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TELEFONEMA

Estou tranquilamente jantando e tomando uma sagrada


cervejinha quando toca o telefone.
−Alô!
−Pai... Liguei para dar uma notícia sensacional...
Era a Marlene.
− Oi filha! Tudo bem?
−A Yara aprendeu a andar... − Falou entusiasmada.
Fico sem saber o que dizer. Nunca sei o que se diz em
aniversários, enterros, nascimentos e, agora acabo de descobrir,
quando crianças aprendem a andar.
− Que legal filha...
Não me vem nada à cabeça. Será que pergunto se ela anda
com os dois pés? Pergunto se tem freio ABS? Pergunto se foi no
primeiro ou no segundo tempo? Meu pobre cérebro trabalha
incansavelmente.
− Vocês estão de parabéns...
Que frase mais idiota, eu penso, a menina vai ficar frustada
com o pai.
− Pai ela não pára um segundo, vai do quarto para a sala, da
sala para a cozinha, está eufórica com a novidade.
− Que bonitinha! − Eu digo sem muita convicção.
Nesse meio tempo, percebo que a Cleide parou de jantar e
está atenta à minha conversa. Sem avisar nenhuma das duas passo
o telefone para a Cleide que, completamente à vontade, diz:
− Você saiu para trabalhar e quando voltou ela já estava
andando?
Porque eu não pensei em dizer algo assim? Como sou
burro...
E a Cleide continua:
− Que gracinha, aprendeu faz dez minutos?
E as duas se enrolam em um papo sobre sapatinhos, botinhas
e uma série de outros "inhos". Eu fico ali calado com meus
pensamentos. Aos poucos vou lembrando que um dia, há mais de
vinte anos, cheguei do trabalho e a Cleide não veio me beijar
como de costume. Parou a uns 4 metros com a Marlene
pequenininha de pé, entre as suas pernas e, de repente, a soltou e
ela andou até mim com seus primeiros e inseguros passos.
Éramos tão jovens... Tínhamos tantos sonhos.
Não me lembro da maioria dos "tantos sonhos", mas acho
que um deles era este, de ter netos e vê-los dar alegrias como esta
a nossos filhos.

Maio de 2000

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