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Silva, R. A., & Menezes, J. de A. A interseccionalidade na produção científica brasileira

A interseccionalidade na produção científica brasileira

Intersectionality in Brazilian Scientific Production

La interseccionalidad en la producción científica brasileña

Roseane Amorim da Silva1


Jaileila de Araújo Menezes2

Resumo

O estudo investigou o uso da interseccionalidade na produção científica brasileira, de modo geral, e na


Psicologia, de modo específico, no que se refere às dissertações, teses e artigos produzidos em diferentes
Instituições do Brasil. A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2018. A busca das dissertações e teses foi
feira na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), e dos artigos na base de dados do SciELO
(Scientific Electronic Library). Na BDTD, localizamos 224 produções, 146 dissertações e 78 teses; no SciELO,
65. Vimos que as produções usaram a interseccionalidade de diferentes formas, como estratégia analítica, como
uma forma de práxis social, com ênfase para as conexões entre conhecimento e justiça social. As pesquisas que
abordaram a interseccionalidade têm temas diversos, e os métodos de pesquisa são múltiplos. Com esse estudo,
buscamos ressaltar a potencialidade da interseccionalidade no intuito de visibilizar situações de opressão e
desigualdades sociais.

Palavras-chave: Interseccionalidade. Revisão de literatura. Produção científica.

Abstract

The study investigated the use of intersectionality in scientific production, in general, and in psychology, in a
specific way, with regard to dissertations, theses and articles produced in different institutions of Brazil. The
study was carried out in the second half of 2018. The dissertations and theses were searched through the
Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD), and the articles in the SciELO (Scientific
Electronic Library Database). At BDTD we located 224 productions, 146 dissertations and 78 theses, in SciELO,
65. We have seen that productions have used intersectionality in different ways, as an analytical strategy, as a
form of social praxis, with an emphasis on the connections between knowledge and social justice. Researches
that deal with intersectionality have different themes, and research methods are multiple. With this study we seek
to emphasize the potentiality of intersectionality in order to visualize situations of oppression and social
inequalities.

Keywords: Intersectionality. Literature review. Scientific production.

Resumen

El estudio investigó el uso de la interseccionalidad en la producción científica, de modo general, y en la


psicología, de modo específico, en lo que se refiere a las disertaciones, tesis y artículos producidos en diferentes
Instituciones de Brasil. El estudio fue realizado en el segundo semestre de 2018. La búsqueda de las
disertaciones y tesis fue realizada a través de la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD), y
de los artículos en la base de datos del SciELO (Scientific Electronic Library). En la BDTD encontramos 224
producciones, 146 disertaciones y 78 tesis, en SciELO, 65. Vimos que las producciones usaron la
interseccionalidad de diferentes formas, como estrategia analítica, como una forma de praxis social, con énfasis
en las conexiones entre conocimiento y justicia social. Las investigaciones que abordaron la interseccionalidad

1
Professora Adjunta da Universidade Federal Rural de Pernambuco ( UFRPE) – Unidade Acadêmica de Serra
Talhada (Uast). Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE).
2
Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE).

Pesquisas e Práticas Psicossociais, 15(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2020. e-3252.
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tienen temas diversos, y los métodos de investigación son múltiples. Con este estudio buscamos resaltar la
potencialidad de la interseccionalidad con el objetivo de visibilizar situaciones de opresión y desigualdades
sociales.

Palabras clave: Interseccionalidad. Revisión de literatura. Producción científica.

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Introdução instâncias de decisão. Depois de muita luta
e mobilização, essas demandas foram
No presente estudo, buscamos debatidas e inseridas nos documentos
investigar o uso da interseccionalidade na aprovados, consolidando-se no seu
produção científica brasileira, no que se Programa de Ação (Siqueira, 2018).
refere às dissertações e teses, localizadas Diferentes visões sobre a opressão
na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e foram produzidas pelo feminismo negro,
Dissertações (BDTD-, produzidas na pós nesse âmbito, surgiu a perspectiva que
graduação de diferentes instituições de aborda como o cruzamento de categorias
nível superior do Brasil; e os artigos sobre e/ou sistemas de opressão de gênero,
essa temática localizados no SciELO classe, raça, etnia, sexualidade, entre
(Scientific Electronic Library Online). Não outros, produzem, de modo articulado,
especificamos o ano, buscamos todo o desigualdades e são constituídos
material publicado até o segundo semestre mutuamente. A essa perspectiva algumas
de 2018, quando foi realizada a pesquisa. feministas (Crenshaw, 2002; Brah, 2006;
Para falarmos sobre Nogueira, 2013) chamaram de
interseccionalidade, é importante interseccionalidade. Tal concepção criou
começarmos pelo feminismo negro norte- uma tensão entre modelos tanto do
americano, que surgiu em uma perspectiva marxismo tradicional quanto de algumas
de resistência e organização, quando vertentes do feminismo da chamada
teóricas e militantes afrodescendentes, “segunda onda”, que hierarquizavam os
como Patricia Hill Collins, bell hooks, eixos de opressão. A luta a partir dessa
Kimberle Crenshaw, entre outras, perspectiva é visibilizar que
chamaram atenção para o fato de que o
feminismo tradicional não conseguia uma análise focada nas relações de classe
contemplar as reivindicações e os direitos pode deixar de fora o modo como as
relações de gênero e o racismo configuram a
das mulheres negras, porque reduzia a dominação no capitalismo, posicionando as
categoria mulher a uma identidade mulheres e a população não-branca em
homogênea. hierarquias que não estão contidas nas de
No Brasil, a construção de um classe, nem existem de forma independente
feminismo negro, no que concerne às e paralela a elas. Reduz, com isso, sua
capacidade de explicar as formas correntes
motivações, foi semelhante ao norte- de dominação e os padrões de desigualdade.
americano. No movimento negro Do mesmo modo, uma análise das relações
brasileiro, nas décadas de 1970 e 1980, de gênero que não problematize o modo
dado o recorrente machismo em seu como as desigualdades de classe e de raça
interior, predominavam as posições dos conformam o gênero, posicionando
diferentemente as mulheres nas relações de
homens. O Movimento Negro Unificado, poder e estabelecendo hierarquias entre elas,
uma das principais organizações desse pode colaborar para suspender a validade de
período, não entendia que as bandeiras das experiências e interesses de muitas
mulheres deveriam ser defendidas pelo mulheres. Seu potencial analítico assim
coletivo. Em função disso, as questões como seu potencial transformador são,
portanto, reduzidos. (Biroli & Miguel, 2015,
referentes às vidas das mulheres negras pp. 29-30).
eram preteridas por questões relativas às
desigualdades sociais de raça e classe. O movimento feminista negro
Essas mulheres passaram a reivindicar que atingiu uma maior proporção a partir da
as suas demandas (combate à violência de década de 1970, depois de análises da
gênero, exercício de direitos reprodutivos, literatura negra e movimentos sociais, a
construção de creches, entre outras) – que exemplo do Black Panther e a luta pela
não eram abordadas ou eram descriminalização do casamento inter-
secundarizadas – fossem levadas para as racial nos Estados Unidos da América,

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além das manifestações que visavam ao Conceição Nogueira (2013) fazem uso do
fim do Apartheid na África do Sul e os conceito para abordar os marcadores
movimentos estudantis pela gênero, raça, etnia, classe, entre outros, de
redemocratização na América do Sul. modo articulados, pois, segundo elas, estes
Nos últimos anos, tem se tornado estão entrelaçados na constituição das
imprescindível nos estudos sobre desigualdades sociais. Silveira e Nardi
desigualdades sociais estabelecer um (2014) ressaltam que a interseccionalidade
recorte que perpasse os debates de gênero busca compreender as consequências da
e raça, compreendendo a realidade e inter-relação dos eixos de poder, gênero,
traçando alternativas que viabilizem classe, raça, etnia, na constituição das
efetivamente a participação da mulher estruturas e dinâmicas sociais, destacando
negra nos círculos sociais, políticos e a importância de priorizar a experiência na
públicos. forma como as pessoas vão se constituindo
O debate sobre as convergências no jogo de forças a que estão expostas.
entre gênero, raça, e também classe, teve O debate sobre interseccionalidade
pioneiras como Flora Tristan e Sojourner revela que diferentes perspectivas utilizam
Truth, e, a partir dos anos 1960, a questão os mesmos termos para referir-se à
foi estabelecida de forma incontornável articulação entre diferenciações, mas essas
para o pensamento progressista. As mudam de acordo com as concepções de
discussões que se estabeleceram a partir de diferença, poder e agência utilizadas.
então permitiram um salto na reflexão Adriana Piscitelli (2008) aborda duas
teórica que levou à riqueza e à perspectivas no debate sobre as
complexidade da compreensão atual sobre interseccionalidades, as leituras sistêmicas
os padrões de entrelaçamento das múltiplas e as abordagens construcionistas.
formas de dominação presentes na A interseccionalidade voltada para a
sociedade (Biroli & Miguel, 2015). abordagem sistêmica busca revelar o poder
As discussões sobre a perspectiva unilateral das representações sociais e as
interseccional ganharam força a partir de consequências materiais e simbólicas para
leituras críticas do conceito de gênero, os grupos atingidos pelos sistemas de
coincidindo com as reivindicações dos subordinação. Uma das principais autoras
direitos às diferenças e às diversidades que que trabalha com essa perspectiva é
vêm sendo feitas pelos movimentos Kimberlé Crenshaw, que tem buscado
feministas, LGBTQI, movimentos negros, desenvolver recursos com o objetivo de
entre outros (Oliveira, 2019). A seguir formular políticas que evitem a violação
abordaremos como a noção de dos direitos humanos das mulheres. A
interseccionalidade tem sido compreendida interseccionalidade, segundo a perspectiva
por diferentes autoras/es. de Crenshaw (2002, p. 177),

A interseccionalidade na literatura é uma conceituação do problema que busca


científica capturar as consequências estruturais e
dinâmicas da interação entre dois ou mais
eixos da subordinação. Ela trata
Existe uma vasta literatura sobre especificamente da forma pela qual o
interseccionalidade, cuja nomeação foi racismo, o patriarcado, a opressão de classe
largamente difundida a partir do texto da e outros sistemas discriminatórios criam
jurista afro-americana Kimberlé W. desigualdades básicas que estruturam as
posições relativas de mulheres, raças, etnias,
Crenshaw (Hirata, 2014), que fez uso desse classes e outras. Além disso, a
termo para designar a interdependência dos interseccionalidade trata da forma como
marcadores sociais de raça, gênero e classe ações e políticas específicas geram
nas dinâmicas de poder. As autoras Avtar opressões que fluem ao longo de tais eixos,
Brah (2006), Adriana Piscitelli (2008) e

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constituindo aspectos dinâmicos ou ativos de questões estruturais da sociedade, pois
do desempoderamento. estas têm um peso grande na constituição
dos sujeitos, mas também como algo que
Crenshaw (2002) teve um papel não é estático, que nas interações dos
importante para o entendimento de que as diversos marcadores que produzem
formas de opressão não atingem os desigualdades e opressões são responsáveis
indivíduos isoladamente, mas também não pelas mudanças nos modos como os
o fazem somadas ou acopladas, em sujeitos se constituem.
dinâmicas que permitiriam visualizar cada Concordamos com Nogueira (2013,
eixo de opressão separadamente para então p. 243), quando ela ressalta: “se há
compreender sua concomitância, ou os diferentes posicionamentos para enfrentar
efeitos de sua copresença. esta complexidade, porque não usá-los
Os mecanismos de opressão não para em conjunto se produzir um saber
decorrem do sexismo isoladamente, as sempre questionado, sempre crítico,
mulheres podem estar, como destaca bell sempre alerta das possibilidades de
hooks (1984), na posição de oprimidas e na reificação, seja de categorias ou assunções
posição de opressoras ao mesmo tempo. que são temporárias ou provisórias e
Assim, mulheres brancas de classe social usadas apenas estrategicamente?”
mais favorecida economicamente podem Piscitelli (2008, p. 269) afirma que
estar em uma posição de opressão em as interseccionalidades permitem “pensar
relação a outras mulheres e homens negros como construções de diferença e
e pobres e, no entanto, serem oprimidas distribuições de poder incidem no
por homens brancos. posicionamento desigual dos sujeitos no
Piscitelli (2008) ressalta que as âmbito global”. Essa produtiva valorização
leituras críticas consideram a visão de das categorias diferença e poder implicaria
Crenshaw expressiva de uma linha uma secundarização relativa da categoria
sistêmica, que destaca o impacto do gênero, que no pensamento feminista
sistema ou a estrutura sobre a formação de assumiu lugar central nas últimas décadas,
identidades. Na abordagem obscurecendo ou subordinando outras
construcionista, o trabalho com a noção de formas de diferenciação que produzem
articulação é entendida como prática que desigualdades e opressão (Mello &
estabelece uma relação entre elementos, de Gonçalves, 2010).
maneira que as identidades se modificam A intersecção de gênero com o
como resultado das práticas articulatórias. racismo se estabelece como um elemento
E assim, “os marcadores de identidade, incontornável para fazer frente às formas
como gênero, classe ou etnicidade não de exploração, dominação e opressão que
aparecem apenas como formas de sofrem as mulheres negras. O feminismo
categorização exclusivamente limitantes, negro não suspendeu ou reduziu o peso do
esses oferecem simultaneamente, recursos gênero como categoria, pois as questões
que possibilitam a ação” (Piscitelli, 2008, postas por uma análise das relações de
p. 268). gênero foram reposicionadas (Biroli &
Nessa segunda linha de abordagem, Miguel 2015).
podemos encontrar Nogueira (2013) e Os modelos clássicos de
Brah (2006), essa última, depois de uma compreensão dos fenômenos de opressão
trajetória transitando por diversos na sociedade, como os mais comuns
contextos, se envolveu no trabalho com a baseados no gênero, na raça, etnia, classe,
articulação entre gênero, raça, etnicidade e religião, nacionalidade e orientação sexual,
sexualidade, no feminismo negro, na não agem de forma independente uns dos
Inglaterra. Pensamos que seja importante outros; pelo contrário, essas formas de
considerar as interseccionalidades a partir opressão inter-relacionam-se, criando um

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sistema de opressão que reflete a de justiça distributiva, de ação política,
intersecção de múltiplas formas de poder e governo (Collins, 2015).
discriminação (Nogueira & Oliveira, Considerando as questões abordadas sobre
2010). Desse modo, para apreender a a interseccionlidade, a seguir
discriminação como um problema descreveremos como o presente estudo foi
interseccional, as dimensões raciais, de realizado, quais outras perspectivas
gênero e de classe, que são parte da localizadas nas produções científicas e
estrutura social e constituída por esses algumas reflexões que fizemos a partir dos
sistemas de poder, precisam ser materiais encontrados.
consideradas como fatores que contribuem
para a produção da subordinação Metodologia
(Crenshaw, 2002).
Ao falar sobre interseccionalidade, A pesquisa para realização deste
Lugones (2014, pp. 942-943) enfatiza que artigo foi desenvolvida a partir de uma
revisão de literatura, que é de natureza
a interseccionalidade é importante quando qualitativa e buscou aproximar-se do
mostra a falha das instituições em incluir estado da arte sobre os estudos que
discriminação ou opressão contra mulheres
de cor. Mas aqui quero ser capaz de pensar
abordaram a interseccionalidade. Por
na sua presença como seres tanto oprimidos estado da arte, entendem-se as pesquisas
como resistentes. Então, me voltei para a de caráter bibliográfico, que têm a
colonialidade do gênero na diferença finalidade de mapear e discutir a produção
colonial e, a partir dela, para poder perceber acadêmica em diferentes campos do
e compreender o lócus fraturado das
mulheres colonizadas e dos/as agentes
conhecimento sobre uma determinada
fluentes em culturas nativas. temática e se propõem a visibilizar os
aspectos e dimensões que vêm sendo
Como podemos observar, Lugones destacados e privilegiados em diferentes
ressalta que é preciso olhar para as épocas e lugares, as formas e condições em
mulheres de cor como seres oprimidos, que foram produzidas as dissertações,
mas também a partir da possibilidade de teses, artigos, anais de congressos e
resistência que elas têm. As dificuldades seminários. São reconhecidos por
enfrentadas, no que se refere às esferas da realizarem metodologias de caráter
educação, do trabalho, da saúde e das inventariante e descritivo da produção
várias violências sofridas, são muitas, mas acadêmica à luz de categorias e facetas que
algumas mulheres negras têm se engajado se caracterizam em cada trabalho e no
na luta pela transformação social. conjunto deles, sob os quais o fenômeno
Com a interseccionalidade, podemos passa a ser analisado (Ferreira, 2002).
observar, por exemplo, que se os Para a composição desse cenário, o
marcadores raça, classe e gênero podem estudo foi realizado no primeiro semestre
ser limitantes para algumas pessoas, para de 2018 e buscou teses, dissertações e
outras podem impulsionar a resistência artigos que abordaram a temática em
para que lutem pelos direitos que lhes são discussão, utilizando a palavra
cotidianamente negados. interseccionalidade como descritor nos
Algumas autoras (Crenshaw, 2002; locais de busca existentes nas próprias
Nogueira, 2013; Hirata, 2014; Lugones, plataformas dos portais das produções
2014) ressaltam que a ideia de considerar a científicas.
interseccionalidade como um campo de  Fonte: a busca das dissertações e
estudos especializado não é mais teses foi realizada na Biblioteca
adequada, na medida em que é produtivo Digital Brasileira de Teses e
entender que a interseccionalidade é um Dissertações (BDTD), e a dos
paradigma que permite analisar questões artigos na base de dados do

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SciELO (Scientific Electronic dissertações, teses e artigos, foram
Library Online). utilizados também outros textos que fazem
 Período: sem demarcação de parte da temática discutida, mas que não
período, mas não encontramos na foram encontrados nas bases de dados
BDTD publicações anteriores a investigadas e nem correspondem ao
2008; e no SciELO não período das produções encontradas.
encontramos anteriores a 2002,
utilizando o descritor Resultados e discussões
interseccionalidade.
 Idioma: foram contempladas Na BDTD, localizamos 224
somente as produções em língua produções, 146 dissertações e 78 teses. Das
portuguesa, pois mesmo usando 146 dissertações, 23 localizadas com o
um descritor em português, descritor interseccionalidade não
apareceram produções em língua abordaram essa perspectiva; e das 78 teses,
inglesa, a exemplo das quatro 14 não trabalharam com a
teses do Programa de Pós- interseccionalidade dos marcadores
Graduação em Linguística da sociais, citando o termo
Universidade Federal de Santa interseccionalidade se referindo à junção
Catarina. de vários assuntos ou várias ideias
A partir do levantamento desse trabalhadas conjuntamente, mas não usam
material, procedemos à leitura do resumo e a interseccionalidade como uma
construímos tabelas para análise a partir perspectiva teórico-metodológica surgida a
das seguintes informações: título, autores, partir do feminismo negro, no intuito de
ano de publicação, área de conhecimento, visibilizar opressões e resistências aos
objetivos, metodologia de cada trabalho, o sistemas de poder. Dessa forma,
que é recorrente nos trabalhos. Depois da localizamos 187 produções que abordaram
construção das tabelas, iniciou-se a essa discussão. O ano que concentrou um
discussão dos achados. Para dialogar com maior quantitativo de produções foi 2016,
os resultados encontrados a partir das conforme pode ser observado na Tabela 1

Tabela 1. Quantitativo de teses e dissertações por ano de publicação

Ano de publicação Quantitativo


2003 2
2006 2
2007 1
2008 1
2009 3
2010 5
2011 9
2012 12
2013 12
2014 22
2015 32
2016 49
2017 35
2018 2
Total 187
Fonte: Elaborada pelas autoras.

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No SciELO, localizamos 65 artigos, desenvolvimento de estudos sobre gênero,


com maior quantitativo de publicações em feminismos e interseccionalidade.
2016 e 2014, sendo 2016 o ano de maior Hollanda (2018, p. 8) ressaltou que, “Há
número de publicações no total (artigos, pouquíssimo tempo, por volta de 2015, eu
teses e dissertações). Ficamos nos acreditava que a minha geração teria sido,
questionando sobre o contexto vivenciado, talvez, a última empenhada na luta das
a luta dos movimentos sociais, que pode mulheres. Até que um vozerio, marchas,
estar contribuindo para o interesse dos/as protestos, campanhas na rede e meninas na
pesquisadores/as em pensar os marcadores rua se aglomeraram”. Os protestos de rua,
sociais de modo inter-relacionados. Uma do uso das redes sociais e da busca da
reflexão de Hollanda (2018) sobre as representação política pelas feministas em
mudanças ocorridas no âmbito dos anos recentes têm sido vistos como
feminismos ajuda-nos a entender o porquê aspectos motivadores para os estudos nesse
do aumento do interesse no campo.

Tabela 2. Quantitativo de artigos por ano de publicação


Ano de publicação Quantitativo
2002 2
2005 1
2010 5
2011 4
2012 4
2013 8
2014 12
2015 4
2016 14
2017 9
2018 2
Total 65
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Em relação à área de conhecimento seguida pela Psicologia e da Sociologia,


das teses e dissertações, observamos uma como mostra a Tabela 3.
predominância das publicações referentes à
temática abordada na área da Educação,

Tabela 3. Quantitativo de teses e dissertações por áreas de conhecimento


Área do Conhecimento Quantitativo
Educação 46
Psicologia (Social, Clínica, do Trabalho) 26
Sociologia 21
Ciência Política 16
Ciências Humanas 7
Serviço Social 3
Direito 12
Ciências Sociais 10

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Antropologia 9
Área do Conhecimento (cont.) Quantitativo
Desenvolvimento Humano e Saúde 8
Bioética 7
Saúde Coletiva 6
Comunicação 5
Direitos Humanos 4
Administração de Empresas 4
Teologia 2
Enfermagem 2
Artes 2
Desenvolvimento Sustentável 2
Ciência da Informação 2
Turismo 1
Estudos da Tradução 1
Economia 1
Total 187
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Nas pesquisas na área da Psicologia, campo da ciência psicológica.


área do conhecimento na qual nos Quando a Psicologia se separou da
localizamos, não foi rapidamente e sem Filosofia, a ciência psicológica adotou um
conflitos que a inserção da perspectiva pendor dominantemente biológico que
interseccional, advinda do campo do impunha a utilização de métodos
feminismo, passou a ser utilizada. A experimentais e psicométricos para a
Psicologia estabeleceu o seu território medida das diferenças individuais. A
como uma ciência objetiva, quantitativa, grande importância dada pela Psicologia às
empírica e livre de valores. diferenças individuais fez com que aquelas
Posicionamentos opostos aos feminismos entre homens e mulheres fossem atribuídas
que sempre lutaram por uma ciência em a fatores de ordem biológica e reforçaram
que a neutralidade não exista e que o os lugares destinados às mulheres, ou seja,
conhecimento produzido possa ser situado a esfera familiar e as relações de suporte
e localizado, sobretudo o feminismo negro, afetivo. Na Psicologia, as feministas
tem assumido esse embate. desafiaram o que conhecemos acerca de
Assumir o feminismo na ciência homens e mulheres questionando os
psicológica seria assumir a sua não resultados das pesquisas convencionais que
neutralidade. O conhecimento científico, contribuíram largamente para a afirmação
segundo a perspectiva da ciência moderna, das diferenças e invisibilidade das
supõe-se ser neutro, objetivo, a partir de desigualdades.
uma postura dos/as pesquisadores/as Em relação à área de conhecimento
distanciada do que está sendo produzido, dos artigos, observamos uma
não associada aos valores sociais e predominância das publicações referentes à
culturais dos/as mesmos/as (Nogueira, temática abordada na área da Sociologia,
2013). Foram muitas as lutas das seguida pela Educação e Estudos sobre a
psicólogas tanto na busca de sua própria Mulher, como mostra a Tabela 4.
visibilidade quanto pela transformação no

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Tabela 4. Quantitativo de artigos por áreas de conhecimento


Área do Conhecimento Quantitativo
Sociologia 15
Educação 11
Estudos sobre a Mulher 11
Saúde Pública 9
Psicologia 9
Antropologia 6
Política 2
Total 65
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Quanto aos instrumentos de coleta de inaugurou o estudo da interseccionalidade.


dados usados nas dissertações, teses e Apesar de no seu âmbito ser interrogada a
artigos localizados, percebemos o uso de delimitação de categorias, como na
mais de um instrumento, havendo anterior, não é rejeitada por completo a
prevalência de entrevistas de diversos importância destas, nomeadamente na
tipos: estruturadas, semiestruturadas, compreensão da experiência social. A
narrativas, com a observação participante, abordagem intercategorial visa ao estudo
análise de documentos, de livros, das relações entre dimensões ou grupos
questionários, entre outros. Uma parcela sociais, mais especificamente, centra-se na
considerável dos estudos foi baseada em complexidade das relações entre múltiplos
pesquisas qualitativas (Santos, 2010; grupos sociais, ao longo de categorias
Buzar, 2013; Silva, 2014; Silva, 2016; analíticas (como o sexo, a etnia, a classe,
Gomes, 2014, Bernardino, 2016) e entre outras), e não nas complexidades de
algumas descritas pelos autores/as como cada grupo e/ou de cada categoria singular
quanti-quali (Silveira, 2013), sendo que (o que é característico da abordagem
alguns destes usaram questionários intracategorial).
analisados por meio de softwares. Embora os estudos não digam
Leslie McCall (2005) faz uma diretamente qual dessas abordagens estão
reflexão sobre três abordagens seguindo, percebemos que os/as autores/as
metodológicas no estudo das relações fizeram uso de uma ou mais de uma em
sociais em intersecção: anticategorial, suas pesquisas. Inclusive encontramos
intracategorial e intercategorial. Nogueira quem fez uma análise quantitativa da
(2013) faz menção a essa classificação em interseccionalidade (Smolen, 2016), que se
seus estudos e ressalta que: a anticategorial localizaria em uma abordagem
é baseada numa metodologia que intercategorial. Mesmo a abordagem
desconstrói as categorias analíticas. No interseccional permitindo, temos visto que
seio dessa abordagem, a vida social é nos estudos não é tão comum essa análise
considerada irredutivelmente complexa e, quantitativa, mas há quem venha
por isso, a utilização de categorias fixas trabalhando assim, a exemplo de Smolen e
iria simplificar as ficções sociais que do estudo realizado por Lavor Filho et al.
produzem iniquidades no processo de (2018), que a partir de uma análise
criação de diferenças. A abordagem interseccional quantitativa, discutiram em
intracategorial é considerada aquela que que medida os marcadores de raça e classe

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interferem no medo do crime e no quilombola como um todo (Matsuoka,
autoritarismo em contexto brasileiro. 2012), as de 2017 têm como foco as
Os temas abordados nas teses, mulheres quilombolas, uma discutindo as
dissertações e artigos são diversos, a concepções de beleza das mulheres
exemplo de trabalho doméstico (Santos, (Passold, 2017) e a outra o protagonismo
2010), transtornos mentais (Smolen, 2016), destas na comunidade em que vivem
racismo (Silveira, 2013), saúde reprodutiva (Silva, 2017).
(Duarte, 2012), homossexualidade Collins (2015, p. 5), refletindo sobre
(Gomes,2014), políticas públicas em o conjunto dos estudos sobre
educação (Deus, 2011), políticas públicas interseccionalidade, observou que estão
para saúde (Bustorff, 2010), entre outros. presentes três preocupações principais: a
Em algumas dessas produções, foram interseccionalidade como campo de
descritas nos objetivos do estudo as estudos, com foco nos conteúdos e temas
categorias que foram investigadas de que caracterizam esse campo; a
forma interseccional; em outras, a interseccionalidade como estratégia
interseccionalidade foi usada no momento analítica, com maior atenção aos
da análise. “enquadramentos interseccionais” e a sua
As produções (teses, dissertações e capacidade de produzir novas formas e
artigos) que localizamos na área da conhecimento sobre o mundo social; e a
Psicologia abordaram a relação da interseccionalidade como uma forma de
juventude com os projetos de vida (Gomes, práxis social, com ênfase para as conexões
2016), juventude e uso de álcool (Silva, entre conhecimento e justiça social.
2014), adoecimento de mulheres negras Muitas produções investigaram a
(Xavier, 2015), experiência da maternidade interseccionalidade de gênero, classe e raça
de mulheres usuárias de crack (Freitas, relacionadas aos seus temas. De acordo
2015), abuso sexual de mulheres (Botelho, com estudiosas da interseccionalidade
2014), imigração de mulheres (Romano, (Nogueira, 2015; Piscitelli, 2008), gênero,
2017), entre outros. Alguns trabalhos classe e raça são a tríade clássica da
usaram a interseccionalidade como produção das desigualdades. Warner
perspectiva teórica e analítica (Silva, 2014; (2008) tece algumas considerações sobre a
Hamann, 2016), outros como perspectiva impossibilidade de contemplar todas as
teórica, e para análise dos dados fizeram identidades dos sujeitos potencialmente
uso de outros tipos de análise, a exemplo relevantes para compreender as vivências
da análise crítica do discurso (Xavier, desses indivíduos e como eles são
2015; Cúnico, 2018). constituídos em meio aos marcadores
A partir do descritor identitários. A referida autora reflete sobre
interseccionalidade, localizamos também o processo de decisão sobre as
quatro dissertações sobre quilombolas, dimensões/categorias a contemplar e
destacamos aqui a importância do uso da ressalta que os/as pesquisadores/as devem
interseccionalidade nesses estudos, visto estar conscientes acerca das razões para a
que essa população é invisibilizada na escolha de certas dimensões/categorias e
sociedade, e essa perspectiva contribuir explicitá-las.
para destacar opressões e desigualdades Alguns estudos abordaram a
sociais de diversas ordens que afetam e importância de considerar a experiência
ameaçam suas sobrevivências. Foram dos/as participantes (Macêdo, 2008; Buzar,
localizadas uma em 2012, uma em 2014 e 2013; Xavier, 2015; Busin, 2015). Brah
duas em 2017. Dessas, a publicação do ano (2006) aborda que a experiência é o lugar
2014 é a dissertação da autora deste artigo da formação dos sujeitos, quando o
(Silva, 2014), a de 2012 refere-se à luta indivíduo narra suas experiências ele se
pela igualdade racial da população constitui. A autora destaca a experiência

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não como um reflexo da verdade, mas entre mulheres é bem anterior. Um de seus
como uma particularidade diante dos marcos simbólicos tem sido visto como as
diversos tipos de diferenças existentes contribuições do influente manifesto de
entre os sujeitos. Ainda, segundo Brah 1977, do Combahee River Collective, que
(2006, p. 361), “experiência é um lugar de foi um coletivo de feministas negras e
contestação: um espaço discursivo onde lésbicas em Boston, entre 1973 e 1980, que
posições de sujeito e subjetividades defendia centralmente uma luta articulada
diferentes e diferenciais são inscritas, não apenas contra a opressão sexual das
reiteradas ou repudiadas”. Para Brah mulheres, mas também contra outras
(2006, p. 361), formas de dominação e de desigualdades
baseadas em racismos, heterossexismos e
pensar a experiência e a formação do sujeito exploração por classe social.
como processos é reformular a questão da No que se refere às instituições de
“agência”. O “eu” e o “nós” que agem não
desaparecem, mas o que desaparece é a
nível superior, onde foram desenvolvidas
noção de que essas categorias são entidades as produções científicas, a Universidade de
unificadas, fixas e já existentes, e não Brasília (UnB) foi a que concentrou o
modalidades de múltipla localidade, maior quantitativo de produções (110),
continuamente marcadas por práticas seguida pela Universidade Federais do Rio
culturais e políticas cotidianas.
Grande do Sul, Universidade Federal de
Nessa perspectiva, é importante Santa Catarina e a Universidade de São
lembrarmos também que é preciso dar Paulo, com 7 produções. Sabemos que
atenção às particularidades dos sujeitos, nessas instituições há professores/as,
uma vez que as limitações e grupos de pesquisa e eventos temáticos
potencialidades são distintas entre as nesses contextos que trabalham há muito
pessoas. Observamos também nas tempo pensando questões de gênero e
produções que algumas autoras são sempre feminismos, e isso pode ter contribuído
mencionadas quando se fala em para incitar as discussões sobre
interseccionalidade: Crenshaw, Piscitelli, interseccionalidade. É importante
Scott, Collins, Brah. Isso se deve também lembrarmos ainda que existem instituições
ao fato de que quando se busca de onde que não participam da BDTD e por isso
surgiu o conceito interseccionalidade não apareceram nas buscas realizadas, a
encontra-se que ele foi usado em 1989 por exemplo das produções da Universidade
Kimberlé Crenshaw, mas a preocupação Federal do Rio de Janeiro, instituição que
em entrelaçar distintas formas de tem estudos desenvolvidos em núcleos de
diferenciações sociais (e de desigualdades) gênero sobre a temática em discussão.

Tabela 5. quantitativo de produções por instituição superior


Instituição Quantitativo
UnB 110
UFRGS 7
UFSC 7
USP 7
PUC-RS 5
UFSCar 5
PUC-SP 5
UFPB 4
UFJF 4
UFPE 4
PUC-RIO 4

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Unesp 3
Unicamp 3
Instituição (cont.) Quantitativo
UFC 2
UFG 2
UFF 2
UFSM 2
PUC-Campinas 1
Uefs 1
UEL 1
UEPB 1
EST 1
Mackenzie 1
UFFS 1
UFPA 1
Unisinos 1
FGV 1
Total 187
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Quando olhamos para as temáticas e outras como uma forma de práxis social,
autores/as dos artigos, percebemos que com ênfase para as conexões entre
alguns são decorrentes das teses e conhecimento e justiça social. As
dissertações que também localizamos, a pesquisas que abordaram a perspectiva
exemplo do artigo de Silveira e Nardi interseccional têm temas diversos e os
(2014) publicado depois da tese, o de métodos de pesquisa também são
Bernardino-Costa (2013), e o de Silva e múltiplos, quase todas as produções
Menezes (2016). fizeram uso de mais de um instrumento de
coleta de dados nos estudos, destacando-se
Considerações finais o método de entrevistas em seus diversos
tipos, estruturada, semiestruturada,
Consideramos que o estudo se narrativa, etnográfica, entre outras.
aproximou do que é considerado o estado Com este estudo, buscamos ressaltar
da arte, ao buscar as produções científicas a potencialidade da perspectiva
sobre interseccionalidade, sem demarcação interseccional no intuito de visibilizar
de tempo, na Biblioteca Brasileira de Teses situações de opressão e desigualdades
e Dissertações e nas bases de dados do sociais. Também foi possível observar que
SciELO. Podemos observar que tem essa é uma perspectiva que pode ser usada
aumentado o número de produções que nos estudos qualitativos, quantitativos, e
abordam os marcadores sociais gênero, quali-quanti, em cada um desses tipos de
classe, raça e etnia de modo interseccional pesquisa com suas possibilidades e
– trabalhar com esses marcadores de forma limitações. Com este artigo, buscamos
isolada não tem resultado em análises também dar visibilidade ao uso dessa
fecundas para visibilizar situações de perspectiva nos mais diferentes estudos.
opressão e desigualdades sociais.
Vimos que as produções científicas Referências
usaram a interseccionalidade de diferentes
formas, algumas como estratégia analítica,

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Recebido em: 8/1/2019


Aceito em: 20/1/2020

Pesquisas e Práticas Psicossociais, 15(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2020. e-3252.

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