atento e cuidadoso da coisa, praticado pela forma usual no
caso concreto. Não deve ser entendido que o homem comum tenha o dever de se
assessorar de um técnico em qualquer negócio jurídico. O alienante é quem tem o dever
de boa-fé no contrato, alertando sobre eventual vício. O Código de Defesa do
Consumidor realça esse direito à informação do adquirente, que deve inclusive ser
alertado sobre os riscos que a coisa possa apresentar (art. 6º, III).”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Ainda na lição de Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 195, grifo do autor): “Não pode reclamar de
vício oculto quem adquire objeto usado ou avariado, com a ressalva do vendedor ou
transmitente de que a coisa é entregue ‘no estado’. O defeito deve ser grave. E deve ser de tal
importância que, se dele tivesse tomado conhecimento anteriormente o adquirente, o contrato
não teria sido concluído. Essa importância vista no caso concreto é que torna a coisa imprópria
para o uso destinado, ou lhe diminui o valor, como dispõe o art. 441. A impropriedade para o
uso, ou a diminuição do valor, norteará a escolha da ação a ser proposta pelo prejudicado, a
redibitória, para desfazimento do negócio, ou a quanti minoris, para abatimento do preço. A
escolha da ação, no entanto, incumbe à parte. Defeitos irrelevantes que não alteram a
destinação da coisa, nem seu preço não são considerados vícios. Os defeitos devem existir ao
tempo do contrato. O dever do alienante é de garantia e, portanto, não pode ter como origem
uma causa posterior à transferência da coisa. A questão da fixação do momento da origem do
vício é resolvida por meio de prova, nem sempre muito fácil. É matéria complexa, por
exemplo, saber se a umidade em um prédio provém de vazamento de tubulação anterior ao
negócio, assim como o é a moléstia do gado vendido, o defeito no motor de um veículo etc. Os
exemplos são profusos em matéria de construção civil atinentes a vícios de construção, do solo
e má qualidade de materiais empregados. As questões técnicas devem ser deslindadas por
perícia. Os vícios que eclodem após a transferência são de responsabilidade do adquirente. É
importante fixar, nesse diapasão, que será considerado vício ou defeito oculto aquele cujo fato
gerador é anterior ou concomitante ao negócio jurídico.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Observa Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 193) que “a noção


[de vício redibitório]” não é aplicável “aos contratos
gratuitos, porque nestes o beneficiário da liberalidade não
terá realmente o que reclamar, uma vez que nada perde,
apenas deixa de ganhar. Ainda que menos valiosa do que o
esperado, a coisa transmitida o é graciosamente. Nesse
caso, o donatário sempre terá tido um aumento
patrimonial. Refoge a essa situação a hipótese em que a
coisa transferida gratuitamente venha a causar um dano
decorrente de culpa. O enfoque transfere-se para os
princípios gerais de responsabilidade civil. Nada impede,
também, que mesmo nos contratos gratuitos as partes
convencionem expressamente a garantia.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Esclarece Flávio Tartuce (2021, p. 259 e 261-262, grifo do autor) que o caput do art.
441 do Código Civil “leva em conta o primeiro contato da pessoa com a coisa. Mas,
pode ser que, estando o bem na posse do adquirente, após uma análise mais apurada e
profunda, este perceba o vício de imediato, sendo o mesmo do tipo aparente nesse
momento de contato com a coisa, aplicando-se o art. 445, caput, do CC, quanto ao
prazo decadencial. Por outro lado, pode ser que o vício somente seja conhecido mais
tarde, caracterizando-se como um vício oculto também quanto ao seu conhecimento
posterior, aplicando-se o prazo previsto no art. 445, § 1.º, do CC.” Se “uma empresa
adquire azulejos [armazenados em caixas] diretamente de uma fábrica para a revenda
no varejo [inexiste “relação de consumo, pois os azulejos serão vendidos a terceiros, ou
seja, repassados aos consumidores”] e, ao abrir uma das caixas, “o adquirente [...]
percebe que os azulejos daquela caixa estão em ordem”, mas, “de todas as outras caixas
estão quebrados” [...], o vício é oculto num primeiro momento sendo somente
conhecido mais tarde quando houver um contato maior com a coisa”, devendo “ser
aplicado o art. 445, § 1.º, do CC.” Contudo, se “os azulejos estiverem em ordem na
primeira superfície da caixa, mas todos os demais, na mesma caixa, estiverem
quebrados, haverá um vício oculto na compra, mas que se revela aparente quando
houver um contato efetivo com a coisa”, aplica-se o caput do art. 445 do Código Civil.
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Medidas que podem ser tomadas pelo adquirente prejudicado: (TARTUCE, 2021, p.
262-263; VENOSA, 2021, p. 197-199)
AÇÃO ESTIMATÓRIA OU QUANTI MINORIS: pleiteando “abatimento proporcional no
preço”, podendo haver necessidade de perícia
AÇÃO REDIBITÓRIA: requerendo “a resolução do contrato (devolvendo a coisa e recebendo
de volta a quantia em dinheiro que desembolsou), sem prejuízo de perdas e danos [...]. Para
pleitear as perdas e danos, deverá comprovar a má-fé do alienante, ou seja, que o mesmo
tinha conhecimento dos vícios redibitórios (art. 443 do CC). Todavia, a ação redibitória, com
a devolução do valor pago e o ressarcimento das despesas contratuais, cabe mesmo se o
alienante não tinha conhecimento do vício.” Importante observar que “a resolução do
contrato é o último caminho a ser percorrido [princípio da conservação do contrato]. Nos
casos em que os vícios não geram grandes repercussões quanto à utilidade da coisa, não cabe
a ação redibitória, mas apenas a ação quanti minoris, com o abatimento proporcional do
preço. Anote-se que, segundo a doutrina, se o vício for insignificante ou ínfimo e não
prejudicar as finalidades do contrato, não cabe sequer esse pedido de abatimento no preço
(BUSSATTA, Eduardo. Resolução dos contratos..., 2007, p. 122).”
Alteração do pedido – “Uma vez proposta a ação escolhida, não poderá o autor variar
o pedido, porque nosso ordenamento processual não o permite, sem o consentimento
do réu.” (VENOSA, 2021, p.
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Na lição de Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 192): “A garantia


refere-se a vícios ocultos na coisa, ao tempo da transmissão.
Presume-se que o negócio não teria sido realizado, ou teria
sido realizado de outra forma, se o adquirente soubesse da
existência do defeito na coisa. A lealdade contratual manda
que o transmitente alerte o adquirente da existência do vício.
No entanto, ainda que o vício seja desconhecido do próprio
titular, os efeitos da teoria aplicam-se como consequência do
princípio do equilíbrio das relações negociais (art. 443).
Evidente que, como em toda situação em que existe culpa,
esta acarreta a indenização por perdas e danos, afora o
desfazimento do negócio ou o abatimento do preço, como
veremos. A má-fé é elemento secundário do instituto.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS


PERECIMENTO DA COISA EM PODER DO ADQUIRENTE (CC, art. 444) – “a responsabilidade do alienante
permanece ainda que a coisa pereça em poder do adquirente em virtude do vício oculto já existente no momento
da entrega (art. 444 do CC). Aplicando a norma, concluiu o Tribunal do Distrito Federal que ‘assim, mesmo em
se tratando de veículo com quase dez anos de uso, deve o alienante responder pelo defeito oculto no motor, o
qual após dois meses da venda veio a fundir, necessitando de retífica completa’ (TJDF, Recurso Cível
2007.06.1.004531-8, Acórdão 339.162, 2.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Rel. Juiz
Jesuíno Rissato, DJDFTE 21.01.2009, p. 170).” (TARTUCE, 2021, p. 263; VENOSA, 2021, p. 198)

SUBSTITUIÇÃO DO BEM – “a possibilidade de o adquirente pleitear a troca do bem, uma vez que o Código
Civil de 2002 não enuncia expressamente tal possibilidade” tem sido discutida. “[...] muitas vezes, tal pleito não
será possível, pois o alienante não é profissional na atividade que desempenhou, como no exemplo de alguém
que adquire um veículo do vizinho. Em outras hipóteses, ou seja, nos casos em que o alienante é profissional na
atividade que desempenha, será possível tal pedido, não havendo qualquer ilicitude quanto ao mesmo [...]. O
exemplo pode ocorrer no caso em que uma empresa, profissional em sua atividade, vende para outra empresa
uma máquina industrial, que será utilizada na linha de produção desta. Nessa situação, não há que se falar em
relação de consumo, pois a última empresa não é destinatária final econômica do bem, pois utiliza a máquina
para dela retirar lucro. É forçoso concluir que será possível pleitear a troca do bem, fazendo diálogo com o
Código de Defesa do Consumidor.” (TARTUCE, 2021, p. 263)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Prova do vício e defesa do réu– “incumbe ao adquirente, seguindo-se a regra geral do


ônus probatório do autor. Em defesa, o réu poderá alegar que o vício era de conhecimento
prévio do adquirente, ou que o defeito originou-se exclusivamente após a transferência.
Ademais, pode ter havido renúncia à garantia, possível dentro da autonomia da vontade,
ou pode ter transcorrido o prazo decadencial de reclamação.” (VENOSA, 2021, p. 198)
Pagamento após conhecimento do vício – “Questão importante é saber se o
adquirente pode reclamar da coisa, mesmo tendo efetuado pagamento após ter-se
inteirado do vício. É necessário, nessa hipótese, o exame das condições em que esse
pagamento é feito, uma vez que nem sempre será cômodo ao adquirente deixar de cumprir
sua obrigação, sendo preferível o solve et repete. Não sendo essa a conclusão, o pagamento
pode significar renúncia tácita à reclamação.” (VENOSA, 2021, p. 198)
Transformação da coisa – “Se a coisa foi transformada, não pode o contratante ser
compelido a receber coisa diversa da que entregou. Nesse caso, subsistirá somente a
possibilidade da ação estimatória.” (VENOSA, 2021, p. 198)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

PRAZOS DECADENCIAIS PARA O ADQUIRENTE


INGRESSAR COM AS AÇÕES EDILÍCIAS (CC, art. 445)
- “Vícios de fácil constatação, que podem ser percebidos de imediato,
após o bem ser adquirido [...]” (CC, art. 445, caput): 30 (trinta) dias
para bens móveis; 1 (um) ano para bens imóveis. (TARTUCE, 2021, p.
264; VENOSA, 2021, p. 202)
Contagem: em regra, “tais prazos devem ser contados [...] da entrega
efetiva da coisa (tradição real). Mas, se o comprador já estava na
posse do bem, os prazos serão reduzidos à metade (15 dias para
móveis e 6 meses para imóveis). Como exemplo desse último caso,
pode ser o locatário quem adquire o bem, devendo o prazo ser
contado da data da alienação, da celebração do contrato de compra e
venda, momento em que ocorre a tradição ficta (traditio brevi
manus).” (TARTUCE, 2021, p. 264)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

- “Vícios ocultos ou que, por sua natureza,


somente podem ser conhecidos mais tarde”
(CC, art. 445, § 1º): 180 (cento e oitenta) dias
para bens móveis; 1 (um) ano para bens imóveis
[imóvel com defeito na fundação]. (TARTUCE,
2021, p. 264; VENOSA, 2021, p. 202)
Contagem: “Esses prazos devem ser contados
do conhecimento do vício, o que é mais justo
diante do que já previa o Código de Defesa do
Consumidor.” (TARTUCE, 2021, p. 264)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Importante observar, “quanto aos usos e costumes da venda de gado, o


exemplo citado por Maria Helena Diniz como de aplicação de
costume contra legem e que foi referendado pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo. De acordo com um dos julgados [...]: ‘segundo os usos e
costumes dominantes no mercado de Barretos, os negócios de gado, por
mais avultados que sejam, celebram-se dentro da maior confiança,
verbalmente, sem que entre os contratantes haja troca de qualquer
documento. Exigi-lo agora seria, além de introduzir nos meios
pecuaristas locais um fator de dissociação, condenar de antemão, ao
malogro, todos os processos judiciais que acaso se viessem intentar e
relativos à compra e venda de gado’ (Lei..., 2001, p. 123). O exemplo, na
verdade, serve apenas para demonstrar como, na prática, podem surgir
problemas quanto à aplicação desse novo dispositivo legal (art. 445, § 2.º,
do CC). Isso porque pode até surgir a tese de aplicação de costumes
contra a lei.” (TARTUCE, 2021, p. 265)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 202-203):


“Lembre-se, por exemplo, de caso concreto que
enfrentamos na venda de um cavalo de corridas que
sofria de grave moléstia respiratória que afetava seu
desempenho. Caberá ao juiz aferir se há costumes que
se aplicam ao negócio. Não se esqueça que nesse e nos
negócios em geral as partes podem estabelecer prazos
de garantia ou para reclamação, devendo preponderar
sua vontade. Em qualquer caso, não podem renunciar
à decadência fixada em lei (art. 209), mas nada
impede que convencionem prazos mais extensos.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

VENDA DE ANIMAIS (CC, art. 445, § 2º) – “Essa lei especial pode ser o CDC, caso
estejam presentes os elementos da relação de consumo” (CDC, arts. 2º e 3º). “A título
de exemplo, pode ser citada a compra por consumidores de animais de estimação em
lojas especializadas ou pet shops (TJRS, Processo 71000962233, 1.ª Turma Recursal
Cível, Porto Alegre, Juiz Relator Ricardo Torres Hermann, 19.10.2006). Na falta de
previsão legal, devem ser aplicados os usos e costumes locais, o que está em sintonia
com a parte final do art. 113 do CC e com a concepção social do contrato. Na falta de
usos é que incidem os prazos constantes do § 1.º do art. 445 do CC, por analogia. Como
os animais são bens móveis semoventes, em regra, aplica-se o prazo de 180 dias. Nessa
linha, da jurisprudência estadual: ‘tratando-se de venda de animais, o adquirente decai
do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de 180 (cento e
oitenta) dias, a partir do conhecimento do vício redibitório, nos termos do artigo 445,
§§ 1.º e 2.º, do Código Civil’ (TJGO, Apelação Cível 0313744-52.2014.8.09.0137, 4.ª
Câmara Cível, Rio Verde, Rel. Des. Nelma Branco Ferreira Perilo, DJGO 26.07.2016, p.
148). Nota-se que, pela norma, os costumes têm prioridade de aplicação em relação à
analogia, o que representa uma subversão à ordem prevista no art. 4.º da Lei de
Introdução. [...] a ordem ali prevista não é necessariamente obrigatória, o que é
confirmado pelo dispositivo em comento.” (TARTUCE, 2021, p. 264-265)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 CJF/STJ, Enunciado 174 da III Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal
e do Superior Tribunal de Justiça: “Em se tratando de vício oculto, o adquirente tem os
prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento de preço, desde que os
vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretanto, a
partir do conhecimento do defeito [...]. Esclarecendo o teor do enunciado, ele está
prevendo que, nos casos de vícios ocultos, o adquirente terá contra si os prazos de 30
dias para móveis e 1 ano para imóveis (art. 445, caput, do CC), desde que os vícios
surjam nos prazos de 180 dias para móveis e 1 ano para imóveis (art. 445, § 1.º, do CC), a
contar da venda. Parte da doutrina concorda com a aplicação do raciocínio [...]. Ao final
de 2014, surgiu decisão do Superior Tribunal de Justiça aplicando esse enunciado
doutrinário, sendo pertinente transcrever sua breve e objetiva ementa: ‘Recurso especial.
Vício redibitório. Bem móvel. Prazo decadencial. Art. 445 do Código Civil. 1. O prazo
decadencial para o exercício da pretensão redibitória ou de abatimento do preço de bem
móvel é de 30 dias (art. 445 do CC). Caso o vício, por sua natureza, somente possa ser
conhecido mais tarde, o § 1.º do art. 445 estabelece, em se tratando de coisa móvel, o
prazo máximo de 180 dias para que se revele, correndo o prazo decadencial de 30 dias a
partir de sua ciência. [...]’ (STJ, REsp 1.095.882/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, j. 09.12.2014, DJe 19.12.2014).” (TARTUCE, 2021, p. 266-267)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Observa Flávio Tartuce (2021, p. 267-268): “Com o devido respeito, não há como
filiar-se a essa visão [Enunciado 174 – citado no slide anterior]. Isso porque a
interpretação pode privilegiar condutas de má-fé. Imagine-se a situação em que
alguém vende um imóvel mascarando um problema no encanamento, que
somente estourará depois de um ano e meio da venda. Ora, seria ilógico pensar
que não cabe a alegação de vício redibitório, principalmente levando-se em
conta que um dos princípios contratuais do Código Civil de 2002 é a boa-fé
objetiva. Em síntese, mesmo respeitando o teor do enunciado e dos julgados,
[...] podem gerar implicações de ordem prática no caso de sua aplicação,
traduzindo-se em injustiças. Em conclusão, deve-se deduzir que os dois
comandos legais previstos na ementa do Enunciado n. 174 não se
complementam, tendo aplicação isolada de acordo com o tipo de vício no caso
concreto [...]. [...] penso haver divergência na Corte Superior, com dois julgados
em posições conflitantes: um mais remoto, [...] de que o início do prazo para
alegar o vício deve ser contado da sua ciência; outro mais recente, que segue a
interpretação do art. 445, § 1.º, do Código Civil, guiada pelo Enunciado n. 174
da III Jornada de Direito Civil. A divergência repete-se na doutrina.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Na parte da ementa que passamos a transcrever, o STJ (2020), ao


julgar o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n.
1.126890/MG, entendeu aplicável o “prazo de 180 dias, contados a
partir da entrega”, pois foi necessária a análise da máquina por um
técnico especialista: “[...] 2. Na hipótese, o Tribunal a quo, após o
exame acurado dos autos, das provas, da natureza da avença e da
interpretação das cláusulas contratuais, concluiu que ‘os vícios que
eivaram o produto adquirido pela parte autora eram de difícil
constatação, não sendo possível de ser verificado por um homem
médio, uma vez que fora necessária a presença de um técnico
especialista para analisar a máquina’, por isso o cômputo do prazo
de 180 dias, contados a partir da entrega, de forma que não houve
o transcurso do prazo decadencial quando da propositura da ação
[...].”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Importante transcrevermos parte da ementa da Apelação Cível n.


1009672-40.2021.8.26.0564: “[...] Compra e venda de veículo
entre particulares. Decadência. Ocorrência. Prazo decadencial de
30 dias, previsto no caput do art. 445, CC, que tem início na data
da aquisição do bem móvel. Porém, em se tratando de vício
oculto, o prazo de 30 dias contar-se-á da data em que o vício for
conhecido, dentro do prazo máximo de 180 dias, contados da
data da compra. In casu, a compra foi efetuada em 11.11.2020 e
os autores tiveram conhecimento dos problemas desde
11.12.2020. A partir da verificação do vício, ou seja, 11.12.2020,
os demandantes teriam trinta dias para promover a ação
redibitória. Pretensão indenizatória que está submetida ao regime
de prescrição trienal (Artigo 206, § 3º, V, do Código Civil).” (TJSP,
2022)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 PRAZO DE GARANTIA CONVENCIONAL – CC, art. 446: “não correrão os prazos do


artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o
defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.
[...] Em verdade, trata o comando legal de prazo de garantia convencional que independe do
legal e vice-versa, conforme preconiza o CDC (art. 50). Mais uma vez, um dispositivo do CDC
ajudará na interpretação de comando legal do Código Civil, havendo um diálogo de
complementaridade. [...] na vigência de prazo de garantia (decadência convencional) não
correrão os prazos legais (decadência legal), mas, diante da boa-fé objetiva, o alienante
deverá denunciar o vício no prazo de trinta dias contatos do seu descobrimento, sob pena de
decadência. A dúvida relativa ao dispositivo gira em torno da decadência mencionada ao seu
final. Essa decadência se refere à perda da garantia convencional ou à perda do direito de
ingressar com as ações edilícias? Entendo doutrinariamente que a decadência referenciada
no final do art. 446 do CC está ligada à perda do direito de garantia e não ao direito de
ingressar com as ações edilícias. Sendo assim, findo o prazo de garantia convencional ou não
exercendo o adquirente o direito no prazo de 30 dias fixado no art. 446 do CC, iniciam-se os
prazos legais previstos no art. 445 do CC, já visualizados. Essa é a melhor interpretação,
dentro da ideia de justiça, pois, caso contrário, seria pior aceitar um prazo de garantia
convencional, uma vez que o prazo de exercício do direito é reduzido para trinta dias.”
(TARTUCE, 2021, p. 268-269, grifo do autor)
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 203-204, grifo do autor): “ Como regra,
terminado o prazo de garantia, inicia-se a contagem dos prazos estabelecidos em
lei. Contudo, se durante a garantia surgir o defeito na coisa, o adquirente deve
denunciar o fato nos 30 dias seguintes a seu descobrimento, ’sob pena de
decadência’. Desse modo, uma vez evidenciado o defeito, o adquirente deve
denunciá-lo ao alienante. Não se trata de prazo para o ingresso de ação, mas para
simples comunicação, denúncia do defeito, solicitando as providências cabíveis.
Com isso, se não for resolvida a questão, abre-se a possibilidade para a ação
redibitória ou quanti minoris. Como os prazos decadenciais não correm durante o
período de garantia, conforme a dicção legal, eles somente se iniciam após o termo
final dessa garantia. Trata-se de obstáculo legal do prazo decadencial (art. 207).
No entanto, o adquirente deve comunicar o evidenciamento do defeito no prazo de
30 dias, para manter viva a possibilidade de reclamar; não efetivando essa
denúncia, o que ocorre nessa situação melhor se denomina perempção, pois estará
tolhida a ação judicial. Nesse caso não há mais que se falar em decadência, cujo
prazo nem se iniciara. Ademais, em se tratando de defeito de manifestação tardia,
aplica-se o § 1º do art. 445. A óptica da questão se transfere para a prova.”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Ensina Maria Helena Diniz (Curso..., 2007, p. 128 apud TARTUCE, 2021, p.
269-270) “que ‘com o término do prazo de garantia ou não denunciando o
adquirente o vício dentro do prazo de trinta dias, os prazos legais do art. 445
iniciar-se-ão’ [...]. No âmbito da jurisprudência estadual, seguindo essa
correta interpretação: ‘Ação de indenização por danos morais e materiais.
Pedido de redibição de contrato de compra e venda de uma retroescavadeira
que apresentou defeitos logo após a aquisição. Acórdão rescindendo que
condenou a autora, sucessora da fabricante, à devolução dos valores pagos
pela requerida. Pleito de rescisão fundamentado no art. 485, V, do Código de
Processo Civil. Violação dos artigos 445, § 1.º e 446 do Código Civil. Vício
oculto de coisa móvel que surgiu durante o período da garantia contratual.
Acórdão rescindendo que incorreu em erro na contagem do prazo
decadencial. Decurso da garantia contratada. Início imediato da contagem do
prazo de 30 (trinta) dias’ (TJPR, Acórdão em Rescisória 0828097-7, 10.ª
Câmara Cível em Composição Integral, Londrina, Rel. Des. Guilherme Freire
de Barros Teixeira, j. 10.03.2016, DJPR 26.04.2016, p. 325).”
VÍCIOS REDIBITÓRIOS

 Cláusula de exclusão da garantia: “pode limitar-se apenas a alguma das qualidades da


coisa, bem como pode excluir unicamente a possibilidade de redibição, mantendo a ação
estimatória, e vice-versa.” (VENOSA, 2021, p. 200)
 Extensão da garantia: “Nem sempre a garantia geral estampada na lei satisfaz aos
contratantes. Em razão disso, é comum que o alienante conceda uma extensão da garantia,
tanto com relação à qualidade da coisa, como com relação ao tempo concedido para a
reclamação. Essa garantia estendida gera uma ação derivada do contrato, em que as perdas e
danos serão apurados, e não uma típica ação de vício redibitório, embora o cerne da questão
seja o mesmo. No exame dessa garantia, importa examinar, no caso concreto, os termos do
contrato. O prazo nele fixado também será levado em conta, e é certo que os usos de
comércio determinam matizes a essas discussões: quando há substituição de peças, por
exemplo, há normalmente uma extensão da garantia referente a elas. Quando as partes
contratam acerca de certa garantia, há o que denominamos qualidade prometida. O
alienante acrescenta um plus às características normais da coisa e assegura sua existência. A
ausência de qualidade prometida não constitui anomalia natural, mas a falta de determinada
qualidade que diferencia a coisa de outras similares, sim. Para fins de reclamação judicial, no
entanto, quer exista somente a garantia legal, quer exista uma extensão na garantia, o
tratamento jurídico deve ser o mesmo. São aplicados os princípios que regem o
inadimplemento das obrigações em geral.” (VENOSA, 2021, p. 200-201, grifo do auto)
EVICÇÃO

 CONCEITO – “perda [total ou parcial do uso, posse ou propriedade fundada numa causa
jurídica] da coisa diante de uma decisão judicial ou de um ato administrativo [apreensão pela
autoridade policial ou administrativa] que a atribui a um terceiro”. (CC, arts. 447 a 457 do
atual Código Civil). Importante observar que “a perda do bem por vício anterior [ou
concomitante] ao negócio jurídico oneroso [com obrigações equivalentes, segundo Sílvio de
Salvo Venosa] é o fator determinante da evicção [...]. da leitura do art. 447 do atual Código
Civil percebe-se que há uma garantia legal em relação a essa perda da coisa, objeto do negócio
jurídico celebrado, que atinge os contratos bilaterais, onerosos e comutativos, mesmo que
tenha sido adquirida em hasta pública.” (TARTUCE, 2021, p. 276-278, VENOSA, 2021, p. 210;
212-213 e 221)
 Esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 213-214) que “não é [...] toda apreensão
administrativa, ou ato administrativo, que pode ser equiparado à sentença para os fins de
evicção. No caso de desapropriação, por exemplo, diverge a doutrina. No entanto, se o bem foi
alienado como livre e desembaraçado, quando já havia decreto expropriatório, devemos ter
como configurado o direito de evicção. Note que a responsabilidade pela evicção independe de
culpa. A perda da coisa por ato administrativo de política sanitária ou de segurança pública,
como regra geral, não faz operar a garantia.”
 Contratos gratuitos – “não há razão para a garantia, porque a perda da coisa pelo beneficiário
não lhe traz um prejuízo, apenas obsta um ganho. No entanto, nada impede que, mesmo em
uma doação, as partes estipulem a garantia, que não existe na lei. (VENOSA, 2021, p. 210)
EVICÇÃO

ELEMENTOS PESSOAIS OU SUBJETIVOS


(TARTUCE, 2021, p. 278; VENOSA, 2021, p. 212-213)
Alienante – “aquele que transferiu a coisa viciada, de
forma onerosa”.
Evicto, evencido ou adquirente (reu) – “aquele que
perdeu a coisa adquirida” e que “age contra o
alienante para reclamar os prejuízos” após a “ação do
evictor”.
Evictor ou evencente – “aquele que teve a decisão
judicial ou a apreensão administrativa a seu favor.”
EVICÇÃO

 REQUISITOS (VENOSA, 2021, p. 212-213)


 Perturbação de direito fundada em causa jurídica – “As turbações de fato
provenientes de terceiros devem ser protegidas pelo próprio adquirente, que
tem a sua disposição os remédios possessórios. A periclitação de direito fica
patente em toda pretensão ou defesa deduzida em juízo por um terceiro, que
possa culminar na perda da propriedade ou da posse do adquirente, total ou
parcial. Essa turbação pode fundar-se em um direito real (propriedade,
usufruto, por exemplo), ou em direito pessoal (arrendamento, por exemplo)
arvorado pelo terceiro em relação à coisa.”
 Vício do título do alienante - defeito jurídico já existe no momento da
realização do negócio, ou seja, “deve ser anterior ou concomitante à
alienação, o que é ponto primordial. Se o vício tem origem posterior ao
negócio, a responsabilidade é do novo titular. Nos vícios redibitórios, o
momento em que se examina sua existência é a tradição; na evicção, é no
momento da transferência da posse ou da propriedade, a data, enfim, da
formalização do negócio jurídico.”
EVICÇÃO

 RESPONSABILIDADE PELA EVICÇÃO – “decorre da lei, [...] não precisa estar


prevista no contrato, mas as partes podem reforçar a responsabilidade,
atenuando ou agravando seus efeitos (art. 448 do Código Civil). Quanto ao
reforço [que pode decorrer de uma cláusula penal] com relação à evicção, diante
da vedação do enriquecimento sem causa, tem-se entendido que o limite é o
dobro do valor da coisa” (princípios da boa-fé objetiva e da função social dos
contratos). (TARTUCE, 2021, p. 279; VENOSA, 2021, p. 216)
 Exclusão da responsabilidade – “pode ocorrer desde que feita de forma expressa
(cláusula de non praestaenda evictione ou cláusula de irresponsabilidade pela
evicção), não se presumindo tal exclusão em hipótese alguma. Todavia, mesmo
excluída a responsabilidade pela evicção [cláusula que não é absoluta], se esta
ocorrer, o alienante responde pelo preço da coisa. Isso se o evicto não sabia do
risco da evicção ou, informado do risco, não o assumiu (art. 449 do Código
Civil).” Portanto, “o alienante somente ficará totalmente isento de
responsabilidade se pactuada a cláusula de exclusão e o adquirente for
informado sobre o risco da evicção (sabia do risco e o aceitou)”. (TARTUCE,
2021, p. 279, grifo do autor; VENOSA, 2021, p. 216)
EVICÇÃO

 Quanto à cláusula de exclusão da responsabilidade pela evicção, importante apresentarmos três


fórmulas, de autoria de Washington de Barros Monteiro (Curso..., 1973, p. 63 apud TARTUCE, 2021, p.
279; VENOSA, 2021, p. 216):
 Cláusula expressa de exclusão da garantia + conhecimento do risco da evicção pelo
evicto = isenção de toda e qualquer responsabilidade por parte do alienante [contrato
aleatório].
 Cláusula expressa de exclusão da garantia – ciência específica desse risco por parte do
adquirente = responsabilidade do alienante apenas pelo preço pago pelo adquirente pela coisa evicta.
 Cláusula expressa de exclusão da garantia, sem que o adquirente haja assumido o risco da evicção de
que foi informado = direito deste de reaver o preço que desembolsou.

 INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DA GARANTIA PELA EVICÇÃO,


CLÁUSULA DE NON PRAESTAENDA EVICTIONE OU CLÁUSULA DE IRRESPONSABILIDADE
PELA EVICÇÃO – plena responsabilidade do alienante. Nos casos de evicção total (CC, art. 450), evicto
prejudicado poderá pleitear: “a) A restituição integral do preço pago [integral recomposição do
patrimônio]. b) A indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir. c) A indenização pelas
despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção (danos emergentes,
despesas de escritura e registro e lucros cessantes, nos termos dos arts. 402 a 404 do CC; além de
danos imateriais). d) As custas judiciais e os honorários advocatícios do advogado por ele constituído.”
(TARTUCE, 2021, p. 279-280; VENOSA, 2021, p. 417-418)
EVICÇÃO

 PREÇO DA COISA – “havendo evicção total ou parcial, respectivamente, será o do valor da


coisa à época em que ocorreu a perda total ou proporcional ao desfalque sofrido no caso de
perda parcial (art. 450, parágrafo único, do CC). A norma, como se vê, veda o
enriquecimento sem causa, pois leva em conta o momento efetivo da perda.” (TARTUCE,
2021, p. 280)
 COISA DETERIORADA (CC, arts. 451 e 452) - “O primeiro comando legal prevê que a
responsabilidade do alienante pela evicção total ou parcial permanece ainda que a coisa
alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo [não se aplica em caso de culpa] do
adquirente. Exemplificando, não poderá o adquirente haver a coisa deteriorada para si
sabendo do vício e depois se insurgir, pleiteando o que consta do art. 450 do CC. No caso
em questão, o dispositivo, em sintonia com a boa-fé objetiva, veda o comportamento
contraditório, aplicação da máxima nemo potest venire contra factum proprium. Mas, se o
evicto tiver auferido vantagens [ex. recebimento de um seguro] das deteriorações e não
tiver sido condenado a pagar tais valores ao evictor, o valor dessas vantagens deverá ser
deduzido da quantia pleiteada do alienante (art. 452 do CC), regra também sintonizada
com a vedação do enriquecimento sem causa. Maria Helena Diniz exemplifica com os
valores advindos da venda de materiais decorrentes da demolição do prédio realizada pelo
evicto, montantes que devem ser abatidos do valor a ser pleiteado (Código..., 2005, p.
428).” (TARTUCE, 2021, p. 280; VENOSA, 2021, p. 213 e 219)
EVICÇÃO

 BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS (CC, arts. 453 e 454): se não forem


“abonadas [indenizadas] ao evicto pelo evictor, deverão ser pagas pelo
alienante ao adquirente da coisa, já que o último é tido como possuidor de
boa-fé [...]. Aplicando esse comando, concluiu o Tribunal Paulista: ‘Evicção.
Indenização por benfeitorias que são de responsabilidade do alienante, contra
quem o adquirente deve manejar a ação competente. Inteligência do artigo
453 do Código Civil” (TJSP, Apelação 0000257-24.2005.8.26.0366, Acórdão
7532301, 14.ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Mongaguá, Rel. Des.
Fábio Podestá, j. 03.09.2015, DJESP 14.09.2015). Por outro lado, se as
benfeitorias abonadas ao que sofreu a evicção tiverem sido feitas pelo
alienante, o valor destas deverá ser levado em conta na restituição devida (art.
454 do CC)”. Também nos dois dispositivos citados, pode ser observada a
vedação do locupletamento sem razão, do enriquecimento sem causa.”
(TARTUCE, 2021, p. 280; VENOSA, 2021, p. 219)
Importante observar que as benfeitorias necessárias poderão ser levantadas.
(VENOSA, 2021, p. 219)
EVICÇÃO

 EVICÇÃO PARCIAL (CC, art. 455): “Sendo parcial, mas considerável [supera a
metade do valor do bem, devendo ser considerada a essencialidade da parte
perdida em relação às finalidades sociais e econômicas do contrato (princípio da
função social dos contratos – Ex. imagine-se o caso em que a parte menor da
fazenda perdida é justamente a sua parte produtiva. A evicção, aqui, pode ser
tida como parcial, mas considerável, cabendo a rescisão contratual)] a perda,
poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato [ação de evicção] e a
restituição da parte do preço correspondente ao desfalque. Sendo parcial a
evicção, mas não considerável, poderá o evicto somente pleitear indenização por
perdas e danos.” (TARTUCE, 280-281; VENOSA, 2021, p. 220)
 Evicção parcial e considerável – “parece que convém ao evicto fazer a opção de
rescindir o contrato, podendo pleitear tudo o que consta do art. 450 do CC. De
qualquer modo, ele tem ainda a opção de pleitear o abatimento no preço quanto
ao valor da perda. Vale dizer que, também no caso de evicção parcial, merece
aplicação o princípio da conservação do contrato. Assim, o juiz da causa pode
entender que a rescisão contratual é o último caminho a ser percorrido.”
(TARTUCE, 2021, p. 281)
EVICÇÃO

Expressa revogação do art. 456 do Código civil pelo inciso II do art. 1.072 do CPC – “dispunha o caput do
comando material anterior que ‘para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará
do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do
processo’. Sempre se utilizou a denunciação da lide, prevista no art. 70, inc. I, do antigo Código de Processo
Civil, sendo ela supostamente obrigatória, para que o evicto pudesse exercer o direito que da evicção lhe
resultasse, pela dicção que estava no caput do último comando citado. Depois de muitos debates em sua
tramitação, a denunciação da lide continua sendo o caminho processual para tanto. Nos termos do novel art.
125, inc. I, do CPC/2015, é admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes [CPC, art. 126],
ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que
possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam. Nota-se que não há mais menção à obrigatoriedade da
denunciação da lide, o que vem em boa hora, encerrando profundo debate. Em complemento, o § 1.º do art. 125
do CPC/2015 passou a esclarecer que ‘o direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a
denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida’. [...] a revogação do caput do
art. 456 do Código Civil de 2002 [também] levou consigo a possibilidade jurídica de denunciação da lide por
saltos ou per saltum [proibida pelo art. 73 do CPC], com a convocação para o processo de qualquer um dos
alienantes da cadeia de transmissão que tivesse responsabilidade pelo vício da evicção. Tal caminho processual
era possível pelo uso da expressão ’o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos
anteriores’ [...]. Para encerrar este debate sobre a denunciação por saltos, cabe esclarecer que o vigente Código
de Processo Civil admite apenas uma denunciação sucessiva por parte do primeiro litisdenunciado”. (CPC, art.
125, § 2º). “Por bem, o Código de Processo Civil de 2015 confirmou o que estava no parágrafo único do ora
revogado art. 456 do Código Civil de 2002. Nos termos do seu art. 128, inciso II, feita a denunciação pelo réu, se
o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e
abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva.” (TARTUCE, 2021, p. 281-282 e 285-286, grifo
do autor; VENOSA, 2021, p. 214 a 216)
EVICÇÃO

Esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 214-215, grifo do autor): “A


denunciação da lide é uma das modalidades de intervenção de terceiros no
processo. O denunciante promove, na verdade, uma ação contra o denunciado. Há
uma lide secundária que deve ser julgada juntamente com a principal [CPC, art.
125, I] [...]. O terceiro a que a lei processual se refere diz respeito ao sujeito da
relação jurídica de direito material, porque ele é parte no processo. Sempre que na
sentença puder ser afirmada a propriedade ou a posse do terceiro, a denunciação
será obrigatória. A lei disse menos nesse artigo, porque a evicção não se limita à
discussão de domínio. Se a ação for julgada procedente e privado o adquirente da
coisa, a sentença acolherá o pedido desse adquirente denunciante, declarando seu
direito de evicto (art. 129). Na verdade, a sentença reconhece o direito do evicto, e
não o declara. A indenização, portanto, será aí pleiteada, como se fosse ação
autônoma. O denunciado, no caso o alienante, quando comparece no processo,
deverá coadjuvar o réu-adquirente e denunciante, na defesa do direito, assumindo,
nesse aspecto, uma posição equiparada ao litisconsorte (art. 127). Observe que,
nos termos expressos do direito material, perderá o adquirente a proteção da
evicção se não denunciar a lide.”
EVICÇÃO

 Vício jurídico anterior ao alienante – é frequente , devendo o alienante “exercer a


denunciação, sob pena de perder seu próprio direito de evicção, e assim por diante, formando-se
uma cadeia de denunciantes e denunciados.” Nem sempre é conveniente que se forme “uma
cadeia muito longa de alienantes”. O processo autônomo pode ser a melhor alternativa, “para
julgamento conjunto conforme o caso. [...] A intimação, cujo procedimento deve ser mantido,
servirá para os propósitos da lei material, mas não é estabelecida uma cadeia de lides
secundárias, como muitos juízes erradamente permitiram no passado. A lei pregressa, ao
determinar a intimação e não a citação do segundo denunciado, não o transformava
automaticamente em parte. Caso contrário, o processo corria o risco de ter uma infindável
cadeia de lides secundárias, o que dificultaria e retardaria sobremaneira seu processamento e
julgamento, em prejuízo absoluto do autor, que nada tem a ver com o sucessivo encadeamento.
Com a intimação sucessiva, atende-se à determinação do art. 456 do Código Civil, devendo as
partes, posteriormente, valer-se de ações regressivas autônomas. Não é negado, porém, o direito
de o intimado intervir no processo como assistente, porque tem interesse no litígio. [...] para
atender ao que manda a lei civil, o adquirente deve denunciar o alienante no primeiro
processo em que periclite sua posse ou propriedade, sob pena de perder o direito. [...] a
exigência absoluta da litisdenunciação não inibia, em sua falta, a ação de indenização
decorrente dos princípios gerais, do inadimplemento dos contratos, ação essa
transmissível aos sucessores universais e singulares, o que continua verdadeiro. ”
(VENOSA, 2021, p. 215-216, grifo do autor)
EVICÇÃO

 Ensina Sílvio de Salvo Venosa (2021, p. 216): “Como, geralmente, a


causa da evicção é estranha ao denunciante, poderá ele deixar de
contestar nos casos de absoluta evidência, como no exemplo de título
falsificado. O dispositivo ainda menciona que o adquirente poderá
deixar de oferecer contestação, ou usar recursos, quando for manifesta
a evicção. Essa hipótese ocorre com frequência, na prática. Imagine-
se, por exemplo, que a evicção decorre de um título absolutamente
falso; além de os aspectos de fato serem desconhecidos pelo
adquirente, uma contestação nessa hipótese seria absolutamente
inócua. Desse modo, nessa premissa, não pode o adquirente que deixa
de contestar (ou recorrer) sofrer os consectários da revelia ou
contumácia se sua manifestação nos autos se limitar exclusivamente a
denunciar a lide. Deve, no entanto, esclarecer ao juízo os motivos pelos
quais não resiste à pretensão proposta. A matéria requer exame mais
aprofundado na ciência processual.”
EVICÇÃO

 VEDAÇÃO À POSSIBILIDADE DO ADQUIRENTE DEMANDAR PELA EVICÇÃO SE TINHA


CONHECIMENTO DE QUE A COISA ERA ALHEIA OU LITIGIOSA (CC, art. 457): “o dispositivo veda
a possibilidade de o evicto demandar o alienante se tinha conhecimento do vício e do risco de perder a
coisa, o que de fato ocorreu. A relação com o princípio da boa-fé objetiva é, portanto, explícita. Isso foi
reconhecido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar que ‘reconhecida a má-fé do
arrematante no momento da aquisição do imóvel, não pode ele, sob o argumento de ocorrência de
evicção, propor a ação de indenização com base no art. 70, I, do CPC, para reaver do alienante os
valores gastos com a aquisição do bem. Para a configuração da evicção e consequente extensão de seus
efeitos, exige-se a boa-fé do adquirente’ (STJ, REsp 1.293.147/ GO, 3.ª Turma, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, j. 19.03.2015, DJe 31.03.2015).” O artigo citado (CC, art. 457) “deve ser analisado em
conjunto com a recente Lei 13.097/2015, segundo a qual somente será oposta a evicção em relação a
imóveis se a controvérsia constar, de algum modo, da matrícula do bem. Nos termos do seu art. 54, os
negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis
são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido
registradas ou averbadas na matrícula do bem as seguintes informações: a) registro de citação de
ações reais ou pessoais reipersecutórias; b) averbação, por solicitação do interessado, de constrição
judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, c) averbação de
restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de
outros ônus quando previstos em lei; e d) averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro
tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à
insolvência.” (TARTUCE, 2021, p. 286-287; VENOSA, 2021, p. 214)
EVICÇÃO

 Prevê o parágrafo único do art. 54: “não poderão ser opostas situações jurídicas não
constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao
terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel,
ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e
as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de
título de imóvel”. Ausentes “tais informações na matrícula do imóvel, não caberá o
reconhecimento da evicção, o que visa prestigiar a boa-fé e a conservação do
negócio jurídico, concentrando-se os atos no registro. Ademais, conforme o art. 55
da mesma lei, a alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de
incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício,
devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de
ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no
eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao
incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da
aplicação das disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor. Mais
uma vez, o objetivo é de conservação dos negócios jurídicos, bem como a própria
efetivação da incorporação imobiliária.” (TARTUCE, 2021, p. 287)
EVICÇÃO

 Referências bibliográficas
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1126890/MG.
Relator: Ministro Raúl Araújo. Brasília, 15 de junho de 2020. Diário da Justiça eletrônico, 01 jul. 2020.
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 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 1009672-40.2021.8.26.0564. Relator:
Carmen Lucia da Silva. São Paulo, 24 de agosto de 2022. Tribunal de Justiça de São Paulo, 24 ago.
2022. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?
conversationId=&cdAcordao=15978180&cdForo=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_d3952ba88b254fe8a4ba3b
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zDetsSWW1s6qYWVHe6OoKpJyeUi9E6sXg1IhvGaQomx7qUPd2N3AOpZ280o0gKKwbuid8SPMKDL5d
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 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

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