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UNIARA - Curso de Direito – 3ª Série – “Disciplina de Direito Civil – Contratos I”.

Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin

Aulas 11 e 12 (sinopse) – Efeitos negativos em contratos que criam a obrigação de transmissão de bens móveis e
imóveis - Contratos “translatícios” (1ª parte). 1. Introdução. 2. Vício da coisa. 2.1. Conceito. 2.2. Requisitos para a devida
configuração do vício no contrato regulado pelo Direito Civil. 2.3. Consequências e alcance da responsabilidade. 3. Prazos
para o exercício das ações edilícias (redibitória ou estimatória) no Código Civil. 4. Ressalvas importantes. 4.1.
Diferenciação do vício sobre a coisa na relação jurídica regida pelo Direito Civil e do vício sobre a coisa na relação jurídica
regida pelo Direito do Consumidor. 4.2. Bens adquiridos por hasta pública ou leilão. 4.3. Distinção entre vício oculto e erro
sobre o objeto. 4.4. Coisas vendidas conjuntamente (artigo 503, Código Civil). 4.5. Cláusula contratual de exclusão da
responsabilidade do alienante por vício redibitório. 4.6. Fluência dos prazos decadenciais do artigo 445, do Código Civil.

I. Efeitos negativos em contratos que criam a obrigação de transmissão de bens móveis e imóveis -
Contratos “translatícios” (1ª parte).

1. Introdução. O contrato é principal via criadora da obrigação,


informado por liberdade contratual limitada pela função social e acrescida de boa-fé objetiva,
viabilizando a constituição do negócio jurídico cujos efeitos são perseguidos pelas partes contratantes
e admitidos pela ordem jurídica, diante do reconhecimento de força jurígena (de criação jurídica) ao
resultado almejado pelos celebrantes como decorrência da personalidade jurídica e de seu principal
atributo que é a capacidade.

Como autêntico negócio jurídico, o contrato permitirá que seus


celebrantes atinjam os efeitos desejados, gerando pretensões exigíveis e obrigações válidas perante a
ordem jurídica. Portanto, possível imaginar que o negócio jurídico contratual celebrado por partes
capazes, observando forma legalmente adequada, e apresentando objeto lícito, vez que formado com
proposta e aceitação idôneas, terá seu desenvolvimento normal até a sua extinção natural pelo
adimplemento das obrigações assumidas completamente por cada contratante nos contratos bilaterais
ou plurilaterais, ou apenas pelo único obrigado nos contratos unilaterais, gerando efeitos para cada
contratante, e por tais efeitos teremos cargas obrigacionais a ambos nos contratos onerosos ou apenas
a um deles nos gratuitos, teremos certeza de exigibilidade concreta das cargas obrigacionais de forma
reflexa nos comutativos, mas não nos aleatórios, et cetera.

Enfim, efeitos validamente construídos pela vontade privada dos


celebrantes e plenamente exigíveis perante a ordem jurídica.

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E, tendo na lembrança o tratamento legal para a fase de formação do


contrato, devemos compreender que uma vez formado o negócio entre presentes ou entre ausentes,
certamente gerará a justa expectativa dos celebrantes pelo o adimplemento das cargas obrigacionais
assumidas a acarretar a extinção natural do contrato pelo exaurimento voluntário, afinal, o contrato
foi presumivelmente firmado para ser cumprido, não havendo sentido em uma expectativa distinta.

Contudo, sabemos que não será em todas as vezes que os contratos


apresentarão esse ideal desenvolvimento positivo com o atendimento completo das obrigações
assumidas por cada contratante, e assim, circunstancialmente, poderemos ter desdobramentos
negativos do contrato com o descumprimento voluntário das cargas obrigacionais validamente
assumidas, ou seja, com o surgimento da mora ou do inadimplemento propriamente dito, o que
também poderá gerar a extinção do contrato, mas à luz da resposta do ordenamento jurídico a esse
comportamento, que se traduz pela responsabilização contratual do devedor (Código Civil, artigos
389 e 475)1.

Pois bem.

Afora os efeitos acima destacados de adimplemento bilateral voluntário


e integral (desdobramento positivo que se imagina idealmente pelos interessados na celebração de
um contrato qualquer), ou, ao contrário, de mora e inadimplemento das cargas obrigacionais
voluntariamente assumidas pelos celebrantes frente ao negócio jurídico contratual (desdobramento
negativo que se pode naturalmente prever como sempre possível na celebração de um contrato
qualquer), há outros efeitos que podem incidir na relação jurídica, aptas a gerar injusto desequilíbrio
a uma das partes, e dos quais passaremos a cuidar inicialmente com o estudo do vício da coisa, e
seguiremos nesse mesmo diapasão com a análise da evicção.

O vício da coisa e a evicção são fatores de desequilíbrio perceptíveis


apenas na fase pós-contratual e não estão relacionados propriamente a um inadimplemento direto da
carga obrigacional assumida na fase de cumprimento.

1 Art. 389, Código Civil. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo
índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 475, Código Civil. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento,
cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

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Ao contrário, o vício e a evicção interessam porque se evidenciam após


o adimplemento direto da obrigação de entregar a coisa objeto do contrato “translativo”.

Em outras palavras, nos contratos “translativos” de posse ou


propriedade de bens, uma das partes (ao menos) estará obrigada voluntariamente a transferir um bem
seu para a outra parte celebrante, em autêntica obrigação de dar coisa certa, e os melhores exemplos
são a compra e venda e a troca (permuta).

Ocorre que mesmo diante do adimplemento da obrigação assumida pelo


contratante de dar coisa certa, pode se verificar a incidência de desequilíbrio pós-contratual à relação
jurídica firmada entre os celebrantes, mormente se ocorrer um fator de depreciação da coisa
transferida pelo contrato, o que não decorre do inadimplemento direto da obrigação, mas sim, de um
vício da própria coisa alvo da obrigação integrante do negócio.

2. Vício da coisa. Apreciamos sempre repetir que o Direito dos


Contratos não cuida de proteger um dos contratantes (por exemplo, o comprador na compra e venda),
mas sim, cuida de manter, ou mesmo, restabelecer, o ponto de equilíbrio das vontades inicialmente
antagônicas dos celebrantes que gerou a formação do vínculo contratual.

A lei civil claramente se aplica para constituir um sistema de


manutenção do equilíbrio da relação jurídica na fase pós-contratual e não propriamente para proteger
o contratante adquirente da coisa transmitida, pois não há presunção de vulnerabilidade de qualquer
das partes no negócio, ao contrário do que se verifica na relação de consumo e sua respectiva
regulação no CDC, no qual, aliás, também se aplica a mesma teoria do vício da coisa, mas com maior
profundidade e alcance, justamente por seu papel protetivo a uma das partes (consumidor), papel aliás
distinto do que temos com o Código Civil e sua aplicação frente ao contrato, sobretudo, o paritário.

Assim, em relação aos contratos que envolvem a obrigação de


transmissão de bens, ou seja, dos contratos que são “translativos”, além do risco na fase pós contratual
de o contratante não cumprir a obrigação ajustada (mora ou inadimplemento), reconhece-se outro
risco nessa mesma fase, que vem a ser o decorrente de algum fator de depreciação da própria coisa
transmitida de um contratante ao outro, e que faz romper o equilíbrio originário das bases que
estabeleceram o ajuste das vontades dos contratantes.

Para corrigir tal fator de desequilíbrio decorrente de alguma eiva que

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brote da coisa transmitida, o Direito desenvolveu desde a Antiguidade a chamada Teoria do Vício,
aplicável aos contratos “translativos” de posse ou propriedade de bens, como, por exemplo, a compra
e venda, a troca, e por aproximação, a doação onerosa.

2.1. Conceito. Em um contrato translativo de bens, em especial nos


onerosos comutativos, há a certeza de onerosidade reflexa para os contratantes, pois se imaginarmos
como exemplo uma compra e venda de bem móvel, o comprador estará obrigado a entregar certa
quantia em dinheiro ao vendedor, ao mesmo tempo em que o vendedor estará reciprocamente
obrigado a transferir para o comprador a posse e propriedade do bem móvel pela tradição (ou entrega
da coisa).

Impera neste exemplo da compra e venda do bem móvel acima citado


um claro sinalagma (relação causal e reflexa entre prestações), ou seja, um ponto de equilíbrio
negocial que fez surgir a prestação de um dos contratantes em razão e na medida da contraprestação
a cargo do outro contratante (ou seja, o preço foi ajustado em razão do valor estimado para o bem
adquirido), conforme o interesse, necessidade e vontade das partes celebrantes.

Ainda de acordo com o exemplo acima eleito, caso o bem não se revele
apropriado para o fim a que se destinava, ou, em sentido diverso, o bem até atende o fim a que
destinava, mas tem valor real diminuído, e, em ambos os casos, se tais circunstâncias ocorrerem por
um fator de inadequação ou de diminuição de valor (ou ambos) oculto, escondido, não aparente,
haverá um claro desequilíbrio entre os efeitos almejados pelos contratantes e os efeitos realmente
produzidos, a gerar por conseguinte o mesmo desequilíbrio refletido na própria relação jurídica em
sua fase pós contratual, afinal de contas, se o bem apresentar um fator oculto que lhe diminua o valor,
ou ainda, que torne esse bem inadequado para o uso normalmente esperado, ou ambos, ficará evidente
que o adquirente terá pago valor superior ao devido, pois, certamente, não celebraria ou contrato, ou
ajustaria sua vontade a um ponto de formação do vínculo com outro preço.

Afora o exemplo acima escolhido da compra e venda de bem móvel,


temos no Código Civil proteção jurídica que se aplicará para todo e qualquer contrato oneroso e
comutativo capaz de determinar a transmissão de bens, aplicando-se, ainda, por extensão, ao contrato
unilateral e gratuito gravado de encargo (doação onerosa), que venha a enfrentar esse fator de
alteração do equilíbrio original da formação, que é vício da coisa objeto da contratação, autêntico
efeito negativo diverso do inadimplemento da obrigação de entregar coisa certa.

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No regime do Código Civil, o vício que recai sobre o bem alvo da


relação contratual translativa de posse ou propriedade é um fator negativo, oculto e obrigatoriamente
existente ao tempo da tradição (entrega), não perceptível pela cautela mediana dos contratantes em
geral, e que acarreta a diminuição do valor do bem ou que acarreta a inadequação total ou parcial do
bem para o fim ao qual normalmente se aplicaria (ou ambos). É comumente chamado de vício oculto,
ou ainda, vício redibitório e está regulado nos artigos 441 a 446, do Código Civil.

Na busca de sua essência como efeito negativo do contrato, leciona


Caio Mário da Silva Pereira: “[...] Não se aproxima ontologicamente o conceito de vício redibitório da ideia de

responsabilidade civil. Não se deixa perturbar a sua noção com a indagação da conduta do contratante, ou apuração da
sua culpa, que influirá contudo na graduação dos respectivos efeitos, sem aparecer como elemento de sua caracterização.
O erro tem sido apontado como seu fundamento, com o argumento de que o agente não faria o contrato se conhecesse
a verdadeira situação (Carvalho de Mendonça); na teoria dos riscos vai justificá-lo Brinz; na responsabilidade do vendedor
pela impossibilidade parcial da prestação, assenta-o Regelsberger; vai Windscheid ligá-lo à pressuposição; Cunha
Gonçalves acha uma variante desta na inexecução do alienante: Von Ihering prende-o à equidade; Fubini toma em
consideração a finalidade específica da prestação. Para nós, o seu fundamento é o princípio de garantia, sem a
intromissão de fatores exógenos, de ordem psicológica ou moral. O adquirente, sujeito a uma contraprestação, tem direito
à utilidade natural da coisa, e, se ela lhe falta, precisa de estar garantido contra o alienante, para a hipótese de lhe ser
entregue coisa a que faltem qualidades essenciais de prestabilidade, independentemente de uma pesquisa de motivação.
Por isto, Tito Fulgêncio, em síntese apertada e feliz, enuncia-o, dizendo que o alienante é, de pleno direito, garante dos
vícios redibitórios. Ao transferir ao adquirente coisa de qualquer espécie, seja móvel, seja imóvel, por contrato comutativo,
tem o dever de assegurar-lhe a sua posse útil, se não equivalente rigorosa, ao menos relativa do preço recebido. E, se
ela não se presta à sua finalidade natural, ou se não guarda paralelismo com o valor de aquisição, prejudicada por defeito
oculto, tem o adquirente o direito de exigir do transmitente a efetivação do princípio de garantia” (PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III, 23ª edição. Forense, 12/2018. VitalBook file, p. 102/103).

2.2. Requisitos para a devida configuração do vício no contrato


regulado pelo Direito Civil. São requisitos desse vício sobre a coisa no Direito Civil:

a) o fator negativo sobre a coisa deve ser obrigatoriamente oculto, o que


se traduz por um vício não aparente para o contratante de cautela mediana;

b) o fator negativo sobre a coisa deve sobre a mesma incidir, ao menos,


no momento da entrega (tradição) do bem de um contratante ao outro;

c) esse fator é tido como negativo porque deve objetivamente importar


na diminuição do valor do bem, ou, se não importar na diminuição do valor, deve importar na
inadequação total ou parcial desse bem para a finalidade que dele normalmente se esperaria;

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d) esse fator negativo, oculto e preexistente ao ato de tradição deve


recair em um bem objeto de contrato oneroso comutativo (excepcionalmente também no aleatório)
que importe na sua transferência de posse ou propriedade, e por extensão legal, também se revela
cabível de gerar a mesma proteção na doação com encargo, que é contrato unilateral e gratuito (outra
exceção).

2.3. Consequências e alcance da responsabilidade. Diante de um


vício oculto perfeitamente caracterizado, o contratante lesado pode optar entre pleitear a extinção do
contrato com o retorno das partes ao estado imediatamente anterior ao que se encontravam antes da
contratação, ou seja, ao seu status quo ante, restituindo-se a coisa ao anterior dono, e este, sendo
compelido a restituir o preço recebido e despesas do contrato àquele. É a chamada redibição contratual
que dá nome ao vício (artigo 441, Código Civil), ou ao contrário, poderá manter a contratação, e
buscar o abatimento proporcional ao vício para o preço pago (artigo 442, Código Civil)2.

Para cada alternativa legal posta à disposição do contratante dentre as


acima referidas, há uma espécie de ação costumeiramente rotulada de edilícia. Caso o contratante
lesado não queira mais manter a contratação, poderá rejeitar a coisa, e por consequência, desfazer o
contrato, através da chamada ação redibitória, espécie do gênero ação edilícia, na qual esse
contratante alienatário deverá demonstrar a existência do vício oculto com pedido de desfazimento,
de extinção (redibição) do contrato através da actio redhibitoria. Como se vê, a redibição é a extinção
possível para um contrato a pedido de uma das partes, mesmo sem mora ou inadimplemento
obrigacional da outra. Importante observar que se restar comprovado que o alienante desconhecia a
existência do vício, ou seja, se o vício era oculto também para o alienante, sua responsabilidade
contratual estará limitada a suportar o desfazimento do contrato, a receber de volta o bem, e a restituir
o valor pago (e corrigido monetariamente) pelo outro contratante (alienatário), além das despesas de
contratação.

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Art. 441, Código Civil. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a
tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações
onerosas.

Art. 442, Código Civil. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

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No entanto, se o contratante (alienante) sabia da existência do vício até


a data da tradição (de acordo com a prova dos autos), e agiu desprovido de boa-fé contratual, nesse
caso sofrerá um plus da norma em torno de sua responsabilidade contratual, pois além de suportar o
desfazimento do contrato, receber de volta o bem e restituir o valor pago corrigido e as despesas de
contratação, também terá que suportar eventual indenização por perdas e danos, como prevê o artigo
443, do Código Civil3.

Alternativa legal outra concedida ao contratante lesado é a de buscar o


abatimento proporcional do preço, através de outra espécie de ação edilícia denominada estimatória
ou actio quanti minoris, na qual deverá igualmente demonstrar a existência do vício oculto através
da comprovação de seus requisitos de caracterização, e buscar o arbitramento desse fator de redução
do preço em razão do vício 4, conforme preconiza o artigo 442, do Código Civil.

Venosa localiza a raiz dessa proteção jurídica no Direito Romano:

“[...] A princípio, em Roma, não havia uma garantia implícita na coisa, no contrato de
compra e venda. Para que surgisse responsabilidade do alienante, era necessário que, ao concluir a venda, fosse feita
uma declaração de que a coisa estava isenta de vícios. Geralmente, essa declaração vinha unida à evicção. Na falta
dessas declarações de garantia, surgiam disputas, principalmente relacionadas com a venda de escravos. O edil curul,
que era o magistrado encarregado da fiscalização dos mercados, editou normas para evitar as celeumas, que passaram
a ser definitivas. Segundo o edito, o vendedor de escravos ou de certos animais estava obrigado a declarar expressamente
os vícios ou defeitos das coisas vendidas (o escravo era considerado coisa, res). Em consequência dessa garantia,
surgiram a actio redhibitoria e a actio quanti minoris. A ação redibitória, que teria surgido em primeiro lugar, tem por fim a
resolução da venda. Deveria ser ajuizada em seis meses a contar da data do contrato e deveria objetivar a devolução de
tudo quanto fora pago. O comprador devolvia a coisa com todos os seus acessórios, e o vendedor devolvia o preço, com
os juros correspondentes. Delineava-se um caráter penal na ação, porque, se o vendedor se negasse a efetuar a
restituição, ficaria condenado a pagar o dobro. O comprador também podia cobrar os gastos com a manutenção da coisa
e pelos danos eventualmente ocasionados por ela. A ação quanti minoris tem por objeto obter do vendedor uma dedução
do preço pago pela coisa. O pedido deveria ser feito em um ano a contar da venda, mas podia ser exercitado várias vezes,
à medida que o comprador descobrisse novos vícios. Essa ação, contrariamente ao que hoje ocorre, poderia dar margem
à rescisão do contrato. A ingerência dos edis nos contratos tornou obrigatória uma estipulação dupla, em que eram
garantidos não somente os vícios ocultos na coisa, como também os vícios de direito, protegidos pela evicção. Não era

3 Art. 443, Código Civil. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não
conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

4 Art. 442, Código Civil. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

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excluída, porém, uma ação geral e mais ampla, decorrente da estipulação, que visava a uma indenização geral pelo
descumprimento da avença, fora da atividade dos edis (Zulueta, 1945:51). No Direito Romano, assim como no atual, as
partes, por força de acordo, podiam dispensar as garantias. No direito de Justiniano, já existe a garantia implícita acerca
dos vícios da coisa, consagrando a ação redibitória e a ação quanti minoris” (VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil - Vol.
3 - Contratos, 18ª edição. Atlas, 12/2017. VitalBook file, p. 196/197).

Voltando ao nosso direito atual, a responsabilidade do alienante de


suportar o abatimento do preço (modificação forçada) ou a redibição (desfazimento) do contrato em
razão de vícios ocultos na coisa objeto de contrato comutativo translativo se estende, inclusive, para
a hipótese de perecimento do bem ou coisa já em poder do alienatário, se tal perecimento decorrer do
vício oculto existente até o momento de sua tradição ou entrega, conforme expressa previsão do artigo
444, do Código Civil.5

3. Prazos para o exercício das ações edilícias (redibitória ou


estimatória) no Código Civil. Para ser bem entendida, essa matéria relacionada aos prazos
decadenciais de redibição ou de estimação do prejuízo por vícios ocultos em bens objetos de contratos
comutativos pode ser dividida em cinco situações legais possíveis, a saber:

a) transferência de um bem móvel ou imóvel ao contratante que não


está na prévia posse do bem: nessa primeira hipótese, os prazos decadenciais são de 30 (trinta) dias
para bens móveis, e de 01 (um) ano para bens imóveis, com termo inicial desse prazo contado da data
da tradição ou entrega efetiva desse bem (artigo 445, caput, 1ª parte, Código Civil);

b) transferência de um bem móvel ou imóvel ao contratante que já


estava na posse prévia do bem antes do contrato e da transferência formal: nessa segunda
hipótese, os prazos decadenciais acima elencados são reduzidos à metade, ou seja, 15 (quinze) dias
para bens móveis, e 06 (seis) meses para imóveis, com termo inicial desse prazo contado da data da
alienação (artigo 445, “caput”, 2ª parte, Código Civil)6;

c) transferência de bem móvel ou imóvel com ou sem posse

5
Art. 444, Código Civil. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício
oculto, já existente ao tempo da tradição.

6 Art. 445, caput, Código Civil. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a
coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido
à metade.

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antecedente do alienatário, mas cujo contrato prevê prazo de garantia contratual contra vícios:
nessa terceira hipótese, o bem móvel ou imóvel foi transferido ao contratante, e o contrato prevê um
prazo de garantia contra vícios. Para tal situação, os prazos decadenciais do artigo 445, do Código
Civil não correrão durante todo o prazo de garantia, e somente se iniciarão no primeiro dia seguinte
ao término dessa garantia contratual. Contudo, para aplicação dessa regra de deslocamento do termo
inicial de contagem dos prazos para a data seguinte ao encerramento da garantia, deverá o contratante
lesado comunicar a existência do vício ao outro contratante no prazo de 30 (trinta) dias contados da
descoberta do vício. Caso não atendida essa providência exigida pela lei civil, os prazos do artigo
445, do Código Civil, referidos nos tópicos “a” e “b” acima, correrão da tradição do bem (se não
havia posse prévia) ou da alienação (se havia posse prévia) e independentemente da vigência de
garantia contratual, ou seja, com proteções vigorando simultaneamente de acordo com o contrato e
com a lei civil, segundo a leitura que fazemos do artigo 446, do Código Civil 7.

d) vícios ocultos que por sua natureza somente podem ser


conhecidos mais tarde, com certo tempo ou uso, e que não emergem claramente das primeiras
experimentações: para a hipótese de vícios que não se revelam de imediato, tão logo iniciado o uso
do bem, e que somente após algum tempo de normal utilização é que passam a surgir (o que não se
confunde com desgaste da coisa em razão de sua normal utilização, pois é necessário que tal vício
já exista latente na coisa ao tempo da tradição), o prazo de estimação ou de redibição será iniciado
da data em que o adquirente ou alienatário tiver conhecimento do vício, e correrá por 180 (cento e
oitenta) dias para bens móveis e de 01 (um) ano para bens imóveis, nos termos do artigo 445, § 1º,
do Código Civil 8;

e) venda de animais: os animais, considerados bens semoventes, se


estiverem como objeto de contratação translativa, e se apresentarem vícios ocultos, poderão gerar
estimação ou redibição de acordo com prazos estabelecidos por leis locais (não guardam aplicação
atualmente), ou seguir os prazos dos costumes locais (também não se atende no Brasil a um costume

7 Art. 446, Código Civil. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve
denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.

8
Artigo 445, Código Civil. § 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento
em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

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ainda que regional nesse sentido), e na falta desses, será o prazo aplicável para bens móveis, ou seja,
180 dias contados da ciência do vício (artigo 445, § 2º, com remissão ao § 1º do mesmo dispositivo,
Código Civil)9. Invocamos, em apoio, a esse aspecto tratado:
[...] Consistindo os bens em máquinas, conta-se o lapso temporal não do dia da
entrega, mas da experimentação. Se houver a substituição por outras, de idêntica maneira o começo se dá com a
experimentação. Não correrá, por outro lado, o prazo enquanto o vendedor realiza as instalações do equipamento e presta
assistência técnica. Realmente, assinalando o contrato certo período de acompanhamento ou assessoria na manutenção,
ou assegurando um prazo da garantia, fica suspenso o início do curso da prescrição. De igual modo, enquanto o vendedor
atende reclamações do adquirente, procede os reparos. O art. 446 do Código, sem regra similar no diploma civil de 1916,
é claro sobre o assunto: “Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o
adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos 30 (trinta) dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de
decadência”. [...] Não se pode olvidar a regra do art. 446, acima transcrita, no sentido de que, na pactuação de um período
de garantia, qualquer prazo estabelecido para o exercício da ação competente começa depois de esgotado esse lapso
de tempo de garantia. Incumbe, ao adquirente, sob pena de decadência, denunciar ou comunicar o defeito ao alienante
nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, prazo que somente iniciará depois de esgotada a garantia, pois durante
sua vigência é oportunizada a reparação. Envolvendo o negócio animais, os prazos serão regulados em lei especial, ou,
em sua falta, pelos usos locais, em consonância com o § 2º do art. 445: “Tratando-se de venda de animais, os prazos de
garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o
disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria”. Cuida-se de norma programática, com
pouca objetividade. Não existe lei estabelecendo um determinado lapso temporal de garantia, a começar da aquisição ou
entrega. Nem são conhecidos períodos de tempo ditados pelos usos locais para tal finalidade. Daí que, em face da
remissão ao parágrafo antecedente, chega-se ao prazo de cento e oitenta dias para o exercício do direito, que inicia a
partir da ciência do vício. Por se classificarem os animais como semoventes, e, assim, aproximando-se mais às coisas
móveis, por coerência elege-se o lapso de cento e oitenta dias, e não de um ano, reservado para os imóveis. A garantia
envolve doenças e defeitos. Naturalmente, se adquirido um cavalo para a procriação, há vício que enseja a anulação do
negócio ou redução do preço se constatar-se sua esterilidade” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 17ª edição. Forense,
01/2018. VitalBook file);

4. Ressalvas importantes. Há algumas questões que corriqueiramente


nos surgem e merecem menção aqui, ou que impõem cautela do intérprete quando da invocação do
regime de reparação por vício da coisa no âmbito do Direito Civil, tais como:

4.1. Diferenciação do vício sobre a coisa na relação jurídica regida

9 Artigo 445, Código Civil. [...] § 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos
em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando
a matéria.

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pelo Direito Civil e do vício sobre a coisa na relação jurídica regida pelo Direito do Consumidor:
a aplicação da teoria do vício da coisa na relação jurídica de consumo é distinta da aplicação da
mesma teoria para uma relação jurídica contratual regida pelo Direito Civil, pois nesta última, o
presumido equilíbrio da relação contratual comutativa (e excepcionalmente ampliada para a doação
onerosa por aproximação dos efeitos desta com o negócio oneroso comutativo), estabelecido pela
presumível alteridade na formação bilateral do contrato através de um ponto de formação do ajuste
somente possível de ser estabelecido em conjunto pela força jurígena das vontades privadas (e que a
teoria do vício busca manter na fase pós contratual), exige que exista um fator de desequilíbrio nos
efeitos do contrato, decorrente da própria aparência que a coisa gerava ao tempo da formação do
contrato, sem preocupação de proteção ao contratante, tanto que os requisitos legais de configuração
do vício são específicos para a prevalência do equilíbrio da relação jurídica, e não para a proteção de
uma das partes que adquire algo para a satisfação de suas necessidades, e que por força disso recebe
uma proteção mais ampla nas relações jurídicas de consumo.

Com efeito, cumpre-nos notar que ao tratarmos da aplicação da teoria


do vício na relação contratual regida pelo Direito Civil, precisamos apurar certos pressupostos sem
os quais o regime de regulação do equilíbrio pós contratual assumido pelo Direito Civil não se aplica,
ou seja, os vícios precisam ser: (i) obrigatoriamente ocultos; (ii) determinantes de uma inadequação
total ou parcial do bem para o uso ou finalidade normal a que se destinava, ou ainda que não se revele
inadequado, que lhe diminua o valor (ou ambos); (iii) incidentes sobre a coisa desde a tradição ou
celebração (conforme o caso), consoante vimos no regramento dos artigos 441 a 446, do Código
Civil. Diante da mesma terminologia (vício) pareceria normal imaginar que vícios sobre um bem em
uma relação de compra e venda regulada pelo Direito do Consumidor, teria a mesma base jurídica e
exigiria os mesmos pressupostos de configuração, mas não é exatamente assim.

Apenas para contextualizar a diferenciação referida entre as fontes de


de Direito Civil e de Direito do Consumidor em nosso ordenamento jurídico no que concerne aos
vícios sobre as coisas, devemos sempre ter em mente que as contratações reguladas pelo Direito do
Consumidor envolvem basicamente a aquisição de bens móveis ou imóveis através da compra e
venda, ou a contratação de serviços (transporte, seguro, empreitada, etc.), e, portanto, guardam
classificação bem mais restrita e simples que os negócios regidos pelo Direito Civil, pois como
destacamos acima, envolverão somente contratações bilaterais, onerosas e comutativas, em regra,

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adesivas.

Outrossim, resumidamente, para a caracterização da relação de


consumo, faz-se necessário que o contratante seja entendido como consumidor (pessoa física ou
jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final) e que o outro contratante seja
entendido como fornecedor (pessoa física ou jurídica que mediante remuneração disponibiliza
habitualmente produtos ou serviços), consoante previsão dos artigos 2º, caput, e 3º, caput, ambos do
CDC (Lei 8.078/90).

Sem pretensão de esgotar o tema, pois trataremos de estudar o Direito


do Consumidor ao longo da graduação, podemos seguramente adiantar que no Direito do
Consumidor, em breve síntese, há a presunção legal de que a relação jurídica de contratação surge
naturalmente desequilibrada por força do reconhecimento de uma vulnerabilidade da parte
consumidora frente a outra fornecedora, daí porque notamos diversas diferenças de tratamento
jurídico no tratamento jurídico do vício, na medida em que a finalidade do regime jurídico de
consumo ser de proteção da parte vulnerável, de sorte que ao contrário do Direito Civil, no Direito
do Consumidor não se exige propriamente que o vício seja obrigatoriamente oculto, tampouco, que
já incida sobre a coisa ao tempo da sua tradição, e objetivamente não precisam gerar inadequação
total ou parcial ao fim normalmente esperado ou diminuição de valor, bastando que estejam em
disparidade com o conteúdo da embalagem ou mensagem publicitária.

4.2. Bens adquiridos por hasta pública ou leilão: o Código Civil de


2002 deixou de acompanhar a lei civil revogada, que expressamente excluía a proteção ao alienatário
para aquisições de bens em venda judicial forçada (hasta para imóveis e leilão para móveis), que
porventura viessem a apresentar vícios ocultos (artigo 1016 do Código Civil de 1916, revogado),
mantendo-se aqui a responsabilidade do proprietário do bem penhorado, ainda que não seja
propriamente um alienante.

4.3. Distinção entre vício oculto e erro sobre o objeto: o erro sobre
as propriedades de um objeto afeta a própria emissão da vontade do alienatário, que adquire um bem
supondo em erro que o bem ostenta características diversas. Tal situação é distinta do vício oculto
que incide em bem que o alienatário realmente pretendia adquirir, mas que apresenta um vício oculto.
Na hipótese legal de erro, não há possibilidade de redibição ou de estimação, e sim, de anulação do
negócio, no prazo de 04 (quatro) anos, nos termos do artigo 178, II, do Código Civil.

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Nesse mesmo sentido, citamos Tartuce:


[...] “Imagine-se uma situação em que alguém compra um automóvel do vizinho, que
não é profissional nessa atividade de venda de veículos. O carro seminovo apresenta problemas de funcionamento. Como
não há relação de consumo, o caso envolve um vício redibitório, aplicando-se o Código Civil. Sendo assim, o adquirente
terá a seu favor as opções e prazos previstos no art. 445 do CC, conforme será estudado mais adiante. Superada a
exemplificação, conforme esclarece José Fernando Simão, não há que se confundir o vício redibitório com o erro. Nesse
sentido, ensina que: “Quantos às diferenças, podemos dizer que são várias. A principal delas diz respeito à coisa em si.
Na hipótese de erro quanto ao objeto ou sobre a qualidade a ele essencial, in ipso corpore rei, a coisa é outra, diferente
daquela que o declarante tinha em mente ao emitir a declaração, ou, ainda, falta-lhe uma qualidade importante. Exemplo
clássico, já utilizado pelos romanos, é o dos candelabros prateados que o comprador adquire pensando serem de prata.
Não há defeito ou vício intrínseco à coisa.

O que ocorre é vício no consentimento, consentimento defeituoso, pois o declarante


acreditava que eram realmente de prata. Se soubesse que os candelabros não eram de prata, o comprador sequer os
teria comprado (o erro, nesse caso, é essencial). O defeito, como vício de consentimento, é subjetivo, há uma falsa ideia
da realidade. Em última análise, o comprador não queria comprar. No caso de vício redibitório, o negócio é ultimado tendo
em vista um objeto com aquelas qualidades que todos esperam que possua, comum a todos os objetos da mesma
espécie. Porém, àquele objeto específico falta uma dessas qualidades, apresenta um defeito oculto, não comum aos
demais objetos da espécie. Nesse caso, o comprador realmente queria comprar aquela coisa, mas há defeito no objeto,
o defeito como vício oculto é objetivo. Não há disparidade entre a vontade e a declaração” (SIMÃO, José Fernando.
Vícios..., 2003, p. 75).

Em complemento às lições de José Fernando Simão, pode-se afirmar que o erro é


vício do consentimento que atinge a vontade, gerando a anulabilidade do negócio jurídico. Está, portanto, no plano da
validade do contrato. O vício redibitório é vício da coisa, que gera o abatimento no preço ou a resolução do negócio. Não
há dúvidas, por sua natureza, de que está no plano da eficácia do contrato” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 -
Teoria Geral dos Contratos em Espécie, 11ª edição. Forense, 12/2015. VitalBook file, p. 210/211).

4.4. Coisas vendidas conjuntamente (artigo 503, Código Civil)10: na


hipótese de bens adquiridos em conjunto, em lotes, o vício oculto que repousar sobre um ou alguns
dos bens não determina a possibilidade de redibição do negócio jurídico todo, possibilitando apenas
a estimação, salvo se todos formarem um todo inseparável, como destaca com o brilho de sempre a
lição de Carlos Roberto Gonçalves, citando o exemplo da aquisição de uma coleção de livros raros
em que a falta ou vício sobre um exemplar retira a força do conjunto11.

10 Art. 503, Código Civil. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas.

Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais”, V. III, 5ªed., - São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113
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4.5. Cláusula contratual de exclusão da responsabilidade do


alienante por vício redibitório: ao contrário do que admitia expressamente o artigo 1102 do
revogado Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 em vigor deixou de prever tal possibilidade,
o que mais se ajusta ao Princípio da Boa-Fé Objetiva (artigo 422, Código Civil), e, principalmente,
ao disposto no artigo 209, do Código Civil12, e ao tratamento legal aplicado aos contratos de adesão
em suas disposições preliminares (artigo 424, Código Civil)13.

4.6. Fluência dos prazos decadenciais do artigo 445, do Código


Civil: por fim, como prazos decadenciais que são, os previstos no artigo 445 do Código Civil não
podem ser suspensos nem interrompidos (artigo 207 do Código Civil); no entanto, devemos lembrar
que a previsão legal de suspensão da prescrição é ampliada para a decadência visando beneficiar
absolutamente incapaz menor de 16 anos prevista tal exceção no próprio Código Civil (artigos 208
cc 198, I).

II. Dispositivos do Código Civil referidos nesta aula (fonte: www.planalto.gov.br).

Art. 195, Código Civil. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou
representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente.

Art. 198, Código Civil. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;

Art. 207, Código Civil. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem,
suspendem ou interrompem a prescrição.

Art. 208, Código Civil. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.

Art. 389, Código Civil. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 441, Código Civil. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos
ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a
disposição deste artigo às doações onerosas.

Art. 442, Código Civil. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento
no preço.

12
Art. 209, Código Civil. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

13
Art. 424, Código Civil. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio.

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Art. 443, Código Civil. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos;
se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

Art. 444, Código Civil. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se
perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

Art. 445, Código Civil. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias
se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da
alienação, reduzido à metade. § 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-
se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis;
e de um ano, para os imóveis. § 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os
estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se
não houver regras disciplinando a matéria.

Art. 446, Código Civil. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o
adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.

Art. 475, Código Civil. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe
o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Art. 503, Código Civil. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas.

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