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Uma breve relação entre Filosofia e Psicologia

12 de junho de 2012 8

Jackson de Sousa Braga

Existe uma forte relação entre a Filosofia e a Psicologia, podendo-se afirmar que são as
ciências humanas mais próximas[1]. Os primeiros estudos sobre o psiquismo e a alma foram
realizados pela Filosofia Grega, a qual observava atentamente as atividades humanas e a
manifestação da alma[2]. Sendo assim, pretende-se aqui fazer uma breve análise da relação de
proximidade entre a Filosofia e Psicologia, salientando: a grande afinidade que existe entre
o pensamento filosófico e a Psicologia; o aprofundamento da antropologia filosófica,
principalmente do psiquismo, dimensão constitutiva do ser humano; e, por fim, o
autoconhecimento, que propiciará um encontro da verdade e bem que habita no interior
humano.

A própria etimologia da palavra Psicologia pode ressaltar o desejo que tanto a Filosofia
quanto a Psicologia tem, a saber: conhecer “O que é homem” [3]. O termo ψυχή (psyché)
significa pessoa, alma humana, sentimento, caráter[4] e λόγος (lógos) significa matéria de
estudo e conversação, relato, notícia[5]. Sendo assim, a Psicologia busca estudar a pessoa
humana, principalmente sua dimensão interior. Do mesmo modo que o pensamento
filosófico: “No campo filosófico, a interrogação sobre o homem torna-se o tema dominante
na época da sofística antiga (séc. V a. C.) e, a partir de então, acompanha todo o
desenvolvimento histórico da Filosofia Ocidental…”[6]

Sendo assim, expressa-se uma primeira relação entre o estudo da psicologia e o pensamento
filosófico, pois aquela está em estreita relação com este, possibilitando-se assim um diálogo
e um aprofundamento de temas caros à Filosofia que a psicologia poderia iluminar e/ou até
mesmo responder e dar soluções.

Já nesta segunda relação faz mister lembrar do pensador Immanuel Kant, filósofo moderno
do século XVIII, que elaborou uma crítica à Filosofia e consagrou seu pensamento como a
“filosofia da filosofia” . Kant ressalta na obra Crítica da Razão Pura que todo interesse de
[7]

seu pensamento está nas questões:

Que posso saber?

Que devo fazer?


Que posso esperar? [8]

Estas perguntas são, na obra Lógica, unificadas em uma só (que está ausente na Crítica da
Razão Pura): “o que é o homem?”. Kant salienta que a Filosofia é, impreterivelmente, uma
forma de antropologia[9]. Ao que se percebe, a partir do pensamento Kantiano, a questão
sobre o ser humano se torna central em toda reflexão filosófica[10], ou seja, o ápice de todo
discurso filosófico se dará na antropologia.

Assim sendo, os estudos da Filosofia moderna e pós-moderna se voltam com insistência para
elaborar o melhor discurso possível sobre o ser humano[11], buscando levar em consideração
suas categorias de estrutura, relação e unidade. Na categoria de estrutura ou níveis
ontológicos constitutivos, o ser humano é composto de corpo próprio, psiquismo e espírito
(dimensão espiritual, chamada por alguns autores também de mente)[12]. Na categoria de
estrutura percebe-se a importância e influência da dimensão psíquica, porque é graças a ela
que poderá acontecer a ligação entre as outras duas dimensões: “Desde o início, pois, de nossa
reflexão sobre o psiquismoele aparece como situado numa posição mediadora entre
o corporal e o espiritual.” [13] Além disso, o psiquismo é responsável por interiorizar as
experiências vividas pela dimensão corporal e exteriorizar o mundo interior do sujeito
humano:

A passagem do estar-no-mundo para o ser-no-mundo, ou da presença natural para a


presençaintencional, dá-se aqui no sentido de uma interiorização do mundo ou da
constituição de ummundo interior. Pelo ‘corpo próprio’ o homem se exterioriza ou constitui
sua expressão ou figura interior, e o Eu corporal é como que absorvido nessa exteriorização.
Pelo psiquismo o homem plasma sua exteriorização ou figura interior, de modo que se possa
falar com propriedade do Eu psíquico ou psicológico.[14]

Portanto, o estudo da dimensão psíquica é fundamental para uma lapidação dos estudos
antropológicos filosóficos, pois o psiquismo faz acontecer o encontro da unidade entre os
polos da dimensão humana e ainda aprofundar as expressões interiores do homem. No
estudo do psiquismo humano poder-se-á entrar mais profundamente no estudo da dimensão
que consegue trazer unidade na constituição ontológica humana e ainda é responsável por
fazer com que o ser humano saia de um solipsismo espiritual para uma abertura ao mundo
real e empírico.

Por fim, apresenta-se esta terceira relação, fazendo-se menção ao o pensamento de Agostinho
de Hipona, o qual acredita que o ser humano tem pela Razão (inteligência-razão) uma
abertura para a Verdade e pela Vontade uma abertura para o Bem, conforme afirma Sciacca
sobre o Agostinho: “Todas as operações do espírito provenientes do espírito mesmo por meio
da inteligência-razão, que alcança a Verdade, e da vontade, que adere ao Bem.”[15] Sendo
assim, a dimensão interior do ser humano busca a verdade e o bem, pois todos os homens
estão abertos a esse encontro.

O ser humano, deste modo, vai a uma busca constante por essa verdade e esse bem que possa
dar sentido a sua existência e manter-lhe em constante descoberta e desvendamento do
mundo interior e exterior. Quanto maior seu afastamento de si mesmo menor será sua
possibilidade de encontrar essa Verdade e Bem que tanto busca. O ser humano deve, então,
partir em busca dessa verdade no mais íntimo de si mesmo, pois poderá encontrar nessa
relação consigo mesmo o seu sentido: “Não saias de ti, mas volta para dentro de ti mesmo, a
verdade habita no coração do homem”[16].

Ora, sendo a psicologia o estudo do ser humano, com atenção para a interioridade humana,
vê-se como terceira relação o autoconhecimento pessoal, visto que é necessário, conforme
afirmado acima, o homem se conhecer para encontrar a verdade e o bem, consequentemente
o sentido da existência humana. A psicologia poderá propiciar um maior contato com a
dimensão interior humana e, assim, a uma aproximação do “eu” que habita no “coração
humano”.

Deste modo, pode-se concluir que a Filosofia e a Psicologia tem uma estreita relação e
necessitam estar constantemente sendo estudadas para um melhor aproveitamento da
Antropologia. Além disso, ambos os estudos podem propiciar ao homem um maior
autoconhecimento de si e melhorar as relações intersubjetivas. Ressalta-se que este estudo
não pretendeu apontar todos os pontos de relação entre a Filosofia e Psicologia, mas foram
apontados aspectos que se acredita serem alguns dos principais.

Referências

AGOSTINHO, Santo. A verdadeira Religião. Trad. Nair de Assis Oliveira. 2.ed. São Paulo:
Paulus, 1987.

DEKENS, Olivier. Compreender Kant. Trad. Paula Silva. São Paulo: Loyola, 2008.

DORIN, Lannoy. Enciclopédia de Psicologia Contemporânea: Psicologia geral. São Paulo:


Iracema, 1980. v. 1.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valerio Rohder e Udo Baldur Moosburger.
São Paulo: Nova Cutural, 1999.

MELENDO, Tomás. Iniciação à Filosofia: Razão, fé e verdade. Trad. Marciano Lang Fraga.
São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúcio, 2005.
PEREIRA, Isídio, S.J.. Dicionário grego-português e portguês-grego. 5. ed. Porto:
Apostolado da Imprensa, 1976.

SCIACCA, M. F. San Agustín. Trad. P. Ulpiano Álvarez Díes, O. S. A. Barcelona: Luis


Miracle, 1995

VAZ, H. Cláudio de Lima. Antropologia Filosófica. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2010.

[1]Cf. VAZ, 2010, p. 171

[2] Pode-se citar alguns exemplos: Sócrates pensava, baseado no oráculo de Delfos, que
para se conhecer o comportamento das outras pessoas era necessário conhecer-se a si
próprio: “conhece-te a ti mesmo”; já Platão preocupa-se mais com o problema das origens
das ideias; Aristóteles é o primeiro a se aventurar nas investigações mais seguras sobre a
consciência e a conduta do homem (Cf. DORIN, 1980, p. 6 e 7)

[3] Cf. VAZ, 2010, p. 3

[4] Cf. PEREIRA, 1976, p. 638.

[5] Cf. PEREIRA, 1976, p. 350.

[6] VAZ, 2010, p. 3

[7] DEKENS, 2008, p. 10

[8] KANT, 1999, p. 478

[9] Cf. DEKENS, 2008, p. 18. Antropologia significa em sua etimologia o estudo do ser
humano (ἂνθρωπος [ánthropos] significa em grego homem, mulher Cf. PEREIRA, 1976, p.
51). Existe uma diferença entre a antropologia e a psicologia, visto que a Antropologia tem
como objetivo construir um discurso sobre o homem-objeto (epsitemologicamente),
formalmente considerado como sujeito (ontologicamente) Cf. VAZ, 2010, p. 3, já a
psicologia é uma ciência que busca compreender o ser humano a partir de seus
comportamentos e condutas em seu meio Cf. VAZ, 2010, 172.

[10] Na nota 6 da primeira justificativa afirma-se com Lima Vaz, que o questionamento
sobre o homem é um tema que na antiguidade se tornou constante, porém não essencial.
Na antiguidade, a questão central está em torno do discurso sobre o absoluto, ou seja,
metafísico. A partir da modernidade o discurso se centra nas questões antropológicas,
conforme ressaltado.

[11] Cf. MELENDO, 2005, p. 65.

[12] Cf. VAZ, 2010, p. 154. Não se vê necessidade de citar no texto as divisões das categorias
de relação (objetividade, inter-subjetividade e transcendência) e de unidade (realização e
essência ou pessoa), visto que não seestá fazendo um estudo aprofundado do tema e do
autor, mas sim levando em consideração a importância de suas observações acerca do
pensamento sobre o homem.

[13] Ibidem, p. 168.

[14] VAZ, 2010, p. 169.

[15] SCIACCA,1955, p.427. “Todas las operaciones del espíritu provienen del espíritu mismo
por medio de la inteligencia-razón, que alcanza la verdad, y de la voluntad, que se adhiere al
bein.”

[16] AGOSTINHO, 1987, VI, 39, 72.

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