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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

Mário Takanage Junior – RA 15600174


Prof. Dr. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves

Resenha: Agostinho e Neoplatonismo – Martin Heidegger


Fenomenologia da Vida Religiosa

Campinas
2015
Martin Heidegger (1889 – 1976) foi um filósofo existencialista, alemão,
considerado um dos maiores filósofos do século XX. Com uma vida marcada por
influência católica, ingressa ao seminário dos jesuítas onde estuda filosofia e teologia.
Por motivo de saúde se afasta do seminário e neste momento decide retirar-se da vida
religiosa.
Sua obra, Fenomenologia da Vida Religiosa, consta de três textos: “Introdução
à fenomenologia da Religião”, “Agostinho e Neoplatonismo” e “Os fundamentos
filosóficos da mística medieval”. Neste trabalho, será observado o estudo heideggeriano
minucioso sobre o livro X das “Confissões” de Santo Agostinho, marcado por uma
filosofia platônica com um tinte cristão e uma teologia marcada pela concepção da
doutrina do pecado e da graça. Bispo de Hipona, doutor da Igreja, é caracterizado e
apreciado de maneira especial por Ernst Troeltsch, Adolf Von Harnack e Wilhelm
Dilthey, apresentados respectivamente nos parágrafos primeiro ao terceiro da obra.
Troeltsch o concebe desde um ponto de vista de uma filosofia geral da cultura, orientada
histórica e universalmente, enquanto Harnack o apresenta como um reformador da
piedade cristã e o situa no campo dogmático e Dilthey mostra a grande importância do
pensamento do filósofo na formação da vida anímica como uma vida de experiência
interior, a ciência do espírito. Tais enfoques não podem negar um ao outro, criando
assim um ceticismo, senão que cada um deles parte de uma visão totalmente própria
daquele que o vê. O sentido de acesso permanece o mesmo em cada um deles, ou seja,
Agostinho, observado e apreciado desde diversas realidades particulares.
O autor abordará de forma clara a análise do fenômeno religioso dentro deste
texto do livro, numa perspectiva filosófico – teológica, onde ambas ciências não se
excluem, mas situam-se na faticidade da vida, como modelos exemplares.
No parágrafo sétimo, o autor explicita o que se tem em mãos e o que deverá
levar-se em conta ao estudar e analisar o livro X das “Confissões”. Trata-se, portanto,
de observar a própria citação de Agostinho ao dizer que o que os outros [que lerem]
pensarem sobre elas, diz respeito a eles apenas. Logo situa o que se trata a divisão de
capítulos do livro como auxilio para a visão de conjunto e apresentar tal livro como já
não mais uma visão do passado do filósofo, mas o seu tempo presente.
Inicia-se então, uma análise a partir da introdução, situada nos capítulos
primeiro ao sétimo onde situa o motivo da confissão a Deus e aos homens, onde afirma
a não necessidade de confessar-se a Deus já que este tudo conhece de antemão, mas
também afirma o dar-se a conhecer aos homens, para que, observando o mal não o
façam e observando o bem, possa empenhar-se nessa busca interior de Deus, e que
necessita de um conhecer-se a si mesmo, como menciona no segundo ponto do
parágrafo, partindo da máxima de que conhecer-se é importante para saber a que
tentações é capaz de resistir e a quais não, tendo Deus como aquele que ultrapassa a
alma, lhe dá um novo sentido.
Em sequência, trata sobre a memória, dedicada dos capítulos oitavo ao décimo
nono. Faz uma divisão ao tratar este tema, partindo sobre o assombro da memória a que
se submete Agostinho, um depósito oculto imenso e infinito, que desperta admiração ao
que ali se guarda, ao que se resgata na mesma, ao que a partir dela [memória] se faz, e
como nela se guardam, desde fatos, odores, cores, objetos, afetos que são, quando se
refere a tudo isso, o que são especialmente lembrados. Trata de um lugar onde se
encontra consigo e de onde é capaz de reencontrar o esquecido, de que se recorda
através daquilo que se oculta.
Para tratar do que Agostinho chama a Beata Vita, Heidegger escreve o
parágrafo décimo, afirmando que, sendo necessário transcender a memória, todo
homem busca o gozo, a alegria, todos buscam a Beata Vita que não se trata de algo
material ou sensível, mas sim de um alegrar-se que torna possível a alegria mesmo
estando triste, ou seja, uma gaudium de veritate. No entanto, aqui a pergunta trata
especialmente do “como” se obtém esta alegria, tratando-se de experiências distintas,
porém com um fim último que não é outro que o gozo a que todos aspiram. Essa alegria
pela verdade só é possível em Deus, vivendo do gozo nEle, por Ele e para Ele, e dessa
forma, chega a conclusão de que não todos aspiram à verdadeira beata vita, pois o
homem busca a vida feliz numa verdade que se lhes apresenta e até aí lhes serve, pois
não são enganados, mas não a uma verdade a que se lhe permita tocar em sua vida, que
lhes descubra.
E na pergunta pelo onde encontrar a Deus, o autor apresenta uma nova
problemática de que para chegar à plenitude da vida fática, é necessária a experiência de
Deus, o que remete para o problema de que cada um é, “eu sou”. Nesta experiência,
está o “ouvir” (audire) e o “como” que vai além do perguntar e pelo qual Agostinho
logo afirmaria: “Sero te amavi”(Confissões X 27,38).
Agostinho se pergunta sobre a vida humana como uma tentação onde somos,
todo tempo, impulsionados a uma dispersão de vida, que quer levar-nos a desfazer-nos
da mesma, fazendo com que a vida fática se dê a partir de si mesma e para si mesma e
não no direcionamento da Beata Vita. Por isso nos apresenta o curare [preocupar-se
com], para vencer as tentações, que descreverá nos capítulos seguintes, e assim, chegar
a uma plena experiência da vida fática, daquilo que se torna relevante na vida do sujeito.
Tratará em primeiro lugar da primeira forma de tentatio, a concupiscência da
carne, porém antes disso, abre um parêntesis para expor do que se tratam as tentações, a
concupiscência como aquele desejo de concentrar-se em algo que é puramente mundano
e a qual somos impelidos, as tentações da carne, dos olhos e a ambição do mundo. Tais
tentações, enquanto prazeres deveriam ser colocados sob os cuidados de Deus, para que
assim houvesse a paz interior plena e que se transmitisse ao exterior. Contempla, nesta
tentação, as preocupações correntes de sua cotidianidade, ou seja, desde o alimentar-se e
a necessidade prazerosa de fazê-lo, também as tentações que são apresentadas nos
sonhos, quando passa da vigília ao sono e vice-versa, onde suas mortificações
facilmente são vencidas. Neste sentido, fala do possuir-se a si mesmo como uma
faticidade que não pode ser realizada em definitivo, pois se trata sempre de um ir e
voltar; e somente nesta experiência se encontra o si mesmo, porque somente nela se
manifesta a tentação.
Na tentação segunda, a concupiscência dos olhos, a curiosidade como um saber
pelo saber, não consiste em experimentar o prazer na carne como mencionado
anteriormente, mas experimentar, diz Heidegger, a sensação através da carne, na
ansiedade de descobrir o novo, já que o ver, o olhar (enquanto ação) é o primaz dos
sentidos que dá o direcionamento aos demais e faz apreender a realidade, fazendo-nos
modificar nossa relação com o exterior através da apreensão do conteúdo. Caracteriza
tal tentação como perigosa de várias maneiras, porque nesta curiosidade pela
curiosidade, tudo se torna acessível e sem inibições, onde nosso coração se torna um
receptor de coisas que carregam em si as banalidades alheias a Deus e que nos afastam
dele.
Logo apresenta, no parágrafo décimo quinto, a terceira forma de tentação,
chamada ambitio saeculi (ambição do mundo), localizada nos capítulos trigésimo sexto
ao trigésimo oitavo. Em que consiste, pois esta tentação? Consiste em colocar o si-
mesmo como ponto central, ou seja, trata-se de converter-se no fim último do prazer e
Agostinho explica a partir da formulação “Timeri velle e amari velle” (querer ser
temido e amado pelos homens). Isto significa trazer a si próprio como centro de
referência, a quem todos devem o louvor e o respeito e onde se deixa de tomar o próprio
Deus como decisivamente importante, pois a todo instante busca explicar-se a si
mesmo, e aos demais, como estimado perante os outros, colocar-se em situação de
autoridade, deixando de lado o summum bonum. Nesta tentação, Agostinho encontra o
direcionamento de sua superação, e afirma a necesidade de não deixar com que se
entregue o gozo da verdade de Deus à mentira dos homens. Os que assim procedem,
afirma Heidegger no parágrafo seguinte sobre o tomar-se a si mesmo como importante,
se preenchem de vaidade, decaem e se perdem no vazio e no nada. Nesta última, porém
decisiva e grande preocupação por si mesmo, se encontra de maneira enfática a
possibilidade da queda “abissal e do genuíno perder-se a si mesmo”.
No último parágrafo então, Heidegger aprofunda a questão da moléstia – a
faticidade da vida. Diante deste diálogo que Agostinho tem com Deus, observando de
maneira central as tentações, é possível perceber que a interpretação aponta sempre para
o originário, para que por meio delas (tentatio) se descubra cada vez mais nitidamente o
que é está escondido no homem, para que ele se conheça, a si mesmo, por meio das
tentações que mais lhe tocam a existência. Juntamente deste descobrir-se caminha a
moléstia, o que se caracteriza como peso para a vida, algo que arrasta-a para baixo e que
ao se compenetrar com a faticidade, conformam a genuína forma primordial de si na
faticidade plena da vida unido à alegria da verdade. E assim, Heidegger conclui,
partindo da afirmação do próprio Agostinho, de que ao tornar-se um problema para si
mesmo, a “vida” é um como do ser e um experimentar as tentações que trabalham num
conceito ambivalente de colocar em cheque o perder-se ou o ganhar-se a si mesmo.

Referência Bibliográfica
HEIDEGGER, Martin. Fenomenologia da vida religiosa. Bragança Paulista: Ed.
Universitária São Francisco; Petrópolis: Vozes, 2010.

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