Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Vícios redibitórios
A partir do próprio conceito já se pode colher os requisitos deste defeito oculto. Antes
de abordá-los, é importante, porém, deixar claro que há brutal diferença entre os vícios
redibitórios, tal como tratados no CC, e o tratamento dado pela teoria da qualidade às relações
de consumo.
A teoria da qualidade está diretamente adstrita à confiança que se deposita nos produtos
e serviços postos no mercado de consumo, e por isso suas bases são diversas das bases dos
vícios redibitórios. O artigo 4º, II, “d”, do CDC, traça esta política da qualidade como almejada
pelo legislador:
1
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
(...)
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o
consumidor:
(...)
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de
qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
(...)”
A idéia por trás da teoria da qualidade é que não só o bem ou serviço tem que se
adequar ao fim a que se destina, como deve também garantir a incolumidade física do
consumidor – respectivamente, a qualidade-adequação e a qualidade-segurança. Daí surge a
maior diferença: quando se fala em qualidade-adequação, se fala em vício; quando se fala em
qualidade-segurança, se fala em fato do produto ou serviço, ou o acidente de consumo.
Assim, não se pode confundir um fundamento com outro, porque o vício de consumo é
regido pela protetividade imposta pelo CDC, enquanto o vício redibitório da relação regida pelo
CC é baseado tão somente na disparidade entre as causas do negócio.
Vale consignar apenas uma peculiaridade: o CC, de fato, apenas em matéria de prazos,
é mais protetivo ao contratante padecente do vício. Pelo diálogo das fontes, e pela ausência de
lógica que seria detrir proteção ao consumidor simplesmente porque a norma não está no CDC,
a doutrina entende que o prazo para argüir vício redibitório em bens imóveis a ser aplicado em
relações e consumo é o mais favorável ao consumidor, qual seja , o prazo de um ano do caput
do artigo CC, enquanto que, na literalidade, seria de noventa dias, pois que imóveis são bens
duráveis, adequando-se aos incisos I e II do caput do artigo 26 do CDC:
Feita esta introdução, ficando claro que o tratamento dispensado ao vício redibitório,
aqui, não se aplica às relações de consumo, passemos ao estudo dedicado ao vício redibitório do
Código Civil.
Quatro são os fundamentos para a existência da redibição: a própria equidade, vez que
as prestações são injustas, se uma é boa e a outra imprestável; a teoria do erro, pois que o
adquirente houve para si produto diverso do que desejava, pois que não desejava produto
imprestável; a teoria do risco, vez que quem tem que suportar os ônus do risco é o alienante; e o
princípio da garantia, que impõe que haja satisfação do adquirente. Parece, diante de toda a
normatividade civilista atual, que o melhor fundamento é o que se baseia no princípio da
garantia, segundo o qual é necessário que seja resguardada a posse útil ao adquirente.
2
O contrato comutativo é o único que comporta a disparidade de causas, pois somente ali
estas são recíprocas, e por isso só nele há lógica para tal instituto. A exceção é a doação
onerosa, doação com encargo, em que, mesmo não havendo obrigações recíprocas, há encargo a
ser suportado, equiparando-se ao contrato oneroso como dispõe o próprio parágrafo único do
artigo 441, acima transcrito – não deixando de ser liberalidade, porém.
A alienação em hasta pública gera divergência sobre comportar ou não o vício
redibitório. Isto porque, no antigo CC de 1916, havia vedação expressa à invocação deste vício
quando da venda em hasta pública, mas esta vedação não se repetiu no CC de 20002. Assim,
Carlos Roberto Gonçalves, por exemplo, defende que pode ser invocado o vício hoje, nesta
alienação pública.
Data venia, Caio Mario tem a posição mais coerente sobre este aspecto. Este autor
defende que a alienação em hasta pública, por ser um ato compulsório, imposto ao alienante
pelo Poder Público, não permite a aplicação do instituto, que apenaria o proprietário do bem
arrematado por ato que lhe foi imposto. Ademais, o adquirente pode perscrutar as qualidades do
bem antes de adquiri-lo em hasta pública.
Os vícios aparentes, ou de fácil constatação, não podem ser objetos de redibição. Esta é
uma grande diferença entre este instituto do CC e os vícios tratados no CDC: na seara
consumerista, o vício não precisa ser oculto para ensejar redibição.
Se o adquirente, regido pelo CC, tem à sua disposição o em que está adquirindo, antes
de consumar o contrato, presume-se que teve como identificar o vício aparente ou de fácil
constatação, pelo que se entende que aquiesceu em havê-lo no estado em que se encontrava.
Não é qualquer vício que autoriza a redibição. Segundo Carlos Roberto Gonçalves:
É bastante óbvio: o defeito que surge, que inicia sua existência, após a entrega ao
adquirente, não pode ser argüido como causa à redibição. Isto porque vige a lógica do res perit
domino, segundo a qual a coisa perece para o dono.
Não se pode confundir com o vício que já existia, mas apenas se revelou após a
tradição: se assim for, é claro vício redibitório, pois que o vício preexistia, estando apenas
oculto. A lógica vem do artigo 444 do CC:
Veja que, mesmo no caso em que o vício seja redibitório, há sim uma certa mitigação à
regra do res perit domino, porque a tradição já se tendo operado imporia que o adquirente
suportasse, agora, os riscos do perecimento.
3
1.2. Efeitos dos vícios redibitórios
1.4. Prazos
4
Adquirente que não estava na Adquirente que estava na posse
posse
É o § 1º deste artigo que oferece problemas, e demanda bastante atenção. Veja eu este
dispositivo já se inicia por uma premissa um tanto estranha: diz ali que quando o vício, por sua
natureza, só puder ser conhecido mais tarde, há tratamento especial. Ora, todo e qualquer vício
redibitório só pode ser conhecido mais tarde, porque se for cognoscível antes da alienação, não
é oculto, e não há redibição. Parece, então, que o legislador quis criar uma categoria de vício
oculto que é, de fato, “ainda mais oculto”, ou seja, algo que vai demorar muito para se
manifestar.
E é na estipulação dos prazos especiais que surge ainda mais perplexidade: o prazo para
o bem móvel é sextuplicado, enquanto o prazo para bens imóveis permanece o mesmo. Por
conta disso, surgem duas correntes disputando a leitura deste dispositivo.
A primeira corrente defende interpretação literal: qualquer que seja o prazo, quando se
manifestar este vício de natureza “ainda mais oculta”, começa a correr o prazo para reclamar do
vício, tal qual ali escrito. É claro que esta interpretação cria uma situação de insegurança
jurídica insustentável, pois que cria garantia ad aeternum para o adquirente.
Por isso, tem mais força a segunda corrente, que diz que os prazos ali previstos são
limítrofes para o ajuizamento das ações edilícias, somados ao caput. Entenda: o prazo ali
previsto é o prazo máximo para que o vício se manifeste, a contar da tradição (ou alienação, se o
adquirente já estava na posse). A conta é a seguinte: a partir da tradição, conta-se o prazo do §
1º; de seu fim em diante, corre o prazo do caput, que é o prazo de reclamação. Somados, dão o
prazo total para cada caso: duzentos e dez dias para bens móveis com defeitos “ainda mais
ocultos”; dois anos para imóveis com vícios desta natureza.
Esta interpretação parece mais coerente, mesmo porque é condizente com a orientação
da doutrina majoritária na interpretação de dispositivo que apresenta problema semelhante, no
CDC: o artigo 26, § 3º. Veja:
Ainda, quanto aos prazos, as normas são derrogáveis pela vontade das partes: estes
prazos podem ser reduzidos ou suprimidos pelas partes, desde que não se trate de contrato de
adesão, quando então será a cláusula claramente abusiva, e portanto nula.
Por fim, vale comentar a previsão do artigo 446, que trata da garantia convencional:
Significa que, enquanto vige a garantia contratual, não corre a garantia legal, mas se o
adquirente, no curso da garantia contratual, souber do defeito, não pode quedar-se inerte, ou
perde o direito à redibição.
5
6