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Rio de Janeiro
2014
Rio de Janeiro
2014
14-06060 CDD-302
Apresentação 11
modo, o livro pode ser um mapa para quem precisa se localizar, e/ou
um estudo topográfico para quem procura inspiração para a construção
de novas edificações.
Didaticamente, o livro foi organizado em três seções.
A primeira seção, intitulada “O discurso construcionista social”, tem
como objetivo apresentar o construcionismo social como um movi-
mento crítico em ciência; movimento multifacetado que se constitui, de
maneira polissêmica, na interface de diferentes disciplinas e reflexões
sobre a produção do conhecimento científico. Nesta seção, buscamos
apresentar o construcionismo social como uma articulação de posturas
críticas à ciência moderna, a partir da qual emergem modos alternativos
de compreensão sobre ciência, indivíduo, pesquisa e ética.
O primeiro capítulo desta seção busca entrelaçar as transformações
do discurso científico às mudanças no mundo das artes, demonstrando
como novos padrões e valores são formados ao longo dos séculos. Da
modernidade à pós-modernidade, o autor ilustra como caminhamos
social, cultural e historicamente para o abandono das certezas, o re-
conhecimento da pluralidade e a valorização da diferença, nas artes e
nas ciências. O autor discute, especialmente, como a pós-modernidade
promove a desconfiança em relação ao poder das grandes narrativas ex-
plicativas sobre o mundo – aspecto de central importância e bastante
explorado no presente volume.
O segundo capítulo apresenta uma introdução ao construcionismo
social que possibilita aos leitores compreender seus principais pressu-
postos, sem contudo perder sua complexidade. Valendo-se de muitos
exemplos práticos de nosso cotidiano, a autora discute o papel da lin-
guagem na construção do que vivemos como realidade e a centralidade
dos processos sociais e históricos na legitimação do que entendemos
como bom, útil e verdadeiro. A autora estabelece, ainda, um diálogo
profícuo com as críticas mais comuns ao discurso construcionista so-
cial, esclarecendo as dúvidas mais frequentes no entendimento dessa
nova forma de inteligibilidade.
Prólogo
Uma galeria
Imagine que estamos visitando uma galeria de arte com uma exposição
sobre o tema mulheres. O curador preparou uma sala com seis quadros
distribuídos ao longo de quatro paredes brancas e, no centro da sala,
uma escultura. Ao entrar, seguimos em sentido horário e vamos acom-
panhando as obras organizadas em uma linha histórica. A primeira obra
é Mulher com arminho, pintada por Leonardo Da Vinci, no século XV.
de ciências que, por fins didáticos, exibe apenas duas obras: modernida-
de e pós-modernidade. Como vocês poderão ver, a minha apresentação
sobre o movimento entre estes dois discursos científicos ecoará os prin-
cipais aspectos que sinalizei em relação às mudanças no campo artístico.
Tal como fiz com a arte, vou apresentar estes dois discursos em ciência
destacando, especificamente, suas preferências em termos de aborda-
gem dos temas, dos métodos e das formas de relação entre pesquisador,
pesquisa e pesquisados.
no modo de vida daquele período: pela primeira vez era possível ver
e comprovar a existência de seres que, embora muito pequenos, eram
responsáveis pela disseminação de mazelas de proporções catastróficas.
E mais, estes seres não tinham a aparência de anjos ou demônios, não
respondiam à feitiçaria e não obedeciam a leis espirituais. Ao contrário,
eram parte de nosso mundo, respondiam às mesmas leis naturais a que
estávamos submetidos, podiam ser controlados e eliminados e, acima
de tudo, foram descobertos pelo exercício metódico da capacidade hu-
mana de raciocinar. A razão, não a fé, nos recompensava com a liberda-
de e nos prometia o progresso.
Contudo, para o filósofo Pierre Levy, a invenção mais importante,
no que se refere à transformação do modo de pensar da era moderna,
foi a imprensa. Levy (1993) utiliza-se do conceito de tecnologias da in-
teligência para falar das produções tecnológicas que, em cada época,
possibilitaram o desenvolvimento de novas formas de pensar e de se
relacionar com o conhecimento. Assim, na modernidade, o desenvolvi-
mento da imprensa amplia a circulação dos textos e, consequentemente,
as possibilidades de acesso à informação. O conhecimento, registrado
em texto, deixa aos poucos os mosteiros e bibliotecas e passa a inserir-se
nas brechas da vida comum. Mais que isso, o texto que sai da máqui-
na já não guarda a marca da mão humana que o produziu e copiou.
A autoria fica diluída por trás dos caracteres e páginas reproduzidas em
série. Isto será fundamental para a construção, no plano discursivo da
modernidade, da “ideologia da representação” (IBAÑEZ, 2002), ou seja,
da crença de que um texto (conhecimento) é o retrato objetivo da vida
como ela é, e de que o autor não passa de um sagaz observador.
No discurso da modernidade, a tarefa do pesquisador é a produção
de um retrato verossimilhante do mundo. Essa busca está carregada de
inúmeras pressuposições, das quais destaco quatro. Em primeiro lugar,
ela pressupõe a separação entre o sujeito que conhece e o objeto que é
conhecido. De um lado está o pesquisador, investido de capacidades ra-
cionais que são a chave para a compreensão do mundo (o cogito cartesia-
no). Do outro está o mundo, a vida, os objetos ou, como chamarei daqui
em diante, a realidade. Em segundo lugar, presume-se que essa realidade
tem atributos de: a) exterioridade (é externa ao sujeito que a conhece); b)
independência (existe de modo separado do sujeito); c) precedência (já
existia antes que o sujeito se desse conta dela); d) definição (possui carac-
terísticas estáveis); e e) singularidade (é de um mesmo modo para todos
que a observam) (LAW, 2004). Concebida dessa maneira, a realidade é
um mistério que deve ser revelado pelo pesquisador, e descobrir significa
trazer à luz a verdade de uma realidade. Em terceiro lugar, presume-se
que esse sujeito pode, pelo exercício da razão, conhecer a realidade exa-
tamente como ela é. Para isso, precisará de um método, ou seja, de um
modo controlado de proceder que minimize suas interferências sobre a
realidade e que permita, então, o acesso neutro e imparcial a ela. Final-
mente, uma vez descoberta a realidade, o pesquisador relata o que conhe-
ceu por meio de uma linguagem clara e precisa. A linguagem é o veículo
de transmissão do conhecimento: espelho do mundo, registro da verdade.
É interessante notar que o discurso da ciência moderna, em grande
parte, constrói-se em oposição ao discurso mítico medieval. Um dos
principais alvos da crítica moderna ao conhecimento medieval é sua
sujeição às leis espirituais como núcleos inquestionáveis de uma verdade
supra-humana. Neste sentido, podemos dizer que a ciência moderna
destitui Deus do trono absoluto da verdade. A verdade já não é uma
iluminação, mas uma conquista dos que perseveram no método racional
de investigação. Contudo, ao descrever o método científico como via de
acesso à realidade, e ao situar o conhecimento produzido por ele como
universal, a ciência moderna não deixa o trono vago: ela mesma o ocupa.
A crítica moderna acerca de quem tem acesso à verdade possibilita uma
substituição de juízes, mas sustenta o mesmo jogo: permanece incólume
à ideia de uma verdade única e de uma forma privilegiada de acesso a ela.
Permanece estável a hierarquia entre aqueles que dispõem ou não das vias
de acesso. Permanecem também inquestionados os efeitos de opressão
sobre aqueles que não as dispõem. Seria necessária a emergência de um
Poder
tas pós-modernos como Barbara Krueger e Carl Andre, que buscam com
suas obras, respectivamente, construir o feminino a partir de sua própria
voz e interrogar o poder do discurso instituído pela galeria.
Após Foucault, tornou-se difícil defender a ciência enquanto ofício
neutro, comprometido apenas com a verdade. O campo epistemológico
que se configurou a partir de suas contribuições demandaria discursos
científicos críticos e atentos às suas implicações. Como veremos no pró-
ximo capítulo, estas duas características serão centrais na formulação de
um discurso construcionista social.
Linguagem
sição de Saussure parece simples e óbvia. Mas ele segue em frente e diz
que, se as palavras não guardam uma relação necessária com o que re-
presentam, os próprios conceitos tornam-se arbitrários, uma vez que só
podem ser definidos na relação que estabelecem com outros conceitos.
O significado de um conceito não está em si mesmo nem em sua relação
necessária com a “coisa” que representa, mas na relação de diferenciação
que ele estabelece com outros conceitos. Sendo assim, para compreen-
dê-lo, temos que diferenciá-lo dos outros. Nós criamos, por exemplo,
um conceito de cadeira, árvore e amor que possibilita separar cadeiras
de pessoas, árvores de prédios e amor de tristeza. Como tais divisões
são arbitrárias, poderíamos não fazer distinção entre uma árvore e um
prédio se nossa linguagem não constituísse tal divisão. Já que dispomos
de uma linguagem que contém um signo para amor (uma palavra e um
conceito), podemos experimentar o amor. A linguagem não expressa,
mas enquadra e delimita nossa experiência do mundo.
Se os conceitos dos quais dispomos determinam nossas possibilida-
des de apreensão do mundo e se tais conceitos são arbitrários, ou seja,
não guardam nenhuma relação necessária fora do jogo da linguagem,
a ideia de objetividade, enquanto acesso imediato e neutro à realidade,
torna-se sensivelmente problemática. Por isso, Saussure propõe que o
foco da investigação sobre a linguagem não deve estar na correspon-
dência de um dado conceito com uma realidade, mas na relação que
os conceitos estabelecem entre si segundo a estrutura da linguagem. A
linguagem deixa de ser um recurso de representação e transmissão e
passa a ser entendida como estrutura em si. Por um lado, a noção de
estrutura que ele propõe problematiza a ideia de objetividade, mas, por
outro, reforça a noção de estabilidade e universalidade, uma vez que
os signos, após formados, calcificariam-se em sentidos coletivos, am-
plamente compartilhados e razoavelmente imutáveis. Neste sentido, as
ponderações de Saussure sobre a linguagem abriram uma fresta que se-
ria aproveitada por outros autores, como Derrida, para a construção de
um entendimento pós-moderno sobre a linguagem.
Reflexividade
1. Os termos por meio dos quais explicamos o mundo e a nós mesmos não
são ditados pelos objetos estipulados por esses relatos.
Tal pressuposto nos informa que nada naquilo que tomamos como
objeto (o mundo físico, as pessoas, os sentimentos, as percepções...) exi-
ge um tipo de descrição específica e rejeita outra.
Para exemplificar, um cientista em um laboratório combina diferen-
tes componentes químicos e observa ao que leva essa combinação. Ao
término do experimento, ele relata o processo à comunidade científica
da forma mais objetiva possível. Ele faz seu relato buscando ser neutro
no uso das palavras. Ou seja, ele não fala dos componentes químicos
em termos de suas preferências pessoais e não conta a história de sua
frustração com relação aos resultados do experimento. Esse cientista
acredita que seus relatórios de pesquisa são capazes de representar os
elementos do mundo externo tal qual eles são, além de acreditar na pos-
sibilidade do relato dos eventos da forma como eles realmente acontece-
ram. Ele acredita na separação entre um sujeito (cientista) e um objeto
(componentes químicos) e na possibilidade de uma descrição desconta-
minada da relação entre os dois.
Outro exemplo: em muitas de nossas trocas cotidianas, lidamos com
o mundo a partir dessa mesma separação, considerando um “dentro de
mim” e um “fora de mim”. Esse “fora de mim” seria a realidade externa,
e a realidade externa se mostraria para cada um de nós por meio de
nossos sentidos, e seria possível, a partir de mim, a descrição de como
as coisas são fora de mim.
Mais um exemplo. Uma moça olha pela janela e diz estar vendo ár-
vores do lado de fora e algumas senhoras caminhando. Conta também
que sente uma leve brisa e os raios do Sol em sua face. Uma forma de
entender essa descrição é tomá-la como a representação de como as coi-
sas realmente são do lado de fora da janela. Nesse caso, a linguagem
estaria servindo para transmitir, a quem interessasse, o cenário visto.
Todavia, alguém familiarizado com as críticas feitas na história da ciên-
1
Essa história foi citada por Spink e Menegon (1999) ao apresentarem a crítica
construcionista social ao realismo e ao subjetivismo.
2
No futebol, tira-teima é o sistema virtual televisivo que permite gravar e rever
momentos do jogo em câmera lenta para verificar uma jogada que dividiu opiniões.
mos em Verdades com “V” maiúsculo, que seriam verdades que não po-
deriam ser contestadas por sua contextualidade, que se sustentariam no
espaço e no tempo independentemente de quem as descreve como tal.
Até as verdades descobertas pelo cientista do exemplo anterior se-
riam, no discurso construcionista social, verdades com “v” minúscu-
lo, uma vez que sua legitimação depende da crença de que o método
científico, com seu rigor, controle de variáveis e capacidade de experi-
mentação, poderia levar à produção de conhecimentos objetivos, ge-
neralizáveis e incontestáveis. No entanto, tal modo de entender o que é
ciência não é a único. Como veremos ao longo deste livro, outros enten-
dimentos convivem com a forma tradicionalmente aprendida do que é
conhecimento científico.
Porém, se as descrições não se sustentam fora dos acordos culturais,
por que temos a impressão de que vários fenômenos permanecem imu-
táveis ao longo do tempo? O próximo pressuposto nos ajuda a respon-
der a essa questão.
they Gull e Ernest Charles Lasegue escreveram, pela primeira vez, sobre
uma condição psicopatológica batizada de anorexia nervosa. Para esses
médicos, era a descoberta de um novo transtorno mental. Entendida
como uma entidade nosológica, a anorexia nervosa passou a ser com-
preendida pela comunidade científica como um objeto de intervenção
e tratamento. O que aconteceu nesse processo foi a construção de uma
psicopatologia chamada anorexia nervosa.
Participa da construção da explicação desse transtorno alimentar o
discurso biomédico que defende a existência de uma “realidade lá fora”
passível de ser identificada. Tal realidade seria a realidade da anorexia
nervosa.
Mudando o momento histórico, em meados da década de 1980, as fe-
ministas teceram críticas com relação a essa definição da anorexia nervosa.
Tais autoras questionavam que as práticas de medicalização não estavam
nomeando uma condição com existência em si mesma, mas participan-
do da construção dessa condição. Assim, outras formas de descrição do
comportamento alimentar feminino foram sendo delineadas, tais como:
negação da alimentação como resposta à pressão de uma sociedade pa-
triarcal (ORBACH, 1986; CHERNIN, 1986; MACLEOD, 1981); a magre-
za feminina como resistência à submissão das mulheres (BORDO, 1988);
anorexia nervosa3 como fruto de práticas discursivas (HEPWORTH,
1999; MALSON; USSHER, 1996); anorexia nervosa como criação do dis-
curso biomédico (BELL, 2006); e anorexia nervosa como construção so-
cial (DURAN et al., 2000).
Voltemos ao terceiro pressuposto de Gergen para relacioná-lo a esse
exemplo. Segundo o discurso construcionista social, a explicação da
anorexia nervosa é sustentada nas práticas de saúde atuais, pois descre-
ve objetivamente uma realidade psicopatológica. Ela se sustenta porque
3
O uso de maiúsculas e minúsculas, nesse caso, serve para diferenciar o entendi-
mento do discurso biomédico da Anorexia Nervosa como uma entidade e outros
que entendem anorexia nervosa como uma construção social.
4
Gergen (1997) define um núcleo de inteligibilidade como um corpo de propo-
sições teóricas, metateóricas e metodológicas comuns entre os membros de uma
dada comunidade, por exemplo, uma comunidade científica.
bre quem ganha e quem perde com a continuação desses rituais sociais
ou o que ganhamos ou perdemos ao construir o mundo de uma forma
e não de outra. O principal efeito desse pressuposto está no convite para
questionarmos o que tomamos como óbvio, especialmente nos cenários
relacionais onde conflitos emergem, dificuldades se apresentam e pro-
blemas são reificados.
Isso não quer dizer que, ao assumirmos o caráter construído do mun-
do, precisamos, necessariamente, questionar tudo e todos. Sem nossos
acordos sobre realidades dificilmente conseguiríamos sobreviver no dia
a dia. Precisamos de entendimentos comuns sobre o que significa a luz
vermelha em um semáforo, por exemplo, para que as pessoas consigam
dirigir nas cidades que adotam esse código. O questionamento passa a
valer a pena nas situações em que a nossa avaliação das realidades cons-
truídas é negativa, quando conflitos são identificados, quando grupos
sociais são marginalizados ou quando boas trocas sociais são impedi-
das. Nesses cenários, a reflexividade crítica ajuda na problematização do
que está sendo tomado como óbvio, em um esforço de desfamiliariza-
ção (SPINK; FREZZA, 1999) e de busca de alternativas. Uma ressalva é
importante quanto a esse pressuposto. Qualquer avaliação que façamos
das realidades construídas é também uma construção social. Ou seja,
qualquer parâmetro utilizado para questionar o que está sendo toma-
do como óbvio é contextualmente produzido. Qualquer construção do
bom ou ruim parte sempre de uma tradição discursiva.
Quando, pela primeira vez, apresento esses pressupostos aos meus alu-
nos costumo ouvir alguns estranhamentos, críticas, dúvidas ou curio-
sidades. As colocações de meus alunos são, em muitos momentos, as
mesmas feitas pelos críticos aos teóricos do movimento construcionista
social nas últimas décadas (GERGEN, 1994). A primeira delas:
de nós mesmos. Segundo Burr, isto nos leva a duas reflexões: 1. O que
pensamos constituir o ser humano (personalidade, motivações, desejos
e sentimentos) não é intrínseco a ele. São descrições que aparecem nos
relacionamentos, a partir da linguagem, para nos auxiliar a organizar
nossas experiências; 2. Como estas características não são intrínsecas ao
homem, podem ser construídas de modo diferente, ou seja, há possibili-
dades alternativas de construção do self e dos eventos.
Algumas correntes da psicologia tratam a linguagem como algo que
representa o mundo interior do indivíduo, utilizada para traduzir o
que ele é. Para refletirmos sobre esta questão, trago o exemplo de uma
conversa realizada com Miriam (nome fictício), paciente de um ambu-
latório de psiquiatria, que fazia tratamento para dependência de álcool
(CORRADI-WEBSTER, 2009). Na conversa, Miriam se diz ansiosa,
exemplificando que, quando recebia seu pagamento, precisava logo pa-
gar suas dívidas: “Se eu recebia um dinheiro, tinha que pagar no mesmo
dia a pessoa, sabe? Hoje eu sei o que é isso, entende?” Miriam também
poderia ser descrita como responsável, por querer arcar com seus com-
promissos em dia. Ansiosa ou responsável são diferentes formas de des-
crever o modo como alguém se relaciona com determinada situação e
também constroem o indivíduo. Nesta conversa, Miriam também disse
ter ficado muito nervosa na noite anterior à entrevista, justificando que
isto aconteceu por ser uma pessoa muito controladora. Vale destacar
que tais entrevistas fizeram parte da coleta de dados de uma pesquisa de
doutorado e que o convite foi feito, por telefone, para mulheres em trata-
mento ambulatorial psiquiátrico. Miriam não conhecia a entrevistadora
nem a instituição onde a entrevista seria realizada, não compartilhava
dos códigos utilizados em contextos acadêmicos e de pesquisa e estava
sendo convidada a participar do estudo por ter recebido um diagnóstico
de dependência alcoólica e fazer tratamento para redução/cessação do
consumo. Ao final da entrevista, ela relatou sua dificuldade para dormir
na noite anterior, preocupada com sua performance e com a impressão
que causaria. Segundo ela se descreve: “Eu tenho problema com o des-
crito, pois não foram bem atendidas pelo médico. As autoras relatam
que estas são pessoas geralmente descritas pelas equipes de saúde como
irresponsáveis com a saúde ou ignorantes, precisando ser educadas e
gerenciadas pelo serviço. Entretanto, nas entrevistas, elas também re-
latam não usar o medicamento como modo de se protegerem de uma
prescrição que foi percebida como tendo sido realizada sem uma boa
avaliação. Assim, estas mulheres poderiam ser descritas como pessoas
que se preocupam com a própria saúde e que praticam o autocuidado
ao não usarem medicamentos prescritos de modo não adequado. Neste
exemplo, percebe-se como certa descrição pode construir estas mulhe-
res como irresponsáveis com a saúde enquanto outra as constrói como
preocupadas consigo mesmas. Segundo nossa compreensão de lingua-
gem, nenhuma destas descrições é mais verdadeira que a outra, mas elas
convidam a diferentes práticas sociais. Se privilegiarmos as descrições
da primeira situação, ampliamos as ações de educação em saúde e de
monitoramento, buscando oferecer informações a estas mulheres, lem-
brando-as continuamente de suas responsabilidades. Se considerarmos
a segunda situação, podemos refletir sobre a postura profissional do mé-
dico, sobre as dificuldades da equipe para construir um vínculo com o
paciente e conversar com ele sobre suas queixas e terapêutica, e também
podemos avaliar o processo e a organização do trabalho nos serviços de
saúde, que muitas vezes não possibilitam contato maior dos profissio-
nais com os pacientes.
O discurso construcionista valoriza a função performática da lingua-
gem como produtora de descrições identitárias e de modos de ação so-
bre determinadas situações. Considerando que não há uma “verdade” ou
uma forma correta de descrever os eventos, as pesquisas orientadas pelo
discurso construcionista buscam diferentes formas de descrever os fenô-
menos, visando ampliar as reflexões sobre eles e as possibilidades de ação.
Voltando à entrevista de Miriam, ela se diz sem forças para lutar contra a
vontade de beber, apontada por ela como o inimigo mais difícil de ven-
cer. (“O único inimigo que eu aceito é este. É tão difícil lutar contra ele.”)
1
O X, para Hacking (1999), refere-se ao que (objetos, ideias e “palavras elevadas”,
como realidade, fatos e verdades) é dito como sendo socialmente construído.
(3) Nós poderíamos estar muito melhor se X deixasse de existir ou, pelo
menos, se fosse radicalmente transformado (Hacking, 1999, p. 6).
2
Conforme apresentam McNamee & Gergen (1990), alguns movimentos críticos
anteriores podem ser identificados no contexto clínico, entre os quais se destacam:
a) críticas aos vieses ideológicos nas práticas em saúde mental; b) críticas advindas
de perspectivas sistêmicas; c) advento da psicologia comunitária com destaque ao
contexto sociocultural; d) reflexões de autoras feministas sobre aspectos opressivos
presentes nas práticas de saúde mental, privilegiando hierarquias, práticas de cul-
pabilização e de patologização individual; e) contribuições da hermenêutica, que
problematizavam a concepção de neutralidade do terapeuta, convidando-o a reco-
nhecer seus próprios preconceitos; f) proposições construtivistas centrais à proble-
matização sobre a separação sujeito/objeto, conhecedor/conhecido.
3
Além de sua versão original em inglês, publicada nos Estados Unidos, o livro foi
traduzido para outros idiomas, e publicado em outros cinco países: Coreia, Japão,
Espanha, Brasil e Itália.
4
Tal dimensão foi explorada nos dois primeiros capítulos deste livro e será discuti-
da também no capítulo seguinte, sobre construcionismo social e prática de pesqui-
sa, escrito por Sheila McNamee.
5
O terceiro capítulo deste livro buscou apresentar algumas destas possíveis ferra-
mentas, articulando-se à reflexão de investigação proposta por Sheila McNamee,
no quinto capítulo.
fluxo, dentro dos quais as únicas estabilidades disponíveis para nós são
(....) estabilidades dinâmicas, dependentes para sua existência de sua
imersão dentro do contínuo fluxo de atividade relacional em seus ar-
redores (p. 140).
As questões divisoras
1
N.T.: O termo usado por Woolgar (19996) é “Received View of Science” (RVS).
Mantivemos a tradução próxima ao original, por entendermos que a expres-
são usada permite compreender que o autor refere-se à visão tradicionalmente
transmitida de ciência nas gerações.
Pode ser útil entendermos diferenças sobre o que conta como pesqui-
sa por meio do entendimento destes diferentes mundos. Raboin, Uhlig e
McNamee propõem três diferentes mundos de pesquisa: o diagnóstico
(quantitativo), o interpretativo (qualitativo) e o relacional (orientado
para o processo).
quadro 1
Entendendo consistência e inconsistência entre mundos de pesquisa
Figura 1
A construção de visões de mundo
É importante notar aqui que este processo está acontecendo toda vez
que pesquisadores se engajam uns com os outros e com o mundo. As-
sim, o potencial para construir uma multiplicidade de visões de mundo
é vasto. Com cada construção de uma visão de mundo, estamos cons-
truindo uma ontologia (o que é) e uma epistemologia (como podemos
conhecer o que existe) locais. Assim, também estamos construindo uma
ordem moral que implica no que é considerado bom e no que não é.
Consequentemente, há um desafio de coordenações entre estes diferen-
tes mundos de pesquisa. Como podemos ver, é impossível, nesta orien-
tação, esperar que pudesse haver uma maneira unificada de entender e
conduzir pesquisa. Dentro deste mundo, os padrões de ação são sensí-
veis; tentar entender um mundo de pesquisa utilizando os critérios de
avaliação do que “faz sentido” em outro diferente rende, na melhor das
hipóteses, um debate sobre o que é certo e errado e, na pior, a desquali-
ficação de formas inteiras de prática.
Figura 2
Mundo de pesquisa qualitativo
Figura 3
A complexidade e diversidade das visões de mundo
Figura 4
Mundos de pesquisa em interseção
Pesquisa relacional
Um foco relacional (tal como definido aqui) não somente inclui mudan-
ças de premissas, mas também de perguntas e interesses. Uma questão
central se refere aos tipos de realidade dos quais somos parte e para
cuja construção contribuímos em nossa pesquisa. A que tipo de mun-
do convidamos uns aos outros quando agimos como se fosse possível
representar a única forma como as coisas realmente são? Em contraste,
a que tipo de mundo convidamos uns aos outros quando presumimos
que as realidades são coconstruções baseadas em comunidades locais,
históricas e culturais? Ambos os tipos de investigação constroem rea-
lidades locais e comuns, mas muito diferentes: uma realidade onde há
especialistas e não especialistas versus uma realidade onde há domínios
de especialidades múltiplos e, talvez, conflituosos.
As mudanças relacionais que esbocei oferecem a possibilidade de
engajar outras pessoas (teóricos, profissionais, pesquisadores e também
atores sociais) em atividades que aumentem nossos recursos para a vida
social. O interesse está na própria prática de um mundo de pesquisa
construcionista, na medida em que ele pode abrir diferentes possibili-
dades, como uma performance que literalmente coloca em ação e, por-
tanto, disponibiliza, novos recursos relacionais.
to, uma vez que ainda faço bastante isso antes de entrar em qualquer
campo de pesquisa ou de começar qualquer viagem. Entretanto, isso me
permite ser responsivo ao caráter sempre emergente da tarefa de pes-
quisar. Além disso, considero a importância ética de convidar os partici-
pantes não apenas para colaborar com o que eu proponho, mas também
para se engajar na construção coletiva de um processo de pesquisa. Eu
havia escutado que pesquisadores sociais frequentemente dizem que es-
tão abertos para aprender com os participantes. Assim como eu, quando
comecei minha pesquisa. Entretanto, a colaboração que eu estava espe-
rando era restrita ao conteúdo da minha pesquisa. Presumi que cabia a
mim, o pesquisador, decidir sobre os processos e demonstrar maestria
de estratégias metodológicas e analíticas. O evento foi constrangedor
porque sugeria que eu podia não saber como conduzir o processo de
pesquisa. Entretanto, foi exatamente porque eu não sabia que os partici-
pantes puderam se sentir convidados a colaborar. As relações de poder
foram transformadas e a autoria pôde ser democratizada (MOSCHETA,
comunicação pessoal, 25 de julho de 2011).
Introdução
Em 1996, após ampla consulta pública, o Conselho Nacional de Saú-
de aprovou as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa En-
volvendo Seres Humanos, por meio da Resolução 196. Tendo por fun-
damento os princípios de bioética referendados por duas declarações
internacionais, a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, e a De-
claração de Helsinque, aprovada em 1964 e revisada periodicamente,
tal resolução criou o sistema de Conselhos Institucionais de Ética em
Pesquisa que, atualmente, zela pelas boas práticas em pesquisa, sobretu-
do no que diz respeito àqueles que, de forma voluntária e com plena au-
tonomia, dela participam. Mas não apenas a proteção aos participantes
vem sendo foco de preocupações e debates. Diante das muitas mazelas
nas fases posteriores de pesquisa, nos diferentes “interstícios da produ-
A ética, o debate sobre como a vida deve ser vivida, é uma noção social
e, como tal, sua presença constante no nosso dia a dia, e atualmente no
característico das zonas rurais onde viveu, o que muitas vezes era inter-
pretado por alguns profissionais como limitações de caráter cognitivo,
chegando a se cogitar a hipótese diagnóstica de uma deficiência mental.
Rosa também guarda uma descrição negativa de seu contato com os ser-
viços de psiquiatria, e disse ter sofrido muito em suas internações. Além
disso, ela relatou um tumor há aproximadamente três anos, dizendo que
o mesmo só foi diagnosticado após muita insistência de sua parte para
que exames fossem realizados. Por conta disso, Rosa costumava atribuir
os sintomas do seu marido a um suposto tumor, o que ocasionou várias
discussões com os psiquiatras do serviço, pois ela pedia insistentemen-
te que exames fossem feitos. Tais pedidos sempre foram negados, con-
siderando que, do ponto de vista médico-clínico, não existia qualquer
evidência que corroborasse tal hipótese. Este acontecimento favoreceu
a construção de uma relação entre o casal e a instituição marcada pela
tensão. Eram frequentes, no discurso do casal, principalmente no de
Rosa, críticas ao posicionamento dos médicos em geral, especialmente à
falta de escuta e de atenção, muitas vezes atribuídas por Rosa à sua pre-
cária condição financeira. Por parte da equipe, o caso de Chico e Rosa
foi discutido em diversos espaços, questionando-se inclusive a possibi-
lidade de alta devido à dificuldade de comunicação com ambos. Nesse
contexto, foi oferecido ao casal um espaço de terapia familiar, onde eles
foram atendidos por uma dupla de terapeutas de diferentes especialida-
des (uma assistente social e uma enfermeira).
Destacamos aqui o terceiro atendimento realizado ao casal, que pa-
rece ter sido o início de uma significativa transformação da sua relação
com a equipe e com a instituição. Este atendimento foi realizado com
a presença da equipe reflexiva, composta por um psicólogo e dois re-
sidentes psiquiatras. O início do atendimento foi marcado por críticas
agressivas e repetitivas de Chico, mas principalmente de Rosa, aos pro-
fissionais da instituição, principalmente à figura do médico residente
responsável pelo caso de Chico (que não estava presente no atendimen-
to). Rosa também pediu insistentemente que uma maior atenção fosse
A ilustração clínica do caso de Chico e Rosa nos oferece uma pequena di-
mensão do potencial dos recursos de uma orientação construcionista so-
cial para a prática clínica com famílias. A postura construcionista convida
à novidade: de olhares, de descrições da realidade, de posicionamentos
e de novas formas de se relacionar. Nesse caso específico, após o atendi-
mento, foi significativo como o casal mencionado passou a se relacionar
de outra forma com a equipe e com a instituição. Isto foi percebido e rela-
tado por vários profissionais do HD, possibilitando a abertura necessária
para o diálogo e inclusão do casal como coconstrutores do tratamento.
Para fins didáticos, buscamos, a seguir, destacar alguns pontos da
mudança paradigmática proposta pelo modelo, considerando sua espe-
cificidade narrativa e ilustrando-os com o relato de caso apresentado.
A inclusão na conversa
O convite à polifonia
Considerações finais
tabilidade dessa prática, uma vez que o espaço se mantém aberto para
novos participantes, seguindo adiante independentemente da flutuação
e rotatividade das pessoas.
No seu conjunto, as cinco etapas propostas para a TCI têm por obje-
tivo organizar uma conversação propositada, favorecendo uma rede de
trocas de experiências em torno a significados compartilhados, a partir de
temas propostos e escolhidos pela comunidade, valorizando o conheci-
mento local e o saber insider. Cada pessoa é considerada uma especialista
na sua vivência, da qual o terapeuta é um aprendiz (Barreto, 2008;
Anderson, 1997; 2005; 2007). Assim, adotando uma atitude de não
saber, o terapeuta comunitário coloca-se como um especialista na organi-
zação do processo, o que envolve cuidar da participação coletiva e facilitar
a conversação para que possa atender aos propósitos da abordagem.
A conversação que vai sendo construída em cada uma das etapas da
TCI favorece um campo de sentido organizado, como uma unidade dis-
cursiva em que pessoas individuais formam um sistema linguístico em
torno de significados comuns (Anderson; Goolishian, 1988).
Isto atende tanto à singularidade de cada participante, falando do lugar
da experiência vivida, como autor de sua história, como à dimensão co-
letiva de participante de uma coletividade que acolhe e legitima.
Adalberto Barreto (2005) propôs cinco etapas para a TCI, e eu as
descrevo a seguir:
1. Acolhimento
2. Escolha do tema
comunidade em geral quem gostaria de dizer qual dos temas foi mais sig-
nificativo para si. Tal momento, conhecido entre os terapeutas comunitá-
rios como identificação, envolve perguntar aos participantes o porquê de
terem sido tocados por aquele tema em específico. Além dessa partilha
ajudar o terapeuta comunitário a compreender o tecido que constrói os
significados preferidos pela comunidade presente, ela possibilita que as
pessoas ainda indecisas possam se conectar com algum tema a partir da
escuta das identificações das outras pessoas. Somente após ouvir alguns
depoimentos de identificação com os temas apresentados, o terapeuta
procede à votação. O que pretendemos é que as pessoas escolham o tema
a partir de suas ressonâncias. Temas não são considerados problemas,
mas campos de sentido para conversações reflexivas que favorecerão re-
lações significativas entre os presentes, organizando-se como sistemas
linguísticos (Anderson; Goolishian, 1988).
E a escolha do tema leva à votação. Cada pessoa é convidada a esco-
lher um tema e votar em apenas um. O ritual de votação permite o com-
prometimento coletivo com a conversa que será organizada a seguir,
numa dimensão de responsabilidade compartilhada. O terapeuta, neste
momento, agradece a todos os participantes que propuseram temas e
abre espaço para que essas pessoas o procurem, no final da roda de TCI,
caso haja algum desconforto sobre o qual gostariam de falar. Contudo,
a experiência de mais de dez anos neste trabalho tem mostrado que, in-
dependentemente de qual tenha sido a porta de entrada, a conversa que
se organiza nas etapas subsequentes acaba favorecendo um acolhimento
coletivo, mesmo para os que não tiveram seus temas escolhidos.
3. Contextualização
Esta etapa se inicia solicitando à pessoa que teve seu tema escolhido que
compartilhe com o grupo o que tem vivido em relação ao dilema que a
está preocupando. Num primeiro momento, procedemos a uma escuta
4. Problematização
5. Ritual de encerramento
Por essa razão, no terceiro encontro, optamos por uma atividade que
elencasse as estratégias concretas para a resolução de problemas que os
participantes já utilizavam em suas vidas. A pessoa que estava com a
aflitiva situação de vida não foi nesse dia e, em contato telefônico poste-
rior, disse preferir não voltar aos encontros em grupo. Antes de iniciar
a atividade programada pela equipe para esse encontro, questionamos
se eles ficaram com a mesma impressão que nós sobre o encontro an-
terior. Todos concordaram. Feito isso, explicamos que, como cada um
dos presentes tinha passado por lugares de desamparo, para aquele dia
pensamos em como, a partir de seus recursos, eles poderiam sair desses
lugares, caso fosse necessário. Pedimos que cada participante comentas-
se sobre uma situação difícil que estava passando e sobre como ele acre-
ditava que poderia superá-la. Posteriormente, abrimos para que todos
participantes ajudassem na coconstrução de resoluções.
As situações difíceis relatadas foram: o parar de fumar, as debilidades
físicas, a culpabilização pelos erros na educação dos filhos e ansiedade
constante. Pensamos juntos em como eles poderiam superar essas di-
ficuldades e algumas estratégias foram mencionadas: manter a calma,
frequentar lugares nos quais não há fumantes, fazer atividades manuais
para distração, rezar, conversar com o marido, ter paciência, fazer exer-
cícios, entre outros.
O quarto encontro contemplou mais um momento da construção
do contexto conversacional, com a decisão sobre “o que queremos con-
versar aqui”. Convidamos os participantes a elencarem os temas que
seriam discutidos nos próximos encontros, até o final do atendimento
em grupo. Os participantes elencaram poucos temas e o fizeram com
certa dificuldade. Na medida em que os coordenadores foram exploran-
do as falas dos participantes, quatro temas foram elencados. A ordem
dos temas a serem discutidos a cada encontro também foi decidida em
conjunto. A percepção dos participantes de que algumas pessoas esta-
vam mais ansiosas e com maior necessidade de falarem das questões
que as desafiavam naquele momento fez com que fosse dada prioridade
aos temas de interesse dessas pessoas. Ficou como função da equipe es-
truturar esses encontros temáticos de forma que pudessem ajudar essas
pessoas, mas também serem úteis a todos os demais participantes. Os
temas elencados foram: os limites nas relações e consigo mesmo, como
educar os filhos, ansiedade e solidão/medo, nessa ordem. Além da de-
finição dos temas, também estava aberta para negociação a dinâmica
desses encontros, com a possibilidade de alguns grupos terem objetivo
de um grupo terapêutico, de orientação, entre outros tipos.
O convite para os usuários participarem da decisão do que seria tra-
balhado no atendimento grupal possibilitou a oferta de os participantes
trazerem material para esses encontros. Sobre limites na educação dos
filhos, por exemplo, uma participante se ofereceu para procurar infor-
mações na internet, outra se ofereceu para ler um livro sobre a questão
e resumi-lo aos demais participantes.
Seguindo a ordem temática definida, no quinto encontro falou-se so-
bre os limites que precisamos colocar no relacionamento com familiares,
com amigos e no trabalho. O pedido da equipe era de que alguém se vo-
luntariasse a contar uma situação-problema que estivesse vivendo com
relação a esse tema. Utilizamos a técnica do “como se” (Anderson, 2009).
Nela, você pede para uma pessoa voluntária identificar uma situação-di-
lema que gostaria de compartilhar com o grupo e descrever quais são as
pessoas envolvidas na situação. Antes dessa pessoa contar sua história, os
coordenadores pedem que cada pessoa da audiência decida a partir de
qual lugar gostaria de ouvir aquela história, ou seja, se gostariam de ouvir
a situação a partir do lugar de um dos envolvidos. Por exemplo, se a situa-
ção é um conflito entre mãe e filha, pedimos que cada pessoa da audiência
decida se vai ouvir a história “como se” fosse a filha ou a mãe. Esse posi-
cionamento faz com que se possa ouvir a situação-dilema a partir de uma
nova perspectiva, sensível a como cada pessoa envolvida age ou reage.
Após a história ser contada, o coordenador pede para audiência com-
partilhar suas reflexões a partir de seu lugar de escuta, ou seja, falando do
lugar de filha ou de mãe, considerando-se o exemplo anterior. Essa forma
Mirian: Eu estava pessimista, achando que não daria certo, pois, quando
fiz grupo em outra unidade [de saúde], não deu certo. Aí cheguei falan-
do nisso. Até antes de começar, eu não estava gostando muito. Mas de-
pois das entrevistas com o pessoal [participantes do trabalho em grupo]
eu fiquei mais animada. E comecei a pensar que poderia ser diferente.
E no final, agora, acho que foi um aprendizado bom, um aprendizado
grande. A gente entendeu bem a finalização [do atendimento em grupo]
e acho que pretendo trabalhar com isso.
Célia: Quando você [Laura] veio falar comigo e fez a proposta, eu aceitei
e pensei comigo: “Tô ficando louca, né?” Mais uma coisa para eu me
enfiar. Mas falei: “Eu acho que a gente tem que ir para o novo, o serviço
precisa.” E gostei do jeito que você [Laura] colocou a proposta, achei
você com bom senso, séria, e isso fez com que eu aceitasse. Aí, a gen-
te lendo [os textos prévios ao início dos encontros grupais], eu pensei:
“Esse treco é legal.” “Essa coisa é interessante.” Eu comecei tranquila,
pois já tenho uma experiência com grupo grande, de muito tempo. Eu
atendia no consultório apenas, mas recebi o convite para grupos e ado-
rei. E esse grupo agora não foi diferente. Acho que descobri potências
dentro de mim, e eu acho que foi o grupo, vocês [estagiárias], que fize-
ram acontecer. Eu fiquei encantada com a capacidade de vocês, pois não
é fácil achar estudantes com o nível de vocês. Com a maturidade, sensi-
bilidade, carinho, compromisso. Eu não me senti em nenhum momento
criticada, porque a gente comete erros, mas a gente formou uma equipe
mesmo. Eu fiquei muito à vontade e vinha com muito prazer trabalhar.
Laura: Eu, desde o começo, tinha muito claro que só faria esse grupo se
fosse para fazer junto, fazer com quem estivesse na UBS, com as alunas.
Quero que a equipe de profissionais sinta que o pouco que eu possa es-
tar junto eu estarei. (...) Foi muito leve o trabalho por ser em equipe, es-
tar com a Célia foi significativo por ser legitimada na UBS, pela possibi-
lidade do intercâmbio, coube psicanálise, coube construcionismo social.
Larissa: Eles queriam ouvir da gente o que a gente achava, uma devoluti-
va. Talvez, em outros grupos, a gente possa responder mais a isso. Isso me
chama muito atenção, que para cada grupo podemos mudar como vai ser.
Cabe aqui uma reflexão sobre a crítica que tem sido realizada na
literatura da área quanto ao predomínio das práticas psicoterapêuticas
realizadas por psicólogos na APS. Como afirma Dimenstein (2001),
a principal crítica a esse predomínio deriva do fato dos profissionais,
muitas vezes, recorrerem ao atendimento psicoterápico por não terem
arcabouço teórico e técnico para sustentar práticas distintas. Todavia,
a autora menciona a importância dos psicólogos na APS se sentirem
livres para construir seus próprios referenciais de atendimento, proble-
matizando a aplicação das teorias e técnicas tradicionais nesse contexto
de atuação, focando prioritariamente nas demandas locais. Concorda-
mos com a autora e adicionamos à sua colocação que, se a demanda
por psicoterapia for uma demanda possível de ser posta em conversa
e atendida, ela também pode fazer parte do atendimento ao usuário,
sendo, nesse caso, não uma imposição ou o resultado da falta de outras
opções, mas uma escolha consciente em meio a outras possibilidades
que também podem ser exploradas.
Os usuários avaliaram que a participação no atendimento foi váli-
da, com recebimento de apoio entre os participantes, ainda que alguns
tenham dito que a sua participação não foi capaz de evitar os sintomas
das psicopatologias com as quais haviam sido diagnosticados e com as
quais, em muitos momentos, eles se reconheciam. O discurso biomédi-
co, nesse sentido, tem o peso na definição dos objetivos do tratamento.
Tal aspecto chama a atenção dos coordenadores de práticas grupais à
tensão entre a importância de se combater os efeitos estigmatizantes que
o diagnóstico de uma psicopatologia pode acarretar e a necessidade do
usuário de dar um nome ao que o angustia ou perturba.
A impotência que o usuário pode sentir frente ao diagnóstico psi-
cológico, uma vez que sua problemática se torna objeto de especiali-
dade profissional, pode impulsionar o pedido dos usuários por formas
de atendimentos nas quais o profissional oriente o que ele deve fazer.
Os psicólogos devem estar atentos para esses efeitos na proposta de um
tratamento coconstruído, com relações horizontalizadas profissional-
Melissa tem 18 anos, uma filha de dois, e vive com seu companheiro na
casa dos sogros. Ela frequenta o grupo há oito meses. Quando as parti-
cipantes começaram a falar sobre a escola e as relações com as amigas,
ela relatou porque abandonou a escola: “Eu estava grávida, tinha sono,
moleza, sem falar que pensava que quando a minha barriga crescesse
todo mundo ia falar de mim. Então decidi parar.” Deise, outra parti-
cipante, contou sua experiência: “Pois eu não. Quando fiquei grávida,
contei para uma professora que foi muito legal e me disse que não era
para parar de estudar, que eu tinha direito à licença-maternidade e que
se não estivesse bem podia falar para a coordenadora que ela me ajuda-
ria. Foi legal, não parei de estudar, passei de ano e, agora, já vou acabar
o ensino médio.” Luciana, que também não havia desistido de estudar,
falou que também ficou grávida durante o período da escola e foi diver-
tido; passou a ganhar mais atenção de todos: “As outras meninas todas
vinham falar comigo sobre o bebê, ficavam passando a mão na minha
barriga e, quando o nenê mexia, era a atração da classe.” Safira descre-
veu que a sua situação não foi positiva: “Pois comigo foi horrível. Quan-
do a minha barriga começou a crescer começaram a dizer que eu estava
gorda e estranha e uma ‘insuportável’ (garota) falou: ‘Aposto que está
grávida, as tão quietinhas são as mais terríveis.’ Eu também parei de es-
tudar e me arrependo hoje, porque era boa aluna e tudo, mas fiquei com
vergonha.” Melissa, que observava a fala das meninas, desabafou: “Eu
não, nunca fui boa aluna nem gostei de escola, sempre ganhava bronca
porque falava muito e ficava fazendo piada. O difícil é que agora a Gabi
já tem um ano e o único trabalho que consigo é de empregada domés-
tica ou de babá. Agora não acho justo deixar a Gabi com minha sogra
para ir cuidar de filho dos outros.” Uma das professoras perguntou so-
bre que mudanças a paternidade trouxe para a vida dos companheiros.
Todas riram e Deise disse: “Espero que ele tenha tomado juízo e parado
de sair com umas ‘zinhas’ aí.” Todas riram de novo e Melissa completou:
“O meu está se esforçando pra não faltar nada (...), mas eu queria muito
trabalhar.” Uma aluna questionou: “E as creches, você já pensou nisso?”
Todas falaram que é muito difícil conseguir vagas na creche e que esse é
um processo demorado.
Cuidar de criança não é fácil, e para ele é mais difícil ainda. (Ele) passa
o dia no trânsito de São Paulo, ele é motoboy, e chega em casa acabado.
Vai ter condições de cuidar da criança?
O João, quando cozinha, faz tanta bagunça que acho melhor ele ficar
longe da cozinha.
“Passei para conversar um pouco, estou sentindo falta de vir, mas con-
segui duas casas que estou indo ‘faxinar’.” Todas comemoram e ela com-
plementa: “Não sei se estou tão feliz assim, o trabalho é duro, as casas
são bagunçadas e ganho 50 reais; nem comida a mulher me dá. Tem dia
que passo com o pão que levei na bolsa. Depois ainda passo na minha
irmã para pegar o Guilherme (filho). Em troca dela ter olhado ele pra
mim, eu passo a roupa dela. Às vezes é tanta coisa que não dá pra passar
tudo no final do dia, aí volto depois. ‘Ceis’ estão vendo que até emagreci?
É tanta coisa, e ainda tem na casa da gente o serviço que acumula.”
Considerações finais
• Leituras
• BRIGAGÃO, J. I. M. Uma leitura das práticas em psicologia social
no campo da saúde em uma perspectiva construcionista. FER-
MENTUM: Revista Venezolana de Antropologia y Sociologia, Mé-
rida, VE, v. 17, p. 617-625, 2007.
• Filmes
• A fonte das mulheres (Radu Mihaileanu, França, 2012)
O filme mostra as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em
um vilarejo islâmico situado entre o Norte da África e o Oriente
Médio e as estratégias que, juntas, elas desenvolvem para melho-
rar suas vidas e fazer com que os homens mudem algumas de
suas atitudes.
• As irmãs de Maria Madalena (Peter Mullan, Irlanda, 2002)
Baseado em histórias reais, retrata a vida de três mulheres que, ví-
timas de preconceitos e injustiças, são enviadas a uma lavanderia
religiosa, onde sofrem os mais diversos tipos de violência. O filme
mostra como o desejo feminino tem sido visto e tratado. Esse tipo
de lavanderia existiu até a década de 1990.
• Histórias cruzadas (Tate Taylor, EUA/Índia/Emirados Árabes
Unidos, 2011)
O foco central do filme são as histórias de discriminação racial
que as empregadas domésticas negras sofriam na década de 1960,
no estado do Mississipi (EUA). As limitações e normas sociais
impostas a todas as mulheres nesse contexto também são eviden-
ciadas ao longo da trama.
ver com uma visão monológica do mundo e do self em que alguns têm o
poder de determinar a identidade de outros ou, de acordo com Pakman
(1995), determinar o que é a realidade para todos.
Alinhando-nos às definições dialógicas e conversacionais do self
(SHOTTER, 1996; SAMPSON, 1993; SHOTTER, 1993) e da realidade
como construção, pensando em um setting prático-moral, derivado da
ação conjunta (SHOTTER, 1993), foi uma consequência lógica traçar-
mos um caminho pelas práticas que promovem o diálogo, que procu-
ram a transformação social através da conversação e que tentam pro-
mover uma visão relacional da vida humana, em que a alteridade é a
fonte de nossa riqueza. Dessa forma, nos seus 18 anos de existência,
o Instituto Noos tem atuado no sentido de identificar, acolher, testar,
aprimorar e disseminar diferentes métodos para a criação de contextos
colaborativos que promovam o diálogo e possibilitem a reconstrução de
significados, na busca pela transformação do que é sentido como sofri-
mento ou vivido como conflito. Chamamos de práticas sociais ao con-
junto desses diferentes métodos que visam, neste caso, a construção de
espaços dialógicos e conversacionais que promovam o questionamento
e a transformação de ações consideradas abusivas e violentas nas rela-
ções humanas, especialmente as relações familiares e íntimas.
As práticas sociais que são (ou já foram) utilizadas pelo Noos, buscando
a construção de contextos de diálogo e conversação em relação às práti-
cas educativas nas famílias, incluem: terapia de família, grupos reflexi-
vos com pais, mães e responsáveis por crianças e adolescentes, oficinas
de sensibilização, produção de materiais (como folderes, cartazes, fil-
mes, vídeos de animação, cartilhas e fotonovelas) utilizados como apoio
nas ações de sensibilização e na escuta qualificada à distância de crian-
ças e adolescentes, utilizando o telefone e a internet, por meio de chats
Considerações finais
(2006) de que as pessoas não são sujeitos passivos dos traumas e dificul-
dades que viveram. Denborough (2008) considera que sempre existem
pessoas da comunidade que reagem às mais desafiadoras situações, de
seu jeito, por seus próprios conhecimentos, na busca de fazer frente aos
efeitos de adversidades que ameaçam suas vidas. Uma situação parado-
xal que ele destaca é que, ao enfrentar sua dificuldade num contexto co-
letivo, uma pessoa, mesmo se sentindo vitimada pela situação e experi-
mentando sofrimento, pode não apenas contribuir à sua sobrevivência,
mas também à vida de seus semelhantes. Para ele, quando uma pessoa
pode compreender sua contribuição à vida de outras pessoas, ela passa
a experimentar um efeito transformador sobre sua própria condição.
É como se o seu sofrimento não tivesse sido em vão.
Alguns princípios têm norteado o trabalho narrativo com situações
traumáticas, conforme apresento a seguir (DENBOROUGH, 2008):
O documento coletivo
ilustradas com uma história que explicite como foram úteis, como se
tornaram relevantes para a pessoa ou grupo e como tais habilidades/
temas estão relacionados às vivências coletivas da família, comunida-
de e cultura;
• o corpo do documento é construído com relatos ricamente descritos
das habilidades e conhecimentos adquiridos nos contextos em ques-
tão. Portanto, não se trata de uma listagem ou categorização que,
embora possam ser úteis, perdem na sua condição de despertar res-
sonâncias nos ouvintes;
• no conteúdo do documento e na forma de narrar, uma diversida-
de de experiências é contemplada. Assim, a pessoa que ouve ou lê
o documento pode ter pontos de identificação, como também ver
ampliadas as alternativas de enfrentamento possível para a situação
adversa em questão;
• o processo de escritura do documento envolve um engajamento da
coletividade no levantamento de temas e histórias, além da habili-
dade de um organizador desse material, como editor de texto. Feita
a primeira elaboração, o texto pode ser submetido à apreciação dos
que contribuíram com suas histórias e sugestões, e, a partir daí, fi-
nalizado;
• um aspecto importante, pensando nas pessoas que contribuíram
para a elaboração do documento, envolve promover um ritual para
a sua leitura frente à comunidade envolvida. Nessa hora, o re-narrar
das histórias de habilidades envolvidas no fazer frente às adversida-
des em questão contribui para um sentido de comunitas, conceito
que Denborough (2008) toma emprestado de Victor Turner para re-
ferir-se a um sentido de unidade compartilhada;
• a finalização do processo envolve o encontro de um espaço para com-
partilhamento. Para isso, o terapeuta e o grupo envolvido buscam
uma audiência para quem esse documento poderia ser útil, oferecen-
do um contexto de reconhecimento e legitimação. Isto pode aconte-
cer envolvendo uma troca aberta entre dois grupos que vivem a mes-
Reflexões finais
Com tantas visões distintas sobre sexualidade – cada uma sensível ao seu
próprio contexto de produção –, a educação só pode acontecer quando
o educador for capaz de reconhecer os valores e crenças diferentes (às
vezes incomensuráveis) e garantir que cada um deles tenha possibilida-
de de ser expresso e ouvido. Isto requer que o educador esteja engajado
na relação e seja capaz de reconhecer o modo como os valores (crenças
e sentidos) são colaborativamente produzidos nas relações.
A criação de valores e crenças emerge de um processo de coordena-
ção. Podemos pensar, por exemplo, no primeiro encontro entre um pro-
fessor e um aluno. Quando o professor entra em uma sala para aplicar
uma prova, ambos, professor e aluno, sabem que o foco daquela conver-
sa será as habilidades acadêmicas do aluno: o professor faz perguntas e
o aluno responde. A partir desta coordenação, padrões e rituais rapida-
mente são formados (ritualização). Algumas relações professor-aluno
podem solicitar que o aluno contribua com a discussão de um determi-
nado tópico. Em geral, o aluno experiente antecipa que será interrogado
COORDENAÇÃO
Pessoas coordenam suas ações em RITUALIZAÇÃO
conjunto (coordenações são Estas coordenações tornam-se
culturais, históricas e relacionais) rapidamente ritualizadas
por seus colegas de classe por ser “excessivamente sexualizada”. Sua per-
formance de gênero rompe com a expectativa que esta comunidade pro-
duziu acerca de como uma garota deve se comportar, e é apenas a partir
dos padrões desta comunidade de inteligibilidade que seu comporta-
mento pode ser considerado excessivamente sexualizado. Podemos dizer
que este grupo de alunos, no passado, coordenou suas ações enquanto
garotos e garotas de tal modo que a performance de masculinidade e
feminilidade tornou-se ritualizada. Na medida em que esses rituais se
tornam padrões, o grupo passou a esperar que todos os alunos se com-
portassem como eles. Suas performances coordenadas tornaram-se va-
lores que lhes representam como alguém deve ser. A garota chamada de
“excessivamente sexual” é alguém que coordenou sua performance de
gênero a partir de outra comunidade de inteligibilidade (oura escola, fa-
mília, vizinhos) na qual sua performance não é “excessivamente sexual”
ou na qual ser “excessivamente sexual” é valorizado, não uma caracterís-
tica problemática.
Outro exemplo pode ser a pressuposição compulsória de que todos
os alunos (e professores) são heterossexuais. Tal pressuposição repre-
senta a expectativa de que alunos e professores sejam heterossexuais.
E de onde vem esta expectativa? Ela foi produzida em coordenações an-
teriores (de coordenações em pequenos grupos, como a família, a coor-
denações maiores, como as produzidas nas imagens da mídia) que defi-
nem que um homem deve se sentir atraído por uma mulher e vice-versa.
E quais são os efeitos destas expectativas? Elas geram valores e crenças
de que este é o modo que as pessoas devem ser, criando, portanto, o
contexto para coordenações que reproduzirão os valores que estão em
sua matriz (na medida em que o círculo do diagrama anterior se auto-
-alimenta). Uma vez que a heterossexualidade é antecipada, com fre-
quência as imagens de casais de homens e mulheres homossexuais não
são apresentadas em livros didáticos, por exemplo. Conversas, exemplos
e piadas são feitos com a pressuposição (expectativa) que todos na sala
de aula são heterossexuais. Rapidamente, a noção de que todos devem
Recursos em ação
lista de perguntas que podem ser úteis para aqueles que queriam de-
senvolver seus próprios programas de educação sexual a partir de uma
perspectiva construcionista social (Quadro 2).
As atividades que apresentaremos são parte de um projeto que teve
seu início no momento em que a prefeitura municipal de uma pequena
cidade do interior paulista nos convidou a desenvolver e implementar
um programa breve de capacitação em educação sexual para os profes-
sores locais. Segundo a proposta, os professores do ensino fundamental
e médio seriam convidados para um programa de dez horas de duração.
O programa seria oferecido no horário de trabalho dos professores, mas
a participação seria voluntária. A expectativa era de que o programa co-
brisse temas amplos em sexualidade, com especial atenção à homofobia
e às manifestações de sexualidade não heterossexuais.
Ao planejar o programa, tomamos como objetivo produzir um enga-
jamento dos professores em um processo reflexivo no qual eles pudessem
simultaneamente avaliar, refletir e amplificar os sentidos construídos
sobre a sexualidade. Avaliação, reflexão e mudança não são processos
separados, uma vez que o último é um componente inevitável das in-
terações dialógicas, tal como as definimos anteriormente. Para nós, os
recursos para o trabalho com sexualidade são desenvolvidos quando os
educadores se envolvem em uma exploração de seus próprios valores
e avançam na compreensão da relatividade desta construção. Quando
educadores são capazes de entender seus valores como construções con-
textuais, eles se tornam mais capazes de compreender valores distintos
a partir de suas próprias inteligibilidades e, assim, podem produzir res-
postas de modo mais flexível e sensível – ou seja, para além da divisão
polarizada de certo e errado.
O programa consistiu em uma conferência de duas horas, além de
duas oficinas de quatro horas cada. Cinquenta educadores participaram
da conferência, planejada para motivar a participação nas oficinas. A
conferência apresentou a sexualidade como uma construção histórica
e contextualizada e convidou os educadores a pensar em suas histórias
Possibilidades
quadro 1
Descrição das atividades e seus objetivos, utilizadas
no programa de capacitação em educação sexual
quadro 2
Eixos, princípios e questões que podem ser utilizadas para orientar
o planejamento de programas de capacitação em educação sexual
1
Agradecemos a todas as travestis as histórias e momentos compartilhados; a Ste-
fania, Lorena, Guilherme e Maria Carolina, estagiários-parceiros do projeto; e ao
apoio da Faculdade de Medicina, Instituto de Psicologia, Pró-reitoria de Exten-
são da Universidade Federal de Uberlândia, Ministério da Educação (PROEXT) e
CNPQ.
2
Chamá-las no feminino é um ato político de reconhecimento do direito de serem
tratadas com a identidade de gênero assumida por elas.
3
A situação de deslocamento e de sociabilidade experienciada pelas travestis de
Uberlândia tem várias semelhanças com a enfrentada por travestis em outras cida-
des do Brasil. Para os interessados nessa temática, sugerimos a leitura de Benedetti
(2005), Peres (2005), Kulik (2008), Teixeira (2008), Pelucio (2009) e Rocha (2011).
Tornando-se travesti
Organizando as atividades
4
Recentemente, os encontros também têm sido realizados nas pensões de travestis.
Assim, o esforço de abertura da universidade às travestis se junta com uma maior
presença da universidade no contexto cotidiano delas.
5
De forma autônoma, as travestis passaram a se organizar formalmente por meio
de uma organização não-governamental, da qual o programa virou parceiro.
Os desafios
Por meio dessa experiência, das propostas criadas e dos desafios enfren-
tados, pudemos fazer um exercício de aproximação do discurso constru-
cionista às práticas na comunidade. Para além da postura profissional e
do entendimento do grupo, no campo comunitário, o construcionismo
favoreceu um olhar que combinava uma inteligibilidade relacional com
uma sensibilidade cultural.
Esse olhar permitiu que desenvolvêssemos orientadores específicos
para o trabalho com as travestis, quais sejam:
a) desconstruir e questionar a patologização da experiência tra-
vesti: pautado na afirmação da construção social da sexualidade,
o ser travesti foi entendido como um modo de vida cultural, cuja
existência não era vista como problemática, necessitando de aju-
da ou solução;
b) criar conexões entre e com as travestis: o foco do trabalho
comunitário se deu na busca de fortalecimento e ampliação das
relações vividas pelas travestis, seja com outras travestis, com a
polícia e com os serviços sociais e de saúde da cidade;
c) sustentar várias possibilidades de ser travesti: a equipe reco-
nhecia o direito à prostituição e a legitimidade das decisões da
travestis sobre os modos preferíveis de viver, ao mesmo tempo
que estimulava uma sociabilidade para além do mercado sexual,
em direção a outras possibilidades de se relacionar como grupo,
estar na cidade e ser travesti;
d) abrir-se às várias formas de mudança: considerando os modos
particulares de comunicação das travestis, buscamos nos atentar
para os diferentes indicadores de mudança no grupo, que não
passavam necessariamente pela produção de discursos organiza-
dos, mas envolviam a construção de uma ética de cuidado de si
e do outro.
1
Para uma leitura mais detalhada dos conceitos e diferenças descritos como cons-
trutivismos e construcionismos, sugerimos os textos de Grandesso (2000) e Rasera
e Japur (2007).
2
O grupo iniciante do Instituto Familiae era composto por Azair Vicente, psiquia-
tra, e Helena Maffei Cruz, Marília de Freitas Pereira, Neyde Bittencourt de Araujo,
Rose Riskalah Nahas e Vania Curi Yazbek, psicólogas.
3
Referimo-nos ao II Curso de Verão de Terapia Familiar Sistêmica, oferecido em
agosto de 1989, em Tepoztlán, México, pelo Instituto Latino Americano de Terapia
Familiar (Ilef), coordenado por Estela Troya e Ignatio Maldonado.
4
O grupo de Milão iniciou seu trabalho com famílias sob as premissas de Jay Haley
sobre a comunicação paradoxal característica das famílias com um membro esqui-
zofrênico que eles observavam. Desenvolveram um modelo de atendimento que in-
cluía uma intervenção paradoxal à família, para forçá-la a questionar seus padrões
comunicacionais. Descrevem seu percurso teórico e prático no livro Paradoxo e
contraparadoxo (PALAZZOLI et al., 1988).
cer Tom Andersen, logo após o encontro com Gergen. Esse encontro
tornou-se a bússola para os rumos do Familiae. O caminho, as propos-
tas e a maneira de Tom estar conosco e com as pessoas que atendeu na-
quele encontro ficaram indeléveis em nossos olhos, ouvidos e corações.
Além do que aprendemos, sentimo-nos legitimadas em nossa dificul-
dade com os modelos de terapia familiar até então oferecidos. Descobri-
mos que nossa busca e nossos desconfortos eram semelhantes aos dele e
de sua equipe na Universidade de Tromso, na Noruega, que introduziram
uma nova maneira de atender famílias denominada Processos Reflexivos.
Tom Andersen (1991) não considera o desenvolvimento de con-
versas terapêuticas reflexivas como uma nova criação intelectual (uma
teoria), mas como fruto de seu mal-estar com a prática então realizada
com as famílias pela sua equipe, no começo dos anos 1980. Em suas
palavras: “O que estávamos fazendo era dizer para elas como deveriam
viver suas vidas. E me perguntei: É assim que eu quero viver minha vida
profissional?”
A resposta veio com uma nova maneira de trabalhar, denominada
Equipe Reflexiva, depois renomeada como Processos Reflexivos (1991)
pela variedade de formatos em que pode acontecer, sendo a Equipe
Reflexiva apenas um deles. A principal mudança desse processo foi a
passagem de uma relação hierárquica, com predominância da voz do
profissional, para o que chamaram de relação heterárquica, ou em ter-
mos correntes, democrática ou igualitária, onde a voz do cliente é de
igual valor.
Esses autores descrevem como as pessoas dão sentido a suas vidas organi-
zando a experiência em sequências temporais, narrativas que proporcio-
nam senso de continuidade e sentido. O seu trabalho terapêutico parte da
premissa de que a experiência é sempre mais rica do que o relato, e que
a exploração de aspectos não relatados, como exceções a modos usuais
de agir, desafia descrições empobrecedoras de si mesmo, sancionadas so-
cialmente. Utilizando a ferramenta linguística que denominaram “exter-
nalização do problema”, os autores propõem separar a maneira de agir
narrada pelo cliente como “modos de ser” (como por exemplo, tímido,
autoritário), para assim explorar em que situações a timidez ou o autori-
tarismo surgem, quem colabora para isso, quem ajuda a que estejam sob
controle. Eles constroem, conjuntamente com seus clientes, narrativas al-
ternativas a partir de exceções, resultados únicos que permitem à pessoa
desafiar a narrativa dominante, ampliando suas possibilidades de ação.
A sua prática tem um sentido político mais claro, atenta aos discursos
dominantes que afirmam o que é verdadeiro, permitido etc.
Como fazemos
A partir das ideias que descrevemos acima, da nossa prática como te-
rapeutas e do entendimento do conhecimento como algo que construí-
mos na linguagem e na interação com outros, pensamos a formação
do terapeuta como um processo dialógico – um espaço conversacional
onde professores e alunos “fazem coisas juntos” – um contexto colabo-
rativo de aprendizagem (MCNAMEE, 2006).
Privilegiamos, como organizador de nossas ações, a construção de
contextos facilitadores de conversas colaborativas (ANDERSON, 2011a,
2011b) que favorecerão a negociação de significados de aprendizagem,
terapia, família, casal, relação, diálogo, ética, responsabilidade etc.
Os ingredientes propiciadores destas conversas são inspirados nos
trabalhos de Tom Andersen. Para favorecer o desenvolvimento da ca-
Nosso público
O curso
O curso dura quatro anos e está constituído por aulas teóricas, grupos
autogeridos, atendimentos na clínica social do instituto e interlocução
desta prática. A introdução do aluno neste novo paradigma é feita com
a ajuda de nossos parceiros teóricos, apresentados nas aulas ao mesmo
tempo em que se desenvolvem as conversas entre professores e alunos.
É esta produção relacional de cada turma que informa a escolha do tex-
to, em uma estrutura teórica e com autores que norteiam o percurso
da formação. Os textos são considerados parceiros conversacionais que
ampliam o entendimento de cada um sobre suas práticas (PEREIRA;
RIGHETTI, 2009). Compartilhamos com Paulo Freire (1996) a ideia de
que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção”.
Esse caminho e a escolha dos teóricos parceiros têm sido construí-
dos ano a ano, como resultado da nossa prática e da reflexão sobre ela.
Além dos autores construcionistas, textos de sociólogos, antropólogos,
psiquiatras e outros cientistas sociais são apresentados para a discussão
da construção social da família, infância, adolescência, doença mental,
e outros temas que se apresentam na clínica, como divórcio, adoção,
doença crônica e morte na família. Dialogamos com autores da área da
terapia familiar com outras orientações, pois as famílias que nos procu-
ram trazem suas histórias permeadas de vocabulários presentes na so-
ciedade em geral e nos discursos das diferentes áreas do conhecimento,
especialmente medicina, educação e psicologia. A pergunta orientadora
para essas leituras é: qual a utilidade desse discurso e que ferramentas
conversacionais ele oferece?
Em vez de colocar meu foco sobre o conteúdo dos meus cursos, estou
agora mais centrada na construção de um senso de comunidade na mi-
nha sala de aula. Eu entro em cada curso perguntando como os alunos e
eu vamos nos “conectar” para que juntos possamos criar um sentido de
aprendizagem, geração de conhecimento, e de transformação pessoal e
social (MCNAMEE, 2006, p. 9).
Grupos autogeridos
Avaliação
jogo relacional nos conectando com a ideia de que fazemos coisas com
palavras (AUSTIN, 1990) e que vivemos imersos em jogos de linguagem,
cada um com suas regras, convenções e finalidades próprias, e com eles
conformamos nossas formas de vida, como aponta Wittgenstein (1995).
Para esse autor, pensar a linguagem apenas em sua função representa-
cional (dos fatos) e expressiva (daquilo que está dentro de nós) é uma
generalização indevida, provocada pelo equívoco de se tomar um jogo
de linguagem particular como paradigma de todos os demais.
Trabalhamos, então, numa perspectiva da linguagem em uso com
foco na interanimação dialógica entre os interlocutores (BAKHTIN,
1995) e na dinâmica dos jogos de posicionamentos (HARRÉ; VAN LAN-
GENHOVE, 1999), no aqui-agora das interações face a face. Buscamos,
no entanto, não perder de vista também a linguagem enquanto discurso
(produções com graus de formalização mais ou menos estáveis) ao pen-
sá-la como prática inscrita em uma dimensão histórica (SPINK, 1999)
que conforma jogos relacionais possíveis (inteligíveis) em condições
sempre locais e situadas.
Assim, a partir de uma perspectiva construcionista social, temos
descrito a mediação como jogo relacional que tem como pressupostos:
(a) a comunicação como processo relacional e situado de produção de
sentidos; (b) a linguagem como ação conjunta com poder de construir
pessoas e relações; (c) a concepção de conflitos e impasses como coor-
denação da ação comunicativa entre as pessoas; (d) e a compreensão dos
(des) entendimentos como produção relacional, o que implica pensá-los
como coconstruídos (e dissolvidos) na linguagem, pelo modo como as
pessoas conversam entre si.
Disso deriva nossa descrição da mediação como uma prática que
tem como objetivo a criação e sustentação de uma relação colaborativa
entre o que se propõe como mediador e as pessoas que o procuram,
para, a partir deste, coconstruir entre elas (mediados) um novo jogo
relacional que lhes ofereça a possibilidade de alternativas de entendi-
mentos e de decisões compartilhadas.
nar, sabemos onde é desejável chegar, mas sempre nos colocamos com
curiosidade em relação às particularidades de cada novo aluno, para
construir com ele o como chegar lá, apesar de já sabermos como outros
alunos chegaram anteriormente. Fundamental, aqui, é que acreditamos
que, no papel de professor, temos que estar dispostos a ocupar a posição
de aprendiz do aluno que, ao aprender, nos ensina o que ele precisa para
dar o melhor de si. Por outro lado, para que possa aprender, o aluno
precisa ensinar para o professor sobre si mesmo, sobre os seus recursos
e o seu conhecimento prévio. Só podemos ensinar quando nos dedica-
mos a aprender sobre o outro, quando permitimos que cada aluno nos
conte suas conversas internas (ANDERSEN, 1991), o que lhes permi-
te significar os conteúdos que disponibilizamos, ao mesmo tempo em
que lhes contamos o que entendemos sobre seu significar. Para que esse
processo se realize, é necessário escutá-lo com curiosidade, convidan-
do-o a escutar a si mesmo. Em nossa experiência, mostrar-se curioso
em relação ao outro desperta uma atitude recíproca de curiosidade. Os
alunos costumam posicionar-se também com curiosidade em relação a
si mesmos como aprendizes, em relação a nós como docentes e em rela-
ção aos colegas, o que favorece a construção do grupo de aprendizagem
como um espaço de contínuo exercício de escuta curiosa – ferramenta
fundamental para o mediador de conflitos.
Postura inclusiva: trata-se de operar no sentido contrário à lógica
excludente e dualista, bem como em oposição à lógica da necessidade
de unanimidade para a coordenação das ações entre as pessoas. Com
essa postura, possibilitamos espaço igual às vozes de cada um dos par-
ticipantes do grupo de aprendizagem, e, com isso, buscamos promover
a equilização do poder, convidando nossos alunos ao exercício de um
jogo relacional de empoderamento mútuo. Para tanto, saímos de uma po-
sição relacional hierárquica, convidando ativamente nossos alunos a se
corresponsabilizarem por seu próprio processo de aprendizagem, assu-
mindo tal processo como uma meta pessoal a ser alcançada com a nossa
ajuda e fomentando a autoria de cada um pelo que produzimos juntos.
com o grupo? Que efeitos espero produzir com ela? Da mesma forma,
convidamos a prestarem atenção ao seu lugar de escuta: O que acontece
comigo enquanto ouço? O que faço com o que essa minha escuta provo-
ca em mim? É útil comunicar esse “como me sinto” diante do que ouço?
Se positivo, como comunico o que se passa comigo enquanto ouço? Para
isso, estruturamos atividades que lhes propiciam o reconhecimento e a
nomeação dos recursos que dispõem, além do reconhecimento e da no-
meação daquilo que precisam desenvolver para trazerem estes recursos
como possibilidade de si mesmos numa relação. Isto promove progres-
sivamente a construção do grupo de aprendizagem como um espaço
de investigação reflexiva sobre o si-mesmo-em-relação e possibilita um
jogo relacional de confiança, o que consideramos uma habilidade essen-
cial do mediador para um exercício responsável e ético de seu fazer.
Cabe-nos ainda assinalar que, no contínuo fluxo interativo com nos-
sos alunos, assim como em todas as relações humanas, muitos jogos
relacionais podem acontecer. Da mesma forma que os convidamos in-
tencionalmente para determinados jogos, somos por eles convidadas a
tantos outros. Alguns deles aceitamos, outros não. Nossa ênfase na in-
tencionalidade dos jogos que aqui descrevemos é por entendermos que
serão estes os jogos relacionais úteis a serem performados pelos futuros
mediadores em suas práticas. Ou seja, performamos mediação, ao ensi-
nar mediação.
Finalizando
Conclusão
1
Este texto é uma adaptação de palestra realizada em 28 de outubro de 2012, no
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto. Achei
interessante manter o título provocativo que os alunos deram à mesa da qual par-
ticipei.
Ela é totalidade em movimento de “fora pra dentro” e “de dentro pra fora”.
e
Não adianta fugir
nem mentir
pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre!2
2
Os trechos em itálico são da poesia de Lulu Santos e Nelson Motta “Como uma onda”.
Capítulo 1
Capítulo 2
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Capítulo 18