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Cognição indumentária

Hajo Adam, Adam D. Galinsky


⁎ Northwestern University, Evanston, IL 60208, USA

RESUMO
Apresentamos o termo “cognição indumentária” para descrever a influência
sistemática que as roupas têm nos processos psicológicos de quem as veste.
Trazemos uma estrutura potencialmente unificadora para integrar descobertas
anteriores e captar a diversidade de impactos que as roupas podem ter no seu
usuário, propondo que a cognição indumentária envolve a ocorrência conjunta de
dois fatores independentes – o significado simbólico das roupas e a experiência
física de usá-las. No primeiro teste de nossa perspectiva da cognição indumentária,
exploramos os efeitos de usar um jaleco. Um pré-teste descobriu que um jaleco
geralmente é associado a atenção e cuidado. Portanto, previmos que o uso de um
jaleco aumentaria o desempenho em tarefas relacionadas com a atenção. No
Experimento 1, vestir um jaleco aumentou a atenção seletiva, em comparação com
não vestir. Nos Experimentos 2 e 3, vestir um jaleco referido como sendo um jaleco
de médico aumentou a atenção sustentada, em comparação com vestir um jaleco
descrito como sendo um jaleco de pintor, e com simplesmente ver ou mesmo
identificar um jaleco descrito como jaleco médico. Assim, a presente pesquisa sugere
um princípio básico da cognição indumentária – depende tanto do significado
simbólico das roupas quanto da experiência física de usá-las.

“Que estranho poder há na roupa.”


~Isaac Bashevis Singer

O autor Isaac Bashevis Singer, ganhador do Prêmio Nobel, afirma que as


roupas que vestimos exercem considerável poder e influência. Alinhados com essa
afirmação, livros best-sellers como Dress for Success, de John T. Molloy, e programas
de TV como What Not to Wear, da TCL, enfatizam o poder que as roupas têm de criar
impressões favoráveis nas outras pessoas. De fato, várias pesquisas têm
documentado os efeitos das roupas nas percepções e reações dos outros. Estilos de
vestir de estudantes do Ensino Médio influenciam as percepções de sua capacidade
acadêmica entre os colegas e professores (Behling & Williams, 1991). Professores
que usam roupas formais são percebidos como mais inteligentes, mas menos
interessantes do que professores que usam roupas menos formais (Morris, Gorham,
Cohen & Huffman, 1996). Quando as mulheres usam roupas de estilo masculino para
uma entrevista de emprego, têm mais probabilidade de serem contratadas
(Forsythe, 1990); já quando se vestem de maneira sensual em cargos de prestígio,
são percebidas como menos competentes (Glick, Larsen, Johnson & Branstiter,
2005). Há maior probabilidade de clientes voltarem a procurar terapeutas
formalmente vestidos do que terapeutas vestidos informalmente (Dacy & Brodsky,
1992). Agentes de serviço ao cliente apropriadamente vestidos desencadeiam
intenções de compra mais fortes do que os que se vestem inapropriadamente (Shao,
Baker & Wagner, 2004).
Contudo, as roupas que usamos exercem poder não apenas sobre os outros,
mas também sobre nós mesmos. Embora há muito tempo os pesquisadores que se
dedicam ao estudo da identidade teorizem que vestir uma roupa significa assumir
uma identidade específica que gera comportamentos correspondentes no usuário
(Stone, 1962), esta segunda faceta do poder da vestimenta tem recebido muito
menos atenção no trabalho acadêmico. De fato, as pesquisas sobre os efeitos da
vestimenta no comportamento e nas percepções das próprias pessoas são
relativamente escassas e dispersas. A maior parte dessas pesquisas tem se
concentrado nos efeitos desindividualizantes das roupas, mas nem sempre os
estudos chegaram a resultados coerentes. Por exemplo, usar grandes capas com
capuz torna as pessoas mais propensas a administrar choques elétricos em outras
(Zimbardo, 1969), ao passo que usar um uniforme de enfermeira torna as pessoas
menos propensas a administrar esses choques (Johnson & Downing, 1979), uma
contradição que os estudiosos da desindividuação têm se empenhado para conciliar
(Lea, Spears, & de Groot, 2001; Spears, 1995). Além disso, sob a perspectiva da
psicologia das cores, pesquisas têm mostrado que equipes esportivas profissionais
que usam uniformes pretos são mais agressivas do que equipes esportivas que não
usam uniformes pretos (Frank & Gilovich, 1988). Finalmente, sob uma perspectiva
de auto-objetificação, um estudo constatou que usar biquíni faz as mulheres se
sentirem envergonhadas, comerem menos e terem pior desempenho em
matemática (Fredrickson, Roberts, Noll, Quinn & Twenge, 1998). Propomos uma
estrutura potencialmente unificadora para entender esses achados anteriores e, de
maneira cautelosa, captar o impacto da vestimenta nas percepções e ações do
usuário. Especificamente, a partir de pesquisas sobre cognição incorporada,
apresentamos o termo “cognição indumentária” para designar a influência
sistemática das roupas nos processos psicológicos e tendências comportamentais
de quem as veste.

Cognição indumentária

Teorias tradicionais da cognição argumentam que as representações


cognitivas são baseadas em conteúdo amodal, abstrato. Já as teorias da cognição
incorporada (Barsalou, 1999, 2008; Glenberg, 1997; Niedenthal, Barsalou,
Winkielman, Krauth-Gruber & Ric, 2005) propõem que as representações cognitivas
se baseiam em conteúdo modal, perceptual, com base nos sistemas sensoriais do
cérebro responsáveis pela percepção (por exemplo, visão, audição), ação (por
exemplo, movimento, propriocepção) e introspecção (por exemplo, estados
mentais, afeto). À medida que as experiências físicas se tornam esquematizadas em
representações multimodais armazenadas na memória, elas se constituem como
uma parte integrante na formatação de representações cognitivas de conceitos
abstratos e adquirem significado simbólico. Assim, experiências físicas podem
acionar conceitos abstratos associados e simulação mental por meio desse
significado simbólico.
Um número crescente de pesquisas respalda a perspectiva da cognição
incorporada: por exemplo, a experiência física de limpar-se está associada com o
conceito abstrato de pureza moral (Zhong & Liljenquist, 2006). Devido a esse
significado simbólico, mostrou-se que a limpeza física influencia julgamentos de
moralidade (Schnall, Benton & Harvey, 2008). De maneira parecida, experienciar
aquecimento físico aumenta os sentimentos de afetuosidade interpessoal (Williams
& Bargh, 2008); caminhar vagarosamente ativa o estereótipo do idoso (Mussweiler,
2006); acenar com a cabeça enquanto ouve uma mensagem persuasiva aumenta a
suscetibilidade da pessoa à persuasão (Wells & Petty, 1980); segurar uma caneta na
boca, de forma que ative os músculos associados com o sorriso, acarreta respostas
mais intensas ao humor (Strack, Martin & Stepper, 1988); carregar uma prancheta
pesada aumenta os julgamentos de importância (Jostman, Lakens & Schubert,
2009); cheiros de limpeza aumentam a tendência de retribuir confiança e de fazer
caridade (Liljenquist, Zhong & Galinsky, 2010); e adotar uma postura corporal
expansiva afeta o senso de poder da pessoa e as tendências à ação a ele associadas –
mais do que estar em uma função de poder (Huang, Galinsky, Gruenfeld & Guilory,
2011).
Argumentamos que, assim como as experiências físicas, a experiência de usar
roupas aciona conceitos abstratos associados e seus significados simbólicos. Em
especial, postulamos que usar roupas faz com que as pessoas “incorporem” a
vestimenta e seu significado simbólico. Consequentemente, quando uma peça de
roupa está gasta, ela exerce uma influência nos processos psicológicos do usuário,
ativando conceitos abstratos associados mediante seu significado simbólico – assim
como uma experiência física, que, por definição, já está incorporada, exerce sua
influência.
Embora a cognição incorporada e a cognição indumentária operem de formas
parecidas, há uma importante diferença. Na cognição incorporada, o elo entre uma
experiência física e seu significado simbólico é direto, como é na própria experiência
física que transmite o significado simbólico. Em outras palavras, o significado
simbólico está sempre automaticamente incorporado porque ele deriva
diretamente da experiência física. Na cognição indumentária, o elo entre uma
experiência física e seu significado simbólico é indireto, já que são as roupas que
transmitem o significado simbólico. Em outras palavras, o significado simbólico não
é automaticamente incorporado porque ele deriva das roupas; desse modo, não é
percebido até que a pessoa use fisicamente as roupas e, assim, as incorpore.
Essa distinção entre cognição incorporada e cognição indumentária indica
que a cognição indumentária envolve a ocorrência conjunta de dois fatores
independentes: o significado simbólico das roupas e a experiência física de usar
roupas. Por isso, propomos um princípio básico da cognição indumentária – os
efeitos da roupa nos processos psicológicos das pessoas dependem: a) do significado
simbólico das roupas e b) de as pessoas realmente estarem usando as roupas.
No geral, nossa hipótese é a de que usar uma peça de roupa e incorporar seu
significado simbólico acionarão processos psicológicos associados. Deve-se
observar que há uma importante distinção a ser feita entre cognição indumentária
e efeitos de pré-ativação1 material. A pré-ativação material refere-se ao fenômeno
em que simplesmente estar exposto a um item físico (por exemplo, uma mesa de
reuniões) pode aumentar comportamentos coerentes com o significado simbólico
daquele item (por exemplo, uma orientação competitiva) (Kay, Wheeler, Bargh &
Ross, 2004). Argumentamos, entretanto, que realmente usar uma peça de roupa e
ter as experiências físicas correspondentes (por exemplo, ver a peça no corpo, senti-
la na pele, etc.) aumentará significativamente a probabilidade de essa peça de
vestuário influenciar os processos psicológicos do usuário, muito além dos efeitos
de pré-ativação material básica. Ou seja, incorporar o significado simbólico das
roupas é um elemento crítico em nossa perspectiva de cognição indumentária.
Nosso argumento está de acordo com um estudo que demonstrou que
pessoas que assumem a perspectiva de um grupo estereotipado têm probabilidade
significativamente maior de apresentar comportamentos condizentes com o
estereótipo do que pessoas que são meramente pré-ativadas com um grupo
estereotipado (Galinsky, Wang & Ku, 2008). Também está alinhado com uma
pesquisa que evidenciou que incorporar o poder adotando uma postura corporal
expansiva tem significativamente mais probabilidade de influenciar tendências de
ação coerentes com o poder do que a simples pré-ativação do poder (Huang et al.,
2011). Assim como os efeitos do poder incorporado e de tomada de perspectiva não
são redutíveis a um processo de pré-ativação comportamental básica, propomos
que os efeitos da cognição indumentária não são redutíveis a simples efeitos de pré-
ativação material.

Visão experimental

Na presente pesquisa, testamos nossa perspectiva de cognição indumentária


em relação a jalecos. Os jalecos são o protótipo da indumentária de cientistas e
médicos. Usar um jaleco, então, significa um foco científico e uma ênfase em ser
cuidadoso e atento – atributos que envolvem a importância de prestar atenção à
tarefa que está sendo realizada e não cometer erros. Para confirmar que as pessoas
de fato associam um jaleco a conceitos relativos à atenção, recrutamos 38 pessoas

1Nota de Tradução. Em inglês, priming, palavra também encontrada em textos acadêmicos em


português na área de Psicologia. Nesta tradução, opta-se pelo uso da palavra em português.
(16 mulheres, 22 homens; média de idade: 36,47 anos) do website Amazon
Mechanical Turk (ver Buhrmeister, Kwang & Gosling, 2011) para participar de um
pequeno levantamento online. Mostrou-se aos participantes uma foto de um jaleco
semelhante ao usado nos experimentos relatados neste artigo. Os participantes
classificaram até que ponto associavam o jaleco com atenção, cuidado,
responsabilidade e foco científico, em uma escala de 1 (nem um pouco) a 5 (muito).
Considerou-se que haveria uma associação se a classificação ficasse
significativamente acima do ponto médio da escala (ver Galinsky & Moskowitz,
2000). Os resultados confirmaram que os participantes faziam fortes associações
entre um jaleco e cada um dos construtos relacionados com atenção, ts> 5,36, ps
<.001. Então, lançamos a hipótese de que usar um jaleco aumenta o desempenho em
tarefas que envolvem atenção.
Na presente pesquisa, exploramos duas dimensões da atenção: a atenção
seletiva e a atenção sustentada. A atenção seletiva é a habilidade de focar em
estímulos relevantes e ignorar os irrelevantes, e a atenção sustentada é a habilidade
de manter o foco em uma atividade contínua (Davies, Jones & Taylor, 1984). O
Experimento 1 testou se o uso de um jaleco influencia a atenção seletiva, utilizando-
se uma tarefa de Stroop (Stroop, 1935). Os Experimentos 2 e 3 examinaram a
atenção sustentada, usando-se uma tarefa de busca visual comparativa (Pomplun,
Reingold & Shen, 2001).
Por meio dos experimentos, testamos nossa hipótese central de que a
cognição indumentária depende de dois fatores independentes – realmente usar as
roupas e o significado simbólico que elas têm. No Experimento 1, o que variou foi se
os participantes usaram o jaleco. Nos Experimentos 2 e 3, o que variou foi se os
participantes usaram o jaleco, bem como o significado simbólico do jaleco, descrito
como jaleco de médico ou como jaleco de pintor.

Experimento 1: fisicamente vestir um jaleco


Método
Design e participantes
Participaram do experimento 58 estudantes de graduação (41 mulheres, 19
homens; média de idade: 20,29 anos) de uma grande universidade do centro-oeste
dos Estados Unidos. Os participantes foram aleatoriamente encaminhados a uma de
duas condições: usar um jaleco x não usar um jaleco.

Procedimento e manipulação experimental


Na condição com jaleco, solicitou-se que os participantes vestissem um jaleco
branco descartável. Como justificativa, o experimentador disse aos participantes
que outros participantes, nas sessões anteriores do experimento, tinham usado
jaleco durante a obra de construção do laboratório. Embora a construção tivesse
sido finalizada, o experimentador disse-lhes que eles precisavam usar o jaleco, de
forma que todos os participantes do experimento estivessem na mesma situação. Na
condição sem jaleco, os participantes completaram as tarefas usando suas próprias
roupas.

Medida dependente
Para mensurar a atenção seletiva, administramos uma tarefa de Stroop
(Stroop, 1935) e instruímos os participantes a indicarem, com a maior rapidez e
exatidão possíveis, se uma série de sequências de letras foi apresentada em
vermelho ou azul na tela de um computador. A tarefa consistia de 50 testes: 20 testes
incongruentes, em que o significado da sequência de letras interferia na tarefa de
dizer a cor (isto é, “VERMELHO” em letra azul ou “AZUL” em letra vermelha), e 30
testes não incongruentes, em que o significado da sequência de letras não interferia
na tarefa de nomear a cor (isto é, “XXXX” em letra vermelha ou azul, “VERMELHO”
em letra vermelha, ou “AZUL” em letra azul). A ordem dos testes era aleatória.
Mensuramos se os participantes indicaram a cor certa, bem como o tempo que
levaram para completar cada teste. A atenção seletiva foi avaliada contrastando-se
o desempenho em testes incongruentes (que testaram a habilidade de focar em
estímulos relevantes e ignorar estímulos irrelevantes) com o desempenho em testes
não-incongruentes (por exemplo, Smith, Jostmann, Galinsky & Van Dijk, 2008).

Resultados
Submetemos os índices de erro na tarefa de Stroop a uma ANOVA mista de
dois fatores (jaleco: com jaleco x sem jaleco; tipo de teste: incongruente x não
incongruente), com o segundo fator nos sujeitos. Indicando um efeito Stroop, os
participantes cometeram mais erros nos testes incongruentes do que nos testes
neutros, F(1, 57)= 19,75, p<.001; η2p= .26. Em conformidade com nossa hipótese,
esse efeito foi moderado por um significativo efeito de interação, F(1, 57)=5,42,
p=.02; η2p= .09 (Figura 1). Os participantes na condição com jaleco cometeram
aproximadamente a metade dos erros cometidos por participantes na condição sem
jaleco nos testes incongruentes, F(1, 57)= 4,33, p= .04; η2p= .07, mas tiveram o
mesmo número de erros nos testes não incongruentes, F<1,19, p> .28. O tempo que
os participantes levaram para completar cada teste não variou entre as condições,
Fs<0,32, ps>.57.

Fig. 1. Atenção seletiva (número de erros por teste na tarefa de Stroop) em função de
condição experimental e tipo de teste. As colunas de erro representam ±1 SEM.
Com uso de jaleco
Sem uso de jaleco
Eixo vertical: Número de erros por teste
Eixo horizontal: Testes não incongruentes / Testes incongruentes

Experimento 2: a importância do significado simbólico


Os resultados do Experimento 1 demonstram que usar um jaleco leva a um
aumento da atenção seletiva em uma tarefa de Stroop. Embora esses resultados
sejam altamente coerentes com a nossa perspectiva da cognição indumentária,
nosso modelo propõe que a cognição indumentária envolve dois componentes:
fisicamente usar as roupas e significado simbólico das roupas. No Experimento 1, os
dois componentes foram mesclados, e o segundo componente – o papel do
significado simbólico do jaleco – foi presumido, em vez de explicitamente
examinado.
A meta do Experimento 2 era analisar esses componentes e mostrar que
tanto o uso da vestimenta quanto o significado simbólico das roupas são condições
coletivamente necessárias para que a cognição indumentária ocorra. Para testar o
modelo completo, manipulamos o significado simbólico do jaleco, associando-o com
médicos ou com pintores artísticos (para quem a extrema atenção à tarefa e a
manutenção do foco não são tão importantes). Além disso, para descartar a
possibilidade de que quaisquer efeitos fossem orientados por meros efeitos de pré-
ativação e para mostrar que é essencial realmente vestir o jaleco, também incluímos
uma condição em que os participantes veriam, mas não usariam, um jaleco
associado a médicos. Finalmente, queríamos complementar o Experimento 1
examinando outra dimensão da atenção, a saber, a atenção sustentada. Usamos uma
tarefa de busca visual comparativa que solicitava que os participantes mantivessem
o foco em uma atividade contínua.

Design do método e participantes


Participaram do experimento 74 estudantes de graduação (47 mulheres, 27
homens; média de idade: 19,85 anos) de uma grande universidade do centro-oeste
dos Estados Unidos. Eles foram aleatoriamente encaminhados a uma de três
condições: usar um jaleco de médico x usar um jaleco de pintor x ver um jaleco de
médico.

Procedimento e manipulação experimental


Em todas as condições, foi dito aos participantes que as autoridades locais
nos Estados Unidos estavam pensando em tornar obrigatórias certas roupas para
determinadas profissões em suas municipalidades, e um propósito do experimento
era ver o que as pessoas pensavam sobre as roupas. Na condição de uso de jaleco
médico, solicitou-se aos participantes que vestissem um jaleco branco descartável
apresentado como jaleco médico. Na condição de uso de jaleco de pintor, pediu-se
que os participantes usassem o mesmo jaleco branco descartável, mas desta vez ele
foi descrito como jaleco de pintor artístico. Na condição de ver um jaleco médico, os
participantes simplesmente viram um jaleco branco descartável descrito como
jaleco médico e colocado sobre uma mesa no laboratório. Em todas as condições, os
participantes responderam questões sobre o jaleco (por exemplo, como o jaleco
ficaria nos médicos/pintores) antes de realizarem a tarefa de atenção sustentada.

Medida dependente
Para mensurar a atenção sustentada, administramos quatro tarefas de busca
visual comparativa (por exemplo, Pomplun et al., 2001). Cada tarefa mostrava duas
imagens, uma ao lado da outra, na tela de um computador. As imagens eram
idênticas, exceto por quatro diferenças mínimas (ver Apêndice). Para cada par de
imagens, dizia-se aos participantes que havia quatro diferenças, e eles eram
instruídos a escrever, o mais rápido possível, todas as diferenças que conseguissem
encontrar. Mensuramos o número de diferenças que os participantes encontraram,
bem como o tempo que levaram para completar todas as tarefas. A atenção
sustentada foi avaliada adicionando-se o número de diferenças que os participantes
encontraram nas quatro tarefas.

Resultados
Submetemos o número de diferenças encontrado a uma ANOVA de um fator,
que produziu um efeito principal significativo para a condição experimental, F(1,
3)= 4,34, p=.02; η2p= .11 (Fig. 2). Coadunando-se com nossa hipótese, os
participantes na condição de uso de jaleco médico descobriram mais diferenças do
que os participantes na condição de uso de jaleco de pintor, F(1, 51)= 7,03, p=.01; η2p
=.12, e do que os participantes na condição de ver um jaleco médico, F(1, 46) = 6,65,
p= .01; η2p = .13. O número de diferenças encontradas não variou nas duas últimas
condições, F<,02, p> .91. O tempo que os participantes levaram para completar todas
as tarefas não variou entre condições, F<.47, p> .63, demonstrando que os efeitos
não eram devidos a uma mera persistência, mas resultantes de maior atenção
durante a tarefa.

Fig. 2. Atenção sustentada (número de diferenças encontradas nas tarefas de busca visual
comparativa) em função da condição experimental. As colunas de erro representam ±1 SEM.
Eixo vertical: Número de diferenças encontradas
Eixo horizontal: Usar um jaleco médico / Ver um jaleco médico / Usar um jaleco de pintor

Experimento 3: além da mera exposição


Os resultados do Experimento 2 demonstram que usar um jaleco médico leva
a um aumento da atenção sustentada em uma tarefa de busca visual comparativa e
que esse efeito depende de as roupas serem usadas e do significado simbólico que
elas têm: os participantes demonstraram maior atenção sustentada somente
quando usaram um jaleco descrito como jaleco médico, mas não quando usaram um
jaleco descrito como jaleco de pintor, nem quando viram um jaleco descrito como
jaleco médico.
Um achado intrigante do Experimento 2 é que não houve diferença na
atenção sustentada entre os participantes que usaram um jaleco descrito como de
pintor e os participantes que viram um jaleco descrito como jaleco médico. Esse
achado pode parecer surpreendente porque uma pesquisa sobre pré-ativação
comportamental sugere que ser pré-ativado com um jaleco médico deveria resultar
em um aumento na atenção sustentada. Uma explicação potencial para a falta de um
efeito pré-ativação típico é que a pré-ativação não foi forte o suficiente na condição
de ver um jaleco de médico: os participantes somente viram o jaleco mostrado sobre
uma mesa quando entraram no laboratório, mas não o viram durante o restante do
experimento. De fato, muito estudos descobriram que a quantidade de exposição a
um construto pré-ativado determina a força de seus efeitos (Bargh & Pietromonaco,
1982; Higgins, 1996). Por isso, é possível que a diferença na atenção sustentada
entre a condição de uso de um jaleco médico e a condição de ver um jaleco médico não
foi causada por usar o jaleco por si só, mas pela diferença de tempo em que os
participantes foram expostos ao jaleco. Além disso, usar o jaleco envolve tanto a
experiência física de usá-lo quanto a conexão do jaleco com o eu. Assim, é possível
que o efeito de usar o jaleco, na atenção sustentada, não foi causado pela experiência
física de usá-lo, mas pelo estabelecimento de uma conexão entre o eu e o jaleco.
A meta do Experimento 1 foi abordar essas duas questões e oferecer mais
evidências de que a experiência física de usar uma peça de roupa tem um efeito que
vai além de ser meramente pré-ativado com ela. Portanto, incluímos uma condição
no Experimento 3 em que os participantes não usaram um jaleco descrito como de
médico, mas foram expostos ao jaleco pelo mesmo período de tempo e ainda criaram
uma conexão entre o eu e o jaleco.

Método
Design e participantes
Participaram do experimento 99 estudantes de graduação (62 mulheres, 37
homens; média de idade: 20,02 anos) de uma grande universidade do centro-oeste
dos Estados Unidos. Eles foram aleatoriamente destinados a uma destas três
condições: uso de um jaleco médico x uso de um jaleco de pintor x identificação com
um jaleco médico.

Procedimento e manipulação experimental


Em todas as condições, foi dito aos participantes que as autoridades locais
nos Estados Unidos estavam pensando em tornar obrigatórias certas roupas para
determinadas profissões em suas municipalidades, e um propósito do experimento
era ver o que as pessoas achavam das roupas. Na condição de uso de um jaleco
médico, pediu-se que os participantes vestissem um jaleco branco descartável
descrito como jaleco médico. Na condição de uso de jaleco de pintor, pediu-se que os
participantes usassem o mesmo jaleco branco descartável, mas desta vez ele foi
descrito como jaleco de pintor artístico. Em ambas as condições, pediu-se que os
participantes escrevessem um ensaio sobre seus pensamentos a respeito do jaleco
(por exemplo, como o jaleco pareceria em médicos/pintores). Na condição de
identificação com um jaleco médico, os participantes viram um jaleco branco
descartável descrito como jaleco médico, mostrado sobre a mesa em frente a eles ao
longo de todo o experimento. Nesta condição, pediu-se que os participantes
escrevessem sobre como eles se identificavam com o jaleco (por exemplo, como o
jaleco os representaria e como tinha um significado específico, pessoal).

Medida dependente
A medida dependente foi a atenção sustentada, avaliada da mesma forma que
no Experimento 2.

Resultados
Submetemos o número de diferenças encontradas a uma ANOVA de um fator,
que produziu um efeito principal significativo para a condição experimental, F(1,
98)= 8,89, p<.001; η2p= .16 (Fig. 3). De maneira compatível com nossa hipótese, os
participantes na condição de uso de um jaleco médico descobriram mais diferenças
do que os participantes na condição de identificação com um jaleco médico, F(1, 67)=
4,60, p= .04; η2p= .07, que por sua vez encontraram mais diferenças do que os
participantes na condição de uso de um jaleco de pintor, F(1, 63)= 4,48, p= .04; η2p =
.07. Como no Experimento 2, o tempo que os participantes levaram para completar
todas as tarefas não variou entre condições, demonstrando que os efeitos não foram
devidos a uma mera persistência, resultando de maior atenção durante a tarefa.
Assim, identificar-se com o jaleco de médico aumentou o nível de atenção
sustentada, o que se mostra coerente com um tipo de efeito pré-ativação. Entretanto,
em conformidade com nossa perspectiva de cognição indumentária, usar o jaleco
quando descrito como jaleco médico teve um efeito maior do que simplesmente
estar exposto a ele e identificar-se com ele.

Fig. 3. Atenção sustentada (número de diferenças encontradas nas tarefas de busca visual
comparativa) em função da condição experimental. As colunas de erro representam ±1 SEM.
Eixo vertical: Número de diferenças encontradas
Eixo horizontal: Usar um jaleco médico / Identificação com um jaleco médico / Usar um jaleco de
pintor

Discussão

A presente pesquisa fornece apoio inicial para nossa perspectiva da cognição


indumentária, segundo a qual as roupas podem ter profundas e sistemáticas
consequências psicológicas e comportamentais em seus usuários. No Experimento
1, os participantes que usaram um jaleco mostraram maior atenção seletiva se
comparados com os participantes que usaram suas próprias roupas comuns. Nos
Experimentos 2 e 3, encontramos forte evidência de que essa influência da roupa
depende tanto de as roupas serem usadas quanto do seu significado simbólico.
Quando o jaleco foi associado com um médico, mas não foi usado, não houve
aumento na atenção sustentada. Quando o jaleco foi usado, mas não associado com
um médico, não houve aumento na atenção sustentada. Somente quando a) os
participantes estavam usando o jaleco e b) ele foi associado com um médico, a
atenção sustentada realmente aumentou. Esses resultados sugerem um princípio
básico de cognição indumentária: ela envolve a ocorrência conjunta de dois fatores
independentes – o significado simbólico das roupas e a experiência física de usá-las.
Esses achados indicam que os efeitos de usar uma peça de roupa nos
processos psicológicos do usuário não podem ser reduzidos a um simples processo
de pré-ativação material (Kay et al., 2004); portanto, acrescentam importante
variância explicativa que ultrapassa os efeitos de pré-ativação material. Além disso,
os resultados do Experimento 3 sugerem que os efeitos de usar uma peça de roupa
não podem ser reduzidos simplesmente ao fato de o usuário se sentir identificado
com a vestimenta. Em vez disso, parece haver algo especial na experiência física de
usar uma peça de roupa, e essa experiência constitui um componente crítico da
cognição indumentária. Uma questão em aberto, no entanto, é se a cognição
indumentária é diferente em tipo ou diferente em grau de um processo de
identificação básico. Por um lado, é possível que usar uma peça de roupa seja
qualitativamente diferente de identificar-se com ela por outros meios (por exemplo,
escrevendo sobre ela ou se imaginando com ela). Por outro lado, é possível que usar
uma peça de roupa seja simplesmente um método mais potente de identificar-se
com seu significado simbólico, e isso explica por que, no Experimento 3, usar um
jaleco produziu um efeito mais forte na atenção sustentada do que se identificar com
ele.
Nossos resultados abrem novas direções dentro da crescente pesquisa sobre
cognição incorporada. Primeiro, a pesquisa sobre cognição incorporada, em sua
maior parte, tem focado no que pensamos (isto é, julgamentos de moralidade,
importância ou poder), mas a presente pesquisa amplia o escopo das variáveis de
resultado, examinando como pensamos (isto é, processos atencionais). Segundo,
nossa perspectiva da cognição indumentária permite a exploração explícita da
importância de significados simbólicos na relação entre experiências físicas e
processos cognitivos. Como a pesquisa da cognição incorporada aborda as
experiências físicas que têm significados simbólicos inerentes, o papel dos
significados simbólicos é tipicamente pressuposto em vez de explicitamente
examinado. Na cognição indumentária, porém, a experiência física de usar as roupas
e o significado simbólico que elas têm são dois fatores independentes, que nos
permitiram manter a experiência física constante enquanto manipulávamos o
significado simbólico. De fato, nos Experimentos 2 e 3, os participantes que usaram
um suposto jaleco médico e os participantes que usaram um suposto jaleco de pintor
estavam, na verdade, usando o mesmo jaleco e tiveram a mesma experiência física;
contudo, seu desempenho em uma tarefa relativa à atenção diferiu, dependendo do
significado simbólico do jaleco. A presente pesquisa, então, oferece a primeira
evidência explícita para o papel vital dos significados simbólicos na influência de
experiências físicas nos processos cognitivos.
Além de contribuir para a pesquisa sobre cognição incorporada, acreditamos
que uma perspectiva da cognição indumentária pode oferecer uma explicação
ponderada e potencialmente unificadora para os achados dispersos sobre os efeitos
das roupas encontrados na literatura. Por exemplo, as pessoas que usam uniformes
de enfermeira talvez sejam menos propensas a administrar choques elétricos
porque usar um uniforme de enfermeira poderia acionar conceitos associados a
cuidado e comportamento altruístico. Em contraste, as pessoas que usam um grande
capuz podem ficar mais propensas a administrar choques elétricos porque usar um
grande capuz ou outros tipos de roupa que ocultam a identidade poderia evocar
imagens de ladrões e terroristas, bem como comportamentos agressivos ou
desviantes. A perspectiva da cognição indumentária tem potencial não só para
explicar e estender achados de pesquisa anteriores, como também para estimular
futuras investigações sobre o impacto da roupa nos processos cognitivos. Usar uma
túnica de padre ou de juiz torna as pessoas mais éticas? Vestir um terno caro faz as
pessoas se sentirem mais poderosas? Colocar um uniforme de bombeiro ou de
policial faz com que as pessoas ajam de maneira mais corajosa? E, talvez ainda mais
interessante, os efeitos de fisicamente usar uma determinada forma de roupa
desaparecem no decorrer do tempo, à medida que as pessoas se habituam a ela?
Responder esses tipos de perguntas elucidaria ainda mais a maneira como um item
aparentemente trivial, mas onipresente, tal como uma peça de roupa, pode
influenciar o modo como pensamos, sentimos e agimos. Apesar do ditado que diz
que o hábito não faz o monge, nossos resultados sugerem que as roupas de fato
exercem um estranho poder sobre quem as veste.

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