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ACT
Jason B. LUOMA
Steven C. HAYES
Robyn D. WALSER
2 ª E D I Ç Â O
APRENDENDO
ACT
MANUAL DE HABILIDADES
DA TERAPIA DE
ACEITAÇÃO E COMPROMISSO
PARA TERAPEUTAS
Tradução
Antônio Bonfada Collares Machado, Mariana Sanseverino Dillenburg e Natália Boff
Revisão técnica
Renata Klein Zancan
Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Margareth da Silva Oliveira
Doutora em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Professora titular de Psicologia da PUCRS.
2022
Copyright © 2017 by Jason B. Luoma, Steven C. Hayes, and Robyn D. Walser
Context Press
And imprint of New Harbinger Publications, Inc.
5674 Shattuck Avenue
Oakland, CA 94609
www.newharbinger.com
Dedico este livro a David H. Barlow e aos meus colegas internos (Peter M. Monti, Kelly D.
Brownell, A. Toy Caldwell-Colbert e Carol Heckerman Landau) que trabalharam com ele
na primeira classe de psicologia clínica na Brown University, Departamento de Psiquiatria e
Comportamento Humano (1975-1976) e quem mostrou paciência e gentileza em moldar um
homem selvagem (isso seria eu) para trabalhar com as pessoas.
Steven C. Hayes
Dedico este livro a Susan L. Pickett. Obrigada pelo encorajamento ao longo dos anos e por
sempre ter acreditado em mim.
Robyn D. Walser
Agradecimentos
Este livro foi um esforço de equipe. A todos aqueles que leram e deram seu feedback sobre
os originais, obrigado. Os exercícios foram especialmente aprimorados por aqueles que pi-
lotaram os capítulos deste livro, incluindo Mary Englert, Anne Shankar, Lianna Evans, Ross
Leonard, Brendan Sillifant, Kevin Handley, Laura Meyers, Joanne Hersh, Jennifer Boulanger
e Jennifer Plumb. Agradecemos ao grupo de consulta ACT entre pares do Portland Psycho-
therapy, por suas ideias sobre como organizar o livro, os exercícios e os vídeos. Agradecemos
a Joe Parsons, pelas discussões sobre como moldar o comportamento do terapeuta que in-
fluenciaram os exercícios apresentados aqui. Agradecemos àqueles que forneceram feedback
sobre a primeira edição, incluindo Donna Read, Ana Gallego, Miguel Lewis, Hiba Giacoletto,
Brady Henderson, Petra Berg, Andrea Sieg, Kathleen Thorndike, Fred Kane, Magda Permut,
Kaylin Jones, Sonia Combs e os terapeutas do Lutheran Community Services de Spokane.
As opiniões dadas por todos resultaram em grandes melhorias nesta edição, e seus esforços
afetarão a vida de milhares de futuros leitores e suas centenas de milhares de clientes. Todas
essas pessoas nunca saberão que deveriam agradecê-los pelo tempo que vocês dedicaram à
melhora do livro.
A todos os nossos clientes, que nos honraram com sua presença, confiança e coragem.
Sem vocês, este livro não teria sido possível. Agradecemos aos alunos e aos profissionais que
se deixaram ser supervisionados por nós e que ensinaram muito aos seus supervisores. Agra-
decemos aos nossos editores, Jude Berman e Jasmine Star, por suavizar nossa linguagem e
tornar nossa mensagem mais compreensível.
10 Agradecimentos
Introdução........................................................................................................................................... 13
Glossário........................................................................................................................................... 447
Referências....................................................................................................................................... 451
Índice................................................................................................................................................. 463
Introdução
É impossível construir uma vida humana intocada pelo sofrimento. O conhecido poema de
Edwin Arlington Robinson nos lembra que, todos os dias, pessoas que aparentemente têm
todas as coisas que uma pessoa poderia querer, pelo menos visto de fora, dão fim a sua exis-
tência em vez de resistir por mais um momento. Nós, da espécie humana, encontramos muitos
dos mesmos eventos dolorosos, assim como outras espécies; seres humanos e animais não
humanos enfrentam perdas, perturbações inesperadas e experiências fisicamente dolorosas.
No entanto, fazemos algo com esses encontros que outras espécies não fazem: refletimos,
analisamos, prevemos e ruminamos sobre eles e, por meio desse processo, amplificamos nosso
sofrimento e o trazemos conosco.
A capacidade humana de pensar e raciocinar é realmente incrível. Nosso sistema de lin-
guagem é diferente de qualquer outro. Como um processo contínuo, enche nossa consciência
com um fluxo interminável de conexões verbais. Essa habilidade é uma coisa maravilhosa e
terrível. Ela sustenta a capacidade de realização humana: a de comunicação, construção, pla-
14 Introdução
A relação da ACT com esse conjunto maior de premissas, princípios e estratégias foi
amplamente descrita em livros anteriores, e resumimos alguns desses tópicos de maneira mais
clínica nesta obra. Em particular, descrevemos o modo como a ACT aborda a contribuição
da linguagem e da cognição humanas para manter os seres humanos presos. Nesta 2ª edição,
também vinculamos mais claramente os processos de flexibilidade psicológica aos princípios
evolutivos. Mas, na maioria das vezes, este livro se concentra em adquirir familiaridade e prática
com os processos de flexibilidade direcionados pela ACT de uma maneira que seja acessível.
Esperamos que a leitura deste livro permita que os clínicos comecem a aplicar o modelo
e os métodos de flexibilidade psicológica da ACT em suas práticas. Isso é o que há de mais
exclusivo neste volume. Ele foi projetado para ir além de filosofia, teoria, conceitos e conheci-
mento verbal de técnicas, abordando a produção real de habilidades e competências que visam
a processos de flexibilidade. Portanto, nós o escrevemos deliberadamente em um estilo acessí-
vel, porque o foco está na prática.
Este livro:
• Trata de aumentar a capacidade dos clínicos para que sejam capazes de ajudar seus
clientes a viver vidas mais gratificantes, completas e vitais.
• Trata de ajudar os clínicos a obter conhecimento e habilidade suficientes nos seis pro-
cessos de flexibilidade para que possam começar a implementá-los na terapia.
• Destina-se a ser um companheiro de desenvolvimento de habilidades para outros tex-
tos da ACT que fornecem muito mais detalhes sobre a teoria, filosofia, dados, metá-
foras, exercícios e aplicação da ACT, e sobre sua relevância para vários problemas do
cliente, como ansiedade, depressão, dor crônica e psicose.
• Foi desenvolvido para ajudar a construir as habilidades dos clínicos nas competências
essenciais associadas aos processos terapêuticos da ACT, para que possam ser mais
eficazes, independentemente da apresentação do cliente.
A ACT não é uma abordagem de livro de receitas. É um modelo bastante flexível, cons-
truído desde o início com foco em processos de mudança que capacitam as pessoas, em vez
de oferecer protocolos rígidos para síndromes. Não queremos apenas proporcionar aos profis-
sionais uma noção clara de como a ACT é conduzida, mas também transmitir a vitalidade que
essa terapia pode trazer à experiência humana.
Nós encorajamos fortemente o envolvimento pessoal com o livro, incluindo o engajamento
nas práticas que oferecemos. Pedimos isso por várias razões, e a mais importante é que você, como
terapeuta, possa experimentar o que significa envolver-se pessoalmente com a ACT, exatamente
como você estará pedindo aos seus clientes. As pessoas que desempenham o papel de terapeuta não
são fundamentalmente diferentes das pessoas que desempenham o papel de cliente. Como descre-
veremos neste livro, todos os seres humanos tendem a ficar presos nas mesmas armadilhas.
É essencial aprender sobre essas armadilhas de dentro para fora, por meio da prática. Por esse moti-
vo, pode ser difícil fazer essa terapia se você não aplicar as mesmas abordagens em sua própria vida.
Tomemos, por exemplo, sua própria experiência pessoal com as emoções: o que você faz quando se
confronta com o que é mais doloroso para você? Se sua resposta incluir esforços para eliminar ou
controlar sua experiência, perguntaremos: “Para que fim?”. Talvez, para você, como para a maioria
das pessoas, esse fim seja se sentir “melhor”. No entanto, se sua resposta for experimentar a dor
pelo que ela é, aprender com ela e viver melhor fazendo isso, então você estará à frente do jogo de
aprender a abordagem da ACT e terá maior probabilidade de ser eficaz nela.
16 Introdução
• Hayes, S. C., Strosahl, K., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o pro-
cesso e a prática da mudança consciente. Esta é a 2ª edição do livro original da ACT. Nenhum
clínico da ACT deve deixar de lê-lo e mantê-lo ao alcance.
• Eifert, G., & Forsyth, J. (2005). Acceptance and Commitment Therapy for Anxiety Disorders.
Embora esse livro seja nominalmente orientado para uma população específica, tam-
bém é um protocolo ACT forte e geralmente útil que demonstra como mesclar pro-
cessos de flexibilidade em uma terapia breve. Ele fornece excelentes conselhos sobre
como usar a ACT para orientar a exposição.
• Hayes, S. C., Smith, S. (2021). Saia da sua mente e entre na sua vida: a nova terapia de aceitação
e compromisso. Este é o primeiro livro de trabalho de uso geral da ACT. Pode ser útil
para terapeutas iniciantes da ACT, ajudando-os a entrar em contato com o trabalho
experiencialmente. Também pode ser facilmente usado como tarefa de casa para os
clientes.
• Harris, R. (2011). Liberte-se: evitando as armadilhas da procura da felicidade. Este é um livro
ACT de uso geral e altamente acessível, que também pode ser usado como tarefa de
casa para os clientes.
• Stoddard, J. A., & Afari, N. (2014). The Big Book of ACT Metaphors: A Practitioner’s Guide
to Experimental Exercises and Metaphors in Acceptance and Commitment Therapy. Este livro
fornece acesso fácil a centenas de metáforas e exercícios da ACT, organizados pelo
processo de flexibilidade para facilitar a referência.
• Wilson, K. G. (with DuFrene, T.). (2008). Mindfulness for Two: An Acceptance and Commit-
ment Therapy Approach to Mindfulness in Psychotherapy. Este livro concentra-se em levar a
atenção plena, um aspecto fundamental da flexibilidade psicológica, para as interações
terapêuticas, desafiar os terapeutas a renunciarem abordagens padronizadas e, em vez
disso, sintonizarem de maneira flexível o cliente e as oportunidades terapêuticas ofe-
recidas pelo momento presente na sessão.
• Hayes, S. C. (2007). ACT in Action. Uma série de seis DVDs com alguns dos melhores
terapeutas da ACT mostrando como encaixa-se bem nos vídeos desta edição do livro
(o último DVD está disponível, em inglês, para visualização em http://www.newhar-
binger.com/39492).
Aprendendo ACT 17
• Harris, R. (2009). ACT Made Simple: An Easy-to-Read Primer on Acceptance and Commit-
ment Therapy.
• Hayes, S. C., & Lillis, J. (2012). Acceptance and Commitment Therapy.
Além disso, existem dezenas de livros da ACT para populações especializadas, tanto para
terapeutas quanto para pacientes. Um dos autores deste livro (Jason) mantém uma lista atua-
lizada de livros da ACT e outros recursos no e-book Learning ACT Resource Guide (disponível
para download em http://www.learningact.com [conteúdo em inglês]). A Association for Con-
textual Behavioral Science (ACBS) é a principal porta de entrada para pesquisas, publicações
clínicas e teóricas da ACT, discussões on-line, treinamentos, instituições, conferências, manuais,
protocolos, metáforas e networking. A ACBS também mantém uma lista de títulos relevantes da
ACT e da RFT em seu site, mas a maioria dos materiais é disponibilizada apenas para membros
inscritos na plataforma (em inglês). Mais informações sobre a ACBS e outros recursos estão
disponíveis no Apêndice B.
Recursos on-line
Vários recursos relacionados a este livro estão disponíveis para download em http://www.
newharbinger.com/39492. Lá, você encontrará o Formulário de Avaliação das Competências
Centrais da ACT (Apêndice A), um documento de perguntas frequentes respondendo a alguns
dos questionamentos mais comuns dos terapeutas novos na ACT, e gravações em áudio de vários
exercícios de clientes descritos no livro (forneceremos um lembrete sobre as gravações para
download nos exercícios em que estão disponíveis). Outro recurso para download é o documento
Aprendendo ACT em sala de aula, em grupos e por meio de supervisão em pares.* Quanto a este último, a
experiência nos mostrou que é importante que os terapeutas da ACT tenham uma comunidade que
os apoie em seu trabalho com a ACT. Seja um grupo de amigos ou colegas, seja uma comunidade
virtual acessada pela internet, um curso temporário ou um relacionamento com um supervisor
ou mentor, essa comunidade social/verbal é essencial para mantê-lo no caminho como clínico,
particularmente como um clínico ACT. Felizmente ou infelizmente, muitas das formas de falar
ou pensar que fazem parte do repertório de um clínico eficaz da ACT não são comuns fora desse
contexto. Muitas das mensagens da cultura ocidental dominante são tão dominantes e automáticas,
particularmente aquelas que promovem o bem-estar (controle experiencial) e maneiras literais de
interagir com os pensamentos, que, sem o apoio de uma comunidade social/verbal versada em
ACT, repertórios mais novos e menos praticados de comportamento e pensamento baseados na
ACT têm menos probabilidade de serem mantidos ao longo do tempo.
Além disso, é altamente recomendável que você visite http://www.newharbinger.com/39492
para encontrar vídeos que complementem o livro, com clínicos experientes da ACT e exemplos de
dramatização das principais competências, utilizando atores treinados para interpretar os clientes
(conteúdo em inglês). Criamos esses exemplos para mostrar aplicações relativamente qualificadas
* O Formulário de Avaliação das Competências Centrais da ACT (Apêndice A), o documento de Perguntas
Frequentes e o Aprendendo ACT em sala de aula, em grupos e por meio de supervisão em pares estão dis-
poníveis, em português, no site da Sinopsys
Aprendendo ACT 19
e não qualificadas dos métodos e princípios da ACT. Nem todas as competências são abordadas
nos vídeos, mas, com exceção do Capítulo 8 (conceitualização de caso), são fornecidos exemplos
de abordagens apresentadas nos Capítulos 2 ao 10. Recomendamos a leitura do capítulo correspon-
dente antes de assistir aos vídeos.
Os vídeos oferecem modelos de exercícios e técnicas que vão além do que podemos de-
monstrar adequadamente por escrito. Uma boa maneira de usá-los é reproduzir cada vídeo e
pausar a reprodução antes que o narrador descreva o que estava sendo feito. Tente determinar
qual foi o ajuste ou não do modelo ACT no vídeo e só depois retome para ouvir o narrador
relatar a interação. Esse método de iniciar e parar é especialmente recomendado para oficinas
ou utilização deste livro em sala de aula.
de se envolver com este livro de exercícios. No entanto, essa estratégia tem uma grande desvan-
tagem: ela nega o que há de mais exclusivo neste livro – a oportunidade de realmente praticar a
ACT e obter feedback sobre suas respostas. Aqui está o que alguns de nossos leitores anteriores
disseram sobre a importância de realmente fazer os exercícios em vez de apenas lê-los:
“Realmente, fazer os exercícios faz toda a diferença. Realizá-los me permitiu testar o que aprendi no
capítulo. Foi muito útil conclui-los e depois comparar minhas formulações com as respostas.”
“Gostei dos exercícios das competências centrais, pois eles realmente me fizeram pensar nas minhas res-
postas. Eles me ajudaram a integrar o material que eu tinha acabado de ler no capítulo.”
“Apreciei os exercícios das competências centrais. Eles me incentivaram a pensar realmente em como
responderia a situações muito realistas.”
Somente você pode decidir se a aprendizagem da ACT vale o tempo e o esforço. Se você
estabelecer que a resposta é sim, sugerimos que dê espaço a si mesmo para formular respostas
aos exercícios, mesmo que sua mente pense que elas estarão erradas ou serão de baixa qualida-
de. Uma coisa que pode ajudar a manter a motivação para fazer essas práticas é refletir sobre
a qual objetivo maior isso pode servir. Sugerimos que você dedique um minuto para refletir
sobre isso agora. De fato, usaremos esse convite para oferecer a você um exercício inicial.
EXERCÍCIO
– talvez muitos deles. No entanto, os erros são nossos professores. E mesmo que eles sejam
uma parte inevitável do aprendizado, geralmente a mente nos pune por cometê-los ou pela
nossa percepção de falta de conhecimento, embora isso dificulte o aprendizado. Como isso
é algo muito comum para as mentes fazerem, é importante ser capaz de encontrar maneiras
de responder a nós mesmos de uma maneira gentil e solidária quando estamos aprendendo.
De acordo com esse objetivo, solicitamos que você reflita um pouco sobre o tipo de relacio-
namento que gostaria de ter consigo mesmo ao concluir os exercícios deste livro. Portanto,
mais uma vez, usaremos esse convite como contexto para você começar a se envolver com
os exercícios deste livro.
EXERCÍCIO
Visualizando a autocompaixão
Se você fosse um amigo atencioso consigo mesmo enquanto pratica, que qualidades você es-
peraria ter em seu relacionamento consigo mesmo? Não se trata de como você geralmente é
consigo mesmo em relação a erros. É sobre suas intenções. Como você quer se tratar enquanto
aprende? No espaço a seguir, liste as qualidades que você deseja trazer para si mesmo ao tra-
balhar com este livro.
Enquanto eu cometo erros e luto com o aprendizado, gostaria de ter um relacionamento
comigo mesmo caracterizado por estas qualidades:
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Aqui está uma forma de como posso agir quando percebo que minha mente se apoderou
de mim durante estes exercícios:
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FICANDO EXPERIENTE
Além dos exercícios de competência centrais, cada capítulo inclui exercícios experienciais.
Por “experiencial”, queremos dizer que o objetivo deles é ajudá-lo a encontrar o espaço,
a postura ou o posicionamento psicológica da ACT a partir da qual você, como clínico da
ACT, provavelmente será mais eficaz. A natureza desses exercícios é pessoal e profunda-
mente conectada à natureza da terapia.
22 Introdução
Embora não recomendamos que você pule esses exercícios, tudo bem se você o fizer.
Você é o especialista em sua própria experiência e sabe o que o ajudará a alcançar seus objetivos
valiosos. No entanto, se você optar por não fazê-los durante a leitura inicial do livro, sugerimos
que você volte e conclua-os mais tarde para poder extrair o valor total deste volume.
cilmente de “mente” sem nos aprofundarmos no trabalho realizado nos laboratórios da RFT
para identificar as habilidades comportamentais componentes envolvidas nesse domínio do
senso comum. Se você estiver interessado em aprender mais sobre esses aspectos da ACT,
pode começar lendo mais da literatura da CBS.
Se você se conectar profundamente ao trabalho, acabará aprendendo que a ACT faz parte
de uma tentativa de reestruturar a psicologia e, de fato, a própria ciência do comportamento.
Embora neste momento você esteja provavelmente preocupado com propósitos práticos ime-
diatos, este livro o ajudará a aprender o suficiente sobre a ACT em vez de se importar com esse
contexto maior. Mais importante, esperamos que ler – ou talvez a melhor palavra seja “fazer” –
este livro o ajude a aprender o suficiente sobre a ACT para começar a usar esses métodos com
clientes que possam se beneficiar deles.
1
considere retornar a essas seções novamente depois de ler o restante do livro, quando é pro-
vável que você as entenda melhor. Em particular, esta primeira seção é provavelmente a mais
técnica de todo o livro. Portanto, fique à vontade para pular para o próximo capítulo se o pri-
meiro estiver confuso.
Não há dúvida de que a linguagem é uma bênção. Imagine que você foi dormir e acordou
em uma sala totalmente desconhecida, com todas as saídas trancadas. O que você faria?
Você quase certamente se perguntaria como chegou lá e logo se voltaria para a tarefa de
sair. Quando sua mente passou por várias soluções possíveis, você pesaria os prós e os contras.
Você pode considerar usar seu celular para pedir ajuda, mas também pode se preocupar que
quem o colocou naquela sala o ouça. Você pode arrombar uma porta, quebrar ou abrir uma
janela e pular para fora, mas talvez você se preocupe com o fato de seu sequestrador o punir
se você fizer isso. Usando apenas o pensamento, você pode considerar os riscos associados a
cada um desses planos. Por exemplo, e se a porta for muito resistente para ser arrombada?, ou se eles me
ouvirem sair, o que vai acontecer comigo?. Usando apenas suas habilidades verbais e simbólicas, você
seria capaz de formular um plano que possa ter sucesso.
Esse exemplo contém todos os elementos de que os humanos precisam para responder
ao mundo externo usando suas habilidades verbais e cognitivas: uma situação complexa é divi-
dida em seus componentes e recursos. O passado e o futuro são considerados e relacionados
ao presente. Esses componentes e recursos definem a ocasião para ações, previsões e avalia-
ções imaginadas, e um plano é escolhido com base nos resultados prováveis.
Esse processo de solução de problemas verbais oferece uma enorme vantagem evolutiva
e permitiu que os seres humanos dominassem o planeta, apesar de sermos fracos, lentos e com
pouca defesa. Nossas poderosas habilidades verbais, no entanto, podem facilmente proporcio-
nar uma enorme desvantagem
Suponha que, em vez de ficar preso em uma sala, você estivesse preso em um sentimento
de intensa ansiedade ou destruição iminente. Novamente, sua tarefa seria encontrar uma saída.
As mesmas habilidades de resolução de problemas, trazidas para o ambiente físico no primeiro
exemplo, seriam aplicadas ao ambiente psicológico para gerar soluções (p. ex., tomar um tran-
quilizante, suprimir a ansiedade ou automutilar-se) e forneceriam resultados possíveis, como
escapar dos sentimentos.
Tudo isso é extremamente lógico, mas não significa que seja extremamente útil. As mes-
mas coisas que funcionam bem no mundo externo podem facilmente criar danos quando vol-
tadas para o mundo interno. Se não gostamos da tinta descascando, podemos raspar a parede
e colocar uma tinta nova. Por outro lado, se não gostamos de pensar em um trauma passado e
tentamos “raspar”, podemos torná-lo mais central, saliente e influente. Se temermos uma seca
futura, poderemos economizar água para saciar nossa sede futuramente. Mas, se tememos a re-
jeição futura e tentamos garantir que ninguém jamais nos machuque dessa maneira novamente,
podemos limitar nossas conexões com os outros ou evitar compromissos, ampliando, assim, o
papel da rejeição em nossas vidas.
É bem possível sair de uma sala trancada e deixá-la para trás. Por outro lado, a própria
tentativa de escapar de uma emoção difícil pode exacerbá-la (Chawla & Ostafin, 2007; Hayes,
Luoma, Bond, Masuda, & Lillis, 2006). E, é claro, nunca podemos deixar nossa história para trás.
A solução verbal de problemas não é boa para tudo. No entanto, é bom para tantas coisas
que é difícil saber quando – e como – usá-lo somente quando for útil. A linguagem humana é
uma faca de dois gumes. Todos os principais processos que a ACT tem como alvo decorrem
desse insight e da pesquisa básica que o levou a ocorrer.
Aprendendo ACT 29
Aprenda em um,
derive em dois,
coloque-o em redes
que mudam o que você faz.
Por exemplo, uma criança humana normal, depois de aprender que uma maçã é chamada
“maçã”, saberá procurar maçãs ao ouvir a palavra “maçã”. Nesse caso, a relação treinada de ver
uma maçã e ouvir “maçã” levou a uma relação que não foi treinada diretamente (pelo menos
não com esse conjunto de objetos e nomes): ouvir “maçã” e procurar uma maçã. A relação
agora é mútua: a criança aprendeu em uma direção e a derivou em outra direção. Dito de uma
maneira mais normal, a criança tem um nome para um objeto.
Esse simples ato de criar nomes é onde a linguagem humana provavelmente começou,
e muito provável que tenha começado em tribos, não no indivíduo (Hayes & Sanford, 2014).
Os seres humanos são de longe os primatas mais cooperativos. A razão mais plausível para
nossa cooperação parece ser a seleção multinível (Nowak, Tarnita, & Wilson, 2010; DS Wilson,
2015), na qual a cooperação é selecionada porque dá uma vantagem aos grupos ou tribos con-
correntes, desde que o egoísmo individual seja amortecido. Qualquer que seja o motivo, nosso
nível de cooperação comparado ao de outros primatas é extraordinário e antigo. Além disso,
nossa capacidade de solicitar recursos usando nomes verbais (como pedir maçãs a um membro
da tribo por meio de um barranco) rapidamente estendeu a cooperação humana e deu origem
a uma comunidade verbal receptiva preparada para o próximo passo: colocar relações verbais
em redes.
Mesmo as crianças pequenas sabem colocar relações verbais mútuas em redes. Depois de
aprender que uma “maçã” também é um “jabuka” (como na Croácia), um ouvinte normal sabe-
rá que um “jabuka” é uma maçã e será capaz de imaginar como é beber suco de jabuka. Essa é a
essência do significado de “colocá-lo em redes que mudam o que você faz”. Como esse tipo de
comportamento verbal passou do nível tribal para a internalização pelos indivíduos, a estrutura
do pensamento simbólico humano foi estabelecida.
As propriedades das relações derivadas entre eventos são arbitrariamente aplicáveis
no sentido de que podem ocorrer com qualquer conjunto de eventos relacionados, inde-
pendentemente de sua forma, desde que as “pistas” corretas estejam presentes. Aqui está
um exemplo para ilustrar esse conceito: antes que as habilidades linguísticas sejam fortes, as
crianças pequenas tendem a preferir uma moeda de cinco a uma de dez centavos porque a
de cinco é maior e podem chorar quando recebem uma de dez centavos em vez disso. No
entanto, uma criança mais madura verbalmente prefere uma moeda de dez centavos a uma
de cinco, porque a moeda de dez centavos é supostamente “maior” e pode chorar quando
recebe uma de cinco, em vez de uma moeda de dez centavos, mesmo que a criança nunca
tenha realmente usado uma moeda de dez centavos para adquirir bens. Assim, as funções
30 Os seis processos centrais da ACT e seus respectivos aspectos
das moedas (os eventos relacionados neste exemplo) são baseadas apenas em caprichos ou
convenções sociais, que arbitrariamente declaram que uma moeda de cinco é menor que uma
de dez centavos.
A flexibilidade das habilidades relacionais nos seres humanos nos permite ir além das
relações não arbitrárias que existem no mundo físico, mas fazemos isso tão perfeitamente que
o próprio mundo se torna completamente enredado em nossas ações verbais simbólicas. Se
nós dissermos que “ser seco é melhor que ser gordo”, a relação “melhor que” nesta declaração
é muito semelhante à frase “maior que” na declaração “o elefante é maior que o rato”. No
entanto, na verdade, é bem diferente porque a relação de tamanho na segunda frase é baseada
nas propriedades formais de elefantes e ratos, enquanto a relação de “melhor que” é baseada
apenas na história de quem fala, não em ser gordo ou seco. A relação parece estar nos próprios
eventos relacionados, e não na história arbitrária do treinamento social, e essa ilusão pode
ocultar possíveis opções de resposta. À medida que essas habilidades se fortalecem, criamos
vastas redes relacionais e vivemos cada vez mais em um mundo no qual as funções são
adquiridas verbalmente, não baseadas na experiência direta. Isso pode nos prender a modos de
vida e relacionamentos culturais e socialmente derivados que não são escolhidos e nem sempre
são viáveis. Dessa maneira, a linguagem trabalha nos bastidores para estruturar nosso mundo
e faz isso de maneira tão transparente que a fonte dessa estruturação geralmente é invisível.
A ACT trabalha para revelar a ilusão da linguagem produzida pela mente, como Totó,
em O Mágico de Oz, afastando a cortina e fazendo Oz trovejar: “Não preste atenção naquele
homem atrás da cortina!”. Na perspectiva da RFT, a mente não uma coisa. É apenas uma co-
leção de habilidades relacionais. E, embora a capacidade de relacionar eventos – por exemplo,
pensando, planejando, julgando, avaliando ou lembrando – tenha um lado claro e um escuro,
o processo é notavelmente semelhante nos dois lados. As diferenças estão no contexto e no
domínio de destino. Linguagem literal e cognição são ferramentas, mas não são ferramentas
adequadas para todos os fins.
A RFT levou ao desenvolvimento de métodos que melhoraram as habilidades de lingua-
gem e o desempenho intelectual (Dymond & Roche, 2013), mas é de igual importância para
aprender a controlar os excessos de linguagem. A RFT sugere não apenas como a linguagem
e a cognição se desenvolvem e por que elas são uma ajuda e um obstáculo, mas também como
controlar essas habilidades para que possamos usá-las e não ser usados por elas. A resposta está
na última linha do poema da RFT: precisamos mudar o que elas fazem.
A teoria da evolução nos dá uma orientação clara sobre quando precisamos mudar
o que fazemos. Precisamos acompanhar apenas seis coisas para desvendar o desafio da
mudança intencional: variação, contexto, seleção, retenção, nível de organização e dimen-
são. (Para uma discussão mais extensa, ver D. S. Wilson, Hayes, Biglan e Embry, 2015.)
Mudança intencional requer variação de ações e exige que variações bem-sucedidas em
um determinado contexto sejam selecionadas e mantidas. A seleção deve ser considerada
em termos de seu nível de organização. (P. ex., o crescimento de uma célula cancerígena
pode ser bem-sucedido para a célula, mas não para o organismo, e o sucesso de uma ação
pode ser bom para um indivíduo, mas prejudicial para outros.) A seleção também deve
ser considerada em termos de dimensão selecionada, seja uma emoção, pensamento, ação,
estado fisiológico, gene, epígene ou assim por diante. Uma visão multidimensional exige
que consideremos uma ampla gama de tópicos para determinar se estamos progredindo.
Por exemplo, obter sucesso no desempenho de um trabalho pode custar a necessidade de
sono de uma pessoa.
Aprendendo ACT 31
Essas seis características da evolução sugerem que as relações simbólicas (e, de fato, to-
dos os eventos psicológicos) devem ser pensadas como interferindo na mudança deliberada
quando restringem desnecessariamente a variação saudável, comprometem o contato com o
contexto atual, interferem na seleção de ações positivas na dimensão adequada dimensão ade-
quada ou no nível correto da organização ou quando elas interferem na capacidade de reter
ganhos. No final deste capítulo, após apresentar o modelo da ACT, retornaremos a essas seis
características da mudança da teoria evolucionista e examinaremos como o modelo da ACT se
expande, na medida em que os desafios se apresentam.
O modelo de psicopatologia da ACT: os seis processos da inflexibilidade
Do ponto de vista da ACT, os conceitos de RFT fornecem uma base para os processos
principais que, acredita-se, levam ao sofrimento humano. Em essência, o problema é que a
linguagem literal leva a aumentos na disseminação da dor, o que é ainda mais exacerbado
pela tendência de exagerar um modo de pensar na solução de problemas como uma manei-
ra de se livrar dessa dor. Os processos de linguagem literal nos incentivam a tentar escapar
ou evitar nossos sentimentos, nos levam a enredar-nos em nosso pensamento, nos fazem
perder contato flexível com o momento presente e nos tentam a acreditar e defender nossas
próprias histórias sobre nós mesmos e os outros. Dito em termos evolutivos, a super exten-
são da linguagem reduz a variação funcional saudável e também reduz nossa capacidade de
responder de forma adaptável aos nossos ambientes internos e externos. Enquanto isso, o
que realmente queremos é colocar em espera ou mudar para segundo plano, enquanto a cria-
ção de padrões de ação vinculados aos valores escolhidos se torna mais difícil. Em resumo,
uma super extensão da linguagem humana leva a modos de vida rígidos e psicologicamente
inflexíveis.
Do ponto de vista da ACT e da RFT, todas essas dinâmicas compõem a inflexibilidade
psicológica: uma coleção de processos que produzem ou exacerbam o sofrimento humano.
A inflexibilidade psicológica é o alvo da ACT e estabelecer uma maior flexibilidade psicoló-
gica é o objetivo imediato da ACT.
Nas seções a seguir, passamos a um exame mais detalhado desses processos. Eles são
destilados em seis aspectos de um único foco e podem ser combinados em três pilares ver-
ticais que refletem de perto a base evolutiva do modelo ACT. O modelo geral de psicopa-
tologia da ACT pode ser ilustrado na forma de um hexágono (Figura 1.1), com cada ponto
no hexágono correspondendo a um dos seis processos que presumidamente contribuem ou
causam grande parte do sofrimento humano e da psicopatologia. No centro deste diagra-
ma está a inflexibilidade psicológica, que é simplesmente um termo usado para se referir à
interação de todos esses processos. Embora a ACT reconheça que processos patológicos
específicos estejam associados a certos distúrbios, também sustenta que esses processos
gerais ultrapassam os limites tradicionais do que chamamos de psicopatologia (e, portanto,
podem frequentemente influenciar a comorbidade. Além disso, também se aplicam à saúde
comportamental e ao funcionamento social.
32 Os seis processos centrais da ACT e seus respectivos aspectos
Evitação experiencial
A evitação experiencial se refere à tentativa de controlar ou alterar a forma, a frequência ou a
sensibilidade em relação às experiências internas situacionais das experiências internas (isto
é, pensamentos, sentimentos, sensações ou memórias) em uma determinada situação, mesmo
quando esse comportamento pode causar danos (Hayes, Wilson Gifford, Follette, & Strosahl,
1996). Do ponto de vista da ACT/RFT, a evitação experiencial surge naturalmente de nossas
habilidades para avaliar, prever e evitar situações. Em outras palavras, é alimentado por um
emaranhado de “resolução de problemas” por meio do uso da linguagem e cognição.
Como mencionado anteriormente, a linguagem é útil no mundo externo e social, em parte
porque os eventos externos podem ser previstos, avaliados e evitados. Nada impede que essas
habilidades linguísticas se expandam do mundo externo para o interno. Essencialmente, não há
diferença entre os processos cognitivos envolvidos para escapar de uma sala trancada e os usados
para escapar dos sentimentos de ansiedade, ou entre os processos cognitivos usados para prever
que vai passar fome e os utilizados para prever um ataque de pânico. No entanto, tentativas dire-
tas de evitar ou alterar experiências podem ter efeitos infelizes e paradoxais em certos contextos.
Vamos começar com o processo de evitar um pensamento negativo. Suponha que seja
extremamente importante não pensar em algo. Tentativas deliberadas de controlar o surgi-
mento desse pensamento envolve uma regra verbal: não pense em “X”. No entanto, seja qual
for o X, especificar qual X tenderá a evocar o X; por exemplo, não pensar em um lago evoca
pensamentos de um lago, ou; não pensar em um bebê evoca pensamentos de um bebê. Isso
acontece porque esses eventos verbais estão relacionados aos eventos reais e porque algumas
das propriedades dos eventos reais são transferidas para o evento verbal (p. ex., quando você
Aprendendo ACT 33
ouvir a palavra “bebê”, poderá ver uma imagem de um bebê em sua mente). A mesma coisa
tende a ocorrer com as emoções. Parte disso se deve à regra verbal que acabamos de discutir:
não sinta Y. Assim, tentar controlar a ansiedade envolve pensar em ansiedade, que tende a
evocar a ansiedade.
As razões verbais que motivam esses esforços de controle também têm impacto. Geral-
mente, diz-se que a ansiedade é algo a ser evitado devido a uma longa lista de consequências
indesejáveis; você pode pensar: “Eu vou fazer papel de bobo”, “Eu vou enlouquecer”, “Vou
ter um ataque cardíaco”, ou “Não vou conseguir”. Mas a resposta emocional natural a essas
consequências inclui – você adivinhou – ansiedade.
Por esses motivos e vários outros, a evitação experiencial tende a ser inútil e autoamplifica-
dora em longo prazo, embora não seja, é triste dizer, em curto prazo. Uma pessoa que lida com
a ansiedade bebendo pode “não ter consequências” por anos; uma pessoa que evita situações
de medo recusando convites sociais pode sentir-se aliviada no momento e apenas perceber gra-
dualmente que sua vida se tornou restrita. Além disso, algumas evitações experienciais parecem
se alimentar e ser alimentadas por processos culturais. Uma pessoa que evita o medo de rejeição
comprando roupas da moda, aparentemente apoia a cultura e seu funcionamento de economia.
Talvez por razões semelhantes, a evitação experiencial seja frequentemente ampliada pela comu-
nidade social/cultural, para vender produtos ou controlar o comportamento das pessoas. A ideia
de que humanos saudáveis não têm dor psicológica (p. ex., estresse, depressão, memórias trau-
máticas) pode ser usada por interesses econômicos para especificar ações que devem ser tomadas
para evitar eventos privados negativos – ações que produzem ganhos para aqueles que propagam
a regra. Soluções evitativas, como consumismo irracional ou uso de álcool, são frequentemente
modeladas em programas de televisão e comerciais. A generalização do “sentir-se bem”, na cul-
tura ocidental, vende. Não apenas devemos nos sentir bem; temos o direito de nos sentir bem!
Infelizmente, parece que o objetivo de se livrar de sentimentos difíceis costuma estar
no cerne do modelo de saúde mental. Os próprios nomes de nossos distúrbios e tratamentos
revelam essa conexão (p. ex., transtornos de humor, transtornos de ansiedade). Diagnostica-
mos distúrbios com base na presença de configurações particulares de eventos e experiências
particulares. Por exemplo, pensamentos autocríticos, pensamentos suicidas e sentimentos de
fadiga fazem parte da depressão. Em seguida, construímos tratamentos projetados para elimi-
nar esses sintomas, ostensivamente com o objetivo de devolver uma boa saúde para a pessoa.
Infelizmente, tudo isso tem o risco de alimentar a mensagem do “estar sempre bem”. Talvez
como reflexo dessa convenção cultural, uma em cada quatro mulheres com mais de quarenta
anos nos Estados Unidos toma antidepressivos, um número impressionante, dado o estado
da ciência para esses medicamentos, o que sugere que seus benefícios geralmente superam os
riscos de depressão grave (Pratt, Brody, & Gu, 2011).
Fusão cognitiva
Em termos gerais, a fusão cognitiva refere-se à tendência dos seres humanos de serem fisgados
pelo conteúdo que estão pensando, de modo que elas prevaleçam sobre outras fontes úteis de
regulação comportamental. Por “pensamento” entendemos qualquer coisa que seja simbólica
ou relacional no sentido arbitrariamente aplicável (ver sobre RFT); isso inclui, por exemplo,
palavras, gestos, pensamentos, sinais, imagens e algumas propriedades das emoções.
A palavra fuse, de origem latina, significa “derramar”. Metaforicamente, é como se o con-
teúdo da cognição e o mundo sobre o qual estamos pensando sejam derramados juntos até que
34 Os seis processos centrais da ACT e seus respectivos aspectos
sejam um, da mesma maneira que água, suco de limão e açúcar podem ser despejados juntos
em um copo, formando, assim, uma limonada. Mas quando o pensamento e o mundo sobre o
qual estamos pensando são tratados como uma coisa, os hábitos de pensamento podem ditar
como reagimos ao mundo. Dessa forma podemos não perceber, mas os pensamentos criam
estruturas que são impostas ao mundo por um processo ativo – é algo que fazemos.
Há muito se sabe que o comportamento controlado por algumas regras verbais tende
a ser rígido e inflexível (Hayes, 1989). A maioria das formas de intervenção psicológica
percebe isso e, seguindo um caminho lógico, tenta resolver o problema alterando as regras
verbais (isto é, alterando os pensamentos). Infelizmente, isto pode falhar em abordar o
cerne do problema. Não é que uma regra incorreta esteja sendo usada, mas sim um evento
sendo interpretado verbalmente. São duas coisas que parecem ser uma: o evento e a inter-
pretação do evento. Confundimos o significado dos pensamentos com os eventos literais
pensados, perdendo o processo contínuo de pensar em si. Do ponto de vista da ACT/
RFT, não é o que achamos que é o mais problemático; é como nos relacionamos com o que
pensamos.
Imagine que os pensamentos são como um par de óculos escuros que você esqueceu que
estava usando. Eles colorem sua visão do mundo, e você não percebe isso. O problema é que
os pensamentos ficam livres para apresentar a você um mundo estruturado através do pensa-
mento – um mundo visto através da cor dessas lentes. Você não está lidando com o mundo
como ele é diretamente experenciado, e não percebe que o está modificando “verbalmente”.
Por exemplo, quando as pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo pensam: “Se eu não
lavar as mãos, minha família ficará contaminada”, elas podem ficar tão focadas no mundo co-
lorido por esse pensamento que nem parece que estão lidando com um pensamento. Eles estão
lidando com a contaminação e suas consequências (p. ex., que sua família vai morrer), não com
um pensamento.
Toda a linguagem ocorre em um contexto e a linguagem e cognição têm apenas funções
particulares em contextos particulares. O pensamento simbólico é tão amplamente útil para a
solução de problemas e para o nosso sucesso na adaptação ao meio, no entanto, a evolução cul-
tural ampliou demais os contextos que atribuem à linguagem automaticamente suas funções.
É claro que, para fins mais práticos, é útil tratar as palavras como se elas fossem exatamente o
que elas dizem que são. Quando você pensa em caminhar na praia, geralmente não faz mal ex-
perimentar reações semelhantes às de uma caminhada real na praia, mas de uma forma menos
vívida. Você pode “ver” a água na sua mente e “sentir” o vento na pele. Portanto, em parte de-
vido ao treinamento social, normalmente vemos o mundo do ponto de vista dos pensamentos,
em vez de observá-los diretamente. Isso é bom para atividades como pagar impostos, consertar
um carro ou plantar. No entanto, muitas vezes não é tão útil para coisas como apreciar um pôr
do sol ou descobrir como obter paz de espírito.
Pense no exemplo anterior de se perguntar como escapar de uma sala trancada. Se você
realmente se envolveu na tarefa, provavelmente não estava ciente do que estava fazendo fisica-
mente no momento. Você provavelmente não notou o pé ou a cadeira em que estava sentado,
nem a textura e a cor do papel em que essas palavras estão escritas. Seu foco atencional se
estreitou: você estava focado em planejar sua fuga.
É o que acontece com a fusão cognitiva. Construções verbais/cognitivas substituem o
contato direto com eventos. Esquecemos que estamos interagindo com os pensamentos, e
não com a coisa real. O passado pode parecer como se estivesse ocorrendo agora, embora já
tenha passado há anos. O futuro pode se tornar presente aqui e agora, mesmo que esteja lá
Aprendendo ACT 35
adiante. O momento presente é perdido para o foco da mente no passado e no futuro. Estamos
constantemente interagindo com o mundo como organizando cognitivamente – sem perceber
que o estamos constantemente organizando.
Quando um cliente deprimido imagina como ele ou ela pode desmoronar por causa do
estresse do trabalho, essa pessoa aparentemente está lidando com o problema de literalmente
desmoronar, assim como, anteriormente, você aparentemente estava lidando com o problema
de uma sala trancada. Se as funções literais desse pensamento dominam todas as outras funções
possíveis, a questão pode se tornar como evitar desmoronar, e não milhares de outras respostas
possíveis ou problemas situacionais. Assim, a flexibilidade psicológica e comportamental se
perde. Isso pode resultar no cliente não trabalhar, dormir demais ou se afastar dos desafios ou
colegas de trabalho, ou simplesmente não ir trabalhar – todos os comportamentos típicos que
fazem parte do que chamamos de “depressão”. O perigo é que, quando uma pessoa se fusiona
com o conteúdo verbal, esse conteúdo pode ter domínio quase total sobre o comportamento
da pessoa, limitando outras fontes possíveis de influência, como o terapeuta, repertórios ver-
bais novos, mas ainda fracos ou contingências diretas no ambiente.
A super extensão da linguagem possui várias fontes contextuais importantes. Inicialmen-
te, a linguagem começa dentro de um contexto de literalidade, que é o contexto social/verbal
que estabelece certos sons que ouvimos (a palavra falada “limão”) e certas imagens que vemos
(uma imagem de limão) como palavras ou pensamentos com significado. A comunidade so-
cial expande esse repertório de outras maneiras também. Por exemplo, a maioria das crianças
é exposta a demandas precoces para justificar e explicar suas ações. Isso ajuda a comunidade
social/verbal a ter acesso às habilidades de raciocínio das crianças e ajuda a manter as ações
das crianças dentro dos limites do que pode ser justificado verbalmente em uma comunidade
cultural. Espera-se que crianças e adultos tenham motivos para justificar e explicar suas ações.
Elas geralmente assumem a forma de declarações verbais de causa e efeito, como dizer: “Fiquei
na cama porque estava deprimido”.
Infelizmente, esse contexto de literalidade também tende a apoiar a ideia de que razões
são causas literais; por exemplo, pensamos que a depressão gerou a ação de ficar na cama. Afinal,
essa noção de causa literal é o que responde aos “porquês?”. De fato, os porquês verbalmente
construídos são considerados “reais” simplesmente porque a comunidade verbal os trata dessa
maneira. Razões que começam como explicações para o comportamento mais tarde passam a
exercer controle sobre o nosso comportamento por causa desse contexto social de dar explica-
ções. Nossas vidas se enredam com uma rede cada vez maior de formulações verbais, à medida
que todos os aspectos de nossas vidas são analisados e categorizados.
Além disso, muitas respostas para o porquê das perguntas apontam para experiências
particulares, que as pessoas não conseguem controlar. Por exemplo, pessoas podem perder reu-
niões “porque eu esqueci”, ou evitar tarefas “porque tenho medo”. Essa formulação raramente
é contestada. É quase rude perguntar: “Por que você esqueceu?” ou “Por que você sentiu
medo e ainda assim fez?” Assim, o contexto de dar explicações rapidamente se expande para
um contexto de controle experiencial. O próximo passo lógico é tentar remover experiências
privadas problemáticas para obter mais controle comportamental como, por exemplo, livran-
do-se do esquecimento e do medo. A cultura ocidental dominante nos ensina que experiências
privadas podem ser perigosas e, portanto, precisam ser controladas. Por exemplo, pense no pai
que diz ao filho: “Não tenha medo. Somente os bebês têm medo”.
Dessa forma, a fusão cognitiva é combinada com mensagens culturalmente aceitas sobre
o efeito causal de eventos privados, sua natureza perigosa e a necessidade e suposta capacida-
36 Os seis processos centrais da ACT e seus respectivos aspectos
de de controlá-los. Por exemplo, uma pessoa que pensa “Eu vou desabar” acreditará que esse
pensamento faz parte do processo de literalmente desabar – pensamentos são causas. Ensi-
nam-nos coisas como “Ansiedade é ruim”, como se os sentimentos fossem perigosos. Quando
jovens, nos dizem: “Pare de chorar ou eu lhe darei um motivo para chorar”, como se o controle
emocional fosse razoável e óbvio. Seria interessante se, quando crianças, pudéssemos respon-
der ao adulto e mostrar a impossibilidade do comando dizendo: “Pare de ser incomodado pelo
meu choro ou darei a você motivo para se incomodar”.
Todos esses aspectos culturais discutidos servem apenas para dar aos pensamentos um
efeito ainda mais dominante em relação às nossas ações.
Atenção inflexível
Vivemos nossas vidas dentro do momento presente por uma razão simples: não há outro lu-
gar para a vida acontecer. Apesar disso, fusão e evitação tendem a aumentar a atenção para o
passado e o futuro, conceitualizados na forma de ruminação e preocupação, respectivamente.
Isso é problemático, reduzindo nossa capacidade de consciência contínua e flexível sobre o
que o ambiente externo proporciona e, dessa forma, diminuindo nosso conhecimento sobre o
que estamos sentindo, pensando, percebendo e lembrando no momento. Isso nos torna menos
sensíveis às possibilidades inerentes ao nosso ambiente e pode se manifestar em problemas
como a alexitimia – uma incapacidade de identificar ou perceber o que estamos sentindo.
Quando o passado ou o futuro conceitualizados dominam a consciência do momento
presente, o comportamento tende a ser controlado por pensamentos e reações condicionados,
resultando em mais do mesmo comportamento que ocorreu no passado. Novas possibilidades
são encerradas. Sonhar acordado substitui a ação efetiva. Dissecar cada pequeno dano atra-
palha a intimidade e conexão com o momento. A atenção se torna mais rígida e programada,
reduzindo ainda mais a variação saudável de comportamento.
Apego à conceitualização referente ao eu e aos outros
Provavelmente, nada é tão grande como um foco de processos verbais de um indivíduo. Desde
muito cedo, se fazem muitas perguntas para as crianças sobre elas mesmas, como quantos anos
elas têm, do que gostam, o que querem ser quando crescerem e do que gostam na escola. As
crianças são atormentadas a responder “Por que?”, como se as respostas já estivessem disponí-
veis e apenas a timidez ou a relutância as impedissem de dar respostas completas e reveladoras.
De fato, as crianças têm pouco a dizer a princípio, sobre tais coisas. As perguntas “Por que” são
frequentemente respondidas com honestidade com a resposta “porque sim” e outras perguntas
complicadas sobre autoconhecimento podem provocar um “Eu não sei” igualmente honesto.
Eventualmente, no entanto, as crianças aprendem a contar histórias mais coerentes e envolven-
tes para explicar seu comportamento de uma forma mais aceitável para os outros. O passado é
formulado e descrito. O futuro é previsto e avaliado. Dentro desse processo de narrativa, existe
um eu conceitualizado ou eu-como-conteúdo: o indivíduo e seus atributos são descritos e analisados.
Como as crianças aprendem rapidamente que mudar de história sem um bom motivo é causa
de desaprovação, as histórias se tornam mais estáveis ao longo do tempo. O eu conceitualizado
cria estabilidade no comportamento, para o bem e para o mal. Quando um cliente entra em
terapia, esse processo cria uma teia de aranha de categorias, interpretações, avaliações e expec-
tativas em relação a si mesmo. Frequentemente, essas histórias sobre si mesmo, “baseadas no
ego”, tornam-se eventos a serem defendidos, tornando a mudança ainda mais difícil.
Aprendendo ACT 37
Temos histórias para contar sobre o que fizemos e do que gostamos, sobre por que temos
problemas e o que funcionaria como soluções e sobre como somos e como diferimos dos ou-
tros. Normalmente, em todas essas histórias tem alguma verdade. O problema é que a verdade
sobre a qual estamos falando não é necessariamente útil; ao contrário, é uma verdade que pode
ser justificada porque reflete a relação entre as formulações verbais e os fatos supostamente
objetivos do assunto. Em outras palavras, essas histórias são consideradas verdadeiras porque
estão “certas”, não necessariamente porque são úteis na vida.
Considere uma cliente típica que vem dizendo: “Eu sou agorafóbica. Eu sou assim há
doze anos, desde que meu marido me bateu e depois me abandonou com meu filho de dois
anos. Meus pais tentaram ajudar, mas eles eram tão críticos que só pioraram a situação. Desde
então, tenho tido uma ansiedade terrível. Como resultado, não consigo funcionar e estou com
muito medo de lidar com isso. Estou pensando na minha ansiedade o tempo todo”. Todos
esses eventos podem ser 100% verdadeiros, mas o mais importante é que a pessoa se fusionou
com uma história focada em si mesma e está tentando resolver problemas nessa história. Em
vez de um ser humano flexível e complexo, estamos lidando com uma caricatura criada por
ela mesma: “Eu sou agorafóbica”. Em vez de dizer algo como “Eu sinto medo”, é como se ela
estivesse dizendo “Eu sou uma categoria de diagnóstico”. Na declaração “Eu sou tão medroso”,
a palavra “tão” implica que “quem eu sou” é de alguma forma ilegítimo.
O problema é que soluções reais podem não existir nessa história e, ainda assim, a histó-
ria é tão bem elaborada que todas as formas possíveis de sair dela seriam consideradas nulas.
O eu conceitualizado tornou-se estreito e aprisionado e padrões inflexíveis de comportamento
são o resultado inevitável disso.
Construímos histórias não apenas sobre nós mesmos, mas também sobre os outros. As-
sim como podemos nos envolver com um eu conceitualizado, também podemos nos envolver
com conceitualizações dos outros. Podemos ficar tão envolvidos em nossas histórias, avalia-
ções e julgamentos sobre outras pessoas que somos incapazes de responder de maneira flexível
a eles ou de ter uma empatia precisa com a experiência deles. Esse processo está no centro da
objetificação, desumanização e preconceito; de fato, a fusão com histórias imprecisas sobre as
intenções, sentimentos e pensamentos de outras pessoas geralmente contribui muito para as
dificuldades interpessoais. Em um nível básico, essas histórias sobre si e sobre os outros inter-
ferem em nossa capacidade de formar relacionamentos cooperativos e solidários.
Aceitação
A aceitação de eventos privados é ensinada como uma alternativa à evitação experiencial. Abran-
ge o envolvimento ativo e consciente de eventos privados que são ocasionados por nossa his-
tória, sem tentativas desnecessárias de mudar sua frequência ou forma, especialmente quando
isso causaria danos psicológicos. Por exemplo, os clientes que experimentam ansiedade são
ensinados a sentir ansiedade como um sentimento, total e sem defesa e a deixar de lado sua
luta contra a dor psicológica.
A aceitação, na ACT, não é um fim em si. Pelo contrário, a aceitação é promovida como
um método para aumentar a ação baseada em valores. Os métodos de aceitação na ACT en-
volvem exercícios que incentivam uma interação rica e flexível com experiências anteriormente
evitadas. Por exemplo, as emoções são transformadas em objetos descritos, as reações comple-
xas são divididas em elementos experienciais e é dada atenção a aspectos relativamente sutis
de um evento evitado. Até certo ponto, parecem exercícios de exposição, mas com o objetivo
adicional de aumentar a disposição e a flexibilidade de resposta, em vez de necessariamente,
diminuir a resposta emocional.
Quando a aceitação é dimensionada para o nível do relacionamento terapêutico, é im-
portante que os terapeutas aceitem e modelem a aceitação quando seus próprios momentos
difíceis entram em terapia. A aceitação também pode ser escalada para casais, famílias ou ou-
tros grupos, incentivando a compaixão pelos outros, e é por isso que existe uma aliança natural
entre a ACT e as terapias voltadas para a compaixão.
Desfusão cognitiva
A ACT é uma das terapias cognitivas e comportamentais, mas como outras abordagens chama-
das de TCC de terceira geração (Hayes, 2004), não adota o princípio central da TCC tradicional,
ou seja, que modificar pensamentos distorcidos ou irreais é um precursor necessário para mu-
dança de comportamento. Essa afirmação central da TCC tradicional recebeu apoio empírico
muito limitado (Chawla & Ostafin, 2009). Do ponto de vista da RFT, isso não é surpreendente.
Do ponto de vista da RFT, o problema é o seguinte: os esforços para mudar as redes relacionais
(ou seja, padrões de pensamento) geralmente expandem essas redes e tornam o evento (p. ex.,
o pensamento ou a emoção) no qual a pessoa está focada ainda mais importante. Em termos
técnicos, um contexto relacional geralmente também é um contexto funcional.
Geralmente, os clientes são excessivamente focados em experiências privadas negativas.
Como efeito, eles estreitaram seu repertório comportamental. Focar ainda mais atenção nessa
área pode não ser o mais útil possível. O trabalho de alterar permanentemente e completa-
mente o conteúdo cognitivo é difícil porque os pensamentos são históricos, frequentemente
automáticos e, em áreas clínicas relevantes, geralmente bem estabelecidas. Alterá-los pode levar
muito tempo, mesmo quando bem-sucedido, e eles ainda não desapareceram – como mostra
a tendência das redes verbais/cognitivas mais antigas de ressurgirem sob estresse (Wilson &
Hayes, 1996).
Além disso, os clientes geralmente estão bastante dispostos a tentar suprimir ou eliminar
pensamentos e sentimentos negativos e podem muito bem já ter tentado fazê-lo; no entanto,
isso geralmente tem efeitos paradoxais, às vezes aumentando a frequência e a intensidade dessas
experiências, bem como seu poder de regular o comportamento (Wenzlaff & Wegner, 2000).
Embora as técnicas de mudança cognitiva normalmente não sejam supressivas, essa tendência
Aprendendo ACT 41
torna o uso destas estratégias mais arriscado. Pouquíssimos dados sugerem que disputas e mu-
danças cognitivas são úteis ou um caminho fundamental para a mudança de comportamento;
até o momento, estudos sugerem que esses métodos são relativamente inertes ou, em alguns
casos, até prejudiciais (Dimidjian et al., 2006).
A RFT sugere uma abordagem diferente: que não precisamos mudar o conteúdo dos
pensamentos para mudar as funções dos pensamentos em nossas vidas. Os contextos sociais
e culturais de literalidade, fundamentação e controle emocional normalmente determinam as
funções dos pensamentos sobre os comportamentos. Em contextos como esses, os efeitos do
pensamento sobre a ação são como máquinas. Isto é, pensamentos ou sentimentos parecem
causar ações, assim como uma bola de bilhar que bate em uma segunda fazendo com que ela
se mova. No cenário culturalmente normativo, para mudar a ação, devemos mudar o pensa-
mento. No entanto, com uma visão contextual, podemos ver que os efeitos do pensamento são
apenas mecânicos: eles parecem causar ações, mas na verdade não. Em vez disso, pensamentos
particulares estão vinculados a ações ou pensamentos específicos apenas dentro de um determinado
contexto. Assim, ao criar outros contextos (p. ex., por meio de desfusão ou aceitação), o impacto
dos pensamentos pode ser alterado sem primeiro ter que mudar sua forma. Não há necessida-
de de mudar certos pensamentos. De fato, estudos sugerem que estratégias contextuais podem
levar mais rapidamente a mudanças duradouras de comportamento do que estratégias direcio-
nadas diretamente ao conteúdo de pensamentos e sentimentos (para uma metanálise recente de
estudos de componentes desse tipo, ver Levin, Hildebrandt, Lillis, & Hayes, 2012).
Do ponto de vista da ACT, quando os clientes lutam com suas próprias experiências
particulares como se suas vidas dependessem disso (como parece ser o caso quando os pen-
samentos são tomados literalmente) e criam histórias para justificar e explicar suas ações, o re-
sultado pode ser uma amplificação do sofrimento e rigidez da resposta, que podem ser difíceis
de superar. Uma das principais razões para esse efeito é que esses esforços criam contextos
difusos e rígidos de literalidade, fundamentação e controle emocional. São esses contextos que
as técnicas da ACT visam.
Desfusão é uma palavra inventada que significa “desfazer a fusão”, refere-se ao processo
de criação de contextos não literais, nos quais a linguagem pode ser vista como um processo
relacional ativo, contínuo, processo relacional de natureza histórica e presente na atualidade.
Em termos menos técnicos, isso significa observar pensamentos com uma atitude de curio-
sidade e imparcial, desapegada. Linguagem e pensamento sempre podem ser observados no
momento como linguagem e pensamento: podemos observar o que a mente diz, em vez de
ser um escravo dela. Uma palavra é vista como uma palavra, não como o que parece significar.
Criar esse contexto não literal reduz a relação com o pensamento, criando maior flexibilidade.
Não precisamos ser guiados por nossas palavras ou deixá-las ditar nosso comportamento.
A desfusão é talvez um dos recursos mais exclusivos da ACT. Dezenas de técnicas de des-
fusão foram desenvolvidas para uma ampla variedade de apresentações clínicas. Por exemplo,
um pensamento negativo pode ser observado com imparcialidade, repetido em voz alta até que
se torne apenas um som, desprovido de significado. Também pode ser tratado como um evento
observado externamente, dando-lhe uma forma, tamanho, cor, velocidade ou outros atributos.
O resultado da desfusão é geralmente uma diminuição na credibilidade ou apego ao pensamento,
em vez de uma mudança imediata em sua frequência. Além disso, a desfusão não é um processo
de eliminação do pensamento ou do impacto dos pensamentos. O objetivo é ter uma perspectiva
mais consciente dos pensamentos, o que aumenta a flexibilidade comportamental vinculada aos
valores escolhidos. Não estamos falando de desatenção, intuição ou eliminação da racionalidade.
42 Os seis processos centrais da ACT e seus respectivos aspectos
Estar presente
A ACT promove contato contínuo e sem julgamento com eventos psicológicos e ambientais à
medida que ocorrem. O objetivo é a consciência do momento presente, na qual a atenção é direcio-
nada ao aqui e agora de uma maneira flexível, fluida e intencional. Quando em contato com o
momento presente, os seres humanos são flexíveis, receptivos e conscientes das possibilidades
e oportunidades de aprendizado oferecidas pela situação atual. Comparada a viver presa no
passado ou em um futuro conceitualizado, a percepção do momento presente é mais direta e
responsiva e menos conceitual e fusionada. Sem contato adequado com o momento presente,
o comportamento tende a ser mais dominado pela fusão, evitação e racionalização (no sentido
de dar razões/explicações) e, portanto, normalmente resulta em mais do mesmo comporta-
mento que ocorreu no passado. Novas possibilidades são encerradas.
Na ACT, estar presente está ligado ao desenvolvimento de um senso de eu chamado de
eu-como-processo (Hayes et al., 2012) – um hábito de autoconsciência aberta que se caracteriza
pela descrição contínua e sem julgamento de pensamentos, sentimentos e outros eventos priva-
dos, de forma desfusionada e sem julgamentos. Um senso de atenção plena também é incenti-
vado, para que as pessoas possam perceber mais completamente o rico conjunto de interações
oferecidas em um determinado momento.
Quando dimensionada socialmente, a consciência do momento presente contribui para
uma atmosfera na qual o processo contínuo no relacionamento terapêutico é percebido e usa-
do como base para o trabalho de flexibilidade. O terapeuta e o cliente são chamados a estar
presentes e a prestar atenção ao que for importante.
Além disso, como os limites da consciência e da atenção não podem ser contatados den-
tro delas próprias, a linguagem humana leva a um senso de transcendência, um aspecto espi-
ritual da experiência humana normal. A linguagem é uma faca de dois gumes – e facilitar esse
senso de transcendência é uma de suas características mais positivas. Estabelecer esse senso
transcendente do eu também pode ser útil para diminuir o apego ao conteúdo. Estabelecer
esse senso transcendente de si também pode ser útil para diminuir o apego ao conteúdo. Essa
ideia foi uma das sementes das quais tanto a ACT quanto o RFT cresceram (Hayes, 1984) e há
evidências de sua importância para as funções da linguagem subjacentes a fenômenos como
empatia, compaixão e teoria da mente (para um livro de revisão, ver McHugh & Stewart,
2012). Na ACT, um senso transcendente do eu é importante, em parte porque desse ponto
de vista as pessoas podem estar cientes de seu fluxo contínuo de experiências sem se apegar
a elas. A desfusão e a aceitação são assim promovidas por esse lado naturalista e espiritual da
experiência humana.
A outra razão pela qual o eu-como-contexto e a tomada de perspectiva são críticos para
a ACT é que eles são uma fonte primária da extensão social do modelo. As três principais
molduras de tomada de perspectiva na RFT são: eu versus você, aqui versus lá e agora versus de-
pois. Essas molduras são fundamentais para o modo como as pessoas desenvolvem um senso
consistente de perspectiva e uma consciência de que sua perspectiva é diferente da dos outros.
Todos as molduras relacionais são bidirecionais, portanto aprender a olhar o mundo do pon-
to de vista de eu-aqui-agora necessariamente dá às pessoas a capacidade de ver o mundo do
ponto de vista de você-lá-depois. Metaforicamente, você consegue entrar atrás dos seus olhos
como um membro consciente do grupo, ao mesmo tempo que percebe que os outros também
estão conscientes por trás dos olhos deles. Um senso de tomada de perspectiva nos liga às
perspectivas dos outros e às perspectivas de outros tempos e outros lugares. Essa expansão da
consciência é o motivo pelo qual o eu contextual é fundamental para experiências de espiritua-
lidade e transcendência (Hayes, 1984), empatia, compaixão e autocompaixão. Essas capacida-
des humanas são parcialmente não verbais (o efeito dos neurônios-espelho, por exemplo), mas
são grandemente amplificadas por relações verbais agora conhecidas por apoiar a tomada de
perspectiva (McHugh & Stewart, 2012).
Definir direções baseadas em valores
Os processos de flexibilidade descritos anteriormente têm como objetivo principal en-
fraquecer a linguagem temporal e avaliativa em áreas da vida em que essas formas de lin-
guagem são relativamente ineficazes. Os processos de esclarecimento de valores e ações
de compromisso (discutidos a seguir) concentram-se no fortalecimento da linguagem nas
áreas em que é mais provável que a linguagem seja efetivamente aplicada. A ACT pede
que nos afastemos dos problemas cotidianos da vida e vejamos o que dá sentido a ela,
procurando as melhores possibilidades que dignificam nossas lutas e podem gerar ações
construtivas.
Valores são qualidades de ações escolhidas que nunca serão obtidas como um ob-
jeto, mas podem ser representadas momento a momento. São combinações de verbos e
adjetivos e não de substantivos (p. ex., relacionar-se amorosamente ou participar hones-
tamente). A ACT usa uma variedade de exercícios para ajudar os clientes a escolher as
direções de vida valorizadas em vários domínios (p. ex., família, carreira, espiritualidade),
ao mesmo tempo em que enfraquece os processos verbais que podem levar a escolhas
44 Os seis processos centrais da ACT e seus respectivos aspectos
Ação comprometida
Por fim, a ACT incentiva o desenvolvimento de padrões cada vez maiores de ações eficazes,
vinculados aos valores escolhidos. As raízes latinas da palavra “compromisso” envolvem um
sentimento de levar algo adiante “com” um “envio” ou uma “missão”. Desta forma, ação com-
prometida significa simplesmente adotar uma vida baseada em valores como uma missão na
qual o estabelecimento de padrões cada vez maiores de ação, vinculados aos valores escolhidos,
é valorizado.
Dentro dessa missão, o “como” da construção de hábitos pode, então, ser um foco que
tem significado. Quando ocorre um deslize, as pessoas têm a opção de fazer uma nova escolha:
construirão um padrão de valorizar, deslizar e depois abandonar a missão, ou construirão um
padrão de valorizar, deslizar e se comprometer com a missão mais uma vez? Planejar esses mo-
mentos e organizar o ambiente de alguém para promover escolhas baseadas em valores nesses
momentos é o que parece ser a ação comprometida.
Nesse trabalho, os terapeutas da ACT podem tirar proveito de qualquer processo
baseado em evidências conhecido por promover a mudança de comportamento: exposi-
ção, aquisição de habilidades, métodos de modelagem, estabelecimento de metas ou qual-
quer outra coisa. Além disso, foi demonstrado que os processos de flexibilidade podem
amplificar o impacto desses métodos de mudança de comportamento (p. ex., Arch et al.,
2012).
Diferentemente dos valores – que são constantemente instanciados, mas nunca alcança-
dos como um objeto – objetivos concretos, consistentes com valores podem ser alcançados.
Os protocolos da ACT quase sempre envolvem trabalhos de casa vinculados a mudanças de
comportamento de curto, médio e longo prazo. Os esforços de mudança de comportamento,
por sua vez, levam ao contato com barreiras psicológicas, que são abordadas por outros pro-
cessos de flexibilidade (p. ex., aceitação, desfusão).
Quando socialmente ampliada, a ação comprometida envolve apoiar os compromissos
dos outros. Como resultado, a pesquisa da ACT naturalmente atraiu o trabalho em áreas re-
lacionadas à justiça social, em parte porque ver o sofrimento nos outros exige uma resposta.
permitir. Em outras palavras, o compromisso – a missão – não é para uma forma específica de
ação; é para uma função ou qualidade de ação subjacente que fortalece a vida de outras pessoas.
Este pilar garante que passos saudáveis sejam selecionados e mantidos.
Portanto, é natural vincular o modelo da ACT a questões como preconceito, necessidades das co-
munidades subdesenvolvidas em todo o mundo, preocupações ambientais e direitos dos animais.
Em resumo, a flexibilidade psicológica é um conceito expansivo, que agrupa conceitos pa-
ralelos na parentalidade, nos relacionamentos e nas organizações. E, de fato, medidas de flexibili-
dade estão surgindo em todas essas áreas. Além disso, essa qualidade expansiva agora está sendo
expressa em esforços organizados para desenvolver novas aplicações da ciência comportamental
contextual que combinam métodos da ACT com princípios de desenvolvimento de grupo, como
os princípios dos projetos ganhadores do Prêmio Nobel de Elinor Ostrom, no método PRO-
SOCIAL de promover a eficácia do grupo (http: //www.prosocial.world [conteúdo em inglês]).
Para uma visão geral da pesquisa sobre a ACT, consulte Hooper & Larsson (2015).
Para uma visão geral introdutória da RFT, a teoria da linguagem e cognição subja-
cente à ACT, consulte o excelente tutorial on-line de quatro horas disponível gratui-
tamente (em inglês) em http://www.foxylearning.com.
Para uma introdução do livro RFT, leia Törneke (2010).
Para um artigo sobre a relevância dos princípios evolucionistas para a flexibilidade
psicológica e a ciência comportamental aplicada, consulte Hayes, Monestès, & Wil-
son (no prelo).
Para uma descrição do livro da ciência do comportamento contextual, consulte
Zettle, Hayes, Barnes-Holmes, & Biglan (2016).
O modelo hexagonal é uma boa maneira, tanto científica quanto prática, de resumir
os processos que compõem a flexibilidade psicológica, e é por isso que estamos
usando-o na organização deste livro. No entanto, os processos de RFT podem ser
usados diretamente
para organizar o trabalho clínico (ver M. Villatte, Villatte, &
Hayes, 2015), e outras ferramentas clinicamente úteis são amplamente utilizadas da
ACT, como a matrix (Polk & Schoendorff, 2014).