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SÍNTESE SOBRE O ACÓRDÃO 700/CONGRESSO DA UNITA

O acórdão n.º 700/2021 do Tribunal Constitucional decidiu sobre o processo


n.º 887-A/2021, interposto, Relativo a Partidos Políticos e Coligações por Manuel
Diogo Pinto Seteco, Domingos Pedro, Cândido Moisés Uasmuene, Wilson Nuno
Domingos Gomes, Dino Luís da Silva Chamucassa, Flávio da Costa Mucawa,
Madilu Samuel Bandeca, Dombaxe Sebastião Mafuta Garcia, Santo Fonseca
Gouveia Diniz, e Feliciano Gabriel Castro Kututuma, que o objecto do referido
processo consistia na verificação da conformidade legal e estatutária do processo
de candidatura do presidente eleito do partido político UNITA.

O acórdão concluiu pelo provimento da pretensão dos referidos autores,


declarando sem efeito o XIII Congresso Ordinário de 2019 desse partido, por
violação da Constituição, da lei e dos estatutos de 2015.

O que se segue é uma análise legal, não política, do acórdão.

Antes, porém, uma nota prévia sobre a questão da exigência de que o


presidente da UNITA (ou de outro partido) não tenha qualquer nacionalidade
adquirida. Tal exigência não é um capricho mediático ou uma invenção de última
hora. Tem uma razão muito concreta. O presidente da UNITA é, nos termos do n.º 3
do artigo 13.º dos Estatutos da UNITA, em vigor desde 2015, o candidato às
eleições gerais para o cargo de presidente da República de Angola. Ora, como o
candidato a presidente da República de Angola não pode ter nacionalidade
adquirida, nos termos do artigo 110.º da Constituição, a Lei dos Partidos Políticos
decretou, no seu artigo 25.º, n.º 3 que: “A qualidade de dirigente máximo de um
partido político é exclusiva dos cidadãos angolanos de nacionalidade originária e
que não possua outra nacionalidade além da angolana.”

Existe, assim, uma concatenação entre os Estatutos da UNITA e a


Constituição que é realizada pela Lei dos Partidos Políticos, da qual resulta a
exigência de que o responsável máximo de um partido não tenha qualquer
nacionalidade adquirida, pois caso tenha não poderá concorrer para as eleições
gerais.

Ausência de interesse processual;


 Anotação do XIII Congresso Ordinário da UNITA;
 Tempestividade da impugnação;
 Inelegibilidade segundo a Constituição da República de Angola;
 Violação do prazo de apresentação de candidatura;
 Regulação legal de prazos de candidatura a Presidente da UNITA e alegada
nulidade.

A fundamentação divide-se em duas partes: as questões prévias (pp. 17-35)


e as questões de fundo (pp. 35-53).

As questões prévias abordadas pelo tribunal resumem-se a três aspectos


essenciais:

i) Poderiam os autores interpor esta acção? ;


ii) Não se pronunciou já o Tribunal Constitucional acerca da validade do XIII
Congresso da UNITA quando, em 18 de Junho de 2020, mandou publicar
em Diário da República o Despacho n.º 3/20, anunciando aí como
depositadas e registadas as listas dos membros dos órgãos de
direcção? ;
iii) Não decorreu já tempo suficiente para se vir declarar nula a eleição de
Adalberto da Costa Júnior?; e ainda se pode declarar uma nulidade?

Comecemos pela primeira questão. O Tribunal Constitucional é bastante


exaustivo na análise da posição processual dos autores, e conclui que a qualidade
de militante de um partido é aferida por qualquer meio idóneo e não meramente pelo
pagamento de quotas ou pelo cartão de militante. Além disso, no caso em apreço
está-se numa situação de litisconsórcio voluntário e não necessário. Significa que
basta que um dos proponentes tenha legitimidade para que o processo continue –
mesmo que apenas um dos autores reúna condições, o processo segue e tem de
ter decisão.

A segunda questão tem sido bastante debatida pela opinião pública, e foi
desencadeada pelo facto de o tribunal, em 2020, ter mandado publicar os resultados
do Congresso. Os juízes são claros em afirmar que tal não representa uma
validação do Congresso – trata-se de um mero acto de tipo notarial. Não compete
ao tribunal, quando procede ao registo do resultado do Congresso, aferir da sua
validade. Compete, isso sim, a um membro da UNITA ou eventualmente,
acrescentamos, ao Ministério Público, como garante da legalidade democrática,
propor uma acção contra os resultados. Ora, se ninguém levantou a questão na
altura, o Tribunal Constitucional nada tinha que fazer. No entanto, esse acto não
constitui um direito, é apenas um anúncio.

Finalmente, a questão da nulidade. O regime geral da nulidade dos actos


está regulado no Código Civil (artigo 285.º e seguintes) e é simples: a nulidade é
invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada
oficiosamente pelo tribunal (artigo 286.º).

Logo, os actos nulos podem ser contestados durante muitos anos e dispõem
de um regime de impugnação bastante generoso, competindo ao tribunal, sem
ninguém lhe pedir, declarar a nulidade de um acto. A nulidade resulta de um vício
existente no momento em que foi praticado o acto, e implica que o acto não produza
os efeitos jurídicos que diz produzir.

Sobre os actos e vícios que geram nulidades, não há uma lista fechada no
direito em geral. Poderá haver no direito criminal ou noutros ramos, mas a regra
genérica é que “a nulidade é o regime regra (cfr. artigo 294.º), aplicando-se a
anulabilidade ao conjunto de casos que a lei comina com tal consequência” (Carlos
Ferreira de Almeida).

Esta discussão acerca da natureza da nulidade merece ser sublinhada, pois


tem sido alegado que existe um princípio de taxatividade das nulidades, quando na
verdade tal não existe no âmbito geral do direito; e que haveria prazos para levantar
nulidades, quando também não há.

Passamos agora às questões de fundo. À argumentação básica do Tribunal


Constitucional subjaz o facto de a fase de apresentação de candidaturas ao
Congresso da UNITA ter ocorrido entre 7 e 10 de Outubro de 2019, sendo que
nessa data Adalberto da Costa Júnior ainda possuía nacionalidade portuguesa
adquirida, sendo por isso inelegível para o cargo (p. 40).

A isto acresce que, embora o requerimento de perda de nacionalidade tenha


sido realizado a 27 de Setembro, o certo é que a 10 de Outubro o candidato não
tinha qualquer prova de que já não possuía a nacionalidade portuguesa – tal só veio
a acontecer a 11 de Outubro.

Além deste raciocínio simples, o Tribunal remete-se com detalhe aos


procedimentos seguidos para aceitação das candidaturas, fazendo notar que foram
extremamente elásticos, podendo-se presumir alguma complacência na exigência
dos requisitos formais por parte dos órgãos internos da UNITA.

Nessa medida, o Tribunal Constitucional assenta em acta as declarações


proferidas pela conhecida constitucionalista da UNITA Mihaela Webba, que, a
propósito do facilitismo interno para a aceitação da candidatura de Adalberto da
Costa Júnior, afirmou que: “Ao contrário da maioria não concordava com esta
decisão [aceitação sem reservas da candidatura de Adalberto Costa Júnior], porque
violava os Estatutos” (p. 50).

Este é o cerne da decisão. No momento da aceitação das candidaturas,


Adalberto da Costa Júnior ainda tinha nacionalidade portuguesa e houve uma
rasura dos requisitos formais por parte dos órgãos internos da UNITA para permitir a
sua candidatura sem reservas, sendo que tal foi considerado imediatamente ilegal
por membros do partido (cfr. actas citadas, pp. 49-50).

Neste ponto, parece já inequívoco o que se passou: houve efectivamente um


preterimento de formalidades essenciais na candidatura de Adalberto da Costa
Júnior.

O facto de Adalberto da Costa Júnior ter enviado o requerimento a 27 de


Setembro não é significativo para efeitos públicos, pois é apenas a publicidade
pública que produz efeitos perante terceiros, e isto aconteceu somente a 11 de
Outubro.

Ou seja, mesmo que Adalberto da Costa Júnior considerasse que já não era
português a partir de 27 de Setembro, para todos os outros só deixou de o ser após
10 de Outubro. No fundo, é sobre este raciocínio, que aqui se simplifica, que o
Tribunal Constitucional assenta a sua argumentação.
De uma perspectiva legal, a fundamentação do Tribunal Constitucional
afigura-se correcta e defende o princípio da igualdade. Vejamos um exemplo:
imaginemos o candidato Antunes, que também queria concorrer ao cargo de
presidente da UNITA, mas, quando se apercebeu de que não conseguia ter o
registo da sua renúncia de nacionalidade a 10 de Outubro, desiste desse intento.
Ora, se entretanto é permitido que outro candidato, nas mesmas condições de
nacionalidade, concorra, está-se a beneficiar um e a prejudicar o candidato Antunes,
violando o princípio da igualdade.

Assim, apesar da agitação política que a decisão do Tribunal Constitucional


gerou, há que reconhecer a sua consistência jurídica e a sua defesa da igualdade
política.

Restam três comentários adicionais. O primeiro é acerca do argumento, muito


evocado, sobre a inutilidade desta decisão, uma vez que vai haver um novo
congresso que elegerá facilmente Adalberto da Costa Júnior como dirigente máximo
da UNITA. Na verdade, nada impede que isso aconteça. Contudo, não se trata de
criar qualquer impedimento pessoal relativamente a Adalberto da Costa Júnior, mas
sim de garantir procedimentos igualitários.

O segundo comentário é sobre a diferença entre o pedido que foi feito pelos
autores e a decisão do tribunal. A acção interposta pelos primeiros versou apenas
sobre a eleição do presidente, enquanto a decisão do Tribunal Constitucional se
reportou a declarar o Congresso sem efeito. A explicação é simples: o Tribunal tem
poderes para oficiosamente, isto é, sem ser a pedido, declarar as nulidades com
que se deparar.

Por último, uma nota acerca dos juízes que não compareceram na
deliberação. A verdade é que a sua ausência não significa nada: nem que estão a
favor, nem que estão contra. A única juíza que votou vencido, Josefa Antónia dos
Santos Neto, esteve corajosamente presente e explicou as suas razões. Quanto aos
restantes, a única conclusão lógica a retirar é que não têm qualquer objecção à
decisão maioritária – caso contrário, teriam ido votar presencialmente contra.

No fim de contas, a iniciativa do Tribunal Constitucional de exigir o


cumprimento adequado e igualitário da lei e a posição de acatamento da UNITA
foram, somadas, duas decisões que fizeram subir mais um degrau na construção do
Estado de Direito em Angola, contrariamente ao propalado.

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