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CORONAVÍRUS

Leia relatos daqueles que perderam pessoas queridas


para a Covid
Folha abriu espaço para leitores compartilharem depoimentos de luto

18.mar.2021 às 14h02
Atualizado: 6.abr.2021 às 20h52

SÃO PAULO A devastação sem precedentes causada pelo novo coronavírus no


Brasil e sua rápida escalada, alimentada pela má gestão da pandemia,
sobretudo pelo governo federal e por cidadãos que minimizam sua gravidade,
deixaram uma série de recordes nos últimos dias.

O mais recente, nesta terça-feira (6), é a marca dos mais de 4.000 mortos
registrados num único período de 24 horas. Média de óbitos em 7 dias vai a
2.740. Há 3 semanas acima de 2.000 mortes diárias, país vê pandemia acelerar.
:
Funcionário faz a contagem das covas recém abertas para receber vítimas da Covid-19 no cemitério Sã…

Mas há outras marcas pouco lisonjeiras: 25 dias de recordes sucessivos na


média móvel de óbitos (o recurso estatístico é usado para monitorar o dado
sem o risco de sobressaltos provocados por falhas técnicas, por exemplo); o
maior número de mortes diárias pela doença no planeta, neste momento. E
ainda o quarto ministro da saúde em um ano, Marcelo Queiroga, quando o
governo busca atenuar seu discurso sobre o vírus diante das perdas políticas
que sofreu.

A Folha abriu um espaço para os leitores e leitoras que perderam alguém para a
doença contarem como estão lidando com a ausência deixada pelos seus entes
queridos.

Leia abaixo os depoimentos que algumas delas nos enviaram.


:
Montagem com fotos de sapatos de vítimas da Covid no Brasil, feita quando atingimos a marca
de 200 mil mortes - Arquivo Pessoal

Perdi minha mãe, Maria Aldivani Oliveira, para a Covid-19. Ela tinha 72 anos, foi
internada no dia 6 de fevereiro com poucos sintomas, porém, estava com uma
saturação abaixo de oxigênio abaixo de 90. O dia da internação foi a última vez
que tive a oportunidade de abraçá-la. Ela estava bem, consciente e andando.
Após esta data, somente o boletim médico uma vez por dia por telefone. Doze
dias depois, ela veio a óbito. Já era asmática grave, e isso piorou mais a situação.
A dor maior foi não poder me despedir. Tive que fazer o reconhecimento do
corpo através de uma foto no celular da assistente social e acreditar que era ela
dentro do caixão. Não desejo isso pra ninguém.
Marcelo Oliveira, 48, engenheiro, São Paulo (SP)

Tive que fazer o reconhecimento do corpo da minha mãe através de


uma foto no celular da assistente social e acreditar que era ela dentro
do caixão
:
MARCELO OLIVEIRA
engenheiro, 48, São Paulo (SP)

Em menos de 24 horas, perdi meu pai e minha mãe para a Covid-19. Ele se foi
no dia 6 de abril de 2020, aos 85 anos, e ela, no dia seguinte, aos 75. Eles
estavam em hospitais diferentes, e jamais souberam da morte um do outro.
Estavam casados há 55 anos, eram inseparáveis, o que se mostrou verdade,
tanto na vida como na morte. Formaram uma família muito feliz e deixaram
duas filhas, que na época também pegaram Covid, mas com sintomas leves. Sou
uma dessas filhas, e até hoje a dor da perda me acompanha, de algum modo
relativizada somente quando vejo em perspectiva as milhares de outras famílias
que, como a minha, também foram destruídas por esta pandemia. Quase um
ano depois, percebo com tristeza que a situação no Brasil, ao contrário de
melhorar, só piora. Porém, temos que seguir em frente, vivendo um dia de cada
vez, com cuidado, esperança e ética.

Ana Maria Correa da Silva, 54, funcionária pública, Rio de Janeiro (RJ)

Em menos de 24 horas, perdi meu pai e minha mãe para a Covid-19

ANA MARIA CORREA DA SILVA


funcionária pública, 54, Rio de Janeiro (RJ)

Perdi meu irmão no dia 14 de janeiro de 2021, no dia do colapso dos hospitais
por falta de oxigênio em Manaus. Egberto Rodrigues era um homem cheio de
vida que amava seus dois filhos e esposa. Funcionário público de carreira da
Seduc-Am, estava realizado e planejando seu mestrado. Amava a vida e isso foi
tirado dele pela má gestão de todas as esferas governamentais. Essa pandemia
do descaso reflete o quanto a vida humana perdeu o seu valor no país. Quanta
dor! E temos que suportar o vazio dessa angústia, pois fomos privados de
:
enterrar nosso ente querido. Sei que um dia esse país ainda irá funcionar. Já
este momento trágico de nossa história, espero que nunca mais se repita.
Dalton Rodrigues, 32, professor de matemática, Manaus (AM)

Perdi meu irmão no dia do colapso dos hospitais por falta de oxigênio
em Manaus

DALTON RODRIGUES
professor de matemática, 32, Manaus (AM)

Entre 6 de fevereiro e 2 de março deste ano, perdi quatro entes queridos para a
Covid. Primeiro minha mãe, a professora aposentada Raimunda Mangabeira, de
73 anos, no dia 6 de fevereiro. Em seguida, no dia 16 de fevereiro, meu irmão,
Joao Marcelo. No dia seguinte, minha irmã Natália. E, por último, no dia 2 de
março, minha tia Delta Mangabeira. Uma verdadeira tragédia vivenciada na
minha família.

Entre 6 de fevereiro e 2 de março deste ano, perdi minha mãe, meu


irmão, minha irmã e minha tia para a Covid

CLOTILHO FILGUEIRAS
advogado, 46, Boa Vista (RR)

Meu pai morreu por Covid em 4 de junho de 2020, aos 75 anos, no Rio de
Janeiro. Seu nome era Hilton Leal e eu não pude me despedir dele, em função
da forma como se deu sua morte e por morar na França. Acompanhei seu
funeral por chamada de vídeo, assim como meu irmão, que ficou internado,
também por Covid, no mesmo hospital em que meu pai morreu. Quase perdi
meu irmão, que felizmente pôde se recuperar e não deixou duas sobrinhas
menores de 10 anos órfãs.
:
Falar do meu pai não é difícil. Difícil é aprender a viver sem ele. Meu pai era um
homem muito bom, com um sorriso largo no rosto, que iluminava os lugares
mais escuros. Sempre foi muito honesto e justo, ajudava a quem pudesse,
mesmo não tendo muitos bens.

Era um louco apaixonado pela sua família e amigos, vivia triste com a situação
atual do seu tão amado Brasil. Sempre propus que viesse morar na França
comigo, mas ele sempre negava, dizendo que jamais deixaria o Brasil. Falava
que na França fazia muito frio e que a comida não tinha gosto.
Sua paixão pelos netos era visível, amava os quatro com a mesma intensidade.
O mesmo amor que tinha por mim e pelo meu irmão. Era uma pessoa que
espalhava o amor e palavras de conforto. Amava meus amigos como se fossem
seus filhos. Era apaixonado pela esposa do meu irmão e pelo pai dos meus
filhos. Amava minha mãe, sua companheira de vida, de um jeito lindo e
engraçado. Como todo ser humano, não era perfeito, mas suas qualidades
compensavam os defeitos, já que era muito nervoso e falava sempre a verdade,
sem pensar nas consequências.

Meu relacionamento com o meu pai era o mais amoroso possível. Ele era o meu
melhor amigo, o amor da minha vida. Deus me deu um filho, que é fisicamente
a cópia do meu pai e agradeço a Deus misericordioso por isso. Minha filha tem
o nome da mãe do meu pai. Homenagens merecidas por aquele que foi o meu
herói em carne e osso. Eu perdi meu amigo, meu companheiro para discutir
política e futebol, para ir ao estádio, para rezar junto, para chorar junto pelas
mazelas do mundo.

Tão certo quanto o rio encontra o mar, eu tenho fé na certeza do meu


reencontro com você, meu velho e querido pai. Você estará para sempre em
meu coração. Te amo muito e fique em paz. Olhe por nós. Olhe pelo nosso tão
maltratado Brasil. A dor da sua partida sem eu ter tido a chance de me despedir
de você é enorme. Porém, muito maior do que essa dor são o amor e o orgulho
que carrego em meu coração por ter sido sua filha. Saudade é amor. A saudade
será meu guia e minha fortaleza nessa tarefa difícil de viver sem você.
Tatiana Bichara Leal, 43, mestranda em Literatura, Tournefeuille, França
:
Acompanhei o funeral do meu pai por chamada de vídeo

TATIANA BICHARA LEAL


mestranda em Literatura, 43, Tournefeuille, França

Minha irmã mais nova foi embora por causa da Covid-19. Seu nome era Kátia
Maria Martins de Oliveira Carvalho, tinha 56 anos e nos deixou no dia 9 de
junho de 2020. Como acontece nesses casos, não houve velório nem despedida.
Durante seu tempo com a doença, não pudemos chegar perto. Nesse período,
seu filho Felipe Martins Bandeira, 31, portador da Síndrome de Down, também
contraiu o coronavírus. Ela cuidou bravamente dele, mesmo doente. Só se
permitiu ser internada quando viu o filho fora de perigo. Já era tarde. Depois de
uma semana no melhor hospital de Maceió, ela foi intubada e faleceu.
Guerreira. Enquanto ela não viu seu filho fora de perigo, não cuidou dela.
Minha irmã era pedagoga e trabalhava na rede municipal de ensino de Maceió.
Protegia e lutava pelos seus alunos da periferia da cidade. Levou seu filho Down
para uma universidade, onde ele se formou em Gastronomia. Sua filha mais
velha é advogada. Criou seu filho Down para o mundo. Deixou na família um
sentimento de orgulho por tanto ter lutado pela inclusão social. Sua trajetória
foi de mãe, guerreira e mulher. Essa doença mata e não nos dá nem a chance de
velar nossos parentes. Tenho orgulho de ser irmã de uma pessoa tão especial.
Regina Célia Martins de Oliveira, 62, jornalista aposentada, Maceió (AL)

Essa doença mata e não nos dá nem a chance de velar nossos


parentes

REGINA CÉLIA MARTINS DE OLIVEIRA


jornalista aposentada, 62, Maceió (AL)

A Covid destroçou minha família em Uberlândia (MG). Minha avó foi internada
:
com pneumonia no dia 30 de janeiro. Apesar da suspeita dos médicos, os
exames para coronavírus deram negativo. Dois dias depois, minha mãe e uma
de minhas tias começaram a apresentar sintomas da doença. Essa tia foi a
primeira a fazer o teste, que deu positivo.

Em seguida, convenci meus pais a fazerem o teste. Eu mesmo consultei a página


do laboratório e lhes informei o resultado positivo. Logo, toda a família fez o
teste e confirmou o que ninguém gostaria de ouvir. Além desta tia e de meus
pais, também receberam diagnóstico de Covid outra tia, um primo, meu irmão
e sua esposa e, por fim, a minha avó. Minha família é pequena e não foi surpresa
quando todos deram positivo, pois se encontravam nos cuidados diários com a
minha avó, que estava com idade avançada. Das oito pessoas contaminadas,
três tiveram sintomas leves e puderam se recuperar em casa. As outras cinco
precisaram de internação. Destas, apenas duas se recuperaram e seguem em
acompanhamento.

Minha mãe, de 68 anos, foi a primeira a partir, no dia 26 de fevereiro, uma


sexta-feira. Ela estava bem, falava conosco por videochamada. Ficou internada
por 15 dias, os dois últimos na UTI, por queda da oxigenação, mas sem
intubação. Teve um tromboembolismo pulmonar maciço fatal. Minha avó, de 91
anos, e minha cunhada, de 43, partiram um dia depois. Estas estavam
intubadas na UTI havia mais de uma semana, e não resistiram. Morreram com
uma hora de diferença.

A doença tem um aspecto social muito cruel. Meu pai e meu irmão ficaram
viúvos com apenas um dia de diferença. Meu irmão perdeu as 3 principais
mulheres de sua vida: a esposa, a mãe e a avó.

Como moro em Brasília, não vejo a minha família desde o início da pandemia.
Quis ir em fevereiro, quando todos estavam doentes, para cuidar deles,
sobretudo da minha mãe. Mas minha família pediu que eu não fosse para
Uberlândia, afinal, seria mais um a se contaminar e, portanto, a demandar
cuidados a uma família sobrecarrega e atenção médica numa cidade com o
sistema de saúde também sobrecarregado.
:
Enfim, não consegui ver minha mãe pela última vez, não pude me despedir, não
pude cuidar dela, não tivemos como conseguir-lhe os últimos sacramentos, não
pude sequer ir ao enterro. O caixão saiu lacrado do hospital para túmulo. Não
pude abraçar minha família ou ganhar um abraço.
Leonardo Prudente, 40, gerente de projetos, Brasília (DF)

Não consegui ver minha mãe pela última vez, não pude me despedir,
não pude cuidar dela, não pude sequer ir ao enterro

LEONARDO PRUDENTE
gerente de projetos, 40, Brasília (DF)

Minha mãe morreu de Covid e achei que deveria quebrar o silêncio destes dias
de luto. Ela tinha o dom de tocar o coração de quem se aproximava, fosse por
sua delicadeza e humildade, pela comida e convite à mesa, por cada ponto
esperançoso de crochê, pelo pouso sempre generoso, pelas histórias de vida e
lições cotidianas. Desde março, quando o coronavírus se alarmou no Brasil,
redobramos os cuidados com nossa mãe, que foi diagnosticada com câncer no
sangue em 2016. Estávamos nos preparativos finais para um transplante de
medula que seria realizado logo após a Páscoa, mas precisou ser adiado em
razão da pandemia.

Família em isolamento social, sem visitas e com saídas médicas estritamente


necessárias (duas, para ser mais exato). Mesmo com toda nossa cautela, não
conseguimos evitar que ela se infectasse, provavelmente na primeira semana de
maio. Desde então, mesmo sem saber, os sintomas do coronavírus começaram a
aparecer, misturados com os do câncer. A baixa saturação de oxigênio e a
dificuldade respiratória requisitaram uma transfusão de sangue às pressas. A
partir daí, minha mãe foi internada, precisou parar o tratamento
quimioterápico devido à baixa imunidade e, para completar a novela, testou
positivo para o Covid-19 no dia 20 de maio. Todos do núcleo familiar mais
próximo, inclusive as crianças, testamos negativo para o vírus. Nunca
:
saberemos como a infecção ocorreu.

Milagrosamente e graças aos cuidados da equipe de saúde, ela sobreviveu ao


pico da doença e teve alta logo em seguida, mas precisou retornar ao hospital e
faleceu com uma parada respiratória no dia 3 de junho de 2020. Quando os
governos priorizam a economia ao invés da saúde, quando você fura os
protocolos de isolamento social sem necessidade ou quando pensa que isso é
uma besteira, você está, na verdade, pagando com a vida de outras pessoas o
preço de seu egoísmo e de sua falta de empatia! Transformemos nossa dor em
combustível para a mudança de que precisamos, sempre.
Paulo Nunes, 37, professor, Itajubá (MG)

Nessa pandemia, perdi duas pessoas. Uma prima de 43 anos que só conhecia
por foto, enfermeira que trabalhava na linha de frente em combate ao Covid-19
na Paraíba. E uma tia que morava aqui em São Paulo e também faleceu em
decorrência da doença. Minha tia era uma mulher alegre e sempre disponível
na hora de preparar algum prato doce para as festas familiares.
Cássia da Silva Cunha, 41, assessora de imprensa, São Paulo (SP)

Foi um dia triste. Acordei pela manhã e soube da notícia: um grande professor e
amigo partiu. Eu sei que ele sempre tomou todas as medidas preventivas, ele
dizia que tinha medo de pegar Covid. A cidade em peso orava, rezava, cuidava
dele, mesmo que distante. Minha tia Rita, grande amiga dele, ficou muito
fragilizada nesse período, e o luto que ela está vivendo no momento diz o
quanto ela o amava e admirava. São muitos os alunos órfãos, são muitas as
pessoas enlutadas, alunos, familiares, colegas de trabalho, a cidade de 6 mil
habitantes está triste.

Fica a dor da perda, o luto necessário que todos temos que enfrentar. Mas
também fica todo o amor que ele cultivou, ficam as plantas na Secretaria de
Educação, na entrada da cidade. Ele é gigante e deixou um legado gigante
também. Por isso, o que damos a Cézar é todo amor, admiração e gratidão por
:
ter contribuído para tornar o mundo um lugar melhor.
Pedro Obede Medeiros Costa, 29, psicólogo, Japi (RN)

Fui acordado pelo telefone às quatro da manhã de uma noite angustiante. Era
meu irmão dizendo que o hospital entrou em contato com ele pedindo que
fossemos até lá com urgência. Eu moro em João Pessoa (PB) e era minha
primeira noite em Cuiabá (MT), para onde fui às pressas depois que meu pai e
minha mãe foram internados com Covid, sem UTI para serem internados caso
precisassem. Peguei o carro e dirigi até o hospital apreensivo e angustiado,
lembrando que não via meus pais havia mais de 6 meses e que meu pai estava
com 80% do pulmão comprometido, em quadro grave.

Quando cheguei ao hospital, me mandaram entrar na central de enfermagem,


onde havia um monitor informando todos os internados e seus status. Vi o
nome da minha mãe, mas não vi o do meu pai. Foi ali que eu entendi que ele
havia falecido. Me identifiquei e chamaram o médico, que já chegou pedindo
que eu me sentasse e me informando da morte do meu pai. Me segurei na hora
e agradeci a ele por ter tentado e cuidado do meu pai nos últimos minutos. Não
consegui chorar, não dava, minha mãe ainda estava internada com quadro
grave, minha cunhada tinha tido seu filho dois dias antes e minha irmã estava
com o parto agendado para dali a dois dias. Pedi que minha mãe, que estava no
quarto ao lado, não fosse informada e que retirassem o celular e o tablet dela.
Minha preocupação era que, com a notícia, seu quadro também viesse a piorar.

Agora me cabia a angustiante tarefa de ligar para todos e informá-los da morte


do meu pai. Foi muita dor a cada ligação. Informar minha irmã grávida que seu
pai havia morrido foi mais difícil do que ver o caixão do meu pai sendo
enterrado. Além de cuidar do velório, ainda estava atrás de uma UTI para
minha mãe caso ela precisasse. Cuiabá estava sem leitos, estávamos havia 10
dias procurando um leito de UTI pro meu pai e não conseguimos.

Depois de muita dor, angústia e três dias na porta do hospital ligando para
hospitais em cinco estados diferentes, conseguimos vaga num hospital em João
:
Pessoa (PB). Depois de mais uma semana, para nosso alívio e alegria, minha
mãe teve alta do hospital. Perdemos meu pai mas ganhamos duas novas
crianças na família. No meio de toda tristeza e agonia, ver o rostinho sorridente
da Mariana e da Catarina nos animou de muitas formas.

Até hoje eu choro a perda do meu pai, quando algo me lembra dele. Tenho
comigo que isso tudo é reflexo da situação, afinal, apesar de toda fraqueza e
fragilidade naquele dia, eu tentei ser forte. Mas passei por isso inteiro porque
não passei só. O que eu aprendi nisso tudo é que o mais importante da vida é
viver cercado de amigos e da família. A generosidade, a empatia e o amor são os
maiores bens da humanidade.
Felipe Monteiro, 34, empresário, João Pessoa (PB)

Informar minha irmã grávida que seu pai havia morrido foi mais
difícil do que ver o caixão do meu pai sendo enterrado

FELIPE MONTEIRO
empresário, 34, João Pessoa (PB)

Perdi um colega de profissão. Ele tinha 65 anos, trabalhava muito, tinha muita
coisa ainda por fazer. Estou inconformada, só acreditamos de fato na doença
quando perdemos alguém próximo, infelizmente.
Helena Alves da Silva, 66, advogada, Guarulhos (SP)

Foi muito difícil receber a notícia de sua partida, sua morte tão prematura,
amigo Anderson. A gente não quer acreditar, né? Na verdade, a gente deseja
crer muito mais do que a realidade nos impõe. Assim como eu esperava receber
uma resposta sua no WhatsApp para todas as minhas mensagens, enviadas
desde que você foi para a UTI. Pensei comigo que você ficaria feliz em saber que
durante este período todo de internação estávamos lá torcendo, rezando. Mas
nada, não veio sua mensagem de volta, a cada dia aumentava a nossa agonia e a
:
verdade dos fatos se tornava mais aberta, dilacerante.

No mesmo dia de sua morte eu rezei muito por você e por sua família, mas eu
também pensei muito que, nos dois dias anteriores, o Brasil havia batido o
triste recorde de mortes por Covid. Quantos corações dilacerados como os
nossos, quantas famílias arrasadas? Eu tento achar fé, positividade, mas talvez
seja a hora de agir diferente. E não é porque sentimos na pele, mas sim porque
este vírus é real sim, ele mata e mata de uma forma que nunca ousamos
imaginar. A máscara é importante, sim, o isolamento é fundamental e a vacina é
nosso desejo. Que os egocêntricos e negacionistas acreditem de uma vez por
todas que não é sobre eles, é sobre todos nós. Vá em paz! Até um dia,
companheiro!
Roberto Mancuzo, 46, jornalista, Presidente Prudente (SP)

Aos 87 anos, vivendo o melhor de sua vida, minha irmã mais velha faleceu
alguns dias atrás por um infarto, ocasionado por Covid. Paraibana e carioca
“honorária”, vivia em Pirassununga com a filha, o genro, a neta e o bisneto.
Estava no auge de sua vida! Tinha paz! Usufruía do amor familiar e era sempre
amorosa ao se relacionar com parentes e amigos. Teve como única companhia
no seu funeral a neta Ana Letícia. O mal se combate com o bem. Bolsonaro é a
personificação do mal. É só uma pessoa ruim que está no poder. Não é para
sempre. Os únicos que o aplaudem são os beneficiários de sua proximidade.
Triste Bolsonaro. É tolo. Não sabe o que é amar.
Ivan Alves de Oliveira, 61, aposentado, Rio de Janeiro (RJ)

No dia 1º de janeiro de 2021 perdi minha avó, que na verdade havia sido mãe,
pois perdi a minha para o câncer quando eu tinha 12 anos. Ela lutou desde 22
de dezembro do ano passado contra um vírus implacável com idosos. Resistiu
por muito tempo com oxigenação em 15 litros, lutando para manter a saturação
acima de 90. O barulho da régua de oxigênio era ensurdecedor. No quarto do
hospital, enquanto ela estava deitada na cama fazendo exercícios de respiração
:
para subir a saturação, víamos o Bolsonaro destilando negacionismo na TV dia
após dia. Não sabia o que dizer a ela, que me olhava de canto de olho e falava
com dificuldade: "Ele é maluco!".

Ok, ela tinha idade, tinha doença pulmonar obstrutiva crônica por causa dos
anos de fumante, mas era completamente normal. Era completamente
presente, bem-humorada, interessada nas pequenas coisas da vida,
completamente participante da vida de todos os netos. Minha avó já tinha
perdido o marido e os três filhos mas, mesmo assim, não se abalava.
Continuava contando piadas, adorando uma festa. Conseguiu participar, em
outubro de 2020, do meu casamento, que, por causa da pandemia, foi um
almoço com quatro pessoas na minha casa.

O nome dela era Maria de Lourdes, como muitas de sua idade. Tinha 91 anos,
mas bastante força. Sempre imaginei que, pela idade, a qualquer momento
teríamos a notícia de sua morte. Mas que ela teria passado mal enquanto
tricotava, deitado e ido embora dormindo. Nunca por Covid. Fizemos de tudo
para que a doença não chegasse nela.
Mony Lacerda, 42, arquiteto, São Paulo (SP)

Sete dias antes de ser intubada, minha mãe comeu frutos do mar e churrasco.
Sabíamos que ela estava com Covid, mas estava "bem", com sintomas leves. Mal
sabíamos que ela estava à beira do precipício! Em uma noite, ela foi dormir com
oxigenação a 92% e acordou com 85%. Levei-a imediatamente para a UPA, onde
foi prontamente colocada para receber oxigênio. Ficou em observação e, em
menos de 24h, foi para a UTI. Foi intubada e, durante todos os 10 dias que
permaneceu no hospital, eu aguardava pela ligação da médica, entre as 10h e as
18h.

Houve duas tentativas de desintubação, mas minha mãe se debatia e a sedação


retornava. Após a segunda tentativa, a médica se mostrou preocupada, pois,
segundo me disse, do sétimo dia em diante o risco de pegar bactéria aumenta,
por isso tinha certa "pressa" em desintubá-la. Minha mãe pegou a bactéria e
:
desenvolveu sepse, a famosa infecção generalizada, o que a levou ao
falecimento. Covid, pneumonia, sepse.

Às 3h da manhã fui chamado ao hospital para receber a notícia da morte física


dela. Perguntei ao médico e à enfermeira se ela havia sofrido e eles disseram
que não sofreu. A enfermeira disse que, apesar de não conhecer a mãe
consciente, sentiu que ela era uma pessoa de bom coração, foi muito corajosa, e
estava muito orgulhosa dela. Tanto ela quanto o médico pediram desculpas por
não poderem salvá-la. Na hora que recebi a notícia não tive reação de choro.
Avisei a família e fui para casa para proceder com os trâmites do velório.

Minha irmã veio dos EUA visitar minha mãe, ficou 10 dias em casa com ela.
Retornou para sua casa em uma quarta à noite. Na quinta, levei minha mãe para
o hospital. Eu, que morei fora da cidade por 4 meses, decidi pedir minhas
contas, voltei para casa e ainda pude passar exatos 7 dias com a minha mãe. Foi
muito súbito o que aconteceu, não houve um aviso prévio, a não ser a queda da
oxigenação.

Trinta dias antes de falecer, minha mãe comprou um rosário para cada um dos
filhos, inclusive para mim, mas não chegou a entregar. No luto, aprendi a rezar
o terço sozinho e isso aliviou a dor. Sou testemunha do poder da oração. Agora
prestamos as homenagens a ela através do exemplo do bom comportamento
que ela deixou: discrição, generosidade, doçura, perdão, simplicidade.

Tínhamos planos para depois da pandemia, conhecer a Itália. Ela falava italiano
fluentemente e estava aprendendo inglês por conta própria. Antes de estourar a
pandemia, ela reuniu os documentos e conseguiu a cidadania italiana para ela e
os três filhos. Passados três meses do falecimento, noto que a tristeza vira
saudade e as lágrimas viram boas lembranças. Até mesmo os cachorros e a gata
sentiram o momento da morte dela. Meu pai teve um sonho bonito e minha
irmã escutou uma batida de porta dentro de casa. Eu estava no banho, ardendo
em febre.

É triste enterrar uma mãe, ainda mais uma mãe jovem, de 67 anos. Só sabe a
dor quem passou por isto. Muitos minimizam o luto ou o perigo da Covid
:
porque a morte está visitando a casa dos outros. Se as pessoas tivessem plena
consciência do risco que correm, não colocariam nem a cara na janela. O luto
fica latente na alma, pois cada vez que vejo uma senhora na rua, ouço uma
música bonita, vejo uma reportagem sobre Covid, emociono-me. Mas me
conforta o fato de não ter havido sofrimento, pois não faltou oxigênio, não
faltou leito, não faltou medicamento. Diante de tanto sofrimento em busca de
um alento, vejo que Deus foi misericordioso com minha mãe e com todos nós
em casa.
Marcos Triacchini Garcia, 41, oficial de náutica, Curitiba (PR)

Muitos minimizam o luto ou o perigo da Covid porque a morte está


visitando a casa dos outros

MARCOS TRIACCHINI GARCIA


oficial de náutica, 41, Curitiba (PR)

Obrigada por abrir este espaço para falar da dor de perder um ente querido
nesta pandemia. Minha mãe morreu em agosto passado, aos 85 anos. Estou
lutando contra a Covid desde março, fazendo protocolos, treinando
profissionais de saúde, ajudando como posso. Estou enfrentando, sim. Mas a
dor de perder alguém tão querido é imensa.

Cada vez que vejo uma senhora ou um senhor recebendo a vacina, tenho um
misto de sentimentos: alívio para estas pessoas e seus familiares, e tristeza
porque a vacina não chegou a tempo para minha mãe. Cada vez que vejo na
televisão quantos morreram por Covid, lembro da minha mãe. Já faz seis meses,
mas a dor permanece.

Que as vacinas avancem e mais pessoas usem máscaras e não se aglomerem,


para que mais filhos não sintam esta dor. Que mais pessoas entendam que estes
dias são difíceis, mas, se a ciência puder nos guiar por estes tempos sombrios,
menos filhos chorarão esta perda. Menos esposos, pais, avós, primos e amigos
:
chorarão suas perdas.
Silvia Fonseca, 60, médica infectologista, Ribeirão Preto (SP)

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