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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

CAMPUS CHAPECÓ

LETRAS - PORTUGUÊS E ESPANHOL

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS

PROFESSOR: CLAUDIA ANDREA ROST SNICHELOTTO

CRÔNICA

O EXCLUÍDO LEITOR SUBURBANO

Carina Zduniak

Aproximadamente, em 1.668, foi a primeira vez que a vi, uma A


CASA INACESSÍVEL, para a época muito bem-feita, moderna e cheia detalhes
característicos daquele ano. Foram nas imagens da manchete principal do jornal London
Gazette que a vi, me apaixonei, até pensei me aproximar, no entanto, de que ia adiantar?
Eu só poderia olhar pelo lado de fora, ninguém me permitiria adentrar, experiências de
um empregado, sem um linguajar adequado, camisa sem colarinho e sapatos furados,
dois dentes da frente arrancados e um bolsão de lado, com toda certeza inapropriado,
naquela vida não iria dar.

Eu esperei a próxima encarnação, e não demorou muito não,


1.765, na França iluminada eu renasci, um pouco melhor, mas só o suficiente para tomar
coragem e chegar mais perto, passar a mão na porta, observar a fechadura, as janelas
ainda trancadas, era tudo tão escuro lá dentro. Coloquei os meus óculos para enxergar
melhor lá dentro, hum… muita coisa linda e valiosa, todavia, quem viva ali queria ficar
só, nem as lamparinas, ainda do século passado, eram acesas. Parecia frio ali, não bati, e
fui embora.

Dessa vez eu demorei, quase dois séculos, exatamente ano de


1.954, então, por este motivo resolvi passar o meu período crítico me preparando, com
a ajuda de minha mãe, me embelezei todo, estava realmente a altura para ali adentrar,
passei o meu melhor perfume, eu era jovem e cheio de energia, mas ainda assim eu
estava muito longe dela. Realmente a saga estava desafiadora. Viajei do Japão até
Norwich a Inglaterra para esse encontro apaixonante. Eu estava confiante, preparado
para aquilo tudo que eu ia experienciar e quem sabe até ali para sempre morar. Com
apenas uma mala pequena bati a porta, eis que de lá de dentro soou uma doce e
estonteante voz “Qual é a senha? Diga para que eu possa abrir!”, ela exclamou, minha
alegria desmoronou, eu fiquei sem saber o que fazer. Então eu disse “Senha? Mas que
senha?”, ela sorriu suavemente e o silencio pairou. Eu olhei pela janela e só pude vê-la
de costas e uma sombra naquela sala escura, tanta roupa e chapéu que eu não poderia
jamais imaginar como ela seria. Enfim, voltei para casa, mais uma vida desperdiçada.

Ah meu caro leitor, eu sou forte, aguento mais um pouco,


certamente eu estava decidido adentrar naquela encantadora e já obsoleta, para os
desentendidos e iludidos, casa encantadora. Fui muito esperto dessa vez, escolhi uma
mãezinha escritora, investigadora, que amava estudar, ler, conhecer, experimentar e
antes mesmo que eu pudesse nascer ela já havia encontrado a senha para mim, graças a
um tal movimento libertador chamado feminismo ela pôde me ajudar, pois poderia fazer
tudo sozinha. Por este motivo, resolveu no sul do Brasil morar e próximo das matas me
criar, me letrar e ensinar tudo o que ela sabia, inclusive a danada da senha. Meu período
crítico foi mais um replicar do Eco que ouvia dentro de sua barriga, do que ela mesma
dizia e repetia diversas vezes.

Apesar de que ela já sabia que em algum momento iríamos


embarcar nessa aventura juntos, estava amedrontada, afinal, coragem não é ausência do
medo, mas sim reconhecê-lo, agradece-lo e honrá-lo, indo além daquilo que nos
apresenta como ponto final. E lá fomos nós, da cidade de Chapecó dessa vez, rumo a
Norwich, Inglaterra. Fomos lindos como somos todos os dias, educados, gentis, amáveis
e admiradores. Batemos na porta, uma, duas, três e quatro vezes e não ouvi aquela voz,
esperamos mais um pouco, até que uma voz de senhora idosa disse bem alto e
lentamente “ A senha? Você trouxe a senha dessa vez?” .

Ficamos animadíssimos e dissemos “SIM!”, apesar de surpresos


com o fato de que ela lembrou de mim. Pois bem, ela pediu que escrevesse em um papel
e o passasse por baixo da porta, pois seus ouvidos já não eram mais os mesmos. Em
letrinhas miúdas colocou nas observações, “É importante que escreva em inglês para eu
conseguir ler!”. Foi aí que escrevi, em letras garrafais, com caneta preta “NEITHER
MANDIOC NOR CASSAVA, PEEL, CUT, COOK, FRY AND SERVE, I'M
VERY HUNGRY, WE TALK WITH A FULL STOMACH!” (NEM MANDIOCA
NEM AIPIM, DESCASQUE, CORTE, COZINHE, FRITE E NOS SIRVA, EU ESTOU
COM MUITA FOME, NÓS FALAREMOS COM O ESTÔMAGO CHEIO!).

Caro leitor, acreditem se quiserem, mas eu, um leitor suburbano


só pude adentrar e permanecer nos textos literários e teorias linguistas, quando heróis
modernos do século XX como Eco, Saussure, Chompsky, Possenti e Labov codificaram
o acesso dos Meus nestes templos da linguagem falada e escrita até então desconhecidos
por nós, exceto pelo lado de fora, com as portas fechadas.

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