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2022v23n2p145-153
a
Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. AM, Brasil.
b
Universidade Federal do Amazonas, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. AM, Brasil. AM, Brasil
*E-mail: profalmerinda@hotmail.com
Resumo
A década de 2000 foi marcada por políticas públicas de reconhecimento da língua falada pelas comunidades surdas brasileiras, a Língua
Brasileira de Sinais - Libras. Por meio dessas comunidades, a Libras foi instituída como disciplina obrigatória nos cursos de formação de
professores do Brasil, o que fez surgir uma nova área de investigação científica. A pesquisa se sustentou nos seguintes objetivos: buscar as teses
e dissertações produzidas nos programas de pós-graduação que versam sobre a disciplina Libras no Ensino Superior no período de 2002 a 2018;
sistematizar e categorizar, a partir da leitura dos títulos e resumos das teses e dissertações, as pesquisas sobre a disciplina Libras no Ensino
Superior dos programas de pós-graduação do Brasil. Nesse contexto, a presente pesquisa realizou um levantamento das teses e dissertações na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) para a composição de um estudo sobre a disciplina Língua Brasileira de Sinais
(Libras) no Ensino Superior do Brasil. Constitui-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica que adotou, como procedimento metodológico,
o Estado da Arte. Foram encontradas vinte e nove pesquisas, escritas entre 2009 e 2018. O corpus foi organizado nas seguintes categorias:
modalidades das pesquisas; pesquisas realizadas por ano; pesquisas acadêmicas por universidades; áreas das pesquisas; temáticas das pesquisas;
tipo das pesquisas; e, teóricos relacionados à disciplina Libras. Observou-se que há muito a ser investigado como, por exemplo, seu enfoque
enquanto política educacional, que conforme a pesquisa realizada, não foi identificado em nenhum trabalho dessa natureza.
Palavras-chave: Disciplina Libras. Ensino Superior. Estado da Arte.
Abstract:
The 2000s were marked by public policies to recognize the language spoken by Brazilian deaf communities, the Brazilian Sign Language -
Libras. Through them, Libras was instituted as a mandatory subject in teacher training courses in Brazil, which gave rise to a new area of
scientific research. The research was based on the following objectives: to search for the theses and dissertations produced in the graduate
programs that deal with the Libras discipline in Higher Education from 2009 to 2018; to systematize and categorize, based on the reading of the
titles and abstracts of theses and dissertations, research on the Libras discipline in Higher Education in graduate programs in Brazil. In this
context, the present work carried out a survey of theses and dissertations at the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD)
for the composition of a study on the discipline Brazilian Sign Language (Libras) in Higher Education in Brazil. It is, therefore, a bibliographic
research that adopted, as a methodological procedure, the State of the Art. Twenty-nine surveys were found, written in the proposed period.
The corpus was organized into the following categories: research modalities; surveys carried out per year; academic research by universities;
research areas; research themes; type of surveys; and, theorists related to the Libras discipline. It was observed that there is much to be
investigated, such as its focus as an educational policy, which according to the research carried out, no work of this nature was identified.
Keywords: Libras Discipline. University Education. State of the Art .
Definiu-se um período de 10 anos para a coleta de dados. Quatro anos depois, em 1991, a comunidade surda teve
O período foi demarcado no extrato final em que se teriam a sua primeira vitória, não foi em cenário nacional, mas no
disponíveis as informações da Biblioteca, ou seja, 2018, e foram Estado de Minas Gerais. Azeredo disse que “a primeira lei
retrocedidos 10 anos, até o ano de 2009. A priori, era objetivo promulgada no Brasil referente ao direito de acesso a Libras
desta pesquisa iniciar a busca no ano de 2002, que é marcado foi em Minas Gerais e serviu de exemplo para todo o Brasil”
pela promulgação da Lei n.o 10.436, publicada em 24 de abril (2006, p.12). A lei em questão é a n.º 10.379 de 10 de janeiro
de 2002 (BRASIL, 2002), na qual consta a possibilidade de de 1991, que reconheceu, oficialmente, no Estado de Minas
Libras se tornar disciplina curricular nos cursos de formação Gerais, como meio de comunicação objetiva e de uso corrente,
de professores e de fonoaudiólogos, contudo, as produções a linguagem gestual codificada na Língua Brasileira de Sinais
acadêmicas com a temática só começaram a ser depositadas – Libras.
na BDTD no ano de 2009. Para esta pesquisa, é importante observar dois excertos
O acesso ocorreu no mês de agosto de 2019. Para a dessa lei. O iniciante é o artigo primeiro:
padronização e organização da busca foram utilizados os Art. 1.o Fica reconhecida oficialmente, pelo Estado de Minas
seguintes descritores: Libras, Disciplina e Ensino Superior/ Gerais, a linguagem gestual codificada na Língua Brasileira
de Sinais - LIBRAS - e outros recursos de expressão a ela
Universidade, depositadas no período de 2009 a 2018, com os associados, como meio de comunicação objetiva e de uso
operadores booleanos: “AND”, “OR” e “ -” (hífen). corrente (MINAS GERAIS, 1991).
O corpus da pesquisa foi organizado e definido da seguinte
Observa-se que a lei chama de linguagem gestual
forma: modalidades das pesquisas; pesquisas realizadas por
codificada a Libras, essa não é reconhecida como língua, e
ano; pesquisas acadêmicas por universidades; áreas das
sim como linguagem. Salienta-se que essa lei foi alterada em
pesquisas; temáticas das pesquisas; tipo das pesquisas, e;
01 de agosto 2013, através da lei estadual n.º 20.828, mas o
teóricos relacionados à disciplina Libras.
termo linguagem continuou o mesmo.
Os dados foram apresentados na forma de quadros e
Gesser (2009) argumenta que ao tratar Libras como uma
gráficos, por considerar que as informações nesses contidos
linguagem se tira o status linguístico que foi conferido às
firmam a proposta de análise de cunho quantitivo-descritiva.
línguas de sinais, na década de 1960. Diz, ainda, que é preciso
Os resultados foram organizados em três subseções,
repetir inúmeras vezes que Libras é língua
a saber: recorte político-histórico da regulamentação da
para que a constituição social dessa língua minoritária ocorra,
Língua Brasileira de Sinais - Libras; detalhando as Teses e
ou seja, para chegarmos à legitimação e ao reconhecimento,
as Dissertações, e; dialogando com as Teses e Dissertações, por parte da sociedade como um todo, de que língua de sinais
seguidas das Considerações Finais. é língua (GESSE, 2009, p.9).
2.2 Recorte Político-Histórico da Regulamentação da O segundo excerto é o artigo terceiro dessa lei, que diz:
Língua Brasileira de Sinais - Libras Art. 3.º Fica a Libras incluída no currículo da rede pública
estadual de ensino, estendendo-se aos cursos de magistério
A luta pelos direitos sociais das pessoas surdas, e formação superior nas áreas de ciências humanas, médicas
principalmente, no que tange ao reconhecimento de sua língua, e educacionais e às instituições que atendem ao aluno com
deficiência auditiva (MINAS GERAIS, 1991).
ganhou força na década de 1980, com a criação da Federação
Nacional de Educação e Integração do Surdo (Feneis) no ano Em Minas Gerais, desde ano de 1991, por conta da lei
de 1987, na cidade do Rio de Janeiro. em questão, Libras se constituiu como disciplina curricular
Ramos (2004) afirma que a Feneis é uma instituição não obrigatória na Educação Básica, de responsabilidade do
governamental, filantrópica e sem fins lucrativos, que nasceu governo estadual, bem como nos cursos superiores das áreas
com um caráter estritamente político. No Relatório Anual de Ciências Humanas, Médicas e Educacionais. Tem mais,
Em atenção aos objetivos deste trabalho, faz-se mister incluída nos cursos da área de Educação e nos cursos de
analisar apenas os textos dos artigos primeiro e quarto. formação de fonoaudiólogo, deixando claro, também, que
Em seus artigos primeiro, a principal diferença, será uma disciplina optativa para o discente, no entanto,
incluindo aí, os seus parágrafos únicos, é a ausência da sigla todas as instituições de ensino devem oferecê-la. Na
Libras no texto da PL 131. Rodrigues (2015) afirma que foi Lei, o mesmo artigo nada fala sobre obrigatoriedade ou
enviado pela Feneis, no ano de 1993, à Senadora Benedita eletividade, apenas garante o ensino de Libras nos mesmos
da Silva um texto para subsidiar a organização do Projeto cursos elencados pelo PL 131, omite-se esse elemento e se
de Lei, chamado: “As comunidades Surdas reivindicam seus acrescenta que Libras será parte integrante dos Parâmetros
direitos linguísticos”, de autoria de Tanya Amara Felipe. O Curriculares Nacionais.
documento deixa claro que o termo Libras já era usado à A Lei que passou a vigorar não deixou clareza sobre como
época pela comunidade surda, inclusive, salienta, que essa seria a implantação dessa disciplina, qual o tempo que teriam
língua era também conhecida por LSCB (Língua de Sinais para efetivá-la e nem como seria a formação dos professores
dos Centros Urbanos Brasileiros) pelos linguistas, mas que para ministrar essa disciplina, todas as explicações e dúvidas
eles pediam que sua escolha prevalecesse. ficariam para o decreto que detalhou essa lei.
O decreto n.º 5.626, de 22 de dezembro de 2005, é o
Nós, da comunidade surda, sabemos que existem duas
documento que regulamentou a Lei n.º 10.426 em 24 de
denominações para a nossa Língua de Sinais, uma utilizada
pelos linguistas, a LSBC – Língua de Sinais dos Centros abril de 2002, nesse há dois capítulos que regulamentam a
Urbanos Brasileiro – outra, utilizada por nós, a Libras disciplina Libras no Ensino Superior.
– Língua Brasileira de Sinais. Queremos que prevaleça o O capítulo II, chamado “Da Inclusão da Libras como
nome que escolhemos porque representa nossos direitos e
Disciplina curricular”, diz, no artigo terceiro, que a Libras
conquistas (FELIPE, 1993, p.2).
será incluída como disciplina curricular obrigatória nos
O artigo quarto do Projeto de Lei trata da inclusão da cursos de Licenciatura (nível médio e superior) e nos cursos
Libras como disciplina curricular. Afirma-se que essa será de formação de fonoaudiólogos. O parágrafo primeiro
No que tange às áreas de concentração das produções, de educação, que corresponde a cinco programas (Educação,
respeitou-se a denominação presente nos trabalhos, até porque Educação Especial, Educação nas Ciências, Educação
se trata do nome do Programa de Pós-Graduação, no qual em Ciências e Matemática e Educação, Arte e História da
esses trabalhos foram desenvolvidos, dessa forma, não foram Cultura) se têm 17 trabalhos defendidos, o que corresponde a
realizados agrupamentos. mais da metade das produções. Outro destaque foram as áreas
Em relação a este aspecto, foram encontrados 15 áreas de Distúrbio da Comunicação e Linguística Aplicada que
de concentração, sendo a área de Educação a que apresentou tiveram dois trabalhos apresentados, cada um. .
maior número de produções, 12 do total dos 29 trabalhos O Quadro 5 se caracteriza em apresentar as temáticas
defendidos no período investigado. Ao se somar a grande área escolhidas e quantitativo em cada ano:
Outra consideração desta pesquisa diz respeito à escolha A temática “Implantação da Disciplina Libras” está
dos temas das produções. A definição das temáticas resultaram presente em seis pesquisas, perfazendo um total de um pouco
da leitura dos objetivos descritos pelos autores nos resumos mais de 20% dos trabalhos defendidos. Outro destaque está
presentes nos trabalhos. Ao longo do período observado se na temática “Disciplina Libras na Formação de professores”
destacou a consolidação de quatorze temáticas (Quadro com cinco ocorrências, representando 14,5% das pesquisa
5). Ressalta-se, com isso, que não foram propostos temas à concluídas no período de análise.
priori, respeitando-se os descritos pelos autores, trazendo O Quadro 6 se configura em demonstrar os tipos de
maior fidedignidade. pesquisa e a quantidade encontrada em cada ano:
Foram considerados tipos de pesquisa os processos ou qualiquanti. Observa-se no Quadro 5 que há presença de
discursivos, as metodologias, os métodos, as técnicas de pesquisa qualitativa, sete casos e uma ocorrência de caso
coletas e análise de dados, ressaltando-se ainda que nos misto. Quanto aos meios, a mesma autora diz que essa pode
trabalhos investigados não havia clareza ou diferença entre ser exploratória, teórica, prática ou experimental, de campo,
esses em destaque. empírica ou pesquisa-ação. Identificou-se entre as pesquisas
Sobre os processos discursivos da pesquisa, Brito investigadas a presença de um episódio de metodologia
(2016) e Bruyne, Herman e Schoutheete (1995) afirmam exploratória. Quanto ao fim, essa pode ser básica, aplicada,
que são o suporte do pesquisador na apreensão, interpretação de inovação ou descritiva. Não há presença de metodologia
e compreensão do problema, objeto de estudo. Os principais quanto ao fim no rol em destaque.
são a fenomenologia, a hermenêutica a dialética e a dialógica. Quanto ao método de pesquisa, Michel (2009) relata
Pode-se observar, no Quadro 5, que há uma ocorrência de que esse é um conjunto de procedimentos que direciona
processo combinado, o hermenêutico-dialético. a investigação; portanto, uma ferramenta de trabalho. A
Sobre metodologia da pesquisa, Michel (2009) relata autora destaca vários métodos de pesquisa, contudo entre as
que essa é dividida em tipo, quanto ao meio e quanto ao fim. produções investigadas se observam seis trabalhos que usam
Quanto ao tipo essa pode ser qualitativa, quantitativa e mista o método de estudo de caso.
após a regulamentação e obrigatoriedade da disciplina, e BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M. Dinâmica da
pesquisa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
essa versava sobre a oficialização da Libras e o impacto na 1995.
formação de professores. Após este trabalho, outros foram FELIPE, T.A. As comunidades surdas reivindicam seus direitos
surgindo de forma bem lenta, tendo o seu crescimento maior linguísticos. Rio de Janeiro: FENEIS, 1993.
entre os anos de 2013 a 2017. FENEIS. Relatório Anual 1987. Rio de Janeiro: Feneis, 1987.
Diante desse fato, observa-se o quanto ainda há a ser FENEIS. Relatório Anual 1988. Rio de Janeiro: Feneis, 1988.
feito, estudado e investigado sobre esta temática como, por
GESSER. A. Libras?: que língua é essa? Crenças e preconceitos
exemplo, seu enfoque enquanto política educacional, que em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo:
conforme os resumos analisados, não foi identificado nenhum Parábola, 2009.
trabalho dessa natureza. MICHEL, M.H. Metodologia e pesquisa científica em ciências
sociais. São Paulo: Atlas, 2009.
Como esses trabalhos são públicos, disponibilizados
na rede mundial de computadores, via diversas bibliotecas, MINAS GERAIS. Lei n.º 10.379 de 10 de janeiro de 1991.
Reconhece oficialmente, no estado de Minas Gerais, como
como por exemplo, as das universidades, da Capes e da meio de comunicação objetiva e de uso corrente, a linguagem
BDTD, é mister que os pesquisadores, orientadores e os gestual codificada na Língua Brasileira de Sinais – Libras. Belo
Horizonte, 1991.
coordenadores dos programas de Pós-graduação observem
RAMOS, R.C. Histórico da Feneis até o ano de 1988. Petrópolis:
as qualidades dos resumos nesses inseridos. É fundamental
Arara Azul, 2004.
que os resumos obedeçam às normas para sua confecção
RODRIGUES, J.T.D. A emergência da disciplinarização da
presente na NBR 6028 (2003) para que outros pesquisadores Libras em tempos de inclusão. Ijuí: UNIJUÍ, 2015.
conheçam as produções e encontrem interlocuções para suas RICHARDSON, R.J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São
investigações. Paulo: Atlas, 2017.